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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS FÍSICAS E MATEMÁTICAS CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
RICARDO AVELAR SOTOMAIOR KARAM RELATIVIDADE RESTRITA NO INÍCIO DO ENSINO MÉDIO: ELABORAÇÃO E ANÁLISE DE UMA PROPOSTA
Orientadora: Profa. Dra. Sonia Maria Silva Corrêa de Souza Cruz
Florianópolis 2005
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação Científica e Tecnológica.
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2
E quando eu tiver saído Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo Não serei nem terá sido
Caetano Veloso
“O tempo e o espaço são modos pelos quais pensamos e não condições nas quais vivemos”.
Albert Einstein
“Eu entendi, mas eu ainda não acredito”.
Manifestação de um aluno
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AGRADECIMENTOS
À professora orientadora Dra. Sônia Maria Souza Cruz pela sua colaboração e pela confiança em mim depositada desde o início; À minha família, especialmente mãe, pai e irmã, pela constante torcida e apoio e ao Mário, meu segundo pai e um grande exemplo; À professora Dra. Débora Coimbra por sua imensa dedicação, paciência e amizade, fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho; Ao professor Dr. Luiz O. Q. Peduzzi, pelas preciosas contribuições e sugestões; Ao professor Dr. Arden Zylberztajn, pela apresentação inicial do programa; Aos professores do programa, pelos inspiradores momentos de convivência; À professora Dra. Ana Maria Petraits Liblik, pelo companheirismo e pelo constante incentivo a seguir uma carreira acadêmica; À professora Beatriz Alvarenga pelos importantes artigos gentilmente cedidos; Ao amigo Gustavo Moraes pela colaboração e a seus alunos pela participação entusiasmada nas aulas e atividades propostas; Ao super amigo Wilson Jr, por todos os galhos quebrados; Ao diretor Carlos, pelo inigualável empenho garantindo o bom andamento das atividades em sala de aula; À professora Renata pela colaboração e a seus alunos pelos preciosos momentos de convivência e pela intensa participação nos debates propostos durante as aulas; A todos os alunos que já tive nesses oito anos de profissão; Aos colegas do curso, pela amizade e troca de experiências; E a todos que contribuíram de alguma forma para a realização deste trabalho, o meu muito obrigado.
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RESUMO............................................................................................................................................... 6 APRESENTAÇÃO............................................................................................................................... 8 1. TEORIA DA RELATIVIDADE NO ENSINO MÉDIO............................................................... 13 1.1 Atualização do Ensino de Física.......................................................................................... 13 1.2 Por que Relatividade no Ensino Médio?............................................................................ 22 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA PARA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA............................ 29 2.1 Construtivismo, Mudança Conceitual e Perfil Conceitual............................................... 29 2.2 Abordagem Sócio-Interacionista e Momentos Pedagógicos............................................. 39 2.3 Física Moderna e Relatividade Restrita: Breve Histórico e Noções Epistemológicas.... 46 2.3.1 Descrição do Cenário............................................................................................... 47 2.3.2 O Surgimento da Relatividade................................................................................. 55 2.4 Revisão da Literatura: Propostas e Alternativas Didáticas.............................................. 70 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................................................................... 80 3.1 Pesquisas Qualitativas em Educação – Estudo de Caso.................................................... 80 3.2 A Intervenção Piloto............................................................................................................. 84 3.2.1 A Seqüência Didática.............................................................................................. 85 3.2.2 Resultados: Categorias de Análise e Fatores para a Reestruturação.................. 95 3.3 O Estudo Final...................................................................................................................... 116 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.......................................................................... 121 4.1 Levantando os Posicionamentos Iniciais dos Estudantes.................................................. 121 4.2 Sistematizando e Estruturando os Postulados da Relatividade Restrita......................... 140 4.3 Dilatação Temporal e Contração do Comprimento: Aplicações e Resistências............. 151 4.4 Interpretação dos Efeitos Relativísticos e Metacognição.................................................. 171 5. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS.............................................................................................. 177 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................ 187 ANEXOS................................................................................................................................................ 195
SUMÁRIO
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Dedico este trabalho:
Aos meus pais, pela dedicação e pelas oportunidades que me
proporcionaram.
Ao “baixo” clero, pelo convívio e pelas discussões sobre educação.
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RESUMO
Com base na idéia de que as teorias modernas devam ser incorporadas ao conteúdo clássico no ensino de Física, este trabalho tem como objetivo a elaboração e análise de uma proposta para discutir tópicos da Teoria da Relatividade Restrita, com estudantes do primeiro ano do Ensino Médio, a partir de conceitos da Mecânica. A avaliação da pertinência de estratégias didáticas para essa discussão, bem como a análise da evolução conceitual dos estudantes promovida pela mesma, são, dessa forma, os focos principais deste estudo. Partindo dos conceitos de referencial e tempo, normalmente negligenciados no ensino da Cinemática, uma seqüência didática, embasada na metodologia dos três momentos pedagógicos (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1991), foi elaborada e testada em caráter exploratório. Os resultados do estudo piloto indicaram fatores potenciais para a reestruturação da proposta, a qual foi novamente aplicada, em outra turma, com um olhar mais aprimorado e consciente do pesquisador sobre a situação. A gravação das aulas em vídeo permitiu acompanhar o processo de ensino. O comportamento dos estudantes frente a situações de conflito confirmou o previsto pela teoria da equilibração de Piaget, e as discussões recortadas de episódios de ensino evidenciaram o papel dos mediadores na construção do conhecimento, fundamental segundo a teoria sócio-interacionista de Vygotsky. Em relação à concepção de aprendizagem, trabalhou-se em concordância com o modelo de Mortimer (1994), o qual defende que o ensino de ciências deva promover a evolução de um perfil conceitual, através da construção de novas áreas desse perfil e da tomada de consciência, pelo educando, do contexto onde cada área é aplicável. Dessa forma, pôde ser verificada, especificamente, a ampliação do perfil conceitual de tempo dos estudantes, promovida pela construção da noção relativística.
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ABSTRACT
Regarding the idea that modern theories ought to be incorporated in the classic syllabus of Physics teaching, this research is elaborated with the goal of compounding and analyzing a proposal to discuss topics of the Special Theory of Relativity, with High School students (15-17 years old), within the concepts of the Mechanics. The evaluation of how pertinent the didactic strategies were, as well as the analysis of the conceptual evolution of the students towards it are the main streams in the present work. Taking as a starting point the concepts of reference of frame and time, somewhat neglected in the studies of Kinematics, a didactic sequence was elaborated and tested within the method of the three pedagogic moments (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1991). The strategies were tested and the results of the pilot program indicated potential factors for a remodeling of the proposal, which was applied for a second time with other students, upon a close watch, more perfect and conscient from the researcher. Tape recordings in video of the lectures allowed a steady follow of the teaching procedure. Students’ behavior when faced with a situation of conflict, confirmed the predicted in Piaget’s equilibration theory, and dialogues extracted from these recordings, pointed out the role of mediation and the importance of students’ interaction in the social process of constructing knowledge, as defended by Vygotsky. In harmony with Mortimer’s (1994) model, which upholds that the objective of science teaching is to promote the evolution of a conceptual profile, through the construction of new zones of the profile and the students’ consciousness of the process, the broadening of the students’ conceptual profile of time, promoted by the relativistic notion, is analyzed.
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APRESENTAÇÃO
Desde o ano 2000, atuando como professor de Física do Ensino Médio, constatei
que, de uma maneira geral, esta disciplina, ao meu ver tão fascinante e presente no dia-
a-dia, era tida pelos estudantes como umas das mais difíceis e entediantes.
Refletindo sobre a prática docente, questões como indisciplina, falta de
compreensão dos conteúdos por parte dos alunos, entre outras, geravam vários
questionamentos: como motivar os alunos para o aprendizado da Física? Que
metodologias utilizar para aproximá-los do conhecimento científico? O que significa
avaliar? Para que ensinar este ou aquele conteúdo?
Buscando aprimorar as reflexões teóricas sobre práticas didáticas mais
adequadas, passei a me dedicar ao ingresso em um curso de Mestrado. No XV Simpósio
Nacional de Ensino de Física, ocorrido em Curitiba, 2003, obtive informações sobre
alguns programas de pós-graduação e me identifiquei com o Programa de Educação
Científica e Tecnológica da UFSC, por reunir as duas áreas: a Educação e o Ensino de
Ciências, mais particularmente, de Física.
Procurando um tema para o pré-projeto, analisei os meus três anos de
experiência com o ensino da Física. Recordei-me de perguntas constantes dos alunos
sobre temas da Física Moderna, como a Relatividade e a Física Quântica. Eles entravam
em contato com estes temas através dos meios de comunicação e de divulgação
científica, mas nunca em sala de aula, pois o currículo de Física vigente aborda somente
a chamada Física Clássica.
Segundo Schwartz (1992), assim como as sinfonias de Beethoven e os quadros
de Monet, a Teoria da Relatividade é um dos marcos culturais mais significativos do
Ocidente (SCHWARTZ, 1992, p. 19). Questões como É possível viajar no tempo? O
que é a quarta dimensão? Quem foi Einstein e qual sua contribuição para a Física? A
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equação da bomba atômica é E = mc2? apreendem o encanto dos estudantes em relação
à ciência do século XX e me motivaram a trazer a discussão de fundamentos da Teoria
da Relatividade para as minhas aulas. Mas como? Em que momento? Com que
profundidade?
Entre tantas dúvidas, trabalhando com a Física no primeiro ano do Ensino
Médio, pude identificar um erro de abordagem logo no início. A maioria dos livros
didáticos inicia pelo tratamento da Cinemática Clássica, partindo da definição de seus
conceitos básicos.
Habitualmente, destina-se uma aula introdutória para os conceitos de trajetória,
ponto material, referencial, espaço, distância, deslocamento, tempo e implementa-se,
então, o tratamento matemático envolvendo o cálculo de velocidade média e a aplicação
das equações dos movimentos, bem como suas representações gráficas. Esta patente
disparidade entre o tempo destinado às questões de ordem conceitual e o dedicado à
abordagem matemática, além de contribuir para um distanciamento das discussões
teóricas mais importantes, tem suprimido o interesse dos estudantes pela Física.
Tradicionalmente, a necessidade da determinação de um referencial para a
descrição dos movimentos é rapidamente abordada nas aulas introdutórias do primeiro
ano do Ensino Médio. Entretanto, essa discussão não é retomada na seqüência, como
evidenciado na observação contida em um dos livros-texto mais utilizados neste nível:
Quase sempre nossos estudos de movimentos são feitos supondo o referencial na Terra (o observador parado na superfície da Terra). Toda vez que estivermos usando outro referencial, isto será dito explicitamente (MÁXIMO e ALVARENGA, 2000, p. 46).
Dessa forma, os alunos não se dão conta da importância do conceito de
referencial e das diferentes possibilidades de descrição do movimento por diferentes
observadores, o que, certamente, configura um obstáculo para o entendimento dos
pressupostos da Teoria da Relatividade.
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Outro conceito da cinemática que não o tem o devido tratamento nas aulas de
Física é o tempo, conforme aponta Martins (2004). A ausência de uma discussão mais
detalhada sobre o mesmo também é facilmente constatada nos livros didáticos. Alguns
não apresentam explicitamente o conceito de tempo (Máximo e Alvarenga, 2000;
Gonçalves Filho e Toscano, 2002), enquanto outros destacam que o mesmo não tem
definição: Tempo é uma noção primitiva e fundamental na descrição de qualquer
movimento (RAMALHO JR et al., 1993, p.21) ou Estamos admitindo intervalo de
tempo como noção intuitiva – que dispensa definição – obtida pela diferença entre dois
instantes determinados (GASPAR, 2000, p. 40). Assim, o movimento é descrito como
uma variação da posição ao longo do tempo e, sem nenhuma reflexão sobre seus
aspectos, ele passa a ser utilizado como parâmetro para as equações da cinemática. Essa
prática contribui para referendar, na melhor das hipóteses, a noção de tempo absoluto
(quando a Dinâmica é adequadamente trabalhada), o que também figura como um
obstáculo para a compreensão da interpretação relativística do mesmo. Dessa forma,
distingui esses dois conceitos como possíveis portas de entrada para tratar tópicos da
Relatividade Restrita a partir da Mecânica, logo no primeiro ano do Ensino Médio.
Acredito que os princípios teóricos e as principais conseqüências da Teoria da
Relatividade devam fazer parte do currículo formal de Física no Ensino Médio, não
apenas como curiosidade ou apêndice, mas como forma de mostrar o caráter desafiador
e interessante da ciência aos estudantes, aproximando-os das fronteiras dessa área de
conhecimento.
Meses após a entrega do pré-projeto, tomei conhecimento de que o ano de 2005
foi escolhido como Ano Mundial da Física, em virtude da comemoração do centenário
da publicação dos principais artigos de Einstein, dentre eles, o intitulado “Sobre a
Eletrodinâmica dos Corpos em Movimento”, no qual o autor enuncia os princípios da
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Teoria da Relatividade Restrita. Essa foi uma motivação adicional para o
desenvolvimento de nossa pesquisa.
A falta de plausibilidade desta teoria, evidenciada no postulado da constância da
velocidade da luz e na necessidade do abandono de noções intuitivas como as de tempo
e espaço absolutos, fundamentou uma reflexão sobre as estratégias mais pertinentes para
a sua abordagem neste nível de ensino, bem como as maneiras de se constatar a
evolução conceitual dos estudantes promovida por essa inserção. Assim, seguindo esse
objetivo, estruturei uma seqüência didática para trabalhar tópicos da Relatividade
Restrita, especialmente a noção de tempo relativístico, com estudantes do primeiro ano
do Ensino Médio, e analisei sua eficácia.
Essa dissertação está organizada em cinco capítulos. No primeiro, apresento uma
breve contextualização dos principais problemas do ensino de Física nas escolas
brasileiras de nível médio e a proposta de inserção de tópicos de Física Moderna e
Contemporânea para o mesmo. Exponho algumas justificativas para a inserção da
Teoria da Relatividade e pontuo os objetivos específicos deste trabalho.
A fundamentação teórica para a construção da proposta é descrita no segundo
capítulo. Os pressupostos do construtivismo piagetiano, o modelo de mudança
conceitual (Posner et al., 1982), o conceito de perfil conceitual (Mortimer, 1994), a
abordagem sócio-interacionista de Vygotsky e os momentos pedagógicos (Delizoicov e
Angotti, 1991) são detalhados, por serem fundamentais para a análise e elaboração da
intervenção. Um breve histórico do surgimento da relatividade, enfatizando os aspectos
abordados em sala, também é apresentado no mesmo. Através de uma revisão na
literatura específica, analiso, na última seção, propostas encontradas na literatura
corrente.
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No capítulo 3, a opção metodológica desta pesquisa é apresentada e descrevo a
aplicação e os resultados da seqüência didática em um estudo piloto, a análise desses
resultados, sua relevância à reestruturação da seqüência para uma nova aplicação. Os
resultados desta segunda intervenção, denominada estudo final, são comentados e
analisados no capítulo seguinte, sendo as conclusões e perspectivas futuras delineadas
no último.
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1. A TEORIA DA RELATIVIDADE NO ENSINO MÉDIO
1.1 Atualização do Ensino de Física
A forma como a Física vem sendo ensinada, na grande maioria das escolas
brasileiras de Ensino Médio, tem sido alvo de muitas críticas. A ênfase na memorização
e aplicação direta de fórmulas, bem como a descontextualização do desenvolvimento
desta ciência, têm contribuído fortemente para distanciá-la da preferência dos estudantes
e torná-la quase um mito. Depoimentos como Eu odeio Física são muito comuns entre
os alunos desta faixa etária. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNEM) apontam essa situação
O ensino de Física tem sido realizado freqüentemente mediante a apresentação de conceitos, leis e fórmulas, de forma desarticulada, distanciados do mundo vivido pelos alunos e professores e não só, mas também por isso, vazio de significados. Privilegia a abstração, desde o primeiro momento, em detrimento de um desenvolvimento gradual de abstração que, pelo menos, parta da prática e de exemplos concretos (PCNEM, 1999, p.229).
Além da metodologia de ensino, a seleção dos conteúdos também tem sido
criticada em virtude da grande ênfase dada à Física Clássica, principalmente a
desenvolvida entre 1600 e 1850. A seqüência dos conteúdos tratados no Ensino Médio
tende a seguir os clássicos manuais didáticos. Inicia-se tradicionalmente pela Mecânica,
abordada no primeiro ano, deixando a Física Térmica, a Óptica e a Ondulatória para o
segundo e a Eletricidade e o Magnetismo para serem estudados no terceiro e último ano
deste ciclo. Essa escolha exclui tanto os primórdios da ciência (a partir da Grécia
antiga), como as grandes mudanças no pensamento científico, ocorridas no início do
século XX (TERRAZ ZAN, 1992), além de apresentar a Física como blocos estanques e
independentes entre si.
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Dessa forma, a maneira como a Física Clássica vem sendo ensinada tem
contribuído, em geral, para gerar nos educandos a falsa idéia de que as teorias
científicas são constituídas de verdades absolutas e imutáveis, provenientes da mente de
alguns gênios infalíveis (PCNEM, 1999). A grande maioria dos livros didáticos
disponíveis para os alunos do Ensino Médio está imbuída dessa noção:
Salvo raríssimas exceções, os livros didáticos de física são extremamente semelhantes em termos de estrutura, de seqüência, de forma de apresentação dos conteúdos e até de tipos de exercícios resolvidos e propostos. Por isso, acompanhando-se a forma de desenvolvimento dos conteúdos nesses livros, tem-se uma boa aproximação do que ocorre em média nas aulas de física nas escolas (TERRAZZAN, 1994, p.108).
Moreira também aponta que,
Por falar em livros, é claro que eles sempre existiram e cabe
destacar, entre os atuais, pela ótima qualidade, o Curso de Física, de Alvarenga e Máximo (1997) e o Física do GREF (Grupo de Reelaboração do Ensino de Física, 1993). [...] muito do ensino de Física em nossas escolas secundárias está, atualmente, outra vez referenciado por livros, porém de má qualidade – com muitas cores, figuras e fórmulas – e distorcido pelos programas de vestibular; ensina-se o que cai no vestibular e adota-se o livro com menos texto para ler (MOREIRA, 2000, p.95).
Portanto, faz-se necessário propor alternativas para melhorar esse quadro,
mostrando aos educandos que a Física é uma ciência que está em constante
transformação, além de aproximá-los do desenvolvimento desta ciência, destacando-a
como uma construção da mente humana (ARONS, 1997). A atualização dos PCNEM
preconiza mudanças nessa direção:
Ao mesmo tempo, a Física deve vir a ser reconhecida como um
processo, cuja construção ocorreu ao longo da história da humanidade, impregnado de contribuições culturais, econômicas e sociais, que vem resultando no desenvolvimento de diferentes tecnologias e, por sua vez, por elas sendo impulsionado (PCNEM+, 2002, p 59).
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Por acreditarmos que a ciência é dinâmica, pensamos que os currículos escolares
também precisam ser atualizados continuamente, para atenderem aos avanços obtidos
pela mesma. Muito tem se discutido sobre a necessidade de uma reformulação no
currículo de Física do Ensino Médio, a fim de acrescentar os avanços obtidos pela
ciência do século XX. Diversos autores brasileiros (OSTERMANN, 1999; ARRUDA e
VILLANI, 1998, TERRAZAN, 1994, dentre eles) abordam estas questões e propõem
uma reestruturação curricular visando à inserção de tópicos de Física Moderna e
Contemporânea. Apenas para esclarecer a terminologia utilizada doravante, estamos
adotando a divisão cronológica da Física em três períodos, de acordo com Rezende JR
(2001):
1. CLÁSSICO, que compreende o período que vai desde o estabelecimento da
Mecânica Newtoniana até o desenvolvimento do Eletromagnetismo Clássico de
Maxwell, no final do século XIX.
2. MODERNO, que se estabeleceu entre o final do século XIX até a década de
40 do século XX (início da Segunda Guerra Mundial).
3. CONTEMPORÂNEO, após o início da Segunda Guerra Mundial
(aproximadamente na década de 40), até os dias de hoje.
Tópicos como hidrostática, hidrodinâmica e acústica, reformulados à luz do
paradigma newtoniano e das formulações devido a Euler, Lagrange e Hamilton, são
englobados na divisão Física Clássica. Outros, como a teoria cinética dos gases, teorias
da matéria, termodinâmica e a mecânica estatística clássica, são considerados na mesma
divisão em função da concomitância cronológica. Neste sentido, a Física abordada no
Ensino Médio não engloba nem a totalidade dos conteúdos da Física Clássica.
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Dentre as razões apontadas para a reformulação curricular pretendida, Terrazzan
defende que
[...] conteúdos de Física Moderna e Contemporânea correspondem a uma necessidade vital de nossos currículos de Física escolar. A própria importância dos temas de Física Moderna e Contemporânea na constituição da Física, enquanto área do conhecimento científico, exige sua inclusão nos currículos escolares (TERRAZZAN, 1994, p.34).
Ainda, segundo Ostermann,
Estudar problemas conceituais existentes na Física Moderna e Contemporânea envolve os estudantes nos desafios filosóficos de alguns aspectos da Física. O fato de que nem tudo, no mundo científico, é sabido ou entendido, modifica a idéia que os estudantes em geral têm de Física – um assunto que é uma “massa” de conhecimentos e fatos, um livro fechado. Ou são mostrados aos alunos os desafios a serem enfrentados pela Física no futuro, ou eles não serão encorajados a seguirem carreiras científicas (OSTERMANN, 1999, p 12).
No mesmo trabalho, a autora menciona a Conferência Interamericana sobre
Educação em Física, na qual foi organizado um grupo de trabalho para discutir o ensino
de Física Moderna. Na discussão, foram levantadas inúmeras razões para a introdução
de tópicos contemporâneos no Ensino Médio. Dentre elas:
despertar a curiosidade dos estudantes e ajudá-los a reconhecer a Física como
um empreendimento humano e, portanto, mais próxima a eles;
os estudantes não têm contato com o excitante mundo da pesquisa atual em
Física, pois não vêem nenhuma Física além de 1900. Esta situação é inaceitável,
em um século no qual as idéias revolucionárias mudaram a ciência totalmente;
é do maior interesse atrair jovens para a carreira científica. Serão eles os futuros
pesquisadores e professores de Física;
Física Moderna é considerada conceitualmente difícil e abstrata, mas resultados
de pesquisa em ensino de Física têm mostrado que, além de Física Clássica ser
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também abstrata, os estudantes apresentam sérias dificuldades conceituais para
compreendê-la (BAROJAS, apud OSTERMANN, 1999, p. 9).
Apesar de concordarmos que a abordagem de Física Moderna no Ensino Médio
seja capaz de despertar vocações e incentivar aos jovens a seguirem carreiras científicas,
como defende Ostermann, pensamos que este não deva ser o objetivo principal da
inserção de temas modernos neste nível de ensino, devido ao caráter terminal evocado
ao mesmo na atual Lei de Diretrizes e Bases. Distinguindo-se de um ensino voltado
predominantemente para formar cientistas, hoje é imperativo ter como pressuposto a
meta de uma ciência para todos (DELIZOICOV et. al. , 2002). Dessa forma, devemos
pensar em um ensino de Física cuja perspectiva seja possibilitar que nossos estudantes
tenham contato com uma outra forma de cultura: a cultura científica. Mortimer (1994)
justifica a inserção de conceitos da Física Moderna associando-a a um processo de
ampliação da cultura do educando,
Aprender ciências está muito mais relacionado a se entrar em um mundo que é ontologicamente e epistemologicamente diferente do mundo cotidiano. Esse processo de enculturação1 pode ocorrer, também, quando se tem que aprender teorias mais avançadas. Aprender mecânica quântica para quem tem uma visão clássica do mundo tem essa mesma característica de enculturação (MORTIMER, 1994, p 31).
Os estudos de Zanetic (1989) foram pioneiros, na busca por uma relação mais
próxima entre o conhecimento científico, particularmente a Física, e a manifestação
cultural. Em sua tese de doutorado, o autor defende a necessidade de considerar a
Física, além de todos os seus aspectos formativos e instrumentais, como parte integrante
do caldo cultural da cidadania:
1 O significado da palavra “enculturação”, derivada do neologismo inglês enculturation, é atribuído ao processo pelo qual uma pessoa entra numa cultura diferente da sua, adquirindo conceitos, linguagem e certas práticas da cultura científica (MORTIMER, 1994, p.2).
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[...] o conhecimento científico é um produto da vida social e como tal leva a marca da cultura da época, da qual é parte integrante, influenciando e sendo influenciado por outros ramos do conhecimento, sendo o relacionamento da física com a filosofia um dos melhores exemplos (ZANETIC, 1989, p 23).
Especificamente em relação à necessidade de inserção de Física Moderna e
Contemporânea no Ensino Médio, Zanetic recomenda:
Ofereça aos alunos uma visão da física que aproxime a “física
escolar” dos mais recentes avanços construídos pelos físicos contemporâneos. Isto significa que o conteúdo da Física a ser trabalhada no segundo grau não pode ficar restrito apenas à física conhecida até fins do século XIX, sob pena de dar uma impressão totalmente falsa e incompleta da perspectiva de mundo oferecida atualmente. Isto porque no final do século passado e início deste a física conheceu um desenvolvimento de tal monta que toda a concepção de mundo que se tinha teve de ser repensada [...] Muitos fenômenos só têm uma explicação razoável quando apelamos para essas duas teorias2 do século XX, totalmente ausentes nas aulas do segundo grau (ZANETIC, 1989, p. 23).
Entre tantas justificativas, podemos dizer que já não há mais dúvida sobre a
necessidade de uma mudança no currículo de Física do Ensino Médio a fim de
acrescentar temas de Física Moderna e Contemporânea. Entretanto, apesar de ser
praticamente um consenso dentro da academia, a realidade das salas de aula é bem
diferente. Em virtude de inúmeros problemas, como a precariedade das condições de
trabalho do professor, a falta de uma formação específica ou a ênfase dada aos
programas de vestibular que, em geral, não cobram temas modernos, podemos afirmar
que a Física Moderna ainda está muito distante dos alunos do Ensino Médio.
Dessa forma, acreditamos que, para contribuir de uma maneira mais significativa
para a atualização do currículo de Física, devemos transcender o campo das
justificativas e direcionar nossos esforços para questões de ordem prática. Alguns
questionamentos devem ser levantados para nortear a pesquisa nessa área
(OSTERMANN e MOREIRA, 2001): Quais tópicos devem ser ensinados? Em que 2 As duas teorias referidas são a Teoria da Relatividade e a Mecânica Quântica.
19
nível de profundidade devemos trabalhar? Quais metodologias adotar para alcançar uma
aprendizagem significativa? A introdução dos conceitos de Física Moderna e
Contemporânea deve ser ao final do curso (após o Eletromagnetismo) como discussão
dos limites da Física Clássica ou articulada com os conteúdos clássicos numa
reestruturação completa? Quais tópicos da Física Clássica, como o excesso da
cinemática e de circuitos elétricos, podem ser menos enfatizados disponibilizando o
tempo necessário para as inclusões? Que materiais didáticos devem ser produzidos?
Certamente, não é possível responder exaustivamente a nenhuma destas questões
em um único trabalho. Sobre uma das questões levantadas anteriormente, Terrazzan
defende que
Do ponto de vista estrutural, a temática de Física Moderna e Contemporânea deve estar organicamente incorporada à apresentação e ao desenvolvimento das teorias clássicas. Assim, possibilita-se aos alunos perceberem a física como um ‘corpo unitário’ de conhecimentos, com ramificações internas que desenvolveram muitas vezes de forma autônoma, ora aglutinando-se, ora incorporando-se umas às outras, enfim, formando os grandes sistemas conceituais que hoje se estabeleceram (TERRAZZAN, 1994, p.71).
A proposição de Terrazzan é coerente com a posição de Arons (1990), o qual
sustenta restringir a listagem de tópicos passíveis de discussão na escola média, e
excluir parte dos temas usualmente trabalhados na física escolar (ARONS, 1990).
Atenta ainda para a unidade necessária nessas inserções, preconizando a necessidade de
critérios claros, explícitos e conscientes, de modo a priorizar o processo da produção
científica, a sua evolução histórica, em detrimento dos produtos, os seus resultados
finais (TERRAZZAN, 1994).
Nesse sentido, os livros-texto têm sido produzidos na contramão desta análise.
Cavalcante (1999) aponta os esforços despendidos por autores de livros didáticos para
inserir assuntos relativos à Física do século XX nesses materiais. Destaca que, na
maioria dos casos, esses temas são apresentados no final do terceiro volume das obras, o
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que acaba fazendo com que estes não sejam sequer cogitados nos planos de ensino,
muito menos na sala de aula. Cabe ressaltar as exceções, como os livros de Alvarenga e
Máximo e do GREF, que realizam essa inserção de modo diferenciado, sendo que, no
primeiro, é feita em tópicos suplementares ao final de determinados capítulos e no
segundo, concomitantemente e de forma complementar à teoria clássica. Porém, tratar a
Física Moderna por meio de temas complementares implica amenizar sua importância
para os estudantes. Rezende Jr (2001) faz uma análise dos principais livros didáticos de
Física do Ensino Médio, quanto à presença de conteúdos de Física Moderna e
Contemporânea, e constata que esses temas, quando abordados, ainda são vistos como
secundários:
Podemos notar que a maioria dos livros que trazem elementos
de Física Moderna e Contemporânea tem esses conteúdos separados em seções especiais, em apêndices ou pequenas inserções informativas no decorrer dos capítulos. O fato de esses conteúdos aparecerem como um tópico complementar acaba caracterizando-os diferentemente do restante do conteúdo, primeiramente pelo fato de ser uma leitura complementar e, com isso, não ser avaliado pelo professor; por ter uma linguagem informativa e não estar disposto na seqüência tradicional; não conter exercícios operacionáveis, desvinculando-se do ferramental matemático (REZENDE JR, 2001, p. 57).
Diante dos problemas enfrentados para a inserção de Física Moderna e
Contemporânea, Resnick (1987) propõe que a mesma deve estar fundamentada em três
pilares:
1. Overview – Análise prévia da relevância do ensino de determinados conceitos
para promover uma redução da quantidade de conteúdos clássicos abordados, assim
como de detalhamentos matemáticos exaustivos e da repetição de exercícios-padrão.
2. Sprinkle – Pulverização dos temas modernos tratados paralelamente à
concepção clássica de determinados conceitos.
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3. Broaden – Ampliar as fontes dos estudantes para que os mesmos não se
restrinjam ao aprendizado dentro do ambiente de sala de aula. Indicar livros e artigos
sobre temas modernos e incentivar atividades extracurriculares como clubes de ciência
(RESNICK, 1987).
Assim, como uma forma de contribuir para a inserção de temas modernos no
currículo de Física em nível médio, focalizamos nossa pesquisa na elaboração e teste de
uma proposta para abordar alguns conceitos da Teoria da Relatividade Restrita no
primeiro ano do Ensino Médio, de acordo com o segundo pilar proposto por Resnick e
com as ressalvas enfatizadas por Terrazzan e Arons. Acreditamos que certos conceitos
da Relatividade podem ser abordados logo no primeiro ano, justamente por
questionarem várias definições tradicionalmente abordadas nesta etapa do ensino.
Partindo de um levantamento dos tópicos habitualmente tratados no primeiro
ano (overview), selecionamos a noção de tempo relativístico que, para sua inserção,
requer a elucidação dos dois postulados da teoria da relatividade restrita. Edificamos
uma seqüência didática para abordá-los em sala de aula. Dessa forma, nosso problema
de pesquisa constituiu-se na busca por estratégias de ensino que visassem a uma
aprendizagem significativa desse conceito, associado aos de espaço e velocidade, e no
estudo da evolução conceitual dos estudantes decorrente desta abordagem.
Formulamos e aplicamos um questionário inicial (pré-teste), com o intuito de
levantar as concepções dos alunos acerca dos conceitos a serem trabalhados e de
direcionar a escolha dos procedimentos metodológicos da intervenção. A gravação das
aulas em vídeo possibilitou-nos o registro e o acompanhamento do processo. A análise
de episódios de ensino, recortados dessas gravações, evidenciou os conflitos dos
estudantes em relação às idéias contra-intuitivas da relatividade. A aplicação de um
outro questionário (pós-teste), contemplando situações-problema nas quais os
22
estudantes deveriam fazer uso de explicações relativísticas para resolvê-las, e questões
de natureza metacognitiva, procurando evidenciar a consciência dos sujeitos ante ao
processo vivenciado, constituem, juntamente com os episódios analisados, a
matéria-prima dessa investigação.
Na próxima seção, relatamos justificativas para o ensino da Teoria da
Relatividade presentes na literatura específica e complementamos com nossos
argumentos a favor desta inserção.
1.2 Por que Relatividade no Ensino Médio?
Apesar de considerarmos essencial a reformulação do currículo de Física em
nível médio, acreditamos que a escolha dos temas a serem abordados é de grande
importância. O ensino de Física para a escola média não tem como fim principal a
formação de cientistas e de futuros pesquisadores, mas sim, dar condições ao estudante
para compreender melhor a sua realidade e participar ativamente das transformações de
sua sociedade, isto é, ser capaz de exercer sua cidadania (CAVALCANTE, 1999).
Citando mais uma vez a atualização dos PCNEM:
A presença do conhecimento de Física na escola média ganhou um novo sentido a partir das diretrizes apresentadas nos PCNEM. Trata-se de construir uma visão da Física voltada para a formação de um cidadão contemporâneo, atuante e solidário, com instrumentos para compreender, intervir e participar na realidade. Nesse sentido, mesmo os jovens que, após a conclusão do ensino médio, não venham a ter mais qualquer contato escolar com o conhecimento em Física, em outras instâncias profissionais ou universitárias, ainda terão adquirido a formação necessária para compreender e participar do mundo em que vivem (PCNEM+, 2002, p. 59).
Nessa perspectiva, faz-se necessária uma análise cuidadosa de quais conteúdos
de Física Moderna e Contemporânea poderiam ser inseridos no Ensino Médio. Essa
inserção não pode ser justificada simplesmente pela necessidade de uma atualização
curricular, mas sim, legitimada através de uma apreciação da relação custo-benefício
23
engendrada pela inclusão deste ou daquele tópico em um dado momento do
planejamento (overview).
Com o intuito de fazer um levantamento sobre quais conteúdos seriam mais
relevantes e, portanto, deveriam integrar o currículo do Ensino Médio, Ostermann
(1999) realizou um estudo com vinte e dois professores de Física, vinte e dois
pesquisadores em Ensino de Física e cinqüenta e quatro físicos, através de uma técnica
de pesquisa denominada Delphi3. Os participantes da pesquisa responderam a três
questionários, sendo que no primeiro solicitou-se, através de uma pergunta aberta, quais
seriam os tópicos de Física Moderna e Contemporânea que deveriam ser ensinados na
escola média. Num total de vinte temas, o mais sugerido foi a Mecânica Quântica
(63%), seguida da Relatividade (50%). Em uma outra etapa, partindo dos temas listados
no primeiro momento, os participantes foram questionados sobre a importância de
ensinar os diversos tópicos: 61,8% concordam que relatividade restrita deva ser
ensinada, 18,4% não opinaram e 19,8% discordam. Em um terceiro questionário, os
entrevistados tiveram a oportunidade de rever suas opiniões, contrastando-as com os
resultados apresentados nas etapas anteriores. Essa pesquisa mostra que a comunidade
científica espera que os temas em foco façam parte do currículo de Física do Ensino
Médio; mostra também que a Teoria da Relatividade Restrita, em particular, aparece
com uma das áreas mais importantes a serem abordadas.
Borghi, De Ambrosis e Ghisolfi (1993) acreditam que conceitos da relatividade
devam fazer parte do Ensino Médio pelas seguintes razões:
valor cultural desta teoria;
possibilidade de lidar com seus conceitos básicos sem a necessidade de
um tratamento matemático sofisticado;
3 Esta técnica pode ser caracterizada como um método para estruturar um processo de comunicação grupal a fim de que seja efetivo em permitir que um grupo de indivíduos, como um todo, enfrente um problema complexo (LINSTONE e TUROFF apud OSTERMANN, 1999, p. 41).
24
promover um intenso envolvimento dos estudantes;
reconhecimento dos processos que envolvem a passagem de uma teoria
científica para outra;
importância de constatar como uma teoria física pode estar desvinculada
do senso comum e de experiências cotidianas.
Para Villani e Arruda (1998), a inserção da Relatividade Especial no Ensino
Médio não deve ter como objetivo provocar uma mudança conceitual nos estudantes, no
sentido de fazer com que os mesmos alterem sistematicamente sua maneira de analisar
fenômenos físicos. Com esta inserção, os autores esperam que
os alunos percebam a existência e os aspectos essenciais de uma
mudança conceitual na história da ciência para que os mesmos compreendam que esta mudança permitiu avanços na tecnologia moderna [...] e que uma grande importância seja dada às discussões das diferenças entre as idéias clássicas, de um lado, e as modernas provenientes da relatividade, do outro (VILLANI e ARRUDA, 1998, p. 94).
Rodrigues (2001) aponta que a justificativa para essa inserção não permeia o
apelo para a compreensão de avanços tecnológicos presentes em nossa sociedade, como
no caso da Física Quântica. O autor elenca três principais objetivos:
1. a mudança de padrão de raciocínio e interpretação da realidade aliada à abstração e sofisticação do pensamento, graças à concepção de tempo como uma quarta dimensão;
2. a possibilidade de essa teoria servir de porta de entrada para outros tópicos da Física Moderna e Contemporânea;
3. a necessidade de abordagem de um tema tão presente na sociedade através da divulgação científica (RODRIGUES, 2001, p. 22).
Esse autor enfatiza, particularmente, o terceiro item, defendendo que devido ao
fato de o ícone Einstein estar freqüentemente presente na mídia, no marketing e nos
artigos de divulgação, existe um interesse natural despertado nos alunos. Moreira e
Studart (2005) apontam que o misticismo em torno do carismático cientista deve-se, em
parte, a sua atuação pessoal na popularização de suas idéias por meio de seus ensaios,
artigos de revisão e palestras de divulgação científica. Em outra parte, deve-se à
25
contestação, de comentários a críticas, à complexidade dos conceitos físicos, filosóficos
e matemáticos de suas obras (MOREIRA e STUDART, 2005).
Uma justificativa interessante para a inserção da Teoria da Relatividade Restrita
é que, através dela, o aluno poderá ter uma visão mais abrangente do dinamismo da
ciência. Köhnlein e Peduzzi (2005) aplicaram um módulo didático em uma turma de
segundo ano do Ensino Médio, tendo essa teoria como pano de fundo para discutir com
os alunos a natureza da ciência e as características do fazer científico. Em uma primeira
etapa, foi aplicado um questionário que constatou que as idéias dos alunos estavam
inspiradas na visão empirista-indutivista. Segundo os autores, após as atividades
desenvolvidas, as respostas dos alunos ao instrumento apresentaram, de forma geral,
uma diferença considerável. Especificamente sobre o uso da Relatividade Restrita como
conteúdo norteador da discussão, os mesmos justificam sua inserção no nível médio:
Esta proposta sugere igualmente que introduzir a Teoria da Relatividade Restrita no Ensino Médio pode ser uma alternativa para quem deseja ir além do mero algoritmo e de alguns experimentos, ou seja, para quem busca tornar a Física mais interessante para o aluno. Cabe ressaltar a importância e a riqueza do tema para explorar períodos de crises e revoluções científicas, para discutir o papel da comunidade científica na construção das teorias e para mostrar que o conhecimento científico não é imutável, e sim uma construção humana que está sujeita a contestações e modificações (KÖHNLEIN e PEDUZZI, 2005, p. 64).
Conforme mencionado anteriormente, a inserção da relatividade restrita no
Ensino Médio não pode ser diretamente justificada com base na sua associação com os
principais avanços tecnológicos ocorridos no século XX. Os efeitos da dilatação
temporal e da contração das distâncias, por exemplo, podem ser seguramente
desprezados no cotidiano. Entretanto, justamente por transcender a realidade sensorial
imediata, acreditamos que a relatividade possa contribuir para ampliar a visão de mundo
dos estudantes. Nesse sentido, concordamos com Moreira ao afirmar:
26
[...] é um erro ensinar Física sob um único enfoque, por mais atraente e moderno que seja. Por exemplo, ensinar Física somente sob a ótica da Física do cotidiano é uma distorção porque, em boa medida, aprender Física é, justamente, libertar-se do dia-a-dia (MOREIRA, 2000, p. 95).
Helm e Gilbert (1985) defendem que as experiências de pensamento, ou
Gedankenexperimente, têm desempenhado um importante papel na história da Física e
que por incentivarem a imaginação, são essenciais para o ensino de Física.
Especificamente para o caso da relatividade, estas são fundamentais para a base da
teoria, devido à impossibilidade de realizar experiências com velocidades próximas à da
luz. Einstein propôs uma série de experiências pensadas, dentre elas, trens se
deslocando em altas velocidades, definição de simultaneidade baseada na
emissão/recepção de raios de luz, perseguição de um raio de luz. Portanto, visando a um
ensino que seja capaz de promover uma ampliação da capacidade de abstração dos
estudantes do Ensino Médio, a relevância da abordagem dos conceitos essenciais da
teoria da relatividade é evidente.
A preocupação com o ensino da Teoria da Relatividade Restrita também está
presente no ensino superior. Diversos autores já relataram dificuldades enfrentadas ao
tratar o tema. Arruda (1994) discute a questão da plausibilidade da teoria,
especificamente do postulado da constância da velocidade da luz, para os alunos. A
aceitação de algumas idéias centrais da teoria se dá devido à autoridade dos livros, dos
professores ou mesmo da comunidade física, e não porque as mesmas são significativas
para os estudantes. Nas palavras do autor:
[...] podemos dizer que a teoria como um todo (postulados e principais conseqüências) não é inicialmente plausível devido principalmente às suas características contra-intuitivas, ou seja, por divergir da visão do senso comum, não encontrando suporte na ecologia conceitual do aluno. Isso pode ocorrer devido ao comprometimento do aluno com as noções absolutas de espaço e tempo ou, no caso dos paradoxos (dilatação/contração), à compreensão insuficiente dos mesmos, considerados às vezes como tendo realidade apenas aparente (ARRUDA, 1994, p. 18).
27
Pietrocola e Zylbertsztajn (1999) constataram deficiências semelhantes no que
diz respeito à compreensão da Teoria da Relatividade Restrita. Com o objetivo de
verificar a utilização do Princípio de Relatividade por alunos de um curso de graduação
em Física, os autores propuseram diversas situações idealizadas. Os estudantes
deveriam se imaginar no interior de um trem que andava ora rápida, ora lentamente, e
responder sobre as eventuais mudanças no comportamento dos fenômenos em virtude
do movimento do trem. As situações propostas envolviam dinâmica dos corpos,
hidrostática, termologia, eletricidade, magnetismo, óptica e som. Segundo os autores,
[...] o resultado que mais surpreendeu nessa pesquisa foi a
ausência de menção explícita ao Princípio de Relatividade nas respostas. Não foi possível detectar em nenhuma delas argumentos relativísticos que explicassem a inexistência de mudanças nos fenômenos apresentados (PIETROCOLA e ZYLBERTSZTAJN, 1999, p. 274).
Ainda na mesma pesquisa, algumas respostas mostraram que certos alunos
utilizaram conceitos relativísticos como dilatação do tempo, contração do comprimento
e aumento de massa inercial de forma bastante equivocada.
Esses alunos demonstraram ter um conhecimento superficial da
teoria, e ao incorporarem alguns conceitos da mesma à sua estrutura interpretativa chegaram a conclusões contrárias daquelas preditas pela Teoria da Relatividade (PIETROCOLA e ZYLBERTSZTAJN, 1999, p. 272).
Estudos desenvolvidos por Santos (1986) e Villani e Pacca (1990) constatam
que os alunos acreditam haver um tempo real e tempos aparentes, evidenciando assim,
a crença na existência de um referencial privilegiado para a marcação do tempo. Na
reinterpretação dos conceitos de tempo e espaço, concordamos com Rodrigues, quando
o mesmo assegura que
28
A Teoria da Relatividade altera substancialmente a nossa percepção de espaço e tempo, adentrando em terrenos e previsões até então exploradas apenas de forma fictícia. Os fenômenos presentes no cotidiano passam a possuir um status diferenciado, uma vez que se tornam apenas particularidades frente ao universo das velocidades. Por outro lado, o leque de fenômenos que se abre rumo às velocidades mais altas amplia a visão e a compreensão do universo (RODRIGUES, 2001, p. 21).
Experiências, como as descritas anteriormente, mostram que ainda existe um
campo vasto a ser explorado. Acreditamos que, ao incorporar conceitos, conseqüências
e interpretações da Teoria da Relatividade no currículo de Física do Ensino Médio,
podemos contribuir para uma ampliação da percepção de mundo dos estudantes,
mostrando que a Física Moderna trata de fenômenos que, muitas vezes, fogem da nossa
experiência imediata e também para desmistificar esta ciência, caracterizando-a como
construída historicamente por seres humanos. Além disso, pensamos que essa inserção
contribua para melhorar a assimilação e compreensão da Teoria da Relatividade para os
futuros graduandos em ciências exatas.
No próximo capítulo, delineamos a fundamentação teórica para a concepção de
nossa seqüência didática apresentando nossa concepção sobre o processo de ensino-
aprendizagem, fundamentando histórica e epistemologicamente o surgimento da Teoria
da Relatividade e sintetizando algumas propostas para o ensino da mesma, presentes na
literatura específica.
29
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA PARA A ELABORAÇÃO DA SEQÜÊNCIA DIDÁTICA
2.1 Construtivismo, Mudança Conceitual e Perfil Conceitual
Vários pesquisadores e educadores têm direcionado seus esforços na tentativa de
identificar as complexas variáveis que envolvem a aprendizagem dos conceitos
científicos. Está bem estabelecido que as estratégias de ensino devam levar em conta o
que os alunos pensam e que ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua produção ou sua construção (FREIRE, 1996).
No intuito de implementar essas estratégias, é imperativo considerar como o
conhecimento é construído pelo indivíduo. Os estudos de Jean Piaget foram pioneiros
nessa área. Partindo de uma analogia com o processo de adaptação dos organismos
biológicos ao meio ambiente, Piaget defende que o desenvolvimento intelectual se dá
através de um processo de adaptação da estrutura cognitiva do indivíduo aos novos
fenômenos e conceitos, com os quais o mesmo tem contato ao longo de seu
desenvolvimento. Esta adaptação é, então, realizada sob duas operações: assimilação e
acomodação.
A assimilação é o processo cognitivo pelo qual um indivíduo incorpora um novo
dado às suas estruturas cognitivas prévias (LIMA, 1998). Assim, quando a criança
vivencia novas experiências, tenta adaptar esses novos estímulos às estruturas
cognitivas que já possui. Piaget define a assimilação como:
[...] uma integração à estruturas prévias, que podem permanecer
invariáveis ou são mais ou menos modificadas por esta própria integração, mas sem descontinuidade com o estado precedente, isto é, sem serem destruídas (PIAGET, 1996, p. 13).
30
Por outro lado, a nova informação pode não ser adaptável à estrutura existente, e
sua integração leva, neste caso, a um rearranjo na estrutura cognitiva. Piaget define esse
processo por acomodação
Chamaremos acomodação (por analogia com o acomodatos biológico) toda modificação dos esquemas de assimilação sob a influência de situações exteriores (meio) aos quais se aplicam (PIAGET, 1996, p. 13).
Estes dois processos estão intimamente relacionados. Enquanto a assimilação é
sempre feita a partir da adaptação a esquemas acomodados anteriormente, sedimentados
nos constructos cognitivos do sujeito, a acomodação se dá contra esses esquemas, pela
assimilação da informação nova que os perturba. A nova estrutura é vista como superior
à antiga, promovendo o progresso da construção do conhecimento. No momento em que
um fato novo provoca uma perturbação, três tipos de comportamento são
desencadeados: alfa, beta e gama.
O primeiro deles constitui a conduta inicial frente à perturbação, consistindo na
tentativa de neutralização da mesma, negligenciando-a ou afastando-a. Entretanto, o
equilíbrio resultante desse comportamento é instável. O comportamento beta inicia-se
pelo reconhecimento da perturbação como tal, implicando na busca por alterações no
esquema prévio pela formulação de explicações específicas. Assim, o elemento
perturbador passa a incorporar uma nova estrutura reorganizada. A reestruturação
iniciada em beta é consolidada no comportamento gama, à medida que esta nova
estrutura é utilizada para fazer previsões e interpretar outros fenômenos. O equilíbrio é
restabelecido e o que anteriormente era visto como uma perturbação passa a ser parte
integrante do esquema atual.
Na primeira fase, a alfa, o indivíduo prefere negar a perturbação, ou seja,
procura argumentos incipientes para o seu acontecimento, mas não abandona a teoria
anterior. Na fase seguinte, percebe que não é mais possível ignorar a perturbação e
31
passa a criar novas estruturas de raciocínio para explicá-la. Quando a nova teoria é
utilizada para prever e antecipar possíveis variações, a reorganização está completa
(fase gama), dispondo a reequilibração da estrutura cognitiva.
Apesar de objetivar o alcance das fases beta e gama, algumas vezes uma
perturbação suficientemente grande não possibilita ao indivíduo superar a fase alfa, em
função da resistência natural à mudança. Deve-se, portanto, considerar um outro tipo de
perturbação além da conflitiva, a perturbação lacunar. Esta perturbação ocorre quando o
sujeito nota que faltam objetos, condições ou informações para realizar uma ação. Neste
caso, a reformulação da teoria se dá por complementações e reforços, não por correções.
É importante ressaltar que a teoria de Piaget é uma teoria de aprendizagem e não
de ensino-aprendizagem. Seus esforços foram destinados à análise do processo de
evolução do conhecimento do indivíduo a partir da interação do mesmo com o objeto
em si e não especificamente pelo processo de ensino. Em outras palavras, essa teoria
não se constitui num método de atuação para a sala de aula, mas o seu conhecimento
permite repensar a investigação pedagógica e oferecer princípios estruturadores para a
intervenção didática.
Posner et al. (1982) propõem, no início da década de 80, um modelo de ensino
visando incorporar a aprendizagem piagetiana, o denominado Modelo de Mudança
Conceitual. Os autores procuraram analogias entre o processo de mudança de uma
teoria científica para outra, ao longo da história da ciência, e a forma como as
concepções prévias dos estudantes são substituídas pelo conhecimento científico
durante o processo educacional (POSNER et al., 1982). Utilizando a mesma
terminologia da teoria piagetiana, o processo de mudança conceitual apresenta duas
fases: a primeira, denominada assimilação, ocorre quando os alunos utilizam suas idéias
prévias para interpretar os novos fenômenos propostos, enquanto a segunda,
32
denominada acomodação, ocorre quando os mesmos percebem que suas concepções
iniciais são insuficientes e inadequadas para interpretar o fenômeno novo,
reorganizando ou substituindo seus conceitos centrais (POSNER et al., 1982). Existem
quatro condições básicas para que ocorra a acomodação:
1 - Insatisfação: os cientistas e os estudantes tendem, provavelmente, a não fazer grandes mudanças em seus conceitos, enquanto estiverem satisfeitos com as suas concepções prévias. 2 - Inteligibilidade: o indivíduo precisa compreender a sintaxe, o modo de expressão, o significado, o sentido, os termos e os símbolos utilizados pela nova concepção. O uso de analogias e metáforas pode auxiliar nesse processo. 3 - Plausibilidade: os novos conceitos adotados devem, pelo menos, ser capazes de resolver os problemas gerados pela concepção predecessora. Caso contrário, não parecerá uma escolha plausível. 4 - Frutificação: a nova teoria deve abrir a possibilidade de que novos conceitos sejam estendidos a outros domínios, revelando novas áreas de questionamento (POSNER et al., 1982, p. 214).
Além dessas quatro condições, este trabalho estabelece que a aprendizagem
envolva um elemento adicional. Tendo em vista que o processo de questionamento e
aprendizagem ocorre contra a base de fundo dos conceitos correntes do indivíduo, os
mesmos não têm a possibilidade de existir isoladamente, mas, tão somente, inseridos
numa estrutura conceitual, que lhes dá sustentação (AGUIAR JR, 1998). De maneira
particular, naquilo que se refere à reorganização ou mudança conceitual, devem também
ser consideradas, nesse processo, as características da ecologia conceitual dos
estudantes, a saber:
1. Anomalia: o caráter específico das falhas de uma dada idéia é uma importante parte da ecologia que faz com que se selecione uma nova idéia sucessora. 2. Analogias e Metáforas: servem para sugerir novas idéias e torná-las inteligíveis. 3. Compromissos Epistemológicos: a) Ideais Explanatórios: a maioria dos campos de estudo tem pontos de vista específicos do conteúdo que deve ser considerado como explicação e como padrão de julgamento no campo. b) Visão Geral sobre o Caráter do Conhecimento: alguns padrões que são levados em conta para que um assunto tenha sucesso – a elegância, a economia, a parcimônia, não ser ad hoc e parecer neutro. 4. Crenças e conceitos metafísicos: crenças a respeito de um ordenamento, simetria, não aleatoriedade do universo, podem resultar
33
numa visão epistemológica e podem vir a selecionar ou rejeitar tipos particulares de explicações. Os conceitos científicos apresentam uma qualidade metafísica, isto é, podem fazer acreditar que eles representam a natureza última do universo e, por conseqüência, seriam imunes às refutações. 5. Outros conhecimentos: conhecimentos em outros campos podem influenciar a escolha de fenômeno para estudo ou, um conceito que compete com um outro, pode vir a ser selecionado em razão de ser mais promissor do que os seus competidores (POSNER et al., 1982, p. 214-215).
Assim, segundo este modelo, as quatro condições anteriores acrescidas da
caracterização da ecologia conceitual dos indivíduos tendem a assegurar o sucesso da
ocorrência de uma mudança conceitual nos estudantes. Nesse sentido, mudança
conceitual virou sinônimo de aprender ciência (MORTIMER, 1996).
Por outro lado, muitos pesquisadores já apontam críticas e desvantagens do
mesmo, algumas das quais abordamos na seqüência.
Uma das premissas desta metodologia consiste em, no início de uma aula, ou de
uma seqüência didática, gerar um conflito cognitivo para provocar uma perturbação,
conflitiva ou lacunar, nas estruturas cognitivas dos estudantes, objetivando desencadear
o processo de reequilibração. Porém, muitas vezes, esses conflitos não são reconhecidos
pelos alunos, uma vez que os mesmos precisariam dominar aspectos da nova teoria para
que pudessem identificar essas anomalias e contra-exemplos. Exemplos disso podem ser
encontrados na própria história da ciência. De acordo com o epistemólogo Imre
Lakatos, uma determinada anomalia só é reconhecida como tal, após uma nova teoria
ter sido estabelecida, ou seja, um experimento não é considerado como crucial no
momento em que ele ocorre, mas sim, retrospectivamente. O resultado negativo da
experiência de Michelson-Morley, por exemplo, seria reconhecido como um
experimento crucial a favor da teoria de Einstein, anos depois do desenvolvimento da
mesma.
34
Outros autores apontam para o caráter gradual e evolucionário das mudanças
conceituais. Villani (1992) destaca elementos reveladores das resistências dos alunos à
mudança e conclui que a aprendizagem efetiva em Ciências não envolve apenas
mudanças nos conceitos, mas na natureza das questões formuladas, nas entidades
básicas envolvidas, nos métodos e na direção a ser perseguida na aprendizagem.
Preconiza, também, o não-abandono das idéias prévias, mas sim, um processo lento de
mudanças tanto para novos modos de raciocínio quanto para demandas epistemológicas
e valores cognitivos (VILLANI, 1992). Nesse sentido, não se deveria esperar que os
estudantes considerassem necessária uma reestruturação de suas concepções, a partir de
uma situação conflitiva, uma vez que os mesmos não teriam condições de reconhecê-la
como tal. Discussões improdutivas ante a uma situação aparentemente perturbadora
seriam reflexo desta não-identificação.
Considerando a dificuldade de usar uma estratégia de conflito desde o início de
uma seqüência, Rowell e Dawson (1984) optam por começar construindo a melhor
teoria para que, depois, o estudante perceba a necessidade de substituir suas concepções
prévias. Segundo os autores, dessa forma, a substituição das mesmas pareceria mais
plausível para os estudantes.
Uma outra questão bastante polêmica do construtivismo é a crença de que, a
partir das idéias de senso comum dos estudantes, poder-se-ia dar um salto rumo ao
conhecimento científico. Esta postura encara o aluno já como um cientista e
supervaloriza suas explicações e idéias prévias (SOLOMON apud MORTIMER, 1996,
p. 23). Scott (1993) constata que as explicações dos alunos a fenômenos relacionados
com a pressão atmosférica não auxiliam a construção de uma explicação científica, pelo
contrário, dificultam a sistematização por noções apriorísticas, como a idéia de vácuo e
a ação humana de sugar.
35
Apesar de termos apresentado, sinteticamente, algumas das críticas ao ensino
construtivista segundo o Modelo de Mudança Conceitual de Posner, defendemos que as
explicações dos estudantes desempenham sim, um papel fundamental no processo de
ensino e são essenciais para o desenvolvimento e análise dos resultados de nossa
seqüência didática, direcionando o constante replanejamento da mesma. Entretanto,
pensamos que alguns aspectos desse modelo de mudança conceitual precisam ser
repensados. Será que, por melhor que seja conduzido o processo educacional, os alunos
realmente abandonam suas concepções prévias e as substituem pelas idéias científicas?
Este deve ser o objetivo do ensino de ciências?
Não se constitui em novidade o fato de que as pessoas possam exibir diferentes
formas de representar a realidade à sua volta (MORTIMER, 1996, p. 32). Terrazzan
aventa que a proposição de troca de conceitos ou significados deveria ser substituída
pela coexistência dos mesmos:
Para o avanço das pesquisas sobre processos cognitivos,
considero imprescindível que se estabeleçam paralelos entre as idéias, imagens e modelos [...] utilizando a idéia de discriminação de significados e a noção de patamares de concretude apontada por Machado (TERRAZZAN, 1994, P. 134).
Dependendo da situação, o indivíduo pode utilizar diferentes concepções e
representações para interpretar os fenômenos. Essa noção de diversidade de
conceituações para a realidade é proposta por Bachelard (1990). Traçando um paralelo
entre as visões de ciência, a partir de uma análise histórica e epistemológica da evolução
da mesma, este autor propõe a noção de perfil epistemológico. Nesta perspectiva, o
progresso epistemológico e a superação de um conhecimento anterior não implicam o
abandono completo daquilo que foi superado em relação a cada conceito científico.
Uma pessoa apresenta um perfil, o qual caracterizará o pensar sobre o referido conceito.
Numa escala crescente de abstração, os níveis do perfil são:
36
i) realismo ingênuo (animismo) – é o pensamento de senso comum; associado à realidade sensorial imediata;
ii) empirismo – está associado à utilização de instrumentos para esta medida;
iii) racionalismo clássico – neste, os conceitos se relacionam de uma forma mais racional, não estando mais tão vinculados a experiências sensoriais;
iv) racionalismo completo – em que as relações entre grandezas se tornariam ainda mais complexas e
v) racionalismo discursivo – trazendo os avanços mais recentes da ciência como estudos sobre sistemas não-lineares, fractais e caos (BACHELARD, 1990, p. 25).
Desta forma, cada filosofia fornece apenas uma banda do espectro nocional, e é
necessário agrupar todas as filosofias para termos o espectro nocional completo de um
conhecimento particular (BACHELARD, 1990, p. 66). Bachelard (1990) designa,
também, a constituição de obstáculos epistemológicos, afirmando
O nosso racionalismo simples entrava o nosso racionalismo
completo e, sobretudo, o nosso racionalismo dialético. Eis uma prova de como as filosofias mais sãs como o racionalismo newtoniano e kanteano podem, em determinadas circunstâncias constituir um obstáculo ao progresso da cultura (BACHELARD, 1990, p. 59).
Em outras palavras, o empirismo das primeiras impressões é contraditório com o
conhecimento científico e a necessidade de valorização da abstração aponta a
experiência imediata como um obstáculo ao desenvolvimento da mesma (LOPES,
1996). Bachelard complementa ainda
Não se trata de considerar os obstáculos externos, como a complexidade ou a fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a debilidade dos sentidos ou do espírito humano: é no ato mesmo de conhecer, intimamente, onde aparecem por uma espécie de necessidade funcional, os entorpecimentos e as confusões. É aí onde mostramos as causas do estancamento e até do retrocesso, é aí onde discerniremos causas de inércia que chamaremos obstáculos epistemológicos (BACHELARD, 1996, p. 15).
Inspirado nas implicações da interpretação dessas contribuições à luz do
processo de ensino-aprendizagem, preconizadas pelo próprio Bachelard, Mortimer
(1996) defende que a aprendizagem de ciências deve promover uma ampliação na forma
37
como os estudantes interpretam essa realidade. Com o objetivo de construir um modelo
para descrever a evolução das idéias dos estudantes, tanto em nível individual como no
espaço da sala de aula, em decorrência do processo de ensino, Mortimer propõe a noção
de perfil conceitual (MORTIMER, 1994). Segundo este autor, este conceito seria mais
adequado para estudar a dinâmica da aprendizagem em ciências devido aos seus
compromissos didáticos. As zonas do perfil poderiam variar de um conceito para outro.
A noção de perfil conceitual é reexaminada por Mortimer (2001), a partir de estudos de
sociolingüística. Segundo essa interpretação, os conceitos emergem da comunicação
humana, sendo inevitavelmente impregnados por múltiplas perspectivas.
Martins (2004) contesta as diferenças entre o perfil conceitual proposto por
Mortimer e o epistemológico de Bachelard. Segundo este autor, não existem motivos
concretos para se adotar uma terminologia diferente, uma vez que se trataria da mesma
noção. Ferreira (1999) aponta semelhanças entre as duas terminologias, como a
hierarquia entre as diferentes zonas, mas distingue diferenças como, no caso do perfil
conceitual, privilegiar determinados mediadores e linguagens sociais enquanto mais
adequados a determinados contextos. Não objetivando discutir mais profundamente
estas diferenças, decidimos adotar a noção de perfil conceitual principalmente por seus
compromissos pedagógicos e pela possibilidade de uma maior flexibilização das
categorias do perfil.
Dessa forma, adotamos a concepção de aprendizagem como sendo a evolução
das zonas de um perfil conceitual e a construção de novas zonas, quando pertinente,
estabelecendo uma coexistência de noções, aplicáveis em diferentes contextos, de
acordo com a proposta de Mortimer (1994).
Um outro aspecto muito importante a acrescentar é que a tomada de consciência
pelo estudante, de seu próprio perfil, é fundamental no processo de ensino-
38
aprendizagem, pois oportuniza privilegiar determinados mediadores e linguagens
sociais, como aqueles mais adequados a determinados contextos (MORTIMER, 1994).
Em outras palavras, queremos que um aluno perceba que determinadas concepções e
conceitos são diferentes cientificamente e que seja capaz de usar as diferentes noções
em situações convenientes.
A tomada de consciência referida propugna um acompanhamento crítico, pelo
próprio aprendiz, do processo de assimilação das concepções, modelos e teorias,
apontando para o desenvolvimento da metacognição. Num modelo que conceba a
coexistência de diferentes formas de organização do concreto a partir de diferentes
sistemas de abstração mediadores (MACHADO apud TERRAZZAN, 1994, p. 135)
num mesmo nível, a metacognição privilegia a ativação e a recuperação de conteúdos e
significados, de forma autônoma e consistente (TERRAZZAN, 1994).
Nesse trabalho, adotamos elementos desta abordagem, nos propondo, entre
outros objetivos, a analisar a ampliação das zonas do perfil conceitual de tempo dos
estudantes, através do contato com a noção de tempo relativístico. Diante do exposto,
não almejamos, naturalmente, que os estudantes abandonem suas concepções prévias
acerca do conceito de tempo, mas, sim, que os mesmos ampliem essas concepções e que
sejam capazes de utilizar, conscientemente, as diversas noções em contextos
apropriados. Partimos agora para busca por estratégias de ensino que estejam de acordo
com a nossa concepção de ensino-aprendizagem. Assim, na seção seguinte, discutimos
sobre o papel do professor no processo de ensino, analisamos as influências das
interações sociais entre os pares na aprendizagem do indivíduo e detalhamos uma
abordagem de ensino que julgamos essencial para o desenvolvimento de nossas
atividades em sala de aula.
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2.2 Abordagem Sócio-Interacionista e Momentos Pedagógicos
Na seção anterior, sintetizamos a teoria da reequilibração de Piaget, a qual se
destina a analisar o processo da construção do conhecimento através de processos
desencadeados nas estruturas cognitivas do sujeito. Entretanto, ao analisar a dinâmica
desta construção no ambiente escolar, é essencial considerar a importância da interação
do aluno com seus pares e do papel do professor neste processo (GARRIDO, 1996).
A escola é, certamente, uma experiência organizadora central na vida do
indivíduo. O caráter polissêmico da educação escolar é evidenciado desde a aquisição
de informações, o domínio de novas habilidades, o aperfeiçoamento das já adquiridas,
até a exploração de opções, do trato social, assim como da oportunidade de convivência
com pessoas cuja experiência vai além da de seu grupo de pertença. Nesta perspectiva, a
escola é um dos agentes que amplia horizontes intelectuais e sociais do cidadão.
A concepção da escola como um contexto propício para a construção e a
apropriação de conhecimentos e, conseqüentemente, da cidadania, segundo Bolzan
(2002), leva à suposição da relevância da aprendizagem mediada para a construção dos
saberes de professores e dos alunos, favorecendo a consolidação dos processos
cognitivos de ambos.
Nesse sentido, Vygotsky (1994) aponta que o processo de desenvolvimento
intelectual na instrução escolar não se define pelo estado de desenvolvimento atual do
indivíduo, mas pela relação entre o desenvolvimento real e potencial. Desta forma, o
conceito de zona de desenvolvimento proximal da teoria vygotskiana é fundamental. O
autor identifica dois níveis de desenvolvimento cognitivo: o real, referente às conquistas
já efetivadas pela criança, ou seja, aquilo que a mesma é capaz de fazer de forma
autônoma; e o potencial, relacionado às capacidades em vias de serem construídas a
partir da colaboração de outros elementos de seu grupo social, isto é, a capacidade de
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aprender com outra pessoa. Dessa forma, a zona de desenvolvimento proximal é
definida como a distância entre aquilo que a criança faz sozinha (nível de
desenvolvimento real) e o que ela é capaz de fazer com a intervenção de um adulto
(nível de desenvolvimento potencial). Segundo Vygotsky,
a zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. [...] O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente (VYGOTSKY, 1994, p. 113).
Aprendizado e desenvolvimento são indissociáveis, uma vez que a
aprendizagem possibilita a construção do conhecimento, através da coordenação dos
esquemas constituídos (BOLZAN, 2002). O conhecimento é gerado e co-construído
coletivamente, na interatividade entre pessoas. Para Vygotsky (1995), as tarefas
conjuntas provocam a necessidade de confrontar pontos de vista, oportunizando uma
descentralização cognitiva e se traduzindo no conflito sócio-cognitivo, o qual mobiliza
as estruturas intelectuais existentes, em prol de progresso intelectual via reestruturação
das mesmas.
A interação verbal firma-se na linguagem, entendida como um produto social
resultante da cultura, concomitantemente à sua definição enquanto processo individual,
servindo de instrumento para pensar e comunicar. A necessidade de comunicação
durante uma atividade, de transmissão intencional de um pensamento ou experiência
sociocultural entre indivíduos, designa a percepção da linguagem enquanto sistema
mediatizador (BOLZAN, 2002).
O conceito de mediação é central para a teoria vygotskiana, uma vez que o
indivíduo não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado, através de recortes do
real, operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe (REGO, 1995). A mediação é
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um processo dinâmico, no qual se utilizam ferramentas culturais essenciais para
modelar a atividade, e implica um processo de intervenção intencional de, pelo menos,
um elemento em uma relação (BOLZAN, 2002). Segundo Vygotsky (1995), a
apreensão das práticas culturais destaca-se pela análise das ações experienciadas no
plano social (interpsicológico) e sua passagem para ações internalizadas
(intrapsicológico).
O contexto interativo e social é a fonte do desenvolvimento conceitual do
indivíduo e caracteriza a organização da atividade comum e do aprendizado do sujeito.
O papel do professor, no ensino construtivista baseado na teoria da aprendizagem de
Piaget e complementado pela interpretação sócio-interacionista de Vygotsky, é o de
promover as perturbações e guiar o processo de reequilibração através de aproximações
sucessivas ao conhecimento social e historicamente construído e aceito, uma vez que,
sem a sua intervenção, dificilmente os alunos alcançariam à formulações das teorias
científicas. O professor é o responsável por introduzir os alunos na cultura escolar,
servindo de suporte, estímulo auxiliar, e proporcionando seu avanço em relação às
conquistas escolares, atuando, portanto, na zona de desenvolvimento proximal dos
estudantes. Nessa perspectiva, Aguiar Jr e Mortimer destacam o papel da ação docente:
[...] compreendemos os conflitos como um diálogo, nem sempre
harmônico, entre diferentes perspectivas culturais que convivem no seio das sociedades contemporâneas. Nesse sentido, os conflitos não resultam simplesmente da interação entre sujeito e objeto do conhecimento, mas, sobretudo, da emergência de novas exigências epistemológicas introduzidas pelo discurso da ciência, por meio da ação docente. Nas aulas de ciências, freqüentemente, os conflitos emergem como resultado de uma longa e paciente intervenção do professor (AGUIAR JR e MORTIMER, 2005, p. 1).
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A cultura epistemológica4 e o marco institucional dentro do qual se educam os
indivíduos são os fatores, segundo Bolzan (2002), que distinguem o ensino de outros
tipos de processos que envolvem a aprendizagem cultural. O sucesso de uma proposta
abrangendo o trabalho em sala de aula depende do apoio de uma concepção de
aprendizagem adequadamente utilizada e concretizada nas atividades específicas e na
conduta do professor na sua interação com os estudantes (GARRIDO, 1996). Tendo
isso em vista, a metodologia utilizada em nossa intervenção é influenciada pela proposta
de Delizoicov e Angotti (1991). Segundo os autores, a prática docente deve permear três
etapas, denominadas três momentos pedagógicos: problematização inicial, organização
do conhecimento e aplicação do conhecimento. Na seqüência, caracterizamos cada uma
dessas, detalhando elementos de sua base fundante, sem a intenção de apresentar um
tratamento detalhado e exaustivo, uma vez que este modelo é amplamente analisado na
literatura específica.
1° Momento Pedagógico: Problematização Inicial
Inspirado na concepção freireana de ensino-aprendizagem, o primeiro momento
pedagógico corresponde a uma caracterização dos grupos com quem se trabalha.
Segundo Mizukami,
A busca do tema gerador objetiva explicitar o pensamento do homem sobre a realidade e sua ação sobre ela, o que caracteriza sua práxis. Na medida em que os homens participavam ativamente da exploração de suas temáticas, sua consciência crítica da realidade se aprofunda (MIZUKAMI, 1986, p. 100).
4 A cultura epistemológica escolar é definida como a maneira própria de compreender e manifestar a teoria assumida em ação (BOLZAN, 2002, p. 26).
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Dessa forma, no primeiro momento pedagógico, o professor apresenta
questões e/ou situações-problema para a turma e busca as explicações formuladas
pelos estudantes. Esta etapa tem, essencialmente, dois objetivos:
1. Levantar as concepções dos alunos acerca do que vai ser trabalhado, em
concordância com as idéias de Freire, que defende a necessidade de partir do saber de
experiência feito, e de Snyders, que diz que toda ação pedagógica deve partir da cultura
primeira5. Os problemas tratados precisam ser significativos para os estudantes, ou seja,
o professor deve buscar problemas que partam de situações que sejam plausíveis para os
mesmos. Nesse sentido, as perguntas formuladas pelos próprios alunos contribuem
significativamente e devem ser incentivadas pelo professor, ao criar um ambiente
favorável para o surgimento destes questionamentos.
2. Fazer com que os educandos sintam a necessidade de adquirir outros
conhecimentos para explicar as situações propostas. Isto possibilita motivá-los à
construção do conhecimento científico sistematizado.
Terrazzan e Auler destacam que:
Neste primeiro momento, caracterizado pela compreensão e apreensão da posição dos alunos frente ao tópico, é desejável que a postura do professor se volte mais para questionar e lançar dúvidas sobre o assunto que para responder e fornecer explicações (TERRAZZAN e AULER, 1996, p. 29).
Ainda, segundo Mizukami, educador e educando são co-participantes do
processo educativo, cuja essência é a dialogicidade. A cooperação, a união, a
organização e a solução em conjunto dos problemas devem constituir as premissas que
regem a intencionalidade educativa (MIZUKAMI, 1986).
5 Esta cultura primeira deve ser entendida como aquelas formas de cultura que são adquiridas fora da escola, fora de toda autoformação metódica e teorizada, que não são fruto do trabalho, do esforço, nem de nenhum plano: nascem da experiência direta da vida, nós a absorvemos sem perceber (SNYDERS apud TERRAZZAN e AULER, 1996, p. 215).
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2° Momento Pedagógico: Organização do Conhecimento
A sistematização dos conhecimentos de Física, através de definições, conceitos,
relações e leis, é elaborada neste momento. Para concretizá-la, faz-se necessário um
afastamento crítico para o estudo do saber já sistematizado. Este processo de
continuidade/ruptura possibilita romper com os limites presentes na cultura primeira
promovendo o reconhecimento da cultura elaborada (conhecimento historicamente
construído e sistematizado) como mais eficaz para a solução das dúvidas, indagações e
aspirações oriundas da primeira (TERRAZZAN e AULER, 1996).
A efetuação deste afastamento ou distanciamento do objeto cognoscível permeia
a elaboração de uma representação, pela utilização de técnicas como redução e
codificação, implicando em análises num contexto diferente daquele no qual os
educandos vivem (MIZUKAMI, 1986). Ainda, esse afastamento permite interpretar os
aspectos de sua própria experiência existencial, pela retomada, no terceiro momento
pedagógico, das situações geradoras deflagradas no primeiro.
Estes conhecimentos selecionados, transformados em conteúdo
escolar, devem permitir não só a compreensão das situações-problema, inicialmente escolhidas, como também daquelas situações emergentes durante o processo de ensino. Isto se torna possível mediante a (re)construção cognitiva, pelos alunos, dos conhecimentos pertinentes à temática em estudo (TERRAZZAN e AULER, 1996, p. 217).
O contato com a cultura elaborada pode ser feito de várias formas: exposição
dialogada dos conceitos pelo professor, leitura de textos previamente selecionados,
trabalhos extraclasse realizado pelos alunos, apresentação de seminários pelos mesmos,
exposição de vídeos didáticos, realização de experimentos, entre outras. Além do mais,
a utilização de metodologias diferenciadas é extremamente motivadora para o
dinamismo da prática docente e oportuniza um maior envolvimento dos alunos.
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A educação é p