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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA BÁRBARA WENNER REFUNCIONALIZAÇÃO DO HIPERCENTRO BELO-HORIZONTINO: ENOBRECIMENTO E A HIPSTERIZAÇÃO DA PAISAGEM URBANA (2004-2017) VIÇOSA- MG 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

BÁRBARA WENNER

REFUNCIONALIZAÇÃO DO HIPERCENTRO BELO-HORIZONTINO:

ENOBRECIMENTO E A HIPSTERIZAÇÃO DA PAISAGEM URBANA

(2004-2017)

VIÇOSA- MG

2017

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Bárbara Wenner

REFUNCIONALIZAÇÃO DO HIPERCENTRO BELO-HORIZONTINO:

ENOBRECIMENTO E A HIPSTERIZAÇÃO DA PAISAGEM URBANA

(2004-2017)

Monografia apresentada à disciplina GEO 484

como exigência parcial para obtenção do grau

de bacharel em Geografia, pela Universidade

Federal de Viçosa.

Orientadora: Maria Isabel de Jesus

Chrysostomo.

VIÇOSA-MG

2017

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe Vânia e minha família pelo apoio e amor incondicional durante

toda a vida.

À Giselle e André, pelos perrengues superados ao longo do curso. E, claro,

pela amizade, apoio e doação.

Aos amigos da Geografia 2012, em especial Deivison, Rogério e Ariecha. Alex

pelo apoio e amizade.

Ricardo e Amanda pelas fotos, amizade e conversas.

À minha orientadora Isabel pela Imensa paciência e gentileza.

Aos técnicos e professores do DGE, pela dedicação e solicitude.

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“Desde o tempo da Acrópoles várias metrópoles

Cosmopolita, virarei cosmo vindo da escrita

Escriba doem nossas memórias na sua oratória

Somos o que coexiste nas parábolas e parabólicas

Morte simbólica, moral da história

Pivete, nós é o renascimento da poesia de escoria! Vu pai!”

(Tropicália, Baco Exú do Blues)

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RESUMO

A utilização do marketing urbano no planejamento contemporâneo transforma a

paisagem a partir do processo de estetização, já que se torna um objeto de

consumo visual. O presente trabalho buscou compreender o processo de

refuncionalização do Hipercentro de Belo Horizonte a partir da presença da

estética derivada da subcultura hipster na paisagem urbana. Na última década,

essa estética se tornou comum em áreas enobrecidas, estando relacionada à

chegada de classes médias em locais popularizados. No âmbito metodológico,

além da revisão teórica que abordou as principais temáticas desse processo,

foi realizado o estudo de caso do Hipercentro Belo Horizontino, que passa pela

refuncionalização desde o início dos anos 2000. Como resultado, há uma

grande semelhança estética com outros locais enobrecidos, explicitando o

fenômeno da banalização da paisagem urbana. Percebe-se também, a

expansão do processo de enobrecimento ligado ao consumo, mesmo com a

presença de movimentos de resistência no local.

Palavras-chave: Belo Horizonte. Paisagem Urbana. Refuncionalização.

Apropriação Cultural. Enobrecimento Urbano

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ABSTRACT

The use of urban marketing in contemporary planning transforms a landscape

from the process of aesthetization, since it is more an object of visual

consumption. The present work sought the process of refunctionalization of the

Hypercentro of Belo Horizonte from the presence of the aesthetics derived from

the hipster subculture in the urban landscape. In the last accounting, this ethics

is very common in the areas of emotion, being related to the availability of

middle classes in popular places. There is no methodology, besides the

theoretical revision that was discussed as the main themes of the process,

carried out in the Belo Horizontino Hipercentro case study, which has been

refunctionalized since the beginning of the 2000s. As a result, there is a great

aesthetic similarity with other ennobled sites, explaining the phenomenon of

banalization of the urban landscape. It is also perceived an expansion of the

gentrificationprocess linked to consumption, even with a presence of non-local

resistance movements.

Keywords: Belo Horizonte. Urban Landscape. Revitalization. Cultural

appropriation. Gentrification

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1 As postagens da PBH na plataforma Instagram. ............................... 19

Figura 2 O perfil oficial da PBH no Instagram: divulgação e interação com os

usuários. ........................................................................................................... 20

Figura 3 Bushwick nos anos 1980, antes do enobrecimento, pela fotógrafa

Maryl Meisler. ................................................................................................... 29

Figura 4 Bushwick depois da gentrificação: local de consumo e turismo,

sobretudo pela arte urbana presente no bairro. ............................................... 30

Figura 5 Frames do filme ―Faça a Coisa Certa‖, Dirigido por Spike Lee (1989).

......................................................................................................................... 30

Figura 6 A série Girls, HBO (2012). .................................................................. 31

Figura 7 Protesto de uma comunidade latina contra as remoções no Brooklyn.

......................................................................................................................... 32

Figura 8 Um grupo que remete ao estereótipo da subcultura hipster. .............. 39

Figura 9 Publicidade da rede American Eagle Outfitters, 2005. ....................... 39

Figura 10 Uso da técnica indiana Mehndi e cocares dos povos nativos

americanos, como modo acessórios de moda no Coachella. .......................... 41

Figura 11 Uso do Darkin, Hijab e Bindi, também no Coachella. ....................... 42

Figura 12 No Glastonburny, o tapee e o yurk são as instalações de luxo do

festival. ............................................................................................................. 42

Figura 15 Ironia e o Consumismo. ................................................................... 47

Figura 16 Apropriação da Estética Degradada e da Arte Urbana. ................... 48

Figura 17 A Rua Como Cenário e o Eu Como Protagonista. ........................... 48

Figura 18 Valorização do Patrimônio Arquitetônico Urbano. ............................ 49

Figura 19 Os bairros Hipsters no Mundo .......................................................... 51

Figura 20 Planta Geral da Cidade de Minas, 1895. .......................................... 53

Figura 21 O Hipercentro ................................................................................... 54

Figura 22 Arte Urbana próximo a Av. Amazonas ............................................. 59

Figura 23 CentoeQuatro e proximidades. ........................................................ 61

Figura 24 Praça da Estação e a instalação dos murais nas empenas dos

edifícios. ........................................................................................................... 63

Figura 25 Arte Urbana na Estação Central. Rua Sapucaí. ............................... 62

Figura 26 Murais e arte urbana à Av. dos Andradas. Próximos aos shoppings

populares.......................................................................................................... 65

Figura 27 Arredores da Rodoviária de Belo Horizonte ..................................... 65

Figura 28 Vista para o edifício JK, a partir do edifício Mesbla, no Hipercentro. 66

Figura 29 O bairro Sheung Wan, em Hong Kong. ............................................ 69

Figura 30 Hipercentro, Belo Horizonte. ............................................................ 70

Figura 31 Williamsburg e Bushwick,Nova Iorque. ............................................ 70

Figura 32 Vila Madalena, Baixo Augusta e Minhocão em São Paulo. .............. 71

Figura 33 Infográfico: O entretenimento Hipster no Hipercentro ...................... 74

Figura 34 Duelo de MCs, no Viaduto Santa Tereza. ........................................ 80

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9

2 CAPÍTULO I: A (RE)CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM URBANA NA

CONTEMPORANEIDADE ................................................................................ 12

2.1 MARKETING URBANO, CONSUMO VISUAL E REFUNCIONALIZAÇÃO 12

2.2 A ESTETIZAÇÃO DA PAISAGEM URBANA .............................................. 20

2.3 ENOBRECIMENTO E A FORMAÇÃO DE NOVAS PAISAGENS .............. 25

3 CAPÍTULO II: A SUBCULTURA HIPSTER E A CIDADE .............................. 33

3.1 IDENTIDADES, SUBCULTURAS URBANAS E O CONSUMO .................. 33

3.2 A SUBCULTURA HIPSTER ...................................................................... 37

3.3 A ESTÉTICA HIPSTER, FOTOGRAFIA E A PAISAGEM URBANA .......... 45

4 CAPÍTULO III: REFUNCIONALIZAÇÃO E A HIPSTERIZAÇÃO DA

PAISAGEM URBANA DO HIPERCENTRO (2004-2017) ................................. 52

4.1BELO HORIZONTE E O HIPERCENTRO: ASPECTOS HISTÓRICOS ...... 52

4.2 TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO HIPERCENTRO .......................... 57

4.3 A BANALIZAÇÃO DA PAISAGEM E DO CONSUMO HIPSTER NOS

CENTROS URBANOS ..................................................................................... 67

4.4 IMPLICAÇÕES, TENSÕES E RESISTÊNCIAS ......................................... 76

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 82

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 85

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1 INTRODUÇÃO

As políticas de requalificação urbana transformaram de modo

significativo o Hipercentro de Belo Horizonte em quase 15 anos. Essa

transformação ocorreu de maneira efetiva a partir da implantação do projeto

Centro Vivo, da Prefeitura de Belo Horizonte. Essa área renegada pelos

setores da classe média desde os anos 1970 cada vez mais se consolida como

um local essencial no cenário cultural da cidade. A refuncionalização desse

espaço se insere em um panorama de transformações na esfera política,

econômica e cultural nas últimas décadas do século XX. Nesse contexto,

percebe-se a emergência de um novo planejamento urbano que assimila a

concepção empresarial na administração pública.

Essas transformações promovem um cenário bastante ambíguo. Os

aspectos positivos se referem com a valorização da história, patrimônio e a

ocupação dos espaços urbanos. No entanto, os setores privados através de

uma lógica cultural hegemônica, impõem o consumo como relação ao espaço

público. A paisagem urbana adquire importância nesse processo, uma vez que

se torna atrelada ao consumo visual. O consumo promove um novo tipo de

sociabilidade entre o indivíduo e a cidade, transformando a noção de espaço

público e de cidadania.

A revalorização e progressiva preocupação estética da paisagem,

mesmo sendo um fenômeno recente, é uma tendência que se consolida em

vários espaços urbano contemporâneos. Além disso, percebe-se atrelada a

transformação da paisagem, a chegada de novos empreendimentos que

oferecem um consumo sofisticado, em comparação ao que existia

anteriormente. A pesquisa surgiu a partir da observação da emergência de um

padrão estético hipster na região do Hipercentro, assim como a consolidação

desse comércio voltado às classes médias.

O padrão estético deriva da subcultura hipster, um grupo contemporâneo

que possuiu grande notoriedade pela presença nos processos de

enobrecimento urbano em várias cidades do mundo. O hipster é uma

generalização de uma classe média que possui um estilo de vida que tenta

resgatar a autenticidade perdida a partir da massificação de consumo. Essa

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subcultura surgiu através das plataformas sociais no início dos anos 2000 e se

tornou um lifestyle ligado às classes médias. A estética derivada dessa

subcultura tem como característica o ecletismo de estilos, sendo o aspecto

retrô um dos mais característicos, assim como a assimilação de aspectos

culturais de diferentes matrizes culturais.

A pesquisa tem como finalidade compreender as transformações

recentes do Hipercentro, a partir da presença do aspecto estético hipster na

paisagem urbana e evidenciandoa complexificação do consumo nessa

localidade. A partir disso, identificar os principais conceitos, caracterizar os

principais agentes nesse processo e permitir que a paisagem seja um ponto de

partida para a discussão da refuncionalização. De modo específico, pretende-

se:

Apresentar o Marketing urbano como a concepção político-econômica

relacionada às essas transformações;

Definir o fenômeno da estetização das paisagens e relacioná-lo ao

fenômeno do enobrecimento urbano;

Destacar a atuação das subculturas urbanas ao consumo na

contemporaneidade;

Indicar as características da subcultura hipster, a problemática da

apropriação cultural e discutir a representação da paisagem urbana hipster

a partir da fotografia;

Caracterizar a área de estudo e identificar as principais alterações do

Hipercentro nos últimos anos;

Discutir a banalização da paisagem urbana Hipster através do aplicativo

Instagram e analisar transformações no espaço público e cidadania no

contexto da refuncionalização.

A metodologia se baseou em três eixos: revisão bibliográfica, trabalho de

campo no Hipercentro e a produção e seleção de registros fotográficos,

visando compreender a iconografia hipster. A pesquisa também levou em

consideração a experiência pessoal da autora na região de estudo, de modo

que muitas das observações estão ligadas a memórias e experiências vividas

ali.

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A revisão bibliográfica foi realizada a partir de livros, artigos, documentos

oficiais, reportagens, artigos jornalísticos e entrevistas. Outras mídias também

foram utilizadas, como documentários, séries e filmes. Muitos dos artigos

revistas digitais e artigos são oriundos de mídias estrangeiras, uma vez que a

discussão sobre o enobrecimento é algo mais consolidado em outras

localidades. Esses artigos fornecem pontos de vista pertinentes, mesmo se

tratando de outra realidade, ajudando a discutir essa questão. De modo geral,

há uma diversidade fontes e um intenso diálogo presente entre outros campos

de conhecimento, sobretudo conceitos ligados à Comunicação e à Sociologia.

Os trabalhos de campo ocorreram ao longo do último ano, de maneira

dispersa, intensificando-se de Julho à Setembro. Nessas visitas, não havia

itinerário pré-definido, e muitas vezes se privilegiava algum tipo evento

específico para realizar a observação. Essas observações foram registradas

em um diário, utilizado para elaborar as descrições das transformações

recentes contidas no último capítulo. O local de estudo, o Hipercentro, foi

inteiramente visitado e houve conversas com comerciantes, moradores,

trabalhadores da região, sem o registro nem roteiros de entrevistas formais.

Para exemplificar a questão da iconografia hipster foram realizados

registros autorais que buscavam exemplificar os aspectos dessa estética em

relação à paisagem urbana, como um exercício de imersão nessa subcultura. A

partir do aplicativo Instagram, foram coletados registros em cidades distintas,

mas em áreas hipsters, para compará-los e relacioná-los ao movimento de

banalização dessa estética nos espaços urbanos contemporâneos e

problematizar essas novas paisagens.

A pesquisa busca contribuir com uma interpretação crítica sobre o

processo de refuncionalização da área do Hipercentro. De modo geral,

percebe-se o privilégio das atividades realizadas pelos setores privados e pelas

classes médias, em detrimento de expressões populares. Além disso, também

pela admiração pessoal em relação ao Duelo de MCs, evento que ocorre no

Viaduto Santa Tereza desde meados de 2007, e hoje se constitui como um

movimento de resistência urbana.

A realização do Duelo de MCs, apesar da sua importância cultural, é um

evento que enfrenta diversas dificuldades para sua realização, em função de

preconceito por parte da sociedade, mídia e autoridades em geral. Apesar da

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falta de apoio, o movimento conseguiu criar uma cena local de Hip Hop

reconhecida nacionalmente. Por outro lado, iniciativas empresariais voltadas ao

segmento das classes médias, na mesma área, recebem um tratamento

bastante distinto em relação ao Duelo. Esses novos empreendimentos

contribuem para o processo de enobrecimento a partir da sofisticação dos

serviços oferecidos.

2 CAPÍTULO I: A (RE)CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM URBANA NA

CONTEMPORANEIDADE

2.1 MARKETING URBANO, CONSUMO VISUAL E REFUNCIONALIZAÇÃO

Para Harvey (2005) a transição do paradigma de produção capitalista do

fordismo ao modelo de acumulação flexível impacta significativamente os

centros urbanos desde os anos 1970. Nesse contexto de desregulamentação e

flexibilização, o planejamento urbano assimilou os valores dessa nova etapa de

produção. O planejamento urbano se torna cada vez mais atrelado à gestão

empresarial, destacando-se o imediatismo e a mercantilização do espaço do

espaço urbano. Além disso, percebe-se a valorização da prática publicitária

com finalidade de promover a cidade para torná-la competitiva.

Segundo Hall (2013), o período de 1970 e 1980 inaugurou um novo

modelo de urbanismo, a partir do esgotamento do modelo convencional em

decorrência da recessão econômica desse período. A cidade se tornou um

espaço de geração de riqueza, assumindo papel central nas economias locais.

Concomitantemente, percebe-se a complexificação do consumo no espaço

urbano, sendo uma de suas expressões a privatização dos espaços públicos.

Essa tendência se consolidou a partir da popularização dos shoppings centers

e dos projetos de auto-segregação de classes abastadas, os chamados

condomínios fechados, verticais ou não. As políticas urbanas assumem uma

orientação para geração de lucros, privilegiando ações pontuais e

intensificando a fragmentação existente no espaço urbano.

Esse novo modo de administração local foi implantado gradualmente nas

cidades em uma escala global. Esse modelo é denominado por Harvey (2005)

como ―empreendedorismo urbano‖:

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A abordagem "administrativa", tão característica da década de 1960, deu lugar a formas de ação iniciadoras e "empreendedoras nas" décadas de 1970 e 80. Nos anos recentes, em particular parece haver um consenso geral emergindo em todo o mundo capitalista avançado: os benefícios positivos são obtidos pelas cidades que adotam uma postura empreendedora em relação ao desenvolvimento econômico. (HARVEY, 2005, p.167)

O principal objetivo desse modelo visa tornar a cidade um local atraente

para negócios. As principais atividades se ligam aos setores de serviços,

especialmente a atividade turística, uma reação à desindustrialização que se

inicia nessas décadas, sobretudo nos países capitalistas avançados.

Várias estratégias não tradicionais nas políticas urbanas são utilizadas e

as cidades passam a competir entre si por investimentos. Harvey (2005)

enumera três características principais desse modelo: parceria com os setores

privados, valorização de investimentos pontuais e a adoção de uma concepção

―empreendedora‖ na administração cidade. O patrimônio e a cultura local se

tornam elementos essenciais desses projetos. Edifícios e monumentos públicos

são valorizados, já que o patrimônio cultural fornece a singularidade da cidade,

garantindo a diferenciação em relação a outros locais.

As experiências pioneiras que sintetizam esse novo tipo de

administração são Baltimore, em meados da década de 1980, e Barcelona na

década de 1990. A transformação de Barcelona ainda inclui a discussão sobre

os megaeventos, reforçando a importância desses empreendimentos no novo

padrão de acumulação. Essas diretrizes foram sistematizadas e levadas a

outras cidades a partir das agências de desenvolvimento multilaterais (Vainer,

2007).

Baltimore emerge como uma experiência que transforma a decadência

em prosperidade, já que a partir da desindustrialização era necessário

encontrar uma nova função para a cidade. A revitalização urbana foi a solução

encontrada. Hall (2013) descreve a experiência como ―receita mágica‖:

Baltimore é um projeto explicitamente voltado à atividade turística, que rende

cifras de visitação que superam o número de visitações à Disneylândia. A

valorização do patrimônio arquitetônico foi essencial para que a cidade

pudesse tornar-se um lugar de interesse turístico. No entanto esse cenário tão

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impressionante não escapa de contradições, já que Baltimore é a uma das

cidades mais violentas dos Estados Unidos1.

Barcelona ao sediar as Olimpíadas em 1992, promoveu a revitalização

para o evento que gerou impactos tão positivos que Vainer (2000) afirma que é

um dos casos mais enigmáticos desse novo modelo administrativo. A

particularidade dessa experiência remete aos megaeventos, que são

essenciais à dinâmica de capitais internacionais contemporâneos. A promoção

de entretenimento e lazer transforma significativamente o espaço urbano em

função da grande permissividade existente entre a esfera pública e privada. A

experiência em Barcelona trouxe elementos que são reproduzíveis em

qualquer cidade que objetiva desenvolver a atividade turística, sistematizado

como Planejamento Estratégico.

O Planejamento Estratégico pode ser compreendido através de uma

racionalização dos recursos da cidade. A análise de sua potencialidade

comercial é uma tentativa para se adequar aos paradigmas da economia

global. Esses preceitos foram elaborados a partir de princípios administrativos

sistematizados pela Business School da Universidade de Harvard. As principais

características desse modelo são a flexibilização e desregulação da

administração local, segundo Vainer (2000):

(...) implica a direta e imediata apropriação da cidade por

interesses empresariais globalizados e depende, em grande

medida, do banimento da política de eliminação do conflito e

das condições de exercício da cidadania. (VAINER, 2000, p.78)

A principal implicação desse novo paradigma é o abandono das políticas

em longo prazo. Além disso, os investimentos não incluem todo o território,

privilegiando pontos isolados. Os investimentos são determinados a partir dos

interesses dos setores privados, não contemplando os interesses dos

cidadãos.

Vainer (2000) ainda fala que essas políticas globalizantes do espaço

urbano, contraditoriamente, não implicam na ausência do investimento público,

mas sim no direcionamento deste aos projetos de caráter privado. Esse

investimento indireto se dá na forma de investimentos do setor público em

1 The most dangerous cities in America Disponível em:

<https://www.usatoday.com/story/money/business/2016/10/01/most-dangerous-cities-america/91227778/>. Acesso em 9 de Out. 2017.

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obras, em áreas estrategicamente designadas, que favorecem os setores

privados, em especial o setor imobiliário. Ademais, um dos efeitos mais

explícitos dessas políticas é a revalorização da cultura local, sobretudo das

áreas históricas e das regiões centrais, direcionando investimentos a essas

regiões. A refuncionalização desses espaços se torna uma ferramenta

essencial para a transformação dessas cidades em locais atrativos, com

finalidade de atender essas demandas globais (Sanchéz, 1997).

Segundo Peixoto (2009) a polissemia em relação à terminologia das

intervenções urbanas (renovação, revitalização, reabilitação, requalificação) se

associa ao esvaziamento da discussão política dessa prática. Percebe-se a

partir dessas intervenções, outros processos como o enobrecimento e

higienização. Dessa forma, a confusão entre esses termos se torna uma

maneira de neutralizar essas práticas que se concretizam como práticas de

exclusão. A partir da leitura de Luchiari (2005), o termo refuncionalização

abrange a principal característica do processo, que é a alteração das funções

desses espaços. A presente pesquisa utilizará o termo refuncionalização para

abordar essas intervenções, em função da grande variedade existente.2

A questão da terminologia, no entanto, é secundária. Faz-se necessário

evidenciar essas intervenções como ferramenta de adequação frente a

demandas políticas, econômicas e sociais em um contexto de

internacionalização da economia local. Nessa perspectiva, a refuncionalização

dos espaços cria e reforça discursos, ideologias e reflete tensões na cidade. Os

investimentos públicos são ligados a interesses específicos, políticos, setores

privados, e acabam reforçando grandes desigualdades sócio-espaciais no

espaço urbano (Peixoto, 2009).

Apesar de configurar como tendência atual, a intervenção urbana não é

uma prática recente. A própria sistematização do planejamento urbano alude à

prática de intervenções que uma vez que ―o planejamento de cidade funde-se,

quase impreterivelmente, com os problemas das cidades, e este, por sua vez,

com toda a vida socioeconômica político-cultural da época‖ (Hall, 2013). Além

de ser um mecanismo de resolução de problemas na cidade, a prática do

planejamento urbano atrelada ao interesses das classes dominantes,

2 A própria Prefeitura de Belo Horizonte não possui um termo fixo do processo. Em diferentes documentos

e publicações oficiais, foi verificado o uso de: requalificação, revitalização e reabilitação.

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utilizaram-se dessas intervenções como uma maneira de consolidar discursos

de poder através do espaço urbano.

As reformas urbanas no século XIX se constituem como uma tentativa

de resolver problemas urbanos causados pela grande degradação das

condições sanitárias, especificamente em relação à moradia das classes

operárias. A precariedade da moradia do operariado inglês, que foi relatada por

Engels evidenciavam a falta de políticas voltadas a esses indivíduos. Quando a

questão sanitária se tornou um aspecto problemático a todos, iniciou-se a

elaboração de projetos, planos e reformas para administrar esses problemas.

A questão sanitária foi a principal motivação para as transformações

urbanas, no entanto não foi a única. Além da adequação para novos modelos

de mobilidade, as reformas empreendidas no século XIX chamam a atenção

para a prática embelezamento e a valorização dos monumentos institucionais.

A renovação urbana realizada em Paris e idealizada por Hausmann é um caso

emblemático. Voltada à questão sanitária, tornou-se um mecanismo de

segregação sócio-espacial e a trouxe a consolidação de um discurso de poder,

através da valorização dos edifícios públicos e da composição arquitetônica

desses novos espaços. Influenciou diretamente outras localidades, como por

exemplo, o Rio de Janeiro (Motta, 2000).

De forma distinta, as transformações urbanas iniciadas aos países

capitalistas avançados na da década de 1970 se associam com a

intensificação do processo de globalização. Promovem uma nova forma de

produção espacial urbano, já que o planejamento urbano assimila valores

empresariais. Além disso, há um aspecto de conservação dos espaços,

valorizando a questão histórica e cultural, porém atrelando a estes espaços

novas funções.

Mesmo constituindo processos distintos, tanto espaciais quanto

temporais, é possível realizar dois apontamentos a partir desses modos de

intervenções urbanos. O primeiro apontamento é a semelhança da prática do

embelezamento e a valorização de determinados discursos narrativos sobre a

cidade. A valorização dos edifícios institucionais assemelha-se com ao

movimento de especularização das paisagens contemporâneas: se antes era o

poder político, hoje reside no consumo dessas paisagens (Motta, 2000).

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O segundo aspecto se refere à questão da degradação e pobreza. Nos

dois períodos, percebe-se claramente desprezo pelas classes sociais mais

pobres. Se antes a pobreza era entendida como uma patologia que transcendia

o aspecto físico e moral, contemporaneamente, a pobreza se relaciona a um

discurso meritocrático. Tanto as reformas do século XIX quanto as

refuncionalizações contemporâneas afastam os mais pobres. Enquanto o

planejamento modernista destruía as áreas a serem remodeladas por

completo, no modelo contemporâneo percebe-se uma reutilização dessas

formas. Atualmente se percebe a objetificação da pobreza, a partir da criação

de uma estética que assimila o aspecto dos locais degradados.

A valorização dos aspectos históricos e culturais associados a essas

intervenções tornam as áreas centrais locais privilegiados. Além de possuir

uma enorme riqueza histórica e patrimonial, a preexistência de uma infra-

estrutura viária é um dos fatores que promovem um grande interesse. A

condição desvalorização imobiliária da área também resulta em um fator de

atração, já que os aluguéis são relativamente mais baixos atraem o setor

privado.

Villaça (1998) aponta a revalorização desses espaços, em especial, os

centrais, atrelados a um contexto classista. Segundo o autor, trata-se de uma

retomada desses espaços da cidade pelas classes médias. Dessa forma,

constitui-se uma reação à popularização que se deu nessas últimas décadas. A

partir das intervenções e a inserção de aparelhos culturais e a consequente

sofisticação e complexificação das relações de consumo, ocorre o gradual

afastamento dos setores mais populares.

A sofisticação e a complexificação do consumo influenciam também a

paisagem urbana. A refuncionalização está ligada diretamente à importância do

aspecto visual na cidade contemporânea. Motta (2000) afirma que:

(...) criou-se, dessa forma, uma nova ideia de cidade, de âmbito internacional, à qual as cidades têm de corresponder com sua imagem, para participarem do processo de globalização. (...) As áreas históricas, especialmente das grandes cidades, passaram a ser consideradas elementos importantes para a composição da imagem urbana diante do mercado globalizado. Representam a capacidade de ter história, de se situar na disputa entre cidades, equiparando-se na produção de imagens. As referências são locais, mas têm como alvo a disputa global. Elas devem atender às expectativas da comunicação e ao consumo que ser alimenta de referências globais. (MOTTA, 2000, p.262)

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O consumo visual é uma das características essenciais na sociedade

atual. A refuncionalização se tornou uma ferramenta de adequação das

paisagens urbanas. Há uma demanda para transformar a cidade em um local

atraente, especialmente pelo setor turístico. Nesse contexto, a paisagem se

torna um item essencial, uma vez que a cidade se torna um objeto passível de

publicização. Sanchéz (1999) realiza uma análise crítica sobre a importância da

paisagem nessa concepção de administração urbana. Ao expor a

transformação da cidade de Curitiba em uma marca, ela fala sobre a questão

da pessoalidade que a cidade adquire. Segundo a autora:

Tem sido possível observar outro recurso que intervém na produção mitificada da imagem das cidades: sua transformação em sujeitos. Nos fragmentos publicitários são as próprias cidades que ―falam‖: ―Barcelona ha ganado‖, ―Barcelona se pone guapa‖,15 ―Curitiba espera chegar ao próximo milênio como a cidade de melhor qualidade de vida do Brasil‖. Este recurso discursivo permite esconder os verdadeiros agentes sociais interessados nos projetos urbanos e contribui para a dissolução de possíveis resistências. (SANCHÉZ , 1999, p. 128)

Apesar de escrito em 1999, e relacionado às mídias tradicionais, esse

trecho se encaixa perfeitamente nas plataformas digitais atuais, exprimindo

também como essas ferramentas de comunicação são fundamentais para o

processo do Marketing Urbano. A presença das administrações públicas nas

redes sociais é cada vez mais recorrente, em especial no Instagram.

O Instragram é uma plataforma virtual de compartilhamento de imagens

e vídeos. Em Abril de 2017, o número de usuários correspondia a cerca de 700

milhões3. O aplicativo originalmente utilizado como uma rede social de

compartilhamento de fotos se tornou uma plataforma de comunicação e

divulgação indispensáveis para marcas, empresas, grupos de mídia e também

instituições públicas. Dessa forma, o Instagram não é apenas uma plataforma

de interação social, mas um veículo publicitário. Através do um perfil nessa

rede, é possível promover campanhas, divulgar produtos e interagir com os

consumidores.

As instituições públicas se utilizam das redes sociais objetivando a

promoção da imagem da cidade. Apesar de se justificar como um modo de

3 Instagram chega a 700 milhões de usuários e tem crescimento histórico. Disponível em

<hhttps://canaltech.com.br/redes-sociais/instagram-chega-a-700-milhoes-de-usuarios-e-tem-crescimento-historico-92798//>. Acesso em 9 de Out. 2017.

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comunicação com o cidadão, as postagens expressam um conteúdo voltado ao

entretenimento. Na Figura 1, percebe-se a promoção das paisagens urbanas, a

partir da idealização destas. As imagens vinculadas exaltam a beleza e o

patrimônio da cidade, ignorando aspectos problemáticos.

Figura 1 As postagens da PBH na plataforma Instagram.

Fonte: Instagram/Divulgação4

A Prefeitura de Curitiba foi a percussora da utilização e popularização no

Brasil dessa prática5. Inicialmente utilizada como uma ferramenta informativa,

gradualmente se tornou um modo de interação mais complexo, criando um

relacionamento entre a ―cidade‖ e os usuários dessa rede. Na Figura 2, há

outro exemplo dessa prática a partir de uma postagem da Prefeitura de Belo

Horizonte. Percebe-se uma abordagem bastante informal em relação ao

conteúdo vinculado, possível verificar o uso de emojis, gírias, memes e piadas

nas postagens.

A partir das redes sociais, as Prefeituras passam a exercer um apelo

pessoal e emocional em relação aos usuários dessas plataformas. Essa prática

reafirma o que diz Sánchez (1999), sobre a necessidade de cativar os usuários,

que é realizada a partir de imagens da cidade. A inserção das instituições

4 Instagram oficial da Prefeitura de Belo Horizonte. Disponível em:

<https://www.instagram.com/prefeiturabh/>. Acesso em 9 de Out. 2017.

5 Prefeitura de Curitiba faz sucesso nas redes com página que equilibra humor e prestação de serviço.

Disponível em <https://oglobo.globo.com/brasil/prefeitura-de-curitiba-faz-sucesso-nas-redes-com-pagina-que-equilibra-humor-prestacao-de-servico-16490387/>. Acesso em 9 de Out. 2017.

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públicas nas redes sociais indica que as estratégias de convencimento se

atualizam constantemente e estão alinhadas a prática publicitária.

Figura 2 O perfil oficial da PBH no Instagram: divulgação e interação com os usuários.

Fonte: Divulgação/ Instagram.6

A paisagem urbana, mais do que nunca, se tornou um aspecto

imprescindível para a criação de uma identidade da cidade. A divulgação

dessas imagens é pautada pela necessidade de cativar os usuários. A partir da

progressiva importância dessas imagens, percebe-se a exigência de adequar

essas paisagens a um padrão que atraia investidores.

A refuncionalização atrelada aos paradigmas do marketing urbano é o

mecanismo de adequação que fomenta o processo chamado de estetização da

paisagem urbana. Assim, a próxima seção irá discutir o processo de

estetização das paisagens, que se insere na cultura de consumo

contemporânea.

2.2 A ESTETIZAÇÃO DA PAISAGEM URBANA

A paisagem é um conceito essencial na Geografia desde a sua

sistematização. Claval (2012) fala sobre a origem do termo, landskip, nos

países baixos, dizia respeito à pintura. Aplicava-se a quadros que

6 Instagram oficial da Prefeitura de Belo Horizonte. Disponível em:

<https://www.instagram.com/prefeiturabh/>. Acesso em 9 de Out. 2017.

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apresentavam um pedaço de natureza, tal como a percebemos, a partir do

enquadramento. A partir da evolução da técnica, observa-se uma sofisticação

em relação à apreensão do campo visual, porém nunca desligado da

subjetividade. Por muito tempo a paisagem foi utilizada uma ferramenta para

realizar descrições, classificação e individualização dos elementos naturais em

suas viagens, já que não havia a tecnologia para realizar os registros

fotográficos.

O aspecto subjetivo da paisagem sempre foi bastante destacado em

várias escolas geográficas. Claval (2012) afirma que Humboldt não deixa de

fazer impressões pessoais nos seus relatos, apesar da busca da objetividade.

Na França, La Blache utiliza a paisagem para diferenciar e enfatizar a

diversidade de regiões. Já nos início do século XX, Carl Sauer ao propor o

estudo das paisagens culturais, renova a geografia humana. ―A Morfologia da

Paisagem‖ enfatiza a ação humana no espaço. Essa abordagem cria condições

para a efervescência da escola cultural, sobretudo a partir dos anos 1980, com

a influência da fenomenologia: há o movimento de valorização das sensações,

percepções e simbologias.

Essa abordagem tão ligada à subjetividade é possível em função da

própria origem da concepção da paisagem. Souza (2013) destaca sua origem

não na ciência:

(...) mas sim à pintura, mais especificamente à pintura da Renascença na Itália, e, principalmente, em Flanders (...). Eis, portanto uma das muitas situações em que fica evidente que a ciência não basta a si mesma, devendo humildemente, deixa-se fecundar por outras formas de conhecimento. (SOUZA, 2013, p 46.)

Esse aspecto é relevante, pois conecta a paisagem não apenas como

um conceito, mas uma prática essencialmente cultural. A paisagem e sua

representação é uma realidade estética. A interpretação da paisagem assim

como sua vivência é uma realidade subjetiva. A partir dos anos 1980, a New

Geography Cultural, destaca a questão do simbolismo e interpretação da

paisagem. COSGROVE (2012) afirma que:

A paisagem sempre esteve intimamente ligada, na geografia humana com a cultura, com a idéia de formas visíveis sobre a terra, e com sua composição, paisagem é uma maneira de ver uma maneira decompor e harmonizar o mundo externo em uma cena, uma unidade visual. (COSGROVE, 2012, p. 223)

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A paisagem enquanto produto da apropriação e da transformação do

meio ambiente pelo homem possui a possibilidade de se tornar um tema de

leitura. A cultura é fundamental para realizar essa interpretação das

paisagens, uma que esta é o suporte das representações. Claval (1997) aponta

três eixos da análise geográfica da cultura: enquanto parte das sensações e

das representações, a partir da ótica da comunicação e do aspecto individual,

uma vez que a cultura forja identidades. Essas acepções mostram a variedade

de temáticas ao abordar a questão da cultura. Para discutir o fenômeno

contemporâneo da estetização das paisagens, se faz necessário apontar as

transformações na esfera cultural na sociedade ocidental nas últimas décadas.

Jameson (1996) salienta que as alterações culturais contemporâneas

são ligadas ao indivíduo e sua subjetividade. O autor fala da alteração na

esfera cultural que vem transformando as relações sociais desde meados dos

anos 1960. São rompimentos com concepções tradicionais da modernidade,

criando uma realidade não linear e superficial. Confundem-se, criam, e recriam

identidades, concepções, valores e crenças. Chama a atenção como a

experiência estética progressivamente se atrela à esfera do consumo. O

circuito da moda torna a criação artística cada vez mais essencial à dinâmica

do consumo, já que há uma grande demanda por novidades.

A popularização da experiência estética, para Hobsbawm (2013), foi

possibilitada a partir da ruptura com a arte burguesa. Atualmente a grande

presença de experiências estéticas, música, moda e o design, são garantidos

pelos constantes avanços tecnológicos e pela indústria de cultura de massas.

As vanguardas europeias do século XIX foram inspirações para ruptura com a

arte burguesa. Desse modo, a arte se desvincula de uma expressão do belo e

sublime para uma expressão do cotidiano, passível de ser expresso e

apreciado pelo indivíduo comum.

Além de se tornar mais acessível, Hobsbawn (2013) observa também a

tendência da absorção da arte pelo mercado de consumo. Os artistas da pop-

art, especialmente por Andy Wahol, foram grandes pioneiros desse movimento.

Segundo o autor, esse movimento:

foi deliberadamente projetada como antiarte, ou não-arte; sem emoção ou sentimento, ou, a rigor, sem a pretensão de mais que um mínimo de habilidade artesanal, uma infindável série de imagens se silkscreen do efêmero, produzidas em passa em sua‖ fábrica‖, e de objetos, desafiando o princípio que permite

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distinguir com o olhar arte ou não arte. (HOBSBAWN, 2013, p.183 )

A figura de Warhol denota uma nova atitude e rompe com a visão

romantizada do artista enquanto um sujeito á margem da sociedade. Warhol

ainda representa outro aspecto fundamental desse novo cenário cultural: a

hibrização de expressões artísticas. A Factory7 era frequentada por artistas que

produziam conteúdo que contemplavam várias expressões artísticas como

fotografia, moda e música.

Esse aspecto reflete a confluência da produção artística entre várias

indústrias. A importância da hibridização reside em função da criação de novas

experiências, já que segundo Jameson (1996) a busca pelo novo é uma

obsessão da sociedade contemporânea. Um exemplo dessa expressão é a

grande quantidade de artistas da indústria fonográfica que atuam como

estilistas em parcerias com grifes consagradas.

Lipovetsky G. & Serroy (2015) dialogam com a perspectiva da ruptura da

arte burguesa, abordada por Hobswbawn (2013), ao definir quatro etapas da

acepção da arte. Primeiro para os deuses, depois para os príncipes. A terceira

etapa é arte pela arte e o estágio atual é a arte para o mercado. A arte

integrada ao mercado revela o momento de expansão do consumo e criação

de expressões artísticas que cada vez mais se sofisticam, em função das

plataformas de difusão e criação.

Além da incessante demanda por novidades, os objetos de consumo

necessitam cada vez mais cativar o consumidor. O fator emocional em relação

aos produtos de consumo, é explorado a partir da sensibilização que ocorre

com a experiência estética. Lipovetsky G. e Serroy (2015) esclarecem que:

O capitalismo não é designado como tal em razão da qualidade estética de suas realizações, mas dos processos e estratégias que emprega de maneira estrutural visando a conquista dos mercados. Não se trata do apogeu da beleza no mundo da vida, mas da reorganização deste sob o reinado da artealização mercantil e da fábrica industrial das emoções sensíveis. (LIPOVETSKY.G e SERROY, 2015, p. 30)

O uso da arte promove uma reação emocional que o setor privado

explora de maneira significativa. Essa nova abordagem de consumo é uma

ruptura com o modelo tradicional e a substituição pelo que os autores chamam

7Studio de criação de Andy Warhol que abrigou vários outros artistas em Nova Iorque. Disponível em

<https://www.vice.com/pt/article/mgabgy/fotografias-da-epoca-mais-criativa-da-factory-de-andy-warhol>. Acesso em 6 de Dez. 2017.

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de capitalismo de sedução. A padronização, funcionalidade e utilitarismo dos

produtos não foram suficientes para sustentar a dinâmica capitalista da

primeira era industrial. O capitalismo da sedução é aquele ligado nos prazeres

dos consumidores por meio das imagens e dos sonhos, que transformam

incessantemente os desejos e aspirações dos consumidores.

Lipovetsky G. e Serroy (2015) apresentam disputa entre a General

Motors e a Ford como exemplo da superação do utilitarismo na prática do

consumo. A Ford, mesmo sendo a empresa pioneira em relação à

popularização do automóvel, logo foi superada pela GM no mercado

americano. A estratégia utilizada pela GM é baseada na constante

diversificação dos modelos e na busca pelos desejos, necessidade e apelo

visual aos consumidores, uma estratégia ainda vigente. O utilitarismo e a

funcionalidade do modelo T da Ford não foi suficiente para cativar os

consumidores como os produtos mais individualizados da GM. A necessidade

de diversificação e a crescente preocupação estética e é essencial na dinâmica

do consumo. Isso remete ao que Sennet (2006) chama de ―laminação a ouro‖,

quando pequenas diferenças são agregadas aos produtos, justamente para

não perder esse aspecto de novidade, sempre renovando o desejo de

consumo.

No espaço urbano, a rejeição ao funcionalismo tão característico do

período moderno também é observado. Buscam-se formas de transformar o

espaço urbano em ambientes em locais mais agradáveis e pessoais. Essa

necessidade se atrela ao consumo cada vez mais presente nesses espaços,

que cada vez mais se transformam em locais de lazer e divertimento. Essa

nova tendência nas cidades se relaciona ao novo modo planejamento urbano,

que remete a prática do Marketing urbano. Lipovetsky G. e Serroy (2015)

chamam esses novos urbanistas de ―cenógrafos da cidade‖ e ―decoradores da

cidade‖, já que através da manipulação estética, que é impressa na paisagem,

a cidade se torna capaz de transmitir sua identidade e singularidade.

Esse movimento de estetização das paisagens urbanas traz consigo

uma intensa confusão de referenciais. O Kirsch, um elemento essencialmente

pós-moderno, é uma das características dos espaços urbanos

contemporâneos. O kirsch é estilo característico associado ao divertimento

sobrecarregado e eclético. A Disneylândia se torna o grande parâmetro da

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remodelação dos espaços urbanos, uma vez que estes recebem tantos

elementos estéticos que se tornando grandes cenários de consumo. Em

relação à importância do aspecto visual, Muñoz (2008) comenta que:

Desde finales de los años setenta del siglo XX, sin embargo, empieza a entenderse que todo em la ciudad puede ser diseñado, incluso elementos no estrictamente urbanísticos como la misma imagen urbana o el sentimiento de pertenencia a ella por parte de los habitantes. Por eso, el diseño urbano es hoy diseño de una imagen para la ciudad, una imagen reconocible, exportable y consumible por habitantes y visitantes, vecinos y turistas. Es este um hecho diferencial cuando se compara la situación actual con la de momentos precedentes en La historia de la ciudad: la imagen es mucho más importante para el espacio urbano en tanto em cuanto este no se define ya solo en términos de espacio habitado sino también en términos de espacio para ser visitado. (MUÑOZ, 2008, p.30)

8

A paisagem ao se tornar passível da prática de estetização, torna-se

elemento fundamental para a análise dos fenômenos de remodelação urbana.

As novas paisagens urbanas se relacionam com o imperativo de divertimento

consumista e o imperativo de torná-los locais atraentes. A paisagem seria a

grande vitrine desse processo no espaço urbano.

A progressiva importância da imagem em nosso cotidiano atrelada à

esfera do consumo torna a unidade visual elementar para discutir as recentes

transformações nas cidades. A estetização da paisagem está ligada a prática

dos paradigmas do Marketing Urbano, de modo que principal atribuição da

cidade é se tornar um local atraente para investimentos. A estetização agrega o

fenômeno do enobrecimento urbano, já que a transformação da paisagem

anuncia uma alteração de usos e a chegada de agentes sociais mais

abastados nesses espaços.

2.3 ENOBRECIMENTO E A FORMAÇÃO DE NOVAS PAISAGENS

A transformação da paisagem a um item de consumo é facilmente

observável onde ocorre ou ocorreu o enobrecimento. Este fenômeno foi

8 Tradução Livre: Desde o final dos anos 1970, do século XX, no entanto, começa a perceber-se que tudo

na cidade pode ser desenhado, inclusive os elementos não necessariamente urbanos, com a mesma imagem e o sentimento de pertencimento citadino por parte dos habitantes. Assim, o desenho urbano é hoje um desenho de uma imagem para a cidade, uma imagem reconhecível, exportável e passível de consumo por habitantes, visitantes, vizinhos e turistas. Esse é um feito distinto quando se compara com a situação atual dos momentos anteriorer na história da cidade: a imagem é muito mais importante para o espaço urbano, já que este não se define enquanto um local com a finalidade ser um espaço para a habitação, mas também com objetivo de ser um lugar para ser visitado.

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observado nas primeiras décadas do século XX nos bairros operários das

cidades inglesas e atualmente, tornou-se uma estratégia de transformação dos

centros urbanos. O conceito do enobrecimento recebe duas principais

abordagens: investimento desigual do espaço e a outra relacionada ao

consumo. Outro aspecto chama a atenção dessa temática, é a questão cultural,

identitária e étnica, a partir das tensões nos lugares que ocorrem esse

processo.

O fenômeno do enobrecimento é um fenômeno global, mas que se dá

localmente. Por isso, cada cidade possui suas próprias especificidades.

Segundo Smith (2006) o fenômeno do enobrecimento urbano é um fenômeno

observado pela primeira vez por Ruth Glass no início do século XX na

Inglaterra. As classes médias passam a viver em bairros operários,

refuncionalizando esses locais e alterando todo o quadro social existente. Esse

é um dos aspectos importantes do processo: a estrutura física é preservada e

as funções são alteradas. As construções são reformadas e restauradas,

abrigando novos usos. Galpões se transformam em moradias, os lofts, mas

também há vários outros usos, especialmente comerciais e culturais.

Neil Smith além de cunhar o termo gentrification fez imensas

contribuições em relação a esse fenômeno: além da definição, a

sistematização de algumas etapas do processo, especialmente em relação à

cidade de Nova Iorque. Smith (2006) afirma que o fenômeno inicialmente

identificado como uma ―anomalia urbana‖ tornou-se uma poderosa ferramenta

estratégia para a dinamização das economias locais, em um contexto global. O

rent-gap é a diferenciação de renda que se estabelece nas etapas do processo

de enobrecimento e que leva à saída da população residente e a consolidação

de uma população mais abastada nesses locais.

Esse fenômeno, segundo Smith (2006) está ligado a um contexto mais

amplo de reestruturação econômica em um contexto global, sendo a teoria do

desenvolvimento desigual. Esse é um dos aspectos mais importantes desse

fenômeno. No entanto, a abordagem de Smith remete a uma realidade

bastante particular dos bairros nova-iorquinos que incluem processos

relacionados como à suburbanização e a atuação dos agentes imobiliários.

Para Rubino (2009) o processo de enobrecimento pode ser explicado

por uma dinâmica distinta. De modo geral, as áreas centrais se transformam

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em áreas estratégicas voltadas ao consumo. Nesse processo, o enobrecimento

se dá pela atuação pelo Estado, setores privados e também pelos próprios

cidadãos. A perspectiva que enfatiza a temática do consumo não se opõe a

abordagem tradicional, mas fornece outro ponto de vista em relação a esse

processo. Segundo a autora:

A abordagem alternativa enfatiza o consumo e um pool de possíveis agentes do enobrecimento urbano. Ao contrário de Smith, temos uma análise mais focada em bases etnográficas e dados qualitativos, e a tônica recai sobre os agentes dessa transformação sócio-espacial e sua divisão em gênero, raça, capital cultura classes de idade e estilo de vida. (RUBINO, 2009, p.28)

Assim, essa análise complementar apresenta um foco nos agentes

sociais, tanto na atuação individual quanto aos grupos específicos. As

distinções sociais, étnica, raciais e culturais, atreladas à temática do consumo,

se tornam fundamentais para compreender a transformação desses espaços.

Nos casos de enobrecimentos no Brasil, percebe-se uma grande afinidade com

essa perspectiva. Normalmente ligada às práticas revitalização, sobretudo nos

centros históricos, essas intervenções têm como finalidade a transformação da

paisagem para se adequar à atividade turística.

Serpa (2007) apresenta uma reflexão acerca da cidade de Salvador,

mais especificamente o processo de revitalização do Pelourinho. Segundo o

autor, o Pelourinho se tornou um local de consumo, sobretudo a uma classe

média escolarizada. A conservação patrimonial baseada nas diretrizes

internacionais, como da UNESCO9, produz uma estética urbana exibicionista,

fortemente ligada à atividade turística. A população original foi realocada para

bairros periféricos, o revelando o caráter higienista desse processo.

A cidade de São Paulo apresenta dois casos distintos, mas atrelados à

sofisticação consumo. O primeiro caso é dos Bairros da Luz e Santa Ifigênia

que resistem desde meados dos anos 1970 contra o processo de

enobrecimento. Por sua localização privilegiada e próxima de locais como a

Estação da Luz e a Pinacoteca do Estado, há um grande interesse dos agentes

imobiliários na região. Produzido pelo coletivo espanhol Left Hand Rotation, o

documentário ―Luz‖ (2011)10, aborda como a prática de desinvestimento se

9 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

10 LUZ | subtitulado en castellano Disponível em: <https://vimeo.com/32848727>. Acesso em 9 de Out.

2017.

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tornou uma estratégia para degradação no bairro paulistano, possibilitando a

chegada de empreendimentos urbanos que são tidos como uma solução para a

região. Na Vila Madalena e a região do Baixo Augusta, a transformação se deu

a partir da chegada de uma classe criativa e empresários na região. Com a

presença de novos frequentadores, houve a alteração da dinâmica do comércio

e ocupação desses espaços. Destaca-se o entretenimento noturno e

readequação de estabelecimentos comerciais voltados aos jovens de classes

médias.

Essa temática da apropriação dos espaços remete a Zukin (2000), que

faz apontamentos relevantes em relação à paisagem, relacionando o

enobrecimento como um modo de apropriação cultural. Embasada na obra do

geógrafo J.B Jackson, ela nos fala que a paisagem dá forma material a uma

assimetria entre o poder econômico e cultural. A transformação da paisagem

pode ser interpretada como uma alteração em relação ao fluxo de capitais:

esse poder assimétrico no sentido visual sugere a grande capacidade dos

capitalistas de projetar a partir de um repertório de imagens, a criação de

paisagens reais e simbólicas que definem cada período histórico.

A transformação contemporânea ocorre em dois modelos de cidade

característicos: as cidades modernas antigas, que possuem um padrão

centralizado e as cidades modernas recentes, que são estruturadas a partir da

descentralização e a presença dos suburbs. Nesses centros modernos antigos,

será realizada uma remodelação a partir da estrutura construída, como por

exemplo, Nova Iorque. Nas cidades modernas mais recentes, já

descentralizadas, os empreendimentos para a reestruturação urbana são

pautados em outros tipos de negócios, como por exemplo, parques temáticos,

já que não há muitos elementos históricos para que ocorra a refuncionalização.

O exemplo que mais se aproxima da temática da presente pesquisa se

relaciona com a realidade das cidades centralizadas, que é o caso de Belo

Horizonte, assemelha-se também pela valorização do patrimônio construído e a

chegada de novos frequentadores, pautada pela sofisticação do consumo.

Influenciada por Bourdieu, Zukin (2000) relaciona o processo de valorização

desses locais como um modo de apropriação da paisagem. Desse modo, a

paisagem reflete a manifestação do poder simbólico dos novos grupos

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frequentadores que chegam a esses espaços, sobretudo em relação ao

consumo pautado pelo aspecto cultural.

A autora ainda fala que esse processo se inicia justamente nos bairros

históricos, já que a atividade turística se respalda no simbolismo das

edificações e monumentos. A revalorização dessas construções traz uma nova

dinâmica à região e afasta as camadas populares - a partir do aumento dos

aluguéis e também da elitização do consumo. Já o enobrecimento no caso das

cidades modernas mais recentes, representa o protótipo da paisagem urbana

pós-moderna, pautada pela perda de referenciais temporais e espaciais. Zuckin

(2000) afirma que a partir das imagens e cenários existentes, o consumo visual

se constitui como meio implícito de controle social.

Independentemente da localidade, a transformação da paisagem reflete

uma situação bastante hostil às populações mais empobrecidas, seja

relacionada ao poder econômico, como também ao capital cultural (Zukin,

2000). As imagens a seguir, (Figura 4) e (Figura 5), retratam o mesmo bairro

em dois momentos diferentes: antes e depois do enobrecimento.

Figura 3 Bushwick nos anos 1980, antes do enobrecimento, pela fotógrafa Maryl Meisler

Fonte: Brownstoner, Brooklyn Real Estate.11

O processo de enobrecimento obriga a saída dos residentes para locais

mais distantes e recebe uma população mais abastadas. As imagens revelam a

alteração desses contingentes populacional, sobretudo pela saída da

11

Meryl Meisler‘s 1980s Bushwick — Youth and Freedom Despite the Blig Disponível em: <hthttp://www.brownstoner.com/neighborhood/bushwick/meryl-meisler-photos-bushwick-brooklyn-in-the-80s/>. Acesso em 9 de Out. 2017.

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população negra desses bairros e a chegada de uma classe média

predominantemente branca. Destaca-se nessa paisagem enobrecida, sua

relação passa a ser pautada pelo consumo e entretenimento.

Figura 4 Bushwick depois da gentrificação: local de consumo e turismo, sobretudo pela arte urbana

presente no bairro.

Fonte: Amny.12

A produção audiovisual também ajuda a compreender a transformação

dessas paisagens, especialmente ligadas à questão racial e étnicas. O longa

―Faça a Coisa Certa‖ (1989), escrito e dirigido por Spike Lee e série Girls,

criada por Lena Dunham e exibida entre 2012 e 2017 pelo canal pago HBO,

são exemplos da alteração causados pelo processo de enobrecimento. As

duas obras se passam no mesmo bairro, o Brooklyn, em dois tempos distintos

e retrata a transformação em relação à diversidade e representatividade.

Figura 5 Frames do filme ―Faça a Coisa Certa‖, Dirigido por Spike Lee (1989).

Fonte: Donald Dearl Collings e BFI.13

12

Bushwick: What to do, eat and more in the Brooklyn neighborhood Disponível em: <https://www.amny.com/real-estate/city-living/brooklyn/bushwick-what-to-do-eat-and-more-in-the-brooklyn-neighborhood-1.11505939>. Acesso em 9 de Out. 2017.

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31

―Faça a Coisa Certa‖ (Figura 5) é uma crônica sobre a diversidade e o

convívio dissonante entre vários grupos étnicos no mesmo bairro. Buggin’ Out

é uma personagem que inicia a contestação em relação a Salvatore, um ítalo-

italiano dono da pizzaria que se instalou no bairro, já que na ―parede da fama‖

da pizzaria, não existe nenhum negro que são os freqüentadores do local.

Essas contradições são exploradas ao longo do filme, bem como a o racismo

na sociedade e institucionalizado pelas autoridades estadunidense. A revista

Complex14 diz que o filme de Spike Lee conseguiu de alguma forma ―prever‖ as

frustrações atuais do processo de enobrecimento, visto que é um fenômeno

fortemente ligado às questões étnicas e raciais.

Figura 6 A série Girls, HBO (2012).

Fonte: Archdrsy; Zimbio15

A comédia Girls (Figura 6) objetivava discutir sobre a vida de jovens-

adultos, em especial a geração millennial16 na cidade de Nova Iorque, de um

modo não romantizado. No entanto o fato que sobressaiu foi a ausência de

diversidade das personagens: as personagens principais eram brancas. A série

sofreu diversas críticas uma vez que o Brooklyn é uns dos locais mais diversos

etnicamente na cidade de Nova Iorque. Girls simbolicamente representa a

13

Disponível em: <https://donaldearlcollins.com/2015/01/18/wheres-the-historical-documentary-on-w-e-b-du-bois/> e <http://www.bfi.org.uk/news-opinion/news-bfi/lists/10-great-summertime-films>. Acesso em 9 de Out. 2017.

14 We Been Here: How "Do the Right Thing" Predicted Our Current Frustrations with Gentrification

Disponível em: <http://www.complex.com/pop-culture/2014/06/how-do-the-right-thing-predicted-our-current-frustrations-with-gentrification>. Acesso em 9 de Out. 2017.

15Disponível em:

<http://www.zimbio.com/photos/Allison+Williams/Jemima+Kirke/Girls+on+Set+in+Soho+2/p3iBQvuwwVH> e <http://archdrsy.com/projects/cafe-grumpy-greenpoint/>. Acesso em 9 de Out. 2017.

16 Geração nascida entre os anos 1980 até meados dos anos 1990. Disponível em

<http://www.teclasap.com.br/millennial/>. Acesso em 6 de Dez. 2017.

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consolidação do enobrecimento no Brooklyn e saída das populações negras e

latinas, por exemplo. Percebe-se claramente a falta diversidade e do convívio

(mesmo que conflituoso) apresentada no longa de Spike Lee.

Atrelada à perspectiva do desaparecimento de alguns grupos sociais

dessas regiões, Rubino (2009) identifica o enobrecimento urbano como uma

modalidade contemporânea de higienismo. No entanto, esse processo de

exclusão é encoberto por um discurso de vida e valorização do patrimônio,

história e paisagem da cidade. Esse processo é bastante conflituoso e gera

várias reações, na Figura 7 há o registro de um protesto da comunidade latina

no Brooklyn contra os projetos imobiliários que promovem remoções. Além da

alteração da paisagem, o enobrecimento altera relações, apaga registros e

promove a falta de diversidade, diálogo e convívio.

Figura 7 Protesto de uma comunidade latina contra as remoções no Brooklyn.

Fonte: Voices of NY. 17

Rubino (2009) ainda enfatiza que essa transformação através da

valorização da cultura remete à questão do capital cultural, trabalhado por

Bourdieu. A refuncionalização se vale da demanda de capital cultural para se

apropriar desses novos espaços, que geralmente é realizado por classes

médias escolarizadas. Geralmente o início desse processo é feito através da

instalação de equipamentos culturais. Esses grupos são compostos por jovens

com valores e gostos específicos, sendo o público-alvo dessas ações. Além

disso, esses espaços se tornam locais ―onde se pode ter uma vida social

intensa, onde um "estado global" pode acontecer com seus cafés, restaurantes,

lojas e galerias‖ (Rubino, 2009, p. 33).

17

Disponível em: <ttps://voicesofny.org/2014/10/latino-residents-fed-bushwick-displacements/ > Acesso em 9 de Out. 2017.

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33

Nefs (2005) aprofunda essa questão e caracteriza as subculturas e as

define como um ―instrumento de revitalização‖. A autora descreve as

subculturas urbanas como ―pioneiros e catalizadores‖, pois criam condições

primárias para a chegada de outros moradores, frequentadores e, sobretudo

consumidores. Assim, para explorar mais a fundo essa temática das

subculturas urbanas e a temática, no próximo capítulo será abordado a

temáticas das novas identidades que possibilitam a formação dessas novas

subculturas, sua relação com o consumo e a subcultura hipster, que é o grupo

mais notável nos processos de refuncionalização urbana contemporâneos.

3 CAPÍTULO II: A SUBCULTURA HIPSTER E A CIDADE

3.1 IDENTIDADES, SUBCULTURAS URBANAS E O CONSUMO

A discussão sobre subculturas urbanas se dá a partir da progressiva

importância desses grupos nos espaços refuncionalizados. A ascensão de

pequenos grupos nas sociedades em forma de coletivos, associações, ou

simplesmente de consumidores, é um componente central da transformação

dos espaços urbanos. Essas novas comunidades se formam a partir das

alterações na esfera sócio-cultural, econômica e política no contexto da

globalização. O alargamento da possibilidade de construção da identidade

tanto individual quanto coletiva promove a formação desses novos grupos que

partilham interesses e valores em comum.

Nas últimas décadas, o processo de globalização, migração e a

cibercultura influenciam diretamente a construção dos sujeitos sociais. Essa

relação se dá em uma intensidade e velocidade muito superior do que no

passado, de modo que a formação de identidades também passa a ser mais

flexível. Hall (2014) identifica o gradual movimento de fragmentação e

complexficação da questão identitária no final do século XX. A fragmentação é

tão significativa que sequer a identidade ―mestra", baseada no Estado-Nação,

se tornou capaz de explicar o sujeito contemporâneo. Desde os anos 1970 a

identidade se tona cada vez mais complexa e abrangente.

Para Hall (2014), a fragmentação da identidade moderna se origina com

o que ele denomina como deslocamento dessa identidade, promovendo a

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34

morte do sujeito moderno. Esses deslocamentos se dão em cinco momentos

principais. O primeiro é contestação de Marx em relação à essência do homem

e sua posição na sociedade. O segundo momento é ligado à figura de Freud e

os pensadores psicanalíticos. Nesse contexto, a concepção do inconsciente

significa ruptura com a racionalidade intrínseca atribuída ao sujeito.

O rompimento com autonomia individual da nossa expressão constitui o

terceiro momento. Para Saussure, a língua que falamos, pressupõe um quadro

de significante do qual não temos controle, e apenas o reproduzimos. O quarto

momento de deslocamento é atribuído a Foucault. Este realiza uma crítica

sobre a progressiva disciplinarização, o isolamento e individualização a partir

da coletivização e da organização da natureza das instituições da modernidade

tardia. O último deslocamento remete ao movimento feminista e a politização

de questões relacionadas às subjetividades, especialmente aos processos de

identificação, que passam a incluir outros aspectos, como a questão do gênero,

sexualidade, dentre outros.

Para Hall (2014), somado a esses deslocamentos, temos processos que

atuam em escala global que atravessam fronteiras nacionais e interligam

comunidades. Assim, o mundo se torna cada vez mais interconectado,

modificando a nossa relação espaço-temporal. Essas alterações resultam a

partir do impacto da globalização. A identidade do sujeito se torna tão

complexa que muitas vezes é composta identidades que podem até mesmo ser

contraditórias. Desse modo, o sujeito pós-moderno se caracteriza pela

identidade mutável e em constante construção.

A transformação na concepção de identidade altera também aquilo que

se entende como subculturas urbanas. Historicamente associada a um

movimento de desvio e contestação na sociedade, contemporaneamente se

caracteriza, sobretudo pela questão de gostos e consumo. Segundo Barros

(2007), a noção sobre subculturas surge a partir de uma concepção

funcionalista da Escola de Chicago. As pesquisas sociológicas em torno da

delinquência juvenil se originam a partir das etnografias urbanas. A

popularização no universo acadêmico norte-americano do termo subcultura

tentava explicar os desvios coletivos com base em teorias psicanalíticas.

A abordagem posterior é feita pelo Centre for Contemporary Cultural

Studies (CCCS). Mesmo ligada à temática do desvio, é evidenciado o caráter

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35

de resistências. O CCCS sistematizou o estudo das práticas culturais juvenis

como campo acadêmico utilizando a idéia de resistência através de rituais.

Convencionou-se que as subculturas são produzidas por jovens como

expressão cultural e simbólica de ligadas a uma determinada classe social.

Segundo Barros (2007), a ―virada conservadora‖ comandada por Thatcher e

sua política de desregulamentações, somadas aos efeitos da globalização,

produziu o ―fim da juventude‖ enquanto uma classe contestadora.

Nesse contexto, o surgimento de grupos oriundos do movimento acid

house, que impulsionou e diversificou a subcultura das raves que dá origem

aos clubbers18. Os ―pós-subculturalistas‖ então passam a realizar pesquisas

sobre essas comunidades. Esses grupos não constituem, necessariamente,

movimentos de contestação social, apesar de rejeitar muitos aspectos da

sociedade contemporânea atual. São grupos que se identificam a partir dos

gostos e dos hábitos de consumo no espaço urbano.

As chamadas subculturas pós-modernas constituem novos tipos de

sociabilidade urbana, que se opõe às abordagens anteriores. Barros (2007)

afirma que:

Ainda que a inadequação do termo subcultura possa ser

reivindicada como legítima, é exatamente a sua ambivalência e

plasticidade – independente da nomenclatura que assuma –

que permite uma abordagem mais adequada das distinções

identitárias de determinados grupos sociais na

contemporaneidade. É atentando para as singularidades

dessas formações culturais, situadas em um espaço-tempo,

que o pesquisador saberá de que maneira essas diversas

matrizes teóricas e metodológicas das subculturas (e outras

que possivelmente surgirão) poderão ajudá-lo a enxergar

melhor o seu objeto. (BARROS, 2017, p. 12)

As subculturas não são mais estudas a partir dos seus desvios nem das

resistências. A nova abordagem se dá através de seus valores, cultura e

gostos que os distingue. A definição tradicional de subcultura não abarca essa

nova abordagem, já que esses novos grupos não são pautados pelo desvio

nem por um movimento de resistência. Desse modo, apesar desses sujeitos

não possuírem uma característica se serem tidos como desvio, não exclui,

18

Grupo de indivíduos que frequentavam clubes de música eletrônica na Inglaterra em meados dos anos 1990. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Clubber>. Acesso em 6 de Dez. 2017.

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necessariamente, a presença de subjetividade que criam novas sociabilidades

no espaço urbano. O consumo e a distinção dos gostos serão temáticas

relevantes para estudar essas comunidades.

A relação do jovem na cultura de consumo, no entanto não é recente. A

partir da leitura de Savage (2009), o período pós-1945 se caracteriza como o

da ―criação do adolescente‖. Há uma crescente necessidade de incorporar

esses jovens a sociedade. Segundo o autor:

(...) as palavras teenage e teenager passaram a ser a forma

aceitável de descrever esta nova definição de jovem como um

mercado de massa identificável descrever esta nova definição

de jovem como um mercado de massa identificável. Os

teenagers não eram nem adolescentes, nem delinqüentes

juvenis. O consumismo oferecia o contrapeso para o tumulto e

a rebelião: foi o jeito americano de desviar sem causar danos à

energia destruidora dos jovens. (SAVAGE, 2009,p.484)

A identificação do jovem como um potencial consumidor possibilitou não

apenas de expansão do mercado de consumo, mas também um modo de

domínio das aspirações pessoais da juventude. Savage (2009) cita a revista

Seventeen, a primeira direcionada às adolescentes, como um momento ―que

uniu as tendências de democracia, identidade nacional, cultura de pares,

marketing com um alvo e consumismo juvenil num pacote irresistível‖. A partir

daquele momento, o jovem se torna um sujeito indispensável para a cultura e a

economia americana, e posteriormente para o capitalismo de modo geral.

A importância do jovem na cultura de consumo remete aos movimentos

de contracultura emergentes nos anos 1960 e 1970, que logo são absorvidos

pelas indústrias criativas. O comercial da Cola-Cola em 1971 ―I’d like to buy the

world a Coke‖19 traz para a publicidade o movimento flower-power20. A

publicidade retrata jovens de diversos países, etnias e religiões, evocando o

espírito da união e da não-violência. Depois de quase quatro décadas, esse

comercial ainda é uma referência pelo sucesso e impacto cultural alcançado

naquele período. Além disso, percebe-se a apropriação do discurso das

contraculturas, esvaziando completamente a real intenção desse movimento no

19

Disponível em: https://youtu.be/C2406n8_rUw 20

Movimento de Contra Cultura no fim dos anos 1960. Disponível em <https://www.thebodyshop.com.br/beleza-do-mundo/flower-power-movimento-60s/>. Acesso em 6 de Dez. 2017.

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37

contexto político-social, que era o fim da guerra do Vietnã. Várias outras

expressões jovens de contestação foram assimiladas pelas indústrias de

consumo desde então.

A cultura jovem, além de um setor importante na dinâmica de consumo,

tornou-se instrumento de revitalização nos centros urbanos. Nefs (2013) ao se

referir às subcultura jovens, enfatiza a atuação desses grupos na esfera do

turismo, arte e vida noturna. No Brasil, um exemplo sobre importância das

subculturas no contexto da refuncionalização, refere-se à gestão 2000-2004

(PT) em São Paulo, pela prefeita Marta Suplicy. O ―Mapa da Juventude‖

elaborado a partir da presença dos jovens no espaço urbano se constituiu

como um ponto de partida para as políticas urbanas, evidenciando a

importância desses grupos para o sucesso das políticas de refuncionalização.

A grande importância que as subculturas vêm adquirindo no processo de

reocupação dos espaços remete a um grupo em particular: os hipsters. De

modo pejorativo, foi cunhado o termo Hipter Urbanism21 de tão convencional

que se tornou a presença desse grupo, assim como sua estética, nas regiões

enobrecidas. A próxima seção irá explorar essa suas principais características,

e o modo de representação das paisagens urbanas, cada vez mais presente

nos centros urbanos.

3.2 A SUBCULTURA HIPSTER

Historicamente, a origem do termo hipster remete à década de 1930 em

Nova Iorque, na região do Greenwich Village. Os hipsters, a partir do relato do

crítico cultural Boyard, traduzido por Machado (2015), constituíam um grupo de

jovens negros totalmente à margem da sociedade. Eram verdadeiros anti-

heróis, eram músicos de jazz que frequentavam casas noturnas, cometiam

delitos e de modo geral, eram sujeitos à margem de qualquer valor. Suas

vestimentas não remetiam a nenhuma moda vigente, faziam uso de

psicoativos, como a maconha. Eram poetas, utilizavam-se do jive enquanto um

elemento identitário. Mais tarde sua cultura é absorvida por uma juventude

branca, insatisfeita com a sociedade americana, os beatniks.

21

Gentrificação: os perigos da economia urbana hipster. Disponível em <https://www.archdaily.com.br/br/758003/gentrificacao-os-perigos-da-economia-urbana-hipster>. Acesso em 6 de Dez. 2017.

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38

A chamada Geração Beat foi caracterizada por ser um movimento

literário anti-materialista, refletia a ―geração perdida‖ nos Estados Unidos. As

frustrações os levaram ao convívio com comunidades marginalizadas, sendo

este grupo o primeiro não-negro a se relacionar com a nascente cultura do

jazz. Por essa proximidade com os músicos de jazz, foram associados aos

hipsters. Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs são os

representantes mais famosos. Buscavam estilo de vida alternativo e rejeitavam

os valores tradicionais. No entanto não foi um grupo que se envolveu

diretamente na política, apesar de constituírem uma inspiração para os

movimentos de contracultura posteriores.

O resgate do termo hipster se dá a partir do surgimento de uma

subcultura urbana no início dos anos 2000. A emergência da cultura cibernética

possibilita a criação de um estilo que busca a diferenciação em uma sociedade

massificada. O estereótipo hipster atualmente se associa ao movimento de

apropriação cultural e ao processo de enobrecimento urbano. O enobrecimento

de algumas áreas nos anos 1980-1990 foi creditado a artistas e intelectuais,

mas nas últimas décadas se relacionou à figura do hipster. Esse grupo possui

grande afinidade com as indústrias criativas, como moda, publicidade e o

audiovisual. Desse modo, transformaram a essa subcultura em referência de

tendências, na moda e design.

Em 2000, o crítico cultural David Brooks, escreveu o livro ―Bubos no

Paraíso: a Nova Classe Alta e como ela chegou lá‖, em que aborda a

consolidação de uma elite nos fins dos anos 1990, que ele chama dos

―burgueses boêmios‖. Essa geração se caracteriza por conciliar os ideais da

contracultura e os pressupostos do livre mercado capitalista. Um dos

representantes dos ―Bubos‖ citados por Brooks é Steve Jobs. Atualmente

considerado um visionário, Jobs identificou a emergência da sofisticação de

padrões de consumo, sobretudo em relação à indústria tecnológica. Jobs

possuía também uma sensibilidade artística que propiciou a criação de

produtos, como o Ipod e o Iphone que generalizaram o consumo das mídias

digitais e também a valorização do aspecto estético do produto.

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39

Figura 8 Um grupo que remete ao estereótipo da subcultura hipster.

Fonte: The Behaviorists Blog.22

Brooks (2000), mesmo não se referindo à subcultura hipster de modo

específico, nos fala sobre a constante absorção dos movimentos de

contracultura realizada pelas indústrias criativa. A indústria da moda talvez seja

a mais representativa, uma vez que transforma a estética desses movimentos

anticapitalistas em objetos de consumo. Um exemplo notório foi o jeans

rasgado ligado à subcultura punk que rapidamente se tornando uma tendência

de moda. Abaixo, um anúncio da American Eagle, se percebe claramente a

valorização de uma imagem alternativa. A lambretta remete a um aspecto

vintage23, trazendo a idéia de autenticidade e diferenciação.

Figura 9 Publicidade da rede American Eagle Outfitters, 2005.

Fonte: David Duncil. 24

22

Disponível em: http://thebehaviorists.blogspot.com.br/2014/12/fashion-subcultures_2.html Acesso em: 15 Out. 2017 23

Vintage como sendo um estilo que remete ao aspecto retro ou clássico. Disponível em <https://conceito.de/vintage>. Acesso em 6 de Dez. 2017.

24 Disponível em: http://www.davidduncil.com/filter/American-Eagle/AE-Spring-2005-Magazine-Ad Acesso

em: 15 Out. 2017

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A popularização do lifestyle hipster pelas indústrias de consumo

intensifica mais essa questão contraditória, uma vez que esse consumo

diferenciado se torna um consumo de massas. Para compreender mais os

aspectos desse grupo, ELLEY (2014) cita algumas características do hipster:

Busca pela autenticidade: O hipster rejeita o consumo massificado. O

passado se torna uma fonte de inspiração, em função do sentimento nostalgia

ao idealizá-lo. O aspecto vintage é a estética que remete ao passado e é um

aspecto de diferenciação frente à massificação do consumo contemporâneo,

permitindo a singularidade do sujeito.

Ironia: A ironia é um mecanismo de distinção em uma sociedade

contemporânea efêmera em que todo signo é passível de releitura. A distinção

pode ser alcançada a partir da adoção da estética mais vulgar, como por

exemplo, as roupas, penteados e bigodes dos rednecks25. A ironia reflete uma

atitude de cinismo em relação à artificialidade da sociedade contemporânea

Consumismo: A experiência de consumo dialoga com a busca pela

autenticidade. A rejeição ao consumo de massa não é um movimento de

anticonsumo, mas um consumo mais sofisticado e individualizado. Além de

objetos de consumo tradicionais (roupas, acessórios tecnológicos),

experiências turísticas e hobbies também se inserem nessa temática

consumista.

Virtualidade: A subcultura hipster possui alcance global em função da internet.

A dispersão e a consolidação da sua estética, valores, itens de consumo, é

realizado através de redes sociais como o Tumblr26 e o Instagram. Essas

plataformas são voltadas principalmente ao compartilhamento de imagens, que

constroem um imaginário replicado pelos próprios usuários, que são os

grandes produtores e dispersores desse conteúdo.

Um dos aspectos mais comuns associado ao hipster é a prática da

apropriação cultural. ELLEY (2014) os caracteriza como notórios estudantes de

outras culturas e subculturas. Isso ocorre como forma de busca da construção

25

Modo pejorativo de se referir ao estadounidense branco das áreas rurais. Disponível em <http://blogs.odiario.com/brunagusmao/2015/11/16/o-que-e-um-redneck/>. Acesso em 6 de Dez. 2017.

26 Tumblr é uma plataforma de blogs popular no mundo inteiro que funciona como espaço para que

blogueiros compartilhem vídeos, imagens, músicas, textos e gifs . Disponível em <http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2016/06/o-que-e-tumblr.html>. Acesso em 6 de Dez. 2017.

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de sua própria identidade. Essas outras culturas são tidas como expressões

significativas e autênticas e ocorre a assimilação, no entanto é uma

assimilação superficial, geralmente pautada pela adoção de uma estética. Esse

aspecto se torna passível de observação na realização de festivais de músicas

voltado a esse público.

Segundo Hobwsbawn (2013), os festivais são complexos da indústria do

entretenimento cada vez mais importante nos setores do consumo cultural. Os

festivais ligados as culturas jovens, são o que o autor chama de "expressões

de comunidades de interesse e predileções fortes, porém mundiais, cujos

membros, gostam de se encontrar face a face de tempos em tempos". O

Glastonburny (Reino Unido) e o Coachella (EUA) constituem-se como os

principais eventos de música onde os frequentadores desfrutam um ambiente

que remete aos grandes festivais históricos, como o Woodstock.

Atualmente esses megafestivais são espaços de encontro entre as mais

diversas indústrias do entretenimento. Além da fonográfica, percebe-se a

presença da indústria da moda, tecnologia, dentre outras. O hipster, enquanto

uma generalização do jovem de classe média classe média alta, é o principal

consumidor desse tipo de entretenimento. A imagem dos hipsters nesses

festivais se tornou estigmatizada pela apropriação cultural praticada nesses

eventos27.

Figura 10 Uso da técnica indiana Mehndi e cocares dos povos nativos americanos, como modo

acessórios de moda no Coachella.

Fonte: Brigfeld, Guff, Festival Sherpra.28

27

How to Avoid Cultural Appropriation at Coachella. Disponível em <https://www.teenvogue.com/story/coachella-cultural-appropriation>. Acesso em 6 de Dez. 2017.

28Disponível em: <http://www.brigfield.org/2017/04/17/cultural-appropriation-at-coachella/> e

<http://guff.com/infuriatingly-annoying-hipster-hobbies-that-went-way-too-far/> Acesso em: 15 Out. 2017

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As Figuras 10, 11 e 12 são imagens registradas nesses festivais e

exemplificam a apropriação cultural nesses espaços. O uso de cocares, bindis,

sáris, hijab, dentro outros diversos elementos culturais são reduzidos a

acessórios de moda. Utilizados nesses festivais, remetem a uma busca por

autenticidade e a vivência de uma experiência exótica.

Figura 11 Uso do Darkin, Hijab e Bindi, também no Coachella.

Fonte: Couturesque Mag; VICE.29

Além dos frequentadores, a própria organização desses eventos utiliza-

se de outras expressões culturais para promover a experiência distinta e única

nesses eventos. Na Figura 12, no festival Glastonburny, há a presença de

tapee, abrigo dos nativos americanos e yurkes, tendas tradicionais de alguns

grupos mongóis como instalações de luxo para a hospedagem do público no

festival.

Figura 12 No Glastonburny, o tapee e o yurk são as instalações de luxo do festival.

Fonte: Woodlands Retreats30

29

Disponível em: <https://www.couturesquemag.com/single-post/2015/06/09/FESTIVAL-SEASON-IS-A-HOTBED-FOR-CULTURAL-APPROPRIATION> e <https://www.vice.com/en_nz/article/9bgxd3/we-spoke-to-some-people-with-culturally-offensive-outfits-at-coachella/> Acesso em: 15 Out. 2017

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Essa variedade remete a fala de Hall (2013) sobre a grande

possibilidade de identidades possíveis no contexto da globalização. A partir da

mediação do mercado global de estilos, lugares, imagens, viagens, imagens

mídias e sistemas, as identidades se tornam desvinculadas espacialmente e

temporamente. A prática do consumo criou a possibilidade de incorporação de

outras identidades, o autor cita um ―supermercado cultural‖ para descrever

esse aspecto.

Canclini (1989) aborda o tema sobre identidades e sua relação com os

rituais. Em relação à temática da apropriação afirma que apesar de relacionar a

hibridização cultural de maneira positiva, informa como esse processo é

seletivo, uma vez que esconde e silencia violências, evidenciando mais uma

vez que o processo de hibridização é conflituoso, sobretudo para quem é

subjugado.

A temática da apropriação adquire maior complexidade em função da

necessidade de um movimento constante de novidades. Percebe-se o

movimento de aspectos e expressões marginalizados se tornarem uma

inspiração para a criação, sobretudo a indústria da moda. Explorado desde o

início dos anos 2000 ―Homeless Chic31” é uma tendência muito associada ao

street style e à subcultura hipster. Observa-se a apropriação de elementos

relacionados a pobreza, sobretudo a pessoa em condição de rua.

O grafitti se tornou as apropriações mais recorrentes da indústria da

moda e do design. Desde a década de 1980 já integrava o circuito da arte em

galerias, exposições e mostras, ainda havia o aspecto da autenticidade ligada a

figura ao artista de rua. Neste ano, a grife GUCCI lançou uma coleção em

parceria com a artista Coco Capitán (Figura 13), e o que se destacou

negativamente foi a semelhança com a obra de Jim Joe, um conhecido artista

de rua que vive em Nova Iorque. Além de integrar o circuito de galerias pelo

mundo afora, também realizou parcerias com rappers famosos: Kanye West e

Drake, que Joe foi responsável pela arte do álbum (Figura 14).

30

Disponível em: http://www.woodlandsretreats.co.uk/special-breaks/glastonbury-festival Acesso em: 15 Out. 2017

31 ―Mendigo chic‖ Tendência que remete as roupas utilizadas por pessoas em situação de rua. Disponível

em <http://revistadonna.clicrbs.com.br/noticia/a-moda-mendigo-chique-esta-nas-passarelas-e-nas-vitrinas/>. Acesso em 6 de Dez. 2017.

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44

Figura 13 GUCCI: x Coco Capitán32

Fonte: Divulgação/Instagram.33

Figura 14 Obra do artista Jim Joe nas ruas de Nova Iorque, e a ilustração para o álbum do rapper Drake

(2013).34

Fonte: Street and Stage; Genius35

.

MASSEY (2000) apresenta o conceito de geometria do poder, que os

grupos sociais e indivíduos são incorporados a esses fluxos e interconexões,

em função das relações de poder. O grafitti, historicamente atrelado a cultura

hip-hop, vem se tornando uma expressão cada vez mais distante das suas

origens. Essa absorção da estética, e não do seu conteúdo, da arte urbana por

grifes, a indústria criativa em geral é uma demonstração de poder sobre essas

comunidades que criam essas expressões.

O graffiti e sua apropriação pela indústria criativa são uma expressão da

apropriação de manifestações populares em artigos de luxo. Atualmente é uma

tendência em expansão. A expressão mais corriqueira de encontrar em nosso

cotidiano se dá no espaço urbano. Várias publicações recentes vêm alertando

32

Tradução: "O que vamos fazer com todo esse futuro?" e "Senso comum não é tão comum assim"

33 Disponível em:< https://www.instagram.com/gucci/> Acesso em: 15 Out. 2017

34 Tradução: "Aposto que você entende isso todo o momento" "Se você está lendo isso, é tarde demais‖

35Disponível em: <http://www.streetandstage.com/all-the-time/> e <https://genius.com/Drake-if-youre-

reading-this-its-too-late-tracklist-album-art-lyrics/> Acesso em: 15 Out. 2017

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o uso dos grafitti como um ―cavalo de tróia36‖ nos espaços urbanos, já que é

utilizado como uma ferramenta que dá início às transformações urbanas como

um todo. A implicação dessa apropriação é o esvaziamento do contexto

político-social dessas expressões.

A apropriação cultural é uma das cafacterísticas hipsters que mais se

destaca negativamente, pela insensibilidade ao lidar com outras manifestações

culturais. A efemeridade do uso dessas matrizes culturais é feito de modo

superficial, explicitando várias outras questões, especialmente a busca por uma

identidade legitima. A partir das características principais, na próxima seção irá

discutir a questão do hipster e como essa subcultura se relaciona e registra a

paisagem urbana.

3.3 A ESTÉTICA HIPSTER, FOTOGRAFIA E A PAISAGEM URBANA

Segundo Pereira e Sena (2016), o hipster é essencialmente uma

subcultura pós-moderna e um dos aspectos centrais é sua relação com o

espaço. A subcultura hipster se formou a partir das redes sociais, que

possibilitou a dispersão da sua estética em uma escala global. Como é uma

subcultura fundamentalmente urbana, a cidade é uma temática recorrente,

sobretudo nos registros fotográficos compartilhados na internet.

Elley (2014) fala da abstração da representação da cidade existente na

estética hipster. O imaginário e a idealização transformam a paisagem urbana

em um cenário desconectado de sua espacialidade. A ―cidade hipster‖ é uma

idealização que remete a estética das cidades de Los Angeles e Nova Iorque.

O autor ainda faz alusão aos escritores da Geração Beat e sua relação à

cidade e como ela influencia nesse imaginário, especialmente pelo desejo de

explorar a cidade, rejeitando o turismo convencional.

Essa estética de modo geral, dialoga muito com a linguagem publicitária

e da moda: há uma estilização e construção dessa imagem, cria-se uma

narrativa do indivíduo e da paisagem, que são facilmente identificados.

Ouellette (2013) chama essa apreensão instantânea de ―sistema de curto

circuito‖: a imagem em si já nos faz identificar sua mensagem, fundamental

36

How Developers Turned Graffiti Into a Trojan Horse For Gentrification Disponível em: <https://www.archdaily.com/871531/5-pointz-how-developers-turned-graffiti-into-a-trojan-horse-for-gentrification> Acesso em 17 de Out. 2017.

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para a existência de um estilo. São pressupostos de representação e de

criação de estilos. Essa técnica é largamente utilizada pelos profissionais das

indústrias criativas, sobretudo pela publicidade, uma vez a leitura da

publicidade ao consumidor é um ato que demanda o entendimento instantâneo.

Na representação hipster da paisagem a cidade é um grande cenário, e

assim, um elemento de composição. A estética hipster dialoga com o gênero

de street photography, a fotografia de rua. Se antes fotógrafos prezavam pelos

candids37, e a espontaneidade, hoje é uma realidade mais manipulável: a

fotografia digital possui a possibilidade de inúmeros disparos, e a edição tanto

de forma prévia quanto a posterior- que são recursos encontrados nos

smartphones, inclusive nos mais acessíveis. Os principais aspectos da

paisagem urbana valorizada a partir da estética hipster são a arquitetura, o

design e o vestuário.

Segundo Lipovetsky G. e Serroy (2015), a popularização do acesso à

internet e aos equipamentos high tech, foram um acelerador ao exercício

artístico da pessoa comum. A experiência estética se torna uma reação, muitas

vezes como uma reação à realidade produtivista. Esse desejo de expressão se

nasce com a vontade de realizar algo pessoal, expor a subjetividade. Se o

capitalismo produz um consumo cultural de massa, também favorece o

desenvolvimento das ambições expressivas atuais. O artista hoje não é mais o

outro, e sim nós mesmos.

A paisagem representada através da fotografia pode nos fornecer alguns

pontos de reflexão. No entanto, como Souza (2013) nos fala, é necessário

―desconfiar‖ da paisagem: uma vez que ela é uma forma, uma aparência.

Contudo, ela pode ser ponto de partida para várias observações. A fotografia

enquanto uma representação da paisagem agrega também a subjetividade de

quem produz a fotografia. Mesmo com suas limitações, pode nos fornece a

possibilidade de compreender a subjetividade do sujeito e revelar várias

intencionalidades.

A fotografia nasceu na época industrial e seu caráter de objetividade se

consolida pela sua precisão e também por ser uma máquina: essa mediação

37

Expressão que tem como sentido mostrar as pessoas de forma espontânea e franca, pois elas não sabem que estão sendo filmadas e agem naturalmente. Disponível em: <http://www.teclasap.com.br/candid/> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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de certa maneira confere um aspecto mais objetivo. O que não se sustenta,

mesmo que a fotografia necessite da base material para se realizar, diferente

de uma pintura, é uma atividade subjetiva: o ângulo, enquadramento,

composição, perspectiva são fatores que revelam e criam narrativas visuais

(Prata, 2016).

Nas últimas décadas, a progressiva importância da imagem no nosso

cotidiano em função do consumo, a paisagem se tornou um aspecto elementar

para discutir as transformações nas cidades. A modalidade de fotografia

urbana teve seu auge o pós-guerra e foi fundamental para criar as identidades

das cidades: da Paris romântica, à Nova Iorque de negócios. A paisagem

retratada passa compor uma percepção sobre os locais. O espaço urbano se

torna um produto em potencial. Nele, criam-se desejos, padrões de design,

padrões de gosto e expectativas culturais (Boas e Barbosa, 2014).

As fotos a seguir compõem um exercício de tentar simular essa estética,

a partir do uso de uma câmera convencional em três espaços urbanos

distintos. Obviamente, é um trabalho cheio de limitações, mas de um modo

pessoal foi possível reproduzir alguns elementos principais, independente do

porte da cidade, que de alguma forma se assemelham muito as imagens que

circulam no Instagram e Tumblr. Os principais aspectos são:

Figura 13 Ironia e o Consumismo.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Ironia e o Consumismo: Percebe-se uma integração conflituosa com o

cenário, no entanto o contraste é fundamental para poder destacar as duas

figuras. O cenário mesmo banal é importante para essa composição. A ironia

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não é somente no vestuário, ou na afirmação de gostos extravagantes, mas

também o desejo de diferenciar-se: geralmente cenários degradados são a

escolha mais comum como um cenário. O consumo aparece de forma a

valorizar os logotipos das marcas e também contrastá-los ao ambiente.

Apropriação da Estética Degradada e da Arte Urbana: Essa estética rompe

com a idealização de um cenário, como o espaço do shopping center, onde o

espaço é pautado pela harmonia e a sofisticação. Busca-se uma estética crua,

rústica, uma vez que ela remete ao ideal de autenticidade. Alguns autores,

inclusive, chamam a atenção para o aspecto da chamada apropriação da

pobreza. Há uma assimilação da estética decadente e imperfeita. Pode

significar uma expressão de diferenciação, de relacionar essa paisagem

vernacular contemporânea à busca pela autenticidade.

Figura 14 Apropriação da Estética Degradada e da Arte Urbana.

Fonte: Arquivo Pessoal.

A Rua Como Cenário e o Eu Como Protagonista: A rua é um dos locais mais

comuns dos registros. No entanto, ao realizar esses registros, mais importante

do que fotografar a cidade, é se fotografar- ou deixar que alguém fotografe.

Observa-se a criação de uma narrativa entre o eu e cidade, mesmo que

superficial. O individualismo é uma das características mais notórias existente

nas redes sociais. A palavra selfie, que é o autorretrato contemporâneo, foi o

termo escolhido pelo Dicionário Oxford em 2013, em função da sua

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popularização, que remete ao crescente individualismo que se expressa na

fotografia.

Figura 15 A Rua Como Cenário e o Eu Como Protagonista.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Valorização do Patrimônio Arquitetônico Urbano: A idealização do passado

enquanto fonte de autenticidade promove a valorização das construções

antigas e da formas da paisagem urbana. As áreas centrais, skylines e centros

antigos são os locais preferenciais, já que a paisagem urbana oferece um

mosaico de tempos, lugares e estilos.

Figura 16 Valorização do Patrimônio Arquitetônico Urbano.

Fonte: Arquivo Pessoal.

A popularização dessa estética nas fotografias, sobretudo nas redes

sociais, altera o modo de lidar com a paisagem e com o espaço urbano de uma

maneira geral, uma vez que segundo Prata (2016):

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Talvez a possibilidade de "entrar na imagem" como descreve Smithson, como a câmera celular possa mudar nossa apreensão estética, pois imediatamente estamos mediando o que se vê, na medida em que a imagem é produzida, mediada e compartilhada/publicada imediatamente, na mesma tela do aparelho do dispositivo móvel. E temos ainda, dentro desse espaço, cíbrido, para bem ou para o mal, a possibilidade de viver uma mediação contínua, no espaço da rede, onde narrativas reais, surreais, metafóricas e, principalmente, dos afetos convivem diariamente, impulsionados pelo próprio espaço urbano que passa do estado interativo ao participativo. (PRATA, 2016, p.58)

A mediação tecnológica complexifica a relação com o ambiente físico e amplia

a experiência estética entre o indivíduo e o espaço urbano. Há uma nova

relação com esse espaço, no entanto essas relações são possibilitadas em

função do acesso aos equipamentos tecnológicos, como também ligados ao

contexto social desses indivíduos.

Áreas popularizadas se tornam espaços de uma classe média onde são

realizadas atividades associadas ao consumo cultural. A paisagem passa por

um processo de estetização, que se torna bastante eclética. Além da

valorização do patrimônio construído, são valorizados aspectos como:

arquitetura industrial, o retrô, kirsch, cultura pop de modo geral, como também

o grafitti.

Esses espaços têm se expandindo de uma forma tão evidente que os

bairros que assimilam essa estética são chamados de ―bairros hipsters” (Figura

19). Esse mapa, extraído de um site voltado ao turismo, evidencia o caráter

turístico que essas regiões exercem. Esses bairros se caracterizam pelo

processo de enobrecimento, de modo que os novos moradores e

frequentadores pertencem a classes mais altas do que o contingente que

ocupava a região anteriormente. As atividades econômicas giram em torno

dessas populações, ligadas ao consumo cultural, economia criativa,

entretenimento noturno, restaurantes e espaços gourmets, geralmente

associadas a uma estética eclética, há elementos vintage, com outras

tendências. A dispersão dessa estética a vários espaços se justifica também a

partir dessa classe média que ocupa esses locais, geralmente impõe seu modo

de vida.

Zukin (2000) afirma que a apropriação desses espaços se dá pelos

sujeitos que possuem mais poder. A apropriação resulta na criação de novas

identidades sócio-espaciais, de modo que a estética hipster se torna um modo

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de imposição de valores e um apagamento da presença comunidades

anteriores que existiam ali. A dispersão desse fenômeno confirma o alcance

global dessa estética e, sobretudo dos valores relacionados ao hipster e sua

relação com a cidade.

Figura 17 Os bairros Hipsters no Mundo

Fonte: Cheapflights38

O próximo capítulo irá apontar como esse processo vem se

consolidando na região Hipercentral de Belo Horizonte, especialmente pautada

pela temática do consumo. Para isso será feito um breve apanhado histórico da

formação dessa região, as transformações nos últimos anos especialmente

com a implantação do projeto de refuncionalização. Posteriormente será feito a

comparação com outros ―espaços hipsters‖ e também explicitar os principais

problemas e resistências desse processo.

38

Disponível em: <The ultimate hipster neighbourhoods map. Disponível em: <http://www.cheapflights.co.uk/news/five-best-hipster-neighbourhoods//> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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4 CAPÍTULO III: REFUNCIONALIZAÇÃO E A HIPSTERIZAÇÃO DA

PAISAGEM URBANA DO HIPERCENTRO (2004-2017)

4.1 BELO HORIZONTE E O HIPERCENTRO: ASPECTOS HISTÓRICOS

Popularmente conhecido como o ―baixo centro‖, o Hipercentro se

constitui como uma área que agrega diversas funções, da qual se destaca o

setor de comércio e serviços populares. As transformações ocorridas na área

dialogam com as transformações no processo de urbanização da cidade ao

longo do tempo. Destacam-se os períodos de: fundação, metropolização,

emergência de novas centralidades e o último momento que é a revalorização

da região central. Essa mudança na orientação de investimentos reflete a

volatilidade dos investimentos urbanos nas últimas décadas. Desse modo,

após um período de abandono, a revalorização da região central tornou-se um

dos principais, senão o principal, projeto da Prefeitura de Belo Horizonte a se

concretizar na cidade na última década.

Inaugurada em 1897, Belo Horizonte foi a primeira cidade brasileira

planejada. O projeto moderno de Belo Horizonte simboliza a ruptura simbólica

com a antiga capital, Ouro Preto e sua arquitetura colonial. Com a implantação

da República, percebe-se de forma significativa o caráter simbólico do projeto:

o traçado ortogonal reforçava o caráter racional do projeto, bem como a

valorização e exuberância do poder institucional. O projeto de Aarão Reis traz

três espaços principais: zona urbana, delimitada pela Avenida do Contorno, a

zona suburbana e zona de sítios.

Essa segmentação (Figura 20) segue tendência da racionalização dos

espaços na cidade moderna, tendo como inspiração a cidade de Paris e

Washington. A fundação da cidade foi uma estratégia do governo estadual com

intenção de promover a dinamização da atividade industrial. Veiga (1994)

destaca a função pedagógica do projeto: a organização espacial se relaciona

com um estilo de vida moderno, de modo que os novos habitantes tinham de

aprender uma nova sociabilidade. Esse novo espaço urbano trazia consigo

novas regras de comportamento e uma nova concepção sobre a sociedade.

A ocupação e o desenvolvimento econômico da cidade foram bastante

lentos, em relação às expectativas do projeto inicial. Lemos (2010) destaca as

dificuldades nas primeiras décadas de ocupação da cidade: até as primeiras

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cinco décadas, muitos projetos da planta clássica de Aarão Reis não foram

efetivamente concluídos. A partir da gestão de Juscelino Kubitschek na

Prefeitura (1940-45), várias obras foram concretizadas, da qual se destaca a

Avenida do Contorno que e, além disso, JK realizou um ambicioso projeto de

renovação urbana e a implantação de conjuntos arquitetônicos modernos,

como o conjunto arquitetônico Pampulha e o Colégio Estadual Central. Várias

regiões foram integradas aos serviços de transporte público, fomentando o

movimento de expansão da ocupação, para além da Avenida do Contorno,

especialmente a expansão do eixo norte (Monte-Mór, 1994).

Figura 18 Planta Geral da Cidade de Minas, 1895.

Fonte: VILELA, (2006, p.38)

O processo de metropolização se dá a partir das décadas de 1960 e

1980. A inauguração do distrito industrial e a expansão e integração da malha

rodoviária, com a criação da BR 0-40, intensificou essa dinâmica. Belo

Horizonte passou por um intenso movimento de adensamento populacional,

como também a complexificação dos setores produtivos e de consumo,

especialmente na região central em que se concentravam esses serviços.

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Lemos (2010) afirma que a partir dos meados da década de 1970,

ocorreu a saturação da região central. A emergência de novos paradigmas de

consumo favorece novo modo de lidar com o espaço público, relacionado às

classes médias. Na zona sul da capital, observa-se a implantação do Shopping

Center, verticalização e o surgimento dos condomínios fechados favoreceram

uma especialização e segmentação de espaços para consumo. A região

central, sobretudo a região do Hipercentro, deixou de receber investimentos e

iniciou-se um movimento de degradação ambiental e estrutural. Ocorreu o

aumento poluição, retirada de árvores e o abandono de estruturas

arquitetônicas.

Figura 19 O Hipercentro

Fonte: PBH, 2007. Plano de Reabilitação do Hipercentro.

A autora ainda comenta que durante esse período, ocorreu a saída de

moradores em função da piora em relação à qualidade de vida. No entanto,

essa saída da classe média não altera o valor de moradia: mesmo em

processo de esvaziamento a área central nunca se constituiu como um local

estritamente acessível para moradia das classes mais pobres. O caráter

popular se dá em função do uso, uma vez que os serviços de comércio popular

se consolidaram na região.

Villaça (1998) identifica a gradual diferenciação da área central, uma

mais voltada às elites, outra mais popular:

Na década de 1950, com o desenvolvimento de novos bairros das camadas de mais alta renda além de Lourdes, o comércio

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elegante começou a subir a rua da Bahia, provocado a decadência do núcleo comercial original, mais antigo junto à estação; a parte do centro de Belo Horizonte orientada para aquelas camadas seguiu seu caminhamento alojando-se no triângulo formado pelas avenidas Afonso Pena, Augusto de Lima e Amazonas.(...). Nessa mesma década, já havia uma parte do centro voltada para as classes de alta renda, e a outra para as camadas populares. Já havia a ―frente‖ e os ―fundos‖ do centro principal (VILLAÇA, 2001, p.270).

Essa diferenciação entre os espaços se consolida com a política

urbanística que ocorre em 1976, quando é criada a Lei 2.662/76: Lei de Uso e

Ocupação do Solo de Belo Horizonte. Desse modo, a região central já se divide

em dois eixos distintos: a Zona Central e a Zona Hipercentral (Vilela, 2006).

Vilela (2006) relata que a partir dos anos 1980, o setor público local

promoveu intervenções urbanas de forma dispersa e pontuais na região do

centro. Projetos como o PACE (1980), Projeto da Área Central, e o BH-Centro

(1989) são realizadas com objetivo de trazer melhorias na infra-estrutura viária,

ligada à questão da mobilidade metropolitana. No entanto, essas políticas que

não geram os resultados esperados, em razão do seu caráter disperso. Ao

longo dos anos 1990 se consolidam políticas sociais ligadas ao campo

urbanístico, permitindo a elaboração do Plano Diretor. A aprovação do Plano

Diretor (Lei 7165/1996) e da Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo

(LPOUS) consolidam o processo de zoneamento na cidade. Essas leis tratam

sobre a diminuição do potencial construtivo e a regulamentação do aumento

dos afastamentos mínimos. Além disso, a inserção de instrumentos de gestão

participativa e de controle de adensamento e áreas a serem preservadas e

áreas de interesse público (Vilela, 2006).

É também na década de 1990 que se materializam uma série de

políticas mais específicas em relação à região central e ao Hipercentro.

Segundo Vilela (2006):

Em relação à área central, em contraponto com as leis

anteriores, revela-se uma preocupação com a sua renovação

indiscriminada através de propostas de preservação do

patrimônio edificado, da redução dos coeficientes de

aproveitamento anteriores, do incentivo ao retorno do uso

residencial e priorização da circulação de pedestres, a fim de

reafirmar o seu papel como espaço de sociabilidade. (VILELA,

2006. p.97)

Percebe-se o caráter de valorização do patrimônio, diferenciando-se das

ações anteriores de remodelação na cidade, que eram baseadas na completa

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destruição de estruturas. Essa nova abordagem se relaciona com a valorização

do aspecto cultural e histórico na cidade. As ações da prefeitura se relacionam

com a flexibilização política e econômica que tornam a administração local

mais autônoma e também portadora de novas funções.

As mudanças estruturais na política econômica das últimas décadas do

século XX se traduzem a partir da descentralização política e a abertura

econômica garante que a administração local adquire uma série de novas

atribuições. A revalorização desse espaço remota aos anos 1990, uma vez que

se iniciam ação de tombamentos de prédios na região, como também a

execução de planos para a recuperação da infra-estrutura da região: Plano da

Área Central, o Plano de Ação BH-Hipercentro.

A grande transformação de fato ocorre com o Código de Posturas em

2003. A partir da transferência dos trabalhadores informais, os camelôs, que

trabalhavam nas ruas da área central, para os shoppings populares, há uma

alteração significativa da paisagem urbana (Jesus, 2011). A criação dos

shoppings populares propiciou uma retomada do espaço das calçadas para os

pedestres, agradando principalmente aos lojistas da região, que foram os

grandes motivadores e beneficiários dessas ações.

Segundo (Jesus, 2011), o sucesso da transferência encobriu várias

tensões, em função do caráter conciliador da operação. A implantação dos

shoppings populares legitima a consolidação do mercado paralelo ilegal e o a

questão do subemprego na região não é resolvido. Além disso, a degradação

da cidade foi estigmatizada à presença dos camelôs, e não das autoridades

que deixaram de realizar investimentos na região.

O principal programa de revitalização urbana, O Centro Vivo, foi

implantado em 2004. Abrange toda a área central e tem suas propostas

baseadas em quatro eixos: planejamento urbano, segurança, inclusão social e

econômica e requalificação urbanística e ambiental. Em 2007 é implantado o

Plano de reabilitação do Hipercentro, que além do aspecto da infra-estrutura,

conta com diversas diretrizes, das quais se destacam os aspectos culturais e

sociais.

Mesmo com várias diretrizes abrangentes como ―habitação, mobilidade

urbana, apropriação dos espaços públicos, desenvolvimento econômico,

acessibilidade urbana e legislação‖ (PBH 2007), as ações da Prefeitura não

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conseguiram transcender a questão da infra-estrutura. Os principais problemas

ainda se relacionam com a questão da poluição atmosférica, sonora,

problemas de segurança e mobilidade. O impacto mais imediato das reformas

foi a valorização imobiliária que se deu nas áreas próximas às obras.

Apesar da limitação ao aspecto infra-estrutural, a região do Hipercentro

nesses quase quinze anos desde o início das intervenções se transformou de

maneira significativa. O Hipercentro é hoje uma região que recebe os principais

eventos culturais da cidade, como o Carnaval de Rua e a Virada Cultural.

Esses eventos já constam como parte do calendário cultural da cidade. Uma

interpretação possível para a nascente cena cultural se refere com a própria

potencialidade relativa às características da área, como também a atuação de

grupos civis e os setores privados.

O Hipercentro possui um grande valor patrimonial e simbólico, uma vez

que corresponde aos primeiros espaços de ocupação da cidade, especialmente

ao setor comercial. A própria conformação espacial, mesmo com o surgimento

de subcentros, nunca deixou de ser um ponto de convergência metropolitana,

por conta da convergência dos eixos viários. Outra característica da região é a

diversidade de atividades e públicos existente na região: de comércio,

prestação de serviços, centros educacionais, administração pública, bancos,

aparelhos de saúde, centros culturais, cinemas, teatros, mercados, dentre

outros.

Há um intenso tráfego no período diurno uma vez que constitui um eixo

de circulação metropolitano. No horário noturno, a região é esvaziada, sendo

apenas bares e outros estabelecimentos que funcionam nesses horários. Nos

finais de semanas, a região se notabiliza por se constituir como espaços de

lazer e descanso para a população, sobretudo setores mais populares,

especialmente no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, conhecido como

Parque Municipal.

4.2 TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO HIPERCENTRO

Após quase quinze anos de implantação do Centro Vivo, as

transformações na infra-estrutura ainda são as principais realizações do Plano

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de Reabilitação do Hipercentro. A reforma na região da Savassi, que era a

principal local de lazer e consumo dos jovens de classe média, favoreceu a

dispersão para outros espaços da capital. A reforma durou quase dois anos e

contribuiu para a chegada de novo público à região do Hipercentro39. Destaca-

se a emergência do entretenimento noturno na região, ligada a setores

empresariais na região.

Mesmo que a ação do Plano de Reabilitação foi limitada aos aspectos

estruturais, as reformas possibilitaram condições para que essa região fosse

dinamizada nos últimos anos. Eventos e atrações turísticas na região

metropolitana favoreceram os últimos anos a atividade turística e a ocupação

desses espaços. A transformação do Inhotim, em Brumadinho, em uma

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público em 2006, de certa

maneira favoreceu a atividade turística na capital. Os megaeventos como o

Mundial FIFA em 2014 e até mesmo as Olimpíadas, promoveram uma intensa

atividade dos setores relacionados à atividade turística.

No início de 2017 percebe-se nas ruas da cidade um grande movimento

de reocupação das ruas do Hipercentro pelos camelôs. As principais razões

desse aumento é resultado com a grande taxa de desemprego, como também

o aumento de custo de manutenção para permanecer nas feiras e nos

shoppings populares. Em uma operação realizada pela Prefeitura de Belo

Horizonte, de modo que os ambulantes foram removidos de forma truculenta. O

fato remete a 2003 e ao Código de Posturas, mas em outro contexto: dessa

vez não foi dada uma contrapartida interessante, já que muitos ambulantes

estão migrando para outras regiões da cidade40.

Essa grande operação de remoção dos camelôs das ruas deve-se à

nova gestão do prefeito Alexandre Kalil, eleito em 2016. Foi realizado a

(re)apresentação do Plano de Reabilitação do Hipercentro, sendo basicamente

o mesmo projeto lançado em 2007. Houve também a reedição da Lei 9.326/07,

39

Praça da Savassi, coração cultural de BH, sofre com reforma Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/mg/praca-da-savassi-coracao-cultural-de-bh-sofre-com-reforma/n1597214568855.html> Acesso em 7 de Dez. 2017.

40 Expulsos do Centro, camelôs migram para as estações do Move da capital. Disponível em:

<http://hojeemdia.com.br/horizontes/expulsos-do-centro-camel%C3%B4s-migram-para-as-esta%C3%A7%C3%B5es-do-move-da-capital-1.564069> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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59

com regras especiais do Código de Edificações para viabilizar a adequação de

edifícios de salas para uso residencial e outros usos41.

As observações a seguir foram coletadas a partir dos trabalhos de

campo, como também em conversas com as pessoas da região. Buscou-se

salientar os aspectos principais de cada área do Hipercentro, caracterizando-as

a partir das principais atividades, e principalmente as mudanças mais

substanciais que se deram nos últimos anos.

Praça Sete de Setembro/Av. Afonso Pena/Av. Amazonas: Um dos espaços

mais privilegiados pelas reformas ao longo dos anos. Tanto as vias, quando as

calçadas que cruzam a região (Rio de Janeiro/Tamoios), foram o principal

palco da retirada de ambulantes em 2003. Hoje se percebe grande presença

de ambulantes nas ruas, artesãos, indígenas e alguns deficientes físicos, já

que para esses grupos a atividade de ambulante é uma atividade legal.

Constitui-se como um local de passagem, comercial e de serviços. Uma das

novidades nos últimos anos foi a reinauguração do Cine Brasil, uma reforma

realizada pela empresa Vallourec. Hoje é um cinema e teatro, além de um café

visando a atender os que vão ao local.

Figura 20 Arte Urbana próximo a Av. Amazonas

Fonte: Arquivo Pessoal

41

Prefeitura apresenta plano de revitalização do hipercentro de Belo Horizonte. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=259692&pIdPlc=&app=salanoticias> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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Viaduto Santa Tereza: Em meados de 2007 o viaduto começou a receber

encontro de jovens MCs que realizavam os duelos. Esses eventos ajudaram a

região a ser ocupada, já que antes era um local estritamente utilizado por

pessoas em situação de rua e usuários de drogas. Mesmo hoje nas escadas

laterais do viaduto, é possível notar o mau cheiro. No entanto diferente do

passado, é possível transitar pela escada. Hoje, o graffiti é predominante no

ambiente. A partir da popularidade dos duelos, houve a inauguração da casa

de shows Nelson Bordello em 2010, e funcionou de modo irregular até 2013.

Em 2014, foi inaugurado o Baixo Centro Cultural, aberto no mesmo local,

porém sua atividade durou apenas dois anos. Essas casas recebiam um

público alternativo, que certamente não eram o mesmo público que

freqüentavam os duelos. O Duelo de MCs ficou suspenso por um período e foi

realizado em outras localidades, como a Praça Sete, em função de uma série

de problemas com autoridades locais. Depois, retornou ao Viaduto onde realiza

atividades periódicas durante o ano. Após de uma reforma controversa, foi

inaugurado um espaço dedicado aos skatistas. A inauguração foi forçada por

coletivos que cobravam a reabertura, encarada com desconfiança pela grande

morosidade para entregar o projeto. A Serraria Souza Pinto, que é um dos

locais mais tradicionais da cidade para receber eventos e eventos, está

próximo ao Viaduto. Em 2012, um artigo de um colunista social, em um jornal

local, chamou a atenção, já que ele reclamava que da realização desses

duelos deixou os participantes de um Baile da OAB ―desconfortáveis‖, o que

revela várias tensões existentes nesse lugar42.

Praça Rui Barbosa: Conhecida mais popularmente como Praça da Estação,

juntamente como a Praça Sete de Setembro, foi um dos primeiros locais onde

se realizou as reformas e restaurações. A inauguração do Museu de Artes e

Ofícios e a reforma da Praça em 2005 ainda é uma das principais obras da

região. A praça é ainda o palco cultural (e popular) da cidade, abrigando

eventos públicos de grande porte. Ao lado do Museu, encontra-se a Estação

Central do trem urbano de Belo Horizonte que é um local de intensa passagem,

tanto de carros quanto de pedestres. As reformas garantiram novos usos, dos

42

O início do fim da picada. Disponível em: <http://www.emdialogo.uff.br/node/3803> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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quais se destacam a inauguração do CentroeQuatro, um misto de cinema, casa

de shows e um café. O Centro Cultural da UFMG também recebe diversas

atividades culturais, como mostras de cinema, debates, dentre outras

atividades. Há vários anos, percebe-se a intenção de transformar a região em

um corredor cultural, no entanto a execução ainda não foi efetivada. Pessoas

em condição de rua, flanelinhas e ambulantes se deslocaram para as ruas

adjacentes, já que antes ocupavam espaços da praça. Em 2010 foi realização

a Praia da Estação43 como forma de reação a um decreto pelo antigo prefeito,

Márcio Lacerda, de proibir as festas e posteriormente outro por querer que

esses eventos fossem pagos.

Figura 21 CentoeQuatro e proximidades.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Rua Sapucaí: A Rua Sapucaí é a ―fronteira‖ entre a zona leste (Bairro Floresta)

e o Hipercentro. Hoje é o lugar mais privilegiado para acompanhar a

implantação de painéis e murais, uma vez que a rua se tornou o primeiro

mirante de arte urbana do país44. Na rua ainda se observa e expansão de

estabelecimentos de caráter misto, que congrega bar, casa de shows e

gastronomia. Esses espaços tornaram-se bastante populares nos últimos anos.

A presença de grafitti e outras intervenções ao longo da rua ajudam a criar um

espaço artístico e arrojado. Em setembro um casarão da região recebeu a

43

O aniversário da Praia da Estação. Disponível em: <https://www.vice.com/pt_br/article/8q43zk/praia-da-estacao-2016> Acesso em 7 de Dez. 2017.

44 Rua Sapucaí vai se transformar em mirante de arte urbana. Disponível em:

<https://www.vice.com/pt_br/article/8q43zk/praia-da-estacao-2016http://blogs.revistaencontro.com.br/retratosdacidade/2017/07/20/publico-podera-acompanhar-pintura-em-edificios-da-rua-sapucai/> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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instalação da Casa e Cor Minas Gerais, que é uma mostra de arquitetura,

design de interiores e paisagismo. De certo modo essa mostra consolida esse

movimento ocupação da rua.

Av. Santos Dummont: A Av. Santos Dummont passou por uma intensa

reforma por quase dois anos para abrigar o MOVE45. Essa avenida é

predominante comercial de caráter heterogêneo. Atacado, varejo, sacolões,

franquias de lojas de chocolates, perfumes, dentistas, lojas de cosméticos em

geral. A partir da inauguração das estações do MOVE, o fluxo que sempre foi

notável se intensificou. Nos últimos anos, a Avenida passou a receber alguns

Pubs e Centros culturais voltados a uma classe média diversificada. O Pub

PAJUBAR se destaca pela estética hipster predominante: alusão a mobília

industrial e uma diversidade de estilos que remete a estética kirsch.

Figura 22 Arte Urbana na Estação Central. Rua Sapucaí.

Fonte: Arquivo Pessoal

Shopping Oiapoque: O shopping Oiapoque oferece uma grande variedade de

produtos: vestuário, acessórios eletrônicos, cosméticos, serviços de

manutenção e informática, dentre outros. No entorno da Avenida Oiapoque há

presença de outros shoppings populares e galerias comerciais. Uma das

diferenças entre a inauguração e hoje é a presença crescente de,

especialmente imigrantes chineses, que em se instalando na região. Inclusive

45

Sistema de transporte coletivo integrado. Disponível em: <https:http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/page/portal/portalpublico/Temas/Onibus/MOVE/perguntas-frequentes-MOVE/> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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um restaurante chinês na avenida vem se tornado um local que está se

destacando na ―baixa gastronomia‖ de Belo Horizonte, pela qualidade e preços

módicos 46, diversificando a oferta de serviços existentes na região. Destacam-

se também o grande número de estacionamentos. Observam-se prédios

bastante antigos, muitos em situação de degradação. Além disso, cinemas

pornôs, ambulantes vendendo cigarros e outros objetos de baixo valor, como

acessórios para cozinha. Talvez seja a região mais popular do Hipercentro,

mas com a implantação do MOVE e as reformas na Av. Santos Dummont,

também vem alterando, sobretudo para a oferta do comércio.

Figura 23 Praça da Estação e a instalação dos murais nas empenas dos edifícios.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Rodoviária Tupis/ Rua dos Guaicurus/ Av. Olegário Maciel: O entorno da

Rodoviária e as ruas adjacências constituem a região de menor densidade de

residentes. Há predomínio de comércio de artigos para casa, fogões,

instrumento e equipamentos musicais, ―lojões‖ de roupas populares. Lá

também está o SESC Serviços e a sede oficial, o SESC Cultural, que passa por

reformas. Há um número bastante grande de estacionamentos e depósitos.

Observa-se um número expressivo de construções antigas, quase sempre

abandonadas. Próximo à rodoviária, o antigo Cine Royal se tornou uma igreja

Reino de Deus. Nessa região há também um grande número de pontos de

46

Restaurante chinês escondido em estranha galeria no Centro é oásis para aventureiros da baixa gastronomia. Disponível em: <http://bhdicas.com/restaurante-chines-escondido-em-estranha-galeria-no-centro-e-oasis-para-aventureiros-da-baixa-gastronomia> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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ônibus, especialmente as linhas que atendem o transporte metropolitano.

Obras nas vias são constantes, de modo que alterações de rotas são bastante

frequentes: a região parece de algum modo inacabado. A zona boêmia, a Rua

Guaicurus, recebeu nos últimos anos um espaço cultural, e há um movimento

para criar o Distrito Guaicurus, um dos idealizadores do projeto é um

publicitário, que pretende criar uma faixa cultural que engloba a Av. Santos

Dummont e Rua Sapucaí47.

Praça Raul Soares/Mercado Municipal /O Mercado: A reforma da Praça Raul

Soares também foi um dos principais projetos do Programa Centro Vivo. A

região, próxima ao Barro Preto possui vários pontos turísticos e que nos

últimos anos vêm se popularizando. O conjunto habitacional JK, que tem por

volta de cinco mil moradores e o terminal rodoviário. Por muito tempo, também

ficou estigmatizado com a questão da prostituição e do tráfico de drogas. No

entanto, juntamente no entorno, percebe-se a revalorização a partir das obras,

seguindo também a ―redescoberta‖ do edifício, especialmente pelos

profissionais do design, onde desde 2013 são realizadas mostras. No Terminal

Rodoviário, há uma casa de shows, ―A Matriz‖, que é um reduto de shows de

rock underground- de vários gêneros do Punk ao Metal- e é palco de novas

bandas da cidade. O Mercado Central mesmo nunca ter perdido o prestígio, foi

revitalizado na última década e é um dos principais centros de visitação

turística da cidade. Além de produtos regionais há também vários botequins,

intensamente frequentados. O comércio de animais, felizmente, vem sofrendo

restrições, no entanto algumas espécies ainda são permitidas. O Mercado

Novo sofreu um incêndio em 2004 devido a precariedade de seus

componentes elétricos, passava por um relativo abandono até a inauguração

do Mercado das Borboletas, que funcionou até o ano passado. Hoje chamado

de ―O Mercado‖, em função da troca de proprietário, é um espaço que oferece

bastante diversidade: de shows, festas, festivais e encontros culturais. A

inauguração do Studio Bar, um pub e casa de shows, especialmente, de

música alternativa também aumentaram a presença de jovens. À noite, é

47

Projeto tenta revitalizar famosa zona boêmia no Centro de BH. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/02/19/interna_gerais,848627/projeto-tenta-revitalizar-famosa-zona-boemia-no-centro-de-bh.shtml> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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possível observar muitos bares, não somente os tradicionais no entorno da

praça, como também na Avenida Augusto de Lima, voltadas aos grupos LGBT.

Lá também está o Minascentro, uma tradicional casa de eventos da cidade.

Figura 24 Murais e arte urbana à Av. dos Andradas. Próximos aos shoppings populares.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Figura 25 Arredores da Rodoviária de Belo Horizonte

Fonte: Arquivo Pessoal.

Edifício Maletta/Rua da Bahia/Rua dos Guajajaras: O Edifico Maletta é um

edifício que conta com dois andares comerciais e o restante residencial. O

edifício Maletta teve seu ―auge‖ em meados dos anos 1970. Apesar de um

passado culturalmente agitado, devido a presença de inferninhos, grupos de

teatro, músicos e reuniões de grupos políticos. Muitas lojas foram fechadas, de

modo que apenas os sebos e alguns bares são remanescentes desse período.

As atividades variam em função do horário: de dia, a maioria de sebos e bares

onde são servidos pratos feitos. Assim como o Edifício JK, o local ficou

estigmatizado pelo consumo e tráfico de drogas. Durante a ―decadência‖ do

local, o único estabelecimento até então que oferecia um consumo mais

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voltado às classes médias era a Cantina do Lucas. Recentemente, tornou-se

um local bastante freqüentado por jovens de classe média em razão da

inauguração do Café Arcângelo. Inclusive, a administração do café conseguiu

que o horário de funcionamento fosse expandido e proibiu ambulantes, que

eram os hippies e pessoas que vendiam alimentos, por exemplo. Notam-se

atualmente vários Pubs especialmente no segundo andar. Uma das atrações é

a vista do cruzamento Av. Augusto de Lima e Rua da Bahia, além do prédio

que hoje abriga o Centro de Referência da Moda, uma construção neogótica.

Além disso, restaurantes gourmets também estão em expansão nas lojas do

prédio e também próximos a essa região. O SESC Palladium, próximo à região,

foi inaugurado em 2013, abrigando shows, peças teatrais, encontros de

literatura e outras atividades culturais. Um conjunto de bares na Rua

Guajajaras, também é bastante freqüentado, apesar de hoje ter um horário de

funcionamento limitado, em função da reclamação de moradores. Evidenciando

um caráter mais residencial dessa região, em oposição ao restante das regiões

faladas anteriormente.

Figura 26 Vista para o edifício JK, a partir do edifício Mesbla, no Hipercentro.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Ao longo das observações da área de estudo, nota-se um grande

movimento e efervescência desses espaços, especialmente a partir das

transformações estruturais na região. A arte urbana vem desempenhando um

grande papel na transformação estética desses lugares, tendo essas

expressões se multiplicando nesses espaços. Além disso, percebe-se a

crescente onda de sofisticação na esfera de consumo voltado aos espaços de

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alimentação e também dos espaços de lazer e entretenimento. A próxima

seção irá discutir a questão estética dessas novas paisagens e sua relação

com o consumo.

4.3 A BANALIZAÇÃO DA PAISAGEM E DO CONSUMO HIPSTER NOS

CENTROS URBANOS

O fenômeno da estetização das paisagens reflete uma série de

alterações na dinâmica do espaço urbano. A emergência e dispersão estética

hipster nos espaços urbanos é consequência de uma padronização do bom

gosto realizado pelas classes médias. Esse movimento de estetização nos

espaços refuncionalizados está ligado a um modo de consumo que se apóia

não apenas em objetos, mas também na vivência que o espaço urbano

oferece.

Chayka (2016)48 ao realizar uma crítica em relação a estética hipster faz

dois apontamentos principais: a estética em si e como essa estética se

propaga. O ―design hipster‖ cada vez mais presente em cafés, escritórios e

espaços de lazer, agrega elementos como o retrô e elementos industriais. Para

a autora, o vintage faz referência a uma busca pela historicidade perdida. Os

objetos e mobília industrial remetem às primeiras ocupações das classes

médias e aos bairros operários na gênese desses processos, especialmente

em Nova Iorque, onde primeiro se observou esse processo.

A propagação dessa estética em uma escala global representa uma

crescente monotonia desses espaços. A estética hipster se associou a imagem

de uma cultura jovem e despretensiosa. Além dos estabelecimentos que

recebem essa decoração, os bairros hipster possuem o mesmo padrão de

entretenimento e também semelhanças no aspecto visual da paisagem. A arte

de rua talvez seja o elemento mais banalizado dessas áreas. A estética eclética

resultante da busca originalidade, gradativamente vem se tornando um padrão

estético superficial e banal.

48

―Same old, same old. How the hipster aesthetic is taking over the world‖ Disponível em:

< https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/aug/06/hipster-aethetic-taking-over-world.> Acesso 3 de Set. 2017.

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68

O segundo apontamento é relativo às redes sociais e seu papel

determinante no processo de dispersão dessa estética. A grande polêmica

envolvendo o uso das redes sociais se refere à temática da neutralidade. Os

algoritmos utilizados pelas empresas de mídia e a disposição do conteúdo se

tornaram forma de influenciar comportamentos. A notoriedade do impacto das

redes sociais em relação ao comportamento levou ao CEO do Facebook, Mark

Zuckerberg, a pedir desculpas momento de polarização e propagação de

notícias falsas geradas a partir das redes sociais49. Mesmo sendo uma

realidade muito recente, casos de experiências internas realizadas por essas

empresas com os usuários, demonstra a capacidade do uso dessas redes

sociais influenciarem o comportamento e transformar aspectos como o gosto

pessoal50. Chayka (2016) ainda fala sobre a absorção dessa estética associada

à padronização e simplificação dos gostos correlacionados com o uso das

redes sociais.

Assim, esses registros vinculados nas mídias sociais, especialmente no

Instagram têm um potencial muito grande enquanto um objeto de interpretação

desse fenômeno da dispersão e representação dessa estética hipster na

paisagem urbana. Para realizar algumas reflexões sobre esses registros, será

levado em consideração o que afirma Cosgrove (2012):

Encontramos a evidência nos próprios produtos culturais: pinturas, poemas romances, contos populares, música, filmes e canções podem fornecer uma firme base a respeito dos significados que lugares e paisagens possuem, expressam e evocam como fazem fontes convencionais "factuais". (COSGROVE, 2012, p.229)

Esses registros realizados principalmente pelos smartphones, apesar de

ser uma prática recente, constituem-se também como produtos culturais. Os

registros fotográficos e o seu compartilhamento nas redes sociais criam

narrativas pessoais em relação à cidade. As representações dessas paisagens

expõem e alteram a relação entre os indivíduos e o espaço urbano, mediados

pela tecnologia.

49

―Zuckerberg pede perdão pela divisão causada pelo seu trabalho‘ Disponível em: <https://www.publico.pt/2017/10/02/culto/noticia/zuckerberg-pede-perdao-pela-divisao-causada-pelo-seu-trabalho-1787356> Acesso 6 de Setembro.

50 Facebook fez experimento psicológico com 690 mil usuários em segredo. Disponível em:

<http://gizmodo.uol.com.br/facebook-experimento-psicologico/> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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Para abordar essa questão da representação dessas paisagens, foi feita

a comparação entre fotos coletadas a partir do aplicativo Instagram que

pertencem a quatro cidades diferentes: Nova Iorque, São Paulo, Hong Kong e

Belo Horizonte. Essas localidades foram escolhidas a partir do mapa dos

bairros hipsters, e a cidade de Belo Horizonte em função de ser o caso de

estudo. A coleta foi realizada a partir da busca pela localização, que estão

indicadas nas legendas.

Figura 27 O bairro Sheung Wan, em Hong Kong.

Fonte: Divulgação/Instagram

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70

Figura 28 Hipercentro, Belo Horizonte.

Fonte: Divulgação/Instagram

Figura 29 Williamsburg e Bushwick,Nova Iorque.

Fonte: Divulgação/Instagram

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Figura 30 Vila Madalena, Baixo Augusta e Minhocão em São Paulo.

Fonte: Divulgação/Instagram

De modo geral, esses registros buscam demonstrar interação entre o

indivíduo e a paisagem urbana. O resultado final incorpora um estilo artístico e

arrojado, porém despretensioso. As fotos revelam uma clara apreciação pelo

grafitti e as pichações, especialmente ao aspecto cru existente na cidade. A

postura dos indivíduos em várias fotos remete às tradicionais fotos turísticas,

em que os indivíduos se situam à frente edifícios históricos e quadros.

A semelhança existente entre as paisagens podem causar até uma

relativa confusão sobre a própria localidade, uma vez que a cidade nesses

registros se torna uma abstração, essencialmente uma característica da

estética hipster. Além da paisagem em si, os indivíduos também através de

suas vestimentas, atitude frente a câmera compartilham semelhanças,

evidenciando também uma relativa padronização comportamental.

Outras características da estética hipster na fotografia, abordados no

segundo capítulo, se encontram presente nesses registros. Muitas vezes o

contraste entre a pessoa e o cenário, especialmente quando ele é ―degradado‖,

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reflete talvez um modo de ironia involuntária. O ângulo e os efeitos utilizados

remetem ao gênero de fotografia de rua, porém não são necessariamente

registros espontâneos. A manipulação se dá em função da própria virtualidade

do processo.

A plataforma nos ajuda também a compreender como esse registro é

passível de manipulação, mas que paradoxalmente busca a aparência de um

registro espontâneo. O Instagram tem o seu conceito baseado na máquina

fotográfica instantânea, a Polaroid. Diferentemente da fotografia instantânea

em filme fotográfico, a fotografia digital fornece um número praticamente

ilimitado de tentativas de disparos e ainda é passível de edição, a partir da

aplicação de filtros antes de ser compartilhada. Há ainda a possibilidade de

escolha de quando esse conteúdo será compartilhado, diferente da Polaroid

em que a foto que é disparada é logo revelada.

Benjamin (1982) aborda a temática da autenticidade da obra de arte e

banalização através de reprodutibilidade. A partir do avanço tecnológico que

possibilita sua replicação, acarreta na perda da aura, que é o aspecto que

confere autenticidade. Em um contexto atual, onde a fotografia pode ser

considerada uma expressão banalizada, estratégias são lançadas para

resgatar essa autenticidade perdida. O aspecto que aparece de modo

significativo nesses registros é a valorização da arte urbana. Juntamente com a

arte de rua, a valorização de edificações degradadas remete ao que já foi

abordado anteriormente sobre o aspecto cru e, portanto, autêntico, que essas

paisagens representam.

A busca pela autenticidade resulta na idealização da experiência de

estar desses espaços urbanos. As fotos não capturam essa dificuldade de

caminhar em função de segurança do local, o lixo que existente na região, o

cheiro de urina e detritos. Além disso, a pior faceta se relaciona com pessoas

em situação de rua vivem naquela região, não por escolha, mas sim

necessidade. Na região do Hipercentro onde aparecem essas imagens são

muitos os que trabalham como flanelinhas, pedintes e pessoas de situação de

rua em geral. Essas fotos muitas vezes escondem esses problemas existentes

na região, reforçando a invizibilização desses indivíduos.

Essa perspectiva da idealização, que essa representação promove,

pode ultrapassa o campo da simulação e se torna uma expressão da hiper-

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realidade. Baudrillard (1991) define a hiper-realidade enquanto uma distorção

da experiência em relação à realidade. Acentuada pela mediação através dos

meios virtuais, que transformam a representação da experiência em uma

situação que ela possui mais valor do que a experiência real. As observações

de Baudrillard em relação à problemática da mediação tecnológica implicam na

criação de uma realidade paralela mais relevante do que a real. Essa

perspectiva do autor se relaciona com fenômenos contemporâneos como o

fake news51 e os avanços em relação à tecnologia de realidade virtual.

Gomes (2002) fala sobre a importância do espaço físico, enquanto um

local que seja uma arena de debates. A ocupação a partir dessa sociabilidade

virtual valoriza o aspecto mais superficial do que significa estar num espaço

público, e a intensa mediação através das redes virtuais, não se materializam

como a criação de um diálogo efetivo e democrático. A ocupação do espaço,

que de certo modo é realizado através dessas narrativas nas redes sociais, não

é suficiente para se consolidar como uma experiência, já que é o convívio com

o diferente que qualifica a efetiva vivência do espaço urbano.

A apropriação de elementos da cultura urbana, e também a valorização

do incomum, do ―feio‖ são apenas elementos autenticidade, como modo de

diferenciação e afirmação dos gostos. O hipster passa de um assimilador a,

posteriormente, um massificador de gostos e de tendências através da

popularização dessa estética e desse lifestyle. Diferentemente das subculturas

do passado, pautadas pela contestação, o hipster se tornou um ―soldado

capitalista52‖, uma vez que atua como um desbravador nesses territórios

urbanos e abre caminho para os empreendedores urbanos.

O consumo voltado aos jovens de classes médias, geralmente produz

uma um ambiente que atrai um novo público frequentador, e posteriormente

outros empresários. Essa transformação na esfera do consumo remete ao

processo de enobrecimento, uma vez que se verifica a sofisticação dos

serviços oferecidos e a gradual mudança do grupo que freqüenta a região. A

51

Notícias Falsas propagadas nas Redes Sociais. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/10/1931635-fake-news-alteram-habitos-do-publico-indica-pesquisa.shtml> Acesso em 7 de Dez. 2017.

52 Hipsters and artists are the gentrifying foot soldiers of capitalism. Disponível em:

<https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/sep/13/hipsters-artists-gentrifying-capitalism> Acesso em 3 de Out. de 2017

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principal expressão da emergência desses locais de consumo chama a

atenção em função da dinâmica que propiciam a outros atores urbanos. Na

área de estudo, o Hipercentro, percebe-se nesses últimos dez anos a chegada

de um comércio voltado a essas classes médias (Figura 33).

Figura 31 Infográfico: O entretenimento Hipster no Hipercentro

Fonte: Elaborado pela autora.

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O consumo se torna a mediação entre os indivíduos e os espaços em

transformação. Apesar pertenceram a segmentos distintos, percebem-se nos

locais os aspectos da estética hipster, especialmente no design (estilo eclético,

vintage, serviços gourmetizados). São lugares que oferecem uma experiência

além do consumo dos produtos em si.

A experiência de estar na região do Hipercentro é valorizada,

especialmente através da paisagem, uma vez que constitui um lugar exótico a

muitas pessoas. Observa-se também um claro contraste do serviço oferecido

entre o local implantado e o grupo frequentador. Dois lugares chamam a

atenção pela paisagem ser um elemento que os distingue dos demais: Café

Arcângelo, no edifício Maletta e na Benfeitoria. Vários registros no Instagram

observadas durante a pesquisa nos oferecem informações sobre a importância

da paisagem e como ela se torna um elemento de composição nesses

registros.

A valorização da paisagem urbana, também remete a um segmento de

festas, específicas, vêm se tornando populares, as Rooftops Parties53. Essas

festas realizadas nos terraços dos prédios e se utilizam da paisagem urbana

como o principal fator de diferenciação. Algumas localidades do Hipercentro já

receberam o evento que tendem a ocorrer de modo descontínuo.

A atuação dos setores privados, empresários, produtores de eventos,

produtores culturais, remete a algumas falas de um famoso empresário

paulistano, que oferece uma perspectiva interessante sobre a atuação do setor

privado nesse processo e a proximidade com a estética e valores do hipster.

Facundo Guerra é conhecido por gerenciar diversos estabelecimento de

entretenimento da noite paulistana. Foi um dos fundadores do Clube Vegas,

um empreendimento que popularizou a região do Baixo Augusta, e

consequentemente, provocou o enobrecimento da região.

A seguir, alguns trechos de uma crônica para a Carta Capital ―Fomos

proibidos de te amar, São Paulo 54‖: ―Do caos e da feiúra emergem uma beleza

53

Neste sábado, Belo Horizonte é animada por ‗rooftop party‘ em prédio de hostel no centro. Disponível em: <http://bhaz.com.br/2015/07/15/neste-sabado-belo-horizonte-e-animada-por-rooftop-party-em-predio-de-hostel-no-ntro/> Acesso em 7 de Dez. 2017.

54 Fomos proibidos de te amar, São Paulo. Disponível em:

<https://www.cartacapital.com.br/sociedade/fomos-proibidos-de-te-amar-sao-paulo-2365.html> Acesso em: 5 Out. 2017.

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que apenas nós, que rejeitamos sua ideia de belo, vemos‖ e também:

―Ocuparemos cada fresta, cada trinca, cada buraco da cidade cinza‖. Outro

trecho interessante, extraído de entrevista55 de um e-commerce56 de moda

urbana e underground Freak Market:

Eu acho que o picho tem muito valor estético e artístico, muito mais do

que o graffiti. Aquilo ali (apontando para uma pichação no alto de uma

construção abandonada) dialoga com a morte. Aquilo pra mim tem

muito mais valor artístico do que qualquer obra que esteja no MASP.

A partir da fala do empresário é possível fazer uma série de reflexões

sobre a atuação desses empreendimentos nas regiões em processo de

refuncionalização. As falas de Guerra refletem toda a ambigüidade do

processo e alguns elementos da estética hipster, como a questão da

apropriação.Essa apropriação dos elementos das paisagens populares e de

contestação, valorização de prédios antigos, da história, das expressões

urbanas em geral, da estética degradada- dialoga perfeitamente com a

subversão da cultura urbana pela classe empresarial. Essa experiência de

glamourizar esses lugares ―decadentes‖ se relaciona com a busca de locais

para investir, principalmente quando eles ainda são baratos.

4.4 IMPLICAÇÕES, TENSÕES E RESISTÊNCIAS

A transformação dessas paisagens reflete a transformação sócio-

econômica e cultural do Hipercentro nos últimos anos, bem como a assimilação

de um gosto padronizado voltado as classes médias. Além da banalização

dessas paisagens em uma escala global, percebe-se o esvaziamento político

dessas expressões populares, sendo o grafitti a expressão mais banalizada e

inserida em um na dinâmica do consumo visual. As principais problemáticas e

contradições encontradas durante o percurso da pesquisa no Hipercentro de

Belo Horizonte, de modo especifico, são:

A Possível Saída De Comerciantes Tradicionais: O edifício Maletta por

muito tempo,foi conhecido pelos pratos-feitos ―PF‖ e os bares ―copo-sujo‖. Era

55

Facundo Guerra e a raiva da elite da qual faz parte Disponível em: https://freakmarket.com.br/revista/vida/facundo-guerra-e-raiva-da-elite-que-ele-faz-parte Acesso em: 5 Out. 2017.

56 Plataforma de Venda Virtual.

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um local bastante frequentado por trabalhadores da região, jovens, estudantes,

com um padrão de consumo baixo. A chegada de cafés e Pubs trouxe os

jovens de classes médias como freqüentadores. Além de um local de happy

hour, está sendo oferecido também almoço, porém um almoço gourmetizado.

Os comerciantes mais antigos vêm enfrentando dificuldades para manter o

negócio, uma vez que não oferecem serviços suficientemente sofisticados aos

novos frequentadores.

A Problemática Da Convivência: Nos últimos anos, foram relatadas ações

violentas aos artesãos que estão nas ruas e praças do Hipercentro. Em um dos

casos, os artesãos tiveram seus materiais de trabalho destruídos. Em 2016, um

indígena foi morto através de espancamento enquanto dormia nas ruas, sendo

que esse não ato isolado, é uma realidade bastante recorrente57. Os projetos

culturais da cidade excluem essas populações, ignorando sua situação de

vulnerabilidade em relação ao acesso de aspectos básicos de moradia e

segurança. A exclusão desses grupos de certa forma legitima os discursos de

ódio, demonstrando a grande intolerância e a superficialidade das políticas

culturais da cidade. Percebe-se a falta de diálogo com os grupos que

efetivamente ocupam essa região. A instalação de um Centro Cultural na

Guaicurus, trazido com pretexto de integrar as prostitutas ao convívio com a

população, não foi, necessariamente, uma ação de sucesso. Segundo a

psicóloga da associação de prostitutas da região, não houve uma interação

significantes entre os que frequentam esse espaço cultural e as prostitutas.58

A Privatização dos Espaços e das Festas Públicas: O Carnaval de Rua de

Belo Horizonte ressurgiu em 2012, e já em 2017 conta com mais de um milhão

de foliões nas ruas da cidade 59, tornando-se uma das principais festas do

calendário cultural da cidade. Os blocos ocorrem em várias regiões, no entanto

57

A morte brutal de um índio em Belo Horizonte. Disponível em:https://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/18/politica/1453130985_398490.html> Acesso em 7 de Dez. 2017.

58 Vida noturna ganha destaque no baixo centro de BH. Disponível em:

<http://www.otempo.com.br/cidades/vida-noturna-ganha-destaque-no-baixo-centro-de-bh-1.1200728/>. Acesso em 10 de Out. 2017.

59 Carnaval de BH leva 1,5 milhão de foliões às ruasDisponível em:

<http://www.belohorizonte.mg.gov.br/sala-de-imprensa/noticia/carnaval-de-bh-leva-15-milhao-de-folioes-ruas/>. Acesso em 10 de Out. 2017.

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a área do Hipercentro é a área privilegiada: além de local de passagem, é onde

ocorrem shows, intervenções urbanas, dentre outros. Em poucos anos, a festa

foi cooptada por patrocinadores. Em 2017 foi notável o número de blocos

particulares e camarotes. As casas de shows, bares e locais voltados ao

entretenimento aproveitaram para oferecer atrações noturnas, como extensão

do carnaval, uma vez que os horários das apresentações realizadas pela PBH

são bastante limitados.

Apropriação e Subversão da Arte Urbana: A instalação de uma série de

murais nas empenas dos prédios do Hipercentro a partir de um festival de arte

urbana60 é uma alternativa barata e eficiente de tornar a região mais agradável

e oferecer ao cidadão uma experiência estética de forma gratuita. Esse projeto

em que há intervenção artística, é tido uma possibilidade de Belo Horizonte

integrar o Guia de Street Art da Lonely Planet,que é a maior publicação de

viagens do mundo61. Além disso, a Rua Sapucaí é o primeiro mirante de arte

urbana do país, em função da vista privilegiada. No entanto, em meio à

expansão e valorização do grafitti na cidade, observa-se um relativo

oportunismo por parte das autoridades locais. Ao mesmo tempo em que propõe

programas incentivando a arte urban, também pune pichadores. No início de

2017, um pichador conhecido por fazer intervenções em lixeiras estragadas da

cidade, está sendo processado pela Prefeitura de Belo Horizonte62. Não foi

sequer discutida uma forma de conciliar a atividade, apesar da grande

popularidade desse pichador.

Esvaziamento da Discussão Política: A valorização da arte urbana e de

expressões populares se torna parte de uma experiência de consumo. Nesse

processo, as diferenças de classes e étnicas, são dissolvidas a partir de uma

falsa noção de ocupação urbana democrática. A ocupação desses espaços

60

Festival Circuito Urbano de Arte (CURA). Disponível em: <http://www.belohorizonte.mg.gov.br/evento/2017/07/festival-circuito-urbano-de-arte-cura> Acesso em 7 de Dez. 2017.

61 Cidade linda. Disponível em: <http://www.otempo.com.br/pampulha/cidade-linda-1.1500035/>. Acesso

em 9 de Out. 2017.

62 Prefeitura processa grafiteiro que espalhou mensagens em lixeiras. Disponível em:

</https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/09/16/interna_gerais,901059/prefeitura-processa-grafiteiro-que-espalhou-mensagens-em-lixeiras.shtml>. Acesso em 9 de Out. 2017.

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gera uma progressiva apropriação das classes médias das áreas mediada a

partir do consumo. Esse aspecto democrático não se realiza, em função da

falta do convívio entre os indivíduos e do das consequências da sofisticação do

consumo, elitizando esses locais.

Mesmo nesse cenário é possível perceber importantes movimentos de

resistência. O Duelo de MCs, e a cena do rap de modo geral, têm uma

abordagem que favorece a ocupação democrática do espaço urbano. Nesses

eventos, observa-se a diversidade em relação a classe social, etnias, raças,

várias outras grupos urbanos. O rap traz temáticas em suas composições que

remetem a questões como a desigualdade, violência, questões sociais de

modo geral que são discutidos pelos indivíduos.

Esse evento é uma expressão de uma ocupação pautada a partir da

diversidade de vozes no mesmo espaço. Segundo GOMES (2002):

A comunicação entre indivíduos diferentes é possível pela intersubjetividade, ou seja, ainda que um indivíduo não possa ser reduzido a outro, existe sempre um domínio de interlocução que garante o sucesso da comunicabilidade. Dessa forma, o espaço público é simultaneamente o lugar onde os problemas se apresentam, tomam forma, ganham uma dimensão pública e, simultaneamente, são resolvidos. (GOMES, 2002, p. 161)

De maneira distinta do que ocorre com a ocupação feita pelas classes

médias, a música e o movimento rap em geral carregam consigo um discurso

crítico e legítimo da vida nas periferias. Não se trata de uma busca por um

estilo de vida baseado no consumo, mas sim na construção de um movimento

musical, cada vez mais reconhecido nacionalmente por sua qualidade.

Ao longo de dez anos o Duelo de MCs conseguiu pavimentar uma

carreira nacional aos MCs participantes: desde o ano passado muitos que

participavam dos duelos, estão lançando suas mixtapes63 e álbuns. A revista

VICE afirma que ―era de outro do rap em Belo Horizonte é agora‖ 64. No

entanto, apesar de sua contribuição cultural em uma escala nacional, o evento

nunca contou diretamente com apoio da Prefeitura, e por algum tempo teve de

ser realizada em outros locais, como a Praça Sete. Os idealizadores em

63

Mixtape é uma compilação de canções, normalmente com copyright e adquiridas de fontes alternativa . Disponível em: <http://vanguardadorapnacional.blogspot.com.br/2011/11/qual-diferenca-cds-eps-e-mixtapes.html> Acesso em 7 de Dez. 2017.

64 A golden era do rap de Belo Horizonte é agora Disponível em:

<https://www.vice.com/pt_br/article/mbapzb/a-golden-era-do-rap-de-belo-horizonte-e-agora> Acesso em: 25 de Out. 2017.

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entrevistas são sempre evidenciam sobre as dificuldades para realizar os

eventos, sobretudo a falta de apoio e interesses por parte de autoridades

locais.

Figura 32 Duelo de MCs, no Viaduto Santa Tereza.

Fonte: Jornal da Tarde.65

A região do Viaduto é notoriamente reconhecida como um ponto de

consumo de drogas, independente do horário e da época. O Duelo de MCs,

inclusive foi o grande pioneiro de ocupar e atrair um grupo diversificado para a

região, no entanto, os meios de comunicação sempre enfatizaram o aspecto do

consumo de drogas: eram recorrentes as batidas policiais, casos de agressão

de policiais aos participantes do evento66.

Paradoxalmente, para os empresários dos setores de consumo e

entretenimento, já que esses empreendimentos recebem um tratamento

diferenciado dos veículos de mídia. Algumas reportagens ao se referir a estes

estabelecimentos, chamam estes locais como expressões de um

―renascimento cultural da rua Sapucaí67‖ , ―varandão de todas as tribos68‖ e

65

Disponível em: <http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/duelo-de-mcs-sob-amea%C3%A7a-1.808119> Acesso em: 6 de Out.

66 O silêncio no viaduto do rap . Disponível em: <http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/o-

sil%C3%AAncio-no-viaduto-do-rap-1.670316/> Acesso em 7 de Dez. 2017.

67Benfeitoria mistura casa de shows, galeria de arte e bar . Disponível em:

<http://vejabh.abril.com.br/materia/bares/benfeitoria-mistura-casa-shows-galeria-arte-bar/> Acesso em 7 de Dez. 2017.

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assim por diante. Essa diferenciação do tratamento explicita a concepção do

que é considerado legítimo ou não nesse processo de (re)ocupação da cidade.

Percebe-se a expansão de empreendimentos ligados ás classes médias,

inspiradas na estética hipster, que cada vez se torna mais comum.

A hegemonia da estética hipster nesse contexto de refuncionalização

remete ao conceito da ―urbanalização‖. Segundo Muñoz (2008):

En La ciudad urbanal, lo complejo y diferente que hace diversos lugares y territorios se torna comparable y estandarizado, pero, sobre todo, fácil y comprensible sin mayor esfuerzo. La urbanalización, por tanto, no significa la homogeneización relativa de los espacios urbanos, de las ciudades, sino más bien, y por encima de todo, el dominio absoluto de lo común.(MUÑOZ, 2008, p.37 )

69

O processo de refuncionalização contemporâneo pautado consumo e

entretenimento, o aspecto estético e a monotonia gerada por estes são

elementos de padronização de gostos e atitudes. A paisagem, apesar do

grande ecletismo, vai se tornando cada vez mais igual nos bairros hipsters,

abordado no capítulo anterior.

A qualidade de vida para quem ocupa a região é posta em segundo

plano. Percebe-se a superficialidade do discurso de valorização da cidade, uma

vez que são essas pessoas que deveriam ser as principais beneficiárias desse

processo. Os trabalhadores, indígenas, pessoas em situação de rua, os

ambulantes da região, ao longo dos quinze anos dessas transformações ainda

tem de enfrentar problemas estruturais, viários, trânsito, ambientais, além da

violência. De modo geral, essa transformação explicita os paradigmas

contemporâneos de planejamento urbano, transformando a cidade em uma

arena de negócios. A refuncionalização transforma essas paisagens, que são

apropriados por grupos que possuem vantagens, sociais, econômicas e

culurais, aos outros, generalizados nessa pesquisa como as classes médias

que se inspiram no lifestyle hipster.

68

Edifício Maletta virou varandão de todas as tribos em BH. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/04/05/interna_gerais,634476/varandao-de-todas-as-tribos.shtml> Acesso em 7 de Dez. 2017.

69 Na cidade "urbanal", o complexo e diferente que caracteriza esses lugares e territórios, se torna

consumível e padronizado, mas, de um modo fácil e compreensível de forma instantãnea. A urbanalização, desso modo, não significa a homogeneização desses espaços urbanos, mas sim o domínio absoluto com comum.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo geral, o percurso da pesquisa foi completamente marcada pela

relação pessoal da autora com a cidade. Durante a pesquisa as vivências

pessoais foram resgatadas, para poder entender essa mudança. Através do

percurso da pesquisa, a percepção de ambiguidade acompanhou a análise dos

processos pelos quais a cidade passa. Ao mesmo tempo em que é importante

que se valorize a arte urbana, o patrimônio e a história da cidade, percebe-se

que a enaltecimento desses aspectos é feito de modo superficial. A qualidade

de vida para quem ocupa aquele local cotidianamente não é faz parte do que

vem se consolidando a partir das transformações recentes.

A cidade na contemporaneidade sob as diretrizes do Marketing Urbano

se torna um local voltado ao consumo, especialmente seu aspecto visual.

Desse modo, a paisagem adquire uma importância fundamental nesse

processo. As refuncionalizações são um modo de readequação desses

espaços realizados pelo poder público que acabam favorecendo a atuação das

classes médias nesses locais. A sofisticação da oferta de produtos e serviços

consolida o processo de enobrecimento pautado no consumo. Esse

enobrecimento está ligado à ação de uma subcultura contemporânea bastante

peculiar por estar presente em vários espaços urbanos refuncionalizados em

uma escala mundial: os hipsters.

O hipster é uma subcultura emergente nos anos 2000, oriunda das

plataformas virtuais. Esse grupo se caracteriza pela busca de autenticidade e

rejeitam o consumo de massa. A apropriação cultural é uma das características

mais fundamentais desse grupo, uma vez que essas culturas simbolizam um

aspecto de autenticidade. A estética hipster é baseada no ecletismo de várias

expressões culturais, temporais e espaciais dispersas. Paradoxalmente, os

indivíduos dessa subcultura se tornaram massificadores de tendências, seja

design, moda e de consumo. A relação entre o hipster e a cidade é bastante

forte, uma vez que a cidade é o grande cenário desse grupo. O hipster, devido

à presença nos espaços enobrecidos, é um dos grandes agentes das

transformações dos espaços urbanos contemporâneos.

Nesses espaços refuncionalizado, destaca-se a sociabilidade que passa

a ser pautada pelo consumo, em detrimento de uma ocupação democrática e

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diversificada. A principal forma de representação dessas novas paisagens é

realizada através das redes sociais, em especial no Instagram. Os registros,

principalmente nas redes sociais, remetem a uma temática sobre a busca de

uma experiência autêntica na cidade. No entanto, a experiência é marcada pela

superficialidade e pela distorção dessa realidade. Valorizam-se expressões

populares, como grafitti, pichos, além das estruturas degradadas. Essa prática

muitas vezes colabora para a naturalização das dificuldades de quem utiliza

aqueles lugares também uma relativa feitichização da pobreza.

A retratação dessas novas paisagens reflete o processo do

enobrecimento que ocorre desde a implantação dos programas de

refuncionalização. A área de estudo, o Hipercentro, ser praticamente o primeiro

local de ocupação da capital e nas últimas décadas, sempre possuiu um

caráter bastante elitizado. No entanto, nas últimas décadas do século XX,

tornou-se um local popularizado, conferindo um caráter bastante diversificado

de uso desse local. Percebe-se ao que o movimento recente de sofisticação do

consumo, propiciado pelas obras de refuncionalização nos últimos anos,

implicando em um movimento de enobrecimento, já que muitos locais de

convivência passam por uma substituição de frequentadores, diminuindo a

diversidade e a possibilidade do convívio.

As melhorias no Hipercentro são tão necessárias, que dificilmente há

resistência quando se fala em projeto de refuncionalização. Por isso é um

campo fértil para os empreendedores urbanos trazerem seus negócios. A

apropriação das expressões populares, e a despolitização destas, pelas

classes médias e os setores privados, talvez seja a face mais perversa desse

processo. No entanto, as resistências a esse processo também existem. A

realização das Batalhas de MCs nessa região propiciou a consolidação da

cena de música rap na cidade, que se reflete a partir do prestígio em um

cenário nacional, apesar de todas as dificuldades para a realização desses

eventos. Além dessa contribuição cultural, percebe-se também a prática de

uma ocupação diversificada e plural nesses espaços, mostrando que é possível

uma ocupação pautada na cidadania.

Mesmo com toda necessidade de transformação dessa região, devido

aos grandes problemas existentes, se faz necessário uma postura crítica e uma

reflexão social sobre os impactos da refuncionalização pautada nos

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paradigmas globalizantes. Durante a pesquisa chamou a atenção a importância

das ações individuais e coletivas, pois mesmo inserido em um fenômeno

global, foi possível notar que a transformação desses espaços se dá a partir

das ações de agentes locais. Isso implica na responsabilidade pessoal de cada

cidadão e a necessidade de envolvimento sobre a transformação da cidade

que valorize a diversidade e as várias vozes da cidade.

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