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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
CAMILA NETO FERNANDES ANDRADE
BEBÊS E CRIANÇAS SURDAS NOS ESPAÇOS EDUCATIVOS
GUARULHOS 2020
CAMILA NETO FERNANDES ANDRADE
BEBÊS E CRIANÇAS SURDAS NOS ESPAÇOS EDUCATIVOS
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Mestrado em Educação Universidade Federal de São Paulo
Área de concentração: Educação Orientador: Erica Aparecida Garrutti de
Lourenço
GUARULHOS 2020
Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos
autorais nº 9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no
Repositório Institucional da UNIFESP ou em outro meio eletrônico da instituição, sem
qualquer ressarcimento dos direitos autorais para leitura, impressão e/ou download
em meio eletrônico para fins de divulgação intelectual, desde que citada a fonte.
Andrade, Camila Neto Fernandes. BEBÊS E CRIANÇAS SURDAS NOS ESPAÇOS EDUCATIVOS / Camila Neto Fernandes Andrade. – 2020. – 153f. Dissertação (Bacharelado/Licenciatura/Especialização/Mestrado/Doutorado em Mestrado em Educação). – Guarulhos : Universidade Federal de São Paulo. Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Orientador: Erica Aparecida Garrutti de Lourenço. Título em [português]. 1. Educação de surdos. 2. Libras. 3. Educação bilíngue. 4. Educação
Infantil. 5. Bebês e crianças surdas. I. Orientador. II. Título.
2
Camila Neto Fernandes Andrade BEBÊS E CRIANÇAS SURDAS NOS ESPAÇOS EDUCATIVOS
Aprovação: ____/____/________
Profª. Drª. Erica Aparecida Garrutti de Lourenço Universidade Federal de São Paulo
Profª. Drª. Rosana Maria do Prado Luz Meireles Instituto Nacional de Educação de Surdos
Profª. Drª. Sandra Regina Leite de Campos Universidade Federal de São Paulo
Suplente: Profª. Drª. Diléia Aparecida Martins Universidade Federal de São Carlos
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em Mestrado em Educação
Universidade Federal de São Paulo Área de concentração: Educação
3
Dedico este estudo à comunidade surda, mais especificamente aos bebês e
crianças surdas.
4
AGRADECIMENTOS
Foram anos tensos e intensos. Muitas pessoas fizeram parte desse
período. Algumas pessoas surgiram, como presentes que, assim como as
anteriores ao Mestrado, foram minha força e apoio ao longo desse período.
Quero agradecer às pessoas nominalmente e, assim, deixar registrado o quanto
interferiram na minha jornada.
Professoras Rosana Prado e Sandra Campos: Muito obrigada por aceitarem
fazer parte da banca de qualificação e a banca de defesa. As contribuições feitas
na banca de qualificação foram excelentes para o avanço da escrita para que eu
pudesse concluir a dissertação. Obrigada pelo envio de referências para leitura,
por compartilharem o conhecimento de vocês e me auxiliarem na qualificação da
minha escrita.
Amigos Fábio, Letícia e Sandra: Foram vocês os culpados por me incentivarem
a ingressar no universo acadêmico. Vocês me mostraram que esse mundo, que
eu achava tão distante, poderia ser explorado. Obrigada pelo estímulo e
incentivo.
Amigas Sandra e Amanda: Novamente tenho que te agradecer, Sandra.
Obrigada por compartilhar comigo um modelo de escrita de pré-projeto de
Mestrado. Sem suas dicas o meu documento não teria sido escrito com
qualidade. E você Amanda, pelas dicas acerca da prova escrita do processo
seletivo do Mestrado da UNIFESP. Vocês duas foram peças fundamentais para
que eu pudesse passar pelo processo seletivo. As duas também tiveram a
sensibilidade de acompanhar o andamento da pesquisa e de como eu estava
me sentindo emocionalmente durante esse período.
Aos professores Marcos Cezar de Freitas, Daniela Finco, Emerson Izidoro
dos Santos, Lucila Maria Pesce de Oliveira, Jerusa Vilhena de Moraes,
Cláudia Lemos Vóvio: Meus mestres durante o ano de 2018. Aulas, discussões
e leituras de grande valia para meu crescimento acadêmico e contribuições
teóricas para o embasamento da escrita deste estudo. Vocês são brilhantes.
5
Às meninas do Mestrado: Marina, Virgínia, Juliana, Maria Cristina, Vanusia,
Fernanda, Shirlei e Naiara. Vocês foram o presente que ganhei nesses anos.
Debatemos sobre nossas pesquisas acadêmicas, sobre o cenário político do
nosso país, desabafamos sobre dificuldades na escrita, nos apoiamos, nos
fortalecemos e, uma a uma, estamos chegando a esse momento da defesa.
Amiga Mônica: Mais um presente do Mestrado. Quantos desabafos, quantos
afagos, colos e trocas durante esse período. Uma ajudando e apoiando a outra.
Obrigada pela parceria, que eu sei que é para a vida.
Querido Erick: Uma das pessoas mais iluminadas que conheci. Sem sua ajuda,
algumas coisas teriam ficado para trás. Você foi e é o braço direito dos
mestrandos do campus. Obrigada por ser você.
Às meninas do CEFAI: Obrigada a cada uma de vocês por não olharem
estranho para mim quando chegava com as olheiras imensas para trabalhar.
Obrigada pelas vezes que assumiram alguma demanda por saberem da carga
que eu estava carregando. Muito obrigada por ouvirem meus desabafos,
aguentarem algumas chatices, e por sempre torcerem para tudo dar certo.
Amiga Dayane: O que seria de mim sem você? Sem os seus conselhos, seus
incentivos, seu apoio, sua parceria e cumplicidade? Você foi meu braço
esquerdo e direito durante todo o processo do Mestrado. Chegou na minha vida
junto com a pesquisa e foi quem me apoiou e driblou os percalços do trabalho,
quando eu não podia estar lá por conta das aulas do Mestrado. Você me ouviu,
fez as anotações no dia da minha qualificação e até me cobrou se eu estava
fazendo aquilo que me foi sugerido. Embarcou comigo nas apresentações em
congressos e seminários, na escrita de artigos e compartilhou comigo os seus
saberes. Muito obrigada.
Amiga Keit: A você o meu “muito obrigada” ainda é pouco. Você compartilhou
jantares comigo na DRE, quando eu ficava até às 22h trabalhando. Me incentivou
quando eu dizia estar cansada e sem ideias para escrita. Ficou horas e horas
conversando comigo, ouvindo meus desabafos, entendendo minha estafa, mas
sem deixar que eu desanimasse. Posso dizer que você acreditou mais em mim
6
do que eu própria . E hoje estou aqui, provando a mim mesma algo que você já
sabia. Minha amiga de vida, também dividindo congressos, seminários, textos
para leitura, artigos interessantes, autores importantes. Dividindo também festas
em casa, shows, peças de teatro e afins. Você é importante demais para mim.
Irmã Josi: Minha amiga há algumas décadas, da infância. Minha alma gêmea
com quem dividi e ainda divido todos os momentos da minha vida – os bons e
os não tão bons. Somos tão iguais, que até o compromisso com a educação de
surdos nós compartilhamos, mesmo sem saber que estávamos ambas
envolvidas com esse assunto. De repente, num dia de janeiro de 2018, a
caminho do Museu da Imagem e do Som, descobrimos que nós duas estávamos
envolvidas com a educação de surdos. Do que chamar isso senão de encontro
de almas gêmeas? Obrigada pelas nossas discussões de sempre, por
compartilharmos lives, textos e vídeos sobre a surdez e sobre questões da vida
cotidiana.
Amiga-irmã Erika: Você trouxe para mim os momentos mais leves durante
esses dois últimos anos. Era você quem me dizia que eu precisava me afastar
dos livros e computador por um pequeno tempo, para depois voltar com mais
fôlego para continuar a escrita. E não é que você estava certa? Foram almoços,
jantares, passeios, conversas que alegraram a minha alma e me fizeram
continuar. Também sempre acreditou em mim, mais que eu mesma. Obrigada
pela sua amizade e sua lealdade eterna. Anne, você está inclusa em tudo isso
também. Obrigada pelo carinho de sempre.
Aos meus amigos surdos: Meus sinceros agradecimentos a todos vocês, em
especial ao Diogo, José Mauro, Cristiane, Viviane, Karina Kaori e Vinícius. Vocês
fizeram parte da minha rotina durante esses dois anos e, de alguma forma,
contribuíram com esta pesquisa. Muito obrigada por serem meus amigos e
compartilharem momentos especiais comigo.
Aos participantes da pesquisa: Quero agradecer imensamente a cada pessoa
que, voluntariamente, se dispôs a me conceder uma entrevista para a coleta de
dados da pesquisa. Vocês foram peças fundamentais para que esse estudo
7
acontecesse. Espero retribuir de forma positiva a tudo o que vocês me
ofereceram.
Família: Agradeço imensamente todo o apoio de todos os meus familiares.
Obrigada por compreenderem a minha ausência em alguma festa ou
comemoração. Vocês sabem o quanto me dediquei a este estudo e eu sei o
quanto vocês respeitaram esse momento. Meus sinceros agradecimentos ao
meu Tio Marco, Tia Lídia, meu Dinho, minha Dinha, meus primos Patrícia,
Douglas, Bruno, Vivi, Júnior e Mariana.
Aos meus pais: Vocês são os verdadeiros culpados da minha jornada até aqui.
A base que eu tenho veio de vocês, sempre me incentivando a estudar e a não
desistir daquilo que eu mais almejo. Lutaram pela minha vida quando tive o
diagnóstico de Diabetes na infância, e me mostraram que podemos vencer e
crescer diante das dificuldades. Pai, obrigada por me ouvir aos prantos no
telefone quando pensei em desistir do Mestrado. Foram as suas palavras que
me deram força e fizeram ver que eu precisava continuar. Mãe, obrigada por
cada sopa feita para que eu pudesse comer a noite na DRE, por cada noite que
você ficou com a Rafa, para eu poder participar do grupo de estudos. Mãe e pai,
obrigada por tornar leve para a minha filha os momentos em que eu precisava
estar confinada em casa e mergulhada no computador escrevendo. Obrigada
por cuidar dela e de mim. Vocês são minha inspiração e meu orgulho.
Rogério: Dizem que um casamento que superou um Mestrado dificilmente
termina depois dele. Obrigada por não aceitar cada vez que eu pedi o divórcio
nesses dois anos. Você foi fundamental para que tudo corresse bem. Tomou a
frente em muitas ações da nossa rotina, para que eu pudesse ter garantido o
meu momento de estudo. Soube driblar com sabedoria todos os meus picos de
estresse, de mau humor e meus choros. Me deu colo e também me sacudiu
quando precisei. Esse título é nosso!
Rafaella: Minha filha! A você, eu primeiro peço desculpas. Desculpas pela minha
ausência, meu distanciamento e falta de paciência em certos momentos. Você é
um ser tão iluminado, que soube passar por esse período sem grandes choques.
Me perguntava rotineiramente “quando isso vai acabar para você poder brincar
8
comigo de novo?”; e você soube esperar. Em momentos de exaustão era só
olhar para você que a força voltava. E como lhe disse o vovô, no dia em que
liguei pensando em desistir: Tudo isso foi por você também! Me orgulho em ouvir
você dizer que quando crescer vai querer fazer tudo igual a mamãe, até o
mestrado!! Você é o meu milagre e a minha razão de viver. E.... pronto, acabou!
Agora podemos viver a vida, brincando de novo.
Érica: Mais que uma orientadora, uma amiga. A você devo todos os melhores
ensinamentos desses últimos anos. E admiro a sua delicadeza e sabedoria.
Quando comentei com você a angústia de continuar o Mestrado e saber que
minha filha estava sofrendo com a minha ausência, mais que rapidamente você
me disse que ela era a minha prioridade. E você a incluiu em tudo. A cada
reunião nossa que ela pôde comparecer comigo na Universidade, a cada reunião
via Skype, que você fazia questão de chamá-la para conversar, foram
fundamentais para tornar menos pesado a minha ausência na vida dela. Você
trouxe importantes contribuições na minha escrita, puxou a minha orelha nas
horas necessárias e agora finalizamos nosso trabalho, mas não a nossa
parceria. Obrigada pela amizade, pelos desabafos e trocas de experiências.
9
Epígrafe Quando compreendi, com o auxílio de gestos, que ontem significava atrás de mim e amanhã à minha
frente, dei um salto fantástico. Tratou-se de um progresso imenso, que aqueles que ouvem têm
dificuldade em imaginar, habituados como estão desde o berço a entender palavras e conceitos
repetidos exaustivamente, sem mesmo se darem conta.
Em seguida apercebi-me de que outras palavras
designavam pessoas. Emmanuelle, era eu. Papá, era ele. Mamã, era ela. Maria, a minha irmã. Eu era
Emmanuelle, existia, tinha uma definição, por conseguinte, uma existência.
Emmanuelle Laborit
10
RESUMO
Nas últimas décadas, o movimento da inclusão esteve ativo na defesa de que as crianças com deficiência tenham pleno acesso ao currículo escolar, preferencialmente matriculados no ensino regular. O número de matrículas de crianças surdas tem aumentado consideravelmente nos últimos anos nos Centros de Educação Infantil no município de São Paulo (CEIs), de acordo com os dados do Censo Escolar de 2017 (ano base 2016). Esta pesquisa realizada no mestrado objetivou, primeiramente, mapear quantas são e onde estão matriculados os bebês e crianças surdas na modalidade Educação Infantil, do município de São Paulo. São objetivos posteriores conhecer a visão dos professores e fonoaudiólogos sobre a inserção da Libras na vida das crianças surdas, assim como conhecer quais orientações os pais recebem desses profissionais e suas expectativas em relação aos trabalhos educativos e terapias orais realizadas por seus filhos. Como procedimento de coleta de dados foram efetuadas entrevistas semiestruturadas com profissionais da área da saúde, os fonoaudiólogos – uma vez que as crianças mapeadas pela saúde estão, em sua maioria, matriculadas em unidades educativas. Após a realização da coleta de dados com os fonoaudiólogos, foram realizadas entrevistas com familiares e professores. A análise dos dados revelou que as crianças mapeadas nesta pesquisa se encontram matriculadas em unidades educativas, sejam elas do município ou da rede particular. Quanto aos atendimentos fornecidos nas unidades educativas e em salas bilíngues para crianças surdas, os professores possuem fluência em Libras, como também demonstram ter a visão socioantropológica do sujeito surdo. Em uma sala comum as crianças surdas vivenciam experiências limitadas, uma vez que a língua que ali circula não é a que ele acessa, impedindo assim que a criança crie suas próprias significações. Já os fonoaudiólogos apresentam divergências em seus atendimentos, pois cada equipamento desenvolve um direcionamento de assistência diferenciado, visto que realizam a reabilitação oral e demonstram posições distintas em relação à compreensão do papel da Libras – ora como opção no caso de os pacientes não terem bom desenvolvimento da oralidade, ora como apoio à oralidade. Temos um equipamento que reconhece a Libras como língua de interlocução do sujeito surdo, enquanto outro não admite o uso da língua visuoespacial nos atendimentos terapêuticos. Os familiares demonstram estar satisfeitos com os atendimentos ofertados tanto pela área da saúde quanto pela área da educação, embora não recebam encaminhamentos efetivos por nenhuma das duas áreas.
Palavras-chave: educação infantil; bebês surdos; crianças surdas; surdez; inclusão, Libras.
11
ABSTRACT
In the last decades, the inclusion movement has been active in defending that
children with disabilities have full access to school curriculum, preferably enrolled
in regular education. The number of deaf children enrollments has increased
considerably in recent years at Early Childhood Education Centers in the
municipality of São Paulo (CEIs), according to data from the 2017 School Census
(base year 2016). This research carried out in the master's program aimed, first,
to map how many and where deaf babies and children are enrolled in Early
Childhood Education, in São Paulo. Later objectives are to know the view of
teachers and speech therapists on the insertion of Libras in the lives of deaf
children, as well as to know what guidelines parents receive from these
professionals and their expectations regarding educational work and oral
therapies performed by their children. As a procedure for data collection, semi-
structured interviews were carried out with health professionals, speech
therapists - since the children mapped by health are mostly enrolled in
educational units. After conducting data collection with speech therapists,
interviews were conducted with family members and teachers. The analysis of
the data revealed that the children mapped in this research are enrolled in
educational units, whether they are from the municipality or from the private
network. As for the care provided in educational units and in bilingual rooms for
deaf children, teachers are fluent in Libras (Brazilian Sign Language), as well as
demonstrating their socio-anthropological view of the deaf subject. In a common
room, deaf children experience limited experiences, since the language that
circulates there is not the one they access, thus preventing the child from creating
their own meanings. Speech therapists, on the other hand, present divergences
in their attendance, as each equipment develops a differentiated assistance
direction, since they perform oral rehabilitation and demonstrate different
positions in relation to understanding the role of Libras - now as an option in case
patients do not have good development orality, sometimes as support for orality.
We have equipment that recognizes Libras as a language for the deaf person to
speak, while another does not allow the use of visuospatial language in
therapeutic care. The family members are satisfied with the services offered by
both the health and education areas, although they do not receive effective
referrals by either area.
Keywords: early childhood education; deaf babies; deaf children; deafness;
inclusion, Libras.
12
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
Tabela 1. Mapeamento de bebês e crianças matriculadas na Rede Municipal de
Ensino ............................................................................................................. 53
Tabela 2. Número de bebês e crianças surdas atendidas na Rede Municipal de
Saúde............................ ................................................................................... 56
Tabela 3. Entrevistas utilizadas como campo de testagem. ............................. 57
Tabela 4. Entrevistas utilizadas como campo de coleta de dados. .................. 58
Gráfico 1. Bebês e crianças surdas matriculadas na Rede Municipal de
Educação. ....................................................................................................... 62
Tabela 5. Frequência absoluta de bebês e crianças surdas matriculados na
Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino, divididas por região .............. 63
Gráfico 2. Bebês e crianças surdas atendidas na rede municipal de saúde. .... 64
13
Sumário Seção 1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 14
Seção 2. Educação Infantil, Educação Infantil bilíngue e identidade surda .... 20
2.1 Concepção de Infância .......................................................................... 20
2.2 Percurso histórico da Educação Infantil no Brasil .................................. 21
2.3 Educação Infantil Bilíngue para crianças surdas .................................... 28
Seção 3. A criança surda e a socioconstrução de uma língua ....................... 40
3.1 Contextualização de linguagem e pensamento ...................................... 40
3.2 O significado da palavra para Vigotski ................................................... 41
3.3 Língua e linguagem no desenvolvimento da criança surda .................... 45
Seção 4. Metodologia .................................................................................... 51
Seção 5. Resultados e Discussão ................................................................... 62
5.1 Mapeamento de bebês e crianças surdas na Rede Municipal de São
Paulo ........................................................................................................... 62
5.2 A criança e seus interlocutores familiares .............................................. 67
5.2.1 Relatos dos familiares nas entrelinhas ............................................ 78
5.3 A criança surda e o processo terapêutico: análise dos fonoaudiólogos.. 81
5.4 A criança surda e a educação: a visão dos professores ....................... 89
5.4.1 Apresentação dos professores ........................................................ 91
5.4.2 Apresentação das turmas ............................................................... 92
5.4.3 Inserção da Libras na rotina da Educação Infantil e as estratégias
utilizadas pelos professores ......................................................................... 94
Considerações Finais .....................................................................................115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................120
APÊNDICES ..................................................................................................135
ANEXOS ........................................................................................................153
14
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa é de suma importância para rastrearmos quais são as
formas de interação e mediação realizadas com os bebês e crianças surdas,
dentro e fora do ambiente escolar, e como ocorre a socioconstrução da
linguagem nesse contexto. Estudos mostram (CAMPOS, 1997) que a vertente
da educação infantil, mais especificamente os Centros de Educação Infantil, têm
uma grande importância no desenvolvimento social, intelectual, motor, entre
outros, de bebês e crianças pequenas.
Com as novas configurações sociais historicamente criadas para promover a educação das novas gerações, tem sido apontado o valor da criança, desde bebê, poder frequentar ambientes de educação coletiva, como é o caso do CEI, creche e EMEI. Desde que nasce, e mesmo antes, na gestação, a criança está imersa nas práticas sociais de algum grupo de pessoas que atuam como seu ambiente de aprendizagem e desenvolvimento. [...] Elas são construídas conforme as possibilidades de participação da criança em seu meio sociocultural em atividades onde interage com diferentes parceiros (SÃO PAULO, 2007b, p. 16).
Abordando brevemente sobre a história da Educação Infantil após a
publicação da Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional, nº 9394, de 20
de Dezembro de 1996 – lei esta de fundamental importância para a Educação
Nacional – a Educação Infantil, no município de São Paulo, passa a fazer parte
da Educação Básica, ocorrendo, dessa forma, a migração das creches para a
Secretaria de Educação dos Municípios, não mais pertencendo às Secretarias
de Assistência Social. Para Mathias e Paula (2009),
Nessa passagem das creches para as Secretarias de Educação dos Municípios está articulada a compreensão de que as instituições de Educação Infantil têm por função educar e cuidar de forma indissociável e complementar das crianças de 0 a 6 anos (MATHIAS; PAULA, 2009, p. 14).
Desse modo, podemos compreender que a Educação Infantil atua tanto
no âmbito do cuidar quanto no do educar, ou seja, os bebês e crianças pequenas
vão aos CEIs para serem cuidados (com as trocas de fralda, alimentação, banho
etc.) e também para realizarem atividades pedagógicas que visam o
15
desenvolvimento (intelectual, cognitivo, motor etc.), interações com outras
crianças, entre outros.
O que as pesquisas que vêm sendo realizadas sobre o desenvolvimento humano têm apontado é que a criança é um sujeito competente, ativo e agente de seu desenvolvimento. Nas interações com parceiros de seu meio, em atividades socioculturais concretas, as crianças mobilizam seus saberes e suas funções psicológicas (afetivas, cognitivas, motoras, linguísticas), ao mesmo tempo em que os modificam. Daí a importância das crianças terem amplas oportunidades de trocar experiências e conhecimentos com outras crianças, seu professor e com os educadores da instituição, com quem passam a maior parte do tempo e que lhes propiciam a realização de atividades em que elas reorganizam o que existe e criam novos significados (SÃO PAULO, 2007b, p. 17).
Dentre as referências consultadas a respeito do atendimento educativo de
bebês e crianças surdas (GOLDFELD, 2002; STROBEL, 2016; KARNOPP;
QUADROS, 2001; RABELO, 2014; CLAUDIO; NETA, 2009; MARTINS; SOUSA,
2013, entre outros) não constam dados que revelem quais os motivos de um
número tão pequeno de matrículas em unidades de Educação Infantil, sendo o
número ainda menor em CEIs; tal questão se apresenta como necessária
visando as vivências, interações e construção de culturas infantis nos espaços
educativos da primeira infância.
Segundo o documento publicado pelo Ministério da Educação em 2006,
considerando a importância do acesso à Educação Infantil no desenvolvimento
da criança, devemos ter a ciência que,
As crianças surdas que estão na escola são crianças acima de tudo. É importante compreender que, no caso desses sujeitos, as questões da infância entrecruzam-se com uma visão sedimentada, no transcorrer de séculos, sobre o surdo, sobre sua educabilidade e educação (RABELO, 2014, p. 53).
Segundo Karnopp e Quadros (2001, p. 3), apenas 5% das crianças surdas
são filhas de pais surdos, ou seja, 95% delas são filhas de pais ouvintes que,
não compreendendo totalmente o que é a surdez, buscam, por diversas vezes,
sua cura pela via da reabilitação oral e, principalmente, não tem a Libras como
primeira língua.
As pesquisas científicas já feitas nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil comprovaram que as crianças surdas de pais surdos se saem
16
melhor no desenvolvimento da linguagem que as outras crianças surdas de pais ouvintes, pois elas não apresentam os problemas de defasagem de linguagem porque os pais surdos já estão se ‘comunicando’ em língua de sinais com os filhos surdos o mais precocemente possível, esclarecendo todas as suas curiosidades naturais (STROBEL, 2016, p. 54).
Tendo, então, um elevado percentual de bebês surdos filhos de pais
ouvintes, que podemos entender como sendo privados da construção de uma
língua de interlocução, é importante observar que o bebê surdo que chega ao
CEI e a criança surda que chega na EMEI tenham, ambos, garantidos os seus
direitos de socioconstrução de língua através da Libras.
Garantir o acesso à língua de sinais é garantir a aquisição da linguagem e a aquisição de valores, culturas e padrões sociais que perpassam através do uso da língua. A criança surda precisa ter acesso à LIBRAS e interagir com várias pessoas que usam tal língua para constituir sua linguagem e sua identidade emocional e social (KARNOPP e QUADROS, 2001, p. 11).
Ao falar das famílias, muitas passam por diversos conflitos: do luto do
bebê idealizado, da esperança de cura, da busca de especialistas que tragam
soluções para a surdez de seus filhos, e, nesses processos, muitas delas não
matriculam seus bebês nas unidades de Educação Infantil – sendo este o local
onde se objetiva a socialização e construção de cultura desse bebê surdo. Nessa
perspectiva, a Educação Infantil tem por finalidade que a criança surda “seja
reconhecida e aceita por todos do ambiente escolar como uma criança do grupo,
embora precise de um tipo de relacionamento específico, devido à sua forma de
comunicação” (BRASIL, 2006, p. 45).
Muito do excesso de zelo e de cuidados dos pais das crianças surdas se
dá devido ao trauma que a família sofreu ao descobrir a limitação sensorial da
criança, e é papel da escola mediar estes conflitos junto à família.
[...] as relações entre surdos e ouvintes no ambiente escolar vão muito além do simples processo ensino-aprendizagem (processo este, que nada tem de simples, mas que diante das circunstâncias que se apresentam, passam a ser o menor dos problemas a serem superados). A escola em muitas situações administra questões que envolvem desde a aceitação de um membro diferente no núcleo familiar, a construção de uma identidade surda até a transmissão de valores que não remeta a forma particular de colonização a que os surdos foram submetidos ao longo de sua história. Este embate aparece e reaparece nas representações, nas práticas de significação
17
e nos dispositivos pedagógicos, fatores estes, que imprimem o currículo oculto da escola (CLAUDIO; NETA, 2009, p. 11).
Segundo Redondo e Carvalho (2000, p. 23), quanto mais cedo a família e
a criança forem atendidas, diminui-se as dificuldades dos pais em aceitá-la,
possibilitando-os a ter uma visão mais realista e positiva do desenvolvimento do
seu filho surdo. Sobre o programa de atendimento1 aos pais e à família nas
escolas, as autoras entendem que,
Além de dar apoio emocional à família, o principal objetivo do programa (programa de atendimento aos pais e à família) é orientar e oferecer condições para que seus membros aprendam a se comunicar com a criança com surdez. É importante que a família compreenda que a comunicação com sua criança surda é fator primordial para o equilíbrio e harmonia do contexto familiar e o alicerce para o desenvolvimento global do indivíduo. Tendo entendido isso, a família poderá auxiliar no desenvolvimento da linguagem de sua criança (BRASIL, 2006, p. 51).
Ao matricular seu filho no CEI ou na EMEI, a família estará possibilitando
que ele se desenvolva física, motora, emocional, cognitiva e socialmente, sendo
essa criança surda ou não. No entanto, para que uma criança surda se
desenvolva de forma qualitativa nesses espaços, há a necessidade que eles
sejam bilíngues, a fim de que os bebês e crianças possam vivenciar todas as
experiências de maneira significativa, e na língua de interlocução das pessoas
surdas.
Dados das Diretorias Regionais de Educação (DREs) da Secretaria
Municipal de Educação (SME)2 do município de São Paulo, ofertados
diretamente à pesquisadora, revelam que, atualmente, existem 661 estudantes
surdos matriculados em Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdos
(EMEBS) e em Polos Bilíngues. Já em Escolas Regulares temos 288 estudantes
surdos matriculados, totalizando 949 estudantes. Deste total, o número exato de
bebês e crianças pequenas surdas matriculadas na Educação Infantil (tanto na
rede regular quanto nas EMEBS e Polos Bilíngues) é de 137, sendo 14,4% do
1 Toda creche ou pré-escola de educação infantil deve organizar um programa de atendimento a pais de crianças surdas [como parte das associações de pais e mestres − APMs)] (BRASIL, 2006, p. 51). 2 Dados informados diretamente por cada DRE, mediante autorização de cada Diretor(a) Regional de Educação.
18
total de estudantes surdos no município. Na rede regular, CEIs e EMEIs, há um
total de 68 bebês e crianças surdas matriculadas no município de São Paulo.
A pesquisa teve como objetivo geral verificar quais orientações as famílias
recebem dos profissionais da saúde e da educação quanto à inserção de Libras
no cotidiano da criança surda, com destaque para o trabalho em espaços
educativos. São os objetivos específicos deste estudo:
mapeamento das crianças surdas matriculadas em unidades
educativas da Educação Infantil e da saúde auditiva da Rede
Municipal de São Paulo;
entender a inserção da Libras no trabalho realizado nas unidades
de Educação Infantil, segundo a visão dos professores que atuam
nesses espaços;
verificar se os fonoaudiólogos orientam as famílias quanto às
matrículas nas unidades educativas da Educação Infantil e
recomendam a inserção da Libras no cotidiano dos bebês e
crianças surdas;
compreender a opinião dos familiares quanto à inserção da Libras
na rotina dos bebês e crianças surdas, e ao atendimento que os
bebês e crianças surdas obtêm da área da educação.
Na próxima seção será tratado sobre a Educação Infantil, abordando
sobre a concepção de infância, no viés da Sociologia da Infância. Trataremos a
respeito da Educação Infantil no Brasil e no município de São Paulo, quando
essa modalidade da educação passa da Assistência Social para a Educação.
Por fim, discorreremos em relação a Educação Infantil bilíngue para as crianças
surdas contextualizando a educação de surdos no Brasil e a importância de as
relações educativas acontecerem na língua de interlocução do sujeito surdo, a
Libras.
A Seção 3 contribuirá com discussões sobre a socioconstrução de uma
língua pela criança surda. Como referencial teórico utilizamos Vigotski e seu
aporte a respeito da construção do pensamento e da linguagem pelas crianças
e o que suas teorias colaboram com a socioconstrução da língua de sinais pelas
crianças surdas.
19
Na Seção 4, consta as informações sobre o processo metodológico deste
estudo.
A Seção 5 trata sobre a análise dos dados coletados com familiares de
crianças surdas, profissionais da fonoaudiologia que realizam atendimento
terapêutico com tais crianças, professores bilíngues e instrutora surda que atuam
em escolas bilíngues e uma professora de um CEI regular que atua junto a uma
criança surda. Nessa seção encontramos os dados numéricos dos bebês e
crianças surdas na área da educação e da saúde no município de São Paulo.
Finalizamos o estudo com as considerações finais relacionando os dados
coletados com os referenciais teóricos consultados.
20
Seção 2. Educação Infantil, Educação Infantil bilíngue e identidade surda
Iniciaremos esta seção contextualizando a infância no viés da Sociologia
da Infância, em seguida trataremos sobre o percurso histórico da Educação
Infantil no Brasil e sobre a legislação do município de São Paulo, para podermos,
assim, adensar na discussão de como acontece o atendimento de crianças
surdas nesse mesmo município; encerraremos a seção tratando de identidade e
cultura surda.
2.1 Concepção de Infância
Para iniciar este tópico, vamos trazer a etimologia da palavra infância,
onde infans, palavra originada do latim, significa anterior à linguagem
(SARMENTO, 2005).
Numa perspectiva sociológica podemos afirmar que nos dias atuais é
comum encontrarmos definições de infância como estágio preparatório,
formativo, como tempo de passagem. Ferreira (2004) menciona que a criança é
vista como um vir a ser numa sociedade adultocêntrica, isto é, na visão do adulto
a criança deve estar sempre se preparando para ser um adulto de sucesso (por
ex.: tem que estudar inglês para ser um adulto fluente na língua; tem que ter aula
de educação financeira para ser um adulto com controle financeiro; entre outros).
Para Corsaro (2011), “as crianças produzem e participam de suas culturas
de pares, e essas produções são incorporadas na teia de experiências que elas
crianças tecem com outras pessoas por toda a vida” (CORSARO, 2011, p. 39).
O autor aborda as crianças como agentes sociais que produzem suas próprias
e exclusivas culturas.
Sarmento (2008) traz como conceito de infância a criança como
ator/categoria social. Ele afirma que a criança não somente recebe cultura, mas
também a transforma. O autor ainda aborda a respeito da invisibilidade das
crianças, que não eram consideradas como seres sociais de plenos direitos:
Em suma, condição social da infância é simultaneamente homogênea, enquanto categoria social, por relação com as outras categorias geracionais, e heterogênea, por ser cruzada pelas outras categorias sociais. A análise da homogeneidade mobiliza um olhar
21
macrossociológico, atento às relações estruturais que compõem o sistema social e a análise da heterogeneidade convida à investigação interpretativa das singularidades e das diferenças com que se atualizam e ‘estruturam’ (Giddens, 1984) as formas sociais. (SARMENTO, 2008, p. 8).
Corsaro (2011) e Sarmento (2008) defendem, então, que a criança é um
sujeito de culturas que são construídas através de suas relações com os demais
indivíduos, sejam eles adultos ou outras crianças. Desse modo, a ideia de que a
criança é um vir a ser deixa de ter sentido, uma vez que na concepção desses
dois autores a criança, independente da sua faixa etária, é um sujeito de direitos,
de escolhas e, principalmente, criadora de culturas.
2.2 Percurso histórico da Educação Infantil no Brasil
As primeiras creches surgem no Brasil devido ao início do trabalho
feminino nas indústrias e no comércio, gerando a necessidade da criação de um
local que pudesse cuidar dos filhos dessas mulheres, enquanto elas estivessem
fora de casa. O primeiro período das creches no Brasil acontece entre o final da
década de 1970 e o início dos anos 1980 (ROSEMBERG, 2003). Posto isso, a
creche, então, foi pensada como um local de assistencialismo para os bebês e
crianças pequenas, ou seja, eles permaneciam nesses locais e recebiam os
cuidados com alimentação, higiene e segurança física.
Kuhlmann (2000) trata a respeito de uma matéria publicada no jornal A
Mãi de Família (publicado de 1879 a 1888), que tem o primeiro registro sobre
creches no Brasil.
A matéria chama-se “A Creche (asilo para a primeira infância)". Nela, o autor, Kossuth Vinelli, médico da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, manifesta o intuito de chamar a atenção da sociedade brasileira, ‘especialmente das mães de família para a importante questão das creches, vulgarizar sua ideia entre nós, mostrar suas vantagens’. (...) As mães pobres, que necessitassem trabalhar, poderiam superar o obstáculo de não ter a quem confiar seus filhos, ‘cuja tenra idade não lhes permite mandá-los para a escola’. O artigo apresenta a creche, de origem francesa, como destinada a cuidar das crianças de dois anos para baixo, o que representaria ‘um complemento da escola primária, ou melhor ainda, de salas do asilo da segunda infância, de que também ainda carecemos’. Com isso, define claramente o lugar da creche no conjunto das instituições educacionais de um país: à escola primária antecediam-se as ‘salas do asilo da segunda infância’, para crianças
22
dos 3 aos 6 anos, e a ‘creche’, para a criança até 2 anos (KUHLMANN, 2000, p. 471).
Até o início do século XX não se pensava no atendimento de crianças em
creches como se pensa atualmente e, principalmente, também não era um direito
de todos. Naquela época acreditava-se que os bebês deviam estar com as mães.
A única maneira aceita de crianças estarem longe de suas mães era “a absorção
natural das inúmeras crianças órfãs ou abandonadas, filhos bastardos originados
em geral da exploração sexual da mulher negra e índia pelo senhor branco,
adotados por famílias de fazendeiros (...)” (OLIVEIRA, 1988, p. 44). Nesse
período, as creches, asilos e internatos eram mantidos e gerenciados por
instituições religiosas e que tinham como finalidade “cuidar dos problemas dos
pobres” (OLIVEIRA, 1988, p. 45).
A ‘proteção à infância’ é o novo motor que impulsiona a criação de uma série de associações e instituições para cuidar da criança sob diferentes aspectos: da saúde e sobrevivência – com os ambulatórios obstétricos e pediátricos; dos seus direitos sociais – com as propostas de legislação e de associações de assistência; da sua educação e instrução – com o reconhecimento de que estas possam ocorrer desde o nascimento, tanto no ambiente privado como no espaço público (KUHLMANN, 2000, p. 473).
Podemos perceber nesse trecho que o autor evidencia (com aspas
simples) a expressão proteção à infância, o que nos permite acreditar que isso
se dê, porque a educação da primeira infância era atrelada somente ao cuidar
sob o viés assistencialista. Vale ressaltar que, na época, a Educação Infantil era
subordinada aos órgãos da saúde pública ou de assistência.
A segunda metade do século XIX foi marcada com os avanços das
indústrias no Brasil e, como os homens estavam dispensando seus trabalhos
nas lavouras, as mulheres iniciaram seus trabalhos nas fábricas. Segundo
Oliveira (1988), o fato de as mulheres não terem com quem deixar seus filhos
não foi um problema pensado e, portanto, a ser solucionado pelas indústrias.
Todavia, embora a necessidade de ajuda ao cuidado dos filhos pequenos estivesse ligada a uma situação criada pelo próprio sistema econômico, tal ajuda não foi reconhecida como um dever social, sendo apresentada como um favor prestado, um ato de caridade, de certas pessoas ou grupos (OLIVEIRA, 1988, p. 45).
23
No início do século XX, durante a Primeira Guerra Mundial, houve um
movimento de sindicalistas no Brasil, que fez com que os empresários, tentando
enfraquecer os movimentos dos operários, criassem “vilas operárias, clubes
esportivos e também algumas creches e escolas maternais para os filhos de
operários em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo e várias cidades no
interior de Minas Gerais e do Norte” (OLIVEIRA, 1988, p. 46). A primeira creche
que se tem referência foi inaugurada no Rio de Janeiro, em 1899, e era vinculada
à Fábrica de Tecidos Corcovado, e a primeira creche em São Paulo foi criada
em 1901 pela Associação Feminina Beneficente e Instrutiva (AFBI), fundada e
dirigida por Anália Franco, e que “tinha entre seus objetivos organizar escolas
maternais e creches, que funcionaram agregadas a asilos para órfãos, atingindo,
em 1910, 18 escolas maternais e 17 creches-asilo em todo o estado”
(KUHLMANN, 2000, p. 476).
O programa educacional do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, de 1932, prevê o ’desenvolvimento das instituições de educação e assistência física e psíquica às crianças na idade pré-escolar (creches, escolas maternais e jardins-de-infância) e de todas as instituições pré-escolares e pós-escolares’. Aos poucos, a nomenclatura vai deixar de considerar a escola maternal como se fosse aquela dos pobres, em oposição ao jardim de infância, passando a defini-la como a instituição que atenderia a faixa etária dos 2 aos 4 anos, enquanto o jardim atenderia de 5 a 6 anos. Mais tarde, essa especialização etária irá se incorporar aos nomes das turmas em instituições com crianças de 0 a 6 anos (berçário, maternal, jardim, pré) (KUHLMANN, 2000, p. 482).
As primeiras creches, então, tinham um atendimento unicamente
assistencialista, diferente dos jardins de infância, cujo espaço destinava-se aos
filhos das famílias ricas, que tinham propostas de atividades pedagógicas para
as crianças atendidas. Durante o período de governo do regime militar,
continuou-se afirmando que a creche deveria permanecer de cunho assistencial
“intensificando-se ainda mais a política de ajuda governamental às entidades
filantrópicas” (OLIVEIRA, 1988, p. 49).
A partir da década de 1960 iniciou-se uma preocupação com o
desenvolvimento infantil, com principal ênfase na criatividade e sociabilidade.
Esse movimento influenciou de forma positiva os grupos sociais da época.
24
Na década de 1970, com apoio dos coletivos populares e classes de
mulheres que lutavam pela construção de creches junto aos sindicatos e
associações de classe que tiveram como parceria os movimentos feministas
muito atuantes nesse período, inicia-se a defesa da creche como um espaço
educativo “voltada para os aspectos cognitivos, emocionais e sociais da criança”
(OLIVEIRA, 1988, p. 49).
Os movimentos populares foram fundamentais para o aumento do número
de berçários mantidos e geridos pelo poder público, no entanto, o número de
vagas era insuficiente para atender a demanda da época, o que ocasionou o
aparecimento de espaços comunitários na década de 1980.
Durante esse período houve também a alteração na concepção de
infância. Começamos, então, a viver momentos de uma nova sociologia da
infância, onde essa não é mais assistencialista. Corsaro (2011) traz dois
conceitos importantes: o de criança protagonista, no qual elas são agentes
sociais, ativos e criativos, que produzem suas próprias e exclusivas culturas; e,
também, o conceito da infância como forma estrutural, em que esse momento é
visto como uma categoria ou uma parte da sociedade. Não há mais a concepção
de criança como adulto em miniatura (ARIÈS, 1978), mas sim como sujeito de
sua história e protagonista na criação e vivências das suas culturas infantis. Esse
era o “(...) momento em que se passava a dar atenção à especificidade da
criança, e em suas diversas etapas de desenvolvimento (...)” (CAMPOS, 2012,
p. 14).
No Brasil, o sociólogo Florestan Fernandes é a principal referência sobre
a sociologia da infância. O autor, na década de 1940, fez uma reflexão acerca
das culturas infantis que são construídas nas ruas do bairro do Bom Retiro, na
cidade de São Paulo, fora dos espaços familiares e escolares.
É na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) que, pela primeira vez,
se fala em direitos da criança. A criança sai da invisibilidade e se torna um sujeito
de direitos. A Constituição de 1988 é, também, o primeiro documento que
estabelece que as creches e pré-escolas passem a compor os sistemas
educacionais (KUHLMANN, 2000).
25
Em julho de 1990 foi sancionada a Lei nº 8.069/1990 (BRASIL, 1990), o
Estatuto da Criança e do Adolescente, que apresenta uma nova versão desses
sujeitos na sociedade brasileira, fugindo da visão autoritária para uma de direitos.
O ponto mais marcante, no que diz respeito às políticas públicas da
infância, é a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), em 1996, Lei nº 9.394/96, na qual a educação infantil é vista como a
primeira etapa da educação básica.
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 6 (seis) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 1996)3.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996)
também trata da formação dos professores em nível superior, em curso de
licenciatura, o que marca a profissionalização da educação infantil. Em 1998 é
publicado o documento “Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil”
pelo MEC (BRASIL, 1998a), que alude acerca do cuidar e educar indissociável
das propostas pedagógicas que devem dar conta de toda a integralidade da
criança, ou seja, integrar os aspectos físicos, emocionais, cognitivo, social e
afetivo das crianças.
O cuidar e educar no ambiente educativo demonstra a preocupação em
constituir um espaço com artes, culturas, vivências com diferentes sujeitos,
sendo eles adultos ou crianças.
Nas últimas décadas, os debates em nível nacional e internacional apontam para a necessidade de que as instituições de educação infantil incorporem de maneira integrada as funções de educar e cuidar, não mais diferenciando nem hierarquizando os profissionais e instituições que atuam com as crianças pequenas e/ou aqueles que trabalham com as maiores. As novas funções para a educação infantil devem estar associadas a padrões de qualidade. Essa qualidade advém de concepções de desenvolvimento que consideram as crianças nos seus contextos sociais, ambientais, culturais e, mais concretamente, nas interações e práticas sociais que lhes fornecem elementos relacionados às mais diversas linguagens e ao contato com os mais variados conhecimentos para a construção de uma identidade autônoma (BRASIL, 1998b, p. 23).
3 A Lei nº 12.796, de 2013, altera a lei nº 9394, de 1996, e modifica a redação: “A educação
infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da
criança de até 5 (cinco) anos (...)”.
26
Em 2001, com a Lei nº 10.172/2001, é aprovado o Plano Nacional de
Educação, que contém um capítulo o qual aborda sobre a Educação Infantil que
estabelece orientações político-pedagógicas para creches e pré-escolas. As
metas desse Plano Nacional dizem respeito às demandas de atendimento, aos
padrões mínimos de infraestrutura de creches e pré-escolas, dos projetos
pedagógicos de cada instituição, articulação entre os setores de educação,
assistência social e saúde, envio de materiais pedagógicos pelos municípios,
entre outras.
Seguindo as perspectivas reveladas pelas normativas nacionais, os
documentos orientadores atuais da educação do município de São Paulo
também se respaldam na concepção do cuidar e educar em sua
inseparabilidade, conforme observamos a seguir:
Cuidar e educar significa, portanto, compreender que o direito à educação parte do princípio da formação da pessoa em sua essência humana e integralidade. Por isso, considera-se o cuidado no sentido profundo do que seja acolhimento de todos os bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos, sejam eles indígenas, afrodescendentes, quilombolas e povos do campo, pessoas com deficiência, imigrantes e filhos de imigrantes com respeito e com atenção adequada. O cuidar está na observação, na escuta, na comunicação e na ação em comum que se estabelece entre adultos e bebês e crianças na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, na compreensão e no acolhimento de suas necessidades, na consideração de sua voz, gestos, choros, linguagens que expressam seus pensamentos, desejos e vontades de saber (SÃO PAULO, 2015b, p. 25).
Com essa concepção podemos compreender que a Educação Infantil se
fundamenta no atendimento integral dos bebês e crianças nos espaços
educativos da creche.
Como visto, a Educação Infantil é uma etapa recente da educação básica
no Brasil. De acordo com Panizzolo (2017), as creches do município de São
Paulo eram administradas por “convênios entre entidades beneficentes e a
recém-criada Comissão de Assistência Social Municipal – CASMU em 1951, que
foi extinta em 1955 e substituída pela Divisão de Serviço Social” (PANIZZOLO,
2017, p. 9).
27
Já na década de 1970, a Prefeitura de São Paulo, mediante forte pressão
dos movimentos sociais, resolve assumir, pela primeira vez, a construção e o
gerenciamento de creches mantidas diretamente pelo governo municipal.
No município de São Paulo tivemos muitos avanços relacionados à
Educação Infantil, como, por exemplo, a construção ou aluguel de 120 prédios
ou casas para a rede direta, gerando atendimento de 13.108 crianças, além da
oferta de duas indiretas e 63 conveniadas, com capacidade de atendimento de
14.402 crianças no governo do Prefeito Reynaldo de Barros do PDS [1978 a
1982] (PANIZZOLO, 2017).
No período de 1983 a 1985 houve um expressivo desenvolvimento das
creches administradas pela prefeitura, tendo sido colocados em funcionamento
113 equipamentos da rede direta, 24 indiretas e 77 conveniadas. Tivemos
também muitos retrocessos, quando na gestão de “Jânio Quadros, entre 1986 e
1988, foi extinta a Secretaria da Família e do Bem-Estar Social – FABES,
responsável pela manutenção das creches” (PANIZZOLO, 2017, p. 11), no
atendimento aos bebês e crianças nas creches do município de São Paulo.
Passados 16 anos da transição das creches, atualmente chamados de
Centros de Educação Infantil (CEI), da Secretaria Municipal da Assistência e
Desenvolvimento Social (SMADS) para a Secretaria Municipal de Educação
(SME), muitos documentos norteadores4 do fazer pedagógico junto aos bebês e
crianças de zero a cinco anos foram lançados pela SME. Dentre esses
documentos, destacamos a Orientação Normativa nº 01/13 que diz:
Na Educação Infantil as crianças têm direito ao lúdico, à imaginação, à criação, ao acolhimento, à curiosidade, à brincadeira, à democracia, à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à convivência e à interação com seus pares para a produção de culturas infantis e com os adultos, quando o cuidar e o educar são dimensões presentes e indissociáveis em todos os momentos do cotidiano das unidades educacionais (SÃO PAULO, 2013, p. 12).
4 SÃO PAULO (2006a); SÃO PAULO (2006b); SÃO PAULO (2007a); SÃO PAULO (2007b); SÃO
PAULO (2007c); SÃO PAULO (2010); SÃO PAULO (2013); SÃO PAULO (2014); SÃO PAULO
(2015a); SÃO PAULO (2015b); SÃO PAULO (2015c); SÃO PAULO (2016a); SÃO PAULO
(2016b).
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Cuidar e educar são dimensões que passam a ser priorizadas na
Educação Infantil e que perpassam todas as etapas de ensino, como abordado
no Currículo Integrador da Infância Paulistana, uma vez que toda ação que
envolve o cuidar, simultaneamente, envolve um ato de educar: “Cuidar e educar
significa, portanto, compreender que o direito à educação parte do princípio da
formação da pessoa em sua essência humana e integralidade” (SÃO PAULO,
2015b, p. 25).
Após tratarmos da historicidade das creches (atuais CEIs) no município
do São Paulo, vamos agora abordar a configuração de espaços educativos na
Educação Infantil bilíngues para crianças surdas, que preconizem o uso, a
socioconstrução e aprendizado das línguas (de sinais e portuguesa na
modalidade escrita) e da constituição da identidade em sujeitos surdos.
2.3 Educação Infantil Bilíngue para crianças surdas
Diante da história da educação de surdos, passamos por diferentes
abordagens no que dizem respeito à língua a ser usada por eles aqui no Brasil.
A primeira etapa sobre a educação de surdos – durante a Antiguidade e
pelo período da Idade Média – é pautada na incapacidade das pessoas surdas
em aprenderem e serem sociáveis, isto é, os surdos eram tidos como “não
educáveis” (LACERDA, 1998).
No início do século XIV foi compreendido que os surdos podiam aprender
e com isso foram elaboradas práticas pedagógicas, as quais os surdos podiam
desenvolver o “pensamento, adquirir conhecimentos e se comunicar com o
mundo ouvinte” (LACERDA, 1998, p. 1). Durante essa época os educadores de
surdos não compartilhavam suas estratégias pedagógicas, ficando em segredo
o que cada professor fazia com seus estudantes, o que torna difícil saber quais
técnicas eram utilizadas com os surdos.
O primeiro professor de surdos reconhecido foi o abade espanhol Pedro
Ponce de Leon (1520-1584), que investiu na aprendizagem e na demonstração
das capacidades das funções mentais dos surdos (LOPES, 2017).
Nas tentativas iniciais de educar o surdo, além da atenção dada à fala, a língua escrita também desempenhava papel fundamental. Os alfabetos digitais eram amplamente utilizados. Eles eram inventados
29
pelos próprios professores, porque se argumentava que se o surdo não podia ouvir a língua falada, então ele podia lê-la com os olhos. Falava-se da capacidade do surdo em correlacionar as palavras escritas com os conceitos diretamente, sem necessitar da fala. Muitos professores de surdos iniciavam o ensinamento de seus alunos através da leitura-escrita e, partindo daí, instrumentalizavam-se diferentes técnicas para desenvolver outras habilidades, tais como leitura labial e articulação das palavras (LACERDA, 1998, p. 2).
Nos atendimentos de Leon com as pessoas surdas eram feitos grupos
separados somente com os filhos dos nobres. Com essa ação foram formados
os grupos de surdos, em que as crianças traziam os gestos que eram usados
em casa e ocorreu, então, uma disseminação de alguns sinais que permitiram a
comunicação entre eles (LOPES, 2017). Observou Lopes: “Mesmo que tais
gestos não sejam apontados na literatura como uma língua surda, eles podem e
marcam um lugar surdo” (2017, p. 42).
No século XVIII, as famílias dos surdos optavam por colocar seus filhos
em internatos, uma vez que a surdez era vista como algo a ser corrigido, como
castigo e doença. Nesse momento, os surdos não podiam mais fazer uso dos
sinais, como acontecia com Leon. Agora o objetivo de desenvolvimento das
pessoas surdas estava na oralidade e na normalização. Nos internatos não havia
a possibilidade de se formarem turmas apenas de alunos surdos, “pois o risco
de que eles resistissem aos tratamentos e aos métodos de ensino e oralização
era algo ameaçador” (LOPES, 2017, p. 44).
Ainda no século XVIII tivemos, então, a separação entre os oralistas e os
gestualistas. Os primeiros acreditavam que o surdo deveria ser reabilitado e que
a surdez fosse superada, ou seja, que os surdos deveriam falar e se comportar
como se não tivessem a surdez. Já os gestualistas tinham o entendimento das
dificuldades dos surdos em relação à língua falada e também puderam perceber
que as pessoas surdas desenvolviam uma língua que, mesmo que diferente da
língua oral, era eficiente para a comunicação e também para a compreensão das
coisas que aconteciam ao seu redor.
Um dos representantes gestualistas é o abade Charles M. de L’Epée, que
participava do “método francês” de educação de surdos. Lacerda (1998) relata
que L’Epée foi o primeiro a estudar uma língua de sinais usada pelos surdos. Ao
observar os surdos fazendo uso dos sinais, o abade fez a junção dos sinais com
30
outros sinais criados por ele para que a língua de sinais se aproximasse mais do
idioma francês e desenvolveu um sistema que denominou de “sinais metódicos”.
Em 1857, no Brasil, é inaugurado, pelo professor francês Édouard Huet,
o Instituto Imperial de Surdos-Mudos, na cidade do Rio de Janeiro. Huet, também
surdo, sugere a criação de uma escola especializada na educação de pessoas
surdas e Dom Pedro II aceita sua proposta. Atualmente o instituto ainda existe,
com o nome de Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Esse é um
marco da educação de surdos no Brasil. O INES acompanhou as abordagens
oralista, comunicação total e bilinguismo de acordo com as tendências mundiais.
Por conta de toda repercussão diante da prática pedagógica realizada
com os surdos, em 1878 aconteceu na cidade de Paris o I Congresso
Internacional sobre a Instrução de Surdos, em que ocorreram vários debates
sobre a prática realizada até aquele momento. Alguns grupos defendiam que a
oralidade era o melhor para os surdos, mas ainda assim reconheciam que os
sinais auxiliavam na comunicação das crianças surdas.
Em 1880 aconteceu o II Congresso Internacional, dessa vez na cidade de
Milão. Neste congresso verificou-se uma forte mudança na educação de surdos
e isso faz deste um marco histórico. Com maioria oralista no congresso ficou
definido que a metodologia oralista deveria ser a usada na educação de surdos
e não mais o uso da língua de sinais (LACERDA, 1998).
Esse é o período da abordagem oralista, que durou até meados de 1960
(SÃO PAULO, 2019a) e que apostava na aprendizagem da língua oral pelos
surdos, desconsiderando, então, a língua de sinais. Essa concepção oralista
tinha como objetivo principal a normalização das pessoas surdas, tidas como
deficientes, isto é, pregava-se a aproximação dessas com os ouvintes buscando
a reabilitação oral desses sujeitos, com o objetivo que estes se aproximassem
das habilidades desenvolvidas pelas pessoas ouvintes. Havia também a
concepção única da integração dos surdos à comunidade ouvinte, tornando a
língua oral como forma exclusiva das trocas comunicativas. Dentro das escolas,
os educadores atribuíam o uso da língua de sinais com o fracasso da conquista
da língua oral, proibindo, assim, a circulação da língua de sinais nos espaços
educativos.
31
Na década de 1970 tivemos a abordagem da Comunicação Total, que
fazia uso da língua oral, de elementos da língua de sinais, da datilologia, gestos
e outros recursos que viessem favorecer a comunicação. Tal perspectiva de
comunicação combinava também o uso de recursos e técnicas para estimulação
auditiva, como os aparelhos de amplificação sonora.
A oralização não é o objetivo em si da comunicação total, mas uma das áreas trabalhadas para possibilitar a integração social do indivíduo surdo. A comunicação total pode utilizar tanto sinais retirados da língua de sinais usada pela comunidade surda quanto sinais gramaticais modificados e marcadores para elementos presentes na língua falada, mas não na língua de sinais (LACERDA, 1998, p. 5).
A Comunicação Total, então, favoreceu quanto à familiaridade com os
sinais, o que era proibido no oralismo, e também contribuiu com a comunicação
e as aprendizagens escolares dos estudantes surdos. No entanto, não foi eficaz
no que tange às relações para além do ambiente escolar, uma vez que os surdos
não tinham facilidade para expressar seus sentimentos e ideias.
Nessa época, no Brasil usava-se também o Português Sinalizado, isto é,
desconsideravam-se as características da Libras e usavam-se,
concomitantemente, os sinais para comunicar as palavras da língua portuguesa,
e o Bimodalismo. Diante da insatisfação dos surdos e com o insucesso diante de
condutas que não alcançaram o desfecho desejado, inicia-se, então, a discussão
do bilinguismo.
Foi na década de 1990 que avançamos para o bilinguismo, abordagem
essa que se utiliza da Libras como primeira língua para o surdo e o português,
na modalidade escrita, como segunda língua.
Quadros (2015) enfatiza a importância da inserção da Libras o quanto
antes no desenvolvimento das crianças surdas (desde bebês, caso seja
possível, ou assim que as famílias tiverem contato e conhecerem um adulto
surdo que possa ser referência na construção da língua), uma vez que, mesmo
estando imersas na língua portuguesa oral, em contato com suas famílias
falantes, tais crianças não adquirem essa língua, sendo necessário também
estarem em contato com surdos adultos e crianças que fazem uso da Língua
Brasileira de Sinais.
32
Para a autora, tanto as crianças quanto seus pais devem “compartilhar o
bilinguismo: língua portuguesa e língua de sinais brasileira e ir além, descobrindo
os vieses das culturas e identidades que se entrecruzam” (QUADROS, 2015, p.
192). Muitas crianças surdas, filhas de pais ouvintes, iniciam a escolarização
sem conhecimento de nenhuma língua e tal desconhecimento prejudica no
avanço das aprendizagens na escola. A autora destaca que com a intervenção
de um sujeito sinalizante fluente, as aprendizagens escolares acontecem de
maneira mais consistente.
Vale ressaltar que a educação bilíngue não é algo simples, e que basta
que as duas línguas circulem nos espaços educativos, uma vez que há questões
que dizem respeito à organização do trabalho pedagógico. Segundo Quadros
(2015, p. 197):
Para além da questão da língua, portanto, o bilinguismo na educação de surdos representa questões políticas, sociais e culturais. Nesse sentido, a educação de surdos em uma perspectiva bilíngue deve ter um currículo organizado em uma perspectiva visoespacial para garantir o acesso a todos os conteúdos escolares na própria língua da criança, a língua de sinais brasileira.
Tratando acerca do currículo visuoespacial para educação de surdos,
Andreis-Witkoski e Douettes (2014) também defendem a importância de garantir
uma mediação dentro da perspectiva visual. As autoras afirmam que o currículo
para educação de surdos deve considerar a história, a cultura, identidade,
literatura, língua, tudo o que engloba o indivíduo surdo. Continuando
É a proposição da inversão, assim está-se reconhecendo a diferença. A língua passa a ser, então, o instrumento que traduz todas as relações e intenções do processo que se concretiza através das interações sociais. Os discursos em uma determinada língua serão organizados e, também, determinados pela língua utilizada como a língua de instrução. Ao expressar um pensamento em língua de sinais, o discurso utilizado na língua de sinais utiliza uma dimensão visual que não é captada por uma língua oral-auditiva, e, da mesma forma, o oposto é verdadeiro (QUADROS, 2015, p.197).
Quadros relata a respeito da maneira como a língua de sinais faz parte da
interlocução entre os surdos e a sociedade em geral, mostrando aqui o quanto o
bilinguismo supera a Comunicação Total, uma vez que por meio da Libras os
33
surdos conseguem interagir socialmente e transmitir suas ideias, pensamentos,
sentimentos, entre outros.
Além desse nível de representação linguística, os discursos vão expressar relações de poder. Ao optar-se por manter a língua portuguesa como a língua referencial da educação de surdos, já se tem indício das intenções perpassadas em função dos efeitos sociais que se observam. Assim, prestar atenção nos interlocutores dos alunos surdos, também passa a apresentar papel crucial, pois os discursos reproduzidos nas línguas utilizadas representam as relações existentes na escola (QUADROS, 2015, p. 197).
Nesse sentido, fica elucidada a importância de se garantir a Libras como
língua de instrução dentro dos ambientes escolares.
Gurgel, Turetta, Rosa e Silva (2016) em sua pesquisa numa unidade de
educação infantil que atende crianças surdas, e situada no interior de São Paulo,
explicitam a relevância em se ter acesso à Libras dentro da unidade escolar, uma
vez que muitas crianças em idade pré-escolar chegam às escolas sem uma
língua e sem acessar aquilo que está sendo proposto para toda a turma. As
autoras apontam ainda que muitas crianças apresentam atraso no
desenvolvimento, justamente pela não construção de uma língua de
interlocução. A língua de sinais irá garantir o acesso às funções mentais
superiores e o desenvolvimento das crianças no ambiente educativo.
Com essa breve contextualização histórica podemos dizer que,
atualmente, falar sobre o surdo é também falar sobre bilinguismo, defesa
sustentada, sobretudo, pelas conquistas legais advindas do Decreto no 5.626
(BRASIL, 2005) que regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que
dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098,
de 19 de dezembro de 2000.
Peixoto (2006) esclarece que assentir a condição bilíngue do surdo
significa admitir que ele percorre essas duas línguas “e, mais que isso, que ele
constitui e se forma a partir delas” (PEIXOTO, 2006, p. 206) uma vez que,
historicamente, a língua de sinais foi tão menosprezada e hoje se mostra
indispensável para a construção cultural, de pertencimento à sociedade e de
acesso ao conhecimento, e, até mesmo, de avanços cognitivos e afetivos dos
sujeitos surdos. Logo, falar em bilinguismo alude à afirmação das conquistas
linguísticas e culturais da comunidade surda.
34
Quando tratamos da garantia do ensino da língua de sinais, como primeira
língua para os estudantes surdos, devemos também ressaltar a necessidade de
se ter um professor bilíngue atuando junto às crianças surdas desde a educação
infantil.
Os textos que tratam do papel da língua de sinais no desenvolvimento de
crianças surdas (GURGEL et al., 2016; TARTUCI, 2015), trazem a discussão
sobre a relevância da exposição a essa língua o mais cedo possível, o que nos
leva a reconhecer a necessidade, então, de ela circular na faixa etária atendida
pelos Centros de Educação Infantil (CEIs) ou creches.
Sendo assim, também se faz necessária a presença de um professor
bilíngue ou um instrutor surdo para iniciar a socioconstrução e a aprendizagem
da língua de sinais nos espaços educativos de educação infantil, visto que, como
abordado por Vigotski (2018), é através da palavra, de uma língua, que a criança
organiza o seu pensamento e, a partir daí, ela constrói interações discursivas e
se coloca num universo simbólico. Trataremos da construção do pensamento
surdo com mais ênfase na Seção 3.
Assim, ao indivíduo surdo não deve ser negada a aprendizagem da língua
portuguesa como segunda língua (aprendida na sua forma escrita), e lhe deve
ser garantida a aprendizagem da língua de sinais (a primeira língua) nas escolas,
conforme legislação vigente (BRASIL, 2005).
Estudos apontam (RABELO, 2018; SOUSA, 2017; GURGEL, TURETTA,
ROSA, SILVA, 2016; TEIXEIRA, 2016; MARTINS, ALBRES, SOUSA, 2015;
ANDREIS-WITKOSKI, DOUETTES, 2014; RABELO, 2014; MARTINS, SOUSA,
2013; DANTAS, 2012) que o acesso à Língua Brasileira de Sinais desde a
educação infantil é um direito da criança surda conforme legislações publicadas
em 2002 e 2005, e que a possibilidade de construção da língua de sinais torna-
se mais viável quando o espaço educativo privilegia particularidades da
educação bilíngue.
Dentre os estudos apontados acima, podemos dividi-los em três
descritores para, assim, compreendermos qual é a defesa de cada estudo. O
primeiro descritor é “Libras como L1” com os seguintes autores contemplando as
referências: Rabelo (2018), Gurgel et al. (2016), Teixeira (2016), Martins et al.
(2015), Andreis-Witkoski e Douettes (2014), Rabelo (2014), Martins e Sousa
35
(2013) e Dantas (2012). Com o descritor “Narrativas/ histórias infantis” temos
Sousa (2017), Gurgel et al. (2016) e Teixeira (2016), que defendem tais
estratégias como acesso à Libras. O último descritor “Jogos/ brincadeiras”
aparece nos estudos de Rabelo (2018), Sousa (2017), Gurgel et al. (2016),
Teixeira (2016), Martins et al. (2015) e Rabelo (2014). Com essa discriminação
fica mais claro compreender quais são as defesas da Libras em cada estudo.
Tais estudos, discriminados anteriormente, mostram que momentos na
rotina que proporcionem narrativas, jogos, histórias e brincadeiras em Libras
favorecem o aprendizado da Língua de Sinais, uma vez que essas crianças
estarão imersas num ambiente em que a língua de interlocução será a Libras,
sendo disseminada no ambiente educativo por todos os sujeitos que lá se
encontram, tanto adultos quanto crianças.
Gurgel, Turetta, Rosa e Silva (2016) analisaram a organização de um
programa inclusivo bilíngue numa Escola de Educação Infantil, do município de
Campinas, numa escola polo. A escola conta com um professor bilíngue, que
atua em parceria com um instrutor surdo no atendimento às crianças surdas e a
prioridade é o ensino e a mediação na Libras. As pesquisadoras puderam
observar que – após a formação em serviço, a parceria com coordenadora
pedagógica, com as próprias pesquisadoras e a educadora surda – a professora
bilíngue deixou de propor atividades voltadas às rotinas, atividades motoras e
passou a sugerir atividades de uma forma mais dialógica, criando situações-
problema através de jogos e brincadeiras com o uso da Libras de uma forma
mais efetiva.
Silvestre e Lourenço (2013) publicaram um artigo com as observações de
uma turma de Educação Infantil bilíngue, no município de São Paulo, e em certo
momento verificaram a cooperação das crianças entre si de uma forma natural.
As autoras concluíram que essa desenvoltura acontece visto que, “nesse espaço
as crianças surdas se comunicam, se ajudam, brincam, interagem e se
desenvolvem conforme as oportunidades que lhes são oferecidas na escola”
(SILVESTRE; LOURENÇO, 2013, p. 166).
Neste entendimento em que a Libras consiste a primeira língua e a língua
portuguesa como a segunda língua aprendida na modalidade escrita, vamos
36
trazer reflexões em relação aos sujeitos surdos e a suas identidades surdas5.
Ser usuário da Língua Brasileira de Sinais não o torna um sujeito participante da
comunidade surda6 e, tampouco, lhe permitirá a construção de uma identidade
surda.
Perlin (2016), uma profissional no campo dos estudos culturais, pontua
que, ao se falar sobre a formação da identidade surda, é importante distanciar-
se da concepção de corpo danificado7 para se fazer uma leitura fiel do que é
alteridade cultural, a fim de se chegar ao conceito de identidade surda. A autora
declara que, para que o sujeito surdo alcance a sua identidade surda, é essencial
que haja o contato próximo entre os surdos e, junto a isso, que ele passe a ter
acesso à cultura surda. A estudiosa relata ainda que o surdo pertence a um
universo de experiências visuais e não auditivas, diferente dos ouvintes e, desse
modo, para ela, a cultura surda não se mistura à cultura ouvinte.
A cultura ouvinte, no momento, existe como constituída de signos essencialmente auditivos. No que tem de visual, como a escrita, igualmente é constituída de signos audíveis. Um surdo não vai conseguir utilizar-se de signos ouvintes, como por exemplo, a epistemologia de uma palavra. Ele somente pode entendê-la até certo ponto, pois a entende dentro de signos visuais. O mesmo acontece com a pronúncia do som de palavras. Não adianta insistir nesse ponto (PERLIN, 2016, p. 57).
A autora contribui com a ideia das múltiplas identidades surdas apontando
as diferentes particularidades de cada sujeito. Para Perlin cada pessoa surda
constrói a sua identidade surda, posto que cada um tem a sua história e as suas
vivências; a estudiosa ressalta que, para que o sujeito construa a sua identidade
surda, o ponto inicial é a sua identidade cultural para que ele possa identificar
outras identidades surdas. Kraemer (2012) também defende que a identidade
surda não surge naturalmente, que tal identidade é construída em grupos, “(...)
portanto ela não é única, fixa, tampouco estável” (KRAEMER, 2012, p. 142).
5 Aqui usamos identidades surdas no plural, pensando que não existe uma única identidade surda. Sabemos que cada sujeito tem a sua identidade. 6 Comunidade surda é constituída por um grupo de pessoas que se encontram imbricadas na cultura surda. Esse grupo pode conter sujeitos surdos e também sujeitos ouvintes – membros da família, intérpretes, professores, amigos e outros –, que participam e compartilham dos mesmos interesses em comum em urna determinada localização (STROBEL, 2016). 7 Para Perlin o corpo danificado é relacionado ao modelo médico da deficiência, quando se olha para a deficiência buscando a sua normalização, ou seja, observando o surdo sob a ótica do sujeito ouvinte.
37
A apreensão do universo cultural pela via das experiências visuais –
modalidade em que se expressa a língua de sinais – é o principal marcador da
identidade surda. O decreto 5.626 conceitua pessoa surda como:
Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela
que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras. Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral,
parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz (BRASIL, 2005).
Sendo essa forma particular de compreender o mundo, a língua de sinais
e as formas de mediação que atribuem centralidade/visualidade é o que mais
podemos relacionar nas linhas de evolução do desenvolvimento da linguagem e
do pensamento da criança surda. Quer dizer, a Libras e as formas visuais nas
práticas dos professores é o que mais permite a construção da identidade da
criança surda.
Lopes e Veiga-Neto (2010) têm seus estudos acerca do ser surdo e a
importância da troca de relações entre os surdos. Os autores defendem que os
marcadores culturais surdos devem acontecer dentro da escola, ou seja, a
identidade surda dos sujeitos surdos pode, em um primeiro momento, acontecer
dentro dos espaços educativos. Os autores dissertam também sobre as lutas por
direitos dos surdos mais velhos e o quanto as relações entre os surdos mais
velhos e os jovens é importante para que esse sentimento de luta não seja
perdido, inclusive e primordialmente, pela manutenção dos direitos
conquistados. Lopes e Veiga-Neto salientam que: “A alteridade surda enunciada
nas narrativas surdas exige dos sujeitos uma luta permanente pela sobrevivência
surda” (2010, p. 126-127).
Os surdos, como mencionado anteriormente, fazem uso da percepção
visual devido ao contexto social que favorece tais experiências. Em
consequência da limitação auditiva os surdos têm uma maior significação das
informações visuais, e é justamente por isso que é importante que os bebês e
crianças surdas tenham contato com surdos adultos. O bebê ouvinte pode olhar
um objeto e ter contato com outras informações auditivas ao mesmo tempo, ato
esse que para o bebê surdo acontece de uma maneira diferenciada. O bebê
38
surdo processualmente desenvolve uma atenção conjunta (SILVA, 2012) ao se
utilizar da visão para observar o que ocorre a sua volta e também para se
comunicar.
Então, desse modo, uma ação muito importante, quando se diagnostica
uma criança com surdez é a de que ela tenha contato com adultos surdos, para
que esse adulto seja a referência para essa criança; o intuito é claro: criar um
ambiente para que a criança surda possa compreender formas de estar e se
relacionar em nossa sociedade, construindo, assim, a sua identidade surda. Para
além da relação com adultos surdos, vale destacar a necessidade da presença
indispensável de demais interlocutores ouvintes que tenham fluência na Libras.
É preciso oportunizar condições para que a criança surda, desde bebê,
possa se relacionar, se perceber na Libras, no seu convívio entre ouvintes e
surdos.
Tendo como pressuposto que as aprendizagens na Educação Infantil
acontecem, predominantemente, através das brincadeiras, vale ressaltar que o
brincar é um ato importante no processo de aprendizado da língua de sinais para
as crianças surdas, pois é quando muitos sinais podem ser descobertos e
aprendidos. As brincadeiras permitem que as crianças surdas compreendam a
importância da construção de língua, uma vez que para explicar ao colega qual
brincadeira deseja realizar, ela precisa ser clara e eficaz, para que o colega não
se desinteresse (SILVA, 2012). Aqui salientamos, novamente, a importância do
adulto surdo estar envolvido no ambiente de vivências e aprendizagens da
Educação Infantil em conjunto com o professor e as crianças, para que a Libras
seja disseminada em todo o ambiente educativo.
Ratificamos a discussão trazendo o Art. 22, do Decreto 5626/05 (BRASIL,
2005), que estabelece sobre a docência bilíngue na Educação Infantil e Ensino
Fundamental, conforme segue:
Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de: I - escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; II - escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes
39
das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.
Ressaltamos, então, a necessidade das relações e vivências entre surdo-
surdo para a socioconstrução da Língua Brasileira de Sinais e também, como
mencionado anteriormente, a construção de uma identidade surda, direito este
dos bebês e crianças surdas, desde a tenra idade.
Vamos abordar agora na Seção 3, e de uma forma mais aprofundada, os
conceitos de pensamento e palavra de Lev Vigotski.
40
Seção 3. A criança surda e a socioconstrução de uma língua
Os vocábulos língua e linguagem são rotineiramente confundidos como
sinônimos, porém trata-se de uma ação equivocada. Iniciaremos esta seção
discorrendo a respeito da definição de linguagem, com base na teoria de Vigotski
e abordaremos também acerca da socioconstrução da língua de sinais pelas
crianças surdas.
3.1 Contextualização de linguagem e pensamento
Lev Vigotski conceitua linguagem como o ponto principal para a
organização do real, de construção dos significados e de alcance do pensamento
verbal generalizante. O autor alude que: “Antes de controlar o próprio
comportamento, a criança começa a controlar o ambiente com a ajuda da fala.
Isso produz novas relações com o ambiente, além de uma nova organização do
próprio comportamento” (VIGOTSKI, 2007, p. 12). O autor afirma que signos e
palavras, para as crianças, constituem uma maneira de se firmar socialmente
com outras pessoas, sejam elas outras crianças ou adultos, uma vez que, a partir
deles, as crianças conseguem interagir com os demais membros da sociedade.
A linguagem, segundo o autor, se desenvolve a partir da necessidade de
comunicação entre os sujeitos, como, por exemplo, o choro, balbucios, risos,
entre outros sinais realizados pelos bebês, a fim de querer expressar um
incômodo ou uma satisfação ao indivíduo próximo a ele. Esse é o primeiro passo
de acesso à linguagem.
Oliveira (1997) descreve dois processos da organização do pensamento,
segundo as teorias de Vigotski. O primeiro é o estágio pré-linguístico do
pensamento, que é o momento em que a criança já resolve problemas práticos,
como subir em algo para pegar um objeto. O segundo é o estágio pré-intelectual
do desenvolvimento da fala, que compõe os momentos de balbucios e choros do
bebê, que desejam indicar que tem algo desconfortável para ele e o adulto tem
que fazer a leitura daquilo que o bebê quer comunicar. A autora esclarece que é
por volta dos dois anos de idade, que pensamento e linguagem se conectam e
“a fala torna-se intelectual, com função simbólica, generalizante, e o pensamento
41
torna-se verbal, mediado por significados dados pela linguagem” (OLIVEIRA,
1997, p. 47).
Vigotski reitera que “o pensamento e a palavra não estão ligados entre si
por um vínculo primário. Este surge, modifica-se e amplia-se no processo do
próprio desenvolvimento do pensamento e da palavra” (VIGOTSKI, 2018, p.
396).
Como mencionado no parágrafo anterior, o curso de evolução do
pensamento e da linguagem se une por volta dos 24 meses de idade e surge,
então, o pensamento verbal e a linguagem racional, quer dizer, ocorre a
transformação do biológico (estágio pré-linguístico do pensamento e estágio pré-
intelectual da fala) na função característica do ser humano, que o torna um
sujeito sócio-histórico.
Vygotsky afirma que a partir desse momento o pensamento verbal passa a ser predominante na atividade psicológica humana. No entanto, o pensamento não verbal (por exemplo, nas atividades que exigem apenas o uso da inteligência prática) e a linguagem não intelectual (por exemplo, quando um indivíduo recita um poema decorado ou nas linguagens emocionais), continuam presentes tanto nos adultos como nas crianças (REGO, 2007, p. 65).
Com isso, podemos compreender que, mesmo com a conquista do
pensamento verbal e da fala racional, a presença da linguagem sem pensamento
e do pensamento sem linguagem não deixa de existir.
3.2 O significado da palavra para Vigotski
Ao avançar em seus estudos, Vigostki aponta que “encontramos no
significado da palavra essa unidade que reflete da forma mais simples a unidade
do pensamento e da linguagem” (VIGOTSKI, 2018, p. 398). O psicólogo define
que significado é a palavra em seu conceito interior na concepção de cada
sujeito.
É através do significado que o indivíduo se conecta com o mundo, ou seja,
o sujeito se torna capaz de perceber o mundo e operar sobre ele. Quando o
significado fica claro para o sujeito, este desenvolve duas funções básicas da
linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante (OLIVEIRA,
1997). Vigotski ainda afirma que: “Generalização e significado da palavra são
42
sinônimos. Toda generalização, toda formação de conceitos é o ato mais
específico, mais autêntico e mais indiscutível de pensamento” (VIGOTSKI, 2018,
p. 398).
Vigotski indica que o significado da palavra só é um acontecimento
quando há a relação dele com o pensamento, e que este também se relacione
com a palavra e nela esteja incorporado. Assim, quando tal significado se alia ao
pensamento é o momento em que surge o discurso.
O autor faz uma analogia entre a definição de significado e o casaco de
um homem:
(...) A palavra lembra o seu significado da mesma forma que o casaco de um homem conhecido lembra esse homem ou o aspecto externo de um edifício lembra os seus moradores. Desse ponto de vista, o significado da palavra, uma vez estabelecido, não pode deixar de desenvolver-se e sofrer modificações. A associação que vincula a palavra ao significado pode ser reforçada ou debilitada, pode ser enriquecida por uma série de vínculos com outros objetos da mesma espécie, pode, pela aparência ou a contiguidade, estender-se a um círculo mais amplo de objetos ou, ao contrário, pode restringir esse círculo (VIGOTSKI, 2018, p.399).
Sendo assim, entendemos que, como mencionado acima, significado,
para o autor, é algo individual e que pode ser alterado de pessoa para pessoa.
Vigotski esclarece, então, que o “significado da palavra é inconstante”
(VIGOTSKI, 2018, p. 408). Tal conceito pode alterar-se conforme o processo de
desenvolvimento da criança e também pode ser alterado na vida adulta. No
entanto, visto que o significado da palavra no seu sentido interior se altera, é
modificada também a relação do pensamento com a palavra, isto é, dado que o
significado da palavra num primeiro momento é um, e posteriormente se altera.
A relação do significado e da palavra também se altera, por exemplo, uma
pessoa que só conhecia a maçã gala, associa que a cor da maçã é vermelha e,
posteriormente, essa mesma pessoa conhece a maçã verde, a associação de
cor realizada anteriormente também se altera.
Então, quando o significado de cada palavra se transforma, modifica-se
também a maneira como o pensamento funciona.
Vigotski esclarece que
[...] Todo pensamento tem um movimento, um fluxo, um desdobramento, em suma, o pensamento cumpre alguma função,
43
executa algum trabalho, resolve alguma tarefa. Esse fluxo de pensamento se realiza como movimento interno, através de uma série de planos, como uma transição do pensamento para a palavra e da palavra para o pensamento. Por essa razão, a tarefa primordial da análise que deseje estudar a relação do pensamento com a palavra como movimento do pensamento em direção à palavra é o estudo daquelas fases de que se constitui esse movimento, a discriminação dos vários planos por que passa o pensamento, que se materializa na palavra (VIGOTSKI, 2018, p. 410).
Vigotski analisa, então, os dois aspectos da linguagem: aspecto externo
e o aspecto semântico (ou interno) da língua. O aspecto externo se refere ao
início do domínio da fala exterior, momento em que a criança começa a usar uma
palavra para indicar aquilo que ela quer comunicar, depois passa a usar cerca
de duas ou três palavras, até que principia criando frases simples e, em seguida,
avança para fala de frases mais complexas, ou seja, a criança inicia da parte
para o todo. Já no aspecto semântico o avanço acontece da forma inversa: “Do
todo, de um complexo significante e só mais tarde começa a dominar as
unidades semânticas separadas, os significados das palavras e subdividir o seu
pensamento primitivamente indiferenciado nessas unidades” (VIGOTSKI, 2005,
p. 157).
Oliveira (1997, p. 51) explana que “o uso da linguagem como instrumento
de pensamento supõe um processo de internalização da linguagem”. Isso nos
permite compreender que não é somente através da comunicação com outros
sujeitos que o pensamento verbal se desenvolve, ele também prospera à medida
que o chamado discurso interior irrompe.
Discurso interior, então, é um discurso sem vocalização, para o próprio
locutor. É um discurso voltado para dentro, para o pensamento, enquanto o
discurso exterior converte os pensamentos em palavras, e é aquele realizado
para os outros (VIGOTSKI, 2018).
Em seus estudos Vigotski também pôde investigar acerca da fala
egocêntrica, que é o momento quando as crianças pequenas relatam tudo aquilo
que estão fazendo ou pretendem fazer. O autor e seus colaboradores chegaram
à hipótese de que a fala egocêntrica pode ser o estágio que antecede o discurso
exterior e o discurso interior. A linguagem egocêntrica “(...) é uma linguagem
ainda vocalizada, sonora, isto é, uma linguagem exterior pelo modo de sua
44
manifestação e, ao mesmo tempo, uma linguagem interior por suas funções e
estrutura” (VIGOTSKI, 2018, p. 427).
Vigotski defende sua teoria quando analisa o percurso da fala egocêntrica
nas crianças com idade entre dois e sete anos de idade. O autor afirma que
nesse período ocorre um declínio do uso da fala egocêntrica, ou seja, que a
vocalização vai desaparecendo gradualmente, pois “a fala para si mesmo não
encontra expressão na fala exterior” (VIGOTSKI, 2005, p. 168).
Com isso posto, podemos compreender que a comunicação acontece na
e pela linguagem, já que é através da linguagem que conseguimos transmitir à
outra pessoa aquilo que desejamos, além de poder compreender o que outra
pessoa gostaria de nos informar. Vigotski ressalta que: “O pensamento não se
exprime na palavra mas nela se realiza” (2018, p. 409), ou seja, é através da
palavra que compreendemos os significados sociais e conseguimos vocalizar
aquilo que pensamos.
O progresso do pensamento e da linguagem são os pontos cruciais dos
estudos de Vigotski, como pudemos ver. Vale ainda aludir que a função da
linguagem vai além da comunicação, visto que ela também favorece a
generalização e abstração que nos permite organizar e entender o mundo à
nossa volta e nele nos organizarmos.
Para Vigotski o desenvolvimento cultural da criança acontece, num
primeiro momento, nas relações sociais com os demais sujeitos e,
posteriormente, no nível individual, que é o momento de uso de signos; e
fazendo-se acreditar que ocorra um progresso com grandes transformações na
consciência da criança.
Em Vygotsky (1984), o uso da linguagem se constitui na condição mais importante do desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores (a consciência) da criança. O conteúdo da experiência histórica do homem, embora esteja consolidado nas criações materiais, encontra-se também generalizado e reflete-se nas formas verbais de comunicação entre os homens sobre esses conteúdos. A interiorização dos conteúdos historicamente determinados e culturalmente organizados se dá, portanto, principalmente por meio da linguagem, possibilitando, assim, que a natureza social das pessoas torne-se igualmente sua natureza psicológica (SOUZA, 2012, p. 125).
Quando a internalização daquilo que foi vivenciado socialmente acontece,
acarreta a utilização de signos já conhecidos/vivenciados por essa criança e,
45
com isso, ocorre a evolução da consciência e dos significados dessa criança.
Falaremos mais sobre o valor social na constituição do indivíduo no tópico a
seguir.
3.3 Língua e linguagem no desenvolvimento da criança surda
Agora, vamos iniciar a discussão a respeito de como ocorre o
desenvolvimento de língua e, para além dela, o desenvolvimento da linguagem
em bebês e crianças surdas.
As mães, assim que seus bebês nascem, procuram conversar com seus
filhos desde os primeiros dias, perguntando-lhes a razão do choro, comentando
sobre o momento do banho, acarinhando nos momentos de sono, entre outros.
Dos primeiros sons, processualmente, “a internalização dos sistemas de signos
produzidos culturalmente provoca transformações comportamentais e
estabelece um elo entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento
individual” (VIGOTSKI, 2007, p. XXVI) – e é através dessas falas que as crianças
produzem/conceituam as suas primeiras palavras.
A partir dos diálogos com as demais pessoas de seu convívio, as crianças
ampliam seu repertório de palavras e logo criam frases, produzem diálogos com
adultos e outras crianças, sem que precisem, necessariamente, ser ensinadas.
A construção de fala de uma criança acontece através do contato social com
outros sujeitos que fazem uso desse signo, estando em contato diário com a
língua.
Essa maneira de socioconstrução de fala acontece tanto para as crianças
ouvintes quanto para as crianças surdas – desde que estas últimas estejam
inseridas num ambiente em que a língua de interlocução seja a Libras, já que a
criança surda possui uma língua minoritária. Para essas crianças a língua de
interlocução que melhor atende às suas necessidades é de modalidade
visuoespacial, já que os signos orais-auditivos não lhes são acessíveis em seu
cotidiano.
É importante discutir acerca do balbucio do bebê, que avança até
aproximadamente um ano de vida. No currículo de Libras do munícipio de São
46
Paulo (SÃO PAULO, 2019a) é apresentado um estudo sobre a construção da
língua de sinais britânica nas etapas de vida das crianças realizado por Woll:
Balbucios e gestos estão presentes nas crianças surdas no início de suas vidas. Como essas crianças não podem ouvir, o balbucio oral regride progressivamente e os gestos seguem se desenvolvendo. Assim, no final do período de balbucio, essas crianças começam a usar gestos independentes, inclusive gestos que podem vir a ser mais tarde os primeiros sinais. Ocorrem gestos independentes e a primeira reprodução de sinal dos pais, com produção gestual motora grossa (SÃO PAULO, 2019a, p. 87).
Woll (1998) disserta que os bebês iniciam o balbucio gestual no período
de zero a noves meses, e por volta dos nove meses iniciam os gestos
independentes. No período dos nove meses a um ano de idade os bebês já
apontam para pessoas e objetos, e a partir do primeiro ano de vida a
retroalimentação8 começa a mostrar a diferença entre ser surda e ser ouvinte.
Como há a privação do acesso aos signos e também a uma língua que
favoreça a criança surda nessa significação, tais sujeitos observam e têm contato
com o mundo por meio da intervenção dos adultos que a cercam, e mediante o
esforço de significação, que por vezes acontece através dos chamados sinais
caseiros, quer dizer, sinais criados pela família e que têm significado apenas
para os sujeitos pertencentes a esse grupo.
As crianças surdas, mesmo as que não são expostas à língua de sinais e não recebem nenhuma forma de tratamento fonoaudiológico para adquirir língua oral, adquirem alguma forma rudimentar de linguagem, elas simbolizam e conceituam pois vivem socialmente, interagem e se comunicam de alguma forma. A diferença é que, não tendo acesso a uma língua estruturada, a qualidade e a quantidade de informações e assuntos abordados são muito inferiores àqueles que os indivíduos ouvintes, em sua maioria, recebem e trocam. Os surdos, nestas condições, só conseguem expressar e compreender assuntos do aqui e agora. Para falar sobre situações passadas, lugares diferentes e, principalmente, sobre assuntos abstratos é quase impossível – se realmente não o for. Parece, então, que a função planejadora da linguagem não é dominada inteiramente pelos surdos com atraso de linguagem (GOLDFELD, 2002, p. 62).
Goldfeld esclarece que devido às interações e vivências com pessoas
ouvintes, a criança surda cria, minimamente, uma linguagem simples e
rudimentar, por onde ela se faz compreender por essas pessoas que participam
8 O ouvinte, enquanto oraliza, ouve a si mesmo e assim controla o volume da voz, o timbre que usa, entre outros. Já os surdos não conseguem se olhar enquanto sinalizam.
47
da sua rotina diariamente, mas essa comunicação rudimentar não a torna
autônoma para se comunicar com as demais pessoas que não fazem parte do
seu grupo de pessoas próximas, afora que não lhe favorece o uso da linguagem
como forma de organização de suas ações, em sua função planejadora.
Complementa a autora que, para uma criança surda, não há nenhuma
barreira que a impeça de adquirir uma língua e uma linguagem, uma vez que
podemos utilizar de meios visuais, olfativos, entre outros, como meio de
obtenção de signos em seus contextos (GOLDFELD, 2002). Uma língua não
precisa necessariamente se apresentar na modalidade oral-auditiva, ela pode se
dar através da modalidade visuoespacial, como mencionado anteriormente.
Sabe-se que não é apenas por meio da língua falada que os signos são
constituídos. As línguas de sinais têm a mesma função que a língua oralizada
quando da construção de signos. Em vista disso, o surdo, que tem acesso à
língua de sinais, não tem motivo para ter qualquer comprometimento de caráter
cognitivo, social, e não há nada que o desabone quanto a ter qualquer tipo de
relação como os ouvintes e de dominar os conhecimentos socialmente
construídos pela humanidade.
Goés (2012) se embasa em Vigotski para mencionar que o
desenvolvimento de uma língua acontece de forma dinâmica.
A fala da criança se desenvolve no plano das interações sociais e, ao ser internalizada, participa da organização das ações sobre os objetos, da construção do plano de funcionamento interno e das transformações dos processos mentais. (GOÉS, 2012, p.34)
Vamos retomar que, independentemente das formas de recepção e
expressão, o partilhar numa língua se apresenta como necessidade, uma vez
que signos usados desordenadamente permitirão significações muito parciais.
Remetendo a Vigotski (a função primordial da linguagem), o autor salienta que é
a comunicação, o contato social que se desenvolve a medida que o indivíduo
interage, sempre influenciado e se constituindo no meio social e cultural em que
está inserido, além de organizar suas ações. Vigotski afirma que a fala está
diretamente ligada à comunicação e não ao sistema fonador, podendo os surdos
substituir os signos sonoros pelos signos visuais (VIGOTSKI, 2011).
Não podemos deixar de abordar aqui a problemática social que é a da
sociedade em geral não partilhar de uma língua na modalidade visuoespacial.
48
Quando o surdo faz uso da Língua de Sinais fluentemente, ainda assim não
consegue se comunicar com toda a sociedade, uma vez que ela, em sua maioria,
não domina tal língua.
A sociedade não conhece nada sobre o povo surdo e, na maioria das vezes, fica com receio e apreensiva, sem saber como se relacionar com os sujeitos surdos, ou tratam-nos de forma paternal, como “coitadinhos”, “que pena”, ou lida como se tivessem “uma doença contagiosa” ou de forma preconceituosa e outros estereótipos causados pela falta de conhecimento. (...) (STRÖBEL, 2007, p. 21).
Assim, podemos compreender que não basta que o surdo tenha fluência
na Libras para que ele consiga se comunicar com toda a sociedade. É necessário
que os ouvintes também tenham conhecimento da mesma língua para que a
comunicação se efetive, ou seja, para a constituição de um ambiente linguístico
favorecedor das trocas com o surdo.
Goés (2012) compartilha que a linguagem não acontece de uma única
maneira, mas que ela acontece através de uso eficiente de signos.
A linguagem não está necessariamente ligada ao som, pois não é encontrada só nas formas vocais. Para ilustrar essa ideia, remete ao exemplo da linguagem dos surdos, que realiza, de outro modo, a produção e interpretação da fala. (GOÉS, 2012, p.41)
No Decreto no 5.626, de 2005 (BRASIL, 2005), o Artigo 14º trata da
difusão da Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa para o acesso das
pessoas surdas à educação, isto é, a legislação já decreta acerca da
disseminação da Libras em todos os espaços educativos, no entanto, ainda falta
que tal ação seja desempenhada.
Também reforçando o papel da linguagem na internalização dos
conceitos, formada através das relações com demais sujeitos, Lacerda (2013)
destaca que, no caso do surdo, quando exposto somente à língua de modalidade
oral-auditiva, causa-se grande perda quanto ao seu conhecimento e sua
identidade. Por essa razão é de suma importância que os surdos estejam
envolvidos e se relacionando com outros sujeitos que partilhem da língua de
sinais. Assim sendo, o conhecimento para os surdos é construído na e pela
língua de sinais.
Em um ambiente que circule a Libras, Quadros (2008) assevera que no
processo de socioconstrução de língua de sinais por bebês e crianças surdas
49
(em meados dos 14 meses de vida), eles já conseguirão produzir seus primeiros
sinais, e aos dois anos de idade já surgirão as primeiras combinações de sinais.
A autora ainda afirma que as crianças surdas, filhas de pais surdos, “adquirem
as regras da gramática de forma muito similar às crianças adquirindo línguas
faladas” (QUADROS, 2008, p. 143). Isso nos mostra que crianças surdas,
quando imersas num ambiente linguístico visuoespacial, demonstram a mesma
facilidade de socioconstrução de língua que as crianças ouvintes quando
inseridas num contexto de fala vocalizada.
Esses dados se contrapõem quando a língua de sinais é apreendida
tardiamente, dado que “[...] as crianças com aquisição tardia parecem não
adquirir elementos mais sofisticados da linguagem, enquanto que as crianças
com aquisição precoce os adquirem” (QUADROS, 2008, p. 150).
A escola tem papel fundamental no ensino da língua de sinais para as
crianças surdas, principalmente daquelas que são filhas de pais ouvintes e não
tem acesso à língua de sinais em sua rotina domiciliar e na organização de
práticas mediadas diretamente nessa língua.
A educação infantil deve contemplar, como para qualquer criança, as
singularidades linguísticas dos bebês e crianças surdas que dela fizerem parte.
Martins e Sousa (2013, p. 74) relatam que pensar em uma proposta educativa
“que contemple a criança surda é, sem sombra de dúvidas, respeitar seu direito
à apropriação da língua de sinais, repensando a prática em sala de aula”.
O currículo de Libras, por exemplo, da cidade de São Paulo (SÃO PAULO,
2019a) aborda sobre a importância de apresentar aos bebês e crianças surdas
questões de visualidade, com o intuito de facilitar o processo de aquisição da
língua de sinais; organização linguístico-motora para favorecer a expressão na
conquista da língua e compreensão, bem como destaca a interação com o adulto
surdo como um facilitador do trabalho pedagógico nessa faixa etária.
No município de São Paulo são garantidas para as crianças surdas entre
quatro e 15 anos a matrícula nas Escolas Municipais de Educação Bilíngue para
Surdos (EMEBS) e na EMEBS Hellen Keller, localizada na região central da
cidade, que conta com o ensino médio para jovens surdos (desde 2019). Em
2019, a EMEBS Neusa Basseto, localizada na região leste de São Paulo, iniciou
o atendimento com crianças de três anos.
50
Para atuar numa EMEBS, o profissional precisa ter uma licenciatura, pós-
graduação na área da deficiência auditiva e, preferencialmente, ser fluente em
Libras. Já para os bebês em idade de zero a três anos, não há a garantia da
permanência de um adulto surdo dentro das dependências dos Centros de
Educação Infantil (CEIs) – o que é assegurado tanto nas EMEBS quanto nos
Polos Bilíngues – para o contato com a língua de sinais desde cedo. Apenas há
essa garantia nos dois polos bilíngues existentes no município, um localizado na
região leste do município e outro na região sul.
Para atendimento das crianças surdas nas EMEBS, Polos Bilíngues e
salas regulares há na política da Prefeitura de São Paulo (Portaria nº 8.764/16),
a possibilidade de se contar com apoio de instrutores de Libras,
preferencialmente surdos, para o ensino da língua de sinais para as crianças
surdas das EMEBS e crianças surdas e ouvintes quando as crianças surdas
estiverem matriculadas no Polo Bilíngue ou salas regulares.
A SME/SP indica que a função de instrutor de Libras será preferencialmente destinada aos profissionais surdos, visto que eles são modelo linguístico e de identidade surda, fomentam o uso da Libras em todos os espaços da escola e, por constituírem-se como surdos e por suas trajetórias de vidas, têm condições experienciais e linguísticas de contribuir de forma ímpar para a construção de uma didática bilíngue. Além disso, assim a Secretaria favorece a inclusão profissional dos surdos no campo da educação (LACERDA, ALBRES, DRAGO, 2013, p. 75).
Nesse entendimento, o instrutor surdo se torna fundamental como sendo
alguém que colaborará com a construção da identidade das crianças surdas,
antes submersas apenas numa cultura de ouvintes.
51
Seção 4. Metodologia
Esta seção discorrerá acerca do percurso metodológico da dissertação,
descrevendo como ocorreu a coleta dos dados da pesquisa.
O trabalho contou com pesquisas teóricas e de campo. Os estudos
teóricos contribuíram para o trabalho in loco, o que orientou as análises dos
dados coletados.
Esta pesquisa segue uma abordagem qualitativa de cunho sócio-histórica,
uma vez que, segundo Freitas: “Trabalhar com a pesquisa qualitativa numa
abordagem sócio-histórica consiste pois, numa preocupação de compreender os
eventos investigados, descrevendo-os e procurando as suas possíveis relações,
integrando o individual com o social” (2002, p. 28).
Assim, esta pesquisa visou realizar uma intersecção entre a pesquisa
teórica e a pesquisa de campo, de modo descritivo e, a partir da análise de
dados, estabelecer as relações entre as entrevistas com diferentes interlocutores
para se chegar a um resultado final.
O resultado final desta pesquisa se configurou mediante uma amostra de
entrevistas, mas que pode ser definida como uma totalidade, dado que:
Os estudos qualitativos com o olhar da perspectiva sócio-histórica, ao valorizarem os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem focalizar o particular como instância da totalidade social, procurando compreender os sujeitos envolvidos e, por seu intermédio, compreender também o contexto. Adota-se, assim, uma perspectiva de totalidade que, de acordo com André (1995), leva em conta todos os componentes da situação em suas interações e influências recíprocas (FREITAS, 2002, p. 26).
A pesquisa bibliográfica se deu através de leituras de livros, artigos
acadêmicos, dissertações, teses e publicações da Secretaria Municipal da
Educação de São Paulo (SME/SP), que abordam os temas principais: surdez,
educação infantil, construção de língua, bilinguismo e educação de surdos. O
material foi consultado em bibliotecas virtuais e livros físicos.
Em conjunto com as leituras foram feitos fichamentos e anotações dos
pontos mais importantes de cada referência, o que auxiliou na consulta para a
escrita da fundamentação e revisão bibliográfica deste estudo.
Ainda foi realizada pesquisa de campo junto a três espaços de
52
atendimento clínico na área da surdez infantil, que têm como foco de trabalho a
reabilitação oral dos bebês e crianças pequenas surdas, aquisição de aparelho
auditivo e possível encaminhamento para cirurgia de implante coclear9, com o
objetivo de mapear famílias que possuam bebês surdos.
Também foi realizada pesquisa de campo em um Centro de Educação
Infantil (CEI), uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEIs) e uma Escola
Municipal de Educação Bilíngue para Surdos (EMEBS), no município de São
Paulo, com bebês e crianças surdas matriculadas.
Foram participantes desta pesquisa: fonoaudiólogos, professores e
familiares do público-alvo da pesquisa, que são os bebês e as crianças surdas
de até cinco anos, descritos mais adiante.
O primeiro critério a fim de selecionar os participantes da pesquisa foi o
local onde, de fato, seria possível localizar o público-alvo da pesquisa, em
especial os bebês. E, considerando o número restrito de atendimento desse
público em CEIs e EMEIs no município, optou-se por localizar o público na área
da saúde, em espaços de atendimento fonoaudiológico, sendo os
fonoaudiólogos participantes da pesquisa.
Determinou-se que seria necessário também entrevistar os
familiares/responsáveis dos bebês e crianças surdas para entender como essas
famílias/responsáveis decidiram matricular (ou não) seus filhos nos CEIs e
EMEIs da Rede Pública Municipal.
Ainda, ficou estabelecido que os professores seriam os participantes
dentro das unidades educativas com bebês e crianças surdas matriculadas, uma
vez que eles teriam as reais informações acerca do modo como acontece o
atendimento pedagógico dos sujeitos público-alvo da pesquisa. Utilizamos como
critério de inclusão dos espaços de atendimento clínico e educativo no estudo,
aqueles que pertencessem à Rede Pública Municipal, sendo descartadas
unidades particulares e da Rede Estadual de Educação.
Devido à grande extensão territorial do município de São Paulo e a
9 O Implante Coclear (IC) é um dispositivo eletrônico, parcialmente implantado, que visa
proporcionar aos seus usuários sensação auditiva próxima ao fisiológico. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Implante_coclear. Acesso em 27/05/2020.
53
incapacidade de tempo para coletar os dados em todos os equipamentos de
saúde auditiva e Unidades Educativas, optamos por delimitar os locais onde a
coleta de dados ocorreria. Os critérios utilizados foram: a seleção de uma região
que apresentasse um número maior de bebês atendidos tanto na saúde quanto
na educação, e que a região contivesse EMEBS e Polos Bilíngues. Assim sendo,
definimos a zona leste de São Paulo como campo de coleta de dados.
Para realização da coleta de dados, em primeiro lugar, foi necessária a
autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp, momento em que foi
enviado o Projeto de Pesquisa, a folha de rosto, os Termos de Consentimento
Livre e Esclarecido (Apêndices A, B e C) e os roteiros de entrevista a serem
realizados com os fonoaudiólogos, professores e familiares/responsáveis
(Apêndices D, E e F).
Ao longo do processo de submissão dos documentos na Plataforma Brasil
foi necessário também enviar as autorizações de pesquisa das unidades
educativas determinadas para a pesquisa, no entanto, tais unidades ainda não
estavam mapeadas, pois para realizar tal procedimento, necessitava-se da
autorização de pesquisa de cada região do município de São Paulo.
Em São Paulo, a Secretaria Municipal de Educação (SME) se divide em
13 Diretorias Regionais de Educação (DRE): DRE Capela do Socorro, DRE
Campo Limpo, DRE Santo Amaro, DRE Butantã, DRE Pirituba/Jaraguá, DRE
Freguesia do Ó/Brasilândia, DRE Ipiranga, DRE Jaçanã/Tremembé, DRE
Penha, DRE Itaquera, DRE São Miguel, DRE São Mateus e DRE Guaianases.
Para fins de autorização de pesquisas, a Prefeitura de São Paulo possui uma
orientação específica. A autorização tem que ser expedida pelo(a) Diretor(a)
Regional que responde pela Diretoria Regional de Educação. No segundo
semestre de 2018, foram enviados para cada uma das 13 DREs os documentos
que constam no Memorando Circular nº 003/ 2017/ SME-G (Anexo A), que
orienta os procedimentos para pesquisas acadêmicas. Cada DRE possui uma
forma de devolutiva das anuências de pesquisa acadêmica e um período de
resposta, sendo que todas autorizaram esta pesquisa com a duração máxima de
40 dias.
Em conjunto com as anuências das Diretorias Regionais de Educação foi
solicitado o número de bebês e crianças surdas atendidas em cada uma delas
54
para o mapeamento do público-alvo. Das 13 diretorias consultadas, obteve-se
resposta de 12 DREs, conforme tabela na página seguinte.
Tabela 1. Mapeamento de bebês e crianças matriculadas na Rede Municipal de Ensino.
REGIÃO DIRETORIA NÚMERO DE BEBÊS E CRIANÇAS SURDAS
CEI* (rede
direta e parceira)
EMEI*
PÓLO/ EMEBS
Leste São Mateus 7 5 8 Leste Itaquera 4 8 N/P** Leste Penha 4 6 14 Leste São Miguel 6 4 N/P** Leste Guaianases 3 5 N/P** Sul Capela do Socorro 5 4 N/P** Sul Santo Amaro 0 6 13 Sul Campo Limpo 3 6 6
Norte Jaçanã/Tremembé 4 4 5 Centro Ipiranga 2 3 6 Oeste Butantã 3 1 N/P** Oeste Freguesia/Brasilândia 4 2 12 Oeste Pirituba/Jaraguá 1 7 5
TOTAL 37 31 69
Fonte: Elaboração própria. *Unidades Regulares ** Não Possui
Sincrônico com o recolhimento das autorizações de pesquisa, foram
elaborados os roteiros de entrevista de cada um dos participantes. Os roteiros
dos profissionais de saúde e educação foram pensados de forma a contemplar
o percurso profissional de cada um dos envolvidos e como se iniciou o
atendimento de crianças surdas. Os pontos centrais do roteiro de entrevista dos
fonoaudiólogos foi a indicação, ou não, para que os familiares realizem a
matrícula de seus bebês nos Centros de Educação Infantil, e a respeito da
inserção da Libras para os bebês e crianças surdos atendidos. Já o ponto central
da entrevista dos professores refere-se ao modo como acontece a
socioconstrução da Libras com as crianças surdas nos espaços educativos. Para
os familiares/responsáveis foram elaboradas questões a respeito das
55
expectativas que eles têm tanto em relação ao atendimento terapêutico quanto
pedagógico, e o que pensam acerca da inserção da Libras para seus filhos.
Após recolher todas as anuências de cada DRE e submeter os
documentos solicitados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP, no
início do primeiro semestre de 2019, foi emitido o Parecer Consubstanciado do
CEP.
No segundo semestre de 2018 foi necessário solicitar as anuências para
cada Coordenadoria Regional de Saúde, uma vez que a pesquisa, conforme
explanado anteriormente, também aconteceu nos espaços de saúde. No
município de São Paulo, as Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS) são
divididas em cinco regiões: CRS Norte, CRS Sudeste, CRS Sul, CRS Leste e
CRS Centro. Assim como na Educação, cada coordenadoria apresentou os seus
critérios para análise documental.
As coordenadorias Norte, Sudeste e Leste prontamente responderam e
enviaram as anuências, via e-mail, com a autorização para realização de
pesquisa escaneada. Já a coordenadoria Sul solicitou que os documentos
(Projeto de Pesquisa e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos
profissionais da saúde e dos responsáveis pelo público-alvo da pesquisa)
fossem levados pessoalmente, bem como fosse feita uma entrevista com a
responsável pelas pesquisas acadêmicas da CRS Sul. O contato com a
coordenadoria Centro foi difícil, devido a alteração da localização da sede, sendo
viabilizado pela mediação de uma profissional que atua no gabinete da SMS e,
como devolutiva, obteve-se a informação de que nessa região não há
equipamentos de atendimento para saúde auditiva.
Ao final de 2018, o Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal
de Saúde (SMS) encaminhou orientações para que a tal Secretaria fosse
adicionada como Instituição Coparticipante da pesquisa.
Em posse dos pareceres foi retomado o contato com cada Coordenadoria
Regional de Saúde, solicitando o endereço eletrônico ou número de telefone dos
equipamentos que realizam atendimento de saúde auditiva com bebês e
crianças. Como dito anteriormente, optou-se por iniciar a coleta de dados a partir
dos órgãos de saúde, baseando-se na hipótese de que nos espaços em que as
crianças tinham terapias de fala encontraríamos, de fato, o maior número de
56
bebês e crianças surdas (de até cinco anos de idade), no município de São
Paulo.
Ficou definido, então, que as entrevistas seriam registradas através de
áudio – informação esta contida no Termo de Consentimento de Livre
Esclarecimento, assinado por todos os participantes da pesquisa. A primeira
entrevista realizada aconteceu em um Núcleo Integrado de Saúde Auditiva
(NISA) da região sul: NISA Joan Miró (nome fictício). No espaço foram realizadas
entrevistas com quatro fonoaudiólogas que atendem crianças, de zero a cinco
anos, com diagnóstico de surdez. Nesse NISA são atendidos sete bebês e
crianças na faixa etária estabelecida como foco da pesquisa. Sendo essas as
primeiras entrevistas realizadas, elas foram utilizadas como ‘entrevistas testes’,
o que possibilitou verificar se os objetivos propostos nas perguntas do roteiro de
entrevista foram alcançados e, dessa forma, realizar os ajustes que, porventura,
fossem necessários.
Com essa informação dada, podemos constatar que o tipo de entrevista
utilizado nesta pesquisa foi a semiestruturada.
Podemos entender por entrevista semiestruturada, em geral, aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa (TRIVIÑOS, 1987, p. 146).
Após a coleta dos dados no NISA Joan Miró, e verificando a dificuldade
de acesso a todos os espaços de atendimento de saúde auditiva pública no
município de São Paulo, optou-se pelo contato via e-mail com todos os
equipamentos para a obtenção do número de bebês e crianças surdas na faixa
etária de zero a cinco anos, atendidas em tais espaços. Dos 14 e-mails enviados,
dez foram respondidos, conforme quadro na próxima página:
57
Tabela 2. Número de bebês e crianças surdas atendidas na Rede Municipal de Saúde.
COORDENADORIA EQUIPAMENTO Nº BEBÊS E CRIANÇAS SURDAS
SUL CER III SALVADOR DALI
4
SUL NISA JOAN MIRÓ 7 SUL CER IV CARAVAGGIO S/R* SUL CER III CLAUDE
MONET 6
NORTE NISA FRIDA KAHLO S/R
NORTE CER III HENRI ROUSSEAU
S/R
SUDESTE CER IV LEONARDO DA VINCI
15
SUDESTE CER III MICHELANGELO
7
SUDESTE CER II CÉZANNE S/R
SUDESTE CER III AUGUSTE RENOIR
21
SUDESTE NISA VICENT VAN GOGH.
6
LESTE NISA PICASSO 3 LESTE CER II TARSILA DO
AMARAL 12
LESTE CER IV CÂNDIDO PORTINARI
10
TOTAL
91 Fonte: Elaboração própria. * S/R: sem resposta.
Consistiram também em entrevistas testes aquelas realizadas com uma
fonoaudióloga do NISA Picasso, e com três fonoaudiólogas do Centro
Especializado em Reabilitação (CER) IV Cândido Portinari. Sobre o Centro
Especializado de Reabilitação, a portaria nº 1.303, de 28 de junho de 2013,
estabelece os requisitos mínimos de ambientes para os componentes da
Atenção Especializada da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e dá outras providências em seu artigo
primeiro que define: “Art. 1º Os Centros de Reabilitação serão classificados
quanto ao tipo e quantidade de serviços especializados de reabilitação das
58
seguintes formas: CER Tipo – Especialidades de Serviços de Reabilitação; CER
II – Auditiva e Física; CER II – Auditiva e Intelectual; CER II – Auditiva e Visual;
CER II – Física e Intelectual; CER II – Física e Visual; CER II – Intelectual e
Visual; CER III – Auditiva, Física e Intelectual; CER III – Auditiva, Física e Visual;
CER III – Auditiva, Intelectual e Visual; CER III – Física, Intelectual e Visual; CER
IV – Auditiva, Física, Intelectual e Visual” (BRASIL, 2013).
As entrevistas realizadas nesses locais entraram para a testagem, dada
a aproximação de datas no agendamento delas nos dois locais de atendimento
terapêutico.
Realizamos a análise das transcrições dessas entrevistas e concluímos
que perguntas complementares eram necessárias para compreender a
articulação entre a profissional e a família, bem como entre a profissional e os
espaços educativos. Desse modo, as questões feitas, e que constatamos ser
importantes, foram incluídas no roteiro de entrevista (Apêndice B) do profissional
da saúde.
No total, foram entrevistados seis profissionais da fonoaudiologia
distribuídos igualmente em três Centros Especializados em Reabilitação da zona
leste de São Paulo: dois profissionais no CER II Tarsila do Amaral, dois
profissionais no CER III Michelangelo e dois profissionais no CER II Auguste
Renoir (nomes fictícios).
Com o intuito de simplificar os locais, as quantidades de entrevistas foram
divididas em ‘campo teste’ e ‘campo de coleta de dados’, a saber:
Tabela 3. Entrevistas utilizadas como campo de testagem.
LOCAL PARTICIPANTES
Fonoaudiólogos Familiares Professores
NISA Joan Miró 4 0 0
NISA Picasso 1 3 0
CER IV Cândido Portinari 3 3 0
CEI Erasmo de Roterdão 0 0 1
CEI Paulo Freire 0 0 1
TOTAL 8 6 2
Fonte: Elaboração própria.
59
Tabela 4. Entrevistas utilizadas como campo de coleta de dados.
LOCAL PARTICIPANTES
Fonoaudiólogos Familiares Professores
CER III Michelangelo 2 0 0
CER III Auguste Renoir 2 1 0
CER II Tarsila do Amaral 2 2 0
CEI Anísio Teixeira 0 0 1
EMEBS Johann Pestalozzi 0 0 3
CEU EMEI Demerval Saviani 0 0 1
TOTAL 6 3 5
Fonte: Elaboração própria.
Já as entrevistas testes com as professoras dos Centros de Educação
Infantil (CEIs), da região estipulada, aconteceram no CEI Erasmo de Roterdão e
CEI Paulo Freire (nomes fictícios) com uma professora em cada local. Após
análise das entrevistas testes percebeu-se a necessidade de algumas alterações
no roteiro de entrevistas (Apêndice C) a fim de contemplar pontos importantes
que não haviam sido apontados anteriormente
Posteriormente aos ajustes de roteiro de observação, ocorreu o contato
com uma unidade de Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos
(EMEBS) – EMEBS Johann Pestalozzi (nome fictício), também da zona leste de
São Paulo. A articulação inicial aconteceu com as coordenadoras pedagógicas
da Unidade Escolar, que foram as responsáveis pelo agendamento das datas
das entrevistas realizadas neste local.
No primeiro dia de coleta de dados houve, inicialmente, uma breve
conversa com as duas coordenadoras pedagógicas da Unidade Escolar para
explanar algumas dúvidas sobre a pesquisa. Após esse momento, aconteceu a
entrevista com uma das professoras que atende as crianças surdas de quatro e
cinco anos. O roteiro de entrevista para os professores da EMEBS teve que ser
alterado já durante a entrevista, uma vez que o primeiro roteiro não contemplava
questões referentes à rotina na EMEBS, tampouco como se dava a construção
de língua no ambiente educativo. Poucos dias depois ocorreram as duas
entrevistas que faltavam nesta escola: um professor que também acompanha
60
outra turma de crianças na faixa etária de quatro e cinco anos, e uma última
professora que acompanha uma turma de crianças de três anos.
O agrupamento de crianças de três anos é próprio dos Centros de
Educação Infantil no município de São Paulo. Entretanto, a Portaria nº 8.764/16
(SÃO PAULO, 2016d), que regulamenta o Decreto nº 57.379/16 (SÃO PAULO,
2016c), que: “Institui no Sistema Municipal de Ensino a Política Paulistana de
Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva”, em seu artigo nº 64
traz que:
Art. 64 – A formação dos agrupamentos/turmas/classes observará ao que segue: a) Nas EMEBSs: - na Educação Infantil (0-3 anos) – em média, 6 (seis) bebês e crianças por agrupamento; - na Educação Infantil (4 e 5 anos) – em média, 8 (oito) crianças por agrupamento; - no Ensino Fundamental regular e EJA – em média, 10 (dez) educandos e educandas, por classe. b) Na Classe Bilíngue I das Unidades Polo de Educação Bilíngue: - na Educação Infantil (4 e 5 anos) – em média, 8 (oito) crianças por agrupamento; - no Ensino Fundamental – em média, 10 (dez) educandos e educandas, por classe. c) Na Classe Bilíngue II das Unidades Polo de Educação Bilíngue: - no Ensino Fundamental (6º ano do Ciclo Interdisciplinar e 7º, 8º e 9º ano do Ciclo Autoral, prioritariamente) – de acordo com a necessidade de atendimento, não excedendo a média de 10 (dez) educandos e educandas por aula. d) Nas classes comuns, das Unidades Educacionais da SME, de acordo com o disposto em portaria específica da SME para a organização das escolas e, considerando a indicação de agrupar os educandos e educandas com surdez na mesma turma, tendo em vista a idade cronológica e o agrupamento, turma e etapa no processo de compatibilização da demanda, devido à diferença linguística, objetivando a circulação e o uso de LIBRAS.
A mesma Portaria, em seu Artigo nº 65, trata sobre a possibilidade de
mudança no número de crianças atendidas por agrupamento, conforme segue:
Art. 65 – Nas EMEBSs, o número de educandos e educandas por agrupamento/turma poderá ser revisto, nos casos que contarem educandos e educandas com deficiência múltipla, mediante análise prévia do Supervisor Escolar, em conjunto com o CEFAI/DRE, conforme inciso VIII do Art. 4º do Decreto nº 57.379/16. Parágrafo Único – A formação dos agrupamentos/turmas/classes poderá, em caráter excepcional, ser organizada com educandos e educandas dos diferentes agrupamentos e/ou anos/ciclo, devendo-se evitar grande defasagem entre idade/ano/ciclo, a fim de atender a demanda, mediante autorização do Supervisor Escolar.
61
Por essa razão, então, é que na EMEBS Johan Pestalozzi há um
agrupamento de crianças na faixa etária de três anos de idade, mesmo essa
sendo uma faixa etária própria de CEI.
Em Unidades Polo não há a possibilidade de ocorrer a abertura de turmas
com faixa etária de bebês e crianças de CEI, pois essas unidades atendem
surdos e ouvintes e não haveria uma turma dentro de tais unidades com faixa
etária entre zero e três anos, diferente das EMEBS que são escolas somente
para surdos, podendo-se abrir uma turma de bebês e crianças de CEI, desde
que se comprove a demanda.
No mesmo período, no Polo Bilíngue na região leste, aconteceu a
entrevista com a professora bilíngue da Escola Municipal de Educação Infantil
(EMEI) Demerval Saviani (nome fictício) e com a instrutora surda que trabalha
em conjunto com a professora. A entrevista com a professora bilíngue foi
registrada através de gravação de áudio, já a entrevista com a instrutora surda
foi registrada por meio de gravação em vídeo, com a interpretação da professora
bilíngue. Posteriormente, foi efetuada a entrevista com uma professora do CEI
Anísio Teixeira (nome fictício), que acompanha uma criança surda em sua turma
de atendimento regular.
Foram realizadas seis entrevistas testes com pais/responsáveis; todas
ocorreram nos equipamentos de atendimento fonoaudiológico, NISA Picasso e
CER IV Cândido Portinari. A articulação com os pais/responsáveis dos bebês e
crianças surdas, a fim de explanar sobre a pesquisa, se deu através dos
fonoaudiólogos que atendem as crianças.
Em seguida, realizou-se a coleta de dados junto a dois familiares
(Apêndice D) no CER II Tarsila do Amaral, e com outra família no CER II Auguste
Renoir.
Vale ressaltar que todos os requisitos solicitados quanto à ética na
pesquisa foram respeitados. As entrevistas realizadas nesta dissertação foram
marcadas por uma dimensão do social (FREITAS, 2002), e aconteceram de
forma dialógica entre a pesquisadora e os participantes.
Na próxima seção constará a descrição do processo de análise das
entrevistas e discussão dos dados coletados.
62
Seção 5. Resultados e Discussão
Nesta seção será realizada a análise dos dados obtidos mediante as
entrevistas dos participantes e interlocutores, anteriormente descritos. A análise
será relacionada à indicação de matrícula dos bebês e crianças surdas nos
Centros de Educação Infantil e Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI)
e, para isso, foram entrevistados fonoaudiólogos, familiares e professores:
Ao se analisar o material colhido no campo, procurando compreender o que emergiu numa situação de observação ou de entrevista, ou ainda numa análise de artefatos, é que se percebem os pontos de encontro, as similaridades como também as diferenças, a particularidade dos casos (FREITAS, 2002, p. 29).
Como menciona Freitas (2002), a análise de dados será efetuada
mediante o que é comum em todas as entrevistas, bem como ao que é específico
de cada uma.
Nesta seção também será apresentada o mapeamento de crianças
surdas na Rede Municipal de São Paulo. Desse modo, além de permitir uma
visualização dos espaços que poderiam ser campo de entrevistas, se revelará
como tem sido o atendimento de 978.677 estudantes matriculados em Unidades
Educativas do município de São Paulo (dado de 2018); quantos deles são bebês
e crianças surdas, que tem sido atendidos também pela Rede de Saúde Auditiva
pública. Tal mapeamento nos permitirá ainda compreender se ocorre o
atendimento e em qual proporção – nas duas redes.
5.1 Mapeamento de bebês e crianças surdas na Rede Municipal de São
Paulo
Iniciaremos a análise compilando os dados relacionados ao quantitativo
de crianças surdas matriculadas na Educação Infantil com a Secretaria Municipal
de Educação (SME), através das Diretorias Regionais de Educação (DREs), e
com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), por intermédio das Coordenadorias
Regionais de Saúde (CRS).
O Gráfico 1 apresenta o número de bebês e crianças surdas, com idade
entre zero e cinco anos, em cada uma das 13 DREs do município de São Paulo.
63
O gráfico foi separado pelas regiões do município, levando em consideração que
a região Leste conta com cinco DREs, a região Sul conta com quatro DREs, a
região Oeste conta com duas DREs e as demais regiões (Centro e Norte) contam
apenas com uma DRE cada.
Gráfico 1. Bebês e crianças surdas matriculadas na Rede Municipal de
Educação.
Fonte: Elaboração própria.
Os dados obtidos por meio do site da Secretaria Municipal de Educação
demonstram que no município há 978.677 estudantes matriculados na Educação
Infantil e Ensino Fundamental (I e II). Desse total, temos 558.425 bebês e
crianças matriculadas na Educação Infantil, com idade entre zero e cinco anos,
sendo que desses 333.876 encontram-se matriculados nas creches
(nomenclatura utilizada pela fonte) e 224.549 matriculados na pré-escola
(nomenclatura utilizada pela fonte10).
No total são 176 crianças surdas matriculadas em escolas de Educação
Infantil e CEIs da SME-SP; observou-se um percentual maior desse público nas
10 FONTE: SME/Coordenadoria de Informações Educacionais. Disponível em
http://dados.prefeitura.sp.gov.br/dataset/demanda-e-matriculas. Acesso em 12/04/2020.
42%
20%
6%
7%
25%
LESTE
OESTE
CENTRO
NORTE
SUL
64
regiões Leste e Sul, o que tem relação com o número de alunos em geral, uma
vez que o número de escolas nessas regiões é maior.
Dados obtidos no site11 da Prefeitura de São Paulo mostram que no
município temos 3.485 Unidades Escolares, dentre as Unidades de Educação
Infantil e Ensino Fundamental, tanto da rede direta quanto da rede parceira. A
região Leste conta com um total de 1.415 Unidades Escolares, o que
corresponde a aproximadamente 40% do total do município e a região Sul possui
831 Unidades Escolares, condizendo com aproximadamente 24% das unidades
do município.
Estes dados nos confirmam que, mediante um número maior de escolas
nessas regiões, logo teremos um número elevado de estudantes, quando
comparado às outras regiões. Na região Leste há um quantitativo de 74 bebês e
crianças surdas matriculadas, na Oeste temos 35 bebês e crianças surdas,
enquanto na região Sul temos 43, na Norte há 13 e na Centro temos 11 bebês e
crianças surdas matriculadas.
A Tabela 5 expõe a distribuição absoluta de bebês e crianças surdas
matriculadas em cada uma das regiões e na faixa-etária entre zero e cinco anos,
dentre aquelas Diretorias Regionais de Educação que responderam a pesquisa.
Tabela 5. Frequência absoluta de bebês e crianças surdas matriculados na Educação
Infantil da Rede Municipal de Ensino, divididas por região.
REGIÃO Frequência
LESTE 74
SUL 43
NORTE 13
CENTRO 11
OESTE 35
TOTAL 176
Fonte: Elaboração Própria.
11 Disponível em: http://dados.prefeitura.sp.gov.br/dataset/cadastro-de-escolas-municipais-
conveniadas-e-privadas. Acesso em: 18/08/2019.
65
A partir do quantitativo de 1.277 alunos surdos, matriculados em
instituições de educação da SME-SP (Rede Municipal de Ensino é referência na
Educação para Surdos, 2019), o mapeamento de 176 bebês e crianças surdas
revela que 13,7% dos alunos surdos matriculados em instituições da SME-SP
estão na Educação Infantil.
O Gráfico 2 revela a porcentagem de bebês e crianças surdas atendidas
no serviço de saúde auditiva na Rede Municipal de Saúde. O gráfico foi dividido
nas mesmas regiões que a educação, com exceção da região Centro por não
contar com serviço de saúde auditiva. O NISA e CER, que fazem parte da
Coordenadoria Regional de Saúde Norte, não responderam a pesquisa e, por
essa razão, não foram contempladas na distribuição do gráfico seguinte.
Gráfico 2. Bebês e crianças surdas atendidas na rede municipal de
saúde.
Fonte: Elaboração própria.
No total, são 91 crianças atendidas no campo da fonoaudiologia na Rede
Municipal de Saúde, sendo que observamos um percentual maior desse público
na região sudeste.
A hipótese desse percentual maior na região sudeste indica de que essa
é a Coordenadoria que possui o número mais elevado de equipamentos de
saúde auditiva, cinco equipamentos (já descritos na seção anterior), seguido da
região sul, que contém quatro equipamentos. Os equipamentos de saúde
auditiva dessa região encontram-se distribuídos pela região Leste e Centro
66
(conforme distribuição geográfica do município de São Paulo), sendo Leste a
região com maior número de bebês e crianças surdas matriculadas. Vale retomar
que temos tanto a Coordenadoria Leste quanto a Coordenadoria Sudeste, sendo
que esta última, pensando em uma distribuição geográfica, engloba
equipamentos de saúde auditiva da região leste e centro.
Dados do IBGE, atualizados em 2017, revelam que no Brasil temos
2.143.173 pessoas que declararam a deficiência auditiva e, dentre essas,
810.080 são do município de São Paulo.
Tomando como base esse quantitativo, notamos que os 91 bebês e
crianças surdas atendidas em fonoaudiologia representam 0,01% do total de
pessoas com deficiência auditiva desse município. Fazendo um comparativo
entre os bebês e crianças surdas matriculadas na Educação Infantil e esse
público atendido por fonoaudiólogos, temos uma diferença de 85 bebês e
crianças. Desse modo, podemos reconhecer que há um número ligeiramente
maior de bebês e crianças na área da educação do que na saúde.
Tal diferença pode acontecer devido a falta de dados da Coordenadoria
Sul de Saúde, o que poderia igualar a quantidade de bebês e crianças surdas
ou, até mesmo, minimizar tal diferença. Outra hipótese que pode ser levantada
diz respeito ao número reduzido de fonoaudiólogos que realizam o atendimento
terapêutico da oralidade. O discurso referente à diminuição do quadro de
profissionais de fonoaudiologia foi recorrente em todos os equipamentos público-
alvo da pesquisa. Segundo os profissionais, a redução do número de
profissionais foi uma norma da própria prefeitura.
Ao observar os números de bebês e crianças surdas atendidas, tanto na
área da saúde quanto na educação, definiu-se a região Leste como campo de
coleta de dados para a pesquisa, conforme já explicitado na seção anterior.
Na área da saúde, vale lembrar que a região Sudeste contém alguns
equipamentos localizados na zona Leste de São Paulo, são eles: CER III
Michelangelo e CER II Auguste Renoir, sendo incluídos na amostra de dados
dessa área.
Na região Leste foram entrevistadas 15 pessoas: seis fonoaudiólogos que
atuam em três equipamentos; seis professores que atuam em uma EMEBS, um
em um Polo Bilíngue e um em um CEI; além de três pais ou responsáveis pelas
67
crianças. Os professores entrevistados pertencem a diferentes espaços
educativos, justamente para tentar trazer as particularidades de atendimento de
organizações próprias nos três locais.
O número de bebês e crianças surdas de até cinco anos de idade,
mapeados na área da educação e na área da saúde do município de São Paulo,
confirma a questão inicial mobilizadora desta pesquisa que diz respeito ao
número restrito de bebês e crianças surdas matriculados nos Centros de
Educação Infantil no município de São Paulo e nos mobiliza a identificar variáveis
relacionadas. Embora o número de bebês e crianças surdas seja ligeiramente
superior na educação que na saúde, o total dessas matrículas ainda mostra ser
um percentual pequeno diante da totalidade de matrículas no município.
Antes de iniciar as análises de cada entrevista, é importante esclarecer
qual foi a questão disparadora para que fonoaudiólogos, pais/responsáveis e
professores fossem definidos como entrevistados. Tratou-se de compreender
quais orientações os pais/responsáveis recebem de fonoaudiólogos e de
profissionais dos espaços educativos e, também, o que cada um percebe acerca
da inserção da Libras no cotidiano das crianças surdas. Da mesma forma, um
dos objetivos foi compreender as particularidades do trabalho dos professores.
Para apreender mais acerca desses dados, vamos analisar as entrevistas
dos interlocutores deste estudo.
É importante ressaltar que as entrevistas ocorreram com o público de
crianças entre quatro e cinco anos de idade, o que nos leva a usar o termo
“criança” em vez de permanecer com o uso da expressão “bebês e crianças”
como utilizado até o momento.
5.2 A criança e seus interlocutores familiares
Iniciaremos com a apresentação das entrevistas realizadas com os
responsáveis dos bebês e crianças, público-alvo da pesquisa. Seguem as
categorias definidas, a partir da leitura das transcrições das entrevistas:
1. Idade da criança no momento do diagnóstico;
2. Terapias realizadas pela criança;
68
3. Matrícula na Educação Infantil e se recebeu orientações anteriores;
4. Acolhimento na Educação Infantil e avanços após o início de
atividades neste espaço educativo.
A análise começa com esse grupo de interlocutores, por se articularem
diretamente aos outros dois grupos – de professores e fonoaudiólogos.
Entrevista 1: Iracema
A primeira entrevista foi realizada com a senhora Iracema12, avó de
Daniel, um menino surdo de cinco anos de idade. Dona Iracema tem a guarda
de Daniel desde os três meses de vida do menino.
Ela conta que a mãe de Daniel não fez o pré-natal por acreditar ser
“bobagem”. Dona Iracema menciona que os pais de Daniel eram usuários de
drogas e não tinham qualquer cuidado com a criança. Segundo a avó, logo que
Daniel nasceu já foi constatada a perda auditiva, o que foi confirmado nos
exames de Bera13, realizados posteriormente.
D. Iracema informou/contextualizou que Daniel tem um irmão mais novo,
o Vagner, que também tem uma perda auditiva, no entanto, essa perda é
unilateral. Os dois meninos estão sob sua tutela, e é ela quem leva e acompanha
as crianças nas terapias e nos ambientes educativos.
Daniel foi submetido à cirurgia de implante coclear com pouco menos de
dois anos de idade. Segundo D. Iracema, o neto oraliza algumas palavras.
O menino frequentou o CEI por indicação de uma vizinha de Dona
Iracema e, atualmente, está matriculado na EMEBS Johann Pestalozzi por
indicação das profissionais do CEI.
Dona Iracema relata que,
Alguém lá da creche (indicou a matrícula na EMEBS). Foram lá quando ele já estava para sair, era até final de ano já. Foram lá para me ensinar e explicou (sic) dessa EMEBS. Eu nem conhecia essa psicóloga (que foi no CEI). Aí ela me explicou que era muito bom. Seria muito bom para ele. Apesar que tinha uma tia que falou que ele pode acompanhar a escola normal. Ele tem estrutura para acompanhar. Ele é muito
12 Todos os nomes aqui apontados são fictícios em respeito ao sigilo dos participantes. 13 O exame dos potenciais evocados auditivos de tronco cerebral (BERA) “(...) permite a obtenção da atividade eletrofisiológica do sistema auditivo ao nível do tronco encefálico, mapeando as sinapses das vias auditivas desde o nervo coclear, núcleos cocleares, complexo olivar superior (ponte) até o colículo inferior (mesencéfalo)” (SOUZA et al., 2007, p. 425).
69
inteligente. Ele é muito esperto. A gente vê as crianças fazerem o desenho, ele fica assim olhando, quando chega a vez dele: ‘pápápá’. Ele fica, só de ele olhar, ele já faz (relato da Dona Iracema).
O que podemos compreender do relato da avó de Daniel é que uma
profissional foi até o CEI e indicou que a família realizasse a matrícula da criança
na EMEBS. Há a hipótese de que essa pessoa seja uma profissional do Centro
de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI)14, que atuava no CEI em
que Daniel estava matriculado, visto que uma das funções dos Professores de
Apoio e Acompanhamento à Inclusão (PAAI)15 é, justamente, dar orientação às
famílias e aos professores das Unidades Escolares quanto a forma ideal de
atendimento às crianças com deficiência.
Dona Iracema acredita que a Libras é a forma de comunicação ideal para
o neto. Ela mencionou que Daniel lhe ensina alguns sinais e que logo ela
começará a participar de aulas de Libras, que são oferecidas na EMEBS para os
familiares dos estudantes atendidos na referida Unidade Educacional.
Quanto à comunicação realizada em casa, D. Iracema discursa que,
É, ele fala. [...] Eu falo para ele: ‘não pode’. Eu vejo muito na internet
também os sinais. Eu faço os sinais, ele pega na minha mão. Que nem
ontem, ele pegou meu dedo e colocou aqui, antes de ontem (se
referindo ao modo como o menino a ensinou a fazer o sinal). Me
ensinando. Para brincar assim, faço uma coisa errada, ele me corrige.
Ele não está tão perdido. Não vou deixar meu neto perdido em casa
(relato da Dona Iracema).
Tendo em vista as dificuldades de comunicação relatadas por Iracema,
destacamos possíveis impactos no desenvolvimento de Daniel, especificamente
da socioconstrução da linguagem, ao se notar que não circulam, no ambiente
14 Oferecido pela Secretaria Municipal de Educação, e vinculado à Diretoria Regional de Educação, o Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão – CEFAI é responsável por desenvolver ações de formação e projetos, produzir materiais, orientar e supervisionar as Salas de Recursos Multifuncionais – SRM, além de dispor de acervo bibliográfico e de disponibilizar equipamentos específicos para alunos com deficiência. São 13 unidades do CEFAI vinculadas às Diretorias Regionais de Educação. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/noticias/?p=12432. Acesso em 27/05/2020. 15 O Professor de Apoio e Acompanhamento à Inclusão – PAAI é um professor habilitado ou especializado em Educação Especial ou em uma das áreas da deficiência (mental, física, auditiva, visual), vinculado ao CEFAI. Ele realiza o serviço de itinerância junto à comunidade educativa apoiando e acompanhando as ações pedagógicas mediante ação conjunta com os educadores da classe comum e com a equipe técnica da unidade educacional. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/noticias/?p=12433. Acesso em 27/05/2020.
70
familiar, elementos linguísticos acessíveis e suficientes para a internalização dos
saberes acumulados por nossa sociedade.
Embora Dona Iracema denote seu interesse em aprender a língua de
sinais, esta ainda não circula em sua residência com fluência. Para Vigotski
(2018) a linguagem é estabelecida mediante a necessidade de uma
comunicação entre os interlocutores, o que pudemos observar no relato da avó
que, de modo parcial, vem acontecendo.
A comunicação entre D. Iracema e neto, ainda que parcial – com
significação ainda sustentada na forma do uso de sinais soltos –, permitem uma
expressão por parte da avó e compreensão por parte do neto. Vigotski (2007)
expõe que signos são determinados como um modo de expressar objetos, no
uso de uma língua, o que lhe permitirá a significação da realidade.. A
comunicação não acontece apenas na transmissão de signos; é necessário que
cada signo tenha um significado, um sentido. Por exemplo: a palavra maçã é um
signo de uma fruta, mas para cada pessoa essa palavra tem um sentido, em que
algumas gostam, outras não gostam, e há ainda outras que lembram de algo
quando veem essa fruta. A essa significação Vigotski chama de processo de
internalização.
Vigotski (2018) revela, inclusive, que o pensamento não acontece apenas
na palavra, mas é nela que ele acontece, isto é, se inicia na parte para chegar
ao todo, onde esse todo é representado pela língua. O estudioso menciona ainda
que é através da linguagem que construímos significados das relações entre os
sujeitos, quer dizer, é por intermédio da linguagem que as crianças estabelecem
conhecimentos e relações com elas mesmas e com os sujeitos que as cercam.
Entrevista 2: Berenice
Berenice é a jovem mãe de Carlos, de quatro anos. Carlos teve
complicações pós-parto e precisou ficar internado por um período superior a 30
dias.
Ao sair do hospital, Carlos foi submetido ao teste da orelhinha que
constatou o déficit auditivo. Com cerca de 90 dias de vida a criança realizou o
exame Bera, que também apontou a perda auditiva. Mãe e filho foram
71
encaminhados à DERDIC16 onde, aproximadamente, aos dez meses de vida
Carlos foi diagnosticado com perda auditiva severa/profunda no lado direito, e
perda moderada no lado esquerdo.
Com um ano de idade, Carlos já começou a fazer uso do aparelho auditivo
e iniciou terapia com fonoaudióloga. Passado um tempo de terapia, indicou-se a
cirurgia para o implante coclear.
Berenice levou um susto com a indicação e, por conta de alguns
comentários de outras pessoas, que diziam que após o implante Carlos não
poderia mais ir à piscina e teria que ter cuidado para não bater a cabeça, a mãe
recuou e decidiu não submeter o filho à cirurgia.
Após início da terapia fonoaudiológica no CER II Tarsila do Amaral e o
retorno à DERDIC, Berenice cedeu e Carlos realizou a cirurgia do implante
coclear que, segundo a mãe, foi a melhor decisão. Nesse ponto, Berenice não
deixa claro o motivo de essa ter sido a sua melhor decisão, mas deixa pistas, já
que, segundo ela, após o implante Carlos desenvolveu a língua oral.
Aqui podemos discutir acerca do posicionamento familiar na decisão da
cirurgia do implante coclear. O que leva às famílias a submeterem seus filhos a
tal cirurgia? Quais as expectativas das famílias em relação à realização do
implante?
Silva (2013) reflete sobre o posicionamento das famílias de crianças
surdas no que se refere ao desenvolvimento linguístico de seus filhos:
Existem muitas famílias que desejam tornar seus filhos surdos mais parecidos com os ouvintes e, também, falantes da língua que eles (os pais) dominam. A resistência ao uso da língua de sinais pelas famílias é favorecida pelo fato de a maioria dos pais de crianças surdas serem ouvintes. Essa situação faz com que alguns deles dificultem ou impeçam o aprendizado da Libras por seus filhos (SILVA, 2013, p. 77).
16 A Derdic (Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação) é uma unidade mantida pela Fundação São Paulo e vinculada academicamente à PUC-SP, que atua na educação de surdos e no atendimento clínico para pessoas com alterações de audição, voz e linguagem. Sem fins lucrativos, o trabalho institucional prioriza famílias economicamente desfavorecidas e beneficia pessoas de todas as faixas etárias. Disponível em: https://www.puc.br/derdic. Acesso em 28/08/2019.
72
Um assunto importante a ser discutido é o padrão de normalidade
estabelecido pela sociedade. Witkoski (2017) expõe acerca do binarismo do ser
humano, em que normal é ser ouvinte, portanto, o surdo é anormal:
[...] os pais, pela falta de informações, por negação e temerosos pelo futuro de seus filhos, acabam optando por privá-los do direito à Língua de Sinais e a uma educação bilíngue. Decidem pela normalização, apontada pela maioria médica como único caminho para mudar o fadado destino de uma criança surda, ao indicar apenas a oralização (treinamento da fala e da leitura labial) e o uso de tecnologias, como as próteses auditivas e, mais recentemente, o implante coclear (WITKOSKI, 2017, p. 885).
O que a autora traz como discussão é, justamente, um dos focos deste
estudo: compreender qual é a indicação de construção de língua indicada pelos
profissionais da saúde, mais especificamente os fonoaudiólogos, pois mesmo
que estes profissionais indiquem a Libras como uma língua de interlocução
possível para a criança, os conflitos diante das escolhas relacionadas às línguas
a serem apresentadas também podem persistir.
Do mesmo modo, é importante discutir, como questionado anteriormente,
em relação ao aproveitamento auditivo da criança após a cirurgia de implante
coclear. Moret, Bevilacqua e Costa (2007) fizeram um estudo com 60 crianças
surdas (que nasceram surdas ou perderam a audição na fase pré-linguística) e
que foram submetidas à cirurgia de implante coclear. A pesquisa revelou que
das 60 crianças estudadas, 37 delas alcançaram progresso na língua oral,
enquanto as demais, 23 crianças, não tiveram o mesmo ganho. Com base
nesses dados, podemos afirmar que não são todas as crianças implantadas que
terão um aproveitamento próximo a 100%, no que se refere aos avanços na
língua oral. Uma das fonoaudiólogas entrevistadas no presente estudo relata que
“não significa que uma criança que colocou aparelho auditivo (...) vai desenvolver
a linguagem oral, isso não é garantia. A gente faz o máximo possível, mas são
vários fatores que estão envolvidos” (relato da fonoaudióloga17).
17 Fonoaudióloga essa apenas entrevistava no estudo de Moret, Bevilacqua e Costa (2007) e
não neste presente estudo
73
Santana (2007) afirma que as mães optam por submeter seus filhos à
cirurgia de implante coclear, a fim de que seus filhos conquistem a fala, pois a
Libras é uma língua estranha a elas.
O implante coclear oferece à mãe ouvinte a realização de um ‘sonho’: a possibilidade de audição e, consequentemente, de fala. Aparentemente, resolve-se o grande problema dos pais: ter de aprender a língua de sinais e fazer dessa língua ‘estranha’ o meio de comunicação entre eles e o filho. A mãe ‘quer usar o implante’, não quer a língua de sinais. Nesse momento ela tem a ‘ilusão’ de que pode decidir a condição linguística da criança, como se a língua fosse algo individual e passível de “escolha”: usar sinais ou falar. [...] (SANTANA, 2007, p. 30-31).
Diante das pistas dadas por Berenice, podemos entender que esse foi o
motivo pelo qual ela optou por aceitar o implante coclear em Carlos. Disse ela:
“(...) eu fiquei assim um pouco receosa também da escola, do Polo, dele
acomodar mesmo” (Relato de Berenice).
Nesse relato de Berenice pode-se compreender o receio dela em
apresentar a Libras para Carlos e, consequentemente, ele deixar de avançar nas
terapias fonoaudiológicas.
Carlos frequentou o CEI e atualmente está matriculado em uma EMEI
regular da prefeitura de São Paulo. Berenice relata que não há qualquer
adaptação necessária a ser feita para seu filho, já que ele participa de todas as
atividades propostas pela Unidade Educativa.
Quanto às orientações que a ela passou às professoras que atendem
Carlos, Berenice declara que,
Ele faz uma leitura labial fantástica assim, você olha assim, você pode estar lá do outro lado, se você falar, ele entende o que você está falando. Ele faz muita leitura labial e eu conversei com ela: ‘quando você for conversar com ele, explicar as coisas para ele, procura estar na altura da dele, da visão dele que é mais fácil, não que você fica (sic) vinte e quatro horas ali atrás dele, o tempo todo atrás dele. Mas quando você puder que é falar frente a frente com ele, ele entende melhor. Ele te compreende’. Às vezes, ele está de costas, ele te chama e te compreende, mas não é cem por cento quando ele está frente a frente (relato da Berenice).
Em ambiente familiar a mãe de Carlos menciona que a língua oral é a que
também prevalece:
Aí tipo, a gente conversa muito com ele. Aí quando chega na escola: ‘ Oi Carlos’, não, ele mesmo fala: ‘Oi, tudo bem?’. Aí a gente fala: ‘tudo’. ‘Eu fui para escola’. Aí no dia que ele vai no parquinho, ele fala: ‘fui no
74
parque’. Aí fala: ‘comi arroz, feijão, carne, tomei suco’. Ele conta tudo: ‘fui na perua’. ‘Aí... amanhã, amanhã você vai para escola?’. ‘Não, amanhã é sábado!’. Ele conta tudo. Ele conversa com a gente assim, como se não tivesse nada (relato da Berenice).
Após entrevistar Berenice, a pesquisadora e a mãe encontraram Carlos
no corredor, saindo de sua terapia. Ao observar Carlos e tentar um diálogo com
o menino, a pesquisadora observou que Carlos não demonstra a desenvoltura
em relação à fala como a mãe aponta durante o momento da entrevista. A
hipótese seja que Berenice, por conviver diariamente com o filho, tenha uma
habilidade maior para compreender o que foi dito pelo filho ou fazer
pressuposições a respeito do que é dito por ele, pois nem todos são capazes de
entender aquilo que Carlos comunica. O menino fala em tom baixo, o que não
sabemos se é reflexo da timidez, uma vez que a pesquisadora era uma pessoa
desconhecida, ou se é esse realmente o modo como ele fala.
Vale enfatizar o que os estudiosos abordam sobre a leitura labial. Witkoski
(2009) indica que para a criança surda compreender uma conversa, ela:
[...] busca nos movimentos dos lábios e expressões as palavras-chave que, apesar de serem vagas, num ambiente em que está familiarizada permitem que ela ‘leia’ as intenções das pessoas que a cercam; no entanto, ao mudar o ambiente os códigos também se alteram e o processo fica extremamente prejudicado (WITKOSKI, 2009, p. 571).
Com base no que a autora traz para discussão, é possível que Carlos não
possua a total compreensão do que lhe é dito, mas sim daquilo que ele
compreende que está acontecendo ao seu redor, por meio da voz de seus
interlocutores mais próximos.
Atualmente, a criança faz somente terapia com fonoaudióloga, uma vez
por semana.
Berenice conta que a vaga no CEI saiu concomitante com o diagnóstico
da surdez e ela chegou a pensar em desistir da vaga por receio do uso do
aparelho de amplificação sonora individual no CEI. A assistente social da
DERDIC conversou com ela e a convenceu de efetivar a matrícula, e assim fez
Berenice. Ela também esclarece que o filho foi bem acolhido no CEI, e que não
houve qualquer receio das profissionais em atendê-lo na Unidade Educativa.
A mãe de Carlos acredita que a língua oral seja a mais adequada para
seu filho, uma vez que, segundo ela, ele tem avançado. Berenice diz que com
75
as pessoas que o menino tem mais proximidade, ele oraliza, mas com as
pessoas estranhas ele procura tocar, apontar para se comunicar.
Berenice expõe que houve a indicação, tanto do CEI quando da EMEI que
ele frequenta atualmente, da matrícula do filho no Polo Bilíngue. No entanto, com
receio de o filho ver as outras crianças gesticulando e, com isso, regredir na fala,
a genitora optou por não matriculá-lo no Polo.
A mãe também menciona que, quando Carlos estava na idade de
frequentar o CEI, ela chegou a pensar em matriculá-lo no Polo Bilíngue, porém
teve a informação de que, além de não ter direito ao transporte escolar (o Polo
fica distante da residência da família), não havia professora bilíngue no CEI, o
que não configurava uma necessidade de matrícula do filho nesse local. Ficou
claro, então, no relato de Berenice que o principal motivo por não ter realizado a
matrícula do filho no Polo Bilíngue foi a falta de transporte escolar.
O CEI que Carlos frequentou era mais próximo de sua residência e ao
completar quatro anos de idade, os profissionais do CEI fizeram a indicação da
matrícula na EMEI do Polo Bilíngue, mas Berenice confessou que,
Não cheguei a ir no Polo. Eu achei, eu achei assim no meu, no meu pensar eu falei: ‘chega lá no Polo, ele vai ver as crianças gesticulando e ele vai parar ele (sic) e vai gesticular que nem as crianças’ (relato da Berenice).
Nesse momento, Berenice exterioriza o receio de Carlos não demonstrar
mais ganhos na oralidade.
Quando questionada se ela já havia pensado o quão benéfico seria para
o filho frequentar a EMEI no Polo Bilíngue, cogitando que lá ele encontraria
outras crianças implantadas e com outra maneira de se comunicar, Berenice
relata que,
Aí vai ser aí eu já tenho, tipo assim... eu já estou, é... como que eu posso explicar? Eu já estou endossando o povo para falar que ele vai para o Polo. O pessoal lá de casa acha... eu falo, que eu converso, eles acha (sic) que não. Que o Carlos conversar e explicar, ele já fala coisas, fala o que aconteceu. Esses dias minha mãe passou mal e eu estava trabalhando, aí minha irmã me ligou. Aí eu vim correndo para casa e minha irmã ligou. Aí eu cheguei, aí ele falou assim: ‘Ô, Berenice, aonde (sic) você estava?’. Aí eu falei: ‘Eu estava trabalhando’. ‘A minha avó passou mal lá no sofá e falou assim: ‘Ô, Berenice, Ô, Berenice! e você não estava aqui para cuidar da minha vó’. Eu falei: ‘Carlos, eu estava trabalhando’. ‘Aí vó, minha mãe chegou’. Eu falei: ‘Ah, agora você falou que eu cheguei’. Ele sabe... por ele ser assim, o pessoal não quer... eu falo que eles não querem enfrentar a realidade. Que eles não
76
querem, mas eu o que tem que fazer, eu vou fazer. Aí eu já falei que a partir da escola normal, ele vai para o Polo (relato da Berenice).
Fazendo a junção com outro relato anterior, quando Berenice menciona
ficar receosa de Carlos se acomodar ao começar a se comunicar em Libras,
deixando de ter avanços na língua oral, podemos aqui entender que a mãe
demonstra ressalvas quanto à língua de sinais. Esse receio dela pode ser
acentuado pela orientação de profissionais da saúde auditiva, que entendam que
aprender Libras represente um obstáculo para o aprendizado do português.
Quando questionada se, hipoteticamente, Carlos não avançasse mais na
oralidade, o que ela poderia pensar como estratégia de comunicação para
Carlos, Berenice responde: “Ixe (risos)! Aí no caso seria Libras, né?”. Nesse
relato a mãe dá pistas mais concretas quanto a sua restrição à língua de sinais.
Considerando os prejuízos no desenvolvimento da criança surda, se ela
não encontrar meios suficientes para a socioconstrução da linguagem, e por
meio da língua oral, Lacerda (2013) salienta que quando a criança surda se
encontra apenas em ambiente com interlocutores ouvintes e que não interagem
por meio da Libras, ocorre uma grande perda quanto à construção da sua
identidade e de seu próprio conhecimento. Assim, Carlos poderia ter ganhos
relacionados a construção de sua identidade ao estar convivendo com outras
crianças surdas no espaço educativo do Polo Bilíngue, mesmo dando
continuidade à reabilitação oral.
Entrevista 3: Fabiano
Joaquim, três anos, filho de Fabiano, teve complicações na hora do parto
e necessitou ficar pouco mais de 20 dias internado. Quando feito o teste da
orelhinha, acusou a perda auditiva, confirmada após a realização de alguns
outros exames, inclusive o Bera. Quando diagnosticada a perda severa bilateral,
Joaquim estava com três para quatro meses de vida.
Joaquim está matriculado numa Instituição conveniada à Prefeitura de
São Paulo, em que são atendidas apenas crianças surdas. Anterior a essa
instituição, Joaquim não frequentou o CEI. Ele iniciou o atendimento nessa
instituição com um ano de idade.
77
Fabiano já conhecia essa unidade educativa, por conta do trabalho que
realizava anteriormente, pois prestava serviço à Eletropaulo e atendia a
comunidade em que a Instituição está situada, e sabia, por intermédio dos
moradores da região, que aquela unidade educativa atendia crianças surdas,
mas não tinha o conhecimento de que lá atendia o maternal. Ele obteve essa
informação através de uma pessoa conhecida, que também tem uma filha surda.
Fabiano foi conhecer a escola e no mês seguinte Joaquim já começou a ser
atendido no local.
O pai de Joaquim esclarece que o fonoaudiólogo Cássio, que atende seu
filho, fez a indicação de matrícula em um CEI regular, mas deixou a critério da
família em qual unidade educativa matricular o filho: “O Cassio, ele pegou e
indicou, falou: ‘pelo desenvolvimento da criança, se você colocar ele junto com
as outras crianças vai ter um desenvolvimento bom também’” (Relato de
Fabiano). Por trás dessa resposta, podemos entender que o fonoaudiólogo,
apesar de dar a opção aos pais em definir qual unidade educativa matricular seu
filho, não deixa clara qual é a sua visão de comunicação, uma vez que esse
mesmo terapeuta, em sua entrevista, mencionou fazer uso da Libras como apoio
em suas terapias de fala. Há a hipótese que o profissional defenda a língua oral,
por esse ser o foco do seu trabalho terapêutico.
Fabiano disse ter optado por manter o filho na instituição, porque ele tem
contato com outras crianças no local onde moram, já que ali a criança faz uso da
língua oral; e enquanto está na instituição, faz uso da Libras. Fabiano revela que
o filho já tem um rico repertório de sinais em Libras e ele próprio está fazendo
curso de Libras a fim de se comunicar com o filho e demais surdos.
Fabiano menciona que o filho responde aos comandos dados oralmente
a ele e que compreende o que é dito quando está (ou não) com o aparelho
auditivo. O pai revela que Joaquim está avançando nas duas línguas, no
português oralizado e na Libras.
Podemos observar claramente que Fabiano não tem qualquer ressalva
quanto ao uso de Libras pelo seu filho, ao contrário, ele aposta na aprendizagem
das duas línguas. No entanto, cabe discutir, ainda, que tenhamos
questionamentos quanto ao que a criança com surdez severa/profunda
consegue aproveitar da oralidade, sobre a intensa possibilidade de a criança não
78
estar buscando apoio na linguagem oral para o seu desenvolvimento, no seu
processo de internalização de significados (Vigotski) e, até mesmo, a sua
limitação de acesso a signos orais – uma vez que a sua perda é severa e bilateral
– e possível atribuição de significados aos saberes partilhados socialmente pela
via dos signos visuoespaciais.
Nesse ponto retomamos o que descrevemos sobre a internalização de
significados na análise da Dona Iracema, ou seja, a importância desses signos,
que Joaquim está construindo através da Libras, para o processo de
internalização de significados histórico-culturais.
O pai de Joaquim finaliza a entrevista mencionando que manterá o filho
nessa instituição até o 5º ano e, após isso, deixará o filho escolher se ele irá
querer uma escola regular ou se manter em uma escola para surdos.
5.2.1 Relatos dos familiares nas entrelinhas
Após uma breve descrição e contextualização dos relatos dos familiares
e o acréscimo de informações sobre suas crianças, podemos refletir acerca de
alguns pontos importantes.
Porém, antes das reflexões, salientamos a dificuldade que as famílias
enfrentam ao receber o diagnóstico de surdez. O filho idealizado deixa de existir
e surge uma criança com a qual os pais e familiares terão que aprender a se
relacionar. Lebedeff (2001) aborda a respeito dos impactos do diagnóstico da
surdez nas famílias ouvintes de crianças surdas e aponta o estresse sofrido por
essas famílias, quando nesse mesmo período precisam tomar decisões tão
complexas, tais como a perspectiva de comunicação a ser adotada.
O primeiro ponto a ser analisado das entrevistas trata sobre a concepção
que esses familiares demonstram ter sobre a surdez. As famílias das crianças
Daniel e Joaquim apresentam uma concepção de surdez que prioriza a
organização de espaços, em que a Libras circule de modo a favorecer a
socioconstrução da linguagem da criança surda. Apesar dessa clareza, D.
Iracema desenvolve um modo de fala que se diferencia do pai de Joaquim, uma
vez que ela se comunica parcialmente com o neto, por meio da língua de sinais.
79
Retomando os estudos abordados na Seção 3, podemos afirmar que os
contextos dessas famílias dão margem para que essas crianças, na necessidade
de se comunicar, se utilizem de sinais caseiros mediante a ausência do domínio
de um código linguístico padronizado, o que as levam a interagir parcialmente
com familiares, tal como aconteceu dentre os familiares estudados em Goldfeld
(2002).
Apesar da falta de clareza na fala de D. Iracema acerca da não elaboração
de sinais caseiros, enquanto a pesquisadora realizava a entrevista com ela,
Daniel adentrou a sala e se sentou numa mesa infantil distante de sua avó.
Nesse momento. D. Iracema o chamou e fez um sinal errado para ele e o menino
a corrigiu, o que faz com que possamos compreender que na comunicação com
Daniel é comum o uso de gestos caseiros pela avó e que são corrigidos pela
criança, quando esta conhece os sinais correspondentes na Libras.
É preciso considerar que é a partir da socioconstrução da língua
visuoespacial dessas crianças, com idades entre três e cinco anos, que se pode
avançar no que Vigotski traz como evolução da consciência e da significação da
criança surda. Vale ressaltar a importância de a criança poder acessar um código
linguístico desde o seu nascimento, ainda que exista uma fase pré-linguística do
pensamento.
Guarinello et al. (2013) tratam sobre a dificuldade em estabelecer uma
comunicação entre os familiares ouvintes e seus filhos surdos:
Sabe-se que a língua oral é de modalidade oral auditiva diferente da língua de sinais, língua natural do surdo, de modalidade viso-espacial. Porém, é comum que as famílias ouvintes usem somente a língua oral para interagir com seus filhos, enquanto a criança surda sente-se mais a vontade com os recursos visuais. Desse modo, uma primeira barreira pode começar a ser construída, pois não há uma língua comum entre a família e a criança surda para estabelecer os contatos sociais e assim permitir que a linguagem seja viva e fluente nas interações (GUARINELLO et al., 2013, p. 155).
As famílias de Daniel e Joaquim vão no contraponto da maioria dos
familiares ouvintes de crianças surdas e apostam na língua de sinais para o
pleno desenvolvimento de seus filhos.
Outro ponto importante a ser destacado é que essas duas crianças estão
tendo acesso à cultura surda através de suas relações com outras crianças e
80
adultos surdos nos espaços educativos e, assim, construindo a sua identidade
(PERLIN, 2016).
Os familiares aludem também sobre a importância das crianças estarem
matriculadas em tais espaços educativos e afirmam que foram incentivados por
outras pessoas a efetivarem tal ação – sejam elas da área da saúde, da
educação ou amigos e familiares.
Aqui podemos discursar sobre a importância do convívio nas creches,
tendo como embasamento a LDB, que apresenta a Educação Infantil como
modalidade capaz de proporcionar vivências com artes, com diferentes culturas
infantis e, principalmente, onde o cuidar e educar são indissociáveis. Foi possível
observar que tanto a família de Daniel quanto a de Carlos receberam como
sugestão dos CEIs que frequentaram, a possibilidade de matrícula em uma EMEI
Bilíngue.
Por fim, uma discussão importante se faz necessária: qual é o local que
realmente acolhe e orienta essas famílias, a fim de que elas busquem o melhor
atendimento para seus filhos?
Como mencionado anteriormente, essas famílias, inicialmente, vivem o
luto e, após esse momento, seguem em busca de atendimentos para suas
crianças.
Em relação ao questionamento quanto ao acolhimento das famílias,
observamos que um familiar recebe a orientação de um fonoaudiólogo – de
matrícula em CEI regular, o familiar inscreve o filho em escola especializada no
atendimento a alunos surdos. Da parte das duas outras entrevistadas, a mãe da
criança com implante segue sem orientação de qualquer profissional, uma vez
que recebeu a indicação de uma profissional da educação para matrícula em
uma escola bilíngue, porém Berenice se negou a efetivá-la. E a avó do Daniel,
D. Iracema, também continua sem qualquer orientação.
Com a escolha dos espaços de atendimento, há uma significativa decisão
implícita nas tomadas de decisões da família, sendo ela: qual língua a criança
terá acesso.
A questão não está em discutir a responsabilização, que deve ser um direito inviolável. O cerne se encontra no fato de que é atribuída, a estes pais, uma decisão a ser tomada, sem o apoio de sólidas informações que os habilite a escolher o melhor caminho educacional para seus filhos (WITKOSKI, 2017, p. 883).
81
A saúde, no papel dos fonoaudiólogos, sugere a terapia oral-auditiva; e a
educação, por vezes, pode sugerir a educação bilíngue, uma vez que é direito
das crianças surdas terem acesso à educação bilíngue. E a família encontra-se
sozinha para a tomada dessa decisão.
Stelling (2015) faz um comparativo entre filhos surdos de famílias de pais
ouvintes e filhos surdos de famílias de pais surdos, e constata que os pais
surdos, diferente dos pais ouvintes, em sua maioria, se sentem satisfeitos
quando recebem a notícia da surdez de seu filho. O bebê surdo inicia a sua
construção linguística através da língua de sinais, uma vez que o ambiente se
torna favorável para isso. Assim, a autora aponta:
[...] a necessidade urgente de orientar os pais ouvintes, demonstrando, se possível, in loco, ou seja, indo na residência de uma família surda, no sentido de demonstrar como a língua de sinais é benéfica, que é visualmente acessível e possível de ser adquirida pela criança surda e seus pais (STELLING, 2015, p. 29).
Diante das análises das entrevistas dos familiares, podemos constatar
que entre a saúde e a educação, as famílias se encontram mais acolhidas nas
escolas, locais onde a recepção a elas se dá de forma mais genuína e com mais
tempo para diálogos.
5.3 A criança surda e o processo terapêutico: análise dos fonoaudiólogos
Nesse momento serão analisadas as entrevistas com os fonoaudiólogos
e professores bilíngues. Por conta do número grande de profissionais
entrevistados (seis fonoaudiólogos e seis professores), não haverá uma
descrição densa das entrevistas, sendo apontados apenas os assuntos segundo
as categorias definidas após a leitura das transcrições.
As entrevistas com os fonoaudiólogos foram categorizadas em três
pontos:
1. Indicação de matrícula em CEIs;
2. Encaminhamento para o uso de Libras;
3. Articulação com a Unidade Educativa;
4. Relação com as famílias.
82
Cada equipamento de saúde teve dois fonoaudiólogos entrevistados. As
entrevistas destes profissionais situados nos mesmos equipamentos
apresentaram devolutivas semelhantes em relação às categorias estabelecidas,
por seguirem as mesmas diretrizes de atendimento.
As análises serão feitas em conjunto, com o intuito de facilitar o
entendimento do leitor e simplificar a leitura e compreensão das entrevistas.
Iniciaremos com a apresentação de cada profissional das unidades de
saúde em que ocorreram as entrevistas, bem como uma breve apresentação da
linha de trabalho de cada equipamento.
CER III Auguste Renoir
Neste Centro Especializado em Reabilitação foram entrevistadas as
fonoaudiólogas Denise e Gorete. As duas profissionais iniciaram o trabalho com
pessoas surdas – independentemente de suas faixas etárias – assim que
concluíram o curso de graduação.
Este CER tem como direcionamento o desenvolvimento da linguagem, por
meio da estimulação auditiva. Para isso, Gorete e Denise fazem uso de pistas
visuais como apoio para os exercícios de fala. Gorete reforça que com os bebês
e crianças na faixa etária de zero a cinco anos de idade, as terapias acontecem
através de atividades lúdicas.
CER II Tarsila do Amaral
Neste CER foram entrevistados os fonoaudiólogos Cássio e Gilda. Os
dois fonoaudiólogos fazem atendimento com crianças surdas há
aproximadamente três anos.
Gilda e Cássio deixam claro que o objetivo principal do atendimento
terapêutico, que realizam com os bebês e crianças surdas, é o de construção de
uma língua, seja ela a língua oral ou a língua visuoespacial.
83
CER III Michelangelo
Neste local foram entrevistadas as fonoaudiólogas Amanda e Marina.
Amanda atua com pessoas surdas há 16 anos, desde que se formou no curso
de graduação, já Marina atua há dez anos, desde que iniciou seu trabalho neste
CER.
Marina e Amanda discorrem sobre seus objetivos nas terapias,
mencionando que procuram estimular as habilidades auditivas das crianças,
principalmente as mais novas e que caso não haja avanço com a terapia em
busca da oralidade, elas indicam o uso da Libras.
Iniciaremos agora analisando as entrevistas, através das categorias
supracitadas.
Quanto à indicação de matrículas em CEIs, as duas fonoaudiólogas do
CER III Auguste Renoir afirmam indicar a matrícula das crianças surdas nos
centros, com o intuito de que as crianças se relacionem com outras da mesma
faixa etária e tenham a oportunidade de avançar na fala. Gorete menciona que
das crianças que atende, apenas uma está fora do CEI, mas isso se deu porque
a criança tem comprometimento visual associado ao déficit auditivo e a família
ainda não encontrou uma escola que julgue inclusiva para matricular a filha.
A fonoaudióloga Gilda (CER II Tarsila do Amaral) aborda a dificuldade que
encontra no atendimento com algumas crianças, por conta do comportamento
agitado delas. A fonoaudióloga comenta que quando isso acontece, ela chama
os pais para conversarem e a maioria deles revela que, como o filho é surdo,
eles não conversam com o ele, tampouco chamam a atenção para
comportamentos irregulares da criança. E essa acaba sendo uma das razões
pela qual a fonoaudióloga faz indicação de matrícula em CEI.
Cassio também apontou os mesmos objetivos da colega quanto à
matrícula no CEI: convivência com outras crianças, vivências com diferentes
atividades, para que as crianças se tornem autônomas, uma vez que, por vezes,
os pais se mostram superprotetores e que as crianças tenham compreensão de
regras e rotina.
84
Vale apontar, nesse instante, acerca dos fazeres nos espaços da
Educação Infantil, na perspectiva da educação, que vão para além da criação de
autonomia.
Na Educação Infantil, os espaços possibilitam o exercício da ação coletiva e da autonomia dos bebês e das crianças nas suas investigações, isto é, na sua descoberta de si e dos outros e no conhecimento do mundo. Estar nesse espaço educativo possibilita aos bebês e às crianças criar uma voz própria, com autoria e protagonismo. É um tempo para identificar os seus sentimentos e desejos, construir um estilo pessoal frente ao mundo, aprender a compreender as pessoas e a diversidade de seus modos de ser e estar, fazer escolhas desenvolvendo significados pessoais e significações sociais (SÃO PAULO, 2019b, p. 23).
A Educação Infantil, então, é uma etapa primordial para que o bebê e a
criança pequena se tornem protagonistas de seus fazeres, sentimentos, desejos
e não apenas mais autônomos e menos dependentes, que é o que fica claro no
discurso dos fonoaudiólogos.
Para a fonoaudióloga Marina, a frequência das crianças pequenas e
bebês no CEI é fundamental para o desenvolvimento dos mesmos em sua
integralidade.
Na escola pelo menos tem um jeito, de certa forma, de estar com outras crianças, de participar de atividades diferentes, de ambientes diferentes, vai para o parque, sala de música, sala e TV. Nem sei o que tem no CEI, mas eu acho super importante. [...] (Relato da fonoaudióloga Marina).
Quanto à recomendação de Libras, as fonoaudiólogas Gorete e Denise
afirmam que as terapias auditivas são reforçadas até os cinco anos de idade. Se
a criança chegar aos sete anos e for avaliado que os avanços na oralidade não
ocorreram, aí sim é feita a indicação de matrícula em uma escola bilíngue, mas
ainda assim, as terapias permanecem focadas na oralidade.
Neste ponto, podemos perceber que a Libras, segundo a visão dos
fonoaudiólogos, assume uma posição de inferioridade e é apresentada à criança
surda caso ela não tenha obtido bons resultados na língua oral.
O acesso tardio à Libras ocorre ainda pelo desconhecimento da língua sinalizada por parte da família, pela resistência da equipe médica que orienta a família ou da própria família em entender a surdez e sua consequência linguística. Reitera-se assim que a defesa pela normalização do sujeito surdo, de modo a enquadrá-lo ao uso da LP falada, fez com que se disseminasse uma visão deturpada da língua
85
sinalizada, como se ela não pudesse ser considerada uma língua (BRIEGA, 2019, p. 19).
Perlin (2016) discute sobre uma visão equivocada do “corpo danificado”
que deve ser “normalizado”. Nébias (1999), se baseando em Vigotski, aborda
sobre o desenvolvimento conceitual. A autora reforça que a percepção e a
linguagem têm um papel fundamental na formação de conceitos. Desse modo,
a privação do acesso à palavra de uma criança até os sete anos de idade impede
a formação de conceitos por elas.
Os fonoaudiólogos do CER II Tarsila do Amaral revelam que: “A ideia é a
estimulação da linguagem e fazer com que essas crianças pequenas... elas
desenvolvam uma língua seja ela a oralidade, seja ela Libras” (relato de Gilda).
Cassio também explica que a abordagem de suas terapias é a áudio-vocal,
sendo estimulada, então, a fala. O fonoaudiólogo esclarece que tem
conhecimento básico de Libras e se apoia nela com o foco na oralidade. Ele
explica que faz uso da Libras:
Como apoio para poder fazer entender a nossa atividade, a nossa proposta de estímulo, que geralmente é habilidade auditiva: descriminação, atenção, memória, percepção é... e aí vem consciência de norma articulatória de como fala. De onde que vem o som e... que mais... linguagem, né, vocabulário. Para a criança para falar, tem que ter o que falar (relato do Cassio).
Ainda segundo o fonoaudiólogo, na terapia, para ensinar uma palavra, ele
precisa, primeiramente, contextualizar aquela palavra, dizer o que ela é, ou seja,
dar sentido e significado à ela.
Faremos, então, referência ao que Vigotski aborda em sua teoria, visto
que este autor defende que quando há significação de uma palavra, essa se
associa ao pensamento. O autor ainda aponta que o significado da palavra é
inconstante, isto é, ele pode se modificar conforme a pessoa vai experienciando
outras vivências com a mesma palavra. Quando o autor fala de palavra, ele
também se reporta à língua num sentido amplo, em que é implicada a fonética,
a semântica e a gramática da língua.
Cassio afirmou que faz uso da Libras somente com as crianças que têm
conhecimento prévio dessa língua, no entanto, se a criança não está aprendendo
Libras, quais são as garantias de acesso à língua oral, devido suas privações no
86
acesso aos signos orais? Teríamos uma lacuna linguística na significação do
mundo.
O fonoaudiólogo exemplificou a maneira que se apoia na Libras em suas
terapias: quando ele quer trabalhar a palavra “água” com a criança. Até que ele
explique o que é água, que tenha que mostrar uma garrafa com água, o
profissional faz uso do sinal de água em Libras e só depois oraliza, solicitando
que a criança faça a repetição da palavra.
Segundo Vigotski (2018), a criança, na construção de sua linguagem,
parte de uma palavra e produz junções com outras duas ou três, formando frases
simples e depois dessas frases simples passa para frases mais complexas, até
que constrói orações complexas. Para isso, a criança faz uso do aspecto
semântico e fonético. A fala infantil não tem como propósito reproduzir
puramente aquilo que a criança está pensando, no entanto, enquanto o seu
pensamento vai se transformando em linguagem, a expressão verbal da criança
muda de uma maneira considerável, o que torna essa expressão verbal mais
adequada gramaticalmente, ou seja, a criança se inteira da gramática de maneira
autêntica.
O fonoaudiólogo Cassio menciona sugerir aos pais que matriculem seus
bebês no Instituto Loris Malaguzzi, que é uma instituição conveniada com a
prefeitura e que realiza atendimento com crianças surdas.
(...) a audição é uma das primeiras formas sensoriais que a gente tem acesso ao mundo e crianças que são ouvintes; elas aprendem a trabalhar escuta antes de tal, ouvem repetidamente e sabem que isso aqui é uma garrafa e não preciso que alguém venha aqui me falar: “Cassio, isso aqui é uma garrafa”. (...) Ela vai aprendendo, né. E aí quando é surdo não tem essa habilidade e a Libras é uma forma de mostrar que isso aqui é uma garrafa, que isso aqui tem um sinal e aí depois você mostra para ele para que isso serve. Eu vou mostrar para ela como que fala garrafa. Eu não vou ter que explicar o que é, pra que serve, eu só faço o sinal: “garrafa” e ela faz a associação. E aí é uma forma de deixar a criança um pouco mais calma, porque geralmente eles são agitados, porque não entendem o que está acontecendo. Então, não tem linguagem preestabelecida. E aí quando coloca na Libras, eles voltam para gente bem mais calmos, né. Então, a gente tem outras crianças com a mesma dificuldade que eles têm. Lá eles trabalham muito a atenção de rosto, porque a criança com deficiência precisa ter uma atenção para a boca, para expressão para conseguir alinhar com que ela consegue ter acesso de som e conseguir se comunicar. Então, a Libras vai dar um apoio grande na questão da linguagem para que servem as coisas ou para ela se enxergar no mundo, né, como ser humano e depois a gente vai associando com o resíduo
87
auditivo que ela tem com o ganho do aparelho, e aí mais para frente fica a critério da criança escolher o que ela quer. Então, eu falo isso uma vez, duas vezes e aí dou exemplo: “mostra para ela como faz água. Faz isso em casa” (relato de Cassio – grifo nosso).
Cassio apresenta uma conduta bastante delicada no que tange a língua
de sinais. O trecho grifado nos mostra que o fonoaudiólogo entende a Libras
como um apoio para a construção da língua oral, no entanto, a língua de sinais
não é apoio, ela é razão em si mesma.
Podemos perceber que suas práticas ainda estão centradas em
ferramentas que permitam o acesso parcial à Libras e à Língua Portuguesa para
a criança surda, uma vez que a língua que garante significação para o
fonoaudiólogo é a Língua Portuguesa; e o que garantiria à significação à criança
surda, por sua maior acessibilidade aos códigos visuoespaciais, seria a Libras,
que é utilizada parcialmente – por meio de sinais soltos – pelo Cassio.
Quando o profissional revela fazer uso de sinais soltos para trabalhar a
oralidade com as crianças em suas terapias, ele ainda mostra que está atrasado
quanto à história dos surdos. O que Cassio vem fazendo é o que chamamos de
Comunicação Total, quer dizer, o uso de sinais soltos da Libras em função da
Língua Portuguesa.
Briega (2019) enfatiza a respeito da relevância de o surdo ter primeiro a
socioconstrução da Libras para depois ter acesso à língua oral, uma vez que as
funções psicológicas superiores são principiadas através da linguagem. Briega
(2019) reflete sobre o obstáculo para a construção de língua de uma criança
surda quando esta não estabelece um contato com outras pessoas que façam
uso da sua língua.
A autora ainda afirma que se o sujeito surdo não tiver uma apropriação da
Libras, ele terá comprometimento na construção de seus conceitos científicos.
Para Vigotski (2018) o processo de aprendizagem das crianças se dá
através de elaboração de conceitos. O autor define dois tipos de conceitos: o
espontâneo e o científico, sendo o primeiro aquele que a criança já possui antes
mesmo de iniciar na escola, e o segundo que está ligado às experimentações
que enriquecem e modificam o conceito espontâneo e o torna científico.
88
Em consonância com a fala de Cassio as fonoaudiólogas Amanda e
Marina relatam que fazem indicação para o ensino de Libras para as crianças
que não demonstram avanços na oralidade.
Amanda comenta sobre uma criança de três anos de idade, que foi
matriculada na EMEBS Johan Pestalozzi por encaminhamento do CEI, sem
antes ter sido consultada, e a profissional se mostra muito insatisfeita com a
opção da família. Segundo a fonoaudióloga, na EMEBS a criança deixará de ter
convívio com a língua oral tendo acesso apenas à Libras e isso pode prejudicar
o avanço da oralidade da criança.
Quando questionada se ela acredita que a criança que aprende Libras
pode ter a oralidade prejudicada, Amanda responde que não, que as crianças
podem usar as duas línguas. Essa resposta não nos deu clareza a respeito da
inquietude da profissional quanto à matrícula da criança na EMEBS.
Marina comenta que muitas das crianças que atende estão matriculadas
em escolas bilíngues e que algumas delas têm ganho na oralidade, mas já
optaram por fazer uso da Libras. Há uma criança que já respondeu que não quer
oralizar, quer fazer uso da Libras para se comunicar. Outra criança aceita a
terapia auditiva e ensina sinais de Libras para a fonoaudióloga.
Fica evidente aqui também a compreensão da Libras como “língua de
fracasso”. Amanda vai mais longe e verbaliza que a criança que aprende a Libras
deixará de oralizar. Quadros (2015, p. 188) trata a respeito da “ideia equivocada
de que uma língua leva ao não uso da outra e, neste caso, ‘subtrai’”. A autora
defende que o uso de uma língua não limita o uso de outra, podendo o sujeito
ser bilíngue e utilizar mais de uma língua para se comunicar.
Em referência às Unidades Educativas, os seis profissionais mencionam
não ter contato com os educadores ou coordenadores pedagógicos dos CEIs ou
EMEIs em que as crianças atendidas nas terapias estão matriculadas.
Todos relatam que aceitam contato da escola, mas que é impossível eles
ligarem ou irem até esses locais. Amanda e Marina comentam que sempre
avisam as famílias para comunicarem as escolas que, caso tenham alguma
dúvida, podem entrar em contato com as profissionais. Amanda, inclusive,
menciona que nesses casos ela reserva o horário da terapia da criança,
deixando de atendê-la, para acolher os profissionais da escola. Gilda e Cassio
89
revelam que sempre enviam relatórios para as Unidades Educativas quando
estas solicitam (mesma informação dada por Gorete e Denise).
Quanto ao relacionamento entre os profissionais e familiares todos os
entrevistados são unânimes em suas respostas. Dizem que chamam os
familiares/responsáveis nos minutos finais do atendimento terapêutico para
passar informações sobre a terapia e também alguns exercícios para serem
feitos em casa.
Gorete menciona que nos primeiros atendimentos permite que a mãe, ou
o responsável, acompanhe o procedimento/sessão, para que a criança se
habitue à presença da fonoaudióloga.
E depois eu tiro, porque eu acho que a presença da mãe interfere no desempenho da criança. Ela fica muito mais agitada, ela acaba perdendo um pouco controle. Quando estou só eu, ela sente que tem que ficar, tem que me respeitar. Então, se ela não sentar eu vou ficar brava com ela e ela vai chorar. Por exemplo, não se a mãe está aqui, ela recorre à mãe e tudo mais. Mas eu costumo dividir minha terapia assim, quando... é nessa faixa etária, de vinte a vinte e cinco minutos eu fico com a criança e no final do atendimento, eu chamo o pai ou a mãe ou os dois que estiverem, para explicar o que eu fiz e como pode retornar em casa. Normalmente eu faço assim (Relato de Gorete).
Nesse relato podemos perceber que a família é colocada à parte nos
momentos de terapia e uma relação entre terapeuta e familiares somente
acontece em poucos minutos, apenas para se transmitir informações sobre a
terapia.
5.4 A criança surda e a educação: a visão dos professores
Neste tópico analisaremos as entrevistas realizadas com os professores
bilíngues, que atuam em escolas e classes bilíngues no município de São Paulo,
com turmas de crianças da educação infantil.
Serão analisadas seis entrevistas: três entrevistas são dos professores
bilíngues da Educação Infantil da EMEBS Johan Pestalozzi; uma professora
bilíngue e a instrutora surda do Polo Bilíngue CEU EMEI Demerval Saviani, e
uma professora de um CEI regular. As análises acontecerão de forma conjunta,
90
visto que aparecem muitos pontos que convergem – o que facilitará a
compreensão do leitor e a clareza a respeito dos assuntos discutidos.
Antes de iniciar as análises é importante esclarecer, de maneira geral,
como se dá o funcionamento das EMEBS e do Polo Bilíngue. As Escolas
Municipais de Educação Bilíngue para Surdos (EMEBS) são unidades
educacionais em que somente estudantes surdos podem ser matriculados, não
havendo possibilidade de matrícula para estudantes ouvintes. É nesse formato
que a EMEBS Johan Pestalozzi é organizada.
Já o Polo Bilíngue atende crianças surdas e ouvintes, no entanto, as
crianças surdas são matriculadas nas classes bilíngues (classes com apenas
estudantes surdos). No CEU, a EMEI Demerval Saviani possui apenas uma
classe bilíngue, com crianças em idade entre quatro e cinco anos (idade de
crianças de EMEI). Quando as crianças completam seis anos, elas vão para o
1º ano na EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) dentro do mesmo
CEU. Do 1º ao 5º ano (Ensino Fundamental I), as crianças surdas ficam em
classes bilíngues, tendo acesso ao currículo de cada série/ciclo, com professor
bilíngue em sala.
Ainda no CEU, quando elas iniciam o Ensino Fundamental II, do 6º ao 9º
ano, as crianças são matriculadas nas classes regulares e contam com
intérpretes de Libras nas salas. O único momento em que as crianças surdas do
Ensino Fundamental II têm aula em separado das crianças ouvintes da sua
turma, é durante as aulas de Língua Portuguesa. Quando há aula desse
componente curricular, as crianças surdas vão para aula de Língua Portuguesa
para surdos como L2.
Já os Centros de Educação Infantil (CEI) atendem crianças de zero a
quatro anos, matriculadas em quatro agrupamentos, conforme a faixa etária:
- Berçário 1 (zero a nove meses);
- Berçário 2 (dez meses a um ano e nove meses);
- Mini Grupo 1 (um ano e dez meses a dois anos e nove meses);
- Mini Grupo 2 (dois anos e dez meses a três anos e nove meses).
Estas idades são consideradas no início do ano letivo, ou seja, para a
matrícula dos bebês e crianças pequenas em cada agrupamento.
As categorias utilizadas para essas análises são:
91
1. Formação dos professores e composição das turmas;
2. Inserção da Libras na rotina da Educação Infantil e a compreensão
de criança surda;
3. Relação com família e fonoaudiólogo.
5.4.1 Apresentação dos professores
Marcos é ouvinte, formado em História e tem a segunda licenciatura em
Pedagogia. Trabalha como intérprete de Libras em uma escola do Estado no
período posterior ao que atua na EMEBS. O professor tem especialização no
ensino de Libras e outra especialização com ênfase no aluno surdo. Iniciou o
trabalho na EMEBS este ano, como professor contratado.
Cecília é formada em Pedagogia e tem especialização em Libras; atua
com Educação Infantil há aproximadamente 4 anos e, atualmente, trabalha na
EMEBS Johan Pestalozzi.
Adriana atuou na mesma EMEBS por dez anos (de 1993 a 2003), e
retornou em 2019. Por todos esses anos a educadora sempre trabalhou com
turmas de Educação Infantil. É formada em Pedagogia e possui especialização
em Educação da Audiocomunicação.
Clara possui formação em Pedagogia e especialização em Deficiência
Auditiva/Surdez. Atua há quatro anos com as crianças surdas na Educação
Infantil. Atualmente, é professora na Educação Infantil do Polo Bilíngue CEU
EMEI Demerval Saviani.
A instrutora Vilma atua no Polo Bilíngue na mesma sala que a professora
Clara. Vilma é formada em Letras/Libras, pós-graduada em Libras e em
Educação de Surdos. Atua na Educação Infantil há aproximadamente um ano e
meio.
Paula é educadora do CEI Anísio Teixeira. É formada em Pedagogia e
atua com as crianças de Educação Infantil há sete anos. A professora teve
contato com a Libras durante uma disciplina obrigatória no seu curso de
Pedagogia.
92
5.4.2 Apresentação das turmas
Marcos relata que sua turma é composta por cinco crianças em idade
entre quatro e cinco anos. Todas elas tiveram a matrícula efetivada no ano letivo
da coleta de dados, embora três delas já houvessem frequentado o CEI regular.
Das cinco crianças matriculadas, Marcos informa que duas delas iniciaram o
atendimento já com comunicação na Libras.
(...) Os pais não são surdos, mas assim que eles receberam o diagnóstico, se preocuparam e a criança se desenvolveu. Então a L. e o D. são excelente (sic) mesmo. Tem a questão da língua muito boa, diferente do A. e do L. (...) (Relato de Marcos).
Neste ponto da entrevista o educador aponta ser fundamental a parceria
com a família quando se trata da construção de língua com as crianças.
(...) O L. tem muitos problemas, até é uma criança assim, que se você fala um “não” para ele, ele já se joga no chão, então é um problema, até mesmo em questão da família, né. Até a gente chamou os pais para conversar, aí a mãe veio. A mãe relatou que ele fica...ele dorme, fica acordado até às 3 horas da manhã assistindo televisão e a mãe não conhece a língua de sinais. Então toda vez que chama a atenção dele, ele se joga no chão. Então é uma criança mais problemática. Diferente da L. que os pais já conversam em Libras, tudo em língua de sinais, então tem essa preocupação. (...) (Relato de Marcos).
Próxima da descrição do Marcos, Cecília relata que as crianças da sua
turma, com faixa etária entre quatro e cinco anos, iniciaram o ano letivo sem
comunicação na língua de sinais, isto é, nenhuma criança foi matriculada na
EMEBS tendo algum contato prévio com Libras.
A educadora compartilha que, recentemente, foi matriculada uma criança
com perda auditiva progressiva, ou seja, ela nasceu ouvinte e está perdendo a
audição de forma muito rápida: “Mas ela é a única criança pré-linguística, porém
não a língua de sinais e sim a língua portuguesa, os demais não” (relato
professora Cecília).
Adriana, atualmente, está com uma turma de Mini Grupo II, crianças de
três anos de idade. A educadora atende quatro crianças em seu agrupamento,
mas possui apenas três crianças que vão à escola com frequência. A educadora
menciona que esse é o primeiro ano que a EMEBS atende crianças nessa faixa
etária. Todas as crianças iniciaram o atendimento na Unidade Educativa no ano
93
letivo de 2019, embora as três crianças já tenham frequentado CEI, em turmas
de ouvintes, antes de serem matriculados na EMEBS.
Clara está com um agrupamento com nove crianças, numa faixa etária
que vai de quatro a seis anos de idade. Dessas, apenas três crianças já estavam
matriculadas no ano letivo anterior (2018) e as outras seis foram matriculadas
recentemente. Todas elas vieram matriculadas de CEIs da região.
Quando questionada se as crianças surdas já chegaram à escola com
conhecimento de alguma língua, Clara explana seu ponto vista em relação à
pergunta. A educadora entende que as crianças:
Não chegaram sem língua porque a gente costuma dizer que nenhuma criança é sem língua, né. Elas chegam com a comunicação caseira. A gente chama de comunicação caseira. Não é gesto, é uma comunicação caseira que a gente fala que é assim, a família entende bem o que aquela criança está comunicando e a criança consegue se comunicar bem com a família nas questões das coisas mais básicas. Mas não expressar assim, um sentimento, expressar uma conversação, não, não consegue. Mas expressar o que ela tá sentindo, por exemplo, uma necessidade básica ela consegue com a mãe (Relato professora Clara).
Nader e Pinto (2011) tratam sobre a socioconstrução de língua
tardiamente pelas crianças surdas, e um dos pontos tratados pelas autoras é
sobre a “gestualidade caseira” e como essa comunicação entre crianças surdas
e seus familiares são limitadas, dando apenas a oportunidade dessas crianças
mencionarem sobre as necessidades básicas, garantindo, então, “apenas sua
sobrevivência” (NADER; PINTO, 2011, p. 932) .
Ainda sobre a fala de Clara, fica evidente que a professora entende
comunicação e língua como sinônimos, o que sabemos ser um equívoco.
Entendemos que a língua de sinais não se faz importante para a pessoa surda apenas pelo seu caráter comunicativo, mas vale a presença desta língua nessa declaração. Compartilhamos a visão de Vygotsky (1993; 1995) sobre os pressupostos da gênese social da formação do sujeito e o papel constitutivo da linguagem para o desenvolvimento humano. Nessa perspectiva, a linguagem não é apenas um instrumento de comunicação, pois é por meio dela/nela/com ela que o ser humano elabora conceitos sobre o mundo e sobre si mesmo. Além disso, ela é modo de significação e interação, e é nessa interação que o sujeito se constitui como pessoa. Assegurar o direito ao uso da língua de sinais ultrapassa as questões da comunicação ou o âmbito das propostas educacionais (TARTUCI, 2015, p. 48).
94
A partir das definições de Tartuci (2015) podemos compreender que a
língua não é, exclusivamente, uma maneira de se comunicar, quer dizer, está
para além de ser somente isso, pois envolve também o papel exercido no
planejamento das ações da criança.
Por fim, Clara conclui que as crianças chegaram à Unidade Educativa sem
conhecimento de Libras.
Vilma descreve a turma como crianças que não conhecem a Língua
Portuguesa, apenas alguns sinais misturados, o que ainda não é a Libras. A
instrutora continua dizendo que as crianças já estão se desenvolvendo na
aprendizagem dessa língua.
Paula atua numa turma de Mini Grupo II, com 20 crianças. Há apenas uma
criança surda em sua sala, que chegou ao CEI no Berçário II, ou seja, a criança
está na Unidade Educativa há dois anos. Até o momento, a educadora não
percebeu uma construção de língua pelo menino, embora ele consiga se
comunicar por gestos e expressões com todos da referida Unidade Educativa.
5.4.3 Inserção da Libras na rotina da Educação Infantil e as estratégias
utilizadas pelos professores
Antes de tratarmos a respeito da inserção da Libras na rotina das
diferentes unidades de Educação Infantil, abordaremos um ponto crucial na
educação de surdos e na construção da língua de sinais: como se percebe a
importância da Libras na educação da criança surda.
Em certo ponto da entrevista a professora Cecília trata sobre a relevância
da Libras como L1 na educação de surdos. A educadora enfatiza, em primeiro
lugar, que é necessário garantir a contratação de profissionais bilíngues para o
ensino de Libras e que esses profissionais sejam fluentes em Libras,
conseguindo garantir, assim, a circulação da língua de uma forma correta –
ressaltando que a Libras é uma língua como qualquer outra e possui a sua
estrutura gramatical, que deve ser respeitada dentro das unidades educacionais
e de qualquer outro espaço.
Tartuci (2015) reconhecendo o papel da Libras no cotidiano escolar de
crianças surdas, destaca:
95
(...) faz-se necessário a presença de professor surdo e professor ouvinte, com funções específicas: a primeira, entre outras, terá como papel de regente da turma desenvolver o currículo em Libras, proporcionar ao aluno com surdez a aquisição da Libras e auxiliar na construção da identidade da criança com surdez, servindo como modelo; e o segundo, entre outros papéis, deverá ter domínio da Libras, desenvolver o currículo, utilizando a Libras para proporcionar o acesso e a apropriação da Língua portuguesa escrita, como segunda língua, e propiciar apoio pedagógico aos demais professores regentes quanto ao planejamento, à execução e à avaliação do processo educativo que envolva crianças surdas (TARTUCI, 2015, p. 62).
Cecília e a autora convergem na ideia da necessidade de professores
bilíngues atuarem com as crianças surdas, promovendo, assim, práticas
pedagógicas focadas numa perspectiva bilíngue. Ao longo da entrevista Cecília
também comenta sobre a importância da presença do profissional surdo dentro
das escolas para a construção da identidade surda e da língua de sinais.
Passando a discorrer agora sobre a rotina de trabalho dos professores,
iniciamos com as falas destes profissionais a respeito do ensino e inserção da
Libras na rotina de trabalho.
Marcos relata que o ensino de Libras acontece de forma natural dentro da
rotina diária da turma, já que todas as atividades proporcionadas acontecem na
língua de sinais. O profissional revela que possui rotina com algumas atividades
fixas, como por exemplo, a higienização e roda de conversa, e em seguida vão
para as atividades programadas para cada dia.
O professor aponta que a prefeitura de São Paulo traz vivências lúdicas
como proposta de atividades para a Educação Infantil, de modo que todo o
conhecimento possa ser vivido e experimentado através das brincadeiras. A
articulação entre as vivências e experimentações diversas nessa modalidade é
fundamental na Educação Infantil, e é uma das especificidades desse
atendimento.
Marcos relata, então, que o ensino de Libras acontece a todo momento,
que a língua de sinais circula a todo instante na escola, assim como relatam as
professoras Cecília e Adriana. Quando vão realizar uma brincadeira, as trocas
nesses momentos acontecem em Libras. Observa-se que nessa Unidade
Educativa, a Libras é reconhecida como língua de interlocução e a ela é dada a
devida importância para as crianças surdas. Surdos e ouvintes fazem uso da
Libras a todo o momento dentro da EMEBS.
96
Já a educadora Clara relata que os sinais também são apresentados
dentro da rotina das crianças, no entanto, sua fala nos leva a cogitar a
possibilidade de ocorrer apenas a apresentação dos sinais e não a inserção da
língua de sinais com as crianças.
[...] Então, a gente apresenta os espaços da escola, o banheiro a gente apresenta, a gente apresenta alimentação, o cardápio, né, então e a rotina e o que vai acontecer. Então, tudo com figuras, às vezes com imagens de slide e nesse momento a gente já vai dando sinal para as coisas, que é nomeando que a gente fala as coisas para eles. E assim, a princípio, até eles descobrirem que eles precisam desse olhar esse visual para poder se comunicar e que a gente está apresentando ali uma comunicação, eles ficam meio perdidos mesmo. [...] (Relato professora Clara).
A professora Paula esclarece que não há o ensino de Libras para a
criança surda que está matriculada em sua turma, visto que ela tem pouco
conhecimento da língua – teve acesso durante a sua graduação – e não há um
professor bilíngue ou instrutor de Libras que trabalhe em conjunto com ela.
Skliar (2017) aborda sobre a negligência quanto ao ato de postergar a
construção da língua de sinais para as crianças surdas. O autor menciona que
negar o acesso à Libras no desenvolvimento das crianças surdas significa negar
“o que torna humano ao humano”. E para além da humanização, Skliar diz ainda
que ofertar o acesso à Libras tardiamente é um ato criminal:
‘Criminal’ porque suicida ou anestesia a existência pessoal, transformando-a em um tipo de impedimento não apenas para a possessão da linguagem, porém para tudo aquilo que a linguagem dissemina na vida humana: a invenção, a criatividade, a narração, a ficção, a comunidade em questão. (...) (SKLIAR, 2017, p. 21-22).
Com a contribuição de Skliar podemos perceber o quão preocupante é a
falta de um professor bilíngue, ou instrutor de Libras, para trabalhar com as
crianças surdas.
Os educadores (Marcos, Cecília, Adriana e Clara) retratam também a
importância da contação de histórias nas vivências da Educação Infantil.
O professor Marcos relata sobre o trabalho que prioriza a dimensão lúdica
ao comentar a respeito dos classificadores, que são apresentados por contação
de histórias, sempre respeitando a faixa etária das crianças.
O Currículo da Educação Infantil da prefeitura de São Paulo (2019b)
compreende que os professores devem “oferecer aos bebês e às crianças a
97
possibilidade de entrar em contato com literaturas diversas perpassa o cuidado
necessário a uma educação que se pretenda menos centrada no adulto” (SÃO
PAULO, 2019b, p. 157).
Diz Marcos: “Através de uma história, puxa para outra, então vai
relacionando o que eu quero, o que eu trabalho naquela semana. Então, está
sendo assim, bem proveitoso ”. O professor destaca a sua atuação, através das
histórias, com as temáticas que deseja abordar e discutir com as crianças da sua
turma.
Cecília disserta sobre a evolução na construção da língua de sinais de
todas as crianças de sua turma. Passados pouco mais de três meses de
atendimento na Unidade Educativa, as crianças de sua turma, segundo a
educadora, já conseguem construir sentenças simples, fazendo uso de três ou
quatro sinais, quando querem comunicar algo à professora ou necessitam
informar algo aos demais colegas. Cecília relaciona esse avanço às atividades
realizadas rotineiramente em sala, por exemplo, a contação de histórias e
também a “atenção visual” (termo utilizado pela entrevistada).
A educadora expõe também que as crianças matriculadas em sua turma
são muito atentas visualmente, prestando atenção a tudo que as cerca, tanto ao
que é relacionado às imagens quanto aos acontecimentos do dia a dia da turma.
“A atenção visual deles, às vezes eu olho penso ‘para uma criança que não tem língua é para além do normal’, né. Mas eu digo muito que eles são uma equipe aqui e eles são sempre atentos, um chamando a atenção do outro” (Relato de Cecília).
Cecília descreve ainda sobre a construção dos relatos pelas próprias
crianças, momentos estes que, por vezes, elas solicitam o auxílio da educadora
na construção de suas histórias.
Então uma história de uma criança puxa a história da outra criança e eu ajudo a construir e depois elas querem repetir. Aí depois elas formam a espera. E aí é aquele momento de espera significa: “deixa que agora eu vou te contar”. E aí ela prepara todo um discurso visual, que é a construção real da língua, né. Baseada na Libras mesmo é aí é isso (Relato de Cecília).
Continuando no tocante as contações de histórias, a educadora Adriana
relata que atualmente o instrutor de Libras (profissional surdo) tem entrado na
sala em momentos de brincadeiras e vem apresentando alguns sinais na rotina
lúdica com as crianças. No entanto, há uma sugestão de o instrutor participar de
98
momentos de contação de histórias, visto que ainda é difícil que elas consigam
ficar atentas às histórias, por serem muito pequenas e, talvez, a presença de um
outro adulto possa não ser benéfico para as crianças.
Delmar (2016) retrata acerca da construção de novos sinais pelas
crianças surdas, a partir de contos e recontos de uma mesma história. A autora
disserta sobre a importância da ampliação de vocabulário pelas crianças surdas,
quando essas vivenciam a história e a dramatizam fazendo uso de cenário
(semelhantes ao apresentado no livro).
Quadros explana que as contações de histórias auxiliam na “exploração
dos aspectos da língua de sinais que tornam tal língua um sistema linguístico
complexo” (2006, p. 27). A autora menciona que ao participar desses momentos
e até mesmo os relatos de histórias estimulam as crianças em relação à
configuração de mão, diferentes funções do apontar, exploração das mudanças
de perspectivas na produção de sinais, entre outras ações. Assim, podemos
perceber o benefício de tal estratégia pedagógica no avanço linguístico das
crianças surdas.
Clara diz que faz uso também da linguagem teatral para estabelecer os
combinados e a compreensão na comunicação. Ela reforça que as crianças
surdas, assim como as crianças ouvintes, necessitam do concreto para
compreenderem de forma mais eficaz aquilo que está sendo apresentado.
Vilma expõe que no momento de contação de história, primeiro Clara
conta a história de uma maneira mais simples enquanto Vilma observa, e em
seguida, ela faz o reconto da história fazendo uso de sinais diferentes. A
instrutora surda comenta que em algumas ocasiões as crianças não
compreendem a história e, por essa razão, ela acredita que o teatro é mais
interessante para as crianças.
A educadora Paula manifesta que na sua rotina não necessita fazer
nenhuma adaptação de atividades para atender a criança surda matriculada em
sua sala. Em situações de contação de histórias ela enfatiza as imagens do livro
e faz uso de alguns sinais que ela pesquisa na internet. Paula menciona perceber
que a criança surda compreende as informações que ela deseja compartilhar
com as crianças.
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Aqui, a prática da educadora se aproxima da Comunicação Total, onde os
sinais da Libras são apresentados em função da Língua Portuguesa. Vamos
retomar Vigotski (2018) destacando que, para o autor, a linguagem tem duas
funções: intercâmbio social e o pensamento generalizante. Quando a criança
surda acessa apenas algumas informações daquilo que está sendo transmitido
às demais crianças, não está sendo garantido nem o intercâmbio social e
tampouco o pensamento generalizante. A criança fica com informações rasas,
fragmentadas sem conseguir acessar o contexto da história contada, o que
compromete o seu desenvolvimento.
Bastos (2015, p. 30) menciona que “as histórias atuam como ferramentas
importantes para a formação do senso crítico, porque, por meio delas, as
crianças tomam conhecimento de situações ausentes na sua realidade”. As
autoras tratam ainda da importância das histórias para o desenvolvimento das
crianças, uma vez que é através das histórias que as crianças têm oportunidade
de imaginar e conhecer contextos que não fazem parte da rotina diária delas,
podendo assim, conhecer novos conteúdos.
Uma outra estratégia empregada pelo educador Marcos é o uso de
imagens como recurso principal para o ensino de Libras dentro da rotina
educativa. De um modo semelhante e também destacando a questão do apoio
visual nas práticas educativas com crianças surdas, as professoras bilíngues das
escolas EMEBS Joahan Pestalozzi e do CEU EMEI Demerval Saviani também
priorizam esse aspecto em seu trabalho.
A professora Cecília faz uso de pistas visuais para estimular a construção
da língua de sinais. Ela menciona que, quanto aos recursos pedagógicos que
julga imprescindíveis na educação de surdos,
[...] é tornar o ambiente mais visual possível e isso não significa ser um ambiente poluído, que você construiu sozinho. Tudo que eu construo, tudo que tem na minha sala de aspecto visual é construído com eles, então se eles vão em cada parede, eles sabem o porque que tem cada coisa (Relato de Cecília).
Quanto ao aspecto visual, Cecília demonstra respeitar o protagonismo
infantil nas construções dos cartazes em sala, embora ela não deixe claro se as
sugestões de tais construções surgem das crianças ou dos adultos.
A professora Clara faz uso de imagens para demonstrar os sinais às
crianças, diferente do que foi relatado pela professora Cecília, da EMEBS Johan
100
Pestalozzi, já que Cecília se apoia nas fotografias tiradas na rotina da própria
turma para relembrar e significar sinais já vivenciados anteriormente. Clara, por
sua vez, utiliza-se de imagens de fotografias de contextos diversos.
Aqui, Clara revela indícios de estar trabalhando mais com léxicos e
vocábulos em momentos específicos, e de não empregar a Libras no cotidiano
de práticas com as crianças, levando-nos a questionar se suas ações estão
fundamentadas numa abordagem de educação bilíngue ou sustentadas na
Comunicação Total. Isso porque sua fala indica18 a utilização de diversos
recursos para construção de uma comunicação – e, então, nos parece fazer mais
sentido, o fato de a professora mencionar aspectos da comunicação das crianças
antes de seu ingresso na turma quando a pesquisadora lhe pergunta sobre o
contato prévio das crianças com a Libras.
Então a gente apresenta as imagens, a gente apresenta o... na forma lúdica, eu uso bastante a linguagem teatral. [...] da encenação de uma situação. Então assim, só para exemplificar essa questão da imagem da encenação assim, as crianças tinham mania de chegar, uma criança especificamente, chegava e ali na porta mesmo ela jogava mochila, não conversava com ninguém, corria para sala já para pegar o que é de interesse dela, algum brinquedo, alguma coisa. Aí, todos os dias eu falava, tentava me comunicar com essa criança: “não, não é legal fazer assim, tem que falar boa tarde, guarda a sua mochila no lugar”. E todo dia, todo dia, mas não estava resolvendo. Aí um dia, eu esperei ele entrar primeiro na sala e eu cheguei e fiz igual, eu peguei a minha bolsa, joguei ali na porta, entrei já fui, não falei com ninguém e ele ficou admirado olhando para mim (Relato de Clara).
A Libras aparece imersa ao contexto do uso de diversos recursos
comunicativos. Na verdade, são utilizados sinais da Libras com outros recursos
comunicativos na estrutura da Língua Portuguesa (LP). Pelo locutor o que
concede sentido à fala é a LP, mas não sendo plenamente acessível para a
criança surda – o que ela pode compreender são informações fragmentadas.
Vilma reafirma a fala de Clara e diz que a língua de sinais acontece
primeiramente através de imagens que envolvem a rotina das crianças, e
também imagens das letras do alfabeto e dos numerais.
PRIMEIRO VISUAL primeiro visual ROTINA EXEMPLO COMER por exemplo rotina alimentação. SINAL, SINAL, SINAL SABER aí já sabe VISUAL MAIOR precisa maior influência visual. PORTUGUÊS COMO AINDA NÃO português ainda não COMEÇAR A-B-C-D TODO DIA eles já sabem soletrar letra do nome a-b-c TAMBÉM COMEÇAR NÚMERO
18 Há a citação de uma fala de Clara na página 87, que nos auxilia a compreender o que é
tratado nesse parágrafo.
101
1, NÚMERO 2 alguns números, número 2 SABER ALGUNS já sabem (Relato instrutora Vilma e interpretação professora Clara)19.
A professora Paula não menciona fazer o uso de imagens com a criança
surda da sua turma, mas a educadora coloca que faz uso de objetos coloridos
para chamar atenção da criança e que, quando passa vídeos para a sua turma,
Paula tem o cuidado de separar aqueles que possuem a janela em Libras. A
educadora diz que observa que a criança surda se atenta à janela e se mantém
atenta ao vídeo apresentado.
Nesse instante, cabe uma reflexão importante retomando Vigotski e sua
análise sobre significado, pois percebemos a privação de significados culturais
para essa criança surda, uma vez que fica entendido não ter um espaço com
interlocutores em Libras.
Conforme abordado na análise da entrevista do fonoaudiólogo Cassio,
Vigotski defende que é pela significação da palavra que esta é associada ao
pensamento. Oliveira (1997, p.35) explana que, para Vigotski, “as
representações mentais da realidade exterior são, na verdade, os principais
mediadores a serem considerados na relação do homem com o mundo”. O que
observamos no discurso de Paula é que está sendo negligenciado a essa criança
surda o direito de acesso a todas as informações. De que adianta essa criança
ficar atenta à janela de Libras se, para ela, esse objeto não tem significado?
Reily (2003) trata da importância do apoio visual para as aprendizagens
dos estudantes surdos, e da relevância de os professores terem o conhecimento
de que as imagens podem ser lidas e também construídas pelos estudantes:
A linguagem visual apresenta uma pragmática diferente da verbal, mas também trabalha a partir de relações e comparações. Por exemplo, a representação de relações de equivalência ou diferença, de hierarquia e valor, de sequência temporal ou espacial, de presença e ausência, de distância e proximidade no tempo ou no espaço, de causa e efeito, todos esses conceitos podem ser representados por imagens tanto no plano figurativo como no não-figurativo, utilizando a composição dos elementos visuais acima citados. (...) Conceitos como os citados acima são muito difíceis de explicar em linguagem verbal e no texto escrito para crianças surdas, mas quando se domina a lógica da imagem, é possível agir cognitivamente sobre o objeto – é possível aprender. Para o surdo, necessariamente a forma possível de perceber e representar
19 Enunciados em Libras – letra maiúscula. Enunciados traduzidos – sublinhado.
102
o mundo será por veículos de natureza visual e gestual, já que a significação não será processada por vias que dependam da audição (REILY, 2003, p. 182).
Nesta citação a autora exemplifica de que forma as imagens podem
contribuir de maneira eficaz nas aprendizagens das crianças surdas, uma vez
que existem conceitos que se tornam bastante complexos para a compreensão
da criança surda devido às abstrações contidas neles.
Sofiato e Leão (2014) compartilham da ideia de Reily (2003) e apontam
que suas pesquisas – acerca do uso de imagens como apoio para a educação
de surdos – mostram que a utilização de imagens no ambiente educativo traz
ganhos pedagógicos para as crianças surdas.
Andreis-Witkoski e Douettes esclarecem que o currículo nas diferentes
unidades educativas deve ser construído “a partir da perspectiva visuoespacial
e que venha ao encontro da cultura surda” (2014, p. 43). As autoras defendem
ainda que os professores não podem assumir a perspectiva de escolhas
reducionistas, como apoios imagéticos que serão utilizados com as crianças
surdas, devendo compreendê-los como princípios fundamentais para a
“significação visual dos conteúdos” (2014, p. 43). Desse modo, ao se fazer uso
de imagens na educação de surdos, como revelado pelos professores
entrevistados neste estudo, devemos ser muito criteriosos na escolha das
representações visuais que apresentaremos às crianças, para não cairmos no
“reducionismo”, tal como tratado pelas autoras.
Outra prática bastante constante entre os professores é a construção da
Libras através do brincar. Marcos relata que oferta atividades com brincadeiras
para as crianças ao longo da rotina diária de sua turma.
Paula esclarece que as brincadeiras acontecem de forma tranquila entre
as crianças ouvintes e a criança surda. A educadora observou que as crianças
ouvintes já compreenderam que a criança surda precisa de outro modo de
comunicação e, por isso, elas criaram alguns sinais entre elas mesmas – não
relacionados à Libras – que são usados nos momentos de brincadeiras.
Martins, Albres e Sousa (2015) esclarecem que as brincadeiras permitem
que as crianças experienciem normas sociais dos adultos e assim, elas podem
recriar e assimilar tais normas. Silva elucida que as crianças “efetuam
103
transformações, no nível simbólico, recompondo os significados, ultrapassando
as condições concretas impostas pelo real” (2006, p. 124).
Silva aborda acerca das brincadeiras das crianças surdas e aponta sobre
o uso das mãos tanto no momento do lúdico quanto para comunicação: “ [...] no
desenvolver da atividade, não é um limite, nem mesmo apresenta entraves no
processo de flexibilização dos significados, pois a criança articula as mãos para
realizar o sinal e atribuir o sentido de suas encenações (SILVA, 2002, p.27)”.
Silva (2002) revela, então, não haver qualquer impedimento na
construção das brincadeiras durante os momentos em que se faz necessário
fazer uso das mãos para a comunicação. A autora defende a multifuncionalidade
das mãos nos momentos das brincadeiras das crianças surdas e o quanto a
circulação da língua de sinais nas brincadeiras oferece um desenvolvimento nas
relações interpessoais. Neste ponto podemos compreender que a criança surda
atendida pela professora Paula no CEI Anísio Teixeira está em desvantagem em
relação às demais crianças surdas desse estudo, uma vez que a língua que
circula nesses momentos de brincadeiras não é uma língua que ela acessa
plenamente e que não dá condições para que ela se desenvolva, pois não há
relações interpessoais através de uma língua em comum.
Importantes pesquisas do campo da educação de crianças pequenas,
para além das crianças surdas, tais como Sarmento (2004), Corsaro (2011),
Faria e Mello (2016) e Kishimoto (2001) tratam acerca do protagonismo das
crianças e suas culturas muitas vezes expressas no brincar.
Corsaro (2011) e Sarmento (2008) sustentam que as crianças são sujeitos
de direitos logo que nascem e que elas produzem as suas próprias culturas,
através de vivências, experimentações com outros sujeitos e com o ambiente
que as cercam, não sendo, então, necessário se pensar em um currículo
centrado no adulto. Em síntese, não há divergência entre o que dizem os
professores e os autores aqui referidos acerca da visão que a criança deve
assumir em práticas na Educação Infantil, uma vez que todos fazem
apontamentos sobre a importância do brincar nas rotinas educativas.
A educadora Clara reforça que algumas crianças necessitam de um
tempo maior, até que possam compreender que estão construindo uma
comunicação e que esse entendimento acontece mediante o planejamento de
104
uma rotina lúdica, que contemple atividades diversificadas e brincadeiras, o que
se dá de uma forma prazerosa.
Clara quando questionada com a pergunta da pesquisadora “Dentro da
sua rotina como que se dá o ensino de Libras para crianças? Como que
acontece?”, ressalta que uma das estratégias utilizadas para o entendimento da
comunicação é através dos “combinados”, das regras: o que pode ser realizado
e o que não pode ser realizado na rotina diária. Fica evidente nesta fala que os
combinados vêm mais no sentido de regular as condutas coletivas do grupo do
que numa construção de língua de sinais. Clara cita que algumas famílias não
estabelecem regras e combinados em casa e, por essa razão, muitas crianças
chegam mais agitadas na escola e se jogam no chão quando são contrariadas
ou não se fazem entender; e o trabalho dela também é voltado para essa questão
comportamental, em conjunto com a construção da comunicação.
Mediante esse ponto abordado pela professora fica uma lacuna: como
organizar uma prática sustentada no lúdico, que é a defesa de Clara, sem uma
língua exercendo a função planejadora das ações? Precisamos de uma língua
como L1, que circule de maneira efetiva entre as crianças surdas e que permeie
as práticas lúdicas com o intuito de fazer com que elas compreendam algum
tema pensado pela educadora.
As Unidades Educativas bilíngues contempladas neste estudo contam
com o contrato de instrutor surdo, que atua junto com as crianças surdas
matriculadas nas escolas. Já no CEI Anísio Teixeira não há a presença de um
instrutor surdo que atue na Unidade Educativa, embora exista a possibilidade da
contratação desse profissional pela DRE para trabalhar com a criança surda e
toda a comunidade educativa.
Os quatro professores bilíngues abordam sobre a importância da figura
do adulto surdo junto com as crianças surdas, por conta da construção da
identidade surda e da imersão na comunidade surda.
Como mencionado na Seção 2, Perlin (2016) explana que é necessário o
contado surdo-surdo para que haja a construção da identidade e da cultura
surda, uma vez que o surdo está imerso em experiências visuais e não auditivas,
como os ouvintes.
105
Adriana comenta que o instrutor surdo chegou recentemente na EMEBS
e que o ele e os professores já têm pensado nas atividades de forma conjunta
para vivenciar com as crianças. Marcos expôs que o instrutor atua uma vez por
semana com as crianças surdas da Educação Infantil. Os três educadores
apontam que as atividades iniciais que o instrutor fará com as crianças
envolverão a contação de história e as brincadeiras.
Marcos coloca que, diante dos assuntos que ele deseja abordar com as
crianças da sua turma, ele articula seu trabalho com o do instrutor surdo; este já
planeja alguma história abordando o tema sugerido para contar às crianças.
Cecília enfatiza a relevância da presença desse profissional na educação de
surdos.
(...) Vem em sala de aula para interagir com eles, seja uma brincadeira. A proposta é: seja uma brincadeira, numa contação de história, mas que ele se coloque e que a criança entenda também com passar do tempo, né, de acordo com que ela já sabe, que ele também é surdo. (...) É modelo surdo. Que pra criança pequena, às vezes ainda é difícil, né. Eles ainda não têm muita noção de que eu sou ouvinte, né. Para eles de repente todo mundo é surdo, né. As crianças passando por essa fase de não entender tanto essa diferença (Relato de Cecília).
Da mesma forma, Clara explica que entende ser fundamental a presença
desse profissional na educação das crianças surdas para a construção da
identidade surda e, até mesmo, para que elas possam perceber que – apesar
dos excessivos cuidados familiares, que é algo muito comum, segundo a
professora – elas podem ter autonomia para trabalhar, dirigir, constituir uma
família, entre outros, quando atingirem a idade adulta.
(...) Então assim, se ela quer brincar, mas a mãe acha que está chovendo, a mãe não consegue explicar para ela que está chovendo, que está frio, então ela só vai reter, ela vai segurar e a criança fica ali retida sem saber o porquê ela está sendo retida, ela só queria brincar. Então assim... quando a criança encontra o adulto surdo e vê aí esse adulto tem independência, ele sabe escrever, esse adulto dirigir, esse adulto viaja, esse adulto tem família, tem filho. Isso é uma coisa muito importante porque eles conseguem ver isso nos pais, mas em alguns momentos eles não consegue ver porque o pai nunca deixa ele ter sua autonomia de fazer alguma coisa sozinho (Relato de Clara).
Nesse ponto a educadora parece trazer falas de senso comum em
relação à identidade.
Clara complementa dizendo que esse excesso de cuidados dos pais se
dá devido à falta de informação da área da saúde, que não esclarece que a única
106
barreira que essas crianças têm é a barreira linguística e nada mais. Muitos pais
entendem que seus filhos poderão ter alguma deficiência intelectual por conta
da surdez e ficam em busca da normalização das crianças. E o instrutor surdo é
o sujeito que desmistificará algumas compreensões equivocadas sobre a surdez;
e para as crianças ele será o modelo linguístico, de comunicação, de
comportamento.
Stelling (2019) disserta sobre o lugar de uma mãe de um filho surdo. Em
seu texto, ela traz todos os avanços da educação (a autora aborda sobre o
oralismo, comunicação total e bilinguismo na educação de surdos) e da saúde
(tratando a respeito do uso dos aparelhos auditivos, da ênfase na terapia oral-
auditiva a que as pessoas surdas eram submetidas) e também enfatiza o quanto
ainda não avançamos nas discussões com as famílias ouvintes de crianças
surdas: “(...) as famílias ouvintes são o grupo que mais necessita de informações,
esclarecimentos e orientação acerca de todas as possibilidades de
desenvolvimento de seus filhos surdos nas esferas terapêutica, social, linguística
e educacional” (STELLING, 2019, p. 109).
A educadora do Polo Bilíngue esclarece que as crianças já percebem que
ela é ouvinte e a instrutora é surda, e isso é um ponto positivo, pois elas
entendem o contato entre ambas e isto resulta na interação delas próprias com
as crianças ouvintes nos momentos coletivos (até mesmo ensinam os sinais para
as crianças ouvintes). Clara exemplifica isso trazendo o relato de uma criança
surda que é oralizada e no momento do parque ela se dirige às crianças ouvintes
e oraliza, e com a instrutora ou as demais crianças da sua turma, ela sinaliza.
Vale ressaltar a situação de desvantagem dessas crianças surdas em
relação às crianças dos contextos descritos anteriormente, uma vez que junto
com crianças ouvintes a comunicação sempre será parcial se esse coletivo não
utilizar Libras nas trocas cotidianas.
Clara relata que a instrutora participa de formação com professores e
ministra curso de Libras para as famílias das crianças da turma, para as demais
famílias das crianças ouvintes e para a comunidade ao redor. Os professores da
EMEBS mencionam que a Unidade Educativa oferece, semanalmente, curso de
Libras com o instrutor surdo para que os familiares tenham conhecimento e se
107
apropriem da língua de sinais, no entanto a adesão dos familiares é baixa e os
professores entendem que isso se dá devido ao horário que o curso é oferecido.
Quando avançamos na entrevista, o professor Marcos traz um tema
contraditório a tudo àquilo que foi apresentado pelas outras professoras
bilíngues. Marcos fala sobre o documento do Currículo da Educação Infantil
(SÃO PAULO, 2019b) e suas dificuldades no que diz respeito à educação de
surdos na Educação Infantil.
Então está tendo dificuldades, mas a dificuldade está sendo minha. Porque hoje o currículo pede que seja trabalhado a questão de brincadeiras, né. E aí eu falei assim, peraí (sic) gente: ‘mas não é somente brincadeiras, né, na educação infantil. A gente pode trabalhar a língua? Podemos. Junto com essa brincadeira? Podemos’. Eu falei... só que aí eu questionei também: ‘poxa, eu tenho dois alunos excelentes, né que já estão na parte da escrita, porque não também já ir introduzindo isso, né.’ Aí, até mesmo a coordenação falou: mas isso, você pode, as crianças são suas e você está vendo que eles estão acompanhando, porque não, né? Então isso daí vai ser um incentivo para eles lá na frente e assim. Deixa eu te mostrar. Não pode ter um caderno, não pode ter a escrita, mas também eu acompanho, eu já vou fazendo esse trabalho com eles. Esse trabalhinho de primeiro o alfabeto, né (Relato de Marcos).
O que se observa na fala do professor é que há uma sobreposição das
duas línguas. Ainda que ele enfatize na Libras, o educador mostra ter um foco
na Língua Portuguesa ainda na Educação Infantil. Cavalcanti (1999) trata sobre
a dificuldade encontrada no Brasil sobre se caminhar na perspectiva de uma
educação bilíngue, quando se trata de línguas minoritárias (como as línguas de
fronteira, por exemplo). A autora disserta que “(...) o Brasil não reconhece e não
encoraja o ensino bilíngue no contexto de minorias linguísticas” (CAVALCANTI,
1999, p. 395). Quando o professor Marcos ressalta a importância de se ensinar
a Língua Portuguesa, ele salienta a sua visão de superioridade linguística.
Em certo momento, o professor indica não concordar inteiramente com a
proposta do Currículo da Educação Infantil, que trata da ludicidade nessa etapa
da educação.
Eu acho assim, hoje em questão de currículo, ele pede somente a brincadeira, a alfabetização só partir do primeiro ano. Eu discordo disso, porque eu acho que quanto mais cedo também você incentivar essa criança a escrever, melhor a chance, né, de ela ter um sucesso (Relato de Marcos).
108
Professor Marcos reconhece que suas ações têm destoado um pouco
daquilo que o currículo traz como diretriz e esse reconhecimento fica claro em
sua fala:
Então, isso que eu acho que o pessoal da prefeitura não entende. Poxa vida, só trabalhar a brincadeira, claro que pode trabalhar a brincadeira, não sou contra, ao contrário, sou a favor. Mas eu acho que podemos também fazer essa ligação (Relato de Marcos).
No Currículo de Libras da Prefeitura de São Paulo (SÃO PAULO, 2019a)
encontramos propostas de vivências na Educação Infantil, com foco nas
interações e brincadeiras, não dando ênfase ao registro na modalidade escrita.
No entanto, há a imersão da criança no mundo da cultura letrada, com histórias
contadas, leitura de imagens de um panfleto de mercado, folheando uma revista,
entre outros exemplos.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL,
2010) trazem que: “As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular
da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a
brincadeira (...)” (BRASIL, 2010, p. 25).
No que diz respeito à importância do brincar para as crianças surdas,
Souza e Silva (2010) destacam que é através das brincadeiras que as crianças
surdas passam a atribuir significado aos objetos por elas usados no momento do
brincar. É durante o espaço do brincar que a criança vivencia “as formas
socioculturais dos adultos, recria e assimila as normas sociais” (MARTINS;
ALBRES; SOUSA, 2015, p. 109), portanto, são nestas experiências que as
crianças surdas têm a possibilidade de significar os objetos e, também, de ter a
interação com os outros no uso da língua de sinais.
No cotidiano do planejamento de práticas educativas para crianças surdas
Briega (2019) aponta que para elas o ensino significativo é o que emerge de um
propósito científico vivenciado no espaço educativo e, nesse contexto, o
processo de leitura e escrita será construído através da interlocução na língua
de sinais.
Tartuci (2015) também compreende que a língua de sinais é premissa
para o aprendizado de Língua Portuguesa na modalidade escrita para crianças
surdas:
109
[...] há que se considerar a importância da Libras como primeira língua, e que é com ela/nela que a criança surda se constitui como sujeito histórico e membro da cultura. No caso dos sujeitos surdos, faz-se necessário franquear-lhes a palavra, quer dizer, antes de escreverem nosso idioma (língua majoritária), deveriam poder se narrarem em sinais, e suas narrativas precisariam ser acolhidas por uma escuta também em sinais (TARTUCI, 2015, p. 61).
Briega (2019), ainda explanando sobre o trabalho do professor com a
criança surda, enfatiza que será a mediação do professor que oferecerá para
elas desafios diferentes daqueles vivenciados de forma espontânea na rotina
delas. Quando o que se objetiva é ampliar o conceito científico das crianças,
Nébias (1999) ressalta que o professor deve mediar as ações nos ambientes
educativos tendo como ponto de partida os conhecimentos espontâneos das
crianças. E, no caso da educação de crianças surdas, compreende-se que a
Libras assume um papel essencial nessa mediação que ocorre entre educador
e estudantes no acesso ao mundo letrado e todas as áreas de conhecimento.
Especificamente em relação ao trabalho do professor Marcos, notamos
que ele tem planejado práticas com alguma ênfase no português escrito, quando,
na realidade, a Libras é o que precisa ser priorizado na sua atuação com crianças
surdas, como língua que permeia toda a mediação; o que vai ao encontro do que
Briega (2019) defende como condição para a aprendizagem de conceitos
científicos.
O brincar também deve ocupar papel de destaque no planejamento de
rotinas na educação infantil por aquilo que favorece no desenvolvimento de
qualquer criança.
O que fica como ressalva naquilo que Marcos entende como contribuições
do brincar no planejamento de práticas na Educação Infantil, é o que o Currículo
da Educação Infantil traz como premissa de vivências na primeira infância:
As interações e as brincadeiras devem compor o currículo e possibilitar a realização de projetos pedagógicos que envolvam as diversas linguagens presentes nas experiências, sem separá-las, pois não é de modo fragmentado que os bebês e as crianças aprendem, mas enquanto vivenciam uma situação de forma integral (SÃO PAULO, 2019a, p. 68-69).
Nessa citação podemos destacar o trabalho com projetos, de modo a
integrar as diferentes áreas do currículo, trazendo aquilo que é de interesse das
110
crianças, reforçando a proposta de crianças protagonistas das aprendizagens,
interações e vivências. Numa linha que caminha mais na perspectiva do currículo
do município de São Paulo, temos o destaque do trabalho da professora Cecília,
que relata:
Quando foi antes das aulas começarem e até no período que as aulas estavam começando, eu já sabia basicamente, já tinha visto a anamnese das crianças, eu sabia que eles não tinham a Língua de Sinais e aí eu conversei com as coordenadoras no sentido de que o currículo é importante, óbvio, mas o currículo da Educação Infantil, ele está no brincar, no fazer, no ser criança e eu focaria tudo que eu fizesse baseado no processo de aquisição de língua. Então vamos brincar, vamos criar autonomia, mas tudo eu vou dizer antes o que nós vamos fazer. Antes e depois. Antes, durante e depois. Então assim, a gente vai escovar os dentes, aí fica aquele ponto de interrogação. Então aí a gente vem para escovar os dentes, aí pega a pasta e tudo, aí eu vou mostrando. Aí eles escovam os dentes: “olha você está escovando o dente”. A criança escovou: “pronto, já escovou os dentes”. E assim, “vamos beber água”, aí todo mundo pega a caneca, aí vamos beber água: “olha, está bebendo água”. E aí tudo que a gente faz, a gente faz nessa perspectiva de mostrar o que está fazendo, de dizer o que fez, de tirar foto. Eu tiro foto e mostro para eles, e mostro o que a gente fez. E aí eu filmo eles fazendo alguma coisa e depois eu mostro para eles: “olha o que a gente fez”. Então tudo que a gente faz dentro da proposta de um currículo de educação infantil, da vivência do brincar, de contar história, de faz de conta, a gente faz, mas com uso... mas, eu faço questão de mostrar para eles o que aquilo é. Vivenciar a coisa da língua de sinais, né (Relato de Cecília, grifo nosso).
No trecho grifado notamos a centralidade que o ser criança recebe no
planejamento da professora, ao perceber o destaque no brincar e reconhecer a
prioridade da socioconstrução de uma língua pelas crianças de sua turma.
Em seu relato a professora Cecília esclarece quanto ao seu planejamento
e a sua rotina diária com as crianças. A professora descreve que se baseia no
Currículo da Educação Infantil (SÃO PAULO, 2019b) e organiza suas atividades
com a construção da Libras e se mostra uma professora que intenciona que a
criança internalize o máximo de informações em seu código linguístico, a partir
do experienciado. A educadora aponta a importância de as crianças terem
oportunidade de experienciar tudo aquilo que o professor percebe ser necessário
vivenciar, mediante as observações que faz de suas crianças.
No relato anterior de Cecília chamamos atenção para o fato de que se ela
não utilizar a fala em situações realmente significativas, dialógicas, que
intencionem favorecer discursividade, aí teremos um problema na forma como
ela conduz a dinâmica da turma. Identificamos na questão de Cecília dizer
111
reiteradas vezes as mesmas falas, a possível intenção de querer mostrar a
importância de trazer tudo o que a criança vive para a dimensão da palavra, uma
vez que ocorre a “significação da palavra no contexto do seu uso” (SOUZA,
SILVA, 2010, p. 707).
Adriana ressalta o trabalho coletivo que acontece com as três salas de
EMEI da EMEBS Joahan Pestalozzi.
Mas eles estão naquela da curiosidade, aí eles estão se comunicando com a outra sala. Porque a gente trabalha muito junto, né, as três salas de EMEI. E os maiores também vão puxando um pouco eles na comunicação, né, porque eles vão se comunicar entre eles. Então a gente vê isso também, eles tentando... como os maiores já tem mais sinais, eles já pegam mais, dando uma puxadinha nos menores, né. Então, mas assim, vai no dia a dia mesmo, na fluência da sala de aula. E, às vezes, mais específico na atividade, numa atividade específica que você vai trabalhar o corpinho, então você dá... pontua mais um sinal e mostra mais. Enfatiza mais uma atividade numa brincadeira. Mas no dia a dia todas as atividades a gente vai colocando os sinais mesmo, toda comunicação é feita com a Libras, né (Relato professora Adriana).
Aqui, a professora traz um fator interessante dentro da educação de
surdos, que é estar entre pares coetâneos surdos e ter a oportunidade de trocas
entre eles. Quer dizer, dar a possibilidade das crianças bem pequenas já
interagirem e aprenderem novos sinais com outras crianças maiores – na língua
de instrução da comunidade surda. São nesses momentos que as crianças de
três anos têm a chance de iniciar a construção de suas identidades.
Recentemente, no município de São Paulo, houve a publicação de três
Currículos da Cidade de São Paulo: Libras, Língua Portuguesa para Surdos e
Educação Infantil (SÃO PAULO, 2019a; SÃO PAULO, 2019c; SÃO PAULO,
2019b.).
Adriana descreve as dificuldades encontradas pelos professores que
atuam na Educação Infantil da EMEBS em tentar articular o currículo da
Educação Infantil com o de Libras, uma vez que há grandes especificidades do
público na faixa etária atendida por eles.
A educadora menciona que a professora Cecília participa de um curso
oferecido pela DRE (o curso teve oferta de vagas limitadas, não podendo ser
contemplado a todos os professores de Educação Infantil da DRE, onde a escola
é localizada), em que se aborda acerca do Currículo da Educação Infantil no
112
qual muito se fala a respeito da “escuta de bebês e crianças pequenas”20 e que
essa é uma ação que não é possível acontecer na rotina da EMEBS, uma vez
que as crianças ainda não possuem uma língua estabelecida.
Com isso, a equipe de professores da Educação Infantil e coordenação
pedagógica estão construindo, reformulando seus documentos da Unidade
Educativa. Adriana faz essa crítica, pois é muito forte o apontamento dos
educadores da EMEBS quanto ao Currículo da Cidade de São Paulo e a eficácia
de sua aplicabilidade com as crianças surdas:
Acho que esse ano está sendo isso, essa construção dessa junção de todas essas ideias da EMEI com Currículo de Libras. Nessa construção, a gente fez tentando montar, a gente já montou o nosso PPP, o projeto criando e adaptando a realidade deles (relato professora Adriana).
Adriana apresenta, então, a defesa de que fazer a escuta de um bebê
(e/ou uma criança pequena) está implicado apenas em ouvir aquilo que eles
dizem, e não nas observações daquilo que fazem ou deixam de fazer ao longo
da rotina educativa.
A escuta, entendida como metáfora, significa, sobretudo, a disponibilidade permanente do adulto de estar aberto à comunicação com bebês e crianças que se expressam em múltiplas linguagens. Buscar formas de ouvir bebês e crianças é, portanto, um desafio a ser abraçado cotidianamente por educadoras e educadores, e constitui, ao mesmo tempo, a expressão da concepção de criança capaz, competente e com direito à participação (...) (SÃO PAULO, 2015b, p. 14).
A escuta de bebês está para além de apenas ouvi-los em sua língua, cabe
observá-los nas miudezas e em todas as múltiplas linguagens, para assim
planejar e elencar projetos e atividades a serem realizadas com eles, permitindo
que sejam protagonistas nas suas construções de culturas infantis.
Ainda em relação à articulação do Currículo da Educação Infantil e do
Currículo de Libras, a professora Clara expõe que essa é uma ação recorrente
para ela, uma vez que desde que ela iniciou o seu trabalho nessa EMEI, antes
mesmo de assumir a classe bilíngue, ela já pensava nas suas ações (para
20 Termos entre aspas, pois são os termos utilizados no Currículo da Educação Infantil.
113
quando fosse assumir a sala) com as crianças em Libras, o que facilitou a junção
dos dois currículos neste momento.
No que envolve a parceria entre família e Unidades Educativas, um fato
que se repete nas escolas bilíngues é que todas as crianças se deslocam até a
Unidade Educativa e retornam às suas casas via transporte escolar e, por essa
razão, não há um contato diário com os responsáveis pelas crianças. No entanto,
esse contato sempre acontece via agenda e, quando há necessidade, os pais
comparecem à escola.
Em linhas gerais, os educadores dissertam que a comunicação com as
famílias acontece via agenda, reunião de pais, Whatsapp, já que a distância
entre as residências das famílias e as escolas impedem o comparecimento
frequente, como por exemplo, levar ou buscar o filho na escola na Unidade
Educativa.
Campos (2009) aborda a relevância da família das crianças surdas
também se apropriarem da língua de sinais, visto que as crianças participam de
eventos informais com suas famílias (festas, igreja, passeios ao shopping etc.).
A relação entre família e escola se faz importante para acompanhar as
aprendizagens das crianças, assim como acontece com as crianças ouvintes,
além das famílias terem a oportunidade de conhecer a comunidade surda e dela
fazer parte.
A instrutora Vilma relata que sua relação com as famílias é mais para tirar
dúvidas sobre alguns sinais por meio do Whatsapp e Facebook, mas o contato
mais próximo acontece no curso de Libras oferecido pela instrutora.
Já Paula expõe que seu contato com a mãe da criança surda atendida em
sua turma é muito próximo. Por exemplo, a mãe sempre traz sugestões da
maneira como atuar com o filho, comunica quando a criança realizará o implante
coclear e passa todas as informações necessárias quanto ao manejo do
implante, entre outras informações. Da mesma forma, a mãe busca saber como
caminha o desenvolvimento do filho, bem como se mostra parceira do CEI no
que tange as aprendizagens da criança.
Ao analisarmos a fala dos fonoaudiólogos e dos professores em relação
à família, podemos perceber que essas relações não são consolidadas. Em meio
a um emaranhado de informações, por parte da saúde e por parte da educação,
114
encontram-se familiares sozinhos e precisando tomar decisões quanto aos
encaminhamentos das crianças surdas. Fonoaudiólogos e professores fazem
indicações às famílias (em relação a língua oral ou ao uso de Libras, se a
matrícula tem que ser feita em Unidades Educativas regulares ou em Unidades
Bilíngues etc.) e cabe unicamente a elas (a família) a tomada de decisões.
Garrutti, Campos e Holanda (2020) trazem à tona toda a dificuldade de
uma família em busca de um melhor atendimento para o seu filho surdo, uma
vez que a escola demonstra um fazer excludente com a criança, enquanto a
fonoaudióloga permanece defendendo a terapia auditiva e no meio de toda essa
confusão familiar existe uma criança sem uma língua, sem se fazer compreender
e sem compreender aquilo que passa ao seu redor.
Já o contato com fonoaudiólogos não acontece. Cecília contou que certa
ocasião teve contato com psicólogo, via telefone, para conversa sobre uma
criança, que era da turma que ela atendia, mas tal aproximação com o terapeuta
não aconteceu esse ano.
Marcos esclarece que não há qualquer trabalho articulado com os
fonoaudiólogos que fazem atendimento terapêutico com as crianças
matriculadas em sua turma e essa é a mesma fala da professora Adriana e da
professora Paula.
A professora Clara afirma que recebe informações dos fonoaudiólogos via
agenda, por meio de informações passadas pelos responsáveis, mas o contato
direto com os terapeutas não acontece.
Olha, da saúde a gente não costuma receber, não. É assim, sempre a gente tem só a devolutiva que os pais trazem, né: “ah, a fono falou que é importante usar o aparelho, falou que ele já tá conseguindo, a fono percebe que ele, quando ela vai mostrar alguma figura, uma coisa, ele já faz em Libras, né, e para oralizar depois que já conhece a Libras, fica mais fácil”. Então, só as devolutivas de pais, né. A gente não tem esse contato com a saúde (Relato professora Clara).
Tal relato da educadora vem ao encontro da entrevista realizada com o
fonoaudiólogo Cassio, que esclareceu que fazia uso de sinais soltos da Libras
como apoio em sua terapia fonoaudiológica.
Encerramos a Seção 5 e partiremos, agora, para a última Seção, que trata
das Considerações Finais.
115
Considerações Finais
Na escola dos meus sonhos (...) Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério e um mês por ano setores não vitais da instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados e comparados às suas práticas (Frei Betto).
A presente pesquisa teve como pergunta principal: Por que há um número
tão reduzido de bebês e crianças surdas matriculadas nas unidades de
Educação Infantil no município de São Paulo? Esse questionamento surge da
realidade comum observada pela pesquisadora em sua atuação junto ao CEFAI
(na função de Professora de Apoio e Acompanhamento à Inclusão). Tal questão
chave conduz a questão desta pesquisa, que foi conhecer as orientações que os
pais recebem quanto aos encaminhamentos, tanto na área da saúde quanto na
área da educação, de seus filhos surdos.
Para chegar ao público dessa pesquisa (bebês e crianças surdas) tivemos
que abordar os profissionais da saúde que os atendem, os professores de
escolas bilíngues e escolas regulares até chegar nas famílias. E é aqui que
criamos o elo com a citação de Frei Betto inserida no início dessa seção. “Na
escola dos meus sonhos (...) há uma integração entre escola, família e
sociedade”. Com o caminhar da pesquisa, pudemos observar as lacunas entre
a integração dos equipamentos da saúde e da educação – entre si e,
principalmente, com as famílias, o que será apresentado ao longo desta seção.
Os objetivos da pesquisa foram alcançados. Como objetivo geral,
conseguimos verificar junto às famílias quais são as orientações recebidas
quanto ao ensino de Libras pelos profissionais da saúde e da educação.
Quanto aos objetivos específicos também conseguimos mapear o número
de bebês e crianças surdas atendidas pelas áreas da saúde e da educação no
município de São Paulo. Alcançamos as informações no que diz respeito ao
trabalho dos professores bilíngues e de salas regulares junto às crianças surdas,
e traçamos a visão desses profissionais sobre a inserção da língua de sinais.
116
Pudemos, do mesmo modo, delinear as orientações dos fonoaudiólogos quanto
à matrícula dos bebês e crianças surdas nos espaços de Educação Infantil e
atingimos as informações no que se refere a visão sobre a inserção de Libras
para o mesmo público. Por fim, obtivemos dados sobre a opinião dos familiares
acerca do uso da Libras por seus filhos, e quais considerações tais famílias
fazem sobre o atendimento recebido tanto na área da saúde quanto da
educação.
Os resultados da pesquisa mostram que temos um número reduzido de
bebês e crianças surdas matriculadas nas unidades de Educação Infantil no
município de São Paulo.
Na área da educação pudemos constatar que os profissionais bilíngues
demonstram ter uma visão socioantropológica do sujeito surdo, reconhecendo a
Libras como L1, tendo como prática a socioconstrução da Libras na rotina da
Educação Infantil, através de vivências e brincadeiras nos espaços educativos.
Todos os profissionais bilíngues entrevistados atendem crianças na faixa
etária entre quatro e seis anos. Os professores revelam também que a maioria
das crianças dessa faixa etária chegam à escola sem um conhecimento prévio
da língua, apenas com sinais caseiros utilizados nas rotinas familiares.
Dos profissionais que atuam na Escola Municipal de Educação Bilíngue
para Surdos, todos fazem uso das atividades da rotina a fim de apresentarem os
sinais para as crianças. Esses profissionais destacam também o lúdico e brincar
na rotina das crianças, sendo que apenas um dos professores se mostrou
preocupado com a alfabetização das crianças de quatro anos de idade, o que
destoa do Currículo da Educação Infantil do município de São Paulo. As outras
duas professoras demonstram ter mais clareza sobre a concepção de infância,
com aprendizagens através de experimentações, vivências e brincadeiras.
A professora do Polo Bilíngue também apresenta os sinais na rotina das
crianças dentro da Unidade Educativa, no entanto, nos dá indícios que esses
sinais são apresentados isoladamente, sem um contexto na língua de sinais.
Os quatro professores relatam se apoiar em imagens, uma vez que as
crianças surdas são bastante visuais. Todos estes profissionais também
comentam fazer uso da contação de histórias como estratégia pedagógica em
suas rotinas educativas.
117
Outro ponto em comum observado nas duas Unidades Educativas
(EMEBS e Polo Bilíngue) é a presença do instrutor surdo trabalhando em
conjunto com os professores bilíngues. A presença desse profissional consta em
um dos artigos do Decreto nº 52.785 (SÃO PAULO, 2011), que trata da abertura
das EMEBS:
Art. 6º Além dos professores regentes de classe/aulas, as EMEBS contarão também com:
I - instrutor de LIBRAS: profissional contratado pela Secretaria Municipal de Educação, preferencialmente surdo, com certificação mínima em nível médio e certificado de proficiência no uso e no ensino de LIBRAS; [...].
Desse modo, pudemos observar que a legislação municipal está sendo
cumprida.
Já na Unidade Educativa regular as ações divergem daquelas apontadas
nas EMEBS e no Polo. Em tal Unidade não contamos com a presença de uma
professora bilíngue, que possa fazer uso da Libras como língua de interlocução.
A língua majoritária é a Língua Portuguesa, não se respeitando a Libras como
primeira língua de acesso para a criança surda.
Pudemos, então, concluir que há um despreparo na inclusão de bebês
surdos em CEIs no município de São Paulo, uma vez que a legislação municipal
(SÃO PAULO, 2016d) regulamenta que pode haver o contrato de um instrutor
surdo para atuar em unidades regulares.
Os fonoaudiólogos apresentam práticas diferentes, atendendo às
normativas adotadas por cada equipamento. Há equipamentos que trabalham
com terapias exclusivamente orais e que não indicam o contato com a Libras
pelas crianças surdas. Em contrapartida há equipamentos que sugerem a Libras
para as famílias, apesar da terapia oral.
Há terapeutas de um equipamento que não admitem e nem fazem
indicação da língua de sinais para os bebês e crianças surdas atendidos no local
(conforme normativa do equipamento, segundo fala das fonoaudiólogas),
apenas apostando nas terapias orais.
Já o outro equipamento conta com profissionais da saúde auditiva que se
apoiam na língua de sinais, com vistas a avançar na terapia oral, no entanto,
como discutido na Seção 5, a Libras não é um apoio da Língua Portuguesa, ela
118
é razão em si e deve ser respeitada como língua (como a primeira língua para o
surdo, inclusive).
No terceiro equipamento, onde houve coleta de dados, as fonoaudiólogas
verbalizam o reconhecimento da Libras como língua, e dizem, inclusive, que
pretendem fazer um curso para aprender a língua e falam de profissionais do
local que têm fluência na Libras; porém, uma profissional apresenta um certo
incômodo ao falar de uma das crianças que atende e a mãe a matriculou na
EMEBS. As fonoaudiólogas dizem ter a preferência em indicar matrícula das
crianças para o Polo, pois lá tem salas de ouvintes também, diferente da EMEBS
que só usa a Libras.
Apesar dessas discrepâncias os fonoaudiólogos dos equipamentos de
saúde auditiva fazem indicação de matrícula para os bebês e crianças surdas
em CEIs ou EMEIs regulares, no entanto, dois equipamentos deixam para os
familiares a opçao pela matrícula em escola regular ou escola bilíngue.
Quanto aos familiares, todos demonstram estar contentes com os
avanços de suas crianças surdas, assim como com os serviços oferecidos nas
terapias orais e nas unidades educativas.
No que tange a língua de sinais os familiares demonstram visões
diferentes da língua: um pai aposta na Libras, enquanto uma mãe demonstra
não aceitar a vivência de seu filho com a língua de sinais, e uma avó que
reconhece a Libras como língua de interlocução do seu neto, embora ela mesma
não faça uso da língua da criança.
Ficou evidente na pesquisa que as famílias sentem uma melhor acolhida
pela área da educação, instituição essa que apresenta opções de caminho a ser
seguido pela família, diferente da área da saúde. É na escola que os familiares
encontram informações sobre a língua de sinais (Berenice traz essa informação
quando diz que no CEI ‘uma pessoa’ falou com ela sobre o Polo), e é nesse local
também que os familiares podem aprender a língua de interlocução com as suas
crianças.
Aos profissionais, tanto da saúde quanto da educação, são ofertadas
diversas formações a respeito da surdez, tais como formações no próprio local
de trabalho, especializações, pós-graduação, entre outros. Já aos familiares
essa oferta não acontece. A eles chega o que esses mesmos profissionais
119
indicam como o mais benéfico para as crianças, já que eles, os profissionais, são
“os especialistas”, sem uma oportunidade de diálogo com profissionais de
diferentes áreas do conhecimento e com diferentes posições em relação à
inserção da Libras na rotina de seus bebês ou crianças surdas. E no meio de
tudo isso, estão as crianças surdas, sem uma língua de interlocução aguardando
que algum adulto possa oferecer a ela o que julgam ser o melhor.
São Paulo ainda está escasso no que diz respeito à Políticas Públicas de
Educação para bebês e crianças surdas. Em 2019 aconteceram formações com
os profissionais da Educação Infantil por conta da implementação do Currículo
da Educação Infantil (SÃO PAULO, 2019b). Os professores bilíngues que
atendem crianças dessa modalidade puderam comparecer às formações, no
entanto perceberam certo distanciamento entre as discussões e as vivências
experienciadas pelas crianças surdas.
Outro ponto importante a ser destacado é o fato de não se ter garantido
legalmente o atendimento por professores bilíngues para atuarem com bebês
surdos nos CEIs, como acontece nas EMEBS e nos Pólos Bilíngues.
Podemos agora afirmar que as crianças surdas que obtivemos acesso
pela via do atendimento na área da saúde auditiva do município de São Paulo
estão em maioria matriculadas em espaços educativos de Educação Infantil,
sejam eles regulares ou bilíngues.
Já no que diz respeito aos encaminhamentos sugeridos aos familiares das
crianças surdas, concluímos que que esses encontram um acolhimento maior na
educação, que demonstra ter a mesma indicação, que é a socioconstrução da
Libras e as vivências junto com outros sujeitos surdos para que as crianças
surdas possam construir sua identidade e sua cultura. No entanto, no campo da
saúde, constatamos que os encaminhamentos não são alinhados e diferem de
cada local de atendimento.
E no embaraço de tudo isso temos crianças surdas esperando pela
socioconstrução de uma língua, para poder se comunicar e interagir com o meio
e com os outros.
Com o fim desse estudo espera-se que o Poder Público se mobilize e
pense estratégias articuladas e que beneficiem nossos bebês e crianças surdas
para que, de fato, tenham seus direitos garantidos.
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135
APÊNDICES
Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – fonoaudiólogos
136
137
138
Apêndice B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – professores
139
140
141
Apêndice C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – família
142
143
144
Apêndice D – Roteiro de entrevista – fonoaudiólogos
145
146
147
Apêndice E – Roteiro de entrevista – professores
148
149
150
Apêndice F – Roteiro de entrevista – família
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152
153
ANEXOS
Anexo A – Memorando Circular 003/2017/SME-G
154