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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
CILENE KOSMANN
SERVIÇO SOCIAL NO JUDICIÁRIO: a utilização de procedimentos profissionais e
processuais como garantia de acesso à justiça
FLORIANÓPOLIS2006
2
CILENE KOSMANN
SERVIÇO SOCIAL NO JUDICIÁRIO: a utilização de procedimentos profissionais e
processuais como garantia de acesso à justiça
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – Mestrado, da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social.
Orientadora: Dra. María Del Carmen Cortizo
Florianópolis2006
3
CILENE KOSMANN
SERVIÇO SOCIAL NO JUDICIÁRIO: a utilização de procedimentos profissionais e
processuais como garantia de acesso à justiça
Dissertação aprovada, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Serviço Social
pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – Mestrado, da Universidade Federal de
Santa Catarina.
Florianópolis, 13 de março de 2006.
_______________________________________Prof.ª Dr.ª Catarina Maria Schmickler
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - UFSC
_______________________________________Prof.ª Dr.ª María Del Carmen Cortizo
Departamento de Serviço Social - UFSCOrientadora
_______________________________________Prof.ª Dr.ª Eunice Terezinha Fávero
Centro de Ciências Humanas – UNICSUL Primeira examinadora
_______________________________________Prof.ª Dr.ª Regina Célia Tamaso Mioto
Departamento de Serviço Social - UFSCSegunda examinadora
Florianópolis, março de 2006
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, presença constante em minha vida.
Ao Fernando, pelo seu apoio incondicional para a realização desse trabalho, pelo amor e
paciência demonstrados em minha ausência forçada decorrente da distância a ser percorrida para
concretizar esse sonho.
Aos meus pais, exemplo de superação e ao meu irmão, pelo carinho.
À amiga Marisete, pelo incentivo, troca, leitura e sugestões preciosas, bem como pelo seu
carinho e amizade incondicionais.
À minha orientadora, Profª. Dra. María Del Carmen Cortizo, pelo apoio e atenção
dispensados para meu aprimoramento profissional.
À Cleide, pela amizade construída nas vivências do Mestrado, onde aprendemos a dividir
angústias e tensões, bem como somar alegrias e entusiasmo.
Às amigas distantes: Elis, pelo estímulo ao aprimoramento pessoal e intelectual; Mara,
exemplo de determinação. Tê-las conhecido engrandeceu minha vida.
À querida Léia, obrigada pelas inúmeras acolhidas e pela sincera amizade.
Ao Juiz, Dr. Vilmar Cardozo, pelos diálogos frutíferos e por depositar tamanha confiança
em meu trabalho. Obrigada pelas inúmeras lições jurídicas e de vida.
As colegas assistentes sociais forenses do Grupo de Estudos do Extremo-Oeste, pelo
incondicional apoio. Sem vocês essa dissertação não seria concretizada.
Aos colegas e amigos, que ficam no anonimato, não em função de importância, mas pela
impossibilidade de citar todos.
6
RESUMO
O presente trabalho consiste no estudo acerca da utilização de procedimentos profissionais e processuais como garantia de acesso à justiça por parte do assistente social no âmbito do Poder Judiciário em Comarcas de entrância inicial localizadas no Extremo-Oeste do Estado de Santa Catarina. Objetivou-se trazer a temática dos procedimentos utilizados através da análise de estudos sociais, bem como a sua contribuição para processos emancipatórios ou que, por vezes, reafirmam o controle e a coerção social. Desvelar tal objeto exigiu a reconstrução de algumas categorias teóricas, como: acesso à justiça, trajetória histórica do Serviço Social, função do Poder Judiciário, atos processuais e profissionais. A pesquisa assumiu enfoque qualitativo, através de técnicas e instrumentais, tais como: revisão bibliográfica, análise documental e análise de conteúdo. Os resultados da pesquisa apontam que o assistente social, ao atuar no Judiciário, garante à demanda usuária o acesso a direitos através do conjunto de conhecimentos teórico-metodológicos e ético-políticos inerentes a sua ação profissional nesse espaço institucional. Entretanto, verificou-se que os estudos sociais excedem no que se refere ao aspecto descritivo, com analises sincrônicas, apresentando reduzida relação teórica e legal, mas apresentado compromisso com os princípios éticos. Assim, o debate acerca do acesso à justiça, fomentado pelo discurso contido nos estudos sociais, com ênfase na parte procedimental, revelou que as formas de controle e emancipação contidas na ação profissional são expressões manifestas do próprio desenvolvimento histórico do Serviço Social. Portanto, o controle encerrado nos estudos sociais deve ser visualizado como possibilidade de assegurar condições a sobrepujar a realidade em que os sujeitos estão envolvidos, de modo a desenvolver-se processos emancipatórios, os quais se consubstanciam na garantia de acesso à justiça.
Palavras-chave: acesso à justiça, estudo social, Serviço Social, emancipação e controle.
7
ABSTRACT
This present work consists in a study about the professional and process proceedings utilization in order to assure the Social Workers justice access at the Court of Law in the extreme west of Santa Catarina State. Its purpose is to bring about the utilized proceedings through the social studies analysis, as well as, its contribution to the emancipatory process or that, sometimes, reaffirms the control and the social coercion. To reveal this we had to rebuild some theoretical categories, such as: justice access, Social Work historical trajectory, justice power function, professional and process proceeding ways. For that, we made a qualitative research, using techniques and instrumentals such as: bibliographic review, documents and subjects analysis. The research results showed us that the social assistant , when working in juridical, search to assure to the using demand the rights access through the theorical-methodological and ethical-political knowledge that concerns the social workers in its professional action in this institutional field. Therefore, we verified that the social studies exceed what refers to descriptive aspect, with synchronic analysis, presenting reduced theory and legal relation, but it also presents compromise with ethics principles. This way, the debate about the justice access, promoted by the social studies discourse, with emphasis in the procedures part, revealed that control ways and emancipation in the professional action are manifested expressions of the Social Work on its own developing. Moreover, the social studies control must be visualized as a possibility to assure involved people’s realities improvement, this way developing emancipatory processes and its consolidation to assure justice access.
Keywords: Justice Access; Social studies; Social Work; Emancipation; Control.
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – Espécies de Processos...................................................................................... 104
Tabela 02 – Tipos de Processos........................................................................................... 106
Tabela 03 – Estrutura dos Estudos Sociais.......................................................................... 108
9
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço SocialACASPJ – Associação Catarinense das Assistentes Sociais do Poder JudiciárioCF – Constituição FederalCFESS – Conselho Federal de Serviço SocialCNCGJ – Código de Normas da Corregedoria-Geral de JustiçaCPC – Código de Processo CivilCRESS – Conselho Regional de Serviço SocialECA – Estatuto da Criança e do AdolescenteGP – Gabinete da PresidênciaGE-ExO – Grupo de Estudos do Extremo-OesteLCE – Lei Complementar Estadual LOAS – Lei Orgânica da Assistência SocialOAB – Ordem dos Advogados do BrasilSTF – Supremo Tribunal FederalSTJ – Superior Tribunal de JustiçaTJSC – Tribunal de Justiça de Santa CatarinaUFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 12
1. O ACESSO A JUSTIÇA SOB O ASPECTO SÓCIO-JURÍDICO............................ 16
1.1 – Acesso à Justiça.......................................................................................................... 161.1.1- A função do Poder Judiciário..................................................................................... 181.1.2- Primeiro período......................................................................................................... 221.1.3- Segundo período......................................................................................................... 241.1.3.1 – Acesso à Justiça na Perspectiva dos Direitos Humanos ........................................
27
1.1.4- Terceiro período......................................................................................................... 291.2– Óbices ao Acesso à Justiça......................................................................................... 311.2.1 – Acesso à Justiça no Brasil......................................................................................... 361.2.2– Algumas formas alternativas de acessos à justiça..................................................... 42
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL E A SUA INTERFACE COM O CAMPO PROFISSIONAL SÓCIO-JURÍDICO......................
45
2.1 - Serviço Social: breve resgate histórico acerca da gênese da profissão.................. 452.2 – Serviço Social no Brasil............................................................................................. 532.3 - Serviço Social no Judiciário: reconstruindo o percurso histórico-operativo........ 582.3.1 – Do inquérito social ao estudo social ........................................................................ 602.3.2 – O Serviço Social no Poder Judiciário Catarinense................................................... 692.3.3 – Os desafios do profissional de Serviço Social no Judiciário na atual conjuntura
social......................................................................................................................... 742.4 – Serviço Social: procedimentos profissionais e processuais.................................... 782.4.1 – Os procedimentos próprios da profissão................................................................... 782.4.2 - Os procedimentos do processo judicial.................................................................... 812.4.2.1- Atos processuais...................................................................................................... 862.4.2.2- O estudo social enquanto ato processual................................................................. 872.4.2.3- Impedimento e suspeição do Assistente Social...................................................... 91
3 O SERVIÇO SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM O ACESSO À JUSTIÇA............. 93
3.1- Metodologia da Pesquisa............................................................................................ 933.1.1 – Tipo de Pesquisa....................................................................................................... 94
11
3.1.2 - Técnica.................................................................................................................... 953.1.3 - Instrumentais e Objeto da Pesquisa......................................................................... 973.1.4- Categorização............................................................................................................. 1003.1.4.1 – Acesso a Justiça..................................................................................................... 1013.2 – Discussão dos Resultados: Interpretação da Realidade Interventiva................... 1043.2.1 – Categoria Central - Acesso à Justiça....................................................................... 1093.2.2 – Subcategoria - Subsídios teóricos, éticos e legais.................................................... 1163.2.3 - Subcategoria - Instrumento utilizado: adequação à finalidade esperada................. 1173.2.4 - Subcategoria - Apreensão do processo social material que constitui os sujeitos
sociais envolvidos no processo............................................................................... 121
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................. 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 130
APÊNDICE......................................................................................................................... 138
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho acadêmico intitulado “Serviço Social no Judiciário: a utilização de
procedimentos profissionais e processuais como garantia de acesso à justiça”, apresentado ao
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina para
análise da banca examinadora, tem por finalidade discutir a problemática do uso de
procedimentos processuais e profissionais do assistente social no campo judiciário e na garantia
do direito de acesso à justiça.
Primeiramente é importante evidenciar que o interesse pela temática ocorreu em virtude
da inserção da autora na esfera do Poder Judiciário há mais de quatro anos. Essa experiência fez
surgir reflexões e indagações em torno do exercício profissional do assistente social nesse
campo. Deve-se consignar que com a admissão no Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da Universidade Federal de Santa Catarina, obteve-se terreno fecundo para o
aprofundamento dessa temática.
Para tanto, evidenciam-se as mediações possíveis e a relevância do assunto no Serviço
Social na contemporaneidade, uma vez que o campo sócio-jurídico tem-se apresentado enquanto
espaço de especialidade e possibilidade para a atuação profissional, despertando indagações junto
13
aos profissionais que apresentam interesse na prática sócio-jurídica. Entretanto, é fundamental
registrar que debates e reflexões em torno da prática do assistente social no campo sócio-jurídico1
vêm se fazendo presentes apenas nos últimos anos com a publicação de livros, dissertações e
teses, tendo como principal alavanca a edição do primeiro número especial da Revista Serviço
Social e Sociedade, nº. 67, no ano de 2001, intitulado “Temas Sócio-Jurídicos”. A inclusão de tal
assunto também ocorreu nas sessões temáticas do 10º e 11º Congresso Brasileiro de Assistentes
Sociais – CBAS em 2001 e 2004, respectivamente; e no 1º Encontro Nacional Sócio-Jurídico, em
setembro de 2004.
Iamamoto (2004) recentemente em artigo publicado afirmou:
O trabalho do assistente social na esfera sociojurídica tem adquirido pouca visibilidade na literatura especializada e no debate profissional das últimas décadas. Todavia, a atuação nessa área dispõe de larga tradição e representatividade no universo profissional. A presença do Serviço Social na área sociojurídica acompanha o processo de institucionalização da profissão no país (IAMAMOTO, 2004, p. 261-262) (sic).
Nessa mesma perspectiva, Fávero (2003) também analisa:
Ainda que o meio sócio-jurídico, em especial o judiciário, tenha sido um dos primeiros espaços de trabalho do assistente social, só muito recentemente é que particularidades do fazer profissional nesse campo passaram a vir a público como objeto de preocupação investigativa (FÁVERO, 2003, p. 10).
Assim, o debate deste estudo, em seu primeiro capítulo, abordará conceitos atrelados à
categoria acesso à justiça, visando desvelar como se efetivam no espaço do Judiciário as
1 Campo (ou sistema) sócio-jurídico diz respeito ao conjunto de áreas em que a ação do Serviço Social articula-se a ações de natureza jurídica, como o sistema judiciário, o sistema penitenciário, o sistema de segurança, os sistemas de proteção e acolhimento como abrigos, internatos, conselhos de direitos, dentre outros (FÁVERO, 2003, p. 10).
14
possibilidades dos cidadãos acessarem o conjunto de direitos dispostos nos diversos instrumentos
legais, sua concepção na perspectiva dos direitos humanos e os óbices encontrados, dentre os
quais são citados os de cunho cultural, econômico e social. A discussão acerca do referido
conceito perpassa alguns autores como Capelleti e Garth (1988), Bobbio (1992), Santos (1994),
dentro outros. Nesse aspecto, frisar-se-ão algumas formas alternativas de acesso à justiça que
vem ao encontro da população, como os serviços de mediação e os juizados cíveis e criminais.
No segundo capítulo objetivar-se-á demonstrar o processo constitutivo do Serviço
Social a partir da reconstrução da trajetória histórica da profissão, no bojo das profundas
alterações societárias vivenciadas desde sua gênese, pautadas na análise de Richmond (1950),
Martinelli (2001), Verdès-Leroux (1986) e Netto (2005). Assim, avançando na temática e
traçando o percurso histórico e operativo do Serviço Social no espaço do Judiciário, discurtir-se-á
a presença de assistentes sociais nesse espaço ocupacional e o desenvolvimento de suas práticas
sociais, alicerçados por autores como Richmond (1950), Donzelot (1986), Fávero (1999; 2003;
2004), Iamamoto (1995; 1998; 2001; 2004). No que tange aos procedimentos profissionais e
processuais enfocar-se-á na perspectiva de que sua plena realização deve contemplar aspectos
teóricos, técnicos, éticos e legais.
No terceiro e último capítulo apresentar-se-á a análise e interpretação dos dados da
pesquisa efetuada com assistentes sociais da região do Extremo-Oeste do Estado de Santa
Catarina lotados no Poder Judiciário. A referida pesquisa está embasada no pressuposto
qualitativo, efetivada a partir de instrumentais e técnicas de coleta de dados descritos na
metodologia de pesquisa.
15
Nesse viés em torno da emergência da discussão do campo sócio-jurídico no Serviço
Social, o presente trabalho objetiva discutir o fazer profissional e identificar as particularidades e
possibilidades da prática através da utilização dos procedimentos profissionais e processuais do
assistente social.
16
1. O ACESSO À JUSTIÇA SOB O ASPECTO SÓCIO-JURÍDICO
1.1 ACESSO À JUSTIÇA
O objetivo desse capítulo é discutir a questão do acesso à justiça na perspectiva dos
direitos humanos, desvendando o seu conceito e significado no âmbito do sistema jurídico.
O conceito de acesso à justiça vem historicamente se transformando em virtude do
processo de conquista e de tentativa de efetivação de um conjunto de direitos (individuais e
sociais) que vieram à tona na esteira do Welfare State. Nessa linha argumentativa, a abordagem
proposta parte do reconhecimento de que o exame das transformações que se processaram no
direito e no Estado moderno possibilitam o desvendamento de questões que desencadearam
novas funções ao Poder Judiciário, direcionando-o a novas práticas, onde o direito à igualdade e
ao acesso à justiça tornam–se possíveis dentro de um novo paradigma.
Entende-se por acesso à justiça não somente o ingresso de ações em juízos e tribunais
com a possibilidade de proposição de demandas judiciais, mas também a possibilidade dos
cidadãos terem direito à informação acerca de seus direitos e suas formas de pleito, para assim
exercerem sua cidadania, ou seja, serem reconhecidos enquanto sujeitos de direitos e deveres em
condições de fazer suas escolhas com discernimento.
17
Nessa perspectiva, discutir a temática do acesso à justiça é partir do pressuposto que são
essenciais os canais que possibilitem a participação política e que orientem a população sobre
seus direitos. Capelletti (apud CUNHA, 2001, p. 198) explica: “O direito de acesso às instituições
de Justiça, dentro dos preceitos do Estado contemporâneo, somente será adequadamente exercido
se forem adotados mecanismos que permitam a defesa dos interesses coletivos”.
Nessa perspectiva, é relevante entender o que a etimologia das palavras acesso e justiça
trazem em sua acepção. Segundo o Dicionário Jurídico2, o significado da palavra acesso é
promoção à dignidade ou posto superior. Já o verbete justiça assume o sentido de virtude, pois
consiste em dar a cada um aquilo que é seu, também podendo significar em conformidade com o
direito e conjunto de magistrados e pessoas que servem junto deles, ou mesmo o Poder Judiciário.
Já no Dicionário do Pensamento Social3 (1996, p. 406) encontra-se a seguinte definição de
justiça:
Em seu sentido mais geral, o conceito de justiça exige que cada indivíduo receba o que lhe é devido. Dentro dessa fórmula, podemos distinguir entre justiça formal e material.A justiça formal exige distribuições que estejam de acordo com os critérios ou regras existentes ou aceitos. É geralmente identificada como justiça jurídica ou individual. Isso implica padrões de justiça processual (“rigor processual” ou “justiça natural”), orientados para a equidade e a precisão na aplicação das regras. Acarreta a igualdade formal, caso se assuma que todas as pessoas em uma sociedade ou grupo devem ser tratadas de acordo com as mesmas regras.A justiça material (ou substantiva) diz respeito à identificação dos critérios distributivos adequados (tais como direitos, merecimento, necessidade ou escolha) que constituem concepções rivais de justiça. A justiça material pode justificar desigualdades substantivas de renda ou redistribuição entre diferentes grupos sociais. É em geral identificada como justiça social.
Capelleti e Garth (1988, p. 08) afirmam que:
2 HILDEBRAND, Antonio Roberto. Dicionário Jurídico. São Paulo: J.H. Mizuno. 2004.3 CAMPBELL, Tom. D. Justiça. In: OUTHWAITE, Willian. BOTTOMORE, Tom (org). Dicionário do Pensamento Social do século XX. Tradução de Eduardo Francisco Alves; Álvaro Cabral.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996
18
A expressão ‘acesso à Justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.
Em suma, a questão traz em seu âmago a reflexão sobre a necessidade de ampliação de
mecanismos que facilitem o acesso à ordem jurídica, de modo que os indivíduos possam
realmente acioná-lo e usufruir das garantias legais. Só assim o acesso à justiça tomará contornos
reais e efetividade prática.
O conceito de acesso à justiça, portanto, nos remete primeiramente a discutir a questão
da própria função do Poder Judiciário, haja vista tal temática estar estritamente entrelaçada.
1.1.1 – A Função do Poder Judiciário
O Poder Judiciário juntamente com o Poder Legislativo e Poder Executivo formam a
coluna estrutural do Estado constitucional moderno, cada qual com uma função definida,
autônomos e reciprocamente independentes, conforme o modelo republicano adotado pelo Brasil.
A tripartição do poder do Estado mantida com a Constituição de 1988 trouxe em seu
bojo, conforme Dallari (2002), inovações constitucionais relativas ao Poder Judiciário,
apresentando as linhas básicas de atuação, conforme artigo 92 e seguintes, visando sua
modernização. Para fins de destaque, cita-se a reorganização dos vários organismos que
compõem o Poder Judiciário, como o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça,
19
que assumem novas atribuições4, bem como a competência dos Estados para organização da
justiça, dentre outras (SADEK & ARANTES, 1994).
O Judiciário tem por função prestar a tutela jurisdicional a todos, em consonância com
os ditames constitucionais e legais, além dos costumes, analogia e princípios gerais do direito. A
História demonstra que é da essência desse poder a função judicante. Foucault (1979) apresenta
a organização do aparelho judiciário nos vários períodos históricos da humanidade, desde os
tribunais arbitrais à organização autoritária, sendo esta utilizada como meio de coerção pelos
detentores do poder na época medieval até sua formação contemporânea, sob a influência da
classe burguesa.
No período medieval, o sistema jurídico era extremamente complexo, regido por
diferentes ordenamentos jurídicos. A adoção do Corpus Juris Civilis5 significou o rompimento
com o pluralismo vigente e garantiu um tratamento jurídico universal através da decodificação e
sistematização da produção jurídica, isto é, as leis.
Na época moderna, principalmente a partir da Revolução Francesa e Industrial, é que se
tem o coroamento do Poder Judiciário, quando passou a ser considerado função essencial do
Estado, dentro da divisão de poderes. Contribuiu para isso a classe burguesa, que buscava
implantação de uma ordem legal-racional, pautada no direito formal, na garantia dos direitos
individuais e no equilíbrio entre poderes dentro da nova organização social, política e econômica
que se delineava. No século XIX houve a ascensão do liberalismo, doutrina que defendia a não
intervenção do Estado, centrado no mercado auto-regulável.
4 Sendo que STF passou a ter atribuições predominantemente constitucionais e o STJ foi criado para assumir parte das antigas competências da corte suprema.5 Segundo Cretella Júnior (1994, p. 70): “Chama-se, pois, Corpus Juris Civilis o conjunto do direito romano (oposto ao Corpus Júris Canonici), compilado no século VI da era cristã por ordem do imperador Justiniano e, logo a seguir, posto em vigor em toda parte do império sob seu domínio”.
20
Neste mesmo sentido, as grandes inovações tecnológicas que marcaram o século XIX, e
se expandiram e ampliaram no século posterior, com a exploração de recursos naturais, produção
de bens duráveis e de consumo, tem-se um acelerado processo de concentração e acumulação de
capital.
Nessa esteira, emergem um conjunto de direitos sociais, que trazem à tona uma nova
concepção de se fazer o “Direito” e acabam por transformar algumas concepções jurídicas,
impondo ao Poder Judiciário uma função social frente aos novos direitos sociais que passaram a
ser conflitos jurídicos, decorrentes da nova organização social, política e econômica adotada a
partir da segunda metade do século XX, que se convencionou chamar de Estado de Bem Estar
Social (Welfare State).
Concomitantemente ao desenvolvimento econômico decorrente do avanço tecnológico
que afeta as relações produtivas, tem-se a ampliação, em larga escala, das desigualdades sociais.
As primeiras décadas do século XX delineiam esse cenário através dos movimentos proletários e
das idéias socialistas que passaram a dar visibilidade às conseqüências do modelo econômico que
vigia.
Para Abreu (1997, p. 50), essa situação:
[...] exigia uma presença reguladora do Estado para além da coerção política e do controle da moeda. A regulação estendeu-se gradualmente para o planejamento do desenvolvimento econômico, para a emergência dos novos direitos e para uma possível redistribuição dos excedentes em um contexto de negociação com movimentos sindicais e partidos socialistas.
Portanto, foram os conflitos decorrentes do processo de industrialização que fizeram
surgir a luta por direitos sociais. Em síntese, pode-se afirmar que a emergência de novos direitos
e a reorganização do Estado se deram no bojo do capitalismo e das relações que foram travadas
com a burguesia hegemônica. A conquista desses direitos deve também ser compreendida como
21
decorrência dos reflexos do capitalismo na sociedade e do surgimento do proletariado e dos
partidos socialistas.
A emergência desse modelo econômico está intrinsecamente relacionada com o
amadurecimento de um sistema de produção que foi denominado de fordista. Apesar desse
sistema produtivo buscar a voracidade dos lucros para o empregador através da produção em
série, do acúmulo de grande massa de trabalhadores e da disseminação de uma nova ideologia do
trabalho, acabou involuntariamente desencadeando o agregamento dos trabalhadores e
conseqüentemente a sua organização política na busca de melhores condições de vida, o que
levou a uma ação interventiva estatal, de modo a atender, ou ao menos amenizar, as precárias
condições em que se encontravam os segmentos sociais excluídos (HARVEY, 2003).
Percebe-se que a complexificação das relações econômicas e as vertiginosas
transformações nas relações sociais propiciaram a necessidade de um Estado interventor. No
âmbito do direito há uma expansão da legislação de cunho social, bem como a adoção de
julgados pelos tribunais, ou seja, decisões concessivas de direitos sociais.
Em decorrência desse conjunto de transformações, principalmente no que tange à
função do Poder Judiciário e sua relação com o advento e expansão dos direitos sociais, também
emergiram conflitos cuja resolução coube aos tribunais (SANTOS, 1994).
Portanto, os direitos sociais advindos com o Estado de Bem Estar Social alteram
profundamente as funções do Poder Judiciário, pois tais direitos, além de adquirirem corpo legal,
apresentam necessidades de real efetivação. Ferraz Jr. (1994, p. 18-19) discute:
Isto altera a função do Poder Judiciário, ao qual, perante eles ou perante a sua violação, não cumpre apenas julgar no sentido de estabelecer o certo e o errado com base na lei (responsabilidade condicional do juiz politicamente
22
neutralizado), mas também e sobretudo examinar se o exercício discricionário do poder de legislar conduz à concretização dos resultados objetivados (responsabilidade finalística do juiz que, de certa forma, o repolitiza).
Santos (1996) metodologicamente divide em três os períodos, como forma de explicar
os acontecimentos históricos, sociais, políticos e econômicos vivenciados pela humanidade desde
o final do século XIX até os dias atuais.
1.1.2 – Primeiro período
No primeiro período, denominado de Estado liberal, o Judiciário moldou-se na
perspectiva da separação dos poderes, assumindo características de neutralização política, isto é,
o Judiciário só faria a aplicação da lei, assumindo uma postura de imparcialidade e apartidarismo.
Somente agiria mediante provocação, faria resolução individualizada (não havia jurisprudência6),
essencialmente pautada na segurança jurídica, ou seja, as decisões judiciais faziam coisa julgada
sem possibilidade de reexame, possuindo independência em relação aos outros poderes.
O Estado e o próprio direito passaram a atender as necessidades do capitalismo,
comprometendo seus ideais éticos. É nesse período que se tem o aparecimento do positivismo7 na
ciência e mais tarde no direito (início do séc. XX), objetivando “uma ordem baseada na certeza,
na previsibilidade e no controlo” (SANTOS, 2002, p. 143).6 Diz-se do modo pelo qual os tribunais realizam, interpretativamente, a aplicação completa das normas legais vigentes, cujo resultado se admite como fonte de direito. (HILDEBRAND, Antonio Roberto. Dicionário Jurídico. São Paulo: J.H. Mizuno. 2004)7 Em seu sentido mais filosófico, o positivismo refere-se à teoria do conhecimento proposta por Francis Bacon, John Locke e Isaac Newton, a qual afirma a primazia da observação e a busca da explicação causal por meio da generalização indutiva. (OUTHWAITE, Willian. BOTTOMORE, Tom (org). Dicionário do Pensamento Social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996)
23
Nesse período o Estado e o Direito garantem a ordem e o livre mercado. A dominação
jurídica racional é legitimada pelo sistema legal através do Estado. É nessa perspectiva que os
Tribunais são a garantia do monopólio estatal da violência. Nessa esteira é relevante salientar que
o Estado liberal é um Estado negativo, com fins estritamente individualistas. Nos dias atuais
pode-se afirmar que é a verdadeira concepção de um Estado mínimo.
O liberalismo trazia consigo um forte dualismo entre o Estado e a sociedade civil, entre
público e privado, relações que eram responsabilidade dos indivíduos e outras reguladas pelo
Estado. Isso se expressa na divisão entre direito público e direito privado, porque as novas
funções dos agentes dentro do Estado de direito não estavam claras. Considera Santos (2002, p.
143):
Por exemplo, a divisão entre direito público e direito privado estabelece uma distinção real entre o direito que vincula o cidadão ao Estado e o direito que está à disposição dos cidadãos e que eles utilizam nas relações entre si. Essa distinção resulta da ilusão de que o direito privado não é um direito estatal.
É salutar apontar que essa época foi marcada por um acelerado movimento de
industrialização, o que gerou êxodo rural, aglomerações em centros urbanos, acentuação das
variadas refrações da questão social (promiscuidade, insalubridade, habitações irregulares,
criminalidade, doenças, etc.), passando a ocorrer conflitos de cunho social de vastas proporções
decorrentes desse novo modo de vida.
Nas palavras de Santos (1993, p. 33): “Os Tribunais ficaram quase totalmente à margem
desse processo, dado que seu âmbito funcional se limitava à microlitigiosidade, interindividual,
extravasando dele a macrolitigiosidade social”. Tal postura se refere exclusivamente a práticas
processuais voltadas a interesses particularistas, não assumindo conotação mais ampla que
levasse em conta questões de cunho coletivo.
24
Nessa mesma época, o acesso à justiça era somente para aqueles que podiam arcar com
as despesas da proposição de uma demanda. “O acesso formal, mas não efetivo à justiça,
correspondia à igualdade apenas formal, mas não efetiva” (CAPELLETI e GARTH, 1988, p. 09).
Capelletti e Garth (1988) afirmam que o estudo do direito sempre deixou a desejar
quanto à questão ora discutida, haja vista que se pautava em conceitos e teorias divorciados da
realidade prática: “O estudo era tipicamente formalista, dogmático e indiferente aos problemas
reais do foro cível” (CAPELLETI e GARTH, 1988, p. 10).
1.1.3 – Segundo período
No que tange ao segundo período histórico, denominado Estado Providência ou Estado
de Bem Estar Social, a principal característica foi, segundo Santos (1996), o aumento da procura
pelo Judiciário com uma vertiginosa explosão de litigiosidade. Esse momento foi crucial, ao
passo que o Judiciário ganhou destaque social, suscitando em seu âmbito interno questões ligadas
a sua capacidade, tais como a acessibilidade do sistema judicial (SANTOS, 1996).
Ferraz Jr. (1994, p. 18) explica como se efetiva a materialização de direitos nesse
período e sua influência nos postulados legais:
O crescimento do estado social ou estado do bem-estar social reverteu alguns dos postulados básicos do estado de direito, a começar da separação entre Estado e sociedade, que propiciava uma correspondente liberação das estruturas jurídicas das estruturas sociais. Nessa concepção, a proteção da liberdade era sempre da liberdade individual enquanto liberdade negativa, de não-
25
impedimento, do que a neutralização do Judiciário era uma exigência conseqüente. O estado social trouxe o problema da liberdade positiva, participativa, que não é um princípio a ser defendido, mas a ser realizado. Com a liberdade positiva, o direito à igualdade se transforma num direito a tornar-se igual nas condições de acesso à plena cidadania (sic).
Não se pode perder de vista que as condições sociais foram decisivas, através da luta de
amplos setores da população. Santos (1994) assinala que muitos dos grupos que contribuíram
para a efetiva concretização de direitos não tinham tradição histórica de ação coletiva de
confrontação, como negros, estudantes e a pequena burguesia.
Santos (1994, p. 43) diz:
Foi nesse contexto que as desigualdades sociais foram sendo recodificadas no imaginário social e político e passaram a constituir uma ameaça à legitimidade dos regimes políticos assentes na igualdade de direitos. A igualdade dos cidadãos perante a lei passou a ser confrontada com as desigualdades da lei perante os cidadãos, uma confrontação que em breve se transformou num vasto campo de analise sociológica8 e de inovação social centrado na questão do acesso diferencial ao direito e à justiça por parte da diferentes classes e estratos sociais.
O contexto social vivenciado era de ampla expansão do mercado, com o crescente
domínio do modo de produção capitalista. Com isso, tem-se uma profunda alteração no cenário
político, social e jurídico. Com o fim do mercado auto-regulável e a emergência da chamada
questão social, expressa através da politização da desigualdade social, consolida-se um pacto
entre capital e trabalho sob a proteção do Estado.
8 Quando o autor se refere à análise sociológica na questão do acesso à justiça, está reportando-se à sociologia do direito, ramo da sociologia geral, surgida após a II Guerra Mundial, e que se centra no direito enquanto fenômeno social.
26
Nesse momento histórico, o Estado assume a gestão política e social, passando a intervir
de forma ativa na sociedade enquanto provedor na garantia de direitos, mantendo-se como
instrumento de legitimação.
Essas transformações se refletiram no Direito, o qual passou a adquirir um caráter
social, influenciando o Estado e as demais instituições, ou seja, quando o conceito de direitos
humanos começou a sofrer modificações (CAPELLETI e GARTH, 1988).
Nota-se que:
O movimento fez-se no sentido de reconhecer direitos e deveres sociais de governos, comunidades, associações e indivíduos. Esses novos direitos humanos, exemplificados pelo preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, são, antes de tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados. Entre esses direitos garantidos nas modernas constituições estão os direitos ao trabalho, à saúde, à segurança material e à educação. Tornou-se lugar comum observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de todos esses direitos sociais básicos (CAPELLETI e GARTH, 1988, p. 10-11).
Portanto, a explicitação do conceito de direitos humanos possibilita a utilização de
idéias que irão iluminar e corroborar para a discussão sobre o acesso à justiça, uma vez que se
entende que esta temática não se esgota aqui. Busca-se, sim, fazer um recorte de entendimento, a
fim de esclarecer toda a proposição argumentativa. Nesse sentido, utiliza-se como referencial
basilar a construção teórica de Bobbio sobre os direitos humanos. É o que se propõe discutir no
item que segue.
27
1.1.3.1 – Acesso à Justiça na Perspectiva dos Direitos Humanos
Para Bobbio (1992), os direitos humanos são uma construção histórica que tem origem
nas necessidades humanas e que vão se modificando conforme as determinações históricas.
Com relação à expressão “direitos do homem”, é relevante evidenciar que no dizer de
Bobbio (1992) é uma máxima vaga, pois a interpretação que será atribuída modifica-se de acordo
com o intérprete que buscar conceituá-la. Segundo o autor, essa categoria não apresenta
contornos nítidos, de modo a não haver necessidade de classificá-la ou categorizá-la, mas sim de
protegê-la. Para tanto afirma:
Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados (BOBBIO, 1992, p. 25).
Nesse viés argumentativo, Bobbio (1992, p. 67) comenta que foi a partir da 2ª Guerra
Mundial que efetivamente os direitos do homem caminharam “na direção de sua universalização
e naquela de sua multiplicação”. Assim, pensar a trajetória dos direitos do homem à luz da
universalização remete a um passeio pela história, porque faz sua a análise em três momentos,
sendo o primeiro acerca das idéias filosóficas contidas nas teorias jusnaturalistas, que concebiam
os homens como livres e iguais. Contudo, é uma universalidade de conteúdo abstrato. Num
segundo momento, em que os direitos passam por um estado de concretude, sendo considerados
direitos positivos, mas não apresentavam, ainda, status universal. E o terceiro e último momento
28
refere-se ao reconhecimento dos direitos do homem em caráter mundial. Isso se configura com a
Declaração dos Direitos do Homem de 1948.
No dizer do autor:
A Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais (BOBBIO, 1992, p. 30).
Faz-se importante pontuar que Bobbio (1992) ainda expressa a firme convicção que eles
(os direitos) representam um fenômeno social. Em face disso, aponta o processo de
desenvolvimento humano (principalmente em relação às inovações tecnológicas) como
responsável pelas transformações das relações sociais, com a introdução de um conjunto de novas
necessidades, que conseqüentemente vão dar origem à busca de novos direitos, incluindo-se
nesse rol principalmente os direitos sociais. Surge nessa etapa a necessidade de um Estado
interventor. Como se percebe, o conceito de direito transformou-se, notadamente em decorrência
das condições históricas vivenciadas pela humanidade. Bobbio (1992) ainda divide os direitos
humanos em gerações, de acordo com sua evolução histórica.
Os direitos fundamentais de primeira geração são pautados na doutrina liberal, a saber:
direitos civis e políticos. Referem-se à autonomia individual, como direito à vida, direito à
propriedade, direito de ter livre expressão, liberdade de pensamento, direito de participação
política, etc.
Já os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e
culturais. São aqueles direitos intrinsecamente relacionados às carências humanas, como: direito
29
à assistência social, direito a um trabalho, direito à saúde, direito à educação. Em síntese, são
aqueles direitos que asseguram a dignidade da pessoa humana.
Aqueles direitos básicos dos povos, através da proteção do bem comum da humanidade,
são denominados de direitos fundamentais de terceira geração. São os relativos aos recursos
naturais, hídricos, minerais, etc; sendo possível pensar-se na existência de outros direitos, que
poderiam ser considerados de 4ª geração.
Em síntese, importa pontuar que Bobbio (1992), ao classificar os direitos, não teve a
pretensão de dividi-los, mas sim explicá-los historicamente. Deve-se entender que não existe um
direito mais importante que outro, pois eles são indivisíveis e universais, assim como faz questão
de demonstrar, em face de todos eles estarem intrinsecamente interligados e serem fundamentais
para o exercício da cidadania.
Nessa perspectiva, o Estado passou a ser elemento fundamental para a garantia desses
direitos. “O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais
básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda
garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos” (CAPELLETI e GARTH, 1988, p. 12).
1.1.4 – Terceiro Período
Com relação ao terceiro período, pode-se afirmar em consonância com Santos (2002)
que é marcado por uma forte crise econômica que afeta o modo de produção e a organização do
Estado. As promessas da modernidade deterioram-se através das inúmeras manifestações, como o
30
aumento da pobreza e das desigualdades, a não-legitimação ideológica do Estado-Providência,
redução no investimento em políticas públicas, dentre outros. O mercado está mais hegemônico e
o Estado mais enfraquecido.
No século XXI, as realidades são profundamente desumanas em toda parte, mas
principalmente nos países em desenvolvimento. Observam-se milhares de seres humanos na mais
absoluta condição de pobreza e miséria, segmentos de trabalhadores desempregados ou
subempregados sem as mínimas e necessárias condições para a sua subsistência. Os índices de
violência e de criminalidade são fenômenos que se manifestam de forma global, de variadas
causas e graves conseqüências.
Numa realidade sócio-econômica marcada por profundas transformações onde se
ampliam os efeitos da globalização baseada nas leis do mercado, o Estado neoliberal vem
consolidando seu caráter desregulador, retirando progressivamente políticas sociais que enfrentem
a questão social e suas múltiplas expressões, desresponsabilizando-se dos problemas sociais
gerados pelo capitalismo, como a concentração de renda cada vez mais intensa de uma minoria e
o aumento exacerbado das desigualdades sociais, através da pauperização do povo, isso em escala
mundial.
Neste contexto é relevante apontarmos que as políticas governamentais de cunho social,
sob a égide neoliberal, em vez de caminhar na direção da consolidação de direitos já
conquistados pela população no movimento histórico, a custa de muitas lutas, acabam por
reforçar os mecanismos seletivos, de caráter eventual e fragmentado.
A adoção de uma política social e de natureza neoliberal acentua a estratificação social,
cujos elementos básicos são as desigualdades, sejam nas condições de qualidade de trabalho, no
31
consumo e na proteção social. Dessa forma, não existe acesso igual na utilização de serviços
sociais.
Pode-se observar uma redução considerável dos gastos sociais, o que indica uma
redução na oferta de serviços sociais públicos e de subsídios ao consumo popular, contribuindo
para deteriorar as condições de vida da maioria absoluta da população, incluindo amplos setores
das classes médias drasticamente afetadas pelas ações governamentais adotadas nos últimos anos.
Seguramente, pode-se afirmar que os efeitos da crise sócio-econômica que afeta o Brasil e
vários países em desenvolvimento na aldeia global estão consubstanciados na política neoliberal
de ajuste em que esses países foram submetidos, o que tem gerado uma profunda e intensa
diferenciação social.
No cenário atual, o capitalismo se manifesta na destruição social criada pelo poder do
mercado. A globalização da economia, da política e das comunicações não se expressam somente
numa uniformização planetária, nem em uma polarização mundial, mas em desigualdades mais
visíveis e próximas que se recompõem de diversas formas nos micro-espaços do cotidiano do
mundo.
1.2 – ÓBICES AO ACESSO À JUSTIÇA
Capelletti e Garth (1988) entendem que é de relevância ímpar a preocupação com a
regulamentação do processo e formas de acesso à justiça, contudo advertem que reformas
judiciais e processuais não bastam. Fazem-se necessárias reformas políticas e sociais, pois
somente alterar os mecanismos legais de acesso não pressupõe sua efetiva garantia, uma vez que
32
mudanças nas formas de organização política e social são fundamentais para exigibilidade de
direitos. Afinal, não basta ter o direito garantido se não há condições reais de acioná-lo.
Os autores acima aludidos explanam que a especialização da justiça, esposada na
divisão de competências, como justiça comum, justiça trabalhista, justiça federal, não é de
conhecimento da maioria da população, o que gera enormes dificuldades de acessibilidade. Existe
um perigo também quando se facilita o leque de acesso de forma muito rápida e informal no que
se refere ao aprofundamento das provas do processo. Muitas vezes um julgamento levado às
pressas não atinge o fim social desejado. Então, conclui-se que, além de célere, o julgamento
deve alcançar o fim proposto.
Portanto, a questão da garantia do acesso à justiça deve ser pensada e planejada com
cautela, de modo a cumprir o verdadeiro fim a que se destina. Segundo Santos (1994), existem
óbices a sua implementação, sendo eles de tipo econômico, social e cultural.
Os valores das custas judiciais, na maioria dos casos, são muito altos. Ademais, a falta
de critérios para a fixação de tais despesas revela outro problema. O critério mais justo para a
cobrança de tais encargos se daria levando em conta a capacidade econômica do postulante,
contemplando não só fatores objetivos, mas também subjetivos (tais como todas as nuanças da
fragilidade econômica).
Verifica-se também que processos de maior ou menor complexidade não possuem
diferenciação quanto ao valor das custas, de modo que o cidadão pobre acaba pagando na mesma
medida que um cidadão abastado. Deve-se levar em conta, também, que um litígio envolvendo
questões não muito complexas tende a se encerrar de modo mais rápido, restando as partes, neste
último caso, sobretaxadas em relação às pessoas envolvidas em feitos que perduram por um
longo período. Vislumbra-se, daí, a injustiça na adoção de tais critérios.
33
Outra consideração a ser feita, nos processos não contemplados pela isenção de custas e
despesas processuais, é a de que a lentidão de tais processos também acarreta um custo adicional,
em face da complementação das custas judiciais, fazendo com que a pessoa de parcos recursos
acabe muitas vezes desistindo da demanda proposta. Além disso, a parte deve arcar com despesas
intermediárias e finais, além dos honorários advocatícios e outras despesas de locomoção até
fóruns e tribunais, tais como custas de diligência de oficiais de justiça, despesas com publicações
de atos judiciais no Diário da Justiça, dentre outras. Daí que, constatado o alto custo da máquina
forense durante o processo, a parte sobretaxada acaba optando pela desistência de seus pedidos,
extinguindo-se, assim, o processo, pela falta de impulso; ou, ainda, em outros casos, transaciona-
se com a parte adversa, renunciando direitos para, de vez, por-se fim à questão, em razão da
inviabilidade econômica de se prosseguir com o processo.
Outro problema apontado por Santos (1994) está na morosidade do feito no que se
refere a seu exagerado formalismo, além de questões processuais como o ônus da sucumbência9.
Desse modo, normalmente os cidadãos pobres, além de desconhecerem seus direitos, resistem em
propor ações judiciais. Isso se deve não só a fatores econômicos, mas também sociais e culturais.
Nessa linha argumentativa, Santos (1994) afirma que “quanto mais baixo o status
socioeconômico da pessoa acidentada, menor é a probabilidade que interponha uma ação de
indenização”. Para explicar, aponta dois fatores: a desconfiança ou a resignação e experiências
anteriores mal sucedidas com a administração da justiça, as quais resultaram na indiferença às
questões jurídicas.
9 A parte vencida responde pelas despesas processuais, inclusive honorários do advogado. Normatiza o Código de Processo Civil, artigo 20: “A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria”.
34
Capeletti e Garth (1988) apontam como outro óbice ao acesso à justiça os altos custos
dos honorários advocatícios, que muitas vezes chegam a representar a maior parte dos gastos de
uma ação. Ainda nessa discussão, importa assinalar o papel da assistência judiciária gratuita.
Santos (1994) pontua que vários foram os entraves para o estabelecimento de um sistema de
justiça gratuita, dentre eles cita várias experiências que surgiram no pós-guerra, que
apresentavam algumas características: serviços sem qualidade em virtude do não retorno
econômico; falta de empenho nas ações; falta de consulta jurídica, o que ocasionava o não acesso
à informação e conseqüentemente o não acesso aos “direitos” por parte dos usuários.
Capeletti e Garth (1988) explanam detalhadamente as tentativas em vários países de se
implantar um sistema de assistência judiciária gratuita de modo eficiente e que atendesse as reais
demandas dos cidadãos, apontando também as limitações encontradas. Tais autores ainda
classificam algumas experiências que denominam de ondas.
a) Quando o autor se delimita à primeira delas, refere-se ao caso da assistência
judiciária aos pobres, em que o processo que se dá por meio de dois sistemas. O primeiro é o
judicare, que corresponde basicamente a serviços prestados por advogados privados pagos pelo
Estado para atender aos pobres. Contudo, tal serviço não atinge realmente o fim, isto é, não
possibilitava aos usuários uma compreensão mais ampla sobre seus direitos. Santos (1994, p. 50)
apresenta o principal obstáculo desse sistema:
[...] concebendo a assistência judiciária como um serviço prestado a cidadãos de menos recursos individualmente considerados, este sistema excluía, à partida, a concepção dos problemas desses cidadãos enquanto problemas coletivos das classes sociais subordinadas.
35
Outra experiência é com advogados públicos, em contrapartida ao anterior,
caracterizando-se pela tentativa de fazer as pessoas desfavorecidas economicamente tornarem-se
conscientes de seus direitos. Esse programa se efetiva através da disponibilização de serviços de
assistência judiciária nos bairros. Tal iniciativa resvala no problema dos altos custos, tendo em
vista que, além da necessidade pessoal tecnicamente habilitado, há a necessidade de infra-
estrutura básica, como espaço físico, materiais de expediente, etc.
De um modo geral, o principal objetivo dessa onda é possibilitar aos menos favorecidos
maior acessibilidade a mecanismos de defesa de direitos.
b) Já em relação a segunda onda, emerge como alternativa à representação de interesses
difusos10 e objetiva fazer com que os tribunais assumissem uma concepção social e coletiva,
através da tentativa de revisão de seus procedimentos, visto serem todos voltados exclusivamente
para uma visão de natureza individual.
c) No que tange à terceira onda, pode-se afirmar que objetivava trazer para a cena as
formas alternativas de resolução de conflitos, através da implementação de procedimentos
judiciais simplificados, sem contudo abandonar as propostas da primeira e segunda onda, mas
entender que coexistem para garantir o acesso à justiça.
Nesse viés, Capelleti e Garth, (1988) entendem que um sistema que objetiva atender as
necessidades dos homens desfavorecidos economicamente, precisa ter baixos custos,
informalidade, rapidez, julgadores ativos, conhecimento técnico e jurídico.
10 A definição legal de interesses difusos está prevista no artigo 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90), assim sendo:I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos desse Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com parte contrária por uma relação jurídica base.OBS: Além da lei nº. 8.078/90 a Lei n. 7.347/85, que trata da ação civil pública, são marcos do reconhecimento dos direitos de interesse difuso no Brasil.
36
Santos (1994) explica que apesar dos serviços judiciários gratuitos terem ao longo das
décadas melhorado a qualidade dos serviços oferecidos, ainda apresentam limitações, dentre elas
o autor assinala três:
Em primeiro lugar, apesar de em teoria o sistema incluir a consulta jurídica independentemente da existência de um litígio, o fato é que, na prática, se concentrava na assistência judiciária. Em segundo lugar, este sistema limitava-se a tentar vencer os obstáculos econômicos ao acesso à justiça, mas não os obstáculos sociais e culturais. Nada fazia no domínio da educação jurídica dos cidadãos, da conscientização sobre os novos direitos sociais dos trabalhadores, consumidores, inquilinos, jovens, mulheres, etc. Por último, concebendo a assistência judiciária como um serviço prestado a cidadãos de menos recursos individualmente considerados, este sistema excluía, à partida, a concepção dos problemas desses cidadãos enquanto problemas coletivos das classes sociais subordinadas (SANTOS, 1994, p. 50).
1.2.1 – Acesso à Justiça no Brasil
A questão do acesso à justiça, no caso brasileiro, encontra amparo na Constituição
Federal em seu art. 5º11, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça de direito12” e no inciso LXXIV: “o Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Desde 1988 vive-se no Brasil um Estado democrático de direito, isto é, onde os direitos
individuais e coletivos são garantidos no texto legal. Entretanto, nessa perspectiva de um
conjunto de direitos, colocam-nos em evidência questões amplas como justiça social e cidadania.
11 O art. 5º diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.12 A Constituição Federal assegura o princípio da legalidade, de modo que qualquer violação ou mesmo ameaça a direito não poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, nem mesmo sendo exigível o esgotamento pelas vias administrativas na hipótese de postulação em face de órgãos estatais.
37
Portanto, pensar hoje como se está processando a trajetória de garantias dispostas no corpo da lei
nos remete à materialização do acesso à justiça.
Sabe-se que a procura pelo Judiciário tem aumentado com a promulgação da Carta
Magna, em face da expansão de um conjunto de direitos conquistados nas últimas décadas, bem
como pelo agravamento da questão social. Por outro lado, o Judiciário acabou se emperrando
com o aglomerado de ações, em face da ineficiência dos procedimentos para a resolução de
conflitos.
A administração da justiça ainda se caracteriza pelo cunho normativista e positivista,
resistindo a decisões fundamentadas no humanismo e no conhecimento das ciências sociais. O
que vale é a dogmática, a norma. A inovação é vista como geradora de insegurança e de desvio
da finalidade da norma positiva.
Faria (1992) discute essa questão, demonstrando que a forma pela qual foi concebida a
Constituição Federal de 1988, baseada na justiça social, objetivava não só reduzir as
desigualdades sociais e econômicas, mas ampliar o processo democrático e a participação
política. Entretanto, as normas muitas vezes acabam por limitar a operacionalização dos direitos.
O grande desafio, portanto, reside na “garantia e na busca da efetividade” dos direitos já
conquistados e preconizados, como Bobbio (1992) muito bem assinala.
Nesse sentido, Bobbio (1992) afirma que o déficit maior dessa questão está no campo
dos direitos sociais. O desafio reside em garanti-los e torná-los efetivos, tendo em vista todo o
movimento existente para a sua supressão.
Dessa ótica se vislumbra a necessidade de entender como se processou a questão do
acesso à justiça em nosso país, inclusive os entraves para sua efetivação plena enquanto um
38
direito fundamental. Cunha (2001) afirma que a assistência jurídica apresentou três momentos em
seu processo constitutivo. O primeiro momento tem início ainda no período imperial, onde as
pessoas despossuídas tinham a sua disposição advogados particulares para o patrocínio de causas
cíveis e criminais. Já em 1930 (período republicano), a Ordem dos Advogados do Brasil–OAB
orientava os advogados inscritos a prestarem atendimento jurídico de forma gratuita àquelas
pessoas que não pudessem arcar com as despesas. Dentro dessa perspectiva, a Constituição
Federal de 1934 reconheceu a assistência jurídica como um dever do Estado. Entretanto, com o
advento a ditadura militar de Vargas, a Constituição de 1937 suprimiu do texto legal tal
prerrogativa constitucional.
O segundo momento que marca o processo de constituição da assistência jurídica no
Brasil foi a implementação em caráter ordinário da Lei 1.060/50, que dispõe sobre a prestação da
assistência judiciária. Cunha (2001, p. 157) apresenta uma análise do que foi tal disposição:
Essa lei foi um marco na prestação dos serviços de assistência jurídica, já que, no período, a assistência jurídica era prestada pelos Departamentos de Assistência Social dos Estados, de forma caritativa. Assim, a lei 1.060, de 1950, ainda que de forma pouco precisa e seguindo preceitos que não caracterizam a assistência jurídica como dever do Estado e nem o acesso à Justiça como um direito fundamental para o exercício da cidadania, definiu os princípios que acompanham a instalação e o funcionamento da assistência jurídica até hoje, como os conceitos de beneficiário e necessitado, bem como os limites desse serviço.
O Artigo 2º, parágrafo único, da referida lei explicita o conceito de necessitado para fins
de operacionalização do serviço: “Todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as
custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.
No que se refere à isenção de despesas:
39
Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:I - das taxas judiciárias e dos selos;II - dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;IV - das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados;V - dos honorários de advogado e peritos;VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade13.
A lei refere-se exclusivamente aos atos do processo, não contemplando o serviço de
informação e encaminhamento a órgãos administrativos para aqueles que, por exemplo,
postulam a aposentadoria, ou mesmo o Benefício de Prestação Continuada, junto ao Instituto
Nacional de Seguridade Social.
No Brasil, a falta de um serviço gratuito fornecido pelo Estado de assistência jurídica junto
a órgãos administrativos acaba fazendo com que muitos advogados utilizem expedientes judiciais
morosos, quando deveriam buscar demandas mais céleres, em face do direito concreto, uma vez
que nesses procedimentos judiciais estes são reembolsados ao final por seus honorários pelos
cofres do Estado. Isso acaba aumentando o volume processual, porém retardando, na prática, a
obtenção de direitos dos menos favorecidos, já que tais questões poderiam ser resolvidas na via
administrativa.
Há de se ponderar que a falta de um serviço público de informação prévia de direitos
redunda num nível muito alto de litigiosidade formal, vez que, diante da falta de informação, a
população desfavorecida se vê desorientada, adotando procedimentos por conta própria,
problematizando ainda mais as suas relações e sobrecarregando o próprio Judiciário.
13 Inciso incluído pela Lei nº. 10.317, de 6.12.2001
40
Pontua-se que a tão-só prestação do serviço de assistência judiciária não se manifesta
enquanto garantia de acesso à justiça, haja vista restringir-se à nomeação de um defensor
(advogado), não contemplando apoio preventivo e pré-processual.
Foi somente a partir da Constituição de 1988 que o direito de acesso à justiça ganhou
status de direito fundamental, figurando, por conseguinte, em cláusula pétrea14. Cunha (2001, p.
159) explica o significado da garantia constitucional do direito de acesso à justiça:
Isso porque, ao denominá-la assistência jurídica, o serviço jurídico gratuito não mais se restringe ao patrocínio gratuito da causa pelo advogado, mas compreende a gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou não, relativas aos atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos. Integram também esse rol os direitos à informação, orientação e consultorias jurídicas, bem como a utilização do método conciliatório pré-processual para a solução amigável dos conflitos intersubjetivos.
Diante de tal assertiva, concluiu-se que o Estado brasileiro tem a obrigação de garantir o
cumprimento do disposto constitucional. A própria Carta Magna, em seu artigo 134, traz o
instituto da Defensoria Pública:
A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma do art. 5º, LXXIV15.§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais16. § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites
14 Cláusula Pétrea é o dispositivo (ou cláusula) constante do texto constitucional com caráter de imutabilidade, ou seja, não sendo passível de modificação, sequer por via de emenda à Carta Magna.15 O teor do artigo 5º da CF encontra-se na nota de rodapé 11. Além do mais, acrescenta-se o disposto no inciso LXXIV: O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.16 Renumerado pela Emenda Constitucional nº. 45, de 2004.
41
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º17.
Olhando de modo pontual o conceito de acesso à justiça introduzido nesse novo
paradigma legal, assenta-se como um direito essencial, integral e gratuito, não restrito somente ao
acesso a um advogado (assistência judiciária – proposição de demanda na esfera judiciária), mas
de um conjunto de serviços que compõem verdadeiramente o acesso à justiça, tais como:
informação, orientação sobre relações jurídicas como forma de apoio preventivo, exame de
questões jurídicas ainda na fase pré-processual, oportunização de resolução de questões na esfera
extrajudicial; além do atendimento voltado para a defesa de interesses difusos e coletivos.
Embora a Constituição Federal garanta o acesso integral e gratuito à justiça, óbices são
enfrentados a sua efetivação. No caso do Estado de Santa Catarina, passados dezessete anos da
promulgação do texto constitucional, a assistência jurídica é ainda concebida como assistência
judiciária gratuita e prestada por defensores dativos subsidiados pelo governo do Estado.
A forma operativa de funcionamento encontra guarida na Lei nº. 1.060/50 e na Lei
Complementar Estadual nº. 155/9718, sendo que a indicação de advogados inscritos é realizada de
duas formas: a) diretamente pela Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, subseções regionais; b)
através do Poder Judiciário por meio de triagem sócio-econômica geralmente realizada por
profissionais que compõem o quadro de serventuários da justiça, de acordo com o entendimento
de cada magistrado19.
17 Incluído pela Emenda Constitucional nº. 45, de 2004.18 Dispõe sobre critérios para concessão do benefício da Assistência Judiciária no Estado de Santa Catarina19 Esse mecanismo de triagem para encaminhamento de serviço de Assistência Judiciária Gratuita (Lei nº. 1.060/50 e LCE nº. 157/97) ocorre em algumas Comarcas de entrância inicial, ficando, via de regra, ao encardo do profissional de Serviço Social
42
Mostra-se necessário ultrapassar uma visão ainda arraigada de conceber a assistência
judiciária como assistencialismo, permeada pela lógica do favor, e solidificar o dispositivo legal,
excedendo o nível teórico e consolidando-se como instrumento de garantia de direitos.
1.2.2 – Algumas formas alternativas de acessos à justiça
Com a Lei nº. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis20 e Criminais21,
tem-se, a priori, uma ampliação do acesso à justiça, haja vista que tal proposta se orienta no
sentido de atender demandas de menor importância econômica, sem a necessidade de
constituição de advogado em causas de até 20 (vinte) salários mínimos22, dispensado o
pagamento de custas, taxas e despesas, através de procedimentos mais céleres e simplificados.
O artigo 2º da referida lei preceitua: “O processo orientar-se-á pelos critérios da
oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que
possível, a conciliação23 ou transação24”.
20 Art. 3º: O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:I – as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;III – a ação de despejo para uso próprio;IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.21 Art. 60: O Juizado Especial Criminal, provido por Juizes togados ou leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução de infrações penais de menor potencial ofensivo.22 Os Juizados atendem causas até 40 (quarenta) salários mínimos, nas causas superiores a 20 (vinte) salários mínimos há a necessidade de constituição de advogado.23 Busca-se com isso a composição dos danos civis, tanto em ações de natureza cível e criminal.24 Ocorre em casos de ação penal pública condicionada ou incondicionada, visando sempre que possível aplicação de pena não restritiva de liberdade.
43
Nessa perspectiva, os Juizados possibilitam um acesso mais efetivo ao sistema
judiciário, em demandas resultantes de conflitos vivenciados no cotidiano, ao passo que no foro
comum revestiriam caráter de formalismo, além de importarem elevados custos.
Todavia, demandas judiciais relacionadas a questões da infância e juventude, família,
dentre outros, não compõem o campo de competência da proposta nos Juizados, que se voltam
para questões menos complexas, tais como as atinentes aos direitos do consumidor, cobranças,
embates entre vizinhos, dentre outros.
Analisando superficialmente, haja vista não ser o objeto principal do exame deste
trabalho, pode-se problematizar até que ponto os Juizados Especiais Cíveis possibilitam o efetivo
acesso à justiça? Evidentemente que ampliaram o acesso, ao passo que possibilitaram uma esfera
de resolução de conflitos, que até então não existia no sistema judiciário.
No entanto, para efetivamente acionar tal mecanismo é necessário conhecimento acerca
de direitos, o que nos reporta a uma questão primordial: o acesso facilitado ao Judiciário não
resolve o problema do acesso à justiça, que requer primordialmente a informação, isto é,
mudanças de caráter social e cultural.
Capelletti e Garth (1988) entendem que medidas dessa natureza sem dúvida cumprem
uma proposta de ampliação do acesso à justiça, pois abrem espaço a demandas economicamente
menos favorecidas. Entretanto, para que isso realmente possa concretizar-se num plano mais
democrático, implicará necessariamente em modificações mais densas no sistema de organização
da justiça.
44
Nessa perspectiva, outra forma de acesso à justiça refere-se à implantação de serviços
de mediação familiar junto aos órgãos estatais, enquanto meio de atendimento desburocratizado e
acessível a populações menos favorecidas.
Enquanto exemplo, cita-se o Poder Judiciário de Santa Catarina, que vem investindo
nessa proposta desde o ano de 200125, enquanto método não-adversarial de resolução de conflitos,
direcionado aos assuntos atinentes ao Direito de Família, que incluem na proposta atendimento à
população beneficiária da Justiça Gratuita em temáticas relacionadas à guarda e modificação de
guarda, regulamentação do direito de visitas, pensão alimentícia, separação, dissolução de união
estável, divórcio, dentre outras. Existe hoje a discussão sobre a possibilidade de implantação
também nas Varas da Infância e da Juventude. Num total de 110 comarcas da Justiça Estadual de
Primeiro Grau, no momento, 12 delas prestam esse tipo de atendimento e 03 estão em fase de
implantação.
Ávila (2004, p. 68) apresenta a proposta da mediação familiar enquanto: “método
alternativo e não adversarial de resolução de conflitos, mais célere, acessível e menos burocrático
e traumático para resolução dos problemas familiares”.
Tem-se também a oferta de outros espaços de acesso à justiça, como as Universidades,
através dos Núcleos de Prática Sócio-Jurídica, os quais prestam este tipo de atendimento a
demandas de setores menos favorecidos economicamente.
Essas duas últimas propostas coadunam-se com a terceira onda apresentada por Capelletti
e Garth (1988) como formas alternativas de resolução de conflitos de maneira mais simplificada e
célere.
25 Resolução nº. 11/2001/TJSC – que dispõe sobre a instituição do Serviço de Mediação Familiar e dá outras providências
45
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL E A SUA
INTERFACE COM O CAMPO PROFISSIONAL SÓCIO-JURÍDICO
2.1 - SERVIÇO SOCIAL: BREVE RESGATE HISTÓRICO ACERCA DA GÊNESE DA
PROFISSÃO
O objetivo deste tópico é delinear brevemente a gênese e o desenvolvimento do Serviço
Social a partir da reconstrução de sua trajetória histórica, tendo como parâmetro central a
discussão das relações que se estabelecem entre a profissão e a burguesia e as formas de
intervenção social no bojo do sistema capitalista emergente.
Nessa perspectiva, é fundamental evidenciar que o pano de fundo das relações que se
estabelecem entre burguesia e profissão na sua gênese é a questão operária e as refrações da
chamada questão social, ou seja, problemáticas sociais que se apresentam no período em que o
capitalismo se fortalecia (séc. XIX), as quais traziam grandes prejuízos para a população, fator
este que tinha como pano de fundo as insatisfações de setores subalternos, exigindo dos
governantes uma intervenção mais efetiva. Assim, pode-se dizer que o assistente social inicia sua
inserção nas políticas de atendimento gerando espaços sócio-ocupacionais com o tempo.
46
Todavia, entender a gênese da profissão requer desenhar os contornos do sistema
capitalista e suas formas de organização, ou seja, as estratégias de manutenção de sua
hegemonia26.
Martinelli (2001, p. 53), ao referir-se ao capitalismo, afirma que é um: “[...] modo de
produção, profundamente antagônico e pleno de contradições, desde o início de sua fase
industrial instituiu-se como um divisor de águas na história da sociedade e das relações entre os
homens”.
Com a ascensão da burguesia, o trabalho livre ganha novo status e passa a ser a forma
primordial de sobrevivência27. Esse é o marco da sociedade burguesa que se estruturou a partir do
trabalho, dos meios de produção, das relações trabalhistas e de propriedade ocasionando intensas
desigualdades e exclusão de natureza política, social e econômica.
O primeiro ponto de referência é entender, portanto, que o sentido histórico que marca o
surgimento da profissão e que fundamenta sua ação são as relações entre capital e trabalho. Em
tal conjuntura têm-se novos modelos de organização societal, decorrentes do avanço tecnológico
que marca o século XVIII, como o aparecimento de um mercado em escala mundial, ascensão e
dominação da burguesia, êxodo rural com conseqüente inchaço dos centros urbanos, em virtude
da inserção de mão de obra no meio fabril/industrial, que afetaram drasticamente as condições de
vida de uma classe social que desponta, o proletariado.
26 Parte-se do pressuposto que hegemonia é: “[...] capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado por profundas contradições de classe. Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que – através de sua ação política, ideológica, cultural – consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploda, provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leva a recusa de tal ideologia” (GRUPPI, 1980, p. 70).27 Decorrente da ascensão capitalista e do declínio do modo feudal de produção tem-se a oferta de mão de obra livre, crescimento do trabalho assalariado tendo em vista a revolução tecnológica/industrial e conseqüentemente extinção do trabalho artesanal.
47
O processo de industrialização decorrente do avanço tecnológico ocasionou a
massificação nos centros urbanos, que não apresentavam estrutura mínima para acolher tamanho
contingente populacional. Em conseqüência, têm-se uma série de problemas de cunho social, tais
como: habitação precária, falta de escolas, ausência de rede de saneamento básico, péssimas
condições de salubridade, etc. Como a oferta de mão de obra era expressiva e os trabalhadores
ainda não estavam plenamente organizados, os salários eram baixos e as condições de trabalho
precárias.
Segundo Martinelli (2001), a segunda metade do século XVIII foi marcada pelo início da
resistência dos trabalhadores à ofensiva capitalista, principalmente na recusa à dominação pela
máquina e da forma atroz e violenta com que o burguês detentor dos meios de produção
procurava explorar o segmento proletário.
As condições a que estavam submetidos os trabalhadores são desumanas. Martinelli
(2001, p. 57) afirma:
Nessas condições de oferta elástica de mão-de-obra e de uma força de trabalho ainda desorganizada e heterogênea, o domínio do capital sobre o trabalho marcava não só as negociações como a própria vida dos trabalhadores. Durante praticamente toda a primeira metade do século XIX, a burguesia se utilizou de seu poder de classe para manipular livremente salários e condições de trabalho. Apoiando-se em um antigo dispositivo legal, cujas origens remontavam a longínquas épocas da história da humanidade – Estatuto dos Trabalhadores, de 1349, que proibia reclamações de salário e de organização do processo de trabalho – excluía o trabalhador das decisões sobre sua própria vida trabalhista. [...] As alternativas do trabalhador empobrecido, em face das condições de trabalho que os donos de capital estabeleciam, eram sombrias: ou se rendia à lei geral da acumulação capitalista, vendendo sua força de trabalho a preços de concorrência cada vez mais vis, ou capitulava diante da draconiana legislação urbana, tornando-se dependente do Estado e, no mesmo instante, declarado “não-cidadão”, ou seja, indivíduo destituído da cidadania econômica, da liberdade civil. A realidade trazida pelo capitalista estava posta e imposta: ou o trabalhador se mercantilizava, assumindo a condição de mercadoria útil ao capital, ou se
48
coisificava, assumindo o estado de ‘coisa pública’ – res-publica a que correspondia a perda da cidadania, a ‘não-cidadania’.
A expansão capitalista no final do século XIX estava ganhando espaço mundial. Os
trabalhadores começam a se organizar coletivamente e efetivar algumas conquistas. Martinelli
(2001) aponta a regulamentação da jornada de trabalho infantil em 1850 na Inglaterra; a jornada
de doze horas na França, em 1848; a criação dos Tribunais de Ofício na França e Inglaterra em
1850; e na Inglaterra em 1870 o Estado passa a assumir o ensino básico, como conquista do
movimento operário.
Entretanto, é relevante pontuar que em face das variadas conquistas obtidas pelo
proletariado, bem como decorrentes do próprio movimento societário, como a Revolução
Francesa e os ideais rousseanianos de comunidade, a burguesia mergulha nos resultados
contraditórios de sua forma organizativa, e diante do panorama que se delineava precisava rever
estratégias para manter-se enquanto classe dominante. Foi quando a burguesia começa a se
aproximar da filantropia, objetivando manter a ordem social vigente e exercer de forma menos
“brutal” o controle sobre a classe proletária.
Martinelli (2001, p. 66) resume o projeto da burguesia:
Burguesia, Igreja e Estado, uniram-se em um completo e reacionário bloco político, tentando coibir as manifestações dos trabalhadores eurocidentais, impedir suas práticas de classe e abafar sua expressão política e social. Na Inglaterra, o resultado material e concreto dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização da Caridade em Londres, em 1869, congregando os reformistas sociais que passavam agora a assumir formalmente, diante da sociedade burguesa constituída, a responsabilidade pela racionalização e pela normatização da prática da assistência. Surgiam, assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob a denominação de “Serviço Social”, acentuando-se seu caráter de prática de prestação de serviços (grifos da autora).
49
Observa-se, em estreita concordância com Martinelli (2001), que o Serviço Social nasce
vinculado aos interesses do sistema capitalista, enquanto estratégia de controle social28.
Ainda segundo a autora (2001, p. 67):
O Serviço Social já surge, portanto, no cenário histórico com uma identidade atribuída, que expressava uma síntese das práticas sociais pré-capitalistas – repressoras e controlistas – e dos mecanismos e estratégias produzidas pela classe dominante para garantir a marcha expansionista e a definitiva consolidação do sistema capitalista.
No contexto do surgimento da profissão, é salutar afirmar que tal estratégia da classe
dominante deu-se também pela situação sócio-ecônomica a que estava submetida a maioria da
população. A pobreza generalizada tomava conta da Europa, sendo que a Igreja já não dava conta
de atender o contingente populacional miserável. Diante desse quadro o Estado é chamado a
intervir, utilizando-se da chamada prática de assistência, enquanto estratégia de controle social e
de manutenção da ordem, por meio de uma profissão nascente - o Serviço Social.
Segundo Correia - no prefácio da edição portuguesa do livro Diagnóstico Social de Mary
E. Richmond - (1950, p. XXI), o conjunto de transformações verificadas com o advento do
capitalismo moderno gerou a “questão social”. Diante disso afirma: “Foi a meditação, por muitos
espíritos bem formados, generosos e inquietos, sobre os múltiplos aspectos da miséria e das suas
causas que deu origem ao Serviço Social moderno” 29.
28 Mannhein apud Martinelli (2001, p. 66) conceitua o controle social como: “o conjunto de métodos pelos quais a sociedade influencia o comportamento humano, tendo em vista manter determinada ordem”.29 É preciso esclarecer que no Prefácio supracitado, o autor apresenta o Serviço Social historicamente como dividido em quatro períodos, assim elencados:1º Origens pré-cristãs e esboço da técnica aplicável aos conceitos de então.2º Orientação que o Cristianismo imprimiu à prática do Serviço Social.3º A origem da reacção no começo do Séc. XIX e das experiências feitas desde então até 1899, de onde resultou o Serviço Social.4º A fixação definitiva do conceito e da técnica e a expansão do Serviço Social, em todo o mundo (CORREIA, 1950, p. XV).
50
Na realidade, historicamente a prática da caridade serviu para legitimar a exploração dos
segmentos pauperizados e a manutenção do status quo. Nesse sentido, o que se pode aferir é que
a institucionalização e racionalização da caridade, através de uma base de cunho científico, que
se denominou de Serviço Social objetivava o controle, consoante Martinelli (2001, p. 100)
afirma:
Trata-se da função de controle propriamente dito, representando a resposta da burguesia à ameaça social que decorria da acelerada expansão da pobreza e da generalização da miséria. O sentido de tal função era o rigoroso controle do processo social e das condições de vida da massa pauperizada, ajustando-as aos padrões estabelecidos pela sociedade burguesa constituída.
Com isso, tem-se o marco histórico de surgimento da profissão, enquanto ensino técnico e
de bases científicas, quando, em 1899, Mary E. Richmond, funcionária da Sociedade de
Organização de Caridade propôs a criação de uma Escola para o ensino da Filantropia Aplicada
em Nova Iorque30.
Observa-se que o Serviço Social, ao longo da história, passou a ter uma base
metodológica e uma especificidade que lhe constituiu-se de forma legítima enquanto profissão,
voltando-se inicialmente e de forma prioritária para ações junto ao segmento de trabalhadores,
com ênfase no espaço doméstico, ou seja, intervenções voltadas à vida cotidiana das classes
populares. Verdès-Leroux (1986) aponta alguns espaços que foram ocupados por assistentes
sociais, objetivando a penetração e o controle na vida dos trabalhadores e suas famílias, tais
como: superintendente de fábrica, visitadora–controladora do seguro social, assistente familiar
polivalente, dentre outras.
30 Mary Ellen Richmond é considerada a fundadora do Serviço Social, quem tiver interesse em conhecer um pouco de sua trajetória, o Prefácio do seu livro Diagnóstico Social (1950) auxiliará.
51
É preciso salientar que as ações voltadas para a classe proletária justificavam-se, haja
vista a expansão do movimento sindical, que já atingia os outros continentes, bem como a ameaça
do comunismo.
O Serviço Social nasce e recebe influência do empirismo31, pragmatismo32 e do
positivismo33, através da Sociologia. Pode-se afirmar que o Serviço Social nasce de um enfoque
sociológico, com uma orientação de cunho reformista voltado para o desenvolvimento da ciência,
com indicações de neutralidade e de não envolvimento com a situação social real. O que se
constata é que o Serviço Social, diante da aparente neutralidade em face de seu caráter científico,
na realidade estava comprometido com a manutenção do status quo da classe dominante.
Entretanto, nos idos da década de 20 o Serviço Social entra na fase psicologista, isto é, centrada
no enfoque psiquiátrico (que influenciou o Serviço Social de Caso, numa tendência
individualista).
Verdès-Leroux (1986) apresenta a forma como o Serviço Social desempenhou suas
funções no processo de constituição da profissão, e nos dizeres da autora a forma de utilização da
“violência simbólica” como forma de legitimação da ação interventiva.
Outro ponto fundamental a ser descrito é o papel que a assistência social (enquanto
conjunto de ações voltadas para os segmentos vulnerabilizados) assume no início da profissão. A
mesma autora (1986) explicita que a assistência social freqüentemente era interpretada como
caridade ou assistência pública.
31 Segundo o Dicionário do Pensamento Marxista (p. 125): “O empirismo vê o mundo como uma coleção de aparências dissociadas, ignora o papel da teoria na organização ativa e na reorganização crítica dos dados oferecidos por essas aparências e não identifica a função desta como o esforço de representar no pensamento as relações essenciais que as geram”.32 O Dicionário do Pensamento Social do Século XX, ensina que, o pragmatismo é o nome atribuído ao movimento filosófico clássico nos Estados Únicos que surgiu no final do século XIX. “O termo pragmatismo tem a mesma raiz grega de PRÁXIS, prático, etc. O fundador do pragmatismo, Charles Sanders Peirce (1839-1914), criou o termo em conseqüência de suas reflexões sobre o uso por Kant dos adjetivos ‘pragmático’ e ‘prático’” (p. 598).33 Ver nota de rodapé n°. 7
52
Nesse aspecto afirma que a caridade somente servia para a manutenção da pobreza e que a
assistência pública era uma ameaça em potencial, pois pautada no conceito de direitos sociais.
Partindo dessa análise, a autora conclui que a assistência social a que se voltou o campo de
profissionais de Serviço Social era aquela dirigida a classe operária urbana, a qual objetivava o
controle, enquanto que a caridade e a assistência pública voltava-se para os miseráveis e
indigentes, afastados do campo produtivo.
Verdès-Leroux (1986, p. 15) afirma:
O projeto da assistência social nascente não é, pois, o de “ajudar” operários em dificuldade – este é um vocabulário moderno – mas o de educar a classe operária, isto é, fornecer-lhes regras de bom senso e razões práticas de moralidade, corrigir seus preconceitos, ensinar-lhes a racionalidade; ‘discipliná-la’ nos seus trajes, nos lares, nos orçamentos domésticos, na maneira de pensar.
Nessa direção, os profissionais de Serviço Social passam a atuar prioritariamente com as
esposas e filhos dos operários. Somente após a Primeira Guerra Mundial é que se ampliam os
espaços de intervenção profissional. Verdès-Leroux (1986, p. 20) elenca: “Em poucos anos,
criam-se o serviço social das empresas, o das caixas de compensação da região pariense, o das
habitações a preços módicos da cidade de Paris, o da caixa de seguro social, etc.”34.
A linha interventiva volta-se inicialmente para o aspecto educativo, dentro de uma linha
sanitária e social, materializada pela vigilância domiciliar, posteriormente sobressai o papel
reintegrativo/readaptativo da ação profissional, direcionada para a tutela moralizante (Verdès-
Leroux, 1986).
Assim, tem-se a aproximação com o Estado, antes repelido, como parceiro para execução
de medidas sociais, foi quando a profissão passou a abarcar novos espaços institucionais.
34 Verdès-Leroux (1986) descreve a situação da França.
53
2.2 – SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
Após percorrer o início da trajetória histórica da profissão, é necessário compreender
como o Serviço Social se consolida no Brasil.
O caso brasileiro não difere muito do europeu e do norte-americano no que tange ao
cenário social de surgimento da profissão. O avanço do processo industrial e a emergente
constituição da classe operária organizada, vivendo as conseqüências de uma sociedade
capitalista desigual e excludente, fizeram com que o Estado brasileiro passasse a mobilizar a
categoria profissional recém-surgida35 para auxiliar no enfrentamento do conjunto de
manifestações decorrentes do sistema capitalista. Os anos 30 são marcados pela franca expansão
industrial e solidificação do modelo urbano-industrial, conseqüentemente têm-se o avanço do
movimento operário que passa a constituir uma latente ameaça aos burgueses e ao Estado. Foi
nesse contexto contraditório que se criaram as bases para a institucionalização da profissão. Silva
(2002, p. 24) escreve:
A compreensão dessa contradição pode ser buscada no próprio processo de institucionalização e legitimação da profissão do Serviço Social, que, no Brasil, vincula-se a criação e ao desenvolvimento de grandes instituições assistenciais, estatais, paraestatais e autárquicas, a partir da década de 40. A criação dessas instituições ocorre no bojo do aprofundamento do modelo corporativista do Estado e do desenvolvimento de uma política econômica favorecedora da industrialização, adotada a partir de 30. Dá-se, nesse contexto, a supremacia da burguesia industrial, no poder do Estado, aliada aos grandes proprietários rurais, ocorrendo, também, o crescimento do proletariado urbano, em face do desenvolvimento do modelo urbano-industrial e da capitalização da agricultura, com conseqüente liberação de fluxos populacionais.
35 A primeira Escola de Serviço Social foi criada em 1936 na cidade de São Paulo. Chamava-se Escola de Serviço Social de São Paulo.
54
As ações dos primeiros assistentes sociais estavam em harmonia com os preceitos
católicos, até porque o processo de formação tinha por base a matriz apostólica leiga, moralizante
e voltada estritamente a um enfoque individualista, desprovido de caráter coletivo e de base
humanista conservadora36. Inicialmente as bases de orientação profissional são de cunho franco-
belga, já na década de quarenta assume e influência norte-americana.
Portanto, o que tornou possível o trabalho do profissional de Serviço Social foi a
regulação executada pelo Estado sobre a sociedade através da legislação social e trabalhista e das
políticas sociais. Esses profissionais passaram a interferir nas diferentes expressões da questão
social, gerindo o confronto de forças. É em meio a esse cenário que os assistentes sociais se
inserem no mercado de trabalho, fornecendo a sua força de trabalho para intervir junto a setores
da população, despossuídos de meios, os quais procuram ter acesso a instituições sociais37
(BATISTONE, 1991).
Os traços que marcaram a profissão emergente no Brasil são de um profissional técnico e
intelectual, que, contudo, é um reprodutor da ideologia capitalista, pois suas ações objetivavam o
disciplinamento e o controle. Iamamoto (2001, p. 107-108) afirma que o profissional de Serviço
Social trabalhou para legitimar os interesses do capital e da classe dominante hegemônica através
de diversas formas de controle social:
[...] o controle social não se reduz ao controle governamental e institucional. É exercido, também, através de relações diretas, expressando o poder de influência de determinados agentes sociais sobre o cotidiano da vida dos indivíduos, reforçando a internalização de normas e comportamentos
36 Idéias do sex. XIX, reinterpretadas sob a lógica do capitalismo.37 Conforme Silva (2002), o surgimento de grandes instituições como o Conselho Nacional de Serviço Social; a Legião Brasileira de Assistência; Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial; Serviço Social da Indústria; Serviço Social do Comércio; dentre outros, ampliaram o mercado de trabalho possibilitando o rompimento do Serviço Social com as origens confecionais.
55
legitimados socialmente. Entre esses agentes institucionais encontra-se o profissional de Serviço Social.
Diante de tal afirmação, ainda se faz necessária a discussão da base conceitual da
profissão, do movimento de ruptura que acompanha a evolução do Serviço Social na
contemporaneidade.
Nos idos da década de 60, tem-se a formação de um Estado monopolista, que passa a
assumir uma postura interventiva mais intensa em atividades de cunho econômico, social e
político. No âmbito do Serviço Social apareceu a chamada perspectiva modernizadora, obrigando
os profissionais de Serviço Social a assumir novas exigências decorrentes no momento histórico
vivido, perpassado pelos movimentos ditatoriais e autoritários em toda a América Latina, sob a
égide da ideologia desenvolvimentista. Tem-se, em nível brasileiro, uma fase de acelerado
crescimento econômico (milagre econômico), em contrapartida a uma repressão social intensa
aos setores populares e inimigos do regime sob a vigência do AI-5.38
Em torno dessa perspectiva, o profissional de Serviço Social é impingido a um esforço
de modernização, que se deu o nome de movimento de reconceituação no Brasil. Além disso, a
proposta de reconceituação traz à tona uma discussão em nível teórico-metodológico acerca de
um novo projeto profissional pautado na ruptura com o conservadorismo arraigado à profissão
desde sua origem. Nas palavras de Netto (2005, p. 09): “Na sua gênese imediata, a
Reconceituação foi comandada por uma questão elementar: qual a contribuição do Serviço
Social na superação do subdesenvolvimento?” Foi na realidade uma crítica ao Serviço Social
tradicional, conforme Netto (2005, p. 06) analisa:
38 Ato Institucional nº. 05 ou simplesmente AI-5, de 13/12/1968, estabeleceu a cassação dos direitos políticos de membros considerados de esquerda e fechamento do Congresso Nacional, revogando dispositivos constitucionais e aumentando os poderes do regime militar.
56
[...] a prática empiricista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada por uma lógica liberal-burguesa, que, de um ponto de visa claramente funcionalista, visava enfrentar as incidências psicossociais da ‘questão social” sobre indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado factual ineliminável.
Têm-se nessa trajetória dois expressivos momentos denominados de Seminários de
Teorização do Serviço Social, promovidos pelo CBCISS (Centro Brasileiro de Cooperação e
Intercâmbio de Serviços Sociais), que produziram o Documento de Araxá (1967) e o Seminário
de Teresópolis (1970), mas que perdem sua supremacia na segunda metade dos anos 70,
consolidando-se no Seminário de Sumaré (1978), que assume nova vertente dentro desse
movimento.
A perspectiva modernizadora ganhou opositores dentro da categoria, que buscou uma
nova saída para a profissão, decorrente das inquietações políticas da sociedade brasileira. Numa
direção denominada de reatualização conservadora, e uma outra, denominada intenção de
ruptura. Na primeira a proposta é de um Serviço Social com fortes tendências psicossociais no
trato dos problemas sociais, baseou-se na adoção da fenomenologia, que, por sua vez, ocorreu
sem grande contestação, apresentada como a “matriz teórico-metodológica situada para além de
críticas e reservas” (NETTO, 2002, p. 213).
O fim da ditadura militar e os novos movimentos sociais e políticos do final da década
de 70 contribuíram significativamente para o Serviço Social, ofertando plenas condições de uma
nova perspectiva, denominada de intenção de ruptura. Esta se manifestou a partir dos meios
acadêmicos, com ênfase ao chamado Método BH39, desenvolvido por profissionais mineiros, que
39 O Método BH foi uma experiência vivida por um grupo de assistentes sociais em Belo Horizonte no período de 1972 a 1975, especificamente na Universidade Católica de Minas Gerais. O método, na proposta era entendido como uma forma de exercício; caminho para obter algo. Os profissionais que discutiam a proposta de reconceituação, negavam as teorias que embasavam a metodologia clássica (caso, grupo e comunidade). O grupo acabou por criar um método composto por etapas, fases, momentos e aproximações onde o produto final foi nada mais que, uma moderna edição do estudo, diagnóstico e tratamento que era proposto na metodologia advinda dos modelos norte americanos (CAMINI, 2005, p. 1).
57
orientava-se por novas diretrizes teóricas e novos elementos para a intervenção na realidade, isto
é, propunha uma crítica teórico-metodológica ao tradicionalismo profissional.
O movimento de intenção de ruptura desdobrou-se nos anos oitenta, adquirindo algumas
características em fases distintas. Tem-se, desse modo, num primeiro momento, a elaboração de
uma crítica radical ao tradicionalismo/conservadorismo, objetivando a ruptura com a ordem em
vigor. Num segundo momento, objetivavam-se elaborações crítico-históricas mais amplas. Tem-
se, assim, uma aproximação substancial das fontes originais da teoria social, principalmente
referenciada no pensamento de base marxista. Em um outro momento, marcado pela transição
democrática, possibilitou-se no Serviço Social um enorme avanço em termo de sua produção
intelectual, estendendo-se as organizações representativas da classe profissional. A profissão
passa, então, a ter na vertente teórica marxista sua base de sustentação, que mantém até o
momento atual.
As configurações societárias da década de 80, marcadas pela democratização,
contribuíram para a elaboração de um novo currículo para o ensino em 1982, pautado nas
diretrizes do pensamento marxista e, por outro lado, propuseram a ampliação da visão ético-
política da profissão, o que culminou no Código de Ética de 1986, revisto em 1993. Na década de
1990, tem-se novamente uma revisão curricular, fruto de um amplo debate entre as unidades de
ensino vinculadas a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social),
que referendaram um currículo em que se tem um processo de formação profissional direcionado
à questão social como fundamento sócio-histórico da profissão e o exercício profissional
enquanto processo de trabalho (IAMAMOTO, 1998). Não se pode deixar de citar que o CFESS
(Conselho Federal de Serviço Social) e os CRESS (Conselhos Regionais de Serviço Social)
também contribuíram para o fortalecimento da profissão nesse período.
58
Em suma, essas inovações caracterizaram-se pela ruptura com o conservadorismo,
trazendo ao Serviço Social um projeto político, ético e profissional voltado para a defesa
intransigente dos direitos humanos, a recusa do arbítrio e autoritarismo, a luta pela ampliação da
cidadania e o respeito ao pluralismo.
2.3 - SERVIÇO SOCIAL NO JUDICIÁRIO: RECONSTRUINDO O PERCURSO
HISTÓRICO-OPERATIVO
Como já apontado, o Judiciário é um dos três poderes do Estado, independente e
autônomo dos demais, e tem por objetivo dirimir conflitos, promover o controle social e a
socialização das expectativas, bem como a interpretação das normas legais (FARIA, 2001).
Ao longo da história, o Poder Judiciário foi alterando suas funções. Inicialmente, ele
atuava direcionado principalmente na preservação da propriedade privada, dos direitos
individuais, após buscou a implementação dos direitos sociais. Fávero (1999, p. 23) escreve:
O Judiciário, como parte do Estado, sendo uma instituição onde o poder se concretiza, é acionado para agir frente a essas contradições ou desvios. Como instância normatizadora no dia a dia de indivíduos, grupos e classes sociais, busca, pela lei, enquadrar determinadas situações, visando a manutenção ou restabelecimento da ordem. Seu poder é aplicado prioritariamente de forma coercitiva ou repressiva, direcionado para o disciplinamento, a normatização de condutas.
59
Embora o Judiciário apresente perfil essencialmente de aplicador da lei e normatizador
da vida em sociedade, também vem assumindo atribuição de garantidor de direitos, por meio de
novas interpretações legais e novas condutas acerca de sua função. A contemporaneidade traz em
seu bojo esses novos desafios, principalmente com a transnacionalização de mercados, bens e
serviços, que vem gerando uma pluralidade de situações acerca da relação dos indivíduos no
mundo globalizado, como definição de espaço de atuação, identidade e legitimidade. Esse
panorama exige do Poder Judiciário uma transformação urgente, que se dá através de duas linhas
contraditórias, segundo Faria (2001, p. 16-17):
[...] um, de natureza essencialmente punitiva, aplicável aos segmentos marginalizados; outro, de natureza eminentemente distributiva, o que implica, além da necessária coragem e determinação política, a adoção de critérios compensatórios e protetores em favor desses mesmos segmentos, tendo em vista a instituição de padrões mínimos de eqüidade, integração e coesão sociais.
Diante de tal assertiva, os desafios postos ao Judiciário são romper com o normativismo
e formalismo exacerbado, e fazer cumprir os dispostos constitucionais, de modo a estar em
sintonia com a realidade social presente.
Nesse fio condutor, é relevante pontuar que as variadas refrações da questão social,
manifestas sobremaneira em face da não obtenção de acesso aos direitos e garantias, passaram a
agravar-se no mundo moderno e serviram de espaço institucional para a inserção do assistente
social também no espaço judiciário.
Sabe-se que o profissional de Serviço Social intervém em instituições para a prestação
de serviços sociais, administrando e controlando o acesso e a utilização desses serviços por parte
da demanda usuária, sendo que o que tornou possível esse trabalho é a histórica regulação
executada pelo Estado sobre a sociedade através da legislação social e trabalhista e das políticas
60
sociais. No caso da atuação do assistente social no Judiciário, esta se dá desde o início da
institucionalização do Serviço Social.
Portanto, as práticas do assistente social na área judiciária estão intrinsecamente
relacionadas à própria trajetória da profissão, que nessa temporalidade renovou-se juntamente
com os processos sociais. Tem-se que entender que as demandas impostas ao assistente social na
esfera do Poder Judiciário também sofreram modificações no decorrer da história. Se até a década
de 80 (séc. XX) o profissional trabalhava numa perspectiva de tutela e de coerção, haja vista que
atuava exclusivamente em questões afetas à justiça da infância e da juventude, enquanto prática
de assessoramento aos magistrados, pautadas em conhecimentos advindos das ciências sociais,
sob a égide do Código de Menores que vigorava até então, suas atribuições ganham novo status,
principalmente com sua inserção na Vara de Execuções Penais, nos Juizados Cíveis e Criminais,
além do trabalho nas Varas da Infância e da Família, o que exige qualificação teórica e técnica
para responder às novas configurações societárias e profissionais.
Entretanto, é de suma importância reconstruir o percurso histórico-operativo do Serviço
Social na área judiciária, isto é, como realmente se efetivou o trabalho interventivo e quais
instrumentos legitimavam sua ação.
2.3.1 – Do inquérito social ao estudo social
Richmond (1950), ao discorrer sobre o inquérito social, escreve que as mudanças na
organização da caridade efetuadas no final do século XIX deram origem à expressão “inquérito
61
geral”. Entretanto, há registros da utilização de tal terminologia ainda no ano de 1823. Já em
1869, a fundadora da Sociedade de Organização da Caridade40 em Londres descrevia que o
objetivo do inquérito era a reintegração social dos indivíduos, com ênfase na questão econômica,
havendo também registros datados de 1882 da utilização do inquérito para fins repressivos.
Pode-se afirmar que o inquérito social era um documento (ficha) que objetiva descrever os
fatos essenciais que davam origem às dificuldades sociais de um indivíduo e determinar as
possibilidades de prestar ou não auxílio. Fávero (1999, p. 27) afirma que: “O inquérito é um
procedimento jurídico para o estabelecimento da verdade e, portanto, uma determinada maneira
de exercício do poder”.
Assim Richmond (1950, p. 27) escreve:
A investigação ou colheita de dados reais é o primeiro tempo do trabalho, seguindo-se-lhe o exame crítico, a comparação das realidades averiguadas e por fim a interpretação e esclarecimento da dificuldade social. Na prática comum, as trabalhadoras sociais dos casos individuais chamam “inquérito” a todas essas operações, mas como habitualmente cometem a falta de se preocuparem muito mais com a colheita dos dados do que com sua interpretação e comparação, há conveniência educativa em usar no conjunto do processo um termo que mais especialmente designe a sua finalidade. O inquérito é indispensável para o diagnóstico.
Para a realização do inquérito social, dois momentos se faziam necessários: a colheita dos
dados e as conclusões das averiguações. Para realizar tal inquérito, utilizavam-se de alguns
instrumentais, tais como: entrevistas pessoais, testemunhais, com parentes e vizinhos; atenção
40 A Sociedade de Organização da Caridade nasceu da aliança da alta burguesia inglesa, da Igreja e do Estado no final da primeira metade do século XX, com o objetivo de racionalizar a assistência e reorganizá-la em bases científicas. Tal organização representava uma estratégia política onde a burguesia intentava realizar seu projeto de dominação. (MARTINELLI, 2001, p. 99-100)
62
(observação); memórias (registros escritos dos casos sociais atendidos); diligências (visitas) e
análise de documentos diversos.
Nessa perspectiva, ao final da colheita de dados têm-se as considerações, ou seja, o
diagnóstico (inquérito), que assim define Richmond (1950, p. 310):
O diagnóstico social pode ser definido como uma tentativa para fazer uma descrição quanto possível exacta da situação e personalidade dum ser humano que sinta qualquer necessidade social, bem como da sua situação e personalidade em relação aos outros seres humanos de quem dependa ou que dependem dele e também em relação às instituições sociais da sua comunidade (sic).
Donzelot (1986) afirma que os processos de inquérito sobre a moralidade infantil eram
comuns no século XIX, entretanto só utilizados em questões atinentes a práticas caritativas. A
questão do inquérito passou a ser discutida na primeira escola de Serviço Social41 também como
forma de exercício prático de casos individuais.
Também Richmond (1950) apresenta as origens do inquérito relacionando com as
situações de crianças, pontuando que em 1869 a Sociedade de Proteção às Crianças da cidade de
Boston e o Tribunal Municipal solicitavam a realização de visitas e elaboração de inquéritos
acerca da situação de crianças (denominados na época de menores).
Entretanto, a referida autora afirma que somente em 1899 com a lei que institui os
Tribunais da Infância o inquérito passou a ganhar destaque, pois servia para auxiliar os
magistrados com informações sobre a família, sobre o histórico do meio em que vivia o menor, as
41 Escola de Filantropia Aplicada em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América. Já a primeira Escola de Serviço Social da Europa foi criada em 1908 na Inglaterra e em 1911 em na França.
63
perturbações sociais; e, enfim, sobre informações gerais sobre a família e o menor objeto do
inquérito42.
Donzelot (1986, p. 112-113) assinala que:
O inquérito social instaurado no início do século XX é concebido dentro de um mesmo espírito, com a mesma preocupação obsessiva de evitar que o investigador caia na armadilha das condutas populares de encenação da pobreza. Mas ele muda inteiramente a postura do investigador e os seus pontos de apoio. [...] penetra no seio da economia doméstica em vez de se ater aos “sinais exteriores de pobreza”, e na técnica de chantagem à economia.
Martinelli (2001, p. 109) afirma que através do trabalho das visitadoras sociais
domiciliares é que o Serviço Social inicia suas atividades públicas, inserindo-se nos tribunais de
justiça nas situações envolvendo crianças: “Para o exercício da função, tais juízes deviam
recorrer a audiências privadas e contar com a colaboração das visitadoras domiciliares para a
realização do inquérito”.
Nessa perspectiva, Donzelot (1986, p. 111), ao abordar as formas de coleta das
informações acerca de crianças para os tribunais de justiça, escreve:
A matéria-prima e ainda principal dos dossiês de crianças perigosas ou em perigo é fornecida pelo inquérito social, cuja generalização aparece ao mesmo tempo que a justiça de menores (1912). Com efeito, ele se torna necessário com as duas operações constitutivas do tribunal de menores. Por um lado, a inscrição das práticas assistenciais no âmbito judiciário leva ao reforço dos meios de ação da assistência contra o comportamento imprevisível e/ou interessado dos pais e, portanto, a uma codificação das condições de intervenção da Assistência Pública e dos grupos filantrópicos. Por outro lado, a extração do direito de correção, outrora reservado ao poder paterno, sua transferência para aparelho judiciário e para os notáveis sociais exigem a instauração de um procedimento de verificação das queixas dos pais tendo como objetivo, mais ou menos implícito, a sua inversão numa incriminação de suas capacidades educativas, do valor do ambiente da criança. O inquérito social situa-se, assim, no ponto de encontro entre a assistência e a repressão. Ele é o procedimento técnico através do que se busca dissolver as fraquezas de uma e de outra.
42 É relevante pontuar que Richmond propõe a substituição do termo inquérito pelo de diagnóstico social, título do livro supracitado e tema enfocado.
64
Continua Donzelot (1986, p. 112):
Enfim, o inquérito social torna-se necessário à regularização dos casos litigiosos de atribuição das prestações sociais (abonos familiares, instaurados em 1930 e sistematizados no após-guerra, seguros sociais e abonos especiais). [...] O inquérito social é, assim, o principal instrumento técnico destinado a ordenar a nova logística do trabalho social: a possibilidade de retirar ou restituir crianças [...].
Têm-se, então, como regras do inquérito social (segundo apurou o autor em texto datado
de 1920): primeiro, a aproximação circular da família, ou seja, coletar todas as informações
existentes nos serviços de assistência e vigilância; segundo, a utilização do interrogatório
separado e contraditório, feito no domicílio da pessoa e realizado de surpresa; e, finalmente, a
verificação prática do modo de vida familiar, ou seja, a conversa com a família objetivando
levantar informações básicas do modo de vida através da observação, onde o assistente social
pode inclusive examinar a residência e tirar fotos. Consoante Donzelot (1986, p. 115) afirma:
“[...] é uma técnica que mobiliza o mínimo de coerção para obter o máximo de informações
verificadas”.
O inquérito apresentava contornos específicos dependendo da área a que se destinava o
estudo. No caso da área judiciária, desenvolveu-se como um importante instrumento de auxílio ao
magistrado nas questões atinentes a menoridade. Fávero (1999, p. 28) assim explica o papel do
inquérito nas práticas do Serviço Social nos Juizados de Menores:
O serviço social, enquanto participante das práticas judiciárias, se utiliza do inquérito e do exame para, no atendimento que realiza, pesquisar “a verdade”. O assistente social é solicitado pelo Judiciário como sendo elemento neutro perante a ação judicial para trazer subsídios, conhecimentos que sirvam de provas, de razões para determinados atos ou decisões a serem tomadas. Através
65
de técnicas de entrevistas, visitas domiciliares, observações, registros, realiza o exame da pobreza e dá o seu parecer sobre a situação investigada e a medida mais adequada a ser aplicada, no caso do Juizado de Menores, ao menor ou à família.
Esses breves apontamentos acerca do inquérito social tem por objetivo demonstrar que ao
longo do processo constitutivo do Serviço Social em relação às práticas judiciárias, tais
procedimentos intentavam oferecer os subsídios técnicos inerentes a área específica de
conhecimento, de modo a auxiliar o magistrado em consonância com os pressupostos teóricos e
metodológicos norteadores da época, ou seja, ações de cunho estritamente moralizante,
disciplinador e realizados de forma individualizada, que objetivavam o controle social enquanto
adequação ao meio daquele indivíduo considerado disfuncional.
Na realidade, Türck (2000, p. 22) explica essa trajetória histórica e elenca os elementos
que passaram a constituir a teoria e metodologia do Serviço Social:
Na caminhada de construção de sua prática, o Serviço Social necessitava, ainda, saber ‘como agir’, estabelecendo sua relação de dependência e influência na ‘construção do objeto genérico’. Richmond, ao utilizar o Inquérito Social como uma proposição de reintegração social, possibilita o surgimento da ‘metodologia’ – que pode ser definida, de forma mais restrita, como um conjunto de métodos utilizados pela Disciplina para realizar a sua ação profissional e da reflexão que sobre eles costuma fazer. A ‘teoria’, construída a partir da prática, estabelece como elementos constitutivos do Serviço Social: objeto, objetivos, metodologia, princípios e ética.
66
Em suma, o profissional de Serviço Social, ao longo do processo constitutivo da
profissão, passou a utilizar-se de uma teoria e metodologia para empreender sua ação, que na
atualidade rege-se predominantemente pela teoria crítica43.
Analisando o desenrolar da história, vê-se que é a partir da década 40 e 50 (séc. XX), no
caso brasileiro, que se dá a inserção dos primeiros assistentes sociais no espaço do Judiciário.
Todavia, Türck (2000) pontua que o 1º Juizado de Menores foi criado no Distrito Federal no ano
de 1923; Veronese apud Pizzol (2003) informa que nesse ano também foi instalado o Juizado de
Menores no Rio de Janeiro; e, em São Paulo foi criado no ano de 1924, de acordo com Fávero
(1999). Em síntese, foi na década de 20 que esses órgãos especializados da justiça foram criados
em decorrência da situação social que envolvia o segmento menorista e a necessidade de
respostas mais efetivas por parte do Judiciário. No Rio Grande do Sul, é criado em 1933 o
Juizado de Menores (Türck, 2000).
No que tange à legislação específica para a área infantil, tem-se em 1927 a promulgação
do primeiro Código de Menores, primeira normativa brasileira voltada para a assistência e
proteção de crianças, sendo que em 1979 tal legislação foi revista.
Entretanto, há de se pontuar que em ambos os Códigos havia orientação para a realização
de perícias e inquéritos sobre os menores (1º Código) e estudos de caso (2º Código), enquanto
subsídio técnico ao juiz.
43 A perspectiva dialética enquanto método para compreensão da realidade social.
67
Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 (Lei nº.
8.069/90)44, em seus artigos 150 e 151 prevê a constituição de serviços auxiliares no âmbito do
judiciário para subsidiar o magistrado nas questões relacionadas a infância e juventude45.
Dispõe os referidos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente que:
Art. 150. Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude.Art. 151. Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.
Todavia, a mesma norma legal prevê em seu art. 152: “Aos procedimentos regulados
nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual
pertinente”.
Portanto, quando o assistente social atua em processos, seus pareceres técnicos podem ser
impugnados, haja vista que se constituem em prova judicial, garantido assim o princípio do
contraditório, previsto na Constituição Federal, art. 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
44 É relevante pontuar que a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente seguiu na esteira da Constituição Federal de 1988.45 A existência de serviços auxiliares junto ao Poder Judiciário na área da infância e da juventude está também previsto no art. 96, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal.
68
Cabe ressaltar ainda que o assistente social é chamado a atuar em processo de caráter
voluntário46, conforme seja a demanda de processos desta natureza.
Segundo Fávero (2003):
Verifica-se, nesse processo histórico, o Serviço Social, mas especificamente no que se refere à atuação junto à justiça da Infância e Juventude e também na Família, e das Sucessões, e Cíveis, teve como base a metodologia operacional do “Serviço Social de casos individuais”, desdobrando originariamente nas etapas de “estudo, diagnóstico e tratamento”, ou “investigação – diagnóstico e intervenção”. No que diz respeito sobretudo à operacionalização do processo de intervenção, pode-se dizer que essa metodologia até hoje se faz presente, e de maneira predominante, nesse campo, resguardadas as diferentes orientações teóricas que direcionam a ação do assistente social ao longo dos anos.
Todavia, ao longo do processo de amadurecimento da profissão, através da
sistematização da realidade decorrente das próprias transformações societárias, têm-se novas
práticas que respondem às atuais demandas, dentro de novas perspectivas teóricas.
O assistente social no espaço do Judiciário lança mão de vários procedimentos para
efetivar sua ação, sendo que o chamado estudo social é um dos principais instrumentos de
trabalho. É relevante evidenciar que várias terminologias podem ser utilizadas para
consubstanciar a opinião técnica do profissional: relatório social, perícia, parecer e laudo.
Todavia, neste trabalho será utilizado o termo estudo social. Segundo Fávero (2003), pode ser
assim conceituado:
O estudo social é um processo metodológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade conhecer com profundidade, e de forma crítica uma determinada situação ou expressão da questão social, objeto da intervenção profissional – especialmente nos seus aspectos sócio-
46 Os processos de jurisdição voluntária não tratam propriamente de litígio, mas, sim, de natureza administrativa, exigindo chancela judicial.
69
econômicos e culturais. Tem sido utilizado nas mais diversas áreas de intervenção do Serviço Social, sendo instrumento fundamental no trabalho do assistente social que atua no sistema judiciário.
Fávero (2004) aponta que o estudo social na atualidade apresenta-se como arrimo na
aplicação de medidas judiciais, reforçando a idéia já contida em outros trabalhos da autora acerca
do poder e saber expressos através do processo metodológico específico da profissão de Serviço
Social e denominado de estudo social.
O relatório social ou laudo social que o profissional apresenta, com menor ou maior detalhamento, a sistematização do estudo realizado (ou da perícia social, como é definida muitas vezes nesse espaço), transforma-se num instrumento de poder ou num saber, convertido em poder de verdade, que contribui para a definição do futuro de crianças, adolescentes e famílias, posto que ele é uma das provas que compõem ou que pode compor os autos.
Tais considerações evidenciam que o assistente social, ao elaborar um estudo social,
deve ter compromisso com a garantia do acesso à justiça à demanda usuária dos serviços
judiciais, em conformidade com os pressupostos legais, sociais e éticos.
2.3.2– O Serviço Social no Poder Judiciário Catarinense
Num rápido olhar pela história do Serviço Social na esfera do Poder Judiciário pode-se
afirmar que sua inserção nessa área está fundamentalmente relacionada com a própria
institucionalização da profissão no Brasil. Há registros que tal atuação foi implantada no Estado
70
de São Paulo a partir dos anos 40 (FÁVERO, 1999); no Rio Grande do Sul, na década de 50
(TÜRCK, 2000). Já no Estado de Santa Catarina, ela pode ser considerada relativamente recente.
Conforme Pizzol e Silva (2001), a inserção do assistente social na esfera do Poder Judiciário
Catarinense aconteceu em 1972 com a criação de dois cargos para a atuação na Vara de Menores
e um cargo em 1981 na Vara da Família, ambas na Capital do Estado. Nesses espaços o
profissional era o auxiliar do magistrado.
Atualmente, quase todas as Comarcas do Estado de Santa Catarina possuem em seus
quadros de servidores profissionais de Serviço Social. Nos locais onde tais cargos não foram
providos por concurso público, tais serviços são efetuados por assistentes sociais lotados em
fóruns geograficamente próximos, através da chamada prestação de serviço em regime de
cooperação47. Nesta sistemática, o Tribunal convoca um assistente social de outra comarca,
preferentemente próxima, o qual passa a atuar, além da comarca em que está lotada, naquela em
que restou convocado.
Segundo a organização judiciária do Estado de Santa Catarina, cada Comarca tem
competência jurisdicional, estas são chamadas de entrâncias e se subdividem em inicial,
intermediária, final e especial. Os profissionais são lotados em Comarcas de entrância inicial, que
se caracterizam por serem Comarcas de Vara Única, atuando em todas as áreas de sua
competência: infância e juventude, família e execuções penais. Já na entrância intermediária e
final, as Varas são especializadas, com divisão de competências.
Outrossim, o assistente social judiciário tem atribuições definidas no Código de
Organização e Divisão Judiciária do Estado de Santa Catarina - Lei nº. 5.624, de 09 de novembro
de 1979, que dispõe em seu artigo 173 o seguinte:
Art. 173 - Compete aos assistentes sociais:47 Resolução nº 004/01 – GP/TJ.
71
I – proceder ao estudo social do menor abandonado ou do infrator, sugerindo a forma de tratamento adequado para cada caso;II – realizar o tratamento social do menor internado, entregue à família e do que estiver sob liberdade vigiada;III – realizar tratamento social da família do menor infrator, visando a posterior readaptação do menor;IV- orientar e supervisionar família a que tenha sido entregue menor;V – participar, sob forma de tratamento social, da fiscalização do trabalho do menor;VI – apresentar relatório periódico sobre a situação dos menores submetidos a tratamento social, sugerindo a medida que lhe pareça útil adotar;VII – promover o entrosamento dos serviços do juízo de menores com obras, serviços e instituições que atendam aos menores em estado de abandono;VIII – obedecer às instruções baixadas pelo juiz de menores.
Todavia, tais atribuições foram revistas no sentido de adequá-las à realidade presente,
principalmente no que tange à terminologia e demandas institucionais, conforme Pizzol e Silva
(2001, p. 22) apontam, embora não sendo incorporadas as alterações no Código de Organização
Judiciária do Estado de Santa Catarina até o presente momento. Portanto, as principais
atribuições do assistente social na Justiça de Primeiro Grau são, segundo os autores:
Desenvolver trabalho técnico de perícia social em processos mediante determinação judicial.Atender a demanda social nas questões sociojurídicas, através de trabalhos de orientação, mediação, prevenção e encaminhamento;Contribuir para o entrosamento do Judiciário com Instituições que desenvolvam programas na área social.Cumprir, acompanhar e fiscalizar medidas socioeducativas, quando na Comarca inexistirem programas específicos, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.Gerenciar e operacionalizar os programas de colocação familiar de crianças e adolescentes (habilitação de pretendentes, adoção, guarda e tutela).Orientar e acompanhar família a quem tenha sido entre judicialmente criança e/ou adolescente.Gerenciar e executar programas de prestação de serviços à comunidade e participar do Conselho da Comunidade (previsto na Lei de Execuções Penais), onde houver assistente social especifico para a área criminal.Gerenciar o Setor de Serviço Social, elaborando e executando programas com a utilização do instrumental adequado ao contexto sóciojurídico.Atender determinações judiciais relativas à prática do Serviço Social,s sempre em conformidade com a Lei 8.662, de 7/6/93, que regulamenta a profissão, e a
72
Resolução nº 273/93, de 13/3/93, do Conselho Federal de Serviço Social – CFESS (Código de Ética).
No organograma institucional, o assistente social se insere na comarca48 em que prestou
o concurso ou posteriormente foi deslocado, podendo ainda ser convocado para atuar em outras
comarcas ou mesmo no Tribunal de Justiça. O profissional está subordinado legal e
administrativamente ao Juiz de Direito titular da Vara, porque denominado “auxiliar do
magistrado”. Fávero (1999, p. 20) diz que o assistente social é solicitado: “[...] como auxiliar
para fornecer subsídios à ação judicial, a partir do conhecimento, do saber que lhe confere sua
área de formação profissional”.
Com relação às atribuições do assistente social constantes no Código de Divisão e
Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina (Lei 5.624 de 09/11/1979), observa-se que a
terminologia utilizada está superada. Os termos “menor”, “tratamento social”, dentre outros,
remontam o Código de Menores e uma perspectiva de trabalho arcaica em termos de avanço
teórico e metodológico da profissão.
Nesse sentido, se faz relevante pontuar que as alterações propostas e elencadas por Pizzol
e Silva (2001) estão novamente em discussão junto à categoria profissional do Estado de Santa
Catarina, haja vista a formação do Associação Catarinense das Assistentes Sociais do Poder
Judiciário – ACASPJ no ano de 2003. A referida instituição tem sua finalidade definida em seu
48 “Diz-se de cada uma das circunscrições judiciárias em que se divide o território de um Estado da União sob a jurisdição de um ou mais juízes de direito” (VEADO, 1997, p. 230).
73
Estatuto49, sendo que o número de associados gira em torno de 70% do número de profissionais
que compõem o quadro do Poder Judiciário no Estado.
A luta pela alteração das atribuições no disposto legal, que trata da divisão, organização,
administração da justiça e dos serviços auxiliares, se faz necessária, haja vista os desafios
propostos pela contemporaneidade do Serviço Social, o qual necessita adequar-se também do
provimento legal, da perspectiva norteadora da profissão, embora tal preceito, na prática, já se
faça presente entre os profissionais que atuam junto ao Poder Judiciário Catarinense.
49 Art. 2º - A ACASPJ tem por finalidade:a) representar seus associados, judicial e extrajudicialmente, para a preservação de seus direitos e interesses, desde que compatíveis com o Estatuto perante qualquer instância;b) pugnar, junto aos poderes constituídos, pelos interesses gerais da categoria dos Assistentes Sociais Forenses do
Poder Judiciário Catarinense, pelas prerrogativas e por remuneração que garantam a independência de seus associados;
c) promover a defesa judicial e extrajudicial dos interesses individuais e coletivos de seus associados titulares atingidos, sempre que desrespeitados em seus direitos e prerrogativas, no exercício de suas funções, sob solicitação destes;
d) promover a realização e coordenar a representação dos Assistentes Sociais Forenses do Poder Judiciário Catarinense em congressos, conferências, seminários ou encontros, para a discussão de questões de caráter jurídico, científico, institucional e de interesses da classe;
e) colaborar, quando solicitada, para a solução amistosa de questões e assuntos profissionais, e com os Poderes Públicos, na qualidade de órgão consultivo;
f) promover, entre outros, serviços de natureza previdenciária, securitária, médica e de aprimoramento profissional e atividades esportivas e de lazer, podendo para tanto firmar contratos ou estabelecer convênios com entidades especializadas;
g) manter um órgão informativo e/ou uma revista, neles divulgando suas atividades e matérias do interesse da classe, aí incluídos os avisos sobre as assembléias e eleições;
h) congregar os associados, promovendo a cooperação e a solidariedade mútuas, estreitando e fortalecendo a união dos Assistentes Sociais Forenses do Estado;
i) propor medidas que assegurem ao associado e seus dependentes o amplo acesso à justiça e a efetividade da jurisdição;
j) realizar reuniões de confraternização entre os associados, organizar e manter atividades recreativas inclusive em âmbito intermunicipal;
k) estimular o aprimoramento na cultura jurídica e técnico-científicas de serviço social forense, contribuindo para a difusão na área, estabelecendo prêmios para trabalhos desenvolvidos na harmonização entre o sistema legal e o Serviço Social.
74
2.3.3 – Os desafios do profissional de Serviço Social no Judiciário na atual conjuntura social
É necessário que o profissional de Serviço Social entenda e decifre as várias facetas e
manifestações pelas quais a questão social se insere dentro de um contexto amplo e contraditório
e as formas de efetivar seu trabalho técnico.
Nesse viés em torno da emergência da discussão do campo sócio-jurídico, é que as
particularidades das práticas estão sendo postas em discussão, haja vista que até praticamente o
final dos anos 80 a atuação do assistente social no Poder Judiciário estava restrita à área referente
à criança e ao adolescente (as chamadas Varas de Menores), decorrentes da vigência dos
Códigos de Menores de 1927 e de 1979, este último em vigência até 1990.
Foi somente no final da segunda metade do século XX, com as grandes mobilizações
sociais - que culminaram na Constituição de 1988 e outras leis que vieram a contribuir para a
garantia e ampliação dos direitos sociais – como por exemplo o Estatuto da Criança e do
Adolescente e a Lei Orgânica da Assistência Social, que a atuação do assistente social se
amplia.
Paralelamente às conquistas dos direitos sociais, constatou-se a reestruturação dos
mecanismos de acumulação do capitalismo, que resultaram em profundas transformações
societárias e conseqüentemente em novas manifestações da questão social, que, por sua vez,
passaram a exigir novas formas de intervenção do profissional de Serviço Social. Nesse sentido,
Iamamoto (2004, p. 269) afirma:
75
A questão social expressa, portanto, desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização. Dispondo de uma dimensão estrutural, ela atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa luta aberta e surda pela cidadania (Ianni, 1992)50, no embate pelo respeito aos direitos civis, sociais e políticos e aos direitos humanos (IAMAMOTO, 2004, p. 269).
Ademais, somente a consagração dos mais amplos direitos na legislação de um país não
basta, se na realidade de fato o cidadão comum não pudesse exigi-los através da proposição de
demandas jurídicas e da possibilidade de acessarem informações sobre os direitos vigentes e as
suas formas de pleito, ou seja, reconhecendo-se enquanto sujeitos de direitos e deveres.
A dificuldade de acessibilidade à informação, e, portanto, ao exercício da cidadania é
acarretada pelas contradições sociais decorrentes das práticas neoliberais, que se expressam e se
manifestam cotidianamente, isto é, as macrodeterminações, influenciando diretamente nos
microespaços. Nesse sentido, de um modo ético e crítico, o assistente social deve buscar
viabilizar respostas que incluam o usuário dos serviços sociais judiciários na esfera dos direitos e
no pleno exercício de sua cidadania.
Contudo, os desafios na atualidade são os de tornar os direitos efetivos em face de um
sistema judicial que encontra dificuldades em assegurar direitos humanos e sociais garantidos na
legislação e também em face da tentativa de desmantelamento desse conjunto de direitos que
ainda não foram plenamente realizados. Tal desafio também se coloca para o profissional de
Serviço Social, exigindo respostas.
50 IANNI, Otávio. A questão social. In: A idéia de Brasil moderno. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 87-109.
76
Atualmente, podemos dizer que o papel do assistente social no campo sócio-jurídico
está intrínseca e extrinsecamente vinculado à questão da viabilização e garantia dos direitos, ou
seja, o direito de acesso à justiça.
Chuairi (2001, p. 138) sintetiza o trabalho do assistente social no campo sócio-jurídico:
Em sua trajetória profissional, o assistente social sempre esteve inserido na prestação de serviços assistenciais, voltando sua ação de forma prioritária às necessidades sociais e garantia de direitos das classes subalternas. E é na efetivação de direitos, no acesso à justiça e na restituição da cidadania dos sujeitos das classes subalternas que a assistência jurídica poder ser compreendida como espaço de permanentes desafios para a ação profissional do Serviço Social.
Portanto, o assistente social vem no percurso histórico legitimando sua prática
profissional no campo sócio-jurídico, tendo como primeiro espaço institucional de atuação no
Poder Judiciário. Portanto, se faz necessário entender como se dá esse processo, isto é, como o
profissional busca garantir esses direitos plenamente proclamados, porém não realmente
efetivados.
Todavia, o profissional, para poder compreender a complexidade da demanda que lhe
chega, necessita compreender a própria reestruturação social das sociedades capitalistas, que
produz diferenciações econômicas e desigualdades sociais, seja nas condições de trabalho, seja
no consumo e proteção social.
Isso tudo demonstra que é necessário buscar-se um novo perfil profissional, mais
articulado às novas demandas da realidade. Dessa maneira:
O novo perfil que se busca construir é de um profissional afinado com a análise dos processos sociais, tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em suas manifestações cotidianas; um profissional criativo e inventivo, capaz de entender o ‘tempo presente, os homens presentes, a vida presente’ e nela atuar,
77
contribuindo, também, para moldar os rumos de sua história (Iamamoto, 1998, p. 49).
Batistone (1991) alerta para a necessidade do assistente social entender a dimensão
técnica da sua profissão, a intervenção na realidade social e cotidiana, não como uma prática
burocrática, ou como mero executor. Deve ele compreender a sua dimensão intelectual, que exige
criatividade e inovação, a fim de melhorar as próprias práticas institucionais, sendo que isso só é
possível através da construção de uma identidade profissional, articulada com um projeto
profissional coletivo.
A prática profissional manifesta-se através de seus procedimentos no que tange à
elaboração dos estudos sociais, laudos e pareceres técnicos; na participação em sala de
audiências, quando devidamente intimada/convidada para prestar esclarecimentos acerca do
estudo social ou de outro instrumental; na execução de diligências do Juízo; na realização de
conciliações judiciais; na interação com outros órgãos tais como Ministério Público, Conselho
Tutelar, Conselho da Comunidade, Abrigos, etc. Igualmente quando da atuação em curadoria
judicial. Além disso, dá-se a atuação na política de concessão dos benefícios da Assistência
Judiciária Gratuita (Lei nº. 1.060/50).
Para tanto, a forma de utilização dos procedimentos processuais e profissionais pelo
Assistente Social do judiciário é o foco do próximo item.
78
2.4 – SERVIÇO SOCIAL: PROCEDIMENTOS PROFISSIONAIS E PROCESSUAIS
Para Nogueira (1993, p. ?) conhecimento profissional é: “O conjunto de saberes e
práticas que são próprias da ação profissional; é o sistema de teorias, técnicas e procedimentos
que caracterizam uma determinada profissão: é o que define uma profissão face as outras”.
No que tange ao Serviço Social, pode-se afirmar que seria o saber necessário à
intervenção social e à apreensão da realidade, considerando o conhecimento como um resultante
histórico, construído do embate de forças sociais, que muda e se transforma em função de fatores
exteriores e interiores à profissão. O conhecimento no Serviço Social serve para apreender a
realidade, explicá-la e daí escolher ou indicar possíveis alternativas de ação.
2.4.1 – Os procedimentos próprios da profissão
No que se refere à utilização de procedimentos profissionais, pode-se afirmar que o
Código de Ética, a Lei que Regulamenta a Profissão e legislação codificada e esparsa51,
estabelecem as diretrizes para a ação nesta seara.
Primeiramente é relevante evidenciar a questão da autonomia profissional ou livre
exercício das atividades inerentes à profissão, consoante art. 2°, alínea “b”, do Código de Ética,
isto é, o profissional apresenta autonomia para escolher os meios a serem utilizados na realização
do trabalho técnico. O Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 151, assim se refere a essa
51 Via de regra trata de assuntos específicos. Exemplo: Estatuto da Criança e do Adolescente, LOAS.
79
questão: “[...] assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico”, e o Código de
Processo Cível também apresenta tal questão em seu art. 145: “Quando a prova do fato depender
de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo disposto no art.
421”.
De acordo com a lei que dispõe sobre a profissão52 de assistente social, este possui
competência privativa para: “realizar vistorias, perícia técnicas, laudos periciais, informações e
pareceres sobre a matéria de Serviço Social”.
O conjunto de competências ético-políticas e teórico-metodológicas que necessita o
profissional de Serviço Social para desempenhar com qualidade seu trabalho, em consonância
com os ditames do projeto da profissão, pautado na justiça, igualdade, democracia, cidadania,
posição ética em defesa das possibilidades de escolha, eqüidade, etc.
A contemporaneidade e a dinâmica societal exige do profissional apreensão do
movimento do real, dentro de uma perspectiva pautada na totalidade. Brites et. al. (1996, p. 125)
afirma:
Assim, sabemos que não basta a fundamentação teórico-metodológica para imediatizarmos uma ação transformadora; a reflexão ética fará justamente a mediação entre esse saber teórico-metodológico e os limites e possibilidades, decorrentes das relações valorativas do homem em sociedade, para a prática profissional. Enquanto inserido no processo de reprodução das relações sociais, o assistente social competente deve ter claro a conotação política de sua prática profissional e as possibilidades e limites para uma ação comprometida.
A inter-relação teoria/prática não é suficiente, se não for pautada em pressupostos éticos
e políticos, somente esse conjunto articulado possibilita uma ação interventiva comprometida e
de qualidade .
52 Lei nº. 8.662/93 em seu art. 5º, inciso IV.
80
Fávero (2003, p. 35) afirma que o profissional deve trabalhar norteado pelo projeto
ético-político e teórico-metodológico da profissão e abre a discussão acerca da utilização de
meios e fins:
Essas normas e fundamentos dizem respeito aos meios necessários de serem dominados para o competente exercício profissional. Dominar os meios implica no domínio de um poder. Poder dado pelo saber profissional, que, no caso de Judiciário, soma-se ao poder inerente à natureza institucional, que é um poder de julgamento, de decisão a respeito da vida dos sujeitos. Pode-se indagar, então, qual é a real finalidade do estudo social nesse campo de intervenção, e como planejar o trabalho, de maneira que a finalidade se articule ao domínio dos meios pra chegar até ela. Dessa forma, uma das primeiras perguntas frente à demanda do estudo social não seria para que? Para subsidiar a decisão judicial: E pergunta-se também quais as implicações na vida do sujeito essa decisão trará? Que responsabilidade tem o profissional do Serviço Social, nessa decisão? Levando em conta que o Judiciário busca a “verdade” dos acontecimentos ou da situação, para julgar com justiça, indagamos qual a sua participação na construção dessa verdade. Ele tem clareza de que a “verdade” é histórica, construída socialmente?
Tais indagações traduzem a necessidade do pensar profundamente a questão do fazer
profissional e suas conseqüências, bem como a utilização dos instrumentais que vão subsidiar a
ação profissional e os objetivos implícitos e explícitos.
Diante de tais assertivas, entende-se que cada instituição deve produzir mecanismos
técnicos que atendam suas finalidades, isto é, que possibilitem realmente alcançar objetivos reais.
Além do mais, é o assistente social que define os instrumentais a serem utilizados, haja vista sua
autonomia técnica garantida legalmente. Suas escolhas devem pautar-se pela criatividade e pela
consciência crítica (Martinelli e Koumrouyan, 1994).
81
2.4.2 – Os procedimentos do processo judicial
Para poder desempenhar seu trabalho profissional, conforme pontuado acima, o
assistente social faz uso de inúmeros procedimentos presentes na legislação. Assim sendo,
entende-se que os procedimentos de natureza processual são aqueles que dizem respeito à forma
e à maneira como os atos processuais53 se realizam, bem como em relação a sua dinâmica. Faz-se
necessário, para melhor compreensão, distinguir o processo do procedimento. O processo é o
conjunto, a totalidade de atos processuais. O procedimento, por seu turno, é a ordenação, o
caminho trilhado no tempo e a forma diversificada de seu trâmite. Carnelutti (apud Cunha, 1990,
p. 170) afirma que: “O procedimento é o processo em movimento ou, em outras palavras, o
movimento do processo”, de modo que, dependendo da forma procedimental apregoada pela
legislação é que se pode de antemão visualizar o seu desfecho célere ou moroso.
Procedimento, portanto, é o rito pelo qual os atos processuais devem tramitar, sendo que,
por exemplo, observa-se que o Código de Processo Civil divide o processo em três espécies (de
conhecimento, de execução e cautelar). Em relação às espécies de procedimento, ele os divide em
duas espécies: comum (este por sua vez subdividido em procedimento ordinário, sumário e
sumaríssimo) e especial (este subdividido em jurisdição contenciosa, voluntária, das execuções e
das cautelares). O critério de divisão é baseado de acordo com a celeridade do procedimento e a
complexidade da demanda.
Com essa classificação, vê-se que o legislador quis imprimir no procedimento ordinário
uma marcha mais lenta e comedida no seu proceder. Já em relação ao procedimento sumário e
53 Segundo Nunes (2001, p. 117): “Ato processual é espécie do gênero ato jurídico. Este tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, ou seja, tem efeito sobre a relação jurídica do direito material. [...] Em outras palavras, ato processual é toda ação humana que produz efeito jurídico em relação ao processo”.
82
sumaríssimo, buscou-se a solução mais rápida do litígio, concentrando-se em algumas fases,
objetivando-se a celeridade.
De acordo ainda com cada rito procedimental é que se apresentam certas características.
Por exemplo, no rito sumaríssimo, nota-se que uma de suas características é a informalidade dos
atos.
A utilização e conhecimento de procedimentos processuais por parte do profissional de
Serviço Social é de suma relevância, haja vista que atua em processos e também no atendimento
à demanda nas questões sócio-jurídicas, a fim de se evitar a prática de atos desconformes aos
princípios norteadores do processo, causando tumulto processual e prejuízo às partes, a seus
procuradores e ao Judiciário.
O assistente social no Poder Judiciário atua em processos nas áreas cível e penal. Na
esfera civil, em processos de destituição de pátrio poder; habilitação à adoção; colocação
familiar: nas modalidades de guarda, tutela e adoção; verificação de situação de risco; busca e
apreensão de criança e adolescente; guarda; regulamentação de visita; pensão alimentícia;
curatela; alvará judicial, entre outros. Na esfera penal, em incidentes de progressão e/ou regressão
de regime, dentre outros. Também na execução de programa de prestação de serviço à
comunidade e participação no Conselho da Comunidade, conforme Lei nº. 7.210/8454 e Código
de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça – CNCGJ55. Também realiza a triagem e
encaminhamento de pedidos de assistência judiciária gratuita, conforme Lei nº. 1.060/5056 e LCE
nº. 155/9757.
54 Lei de Execuções Penais.55 Conforme disposto nos artigos 324 a 331.56 Lei que dispõe sobre a Assistência Judiciária Gratuita. Contudo, o assistente social só operacionaliza o benefício mediante determinação do Juiz de Direito a que estiver diretamente subordinado, porquanto usualmente o serviço é feito pela OAB.57 Lei Complementar Estadual.
83
Os principais procedimentos processuais e legais dos quais o assistente social se utiliza
estão previstos nas seguintes leis: Constituição da República Federativa do Brasil; Lei 8.662/9358;
Lei 8.069/9059; Lei nº. 5.869/7360, artigo 420 e seguintes; Lei nº. 10.406/0261, dentre outras.
Legislação Institucional: Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça (CNCGJ); Código
de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina; Resoluções; Provimentos e
Portarias; além de outras legislações.
É importante verificar de que modo se desenvolve o processo para poder-se apontar o
quão relevante é ao profissional de Serviço Social conhecer os aspectos procedimentais. Nesse
sentido, é importante citar alguns procedimentos de que o assistente social faz uso, entre os quais
pode-se citar aquele previsto na Constituição Federal62, que dispõe acerca da proibição de
qualquer pessoa ou agente público de adentrar domicílio alheio após o anoitecer, sem
consentimento do morador, sob pena de vir a responder a processo criminal por abuso de
autoridade. Assim, é indispensável que o profissional de Serviço Social conheça tal proibição,
para que no exercício profissional, possa praticar seus atos sem vícios. A Magna Carta norteia o
profissional em várias questões, entre as quais o disposto no art. 22763.
No que se refere à legislação esparsa, pode-se demonstrar como exemplo o
procedimento previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 162, § 2º64, em que 58 Dispõe sobre a profissão de Assistente Social.59 Estatuto da Criança e do Adolescente.60 Código de Processo Civil.61 Código Civil Brasileiro.62 Constituição Federal, art. 5º, inciso XI: “A casa é asilo inviolável do individuo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.63 É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária64 Artigo 162: “Apresentada a resposta, a autoridade judiciária dará vista o Ministério Público, por cinco dias, salvo quando este for o requerente, designando, desde logo, audiência de instrução e julgamento. [...] § 2º: Na audiência, presentes as partes e o Ministério Público, serão ouvidas as testemunhas, colhendo-se oralmente o parecer técnico, salvo quando apresentado por escrito, manifestando-se sucessivamente ao requerente, o requerido e o Ministério Publico, pelo tempo de vinte minutos cada um, prorrogável pro mais dez, a decisão será proferida na audiência,
84
há a hipótese do parecer técnico ser colhido verbalmente pela autoridade judiciária. Portanto, é
indispensável o conhecimento dessa legislação, porquanto o trabalho técnico poderá, por sua vez,
ser tomado de forma verbal e não escrita. Há outros artigos em que há procedimentos importantes
para o profissional de Serviço Social, tais como os artigos 130, 245 e 262 do ECA, que tratam de
questões ligadas à violência contra a criança e o adolescente.
Os procedimentos previstos na legislação profissional são indispensáveis para a prática
do assistente social, entre os quais aponta-se os art. 4º65 e 5º66, que dispõem respectivamente
podendo a autoridade judiciária, excepcionalmente, designar data para a sua leitura no prazo máximo de cinco dias”.65 Art.4º - Constituem competência do Assistente Social:I - elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública direta ou indireta, empresa, entidades e organizações populares:II - elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil;III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população;IV - (VETADO)V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos;VI- Planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais;VII- Planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais;VIII- prestar Assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo;IX- prestar Assessoria e apoio aos movimentos sociais em matérias relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade:X- planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social;XI- realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades. 66 Art.5º - Constituem atribuições privativas do Assistente Social:I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos programas e projetos na área de Serviço Social;II - planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social;III - Assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades em matéria de Serviço Social;IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social;V - assumir, no magistério de Serviço Social tanto a nível de graduação como pós-graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de formação regular;VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviços Sociais;VII - dirigir e coordenar Unidades de Ensinos e Cursos de Serviço Social, de graduação e pós-graduação;VIII - dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudos e de pesquisa em Serviço Social;IX - elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assistentes Sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social;X - coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre assuntos de Serviço Social;XI - fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Federal e Regionais;XII - dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou privadas;XIII - ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira em órgãos e entidades representativas da categoria profissional.
85
acerca das competências e das atribuições privativas do profissional de Serviço Social, haja vista
que saber/dominar esses conhecimentos implica na prestação de serviços condizentes com a
profissão e possibilitam a recusa da realização de serviços que não são de sua competência.
Desse modo, quanto mais o profissional de Serviço Social obtiver conhecimento da
legislação, melhor estará aparelhado para exercer seu mister.
O processo envolve três sujeitos principais: O Estado-juiz67, autor68 e réu69, sendo que
por iniciativa do autor nasce a relação jurídica processual triangular, com vistas à solução da
demanda. Desse modo, o processo tem iniciativa por parte do interessado na resolução do
conflito (parte autora), desenvolvendo-se, porém, por impulso oficial.
O processo também conta com a participação do Ministério Público, ora figurando como
sujeito especial do processo, ora atuando como parte, e ora como fiscal da fiel aplicação da lei.
Há também a participação do advogado, que é aquele que representa as partes em juízo.
Naturalmente a demanda deve ser ajuizada perante o foro competente, para que não se
possa alegar eventuais irregularidades. A competência também é determinada de acordo com o
valor da ação. Todavia, o assistente social é instado a atuar em processos em razão da matéria,
uma vez que o valor da ação tem relevância para a fixação dos ritos, principalmente no caso do
sumário e do sumaríssimo. Normalmente o assistente social é chamado a atuar em processos, de
acordo com a natureza da ação, quer cível, quer criminal. Assim, distribuída uma ação de
natureza cível, será o estudo social realizado pelo assistente social lotada na vara cível. Porém, se
o feito possuir natureza criminal, terá que ser distribuído em uma vara criminal, que será
apreciado pelo assistente social lotado naquela vara ou nomeado para o ato.
67 Representado por Magistrado que recebeu delegação do Estado e que possui competência para dirigir o feito.68 Aquele que ajuíza a demanda.69 Aquele que é chamado para responder o processo.
86
Tem-se ainda a participação dos servidores públicos auxiliares do juízo, que são os
funcionários públicos lotados no Foro, os quais praticam atos processuais, dentre eles o assistente
social.
2.4.2.1 – Atos processuais
Segundo Nunes (2001, p. 117): “Ato processual é toda ação humana que produz efeito
jurídico em relação ao processo”. No mundo do Direito os atos processuais são aqueles que
possuem relevância. Podem-se citar como exemplos de atos processuais: petição inicial,
despachos, estudo social, informações, relatórios, etc.
O Código de Processo Civil, nos artigos 154 a 176, estabelece a disciplina dos atos
processuais, instituindo um formalismo que deve ser observado pelos profissionais que atuam no
processo, como forma, modo, finalidade, tempo e lugar, etc.
Quanto a sua forma, podem ser classificados em solenes70 e não –solenes71. Segundo este
critério, via de regra o estudo social é um ato solene, porque exige a forma escrita, podendo,
todavia, assumir a forma não-solene, como no caso do artigo 162 do ECA (apresentação oral do
parecer técnico em audiência).
Um dos principais atributos que o ato processual deve revestir é o da finalidade,
porquanto o art. 15472 do CPC dispõe que, ainda que o ato processual seja realizado em desacordo
70 Os quais prevêem uma forma como condição de validade (NUNES, 2001).71 Os quais são praticados de forma livre, sem estrita vinculação (NUNES, 2001)72 “Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente determinar, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”.
87
com a forma estabelecida em lei, ele será válido conquanto atinja a finalidade essencial. Assim, a
intervenção do profissional de Serviço Social, apesar de ter desobedecido a forma preconizada
em lei, não anulará o referido ato, desde que atingida a objetividade jurídica proposta.
Também é relevante pontuar que os atos processuais classificam-se em atos das partes73,
atos do juiz74 e atos do escrivão ou chefe da secretária75. Outras pessoas, dentre as quais o
assistente social, praticam atos no processo.
No que tange ao tempo e lugar dos atos processuais, via de regra realizam-se em dias
úteis, em conformidade com o art. 17276 do CPC.
2.4.2.2- O estudo social enquanto ato processual
Partindo-se do pressuposto que o “[...] estudo social é instrumento utilizado para
conhecer e analisar a situação vivida por determinados sujeitos ou grupos de sujeitos sociais,
sobre o qual fomos chamados a opinar” (MIOTO, 2001, p. 153), o referido instrumental é um ato
processual que somente fará parte do processo quando houver expressa determinação da
autoridade judiciária como alicerce para a tomada de decisões.
Acerca do assunto dispõe Pizzol (2005, p. 48):
73 Ex: Petição inicial, contestação, etc.74 Ex: Despachos, sentença, etc.75 Ex: Vista as partes, juntada de documentos, lavratura de termos, etc.76 “Os atos processuais realizar-se-ão em dias úteis, das seis às vinte horas. § 1º: Serão, todavia concluídos depois da vinte horas os atos iniciados antes, quando o adiamento prejudicar a diligência e causar grave dano [...]”.
88
É de se notar que o Código de Processo Civil não menciona o termo estudo social. O artigo 145 do Código de Processo Civil é genérico e assim estabelece: “Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art. 421.”Em regra, são processos em que o juiz necessita respaldar-se em provas convincentes, a fim de proferir sua decisão de maneira mais acertada; por vezes, com o objetivo de certificar-se sobre as provas já produzidas pela partes; em outras circunstancias, para verificar in loco questões de que deva saber. Quando não, como é o caso da maioria das vezes, para que o especialista em serviço social verifique, observe e emita sugestão técnica para melhor solução da situação sócio-jurídica apresentada.
Assim, considera-se o estudo social como espécie do gênero ato processual.
Referidos atos, conforme o art. 155 do CPC, são públicos. Entretanto, tramitam em
segredo de justiça, conforme inciso II, aqueles “que dizem respeito a casamento, filiação,
separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimento e guarda de menores”. Em suma,
a maioria dos estudos sociais tramita em segredo de justiça, haja vista que tratam da vida íntima
dos sujeitos envolvidos, de suas dificuldades, conflitos, violências, relações assimétricas de
poder, etc.
No que se refere ao lugar, é importante evidenciar que os atos processuais, conforme o art.
176 do CPC preceitua, realizam-se na sede do juízo, fora dele somente por deferência ou
obstáculo argüido pelo interessado e acolhido pelo juiz, e também por interesse da justiça.
Quando se fala de estudo social enquanto ato processual, este se realiza geralmente na
residência dos sujeitos, através da visita domiciliar, ficando a critério do assistente social a
escolha dos instrumentais para a confecção do referido estudo social.
Relativamente à seleção dos instrumentais necessários para a realização do estudo social,
é fundamental esclarecer que devem atender o fim desejado, consubstanciado por preceitos de
89
natureza ética e legal que norteiam o fazer profissional. No Judiciário, vários são os instrumentais
técnico-operativos utilizados, dentre eles destaca-se a entrevista, por ser um instrumental de uso
recorrente. Afinal, a profissão se realiza através de relações interpessoais e dialógicas. Para
Fávero et. al (2005, p. 121):
Em Serviço Social, é por meio da entrevista que se estabelecerá um vínculo entre duas ou mais pessoas. Os objetivos a serem buscados por quem a aplica e os fundamentos da profissão é que definem e diferenciam seu uso. A coleta de informações, por meio de técnicas de entrevista, além de conhecimento e compreensão das situações, possibilita a construção de alternativas de intervenções, devendo, para tal, partir do manifesto pelos sujeitos e/ ou situação que provocou a ação, em direção à construção sócio-histórico-cultural, daquilo que se busca apreender. O dialógo é o elemento fundamental da entrevista, exigindo dos profissionais a qualificação necessária para o desenvolve-lo com base em princípios éticos, teóricos e metodológicos, na direção da garantia de direitos.
A visita domiciliar tem por objetivo clarificar as condições sócio-econômicas e familiares
em que vivem os sujeitos atendidos, permitindo uma leitura da realidade cotidiana, sendo muitas
vezes determinada no processo judicial. Na visita domiciliar há a possibilidade de utilização de
outros instrumentais em conjunto, como a própria entrevista e a observação, na tentativa do
desvelamento do não-dito e do real que se apresenta.
Além do mais, a utilização de registros existentes do setor de Serviço Social e das
informações existentes no próprio processo servem de instrumento para a análise e formação da
opinião profissional ou parecer social.
Nessa perspectiva, Fávero (2003, p. 47) informa sobre os objetivos do parecer social:
90
Trata-se de exposição manifestação sucinta, enfocando-se objetivamente a questão ou situação social analisada, e os objetivos do trabalho solicitado e apresentado; a análise da situação, referenciada em fundamentos teóricos, éticos e técnicos, inerentes ao Serviço Social – portanto, com base em um estudo rigoroso e fundamentado – uma finalização, de caráter conclusivo ou indicativo.
No tocante ao prazo para confecção dos atos processuais, quando este não é previsto em
lei, é fixado pela autoridade judiciária77. Normalmente o prazo conferido para a realização do
estudo social é fixado de acordo com a urgência e complexidade do caso, variando de um a trinta
dias. Há ainda que se considerar que muitos magistrados não fixam prazos para a sua firmatura.
Porém, o referido instrumental deve ser realizado o mais breve possível como medida de
agilização do feito e para evitar eventual penalidade administrativa do profissional78.
Quanto à expressa previsão normativa para realização do estudo social, encontramo-la nos
seguintes artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, transcritos respectivamente:
Art. 161, § 1º. Havendo necessidade, a autoridade judiciária poderá determinar a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional, bem como a oitiva de testemunhas.
Art. 162, § 2º. A requerimento de qualquer das partes, do Ministério Público, ou de ofício, a autoridade judiciária poderá determinar a realização de estudo social ou, se possível, de perícia por equipe interprofissional.
Dessa forma, conclui-se que para perfeita realização do estudo social devem ser
respeitados princípios da legislação acima mencionados. Significa dizer que o assistente social
deve contatar com todos aqueles que participam do feito. Também é indispensável que o
77 Art. 177 do CPC78 Art. 193 do CPC: “Compete ao juiz verificar se o serventuário excedeu, sem motivo legítimo, os prazos a que este Código estabelece”. Art. 194 do CPC: “Apurada a falta, o juiz mandará instaurar procedimento administrativo, na forma da Lei de Organização Judiciária”.
91
profissional conheça das atribuições daqueles que intervém no processo, para que possa se
reportar aos sujeitos competentes, quando necessário, além de sugerir encaminhamento devido.
2.4.2.3 - Impedimento e suspeição do assistente social
Dispõe o art. 138, inciso II, do Código de Processo Civil, que é estendida aos
serventuários da Justiça, e portanto aos assistentes sociais, as regras de suspeição e de
impedimentos dos juízes, na forma citada nos artigos 134 e 135 do mesmo estatuto legal.
No que tange ao impedimento, verifica-se este nos seguintes casos: quando for parte; em
processos que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito ou prestou depoimento
como testemunha; quando no feito estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou
qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, ou na linha colateral, até o
segundo grau; quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha
reta ou, na colateral, até o terceiro grau; quando for órgão de direção ou de administração de
pessoa jurídica, parte na causa.
Caracterizam-se como causas motivadoras de suspeição: ser for amigo íntimo ou inimigo
capital de qualquer das partes; alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge
ou de parentes destes, em linha reta ou colateral até o terceiro grau; herdeiro presuntivo,
donatário ou empregador de alguma das partes; receber dádivas antes ou depois de iniciado o
processo; aconselhar uma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para
atender às despesas do litígio ou por motivos de foro íntimo.
92
Assim, deve o assistente social declarar expressamente ao juízo qualquer causa de
suspeição ou impedimento. Havendo alegação de suspeição os atos processuais serão nulos,
gerando a invalidade do que foi efetivado, devendo ser realizados os atos invalidados por outro
profissional desimpedido. Além disso, de acordo com o caso concreto e tendo em conta o dolo ou
culpa do servidor, poderá ser imposta pena disciplinar.
93
3. O SERVIÇO SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM O ACESSO À JUSTIÇA
3.1 - METODOLOGIA DA PESQUISA
O presente item trata do referencial metodológico que sustenta o trabalho. A pesquisa
será descrita através dos seguintes elementos: tipo de pesquisa, técnica, instrumentais, objeto de
pesquisa e categorização.
A abordagem metodológica escolhida foi a dialético-crítica. É salutar evidenciar que tal
perspectiva pauta-se na necessidade de compreensão da sociedade como um todo, objetivando
apreciar o conjunto das complexidades e dos processos históricos e sociais, ou seja, é a
articulação de todos esses aspectos que estão inseridos numa concepção de mundo. Portanto, a
acepção dialético-crítica tem como princípio a relação dinâmica dos fatos e não a estática
(TRIVINOS, 1992).
Essa perspectiva apresenta-se dentro de um contexto amplo, marcado por inúmeras
contradições, onde há necessidade do estabelecimento de vários nexos para o desvelamento do
real. Nesse viés, Gil (1999, p. 32), ao explicar o método dialético, afirma:
94
A dialética fornece as bases de uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais.
Por conseguinte, tal método norteou a descrição do mecanismo procedimental utilizado
pelo assistente social na esfera do judiciário, bem como a forma de materialização do processo de
acessibilidade à justiça, através da definição de um conjunto de categorias e possibilitaram
desvelar a prática profissional. A elaboração analítica da discussão dos dados no método dialético
viabiliza interpretar a realidade técnico-operativa do assistente social.
Assim, para compreender a realidade a ser pesquisada, foi usada análise qualitativa, pois
esta possibilita estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos em suas relações sociais.
Essa abordagem, segundo Chizzotti (1991), permite a inter-relação entre sujeito e pesquisador na
construção do conhecimento na dinâmica do mundo real objetivo e subjetivo: “[...] são
fenômenos que não se restringem às percepções sensíveis e aparentes, mas se manifestam em
uma complexidade de oposições, de revelações e de ocultamentos, é preciso ultrapassar a sua
aparência para descobrir a sua essência” (CHIZZOTTI, 1991, p. 84).
Entretanto, em alguns momentos serão apresentados alguns dados quantitativos, de modo
a explicitar alguns elementos da análise, sem contudo perder a natureza qualitativa, essência
dessa proposta.
3.1.1 – Tipo de Pesquisa
O tipo de pesquisa intentada assume caráter descritivo com viés explicativo. No que se
refere ao aspecto descritivo, pode-se afirmar que esse tipo de pesquisa objetiva a “descrição das
95
características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre
variáveis” (GIL, 1999, p. 44). Buscou-se, dessa forma, identificar e descrever as formas
procedimentais, processuais e profissionais utilizadas pelo assistente social no Poder Judiciário,
consistentes na elaboração do estudo social. Portanto, “o estudo descritivo pretende descrever
com ‘exatidão’ os fatos e fenômenos de determinada realidade” (TRIVIÑOS, 1992, p. 110), ou
seja, a utilização dos procedimentos processuais e profissionais e os seus fins. No que tange ao
aspecto explicativo, Gil (1999, p. 44) comenta que as pesquisas dessa natureza: “São aquelas
pesquisas que têm como preocupação central identificar os fatores que determinam ou que
contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Este é o tipo de pesquisa que mais aprofunda o
conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas”. A linha explicativa que
a pesquisa assume tem por objetivo aproximar o conhecimento e analisar como o assistente social
que atua na esfera judiciária viabiliza ou não processos emancipatórios no que tange ao acesso à
justiça através de sua prática procedimental.
3.1.2. – Técnica
Em relação à técnica de análise, optou-se pela análise de conteúdo, pois esta permite
decodificar os dados e aferir significações. Chizzoti (1999, p. 98) diz: “O objetivo da análise de
conteúdo é compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou
latente, as significações explícitas ou ocultas”.
96
Para Richardson (1999), a análise de conteúdo é uma técnica de pesquisa que assume
três características metodológicas. A primeira refere-se à demonstração dos procedimentos de
cada etapa, isto é, a objetividade; a segunda é a sistematização das categorias do material a ser
analisado; e a última é a decorrência de análise e interpretação.
Para o referido autor os objetivos da análise de conteúdo são:
1º - Analisar as características de um texto (mensagem) sem referência às intenções do emissor ou aos efeitos da mensagem sobre o receptor.2º - Analisar as causas e antecedentes de uma mensagem, procurando conhecer as suas condições de produção.3º - Analisar os efeitos da comunicação para estabelecer a influência social da mensagem (RICHARDSON, 1999, p. 225-227).
É relevante esclarecer que a técnica proposta priviligiou a análise de conteúdo dos
argumentos constantes nos estudos sociais, aferindo o significado da mensagem, isto é, se estes
viabilizam processos, quer emancipatórios, quer regulatórios, junto à demanda atendida. Bardin
apud Richardson (1999) apresenta as fases da análise de conteúdo, que são: pré-análise, a análise
do material e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Desse modo, a análise de
classificação será realizada por meio da categorização, uma vez que esta facilita a análise das
informações. Assim, as categorias serão estabelecidas em consonância com a teoria que
fundamenta a proposta à luz dos dados empíricos disponíveis, conforme apresentado no item
3.1.4 deste capítulo.
97
3.1.3 – Instrumentais e Objeto da Pesquisa
Os instrumentais utilizados para o desenvolvimento desse trabalho foram a pesquisa
bibliográfica e documental. Segundo Gil (1999, p. 66), “enquanto a pesquisa bibliográfica se
utiliza fundamentalmente de contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a
pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico”.
Para Mioto (2001, p. 153), o “estudo social é instrumento utilizado para conhecer e
analisar a situação vivida por determinados sujeitos ou grupos de sujeitos sociais sobre o qual
fomos chamados a opinar”.
Segundo Fávero (2003, p. 43), a construção do estudo social exige fundamentação
rigorosa, teórica, ética e técnica. A autora afirma que:
O estudo social é um processo metodológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade conhecer com profundidade, e de forma crítica, uma determinada situação ou expressão da questão social, objeto da intervenção profissional.
Para tanto, a autora explicita o caráter privativo de tal atividade e reflete acerca dos
objetivos do estudo social:
É o assistente social o profissional que adquiriu competência para dar visibilidade, por meio desse estudo, às dinâmicas dos processos sociais que constituem o viver dos sujeitos; é o assistente social que pode trazer à tona a dimensão de totalidade do sujeito social (ou sujeitos) que, juridicamente, se ‘torna objeto’ da ação judicial (FÁVERO. 2003, p. 41).
Tais considerações evidenciam que quando o assistente social elabora um estudo social
deve ter compromisso com a garantia do acesso à justiça à demanda usuária dos serviços
98
judiciários, em conformidade com os pressupostos legais, sociais e éticos. A realização de
estudos sociais coloca-se como uma das maiores demandas do exercício profissional no Poder
Judiciário e vem ganhando visibilidade com a ampliação do campo profissional.
É relevante elucidar que não se pretende incorrer em discussões terminológicas acerca
das diferenciações entre perícia social e estudo social. Foi utilizada, para tanto, a terminologia
estudo social por ser aquela de uso corrente no vocabulário jurídico catarinense.
A escolha do estudo social como objeto de pesquisa teve por objetivo analisar se o
assistente social através da lógica argumentativa consegue garantir o acesso à justiça, tendo em
vista que no meio judiciário é a forma pela qual o profissional se manifesta79. Pizzol (2001, p. 34)
afirma:
Os assistentes sociais do Judiciário catarinense vêm realizando estudos sociais desde longa data, atendendo determinação judicial, com caráter de assessoramento em demandas que exigem o parecer profissional. Acredita-se que o serviço profissional, geralmente expressado através do estudo social, em muito tem colaborado para as decisões judiciais.
A pesquisa pautou-se na verificação da lógica argumentativa contida nos estudos
sociais, nos quais se buscou aferir se o profissional, através de seu trabalho técnico, por meio da
utilização de procedimentos processuais e profissionais, manifestado pelo estudo social, consegue
viabilizar processos emancipatórios junto à demanda usuária dos serviços judiciários ou acaba
por reforçar a regulação.
Para coleta desses dados, foi enviada uma correspondência no mês de maio de 2005, via
correio eletrônico, aos assistentes sociais que compõem o quadro de servidores do Poder
Judiciário das Comarcas do Extremo-Oeste do Estado de Santa Catarina e que compõem o Grupo
79 Por meio escrito, através da juntada do estudo social no processo, e quando chamado a apresentar o resultado do estudo social verbalmente, conforme disposto no art. 151 da Lei 8.069/90.
99
de Estudos80 da referida região, solicitando que tais profissionais enviassem 03 (três) cópias de
estudos sociais, objeto da pesquisa, juntados em processos da área cível, sendo 01 (um) de
procedimento de jurisdição voluntária e 02 (dois) de jurisdição contenciosa elaborados no
período de maio de 2004 a maio de 2005, para que se pudesse fazer a análise e interpretação dos
dados81. Os estudos sociais requeridos e recebidos foram realizados por profissionais de Serviço
Social do Poder Judiciário, lotadas e/ou que cooperam em 10 (dez) Comarcas, de um total de 110
(cento e dez) existentes em todo o Estado82, totalizando 24 (vinte e quatro) estudos sociais
recebidos de 08 (oito)83 profissionais de Serviço Social.
É importante pontuar que a escolha por estudos sociais da área cível se efetivou em
virtude desta ser a área de maior atuação do profissional de Serviço Social no Poder Judiciário
Catarinense, pois de acordo com o Código de Processo Civil os processos em espécie se
classificam em dois grandes grupos: os de natureza contenciosa e os de natureza voluntária.
Nesse sentido, os processos de natureza contenciosa são aqueles que apresentam vasto campo de
litigiosidade, enquanto que nos de natureza voluntária não há litígio propriamente, mas sim mera
atuação do Estado-Juiz exercendo função administrativa, visando chancelar e conferir validade
aos atos dos interessados.
Todavia, optou-se por analisar somente um estudo social de cada profissional,
independentemente da natureza procedimental, contenciosa ou voluntária. Tal escolha justifica-se
pelo fato da técnica de análise de conteúdo demandar aprofundamento minucioso em cada
80 Em 1999, na cidade de Treze-Tílias/SC, em encontro da categoria, os assistentes sociais do Poder Judiciário decidiram organizar-se por regiões geográficas, através dos denominados Grupos de Estudos.81 Segue no apêndice deste trabalho cópia do convite enviado.82
Em 2001 existiam 07 (sete) comarcas sem provimento do cargo de assistente social, sendo criadas no ano de 2003 mais 17 (dezessete) comarcas, totalizando 24 (vinte) comarcas sem provimento do cargo.83 Haja vista que 02 (dois) assistentes sociais atuam concomitantemente em 02 (duas) Comarcas, aquela em que estão lotados e outra em que cooperam, pelo não provimento do cargo ou afastamento do profissional. Portanto, foram recebidos estudos sociais de 08 (oito) assistentes sociais que trabalham em 10 (dez) Comarcas do Extremo-Oeste do Estado de Santa Catarina.
100
categoria selecionada. Diante disso, trabalhar com os vinte e quatro estudos sociais coletados
significaria acréscimo de tempo considerável, de modo que a análise total dos estudos não se fez
possível, por não dispor-se de tempo hábil no momento, bem como em razão dos prazos
acadêmicos, o que acarretou na análise de 08 (oito) estudos sociais, ou seja, um estudo social de
cada profissional.
3.1.4 - Categorização
A análise de conteúdo, enquanto conjunto de técnicas de análise, permite a
decodificação do significado implícito e explícito do discurso dos assistentes sociais do Poder
Judiciário, manifestado pelo estudo social e na perspectiva do acesso à justiça.
Para tanto, buscou-se categorias de análise, visando entender a forma com que o
assistente social interage no que tange à materialização do processo de acessibilidade à justiça.
Fez-se necessário, então, classificar elementos em categorias, isto é, identificar elementos
comuns e agrupá-los para realizar a inferência para fins de interpretação dos resultados através
dos pressupostos teóricos norteadores da pesquisa.
Através da pré-análise dos estudos sociais enviados e selecionados, definiu-se como
categoria central a de acesso à justiça, com as seguintes sub-categorias: a) presença de elementos
- teóricos, éticos e legais; b) instrumento utilizado – adequação à finalidade esperada e a sua
oportunidade; c) apreensão do processo social material total que constitui os sujeitos sociais
envolvidos no processo.
101
3.1.4.1 – Acesso à Justiça
A perspectiva de análise da categoria central acesso à justiça pauta-se na compreensão
de que tal acessibilidade não pressupõe somente a possibilidade da proposição de demandas
jurídicas em Juízos e Tribunais, mas sim a possibilidade dos cidadãos terem direito à informação,
aos direitos vigentes e suas formas de pleito. Assim sendo, o assistente social, através da
autonomia, escolhe os instrumentais que irão pautar sua ação, que devem ser direcionados por
uma perspectiva que contemple os elementos do projeto ético-político da profissão,
transfigurando-se no acesso à justiça.
a) Subsídios teóricos, éticos e legais
Neste trabalho, verificou-se a utilização de subsídios teóricos, éticos e legais na
construção do estudo social ou mesmo o aparecimento de análises pautadas no senso comum, de
modo que, quanto ao aspecto teórico, intentou-se observar a existência de embasamento
científico (ou seja, averiguar se os profissionais fazem alusão a conhecimentos produzidos de
cunho teórico) nos estudos sociais. Relativamente aos aspectos éticos e legais, examinou-se que
restaram contemplados os preceitos desta natureza em conformidade com o Código de Ética
Profissional e com o que foi discutido ao longo deste trabalho.
102
b) Instrumento utilizado: adequação à finalidade esperada
Os instrumentais constituem uma categoria que permite a realização de uma trajetória, isto
é, desde a concepção de ação à sua operacionalização. Para Martinelli e Koumrouyan (1994)
abrangem técnicas, conhecimentos e habilidades, as quais são construídas a partir de um dado
momento e de acordo com uma determinada finalidade, além evidentemente dos determinantes
políticos, sociais e institucionais. Martinelli e Koumrouyan (1994, p.137) consideram o
instrumental como:
O conjunto articulado de instrumentos e técnicas que permitem a operacionalização da ação profissional. [...] Decorre que o instrumental não é nem o instrumento nem a técnica tomados isoladamente, mas ambos, organicamente articulados em uma unidade dialética (entrevista, relatório, visita, reunião, etc.).
Para tanto, verificou-se quais os instrumentais utilizados pelos assistentes sociais para
elaboração do estudo social. Além de identificar os instrumentais, foi constatada a adequação à
finalidade esperada, ou seja, a formação de um juízo ou convicção sobre o assunto abordado.
Também a sua oportunidade, ou seja, a adequação às circunstâncias particulares do caso
concreto.
103
c) Apreensão do processo social material que constitui os sujeitos sociais envolvidos no
processo
A dimensão do sujeito social se caracteriza pelos processos relacionais estabelecidos num
contexto econômico, cultural, político e social, que se materializam no processo dialético. Haja
vista que a análise marxista pressupõe a interação de homem e natureza, no intento da satisfação
de necessidades, sendo que em tal movimento o homem se transforma.
Nesse sentido, buscou-se resgatar a forma com que o assistente social traz a dimensão
histórica e totalizante do indivíduo na relação com as variadas refrações da questão social. É
importante ponderar que a questão social corresponde às “expressões das desigualdades da
sociedade capitalista” (IAMAMOTO, 1998).
Já no que se refere à dimensão da totalidade, é importante ponderar que significa a
necessidade de compreensão e apreensão da sociedade como um todo, ou seja, contemplar o
conjunto das complexidades dos processos históricos e sociais. Tal acepção está intrinsecamente
relacionada com a dimensão da historicidade, pois o sujeito social se expressa pela sua vida
material na teia de relações sociais que estabelece.
104
3.2 – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE
INTERVENTIVA
Faz-se necessário neste momento explicitar que a interpretação dos resultados da pesquisa
serão pautados na análise de conteúdo, haja vista que através desta técnica objetiva-se
demonstrar, por meio dos estudos sociais selecionados, as significações atribuídas pelos
profissionais no que se refere a categoria central acesso à justiça, tendo como análise secundária
as subcategorias, já mencionadas, as quais dão sustentação à categoria central: a) subsídios
teóricos, éticos e legais; b) instrumento utilizado: adequação à finalidade esperada; e c) apreensão
do processo social material que constitui os sujeitos sociais envolvidos no processo.
Entretanto, num primeiro momento é relevante ilustrar algumas informações quanti-
qualitativas para demonstrar a natureza dos documentos objetos da análise.
Os estudos sociais disponibilizados pelas Assistentes Sociais dizem respeito à demanda
contenciosa e à voluntária84, sendo respectivamente 07 (sete) da primeira e 01 (uma) da segunda,
conforme se verifica na tabela a seguir.
Tabela 01 – Espécies de Processos
Espécie de Processos Nº de Estudos Sociais Porcentagem1. Contenciosa 07 87,5%2. Voluntária 01 12,5%Total 08 100%Fonte: dados primários
84 É relevante pontuar que uma das profissionais enviou somente estudos sociais de natureza voluntária.
105
Assim, observa-se que, dos estudos sociais selecionados para análise, 87,5% deles são de
natureza contenciosa, isto é, processos que envolvem litigiosidade, caracterizados essencialmente
por disputas que envolvem membros de um grupo familiar, bem como estrutura, padrões de
funcionamento, dinâmica relacional e histórias em comum. Em face disso, observa-se que as
pessoas envolvidas almejam a resolução de tais conflitos de interesses mediante a intervenção
estatal, através do Judiciário, o qual, na maioria das vezes, determina ao profissional de Serviço
Social a elaboração de estudo social acerca da situação que envolve o litígio, como instrumento
tendente a alicerçar o seu julgamento, porquanto é este quem melhor está aparelhado técnica e
teoricamente para fornecer os subsídios acerca da questão a ser enfrentada pelo magistrado, por
ocasião de sua decisão.
Por sua vez, o juiz, quando decide, pode fazê-lo por questões de premente necessidade e
tendo em vista a provisoriedade da situação. Isso diz respeito às decisões de cunho interlocutório,
em que não se põe fim ao litígio, mas apenas se procura obter uma solução provisória, a qual
pode ser revertida futuramente, de modo que o estudo social assume papel relevantíssimo para o
magistrado; porquanto tem este que decidir rapidamente a questão (liminares, antecipação de
tutela, etc), não podendo, nem lhe sendo facultado fazer um exame aprofundado da prova (e de
outros meios) para sua decisão. Já os estudos sociais de natureza voluntária são aqueles em que
não há litígio e objetiva-se somente conferir validade aos atos dos interessados.
Na presente pesquisa, 12,5% são dessa espécie, que apresentam questões de menor
disputa, não significando que tais feitos revistam conteúdo de somenos importância. Em suma,
em processos cíveis de natureza contenciosa e voluntária, o profissional de Serviço Social deve
levar em conta as prerrogativas legais relacionadas à questão objeto da análise processual, mas
tão importantes quanto os aspectos legais são os aspectos teóricos e metodológicos, haja vista que
a realidade não se revela transparente e imediata, mas sua apreensão depende exclusivamente das
106
mediações possíveis, intentando o seu desvelamento numa perspectiva histórica e de totalidade
que objetive conduzir o profissional de forma consciente e crítica a objetividade do real. Assim,
Iamamoto (1998) define como deve ser o profissional de Serviço Social:
O novo perfil que se busca construir é de um profissional afinado com a análise dos processos sociais, tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em suas manifestações cotidianas; um profissional criativo e inventivo, capaz de entender o ‘tempo presente, os homens presentes, a vida presente’ e nela atuar, contribuindo, também, para moldar os rumos de sua história (Iamamoto, 1998, p. 49).
Assim, o trabalho do Assistente Social assume dimensão significativa por ocasião do
julgamento, onde o estudo social aponta como indicativo norteador a tomadas de decisões mais
recomendadas a um julgamento equânime. “Enfim, é o conhecimento criterioso dos processos
sociais e sua vivência pelos indivíduos sociais que poderá alimentar propostas inovadoras,
capazes de propiciar o reconhecimento e atendimento às efetivas necessidades sociais dos
segmentos [...]” (Iamamoto, 2004, p. 278).
Tabela 02 – Tipos de Processos
Tipos de Processos Nº de Estudos Sociais Porcentagem1. Ação de Perda e Suspensão de
Pátrio Poder85
03 37,5%
2. Verificação de Situação de Risco 01 12,5%3. Guarda e Responsabilidade 02 25%4. Busca e Apreensão 01 12,5%5. Modificação de Guarda 01 12,5%Total 08 100%Fonte: dados primários
85 O Sistema de Automação Judiciária –SAJ, continua distribuindo os processos com o termo pátrio poder, entretanto com a vigência do Novo Código Cível, desde o ano de 2003 o termo correto é poder familiar.
107
No que se refere à tabela acima, verifica-se os tipos de processos utilizados na análise,
sendo 37,5% dos estudos sociais de ações de Perda e Suspensão de Pátrio Poder86, que
apresentam alta complexidade por envolver de um lado família – lugar natural de
desenvolvimento -, e do outro o melhor interesse da criança. É o processo através do qual são
apuradas as reais condições dos pais, que quando não condizentes com os deveres do poder
familiar enunciados na legislação sofrem as sanções legais87. Já 25% dos processos utilizados são
de Guarda e Responsabilidade, processos que se destinam a atender situações provisórias,
geralmente casos de guarda requerida por parentes próximos ou visando suprir a falta eventual
dos pais. Já 12,5% são processos de Modificação de Guarda, aqueles em que há uma guarda pré-
existente e em situações que atendam ao melhor interesse da criança e com motivos consistentes.
Quanto aos processos de Busca a Apreensão, 12,5% deles são desta natureza, procedimentos que
visam invocar o direito material – fumus boni iuris88 e fundado no receio do dano - periculum in
mora 89. Entretanto, para concedê-la em muitos casos o magistrado solicita a averiguação da
situação objeto da demanda ao profissional de Serviço Social, para formar sua convicção acerca
dos fatos contidos nos autos; enquanto que 12,5% dos processos são denominados de Verificação
de Situação de Risco, os quais objetivam apurar as condições que se encontram crianças e
adolescentes com vistas à aplicação de medidas protetivas. Tal procedimento só é recomendável
em Comarcas em que não existe Conselho Tutelar instalado e em funcionamento.
86 O pátrio poder é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e dos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes (RODRIGUES, 2002 p. 90). Com a Lei nº. 10.406/02 a expressão pátrio poder foi substituída pela expressão poder familiar. 87 As transgressões aos deveres inerentes ao poder familiar se caracterizam como uma violação aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes que tem garantido o direito a convivência familiar sadia. Todavia, a falta de recursos financeiros por si, só não constitui motivo para a perda ou suspensão do poder familiar.88 Expressão do Latim, a qual significa “fumaça do bom direito”, ou seja, a existência de norma que tutele a pretensão proposta em juízo.89 Expressão do Latim que significa “perigo na demora”, de modo que a demora na prestação jurisdicional pode implicar no perecimento do direito da parte.
108
Todavia, ainda em muitas Comarcas catarinenses esse procedimento continua sendo
proposto pelo Ministério Público e acolhido pelo Poder Judiciário, muito embora todos os
municípios do Estado de Santa Catarina tenham Conselho Tutelar instalado e em pleno
funcionamento, essa ainda é uma matéria polêmica.
Quanto à estrutura dos estudos sociais utilizados observou-se que há diferenciações na
forma de estruturação e apresentação dos dados, conforme se verifica na tabela 03.
Tabela 03 – Estrutura dos Estudos Sociais
Estrutura dos Estudos Sociais Nº de Estudos Sociais PorcentagemIdentificação das partes 08 100%Apresentação da finalidade 06 75%Especificação da metodologia e
instrumental técnico
07 87,5
Parecer 08 100%Total 08 100%Fonte: dados primários
Analisando os estudos sociais, observou-se que 100% apresentam os dados de
identificação das partes, situando os sujeitos sociais objeto da ação profissional. Com relação à
apresentação da finalidade dos estudos sociais, constatou-se que 75% apresentam subtítulos
diferenciados, como: introdução, antecedentes e objetivos. Todavia, observou-se que em 25% dos
estudos sociais, a finalidade não foi apresentada de forma explícita, contudo emerge do
desenvolvimento das argüições.
Já no que tange à indicação da metodologia e dos instrumentais para elaboração dos
estudos sociais, 87,5% demonstram quais foram aqueles que deram subsídios à análise da
situação, tais como: entrevistas, visitas domiciliares, contatos institucionais, contatos com
colaterais, etc. Enquanto que 100% dos estudos sociais apresentavam o item parecer,
109
compreendido este como a avaliação do objeto de análise processual, pautada na compreensão da
situação individual e social verificada quando da utilização dos instrumentais técnicos e
operativos e que são apresentados com perspectiva ética, teórica e técnica.
A discussão do item parecer refere-se somente à existência da referência na estrutura dos
estudos sociais e não ao conteúdo, que será objeto de análise em subcategoria específica. Para
fins de conhecimento, o termo parecer aparece de formas diferenciadas nos estudos sociais
verificados, sendo que 37,5% apresentam somente a expressão parecer, 50% utilizam a expressão
parecer técnico e 12,5% referem-se à expressão parecer e conclusão. Salienta-se que nenhum
estudo social fez alusão à expressão parecer social, também utilizada por profissionais.
3.2.1 - Categoria Central – Acesso à Justiça
Para fins de interpretação, é importante pontuar que a categoria central acesso à justiça e
as subcategorias definidas estão intrinsecamente relacionadas numa simbiose dialética.
Entretanto, para fins analíticos, num primeiro momento cada categoria e subcategoria será
demonstrada e analisada separadamente, objetivando subsidiar a proposta da pesquisa.
Partindo da compreensão de que o acesso à justiça está relacionado à possibilidade dos
cidadãos terem direito à informação acerca de seus direitos e suas formas de pleito, através de
espaços legítimos de participação, não só dentro do acesso formal, aqui entendido como o espaço
dos Tribunais, mas que pode materializar-se dentro, através e fora do Judiciário. Dentro dessa
perspectiva, intenta-se visualizar de que forma o profissional de Serviço Social, dentro do sistema
judiciário pode possibilitar efetivamente seu o acesso, compreendendo este como a possibilidade
de garantia e ampliação de direitos dentro dos auspícios do Estado.
110
O acesso à justiça aparece nos estudos sociais, principalmente em questões afetas a
preocupação do profissional com a inclusão social, atendimento das necessidades, construção de
uma rede de atendimento e busca de garantia de direitos individuais e sociais, ou seja, o
compromisso com a orientação profissional. Isso se manifesta em alguns dos estudos sociais
analisados através das seguintes afirmações abstraídas dos estudos sociais:
“Em virtude de [...] ser pessoa de certa idade e que apresenta alguns problemas de saúde tendo despesas médicas constantemente sugerimos que seja fixado alimentos a ser pago pelos pais de [...]” (Estudo Social nº. 07).
“Encaminhamento da referida família para programa de atendimento conforme previsto no art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente relativos aos incisos II [...] e VI [...]” (Estudo Social nº. 06).
O profissional através dos estudos sociais busca também dar voz aos sujeitos sociais:
“A realização de audiência para a oitiva da adolescente [...] de 12 anos, que durante as entrevistas manifestou a este setor o expresso desejo de permanecer residindo com suas irmãs, que por ora estão com sua guarda provisória” (Estudo Social nº. 04).
Percebe-se pelo discurso manifesto nas transcrições que os profissionais buscam viabilizar
o atendimento as necessidades dos sujeitos sociais atendidos, seja sugerindo a fixação de
alimentos, inclusão em programas de atendimento, acompanhamento a ser realizado pelo
Conselho Tutelar ou mesmo pelo profissional de Serviço Social.
Tais formas de manifestação são expressões da tentativa do profissional de Serviço Social
a fim de possibilitar à demanda usuária dos serviços o acesso a um conjunto de direitos dispostos
historicamente. O profissional revela o compromisso com o quinto princípio fundamental do
Código de Ética: “Posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, de modo a assegurar a
111
universalidade de acesso a bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como
sua gestão democrática”.
Entretanto, o debate acerca do acesso à justiça fomentado pelo discurso dos profissionais
participantes da pesquisa traz à cena o debate em torno das formas de regulação e emancipação
contidas na ação profissional. Transitar nesse terreno exige levar à tona as particularidades da
prática do profissional de Serviço Social, suas relações e as características do espaço
institucional, enquanto cenário em que se realiza seu trabalho. A esfera institucional, portanto, foi
o local onde historicamente a profissão se constituiu e se realizou, tendo o Judiciário como um
dos primeiros espaços públicos de inserção do Serviço Social90.
O contexto institucional sempre foi marcado pela função essencialmente judicante, muito
embora recentemente tal poder constituído vem assumindo novos contornos, decorrentes do
processo de desenvolvimento sócio-econômico em escala mundial, que vem gerando
desigualdades de todos os gêneros, o que exige do Poder Judiciário posturas voltadas à garantia
de direitos humanos e sociais. Nesse cenário, marcado por profundas assimetrias nas relações
sociais, tem-se o profissional de Serviço Social, que através de seu trabalho técnico subsidia o
magistrado em suas decisões. Nos estudos sociais, instrumentos de assessoria, aparecem
contornos em que se mesclam mecanismos de controle e de busca de garantia de direitos, que
efetivamente possam levar os sujeitos sociais (partes da ação judicial) a um processo de
emancipação, e, portanto, de condições de acessibilidade à justiça. Tais condições aparecem nos
seguintes exemplos:
90 Ainda no final do séc. XIX os profissionais de Serviço Social eram requisitados pelos Tribunais de Menores em países como a França e os Estados Unidos. No Brasil, na década de quarenta, tem-se a inserção de profissionais no espaço do Judiciário, caracterizando-se assim como um dos primeiros espaços públicos a contratar assistentes sociais, marcando assim o inicio da institucionalização da profissão no Brasil, conforme pontuado no Capítulo Segundo.
112
“[...] sugerimos que o processo seja suspenso por determinado tempo, para que as partes sejam encaminhadas para acompanhamento psicológico e acompanhamento do serviço social” (Estudo Social nº. 01).
“Seja determinado acompanhamento do caso pelo Conselho Tutelar da cidade de [...], onde atualmente está residindo a adolescente; bem como, a continuidade do acompanhamento psicológico da mesma com a emissão de relatório a este juízo” (Estudo Social nº. 04).
Evidentemente que a natureza predominante do Judiciário é o controle, haja vista que sua
função é a adequação e fiscalização da lei. Entretanto, a figura do profissional de Serviço Social,
através da Lei que Regulamenta a Profissão, com o Código de Ética Profissional e o próprio
Estatuto da Criança e do Adolescente, traz à cena institucional a trajetória real dos sujeitos
objetos da ação judicial, sua dinâmica relacional e a realidade social vivida, ou seja, demonstra as
manifestações da questão social em que estão inseridos e em face do contexto analisado, buscar a
garantia de condições de superação, mesmo que para tanto seja necessário incluí-lo em
programas de apoio (sociais, psicológicos, etc.) e efetuar acompanhamento. Tais sugestões
contidas nos estudos sociais expressam o controle, mas vislumbra-se como a possibilidade de
assegurar condições para sobrepujar a realidade em que os sujeitos estão envolvidos,
possibilitando assim a garantia de acesso à justiça, ou seja, garantia de autonomia e liberdade de
escolha.
O Código de Ética Profissional, no primeiro princípio, considera a liberdade como um
valor amplo, não restrito ao indivíduo, mas sim ao coletivo, pois se realiza no social. Nessa
perspectiva, a ação profissional é permeada pela autonomia (mesmo que relativa) e pela
possibilidade de articulação no sentido de transformar o fato numa realidade nova, criada pela
ação, ou seja, pela prática profissional, enquanto atividade que mediatiza as relações sociais. Para
tanto, o profissional de Serviço Social deve buscar compreender a totalidade da realidade vivida
113
pelos sujeitos, de modo que o seu olhar expresse o real e todas as suas conexões e as medidas
sugeridas sejam fruto de uma análise teórica, ética e crítica, compromissada com a garantia de
direitos e alicerçada no compromisso social assumido pela profissão e ultrapassando o fatalismo e
messianismo, conforme Iamamoto (1995) pontua.
No que tange à questão da prática profissional, apurou-se algumas frases que ainda
traduzem uma concepção que Iamamoto (1995) chama de utilitária e imediatista: a busca da
efetividade e de resultados imediatos e concretos. Dois estudos sociais traziam reflexões nessa
perspectiva:
“[...] vários foram os atendimentos realizados à família em questão, sem que estes lograssem êxito, uma vez que [...] não denota interesse em melhorar sua condição de vida e, conseqüentemente, oportunizar desenvolvimento digno aos filhos” (Estudo Social nº. 05).
“Infelizmente o empenho do serviço social forense, do conselho tutelar, assistente social do município, e demais pessoas que conhecem a história do casal não surtiu efeitos” (Estudo Social nº. 08).
Diante de tais considerações, apurou-se que os profissionais ainda se responsabilizam
pelo resultado das ações, isto é, de sua prática profissional, como se o sucesso ou fracasso de uma
situação fossem unicamente sua atribuição. Iamamoto (1995, p. 115), ao analisar tal
característica, evidencia que: “As suas intenções tornam-se, não raras vezes, subvertidas pelos
resultados de suas ações”. Tal determinismo manifesto nos estudos sociais em nada contribui
para superação daquilo que está posto, pois cabe ao profissional que transita no cotidiano da vida
social das pessoas, nas diferentes expressões da questão social, articular alternativas que não
dependem exclusivamente do assistente social, mas que se constroem através dele, isto é, como
profissional capacitado teórica e tecnicamente, que chamado a opinar, tem a concreta
114
possibilidade de propor alternativas de transformação, que somente são possíveis através do
desvelamento do real, trazendo à tona a objetividade da vida social, o que depende da forma com
que o profissional atribui significação a sua ação, ou seja, “conforme a maneira pela qual ele
interprete o seu papel profissional” (IAMAMOTO, 1995, p. 102). Analisando outra característica
da profissão a autora afirma:
[...] a indefinição ou fluidez do que é ou do que faz o Assistente Social, abrindo-lhe a possibilidade de apresentar propostas de trabalho que ultrapassem a mera demanda institucional. Tal característica, apreendida às vezes como um estigma profissional, pode ser utilizada no sentido da ampliação do seu campo de autonomia (IAMAMOTO, 1995, p. 102).
É dentro desse parâmetro que novamente emerge a questão da coerção e do consenso, ou
como citado anteriormente, do controle (regulação) e da emancipação. O espaço do Judiciário por
si só é um espaço predominantemente de controle social, com a imposição de sanções aqueles
que “fogem” à lei. Nessa direção, cabe ao profissional ter clareza de duas questões: a) quais são
as finalidades de seu trabalho profissional nesse espaço institucional, e b) de que forma o
trabalho profissional nesse espaço institucional pode constituir-se na realização do projeto da
profissão.
Esta perspectiva demonstra que o desafio posto ao profissional de Serviço Social no
espaço do Judiciário é estar atento à dinâmica do real, de modo a construir estratégias que levem
a uma nova ordem societária. Tal estratagema diz respeito à elaboração de estudos sociais que
levem em conta a garantia de direitos, a consolidação da cidadania, a eliminação de preconceitos.
O acesso à justiça se materializa na garantia de direitos e atendimento de necessidades, função
que deve ser assumida pelo profissional, como sustenta Iamamoto (1995, p. 111):
115
Implica, portanto, ultrapassar a mera demanda institucional, ampliando e adensando o espaço ocupacional como propostas de trabalho que potencializem as possibilidades da prática do Serviço Social, redirecionando-a prioritariamente (ainda que não exclusivamente, pelos seus limites sociais) no sentido de torná-la um reforço no atendimento das reais necessidades sociais e estratégias de sobrevivência – materiais e sócio-políticas - dos grupos trabalhadores atendidos pelo Serviço Social.
Constatou-se nos estudos sociais analisados que o próprio instrumental em si acaba por
legitimar a discussão do acesso à justiça a todos os envolvidos; entretanto, a forma de garantir o
seu acesso passa a ser diferenciado para aqueles que estão em condição peculiar de
desenvolvimento, ou seja, o segmento infanto-juvenil, em consonância com o disposto na lei
especifica91. A afirmativa abaixo leva em conta um conjunto de necessidades desse segmento:
“O requerido embora atualmente apresente condições habitacionais, consegue alimentar um dos filhos, negando ao outro este direito, mas [...], bem como os filhos que estão sob sua guarda, necessitam bem mais que isto para terem uma vida digna, necessitam de: amor, atenção, respeito, humildade, educação, vestuário, alimentação saudável, dignidade, aceitação e estas qualidades e condições infelizmente não constatei no decorrer no presente estudo, por mais que seu discurso seja em benefício suas ações lhe contradizem” (Estudo Social nº. 08).
Deste modo, é importante salientar que a manifestação contida no estudo social consegue
ultrapassar a subjetividade para uma objetividade, possibilitando, assim, atender a demanda.
91 Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90.
116
3.2.2 – Subcategoria - subsídios teóricos, éticos e legais
Nesse item objetiva-se demonstrar de que forma o profissional de Serviço Social no
espaço judiciário consegue utilizar os subsídios teóricos que possui, verificando se os
profissionais atuam em consonância com os princípios estabelecidos no Código de Ética da
profissão, garantindo informação e discussão sobre as possibilidades e conseqüências das
situações apresentadas, se são pautadas na liberdade, respeito à escolha do usuário e contribuem
para a participação, propiciando ao usuário a reflexão sobre a sua realidade e a possibilidade de
abertura de novos horizontes. E, finalmente, estejam pautadas na legislação em vigor.
a) No que tange à utilização de conhecimentos de natureza teórica, observou-se que os
profissionais buscam trazer para o estudo social reflexões dessa espécie, de modo a subsidiar suas
considerações. Verificaram-se tais expressões nos seguintes trechos:
“Vale dizer, que as famílias refletem os problemas dos contextos mais amplos em que vivem, neste caso, a situação de exclusão. Por esse norte, é difícil atribuir às famílias das camadas mais empobrecidas de nossa sociedade uma função de proteção às crianças e adolescentes sem lhes oferecer meios para isso” (Estudo Social nº. 05).
“Não se pode afastar a hipótese de haver nessa relação pai/filha ou pai/filhas o que Saffiotti denomina de ‘tabu do incesto’” “O pai biológico é o adulto masculino no qual a criança (menor de 18) mais confia. Este fato responde pela magnitude e pela profundidade do trauma.(...)” (Estudo Social nº. 06).
As duas narrativas levam em conta para realização da análise da situação abordada o
conteúdo teórico, a primeira de forma genérica, mas traduzindo um conhecimento fruto de
estudos e debates, e a segunda apoiada em um autor que enfoca uma das situações a serem
analisadas pelo profissional, que inclusive no corpo de estudo social utiliza trechos da fala de
autor citado.
117
b) As questões de cunho legal, ou seja, que façam menção a procedimentos e garantias
contidos no corpo jurídico (leis), somente foi verificado em dois estudos sociais dentre os
analisados:
“Encaminhamento da referida família para programa de atendimento conforme previsto no art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente relativos aos incisos II – orientação, apoio e acompanhamento temporário; e VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos” (Estudo Social nº. 06) (grifo nosso).
“Sugiro seja deprecada a realização de estudo social” (Estudo Social nº. 06) (grifo nosso).
c) Partindo das considerações contidas no início deste tópico, que se referem ao
compromisso ético do profissional de Serviço Social, pode-se afirmar que os estudos sociais
analisados demonstram que os profissionais buscam trazer a visão (fala dos sujeitos), que são
referenciados com respeito. Além do mais os profissionais buscam garantir a defesa dos direitos
dos sujeitos sociais, expressões éticas do fazer profissional. Todavia, todos os estudos excedem
ao aspecto descritivo, com análises sincrônicas, entretanto com reduzida relação teórica e legal,
com exceção de 01 (um) estudo social (que traz estes dois elementos claramente), muito embora
todos mantêm postura ética em relação aos sujeitos sociais objetos da análise.
3.2.3 –Subcategoria - instrumento utilizado: adequação à finalidade esperada
Para Sarmento (1996), a prática profissional se realiza a partir dos instrumentos e
técnicas que permitem a operacionalização da ação. Segundo o autor: “[...] apreender e
118
fundamentar que os instrumentos e técnicas são as mediações através das quais objetivamos
nossos projetos, ou seja, ‘lançamos mão’, deste para a efetivação de nossas ações no conjunto das
relações sociais” (SARMENTO, 1996, p.?).
Nesse sentido, a mediação torna-se fundamental na prática dos profissionais de Serviço
Social, possibilitando que haja o avanço ou o recuo de acordo com as correlações de força em
questão. Segundo Martinelli e Koumrouyan (1994), mediações são:
Categorias instrumentais pelas quais se processa a operacionalização da ação profissional. Expressam-se pelo conjunto de instrumentos, recursos, técnicas e estratégias pelas quais a ação profissional ganha operacionalidade, e concretude. São instâncias de passagem da teoria para a prática [...]” (MARTINELLI e KOUMROUYAN, 1994, p.136).
Portanto, é no processo de mediação que são explicitadas as relações advindas da
realidade social. A categoria mediação faz a relação entre o imediato e o mediato, entre o
universal e o singular. Enfim, pode-se afirmar que são as mediações que possibilitam o
desvelamento do real, através de suas particularidades, como uma forma de entender a situação
social objeto de análise.
Sendo a realidade dinâmica e superável, assim também as mediações nela contidas manifestam-se no seu ritmo, constituindo processos que possibilitam a reconstrução do real. O sujeito ativo assegura a apreensão da processualidade que os fatos empíricos não sinalizam diretamente, pela adoção de atitude investigativa na sua prática cotidiana, nas mediações que exerce (BATTINI, 1994, p. 145).
É relevante evidenciar que a referência aos instrumentais como conjunto articulado de
instrumentos e técnicas não significa a desconsideração ao conhecimento teórico como
instrumental. Entretanto, neste momento da análise, a fundamentação teórica está sendo discutida
em item apartando. Reitera-se que a compreensão de instrumental que sustenta a presente
119
proposta implica no conhecimento e domínio das técnicas, mas complementa-se na base teórica.
“São os conteúdos históricos, teórico-metodológicos e ético-políticos que norteiam o Serviço
Social, articulados ao domínio da técnica, que irão distinguir o trabalho profissional competente
(FÁVERO, 2004, p. 89).
Nessa perspectiva observou-se que a maioria dos profissionais faz uso de mais de um
instrumental técnico, dando ênfase para a visita domiciliar, a entrevista, o contato com colaterais,
os contatos com o Conselho Tutelar, dentre outros. Aparece em alguns estudos sociais que o
profissional é chamado a atuar no mesmo processo mais que uma vez, ou em processos
decorrentes e correlacionados a um primeiro, como uma Verificação de Situação de Risco (não
mais concebida modernamente seu procedimento perante o Judiciário, não obstante estar presente
em algumas comarcas do Estado de Santa Catarina) e instaurado o processo de Perda e Suspensão
e Pátrio Poder.
Em processos que o profissional atua mais constantemente, ou já atuou, há uma
preocupação em situar e até esclarecer a trajetória dos envolvidos, levando em conta o caráter
histórico da situação social enfrentada. Nota-se isso nos seguintes trechos:
“Sendo de suma importância também se reportar aos mesmos para elucidar a presente situação social problema” (Estudo Social nº. 08).
“Passado quatro anos do primeiro estudo social, a situação familiar se agravou (...), sendo encaminhado por aproximadamente cinco vezes ao CIP – Centro de Internamento Provisório [...]” (Estudo Social nº. 08).
“Esta servidora apresentou no total 10 relatórios sociais [...]” (Estudo Social nº. 08).
Observa-se que o profissional faz constante alusão aos instrumentais e à situação anterior,
quando cita que apresentou dez relatórios ou passado quatro anos do primeiro estudo social, o
que também expressa a legitimidade do trabalho profissional, que continua requisitado. A
120
descrição - estudo social já realizado - demonstra a preocupação do profissional em explicitar a
trajetória histórica da situação social e forma de apresentação do instrumental, ou seja, do próprio
estudo:
“Em face às mudanças e intervenções que foram acontecendo durante todo o tempo de acompanhamento do caso, informamos que este relatório será dividido em duas fases. A primeira fase relata os fatos durante os anos de 2001 e 2002, já a segunda fase relata os fatos durante o ano de 2003 com informações da situação social e acontecimentos pormenorizados de todos os envolvidos” (Estudo Social nº. 03).
Com isso, verifica-se que a utilização dos instrumentais permite que o profissional atinja a
finalidade do estudo social, isto é, dar visibilidade aos processos vividos pelos sujeitos sociais
objetos da ação judicial. Os instrumentais possibilitam que o real seja desvelado e ganhe
materialidade através da concretude do estudo social.
Tal discussão remete a relação entre meios e fins, haja vista que existe uma relação
indissolúvel e estreita entre os resultados obtidos e os processos pelos quais foram obtidos, ou
seja, o estudo social e os instrumentais. Diante disso, é relevante ter clareza de que os resultados,
ou seja, a opinião técnica do profissional só foi possível mediante a utilização dos instrumentais.
Então, conclui-se que a escolha e utilização dos meios influem nos resultados do trabalho.
Entretanto, somente as técnicas e instrumentais tomados isoladamente não dão conta da dimensão
total da realidade em que está inserido o sujeito social, é preciso habilidades e conhecimentos
afirma:
Conhecer técnicas de entrevista e de redação para registros (seja um relatório, um laudo, um parecer), por exemplo, é fundamental nesse trabalho, mas o domínio dessas técnicas não garante, por si só, a competência profissional e a direção ético-política do nosso projeto de profissão (FÁVERO, 2004, p. 88-89).
121
Portanto, a utilização dos instrumentais de maneira articulada, com atenção aos objetivos
esperados e adequados a cada situação, deve também estar referendada por uma direção teórico-
metodológica e ético-política.
3.2.4 - Subcategoria apreensão do processo social material que constitui os sujeitos sociais
envolvidos no processo
Na análise realizada nos estudos sociais observou-se que a categoria apreensão do
processo social material, que constitui os sujeitos sociais envolvidos no processo foi
contemplada, observou-se que os profissionais conseguem apresentar a realidade concreta,
manifestada através da exposição da situação econômica, material e familiar em que se
encontram esses indivíduos. Os profissionais de Serviço Social buscam descrever
minuciosamente o contexto situacional dos envolvidos, apurando aspectos históricos e
contraditórios. Observou-se alguns trechos que referendam tal afirmativa:
“Durante o período em que ficaram separados, pela primeira vez, [...] ficou com a guarda do filho e residiu com a família de amigos, porém não houve adaptação com os costumes da família que a abrigou e a mesma retornou ao convívio com [..]. Situação que durou pouco tempo, pois a mesma alega que o companheiro lhe agredia freqüentemente, não sendo possível manter a convivência. Como não tinha condições de se manter ou onde morar, obrigou-se a deixar o filho sob os cuidados do pai” (Estudo Social nº. 02).
“Assinalamos ainda que as condições sócio-econômicas do casal [...] são precárias, vivem com uma pensão que [...] recebe pelo falecimento de sua mãe. Não possuem local fixo de residência e nestes últimos anos verificou-se que já estiveram por várias cidades” (Estudo Social nº. 03).
122
“A família reside em um barraco e são precárias as condições de higiene e conservação. Trata-se de um ambiente com 02 cômodos, 01 cozinha e 01 quarto, divididos com uma cortina, não há banheiro no local. A família não disponibiliza de água encanada, rede de esgoto e saneamento, nem mesmo, energia elétrica. A água utilizada provém de um poço, localizado próximo ao barraco, o qual não possui proteção, ocasionando eminente perigo ao grupo familiar” (Estudo Social nº. 05).
“O relacionamento dos pais de [..] foi bastante tumultuado, cheio de separações e reconciliações, o que levou-os a deixarem o filho [...] com os avós, conforme declaração do próprio pai quando da entrevista realizada. Aos um ano e sete meses de [...] houve nova separação do casal e o menino foi deixado aos cuidados dos avós até os sete anos de idade, quando a mãe decidiu vir buscá-lo, ficando com ele até os dez anos, quando novamente decidiu mandá-lo para a avó onde ficou até março de 2004, quando decidiu ir morar com a mãe [...]” (Estudo Social nº. 07).
“Na casa em função do atrito existente não existe organização nas tarefas domésticas, onde mencionaram que ‘não limpam a casa’. Uma vez por semana o requerido e o filho [...] almoçam em um restaurante, nos outros dias fazem apenas lanches (pão, mortadela, salames, queijo, carne), não havendo harmonia ou entendimento na hora das refeições, pois o Sr. [...] não aceita que o filho [...] faça as refeições com o mesmo” (Estudo Social nº. 08).
Os trechos citados dos estudos sociais intentam delinear as situações de intervenção que
são apresentadas aos profissionais, que de forma pormenorizada trazem ao processo judicial a
realidade que é objeto da análise. Verifica-se que a realidade no qual o assistente social interage
não se define a priori, mas através das mediações vivenciadas por ele no contato com o real.
Esses profissionais apresentam a subjetividade dos sujeitos do processo que são necessárias para
o desvelamento do aparente, sem contudo perder de vista a amplitude conjuntural das relações
sociais e pessoais que produzem tais realidades, conforme demonstram os trechos transcritos
acima. Portanto, a apreensão do processo social material dos sujeitos envolvidos no processo
requer do profissional habilidades e co-relações para descortinar o objeto de análise. Nessa
perspectiva Faleiros (1997, p. 31) afirma:
123
A construção do objeto, no entanto, não se faz, hoje, fora do contexto institucional, em que se exerce o poder profissional, se enfrentam as estratégias de sobrevivência/vivência com as exigências da reprodução e as formas de percepção, representação e manifestação dos interesses, identidades e organizações. [...] Nessa relação estrutural/conjuntural/situacional é que se define o objeto de intervenção.
Nesse sentido, explicita o autor que a forma como o profissional descreve o real, o vivido
pelos sujeitos e suas relações, implica na concepção de profissão adotada pelos assistentes sociais
e as configurações estruturais, conjunturais e situacionais do objeto de análise, pois implica
compreender as características e a dinâmica da sociedade face às novas formas de organização e
de prestação de serviços sociais, bem como as próprias transformações de institutos tradicionais
como a família.
Já Iamamoto (1998, p. 114), ao referenciar o objeto de intervenção do profissional, o
delimita como as refrações da questão social que vão determinar a ação do profissional.
A questão social é a expressão do processo de produção e reprodução da vida social na sociedade burguesa, da totalidade histórica concreta. [...] orienta-se no sentido de captar as dimensões econômicas, políticas e ideológicas dos fenômenos que expressam a questão social.
Portanto, os estudos sociais referenciados buscam trazer ao processo judicial o real,
conforme (Iamamoto, 1998, p. 62) evidencia: “conhecer a realidade é conhecer o próprio objeto
de trabalho, junto ao qual se pretende induzir ou impulsionar um processo de mudanças”. Os
profissionais que elaboraram tais estudos sociais demonstram a apreensão das determinações da
questão social, o vivido pelo sujeitos do processo em suas vidas cotidianas.
124
Desta maneira, os estudos sociais trazem singularidades relevantes quando são abordadas
pelos profissionais, bem como particularidades inerentes a cada caso, sem perder de vista a
concretude social da vida dos homens em sociedade.
Para tanto, pode-se afirmar que os estudos sociais denotam uma perspectiva voltada para
construção de novos sujeitos, buscando resgatar o indivíduo/ser humano, enquanto sujeito
construtor de sua história, participativo e atuante nos processos decisórios, nos micro e
macroespaços. Esse é o significado social da profissão, que requer a apreensão da realidade,
trabalhando de forma que os usuários tenham garantidos a sua liberdade, os seus direitos e o
respeito aos seus sentimentos, conforme pressupõe o Código de Ética Profissional.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A elaboração do estudo realizado pressupõe fomentar uma reflexão teórica sobre o campo
da prática profissional sócio-jurídica, voltando-se para o Judiciário. Essa área de intervenção
profissional carece de estudos acerca de como o assistente social desenvolve seu agir profissional
através de procedimentos técnico-operativos e conhecimentos teórico-metodológicos, que
caracterizam a especificidade do Serviço Social. Também é necessário desvelar de que forma os
procedimentos processuais, particulares ao campo jurídico, possibilitam o acesso à justiça à
demanda usuária desses serviços viabilizados através dos processos de trabalho de assistente
social.
Nessa perspectiva analítica, aspectos contraditórios e aparentemente antagônicos, como
controle e emancipação, categorias centrais desse estudo, figuram no cotidiano dos profissionais
com um aspecto processual que se naturaliza no vir-a-ser de toda a sua prática. Nesse sentido,
faz-se necessário ressaltar que muitas vezes o fator preponderante do caráter regulatório se
sobressai pela dinâmica igualmente regulatória das relações sociais contraditórias da sociedade
vigente. Entende-se que, por mais que esta prática profissional seja autônoma e tenha diretrizes e
princípios específicos, recebe o ônus da contradição que baliza a sociedade contemporânea em
126
sua totalidade. Assim, no bojo dessas relações é que cabe ao assistente social fazer as mediações
necessárias para responder as diferentes expressões da questão social e que lhe são repassadas,
sendo de sua responsabilidade a definição da tradução do discurso não falado, que fica nas
entrelinhas da legislação. Configura-se, portanto, o assistente social do judiciário como sendo um
profissional de excelência para intervir em questões ligadas à garantia de direitos e de proteção,
mesmo que muitas vezes necessite assumir posturas mais regulatórias que emancipatórias. A
todos exige-se uma competência teórico-metodológica e ético-política para o exercício
profissional, com formação profissional continuada, em sintonia com a dinâmica da sociedade
para o desvelamento das problemáticas que lhe são apresentadas e que são objeto da sua
intervenção.
Nessa direção, os dados da pesquisa revelaram situações importantes dentre os quais o de
que a inserção do assistente social dentro do sistema judiciário consegue possibilitar acesso à
justiça. Isso posto, ao passo que, através do estudo social, ele manifesta a preocupação em incluir
a demanda atendida na rede de atendimento, de modo a garantir direitos individuais e sociais,
mesmo que para isso deva à figura do representante do Juízo, seu “porta voz” de garantia.
Portanto, muito mais do que pleitear judicialmente uma demanda, os usuários que acessam o
Judiciário, em especial aqueles atendidos pelo assistente social, são reconhecidos enquanto
sujeitos de direito, portanto partícipes de sua própria história. Constatou-se que a idéia sustentada
nessa proposta investigativa, e que ora se finaliza, ou seja, aquela de que o assistente social
possibilita o acesso à justiça se confirmou, muito embora há que se atentar que o Judiciário
apresenta função essencialmente regulatória. São essas contradições estruturais que emergem na
materialização da prática e que é objeto de algumas considerações. Assim sendo, a polêmica
levantada por Iamamoto (1995) acerca do fato de o assistente social figurar como profissional de
127
coerção ou de consenso retorna à cena discursiva, fomentando a continuidade do debate na atual
conjuntura.
A análise e interpretação dos estudos sociais demonstram que o profissional, para poder
possibilitar o acesso à justiça, entendido de forma ampla como acesso à informação e a um
conjunto de direitos dispostos historicamente, utiliza-se de procedimentos teóricos, técnicos,
éticos e legais, que são revestidos de uma essência eminentemente contraditória, que não pode ser
vista e nem analisada em separado, uma vez que estes aspectos estão intrinsecamente
relacionados, como já se frisou, à estrutura institucional ao qual o profissional de Serviço Social
está inserido.
Deve-se levar em conta o aspecto de que um dos papéis do Judiciário é o de adequar o
fato (caso concreto) à lei, sempre levando em conta os fins e princípios do Direito. Com o
Serviço Social, o regramento é similar, mas traz à cena processual outros aspectos relevantes ao
desfecho da ação, porquanto a atuação profissional deve pautar-se face aos princípios ético-
profissionais inerentes à profissão. Desse modo, quando o profissional de Serviço Social
proporciona, através de sua atuação técnica, acesso aos cidadãos à justiça e aos seus direitos,
garante direitos que muitas vezes transcendem o objeto da ação processual, quer possibilitando o
conhecimento e a informação de tais direitos, quer auxiliando quando intervém nos processos,
através do seu parecer.
No entanto, é salutar evidenciar que a prática do assistente social é revestida de uma
autonomia relativa, fato que faz com que a profissão seja duramente criticada em determinados
momentos, considerando o fato de que deve pautar-se de acordo com a lei e com as
determinações judiciais, com ênfase nos aspectos teóricos e metodológicos que caracterizam a
especificidade profissional.
128
Assim, os resultados do estudo que se finaliza evidenciam que os assistentes sociais que
atuam em comarcas de entrância inicial localizadas no extremo-oeste do Estado de Santa Catarina
transitam em um terreno amplo e contraditório, na interface do jurídico e do social, sendo que
possibilitam acesso à justiça, trazendo ao processo judicial demandas invisíveis ao espectro legal,
advindas da competência técnica de apreender os processos sociais dos sujeitos envolvidos na
ação judicial. Efetivando direitos, revestem-se de um caráter regulatório, ou seja, aponta para
direções que perpassam notoriamente mecanismos de controle. Com isso, constata-se que há a
necessidade de desmistificar a máxima de que o profissional de Serviço Social somente possui
status de garantidor de direitos, como plenamente apregoado pelo meio acadêmico e profissional.
Embora trabalhe e se oriente por este princípio, tal discussão deve ser analisada e discutida dentro
da categoria controle, pois muitas vezes, ao garantir a acessibilidade de direitos, há a necessidade
do profissional se utilizar de mecanismos regulatórios, ou mesmo posicionar-se com relação a
certos setores, de modo que estes cumpram com seus deveres, o que leva muitas vezes ao uso da
coerção como forma de efetivar garantias. Nesse sentido, avalia-se que o controle possa ser
entendido enquanto possibilidade de emancipação na luta contra a exclusão social.
Do outro lado, é relevante evidenciar que nos estudos sociais analisados, os profissionais
excedem no aspecto meramente descritivo em detrimento de um maior aprofundamento teórico e
interpretativo, fato que já fora identificado por Richmond (1950), quando escreveu que as
trabalhadoras sociais “habitualmente cometem a falta de se preocuparem muito mais com a colheita
dos dados do que com sua interpretação e comparação”, conforme apresentado no capítulo segundo.
Portanto, constatou-se que, mesmo garantindo acesso a direitos e à justiça nos moldes analisados,
uma direção mais teórica interpretativa garantiria um maior reconhecimento do estudo social e do
trabalho do profissional na seara jurídico-social, de forma a melhorar a aplicabilidade dos
conhecimentos profissionais na universalização de direitos.
129
Mais importante do que tecer considerações conclusivas no sentido de definir o acesso à
justiça enquanto uma possibilidade de viabilizá-los na forma mais ampla da lei, vale ressaltar que
há muito o que se discutir acerca da temática, no sentido de se desvelar as contradições existentes
na estrutura social vigente. Mais que isso, faz-se necessário dar mais corpo à discussões dessa
natureza e que traduzem a prática profissional atual para um debate cada vez mais específico e
necessário. A mística que historicamente envolve o profissional de Serviço Social, que se
constitui em um cariz que advém dos idos do messianismo, em que perdurava as possibilidades
mágica da ação não deve ser reproduzida.
Finalizando, afirma-se que as considerações formuladas nesse trabalho são iniciais e não
pretendem, nem conseguem, esgotar a amplitude da temática. Ao contrário, esse trabalho
contribui para o alargamento de uma discussão do campo sócio-jurídico, que se entende ser
embrionário. As estratégias do debate e de sua ampliação devem caminhar para a busca de
relações sociais pautadas na igualdade entre os cidadãos. Poder viver o acesso à justiça sem
restrições legais nem sociais de forma ampla é o que se pretende. Esse estudo demonstra a
relevância do tema para aqueles que militam no campo sócio-jurídico, bem como para aqueles
que procuram inteirar-se do tema aqui desenvolvido, uma vez que para tal contribuição buscou-se
dar um lastro com contornos de cientificidade.
130
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APÊNDICE A – Convite para participação na Pesquisa.
Mondaí/SC, 23 de maio de 2005.
Prezadas Colegas Assistentes Sociais Forenses da Região do Extremo-Oeste,
Sabemos que a inserção do Assistente Social no campo sócio-jurídico, em especial no
Judiciário, remonta o processo de institucionalização da profissão no Brasil. Contudo, foi
somente nos últimos anos que debates e reflexões em torno da prática deste profissional vêm
ganhando destaque na esfera acadêmica, com a publicação de livros, dissertações e teses, bem
como com a edição do primeiro número especial da Revista Serviço Social e Sociedade, n.º 67,
intitulado “Temas Sócio-Jurídicos”, além da inclusão do assunto nas sessões temáticas do 10º
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais-CBAS e com a realização do 1º Encontro Nacional
Sócio-Jurídico, em setembro de 2004.
Nesse viés, em torno da emergência da discussão do campo sócio-jurídico no Serviço
Social, estamos propondo discutir em nossa Dissertação de Mestrado junto ao Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social- UFSC com o título (provisório) Serviço Social Judiciário: uma
análise acerca dos procedimentos, o fazer profissional do assistente social forense, identificando
as particularidades das práticas através da utilização dos procedimentos judiciais, sob o enfoque
do Estudo Social, para verificar como este instrumental modifica ou não a finalidade para que foi
criado no que se refere ao acesso à justiça.
140
Para tanto, solicito a colaboração das colegas Assistentes Sociais Forenses da região do
Extremo-Oeste Catarinense que atuam em Comarcas de Entrância Inicial e que compõem o
chamado Ge-Exo (Grupo de Estudo do Extremo-Oeste) e conforme discutido em reunião
realizada em São Miguel do Oeste/SC no último dia 06/05/2005, através do envio de 03 (três)
estudos sociais juntados em processos da área cível, sendo 01 (um) de jurisdição voluntária, e
02 (dois) de jurisdição contenciosa, elaborados no período de maio de 2004 a maio de 2005 para
colaborar na discussão da proposta de pesquisa ora apresentada.
Os estudos sociais podem ser enviados via correio eletrônico no seguinte endereço
[email protected] até o dia 30/05/2005. O material poderá vir com a omissão/alteração dos
dados das partes ou qualquer outra informação que não permita a identificação, pois a análise e
interpretação dos dados será feita através da técnica de análise de conteúdo. O material servirá
somente para análise, não sendo juntado nenhuma cópia na dissertação, e será inutilizado tão-
logo concluirmos o estudo. Desde já, coloco-me a disposição e comprometo-me a estar
repassando os resultados da pesquisa em Reunião do Ge-Exo.
Atenciosamente,
Cilene Kosmann (Assistente Social do Poder Judiciário/SC e Aluna do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social/UFSC)
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