128
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO EDNA MARIA FERNANDES BARBOSA O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO: UMA NOVA LEITURA Recife 2005

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

  • Upload
    dotruc

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

EDNA MARIA FERNANDES BARBOSA

O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO: UMA

NOVA LEITURA

Recife 2005

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

EDNA MARIA FERNANDES BARBOSA

O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO: UMA

NOVA LEITURA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife - Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco como requisito para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Direito Privado Linha de Pesquisa: Transformações Sociais e seus reflexos no Direito Privado Orientador: Prof. Dr. George Browne Rêgo

Recife 2005

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Maria Siméia Ale Girão

Barbosa, Edna Maria Fernandes O princípio da proteção no direito do trabalho brasileiro: uma nova leitura / Edna Maria Fernandes Barbosa.- Manaus, AM : UFAM, 2005. 126 p. ; 30 cm Inclui bibliografia. Dissertação (Mestre. Área de concentração em Direito Privado). Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco. Orientador: Prof. Dr. George Browne Rêgo. 1. Direito do trabalho – Brasil 2. Direitos fundamentais – Brasil 3. Dignidade – Brasil 4. Proporcionalidade (Direito) - Brasil�I. Título

CDU (1997): 349.2(81)(043.3) / B238p

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que
Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Dedico este trabalho aos meus filhos Alex, Alan

e Adriane – amor, sonho e esperança.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

AGRADECIMENTOS

Agradeço inicialmente a Deus pelo dom da vida e pelos ofícios da Magistratura e do

Magistério, responsáveis pela minha insistência na busca do conhecimento.

Agradeço ao meu Orientador Prof. Dr. George Browne Rêgo pela paciência e ajuda,

sempre constantes.

Agradeço ao amigo, colega e mestre Dr. José dos Santos Pereira Braga pelo incentivo

e apoio à minha incessante caminhada em busca do aprimoramento científico.

Agradeço ao Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região pelo apoio institucional à

minha participação no Curso de Mestrado Interinstitucional em Direito.

Agradeço à Universidade Federal do Amazonas, responsável pelo aprendizado, seja na

qualidade de aluna do Curso de Mestrado, seja na condição de professora auxiliar e,

posteriormente, colaboradora, das disciplinas Direito do Trabalho e Direito Administrativo.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membros da corporação e aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travaram uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, outras aberta, uma luta que acabou sempre com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com o declínio comum das classes em luta.

(Karl Marx e Friedrich Engels. Manifesto do Partido Comunista. COSTA, Edmilson (Org.). São Paulo: Edipro, Edição Comemorativa 150 Anos, 1998, p. 68.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

RESUMO

O Direito do Trabalho se vê, na atualidade, diante de uma crise decorrente da globalização da economia e da filosofia neoliberal dos últimos tempos, o que nos leva a refletir sobre a interpretação e a aplicação do Princípio da Proteção ao trabalhador hipossuficiente, em razão das medidas de flexibilização das normas regulamentadoras da relação de emprego existentes no Brasil. Demonstraremos que as inovações introduzidas no ordenamento jurídico contribuem cada vez mais para a prevalência do capital sobre o trabalho; daí a necessidade de uma nova visão do princípio protetivo, na qual devemos afastar o conteúdo patrimonialista que sempre preponderou nas relações de trabalho, para dar lugar à dignidade humana, visando impedir interpretações que acarretem a precarização do trabalho humano, além da diminuição do patrimônio do trabalhador. É nesse cenário que o Direito do Trabalho e o Princípio da Proteção são vistos, sob o prisma de assegurar ao trabalhador uma existência digna, vislumbrando-o não apenas como sujeito de direito, mas como um ser humano que não tem outro recurso para sobreviver além da força de trabalho. É nesse momento de mudanças que devemos primar pelo cuidado de assegurar aos trabalhadores o direito de viver com dignidade, mantendo o padrão de vida conquistado, com direitos mínimos assegurados e que eventuais mudanças no Direito do Trabalho não podem acontecer desprotegendo o trabalhador, mas tendo como centro a sua dignidade.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Princípio da Proteção. Princípio da dignidade da pessoa humana. Leitura.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

ABSTRACT

Labor Law has fallen into a deep crisis due to the economic globalization, neo-liberal philosophy and the need of more flexible labor regulations in Brazil, forcing a reflection over the interprettation and enforcement of the principles that protect workers. This article argues that the innovations in legal standards have contributed to the predominance of capital over labor, and that a complete new approach is essential to ensure the security of workers. It claims it is fundamental to avoid the patrimonial concept which has always prevailed in labor contracts and make sure that human dignity comes first, avoiding the labor standards to be degraded. Labor Law and its principles must guarantee the dignity to workers of making a living, and must see them not only as people who have legal rights, but also as people whose only means of surviving is their worforce. In these changing times it is vital to ensure that workers will have their rights respected, that minimum labor standards will be guaranteed and enforeced and that eventual changes in Labor Law must be protective of core labor rights and workers dignity.

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

ÍNDICE

INTRODUÇÃO: O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO

BRASILEIRO: UMA NOVA LEITURA..........................................................................

11

CAPÍTULO I: OS PRINCÍPIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO.......................... 16

1.1 A definição plural de Princípios...................................................................................... 16

1.2 Juridicidade e variedade de funções que exercem os Princípios..................................... 19

1.3 Ronald Dworkin e Robert Alexy: uma discussão sobre a diferença entre princípios e

regras e a colisão entre princípios.........................................................................................

23

1.4 Os Princípios como pauta de valores para o intérprete................................................... 27

CAPÍTULO II: O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO... 30

2.1 Os Princípios no ordenamento jurídico trabalhista......................................................... 30

2.2 A Proteção como Princípio do Estado Social................................................................. 31

2.3 A proteção do trabalhador em razão de sua hipossuficiência......................................... 33

2.4 O Princípio da Proteção no Direito do Trabalho: relevância, extensão e aplicação...... 39

2.4.1 Relevância.................................................................................................................... 39

2.4.2 Extensão....................................................................................................................... 41

2.4.3 Aplicação..................................................................................................................... 43

2.5 A aplicação do Princípio da Proteção na clássica divisão de Américo Plá Rodrigues... 44

2.5.1 In dubio pro operário................................................................................................... 45

2.5.2 Condição mais benéfica............................................................................................... 47

2.5.3 Norma mais favorável.................................................................................................. 49

CAPÍTULO III: A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO.............................................................

52

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

3.1 O Direito do Trabalho entre a proteção ao empregado e o fomento de postos de

trabalho................................................................................................................................

52

3.2 Desregulamentação e Flexibilização............................................................................... 55

3.2.1 Desregulamentação: ocaso do Direito do Trabalho..................................................... 56

3.2.2 Flexibilização: o perigo da violação do patrimônio jurídico-econômico do

trabalhador............................................................................................................................

57

3.3 O Princípio da Proporcionalidade e sua utilização no Direito do Trabalho

brasileiro...............................................................................................................................

60

3.4 A aplicação do Princípio da Proporcionalidade quando em conflito o Princípio da

Proteção e o Princípio da Autonomia Privada Coletiva........................................................

65

3.4.1 Da adequação das normas protetoras.......................................................................... 68

3.4.2 Da necessidade das normas protetoras......................................................................... 68

3.4.3 Da proporcionalidade em sentido estrito entre Princípio Protetor e Princípio da

Autonomia Privada Coletiva.................................................................................................

70

CAPÍTULO IV: AS NOVAS FORMAS DE TRABALHO E A PRECARIZAÇÃO

DO PRINCÍPIO PROTETOR...........................................................................................

73

4.1 Novas modalidades de prestação de trabalho................................................................. 73

4.1.1 Terceirização: risco de contratação ilegal de mão-de-obra por pessoa interposta....... 76

4.1.2 Cooperativismo: contratação que muitas vezes mascara uma relação de emprego..... 78

4.1.3 Trabalho Voluntário: diminuição das relações de emprego face à graciosidade da

prestação de serviço..............................................................................................................

80

4.1.4 Trabalho em Domicílio: existência estrutural de espoliação do trabalho humano...... 80

4.1.5 Teletrabalho: trabalho em domicílio que exige qualificação profissional do

trabalhador, mas que também traduz espoliação do trabalho humano................................

81

4.1.6 Trabalho informal: estratégia de sobrevivência humana, sem qualquer direito

trabalhista............................................................................................................................

83

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

4.2 Novos tipos de contrato de trabalho................................................................................ 85

4.2.1 Contrato de trabalho provisório: verdadeiro atentado à relação de emprego e ao

Princípio da Proteção............................................................................................................

86

4.2.2 Contrato de trabalho em tempo parcial: distorções que podem ocorrer em sua

aplicação...............................................................................................................................

87

4.2.3 Contrato de trabalho intermitente: sinônimo de eliminação de postos de trabalho..... 88

4.3 Nova realidade no mundo do trabalho e uma nova discussão: a possibilidade de

prevalência do negociado sobre o legislado..........................................................................

89

CAPÍTULO V: O TRABALHO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO

FUNDAMENTOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO..............................

91

5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação entre o homem e a

natureza.................................................................................................................................

91

5.2 Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa............................................................. 93

5.3 Concepções do conceito de dignidade da pessoa humana.............................................. 94

5.4 A dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988.................................. 97

5.5 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Proibição de

Retrocesso Social: garantia constitucional e direito subjetivo do trabalhador.....................

100

5.6 Os direitos sociais como exigência e concretização do Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana.....................................................................................................................

104

CONCLUSÃO: A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO

DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO TRABALHADOR.......................

107

OBRAS CONSULTADAS.................................................................................................. 113

REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 114

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

INTRODUÇÃO

O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO: UMA

NOVA LEITURA

Esta dissertação tem como objetivo analisar a aplicabilidade do Princípio da Proteção

no Direito do Trabalho a partir dos novos paradigmas da ciência jurídica e repensar esse

direito e o seu princípio nuclear em razão dos conflitos que a era pós-moderna suscita,

atentando para a complexidade dessa nova sociedade que exige a superação dos modelos e

paradigmas ainda vigentes, assegurando-se os direitos fundamentais inscritos na Constituição

Federal, em especial, o da Dignidade da Pessoa Humana.

Vem daí o repensar o basilar Princípio da Proteção no Direito do Trabalho, fazendo

uma releitura do mesmo, analisando sua relevância e extensão, bem como suas formas de

aplicação, o que nos remete às três regras (ou subprincípios) clássicas desse princípio, quais

sejam: in dubio pro operario, a norma mais favorável e a condição mais benéfica.

As soluções propostas pelos juslaboralistas para superação da crise que afeta o Direito

do Trabalho, a ponto de se voltar a questionar a aplicabilidade do Princípio da Proteção no

ordenamento jurídico brasileiro, são muitas: desregulamentação, flexibilização das relações de

trabalho e o incentivo à negociação coletiva em detrimento do legislado, dentre outras. Nessa

linha de entendimento, em síntese, o Direito do Trabalho deveria restringir-se à garantia das

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

condições formais para que as partes sociais negociem livremente, sem a intervenção estatal.

Uma das justificativas, da qual não compartilhamos, é a de que o Direito do Trabalho, ao

tentar proteger, na verdade estaria desprotegendo ainda mais o trabalhador, eis que interfere e

impede a livre negociação, daí surgindo o questionamento sobre a pertinência do princípio

protetor como norma laboral. Portanto, ao estudarmos o Princípio da Proteção no Direito do

Trabalho não podemos nos desviar das discussões acerca da função tutelar do Direito Laboral

e a desproteção que resultaria da flexibilização dos direitos dos trabalhadores, nos moldes

pelo qual esta vem se realizando no Brasil.

A análise do tema nos conduz também ao estudo das novas formas de prestação de

trabalho, além dos novos tipos de contratos e a atual discussão sobre a prevalência cada vez

mais forte do negociado sobre o legislado, o que nos leva a uma reflexão sobre a necessidade

da aplicação do Princípio da Proteção no Direito do Trabalho, face à fragilidade do

hipossuficiente empregado, que ainda persiste, diante da superioridade econômica e

hierárquica do empregador, na relação laboral.

Uma das questões que nos inquieta é a ocorrência da precarização das condições de

trabalho imposta ao trabalhador nessa nova realidade laborativa, a ofender o direito maior do

ser humano, a sua própria dignidade.

É nesse sentido que buscamos demonstrar que o Princípio da Proteção informa a

ordem jurídica com base em uma nova idéia: o afastamento do conteúdo patrimonialista, que

sempre preponderou no Direito do Trabalho, em função da dignidade da pessoa do

trabalhador brasileiro.

Para análise do tema proposto, faremos, no Capítulo I, um estudo sobre os princípios

no ordenamento jurídico e sua definição plural, juridicidade e variedade de funções que

exercem, além do posicionamento de Ronald Dworkin e Robert Alexy sobre a diferença e

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

colisão entre princípios e regras, e concluiremos esse capítulo discorrendo sobre a importância

do estudo dos princípios como pauta de valores para o intérprete.

Em seguida, no Capítulo II, analisaremos o Princípio da Proteção no Direito do

Trabalho enfocando a questão da proteção como Princípio do Estado Social e a necessidade

de proteção ao trabalhador em razão de sua hipossuficiência. Faremos, ainda, uma abordagem

da clássica divisão adotada pelo professor uruguaio Américo Plá Rodrigues sobre o Princípio

da Proteção: in dubio pro operario, condição mais benéfica e norma mais favorável.

O Capítulo III contém a análise da aplicabilidade do Princípio da Proteção face à

adoção do ideal neoliberal de que o Direito do Trabalho deveria restringir-se à garantia das

condições formais para que as partes sociais negociem livremente, sem a intervenção estatal.

Dissertaremos sobre a aplicação do Princípio da Proporcionalidade e o Princípio da Proteção,

situando o momento de crise por que passa o Direito do Trabalho no Brasil em razão do

cenário de desemprego que assola o país, o que nos leva à reflexão da proteção ao empregado

e o fomento por novos postos de trabalho. Faremos ainda a análise da possibilidade de

aplicação do Princípio da Proporcionalidade quando em conflito o Princípio da Proteção e o

Princípio da Autonomia Privada Coletiva, ou seja, a possibilidade de prevalência do

negociado sobre o legislado, e, para tanto, abordaremos a aplicação do Princípio da Proteção

mediante a verificação da adequação e necessidade das normas protetoras, além da

proporcionalidade em sentido estrito entre esses dois princípios quando em conflito.

No Capítulo IV estudaremos algumas das soluções propostas pelos juslaboralistas, ou

seja, desregulamentação, flexibilização das relações de trabalho e o incentivo à negociação

coletiva, dentre outras. Para tanto analisaremos as novas modalidades de prestação de

trabalho: terceirização, cooperativismo, trabalho voluntário e em domicílio, teletrabalho e

trabalho informal; e os novos tipos de contrato de trabalho: contrato de trabalho provisório,

em tempo parcial e intermitente.

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

No Capítulo V veremos que o trabalho, sendo fundamento do Estado Democrático de

Direito, tem no homem o seu primado maior, razão pela qual para entendermos a real natureza

do trabalho o tomaremos objetivamente, como processo, a gerar o trabalho produtivo e, por

ter cunho social, o chamaremos de trabalho social, razão pela qual poderemos entender

porque a Constituição Federal está posta na direção da implementação da dignidade do

homem no meio social. O texto constitucional reconhece o trabalho como valor social que, ao

lado da livre iniciativa, constitui fundamento do Estado e da ordem econômica. Daí a

abordagem do tema enfocando a dignidade humana como fundamento maior do Estado

Democrático de Direito por significar não apenas um reconhecimento do valor do homem em

sua dimensão de liberdade, mas também de que o próprio Estado se constrói com base no

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Veremos ainda que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da

Proibição de Retrocessos dos Direitos Sociais consubstanciam garantia constitucional e

direito subjetivo do trabalhador.

Por fim, demonstraremos que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana informa a

ordem jurídica, em especial, o Princípio da Proteção, com base em uma nova idéia: a

priorização da dignidade da pessoa do trabalhador, não mais se aceitando tão somente o

fundamento da existência de desigualdade econômica e jurídica do empregado diante do

empregador.

Assim, no presente estudo, analisaremos a questão visando contribuir para a

construção de um novo tipo de proteção, baseada no princípio constitucional da dignidade do

homem, mais especificamente, da pessoa do trabalhador.

Para alcançarmos o objetivo pretendido, a metodologia a ser utilizada consistirá em

pesquisa investigatória teórica com base na doutrina e na lei, no âmbito do Direito do

Trabalho, da Sociologia e da Filosofia.

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Utilizaremos, como fontes de investigação, a vasta doutrina do Direito do Trabalho

nacional, fazendo incursões na doutrina estrangeira, visando dar suporte às respostas e às

questões norteadoras e objetivos da investigação, além de busca em internet, jornais, revistas

e periódicos que abordem o tema objeto do presente estudo.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

CAPÍTULO I

OS PRINCÍPIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

SUMÁRIO: 1.1. Definição plural de Princípios. 1.2. Juridicidade e variedade de funções que exercem os Princípios. 1.3. Ronald Dworkin e Robert Alexy: uma discussão sobre a diferença entre princípios e regras e a colisão entre princípios. 1.4. Os Princípios como pauta de valores para o intérprete.

1.1 Definição plural de Princípios

O termo “princípio”, por ser equívoco, é empregado com funções diversas no

ordenamento jurídico.

Os princípios são verdadeiras vigas mestras, alicerces sobre os quais se constrói o

sistema jurídico, dando estrutura e coesão ao edifício jurídico (NUNES, 2002, p. 37).

Princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências (ATALIBA, 1985, 38).

Os juristas também utilizam o termo princípios de forma inconstante, a gerar uma

variada gama de conceitos. Tanto é assim que Carrió (1970, p. 33-34) enumera sete sentidos

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

atribuídos ao conceito de princípios no linguajar jurídico, podendo a idéia de princípio estar

ligada:

Com las ideas de “parte o ingrediente importante de algo”, “núcleo básico”, “característica central”; (II) Com las ideas de “reglas, guia, orientación o indicición generales”; (III) Con las ideas de “fluente generadora”, “causa” u “origen”; (IV) Con las ideas de “finalidad”, “objetivo”, “propósito” o “meta”; (V) Con las ideas de “premisa”, “inalterable punto de partida para el razonamiento”, “axioma”, “verdad teórica postulada como evidente”, “esencia”, “propiedad definitória”; (VI) Con las ideas de “regla Práctica de contenido evidente”; “verdad ética incuestionable”; (VII) Con las ideas de “máxima”, “aforismo”, “proverbio”, “pieza de sabiduria práctica que nos viene del pasado y que trae consigo el valor de la experiencia acumulada y el prestigio de la tradición”.1

Diversas são, portanto, as conceituações sobre princípios, sendo de suma importância

ressaltar que qualquer que seja a concepção adotada, mesmo no seu uso comum, será sempre

imprecisa, eis que de uma forma geral indica tanto o início ou a origem, como o fundamento

de algo.

Princípios (do latim principium, origem, começo), no sentido jurídico quer significar o conjunto de regras ou preceitos que orientam e informam o próprio direito. Os princípios jurídicos nem sempre se inscrevem nas leis, senão que pairam elas como regras fundamentais, verdadeiros axiomas derivados da própria cultura jurídica universal (BRAGA, 1991, p. 70).

Diante de tantas significações, entendemos ser necessário, para uma melhor análise da

questão, fixarmos a conceituação mais apropriada a ser utilizada neste trabalho para que

possamos demonstrar a importância do princípio protetor no ordenamento jurídico trabalhista,

objetivo do nosso estudo.

1 Com as idéias de “parte ou ingrediente importante de algo”, núcleo básico”, característica central”; (II) Com as “origem”; (III) Com as idéias de “fonte geradora”, “causa” ou “premissa”, “inalterável ponto de partida para a razão”, “axioma”, “verdade teórica postulada como evidente”, “essência”, “propriedade definitiva”; (IV) Com as idéias de “finalidade”, “objetivo”, “propósito” ou “meta”; (V) Com as idéias de idéias de “regras, guia, orientação ou indicações gerais”; (VI) Com as idéias de “regra prática de conteúdo evidente”; “verdade ética inquestionável”; (VII) Com as idéias de “máxima”, “aforismo”, “provérbio”, “peça de sabedoria que nos vem do passado e trás consigo o valor da experiência acumulada e o prestígio da tradição” (tradução livre da autora).

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Princípio, para fins deste estudo, “entende-se uma proposição ou diretriz geral que

conforma o fundamento do direito, além de inspirar o legislador na edição da norma e o

intérprete em sua aplicação” (ROMITA, 2003, p. 23).

Os princípios correspondem a enunciados genéricos que devem iluminar, tanto o

legislador, ao elaborar as leis dos correspondentes sistemas, como o intérprete, ao aplicar as

normas ou sanar omissões do respectivo ordenamento legal (SÜSSEKIND, 1996, p. 132).

Nessa concepção, sobressai a função interpretativa e integradora dos princípios e a

influência que exercem na produção das normas jurídicas. Os princípios seriam, assim,

“postulados mais gerais e importantes a partir dos quais se devem deduzir todas as normas de

um ordenamento” (GOMES, 2001, p. 24).

Sendo a concepção sobre princípios plural, pode, inclusive, acarretar certos prejuízos à

sua utilização no ordenamento positivo, porém retrata, mais que tudo, a grande importância

destes elementos para o operador do Direito, conforme observa Dworkin (2002, p. 57) ao

discorrer sobre regras e princípios, sustentando que apenas as regras ditam resultados e que ao

se obter um resultado contrário, a regra é abandonada ou mudada. Os Princípios não

funcionam dessa maneira porque eles inclinam a decisão em uma direção, embora de maneira

não conclusiva, sendo que sobrevivem intactos quando não prevalecem.

Seguindo essa linha de entendimento, podemos deduzir pela existência de certa

obscuridade quanto à real posição ocupada pelos princípios no ordenamento jurídico, ou seja:

se os princípios são postulados a partir das quais todas as normas podem ser deduzidas e,

portanto, situam-se fora do ordenamento positivo, ou se são idéias mais gerais induzidas das

próprias normas, mas não são eles próprios normas, ou ainda, se podem ser considerados

normas jurídicas. É nesse sentido que se observa um defeito capital em todos esses conceitos

de princípio, qual seja, a omissão daquele traço que é qualitativamente o passo mais largo

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

dado pela doutrina contemporânea para a caracterização dos princípios, isto é, o traço de sua

normatividade (BONAVIDES, 1994, p. 230).

1.2 Juridicidade e variedade de funções que exercem os Princípios

Os princípios jurídicos são, de um ponto de vista muito geral, as traves mestras do

ordenamento jurídico do país ou de um “ramo dogmático” (SILVA, 1999, p. 11).

Diante desses posicionamentos, temos que as valorações são inevitáveis, mormente

quando ocorrer uma antinomia, uma lacuna ou um caso difícil, sendo melhor que esse

processo seja vinculado a valores sob formas jurídicas, no caso, os princípios.

Proceder à análise da juridicidade dos princípios nos leva, ainda que de forma breve,

ao estudo de sua divisão em três fases: jusnaturalista, juspositivista e pós-positivista,

ressaltando que nenhuma delas está de todo superada.

O Direito Natural concebe os princípios como idéias mais gerais, a partir das quais são deduzidas todas as normas de um ordenamento. Os princípios não são caracterizados como normas jurídicas, mas como “verdades” que se situam acima delas, com fundamentação por vezes mais ética que jurídica. O princípio exprimia o valor justo, o valor conforme a natureza de um homem racional ou as determinações divinas. O princípio protetor seria, como exemplo, a idéia basilar do ordenamento laboral, pois vincularia o conteúdo de todas as outras normas. A proteção ao trabalhador seria o postulado máximo e as normas laborais deveriam ser deduzidas dele (GOMES, 2001, p. 25-26).

Ainda sobre a fase jusnaturalista, os princípios, segundo essa concepção, são

metajurídicos, situando-se acima do direito positivo, exercendo sobre este uma função

corretiva e prioritária, prevalecendo sobre as leis que os contrariam, expressando valores que

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

não podem ser contrariados pelas leis positivas, uma vez que são regras de direito natural

(NASCIMENTO, 1998, p. 287).

Nessa visão, podemos concluir que os princípios fariam parte de um direito

metapositivo, ou seja, não estariam situados no ordenamento positivo, mas constituindo a

fundamentação exterior das normas do sistema jurídico.

A segunda fase surge no século XIX, com o início da construção do modelo

positivista, partindo da crença “na completude e coerência dos códigos e na qualificação da lei

como única fonte de direito” (GOMES, 2001, p. 26). Assim, o princípio seria um conceito

mais geral, podendo ser induzido das normas isoladas, como a idéia comum a todas.

Para o positivismo, os princípios estão situados no ordenamento jurídico, nas leis em que são plasmados, cumprindo uma função integrativa das lacunas, e são descobertos de modo indutivo, partindo das leis para atingir as regras mais gerais que delas derivam, restritos, portanto, aos parâmetros do conjunto de normas vigentes, modificáveis na medida em que seus fundamentos de direito positivo são alterados (NASCIMENTO, 1998, p. 26).

Segundo Kelsen, o senão desta concepção está na incerteza e na insegurança que ela

acarreta, pois não se conhece tais valores absolutos,

não há valores absolutos mas apenas há valores relativos...não existe uma Justiça absoluta, mas apenas uma justiça relativa, que os valores que nós constituímos através dos nossos atos produtores de normas e pomos na base dos nossos juízos de valor não podem apresentar-se com a pretensão de excluir a possibilidade de valores opostos (KELSEN, 1984, p. 104-105).

Portanto, na fase positivista, os princípios, por serem materialmente mais indefinidos

que as leis, têm, na verdade, sua juridicidade atingida, razão pela qual cumpririam uma função

apenas subsidiária às normas legais.

O positivismo também reconhece limitações ao buscar a certeza e a segurança

desejáveis nas relações jurídicas, suprimindo a discussão sobre valores que por serem

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

relativos, não poderiam fundamentar a existência das normas porque apenas a autoridade

fundada em determinada norma poderia servir de base para a validade de outra.

Assim, qualquer discussão acerca de valores, sendo os princípios normas carregadas

de valores, não seria uma discussão jurídica, mas moral. Os princípios exercitavam

unicamente

a função supletiva ou subsidiária, vinculados à questão da capacidade ou suficiência normativa do ordenamento jurídico, conforme a doutrina positivista da compreensão do Direito como mero sistema de leis, com total exclusão dos valores, ou seja, com ignorância completa da dimensão axiológica dos princípios (BONAVIDES, 1994, p.194).

A crítica feita a essa concepção é a de que não se vislumbra essa separação rígida

entre valores e direitos porque, por maior que seja a supremacia de uma concepção formalista

sobre o Direito, os operadores jurídicos nunca deixaram de tratar da justiça, da igualdade, da

liberdade (GOMES, 2001, p. 28). Assim, até mesmo ao declararem estar aplicando

mecanicamente uma lei, sem nenhuma atuação criativa, esta aplicação, inevitavelmente, é

fruto de uma escolha entre os valores que se acham embutidos no sentido daquela norma.

Notamos, porém, a insuficiência de ambas as concepções. Os valores, as exigências

morais, a justiça – todos elementos trazidos pelos princípios – restam excluídos do

ordenamento positivo; ou por se situarem em um direito natural, “conforme a concepção

jusnaturalista, ou por exercerem apenas um papel coadjuvante, secundário em relação às leis,

de acordo com a visão positivista” (GOMES, 2001, p. 28).

Daí a necessidade de se buscar um equilíbrio, razão de ser da concepção pós-

positivista, a qual reconhece a juridicidade dos princípios, trazendo os valores ao âmbito do

conhecimento jurídico e, assim, excluindo-se a visão meramente formal do Direito. O pós-

positivismo representa, precisamente, “[...] a superação dialética da antítese entre o

positivismo e o jusnaturalismo” (SANTIAGO, 1999, p. 51-52), quando se tratam os princípios

como normas jurídicas.

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Segundo a visão pós-positivista, os princípios passam a assumir no ordenamento

jurídico uma importância vital, tanto assim que integram o corpo das Constituições

contemporâneas, surgindo como pontos axiológicos de destaque, fundamentando na

Hermenêutica dos tribunais a legitimidade dos preceitos da ordem constitucional. Na noção

pós-positivista, os princípios são normas gerais.

Os princípios gerais são normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas: se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras [...] Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado; mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas? (BOBBIO, 1982, p. 158-159).

Os princípios também exercem as funções de fundamentar e integrar o ordenamento,

além de serem instrumentos primordiais para a interpretação das demais normas, constituindo

as linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.36).

Temos, portanto, a importância dos princípios no ordenamento jurídico em razão da

variedade de funções que exercem, uma vez que os princípios integram o sistema jurídico

quando atuam como “verdadeiras” normas.

Os princípios interessar-nos-ão aqui, sobretudo na sua qualidade de verdadeiras normas, qualitativamente distintas das outras categorias de normas, ou seja, das regras jurídicas. As diferenças qualitativas traduzir-se-ão, fundamentalmente, nos seguintes aspectos. Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky), a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se.

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais nem menos. Em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas exigências ou standards que, em primeira linha devem ser realizados; as regras contêm fixações normativas definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias. Realça-se também que os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são corretas devem ser alteradas) (CANOTILHO, 1999, p. 1087-1088).

Assim, além do reconhecimento dos princípios como normas, precisamos reconhecer

também a sua juridicidade e compreender qual o tipo de normas que constituem e, nesse

particular, importante salientar também o valor do estudo das obras de Ronald Dworkin e

Robert Alexy2 sobre a diferenciação entre regras e princípios.

1.3 Ronald Dworkin e Robert Alexy: uma discussão sobre a diferença entre princípios e

regras e a colisão entre princípios

Há muitos critérios que podem ser utilizados para diferenciar princípios e regras3.

Trata-se de características vislumbradas nas normas principais que lhes conferem uma função

de estruturação sistemática do conjunto normativo. É exatamente em virtude desta função

interpretativa essencial aos princípios que o exame comparativo entre princípios e regras

devem contemplar a forma com que uns e outros são aplicados.

2 ALEXY, 1997, p. 81-115; DWORKIN, 2002, p.23-135. 3 Cite-se, por exemplo, a generalidade e o caráter fundante dos princípios. Sob a característica da “generalidade”, várias notas são atribuídas aos princípios como categoria normativa diversa das regras. Entre outros, consulte-se CANOTILHO, 1993, p. 166; LAREZ, 1989, p. 579; EWALD, 1993, p.68, e BONAVIDES, 1994, p.239. Para o exame da característica da fundamentalidade, v. também CANOTILHO (op. cit., loc. cit); BONAVIDES (cit.); além de FERRAZ JÚNIOR, 1977, p. 247 e COSTA, 1999, p.316 e ss.

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Busca-se encontrar, na dinâmica de aplicação dos princípios e das regras, um novo

critério de diferenciação, que é, precisamente, “a possibilidade de os princípios colidirem sem

que, ao contrário das regras, a contradição assim verificada determine a invalidade de um ou

de ambos os princípios em choque” (NEGREIROS, 2004, p. 352).

O jusfilósofo norteamericano Ronald Dworkin, sucessor de Herbert Hart na cátedra de

Jurisprudence na Universidade de Oxford, objetiva, fundamentalmente, mostrar as

insuficiências do positivismo (2002, p. 27). Para tanto, valer-se-á, sobretudo, da diferença de

caráter lógico entre princípio e regra. Para Dworkin, o direito é um sistema de regras e

princípios.

Dworkin defende que, nos chamados casos-limites ou hard cases, ou seja, quando os

juristas debatem e decidem em termos de direitos e obrigações jurídicas, eles utilizam

standards que não funcionam como regras, mas trabalham com princípios, política e outros

gêneros de standards (DWORKIN, 2002, p. 27).

Princípios são, segundo este autor, exigências de justiça, de eqüidade ou de qualquer

outra dimensão da moral. Um princípio não determina as condições que tornam sua aplicação

necessária. Muito pelo contrário, estabelece um fundamento que dirige o intérprete em uma

direção, não reclamando uma decisão específica, única. É por essa razão que um princípio,

num caso concreto, diante de outro princípio, não prevalece sobre este, o que não importa

dizer que ele perde a sua condição de princípio, que seja retirado do sistema jurídico.

As regras, ao contrário dos princípios, são aplicáveis na forma do tudo ou nada. Se

ocorridos os fatos estabelecidos pela regra, então ela é válida e, nesse caso, deve-se aceitar a

conseqüência que ela fornece; ou a regra é inválida e, nesse caso, não influi sobre a decisão.

Temos, assim, que dessa primeira diferença decorre uma outra: os princípios possuem

uma dimensão de peso ou de importância que as regras não têm. No caso de conflito entre

princípios, para resolvê-lo é necessário ter em consideração o peso relativo de cada um. Para

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

se resolver o problema, em que se requer a valoração de princípios concorrentes e

controversos, mais que identificar um princípio válido, impõe-se encontrar uma conciliação

entre eles.

Isso não ocorre com as regras, eis que estas não possuem essa dimensão. Não

podemos afirmar que uma regra é mais importante do que outra dentro do sistema jurídico, no

sentido de que, na colisão entre regras, uma prevalece sobre a outra em razão de seu maior

peso. Assim, se duas regras colidem, então uma delas não será válida.

O pensamento de Dworkin é retomado, dentro do sistema da civil law, pelo

constitucionalista alemão Robert Alexy, que considerou o modelo do jusfilósofo americano

demasiado simples e formulou um modelo um pouco diferenciado (ALEXY, 1997, p.99).

Para Alexy, a teoria dos princípios (e a distinção entre princípios e regras) constitui o

marco de uma teoria normativa-material dos direitos fundamentais, o ponto de partida para

responder a indagação acerca da possibilidade e dos limites de racionalidade no âmbito destes

direitos. E será, por conseguinte, a base da fundamentação jusfundamental e a chave para a

solução dos problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais (ALEXY, 1997, p.

81).

Alexy sustenta que o ponto decisivo para distinção entre regras e princípios é que estes

são mandados de otimização, isto é, são normas que ordenam algo que deve ser realizado na

maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, que podem ser

cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento depende não

somente das possibilidades reais, mas também das jurídicas (ALEXY, 1997, p. 86).

As regras, por outro lado, são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Se

uma regra é válida, impõe-se que se faça exatamente o que ela exige. Ela contém, portanto,

determinações no âmbito do fático e juridicamente possível, o que significa que a diferença

entre regra e princípio é qualitativa e não somente de grau (ALEXY, 1997, p. 87).

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

O traço distintivo entre regras e princípios aponta para uma característica desses que é de se destacar: sua relatividade. Não há princípio do qual se possa pretender seja acatado de forma absoluta, em toda e qualquer hipótese, pois uma tal obediência unilateral e irrestrita a uma determinada pauta valorativa – digamos, individual – termina por infringir uma outra – por exemplo, coletiva. Daí se dizer que há uma necessidade lógica e, até, axiológica, de se postular um “princípio de proporcionalidade” para que se possa respeitar normas, como os princípios – e, logo, também as normas de direitos fundamentais que possuem o caráter de princípios -, tendentes a colidir (ALEXY, 1997, p. 105).

É na colisão de princípios e no conflito de regras que a distinção entre regras e

princípios se mostra mais claramente, uma vez que eles diferenciam-se, fundamentalmente, na

forma como se soluciona o conflito.

No caso dos conflitos de regras, este se resolve na dimensão da validez, ou seja, uma

norma vale ou não juridicamente. E se ela vale e é aplicável a um caso, significa que vale

também sua conseqüência jurídica. A colisão de princípios se resolve na dimensão de peso,

exatamente como expressa Dworkin, ou seja, quando dois princípios entram em colisão, um

dos dois tem que ceder frente ao outro porque um limita a possibilidade jurídica do outro, o

que não quer dizer que um dos princípios seja inválido, eis que a colisão de princípios se dá

entre princípios válidos. Para Alexy, os princípios são “mandamentos de otimização”, ou seja,

são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das

possibilidades jurídicas e reais existentes” (ALEXY, 1997, p.88).

Nessa linha de entendimento, a aplicação do princípio não está predeterminada em seu

enunciado, dependendo de ponderações a serem procedidas no momento de sua aplicação

tendo em vista as possibilidades jurídicas e fáticas. As regras, por outro lado, já contêm

determinações, em si, sobre o fático e juridicamente possível, sendo normas que apenas

devem ser cumpridas ou não. Verifica-se, assim, uma natureza conflitual nos princípios,

decorrente de sua abertura.

Essa colisão de princípios e o conflito de regras torna clara a diferença entre eles, eis

que as formas diferenciadas de solução de situações de tensão sinalizam a diferença essencial

entre essas duas espécies normativas.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Temos, portanto, que Alexy não fala em princípio, mas em máxima, porque a

exigência da observância rigorosa da idéia de proporcionalidade é inafastável e divide a

máxima da proporcionalidade em três máximas parciais: a máxima da adequação, a máxima

da necessidade e a máxima da proporcionalidade em sentido estrito.

Na primeira máxima parcial, de adequação, Alexy questiona se a medida é adequada

para obtenção do fim buscado pelo legislador. Na segunda máxima parcial, da necessidade, o

legislador ou administrador não pode tomar medida restritiva de direito fundamental se

existem outras medidas menos gravosas que podem ser adotadas, não se justificando a adoção

da medida restritiva quando se apontar meio igualmente idôneo, porém menos gravoso, para a

consecução do fim desejado. A máxima da proporcionalidade se constitui em verdadeiro

mandamento de ponderação, tratando da possibilidade jurídica de combinação entre o

princípio e outros que aparentam com ele se chocar, ponderando direitos, bens ou interesses.

Retornaremos ao tema da proporcionalidade no capítulo terceiro do presente trabalho.

1.4 Os Princípios como pauta de valores para o intérprete

Do exposto, tem-se que os valores expressos pelos princípios não são, na verdade,

absolutos e universais, conforme concebidos pelo direito natural; são valores relativos e

históricos onde o princípio será aplicado sempre na medida do possível, de acordo com as

possibilidades jurídicas e as possibilidades fáticas.

Os princípios expressam valores que foram consagrados em um dado ordenamento

jurídico. Dessa forma, “quer se entenda o fim do direito como sendo a justiça, a liberdade, o

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

bem comum ou a própria idéia do direito, os princípios vinculam-se ao mesmo, constituindo,

assim, a possibilidade de sua realização positiva” (RÊGO, 1997, p. 120).

Na hermenêutica jurídica, os princípios têm particular importância. Desde o ponto de vista do funcionamento do sistema legal, os princípios são fundamentais para o intérprete, ajudando sua compreensão e servindo de guia ou orientação para aplicar suas disposições (BRAGA, 1991, p. 71).

Os princípios, enquanto valores fundamentais, governam a Constituição, o regime, a

ordem jurídica. Não é apenas a lei, mas o Direito em toda a sua extensão, substancialidade,

plenitude e abrangência (BONAVIDES, 1994, p. 260).

É preciso reconhecer que as normas traduzidas dos princípios representam um

verdadeiro desafio em razão da sua estrutura diferenciada das regras, porém essa distinção

serve de fundamento a uma aplicação específica dos princípios, tornando o processo de

motivação do aplicador do Direito mais claro, mais responsável em relação aos valores,

principalmente aos previstos na Constituição Federal, mais precisamente aos novos e

concernentes ao respeito à dignidade da pessoa humana.

As doutrinas pós-modernas têm como preocupação central proporcionar soluções

jurídicas para casos judiciais em que juízes e advogados não encontrarem na lei uma solução

específica; ou mesmo quando encontrada a solução legal, esta não se adequa ao paradigma de

justiça. Daí a importância da aplicação dos princípios no ordenamento jurídico pelos

operadores do direito, uma vez que, conforme vimos, os princípios fornecem a pauta de

valores nos quais o intérprete deve se basear para solução das questões mais controvertidas,

além de exercerem função de normas de conduta ao regularem o comportamento dos seus

destinatários, possibilitando aos juristas o desenvolvimento, integração e complementação do

direito.

Com o auxílio dos princípios, a interpretação do Direito se modifica para melhor,

enfocando ao aplicador não apenas a localização de uma regra para a sua aplicação imediata,

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

mas, sim, a construção da norma jurídica aplicável ao problema jurídico. Portanto, os

princípios se caracterizam por serem de fundamental importância em relação ao direito

positivo, particularmente para a regulação dos direitos sociais.

Vale salientar, ainda, que os princípios não apenas vinculam a atividade dos

operadores do Direito, como também a do legislador ordinário. A Constituição, a partir do seu

artigo 1º, reconhece uma série de valores que formam o fundamento do Estado brasileiro e

tanto é assim que o legislador infraconstitucional somente pode atuar respeitando os

princípios constitucionais, dentre eles, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, novo

fundamento do Princípio da Proteção no Direito do Trabalho, conforme proposto no presente

estudo.

Por fim, ressaltamos que os princípios revelam sua importância

não apenas na interpretação jurídica, mas em todos os momentos da atividade do operador do Direito, nos quais é preciso solucionar um problema e a aplicação das regras não é suficiente, pois limita em demasia os argumentos a serem utilizados pelo aplicador na consecução dos valores que fundam o próprio sistema (GOMES, 2001, p. 34).

O aplicador do Direito é limitado pelo ordenamento, pelos princípios e regras que o

integram, sendo vários os valores consubstanciados nos princípios, estando estes, entretanto,

limitados pelos textos normativos e pelas demandas sociais.

Certamente grande parte dos casos que são levados ao conhecimento dos operadores

do Direito são solucionados mediante a aplicação de uma regra clara, porém diante de um

caso difícil (hard case), quando o resultado da interpretação não é pacífico ou mesmo diante

de uma antinomia, são necessários outros instrumentos diversos das regras.

Desta forma, o intérprete deve estar sempre atento, na aplicação do Direito, aos

princípios que fazem parte do ordenamento legal.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

CAPÍTULO II

O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO

SUMÁRIO: 2.1. Os Princípios no ordenamento jurídico trabalhista. 2.2. A Proteção como Princípio do Estado Social. 2.3. A proteção do trabalhador em razão de sua hipossuficiência. 2.4. O Princípio da Proteção no Direito do Trabalho: relevância e extensão. 2.4.1. Relevância do princípio protetor. 2.4.2. Extensão do Princípio da Proteção. 2.5. A aplicação do Princípio da Proteção na clássica divisão de Américo Plá Rodrigues. 2.5.1. In dubio pro operario. 2.5.2. Condição mais benéfica. 2.5.3. Norma mais favorável.

2.1 Os Princípios no ordenamento jurídico trabalhista

A CLT consagra apenas uma norma em que os princípios são expressamente

mencionados. Trata-se do art. 8º, que manda aplicar, na solução dos conflitos trabalhistas, os

“princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho”, na falta de

disposições legais ou contratuais.

Da leitura do mencionado dispositivo parece-nos que o mesmo limita, em muito, a

importância dos princípios, como que a indicar que sua única função seria atuar no vazio

deixado pela lei, agindo, portanto, como função meramente integrativa da norma jurídica.

Entretanto os princípios têm, ao nosso ver, função muito superior, ou seja, a de

auxiliar na tarefa de interpretação da lei.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Ao entrar em contato com um processo de natureza trabalhista, o intérprete deve, como primeira providência, chamar à superfície de sua imaginação os princípios até aqui estudados. Assim como quem chega à sala de estudo, que primeiro acende a luz (LIMA, 1997, p. 173).

Assim, os princípios de direito, especialmente de Direito do Trabalho, desenvolvem

plenamente todas as funções assinaladas, quais sejam, “as funções de auxiliar na interpretação

e na elaboração das leis, ao lado da função de integração da norma jurídica” (MARTINS,

2001, p. 167).

2.2 A Proteção como Princípio do Estado Social

O Estado Social de Direito superou a concepção liberal reduzida ao reconhecimento de

direitos individuais e à sua observância, ao mesmo tempo em que se fortaleceu a competência

estatal mediante um extenso conjunto de medidas capazes de transformar o status quo

capitalista (SILVA, 1998, p. 42). Trata, assim, de garantir efetividade à declaração jusnatural

de Direitos do Homem, que não se resume à previsão da igualdade de todos perante os

direitos de liberdade, mas impõe a salvaguarda de direitos de igual liberdade a todos.

O direito à vida, à liberdade, à propriedade e à segurança, inerentes à natureza do

homem, são direitos historicamente bem definidos, resultantes principalmente da luta do

homem burguês para se tornar livre de governantes apoiados na origem divina de seus

poderes e legitimar sua participação política, construindo uma concepção moderna de Estado.

Mediante a afortunada metáfora de uns direitos comuns a todos os homens, situados

no plano dos valores absolutos, universais e intemporais, o pensamento jusnaturalista do

século XVII achou uma fórmula de capital importância para uma nova legislação: o poder

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

político. Com ela se pretendiam situar determinadas esferas da convivência humana por cima

das possíveis arbitrariedades do poder. Tratava-se, em suma, de fazer da autoridade e da

própria associação política instrumentos destinados à consecução daquelas faculdades que se

reputam inerentes por natureza a todo o gênero humano (PEREZ LUÑO, 1979, p. 15).

O Estado Social de Direito nasceu com a primeira guerra mundial, caracterizado pela

tendência intervencionista no domínio econômico, além da garantia não só dos direitos e

liberdades fundamentais, como também dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Ocorre que o Estado, fundado e limitado pelo reconhecimento dos direitos individuais,

passou a mostrar-se incapaz de enfrentar novos conflitos que foram surgindo pelo próprio

desenvolvimento da sociedade burguesa: os conflitos sociais.

O desenvolvimento dos direitos fundamentais

[...] passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores – como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado. (BOBBIO,1992, p. 32-33),

O Direito do Trabalho nasceu como resposta à chamada questão social, decorrente da

Revolução Industrial do século XVIII, e à reação humanista que se propôs garantir a

dignidade dos seres humanos, mais especificamente, daqueles que integravam o sistema de

produção industrial, muito embora a questão do trabalho exista, como valor humano (ou

desvalor), desde a época escravocrata.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

2.3 A proteção do trabalhador em razão de sua hipossuficiência

A proteção ao trabalhador hipossuficiente é marca predominante no Direito do

Trabalho brasileiro. O Princípio da Proteção ao trabalhador trata de uma compensação

jurídica pela presumida desvantagem econômica do empregado perante o empregador e se

revela como uma força de manifestação de justiça social, e não da justiça liberal que pretendia

assegurar a igualdade de tratamento aos particulares, independentemente de suas situações

econômicas ou sociais, com base no princípio da liberdade contratual (LIMA, 1997, p. 16).

Entretanto, a desigualdade econômica não se constitui no único fundamento do

Princípio da Proteção. Outro fator teve elevada importância como alicerce do caráter tutelar

do Direito do Trabalho: a subordinação, elemento tradicionalmente caracterizado pelo

exercício patronal do poder diretivo e pelo dever obreiro de obediência.

Não podemos ignorar que a relação de supremacia do empregador sobre o empregado

não se encontra respaldada somente pelo ordenamento jurídico, como dele tira seu

fundamento, razão de ser da conclusão dos intérpretes de Direito do Trabalho no sentido de

que, além da desigualdade econômica, também a desigualdade jurídica desvelada pela

atribuição de poder a uma das partes celebrantes de um contrato posiciona-se como elemento

justificador do princípio protetor.

Retrata-se a fundamentação do Princípio da Proteção, justificando a necessidade da

existência desta diretriz principiológica com base, principalmente, nas seguintes

argumentações: a) na subordinação jurídica do empregado ao empregador, que colocaria

aquele sob a autoridade deste, a revelar a singularidade do contrato de emprego diante dos

demais contratos de trabalho, em função da existência de uma relação de poder: superioridade

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

hierárquica, supremacia de uma parte sobre a outra; b) na quase sempre presente dependência

econômica do empregado em face do empregador que, mesmo não se revelando como

elemento conceitual da relação de emprego, é induvidável que quase sempre quem coloca a

sua força de trabalho à disposição de outrem necessita do emprego para sobreviver com a

remuneração dele decorrente, seu único ou principal meio de subsistência, tendo a sua

atividade absorvida total ou predominantemente pelo empregador, detentor dos meios de

produção, que ele, trabalhador, não possui; c) no comprometimento na execução do serviço,

realizado pela pessoa do trabalhador, expondo-se, para tanto, quase sempre, a perigos à sua

integridade moral e física, em decorrência de não ter o empregador cumprido o dever de

predispor um ambiente de trabalho sob todos os pontos sadio e seguro; d) no

desconhecimento, pelo empregado, das condições de trabalho e dos seus direitos, levando-se

em conta a existência de analfabetismo da população, particularmente do proletariado, e onde

não existem as obrigações de informação e outros mecanismos que supram as deficiências de

conhecimento dos trabalhadores (SILVA,1999,p.24-26).

O princípio da proteção ao trabalhador hipossuficiente, que está na própria raiz do Direito do Trabalho e justifica a existência desse ramo da ciência jurídica, retira seus fundamentos das superioridades econômica e jurídica do empregador, uma vez que tal princípio é justificado pela natural desigualdade na qual se encontram os contratantes da relação de emprego: o trabalhador, subordinado e hipossuficiente, e o empregador, com maiores poderes econômico e de mando (MARTINS, 2000, p. 848).

Percebemos que os fundamentos imediatos do princípio protetor, tradicionalmente

lembrados pela doutrina, consistem na existência de desigualdades que têm origem na

situação econômica e jurídica dos sujeitos envolvidos na relação de emprego. Mas temos

ainda um último fundamento, também tradicionalmente apontado pela doutrina: o Princípio

da Igualdade.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

O fundamento desse princípio está atualmente assentado no art. 5º, I, da CF, segundo

o qual todos são iguais perante a lei. Como a desigualdade econômica é um fato, dar

tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os

desiguais, na exata medida de suas desigualdades, pois a Constituição preceitua a igualdade

efetiva, de fato, e não somente a igualdade jurídica. E aqui se assenta o fundamento básico do

princípio tutelar (LIMA, 1997, p. 34).

Em sentido contrário a esse fundamento do princípio protetor, nega-se vigência

afirmando-se até mesmo a sua inconstitucionalidade e sustentando-se que

se determinado Estado adota o sistema capitalista de produção, o trabalho subordina-se então à iniciativa, à direção e à organização do capital, não podendo contrariar as bases fundamentais do regime econômico e político, devendo, então, o intérprete, atentar para a conservação da vida empresarial e não sacrificá-la na defesa de interesses imediatos e exclusivos do capital ou do trabalho (ANTUNES, 1943, p.206).

Nessa mesma linha de posicionamento, temos apenas um reparo de caráter temporal,

não se negando a justificativa do princípio no surgimento do Direito do Trabalho,

considerando que nesse primeiro momento havia uma desigualdade entre as partes decorrente

da debilidade do trabalhador. Entretanto, questiona-se a permanência do princípio em um

período, como o atual, em que essa desigualdade desapareceu, em razão do fortalecimento da

posição do trabalhador, como resultado da união e poder que os sindicatos adquiriram

(MORENO, 1986, p.111).

Importante verificarmos, desde já, a fragilidade e inconsistência dessa argumentação

porque na atualidade os sindicatos já não estão tão fortalecidos quanto à época do seu

surgimento, tanto assim que o desemprego tem minado a força sindical, conforme veremos

mais minuciosamente no desenvolvimento deste trabalho. Isso nos permite afirmar que a

desigualdade não desapareceu.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Oportuno mencionar também que não negamos a adoção e não pugnamos pela

abolição do sistema capitalista, apenas defendemos o Princípio da Proteção porque este

encontra espaço de atuação no capitalismo, até mesmo como forma de preservar o sistema

econômico de produção.

Muito embora o Direito do Trabalho tenha como finalidade a harmonia entre

empregadores e empregados, ela somente será atingida pela correta aplicação do Princípio da

Proteção. E aí se revela a experiência histórica como prova inconteste de que a tendência do

homem é abusar do poder quando não há um sistema de frenagem, e o Princípio da Proteção

visa justamente equilibrar os interesses do capital e do trabalho em conflito, e assegurar a paz

social (HOFFMANN, 2003, p. 48)..

É induvidável que o Direito do Trabalho não conseguiu abolir a histórica desigualdade

entre empregado e empregador, o que nos permite afirmar que essa disciplina jurídica revela-

se como a expressão mais evidente de um mundo que se pretende formalmente igual, porém é

substancialmente desigual, não sendo outra a finalidade do Princípio da Proteção senão

nivelar as desigualdades econômicas e jurídicas existentes entre empregados e empregadores,

detentores e carentes de poder, possuidores e não possuidores, respectivamente, dos meios de

produção.

Embora não seja a finalidade deste trabalho o aprofundamento do estudo sobre o

Princípio da Igualdade, importante lembrarmos a diferença entre igualdade igualdade formal e

material, principalmente porque estamos tratando da existência de diferenças dos que

faticamente se encontram em condições diferentes, merecendo uma das partes uma proteção

especial do Estado.

O princípio da Igualdade, em sua vertente formal (igualdade perante a lei), refere-se tão somente à aplicação do direito com relação à coletividade se m qualquer tipo de distinção [...] Nesta linha, igualdade material ou igualdade na lei, como preferem alguns, é aquela que assegura o tratamento uniforme de todos os homens, resultando em igualdade real e efetiva de todos os bens da vida (MELO, 2004, p.108-118).

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Nesse mesmo sentimos temos,

Fala-se em igualdade formal e em igualdade material. Se a uma primeira versão de Estado de direito, de cunho liberal evidente, bastaria aplicar a lei sem diferenciar aqueles que apresentavam igualmente os elementos exigidos pela norma para sua incidência, em uma versão mais recente dessa fórmula, que incorpora elementos sociais, há que se buscar a igualdade de condições para o exercício de direitos (SANTOS, 2004, p.52).

Daí a necessidade, inclusive, de se “repensar o valor da igualdade, a fim de que as

especificidades e as diferenças de cada indivíduo fossem observadas e respeitadas” (MELO,

2004, p.119).

Assim, o Princípio da Proteção, no seu aspecto mais geral, tem por objeto criar uma

norma mais favorável ao trabalhador, procurando compensar as desigualdades econômicas e

sua fragilidade diante do empregador. Implica neste aspecto, “uma violação do tradicional

princípio de igualdade jurídica das partes, inclinando-se a favor de uma delas para compensar

certas desvantagens” (RUPRECHT, 1995, p. 9).

Toda a evolução do Direito do Trabalho tem sido primordialmente no sentido protetor

da classe trabalhadora, o que tem resultado numa peculiar especialidade. O trabalhador

depende do empregador, não só em tudo que diz respeito à tarefa que executa, mas também

economicamente, portanto, é justo, para evitar que se torne totalmente submisso, protegê-lo

contra os possíveis excessos os desvios de seu empregador. Já passou o tempo em que o

trabalho era uma mercadoria e o trabalhador uma ferramenta a mais. Sua dignidade como ser

humano lhe deve ser amplamente reconhecida, direito esse constitucionalmente previsto e

uma das formas efetivas de o fazer é criando desigualdades em seu favor, para compensar as

que influem contra ele, quer dizer, protegendo-o contra o possível abuso patronal.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

No sistema positivo brasileiro, encontramos esse princípio a partir da Constituição

Federal de 1988 (arts. 6º a 11). A CLT abriga inúmeros dispositivos de proteção ao

trabalhador, podendo ser citado, à guisa de exemplo, o disposto em seu artigo 9º4.

A legislação trabalhista preocupa-se com todos os pontos da proteção devida ao

trabalhador, desde os aspectos formais relativos a anotações e registros nos assentamentos

próprios, à constituição biológica, aos aspectos físicos e químicos das instalações, aos

equipamentos individuais; não esquecendo a mulher e o menor que merecem capítulo próprio

na CLT; a proteção ao salário, não se admitindo, por exemplo, o pagamento com bebidas

alcoólicas ou drogas nocivas (art. 458, CLT).

O fundamento desse princípio, como salientado linhas atrás, é de natureza

constitucional (art. 5º, I, CF/88), uma vez que, sendo a desigualdade econômica um fato, dar

tratamento isonômico às partes no âmbito das relações de trabalho, significa tratar

desigualmente os sujeitos do contrato, diante de suas inequívocas desigualdades.

Portanto, faz-se necessária, já na fase inicial do presente estudo, tecer uma crítica

atinente ao enfrentamento da questão da fundamentação do Princípio da Proteção. É que

quando o Direito do Trabalho regula o conflito existente entre os interesses do trabalho e do

capital, ele não se revela como simples expressão da ordem econômica, ele vai além, eis que

está inserido no sistema capitalista, sendo uma das suas funções preservar o próprio

capitalismo.

Exatamente para solucionar o conflito entre os interesses do trabalho e do capital é que

foi adotada a diretriz da proteção ao trabalhador, mas isso não significa dizer que a proteção

jurídica que vem sendo dispensada ao trabalhador brasileiro esteja sendo a mais adequada

porque conforme veremos posteriormente, não é o dado objetivo, fulcrado na propriedade,

4 Art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

numa visão patrimonialista, que deve justificar o tratamento protetivo, mas o dado subjetivo,

calcado na dignidade da pessoa do trabalhador, numa visão humanista do Direito do Trabalho.

Devemos, assim, repensar a argumentação tradicionalmente abraçada pela doutrina e

pela jurisprudência para a fundamentação do princípio protetor, objetivo deste nosso estudo.

Vale ressaltar que a enumeração dos princípios é um dos pontos onde nos deparamos

com uma variedade de opiniões5, porém adotamos a tradicional classificação do professor

uruguaio Américo Plá Rodriguez, quais sejam, o Princípio da Proteção, o Princípio da

Irrenunciabilidade dos Direitos, o Princípio da Continuidade do Contrato, o Princípio da

Primazia da Realidade e o Princípio da Razoabilidade.

Entretanto, no presente estudo, nos deteremos na análise da importância do basilar

Princípio da Proteção para demonstrar que as mudanças vindouras não podem ser

interpretadas em dissonância com os princípios que orientam o Direito do Trabalho, em

especial, o protetor.

2.4 O Princípio da Proteção no Direito do Trabalho: relevância, extensão e aplicação

2.4.1 Relevância

O princípio protetor surgiu no mundo jurídico juntamente com o Direito do Trabalho,

estando com este presente na atualidade em um cenário de crise, desatualização e

reformulação (HOFFMANN, 2004, p.63).

5 CHACON e BOTIJA (1965, p.240-242), por exemplo, consideram o princípio pro operario como um princípio especial do Direito do Trabalho no qual podem ser compreendidos outros princípios (1965,p.240-242).

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Não podemos negar a relevância do nascedouro do Princípio da Proteção nos

primórdios da Revolução Industrial, época das precárias condições de trabalho, que marcou a

história da humanidade. O Direito do Trabalho, desde a sua criação, teve a preocupação de

definir e resguardar a condição jurídica e a dignidade do ser humano, transpondo o obstáculo

do liberalismo econômico clássico, quando o trabalho era tratado como mero objeto da

prestação do contrato de compra e venda, regulado pelo Direito comum, para ser considerado

como valor digno e social e objeto de proteção jurídica especial.

Dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho é o da proteção o mais relevante e mais geral, dele constituindo os demais simples derivações. A proteção do trabalhador é causa e fim do Direito do Trabalho, como revela a história deste (SILVA, 2000, p. 26)

O Princípio da Proteção executou e ainda executa função altamente relevante em favor

do Direito do Trabalho, principalmente quando considerada a concepção kantiana de que é a

unidade sistemática fundada em uma idéia que converte o conhecimento vulgar em ciência.

Atento a essa noção, Plá Rodriguez afirma que os princípios de Direito cumprem

tríplice missão:

Consideramos importante o tema, não apenas pela função fundamental que os princípios sempre exercem em toda disciplina, mas também porque, dada a sua permanente evolução e o aparecimento recente, o Direito do Trabalho necessita apoiar-se em princípios que supram a estrutura conceitual, assentada em séculos de vigência e experiência possuídas por outros ramos jurídicos. Por outro lado, seu caráter fragmentário e sua tendência para o concreto conduzem à proliferação de normas em contínuo processo de modificação e aperfeiçoamento. Por isso se diz que o Direito do Trabalho é um direito em constante formação (PLÁ RODRIGUEZ, 2004, p. 26).

Temos, nesse mesmo sentido, que os princípios são de suma importância no Direito do

Trabalho em razão de suas peculiares características. Trata-se, na verdade, de um ramo do

direito histórico, com caráter concreto e em constante expansão, o que acarreta uma

permanente reinterpretação, por seus próprios fundamentos, de toda a ciência jurídica.

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Para a confirmação da autonomia de um ramo jurídico, é imperioso que se reúna uma

série de requisitos, “dentre os quais se encontram os princípios diretores que inspiram os

caracteres distintivos dos demais ramos jurídicos” (RUPRECHT, 1995, p. 6-7).

Conforme ocorre nas demais ciências jurídicas, também o Direito do Trabalho

é informado por uma principiologia própria, que lhe confere não só a autonomia como ciência, mas também a unidade conceitual e a ordenação estrutural. E, neste mister, o princípio da proteção desempenha papel de alta importância, porque não só é o mais antigo de todos os princípios, mas porque dele derivam os demais (HOFFMANN, 2004, p. 66).

Observa-se, entretanto, que a proteção ao trabalhador, fundamentada na desigualdade

econômica decorrente da propriedade ou não dos meios de produção, deve ser assegurada sob

um critério humanista e não patrimonialista. O trabalhador deve ser protegido porque é um ser

humano e tem direito, constitucionalmente assegurado no Brasil, a uma vida digna, o que

somente é possível mediante a sua força de trabalho colocada à disposição do empregador.

Adotar a concepção humanista do Princípio da Proteção é forma de tornar iguais os

valores trabalho e capital, e possibilitar a sua efetiva aplicação nas relações de trabalho.

2.4.2 Extensão

Analisaremos, nesse momento, a verdadeira dimensão do Princípio da Proteção, sua

real área de atuação no Direito, ressaltando que no Direito do Trabalho brasileiro esse

princípio não foi enunciado expressamente pelo legislador.

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Nossa intenção é determinar, inicialmente, se o princípio protetivo informa o Direito

do Trabalho brasileiro e, caso positivo, se é aplicável tanto no Direito Individual como no

Direito Coletivo do Trabalho, e com qual intensidade se dá essa aplicação.

Pelo exposto até então neste estudo, entendemos que não há espaço para hesitação

quanto à existência desta diretriz principiológica no Brasil, sendo desnecessária sua

consagração no direito positivo porque a própria natureza do princípio o situa acima do direito

positivo, “resultando da orientação de todo o conjunto de normas, do propósito que as inspira,

da idéia central que opera com razão de ser essencial” (PLÁ RODRIGUEZ, 2004, p. 103).

Nesse mesmo sentido, temos que

a eficácia do princípio da proteção depende de sua cristalização em leis (constituição, códigos ou leis trabalhistas), o que não impede reconhecer que a positivação de certo princípio no ordenamento jurídico é extremamente importante nos processos de aplicação do direito (RUPRECHT, 1995, p.14).

Observe-se que, mesmo que assim não fosse, do ordenamento jurídico brasileiro

podemos extrair regras inspiradas pelo Princípio da Proteção, inexistindo qualquer vedação de

aplicação deste.

Uma breve leitura da CLT revela-nos, conforme dissemos de passagem, que diversas

regras visam proteger os interesses dos trabalhadores, como por exemplo: regras gerais e

especiais de tutela do trabalho; de proteção à mulher e ao trabalho do menor; de duração do

trabalho; de garantia no emprego; de proteção da saúde física e mental do trabalhador; e de

tutela de empregado dispensado imotivadamente. Temos ainda, na Constituição Federal, no

art. 7º, o elenco de direitos consagrados ao trabalhador: a previsão de não exclusão de outros

direitos não formulados que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e

rurais; da proteção contra a despedida arbitrária; da tutela da maternidade; da proteção do

salário; da tutela da saúde e da vida do trabalhador; da garantia no emprego; da proteção do

mercado de trabalho da mulher e da proteção do trabalho em razão da automação.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Desta forma, é induvidável que o Princípio da Proteção vige no ordenamento jurídico

trabalhista.

2.4.3 Aplicação

No particular da aplicação do Princípio da Proteção no Direito Individual e no Direito

Coletivo do Trabalho, importante verificarmos os posicionamentos doutrinários sobre a

matéria.

A distinção em Direito Individual e Direito Coletivo do Trabalho justifica-se por uma questão predominantemente metodológica. Não se pode perder de vista, contudo, que a diferenciação não retira de ambos os ramos a finalidade do próprio Direito do Trabalho, quer seja ela de regular os conflitos existentes entre capital e trabalho, quer seja a de harmonizá-los (HOFFMANN, 2004, p.75).

De qualquer forma, podemos afirmar na esteira de entendimento de alguns

doutrinadores, que o Direito Coletivo do Trabalho é igualmente “informado pelo princípio da

proteção, pois, nascido com a finalidade de igualar as forças econômicas das partes

contratantes e reequilibrar as posições das partes no ato da contratação” (GOMES;

GOTTSCHALK, 2003, p. 18).

Em sentido contrário, sustentam outros, que

dificilmente o princípio da tutela é aplicável às partes nos conflitos coletivos de trabalho, nos quais é presumida a igualdade entre os sindicatos, razão pela qual não se faz necessária a proteção estatal ao empregado individualmente considerado (BERNARDES, 1989, p. 101).

Entretanto, se é certo que os ramos do Direito do Trabalho têm princípios próprios,

também é verdadeiro que são informados por alguns princípios comuns. E, desta forma, não

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

se pode negar que o Princípio da Proteção também informa o Direito Coletivo do Trabalho,

reconhecendo-se, porém, que o seu alcance é muito maior no Direito Individual do Trabalho.

É que no Direito Coletivo a negociação coletiva ainda não está sendo realizada de forma

satisfatória pelas entidades sindicais.

Ninguém desconhece que há vários sindicatos que não se conscientizaram sobre a relevante função social que lhes cumpre desempenhar, o que prejudica sensivelmente a efetiva proteção. Também é verdadeiro que, em função do crescente retrocesso proporcionado pela Constituição Federal de 1988, por causa da manutenção dos sistemas da unicidade sindical e da contribuição compulsória, várias outras entidades sindicais vêm sendo criadas para outros misteres que não a defesa dos interesses da categoria representada (HOFFMANN, 2004, p. 77).

O que verificamos é que, diante da redução das relações de empregos, decorrente das

novas formas contratuais de trabalho e da flexibilização, conforme verificaremos mais

detalhadamente no próximo capítulo deste trabalho, ocorre o enfraquecimento das entidades

sindicais, prejudicando a luta dos trabalhadores pela manutenção e expansão das conquistas

sociais, razão pela qual podemos concluir pela necessária presença do Estado, tutelando os

interesses das categorias profissionais, evitando-se, conseqüentemente, a precarização das

condições de trabalho humano.

2.5 A aplicação do Princípio da Proteção na clássica divisão de Américo Plá Rodriguez

Américo Plá Rodriguez, na sua clássica obra6, analisa as questões da fundamentação

do Princípio da Proteção e da interpretação do Direito do Trabalho a partir da debilidade

econômica e da inseparabilidade da prestação do trabalho da pessoa do trabalhador. Defende 6 Princípios de Direito do Trabalho, 2004, p. 83-139.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

ainda a tese de que, num primeiro momento, o legislador não mais pôde manter a ficção de

igualdade existente entre os sujeitos do contrato de trabalho e inclinou-se para uma

compensação jurídica dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador:

As dimensões do princípio protetor seriam, conforme o mesmo autor: in dubio pro

operario, a condição mais benéfica e a norma mais favorável.

A seguir, analisaremos cada uma dessas três manifestações do princípio protetor no

Direito do Trabalho, visando alcançar os valores nele expressos.

2.5.1 In dubio pro operario

Inicialmente é importante explicar que a regra in dubio pro operario não se confunde

com o princípio pro operario, mencionado por certa parcela da doutrina que assim nomina,

equivocadamente, o princípio protetivo.

Não é possível lhe dar a extensão a que se refere Cabanellas, quando se pergunta se é preciso considerar ser [sic] é um princípio pro operario e não só in dubio pro operario. No primeiro serviria em caráter geral, enquanto no segundo só nos casos de dúvida. Atento ao atual estado do Direito Trabalhista, não há dúvida de que só tem alcance para os casos de dúvida, ou seja, quando uma mesma norma pode ter mais de uma explicação (RUPRECHT, 1995, p. 15).

Assim, entendemos que o Princípio da Proteção e a regra in dubio pro operario não

são idênticos, pois esta última é desdobramento lógico e realizador do primeiro, assumindo a

natureza principiológica, ou seja, tão-somente instrumental. A regra in dubio pro operario

desvela parte do princípio protetivo, mas longe está de retratar toda a sua essência e a sua

finalidade. Tal regra é uma das fórmulas de efetivação do princípio protetivo; portanto,

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

quando a regra in dubio pro operario é executada, nada mais se está fazendo do que se aplicar

referido princípio, mas não em toda sua integralidade (HOFFMANN, 2003, p. 83-84).

Segundo a regra do in dubio pro operario, quando uma mesma norma for susceptível

de diversas interpretações, deve ser aplicada a que for mais benéfica ao trabalhador. Essa

regra aplica-se, portanto, apenas no caso de dúvida quanto à interpretação da mesma norma.

Sendo o Direito Social o sistema legal de proteção dos economicamente fracos

(hipossuficientes), é claro que, em caso de dúvida, a interpretação deve ser sempre a favor do

economicamente fraco, que é o empregado, se em litígio com o empregador (CESARINO

JR.1938, p.477-480).

No Direito em geral, a regra aplica-se sempre em proveito do devedor e/ou do réu, ou

seja, a parte mais fraca ou mais necessitada é amparada por esse critério. A regra em comento

foi transportada do in dubio pro reo do Direito Penal. No Direito Civil, tem-se o favor

debitoris com sentido de proteger o devedor contra o credor, este presumidamente mais forte

no contrato. No Direito do Trabalho, a parte presumidamente fraca é o credor, ou seja, o

trabalhador, o hipossuficiente. Por isso, o princípio do direito comum se aplica inversamente.

Convém ressaltar, contudo, que a aplicação dessa regra, na visão tradicional desse

princípio, deve ser comedida, analisada e aplicada de forma desapaixonada, racional e

ponderada, nunca cegamente. É que pode acontecer, ainda que raramente, de o empregado

não ser a parte mais fraca na relação.

A regra in dubio pro operario é mais uma demonstração das peculiaridades do Direito

do Trabalho, pois no Direito Civil, quando há dúvidas sobre o alcance de uma disposição, esta

deve ser sempre interpretada a favor do devedor, enquanto aqui é o contrário: a interpretação

deve favorecer o credor, que é o trabalhador (RUPRECHT, 1995, p. 15).

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

2.5.2 Condição mais benéfica

A regra da condição mais benéfica (ou mais vantajosa) consiste em assegurar para o

trabalhador a permanência da condição mais benéfica objetivamente reconhecida, ou seja, os

direitos que os trabalhadores adquiriram integram seu patrimônio e deles não podem ser

privados por uma nova disposição. A condição mais vantajosa nada tem a ver com a aplicação

da norma. O que passou a fazer parte definitiva do patrimônio do trabalhador integra sua

relação de trabalho, provenha da lei, de um contrato individual, de uma convenção coletiva ou

de uma liberalidade do empregador.

Para que possamos compreender exatamente o sentido desta regra, deve-se observar

que a mesma trata da aplicação de normas para o fim de proteger o trabalhador, conservando,

mesmo diante de uma nova norma, uma condição mais benéfica já consolidada.

Esta regra “tem íntima relação com o da norma mais favorável, pois dela se distingue

claramente, ao supor a existência de uma norma anterior, concreta e reconhecida, que já foi

aplicada e que deve ser respeitada, justamente por ser mais proveitosa” (RUPRECHT, 1995,

p. 26). Prossegue o mencionado doutrinador: “Com relação à regra in dubio pro operario,

distingue-se por ser mais geral e ter uma expressa formulação jurídico-positiva” (1995, p. 26).

São apontados dois fundamentos que sustentam essa regra: “a) a modificação das

normas trabalhistas não pode operar in pejus, isto é, em prejuízo ao empregado; b) o

rebaixamento fere o direito adquirido, constitucionalmente protegido” (LIMA, 1997, p. 86).

No primeiro caso, a utilização mais concreta dessa regra ocorre nas convenções

coletivas de trabalho, quando uma posterior modifica in pejus do trabalhador algumas das

condições estabelecidas na anterior, podendo essas alterações ocorrer também em outras

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

situações. Importante também registrar que as condições benéficas ao trabalhador somente

poderão ser alteradas se as regras jurídicas posteriores forem ainda mais proveitosas.

Quanto ao segundo caso, temos a fundamentação jurídica da regra da condição mais

benéfica no princípio do direito adquirido, positivado na Constituição Federal, no art. 5º,

XXXVI e também no art. 6º e § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, lembrando, nesse

particular, que o art. 8º da CLT regula a aplicação subsidiária do Direito Comum ao Direito

do Trabalho naquilo que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

A regra da condição mais benéfica tem assumido eminente relevância por efetivar não

só o Princípio da Proteção, que informa o Direito do Trabalho, mas também os postulados

básicos do direito adquirido, da dignidade, da cidadania e do valor social do trabalho

resguardados pela Constituição Federal.

No ordenamento jurídico, a manifestação dessa regra apresenta-se, em nível

internacional, na Constituição da Organização Internacional do Trabalho, que dispõe, em seu

art. 19, alínea 8ª:

em nenhum caso se poderá admitir que a adoção de uma convenção ou de uma recomendação pela Conferência, ou a ratificação de uma convenção por qualquer membro, torne sem efeito qualquer lei, sentença, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis que as que figuram na convenção ou na recomendação.

No ordenamento jurídico pátrio temos o art. 468, da CLT, que prevê que nos contratos

individuais de trabalho a alteração das respectivas condições só será lícita por mútuo

consentimento, e, mesmo assim, desde que não resultem, de forma direta ou indireta, mediata

ou imediata, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta

garantia.

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Tratando-se dos conflitos de leis no tempo, encontramos a enumeração de três

hipóteses nas quais a lei nova encontra as situações jurídicas surgidas no império da norma

anterior:

a primeira compreende os fatos que já produziram os seus efeitos sob a lei anterior; a segunda aparece quando os efeitos dos fatos ocorridos na vigência da lei velha se estendem pelo período subseqüente à sua revogação; a terceira estende-se com a continuidade de fatos interligados, que vêm ocorrendo desde o domínio da lei caduca e ainda se verificam no tempo da vigência da lei atual, em curso de produção de efeitos (SILVA, 1984, p. 104).

Assim sendo, “nesta terceira hipótese incide o Direito do Trabalho, no qual a questão

faz-se ainda mais importante, na medida em que uma das características da relação de

emprego é constituir-se em contrato de trato sucessivo” (GOMES, 2001, p. 52). “A sua

execução em caráter continuado através do tempo o distingue dos contratos denominados

instantâneos, isto é, aqueles que se exaurem num só momento” (NASCIMENTO,1998, p. 33).

Conclui esse último autor que “os conflitos de leis no tempo, em Direito do Trabalho, são

resolvidos segundo o princípio do efeito imediato. Significa que uma nova lei tem

aplicabilidade imediata, recai desde logo sobre os contratos em curso à data da sua vigência,

embora constituídos anteriormente, mas ainda não extintos” (NASCIMENTO, 1998, p. 274).

2.5.3 Norma mais favorável

Segundo a regra da norma mais favorável, quando para resolver uma situação há

diversas normas concretas, deve ser aplicada a que for mais favorável ao trabalhador.

Desconsidera-se, portanto, a tradicional hierarquia das leis, para se aplicar a que for mais

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

favorável ao trabalhador, não se levando em conta se está em jogo uma norma constitucional

ou um simples regulamento de empresa.

Na verdade, entendemos que a norma mais favorável não contraria a hierarquia das

leis porque as normas trabalhistas conferem um mínimo de garantias ao trabalhador e, quando

estipulam um máximo, o fazem expressamente.

A regra da norma mais favorável, ao manter um núcleo duro de direitos que devem ser

respeitados pelos contratantes, retirando do âmbito de negociação a alteração in pejus de

certos aspectos da relação laboral, tem como base o primado do princípio protetor, isto é, a

possibilidade da intervenção direta do Estado nas relações de trabalho, para o fim de assegurar

a diminuição da desigualdade material existente entre as partes, visando, da mesma forma, a

busca da dignidade humana e da realização do trabalho como valor social e não apenas

econômico7.

Essa regra consiste na principal resposta à proteção preconizada pelo Direito do

Trabalho. Sua importância faz com que ressalte das outras dimensões do princípio e seja

contraposta constantemente ao princípio da autonomia privada coletiva, pois estatui um

núcleo duro de direitos, ou seja, um standard mínimo para que as relações de trabalho se

desenvolvam, através de normas que somente comportam alterações, visando à melhoria das

condições de trabalho (CARRION, 1999, p. 341).

A regra da norma mais favorável, para muitos, como Tissembaum e Mario de La

Cueva8, constitui o princípio de maior relevância no Direito do Trabalho. Tanto é assim que

se defende a obediência à ordem hierárquica legislativa, mas não ao Direito do Trabalho em

particular, pois cada “norma” outorga ou assinala um benefício mínimo, quase nunca máximo

(RUPRECHT, 1995, p.21).

7 Artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988: “A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamentos [...] III – a dignidade da pessoa humana; IV – o valor social do trabalho”. 8 Referidos por RUPRECHT (1995, p.21).

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Esse mínimo não representa o Direito aplicável, a não ser que surja de muitas outras

normas: contrato individual de trabalho, convenções coletivas, costumes etc. e, se estes

concedem benefícios superiores, então se produz a derrogação, ou melhor, a inaplicabilidade

da outra disposição. Convém não esquecer que a ordem pública laboral considera as normas

laborais como mínimas e que podem ser modificadas em benefício do trabalho, porém jamais

in pejus.

No sentido próprio da regra de aplicação da norma mais favorável, o princípio

protetivo impõe ao intérprete que se incline pela aplicação da norma mais favorável ao

trabalhador dentre todas as normas que possam ser aplicadas em um caso concreto.

Havendo duas ou mais normas jurídicas trabalhistas sobre a mesma matéria, será hierarquicamente superior, e portanto, aplicável ao caso concreto, a que oferecer maiores vantagens ao trabalhador, dando-lhe condições mais favoráveis, salvo nos casos de leis proibitivas do Estado. Ao contrário do direito comum, em nosso direito, a pirâmide que entre as normas se forma terá como vértice não a Constituição Federal ou a lei federal ou as convenções coletivas de trabalho de modo imutável. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma vantajosa ao trabalhador, dentre as diferentes em vigor (NASCIMENTO, 1991, p. 164-165).

Defende-se, ainda, a fundamentação constitucional, sustentando-se que “a regra da

aplicação da norma mais benéfica ao empregado constitui o princípio maior, assegurado no

caput do seu art. 7º, que deve nortear, como regra geral, os casos de incidência cumulativa de

normas trabalhistas” e que “a fim de não incorrer em inconstitucionalidade, mediata ou

imediata, devem-se considerar as normas trabalhistas como garantias mínimas, ou seja,

direitos sociais, que integram o gênero direitos e garantias fundamentais” (DALLEGRAVE

NETO, 1997, p. 36).

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

CAPÍTULO III

A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO DO

TRABALHO BRASILEIRO

SUMÁRIO: 3.1. O Direito do Trabalho entre a proteção ao empregado e o fomento de postos de trabalho. 3.2. Desregulamentação e Flexibilização. 3.2.1. Desregulamentação: fim do Direito do Trabalho. 3.2.2. Flexibilização: ameaça de violação do patrimônio do trabalhador. 3.3. O Princípio da Proporcionalidade e sua utilização no Direito do Trabalho brasileiro. 3.4. A aplicação do Princípio da Proporcionalidade quando em conflito o Princípio da Proteção e o Princípio da Autonomia Privada Coletiva. 3.4.1. Da adequação das normas protetoras. 3.4.2. Da necessidade das normas protetoras. 3.4.3. Da proporcionalidade em sentido estrito entre princípio protetor e princípio da autonomia privada coletiva.

3.1 O Direito do Trabalho entre a proteção ao empregado e o fomento de postos de trabalho

O Princípio de Proteção do trabalhador, já o dissemos, representa o traço mais

marcante do Direito do Trabalho, constituindo a sua coluna mestra, de onde naturalmente

decorrem os demais princípios, formando toda sua base principiológica. É este princípio um

referencial, uma âncora e serve como manto protetor do trabalhador contra as intempéries da

desigualdade social, orientando ainda o aplicador da norma trabalhista em todos os momentos

processuais.

O Princípio da Proteção, tal como foi concebido, tem por objeto criar uma norma mais

favorável ao trabalhador, procurando assim compensar as desigualdades econômicas e sua

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

fraqueza diante do empregador. Implica, como vimos no presente estudo, uma violação do

tradicional princípio de igualdade jurídica das partes, inclinando-se a favor de uma delas para

compensar certas desvantagens (RUPRECHT, 1995, p. 9).

Ocorre que em ambiente de neoliberalismo e de globalização 9 , baseado num

arquitetado desenvolvimento tecnológico, tem-se o aparecimento dos denominados novos

modos de produção e também da inserção das novas tecnologias nos diversos processos de

produção. Este conjunto de situações busca insistentemente a automação da produção e como

conseqüência a trágica extinção em definitivo de inúmeros postos de trabalho. Temos, assim,

de um lado o avanço quase inexorável da tecnologia e, de outro, uma quantidade formidável

de trabalhadores excluídos. No centro deste imenso espectro de contradições está o Direito do

Trabalho, com o seu Princípio da Proteção que sempre foi e continua sendo a última trincheira

do trabalho.

Neste cenário atual, de desemprego e de competitividade mundial, surgem duas

propostas para a transição de um modelo protecionista a um modelo autônomo de relações de

trabalho: a flexibilização e a desregulamentação, ambas defendendo a tese de que a legislação

laboral seria rígida, não permitindo, via negociação coletiva, a alteração in pejus das

condições de trabalho, exceto em relação a salário e jornada de trabalho e que os próprios

atores sociais deveriam decidir as regras que incidiriam no seu contrato de trabalho. Desta

forma, a predominância seria não do princípio protetor, mas do princípio da autonomia

9 Importante verificarmos que este ressurgimento do liberalismo, desta vez sob a roupagem da doutrina política neoliberal, teve como principal consectário a globalização, ou seja, o mais importante fenômeno social, econômico, político e cultural do último século. Em sua base temos a idéia de Estado mínimo, com as empresas públicas privatizadas, um Estado ‘enxuto’, afastado de todas as atividades consideradas lucrativas pelo capital privado. O liberalismo trouxe a ruptura das barreiras nacionais e, conseqüentemente, a formação de imensos blocos econômicos supranacionais e a existência de grandes empresas, verdadeiras megaempresas; além do desenvolvimento acelerado do capital financeiro, numa livre circulação de papéis e ativos econômicos, facilmente transferíveis de um país para outro, ao menor sinal de risco ao capital investido, mediante o simples comando de computadores. O liberalismo trouxe também a padronização da cultura dos países e a livre circulação de bens e capitais, e até mesmo de trabalhadores, implicando, mais uma vez, entendemos, em verdadeira forma de dominação dos países periféricos pelos países desenvolvidos. Todas estas transformações, ocorridas notadamente a partir da década de 70, como não poderia deixar de ser, importaram também em profundas modificações nas relações de trabalho.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

privada coletiva, consoante uma concepção de democracia pluralista. Trata-se, entendemos,

de uma questão de princípios, ou seja, o Princípio da Proteção versus o Princípio da

Autonomia Privada, conforme sustentamos mais adiante no presente capítulo.

Temos, assim, o Direito do Trabalho entre a proteção ao empregado e o fomento de

postos de trabalho. O fenômeno que impulsiona todas essas discussões acerca da

transformação, ou mesmo a absurda hipótese do fim do Direito do Trabalho, é que, se no

início do século passado o desenvolvimento econômico produzia novos postos de trabalho,

atualmente somente podemos afirmar que as inovações tecnológicas vêm tirando a

importância do trabalho, numa proporção segundo a qual uma maior produtividade implica

menos trabalhadores produzindo mais. Tudo isso vem justificado na necessidade imposta pela

revolução tecnológica, pelos novos processos de produção, pela criação de uma fábrica

global, pela busca da competitividade mundial, além dos imperativos do sistema financeiro.

Nesse panorama o desemprego constitui uma das faces mais visíveis da globalização.

No contexto que se acaba de descrever, o sistema tradicional de relações laborais vem

sofrendo questionamentos e transformações de diversas origens. Não é fácil distinguir quais

provêm diretamente da globalização e quais resultam de outras causas mais ou menos

autônomas, porém concorrentes. O sistema tradicional tem por eixo uma relação de trabalho

que vincula o empregado ao mesmo empregador por tempo indeterminado, enquanto as

relações laborais pós-modernas têm as seguintes características: 1) a priorização do capital

sobre o trabalho e a substituição crescente de mão-de-obra por tecnologia; 2) a flexibilização

ou desregulamentação do Direito do Trabalho; 3) a instabilidade no emprego; 4) a

individualização das relações de trabalho em diversas dimensões; 5) precarização do custo do

trabalho (URIARTE, 2001, p. 73, 75-76).

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

3.2 Desregulamentação e Flexibilização

O cerne do Direito do Trabalho consiste na idéia de proteção jurídica daqueles que

oferecem apenas sua força de trabalho no processo produtivo. Adquirem patrimônio jurídico

que os equipara, socialmente, aos que detêm o patrimônio econômico. Por outro lado, essa

normatização viabiliza a pacificação das tensões naturais que caracterizam a oposição de

interesses existentes.

Assim é que a partir da Encíclica Rerum Novarum, da Constituição Mexicana de 1917,

da Constituição de Weimar de 1919 e da criação da OIT, também ocorrida em 1919 e pelo

Tratado de Versalhes, a universalização do Direito do Trabalho apresenta-se como medida de

regulação do mercado internacional para fixar patamares mínimos inerentes à dignidade

humana, cujo valor está fora do comércio.

Ocorre que essa medida encontra-se em xeque, em razão da mudança do processo

produtivo de feições globais. A globalização10 econômica estabeleceu uma nova divisão

internacional do trabalho em que o processo de produção é realizado em vários países, onde

seus custos com trabalhadores, carga tributária e garantias sociais sejam menores.

Surge então o discurso da flexibilização e da desregulamentação, iniciado há duas

décadas, pautando o tema da reforma trabalhista e tendo como consensual a adoção da

autonomia privada coletiva como princípio jurídico nuclear, tanto assim que já adotado na

10 Globalização significa atuação em espaço universal. A atuação de que se trata apresenta-se principalmente como de natureza comercial e financeira. A tendência é a de que a produção se projete, cada vez mais, não nos lindes de um país e sim numa “global village”. Não foi por outra razão que se criou, em 1º de janeiro de 1995, a Organização Mundial do Comércio, com a incumbência de zelar pelo bom funcionamento do comércio, sob ótica universal. Na área financeira, vem a talho registrar que, por meio de telecomunicações, cerca de 2 trilhões de dólares se transferem diariamente de um para outro lado do mundo, em busca de melhores rendimentos (MORAES, 1995, p. 2).

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Constituição Federal para a redução dos salários, a negociação sobre a jornada de trabalho e

os turnos ininterruptos de revezamento.

E assim, diante do fenômeno da globalização econômica, o Estado brasileiro,

ao promulgar suas leis, tem levado cada vez mais em consideração o contexto internacional, adotando as polêmicas estratégias de descentralização, desformalização, deslegalização e desconstitucionalização, paralelamente aos programas de privatização dos monopólios públicos e substituição dos mecanismos estatais de seguridade social por seguros privados [...] entendemos que o rumo da globalização econômica nos conduz às imposições do neoliberalismo, ignorando o longo percurso das conquistas dos direitos sociais pelos trabalhadores (BARBOSA, 2005, p.C7)

Diante da importância do tema e dos reflexos da desregulamentação e flexibilização

no Direito do Trabalho e, conseqüentemente, sobre seu princípio protetor, analisemos mais

detidamente cada uma dessas tendências.

3.2.1 Desregulamentação: ocaso do Direito do Trabalho

A desregulamentação constituiria o ocaso do Direito do Trabalho, sendo o trabalho

considerado, “simplesmente algo que se compra e se vende em um mercado” (ANISI, 1995,

p.78). E assim, sem as regras e os princípios que regulam a relação de trabalho, tanto no plano

individual quanto no coletivo, restaria garantida a existência de um mercado de trabalho

“livre”. Na desregulamentação, todas as medidas perseguidas na flexibilidade do modelo

produtivo seriam introduzidas pelos próprios atores sociais sem a interferência do Direito,

nem mesmo no tocante à exigência da negociação coletiva. Seria, enfim, uma verdadeira

situação de anomia.

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Teríamos o retorno ao passado, à época em que a prestação de serviços era regulada

pelo Direito Civil, sendo o trabalho considerado mera mão-de-obra. O contrato, isento de

qualquer proteção, já não se diferenciaria, mais uma vez, de um contrato de Direito comum,

seria uma relação movida só pela vontade individual e que desconhece a discrepância entre a

desigualdade dos contratantes.

Nessa perspectiva, no entanto, deve ser repudiada. O trabalho ainda é o único meio de

sobrevivência de grande parte das pessoas e sua desvalorização somente pode ocorrer se

excluído de uma parte da população o direito à cidadania. È que se o Princípio da Proteção

aparece como resposta a princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa

humana e o valor social do trabalho11, o fim do Direito do Trabalho significaria a violação

desses princípios e o desprezo à necessidade de convivência, como está inserido na

Constituição, entre princípios econômicos e sociais.

Enfim, a desregulamentação não nos parece ser a técnica ideal para a implementação

de mecanismos que contribuam para a solução das distorções do mercado de trabalho.

3.2.2 Flexibilização: o perigo da violação do patrimônio jurídico-econômico do trabalhador

Quanto à flexibilização, temos que existem diversas formas de se flexibilizar:

modernizando a legislação, suprimindo ou acrescentando-lhe dispositivos, oferecendo

algumas alternativas para a solução dos problemas existentes e incentivando a negociação.

A doutrina, normalmente se refere à flexibilização partindo dos significados

encontrados nos dicionários da língua portuguesa. Assim é que, geralmente, os autores

11 “Artigo 1º, incisos III e IV, da Constituição Federal: “A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamento [...] III - a dignidade da pessoa humana; IV – o valor social do trabalho”.

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

referem-se à flexibilização como um fenômeno de ductibilidade, maleabilidade, plasticidade,

de quebra da rigidez do Direito do Trabalho.

Flexível é algo que se dobra sem quebrar, o fácil de manejar, o elástico, o maleável.

Flexibilizar o Direito do Trabalho quer dizer, portanto, torná-lo ajustável a situações fáticas,

menos rígido. Simboliza, ainda, a troca do genérico pelo individualizado; do válido pelo

eficaz; do fantasioso pelo real. Significa, finalmente, a predominância da convenção coletiva

sobre a lei; da autonomia dos grupos profissionais sobre o chamado paternalismo estatal. A

flexibilização do Direito do Trabalho é o processo de adaptação de normas trabalhistas à

realidade cambiante. Trata-se de processo porque se traduz em sucessão de estados e

mudanças. Caracteriza-se como adaptação porque não gera mudanças in vitro e sim as

exigidas pela realidade cambiante, como por exemplo, retrações ou expansões econômicas,

processo tecnológico, transformações sociais ou políticas (MAGANO, 2002, p. 5).

Desta forma, a modernização apresentada sob o rótulo da flexibilização é justificada,

antes de tudo, segundo os seus defensores, pela inevitabilidade do fenômeno da

mundialização do capital e pela necessidade de se acompanhar o desenvolvimento econômico

e social, relegando-se a um plano de menor importância a violação do patrimônio jurídico-

econômico do trabalhador, que outra alternativa não tem que não a de se adaptar à realidade

do “mercado” e dispor de sua força de trabalho conforme a lei de oferta e procura, pois dela –

e tão-somente dela – são extraídas as condições de sua subsistência.

Mas, em contrapartida ao cenário de flexibilização do trabalho, o capital preserva sem

flexibilizar-se. “O que importa para a frase da moda não é tanto ‘o Direito do Trabalho’, mas

o Direito ao Trabalho” e, para se criarem empregos, é preciso flexibilizar, “um verbo

simpático, que passa a idéia de inovação, abertura, modernidade, mas que o capital recusa-se

a conjugar e ordena que o trabalho conjugue, que inove nas formas e retroceda nas essências,

rumo à liberdade prometida que não passa de opressão” (VIANA, 2001, p. 168).

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

A flexibilização dos direitos trabalhistas é um movimento que acompanha tanto a crise

pela qual passou o capitalismo, quanto seu estágio atual, marcado pela tríade neoliberalismo,

globalização e capitalismo financeiro. Neste sentido, as principais formas de manifestação do

movimento já se vêm demonstrando há algum tempo. E por último, anote-se que todas as

manifestações ou instrumentos de flexibilização importam, de uma forma ou de outra, em

maior ou menor grau de intensidade, a atenuação ou mesmo supressão de vários direitos

trabalhistas.

Sabemos que o alvo principal do discurso da flexibilização do Direito do Trabalho é o

contrato individual de emprego, a relação típica entre empregado e empregador, caracterizada

pelo tradicional elemento da subordinação jurídica. Mas, não só a tipologia contratual tem

sido atacada, como também seus principais institutos: prazo de vigência, jornada de trabalho,

remuneração, proteção contra despedida imotivada e vinculação direta com a empresa.

É por essa razão que entendemos que o que se busca, dessa forma, é vulnerar as fontes

formais de Direito porque os fundamentos desse discurso não procedem, tanto assim que,

conforme vimos no presente estudo, o nosso sistema legal já contempla a flexibilização de

importantes aspectos da relação de emprego, restando

impertinente a prevalência do negociado sobre o legislado. Essa tese afronta a tradição jurídica brasileira, que é romano-germânica e não anglo-saxônica. A invocação do sistema de relações do trabalho norte-americano, onde os contratos coletivos entre empresas e sindicatos estipulam quase todas as condições de trabalho não é pertinente. Lá, esses contratos preenchem o vazio legislativo, porque raras são as leis que dispõem sobre os direitos individuais dos trabalhadores. É preciso considerar que o Brasil é desigualmente desenvolvido, onde regiões plenamente desenvolvidas convivem com outras em vias de desenvolvimento e com algumas preocupantemente subdesenvolvidas (SÜSSEKIND, 2005, p.14).

Sabemos que só existem sindicatos fortes, capazes de negociar em posição de

equilíbrio com importantes empresas nacionais e multinacionais, onde há espírito sindical.

A proteção do trabalhador pugna por uma flexibilização positiva para este, ou seja, por

uma

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

flexibilização de cláusulas do contrato individual de trabalho, estipulada supra ou extra legis, ainda que resultante da incorporação de regras do regulamento da empresa ou de instrumento da negociação coletiva, desde que visem: a) implementar nova tecnologia ou novos métodos de trabalho; b) recuperar a saúde econômico-financeira da empresa e preservar, em conseqüência, os respectivos empregos (SÜSSEKIND, 2005, p. 15).

Ocorre que, nos moldes em que a flexibilização está sendo aplicada no Brasil, não só

distorce a aplicação do Direito do Trabalho como também, ao retirar o tratamento protetor

conferido pelo Estado e transferi-lo para a esfera da manifestação dos sujeitos da relação de

emprego ou das entidades sindicais que representam os seus interesses, afeta o Princípio da

Proteção ao hipossuficiente.

Ainda assim, como pensar em flexibilidade do Direito do Trabalho se os direitos

mínimos de proteção dos trabalhadores são freqüentemente transgredidos? Como se pretender

um processo sério de flexibilização se a Justiça do Trabalho é constantemente acionada para

atestar a correção ou não de controles da jornada de trabalho? Como continuar flexibilizando

o Direito do Trabalho no Brasil se a primeira e uma de suas principais manifestações – a

terceirização – desde logo foi procedida sem limites e por empresas inidôneas?

Por fim, entendemos que a flexibilização deve ser aceita não como um fim em si

mesma, mas como um instrumento a serviço do Direito do Trabalho, e não o contrário,

conforme vem ocorrendo. O processo flexibilizante deve ser adotado segundo limites rígidos,

objetivos e, preferencialmente, predefinidos no direito positivo, que deverão ser traçados

pelos legisladores e interpretados pelos juristas sob a luz do Princípio da Proteção, de forma a

resguardar a dignidade do trabalhador.

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

3.3 O Princípio da Proporcionalidade e sua utilização no Direito do Trabalho brasileiro

O Princípio Constitucional da Proporcionalidade é uma das inovações surgidas no

ordenamento jurídico europeu no período pós-guerra para resolver o grande problema que

atinge os operadores do Direito no âmbito do Estado Democrático de Direito, representado

pela atualidade de conflitos entre princípios constitucionais aos quais de deve igual

obediência, por ser a mesma posição que ocupam na hierarquia normativa.

A gênese do princípio da proporcionalidade, também denominado de proibição de

excesso ou da razoabilidade12, acompanha a evolução do próprio direito. Pode-se identificar o

princípio com os conceitos de direito e justiça, porque o que é razoável é justo.

Devemos lembrar que os povos primitivos, ainda na fase da autotutela, já utilizavam o

princípio ao imputar a punição ao ofensor, pois o sistema retributivo “olho por olho, dente por

dente” já demonstra a existência de uma regra de adequação ou proporcionalidade entre

ofensa e castigo, dano e reparação.

Com a evolução dos povos e a crescente violação dos direitos humanos ao longo do tempo 13 , verificou-se que não bastam declarações escritas, mister se faz a efetividade desses direitos declarados. Especialmente no final do século XX, com o incremento das teorias dos direitos fundamentais, surge o princípio da proporcionalidade, como elemento de concretização dos direitos humanos (SANTOS, 2003, p. 120).

12 Alguns autores utilizam os termos proporcionalidade, proibição de excesso e razoabilidade como sinônimos, embora haja outros que distinguem a razoabilidade como derivada do direito norte-americano como medida impediente do arbítrio do legislador. Nesse sentido, GUERRA FILHO, 1990, p. 35. 13 Em um passado recente, no século XX, a humanidade presenciou duas guerras mundiais, além do horror do holocausto nazista, da guerra fria e do empobrecimento do terceiro mundo em níveis alarmantes, nunca vistos; presenciou ainda o apartheid na África do Sul, as guerras na Bósnia, Kossovo, Ruanda, Timor Leste, Afeganistão, Iraque, dentre tantas outras.

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Esse princípio atua como instrumento de eficácia positiva, pois além de evitar o

cometimento de excessos, ainda permite a utilização de mecanismos para equacionar as

medidas corretas na solução dos casos concretos, o que se materializa pelo manejo de seus

elementos ou subprincípios, de adequação, necessidade e princípio da proporcionalidade em

sentido estrito.

Eles fazem do princípio da proporcionalidade um teste, através do qual se verifica qual dos direitos apresentados sob a forma de princípio deve prevalecer ou como os direitos em colisão devem se comportar no caso concreto, medindo a constitucionalidade de atos estatais (SANTOS, 2004, p.109).

O subprincípio da adequação traduz a exigência da compatibilidade entre o fim

pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução; o subprincípio da

necessidade tem como pressuposto que a medida restritiva seja indispensável para a

conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por

outra igualmente eficaz, porém menos gravosa; e o subprincípio da proporcionalidade em

sentido estrito, por sua vez, refere-se ao “sistema de valoração que permite o perfeito

equilíbrio entre o fim almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a

intervenção na esfera de direitos do particular deve ser proporcional à carga coativa da

mesma” (BONAVIDES, 2001, p. 361).

No Brasil, esse princípio não está explicitado de forma individualizada no

ordenamento jurídico, ao contrário do que ocorre em outros países, como Alemanha e

Portugal, embora seja uma exigência inafastável da própria fórmula política adotada por nosso

constituinte, a do Estado Democrático de Direito, porque sem sua utilização não se concebe

bem realizar o mandato básico dessa fórmula, onde deve vigorar o respeito simultâneo dos

interesses individuais, coletivos e públicos.

Entretanto, o Princípio da Proporcionalidade está implícito na Constituição Federal

brasileira, podendo ser destacado o § 2º do art. 5º como sua base, no momento em que dispõe

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

que os direitos e garantias ali expressos “não excluem outros decorrentes do regime e dos

princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do

Brasil seja parte”, além dos textos constitucionais insertos nas seguintes figuras de normas:

Incisos V, X e XXV do art. 5º sobre direitos e deveres individuais e coletivos; incisos IV, V e XXI do art. 7º sobre direitos sociais; § 3º do art. 36 sobre intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal, inciso IX do art. 37 sobre disposições gerais pertinentes à administração pública; § 4º, bem como alíneas c e d do inciso II do art. 40 sobre aposentadoria de servidor público; inciso V do art. 40 sobre competência exclusiva do Congresso nacional; inciso VIII do art. 71 da Seção que dispõe sobre fiscalização contábil, financeira e orçamentária; parágrafo único do art. 84 relativo à competência privativa do Presidente da República; incisos II e IX do art. 129 sobre funções constitucionais do Ministério Público; caput do art. 170 sobre princípios gerais da atividade econômica; caput e §§ 3º, 4º e 5º do art. 173 sobre exploração da atividade econômica pelo Estado; § 1º do art. 174 e inciso IV do art. 175 sobre prestação de serviços públicos (BONAVIDES, 2000, p. 395).

O Princípio da Proporcionalidade impõe-se como instrumento de resolução do

aparente conflito de princípios. Quando o intérprete se depara com uma circunstância na qual

um princípio colide com outro, um dos principais meios de que ele pode se utilizar para

solucionar o problema é, exatamente, o princípio da proporcionalidade – quer ele declare ou

não, quer tenha consciência disso ou não (NUNES, 2002, p. 41).

É por essa razão que o mesmo é identificado 14 como verdadeiro “princípio dos

princípios”, ordenador do direito. Outros doutrinadores15, por sua vez, preferem tratá-lo como

derivado do princípio da dignidade da pessoa humana, fazendo-o ressurgir como princípio

ordenador apenas quando se estiver diante de possível conflito de dignidade.

O fundamento do princípio da proporcionalidade é a cláusula do due process of law, em seu alcance substantivo (substantive due process), a permitir que o Juiz examine as leis e atos administrativos sob aspecto de sua racionalidade e razoabilidade, o que não lhe era permitido pela visão tradicional da separação dos poderes (FERREIRA, 2000, p.65).

14 GUERRA FILHO, 1999, p.59 e 62. 15 Dentre eles, NUNES, 2002, p.42.

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

No Direito do Trabalho pátrio a doutrina e a jurisprudência trabalhistas já adotavam,

em sentido genérico, a proporcionalidade. Senão vejamos posicionamentos doutrinários que

noticiam a sua aplicação.

Ninguém pode negar o direito do empregador de complementar e respaldar o seu poder diretivo com a faculdade de sancionar os infratores. É o que lhe dá eficácia e efetividade. Mas essa possibilidade de aplicar sanções não significa carta branca para atuar de qualquer maneira. Tem-se que se basear em critérios de razoabilidade. Deve existir uma razoável proporcionalidade entre sanções aplicáveis e a conduta do trabalhador, tanto no que se refere à natureza da falta, com sua reiteração, como também no que concerne aos demais antecedentes do trabalhador punido (PLÁ RODRIGUEZ, 2004, p. 411).

Importante destacar ainda que,

manda o bom-senso e o ideal de justiça, já consubstanciados no princípio geral de direito - que recomenda atribuir a cada um seu quinhão (suum cuique tribuere) - , deva existir uma proporcionalidade entre o ato faltoso e sua punição, aplicando o empregador as penas menos severas para as infrações mais leves e reservando o despedimento para as mais graves (GIGLIO, 2000,p. 16).

Na jurisprudência brasileira, podemos mencionar as seguintes decisões:

JUSTA CAUSA. IMPROBIDADE. FALTA DE QUINHENTOS GRAMAS DE QUEIJO. PUNIÇÃO EXCESSIVA. A improbidade aplicada à Reclamante por ter sido flagrada portando quinhentos gramas de queijo no valor de quatro reais e cinqüenta centavos, foi desproporcional ao ato praticado por produzir consequências altamente negativas na vida funcional do trabalhador, que o acompanharão por toda vida afora, inclusive dificultando novo emprego. A Justa causa deve ser aplicada com cautela. Assim, caberá ao empregador a dosagem da punição que poderá ir desde uma advertência, passando pela suspensão e só então a despedida. A punição tem que ser proporcional ao ato aplicado (TST, RR 503757, 1998, 3ª Turma).

JUSTA CAUSA. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O ATO DO EMPREGADO E O PREJUÍZO SOFRIDO PELO BANCO. A relação causa-efeito entre a ação do empregado e o prejuízo sofrido pelo banco deve estar suficientemente demonstrada para fundamentar a ruptura do contrato de trabalho, com justa causa, pelo empregador. In casu, o recorrido cometeu uma irregularidade administrativa, todavia, a penalidade aplicada não guardou a devida proporcionalidade com a falta aplicada (TRT 11ª Região, RO 230/98, Pleno).

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Atualmente, o estudo da aplicação desse princípio no Direito do Trabalho nos parece

oportuno face à atual discussão sobre a prevalência do negociado sobre o legislado, conforme

ideal neoliberal, ou seja, a defesa do Princípio da Autonomia Privada Coletiva em detrimento

do Princípio da Proteção, respectivamente.

Nesse aspecto, ao contrário do que possa inicialmente parecer, a aplicação do

Princípio da Proporcionalidade no Direito do Trabalho não é sinônimo de que o Princípio da

Proteção deverá ser proporcionalmente aplicado para solução do caso concreto. Muito pelo

contrário, para que um direito individual ou coletivo seja afastado, em razão da aplicação do

Princípio da Proteção quando este estiver em conflito com outro princípio fundamental, no

caso em estudo o Princípio da Autonomia Privada Coletiva, devemos verificar o conteúdo do

Princípio da Proporcionalidade, ou seja, os seus elementos constitutivos. É o que veremos a

seguir.

3.4 A aplicação do Princípio da Proporcionalidade quando em conflito o Princípio da

Proteção e o Princípio da Autonomia Privada Coletiva

São dois princípios constitucionais válidos, apesar de não expressos, numa situação

conflituosa, uma vez que não há como compatibilizar a aplicação do princípio protetor com a

do princípio da autonomia privada coletiva. “A colisão entre direitos fundamentais sociais e

direitos de liberdade se vê especialmente clara no direito do trabalho. Em um sistema de

economia de mercado, o Estado pode dispor apenas limitadamente do objeto deste direito”

(ALEXY, 1997, p. 492).

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

As normas em questão expressam, conforme vimos, dois valores opostos. Se fosse o

confronto de duas regras, a solução possível seria a eliminação de uma das regras

incompatíveis. Como já vimos, as regras, segundo Alexy, seriam normas que podem ser

cumpridas ou não. Em sendo válida a regra, nada há que se fazer, senão o que ela prescreva,

nem mais, nem menos. As regras, assim, contêm determinações no âmbito fático e

juridicamente possível. A conseqüência seria, portanto, a impossibilidade de validade dos dois

princípios no mesmo ordenamento jurídico. Ocorre que os princípios, não seria ocioso repetir,

são distintos das regras, são mandados de otimização, ou seja, são normas que ordenam que

algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais

existentes, eis que nenhum valor expresso por um princípio é absoluto (ALEXY, 1997, p. 87).

Não há princípio do qual se possa pretender seja acatado de forma absoluta, em toda e

qualquer hipótese, pois tal obediência unilateral e irrestrita a uma determinada pauta

valorativa – digamos, individual – termina por infringir uma outra, por exemplo, coletiva

(GUERRA FILHO, 1999, p. 45).

Assim, a aplicação dos princípios deve reger-se pelo critério do peso ou da

importância entre eles em determinado caso concreto e não pelo critério utilizado para as

regras.

Plá Rodriguez, analisando a obra de Alexy, Teoria de los derechos Fundamentales,

observa que os princípios

prescrevem que algo deve ser feito da maneira mais ampla possível, compatíveis com as possibilidades jurídicas e de fato. Isto significa que pode realizar-se em diversos graus e que a medida da devida realização não depende apenas das possibilidades de fato, mas também das possibilidades jurídicas de realização de um princípio que são determinadas essencialmente não só por regras, mas também por princípios contrastantes. Este último aspecto implica que os princípios são susceptíveis e exigem ponderação. A ponderação é a forma de aplicação característica dos princípios (PLÁ RODRIGUEZ, 2004, p.40).

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Portanto, conforme já ressaltamos, a solução dos conflitos entre os princípios requer

que o aplicador do direito pondere os valores e os elementos fáticos envolvidos no caso

concreto sem desconsiderar de forma absoluta o valor expresso em uma das normas

principiológicas.

Em se tratando do caso específico do Direito do Trabalho, resta inaceitável qualquer

alteração que elimine por completo as condições jurídicas para a aplicação do princípio

protetor ou do princípio da autonomia privada coletiva, eis que estas são duas normas válidas.

Embora o Princípio da Autonomia da Vontade não conste literalmente na

Constituição, é possível encontrar em seu texto a proteção aos seus aspectos essenciais. A

Constituição Federal de 1988 assegura uma liberdade geral no caput do seu art. 5º. A

autonomia privada e, em especial, a liberdade contratual, “encontram o seu fundamento e os

seus limites na idéia da configuração responsável da própria vida e da própria personalidade”

(HESSE, 1995, p. 78). Acrescenta referido doutrinador que o pressuposto da liberdade

contratual é a “situação jurídica e fática aproximadamente igual das partes. Desaparecendo

essa situação igualitária, estaria ultrapassada a razão de ser das limitações que a liberdade de

contratar exerce sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares”

(HESSE, 1995, p. 78).

Há, portanto, a necessidade de se realizar uma ponderação entre o Princípio da

Autonomia da Vontade e os valores protegidos como direitos fundamentais, tendo como

parâmetro que a idéia do homem, assumida pela Constituição democrática, pressupõe

liberdade e responsabilidade.

Na ponderação de bens, assume importância ímpar o Princípio da Proporcionalidade.

Esse princípio desempenha um papel extremamente relevante no controle de

constitucionalidade dos atos do poder público, na medida em que ele permite de certa forma a

penetração no mérito do ato normativo, para aferição da sua razoabilidade e racionalidade,

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

através da verificação da relação custo-benefício da norma jurídica, e da análise da adequação

entre o seu conteúdo e a finalidade por ela perseguida.

Conforme já mencionado, vários doutrinadores 16 dividem o Princípio da

Proporcionalidade em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em

sentido estrito.

Assim, para conformar-se ao Princípio da Proporcionalidade, uma norma jurídica

deverá, ao mesmo tempo, ser apta para os fins a que se destina; menos gravosa possível para

que se obtenha o fim almejado e causar benefícios superiores às desvantagens que

proporciona e, desta forma, analisemos a sua aplicação quando em conflito o Princpio da

Proteção com qualquer outro, em especial, o da autonomia privada coletiva.

3.4.1 Da adequação das normas protetoras

Quanto à adequação, vale repetir, tem-se que, quando houver conflito entre princípios,

a limitação sofrida pelo direito ou liberdade fundamental deve ser útil ao alcance do fim

perseguido.

O objetivo das normas de proteção é o equilíbrio da força entre as partes em uma

relação de trabalho para que desta desigualdade material não decorra a sujeição do trabalhador

a condições de trabalho indignas. Para tanto, a intervenção do Estado no conteúdo da relação

de trabalho tem sido de vital importância para a concretização do objetivo citado.

Assim, inquestionável a adequação das normas protetoras face à existência da

desigualdade material entre os contratantes.

16 Veja BONAVIDES, 1993, p. 318 e seguintes; BARROS, 1996, p. 72 e seguintes e SANTOS, 2004, p. 109-114.

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

3.4.2 Da necessidade das normas protetoras

O princípio da necessidade diferencia-se do princípio da adequação por questionar,

não a consecução de um fim por determinado meio, mas se o meio indicado pela norma

principiológica pode ser exigível, se é aquele que menos limitações vai gerar em relação a um

outro direito fundamental.

No caso do Direito do Trabalho, pode-se concluir que um estatuto protetor é um meio

adequado para conferir maior dignidade à relação de trabalho, no entanto, é conveniente aferir

se este meio é necessário, ou em outros termos, se não há outro modelo que possa alcançar

igual objetivo sem limitar da mesma forma o princípio da autonomia privada coletiva.

Temos então que a alternativa mais difundida no meio juslaboralista, conforme vimos,

é a de um ordenamento laboral flexível. Nessa linha de entendimento, as normas protetoras

não deixariam de existir, apresentando-se um modelo que, atingindo o mesmo fim, não traria

idênticos danos para a autonomia das partes na relação de emprego.

Vale repetir que os sindicatos entrariam em cena, significando a junção de forças dos

empregados, para manter o equilíbrio decorrente das desigualdades materiais existentes.

Ocorre que a questão não é tão simples assim em razão de dois aspectos essenciais do nosso

cenário sindical: a liberdade e o poder das organizações dos trabalhadores.

Diga-se mais uma vez que a primeira medida para instaurar um novo modelo de

relações do trabalho baseado na negociação coletiva deveria ocorrer, não no âmbito dos

direitos individuais, mas dos direitos coletivos. Assim, diante da fragilidade da força sindical

existente no País, sem liberdade e autonomia para atuar, através de sindicatos representativos,

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

a autonomia coletiva não constitui meio adequado para garantir aos trabalhadores condições

dignas. Por esta razão, não é demais repetir que a reforma do Direito Coletivo do Trabalho

constitui um pressuposto para a criação de um ordenamento laboral mais democrático, mais

justo, pois os atores sociais não podem criar suas próprias condições de trabalho se não

contam com entidades formalmente livres.

Apesar dos problemas metodológicos e conceituais, e das diferenças com relação à

avaliação da profundidade do fenômeno da dessindicalização e ao futuro da

instituição sindical, é consensual entre a grande maioria dos pesquisadores a tese da

queda geral dos níveis de sindicalização nos países desenvolvidos durante a década

de 80 (RODRIGUES, 1999, p.21-22).

A crise econômica diminuiu o poder de barganha dos sindicatos, alem de colocá-los

entre os interesses dos trabalhadores empregados e dos muitos que já perderam o emprego.

Entendemos, assim, ser imprescindível para que efetivamente a proteção e a

autonomia privada coletiva sejam aplicadas de forma ponderada, que as relações de trabalho

tornem-se democráticas.

Desta forma, repetimos, a atuação estatal, mediante a previsão de direitos que se

situam fora do âmbito de negociação das partes é necessária, considerando que a negociação

coletiva em si não constitui meio capaz de garantir condições de trabalho que preservem a

dignidade do trabalhador.

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

3.4.3 Da proporcionalidade em sentido estrito entre Princípio Protetor e Princípio da

Autonomia Privada Coletiva

A proporcionalidade em sentido estrito preconiza a ponderação entre os efeitos

positivos da norma e os ônus que ela acarreta aos seus destinatários. “Esse subprincípio cuida

da ponderação entre direitos, bens ou interesses” (SANTOS, 2004, p.113).

Nos critérios anteriores analisaram-se as condições fáticas para a aplicação de um

princípio, observamos agora suas condições jurídicas, de tal forma que as disposições de um

princípio serão analisadas em relação às disposições do princípio conflitante, e, de acordo

com a máxima da ponderação. Quanto maior o grau de insatisfação ou de afetação de um

princípio, tanto maior é a importância e a satisfação do outro (ALEXY, 1997, p. 161).

Assim, considerando-se que o princípio protetor é adequado e necessário para que se

alcance um patamar mínimo de dignidade e justiça nas relações de trabalho, verifica-se em

que medida essa proteção deve ser concretizada, de forma que os prejuízos causados à

autonomia dos atores sociais não sejam superiores aos benefícios gerados pelas regras

protetoras, aplicando-se, para tanto, o princípio da ponderação.

Como vimos, discutimos o princípio protetivo e o princípio da autonomia privada

coletiva, além dos efeitos da regulação e as mudanças do Direito do Trabalho. São, na

verdade, questões complementares e se há distorções dos dois lados, há de se efetuar uma

reforma, mas respeitando-se o que está afirmado na Constituição: pluralismo político e

dignidade da pessoa humana.

Convém ressaltar que a ponderação dessas normas é a que conduz a um ordenamento

jurídico composto por um núcleo de direitos fundamentais dos trabalhadores, inalterável in

pejus pela negociação coletiva, ou seja, um núcleo definitivo do Direito do Trabalho, cuja

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

presença na Constituição Federal garante a dignidade do trabalhador, independentemente das

eventuais e já costumeiras crises econômicas que assolam nosso país e pelo princípio da

liberdade sindical, reconhecido na Constituição em todos os seus aspectos, porém sem que as

técnicas flexibilizadoras eliminem por completo a possibilidade de proteção ao empregado.

O que diferencia e legitima o Direito do Trabalho é a busca pela garantia da dignidade.

Protege-se para que as pessoas trabalhem em condições dignas.

As empresas reclamam, no cenário atual, dos altos encargos sociais e da falta de

espaço para a negociação coletiva, sustentando que a submissão às disposições legais

materiais inviabiliza a competitividade e, assim, visam o fim do Direito do Trabalho; os

empregados, por outro lado, temem que, diante da busca, pelas empresas, da diminuição do

custo do produto, a desvalorização do trabalho surja como o caminho mais curto para a

entrada no mercado mundial.

Ocorre que a função protetora do Direito do Trabalho tem como objetivo exatamente

preservar o valor do trabalho, assegurando direitos fundamentais e evitando que o homem, por

trás do empregado, seja esquecido.

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

CAPÍTULO IV

AS NOVAS FORMAS DE TRABALHO E A PRECARIZAÇÃO DO PRINCÍPIO

PROTETOR

SUMÁRIO: 4.1. Novas modalidades de prestação de trabalho. 4.1.1. Terceirização: risco de precarização do trabalho humano mediante contratação ilegal de mão-de-obra por pessoa interposta. 4.1.2.Cooperativismo: tipo de contratação que muitas vezes mascara uma relação de emprego. 4.1.3. Trabalho Voluntário: diminuição das relações de emprego face à graciosidade de serviço. 4.1.4. Trabalho em Domicílio: existência estrutural de espoliação do trabalho humano. 4.1.5. Teletrabalho: trabalho em domicílio que exige qualificação profissional do trabalhador, mas que também traduz espoliação do trabalho humano. 4.1.6. Trabalho Informal: estratégia de sobrevivência humana, sem qualquer direito trabalhista. 4.2. Novos tipos de contrato de trabalho. 4.2.1. Contrato de trabalho provisório: verdadeiro atentado à relação de emprego e ao Princípio da Proteção. 4.2.2. Contrato de trabalho em tempo parcial: preocupação quanto às distorções que podem ocorrer em sua aplicação. 4.2.3. Contrato de trabalho intermitente: sinônimo de eliminação de postos de trabalho. 4.3. Nova realidade no mundo do trabalho e uma nova discussão: a possibilidade de prevalência do negociado sobre o legislado.

4.1 Novas modalidades de prestação de trabalho

O surgimento do Direito do Trabalho ocorreu em uma época em que as fábricas eram

verticais, absorventes, atuando por meio de rígidas hierarquias. Período da produção em série

para um consumo crescente. Trabalhadores homogêneos, em massa. “Para vender, bastava

produzir. A fábrica virtualmente ditava o quê e quanto o mercado compraria” (VIANA, 1998,

p. 21). O custo era calculado onde o lucro era estimado e o preço fixado, de cima para baixo,

na mesma seqüência do ciclo produtivo (VIANA, 2004, p. 159).

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Na atualidade, a fábrica se horizontaliza. O modelo é a empresa enxuta, que elimina

estoques e esperas, produz apenas o que pode vender, reduz progressivamente os custos,

automatiza-se e se organiza em rede, atribuindo às parceiras tudo o que lhe parecer

descartável.

Ao se horizontalizar a empresa não ficou menor, em termos econômicos, mas ao

contrário, ficou ainda maior. Sua redução foi apenas física porque as empresas menores que

lhe prestam serviços submetem-se aos seus desígnios. É um processo no qual a concorrência

se acentua, muito mais na base que no topo, tanto assim que as contratadas lutam para ganhar

os contratos e as contratantes se unem em fusões, incorporações e oligopólios de todo tipo17.

Observa-se, ainda, a luta entre si das contratadas para induzir o cliente a comprar um produto

diferente e não para convencer o cliente que a sua marca é a melhor de todas.

Nesse processo, inverte-se o movimento entre produção e consumo. Embora a

produção continue sendo em massa, agora passou a ser variada e variável, separada em

pequenos e múltiplos lotes, quase sob medida. Antes o empresário calculava os custos, fazia

projeção do lucro e fixava o preço, agora estima o preço possível, fixa o lucro que almeja

alcançar e corta os custos.

Todas essas mudanças afetam também os modos de trabalhar e a classe trabalhadora,

trazendo uma redistribuição de tempos e espaços. Houve uma reordenação nas relações de

poder e a disseminação de uma nova ideologia, a sugerir a proposta de um novo direito.

Verifica-se, nesse processo, que a subordinação, tida no passado como a nota típica da relação

de emprego, atualmente tem sido alvo das novas modalidades de contratação do trabalho

humano.

17 Exemplos: a Crysler tem cotas da Mitsubish, Maserati e Fiat; a IBM, a Aple Computer e a Motorola se aliaram para desenvolver a próxima geração de computadores; um novo jato super-jumbo começa a ser discutido pela Airbus, Douglas, Mitsubish, Kawazaki e Fugi. Apenas duas companhias controlam 50% das exportações dos EUA, país que contabilizou 4.100 fusões entre 1982-90 (KORTEN, 1996, p.260). Op. cit. VIANA, 2004, p. 160.

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

A tendência apontada pela doutrina é a de que o trabalho subordinado e por conta

alheia perca a exclusividade como centro gravitacional do Direito do Trabalho e passe a

figurar lado a lado com novas formas de trabalho sujeitas a diferentes níveis de intensidade da

subordinação (HOFFMANN, 2003, p. 185).

Percebe-se, conseqüentemente, uma mudança radical no modo de ser do trabalho,

inclusive no que se espera do trabalhador, devendo este ser capaz de criar, laborar agilmente e

contribuir com inovações em favor da empresa. Por outro lado, temos o capital a fazer

exigências contínuas para aumentar a precarização do trabalho sob o argumento de que

experiências como a flexibilização e a desregulamentação do trabalho aumentariam o nível de

emprego e trabalho18.

Nesse cenário, surge um novo tipo de trabalhador, que não é o empregado

juridicamente subordinado ou o trabalhador autônomo coordenado, mas o trabalhador

colaborador, que não integra a estrutura interna de produção. Este trabalhador “se considera

livre e parceiro de seus ex-empregadores, trabalha em sua residência, conforme a demanda de

trabalho, e recebe por metas atingidas”. Uma nova empresa se forma, sem mão-de-obra, sem

comando direto, autoritário, visível e externo, e “acentuando a subordinação indireta,

invisível, internalizada, mas nem por isso menos autoritária” (HOFFMANN, 2003, p. 186).

Surge também o trabalho a domicílio, ou ressurge, recebendo, conforme veremos

posteriormente, a denominação de teletrabalho, dependendo de certas circunstâncias. A

retomada do trabalho a domicílio ressuscita o regime de superexploração vivido no século

XIX e no início do século XX.

Daí vem o repensar o Direito do Trabalho e o seu princípio protetor. Essas mudanças

realmente afastam a finalidade do Direito do Trabalho, ou seja, a proteção do trabalhador? ou

18 Como advertem inúmeros economistas e estudiosos do Direito do Trabalho, o Brasil é um dos países que mais flexibilizaram sua legislação trabalhista. Basta lembrarmos o FGTS, que pôs fim à estabilidade geral no emprego, os contratos temporários e por tempo determinado, o trabalho parcial, a ausência de proteção real contra despedida arbitrária ou imotivada, além da ampliação desmedida de contratos de estágio.

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

essas alterações apontam na direção da ampliação dessa proteção para que não haja violação

do direito do trabalhador de viver condignamente? Para que possamos responder essas

indagações, impõe-se uma análise sobre as novas modalidades de prestação de trabalho –

terceirização, cooperativismo, trabalho voluntário, trabalho em domicílio, partilha de emprego

e trabalho informal. Essas novas características da atual sociedade revelam o obsoletismo dos

elementos de identificação da figura jurídica do empregado ao mesmo tempo em que as novas

figuras contratuais e transformações desafiam o antigo modelo normativo, que caminha

“rumo à exclusão de grande parcela de trabalhadores, carentes de tutela protetora”

(BRANDÃO, 2003, p. 64).

4.1.1 Terceirização: risco de contratação ilegal de mão-de-obra por pessoa interposta

A terceirização consiste na possibilidade de contratação de terceiro para realização de

atividades que não constituem o objeto principal da empresa. É “a transferência de segmento

ou segmentos do processo de produção da empresa para outras de menor envergadura, porém

de maior especialização na atividade transferida” (PINTO; PAMPLONA FILHO, 2000, p.

500); “vocábulo não dicionarizado, neologismo bem formado, portanto aceitável, construído a

partir de terceiro, forma erudita, equivalente à popular terceiro” (ROMITA, 1992, p. 56-68).

A terceirização pode ser considerada, juntamente com a globalização, subproduto

natural da Revolução Tecnológica nos campos econômico e organizacional da empresa.

Dogmaticamente, trata-se de “uma forma de intermediação de mão-de-obra, de grande

utilização na sociedade contemporânea, consistente na contratação, por determina empresa, de

serviços de terceiros, para suas atividades-meio” (PAMPLONA FILHO, 2001, p. 480).

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

A terceirização insere-se genericamente como nova forma de produzir, em busca de

conceitos como corte de custos, produtividade e competitividade, consistente no expurgo do

interior das fábricas das atividades periféricas à produção principal. A terceirização acentua o

caráter civil das relações de trabalho, tal como pretendido pelos ideólogos neoliberais, posto

que permite a inserção da figura de um atravessador.

A terceirização acha-se disciplinada pela Súmula 331, do TST, que, em princípio,

proíbe a contratação do trabalho por empresa interposta, mas, paradoxalmente, oferece as

seguintes exceções: trabalho temporário, serviços de vigilância, serviços de conservação e

limpeza, e a ampla possibilidade de quaisquer serviços especializados ligados à atividade-

meio do tomador.

Essa modalidade de contratação, mediante terceiros, pode envolver a produção de

bens ou de serviços.

Observa-se, porém, desde o início do processo de terceirização no Brasil, a

contratação ilegal de mão-de-obra por pessoa interposta. Não há lei dispondo sobre essa

forma de contratação, tanto assim que a falta de amparo legal para a contratação genérica

desse tipo de serviços entre as empresas prestadoras e a tomadora de serviços fez com que a

jurisprudência se posicionasse no sentido da ilegalidade da intermediação e da formação da

relação de emprego diretamente com a empresa beneficiária do trabalho prestado, exceto nos

casos de trabalho temporário ou serviços de vigilância, conservação e limpeza, bem como os

especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a

subordinação direta19.

Se a terceirização é um fato que não deve ser ignorado pelo Direito do Trabalho,

devemos reconhecer sua existência e interpretá-la segundo o Princípio da Proteção, ou seja,

admitindo-se a terceirização séria, responsabilizando-se solidariamente o tomador de serviços,

19 Cf. Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho e Leis ns. 6.019/74 e 7.102/83.

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

criando requisitos mais rígidos de constituição de empresas prestadoras de serviços e sistema

efetivo de fiscalização das obrigações.

4.1.2 Cooperativismo: contratação que muitas vezes mascara uma relação de emprego

As Cooperativas encontram sua origem na antiguidade, com antecedentes entre os

babilônios, os gregos e os romanos (VIDAL NETO, 2001, p. 37).

O Decreto-lei n. 22.239, de 19 de dezembro de 1932, definiu as sociedades

cooperativas, estabelecendo que eram sociedades de pessoas, e permitiu que fossem

organizadas em qualquer gênero de atividades, na lavoura, na indústria, no comércio, no

exercício das profissões e de quaisquer serviços de natureza civil e mercantil. Também

classificou as cooperativas nas seguintes categorias principais: cooperativas de produção

agrícola, de produção industrial, de trabalho (profissionais ou de classe), de beneficiamento de

produtos, de compras em comum, de consumo, de abastecimento de crédito, de seguros, de

construção de casas populares, cooperativas editoras e de cultura intelectual, cooperativas

escolares, cooperativas mistas, cooperativas centrais, cooperativas de cooperativas

(federações).

Mencionado decreto permaneceu em vigor até a promulgação da Lei n.5.764, de 16 de

dezembro de 1971, que definiu a Política Nacional de Cooperativas, até hoje em vigor. A

relação entre a Cooperativa e seus associados, em conformidade com esta lei, dispõe em seu

art. 90 a inexistência de vínculo trabalhista entre o tomador de serviço de determinada

Cooperativa e os associados desta.

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Para fins do nosso estudo, interessa-nos, particularmente, as cooperativas de trabalho,

assim definidas no art. 24 do supramencionado Decreto-lei:

São cooperativas de trabalho aquelas que, constituídas entre operários de uma determinada profissão ou ofício, ou de ofícios vários de uma mesma classe, têm como finalidade primordial melhorar os salários e as condições de trabalho pessoal de seus associados, e, dispensando a intervenção do patrão ou empresário, se propõem contratar e executar obras, tarefas, trabalhos ou serviços públicos ou particulares por todos ou por grupos de alguns.

O cooperativismo tem sido praticado no Brasil mediante a intermediação de mão-de-

obra por meio de cooperativas de prestação de serviço, mas essa contratação tem sido feita de

forma completamente dissociada da realidade social e do ordenamento jurídico, porque

muitas vezes mascara a relação de emprego flagrantemente mantida entre “o cooperado” e o

beneficiário da prestação de serviços.

Geralmente as cooperativas, além de buscarem lucros, o que já é suficiente para

demonstrar a real intenção dos seus fundadores, muitas vezes selecionam candidatos a

associados mediante condicionamento à filiação com preenchimento de um formulário de

proposta de adesão em troca da alocação dos seus serviços; prestação de serviços estes que, na

prática, são relacionados à atividade-fim da empresa tomadora; com estipulação da jornada de

trabalho a ser cumprida e registrada em controles de freqüência e remuneração dos

cooperados, conforme a hora trabalhada e concessão aos associados de alguns benefícios

típicos da relação de emprego.

Desta forma, o disposto no parágrafo único do art. 442 da CLT, ao dispor que

“qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo

empregatício, entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços

daquela”, não pode ser aplicado às cooperativas cridas com intuito de desvirtuar as relações

de emprego, mas àquelas que de fato obedecem ao comando da lei, caso contrário, ficará

patente o atentando contra o Direito do Trabalho e, conseqüentemente, o Princípio da

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Proteção, face à configuração da exploração do trabalho de supostos cooperados que, na

condição de seres humanos, têm o direito de serem tratados com dignidade.

4.1.3 Trabalho Voluntário: diminuição das relações de emprego face à graciosidade da

prestação de serviço

O trabalho voluntário é uma forma nova de prestação de serviços onde ganha força “a

idéia de que a sociedade deve arcar com parte das atividades anteriormente desenvolvidas

pelo ente público” (ANTUNES, 1999, p. 113-115). Esse trabalho é prestado de forma

comunitária e assistencial, como solução para os males do desemprego.

O trabalho voluntário está definido no art. 1º da Lei 9.608/98. Considera-se trabalho

voluntário, no Brasil, a atividade não remunerada e prestada por pessoa física a entidade

pública de qualquer natureza ou à instituição privada sem fins lucrativos e que tenha objetivos

cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social.

Ocorre que apesar de o trabalho puramente voluntário não se inserir na esfera da

aplicação e proteção do Direito do Trabalho, afeta-lhe no sentido da diminuição das relações

de emprego face à graciosidade da prestação de serviços e tendo em vista que muitas vezes o

trabalho voluntário mascara a existência de verdadeira relação de emprego, a exemplo do que

acontece muitas vezes com a terceirização e o cooperativismo.

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

4.1.4 Trabalho em Domicílio: existência estrutural de espoliação do trabalho humano

O trabalho em domicílio tem origem no trabalho artesanal, da pequena indústria

caseira. O art. 6º da CLT não faz distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do

empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a

relação de emprego. O art. 83 da CLT, por sua vez, usa a expressão oficina de família. Essa

modalidade de prestação de trabalho existia mesmo antes da Primeira Revolução Industrial,

porém em razão dos avanços tecnológicos, passou a ser revitalizada. Consiste na contratação

de vários trabalhadores por agentes de empresas para a realização de partes ou etapas de um

determinado artigo ou procedimento em suas próprias residências.

Embora o serviço não seja prestado no interior da empregadora, o que se observa, sem

dificuldade, é que esse tipo de trabalho traz consigo a espoliação do trabalho humano uma vez

que as pretensas autonomia e liberdade, decorrentes da suposta livre fixação da jornada de

trabalho a ser cumprida pelo próprio trabalhador, não existem, face às aperfeiçoadas formas

de fiscalização indireta da prestação de trabalho.

Não há dúvida de que a utilização em maior escala do trabalho em domicílio constitui

forma de flexibilização, já que a atividade laboral é realizada fora do estabelecimento da

empresa, mitigando-se o requisito da subordinação, pela menor quantidade de ordens diretas

recebidas pelo empregado.

Nesse tipo de prestação de serviços o trabalho é remunerado por produção e não por

hora trabalhada, inexistindo o pagamento do labor extraordinário, ainda que este ocorra.,

restando manifesta a precarização do trabalho humano.

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

4.1.5 Teletrabalho: trabalho em domicílio que exige qualificação profissional do trabalhador,

mas que também traduz espoliação do trabalho humano

O teletrabalho é uma modalidade de trabalho à distância, voltada preponderantemente

às atividades administrativas que possibilitam a execução longe do seio da empresa. Os

termos teleworking e telecommuting foram utilizados , pela primeira vez, pelo americano Jack

Nilles, que assim os definiu:

- Teleworking: qualquer forma de substituição da viagem ao local de trabalho pelas tecnologias da informação – tais como meios de telecomunicações e computadores - movimentando-se o trabalho ao trabalhador ao invés de moverem-se os trabalhadores ao local de trabalho. - Telecommuting: trabalho periódico realizado fora do escritório principal – durante um ou mais dias da semana – na casa do trabalhador, no local do cliente ou em um centro de teletrabalho (NILLES, 1998, p. 330).

Esta é uma nova forma de prestação de serviços em domicílio, porém realizados

mediante a utilização da tecnologia da informação. Funciona da seguinte forma: as empresas

adquirem os equipamentos necessários para a realização do serviço e os trabalhadores,

alojados em um cômodo da sua residência, operam esses equipamentos, sem cumprimento de

jornada de trabalho, sendo que muitas vezes cumprem jornada de trabalho superior àquela que

tradicionalmente seria prestada caso ocorresse no interior da empresa e, como se não bastasse,

recebem contraprestação inferior àquela que perceberiam se ela fosse vinculada à condição de

tempo.

O teletrabalho induz a uma precipitada conclusão de libertação do empregado, que

pelo fato de trabalhar em sua casa, acredita que esteja livre de regras referentes à jornada de

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

trabalho e comportamento. Entretanto, essa idéia é falsa porque nesse modelo de prestação de

serviços há uma “superação da barreira entre vida profissional e vida privada do trabalhador,

entre tempo de atividade profissional e tempo de lazer, com interferência direta da empresa

nos domínios da intimidade e da própria consciência do trabalhador” (MELHADO, 2000, p.

84).

Convém salientar a existência de precarização das condições de trabalho nessas

condições porque, conforme adverte a doutrina, este tipo de trabalho também pode trazer

prejuízo à saúde do trabalhador. Nesse sentido temos que

no mundo globalizado é crescente o número de empresas virtuais, aquelas cujas atividades podem ser realizadas a distância. Os empregados destas empresas por vezes trabalham em casa, ou como verdadeiros vendedores viajantes, ligados à empresa por correio eletrônico, ou comunicação simultânea, através de laptops, pela Internet. Todavia, apesar da dificuldade de se especificar qual o meio ambiente laboral destes trabalhadores, uma vez que este ambiente deve ser considerado como o “habitat laboral” onde quer que se firme, forçoso destacar que este tipo de trabalho também pode trazer prejuízos à saúde do trabalhador. E saúde, lembre-se, independentemente da atividade exercida, é direito fundamental do trabalhador (MELO, 2001, p. 99.

Por fim, importante acrescentar a existência de diferença entre o teletrabalho e o

trabalho em domicílio, que podemos encontrar na qualificação profissional do trabalhador, eis

que o conhecimento de telecomunicações e informática é indispensável para o primeiro.

“Volatiza-se o elemento subordinação como característica do contrato de trabalho e surgem

dúvidas a respeito da própria configuração deste” (MAGANO, 1999, p.10).

Entretanto, em ambas as situações o que se verifica, portanto, é a precarização do

trabalho humano.

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

4.1.6 Trabalho informal: estratégia de sobrevivência humana, sem qualquer direito trabalhista

Há uma grande confusão em torno do significado do trabalho informal. Isso não se

deve a pelejas metodológicas entre pesquisadores. Na verdade, a própria natureza do trabalho

informal é complexa, englobando diferentes categorias de trabalhadores com inserções

ocupacionais bastante particulares. Entretanto, há duas formas básicas de se definir o trabalho

informal: de um lado, há os que definem o trabalho informal como aquele cujas atividades

produtivas são executadas à margem da lei, especialmente da legislação trabalhista vigente em

um determinado país (aqui estariam os trabalhadores por conta-própria, grande parte dos quais

não contribui à previdência; os trabalhadores sem carteira assinada e os não-remunerados).

Este ponto de vista compreende o trabalho informal a partir da precariedade da ocupação. De

outro lado, pode-se definir o trabalho informal como aquele vinculado a estabelecimentos de

natureza não tipicamente capitalista. Estes estabelecimentos se distinguiriam pelos baixos

níveis de produtividade e pela pouca diferenciação entre capital e trabalho. O núcleo básico

seria formado pelos trabalhadores por conta própria, mas também pelos empregadores e

empregados de pequenas firmas com baixos níveis de produtividade.

Assim, de acordo com este enfoque, o trabalho informal não é definido pelo respeito

ou não ao marco legal, mas de acordo com a dinâmica econômica das unidades produtivas.

Daí o fato de se caracterizar este setor como desorganizado, não-estruturado etc.

O trabalho informal pode tanto indicar uma estratégia de sobrevivência face à perda de

uma ocupação formal, como uma opção de vida de alguns segmentos de trabalhadores que

preferem desenvolver o seu "próprio negócio", ou seja, os trabalhadores informais seriam

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

aqueles vinculados ao chamado sistema simples de produção de mercadorias e serviços, onde

o assalariamento não é a regra, sendo antes a exceção. Aqui, o empregador também trabalha

como empregado, podendo fazer uso de ajudantes não-remunerados (geralmente familiares),

no caso dos autônomos, geralmente contratando empregados com ou sem carteira assinada, no

caso das microempresas, geralmente com até 5 empregados.

Segundo esta segunda perspectiva, a capacidade de geração de renda do trabalho

informal é definida pela expansão do setor capitalista da economia, o qual gera demanda por

bens e serviços. O trabalho informal pode estar vinculado tanto às cadeias produtivas das

empresas capitalistas – por exemplo, uma costureira que produz para uma grande empresa de

confecção – ou ao poder de consumo dos trabalhadores formais – por exemplo, uma doceira

que faz bolos e doces por encomenda.

O que se observa é que parte dos trabalhadores normalmente considerados informais -

os assalariados, sem carteira, de médias e grandes empresas - pertencem ao setor dinâmico, o

que significa que este tem sido incapaz de expandir emprego de qualidade. Isso por conta do

modelo de abertura indiscriminada com juros altos e crédito concentrado, mas também pela

tentativa por parte dos empregadores e do governo de reduzir direitos trabalhistas e de

restringir o alcance da organização sindical.

A precarização nessas atividades é, portanto, patente, havendo uma total desproteção

do trabalho humano, prestado muitas vezes com violação da dignidade do trabalhador, eis que

à margem da sociedade, sem garantias trabalhistas e, muitas vezes, previdenciárias.

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

4.2 Novos tipos de contrato de trabalho

Os novos tipos de contrato de trabalho visam, claramente, às finalidades empresariais,

à flexibilidade como estratégia para dotar a empresa de capacidade para adaptar-se às

mudanças, alcançando maiores níveis de produtividade com cada vez menos, em um período

menor, em uma área menor, e, principalmente, com menos empregados.

Prega-se em favor da diversidade de tipos contratuais, que o trabalhador, não mais

carente do “paternalismo estatal” e da “corporativa” assistência sindical, qualificado ou

desqualificado, é conhecedor do que acontece à sua volta e ciente dos efeitos jurídicos de cada

regime contratual, sabendo, portanto, definir o que é melhor para ele. O trabalhador é, assim,

tido como possuidor de suficiente autonomia de vontade para negociar direitos e obrigações.

Nessa linha de entendimento, defende-se um novo diálogo do Direito do Trabalho com

o Direito Civil e, além de propor que o primeiro busque no segundo alguns princípios e

institutos, sustenta-se também que se poderia

acrescentar o grande espaço aberto à autonomia da vontade, com a multiplicação dos contratos atípicos, a ampliação do trabalho a tempo parcial e a revalorização do trabalho autônomo, como sintomas reveladores de um neocontratualismo, que resgata de certa forma valores próprios do direito civil (ROBORTELLA, 1994, p.45).

Ocorre que no Brasil o que se tem visto é que a grande maioria dos inseridos e

excluídos do mercado de trabalho não é capaz de manifestar livremente a vontade e de,

conscientemente, eleger a forma contratual que determinará os direitos e as obrigações de

cada um dos sujeitos da relação de trabalho (HOFFMANN, 2003, p. 195).

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Em idêntico posicionamento atribui-se à majoração das formas de contratação a

responsabilidade pela debilidade do trabalho e pela escassez da mão-de-obra:

ao longo das últimas décadas, principalmente após os anos 1950, vimos assistindo a um desenvolvimento tecnológico inusitado, e a um grande esforço das empresas no sentido de colocar a ciência a serviço do capital, o que alterou profundamente as relações de trabalho entre empregado e empregador e fez surgir uma miríade de novas formas de contratação, especialmente as economizadoras de mão-de-obra e de forma precarizada (SANTOS, 1999, p. 196)

Assim, a análise desses novos tipos de contrato de trabalho deve ser procedida tanto

pelos seus resultados, pelos parâmetros empresariais, quanto pelo interesse dos trabalhadores

de alcançar mais que a consecução de um posto de trabalho, mas o de ser protegido em seus

direitos fundamentais.

4.2.1 Contrato de trabalho provisório: verdadeiro atentado à relação de emprego e ao

Princípio da Proteção

O contrato provisório está disciplinado na Lei 9.601/98 e traduz um dos melhores

exemplos de que as novas modalidades de contrato de trabalho vêm em detrimento do

patrimônio jurídico do trabalhador, eis que apesar de existir no ordenamento jurídico

brasileiro a regra geral da contratação sem prazo, exclusive no caso da contratação com prazo

nas hipóteses previstas no art. 443, §2º, da CLT, permite a contratação por prazo no caso de

acréscimo de mão-de-obra, desde que previsto em acordo ou convenção coletiva.

Esse tipo de contrato gerou a regra geral da contratação por prazo e passível de

diversas prorrogações.

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Nessa situação, os trabalhadores mais uma vez foram os maiores prejudicados em

razão da insegurança no emprego e pela redução do valor da contribuição para o FGTS, eis

que diminuída de oito para dois por cento.

Deve ser combatida, inclusive pelas leis de fomento do emprego, a utilização dos

contratos precários para o preenchimento de funções permanentes e vinculadas à atividade

normal da empresa (MANNRICH, 2001, p.220).

Temos, portanto, que o contrato de trabalho provisório, longe de servir como solução

para o desemprego que assola o país, trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro novas

formas de contratação atentatórias ao princípio da continuidade da relação de emprego e da

proteção.

4.2.2 Contrato de trabalho em tempo parcial: distorções que podem ocorrer em sua aplicação

O contrato de trabalho em tempo parcial “é o trabalho prestado regular e

voluntariamente por um número de horas diárias ou semanais sensivelmente inferior à

duração normal” (REDINHA, 1995, p.62).

A Constituição Federal de 1988 estipula, em seu art. 7º, inciso XIII, uma jornada de

trabalho máxima de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, e a Medida Provisória n.

1952-19, de 6 de janeiro de 2000, que acrescentou à CLT o art. 58-A, fixa o máximo de 25

horas semanais para essa modalidade de contratação.

Na verdade, não havia nenhum impedimento para contratação por tempo parcial,

porém a preocupação quanto a essa modalidade de avença se dá em razão das distorções que

podem ocorrer tanto em função da prorrogação do número de horas contratadas pelos sujeitos

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

da relação de trabalho, pela dissimulação que muda os contratos em tempo parcial em

verdadeiros contratos em tempo integral, quanto pela substituição destes por aqueles,

condutas estas que atraem a precarização do trabalho humano (HOFFMANN, 2003, p.199).

4.2.3 Contrato de trabalho intermitente: sinônimo de eliminação de postos de trabalho

Essa modalidade de contratação consiste em uma variante do trabalho descontínuo,

semelhante ao que ocorre com os trabalhadores sazonal e por safra (REDINHA, 1995, p. 68-

69).

A diferença é que não há mais o encadeamento de diversos contratos com prazo para

atender às flutuações da demanda de trabalho, havendo a estipulação de um único contrato

com cláusula de intermitência e em cuja vigência ocorrerão períodos de trabalho e ociosidade

não passíveis de determinação por ocasião da contratação do trabalhador.

A exemplo do que ocorre com as demais modalidades contratuais citadas, o contrato

de trabalho intermitente certamente significa eliminação de postos de trabalho, além de não se

coadunar com a natureza do Princípio da Proteção porque retrata, além de muitos outros

efeitos maléficos, o trabalho como mercadoria e como subproduto do capital, o que deve ser

rigorosamente rechaçado.

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

4.3 Nova realidade no mundo do trabalho e uma nova discussão: a possibilidade de

prevalência do negociado sobre o legislado

Essa nova realidade do cenário laboral, com inserção de novas formas de trabalho e de

contratos de trabalho, em uma economia globalizada, fez surgir uma nova discussão: a

possibilidade de os direitos trabalhistas passarem a ser aqueles diretamente negociados com o

setor produtivo correspondente, dando-se prevalência à autonomia negocial das partes.

Essa tese pretende, assim, “vulnerar a hierarquia das fontes formais do Direito,

porquanto essa prevalência se configuraria não somente nas hipóteses de flexibilização

autorizadas por preceitos constitucionais ou legais” (SÜSSEKIND, 2005, p. 14). Atende-se,

portanto, ao interesse da economia na redução de seus custos operacionais, até mesmo com

pessoal, contrariando as garantias constitucionais, bem como seus próprios fundamentos,

conforme estabelecidos em seu art. 1º.20

Observe-se que do exame do texto do dispositivo constitucional supracitado resulta a

clara e objetiva conclusão de que o sujeito de direito a ser protegido é o cidadão, o

trabalhador, onde o capital tem, induvidavelmente, responsabilidade social compromissada

com a construção de uma sociedade democrática de direitos, sendo a economia instrumento

governamental para a concretização do Estado do Bem-Estar Social, conforme vislumbra-se

do disposto no art. 170 do texto constitucional21.

20 Art 1º, CF: “[...] soberania; cidadania; dignidade da pessoa humana; valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político”. 21 Art. 170, CF: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego”.

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

[...] convém assinalar que o art. 7º da Carta Magna relaciona os direitos do trabalhador, “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, e somente em três deles admite a derrogação do comando legal pelos instrumentos da negociação coletiva. Por conseguinte, a contrário-senso, não permite a pretendida flexibilização nas demais hipóteses, até porque ela está autorizada nos dois aspectos fundamentais da relação de emprego: o salário e a jornada de trabalho. Isto sem contar que a instituição do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) confere aos empregadores o direito potestativo de despedir, ressalvados os raros casos de estabilidade condicionada do empregado (SÜSSEKIND, 2005, p. 14).

Podemos concluir, do exame das garantias citadas, que a proteção prevalente do texto

constitucional está voltada para o cidadão, o homem, o trabalhador e que, por outro lado, a

garantia assegurada ao capital quanto à propriedade não lhe dá a primazia de buscar o lucro

especulativo a qualquer custo, cabendo aos empresários preocuparem-se não apenas com o

lucro, mas também com o seu papel social.

Essa nova realidade no cenário laboral nos acena, portanto, na direção da ampliação da

proteção visada no Direito do Trabalho, buscando-se, assim, a preservação da dignidade do

trabalhador.

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

CAPÍTULO V

O TRABALHO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTOS

DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

SUMÁRIO: 5.1. O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação entre o homem e a natureza. 5.2. Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. 5.3. Concepções do conceito de dignidade da pessoa humana. 5.4. A dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988. 5.5. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Proibição de Retrocesso Social: garantia constitucional e direito subjetivo do trabalhador. 5.6. Os direitos sociais como exigência e concretizações do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação entre o homem e a natureza

O homem não é uma coisa acabada, mas um sujeito que se autoconstrói

permanentemente na história, significando e resignificando a realidade a partir de um sistema

de referência ou de um mundo, sempre provisório, incompleto e mutável. É assim que a

realidade nunca aparece ao homem em si mesma, mas na moldura ou no cenário de um

mundo. Cada mundo é uma interpretação da realidade, cada época um modo de o ser

diferençar-se. Transformando-se o mundo, transforma-se também a realidade; mudando-se a

época, é uma outra diferença do ser que se manifesta (ANDRADE, 1994, p. 36).

No mundo moderno, na atual civilização técnico-científica, não é suficiente saber que

o homem constrói mundos, mas é preciso ainda “desconstruir” o mundo em que vivemos, ou

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

seja, desocultar suas bases subterrâneas, rastrear seu plano esquecido, interrogar seu sentido

sempre atuante, mas oculto. Entretanto, não é possível propor uma nova civilização sem

questionar radicalmente os fundamentos latentes desta em que vivemos.

Por outro lado, o objetivo do trabalho é prover a nossa subsistência e de nossa família.

Esta idéia é basicamente correta se considerarmos o ponto de vista do indivíduo que realiza o

processo de trabalho e, assim, o benefício que auferimos com o nosso trabalho só nos é

concedido (pago) porque o que nós produzimos tem uma utilidade externa a nós mesmos, para

outro, portanto, possui valor e finalidades sociais.

Desta forma, para entendermos a real natureza do trabalho, vamos tomá-lo

objetivamente em si mesmo, como processo de trabalho. Deste ponto de vista, o trabalho

surge como uma relação entre o trabalhador e seu objeto de trabalho, sendo esse processo, em

substância, uma relação entre o homem e a natureza, a possibilitar que o homem modifique a

natureza, obtendo como resultado um produto adequado às suas necessidades, ou seja, às

necessidades humanas (SOLIS, 1994, p.218), até porque lhe “parece restar um último bem – a

sua força de trabalho –, e destino – laborar e consumir –, numa constante marcha de

sobrevivência” (ARENDT, 2003, p. 255).

O homem é o único animal que tem consciência do valor de uso do produto de seu

trabalho, e é a partir dele que organiza sua relação com o objeto natural, de forma produtiva,

tendo-o como trabalho produtivo, sendo os usos e costumes, que são favorecidos pelo trabalho

humano, todos de natureza social, inclusive o modo de realizá-los, razão pela qual ele é

chamado trabalho social. É por esta razão que dizemos que o trabalho é socialmente

determinado e que, embora seja, em essência, uma relação entre o homem e a natureza, será

sempre uma relação que ocorrerá subordinada a determinadas condições de produção, isto é,

as relações que os homens estabelecem entre si nos processos de trabalho e que o determinam,

como por exemplo, assalariamento, servidão, escravismo etc. (SOLIS, 1997, p. 219-220).

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

5.2 Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

O texto constitucional brasileiro reconhece o trabalho como um valor social (art. 1º,

IV) que, ao lado da livre iniciativa, constitui fundamento do Estado e da ordem econômica

(art. 170).

O trabalho pode ser apreciado sob dois ângulos: individual e social (CARVALHO,

2004, p. 356). Por dignificar o homem, a Constituição atribui-lhe relevante valor social,

colocando-o, assim, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Essa opção demonstra o grau de importância atribuído ao princípio, que é colocado ao lado da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, os outros fundamentos escolhidos pelo constituinte. Qualquer deles é suficiente para atestar a natureza essencial desse catálogo para a República (SANTOS, 2004, p.81).

O respeito à dignidade humana começa assegurando-se corretamente os direitos

sociais previstos no art. 6º da Carta Magna, normas essas que garantem como direitos sociais

a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Somem-se a isso os demais direitos

fundamentais referentes à vida, à liberdade, à intimidade, à vida privada e à honra.

Desta forma, podemos concluir que a Constituição Federal está posta na direção da

implementação da dignidade do homem no meio social e, particularmente, no trabalho,

através do qual o indivíduo desenvolve suas potencialidades e participa da construção do

mundo. Como imaginar tenha a pessoa a sua dignidade garantida sem que lhe seja assegurado

o direito ao trabalho e a manutenção dos direitos laborais conquistados em decorrência de sua

ação laborativa?

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Para começar a respeitar a dignidade da pessoa humana tem-se de assegurar concretamente os direitos sociais previstos no art. 6º da Carta Magna, que por sua vez está atrelado ao caput do art. 225, normas essas que garantem como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição, assim como direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida (NUNES, 2002, p.51)

5.3 Concepções do conceito de dignidade da pessoa humana

A dignidade é o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o

último arcabouço da guarida dos direitos individuais. É ela que “dá a direção, o comando a ser

considerado primeiramente pelo intérprete” (NUNES, 2002, p. 45).

Historicamente existem três concepções da dignidade da pessoa humana:

individualismo, transpersonalismo e personalismo (REALE, 1996, p. 277).

Caracteriza-se o individualismo pelo entendimento de que cada homem, cuidando dos

seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos, tendo como ponto de

partida o indivíduo. Esse juízo da dignidade da pessoa humana, por demais limitado,

característico do liberalismo ou do "individualismo-burguês" (FARIAS, 1996, p. 47),

compreende um modo de entender-se os direitos fundamentais.

Estes serão, antes de tudo, direitos inatos e anteriores ao Estado, e impostos como

limites à atividade estatal, que deve, pois, se abster, o quanto possível, de se intrometer na

vida social. São direitos contra o Estado, como esferas de autonomia a preservar da

intervenção do Estado. Denominam-se, por isso, direitos de autonomia e direitos de defesa

(CANOTILHO, 1993, p. 505).

Então, a dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente à sua essência

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Já com o transpersonalismo ocorre o contrário: é realizando o bem coletivo, o bem do

todo, que se salvaguardam os interesses individuais; inexistindo harmonia espontânea entre o

bem do indivíduo e o bem do todo, devem preponderar, sempre, os valores coletivos. Nega-se,

portanto, a pessoa humana como valor supremo (REALE, 1996, p. 277). Enfim, a dignidade

da pessoa humana realiza-se no coletivo.

Consectárias desta corrente serão as concepções socialista ou coletivista, das quais a

mais representativa será a marxista. Os direitos do homem apregoados pelo liberalismo não

ultrapassam “o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, isto é,

do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular, em sua arbitrariedade

privada e dissociado da comunidade” (MARX, 1991, p. 44). Distinguindo os direitos dos

homens dos direitos do cidadão, aqueles nada mais são que os direitos do homem separado do

homem e da comunidade.

Conseqüência lógica será uma tendência na interpretação do Direito que limita a

liberdade em favor da igualdade (REALE, 1996, p. 278), que tende a identificar os interesses

individuais com os da sociedade, que privilegia estes em detrimento daqueles.

A terceira corrente, o personalismo, rejeita a concepção individualista e a coletivista;

nega seja a existência da harmonia espontânea entre indivíduo e sociedade, resultando, como

vimos, numa preponderância do indivíduo sobre a sociedade, seja a subordinação daquele aos

interesses da coletividade.

Assim, enquanto o indivíduo é uma unidade muito aberta, a pessoa é uma unidade

fechada. Em conseqüência, não há que se falar, aprioristicamente, num predomínio do

indivíduo ou no predomínio do todo. A solução há de ser buscada em cada caso, de acordo

com as circunstâncias; solução que pode ser a compatibilização entre os mencionados valores,

fruto de uma ponderação na qual se avaliará o que toca ao indivíduo e o que cabe ao todo,

mas que pode, igualmente, ser a preeminência de um ou de outro valor.

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

A primazia pelo valor coletivo não pode jamais sacrificar, ferir o valor da pessoa. A

pessoa é, assim, um minimun, ao qual o Estado, ou qualquer outra instituição não pode

ultrapassar.

Neste sentido, defendemos que a pessoa humana, enquanto valor, e o princípio

correspondente, de que aqui se trata, é absoluto, e há de prevalecer, sempre, sobre qualquer

outro valor ou princípio22.

Nessa mesma linha de pensamentos temos que “nem mesmo o interesse comunitário

poderá justificar ofensa à dignidade individualmente, esta considerada como valor abstrato e

insubstituível de cada ser humano” (SARLET, 2004, p. 134).

A dimensão pessoal postula o valor da pessoa humana e exige o respeito incondicional de sua dignidade. Dignidade da pessoa a considerar em si e por si, que o mesmo é dizer a respeitar para além e independentemente dos contextos integrantes e das situações sociais em que ela concretamente se insira. Assim, se o homem é sempre membro de uma comunidade, de um grupo, de uma classe, o que ele é em dignidade e valor não se reduz a esses modos de existência comunitária ou social. Será por isso inválido, e inadmissível, o sacrifício desse seu valor e dignidade pessoal a benefício simplesmente da comunidade, do grupo, da classe (grifo do autor). Por outras palavras, o sujeito portador do valor absoluto não é a comunidade ou classe, mas o homem pessoal, embora existencial e socialmente em comunidade e na classe. Pelo que o juízo que histórico-socialmente mereça uma determinada comunidade, um certo grupo ou uma certa classe não poderá implicar um juízo idêntico sobre um dos membros considerado pessoalmente – a sua dignidade e responsabilidades pessoais não se confundem com o mérito e o demérito, o papel e a responsabilidade histórico-sociais da comunidade, do grupo ou da classe que se faça parte (MIRANDA, 2000, p. 190-191).

Pelo exposto, podemos concluir que a pessoa - distinta do indivíduo - é um valor e o

seu princípio correspondente - a dignidade da pessoa humana - é absoluto, e há de prevalecer

sempre sobre qualquer outro valor ou princípio.

22 Em sentido contrário, ALEXY, 1997, p. 117 e FARIAS, 1996, p. 47. Porém, e não obstante tal afirmação, se pode dizer que os dois autores, ao final, terminam por aceitar que o principio da dignidade da pessoa humana geralmente prevalece sobre os demais.

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

5.4 A Dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988

O termo “persona” deriva do latim e o seu conceito, como categoria espiritual, como

subjetividade, que possui valor em si mesmo, como ser de fins absolutos e que,

conseqüentemente, é possuidor de direitos subjetivos ou direitos fundamentais e possui

dignidade, surge com o Cristianismo, trazendo a proclamação do valor distinto da pessoa

humana tendo como resultado lógico a afirmação de direitos específicos de cada homem e o

reconhecimento de que, na vida social, o homem não se confunde com a vida do Estado.

O que caracteriza o ser humano, e o faz dotado de dignidade é que ele nunca pode ser

meio para os outros, mas fim em si mesmo, e por isso tem valor absoluto, não podendo, por

conseguinte, ser usado como instrumento para algo, e, justamente por isso, tem dignidade, é

pessoa (KANT, s.d., p. 68).

Conseqüentemente, a dignidade da pessoa humana, inscrita na Constituição Federal de

1988 como fundamento do Estado, significa não apenas um reconhecimento do valor do

homem em sua dimensão de liberdade, mas também de que o próprio Estado se constrói com

base nesse novo princípio. O termo dignidade designa o respeito que merece qualquer pessoa.

A nossa Lei Fundamental de 1988, baseando-se no constitucionalismo português e

espanhol, consagrou um espaço especial à dignidade da pessoa humana, colocando-a entre os

princípios fundamentais, no art. 1º, inc. III, Título I.

Não há uma delimitação precisa na definição do que seja a dignidade da pessoa

humana, mas não temos dúvidas de que a dignidade não é ficção e nem apenas meditações

teóricas, visto que são facilmente perceptíveis os momentos em que é agredida, bastando para

isso, entre outros motivos, a existência de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação.

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

A dignidade da pessoa humana decorre do fato de que, por ser racional, a pessoa é

capaz de viver em condições de autonomia e de guiar-se pelas leis que ela própria edita: todo

homem tem dignidade e não um preço, como as coisas, não sendo algo que pode servir de

meio, o que limita, conseqüentemente, o seu livre arbítrio, consoante o pensamento kantiano.

O princípio da dignidade da pessoa humana demonstra a sua importância no sentido de

que compõe uma norma com função de legitimar a ordem estatal. As ações do Estado devem

estar fundamentadas na incessante busca de viabilizar os direitos básicos dos cidadãos,

preservando a dignidade existente ou criando mecanismos para o seu exercício.

Assim, toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob pena de

inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana, considerando se cada pessoa é

tomada como fim em si mesmo ou como instrumento, como meio para outros objetivos. Ela é,

desta forma, paradigma avaliativo de cada ação do Poder Público e “um dos elementos

imprescindíveis de atuação do Estado brasileiro” (FARIAS, 1996, p. 51).

A dignidade da pessoa humana é, por conseguinte, o núcleo essencial dos direitos

fundamentais, a “fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais” (FARIAS, s.d., p. 54), a

fonte ética, que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos

direitos fundamentais (MIRANDA, 1991, p. 166-167), “é o valor básico fundamental dos

direitos humanos” (PÉREZ LUÑO, 1990, p. 318).

No Brasil, após um período de ditadura caracterizada pela violação dos Direitos

Humanos, a nova Carta Magna de 1988 representou um grande avanço, alargando

significativamente a abrangência dos Direitos e Garantias Fundamentais, corporificados no

seu Título I e Título II.

O art. 1º da Constituição Federal preceitua que a República Federativa do Brasil

constitui-se em um Estado Democrático de Direito e, sempre é bom repetir, tem como

fundamentos, entre outros, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a

promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas discriminatórias.

O Estado Democrático de Direito possui dupla responsabilidade: a primeira é a de

cumprir a lei, a segunda é assegurar os direitos e garantias fundamentais, pois a partir do

momento em que os consagra como valores primordiais, o Estado torna-se o maior

responsável pela concretização desses direitos. Portanto, não basta apenas existirem leis, mas

sim, ordenações estatais que se direcionem para a efetividade das necessidades sociais.

Uma coisa é o direito nos textos, sob a forma de sistemas coerentes e completos, concebidos como se a sociedade brasileira fosse igualitária e participativa; outra, são as práticas decisórias no interior de um Estado cuja unidade interna ainda hoje continua fragmentada por vigentes anéis burocráticos, isto é, por círculos de informação e negociação entre segmentos tecnocráticos e frações das classes dominantes, reproduzindo as estruturas sociais altamente estratificadas e discriminatórias (LEAL, 1997, p. 154).

È importante ainda nos questionarmos a respeito da validade do princípio da

independência nacional expresso no Art. 4º da Constituição, diante da globalização

econômica e da política capitalista avassaladora imposta pelos países desenvolvidos e pelos

bancos internacionais, submetendo a economia interna aos ditames externos.

A implantação de uma nova divisão do trabalho, abandonando-se o fordismo23 e

adaptando-se uma flexibilização dos processos de trabalho gera uma alta capacidade

produtiva da força de trabalho, ocasionando, portanto, uma precarização e diminuição da

mão-de-obra. Esta política econômica vem a favorecer apenas a classe do poder, pois a

existência de um grande número de desempregados aliada à miséria, submete o ser humano a

23 Cf. HOFFMANN, 2003, p.146, o fordismo teve início no segundo quarto do século XX e a prtir de um quadro de crise econômica mundial, de reconstrução do segundo pós-guerra e de reorganização do sistema produtivo taylorista. Buscando s intensificação da acumulação de capital e o incremento do emprego pelo aumento do salário do consumidor (o próprio trabalhador), Henry Ford passa a produzir um determinado produto padronizado em série, utilizando-se, para tanto, de peças permutáveis e facilmente conectivas, tornando dispensáveis as média e alta capacitações profissionais.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

trabalhar por salários indignos e desencadeia um exército de reserva que acaba por formar

uma subclasse, sem qualquer amparo de um Estado que não consegue superar os

desequilíbrios provocados pela marginalidade social.

Assim, é impossível pensarmos o tema dignidade da pessoa humana sem relacioná-lo

com a proclamação do Estado Democrático de Direito que deve promover o respeito e a

proteção à vida humana, tendo como fundamento os princípios embasadores da ordem

Constitucional.

O princípio da dignidade da pessoa humana abrange não só os direitos individuais,

mas também os de natureza econômica, social e cultural. Na ordem econômica, vem garantido

no art. 170 e na, ordem social, no art. 193, art 5º. incisos III, X, XLI, IV e XXX, além do

art.7º, inciso IV e XXX, todos da Constituição de 198824.

5.5 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Proibição de Retrocesso

Social: garantia constitucional e direito subjetivo do trabalhador

A função protetiva da dignidade situa-se na noção de que a dignidade humana

constitui um dos critérios materiais para a aferição da incidência de uma proibição de

24 Art. 170, CF : a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social; Art. 193, CF: a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais; Art. 5º, inciso III, CF: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; inciso X-são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; inciso XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. Art. 7º, inciso IV, CF: salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; inciso XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

retrocesso em matéria de direitos fundamentais, mais precisamente na esfera dos direitos

fundamentais sociais de natureza prestacional (SARLET, 2004, p. 121).

A proibição de retrocesso, por sua vez, contém a idéia de que eventuais medidas

supressivas ou restritivas de prestações sociais implementadas pelo legislador haverão de ser

consideradas inconstitucionais por violação do Princípio da Proibição de Retrocesso, sempre

que com isso restar afetado o núcleo essencial legislativamente concretizado dos direitos

fundamentais, principalmente nas hipóteses em que resultar ofensa à dignidade da pessoa

humana que comprometam as condições materiais indispensáveis para uma vida com

dignidade, no contexto do que tem sido definido como mínimo existencial.

A proibição de retrocesso assume feições

de verdadeiro princípio constitucional implícito, que poderia ser reconduzido tanto ao princípio do Estado de Direito (no âmbito da proteção da confiança e da estabilidade das relações jurídicas), quanto ao princípio do Estado Social, na condição de garantia da manutenção dos graus mínimos de segurança social alcançados (SARLET, 1998, p.371).

O Princípio da Proibição de Retrocesso nos revela, enfim, que

os direitos sociais e econômicos (p.ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo (CANOTILHO, 1993, p. 326).

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, por sua vez, culmina por descortinar

uma nova vocação do Direito Privado, mais precisamente no âmbito dos contratos, qual seja,

“a de redirecionar o alcance de suas normas para a proteção da pessoa, sem prejuízo dos

mecanismos reguladores da proteção ao patrimônio” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,

2005, p. 34).

No curso do Século XX, com o incremento tecnológico e a explosão de guerras e

revoluções a redesenharem a arquitetura geopolítica do mundo, o individualismo liberal

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

cederia lugar para o intervencionismo estatal, que passaria a interferir cada vez mais na

atividade econômica, abandonando o dogma francês do lassez-faire. A partir de então, o

reflexo dessa ingerência do Estado se fez sentir nos sistemas jurídicos por meio do dirigismo

contratual.

As idéias solidaristas e socialistas e a hipertrofia do Estado levaram, todavia, o Direito ao dirigismo contratual, expandindo-se a área das normas de ordem pública destinadas a proteger os economicamente fracos, favorecendo o empregado, pela criação do Direito do Trabalho, o inquilino, com a legislação sobre locações, e o consumidor, por uma legislação específica em seu favor (WALD, 2000, p.44).

Interessante ressaltar nesse momento que, enquanto ocorre na atualidade uma

verdadeira onda neoliberal, a classe dominante autoriza e estimula o Direito do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor brasileiro exsurge justamente no contexto de

precarização trabalhista dos anos 1990.

Afirma-se, inclusive, nesse particular, “que o Código de Defesa do Consumidor nada

mais é do que a CLT de ‘fraque’” (CASTELO, 2003, p. 226), querendo, com isso dizer que a

estrutura axiológica do Direito do Consumidor é exatamente a mesma do Direito do Trabalho.

O princípio da proteção, o princípio da irrenunciabilidade, o princípio da norma/condição

mais favorável, o princípio da razoabilidade, o da boa-fé e o da responsabilidade objetiva

compõem o Direito do Consumidor inspirado na idéia pós-moderna de compensação jurídica

em razão das defasagens sociais.

No mesmo passo evoluiu o Direito Civil. Observamos que as leis civis, pouco a

pouco, deixavam de ser meramente abstencionistas, e passaram a intervir no campo das

relações negociais, coibindo abusos e reequilibrando a balança contratual através da previsão

de instrumentos ou mecanismos jurídicos em favor do hipossuficiente econômico – inversão

do ônus da prova, responsabilidade civil objetiva, desconsideração da pessoa jurídica do

empregador, teoria da imprevisão etc. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2005, p. 41).

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

É fato notório, inclusive, que o Código Civil brasileiro agasalha princípios

emancipatórios que o repersonalizam, despatrimonializando-o, em favor da dignidade da

pessoa. A função social do contrato, o princípio da boa-fé objetiva, os direitos da

personalidade, os princípios da paridade contratual e do poder familiar, partilhado entre

homens e mulheres, traduzem essa função emancipatória do direito que foi importada pelos

demais ramos e, sem dúvida, do Direito Laboral.

Tivemos, assim, como nítida demonstração desse fenômeno, no Brasil, a aprovação do

nosso Código de Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078, de 1990 e o Novo Código Civil – Lei

n.10.406, de 2002, como referimos antes.

O Direito do Trabalho, entretanto, parece estar sendo conduzido para um caminho

diverso, na contra-mão da história, ou seja, nasceu em razão da existência da desigualdade

econômica existente entre os contratantes, a exigir a intervenção estatal, gerando a criação de

uma gama de direitos sociais mínimos ao trabalhador, protegendo-o do poderio econômico do

empregador, e hoje, com a globalização da economia, a flexibilização ou mesmo a

desregulamentação das normas trabalhistas, prega-se o afastamento do Estado nas relações

entre empregados e empregadores, fortalecendo a plenitude da autonomia da vontade das

partes e mais, até mesmo a prevalência do negociado sobre o legislado.

A indagação que fizemos no início deste estudo foi se o desequilíbrio das partes no

contrato laboral desapareceu ou se estamos diante do risco iminente do retrocesso dos direitos

sociais. Forçoso será reconhecer que a desigualdade econômica entre empregado e

empregador persiste e persistirá enquanto estivermos diante de um contrato de trabalho

subordinado. Entendemos que a desigualdade jurídica, por sua vez, ainda se faz necessária

porque no Brasil os sindicatos profissionais, únicas entidades legitimadas para defender a

classe trabalhadora, ainda não estão fortes o suficiente para esse mister, tornando inafastável e

necessária a aplicação do Princípio da Proteção no Direito do Trabalho.

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

É nesse momento de mudanças por que passa o Direito, mais precisamente o Direito

do Trabalho, que devemos primar pelo cuidado de assegurar aos trabalhadores o direito de

viver com dignidade, mantendo o padrão de vida conquistado, com direitos mínimos

assegurados, sob pena de violação ao Princípio da Proibição de Retrocesso Social.

Tratam as conquistas trabalhistas, na verdade, de garantias sociais e direito subjetivo

do trabalhador para uma existência digna.

5.6 Os direitos sociais como exigência e concretizações do Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana

A dignidade da pessoa humana, na condição de valor - e princípio normativo –

fundamental que “atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais” (SILVA, 1998, p. 92),

exige e pressupõe o reconhecimento de todos os direitos fundamentais de todas as dimensões

– ou gerações, se assim preferirmos25.

É nesse contexto que os denominados direitos sociais constituem exigência e

concretização da dignidade da pessoa humana.

25 Cf. SARLET, 1998, p. 46-58, o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de completaridade, e não de alternância, razão pela qual o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, sendo mais aceito o termo “dimensões” dos direitos fundamentais. Assim, são direitos fundamentais da primeira dimensão os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, complementados por um leque de liberdades, incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletiva (liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação etc); os direitos fundamentais de segunda dimensão outorgam ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho etc); são direitos de terceira dimensão os direitos de titularidade coletiva ou difusa, tais como o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação; reconhece-se ainda em direitos fundamentais de quarta dimensão composta pelos direitos à democracia e à informação, assim como pelo direito ao pluralismo.

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

O reconhecimento jurídico-constitucional da liberdade de greve e de organização social, jornada de trabalho razoável, direito ao repouso, bem como as proibições de discriminação nas relações trabalhistas (e aqui fixamo-nos nos exemplos mais conhecidos) foi o resultado das reivindicações das classes trabalhadoras, em virtude do alto grau de opressão e degradação que caracteriza, de modo geral, as relações entre capital e trabalho, não raras vezes, resultando em condições de vida e trabalho manifestamente indignas, situação que, de resto, ainda hoje não foi superada em expressiva parte dos Estados que integram a comunidade internacional. Em verdade, cuida-se – em boa parte – de direitos fundamentais de liberdade e igualdade outorgados aos trabalhadores com o intuito de assegurar-lhes um espaço de autonomia pessoal não mais apenas em face do Estado, mas especialmente dos assim denominados poderes sociais (SARLET, 2004, p. 90-92).

Os direitos sociais de cunho prestacional – assim entendidos os direitos às prestações

fáticas e jurídicas - encontram-se, por sua vez, a serviço da igualdade e da liberdade material,

objetivando a proteção da pessoa contra as necessidades de ordem material e à garantia de

uma existência com dignidade, a embasar um direito fundamental a um mínimo existencial,

ou seja, uma vida com dignidade, no sentido de vida saudável.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em relação aos Direitos Laborais

(artigos XXIII e XXIV), tratou das três questões básicas de toda proteção ao ser humano

trabalhador: o salário justo, a limitação da jornada de trabalho e a liberdade de associação

sindical para defesa desses direitos.

Importante recordarmos que nossa tradição constitucional, no que diz respeito aos

direitos trabalhistas, remonta a 1934, quando a Carta Política previu o primeiro núcleo de

direitos sociais (arts. 120-122). Em seguida tivemos a Constituição do Estado Novo (1967),

que restringiu esse núcleo (art. 137), a Carta Democrática de 1946, que o ampliou

notavelmente (art. 157), a Constituição de 1967, emendada em 1969, com nova restrição de

direitos laborais (art. 165), até chegarmos, por fim, à Constituição de 1988, pródiga em

ampliar os direitos trabalhistas (art. 7º).

Assim, se de um lado, o Constituinte de 1988, em relação a muitos direitos laborais,

apenas trouxe para o texto constitucional (art. 7º), o que já se encontrava previsto na CLT, por

outro ampliou muitas dessas vantagens, a saber: salário mínimo mais amplo, para abranger os

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

gastos com educação e lazer (IV); jornada semanal de 44 horas (XIII); adicional de 50% para

as horas extras (XVI); abono de 1/3 sobre as férias (XVII); licença-paternidade (XIX); aviso

prévio proporcional ao tempo de serviço (XXI); adicional de penosidade (XXIII); proteção

em face da automação (XXVIII) e prescrição qüinqüenal dos créditos trabalhistas (XXIX).

Entretanto, ao lado dessas conquistas sociais, a Constituição Federal também albergou

a possibilidade de flexibilização das normas trabalhistas, sob a tutela sindical, mediante

negociação coletiva, para as hipóteses de irredutibilidade social (VI), jornada de trabalho

(XIII) e trabalho em turnos ininterruptos de revezamento (XIV).

É nesse sentido que o equilíbrio e a aplicação adequada desses direitos não se afastem

dos fundamentos que sustentam o Direito do Trabalho, objetivando a proteção da pessoa

contra as necessidades de ordem material e à garantia de uma existência com dignidade, a

embasar um direito fundamental a um mínimo existencial, ou seja, uma vida com dignidade,

no sentido de vida saudável.

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

CONCLUSÃO

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DA PROTEÇÃO

JURÍDICA DO TRABALHADOR

O significado do Princípio da Proteção refere-se ao critério fundamental que orienta o

Direito do Trabalho, que rompeu com a premissa de igualdade entre as partes, tutelando uma

delas – o empregado – em razão de sua evidente inferioridade. Ocorre que esse fundamento

não mais atende aos anseios dos trabalhadores genericamente considerados.

As soluções apontadas para superação dessa crise do Direito do Trabalho e,

conseqüentemente, do Princípio da Proteção, assumem as mais diversas formas, pretendendo-

se o surgimento de um “novo” Direito do Trabalho e do seu princípio protetivo, curvados ao

capital e submetidos passivamente às suas transformações e exigências, o que envolveria,

necessariamente, o abandono do Princípio da Proteção.

Sustentamos ao longo do presente estudo que o Direito do Trabalho e o seu Princípio

da Proteção realmente devem ser vistos na atualidade com uma nova roupagem, a exigir a

superação dos modelos e paradigmas ainda vigentes, assegurando-se, porém, os direitos

fundamentais inscritos na Constituição Federal, em especial, o da Dignidade da Pessoa

Humana. Daí a idéia de repensar o Princípio da Proteção no Direito do Trabalho, sua

relevância e extensão, bem como suas formas de aplicação.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

Para tanto, lembramos inicialmente que a idéia de dignidade humana tem raízes no

surgimento da doutrina cristã, que prega que o ser humano é dotado de um valor próprio, que

lhe é intrínseco, o que impediria ser ele tomado como objeto ou instrumento (SARLET, 2001,

p. 30).

A dignidade da pessoa humana, repita-se, sendo um dos fundamentos da República

Federativa do Brasil, coloca-se dentre os direitos fundamentais, como norma estrurante26, o

que demonstra o grau de importância atribuído ao princípio, ao lado dos valores sociais do

trabalho, da livre iniciativa, do pluralismo econômico, da cidadania e da soberania (SANTOS,

2004, p. 81). Para concretização da proteção ao trabalhador, os operadores do Direito do

Trabalho devem pautar a sua conduta pela defesa da dignidade da pessoa humana, muito mais

do que um princípio de Direito Constitucional ou um princípio jurídico, mas fundamento da

República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, conforme art.

1º, inciso III, da Constituição Federal de 198827.

É nesse cenário que o Direito do Trabalho e o Princípio da Proteção devem ser vistos,

sob o prisma da idéia de assegurar aos homens uma existência digna, mais do que contemplar

a relação entre empregador e empregado, vislumbrando o trabalhador e sua família como o

elemento melhor da sociedade e, além do mais, como um ser que, pelo simples fato de ser

homem, tem o direito, idêntico ao de todos os homens, de ver realizado sobre ele e sua família

o ideal da existência digna (CUEVA, 1965, p. 11).

Com esse propósito, o Direito do Trabalho preocupa-se com as necessidades vitais do

trabalhador, determinando as bases para que sua atividade se harmonize com as limitações de

seu corpo e de seu espírito e verificando que a remuneração que perceba e os direitos

trabalhistas conquistados permitam-lhe elevar sua existência. Daí o novo vigor do Princípio

26 CANOTILHO, 1993, p.180, defende a existência de “princípios estruturantes” dentro do Ordenamento Jurídico, isto é, princípios basilares e norteadores, que não poderiam ser modificados sem que se modificasse a própria estrutura do Estado. 27 SILVA, 1998, p.92, ensina que a dignidade da pessoa humana não deve ser observada em função do tratamento constitucional porque se trata de um princípio inerente à própria natureza da pessoa humana.

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

da Proteção no Direito do Trabalho, o abandono da antiga versão tão-somente patrimonialista

absorvida do Direito Civil e a principiologia que o informa, para uma visão voltada à

dignidade do empregado, do trabalhador, enquanto pessoa humana.

No contexto atual de utilização de novas formas de trabalho, com destaque para o

teletrabalho e o trabalho a domicílio, em que o trabalhador trabalha em casa, vinculado a um

terminal de computador, e, portanto, só aparentemente livre da fiscalização e poder diretivo

do empregador, os operadores do direito devem se desapegar das velhas fórmulas de Direito

patrimonial, para perceberem a nova realidade que transforma o trabalho em um bem escasso

e que sua distribuição não pode ser feita unicamente pelas leis de mercado.

As conquistas sociais são duramente castigadas por uma ideologia que chama de

competitividade e eficiência a tarefa de manter as margens de lucro a qualquer preço.

Trata-se, nos parece, de um discurso construído sob a falsa aparência da evolução,

quando, na verdade, traz uma nova era de concentração de riqueza, retirando, mais uma vez,

das classes sociais mais pobres em benefício dos mais ricos porque traz embutida a negação

de direitos trabalhistas.

A valorização do capital em detrimento do trabalho contraria o senso mais elevado de

justiça, qual seja o tratamento igualitário de todos, o que envolve, conforme senso universal,

tratar os desiguais de forma desigual, para só assim promover sua igualdade, sob pena de se

violar o direito basilar da dignidade da pessoa humana. Por isso, repudiamos a prevalência do

negociado sobre o legislado, conforme ora se apresenta, em razão do despreparo da categoria

sindical do país para se impor perante a classe econômica.

O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propósito de nivelar

desigualdades, tendo, portanto, mais do que qualquer outro ramo do direito caráter

nitidamente tutelar e, sendo assim, bem antes de pretender regular as relações trabalhistas,

deve muito mais tutelar e proteger os hipossuficientes, indubitavelmente os trabalhadores.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

O Direito do Trabalho, portanto, relaciona-se diretamente à dignidade do homem

enquanto trabalhador, e sua tutela, ao contrário do que pregam os ideólogos neoliberais, não

deve se arrefecer quando passamos por épocas de crise, de desemprego e subemprego, mas,

ao contrário, adquirir contornos mais fortes.

E isso somente será possível se for considerado que, além da desigualdade econômica

e da subordinação jurídica, também a dignidade da pessoa humana explica e justifica a

existência do Princípio da Proteção, onde não mais podemos tratar a força de trabalho como

mera mercadoria, “sujeita às leis do mercado, notadamente a da oferta e da procura, mas

como um atributo da personalidade da pessoa do trabalhador” (HOFFMANN, 2003, p. 211).28

É diante desse cenário que devemos, antes de tudo, tratar o trabalhador: não apenas como

sujeito de direito (pessoa física), mas como um ser humano (pessoa natural) que, não tendo

outros recursos para sobreviver além da força de trabalho, historicamente vem sendo

explorado pelo economicamente mais forte, seja através de uma subordinação direta ou

indireta.

É que a força de trabalho não tem um preço a ser pago e não pode ser medida pelo

Direito; daí ser a dignidade da pessoa humana um enorme empecilho ao processo de

mercantilização do homem e de seu trabalho29.

Defender a dignidade do trabalho humano e ter o homem como centro de toda a

atividade jurídica não significa manter uma posição conservadora de leis ultrapassadas ou ser

28 Comunga dessa opinião também COSTA, 1995, p.73 ao afirmar que ao se falar de dignidade da pessoa humana quer-se significar a excelência que esta possui em razão da sua própria natureza. Se é digna qualquer pessoa humana, também o é o trabalhador, por ser uma pessoa humana. É a dignidade da pessoa humana do trabalhador que faz prevalecer os seus direitos, estigmatizando toda manobra tendente a desrespeitar ou corromper de qualquer forma que seja esse instrumento valioso, feito à imagem de Deus”. 29Pertinente a menção do pensamento de COUTINHO, 1998, p.118-119, a respeito: “Até agora o direito do trabalho somente tratou de proteger um trabalhador subordinado, regulamentando um negócio jurídico bilateral, dando conta de uma relação jurídica patrimonial. Está em tempo de proteger o trabalhador ainda que no mercado informal, onde estiver realizando um trabalho, exercendo uma ocupação. O direito do trabalho é muito mais do que uma mera relação objeto do direito das obrigações; é, principalmente, uma relação de poder, na qual o empregador detém o poder e o empregado é um “bearer of power”. O trabalhador quando está no mercado “vendendo” sua força de trabalho, não entrega um objeto patrimonial, senão se dá a si mesmo. Imaginar que possa haver liberdade sem liberação do medo e da necessidade é instituir, para sempre, a barbárie e o egoísmo”.

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

avesso às mudanças. É preciso mudar pensando em melhorar, porém eventuais mudanças no

Direito do Trabalho não podem acontecer desprotegendo o trabalhador, mas tendo como

centro a sua dignidade.

Defendemos, portanto, que a conceituação e a interpretação do Princípio da Proteção

devem ter como ponto de partida a dignidade do trabalhador que, na condição de ser humano,

deve ser amparado, mas não só pela inexistência de posses - o que o torna hipossuficiente - ou

pela sujeição ao comando de outra pessoa - o que o subordina a esta - mas porque o

trabalhador, na relação de emprego, depende apenas e tão-somente da colocação de sua força

de trabalho à disposição do empregador para subsistir.

No passado o homem já foi comparado aos animais e tido como coisa; na atualidade a

proteção deve ser dirigida ao homem trabalhador e não ao sujeito de direito, garantindo-lhe

uma vida digna em face de qualquer forma de degradação do ser humano. Daí a necessidade

de uma releitura dos fundamentos do Princípio da Proteção. Numa sociedade que busca a

justiça e a solidariedade em um Estado Democrático de Direito fundado nos valores da

dignidade da pessoa humana e do trabalho, a histórica finalidade do capital, de se expandir e

se acumular, jamais poderá ser alcançada, em razão do princípio protetor, mediante

implementação de novas formas de trabalho, de contratação e de determinação do conteúdo

contratual que causem a precarização e a destruição do trabalho humano.

A implantação de uma nova divisão do trabalho, adaptando-se uma flexibilização do

seu processo, gera uma alta capacidade produtiva da força de trabalho, ocasionando, portanto,

uma precarização e diminuição da mão-de-obra. Esta política econômica vem a favorecer

apenas a classe do poder, pois a existência de um grande número de desempregados, aliada à

miséria, submete o ser humano a trabalhar por salários indignos e desencadeia um exército de

reserva que acaba por formar uma subclasse, sem qualquer amparo de um Estado que não

consegue superar os desequilíbrios provocados pela marginalidade social.

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

A tutela do trabalho e do trabalhador se entrelaça com sua essência e com sua

dignidade humana. A sociedade, através do Estado, tutela o trabalhador porque é um ser

digno e não porque seja simples, modesto, hipossuficiente. De nenhuma maneira a

subordinação jurídica do trabalhador em relação ao empregador pode ser interpretada como

um menosprezo por sua natureza.

O Princípio da Proteção deve ser interpretado como cumpridor de relevante função no

Direito do Trabalho brasileiro e, reafirmando o nobre ideal da dignidade humana, não pode

aceitar que a interpretação e a solução de conflitos de regras jurídicas admitam a precarização

do trabalho humano ou a diminuição do patrimônio do trabalhador.

]

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

OBRAS CONSULTADAS

ADEODATO, João Maurício. Bases para uma Metodologia da Pesquisa em Direito. Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, Recife: Ed. Universitária – UFPE, n.8, 1997, p.201-224.

ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

BARBOSA, Edna Maria Fernandes. O exercício do jus postulandi na Justiça do Trabalho. Revista do TRT da 11ª Região, Manaus, n. 9, 2001 (Edição Comemorativa dos 20 anos), p.129-132.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica. Você conhece? Rio de Janeiro: Forense, 2001.

DURKHEIM, Émile. Sociologia e Filosofia. São Paulo: Ícone, 2004.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 2003.

FERRAZ, JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994.

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual da Monografia: como se faz uma monografia, uma dissertação, uma tese. São Paulo: Saraiva, 2000.

PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Como se escreve um livro jurídico: conselhos a um jovem que vai escrever um livro. Trad. Jefferson Carús Guedes. Sâo Paulo: Edicamp, 2003.

ROEMER, John E. (Compilador). El marxismo: uma perspectiva analítica. Trad. Rafael Núnez Zúnica. México: Fondo de Cultura Econômica, 1989.

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

REFERÊNCIAS

Livros:

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997.

ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes de. Ensaios filosóficos. São Paulo: LTr, 1995, vol.1.

_____. Alternativas para uma sociedade em crise. São Paulo: LTr, 1997. Vol. 2.

ANDRADE, Ricardo Joaquim. A Cultura: o homem como ser no mundo. HUHNE, Leda Miranda (Org.). Fazer Filosofia. 3. ed. São Paulo: Uapê, 1994, p.30-74.

ANISI, David. Creadores de escassez del bienestar al miedo. Madrid: Alianza Editorial, 1995.

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. 4. ed. São Paulo: Bomtempo Editorial, 1999.

ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Princípio da proporcionalidade. Significado e Aplicação Prática. Campinas: Copola, 2002.

ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. ATIENZA, Manuel. As razões do direito – teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2001.

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. ed. aum. São Paulo: Malheiros, 2004.

BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996.

BERNARDES, Hugo Gueiros. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1989, vol.1.

BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

BLEICHER, Josef. Hermenêutica contemporânea. Trad. Maria Georgina Segurado. Lisboa: Edições 70, 1992.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2000.

_____. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.

BRANDÃO, Jefferson Ramos. Contrato de trabalho na sociedade pós-industrial e a necessidade de revisão dos requisitos da relação de emprego. DALLEGRAVE NETO, José Affonso (coord). Direito do Trabalho Contemporâneo. São Paulo: LTr, 2003.

BRAGA, José dos Santos Pereira. Introdução ao Direito Agrário. Belém: CEJUP, 1991. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993.

CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Material e Processual do Trabalho e a Pós-Modernidade. São Paulo: LTr, 2003.

_____. O Direito Material e Processual do Trabalho e a Pós-Modernidade – a CLT, o CDC e as repercussões do Novo Código Civil. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997.

CARRIÓ, Genaro R. Princípios jurídicos y Positivismo jurídico. Argentina: Abeledo-Perrot, 1970.

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

CATHARINO, José Martins. Neoliberalismo e seqüela. São Paulo: LTr, 1997.

COSTA, Judith Martins. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

CREPALDI, Joaquim Donizeti. O Princípio de proteção e a flexibilização das normas do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004. CUEVA, Mário de La. Panorama do Direito do Trabalho. Porto Alegre: Sulina, 1965. DALLEGRAVE NETO, José Affonso (Coord.). Direito do Trabalho Contemporâneo. Flexibilização e Efetividade. São Paulo: LTr, 2003.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Trad. Nélson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

_____. Uma questão de princípios. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

EWALD, François. Foucault, a Norma e o Direito. Trad. Antônio Fernando Cascais. Lisboa: Veja, 1993.

FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1977.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 21. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1994.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2005. Vol. 4.

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

GALUPPO, Marcelo Gustavo. Igualdade e Diferença. Estado Democrático de Direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. GIGLIO, Wagner D. Justa causa. São Paulo: Saraiva, 7ª ed., 2000. GOMES, Ana Virgínia Moreira. A aplicação do princípio protetor no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001.

GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto de Direito Constitucional, 1999.

HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado. Madri: Civitas, 1995.

HOFFMANN, Fernando. O princípio da proteção ao trabalhador e a atualidade brasileira. São Paulo: LTr, 2003.

IAMAMOTO, Marilda Villela. Trabalho e indivíduo social. São Paulo: Cortez, 2001.

JUCÁ, Francisco Pedro. Renovação do Direito do Trabalho. Abordagem alternativa à flexibilização. São Paulo: LTr, 2000.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, [s.d.]

KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried (orgs.). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Trad. Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. Rev. E Coord. António Manuel Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed., Coimbra, Armênio Amado, 1984. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Constituição como princípio. Os Limites da Jurisdição Constitucional Brasileira. Barueri-SP: Manole, 2003.

LIMA, Francisco Meton de. Os Princípios de Direito do Trabalho na lei e na jurisprudência. São Paulo: LTr, 1997. MAGANO, Octávio Bueno. Manual de Direito do Trabalho: parte Geral. 3. ed. São Paulo: LTr, 1988.

MARTINS B. JÚNIOR, Luiz A. Direito do Trabalho: um paradigma atual. HASSON, Roland (coord.). Direito dos Trabalhadores & Direitos Fundamentais. São Paulo: Juruá, 2003.

MARTINS, Nei Frederico Cano. Os princípios do Direito do Trabalho, o protecionismo, a flexibilização ou desregulamentação. Os novos paradigmas do Direito do Trabalho (homenagem a Valentim Carrion). Coord. Rita Maria Silvestre e Amauri Mascaro Nascimento. São Paulo: Saraiva, 2001. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2003.

MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. COSTA, Edmilson (Org.). Equipe de tradutores das Edições Progresso (Moscou). Edição Comemorativa 150 Anos. São Paulo: Edipro, 1998.

_____. A questão judaica. 2. ed. São Paulo: Moraes, 1991.

MASI, Domenico de. O futuro do trabalho – fadiga e ócio na sociedade Pós-Industrial. Trad. Yadyr A. Figueiredo. Rio de Janeiro: UnB, 1999.

MELHADO, Reginaldo. Mundialização, neoliberalismo e novos marcos contratuais da subordinação. COUTINHO, Aldacy Rachid et ali (Orgs.). Transformações do Direito do Trabalho. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Régis Fassbender Teixeira. Curitiba: Juruá, 2000.

MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: Direito Fundamental. São Paulo: LTr, 2001. _____; O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. São Paulo: LTr, 2004.

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2ª tir. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra, 1991. Tomos 2 e 4. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1998. MORRIS, Clarence (Org.). Os grandes filósofos do Direito. Leituras escolhidas em direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho, relações individuais e coletivas do trabalho. 9. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991.

NEGREIROS, Teresa. A Dicotomia Público-Privado frente ao problema da colisão de princípios. Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 343-381.

NERY JÚNIOR, Nélson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

NILLES, Jack. Management telework: strategies for managing the virtual wordforce. New York: John Wiley & Sons, 1988. NUNES, Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Terceirização e responsabilidade patrimonial da Administração Pública. Os novos paradigmas do Direito do Trabalho. Homenagem a Valentim Carrion. São Paulo: Saraiva, 2001.

_____; RODRIGUES PINTO, José Augusto. Repertório de conceitos trabalhistas: direito individual. Os novos paradigmas do Direito do Trabalho. Homenagem a Valentim Carrion. São Paulo: Saraiva, 2001.

PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1977.

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1984. Vol. 1.

PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitucion. 3. ed. Madrid: Tecnos, 1990.

PINTO, José Augusto Rodrigues. O Direito do Trabalho e as questões do nosso tempo. São Paulo: LTr, 1998.

_____. O direito do trabalho no limiar do século XXI. Revista LTr, São Paulo, ano 60, n. 8, p. 1029-1036, ago./1996.

PLÁ RODRÍGUEZ, Américo. Princípios do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2004.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

REDINHA, Maria Regina Gomes. A relação laboral fragmentada. Coimbra: Coimbra, 1995.

RÊGO, George Browne. Os Princípios Fundamentais e sua natureza estruturante na Constituição de 1988. MELO, Luciana Grassano de Gouvêa (coord.). Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, Recife, n. 8, p. 117-144, 1997.

REZEK NETO, Chade. O princípio da proporcionalidade no estado democrático de Direito. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004. RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Que é isto – O Direito do Trabalho? PIMENTA, José Roberto Freire Pimenta et al (coords.) Direito do Trabalho, evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 17-89.

ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1994. RODRIGUES, Leôncio Martins. Destino do sindicalismo. São Paulo: EDUSP/FAPESP, 1999.

ROEMER, John E. (Org.). El marxismo: uma perspectiva analítica. Trad. Rafael Núnez Zúnica. México: Fundo de Cultura Econômica, 1989.

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

ROMERO, Sílvio. Ensaio de Filosofia do Direito. São Paulo: Landy, 2001.

ROMITA, Arion Sayão. O princípio da proteção em xeque e outros ensaios. São Paulo: LTr, 2003.

_____. A terceirização e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1992.

_____. Globalização da economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997.

RUPRECHT, Alfredo. Os princípios do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995.

SANTOS, Adriana Timóteo dos. O princípio da proporcionalidade e a flexibilização das normas trabalhistas. HASSON, Roland (coord.). Direitos dos Trabalhadores & Direitos Fundamentais. Curitiba: Juruá, 2003.

SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). A globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002.

_____. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2003.

SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O Direito do Trabalho e o desemprego. São Paulo: LTr, 1999. SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos/ IBDC, 1999.

SANTOS, Gustavo Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004.

SARAIVA, Paulo Lopo. Direito, política e justiça na contemporaneidade. São Paulo: Edicamp, 2002. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

_____. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2004.

SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva. Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros, 1999.

_____. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, vol. 212, 1998.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Vol. 4.

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.

SILVA, Reinaldo Pereira e. O Mercado de Trabalho Humano. A globalização econômica, as políticas neoliberais e a flexibilidade dos direitos sociais no Brasil. São Paulo: LTr, 1998. SINGER, Peter. Um só mundo: a ética da globalização. São Paulo: Martins Fontes, 2004. SOLIS, Dirce Eleonora. Pensando o trabalho. HUHNE, Leda Miranda (Org.). Fazer Filosofia. 3. ed. São Paulo: Uapê, 1994.

SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANA, Segadas. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003.

_____ et al. Instituições de Direito do Trabalho. 16. ed. atualizado por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 1996.

TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de administração científica. Trad. Arlindo Vieira Ramos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1957.

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

TORRES, Ricardo Lobo Torres (Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

URIARTE, Oscar Ermida. Globalizacion y Relaciones Laborales. SILVA, Diana de Lima; PASSOS, Edésio (Coords.). Impactos da Globalização – Relações de Trabalho e Sindicalismo na América Latina e Europa. São Paulo: LTr, 2000. (Original em espanhol).

VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado. PIMENTA, José Roberto Freire et al (Coord.). Direito do Trabalho – Evolução, Crise e Perspectivas. São Paulo: LTr, 2004.

_____. As Andanças da Economia e as Mudanças no Direito. O Novo Contrato a Prazo (obra coletiva). São Paulo: LTr, 1998.

VIDAL NETO, Pedro. A legislação trabalhista e as cooperativas de trabalho. Os novos paradigmas do Direito do Trabalho. Homenagem a Valentim Carrion. São Paulo: Saraiva, 2001.

WALD, Arnoldo. O Contrato: passado, presente e futuro. Revista Cidadania e Justiça, Rio de Janeiro, p. 43-47, 2000. (Publicação da Associação dos Magistrados Brasileiros).

Artigos:

AMARAL, Júlio Ricardo de Paulo Amaral. Limitações à aplicação do princípio da proteção no direito do trabalho. Disponível em: <http://www.intelligentiajuridica.com.br/artigos/artigo6-oldjul2001.html>Acesso em: 28 mar. 2004. ANTUNES, Pinto. A interpretação das leis do trabalho. Revista de Direito Social, São Paulo: v.4, n. 21, p. 43-49, nov./dez./1943. BARBOSA, Edna Maria Fernandes. Dignidade do Trabalhador. Direito de Expressão. Jornal A Crítica, Manaus, quinta-feira, 28.07.2005, p. C.7.

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

BAYON, Juan Carlos. Principios y reglas:legislación y jurisdicción en el Estado constitucional. Jueces para la Democracia. Información y Debate, Madrid, n. 27, p. 45-58, nov./1996. CESARINO JR., A. F. Princípios Fundamentais da Consolidação das Leis do Trabalho. Rev. LTr de Legislação do Trabalho, São Paulo, n. 47, p. 115-120,1983.

CHACON, Gaspar Bayon; BOTIJA, Eugenio Pérez Botija. Manual de derecho del trabajo. 6. ed. Madri: Pons – Libros Jurídicos, 1965, vol.1. COSTA, Orlando Teixeira da. O trabalho e a dignidade do trabalhador. Revista Trabalho & Processo, São Paulo, n. 7, p. 73, dez./1995.

COUTINHO, Aldacy Rachid. Direito do trabalho de emergência. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba: ano 30, n. 30, p. 86-101, 1998. DALLEGRANE NETO, José Affonso. Análise de conjectura socioeconômica e o impacto no Direito do Trabalho. Revista LTr, São Paulo, ano 65, n. 4, p. 391-401, abr./2001. FERREIRA, Marcus Moura. O direito do trabalho no conjunto mais amplo dos direitos humanos. Aspectos de sua proteção jurídica no direito constitucional brasileiro. Revista do TST, v. 66, n. 3, p. 65, jul./set./2000. GALBRAITH, John Kenneth. Globalização. Folha de São Paulo, São Paulo, 02 de nov.1997, Caderno Mais, p.3.

MAGANO, Octávio Bueno. A flexibilização do direito do trabalho. Revista Síntese Trabalhista, São Paulo, p. 76-97, 2002. MANNRICH, Nelson. Modelo de relações trabalhistas: reflexão sobre propostas de reforma – o negociado e o legislado. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 62, n. 3, p. 220-226, mar./1996. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Os Direitos Fundamentais e os Direitos Sociais na Constituição de 1988 e sua defesa. Revista Jurídica Virtual. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_04/direitos_fundamentais>. Acesso em: 17 jul. 2005.

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · 2016-07-12 · 5.1 O homem no mundo e o processo de trabalho: uma relação ... mais forte do negociado sobre o legislado, o que

MARTINS, Nei Frederico Cano. Os princípios do Direito do Trabalho e a flexibilização ou desregulamentação. Revista LTr. São Paulo, ano 64, n.7, p. 847-853, jul/2000. MOARES, Antonio Eurico. A globalização da ciranda financeira. Folha de São Paulo, São Paulo, 22 out.1995, p.2. MORENO, Héctor Ruiz. El princípio “in dúbio pro operário”, una institución inactual. Buenos Aires: Derecho del Trabajo, ag./1986.

SÜSSEKIND, Arnaldo. O Futuro do Direito do Trabalho no Brasil. Revista LTr, São Paulo, v. 64, n. 10, p. 180-191, out./2000.

_____. Legislado x negociado. No Mérito, Rio de Janeiro, AMATRA XI/nº 34 – nov./2004 a abr./2005. Legislação: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRASIL. CLT. Decreto-lei 22.239/32 e Lei 9.608/98. São Paulo: Saraiva, 2005.

BRASIL. Código Civil. Código de Processo Civil. Constituição Federal. CAHALI, Yussef Said (Org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 6ª ed., 2004. Decisões judiciais: BRASIL. Superior Tribunal do Trabalho. RR.n. 503757/98.8. Silus Comércio e Serviços Ltda e Maria Aparecida Almada. Relator: Ministro José Carlos Perret Schulte (Suplente). 06 de abril de 1999. Acórdão 3ª T.Brasília. Disponível em: <http://www.tst.gov.br/>. Acesso em 05 fev. 2005. BRASIL. Revista do Tribunal Regional do Trabalho 11ª Região. n.8. RO n. 230/98. Banco Itaú S/A e Edílson Guedes de Lima. Relatora: Maria das Graças Alecrim Marinho. 22 de julho de 1999. Acórdão n. 5.152/99. Manaus: Grafisa, 2000, p. 165-168.