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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE
TAINÃ RIBEIRO KLINGER
INFLUÊNCIA DA FISIOTERAPIA NAS HABILIDADES MOTORAS DE CRIANÇAS
COM A SÍNDROME DA ZIKA CONGÊNITA
ARACAJU- SE
2018
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2018
TAINÃ RIBEIRO KLINGER
INFLUÊNCIA DA FISIOTERAPIA NAS HABILIDADES MOTORAS DE CRIANÇAS
COM A SÍNDROME DA ZIKA CONGÊNITA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Sergipe
como requisito para obtenção do grau de Mestre em
Ciências da Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Valter Joviniano de Santana Filho
Coorientadora: Prof ª Dr ª Karina Laurenti Sato
ARACAJU- SE
2018
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA BISAU UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
K65i
Klinger, Tainã Ribeiro Influência da fisioterapia nas habilidades motoras de crianças com a síndrome da Zika congênita / Tainã Ribeiro Klinger ; orientador Valter Joviniano de Santana Filho ; coorientadora Karina Laurenti Sato. – Aracaju, 2018.
67 f. : il. Dissertação (mestrado em Ciências da Saúde) – Universidade
Federal de Sergipe, 2018.
1. Zika vírus. 2. Microcefalia. 3. Escala Motora Infantil Alberta. 4. Habilidades Motoras 5. Fisioterapia. I. Santana Filho, Valter Joviniano de, orient. II. Sato, Karina Laurenti, coorient. III. Título.
CDU 61
CRB-5: SE-001850/O
TAINÃ RIBEIRO KLINGER
INFLUÊNCIA DA FISIOTERAPIA NAS HABILIDADES MOTORAS DE CRIANÇAS
COM A SÍNDROME DA ZIKA CONGÊNITA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Sergipe
como requisito para obtenção do grau de Mestre em
Ciências da Saúde.
Aprovada: _____/ _____/ 2018
__________________________________________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Valter Joviniano de Santana Filho
___________________________________________________________________________
1º Examinador: Prof. Dr. Demócrito de Barros Miranda Filho
___________________________________________________________________________
2º Examinador: Prof. Drª. Josimari Melo de Santana
PARECER
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Dedico este trabalho a Deus, por ter me sustentado ao longo dessa
caminhada; aos meus pais e esposo, pelo incentivo diário, e aos meus
“pequenos” pacientes, pela grandeza e força. Vocês me impulsionam...
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus, pelo dom da vida, da perseverança e da sabedoria! Por
me amparar no momentos mais árduos e difíceis.
Aos meus pais, Roseval e Bernadete, pelos valores transmitidos e por me mostrarem que
querer é poder! Obrigada por todo apoio! Ao meu irmão, Saulo, pela parceria e pela torcida!
Ao meus esposo, Ivan, pelo companheirismo, compreensão, paciência e calma. Obrigada
por se fazer tão presente em minha vida e transformar momentos de desespero e aflição em
superação!
Ao meu orientador, Prof. Dr. Valter Joviniano, pela confiança e oportunidade.
A minha co-orientadora, Profª. Drª Karina Sato, por todo conhecimento compartilhado,
pelas palavras de incentivo e apoio e pela dedicação. Obrigada por todo carinho!
Aos alunos queridos do Projeto Acolhendo com Amor, Viviane, Gabriela, Aline, Edson,
Soana, Milena, Juliana, Tayná e Bárbara, por toda dedicação, amor e empenho com essas
famílias e com o trabalho lindo que desenvolvemos juntos. A ajuda de vocês foi fundamental!
Aos meus amigos, pelo incentivo, amor e por estarem sempre na torcida!
Às equipes do HU/ EBSERH e Departamento de Fisioterapia da UFS, por estarem sempre
dispostas a ajudar ao longo desta trajetória.
Ao amigo Dr. Enaldo Vieira, por todo incentivo, ajuda, conhecimentos transmitidos e por
cada palavra de apoio.
A todas as famílias que participaram desta pesquisa, por confiarem no nosso trabalho e
por nos entregarem o bem mais precioso que é um filho.
Jamais conseguiria ter chegado até aqui sozinha. Meus mais sinceros agradecimentos!
“Não é o que você faz, mas quanto amor você
dedica no que faz que realmente importa.”
(Madre Teresa de Calcutá)
RESUMO
Influência da fisioterapia nas habilidades motoras de crianças com a síndrome da Zika
congênita: ensaio clínico. Tainã Ribeiro Klinger. 2018
A síndrome da Zika congênita pode causar um conjunto de alterações na criança, dentre elas
graves anomalias cerebrais. As lesões do sistema nervoso central em desenvolvimento
acarretam em desordens sensoriomotoras com repercussão no desempenho motor. A
fisioterapia possibilita a aquisição de habilidades motoras a partir da interação da criança com
o ambiente e com a tarefa. O presente estudo teve como objetivo analisar o papel da fisioterapia
na aquisição das habilidades motoras de crianças com a síndrome da Zika congênita. Trata-se
de um ensaio clínico, desenvolvido no ambulatório de fisioterapia do Hospital Universitário de
Sergipe, com amostra constituída por 46 crianças com a síndrome da Zika congênita. A coleta
de dados ocorreu de janeiro de 2016 a dezembro de 2017, na admissão fisioterapêutica da
criança e ao completar 18 meses de idade. As crianças foram estratificadas de acordo com a
faixa etária na avaliação inicial. No primeiro momento foi aplicado formulário construído para
registro de informações referentes a identificação e características clinicas das mães e das
crianças, características sociodemográficas das famílias, alterações neurológicas e
musculoesqueléticas e tipo de lesão neurológica. Classificou-se a gravidade da lesão
neurológica, a partir dos dados obtidos em prontuário no laudo da ultrassonografia
transfontanela, baseada no Sistema de Classificação de Noyola. Foi realizada avaliação das
habilidades motoras através da Alberta Infant Motor Scale (AIMS), estratificados escores por
faixa etária e por subgrupo de lesão neurológica. Em seguida, as crianças foram submetidas a
um programa de fisioterapia, com frequência de duas sessões semanais e duração de até 50
minutos cada. O programa baseou-se nos princípios da terapia do neurodesenvolvimento
(Bobath), alongamentos musculares e mobilizações passivas. Quando as crianças completaram
18 meses de idade, foi realizada reavaliação das habilidades motoras por meio da AIMS. Os
resultados apontaram que houve aumento do escore total comparando a avaliação inicial e aos
18 meses de idade, nas crianças que iniciaram a fisioterapia com idade de 0 a 6 meses
(p
ABSTRACT
Influence of physiotherapy on the motor skills of children with congenital Zika syndrome:
clinical trial. Tainã Ribeiro Klinger. 2018
Congenital Zika syndrome can cause a number of changes in the child, including severe brain
abnormalities. Injuries to the developing central nervous system result in sensorimotor
disorders with repercussions on motor performance. Physical therapy allows the acquisition of
motor skills based on the child's interaction with the environment and the task. The present
study aimed to analyze the role of physiotherapy in the acquisition of the motor skills of children
with congenital Zika syndrome. This is a clinical trial developed at the Physiotherapy Clinic of
the University Hospital of Sergipe, with a sample of 46 children with congenital Zika syndrome.
Data collection was from January 2016 to December 2017, at the physiotherapeutic admission
of the child and at 18 months of age. The children were stratified according to the age group in
the initial evaluation. In the first moment, a form was designed to record information on the
identification and clinical characteristics of mothers and children, sociodemographic
characteristics of families, neurological and musculoskeletal disorders, and type of neurological
lesion. The severity of the neurological lesion was classified based on the data obtained in the
medical record in the transfontanel ultrasonography report, based on the Noyola Classification
System. Motor skills were assessed through the Alberta Infant Motor Scale (AIMS), stratified
scores by age group and subgroup of neurological injury. The children were then submitted to
a physiotherapy program, with a frequency of two weekly sessions and a duration of up to 50
minutes each. The program was based on the principles of neurodevelopment therapy (Bobath),
muscle stretching and passive mobilizations. When children completed 18 months of age, motor
skills reassessment was performed through the AIMS. The results showed that there was an
increase in the total score comparing the initial evaluation and at 18 months of age in the
children who started physical therapy with age from 0 to 6 months (p
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Características clínicas das crianças com síndrome da Zika congênita.
Hospital Universitário de Sergipe/UFS, 2016- 2017........................................................
32
Tabela 2. Média dos escores por posturas e total na Alberta Infant Motor Scale
conforme faixa etária na admissão ambulatorial, da amostra do estudo e na amostra
normativa. Hospital Universitário de Sergipe/UFS, 2016- 2017......................................
33
Tabela 3. Média dos escores por posturas avaliadas e total na Alberta Infant Motor
Scale comparando a avaliação inicial (T0) e reavaliação (T18) conforme faixa etária na
admissão fisioterapêutica. Hospital Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017
34
Tabela 4. Frequência das lesões neurológicas por Ultrassonografia Transfontanela e
seus respectivos IC 95% em crianças com síndrome da Zika congênita. Hospital
Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017......................................................................
36
Tabela 5. Frequência dos graus de lesão neurológica por Ultrassonografia
Transfontanela e seus respectivos IC 95% em crianças com síndrome da Zika
congênita. Hospital Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017......................................
36
Tabela 6. Sinais e sintomas clínicos por trimestre relacionados à infecção pelo Zika
vírus em mães de crianças com síndrome da Zika congênita. Hospital Universitário de
Sergipe/ UFS, 2016- 2017................................................................................................
37
Tabela 7. Frequência das alterações neurológicas e musculoesqueléticas e seus
respectivos IC 95% em crianças com síndrome da Zika congênita. Hospital
Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017......................................................................
37
Tabela 8. Características sociodemográficas das famílias de crianças com síndrome da
Zika congênita. Hospital Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017..............................
38
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Fluxograma de seleção da amostra.................................................................... 24
Figura 2. Linha de tempo (em meses)............................................................................... 26
Figura 3. Médias dos escores totais na Alberta Infant Motor Scale (AIMS) e IC 95%
nos dois momentos de avaliação: avaliação inicial (T0) e aos 18 meses (T18), nos três
grupos de lesão neurológica (leve, moderada e grave)......................................................
35
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIMS Alberta Infant Motor Scale
CAAE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
cm Centímetros
g Gramas
GM’s General Movements
GMFM Gross Motor Function Measure
HINE Hammersmith Infant Neurological Examination
HU Hospital Universitário
IC 95% Intervalo de Confiança 95%
MMII Membros Inferiores
PC Paralisia Cerebral
SNC Sistema Nervoso Central
sem Semanas
SZC Síndrome da Zika congênita
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TIMP Test of Infant Motor Performance
TND Terapia do Neurodesenvolvimento
UFS Universidade Federal de Sergipe
USG Ultrassonografia
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 14
2 OBJETIVO GERAL ........................................................................................................................ 16
2.1 Objetivos Específicos................................................................................................................. 16
3 REVISÃO DA LITERATURA ....................................................................................................... 17
3.1 Zika vírus e microcefalia .......................................................................................................... 17
3.2 Síndrome da Zika Congênita ................................................................................................... 18
3.3 Avaliação das habilidades motoras .......................................................................................... 19
3.4 Fisioterapia e neuroplasticidade .............................................................................................. 21
4 CASUÍSTICA E MÉTODO ............................................................................................................ 23
4.1 Aspectos Éticos .......................................................................................................................... 23
4.2 Casuística ................................................................................................................................... 23
4.3 Tipo e Local de estudo .............................................................................................................. 24
4.4 Instrumentos de coleta de dados e de avaliação ..................................................................... 25
4.5 Coleta de Dados ......................................................................................................................... 26
4.6 Programa fisioterapêutico ........................................................................................................ 27
4.7 Variáveis estudadas ................................................................................................................... 28
4.7.1 Características clinicas das crianças ................................................................................. 28
4.7.2 Habilidades motoras .......................................................................................................... 28
4.7.3 Início e Tempo de realização da fisioterapia .................................................................... 29
4.7.4 Grau das lesões neurológicas ............................................................................................. 29
4.7.5 Período gestacional do aparecimento de sintomatologia materna ................................. 29
4.7.6 Alterações neurológicas e musculoesqueléticas ............................................................... 30
4.7.7 Idade Materna .................................................................................................................... 30
4.7.8 Escolaridade Materna ........................................................................................................ 30
4.7.9 Renda Familiar ................................................................................................................... 30
4.8 Análise Estatística ..................................................................................................................... 31
5 RESULTADOS ................................................................................................................................. 33
5.1 Características clínicas das crianças com síndrome da Zika congênita ............................... 33
5.2 Habilidades Motoras ................................................................................................................. 33
5.3 Início e tempo de realização da fisioterapia ............................................................................ 36
5. 4 Lesões neurológicas e grau das lesões ..................................................................................... 36
5.5 Sinais e sintomas clínicos relacionados à infecção pelo Zika vírus ....................................... 37
5. 6 Alterações neurológicas e musculoesqueléticas ..................................................................... 38
5. 7 Características sociodemográficas das famílias ..................................................................... 39
6 DISCUSSÃO ..................................................................................................................................... 40
7 CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 46
APÊNDICE A- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ......................... -54
APÊNDICE B- FORMULÁRIO DE AVALIAÇÃO ........................................................................ 56
APÊNDICE C- CLASSIFICAÇÃO DO GRAU DA LESÃO NEUROLÓGICA .......................... 58
APÊNDICE D- PROGRAMA FISIOTERAPÊUTICO....................................................................58
ANEXO A- PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP ............................................................. 62
ANEXO B- ALBERTA INFANT MOTOR SCALE ........................................................................... 65
14
1 INTRODUÇÃO
Em meados de 2015, a partir da epidemia do Zika vírus no Nordeste do Brasil, aumento
do número de casos de crianças nascidas com microcefalia foi identificado (FRANÇA et al.,
2016, ARAÚJO et al, 2016). Estudos in vitro e com modelos experimentais confirmaram esta
associação causal (CUGOLA et al., 2016, LI et al., 2016, MINER et al, 2016, TANG et al.,
2016, LUM et al., 2017). A microcefalia é um sinal clínico definido por perímetro cefálico
menor que dois desvios-padrão abaixo da média para a idade e sexo do indivíduo, de acordo
com valores de referência, podendo acarretar em lesões neurológicas (HARRIS et al., 2013).
Com o desenvolvimento de estudos observacionais, de coorte e caso-controle, de crianças
com microcefalia associada a infecção materna pelo Zika vírus, além desta alteração, outras
foram identificadas e caracterizam o fenótipo da Síndrome da Zika congênita (SZC) (ARAÚJO
et al., 2016, MIRANDA- FILHO et al., 2016, SCHULER-FACCINI et al., 2016, DEL CAMPO
et al., 2017). As manifestações da SZC podem incluir espasticidade precoce, irritabilidade,
convulsões de difícil controle, contraturas de membros, alterações oculares e auditivas, disfagia,
e anomalias encefálicas graves (MOORE et al., 2017).
As anormalidades identificadas por exames de neuroimagem e a sua gravidade são
consideradas preditores do desenvolvimento motor nas infecções congênitas clássicas
(CUNHA et al., 2010, ALARCON et al., 2013). Pode-se especular que exista um curso
semelhante para fetos infectados por Zika vírus, com associação, neste caso, de anomalias
cerebrais graves (HAZIN, 2016).
As lesões do Sistema Nervoso Central (SNC) que ocorrem no período fetal resultam em
desordens do neurodesenvolvimento e postura, caracterizados por alterações sensoriomotoras.
A aquisição das habilidades motoras típicas e os marcos do desenvolvimento são afetados e
acarretam dificuldades funcionais (ROSENBAUM et al., 2007).
O desenvolvimento motor é um processo gradual e sequenciado de aquisições motoras,
dependente da maturação neurológica, fatores individuais e da sua interação com fatores
ambientais (SACCANI e VALENTINI, 2010). A fisioterapia neurofuncional tem como
objetivo principal promover a interação do indivíduo, ambiente e tarefa, e favorecer o
aprendizado e controle motor. A estimulação do neurodesenvolvimento possibilita o processo
de neuroplasticidade, modificando a estrutura e funcionamento do cérebro (KOLB e GIBB,
2011).
15
O conhecimento sobre o comportamento das habilidades motoras de crianças com a
síndrome da Zika congênita ainda é muito limitado e restrito a relatos de casos. Além disso, é
extremamente importante conhecer o impacto desta síndrome na aquisição das habilidades
motoras após programa de intervenção fisioterapêutica, reconhecendo a necessidade de
verificar as lesões neurológicas precocemente. Não existem evidências na literatura da
influência da fisioterapia nas crianças com síndrome da Zika congênita.
Esse estudo contribuirá para o estabelecimento de estratégias terapêuticas de avaliação e
tratamento para minimizar deficiências e favorecer uma melhora do estado de saúde,
funcionalidade e qualidade de vida dessas crianças.
16
2 OBJETIVO GERAL
Caracterizar e verificar como as habilidades motoras de crianças com a síndrome da Zika
congênita se comportam.
2.1 Objetivos Específicos
Avaliar as habilidades motoras de crianças com a síndrome da Zika congênita
Investigar a influência do grau das lesões neurológicas nas habilidades motoras em
crianças síndrome da Zika congênita
Investigar a resposta nas habilidades motoras após programa fisioterapêutico
17
3 REVISÃO DA LITERATURA
3.1 Zika vírus e microcefalia
O Zika vírus pertence à família Flaviviridae, é relacionado a outros flavovírus de
relevância médica transmitidos principalmente por Aedes Aegypyi, como os agentes
causadores da dengue, febre chikungunya, febre amarela e encefalite do Oeste do Nilo. O Zika
vírus foi isolado inicialmente em macacos na floresta Zika, atual Uganda, em 1947. Motivo
dessa denominação para esse vírus (MARTÍNEZ DE SALAZAR et al., 2016). O vírus se
espalhou para a Ásia e Oceania, causando pequenos surtos. Porém, em 2007, um grande surto
foi detectado em uma ilha da Micronésia (PLOURDE; BLOCH, 2016). Na região Nordeste do
Brasil, em Maio de 2015, foi identificado o Zika vírus primeiramente no estado da Bahia. A
circulação do vírus no Brasil, e o surto no país relacionou-se com o aumento de crianças
nascidas com microcefalia (MO Y et al., 2016, OLIVEIRA et al., 2016).
Os registros oficiais no Brasil eram, em média, de 150 casos de microcefalia por ano,
entre 2010 e 2014, sendo que o Nordeste apresentava uma média de 45 casos por ano e Sergipe
de 2 casos por ano. No último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, entre 2015 e
2017, 3.037 casos foram confirmados no Brasil. Destes, 2000 casos foram na região Nordeste
e 132 em Aracaju (Ministério da Saúde, 2018).
A maioria dos infectados pelo Zika vírus são assintomáticos, e nos que apresentam
manifestações clínicas observa-se exantema, febre, artralgias, conjuntivite e com menor
frequência, mialgia e cefaléia. O diagnóstico laboratorial se realiza mediante a detecção direta
(testes de biologia molecular) ou por sorologia. O flavovírus apresenta uma característica que
dificulta o seu diagnostico sorológico: existe um alto grau de reação cruzada entre os anticorpos
gerados frente a distintos vírus (MIRANDA- FILHO et al., 2016, SCHULER-FACCINI et al.,
2016). A falta de marcadores biológicos de maior duração, que possibilitem a confirmação
diagnóstica, elevam consideravelmente o número de casos suspeitos e consequentemente o
registro de casos falso-positivos (NUNES et al., 2016).
A entrada do Zika vírus no SNC, comprometendo a proteção da barreira
hematoencefálica, já foi demonstrada em experimentos com animais e in vitro, confirmando ser
causadora da microcefalia e o seu neurotropismo (CUGOLA et al., 2016, LI et al., 2016, LUM
et al., 2017, MINER et al, 2016, TANG et al., 2016). O genoma do Zika vírus foi identificado
em amostras de líquido amniótico de mulheres grávidas com fetos microcefálicos, e em
18
amostras de sangue e tecidos de recém nascidos com microcefalia que morreram cinco minutos
após o nascimento (CALVET et al., 2016; MLAKAR et al, 2016).
A microcefalia congênita pode estar associada a causas genéticas como cromossomopatia
ou determinados genes, e a causas não-genéticas como os fatores potencialmente lesivos ao
cérebro intra- útero ou após o nascimento (HARRIS et al., 2013, BEHRMAN et al., 2013).
Os fatores tóxicos e agressivos atuam durante o desenvolvimento do cérebro e incluem
as infecções maternas (toxoplasmose, citomegalovírus, herpes vírus, sífilis rubéola, HIV e vírus
Zika); exposição a drogas, substâncias tóxicas e irradiação, destacando- se a síndrome alcoólica
fetal; fatores disruptivos como hemorragia, isquemia, síndrome hipóxico-isquêmica, trauma
crânio- encefálico; e carência nutricional (BEHRMAN et al., 2013).
3.2 Síndrome da Zika Congênita
Um conjunto único de características já é conhecido nas infecções por Zika vírus na
gestação, constitui a síndrome da Zika congênita. O fenótipo reúne achados como anomalias
do cérebro, alterações na morfologia do crânio, anomalias oculares, contraturas congênitas, e
sequelas neurológicas. Alguns desses componentes, como deficiências cognitivas, sensoriais e
motoras, são também compartilhados por outras infecções congênitas, mas cinco características
diferenciam a SCZ de outras infecções congênitas: microcefalia grave com crânio parcialmente
colapsado; córtices cerebrais finos com calcificações corticosubcorticais; cicatriz macular e
manchas retinianas pigmentares focais; contraturas congênitas; e hipertonia precoce com
sintomas de envolvimento extrapiramidal (MOORE et al., 2017).
As anomalias cerebrais são graves e incluem calcificações difusas, principalmente
corticosubcorticais, padrão simplificado de giro, hipoplasia ou ausência do corpo caloso,
hipoplasia do cerebelo e ventriculomegalia (MLAKAR et al., 2016; NUNES et al., 2016;
HAZIN et al., 2016, MOORE et al., 2017).
A presença global da hipogiro cortical e hipomielinização ou desmielinização da
substância branca e hipoplasia cerebelar na maioria das crianças sugerem que o Zika vírus está
associado com uma interrupção no desenvolvimento do cérebro (HAZIN et al., 2016). A
infecção viral na gestação pode resultar em distúrbios no desenvolvimento cortical do feto,
associados a alterações na migração celular e neurodiferenciação, entre essas as lisencefalias,
as polimicrogirias e as displasias corticais focais (DRIGGERS et al., 2016). Estudo in vitro
identificou que o vírus infecta diretamente células progenitoras neurais corticais com alta
eficiência, e promove a liberação de mais partículas virais infecciosas causando a morte celular
19
e desregulando a progressão do ciclo celular. Os resultados dão suporte para o tipo de lesão e
desenvolvimento cerebral anormal nessas crianças (DRIGGERS et al., 2016, TANG et al.,
2016).
Alterações na morfologia do crânio não são exclusivas das infecções por Zika vírus, mas
eram raramente descritas antes do surto do vírus no Brasil. Essas alterações incluem
microcefalia grave, suturas cranianas sobrepostas, osso occipital proeminente, pele do couro
cabeludo em excesso (MOORE et al., 2017, DEL CAMPO et al., 2016). Acredita-se que essas
alterações sejam resultado do volume cerebral reduzido e diminuição da pressão intracraniana,
que compromete a indução do crescimento do crânio.
Anomalias oculares estruturais (microftalmia), cataratas, atrofia coriorretiniana, manchas
pigmentares focais e hipoplasia ou atrofia do nervo óptico são relatas como características
comuns à infecção congênita por Zika vírus, e podem ser causadas por dano direto do vírus ou
como sequela inflamatória (METS; CHHABRA, 2008, DEL CAMPO et al., 2016).
Contraturas congênitas foram relatas em crianças com infecção por Zika vírus presumível
ou confirmada envolvendo múltiplas articulações. O mecanismo não é totalmente
compreendido mas sugere-se que a diminuição dos movimento fetais podem ser causados por
fatores neurogênicos que afetam o trato corticoespinhal, neurônios motores e sua interação
(KOWALCZYK; FELUS, 2016).
Sequelas neurológicas estão presentes em casos de microcefalia associada a infecções
congênitas, como hipertonia e espasticidade, irritabilidade manifestada por choro excessivo,
convulsão, tremores, disfagia e, menos frequentemente, hipotonia. Entretanto, sintomas
piramidais e extrapiramidais de apresentação precoces, são incomuns entre outras infecções
congênitas e caracterizam o fenótipo desta síndrome (SCHULER-FACCINI et al., 2016,
MIRANDA- FILHO et al., 2016, DEL CAMPO et al., 2017, MOORE et al., 2017).
3.3 Avaliação das habilidades motoras
A avaliação das habilidade motoras da criança permite identificar precocemente possíveis
alterações no comportamento motor, medir e monitorar mudanças nos primeiros anos de vida,
e para apoiar a tomada de decisões clinicas. Instrumentos de avaliação padronizados dão suporte
à abordagem clínica de intervenção, de ensino e pesquisa (GONTIJO et al., 2014). A
identificação de desvios do comportamento motor e a intervenção precoce sobre o mesmo, são
fundamentais para o prognóstico de crianças que apresentam algum distúrbio no
desenvolvimento (ASHWAL et al., 2009).
20
Uma variedade de escalas padronizadas são comumente utilizadas para avaliar o
desenvolvimento motor, tanto em pesquisas como na prática clínica. É de extrema importância
na triagem, planejamento e progressão do tratamento de crianças de risco. Dentre elas
destacam-se a Bayley Scale of Infant Development, Test Denver, Test of Infant Motor
Performance, Movement Assessment of Infants, General Movements, The Hammersmith Infant
Neurologic, Alberta Infant Motor Scale, Peabody Developmental Motor Scale (VIEIRA et al.,
2009). Para escolha do instrumento deve-se levar em consideração a faixa etária que a avalição
é aplicável, seus princípios e propriedades psicométricas.
A Alberta Infant Motor Scale (AIMS) é uma escala padronizada, publicada em 1994 por
fisioterapeutas canadenses, e tem como objetivo avaliar o desenvolvimento motor amplo do
nascimento até a aquisição da marcha independente (0 a 18 meses de idade). É utilizada para a
identificação de desempenho motor suspeito em crianças em condição de risco, apresenta baixo
custo, é facilmente reproduzível, implementado rapidamente e não exigem manuseio excessivo
da criança (PIPER; DARRAH, 1994). Tem sido utilizada extensivamente em pesquisas no
Brasil, e para diferentes objetivos como a caracterização do desenvolvimento motor grosso em
lactentes nascidos saudáveis e a termo e em lactentes nascidos prematuro, com e sem lesões
neurológicas; avaliação da influência de diferentes fatores de risco na aquisição precoce do
marco motor; e como resultado medida para estudos de intervenção (GONTIJO et al., 2014).
Foi traduzida, adaptada culturalmente para a população brasileira e validada
(VALENTINI; SACCANI, 2011). Constitui uma medida observacional da performance motora
infantil que aborda alguns conceitos teóricos do desenvolvimento motor, tais como:
neuromaturação, perspectiva da dinâmica motora e avaliação da sequência do desenvolvimento
motor (FORMIGA et al., 2004).
É composta por 58 itens divididos em subescalas determinadas por quatros posições
posturais das crianças: prona (21 itens), supina (9 itens), sentada (12 itens) e em pé (16 itens).
Em cada item são avaliados três aspectos importantes do desenvolvimento motor: alinhamento
postural, movimentos antigravitacionais e superfície corporal em que ocorre a sustentação do
peso. A pontuação é dada a partir da observação do desempenho motor da criança sendo
atribuído 1 ponto para a habilidade observada e 0 ponto para a habilidade não observada. Ao
final, os pontos em cada subescala são somados obtendo-se uma pontuação total de itens
observados. É possível avaliar o desempenho motor da criança utilizando o escore bruto, o
percentil e a categorização do desempenho. O escore total bruto varia de 0 a 58 pontos, e quanto
maior indica um maior número de habilidade motoras desempenhadas. O percentil é obtido a
partir da relação do escore total bruto com a idade da criança, e reflete a comparação com os
21
dados normativos para criança com desenvolvimento motor típico. A partir do percentil é
possível inferir o desempenho motor pelos seguintes pontos de corte: até os 4 meses de idade o
percentil 10, e a partir dos 4 meses o percentil 5 identificam desempenho motor atípico (PIPER;
DARRAH, 1994).
Quanto às propriedades psicométricas, a AIMS apresenta alta confiabilidade
interobservadores (α = 0,96- 0,99) e de teste-reteste (α = 0,86-0,99), a sensibilidade varia de
77,3% a 86,4% aos 4 meses e especificidade é de 65,5% aos 8 meses (VALENTINI e
SACCANI, 2011). A validade concorrente com a Bayley Scales of Infant Development e a
Peabody Developmental Motor Scales, duas escalas amplamente utilizadas, é de 0.99 e 0.97,
respectivamente (PIPER; DARRAH, 1994).
3.4 Fisioterapia e neuroplasticidade
O desenvolvimento motor é considerado um processo dinâmico, sequencial e contínuo,
pelo qual o ser humano adquire uma enorme quantidade de habilidades motoras, as quais
progridem de movimentos simples e desorganizados para a execução de habilidades motoras
altamente organizadas e complexas. É afetado pelo espaço que o cerca e os subsistemas que
compõe o organismo. Estas habilidades são ajustadas ao longo da vida (CLARK, 1994).
Diferentes perspectivas teóricas do desenvolvimento motor tentaram interpretar as
origens do comportamento humano, o padrão de mudanças ao longo do tempo e os fatores
individuais e contextuais relacionados. Apesar das diferenças elas se complementam e suas
informações fornecem uma justificativa teórica para o planejamento terapêutico (PIPER;
DARRAH, 1994).
A abordagem sistêmica como base para o tratamento entende que um dano no cérebro
pode ser modificado por fatores externos, por meio da plasticidade cerebral. Nos primeiros anos
de vida o desenvolvimento e maturação do cérebro, são fortemente dependentes pela
experiência ou influências ambientais. Nesse período há uma possibilidade maior de otimização
no desenvolvimento motor (KOLB e GIBB, 2011).
Todo aprendizado motor depende de interconexões neurais precisas, a fim de permitir a
integridade do comportamento sensório-motor, de percepção e ação. Lesões do sistema nervoso
no momento inicial e rápido de desenvolvimento acarreta em alterações sinápticas e prejuízos
nas habilidades motoras dos primeiros 18 meses de vida. Nesse período ocorrem alterações
estruturais dos dendritos, brotamento de novos contatos sinápticos, aumento da mielinização e
aumento do tamanho dos neurônios, com melhora da resposta motora (KANDEL et al, 2014).
22
As experiências que a interação da criança com o indivíduo e com a natureza da tarefa
possibilita, tem a capacidade de modificar as redes neurais, principalmente se realizada no
período crítico do desenvolvimento (KOLB e GIBB, 2011).
O método mais comum e amplamente usado para estimulação motora de crianças é a
terapia do neurodesenvolvimento (NDT)/ Bobath (YALCINKAYA et al., 2014). O Bobath é
uma abordagem terapêutica baseada no desenvolvimento normal, utilizando todos os sinais de
entrada sensoriais para facilitar a função motora e as posturas, com melhora da funcionalidade.
Esta terapia tem por objetivo modular o tônus, por meio da utilização de pontos-chaves de
controle, tapping, estímulos sonoros e/ou visuais. A facilitação ou inibição de determinadas
posturas estimulam a aquisição de habilidades conforme os marcos do desenvolvimento motor
(BOBATH; BOBATH, 1989).
23
4 CASUÍSTICA E MÉTODO
4.1 Aspectos Éticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade
Federal de Sergipe (UFS), sob número CAAE 83268618.9.0000.5546, parecer 2.540.537
(ANEXO A). Todas as etapas estiveram de acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho
Nacional de Saúde, que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas com
seres humanos.
Os responsáveis pelas crianças participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE) em duas vias, sendo apresentado objetivos e importância da pesquisa,
benefícios e riscos (APÊNDICE A).
4.2 Casuística
Inicialmente, 52 crianças foram avaliadas de forma não aleatória e consecutiva.
Foram incluídas crianças com síndrome da Zika congênita, diagnóstico clínico de
microcefalia ao nascimento (circunferência craniana menor que -2 desvios-padrão, segundo a
tabela de InterGrowth, de acordo com a idade gestacional ao nascer e sexo), admitidas no HU/
UFS, nascidas a partir de maio de 2015, com alterações neurológicas evidenciadas por
ultrassonografia (USG) transfontanela, e ausência de registro em prontuário de diagnóstico
clínico de anóxia neonatal e síndrome genética especifica associada.
A confirmação da síndrome da Zika congênita, de acordo com o Ministério da Saúde,
pode se basear em critérios sorológico ou sinais e sintomas clínicos. Como critério sorológico,
considera-se a detecção por meio de técnicas de biologia molecular do Zika vírus na mãe e
criança ou sorologia. Como critério clínico, consideram-se microcefalia, hipertonia, disfagia,
epilepsia, irritabilidade, alteração visual e auditiva, e alterações estruturais no SNC. Além disso,
estabeleceu-se sorologia negativa para infecções congênitas por sífilis, toxoplasmose, rubéola,
citomegalovírus, herpes e HIV. Na nossa amostra, utilizamos como critério, a microcefalia, os
sinais e sintomas (em exame de imagem ou clínico) e sorologia negativa para infecções
congênitas clássicas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017).
24
Foram excluídas crianças que tivessem realizado intervenção cirúrgica ortopédica no
período, recebido aplicação de toxina botulínica e realizado outra abordagem fisioterapêutica
associada.
Das crianças avaliadas, foram excluídas cinco por não terem comparecido ao serviço para
reavaliação aos 18 meses de idade, e uma por ter realizado intervenção cirúrgica ortopédica. A
amostra foi constituída por 46 crianças. (Figura 1).
Figura 1. Fluxograma de seleção da amostra.
4.3 Tipo e Local de estudo
Trata-se de um estudo misto: estudo transversal e ensaio quasi-experimental,
desenvolvido no ambulatório de fisioterapia do HU/UFS.
Para responder as diferentes perguntas realizou estudo transversal a fim de caracterizar
as habilidade motoras, comparando com valores normativos da AIMS, e investigar a influência
Crianças avaliadas
inicialmente
(n= 52)
Crianças excluídas
(n=1):
Ortopédica (n=1)
Perdas (5):
Não compareceram
para a reavaliação (n=5)
Intervenção cirúrgica
Amostra do estudo
(n= 46)
25
do grau das lesões neurológicas sobre as mesmas. Para investigar a resposta ao programa
fisioterapêutico realizou um estudo quasi-experimental.
Dois investigadores participaram do estudo. O investigador 1 coletou os dados clínicos,
sociais e demográficos, e o investigador 2 avaliou as habilidades motoras através da AIMS. O
investigador 2 participou de um curso da Aberta Infant Motor Scale, com uma das criadoras da
escala, Drª Johanna Darrah. Duas fisioterapeutas, treinadas pelo pesquisador principal, as quais
realizaram o programa fisioterapêutico. O treinamento consistiu no manuseio e posturas,
conforme princípios do neurodesenvolvimento, técnicas de alongamento e mobilização
articular. Vale salientar que nenhum dos investigadores e fisioterapeutas tiveram acesso aos
dados coletados pelo outro investigador, evitando viés de informação.
4.4 Instrumentos de coleta de dados e de avaliação
Três instrumentos distintos foram utilizados para a coleta de dados e avaliação:
Formulário de Avaliação, Alberta Infant Motor Scale (AIMS) e Sistema de Classificação de
Gravidade da Lesão de Noyola.
Um formulário de avaliação foi construído para registrar informações referentes à
identificação da criança (nome, sexo, idade) e suas características clínicas (peso, idade
gestacional e perímetro cefálico ao nascimento); características clínicas maternas (via de parto,
sinais e sintomas de infecção, fumo e álcool, intercorrências na gestação, número de gestações);
características sociodemográficas das famílias (idade, escolaridade e profissão, renda familiar,
número de adultos e crianças na casa); alterações neurológicas e musculoesqueléticas
(convulsão, irritabilidade, hipertonia, malformações em membros inferiores); tipo de lesões na
USG transfontanela e gravidade; início e tempo de realização da fisioterapia (APÊNDICE B).
O formulário foi preenchido na avaliação, complementado na reavaliação fisioterapêutica e a
partir dos dados registrados em prontuário. Quando necessário, realizou-se contato telefônico.
A AIMS consiste em uma escala composta por 58 itens agrupados em quatro subescalas
que descrevem o desenvolvimento de movimentação espontânea e de habilidades motoras em
posições básicas, incluindo 21 itens observados em posição prona, nove em supino, 12 sentado
e 16 em pé (ANEXO B). Cada item observado no repertório das habilidades motoras da criança
recebe escore 01 (um) e cada item não observado recebe escore 0 (zero). O escore total da
avaliação do desenvolvimento motor foi obtido por meio da soma dos escores observados em
cada uma das quatro posições (prono, supino, sentado e em pé) (PIPER; DARRAH, 1994). A
26
AIMS foi utilizada na avaliação fisioterapêutica inicial, sendo estratificada por faixa etária de
idade da criança no momento da avaliação, em trimestre, e aos 18 meses de idade.
O grau de lesão neurológica foi avaliado pelo Sistema de Classificação de Gravidade da
Lesão, baseando-se na extensão da calcificação, presença de ventriculomegalia e/ou atrofia
cortical. O grau 1 corresponde a calcificações pontuais e/ou vasculopatia; o grau 2 a
calcificações múltiplas e discretas e/ou ventriculomegalia moderada a severa; e o grau 3 a
calcificações extensas e/ou atrofia cortical (NOYOLA et al., 2001). A partir das lesões
identificadas no laudo da USG transfontanela, procedeu-se com a classificação do grau de lesão
neurológica (leve, moderada e grave) (APÊNDICE C).
4.5 Coleta de Dados
Os dados foram coletados de janeiro de 2016 a dezembro de 2017, e ocorreu em dois
momentos diferentes. A partir da admissão no ambulatório de microcefalia do HU, a criança
foi encaminhada para o ambulatório de fisioterapia e submetida a avaliação fisioterapêutica. O
recrutamento das crianças para pesquisa foi realizado conforme os critérios de inclusão
estabelecidos, aceitação do responsável e assinatura do TCLE.
No primeiro momento, na admissão fisioterapêutica, o investigador 1 aplicou o
formulário de avaliação, coletou os dados da USG, a partir do laudo anexado em prontuário e,
em seguida, classificou o grau da lesão neurológica. O investigador 2 aplicou a AIMS.
As crianças realizaram programa fisioterapêutico elaborado para promover simetria dos
membros e cabeça, alinhamento e controle postural, equilíbrio muscular e movimentos com
suporte postural.
No segundo momento, após o programa fisioterapêutico, o investigador 2 reaplicou a
AIMS (Figura 2). A reavaliação foi realizada no dia que a criança completou 18 meses de idade,
caso coincidisse com o dia de realização da fisioterapia. Caso contrário, foi realizada no
próximo dia de atendimento, respeitando um prazo máximo de 3 dias.
AVALIAÇÃO REAVALIAÇÃO
T18 T0
27
Figura 2. Linha de tempo (em meses). T0: avaliação inicial da fisioterapia.
4.6 Programa fisioterapêutico
O programa fisioterapêutico foi construído através de condutas que contemplassem os
objetivos propostos: inibir padrão patológico de membros inferiores (MMII) e membros
superiores (MMSS); modular tônus muscular; melhorar flexibidade muscular (inclinadores
cervicais, elevadores e rotadores internos de ombro, flexores de cotovelo, flexores de punho e
dedos, adutores de polegar, flexores de quadril, adutores de quadril, flexores de joelho e flexores
plantares); favorecer controle cervical, aumentar mobilidade articular e controle de cintura
escapular; estimular o rolar, as transferências posturais, reações de endireitamento e atividade
de alcance manual, e proporcionar os benefícios do ortostatismo.
A duração total da sessão não ultrapassou 50 minutos, tendo em vista a idade cronológica
da criança. O tempo total foi fracionado de acordo com as necessidades, aceitação da criança,
e as etapas do desenvolvimento motor típico. Antes de iniciar cada sessão do programa, a
fisioterapeuta confortava a criança para que ela se adaptasse e reconhecesse o ambiente e o
profissional. A intervenção foi suspensa em casos de convulsão, alterações cardio-respiratórias
e alterações na coloração da pele (cianose e palidez). As condutas fisioterapêuticas disponíveis
no programa, foram escolhidas de acordo com os objetivos, e modificadas à medida que o
progresso motor e cognitivo da criança fossem alterados. As condutas que poderiam ser
utilizadas estão descritas a seguir e sintetizadas no APÊNDICE C.
Foram realizados alongamentos musculares estáticos e mantidos nos grupos musculares
encurtados até o ponto de resistência do tecido, mantido na posição por 20 segundos, repetido
por duas vezes. O retorno à posição inicial foi lento e gradual (KISNER; COLBY, 2009);
mobilização articular grau IV de Maitland, com oscilações rítmicas de pequena amplitude no
limite da mobilidade disponível, a partir da percepção da resistência do tecido, sendo realizadas
2 repetições de 30 movimentos em cada articulação elegível (KISNER; COLBY, 2009); em
sedestação, padrão de inibição em MMII, facilitação do controle cervical e de cintura escapular,
estímulo das habilidades bimanuais, reações de endireitamento na bola, descarga de peso em
MMSS, e liberação de um membro para atividade de alcance; em prono, facilitação do controle
cervical e de cintura escapular com apoio em antebraço, transferência de peso em MMSS com
Formulário
AIMS
Dados do USG
AIMS
Programa
Fisioterapêutico
28
e sem rolo, treino de rolar para posição supino, facilitação da postura gato com ou sem auxílio
de rolo terapêutico; em supino, dissociação de cintura escapular e cintura pélvica; treino de
rolar para posição prono, exercícios de ponte; em ortostase, com apoio anterior na bola suiça e
posterior do terapeuta na pelve estimulando controle cervical e de cintura escapular, estímulo
de transferência de peso em MMII; Facilitação e manutenção das posturas de transição (semi-
sentado; semi-ajoelhado; ajoelhado; índio; sentar e levantar) associadas ao estímulo de
habilidades manuais.
Todos os estímulos e facilitações foram realizados com comunicação e contato físico com
a fisioterapeuta, utilizando-se de ambiente e instrumentos de estímulo perceptivo, de acordo
com as etapas do desenvolvimento, interesse e capacidade de cada criança.
4.7 Variáveis estudadas
4.7.1 Características clinicas das crianças
No dia da avaliação admissional, foi registrado, no prontuário da criança, a medida do
perímetro cefálico em centímetros (cm), idade gestacional em semanas (sem) e peso ao
nascimento em gramas (g) encontrados na caderneta de saúde da criança.
Valores de z escore menor que 3 desvios padrão ou mais foi considerada microcefalia
grave, conforme Intergrowth-21st (VILLAR et al., 2014).
Consideraram-se neonatos pré termo aqueles com idade gestacional inferior a 37 sem e
atermo com idade igual ou superior a 37 sem. Crianças com peso inferior a 2500 g foram
classificadas como baixo peso e com peso superior ou igual a 2500 g como peso adequado
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
4.7.2 Habilidades motoras
A avaliação das habilidades motoras foi realizada no ambulatório de fisioterapia do HU
através da AIMS, descrita anteriormente. A avaliação ocorreu na presença da genitora para
evitar prejuízos no desempenho dos movimentos das crianças, de maneira individual, com a
criança usando apenas fralda. As habilidades motoras foram avaliadas na admissão da criança
no serviço de fisioterapia, estratificadas conforme a faixa etária, em trimestre, e ao completar
18 meses de idade, respeitado prazo limite de 3 dias. Primeiramente, a criança era despida e
29
colocada no tatame pela genitora, sendo observado a movimentação espontânea nas quatro
posições básicas: prono, supino, sentada e em pé. Não foi necessário manter uma sequência fixa
das posições na avaliação, conforme orientação das autoras da escala. Em cada uma destas
posições a criança foi estimulada a executar os movimentos por meio de verbalização e
brinquedos, sem manuseio e livre para realizar os movimentos.
As habilidades motoras foram expressas por escores em cada postura e pela soma destes,
resultando no escore total, por faixa etária em trimestre e aos 18 meses de idade.
Escore total também foi estratificado por subgrupo do grau de lesão neurológica, nos dois
momentos da avaliação.
4.7.3 Início e Tempo de realização da fisioterapia
O início da fisioterapia refere-se a idade da criança, em meses completo, no primeiro dia
do programa fisioterapêutico.
O tempo de fisioterapia que cada criança realizou compreendeu o período, expresso em
meses completos, da admissão na fisioterapia até completar 18 meses de idade.
4.7.4 Grau das lesões neurológicas
Todas as crianças realizavam USG Transfontanela no HU após admissão no serviço, em
seguimento ao protocolo de triagem inicial da Secretaria Estadual de Saúde. Os exames foram
laudados por médico especialista do HU, sendo anexado ao prontuário da criança. As lesões
neurológicas foram registradas no formulário, conforme tipo e gravidade da lesão. Registraram-
se os tipos de lesões e gravidade. Em seguida, para classificar o grau da lesão, foi utilizado o
Sistema de Classificação, já descrito anteriormente, graduando em leve, moderada e grave.
4.7.5 Período gestacional do aparecimento de sintomatologia materna
As mães foram questionadas quanto à presença de sintomas relacionados com o Zika
vírus, como exantema, febre e poliartralgia durante a gestação, e o período de aparecimento
destes. O período de aparecimento registrado foi classificado em trimestres, devido a
características próprias do neurodesenvolvimento de cada um deles.
30
O primeiro trimestre compreende o período desde o início da gestação até a 12ª semana,
o segundo trimestre começa na 13ª e vai até a 26ª semana, e o terceiro trimestre vai da 27ª
semana até o final da gestação (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
4.7.6 Alterações neurológicas e musculoesqueléticas
A presença de convulsão, espasticidade, irritabilidade e malformações em membros
inferiores foram registradas a partir dos dados médicos colhidos em prontuário, seguindo um
protocolo de avaliação médica estabelecido pela equipe de neurologia e pediatria de referência
do HU.
4.7.7 Idade Materna
A idade materna correspondeu à idade da mãe no momento do parto, em anos. A idade
foi registrada conforme documento de identificação da mãe, com a data de nascimento.
Considerou-se como mães adolescentes e de risco para o desenvolvimento da criança
aquelas com idade inferior a 18 anos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
4.7.8 Escolaridade Materna
A escolaridade materna refere-se aos anos completos que a mãe estudou, e reflete o seu
nível de instrução. Foi registrada conforme resposta da genitora, no momento da avaliação
admissional, sendo consideradas mães com baixo nível de instrução aquelas com escolaridade
inferior a 8 anos de estudo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
4.7.9 Renda Familiar
A renda familiar foi registrada conforme resposta dada pela genitora, em reais. Refere-se
ao valor total da renda familiar, podendo ser estimada caso o valor não fosse fixo.
Renda inferior a R$ 954,00 reais foi classificada como inferior a 1 salário mínimo, quando
maior ou igual foram classificadas como 1 ou mais salário mínimo.
31
4.8 Análise Estatística
Inicialmente, procedeu-se uma análise exploratória para detectar valores discrepantes
presentes na amostra. Considerou-se como discrepantes para o escore total da AIMS, valores
maiores que ±3 DP.
As variáveis quantitativas foram sumarizadas na forma de média e desvio padrão, valores
máximos e mínimos, conforme atendesse o pressuposto de normalidade. As que não atenderam
tal pressuposto, foram resumidas como mediana e 1º e 3º quartis. O pressuposto de normalidade
foi avaliado através do teste de Shapiro-Wilk.
As variáveis categóricas foram descritas como, frequência simples e porcentagem e
respectivos intervalos de confiança, quando necessário.
Para a comparação das médias referentes aos escores da AIMS na avaliação inicial,
estratificadas por faixa etária em trimestre, e aos 18 meses com os valores normativos da escala
foi utilizado o teste t para dados independentes.
Para a comparação das médias referentes aos escores da AIMS na avaliação inicial com
os escores aos 18 meses de idade, foi utilizado o teste t para dados pareados.
A comparação das médias dos escores totais da AIMS entre os grupos referentes ao grau
de lesão neurológica (leve, moderada e grave) foi realizada através do teste de análise de
variância- ANOVA, com o fator (grupo) seguido de pós teste de Tukey, atendido o pressuposto
de normalidade e igualdade das variâncias.
Para a estimativa dos intervalos de confiança (IC 95%) das variáveis categóricas, utilizou-
se a técnica de “bootstrap”, considerando-se um número de 5 mil reamostragens de tamanho
igual a 48. Essa técnica consiste em realizar simulações, partindo de amostras do mesmo
tamanho. Deve ser mencionado que tal técnica fornece uma estimativa menos enviesada uma
vez que assume distribuição real da amostra.
Considerou-se como nível de significância, p≤0,05. Utilizou-se o programa SPSS IBM
versão 23 para testes.
32
33
5 RESULTADOS
5.1 Características clínicas das crianças com síndrome da Zika congênita
O perímetro cefálico foi < 3DP em 29 crianças e a frequência de microcefalia grave foi
de 63,0%. O peso ao nascer superior ou igual a 2500 g foi identificado em 36 crianças (78,3%).
A idade gestacional superior ou igual a 37 semanas foi encontrada em 44 crianças (95,7%),
classificadas como a termo. O sexo feminino foi frequente em 52,2% das crianças. A mediana
do Apgar no 1º minuto foi 8 (8-9, intervalo inter-quartis) e no 5º foi 9 (9-10, intervalo inter-
quartis) (Tabela 1).
Tabela 1. Características clínicas das crianças com síndrome da Zika congênita. Hospital Universitário de
Sergipe/UFS, 2016- 2017.
Variáveis N=46 %
Perímetro Cefálico - < 3DP (1) 29 63,0
Peso - ≥ 2500 g (1) 36 78,3
Idade Gestacional - ≥ 37 s (1) 44 95,7
Sexo (1)
Masculino 22 47,8
Feminino 24 52,2
Apgar 1º minuto (seg) (2) 8 (8;9) ..
Apgar 5º minuto (seg) (2) 9 (9;10) ..
N: número de crianças. (1) Valores sumarizados em N e percentual (2) Valores expressos na forma de mediana (Q1;
Q3).
5.2 Habilidades Motoras
Na avaliação inicial, segundo a faixa etária por trimestre, 17 crianças tinham idade de 0
a 3 meses, 19 tinham idade de 4 a 6 meses e 10 tinham idade de 7 a 9 meses. Ao comparar os
valores obtidos por faixa etária em trimestre (primeiro, segundo e terceiro trimestre) e aos 18
meses, com os valores normativos (VALENTINI, SACCANI, 2011), observou que apenas no
primeiro trimestre não houve diferença significativa. Nos segundo e terceiro trimestre, e aos 18
meses de idade, os valores obtidos na amostra do estudo, foram bastante inferiores e com
diferença significativa (p
34
Tabela 2. Média dos escores por posturas e total na Escala Motora Infantil Alberta conforme faixa etária na
admissão ambulatorial da amostra do estudo e na amostra normativa. Hospital Universitário de Sergipe/UFS, 2016-
2017.
Escore na AIMS (média±DP)
Faixa Etária N Prono Supino Sentado Em pé Total
0 a 3 m
Amostra do estudo 17 2,4±1,0 2,5±1,3 1,0±0,8 1,1±0,6 7,6±2,6
Amostra normativa 78 2,3±1,2 2,7±1,1 1,1±0,9 1,4±0,6 7,6±3,3
p-valor* 0,36 0,24 0,34 0,07 0,50
4 a 6 m
Amostra do estudo 19 2,4±1,5 2,8±0,7 1,9±0,8 1,2±0,8 8,3±2,2
Amostra normativa 107 6,8±3,2 6,2±1,7 4,1±2,3 2,4±0,9 19,5±6,9
p-valor*
35
Tabela 3. Média dos escores por posturas avaliadas e total na Alberta Infant Motor Scale (AIMS) comparando a
avaliação inicial (T0) e reavaliação (T18) conforme faixa etária na admissão fisioterapêutica. Hospital
Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017.
AIMS (média ± DP)
Postura prona Postura supino Postura sentado Postura em pé Escore total
0 a 3 m
T0 2.4±1.0 2.5±1.3 1.7±1.2 1.1±0.6 7.6±2.6
T18 3.6±2.3 3.2±1.1 2.2±0.9 1.7±0.8 10.7±3.9
p-valor* 0.07 0.08 0.13 0.02 0.001
4 a 6 m
T0 2.4±1.5 2.8±0.7 1.9±0.8 1.2±0.8 8.3±2.2
T18 4.5±2.3 3.3±0.9 2.5±0.9 1.3±0.9 11.5±3.7
p-valor* 0.0009 0.03 0.03 0.33 0.0006
7 a 9 m
T0 2.3±1.3 2.8±1.3 2.3±1.2 1.1±0.7 8.5±3.1
T18 3.3±1.2 2.4±1.1 1.6±1.3 0.8±0.6 8.1±2.8
p-valor* 0.06 0.28 0.13 0.10 0.39
*Teste t para dados pareados.
Não houve diferença significativa (p=0,32) entre as médias do escore total na avaliação
inicial, por subgrupos dos graus de lesão neurológica: leve (9,4 ± 3,4), moderada (8,4 ± 2,8) e
grave (7,8 ± 2,3). Da mesma forma, aos 18 meses, não observou-se diferença (p=0,34) entre as
médias do escore total por subgrupos dos graus de lesão neurológica: leve (12 ± 3,5), moderada
(10,8 ± 4,8) e grave (9,7 ± 2,6). Houve uma tendência de valores menores no escore total,
conforme maior gravidade da lesão, tanto na avaliação inicial como aos 18 meses. (Figura 4).
36
Figura 3. Médias dos escores totais na Alberta Infant Motor Scale (AIMS) e IC 95% nos dois momentos de
avaliação: avaliação inicial (T0) e aos 18 meses (T18), nos três subgrupos do grau de lesão neurológica (leve,
moderada e grave). Dados apresentados como média ± desvio padrão. Teste ANOVA seguido de pós teste de
Tukey entre os subgrupos de lesão neurológica no T0 (p=0,32) e no T18 (p=0,34).
5.3 Início e tempo de realização da fisioterapia
As crianças com faixa etária de 0 a 3 meses na avaliação admissional iniciaram a
fisioterapia com idade média de 2,5±0,5 meses, por um período médio 15,5±0,5 meses. As
crianças com faixa etária de 4 a 6 meses na avaliação admissional, iniciaram a fisioterapia com
idade média de 4,7±0,8 meses, por um período médio de 13,3±0,8 meses. As crianças com faixa
etária de 7 a 9 meses na avaliação admissional iniciaram a fisioterapia com idade média de
7,9±0,9 meses por um período médio 10,1±0,9 meses.
5. 4 Lesões neurológicas e grau das lesões
Entre as lesões neurológicas, destacaram-se as calcificações, com predomínio da córtico-
subcortical (80,4%), seguidas da periventricular (58,7%), núcleo lentiforme (41,3%) e tálamo
(32,6%).
37
A maioria das crianças apresentou atrofia cortical (86,9%) evidenciando-se como grave
em 43,5% dos casos. A hidrocefalia também esteve associada em uma alta frequência (41,4%)
e manifestando-se em maior gravidade em 19,6% dos casos. As lesões de corpo caloso foram
evidentes em alta frequência (91,3%) (Tabela 4).
Tabela 4. Frequência das lesões neurológicas por Ultrassonografia Transfontanela e seus respectivos IC 95% em
crianças com síndrome da Zika congênita. Hospital Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017.
Variável N= 46 % IC 95%
Calcificação córtico-subcortical 37 80,4 62,7 a 88,0
Calcificação periventricular 27 58,7 41,2 a 70,5
Calcificação núcleo Lentiforme 19 41,3 25,8 a 54,7
Calcificação tálamo 15 32,6 18,6 a 46,2
Atrofia cortical
Leve 18 39,1 24,0 a 52,7
Moderada 2 4,3 0,5 a 14,2
Grave 20 43,5 27,6 a 56,8
Hidrocefalia
Leve 5 10,9 3,5 a 22,7
Moderada 5 10,9 3,5 a 22,7
Grave 9 19,6 9,0 a 32,6
Corpo caloso
Agenesia/ Hipoplasia 42 91,3 76,8 a 98,3
N: número de crianças. IC 95%: Intervalo de Confiança para 95% estimado, pela técnica de “bootstrap”.
A lesão neurológica grave foi encontrada em 50,0% das crianças. Enquanto que as lesões
moderada e leve foram identificadas em 36,9% e 13,0%, respectivamente (Tabela 5).
Tabela 5. Frequência dos graus de lesão neurológica por Ultrassonografia Transfontanela e seus respectivos IC
95% em crianças com síndrome da Zika congênita. Hospital Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017.
Variável N= 46 % IC 95%
Grau das lesões
Leve 6 13,0 5,1 a 26,8
Moderada 17 36,9 23,0 a 51,7
Grave 23 50,0 33,3 a 62,8
N: número de crianças. IC 95%: Intervalo de Confiança para 95% estimado, pela técnica de “bootstrap”.
5.5 Sinais e sintomas clínicos relacionados à infecção pelo Zika vírus
O exantema durante o período gestacional foi a sintomatologia materna mais relatada
(67,4%). A sua frequência foi maior no 1º trimestre (32,6%), seguida pelo 2º trimestre (28,3%)
e, em menor proporção no 3º trimestre (6,5%).
38
O relato de febre durante a gestação ocorreu em 32,6% dos casos, sendo mais frequente
no 1º trimestre (15,2%), seguido pelo 2º trimestre (10,9%) e 3º trimestre (6,5%).
A poliartralgia esteve presente em 28,2% das mães durante a gestação, sendo mais
frequente no 1º trimestre (13,0%), seguido pelo 2º trimestre (8,7%) e 3º trimestre (6,5%)
(Tabela 6).
Tabela 6. Sinais e sintomas clínicos por trimestre relacionados à infecção pelo Zika vírus em mães de crianças
com síndrome da Zika congênita. Hospital Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017.
Variáveis N= 46 %
Exantema na gestação X Trimestre
1º trimestre 15 32,6
2º trimestre 13 28,3
3º trimestre 3 6,5
Febre na gestação X Trimestre
1º trimestre 7 15,2
2º trimestre 5 10,9
3º trimestre 3 6,5
Poliartralgia na gestação X Trimestre
1º trimestre 6 13,0
2º trimestre 4 8,7
3º trimestre 3 6,5
N: número de mães. Valores sumarizados como N e percentual.
5. 6 Alterações neurológicas e musculoesqueléticas
A ocorrência mais frequente de alterações neurológicas foi a crise convulsiva (63,0%). A
segunda alteração neurológica mais frequente foi a espasticidade (55,3%). Durante a avaliação
dessas crianças, observou-se alta frequência de irritabilidade (39,1%).
As malformações em membros inferiores estiveram presentes em uma frequência de
13,0% (Tabela 7).
Tabela 7. Frequência das alterações neurológicas e musculoesqueléticas e seus respectivos IC 95% em crianças
com síndrome da Zika congênita. Hospital Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017.
Variável % (N= 46) IC 95%
Convulsão 63,0 (29) 46,9- 71,4
Espasticidade 55,3 (25) 36,7- 65,3
Irritabilidade 39,1 (18) 24,5- 49,0
Malformação em MMII 13,0 (6) 6,1- 20,4
N: número de crianças. IC 95%: Intervalo de Confiança para 95% estimado, pela técnica de “bootstrap”. MMII:
Membros Inferiores.
39
5. 7 Características sociodemográficas das famílias
A idade materna foi inferior a 18 anos de idade em 11 mães (24,0%). Com relação ao
nível de escolaridade, a maioria das mães (67,4%) estudaram menos que oito anos e, quanto à
ocupação, 78,3% dedicavam-se ao lar. A maioria dos pais possuía menos de oito anos de
escolaridade (76,1%). Quanto à ocupação, 87,0% trabalhavam fora do lar, e verificou-se
frequência de desemprego (13,0%). A maioria das famílias (78,3%) tinha renda familiar inferior
a 1 salário mínimo. O núcleo familiar era composto por dois ou mais adultos em 80,4%.
Foi observada frequência de 26,1% de mães solteiras. Uma proporção de 54,3% das
famílias possuíam mais de duas crianças em domicílio. Mais da metade (56,5%) apresentava
domicilio em zona rural (Tabela 8).
Tabela 8. Características sociodemográficas das famílias de crianças com síndrome da Zika congênita. Hospital
Universitário de Sergipe/ UFS, 2016- 2017.
Variável N= 46 %
Idade da mãe-
40
6 DISCUSSÃO
Observamos nesse trabalho que a fisioterapia promoveu um ganho mínimo e abaixo do
esperado de aquisição de habilidades motoras nas crianças com síndrome da Zika congênita. O
comprometimento neurológico grave causado pelo vírus, o início e o tempo de realização da
fisioterapia tem impacto nas habilidades motoras, porém a fisioterapia precoce e ao longo do
tempo possibilitam ganhos funcionais.
A estimulação precoce objetiva aumentar a interação entre a criança e o ambiente, a fim
de proporcionar um padrão de movimento e de postura próximo ao típico. Considera-se como
período essencial para início de intervenção, os primeiros 4 meses de idade da criança
(FORMIGA et al., 2004). O treino de tarefas especificas associado a enriquecimento do
ambiente são capazes de sensibilizar os dendritos, favorecendo a sinaptogênese e a
reorganização cortical (BIERNASKIE; CORBETT, 2001). A fisioterapia promove o
treinamento de atividades motoras e favorece a aprendizagem de habilidades, induzindo
modificações plásticas e dinâmicas do SNC (DE PINHO BORELLA; SACCHELLI, 2009),
com elevada capacidade se iniciada até 8 meses de idade da criança (HADDERS-ALGRA,
2001). Nossos resultados mostram que as crianças que iniciaram fisioterapia até 6 meses de
idade apresentaram ganhos funcionais em todas as posições avaliadas, por evolução
biomecânica ao longo do programa e pela facilitação das habilidade motoras. Após essa idade,
parece haver reduzida capacidade plástica em decorrência da gravidade da lesão neurológica.
Acreditamos que, para crianças com síndrome da Zika congênita, seja essencial iniciar a
fisioterapia o mais precocemente possível.
A fisioterapia foi baseada nos princípios da terapia do neurodesenvolvimento (TND).
Resultados apontam inconsistência do método, porém discute-se o fato da terapia motora não
ser realizada de forma padrão, podendo variar conforme objetivo, devido heterogeneidade entre
as crianças (BUTLER; DARRAH, 2001). Crianças com paralisia cerebral (PC) que realizaram
TND, com frequência de três vezes por semana, durante seis semanas, apresentaram melhora
da função motora grossa (KNOX; EVANS, 2002). Outro estudo apontou melhora da função
motora em crianças com PC que realizaram TND por 16 semanas, independente da frequência
de duas ou cinco vezes por semana (TSORLAKIS et al., 2004). Estes estudos, no entanto, foram
realizados em crianças com altos níveis de mobilidade e independência funcional,
comprometimentos variados (hemiplegia, diplegia e quadriplegia), e exclui aquelas com outras
anomalias severas como, convulsão e déficit sensorial. Contrariamente, observou-se melhora
da espasticidade mas não da função motora grossa e força muscular em 175 crianças com PC
41
que realizaram TND durante 1 ano, 2 a 3 vezes por semana. Foram incluídas crianças com
níveis altos de dependência e incapacidade, e comprometimento de quadriplegia e diplegia. As
crianças tinham idade mínima de 2 anos, e não houve informação se realizaram tratamento
precoce. (EUN-YOUNG PARK; WON-HO KIM, 2017). Nossos achados, baseado na AIMS
e nos seus valores normativos, mostram comprometimento motor grave, além de associação
com outras alterações severas, sendo necessário maior tempo de realização da fisioterapia para
aquisição de habilidades motoras.
Em diferentes escalas padronizadas de avaliação das habilidades motoras,
comprometimento motor atípico esteve presente nesta população, porém nenhum estudo
avaliou crianças com síndrome da Zika congênita nos primeiros três meses de vida. Nesse
período, as habilidades motoras são primitivas, reflexas e requerem menor controle cortical,
sendo assim, com menor capacidade de identificar impacto motor da lesão do sistema nervoso
central. As crianças avaliadas inicialmente com idade de 0 a 3 meses apresentaram escores por
posturas e total semelhantes aos valores normativos, mas quando avaliadas com idade superior
a 4 meses, os escores foram bastante inferiores, com grave comprometimento motor.
Corroborando os nossos resultados, estudo longitudinal que avaliou 10 crianças com PC,
através da AIMS aos 3, 6, 9 e 12 meses de idade, observou desenvolvimento motor típico apenas
aos 3 meses de idade (BARBOSA et al., 2003). Portanto, a AIMS parece não ser sensível para
identificar desvio motor no primeiro trimestre. A sensibilidade da escala é maior a partir do
terceiro mês de vida, com variação de 77,3% a 86,4% aos 4 meses. A validade concorrente com
escalas amplamente utilizadas como, Bayley e Peabody é 0,99 e 0,97, respectivamente
(VALENTINI; SACCANI, 2011). Existe uma limitação de escalas padronizadas que avaliem
as habilidades motoras nos primeiros três meses de idade, além disso, optou-se pela AIMS
devido suas propriedades psicométricas, e por ser uma escala observacional e com mínimo
manuseio da criança, importante característica ao avaliar crianças altamente irritadas e com
alteração precoce do tônus muscular, como nas crianças com síndrome da Zika congênita.
Nossos resultados são concordantes com pesquisas atuais que avaliaram crianças com
presumível síndrome da Zika, com idade igual ou maior a quatro meses de idade. Ao avaliar
uma criança com microcefalia associada ao Zika vírus pela General Movements (GM’s), aos 4
meses, e pela AIMS, aos quatro e 12 meses de idade, nenhum movimento e postura foram
pontuados, caracterizando comprometimento motor grave (DE ALMEIDA SOARES-
MARANGONI et al., 2018). Outro estudo identificou desenvolvimento motor atípico de quatro
crianças com microcefalia associada ao Zika vírus, avaliadas aos quatro meses de idade por
meio do Test of Infant Motor Performance (TIMP) (BOTELHO et al., 2016).
42
Comprometimento motor foi classificado com grave, pelo Hammersmith Infant Neurological
Examination (HINE), em 19 crianças com idade de 19 a 24 meses (SATTERFIELD-NASH et
al., 2017).
Quanto as lesões neurológicas, em sua maioria, o grau foi de moderado a grave com
predomínio de calcificações múltiplas, principalmente córtico-subcortical, atrofia cortical grave
e agenesia/ hipoplasia de corpo caloso. A gravidade e o tipo dessas lesões neurológicas sugerem
comprometimento da migração e proliferação neuronal com aquisição limitada das habilidades
motoras. Nossos resultados são semelhantes aos encontrados em diversos estudos de
microcefalia associado ao Zika vírus (HAMEL et al., 2015, BOTELHO et al., 2016, CUGOLA
et al., 2016, TANG et al., 2016, MLAKAR et al., 2016, LI et al., 2016, MINER et al., 2016,
HAZIN et al., 2016) e caracterizam o fenótipo da síndrome da Zika congênita.
Dentre os comprometimentos teciduais encontrados no exame de imagem, sabemos que
o córtex motor possui um mapa topográfico das eferências motoras às diferentes partes do
corpo. As projeções corticais e subcorticais para a medula espinhal estão envolvidas no
movimento voluntário, de modo que, lesões nessas estruturas comprometem as habilidades
motoras, e resultam em paralisia, paresia e déficit de coordenação dos movimentos que
envolvem múltiplas articulações (KANDEL et al, 2004). A atrofia cortical e calcificações
córtico-subcortical observadas na nossa amostra resultam em prejuízos das habilidades motoras
mais complexas que envolvem controle cortical e a coordenação dos componentes de uma
habilidade motora como, rotação de tronco, dissociação de cintura pélvica ativação abdominal
e alinhamento cervical para as transferências avaliadas na AIMS. Lesões das vias motoras
descendentes, de comando cortical, estão associadas com alterações do tônus (KANDEL et al,
2004). Em crianças com PC observou-se relação inversa entre tônus muscular, função motora
e reações de posturais (URZÊDA et al., 2009, KATUSIC; ALIMOVIC, 2013). A hipertonia
observada na maioria das crianças com a síndrome da Zika congênita parece comprometer o
controle postural observado nas posturas sentado e em pé, com prejuízos nas habilidades
motoras avaliadas.
Outra lesão observada nessa síndrome é a disgenesia de corpo caloso. A integridade do
corpo caloso é essencial na transferência e integração da informação sensorial e cognitiva,
responsável pela comunicação entre hemisférios e integridade do comportamento motor que
envolvem coordenação como, habilidade motora bimanual (VAN DER KNAAP; VAN DER
HAM, 2011). Muitas habilidades observadas na AIMS, na postura supina e sentada, estão
relacionadas com as habilidades de alcance manual, ou seja, a não observação dessas
habilidades repercutem nos escores da escala.
43
Em contraponto com tais achados, em crianças com infecções congênitas por
citomegalovírus, há predomínio de calcificações periventriculares e baixa frequência de
disgenesia de corpo caloso e alterações nos giros corticais (ALARCON et al., 2013).
Aproximadamente, 29% das lesões neurológicas em 81 crianças, com infecção congênita por
Citomegalovírus são graves e com maior desordem motoras (NOYOLA et al., 2001,
ALARCON et al., 2006, ALARCON et al., 2013). Em condições de encefalopatia hipóxico-
isquêmica leve a moderada, a maioria das crianças avaliadas através da AIMS, aos 12 meses de
idade, apresentou desenvolvimento motor típico (EM VAN SCHIE et al., 2009). O tipo de lesão
e sua gravidade repercutem diretamente no comportamento motor e independência funcional
de crianças com lesões neurológicas.
No nosso estudo, independente do grau de lesão neurológica, as habilidades motoras
foram comprometidas nos dois momentos de avaliação, fato que pode ser explicado devido à
presença de outras alterações com repercussão no comportamento motor. Alterações
neurológicas encontradas como hipertonia, convulsão, irritabilidade, além de aterações
ortopédicas como deformidade articular, são similares aos resultados de pesquisas recentes em
crianças com síndrome da Zika (MOURA DA SILVA et al., 2016, VAN DER LINDEN et
al.,2016; SCHULER- FACCINI et al., 2016, BOTELHO et al., 2016, DEL CAMPO et al.,
2017). Essas alterações associadas e de aparecimento precoce, comprometem o
desenvolvimento motor, a aquisição de habilidades, e conferem a gravidade ao quadro. Os
escores totais foram ligeiramente menores no subgrupo de lesão grave, e com tendência ao
aumento dos valores da avaliação para os 18 meses de idade, em todos os graus, devido ao
programa fisioterapêutico realizado.
As lesões neurológicas relacionadas ao Zika vírus sugerem dano grave das células
progenitoras neurais e precursoras dos oligodendrócitos, associadas com interrupção do
desenvolvimento cerebral, morte celular e prejuízos à mielina (MINER et al., 2016; HAZIN et
al., 2016).
O desenvolvimento cerebral corresponde a uma sequência de eventos que inicia com a
mitose celular, de seis a 14 semanas após a fertilização, e finaliza com a formação de mielina.
A mielinização desempenha um papel fundamental no neurodesenvolvimento (KOLB et al.,
2013). Insulto na fase inicial de proliferação celular e antes da finalização da migração neuronal
resultam em consequências significativas de lesão e de reparo (KOLB; GIBB, 2011). A
capacidade de modificação estrutural e funcional do cérebro, mediante uma lesão do SNC, em
resposta a alterações do meio e experiências vividas, varia com a idade que ocorreu a lesão e o
tamanho desta, sendo relativamente grande quando as lesões são pequenas e ocorrem após a
44
conclusão da migração neuronal (HADDERS-ALGRA, 2001; DE PINHO BORELLA;
SACCHELLI, 2009; KOLB et al., 2013). Portanto, as lesões extensas e graves ocorridas antes
da finalização da migração neuronal, encontradas nas crianças com microcefalia associada com
o Zika vírus, repercutem em prejuízos na capacidade plástica do SNC e consequente
recuperação funcional limitada.
O período gestacional da sintomatologia se relaciona com o momento de infecção
materna e pode refletir a gravidade do comprometimento no SNC em desenvolvimento. No
nosso estudo, os sinais e sintomas relacionado à infecção por Zika vírus estiveram presentes na
maioria das mães no primeiro e segundo trimestre, principalmente a erupção cutânea. Tais
achados são similares aos encontrados em diversos estudos que avaliaram crianças com
microcefalia associada ao Zika vírus (BRASIL et al., 2016, DA SILVA et al., 2016, MOURA
DA SILVA et al., 2016, SCHULER- FACCINI et al., 2016, DEL CAMPO et al., 2017). A
distribuição dos sinais e sintomas compatíveis com infecção por Zika vírus nos dois primeiros
trimestres, sugere uma infecção precoce e antes da finalização da migração com impacto no
reparo da lesão.
Crianças com microcefalia grave apresentam maior probabilidade (em torno de 80%) de
apresentarem lesões neurológicas e comprometimentos mais graves do desenvolvimento
(ASHWAL et al., 2009). As crianças da nossa amostra, em sua maioria, eram a termo e com
peso ao nascer normal, porém com microcefalia grave. Similarmente, estudos recentes
identificaram predomínio destas mesmas características clinicas ao nascimento em crianças
com microcefalia e associação ao Zika vírus (SCHULER- FACCINI et al., 2016, MOURA DA
SILVA et al., 2016, DEL CAMPO et al., 2017, SATTERFIELD-NASH et al., 2017). A
gravidade da microcefalia parece estar relacionada com o desenvolvimento anormal do cérebro
e suas lesões, e consequente gravidade no desempenho motor.
A gravidade do quadro e o comprometimento de múltiplos sistemas requerem assistência
multidisciplinar com impacto na rotina e estrutura familiar. A maioria das famílias do presente
trabalho apresentavam as seguintes características como, renda inferior a 1 salário mínimo,
baixa escolaridade e alto índice de desemprego das mães. As condições sociais e financeiras
dessas famílias podem influenciar no conhecimento sobre a doença, no seguimento terapêutico
multiprofissional, alimentação e acessibilidade aos serviços de saúde, comprometendo o
cuidado integral e a qualidade de vida dessas crianças.
Essas características sociodemográficas também se relacionam com quadros de infecção
viral por Zika. Infecções congênitas virais ocorrem predominantemente em populações carentes
45
de recursos e educação, acometendo mais indivíduos de baixa renda devido as condições de
higiene e saneamento básico (DE
JONG et al., 1998). Similarmente, o Zika vírus também parece estar associado com
condições restritas de higiene e saneamento e educação. Diante disso, é de extrema importância
planos de ações preventivas e educacionais com objetivo de reduzir novas epidemias, visto
impacto na saúde pública.
No nosso estudo, não houve um grupo controle visto característica epidêmica da síndrome
da Zika congênita e sua gravidade. Assim sendo, uma questão de saúde pública, que enfatiza e
valoriza ações direcionadas para proteção, promoção e restauração da saúde, com controle de
sequelas evitáveis e mortes precoces.
Apesar das evidências encontradas em nosso estudo referentes aos ganhos funcionais
após programa fisioterapêutico precoce, mesmo que mínimos, mais estudos são necessários
para acompanhar essas crianças ao longo do tempo e com outras abordagens terapêuticas. Visto
que o presente estudo fez o acompanhamento até 18 meses de idade, com único método de
fisioterapia, não podendo afirmar os resultados funcionais de outras técnicas. Contudo,
podemos destacar a influência da fisioterapia precoce nas habilidades motoras.
46
7 CONCLUSÃO
As crianças avaliadas com idade de 0 a três meses apresentaram habilidades motoras
semelhantes às de crianças da amostra normativa da AIMS, acima dessa idade os valores foram
bastante inferiores indicando a gravidade do quadro.
A gravidade e o tipo das lesões neurológicas nas crianças com síndrome da Zika
congênita, sugerem comprometimento da migração e proliferação neuronal, relacionados com
a disfunção motora. Independente do grau de lesão neurológica as habilidades motoras foram
bastante comprometidas, por influência de alterações neurológicas e ortopédicas.
A fisioterapia precoce, iniciada até seis meses de idade, promoveu uma diferença no
comportamento das habilidades motoras dessas criança