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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL CILENE KOSMANN SERVIÇO SOCIAL NO JUDICIÁRIO: a utilização de procedimentos profissionais e processuais como garantia de acesso à justiça FLORIANÓPOLIS 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

CILENE KOSMANN

SERVIÇO SOCIAL NO JUDICIÁRIO: a utilização de procedimentos profissionais e

processuais como garantia de acesso à justiça

FLORIANÓPOLIS2006

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CILENE KOSMANN

SERVIÇO SOCIAL NO JUDICIÁRIO: a utilização de procedimentos profissionais e

processuais como garantia de acesso à justiça

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – Mestrado, da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Orientadora: Dra. María Del Carmen Cortizo

Florianópolis2006

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CILENE KOSMANN

SERVIÇO SOCIAL NO JUDICIÁRIO: a utilização de procedimentos profissionais e

processuais como garantia de acesso à justiça

Dissertação aprovada, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Serviço Social

pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – Mestrado, da Universidade Federal de

Santa Catarina.

Florianópolis, 13 de março de 2006.

_______________________________________Prof.ª Dr.ª Catarina Maria Schmickler

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - UFSC

_______________________________________Prof.ª Dr.ª María Del Carmen Cortizo

Departamento de Serviço Social - UFSCOrientadora

_______________________________________Prof.ª Dr.ª Eunice Terezinha Fávero

Centro de Ciências Humanas – UNICSUL Primeira examinadora

_______________________________________Prof.ª Dr.ª Regina Célia Tamaso Mioto

Departamento de Serviço Social - UFSCSegunda examinadora

Florianópolis, março de 2006

4

Dedico este trabalho aos que, de um modo ou de outro, auxiliaram-me nessa trajetória.

5

AGRADECIMENTOS

A Deus, presença constante em minha vida.

Ao Fernando, pelo seu apoio incondicional para a realização desse trabalho, pelo amor e

paciência demonstrados em minha ausência forçada decorrente da distância a ser percorrida para

concretizar esse sonho.

Aos meus pais, exemplo de superação e ao meu irmão, pelo carinho.

À amiga Marisete, pelo incentivo, troca, leitura e sugestões preciosas, bem como pelo seu

carinho e amizade incondicionais.

À minha orientadora, Profª. Dra. María Del Carmen Cortizo, pelo apoio e atenção

dispensados para meu aprimoramento profissional.

À Cleide, pela amizade construída nas vivências do Mestrado, onde aprendemos a dividir

angústias e tensões, bem como somar alegrias e entusiasmo.

Às amigas distantes: Elis, pelo estímulo ao aprimoramento pessoal e intelectual; Mara,

exemplo de determinação. Tê-las conhecido engrandeceu minha vida.

À querida Léia, obrigada pelas inúmeras acolhidas e pela sincera amizade.

Ao Juiz, Dr. Vilmar Cardozo, pelos diálogos frutíferos e por depositar tamanha confiança

em meu trabalho. Obrigada pelas inúmeras lições jurídicas e de vida.

As colegas assistentes sociais forenses do Grupo de Estudos do Extremo-Oeste, pelo

incondicional apoio. Sem vocês essa dissertação não seria concretizada.

Aos colegas e amigos, que ficam no anonimato, não em função de importância, mas pela

impossibilidade de citar todos.

6

RESUMO

O presente trabalho consiste no estudo acerca da utilização de procedimentos profissionais e processuais como garantia de acesso à justiça por parte do assistente social no âmbito do Poder Judiciário em Comarcas de entrância inicial localizadas no Extremo-Oeste do Estado de Santa Catarina. Objetivou-se trazer a temática dos procedimentos utilizados através da análise de estudos sociais, bem como a sua contribuição para processos emancipatórios ou que, por vezes, reafirmam o controle e a coerção social. Desvelar tal objeto exigiu a reconstrução de algumas categorias teóricas, como: acesso à justiça, trajetória histórica do Serviço Social, função do Poder Judiciário, atos processuais e profissionais. A pesquisa assumiu enfoque qualitativo, através de técnicas e instrumentais, tais como: revisão bibliográfica, análise documental e análise de conteúdo. Os resultados da pesquisa apontam que o assistente social, ao atuar no Judiciário, garante à demanda usuária o acesso a direitos através do conjunto de conhecimentos teórico-metodológicos e ético-políticos inerentes a sua ação profissional nesse espaço institucional. Entretanto, verificou-se que os estudos sociais excedem no que se refere ao aspecto descritivo, com analises sincrônicas, apresentando reduzida relação teórica e legal, mas apresentado compromisso com os princípios éticos. Assim, o debate acerca do acesso à justiça, fomentado pelo discurso contido nos estudos sociais, com ênfase na parte procedimental, revelou que as formas de controle e emancipação contidas na ação profissional são expressões manifestas do próprio desenvolvimento histórico do Serviço Social. Portanto, o controle encerrado nos estudos sociais deve ser visualizado como possibilidade de assegurar condições a sobrepujar a realidade em que os sujeitos estão envolvidos, de modo a desenvolver-se processos emancipatórios, os quais se consubstanciam na garantia de acesso à justiça.

Palavras-chave: acesso à justiça, estudo social, Serviço Social, emancipação e controle.

7

ABSTRACT

This present work consists in a study about the professional and process proceedings utilization in order to assure the Social Workers justice access at the Court of Law in the extreme west of Santa Catarina State. Its purpose is to bring about the utilized proceedings through the social studies analysis, as well as, its contribution to the emancipatory process or that, sometimes, reaffirms the control and the social coercion. To reveal this we had to rebuild some theoretical categories, such as: justice access, Social Work historical trajectory, justice power function, professional and process proceeding ways. For that, we made a qualitative research, using techniques and instrumentals such as: bibliographic review, documents and subjects analysis. The research results showed us that the social assistant , when working in juridical, search to assure to the using demand the rights access through the theorical-methodological and ethical-political knowledge that concerns the social workers in its professional action in this institutional field. Therefore, we verified that the social studies exceed what refers to descriptive aspect, with synchronic analysis, presenting reduced theory and legal relation, but it also presents compromise with ethics principles. This way, the debate about the justice access, promoted by the social studies discourse, with emphasis in the procedures part, revealed that control ways and emancipation in the professional action are manifested expressions of the Social Work on its own developing. Moreover, the social studies control must be visualized as a possibility to assure involved people’s realities improvement, this way developing emancipatory processes and its consolidation to assure justice access.

Keywords: Justice Access; Social studies; Social Work; Emancipation; Control.

8

LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Espécies de Processos...................................................................................... 104

Tabela 02 – Tipos de Processos........................................................................................... 106

Tabela 03 – Estrutura dos Estudos Sociais.......................................................................... 108

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço SocialACASPJ – Associação Catarinense das Assistentes Sociais do Poder JudiciárioCF – Constituição FederalCFESS – Conselho Federal de Serviço SocialCNCGJ – Código de Normas da Corregedoria-Geral de JustiçaCPC – Código de Processo CivilCRESS – Conselho Regional de Serviço SocialECA – Estatuto da Criança e do AdolescenteGP – Gabinete da PresidênciaGE-ExO – Grupo de Estudos do Extremo-OesteLCE – Lei Complementar Estadual LOAS – Lei Orgânica da Assistência SocialOAB – Ordem dos Advogados do BrasilSTF – Supremo Tribunal FederalSTJ – Superior Tribunal de JustiçaTJSC – Tribunal de Justiça de Santa CatarinaUFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................... 12

1. O ACESSO A JUSTIÇA SOB O ASPECTO SÓCIO-JURÍDICO............................ 16

1.1 – Acesso à Justiça.......................................................................................................... 161.1.1- A função do Poder Judiciário..................................................................................... 181.1.2- Primeiro período......................................................................................................... 221.1.3- Segundo período......................................................................................................... 241.1.3.1 – Acesso à Justiça na Perspectiva dos Direitos Humanos ........................................

27

1.1.4- Terceiro período......................................................................................................... 291.2– Óbices ao Acesso à Justiça......................................................................................... 311.2.1 – Acesso à Justiça no Brasil......................................................................................... 361.2.2– Algumas formas alternativas de acessos à justiça..................................................... 42

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL E A SUA INTERFACE COM O CAMPO PROFISSIONAL SÓCIO-JURÍDICO......................

45

2.1 - Serviço Social: breve resgate histórico acerca da gênese da profissão.................. 452.2 – Serviço Social no Brasil............................................................................................. 532.3 - Serviço Social no Judiciário: reconstruindo o percurso histórico-operativo........ 582.3.1 – Do inquérito social ao estudo social ........................................................................ 602.3.2 – O Serviço Social no Poder Judiciário Catarinense................................................... 692.3.3 – Os desafios do profissional de Serviço Social no Judiciário na atual conjuntura

social......................................................................................................................... 742.4 – Serviço Social: procedimentos profissionais e processuais.................................... 782.4.1 – Os procedimentos próprios da profissão................................................................... 782.4.2 - Os procedimentos do processo judicial.................................................................... 812.4.2.1- Atos processuais...................................................................................................... 862.4.2.2- O estudo social enquanto ato processual................................................................. 872.4.2.3- Impedimento e suspeição do Assistente Social...................................................... 91

3 O SERVIÇO SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM O ACESSO À JUSTIÇA............. 93

3.1- Metodologia da Pesquisa............................................................................................ 933.1.1 – Tipo de Pesquisa....................................................................................................... 94

11

3.1.2 - Técnica.................................................................................................................... 953.1.3 - Instrumentais e Objeto da Pesquisa......................................................................... 973.1.4- Categorização............................................................................................................. 1003.1.4.1 – Acesso a Justiça..................................................................................................... 1013.2 – Discussão dos Resultados: Interpretação da Realidade Interventiva................... 1043.2.1 – Categoria Central - Acesso à Justiça....................................................................... 1093.2.2 – Subcategoria - Subsídios teóricos, éticos e legais.................................................... 1163.2.3 - Subcategoria - Instrumento utilizado: adequação à finalidade esperada................. 1173.2.4 - Subcategoria - Apreensão do processo social material que constitui os sujeitos

sociais envolvidos no processo............................................................................... 121

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................. 125

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 130

APÊNDICE......................................................................................................................... 138

12

INTRODUÇÃO

Este trabalho acadêmico intitulado “Serviço Social no Judiciário: a utilização de

procedimentos profissionais e processuais como garantia de acesso à justiça”, apresentado ao

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina para

análise da banca examinadora, tem por finalidade discutir a problemática do uso de

procedimentos processuais e profissionais do assistente social no campo judiciário e na garantia

do direito de acesso à justiça.

Primeiramente é importante evidenciar que o interesse pela temática ocorreu em virtude

da inserção da autora na esfera do Poder Judiciário há mais de quatro anos. Essa experiência fez

surgir reflexões e indagações em torno do exercício profissional do assistente social nesse

campo. Deve-se consignar que com a admissão no Programa de Pós-Graduação em Serviço

Social da Universidade Federal de Santa Catarina, obteve-se terreno fecundo para o

aprofundamento dessa temática.

Para tanto, evidenciam-se as mediações possíveis e a relevância do assunto no Serviço

Social na contemporaneidade, uma vez que o campo sócio-jurídico tem-se apresentado enquanto

espaço de especialidade e possibilidade para a atuação profissional, despertando indagações junto

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aos profissionais que apresentam interesse na prática sócio-jurídica. Entretanto, é fundamental

registrar que debates e reflexões em torno da prática do assistente social no campo sócio-jurídico1

vêm se fazendo presentes apenas nos últimos anos com a publicação de livros, dissertações e

teses, tendo como principal alavanca a edição do primeiro número especial da Revista Serviço

Social e Sociedade, nº. 67, no ano de 2001, intitulado “Temas Sócio-Jurídicos”. A inclusão de tal

assunto também ocorreu nas sessões temáticas do 10º e 11º Congresso Brasileiro de Assistentes

Sociais – CBAS em 2001 e 2004, respectivamente; e no 1º Encontro Nacional Sócio-Jurídico, em

setembro de 2004.

Iamamoto (2004) recentemente em artigo publicado afirmou:

O trabalho do assistente social na esfera sociojurídica tem adquirido pouca visibilidade na literatura especializada e no debate profissional das últimas décadas. Todavia, a atuação nessa área dispõe de larga tradição e representatividade no universo profissional. A presença do Serviço Social na área sociojurídica acompanha o processo de institucionalização da profissão no país (IAMAMOTO, 2004, p. 261-262) (sic).

Nessa mesma perspectiva, Fávero (2003) também analisa:

Ainda que o meio sócio-jurídico, em especial o judiciário, tenha sido um dos primeiros espaços de trabalho do assistente social, só muito recentemente é que particularidades do fazer profissional nesse campo passaram a vir a público como objeto de preocupação investigativa (FÁVERO, 2003, p. 10).

Assim, o debate deste estudo, em seu primeiro capítulo, abordará conceitos atrelados à

categoria acesso à justiça, visando desvelar como se efetivam no espaço do Judiciário as

1 Campo (ou sistema) sócio-jurídico diz respeito ao conjunto de áreas em que a ação do Serviço Social articula-se a ações de natureza jurídica, como o sistema judiciário, o sistema penitenciário, o sistema de segurança, os sistemas de proteção e acolhimento como abrigos, internatos, conselhos de direitos, dentre outros (FÁVERO, 2003, p. 10).

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possibilidades dos cidadãos acessarem o conjunto de direitos dispostos nos diversos instrumentos

legais, sua concepção na perspectiva dos direitos humanos e os óbices encontrados, dentre os

quais são citados os de cunho cultural, econômico e social. A discussão acerca do referido

conceito perpassa alguns autores como Capelleti e Garth (1988), Bobbio (1992), Santos (1994),

dentro outros. Nesse aspecto, frisar-se-ão algumas formas alternativas de acesso à justiça que

vem ao encontro da população, como os serviços de mediação e os juizados cíveis e criminais.

No segundo capítulo objetivar-se-á demonstrar o processo constitutivo do Serviço

Social a partir da reconstrução da trajetória histórica da profissão, no bojo das profundas

alterações societárias vivenciadas desde sua gênese, pautadas na análise de Richmond (1950),

Martinelli (2001), Verdès-Leroux (1986) e Netto (2005). Assim, avançando na temática e

traçando o percurso histórico e operativo do Serviço Social no espaço do Judiciário, discurtir-se-á

a presença de assistentes sociais nesse espaço ocupacional e o desenvolvimento de suas práticas

sociais, alicerçados por autores como Richmond (1950), Donzelot (1986), Fávero (1999; 2003;

2004), Iamamoto (1995; 1998; 2001; 2004). No que tange aos procedimentos profissionais e

processuais enfocar-se-á na perspectiva de que sua plena realização deve contemplar aspectos

teóricos, técnicos, éticos e legais.

No terceiro e último capítulo apresentar-se-á a análise e interpretação dos dados da

pesquisa efetuada com assistentes sociais da região do Extremo-Oeste do Estado de Santa

Catarina lotados no Poder Judiciário. A referida pesquisa está embasada no pressuposto

qualitativo, efetivada a partir de instrumentais e técnicas de coleta de dados descritos na

metodologia de pesquisa.

15

Nesse viés em torno da emergência da discussão do campo sócio-jurídico no Serviço

Social, o presente trabalho objetiva discutir o fazer profissional e identificar as particularidades e

possibilidades da prática através da utilização dos procedimentos profissionais e processuais do

assistente social.

16

1. O ACESSO À JUSTIÇA SOB O ASPECTO SÓCIO-JURÍDICO

1.1 ACESSO À JUSTIÇA

O objetivo desse capítulo é discutir a questão do acesso à justiça na perspectiva dos

direitos humanos, desvendando o seu conceito e significado no âmbito do sistema jurídico.

O conceito de acesso à justiça vem historicamente se transformando em virtude do

processo de conquista e de tentativa de efetivação de um conjunto de direitos (individuais e

sociais) que vieram à tona na esteira do Welfare State. Nessa linha argumentativa, a abordagem

proposta parte do reconhecimento de que o exame das transformações que se processaram no

direito e no Estado moderno possibilitam o desvendamento de questões que desencadearam

novas funções ao Poder Judiciário, direcionando-o a novas práticas, onde o direito à igualdade e

ao acesso à justiça tornam–se possíveis dentro de um novo paradigma.

Entende-se por acesso à justiça não somente o ingresso de ações em juízos e tribunais

com a possibilidade de proposição de demandas judiciais, mas também a possibilidade dos

cidadãos terem direito à informação acerca de seus direitos e suas formas de pleito, para assim

exercerem sua cidadania, ou seja, serem reconhecidos enquanto sujeitos de direitos e deveres em

condições de fazer suas escolhas com discernimento.

17

Nessa perspectiva, discutir a temática do acesso à justiça é partir do pressuposto que são

essenciais os canais que possibilitem a participação política e que orientem a população sobre

seus direitos. Capelletti (apud CUNHA, 2001, p. 198) explica: “O direito de acesso às instituições

de Justiça, dentro dos preceitos do Estado contemporâneo, somente será adequadamente exercido

se forem adotados mecanismos que permitam a defesa dos interesses coletivos”.

Nessa perspectiva, é relevante entender o que a etimologia das palavras acesso e justiça

trazem em sua acepção. Segundo o Dicionário Jurídico2, o significado da palavra acesso é

promoção à dignidade ou posto superior. Já o verbete justiça assume o sentido de virtude, pois

consiste em dar a cada um aquilo que é seu, também podendo significar em conformidade com o

direito e conjunto de magistrados e pessoas que servem junto deles, ou mesmo o Poder Judiciário.

Já no Dicionário do Pensamento Social3 (1996, p. 406) encontra-se a seguinte definição de

justiça:

Em seu sentido mais geral, o conceito de justiça exige que cada indivíduo receba o que lhe é devido. Dentro dessa fórmula, podemos distinguir entre justiça formal e material.A justiça formal exige distribuições que estejam de acordo com os critérios ou regras existentes ou aceitos. É geralmente identificada como justiça jurídica ou individual. Isso implica padrões de justiça processual (“rigor processual” ou “justiça natural”), orientados para a equidade e a precisão na aplicação das regras. Acarreta a igualdade formal, caso se assuma que todas as pessoas em uma sociedade ou grupo devem ser tratadas de acordo com as mesmas regras.A justiça material (ou substantiva) diz respeito à identificação dos critérios distributivos adequados (tais como direitos, merecimento, necessidade ou escolha) que constituem concepções rivais de justiça. A justiça material pode justificar desigualdades substantivas de renda ou redistribuição entre diferentes grupos sociais. É em geral identificada como justiça social.

Capelleti e Garth (1988, p. 08) afirmam que:

2 HILDEBRAND, Antonio Roberto. Dicionário Jurídico. São Paulo: J.H. Mizuno. 2004.3 CAMPBELL, Tom. D. Justiça. In: OUTHWAITE, Willian. BOTTOMORE, Tom (org). Dicionário do Pensamento Social do século XX. Tradução de Eduardo Francisco Alves; Álvaro Cabral.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996

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A expressão ‘acesso à Justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.

Em suma, a questão traz em seu âmago a reflexão sobre a necessidade de ampliação de

mecanismos que facilitem o acesso à ordem jurídica, de modo que os indivíduos possam

realmente acioná-lo e usufruir das garantias legais. Só assim o acesso à justiça tomará contornos

reais e efetividade prática.

O conceito de acesso à justiça, portanto, nos remete primeiramente a discutir a questão

da própria função do Poder Judiciário, haja vista tal temática estar estritamente entrelaçada.

1.1.1 – A Função do Poder Judiciário

O Poder Judiciário juntamente com o Poder Legislativo e Poder Executivo formam a

coluna estrutural do Estado constitucional moderno, cada qual com uma função definida,

autônomos e reciprocamente independentes, conforme o modelo republicano adotado pelo Brasil.

A tripartição do poder do Estado mantida com a Constituição de 1988 trouxe em seu

bojo, conforme Dallari (2002), inovações constitucionais relativas ao Poder Judiciário,

apresentando as linhas básicas de atuação, conforme artigo 92 e seguintes, visando sua

modernização. Para fins de destaque, cita-se a reorganização dos vários organismos que

compõem o Poder Judiciário, como o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça,

19

que assumem novas atribuições4, bem como a competência dos Estados para organização da

justiça, dentre outras (SADEK & ARANTES, 1994).

O Judiciário tem por função prestar a tutela jurisdicional a todos, em consonância com

os ditames constitucionais e legais, além dos costumes, analogia e princípios gerais do direito. A

História demonstra que é da essência desse poder a função judicante. Foucault (1979) apresenta

a organização do aparelho judiciário nos vários períodos históricos da humanidade, desde os

tribunais arbitrais à organização autoritária, sendo esta utilizada como meio de coerção pelos

detentores do poder na época medieval até sua formação contemporânea, sob a influência da

classe burguesa.

No período medieval, o sistema jurídico era extremamente complexo, regido por

diferentes ordenamentos jurídicos. A adoção do Corpus Juris Civilis5 significou o rompimento

com o pluralismo vigente e garantiu um tratamento jurídico universal através da decodificação e

sistematização da produção jurídica, isto é, as leis.

Na época moderna, principalmente a partir da Revolução Francesa e Industrial, é que se

tem o coroamento do Poder Judiciário, quando passou a ser considerado função essencial do

Estado, dentro da divisão de poderes. Contribuiu para isso a classe burguesa, que buscava

implantação de uma ordem legal-racional, pautada no direito formal, na garantia dos direitos

individuais e no equilíbrio entre poderes dentro da nova organização social, política e econômica

que se delineava. No século XIX houve a ascensão do liberalismo, doutrina que defendia a não

intervenção do Estado, centrado no mercado auto-regulável.

4 Sendo que STF passou a ter atribuições predominantemente constitucionais e o STJ foi criado para assumir parte das antigas competências da corte suprema.5 Segundo Cretella Júnior (1994, p. 70): “Chama-se, pois, Corpus Juris Civilis o conjunto do direito romano (oposto ao Corpus Júris Canonici), compilado no século VI da era cristã por ordem do imperador Justiniano e, logo a seguir, posto em vigor em toda parte do império sob seu domínio”.

20

Neste mesmo sentido, as grandes inovações tecnológicas que marcaram o século XIX, e

se expandiram e ampliaram no século posterior, com a exploração de recursos naturais, produção

de bens duráveis e de consumo, tem-se um acelerado processo de concentração e acumulação de

capital.

Nessa esteira, emergem um conjunto de direitos sociais, que trazem à tona uma nova

concepção de se fazer o “Direito” e acabam por transformar algumas concepções jurídicas,

impondo ao Poder Judiciário uma função social frente aos novos direitos sociais que passaram a

ser conflitos jurídicos, decorrentes da nova organização social, política e econômica adotada a

partir da segunda metade do século XX, que se convencionou chamar de Estado de Bem Estar

Social (Welfare State).

Concomitantemente ao desenvolvimento econômico decorrente do avanço tecnológico

que afeta as relações produtivas, tem-se a ampliação, em larga escala, das desigualdades sociais.

As primeiras décadas do século XX delineiam esse cenário através dos movimentos proletários e

das idéias socialistas que passaram a dar visibilidade às conseqüências do modelo econômico que

vigia.

Para Abreu (1997, p. 50), essa situação:

[...] exigia uma presença reguladora do Estado para além da coerção política e do controle da moeda. A regulação estendeu-se gradualmente para o planejamento do desenvolvimento econômico, para a emergência dos novos direitos e para uma possível redistribuição dos excedentes em um contexto de negociação com movimentos sindicais e partidos socialistas.

Portanto, foram os conflitos decorrentes do processo de industrialização que fizeram

surgir a luta por direitos sociais. Em síntese, pode-se afirmar que a emergência de novos direitos

e a reorganização do Estado se deram no bojo do capitalismo e das relações que foram travadas

com a burguesia hegemônica. A conquista desses direitos deve também ser compreendida como

21

decorrência dos reflexos do capitalismo na sociedade e do surgimento do proletariado e dos

partidos socialistas.

A emergência desse modelo econômico está intrinsecamente relacionada com o

amadurecimento de um sistema de produção que foi denominado de fordista. Apesar desse

sistema produtivo buscar a voracidade dos lucros para o empregador através da produção em

série, do acúmulo de grande massa de trabalhadores e da disseminação de uma nova ideologia do

trabalho, acabou involuntariamente desencadeando o agregamento dos trabalhadores e

conseqüentemente a sua organização política na busca de melhores condições de vida, o que

levou a uma ação interventiva estatal, de modo a atender, ou ao menos amenizar, as precárias

condições em que se encontravam os segmentos sociais excluídos (HARVEY, 2003).

Percebe-se que a complexificação das relações econômicas e as vertiginosas

transformações nas relações sociais propiciaram a necessidade de um Estado interventor. No

âmbito do direito há uma expansão da legislação de cunho social, bem como a adoção de

julgados pelos tribunais, ou seja, decisões concessivas de direitos sociais.

Em decorrência desse conjunto de transformações, principalmente no que tange à

função do Poder Judiciário e sua relação com o advento e expansão dos direitos sociais, também

emergiram conflitos cuja resolução coube aos tribunais (SANTOS, 1994).

Portanto, os direitos sociais advindos com o Estado de Bem Estar Social alteram

profundamente as funções do Poder Judiciário, pois tais direitos, além de adquirirem corpo legal,

apresentam necessidades de real efetivação. Ferraz Jr. (1994, p. 18-19) discute:

Isto altera a função do Poder Judiciário, ao qual, perante eles ou perante a sua violação, não cumpre apenas julgar no sentido de estabelecer o certo e o errado com base na lei (responsabilidade condicional do juiz politicamente

22

neutralizado), mas também e sobretudo examinar se o exercício discricionário do poder de legislar conduz à concretização dos resultados objetivados (responsabilidade finalística do juiz que, de certa forma, o repolitiza).

Santos (1996) metodologicamente divide em três os períodos, como forma de explicar

os acontecimentos históricos, sociais, políticos e econômicos vivenciados pela humanidade desde

o final do século XIX até os dias atuais.

1.1.2 – Primeiro período

No primeiro período, denominado de Estado liberal, o Judiciário moldou-se na

perspectiva da separação dos poderes, assumindo características de neutralização política, isto é,

o Judiciário só faria a aplicação da lei, assumindo uma postura de imparcialidade e apartidarismo.

Somente agiria mediante provocação, faria resolução individualizada (não havia jurisprudência6),

essencialmente pautada na segurança jurídica, ou seja, as decisões judiciais faziam coisa julgada

sem possibilidade de reexame, possuindo independência em relação aos outros poderes.

O Estado e o próprio direito passaram a atender as necessidades do capitalismo,

comprometendo seus ideais éticos. É nesse período que se tem o aparecimento do positivismo7 na

ciência e mais tarde no direito (início do séc. XX), objetivando “uma ordem baseada na certeza,

na previsibilidade e no controlo” (SANTOS, 2002, p. 143).6 Diz-se do modo pelo qual os tribunais realizam, interpretativamente, a aplicação completa das normas legais vigentes, cujo resultado se admite como fonte de direito. (HILDEBRAND, Antonio Roberto. Dicionário Jurídico. São Paulo: J.H. Mizuno. 2004)7 Em seu sentido mais filosófico, o positivismo refere-se à teoria do conhecimento proposta por Francis Bacon, John Locke e Isaac Newton, a qual afirma a primazia da observação e a busca da explicação causal por meio da generalização indutiva. (OUTHWAITE, Willian. BOTTOMORE, Tom (org). Dicionário do Pensamento Social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996)

23

Nesse período o Estado e o Direito garantem a ordem e o livre mercado. A dominação

jurídica racional é legitimada pelo sistema legal através do Estado. É nessa perspectiva que os

Tribunais são a garantia do monopólio estatal da violência. Nessa esteira é relevante salientar que

o Estado liberal é um Estado negativo, com fins estritamente individualistas. Nos dias atuais

pode-se afirmar que é a verdadeira concepção de um Estado mínimo.

O liberalismo trazia consigo um forte dualismo entre o Estado e a sociedade civil, entre

público e privado, relações que eram responsabilidade dos indivíduos e outras reguladas pelo

Estado. Isso se expressa na divisão entre direito público e direito privado, porque as novas

funções dos agentes dentro do Estado de direito não estavam claras. Considera Santos (2002, p.

143):

Por exemplo, a divisão entre direito público e direito privado estabelece uma distinção real entre o direito que vincula o cidadão ao Estado e o direito que está à disposição dos cidadãos e que eles utilizam nas relações entre si. Essa distinção resulta da ilusão de que o direito privado não é um direito estatal.

É salutar apontar que essa época foi marcada por um acelerado movimento de

industrialização, o que gerou êxodo rural, aglomerações em centros urbanos, acentuação das

variadas refrações da questão social (promiscuidade, insalubridade, habitações irregulares,

criminalidade, doenças, etc.), passando a ocorrer conflitos de cunho social de vastas proporções

decorrentes desse novo modo de vida.

Nas palavras de Santos (1993, p. 33): “Os Tribunais ficaram quase totalmente à margem

desse processo, dado que seu âmbito funcional se limitava à microlitigiosidade, interindividual,

extravasando dele a macrolitigiosidade social”. Tal postura se refere exclusivamente a práticas

processuais voltadas a interesses particularistas, não assumindo conotação mais ampla que

levasse em conta questões de cunho coletivo.

24

Nessa mesma época, o acesso à justiça era somente para aqueles que podiam arcar com

as despesas da proposição de uma demanda. “O acesso formal, mas não efetivo à justiça,

correspondia à igualdade apenas formal, mas não efetiva” (CAPELLETI e GARTH, 1988, p. 09).

Capelletti e Garth (1988) afirmam que o estudo do direito sempre deixou a desejar

quanto à questão ora discutida, haja vista que se pautava em conceitos e teorias divorciados da

realidade prática: “O estudo era tipicamente formalista, dogmático e indiferente aos problemas

reais do foro cível” (CAPELLETI e GARTH, 1988, p. 10).

1.1.3 – Segundo período

No que tange ao segundo período histórico, denominado Estado Providência ou Estado

de Bem Estar Social, a principal característica foi, segundo Santos (1996), o aumento da procura

pelo Judiciário com uma vertiginosa explosão de litigiosidade. Esse momento foi crucial, ao

passo que o Judiciário ganhou destaque social, suscitando em seu âmbito interno questões ligadas

a sua capacidade, tais como a acessibilidade do sistema judicial (SANTOS, 1996).

Ferraz Jr. (1994, p. 18) explica como se efetiva a materialização de direitos nesse

período e sua influência nos postulados legais:

O crescimento do estado social ou estado do bem-estar social reverteu alguns dos postulados básicos do estado de direito, a começar da separação entre Estado e sociedade, que propiciava uma correspondente liberação das estruturas jurídicas das estruturas sociais. Nessa concepção, a proteção da liberdade era sempre da liberdade individual enquanto liberdade negativa, de não-

25

impedimento, do que a neutralização do Judiciário era uma exigência conseqüente. O estado social trouxe o problema da liberdade positiva, participativa, que não é um princípio a ser defendido, mas a ser realizado. Com a liberdade positiva, o direito à igualdade se transforma num direito a tornar-se igual nas condições de acesso à plena cidadania (sic).

Não se pode perder de vista que as condições sociais foram decisivas, através da luta de

amplos setores da população. Santos (1994) assinala que muitos dos grupos que contribuíram

para a efetiva concretização de direitos não tinham tradição histórica de ação coletiva de

confrontação, como negros, estudantes e a pequena burguesia.

Santos (1994, p. 43) diz:

Foi nesse contexto que as desigualdades sociais foram sendo recodificadas no imaginário social e político e passaram a constituir uma ameaça à legitimidade dos regimes políticos assentes na igualdade de direitos. A igualdade dos cidadãos perante a lei passou a ser confrontada com as desigualdades da lei perante os cidadãos, uma confrontação que em breve se transformou num vasto campo de analise sociológica8 e de inovação social centrado na questão do acesso diferencial ao direito e à justiça por parte da diferentes classes e estratos sociais.

O contexto social vivenciado era de ampla expansão do mercado, com o crescente

domínio do modo de produção capitalista. Com isso, tem-se uma profunda alteração no cenário

político, social e jurídico. Com o fim do mercado auto-regulável e a emergência da chamada

questão social, expressa através da politização da desigualdade social, consolida-se um pacto

entre capital e trabalho sob a proteção do Estado.

8 Quando o autor se refere à análise sociológica na questão do acesso à justiça, está reportando-se à sociologia do direito, ramo da sociologia geral, surgida após a II Guerra Mundial, e que se centra no direito enquanto fenômeno social.

26

Nesse momento histórico, o Estado assume a gestão política e social, passando a intervir

de forma ativa na sociedade enquanto provedor na garantia de direitos, mantendo-se como

instrumento de legitimação.

Essas transformações se refletiram no Direito, o qual passou a adquirir um caráter

social, influenciando o Estado e as demais instituições, ou seja, quando o conceito de direitos

humanos começou a sofrer modificações (CAPELLETI e GARTH, 1988).

Nota-se que:

O movimento fez-se no sentido de reconhecer direitos e deveres sociais de governos, comunidades, associações e indivíduos. Esses novos direitos humanos, exemplificados pelo preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, são, antes de tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados. Entre esses direitos garantidos nas modernas constituições estão os direitos ao trabalho, à saúde, à segurança material e à educação. Tornou-se lugar comum observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de todos esses direitos sociais básicos (CAPELLETI e GARTH, 1988, p. 10-11).

Portanto, a explicitação do conceito de direitos humanos possibilita a utilização de

idéias que irão iluminar e corroborar para a discussão sobre o acesso à justiça, uma vez que se

entende que esta temática não se esgota aqui. Busca-se, sim, fazer um recorte de entendimento, a

fim de esclarecer toda a proposição argumentativa. Nesse sentido, utiliza-se como referencial

basilar a construção teórica de Bobbio sobre os direitos humanos. É o que se propõe discutir no

item que segue.

27

1.1.3.1 – Acesso à Justiça na Perspectiva dos Direitos Humanos

Para Bobbio (1992), os direitos humanos são uma construção histórica que tem origem

nas necessidades humanas e que vão se modificando conforme as determinações históricas.

Com relação à expressão “direitos do homem”, é relevante evidenciar que no dizer de

Bobbio (1992) é uma máxima vaga, pois a interpretação que será atribuída modifica-se de acordo

com o intérprete que buscar conceituá-la. Segundo o autor, essa categoria não apresenta

contornos nítidos, de modo a não haver necessidade de classificá-la ou categorizá-la, mas sim de

protegê-la. Para tanto afirma:

Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados (BOBBIO, 1992, p. 25).

Nesse viés argumentativo, Bobbio (1992, p. 67) comenta que foi a partir da 2ª Guerra

Mundial que efetivamente os direitos do homem caminharam “na direção de sua universalização

e naquela de sua multiplicação”. Assim, pensar a trajetória dos direitos do homem à luz da

universalização remete a um passeio pela história, porque faz sua a análise em três momentos,

sendo o primeiro acerca das idéias filosóficas contidas nas teorias jusnaturalistas, que concebiam

os homens como livres e iguais. Contudo, é uma universalidade de conteúdo abstrato. Num

segundo momento, em que os direitos passam por um estado de concretude, sendo considerados

direitos positivos, mas não apresentavam, ainda, status universal. E o terceiro e último momento

28

refere-se ao reconhecimento dos direitos do homem em caráter mundial. Isso se configura com a

Declaração dos Direitos do Homem de 1948.

No dizer do autor:

A Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais (BOBBIO, 1992, p. 30).

Faz-se importante pontuar que Bobbio (1992) ainda expressa a firme convicção que eles

(os direitos) representam um fenômeno social. Em face disso, aponta o processo de

desenvolvimento humano (principalmente em relação às inovações tecnológicas) como

responsável pelas transformações das relações sociais, com a introdução de um conjunto de novas

necessidades, que conseqüentemente vão dar origem à busca de novos direitos, incluindo-se

nesse rol principalmente os direitos sociais. Surge nessa etapa a necessidade de um Estado

interventor. Como se percebe, o conceito de direito transformou-se, notadamente em decorrência

das condições históricas vivenciadas pela humanidade. Bobbio (1992) ainda divide os direitos

humanos em gerações, de acordo com sua evolução histórica.

Os direitos fundamentais de primeira geração são pautados na doutrina liberal, a saber:

direitos civis e políticos. Referem-se à autonomia individual, como direito à vida, direito à

propriedade, direito de ter livre expressão, liberdade de pensamento, direito de participação

política, etc.

Já os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e

culturais. São aqueles direitos intrinsecamente relacionados às carências humanas, como: direito

29

à assistência social, direito a um trabalho, direito à saúde, direito à educação. Em síntese, são

aqueles direitos que asseguram a dignidade da pessoa humana.

Aqueles direitos básicos dos povos, através da proteção do bem comum da humanidade,

são denominados de direitos fundamentais de terceira geração. São os relativos aos recursos

naturais, hídricos, minerais, etc; sendo possível pensar-se na existência de outros direitos, que

poderiam ser considerados de 4ª geração.

Em síntese, importa pontuar que Bobbio (1992), ao classificar os direitos, não teve a

pretensão de dividi-los, mas sim explicá-los historicamente. Deve-se entender que não existe um

direito mais importante que outro, pois eles são indivisíveis e universais, assim como faz questão

de demonstrar, em face de todos eles estarem intrinsecamente interligados e serem fundamentais

para o exercício da cidadania.

Nessa perspectiva, o Estado passou a ser elemento fundamental para a garantia desses

direitos. “O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais

básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda

garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos” (CAPELLETI e GARTH, 1988, p. 12).

1.1.4 – Terceiro Período

Com relação ao terceiro período, pode-se afirmar em consonância com Santos (2002)

que é marcado por uma forte crise econômica que afeta o modo de produção e a organização do

Estado. As promessas da modernidade deterioram-se através das inúmeras manifestações, como o

30

aumento da pobreza e das desigualdades, a não-legitimação ideológica do Estado-Providência,

redução no investimento em políticas públicas, dentre outros. O mercado está mais hegemônico e

o Estado mais enfraquecido.

No século XXI, as realidades são profundamente desumanas em toda parte, mas

principalmente nos países em desenvolvimento. Observam-se milhares de seres humanos na mais

absoluta condição de pobreza e miséria, segmentos de trabalhadores desempregados ou

subempregados sem as mínimas e necessárias condições para a sua subsistência. Os índices de

violência e de criminalidade são fenômenos que se manifestam de forma global, de variadas

causas e graves conseqüências.

Numa realidade sócio-econômica marcada por profundas transformações onde se

ampliam os efeitos da globalização baseada nas leis do mercado, o Estado neoliberal vem

consolidando seu caráter desregulador, retirando progressivamente políticas sociais que enfrentem

a questão social e suas múltiplas expressões, desresponsabilizando-se dos problemas sociais

gerados pelo capitalismo, como a concentração de renda cada vez mais intensa de uma minoria e

o aumento exacerbado das desigualdades sociais, através da pauperização do povo, isso em escala

mundial.

Neste contexto é relevante apontarmos que as políticas governamentais de cunho social,

sob a égide neoliberal, em vez de caminhar na direção da consolidação de direitos já

conquistados pela população no movimento histórico, a custa de muitas lutas, acabam por

reforçar os mecanismos seletivos, de caráter eventual e fragmentado.

A adoção de uma política social e de natureza neoliberal acentua a estratificação social,

cujos elementos básicos são as desigualdades, sejam nas condições de qualidade de trabalho, no

31

consumo e na proteção social. Dessa forma, não existe acesso igual na utilização de serviços

sociais.

Pode-se observar uma redução considerável dos gastos sociais, o que indica uma

redução na oferta de serviços sociais públicos e de subsídios ao consumo popular, contribuindo

para deteriorar as condições de vida da maioria absoluta da população, incluindo amplos setores

das classes médias drasticamente afetadas pelas ações governamentais adotadas nos últimos anos.

Seguramente, pode-se afirmar que os efeitos da crise sócio-econômica que afeta o Brasil e

vários países em desenvolvimento na aldeia global estão consubstanciados na política neoliberal

de ajuste em que esses países foram submetidos, o que tem gerado uma profunda e intensa

diferenciação social.

No cenário atual, o capitalismo se manifesta na destruição social criada pelo poder do

mercado. A globalização da economia, da política e das comunicações não se expressam somente

numa uniformização planetária, nem em uma polarização mundial, mas em desigualdades mais

visíveis e próximas que se recompõem de diversas formas nos micro-espaços do cotidiano do

mundo.

1.2 – ÓBICES AO ACESSO À JUSTIÇA

Capelletti e Garth (1988) entendem que é de relevância ímpar a preocupação com a

regulamentação do processo e formas de acesso à justiça, contudo advertem que reformas

judiciais e processuais não bastam. Fazem-se necessárias reformas políticas e sociais, pois

somente alterar os mecanismos legais de acesso não pressupõe sua efetiva garantia, uma vez que

32

mudanças nas formas de organização política e social são fundamentais para exigibilidade de

direitos. Afinal, não basta ter o direito garantido se não há condições reais de acioná-lo.

Os autores acima aludidos explanam que a especialização da justiça, esposada na

divisão de competências, como justiça comum, justiça trabalhista, justiça federal, não é de

conhecimento da maioria da população, o que gera enormes dificuldades de acessibilidade. Existe

um perigo também quando se facilita o leque de acesso de forma muito rápida e informal no que

se refere ao aprofundamento das provas do processo. Muitas vezes um julgamento levado às

pressas não atinge o fim social desejado. Então, conclui-se que, além de célere, o julgamento

deve alcançar o fim proposto.

Portanto, a questão da garantia do acesso à justiça deve ser pensada e planejada com

cautela, de modo a cumprir o verdadeiro fim a que se destina. Segundo Santos (1994), existem

óbices a sua implementação, sendo eles de tipo econômico, social e cultural.

Os valores das custas judiciais, na maioria dos casos, são muito altos. Ademais, a falta

de critérios para a fixação de tais despesas revela outro problema. O critério mais justo para a

cobrança de tais encargos se daria levando em conta a capacidade econômica do postulante,

contemplando não só fatores objetivos, mas também subjetivos (tais como todas as nuanças da

fragilidade econômica).

Verifica-se também que processos de maior ou menor complexidade não possuem

diferenciação quanto ao valor das custas, de modo que o cidadão pobre acaba pagando na mesma

medida que um cidadão abastado. Deve-se levar em conta, também, que um litígio envolvendo

questões não muito complexas tende a se encerrar de modo mais rápido, restando as partes, neste

último caso, sobretaxadas em relação às pessoas envolvidas em feitos que perduram por um

longo período. Vislumbra-se, daí, a injustiça na adoção de tais critérios.

33

Outra consideração a ser feita, nos processos não contemplados pela isenção de custas e

despesas processuais, é a de que a lentidão de tais processos também acarreta um custo adicional,

em face da complementação das custas judiciais, fazendo com que a pessoa de parcos recursos

acabe muitas vezes desistindo da demanda proposta. Além disso, a parte deve arcar com despesas

intermediárias e finais, além dos honorários advocatícios e outras despesas de locomoção até

fóruns e tribunais, tais como custas de diligência de oficiais de justiça, despesas com publicações

de atos judiciais no Diário da Justiça, dentre outras. Daí que, constatado o alto custo da máquina

forense durante o processo, a parte sobretaxada acaba optando pela desistência de seus pedidos,

extinguindo-se, assim, o processo, pela falta de impulso; ou, ainda, em outros casos, transaciona-

se com a parte adversa, renunciando direitos para, de vez, por-se fim à questão, em razão da

inviabilidade econômica de se prosseguir com o processo.

Outro problema apontado por Santos (1994) está na morosidade do feito no que se

refere a seu exagerado formalismo, além de questões processuais como o ônus da sucumbência9.

Desse modo, normalmente os cidadãos pobres, além de desconhecerem seus direitos, resistem em

propor ações judiciais. Isso se deve não só a fatores econômicos, mas também sociais e culturais.

Nessa linha argumentativa, Santos (1994) afirma que “quanto mais baixo o status

socioeconômico da pessoa acidentada, menor é a probabilidade que interponha uma ação de

indenização”. Para explicar, aponta dois fatores: a desconfiança ou a resignação e experiências

anteriores mal sucedidas com a administração da justiça, as quais resultaram na indiferença às

questões jurídicas.

9 A parte vencida responde pelas despesas processuais, inclusive honorários do advogado. Normatiza o Código de Processo Civil, artigo 20: “A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria”.

34

Capeletti e Garth (1988) apontam como outro óbice ao acesso à justiça os altos custos

dos honorários advocatícios, que muitas vezes chegam a representar a maior parte dos gastos de

uma ação. Ainda nessa discussão, importa assinalar o papel da assistência judiciária gratuita.

Santos (1994) pontua que vários foram os entraves para o estabelecimento de um sistema de

justiça gratuita, dentre eles cita várias experiências que surgiram no pós-guerra, que

apresentavam algumas características: serviços sem qualidade em virtude do não retorno

econômico; falta de empenho nas ações; falta de consulta jurídica, o que ocasionava o não acesso

à informação e conseqüentemente o não acesso aos “direitos” por parte dos usuários.

Capeletti e Garth (1988) explanam detalhadamente as tentativas em vários países de se

implantar um sistema de assistência judiciária gratuita de modo eficiente e que atendesse as reais

demandas dos cidadãos, apontando também as limitações encontradas. Tais autores ainda

classificam algumas experiências que denominam de ondas.

a) Quando o autor se delimita à primeira delas, refere-se ao caso da assistência

judiciária aos pobres, em que o processo que se dá por meio de dois sistemas. O primeiro é o

judicare, que corresponde basicamente a serviços prestados por advogados privados pagos pelo

Estado para atender aos pobres. Contudo, tal serviço não atinge realmente o fim, isto é, não

possibilitava aos usuários uma compreensão mais ampla sobre seus direitos. Santos (1994, p. 50)

apresenta o principal obstáculo desse sistema:

[...] concebendo a assistência judiciária como um serviço prestado a cidadãos de menos recursos individualmente considerados, este sistema excluía, à partida, a concepção dos problemas desses cidadãos enquanto problemas coletivos das classes sociais subordinadas.

35

Outra experiência é com advogados públicos, em contrapartida ao anterior,

caracterizando-se pela tentativa de fazer as pessoas desfavorecidas economicamente tornarem-se

conscientes de seus direitos. Esse programa se efetiva através da disponibilização de serviços de

assistência judiciária nos bairros. Tal iniciativa resvala no problema dos altos custos, tendo em

vista que, além da necessidade pessoal tecnicamente habilitado, há a necessidade de infra-

estrutura básica, como espaço físico, materiais de expediente, etc.

De um modo geral, o principal objetivo dessa onda é possibilitar aos menos favorecidos

maior acessibilidade a mecanismos de defesa de direitos.

b) Já em relação a segunda onda, emerge como alternativa à representação de interesses

difusos10 e objetiva fazer com que os tribunais assumissem uma concepção social e coletiva,

através da tentativa de revisão de seus procedimentos, visto serem todos voltados exclusivamente

para uma visão de natureza individual.

c) No que tange à terceira onda, pode-se afirmar que objetivava trazer para a cena as

formas alternativas de resolução de conflitos, através da implementação de procedimentos

judiciais simplificados, sem contudo abandonar as propostas da primeira e segunda onda, mas

entender que coexistem para garantir o acesso à justiça.

Nesse viés, Capelleti e Garth, (1988) entendem que um sistema que objetiva atender as

necessidades dos homens desfavorecidos economicamente, precisa ter baixos custos,

informalidade, rapidez, julgadores ativos, conhecimento técnico e jurídico.

10 A definição legal de interesses difusos está prevista no artigo 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90), assim sendo:I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos desse Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com parte contrária por uma relação jurídica base.OBS: Além da lei nº. 8.078/90 a Lei n. 7.347/85, que trata da ação civil pública, são marcos do reconhecimento dos direitos de interesse difuso no Brasil.

36

Santos (1994) explica que apesar dos serviços judiciários gratuitos terem ao longo das

décadas melhorado a qualidade dos serviços oferecidos, ainda apresentam limitações, dentre elas

o autor assinala três:

Em primeiro lugar, apesar de em teoria o sistema incluir a consulta jurídica independentemente da existência de um litígio, o fato é que, na prática, se concentrava na assistência judiciária. Em segundo lugar, este sistema limitava-se a tentar vencer os obstáculos econômicos ao acesso à justiça, mas não os obstáculos sociais e culturais. Nada fazia no domínio da educação jurídica dos cidadãos, da conscientização sobre os novos direitos sociais dos trabalhadores, consumidores, inquilinos, jovens, mulheres, etc. Por último, concebendo a assistência judiciária como um serviço prestado a cidadãos de menos recursos individualmente considerados, este sistema excluía, à partida, a concepção dos problemas desses cidadãos enquanto problemas coletivos das classes sociais subordinadas (SANTOS, 1994, p. 50).

1.2.1 – Acesso à Justiça no Brasil

A questão do acesso à justiça, no caso brasileiro, encontra amparo na Constituição

Federal em seu art. 5º11, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão

ou ameaça de direito12” e no inciso LXXIV: “o Estado prestará assistência jurídica integral e

gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Desde 1988 vive-se no Brasil um Estado democrático de direito, isto é, onde os direitos

individuais e coletivos são garantidos no texto legal. Entretanto, nessa perspectiva de um

conjunto de direitos, colocam-nos em evidência questões amplas como justiça social e cidadania.

11 O art. 5º diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.12 A Constituição Federal assegura o princípio da legalidade, de modo que qualquer violação ou mesmo ameaça a direito não poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, nem mesmo sendo exigível o esgotamento pelas vias administrativas na hipótese de postulação em face de órgãos estatais.

37

Portanto, pensar hoje como se está processando a trajetória de garantias dispostas no corpo da lei

nos remete à materialização do acesso à justiça.

Sabe-se que a procura pelo Judiciário tem aumentado com a promulgação da Carta

Magna, em face da expansão de um conjunto de direitos conquistados nas últimas décadas, bem

como pelo agravamento da questão social. Por outro lado, o Judiciário acabou se emperrando

com o aglomerado de ações, em face da ineficiência dos procedimentos para a resolução de

conflitos.

A administração da justiça ainda se caracteriza pelo cunho normativista e positivista,

resistindo a decisões fundamentadas no humanismo e no conhecimento das ciências sociais. O

que vale é a dogmática, a norma. A inovação é vista como geradora de insegurança e de desvio

da finalidade da norma positiva.

Faria (1992) discute essa questão, demonstrando que a forma pela qual foi concebida a

Constituição Federal de 1988, baseada na justiça social, objetivava não só reduzir as

desigualdades sociais e econômicas, mas ampliar o processo democrático e a participação

política. Entretanto, as normas muitas vezes acabam por limitar a operacionalização dos direitos.

O grande desafio, portanto, reside na “garantia e na busca da efetividade” dos direitos já

conquistados e preconizados, como Bobbio (1992) muito bem assinala.

Nesse sentido, Bobbio (1992) afirma que o déficit maior dessa questão está no campo

dos direitos sociais. O desafio reside em garanti-los e torná-los efetivos, tendo em vista todo o

movimento existente para a sua supressão.

Dessa ótica se vislumbra a necessidade de entender como se processou a questão do

acesso à justiça em nosso país, inclusive os entraves para sua efetivação plena enquanto um

38

direito fundamental. Cunha (2001) afirma que a assistência jurídica apresentou três momentos em

seu processo constitutivo. O primeiro momento tem início ainda no período imperial, onde as

pessoas despossuídas tinham a sua disposição advogados particulares para o patrocínio de causas

cíveis e criminais. Já em 1930 (período republicano), a Ordem dos Advogados do Brasil–OAB

orientava os advogados inscritos a prestarem atendimento jurídico de forma gratuita àquelas

pessoas que não pudessem arcar com as despesas. Dentro dessa perspectiva, a Constituição

Federal de 1934 reconheceu a assistência jurídica como um dever do Estado. Entretanto, com o

advento a ditadura militar de Vargas, a Constituição de 1937 suprimiu do texto legal tal

prerrogativa constitucional.

O segundo momento que marca o processo de constituição da assistência jurídica no

Brasil foi a implementação em caráter ordinário da Lei 1.060/50, que dispõe sobre a prestação da

assistência judiciária. Cunha (2001, p. 157) apresenta uma análise do que foi tal disposição:

Essa lei foi um marco na prestação dos serviços de assistência jurídica, já que, no período, a assistência jurídica era prestada pelos Departamentos de Assistência Social dos Estados, de forma caritativa. Assim, a lei 1.060, de 1950, ainda que de forma pouco precisa e seguindo preceitos que não caracterizam a assistência jurídica como dever do Estado e nem o acesso à Justiça como um direito fundamental para o exercício da cidadania, definiu os princípios que acompanham a instalação e o funcionamento da assistência jurídica até hoje, como os conceitos de beneficiário e necessitado, bem como os limites desse serviço.

O Artigo 2º, parágrafo único, da referida lei explicita o conceito de necessitado para fins

de operacionalização do serviço: “Todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as

custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.

No que se refere à isenção de despesas:

39

Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:I - das taxas judiciárias e dos selos;II - dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;IV - das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados;V - dos honorários de advogado e peritos;VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade13.

A lei refere-se exclusivamente aos atos do processo, não contemplando o serviço de

informação e encaminhamento a órgãos administrativos para aqueles que, por exemplo,

postulam a aposentadoria, ou mesmo o Benefício de Prestação Continuada, junto ao Instituto

Nacional de Seguridade Social.

No Brasil, a falta de um serviço gratuito fornecido pelo Estado de assistência jurídica junto

a órgãos administrativos acaba fazendo com que muitos advogados utilizem expedientes judiciais

morosos, quando deveriam buscar demandas mais céleres, em face do direito concreto, uma vez

que nesses procedimentos judiciais estes são reembolsados ao final por seus honorários pelos

cofres do Estado. Isso acaba aumentando o volume processual, porém retardando, na prática, a

obtenção de direitos dos menos favorecidos, já que tais questões poderiam ser resolvidas na via

administrativa.

Há de se ponderar que a falta de um serviço público de informação prévia de direitos

redunda num nível muito alto de litigiosidade formal, vez que, diante da falta de informação, a

população desfavorecida se vê desorientada, adotando procedimentos por conta própria,

problematizando ainda mais as suas relações e sobrecarregando o próprio Judiciário.

13 Inciso incluído pela Lei nº. 10.317, de 6.12.2001

40

Pontua-se que a tão-só prestação do serviço de assistência judiciária não se manifesta

enquanto garantia de acesso à justiça, haja vista restringir-se à nomeação de um defensor

(advogado), não contemplando apoio preventivo e pré-processual.

Foi somente a partir da Constituição de 1988 que o direito de acesso à justiça ganhou

status de direito fundamental, figurando, por conseguinte, em cláusula pétrea14. Cunha (2001, p.

159) explica o significado da garantia constitucional do direito de acesso à justiça:

Isso porque, ao denominá-la assistência jurídica, o serviço jurídico gratuito não mais se restringe ao patrocínio gratuito da causa pelo advogado, mas compreende a gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou não, relativas aos atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos. Integram também esse rol os direitos à informação, orientação e consultorias jurídicas, bem como a utilização do método conciliatório pré-processual para a solução amigável dos conflitos intersubjetivos.

Diante de tal assertiva, concluiu-se que o Estado brasileiro tem a obrigação de garantir o

cumprimento do disposto constitucional. A própria Carta Magna, em seu artigo 134, traz o

instituto da Defensoria Pública:

A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma do art. 5º, LXXIV15.§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais16. § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites

14 Cláusula Pétrea é o dispositivo (ou cláusula) constante do texto constitucional com caráter de imutabilidade, ou seja, não sendo passível de modificação, sequer por via de emenda à Carta Magna.15 O teor do artigo 5º da CF encontra-se na nota de rodapé 11. Além do mais, acrescenta-se o disposto no inciso LXXIV: O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.16 Renumerado pela Emenda Constitucional nº. 45, de 2004.

41

estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º17.

Olhando de modo pontual o conceito de acesso à justiça introduzido nesse novo

paradigma legal, assenta-se como um direito essencial, integral e gratuito, não restrito somente ao

acesso a um advogado (assistência judiciária – proposição de demanda na esfera judiciária), mas

de um conjunto de serviços que compõem verdadeiramente o acesso à justiça, tais como:

informação, orientação sobre relações jurídicas como forma de apoio preventivo, exame de

questões jurídicas ainda na fase pré-processual, oportunização de resolução de questões na esfera

extrajudicial; além do atendimento voltado para a defesa de interesses difusos e coletivos.

Embora a Constituição Federal garanta o acesso integral e gratuito à justiça, óbices são

enfrentados a sua efetivação. No caso do Estado de Santa Catarina, passados dezessete anos da

promulgação do texto constitucional, a assistência jurídica é ainda concebida como assistência

judiciária gratuita e prestada por defensores dativos subsidiados pelo governo do Estado.

A forma operativa de funcionamento encontra guarida na Lei nº. 1.060/50 e na Lei

Complementar Estadual nº. 155/9718, sendo que a indicação de advogados inscritos é realizada de

duas formas: a) diretamente pela Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, subseções regionais; b)

através do Poder Judiciário por meio de triagem sócio-econômica geralmente realizada por

profissionais que compõem o quadro de serventuários da justiça, de acordo com o entendimento

de cada magistrado19.

17 Incluído pela Emenda Constitucional nº. 45, de 2004.18 Dispõe sobre critérios para concessão do benefício da Assistência Judiciária no Estado de Santa Catarina19 Esse mecanismo de triagem para encaminhamento de serviço de Assistência Judiciária Gratuita (Lei nº. 1.060/50 e LCE nº. 157/97) ocorre em algumas Comarcas de entrância inicial, ficando, via de regra, ao encardo do profissional de Serviço Social

42

Mostra-se necessário ultrapassar uma visão ainda arraigada de conceber a assistência

judiciária como assistencialismo, permeada pela lógica do favor, e solidificar o dispositivo legal,

excedendo o nível teórico e consolidando-se como instrumento de garantia de direitos.

1.2.2 – Algumas formas alternativas de acessos à justiça

Com a Lei nº. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis20 e Criminais21,

tem-se, a priori, uma ampliação do acesso à justiça, haja vista que tal proposta se orienta no

sentido de atender demandas de menor importância econômica, sem a necessidade de

constituição de advogado em causas de até 20 (vinte) salários mínimos22, dispensado o

pagamento de custas, taxas e despesas, através de procedimentos mais céleres e simplificados.

O artigo 2º da referida lei preceitua: “O processo orientar-se-á pelos critérios da

oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que

possível, a conciliação23 ou transação24”.

20 Art. 3º: O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:I – as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;III – a ação de despejo para uso próprio;IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.21 Art. 60: O Juizado Especial Criminal, provido por Juizes togados ou leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução de infrações penais de menor potencial ofensivo.22 Os Juizados atendem causas até 40 (quarenta) salários mínimos, nas causas superiores a 20 (vinte) salários mínimos há a necessidade de constituição de advogado.23 Busca-se com isso a composição dos danos civis, tanto em ações de natureza cível e criminal.24 Ocorre em casos de ação penal pública condicionada ou incondicionada, visando sempre que possível aplicação de pena não restritiva de liberdade.

43

Nessa perspectiva, os Juizados possibilitam um acesso mais efetivo ao sistema

judiciário, em demandas resultantes de conflitos vivenciados no cotidiano, ao passo que no foro

comum revestiriam caráter de formalismo, além de importarem elevados custos.

Todavia, demandas judiciais relacionadas a questões da infância e juventude, família,

dentre outros, não compõem o campo de competência da proposta nos Juizados, que se voltam

para questões menos complexas, tais como as atinentes aos direitos do consumidor, cobranças,

embates entre vizinhos, dentre outros.

Analisando superficialmente, haja vista não ser o objeto principal do exame deste

trabalho, pode-se problematizar até que ponto os Juizados Especiais Cíveis possibilitam o efetivo

acesso à justiça? Evidentemente que ampliaram o acesso, ao passo que possibilitaram uma esfera

de resolução de conflitos, que até então não existia no sistema judiciário.

No entanto, para efetivamente acionar tal mecanismo é necessário conhecimento acerca

de direitos, o que nos reporta a uma questão primordial: o acesso facilitado ao Judiciário não

resolve o problema do acesso à justiça, que requer primordialmente a informação, isto é,

mudanças de caráter social e cultural.

Capelletti e Garth (1988) entendem que medidas dessa natureza sem dúvida cumprem

uma proposta de ampliação do acesso à justiça, pois abrem espaço a demandas economicamente

menos favorecidas. Entretanto, para que isso realmente possa concretizar-se num plano mais

democrático, implicará necessariamente em modificações mais densas no sistema de organização

da justiça.

44

Nessa perspectiva, outra forma de acesso à justiça refere-se à implantação de serviços

de mediação familiar junto aos órgãos estatais, enquanto meio de atendimento desburocratizado e

acessível a populações menos favorecidas.

Enquanto exemplo, cita-se o Poder Judiciário de Santa Catarina, que vem investindo

nessa proposta desde o ano de 200125, enquanto método não-adversarial de resolução de conflitos,

direcionado aos assuntos atinentes ao Direito de Família, que incluem na proposta atendimento à

população beneficiária da Justiça Gratuita em temáticas relacionadas à guarda e modificação de

guarda, regulamentação do direito de visitas, pensão alimentícia, separação, dissolução de união

estável, divórcio, dentre outras. Existe hoje a discussão sobre a possibilidade de implantação

também nas Varas da Infância e da Juventude. Num total de 110 comarcas da Justiça Estadual de

Primeiro Grau, no momento, 12 delas prestam esse tipo de atendimento e 03 estão em fase de

implantação.

Ávila (2004, p. 68) apresenta a proposta da mediação familiar enquanto: “método

alternativo e não adversarial de resolução de conflitos, mais célere, acessível e menos burocrático

e traumático para resolução dos problemas familiares”.

Tem-se também a oferta de outros espaços de acesso à justiça, como as Universidades,

através dos Núcleos de Prática Sócio-Jurídica, os quais prestam este tipo de atendimento a

demandas de setores menos favorecidos economicamente.

Essas duas últimas propostas coadunam-se com a terceira onda apresentada por Capelletti

e Garth (1988) como formas alternativas de resolução de conflitos de maneira mais simplificada e

célere.

25 Resolução nº. 11/2001/TJSC – que dispõe sobre a instituição do Serviço de Mediação Familiar e dá outras providências

45

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO SERVIÇO SOCIAL E A SUA

INTERFACE COM O CAMPO PROFISSIONAL SÓCIO-JURÍDICO

2.1 - SERVIÇO SOCIAL: BREVE RESGATE HISTÓRICO ACERCA DA GÊNESE DA

PROFISSÃO

O objetivo deste tópico é delinear brevemente a gênese e o desenvolvimento do Serviço

Social a partir da reconstrução de sua trajetória histórica, tendo como parâmetro central a

discussão das relações que se estabelecem entre a profissão e a burguesia e as formas de

intervenção social no bojo do sistema capitalista emergente.

Nessa perspectiva, é fundamental evidenciar que o pano de fundo das relações que se

estabelecem entre burguesia e profissão na sua gênese é a questão operária e as refrações da

chamada questão social, ou seja, problemáticas sociais que se apresentam no período em que o

capitalismo se fortalecia (séc. XIX), as quais traziam grandes prejuízos para a população, fator

este que tinha como pano de fundo as insatisfações de setores subalternos, exigindo dos

governantes uma intervenção mais efetiva. Assim, pode-se dizer que o assistente social inicia sua

inserção nas políticas de atendimento gerando espaços sócio-ocupacionais com o tempo.

46

Todavia, entender a gênese da profissão requer desenhar os contornos do sistema

capitalista e suas formas de organização, ou seja, as estratégias de manutenção de sua

hegemonia26.

Martinelli (2001, p. 53), ao referir-se ao capitalismo, afirma que é um: “[...] modo de

produção, profundamente antagônico e pleno de contradições, desde o início de sua fase

industrial instituiu-se como um divisor de águas na história da sociedade e das relações entre os

homens”.

Com a ascensão da burguesia, o trabalho livre ganha novo status e passa a ser a forma

primordial de sobrevivência27. Esse é o marco da sociedade burguesa que se estruturou a partir do

trabalho, dos meios de produção, das relações trabalhistas e de propriedade ocasionando intensas

desigualdades e exclusão de natureza política, social e econômica.

O primeiro ponto de referência é entender, portanto, que o sentido histórico que marca o

surgimento da profissão e que fundamenta sua ação são as relações entre capital e trabalho. Em

tal conjuntura têm-se novos modelos de organização societal, decorrentes do avanço tecnológico

que marca o século XVIII, como o aparecimento de um mercado em escala mundial, ascensão e

dominação da burguesia, êxodo rural com conseqüente inchaço dos centros urbanos, em virtude

da inserção de mão de obra no meio fabril/industrial, que afetaram drasticamente as condições de

vida de uma classe social que desponta, o proletariado.

26 Parte-se do pressuposto que hegemonia é: “[...] capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado por profundas contradições de classe. Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que – através de sua ação política, ideológica, cultural – consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploda, provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leva a recusa de tal ideologia” (GRUPPI, 1980, p. 70).27 Decorrente da ascensão capitalista e do declínio do modo feudal de produção tem-se a oferta de mão de obra livre, crescimento do trabalho assalariado tendo em vista a revolução tecnológica/industrial e conseqüentemente extinção do trabalho artesanal.

47

O processo de industrialização decorrente do avanço tecnológico ocasionou a

massificação nos centros urbanos, que não apresentavam estrutura mínima para acolher tamanho

contingente populacional. Em conseqüência, têm-se uma série de problemas de cunho social, tais

como: habitação precária, falta de escolas, ausência de rede de saneamento básico, péssimas

condições de salubridade, etc. Como a oferta de mão de obra era expressiva e os trabalhadores

ainda não estavam plenamente organizados, os salários eram baixos e as condições de trabalho

precárias.

Segundo Martinelli (2001), a segunda metade do século XVIII foi marcada pelo início da

resistência dos trabalhadores à ofensiva capitalista, principalmente na recusa à dominação pela

máquina e da forma atroz e violenta com que o burguês detentor dos meios de produção

procurava explorar o segmento proletário.

As condições a que estavam submetidos os trabalhadores são desumanas. Martinelli

(2001, p. 57) afirma:

Nessas condições de oferta elástica de mão-de-obra e de uma força de trabalho ainda desorganizada e heterogênea, o domínio do capital sobre o trabalho marcava não só as negociações como a própria vida dos trabalhadores. Durante praticamente toda a primeira metade do século XIX, a burguesia se utilizou de seu poder de classe para manipular livremente salários e condições de trabalho. Apoiando-se em um antigo dispositivo legal, cujas origens remontavam a longínquas épocas da história da humanidade – Estatuto dos Trabalhadores, de 1349, que proibia reclamações de salário e de organização do processo de trabalho – excluía o trabalhador das decisões sobre sua própria vida trabalhista. [...] As alternativas do trabalhador empobrecido, em face das condições de trabalho que os donos de capital estabeleciam, eram sombrias: ou se rendia à lei geral da acumulação capitalista, vendendo sua força de trabalho a preços de concorrência cada vez mais vis, ou capitulava diante da draconiana legislação urbana, tornando-se dependente do Estado e, no mesmo instante, declarado “não-cidadão”, ou seja, indivíduo destituído da cidadania econômica, da liberdade civil. A realidade trazida pelo capitalista estava posta e imposta: ou o trabalhador se mercantilizava, assumindo a condição de mercadoria útil ao capital, ou se

48

coisificava, assumindo o estado de ‘coisa pública’ – res-publica a que correspondia a perda da cidadania, a ‘não-cidadania’.

A expansão capitalista no final do século XIX estava ganhando espaço mundial. Os

trabalhadores começam a se organizar coletivamente e efetivar algumas conquistas. Martinelli

(2001) aponta a regulamentação da jornada de trabalho infantil em 1850 na Inglaterra; a jornada

de doze horas na França, em 1848; a criação dos Tribunais de Ofício na França e Inglaterra em

1850; e na Inglaterra em 1870 o Estado passa a assumir o ensino básico, como conquista do

movimento operário.

Entretanto, é relevante pontuar que em face das variadas conquistas obtidas pelo

proletariado, bem como decorrentes do próprio movimento societário, como a Revolução

Francesa e os ideais rousseanianos de comunidade, a burguesia mergulha nos resultados

contraditórios de sua forma organizativa, e diante do panorama que se delineava precisava rever

estratégias para manter-se enquanto classe dominante. Foi quando a burguesia começa a se

aproximar da filantropia, objetivando manter a ordem social vigente e exercer de forma menos

“brutal” o controle sobre a classe proletária.

Martinelli (2001, p. 66) resume o projeto da burguesia:

Burguesia, Igreja e Estado, uniram-se em um completo e reacionário bloco político, tentando coibir as manifestações dos trabalhadores eurocidentais, impedir suas práticas de classe e abafar sua expressão política e social. Na Inglaterra, o resultado material e concreto dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização da Caridade em Londres, em 1869, congregando os reformistas sociais que passavam agora a assumir formalmente, diante da sociedade burguesa constituída, a responsabilidade pela racionalização e pela normatização da prática da assistência. Surgiam, assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob a denominação de “Serviço Social”, acentuando-se seu caráter de prática de prestação de serviços (grifos da autora).

49

Observa-se, em estreita concordância com Martinelli (2001), que o Serviço Social nasce

vinculado aos interesses do sistema capitalista, enquanto estratégia de controle social28.

Ainda segundo a autora (2001, p. 67):

O Serviço Social já surge, portanto, no cenário histórico com uma identidade atribuída, que expressava uma síntese das práticas sociais pré-capitalistas – repressoras e controlistas – e dos mecanismos e estratégias produzidas pela classe dominante para garantir a marcha expansionista e a definitiva consolidação do sistema capitalista.

No contexto do surgimento da profissão, é salutar afirmar que tal estratégia da classe

dominante deu-se também pela situação sócio-ecônomica a que estava submetida a maioria da

população. A pobreza generalizada tomava conta da Europa, sendo que a Igreja já não dava conta

de atender o contingente populacional miserável. Diante desse quadro o Estado é chamado a

intervir, utilizando-se da chamada prática de assistência, enquanto estratégia de controle social e

de manutenção da ordem, por meio de uma profissão nascente - o Serviço Social.

Segundo Correia - no prefácio da edição portuguesa do livro Diagnóstico Social de Mary

E. Richmond - (1950, p. XXI), o conjunto de transformações verificadas com o advento do

capitalismo moderno gerou a “questão social”. Diante disso afirma: “Foi a meditação, por muitos

espíritos bem formados, generosos e inquietos, sobre os múltiplos aspectos da miséria e das suas

causas que deu origem ao Serviço Social moderno” 29.

28 Mannhein apud Martinelli (2001, p. 66) conceitua o controle social como: “o conjunto de métodos pelos quais a sociedade influencia o comportamento humano, tendo em vista manter determinada ordem”.29 É preciso esclarecer que no Prefácio supracitado, o autor apresenta o Serviço Social historicamente como dividido em quatro períodos, assim elencados:1º Origens pré-cristãs e esboço da técnica aplicável aos conceitos de então.2º Orientação que o Cristianismo imprimiu à prática do Serviço Social.3º A origem da reacção no começo do Séc. XIX e das experiências feitas desde então até 1899, de onde resultou o Serviço Social.4º A fixação definitiva do conceito e da técnica e a expansão do Serviço Social, em todo o mundo (CORREIA, 1950, p. XV).

50

Na realidade, historicamente a prática da caridade serviu para legitimar a exploração dos

segmentos pauperizados e a manutenção do status quo. Nesse sentido, o que se pode aferir é que

a institucionalização e racionalização da caridade, através de uma base de cunho científico, que

se denominou de Serviço Social objetivava o controle, consoante Martinelli (2001, p. 100)

afirma:

Trata-se da função de controle propriamente dito, representando a resposta da burguesia à ameaça social que decorria da acelerada expansão da pobreza e da generalização da miséria. O sentido de tal função era o rigoroso controle do processo social e das condições de vida da massa pauperizada, ajustando-as aos padrões estabelecidos pela sociedade burguesa constituída.

Com isso, tem-se o marco histórico de surgimento da profissão, enquanto ensino técnico e

de bases científicas, quando, em 1899, Mary E. Richmond, funcionária da Sociedade de

Organização de Caridade propôs a criação de uma Escola para o ensino da Filantropia Aplicada

em Nova Iorque30.

Observa-se que o Serviço Social, ao longo da história, passou a ter uma base

metodológica e uma especificidade que lhe constituiu-se de forma legítima enquanto profissão,

voltando-se inicialmente e de forma prioritária para ações junto ao segmento de trabalhadores,

com ênfase no espaço doméstico, ou seja, intervenções voltadas à vida cotidiana das classes

populares. Verdès-Leroux (1986) aponta alguns espaços que foram ocupados por assistentes

sociais, objetivando a penetração e o controle na vida dos trabalhadores e suas famílias, tais

como: superintendente de fábrica, visitadora–controladora do seguro social, assistente familiar

polivalente, dentre outras.

30 Mary Ellen Richmond é considerada a fundadora do Serviço Social, quem tiver interesse em conhecer um pouco de sua trajetória, o Prefácio do seu livro Diagnóstico Social (1950) auxiliará.

51

É preciso salientar que as ações voltadas para a classe proletária justificavam-se, haja

vista a expansão do movimento sindical, que já atingia os outros continentes, bem como a ameaça

do comunismo.

O Serviço Social nasce e recebe influência do empirismo31, pragmatismo32 e do

positivismo33, através da Sociologia. Pode-se afirmar que o Serviço Social nasce de um enfoque

sociológico, com uma orientação de cunho reformista voltado para o desenvolvimento da ciência,

com indicações de neutralidade e de não envolvimento com a situação social real. O que se

constata é que o Serviço Social, diante da aparente neutralidade em face de seu caráter científico,

na realidade estava comprometido com a manutenção do status quo da classe dominante.

Entretanto, nos idos da década de 20 o Serviço Social entra na fase psicologista, isto é, centrada

no enfoque psiquiátrico (que influenciou o Serviço Social de Caso, numa tendência

individualista).

Verdès-Leroux (1986) apresenta a forma como o Serviço Social desempenhou suas

funções no processo de constituição da profissão, e nos dizeres da autora a forma de utilização da

“violência simbólica” como forma de legitimação da ação interventiva.

Outro ponto fundamental a ser descrito é o papel que a assistência social (enquanto

conjunto de ações voltadas para os segmentos vulnerabilizados) assume no início da profissão. A

mesma autora (1986) explicita que a assistência social freqüentemente era interpretada como

caridade ou assistência pública.

31 Segundo o Dicionário do Pensamento Marxista (p. 125): “O empirismo vê o mundo como uma coleção de aparências dissociadas, ignora o papel da teoria na organização ativa e na reorganização crítica dos dados oferecidos por essas aparências e não identifica a função desta como o esforço de representar no pensamento as relações essenciais que as geram”.32 O Dicionário do Pensamento Social do Século XX, ensina que, o pragmatismo é o nome atribuído ao movimento filosófico clássico nos Estados Únicos que surgiu no final do século XIX. “O termo pragmatismo tem a mesma raiz grega de PRÁXIS, prático, etc. O fundador do pragmatismo, Charles Sanders Peirce (1839-1914), criou o termo em conseqüência de suas reflexões sobre o uso por Kant dos adjetivos ‘pragmático’ e ‘prático’” (p. 598).33 Ver nota de rodapé n°. 7

52

Nesse aspecto afirma que a caridade somente servia para a manutenção da pobreza e que a

assistência pública era uma ameaça em potencial, pois pautada no conceito de direitos sociais.

Partindo dessa análise, a autora conclui que a assistência social a que se voltou o campo de

profissionais de Serviço Social era aquela dirigida a classe operária urbana, a qual objetivava o

controle, enquanto que a caridade e a assistência pública voltava-se para os miseráveis e

indigentes, afastados do campo produtivo.

Verdès-Leroux (1986, p. 15) afirma:

O projeto da assistência social nascente não é, pois, o de “ajudar” operários em dificuldade – este é um vocabulário moderno – mas o de educar a classe operária, isto é, fornecer-lhes regras de bom senso e razões práticas de moralidade, corrigir seus preconceitos, ensinar-lhes a racionalidade; ‘discipliná-la’ nos seus trajes, nos lares, nos orçamentos domésticos, na maneira de pensar.

Nessa direção, os profissionais de Serviço Social passam a atuar prioritariamente com as

esposas e filhos dos operários. Somente após a Primeira Guerra Mundial é que se ampliam os

espaços de intervenção profissional. Verdès-Leroux (1986, p. 20) elenca: “Em poucos anos,

criam-se o serviço social das empresas, o das caixas de compensação da região pariense, o das

habitações a preços módicos da cidade de Paris, o da caixa de seguro social, etc.”34.

A linha interventiva volta-se inicialmente para o aspecto educativo, dentro de uma linha

sanitária e social, materializada pela vigilância domiciliar, posteriormente sobressai o papel

reintegrativo/readaptativo da ação profissional, direcionada para a tutela moralizante (Verdès-

Leroux, 1986).

Assim, tem-se a aproximação com o Estado, antes repelido, como parceiro para execução

de medidas sociais, foi quando a profissão passou a abarcar novos espaços institucionais.

34 Verdès-Leroux (1986) descreve a situação da França.

53

2.2 – SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL

Após percorrer o início da trajetória histórica da profissão, é necessário compreender

como o Serviço Social se consolida no Brasil.

O caso brasileiro não difere muito do europeu e do norte-americano no que tange ao

cenário social de surgimento da profissão. O avanço do processo industrial e a emergente

constituição da classe operária organizada, vivendo as conseqüências de uma sociedade

capitalista desigual e excludente, fizeram com que o Estado brasileiro passasse a mobilizar a

categoria profissional recém-surgida35 para auxiliar no enfrentamento do conjunto de

manifestações decorrentes do sistema capitalista. Os anos 30 são marcados pela franca expansão

industrial e solidificação do modelo urbano-industrial, conseqüentemente têm-se o avanço do

movimento operário que passa a constituir uma latente ameaça aos burgueses e ao Estado. Foi

nesse contexto contraditório que se criaram as bases para a institucionalização da profissão. Silva

(2002, p. 24) escreve:

A compreensão dessa contradição pode ser buscada no próprio processo de institucionalização e legitimação da profissão do Serviço Social, que, no Brasil, vincula-se a criação e ao desenvolvimento de grandes instituições assistenciais, estatais, paraestatais e autárquicas, a partir da década de 40. A criação dessas instituições ocorre no bojo do aprofundamento do modelo corporativista do Estado e do desenvolvimento de uma política econômica favorecedora da industrialização, adotada a partir de 30. Dá-se, nesse contexto, a supremacia da burguesia industrial, no poder do Estado, aliada aos grandes proprietários rurais, ocorrendo, também, o crescimento do proletariado urbano, em face do desenvolvimento do modelo urbano-industrial e da capitalização da agricultura, com conseqüente liberação de fluxos populacionais.

35 A primeira Escola de Serviço Social foi criada em 1936 na cidade de São Paulo. Chamava-se Escola de Serviço Social de São Paulo.

54

As ações dos primeiros assistentes sociais estavam em harmonia com os preceitos

católicos, até porque o processo de formação tinha por base a matriz apostólica leiga, moralizante

e voltada estritamente a um enfoque individualista, desprovido de caráter coletivo e de base

humanista conservadora36. Inicialmente as bases de orientação profissional são de cunho franco-

belga, já na década de quarenta assume e influência norte-americana.

Portanto, o que tornou possível o trabalho do profissional de Serviço Social foi a

regulação executada pelo Estado sobre a sociedade através da legislação social e trabalhista e das

políticas sociais. Esses profissionais passaram a interferir nas diferentes expressões da questão

social, gerindo o confronto de forças. É em meio a esse cenário que os assistentes sociais se

inserem no mercado de trabalho, fornecendo a sua força de trabalho para intervir junto a setores

da população, despossuídos de meios, os quais procuram ter acesso a instituições sociais37

(BATISTONE, 1991).

Os traços que marcaram a profissão emergente no Brasil são de um profissional técnico e

intelectual, que, contudo, é um reprodutor da ideologia capitalista, pois suas ações objetivavam o

disciplinamento e o controle. Iamamoto (2001, p. 107-108) afirma que o profissional de Serviço

Social trabalhou para legitimar os interesses do capital e da classe dominante hegemônica através

de diversas formas de controle social:

[...] o controle social não se reduz ao controle governamental e institucional. É exercido, também, através de relações diretas, expressando o poder de influência de determinados agentes sociais sobre o cotidiano da vida dos indivíduos, reforçando a internalização de normas e comportamentos

36 Idéias do sex. XIX, reinterpretadas sob a lógica do capitalismo.37 Conforme Silva (2002), o surgimento de grandes instituições como o Conselho Nacional de Serviço Social; a Legião Brasileira de Assistência; Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial; Serviço Social da Indústria; Serviço Social do Comércio; dentre outros, ampliaram o mercado de trabalho possibilitando o rompimento do Serviço Social com as origens confecionais.

55

legitimados socialmente. Entre esses agentes institucionais encontra-se o profissional de Serviço Social.

Diante de tal afirmação, ainda se faz necessária a discussão da base conceitual da

profissão, do movimento de ruptura que acompanha a evolução do Serviço Social na

contemporaneidade.

Nos idos da década de 60, tem-se a formação de um Estado monopolista, que passa a

assumir uma postura interventiva mais intensa em atividades de cunho econômico, social e

político. No âmbito do Serviço Social apareceu a chamada perspectiva modernizadora, obrigando

os profissionais de Serviço Social a assumir novas exigências decorrentes no momento histórico

vivido, perpassado pelos movimentos ditatoriais e autoritários em toda a América Latina, sob a

égide da ideologia desenvolvimentista. Tem-se, em nível brasileiro, uma fase de acelerado

crescimento econômico (milagre econômico), em contrapartida a uma repressão social intensa

aos setores populares e inimigos do regime sob a vigência do AI-5.38

Em torno dessa perspectiva, o profissional de Serviço Social é impingido a um esforço

de modernização, que se deu o nome de movimento de reconceituação no Brasil. Além disso, a

proposta de reconceituação traz à tona uma discussão em nível teórico-metodológico acerca de

um novo projeto profissional pautado na ruptura com o conservadorismo arraigado à profissão

desde sua origem. Nas palavras de Netto (2005, p. 09): “Na sua gênese imediata, a

Reconceituação foi comandada por uma questão elementar: qual a contribuição do Serviço

Social na superação do subdesenvolvimento?” Foi na realidade uma crítica ao Serviço Social

tradicional, conforme Netto (2005, p. 06) analisa:

38 Ato Institucional nº. 05 ou simplesmente AI-5, de 13/12/1968, estabeleceu a cassação dos direitos políticos de membros considerados de esquerda e fechamento do Congresso Nacional, revogando dispositivos constitucionais e aumentando os poderes do regime militar.

56

[...] a prática empiricista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada por uma lógica liberal-burguesa, que, de um ponto de visa claramente funcionalista, visava enfrentar as incidências psicossociais da ‘questão social” sobre indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado factual ineliminável.

Têm-se nessa trajetória dois expressivos momentos denominados de Seminários de

Teorização do Serviço Social, promovidos pelo CBCISS (Centro Brasileiro de Cooperação e

Intercâmbio de Serviços Sociais), que produziram o Documento de Araxá (1967) e o Seminário

de Teresópolis (1970), mas que perdem sua supremacia na segunda metade dos anos 70,

consolidando-se no Seminário de Sumaré (1978), que assume nova vertente dentro desse

movimento.

A perspectiva modernizadora ganhou opositores dentro da categoria, que buscou uma

nova saída para a profissão, decorrente das inquietações políticas da sociedade brasileira. Numa

direção denominada de reatualização conservadora, e uma outra, denominada intenção de

ruptura. Na primeira a proposta é de um Serviço Social com fortes tendências psicossociais no

trato dos problemas sociais, baseou-se na adoção da fenomenologia, que, por sua vez, ocorreu

sem grande contestação, apresentada como a “matriz teórico-metodológica situada para além de

críticas e reservas” (NETTO, 2002, p. 213).

O fim da ditadura militar e os novos movimentos sociais e políticos do final da década

de 70 contribuíram significativamente para o Serviço Social, ofertando plenas condições de uma

nova perspectiva, denominada de intenção de ruptura. Esta se manifestou a partir dos meios

acadêmicos, com ênfase ao chamado Método BH39, desenvolvido por profissionais mineiros, que

39 O Método BH foi uma experiência vivida por um grupo de assistentes sociais em Belo Horizonte no período de 1972 a 1975, especificamente na Universidade Católica de Minas Gerais. O método, na proposta era entendido como uma forma de exercício; caminho para obter algo. Os profissionais que discutiam a proposta de reconceituação, negavam as teorias que embasavam a metodologia clássica (caso, grupo e comunidade). O grupo acabou por criar um método composto por etapas, fases, momentos e aproximações onde o produto final foi nada mais que, uma moderna edição do estudo, diagnóstico e tratamento que era proposto na metodologia advinda dos modelos norte americanos (CAMINI, 2005, p. 1).

57

orientava-se por novas diretrizes teóricas e novos elementos para a intervenção na realidade, isto

é, propunha uma crítica teórico-metodológica ao tradicionalismo profissional.

O movimento de intenção de ruptura desdobrou-se nos anos oitenta, adquirindo algumas

características em fases distintas. Tem-se, desse modo, num primeiro momento, a elaboração de

uma crítica radical ao tradicionalismo/conservadorismo, objetivando a ruptura com a ordem em

vigor. Num segundo momento, objetivavam-se elaborações crítico-históricas mais amplas. Tem-

se, assim, uma aproximação substancial das fontes originais da teoria social, principalmente

referenciada no pensamento de base marxista. Em um outro momento, marcado pela transição

democrática, possibilitou-se no Serviço Social um enorme avanço em termo de sua produção

intelectual, estendendo-se as organizações representativas da classe profissional. A profissão

passa, então, a ter na vertente teórica marxista sua base de sustentação, que mantém até o

momento atual.

As configurações societárias da década de 80, marcadas pela democratização,

contribuíram para a elaboração de um novo currículo para o ensino em 1982, pautado nas

diretrizes do pensamento marxista e, por outro lado, propuseram a ampliação da visão ético-

política da profissão, o que culminou no Código de Ética de 1986, revisto em 1993. Na década de

1990, tem-se novamente uma revisão curricular, fruto de um amplo debate entre as unidades de

ensino vinculadas a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social),

que referendaram um currículo em que se tem um processo de formação profissional direcionado

à questão social como fundamento sócio-histórico da profissão e o exercício profissional

enquanto processo de trabalho (IAMAMOTO, 1998). Não se pode deixar de citar que o CFESS

(Conselho Federal de Serviço Social) e os CRESS (Conselhos Regionais de Serviço Social)

também contribuíram para o fortalecimento da profissão nesse período.

58

Em suma, essas inovações caracterizaram-se pela ruptura com o conservadorismo,

trazendo ao Serviço Social um projeto político, ético e profissional voltado para a defesa

intransigente dos direitos humanos, a recusa do arbítrio e autoritarismo, a luta pela ampliação da

cidadania e o respeito ao pluralismo.

2.3 - SERVIÇO SOCIAL NO JUDICIÁRIO: RECONSTRUINDO O PERCURSO

HISTÓRICO-OPERATIVO

Como já apontado, o Judiciário é um dos três poderes do Estado, independente e

autônomo dos demais, e tem por objetivo dirimir conflitos, promover o controle social e a

socialização das expectativas, bem como a interpretação das normas legais (FARIA, 2001).

Ao longo da história, o Poder Judiciário foi alterando suas funções. Inicialmente, ele

atuava direcionado principalmente na preservação da propriedade privada, dos direitos

individuais, após buscou a implementação dos direitos sociais. Fávero (1999, p. 23) escreve:

O Judiciário, como parte do Estado, sendo uma instituição onde o poder se concretiza, é acionado para agir frente a essas contradições ou desvios. Como instância normatizadora no dia a dia de indivíduos, grupos e classes sociais, busca, pela lei, enquadrar determinadas situações, visando a manutenção ou restabelecimento da ordem. Seu poder é aplicado prioritariamente de forma coercitiva ou repressiva, direcionado para o disciplinamento, a normatização de condutas.

59

Embora o Judiciário apresente perfil essencialmente de aplicador da lei e normatizador

da vida em sociedade, também vem assumindo atribuição de garantidor de direitos, por meio de

novas interpretações legais e novas condutas acerca de sua função. A contemporaneidade traz em

seu bojo esses novos desafios, principalmente com a transnacionalização de mercados, bens e

serviços, que vem gerando uma pluralidade de situações acerca da relação dos indivíduos no

mundo globalizado, como definição de espaço de atuação, identidade e legitimidade. Esse

panorama exige do Poder Judiciário uma transformação urgente, que se dá através de duas linhas

contraditórias, segundo Faria (2001, p. 16-17):

[...] um, de natureza essencialmente punitiva, aplicável aos segmentos marginalizados; outro, de natureza eminentemente distributiva, o que implica, além da necessária coragem e determinação política, a adoção de critérios compensatórios e protetores em favor desses mesmos segmentos, tendo em vista a instituição de padrões mínimos de eqüidade, integração e coesão sociais.

Diante de tal assertiva, os desafios postos ao Judiciário são romper com o normativismo

e formalismo exacerbado, e fazer cumprir os dispostos constitucionais, de modo a estar em

sintonia com a realidade social presente.

Nesse fio condutor, é relevante pontuar que as variadas refrações da questão social,

manifestas sobremaneira em face da não obtenção de acesso aos direitos e garantias, passaram a

agravar-se no mundo moderno e serviram de espaço institucional para a inserção do assistente

social também no espaço judiciário.

Sabe-se que o profissional de Serviço Social intervém em instituições para a prestação

de serviços sociais, administrando e controlando o acesso e a utilização desses serviços por parte

da demanda usuária, sendo que o que tornou possível esse trabalho é a histórica regulação

executada pelo Estado sobre a sociedade através da legislação social e trabalhista e das políticas

60

sociais. No caso da atuação do assistente social no Judiciário, esta se dá desde o início da

institucionalização do Serviço Social.

Portanto, as práticas do assistente social na área judiciária estão intrinsecamente

relacionadas à própria trajetória da profissão, que nessa temporalidade renovou-se juntamente

com os processos sociais. Tem-se que entender que as demandas impostas ao assistente social na

esfera do Poder Judiciário também sofreram modificações no decorrer da história. Se até a década

de 80 (séc. XX) o profissional trabalhava numa perspectiva de tutela e de coerção, haja vista que

atuava exclusivamente em questões afetas à justiça da infância e da juventude, enquanto prática

de assessoramento aos magistrados, pautadas em conhecimentos advindos das ciências sociais,

sob a égide do Código de Menores que vigorava até então, suas atribuições ganham novo status,

principalmente com sua inserção na Vara de Execuções Penais, nos Juizados Cíveis e Criminais,

além do trabalho nas Varas da Infância e da Família, o que exige qualificação teórica e técnica

para responder às novas configurações societárias e profissionais.

Entretanto, é de suma importância reconstruir o percurso histórico-operativo do Serviço

Social na área judiciária, isto é, como realmente se efetivou o trabalho interventivo e quais

instrumentos legitimavam sua ação.

2.3.1 – Do inquérito social ao estudo social

Richmond (1950), ao discorrer sobre o inquérito social, escreve que as mudanças na

organização da caridade efetuadas no final do século XIX deram origem à expressão “inquérito

61

geral”. Entretanto, há registros da utilização de tal terminologia ainda no ano de 1823. Já em

1869, a fundadora da Sociedade de Organização da Caridade40 em Londres descrevia que o

objetivo do inquérito era a reintegração social dos indivíduos, com ênfase na questão econômica,

havendo também registros datados de 1882 da utilização do inquérito para fins repressivos.

Pode-se afirmar que o inquérito social era um documento (ficha) que objetiva descrever os

fatos essenciais que davam origem às dificuldades sociais de um indivíduo e determinar as

possibilidades de prestar ou não auxílio. Fávero (1999, p. 27) afirma que: “O inquérito é um

procedimento jurídico para o estabelecimento da verdade e, portanto, uma determinada maneira

de exercício do poder”.

Assim Richmond (1950, p. 27) escreve:

A investigação ou colheita de dados reais é o primeiro tempo do trabalho, seguindo-se-lhe o exame crítico, a comparação das realidades averiguadas e por fim a interpretação e esclarecimento da dificuldade social. Na prática comum, as trabalhadoras sociais dos casos individuais chamam “inquérito” a todas essas operações, mas como habitualmente cometem a falta de se preocuparem muito mais com a colheita dos dados do que com sua interpretação e comparação, há conveniência educativa em usar no conjunto do processo um termo que mais especialmente designe a sua finalidade. O inquérito é indispensável para o diagnóstico.

Para a realização do inquérito social, dois momentos se faziam necessários: a colheita dos

dados e as conclusões das averiguações. Para realizar tal inquérito, utilizavam-se de alguns

instrumentais, tais como: entrevistas pessoais, testemunhais, com parentes e vizinhos; atenção

40 A Sociedade de Organização da Caridade nasceu da aliança da alta burguesia inglesa, da Igreja e do Estado no final da primeira metade do século XX, com o objetivo de racionalizar a assistência e reorganizá-la em bases científicas. Tal organização representava uma estratégia política onde a burguesia intentava realizar seu projeto de dominação. (MARTINELLI, 2001, p. 99-100)

62

(observação); memórias (registros escritos dos casos sociais atendidos); diligências (visitas) e

análise de documentos diversos.

Nessa perspectiva, ao final da colheita de dados têm-se as considerações, ou seja, o

diagnóstico (inquérito), que assim define Richmond (1950, p. 310):

O diagnóstico social pode ser definido como uma tentativa para fazer uma descrição quanto possível exacta da situação e personalidade dum ser humano que sinta qualquer necessidade social, bem como da sua situação e personalidade em relação aos outros seres humanos de quem dependa ou que dependem dele e também em relação às instituições sociais da sua comunidade (sic).

Donzelot (1986) afirma que os processos de inquérito sobre a moralidade infantil eram

comuns no século XIX, entretanto só utilizados em questões atinentes a práticas caritativas. A

questão do inquérito passou a ser discutida na primeira escola de Serviço Social41 também como

forma de exercício prático de casos individuais.

Também Richmond (1950) apresenta as origens do inquérito relacionando com as

situações de crianças, pontuando que em 1869 a Sociedade de Proteção às Crianças da cidade de

Boston e o Tribunal Municipal solicitavam a realização de visitas e elaboração de inquéritos

acerca da situação de crianças (denominados na época de menores).

Entretanto, a referida autora afirma que somente em 1899 com a lei que institui os

Tribunais da Infância o inquérito passou a ganhar destaque, pois servia para auxiliar os

magistrados com informações sobre a família, sobre o histórico do meio em que vivia o menor, as

41 Escola de Filantropia Aplicada em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América. Já a primeira Escola de Serviço Social da Europa foi criada em 1908 na Inglaterra e em 1911 em na França.

63

perturbações sociais; e, enfim, sobre informações gerais sobre a família e o menor objeto do

inquérito42.

Donzelot (1986, p. 112-113) assinala que:

O inquérito social instaurado no início do século XX é concebido dentro de um mesmo espírito, com a mesma preocupação obsessiva de evitar que o investigador caia na armadilha das condutas populares de encenação da pobreza. Mas ele muda inteiramente a postura do investigador e os seus pontos de apoio. [...] penetra no seio da economia doméstica em vez de se ater aos “sinais exteriores de pobreza”, e na técnica de chantagem à economia.

Martinelli (2001, p. 109) afirma que através do trabalho das visitadoras sociais

domiciliares é que o Serviço Social inicia suas atividades públicas, inserindo-se nos tribunais de

justiça nas situações envolvendo crianças: “Para o exercício da função, tais juízes deviam

recorrer a audiências privadas e contar com a colaboração das visitadoras domiciliares para a

realização do inquérito”.

Nessa perspectiva, Donzelot (1986, p. 111), ao abordar as formas de coleta das

informações acerca de crianças para os tribunais de justiça, escreve:

A matéria-prima e ainda principal dos dossiês de crianças perigosas ou em perigo é fornecida pelo inquérito social, cuja generalização aparece ao mesmo tempo que a justiça de menores (1912). Com efeito, ele se torna necessário com as duas operações constitutivas do tribunal de menores. Por um lado, a inscrição das práticas assistenciais no âmbito judiciário leva ao reforço dos meios de ação da assistência contra o comportamento imprevisível e/ou interessado dos pais e, portanto, a uma codificação das condições de intervenção da Assistência Pública e dos grupos filantrópicos. Por outro lado, a extração do direito de correção, outrora reservado ao poder paterno, sua transferência para aparelho judiciário e para os notáveis sociais exigem a instauração de um procedimento de verificação das queixas dos pais tendo como objetivo, mais ou menos implícito, a sua inversão numa incriminação de suas capacidades educativas, do valor do ambiente da criança. O inquérito social situa-se, assim, no ponto de encontro entre a assistência e a repressão. Ele é o procedimento técnico através do que se busca dissolver as fraquezas de uma e de outra.

42 É relevante pontuar que Richmond propõe a substituição do termo inquérito pelo de diagnóstico social, título do livro supracitado e tema enfocado.

64

Continua Donzelot (1986, p. 112):

Enfim, o inquérito social torna-se necessário à regularização dos casos litigiosos de atribuição das prestações sociais (abonos familiares, instaurados em 1930 e sistematizados no após-guerra, seguros sociais e abonos especiais). [...] O inquérito social é, assim, o principal instrumento técnico destinado a ordenar a nova logística do trabalho social: a possibilidade de retirar ou restituir crianças [...].

Têm-se, então, como regras do inquérito social (segundo apurou o autor em texto datado

de 1920): primeiro, a aproximação circular da família, ou seja, coletar todas as informações

existentes nos serviços de assistência e vigilância; segundo, a utilização do interrogatório

separado e contraditório, feito no domicílio da pessoa e realizado de surpresa; e, finalmente, a

verificação prática do modo de vida familiar, ou seja, a conversa com a família objetivando

levantar informações básicas do modo de vida através da observação, onde o assistente social

pode inclusive examinar a residência e tirar fotos. Consoante Donzelot (1986, p. 115) afirma:

“[...] é uma técnica que mobiliza o mínimo de coerção para obter o máximo de informações

verificadas”.

O inquérito apresentava contornos específicos dependendo da área a que se destinava o

estudo. No caso da área judiciária, desenvolveu-se como um importante instrumento de auxílio ao

magistrado nas questões atinentes a menoridade. Fávero (1999, p. 28) assim explica o papel do

inquérito nas práticas do Serviço Social nos Juizados de Menores:

O serviço social, enquanto participante das práticas judiciárias, se utiliza do inquérito e do exame para, no atendimento que realiza, pesquisar “a verdade”. O assistente social é solicitado pelo Judiciário como sendo elemento neutro perante a ação judicial para trazer subsídios, conhecimentos que sirvam de provas, de razões para determinados atos ou decisões a serem tomadas. Através

65

de técnicas de entrevistas, visitas domiciliares, observações, registros, realiza o exame da pobreza e dá o seu parecer sobre a situação investigada e a medida mais adequada a ser aplicada, no caso do Juizado de Menores, ao menor ou à família.

Esses breves apontamentos acerca do inquérito social tem por objetivo demonstrar que ao

longo do processo constitutivo do Serviço Social em relação às práticas judiciárias, tais

procedimentos intentavam oferecer os subsídios técnicos inerentes a área específica de

conhecimento, de modo a auxiliar o magistrado em consonância com os pressupostos teóricos e

metodológicos norteadores da época, ou seja, ações de cunho estritamente moralizante,

disciplinador e realizados de forma individualizada, que objetivavam o controle social enquanto

adequação ao meio daquele indivíduo considerado disfuncional.

Na realidade, Türck (2000, p. 22) explica essa trajetória histórica e elenca os elementos

que passaram a constituir a teoria e metodologia do Serviço Social:

Na caminhada de construção de sua prática, o Serviço Social necessitava, ainda, saber ‘como agir’, estabelecendo sua relação de dependência e influência na ‘construção do objeto genérico’. Richmond, ao utilizar o Inquérito Social como uma proposição de reintegração social, possibilita o surgimento da ‘metodologia’ – que pode ser definida, de forma mais restrita, como um conjunto de métodos utilizados pela Disciplina para realizar a sua ação profissional e da reflexão que sobre eles costuma fazer. A ‘teoria’, construída a partir da prática, estabelece como elementos constitutivos do Serviço Social: objeto, objetivos, metodologia, princípios e ética.

66

Em suma, o profissional de Serviço Social, ao longo do processo constitutivo da

profissão, passou a utilizar-se de uma teoria e metodologia para empreender sua ação, que na

atualidade rege-se predominantemente pela teoria crítica43.

Analisando o desenrolar da história, vê-se que é a partir da década 40 e 50 (séc. XX), no

caso brasileiro, que se dá a inserção dos primeiros assistentes sociais no espaço do Judiciário.

Todavia, Türck (2000) pontua que o 1º Juizado de Menores foi criado no Distrito Federal no ano

de 1923; Veronese apud Pizzol (2003) informa que nesse ano também foi instalado o Juizado de

Menores no Rio de Janeiro; e, em São Paulo foi criado no ano de 1924, de acordo com Fávero

(1999). Em síntese, foi na década de 20 que esses órgãos especializados da justiça foram criados

em decorrência da situação social que envolvia o segmento menorista e a necessidade de

respostas mais efetivas por parte do Judiciário. No Rio Grande do Sul, é criado em 1933 o

Juizado de Menores (Türck, 2000).

No que tange à legislação específica para a área infantil, tem-se em 1927 a promulgação

do primeiro Código de Menores, primeira normativa brasileira voltada para a assistência e

proteção de crianças, sendo que em 1979 tal legislação foi revista.

Entretanto, há de se pontuar que em ambos os Códigos havia orientação para a realização

de perícias e inquéritos sobre os menores (1º Código) e estudos de caso (2º Código), enquanto

subsídio técnico ao juiz.

43 A perspectiva dialética enquanto método para compreensão da realidade social.

67

Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 (Lei nº.

8.069/90)44, em seus artigos 150 e 151 prevê a constituição de serviços auxiliares no âmbito do

judiciário para subsidiar o magistrado nas questões relacionadas a infância e juventude45.

Dispõe os referidos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente que:

Art. 150. Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude.Art. 151. Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.

Todavia, a mesma norma legal prevê em seu art. 152: “Aos procedimentos regulados

nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual

pertinente”.

Portanto, quando o assistente social atua em processos, seus pareceres técnicos podem ser

impugnados, haja vista que se constituem em prova judicial, garantido assim o princípio do

contraditório, previsto na Constituição Federal, art. 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo

judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

44 É relevante pontuar que a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente seguiu na esteira da Constituição Federal de 1988.45 A existência de serviços auxiliares junto ao Poder Judiciário na área da infância e da juventude está também previsto no art. 96, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal.

68

Cabe ressaltar ainda que o assistente social é chamado a atuar em processo de caráter

voluntário46, conforme seja a demanda de processos desta natureza.

Segundo Fávero (2003):

Verifica-se, nesse processo histórico, o Serviço Social, mas especificamente no que se refere à atuação junto à justiça da Infância e Juventude e também na Família, e das Sucessões, e Cíveis, teve como base a metodologia operacional do “Serviço Social de casos individuais”, desdobrando originariamente nas etapas de “estudo, diagnóstico e tratamento”, ou “investigação – diagnóstico e intervenção”. No que diz respeito sobretudo à operacionalização do processo de intervenção, pode-se dizer que essa metodologia até hoje se faz presente, e de maneira predominante, nesse campo, resguardadas as diferentes orientações teóricas que direcionam a ação do assistente social ao longo dos anos.

Todavia, ao longo do processo de amadurecimento da profissão, através da

sistematização da realidade decorrente das próprias transformações societárias, têm-se novas

práticas que respondem às atuais demandas, dentro de novas perspectivas teóricas.

O assistente social no espaço do Judiciário lança mão de vários procedimentos para

efetivar sua ação, sendo que o chamado estudo social é um dos principais instrumentos de

trabalho. É relevante evidenciar que várias terminologias podem ser utilizadas para

consubstanciar a opinião técnica do profissional: relatório social, perícia, parecer e laudo.

Todavia, neste trabalho será utilizado o termo estudo social. Segundo Fávero (2003), pode ser

assim conceituado:

O estudo social é um processo metodológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade conhecer com profundidade, e de forma crítica uma determinada situação ou expressão da questão social, objeto da intervenção profissional – especialmente nos seus aspectos sócio-

46 Os processos de jurisdição voluntária não tratam propriamente de litígio, mas, sim, de natureza administrativa, exigindo chancela judicial.

69

econômicos e culturais. Tem sido utilizado nas mais diversas áreas de intervenção do Serviço Social, sendo instrumento fundamental no trabalho do assistente social que atua no sistema judiciário.

Fávero (2004) aponta que o estudo social na atualidade apresenta-se como arrimo na

aplicação de medidas judiciais, reforçando a idéia já contida em outros trabalhos da autora acerca

do poder e saber expressos através do processo metodológico específico da profissão de Serviço

Social e denominado de estudo social.

O relatório social ou laudo social que o profissional apresenta, com menor ou maior detalhamento, a sistematização do estudo realizado (ou da perícia social, como é definida muitas vezes nesse espaço), transforma-se num instrumento de poder ou num saber, convertido em poder de verdade, que contribui para a definição do futuro de crianças, adolescentes e famílias, posto que ele é uma das provas que compõem ou que pode compor os autos.

Tais considerações evidenciam que o assistente social, ao elaborar um estudo social,

deve ter compromisso com a garantia do acesso à justiça à demanda usuária dos serviços

judiciais, em conformidade com os pressupostos legais, sociais e éticos.

2.3.2– O Serviço Social no Poder Judiciário Catarinense

Num rápido olhar pela história do Serviço Social na esfera do Poder Judiciário pode-se

afirmar que sua inserção nessa área está fundamentalmente relacionada com a própria

institucionalização da profissão no Brasil. Há registros que tal atuação foi implantada no Estado

70

de São Paulo a partir dos anos 40 (FÁVERO, 1999); no Rio Grande do Sul, na década de 50

(TÜRCK, 2000). Já no Estado de Santa Catarina, ela pode ser considerada relativamente recente.

Conforme Pizzol e Silva (2001), a inserção do assistente social na esfera do Poder Judiciário

Catarinense aconteceu em 1972 com a criação de dois cargos para a atuação na Vara de Menores

e um cargo em 1981 na Vara da Família, ambas na Capital do Estado. Nesses espaços o

profissional era o auxiliar do magistrado.

Atualmente, quase todas as Comarcas do Estado de Santa Catarina possuem em seus

quadros de servidores profissionais de Serviço Social. Nos locais onde tais cargos não foram

providos por concurso público, tais serviços são efetuados por assistentes sociais lotados em

fóruns geograficamente próximos, através da chamada prestação de serviço em regime de

cooperação47. Nesta sistemática, o Tribunal convoca um assistente social de outra comarca,

preferentemente próxima, o qual passa a atuar, além da comarca em que está lotada, naquela em

que restou convocado.

Segundo a organização judiciária do Estado de Santa Catarina, cada Comarca tem

competência jurisdicional, estas são chamadas de entrâncias e se subdividem em inicial,

intermediária, final e especial. Os profissionais são lotados em Comarcas de entrância inicial, que

se caracterizam por serem Comarcas de Vara Única, atuando em todas as áreas de sua

competência: infância e juventude, família e execuções penais. Já na entrância intermediária e

final, as Varas são especializadas, com divisão de competências.

Outrossim, o assistente social judiciário tem atribuições definidas no Código de

Organização e Divisão Judiciária do Estado de Santa Catarina - Lei nº. 5.624, de 09 de novembro

de 1979, que dispõe em seu artigo 173 o seguinte:

Art. 173 - Compete aos assistentes sociais:47 Resolução nº 004/01 – GP/TJ.

71

I – proceder ao estudo social do menor abandonado ou do infrator, sugerindo a forma de tratamento adequado para cada caso;II – realizar o tratamento social do menor internado, entregue à família e do que estiver sob liberdade vigiada;III – realizar tratamento social da família do menor infrator, visando a posterior readaptação do menor;IV- orientar e supervisionar família a que tenha sido entregue menor;V – participar, sob forma de tratamento social, da fiscalização do trabalho do menor;VI – apresentar relatório periódico sobre a situação dos menores submetidos a tratamento social, sugerindo a medida que lhe pareça útil adotar;VII – promover o entrosamento dos serviços do juízo de menores com obras, serviços e instituições que atendam aos menores em estado de abandono;VIII – obedecer às instruções baixadas pelo juiz de menores.

Todavia, tais atribuições foram revistas no sentido de adequá-las à realidade presente,

principalmente no que tange à terminologia e demandas institucionais, conforme Pizzol e Silva

(2001, p. 22) apontam, embora não sendo incorporadas as alterações no Código de Organização

Judiciária do Estado de Santa Catarina até o presente momento. Portanto, as principais

atribuições do assistente social na Justiça de Primeiro Grau são, segundo os autores:

Desenvolver trabalho técnico de perícia social em processos mediante determinação judicial.Atender a demanda social nas questões sociojurídicas, através de trabalhos de orientação, mediação, prevenção e encaminhamento;Contribuir para o entrosamento do Judiciário com Instituições que desenvolvam programas na área social.Cumprir, acompanhar e fiscalizar medidas socioeducativas, quando na Comarca inexistirem programas específicos, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.Gerenciar e operacionalizar os programas de colocação familiar de crianças e adolescentes (habilitação de pretendentes, adoção, guarda e tutela).Orientar e acompanhar família a quem tenha sido entre judicialmente criança e/ou adolescente.Gerenciar e executar programas de prestação de serviços à comunidade e participar do Conselho da Comunidade (previsto na Lei de Execuções Penais), onde houver assistente social especifico para a área criminal.Gerenciar o Setor de Serviço Social, elaborando e executando programas com a utilização do instrumental adequado ao contexto sóciojurídico.Atender determinações judiciais relativas à prática do Serviço Social,s sempre em conformidade com a Lei 8.662, de 7/6/93, que regulamenta a profissão, e a

72

Resolução nº 273/93, de 13/3/93, do Conselho Federal de Serviço Social – CFESS (Código de Ética).

No organograma institucional, o assistente social se insere na comarca48 em que prestou

o concurso ou posteriormente foi deslocado, podendo ainda ser convocado para atuar em outras

comarcas ou mesmo no Tribunal de Justiça. O profissional está subordinado legal e

administrativamente ao Juiz de Direito titular da Vara, porque denominado “auxiliar do

magistrado”. Fávero (1999, p. 20) diz que o assistente social é solicitado: “[...] como auxiliar

para fornecer subsídios à ação judicial, a partir do conhecimento, do saber que lhe confere sua

área de formação profissional”.

Com relação às atribuições do assistente social constantes no Código de Divisão e

Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina (Lei 5.624 de 09/11/1979), observa-se que a

terminologia utilizada está superada. Os termos “menor”, “tratamento social”, dentre outros,

remontam o Código de Menores e uma perspectiva de trabalho arcaica em termos de avanço

teórico e metodológico da profissão.

Nesse sentido, se faz relevante pontuar que as alterações propostas e elencadas por Pizzol

e Silva (2001) estão novamente em discussão junto à categoria profissional do Estado de Santa

Catarina, haja vista a formação do Associação Catarinense das Assistentes Sociais do Poder

Judiciário – ACASPJ no ano de 2003. A referida instituição tem sua finalidade definida em seu

48 “Diz-se de cada uma das circunscrições judiciárias em que se divide o território de um Estado da União sob a jurisdição de um ou mais juízes de direito” (VEADO, 1997, p. 230).

73

Estatuto49, sendo que o número de associados gira em torno de 70% do número de profissionais

que compõem o quadro do Poder Judiciário no Estado.

A luta pela alteração das atribuições no disposto legal, que trata da divisão, organização,

administração da justiça e dos serviços auxiliares, se faz necessária, haja vista os desafios

propostos pela contemporaneidade do Serviço Social, o qual necessita adequar-se também do

provimento legal, da perspectiva norteadora da profissão, embora tal preceito, na prática, já se

faça presente entre os profissionais que atuam junto ao Poder Judiciário Catarinense.

49 Art. 2º - A ACASPJ tem por finalidade:a) representar seus associados, judicial e extrajudicialmente, para a preservação de seus direitos e interesses, desde que compatíveis com o Estatuto perante qualquer instância;b) pugnar, junto aos poderes constituídos, pelos interesses gerais da categoria dos Assistentes Sociais Forenses do

Poder Judiciário Catarinense, pelas prerrogativas e por remuneração que garantam a independência de seus associados;

c) promover a defesa judicial e extrajudicial dos interesses individuais e coletivos de seus associados titulares atingidos, sempre que desrespeitados em seus direitos e prerrogativas, no exercício de suas funções, sob solicitação destes;

d) promover a realização e coordenar a representação dos Assistentes Sociais Forenses do Poder Judiciário Catarinense em congressos, conferências, seminários ou encontros, para a discussão de questões de caráter jurídico, científico, institucional e de interesses da classe;

e) colaborar, quando solicitada, para a solução amistosa de questões e assuntos profissionais, e com os Poderes Públicos, na qualidade de órgão consultivo;

f) promover, entre outros, serviços de natureza previdenciária, securitária, médica e de aprimoramento profissional e atividades esportivas e de lazer, podendo para tanto firmar contratos ou estabelecer convênios com entidades especializadas;

g) manter um órgão informativo e/ou uma revista, neles divulgando suas atividades e matérias do interesse da classe, aí incluídos os avisos sobre as assembléias e eleições;

h) congregar os associados, promovendo a cooperação e a solidariedade mútuas, estreitando e fortalecendo a união dos Assistentes Sociais Forenses do Estado;

i) propor medidas que assegurem ao associado e seus dependentes o amplo acesso à justiça e a efetividade da jurisdição;

j) realizar reuniões de confraternização entre os associados, organizar e manter atividades recreativas inclusive em âmbito intermunicipal;

k) estimular o aprimoramento na cultura jurídica e técnico-científicas de serviço social forense, contribuindo para a difusão na área, estabelecendo prêmios para trabalhos desenvolvidos na harmonização entre o sistema legal e o Serviço Social.

74

2.3.3 – Os desafios do profissional de Serviço Social no Judiciário na atual conjuntura social

É necessário que o profissional de Serviço Social entenda e decifre as várias facetas e

manifestações pelas quais a questão social se insere dentro de um contexto amplo e contraditório

e as formas de efetivar seu trabalho técnico.

Nesse viés em torno da emergência da discussão do campo sócio-jurídico, é que as

particularidades das práticas estão sendo postas em discussão, haja vista que até praticamente o

final dos anos 80 a atuação do assistente social no Poder Judiciário estava restrita à área referente

à criança e ao adolescente (as chamadas Varas de Menores), decorrentes da vigência dos

Códigos de Menores de 1927 e de 1979, este último em vigência até 1990.

Foi somente no final da segunda metade do século XX, com as grandes mobilizações

sociais - que culminaram na Constituição de 1988 e outras leis que vieram a contribuir para a

garantia e ampliação dos direitos sociais – como por exemplo o Estatuto da Criança e do

Adolescente e a Lei Orgânica da Assistência Social, que a atuação do assistente social se

amplia.

Paralelamente às conquistas dos direitos sociais, constatou-se a reestruturação dos

mecanismos de acumulação do capitalismo, que resultaram em profundas transformações

societárias e conseqüentemente em novas manifestações da questão social, que, por sua vez,

passaram a exigir novas formas de intervenção do profissional de Serviço Social. Nesse sentido,

Iamamoto (2004, p. 269) afirma:

75

A questão social expressa, portanto, desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização. Dispondo de uma dimensão estrutural, ela atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa luta aberta e surda pela cidadania (Ianni, 1992)50, no embate pelo respeito aos direitos civis, sociais e políticos e aos direitos humanos (IAMAMOTO, 2004, p. 269).

Ademais, somente a consagração dos mais amplos direitos na legislação de um país não

basta, se na realidade de fato o cidadão comum não pudesse exigi-los através da proposição de

demandas jurídicas e da possibilidade de acessarem informações sobre os direitos vigentes e as

suas formas de pleito, ou seja, reconhecendo-se enquanto sujeitos de direitos e deveres.

A dificuldade de acessibilidade à informação, e, portanto, ao exercício da cidadania é

acarretada pelas contradições sociais decorrentes das práticas neoliberais, que se expressam e se

manifestam cotidianamente, isto é, as macrodeterminações, influenciando diretamente nos

microespaços. Nesse sentido, de um modo ético e crítico, o assistente social deve buscar

viabilizar respostas que incluam o usuário dos serviços sociais judiciários na esfera dos direitos e

no pleno exercício de sua cidadania.

Contudo, os desafios na atualidade são os de tornar os direitos efetivos em face de um

sistema judicial que encontra dificuldades em assegurar direitos humanos e sociais garantidos na

legislação e também em face da tentativa de desmantelamento desse conjunto de direitos que

ainda não foram plenamente realizados. Tal desafio também se coloca para o profissional de

Serviço Social, exigindo respostas.

50 IANNI, Otávio. A questão social. In: A idéia de Brasil moderno. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 87-109.

76

Atualmente, podemos dizer que o papel do assistente social no campo sócio-jurídico

está intrínseca e extrinsecamente vinculado à questão da viabilização e garantia dos direitos, ou

seja, o direito de acesso à justiça.

Chuairi (2001, p. 138) sintetiza o trabalho do assistente social no campo sócio-jurídico:

Em sua trajetória profissional, o assistente social sempre esteve inserido na prestação de serviços assistenciais, voltando sua ação de forma prioritária às necessidades sociais e garantia de direitos das classes subalternas. E é na efetivação de direitos, no acesso à justiça e na restituição da cidadania dos sujeitos das classes subalternas que a assistência jurídica poder ser compreendida como espaço de permanentes desafios para a ação profissional do Serviço Social.

Portanto, o assistente social vem no percurso histórico legitimando sua prática

profissional no campo sócio-jurídico, tendo como primeiro espaço institucional de atuação no

Poder Judiciário. Portanto, se faz necessário entender como se dá esse processo, isto é, como o

profissional busca garantir esses direitos plenamente proclamados, porém não realmente

efetivados.

Todavia, o profissional, para poder compreender a complexidade da demanda que lhe

chega, necessita compreender a própria reestruturação social das sociedades capitalistas, que

produz diferenciações econômicas e desigualdades sociais, seja nas condições de trabalho, seja

no consumo e proteção social.

Isso tudo demonstra que é necessário buscar-se um novo perfil profissional, mais

articulado às novas demandas da realidade. Dessa maneira:

O novo perfil que se busca construir é de um profissional afinado com a análise dos processos sociais, tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em suas manifestações cotidianas; um profissional criativo e inventivo, capaz de entender o ‘tempo presente, os homens presentes, a vida presente’ e nela atuar,

77

contribuindo, também, para moldar os rumos de sua história (Iamamoto, 1998, p. 49).

Batistone (1991) alerta para a necessidade do assistente social entender a dimensão

técnica da sua profissão, a intervenção na realidade social e cotidiana, não como uma prática

burocrática, ou como mero executor. Deve ele compreender a sua dimensão intelectual, que exige

criatividade e inovação, a fim de melhorar as próprias práticas institucionais, sendo que isso só é

possível através da construção de uma identidade profissional, articulada com um projeto

profissional coletivo.

A prática profissional manifesta-se através de seus procedimentos no que tange à

elaboração dos estudos sociais, laudos e pareceres técnicos; na participação em sala de

audiências, quando devidamente intimada/convidada para prestar esclarecimentos acerca do

estudo social ou de outro instrumental; na execução de diligências do Juízo; na realização de

conciliações judiciais; na interação com outros órgãos tais como Ministério Público, Conselho

Tutelar, Conselho da Comunidade, Abrigos, etc. Igualmente quando da atuação em curadoria

judicial. Além disso, dá-se a atuação na política de concessão dos benefícios da Assistência

Judiciária Gratuita (Lei nº. 1.060/50).

Para tanto, a forma de utilização dos procedimentos processuais e profissionais pelo

Assistente Social do judiciário é o foco do próximo item.

78

2.4 – SERVIÇO SOCIAL: PROCEDIMENTOS PROFISSIONAIS E PROCESSUAIS

Para Nogueira (1993, p. ?) conhecimento profissional é: “O conjunto de saberes e

práticas que são próprias da ação profissional; é o sistema de teorias, técnicas e procedimentos

que caracterizam uma determinada profissão: é o que define uma profissão face as outras”.

No que tange ao Serviço Social, pode-se afirmar que seria o saber necessário à

intervenção social e à apreensão da realidade, considerando o conhecimento como um resultante

histórico, construído do embate de forças sociais, que muda e se transforma em função de fatores

exteriores e interiores à profissão. O conhecimento no Serviço Social serve para apreender a

realidade, explicá-la e daí escolher ou indicar possíveis alternativas de ação.

2.4.1 – Os procedimentos próprios da profissão

No que se refere à utilização de procedimentos profissionais, pode-se afirmar que o

Código de Ética, a Lei que Regulamenta a Profissão e legislação codificada e esparsa51,

estabelecem as diretrizes para a ação nesta seara.

Primeiramente é relevante evidenciar a questão da autonomia profissional ou livre

exercício das atividades inerentes à profissão, consoante art. 2°, alínea “b”, do Código de Ética,

isto é, o profissional apresenta autonomia para escolher os meios a serem utilizados na realização

do trabalho técnico. O Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 151, assim se refere a essa

51 Via de regra trata de assuntos específicos. Exemplo: Estatuto da Criança e do Adolescente, LOAS.

79

questão: “[...] assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico”, e o Código de

Processo Cível também apresenta tal questão em seu art. 145: “Quando a prova do fato depender

de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo disposto no art.

421”.

De acordo com a lei que dispõe sobre a profissão52 de assistente social, este possui

competência privativa para: “realizar vistorias, perícia técnicas, laudos periciais, informações e

pareceres sobre a matéria de Serviço Social”.

O conjunto de competências ético-políticas e teórico-metodológicas que necessita o

profissional de Serviço Social para desempenhar com qualidade seu trabalho, em consonância

com os ditames do projeto da profissão, pautado na justiça, igualdade, democracia, cidadania,

posição ética em defesa das possibilidades de escolha, eqüidade, etc.

A contemporaneidade e a dinâmica societal exige do profissional apreensão do

movimento do real, dentro de uma perspectiva pautada na totalidade. Brites et. al. (1996, p. 125)

afirma:

Assim, sabemos que não basta a fundamentação teórico-metodológica para imediatizarmos uma ação transformadora; a reflexão ética fará justamente a mediação entre esse saber teórico-metodológico e os limites e possibilidades, decorrentes das relações valorativas do homem em sociedade, para a prática profissional. Enquanto inserido no processo de reprodução das relações sociais, o assistente social competente deve ter claro a conotação política de sua prática profissional e as possibilidades e limites para uma ação comprometida.

A inter-relação teoria/prática não é suficiente, se não for pautada em pressupostos éticos

e políticos, somente esse conjunto articulado possibilita uma ação interventiva comprometida e

de qualidade .

52 Lei nº. 8.662/93 em seu art. 5º, inciso IV.

80

Fávero (2003, p. 35) afirma que o profissional deve trabalhar norteado pelo projeto

ético-político e teórico-metodológico da profissão e abre a discussão acerca da utilização de

meios e fins:

Essas normas e fundamentos dizem respeito aos meios necessários de serem dominados para o competente exercício profissional. Dominar os meios implica no domínio de um poder. Poder dado pelo saber profissional, que, no caso de Judiciário, soma-se ao poder inerente à natureza institucional, que é um poder de julgamento, de decisão a respeito da vida dos sujeitos. Pode-se indagar, então, qual é a real finalidade do estudo social nesse campo de intervenção, e como planejar o trabalho, de maneira que a finalidade se articule ao domínio dos meios pra chegar até ela. Dessa forma, uma das primeiras perguntas frente à demanda do estudo social não seria para que? Para subsidiar a decisão judicial: E pergunta-se também quais as implicações na vida do sujeito essa decisão trará? Que responsabilidade tem o profissional do Serviço Social, nessa decisão? Levando em conta que o Judiciário busca a “verdade” dos acontecimentos ou da situação, para julgar com justiça, indagamos qual a sua participação na construção dessa verdade. Ele tem clareza de que a “verdade” é histórica, construída socialmente?

Tais indagações traduzem a necessidade do pensar profundamente a questão do fazer

profissional e suas conseqüências, bem como a utilização dos instrumentais que vão subsidiar a

ação profissional e os objetivos implícitos e explícitos.

Diante de tais assertivas, entende-se que cada instituição deve produzir mecanismos

técnicos que atendam suas finalidades, isto é, que possibilitem realmente alcançar objetivos reais.

Além do mais, é o assistente social que define os instrumentais a serem utilizados, haja vista sua

autonomia técnica garantida legalmente. Suas escolhas devem pautar-se pela criatividade e pela

consciência crítica (Martinelli e Koumrouyan, 1994).

81

2.4.2 – Os procedimentos do processo judicial

Para poder desempenhar seu trabalho profissional, conforme pontuado acima, o

assistente social faz uso de inúmeros procedimentos presentes na legislação. Assim sendo,

entende-se que os procedimentos de natureza processual são aqueles que dizem respeito à forma

e à maneira como os atos processuais53 se realizam, bem como em relação a sua dinâmica. Faz-se

necessário, para melhor compreensão, distinguir o processo do procedimento. O processo é o

conjunto, a totalidade de atos processuais. O procedimento, por seu turno, é a ordenação, o

caminho trilhado no tempo e a forma diversificada de seu trâmite. Carnelutti (apud Cunha, 1990,

p. 170) afirma que: “O procedimento é o processo em movimento ou, em outras palavras, o

movimento do processo”, de modo que, dependendo da forma procedimental apregoada pela

legislação é que se pode de antemão visualizar o seu desfecho célere ou moroso.

Procedimento, portanto, é o rito pelo qual os atos processuais devem tramitar, sendo que,

por exemplo, observa-se que o Código de Processo Civil divide o processo em três espécies (de

conhecimento, de execução e cautelar). Em relação às espécies de procedimento, ele os divide em

duas espécies: comum (este por sua vez subdividido em procedimento ordinário, sumário e

sumaríssimo) e especial (este subdividido em jurisdição contenciosa, voluntária, das execuções e

das cautelares). O critério de divisão é baseado de acordo com a celeridade do procedimento e a

complexidade da demanda.

Com essa classificação, vê-se que o legislador quis imprimir no procedimento ordinário

uma marcha mais lenta e comedida no seu proceder. Já em relação ao procedimento sumário e

53 Segundo Nunes (2001, p. 117): “Ato processual é espécie do gênero ato jurídico. Este tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, ou seja, tem efeito sobre a relação jurídica do direito material. [...] Em outras palavras, ato processual é toda ação humana que produz efeito jurídico em relação ao processo”.

82

sumaríssimo, buscou-se a solução mais rápida do litígio, concentrando-se em algumas fases,

objetivando-se a celeridade.

De acordo ainda com cada rito procedimental é que se apresentam certas características.

Por exemplo, no rito sumaríssimo, nota-se que uma de suas características é a informalidade dos

atos.

A utilização e conhecimento de procedimentos processuais por parte do profissional de

Serviço Social é de suma relevância, haja vista que atua em processos e também no atendimento

à demanda nas questões sócio-jurídicas, a fim de se evitar a prática de atos desconformes aos

princípios norteadores do processo, causando tumulto processual e prejuízo às partes, a seus

procuradores e ao Judiciário.

O assistente social no Poder Judiciário atua em processos nas áreas cível e penal. Na

esfera civil, em processos de destituição de pátrio poder; habilitação à adoção; colocação

familiar: nas modalidades de guarda, tutela e adoção; verificação de situação de risco; busca e

apreensão de criança e adolescente; guarda; regulamentação de visita; pensão alimentícia;

curatela; alvará judicial, entre outros. Na esfera penal, em incidentes de progressão e/ou regressão

de regime, dentre outros. Também na execução de programa de prestação de serviço à

comunidade e participação no Conselho da Comunidade, conforme Lei nº. 7.210/8454 e Código

de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça – CNCGJ55. Também realiza a triagem e

encaminhamento de pedidos de assistência judiciária gratuita, conforme Lei nº. 1.060/5056 e LCE

nº. 155/9757.

54 Lei de Execuções Penais.55 Conforme disposto nos artigos 324 a 331.56 Lei que dispõe sobre a Assistência Judiciária Gratuita. Contudo, o assistente social só operacionaliza o benefício mediante determinação do Juiz de Direito a que estiver diretamente subordinado, porquanto usualmente o serviço é feito pela OAB.57 Lei Complementar Estadual.

83

Os principais procedimentos processuais e legais dos quais o assistente social se utiliza

estão previstos nas seguintes leis: Constituição da República Federativa do Brasil; Lei 8.662/9358;

Lei 8.069/9059; Lei nº. 5.869/7360, artigo 420 e seguintes; Lei nº. 10.406/0261, dentre outras.

Legislação Institucional: Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça (CNCGJ); Código

de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina; Resoluções; Provimentos e

Portarias; além de outras legislações.

É importante verificar de que modo se desenvolve o processo para poder-se apontar o

quão relevante é ao profissional de Serviço Social conhecer os aspectos procedimentais. Nesse

sentido, é importante citar alguns procedimentos de que o assistente social faz uso, entre os quais

pode-se citar aquele previsto na Constituição Federal62, que dispõe acerca da proibição de

qualquer pessoa ou agente público de adentrar domicílio alheio após o anoitecer, sem

consentimento do morador, sob pena de vir a responder a processo criminal por abuso de

autoridade. Assim, é indispensável que o profissional de Serviço Social conheça tal proibição,

para que no exercício profissional, possa praticar seus atos sem vícios. A Magna Carta norteia o

profissional em várias questões, entre as quais o disposto no art. 22763.

No que se refere à legislação esparsa, pode-se demonstrar como exemplo o

procedimento previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 162, § 2º64, em que 58 Dispõe sobre a profissão de Assistente Social.59 Estatuto da Criança e do Adolescente.60 Código de Processo Civil.61 Código Civil Brasileiro.62 Constituição Federal, art. 5º, inciso XI: “A casa é asilo inviolável do individuo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.63 É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária64 Artigo 162: “Apresentada a resposta, a autoridade judiciária dará vista o Ministério Público, por cinco dias, salvo quando este for o requerente, designando, desde logo, audiência de instrução e julgamento. [...] § 2º: Na audiência, presentes as partes e o Ministério Público, serão ouvidas as testemunhas, colhendo-se oralmente o parecer técnico, salvo quando apresentado por escrito, manifestando-se sucessivamente ao requerente, o requerido e o Ministério Publico, pelo tempo de vinte minutos cada um, prorrogável pro mais dez, a decisão será proferida na audiência,

84

há a hipótese do parecer técnico ser colhido verbalmente pela autoridade judiciária. Portanto, é

indispensável o conhecimento dessa legislação, porquanto o trabalho técnico poderá, por sua vez,

ser tomado de forma verbal e não escrita. Há outros artigos em que há procedimentos importantes

para o profissional de Serviço Social, tais como os artigos 130, 245 e 262 do ECA, que tratam de

questões ligadas à violência contra a criança e o adolescente.

Os procedimentos previstos na legislação profissional são indispensáveis para a prática

do assistente social, entre os quais aponta-se os art. 4º65 e 5º66, que dispõem respectivamente

podendo a autoridade judiciária, excepcionalmente, designar data para a sua leitura no prazo máximo de cinco dias”.65 Art.4º - Constituem competência do Assistente Social:I - elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública direta ou indireta, empresa, entidades e organizações populares:II - elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil;III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população;IV - (VETADO)V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos;VI- Planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais;VII- Planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais;VIII- prestar Assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo;IX- prestar Assessoria e apoio aos movimentos sociais em matérias relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade:X- planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social;XI- realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades. 66 Art.5º - Constituem atribuições privativas do Assistente Social:I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos programas e projetos na área de Serviço Social;II - planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social;III - Assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades em matéria de Serviço Social;IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social;V - assumir, no magistério de Serviço Social tanto a nível de graduação como pós-graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de formação regular;VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviços Sociais;VII - dirigir e coordenar Unidades de Ensinos e Cursos de Serviço Social, de graduação e pós-graduação;VIII - dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudos e de pesquisa em Serviço Social;IX - elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assistentes Sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social;X - coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre assuntos de Serviço Social;XI - fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Federal e Regionais;XII - dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou privadas;XIII - ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira em órgãos e entidades representativas da categoria profissional.

85

acerca das competências e das atribuições privativas do profissional de Serviço Social, haja vista

que saber/dominar esses conhecimentos implica na prestação de serviços condizentes com a

profissão e possibilitam a recusa da realização de serviços que não são de sua competência.

Desse modo, quanto mais o profissional de Serviço Social obtiver conhecimento da

legislação, melhor estará aparelhado para exercer seu mister.

O processo envolve três sujeitos principais: O Estado-juiz67, autor68 e réu69, sendo que

por iniciativa do autor nasce a relação jurídica processual triangular, com vistas à solução da

demanda. Desse modo, o processo tem iniciativa por parte do interessado na resolução do

conflito (parte autora), desenvolvendo-se, porém, por impulso oficial.

O processo também conta com a participação do Ministério Público, ora figurando como

sujeito especial do processo, ora atuando como parte, e ora como fiscal da fiel aplicação da lei.

Há também a participação do advogado, que é aquele que representa as partes em juízo.

Naturalmente a demanda deve ser ajuizada perante o foro competente, para que não se

possa alegar eventuais irregularidades. A competência também é determinada de acordo com o

valor da ação. Todavia, o assistente social é instado a atuar em processos em razão da matéria,

uma vez que o valor da ação tem relevância para a fixação dos ritos, principalmente no caso do

sumário e do sumaríssimo. Normalmente o assistente social é chamado a atuar em processos, de

acordo com a natureza da ação, quer cível, quer criminal. Assim, distribuída uma ação de

natureza cível, será o estudo social realizado pelo assistente social lotada na vara cível. Porém, se

o feito possuir natureza criminal, terá que ser distribuído em uma vara criminal, que será

apreciado pelo assistente social lotado naquela vara ou nomeado para o ato.

67 Representado por Magistrado que recebeu delegação do Estado e que possui competência para dirigir o feito.68 Aquele que ajuíza a demanda.69 Aquele que é chamado para responder o processo.

86

Tem-se ainda a participação dos servidores públicos auxiliares do juízo, que são os

funcionários públicos lotados no Foro, os quais praticam atos processuais, dentre eles o assistente

social.

2.4.2.1 – Atos processuais

Segundo Nunes (2001, p. 117): “Ato processual é toda ação humana que produz efeito

jurídico em relação ao processo”. No mundo do Direito os atos processuais são aqueles que

possuem relevância. Podem-se citar como exemplos de atos processuais: petição inicial,

despachos, estudo social, informações, relatórios, etc.

O Código de Processo Civil, nos artigos 154 a 176, estabelece a disciplina dos atos

processuais, instituindo um formalismo que deve ser observado pelos profissionais que atuam no

processo, como forma, modo, finalidade, tempo e lugar, etc.

Quanto a sua forma, podem ser classificados em solenes70 e não –solenes71. Segundo este

critério, via de regra o estudo social é um ato solene, porque exige a forma escrita, podendo,

todavia, assumir a forma não-solene, como no caso do artigo 162 do ECA (apresentação oral do

parecer técnico em audiência).

Um dos principais atributos que o ato processual deve revestir é o da finalidade,

porquanto o art. 15472 do CPC dispõe que, ainda que o ato processual seja realizado em desacordo

70 Os quais prevêem uma forma como condição de validade (NUNES, 2001).71 Os quais são praticados de forma livre, sem estrita vinculação (NUNES, 2001)72 “Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente determinar, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”.

87

com a forma estabelecida em lei, ele será válido conquanto atinja a finalidade essencial. Assim, a

intervenção do profissional de Serviço Social, apesar de ter desobedecido a forma preconizada

em lei, não anulará o referido ato, desde que atingida a objetividade jurídica proposta.

Também é relevante pontuar que os atos processuais classificam-se em atos das partes73,

atos do juiz74 e atos do escrivão ou chefe da secretária75. Outras pessoas, dentre as quais o

assistente social, praticam atos no processo.

No que tange ao tempo e lugar dos atos processuais, via de regra realizam-se em dias

úteis, em conformidade com o art. 17276 do CPC.

2.4.2.2- O estudo social enquanto ato processual

Partindo-se do pressuposto que o “[...] estudo social é instrumento utilizado para

conhecer e analisar a situação vivida por determinados sujeitos ou grupos de sujeitos sociais,

sobre o qual fomos chamados a opinar” (MIOTO, 2001, p. 153), o referido instrumental é um ato

processual que somente fará parte do processo quando houver expressa determinação da

autoridade judiciária como alicerce para a tomada de decisões.

Acerca do assunto dispõe Pizzol (2005, p. 48):

73 Ex: Petição inicial, contestação, etc.74 Ex: Despachos, sentença, etc.75 Ex: Vista as partes, juntada de documentos, lavratura de termos, etc.76 “Os atos processuais realizar-se-ão em dias úteis, das seis às vinte horas. § 1º: Serão, todavia concluídos depois da vinte horas os atos iniciados antes, quando o adiamento prejudicar a diligência e causar grave dano [...]”.

88

É de se notar que o Código de Processo Civil não menciona o termo estudo social. O artigo 145 do Código de Processo Civil é genérico e assim estabelece: “Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art. 421.”Em regra, são processos em que o juiz necessita respaldar-se em provas convincentes, a fim de proferir sua decisão de maneira mais acertada; por vezes, com o objetivo de certificar-se sobre as provas já produzidas pela partes; em outras circunstancias, para verificar in loco questões de que deva saber. Quando não, como é o caso da maioria das vezes, para que o especialista em serviço social verifique, observe e emita sugestão técnica para melhor solução da situação sócio-jurídica apresentada.

Assim, considera-se o estudo social como espécie do gênero ato processual.

Referidos atos, conforme o art. 155 do CPC, são públicos. Entretanto, tramitam em

segredo de justiça, conforme inciso II, aqueles “que dizem respeito a casamento, filiação,

separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimento e guarda de menores”. Em suma,

a maioria dos estudos sociais tramita em segredo de justiça, haja vista que tratam da vida íntima

dos sujeitos envolvidos, de suas dificuldades, conflitos, violências, relações assimétricas de

poder, etc.

No que se refere ao lugar, é importante evidenciar que os atos processuais, conforme o art.

176 do CPC preceitua, realizam-se na sede do juízo, fora dele somente por deferência ou

obstáculo argüido pelo interessado e acolhido pelo juiz, e também por interesse da justiça.

Quando se fala de estudo social enquanto ato processual, este se realiza geralmente na

residência dos sujeitos, através da visita domiciliar, ficando a critério do assistente social a

escolha dos instrumentais para a confecção do referido estudo social.

Relativamente à seleção dos instrumentais necessários para a realização do estudo social,

é fundamental esclarecer que devem atender o fim desejado, consubstanciado por preceitos de

89

natureza ética e legal que norteiam o fazer profissional. No Judiciário, vários são os instrumentais

técnico-operativos utilizados, dentre eles destaca-se a entrevista, por ser um instrumental de uso

recorrente. Afinal, a profissão se realiza através de relações interpessoais e dialógicas. Para

Fávero et. al (2005, p. 121):

Em Serviço Social, é por meio da entrevista que se estabelecerá um vínculo entre duas ou mais pessoas. Os objetivos a serem buscados por quem a aplica e os fundamentos da profissão é que definem e diferenciam seu uso. A coleta de informações, por meio de técnicas de entrevista, além de conhecimento e compreensão das situações, possibilita a construção de alternativas de intervenções, devendo, para tal, partir do manifesto pelos sujeitos e/ ou situação que provocou a ação, em direção à construção sócio-histórico-cultural, daquilo que se busca apreender. O dialógo é o elemento fundamental da entrevista, exigindo dos profissionais a qualificação necessária para o desenvolve-lo com base em princípios éticos, teóricos e metodológicos, na direção da garantia de direitos.

A visita domiciliar tem por objetivo clarificar as condições sócio-econômicas e familiares

em que vivem os sujeitos atendidos, permitindo uma leitura da realidade cotidiana, sendo muitas

vezes determinada no processo judicial. Na visita domiciliar há a possibilidade de utilização de

outros instrumentais em conjunto, como a própria entrevista e a observação, na tentativa do

desvelamento do não-dito e do real que se apresenta.

Além do mais, a utilização de registros existentes do setor de Serviço Social e das

informações existentes no próprio processo servem de instrumento para a análise e formação da

opinião profissional ou parecer social.

Nessa perspectiva, Fávero (2003, p. 47) informa sobre os objetivos do parecer social:

90

Trata-se de exposição manifestação sucinta, enfocando-se objetivamente a questão ou situação social analisada, e os objetivos do trabalho solicitado e apresentado; a análise da situação, referenciada em fundamentos teóricos, éticos e técnicos, inerentes ao Serviço Social – portanto, com base em um estudo rigoroso e fundamentado – uma finalização, de caráter conclusivo ou indicativo.

No tocante ao prazo para confecção dos atos processuais, quando este não é previsto em

lei, é fixado pela autoridade judiciária77. Normalmente o prazo conferido para a realização do

estudo social é fixado de acordo com a urgência e complexidade do caso, variando de um a trinta

dias. Há ainda que se considerar que muitos magistrados não fixam prazos para a sua firmatura.

Porém, o referido instrumental deve ser realizado o mais breve possível como medida de

agilização do feito e para evitar eventual penalidade administrativa do profissional78.

Quanto à expressa previsão normativa para realização do estudo social, encontramo-la nos

seguintes artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, transcritos respectivamente:

Art. 161, § 1º. Havendo necessidade, a autoridade judiciária poderá determinar a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional, bem como a oitiva de testemunhas.

Art. 162, § 2º. A requerimento de qualquer das partes, do Ministério Público, ou de ofício, a autoridade judiciária poderá determinar a realização de estudo social ou, se possível, de perícia por equipe interprofissional.

Dessa forma, conclui-se que para perfeita realização do estudo social devem ser

respeitados princípios da legislação acima mencionados. Significa dizer que o assistente social

deve contatar com todos aqueles que participam do feito. Também é indispensável que o

77 Art. 177 do CPC78 Art. 193 do CPC: “Compete ao juiz verificar se o serventuário excedeu, sem motivo legítimo, os prazos a que este Código estabelece”. Art. 194 do CPC: “Apurada a falta, o juiz mandará instaurar procedimento administrativo, na forma da Lei de Organização Judiciária”.

91

profissional conheça das atribuições daqueles que intervém no processo, para que possa se

reportar aos sujeitos competentes, quando necessário, além de sugerir encaminhamento devido.

2.4.2.3 - Impedimento e suspeição do assistente social

Dispõe o art. 138, inciso II, do Código de Processo Civil, que é estendida aos

serventuários da Justiça, e portanto aos assistentes sociais, as regras de suspeição e de

impedimentos dos juízes, na forma citada nos artigos 134 e 135 do mesmo estatuto legal.

No que tange ao impedimento, verifica-se este nos seguintes casos: quando for parte; em

processos que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito ou prestou depoimento

como testemunha; quando no feito estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou

qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, ou na linha colateral, até o

segundo grau; quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha

reta ou, na colateral, até o terceiro grau; quando for órgão de direção ou de administração de

pessoa jurídica, parte na causa.

Caracterizam-se como causas motivadoras de suspeição: ser for amigo íntimo ou inimigo

capital de qualquer das partes; alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge

ou de parentes destes, em linha reta ou colateral até o terceiro grau; herdeiro presuntivo,

donatário ou empregador de alguma das partes; receber dádivas antes ou depois de iniciado o

processo; aconselhar uma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para

atender às despesas do litígio ou por motivos de foro íntimo.

92

Assim, deve o assistente social declarar expressamente ao juízo qualquer causa de

suspeição ou impedimento. Havendo alegação de suspeição os atos processuais serão nulos,

gerando a invalidade do que foi efetivado, devendo ser realizados os atos invalidados por outro

profissional desimpedido. Além disso, de acordo com o caso concreto e tendo em conta o dolo ou

culpa do servidor, poderá ser imposta pena disciplinar.

93

3. O SERVIÇO SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM O ACESSO À JUSTIÇA

3.1 - METODOLOGIA DA PESQUISA

O presente item trata do referencial metodológico que sustenta o trabalho. A pesquisa

será descrita através dos seguintes elementos: tipo de pesquisa, técnica, instrumentais, objeto de

pesquisa e categorização.

A abordagem metodológica escolhida foi a dialético-crítica. É salutar evidenciar que tal

perspectiva pauta-se na necessidade de compreensão da sociedade como um todo, objetivando

apreciar o conjunto das complexidades e dos processos históricos e sociais, ou seja, é a

articulação de todos esses aspectos que estão inseridos numa concepção de mundo. Portanto, a

acepção dialético-crítica tem como princípio a relação dinâmica dos fatos e não a estática

(TRIVINOS, 1992).

Essa perspectiva apresenta-se dentro de um contexto amplo, marcado por inúmeras

contradições, onde há necessidade do estabelecimento de vários nexos para o desvelamento do

real. Nesse viés, Gil (1999, p. 32), ao explicar o método dialético, afirma:

94

A dialética fornece as bases de uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais.

Por conseguinte, tal método norteou a descrição do mecanismo procedimental utilizado

pelo assistente social na esfera do judiciário, bem como a forma de materialização do processo de

acessibilidade à justiça, através da definição de um conjunto de categorias e possibilitaram

desvelar a prática profissional. A elaboração analítica da discussão dos dados no método dialético

viabiliza interpretar a realidade técnico-operativa do assistente social.

Assim, para compreender a realidade a ser pesquisada, foi usada análise qualitativa, pois

esta possibilita estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos em suas relações sociais.

Essa abordagem, segundo Chizzotti (1991), permite a inter-relação entre sujeito e pesquisador na

construção do conhecimento na dinâmica do mundo real objetivo e subjetivo: “[...] são

fenômenos que não se restringem às percepções sensíveis e aparentes, mas se manifestam em

uma complexidade de oposições, de revelações e de ocultamentos, é preciso ultrapassar a sua

aparência para descobrir a sua essência” (CHIZZOTTI, 1991, p. 84).

Entretanto, em alguns momentos serão apresentados alguns dados quantitativos, de modo

a explicitar alguns elementos da análise, sem contudo perder a natureza qualitativa, essência

dessa proposta.

3.1.1 – Tipo de Pesquisa

O tipo de pesquisa intentada assume caráter descritivo com viés explicativo. No que se

refere ao aspecto descritivo, pode-se afirmar que esse tipo de pesquisa objetiva a “descrição das

95

características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre

variáveis” (GIL, 1999, p. 44). Buscou-se, dessa forma, identificar e descrever as formas

procedimentais, processuais e profissionais utilizadas pelo assistente social no Poder Judiciário,

consistentes na elaboração do estudo social. Portanto, “o estudo descritivo pretende descrever

com ‘exatidão’ os fatos e fenômenos de determinada realidade” (TRIVIÑOS, 1992, p. 110), ou

seja, a utilização dos procedimentos processuais e profissionais e os seus fins. No que tange ao

aspecto explicativo, Gil (1999, p. 44) comenta que as pesquisas dessa natureza: “São aquelas

pesquisas que têm como preocupação central identificar os fatores que determinam ou que

contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Este é o tipo de pesquisa que mais aprofunda o

conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas”. A linha explicativa que

a pesquisa assume tem por objetivo aproximar o conhecimento e analisar como o assistente social

que atua na esfera judiciária viabiliza ou não processos emancipatórios no que tange ao acesso à

justiça através de sua prática procedimental.

3.1.2. – Técnica

Em relação à técnica de análise, optou-se pela análise de conteúdo, pois esta permite

decodificar os dados e aferir significações. Chizzoti (1999, p. 98) diz: “O objetivo da análise de

conteúdo é compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou

latente, as significações explícitas ou ocultas”.

96

Para Richardson (1999), a análise de conteúdo é uma técnica de pesquisa que assume

três características metodológicas. A primeira refere-se à demonstração dos procedimentos de

cada etapa, isto é, a objetividade; a segunda é a sistematização das categorias do material a ser

analisado; e a última é a decorrência de análise e interpretação.

Para o referido autor os objetivos da análise de conteúdo são:

1º - Analisar as características de um texto (mensagem) sem referência às intenções do emissor ou aos efeitos da mensagem sobre o receptor.2º - Analisar as causas e antecedentes de uma mensagem, procurando conhecer as suas condições de produção.3º - Analisar os efeitos da comunicação para estabelecer a influência social da mensagem (RICHARDSON, 1999, p. 225-227).

É relevante esclarecer que a técnica proposta priviligiou a análise de conteúdo dos

argumentos constantes nos estudos sociais, aferindo o significado da mensagem, isto é, se estes

viabilizam processos, quer emancipatórios, quer regulatórios, junto à demanda atendida. Bardin

apud Richardson (1999) apresenta as fases da análise de conteúdo, que são: pré-análise, a análise

do material e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Desse modo, a análise de

classificação será realizada por meio da categorização, uma vez que esta facilita a análise das

informações. Assim, as categorias serão estabelecidas em consonância com a teoria que

fundamenta a proposta à luz dos dados empíricos disponíveis, conforme apresentado no item

3.1.4 deste capítulo.

97

3.1.3 – Instrumentais e Objeto da Pesquisa

Os instrumentais utilizados para o desenvolvimento desse trabalho foram a pesquisa

bibliográfica e documental. Segundo Gil (1999, p. 66), “enquanto a pesquisa bibliográfica se

utiliza fundamentalmente de contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a

pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico”.

Para Mioto (2001, p. 153), o “estudo social é instrumento utilizado para conhecer e

analisar a situação vivida por determinados sujeitos ou grupos de sujeitos sociais sobre o qual

fomos chamados a opinar”.

Segundo Fávero (2003, p. 43), a construção do estudo social exige fundamentação

rigorosa, teórica, ética e técnica. A autora afirma que:

O estudo social é um processo metodológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade conhecer com profundidade, e de forma crítica, uma determinada situação ou expressão da questão social, objeto da intervenção profissional.

Para tanto, a autora explicita o caráter privativo de tal atividade e reflete acerca dos

objetivos do estudo social:

É o assistente social o profissional que adquiriu competência para dar visibilidade, por meio desse estudo, às dinâmicas dos processos sociais que constituem o viver dos sujeitos; é o assistente social que pode trazer à tona a dimensão de totalidade do sujeito social (ou sujeitos) que, juridicamente, se ‘torna objeto’ da ação judicial (FÁVERO. 2003, p. 41).

Tais considerações evidenciam que quando o assistente social elabora um estudo social

deve ter compromisso com a garantia do acesso à justiça à demanda usuária dos serviços

98

judiciários, em conformidade com os pressupostos legais, sociais e éticos. A realização de

estudos sociais coloca-se como uma das maiores demandas do exercício profissional no Poder

Judiciário e vem ganhando visibilidade com a ampliação do campo profissional.

É relevante elucidar que não se pretende incorrer em discussões terminológicas acerca

das diferenciações entre perícia social e estudo social. Foi utilizada, para tanto, a terminologia

estudo social por ser aquela de uso corrente no vocabulário jurídico catarinense.

A escolha do estudo social como objeto de pesquisa teve por objetivo analisar se o

assistente social através da lógica argumentativa consegue garantir o acesso à justiça, tendo em

vista que no meio judiciário é a forma pela qual o profissional se manifesta79. Pizzol (2001, p. 34)

afirma:

Os assistentes sociais do Judiciário catarinense vêm realizando estudos sociais desde longa data, atendendo determinação judicial, com caráter de assessoramento em demandas que exigem o parecer profissional. Acredita-se que o serviço profissional, geralmente expressado através do estudo social, em muito tem colaborado para as decisões judiciais.

A pesquisa pautou-se na verificação da lógica argumentativa contida nos estudos

sociais, nos quais se buscou aferir se o profissional, através de seu trabalho técnico, por meio da

utilização de procedimentos processuais e profissionais, manifestado pelo estudo social, consegue

viabilizar processos emancipatórios junto à demanda usuária dos serviços judiciários ou acaba

por reforçar a regulação.

Para coleta desses dados, foi enviada uma correspondência no mês de maio de 2005, via

correio eletrônico, aos assistentes sociais que compõem o quadro de servidores do Poder

Judiciário das Comarcas do Extremo-Oeste do Estado de Santa Catarina e que compõem o Grupo

79 Por meio escrito, através da juntada do estudo social no processo, e quando chamado a apresentar o resultado do estudo social verbalmente, conforme disposto no art. 151 da Lei 8.069/90.

99

de Estudos80 da referida região, solicitando que tais profissionais enviassem 03 (três) cópias de

estudos sociais, objeto da pesquisa, juntados em processos da área cível, sendo 01 (um) de

procedimento de jurisdição voluntária e 02 (dois) de jurisdição contenciosa elaborados no

período de maio de 2004 a maio de 2005, para que se pudesse fazer a análise e interpretação dos

dados81. Os estudos sociais requeridos e recebidos foram realizados por profissionais de Serviço

Social do Poder Judiciário, lotadas e/ou que cooperam em 10 (dez) Comarcas, de um total de 110

(cento e dez) existentes em todo o Estado82, totalizando 24 (vinte e quatro) estudos sociais

recebidos de 08 (oito)83 profissionais de Serviço Social.

É importante pontuar que a escolha por estudos sociais da área cível se efetivou em

virtude desta ser a área de maior atuação do profissional de Serviço Social no Poder Judiciário

Catarinense, pois de acordo com o Código de Processo Civil os processos em espécie se

classificam em dois grandes grupos: os de natureza contenciosa e os de natureza voluntária.

Nesse sentido, os processos de natureza contenciosa são aqueles que apresentam vasto campo de

litigiosidade, enquanto que nos de natureza voluntária não há litígio propriamente, mas sim mera

atuação do Estado-Juiz exercendo função administrativa, visando chancelar e conferir validade

aos atos dos interessados.

Todavia, optou-se por analisar somente um estudo social de cada profissional,

independentemente da natureza procedimental, contenciosa ou voluntária. Tal escolha justifica-se

pelo fato da técnica de análise de conteúdo demandar aprofundamento minucioso em cada

80 Em 1999, na cidade de Treze-Tílias/SC, em encontro da categoria, os assistentes sociais do Poder Judiciário decidiram organizar-se por regiões geográficas, através dos denominados Grupos de Estudos.81 Segue no apêndice deste trabalho cópia do convite enviado.82

Em 2001 existiam 07 (sete) comarcas sem provimento do cargo de assistente social, sendo criadas no ano de 2003 mais 17 (dezessete) comarcas, totalizando 24 (vinte) comarcas sem provimento do cargo.83 Haja vista que 02 (dois) assistentes sociais atuam concomitantemente em 02 (duas) Comarcas, aquela em que estão lotados e outra em que cooperam, pelo não provimento do cargo ou afastamento do profissional. Portanto, foram recebidos estudos sociais de 08 (oito) assistentes sociais que trabalham em 10 (dez) Comarcas do Extremo-Oeste do Estado de Santa Catarina.

100

categoria selecionada. Diante disso, trabalhar com os vinte e quatro estudos sociais coletados

significaria acréscimo de tempo considerável, de modo que a análise total dos estudos não se fez

possível, por não dispor-se de tempo hábil no momento, bem como em razão dos prazos

acadêmicos, o que acarretou na análise de 08 (oito) estudos sociais, ou seja, um estudo social de

cada profissional.

3.1.4 - Categorização

A análise de conteúdo, enquanto conjunto de técnicas de análise, permite a

decodificação do significado implícito e explícito do discurso dos assistentes sociais do Poder

Judiciário, manifestado pelo estudo social e na perspectiva do acesso à justiça.

Para tanto, buscou-se categorias de análise, visando entender a forma com que o

assistente social interage no que tange à materialização do processo de acessibilidade à justiça.

Fez-se necessário, então, classificar elementos em categorias, isto é, identificar elementos

comuns e agrupá-los para realizar a inferência para fins de interpretação dos resultados através

dos pressupostos teóricos norteadores da pesquisa.

Através da pré-análise dos estudos sociais enviados e selecionados, definiu-se como

categoria central a de acesso à justiça, com as seguintes sub-categorias: a) presença de elementos

- teóricos, éticos e legais; b) instrumento utilizado – adequação à finalidade esperada e a sua

oportunidade; c) apreensão do processo social material total que constitui os sujeitos sociais

envolvidos no processo.

101

3.1.4.1 – Acesso à Justiça

A perspectiva de análise da categoria central acesso à justiça pauta-se na compreensão

de que tal acessibilidade não pressupõe somente a possibilidade da proposição de demandas

jurídicas em Juízos e Tribunais, mas sim a possibilidade dos cidadãos terem direito à informação,

aos direitos vigentes e suas formas de pleito. Assim sendo, o assistente social, através da

autonomia, escolhe os instrumentais que irão pautar sua ação, que devem ser direcionados por

uma perspectiva que contemple os elementos do projeto ético-político da profissão,

transfigurando-se no acesso à justiça.

a) Subsídios teóricos, éticos e legais

Neste trabalho, verificou-se a utilização de subsídios teóricos, éticos e legais na

construção do estudo social ou mesmo o aparecimento de análises pautadas no senso comum, de

modo que, quanto ao aspecto teórico, intentou-se observar a existência de embasamento

científico (ou seja, averiguar se os profissionais fazem alusão a conhecimentos produzidos de

cunho teórico) nos estudos sociais. Relativamente aos aspectos éticos e legais, examinou-se que

restaram contemplados os preceitos desta natureza em conformidade com o Código de Ética

Profissional e com o que foi discutido ao longo deste trabalho.

102

b) Instrumento utilizado: adequação à finalidade esperada

Os instrumentais constituem uma categoria que permite a realização de uma trajetória, isto

é, desde a concepção de ação à sua operacionalização. Para Martinelli e Koumrouyan (1994)

abrangem técnicas, conhecimentos e habilidades, as quais são construídas a partir de um dado

momento e de acordo com uma determinada finalidade, além evidentemente dos determinantes

políticos, sociais e institucionais. Martinelli e Koumrouyan (1994, p.137) consideram o

instrumental como:

O conjunto articulado de instrumentos e técnicas que permitem a operacionalização da ação profissional. [...] Decorre que o instrumental não é nem o instrumento nem a técnica tomados isoladamente, mas ambos, organicamente articulados em uma unidade dialética (entrevista, relatório, visita, reunião, etc.).

Para tanto, verificou-se quais os instrumentais utilizados pelos assistentes sociais para

elaboração do estudo social. Além de identificar os instrumentais, foi constatada a adequação à

finalidade esperada, ou seja, a formação de um juízo ou convicção sobre o assunto abordado.

Também a sua oportunidade, ou seja, a adequação às circunstâncias particulares do caso

concreto.

103

c) Apreensão do processo social material que constitui os sujeitos sociais envolvidos no

processo

A dimensão do sujeito social se caracteriza pelos processos relacionais estabelecidos num

contexto econômico, cultural, político e social, que se materializam no processo dialético. Haja

vista que a análise marxista pressupõe a interação de homem e natureza, no intento da satisfação

de necessidades, sendo que em tal movimento o homem se transforma.

Nesse sentido, buscou-se resgatar a forma com que o assistente social traz a dimensão

histórica e totalizante do indivíduo na relação com as variadas refrações da questão social. É

importante ponderar que a questão social corresponde às “expressões das desigualdades da

sociedade capitalista” (IAMAMOTO, 1998).

Já no que se refere à dimensão da totalidade, é importante ponderar que significa a

necessidade de compreensão e apreensão da sociedade como um todo, ou seja, contemplar o

conjunto das complexidades dos processos históricos e sociais. Tal acepção está intrinsecamente

relacionada com a dimensão da historicidade, pois o sujeito social se expressa pela sua vida

material na teia de relações sociais que estabelece.

104

3.2 – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE

INTERVENTIVA

Faz-se necessário neste momento explicitar que a interpretação dos resultados da pesquisa

serão pautados na análise de conteúdo, haja vista que através desta técnica objetiva-se

demonstrar, por meio dos estudos sociais selecionados, as significações atribuídas pelos

profissionais no que se refere a categoria central acesso à justiça, tendo como análise secundária

as subcategorias, já mencionadas, as quais dão sustentação à categoria central: a) subsídios

teóricos, éticos e legais; b) instrumento utilizado: adequação à finalidade esperada; e c) apreensão

do processo social material que constitui os sujeitos sociais envolvidos no processo.

Entretanto, num primeiro momento é relevante ilustrar algumas informações quanti-

qualitativas para demonstrar a natureza dos documentos objetos da análise.

Os estudos sociais disponibilizados pelas Assistentes Sociais dizem respeito à demanda

contenciosa e à voluntária84, sendo respectivamente 07 (sete) da primeira e 01 (uma) da segunda,

conforme se verifica na tabela a seguir.

Tabela 01 – Espécies de Processos

Espécie de Processos Nº de Estudos Sociais Porcentagem1. Contenciosa 07 87,5%2. Voluntária 01 12,5%Total 08 100%Fonte: dados primários

84 É relevante pontuar que uma das profissionais enviou somente estudos sociais de natureza voluntária.

105

Assim, observa-se que, dos estudos sociais selecionados para análise, 87,5% deles são de

natureza contenciosa, isto é, processos que envolvem litigiosidade, caracterizados essencialmente

por disputas que envolvem membros de um grupo familiar, bem como estrutura, padrões de

funcionamento, dinâmica relacional e histórias em comum. Em face disso, observa-se que as

pessoas envolvidas almejam a resolução de tais conflitos de interesses mediante a intervenção

estatal, através do Judiciário, o qual, na maioria das vezes, determina ao profissional de Serviço

Social a elaboração de estudo social acerca da situação que envolve o litígio, como instrumento

tendente a alicerçar o seu julgamento, porquanto é este quem melhor está aparelhado técnica e

teoricamente para fornecer os subsídios acerca da questão a ser enfrentada pelo magistrado, por

ocasião de sua decisão.

Por sua vez, o juiz, quando decide, pode fazê-lo por questões de premente necessidade e

tendo em vista a provisoriedade da situação. Isso diz respeito às decisões de cunho interlocutório,

em que não se põe fim ao litígio, mas apenas se procura obter uma solução provisória, a qual

pode ser revertida futuramente, de modo que o estudo social assume papel relevantíssimo para o

magistrado; porquanto tem este que decidir rapidamente a questão (liminares, antecipação de

tutela, etc), não podendo, nem lhe sendo facultado fazer um exame aprofundado da prova (e de

outros meios) para sua decisão. Já os estudos sociais de natureza voluntária são aqueles em que

não há litígio e objetiva-se somente conferir validade aos atos dos interessados.

Na presente pesquisa, 12,5% são dessa espécie, que apresentam questões de menor

disputa, não significando que tais feitos revistam conteúdo de somenos importância. Em suma,

em processos cíveis de natureza contenciosa e voluntária, o profissional de Serviço Social deve

levar em conta as prerrogativas legais relacionadas à questão objeto da análise processual, mas

tão importantes quanto os aspectos legais são os aspectos teóricos e metodológicos, haja vista que

a realidade não se revela transparente e imediata, mas sua apreensão depende exclusivamente das

106

mediações possíveis, intentando o seu desvelamento numa perspectiva histórica e de totalidade

que objetive conduzir o profissional de forma consciente e crítica a objetividade do real. Assim,

Iamamoto (1998) define como deve ser o profissional de Serviço Social:

O novo perfil que se busca construir é de um profissional afinado com a análise dos processos sociais, tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em suas manifestações cotidianas; um profissional criativo e inventivo, capaz de entender o ‘tempo presente, os homens presentes, a vida presente’ e nela atuar, contribuindo, também, para moldar os rumos de sua história (Iamamoto, 1998, p. 49).

Assim, o trabalho do Assistente Social assume dimensão significativa por ocasião do

julgamento, onde o estudo social aponta como indicativo norteador a tomadas de decisões mais

recomendadas a um julgamento equânime. “Enfim, é o conhecimento criterioso dos processos

sociais e sua vivência pelos indivíduos sociais que poderá alimentar propostas inovadoras,

capazes de propiciar o reconhecimento e atendimento às efetivas necessidades sociais dos

segmentos [...]” (Iamamoto, 2004, p. 278).

Tabela 02 – Tipos de Processos

Tipos de Processos Nº de Estudos Sociais Porcentagem1. Ação de Perda e Suspensão de

Pátrio Poder85

03 37,5%

2. Verificação de Situação de Risco 01 12,5%3. Guarda e Responsabilidade 02 25%4. Busca e Apreensão 01 12,5%5. Modificação de Guarda 01 12,5%Total 08 100%Fonte: dados primários

85 O Sistema de Automação Judiciária –SAJ, continua distribuindo os processos com o termo pátrio poder, entretanto com a vigência do Novo Código Cível, desde o ano de 2003 o termo correto é poder familiar.

107

No que se refere à tabela acima, verifica-se os tipos de processos utilizados na análise,

sendo 37,5% dos estudos sociais de ações de Perda e Suspensão de Pátrio Poder86, que

apresentam alta complexidade por envolver de um lado família – lugar natural de

desenvolvimento -, e do outro o melhor interesse da criança. É o processo através do qual são

apuradas as reais condições dos pais, que quando não condizentes com os deveres do poder

familiar enunciados na legislação sofrem as sanções legais87. Já 25% dos processos utilizados são

de Guarda e Responsabilidade, processos que se destinam a atender situações provisórias,

geralmente casos de guarda requerida por parentes próximos ou visando suprir a falta eventual

dos pais. Já 12,5% são processos de Modificação de Guarda, aqueles em que há uma guarda pré-

existente e em situações que atendam ao melhor interesse da criança e com motivos consistentes.

Quanto aos processos de Busca a Apreensão, 12,5% deles são desta natureza, procedimentos que

visam invocar o direito material – fumus boni iuris88 e fundado no receio do dano - periculum in

mora 89. Entretanto, para concedê-la em muitos casos o magistrado solicita a averiguação da

situação objeto da demanda ao profissional de Serviço Social, para formar sua convicção acerca

dos fatos contidos nos autos; enquanto que 12,5% dos processos são denominados de Verificação

de Situação de Risco, os quais objetivam apurar as condições que se encontram crianças e

adolescentes com vistas à aplicação de medidas protetivas. Tal procedimento só é recomendável

em Comarcas em que não existe Conselho Tutelar instalado e em funcionamento.

86 O pátrio poder é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e dos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes (RODRIGUES, 2002 p. 90). Com a Lei nº. 10.406/02 a expressão pátrio poder foi substituída pela expressão poder familiar. 87 As transgressões aos deveres inerentes ao poder familiar se caracterizam como uma violação aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes que tem garantido o direito a convivência familiar sadia. Todavia, a falta de recursos financeiros por si, só não constitui motivo para a perda ou suspensão do poder familiar.88 Expressão do Latim, a qual significa “fumaça do bom direito”, ou seja, a existência de norma que tutele a pretensão proposta em juízo.89 Expressão do Latim que significa “perigo na demora”, de modo que a demora na prestação jurisdicional pode implicar no perecimento do direito da parte.

108

Todavia, ainda em muitas Comarcas catarinenses esse procedimento continua sendo

proposto pelo Ministério Público e acolhido pelo Poder Judiciário, muito embora todos os

municípios do Estado de Santa Catarina tenham Conselho Tutelar instalado e em pleno

funcionamento, essa ainda é uma matéria polêmica.

Quanto à estrutura dos estudos sociais utilizados observou-se que há diferenciações na

forma de estruturação e apresentação dos dados, conforme se verifica na tabela 03.

Tabela 03 – Estrutura dos Estudos Sociais

Estrutura dos Estudos Sociais Nº de Estudos Sociais PorcentagemIdentificação das partes 08 100%Apresentação da finalidade 06 75%Especificação da metodologia e

instrumental técnico

07 87,5

Parecer 08 100%Total 08 100%Fonte: dados primários

Analisando os estudos sociais, observou-se que 100% apresentam os dados de

identificação das partes, situando os sujeitos sociais objeto da ação profissional. Com relação à

apresentação da finalidade dos estudos sociais, constatou-se que 75% apresentam subtítulos

diferenciados, como: introdução, antecedentes e objetivos. Todavia, observou-se que em 25% dos

estudos sociais, a finalidade não foi apresentada de forma explícita, contudo emerge do

desenvolvimento das argüições.

Já no que tange à indicação da metodologia e dos instrumentais para elaboração dos

estudos sociais, 87,5% demonstram quais foram aqueles que deram subsídios à análise da

situação, tais como: entrevistas, visitas domiciliares, contatos institucionais, contatos com

colaterais, etc. Enquanto que 100% dos estudos sociais apresentavam o item parecer,

109

compreendido este como a avaliação do objeto de análise processual, pautada na compreensão da

situação individual e social verificada quando da utilização dos instrumentais técnicos e

operativos e que são apresentados com perspectiva ética, teórica e técnica.

A discussão do item parecer refere-se somente à existência da referência na estrutura dos

estudos sociais e não ao conteúdo, que será objeto de análise em subcategoria específica. Para

fins de conhecimento, o termo parecer aparece de formas diferenciadas nos estudos sociais

verificados, sendo que 37,5% apresentam somente a expressão parecer, 50% utilizam a expressão

parecer técnico e 12,5% referem-se à expressão parecer e conclusão. Salienta-se que nenhum

estudo social fez alusão à expressão parecer social, também utilizada por profissionais.

3.2.1 - Categoria Central – Acesso à Justiça

Para fins de interpretação, é importante pontuar que a categoria central acesso à justiça e

as subcategorias definidas estão intrinsecamente relacionadas numa simbiose dialética.

Entretanto, para fins analíticos, num primeiro momento cada categoria e subcategoria será

demonstrada e analisada separadamente, objetivando subsidiar a proposta da pesquisa.

Partindo da compreensão de que o acesso à justiça está relacionado à possibilidade dos

cidadãos terem direito à informação acerca de seus direitos e suas formas de pleito, através de

espaços legítimos de participação, não só dentro do acesso formal, aqui entendido como o espaço

dos Tribunais, mas que pode materializar-se dentro, através e fora do Judiciário. Dentro dessa

perspectiva, intenta-se visualizar de que forma o profissional de Serviço Social, dentro do sistema

judiciário pode possibilitar efetivamente seu o acesso, compreendendo este como a possibilidade

de garantia e ampliação de direitos dentro dos auspícios do Estado.

110

O acesso à justiça aparece nos estudos sociais, principalmente em questões afetas a

preocupação do profissional com a inclusão social, atendimento das necessidades, construção de

uma rede de atendimento e busca de garantia de direitos individuais e sociais, ou seja, o

compromisso com a orientação profissional. Isso se manifesta em alguns dos estudos sociais

analisados através das seguintes afirmações abstraídas dos estudos sociais:

“Em virtude de [...] ser pessoa de certa idade e que apresenta alguns problemas de saúde tendo despesas médicas constantemente sugerimos que seja fixado alimentos a ser pago pelos pais de [...]” (Estudo Social nº. 07).

“Encaminhamento da referida família para programa de atendimento conforme previsto no art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente relativos aos incisos II [...] e VI [...]” (Estudo Social nº. 06).

O profissional através dos estudos sociais busca também dar voz aos sujeitos sociais:

“A realização de audiência para a oitiva da adolescente [...] de 12 anos, que durante as entrevistas manifestou a este setor o expresso desejo de permanecer residindo com suas irmãs, que por ora estão com sua guarda provisória” (Estudo Social nº. 04).

Percebe-se pelo discurso manifesto nas transcrições que os profissionais buscam viabilizar

o atendimento as necessidades dos sujeitos sociais atendidos, seja sugerindo a fixação de

alimentos, inclusão em programas de atendimento, acompanhamento a ser realizado pelo

Conselho Tutelar ou mesmo pelo profissional de Serviço Social.

Tais formas de manifestação são expressões da tentativa do profissional de Serviço Social

a fim de possibilitar à demanda usuária dos serviços o acesso a um conjunto de direitos dispostos

historicamente. O profissional revela o compromisso com o quinto princípio fundamental do

Código de Ética: “Posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, de modo a assegurar a

111

universalidade de acesso a bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como

sua gestão democrática”.

Entretanto, o debate acerca do acesso à justiça fomentado pelo discurso dos profissionais

participantes da pesquisa traz à cena o debate em torno das formas de regulação e emancipação

contidas na ação profissional. Transitar nesse terreno exige levar à tona as particularidades da

prática do profissional de Serviço Social, suas relações e as características do espaço

institucional, enquanto cenário em que se realiza seu trabalho. A esfera institucional, portanto, foi

o local onde historicamente a profissão se constituiu e se realizou, tendo o Judiciário como um

dos primeiros espaços públicos de inserção do Serviço Social90.

O contexto institucional sempre foi marcado pela função essencialmente judicante, muito

embora recentemente tal poder constituído vem assumindo novos contornos, decorrentes do

processo de desenvolvimento sócio-econômico em escala mundial, que vem gerando

desigualdades de todos os gêneros, o que exige do Poder Judiciário posturas voltadas à garantia

de direitos humanos e sociais. Nesse cenário, marcado por profundas assimetrias nas relações

sociais, tem-se o profissional de Serviço Social, que através de seu trabalho técnico subsidia o

magistrado em suas decisões. Nos estudos sociais, instrumentos de assessoria, aparecem

contornos em que se mesclam mecanismos de controle e de busca de garantia de direitos, que

efetivamente possam levar os sujeitos sociais (partes da ação judicial) a um processo de

emancipação, e, portanto, de condições de acessibilidade à justiça. Tais condições aparecem nos

seguintes exemplos:

90 Ainda no final do séc. XIX os profissionais de Serviço Social eram requisitados pelos Tribunais de Menores em países como a França e os Estados Unidos. No Brasil, na década de quarenta, tem-se a inserção de profissionais no espaço do Judiciário, caracterizando-se assim como um dos primeiros espaços públicos a contratar assistentes sociais, marcando assim o inicio da institucionalização da profissão no Brasil, conforme pontuado no Capítulo Segundo.

112

“[...] sugerimos que o processo seja suspenso por determinado tempo, para que as partes sejam encaminhadas para acompanhamento psicológico e acompanhamento do serviço social” (Estudo Social nº. 01).

“Seja determinado acompanhamento do caso pelo Conselho Tutelar da cidade de [...], onde atualmente está residindo a adolescente; bem como, a continuidade do acompanhamento psicológico da mesma com a emissão de relatório a este juízo” (Estudo Social nº. 04).

Evidentemente que a natureza predominante do Judiciário é o controle, haja vista que sua

função é a adequação e fiscalização da lei. Entretanto, a figura do profissional de Serviço Social,

através da Lei que Regulamenta a Profissão, com o Código de Ética Profissional e o próprio

Estatuto da Criança e do Adolescente, traz à cena institucional a trajetória real dos sujeitos

objetos da ação judicial, sua dinâmica relacional e a realidade social vivida, ou seja, demonstra as

manifestações da questão social em que estão inseridos e em face do contexto analisado, buscar a

garantia de condições de superação, mesmo que para tanto seja necessário incluí-lo em

programas de apoio (sociais, psicológicos, etc.) e efetuar acompanhamento. Tais sugestões

contidas nos estudos sociais expressam o controle, mas vislumbra-se como a possibilidade de

assegurar condições para sobrepujar a realidade em que os sujeitos estão envolvidos,

possibilitando assim a garantia de acesso à justiça, ou seja, garantia de autonomia e liberdade de

escolha.

O Código de Ética Profissional, no primeiro princípio, considera a liberdade como um

valor amplo, não restrito ao indivíduo, mas sim ao coletivo, pois se realiza no social. Nessa

perspectiva, a ação profissional é permeada pela autonomia (mesmo que relativa) e pela

possibilidade de articulação no sentido de transformar o fato numa realidade nova, criada pela

ação, ou seja, pela prática profissional, enquanto atividade que mediatiza as relações sociais. Para

tanto, o profissional de Serviço Social deve buscar compreender a totalidade da realidade vivida

113

pelos sujeitos, de modo que o seu olhar expresse o real e todas as suas conexões e as medidas

sugeridas sejam fruto de uma análise teórica, ética e crítica, compromissada com a garantia de

direitos e alicerçada no compromisso social assumido pela profissão e ultrapassando o fatalismo e

messianismo, conforme Iamamoto (1995) pontua.

No que tange à questão da prática profissional, apurou-se algumas frases que ainda

traduzem uma concepção que Iamamoto (1995) chama de utilitária e imediatista: a busca da

efetividade e de resultados imediatos e concretos. Dois estudos sociais traziam reflexões nessa

perspectiva:

“[...] vários foram os atendimentos realizados à família em questão, sem que estes lograssem êxito, uma vez que [...] não denota interesse em melhorar sua condição de vida e, conseqüentemente, oportunizar desenvolvimento digno aos filhos” (Estudo Social nº. 05).

“Infelizmente o empenho do serviço social forense, do conselho tutelar, assistente social do município, e demais pessoas que conhecem a história do casal não surtiu efeitos” (Estudo Social nº. 08).

Diante de tais considerações, apurou-se que os profissionais ainda se responsabilizam

pelo resultado das ações, isto é, de sua prática profissional, como se o sucesso ou fracasso de uma

situação fossem unicamente sua atribuição. Iamamoto (1995, p. 115), ao analisar tal

característica, evidencia que: “As suas intenções tornam-se, não raras vezes, subvertidas pelos

resultados de suas ações”. Tal determinismo manifesto nos estudos sociais em nada contribui

para superação daquilo que está posto, pois cabe ao profissional que transita no cotidiano da vida

social das pessoas, nas diferentes expressões da questão social, articular alternativas que não

dependem exclusivamente do assistente social, mas que se constroem através dele, isto é, como

profissional capacitado teórica e tecnicamente, que chamado a opinar, tem a concreta

114

possibilidade de propor alternativas de transformação, que somente são possíveis através do

desvelamento do real, trazendo à tona a objetividade da vida social, o que depende da forma com

que o profissional atribui significação a sua ação, ou seja, “conforme a maneira pela qual ele

interprete o seu papel profissional” (IAMAMOTO, 1995, p. 102). Analisando outra característica

da profissão a autora afirma:

[...] a indefinição ou fluidez do que é ou do que faz o Assistente Social, abrindo-lhe a possibilidade de apresentar propostas de trabalho que ultrapassem a mera demanda institucional. Tal característica, apreendida às vezes como um estigma profissional, pode ser utilizada no sentido da ampliação do seu campo de autonomia (IAMAMOTO, 1995, p. 102).

É dentro desse parâmetro que novamente emerge a questão da coerção e do consenso, ou

como citado anteriormente, do controle (regulação) e da emancipação. O espaço do Judiciário por

si só é um espaço predominantemente de controle social, com a imposição de sanções aqueles

que “fogem” à lei. Nessa direção, cabe ao profissional ter clareza de duas questões: a) quais são

as finalidades de seu trabalho profissional nesse espaço institucional, e b) de que forma o

trabalho profissional nesse espaço institucional pode constituir-se na realização do projeto da

profissão.

Esta perspectiva demonstra que o desafio posto ao profissional de Serviço Social no

espaço do Judiciário é estar atento à dinâmica do real, de modo a construir estratégias que levem

a uma nova ordem societária. Tal estratagema diz respeito à elaboração de estudos sociais que

levem em conta a garantia de direitos, a consolidação da cidadania, a eliminação de preconceitos.

O acesso à justiça se materializa na garantia de direitos e atendimento de necessidades, função

que deve ser assumida pelo profissional, como sustenta Iamamoto (1995, p. 111):

115

Implica, portanto, ultrapassar a mera demanda institucional, ampliando e adensando o espaço ocupacional como propostas de trabalho que potencializem as possibilidades da prática do Serviço Social, redirecionando-a prioritariamente (ainda que não exclusivamente, pelos seus limites sociais) no sentido de torná-la um reforço no atendimento das reais necessidades sociais e estratégias de sobrevivência – materiais e sócio-políticas - dos grupos trabalhadores atendidos pelo Serviço Social.

Constatou-se nos estudos sociais analisados que o próprio instrumental em si acaba por

legitimar a discussão do acesso à justiça a todos os envolvidos; entretanto, a forma de garantir o

seu acesso passa a ser diferenciado para aqueles que estão em condição peculiar de

desenvolvimento, ou seja, o segmento infanto-juvenil, em consonância com o disposto na lei

especifica91. A afirmativa abaixo leva em conta um conjunto de necessidades desse segmento:

“O requerido embora atualmente apresente condições habitacionais, consegue alimentar um dos filhos, negando ao outro este direito, mas [...], bem como os filhos que estão sob sua guarda, necessitam bem mais que isto para terem uma vida digna, necessitam de: amor, atenção, respeito, humildade, educação, vestuário, alimentação saudável, dignidade, aceitação e estas qualidades e condições infelizmente não constatei no decorrer no presente estudo, por mais que seu discurso seja em benefício suas ações lhe contradizem” (Estudo Social nº. 08).

Deste modo, é importante salientar que a manifestação contida no estudo social consegue

ultrapassar a subjetividade para uma objetividade, possibilitando, assim, atender a demanda.

91 Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90.

116

3.2.2 – Subcategoria - subsídios teóricos, éticos e legais

Nesse item objetiva-se demonstrar de que forma o profissional de Serviço Social no

espaço judiciário consegue utilizar os subsídios teóricos que possui, verificando se os

profissionais atuam em consonância com os princípios estabelecidos no Código de Ética da

profissão, garantindo informação e discussão sobre as possibilidades e conseqüências das

situações apresentadas, se são pautadas na liberdade, respeito à escolha do usuário e contribuem

para a participação, propiciando ao usuário a reflexão sobre a sua realidade e a possibilidade de

abertura de novos horizontes. E, finalmente, estejam pautadas na legislação em vigor.

a) No que tange à utilização de conhecimentos de natureza teórica, observou-se que os

profissionais buscam trazer para o estudo social reflexões dessa espécie, de modo a subsidiar suas

considerações. Verificaram-se tais expressões nos seguintes trechos:

“Vale dizer, que as famílias refletem os problemas dos contextos mais amplos em que vivem, neste caso, a situação de exclusão. Por esse norte, é difícil atribuir às famílias das camadas mais empobrecidas de nossa sociedade uma função de proteção às crianças e adolescentes sem lhes oferecer meios para isso” (Estudo Social nº. 05).

“Não se pode afastar a hipótese de haver nessa relação pai/filha ou pai/filhas o que Saffiotti denomina de ‘tabu do incesto’” “O pai biológico é o adulto masculino no qual a criança (menor de 18) mais confia. Este fato responde pela magnitude e pela profundidade do trauma.(...)” (Estudo Social nº. 06).

As duas narrativas levam em conta para realização da análise da situação abordada o

conteúdo teórico, a primeira de forma genérica, mas traduzindo um conhecimento fruto de

estudos e debates, e a segunda apoiada em um autor que enfoca uma das situações a serem

analisadas pelo profissional, que inclusive no corpo de estudo social utiliza trechos da fala de

autor citado.

117

b) As questões de cunho legal, ou seja, que façam menção a procedimentos e garantias

contidos no corpo jurídico (leis), somente foi verificado em dois estudos sociais dentre os

analisados:

“Encaminhamento da referida família para programa de atendimento conforme previsto no art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente relativos aos incisos II – orientação, apoio e acompanhamento temporário; e VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos” (Estudo Social nº. 06) (grifo nosso).

“Sugiro seja deprecada a realização de estudo social” (Estudo Social nº. 06) (grifo nosso).

c) Partindo das considerações contidas no início deste tópico, que se referem ao

compromisso ético do profissional de Serviço Social, pode-se afirmar que os estudos sociais

analisados demonstram que os profissionais buscam trazer a visão (fala dos sujeitos), que são

referenciados com respeito. Além do mais os profissionais buscam garantir a defesa dos direitos

dos sujeitos sociais, expressões éticas do fazer profissional. Todavia, todos os estudos excedem

ao aspecto descritivo, com análises sincrônicas, entretanto com reduzida relação teórica e legal,

com exceção de 01 (um) estudo social (que traz estes dois elementos claramente), muito embora

todos mantêm postura ética em relação aos sujeitos sociais objetos da análise.

3.2.3 –Subcategoria - instrumento utilizado: adequação à finalidade esperada

Para Sarmento (1996), a prática profissional se realiza a partir dos instrumentos e

técnicas que permitem a operacionalização da ação. Segundo o autor: “[...] apreender e

118

fundamentar que os instrumentos e técnicas são as mediações através das quais objetivamos

nossos projetos, ou seja, ‘lançamos mão’, deste para a efetivação de nossas ações no conjunto das

relações sociais” (SARMENTO, 1996, p.?).

Nesse sentido, a mediação torna-se fundamental na prática dos profissionais de Serviço

Social, possibilitando que haja o avanço ou o recuo de acordo com as correlações de força em

questão. Segundo Martinelli e Koumrouyan (1994), mediações são:

Categorias instrumentais pelas quais se processa a operacionalização da ação profissional. Expressam-se pelo conjunto de instrumentos, recursos, técnicas e estratégias pelas quais a ação profissional ganha operacionalidade, e concretude. São instâncias de passagem da teoria para a prática [...]” (MARTINELLI e KOUMROUYAN, 1994, p.136).

Portanto, é no processo de mediação que são explicitadas as relações advindas da

realidade social. A categoria mediação faz a relação entre o imediato e o mediato, entre o

universal e o singular. Enfim, pode-se afirmar que são as mediações que possibilitam o

desvelamento do real, através de suas particularidades, como uma forma de entender a situação

social objeto de análise.

Sendo a realidade dinâmica e superável, assim também as mediações nela contidas manifestam-se no seu ritmo, constituindo processos que possibilitam a reconstrução do real. O sujeito ativo assegura a apreensão da processualidade que os fatos empíricos não sinalizam diretamente, pela adoção de atitude investigativa na sua prática cotidiana, nas mediações que exerce (BATTINI, 1994, p. 145).

É relevante evidenciar que a referência aos instrumentais como conjunto articulado de

instrumentos e técnicas não significa a desconsideração ao conhecimento teórico como

instrumental. Entretanto, neste momento da análise, a fundamentação teórica está sendo discutida

em item apartando. Reitera-se que a compreensão de instrumental que sustenta a presente

119

proposta implica no conhecimento e domínio das técnicas, mas complementa-se na base teórica.

“São os conteúdos históricos, teórico-metodológicos e ético-políticos que norteiam o Serviço

Social, articulados ao domínio da técnica, que irão distinguir o trabalho profissional competente

(FÁVERO, 2004, p. 89).

Nessa perspectiva observou-se que a maioria dos profissionais faz uso de mais de um

instrumental técnico, dando ênfase para a visita domiciliar, a entrevista, o contato com colaterais,

os contatos com o Conselho Tutelar, dentre outros. Aparece em alguns estudos sociais que o

profissional é chamado a atuar no mesmo processo mais que uma vez, ou em processos

decorrentes e correlacionados a um primeiro, como uma Verificação de Situação de Risco (não

mais concebida modernamente seu procedimento perante o Judiciário, não obstante estar presente

em algumas comarcas do Estado de Santa Catarina) e instaurado o processo de Perda e Suspensão

e Pátrio Poder.

Em processos que o profissional atua mais constantemente, ou já atuou, há uma

preocupação em situar e até esclarecer a trajetória dos envolvidos, levando em conta o caráter

histórico da situação social enfrentada. Nota-se isso nos seguintes trechos:

“Sendo de suma importância também se reportar aos mesmos para elucidar a presente situação social problema” (Estudo Social nº. 08).

“Passado quatro anos do primeiro estudo social, a situação familiar se agravou (...), sendo encaminhado por aproximadamente cinco vezes ao CIP – Centro de Internamento Provisório [...]” (Estudo Social nº. 08).

“Esta servidora apresentou no total 10 relatórios sociais [...]” (Estudo Social nº. 08).

Observa-se que o profissional faz constante alusão aos instrumentais e à situação anterior,

quando cita que apresentou dez relatórios ou passado quatro anos do primeiro estudo social, o

que também expressa a legitimidade do trabalho profissional, que continua requisitado. A

120

descrição - estudo social já realizado - demonstra a preocupação do profissional em explicitar a

trajetória histórica da situação social e forma de apresentação do instrumental, ou seja, do próprio

estudo:

“Em face às mudanças e intervenções que foram acontecendo durante todo o tempo de acompanhamento do caso, informamos que este relatório será dividido em duas fases. A primeira fase relata os fatos durante os anos de 2001 e 2002, já a segunda fase relata os fatos durante o ano de 2003 com informações da situação social e acontecimentos pormenorizados de todos os envolvidos” (Estudo Social nº. 03).

Com isso, verifica-se que a utilização dos instrumentais permite que o profissional atinja a

finalidade do estudo social, isto é, dar visibilidade aos processos vividos pelos sujeitos sociais

objetos da ação judicial. Os instrumentais possibilitam que o real seja desvelado e ganhe

materialidade através da concretude do estudo social.

Tal discussão remete a relação entre meios e fins, haja vista que existe uma relação

indissolúvel e estreita entre os resultados obtidos e os processos pelos quais foram obtidos, ou

seja, o estudo social e os instrumentais. Diante disso, é relevante ter clareza de que os resultados,

ou seja, a opinião técnica do profissional só foi possível mediante a utilização dos instrumentais.

Então, conclui-se que a escolha e utilização dos meios influem nos resultados do trabalho.

Entretanto, somente as técnicas e instrumentais tomados isoladamente não dão conta da dimensão

total da realidade em que está inserido o sujeito social, é preciso habilidades e conhecimentos

afirma:

Conhecer técnicas de entrevista e de redação para registros (seja um relatório, um laudo, um parecer), por exemplo, é fundamental nesse trabalho, mas o domínio dessas técnicas não garante, por si só, a competência profissional e a direção ético-política do nosso projeto de profissão (FÁVERO, 2004, p. 88-89).

121

Portanto, a utilização dos instrumentais de maneira articulada, com atenção aos objetivos

esperados e adequados a cada situação, deve também estar referendada por uma direção teórico-

metodológica e ético-política.

3.2.4 - Subcategoria apreensão do processo social material que constitui os sujeitos sociais

envolvidos no processo

Na análise realizada nos estudos sociais observou-se que a categoria apreensão do

processo social material, que constitui os sujeitos sociais envolvidos no processo foi

contemplada, observou-se que os profissionais conseguem apresentar a realidade concreta,

manifestada através da exposição da situação econômica, material e familiar em que se

encontram esses indivíduos. Os profissionais de Serviço Social buscam descrever

minuciosamente o contexto situacional dos envolvidos, apurando aspectos históricos e

contraditórios. Observou-se alguns trechos que referendam tal afirmativa:

“Durante o período em que ficaram separados, pela primeira vez, [...] ficou com a guarda do filho e residiu com a família de amigos, porém não houve adaptação com os costumes da família que a abrigou e a mesma retornou ao convívio com [..]. Situação que durou pouco tempo, pois a mesma alega que o companheiro lhe agredia freqüentemente, não sendo possível manter a convivência. Como não tinha condições de se manter ou onde morar, obrigou-se a deixar o filho sob os cuidados do pai” (Estudo Social nº. 02).

“Assinalamos ainda que as condições sócio-econômicas do casal [...] são precárias, vivem com uma pensão que [...] recebe pelo falecimento de sua mãe. Não possuem local fixo de residência e nestes últimos anos verificou-se que já estiveram por várias cidades” (Estudo Social nº. 03).

122

“A família reside em um barraco e são precárias as condições de higiene e conservação. Trata-se de um ambiente com 02 cômodos, 01 cozinha e 01 quarto, divididos com uma cortina, não há banheiro no local. A família não disponibiliza de água encanada, rede de esgoto e saneamento, nem mesmo, energia elétrica. A água utilizada provém de um poço, localizado próximo ao barraco, o qual não possui proteção, ocasionando eminente perigo ao grupo familiar” (Estudo Social nº. 05).

“O relacionamento dos pais de [..] foi bastante tumultuado, cheio de separações e reconciliações, o que levou-os a deixarem o filho [...] com os avós, conforme declaração do próprio pai quando da entrevista realizada. Aos um ano e sete meses de [...] houve nova separação do casal e o menino foi deixado aos cuidados dos avós até os sete anos de idade, quando a mãe decidiu vir buscá-lo, ficando com ele até os dez anos, quando novamente decidiu mandá-lo para a avó onde ficou até março de 2004, quando decidiu ir morar com a mãe [...]” (Estudo Social nº. 07).

“Na casa em função do atrito existente não existe organização nas tarefas domésticas, onde mencionaram que ‘não limpam a casa’. Uma vez por semana o requerido e o filho [...] almoçam em um restaurante, nos outros dias fazem apenas lanches (pão, mortadela, salames, queijo, carne), não havendo harmonia ou entendimento na hora das refeições, pois o Sr. [...] não aceita que o filho [...] faça as refeições com o mesmo” (Estudo Social nº. 08).

Os trechos citados dos estudos sociais intentam delinear as situações de intervenção que

são apresentadas aos profissionais, que de forma pormenorizada trazem ao processo judicial a

realidade que é objeto da análise. Verifica-se que a realidade no qual o assistente social interage

não se define a priori, mas através das mediações vivenciadas por ele no contato com o real.

Esses profissionais apresentam a subjetividade dos sujeitos do processo que são necessárias para

o desvelamento do aparente, sem contudo perder de vista a amplitude conjuntural das relações

sociais e pessoais que produzem tais realidades, conforme demonstram os trechos transcritos

acima. Portanto, a apreensão do processo social material dos sujeitos envolvidos no processo

requer do profissional habilidades e co-relações para descortinar o objeto de análise. Nessa

perspectiva Faleiros (1997, p. 31) afirma:

123

A construção do objeto, no entanto, não se faz, hoje, fora do contexto institucional, em que se exerce o poder profissional, se enfrentam as estratégias de sobrevivência/vivência com as exigências da reprodução e as formas de percepção, representação e manifestação dos interesses, identidades e organizações. [...] Nessa relação estrutural/conjuntural/situacional é que se define o objeto de intervenção.

Nesse sentido, explicita o autor que a forma como o profissional descreve o real, o vivido

pelos sujeitos e suas relações, implica na concepção de profissão adotada pelos assistentes sociais

e as configurações estruturais, conjunturais e situacionais do objeto de análise, pois implica

compreender as características e a dinâmica da sociedade face às novas formas de organização e

de prestação de serviços sociais, bem como as próprias transformações de institutos tradicionais

como a família.

Já Iamamoto (1998, p. 114), ao referenciar o objeto de intervenção do profissional, o

delimita como as refrações da questão social que vão determinar a ação do profissional.

A questão social é a expressão do processo de produção e reprodução da vida social na sociedade burguesa, da totalidade histórica concreta. [...] orienta-se no sentido de captar as dimensões econômicas, políticas e ideológicas dos fenômenos que expressam a questão social.

Portanto, os estudos sociais referenciados buscam trazer ao processo judicial o real,

conforme (Iamamoto, 1998, p. 62) evidencia: “conhecer a realidade é conhecer o próprio objeto

de trabalho, junto ao qual se pretende induzir ou impulsionar um processo de mudanças”. Os

profissionais que elaboraram tais estudos sociais demonstram a apreensão das determinações da

questão social, o vivido pelo sujeitos do processo em suas vidas cotidianas.

124

Desta maneira, os estudos sociais trazem singularidades relevantes quando são abordadas

pelos profissionais, bem como particularidades inerentes a cada caso, sem perder de vista a

concretude social da vida dos homens em sociedade.

Para tanto, pode-se afirmar que os estudos sociais denotam uma perspectiva voltada para

construção de novos sujeitos, buscando resgatar o indivíduo/ser humano, enquanto sujeito

construtor de sua história, participativo e atuante nos processos decisórios, nos micro e

macroespaços. Esse é o significado social da profissão, que requer a apreensão da realidade,

trabalhando de forma que os usuários tenham garantidos a sua liberdade, os seus direitos e o

respeito aos seus sentimentos, conforme pressupõe o Código de Ética Profissional.

125

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A elaboração do estudo realizado pressupõe fomentar uma reflexão teórica sobre o campo

da prática profissional sócio-jurídica, voltando-se para o Judiciário. Essa área de intervenção

profissional carece de estudos acerca de como o assistente social desenvolve seu agir profissional

através de procedimentos técnico-operativos e conhecimentos teórico-metodológicos, que

caracterizam a especificidade do Serviço Social. Também é necessário desvelar de que forma os

procedimentos processuais, particulares ao campo jurídico, possibilitam o acesso à justiça à

demanda usuária desses serviços viabilizados através dos processos de trabalho de assistente

social.

Nessa perspectiva analítica, aspectos contraditórios e aparentemente antagônicos, como

controle e emancipação, categorias centrais desse estudo, figuram no cotidiano dos profissionais

com um aspecto processual que se naturaliza no vir-a-ser de toda a sua prática. Nesse sentido,

faz-se necessário ressaltar que muitas vezes o fator preponderante do caráter regulatório se

sobressai pela dinâmica igualmente regulatória das relações sociais contraditórias da sociedade

vigente. Entende-se que, por mais que esta prática profissional seja autônoma e tenha diretrizes e

princípios específicos, recebe o ônus da contradição que baliza a sociedade contemporânea em

126

sua totalidade. Assim, no bojo dessas relações é que cabe ao assistente social fazer as mediações

necessárias para responder as diferentes expressões da questão social e que lhe são repassadas,

sendo de sua responsabilidade a definição da tradução do discurso não falado, que fica nas

entrelinhas da legislação. Configura-se, portanto, o assistente social do judiciário como sendo um

profissional de excelência para intervir em questões ligadas à garantia de direitos e de proteção,

mesmo que muitas vezes necessite assumir posturas mais regulatórias que emancipatórias. A

todos exige-se uma competência teórico-metodológica e ético-política para o exercício

profissional, com formação profissional continuada, em sintonia com a dinâmica da sociedade

para o desvelamento das problemáticas que lhe são apresentadas e que são objeto da sua

intervenção.

Nessa direção, os dados da pesquisa revelaram situações importantes dentre os quais o de

que a inserção do assistente social dentro do sistema judiciário consegue possibilitar acesso à

justiça. Isso posto, ao passo que, através do estudo social, ele manifesta a preocupação em incluir

a demanda atendida na rede de atendimento, de modo a garantir direitos individuais e sociais,

mesmo que para isso deva à figura do representante do Juízo, seu “porta voz” de garantia.

Portanto, muito mais do que pleitear judicialmente uma demanda, os usuários que acessam o

Judiciário, em especial aqueles atendidos pelo assistente social, são reconhecidos enquanto

sujeitos de direito, portanto partícipes de sua própria história. Constatou-se que a idéia sustentada

nessa proposta investigativa, e que ora se finaliza, ou seja, aquela de que o assistente social

possibilita o acesso à justiça se confirmou, muito embora há que se atentar que o Judiciário

apresenta função essencialmente regulatória. São essas contradições estruturais que emergem na

materialização da prática e que é objeto de algumas considerações. Assim sendo, a polêmica

levantada por Iamamoto (1995) acerca do fato de o assistente social figurar como profissional de

127

coerção ou de consenso retorna à cena discursiva, fomentando a continuidade do debate na atual

conjuntura.

A análise e interpretação dos estudos sociais demonstram que o profissional, para poder

possibilitar o acesso à justiça, entendido de forma ampla como acesso à informação e a um

conjunto de direitos dispostos historicamente, utiliza-se de procedimentos teóricos, técnicos,

éticos e legais, que são revestidos de uma essência eminentemente contraditória, que não pode ser

vista e nem analisada em separado, uma vez que estes aspectos estão intrinsecamente

relacionados, como já se frisou, à estrutura institucional ao qual o profissional de Serviço Social

está inserido.

Deve-se levar em conta o aspecto de que um dos papéis do Judiciário é o de adequar o

fato (caso concreto) à lei, sempre levando em conta os fins e princípios do Direito. Com o

Serviço Social, o regramento é similar, mas traz à cena processual outros aspectos relevantes ao

desfecho da ação, porquanto a atuação profissional deve pautar-se face aos princípios ético-

profissionais inerentes à profissão. Desse modo, quando o profissional de Serviço Social

proporciona, através de sua atuação técnica, acesso aos cidadãos à justiça e aos seus direitos,

garante direitos que muitas vezes transcendem o objeto da ação processual, quer possibilitando o

conhecimento e a informação de tais direitos, quer auxiliando quando intervém nos processos,

através do seu parecer.

No entanto, é salutar evidenciar que a prática do assistente social é revestida de uma

autonomia relativa, fato que faz com que a profissão seja duramente criticada em determinados

momentos, considerando o fato de que deve pautar-se de acordo com a lei e com as

determinações judiciais, com ênfase nos aspectos teóricos e metodológicos que caracterizam a

especificidade profissional.

128

Assim, os resultados do estudo que se finaliza evidenciam que os assistentes sociais que

atuam em comarcas de entrância inicial localizadas no extremo-oeste do Estado de Santa Catarina

transitam em um terreno amplo e contraditório, na interface do jurídico e do social, sendo que

possibilitam acesso à justiça, trazendo ao processo judicial demandas invisíveis ao espectro legal,

advindas da competência técnica de apreender os processos sociais dos sujeitos envolvidos na

ação judicial. Efetivando direitos, revestem-se de um caráter regulatório, ou seja, aponta para

direções que perpassam notoriamente mecanismos de controle. Com isso, constata-se que há a

necessidade de desmistificar a máxima de que o profissional de Serviço Social somente possui

status de garantidor de direitos, como plenamente apregoado pelo meio acadêmico e profissional.

Embora trabalhe e se oriente por este princípio, tal discussão deve ser analisada e discutida dentro

da categoria controle, pois muitas vezes, ao garantir a acessibilidade de direitos, há a necessidade

do profissional se utilizar de mecanismos regulatórios, ou mesmo posicionar-se com relação a

certos setores, de modo que estes cumpram com seus deveres, o que leva muitas vezes ao uso da

coerção como forma de efetivar garantias. Nesse sentido, avalia-se que o controle possa ser

entendido enquanto possibilidade de emancipação na luta contra a exclusão social.

Do outro lado, é relevante evidenciar que nos estudos sociais analisados, os profissionais

excedem no aspecto meramente descritivo em detrimento de um maior aprofundamento teórico e

interpretativo, fato que já fora identificado por Richmond (1950), quando escreveu que as

trabalhadoras sociais “habitualmente cometem a falta de se preocuparem muito mais com a colheita

dos dados do que com sua interpretação e comparação”, conforme apresentado no capítulo segundo.

Portanto, constatou-se que, mesmo garantindo acesso a direitos e à justiça nos moldes analisados,

uma direção mais teórica interpretativa garantiria um maior reconhecimento do estudo social e do

trabalho do profissional na seara jurídico-social, de forma a melhorar a aplicabilidade dos

conhecimentos profissionais na universalização de direitos.

129

Mais importante do que tecer considerações conclusivas no sentido de definir o acesso à

justiça enquanto uma possibilidade de viabilizá-los na forma mais ampla da lei, vale ressaltar que

há muito o que se discutir acerca da temática, no sentido de se desvelar as contradições existentes

na estrutura social vigente. Mais que isso, faz-se necessário dar mais corpo à discussões dessa

natureza e que traduzem a prática profissional atual para um debate cada vez mais específico e

necessário. A mística que historicamente envolve o profissional de Serviço Social, que se

constitui em um cariz que advém dos idos do messianismo, em que perdurava as possibilidades

mágica da ação não deve ser reproduzida.

Finalizando, afirma-se que as considerações formuladas nesse trabalho são iniciais e não

pretendem, nem conseguem, esgotar a amplitude da temática. Ao contrário, esse trabalho

contribui para o alargamento de uma discussão do campo sócio-jurídico, que se entende ser

embrionário. As estratégias do debate e de sua ampliação devem caminhar para a busca de

relações sociais pautadas na igualdade entre os cidadãos. Poder viver o acesso à justiça sem

restrições legais nem sociais de forma ampla é o que se pretende. Esse estudo demonstra a

relevância do tema para aqueles que militam no campo sócio-jurídico, bem como para aqueles

que procuram inteirar-se do tema aqui desenvolvido, uma vez que para tal contribuição buscou-se

dar um lastro com contornos de cientificidade.

130

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138

APÊNDICE

139

APÊNDICE A – Convite para participação na Pesquisa.

Mondaí/SC, 23 de maio de 2005.

Prezadas Colegas Assistentes Sociais Forenses da Região do Extremo-Oeste,

Sabemos que a inserção do Assistente Social no campo sócio-jurídico, em especial no

Judiciário, remonta o processo de institucionalização da profissão no Brasil. Contudo, foi

somente nos últimos anos que debates e reflexões em torno da prática deste profissional vêm

ganhando destaque na esfera acadêmica, com a publicação de livros, dissertações e teses, bem

como com a edição do primeiro número especial da Revista Serviço Social e Sociedade, n.º 67,

intitulado “Temas Sócio-Jurídicos”, além da inclusão do assunto nas sessões temáticas do 10º

Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais-CBAS e com a realização do 1º Encontro Nacional

Sócio-Jurídico, em setembro de 2004.

Nesse viés, em torno da emergência da discussão do campo sócio-jurídico no Serviço

Social, estamos propondo discutir em nossa Dissertação de Mestrado junto ao Programa de Pós-

Graduação em Serviço Social- UFSC com o título (provisório) Serviço Social Judiciário: uma

análise acerca dos procedimentos, o fazer profissional do assistente social forense, identificando

as particularidades das práticas através da utilização dos procedimentos judiciais, sob o enfoque

do Estudo Social, para verificar como este instrumental modifica ou não a finalidade para que foi

criado no que se refere ao acesso à justiça.

140

Para tanto, solicito a colaboração das colegas Assistentes Sociais Forenses da região do

Extremo-Oeste Catarinense que atuam em Comarcas de Entrância Inicial e que compõem o

chamado Ge-Exo (Grupo de Estudo do Extremo-Oeste) e conforme discutido em reunião

realizada em São Miguel do Oeste/SC no último dia 06/05/2005, através do envio de 03 (três)

estudos sociais juntados em processos da área cível, sendo 01 (um) de jurisdição voluntária, e

02 (dois) de jurisdição contenciosa, elaborados no período de maio de 2004 a maio de 2005 para

colaborar na discussão da proposta de pesquisa ora apresentada.

Os estudos sociais podem ser enviados via correio eletrônico no seguinte endereço

[email protected] até o dia 30/05/2005. O material poderá vir com a omissão/alteração dos

dados das partes ou qualquer outra informação que não permita a identificação, pois a análise e

interpretação dos dados será feita através da técnica de análise de conteúdo. O material servirá

somente para análise, não sendo juntado nenhuma cópia na dissertação, e será inutilizado tão-

logo concluirmos o estudo. Desde já, coloco-me a disposição e comprometo-me a estar

repassando os resultados da pesquisa em Reunião do Ge-Exo.

Atenciosamente,

Cilene Kosmann (Assistente Social do Poder Judiciário/SC e Aluna do Programa de Pós-

Graduação em Serviço Social/UFSC)

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