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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL OS PRINCÍPIOS ÉTICOS E A MEDIAÇÃO NA PRÁTICA PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE BLUMENAU DAMARES DE FÁTIMA RESSEL CÁRGANO FLORIANÓPOLIS DEZEMBRO - 2003

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

OS PRINCÍPIOS ÉTICOS E A MEDIAÇÃO NA PRÁTICA PROFISSIONAL DOS

ASSISTENTES SOCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE BLUMENAU

DAMARES DE FÁTIMA RESSEL CÁRGANO

FLORIANÓPOLIS

DEZEMBRO - 2003

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DAMARES DE FÁTIMA RESSEL CÁRGANO

OS PRINCÍPIOS ÉTICOS E A MEDIAÇÃO NA PRÁTICA PROFISSIONAL

DOS ASSISTENTES SOCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE

BLUMENAU

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do título de Mestre em Serviço Social – área de concentração Serviço Social Questão Social e Direitos Humanos.

ORIENTADORA – Dra. Teresa Kleba Lisboa

FLORIANÓPOLIS

DEZEMBRO – 2003

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DAMARES DE FÁTIMA RESSEL CÁRGANO

OS PRINCÍPIOS ÉTICOS E A MEDIAÇÃO NA PRÁTICA PROFISSIONAL DOS

ASSISTENTES SOCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE BLUMENAU

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço

Social – área de concentração Serviço Social Questão Social e Direitos Humanos da

Universidade Federal de Santa Catarina.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________ Professora Dra. Teresa K leba Lisboa

Pós-Graduação em Serviço Social – UFSC Presidente

____________________________________ Professora Dra. Beatriz Augusto Paiva

Departamento de Serviço Social - UFSC

___________________________________ Professora Dra. Beatriz Gershenson Aguinsky

Faculdade de Serviço Social Programa de Pós-Graduação – PUC-RS

Flor ianópolis Dezembro de 2003

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Ao meu marido Gilberto, que sempre esteve ao meu lado oferecendo o seu apoio e a sua compreensão.

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AGRADECIMENTOS

- Primeiramente, a Deus, pela vida;

- Aos meus pais, irmãos e familiares, por compreender minha ausência e possibilitar toda a minha formação enquanto pessoa e profissional;

- À amiga Andréa, que acreditou mais do que eu mesma nas minhas possibilidades de

ingresso neste mestrado; - Às companheiras de mestrado, em especial as amigas Daniela, Marilda e Michelly; - Às colegas de trabalho da Secretaria Municipal de Assistência Social de Blumenau,

Santa Catarina, com carinho a Eliane, Jussânia, Marlise, Neide e Tatiana, que possibilitaram a minha ausência para que eu pudesse me dedicar a este estudo;

- A todas as Assistentes Sociais da Prefeitura Municipal de Blumenau que participaram

da execução deste trabalho, especialmente àquelas que aceitaram o desafio de ser sujeitos da pesquisa;

- Com muito carinho às Professora do Mestrado em Serviço Social que me acompanharam nesta caminhada,

- Especialmente à orientadora, Dra. Teresa Kleba Lisboa, que, com muita dedicação e paciência, soube me conduzir neste processo de aprendizado;

- A todos aqueles que estiveram presentes e que, de alguma maneira, contribuíram para que mais esta etapa pudesse ser cumprida;

- Com muito carinho, a todos os meus professores, amigos, colegas que, em algum momento de minha vida, se fizeram presentes.

Obrigada!

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“ A liberdade como capacidade humana é, portanto, o fundamento da ética. Assim, agir eticamente, em seu sentido mais profundo, é agir com liberdade, é poder escolher conscientemente entre alternativas, é ter condições objetivas para criar alternativas e escolhas.”

Lucia Barroco

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RESUMO

Esta dissertação é o resultado de uma pesquisa realizada com um grupo de Assistentes Sociais

da Prefeitura Municipal de Blumenau – Santa Catarina. Teve como objetivo investigar como

as profissionais pesquisadas incorporam os princípios éticos profissionais em seu cotidiano de

trabalho e se os mesmos estão presentes no seu processo de intervenção. Partindo do

pressuposto de que as Assistentes Sociais tinham no Código de Ética apenas um código

normativo de deveres, direitos e relações, no processo das entrevistas, refletimos com as

mesmas sobre o projeto ético-político de nossa profissão e a incorporação dos onze princípios

fundamentais contidos no Código, no cotidiano de suas práticas. A pesquisa confirmou a

importância de discutirmos a Ética e seus princípios fundamentais para a efetivação do

projeto-ético político da profissão de Serviço Social, bem como ratificou o Código de Ética

como instrumento valioso que auxilia e fundamenta a intervenção do Assistente Social.

Mostrou, ainda, que os princípios éticos devem ser inseridos não apenas no conteúdo teórico

de nossas reflexões, mas também na prática de nossas ações diárias, ampliando nossos

horizontes profissionais e possibilitando trabalhar nas e com as mediações possíveis visando à

construção de uma sociedade mais justa, com liberdade, democracia e cidadania. Para esta

investigação, utilizamos a pesquisa qualitativa e a análise dos dados coletados na entrevista

por entendermos que esta abordagem nos possibilitaria trazer as concepções que as

entrevistadas têm sobre o tema, as suas experiências profissionais, o significado que atribuem

ao conteúdo do Código de Ética atual e seus princípios, o que estava sendo pesquisado e qual

a importância desta pesquisa para todas enquanto sujeitos neste contexto. Usamos, também, a

pesquisa quantitativa para traçar um perfil das Assistentes Sociais que trabalham na Prefeitura

Municipal de Blumenau.

Palavras chaves: Ética, Princípios Éticos, Serviço Social, Código de Ética Profissional, Mediação, Prática Profissional.

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ABSTRACT

This dissertation is the result of research made on a group of social workers from the

Municipal Government of Blumenau, Santa Catarina. It’s objective was to investigate how the

researched professionals incorporate professional ethics into their daily work and if these are

present in their processes of intervention. Beginning with the supposition that social workers

have within their Code of Ethics only a normative code of duties, rights and relations, we used

these during the interview process to reflect upon the ethical-political project of our

profession and the incorporation of eleven fundamental principles contained in the code, in

daily practices. The research confirmed the importance of discussing ethics and their

fundamental principles in order to put into effect the ethical-political project of the Social

Service profession, as well as to ratify the Code of Ethics as a valuable instrument that aids

grounds the intervention of the social worker. It also showed that ethical principles must be

inserted not only in the theoretical content of our reflections, but also in the practice of our

daily actions, widening our professional horizons and enabling us to work with mediations

that seek to construct a more just society, with liberty, democracy and citizenship. In this

investigation we used qualitative research and analysis of the collected data in the interview in

order to understand that this approach would bring the conceptions that the interviewees had

about the theme, their professional experiences, the meaning they attribute to the contents of

the current Code of Ethics and its principles, what was being researched and what importance

this research had for all those subjects to this context. We also used quantitative research to

outline the profile of social workers working in the Municipal Government of Blumenau.

Key words: Ethics, Ethical Principles, Social Service, Professional Code of Ethics, Mediation, Professional Practice.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Assistentes Sociais da Prefeitura Municipal de Blumenau...................................27

Gráfico 2 – Responderam ao “Questionário de Identificação”................................................28

Gráfico 3 – Não responderam ao “Questionário de Identificação”..........................................28

Gráfico 4 – Assistentes Sociais por Universidades..................................................................29

Gráfico 5 – Período da Formação acadêmica..........................................................................30

Gráfico 6 – Pós-graduação.......................................................................................................30

Gráfico 7 – Início profissional como Assistentes Sociais........................................................31

Gráfico 8 –Início na Prefeitura Municipal de Blumenau.........................................................31

Gráfico 9 – Cargos de gerência, Chefia, Coordenação por secretarias....................................32

Gráfico 10 – Faixa etária...........................................................................................................32

Gráfico 11 –Filhos....................................................................................................................33

Gráfico 12 – Relacionamentos estáveis....................................................................................33

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LISTA DE SIGLAS

ABESS – Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social

ANAS – Associação Nacional de Assistentes Sociais

APROSSMVI – Associação dos Profissionais de Serviço Social do Médio Vale do Itajaí

CEDEPSS – Centro de Documentação e Pesquisa em Política Social e Serviço Social

CFAS – Conselho Federal de Assistentes Sociais

CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

CRAS – Conselho Regional de Assistentes Sociais

CRESS – Conselho Regional de Serviço Social

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FHC – Fernando Henrique Cardoso (Presidente da República Federativa do Brasil de 1995 a

2002)

FMI – Fundo Monetário Internacional

LBA – Legião Brasileira de Assistência

ONGS – Organizações Não-Governamentais

OPNES – Organizações Públicas Não Estatais

PMB – Prefeitura Municipal de Blumenau

SECRIAD – Secretaria Municipal da Criança e do Adolescente

SEMAC – Secretaria Municipal de Ação Comunitária

SEMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social

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SEDEAD – Secretaria Municipal de Administração

SEMUS – Secretaria Municipal de Saúde

SENAI – Serviço Nacional da Indústria

SEPLAN – Secretaria Municipal de Planejamento

SESC – Serviço Social do Comércio

SESSUNE – Subsecretaria de Estudantes de Serviço Social da UNE

UNE – União Nacional dos Estudantes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14

1 O SERVIÇO SOCIAL E A PREFEITURA MUNICIPAL DE BLUMENAU...............23

1.1 Contexto da esfera pública Municipal................................................................................23

1.2 Perfil dos Assistentes Sociais da Prefeitura Municipal de Blumenau................................27

1.3 A percepção das Assistentes Sociais sobre Estado e as configurações deste no atual

cenário sócio institucional.........................................................................................................35

1.4 Defesa das políticas sociais públicas: a participação e a organização dos profissionais e

usuários destas políticas............................................................................................................42

1.5 Compromisso com os serviços prestados pelas e nas Políticas Públicas............................51

1.6 Limites e Possibilidades para a qualidade dos serviços prestados......................................53

2 SERVIÇO SOCIAL E O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO..............................................57

2.1 História do Serviço Social e a construção do projeto ético-político...................................57

2.2 Os pilares do projeto Ético-Político Profissional dos Assistentes Sociais: Cidadania,

Liberdade e Democracia...........................................................................................................65

2.3 Formação e Competência Profissional................................................................................80

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3 SERVIÇO SOCIAL, ÉTICA E MEDIAÇÃO...................................................................90

3.1O ensino da Ética no Serviço Social....................................................................................90

3.2 Os Princípios Éticos............................................................................................................96

3.3 Mediação e Serviço Social................................................................................................100

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................108

5 REFERÊNCIAS.................................................................................................................115

6 APÊNDICE 1......................................................................................................................119

6.1 Questionário de Identificação das Assistentes Sociais......................................................120

7 APÊNDICE 2......................................................................................................................121

7.1 Roteiro da Entrevista.........................................................................................................122

8 APÊNDICE 3......................................................................................................................127

8.1 Matriz de Planejamento da Pesquisa.................................................................................128

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo investigar como as Assistentes Sociais da

Prefeitura Municipal de Blumenau incorporam os Princípios Éticos Profissionais no seu

cotidiano profissional, contribuindo, assim, com a reflexão sobre o Serviço Social.

O interesse pela temática aqui apresentada surgiu ao longo do Curso de Mestrado em

Serviço Social e quando refletíamos sobre a prática profissional na Secretaria Municipal de

Assistência Social, onde atuamos desde 1995, com ingresso por concurso público.

Discussões e estudos realizados sobre o tema permitiram observar com mais atenção o

Serviço Social, em especial o âmbito das políticas públicas, e constatar que: as demandas

aumentam devido à globalização, ao neoliberalismo e às mudanças no mundo do trabalho,

sendo que, cada vez mais, a população está sendo prejudicada em relação às exigências que

lhe são feitas e que ocasionam desemprego, subempregos e baixos salários. Como reflexo,

ocorre o aumento das demandas que necessitam das Políticas Públicas de Saúde, Educação,

Habitação, Saneamento e Assistência, ou seja, necessitam da proteção do Estado, o qual,

progressivamente, vinha desmantelando tais políticas.

As mudanças no mercado de trabalho atingem, também, os trabalhadores

especializados, entre eles os Assistentes Sociais que, até então, tinham, no âmbito do Estado,

uma ampla parte de seu mercado empregador. O desmantelamento das políticas públicas e o

repasse da responsabilidade do atendimento desta parcela populacional para a sociedade civil

podem abrir um novo campo de atuação para o Assistente Social, tornando-se, então,

necessário ao profissional equacionar as demandas existentes onde for chamado para atuar.

Para estes profissionais será fundamental, em qualquer âmbito de trabalho, uma

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especialização teórico-técnica e político-prática, que Barroco (1999) define como sendo a

dimensão a qual a ética profissional está organicamente vinculada.

A autora acima citada expõe três esferas que constituem a ética profissional a partir

das particularidades da ação ético-moral e da reflexão ética: a esfera teórica, a esfera moral e

prática e a esfera normativa. A esfera normativa está expressa no Código de Ética

Profissional, “[...] orientando o comportamento individual dos profissionais e buscando

consolidar um determinado projeto profissional com uma direção social explícita”

(BARROCO, 1999, p.129).

Entendemos que esta direção social se expressa, sobretudo, por intermédio dos

princípios éticos fundamentais que perpassam todo o Código de Ética Profissional e que se

traduzem em um projeto ético-político profissional, o qual, por sua vez, não se esgota em si

mesmo, mas traça estratégias que visam à ampliação dos limites impostos pela atual forma de

organização societária. O Código de Ética assinala como princípios fundamentais a liberdade,

a democracia, a cidadania e a justiça social.

Compreendemos o Código de Ética como fundamental não só como esfera normativa,

mas também como orientador da ação profissional, perpassando, enquanto mediação da esfera

teórica e da esfera moral e prática do Serviço Social, no âmbito contraditório de sua atuação.

Esta compreensão do Código de Ética fez com que surgissem algumas perguntas para nortear

esta pesquisa: Como os Assistentes Sociais vêm colocando em prática os princípios éticos

profissionais? Qual a possibilidade existente no atual contexto para que seja possível realizar

a prática profissional sem ignorar tais princípios? Como não se deixar levar no cotidiano

profissional por uma prática burocratizada, por ações de caráter imediatista e dissociadas de

uma reflexão teórica? Como os Assistentes Sociais, em seu cotidiano de trabalho, poderão

contribuir para a construção de uma sociedade que reconheça a liberdade, a dignidade e a

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igualdade para todos? Como responder a estas questões no contexto das políticas públicas

hoje?

Na tentativa de responder às questões anteriormente levantadas, realizamos esta

pesquisa, a qual tem a finalidade de oportunizar informações sobre a prática profissional do

Serviço Social e seu processo de trabalho, de gerar novas informações sobre os Princípios

Éticos Profissionais e sua efetivação, de fornecer subsídios para os profissionais das diversas

áreas públicas ou privadas, no que diz respeito ao Código de Ética dos Assistentes Sociais,

sua execução no cotidiano profissional e seu impacto na profissão e de desvelar como é

incorporado pela categoria profissional.

Nesta pesquisa, partimos da hipótese de que os Assistentes Sociais visualizam o

Código de Ética como um código de regras que lhes coloca o que é permitido - dever, direitos

e relações - não relacionando os Princípios Éticos em sua amplitude e importância ao

cotidiano profissional e à construção e efetivação de um projeto ético-político.

Tendo em vista que, em 2003, o Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais

completa 10 anos de aprovação e efetivação, e também as mudanças ocorridas nas últimas

décadas no cenário social, político e econômico mundial e, conseqüentemente, nacional,

tornando o fazer profissional do Serviço Social uma atividade ainda mais importante e difícil,

buscamos subsídios para avaliar a prática profissional, qual a importância do Código de Ética

nestes últimos 10 anos e como o mesmo auxilia no cotidiano profissional.

Os sujeitos da presente pesquisa foram os Assistentes Sociais que integram o quadro

funcional da Prefeitura Municipal de Blumenau, Santa Catarina, sendo que, na coleta inicial

dos dados, somavam 72 profissionais efetivos, dos quais 71 mulheres e 1 homem.

Considerando que a grande maioria dos profissionais são mulheres, a partir deste momento

passaremos a referenciar os profissionais envolvidos na pesquisa com conotação feminina.

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Utilizamos, em um primeiro momento, a pesquisa quantitativa a qual nos possibilitou

traçar um perfil das Assistentes Sociais que trabalham na Prefeitura Municipal de Blumenau,

desta pesquisa resultaram gráficos que apresentamos no primeiro capítulo. Para a

investigação utilizamos a pesquisa qualitativa e a análise de conteúdo das entrevistas, por

entendermos que esta abordagem nos possibilitaria trazer as concepções que as entrevistadas

têm sobre o tema, as suas experiências profissionais, o significado que atribuem ao Código de

Ética atual e seus princípios, o que estava sendo pesquisado e qual a importância desta

pesquisa para todas enquanto sujeitos neste contexto.

As entrevistas realizadas possibilitaram conhecer o perfil das Assistentes Sociais

investigadas, bem como o significado e as interpretações que atribuem aos Princípios Éticos

Profissionais. Dentre as 72 profissionais, foram selecionadas 10 para serem entrevistadas,

sendo que, desse modo, pudemos aprofundar o conhecimento e buscar as respostas às

questões formuladas.

As Assistentes Sociais entrevistadas não foram escolhidas aleatoriamente. Pedimos a

todas as profissionais efetivas da Prefeitura Municipal de Blumenau que, inicialmente,

respondessem a um questionário, aqui denominado de "Questionário de Identificação dos

Assistentes Sociais" (Apêndice 1), o qual se preocupou com a identificação das profissionais

no que se refere aos seguintes aspectos: ano de formação, início do exercício profissional,

Secretaria ou local onde trabalha, características do trabalho exercido e do público atendido,

cargo que ocupa (coordenação, chefia ou outro), além de outros dados que foram apresentados

neste trabalho através de gráficos.

Das 72 Assistentes Sociais da Prefeitura Municipal de Blumenau, até setembro de

2002, 05 estavam em licenças diversas, 02 não devolveram o questionário, 64 responderam ao

questionário e 01 é a pesquisadora. Após a coleta dos dados iniciais, uma das profissionais

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que respondeu ao questionário pediu exoneração, sendo que tal questionário foi considerado

para o perfil das Assistentes Sociais, mas não para a escolha das entrevistadas.

Os critérios para seleção dos sujeitos seguiram a seguinte ordem: diversidade quanto

ao público atendido, ao ano de formação acadêmica, às unidades de ensino de graduação

(Universidades) e a ter ou não pós-graduação ou estar cursando.

Procuramos critérios para a seleção dos sujeitos de pesquisa que abrangessem

profissionais formados antes e depois da aprovação do atual Código de Ética dos Assistentes

Sociais, o que possibilitaria uma análise da importância dada ao ensino da ética profissional

em diferentes épocas e contextos históricos.

Para resguardar o sigilo das Assistentes Sociais, as entrevistas foram realizadas

individualmente, em locais escolhidos por elas, fora dos seus locais de trabalho. Não

divulgaremos aqui nomes, siglas ou Secretarias onde as mesmas atuam. No decorrer deste

trabalho, ao analisarmos os resultados da pesquisa, para não identificarmos as entrevistadas,

as mesmas serão referenciadas por números.

Considerando o que coloca Martinelli (1994) a respeito da concepção de sujeito

coletivo enquanto recurso metodológico, o importante no contexto da pesquisa qualitativa não

é a quantidade, porcentagem de sujeitos escolhidos para a pesquisa e, sim, o entendimento que

estes sujeitos têm em função das respostas que buscamos com esta pesquisa. Sujeito coletivo

"[...] no sentido de que a pessoa que está sendo convidada para participar da pesquisa tem

uma referência grupal, expressando de forma típica o conjunto de vivências de seu grupo"

(MARTINELLI, 1994, p.9).

A pesquisa qualitativa, ainda segundo a autora, em geral é participante, considerando

que enquanto pesquisador também se é sujeito no processo da pesquisa. Cada entrevista

realizada permitiu compartilhar o aprendizado, não apenas os resultados que trazem para a

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pesquisa, mas as descobertas de possibilidades de maior ampliação de espaço de atuação que

estamos vislumbrando para o Serviço Social enquanto profissão.

Para a coleta das informações que possibilitaram os resultados desta pesquisa,

utilizamos a técnica da entrevista, especificamente da entrevista semi-estruturada.

Construímos um roteiro de 32 perguntas pré-estabelecidas (Apêndice 2), o que permitiu

adicionar outras quando se fez necessário para complementar ou elucidar dúvidas.

Solicitamos autorização das entrevistadas para gravar as entrevistas em fita cassete para que

não perdêssemos dados considerados importantes. A entrevista foi formal quanto ao controle.

Segundo Colognese e Melo (1998), a entrevista formal

...utilizada amplamente para coleta de informações, na fase informativa da pesquisa, tendo em vista ‘ testar’as hipóteses formuladas. A sua realização é precedida de duas tarefas complexas e fundamentais. Em primeiro lugar, a elaboração de um roteiro de entrevista e, em segundo lugar, a realização de um pré- teste, com o objetivo de determinar a eficácia dos instrumentos de coleta e possibilitar correções preliminares (COLOGNESE; MELO, 1998, p.147).

Para realizá-la foi necessária a elaboração do roteiro e de um pré-teste. O pré-teste foi

aplicado a duas profissionais e apresentado na ocasião da qualificação do projeto de pesquisa

em 21 de fevereiro de 2003. Após a realização de todas as entrevistas, os resultados foram

organizados e codificados para possibilitar a análise e, assim, iniciar a construção de um novo

conhecimento.

A fase de análise, segundo Minayo (1996), aponta três finalidades: estabelecer uma

compreensão dos dados coletados, responder às questões formuladas e ampliar o

conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando ao contexto cultural do qual faz parte.

Para análise das respostas das entrevistas utilizamos a análise de conteúdo, esta tem como

característica “... realizar uma descrição analítica, sistemática, com objetividade científica,

propiciar a compreensão qualitativa do conteúdo das mensagens.” (PEREIRA,1998, p. 94).

Segundo Pereira (1998), a análise de conteúdo é um instrumento auxiliar na generalização de

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dados, que permite desvendar o significado dos determinantes sociais através das

manifestações expressas pelos pesquisados,

...a análise de conteúdo não é, em si mesma, o instrumento de generalização de dados, objetivo maior do analista social, mas permite, através da inferência, auxiliar no tratamento dos dados, visando construir afirmações que sejam universalmente válidas sobre as relações entre as variáveis. (Ibdt, p. 103)

O roteiro para as entrevistas continha dois tipos de perguntas: gerais - sobre a

formação profissional e entendimento da entrevistada sobre o Código de Ética e seus

princípios; e específicas - sobre os onze princípios fundamentais contidos no Código de Ética

dos Assistentes Sociais. O referido roteiro passou por pequenas revisões a partir da

qualificação, o que não interferiu em seu conteúdo e forma.

Elaboramos o roteiro da entrevista a partir do Código de Ética Profissional, bem como

a partir de alguns textos de Paiva e Sales (1996) e Barroco (2001). O roteiro para entrevista

teve início com o trabalho de conclusão da disciplina cursada no segundo semestre do

mestrado "Planejamento e Avaliação de Políticas Sociais", onde desenvolvemos os

parâmetros conceituais e indicadores de avaliação, por meio da construção de uma matriz de

planejamento da pesquisa (Apêndice 3). Nesta matriz, os parâmetros conceituais foram as

categorias: cidadania, democracia e liberdade. Para cada uma delas foram estabelecidos duas

variáveis (cidadania: conceito liberal e ampliada; democracia: representativa e participativa;

liberdade: como poder de decisão e como valor ético), a partir de cada variável foram

estabelecidos diversos indicadores. A partir destes indicadores foram elaboradas 105

questões, das quais 32 foram utilizadas na entrevista e 04 delas não foram analisadas

diretamente neste trabalho.

A construção final deste trabalho não seguiu a ordem do roteiro da entrevista, pois a

partir da análise das respostas procuramos organizar o material a partir de três etapas

abrangendo o Serviço Social e a Prefeitura Municipal de Blumenau; O Serviço Social e o

Projeto Ético Político; O Serviço Social, Ética e Mediação. Deste modo entendemos que esta

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pesquisa buscou responder aos nossos objetivos: investigar como as Assistentes Sociais da

Prefeitura Municipal de Blumenau incorporam os Princípios Éticos Profissionais no seu

cotidiano profissional e contribuir com a reflexão sobre o Serviço Social.

Procuramos não informar as entrevistadas com antecedência sobre o conteúdo/tema da

pesquisa para que as respostas pudessem ser as mais espontâneas possíveis. Ao realizar a

entrevista, não comentamos com as entrevistadas o teor das perguntas, apenas dissemos que

eram sobre questões referentes à profissão e a seu fazer cotidiano; somente após estar

realizando a entrevista é que explicamos que as questões estavam embasadas nos princípios

éticos. Logo após a realização de cada entrevista, a mesma era transcrita para que não

perdêssemos os dados, caso houvesse problemas técnicos com os aparelhos utilizados.

O presente trabalho se divide em três capítulos. No primeiro capítulo, discutiremos o

Serviço Social no contexto da Prefeitura Municipal de Blumenau.Apresentaremos: o perfil

das profissionais Assistentes Sociais efetivas neste contexto; o Estado e a percepção das

Assistentes Sociais entrevistadas sobre este; como estão as políticas sociais neste Estado;

como os profissionais e os usuários participam e se organizam em relação a estas políticas

sociais; como se dá o compromisso dos profissionais com os serviços prestados pelas e nas

políticas públicas sociais; quais os limites e possibilidades para alcance da qualidade destes

serviços.

No segundo capítulo, nos aproximaremos da história do Serviço Social enquanto

profissão e faremos observações sobre o projeto ético-político do Serviço Social, o qual está

indicado no Código de Ética dos Assistentes Sociais. Falaremos, neste capítulo, sobre as

principais categorias nas quais se inscrevem os princípios éticos profissionais do Serviço

Social, finalizando, falaremos sobre a formação e a competência profissional.

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No terceiro capítulo, abordaremos o ensino da ética no Serviço Social, a importância

desta disciplina na visão das entrevistadas e a compreensão que as mesmas têm dos princípios

éticos profissionais e da mediação. Bem como, trabalharemos brevemente com a ética

profissional e com a categoria mediação apropriada pelo Serviço Social.

Finalizaremos este trabalho com algumas considerações finais sobre a pesquisa e seus

resultados, procurando destacar contribuições que possam levar à reflexão - sobre a atuação

profissional do Assistente Social, o Serviço Social e os princípios éticos - e à construção de

uma nova sociedade, sem exploração e discriminação; com liberdade, cidadania, democracia e

justiça social.

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1 O SERVIÇO SOCIAL E A PREFEITURA MUNICIPAL DE BLUMENAU

1.1 Contexto da Esfera Pública Municipal:

Na Prefeitura Municipal de Blumenau, a contratação das primeiras Assistentes Sociais

se realizou na década de 1970, quando foram chamados quatro profissionais para assessorar e

se responsabilizar, ao mesmo tempo, por projetos desenvolvidos por mais de uma instituição,

ou seja, por projetos desenvolvidos nos Centros Sociais, no Juizado de Menores e no Asilo.

A partir de 1979, o Serviço Social passou a atuar em alguns projetos vinculados à

Secretaria de Saúde, numa perspectiva de Assistência Social, com o objetivo inicial de prestar

auxílios individualizados à população carente. Essa prática não garantia a Assistência Social

como direito do cidadão, e os profissionais não tinham autonomia, sendo que ocorria um

atendimento paralelo, na própria instituição, realizado por leigos com enfoque assistencialista

e eleitoreiro.

Em 1991, com a reforma administrativa, a Assistência Social passou a integrar a

Secretaria Municipal de Ação Comunitária (SEMAC). Outros profissionais atuavam

exclusivamente vinculados à Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS) em ambulatórios nos

bairros, já com o objetivo de descentralização dessa política. A partir de então, foi instituída,

também, a Secretaria Municipal da Criança e do Adolescente (SECRIAD), com o objetivo de

colocar em prática as indicações de um trabalho voltado à criança e ao adolescente, conforme

o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

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24

Em 1994, a PMB contratou, por concurso público, 17 Assistentes Sociais. Hoje, a

esfera pública municipal conta com a atuação de 72 profissionais: 24 atuam na Secretaria

Municipal de Assistência Social (SEMAS); 28, na Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS);

13, na Secretaria Municipal da Criança e do Adolescente (SECRIAD); 06 na Secretaria

Municipal de Administração (SEDEAD); 01 na Secretaria Municipal de Planejamento –

Departamento de Habitação (SEPLAN). Conta, também, com 05 Assistentes Sociais

contratadas pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em substituição a 03

profissionais em licença na SEMUS e 02 na SEMAS.1

Independente da Secretaria em que o Profissional de Serviço Social atua, a ele

compete, no contexto público estatal no Município, uma parcela significativa de

responsabilidade para contribuir com o fortalecimento do sujeito enquanto cidadão, buscando

cumprir o que a legislação traz - desde a Carta Magna (Constituição Federal) até as leis que a

regulamentam - e colocando em prática o projeto ético-político profissional.

A aprovação da Constituição Federal de 1988, também chamada de "Constituição

Cidadã", expressou fundamentalmente os resultados das lutas sociais, e o tratamento que ela

dispensa aos direitos sociais é de extrema relevância neste trabalho. O título VIII da

Constituição Federal trata da Ordem Social2, expressa os capítulos que tratam: - da

Seguridade Social, - da Saúde, - da Previdência Social, - da Assistência Social, - da Educação,

da Cultura e do Desporto, - da Ciência e Tecnologia, - da Comunicação Social, - do Meio

Ambiente, - da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso, - dos Índios.

O referido título tem vital importância para os Assistentes Sociais e para todos os

cidadãos brasileiros, pois trata de um conjunto de princípios e artigos que, se postos em

prática na realidade social, poderão reduzir significativamente as desigualdades sociais.

1 Dados obtidos no Departamento de Recursos Humanos da PMB em 30/09/2002. 2 Este título é composto dos artigos 193 a 232 da Constituição Federal de 1988.

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Podemos afirmar que defender a Constituição e as leis que a regulamentam é uma tarefa ético-

política e, ao mesmo tempo, uma estratégia fundamental para a atuação profissional.

O grande desafio para o Assistente Social é não se deixar levar, no cotidiano

profissional, por uma prática burocratizada e por ações de caráter imediatista dissociadas de

uma reflexão teórica. O campo contraditório em que a profissão se encontra requer

conhecimento da realidade na qual atua, bem como da população para a qual o seu trabalho

está voltado. Este profissional está em contato direto com os usuários dos serviços e tem

compromissos éticos para com eles e consigo mesmo.

Nos dias atuais, a questão colocada é: o processo de intervenção dos Assistentes

Sociais está contribuindo para a construção de uma sociedade que reconheça a liberdade, a

dignidade e a igualdade para todos? Estão sendo competentes no seu fazer profissional? Como

a categoria pode trazer respostas para estas questões, levando em conta o fato de que, hoje, as

políticas públicas têm seus espaços encolhidos, bem como foram desmanteladas, até então,

pelo governo, ao qual interessava a diminuição do Estado? Como está o Serviço Social diante

desta realidade e o que pode fazer?

Talvez o início destas respostas esteja no Código de Ética Profissional, muitas vezes

esquecido nas estantes, e que contém onze Princípios Fundamentais. Muitos dos profissionais

que lutam diariamente por estes princípios se esquecem de se verem também como sujeitos

deste processo. Muitas vezes, no seu fazer cotidiano, não lembram que podem trabalhar

enquanto categoria em defesa das Políticas Públicas e em defesa de todos os cidadãos.

Tornam-se fragmentados, no seu dia-a-dia, do mesmo modo como o Estado procura

fragmentar as Políticas Sociais e, sem querer, reproduzem o que é imposto e respondem com

mínimos, mesmo querendo o contrário.

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O Código de Ética Profissional3, em vigor desde 1993, traz a direção social estratégica

para rompermos com a hegemonia política até então colocada neste espaço contraditório onde

atuamos. O Código traz nos Princípios Fundamentais a liberdade, a equidade e a democracia,

como valores ético-políticos. Além disso, o Código trata da dimensão prático-operativa

quando preconiza a universalização dos direitos sociais, a consolidação e ampliação da

cidadania bem como a qualidade com os serviços prestados. Aponta para a particularidade da

profissão enquanto categoria quando coloca o compromisso profissional com competência

ético-política.

Compreende a necessidade de tornar estes valores concretos com respeito às

diversidades, sem preconceitos, com respeito às correntes profissionais democráticas e suas

expressões teóricas e com compromisso em relação ao aprimoramento intelectual na

perspectiva da competência profissional. Aponta, ainda, para a vinculação a um projeto de

construção de uma nova ordem societária, sem dominação, sem exploração de classe, etnia e

gênero.

Hoje, um dos maiores desafios é a consolidação dos Princípios Éticos acima

mencionados, o que requer do Assistente Social o compromisso com uma prática profissional

política, técnica e teórica competente. É no campo de trabalho, em meio às contradições

existentes, que estão as possibilidades de ampliação do exercício profissional. O Assistente

Social pode, como coloca Iamamoto (1997), exercer a função de um educador político

comprometido com a classe trabalhadora, ter uma posição democrática em defesa das

políticas públicas ou se envolver com a “política” dos donos do poder. A escolha e o

compromisso são nossos, e o Código de Ética é a bússola, o eixo norteador da ação

profissional no exercício de uma profissão com caráter ético-político e desafios a serem

vencidos.

3 Até então, o Serviço Social enquanto profissão teve aprovados cinco códigos de ética: o primeiro em 1947; o segundo em 1965; o terceiro em 1975; o quarto em 1986; e o que está em vigor em 1993.

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1.2 Perfil dos Assistentes Sociais da Prefeitura Municipal de Blumenau:

A partir dos dados informados pelo departamento de Recursos Humanos da PMB,

passamos a identificar os sujeitos que seriam entrevistados nesta pesquisa.

Hoje, somos ao todo 72 profissionais4 atuando na esfera pública municipal, lotadas nas

Secretarias Municipais de Saúde, Assistência Social, da Criança e do Adolescente, de

Planejamento e de Administração, assim distribuídas5:

33%

39%

18%

10% SEMAS

SEMUS

SECRIAD

SEDEAD/SEPLAN

Gráfico 1 - Assistentes Sociais da PMB.

Fonte: Departamento de Recursos Humanos – PMB - set. 2002.

Atualmente, destas 72 Assistentes Sociais, 05 estão em licenças diversas, sendo que há

05 Assistentes Sociais contratadas pelo regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)

para substituí-las. Os sujeitos considerados para a pesquisa estão entre as 72 Assistentes

Sociais efetivas que responderam ao “Questionário de Identificação das Assistentes Sociais” .

4 Dados obtidos no Departamento de Recursos Humanos da PMB em 30/09/2002 5 Falaremos de modo geral sobre os dados levantados, mas não informaremos dados que possam identificar os sujeitos.

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Para todas as Assistentes Sociais que são efetivas na Prefeitura Municipal de

Blumenau e que não estavam em licença, foi entregue o “Questionário de identificação dos

Assistentes Sociais” 6, sendo que, destas responderam ao questionário 64 Assistentes Sociais

das diversas Secretarias, como ilustrado no gráfico abaixo:

31%

33%

17%

8%

11% SEMAS

SEMUS

SECRIAD

SEDEAD/SEPLAN

Não responderam

Gráfico 2 - Responderam ao " Questionár io de Identificação” .

Fonte: Questionário de Identificação dos Assistentes Sociais da PMB.

Das profissionais que não responderam ao questionário, identificamos as Secretarias

onde atuam (Gráfico 3):

3% 6%1%1%

89%

SEMAS

SEMUS

SECRIAD

SEDEAD/SEPLAN

Responderam

Gráfico 3 - Não responderam ao " Questionár io de Identificação" .

Fonte: Questionário de Identificação dos Assistentes Sociais.

6 Total de Assistentes Sociais: 72; Assistentes Sociais em licenças: 05; pesquisadora: 01; não devolveram o questionário: 02 Assistentes Sociais.

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Quanto às diversas Universidades onde estas profissionais se graduaram no Serviço

Social foram identificadas, respectivamente, com o número de formadas nas seguintes

Universidades:

- FURB (Universidade Regional de Blumenau - SC);

- UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina);

- UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina);

- UNC (identificada hoje como Universidade do Contestado - SC);

- UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco);

- UFJF- MG (Universidade Federal de Juiz de Fora-Minas Gerais);

- UVRS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos -RS);

- UFRN (Universidade Federal de Rio Grande do Norte);

- UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa -PR);

- ULBRA (Universidade Luterana do Brasil - RS).

O gráfico 4 apresenta que a grande maioria das profissionais de Serviço Social da

Prefeitura Municipal de Blumenau são formadas na Universidade Regional de Blumenau,

seguidas pela Universidade Federal de Santa Catarina:

61%

15%

4%

4%

1%1%1%1%1%

11%FURB 43

UFSC 10

UNISUL 03

UNC 03

UNICAP 01

UFJF-MG 01

UVRS 01

UFRN 01

ULBRA 01

Não Informado 08

Gráfico 4 - Assistentes Sociais por Universidade.

Fonte: Questionário de Identificação dos Assistentes Sociais.

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Para seleção dos sujeitos de pesquisa, os diversos anos de formação destas

profissionais foram divididos por décadas e períodos específicos, como mostra o Gráfico 5:

1% 11%

34%

29%

6%

4%

4%

11% Dec. 1960 e 1970

Dec. 1980

De 1990-1993

De 1994 - 1999

Em 2000

Em 2001

Em 2002

Não responderam

Gráfico 5 - Período de formação acadêmica das Assistentes Sociais.

Fonte: Questionário de Identificação dos Assistentes Sociais.

Ter ou não pós-graduação ou estar cursando se constituiu em outro item relevante para

escolha das Assistentes Sociais para a pesquisa. Entre as profissionais da Prefeitura Municipal

de Blumenau que responderam ao questionário, 39% têm pós-graduação, e 14% estão

cursando, conforme gráfico a seguir:

39%

36%

14%

11% Sim 28

Não 26

Cursando 10

Não informou 08

Gráfico 6 - Pós-graduação. Fonte: Questionário de Identificação dos Assistentes Sociais.

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Das profissionais que responderam ao questionário de identificação, iniciaram suas

atividades enquanto Assistentes Sociais nos seguintes períodos:

1% 8%

11%

46%

24%

10% Dec. 1960 e1970Dec. 1980

De 1990-1993

De 1994-1999

De 2000-2002

Nãoresponderam

Gráfico 7 - Início das atividades como Assistentes Sociais. Fonte: Questionário de Identificação dos Assistentes Sociais.

Destas ingressaram na PMB enquanto Assistentes Sociais7, por concurso público ou

inicialmente como Contratadas pelo regime da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas),

como mostra o Gráfico 8:

4% 1%

19%

6%

14%

3%3%4%7%

18%

21% 1989 - 031991 - 011994 - 141995 - 041996 - 101997 - 021998 - 021999 - 032000 - 052001 - 132002 - 15

Gráfico 8 - Início das atividades como Assistente Social na PMB.

Fonte: Departamento de Recursos Humanos – PMB – Set. 2002.

7 Os dados referem-se aos profissionais que ainda estão no serviço público e não a quantidade de profissionais contratados pela PMB nestes anos.

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Destas profissionais8, estavam em situação de coordenação, chefia, gerência ou

superintendência por Secretarias, na época em que responderam ao questionário (Gráfico 9):

4%18%

4%

74%

SEMAS

SEMUS

SEDEAD/SEPLAN

Não estão

Gráfico 9 - Cargo de gerência, chefia, coordenação, por Secretar ia na PMB.

Fonte: Questionário de Identificação dos Assistentes Sociais.

Ainda a título de informação sobre as Assistentes Sociais da PMB, os Gráficos 10, 11

e 12 trazem dados sobre a faixa etária destas, em relação a filhos e a relacionamentos estáveis:

14%

53%

19%

4%

10%De 20 a 30 anos

De 31 a 40 anos

De 41 a 50 anos

Mais de 50 anos

Não responderam

Gráfico 10 - Faixa etár ia.

Fonte: Questionário de Identificação dos Assistentes Sociais.

8 Os questionários foram respondidos no final do ano 2002 e inicio de 2003, podendo alguns destes já terem sido alterados. Não considerado os profissionais que estão em situação de dedicação plena.

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54%36%

10% Sim

Não

Não responderam

Gráfico 11 - Filhos.

Fonte: Questionário de Identificação dos Assistentes Sociais.

55%35%

10% Sim

Não

Não responderam

Gráfico 12 - Relacionamentos estáveis (casamento).

Fonte: Questionário de Identificação dos Assistentes Sociais.

No processo de escolha das dez profissionais que responderiam as entrevistas para esta

pesquisa, separamos os públicos atendidos e ações desenvolvidas em dez diferentes tipos:

1- atendimento ao público que apresenta maior vulnerabilidade nas questões

relacionadas à política de saúde;

2- atendimento a funcionários públicos;

3- superintendentes, gerentes, coordenadores, chefias, coordenação de projetos,

programas, planejamento de ações diversas;

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4- atendimento voltado à recuperação de vínculos familiares, auto-estima, pessoas ou

famílias de ou na rua, de várias idades, medidas de proteção, situações encaminhadas por

conselhos tutelares, fórum etc;

5- serviço de assessoria a Conselhos Municipais, entidades não-governamentais,

monitoramento de políticas;

6- atendimento à mulheres nas diversas políticas públicas, identificando o público

como sendo em sua maioria feminino;

7- atendimento a idosos nas diversas políticas, identificação como sendo a maioria do

público pessoas idosas (acima de 60 anos);

8- atendimento a famílias nas questões da política de Assistência social, política

habitacional, política educacional, identificando como maior demanda o público que

apresenta maior vulnerabilidade nestas questões;

9- atendimento ao público que apresenta maior vulnerabilidade nas questões

relacionadas à família, à criança e adolescente;

10- atendimento ao público relacionado a questões de abrigamento nas diversas

políticas, ou que tenha esta situação na família, sendo este identificado como maior

vulnerabilidade na questão do atendimento.

Das 10 profissionais selecionadas para entrevista, cada uma está em uma das

classificações acima, sendo que 05 são graduadas antes de 1993, e 05 são graduadas após

1993. Apresentamos este ano como referência por ter sido o ano da aprovação do Código de

Ética vigente para o Serviço Social. Ainda entre estas, 04 têm pós-graduação, 05 não têm

cursos de pós-graduação, e 01 está cursando. Quanto ao item “Universidades Diversas” : 04

têm formação na FURB; 03, na UFSC; e 03 são de outras universidades.

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Após termos relatado a nossa percepção do contexto onde se encontram as

profissionais que foram sujeitos desta pesquisa e traçado o perfil das mesmas, partiremos para

a análise das respostas das entrevistas, construindo, assim, este trabalho.

1.3 A percepção das Assistentes Sociais sobre o Estado e as configurações deste no atual

cenário sócio-institucional:

O profissional de Serviço Social ainda tem como seu maior empregador o Estado, e as

políticas públicas onde se insere são um destes campos contraditórios no qual desenvolve sua

atuação. Percebemos que é preciso conhecer a estrutura e a dinâmica do Estado, a conjuntura

na qual desenvolvemos nosso trabalho, para termos possibilidades de escolha por uma prática

profissional técnica, teórica, política e eticamente compromissada e competente.

Tendo em vista que esta pesquisa se realiza junto a profissionais que têm vínculo

empregatício com o Estado, aqui no âmbito municipal, perguntamos: Como este empregador

vem se colocando em relação às políticas públicas, em especial às políticas sociais, como

assume seu dever para com estas e com a população usuárias dos serviços? Faremos um breve

resgate sobre o Estado para podermos analisar as respostas a esta questão.

A partir da década de 19809, mais precisamente a partir do Consenso de Washington,

as propostas de corte neoliberal começaram a ser difundidas, enfatizando a necessidade de

desregulamentação e privatização dos mercados e do Estado. As sugestões deste consistiam

em reestruturar as políticas sociais objetivando a redução de gastos. O papel do Estado em

relação à Saúde, Ensino Básico e Assistência Social teria em vista apenas as camadas mais

9 Vamos enfocar aqui a década de 80-90, mas não devemos ignorar as décadas que antecederam tais mudanças e transformações da sociedade que expomos aqui, fazemos este corte a fim de não perdermos de vista os objetivos do trabalho.

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carentes e deveria transferir atividades para o setor privado. A política de ajuste econômico e

social é composta por três elementos principais:

[...] contenção da demanda pela redução dos gastos públicos, realocação dos recursos visando aumentar as exportações; e reformas das políticas destinadas a aumentar a eficiência de longo prazo do sistema econômico (LOPES, 1994, P.32).

No Brasil, a agenda das reformas foi introduzida pelo então Presidente da República

Fernando Collor de Melo (1990). No governo Itamar Franco (1992), introduziu-se o plano

Real10, principal elemento das reformas. A partir do governo de Fernando Henrique Cardoso

(FHC- 1995/2002), foi dado formato definitivo à chamada reforma do Estado.

Desde a década de 1990, e em decorrência principalmente do ajuste fiscal, o Governo

Federal vem modificando o sistema brasileiro de Políticas Sociais, deixando sob a

responsabilidade dos Estados e Municípios grande parte das ações na área da Habitação,

Saúde, Saneamento Básico, Educação e Assistência Social.

Em síntese, a reforma do Estado no Brasil11 caminha para o cumprimento de metas

impostas pelo Banco Mundial e FMI, quais sejam: a privatização e a diminuição do Estado,

tirando a responsabilidade do mesmo em relação aos Serviços Sociais. A sociedade civil é

colocada, por meio das organizações chamadas públicas não-estatais a cumprir o papel que

até então era do Estado, o qual teria a responsabilidade "teórica" de repassar recursos, mas

sem comprometimento de reciprocidade no contrato entre o Estado e as OPNEs

(Organizações Públicas Não-Estatais).

Desta forma, por intermédio do repasse da responsabilidade para a sociedade civil, o

Estado estaria ampliando o âmbito público da prestação de Serviços Sociais, não tendo

compromisso com as políticas sociais que passam a ser focalizadas e desarticuladas. Provas

10 Em 01/02/1994 entre em vigor a URV (Unidade Real de Valor) e em 01/07/1994 entra em vigor o Real como moeda Nacional. (agenda editora Brindes Tip Ltda- 2001) 11 Não é objetivo deste trabalho relatar e discutir as reformas do Estado, apenas mencionamos esta para clarear algumas das contradições existentes nas políticas públicas onde se encontram os profissionais de Serviço social. Para maior aprofundamento ver: SOUZA e CARVALHO (1999), LOPES (1994) e ainda SIMIONATO e NOGUEIRA (2001).

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são os programas federais (FHC), tal como Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Bolsa Gás e o

programa Comunidade Solidária que pulverizaram ações descontinuadas e fragmentadas.

Para Nogueira (2001), as alternativas existem e seu aproveitamento depende não

apenas do debate político mas, acima de tudo, do embate entre Estado e sociedade com a

retomada de seu papel histórico na denúncia das desigualdades de toda ordem e na construção

de um mundo livre, igual e democrático.

O Brasil, a partir da década de 1990, passa a colocar em prática a agenda das reformas

com base nas propostas do Banco Mundial: a redução do Estado, privatizações, terceirizações

e transferência dos serviços públicos para as organizações não-governamentais (ONGs),

principalmente no que diz respeito às Políticas Sociais.

A partir do acima exposto, buscamos trazer a compreensão que as profissionais

entrevistadas têm deste Estado, o que percebem em relação às políticas públicas, âmbito no

qual trabalham:

[...] eu não tenho uma compreensão muito grande a respeito de toda a política social mais abrangente do Estado, como ele está atendendo, respondendo as necessidades. Não tenho essa compreensão toda até devido estas questões que já falei, do pouco tempo neste retorno profissional [...] o Estado ainda precisa rever, [...] eu acho que há muito ainda, está aquém do que nós todos precisamos para nos tornamos realmente cidadãos [...] o Estado não está dando conta não. (7) [...] é obrigação do Estado, através das políticas públicas, possibilitar melhores condições de vida para a população, que a população tenha acesso aos bens produzidos socialmente. Para mim o Estado ele tem o papel de tentar socializar o que vier produzido pela sociedade. [...] o Estado ele acaba se limitando nesse papel. [...] Na questão do estado mínimo está ruim, está difícil [...] a gente sabe que os interesses do mercado é que este estado esteja cada vez menos se ocupando com as questões das políticas públicas. (9)

Os relatos das entrevistadas afirmam que o Estado, realmente, não está oferecendo o

que é de seu dever conforme legalmente definido; está, sim, deixando, e praticamente

obrigando, que a própria sociedade civil assuma. As políticas públicas ficam cada vez mais

precarizadas, enquanto aumentam as demandas populacionais que necessitam das mesmas,

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devido às mudanças no mundo do trabalho, ocorrendo um verdadeiro abandono desta

população.

Por outro lado, o depoimento a seguir ressalta a importância da parceria entre Estado e

Sociedade Civil. Segundo a entrevistada, o Estado não deve ser responsabilizado totalmente

pelas Políticas Sociais, ou seja, ele deve

[...] oferecer as políticas básicas, saúde, educação, assistência social, trabalho e renda. E que hoje está cada vez mais complicado, eu vejo que a sociedade civil está tendo que fazer uma parceria, [...] há uma dificuldade do governo aceitar muitas vezes essa parceria, há um medo, há um preconceito, enfim. Se acha que o Estado tem que dar conta de tudo, acho que também tem que oferecer as coisas mas, hoje em dia acho que a gente tem que aproveitar o que a sociedade civil está colocando como uma possibilidade de parceria [...] (8).

Apesar de confirmar as conseqüências que o Estado traz para as políticas públicas,

observamos, nas falas, pouco conhecimento ou relação que fazem das conseqüências com a

conjuntura sócio-econômica atual, a política neoliberal, o processo de globalização, as

mudanças que ocorrem no mundo do trabalho em virtude das novas formas de produção.

Entendemos que estes fatores é que resultam no atual cenário das políticas sociais públicas,

onde ocorre, inclusive, uma troca de papéis, ou seja, a sociedade civil é requisitada para

cumprir muitas das funções do Estado. Neste cenário, temos:

[...] por um lado, o crescimento da pressão na demanda por serviços, cada vez maior, por parte da população usuária mediante o aumento de sua pauperização. Esta se choca com a já crônica – e agora agravada – falta de verbas e recursos das instituições prestadoras de serviços sociais público (IAMAMOTO, 2001, p.160).

O aumento das demandas e os cortes nos recursos a serem destinados às políticas

sociais confirmam o “enxugamento” e sucateamento dos serviços públicos, o que atinge não

só a qualidade nos serviços prestados população, mas também tem se utilizado, em

decorrência da diminuição de recursos, de mecanismos de seletividade para acessos aos

serviços, contradizendo a maior conquista obtida por meio da Constituição Federal de 1988,

que, segundo Iamamoto (2001, p.159), afirma “[...] a universalização dos direitos sociais e

dos serviços, que lhes atribuem materialidade”.

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O que ocorre é a diminuição da capacidade de atendimentos e da ampliação de

projetos para inclusão da população devido à falta de recursos, tendo os profissionais

Assistentes Sociais, inseridos como executores terminais das política e na prestação dos

serviços, tendo que se verem “[...] institucionalmente, cada vez mais compelidos a exercer a

função de um juiz rigoroso da pobreza, técnica e burocraticamente conduzida, como uma

aparente alternativa à cultura do arbítrio e do favor” (IAMAMOTO: 2001,p.161, grifo da

autora). Saímos do campo de direito conquistado, da universalidade, para entrarmos na prática

de atendimento ao que “menos tem” entre os “menos favorecidos” .

Cabe aqui ressaltarmos a categoria “Universalidade”, visto estar presente nos

princípios éticos profissionais. A luta para que esta seja assegurada está inscrita no quinto

princípio do Código de Ética profissional e, apesar de soar como utópico no atual contexto

sócio-político, devemos persistir em alcançá-la, decifrando e fortalecendo para o usuário o

entendimento que estes têm do direito, não só inscrito em leis, mas efetivamente praticado. Na

íntegra, diz o quinto princípio: “[...] posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, de

modo a assegurar a universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e

políticas sociais, bem como sua gestão democrática.” (CFESS, 1993)

Diante deste cenário, é relevante saber como as profissionais entrevistadas repassam e

trabalham com a questão da universalidade junto à população usuária dos serviços sociais,

tendo em vista os limites de recursos e os critérios de inclusão/exclusão ou se não há limites

nem critérios:

Justamente por ter limites de recursos, os critérios de inclusão têm que existir os critérios são pra fim também de garantir a equidade, [...] [d] aqueles que mais necessitam, e que às vezes por não saberem dos seus direitos, estarem nas comunidades distantes, não chegarão até as Políticas Públicas. (1) [...] quando você está incluindo as pessoas dentro dos programas você tem os critérios, são critérios que você vai ter que estar adequando a estes encaminhamentos para estas inclusões. [...] a necessidade da família precisa ser atendida e algumas concessões têm que serem feitas. Quando o programa permite. (7) [...] não é universal. A gente trabalha com critérios, com per cápita, com vulnerabilidade, uns são mais vulneráveis do que os outros. (3)

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Observamos, nas falas acima, que a questão de estabelecer critérios de atendimento

nas políticas públicas é vista como uma necessidade, em decorrência, principalmente, dos

poucos recursos disponibilizados para as mesmas.

[...] a questão da universalização ela não vem sozinha na prática do meu dia a dia, ela vem com a questão da equidade. A equidade eu entendo como sendo um dos critérios que quem ganha mais pode um pouco mais, e quem ganha menos teria direito a mais [...] (4) [...] Eu acredito que o acesso tem que ser universal, mas eu também tenho consciência dos limites que isso implica, [...] o acesso à universalidade dos serviços eles ficam muito limitados pela questão do recurso [...] (9)

A Universalidade é vista como algo ideal. Entretanto, no plano do real, o que temos

são os poucos recursos resultantes de uma política neoliberal voltada para o “Estado Mínimo”

em relação às políticas sociais. Percebemos que esta visão do todo - de relacionar a conjuntura

com a questão do resultado do trabalho no âmbito local - não aparece nas respostas, o que

mostra que não há uma reflexão sobre o porquê de se ter poucos recursos. Talvez isto se deva

à questão de que, historicamente, no Brasil, não houve uma política voltada ao entendimento

dos direitos da população e dos deveres do Estado em se responsabilizar por estes direitos.

Cabe lembrar que não tivemos, de fato, um Estado de Bem-Estar Social. A questão que

podemos apontar, aqui, para reflexão é: O que fazer em relação à busca da universalidade de

acesso aos serviços sociais?

Segundo Paiva e Sales (1996), nós, enquanto Assistentes Sociais, temos que apoiar a

sociedade civil na sua luta em prol da universalidade de acesso ao atendimento e à cobertura

social em todas as áreas constituintes das políticas sociais.

Não podemos nos deixar asfixiar pela realidade do nosso cotidiano profissional,

assumindo o que Iamamoto (2001) coloca como visão fatalista da realidade, quando vemos

esta como obstáculo, como impossibilidade de realização do nosso trabalho. A autora diz,

ainda, que isto ocorre por termos uma visão idealizada do real, não o decifrando, não

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visualizando novas possibilidades e desafios, pois esquecemos que a mudança deste quadro

não depende somente dos Assistentes Sociais como muitas vezes imaginamos, assumindo

uma visão messiânica. É necessário visualizar nesta realidade os processos econômicos,

políticos, culturais que a constituem:

[...] existem outras forças sociopolíticas presentes, às quais podemos nos unir, como profissionais e cidadãos. Forças essas que vêm lutando pela defesa dos direitos sociais conquistados e sua ampliação, pela crescente participação dos usuários e das organizações da sociedade civil na gestão dos serviços públicos. Aí sim, defendendo um mínimo de Estado e um máximo de sociedade na gestão da coisa pública (IAMAMOTO, 2001, p.162).

É importante ter claro o que é o direito à universalidade e compreendermos que as

políticas públicas e sociais não são “o pouco para os pobres” ou o “algo a mais” para quem

nada tem, não fazendo destas apenas compensatórias e pontuais. Assumir enquanto princípio

ético a equidade e justiça social, assegurando a universalidade de acesso a bens e serviços

bem como a sua gestão democrática nos inscreve no campo da cidadania, que requer a

participação e a organização da população usuária deste serviço, para que a mesma possa,

também, saber o que é ter direitos e como acessar a eles.

Assegurar a universalidade de bens e serviços relativos aos programas e políticas

sociais, sua gestão democrática, como nos indica o princípio ético, nos remete a nossa

participação em primeira instância e a nossa organização enquanto categoria na defesa das

políticas públicas, da democracia, da cidadania e da justiça social para, conseqüentemente,

nos comprometermos a organizar a população na sua participação também em relação aos

direitos que lhe são inerentes.

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1.4 Defesa das Políticas Sociais Públicas: a participação e a organização dos

profissionais e usuários destas políticas:

Quando falamos em assegurar a universalidade de acesso a bens e serviços, em nos

posicionarmos em favor da equidade e da justiça social, trazemos para análise que, para haver

a possibilidade de acesso dos cidadãos às políticas públicas, com vistas à garantia de seus

direitos, é necessário que esta população conheça quais são estes direitos e participem nas

decisões em relação a eles. Para tanto, são necessárias a organização e a participação destes

cidadãos e dos profissionais com o intuito de organizar a sociedade e instrumentalizá-la a

efetivar essa participação.

Perguntamos, então, para os sujeitos da nossa pesquisa como ocorre a participação dos

profissionais e usuários nas decisões em relação às políticas sociais, se há ou não incentivo à

participação. Algumas das respostas foram:

[...] eu acho que é pouca, é muito pouca. [...] fica uma coisa meio que de cima para baixo, há pouca participação com o usuário, e eu me arrisco até em dizer que não tem nenhuma participação dos usuários nisso. [...] o profissional, às vezes, é coagido a fazer certas coisas; eu acho que não tem um total desprendimento de certos objetivos, de certos interesses [...] (2) [...] é de cima para baixo que é muito difícil os usuários participarem na construção. E quanto aos profissionais de serviço social posso falar por mim, eu não participo das reuniões nossas. (6) [...] eu não posso falar de todas as políticas [...] se você voltar algumas décadas atrás, hoje já melhorou bastante e, ainda, não é o ideal. Porque a prática política desse conselho ainda reproduz alguns valores conservadores, de centralização, das decisões; existe, ainda, bastante pressão de alguns setores mais organizados, alguns setores inclusive privados, como prestadores de serviços [...] se uma política não tem a participação da população acabam ainda prevalecendo os valores das instituições e das pessoas que compõem esta instituição [...] (9)

Reflete nas falas acima destacadas a realidade: se não há participação da população

usuária nos serviços para defesa dos seus direitos, outros setores mais organizados irão

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procurar apenas a defesa do que lhes interessa. Exemplo disso são os setores privados,

prestadores de serviços que não visam ao interesse da população, ao seu acesso universal;

visam, sim, ao próprio lucro com o dinheiro público que deveria ser revertido para a política

pública e não, para o setor privado.

No entanto, outras profissionais já consideram que o nível de participação tem

melhorado, tanto dos profissionais como dos usuários. Mesmo assim, ainda há a percepção de

que é preciso muito mais para, realmente, se efetivar a participação, como mostram as falas a

seguir:

[...] eu acho que o usuário não tem muita participação [...] e os profissionais que estão atuando diretamente nos conselhos, [...] acho que existe uma participação razoável (7) Existe em partes, existe aquela política toda de participação da comunidade [...] dos usuários ocorre através do orçamento participativo e dos conselhos, [...] Só que, na verdade, na prática, não sei se acontece exatamente isso; é a teoria, que era para ser assim, seria o ideal, mas na prática não está acontecendo exatamente isso, a gente sabe que não acontece, mas já melhorou, já foi um avanço [...]. Mas tem muitas coisas a serem melhoradas [...] (10)

Um dos principais espaços para participação da sociedade civil, dos usuários dos

serviços e dos profissionais das diversas áreas sociais na decisão, na gestão e no controle das

políticas sociais são os conselhos descentralizados destas políticas. Porém, como podemos

perceber, são espaços que ainda não foram ocupados de maneira efetiva por estes atores

sociais. Neste sentido, nos perguntamos: Por que essa não-participação? Uma das

profissionais ressalta que não há incentivo; que há divulgação apenas. Arriscamos, aqui, a

dizer que não há esclarecimentos, talvez até para os próprios profissionais, sobre a

importância de sua participação, o que resulta no não-esclarecimento para a população e

entidades que, muitas vezes, visualizam somente o recebimento de recursos. Não podemos

esquecer o nosso papel de educadores - quando falamos sobre esclarecimentos e

conscientização - e a nossa prática política e social.

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Historicamente, o Assistente Social desempenha um papel importante no

desenvolvimento desta prática política e social enquanto trabalho educativo. Podemos citar,

como exemplo, o trabalho desenvolvido junto aos movimentos sociais, às associações de

moradores, aos grupos organizados, aos fóruns de debates, às manifestações populares, aos

trabalhos com grupos, aos conselhos regionais de saúde, aos conselhos de direitos e de

políticas e à organização do orçamento participativo. Em relação ao orçamento participativo,

hoje, em Blumenau, não há a participação de um profissional efetivo como Assistente Social.

Destacamos que nossa prática política e social não deve ficar limitada ao papel de

profissional; deve, também, haver a atuação desse profissional como cidadão nos espaços que

lhes são de direito ao exercício da participação.

O nono princípio fundamental do código de ética dos Assistentes Sociais diz respeito à

“articulação com os movimentos sociais de outras categorias profissionais que partilhem dos

princípios deste código e com a luta geral dos trabalhadores” (CFESS, 1993). Neste sentido

buscamos saber se as entrevistadas têm participado de algum movimento, associação,

sindicato, fóruns de discussão, formulação, controle das políticas públicas ou outros. A

pergunta foi bem abrangente, não só em relação à participação enquanto profissional, mas

também como cidadã, em sua comunidade e também enquanto categoria profissional.

As respostas obtidas foram as mais variadas: Sim [...] (1); Não [...] (2); [...] eu nunca

consegui ficar longe dos fóruns de discussão (3); Participo [...] [na comunidade] (4); Não [...]

(5); [...] participo devido o meu trabalho (6); [não participa de movimentos da categoria,

participa de um movimento voltado à discussão do seu trabalho] (7); [da categoria] Participei

[...] não vou mais [...] [participa quando é pelo local de trabalho] (8); Não, [...] talvez por falta

de motivação [...] (10).

Em síntese, das dez profissionais entrevistadas, quatro não participam de nenhum

movimento enquanto cidadãs ou profissionais; uma participa apenas na comunidade enquanto

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cidadã; três participam devido à atuação profissional, possibilitada pela secretaria onde atuam;

e apenas duas participam de fóruns de discussão e movimentos em relação à profissão.

Destacamos uma das falas que talvez nos faça refletir sobre o porquê da pouca

participação relatada:

Como de categoria [...] a gente cansa de algumas coisas que vão se repetindo, fui tendo o entendimento de que eu me sinto trabalhadora no conjunto [...] eu não me sinto assim , uma coisa isolada “a Assistente Social” , uma coisa corporativa.[...] No geral, eu tenho participado, [...] do Conselho [...] nestes espaços eu tenho participado, nas conferências [...] tudo assim muito em relação com as discussões onde eu atuo mais diretamente. Até porque não sobra muito tempo [...] (9).

O tempo é um quesito importante a destacarmos, principalmente se buscarmos refletir

sobre o fato de a profissão se constituir na sua grande maioria por mulheres, as quais lutam

incansavelmente por seu espaço na vida social e política da sociedade em que vivemos, o que

faz com que estas muitas vezes dobrem ou tripliquem sua jornada de trabalho. Estes fatores

causam stress, sobrecarga de trabalho, fazendo com que não sobre muito de seu tempo para

questões que envolvam discussões sobre a profissão, mesmo porque a não garantia dentro da

carga horária de trabalho faz com que as mesmas tenham que ocorrer em horários distintos, o

que exige um compromisso que nem sempre podemos assumir.

Uma outra questão enfocada pela mesma entrevistada é a objetividade: Por que se

organizar, por que participar? A entrevistada fala sobre o cansaço de coisas que vão se

repetindo. Entendemos que, às vezes, a falta de objetividade causa discussões intermináveis

que não levam a lugar algum, desestimulando, desta forma, a participação.

Lembramos que a categoria dos Assistentes Sociais vem se organizando

profissionalmente por ramo de atividade, o que significa se organizar coletivamente nos locais

onde se inserem profissionalmente e não mais por categoria, o que caracterizava o

corporativismo. Contudo, isto não elimina a necessidade de se continuar discutindo a

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profissão e seu projeto ético-político, bem como buscando o reconhecimento profissional e,

principalmente, o fortalecimento do Serviço Social.

Como já mencionamos, historicamente os Assistentes Sociais desempenham um

relevante papel junto aos movimentos sociais, bem como na organização e formulação das

políticas públicas. Perguntamos, então, para as entrevistadas, qual tem sido o papel dos

movimentos sociais, ONG(s), associações em relação ao âmbito destas políticas. Algumas

respostas obtidas foram:

[...] de uns três anos pra cá, os movimentos organizados, ongs e associações de um modo geral, até a de moradores, o papel delas tem sido muito [...] só em busca de recursos pra manter as suas associações, as suas ongs. [...] Eles não conseguem, repito, aqui em Blumenau, [...] não conseguem estar em defesa das políticas públicas [...] (1) [...] na época em que eu fiz faculdade, um pouco depois, eu vi que a coisa estava meio morta, a questão de movimentos sociais, e acho que hoje é uma coisa que está aparecendo mais; participação nos conselhos. [...] é uma participação meio duvidosa, não se sabe que a pessoa que está ali dentro representa. Na verdade nem eles sabem direito.[...] (8)

Primeiro é importante ressaltar que, apesar de haver uma confusão em relação ao uso

dos termos - ONGs, entidades assistenciais, movimentos sociais – estes significam

organizações diferentes em relação aos seus objetivos e atuação. A questão apontada pelas

profissionais - o fato da busca de recursos estar acima da defesa das políticas públicas - é uma

ideologia repassada e assumida por muitos organismos que trabalham com políticas sociais.

Isto se dá pela responsabilidade que tais organismos são condicionados a assumir ou pela falta

de normatização para a existência dos mesmos.

Outras duas entrevistadas colocaram:

[...] eu penso que elas estão enfraquecidas hoje, desmotivadas, desmobilizadas, eu falo isso por causa da própria profissão. [...] Hoje que se deveria estar se avaliando o que foi feito. Estes atores sociais [...] eles estão esquecidos, eles estão desmotivados [...] (3).

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[...] eu vejo que a gente podia estar mais organizada a nível geral [...] Eu vejo muito a ONGs organizada da questão da assistência, da caridade dessa visão de complementação daquilo que o público não quer dar conta [...]. Acho que falta avançar muito sobre isso aí. Mas até olhando para trás já foi um avanço, mas nós temos que melhorar muito ainda [...] (9).

Historicamente, o Serviço Social teve seu trabalho muito mais voltado para os

movimentos sociais, para os trabalhos de organização e participação junto aos sujeitos sociais.

Na avaliação da participação dos movimentos sociais, os profissionais continuam com

criticidade e observando a necessidade da sua efetiva participação. Perguntamos, ainda: o que

denota esta apatia visualizada nesta contradição que resulta na não-participação? Falta de

incentivo? Por parte de quem? Falta de relacionar esta participação ao projeto ético-político

profissional e de, realmente, reconhecê-lo como tal?

Um dos objetivos da participação profissional, não só nos movimentos sociais, mas

também nos movimentos de organização da categoria é a discussão e aprimoramento da

profissão. A seguir, as entrevistadas relatam como avaliavam o nível da organização das

Assistentes Sociais da Prefeitura Municipal de Blumenau e no geral:

[...] se fosse numa escala de zero a dez eu acho que eu daria um, [...] ainda há luta por interesses particulares, fragmentados por Secretaria, no caso da Prefeitura, e em geral é a mesma coisa, são sempre as mesmas pessoas que estão envolvidas no CFESS, no CRESS, [...], a associação dos profissionais aqui do Médio Vale é a mesma coisa, [...] não há organização (1). [...] da Prefeitura eu acho zero [...] que não tem organização nenhuma. Acho que cada Secretaria puxa para si, [...] Não vejo que tenha uma interligação entre as secretarias. Até sei que tem uma discussão, e algumas vezes eu tenho participado com algumas profissionais, mas eu vejo que não há uma discussão do todo.... E no geral é um outro fracasso. [...] porque a própria associação, a APROSSMVI também não consegue se articular. Porque não é a associação que tenha que se articular. No fundo eu acho que falta consciência por parte de todas nós profissionais [...] Mas acho que hoje está bem desorganizado (4).

Observamos, nas falas acima, uma referência à participação “sempre das mesmas

pessoas” . O fato de estas mesmas pessoas estarem envolvidas, talvez se deva a não ter mais

outras para assumirem estas responsabilidades ou, então, podemos interpretar como sendo a

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centralização do poder. Ambas as hipóteses levam a um ponto: é preciso haver a participação

de um maior número de profissionais nas organizações e discussões, tanto para que algumas

pessoas não se sobrecarreguem quanto para descentralizar o poder que alguns “tomam” para

si.

Em relação à Prefeitura Municipal de Blumenau, a fala da entrevistada 4, acima

colocada, ressalta a não organização dos profissionais em defesa das políticas públicas como

um todo. Ressalta a centralidade em defesa daquela política na qual ela atua, fazendo gerar

um “cabo de guerra” , sendo que, ao invés de a categoria dos Assistentes Sociais buscarem

fortalecimento das políticas, acabam rompendo com as possibilidades de um trabalho em

conjunto.

Podemos ressaltar que, hoje, já se denota uma preocupação no trabalho

“ intersecretarias” , com uma possibilidade de trabalho em rede, na defesa do cidadão usuário

das políticas e no fortalecimento destas. No entanto, muito ainda temos a discutir para

podermos alcançar este objetivo, não deixando que interesses particulares se sobressaiam aos

do coletivo.

Ainda em relação à questão sobre o nível de organização das Assistentes Sociais,

temos as seguintes respostas:

[...] eu trabalhei com algumas assistentes sociais em outra área, percebi até uma certa organização, mas uma grande acomodação. [...] eu senti elas um pouco apáticas em relação ao serviço social, [...] Enquanto categoria está começando a crescer agora, mas esta ainda está muito lenta essa busca [...] Eu ainda estou muito na retranca, esperando que me chamem para uma reunião [...] (6).

Na prefeitura ela acontece de forma um pouco mais pontual [...] ela não é constante [...] Geral, .não sei, eu realmente não sei se tenho tanta informação assim, [...] É que hoje, também, eu acho que a gente não pode só se organizar enquanto categoria, nós temos que nos organizar hoje com outros profissionais, não vejo mais assim que a gente vai se fortalecer apenas como uma categoria isolada, eu só penso que a gente pode se fortalecer enquanto trabalhador [...] Eu acho que tem que transcender essa questão do corporativismo e se aliar realmente entre os trabalhadores, é que tem que se fortalecer [...] (9).

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A organização das Assistentes Sociais é caracterizada, nesta última fala, como

pontual, acontecendo apenas em momentos específicos para discussão de temas polêmicos de

interesse geral. Hoje, exemplificamos com a discussão do Plano de Cargos e Salários. Mesmo

assim, a organização dos profissionais não é intensa. Quanto ao fortalecimento enquanto

organizações dos trabalhadores explicitada pela entrevistada, podemos abrir aqui parênteses

para esta discussão.

O debate realizado sobre a organização dos Assistentes Sociais tem sido polêmico. No

intuito de fortalecer a classe trabalhadora frente às investidas do neoliberalismo para

fragmentação e enfraquecimento dos trabalhadores, a proposta para organização sindical tem

sido a organização por ramo de atividade. Esta organização se dá da maneira mais geral

possível na busca de uma identidade de classe para a construção de uma nova sociedade mais

justa e igualitária. Deste modo, pretende-se romper com o corporativismo, característica

presente nas organizações por categoria de profissionais.

Conforme texto do Conselho Pleno do CFESS (2001), as novas gerações de

Assistentes Sociais, por não terem acompanhado o debate que resultou na adesão da categoria

- não unânime, mas hegemônica - pela organização por ramo de atividade, defendem a

organização por categoria, preocupadas, sobretudo, com as condições de trabalho e salários.

Estas vêm a cobrar do conjunto CFESS/CRESS que assumam essas questões, mesmo sem ter

autoridade jurídica para tanto.

Defender a qualidade e as condições de trabalho é possível, por meio da Política

Nacional de Fiscalização, com base nos compromissos éticos profissionais. Todavia, a luta

por melhores salários não é uma luta unicamente dos Assistentes Sociais e, sim, de todos os

trabalhadores, o que ressalta a importância da organização por ramo de atividade.

Voltando à fala da última entrevistada, devemos ressaltar que a organização por ramo

de atividade, no que diz respeito ao fortalecimento da classe trabalhadora frente às investidas

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contrárias do neoliberalismo, como já mencionamos, não exclui a importância e a necessidade

de organização da categoria para debate da profissão, do projeto ético-político profissional,

para aprofundamento e fortalecimento das questões referentes ao Serviço Social.

Perguntamos: O que falta para nós enquanto profissionais para estarmos nos

organizando e participando nas instâncias de decisão e formulação de políticas públicas? Não

temos respostas prontas, mas a análise das questões aponta alguns fatores que podem assinalar

algumas reflexões.

Até o momento, já observamos algumas limitações e dificuldades que encontramos no

nosso âmbito de trabalho, no bojo das políticas públicas, onde encontramos interesses

diversos e contraditórios aos de nosso empregador, o Estado. A organização e participação da

categoria dos profissionais Assistentes Sociais são consideradas, aqui, como mais algumas

destas dificuldades, apresentadas, neste momento, como não-organização e não-participação

enquanto categoria profissional, não no sentido de organização corporativista, mas de nos

compreendermos enquanto trabalhadores com objetivos em comum.

A estratégia seria utilizar a organização profissional e sua participação como um

incentivo à participação popular, pois como podemos falar do que não conhecemos? Como

transformar estas dificuldades para qualificar o nosso desempenho profissional? Somos então,

uma categoria que necessita se fortalecer, comprometendo-se com a profissão e com a

sociedade, bem como deixarmos de olhar para dentro de nós mesmas, para podermos almejar

o que nos parece impossível: a construção de uma sociedade mais justa e igualitária conforme

nos direciona o projeto ético-político profissional. E no âmbito específico que trazemos, neste

trabalho - o “Estado” enquanto empregador - comprometer-se com esta sociedade também diz

respeito ao compromisso com a qualidade dos serviços prestados.

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1.5 Compromisso das profissionais de Serviço Social com os serviços prestados pelas e

nas Políticas Públicas:

Historicamente os profissionais de Serviço Social atuam como agentes que

implementam políticas sociais, o que nas palavras de Neto (apud IAMAMOTO, 2001, p.20),

significa ser “[...] executor terminal de políticas sociais [...]” . Ter compromisso com a

qualidade dos serviços prestados, em especial quando se fala sobre as políticas sociais

públicas, é ser mais do que um executor, pois a ação do profissional deve ultrapassar o mero

emprego, as ações burocráticas e rotineiras.

A ação profissional, o seu processo de trabalho vai além de ser “executor” de ações

que já lhes chegam prontas; não basta a organização burocrática, o cumprimento de prazos,

apesar de não podermos excluir estas atividades do cotidiano profissional. Além de tudo,

devemos planejar, executar e avaliar nossas ações e gerir, de fato, as políticas nas quais

atuamos.

Este compromisso com a qualidade dos serviços prestados na defesa das políticas

públicas e dos direitos sociais é entendido pelas entrevistadas como sendo:

[...] passa pela questão da capacitação, se você vai estar capacitado, estar preparado para atender a esta população [...] para você poder ter compromisso precisa saber o que é que está fazendo [...] (3). [...] é você ter direção institucional, ter espaço adequado, e dar essa qualidade do serviço prestado [...] No serviço público as coisas ficam muitas soltas e aí compromete a qualidade do trabalho [...] Ao mesmo tempo em que você vai desenvolvendo a ação, vai sendo surpreendida por algumas alterações, por algumas definições que vêm em determinados momentos, que não é avaliado, que não é reavaliado, não é planejado [...] (5). [...] é estar pensando qual é o objetivo, o que se quer alcançar com o teu trabalho, e tentar cumprir o planejamento [...] tem que se pensar em ouvir mais a população que acessa o serviço [...] (8).

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O espaço institucional público histórica e conjunturalmente, em sua maioria, é

marcado pelos parcos recursos, por grandes demandas, por interesses “políticos” . Além disto,

se o profissional se volta apenas para as ações impostas pela instituição, não utilizando

estratégias para adequá-las ao público-alvo, estará se tornando um profissional preocupado

somente com o cumprimento de tarefas cotidianas, burocráticas, justificando-se pelo fatalismo

e pelos impedimentos, sem tentar novas alternativas e se deixando estagnar pelos limites.

Nas falas transcritas acima, percebemos outro item relevante: a falta de planejamento

como sendo um dos maiores empecilhos para alcançar a qualidade dos serviços prestados. No

entanto, por parte dos profissionais, notamos a conotação de respeito ao público, ao usuário

destes serviços. Planejar e avaliar são desafios para os Assistentes Sociais. Ser propositivo

ressalta não apenas ser executor de tarefas, mas saber identificar demandas, propor

alternativas, programas e projetos que alcancem a população-alvo das políticas públicas.

O exercício da profissão exige competência que vai além de executar, propor, negociar

com a instituição sobre seus projetos, defendendo seu campo de trabalho, sua qualificação e

suas funções enquanto Assistente Social. Segundo Iamamoto (2001, p.21), “requer, pois, ir

além das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para detectar

tendências e possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadas pelo

profissional” .

Uma das profissionais relata que o compromisso com a qualidade dos serviços

prestados significa

atender bem as pessoas, no sentido de ter comprometimento com elas, reavaliando sempre suas ações, e não cruzar os braços quando se depara com situações difíceis. Procurar esgotar todas as possibilidades, buscar soluções, parcerias, ter criatividade, não olhar para o usuário apenas, mas para toda sua famílias e relações familiares (7).

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Não basta avaliar as políticas; também é necessário avaliar a nossa ação profissional,

se estamos cumprindo o projeto ético-político-profissional, bem como perceber os limites e as

possibilidades de atuação que estão colocados. Ter competência técnica não é apenas cumprir

ações, ter uma prática meramente instrumental; mas sim dar instrumentalidade - no intuito da

transformação da realidade - as nossas ações a partir da avaliação e percepção do que pode ser

alterado para alcance dos objetivos que vêm ao encontro da perspectiva da população usuária

dos serviços.

1.6 L imites e possibilidades para o alcance da qualidade na prestação de serviços:

Para indicar um pouco as possibilidades e limites dos profissionais na perspectiva da

qualidade da prestação de serviços no setor das políticas públicas, também é imprescindível

saber como a atual administração da Prefeitura Municipal de Blumenau tem facilitado a

execução destas políticas e como estas profissionais entrevistadas avaliam a questão:

[...] Ele [o atual poder executivo] tentou valorizar os profissionais de um modo geral, houve um investimento na categoria, em assumir cargos de chefia, de gerência, mas em muitas coisas ele é, digamos, igual a qualquer governo. [...] a questão política às vezes obriga a agir apenas politicamente e não tecnicamente, o que leva os técnicos, os profissionais também a terem que agir desta forma (1). [...] nada é perfeito, mas para mim está sendo bom, eu me sinto com liberdade para trabalhar, quer dizer, tem limites institucionais, limites de recurso, de organização, que a gente tem que construir mesmo. [...] eu acho que hoje realmente a gente cresceu bastante, muito mesmo. [...] para o Serviço Social, se a gente perceber hoje que parte dos profissionais está tudo em cargo de chefia, então é uma valorização profissional, do nosso trabalho. [...] o limite é da conjuntura, das políticas, dos recursos. Mas eu não vejo que cria dificuldades [...] (9).

Se, por um lado, supostamente os profissionais são valorizados, por outro, sentem-se

levados a agir mais “politicamente” do que tecnicamente. Entendemos que agir politicamente

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não seja a prática política profissional, mas uma prática voltada para os interesses de quem

está no poder e não, em favor dos usuários dos serviços.

Continuando com as respostas à questão formulada acima, destacamos as seguintes

falas:

[...] Ele [o executivo] tem facilitado a execução das políticas públicas até um certo nível [...] ao nível de planejamento a coisa acontece, só que na hora da execução ela acaba sendo um pouco falha, a gente vive ainda muito de imagem assim: formular políticas públicas para uma determinada demanda só que a gente não atinge com qualidade essa demanda. Então eu penso que alguma coisa aí está falha ainda [...] (2).

No que estou trabalhando acho que sim, acho que a gente tem recebido muita abertura, tem tido alguma autonomia até para a gente criar, elaborar propostas. O que é difícil mesmo é executar as propostas diante da situação, da política partidária, mesmo porque o profissional cria a política, tem liberdade para criar, mas na execução não [...] (5).

Nas falas acima, percebemos que há intenção de planejar políticas voltadas para as

demandas que emergem da realidade, mas que a execução não ocorre conforme são

planejadas, o que faz com que a qualidade acabe sendo prejudicada.

Um dos empecilhos para a execução das políticas sociais públicas aparece como a

falta de estrutura, liberação de recursos para implementação das mesmas, como percebemos

abaixo:

[...] não. Ele [o governo] até te dá uma certa autonomia para desenvolver [...] as políticas públicas, mas impera em outras coisas, como exemplo na estrutura, no dinheiro, nas dívidas de campanha [...] (3). Eu vou falar de execução de políticas públicas voltadas para o público com que eu atuo. [...] o discurso é bonito, se fala em "inclusão, fome zero, em melhorar a qualidade de vida", [...] O problema é quando se refere a recursos [...] (4).

Podemos voltar à discussão sobre as repercussões do atual projeto dominante na

sociedade, o neoliberalismo. Um dos maiores entraves à execução das políticas públicas vem

a ser o não interesse que estas sejam desenvolvidas pelo Estado, o qual vinha,

progressivamente, desmantelando tais políticas e responsabilizando a sociedade civil pelas

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mesmas com o discurso da solidariedade e voluntariado, com o interesse de tornar o Estado

cada vez menor para as questões sociais e maior e mais fortalecido para as questões de

mercado.

Neste cenário está o Assistente Social, seja trabalhador do âmbito público ou privado

(com ou sem fins lucrativos), o qual, além de se inserir na luta em defesa das políticas sociais

em espaços contraditórios, tem que cuidar para não acabar assumindo o papel de salvador,

numa postura messiânica, reforçando as idéias da filantropia e assistencialismo, como

demonstra os depoimentos a seguir:

[...] vou estar respondendo pelo que eu percebo aqui onde trabalho; em época de eleição tudo é possível [...] fim das eleições, as comunidades ficam vendo navios. [...] A Assistente Social não é convocada para discutir estas políticas que a gente pode estar trabalhando, se resolvem numa escala mais alta, depois ela [Assistente Social] vai estar trabalhando e varrendo a sujeirinha [...] (6). [...] eu acho que ainda precisa muitos avanços nesta área, ainda dos projetos, os programas que nós temos ainda estão a desejar em relação às necessidades que a gente percebe que as pessoas, as famílias, principalmente, os atendimentos às famílias deixa muito a desejar [...] as políticas como tal eu ainda vejo que a gente está apenas encaminhando e tentando fazer o possível, mas na verdade poucos resultados acontecem [...] Não há necessidade de gastar muito não, mas eu acho que a gente tem que começar a olhar este lado [...] (7).

As profissionais cujas falas foram apresentadas acima percebem a importância de

“olhar” pelas comunidades, para as famílias e nelas identificar as reais necessidades e não,

apenas, o emergencial, o imediato, ou o que interessa ao político e a suas promessas que,

muitas vezes, não são cumpridas com a justificativa da falta de recurso.

Da mesma forma, as mesmas profissionais percebem os avanços que têm ocorrido em

relação às possibilidades de atuação profissional, o que é enfatizado nas falas abaixo:

[...] o que tem acontecido são avanços. Avanços no sentido de a gente estar podendo participar mais, decidir mais as coisas, de ser consultado mais. [...] mas eu acho que tem muito ainda para avançar, para contribuir. Mas eu acho que neste governo um pouco das políticas públicas melhorou em função dessa integração que eles estão tentando fazer [...] (8).

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[...] eu acho que não muito, faltam muitas políticas públicas, tem até algumas coisas que melhoraram, com certeza; as pessoas tiveram mais acesso às políticas públicas [...] acho que teve até um avanço, realmente reavaliando, observando o que nós tínhamos, e o que está, realmente; melhoramos (10).

Esta integração refere-se ao projeto de Intersetorialidade, discussão que vem tomando

corpo no bojo das políticas sociais públicas da Prefeitura Municipal de Blumenau e vem se

desenvolvendo no atual governo, com grande contribuição do Serviço Social.

As entrevistadas observam, no entanto, um avanço em relação às políticas públicas na

valorização profissional, na abertura de poder planejar para pensar o acesso da população. Há

uma intencionalidade não desvelada: aparentemente preocupam-se em manter as políticas

públicas como responsabilidade do Estado, mas o que observamos é a precarização,

principalmente na questão do recurso, o qual também deve ser proveniente do repasse de

verbas do governo Federal e Estadual. Observamos o não-comprometimento das demais

esferas de governo no que tange ao repasse de recursos para as políticas sociais.

Descentralizaram-se a responsabilidade e a execução das políticas sociais, mas os recursos

permanecem centralizados.

Para enfrentar estes desafios e possibilidades, temos um Código de Ética Profissional,

o qual nos acompanha independente do local onde desenvolvemos nossas ações. O Código de

Ética não é apenas um código normativo, como muitas vezes nos é repassado, pois não se

limita à possibilidade de julgar quando as normas são infringidas. Ao contrário, é mais um

instrumento que possibilita nortear nossas ações, vislumbrar objetivos e possibilidades para

enfrentarmos novos desafios.

O maior de todos os desafios é o cumprimento deste Código de Ética. É colocar em

prática o projeto ético-político que ele nos aponta. Ao vislumbrar o cumprimento de seus

princípios fundamentais, damos um novo olhar à profissão, marcada por sua história de luta.

Nesta história, um dos grandes avanços foi o próprio Código de Ética que, construído de

forma hegemônica, é resultado das discussões do Serviço Social.

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2 SERVIÇO SOCIAL E O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO

2.1 História do Serviço Social e a construção do Projeto Ético-Político:

O surgimento do Serviço Social, no Brasil, na década de 1930, está ligado ao amplo

movimento da Igreja Católica desenvolvendo suas ações em obras assistenciais

implementadas por segmentos, em geral femininos da burguesia, com o objetivo de atender

aos setores operários, prestar auxílios à população mais carente e buscar a “recristianização”

da sociedade. Em suma, a “questão social” era enfocada pela Igreja como sendo “questão

moral” .

A criação de grandes Instituições (LBA, SENAI, SESC), na década de 1940, como

estratégia do Estado e da classe dominante para canalizar o potencial de mobilização dos

trabalhadores urbanos e manter os salários rebaixados faz ampliar o mercado de trabalho para

o Serviço Social, tornando-o uma atividade institucionalizada e legitimada pelo Estado e pelo

conjunto das classes dominantes.

A profissão de Serviço Social passa a ser uma das engrenagens de execução das

Políticas Sociais do Estado e setores empresariais:

[...] se institucionaliza e legitima como profissão, extrapolando suas marcas de origem no interior da Igreja, quando o Estado centraliza a política assistencial, efetivada através da prestação de serviços sociais implementados pelas grandes instituições; com isso, as fontes de legitimação do fazer profissional passam a emanar do próprio Estado e do conjunto dominante (IAMAMOTO, 1992, p.95).

A autora coloca, ainda, que o pano de fundo do processo de institucionalização do

Serviço Social como profissão é a “questão social” . Assim, o processo de formação e de

desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no cenário político vem exigindo, por meio

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das lutas, seu reconhecimento como classe por parte do Estado e do empresariado. Iamamoto

(1992) enfoca que a expansão dos serviços sociais na sociedade moderna está ligada

estreitamente com a noção de cidadania. Porém, ao mesmo tempo em que os direitos sociais

têm por justificativa a cidadania e o discurso da igualdade, fundamentam-se por intermédio

das desigualdades entre classes.

O Estado passa a transformar os direitos em benefícios por ele concedidos, ou seja, as

instituições assistenciais apropriam-se das reivindicações dos trabalhadores na luta por

melhores condições de vida (salários, educação, saúde...) dando-lhes caráter de benefícios que

são repassados de forma burocrática e controlados pelo Estado. Assim, as ações de caridade

prestadas pela Igreja antes de forma assistencialista, agora passam de “ajuda” para

“ investimento” do capital com o objetivo de garantir a produtividade do trabalho.

A profissão de Serviço Social, embora tenha sido constituída para servir aos interesses

do capital, participa, também, de respostas às necessidades legítimas para a sobrevivência da

classe trabalhadora, seja coletivamente por meio dos movimentos sociais ou individualmente

por meio das políticas sociais, ou seja,

responde tanto a demandas do capital como do trabalho, e só pode fortalecer um ou outro pólo pela mediação de seu oposto. Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo tempo e pela mesma atividade, da resposta às necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo desses interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o motor básico da história.(IAMAMOTO, 1992, p.99)

Apreender o movimento contraditório da prática profissional como atividade

socialmente determinada pelas condições histórico-conjunturais, segundo a autora, é condição

básica para apreender o perfil e as possibilidades do Serviço Social e as novas perspectivas do

espaço profissional.

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Num contexto de conflitos institucionais pela ampliação do Estado, o qual retira a

exclusividade das lutas de classes da órbita econômica e da sociedade civil, levando-as à

esfera política e estatal, surgem as políticas sociais como instrumento de legitimação e

consolidação econômica que, contraditoriamente, são permeadas por conquistas das classes

trabalhadoras. As políticas sociais se constituem em instrumentos privilegiados de redução de

conflitos, sendo que essas conquistas são vistas como concessão do Estado, como afirma

Montaño (1997, p.105):

Aparece, assim, a função social ou assistencial das políticas sociais: a prestação de serviços sociais e assistenciais - educação e saúde públicas, complementos salariais, serviços comunitários etc.- e sua decorrente função política: a legitimação do Estado, a diminuição e institucionalização das manifestações dos conflitos sociais.

Em resumo, o Serviço Social surge como profissão, cuja função social remete à

execução terminal das políticas sociais segmentadas, como um ator subalterno e uma prática

basicamente instrumental no campo privilegiado de trabalho que é o Estado. O Assistente

Social é

[...] um profissional que surge dentro de um projeto político, no marco das lutas de classes desenvolvidas no contexto do capitalismo monopolista clássico, cujo meio fundamental de emprego se encontra na órbita do Estado, este último contratando-o para desempenhar a função de participar na fase final de operacionalização das políticas sociais. Ali radica sua funcionalidade e, portanto, sua legitimidade (Ibdt, p.106).

Sua legitimidade se dá a partir de seu projeto ético-político, o qual não é apreendido

por todos os profissionais em seu processo de trabalho, tampouco em sua compreensão.

Segundo Sant’Anna (2000), os avanços do Serviço Social no âmbito da produção de

conhecimentos, das pesquisas e da organização, não foram suficientes para superar a distância

entre os objetivos dos profissionais, sua visão de mundo e sua inserção no processo histórico,

o que resultou em distanciamento entre o compromisso ético-político profissional definido no

Código de Ética de 1993 e a prática cotidiana de muitos profissionais. “A adesão aos

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princípios éticos instituídos pelo Código pressupõe um compromisso político com seu projeto

transformador, o que nem sempre acontece de fato nos diversos cotidianos de atuação

profissional” (SANT’ANNA, 2000, p.82).

Qual é este projeto transformador que o código pressupõe? Perguntamos para as

entrevistadas como definem o projeto ético-político profissional ao qual o Código de Ética se

refere e se conheciam este projeto:

[...] eu acho que o norte na defesa da cidadania, da qualidade de vida, diminuição das desigualdades, sem dominação, com democracia, sem exploração, diminuindo a diferença de classes [...] (1). Ele visa os princípios que estão bem claros para a gente. A emancipação da pessoa, o fortalecimento da democracia, da cidadania, de uma sociedade mais justa, e como eu o defino [...] eu penso que ele bate com os meus princípios, também com os nossos princípios pessoais [...] (2).

As respostas transcritas nos trazem alguns dos princípios fundamentais constantes no

Código de Ética e se referem ao projeto ético-político como sendo o cumprimento destes

princípios e, também, de seus princípios de vida.

Outras respostas dadas foram: [...] Eu conheço o projeto, mas não vou saber definir ele

[...] (3); [...] Mas eu não lembro, só se eu pegar agora o livrinho,[...] eu não lembro qual é o

oitavo princípio (9).

Uma das entrevistadas referiu-se ao oitavo princípio porque estava acompanhando o

questionário por escrito e observou a anotação ao lado da pergunta, a qual se referia a este

princípio. Neste sentido, reelaboramos a questão perguntando novamente: Independente de

estar escrito que se refere ao oitavo princípio, o que seria para você este projeto ético-político

profissional?

[...] este compromisso político com uma sociedade mais justa, onde as pessoas tenham acesso a seus direitos, onde elas ampliem, acho que a gente não tem que se conformar com o que está aí colocado, [...] tem que ampliar os nossos direitos de cidadania [...] (9).

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O fato de não se lembrarem ou de necessitarem ter o código em mãos para lembrar do

projeto ético-político nos faz entender que o mesmo não está presente em seu cotidiano

profissional como algo a ser alcançado, como objetivo no resultado de seus processos de

trabalho. Algumas outras respostas apontam para esse não-conhecimento: “Se eu falar do

projeto ético- político profissional eu vou estar inventando, porque eu nem nunca ouvi falar

[...] (4); [...] não conheço (5); não conheço, sou alienada [...] (6); Não conheço (7); Não (8);

Não conheço (10)” .

São seis respostas negativas a essa questão - não conhecem o projeto ético-político.

Diríamos que, apesar de não conhecê-lo a ponto de identificá-lo, não quer dizer que não o

coloquem em prática. Ressaltamos a questão de não terem claro, desde sua formação

profissional, a que esse projeto ético se refere. Uma outra questão é que o projeto ético-

político profissional fica explícito no Código de Ética de 1993, pois, apesar do código de 1986

apontar algumas questões, este não é claro, vista a conjuntura política e histórica vivenciada

na época pelo país e pelo próprio Serviço Social.

O Código de Ética explicita, em seu oitavo princípio, a “[...] opção por um projeto

profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem

dominação, exploração de classe, etnia e gênero” (CFESS, 1993).

Conforme Neto (1999, p.93), o projeto ético-político no Serviço Social tem uma

história que se inicia na passagem da década de 1970 à de 1980, período em que,

historicamente, o Serviço Social traz a recusa e a crítica ao conservadorismo no âmbito da

profissão. O que representa este projeto profissional? Conforme Neto, é a “auto-imagem de

uma profissão, delimitando e priorizando seus objetivos e funções.” Os projetos profissionais,

segundo o autor, têm uma dimensão política, nem sempre explicitada.

Construído por um sujeito coletivo, o projeto ético-político profissional do Serviço

Social traz à tona o caráter plural deste sujeito que o construiu, sendo que projetos individuais

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e de sociedade diversos estão presentes: “[...] os elementos éticos de um projeto profissional

não se limitam a normatizações morais e/ou prescrição de direitos e deveres, mas envolvem

ainda as escolhas teóricas, ideológicas e políticas das categorias e dos profissionais [...]”

(NETO, 1999, p.98).

O atual Código de Ética reúne o acúmulo teórico do Serviço Social desde a década de

1970. Em seu projeto ético-político, o reconhecimento da liberdade como valor central, a

autonomia, a democracia, a emancipação, a cidadania, a plena expansão dos indivíduos

sociais.

Sua dimensão política é enunciada claramente, segundo Neto (1996), quando se

posiciona em favor da equidade e da justiça social, tendo em vista o acesso a bens e serviços

enquanto direitos universais garantidos com vistas à democratização por meio da socialização,

da participação política e da riqueza que é produzida socialmente.

Conforme o autor acima, a elaboração do Código de Ética, de 1993, envolveu dois

Seminários Nacionais de Ética, além de discussões em todo o país. Contou com a articulação

CFAS/CRAS (hoje CFESS/CRESS), contribuições da ABESS, ANAS (Associação Brasileira

de Assistentes Sociais, hoje desativada) e da SESSUNE, expressando, segundo o CFAS, as

aspirações coletivas dos profissionais brasileiros12.

Paiva e Sales (1996) nos lembram que o Código de 1986 representou um marco da

ruptura ética e ídeo-política do Serviço Social com as perspectivas de influência do

neotomismo e funcionalismo presentes na época. O código de 1986 foi inovador em aspectos

que se referem, por exemplo, à denúncia de falhas institucionais, ética como dever do

Assistente Social, deveres de democratizar as informações e tentar alterar as correlações de

forças no âmbito institucional.

12 A primeira formulação do Código de Ética dos assistentes sociais foi em 1947; reelaborado em 1965 e 1975, somente foi reformulado em 1986; o atual Código de Ética é de 1993.

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Mas o código de 1986 mostrou outras fragilidades no que tange à operacionalização

do cotidiano profissional: apresentava insuficiência teórica e filosófica, não considerava a

singularidade da intervenção profissional, perdendo em eficácia; “[...] este não pode gozar só

de legitimidade. Era preciso ter eficácia e também legalidade para respaldar a conduta

profissional que ele mesmo estava suscitando” (PAIVA e SALES,1996, p.4)

Sendo assim, segundo as autoras, o Código de Ética de 1993 adiciona os ganhos do

código anterior com a compreensão de que o mesmo será um instrumento utilizado como

mecanismo de defesa da qualidade dos serviços prestados à população e como forma de

legitimidade da categoria profissional.

Esse código é instado, pois, a operacionalizar uma mediação entre a dimensão do privado e a dimensão do público, no plano da profissão, considerando que ambas são essenciais.[...] equivaleu a prever direitos e deveres que circunscrevessem o amplo leque de necessidades e exigências individuais frente às demandas coletivas. (Ibdt, p. 5)

A partir desta citação, podemos compreender a importância de conhecer o Código de

Ética profissional, o projeto ético-político o qual é explicitado naquele e a organização da

categoria profissional em prol de um mesmo objetivo. Então, quando temos, aqui, uma grande

maioria de entrevistadas que diz não conhecer o projeto ético-político profissional, arriscamo-

nos a dizer que não é o fato de não conhecê-lo, mas o de não tê-lo esclarecido enquanto tal.

Pois suas falas, quando perguntadas sobre alguns princípios éticos, sem serem assim

mencionados, suas respostas apresentam-se de maneira que implicitamente colocam presente

o projeto ético-político, mesmo que supostamente só no discurso.

Por que supomos que algumas entrevistadas apenas não têm claro esse projeto ético-

político? Uma das questões colocadas às entrevistadas diz respeito ao que compreendem por

uma nova ordem societária, o que integra ainda o oitavo princípio ético. Nas respostas,

observamos que há um entendimento e um desejo de realização e, até mesmo, há uma

frustração por não ser algo tão fácil para se alcançar, tendo em vista que supõe luta contra

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uma ordem já estabelecida. A partir deste entendimento, não podemos dizer que não haja,

implicitamente, o conhecimento do projeto ético-político profissional.

[...] no tempo que eu era estudante a gente já sonhava com isso. [...] é um pouco utópico isso tem que trabalhar, tem que lutar, tem que sonhar, mas a gente não vai ver o resultado disso (3). [...] é uma utopia ainda para a nossa classe, temos que avançar muito até que a gente consiga isso. Seria principalmente na questão da desigualdade, o acesso para todos, todo mundo teria acesso, não teria discriminação, [...]e que fosse respeitado realmente e, principalmente, a Constituição (10).

Por mais que observemos que entendem o que é essa nova ordem societária, a dúvida

da grande maioria é colocar a “teoria” na “prática” , no processo de trabalho profissional. Mas,

observamos algumas contradições nestas falas, comparadas com as que seguem, nas quais é

colocado como irreal, utópico, mas também como nosso trabalho, compromisso com o que

acreditamos:

[...] penso que o primeiro passo é quando com o nosso trabalho buscamos o resgate da cidadania, que todos estes segmentos saibam que eles têm direitos, que podem se articular. E quando todo mundo tiver essa consciência e estarem discutindo de igual para igual a gente consegue formar uma sociedade igual para todo mundo (6). [...] se comprometer no teu dia-a-dia, na tua prática profissional buscar essa nova sociedade, com todos os conflito, com todos enfrentamentos ou, mesmo, os momentos que você tem que recuar. [...] é uma coisa que tu acredita, a gente incorpora e já nem pensa mais nisso que eu estou fazendo, praticando o oitavo princípio do código [...] Você acredita numa sociedade mais justa, mais igualitária, com acesso às políticas, com uma divisão mais justa da riqueza [...] (9).

Podemos observar que, apesar de algumas profissionais declararem não saber o que

vem a ser o projeto ético-político ao qual o Código de Ética se refere, as mesmas têm claro o

que vem a ser uma nova ordem societária, mesmo que esta pareça ser utópica, distante de ser

alcançada. O Código de Ética Profissional deveria ser o norteador das ações profissionais

neste contexto contraditório onde se desenvolve a ação profissional, bem como deveria

possibilitar que o fazer do Serviço Social nas e com as mediações não se torne, também,

contraditório.

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Segundo Barroco (2001), o Código de Ética de 1993 sinaliza uma hegemonia

vinculada a sua capacidade teórico-prática de responder positivamente aos desafios colocados

para a profissão; com isso, a ética como um dos componentes básicos de um projeto

profissional contribuirá para concretizar a superação do histórico conservadorismo do Serviço

Social.

Acreditamos que estas contradições se devam basicamente a alguns fatores: a

diferença da formação dos profissionais, não só acadêmica, mas cultural e de ideais pessoais

traçados para a sua profissão, a maneira como se inserem na realidade social, a sua vivência

de mundo e de experiências, no que diz respeito à luta em favor dos direitos sociais, de

cidadania, de liberdade e de democracia.

2.2 Os pilares do Projeto Ético-Político Profissional dos Assistentes Sociais: Cidadania,

L iberdade e Democracia:

O nosso Código de Ética aponta um projeto ético-político que tem como pilares as

categorias: cidadania, liberdade e democracia. O alcance e a efetividade destas categorias por

parte dos indivíduos sociais, sujeitos detentores de direitos em pleno exercício da cidadania,

possibilitam o alcance da justiça social, de uma sociedade mais justa e igualitária. A liberdade

é o valor ético central, mas não liberdade relacionada ao termo liberalismo e sim, liberdade na

sua plena essência, no seu pleno desenvolvimento; liberdade que nos remete à autonomia e à

emancipação dos indivíduos na vivência de sua cidadania e na construção de uma sociedade

realmente democrática.

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Dos onze princípios fundamentais constantes no Código de Ética, quatro nos remetem

diretamente às categorias mencionadas:

[...] - Reconhecimento da Liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; - Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; - Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras; - Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida [...] (CFESS,1993)

A partir destes princípios vamos iniciar a discussão sobre cidadania, liberdade e

democracia, buscando compreender como elas são trabalhadas e, principalmente, assimiladas

pelas Assistentes Sociais e o que estas profissionais entendem por cidadania e qual a relação

desta com o Código de Ética dos Assistentes Sociais.

[...] ser de direitos, a pessoa que tem direitos, [...] um dos princípios do nosso código fala que a gente tem que primar, trabalhar pela cidadania das pessoas, pela própria cidadania. (3) [...] é a inclusão nas coisas básicas, é ter direito, [...] é o nosso dia-a-dia, seria o direito que a gente tem e que o Estado deveria estar provendo. Na verdade, tudo o que o Estado é provedor não é porque ele é bonzinho, porque na verdade é com o nosso dinheiro estas política, porque eu pago imposto, você paga [...] (4). [...] é uma coisa muito interessante de se falar, na verdade a cidadania é muito limitada. [...] mas, muitas vezes, a própria sociedade impõe alguns limites e o ser humano acaba não exercendo a sua cidadania, inclusive eu enquanto pessoa, e também enquanto profissional (5).

“[...] Ter direitos, [...] cidadania é limitada” são falas que deixam claro, aqui, que o

entendimento de cidadania está relacionado a ter direitos e que quanto a isso há uma

limitação. Concluímos então, que se há uma limitação quanto ao “ter direitos” , não há uma

cidadania plena. Há que se desenvolver um trabalho para a conquista da cidadania, visto que

esta não nos é cedida e que, portanto, não temos que resgatá-la, mesmo porque resgate supõe

busca de algo que já se possuía e foi perdido. No processo de conquista, almejamos algo que

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não possuímos, no caso, os direitos, sejam sociais, civis, políticos e outros, muitos deles já

conquistados nos aportes legais, mas não na sua efetivação. E em que o Código de Ética dos

Assistentes Sociais se relaciona à cidadania?

[...] o código de ética propõe a construção da cidadania através da nossa prática cotidiana, respeitando os princípios básicos desse código. [...] Eu acho que é esse código, são esses princípios que ajudam a gente a fazer uma sociedade mais democrática, que ajudam a gente colocar em prática essa cidadania que a gente fala tanto, que, às vezes, a gente não sabe muito os seus significados (2). [...] se de repente eu estiver acompanhando uma situação e eu fechar os olhos para esta situação eu estou pecando contra o Código de Ética. Também tem que estar denunciando [...] (6). [...] é ter possibilidade de exercer plenamente os direitos, com relação a trabalho, habitação, dignidade, respeito, todos os direitos [...], eu acho que buscar a cidadania é a finalidade do Serviço Social, que deve estar presente em todos os princípios do código de ética, imagino (8).

Apesar de, em outras falas, as profissionais informarem não conhecer os princípios

éticos contidos no Código de Ética dos Assistentes Sociais nem saberem citar algum deles, na

resposta a esta questão, quando relacionamos cidadania ao Código de Ética, mais

precisamente à prática profissional, notamos a referência aos princípios éticos já

mencionados, tais como democracia, exercício de direitos e respeito.

O que vem a ser essa cidadania que almejamos para todos os cidadãos e para nós

mesmos? Vamos abrir espaço aqui para uma breve contextualização teórica sobre o tema.

Segundo Andrade (1998), o conceito liberal de cidadania se institucionalizou no

Estado de direitos capitalista e encontra seu marco mais simbólico na Declaração Francesa

dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Em primeira instância, a cidadania é entendida como sendo direito à representação

política, e o indivíduo é concebido como cidadão quando passa a ter direito a voto e a exercer

cargos públicos, vinculando-se a um modelo específico de democracia, a democracia

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representativa ou indireta. A cidadania, nesse modelo de democracia, se vincula à própria

democracia e inexiste fora dela.

Andrade (1998) coloca, ainda, que a cidadania foi inicialmente definida pela

modernidade como a igualdade perante a lei e, paulatinamente, vai incorporando direitos

civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, difusos, coletivos, entre outros. Traz consigo a

possibilidade permanente de sua reinvenção; afirma, ainda, que a cidadania moderna é uma

dimensão política ambígua, que pode apresentar potenciais conservadores ou políticos

transformadores, dependendo do uso que o Estado, ou sujeitos sociais, fizerem dela em dado

momento histórico.

O autor Marshall, em 1950, foi o que melhor caracterizou este processo de passagem

de cidadania cívica e política para o que foi designada “cidadania social” . Segundo ele, na

linha da tradição liberal, a cidadania é “[...] o conteúdo de pertença igualitária a uma dada

comunidade política e afere-se pelos direitos e deveres que o constituem e pelas instituições a

que dá azo para ser social e politicamente eficaz” (SANTOS, 1997,p.244).

Ainda segundo o autor, a cidadania é constituída por diferentes tipos de direitos e

instituições. O primeiro momento de desenvolvimento da cidadania se constitui pelos direitos

cívicos, os direitos políticos são os mais tardios e de universalização mais difícil, e os direitos

sociais só vieram a se desenvolver após a Segunda Guerra Mundial, sendo que estes têm como

referência as classes trabalhadoras, são aplicados através de múltiplas instituições e constituem

o Estado-Providência.

Martinelli (2001) nos diz que cidadania não pode ser compreendida sem seu correlato,

a democracia. Explica que a existência da cidadania está relacionada a outras entidades sociais,

tais como o Estado, o processo de desenvolvimento econômico, político, social e cultural de

cada país; deste modo, as transformações do conceito de cidadania irão depender dos objetivos

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que o Estado vem a estabelecer em cada momento dos processos de modernização que

transformam a sociedade.

A autora, em seu artigo13, recupera as pluralidades dos conceitos de cidadania e

democracia que estiveram e estão presentes na história brasileira. Apresentamos brevemente

alguns pontos que nos interessam sobre cidadania.

A Constituição de 1824 incluía a distinção entre cidadãos ativos e inativos: os ativos

possuíam direitos civis e direitos políticos, e cidadãos inativos ou simples possuíam os direitos

civis de cidadania. Os direitos políticos eram concedidos pela sociedade àqueles que achasse

merecedores; então, apenas os cidadãos ativos, a quem a sociedade havia concedido os direitos

políticos, eram os cidadãos plenos. Ficavam fora dessa concepção os pobres, as mulheres, as

crianças, os mendigos, isto é, a grande maioria da população.

Martinelli (2001) cita Fleury e a concepção de cidadania invertida, onde o indivíduo

passava a ser beneficiário do sistema por aceitar, reconhecer sua incapacidade de exercer

plenamente sua condição de cidadão (primeiras décadas do século XX).

De 1930 a 1945, a autora cita a cidadania regulada, onde “[...] cidadãos eram todos os

membros da comunidade que se encontravam localizados em qualquer uma das ocupações

reconhecidas e definidas em lei” (MARTINELLI, 2001, p.13). No período da ditadura militar,

de 1964 a 1985, os autores utilizados para a análise colocam a cidadania em recesso. De 1985

a 1988, apontam o processo de redemocratização e a cidadania enquanto um conceito

emergente.

Em 1988, com a aprovação da Constituição, apresenta-se grande avanço em relação aos

direitos sociais, apontando para uma cidadania plena nos termos de Marshall. Na avaliação de

Martinelli (2001), a Constituição introduziu instrumentos de democracia direta como o

plebiscito, referendo e iniciativa popular, atribuiu possibilidade de criar mecanismos de

13 Para uma leitura mais aprofundada ler o artigo de MARTINELLI (2001).

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democracia participativa, como os conselhos de direitos, mas, no que se refere a aspectos de

ordem política e econômica para viabilizar, de fato, um Estado de Bem-Estar, foi

extremamente conservadora.

A partir de 1988, a autora recupera conceitos de cidadania: a cidadania atrofiada, a

cidadania mutilada, a cidadania plena, entre outros. Vamos nos ater ao conceito de cidadania

plena, o qual é muito referenciado nas bibliografias que falam sobre o tema.

A autora referenciada por Martinelli ao analisar cidadania plena é Ilse Scherer-Warren

que, diferentemente de Marshall, que fez um trabalho empírico, constrói o conceito de

cidadania plena a partir de uma concepção teórico-normativa, articula um conjunto de

princípios éticos (responsabilidade e solidariedade) associados a um conjunto de princípios de

ordem política incorporados nas práticas associativistas.

Scherer-Warren considera que está em processo de construção esta cidadania e que ‘os princípios de responsabilidade e solidariedade se associam com os princípios de inclusão e interação social aberta a todos os tipos de minorias, de reconhecimento público das diversidades culturais e de legítima e igualitária possibilidade de participação de todos nas esferas públicas referentes que lhes dizem respeito’ (MARTINELLI, 2001, p.16).

É importante ressaltar aqui a compreensão que a autora traz do conceito de cidadania,

cuja força motivadora é a luta por direitos. Segundo a autora, a luta por direitos é

primariamente desencadeada por grupos associativos que, no exercício de direitos políticos de

associação, encontram o instrumento mais eficaz na extensão ou criação de novos direitos; a

educação é o pré-requisito da participação, a cidadania apresenta a negação da desigualdade

enquanto componente dialético. “[...] Ela representa o pólo positivo da antinomia

opressão/libertação” (ibdt pg. 16), não existe cidadão sem cidadania (um gera o outro);

exercer cidadania implica observar os deveres do cidadão “[...] que se expressam nas

polaridades cidadãos versus Estado e cidadão versus cidadão” (HAGUETTE, apud

MARTINELLI, 2001, p.16). E ainda

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A virtude por excelência que exala da prática da cidadania é a igualdade, objeto primeiro dos direitos civis e sociais. Já a liberdade é própria dos direitos políticos. No interior mesmo da cidadania existem tensões entre as forças igualitárias e as forças libertárias que, em algum momento, tornam-se incompatíveis (MARTINELLI, 2001, p.16).

Para conquista da cidadania é necessária a participação na busca por acesso a direitos.

A participação volta à cena novamente em nossa análise, e ressaltamos a importância desta;

não apenas a nossa participação, mas a participação dos usuários das políticas sociais, sujeitos

aos quais voltamos os objetivos de nosso trabalho. Lembramos o caráter educativo e

organizativo da prática profissional como instrumento para alcance desta participação, bem

como os limites e obstáculos que temos que vencer em nosso cotidiano profissional para

buscar esta cidadania.

Novamente nos remetemos à questão da atual conjuntura política, econômica e social

em que nos encontramos. Essas profissionais entrevistadas trabalham no âmbito das políticas

sociais públicas e, apesar de hoje o contexto político de Blumenau ter à frente um “governo

democrático popular” (administração petista desde 1997), neste as conseqüências das políticas

neoliberais não são diferentes das que regem o país. Falamos, especificamente, da

desresponsabilização do Estado para com as políticas públicas, causando o seu sucateamento.

Dentro deste contexto do sistema capitalista, da transformação do mundo do trabalho,

acentuam-se as desigualdades entre as classes, cada vez mais aumentam os contingentes

populacionais que necessitam das políticas públicas para acessar ao direito à Saúde, à

Previdência, à Assistência Social, à Habitação, entre outros. Diante deste quadro, como no

cotidiano profissional, as assistentes sociais trabalham para efetivar a consolidação da

cidadania, considerando as desigualdades sociais? Entre as respostas recebidas, destacamos:

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[...] para consolidar a cidadania, só se tiver um monte de recurso. No meu cotidiano, eu trabalho este aspecto no atendimento individual, no atendimento grupal, numa abordagem educativa, é isso que eu posso dar de mim enquanto profissional. Porque para estar direto ligado na questão de cidadania precisaria ter um pouco mais de recurso [...] (4). [...] tudo que nós trabalhamos é para isso, diz respeito a isso, esse é o nosso dia-a-dia, essa é a nossa luta cotidiana, [...] mas em face da demanda da população, ao empobrecimento que nós estamos vivendo, essa fase difícil [...] cada vez mais as pessoas nos procuram, as pessoas que antes procuravam os serviços privados hoje estão procurando os serviços oferecidos pelas políticas públicas, e a gente luta muito para dar o acesso de qualidade [...] (9).

Vamos refletir sobre o fato de, muitas vezes, nós relacionarmos a cidadania a recursos;

podemos até dizer que o repasse de recursos pode diminuir a problemática da necessidade

imediata da pessoa/família, mas não remete necessariamente à conquista da cidadania. Se

assim fosse, bastaria ter acesso a recursos para ser um cidadão; e, muitas vezes a pessoa

necessita comprovar ter a necessidade para acessar ao recurso público (o que antes foi

colocado na definição de cidadania invertida).

Por outro lado, o depoimento a seguir traz uma compreensão da consolidação da

cidadania não relacionada somente aos recursos:

[...] É complicado [...] a minha forma de trabalhar é através do acolhimento, porque como nós não temos tanta autonomia, como nós falamos antes que os programas vêm praticamente prontos, então eu faço através do acolhimento, informando as pessoas a respeito dos direitos deles, passando informações, o que estiver ao meu alcance para realmente essas pessoas conseguirem exercer a sua cidadania (10).

Não somos apenas repassadores de recursos; a dimensão educativa da nossa profissão

e a postura de acolhimento, muitas vezes, são negligenciadas em nossos processos de

trabalho. Quando colocamos que trabalhamos com a conquista da cidadania, está presente não

só o direito a recursos; vai além: perpassa pela participação, informação e organização da

população usuária para que ocupe seu espaço no cenário das políticas públicas no processo de

luta para a conquista da cidadania.

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Percebemos que as profissionais têm a compreensão do aumento do público atendido

pelas políticas públicas dentro do atual contexto nacional e da característica da profissão

trabalhar com esta população, em relação não apenas ao acesso desta ao serviço, mas a um

serviço de qualidade. Retornando à questão do “recurso para repasse da cidadania” , podemos

enfocar as condições de trabalho que são disponibilizadas (ou não) para a execução das ações

do Serviço Social, sendo que estas condições, no âmbito das políticas públicas, nem sempre

serão totalmente favoráveis a oferecer qualidade de atendimento, esta entendida como ter

recursos, possibilitar condições físicas, humanas de atendimento, efetivar o direito ao acesso e

não reiterar a lógica do favor e da miséria para quem nada tem. Aqui nos remetemos à

necessidade de conhecer e colocar em prática com prioridade os seguintes princípios éticos:

[...]- Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; - Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero; - Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional [...] (CFESS, 1993)

Outra questão que é apontada como dificuldade para trabalhar com a questão de

cidadania é a falta de autonomia profissional, como ressalta uma das entrevistadas ao dizer

que os projetos de atuação já vêm prontos para executar. Retomando aqui as dimensões

educativa e informativa da profissão, entendemos que estas são algumas das estratégias que se

fazem necessárias para ultrapassar a falta de autonomia em seu trabalho. Sobre a autonomia,

um dos princípios do Código de Ética dos Assistentes Sociais coloca o “[...] reconhecimento

da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia,

emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais” (CFESS,1993).

Quando falamos da liberdade como um princípio ético, referimo-nos à liberdade

relacionada à autonomia com vistas à emancipação dos sujeitos enquanto cidadãos. Interessa-

nos saber qual o entendimento que as entrevistadas têm sobre autonomia e emancipação. Das

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entrevistadas, três não conseguiram definir o entendimento que possuem sobre as categorias

mencionadas; sendo assim, podemos dizer que são categorias utilizadas no discurso

profissional, mas que, muitas vezes, não refletimos sobre nosso próprio entendimento sobre o

tema. Isto é um fato que pode ser comum, considerando a dificuldade da própria categoria em

discutir sobre a profissão, alcançar capacitação profissional contínua enquanto princípio e

compromisso ético.

As respostas abaixo reforçam esta nossa análise:

[...] autonomia está muito ligada com liberdade, liberdade de expressão;você poder decidir sobre alguma coisa, não depender de uma outra pessoa. E emancipação [...] é a mesma coisa, se emancipar, ser independentemente, quer dizer andar com as próprias pernas, poder suprir suas próprias necessidades, [...] ir atrás do que você deseja (1). [...] autonomia é você poder devolver para a pessoa certas responsabilidades, essa pessoa vai ter que dar conta de coisas que são inerentes a ela. E essa emancipação seria a possibilidade de ela estar reavaliando as suas coisas, estar chegando a uma conclusão, estar procurando o que melhor é adequado para ela. [...] essa autonomia é ela poder fazer, ela poder chegar lá, com essa autonomia que a gente dá para ela [...] (2). [...] A autonomia é poder fazer escolhas, decidir o que se quer para a vida e emancipação [...] tem a ver com autonomia, mas emancipar é conseguir chegar num estágio para conseguir ser autônomo. Se emancipar é conseguir chegar lá, [...] ter a oportunidade, a possibilidade de fazer as suas escolhas (8).

Estas falas colocam as categorias autonomia e emancipação relacionadas à liberdade,

responsabilidades, decisão e independência; também não se referem a um sujeito específico e

mencionam a autonomia e a emancipação de um modo geral. Por sua vez, os depoimentos

abaixo relacionam a autonomia e a emancipação tanto do profissional como deste na

instituição onde atua:

[...] autonomia [...] o serviço social tendo o direito de escolher seus projetos, estar direcionando o público-alvo, estar lançando propostas, sem ter que estar consultando principalmente partidos políticos, [...] autonomia é eu ter o direito de estar sondando, vendo e tirando dos atendimentos aspectos que para o usuário são importantes e daí estar criando os projetos, coisas que venham da base mesmo e não coisas colocadas de cima para baixo.[...] Emancipação associo na questão de estar realmente avançando, no Serviço Social (4).

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[...] a instituição ela não te dá autonomia; muitas vezes ela coloca para você que você tem que ter autonomia. [...] para você trabalhar numa instituição as regras já vêm mais definidas. Emancipação é diferente; eu acho que você emancipa, você tem condições de estar criando [...] emancipação é uma coisa individual, e autonomia no sentido institucional; no meu caso já é diferente, eu tenho autonomia, mas eu tenho que responder por algo, é eu estar atrelado a algo; na verdade, você não tem autonomia (5).

Aqui, podemos observar a relação das categorias autonomia e emancipação com o

Serviço Social, com a profissão e com a instituição à qual está vinculado. Seria autonomia de

desenvolver seu próprio trabalho desvinculado das decisões político-partidárias, voltado ao

público usuário dos serviços, as suas demandas, de procurar avançar enquanto identidade

profissional. O depoimento a seguir enfatiza as categorias autonomia e emancipação em

relação ao sujeito, seja ele Assistente Social ou usuário, isto é, ao cidadão:

Autonomia: tem que ter acesso também à informação, ao conhecimento, [...] você tem que saber o que está acontecendo, você tem que ter possibilidade de participar, na tua vida, na vida do teu bairro, nas políticas públicas, na discussão das políticas públicas, para você ter direito de decidir o que é melhor ou não para você enquanto cidadão e para a população em geral. Acho que você tem que ter acesso e poder dizer sim ou não, poder dizer o que você quer, poder fiscalizar, ter acesso para gerir essas políticas. [...] O quanto mais você puder participar das decisões da tua sociedade, participar com decisão, fazer da decisão e não um mero espectador, mais você vai ter autonomia [...] autonomia para emancipação é por ai, só se emancipa quando você toma a rédea da tua história, você é sujeito dessa história, é você ter participação política, é você saber o que está acontecendo, decide sobre a vida da sociedade da qual você participa, enfim é isso (9).

Esta resposta se relaciona às políticas públicas e à necessidade de participar para poder

decidir sobre a própria vida, o curso da própria história. Relaciona a autonomia e a

emancipação à questão da informação, conhecimento, decisão, direitos, escolha, fiscalização e

participação política e na sociedade. Podemos, ainda, concluir que a autonomia e a

emancipação que pretendemos definir enquanto conceito e princípio ético para o Serviço

Social tem a ver não só com a participação dos usuários, mas com a nossa enquanto sujeitos

na busca pela conquista da cidadania e da democracia.

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O Serviço Social enquanto profissão inscrita na divisão socio-técnica do trabalho e as

suas ações entendidas como processos de trabalho têm uma lei que define a profissão e um

Código de Ética que a norteia; é uma profissão liberal, com autonomia sobre seu modo de

atuar. Neste sentido, é pertinente saber se as profissionais aqui entrevistadas têm esta

autonomia/liberdade de atuação, no sentido de poder planejar, executar e avaliar sua ação.

Em resposta a esta questão, todas as profissionais responderam não ter total

autonomia, ter a liberdade cerceada em certos momentos por motivos diversos, ter

interferência no momento da execução da ação planejada, modificando este planejamento.

Observamos, em algumas falas, que as decisões acabam por ser daqueles que estão

hierarquicamente acima, os que detêm o poder; são decisões voltadas mais ao político

(partidário) e não, técnico-políticas sobre as demandas do Serviço Social.

[...] eu acho que a liberdade, não por cerceamento de outros, por motivos diversos, [...] É, eu acho que a gente não tem liberdade porque não tem gerência sobre algumas coisas, sobre questões financeiras, sobre questões políticas, sobre questões de decisão, de poder [...], a gente tem a liberdade cerceada muitas vezes, sim (1). [...] Em relação à autonomia profissional: não, [...] por mais que você planeje a execução de alguma coisa, do planejamento até a execução tem uma lacuna, que é aonde vêm as determinações, podes até planejar, mas na hora de executar você não executa como você planejou. e quando você vai avaliar isso, se tu avalia pensando tanto no planejamento como na execução, na avaliação tem que aparecer mais coisas boas, assim, que tivesse tido sucesso do que os insucessos, porque quando aparece o insucesso você é culpabilizada (3).

A fala a seguir denota que, apesar da profissional não sentir que sua liberdade de

atuação seja cerceada, também pode haver decisões que não são dos profissionais, mas, sim,

dos que estão à frente do poder, interferindo na ação do Assistente Social:

[...] eu acho que eu tenho, no trabalho que eu desenvolvo, eu tenho [...] autonomia suficiente para trabalhar, para sugerir, para planejar, eu não me sinto prejudicada não. Às vezes, há situações onde há algumas intervenções, mas nada que eu possa caracterizar como estando cerceada [...] (7).

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O que podemos refletir em relação à questão colocada de que o profissional de Serviço

Social é um profissional liberal, mas contraditoriamente atua em sua grande maioria enquanto

empregado? Como podemos analisar aqui a questão da autonomia? O relato abaixo traz a

possibilidade de refletirmos sobre o âmbito onde atuamos, no que se refere aos limites para a

nossa atuação:

[...] Tem limitações e de toda ordem trabalhando na política pública, e também, já trabalhei no setor privado e também tem limitações. Você decide até um ponto, existe uma hierarquia, a questão do recurso não está na tua alçada, você pode até brigar por ele, lutar por ele, essa é tua função, mas não é você que vai dizer se libera ou não. [...] Dentro da minha função eu acho que eu tenho uma autonomia relativa, tenho autonomia para tomar decisões, para estar discutindo as políticas da secretaria, a gente discute bastante, participa de várias decisões, não de todas. [...] a gente decide bastante, a gente influencia, também é influenciado, [...] Não acredito que autonomia a gente tenha ela como uma coisa, em qualquer profissão, ilimitada, total liberdade, porque para mim não existe isso, sem limites. Sempre vão existir limites, acho que é um limite relativo, [...] Não vejo como uma coisa também que me impeça de fazer o meu trabalho [...] (9)

Segundo Iamamoto (1998), o fato do Assistente Social ser um profissional liberal na

sua regulamentação, abre as possibilidades para o seu exercício autônomo, mas, de fato, em

sua grande maioria, é um trabalhador assalariado que vende sua força de trabalho, seja para a

esfera pública ou privada, esta última tida não apenas como as com fins lucrativos, mas

também as organizações filantrópicas ou assistenciais.

Concordamos com a autora quando coloca que o profissional tem uma “relativa

autonomia” “[...] na consecução de suas ações, na definição de prioridades e de formas de

execução de seu trabalho” (Iamamoto,1998, p.14). Quando somos empregados, uma das

características em nossa atuação é o fato de não sermos detentores dos meios, aqui entendidos

como recursos, para execução do trabalho, aqueles dos quais o empregador tem domínio.

A relativa autonomia do Serviço Social na execução de seu processo de trabalho

relaciona-se ao fato de não trabalharmos com “coisas” inertes, mas sim, “[...] interferindo na

reprodução material e social da força de trabalho via serviços sociais.” (ibdt, p.14). Nossa

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atuação neste espaço pode contribuir efetivamente para a construção da cidadania,

consolidação de direitos, socializando informações, “[...] elaborando programas e projetos que

possibilitem transformar direitos prescritos legalmente em práticas efetivas” (ibdt,

p.18).Como nos afirma Iamamoto, “o desafio é a reafirmação dos princípios ético-políticos do

assistente social, transformando-os em guias norteadores do trabalho profissional no dia-a-

dia.” (ibdt, p.18).Ou seja, é preciso saber utilizar estes princípios éticos como instrumentos

para que possamos ampliar nossa autonomia de trabalho, através da participação e

organização da população usuária, em busca da construção da cidadania e de uma sociedade

mais justa e democrática.

Democracia é aqui entendida como “[...] uma determinada forma e conteúdo de

existência social, onde liberdade, pluralidade, participação e igualdade estão presentes

simultaneamente e em todos os níveis e setores (econômico, cultural, político...) da vida

social.” (SOUZA, apud MARTINELLI, 2001, p.18). Como a própria autora coloca, esta

compreensão de democracia supera a concepção liberal, entendida enquanto método de

governar, para ser entendida “[...] enquanto forma e conteúdo de existência social.” (ibdt,

p.18).

A partir deste conceito vamos trazer para discussão o que as entrevistadas entendem

por democracia e como a relacionam a sua prática profissional.

[...] se for pegar no significado da palavra, democracia é o governo do povo. Só que eu entendo esta democracia por poder estar atuando com liberdade, com igualdade e com responsabilidade [...] Eu vejo que no dia-a-dia nós teríamos muitos avanços se todos esse direito de democracia [...] (4) [...] é o poder do povo estar ouvindo, estar participando das decisões [...] (8). [...] democracia seria uma forma de governo mais justa para um Estado, [...] não era para ser uma forma autoritária onde as pessoas não têm direito a vez e voz, [...] eu esclareço a pessoa e informo nesse sentido que tem direitos, que elas também podem ter uma participação que não pode ser uma, um mesmo [...] nós temos um governo popular, mas não pode ser uma forma autoritária, que elas também têm direitos de estar participando, em conselhos e tal, para garantir os seus direitos.(10)

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Nestas falas se reafirma o entendimento majoritário da sociedade sobre o que é a

democracia: “[...] conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está

autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos” (BOBBIO apud

MARTINELLI 2001, p.18), como forma de governo e tomada de decisões, vinculado ainda à

compreensão liberal sobre democracia, decisão da maioria. Discutir a profissão significa,

também, discutir a maneira como decifrar os próprios conceitos com os quais trabalhamos,

qual a democracia que buscamos estabelecer? Apenas uma forma de governar ? Continuamos

com os depoimentos sobre o que estas profissionais entendem ser a democracia:

[...] democracia é você participar , não é só participar política ou socialmente, você vai ter que se satisfazer em todas essas etapas. [...] nós deveríamos participar mais. [...] ela pode fazer com que nós sejamos sujeitos, que participemos politicamente. E também para que nós possamos usufruir dessa riqueza que ela é produzida por todos, [...] possibilitaria a todas as pessoas estarem participando, usufruindo tudo que é construído socialmente (2). [...] principalmente como participação política. Não questão de política partidária, de participação política, de você realmente estar opinando, estar decidindo e estar ajudando a construir o tempo inteiro. [...] Que ele se organize, que ele participe, que ele diz o que quer, é dada a ele a informação do que está acontecendo e que ele diz o que ele quer e o que não quer através dos conselhos (9).

Podemos perceber nas falas que as entrevistadas também relacionam democracia à

participação, à decisão, à organização, a ter direitos e lutar por eles, à liberdade, à

responsabilidade. Martinelli (2001, p.18) nos coloca que democracia é

[...] movimento, é uma permanente construção que perpassa simultânea e dialeticamente os aspectos formal e substantivo que a envolvem. É um projeto sempre por fazer, na medida em que se busca a utopia da realização máxima de seus princípios: liberdade, pluralidade, igualdade e participação.

Tendo em vista que, na atual conjuntura em que trabalhamos e vivemos observamos a

exclusão social da maioria da população, é importante refletir sobre como defender a

democracia enquanto “permanente construção e realização de seus princípios” . Vale ressaltar,

aqui, o quarto princípio ético de nosso Código de Ética profissional: “Defesa do

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aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza

socialmente produzida” (CFESS, 1993).

Entendemos que somente vamos alcançar os objetivos do projeto ético-político que o

Código de Ética nos sinaliza se respeitarmos e lutarmos para a consolidação de seus

princípios, sendo fundamental conhecermos e nos apropriarmos destes em nosso cotidiano

profissional. Para tanto, se faz necessário primarmos pela constante busca do conhecimento e

debate sobre a profissão, procurando compreendê-la no movimento da realidade social.

2.3 Formação e Competência Profissional:

Pontuamos a formação profissional como um dos elementos que explica as

contradições do entendimento sobre o projeto ético-político profissional, do que vem a ser

idealizar uma nova ordem societária para a qual direcionamos nossa ação, sendo

imprescindível nos referenciarmos a ela.

Da mesma forma que a sociedade em que vivemos modifica seus modos de produção

e reprodução da vida social, assim também o Serviço Social deve buscar fortalecer no sentido

de buscar referências macro-sociais, bem como da realidade que vivencia em sua atuação.

Neste sentido, um dos desafios colocados à formação profissional é pautado nas competências

teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas, as quais “[...] são requisitos

fundamentais que permitem ao profissional colocar-se diante das situações com as quais se

defronta, vislumbrando com clareza os projetos societários, seus vínculos de classe e seu

próprio processo de trabalho.” (ABESS/CEDEPSS, 1997, p.67).

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As Assistentes Sociais entrevistadas nesta pesquisa tiveram formação em diferentes

anos e universidades, abrangendo os períodos em que foram realizadas as duas revisões do

currículo do curso de Serviço Social, em 1982 e 1996. Em relação a sua formação

universitária (acadêmica), foram questionadas se o curso de Serviço Social que freqüentaram

contribuiu suficientemente na formação teórico-metodológica para um bom desempenho

profissional.

[...] sim, mas desde que a gente continue nos estudos [...] (6); [...] eu acho que contribuiu, mas não prepara suficientemente, [...] (8); [...] acho que algumas coisas realmente contribuíram, [...] depois, também, nenhum curso te deixa totalmente pronta, vai muito da tua caminhada profissional [...] (9); [...] quando eu comecei a atuar mesmo, eu percebi que muita coisa a gente não teve na faculdade [...] (10).

A maioria das profissionais não se sentiu preparada suficientemente para a atuação

profissional por meio do curso de Serviço Social, apontando algumas limitações: o

aprendizado no estágio, os instrumentais técnicos do Serviço Social, as deficiências “naturais”

do curso, dificuldade no entendimento da relação teoria e prática, a própria formação em um

currículo que estava em fase de alterações, a falta de acompanhamento/supervisão no estágio

realizado em comunidades, o período político-transitório (ditatorial) vivenciado no país onde

os professores não podiam passar certos conteúdos críticos, entre outros.

Considerando estas respostas, iniciamos a análise relembrando as profundas

transformações societárias das últimas décadas, nos processos de trabalho, nas formas de

produção e reprodução da vida social, reforma do Estado, reestruturação produtiva, novas

formas de enfrentamento da questão social, entendida como fundamento da ação do Serviço

Social. Relembramos, também, as alterações entre o público e o privado, as demandas

profissionais, as expressões da própria questão social, as discussões e os avanços no bojo do

Serviço Social, na sua própria história, que representam novos desafios e espaços de atuação

profissional do Assistente Social.

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Nesta perspectiva, tendo em vista as diretrizes e princípios propostos no currículo do

curso de Serviço Social, faz-se necessário que o profissional se mantenha sempre atualizado

no contexto teórico-profissional, nas novas produções de conhecimento, buscando investir em

seu constante aperfeiçoamento, entendido não apenas como cursos, pós-graduações, mas

como leituras constantes sobre a realidade social e sobre as particularidades de seu público-

alvo.

Formam-se profissionais com capacidade de conhecimento macro-estrutural para

atuação nas diversas demandas tidas como expressões da questão social, capazes de

compreendê-las e desvendá-las. Mas, para isto, é necessário estar sempre comprometido com

o seu objeto de trabalho, desvendando-o, ampliando seus espaços de atuação por meio do

conhecimento e aperfeiçoamento técnico, teórico, político e ético.

Com relação ao aperfeiçoamento profissional, lembramos que este é um dos princípios

éticos estabelecidos no Código de Ética de 1993, o qual sinaliza que ter compromisso com a

qualidade dos serviços prestados à população vem ao encontro da necessidade de

aprimoramento intelectual, constante qualificação e requalificação. “Compromisso com a

qualidade dos serviços prestados a população e com o aprimoramento intelectual, na

perspectiva da competência profissional” . (CFESS, 1993)

Este aprimoramento intelectual na perspectiva da competência profissional é, além de

um compromisso, um instrumento para o Assistente Social. Ao sair da universidade, podemos

não acreditar que estamos prontos e nos sentirmos inseguros para a atuação, mas com a

capacidade de desvendar o real posto, as demanda oriundas das necessidades dos usuários dos

serviços, poderemos, pela constante capacitação, buscar novos caminhos para enfrentar estes

desafios que se alteram a cada dia.

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As alternativas para enfrentar estes desafios, conforme Iamamoto (2001), não saem de

uma “cartola mágica” do Assistente Social. É necessário ter o conhecimento da realidade,

olhar para os movimentos das classes sociais e do Estado em suas relações com a sociedade,

apropriando-se das possibilidades, transformando-as em proposições, projetos a serem

executados. A conjuntura impõe mais limites e as possibilidades, muitas vezes, tem que ser

desvendadas e apropriadas a partir das contradições presentes na dinâmica da vida social.

O que significa, afinal, “competência profissional”? Indagadas sobre esta questão as

entrevistadas colocam que:

[...] ser competente perante o cidadão, perante o usuário, atendê-lo bem , atendê-lo com qualidade e lutar para termos boas condições de trabalho [...] não se sentir incompetente por não poder solucionar (1, grifo nosso).

Nesta perspectiva de “não se sentir incompetente por não poder solucionar” é

importante ressaltar o que Iamamoto (2001) coloca: é necessário evitar atitudes fatalistas, de

não tentar ultrapassar os limites estabelecidos, o que nos leva à acomodação e ao trabalho

rotineiro, e uma atitude messiânica, heróica, sem confrontar a subjetividade dos sujeitos, e sua

vontade política com os limites da realidade social.

[...] ser competente mesmo com condições difíceis, ou precárias de trabalho, mas lutando (1). [...] aquele profissional que sabe, conhece e respeita no seu cotidiano os princípios éticos profissionais [...] (2). [...] é aquele profissional que sabe fazer tudo, consegue enxergar o que pode estar fazendo [...] (6). [...] na medida que você não conseguir perceber qual é a demanda e dar uma resposta para esta demanda você não tem competência [...] (9). [...] eu entendo que nós temos que conhecer a realidade em que nós atuamos, não conseguimos atuar sem conhecermos a realidade [...] (10).

A fala reflete a competência relacionada ao fazer propriamente dito, isto é, a ação

técnica. Somente implicitamente aponta para a competência do “conhecer” , a realidade, a

demanda, o que podemos entender ser a competência teórica, mesmo que não deixe clara a

atualização na busca de novos conhecimentos enquanto capacitação e competência. E, nesta

realidade, não podemos deixar de esclarecer a questão da competência política, as

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possibilidades de trabalhar nas e com as mediações, e a competência ética, referindo-se não

somente aos princípios éticos, mas ampliando a reflexão ao projeto ético-político profissional.

Faz-se necessário ir além da concepção de competência relacionada à dimensão

técnica, perceber esta na sua complexidade enquanto dimensão teórica, política e

principalmente ética. Diz respeito à instrumentalidade do Serviço Social, como nos aponta

Guerra (2000), no sentido de não nos limitarmos às ações meramente instrumentais, tendo

como eixos norteadores da nossa prática profissional apenas os instrumentais técnicos

operativos.

Segundo Rios (2002), falar em competência significa saber fazer bem, aproximando

enquanto sinônimo, da posição dos educadores que apresentam esse saber fazer bem numa

dupla dimensão: “técnica e política” .

Podemos completar que, além de técnico e político, outras dimensões se unem para

decifrar o que é ser competente. Conforme Iamamoto (2001, p.80), ser competente supõe as

dimensões teórico-técnicas e ético-políticas que subordinem “[...] o ‘como fazer’ ao ‘o que

fazer’ e, este, ao ‘dever ser’ , sem perder de vista seu engajamento no processo social [...].”

Como a própria autora afirma, é necessário ir além da visão endógena do Serviço

Social e perceber o movimento da realidade, ter conhecimento teórico-metodológico que lhe

permita interpretar criticamente o seu contexto de trabalho, seja no âmbito do Estado, das

Organizações Não-Governamentais, ou dos setores privados. “Enfim, requer uma nova

natureza do trabalho profissional, que não recusa as tarefas socialmente atribuídas a esse

profissional, mas lhe atribui um tratamento teórico-metodológico e ético-político

diferenciado” . (IAMAMOTO, 2001, p.80)

Entendemos que a construção da profissão não se dá apenas no âmbito da

universidade, mas no dia-a-dia. Somos nós, Assistentes Sociais, que construímos a profissão,

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a nossa ação profissional, com caráter interventivo, coletivo, com troca, com busca do

aperfeiçoamento, da competência, indo para além das fronteiras do Serviço Social.

A busca por capacitação vai além de cursos de qualificação e requalificação

profissional, pois diz respeito à relação que fazemos entre teoria e prática, procurando

relacionar o que buscamos aprender com a realidade que vivenciamos, à maneira como

podemos mudar e buscar conhecimentos para transformar esta realidade, sempre objetivando

nossas ações neste sentido.

Capacitação profissional refere-se, também, ao trabalho coletivo dos profissionais, a

saber entendê-lo enquanto uma das mediações possíveis para alcance dos ideais do projeto

ético-político e a buscar a organização da categoria e da sociedade, a sua participação nas

decisões sobre as direções que são dadas à realidade que estamos construindo. É entender que,

equacionando as competências teórica, política, ética e técnica ao entendimento do Serviço

Social enquanto processos de trabalho, estamos direcionando a profissão para a busca da

realização deste projeto de sociedade - projeto ético-político - que foi construído pela própria

categoria profissional.

Como podemos construir esta competência, qualificação profissional; como buscá-la,

visto que já foi observado que, mesmo após sair da universidade, devemos estar em constante

aperfeiçoamento intelectual? Ao serem indagadas sobre como investem em sua capacitação e

o que entendem ser este investimento, esta capacitação, as entrevistadas colocam:

[...] eu constantemente estou pedindo cursos, atualmente eu estou tendo uma assessoria ....além de estar pedindo para eles estarem comprando livros para mim investir, e posteriormente quero estar fazendo mestrado ou alguma outra coisa. Se eu não cobrar, não pedir para a administração esta capacitação eu não vou receber [...] (6). [...] A gente tenta investir na medida do possível, solicitamos curso para a chefia, estamos solicitando uma assessoria [...] (7). Todas as capacitações que eles oferecem na secretaria eu faço e também eu já fiz alguns cursos, invisto nesse sentido, mas geralmente esses cursos, como o Assistente Social o salário é muito baixo, para conseguir fazer uma boa capacitação, um bom curso, você tem que ter um bom poder aquisitivo [...] (9).

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O que podemos verificar é que, em algumas situações, capacitação ainda é tida como

sinônimo de cursos, de ter alguém para proporcionar algo, capacitar-se através de algo. Isto é

importante, mas como duas entrevistadas colocam, nem sempre é possível ao profissional esta

condição de investimento14. Também não se pode esperar que a capacitação seja oferecida

sempre pelo empregador; devemos cobrar, sim, esta capacitação, mas não podemos nos

esquecer de nossa participação e responsabilidade ética em relação a ela. Em outros relatos,

observamos que o entendimento de capacitação vem ao encontro desta responsabilidade

profissional.

[...] uma vez eu imaginava que capacitação era fazer curso, hoje eu já penso diferente. Capacitação, por exemplo, é este momento que a gente está vivendo agora, é investir. Poderia ser um investimento monetário, e eu acho isso muito complicado para a categoria fazer, a gente não tem dinheiro para investir numa capacitação, isso demanda de uma quantia e a maioria não tem. Então para mim capacitação é aproveitar as oportunidades que se oferecem, por exemplo, hoje estar aprendendo a lidar com a internet, fazendo pesquisa, [...] A capacitação ela não pode ser uma coisa obrigatória, ela tem que te dar prazer, ela tem que te auxiliar no teu trabalho [...] (3). [...] E como eu tenho investido: lendo, pesquisando na internet, e eu terminei não faz nem um ano o curso de especialização (1).

A busca de capacitar-se por meio de alternativas como a internet, disponíveis na “era

da informatização” para pesquisa e novos conhecimentos, é uma das estratégias que podemos

utilizar enquanto profissionais e cidadãos. São meios dos quais podemos nos apropriar para

ampliar nossos conhecimentos, fazer intercâmbios com grupos de profissionais, sejam

Assistentes Sociais ou de outras profissões, Universidades, divulgações de novos

conhecimentos, eventos, cursos etc.

14 A condição de investimento aqui ressaltada é do investimento monetário, a impossibilidade do profissional poder investir financeiramente vem ao encontro da análise do processo de mudanças no mundo do trabalho, precarização dos empregos e salários, traduzindo-se em baixas remunerações inclusive para as profissões.

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É necessário, enquanto profissionais, entendermos as mudanças no mundo do trabalho

hoje, o qual exige um profissional amplamente capacitado para atuar com informática, além

dos conhecimentos da sua área de atuação. No entanto, precisamos ter claro que utilizar os

sistemas informacionais como meios para estarmos nos capacitando e aperfeiçoando nossos

processos de trabalho não pode ser confundido com a “mecanização” da nossa ação.

Capacitação é buscar novos conhecimentos, leituras sobre as várias demandas, sobre

os movimentos da realidade social, a participação nos movimentos da categoria, fóruns,

seminários de formulação de políticas públicas, movimentos sociais, espaços de discussão,

entre outros.

A competência e a capacitação não se findam em si mesmas, não estão prontas e

acabadas; portanto, concluímos que ao término da graduação é necessário ao Assistente Social

estar sempre investindo nesta capacitação e busca pela competência, estimulando a motivação

e mobilização profissional, como afirmam Paiva e Sales (1996, p.204):

A motivação e mobilização dos profissionais, provocadas por esta tríade – ética, técnica e política – favorece, assim, não só uma releitura do poder institucional, mas um rompimento com a apatia, resignação, tédio e frustração, associados à falta de alternativas de intervenção, típica do estágio de ‘ insulto aos males’do cotidiano.

A competência é algo que devemos ter em vista, que devemos buscar construir a

partir de nossos ideais, esperanças e utopias, e que só alcançaremos por meio da busca pela

capacitação. Além de ser construída, a competência também deve ser compartilhada, segundo

Rios (2002), pois a qualidade do trabalho não depende de uma única pessoa; define-se na

relação com os outros.

Sabemos, no entanto, que esta busca pela qualidade dos serviços prestados, pela

constante capacitação e aperfeiçoamento profissional não é tão fácil de ser alcançada. É

necessário ter em vista que os objetivos na atual conjuntura não prezam por serviços de

qualidade que realmente alcancem a população que tem direito, mas, sim, visam ao

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enxugamento das políticas públicas e dos seus serviços e, também, a diminuição de

profissionais contratados e/ou concursados para atuarem nas políticas sociais públicas.

Por isso, ter compromisso com a qualidade do nosso trabalho significa entender todas

as exigências que se fazem necessárias para tanto. Entre estas exigências, podemos afirmar a

necessidade de conhecer o próprio Serviço Social, o projeto ético-político da profissão, ter o

entendimento de que há várias concepções teórico-metodológicas que embasam nossa prática

profissional e saber trabalhar com outros profissionais que nem sempre terão as mesmas

concepções teóricas. Para que isso possa acontecer, é fundamental que o Código de Ética e

seus princípios sejam conhecidos por todos e assumidos como importantes para o

desenvolvimento de nosso trabalho.

O Código de Ética prevê esta possibilidade das diferenças teórico-metodológicas e em

seu sétimo princípio afirma a “... garantia do pluralismo, através do respeito às correntes

profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e do compromisso com o

constante aprimoramento intelectual” (CFESS, 1993). Neste sentido, questionamos as

entrevistadas como reagiriam e defenderiam a sua postura teórico-metodológica ao

trabalharem com outros profissionais (mesmo não sendo Assistentes Sociais) que tivessem

concepções diferentes.

[...] Eu acho que até trabalho com pessoas [...] é muito complicado dizer que uma pessoa segue uma corrente profissional puramente, aquela ou essa. Eu acho que a gente tem, na verdade, um apanhado de conhecimento; a gente tem ideais, tem princípios e segue em defesa da política pública, em defesa do cidadão e dentro do que preconizam as leis, pra diminuir a desigualdade social e tem que ser esse o projeto ético-político profissional, [...] mas não a qualquer preço, dentro das legalidades [...] (1). [...] eu respeitaria as suas concepções, tentaria dialogar mais com essa pessoa, ou com essa equipe; no entanto, não compactuaria com certas atitudes, com certas falas, com o que não bate com os meus princípios éticos [...] é o meu projeto político, é uma sociedade mais justa para todos.Eu me posiciono frente a isso, até com muita garra, mesmo com todas as adversidades [...] (2).

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Podemos observar que, nestas respostas, as Assistentes Sociais defendem seu projeto

ético-político, mesmo este não estando claramente entendido; defendem as políticas públicas,

os direitos dos cidadãos, com respeito às diversidades teóricas e políticas. Quando dizem que

fazem isto, mas não a qualquer preço, entendemos que seguem seus ideais, com garra, mesmo

sabendo das adversidades que encontrarão no âmbito das políticas públicas, onde perpassam

vários interesses. Outros depoimentos apontam questões positivas em relação à diversidade:

[...]a gente lida com isso diariamente, cada um tem um jeito, cada um tem uma idéia, uma filosofia de vida, e a verdade é estar discutindo, refletindo, conseguindo colocar a tua idéia e estar tentando somar, não dividir. (8) [...] A gente tem que trabalhar com a diversidade, até porque eu acho que se a gente pretende dizer que tem uma postura democrática, acho que democrática supõe este pluralismo [...] tentar conviver dentro do possível e procurar, é uma correlação de forças, você vai tentar ganhar posições, às vezes você vai ter que recuar, não existe uma coisa assim que você vai só batendo de frente, ou achando que só o teu ponto de vista tem que valer, até porque o dia-a-dia não é isso (9). [...] acho que na prática eu tenho bastante, [...] tu não podes ser autoritário, dizer eu sou a dona da verdade, mas tem que estar trabalhando isso aí. Lógico, se impor um pouquinho também, para ser respeitada, mas também respeitar o outro, o próximo.(10)

Estas falas sintetizam as demais opiniões das entrevistadas, as quais colocaram a

necessidade de ter habilidade para assegurar sua postura teórica e política em defesa das

políticas públicas e dos cidadãos que são usuários destes serviços. Outro ponto que apareceu é

a necessidade de aceitar as diferenças, respeitar, se organizar por meio do grupo de

profissionais para defenderem suas posturas. Aqui, novamente, podemos remeter à questão da

organização e participação dos profissionais enquanto estratégia também na defesa de nossas

concepções. Ao trabalhar no âmbito das políticas públicas, as profissionais reconhecem que

alguns atores terão a “postura do favorecimento, do político partidário, do comissionado, mas

que é possível dar a direção ao trabalho com a visão do Serviço Social desde que este esteja

organizado”.

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3 SERVIÇO SOCIAL, ÉTICA E MEDIAÇÃO

3.1 O ensino da ética em Serviço Social:

O Serviço Social é uma profissão que tem reconhecido seu caráter interventivo, o que

pressupõe que, para se defrontar com as situações da realidade social, é necessário

competência, traduzida nas competências teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-

política. Segundo a última proposta de revisão curricular publicada pela ABESS/CEDEPSS

(1997, p. 67), as competências são “requisitos fundamentais que permitem ao profissional

colocar-se diante das situações com as quais se defronta, vislumbrando com clareza os

projetos societários, seus vínculos de classe e seu próprio processo de trabalho” .

As entidades - ABESS/CEDEPSS - enfatizam, nas diretrizes gerais para os cursos de

Serviço Social, que, além do caráter interventivo, a profissão tem uma postura investigativa

que permite ao profissional sistematizar o seu processo de trabalho prática e teoricamente,

definindo as estratégias e o instrumental técnico-operativo para o enfrentamento das

desigualdades sociais, entendidas como as expressões da questão social, matéria-prima do

trabalho dos Assistentes Sociais. Conhecer a realidade com a qual trabalha, como também

definir estratégias de ação e o instrumental técnico a ser utilizado isto é, sistematizar prática e

teoricamente a sua ação, através da investigação, “[...] está vinculado à realidade social e às

mediações que perpassam o exercício profissional” (ibdt, p.67), mediações estas que exigem

um “[...] estreito vínculo com os modos de pensar/agir dos profissionais” (ibdt, p.67).

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Além de a questão da ética dever perpassar por todas as matérias do curso de Serviço

Social, como proposto na última reformulação do currículo mínimo, também é prevista

enquanto matéria (disciplina) básica denominada “Ética Profissional” , que tem como

conteúdo:

[...] os fundamentos ontológico-sociais da dimensão ético-moral da vida social e seus rebatimentos na ética profissional. O processo de construção de um ethos profissional, o significado de seus valores e as implicações ético-políticas de seu trabalho. O debate teórico-filosófico sobre as questões éticas da atualidade. Os códigos de ética profissional na história do Serviço Social brasileiro (ABESS/CEDEPSS,1997, p. 71).

Em relação ao Código de Ética da profissão, Barroco (2001) assinala que o Código de

Ética de 1993 sinaliza uma hegemonia vinculada a sua capacidade teórico-prática de

responder positivamente aos desafios colocados para a profissão. Com isto, a ética como um

dos componentes básicos de um projeto profissional contribuirá para concretizar a superação

do histórico conservadorismo do Serviço Social.

Muitos autores escrevem sobre Ética. Para Oliveira (1998), Ética é apenas uma

revisão radical da vida humana ou coletiva, é parte da própria condição humana, do fato de

que o ser humano não é um ser pronto em sua vida - ele se constrói e constrói através de suas

ações e de suas escolhas - e é processo de luta por suas conquistas, “[...] o processo pelo qual

o ser humano busca conquistar se passa pela mediação com os outros seres, ou seja, a

conquista da liberdade, da autonomia, da razão, passa pela relação com o outro” (OLIVEIRA,

1998, p.30).

Para o autor, a Ética é a relação de reconhecimento de igual dignidade entre as pessoas

que realmente constrói a humanidade do homem e o desafio ético da sociedade na construção

de reconhecimento mútuo, na criação de espaço de liberdades, de dignidade daqueles que

estão excluídos da sociedade.

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Escolhemos o conceito de Ética acima por pensarmos que se relaciona com o fazer do

Assistente Social, o qual desenvolve sua prática profissional em relação com o outro na busca

por garantir a igualdade, a liberdade e a construção de uma sociedade onde estes conceitos

sejam reconhecidos e onde todos os cidadãos sejam realmente iguais em direitos e acesso aos

mesmos.

Mas, nosso objetivo aqui não é definir Ética, tampouco falar de éticas e profissões e,

sim, trabalhar com a Ética no Serviço Social a partir do Código de Ética15 aprovado em 1993,

especificamente dos seus princípios éticos.

Buscando compreender a relevância da ética nos cursos de Serviço Social

freqüentados pelas entrevistadas, perguntamos qual foi a importância que estes deram à

disciplina da ética durante o período de sua formação acadêmica e qual a avaliação que a

profissional entrevistada faz da referida disciplina em relação a sua formação profissional e

para sua atuação no dia-a-dia de trabalho:

Muito pouco. Não foi utilizada durante todo o curso, só foi feita aquela disciplina, pronto, acabado. No meu entendimento, ela é base, mesmo porque você trabalha com o cidadão, exige respeito em relação ao outro (5). A parte de ética profissional foi uma das coisas que mais pegou no meu estudo, é uma coisa delineia todo o teu trabalho a ética profissional. Olha, quanto a importância dada, eu acho que deveria ter sido muito mais aulas de ética profissional, porque eu acho que não deu a devida importância, porque nós tínhamos poucos semestres sobre [...] (6).

Insistimos nesta questão para que as entrevistadas respondessem qual é a sua avaliação

sobre a importância da disciplina de ética:

[...] esta disciplina vai te dar a postura, todo o teu trabalho vai ser pautado em cima do que é te ensinado sobre ética profissional, a questão do sigilo, de postura (6).

15 O código está assim estruturado: Introdução; princípios fundamentais; quatro títulos que se destinam respectivamente a : disposições gerais; direitos e responsabilidades gerais do Assistente Social; das relações profissionais e da observância, penalidades, aplicações e cumprimentos deste código. Nele constam, ainda seis capítulos com artigos organizados a partir da tríade: direitos, deveres, proibições.

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Eu acho a disciplina importantíssima. Nós tivemos esta disciplina, mas não de forma tão profunda, tão detalhada. [...] Eu acho que houve algumas falhas, sim; eu acho que poderia ter sido bem mais detalhada, mais trabalhada esta questão (7).

Observamos nos relatos que a disciplina de ética não recebeu a importância que hoje

lhe é conferida nem foi percebida como necessária. Atualmente, percebem a ética não como

algo necessário apenas para si individualmente, mas por relacionarem com o usuário dos

serviços e com a sociedade como um todo.

No entanto, o relato abaixo esclarece a compreensão da Ética além do caráter

normativo, mas também na ação profissional:

[...] Realmente, não lembro muito, não consigo me recordar de muita coisa. A gente estudou, na época, foi mais em cima do código de ética; devíamos ter discutido outros assuntos, mas só lembro como alguma coisa que era importante, que a gente tinha, mas assim não era só na disciplina de Ética, esse cuidado, esse respeito principalmente com o usuário, era uma coisa que eu sentia muito profunda em alguns professores, o respeito à realidade cultural dele, ao contexto social que ele vivia, a autonomia, é tudo importante; a gente, às vezes, sempre lembra “código de ética – sigilo” , é muito mais amplo, dessa coisa de valorização dos direitos, da questão da cidadania. Eu vejo a ética num contexto bem amplo, de compromisso mesmo com aquela população com a qual você trabalha, aquele ideal de sociedade que se busca, é alguma coisa que extrapola esta questão só de um relacionamento com o usuário ou até mesmo com a instituição. É um compromisso muito maior que eu entendo (9).

O Código de Ética tem sua objetividade relacionada à proteção da profissão, na

garantia de um projeto político hegemônico para a categoria, que norteie a construção de uma

nova sociedade que seja respaldada na cidadania, na igualdade e na democracia e justiça

social.

Para ilustrar como o Serviço Social tem recorrido ao Código de Ética em seu cotidiano

profissional, buscando identificar a sua utilização na prática profissional, solicitamos que as

Assistentes Sociais apontassem uma situação em que recorreram ao Código de Ética

Profissional e falassem da importância deste para sua prática:

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Eu lembro de ter recorrido ao Código de Ética quando houve dúvida, [...] uma colega formada em serviço social, porém o vínculo empregatício dela não era como Assistente Social e ela assinava como tal (1). [...] no ano passado, quando alguns profissionais superiores questionavam o tempo todo a minha prática, a minha postura, [...] Então eu recorri ao código de ética para estar revendo esta questão, lá está colocado sobre a total autonomia [...] (5).

Perguntamos, ainda, para reforçar a questão em relação ao que pretendíamos discutir,

qual a importância do Código de Ética no dia-a-dia profissional para outras entrevistadas, e o

relato abaixo o identifica muito além de situações pontuais:

[...] eu menciono muito ele, porque às vezes a gente é coagido a fazer coisas que a gente não concorda e que fere a nossa ética profissional [...] eu procuro falar dele também, e pra falar de alguma coisa a gente tem que conhecer, eu procuro conhecer para falar e fundamentar o código de ética ele está junto na nossa prática do dia-a-dia (2).

A fala a seguir denota as dificuldades encontradas para atuar com base no Código de

Ética, isto é, de trazê-lo para a atuação profissional, vistos os limites impostos pela instituição:

[...] com relação ao usuário, eu tenho preservado muito a minha relação com o usuário [...] também com a instituição, e daí vem às dificuldades de colocar em prática o que está no código de ética, o que está previsto no código de ética, em relação ao usuário, nos temos os limites institucionais, [...] a gente não consegue colocar o código de ética na prática (5).

Podemos observar, nesta fala, que o Código de Ética é lembrado em situações

pontuais, principalmente em relação a fatos que possam envolver a questão das normas

referentes às relações usuário/profissional, profissional/instituição, instituição/usuário e

profissional/profissional e à dificuldade encontrada em ter o Código como um instrumento de

trabalho.

No entanto, outras falas nos revelam a falta de observar o Código de Ética no processo

de trabalho das entrevistadas:

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[...] nunca recorri. Acho que é uma falha minha inclusive. Eu acho importantíssima essa situação de estar conhecendo o código, acho que só quando eu fiz o concurso que eu recorri ao código para estudar. Na prática, de um ano para cá, com toda sinceridade acho que eu não fui nenhuma vez ao código para estar fazendo comparativo, [...] Falha minha, mas eu realmente não tenho ido ao código, não tenho consultado se eticamente, profissionalmente bem colocada, se a atuação está sendo condizente [...] não tenho me policiado muito no sentido de estar buscando trazer o código bem para perto e estar fazendo esta avaliação da prática profissional de até onde eu posso ir ou não [...] (7). Eu devo ter recorrido, mas fazia tempo, porque eu não me lembro Para fundamentar, [...] eu não tenho lembrança, a minha memória não é uma das mais privilegiadas, [...] eu sei de uma situação agora, que nós vamos ter que nos posicionar enquanto categoria [...] E agora nós inclusive vamos usar o código de ética para estar fundamentando esse nosso posicionamento junto ao conselho na próxima reunião. Está é uma situação bem presente (9). [...] até agora não recorri mesmo [...] a gente deveria estar trabalhando com ele, mais ou menos e sempre estar avaliando. Muitas vezes a gente não está fazendo, mas poderia fazer melhor.(10)

Em síntese, podemos perceber que reconhecem a importância do Código de Ética, o

qual é visto como fundamental na defesa da profissão e na sua fundamentação para avaliar a

atuação profissional. Esta é uma contradição presente que se relaciona ao cotidiano, onde,

muitas vezes, acabamos por dar ênfase às situações imediatas, não utilizando os instrumentais

disponíveis enquanto meios e mediação da nossa prática profissional.

Considerando que o Código de Ética é fruto das discussões e luta dos profissionais em

defesa da profissão, é indispensável que estejamos atentos ao mesmo na defesa do

reconhecimento profissional, da autonomia e liberdade de atuação e em defesa dos usuários e

dos serviços prestados.

Não podemos limitar as possibilidades do Código de Ética apenas às questões que

envolvem relações, sigilo, normas e valores, mas devemos buscar relacioná-lo ao nosso

processo de trabalho, principalmente aos princípios fundamentais, os quais constituem um dos

alicerces da nossa ação enquanto mediação para alcance de uma sociedade mais justa, com

conquista da cidadania, liberdade e democracia, assim vislumbrando o projeto ético-político

profissional.

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3.2 Os princípios éticos

Brites e Sales (2000) colocam que nos estabelecemos enquanto indivíduos sociais na

relação com outros sujeitos, criando valores, normas que norteiam esta relação com o outro.

Desta maneira, nos tornamos sujeitos éticos, e este processo se dá coletivamente conforme

vamos produzindo e reproduzindo a vida em sociedade, preocupados em como agir e interagir

socialmente.

A ética profissional não está dissociada da ética social e se dá no contexto sócio-

cultural e no debate da filosofia.

[...] a ética profissional dá visibilidade à sociedade acerca da direção social e da qualidade do exercício profissional. Isto requer a sistematização do posicionamento e compromissos políticos da categoria profissional com determinados valores e princípios – assentados em referencias teóricas que expressam uma dada concepção de homem e de sociedade -, que se traduzem em normas e diretrizes para a atuação profissional presentes no Código de Ética (BRITES; SALES, 2000,p.9).

Segundo as autoras, a partir do momento em que incorporamos os valores e princípios

enquanto mediações na análise de situações, os mesmos passam a se definirem como

compromissos éticos. Os princípios éticos trazem em seu conteúdo uma concepção de

homem, mundo e sociedade, que definem o projeto ético-político a que se referem.

Interessa-nos identificar o que as Assistentes Sociais entrevistadas consideram como

um princípio ético:

[...] é respeitar, respeitar o outro , atuar e buscar mecanismos legais, [...] principalmente no caso do Serviço Público, não ferindo os princípios das políticas públicas com as quais a gente trabalha e não ferindo o princípio dos usuários principalmente, buscar o direito desses. Trabalhar sempre na busca da melhoria da qualidade do Serviço Público e da Política Pública (1).

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Por mais que não esteja explícito nas falas, até o momento, o conhecimento do projeto

ético-político e dos princípios éticos, estes estão implícitos nas suas respostas, demonstrando,

mais uma vez, apenas a falta de relacioná-los ao seu fazer profissional conscientemente

enquanto mediação.

Nas falas, podemos perceber que relacionam os princípios éticos a princípios

humanos:

[...] tem tudo haver com a minha formação humana, na minha família. [...] é o valor humano que eu tenho, não uma coisa escrita, [...] Se aquilo não for, não estiver na minha leitura, não vou colocar em prática. Eu preservo muito o que eu aprendi, os meus valores primeiro, para depois estar valorizando se realmente aquele princípio de ética vem de encontro aos meus valores [...] (5). [...] é o respeito ao ser humano acima de tudo, nos seus valores, nas suas crenças, enquanto relacionamento com o público [...] acho que é respeitá-lo (7).

Percebemos que os valores pessoais estão presentes em sua formação profissional,

principalmente o respeito humano enquanto valor. Isto reafirma o que já foi dito inicialmente

com base em autores sobre sermos sujeitos éticos que se relacionam coletivamente.

Quanto à fala da profissional que menciona os seus valores enquanto seus princípios,

não podemos negar que estes estejam inseridos no contexto da formação do profissional. Não

podemos excluir a formação pessoal de cada um. Segundo Guerra (2000), os valores

constituem um dos elementos que compõem o acervo cultural, juntamente com as nossas

referências ideoculturais, aliadas às referências teóricas, metodológicas, princípios,

instrumentos, técnicas e estratégias. Este acervo cultural que o profissional dispõe é que o

orienta nas escolhas técnicas, teóricas e ético-políticas. Estas escolhas

[...] implicam projetar tanto os resultados e os meios de realização quanto às conseqüências. Isso porque, no âmbito profissional, não existem ações pessoais mas ações públicas e sociais, de responsabilidade do indivíduo como profissional e da categoria profissional como um todo. Para tanto, há que se ter conhecimento dos objetos, dos meios/instrumentos e dos resultados possíveis (GUERRA, 2000, p.61).

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Com base nesta autora, pela mediação da cultura profissional, o Assistente Social pode

negar a ação meramente instrumental, imediata, espontânea, reelaborando as respostas sócio-

profissionais e tornando-as mais qualificadas, investindo na razão dialética. Negar as ações

instrumentais é negar responder apenas ao imediato, pois as demandas com as quais

trabalhamos exigem mais do que isso, implicam ações e intervenções que derivem de

escolhas,

[...] que passem pelos condutos da razão crítica e da vontade dos sujeitos, que se inscrevam no campo dos valores universais (éticos, morais e políticos). Mas ainda, ações que estejam conectadas a projetos profissionais aos quais subjazem referenciais teóricos e princípios éticos políticos (GUERRA, 2000, p.59).

Como já mencionado, a construção do Código de Ética profissional foi uma

construção coletiva da categoria. Atuar com base nos princípios ético-profissionais nada mais

é do que uma escolha por um projeto ético-político profissional que fazemos quando da

escolha de nossa profissão. Por mais que tenhamos diferentes concepções teóricas, garantidas

enquanto pluralismo no bojo destes princípios éticos, é acima de tudo uma escolha que deve

ser consciente, se fazendo para isso necessário conhecer a profissão, seu código de ética, seus

princípios.

Buscamos identificar, especificamente, o conhecimento das entrevistadas sobre os

princípios éticos. Pedimos que citassem um dos princípios éticos do Código de Ética atual.

Três delas não souberam citar nenhum deles, por não lembrar ou por não saber realmente.

Duas citaram a questão do respeito, de não abusar do poder, e outra citou a questão do sigilo

profissional. As que citaram o respeito enquanto princípios, mencionam o respeito humano e

o respeito no sentido de não abusar do poder (aqui relacionado ao poder quando o profissional

encontra-se em cargo de chefia e não, as relações de poder existentes entre

instituição/profissional, profissional/usuário, instituição/usuário). Nas falas que mencionam os

princípios citados, ressaltamos, ainda, três delas:

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Contribuir para a emancipação da pessoa humana; garantir a equidade social; respeitar os diferentes interesses, seria isso (2). [...] eu não sei citar assim, tipo o que está lá no código. O que está muito presente para mim, além daquelas coisas comum de respeito a questão profissional, do que é colocado, daquela coisa do sigilo, [...] fica muito forte é esse nosso compromisso com uma sociedade mais justa, mais igualitária, o compromisso com a questão da cidadania, de ampliar a cidadania. A busca de uma sociedade que amplie esses direitos [...] (9).

A entrevistada 3 não soube citar o princípio na íntegra, mas lembrou um dos

princípios, disse gostar dele e lembrá-lo sempre. Este é o 11o princípio fundamental que, em

sua íntegra, traz: “exercício do serviço social, sem ser discriminado, sem discriminar por

questões de inserção de classe social, gênero, etnia , religião, nacionalidade, opção sexual,

idade e condição física” (CFESS, 1993).

Apesar de não ter total clareza dos princípios éticos enquanto tais, os mesmos estão

presentes nas suas falas. Ao final da entrevista, apresentamos um texto contendo todos os

princípios éticos extraídos do Código de Ética profissional, explicamos os objetivos da

pesquisa e o porquê de não explicitar o tema antes da entrevista. Após lerem os princípios

éticos, perguntamos se acreditavam incorporar os mesmos na sua atuação profissional, e quais

deles estão mais relacionados a sua prática profissional.

[...] alguns, o princípio 3, 5, 6, 7, 8, 9, 11 [...] esses eu consigo fazer, ter liberdade, ter autonomia para incorporar. Os outros eu acho mais complicado.Os princípios éticos dependem do Assistente Social, mas eles não são sozinhos, a gente vive numa conjuntura, hoje já está se pensando em rever o código de ética.[...] Esses que citei são os que mais estão relacionadas as minhas práticas (3). [...] alguns eu posso afirmar, outros eu penso que estou incorporando, mas não posso dizer com certeza, na maioria eles são incorporados [...] Pelo que eu li acho que todos são incorporados, apesar de a gente não ter consciência, não ter isto totalmente introgetado, mas aplica sim no dia a dia (4). [...] na verdade eu acredito que tudo o que está aqui a gente acaba fazendo sem perceber, porque faz parte da nossa profissão. É claro que da forma como está aqui, na verdade são coisas que a gente faz no dia a dia e muitas vezes não percebe. Eu acredito que a gente tenta buscar esses princípios, dentro da nossa prática. Eu já tinha visto estes princípios, mas parar para ler um por um não (8).

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Na realidade, não basta apenas ler, conhecer os princípio, trazê-los para o contexto da

profissão, é preciso ir muito além do que isso: torná-los parte do nosso fazer profissional, o

que implica em consciência. Nossa constante formação pessoal e profissional não pode perder

de vista estes princípios: assim como nossos valores, eles fazem parte das nossas escolhas. E

ser Assistente Social é escolher estar à frente deste projeto de sociedade que implica

compromisso ético- teórico, técnico e político.

Vale ressaltar, que quando perguntadas sobre quais princípios estavam mais

relacionados a sua prática profissional, alguns aparecem com mais ênfase nas falas de todas as

entrevistadas: o terceiro - “da ampliação e consolidação da cidadania, considera tarefa

primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, políticos e sociais das

classes trabalhadoras” ; o quinto- “posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, de

modo a assegurar a universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e

políticas sociais, bem como sua gestão democrática” ; e o décimo - “compromisso com a

qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual na

perspectiva da competência profissional.”

3.3 Mediação e Serviço Social:

É importante ressaltarmos as categorias que estão explícitas no terceiro, quinto e

décimo princípios: a cidadania, a equidade e justiça social, universalidade, e a competência

profissional. A estas já proporcionamos enfoque neste trabalho. A questão que formulamos,

agora, é: Como visualizar os princípios éticos e a ética profissional enquanto mediação no

nosso fazer profissional? No nosso processo de trabalho? Para tanto, se faz necessário

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trabalharmos com a categoria mediação. Como já mencionado, o entendimento desta para nós,

neste momento, não é a técnica de resoluções de conflito, mas enquanto categoria da práxis.

É preciso compreender que mediação não é apenas intermediação. Segundo Oliveira

(1988, p.80), a mediação é uma categoria do movimento, histórica, que “[...] corporifica

contradições através de movimentos, de passagens que se dão no cerne das relações sociais

contraditórias” .

Para esta autora, o movimento que interessa à mediação é o da "contradição" entre

dois momentos: o da reprodução e o da transformação. A ação profissional do Assistente

Social se dá numa realidade de contradições, de desigualdades sociais. Dentro desta realidade,

este profissional estabelece vínculos, seja com a instituição, com o usuário, com a sociedade.

Somente compreendendo estes vínculos e suas contradições, superando a leitura do imediato

de forma crítica é que este profissional poderá fazer com que sua ação profissional esteja

repleta de mediações, atuando nestas e com estas, trazendo, assim, possibilidades de

transformações.

Estes vínculos, segundo Oliveira (1988), não são formas estáticas e contém um

conjunto articulado de poderes e saberes que, quando postos em movimento, podem

denunciar os diferentes interesses dentro de uma mesma realidade (totalidade) que os inclui,

desvelando e revelando as contradições existentes. A autora coloca, também, que o Assistente

Social

[...] ao aperceber-se da existência desses vínculos, de suas relações e contradições, enfim, desses embricamentos, pode desenvolver sua ação profissional de modo mais crítico na medida em que supera a leitura do aparente imediato e da conta das múltiplas direções que o vincula profissionalmente (Oliveira, 1988:81).

Da mesma maneira, Pontes traz que o Serviço Social, enquanto profissão de caráter

interventivo, “[...] é uma necessidade incontornável, haja vista que [...] assume papel central

na análise (teórico metodológica) e intervenção do Serviço Social” (Pontes, 1989, p.24).

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Como as profissionais entendem e trabalham com a mediação na sua prática

interventiva, no seu dia-a dia profissional?

[...] quando eu estudei falava o curso inteiro: que o Assistente Social tem que saber mediar, tem que ter jogo de cintura. E eu acho que mediação ela pode ter vários significados. Um deles na verdade é que nós como funcionários, principalmente funcionário público [...] você esta entre as questões de recurso, possibilidades reais financeiras e a necessidade do usuários, então você é mediador, você esta no meio desta trama digamos assim de relações e tem que dar uma resposta para o usuários, mas tem limites, mas tem questões políticas, [...] então a mediação eu acho que esta ate nas relações [...] na verdade o Assistente Social é chamado sempre pra mediar, ou às vezes até remediar, porque às vezes a situação já está complicada demais. Então eu acho que esse tal jogo de cintura tão falado, no dia a dia ele tem que existir, porquê senão o Assistente Social ele se queima, ou ele se estressa, não adianta ele querer resolver também. ele tem que ter bem a noção da realidade, até onde ele pode ir e buscar [...], mediação é buscar alternativas também (1). [...] quem sabe seja só um nomezinho bonito que se dá hoje ao que na minha época se falava muito em "jogo de cintura". O assistente social tem que ter jogo de cintura [...] Tem que saber permear entre os conflitos e saber trabalhar com esses conflitos, para que ambas as partes...Bom, na minha opinião se tem conflito e porque tem duas partes que divergem, [...] ter que mediar isso, mediar o conflito. Para mediar o conflito, existe o conflito porque? Porque a população quer uma coisa, vem buscar uma coisa, um serviço, um benefício, e o Estado, na minha concepção de Estado aqui, estado porque é ele que gere as políticas públicas, de estar servindo esta população. Como não tem isso fica um espaço onde acontece o conflito. Eu acredito que o Assistente Social é aquele que vai estar trabalhando nos conflitos (3).

Colocam, aqui, o conhecimento sobre mediação que trouxeram do aprendizado

acadêmico, identificando mediação com “ jogo de cintura” , intermediação. Essa concepção da

categoria mediação pode ser analisada devido à ação profissional acontecer em espaços

contraditórios, em relação aos interesses, à disputa de poderes.

Faleiros (apud PONTES,1997) coloca que o processo de mediação pode ser entendido

como uma mudança nas relações entre profissionais e instituição, entre seus conflitos, a partir

da tomada de consciência, identificando as instituições enquanto lugares onde as forças se

enfrentam. Podemos verificar que esta compreensão de mediação está presente no relato desta

profissional:

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No sentido de mediar eu entendo, acho que é negociar, trabalhar, tentar fazer um acordo uma negociação, um entendimento. Eu acho que constantemente a gente está no trabalho mediando, nos grupos de trabalho, nos grupos multiprofissional, a gente está sempre mediando alguma situação. Nem sempre os entendimentos são os mesmos a respeito de alguma situação, ou uma situação de conflito, há necessidade de muitas vezes entrar uma mediação. Tentar acordos, entendimentos, discussões, estudos, propostas, para tentar chegar a um acordo que seja favorável a ambas as partes ou mais partes envolvidas. (7)

O entendimento que trazem é o profissional enquanto mediador. Esta palavra denota

que haja duas partes, e que o profissional esteja entre elas, sem tomar partido de nenhuma,

para amenizar, apaziguar, mediar conflitos. Quando colocamos este entendimento, supomos

que temos neutralidade e não queremos prejudicar nenhuma das partes. Primeiro, como

podemos falar de neutralidade; como podemos não nos vincular na defesa de nenhuma delas,

como imaginar trabalhar nas políticas públicas sendo apenas este “mediador”?

Pontes (1997, p.107), em seu trabalho sobre Mediação e Serviço Social, ao analisar a

obra de Faleiros, coloca que este autor “[...] promove uma certa banalização na acepção da

mediação, confundindo-a com sentidos mais restritos como, por exemplo, ‘ instituição’” . O

autor coloca, ainda, que a instituição “[...] é um espaço onde se coloca uma rede de mediações

e não a mediação em si” (ibdt, p.108).

Refletindo, ainda, sobre as falas das entrevistadas, quando colocam o profissional

entre as partes envolvidas no conflito, buscando “mediá-los” , explicita a mediação enquanto

as estratégias de atuação. Pontes (1997) nos traz que as estratégias profissionais podem

articular mais ou menos mediações, podendo se constituir num processo de mediações, mas

não, em uma mediação.

Vemos que a mediação não pode ser tomada de maneira inequívoca como mera

intermediação entre pólos contraditórios, entre realidades e vínculos onde o Serviço Social

desenvolve sua ação profissional. A categoria mediação não coloca o Assistente Social como

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mediador; na verdade, o profissional trabalha na e com as mediações16. Através desta

categoria, é possível compreendermos de forma crítica a realidade onde atuamos para, então,

podermos agir.

Esta mediação também só será possível se houver uma compreensão teórica, política

do fazer profissional, embasado por um Projeto ético-político, por valores e princípios que

fundamentem este fazer profissional mediador. Sendo assim, o Código de Ética Profissional

deveria ser o norteador das ações profissionais neste contexto contraditório onde se

desenvolve a prática profissional, possibilitando que a ação dos Assistentes Sociais atuando

com e nas mediações não se torne também contraditória.

Continuando a análise do entendimento da categoria mediação das Assistentes Sociais

da Prefeitura Municipal de Blumenau, trazemos outros depoimentos:

Eu penso que a mediação..., nós ,enquanto categoria, deveríamos estudar mais o que significa mediação. Surgiu no ano de 2001 um curso do tribunal de justiça sobre mediação e esse curso falava dos profissionais que trabalhariam na mediação, nos conflitos familiares e até propunha um trabalho voluntário. Então tem que ver de que tipo de mediação a gente fala, essa mediação que a gente quer? O que é mediar ? O que é mediar conflito? Penso que a prática do Serviço Social, a mediação seria um instrumento para estar confrontando os interesses e para a gente chegar num consenso, mais que isso não tivesse outra coisa por trás. Seria realmente assim: o interesse da pessoa que está ali, que conflito ela está trazendo, que tipo de mediação você vai fazer, você já está com algum interesse voltado, ou você está ali praticando, esta ali fazendo a sua prática corretamente. Que tipo de mediação é essa? Acho que a gente tem que falar mais sobre isso, que mediação que a gente fala (2) . Eu não sei ao certo, mas é um tema que tem me interessado, eu li algumas vezes sobre cursos de mediação de conflitos, imagino que seja alguma coisa no sentido de estar mediando duas posições e eu acredito que seja uma coisa bem importante para o Assistente Social que trabalha nessa perspectiva de mediar conflitos.(8)

16 É importante ressaltar que na perspectiva que entendemos mediação neste estudo é a ação profissional que tem caráter mediador e não o Assistente Social. Existe uma confusão quando da utilização da categoria mediação e a função de mediador. Esta função relacionada a técnica de soluções de conflitos utilizada no Serviço Judiciário. “Mediação (direito): ato ou efeito de mediar; intercessão; intervenção feita no sentido de conseguir acordo entre duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas.” (CHUAIRI, 2001,p.141)

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Percebemos que a fala dos profissionais ainda traz a mediação como uma função para

o Assistente Social, que é tido como mediador; aparece também aqui, a questão desta função

no serviço judiciário. Realmente, é preciso falar, refletir mais sobre a mediação, mas não

apenas enquanto função do Assistente Social. Como função no serviço judiciário, o Mediador

não necessariamente é um profissional de Serviço Social, podendo ser um outro profissional.

É importante nos interessarmos por esta atuação enquanto possibilidade de trabalho para o

Assistente Social, mas não podemos resumir a categoria mediação a este cargo.

Das profissionais entrevistadas, destacamos uma das falas que se aproxima do

entendimento de mediação que trazemos nesta análise:

[...] até acho assim um conceito, academicamente falando, mais abstrato. Eu tive dificuldade até para compreender porque essas coisas eu tive que ver depois da formação, [...] é mais fácil explicar o que não é do que é. O que não é, é ter a visão de conciliação, aquele negociador que faz, amenizar conflitos, não seria neste sentido. [...] para mim mediação: é você perceber no teu cotidiano o que está implícito neste cotidiano, fazer a relação deste cotidiano entre o contexto geral e, por exemplo, o que a população está te colocando, e trabalhar isso, o reflexo do contexto geral no que a população esta te colocando e você traduzir esta demanda da população, a relação disso com o contexto e traduzir isto perante a instituição, perante a sociedade, quer dizer, através disso você lutar junto com a população e construir alguma coisa diferente.[...] É quase que uma interlocução entre o contexto geral e a realidade particular que está sendo trabalhada naquele momento. Então não é só simplesmente fazer uma leitura, é conseguir trabalhar isso, trabalhar esta realidade dentro do contexto que está sendo colocado. Não sei se eu consegui dar uma explicação lógica, mas enfim [...] (9, grifo nosso).

Buscando clarear o entendimento da categoria mediação, nos embasamos em Pontes

(1997)17. O autor coloca que o Serviço Social enquanto profissão de caráter interventivo, “[...]

cuja ação se coloca em face das demandas sociais que substanciam a sua intervenção sócio-

histórica na sociedade [...] realiza sua prática através de uma rede de mediações, que

ontologicamente estrutura o tecido social” (PONTES, 1997, p.155).

17 Para melhor entendimento ler PONTES.Reinaldo Nobre. Mediação e Serviço Social: um estudo preliminar sobre a categoria teórica e sua apropriação pelo Serviço Social. 2.ed., São Paulo:Cortez, 1997

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Enquanto categoria reflexiva para o Serviço Social, a mediação permite, “[...]

mediante um impulso do real, à razão construir categorias para auxiliar a compreensão e ação

profissionais.” (ibdt, p.165). Segundo o autor, por intermédio desta categoria a profissão vem

garantindo a apreensão teórica da dimensão profissional e do campo de intervenção. Como

categoria central da intervenção profissional, o autor coloca que “[...] com a incorporação da

categoria de mediação na discussão metodológica, o campo de intervenções profissionais

passou a ser percebido, mais ainda, como um campo de mediações, desafiando a categoria dos

assistentes sociais ao desvelamento da sua estrutura complexa.” (ibdt, p.170) Coloca que é

preciso conceber, através da mediação, a realidade como totalidade.

Ao desconsideramos a realidade social como totalidade e a mediação como

possibilidade reflexiva e interventiva no nosso fazer profissional, estaremos trabalhando na

imediaticidade, produzindo, como nos coloca Pontes (1997, p. 170), “[...] formulações e ações

unilaterais e unilateralizantes” .

Ao inserirmos, nesta discussão, os princípios ético-profissionais enquanto

componentes para compreensão da realidade com a qual trabalhamos e para a possibilidade de

atuação por meio de mediações onde estes estejam presentes, poderemos estar qualificando

nossa ação para além do imediato, resultando em colocar no nosso processo de trabalho os

princípios éticos, transformando não só a realidade, mas as relações sociais que se

desenvolvem nela.

O maior desafio para o Serviço Social é a consolidação dos Princípios Éticos no dia-a-

dia dos profissionais, inseridos em seu processo de trabalho enquanto componente deste. Eles

dizem respeito a assumir a defesa dos cidadãos, a defesa de um projeto para uma sociedade

igualitária. Estes Princípios e o Código de Ética em si deveriam ser uma nova motivação para

os profissionais enquanto sujeitos, os quais foram responsáveis enquanto categoria pela

construção deste código. Mas, deveriam ser, também, um novo desafio, o qual requer luta,

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compromisso da categoria em favor de práticas sociais que venham ao encontro destes

princípios da igualdade, liberdade e democracia. O Código indica um novo horizonte, requer

que o profissional esteja acima de tudo bem formado e informado, exige competência no fazer

profissional, como nos diz Iamamoto:

[...] uma competência crítica, capaz de decifrar a gênese dos processos sociais, suas desigualdades e as estratégias de ação para enfrentá-las.Supõe competência teórica e ético-política que subordine o ‘ como fazer’ao ‘o que fazer’e, este, ao ‘dever ser’ , sem perder de vista seu enraizamento no processo social (IAMAMOTO,1997, p.57).

Embasados nos Princípios Éticos Profissionais do Código de Ética de 1993, os

Profissionais de Serviço Social podem fazer da sua atuação uma Práxis Transformadora,

embasada nas e com as mediações, no campo contraditório do seu fazer profissional e não, um

mero executor de ações fragmentadas.

Estes Princípios representam o compromisso assumido pela categoria profissional em

busca da cidadania e igualdade para todos. É necessário não negar as tarefas socialmente

atribuídas, mas dar-lhes um novo tratamento. Um tratamento, como nos diz Iamamoto (1997),

teórico- metodológico e ético- político diferenciado.

Segundo Oliveira (1988, p.91), “[...] ser profissional torna-se dinâmico, revestido de

capacidade modificadora, transformadora de situações sociais. A esta mediação chamar-se-á

práxis” .

Faz-se necessário compreendermos que nossa prática profissional é, também, prática

social e política, tendo a dimensão de práxis social a partir do constante aperfeiçoamento e

capacitação profissional, embasados nos princípios éticos que fundamentam nossa ação, a

qual se dá nas e com as mediações que construímos e utilizamos para agir, intervir e

transformar a realidade social.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que esta pesquisa não traz respostas definitivas, mas esperamos que nossa

reflexão possa contribuir para a construção de um Serviço Social competente, preocupado

com as contradições existentes no seu cotidiano e em constante busca de transformar a

realidade social. Esperamos, também, enfatizar para os profissionais a importância da ética e

de seus princípios como fundamento da práxis profissional na ação mediadora de seu

trabalho.

Nosso principal objetivo na realização desta pesquisa, foi investigar como as

Assistentes Sociais da Prefeitura Municipal de Blumenau incorporam os Princípios Éticos

Profissionais no seu cotidiano profissional. Esta investigação teve a finalidade de oportunizar

informações sobre a prática profissional do Serviço Social e seu processo de trabalho, de gerar

novas informações sobre os princípios éticos profissionais e sua efetivação, e de fornecer

subsídios para os profissionais das diversas áreas - sejam públicas ou privadas - no que diz

respeito ao Código de Ética dos Assistentes Sociais, sua execução no cotidiano profissional e

seu impacto na profissão.

Nossa hipótese era que os Assistentes Sociais visualizam o Código de Ética como um

código de regras do que lhes é permitido - dever, direitos, relações - não relacionando os

Princípios Éticos em sua amplitude e importância no cotidiano profissional e na construção e

efetivação de um projeto-ético-político.

Ainda outras questões nos embasaram no decorrer do desenvolvimento deste trabalho,

entre estas: Como os Assistentes Sociais vêm colocando em prática os princípios éticos

profissionais? Qual a possibilidade colocada no atual contexto para que seja possível realizar

a prática profissional sem ignorar tais princípios? Como não se deixar levar no cotidiano

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profissional por uma prática burocratizada, por ações de caráter imediatista, dissociadas de

uma reflexão teórica? Como os Assistentes Sociais, em seu cotidiano de trabalho, poderão

contribuir para a construção de uma sociedade que reconheça a liberdade, a dignidade e a

igualdade para todos? Como responder a estas questões no contexto das políticas públicas

hoje?

Não vem ao caso, aqui, elaborar receitas ou respostas prontas. Nossa intenção,

realmente, foi trazer uma reflexão que contribua com os colegas Assistentes Sociais para que

estes possam buscar as respostas a tantas outras questões na sua ação profissional.

Quanto à hipótese que levantamos, deixamos que cada um, ao ler este trabalho, reflita

sobre ela. Para esta reflexão, traremos algumas falas das entrevistadas quando, ao final das

entrevistas, já informadas sobre a pesquisa, foi solicitado que opinassem sobre a mesma.

As perguntas foram difíceis a medida que você não tem claro os princípios éticos, eu ia me sentir muito mais segura para responder se eu tivesse visto rapidamente do que se tratavam os princípios, porque eu não lembro porque a gente não pega para ler, você até faz isto daqui [refere-se aos princípios], mas você não faz com a consciência do que é um princípio ético, você está imbuída de alguns princípios que contidos no código de ética, mas você faz isso aleatoriamente, sem saber. (3)

Ressaltamos que no momento da entrevista não foi mencionado o conteúdo das

perguntas; apenas mencionamos que dizia respeito a questões profissionais, do dia-a-dia do

trabalho, com a intenção de que as respostas fossem as mais espontâneas possíveis, sobre o

conhecimento que tinham do assunto e como colocam os princípios em sua ação profissional.

[...] E legal, também é que com isso a gente aprende, por exemplo, como eu te disse, autonomia, respeito tanto com colegas quanto usuários, isso eu lembro até que eu estudei, mas depois que eu estudei, nunca mais eu peguei para ver na íntegra isso, e com isso a gente aprende, agora eu nunca mais vou esquecer que são onze princípios, até vou procurar estudar mais, e até estar discutindo com as estagiárias que são as meninas que estão em formação, mesmo que elas tenham aula de ética lá, mas para em toda supervisão estar retomando. Por exemplo, eu nunca lembro de a minha supervisora ter associado a estas questões, que estão no código de ética (4)

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Enquanto supervisores de profissionais que estão em formação, temos

responsabilidades neste processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, é importante

entendermos este espaço não só como momentos em que se ensina a “prática” profissional -

pois esta consiste em relacionar tanto teoria e prática num movimento dialético onde uma faça

parte da outra, quanto as mediações nas quais e com as quais trabalhamos - bem como um

momento de aprendizado para nós, profissionais, de aperfeiçoamento e capacitação. Faz-se

necessário compreender a supervisão de estágio como parte integrante de nosso compromisso

ético profissional.

(risos) Meio mal, na verdade assim , a questão do código de ética, [...] eu não tenho o código de ética, eu tenho lá o das minhas colegas que eu acesso, das que trabalham comigo, mas eu não tenho não. Na verdade assim, parar a gente parou para ler e tal, com algumas questões que apareceram, que a gente até fez um documento, citando parte do nosso código, do psicólogo, mas assim, parar para estudar, para ler eu nunca tinha parado. E agora eu vou ler. (8)

Como já mencionamos, não basta a leitura ou a utilização do código em momentos

pontuais. É preciso compreendê-lo e ter claro que seu conteúdo não é meramente normativo,

mas sim, perpassa por todas as nossas ações profissionais.

Considerando o local onde os Assistentes Sociais desenvolvem seu trabalho, no caso

destas entrevistadas, o âmbito público municipal, e o fato de que, hoje, as políticas públicas

estão com seus espaços encolhidos devido aos reflexos da performance de uma política

neoliberal, certamente, a atuação profissional é um grande desafio, muitas vezes motivador,

mas outras, podendo, ser até decepcionante por se perceber impotente diante das limitações

conjunturais, institucionais, políticas, entre outras.

Também devemos refletir ainda que, no âmbito dos serviços públicos, independente da

esfera governamental, sempre haverá à frente os objetivos daqueles que estão no poder, o qual

não é definitivo, pois o processo eleitoral tende sempre a estar mudando os ocupantes destes

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cargos, enquanto nós, como tantos outros profissionais do serviço público, estaremos dando

continuidade ao nosso trabalho.

Por isso, é importante salientar o nosso projeto ético-político enquanto profissão, na

defesa dos nossos princípios éticos profissionais. Mesmo que, muitas vezes, sejamos

simpatizantes de uma filosofia político-partidária, esta não deve ser a nossa visão profissional,

pois as forças que regem a política partidária são diversas, são lutas pela detenção de poderes,

que podem, sim, estar vestidas de ideais próximos aos nossos, mas que se dão por outros

caminhos.

Outro fator para se refletir nos Serviços Públicos é que, não raras vezes, a direção do

trabalho dos Assistentes Sociais se dá por meio da leitura de outros profissionais, sem

questionar sua competência. É pertinente deixar claro que se nós, enquanto categoria, não

tivermos discernimento dos nossos princípios éticos profissionais para, então, defendê-los e

colocá-los em nossas ações, poderemos estar realizando um trabalho apenas burocrático,

tecnocrata e meramente mediador entre objetivos institucionais e necessidades da população,

sem dar respostas a esta. Isto também é relevante quando nós estivermos à frente da direção

de um trabalho, coordenando-o.

Não se trata de sugerir uma prática profissional corporativista, pois, como já discutido

neste trabalho, devemos nos organizar enquanto categoria dos trabalhadores e nos inserir na

defesa desta. Trata-se, sim, de enaltecer uma profissão que tem sua importância na divisão

sócio-técnica do trabalho, mas que, infelizmente, ainda não se percebe como tal, tendo em

vista que enquanto trabalhadores nos serviços públicos, é possível não sermos aceitos por

aqueles que estão no poder devido defendermos nossos ideais e filosofias.

Se não compreendermos a dimensão do nosso trabalho e buscarmos nos capacitar para

a execução dele, dificilmente traremos alguma resposta para todas as questões levantadas.

Entender os princípios éticos profissionais e inseri-los no nosso processo de trabalho, não

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apenas como conteúdo teórico, mas enquanto construção de nossas ações, nos possibilitará

ampliar nossos horizontes profissionais e traçar um caminho muito mais consistente para a

realização de nosso projeto ético-político.

Para realização do nosso trabalho, se fazem necessárias Assistentes Sociais

competentes. Entretanto, esta competência não se resume a “ fazer bem”, mas diz respeito às

competências teórica, ética, técnica e política. Para alcançar este objetivo, é preciso

profissionais comprometidos com seu trabalho, participativos, incentivadores da participação

profissional e dos usuários dos serviços e que estejam em busca de constante aperfeiçoamento

e capacitação, temas que já foram abordados no contexto deste trabalho. Outras categorias

importantes discutidas aqui foram aquelas que são a base dos princípios éticos, do Código de

ética e da profissão: a cidadania, democracia, liberdade e justiça social.

Temos claro que em consonância com os princípios éticos profissionais estão nossos

princípios pessoais e humanos, aqueles advindos da nossa cultura, da nossa trajetória e que,

por se tratar de serviços públicos, sempre haverá interesses diversos, até mesmo pessoais, por

trás de interesses profissionais. Neste sentido, termos claros os objetivos de nossa profissão, o

nosso projeto ético-político nos diferenciará de pessoas que colocam à frente de tudo apenas o

interesse por alcançar o poder. Deixamos claro que existe uma diferença neste poder: o poder

que é exercido pela força da intimidação – dos tiranos - e aquele que é exercido pela conquista

através de ideais - dos chamados líderes.

Com a contribuição de todos os estudos, através de pesquisas ou experiências

profissionais, chegaremos à conclusão de que sempre será necessário estar revendo e

atualizando nossas bases conceituais/teóricas e, até, o próprio Código de Ética Profissional. O

simples fato de concluirmos esta possibilidade e necessidade de mudanças já denota

preocupação com o constante aperfeiçoamento e capacitação profissional.

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Não podemos deixar de mencionar a importante participação e atuação dos órgãos de

organização e discussão da categoria, em especial o conjunto CFESS/CRESS, que tem

buscado trazer para o contexto profissional discussões a respeito da profissão e da conjuntura

vivenciada hoje por esta. Importantes contribuições são o Projeto Ética em Movimento e o

curso de capacitação para Agentes Multiplicadores, que têm ampliado o debate da Ética no

âmbito da ação profissional. Esperamos que esta ação seja intensificada e possa alcançar a

todos os profissionais Assistentes Sociais que atuam tanto nas políticas públicas quanto em

outras áreas, fazendo com que o Código de Ética, realmente, seja compreendido por todos

enquanto um importante instrumento nas mediações de nosso trabalho.

Salientamos a importante contribuição que as entrevistadas nos deram para a execução

desta pesquisa, sem a qual seria impossível realizar este estudo. Enquanto profissionais

também trabalhamos com as Políticas Públicas Sociais e nos incluímos nas angústias e

dificuldades das demais profissionais.

Esperamos que este trabalho não seja um ponto final no estudo sobre o tema,

tampouco que sua leitura e utilização sejam por mera curiosidade. Pretendemos que este possa

ser um estímulo para novos trabalhos, quer afirmando e concordando conosco ou nos

mostrando novas visões desta realidade, bem como, que possa ser útil para a reflexão não só

daqueles que estão atuando nas políticas Sociais, mas também para que possamos rever como

está sendo discutida a Ética profissional nas academias.

Considerando que neste trabalho temos profissionais formadas em períodos diversos,

nos quais podemos perceber uma fragilidade quanto à forma como foi ensinada esta disciplina

e a importância dada a ela, lembramos que a questão da Ética Profissional não é de

responsabilidade de uma única matéria, mas sim, de todo o curso.

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Pretendemos que este possa servir para auxiliar os profissionais de Serviço Social de

todas as áreas de atuação como reflexão de seus processos de trabalho, com ele contribuir e

também para a formação de novos profissionais, visando ampliar nosso campo de trabalho e

valorizar nosso fazer profissional enquanto categoria que se preocupa com sua especialização

e contribuição para a construção de uma sociedade mais justa, onde não haja “dominação,

exploração de classe, etnia e gênero” . Uma sociedade que reconheça a liberdade e defenda os

direitos humanos, a consolidação da cidadania e da democracia.

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APÊNDICE 1

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QUESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇAO DOS ASSISTENTES SOCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE BLUMENAU

Nome:

Idade:

Sexo: ( ) feminino ( ) masculino

Estado civil: (se possui companheiro (a) ou não)

Número de filhos:

Ano em que se formou no curso de Serviço Social:

Universidade em que se formou:

Possui cursos de pós-graduação? ( )sim ( )não

Qual?

Ano de início do exercício profissional como Assistente Social:

Ano de início do exercício profissional como ASSISTENTE SOCIAL na Prefeitura Municipal

de Blumenau:

Atualmente, exerce cargo de coordenação, chefia (ou outra atividade que não diretamente de

Assistente Social)

Horas trabalhadas na PMB dia/ semana:

Exerce outra atividade profissional: Qual? ( )sim ( )não

Possui outro vínculo empregatício como assistente social:

Secretaria a que está vinculada:

Local de trabalho (ou programa)

Principais características da atividade executada:

Principais características da população atendida:

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APÊNDICE 2

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ROTEIRO PARA ENTREVISTA

PERGUNTAS GERAIS: Assistente social :_______ entrevista______

1) O curso de Serviço Social que você freqüentou, o conteúdo das disciplinas, contribuiu e

preparou suficientemente na formação teórico-metodológica para um bom desempenho

profissional ?

2) Qual foi a importância dada pelo curso à disciplina de ética durante o período de sua

formação acadêmica? Qual é a sua avaliação sobre a importância desta disciplina?

3) O que você entende ser a "prática política profissional" e qual sua importância no

cotidiano dos assistentes sociais?

4) Como você avalia o nível de organização da categoria dos assistentes sociais da PMB e

em geral?

5) A atual administração da PMB (governo popular) tem facilitado a execução das políticas

públicas? Como você avaliaria esta questão?

6) Aponte alguma situação em que teve que recorrer ao Código de Ética profissional ? E qual

a importância deste para a sua prática profissional?

7) O que você considera princípio ético?

8) Você saberia citar um dos princípios éticos do Código de Ética atual?

9) Como você define o projeto ético-político profissional ao qual o código de ética se refere?

Conhece este projeto? (8o. princípio)

10) O que você entende por cidadania e qual a relação desta com o Código de Ética do

Serviço Social? (3o.princípio)

11) O que você entende por mediação e qual sua importância para o Assistente Social?

(relação entre práxis e mediação?)

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12) Como você entende o papel do Estado em relação às políticas públicas? Como está e

como deveria ser?

PERGUNTAS ESPECÍFICAS:

1o. princípio: “ autonomia , emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais”

13) O que você entende por autonomia e emancipação?

14) Você tem autonomia para atuar profissionalmente, já se sentiu limitado em relação a sua

liberdade de atuação?

(para planejar , executar e avaliar)

2o. princípio: “ defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítr io e do

autoritarismo”

15) Já vivenciou em seu cotidiano profissional uma situação em que teve que se colocar numa

postura de recusa do arbítrio e/ou autoritarismo ou em defesa dos direitos humanos? (De

quem, em relação a quem, ou o quê).

3o. princípio: “ da ampliação e consolidação da cidadania, considera tarefa primordial

de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes

trabalhadoras.”

16) Como no seu cotidiano profissional você trabalha para efetivar a consolidação da

cidadania considerando as desigualdades sociais?

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4o. princípio: “ Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da

participação política e da riqueza socialmente produzida.”

17) O que você entende por democracia e como a relaciona a sua prática profissional?

18) O que entende por "socialização da participação política e da riqueza socialmente

produzida"?

5o. princípio: “ posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, de modo a

assegurar a universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e

políticas sociais, bem como sua gestão democrática.”

19) Como você repassa e trabalha com a questão da universalidade junto com a população

usuária dos serviços sociais?Observar: tendo em vista os limites de recursos e os critérios

de inclusão,ou não há limites nem critérios?

20) Como ocorre a participação dos profissionais e usuários nas decisões em relação às

políticas sociais? Observar: se existe incentivo à participação.

6o princípio ” empenho na eliminação de todas as formas de preconceitos, o respeito à

diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e a discussão das

diferenças.”

21) Quando uma postura ou atitude é considerada um ato de discriminação?

22) Exemplifique uma situação em que foi necessário lidar com preconceitos, como você

descreve sua atitude profissional e ou pessoal?

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7o princípio: “ garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais

democráticas existentes e suas expressões teóricas, e do compromisso com o constante

aprimoramento intelectual.”

23) Supondo que você tenha que trabalhar com outros profissionais que não possuem a mesma

concepção político-teórica profissional que você, como você reagiria e como defenderia a

sua postura teórico política profissional?

8o princípio: “ opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção

de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero.”

24) O que você entende por "uma nova ordem societária" que integre o 8o. princípio do

Código de Ética dos Assistentes Sociais?

9o.princípio : “ articulação com os movimentos sociais de outras categorias profissionais

que partilhem dos princípios deste código e com a luta geral dos trabalhadores”

25) Você tem participado de algum movimento , associação, sindicato, fóruns de discussão ,

formulação , controle das políticas públicas ou outros ?

26) Qual tem sido o papel dos movimentos sociais , ong (s) , associações em relação ao

âmbito das Políticas Públicas?

10o. Princípio: “ Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e

com o aprimoramento intelectual na perspectiva da competência profissional.”

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27) O que você entende por competência profissional?Como investe na sua capacitação?(De

quem é a responsabilidade do investimento, da instituição ou do Assistente social apenas?)

28) Na defesa das políticas públicas e dos direitos sociais o que é ter compromisso com a

qualidade dos serviços prestados?

11o. princípio: “ exercício do serviço social, sem ser discriminado, sem discriminar por

questões de inserção de classe social, gênero, etnia , religião, nacionalidade, opção

sexual, idade e condição física.”

29) Você já se sentiu excluído, discriminado no seu ambiente de trabalho? Por parte de quem?

Como agiu ou age nesta situação?

30) Você já presenciou algum tipo de exclusão ou privilégio em relação a assistentes sociais

que extrapolou o âmbito da competência profissional? Quais os privilégios e exclusões

que ocorrem com mais freqüência no âmbito das políticas públicas?

31) Você acredita que incorpora os princípios éticos no seu cotidiano profissional? Como?

32) Dentre os onze princípios, quais os que mais estão relacionados a sua prática profissional?

(Repassar os 11 princípios éticos ao entrevistado para poder ter noção do todo e responder

à questão.)

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APÊNDICE 3

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PLANEJAMENTO DE PESQUISA

TEMA O projeto ético político profissional do Assistente Social OBJETO Os princípios éticos políticos profissionais do Assistente Social e sua

incorporação na prática profissional SUJEITOS Os Assistentes sociais da Secretaria Municipal de Assistência social

de Blumenau- SC OBJETIVOS GERAL:

Investigar como os Assistentes Sociais da SEMAS incorporam os princípios éticos profissionais no seu cotidiano profissional

HIPÓTESE Os Assistentes Sociais da prefeitura Municipal de Blumenau buscam a efetivação da ética em sua prática cotidiana de maneira muito geral, talvez não compreendendo os princípios éticos em sua amplitude e importância.

OBSERVAÇÕES - universo de pesquisa: Prefeitura Municipal de Blumenau; - Amostra : ??% dos profissionais , os com mais tempo de trabalho na Prefeitura; - Instrumentos de coleta de dados: entrevista semi - estruturada, observação de documentos; - Análise e interpretação dos dados.

QUESTOES DE PESQUISA

-Qual a importância do código de ética no cotidiano profissional? -Como os assistentes sociais incorporam na prática os princípios éticos profissionais? -Como a instituição possibilita aos profissionais a incorporação dos princípios éticos profissionais? -Qual é o nível de conhecimento que os assistentes sociais tem do código de ética?

PARÂMENTROS CONCEITUAIS

-liberdade; -Democracia ;

-cidadania VARIÁVEIS -Cidadania:

-no conceito liberal; -na perspectiva ampliada

-Liberdade: - como valor ético; - como poder de decisão

Democracia: -representativa; -participativa

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INDICADORES Liberdade: -autonomia; -liberdade com igualdade;

-livre arbítrio; emancipação; -plena expansão dos indivíduos sociais; -individualismo; -decisões individuais; -postura de que nada se pode fazer; -postura de que se pode tudo; -construção coletiva; -ver o indivíduo como indivíduo social; -criar novas realidades; -criar e participar de movimentos sobre questões latentes; -visualizar as diferenças entre os indivíduos; -o pouco é muito para quem nada tem -ser contra ao abuso de autoridade; -nada fazer diante do abuso de autoridade; -aceitar as imposições e ordenas dos que estão no poder; -respeito à igualdade de direitos; -diferenciar os atendimentos julgando que cada um é diferente do outro; -respeito à legalidade sem se importar com a igualdade de direitos; -atuar com parâmetros e crivos pessoais, balizados por seus valores religiosos e morais; -reconhecer os direitos e preferências dos assistentes sociais e usuários; -preconizar o respeito à diferença; -incentivar o respeito à diversidade; -acreditar que todas as posições teóricas e políticas se equivalem; -aceitar as posições diversas teóricas e políticas, mas não aceitar a discussão das mesmas; -bloquear o fluxo de idéias e debates , não permitindo aos que possuem diferentes concepções teóricas e políticas que manifestem suas opiniões; -mover-se pela paixão em discussões teóricas e políticas, neutralizando a razão; -Não permitir uma concepção pluralista com hegemonia a respeito das diferenças teóricas e políticas que possam existir; -enfrentamento das desigualdades sociais; -postura de enfrentamento,resistência e indignação frente as barbáries do sistema capitalista; -postura de aceitação da atual sociedade; visando apenas garantia a própria subsistência; -manter atenção as distintas determinações do ser social, etnia e gênero; -não manter distinção as peculiaridades das situações, tornando-se rígido e estritamente administrativo e burocrático no seu fazer profissional; -oportunizar a contemplação da perspectiva da totalidade; -ver apenas as individualidades de cada situação micro; -não reconhecer as contradições existentes na sociedade para decifra-la; -construção de um novo projeto societário preconizando uma sociedade sem dominação e exploração de classe, etnia e gênero; -lutar por um serviço social conservador e plural; -posicionamento crítico em relação a barbárie, a desumanização, exploração e aviltamento da vida da maioria da população brasileira; -se entregar a desesperança e apatia quando o trabalho se tornar difícil;

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-ter como competência às exigências burocráticas e administrativas; -ter como competência às regras, a disciplinas ,a hierarquia,o cientificismo,e a neutralidade; -ter como competência o investimento na reflexão e produção de um saber e prática, críticos; -sintonizar a prática com as lutas históricas e as prioridades sociais; -apostar na relação entre teoria, política e ética; -desmembra a teoria a política e a ética; -atuar como mediador entre os conflitos sociais; -atuar em defesa de um sem se importar com as conseqüências ; -negar a prática da mediação e articulação; -interiorizar os valores e os princípios éticos; -atuar sem se preocupar com as questões éticas; -ser suscitador de novas posturas e projetos de intervenção; -investir na capacitação profissional; -capacitação é apenas cursos de aperfeiçoamento técnico; -capacitação é também se manter atualizado em sua leitura técnica, participar de fóruns e eventos alem de cursos; -suscitar a necessidade do novo e investimentos na capacitação profissional; -não há necessidade de capacitar-se, pois saímos prontos da universidade para atuar em qualquer área do serviço social; -não se capacitar, pois na prática não há necessidade de novos conhecimentos; -lutar sem estratégias e de maneira não política e não mediadora, não se importando com as conseqüências; -não se importar com sua construção pessoal, apenas com o profissional; -requer a participação consciente e ativa, seja em fóruns, espaços coletivos de discussão e formulação de políticas públicas; -ter noções de responsabilidade, disciplina e dever; -não se preocupar com as responsabilidades, disciplinas e dever; -a competência é algo pronto e acabado; -a competência é produto do espontaneismo e de modelos prontos e pré-definidos; -a competência é algo que se obtém na empreitada solitária dos indivíduos; -a competência é uma experiência gradual e compartilhada, interseccionada pelas condições e circunstancias do trabalho; -os componentes do trabalho podem ser limitadores ou favorecedores do competente desempenho profissional; -as condições de trabalho nada têm haver com a competência profissional; -Respeitar as diferenças dos usuários; -Respeitar as diferenças dos assistentes sociais; -retorno as tendências privatistas e/ou individualistas das experiências e formulações éticas; -acreditar nas verdades absolutas; - crítica ao preconceito; -respeitar o direito a identidade; -respeitar a identidade de direitos

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cidadania:

-equidade; -justiça; -mínimos sociais; -atendimento as necessidades básicas; -universalização dos direitos sociais, políticos; civis; -direito a propriedade; -atendimento imediato e emergencial; -aceitação dos limites de recursos; -demonstrar as demandas lutando pela ampliação de recursos; -aceitar os interesses institucionais; -aceitar os interesses dos indivíduos. -luta em favor dos direitos humanos; -incentivar a violência como resposta à violência; -defesa da justiça social; -implementar programas e políticas para viabilizar maior inclusão dos cidadãos; -buscar a diminuição do numero de cidadãos nos programas sociais através de critérios de seletividade mais restritivos; -incentivar a participação em grupos discriminados; -incentivar a discriminação; -ter em vista a concepção de classe, etnia, gênero ; -defesa das políticas públicas; -defesa da qualidade dos serviços prestados; -garantia a efetivação dos direitos sociais; -compromisso com as necessidades e prioridades sociais; -permitir que se capte as distintas formas de conflitualidade, demandas, interesses que integram o esforço e a manifestação da sociabilidade dos indivíduos; -defender a ampliação da cidadania; -entender cidadania como a garantia de mínimos sociais; -acesso a condições de trabalhos condignas; -não se importar com as condições de trabalho, apenas com seu salário; -se preocupar com o repasse de recursos e não com a forma como são repassados; -se conformar e acomodar para não perder o emprego, -aceitar que as políticas e programas venham prontos para ser executados, planejados pelos que estão no poder; -defesa de qualidade de serviços tem haver com presteza no oferecimento de programas e na realização do próprio serviço social; -defesa na qualidade de serviços tem haver com espaço físico e recursos suficientes; -defesa da qualidade de serviço é uma luta individual; -defesa na qualidade de serviços é uma luta coletiva dos profissionais de serviço social; -superação de perspectivas reducionistas e unilaterais como praticismo, teoriscismo, ecletismo e o voluntarismo; -os assistentes sociais não possuem direitos apenas deveres; -Justificar as exclusões e privilegiamentos; -nada justifica as exclusões e privilegiamentos;

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democracia:

-igualdade de direitos; -acesso igual as políticas pública; -distribuição de renda e riquezas produzidas; -controle dos recursos públicos; -tutela da população usuária; -sujeito subalternizado; -participação do sujeito; -direito de escolher seus representantes; -voto; -aceitar a desigualdade como algo natural; -entender as desigualdades como algo imposto pela atual forma de sociedade; -cultura humanista e democrática; -tratar diferente os diferentes; -lutar a favor do acesso igualitário de todos aos seus direitos sociais; -democratizar o acesso aos serviços sociais; -apoio à sociedade civil na luta em prol da universalização de acesso as políticas sociais; -apoio para que a sociedade civil assuma integralmente as políticas sociais; -dar maior valor aos próprios valores e padrões culturais e morais, sobrepondo-os aos dos outros; -invocar a neutralidade; -aceitar a liberdade de discussão e críticas quanto as diferentes posições teóricas e políticas; -travar rivalidades pessoais com os que possuem diferentes posições teóricas e políticas; -tornar-se neutro em relação as diferentes posições teóricas e políticas; -confrontar opiniões e argumentos sem agressividade e intolerância; -defender a supremacia de uma determinada concepção teórica e política; -Não admitir controvérsias , polêmicas e debates a respeito de diferentes concepções teóricas e políticas; -criar uma convivência respeitosa e produtiva entre todas as concepções teóricas e políticas; -Não permitir a atuação de outras correntes diferentes , pois isto criaria conflitos e tensões; -militância política junto a várias entidades e atores da sociedade civil; -reexaminar e aprimorar nossa contribuição político – profissional; -contribuir para a contra ofensiva ao neoliberalismo; -intensificar a participação nos fóruns de discussão, formulação e controle social das políticas públicas; -ter compromisso com o empregador; -ter compromisso com a classe trabalhadora; -vinculação com os usuários dos serviços sociais; -não se preocupar com a qualidade dos serviços prestados;