68
UNIVERSIDADE FEDERAL DE S ˜ AO CARLOS CENTRO DE CI ˆ ENCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA PROGRAMA DE P ´ OS-GRADUAC ¸ ˜ AO EM MATEM ´ ATICA O Teorema Wonderland Renato de S´ a Teles ao Carlos - SP novembro de 1998

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO CARLOS˜ CENTRO DE …renato.teles/dissertacaoRENATODESATELES.pdf · Este trabalho tem como principal objetivo fazer um estudo da ... Observemos que esses

  • Upload
    vankien

  • View
    218

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO CARLOSCENTRO DE CIENCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA

PROGRAMA DE POS-GRADUACAO EM MATEMATICA

O Teorema Wonderland

Renato de Sa Teles

Sao Carlos - SPnovembro de 1998

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO CARLOSCENTRO DE CIENCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA

PROGRAMA DE POS-GRADUACAO EM MATEMATICA

O Teorema Wonderland

Renato de Sa Teles

Dissertacao apresentada ao PPG-M daUFSCar como parte dos requisitos paraa obtencao do tıtulo de Mestre emMatematica

Sao Carlos - SPnovembro - 1998

Orientador

Prof. Dr. Cesar Rogerio de Oliveira

ao povo brasileiro,pelo investimento depositado

em minha formacao.

5

Agradecimentos1

Aos meus pais (Sr.Nivaldo e Dona Cidalia) e irmaos (Nilza, Neuza e Ricardo)

pelo apoio incondicional e pela famılia que formamos.

A minha esposa (Vanessa) e minha filha (Beatriz) pelas alegrias e com-

preensao.

Ao Prof.Dr. Cesar Rogerio de Oliveira pela orientacao segura, pela con-

fianca, pelo profissionalismo e pelo auxılio durante todo este trabalho.

Ao Prof.Dr. Dirceu Penteado pela maravilhosa orientacao na graduacao.

A todos professores e funcionarios do DM-UFSCar, que direta ou indireta-

mente participaram da minha formacao profissional.

Aos inesquecıveis amigos da graduacao e pos-graduacao, do passado e do

presente, que tive a imensa felicidade de conhecer.

Pelo trabalho concluıdo, Deus Seja Louvado.

1Este trabalho teve suporte financeiro da CAPES(etapa inicial) e FAPESP(etapa final).

RESUMO

Neste trabalho fizemos um estudo da demonstracao do Teorema “Wonderland”

de Barry Simon e de algumas das suas aplicacoes mais imediatas. Salientamos

que este teorema apresenta condicoes suficientes para que ele- mentos de certos

conjuntos genericos, de operadores auto-adjuntos, possuam espectro singular

contınuo puro. Estudamos ainda algumas estimativas publicadas recentemente

para medidas uniformemente α−Holder; discute-se brevemente a relacao de tais

resultados com Mecanica Quantica.

ABSTRACT

In this work we did a study of the “Wonderland” theorem’s proof due to Barry

Simon and some of its immediate applications. This theorem presents sufficient

conditions for pure singular continuous spectrum for generic sets of self-adjoint

operators. We also study some recent estimates about uniformly α−Holder

measures and briefly discuss its relations with Quantum Mechanics.

Sumario

0 Introducao 2

1 Aplicacoes do Teorema Wonderland 8

1.1 Aplicacoes para Operadores Auto-Adjuntos . . . . . . . . . . . . 8

1.2 Aplicacoes para Operadores Unitarios . . . . . . . . . . . . . . . 13

2 Demonstracao do Teorema Wonderland 20

2.1 Resultados Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

2.2 O Teorema Wonderland . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

2.3 O Teorema Wonderland para Operadores Unitarios . . . . . . . . 35

3 Transformada de Fourier de Medidas Uniformemente

α−Holder 40

3.1 Medidas Uniformemente α−Holder . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

Apendice A - Lema de Riemann-Lebesgue e Lema de Wiener 49

Apendice B - Topicos de Teoria Espectral 53

Apendice C - Convergencia Forte dos Resolventes 57

Referencias Bibliograficas 59

8

Capıtulo 0

Introducao

Este trabalho tem como principal objetivo fazer um estudo da demons-

tracao do teorema Wonderland de Barry Simon (ver capıtulo 2) e de algumas das

suas aplicacoes mais imediatas (ver capıtulo 1), tendo como base a referencia [1].

Fizemos tambem um estudo de algumas estimativas publicadas recentemente

para medidas uniformemente α-Holder (UαH) que possuem aplicacoes interes-

santes em Mecanica Quantica (ver capıtulo 3), baseado nas referencias [2, 4, 5].

O teorema Wonderland e um teorema existencial: ele apresenta condicoes

suficientes para que elementos de certos conjuntos genericos, de opera- dores

auto-adjuntos, possuam espectro singular contınuo puro. Este teorema afirma

que o espectro singular contınuo nao e patologia de comportamento espectral,

como se pensava alguns anos atras. Em termos dos operadores de Schrodinger

(“energia” em Mecanica Quantica) houve, principalmente durante as decadas

de sessenta e setenta, grande preocupacao em dar condicoes suficientes para

a ausencia de espectro singular contınuo, ver [17] e [18], particularmente em

relacao a teoria de espalhamento.

O primeiro exemplo concreto de operador de Schrodinger com espec-

tro puramente singular contınuo foi dado por Pearson, ver [19]. Com o aparec-

imento de outros exemplos constatou-se que o espectro singular contınuo nao

2

3

e tao incomum, como se pensava; mesmo assim pode-se dizer que o teorema

Wonderland foi “surpreendente”. Isso pode se comprovado atraves das recentes

pesquisas em Fısica e Matematica. O seu enunciado e bastante simples, ele

afirma o seguinte: se existem conjuntos de operadores com espectro puramente

absolutamente contınuo e de operadores com espectro puramente pontual, ambos

densos num espaco metrico regular de operadores auto-adjuntos X (aqui regular

significa que X e completo e se An −→ A na metrica de X entao An −→ A no

sentido forte dos resolventes), entao existe um conjunto de operadores com es-

pectro puramente singular contınuo em X que e tıpico de Baire. A demonstracao

deste teorema sera apresentada no capıtulo 2.

Queremos salientar que este teorema tambem vale para espacos me-

tricos de operadores unitarios. Discutiremos no capıtulo 2 as adaptacoes necessarias

para a demonstracao dessa versao.

Nos comentarios acima, assim como em toda esta dissertacao, usa-

mos os termos generico, tıpico de Baire e Gδ denso como sinonimos.

Enunciaremos agora, sem demonstrar (ver demonstracao no capıtulo 1)

uma das aplicacoes do teorema Wonderland que foram estudadas neste trabalho;

isso serve para mostrar um pouco da potencia deste teorema.

Consideremos as sequencias x = xnn∈ZZ em [−a, a]ZZ com a > 0.

Dada uma dessas sequencias arbitraria x definimos a matriz de Jacobi de x (A(x))

por An,n±1(x) = 1, An,n(x) = xn e An,n±k(x) = 0 para k > 1, ver [6]. Temos

que A e um operador auto-adjunto limitado em l2(ZZ). Consideremos agora X

como sendo o conjunto de todas as matrizes de Jacobi em l2(ZZ) tal que

(Au)n = un+1 + un−1 + xnun, u = unn∈ZZ ∈ l2(ZZ)

munindo [−a, a]ZZ com a topologia produto (assim X e um espaco compacto

4

metrizavel), segue entao do teorema Wonderland que o conjunto

A ∈ X|σ(A) = [−a− 2, a+ 2] e σ(A) = σsc(A)

e um conjunto Gδ denso em X, ou seja, o conjunto dos operadores com espectro

puramente singular contınuo igual a [−a−2, a+2] e uma intersecao enumeravel

de abertos densos de X.

Observemos que esses operadores de Jacobi sao muito utilizados em

Fısica. No caso de potenciais periodicos, ou seja, sequencias periodicas xn,

eles modelam o comportamento de eletrons num cristal. No caso de sequencias

aleatorias xn, i.e., os valores de xn sao variaveis aleatorias independentes e

uniformemente distribuıdas em [−a, a], os operadores corres- pondentes mode-

lam o comportamento de eletrons num material amorfo. E bem conhecido que

sequencias xn periodicas levam a espectro absolutamente contınuo, ver [29]

(secao V II.2), responsaveis por condutividade eletrica nao-nula, e sequencias

xn aleatorias levam a espectro pontual com autofuncoes exponencialmente

localizadas, a conhecida localizacao de Anderson, ver [29] (secao V III.4), nesse

caso a condutividade eletrica e nula. O ponto curioso e que tanto as sequencias

periodicas como aquelas que implicam na localizacao de Anderson formam con-

juntos densos em [−a, a]ZZ e, assim, o teorema Wonderland afirma que ha outro

conjunto Gδ denso de sequencias xn correspondendo ao espectro singular

contınuo dos operadores de Jacobi. Do ponto de vista fısico o espectro sin-

gular contınuo esta associado a comportamentos “fracamente nao-localizados”,

um papel intermediario entre espectro pontual (nao-condutores) e espectro ab-

solutamente contınuo (condutores); aı reside sua curiosidade!

Agora pretendemos apresentar uma motivacao para o assunto tratado

no capıtulo 3.

5

Lembremos que uma medida de Borel µ em IR e contınua se ela nao

tem pontos puros e µ e uma medida pontual pura se µ(S) =∑x∈S µ(x) para

todo conjunto de Borel S.

Como toda medida de Borel µ em IR pode ser decomposta em partes

puramente pontual e puramente contınua, e pelo Teorema de Decomposicao

de Lebesgue toda medida de Borel contınua µ em IR pode ser decomposta em

partes puramente absolutamente contınua em relacao a medida de Lebesgue e

puramente singular contınua em relacao a medida de Lebesgue, obtemos pela

combinacao destes dois resultados que toda medida de Borel µ em IR pode

ser decomposta em partes puramente pontual (µpp), puramente absolutamente

contınua (µac) e puramente singular contınua (µsc), ver [11]. A saber,

µ = µpp + µac + µsc.

Usaremos o termo “absolutamente contınua” para nos referir a uma medida

absolutamente contınua em relacao a medida de Lebesgue. Analogamente para

o termo “singular contınua” para nos referir a uma medida singular contınua

em relacao a medida de Lebesgue.

Usando a definicao de Transformada de Fourier para a medida µ (µ)

podemos dar uma caracterizacao parcial para as partes: µpp, µac e µsc.

A primeira caracterizacao e o conhecido lema de Riemann-Lebesgue,

o qual afirma que se µ e uma medida absolutamente contınua, entao µ(t) −→ 0

quando t −→∞.

Um outro resultado relacionado e o lema de Wiener, o qual afirma

que se µ e uma medida de Borel finita em IR, entao 1T

∫ T0|µ(t)|2dt |T |→∞−→ 0

(media do quadrado do valor absoluto de µ(t) tende a zero) se, e somente se, µ

e contınua. As demonstracoes destes dois resultados serao apresentadas no final

6

desta dissertacao no Apendice A.

Faremos agora algumas consideracoes a respeito desses resultados:

(i) Se µ e contınua, ou seja, 1T

∫ T0|µ(t)|2dt |T |→∞−→ 0, e µ(t) 6−→ 0

quando t −→∞, entao µ e singular contınua.

(ii) O lema de Riemann-Lebesgue nao possui inversa, pois a Transfor-

mada de Fourier de medida singular contınua pode ou nao tender a zero quando

t −→∞.

(iii) 1T

∫ T0|µ(t)|2dt

|T |→∞6−→ 0 se, e somente se, µ tem parte pontual.

Nosso proximo passo e apresentar condicoes suficientes para dizer

quando a media do quadrado do valor absoluto da transformada de Fourier

da medida µ tende a zero, isto e, 1T

∫ T0|µ(t)|2dt −→ 0 e gostarıamos tambem de

controlar a velocidade com que isso ocorre; isto sera o objetivo do capıtulo 3.

Adiantando alguns resultados apresentados no capıtulo 3, sejam µ uma medida

finita de Borel em IR, α ∈ [0, 1] e |.| a medida de Lebesgue. µ e uniformemente

α−Holder (UαH), ou α−dimensional, se existe uma constante C > 0 tal que

para todo intervalo I com |I| < 1, temos µ(I) < C|I|α. Apre- sentaremos a

demonstracao (ver [2] e [4]) de que para essas medidas UαH vale a desigualdade

1T

∫ T0|µ(t)|2dt < CµT

−α, sendo Cµ uma constante que depende somente de µ.

Vamos resumir alguns conceitos e resultados que sao utilizados neste

trabalho.

Nesta dissertacao todo espaco de Hilbert sera suposto separavel. Di-

remos que um conjunto G num espaco metrico completo X e um conjunto Gδ

em X se G pode ser representado por uma intersecao enumeravel de abertos de

X, ou seja, G = ∩∞n=1Un, sendo os Un conjuntos abertos em X para todo n.

Se alem de abertos os Un forem conjuntos densos para todo n, entao G e um

conjunto Gδ denso, ou generico ou ainda tıpico de Baire em X. (Do teorema

7

de Baire segue que toda intersecao enumeravel de abertos densos num espaco

metrico completo X e um subconjunto denso em X). Observamos que um con-

junto Gδ nao e necessariamente um conjunto aberto em X. Analogamente, por

passagem para o complementar de G temos a definicao de conjunto Fσ em X

(o complementar do conjunto Gδ), ou seja, F = ∪∞n=1Vn, sendo os Vn conjuntos

fechados em X para todo n.

SeAn(n ∈ IN) eA sao operadores auto-adjuntos num espaco de Hilbert

complexo H, entao An converge para A no sentido forte dos resolventes se

(An − z)−1 converge para (A− z)−1 fortemente para todo z ∈ C \ IR.

Outros conceitos e resultados serao fornecidos ao final desta dissertacao

nos Apendices B e C.

A seguir destacamos algumas notacoes.

H - espaco de Hilbert separavel.

ρ(A) - conjunto resolvente do operador A.

σ(A) - espectro do operador A (o complementar de ρ(A) em C).

σp(A) - espectro pontual do operador A.

σac(A) - espectro absolutamente contınuo do operador A.

σsc(A) - espectro singular contınuo do operador A.

µAψ - medida espectral do operador auto-adjunto A associado ao vetor ψ ∈ H;

por simplicidade denotaremos essa medida apenas por µψ, caso nao haja

possibilidade de confusao.

Capıtulo 1

Aplicacoes do TeoremaWonderland

Apresentaremos aqui duas das varias aplicacoes do teorema Wonder-

land, estudadas na referencia [1], para espacos metricos de operadores auto-

adjuntos e uma aplicacao estudada na referencia [3] que adaptamos como aplicacao

da versao do teorema Wonderland para espacos metricos de operadores unitarios.

1.1 Aplicacoes para Operadores Auto-Adjuntos

Vamos demonstrar agora aquela aplicacao apresentada na Introducao,

mas antes enunciaremos o teorema Wonderland de forma mais detalhada. Lem-

bremos que um espaco metrico de operadores auto-adjuntos X e regular se,

somente se, X e completo e se An −→ A na metrica de X, entao An −→ A no

sentido forte dos resolventes.

Teorema Wonderland

Seja X um espaco metrico regular de operadores. Suponhamos que os conjuntos

A ∈ X|σ(A) = σac(A), A ∈ X|σ(A) = σp(A)

sao densos em X. Entao o conjunto

A ∈ X|σ(A) = σsc(A)

8

9

e um conjunto Gδ denso em X.

Aplicacao 1

Teorema 1.1.1 Sejam a > 0 fixo e X o conjunto das matrizes de Jacobi

(ver [6]) em l2(ZZ) tal que

(Au)n = un+1 + un−1 + xnun, u = unn∈ZZ ∈ l2(ZZ)

sendo xn uma sequencia arbitraria com |xn| ≤ a. Considerando a topologia da

convergencia pontual em [−a, a]ZZ (assim X e um espaco compacto metrizavel),

entao o conjunto

A ∈ X|σ(A) = [−a− 2, a+ 2] e σ(A) = σsc(A)

e um conjunto Gδ denso em X.

Demonstracao

Queremos usar o teorema Wonderland, para isso precisamos mostrar

o seguinte:

(1) O conjunto dos operadores com espectro puramente absoluta-

mente contınuo e denso em X.

(2) O conjunto dos operadores com espectro puramente pontual e

denso em X.

As demonstracoes de (1) e (2) decorrem de resultados bem conhecidos

na literatura.

Dada uma sequencia arbitraria xn em [−a, a]ZZ. Seja dµ def=∏n∈ZZ

12adxn.

Entao µ e uma medida normalizada, pois µ([−a, a]ZZ) = 1 e suporte(dµ) =

[−a, a]ZZ.

10

Seja

D = A ∈ X|σ(A) = [−a− 2, a+ 2] e σ(A) = σp(A),

entao pelos resultados sobre localizacao de Anderson, ver [6] (capıtulo 9) ou [29]

(secao V III.4), segue que µ(X \D) = 0. Por resultado de suporte da medida

µ, temos que D e denso em X. De fato, suponhamos por absurdo que existe um

conjunto aberto O 6= ∅ em X tal que O ⊂ Dc, assim µ(O) > 0 (pois a medida de

Lebesgue do conjunto aberto O e maior que zero), mas isso e uma contradicao,

pois µ(Dc) = 0, implica que µ(O) = 0. Logo, D e denso em X e (2) se verifica.

Resta-nos mostrar que a condicao (1) tambem se verifica. Seja xn

uma sequencia arbitraria em [−a, a]ZZ. Definimos a seguinte sequencia

x(j)n =

xn, se |n| ≤ jyn, se n > |j|

sendo yn periodica de perıodo 2j + 1.

Claramente a sequencia x(j)n −→ xn quando j −→ ∞. Devido a

periodicidade a matriz de Jacobi associada a x(j)n tem espectro puramente abso-

lutamente contınuo, ver [29] (secao V II.2), alem disso, a densidade do conjunto

A ∈ X|σ(A) = [−a− 2, a+ 2] e σ(A) = σac(A)

em X tambem fica provada.

Logo, pelo teorema Wonderland, temos que o conjunto

A ∈ X|σ(A) = [−a− 2, a+ 2] e σ(A) = σsc(A)

e um conjunto Gδ denso em X.

Aplicacao 2

Teorema 1.1.2 Sejam a > 0 fixo e X = A ∈ B(H)|A e um operador auto-

adjunto e ‖A‖ ≤ a um espaco metrizavel completo na topologia forte.

11

Entao o conjunto

A ∈ X|σ(A) = [−a, a] e σ(A) = σsc(A)

e um conjunto Gδ denso em X.

Observacoes

(i) B(H) e o conjunto de todos operadores lineares limitados definidos

em H.

(ii) Seja ϕn∞n=1 uma base ortonormal fixa de H, entao o conjunto

X do teorema 1.1.2 com a metrica

d(A,B) def=∞∑n=1

min1/2n, ‖(A−B)ϕn‖

e um espaco metrizavel completo.

Demonstracao

Vamos aplicar o teorema Wonderland novamente, para isso precisamos

mostrar que valem as seguintes condicoes:

(1) O conjunto dos operadores com espectro puramente absoluta-

mente contınuo e denso em X.

(2) O conjunto dos operadores com espectro puramente pontual e

denso em X.

Consideremos uma base ortonormal φn+∞n=−∞ fixa em H. Seja PN

o operador projecao em φn|n|≤N tal que PN −→ I (operador identidade)

fortemente quando N −→ ∞. Tomemos a sequencia αn ⊂ IQ ∩ [−a, a] e o

operador diagonal B dado por Bφn = αnφn. Entao

PNAPN︸ ︷︷ ︸AN

+(I − PN )B(I − PN )︸ ︷︷ ︸A⊥

N

−→ A

12

fortemente quando N −→∞.

O operador do lado esquerdo tem espectro [−a, a] e ele e pontual puro.

De fato, o operador PNAPN tem posto finito, assim possui espectro pontual

puro, por outro lado (I − PN ) projeta em φn|n|>N e como B tem espectro

pontual puro por construcao, consequentemente (I − PN )B(I − PN ) tambem

tem espectro pontual puro. Agora, como esses operadores sao orto- gonais entre

si e deixam invariantes os subespacos dados por PN e (I−PN ), respectivamente,

temos que PNAPN+(I−PN )B(I−PN ) tem espectro pontual puro. Alem disso,

seu espectro e [−a, a], pois A (ortogonal) possui espectro pontual denso em

[−a, a] e o espectro e um conjunto fechado. Concluımos assim, que o conjunto

desses operadores e denso em X.

Resta-nos mostrar que o conjunto dos operadores com espectro abso-

lutamente contınuo e denso em X, para isso basta mostrar que para todo ε > 0

todo operador A com espectro pontual tal que ‖A‖ ≤ a − ε pode ser aproxi-

mado por uma sequencia de operadores com espectro absolutamente contınuo.

Assim, da densidade do conjunto dos operadores com espectro pontual obtemos

a densidade do conjunto dos operadores com espectro absolutamente contınuo.

Sejam φn+∞n=−∞ os autovetores de A, ou seja, Aφn = αnφn e o ope-

rador ANdef= PNAPN , sendo PN o operador projecao em φn|n|≤N . Fixada

uma sequencia δN∞N=1 com 0 < δN ≤ ε2 e δN −→ 0 quando N −→ ∞,

definimos o operador BN por

BNφn = δN (φn+(2N+1) + φn−(2N+1)) + βnφn

sendo βn = αj para j com n ≡ j mod(2N + 1). Entao ‖BN‖ ≤ a pois δN ≤ ε2 e

BN −→ A fortemente quando N −→∞. De fato,

‖BNφn‖ = ‖δN (φn+(2N+1) + φn−(2N+1)) + βnφn‖

13

= ‖δNφn+(2N+1) + δNφn−(2N+1) + βnφn‖

≤ ‖δNφn+(2N+1)‖+ ‖δNφn−(2N+1)‖+ ‖βnφn‖

≤ (|δN |+ |δN |+ |βn|)‖φn‖

≤(ε

2+ε

2+ |βn|

)‖φn‖

≤ a‖φn‖,

o que mostra que ‖BN‖ ≤ a.

Agora, cada operador BN e uma soma direta de 2N + 1 operadores

da forma

αnI + δNJ,

sendo J um operador tridiagonal com zeros na diagonal principal e 1 nas duas

diagonais subsequentes a diagonal principal. Como e bem conhecido que J

tem espectro absolutamente contınuo (devido a periodicidade das sequencias

envolvidas em J), ver [29] (secao V II.2), os operadores

αnI + δNJ,

e BN tambem tem.

Agora pelo teorema Wonderland, temos que o conjunto

A ∈ X|σ(A) = [−a, a] e σ(A) = σsc(A)

e um conjunto Gδ denso em X, como desejado.

1.2 Aplicacoes para Operadores Unitarios

Esta aplicacao foi adaptada da referencia [3], na qual nao se usou o

teorema Wonderland.

14

Apresentamos agora alguns conceitos e resultados preliminares. Para

mais detalhes e informacoes sobre esses resultados, ver [3].

Seja KV : domKV ⊂ L2(T 2) → L2(T 2) um operador dependente do

tempo dado por

KV (α) ≡ KV = −i(α∂

∂x+∂

∂t

)+ V (x, t) (1.1)

com α ∈ [0, 1], V (x, t) uma funcao contınua 2π periodica em relacao a x, t e T 2

denotando o toro bidimensional. Suponhamos que V e um potencial de classe

C2 em (1.1).

O operador (1.1) pode ser visto como o Hamiltoniano de Floquet cor-

respodente ao operador Hamiltoniano

HV = αp+ V (x, t)

O Hamiltoniano de Floquet e unitariamente equivalente a I⊗UαV

(agindo num espaco de Hilbert apropriado), sendo UαV o operador de Floquet.

Assim torna-se equivalente o estudo das propriedades espectrais de KV ou UαV ,

ver [3, 20, 21].

Pela expansao de Dyson (ver [12]) obtemos

(UαV ψ)(x) = e−i

∫ 2π

0V (x−α(2π−s),s)ds

ψ(x− 2πα)

com ψ ∈ L2(S1).

Proposicao 1.2.1 O espectro de KV e puramente absolutamente contınuo se,

e somente se, α ∈ IQ.

Proposicao 1.2.2 Se α /∈ IQ e α pertence a uma intersecao enumeravel de con-

juntos abertos densos, entao o espectro de KV e puramente singular contınuo.

15

Proposicao 1.2.3 Se V e uma funcao Cr, r ≥ 2, e α satisfaz a condicao

Diofantina ∣∣∣∣∣α− p

q

∣∣∣∣∣ > γ

|q|σ, γ, σ > 0, ∀ p

q∈ IQ

para todo σ < r, entao KV tem espectro puramemente pontual.

Observacao

Nao faremos as demonstracoes das proposicoes acima para nao es-

tender muito esse assunto e tambem por nao fazer parte dos nossos objetivos.

Essas demonstracoes podem ser encontradas na referencia [3] (proposicoes 1.2.2

e 1.2.3) e na referencia [22] (proposicao 1.2.1).

Aplicacao 3

Seja UαV : L2(S1) → L2(S1), o operador unitario definido por

(UαV ψ)(x) = e−i

∫ 2π

0V (x−α(2π−s),s)ds

ψ(x− 2πα)

sendo α ∈ [0, 1] e V uma funcao de classe C2.

Consideremos o seguinte conjunto

Xdef= UαV : L2(S1) → L2(S1)|α ∈ [0, 1].

Queremos mostrar que o conjunto UαV ∈ X|σ(UαV ) = σsc(UαV ) e um con-

junto Gδ denso em X. Para isso vamos mostrar primeiramente que X e um

espaco metrico completo, com uma metrica apropriada definida adiante. Sejam

UαV , UβV ∈ X com α, β ∈ [0, 1], α 6= β e Ω = sup(x,t) | ∂∂xV (x, t)| <∞.

O conjunto ψn(x) = e2πnixn∈ZZ e uma base ortonormal em L2(S1)

e valem

(UαV ψn)(x) = e−i

∫ 2π

0V (x−α(2π−s),s)ds

e2πni(x−2πα)

16

e

(UβV ψn)(x) = e−i

∫ 2π

0V (x−β(2π−s),s)ds

e2πni(x−2πβ).

Assim,

‖(UαV ψn)(x)− (UβV ψn)(x)‖ =

= ‖e−i∫ 2π

0V (x−α(2π−s),s)ds

e2πni(x−2πα) − e−i

∫ 2π

0V (x−β(2π−s),s)ds

e2πni(x−2πβ)‖

= ‖e−i∫ 2π

0V (x−α(2π−s),s)ds+2πni(x−2πα) − e

−i∫ 2π

0V (x−β(2π−s),s)ds+2πni(x−2πβ)‖

= ‖e−i∫ 2π

0V (x−β(2π−s),s)ds+2πni(x−2πβ)

[e−i

∫ 2π

0V (x−α(2π−s),s)ds+2πni(x−2πα)

e−i

∫ 2π

0V (x−β(2π−s),s)ds+2πni(x−2πβ)

− 1]‖

= |e−i∫ 2π

0V (x−β(2π−s),s)ds+2πni(x−2πβ)|‖e

−i∫ 2π

0V (x−α(2π−s),s)ds+2πni(x−2πα)

e−i

∫ 2π

0V (x−β(2π−s),s)ds+2πni(x−2πβ)

− 1‖

= ‖e−i∫ 2π

0V (x−α(2π−s),s)ds+2πni(x−2πα)+i

∫ 2π

0V (x−β(2π−s),s)ds−2πni(x−2πβ) − 1‖

= ‖ei∫ 2π

0[V (x−β(2π−s),s)−V (x−α(2π−s),s)]ds+4π2n(β−α) − 1‖

≤ ‖∫ 2π

0

[V (x− β(2π − s), s)− V (x− α(2π − s), s)]ds+ 4π2n(β − α)‖

≤ ‖∫ 2π

0

[V (x− β(2π − s), s)− V (x− α(2π − s), s)]ds‖+ ‖4π2n(β − α)‖

≤∫ 2π

0

‖V (x− β(2π − s), s)− V (x− α(2π − s), s)‖ds+ ‖4π2n(β − α)‖

T.V.M.≤

∫ 2π

0

|β − α|(2π + s)Ωds+ 4π2|n||β − α|

= |β − α| ·K(n),

sendo K(n) uma constante que depende de n.

Disto resulta que a funcao α ∈ [0, 1] 7−→ UαV ∈ X e uma funcao

contınua.

Portanto se ψnn∈ZZ e uma base ortonormal em L2(S1) podemos

definir a seguinte metrica para X

ρ(UαV , UβV ) =

∑n∈ZZ

12|n|

‖(UαV − UβV )ψn(x)‖

para UαV , UβV ∈ X com α, β ∈ [0, 1].

Mostra-se que o conjunto X e completo verificando que toda sequencia

17

de Cauchy em [0, 1] e convergente, mas isso decorre imediatamente da compaci-

dade de [0, 1] em IR e aplicando a continuidade da funcao α ∈ [0, 1] 7−→ UαV ∈ X

temos o resultado.

Queremos aplicar agora a versao do teorema Wonderland para ope-

radores unitarios, ver capıtulo 2 (secao 2.3), as adaptacoes feitas para a sua

demonstracao neste caso.

Vamos mostrar primeiramente que os conjuntos abaixo sao densos

em X.

(1) O conjunto dos operadores com espectro puramente absoluta-

mente contınuo.

(2) O conjunto dos operadores com espectro puramente pontual.

Assim, temos que

O conjunto Y = UαV ∈ X|α ∈ IQ ∩ [0, 1] tem espectro puramente

absolutamente contınuo, pela proposicao 1.2.1.

Analogamente, para a funcao V de classe Cr, r ≥ 2 o conjunto Z =

UαV ∈ X|α ∈ [0, 1] satisfaz a condicao Diofantina |α− pq | >

γ|q|σ com γ, σ > 0 e

∀pq ∈ IQ tal que σ < r tem espectro puramente pontual, pela proposicao 1.2.3.

Desta forma para aplicar o teorema Wonderland para operadores unitarios

basta mostrar que os conjunto Y e Z sao densos em X.

A densidade do conjunto Y decorre imediatamente da densidade de IQ

em IR e da continuidade da funcao α ∈ [0, 1] 7−→ UαV ∈ X.

A densidade do conjunto Z decorre da densidade do seguinte conjunto

em IR,

D = α ∈ [0, 1]|∣∣∣∣α− p

q

∣∣∣∣ > γ

|q|σ, γ, σ > 0 e ∀p

q∈ IQ com σ < r, r ≥ 2

e da continuidade da funcao α ∈ [0, 1] 7−→ UαV ∈ X.

18

Vamos mostrar queD e um conjunto denso em IR. Para isso mostraremos

que o seu complementar

Dc = β ∈ [0, 1]|∀ γ > 0, ∃pβqβ

∈ IQ tal que

∣∣∣∣β − pβqβ

∣∣∣∣ ≤ γ

|qβ |σ

tem medida de Lebesgue nula, o que e equivalente a mostrar que D tem medida

de Lebesgue total.

De fato, para todo γ > 0, temos

Dc ⊂∞⋃q=1

q⋃p=0

(p

q− γ

|q|σ,p

q+

γ

|q|σ

)

|Dc| ≤∞∑q=1

q∑p=0

∣∣∣∣pq +γ

|q|σ−

(p

q− γ

|q|σ

)∣∣∣∣=

∞∑q=1

q∑p=0

(2γ

|q|σ

)

= 2γ∞∑q=1

q∑p=0

(1|q|σ

)

= 2γ∞∑q=1

(q + 1|q|σ

)

≤ 2γ∞∑q=1

(2q|q|σ

)

= 4γ∞∑q=1

(1

|q|σ−1

). (1.2)

Para σ > 2 a serie da equacao (1.2) e convergente. Como γ > 0 e arbitrario,

temos que a medida de Lebesgue do conjunto Dc e nula, consequentemente o

conjunto D tem medida de Lebesgue total. Isso demonstra que D e denso.

Agora podemos aplicar o teorema Wonderland. Como esse teorema

e existencial, nao e possıvel especificar o espectro singular contınuo como foi

feito na referencia [3] onde obtem-se alguma informacao sobre alguns α’s que

implicam em operadores com espectro singular contınuo puro, mas com o teo-

rema Wonderland nao temos tal informacao, o que sabemos e que o conjunto

dos operadores que possuem espectro singular contınuo puro e um conjunto

19

Gδ denso em X.

Capıtulo 2

Demonstracao do TeoremaWonderland

Neste capıtulo apresentaremos a demonstracao do teorema Wonder-

land, ja enunciado anteriormente; para isso precisamos de alguns resultados

tecnicos que forneceremos na primeira secao.

No final deste capıtulo discutiremos como se adapta a demonstracao

do teorema Wonderland para operadores unitarios.

2.1 Resultados Preliminares

Lembremos que neste trabalho consideramos apenas espacos de Hilbert

separaveis. Vamos aproveitar e lembrar tambem a definicao de espaco metrico

regular de operadores, que foi apresentada na Introducao.

Definicao Um espaco metrico X de operadores auto-adjuntos num espaco de

Hilbert H e regular se, e somente se,

(i) X e completo.

(ii) Se An −→ A na metrica de X, entao An −→ A no sentido forte

dos resolventes.

20

21

O nosso primeiro resultado tecnico e o seguinte:

Proposicao 2.1.1 Sejam C ⊂ IR um subconjunto fechado e X um espaco

metrico regular de operadores. Entao o conjunto

Y = A ∈ X|σp(A) ∩ C = ∅

e um conjunto Gδ em X, ou seja, o conjunto dos operadores em X que nao tem

autovalores em C e uma intersecao enumeravel de abertos de X.

Para a demonstracao da proposicao 2.1.1, vamos utilizar o seguinte

lema:

Lema 2.1.1 Seja An∞n=1 uma sequencia de operadores auto-adjuntos em H

tal que An −→ A no sentido forte dos resolventes para o operador auto-adjunto

A. Sejam K ⊂ IR um subconjunto compacto, φ ∈ H e ε > 0. Suponhamos que

existem autovetores ηn de An tal que

Anηn = λnηn

com ‖ηn‖ = 1, λn ∈ K e |〈ηn, φ〉| ≥ ε > 0. Entao A tem um autovetor η tal que

Aη = λη

com ‖η‖ = 1, λ ∈ K e |〈η, φ〉| ≥ ε > 0.

Observacao

Geometricamente, |〈ηn, φ〉| ≥ ε > 0 significa que a projecao dos ve-

tores ηn sobre o vetor φ e nao nula e nao pode tender a zero.

22

Demonstracao

Sejam K ⊂ IR um subconjunto compacto e o conjunto

M = ξ ∈ H|‖ξ‖ ≤ 1 ⊂ H.

Assim ηn ⊂ M . Como M e um conjunto compacto na topologia fraca (a

bola unitaria num espaco de Hilbert qualquer e fracamente sequencialmente

compacta), ver [9], dada uma sequencia em M podemos passar para uma sub-

sequencia fracamente convergente (se for necessario). Agora comoK e compacto

tomemos sequencia λn convergente K. Suponhamos entao que ηn η em M

e que λn −→ λ em K. Queremos mostrar que η ∈ domA e que Aη = λη. Como

|〈η, φ〉| ≥ ε > 0, pois |〈ηn, φ〉| ≥ ε > 0 e ηn η, concluımos que η 6= 0; assim

tomando ψ = η‖η‖ obteremos o vetor desejado.

Consideremos ϕ ∈ H arbitrario. Como (An − i)−1 −→ (A − i)−1

fortemente, pois por hipotese An −→ A no sentido forte dos resolventes, temos

〈(A+ i)−1η, ϕ〉 = 〈η, [(A+ i)−1]∗ϕ〉

= 〈η, (A− i)−1ϕ〉

= limn−→∞

〈ηn, (An − i)−1ϕ〉

= limn−→∞

〈[(An − i)−1]∗ηn, ϕ〉

= limn−→∞

〈(An + i)−1ηn, ϕ〉

= limn−→∞

〈(λn + i)−1ηn, ϕ〉

= 〈(λ+ i)−1η, ϕ〉.

23

Disto resulta que (A+ i)−1η = (λ+ i)−1η, consequentemente

η = (λ+ i)(A+ i)−1η ∈ dom(A+ i) = domA e Aη = λη.

Isso demonstra o lema.

Observacao

A demonstracao do lema 2.1.1 para espacos de dimensao finita e bem

mais simples, pois a bola unitaria fechada e compacta em espacos de dimensao

finita.

Demonstracao da Proposicao 2.1.1

Sejam K ⊂ IR um subconjunto compacto, ε > 0 e φ ∈ H. Entao pelo

lema 2.1.1 temos que o conjunto

Q(K,φ, ε) def= A ∈ X|∃η ∈ domA com ‖η‖ = 1, |〈η, φ〉| ≥ ε tal

que Aη = λη para λ ∈ K

e fechado em X.

Como H e separavel, podemos fixar uma base ortonormal φl∞l=1 de

H e para n, l,m ∈ ZZ+ definimos o seguinte conjunto

Qn,l,m = Q(C ∩ [−n, n], φl, 1/m).

Entao o conjunto

⋃n,l,m∈ZZ+

Qn,l,m = A ∈ X|σp(A) ∩ C 6= ∅

e um conjunto Fσ em X, pois ele e a uniao enumeravel de conjuntos fechados

de X. Assim, seu complementar

⋂n,l,m∈ZZ+

Qn,l,m = A ∈ X|σp(A) ∩ C = ∅

24

e um conjunto Gδ em X, como desejado.

Observacao

Pode-se demonstrar a proposicao 2.1.1 de outro modo usando o lema

de Wiener, ver [16].

Nosso segundo resultado tecnico e o seguinte:

Proposicao 2.1.2 Sejam U ⊂ IR um subconjunto aberto e X um espaco metrico

regular de operadores. Entao o conjunto

W = A ∈ X|σac(A) ∩ U = ∅

e um conjunto Gδ em X, ou seja, o conjunto dos operadores em X que nao

possuem espectro absolutamente contınuo em U e uma intersecao enumeravel

de abertos de X.

Observacao

Se (µϕ)ac e a parte absolutamente contınua da medida espectral µϕ,

do operador A, entao podemos reescrever W da seguinte maneira

W = A ∈ X|(µϕ)ac(U) = 0,∀ϕ ∈ domA.

Para a demonstracao da proposicao 2.1.2, vamos usar o seguinte lema:

Lema 2.1.2 Sejam (a, b) ⊂ IR um intervalo aberto e µ uma medida finita em

IR. Entao µ e puramente singular em relacao a medida de Lebesgue em (a, b)

se, e somente se, para cada n > 2, existem εn > 0 e uma sequencia de funcoes

contınuas fn satisfazendo:

25

(1)εn < 12n ,

(2)0 ≤ fn ≤ 1,

(3)o suporte das fn ⊂ (a− εn, b+ εn),

(4)∫ +∞−∞ fn(s)ds < 1

2n ,

(5)µ(X[a−εn,b+εn] − fn) < 12n .

Observacao

As condicoes (4) e (5) dao uma ideia intuitiva sobre a propriedade de

singularidade da medida µ, pois a condicao (4) afirma que fnn→∞−→ 0 em L1(IR)

e a condicao (5) afirma que fn −→ X[a,b] em L1(IR, µ).

Demonstracao

(⇐)

Suponhamos que para cada n > 2 existem εn > 0 e a sequencia de

funcoes contınuas fn satisfazendo as propriedades (1-5). Queremos mostrar

entao que µ e puramente singular em relacao a medida de Lebesgue em (a, b).

Consideremos o conjunto

Cn = x ∈ IR|fn(x) >12.

Denotando por |.| a medida de Lebesgue obtemos

|Cn| <1

2n−1

(De fato,

12|Cn| =

12

∫Cn

ds <

∫Cn

fn(s)ds

<

∫ +∞

−∞fn(s)ds <

12n.

Logo, |Cn| < 12n−1 .)

26

e

µ([a− εn, b+ εn] \ Cn) <1

2n−1, no mais, µ(Ccn) <

12n−1

sendo Ccn = x ∈ IR|fn(x) ≤ 12 com Cn ⊂ [a− εn, b+ εn].

(De fato,

µ(Ccn) =∫Cc

n

dµ =∫Cc

n

X[a−εn,b+εn](x)dµ(x)

=∫Cc

n

(X[a−εn,b+εn](x)− fn(x))dµ(x) +∫Cc

n

fn(x)dµ(x)

≤∫Cc

n

(X[a−εn,b+εn](x)− fn(x))dµ(x) +12

∫Cc

n

dµ(x)

=∫Cc

n

(X[a−εn,b+εn](x)− fn(x))dµ(x) +12µ(Ccn)

≤∫ +∞

−∞(X[a−εn,b+εn](x)− fn(x))dµ(x) +

12µ(Ccn)

Entao

µ(Ccn)−12µ(Ccn) ≤

∫ +∞

−∞(X[a−εn,b+εn](x)− fn(x))dµ(x)

= µ(X[a−εn,b+εn](x)− fn(x))

<12n.

Portanto, µ(Ccn) <1

2n−1 .)

Disto resulta que

C =∞⋂m=1

∞⋃n=m

Cn

satisfaz:

(i) |C| = 0,

(ii) µ([a, b] \ C) = 0.

De fato,

(i)Seja C =⋂∞m=1

⋃∞n=m Cn. Como | ∪∞n=1Cn| ≤

∑∞n=1 |Cn| <

∑∞n=1

12n−1 <∞

e limsupCn =⋂∞m=1

⋃∞n=m Cn = C resulta que |C| = 0, ver [8].

(ii)Seja C =⋂∞m=1

⋃∞n=m Cn. Entao Cc =

⋃∞m=1

⋂∞n=m C

cn = liminfCcn. Assim,

27

como Ccn e uma sucessao de conjuntos com Ccn ⊂ Cc obtemos que µ(Cc) ≤

liminfµ(Ccn) < liminf 12n−1 = lim 1

2n−1 = 0, ver [8]. Logo, µ([a, b] \ C) = 0.

Portanto, µ e puramente singular em relacao a medida de Lebesgue em [a, b].

Em particular em (a, b).

(⇒)

Suponhamos que µ e uma medida puramente singular em relacao a

medida de Lebesgue em (a, b), vamos mostrar que para cada n > 2, exis- tem

εn > 0 e uma sequencia de funcoes contınuas fn satisfazendo as condicoes (1-

5).

Seja C ⊂ (a, b) tal que |C| = 0 e µ((a, b) \ C) = 0. Adicionando a

e/ou b (se for preciso) em C, pois a medida de Lebesgue de um ponto e zero,

podemos supor entao que C ⊂ [a, b] e µ([a, b] \ C) = 0.

Como limε↓0µ([a− ε, a)) = 0 e limε↓0µ((b, b+ ε]) = 0, escolhemos

entao εn < 12n tal que

µ([a− εn, a)) + µ((b, b+ εn]) <1

2n+1.

Por regularidade de medidas, e possıvel achar conjuntos compactos

Kn e abertos Un tal que

Kn ⊂ C ⊂ Un ⊂ (a− εn, b+ εn)

com |Un| < 12n e µ([a, b] \Kn) < 1

2n+1 .

Como Kn e (a − εn, b + εn) \ Un sao conjuntos fechados em IR com

Kn ∩ [(a− εn, b+ εn) \Un] = ∅, pois Kn ⊂ Un para todo n ∈ IN, podemos assim

aplicar o lema de Urysohn. Entao existem funcoes contınuas fn com 0 ≤ fn ≤ 1,

tal que fn(x) = 0 se x ∈ (a − εn, b + εn) \ Un e fn(x) = 1 se x ∈ Kn. Assim,

suportefn ⊂ Un.

28

Entao

∫ +∞

−∞fn(s)ds =

∫suportefn

fn(s)ds+∫

(suportefn)c

fn(s)ds

≤∫Un

fn(s)ds

≤∫Un

ds

= |Un| <12n

e

µ(X[a−εn,b+εn] − fn) =∫

(X[a−εn,b+εn] − fn)dµ

=∫X[a−εn,b+εn]dµ−

∫fndµ

=∫

[a−εn,b+εn]

dµ−∫fndµ

=∫

[a−εn,a)dµ+

∫[a,b]

dµ+∫

(b,b+εn]

dµ−∫fndµ

=∫

[a−εn,a)dµ+

∫Kn

dµ+∫

[a,b]\Kn

dµ+∫

(b,b+εn]

dµ−∫fndµ

≤∫

[a−εn,a)dµ+

∫Un

dµ+∫

[a,b]\Kn

dµ+∫

(b,b+εn]

dµ−∫Un

fndµ

≤∫

[a−εn,a)dµ+

∫Un

dµ+∫

[a,b]\Kn

dµ+∫

(b,b+εn]

dµ−∫Un

=∫

[a−εn,a)dµ+

∫[a,b]\Kn

dµ+∫

(b,b+εn]

= µ([a− εn, a)) + µ([a, b] \Kn) + µ((b, b+ εn])

<1

2n+1+

12n+1

=12n

Portanto, todas as condicoes (1-5) sao satisfeitas.

Demonstracao da Proposicao 2.1.2

Sejam φ ∈ H, a, b ∈ IR e defina o conjunto

Q(φ, a, b) = A ∈ X|µφ e puramente singular em (a, b).

Entao pelo lema 2.1.2,

Q(φ, a, b) =∞⋂n=2

⋃(f,ε)∈Bn

An(f, ε;φ)

29

sendo Bn o conjunto dos pares (f, ε) satisfazendo as condicoes (1-4) do lema 2.1.2

e

An(f, ε;φ) = A ∈ X|(〈φ, (X[a−ε,b+ε](A)− f(A))φ〉) < 12n

= A ∈ X|∫

(X[a−ε,b+ε](x)− f(x))dµφ(x) <12n.

Queremos mostrar que cada An(f, ε;φ) e um conjunto aberto em X

para todo n ≥ 2. Isto e equivalente a mostrar que Acn(f, ε;φ) e um conjunto

fechado em X, sendo que

Acn(f, ε;φ) = A ∈ X|(〈φ, (X[a−ε,b+ε](A)− f(A))φ〉) ≥ 12n

= A ∈ X|∫

(X[a−ε,b+ε](x)− f(x))dµφ(x) ≥12n.

Seja Al∞l=1 uma sequencia de operadores emAcn(f, ε;φ) comAl −→ A

no sentido forte dos resolventes. Basta mostrar que A ∈ Acn(f, ε;φ).

Como f e contınua, limitada (0 ≤ f ≤ 1) e Al −→ A no sentido forte

dos resolventes, temos que (ver [11])

liml−→∞

〈φ, f(Al)φ〉 = 〈φ, f(A)φ〉. (2.1)

Sejam hm funcoes contınuas positivas com hm ↓ X[a−ε,b+ε] monotoni-

camente. Entao hm(Al) −→ hm(A) fortemente, ver Apendice C. Assim,

〈φ,X[a−ε,b+ε](A)φ〉 = infm〈φ, hm(A)φ〉

= infm

(liml〈φ, hm(Al)φ〉

)≥ inf

m

(liml

sup 〈φ,X[a−ε,b+ε](Al)φ〉)

= liml

sup〈φ,X[a−ε,b+ε](Al)φ〉. (2.2)

Portanto, de (2.1) e (2.2) obtemos que A ∈ Acn(f, ε;φ).

Como todo conjunto aberto U ⊂ IR pode ser representado por uma

uniao enumeravel de intervalos abertos In = (an, bn) ⊂ IR, entao se φl∞l=1 e

30

uma base ortonormal de H, o conjunto que a proposicao fornece e justamente o

conjunto∞⋂n=1

∞⋂l=1

Q(φl, an, bn)

que e portanto um conjunto Gδ em X, pois a intersecao enumeravel de conjun-

tos Gδ e um conjunto Gδ.

Nosso ultimo resultado tecnico e o seguinte:

Proposicao 2.1.3 Sejam K ⊂ IR um subconjunto fechado e X um espaco

metrico regular de operadores. Entao o conjunto

Z = A ∈ X|K ⊂ σ(A)

e um conjunto Gδ em X.

Para a demonstracao da proposicao 2.1.3, vamos usar o conhecido

resultado da teoria espectral, ver [11]:

Lema 2.1.3 Suponhamos que An −→ A no sentido forte dos resolventes e que

σ(An) ∩ (a, b) = ∅ para todo n ∈ IN. Entao σ(A) ∩ (a, b) = ∅.

Observacao

O lema 2.1.3 afirma que o espectro do operador limite nao pode “au-

mentar” em relacao a sequencia de espectros dos operadores envolvidos na

sequencia.

O lema 2.1.3 e equivalente ao seguinte lema (pois σ(A)∩(a, b) = ∅ ⇐⇒

(a, b) ⊂ ρ(A)), que sera demonstrado:

Lema 2.1.4 Se An −→ A no sentido forte dos resolventes e (a, b) ⊂ ρ(An)

para todo n ∈ IN. Entao (a, b) ⊂ ρ(A).

31

Demonstracao

Seja λ0 = a+b2 + i b−a2 . Vamos mostrar primeiramente que (a, b) ⊂

ρ(An), ∀n ∈ IN ⇐⇒ ‖(An − λ0)−1‖ ≤√

2b−a .

(⇒)

Temos que λ0 ∈ ρ(An) ⇐⇒ ∃r > 0 tal que ‖(An − λ0)−1‖ ≤ 1r , ver

Apendice B.

Para λ0 = a+b2 +i b−a2 , podemos tomar r = b−a√

2; assim por construcao,

(a, b) ⊂ B(λ0, r) ⊂ ρ(An) e ‖(An − λ0)−1‖ ≤√

2b−a .

(⇐)

De ‖(An − λ0)−1‖ ≤√

2b−a =⇒ λ0 ∈ ρ(An), ∀n ∈ IN. Assim para

r = b−a√2

obtemos que (a, b) ⊂ B(λ0, r) ⊂ ρ(An), por construcao. Logo nossa

afirmacao esta demonstrada.

Agora, temos

‖(A− λ0)−1φ‖ = ‖ limn−→∞

(An − λ0)−1φ‖

= limn−→∞

‖(An − λ0)−1φ‖

≤ limn−→∞

‖(An − λ0)−1‖‖φ‖

≤√

2b− a

‖φ‖, ∀φ ∈ domA.

Logo, ‖(A− λ0)−1‖ ≤√

2b−a =⇒ (a, b) ⊂ ρ(A).

32

Demonstracao da Proposicao 2.1.3

Consideremos um conjunto enumeravel e denso λn∞n=1 em K ⊂ IR;

assim

A ∈ X|K ⊂ σ(A) =∞⋂n=1

A ∈ X|λn ∈ σ(A).

Vamos mostrar que o lado direito dessa expressao e um conjunto Gδ em X; para

isso precisamos considerar apenas o caso em que K = λ, pois a intersecao

enumeravel de conjuntos Gδ e uma conjunto Gδ.

O conjunto

A ∈ X|λ /∈ σ(A) =∞⋃n=1

A ∈ X|σ(A) ∩(λ− 1

n, λ+

1n

)= ∅

e um conjunto Fσ em X, pelo lema 2.1.3. Desta forma o seu complementar

A ∈ X|λ ∈ σ(A) =∞⋂n=1

A ∈ X|σ(A) ∩(λ− 1

n, λ+

1n

)6= ∅

e um conjunto Gδ em X. Portanto, o conjunto

A ∈ X|K ⊂ σ(A)

e um conjunto Gδ em X.

2.2 O Teorema Wonderland

Antes de apresentar a demonstracao do teorema Wonderland, demons-

traremos um resultado util para gerar espectro singular contınuo generico.

Teorema 2.2.1 Seja X um espaco metrico regular de operadores auto-adjuntos.

Suponhamos que para todo intervalo (a, b) ⊂ IR vale o seguinte:

(1)o conjunto

A ∈ X|σp(A) ∩ (a, b) = ∅

33

e denso em X.

(2)o conjunto

A ∈ X|σac(A) ∩ (a, b) = ∅

e denso em X.

(3)o conjunto

A ∈ X|(a, b) ⊂ σ(A)

e denso em X.

Entao o conjunto

A ∈ X|(a, b) ⊂ σsc(A), σp(A) ∩ (a, b) = ∅ e σac(A) ∩ (a, b) = ∅

e um conjunto generico (Gδ denso) em X.

Demonstracao

Como o intervalo aberto (a, b) ⊂ IR e um conjunto Fσ (pois (a, b) =⋃∞n

[a+ 1

n , b−1n

]) obtemos que cada um dos conjuntos (1-3) da hipotese e um

conjunto Gδ pelas proposicoes 2.1.1, 2.1.2 e 2.1.3 respectivamente.

(De fato,

Para (1) temos

A ∈ X|σp(A) ∩ (a, b) = ∅ =∞⋂n=1

A ∈ X|σp(A) ∩[a+

1n, b− 1

n

]= ∅.

Para (2) e imediato.

Para (3) temos,

A ∈ X|(a, b) ⊂ σ(A) =∞⋂n=1

A ∈ X|[a+

1n, b− 1

n

]⊂ σ(A).)

Alem disso, os conjuntos (1-3) sao densos, por hipotese. Concluımos

assim, que eles sao conjuntos Gδ densos em X.

34

Aplicando o teorema de Baire, temos que a intersecao dos conjuntos

(1-3) tambem e um conjunto Gδ denso em X. Como essa intersecao e o conjunto

A ∈ X|(a, b) ⊂ σsc(A), σp(A) ∩ (a, b) = ∅ e σac(A) ∩ (a, b) = ∅

o teorema esta demonstrado.

Finalmente apresentaremos a demonstracao do teorema Wonderland.

Teorema 2.2.2 (Teorema Wonderland) Seja X um espaco metrico regular de

operadores. Suponhamos que

(1)o conjunto

A ∈ X|σ(A) = σac(A)

e denso em X.

(2)o conjunto

A ∈ X|σ(A) = σp(A)

e denso em X.

Entao o conjunto

A ∈ X|σ(A) = σsc(A)

e um conjunto tıpico de Baire (Gδ denso) em X.

Demonstracao

O conjunto

M1 = A ∈ X|σ(A) = σc(A)

e um conjunto Gδ em X. De fato, como IR =⋃∞j=1[−j, j] e σ(A) ⊂ IR, obtemos

M1 =∞⋂j=1

A ∈ X|σp(A) ∩ [−j, j] = ∅,

35

assim M1 e um conjunto Gδ em X, pela proposicao 2.1.1. Agora pelo item (1)

M1 e denso em X. Portanto, M1 e um conjunto tıpico de Baire em X.

De forma analoga o conjunto

M2 = A ∈ X|σ(A) = σs(A)

e um conjunto Gδ em X. De fato, como IR e aberto

M2 = A ∈ X|σac(A) ∩ IR = ∅,

assim M2 e um conjunto Gδ em X, pela proposicao 2.1.2. Agora pelo item (2)

M2 e denso em X. Portanto, M2 e um conjunto tıpico de Baire em X.

Desta forma e facil concluir que o conjunto

A ∈ X|σ(A) = σsc(A) = M1 ∩M2

tambem e tıpico de Baire em X.

Gostarıamos de salientar a grande importancia do teorema Wonder-

land para a pesquisa atual em varias areas da Fısica e da Matematica, ver por

exemplo [2,14-16,23-28] entre as varias referencias que citam e/ou utilizam o

teorema Wonderland.

2.3 O Teorema Wonderland para Operadores Unitarios

Vamos apresentar agora uma formulacao do teorema Wonderland para

operadores unitarios similar aquela dada para operadores auto-adjuntos e indi-

caremos as modificacoes necessarias para adaptar sua demonstracao a esse caso.

Salientamos que para a demonstracao do Teorema Wonderland para operadores

auto-adjuntos utilizamos apenas as proposicoes 2.1.1 e 2.1.2, desta forma para

36

a demonstracao deste teorema no caso de opera- dores unitarios foi necessario

fazer algumas adaptacoes apenas nessas duas proposicoes.

Definicao Um espaco metrico X de operadores unitarios num espaco de Hilbert

H e regular se, e somente se,

(i) X e completo.

(ii) Se Un −→ U na metrica de X, entao Un −→ U fortemente.

Observacoes

(i) Mostra-se que Un −→ U no sentido forte dos resolventes se, e

somente se, Un −→ U fortemente.

(ii) Se U e um operador unitario emH, entao σ(U) ⊂ z ∈ C||z| = 1.

Proposicao 2.3.1 Sejam C ⊂ z ∈ C||z| = 1 um subconjunto fechado e X

um espaco metrico regular de operadores unitarios. Entao o conjunto

Y = U ∈ X|σp(U) ∩ C = ∅

e um conjunto Gδ em X.

37

Para a demonstracao da proposicao 2.3.1 vamos precisar do seguinte

lema, que e o similar do lema 2.1.1.

Lema 2.3.1 Seja Un∞n=1 uma sequencia de operadores unitarios em H tal que

Un −→ U fortemente para o operador unitario U . Sejam K ⊂ z ∈ C||z| = 1

um subconjunto compacto, φ ∈ H e ε > 0. Suponhamos que existem autovetores

ηn de Un tal que

Unηn = λnηn

com ‖ηn‖ = 1, λn ∈ K e |〈ηn, φ〉| ≥ ε > 0. Entao U tem um autovetor η tal que

Uη = λη

com ‖η‖ = 1, λ ∈ K e |〈η, φ〉| ≥ ε > 0.

Demonstracao

Seja K um conjunto compacto em z ∈ C||z| = 1 e M = ψ ∈

H|‖ψ‖ ≤ 1, temos que M e compacto na topologia fraca, ver [9]. Como

ηn ⊂ M , podemos desta forma passar para uma subsequencia convergente

em M tal que ηn η e tomar sequencia convergente em K tal que λn −→ λ.

Queremos mostrar que Uη = λη. Como |〈η, φ〉| ≥ ε obtemos que

η 6= 0; assim ξ = η‖η‖ sera o vetor desejado.

Seja ϕ ∈ H arbitrario. Entao

〈Unηn, ϕ〉 = 〈λnηn, ϕ〉n→∞−→ 〈λη, ϕ〉

Agora,

〈Unηn, ϕ〉n→∞−→ 〈Uη, ϕ〉

pois Un −→ U fortemente implica que Un −→ U fracamente; e alem disso ηn

η. Agora, pela unicidade dos limites para sequencias fracamente convergentes,

38

concluımos que

〈Uη, ϕ〉 = 〈λη, ϕ〉

Disto resulta que Uη = λη. Isso conclui a demonstracao.

Demonstracao da Proposicao 2.3.1

Sejam K ⊂ z ∈ C||z| = 1 um subconjunto compacto, ε > 0 e φ ∈ H.

Entao pelo lema 2.3.1 temos que o conjunto

Q(K,φ, ε) def= U ∈ X|∃η ∈ H com ‖η‖ = 1, |〈η, φ〉| ≥ ε tal que

Uη = λη para λ ∈ K

e fechado em X.

Como H e separavel, podemos fixar uma base ortonormal φl∞l=1 de

H e para n, l ∈ ZZ+ definimos o seguinte conjunto

Qn,l = Q(C ∩ z ∈ C||z| = 1, φl, 1/n).

Entao o conjunto

⋃n,l∈ZZ+

Qn,l = U ∈ X|σp(U) ∩ C 6= ∅

e um conjunto Fσ em X, pois ele e a uniao enumeravel de conjuntos fechados

de X. Assim, seu complementar

⋂n,l∈ZZ+

Qn,l = U ∈ X|σp(U) ∩ C = ∅

e um conjunto Gδ em X, como desejado.

Proposicao 2.3.2 Sejam B ⊂ z ∈ C||z| = 1 um subconjunto aberto e X um

espaco metrico regular de operadores unitarios. Entao o conjunto

W = U ∈ X|σac(U) ∩B = ∅

39

e um conjunto Gδ em X.

Analogamente para a demonstracao da proposicao 2.3.2 vamos pre-

cisar do seguinte lema, que e o similar do lema 2.1.2.

Lema 2.3.2 Sejam (a, b) ⊂ z ∈ C||z| = 1, um intervalo aberto e µ uma

medida finita em z ∈ C||z| = 1. Entao µ e puramente singular em relacao a

medida de Lebesgue em (a, b) se, e somente se, para cada n > 2, existem εn > 0

e uma sequencia de funcoes contınuas fn satisfazendo:

(1)εn < 12n ,

(2)0 ≤ fn ≤ 1,

(3)o suporte da fn ⊂ (a− εn, b+ εn),

(4)∫ +∞−∞ fn(s)ds < 1

2n ,

(5)µ(X[a−εn,b+εn] − fn) < 12n .

As demonstracoes deste lema e da proposicao 2.3.2 serao omitidas por

serem semelhantes aquelas apresentadas na secao 2.1.

Aplicando agora as proposicoes 2.3.1 e 2.3.2, podemos demonstrar o

teorema Wonderland para operadores unitarios, essa demonstracao tambem sera

omitida por ser semelhante aquela que apresentamos na secao 2.2.

Capıtulo 3

Transformada de Fourier deMedidas Uniformementeα−Holder

Este capıtulo teve como base as referencias [2, 4, 5]. O objetivo princi-

pal foi o estudo de algumas estimativas para medidas uniformemente α−Holder

(UαH) com maior interesse na estimativa do teorema 3.1.3; essas estimativas

nos fornecem um certo controle para o decaimento da transformada de Fourier

de medidas UαH, com aplicacoes interessantes em Mecanica Quantica.

3.1 Medidas Uniformemente α−Holder

Iniciemos com a definicao de medidas UαH que ja foi adiantada na

Introducao; nesta secao trataremos apenas de medidas positivas. Como mo-

tivacao para o estudo dessas medidas apresentamos o seguinte comentario, que

nos fornece uma importante “ligacao” com as medidas de Hausdorff. Se µ e

uma medida α−contınua (α ∈ [0, 1]), ou seja, se µ(S) = 0 para todo conjunto

mensuravel S com hα(S) = 0, sendo hα a medida de Hausdorff α−dimensional,

entao em certo sentido µ e o limite de medidas UαH, para mais detalhes ver [2]

(teorema 4.2).

40

41

Definicao Sejam µ uma medida de Borel em IR, α ∈ [0, 1] e |.| a medida de

Lebesgue. µ e uniformemente α−Holder (UαH), ou α−dimensional, se existe

uma constante C > 0 tal que para todo intervalo I com |I| < 1, µ(I) < C|I|α.

Observacoes

(i) se α = 0, µ tem componente pontual.

(ii) se α = 1, µ “esta proxima de ser absolutamente contınua” em

relacao a medida de Lebesgue.

(iii) em trabalhos nao rigorosos matematicamente imaginou-se que a

parte singular contınua da medida µ corresponderia a 0 < α < 1, mas existem

exemplos de medidas absolutamente contınuas em relacao a medida de Lebesgue

nesta ultima categoria, ver o exemplo logo apos o teorema 3.1.3.

Um resultado que nos fornece uma estimativa importante e devido a

Strichartz, ver [2, 4].

Teorema 3.1.1 (Strichartz) Sejam µ uma medida finita UαH e f ∈ L2(IR, µ);

denotemos

fµ ≡ fµ(t) ≡∫e−ixtf(x)dµ(x).

Entao existe uma constante Cµ, tal que para toda f ∈ L2(IR, µ) e T > 0,

1T

∫ T

0

|fµ|2dt < Cµ‖f‖2T−α.

Demonstracao

Temos que

1T

∫ T

0

|fµ|2dt ≤ 1T

∫ T

0

e(1−t2

T2 )|fµ|2dt

pois 1 ≤ e(1−t2

T2 ) para t2

T 2 < 1.

42

Desta forma

1T

∫ T

0

e(1−t2

T2 )|fµ|2dt =e

T

∫ T

0

e−t2

T2 |fµ|2dt

≤ e

T

∫ +∞

−∞e−

t2

T2 |fµ|2dt

=e

T

∫ +∞

−∞dte−

t2

T2

∫dµ(x)dµ(y)f(x)f(y)e−i(x−y)t.

(3.1)

Aplicando o Teorema de Fubini na equacao (3.1) temos que

1T

∫ T

0

|fµ|2dt ≤ e

T

∫dµ(x)dµ(y)f(x)f(y)

∫ +∞

−∞dte−

t2

T2−i(x−y)t. (3.2)

Como ∫ +∞

−∞dte−

t2

T2−i(x−y)t = T√πe−(x−y)2T 2/4

obtemos da equacao (3.2) o seguinte

1T

∫ T

0

|fµ|2dt ≤ e√π

∫dµ(x)dµ(y)f(x)f(y)e−(x−y)2T 2/4

≤ e√π

∫dµ(x)dµ(y)(|f(x)|e−(x−y)2T 2/8)(|f(y)|e−(x−y)2T 2/8).

(3.3)

Usando a desigualdade de Cauchy-Schwarz na equacao (3.3) obtemos

1T

∫ T

0

|fµ|2dt ≤ e√π

∫dµ(x)|f(x)|2

∫dµ(y)e−(x−y)2T 2/4.

Como µ e uma medida UαH, existe uma constante C > 0 tal que µ(I) < C|I|α

para todo intervalo I com |I| < 1. Suponhamos T > 1, assim para todo x ∈ IR

resulta

∫dµ(y)e−(x−y)2T 2/4 =

∞∑n=0

∫nT ≤|x−y|<

(n+1)T

dµ(y)e−(x−y)2T 2/4

≤∞∑n=0

∫nT ≤|x−y|<

(n+1)T

dµ(y)e−n2/4

=∞∑n=0

e−n2/4

∫nT ≤|x−y|<

(n+1)T

dµ(y)

43

<∞∑n=0

Ce−n2/4(

∫nT ≤|x−y|<

(n+1)T

dy)α

=∞∑n=0

Ce−n2/4

(1T

)α.

Definindo C1 =∑∞n=0 Ce

−n2/4, obtemos finalmente que

1T

∫ T

0

|fµ|2dt ≤ e√π(

∫dµ(x)|f(x)|2)C1T

−α

= e√π‖f‖2C1T

−α.

Isso demonstra o teorema.

Observacao

O teorema original de Strichartz, ver [4], e mais geral pois envolve

medidas σ−finitas. A demonstracao acima nao se aplica a esse caso mais geral.

Num trabalho recente, ver [5], aparece uma recıproca do teorema de

Strichartz, que apresentamos abaixo:

Teorema 3.1.2 Seja µ uma medida finita em IR. Suponhamos que existe uma

constante Cµ tal que para toda f ∈ L2(IR, µ) vale a desigualdade

1T

∫ T

0

|fµ|2dt < Cµ‖f‖2T−α.

Entao µ e UαH.

44

Para demonstracao do teorema 3.1.2 vamos usar o seguinte lema:

Lema 3.1.1 Seja µ uma medida de Borel finita em IR. Entao

1T

∫ T

0

|µ(t)|2dt ≥ 12

∫dµ(x)dµ(y)

sin2[(x− y)T/2][(x− y)T/2]2

.

Demonstracao

Temos que

1T

∫ T

0

|µ(t)|2dt =1T

∫ T

0

µ(t)µ(t)dt

=1T

∫ T

0

dt

∫dµ(x)dµ(y)e−i(x−y)t

T.Fubini=1T

∫dµ(x)dµ(y)

∫ T

0

dte−i(x−y)t. (3.4)

Calculando a ultima integral da equacao (3.4), obtemos

1T

∫ T

0

|µ(t)|2dt =∫dµ(x)dµ(y)

sin[(x− y)T ](x− y)T

. (3.5)

De forma analoga,

1T 2

∫ T

0

|µ(t)|2tdt =1T 2

∫ T

0

µ(t)µ(t)tdt

=1T 2

∫ T

0

tdt

∫dµ(x)dµ(y)e−i(x−y)t

T.Fubini=1T 2

∫dµ(x)dµ(y)

∫ T

0

tdte−i(x−y)t

=∫dµ(x)dµ(y)

sin[(x− y)T ](x− y)T

− 12

∫dµ(x)dµ(y)

sin2[(x− y)T/2][(x− y)T/2]2

. (3.6)

Como 1T 2

∫ T0|µ(t)|2tdt ≥ 0, concluımos das equacoes (3.5) e (3.6) que

1T

∫ T

0

|µ(t)|2dt ≥ 12

∫dµ(x)dµ(y)

sin2[(x− y)T/2][(x− y)T/2]2

.

Antes de apresentar a demonstracao do teorema 3.1.2, vamos re-

escrever a definicao de medidas UαH de uma maneira mais conveniente, ou

45

seja, µ e UαH se existem α ∈ [0, 1] e uma constante C > 0 tal que, para todo

ε ∈ (0, 12 ) e para todo x ∈ IR temos µ(x− ε, x+ ε) < Cεα.

Demonstracao do teorema 3.1.2

Sejam x0 ∈ IR e ε ∈ (0, 12 ). Consideremos f(y) = X(x0−ε,x0+ε)(y) a

funcao caracterıstica do intervalo Iε = (x0 − ε, x0 + ε). Claramente mostra-se

que ‖f‖22 = µ(x0 − ε, x0 + ε) em L2(IR, µ).

Sejam T = π2 ε−1 e dµf ≡ fdµ para todo x, y ∈ Iε temos que

|(x− y)T | = |x− y|T ≤ |Iε|T = 2εT = π.

Assim,

sin2[(x− y)T/2][(x− y)T/2]2

≥sin2[|Iε| π4ε ][|Iε| π4ε ]2

=sin2

(π2

)(π2

)2

=4π2.

Aplicando o lema 3.1.1 e o resultado acima, obtemos

1T

∫ T

0

|fµ|2dt =1T

∫ T

0

|µf |2dt

≥ 12

∫Iε

∫Iε

dµ(x)dµ(y)sin2[(x− y)T/2][(x− y)T/2]2

≥ 2π2µ2(x0 − ε, x0 + ε).

Disto e da hipotese

1T

∫ T

0

|fµ|2dt < C‖f‖22T−α

resulta que

µ2(x0 − ε, x0 + ε) < Cπ2

2

2

)−αεαµ(x0 − ε, x0 + ε).

Entao

46

µ(x0 − ε, x0 + ε) < Cπ2

2

2

)−αεα.

Definindo C1 = C π2

2

(π2

)−αtemos que µ e UαH.

O resultado central deste capıtulo e o seguinte:

Teorema 3.1.3 Sejam µ uma medida de Borel finita em IR e α ∈ [0, 1].

(i)Se µ e UαH entao existe uma constante Cµ tal que para todo T > 0,

1T

∫ T

0

|µ(t)|2dt < CµT−α.

(ii)Se existe uma constante Cµ tal que

1T

∫ T

0

|µ(t)|2dt < CµT−α

para todo T > 0 entao µ e Uα2 H.

O resultado anterior e “optimal”, no sentido que µ sendo UαH implica

que 1T

∫ T0|µ(t)|2dt < CµT

−α que por sua vez implica, no maximo, que µ e Uα2 H.

Veja o exemplo a seguir.

Exemplo

Sejam β ∈ ( 12 , 1), dµ(x) = x−βdx em (0, 1] e α = 2(1 − β) entao

|µ(t)|2 < Ct−α e µ e Uα2 H.

47

Demonstracao

Seja

µ(t) =∫ 1

0

e−ixtdµ(x)

=∫ 1

0

e−ixtx−βdx

= tβ−1

∫ 1

0

e−ixt(xt)−βtdx,

pois tβ−1.t1−β = 1. Assim,

tβ−1

∫ 1

0

e−ixt(xt)−βtdx = t−α2

∫ t

0

e−iuu−βdu

≤ t−α2

∫ ∞

0

e−iuu−βdu.

Como∫∞0e−iuu−βdu converge para todo β > 1/2 resulta que tα|µ(t)|2 converge

para uma constante quando |t| −→ ∞. Considerando o intervalo Iε = (0, ε)

temos

µ(Iε) =∫Iε

=∫ ε

0

=∫ ε

0

x−βdx

=ε1−β

1− β

=1

1− β|Iε|

α2 .

Logo, µ e Uα2 H.

Demonstracao do Teorema 3.1.3

(i) A demonstracao deste item decorre imediatamente da demons-

tracao do Teorema de Strichartz para f ≡ 1.

(ii)Para a demonstracao deste item vamos usar novamente o lema 3.1.1.

Suponhamos que µ nao e Uα2 H; entao existe uma sequencia de interva-

los In∞n=1 com |In|n→∞−→ 0 tal que µ(In) > n|In|α/2. Considerando Tn = π

2|In|

48

entao para todo x, y ∈ In, obtemos

|(x− y)Tn| = |x− y|Tn ≤ |In|Tn =π

2.

Assim,

sin2[(x− y)Tn/2][(x− y)Tn/2]2

≥sin2[|In| π

4|In| ]

[|In| π4|In| ]

2

=sin2

(π4

)(π4

)2

=8π2. (3.7)

Agora, pelo lema 3.1.1 obtemos,

1Tn

∫ Tn

0

|µ(t)|2dt ≥ 12

∫In×In

dµ(x)dµ(y)sin2[(x− y)Tn/2][(x− y)Tn/2]2

(3.7)

≥ 4π2

∫In×In

dµ(x)dµ(y)

=4(µ(In))2

π2

>4(n|In|

α2 )2

π2

=4(n2|In|α)

π2

=4n2πα

π22αT−α.

Isso conclui a demonstracao de (ii).

Finalizaremos este capıtulo com um comentario importante a res-

peito das medidas UαH e lembrando sua conexao com a Mecanica Quantica. A

transformada de Fourier de uma medida espectral do operador de Schrodinger

esta diretamente relacionada com a probabilidade de se observar a partıcula

numa dada regiao. No caso em que a medida espectral e UαH os resultados

acima dao estimativas quantitativas para o decaimento temporal dessas proba-

bilidades.

Apendice A

Lema de Riemann-Lebesgue e Lema de Wiener

Apresentamos aqui como dito na Introducao as demonstracoes do lema

de Riemann-Lebesgue e do lema de Wiener.

Definicao Seja f ∈ L1(IR) chamamos de Transformada de Fourier de f a funcao

f : IR → C tal que

f(t) =∫e−itxf(x)dx.

Lema A1 (Lema de Riemann-Lebesgue) Se µ e uma medida absolutamente

contınua, entao µ(t) −→ 0 quando |t| −→ ∞.

Demonstracao

Como µ e absolutamente contınua em relacao a medida de Lebesgue

existe f ∈ L1(IR) tal que dµ(x) = f(x)dx. Vamos mostrar primeiramente que

se f ∈ L1(IR) entao f(t) −→ 0 quando |t| −→ ∞. Observamos inicialmente que

se f, g ∈ L1(IR) obtemos

|f(t)− g(t)| = |∫e−itx[f(x)− g(x)]dx|

≤∫|e−itx[f(x)− g(x)]|dx

=∫|e−itx||f(x)− g(x)|dx

49

50

=∫|f(x)− g(x)|dx.

Desta forma basta mostrar o lema para um conjunto de funcoes denso em L1(IR),

por exemplo, podemos considerar o conjunto das funcoes simples, pois como

sabemos esse conjunto e denso em L1(IR). Seja entao β o conjunto de todos

os intervalos de IR. Como a integral e linear, basta tomar f = X[a,b] e mostrar

para este caso. Assim,

|X[a,b](t)| = |∫e−itxX[a,b](x)dx|

= |∫ b

a

e−itxdx|

= | 1it

(e−itb − e−ita)|

= | 1it||(e−itb − e−ita)|

≤ 1|t||e−itb|+ |e−ita|

=1|t|

(1 + 1)

=2|t|

|t|→∞−→ 0.

Portanto, |X[a,b](t)| −→ 0 quando |t| −→ ∞. Os outros casos sao similares a

este. Doravante temos,

µ(t) =∫e−itxdµ(x)

=∫e−itxf(x)dx

= f(t)|t|→∞−→ 0.

Logo, µ(t) −→ 0 quando |t| −→ ∞.

51

Lema A2 (Lema de Wiener) Se µ e uma medida de Borel finita em IR, entao

1T

∫ T0|µ(t)|2dt |T |→∞−→ 0 se, e somente se, µ e contınua.

Demonstracao

Basta mostrar que

limT−→∞

12T

∫ T

−T|µ(t)|2dt =

∑x∈IR

|µ(x)|2,

isto e, o valor medio de |µ(t)|2 e igual a soma dos quadrados das medidas de

todos os pontos da medida µ. Disto segue que µ e contınua, isto e, nao tem

pontos puros se, e somente se,

limT−→∞

12T

∫ T

−T|µ(t)|2dt = 0.

Seja

µ(t) =∫e−itxdµ(x)

Assim,

12T

∫ T

−T|µ(t)|2dt =

12T

∫ T

−Tµ(t)µ(t)dt

=1

2T

∫ T

−T

[∫dµ(x)dµ(y)ei(y−x)t

]dt

T.Fubini=1

2T

∫dµ(x)dµ(y)

∫ T

−Tdtei(y−x)t

=∫dµ(x)dµ(y)gT (x, y)

sendo

gT (x, y) =

sin[(y−x)T ]T (y−x) se y 6= x

1 se y = x

Claramente,

limT−→∞

gT (x, y) = Xx(y).

Como |gT (x, y)| ≤ 1 para todo x, y e µ e finita entao podemos aplicar o Teorema

da Convergencia Dominada (T.C.D.), pois as funcoes constantes sao integraveis,

52

assim

limT−→∞

∫dµ(x)dµ(y)gT (x, y) =

∫dµ(x)dµ(y)Xx(y)

=∫dµ(x)µ(x)

=∑x∈IR

|µ(x)|2.

Particularmente, µ e contınua se, e somente se,

limT−→∞

12T

∫ T

−T|µ(t)|2dt =

∑x∈IR

|µ(x)|2 = 0.

Apendice B

Topicos de Teoria Espectral

Discutiremos de forma bem resumida alguns conceitos e enunciaremos

alguns resultados importantes da Teoria Espectral, para mais detalhes ver [9-11].

Sejam H um espaco de Hilbert complexo e A : domA ⊂ H → H um

operador linear. Dado z ∈ C, dizemos que dimN (A − z) e a multiplicidade de

z, sendo N (A − z) = ϕ ∈ domA|(A − z)ϕ = 0. Se z nao e um autovalor de

A, isto e, (A − z) e injetivo entao (A − z)−1 esta bem definido em Im(A − z).

Definimos o conjunto ρ(A) = z ∈ C|A− z e injetivo e (A− z)−1 ∈ B(H) como

sendo o conjunto resolvente de A e o conjunto σ(A) = C\ ρ(A) como sendo o es-

pectro de A. Seja R(z,A) def= (A− z)−1. Agora a funcao R(·, A) : ρ(A) → B(H)

e chamada resolvente de A.

Teorema B1 Seja A um operador auto-adjunto num espaco de Hilbert complexo

H. Entao sao equivalentes:

(i) z ∈ ρ(A);

(ii) Im(A− z) = H;

(iii) Existe c > 0 tal que ‖(A− z)φ‖ ≥ c‖φ‖, ∀φ ∈ domA (neste caso

‖(A− z)−1‖ ≤ 1c ).

53

54

Teorema B2 Seja A : domA ⊂ H → H um operador auto-adjunto, entao

σ(A) ⊂ IR.

Para os proximos resultados vamos precisar da seguinte definicao:

Definicao Uma famılia espectral em H e uma funcao E : IR → B(H) tal que

(i) E(t) e um projetor para todo t ∈ IR.

(ii) Se s ≤ t em IR entao E(s) ≤ E(t) em B(H) (monotonicidade).

(iii) s− limε→0+ E(t+ ε) = E(t) (continuidade pela direita).

(iv) s− limt→−∞E(t) = 0 e s− limt→+∞E(t) = I.

Teorema B3(Teorema Espectral Para Operadores Auto-Adjuntos) Seja A um

operador auto-adjunto em H. Entao existe exatamente uma famılia espectral E

tal que

A =∫tdE(t).

Observamos que a famılia espectral E do teorema acima e chamada

“famılia espectral de A”.

Utilizando o teorema anterior podemos apresentar a seguinte definicao:

Definicao A medida espectral µψ de ψ e do operador auto-adjunto A e unica-

mente definida por

〈ψ, f(A)ψ〉 =∫σ(A)

f(x)dµψ(x)

para toda funcao mensuravel de Borel f .

Como motivacao para os demais resultados temos, como dito na In-

55

troducao, que toda medida de Borel µ em IR pode ser decomposta unicamente

em partes puramente absolutamente contınua, puramente singular contınua e

puramente pontual, a saber, µ = µac +µsc +µpp. Essas tres partes sao mutual-

mente singulares portanto, temos a seguinte decomposicao:

L2(IR, µ) = L2(IR, µac)⊕ L2(IR, µsc)⊕ L2(IR, µpp).

Mostra-se que ψ ∈ L2(IR, µ) tem medida espectral µψ absolutamente contınua

se, e somente se, ψ ∈ L2(IR, µac). Analogamente para as medidas pontual pura

e singular contınua.

Seja A um operador auto-adjunto em H. Definimos Hac(A) = ψ ∈

H|µψ e absolutamente contınua, Hsc(A) = ψ ∈ H|µψ e singular contınua e

Hp(A) = ψ ∈ H|µψ e pontual pura.

Teorema B4 Seja A um operador auto-adjunto. Entao

H = Hac(A)⊕Hsc(A)⊕Hp(A)

sendo cada um desses subespacos invariantes sob A.

Diremos que a restricao A|Hac(A) tem somente medidas espectrais ab-

solutamente contınuas, que a restricao A|Hsc(A) tem somente medidas espectrais

singular contınuas e que a restricao A|Hp(A) tem um conjunto de autovetores

completo.

Definindo σp(A) = λ|λ e um autovalor deA, σc(A) = σ(A|Hc≡Hac⊕Hsc),

σac(A) = σ(A|Hac) e σsc(A) = σ(A|Hsc). Vamos chamar esses conjuntos de

espectro pontual puro de A, espectro contınuo de A, espectro absolutamente

contınuo de A e espectro singular contınuo de A respectivamente. Assim temos

56

o seguinte resultado:

Teorema B5 σ(A) = σac(A) ∪ σsc(A) ∪ σp(A).

Observacao

Os conjuntos do Teorema B5 nao sao necessariamente disjuntos. Sua

demonstracao, assim como as demonstracoes dos demais teoremas podem ser

encontradas nas referencias [10] ou [11].

Apendice C

Convergencia Forte dos Resolventes

Apresentamos aqui alguns resultados relacionados a convergencia forte

dos resolventes. As demonstracoes assim como mais detalhes sobre esses resul-

tados podem ser encontrados em [10] ou [11].

Definicao Sejam An(n ∈ IN) e A operadores auto-adjuntos num espaco de

Hilbert complexo H. Entao diremos que An converge para A no sentido forte

dos resolventes se (An − z)−1 converge para (A − z)−1 fortemente para algum

z ∈ C \ IR.

Teorema C1 Sejam An(n ∈ IN) e A operadores auto-adjuntos num espaco de

Hilbert complexo H. Se (An − z0)−1 −→ (A − z0)−1 fortemente, para algum

z0 ∈ C \ IR. Entao (An − z)−1 −→ (A− z)−1 fortemente para todo z ∈ C \ IR.

Teorema C2 Sejam An(n ∈ IN) e A operadores auto-adjuntos num espaco

de Hilbert complexo H. Suponhamos que (An − i)−1 −→ (A− i)−1 fortemente.

Entao u(An) −→ u(A) fortemente para toda funcao contınua limitada u definida

em IR.

57

58

Teorema C3 Sejam An(n ∈ IN) e A operadores auto-adjuntos uniformemente

limitados num espaco de Hilbert complexo H. Entao An −→ A no sentido forte

dos resolventes se, e somente se, An −→ A fortemente.

Referencias Bibliograficas

[1] Simon, B., Operators With Singular Continuous Spectrum: I.General Op-

erators, Ann. Math. 141(1995), 131-145.

[2] Last, Y., Quantum Dynamics and Decompositions of Singular Continuous

Spectra, J. Funct. Anal. 142(1996), 406-445.

[3] de Oliveira, C. R., Spectral Properties of a Simple Hamiltonian Model, J.

Math. Phys. 34(1993), 3878-3886.

[4] Strichartz, R.S., Fourier Asymptotics of Fractal Measures, J. Funct. Anal.

89(1990), 154-187.

[5] Barbaroux, J.M., e Tcheremchantsev, S., Universal Lower Bounds for

Quantum Diffusion, pre-print, 1998.

[6] Cycon, H.L., Froese, R.G., Kirsch, W., e Simon, B., Schrodinger Op-

erators: With Application to Quantum Mechanics and Global Geometry,

Berlin: Springer-Verlag, 1987.(Texts and Monographs in Physics).

[7] Kreyszig, E., Introductory Functional Analysis With Applications, New

York: John Wiley, 1978.

[8] Fernandez, P. J., Medida e Integracao, Projeto Euclides, Rio de Janeiro:

CNPq, 1996.

59

60

[9] Thayer, J., Operadores Auto-Adjuntos e Equacoes Diferenciais Parciais,

Projeto Euclides, Rio de Janeiro: CNPq, 1987.

[10] Weidmann, J., Linear Operators in Hilbert Spaces, (Graduate Texts in

Mathematics; 68) Springer-Verlag, New York Inc., 1980.

[11] Reed, M., e Simon, B., Methods of Modern Mathematical

Physics,I.Functional Analysis, rev. ed., Academic Press, 1980.

[12] Reed, M., e Simon, B., Methods of Modern Mathematical Physics,II.Fourier

Analysis, Self-Adjointness, Academic Press, 1975.

[13] Bartle, R.G., The Elements of Integration, New York: John Wiley, 1966.

[14] Knill, O., Singular Continuous Spectrum in Ergodic Theory, pre-print,

1998.

[15] Del Rio, R., Jitomirskaya, S., Makarov, N., e Simon, B., Singular Contin-

uous Spectrum is Generic, Bull. Amer. Math. Soc., 31(1994), 208-212.

[16] De Bievre, S., and Forni, G., Transport Properties of Kicked and Quasi-

Periodic Hamiltonians, J. Stat. Phys. 90(1998), 1201-1223.

[17] Balslev, E., e Combes, J.M., Commun. Math. Phys., 22(1971), 280.

[18] Perry, P., Sigal, I.M., e Simon, B., Ann. Math., 114(1981), 519.

[19] Pearson, D.B., Singular Continuous Measures in Scattering Theory, Com-

mun. Math. Phys., 60(1978), 13-36.

[20] Howlands, J.S., Math. Ann., 207(1974), 315.

[21] Yajima, K., J. Math. Soc. Jpn., 29(1977), 729.

61

[22] Bellissard, J., Trends and Developments in the Eighties, (World Scientific,

Singapore, 1985).

[23] Damanik, D., Singular Continuous Spectrum for the Period Doubling

Hamiltonian on a Set of Full Measure, Commun. Math. Phys., 196(1998),

477-483.

[24] Guarneri, I., On the Dynamical Meaning of Spectral Dimensions, Ann. Inst.

H. Poincare Phys., 68(1998), 491-506.

[25] Choksi, J.R. e Nadkarni, M.G., Genericity of Certain Classes of Unitary

and Self-Adjoint Operators, Can. Math. Bull., 41(1998), 137-139.

[26] Schulz-Baldes, H., e Bellissard, J., Anomalous Transport: A Mathematical

Framework, Rev. Math. Phys., 10(1998), 1-46.

[27] Gordon, A.Y., Instability of Dense Point Spectrum Under Finite Rank Per-

turbations, Commun. Math. Phys., 187(1997), 583-595.

[28] Remling, C., A Probabilistic Approach to One-Dimensional Schrodinger

Operators with Sparse Potentials, Commun. Math. Phys., 185(1997), 313-

323.

[29] Carmona, R., e Lacroix, J., Spectral Theory of Random Schrodinger Oper-

ator, (Basel: Birkhauser, 1990).

[30] Berezin, F. A., e Shubin, M. A., The Schrodinger Equation, (Kluwer Aca-

demic Publishers, 1991).