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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CINCIAS DA EDUCAO CED
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO- PPGE
LETCIA HELENA FROZIN FERNANDES CRUZ WIGGERS
MEMRIAS E EXPERINCIAS DO FAZER-SE PROFESSOR
NA EDUCAO PROFISSIONAL: ESCOLA TCNICA
FEDERAL DE SANTA CATARINA- ETFSC (1968- 2010)
FLORIANPOLIS
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CINCIAS DA EDUCAO CED
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO- PPGE
LETCIA HELENA FROZIN FERNANDES CRUZ WIGGERS
MEMRIAS E EXPERINCIAS DO FAZER-SE PROFESSOR
NA EDUCAO PROFISSIONAL: ESCOLA TCNICA
FEDERAL DE SANTA CATARINA- ETFSC (1968- 2010)
Dissertao apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em Educao da
Universidade Federal de Santa
Catarina como requisito parcial para
obteno do ttulo de Mestre em
Educao. Linha de Pesquisa
Sociologia e Histria da Educao.
Orientador: Elison Antonio Paim.
FLORIANPOLIS
2015
FOLHA DE APROVAO
AGRADECIMENTOS
Que bom poder agradecer! To grata estou e to feliz sou por
poder agradecer e por ter perto de mim tanto amor. Creio que nenhuma
palavra poder expressar o to imenso sentimento de gratido que me
toma, a to grande alegria de ter tido tamanha ajuda durante esses
longos dois anos de mestrado.
Agradeo, primeiramente, ao dom da vida. Esse dom me foi
concedido por uma mulher extraordinria. Uma pessoa nica, uma linda
alma, uma me maravilhosa que me guiou e se fez presente em TODOS
os momentos importantes de minha vida. Uma me enorme, totalmente
preenchida pela maternidade. Os filhos eram, para ela, a verdadeira
riqueza da vida. Essa me to nica era tambm uma filsofa
apaixonada pela educao. Na escola da USP se formou e passou a vida
estudando e aprendendo com o mundo. Ela nunca parou de estudar...
Denise Marly, minha linda me, se foi em abril de 2014. Foi embora
desta vida, mas continua comigo como se aqui estivesse. E aqui est! A
ela agradeo por tudo que tenho: por ter cursado as faculdades de
Psicologia e de Pedagogia; por ter passado em um concorrido concurso
pblico e hoje ser servidora pblica federal e por ter tido a oportunidade
de ingressar neste programa de mestrado. A ela agradeo ser quem sou!
Ela sempre foi minha maior incentivadora, a pessoa que mais se
orgulhava das minhas conquistas! Obrigada, minha me, por tudo que
tenho nesta vida! Obrigada por cada linda memria que juntas
construmos.
Agradeo ao meu pai Jos Luiz e ao meu irmo Diego, por
estarem sempre perto, dispostos a ajudar e me ouvir. Obrigada, querido
pai, por ser to amoroso e to forte. A sua presena e seu amor me so
indispensveis!
Agradeo ao meu marido, meu grande amor, meu melhor amigo,
Fabiano Wiggers. Sem voc nada disso seria possvel. voc quem me
escuta, me encoraja e me d suporte. Obrigada pela pacincia, mas
muito, muito obrigada por me amar...
Agradeo aos meus filhos, Vicente e Igor. Obrigada por terem me
escolhido! Ser me de duas crianas to maravilhosas minha maior
felicidade. Vocs so anjos que iluminam minha vida, que me fazem
acordar todos os dias e desejar um mundo melhor. Vocs so os maiores
e melhores presentes que poderia ter recebido de Deus! Obrigada, mil
vezes obrigada!
Agradeo imensamente aos meus sogros, Maria Osvaldo e Celso.
Mas, especialmente, teo um agradecimento especial minha sogra, que
teve papel mpar neste trabalho. Ela, professora aposentada do IFSC,
pedagoga atuante e mulher corajosa. Foi pea fundamental na
construo desta pesquisa. Tanto me ajudou... No teria feito este
trabalho se no fosse por sua ajuda, Dona Osvalda! Muito, muito
obrigada por tanto carinho e dedicao comigo...
Agradeo s minhas queridas amigas. Aquelas amigas, amigas da
vida... As amigas que desde sempre estiveram comigo e que para
sempre estaro. Vocs so como anjos que iluminam minha caminhada.
Como bom ter vocs por perto... A vocs, meu agradecimento cheio de
amor... Obrigada por serem mais que amigas, por serem minhas irms...
Que sorte t-las comigo!
Agradeo minha Instituio de trabalho, o IFSC. Agradeo pela
oportunidade de realizar este Mestrado com afastamento integral das
minhas atividades laborativas. Muito obrigada aos dirigentes (da
Direo do Campus Florianpolis e da Reitoria) e aos meus colegas,
especialmente aos meus colegas do Departamento de Gesto de Pessoas
do Campus Florianpolis. Vocs foram muito generosos comigo!
Aprendo muito com vocs... Tenho enorme orgulho de trabalhar no
IFSC...
Agradeo ao meu orientador Elison Paim, pessoa disposta e
atenciosa. O percurso no foi fcil, mas ele sempre soube me guiar e me
dizer que eu estava indo pelo caminho certo. Obrigada pela pacincia
e pelo carinho.
Agradeo tambm aos professores do Programa de Mestrado, em
especial Prof Clarcia Otto, que desde o incio me inspirou. Suas aulas
foram gigante fonte de aprendizado. Obrigada, Professora!
Agradeo aos Professores Ansio Macari e Carlos Alberto
Kincheski pela generosidade de terem me concedido tempo e ateno.
Obrigada por terem sido meus entrevistados e terem me recebido com
tanto carinho. Escutar vocs foi um enorme prazer e um grande
presente!
E agradeo a Deus, sempre! Obrigada meu bom Deus, pela vida
maravilhosa que tenho e por ser to feliz!
minha querida me Denise Marly Frozin
Fernandes Cruz...
memria de quem me ensinou o amor.
Tua ausncia presena...
Tua imagem me vida; minhas memrias so
tuas; teu amor em mim habita.
Meu mais sincero desejo poder ser me nos
modelos de tua lembrana... de tua doce e eterna
lembrana...
Que bom ter vivido tudo que vivemos juntas! Que
bom poder lembrar de ti a cada segundo desta
vida!
Para sempre, com amor...
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo analisar as trajetrias profissionais de
dois professores aposentados da Escola Tcnica Federal de Santa
Catarina- ETFSC com base em suas memrias e experincias. O intuito
foi compreender como esses sujeitos fizeram-se professores na
Educao Profissional, especificamente no perodo compreendido entre
1968 e 2010. Realizei quatro entrevistas, sendo que trs delas foram
gravadas, transcritas e textualizadas e a outra, realizada por telefone,
possibilitou a obteno de informaes complementares para o
entendimento do contexto histrico e poltico do perodo estudado. A
escolha dos sujeitos da pesquisa foi pautada no critrio de terem sido
estudantes da ETFSC e posteriormente, professores de reas tcnicas
sem formao especfica em cursos de licenciatura. A base do estudo foi
a metodologia da Histria Oral, com a qual foi possvel produzir as
fontes orais utilizadas na pesquisa, num processo de interao com os
sujeitos. Tomei como base os procedimentos metodolgicos da Histria
Oral depreendidos por Alessandro Portelli. Os referenciais tericos de
Ecla Bosi, Walter Benjamin e Edward Palmer Thompson
fundamentaram a pesquisa. A obra de Ecla Bosi e seu conceito de
memria-trabalho, memria como um processo de releitura, de
reconstruo realizada no presente, foi central para o dilogo com as
fontes. Walter Benjamin e sua concepo acerca da arte de narrar
permitiu compreender o passado sendo construdo no ato da narrativa.
Dessa forma, compreendendo a narrativa como possibilidade de
reelaborao das experincias vividas, numa abertura interpretao. A
obra de Edward Palmer Thompson inspirou este trabalho no sentido de
compreender a experincia. Portanto, essa categoria foi central na
pesquisa e permitiu a compreenso dos saberes, ideias e interesses
mobilizados e construdos no trabalho docente dentro do contexto
histrico analisado. Ainda contribuiu na construo a categoria fazer-se
professor cunhada por Elison Paim. A compreenso do fazer-se
professor, especificamente na Educao Profissional, deu-se com base
na problematizao das memrias dos professores aposentados. Os
principais elementos constituintes do fazer-se professor percebidos nesta
pesquisa relacionaram-se com: o projeto familiar e a ideia de ascenso
social via educao; a dedicao profissional durante a trajetria
docente; os programas de formao profissional viabilizados pela
direo da ETFSC formatados com base nos pressupostos da Pedagogia
Tecnicista; as relaes estabelecidas com profissionais da rea
pedaggica e os processos de construo coletiva envolvidos com essa
rea; o aprendizado advindo das relaes estabelecidas com professores
colegas de departamento; a forma com a qual se construa a harmonia
das equipes de trabalho; as prticas de formao de professores nas
quais a valorizao da experincia profissional era alicerce,
evidenciando uma dimenso coletiva do processo de formao de
professores; as experincias em cargos de gesto e uma consequente
mudana de posio; aspectos da prtica cotidiana: erros e acertos (o
processo de reflexo); a importncia atribuda experincia
profissional; a constituio das prticas docentes e as relaes
estabelecidas entre a experincia adquirida no trabalho e a atuao
docente.
PALAVRAS CHAVE: Memria; Experincia; Fazer-se professor;
ETFSC.
ABSTRACT
This study aimed to analyze the career paths of two retired teachers
from the Federal Technical School of Santa Catarina ETFSC based on
their memories and experiences. The aim was to understand how these
subjects made of teachers in vocational education, specifically in the
period between 1968 and 2010. Four interviews were held, three of them
were recorded, transcribed and textualized and the other one, conducted
by telephone, which made possible to obtain additional information to
understand the historical and political context of the studied period. The
choice of the subjects of the research was based on the criterion of they
had been students of ETFSC and later teachers of technical areas
without specific training in undergraduate courses. The focus of the
study was the methodology of oral history, with which was possible to
produce oral sources used in the research in a process of interaction with
the interviewed. It was taken as the basis the procedures gathered from
Alessandro Portelli. The theoretical references of Ecla Bosi, Walter
Benjamin and Edward Palmer Thompson justified the search. The work
of Ecla Bosi and her concept about memory-work, in what memory as
a rereading process, reconstruction carried out in the present, was
central for the dialogue with the sources. Walter Benjamin and his
conception of the art of narrating allowed to understand the past being
built in the act of storytelling. Thus, understanding the narrative as a
possibility of transmission of experiences, an openness to interpretation.
The "experience" present in the work of Edward Palmer Thompson
inspired this work to understand the experience. Therefore, this category
was central in research and allowed the understanding of knowledge,
ideas and interests mobilized and built in teaching within the historical
analyzed context. Also contributed in building the category "making teacher" coined by Elison Paim. Understanding the concept of making
teacher, specifically in the Professional Education, was given based on
the questioning of the memories of retired teachers. The main elements
of the making teacher perceived in this study were related to: the family project and the idea of social mobility by education; professional
dedication during the teaching career; vocational training programs
made possible by the direction of ETFSC formatted based on the
assumptions of Technicist Pedagogy; the relations established with
professionals of the pedagogical area and the processes of collective
construction involved in this area; the learning arising from relationships
with department of fellow teachers; the way in which building the
harmony of work teams; the teacher training practices in which the
appreciation of the experience was the foundation, showing a collective
dimension of teacher training process; the experiences in management
positions and a consequent change of position; aspects of everyday
practice: hits and misses (the thought process); the importance given to
professional experience; the formation of teachers and the relationships
established between the practical experience gained in work and
educational performance.
KEYWORDS: Memory; Experience; Making teacher; ETFSC
LISTA DE SIGLAS
CEFET/ SC - Centro Federal de Educao Tecnolgica de Santa
Catarina
CENAFOR - Centro Nacional de Aperfeioamento de Pessoal para
Formao Profissional
CFE - Conselho Federal de Educao
COTESC - Companhia Catarinense de Telecomunicaes
DEPAD - Departamento de Pedagogia e Apoio Didtico da ETFSC
ETFSC - Escola Tcnica Federal de Santa Catarina
FEEJA - Forum Estadual de Educao de Jovens e Adultos
IEE - Instituto Estadual de Educao
IFSC - Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Santa
Catarina
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educao
MEC - Ministrio da Educao e Cultura
PT - Partido dos Trabalhadores
PDI - Plano de Desenvolvimento Institucional
PDIT - Plano Diretor de Tecnologia da Informao
PREMEN - Programa de Expanso e Melhoria do Ensino
TELESC - Telecomunicaes de Santa Catarina S/A
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
SUMRIO
1. INTRODUO ............................................................................... 19 1.1. OS HORIZONTES DA PESQUISA ......................................... 19 1.2 AUTORES E REFERENCIAIS TERICOS ............................ 33 1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO............................................... 38
2. FAZER-SE PROFESSOR NA EDUCAO PROFISSIONAL . 39 2.1 O IFSC E SUA TRAJETRIA .................................................. 39 2.2 AS POLTICAS DE FORMAO DOCENTE NA
EDUCAO PROFISSIONAL ...................................................... 47
3. MEMRIA E EXPERINCIA REVISITADAS ......................... 53 3.1 MEMRIA: APROXIMAES CONCEITUAIS ................... 53 3.2 EXPERINCIA: UM DILOGO COM EDWARD PALMER
THOMPSON ................................................................................... 67 3.2 EXPERINCIA: UM DILOGO COM EDWARD PALMER
THOMPSON ................................................................................... 73 3.3 A MEMRIA DO TRABALHO E O FAZER-SE
PROFESSOR: OS SIGNIFICADOS ATRIBUDOS PELA
MEMRIA DOCENTE................................................................... 78
4. CONSIDERAES FINAIS........................................................ 143
REFERNCIAS ................................................................................ 149
FONTES ............................................................................................. 155
ANEXOS ............................................................................................ 157 ANEXO 01- ROTEIRO DE ENTREVISTA ................................. 157 ANEXO 02 .................................................................................... 159 ANEXO 03 .................................................................................... 161 ANEXO 04- CARTEIRINHA DE IDENTIFICAO
ESTUDANTIL- ETFSC ................................................................ 163 ANEXO 05 .................................................................................... 164 ANEXO 06- DIPLOMA DE CURSO DE ESQUEMA II- ANSIO
MACARI ....................................................................................... 165 ANEXO 07 .................................................................................... 166 ANEXO 08- Ementa da Disciplina Organizao e Normas da
ETFSC ........................................................................................... 167
ANEXO 09- CURRCULO DO CURSO DE ELETROMECNICA-
ETFSC ........................................................................................... 169
19
1. INTRODUO
1.1. OS HORIZONTES DA PESQUISA
A justificativa deste trabalho fundamenta-se na compreenso
acerca da trajetria profissional docente, tendo como base memrias de
dois professores aposentados. Trata-se de um estudo que concebe a
memria como processo de rememorao, como uma eterna
(re)construo com base nos referenciais do presente.
Este estudo teve como objetivo principal investigar as memrias
de professores aposentados da Escola Tcnica Federal de Santa
Catarina- ETFSC, referentes ao perodo compreendido entre os anos de
1968 e 2010, visando compreenso do fazer-se professor na Educao
Profissional. O recorte temporal adotado na pesquisa foi assim definido
em funo do perodo de formao e atuao docente dos entrevistados
na referida instituio. Cabe destacar que ambos os professores foram,
alm de docentes, alunos de cursos tcnicos da ETFSC. Alm do
objetivo central, o trabalho teve como objetivos especficos a
compreenso das prticas pedaggicas desenvolvidas na Educao
Profissional, especificamente na ETFSC, por meio da anlise das
memrias e experincias do fazer-se professor na Instituio e ainda, a
historicizao de aspectos da Educao Profissional no Brasil e em
Santa Catarina no perodo analisado.
O perodo analisado na pesquisa (1968- 2010) representa
quarenta e dois anos de muitas transformaes nos cenrios
sociopoltico, econmico, cultural e educacional brasileiro. Portanto, a
pesquisa analisou contextos histricos diversos: alm do perodo
tortuoso no qual o Brasil viveu sob regime ditatorial militar, os anos de
abertura poltica, as transformaes sociais, polticas e econmicas e a
consequente reformulao na legislao educacional em nvel nacional.
Durante vinte e cinco anos (de 1971 a 1996) a educao brasileira
esteve sob a gide da Lei de Diretrizes e Bases da Educao- LDB n
5.692/ 71. Essa lei produziu uma das mais impactantes reformas do
ensino primrio e secundrio do pas. Houve a expanso do ensino
obrigatrio de quatro para oito anos, reduzindo o antigo ensino mdio de
sete para trs ou quatro anos e o sistema educacional ficou organizado
em trs graus sucessivos:
[...] O primeiro incorporou o antigo ensino
primrio e o ginasial, configurando oito anos de
escolarizao obrigatria. O segundo grau passava
20
a corresponder ao segundo ciclo do antigo ensino
mdio. O ensino superior passou a ser
denominado de terceiro grau. Destaca-se ainda, a
abolio definitiva dos exames de admisso, em
vigor desde 1925. (FREITAS; BICCAS, 2009. p.
280)
Alm desses aspectos, a LDB n 5.692/ 71 assumiu, sob
justificativa de promoo do desenvolvimento do pas, a
profissionalizao como central. Esse tema foi o aspecto mais debatido e
criticado pelos estudiosos da rea, pois a referida LBD configurou a
profissionalizao como compulsria, principalmente no segundo grau.
A profissionalizao, nos moldes estabelecidos pela legislao em
questo, representava a viso utilitarista do regime ditatorial que
governava o pas, bem como, a subordinao da educao estrutura de
produo capitalista, quando
[...] o que est presente na proposta oficial uma
viso utilitarista, imediatamente interessada da
educao escolar, sob forte inspirao da teoria
do capital humano. Trata-se de uma tentativa de
estabelecer uma relao direta entre sistema
educacional e sistema ocupacional, de subordinar
a educao produo. Desse modo, a educao
s teria sentido se habilitasse ou qualificasse para
o mercado de trabalho. Por isso, o 2 grau deveria
ter um carter terminal [...] em certas situaes,
at mesmo o 1 grau deveria ter um carter de
terminalidade. (GERMANO, 1992. p. 176)
Cabe destacar tambm que durante a vigncia da LDB n
5.692/71 houve grande modificao nas estruturas curriculares do
ensino no pas. Um esvaziamento do carter propedutico foi
configurado, de forma que disciplinas como Sociologia e Filosofia
foram suprimidas dos currculos para ser possvel trabalhar
predominantemente disciplinas com temticas profissionalizantes.
Tambm houve a
[...] retirada do currculo das disciplinas Histria e
Geografia, substituindo-as por Estudos Sociais e
Educao Moral e Cvica, ministradas com base
em manuais que eram, na realidade, canais de
comunicao dos repertrios polticos
21
governamentais [...] demonstrava a projeo
idealizadora de um futuro trabalhador
invulnervel aos apelos da luta poltica por
direitos e democracia. (FREITAS; BICCAS,
2009. p. 282)
A partir do final da dcada de 1970, deu-se no pas um
movimento de transio para a democracia que se fortaleceu durante a
dcada de 1980. Em maro de 1983 o ento deputado Dante de Oliveira
apresentou uma proposta de emenda constitucional que reestabelecia
eleies diretas para o cargo de presidente da repblica. Dessa proposta
nasceu um amplo movimento popular que clamava eleies diretas, o
chamado Diretas j. No entanto, mesmo com apoio popular, a
proposta foi votada e derrotada em abril de 1984, assumindo o poder um
presidente civil eleito de forma indireta pelo congresso nacional.
Em fevereiro de 1987 foi instalada em Braslia a Assembleia
Nacional Constituinte e a nova Constituio Federal, promulgada em 05
de outubro de 1988, a qual, de acordo com Freitas e Briccas (2009. p.
320): [...] trouxe expressivos ganhos polticos em termos de
reconhecimento da extenso dos direitos sociais, com repercusso direta
no campo da educao..
Aps vrios anos de debates promovidos em conferncias e
encontros nacionais e tambm por lutas travadas por estudiosos e
profissionais da rea educacional, uma nova LDB, a de n 9.394, foi
promulgada em 1996. A nova LDB mudou a composio dos nveis
escolares, organizando a educao escolar em educao bsica (formada
pela educao infantil, ensino fundamental e ensino mdio) e educao
superior. Essa Lei no continha todas as modificaes desejadas pelos
educadores e debatidas ao longo de anos, [...] Porm, em relao a
vrios aspectos, tornou-se expresso da vitria para anseios populares
que h dcadas aguardavam encaminhamentos. (FREITAS; BRICCAS,
2009. p. 232).
Cabe destacar que a nova LBD representou avanos,
principalmente no que se refere aos seguintes aspectos: o
reconhecimento do direito pblico subjetivo, que possibilita ao
indivduo excludo do acesso e permanncia educao lanar mo de
mecanismos jurdicos para efetivar seus direitos; a ampliao das
modalidades da educao bsica, incorporando a educao infantil e a
educao de jovens e adultos, garantindo, portanto, que as crianas de
zero a seis anos fossem atendidas, assim como os jovens e adultos que
no tiveram acesso escolarizao na idade apropriada.
22
Alm desses avanos, a Lei flexibilizou as prticas e processos
avaliativos e a reclassificao dos alunos transferidos de outras
instituies nacionais ou internacionais. Alm disso, tambm
possibilitou aos sistemas de ensino certa flexibilidade no que se refere
organizao de funcionamento, a saber: Admitiu-se a organizao por
sries anuais, por perodos semestrais, por ciclos, pela formao de
grupos no seriados com base na idade ou competncia, alm de outros
critrios evocados em nome do combate repetncia (FREITAS;
BRICCAS, 2009. p. 232)
O entendimento acerca desse cenrio de transformaes das
polticas educacionais no pas foi fundamental para o desenvolvimento
da pesquisa. Pois, pretendeu-se conhecer as trajetrias profissionais de
docentes aposentados, enfocando os processos de escolha profissional,
bem como o percurso de formao e desenvolvimento dos docentes ao
longo de suas carreiras. O intuito foi o de responder questo: como
esses sujeitos fizeram-se professores na Educao Profissional, mais
especificamente na Escola Tcnica Federal de Santa Catarina- ETFSC,
no perodo entre 1968 e 2010?
A Escola Tcnica Federal de Santa Catarina- ETFSC, hoje
denominada Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de
Santa Catarina- IFSC, passou por um longo processo de mudanas e
possui uma identidade distinta da poca pesquisada neste trabalho.
Dessa forma, faremos uma discusso inicial explorando o histrico do
atual IFSC, dialogando com os percursos da Educao Profissional no
pas, de forma que possamos situar historicamente a Instituio e sua
transformao ao longo do tempo.
A ideia desta pesquisa nasceu de minha experincia profissional.
Sou psicloga do IFSC desde 2007 e atualmente atuo no Departamento
de Gesto de Pessoas do Campus Florianpolis, trabalhando diretamente
com os servidores (tcnico- administrativos e docentes) em programas
institucionais de Treinamento, Capacitao e Desenvolvimento
Profissional.
Em meu cotidiano de trabalho atuo diretamente com a
diversidade, principalmente no que se refere aos perfis e histricos
profissionais dos docentes. Com base no acesso aos sistemas
informatizados de controle de pessoal e aos arquivos funcionais dos
servidores do Campus Florianpolis, pude constatar uma diversidade de
sujeitos e experincias, destacando que muitos docentes, inclusive, no
possuem formao especfica na rea da Educao e so advindos de
cursos das reas tcnicas. No entanto, na grande maioria, so docentes
que atuam de forma extraordinria na Instituio, recebendo destaques
23
positivos nas avaliaes de desempenho profissional1 e sendo
constantemente elogiados por gestores e alunos.
Foi assim, percebendo a diversidade nos perfis dos atuais
docentes do IFSC (Campus Florianpolis), que nasceu o interesse em
entender como se deu o processo de fazer-se professor da Educao
Profissional na Instituio em outras dcadas.
Algumas questes foram centrais para a definio da
problemtica de pesquisa, a saber: O contexto de represso poltica
influenciou no cotidiano de trabalho desses professores? Como foram
suas trajetrias docentes na Instituio? A docncia foi realmente uma
opo ou ela se imps como alternativa de vida em meio s dificuldades
familiares e econmicas? Como foram suas formaes? Em quais
contextos iniciaram suas vidas profissionais? Quais eram suas
expectativas em relao vida profissional? Como utilizavam os
conhecimentos do campo educacional (ou a falta deles) em suas prticas
pedaggicas? Como era o relacionamento dos docentes com alunos,
colegas de trabalho e gestores? Como estava configurado o cotidiano de
trabalho na ETFSC e quais situaes foram realmente importantes para
suas vidas profissionais? Como se deu a experincia profissional e em
que medida ela foi se consolidando e possibilitando que os professores
se fizessem, realmente, professores? Ou seja, de que forma as
experincias profissionais os constituram professores?
Definida a problemtica, procedi na seleo e contato com os
sujeitos da pesquisa. O estudo teve como base as memrias de dois
professores aposentados do IFSC. Com esses professores, realizei trs
entrevistas presenciais. Alm dessas, realizei uma entrevista adicional,
via telefone, com mais uma professora aposentada, a qual atuou durante
muitos anos como supervisora pedaggica da Instituio.
Este trabalho adotou uma perspectiva qualitativa, utilizando
memrias de professores como principal fonte. Portanto, no se tratou
de uma pesquisa que teve a preocupao em realizar amostragens.
1 O Programa de Avaliao de Desempenho do IFSC foi institudo no ano de
2008 pelo ento Colegiado de Recursos Humanos da instituio e determinou
que todos os servidores (tcnicos administrativos e docentes) fossem avaliados
anualmente pelo seu desempenho profissional. A avaliao realizada com base
em trs fontes: avaliao da chefia imediata, autoavaliao docente e avaliao
discente. No mbito da instituio, a avaliao de desempenho tem como
objetivo a promoo do desenvolvimento dos servidores, a aferio do mrito
para progresso funcional, bem como a melhoria do funcionamento dos setores
e o consequente desenvolvimento da Instituio.
24
Enveredei-me pelos caminhos da memria, pela reconstruo do
passado no tempo presente. Sendo assim, a veracidade das falas no foi
preocupao. Meu foco de interesse estava nos contedos emanados das
memrias, ou seja, a construo das narrativas dos professores
aposentados, de forma que eu pudesse ter contato com suas percepes
acerca da profisso e das escolhas feitas ao longo de suas vidas.
Alm das memrias, utilizei outras fontes no trabalho. Realizei
uma busca por outros documentos que pudessem trazer informaes
adicionais pesquisa, a saber: relatrios de gesto da Instituio;
regimento interno da Instituio; registros de pessoal; legislao da
Instituio (ETFSC, CEFET/SC e IFSC); ementas de disciplinas do
perodo estudado; matrizes curriculares dos cursos de Eletromecnica,
Eletrotcnica e Edificaes e o Livro de Alcides Vieira de Almeida,
intitulado Da Escola de Aprendizes de Artfices ao Instituto Federal de
Santa Catarina. Alm disso, tive acesso a alguns acervos fotogrficos
pessoais e tambm do Departamento de Eletrotcnica do IFSC.
Para que pudesse organizar o percurso metodolgico da pesquisa,
me inspirei na obra de Ecla Bosi, Memria e Sociedade (2012), a
qual me possibilitou a compreenso de que ns, pesquisadores, somos
simultaneamente, sujeitos e objetos em nossa pesquisa, ao afirmar que
[...] fomos ao mesmo tempo sujeito e objeto.
Sujeito enquanto indagvamos, procurvamos
saber. Objeto quando ouvamos, registrvamos,
sendo como que um instrumento de receber e
transmitir a memria de algum, um meio de que
esse algum se valia para transmitir suas
lembranas. (BOSI, 2012. p. 38)
As entrevistas foram semiestruturadas (gravadas e transcritas) e
utilizei como base a metodologia da Histria Oral. Nesse sentido,
fundamental foi compreender o papel do pesquisador que adota essa
metodologia: algum que precisa situar-se no campo de pesquisa como
promotor da rememorao do depoente; algum que deve ser atento no
s s falas, mas s omisses, aos comportamentos e tambm aos
silncios dos entrevistados. E mais, compreender que o pesquisador ter
papel decisivo na produo das fontes, atuando na elaborao do material emprico. Nas palavras de Alessandro Portelli, se pode retratar
que os pesquisadores de Histria Oral
25
[...] esto cada vez mais cientes de que ela um
discurso dialgico, criado no somente pelo que
os entrevistados dizem, mas tambm pelo que ns
fazemos como historiadores- por nossa presena
no campo e por nossa apresentao do material. A
expresso histria oral, por conseguinte, contm
uma ambivalncia que, [...] refere-se
simultaneamente ao que os historiadores ouvem
(as fontes orais) e ao que dizem ou escrevem. Num
plano mais convincente, remete ao que a fonte e o
historiador fazem juntos no momento de seu
encontro na entrevista. (PORTELLI, 2001, p. 10)
A Histria Oral, entendida aqui como metodologia, foi a principal
ferramenta de trabalho desta pesquisa. O trabalho utilizou efetivamente
os dados empricos numa perspectiva reflexiva. Nesse caminho, percebi
que a produo das fontes uma tarefa de elaborao do pesquisador e
por isso, requer rigor terico-metodolgico em um atento processo de
compreenso multidisciplinar das subjetividades e sensibilidades
humanas.
A histria oral, portanto, no pode limitar-se a uma tcnica. A
utilizao dessa metodologia pressupe que na pesquisa haja
problematizao, dilogo com as fontes, de forma que essas no se
tornem simples transcries. O caminho de produo das fontes orais
parte do ofcio do historiador. Portanto, metodologicamente, muito
importante que haja o registro sistemtico desse processo de criao.
Captar nuances do que foi produzido durante as entrevistas tambm
uma tarefa do pesquisador e foi assim, nesse caminho, que constru as
fontes para a realizao desta pesquisa.
O objeto histrico sempre o resultado de uma elaborao e
nesse sentido, compreendo que a histria sempre uma construo. No
entanto, cabe entender que a histria oral no soluo para tudo.
necessrio ter presente de que forma ela poder ser empregada e assim,
delimitar quais perguntas fazer e como proceder na condutividade das
entrevistas e por assim dizer, da produo das fontes. (FERREIRA;
AMADO, 2006)
Considerando que impossvel resgatar o passado, como se assim pudssemos pin-lo e traz-lo ao presente, exatamente como
aconteceu, no se pode vivenciar as emoes como outrora, nem
tampouco reproduzir a sequncia de acontecimentos na exata
continuidade do vivido. Isso porque a histria opera por
descontinuidades. E essa ideia indispensvel para que se possa
26
trabalhar com a metodologia da Histria Oral. Metodologia esta, que
proporciona um verdadeiro fascnio no pesquisador, pois possibilita que
as mltiplas experincias de um (ou vrios) indivduo(s) nos sejam
narradas em entrevistas permeadas por contedos significativos. Esses
contedos no so exatamente o vivido, e sim uma reconstruo de
imagens daquilo que o indivduo viveu. A rememorao parte e
pautada no presente, no contexto atual da pessoa que recorda algo que
viveu ou que ouviu falar. Sim, isso porque muitas das histrias que
recordamos no necessariamente foram vivenciadas por ns, mas nos
foram contadas ou incorporadas ao nosso repertrio vivencial pelos
laos de pertencimento a determinados grupos.
Verena Alberti explica esse fascnio pelo fato de que uma
entrevista possibilita que ao pesquisador sejam revelados fragmentos
que so encadeados de determinada forma, no momento da entrevista e
guiados pelas perguntas feitas pelo prprio pesquisador. Nesse sentido,
Como em um filme, a entrevista nos revela
pedaos de passado, encadeados em um sentido
no momento em que so contados e em que
perguntamos a respeito. Atravs desses pedaos
temos a sensao de que o passado est presente.
A memria, j se disse, a presena do passado.
(ALBERTI, 2004. p.15)
Portanto, as narrativas orais gravadas e transcritas so o material
emprico da metodologia em questo. Nesta pesquisa, elas foram
construdas em entrevistas realizadas durante a fase de coleta de
material, num processo de interao entre pesquisador e entrevistados.
Os entrevistados evocaram suas memrias, transformando-as em
narrativas, contando e selecionando os acontecimentos conforme um
determinado sentido no momento presente. Este um aspecto que
merece destaque, pois as narrativas so infinitas possibilidades de
reconstruo. Os contedos subjetivos do presente (concepes, crenas,
laos de relao e pertencimento a determinados grupos etc.) se
modificam constantemente e, portanto, no poderamos nunca coletar
uma mesma narrativa, ainda que segussemos o mesmo roteiro e
fizssemos as mesmas perguntas aos nossos entrevistados. Isso porque a memria uma eterna reelaborao e, alm de operar na seletividade,
segundo Portelli (1997), um processo ativo de criao de
significaes. Para esse autor, a memria no representa um
27
depositrio passivo de fatos, mas uma possibilidade de reconstruo
constante.
Sendo o ato rememorativo um movimento contnuo de
reconstruo, ela fomenta a representao seletiva do passado,
possibilitando que diversas verses de acontecimentos possam ser
produzidas ao longo da vida de uma pessoa. Afinal,
As histrias de vida e os relatos pessoais
dependem do tempo, pelo simples fato de
sofrerem acrscimos e subtraes em cada dia da
vida do narrador. [...] Portanto, uma histria de
vida algo vivo. Sempre um trabalho em
evoluo, no qual os narradores examinam a
imagem do seu prprio passado enquanto
caminham. [...] No s uma questo de no
chegar a um fim. Mitos se referem a um passado
acabado, mas tambm mudam quando o grupo
muda. Da mesma forma, as verses das pessoas
sobre seus passados mudam quando elas prprias
mudam. (PORTELLI, 2000, p.298).
por meio dessa concepo que a memria pode ser entendida
como passado vivido e concebido. E a histria oral deve privilegiar a
recuperao desse vivido conforme concebido por quem viveu. Como
sinaliza Alberti,
[...] sabemos que o passado s retorna atravs de
trabalhos de sntese da memria: s possvel
recuperar o vivido pelo vis do concebido. claro
que a histria oral no a nica manifestao em
que se combinam desse modo o contnuo e o
descontnuo [...] ela se ajusta a toda uma postura
que valoriza tal combinao. (ALBERTI, 2004, p.
17)
Desta forma, destaca-se a memria como fonte oral: este foi o
material emprico utilizado na pesquisa. No caminho de construo
desse material pude entrar em contato com dimenses alm daquelas
registradas nos documentos escritos. Experimentei, como pesquisadora,
o contato com o contedo subjetivo das narrativas de professores que
atuaram durante mais de trinta anos na Educao Profissional.
Participei, assim, da elaborao simblica desses sujeitos, tecendo
perguntas e elaborando possveis respostas s questes de pesquisa.
28
Tambm pude entrar em contato para alm daquilo que foi dito
de forma explcita. Entrevistei sujeitos reais, que se disponibilizaram a
falar sobre suas vidas e experincias profissionais. Sujeitos que, em
certos momentos, tiveram dificuldades de rememorar alguns fatos, mas
que relataram com facilidade outros tantos. Sujeitos que se
emocionaram ao narrar suas memrias e trouxeram tona experincias
vividas por eles em uma poca passada. Essa a riqueza das entrevistas
em Histria Oral e pode ser descrita nas palavras de Ecla Bosi da
seguinte maneira:
Quando se trata da histria recente, feliz o
pesquisador que se pode amparar em testemunhos
vivos e reconstituir comportamentos e
sensibilidades de uma poca! O que se d se o
pesquisador for atento s tenses implcitas, aos
subentendidos, ao que foi sugerido e encoberto
pelo medo. Um exemplo que pode parecer um
pouco dramtico o relato de uma reunio
oficial de que o depoente participou. Se for
registrado em documento, ser esquematizado,
empobrecido e sobretudo feito para agradar o
poder em exerccio ou a faco prestigiada no
momento. As atas de reunies oficiais suprimem
as dissonncias como impertinncias, e os
conflitos so apagados como digresses inteis.
(BOSI, 2013, p. 16)
Na construo dessas fontes entramos no terreno dos testemunhos
vivos, participando de pontos de vistas muitas vezes contraditrios e
presenciando algumas omisses e momentos de silncio. A riqueza
dessa metodologia, entretanto, est justamente nisso: captar alm do que
a oficialidade pode registrar. De acordo com Ecla Bosi (2013): A
memria oral, longe da unilateralidade para a qual tendem certas
instituies, faz intervir pontos de vista contraditrios, pelo menos
distintos entre eles, e a se encontra a sua maior riqueza. Ela no pode
atingir uma teoria da histria nem pretende tal fato [...] (BOSI, 2013, p.
15)
Entendo, portanto, que a memria do sujeito produzida na
relao entre entrevistador e depoente e nesse sentido, o pesquisador
ajudar o sujeito a se lembrar, tornando-se um diretor de palco da
entrevista, ou um organizador do testemunho (PORTELLI, 1997). E
para que se desenvolva uma entrevista na qual haja empatia e confiana,
29
h de se estabelecer um processo de interao permeado pela troca entre
papis distintos2 que acaba por promover a reflexo do depoente.
Cabe destacar que a pesquisa adotou essa perspectiva no
entendimento e no trabalho com a histria oral, obedecendo a algumas
etapas prvias realizao das entrevistas. Primeiramente realizei uma
investigao sobre o histrico da instituio, buscando informaes em
outras fontes (documentos institucionais, atas de reunio e grades
curriculares dos cursos tcnicos ofertados pela Instituio). O intuito, ao
buscar essas fontes foi, justamente, o de estabelecer uma relao
dialtica entre as fontes orais e os demais documentos, de forma a
entender o contexto social e poltico da poca. Pesquisei tambm sobre
as polticas nacionais de educao do perodo compreendido entre 1968
e 2010, focalizando, em especial, a legislao da Educao Profissional.
Alm disso, busquei compreender as polticas institucionais de formao
docente, as quais percebi estarem atreladas concepo de educao
presente na legislao e na orientao poltica nacional.
Aps essas etapas, elaborei um roteiro de entrevista3 para dar
suporte na conduo das narrativas. E visando a observncia das
questes ticas, os professores foram convidados a assinar o Termo de
Consentimento Livre Esclarecido de Pesquisa4.
A escolha dos sujeitos da pesquisa privilegiou aqueles que
tivessem um perfil de formao comum. No caso, os sujeitos, dois
professores aposentados do IFSC, foram alunos da ETFSC (final da
dcada de 1960 e incio da dcada de 1970) e concluram suas
formaes como tcnicos habilitados nos cursos de Eletromecnica e
2 O entendimento da troca entre papis distintos, nesse caso, dialoga com as
concepes de Portelli (1997, 2001) que explicita o papel do entrevistador da
histria oral como sendo um questionador especial, aquele que ter, de alguma
forma, o controle do discurso histrico. Portanto, o entrevistador possui um
papel especfico na entrevista, pois ela [...] implicitamente, reala a autoridade
e a autoconscincia do narrador e pode levantar questes sobre aspectos da
experincia do relator a respeito dos quais ele nunca falou ou pensou
seriamente (PORTELLI, 2001. p. 12). Segundo esse autor: [...] o
historiador que seleciona as pessoas que sero entrevistadas, que contribui para
a moldagem do testemunho colocando as questes e reagindo s respostas; e
que d ao testemunho sua forma e contexto finais (mesmo que em termos de
montagem e transcrio). [...] (PORTELLI, 1997. p. 37) 3 Esse roteiro encontra-se nos anexos deste trabalho.
4 Os Termos encontram-se nos anexos deste trabalho.
30
Edificaes. O Professor Ansio Macari atuou como professor efetivo5
na Instituio entre os anos de 1973 a 2010 e o professor Carlos Alberto
Kincheski, entre 1976 a 1996. Alm disso, obtiveram habilitao
especfica como professores nos Cursos Emergenciais de Esquema II.
Ademais, ambos aposentaram-se no IFSC e fizeram suas carreiras como
professores da Educao Profissional.
Realizei contato prvio com os entrevistados via telefone.
Expliquei detalhadamente os objetivos da pesquisa, apresentando o tema
de trabalho e a problemtica do estudo. A escolha desses entrevistados
deu-se em funo da facilidade de acesso e por conhecer o perfil
profissional de ambos. Eram professores com os quais eu tinha contato
prximo, de forma que pude solicitar suas participaes na pesquisa e
conversar previamente sobre o tema que seria trabalhado.
As entrevistas foram realizadas entre outubro de 2014 e maro de
2015, aps contato prvio e agendamento com os professores. Esse
contato foi muito tranquilo e cheio de receptividade por parte dos
entrevistados. Os professores demonstraram interesse em participar,
sendo generosos e oferecendo suas casas para a realizao das
entrevistas.
As entrevistas foram focadas nas memrias da vida estudantil e
profissional daqueles sujeitos, seguindo um roteiro construdo
previamente. Esse roteiro foi estruturado de forma que pudesse auxiliar
os professores na evocao de suas lembranas, possibilitando que
tpicos importantes fossem marcados. Dividi o roteiro em blocos
temticos. Os temas elencados nos blocos, centrais para nossa pesquisa,
ficaram constitudos da seguinte forma:
Identificao do ncleo familiar de origem e dos grupos sociais dos quais o entrevistado faz parte;
Mapeamento dos percursos escolares do entrevistado;
5 O Professor Ansio Macari detalhou em sua primeira entrevista que, aps
concluir o Curso Tcnico em Eletromecnica na ETFSC, foi convidado a
integrar a equipe de trabalho que atuou na criao do Curso de Eletrotcnica na
Instituio. Assim, no ano de 1971 ficou realizando estgio para atuar como
professor posteriormente. No ano de 1972 ocorreu um concurso pblico para
ingresso de 3 professores que deveriam dar incio s aulas do Curso de
Eletrotcnica naquele ano ainda. Durante todo o ano de 1972 ele permaneceu na
Instituio como professor colaborador (na modalidade de prestador de servio).
Somente foi efetivado na carreira de professor na ETFSC em maro de 1973.
31
Identificao das escolhas realizadas no campo profissional (as opes feitas ao longo da carreira e a prpria escolha
profissional);
Reconhecimento das relaes estabelecidas nos processos de ensino-aprendizagem e dos percursos didtico-pedaggicos;
Anlise dos relacionamentos com alunos e colegas de trabalho e das satisfaes e dificuldades do cotidiano de trabalho;
Experincias pedaggicas desenvolvidas durante sua trajetria profissional;
Formao Inicial e ao longo da carreira.
Cabe destacar que, para cada bloco temtico, haviam sido
organizadas algumas perguntas que auxiliaram na conduo da
entrevista, facilitando o processo mnemnico dos entrevistados.
Posteriormente, realizei as transcries das entrevistas, num
processo cuidadoso e atento. Tentei, ao mximo, preservar as falas
integralmente. No entanto, alguns pequenos ajustes foram realizados
com o intuito de facilitar a compreenso. Tive extremo cuidado para que
no houvesse interferncia nos sentidos das falas. Tambm no me ative
de forma exaustiva s normas gramaticais, dando vazo linguagem
coloquial que foi produzida nas falas dos docentes.
O primeiro entrevistado, o professor Ansio Macari, havia sido
meu companheiro no Frum Estadual de Educao de Jovens e Adultos-
FEEJA nos anos de 2003 e 2004. Alm disso, um amigo prximo de
minha famlia, em especial de minha sogra, que tambm professora
aposentada do IFSC. Nessa primeira entrevista, em outubro de 2014,
houve a participao adicional do orientador dessa pesquisa, o Professor
Elison Antonio Paim. A segunda entrevista com o professor Ansio
aconteceu em maro de 2015, esta somente com a presena da
pesquisadora e do entrevistado.
O reencontro com o professor Ansio foi uma experincia muito
gratificante. Como disse, passamos dois anos como companheiros do
FEEJA e durante esse tempo pude nutrir grande admirao por sua
pessoa, em especial pela sua dedicao Educao e tambm pelos seus
posicionamentos, sempre ponderados e mediadores.
O professor Ansio foi extremamente receptivo e se mostrou muito interessado pelo tema com o qual eu estava trabalhando,
fornecendo-me sugestes de pesquisa com fontes adicionais. Como j
possuamos um vnculo de amizade, a empatia estabeleceu-se
rapidamente e a conversa fluiu de forma agradvel. Ele, uma pessoa
32
muito tranquila, com sua fala pausada e articulada, pareceu ficar
vontade ao falar sobre a vida profissional. Em alguns momentos,
emocionou-se, relembrando com detalhes de situaes importantes que
viveu na ETFSC/ CEFET/ IFSC.
Ansio destacou o trabalho docente como uma construo
coletiva e a importncia da equipe que o acompanhava. Alm disso,
manifestou uma extrema gratido instituio na qual foi estudante e
atuou como professor e gestor ao longo de 38 anos:
Eu acho que profissionalmente posso dizer que
sa completo. Desde a minha formao, que a
Escola me deu (formao tcnica), at a
oportunidade de atuar profissionalmente l
dentro, como professor. E eu, claro, fui l dentro,
em busca dessa parte administrativa. Acho que
onde eu tinha planejado chegar, eu cheguei: na
direo da Escola. Ento eu posso dizer que sa
satisfeito, com a misso de professor cumprida e
tambm com a rea administrativa.
O segundo entrevistado foi o professor aposentado Carlos Alberto
Kincheski, tambm um ex-aluno da ETFSC. Aps contato telefnico,
agendei uma visita em sua residncia. Ele me recebeu de forma muito
atenciosa, mas no incio disse que no sabia se poderia contribuir muito
com a pesquisa: Ah... Mas ser que eu vou poder ajudar em alguma coisa?. Ao ser informado que o importante, para a pesquisadora, era
ouvir as memrias de sua vida profissional, demonstrou ficar bem mais
vontade e mantivemos uma longa conversa. Foram noventa minutos
gravados e mais alguns de conversa informal.
Cabe relembrar que existia certa proximidade entre a
pesquisadora e os professores antes das entrevistas. No entanto, esse
fator, ao invs de interferir negativamente na conduo, foi um elemento
agregador, facilitando o dilogo e promovendo empatia. Notoriamente
pude perceber que os entrevistados ficaram vontade durante as
entrevistas e demonstraram interesse em participar.
Alm das trs entrevistas presenciais com os dois professores
aposentados, realizei outra, via telefone, com a ex-coordenadora do
Setor de Superviso Pedaggica da ETFSC, a tambm aposentada
Professora Maria Osvalda Pereira Wiggers. Ela me passou algumas
33
informaes acerca da utilizao da legislao vigente6 pela equipe de
Superviso Pedaggica. A professora me relatou especificamente de que
forma a legislao educacional federal era utilizada como balizadora
para a formatao das ementas de disciplinas e grades curriculares dos
Cursos Tcnicos na ETFSC, dando nfase ao Parecer CFE N. 45/72-
CEPSG- Aprovado em 12/01/72, o qual tratava do tema qualificao
para o trabalho no ensino de 2. grau e sobre os contedos mnimos a
serem exigidos em cada habilitao profissional.
1.2 AUTORES E REFERENCIAIS TERICOS
Nesta pesquisa adotei o conceito de memria como uma relao
estabelecida no presente e configurada numa concepo para alm da
linearidade temporal. Foi, portanto, a memria, o objeto de investigao
e problematizao do estudo realizado. Para tanto, busquei dialogar com
teorias que pudessem me instrumentalizar no manejo dos contedos
memoriais e experienciais apreendidos na pesquisa, de forma a alcanar
os objetivos propostos no trabalho.
Diversos autores trabalharam os conceitos de memria e
experincia. Utilizei nesta pesquisa alguns que problematizaram a
memria nas cincias sociais, a saber: Ecla Bosi (2004; 2012), Walter
Benjamin (1987; 2013), Maurice Halbwachs (2012) e Michel Pollak
(1989; 1992). Alm desses, a produo de Edward Palmer Thompson
(1998; 2011) foi central para o desenvolvimento do estudo com seu
conceito de experincia. Na sequncia, apresento um panorama acerca
dos conceitos centrais desses autores e a importncia deles para a
pesquisa.
Ecla Bosi uma autora da rea da Psicologia Social. Sua
produo terica (2012; 2013) dialoga tanto com referenciais de
Bergson7, quanto com de Halbwachs. Esse dilogo produziu uma das
6 A Professora Maria Osvalda atuou na Coordenadoria de Superviso
Pedaggica, que era um setor ligado ao "Departamento de Pedagogia e Apoio
Didtico da ETFSC - DEPAD" durante 14 anos, de maro de 1976 a junho de
1990. 7 Henri Bergson, autor do livro Matria e Memria (2006), ancora sua teoria
no princpio da conservao do passado, desenvolvendo o Mtodo
Introspectivo (conservao dos estados psquicos j vividos) e trabalhando
numa perspectiva de fenomenologia da lembrana. Bosi (2012) apresenta uma
crtica no que se refere concepo de memria de Bergson, explicitando que
A lembrana bergsoniana, enquanto conservao total do passado e sua
ressurreio, s seria possvel no caso (afinal, impossvel) em que o adulto
34
grandes obras sobre memrias de velhos no Brasil, o livro Memria e
Sociedade (2012), que foi um referencial balizador para essa pesquisa.
Sua reflexo de memria como trabalho associa a memria ao esforo
de releitura. Portanto, segundo Bosi (2012), a memria-trabalho
desencadeia o processo de reconstruo realizado no presente, com as
representaes8 atuais do sujeito. E essa ideia fundamentou toda a
problematizao das memrias utilizadas nessa pesquisa. Para a autora,
A memria no sonho, trabalho. Se assim ,
deve-se duvidar da sobrevivncia do passado, tal
como foi e que se daria no inconsciente de cada
sujeito. A lembrana uma imagem construda
pelos materiais que esto, agora, nossa
disposio, no conjunto de representaes que
povoam nossa conscincia atual. Por mais ntida
que nos parea a lembrana de um fato antigo, ela
no a mesma imagem que experimentamos na
infncia, porque ns no somos os mesmos de
ento e porque nossa percepo alterou-se e, com
ela, nossas ideias, nossos juzos de realidade e de
valor. O simples fato de lembrar o passado, no
presente, exclui a identidade entre imagens de um
e de outo, e prope a sua diferena em termos de
ponto de vista. (BOSI, 2012. p. 55)
mantivesse intacto o sistema de representaes, hbitos e relaes sociais da sua
infncia. A menor alterao do ambiente atinge a qualidade ntima da
memria. (BOSI, 2012. p. 55). No entanto, afirma que a teoria de Bergson
ampliou o conceito de percepo, que era entendido at ento (final do sculo
XIX) como mero resultado da interao de ambiente com o sistema nervoso.
Pois para Bergson, no existe percepo que no esteja impregnada de
lembranas. Segundo Bosi (2013), Bergson elucidou a funo decisiva da
memria na nossa existncia, afirmando que a memria viabiliza a relao do
corpo presente com o passado e ainda, o papel da interveno no curso atual das
representaes, ou seja, o pressuposto da mistura do passado com as percepes
imediatas. 8 A expresso representaes amplamente utilizada na obra de Ecla Bosi.
Com base em suas ideias, mantive a utilizao dessa expresso num sentido
especfico para o contexto desta pesquisa. Portanto, nesta pesquisa utilizei
representaes como sinnimo de conceitos, imagens e ideias que o sujeito
construiu ao longo da vida. No tenho a pretenso de tratar a teoria das
representaes, nem tampouco adentrar discusso sobre representaes
sociais, to complexa e instigante, presente nas cincias sociais e na Psicologia
Social, de forma especfica.
35
O referencial de Walter Benjamin (1987) no que se refere,
principalmente, ao processo narrativo, tambm foi importante na
pesquisa. Para Benjamin, o passado reconstrudo no ato da narrativa e
a experincia a fonte da narrao. Portanto, no trabalho realizado com
as narrativas dos professores aposentados, entrei em contato com os
significados atribudos por esses sujeitos acerca das experincias que
viveram. Para o autor, a narrativa conserva, em si, uma essncia
artesanal de comunicao, pois:
A narrativa, que durante tanto tempo floresceu
num meio arteso- no campo, no mar e na cidade-,
ela prpria, num certo sentido, uma forma
artesanal de comunicao. Ela no est
interessada em transmitir o puro em si da coisa
narrada como uma informao ou um relatrio.
Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em
seguida retir-la dele. Assim se imprime na
narrativa a marca do narrador, como a mo do
oleiro na argila do vaso. [...] (BENJAMIN, 1987.
p. 205)
Portanto, a anlise de Benjamin acerca do processo narrativo
possibilita que se compreenda a memria como um processo de
reconstruo permanente. Ou seja, a memria como uma retomada do
passado no agora, luz das experincias e da percepo do presente.
Destaco tambm, o dilogo com a obra de Halbwachs (2012), a
qual apresenta a perspectiva da memria coletiva. Para esse autor, a
memria individual construda a partir da memria coletiva. Portanto,
o testemunho presencial no essencial para confirmar ou recordar uma
lembrana, pois a memria se ancora nos quadros sociais da memria-
famlia, escola, amigos, igreja, trabalho etc.
Nossas lembranas permanecem coletivas e nos
so lembradas por outros, ainda que se trate de
eventos em que somente ns estivemos
envolvidos e objetos que somente ns vimos. Isto
acontece porque jamais estamos ss. No
preciso que outros estejam presentes,
materialmente distintos de ns, porque sempre
levamos conosco e em ns certa quantidade de
pessoas que no se confundem. [...]
(HALBWACHS, 2012. p. 30)
36
Para Halbwachs as dimenses individual e coletiva da memria
so interdependentes, uma vez que as lembranas so constitudas no
interior dos grupos sociais dos quais o indivduo pertence e, alm disso,
se adaptam ao conjunto das percepes individuais produzidas no
presente. A memria, portanto, se d em meio a um processo de coeso
social, tendo em vista o pertencimento e adeso afetiva dos sujeitos aos
grupos. Dessa forma, cabe destacar que
[...] quando dizemos que o depoimento de algum
que esteve presente ou participou de certo evento
no nos far recordar nada se no restou em nosso
esprito nenhum vestgio do evento passado que
tentamos evocar, no pretendemos dizer que a
lembrana ou parte dela devesse subsistir em ns
da mesma forma, mas somente que, como ns e as
testemunhas fazamos parte de um mesmo grupo e
pensvamos em comum com relao a certos
aspectos, permanecemos em contato com esse
grupo e ainda somos capazes de nos identificar
com ele e de confundir nosso passado com o dele.
[...] (HALBWACHS, 2012. p. 33)
O dilogo com a perspectiva terica de Pollak (1989; 1992)
tambm foi presente neste trabalho. Para Pollak (1989) h um processo
de fabricao de determinada memria, no sendo apenas a memria o
resultado da coeso de um grupo social, como descreveu Halbwachs,
podendo haver, inclusive, disputas de memrias.
Michael Pollak apresenta a problemtica das memrias
subterrneas, contrapondo-se ideia de coeso da memria nacional
(memria legitimada pelo Estado) compreendida por Halbwachs (2012)
como a mais completa forma de memria coletiva. O silncio, para
Pollak, importante. Muito dos contedos que no se tornam memria,
transformam-se em esquecimento, e nesse sentido, em silncio.
Portanto, a concepo de Pollak subsidia a discusso acerca da questo
da seletividade da memria, de forma que possamos problematizar o que
se torna memria disponvel e o que se torna esquecimento.
Sendo a memria seletiva, nem tudo fica registrado. H, nesse
sentido, um processo de estruturao da memria, desencadeado no
presente: [...] A memria tambm sofre flutuaes que so funo do
momento em que ela articulada, em que ela est sendo expressa. As
preocupaes do momento constituem um elemento de estruturao da
37
memria. [...] (POLLAK, 1992. p. 204). Portanto, a memria, para esse
autor, um fenmeno construdo social e individualmente, a saber:
Quando falo em construo, em nvel individual,
quero dizer que os modos de construo podem
tanto ser conscientes como inconscientes. O que a
memria individual grava, recalca, exclui,
relembra, evidentemente o resultado de um
verdadeiro trabalho de organizao. (POLLAK,
1992, p.204)
Alm disso, Pollak (1992) associa o conceito de memria ao de
identidade. Para o autor, a memria um elemento constituinte da
identidade (tanto individual, quanto coletiva) e essa, por sua vez,
produzida com base em referncias externas, uma vez que
[...] A construo da identidade um fenmeno
que se produz em referncia aos outros, em
referncia aos critrios de aceitabilidade, de
admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por
meio de negociao direta com outros. Vale dizer
que memria e identidade podem perfeitamente
ser negociadas, e no so fenmenos que devam
ser compreendidos como essncias de uma pessoa
ou de um grupo. (POLLAK, 1992, p.204)
Destaco tambm as concepes de Edward Palmer Thompson
(1987), em especial a categoria experincia desenvolvida em sua obra,
a qual foi fundamental para essa pesquisa, possibilitando a compreenso
dos saberes construdos no trabalho e ao longo da vida dos docentes
aposentados, considerando o contexto social e histrico do perodo
estudado.
E, finalmente, trabalhei com o conceito de fazer-se professor
desenvolvido por Elison Paim (2005). Esse conceito apresenta uma
perspectiva de formao que pressupe os professores como sujeitos
ativos no seu processo de formao. Uma perspectiva que compreende
as marcas culturais da experincia na ao e na formao docente ao
longo da vida, em diversas situaes, pensando a formao para alm da
academia ou somente das situaes formais de aprendizagem.
38
1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO
Este trabalho est organizado em trs captulos, sendo o primeiro
esta parte introdutria, na qual explorei os horizontes da pesquisa,
detalhando o percurso metodolgico e as referncias tericas centrais
para o seu desenvolvimento.
O segundo captulo dividido em duas sees: a primeira trata da
apresentao de um panorama histrico da instituio onde a pesquisa
foi realizada- ETFSC, atual IFSC, de forma a sintetizar o processo de
transformao da Instituio ao longo de sua existncia. A segunda
seo trata das polticas de formao docente na instituio no contexto
histrico e temporal analisado nessa pesquisa. Portanto, realizei uma
breve discusso acerca das polticas de formao de professores para a
educao profissional no mbito nacional com o interesse de entender
como se deu a configurao das diversas polticas em termos de ao
formativa e de impacto na profissionalizao dos docentes atuantes na
Instituio.
O terceiro captulo tambm dividido em sees distintas. A
primeira e a segunda tratam especificamente sobre os processos de
memria e experincia. Nelas realizo uma reviso conceitual desses
processos, estabelecendo aproximaes com os referenciais tericos de
Ecla Bosi, Walter Benjamin, Maurice Halbwachs e Michael Pollak e
Edward Palmer Thompson. Na terceira seo adentro discusso sobre
os significados atribudos pela memria docente, problematizando a
memria do trabalho docente e o fazer-se professor. Nessa seo
realizo a problematizao das memrias de dois professores aposentados
da ETFSC, Professor Ansio Macari e Professor Carlos Alberto
Kincheski.
39
2. FAZER-SE PROFESSOR NA EDUCAO PROFISSIONAL
2.1 O IFSC E SUA TRAJETRIA
Para que fossem compreendidos os mltiplos contextos da
Instituio que estou tratando nesta pesquisa, optei por apresentar um
breve panorama histrico do atual IFSC, o qual nos remete aos
primrdios do regime republicano brasileiro, perodo em que se deu o
incio do processo de implantao da Rede Federal de Educao
Profissional.
A consolidao da nova forma de governo no Brasil (o regime
republicano, implantado em 1889), exigiu uma reestruturao
administrativa ampla e foi acompanhada por uma reorganizao em
diversas reas estratgicas. Era preciso difundir a nova mentalidade
republicana e conjuntamente os ideais de modernidade e de progresso. A
educao, nesse sentido, teve um papel central, sendo um dos pilares
estratgicos da propagao dos novos princpios governamentais e da
construo de uma simbologia da repblica.
Era, portanto, urgente que se organizasse um sistema nacional de
ensino para que a execuo do projeto de modernizao do pas tivesse
xito e assim, que a crescente urbanizao trouxesse o progresso to
almejado pelos ideais positivistas da nascente repblica. A populao
brasileira, ainda sem entender muito bem o que era, exatamente, esse
novo modelo de governo, seguia vida de instruo e necessitava ser
orientada nos ditames dos ideais vigentes. O projeto republicano
previa a estruturao do sistema educacional como estratgia, tendo em
vista que a propagao dos novos princpios governamentais dependia
da consolidao de uma nova mentalidade. Portanto,
Se o povo curioso seguiu os acontecimentos do
dia 15 de novembro, perguntando sobre o que se
passava [...] claro est o seu no-envolvimento no
roteiro da Proclamao e a sua incompreenso do
que viria a ser a tal Repblica. Neste caso, para o
novo projeto governamental, era preciso que ela
fosse caracterizada como um desejo de todos.
Era preciso inculcar naquele segmento social a
nova mentalidade de nao, a nao republicana
brasileira voltada ao atendimento geral dos seus
cidados. (KUNZE, 2009, p. 10)
40
A repblica precisava ser vista como o nico regime capaz de
proporcionar igualdade poltica entre os cidados e com isso, emergir a
ideia de que todos poderiam assumir altos cargos pblicos ou se
tornarem donos de indstrias. Alm disso, era preciso profissionalizar
a populao que vinha de reas rurais e que se aglutinava nas cidades.
Essa massa deveria tornar-se produtiva, til nao. O Estado precisava
formar mo de obra para as indstrias que surgiam no pas e, alm disso,
era primordial que se pudesse conter qualquer forma de rebelio
contra o nascente regime:
Logo, aos olhos do dirigente do pas, os ex-
escravos, mendigos, negros, loucos, prostitutas,
rebeldes, desempregados, rfos e viciados, que
se avolumavam com o crescimento das cidades,
precisavam ser atendidos, educados e
profissionalizados para se transformarem em
obreiros, em operariado til incapaz de se rebelar
contra a ptria. (KUNZE, 2009, p. 15)
Aps vinte anos da proclamao da repblica, seguindo o projeto
de modernizao do pas e saindo do terreno das propostas, em 23 de
setembro de 1909, o ento presidente da repblica, Nilo Peanha,
expediu o Decreto n 7.566 que criou, efetivamente, em cada capital do
Brasil, uma escola de aprendizes artfices. Dessa forma, instalou-se uma
rede federal de educao profissional.
pertinente ressaltar que a formao profissional pretendida no
referido Decreto, era direcionada aos desfavorecidos de fortuna,
portanto, uma educao profissional de massa, que tinha como objetivo
atingir um pblico sem horizonte, efetivamente, margem da
sociedade e fora dos setores produtivos:
Art. 6 Sero admitidos os indivduos que [...]
possurem os seguintes requisitos, preferidos os
desfavorecidos da fortuna:
b. idade de 10 anos no mnimo e de 13 no
mximo;
c. no sofrer o candidato de molstia infecto-
contagiosa, nem ter defeitos que o impossibilitem
para o aprendizado de ofcio.
1 A prova desses requisitos se far por meio de
certido ou atestado passado por autoridade
competente.
41
2 A prova de ser o candidato destitudo de
recursos ser feita por atestao de pessoas
idneas, a juzo do diretor, que poder dispens-la
quando conhecer pessoalmente as condies do
requerente matrcula. (Brasil, APUD KUNZE,
2009, p. 14)
A formao ofertada na rede tinha como finalidade proporcionar
o ensino direcionado s especificidades das emergentes indstrias locais.
Dessa forma, conferir habilitao quela populao que estivesse dentro
dos critrios definidos no Decreto, formando um contingente de
cidados teis nao. Portanto, a educao profissional poderia
retirar de cena muitos obstculos ao progresso do pas. Se a populao
margem da sociedade (o grupo urbano perifrico) estivesse devidamente
habilitada e contida, seria minimizado o perigo de atentar contra a
almejada civilidade brasileira nos modelos republicanos. Ademais, havia
o perigo dos ideais socialistas que rondavam as cidades e por isso, a
educao (especialmente a educao profissional) era pea chave na
manuteno da hegemonia dos pressupostos republicanos. Portanto,
Nesse esquema, o certo era que o povo precisava ser educado porque
sem instruo tornava-se perigoso, pois facilmente enganvel por
outros lderes e, com certa facilidade [...] (KUNZE, 2009, p. 15)
A promoo do progresso, portanto, era um projeto republicano
delineado pelo governo e a educao, estratgica nesse sentido. O
povo deveria ser educado para que fossem contidas todas as possveis
chaves de ataque aos ideais que estavam sendo consolidados no pas.
Cabe destacar, tambm, que a organizao do sistema
educacional brasileiro obedeceu a uma herana preconceituosa, a qual
direcionava aprendizagem de ofcios aos pobres e humildes e
justificando que o trabalho intelectual (e portanto, o planejamento do
destino do Brasil) era um dever reservado aos filhos da elite em funo
da condio social que ocupavam na hierarquia do pas. Inclusive, os
ciclos de estudos eram bastante distintos, o que configurava para os
filhos da elite uma trajetria educacional de curso de primeiras letras,
secundrio e superior. Para os pobres, estava reservada a educao
profissional como alternativa de profissionalizao e insero no
mercado de trabalho, transformando-os em operrios frutferos
nao. Assim,
De um jeito ou de outro, para a administrao
federal, a educao daquela gente era
42
considerada um dos caminhos propcios para se
promover o progresso do pas, enquanto expresso
do crescimento ordenado da vida urbana, sem
vadiagem ou proliferao de idias contrrias ao
novo regime. Um progresso voltado constituio
da fora de trabalho, ao desenvolvimento do
trabalho, ao controle tcnico cada vez maior sobre
o processo produtivo e sobre a natureza,
intensificao das transaes comerciais
financeiras, entre outros. (KUNZE, 2009, p. 15)
Num processo intenso de urbanizao cabia ao projeto de
modernidade do governo o ajustamento do pas ao modelo de produo
industrial e consequentemente, emergia a urgncia de proporcionar
populao uma formao profissional direcionada categoria fabril.
Nesse sentido, os planos governamentais configuravam a concepo de
criao de uma rede de escolas profissional. E ento, tratada como
prioridade nacional, a instalao dessa rede federal de educao ocorreu
com tamanha agilidade, que em 1910 j existiam no pas 19 Escolas de
Aprendizes Artfices, sendo uma em Santa Catarina.
Por meio do decreto n 7.566, de 23 de setembro de 1909, o
presidente Nilo Peanha fundou a ento Escola de Aprendizes Artfices
de Santa Catarina, na cidade de Florianpolis, situada na Rua Almirante
Alvim, no Centro da capital catarinense. O objetivo da instituio era
proporcionar formao profissional aos filhos de classes
socioeconmicas subalternas.
No incio de seu funcionamento, no ano de 1910, a instituio
ofertava, alm de um curso de ensino primrio, cursos profissionais de
formao em desenho, oficinas de tipografia, encadernao e pautao,
cursos de carpintaria da ribeira, escultura e mecnica (que englobava
ferraria e serralheria).
Com a lei n 378, de 13 de janeiro de 1937, sob a gesto de
Gustavo Capanema, houve uma reorganizao do ento Ministrio da
Educao e Sade Pblica. Essa reorganizao transformou as Escolas
de Aprendizes Artfices da Federao em Liceus Industriais. Em Santa
Catarina, o Liceu Industrial realizou modificaes curriculares, criando
novos cursos, a saber: carpintaria, alfaiataria, cermica, fundio,
mecnica de mquinas, serralheria e tipografia e encadernao.
Em 30 de janeiro de 1942 foi publicada a Lei Orgnica do Ensino
Industrial, que deu nova configurao ao carter de ensino industrial.
Com essa Lei houve uma unificao da organizao do ensino
43
profissional no pas, com a definio das bases pedaggicas e as normas
de funcionamento das instituies escolares.
A Lei Orgnica do Ensino Industrial criou duas modalidades
distintas de formao para trabalhadores na indstria: uma, direcionada
aos ofcios que exigissem formao mais longa que se daria nos Liceus,
os quais se tornariam Escolas Industriais e Tcnicas. A outra formao,
mais curta e prtica, se daria nos prprios locais de trabalho, portanto:
A lei orgnica distinguiria com nitidez as
escolas de aprendizagem das escolas industriais.
Estas eram destinadas aos menores que no
trabalhavam, enquanto as outras, pelas prprias
definies de aprendizagem, aos que estavam
empregados. Mas havia outra distino
importante. O curso de aprendizagem era
entendido como uma parte da formao
profissional pretendida pelo curso bsico
industrial. (CUNHA, 2000. p. 101)
Os conceitos fundamentais acerca do ensino industrial que
estavam estabelecidos nessa Lei, afirmavam que o ensino industrial
deveria atender aos interesses do trabalhador, de forma a realizar sua
formao, tanto profissional, quanto humana. No entanto, tambm ficou
estabelecido que o ensino industrial deveria obedecer aos interesses das
empresas, formando suficiente e adequada mo de obra para insero no
mercado. E, alm disso, os interesses da nao deveriam ser respeitados,
de forma que o ensino industrial promovesse continuamente a
mobilizao de eficientes construtores de sua economia e cultura.
No ms seguinte, em fevereiro de 1942, o Decreto-lei n 4.127
transformou os Liceus Industriais que formavam a Rede Federal, em
Escolas Industriais e Escolas Tcnicas. A partir de ento, passou a ser
ofertada nestas instituies uma educao profissional equiparada ao
nvel secundrio. O que possibilitava que os alunos egressos poderiam
ter acesso ao ensino superior.
E assim, o Liceu Industrial de Santa Catarina transformou-se em
Escola Industrial de Florianpolis pelo Decreto-lei n 4.127, de 25 de
fevereiro de 1942. Essa lei estipulou as bases de organizao da rede
federal de estabelecimentos de ensino industrial. Foi ento que a Escola
Industrial de Florianpolis comeou a ofertar cursos industriais bsicos
com durao de quatro anos aos alunos que vinham do ensino primrio e
cursos de mestria- esses direcionados aos candidatos profisso de
professor.
44
Seguindo sempre na lgica do processo de modernizao e
industrializao do pas, as Escolas Industriais e Escolas Tcnicas
passaram por um processo de autarquizao em 1959. Passaram ento, a
ter autonomia de gesto e didtico-pedaggica.
No ano de 1965, a Lei 4.759 de 20 de agosto, alterou a
denominao das Escolas Tcnicas da Unio, que passaram a ser
qualificadas de federais e com a denominao do respectivo Estado.
Assim, a Escola Industrial de Florianpolis passou a ser Escola
Industrial Federal de Santa Catarina. E em 1968, teve seu nome alterado
novamente, pela Portaria Ministerial n 331 de 17 de junho, passando a
denominar-se Escola Tcnica Federal de Santa Catarina-ETFSC.
Cabe destacar que no final da dcada de 1960 houve na ETFSC
um processo de extino gradativa do Curso Ginasial, de forma que a
escola pudesse oferecer apenas Cursos tcnicos de nvel secundrio. E
com a Lei de Diretrizes e Bases da Educao- LDB n 5.692 de 1971, a
ETFSC passou, efetivamente, a ofertar somente ensino de 2 grau.
Durante o perodo de ditadura militar (1964-1985),
principalmente aps a promulgao da LDB n 5.692/71, a
profissionalizao universal e compulsria explcita nessa lei,
determinou um novo cenrio no que diz respeito organizao dos
cursos e da educao profissional como um todo. A formao dos
estudantes passou a ser direcionada conforme as ocupaes existentes
no mercado. Em plena pauta do milagre brasileiro9, os cursos tcnicos
passaram a ser fixados pela lgica do Ensino de 2 grau
profissionalizante, o que possibilitava uma formao em larga escala,
pronta para atender as necessidades dos setores produtivos na lgica
econmica em vigncia. E nesse processo, nas dcadas de 1970 e 1980,
a ETFSC ampliou sua oferta comunidade, implantando diversos
9 Milagre brasileiro a expresso dada poca de excepcional crescimento
econmico durante os anos de ditadura militar no Brasil, mais especificamente
entre os anos de 1968 a 1973. Nesse perodo houve um crescimento do PIB, que
saltou de 9,8% em 1968 para 14% em 1973. No entanto, a inflao passou de
19,46% em 1968, para 34,55% em 1974. Durante o milagre espalhou-se pelo
pas um pensamento ufanista de "Brasil potncia", que ficou ainda mais forte
com a conquista da terceira Copa do Mundo em 1970 no Mxico, quando se
criou o mote: "Brasil, ame-o ou deixe-o". Segundo a anlise de Germano, A
economia cresce a taxas superiores a 10% ao ano, impulsionando a ideia de
Brasil potncia. O clima reinante no pas se caracteriza, ao mesmo tempo, por
uma combinao de medo da represso do Estado e de euforia em decorrncia
di crescimento econmico. (GERMANO, 2005.p. 159)
45
cursos, tais como: Estradas, Saneamento, Eletrnica, Eletrotcnica,
Telecomunicaes e Refrigerao e Ar Condicionado.
O final da dcada de 1980, aps a abertura poltica e o fim da
ditadura no pas, reabriram os caminhos para as novas polticas advindas
das lutas sociais e discusses promovidas no pas. A LDB de 1996 (Lei
9.394) trouxe tona novas linhas acerca dos pressupostos da Educao
Profissional. A Educao Profissional ganhou um captulo especfico
nessa Lei, passou a ser concebida como integrada s diferentes formas
de educao, bem como ao trabalho, cincia e tecnologia e, portanto,
dever conduzir o aluno ao permanente desenvolvimento de aptides
para a vida produtiva.
Em 26 de maro de 2002, atravs de Decreto Presidencial, a
ETFSC passou a ser CEFET/SC. Esta, concebida como uma instituio
de ensino superior pluricurricular, especializada na oferta de educao
tecnolgica nos diferentes nveis e modalidades de ensino,
caracterizando-se pela atuao prioritria na rea tecnolgica. At o
final de 2008, o Sistema CEFET/SC j possua 7 Unidades no Estado de
SC.
O contexto recente de transformao da educao profissional
deu-se a partir do primeiro governo do Partido dos Trabalhadores- PT,
iniciado em 2002. Em nvel nacional houve uma expanso e
interiorizao das instituies federais de educao tcnica e
tecnolgica. A Lei n 11.892 de dezembro de 2008 Institui a Rede
Federal de Educao Profissional, Cientfica e Tecnolgica, criando
assim, os Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia. Foi
nesse momento que o IFSC foi fundado. Cabe destacar que os Institutos
Federais configuraram-se nos termos legais como instituies de
educao superior, bsica e profissional, pluricurriculares e multicampi,
especializados na oferta de educao profissional e tecnolgica nas
diversas modalidades de ensino.
Na lei de criao dos Institutos Federais, destacada a
importncia da conjugao de conhecimentos tcnicos e tecnolgicos
com as prticas pedaggicas no trabalho a ser desenvolvido pelas
instituies que constituem a Rede Federal de Educao Profissional,
Cientfica e Tecnolgica. E no que se refere s finalidades e
caractersticas dos Institutos Federais, destacamos que estas so
explcitas da seguinte forma:
[...] I - ofertar educao profissional e tecnolgica,
em todos os seus nveis e modalidades, formando
e qualificando cidados com vistas na atuao
46
profissional nos diversos setores da economia,
com nfase no desenvolvimento socioeconmico
local, regional e nacional;
II - desenvolver a educao profissional e
tecnolgica como processo educativo e
investigativo de gerao e adaptao de solues
tcnicas e tecnolgicas s demandas sociais e
peculiaridades regionais;
III - promover a integrao e a verticalizao da
educao bsica educao profissional e
educao superior, otimizando a infra-estrutura
fsica, os quadros de pessoal e os recursos de
gesto;
IV - orientar sua oferta formativa em benefcio da
consolidao e fortalecimento dos arranjos
produtivos, sociais e culturais locais, identificados
com base no mapeamento das potencialidades de
desenvolvimento socioeconmico e cultural no
mbito de atuao do Instituto Federal;
V - constituir-se em centro de excelncia na oferta
do ensino de cincias, em geral, e de cincias
aplicadas, em particular, estimulando o
desenvolvimento de esprito crtico, voltado
investigao emprica;
VI - qualificar-se como centro de referncia no
apoio oferta do ensino de cincias nas
instituies pblicas de ensino, oferecendo
capacitao tcnica e atualizao pedaggica aos
docentes das redes pblicas de ensino;
VII - desenvolver programas de extenso e de
divulgao cientfica e tecnolgica;
VIII - realizar e estimular a pesquisa aplicada, a
produo cultural, o empreendedorismo, o
cooperativismo e o desenvolvimento cientfico e
tecnolgico;
IX - promover a produo, o desenvolvimento e a
transferncia de tecnologias sociais, notadamente
as voltadas preservao do meio ambiente.
(BRASIL, 2008, s.p.)
47
Os documentos norteadores10
do IFSC mostram que a instituio
busca a disseminao de uma Educao Profissional de qualidade,
abrangendo todas as regies do Estado. Destaca o desempenho do seu
papel social e a busca por promoo da incluso e da formao de
cidados num processo de gerao, difuso e ampliao do
conhecimento, de forma a contribuir para o desenvolvimento
socioeconmico e cultural do pas.
Atualmente, o IFSC uma autarquia federal, vinculada ao
Ministrio da Educao. Tem sede e foro em Florianpolis, capital do
Estado de Santa Catarina. Possui autonomia administrativa, patrimonial,
financeira, didtico-pedaggica e disciplinar. Passou por dois grandes
processos de expanso no Estado de SC desde 2008. A Reitoria est
sediada em Florianpolis, na poro continental da cidade, e composta
por 5 Pr-Reitorias (Pr-Reitoria de Ensino; Pr-Reitoria de
Administrao; Pr-Reitoria de Extenso e Relaes Externas; Pr-
Reitoria de Pesquisa, Ps-Graduao e Inovao e Pr-Reitoria de
Desenvolvimento Institucional).
A Instituio possui atualmente 22 campus, abrangendo todas as regies do Estado. O maior e mais antigo campus da Instituio
encontra-se no centro da capital catarinense, na Avenida Mauro Ramos.
O IFSC atua no trip ensino, pesquisa e extenso. Oferece
comunidade Catarinense cursos em diferentes nveis e modalidades:
FIC- Cursos de Qualificao (formao inicial e continuada); Cursos de
PROEJA (cursos profissionalizantes na modalidade de educao de
jovens e adultos); ensino mdio integrado ao ensino tcnico; ensino
tcnico concomitante ao ensino mdio; ensino tcnico ps-mdio;
cursos de bacharelado e de licenciatura; cursos superiores de tecnologia,
alm de cursos de ps-graduao lato sensu e stricto sensu.
2.2 AS POLTICAS DE FORMAO DOCENTE NA EDUCAO
PROFISSIONAL
Para entender como estavam delineadas as polticas de formao
docente na ETFSC, no contexto histrico analisado nesta pesquisa,
10
Utilizamos como base os seguintes documentos norteadores da Instituio: Estatuto do IFSC (Resoluo n 028/2009/CS publicado em de 31 de Agosto de
2009); Regimento Geral do IFSC (Resoluo n 54/2010/CS, publicado em 05
de novembro de 2010); Plano de Desenvolvimento Institucional PDI (2009-
2013); Poltica de Comunicao do IFSC- 1 edio, setembro de 2013 e o
Plano Diretor de Tecnologia da Informao (PDIT) de 2013.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Educa%C3%A7%C3%A3o_de_jovens_e_adultoshttps://pt.wikipedia.org/wiki/Educa%C3%A7%C3%A3o_de_jovens_e_adultoshttps://pt.wikipedia.org/wiki/Ensino_m%C3%A9diohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Ensino_t%C3%A9cnicohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Bachareladohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Licenciaturahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Tecn%C3%B3logohttps://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B3s-gradua%C3%A7%C3%A3ohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Lato_sensu
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sentimos a necessidade de uma discusso acerca das polticas de
formao de professores para a educao profissional no mbito
nacional. Meu interesse compreender como se deu a configurao das
diversas polticas em termos de ao formativa e de impacto na
profissionalizao dos d