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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO PEDAGÓGICO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARGARETE SACHT GÓES AS MARCAS DA CULTURA NOS DESENHOS DAS CRIANÇAS VITÓRIA 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO PEDAGÓGICO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARGARETE SACHT GÓES

AS MARCAS DA CULTURA NOS DESENHOS DAS CRIANÇAS

VITÓRIA 2009

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MARGARETE SACHT GÓES

AS MARCAS DA CULTURA NOS DESENHOS DAS CRIANÇAS

Projeto de Pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Mestrado em Educação. Linha de Pesquisa: Educação e Linguagens Orientador: Prof. Dr. César Pereira Cola

VITÓRIA 2009

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370 G598m Góes, Margarete Sacht.

As marcas da cultura nos desenhos das crianças / Margarete Sacht Góes. – 2009.

190 f. Orientador: César Pereira Cola

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Educação.

1. Criança. Grafismo infantil. Relação sociointeracionista. Cultura.

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Aos meus quatro amores: Deus,

Lucas, Pedro e Wagner

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AGRADECIMENTOS

A todas as crianças que passaram por minha vida e me encantaram com sua

simplicidade, alegria e criatividade.

Aos profissionais da UMEI Jurandyr Mattos Griffo.

Aos professores do Curso de Mestrado pelos momentos de troca de conhecimentos.

Ao meu orientador professor César Cola pelo carinho e atenção.

À Alina Bonella pelo brilho nos olhos ao falar sobre a curiosa e interessante Língua

Portuguesa.

À amiga Adriana Magro pelo apoio e incentivo.

À minha irmã e companheira Tati.

Ao meu marido, Wagner, pela paciência, cooperação e carinho sempre presentes.

Aos meus filhos muito amados.

A Deus.

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Aquarela

Numa folha qualquer

Eu desenho um sol amarelo

E com cinco ou seis retas

É fácil fazer um castelo...

Corro o lápis em torno

Da mão e me dou uma luva

E se faço chover

Com dois riscos

Tenho um guarda-chuva...

Se um pinguinho de tinta

Cai num pedacinho

Azul do papel

Num instante imagino

Uma linda gaivota

A voar no céu...

(TOQUINHO)

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RESUMO

Este trabalho analisa estudos desenvolvidos no campo da linguagem visual, numa

abordagem histórico-social, pela linha de pesquisa Educação e Linguagens, do

Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo. Trata de

um estudo de caso de caráter etnográfico que tem por objetivo investigar as marcas

da cultura nos desenhos das crianças, analisando o conceito de interações sociais

no cotidiano escolar e fora dele e, ainda, a apropriação, influências e

interdependências das relações interpessoais no grafismo infantil, numa turma de

crianças com a faixa etária entre quatro e cinco anos, de uma unidade municipal de

educação infantil do município de Vila Velha, ES. Parte do pressuposto de que as

condições sociais contribuem para a constituição do processo de produção gráfica

infantil. Discute e analisa que elementos sociais e culturais estão presentes no

desenho infantil, observando como a criança se apropria deles, apresentando-os

graficamente. A partir dos dados coletados por meio da observação participante em

sala de aula, entrevistas, registros em diário de campo, gravações em áudio,

fotografia, além de transcrições por escrito das falas dos alunos em ação educativa e

de interação comunicativa, seleciona, para estudo, situações relevantes. Para a

análise dessas situações, toma por base os pressupostos teóricos de Vygotsky,

buscando dialogar com a realidade observada. Considera que o trabalho efetuado

possibilita conhecer a gênese do grafismo infantil, uma das formas de expressão

mais latentes e vibrantes durante a infância, por ser o grafismo composto de

elementos em relação, buscando compreendê-lo sem perder de vista o caráter

subjetivo e idiossincrático de quem o produziu. Assim, cabe ressaltar a importância

das diferenças individuais que enriquecem a vivência coletiva e colocam abaixo a

tendência de se considerar os seres humanos como iguais em sua constituição

pessoal e social.

Palavras-chave: Criança. Grafismo infantil. Relação sociointeracionista. Cultura.

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ABSTRACT

The paper analyzes the studies developed in the field of visual language, in a

historical-social approach, through the research of Education and Languages of the

Post Graduation Program of the Federal University in the State of Espírito Santo. It is

an ethnographic study-case aiming at investigating the marks of culture in the

children’s drawings, analyzing the concept of social interactions in the daily school

life and outside, yet, the appropriation, influences and interdependences of

interpersonal relations in the children graphism, in a group of kids aging from four to

five years old, in a municipal children education unit in the district of Vila Velha, state

of Espírito Santo. It assumes that the social condition contributes for the constitution

of process of the children graphical production. It discusses and analyzes that social

and cultural elements are present in children’s paintings, observing how kids

appropriate them, presenting them graphically. From the data collected through

observation in classrooms, interviews, records in field diaries, audio records,

photography records, besides written transcriptions of students speeches in

educative action and communicative interaction, it selects, for studying, relevant

situations. To analyze such situations, it uses as basis the theoretical assumptions of

Vigostki, aiming at dialoguing with the reality observed. It considers that the work

evaluated enables to know the genesis of the children’s graphism, one of the most

latent and vibrating ways of expression during childhood, since it is the compost

graphism of the elements in relation, seeking for its understanding, not forgetting the

subjective and idiosyncratic character of those who had produced it. Thus, it is

important to stand out the individual differences that make the collective life richer

and put aside the tendency of considering human beings as equal in their personal

and social constitution.

Keywords : Child. Children’s graphism. Socio-interaction relation. Culture.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11

1 CONTEXTUALIZAÇÃO ........................................................................................ 16

1.1 A ARTE E A ARTE INFANTIL ............................................................................ 23

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ............................................................................. 27

2.1 A CRIANÇA ........................................................................................................ 27

2.2 O DESENHO DA CRIANÇA ............................................................................... 31

2.2.1 O desenho da criança como linguagem ...................................................... 40

2.2.2 Expressão e criatividade no desenho da crianç a ...................................... 45

2.2.3 As relações interpessoais no desenho da crian ça .................................... 50

3 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 59

3.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ESTUDO DE CASO PARA A

PROBLEMÁTICA EM ESTUDO ......................................................................... 60

3.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................... 62

3.2.1 Pé no caminho: processo de inserção em campo e coleta de dados ...... 64

3.2.2 Desenhando a escola: história e histórias da instituição escolar ............ 69

3.2.3 Sala de aula: espaços e formas ................................................................... 71

3.2.4 Crianças-sujeitos: esboçando a história do gr upo .................................... 78

3.2.5 Professor: caminhos percorridos ................................................................ 82

4 ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................................ 86

4.1 MÚLTIPLOS OLHARES: LINGUAGEM E PRODUÇÃO GRÁFICA

DAS CRIANÇAS ................................................................................................ 87

4.1.1 Análise dos desenhos orientados ............................................................... 90

4.1.2 Análise dos desenhos espontâneos ......................................................... 108

4.1.2.1 Desenho espontâneo no lócus familiar ...................................................... 108

4.1.2.2 Desenho espontâneo no lócus escolar ...................................................... 114

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4.2 MARCAS EXISTENCIAIS: ELEMENTOS GRÁFICOS APROPRIADOS

CULTURALMENTE ......................................................................................... 119

4.2.1 Subjetividade no desenho reiterada em elementos gráficos

específicos .................................................................................................. 121

4.2.1.1 Desenhos de JE ......................................................................................... 121

4.2.1.2 Desenhos de TI .......................................................................................... 124

4.2.1.3 Desenhos de PE ......................................................................................... 126

4.2.1.4 Desenhos de ME ........................................................................................ 129

4.2.1.5 Desenhos de SO ........................................................................................ 130

4.2.2 Como a criança se apropria dos elementos gráf icos .............................. 132

4.2.2.1 A fala do Outro ........................................................................................... 132

4.2.2.2 A observação do desenho do Outro ........................................................... 136

4.2.2.3 O ambiente externo .................................................................................... 141

4.2.3 Elementos socioculturais presentes no desenho infantil ....................... 153

5 DIÁLOGOS RELEVANTES: CONCLUINDO ...................................................... 162

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 168

APÊNDICES ........................................................................................................... 175

APÊNDICE A _ Protocolo de Pesquisa .................................................................. 176

APÊNDICE B _ Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento ........................ 178

APÊNDICE C _ Termo de Autorização Para Participar da Pesquisa ..................... 179

APÊNDICE D _ Roteiro do Formulário Para Caracterização da Escola ................ 181

APÊNDICE E _ Roteiro do Formulário Para Caracterização dos(as) alunos(as) .. 184

APÊNDICE F _ Roteiro de Entrevista com a Professora ....................................... 186

APÊNDICE G _ Formulário Para Caracterização das Salas de Aula da Turma .... 189

APÊNDICE H _ Folha de Diário de Campo ............................................................ 190

APÊNDICE I _ Formulário Para Caracterização da Comunidade Escolar e do Corpo

Docente .......................................................................................... 191

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INTRODUÇÃO

Apaixonada pela Arte e pela criatividade das crianças, buscamos unir, nos anos 90,

o embasamento teórico às experiências que poderíamos desenvolver com nossos

alunos da Educação Infantil, na área das Artes Visuais.

Os projetos realizados durante vários anos nesse segmento não tinham o objetivo

de formar artistas, mas incentivá-los a interessar-se pela Arte, a compreendê-la de

maneira contextualizada, favorecendo o surgimento de sujeitos interessados, com

habilidades e atitudes criativas e críticas, com potencial transformador.

Segundo Barbosa (2005b, p.12),

[...] As metodologias que orientavam o ensino da arte nos anos 80, denominadas ensino pós-moderno da arte nos Estados Unidos, ou ensino contemporâneo da arte na Inglaterra, consideram a arte não apenas como expressão, mas também como cultura, apontando para a necessidade da contextualização histórica.

Nesse contexto, atuávamos como professora da Educação Infantil e, sabedora da

importância que a Arte representava para as séries iniciais, trouxemos para a sala

de aula a Proposta Triangular,1 estimulando a sensibilidade, a criatividade,

vivenciando, valorizando e ampliando o universo artístico dos educandos.

Nosso intuito era romper com o ensino de Arte como mera transmissão de técnicas

ou como um momento de lazer e livre expressão. Buscávamos privilegiar o

pensamento, a curiosidade, o diálogo e a elaboração de conhecimento.

Assim, percebíamos a importância da Arte na vida do ser humano e como as

experiências de uma atividade artística proporcionavam a capacidade de descobrir e

buscar respostas aos desafios diários, abrindo espaço para um sujeito ativo em lugar

da passividade e da vulnerabilidade.

1 “Processo que orienta o ensino da Arte combinando três aspectos: a produção, a leitura de imagem e a contextualização” (BARBOSA, 2005b, p.12).

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Dessa forma, nosso percurso profissional com os pequenos foi permeado de muitas

experiências e amplo contato com a Arte. Ao envolver-nos com todo esse trabalho,

encantou-nos o grafismo infantil e começamos a conhecer e respeitar o

desenvolvimento individual, idiossincrático e a forma como cada criança se

expressava.

A vida dentro de uma sala de aula da Educação Infantil é potencializada a cada

minuto, por isso é preciso educar a maneira de olhar e observar para transformar e

ter consciência da participação na realidade cotidiana.

Ver significa conhecer, perceber pela visão os seres, as coisas e as formas do

mundo ao nosso redor. É também um exercício de construção perceptiva. Observar

é olhar, pesquisar, detalhar, estar atento de diferentes maneiras às particularidades

visuais, relacionando-as entre si, e a Arte “[...] emerge como possibilidade de

restauração do olhar do sujeito em tempo e modo diversos daquele que o cotidiano

determina” (BUORO, 2003, p. 48).

Assim, uma educação do ver, do observar significa ver amiúde, entender sensivel e

holisticamente as características das crianças, daí a necessidade de fazer, de criar e

inventar formas para poder entender melhor suas manifestações artísticas visuais,

os gestos gráficos, percebendo objetivamente os elementos presentes na forma, na

temática que estruturam uma imagem.

Na Educação Infantil, os vínculos afetivos é que tornam o relacionamento das

crianças mais seguro para desenvolver toda a potencialidade demonstrada nas

representações gráficas. Concordamos com Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1992, p.

76), quando questiona a divisão da dimensão afetiva e cognitiva do funcionamento

psicológico, por entender a dimensão humana por meio de “[...] uma perspectiva

declaradamente monista [e uma] [...] abordagem holística”, propondo a busca de

unidades de análise que mantenham as propriedades da totalidade não separando o

cognitivo do afetivo.

Compreender os registros gráficos infantis não é uma tarefa fácil e, desde o final do

século XIX, muitos teóricos dedicaram-se a entender os registros que as crianças

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deixavam no seu processo de desenvolvimento e o que as levava a mudar suas

representações. Porém, a ênfase nesse processo foi a análise do grafismo e não do

macrotexto que envolvia a criança e esse grafismo.

Estudiosos do século XX, como Kellogg, Luquet, Read e Lowenfeld, iniciaram suas

pesquisas que tratam dos aspectos gráficos e perceptivos do grafismo infantil. Mais

recentemente, podem ser citados Japiassú, Pillar e Cola que também desenvolvem

estudos sobre essa temática.

Em meio à efervescência das reflexões e teorizações acerca do grafismo, emergem,

por sua vez, Vygotsky, Silva, Wilson e Wilson, Smole, Iavelberg e Buoro, enfocando

que, ao desenhar, a criança interage e reconstrói sua linguagem(verbal e visual) e,

ao apropriar-se dessa linguagem, suas representações sofrem alterações.

Nessa nova forma de olhar o grafismo infantil, justificamos que ele é entendido como

linguagem, pois, por meio e a partir dele, podemos extrair conceitos elaborados

pelas crianças no contexto em que vivem.

Aliada à linguagem verbal, percebe-se a criatividade como potencialidade no

desenho das crianças e as duas juntas comunicam, expressam, fornecem dados

para conhecermos e analisarmos o processo de desenvolvimento do grafismo

infantil. A criança experimenta e sensibiliza-se por meio de todo seu corpo e do

desenho. Ela fala, comunica-se, por isso devemos olhar, ouvir e observar suas

produções e interações, oferecendo oportunidades para se expressarem e se

apropriarem de novas formas de deixar suas marcas.

O estímulo, a interação, a mediação e a necessidade de comunicação e expressão

motivam a criança a usar sua criatividade, imaginando novas formas e esquemas,

pois, segundo Vygotsky (2003), essa fase é o período mais propício para

desenvolver os processos mentais e sensório-motores ligados à criatividade.

Nesse contexto, conhecer a gênese do grafismo infantil é de fundamental

importância para conhecermos a criança, pois o ato de desenhar é uma atividade

simbólica.

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Vygotsky atribui à atividade simbólica uma função organizadora específica, que

produz formas fundamentalmente novas de comportamento e pensamento, daí a

necessidade de analisarmos os desenhos vinculados ao processo histórico-social e

às múltiplas interações nas quais a criança está inserida.

A partir dos estudos sobre o tema desenho infantil em que autores categorizam suas

características, processos de produção gráfica e as condições sociais que

contribuem para sua constituição, a investigação aqui apresentada visa a articular

esses aspectos com as marcas da cultura nos desenhos das crianças, enfatizando

os efeitos de apropriação social que a criança faz nos seus registros gráficos.

Esta pesquisa, orientada pela perspectiva histórico-cultural, busca analisar que

elementos sociais e culturais estão presentes no desenho infantil e como a criança

se apropria deles e os apresenta como elementos gráficos.

Assim, a proposição deste trabalho é investigar:

a) Como a criança se apropria dos símbolos gráficos?

b) Que elementos sociais e culturais estão presentes no desenho infantil?

c) Como essa apropriação se dá no meio em que a criança está inserida (lócus

escolar)?

d) Como se opera a mediação com o outro (pais, irmãos, professores e amigos)

nessa apropriação?

A metodologia adotada será um estudo de caso do tipo etnográfico. Utilizaremos o

grupo focal e, como instrumento de produção de dados, a observação.

De acordo com Mynayo (2004), o específico do grupo de discussão são as opiniões,

relevâncias e valores dos entrevistados. Define por isso a observação que focaliza

mais o comportamento e as relações.

Esta perspectiva epistemológica, como cita Sarmento (2003, p.153), “[...] visa

apreender a vida, tal qual ela é quotidianamente conduzida, simbolizada e

interpretada pelos actores sociais nos seus contextos de acção”.

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Dessa forma, orientamos as nossas discussões em cinco capítulos. No primeiro,

contextualizaremos o estudo a partir da revisão da literatura, justificando e

contrapondo alguns pontos de vista.

No segundo capítulo, apoiar-nos-emos em Vygotsky para falar sobre a criança, o

desenho da criança, o desenho como linguagem, expressão, criatividade e as

relações interpessoais presentes em seus desenhos.

Focaremos a metodologia adotada para a produção de dados que, a nosso ver,

estão em conformidade com os objetivos deste projeto de pesquisa, no terceiro

capítulo.

No quarto capítulo, faremos a análise dos dados e algumas considerações sobre os

desenhos realizados e, no quinto capítulo, fecharemos o trabalho trazendo alguns

diálogos relevantes, a título de registro, por entendermos que este estudo também é

um processo de elaboração e reelaboração.

Esperamos com este trabalho desenvolver uma análise das marcas da cultura no

desenho das diferentes crianças num espaço cotidiano (lócus escolar),

compreendendo o desenho como linguagem, inserido em um contexto de

criatividade, ludicidade e encantamento.

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1 CONTEXTUALIZAÇÃO

A partir de meados do século XIX, a criança pôde ter acesso a lápis e papel

tornando, assim, os registros infantis mais duradouros e passíveis de serem

estudados. O interesse pela infância intensificou o estudo pelo grafismo infantil, pois

se percebeu nele uma preciosa fonte para estudos psicológicos da criança. Daí “[...]

a necessidade de se conhecer a gênese da arte na infância e as teorias do

desenvolvimento artístico e estético, que levam em consideração os aspectos

socioculturais do meio onde a criança vive” (ARSLAN; IAVELBERG, 2006, p. 65).

Segundo Arslan e Iavelberg (2006, p.1-10), "[...] para falar de Arte-Educação é

necessário compreender os acessos à educação e à Arte e, ainda, a concepção de

Arte em um determinado tempo". Ao resgatar, na História, a trajetória da Arte para

crianças desde o período medieval, verifica-se que, antes do século XIX, o centro e

sujeito do processo de aprendizagem era o mestre. Nesse período, a arte para

crianças consistia na observação, demonstração e treinamento para a repetição,

chegando, assim, a formas estereotipadas, ou seja, à padronização de elementos

recorrentes da experiência da criança.

[...] Por centenas, se não milhares de anos, as alunos aprenderam as artes na condição de aprendizes; eles observavam os mestres artistas trabalhando; começavam gradualmente a participar dessas atividades. A princípio, eles participavam de maneira simples, cuidadosamente apoiada, e depois passavam a assumir tarefas mais difíceis, com menos apoio por parte do seu treinador ou mestre (GARDNER, 1995, p. 122).

Assim, pode-se dizer que, nessa época, a inteligência humana foi treinada para

atividades que canalizavam toda sua expressão. No Brasil imperial, tínhamos a

Academia de Belas-Artes (Missão Francesa, início do séc. XIX), que se

fundamentava por uma orientação neoclássica2.

2 A influência neoclássica no Brasil estava submetida ao romantismo. A composição e o desenho seguiam os padrões de sobriedade e equilíbrio, mas o colorido refletia a dramaticidade romântica.

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Por outro lado, no século XIX, Rudolph Topffer (1799-1846), artista gráfico e escritor

suiço, considerado um dos pioneiros no gênero de histórias em quadrinhos, possuía

ideias radicais sobre a superioridade da Arte das crianças.

[...] Para Topffer, as invenções gráficas espontâneas das crianças eram consideradas tão próximas das expressões criativas de grandes artistas quanto trabalhos superficiais daqueles cuja arte apresentava mera habilidade convencional (WILSON, 2005, p. 85).

Suas concepções não tiveram credibilidade no momento e somente no Modernismo

se resgatou a ideia de que a criança poderia criar Arte, mostrando-nos, assim, a

relação entre a Arte Infantil e a noção embrionária da Arte Moderna.

No final do séc. XIX e início do séc.XX, o estudante de arte austríaco Franz Cizek

(1865-1946), mais conhecido como pai da Arte Infantil, reafirma a importância da

Arte para crianças, dando credibilidade ao seu poder de criação, organizando aulas

de Arte para crianças e apontando o desenho como atividade própria da infância.

Cizek contou com o apoio de vários artistas que viam nas produções infantis o

frescor e a espontaneidade que eles buscaram em sua própria Arte.

No início do século XX, a Arte Moderna inova com as práticas de experimentação,

valorização do processo de trabalho, criação e expressão. Nessa fase, a concepção

de criança que se tem é de que ela é centro e sujeito de sua aprendizagem.

De acordo com os estudos de Iavelberg (2008, p. 2) “[...] as interações das crianças

com a arte adulta como fonte para suas criações permanecem excluídas das ideias

dos autores de educação até o final da segunda metade do século 20, mais

precisamente até a década de 80”.

Nessa época, a produção artística das crianças e a arte adulta tornou-se uma

polëmica, dividindo opiniões: de um lado a Escola Nova (moderna) que defendia os

aspectos endógenos (auto-expressão, desenvolvimento), e por outro a Escola

Tradicional focada nos aspectos exógenos (aspectos culturais, cânones, história da

arte). Tínhamos ainda os arte-educadores contemporâneos que consideravam “[...] a

influëncia exercida nas criações da infância pelas visualidades do meio, ou seja,

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pelos códigos da linguagem da arte e da cultura visual, e os fatores exógenos, sem

desprezar os fatores endógenos” (IAVELBERG, 2009, p. 2).

No Modernismo, a forma livre de expressão era a grande busca, pois os artistas da

época queriam libertar-se das convenções sociais e artísticas buscando formas

fundamentadas no modo como a criança se expressa por meio do desenho.

Nessa concepção, o momento da criação nas atividades artísticas é marcado pela

experiência de realizar e externar potencialidades intrínsecas, em que a Arte é vista

como fruição e não como um fim em si mesma. Daí a relevância da observação do

processo e de registros gráficos.

[...] Quando a criança pinta, desenha, modela, ou constrói regularmente, a evolução se acelera. Ela pode atingir um grau de maturidade de expressão que ultrapassa a medida comum. Por outro lado, a criação artística traz a marca da individualidade, provoca libertação das tensões e energias, instaura uma disciplina formativa, interna, de pensamento e ação que favorece a manutenção do equilíbrio tão necessário para que a aprendizagem se processe sem entraves, e a integração social sem dificuldades (BESSA, 1969, p.13).

Dessa forma, a Arte Moderna e a Arte Infantil coexistiram num contexto de crenças

mútuas. Como cita Wilson (2005, p. 91):

(1) a Arte surgiu de fontes individuais intrínsecas;

(2) a Arte deveria exprimir um sentimento sobre algo mais do que

a superficial aparência exterior;

(3) a forma e a abstração eram o novo ideal [...];

(4) a Arte das crianças e dos povos tribais forneceram um modelo

de criatividade livre e primitiva para os artistas modernos [...];

(5) todas as convenções artísticas anteriores [...] deveriam ser

evitadas, todos, artistas e crianças, tinham a obrigação de

inventar um estilo de Arte individual [...] a arte poderia

permanecer num estado constante de renovação[...];

(6) nesse estado modernista ideal, o crescimento artístico não viria

através da educação formal, mas sim através do

desdobramento orgânico e natural da energia criativa intrínseca.

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Nesse contexto, os autores que estudaram o grafismo infantil, como Stern (1962),

Kellogg (1969), Lowenfeld (1977), Luquet (1981) e Lurçat (1988), possuíam uma

concepção de sujeito em que o aspecto biologizante e maturacional era a base do

seu desenvolvimento. Entendiam, também, que a intervenção do adulto e o ensino

formal da Arte eram nocivos ao desenvolvimento do grafismo que, para eles, deveria

ser construído espontaneamente, deveria ser autoexpressão. Assim, as crianças

possuíam impulsos internos que deveriam ser estimulados pelos professores e

adultos com os quais se relacionavam, desprezando todo tipo de cópia, estereótipo

ou modelo.

Toda abordagem feita por esses teóricos tinha um enfoque etapista do grafismo

infantil, que vinha de encontro a outros autores, pois

[...] Considerar o desenvolvimento do desenho como uma seqüência de estágios é insuficiente, pois tal concepção está ligada à idéia de que o desenvolvimento de grafismo é espontâneo – dependente de autodidatismo e independente de aprendizagem sociocultural – ou não elucida as reflexões que a criança faz para construir seu desenho (IAVELBERG, 2003, p. 84).

Entendemos a importância de conhecer as etapas do grafismo e a relevância desses

estudos para ampliar o conhecimento que devemos ter sobre os registros gráficos

infantis, porém concordamos com Iavelberg no sentido de acreditar em um desenho

cultivado3 para favorecer o desenvolvimento do grafismo, pois, como ela mesma diz,

esse contato com os conteúdos ligados à formação procedimental e códigos das

linguagens faz com que o desenhista não submeta “[...] sua poética à de outros

desenhistas, mas aprenda com eles, preservando seu estilo pessoal" (IAVELBERG,

2006, p. 72).

Iavelberg (2003) cita as pesquisas desses teóricos como fundamentais no estudo do

grafismo infantil, mas também faz algumas críticas a eles, daí a necessidade de

fazermos um recorte enfocando o trabalho desses autores.

3 O desenho cultivado “[...] é um conceito por meio do qual é possível ver que desde cedo a criança observa e imita atos e formas de desenhos realizados em sua presença, incorporando-os, em seu repertório, por intermédio de assimilação recriadora” (IAVELBERG, 2006, p. 44 ).

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De acordo com Pillar (1996), os estudos sobre o desenho infantil desenvolveram-se

a partir do ponto de vista dos adultos. Entendemos que esses estudos

desconsideram a teoria das crianças, ou seja, a forma como refletem sobre seus

registros gráficos ao se apropriarem de outras marcas e elaborarem seus próprios

desenhos. Assim, respeitando os diferentes pontos de vista e o lugar marcado por

esses teóricos a partir das suas opções de estudo, buscaremos um diálogo entre

diversos autores, evidenciando a multiplicidade de estudos existentes na área do

grafismo infantil no período modernista.

Stern (1962) desconsiderava totalmente o ensino formal, a educação estética, pois,

para ele, a criança aprende sozinha, sem intervenção, sem mediação, sem contato

com o outro e com imagens. A aprendizagem se dava apenas pela manipulação de

materiais diversos. Para ele, o social apenas interferia no ritmo das etapas. O autor

entendia que

[...] A arte não entra na criança, sai dela. Não é nas obras de arte que encontra sua matéria criadora; ela não se deve inspirar nelas; o seu estudo só pode falsear o seu poder criador. A educação artística é a criação livre da criança em condições que se tornaram especialmente propícias (STERN, 1974, p. 13).

De acordo com Cola (2003), Stern e Kellogg constataram que as crianças guardam,

desde o período das garatujas,4 determinadas características próprias,

inconfundíveis.

Por sua vez, Kellogg (1969), em suas pesquisas, elencou padrões básicos de

rabiscos, diagramas, combinações e agregados nos desenhos infantis. Destacou

que o desenho não pode ser pensado independentemente da cultura, mas coloca a

intervenção do social como forma negativa, pois, quando desenha sozinha, a criança

adquire um estilo pessoal.

A partir da concepção de Kellogg, Cola (1996), em sua dissertação de mestrado,

lidou com a análise dos aspectos formais (como desenham) existentes no grafismo

infantil, preterindo a temática, a classe social e o nível intelectual. Já em sua tese de

4 Primeiros registros (rabiscos) permanentes da criança (LOWENFELD, 1977 p. 117).

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doutorado (2003), demonstrou que cada criança, ao produzir seus textos visuais,

possui singularidades pessoais muito diversas entre si, coadunando, dessa forma,

com a proposta de Kellogg.

Acreditamos que abordagens sobre os rabiscos preferenciais e sua utilização são

indispensáveis para entendermos todo o processo de desenvolvimento do grafismo,

no entanto percebemos que a apropriação do repertório de traços e formas é que

constitui uma lacuna para ser contemplada ao estudarmos o desenho infantil.

Já Lowenfeld (1977) entendia que o ingrediente essencial é a criança, e os sentidos

eram a base da aprendizagem. Ele defendia a ideia de que devíamos

[...] Estimular cada aluno, para que se identifique com suas próprias experiências, e ajudá-lo a desenvolver, ao máximo, os conceitos que expressam os seus sentimentos, as suas emoções e a sua própria sensibilidade estética (LOWENFELD, 1977, p. 23).

Lowenfeld (1977) descreve a importância da sensibilização, da autoexpressão e da

identificação do eu, evitando todo e qualquer tipo de imitação, pois acreditava que,

com a imitação, a criança perderia sua autonomia e segurança.

Concordamos com esse autor, quando ele aborda o desenho como oportunidade do

desenvolvimento emocional, pois a intensidade, o vínculo afetivo da criança com o

desenho é de fundamental importância para o desenvolvimento da imaginação

criadora, principalmente se esse desenho revela que o processo expressivo se

constituiu na interação com o outro. Lowenfeld (1977, p. 44) cita que “[...] os

desenhos e as pinturas refletem o grau de identificação da criança com suas

próprias experiências e com as de outros indivíduos”.

Lowenfeld (apud SILVA, 2002, p.19) propõe:

[...] uma caracterização de etapas que se apóia em uma visão maturacionista do desenho, cuja produção é concebida como desvinculada do meio social e da cultura. Compulsoriamente todas as crianças passam por determinadas fases ou estágios, independentemente do contexto em que estão inseridas.

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Luquet (1969) também é referência, quando se fala da análise do grafismo infantil

em relação à faixa etária. No entanto, Cola (2003, p. 363) argumenta que a “[...] sua

visão torna a compreensão do desenho infantil como um processo rígido,

engessado”. Cola (2003, p. 363) complementa ainda:

[...] Consideramos geniais os parâmetros colocados por Luquet, as respeitamos como alusivas especificamente as questões de faixa etária. Quanto à expressividade, opinamos que as mesmas tendem a homogeneizar os desenhos, quando cada texto visual deveria ser visto como uma produção singular, sui generis.

Baseado nos pressupostos da epistemologia genética, nos estudos construtivistas e

na teoria de Luquet, Pillar (1996) investiga o desenho infantil sob a ótica da criança.

Seu interesse era conhecer como a criança dialoga com seu processo de desenho e

que ideias ela constrói sobre a sua produção gráfica. Segundo a autora (1996, p.

35), “[...] As crianças consideram que se aprende a desenhar desenhando,

compreendendo as estratégias utilizadas por elas ou por outras pessoas para

desenhar e pela observação dos objetos”.

[...] As teses que tratam do desenvolvimento gráfico das crianças se baseiam mais frequentemente em Luquet porque ele foi citado por Piaget, e a maioria dessas teses é de orientação piagetiana. Esquecem-se que uma bem orientada crítica às pesquisas, tanto de Luquet como de Lowenfeld e até de Rhoda Kellogg, as desqualificam todas da mesma maneira, sob o argumento de que se basearam na análise do material recolhido sem que os pesquisadores testemunhassem o ato de fazer, o que os impediu de analisar outras variáveis como a verbalização, o contexto estimulador, o espaço em que se deu a produção as respostas ao meio ambiente e ao próprio pesquisador (BARBOSA, 2005, p. 19).

Destacamos, na consideração de Barbosa, uma proximidade metodológica com o

que propomos que tem a ver com a arte vivenciada, articulada, mediada pelo Outro

num contexto histórico e cultural, em que devemos observar o processo, a ação da

criança sobre seu registro gráfico e, também, numa perspectiva etnográfica, a

interação do pesquisador.

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2.1 A ARTE E A ARTE INFANTIL

A Arte e a Arte Infantil prosseguem juntas no tempo e no espaço e, à medida que os

artistas pop aparecem se apropriando de imagens populares para criar suas

pinturas, a Arte Moderna e sua ideologia são refutadas, dando início ao paradigma

pós-moderno. Surgem, assim, os primeiros indícios de que a Arte entrava na era

pós-moderna:

[...] os artistas pop não tiravam as imagens de fontes inconscientes, não estavam exprimindo sentimentos, a estrutura formal e a abstração não eram fins nelas próprias, a expressão da pintura foi repudiada, eles não evitaram o convencional, mas se dirigiram para as imagens mais comuns e banais encontradas na cultura popular (WILSON, 2005, p. 90).

Segundo Wilson (2005), os artistas contemporâneos buscavam, na História da Arte,

imagens para adequar e preencher sua Arte com novos significados. Assim

acontece com o desenho das crianças que também baseiam seus trabalhos na Arte

que as rodeia e que vivenciam.

A concepção de que os desenhos das crianças eram derivados de outras fontes

gráficas já havia sido afirmada por Marjorie e Brent Wilson, mas não foi bem aceita

pelos Arte/Educadores modernos que acreditavam na expressão original e na

criatividade intrínseca de cada criança.

Arslan e Iavelberg (2006, p. 3) dialogam com o texto de Wilson, quando dizem que

[...] os paradigmas contemporâneos do ensino da arte são fruto de conservações e mudanças, preservações e substituições, significações e ressignificações de questões estéticas e educacionais, como o papel da arte na escola e na sociedade, as relações entre conteúdo e método no ensino da arte e os modos de avaliação, os pressupostos do ensino e da aprendizagem, a visão da relação professor/aluno na articulação entre teoria e prática de ensino e aprendizagem em arte.

As autoras citam, ainda, a necessidade de os sujeitos da aprendizagem construírem

seus saberes, estabelecendo relações durante o processo de criação e fazendo uma

reflexão pessoal sobre as diferentes linguagens, tendo como referência a "[...]

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diversidade da arte produzida ao longo da história" (ARSLAN; IAVELBERG, 2006, p.

5).

No Brasil, a partir de 1980, temos um retorno à valorização dos conteúdos de ensino

e propostas de ensino de Arte em que “[...] os alunos podem conhecer e viver a arte,

concebida como conhecimento que envolve tanto sensibilidade como cognição, um

saber diversificado em função dos contextos de origem e modificado ao longo da

história” (ARSLAN; IAVELBERG, 2006, p. 3-4).

[...] As artes na escola teriam, dentro dessa abordagem, o objetivo principal de educar o público para entender os códigos de apreciação das obras de arte. Buscar-se ia apreciar e discutir em sala de aula tanto obras produzidas por artistas do município, onde a escola está localizada, como obras produzidas por artistas em nível nacional e internacional. A produção de arte de forma livre não é mais encarada como único fator de desenvolvimento da afeição e cognição do estudante (COLA, 2006, p. 33).

No ano de 1989, a Fundação Iochpe havia decidido constituir uma videoteca

documental sobre artes visuais, para subsidiar o trabalho dos professores, dando

início a uma pesquisa que pretendia comprovar a importância da Metodologia

Triangular. Essa pesquisa culminou em 1992, com a publicação do livro O vídeo e a

metodologia triangular no ensino da Arte, de Analice Pillar e Denyse Vieira, ambas

coordenadoras da pesquisa, elaborado sob orientação da Profa. Dra. Ana Mae

Barbosa.

Nessa época, a Profa Dra. Ana Mae Barbosa já trabalhava no MAC/USP com a

Proposta Triangular e no livro A imagem no ensino da arte, ela explicita e divulga a

nova concepção do ensino da Arte combinando três aspectos: a produção, a leitura

de imagem e o contexto social em que a obra foi produzida. Apontava, ainda, o

estudo da História da Arte que poderia levar as crianças a sonhar, imaginar,

transcender ao tempo e espaço. Portanto, tornava-se irrefutável compreender a

História da Arte e discutir sobre ela no processo de criação infantil.

Essa proposta5 entendia que a criança vê o seu entorno, dá vida a um sujeito que,

5 Mais tarde, no livro Tópicos Utópicos, a autora Ana Mãe Barbosa rediscute a Proposta Triangular.

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na alteridade, dialoga com o outro sujeito a seu lado e, nessa inter-relação, vai se

apropriando das formas básicas que fazem do grafismo sua principal atividade.

[...] Pesquisas diversas e de regiões diferentes (Ostrower, 1983; Iavelberg, 1995) constataram que a forma intensa como as crianças absorviam informações e imagens de suas culturas e eram influenciadas por elas tornava os objetivos da livre expressão difíceis de serem alcançados. O aluno decodificava, reinterpretava imagens vivenciadas em seu mundo exterior. O verdadeiro conhecimento, a expressividade artística não estaria somente dentro do indivíduo, mas também fora dele (COLA, 1996, p. 32).

Partindo dessa concepção, torna-se relevante citar os estudos realizados por Silva

(2002) que orientou suas pesquisas analisando as relações entre fala e desenho, o

modo como as crianças utilizam os materiais escolhidos para desenhar e ainda as

interações que medeiam suas produções. Segundo a autora,

[...] A grande quantidade de estudos de linha maturacionista enfatiza as etapas que todas as crianças devem percorrer rumo ao último estágio do desenho figurativo. O enfoque é dado à criança, pensada individualmente, e aos passos percorridos no caminho entre as diversas fases. Tal concepção mostra-se incompatível com a perspectiva histórico-cultural, segundo a qual a constituição do homem se dá no plano da intersubjetividade. Desse modo, as relações interpessoais, que são a base do desenvolvimento, têm que fundar também a análise da evolução da atividade gráfica (SILVA, 2002, p. 22).

Da mesma forma que a Teoria Construtivista de Piaget marcou o centro das

discussões sobre o desenvolvimento infantil, a partir de experiências sensoriais,

atualmente, fala-se e ouve-se falar em Vygotsky, cujo pensamento sobre o

desenvolvimento do sujeito decorre das interações com o meio social em que ele

vive, visto que as formas psicológicas mais complexas emergem da vida social. É

em Vygotsky que buscaremos subsídios para fundamentar esta pesquisa.

Vygotsky (1996) concorda com os outros autores no sentido de que a origem dos

desenhos são os primeiros rabiscos, porém ele inicia sua abordagem sobre o

grafismo a partir do desenho figurativo. Para ele, o desenho constitui a atividade

artística preferencial das crianças e, assim como o jogo e a brincadeira, todos têm a

finalidade de comunicar. Defende, ainda, a ideia de que o desenho inicial se elabora

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a partir de como a criança compreende o mundo, principalmente quando é

estimulada e tem material disponível.

Nessa perspectiva, Silva (2002, p.34) conclui que os desenhos são atividades

socialmente constituídas e mediadas pela linguagem. Ou seja, ela “[...] focaliza as

condições sociais implicadas na atividade gráfica da criança. A intenção não é

analisar o desenho em si, realizado pela criança, mas a presença do outro e a

participação da fala nesse processo de produção”.

Esse enfoque vem ao encontro dos nossos estudos aqui apresentados, porém,

diferentemente do seu foco, pretendemos investigar e tentar compreender a

apropriação das marcas da cultura nos desenhos das crianças.

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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Apresentaremos os pressupostos teóricos que nortearão e subsidiarão o processo

de investigação desta pesquisa. Para isso, delinearemos alguns conceitos basilares

de Lev Seminovich Vygotsky (1996) a respeito da concepção de criança, inter-

relacionando com a apropriação do desenho, por meio da linguagem e da mediação

com o outro, bem como com o desenvolvimento da expressão e criatividade.

Utilizaremos a concepção teórica de Vygotsky pelo fato de vermos nela a base para

entendermos a apropriação cultural da criança.

2.1 A CRIANÇA

A concepção de criança tem mudado muito nos últimos tempos. Não somente no

meio científico como também na forma de a sociedade conhecer e refletir sobre esse

tema. Ao compreender a criança como fruto das relações sociais, podemos entender

sua singularidade e complexidade, pois, inserida no meio cultural, relaciona-se com

novos conhecimentos e passa a pensar em seu entorno de um jeito próprio e a

modificá-lo.

A visão inicial (behaviorista) que se tinha da criança como tábula rasa, sem levar em

consideração sua história e potencial, aos poucos ganha uma nova abordagem “[...]

afirmação da infância como construção social e um olhar sobre as crianças que as

considera como sujeitos activos (produtores de práticas e de representações), ou

seja, um sujeito crítico, reflexivo, com potencialidades e possibilidades” (ALMEIDA,

2000, p. 27).

Percebemos atualmente que os sujeitos se mostram interconectados, envolvidos

com o seu processo de aprendizagem. Enfim, hoje entendemos a criança com uma

natureza singular, que sente, interage, tornando-se protagonista do seu próprio

conhecimento.

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É preciso, então, analisarmos a criança numa perspectiva sócio-histórica e

reconhecer a natureza social do conhecimento por ela elaborado. Sabe-se que

aquilo que é inato no ser humano não é suficiente para a criança se desenvolver.

Assim, o desenvolvimento depende da interação com o meio físico e social, e este

está diretamente relacionado com o contexto sociocultural no qual a criança está

inserida.

Para Vygotsky (2000), é por meio da aprendizagem com os outros que a criança

elabora constantemente o conhecimento. A criança é um ser biológico e cultural que,

por meio das mediações6 semióticas, produz conhecimento e se constitui como

sujeito. Essa mediação, de qualidade, torna-se fundamental para garantir o acesso

da criança à cultura. Em suas teorizações, Vygotsky (apud PINO, 2005) rompe com

o dualismo no campo da Psicologia: por um lado, as pessoas já nascem com suas

características predeterminadas; e, por outro, são formadas de acordo com as

experiências às quais são submetidas. Nesse sentido, reconhece o ser humano

inserido em um contexto cultural, constituído historicamente.

Para Vygotsky (1997), a cultura é resultado da vida e da prática social. Assim, não

nega o ser biológico, mas propõe pensar a natureza social do ser humano. Pino

(2005, p. 57) diz:

[...] Não obstante, a importância fundamental das funções biológicas para adquirir o modo de ser humano, no mundo dos homens o ato de nascer tem muito mais o caráter de um evento cultural do que de um acontecimento biológico, embora não deixe de ser uma celebração da vida. A produção da vida, mesmo quando ela não é desejada, é um fato cultural de conseqüências sérias [a criança] já faz parte do universo cultural dos homens como ‘objeto do desejo do Outro’, qualquer que seja a forma que possa tomar este desejo.

A concepção de sujeito proposta por Vygotsky (apud PINO, 2000) é de um ser

biológico e histórico-cultural que, por meio da mediação do Outro, se constitui. A

discussão sobre o processo de elaboração do conhecimento a partir do contexto

histórico sociocultural é atual. Assim, pretendemos discutir a concepção de sujeito,

6 Por mediação, entendemos o momento principal do desenvolvimento infantil, quando, ao ser exposta à situação de desafios, a criança elabora estratégias que são significadas pelo Outro, transitando, assim, pela Zona de Desenvolvimento Proximal.

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no caso a criança, como um ser biológico e cultural e a apropriação do

conhecimento por meio das interações sociais7 e da mediação no ambiente escolar

e fora dele.

O homem é um ser inteiramente social, pois é na relação com o Outro e, segundo

Vygotsky (apud PINO, 2000), por meio de uma atividade prática comum, que ele se

constitui e se desenvolve como sujeito. Daí a necessidade de se conhecer a

influência da família, da escola e da cultura/sociedade que o cerca.

Vygotsky (apud LURIA, 1991) alicerça sua teoria no paradigma marxista e demarca

o lugar de onde fala por meio do materialismo histórico-dialético, fundamentando-se

no desenvolvimento sócio-histórico e dando ênfase à mediação cultural simbólica.

Ou seja, para entender o sujeito, primeiro devemos compreender as relações sociais

nas quais ele se desenvolve.

[...] O materialismo histórico é a ciência filosófica do marxismo que estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens, no desenvolvimento da humanidade. O materialismo histórico significou uma mudança fundamental na interpretação dos fenômenos sociais que, até o nascimento do marxismo, se apoiava em concepções idealistas da sociedade humana (TRIVIÑOS, 1990, p. 51).

Sendo assim, as ações individuais só têm sentido nas relações sociais. Luria (1991),

em seus escritos, postulava que, diferentemente dos animais, que apresentam um

comportamento determinado exclusivamente por seus instintos e características

biológicas, o homem possui uma atividade consciente. Essa atividade é motivada

não apenas por necessidades biológicas, mas por necessidades mais complexas,

como a busca por novos conhecimentos, trabalho, comunicação, relacionamentos e

complemento, tudo isso fundamentado na ética e os afetos.

Nesse sentido, a consciência não é herdada ou adquirida, mas se constitui na

linguagem. Pensar o homem como um ser histórico-cultural pressupõe pensá-lo

como um ser consciente, inserido em um contexto cultural que foi construído

7 Interação: processo de intervenção de um elemento intermediário em uma relação.

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historicamente e que, ao longo do tempo, se modifica a partir da própria atuação

consciente e inconsciente desse mesmo sujeito.

Numa perspectiva contemporânea, temos que pensar numa abordagem que

considera o sujeito constituído também pelos afetos, pela sensibilidade. O ser

sensível não exclui “o ser de linguagem” constituído socialmente, mas amplia a

noção de sujeito.

Nessa relação dialética, a linguagem é fundamental não apenas como meio de

comunicação, mas também como organizadora e viabilizadora de aprendizagens.

Assim, a criança se constituirá pela linguagem, aliada à experiência social e afetiva,

pois ela é interativa.

A criança, ao nascer, já está inserida num mundo de significações. O processo de

apropriação dos conhecimentos sociais acontece no momento em que a criança

busca a significação dos seus gestos nos adultos. Essas significações não são

improvisadas, mas já existem ao longo de uma construção histórica da sociedade, e

é pela linguagem que esse processo se efetiva. As significações são estáveis e

permanentes, porém, na interação com o adulto, mediada pela linguagem, a criança

faz suas elaborações deixando suas marcas.

Todo conhecimento torna-se, pois, autoconhecimento e também:

[...] um produto da interação humana com o mundo através de sistemas simbólicos, meios técnicos, estilos racionais e cognitivos que se dão sempre em um contexto multidimensional que inclui tanto a estética como a ética e os afetos (NAJMANOVICH, 2001, p. 111).

Brincar, imaginar, criar e recriar são ações que fazem parte das ações infantis, mas

sabemos que nem sempre o cotidiano assim se revela à criança. A realidade se

mostra mais dura e menos lúdica para muitos. Sentindo-se desafiada ao confrontar-

se com diferentes olhares, perspectivas e pontos de vista, a criança é levada a

constituir-se como sujeito com possibilidades, potencialidades e singularidades.

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Assim, de diferentes formas e contextos, a criança consegue apropriar-se do

universo cultural ao seu redor, e isso favorece uma atitude de expressão,

criatividade e comunicação.

Proporcionar à criança o acesso à cultura por meio da interação social é possibilitar

vivências e experiências que carregam em si as dimensões afetivas, estéticas,

cognitivas e sociais. Na brincadeira/jogo e no desenho, essas dimensões tornam-se

mais sensíveis e evidenciadas; realidade e imaginação se fundem e, nesse sentido,

a criança organiza sua realidade e aprende a lidar com seus sentimentos, conflitos,

alegrias, frustrações e, também, a ter um maior domínio da linguagem.

[...] A criança conhece o mundo enquanto cria, e, ao criar o mundo,

ela nos revela a verdade sempre provisória da realidade em que se

encontra. Construindo seu universo particular no interior de um

universo maior reificado, ela é capaz de resgatar uma compreensão

polifônica do mundo, devolvendo, por meio do jogo que estabelece

na relação com os outros e com as coisas, os múltiplos sentidos que

a realidade física e social pode adquirir (SOUZA, 1996, p. 37).

2.2 O DESENHO DA CRIANÇA

Para nos envolvermos com o universo infantil, faz-se necessário perceber e

conhecer o meio pelo qual a criança se expressa, comunica, partilha experiências,

vivências, e observar como a aprendizagem acontece de forma mais intensa e

prazerosa. Vygotsky (2003, p. 93) cita: “[...] el dibujo constituye el aspecto preferente

de la actividade artística de los niños en su edad temprana”.

Nessa perspectiva, o desenho infantil destaca-se por ser a linguagem essencial da

criança e, como tal, deve ser alvo de estudo para conhecermos o desenvolvimento

infantil e como podemos lançar mão dele para que a aprendizagem se torne

significativa.

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[...] ao aluno deveriam ser dadas oportunidades que despertassem seu interesse pela expressão, por meio do visual, dos elementos essenciais à pintura e ao desenho (linha, forma, cor, textura etc). Tal interesse se desenvolvido adequadamente, despertaria outros interesses pelo novo, pela descoberta pela invenção, pelo conhecimento artístico (COLA, 2006, p.15).

Assim, o desenvolvimento do grafismo infantil teria como suporte o ensino da Arte

visto que esse ensino tende a gerar interação e autoconhecimento indispensáveis ao

processo de aprendizagem.

A maior parte dos professores que lidam com crianças direciona seu olhar sobre a

Arte baseado na maior ou menor identificação com as teorias da Livre Expressão e o

Proposta Triangular. Nesse contexto, Cola (2006, p. 17) faz uma discussão acerca

das abordagens metodológicas que focam o desenho infantil, pois devemos

compreender que

[...] Alguns professores entendem aprendizagem em artes como surgida de fontes individuais intrínsecas, centradas na liberdade de expressão (READ, 1977; STERN, 1977). Outros como conhecimento de obras, de períodos artísticos, ensino atrelado a um fazer de forma mais orientada pelo educador (WILSON, 1990; IAVELBERG, 1995).

Na livre expressão, cada criança deveria aprender sozinha, sem necessidade de

intervenção ou orientação por parte do adulto ou com seus pares, com os quais

convive. Trata-se de um grande espontaneísmo em relação ao trabalho didático

desenvolvido no âmbito escolar e fora dele, bem como um total descaso às inter-

relações que as crianças mobilizam durante a elaboração de suas produções. Em

síntese, o que se apregoava é que deveria ser evitada toda educação formal para as

crianças, pois o crescimento artístico viria por meio de uma energia criativa pessoal,

ou seja, a criatividade é inata.

Ao contrário, o Processo Triangular muda essa perspectiva e foca o ensino formal

como um grande aliado ao desenvolvimento artístico.

[...] Os professores não sentem mais a necessidade de evitar que o ensino da arte seja isento de conteúdos de história e estética da arte, pois até o desenho de crianças pequenas continham uma grande influência de imagens da mídia. Cabe à escola tornar tais influências positivas e úteis ao processo educacional. Artistas e crianças

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baseiam suas criações no ambiente que as rodeiam (COLA, 2006, p. 29).

Esse pensamento demonstra que o contexto em que a criança nasce já é marcado

por fortes e importantes referências visuais que serão, de uma forma ou e outra,

integradas à memória visual das crianças e, avançando nessa abordagem, temos

estudos mais recentes (Buoro, Silva, Wilson, Barbosa, Iavelberg) que nos mostraram

que as crianças precisam ter contato com o que é produzido no contexto social da

Arte. Assim, o estudo da Arte, da História, que permite ver e analisar obras

produzidas é benéfico para o desenvolvimento da criatividade e da produção

artística.

Essas concepções teóricas perpassaram pelos currículos escolares dos alunos de

Pedagogia como forte influência na formação dos professores, daí a necessidade de

situar o desenho infantil de acordo com essas visões e, consequentemente, a

concepção de sujeito por eles pensada.

Iniciando pela livre expressão e numa ótica mais formal, a teoria de Kellogg,

apresenta “[...] um método de apreciação do desenho que pode ser utilizado em

diferentes épocas da história e em estudos de obras de qualquer profissional”

(COLA, 2006, p. 41).

Kellogg (1969) evidencia que devemos considerar os rabiscos básicos, diagramas,

combinações e agregados ao analisarmos o desenvolvimento do grafismo infantil.

Kellogg, 1969 (apud COLA, 1996, p. 71) cita também que “[...] cada aluno irá

expressar-se, usando seus rabiscos básicos e seus diagramas preferidos

completamente relacionados às interpretações que faz do mundo em que vive

submetido às suas sensações próprias”.

Um outro teórico, Luquet (1913), percebe os primeiros desenhos como

essencialmente realistas, visto que se limitam a modelos efetivos. Conclui que até os

oito, nove anos, o desenho é realista na intenção. O sujeito começa desenhando o

que sabe, o que conhece de um personagem ou de um objeto muito antes de

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exprimir graficamente o que vê no objeto. Para Luquet (1981), a observação está

relacionada ao ver, e isso ocorre posteriormente no que ela conhece do objeto, por

isso a observação é fundamental.

Ele considera ainda que o desenho funciona como um jogo lúdico ao qual a criança

se entrega sem necessariamente ter uma finalidade. Além disso, traz a relação do

desenho com a linguagem como algo a ser observado, pois faz uma distinção entre

a intenção e a interpretação. Segundo ele, se a criança primeiro desenha e depois

descreve seu desenho, ela está interpretando; se primeiro ela fala o que vai fazer e

depois desenha, ela tem intenção, o que demonstra, neste momento, que a criança

tem consciência que pode representar por meio do desenho o que deseja. Ela

passa, então, pela fase do realismo fortuito (divide-o em desenho voluntário e

involuntário) para o realismo fracassado (no qual a incapacidade sintética é seu

ponto forte) e, depois, ela avança para o realismo intelectual e o realismo visual.

De Lowenfeld resgatamos as fases do desenvolvimento do grafismo infantil

(rabiscação, garatujas descontroladas, controladas, identificadas, pré-esquemáticas

e esquemáticas) e sua consideração em relação ao meio em que a criança vive e o

material que utiliza para desenhar. Ele considera “[...] a necessidade da ação

pedagógica como um incentivo ao desenvolvimento do aluno” (IAVELBERG, 2006.

p. 39) e afirma que, ao desenhar, a criança segue o direcionamento do seu eu.

O pensamento de Lowenfeld aproxima-se do de Stern, quando este diz que “[...] O

conteúdo emotivo do trabalho é que irá medir o conteúdo formal da produção infantil.

É como se ela se exprimisse em dois níveis ao mesmo tempo, um intencional e outro

inconsciente” (STERN, 1962, p. 29).

De Stern, percebemos a aproximação com Kellogg quando demonstra que, nas

produções infantis, aparecem algumas formas preferenciais (tamanho das manchas,

aplicação do material sobre a superfície com vigor ou com leveza, oposição ou

sobreposição, cor, tons dominantes ou cores variadas, estrutura do espaço e

organização, sistema de riscos, temperamento gráfico, amálgamas, temperamento

colorista) e características da personalidade constatando que a criança possui um

estilo próprio.

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Esse pensamento aproxima-se também da pesquisa de Cola (2006, p. 58), quando

diz: “[...] observei que cada criança espelhava no espaço trabalhado toda a história

de sua vida, cujos valores diferenciam um indivíduo do outro”. E ainda “[...]

Determinada criança apresentará uma produção sempre relacionada à produção

anteriormente elaborada. As imagens são dessa forma, auto-expressão, espelho da

personalidade do produtor, e guardam entre si características familiares imutáveis”

(COLA, 2006, p. 58).

Temos, assim, pensamentos diferentes para abordar o grafismo infantil, porém é

importante ressaltar que ambos têm uma concepção de sujeito em que veem o

potencial criativo infantil como algo inato, intrínseco, considerando apenas a

experiência que a criança possa ter com o seu ambiente, onde o indivíduo utiliza a

Arte como forma de se relacionar com o mundo e adaptar-se ao ambiente de acordo

com seu desenvolvimento e suas aptidões.

Sabemos que o grafismo infantil já foi objeto de estudo de formas diversas, ou seja:

[...] Há vários olhares possíveis sobre o tema, entretanto, assumo que desenhos de crianças são possibilidades de transbordamento, de fruição, de jogo e de prazer que, como linguagem, fazem parte do processo de constituição de identidade do desenhista (LEITE, 2004, p. 69).

Por sua vez, Smole (1996, p. 86) conclui:

[...] o desenho é pensamento visual, podendo adaptar-se a qualquer natureza de conhecimento, seja ele científico, artístico, poético ou funcional. Dessa forma, assumiremos que o desenho é linguagem tanto para a Arte quanto para a Ciência.

Para Greig (psiquiatra e psicoterapeuta de formação analítica), a intenção inicial não

está na forma e sim no ato de desenhar. Segundo ele (GREIG, 2004, p. 21), “[...]

enquanto o olho da criança não segue a mão, o procedimento gráfico não tem início

verdadeiro”.

Greig (2004) também faz uma análise etapista do desenho e coloca a maturação

como condição para que a criança faça desenhos de base (movimentos circulares e

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de vaivém). Sua análise das fases do grafismo aproxima-se muito da concepção de

Luquet, mas não deixa de relacionar o desenvolvimento das etapas com o potencial

e clima familiar favorável em que a criança se encontra.

O princípio que propicia a superação da concepção maturacionista a respeito do

grafismo infantil é a perspectiva histórico-cultural, “[...] porque possibilita ver o

desenho como um signo empregado pelo homem e constituído a partir das

interações sociais” (SILVA, 2002, p. 25).

Ao desenhar ao lado de seus pares, a criança tem a possibilidade de inventar e

reinventar traços e formas bem como apropriar-se de outros novos. Pode, ainda,

extravasar sentimentos, fantasias e também reviver alegrias, conflitos, colocando no

papel, ou em outro suporte que tiver à sua disposição, situações em que a realidade

se transforma naquilo que ela quer.

Vygotsky (2003) cita Kersenstéiner, estudioso do grafismo infantil que dividiu em

quatro etapas o processo de desenvolvimento do desenho infantil. A primeira fase

ele considera esquema _ fase em que a criança representa a forma esquemática,

descobrindo que inicialmente ela desenha de memória, desenha o que sabe das

coisas num aspecto global, o que lhe parece mais importante e não só o que vê.

Nessa fase, a criança “[...] representa de forma simbólica objetos muito distantes de

seu aspecto verdadeiro e real” (VYGOTSKY, 2003, p. 94)

Na segunda fase, encontramos uma mistura de formalismo e esquematismo. Eles

ainda são esquemáticos, porém com mais detalhes e com representações acerca da

realidade. Buscam um maior número de relações entre o todo representado e suas

partes.

Na terceira fase, surge um desenho realista, as representações gráficas são fiéis ao

aspecto observado dos objetos, o esquema desaparece totalmente adaptando um

aspecto de silhueta e contorno, porém não expressa a perspectiva e a plasticidade

dos objetos, que, segundo Kersenstéiner, representa a quarta fase em que

dificilmente a criança consegue chegar sem a ajuda de professores.

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Vygotsky assinala dois momentos em que é evidenciado o laço genético entre o

gesto e o signo escrito. O primeiro momento, segundo esse autor,

[...] está representado pelos riscos que a criança traça. Como pudemos observar em numerosas ocasiões durante nossos experimentos, a criança, ao desenhar, passa, freqüentemente, à representação, assinala com o gesto o que tenta representar e a marca deixada pelo lápis não é mais que o complemento do que representa com o gesto (VYGOTSKI, 2000, p. 186).

Dessa forma, Vygotsky (2000, p. 186) diz que os primeiros desenhos infantis são

mais gestos do que desenhos. Além disso, assinala que esse fenômeno

corresponde a que as crianças, ao desenharem “[...] objetos complexos não

representam suas partes, mas suas propriedades gerais”.

Para Vygotsky (2003), inicialmente, a criança não planeja o que vai desenhar. O

outro que está a seu lado é que vai significar primeiro o seu desenho. Quando

começa a nomear seu desenho, a criança o torna significativo, descobrindo, assim,

que pode significar algo por meio de desenhos.

Ele considera, ainda, que o fato de a criança nomear o desenho não significa que

essa atividade seja simbólica. A atividade simbólica exige, por parte da criança,

planejamento, intenção, criação na imaginação. O deslocamento da linguagem do

final do desenho para o início é que indicará o seu caráter simbólico.

À medida que cresce, ela decide o que vai desenhar, mesmo que sua representação

não seja parecida com o original. Assim, a criança não só realiza a ação, como dela

toma consciência de forma intencional. A criança reapresenta o objeto ou situações

que não estão imediatamente presentes e perceptíveis para ela no momento,

representa o que ela pensa ou sabe sobre tudo o que vê.

[...] o ato de desenhar exige poder de decisão e [...], ao desenhar, o artista se apropria do objeto desenhado, revelando-o. O desenho responde a toda forma de estagnação criativa, deixando que a linha flua entre os sins e os nãos da sociedade. Fonte original de criação e invenção, o desenho é exercício da inteligência humana (SMOLE, 2000, p. 41).

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Entendemos, assim, que, inicialmente, o desenho funciona como uma brincadeira na

qual a criança explora o mundo ao seu redor sem intenção de imitá-lo ou transformá-

lo. Por meio do desenho, a criança elabora as suas hipóteses, fazendo novas

descobertas, apropriando-se delas e constituindo-se, gradativamente, como sujeito

histórico-cultural. Iavelberg (1995, p. 25) cita que “[...] a criança deseja se apropriar

das convenções e que, neste patamar conceitual de seu percurso, a mediação

cultural se faz necessária, sob pena de seu desenho se empobrecer e se imobilizar

frente à ausência de informantes e fontes de informação”.

Para Duarte (2004), “[...] O indivíduo forma-se, apropriando-se dos resultados da

história social e objetivando-se no interior dessa história, ou seja, sua formação

realiza-se por meio da relação entre a objetivação e apropriação”. O autor

complementa, ainda, que o processo de objetivação faz essa mediação e que essa

objetivação é cumulativa, fruto da experiência social. A atividade humana necessita

de uma existência objetiva que se forma na necessidade de criar instrumentos e

produzir relações sociais.

Entendemos que tanto os instrumentos como as relações sociais e a fala adquiriram

existência objetiva e se constituíram no decorrer da evolução sócio-histórica. De

acordo com Duarte (2004), “[...] o processo de objetivação da cultura humana não

existe sem o seu oposto e ao mesmo tempo complemento, que é o processo de

apropriação dessa cultura pelos indivíduos”.

Nesse contexto, pretendemos discorrer sobre o processo de apropriação das marcas

da cultura na criança, sob o ponto de vista do desenho, pois, segundo Leontiev

(2004), as características do processo de apropriação seriam:

[...] processo sempre ativo, isto é, o indivíduo precisa realizar uma atividade que ‘reproduza os traços essenciais da atividade acumulada no objeto’ (Leontiev, 1978b, p. 268); [...] por meio dele, são reproduzidas no indivíduo ‘as aptidões e funções humanas historicamente formadas’ (idem, ibid., p. 169), ou seja, a apropriação da cultura é o processo mediador entre o processo histórico de formação de gênero humano e o processo de formação de cada indivíduo como um ser humano; [...] tal processo é sempre mediatizado pelas relações entre os seres humanos, sendo portanto, um processo de transmissão de experiência social (apud DUARTE, 2004).

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Inferimos, portanto, que nas condutas representativas, assim como o jogo simbólico,

a imitação, desenhar também é uma forma de representação da linguagem, ou seja,

produto da apropriação e objetivação da história coletiva da humanidade, surgido

com a intenção de comunicar, passar informações de geração a geração,

expressando culturas, ideias e pensamentos.

Portanto, o que nos interessa nesses estudos sobre o desenho das crianças é a

relação que elas estabelecem com os objetos a conhecer, os quais vão se

modificando pelas interações da criança com o seu meio sociocultural. As etapas de

desenvolvimento do desenho são significativas para se entender a gênese de

construção dessa linguagem pela criança e não para classificá-la, enquadrá-la em

níveis de desenvolvimento.

Por meio do desenho, podemos perceber a maneira como a criança se encanta com

a vida, fazendo parte dela e apropriando-se do que ela nos revela do mundo e suas

significações. O desejo de criar, recriar, imaginar, fantasiar pode ser encontrado em

seus rabiscos e desenhos, cabe-nos olhá-los com “olhos de criança”, como dizia

Henry Matisse (pintor modernista do século XX). Para Leite (2004, p. 64-65),

[...] O desenho é um dos tantos elementos das culturas das crianças; uma de suas tantas formas de expressar-se e fazer-se presente no mundo. Toda experiência vivida deixa, sim, marcadas a carne, o imaginário, a subjetividade de cada um. Assim, para conhecer as crianças, devo estar com elas – ouvi-las, vê-las, conversar com elas, trocar, brincar, partilhar experiências, procurar perceber onde se posicionam e, assim, capturar o que pensam e sentem, o que querem revelar, desvelar, esconder, transformar, poetizar (grifo do autor).

Dessa forma, podemos entender os desenhos infantis como documento, pois

guardam em si as marcas da história do sujeito que os produziu e, com o passar do

tempo, essas marcas passam a ser, além de prazerosas, também intencionais.

Podemos, assim, considerar o grafismo como uma das formas de expressão mais

latentes e vibrantes durante a infância. Gobbi (2005, p. 79) diz que os desenhos

trazem tamanha complexidade,

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[...] devendo ser compreendidos para além da primeira olhadela, nas entrelinhas. Contêm em si informações que vão além dos mesmos, extrapolando o registro ou cópia fiel do que está ao redor; são portadores de sonhos, de imaginação, de vínculos constituídos entre seus produtores e aqueles ou aquilo que estava nos entornos da produção e que devem ser considerados.

2.2.1 O desenho da criança como linguagem

O desenho é visto por Vygotsky como uma forma particular de linguagem infantil.

Nessa direção, indica, ainda, com base em Charlotte Bühler (1893-1975), que uma

criança não desenha o que vê, mas o que sabe sobre uma determinada situação ou

sobre os objetos. Então, considera que o desenho infantil “[...] é uma linguagem

gráfica peculiar, um relato gráfico sobre algo”. Assim, o desenho, entendido como

uma forma de linguagem abarca várias possibilidades de constituição da criança,

pois, em sua aprendizagem:

[...] precisa orientar-se, ordenando os fenômenos e avaliando o sentido das formas ordenadas, precisa comunicar-se com outros seres humanos, novamente através de formas ordenadas. Trata-se, pois, de possibilidades, potencialidades de homem que se convertem em necessidades existenciais. O homem cria, não apenas porque quer, ou porque gosta, e sim porque precisa; ele só pode crescer, enquanto ser humano, coerentemente ordenando, dando forma, criando (OSTROWER, 1987, p. 9-10).

O bebê, logo que nasce, já se comunica por meio do choro e dos atos reflexos que

são significados por seus pais e/ou responsáveis pelo seu bem-estar. Nessa relação,

ele deve ser estimulado a fazer trocas de informações que o levarão a tomar

consciência de si mesmo por meio da aquisição da linguagem.

A criança começa a controlar seu ambiente com a ajuda da linguagem verbal, pois,

por meio dela, é capaz de organizar o seu pensamento. Quando a criança começa a

utilizar a linguagem verbal como forma de solucionar problemas, significa que ela

internalizou a fala socializada, ou seja, a fala que os adultos utilizam. Nesse caso,

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temos as funções psicológicas superiores ocorrendo primeiramente no nível

interpsíquico para depois se dar no nível intrapsíquico.

Entendemos, assim, que a linguagem verbal é considerada um dos elementos de

origem sociocultural que atua sobre a formação dos processos mentais superiores

da criança. Para Vygotsky (1983), os planos do desenvolvimento natural e cultural

não se separam nem seguem caminhos independentes, ao contrário, eles se

fundem:

[...] Ambos planos de desarrollo-el natural y el cultural- coinciden y se

fusionan uno com el otro. Ambas series de modificaciones

convergen, se interpenetran mutuamente e y constituyen, en esencia,

la serie única de la formación sociobiológica de la personalidad. En la

medida en que el desarrollo orgânico se realiza em um medio

cultural, se va transformando em um proceso biológico

históricamente condicionado. El desarrollo del lenguaje en el niño

puede ser um buen ejemplo de la fusión dos planos de desarrollo: el

natural y el cultural (VYGOTSKI, 1983, p. 26).

Nesse contexto, a criança, ao se relacionar com outra criança e com adultos,

estabelece processos comunicativos, apropriando-se do aspecto sócio-histórico-

cultural no qual está inserida. A linguagem verbal permite à criança formular

conceitos por meio de atividades mentais complexas, desempenhando a função de

organizar, mediar e efetivar o pensamento.

[...] A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa,

em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto,

o processo não pode ser reduzido à atenção, à associação, à formação

de imagens, à inferência, ou às tendências determinantes. Todas são

indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra,

como meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais,

controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do

problema que enfrentamos (VYGOTSKY, 1987, p. 50).

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A linguagem é um todo significativo, pois engloba elementos psicomotores, afetivos,

cognitivos e sociais. Temos, portanto, que compreender a natureza simbólica da

linguagem, ou seja, a função simbólica ou semiótica, que consiste em diferenciar

significante (símbolos) e significados (ideias, conceitos). Partindo desse pressuposto,

podemos dizer que o desenho, o jogo simbólico (faz-de-conta, brincadeira), gesto,

mímica e as palavras escritas e faladas são significantes. Ao dominar a função

simbólica da linguagem, a criança adquire uma rica experiência com o mundo ao seu

redor.

[...] A linguagem surge determinada pelas condições da vida humana.

Quando o homem passa a se organizar em função do trabalho, este vai

implicar a comunicação entre as pessoas (Van der Veer e Valsiner,

1996; Vygotsky e Lúria, 1996). A linguagem, enquanto construção

humana, surgiu da necessidade de mediar relações entre sujeitos,

significando o mundo. A linguagem liberta o homem de seu campo

perceptual imediato, movimentando-o dialeticamente entre o passado e

o futuro, permitindo um agora entremeado por esses tempos (SILVA,

2002, p. 27).

Segundo Luria (1991), o surgimento da linguagem verbal foi o grande passo para a

formação da consciência, pois ela permite discriminar objetos, conservá-los na

memória, abstrair, generalizar e ser o principal meio de transmissão de informações.

Na história da humanidade, toda representação passou ou passa pelo desenho como

processo da linguagem visual, por isso discorreremos sobre o desenho como

linguagem da criança e a linguagem como atividade essencialmente humana, que

cumpre um papel fundamental nesse processo, pois é por seu intermédio que as

atividades biológicas se transformam em atividades culturais.

O desenho é a linguagem infantil composto por símbolos que podem ser

compreendidos e interpretados sem perder de vista o caráter subjetivo e idiossincrático

de quem os produziu. Logo, conhecer a gênese do grafismo infantil é de fundamental

importância para se conhecer a criança, pois sabemos que o ato de desenhar é uma

atividade simbólica. As crianças fazem uma teia de significações que são desveladas

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em suas produções singulares, daí o cuidado em relação à visão simplista do

conhecimento da criança por meio do desenho. Leite (2004, p. 64), sustenta que

[...] Os desenhos refletem a vida do sujeito, mas, assim como as biografias, não importa se dizem a ‘verdade’ – o que importa é a imagem que oferecem sobre si e sobre o mundo; imagem inevitavelmente deformada pela capacidade e pelo desejo de revelar/ocultar.

O desenho é muito mais do que uma atividade prazerosa, é um meio pelo qual ela

desenvolve relações, expressa sentimentos, alivia tensões. A criança pequena

necessita dialogar, interagir, trocar, relacionar-se. Vygotsky (1984, p. 135) cita K.

Buhler ao afirmar “[...] que o desenho começa quando a linguagem falada já alcançou

grande progresso e já se tornou habitual na criança”. Ou seja, coincide com o maior

domínio da criança sobre a linguagem.

[...] Vygotsky sustenta a tese do desenvolvimento humano em que a linguagem desempenha a função central de organizadora e mediadora da conduta, sendo através dela que se efetiva a realização do pensamento. E ressalta, ainda, que nesse processo são cruciais os fatores de ordem cultural e as relações sociais de produção. Buscando compreender como se dá a construção social da consciência individual, Vygotsky resgata o papel da criação artística, do simbólico, do significado (KRAMER, 1993, p. 44).

No início das suas garatujas, a criança desenha sem intenção, apenas por prazer.

Depois, desenha motivada pelo desejo de comunicação produzindo formas

singulares de entender e representar o mundo ao seu entorno, ou seja, o desenho

permite vivenciar processos de interlocução com as pessoas com as quais se

relaciona. Por meio do desenho, a criança fala, comunica-se, por isso devemos

olhar, ouvir e observar suas produções e interações, oferecendo oportunidades para

se expressarem, pois:

[...] Ao se expressar no desenho, a criança deixa determinados rastros visuais bastante evidentes em seu trabalho. São as singularidades individuais que podemos vislumbrar em sua produção. Esses rastros pessoais determinam certa tendência evidente nos desenhos e rabiscos de cada criança (COLA, 2003, p. 168).

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Silva (2002, p. 25) cita que “[...] as garatujas iniciais da criança são apenas gestos e é o

adulto que as interpreta e significa através da palavra. A criança passa a nomear seus

traços porque isso lhe foi mostrado e valorizado”. Diz ainda que

[...] No caso do desenho, a linguagem é em grande parte verbal; a partir da figuração, todas as representações recebem nomes. O impacto da fala sobre o desenho é evidenciado em seu deslocamento ao longo do desenvolvimento gráfico (2002, p. 28).

Todo o processo da fala e do desenho acontece de forma dialética, em que a fala

ordena o desenho (quando direciona sua ação gráfica) do mesmo modo que o desenho

direciona a fala (quando seu grafismo sugere algo concreto).

Além de interpretar o desenho como um estágio preliminar no desenvolvimento da

escrita, ou de analisar a relação dialética entre o grafismo e a fala das crianças,

devemos perceber e identificar essas falas enquanto as crianças desenham.

Comumente o desenho é visto rapidamente na sua forma final, quando se espera que

ele consiga trazer elementos que reproduzam a realidade e daí se avaliar como bonito

ou feio, se está dentro ou não das fases etapistas, se a idade cronológica é

correspondente, enfim, o olhar varia de acordo com a concepção estética e etapista do

que seja o grafismo infantil.

Faz-se necessário, assim, um olhar mais sensível para perceber que a fala da criança

acontece durante sua produção gráfica e se constitui em material riquíssimo para

educar o olhar do adulto que interage e que é coparticipante dessa apropriação

simbólica da criança em suas representações. A escola precisa compreender que o

desenho é linguagem visual e procura sempre o diálogo com o outro, mediador desse

processo. A criança necessita de um feedback que contraponha suas palavras, seus

registros, possibilitando que haja avanços em seus desenhos que devem ser

considerados como linguagem visual.

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2.2.2 Expressão e criatividade no desenho da crianç a

Sabemos que o adulto se organiza sempre do ponto de vista estético, ou seja, o que

interessa sempre é o resultado, a obra em si, o belo, atravancando, de certa forma, a

criatividade e as relações. Muitas vezes, a concepção de estética como estudo do

belo faz com que nos deparemos com valores equivocados, preconceituosos,

preestabelecidos, tornando-nos limitados em nossas ações.

Essa visão nos faz partir da premissa de que o adulto, diferentemente da criança, já

possui experiências artísticas anteriores que o fazem esperar um retorno engessado,

estereotipado das suas expectativas em relação à criatividade infantil. Assim, a

criatividade passa por aspectos castradores, dependendo de como a criança viu e

sentiu a Arte, ficando ou não condicionada a formas antigas, prontas e definidas. A

arte deve ser encarada como vivência imprescindível, na construção de saberes,

pois,

[...] é ela que nos conduz e nos proporciona instâncias de respeito ao outro, de respeito ao potencial que cada vida carrega, ao poder deflagrador de criatividade que cada homem internamente comporta em sua interação com o outro e a natureza (LAHORGUE, 2004, p. 27).

Nesse sentido, o processo criativo deve ser explorado na infância com o intuito de

ajudar no desenvolvimento das relações humanas, ou seja, a concepção de belo

deve estar relacionada com a expressão, pois o momento da criação é marcado pela

experiência de realizar e externar potencialidades e possibilidades durante o

processo. A criança vê a Arte como fruição e não como um fim em si mesma, daí a

relevância da observação dos seus registros gráficos. May (1982, p. 39, grifo do

autor) cita que “[...] A criatividade, como define Webster, é basicamente o processo

de fazer, de dar vida”.

A criança, por natureza, é um ser corajoso, cheia de vida e autêntica. Sua criação

ocorre por meio da interação, da descoberta de novas formas, símbolos, signos e

padrões sem medos, vivendo aquilo que imagina, daí o prazer que a Arte lhe traz,

envolvendo-a por completo e intensificando sua percepção, sensibilidade e relações

afetivas.

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O processo criativo acontece no momento em que a criança tem a possibilidade de

experimentar, interagir com o outro, externar suas potencialidades e ter coragem

para criar e ousar. May (1982, p. 11) diz que “[...] A palavra coragem tem a mesma

raiz que a palavra francesa coeur, que significa coração”, e ainda:

[...] A coragem é necessária para que o homem possa ser e vir a ser. Para que o eu seja, é preciso afirmá-lo e comprometer-se [...]. Os seres humanos conseguem valor e dignidade pelas múltiplas decisões que tomam diariamente. Essas decisões exigem coragem (MAY, 1982, p. 11).

A coragem origina-se no interior de cada um, por isso a autenticidade e a

criatividade tornam-se grandes objetos de investigação na comunidade educativa

infantil. Buoro (2003, p. 38) esclarece que é preciso “[...] favorecer a autoconfiança, a

capacidade de enfrentar desafios, o autoconhecimento e a imaginação criadora a fim

de resgatar a criança inventiva”.

Nesse sentido, faz-se necessário criar oportunidades na infância para que a

criatividade seja estimulada, bem como a imaginação, o pensamento crítico, a

reflexão e o respeito à diversidade. Comunidades de investigação compartilhadas

devem ser alvo da educação que tem como meta o discurso hegemônico atual, que

busca desenvolver o ser humano de forma holística.

Esse conhecimento, dentro do espaço-tempo de uma escola, deverá perpassar pela

relação do sujeito como ser único, mas, também, pelo convívio, pelas relações.

Assmann (1998) afirma que, numa escola aprendente,8 seus membros devem ser

incentivados e mobilizados para a participação, construção, diálogo, reflexão,

iniciativa e a experimentação. As instituições e organizações empenhadas na

educação devem tornar-se aprendentes como complexos organizativos.

[...] não se trata apenas de intensificar aprendizagens individuais, supondo equivocadamente que a somatória dessas redundará automaticamente em melhorias qualitativas dos contextos organizacionais. É preciso criar climas organizacionais que funcionem como ecologias cognitivas. No plano da execução, não

8 Agente cognitivo (indivíduo, grupo, organização, instituição, sistema) que se encontra em processo ativo de estar aprendendo. Que/quem realiza experiências de aprendizagem (learning experiences).

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contam apenas as atuações individuais, mas o clima organizacional. Não que se esteja supondo um novo tipo de automatismo, ou seja, uma co-gênese automática entre contextos e individualidades no que se refere ao aprender a aprender. Mas esforços individuais isolados não criam aprendizagens coletivas (ASSMANN, 1998, p. 93).

Devemos proporcionar, então, uma trajetória de vivências, em que a diferença e a

diversidade estejam presentes, e não uma trajetória fixa e imutável. Esse movimento

conduz e proporciona instâncias de respeito ao outro, de respeito ao potencial que

cada vida carrega, à fruição da criatividade que cada criança desenvolve em sua

interação com o outro, na potência da vida.

E, ainda, como fator primordial, deslocar o foco do ensino para a aprendizagem.

Segundo Paulo Freire (2000, p. 25), ensinar não é construir conhecimento:

[...] É ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um

corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as

duas se explicam ‘[...] não se reduzem à condição de objeto, um do

outro’.

Nesse ínterim, o papel do professor, para que os relacionamentos interpessoais

realmente aconteçam, é imprescindível, pois ele estará atuando como elo, como

mediador, com coragem para lidar com os conflitos e diferenças que existem em

todo grupo e direcionar sua atenção para o trabalho criativo e dinâmico. Sabe-se

que onde há diferenças, há conflitos e criatividade, pois os processos de

diferenciação é que tornam os indivíduos mais potentes. Logo, é preciso coragem,

competência, desacomodação, comunicação, para se construir com essas

diferenças.

Dentro da sala de aula, encontramos a diversidade do ser humano e aprendemos,

por meio dos processos de diferenciação, a interagir, ceder, conviver, respeitar,

amar, comunicar, ser flexível, saber ouvir. Então, sonhar, imaginar, transcender ao

tempo e espaço é possível para que a criança estabeleça conexões com a própria

vida, valores e costumes contribuindo, assim, para a sua formação integral,

possibilitando o desenvolvimento de uma visão crítica e reflexiva, tornando a

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atividade criadora harmônica, bela, suave, enfim, essencial para o desenvolvimento

infantil e humano.

Buoro (2003) sustenta a ideia de que, no âmbito escolar, a criatividade perpassa por

um trabalho significativo, intenso envolvendo a Arte na Educação. E completa ainda

dizendo que

[...] a representação gráfica infantil desenvolve-se num crescendo e acreditamos que o professor possa ser um estimulador da percepção visual, da expressão, da imaginação criadora e dos processos de cognição do aluno, dentro de um projeto pedagógico, ajudando a criança a construir um conhecimento da linguagem da Arte, assim como possibilitando ao aluno a ampliação do conhecimento de si e do mundo (BUORO, 2003, p. 41).

Dessa forma, consideramos a importância das relações sociais que envolvem as

representações gráficas infantis bem como o mundo imagético sociocultural que

articula e interfere na criatividade infantil.

Para Lowenfeld (1970, p. 62), a “[...] criatividade significa flexibilidade de raciocínio

ou fluência de ideias; ou também pode ser a capacidade de transmitir novas ideias

ou de ver as coisas em novas relações”. Seu pensamento aproxima-se do de

Vygotsky quando coloca que a criatividade é o oposto da conformidade e está

relacionada com a capacidade de raciocínio, não se atendo, especificamente, à Arte,

mas às atitudes.

Vygotsky (2003) sustenta que a atividade criadora é essencialmente humana, pois

se trata de determinadas construções do cérebro ou sentimentos que vivenciamos

anteriormente, nos diferentes contextos em que nos encontramos. Para ele, a

atividade criadora não é específica da Arte ou da Literatura, e sim de tudo o que é

criação humana.

[...] Todo inventor, por genial que sea, es siempre productode su época y su ambiente. Su obra creadora partirá de los niveles alcanzados com anterioridad y se apoyará em las posibilidades que existen también fuera de él. Por eso advertimos estricta secuencia en el desarollo histórico de la ciencia y de la técnica. Ningún descubrimiento ni invención científica aparece antes de que se creen las condiciones materiales y psicológicas necesarias para su

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surgimiento. La obra creadora constituye um proceso histórico consecutivo donde cada nueva forma se apoya em las precedentes (VYGOTSKY, 2003, p. 37-38).

Para esse autor, existem dois tipos básicos de impulsos criativos:

a) reprodutor ou reprodutivo (ligado à nossa memória). Assim, a criança não

reproduz somente, ela também recria. A criatividade se apoia na experiência e a

experiência se encontra com os limites e possibilidades. Ou seja, tudo o que

fazemos já foi assimilado e elaborado anteriormente, está apoiado em nossa

experiência social produzindo, assim, o que chamamos de cultura.9 Temos,

portanto, que entender a vida como um todo e compreender cultura como

produção humana;

b) criadora ou combinadora: somos capazes de, a partir da experiência, criar,

projetar o futuro, mesmo que não tenhamos vivido tais experiências “[...] cuando

pensamos em episodios antiquísimos de la vida y la lucha del hombre

prehistórico, no nos limitamos a reproducir impresiones vividas por nosotros

mismos” (VYGOTSKY, 2003, p. 9).

Assim, o processo de criação humana passa sempre pelo processo de reprodução e

combinação, ou seja, combinações de dados da realidade. Nessa perspectiva, faz-

se necessário ampliar as experiências infantis, proporcionando às crianças uma

base suficientemente sólida para sua atividade criadora onde elas tenham

possibilidades de fazer e refazer seus desenhos, buscando sempre uma constituição

de sentido para eles, pois, de acordo com Vygotsky (2003, p. 38),

[...] por muy individual que parezca, toda creación encierra siempre em sí un coeficiente social. En este sentido no hay inventos individuales en el estricto sentido de la palabra, em todos ellos queda siempre alguna colaboración anônima.

9 Vygotsky diz que a cultura é o produto, ao mesmo tempo, da vida social e da atividade social do

homem (1997).

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Para Vygotsky, a base da imaginação criadora é a falta de adaptação, fonte de

necessidade e desejos. O ser humano não busca adaptar-se ao meio, ele se

constitui na sociedade, na realidade circundante, transformando-a, diferente dos

animais que se adaptam ao meio e acabam mudando sua estrutura. Assim, é a

incompletude que move o ser humano no processo criador, e, como cita

Najmanovich (2001, p. 23), “[...] Um sujeito encarnado paga com a incompletude a

possibilidade de conhecer” e, ainda, “[...] somos finitos e marcados pela

incompletude”.

Essa busca constante do ser humano para satisfazer seus anseios integra o

processo criativo no qual a criança está inserida que, por meio de seus desenhos,

deixa suas marcas, sua história. Essas marcas podem tornar-se signos a partir do

momento em que forem planejadas, elaboradas mentalmente, antes de serem

colocadas no papel. Ou seja, é preciso que haja intenção, por parte da criança, de

criar e recriar, ampliando sua capacidade de expressão, relação e compreensão do

mundo ao seu entorno e consigo mesma, onde ela possa refletir e contextualizar

suas produções e as dos outros e, ao mesmo tempo, sua marca pessoal, sua

subjetividade sejam respeitadas e potencializadas. Como disse Gombrich (apud

BARBOSA, 2005, p. 37): “A criatividade se baseia na tradição, constrói-se sobre ela.

Um indivíduo jamais será criativo até que a tenha absorvido”.

2.2.3 As relações interpessoais no desenho da crian ça

Falar das relações interpessoais no desenvolvimento da criança é reportar-se ao

desenvolvimento social do ser humano num longo percurso que começa no

nascimento e que continuará por toda a sua existência. Esse desenvolvimento inicia-

se e, por meio das relações sociais, ganha forma, se amplia e se reelabora

continuamente.

A criança é um ser social, pois necessita sempre de outras pessoas para efetivar

suas possibilidades como ser humano, que vive dentro de uma sociedade em

constante processo de mudança. Seu processo de formação pessoal e social exige

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presença humana de qualidade, não qualquer tipo de interação social, mas

interações positivas.

A qualidade das relações da qual a criança vivencia e faz parte é que exercerá

influência definitiva na sua constituição e desenvolvimento. Esse processo de

socialização acontece por meio de um diálogo constante entre indivíduo e

sociedade, sendo criado e recriado constantemente.

Partindo desse pressuposto, as possibilidades do ensino não deveriam basear-se

apenas nas condições de aprendizagem apresentadas pelas crianças, ou seja, pelo

que conseguem realizar sozinhas, mas, sim, considerar o que elas podem realizar

com a ajuda de adultos e colegas mais experientes.

Dessa forma, as trocas promovem um maior desafio cognitivo e, consequentemente,

um alargamento do conhecimento individual. É importante que os desafios sejam do

interesse do grupo, pois, ao abrirem mão da individualidade, os membros do grupo

movem-se em direção à coletividade na qual estão inseridos. Isso tudo sem perder

de vista os processos de diferenciação que caracterizam cada ser humano.

Assim, cabe ressaltar a importância das diferenças individuais que enriquecem a

vivência coletiva e colocam abaixo a tendência de considerarmos o ser humano

como igual na sua constituição. Se a realidade é diversa e cada pessoa nasce num

universo cultural que lhe é próprio, não podemos conceber que o desenvolvimento

aconteça no mesmo tempo e espaço para todos. Nos momentos de atividade

coletiva, é que a criança vai elaborando estratégias de respeito às normas do grupo,

passando, então, a desenvolver modos próprios de conduta, ativando suas funções

psicológicas, apropriando-se do que está ao seu entorno.

A produção e reprodução da existência humana na sociedade são sempre

mediatizadas pelas relações que se estabelecem do homem com a natureza e com

os outros homens, ou seja, a criança recebe a influência socializadora dos seres

humanos com os quais estabelece relação e, também, exerce influência sobre esses

e sobre seu comportamento social.

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Para Vygotsky (1979), é na apropriação de habilidades de conhecimento

socialmente disponíveis que as funções psicológicas humanas são construídas. Para

ele, toda apropriação é responsável pela transformação do processo interpessoal,

que, inicialmente, se manifesta numa atividade externa e social, em um processo

intrapessoal, no qual tal atividade é reconstruída internamente.

A apropriação do conhecimento se dá nas relações interpessoais. Por apropriação,

entendemos tornar próprio, ou seja, transpor o que é social para o individual. A

experiência e as trocas diárias com os professores (escola), amigos, família, grupos

sociais e os meios de comunicação colaboram para que a criança se aproprie dos

conteúdos culturalmente transmitidos e, a partir daí, possa ampliar seus

conhecimentos. Por esse processo de apropriação é que o ser humano vai

imprimindo suas marcas e se constituindo.

Nesse contexto, vale lembrar que as proposições de Vygotsky (1994) nos remetem a

discussões sobre mediação cultural no processo de apropriação de significados por

parte dos sujeitos, processo de internalização e papel da escola na transmissão de

conhecimentos da natureza diferente daqueles aprendidos na vida cotidiana.

Para Vygotsky, a aprendizagem favorece o desenvolvimento das funções mentais:

[...] O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer (VYGOTSKY, 1987, p. 101).

Nesse ponto, a educação escolar é fundamental, pois é na escola que a criança

aprenderá a fazer uso consciente dos conceitos espontâneos. Algumas práticas

atuais de educação concebem o saber como um processo intuitivo, em que o

professor fornece algumas pistas e deixa para a criança a tarefa de descobrir como

se dão as relações com os conhecimentos mais elaborados. Romper com essas

concepções torna-se urgente, pois o professor não pode apenas reforçar os

conhecimentos espontâneos, mas deve possibilitar à criança o acesso aos novos

saberes.

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Ao propiciar a polêmica, a dúvida e a necessidade de soluções, o professor, que é

um mediador qualificado, possibilitará à criança transitar, segundo Vygotsky (1984),

na Zona de Desenvolvimento Proximal, não só mediada pelos conceitos, mas

também pelo Outro,10 produzindo novos conhecimentos. Para entender a relação

entre desenvolvimento e aprendizagem, em Vygotsky, torna-se necessária a

compreensão do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. É preciso que a

escola propicie interações a todo o momento e ativamente, levando sempre em

consideração a Zona de Desenvolvimento Proximal da criança que, segundo

Vygotsky (1984, p. 97), é

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1984, p. 97).

Ao analisarmos o processo pelo qual a criança se insere na sociedade, recebe suas

interferências e, consequentemente, deixa suas marcas por onde passa, é

fundamental dialogarmos com Vygotsky enfatizando que o desenvolvimento e a

aprendizagem estão relacionados desde o nascimento da criança, e a aprendizagem

resulta do desenvolvimento que não ocorre sem a aprendizagem, ambos coexistem

em um movimento dialético.

[...] nós acreditamos que o desenvolvimento da criança é um processo dialético complexo, caracterizado pela periodicidade, a irregularidade no desenvolvimento das diferentes funções, a metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma a outra, a inter-relação de fatores externos e internos, e os processos adaptativos que superam e vencem os obstáculos com os quais a criança se depara (VYGOTSKI, 1930, p. 116, apud RIVIÉRE, 1994, p. 51).

Consideramos, assim, que o fator biológico não é determinante na constituição do

sujeito e que são necessárias outras formas da sociedade perceber esse sujeito

assujeitado. Nessa perspectiva, podemos concluir e destacar que o aprendizado é o

responsável último pelo desenvolvimento e que o processo de intervenção do Outro

10 Em particular pelos membros da família (PINO, 2005, p. 167).

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é que resultará na maneira como cada indivíduo enfrentará as conquistas e desafios

que se colocam a cada dia diante dos nossos olhos.

Salientamos a importante tarefa da escola e do professor nesse processo. Para

oferecer condições propícias à aprendizagem, é fundamental considerar que a

criança, ao chegar à escola, traz consigo suas marcas, histórias e culturas, e é,

nesse ambiente plural e coletivo, que esse processo de aprendizagem vai se

desenvolver, por meio de mediações de qualidade. Não é fácil para o professor

administrar as relações dentro da sala de aula, porém, à medida que se investe na

área afetiva e social, que é responsável pela formação interna das pessoas,

certamente ocorrerá uma mudança considerável nos relacionamentos e,

consequentemente, na aprendizagem.

Logo, a escola não pode se furtar a essa tarefa. Inserir a criança no mundo cultural

requer estratégias e objetivos bem definidos. Caso isso não ocorra, continuaremos a

ver alunos avançando em suas idades escolares, porém com um fraco domínio dos

conhecimentos científicos.

Ao abordamos as relações interpessoais no contexto escolar e, especificamente

neste trabalho, o desenho infantil, não poderíamos deixar de citar Ana Mae Barbosa,

pois, com o advento da Proposta Triangular, o ensino da Arte possibilitou ao

professor agir e lidar com a criança de forma mais significativa e criativa.

[...] As artes na escola teriam, dentro dessa abordagem, o objetivo principal de educar o público para entender os códigos de apreciação das obras de arte. Buscar-se-ia apreciar e discutir em sala de aula tanto obras produzidas por artistas do município, onde a escola está localizada, como obras produzidas por artistas em nível nacional e internacional. A produção de arte de forma livre não é mais encarada como único fator de desenvolvimento da afeição e cognição do estudante (COLA, 2006, p. 33).

Além de educar para entender os códigos de apreciação e para a leitura de

imagens, esse processo aponta a necessidade da contextualização histórica. O viver

artístico não pode ficar restrito aos artistas, mas, sim, estar presente na humanidade

que pode ser subsidiada pelo conhecimento da História da Arte. Deve tornar-se

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acessível e acompanhar o fazer artístico capacitando a criança para a prática

reflexiva.

[...] A História da Arte passa a revestir-se de uma importância fundamental: é preciso que as crianças não só conheçam e tenham contato com o que já foi produzido nessa área, mas também que usem esse conhecimento e esse contato como fonte de inspiração para produzir arte. Ver e analisar obras produzidas por outras pessoas não mais é considerado uma forma preconceituosa, uma vez que esse procedimento não mais irá contaminar a expressividade dos alunos (COLA, 2006, p 30).

Outro ponto a ser conquistado com este trabalho diz respeito à experiência estética,

que faz parte do mundo visual infantil antes mesmo de a criança entrar para a

escola. Esses conhecimentos devem ser acrescidos ao desenvolvimento intelectual

do ser humano que exerça funções de liderança em potencial, para que se possa

estabelecer uma conexão com nossa própria vida, nossos valores e costumes

contribuindo, assim, para a formação integral, possibilitando o desenvolvimento de

uma visão crítica e estética do sujeito para que ele traga para o seu grupo harmonia,

beleza e suavidade nas relações e transformação social.

Filosoficamente, Stern (2005, p. 44) entende que

[...] a criança tem necessidade de arte, da expressão plástica, para formular o que não pode confiar à expressão verbal. A atividade artística é uma expressão diversa da expressão verbal, que é a mais utilizada em nossa civilização. A expressão plástica, no entanto, é necessária à criança, como elemento imprescindível à sua formação plena (apud COLA, 2005, p. 44).

Assim, a Arte deve ser contextualizada no espaço, no tempo e deve ser vista como

um caminho para trabalhar os conflitos emocionais e facilitar as relações intra e

interpessoais, fortalecendo a autoestima, a autoconfiança e a autonomia, pois ela é

transdisciplinar e deve despertar o prazer de aprender e a alegria de conviver,

levando-nos a transformar nossa própria natureza, possibilitando solidariedade e a

não competição.

Dessa forma, o ensino da Arte deve gerar um ambiente agradável, motivando o

grupo a ter um olhar mais sensível consigo mesmo e com o outro, fazendo com que

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todos se sintam parceiros, tornando o ambiente escolar mais prazeroso. Saber viver

e conviver no grupo torna a criança mais criativa, mais resiliente e com maior

possibilidade de solucionar e resolver seus desafios e conflitos diários.

Levar a criança a agir com maior autonomia, tirar suas próprias conclusões, liderar

além de seguir, questionar, arriscar são condições básicas para seu

desenvolvimento holístico, então, esses aspectos devem ser explorados

sistematicamente nas relações interpessoais e nos grupos.

De acordo com Gardner (1995 p. 27), “[...] a inteligência interpessoal está baseada

numa capacidade nuclear de perceber distinções entre os outros; em especial,

contrastes em seus estados de ânimo, temperamentos, motivações e intenções”.

Essa inteligência não é demonstrada na linguagem oral das crianças, mas pode ser

percebida na linguagem gráfica quando identificamos a idiossincrasia dos sujeitos

presente durante o processo de elaboração de seus desenhos e nas marcas por ele

deixadas.

Nessa inter-relação, a Arte deve ser resgatada pelo professor como um caminho

para desenvolver as proficiências dos educandos. Para isso, o professor deve estar

aberto à nova demanda da sociedade que necessita de pessoas criativas, felizes e

saudáveis, pois, atualmente, as pessoas aparecem como um fator de alta relevância

para a competitividade, e a Arte pode equilibrar essa necessidade se for trabalhada

de forma bastante cuidadosa com as crianças.

Cabe ao professor valorizar a capacidade de aprendizagem cooperativa e de

pensamento sistêmico para que os grupos em suas relações garantam a ideia do

“ser sustentável”.

[...] as pessoas só podem sentir-se seguras e se auto-afirmar à medida que sintam oportunidade de reafirmar também suas potencialidades humanas, concretizando sua individualidade. O dever de estar vivo é, ao mesmo tempo, o dever de transformar-se no indivíduo que ele é em potencial (BERGAMINI, 1997, p. 150).

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É fundamental para o professor planejar e implementar programas que favoreçam as

relações humanas dentro da sala de aula assegurando um ambiente conducente à

criatividade, devendo assumir o papel de facilitador das relações intergrupais.

É preciso, ainda, ter um olhar sensível para que as relações interpessoais

aconteçam de forma harmoniosa. Até mesmo os conflitos devem ser aproveitados

pelo professor para que o grupo cresça e tenha mudança de atitudes.

Dentro dos muros da escola infantil, essa visão/relação deve estruturar-se

embasada na Moral e na Ética. É importante, por meio dessa ótica, rever posturas

diante da vida que se apresenta.

Segundo La Taille (2006), tanto a Ética (grego) como a Moral (latim) significam

costumes. A Moral são os fatos acordados conforme os costumes (convenções

sociais) e possui um caráter de obrigatoriedade. A Ética, por sua vez, estrutura-se

por meio da reflexão sobre esses fatos e torna-se, pois, uma opção de vida. Tanto a

Moral como a Ética partem do conhecimento e se entrecruzam com a linguagem,

relação e experiência com o mundo.

Na relação moral, ética e linguagem é que a criança construirá as bases sólidas de

formação humana, construção de conhecimento e mudança de atitude voltada para

a solidariedade e para as relações interpessoais.

A escola deve propiciar uma rede de relações e compartilhamento de ideias,

atitudes, diálogo, ou seja, ações concretas que se entrelaçam todo o tempo e

produzam um pensamento complexo, que, de acordo com Morin (2000, p.38), “[...]

significa o que foi tecido junto”, sensibilizando o educando para que ele se sinta

inserido, responsável no contexto escolar e na vida. Enfim, deve ampliar e

potencializar a vida e as interações da criança pequena com o mundo ao seu

entorno. Ao reconhecê-la como indivíduo, como sujeito encarnado, que “[...] participa

de uma dinâmica criativa de si mesmo e do mundo com que ele está em permanente

intercâmbio” (NAJMANOVICH, 2001, p. 23), a escola possibilita o desenvolvimento

de pessoas mais generosas e sociáveis.

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A busca da formação humana na criança favorece a construção do conhecimento

por meio da interação, troca, afeto e da aprendizagem significativa, ou seja, a

relação do ensino infantil deve partir da produção de sentido para produzir novos

conhecimentos, mas considerando sempre a história de vida, as ideias e

experiências trazidas pelo sujeito. Para a criança conhecer, ela necessita relacionar-

se com o mundo, com a vida ao seu entorno: “[...] Não podemos conhecer objetos

independentes, sem relação alguma de nós. A partir dessa ótica o conhecimento

passa a ser interação, relação, transformação mútua, co-dependência, co-evolução”

(NAJMANOVICH, 2001, p. 23).

Supõe-se, portanto, que educar passa a ter uma função muito própria, como

socializar, envolver a criança numa busca intensa de mudança de atitudes e resgate

de valores. Ainda que se tenha adquirido essa mudança de atitude, os

conhecimentos culturais continuam sendo transmitidos e valorizados, mas o

desenvolvimento holístico11 revela o valor da solidariedade, a importância do

respeito à diversidade e a descoberta de um novo conceito de comunidade.

[...] se a comunidade vier a existir no mundo dos indivíduos, só poderá ser (e precisa sê-lo) uma comunidade tecida em conjunto a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e de responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual capacidade de agirmos em defesa desses direitos (BAUMAN, 2003, p.134).

Nessa perspectiva, as relações interpessoais direcionam nosso olhar para a

abordagem no desenho infantil, pois entendemos ser essa a base da atividade no

contexto escolar e também fora dele, devendo perpassar por todas essas esferas

como produtoras de determinadas construções cognitivas. Assim, as interações

sociais favorecerão a aprendizagem e, consequentemente, fluirão de forma mais

prazerosa em relação ao conhecimento e à apropriação do saber.

11 Desenvolvimento integral do ser humano.

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3 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

A proposta metodológica adotada foi um estudo de caso, no qual o pesquisador

buscou apreender a singularidade dos fenômenos, na produção, processo e coleta

de dados. O estudo foi fundamentado na perspectiva sócio-histórica, por isso

tomamos por proposta a pesquisa etnográfica,12 por entendermos que a participação

do pesquisador no local foi de fundamental importância para dialogar com a criança,

com aspectos culturais, com o universo infantil e, assim, contemplar os objetivos a

que nos propusemos nesta pesquisa.

Acreditamos que a escolha metodológica implicou uma tomada de posição

ideológica, partimos, portanto, de alguns pressupostos teóricos iniciais, mas todos os

elementos que surgiram no percurso foram mantidos como fator relevante para o

desenvolvimento da pesquisa.

[...] Pesquisar é um processo de desencantamento e de encantamento simultâneos do mundo físico e social. Pesquisar é também penetrar na intimidade das camadas de leitura que vão sendo construídas pelo pesquisador através da sua interação simbólica no mundo (JOBIM, 2006, p. 81).

Jobim (2006) nos revela a importância de a pesquisa estar vinculada diretamente às

práticas sociais e culturais cotidianas por meio de instrumentos técnicos que,

contemporaneamente, devem focar-se na experiência do sujeito.

Quando Vygotsky nos situa sobre a relevância da constituição do sujeito e afirma

que essa constituição se dá por meio de suas relações interpessoais, primeiro em

nível interpessoal e depois intrapessoal, ele se aproxima, segundo Jobim (2006, p.

83), da concepção de Bakhtin:

[...] pois ser significa ser para o outro e, por meio do outro, para si próprio. É com o olhar do outro que me comunico com o meu interior. Tudo o que diz respeito a mim chega a minha consciência através do

12 ETNOGRAFIA: ênfase na narração, na cultura e no universo do sujeito, priorizando a permanência do pesquisador no local.

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olhar e da palavra do outro, ou seja, o despertar da minha consciência se realiza na interação com a consciência alheia.

Inferimos, assim, que toda a pesquisa foi marcada por uma relação dialógica e de

alteridade, como nos sugere Jobim (2006).

Essa troca, esse olhar de interação, de interlocução entre o pesquisador e os

sujeitos é que sustentou esta pesquisa, do ponto de vista metodológico, utilizando o

estudo de caso de caráter etnográfico para o pesquisador abrir-se, colocar-se à

disposição das novas descobertas e realidades que surgiram durante a pesquisa.

Entendemos que essa postura, diante do objeto a ser pesquisado, renovou-se a

cada dia e teve como determinante o cotidiano e a idiossincrasia dos sujeitos que se

apresentaram, pois, como cita Jobim (2006, p. 90), “[...] o pesquisador é um sujeito

que participa, junto com o grupo, da construção de sentidos de uma experiência

comum. Isso significa que há uma negociação permanente de produção de

linguagem entre o grupo e o pesquisador”.

3.1 CONSIDERACÕES ACERCA DO ESTUDO DE CASO PARA A PROBLEMÁTICA

EM ESTUDO

[...] Os estudos de caso revelam experiência vicária e permitem generalizações naturalísticas. O pesquisador procura relatar as suas experiências durante o estudo de modo que o leitor ou usuário possa fazer as suas ‘generalizações naturalísticas’. Em lugar da pergunta: este caso é representativo de quê? O leitor vai indagar: o que eu posso (ou não) aplicar deste caso na minha situação? (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.19).

O pesquisador elencou diferentes olhares em torno do caso estudado, buscando

vários diálogos com os sujeitos, bem como novas respostas, interpretações,

indagações e compreensões de diferentes e singulares formas. Um estudo de caso

pode ocorrer de diversas formas e fases, por isso o pesquisador deve ater-se a

todas as questões e aspectos relevantes, evitando uma concepção linear e acabada.

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[...] dentro da própria concepção de estudo de caso que não pretende partir de uma visão predeterminada da realidade, mas apreender os aspectos ricos e imprevistos que envolvem uma situação, a fase exploratória se coloca como fundamental para uma definição mais precisa do objeto de estudo (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 22).

Nesse contexto, utilizamos como técnicas e/ou instrumentos, entrevistas

semiestruturadas, observação participante do e no cotidiano, bem como formulários

para a caracterização do contexto pesquisado (sala de aula, escola, alunos,

professores), diário de campo (APÊNDICE G), gravação em áudio, registros

fotográficos, além de transcrições por escrito das falas dos alunos em atividades

orais e de interação comunicativa em classe, de acordo com o desenvolvimento dos

trabalhos, buscando sempre a qualidade dos fatos.

Minayo (2004, p. 11) conclui que “[...] a dialética assume que a qualidade dos fatos e

das reações sociais são suas propriedades inerentes, e que quantidade e qualidade

são inseparáveis e interdependentes”. Ressalta, ainda, nesse contexto, a

perspectiva da dialética marxista que

[...] abarca não somente o sistema de relações que constrói o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações sociais que constituem a vivência das relações objetivas pelos atores sociais, que lhe atribuem significados (MINAYO, 2004, p. 11).

A autora aborda, também, a concepção fenomenológica a qual entendemos que

vem ao encontro dos objetivos desta pesquisa, quando enfatiza:

[...] Para os fenomenólogos, são os pequenos grupos como a família, as entidades religiosas, as associações voluntárias, os responsáveis pela identidade dos indivíduos, pela sua estabilidade e por seu sistema de significados, na medida em que os integra uma visão de mundo compartilhada (MINAYO, 2004, p. 58).

Esta pesquisa, ao concentrar-se no sujeito, na sua linguagem gráfica, oral e na inter-

relação com o outro, não pode deixar de assumir a perspectiva do Materialismo

Histórico Dialético, e acrescentamos dialógico, como propõe Minayo (2004).

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O estudo de caso de natureza etnográfica pressupõe uma constante inter-relação,

um procedimento dialógico, pois, assim, os dizeres dos sujeitos tomam forma e se

constituem como objeto real de pesquisa e possíveis descobertas e desvelamentos.

[...] a etnografia visa apreender a vida, tal qual ela é quotidianamente conduzida, simbolizada e interpretada pelos actores sociais nos seus contextos de ação. Ora, a vida é, por definição, plural nas suas manifestações, imprevisível no seu desenvolvimento, expressa não apenas nas palavras, mas também nas linguagens dos gestos e das formas, ambígua nos seus significados e múltipla nas direções e sentidos porque se desdobra e percorre (SARMENTO, 2002, p.153).

3.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A partir da abordagem histórico-cultural, buscamos analisar que elementos sociais e

culturais estiveram presentes no desenho infantil e como a criança se apropriou

deles e os apresentou como símbolos gráficos no lócus escolar.

Assim, a proposição deste trabalho foi investigar:

a) Como a criança se apropriou dos símbolos gráficos?

b) Que elementos sociais e culturais estiveram presentes no desenho infantil?

c) Como essa apropriação se deu no meio em que a criança estava inserida

(lócus escolar)?

d) Como se operou a mediação com o outro (pais, irmãos, professores e amigos)

nessa apropriação?

O trabalho de campo realizou-se numa unidade de ensino da Instituição Pública do

Município de Vila Velha. Os sujeitos pesquisados foram crianças do 2º período, com

faixa etária entre quatro e cinco anos, da Educação Infantil, do turno vespertino. A

justificativa para a escolha deveu-se ao fato de que, geralmente, nessa idade, as

crianças deixam a fase da garatuja (rabiscação) e iniciam uma representação

simbólica.

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Pretendíamos, nesse sentido, articular esses aspectos com as marcas da cultura

nas produções das crianças. O trabalho teve por objetivo investigar essas marcas

analisando o conceito de interações sociais no cotidiano escolar a partir dos

desenhos e, ainda, a apropriação, influências e interdependências das relações

interpessoais no grafismo infantil.

Como apontam André e Lüdke (1986), num primeiro momento tivemos a fase

exploratória na qual, pelo fato de as crianças serem muito pequenas, para a entrada

em campo, iniciamos a pesquisa de maneira informal, como observador participante,

garantindo o processo de “familiarização” pelo qual o investigador deve passar,

mantendo um distanciamento e tendo em vista sua aceitação no espaço a ser

investigado.

Nesta fase, realizamos a caracterização do espaço físico, didático e pedagógico,

bem como as entrevistas semiestruturadas (de acordo com o caráter etnográfico)

com os sujeitos da pesquisa (professores e pais/responsáveis) individualmente. Com

as crianças (alunos), a entrevista deu-se por meio da conversação, visto que elas

eram bem pequenas. Nesse momento, fizemos os registros por escrito da entrevista.

A segunda fase da pesquisa relacionou-se com a coleta de dados que foi objetivada

por meio da observação em contato direto com os sujeitos. Após o contato e acordo

prévio com a professora efetiva, observamos 26 aulas (uma aula semanal) e

solicitamos que a professora propusesse aos alunos que elaborassem desenhos

orientados e espontâneos.

Ao mesmo tempo, disponibilizamos todo o material necessário para que as crianças

tivessem em suas residências possibilidades para fazer seus registros gráficos

espontâneos e, no dia marcado para a observação em sala de aula, elas trariam (ou

não) o que produziram (ou não) durante a semana.

Nesse momento, a análise das questões conteudistas foi mais relevante, pois as

vivências, valores, falas, os aspectos sociais e afetivos foram levados em

consideração.

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Após a proposta prática (de desenhar) e em função dos resultados obtidos,

selecionamos de cinco a dez alunos para fazermos a análise e transcrição dos

dados elaborados/contemplados. Daí a necessidade de arquivarmos todo o material

gráfico produzido bem como o registro das falas dos sujeitos por gravações e diário

de campo.

A terceira e última fase foi a análise e interpretação sistemática dos dados,

transcrição das falas e elaboração dos relatórios. Para a análise dos dados

observados, buscamos, nos estudos de Vygotsky (2003), reflexões para a

apropriação do grafismo infantil no espaço escolar, tomando como relevante a

concepção do sujeito e sua singularidade. Assim o estudo de caso do tipo

etnográfico veio ao encontro das considerações trazidas no quadro teórico.

3.2.1 Pé no caminho: processo de inserção em campo e coleta de dados

Não leias mais – olha!

Não olhes mais – vai!

(PAUL CELAN)

Inicialmente, visitamos três escolas municipais para observar a realidade da escola,

infraestrutura, localização e proposta pedagógica. O intuito dessa busca era

escolher uma escola que atendesse crianças de baixa renda, mas que também a

presença do pesquisador tivesse uma boa acolhida dos professores e da equipe

técnica. Buscávamos uma proposta pedagógica que focasse a Pedagogia de

Projetos com incentivo aos registros gráficos. A busca por uma escola pública que

trabalhasse exclusivamente com as séries iniciais deu-se pelo fato de nosso

interesse concentrar-se na fase inicial do grafismo.

Contatamos três escolas municipais de Vila Velha que correspondiam ao perfil que

buscávamos e a escolha pela Escola Jurandyr Mattos Griffo, especificada no

APÊNDICE A, deu-se pelo fato de encontramos ali todos os critérios estabelecidos

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anteriormente. Escolhemos uma turma de 1º período, formada por crianças cuja

faixa etária encontra-se entre três e quatro anos.

Conforme levantamento apresentado no CRONOGRAMA DE TRABALHO, o estudo

foi realizado durante o ano letivo de 2008, tendo início no dia 18 de março e sua

finalização no dia 14 de outubro.

Ao entrar em campo, o primeiro contato aconteceu com a pedagoga e,

posteriormente, com a professora e a diretora da escola. Foram dois encontros para

podermos discutir e refletir sobre a pesquisa que se iniciaria. Nesse momento, a

professora mostrou-se muito receptiva à nova experiência, fez muitas perguntas,

quis saber como seria a dinâmica, a participação da pesquisadora em sala de aula e

qual seria a contribuição para seu crescimento profissional.

Esclarecemos todas as dúvidas e nos colocamos à disposição para ajudá-la, mas

deixando clara a posição e atuação do pesquisador na sala de aula.

As entrevistas e análises dos documentos foram realizadas durante os meses que

decorreram a pesquisa. As observações em sala de aula eram feitas uma vez por

semana, durante 26 aulas, com duração de três horas cada encontro, num total de

78 horas.

Começamos a delinear o cotidiano escolar nos primeiros contatos com a pedagoga e

professora por meio de conversas informais e preenchimento de protocolo conforme

APÊNDICE B. A partir da autorização da direção da escola e da professora,

pudemos iniciar a entrada na sala de aula.

O primeiro contato com as crianças aconteceu de forma tranquila e com muita

curiosidade pela presença do pesquisador como elemento integrante do grupo nos

meses subsequentes. Logo no segundo encontro, oficializamos nossa inserção em

campo, enviando aos pais o protocolo para autorização da pesquisa, de acordo com

o APÊNDICE C, para que a criança participasse do estudo. Os pais que tiveram

dúvidas, em relação aos objetivos, procedimentos e técnicas a serem utilizadas,

puderam entrar em contato com a pesquisadora na própria escola. Em princípio, a

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autorização foi enviada para as 22 crianças, e obtivemos resposta de 12 famílias.

Mesmo não tendo a resposta dessas famílias, a direção da escola disponibilizou as

fichas individuais desses alunos para podermos fazer o levantamento do contexto

socioeconômico e familiar dessas crianças.

Entramos em campo com o objetivo de explorar a proposta metodológica adotada

sob vários ângulos. Diante de uma observação participante a que nos propusemos,

procuramos estabelecer uma relação de natureza subjetiva, tentando compreender

as interpretações que se estabeleceram no cotidiano da sala de aula: falas das

crianças, posturas, interação, mediação dos pares e professores. Nesse sentido,

deixamos claro que nossa presença na sala de aula não tinha o objetivo de avaliar o

professor e sim agregar e aprender a partir das relações estabelecidas.

O intuito era permanecer o maior tempo possível em campo, registrar todos os

eventos, demonstrar interesse pelos acontecimentos que foram vários e que, em

determinados momentos, nossa presença contribuísse para ajudar o processo.

Pudemos intervir, auxiliando a professora em alguns momentos de choro das

crianças para entrar em sala. Eram crianças novas que entraram durante a pesquisa

e que mudaram a rotina da sala.

Sabemos que, na observação participante, afetamos e somos afetados pelas

situações e, assim, podemos captar minúcias, detalhes e, concomitantemente,

descrever com mais propriedade sobre o que observamos, ao mesmo tempo dando

vozes ao sujeito da investigação. Assim, percebemos que a entrada em campo

transcorreu de forma positiva. Fomos bem aceita pelas crianças e nos tornamos

referência para alguns que se mostraram mais afetivos e abertos a novidades.

Todos os momentos aconteceram por meio de conversas informais.

Nos três primeiros encontros, não fizemos nenhum tipo de registro dentro da sala de

aula; apenas observamos. O diário de campo foi feito fora do ambiente da sala de

aula para que não despertasse curiosidade muito grande nas crianças e a dinâmica

da aula pudesse transcorrer de forma mais tranquila.

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A partir do momento em que enviamos, conforme APÊNDICE C, a autorização para

casa, conversamos com as crianças sobre qual era o objetivo de estarmos juntas

nesse tempo. Aos poucos, fomos introduzindo os instrumentos da coleta de dados,

como máquina digital, diário de campo e gravador. Assim que recebemos a

devolução dos pais, enviamos para casa uma pasta contendo giz de cera e papel

chamex para que a criança tivesse interesse em desenhar também no lócus familiar.

Todos os apontamentos foram salvos em arquivo virtual, no qual temos registrado

150 páginas. Foram descritos 21 encontros realizados no lócus escolar, destacando

a linguagem durante a produção dos desenhos, a mediação do outro (pares e

professor), as interlocuções, nossas dúvidas, interpretações e inferências.

Utilizamos também gravações e fotografias, conforme autorização que pode ser

verificada no APÊNDICE C. No início, trabalhamos com o gravador, que nos

possibilitou registrar todas as falas e situações observadas em campo.

Nosso corpus de pesquisa contempla 306 registros gráficos produzidos pelas

crianças e 27 registros fotográficos do momento da produção das crianças, espaços

da escola e sala de aula. As crianças demonstraram grande interesse em manipular

o gravador e a máquina fotográfica e, a todo tempo, queriam elas mesmas

entrevistar seus amigos com perguntas e sugestões a respeito de como proceder

durante a produção gráfica.

Nas aulas gravadas, os diálogos foram transcritos demarcando-se os turnos de fala

[1] de cada participante, de acordo com a transcrição do projeto NURC/SP,

publicada em Preti et al. (2005, p. 19-20).

A escolha dessa forma de transcrição foi feita pela relevância dos trabalhos desse

projeto com a linguagem oral no Brasil há mais de três décadas e por considerarmos

que esse modelo nos permitiria preservar ao máximo as características originais das

falas durante os diálogos registrados por gravação na sala de aula.

As técnicas utilizadas na observação participante em sala de aula permitiram o

armazenamento de informações que envolveram a dimensão pedagógica, ou seja, a

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orientação dada pelo professor, os objetivos, conteúdos explorados, materiais

pedagógicos utilizados e produções das crianças. Possibilitaram interpretações,

observação das relações interpessoais, falas, atitudes e também capturar um pouco

da subjetividade dos sujeitos pesquisados.

A subjetividade13 constitui-se a partir da relação do eu (minha intimidade, medos,

alegrias, frustrações, bem-querer) com o mundo ao meu entorno e, dessa relação,

resultam as marcas idiossincráticas do sujeito histórico-cultural. Assim a criança

dará sentido às relações interpessoais, constituindo-se, criando sentido de

identidade por meio da alteridade.

Podemos dizer ainda que a criança se mostra um ser sempre em projeto (devir). Por

isso, consideramos que a criança é um ser sempre sendo, sempre em processo e

por se fazer. Cabe, assim, dar oportunidades ao sujeito de contar sua história e, ao

pesquisador, descrever e interpretar seu discurso, sensibilizando o sujeito para que

ele se sinta inserido, ampliando e potencializando a vida e as interações com o

mundo ao seu entorno, ou seja, ser-no-mundo.

Para tanto, as entrevistas foram utilizadas com o objetivo de elaborar a

caracterização dos sujeitos envolvidos e da escola, levantando dados sobre a forma

como desenham no lócus escolar. Realizamos, ainda, entrevistas com o diretor, com

a professora, pais e crianças envolvidas na pesquisa, por meio de roteiros

semiestruturados (APÊNDICES D, E, F e G). As respostas dadas pelo diretor,

professor e pais foram registradas pelos próprios entrevistados.

As entrevistas semiestruturadas utilizadas como forma de observação participante

foram realizadas com as crianças em gravações em áudio, com transcrições, e de

maneira informal, lúdica, por meio de brincadeiras e conversação. A partir do diálogo

com as crianças, fomos percebendo suas características peculiares, gostos, desejos

e, assim, pudemos trocar com o professor informações significativas para o trabalho

em questão.

13 Subjetividade – implica a dimensão interna de nosso eu mais íntimo. Mas ela é construída socialmente. Ela diz respeito a um espaço privado de acesso restrito. A subjetividade ainda nos informa sobre o modo como o sujeito percebe, compreende e entende o mundo, tanto exterior como interior (SIQUEIRA, EULER DAVIDS, 2007, p. 111).

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Em nossos estudos, conforme situamos nossa inserção em campo, tomamos o

cuidado de solicitar a autorização da família, por meio de protocolo, para utilizar as

letras iniciais do nome das crianças.

Discorreremos, enfim, acerca do contexto da pesquisa, caracterizando a instituição

escolar, a sala de aula e os sujeitos envolvidos.

3.2.2 Desenhando a escola: história e histórias da instituição escolar

A espantosa realidade das coisas

É a minha descoberta de todos os dias.

(ALBERTO CAEIRO)

A caracterização da escola se deu por meio das anotações feitas nos formulários

utilizados durante as entrevistas com a diretora e a professora (APÊNDICES D e F),

alguns documentos recolhidos na escola, como o Projeto Político-Pedagógico,

Normas gerais de funcionamento etc. Pudemos, assim, descrever e delimitar o perfil

da escola, sua localização, aspecto histórico, espaço físico, rotina escolar,

organização administrativa e pedagógica e a abordagem feita em relação ao

grafismo infantil.

A UMEI Profa. Jurandyr Mattos Griffo, localizada na Rua Alcino Guanabara, S/N, no

bairro Soteco, faz parte do Sistema a Municipal de Ensino de Vila Velha. Foi

construída na gestão do prefeito Max de Freitas Mauro Filho. Inaugurada em

dezembro de 2003, recebeu esse nome em homenagem a uma professora do bairro.

Além do bairro Soteco, a escola recebe crianças de bairros vizinhos, como Cristóvão

Colombo, Glória e Boa Vista.

No ano de 2008, época em que a pesquisa foi realizada, atendia a cerca de 340

crianças. Os alunos eram assim distribuídos: 170 no turno matutino e 170 no turno

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vespertino. Eram oito turmas em cada turno, contando com uma média de 25 alunos

por turma. O turno matutino acontecia das 7h às 11h e o vespertino das 13h às 17h.

A equipe da escola estava constituía por doze professores, duas pedagogas, uma

diretora, quatro faxineiras, quatro merendeiras e vinte funcionários para o apoio em

geral.

Quanto ao aspecto físico, a escola possuía dois andares, com rampa de acesso ao

pavimento superior (Foto 1), oito amplas salas de aula muito bem ventiladas e com

mobiliário adequado. E, ainda, biblioteca e sala de múltiplo uso. A biblioteca nunca

foi utilizada durante a pesquisa e, segundo a professora, havia um dia específico

para cada turma utilizá-la. Por sua vez, a sala de multimeios era constantemente

utilizada. Lá assistíamos a filmes diversos.

Foto 1 – Corredor de acesso ao pavimento superior

Podemos citar outros espaços, como o refeitório, sala para os professores, sala da

coordenação pedagógica, direção e secretaria. A área livre era composta por um

parquinho com alguns brinquedos e caixa de areia.

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A escola dispunha também de recursos audiovisuais, como retroprojetor, televisão,

vídeo, computador, jogos, livros de literatura variados, DVDs e CDs. Os recursos

audiovisuais eram utilizados de forma sistemática uma vez por semana.

O trabalho com o grafismo na escola está ancorado, conforme depoimento da

pedagoga em entrevista (APÊNDICE I), na teoria sociointeracionista, que pontua que

“[...] o desenho é um percurso individual que passa a ser enriquecido com a ação

educativa intencional”. Segundo ela, esses saberes foram construídos a partir dos

estudos do RCNEI e de cursos de capacitação realizados pelos profissionais e

também pelos planejamentos diários a fim de promover avanços na construção

dessas capacidades.

3.2.3 Sala de aula: espaços e formas

Você pode sonhar, criar, desenhar e construir

O lugar mais maravilhoso do mundo...

Mas é preciso gente para fazer do sonho uma realidade.

(WALT DISNEY)

Para caracterizar o espaço de trabalho na sala de aula, tomamos por referência os

indicadores escritos no roteiro do APÊNDICE G e as nossas anotações no diário de

campo realizadas no decorrer da observação participante em sala de aula. A classe

envolvida no estudo foi uma turma composta inicialmente por 22 alunos do Grupo 1,

com faixa etária entre quatro e cinco anos. Eram dez meninas e doze meninos.

Tivemos duas crianças que saíram durante a pesquisa e outras duas entraram

durante o segundo semestre.

A sala de aula foi pintada com a cor marfim (Foto 2). A mobília é composta por

mesas e cadeiras (Fotos 3 e 4) que podem ser montadas em grupos de seis

crianças, há mesa para professor, armários, estantes, aparelho de som, espelho,

quadro verde e cabideiro para as crianças colocarem suas mochilas. As janelas

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(Foto 5) possuem grade de segurança principalmente por localizarem-se no segundo

andar.

Foto 2 – Espelho, paredes e prateleiras

Foto 3 – Mesas e cadeiras

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Foto 4 – Mesas e cadeiras

Foto 5 – Janelas e grades

O turno da pesquisa iniciava às 13h com a chegada das crianças. Inicialmente, a

professora recebia as crianças, e o combinado era que todos se sentassem na

rodinha para fazer o momento de oração, contar novidades, cantar e algumas vezes

ouvir histórias. O acordo não era cumprido por muitas crianças, mas, quando a

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professora tocava violão, percebemos que elas obedeciam mais às normas e

paravam para ouvir melhor os outros.

Às 14h, as crianças desciam para o refeitório (Fotos 6 e 7) onde eram oferecidos

lanches. Após o lanche, todas as crianças do turno vespertino reuniam-se em

posição enfileirada para o momento cívico, quando cantavam o Hino Nacional

Brasileiro e o Hino de Vila Velha. Esse momento na escola acontecia somente na

terça-feira, dia da pesquisa. Era quando havia uma pausa na observação do

desenho para olhar o cotidiano das crianças e as relações que estabeleciam com as

outras crianças e profissionais presentes.

Foto 6 – Refeitório

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Foto 7 – Refeitório

Após o momento cívico, as crianças retornavam para a sala de aula onde eram

realizadas as atividades gráficas. Muitas vezes, a professora retomava a história

contada antes do lanche ou, então, iniciava uma outra discussão. Os materiais mais

utilizados durante a pesquisa eram lápis de cor. Buscando uma variedade de

materiais, levamos para a escola canetinha hidrocor e giz de cera, complementando

sempre com folhas chamex para que as crianças pudessem desenhar à vontade.

Percebemos uma diferença na qualidade das atividades e também um maior

interesse em utilizar a caneta hidrocor em suas produções. Em alguns momentos, a

professora usou material xerografado e, no segundo semestre, disponibilizou letras

móveis em EVA para que as crianças começassem as tentativas de escrita do nome.

Nessa fase, somente duas crianças conseguiam escrever o nome sem o auxílio de

fichas.

Terminada a atividade, as crianças rapidamente começavam a retirar os tênis,

sandálias e chinelos, pois sabiam que, na sequência, iriam para o parquinho (Fotos

8 e 9). No parquinho, quem acompanhava as crianças era a própria professora, mas

elas brincavam de forma independente. Vinham até a professora somente quando

acontecia alguma briga ou se machucavam. Ao retornar para a sala, as crianças

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jantavam, faziam novamente uma atividade e depois se preparavam para a saída,

que acontecia às 17h.

Foto 8 – Parquinho

Foto 9 – Parquinho

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Em vários espaços da escola, existem murais amplos (Fotos 10 e 11) com atividades

gráficas das crianças. Geralmente, uma turma por vez, apresenta, por meio de

atividades artísticas, o resultado dos projetos trabalhados. Além dos murais, era

comum ver desenhos nas paredes e nos varais da sala de aula (Fotos12 e 13).

Foto 10 – Mural externo à sala de aula

Foto 11 – Mural externo à sala de aula

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Foto 12 – Mural da sala de aula Foto 13 – Mural da sala de aula

A partir das Fotos 12 e 13, podemos observar como os trabalhos das crianças eram

expostos na sala de aula na escola. Percebemos que elas gostavam de expor seus

trabalhos e já possuíam o hábito de colocá-los nos varais. Por parte da professora,

observamos que não havia intencionalidade em explorar/retomar esses desenhos

com as crianças em situacões posteriores.

3.2.4 Crianças-sujeitos: esboçando a história do gr upo .

[...] a verdade sai da boca das crianças. Muito próximas ainda da natureza,

são primas do vento e do mar: seus balbucios oferecem

a quem sabe ouvi-los largos e vagos ensinamentos.

(JEAN PAUL SARTRE)

Como ponto de partida para proceder à caracterização das crianças sujeitos da

nossa pesquisa, consultamos as tabelas que foram organizadas no APÊNDICE E e

a partir da informações obtidas nas entrevistas com os pais e com as próprias

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crianças durante a observação participante. Para a transcrição das falas, tomamos

como referência as normas apresentadas pela NURC (2000). A identificação das

crianças/sujeitos (Foto 14) será feita pelas iniciais dos nomes conforme autorização

do protocolo de pesquisa.

Fotos 14 – Crianças na sala de aula

Ao analisarmos o contexto social das crianças, verificamos não somente a

composição familiar como também o espaço onde elas vão se constituindo como

sujeito. Os aspectos relacionados com a especificidade de cada um (idade, gênero,

experiência escolar) serão apontados em índices percentuais, que foram calculados

tomando por base os 12 sujeitos que participam do estudo: sete meninos (58,4%) e

cinco meninas (41,6%).

Os meninos demonstravam, todo tempo, um comportamento mais agitado, não

respeitando os combinados e preferindo brincar em pequenos grupos com outras

atividades do que envolver-se no que era proposto pela professora. Percebemos

que isso interferia diretamente no processo de produção de conhecimento e também

na rotina da sala de aula. Várias vezes a professora precisava parar suas conversas,

histórias e orientações para intervir no aspecto disciplinar. As meninas, por sua vez,

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eram mais tranquilas e concentravam-se mais nas orientações e propostas da

professora.

Pelo fato de o grupo ter um perfil mais agitado, percebíamos que algumas crianças

que possuíam uma concentração maior ficavam deslocadas do processo que

acontecia em sala de aula, esperando o momento em que as atividades tomavam

seu curso.

Com relação à idade, 25% das crianças iniciaram o ano letivo completando quatro

anos e 75% completarão cinco anos no segundo semestre. Todas as crianças

apresentaram experiência escolar anterior (100%). O ingresso na Educação Infantil

ocorreu da seguinte forma: 25% entraram com menos de dois anos de idade; 16,7%

com dois anos; 50% com três anos; e 8,3% quando já tinham quatro anos.

Quanto ao local da moradia, 83% dos sujeitos residiam no bairro Soteco, onde está

localizada a escola, e 17%, nos bairros vizinhos.

O contexto familiar da turma pesquisada apresentava as seguintes características:

33,4% das crianças moravam apenas com os pais, 50% residiam com os pais e

irmãos, 8,3% com parentes e 8,3% somente com a mãe.

O nível de escolarização dos pais pode ser caracterizado pelos seguintes índices

relativos à conclusão do Ensino Médio: 58,3% dos pais concluíram, ou seja, sete

pais. Com relação ao nível de escolarização das mães, obtivemos apenas 33,3%,

isto é, apenas quatro mães concluíram esse nível de ensino.

Os dados mostraram que 58,4% das mães não trabalham fora ou estão

desempregadas no momento. Percebemos que as famílias obtinham sua fonte de

renda no trabalho realizado pelos membros do sexo masculino, pois não obtivemos

dados de somente um pai (que não consta nome e nem informações específicas na

pesquisa), todos os outros têm emprego fixo ou trabalham como autônomos.

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A renda familiar mensal dos sujeitos envolvidos em nossos estudos, declarada na

entrevista realizada com os pais, caracterizava-se por índices que geraram em torno

de um a dois salários mínimos.

Pela descrição dos pais, em relação à utilização de materiais específicos para

desenho e pintura, apenas 16,6% das crianças demonstram não saber utilizar

corretamente esses materiais. Nota-se que eles possuem materiais, como canetinha

hidrocor, giz de cera, lápis de cor, papel chamex, cadernos de desenho e cadernos

de pintura para realizar atividades gráficas em casa.

Segundo os familiares, os momentos de desenho não têm hora certa para

acontecer. Geralmente ocorrem quando a criança “não tem nada para fazer” ou

“quando não está brincando na rua”. Apenas uma família citou que gosta de sentar

junto para fazerem desenhos e pintar. Percebe-se que o desenho acontece de forma

bem livre, sem intervenção, mediação ou estímulo por parte da família. Duas famílias

citaram que a criança desenha enquanto o irmão mais velho realiza as tarefas de

casa.

Observamos que essa forma livre de lidar com o desenho e com o brincar refletia

diretamente na rotina diária das crianças em sala de aula, visto que inventavam

brincadeiras em diferentes momentos e que nem sempre estavam dentro do

contexto da atividade gráfica orientada pela professora. Sabemos que, nessa faixa

etária, a criança não separa o desenho da brincadeira/jogo simbólico, porém a rotina

da escola exige que essa separação aconteça, estabelecendo horários para a

criança desenhar, lanchar, relaxar, brincar, ouvir histórias... Essa questão exposta,

entretanto, não se constitui material de análise para este trabalho.

Inferimos, assim, que os aspectos observados nas entrevistas foram bastante

expressivos, pois nos permitiam uma aproximação com o contexto familiar das

crianças e com suas histórias de vida.

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3.2.5 Professor: caminhos percorridos

A melhor herança que o educador

pode deixar a uma criança

é permitir-lhe traçar seu próprio

caminho e percorrê-lo por completo

com seus próprios pés.

(ISADORA DUNCAN)

Seguindo o roteiro do APÊNDICE F, caracterizaremos a professora – sujeito do

presente estudo. Tomaremos, por base, também os dados que foram coletados por

meio das entrevistas e apontamentos do diário de campo. Ao resgatarmos a

trajetória profissional do professor, trazemos à tona sua constituição como sujeito

ser/sendo, estabelecendo relações e projetando sua vida a partir do e no cotidiano,

bem como trazendo contribuições significativas para a pesquisa.

A professora, profissional efetivo e exclusivo da escola, pois trabalhava nos dois

turnos, tinha acima de 40 anos e há três anos exercia a profissão nessa escola. Sua

experiência, como professora, está acima de dez anos, vivenciados em outras

instituições de ensino.

A formação acadêmica inicial da professora é Magistério, com especialização em

Educação Infantil, e, no momento, cursa Pedagogia. Possui outro curso superior:

Teologia / Filosofia.

No momento da coleta de dados, suas atividades de formação continuada estavam

menos intensas devido ao curso superior, mas, mesmo assim, estava participando

da construção do Projeto Político-Pedagógico da Escola.

Quando questionada sobre o que a levou a escolher a profissão de professora de

Educação Infantil, ela explicou:

Prof.: “[...] O fato de gostar de crianças levou-me a tomar essa decisão, bem como

os bons exemplos que tive de pessoas atuantes nesta área”.

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Suas atividades culturais mais frequentes estão entre ler, ouvir músicas de boa

qualidade e participar de eventos esportivos, por exemplo, as corridas rústicas. Sua

leitura atualmente está voltada para questões de cunho pedagógico visto que está

em fase final de sua monografia.

Como partícipe do grupo pesquisado, a professora atuou diretamente em nosso

estudo e mostrou-se disponível e atenta aos caminhos abertos pelas crianças no

momento dos desenhos. As crianças não possuíam livros ou apostilas; as atividades

eram dadas em folhas livres ou xerocopiadas. Percebemos que a professora seguia

um projeto que foi conduzido durante o ano letivo, mas, para os momentos de

desenho, não havia muita intencionalidade por parte dela.

A rotina diária estava marcada inicialmente pela rodinha para momentos de oração,

conversas, músicas e direcionamento das atividades do dia. O grupo era muito

agitado e muitas vezes percebemos que o objetivo primordial não era alcançado,

mas também não havia nenhum outro tipo de postura por parte da professora, ela

continuava com as atividades planejadas. Em determinados momentos, chamava a

atenção do grupo de alunos, mas, dificilmente, sentava para conversar e rever as

regras e combinados.

Percebemos ainda que não havia uma variedade de materiais pedagógicos para

ajudar no planejamento de atividades e projetos. Uma característica marcante em

seus depoimentos foi a identificação com a Pedagogia de Projetos, confirmando,

assim, sua responsabilidade com a proposta pedagógica da escola.

Focamos ainda nossa entrevista na relação que a professora estabelecia com o

grafismo infantil. Em sua concepção, a importância do desenho no desenvolvimento

infantil devia-se ao fato de que:

Prof.: “[...] O desenho é uma expressão individual e natural da criança, portanto

revela algo profundo. Estimula a criatividade, o raciocínio... os sentimentos...”

Essa argumentação aproxima-se da proposta de Lowenfeld (1947), que defende o

desenho espontâneo, percebendo-o como “autoexpressão”. No entanto, em nenhum

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momento, ela traz como fator relevante a mediação, intervenção do professor nesse

processo, indo de encontro à argumentação de Lowenfeld que acreditava na

necessidade da ação pedagógica como primordial para o desenvolvimento do

potencial criador. A professora cita apenas que intervém sugerindo a combinação de

cores e solicitando que completem os desenhos.

Ao ser questionada sobre como entende o retorno que o desenho pode trazer para a

formação da criança, argumenta:

Prof.: “[...] Entendo que uma criança que desenha expressa seus sentimentos,

coloca como ela percebe o mundo, terá mais facilidade em defender suas ideias, ter

clareza do que ela quer da vida em sentido amplo”.

Concordamos com o fato de a professora colocar que a criança desenha da forma

como ela percebe o mundo, pois, de acordo com Vygotsky (1982, p. 96), nessa

etapa “[...] o pequeno artista é muito mais simbolista que naturalista”. Quanto ao fato

de a criança ter mais autonomia e criticidade em relação à sua vida em geral, isso

não nos cabe discutir neste trabalho.

A professora expressa de forma clara que percebe, nos desenhos realizados em

sala de aula, que as vivências do e no cotidiano, estão presentes no grafismo e

ainda que o temperamento das crianças no dia-a-dia trazem influências no ato de

desenhar:

Prof.: “[...] Quando elas desenham a família, por exemplo, estão vivenciando o

sentido de pertença a um grupo”.

Prof.: “[...] Às vezes, uma criança que não está vivendo um bom momento, tem

menos criatividade e vontade de desenhar. Diferentemente de outra que esteja ‘feliz’

e expressa esse sentimento de forma ampla, sem medo...”

A caracterização dos sujeitos envolvidos em nosso estudo revela um pouco do

trabalho com o desenho na turma pesquisada, permitindo-nos o reconhecimento dos

aspectos que envolveram essa prática educativa. Dessa forma, podemos captar a

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singularidade dos sujeitos e sua integração com o aspecto histórico, social e cultural

ao qual estamos inseridos. Nesse sentido, perguntamos à professora sobre como

ela percebe o desempenho dos seus alunos nas produções gráficas, e ela

respondeu-nos:

Prof.: “[...] cada criança “aprende” a seu tempo. Há uns que são mais adiantados,

têm mais criatividade, e outros que precisam “crescer” e amadurecer suas criações”.

A partir dessas reflexões, analisaremos, no capítulo que se segue, os eventos

observados e mediados pelo desenho.

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4 ANÁLISE DOS DADOS

Todo material pesquisado e coletado foi organizado em temas da seguinte forma:

Múltiplos olhares – linguagem e produção gráfica das crianças e Marcas existenciais

– elementos gráficos apropriados culturalmente.

No tema Múltiplos olhares – linguagem e produção gráfica das crianças, elas serão

focadas de acordo com a relevância da linguagem oral vivenciada durante a

elaboração dos desenhos (linguagem visual) com seus pares, professores e

pesquisadora, para o estudo em questão. Os critérios de análise dos desenhos

selecionados durante essa fase estão organizados da seguinte forma: desenho

espontâneo e desenho orientado, pois eles sugerem uma melhor investigação para

o estudo proposto, sendo escolhidos como procedimento pedagógico de coleta de

dados. Segundo Japiassú (2008), podemos elencar diversos tipos de instrumentos

pedagógicos. Neste trabalho, adotaremos o nome de procedimento pedagógico, por

trazer para a discussão e análise o desenho orientado e o desenho espontâneo e

por percebermos, nesses dois procedimentos, diferentes tipos de estímulos que

transitam na Zona de Desenvolvimento Proximal. O primeiro pela intervenção direta

do professor e o segundo por ser de interesse real, de vontade própria, porém

ambos permitem uma observação da linguagem e dos recursos gráficos utilizados

no processo de elaboração dos desenhos infantis.

Selecionamos, assim, cinco crianças para participar do trabalho: JE, PE, TI, SO e

ME. A escolha dessas crianças deu-se pelo fato de possuírem um perfil mais

dinâmico, participativo, com uma boa expressão oral e também pelo fato de serem

assíduas às aulas.

A partir daí, analisaremos, no tema Marcas existenciais – elementos gráficos

apropriados culturalmente, os desenhos realizados em outros momentos ocorridos

durante a pesquisa. Nesta fase, não há nenhuma relação cronológica entre os

desenhos apresentados. Focaremos uma criança por vez, utilizando todos os

desenhos relevantes que foram recolhidos durante o estudo e buscaremos captar a

apropriação de marcas culturais no lócus escolar.

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Na apresentação, optamos por transcrever literalmente as falas das crianças e da

professora. A professora está indicada pela letra P, a pesquisadora por Ps e os

nomes das crianças são identificados pelas iniciais. Kramer (1992), ao voltar seu

olhar para as crianças, alertou-nos sobre a necessidade de considerarmos sua

condição de sujeito, legitimando suas vozes, mesmo quando protegemos sua

identidade.

No último capítulo Diálogos relevantes, faremos algumas considerações como forma

de dialogar com o leitor sem, necessariamente, tecer conclusões, pois entendemos

que essa discussão não se esgota, sempre se renova, se refaz no processo

cotidiano de apropriação cultural.

4.1 MÚLTIPLOS OLHARES: LINGUAGEM E PRODUÇÃO GRÁFICA DAS

CRIANÇAS

O meu olhar é nítido como um girassol,

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,

Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento

Para a eterna novidade do mundo.

(ALBERTO CAEIRO)

Desenho, fala, criatividade, expressões infantis que devem ser cuidados

sensivelmente e olhados de maneiras múltiplas: olhares múltiplos para crianças

múltiplas, diversas, únicas.

Assim, tudo pode acontecer dentro de uma sala de aula onde a criança é percebida,

olhada, cuidada... As propostas de trabalho com os pequenos começam a tomar

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forma, corpo. Começam a desvelar-se e a revelar-se por meio de desenhos que

consideramos como expressão e linguagem infantil.

Durante este estudo, situamos a atividade gráfica, como registro simbólico, sendo

elaborada a partir da linguagem. Os desenhos das crianças que se seguem foram

coletados e percebidos como forma particular de linguagem, fundamentados em

Vygotsky (2000), que considera que o desenho infantil “[...] é uma linguagem gráfica,

peculiar, um relato gráfico sobre algo”.

O desenho, além se ser pensado como expressão, traz consigo a possibilidade de

interlocução quando a criança dialoga verbalmente e visualmente com o outro que

está ao seu entorno. Durante todo o processo de pesquisa, podemos perceber um

know how de linguagem já existente na fala das crianças, em que a realidade vivida,

experimentada no cotidiano revela-se no processo de elaboração de seus registros,

suas marcas.

A linguagem torna-se fundamental nesse momento, pois seu caráter expressivo

situa-se no mundo pelo lúdico onde a imaginação, as imagens em ação e a

multiplicidade de ideias e falas fundem-se e confundem-se para se tornarem

desenhos: “[...] A linguagem não copia nem representa a realidade – ela constitui a

realidade” (DHALBERG; MOSS; PENCE, 2003, p. 40).

Os intervenientes também trazem consigo momentos de inter-relações, pois, mesmo

ao rabiscar, a criança procura encontrar significados em suas marcas a partir do

momento em que o outro a instiga a revelar suas intenções, ou seja, ela deixa suas

marcas, mas não elabora uma linguagem oral para interpretá-la.

.

Nesses momentos de fala e desenho, a orientação e o caráter espontâneo das

atividades terão enfoques diferentes e diversos. Daí, resgatarmos os dois

procedimentos pedagógicos para a realização dos desenhos: desenho espontâneo e

orientado.

Os desenhos orientados sugerem ajudar a criança a organizar seu pensamento por

meio da orientação de outrem (no caso, a professora), enquanto no desenho

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espontâneo a intenção é que as crianças organizem seu pensamento de acordo com

sua vontade, tanto a hora do desenho como o tema escolhido para representar.

No desenho orientado, a professora, após contar histórias, cantar músicas,

apresentar teatros, filmes, ou fazer observação em campo, propõe que as crianças

elaborem seus desenhos, ou seja, orienta sobre o tema que devem escolher e dá

algumas dicas iniciais de como fazê-lo partindo da sua intenção pedagógica.

Segundo Japiassú (2008, p.101), “[...] propõe que os alunos desenhem ‘de cabeça’

ou ‘de memória’ (sem uso de modelos para cópia)”.

No desenho espontâneo, a criança desenha o que deseja; não existe uma proposta

temática elaborada previamente pela professora ou alguém da família, nem horário

predeterminado. Nesse caso, pode haver um estímulo externo, como materiais

disponíveis que às vezes se encontram jogados entre um brinquedo e outro. A

criança volta a tenção para algo interessante que vê na televisão ou que ouve de

alguém que está ao seu entorno, mas também pode ser um desejo, uma motivação

interna. Na pesquisa, esses momentos de desenho espontâneo foram realizados ora

no lócus familiar (a pesquisadora disponibilizou uma pasta contendo caneta hidrocor,

giz de cera e folhas chamex que eram renovadas a cada encontro), ora no lócus

escolar.

Durante a pesquisa, a professora, como mediadora do processo, costumava trazer,

para os momentos de desenho, algumas histórias que escolhia aleatoriamente

(algumas poucas vezes relacionadas com o projeto e outras com datas

comemorativas).

Geralmente, ao contar a história, notava-se pouco interesse por parte das crianças,

visto que os livros, costumeiramente, possuíam imagens pequenas, pouco atrativas

para crianças de 3/4 anos. Mesmo assim, após a contação de histórias, a professora

conversava com as crianças e pedia que elas desenhassem a parte de que mais

gostaram.

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Nota-se, então, nas análises realizadas a seguir, que as imagens trazidas pela

professora carregam em si marcas culturais e também alguns estereótipos que, de

certa forma, interferem no universo gráfico dos pequenos desenhistas.

4.1.1 Análise dos desenhos orientados

Atividade “Amar o mar” – livro de Silvana Pinheiro Taets

Nesta atividade, percebe-se que JE (Figura 1) organiza o desenho de forma “pré-

esquemática14" (LOWENFELD, 1977, p. 148), trazendo alguns elementos da história,

como as flores, a figura humana, o rio e o peixinho, numa tentativa de organização

espacial, com elementos que não possuem uma ordem no tamanho, nem nas cores

da realidade. Demonstra interesse e compreensão da história e da orientação da

professora. Nos momentos da produção, costuma dialogar com ME, falando sobre

as cores que usará e o que irá desenhar demonstrando a intenção gráfica, como nos

fala Vygotsky. Seu traçado mantém uma forma única na qual a figura humana é

alongada e os elementos que deseja representar espalham-se por toda a folha,

numa tentativa de composição. JE demonstra que já compreende o desenho como

representação de algo, realizando-o simbolicamente.

Figura 1 – O mar (JE)

14 Na fase pré-esquemática a criança “[...] cria, conscientemente, modelos que tëm alguma relação com o mundo à sua volta. [...] nesta nova etapa, está empenhada no estabelecimento de uma relação com o que pretende representar” (LOWENFELD, 1977, p.147).

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Por sua vez, PE (Figura 2) não demonstra interesse pelas histórias e músicas. Faz

algumas tentativas de círculos e depois rabisca cobrindo toda a folha. Ao ser

questionado sobre o que fez, interpreta-o de diferentes formas a cada

questionamento, ou seja, ele não demonstra a intencionalidade descrita por

Vygotsky. Existe, sim, um registro gráfico, marcas que aparecem

independentemente da fala e, também, uma fala que existe mas não associado ao

desenho. Porém, o que notamos é que PE ainda não se apropriou graficamente de

alguns símbolos culturais que fazem parte do seu cotidiano. Se, observando outras

produções, fôssemos lançar mão de Lowenfeld (1977), diríamos que, pela idade, ele

se encontra na fase das garatujas.

Figura 2 – O mar (PE)

As atitudes e as marcas (Figura 3) de SO também se mostram desta forma: não

presta atenção à história. Levanta-se da roda durante a narração, brinca em frente

ao espelho e pega todos os lápis de cor para ela durante o processo de elaboração

dos registros, o que gera conflitos e choro. Disputa sempre a única caneta hidrocor

que dispõem: uma caneta hidrocor amarela que já não possui mais tinta. SO molha a

caneta na boca para poder manchar o papel. Costumeiramente, não desenha o que

a professora pede. Pinta letras, faz rabiscos e diz que está desenhando. Nota-se o

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prazer pela rabiscação e pelo simples fato de deixar algumas marcas no papel,

muitas vezes na mesa, na folha do amigo e no próprio corpo.

Figura 3 – O homem (SO)

TI não desenha o que a professora orienta (Figura 4), diz que gosta de desenhar

estradas e carros. Sua fala não corresponde às suas rabiscações. Infere-se, assim,

que, nesta fase (das garatujas – LOWENFELD, 1977), o desenho deve ser encarado

como linguagem visual independentemente da fala, por possuir características

gráficas próprias, apesar de poder guardar relações diretas com a linguagem oral.

Japiassú (2008) concorda com Vygotsky quando ele afirma que, de fato, o desenho,

como sistema semiótico, só existe efetivamente após o período dos rabiscos, porém

faz uma crítica à Vygotsky porque ele não considera a fase inicial do grafismo

(garatuja e rabiscação) e não aprofunda esse estudo por entender que o desenho se

torna simbólico a partir do momento em que a criança tem a intenção de comunicar,

de significar suas marcas.

Cabe-nos, então, neste diálogo, ver a criança contemporânea a partir de uma nova

ótica, interrogando-nos e, quem sabe, afirmando que, antes dessa representação

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simbólica, a criança elabora, reelabora suas marcas. Refletimos que, se a criança,

ao falar as primeiras palavras, vai significando sua intenção por meio da fala do

adulto, mesmo sem ter se apropriado da estrutura escrita da língua materna, não

seria possível, então, considerar que, antes da fase simbólica, os elementos gráficos

dos desenhos infantis aparecem numa tentativa intencional, para nos apresentar,

reapresentar suas marcas com liberdade, seus esquemas gráficos aleatórios, seu

mundo que é social e cultural, apenas como uma forma de ser – singular e pessoal?

Vale lembrar que Iavelberg (2008, p. 4) pontua que o desenho pode ser visto “[...]

como forma magnífica de expressão de ‘idéias’, desprendendo-se da imitação e

fazendo das formas naturais apenas signos da concepção tanto do artista como da

criança”.

Figura 4 – Estradas (TI)

ME mostra-se totalmente insegura para desenhar. Fica um tempo sem fazer nada e

depois olha o desenho da JE, assim, inicia seus registros. Tudo o que a JE faz ela

tenta reproduzir. Inicialmente não demonstra preocupação em utilizar as mesmas

cores que JE, apenas tenta captar as formas e traços (Figura 5). Verbaliza que não

sabe desenhar. Realiza várias tentativas para elaborar a figura humana e escrita do

nome, mas não consegue gostar de nada, diz que ficou feio. Aqui, sua linguagem

oral e suas marcas demonstram que está numa sensível fase de transição, em que,

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com certeza, a mediação de seus pares e da professora será importantíssima para

que ela se aproprie de novas formas e também fique emocionalmente mais segura.

Figura 5 – O mar (ME)

Os momentos de desenhos geralmente eram marcados por conversas iniciais,

quando a professora pedia que prestassem muita atenção às orientações para

desenhar, que guardassem todos os objetos que desviassem a atenção e que cada

um pensasse naquilo que iria representar. Solicitava que pensassem nas cores,

lembrassem de como era o objeto a ser representado e que ficassem atentos ao

terminar o desenho, verificando se não esqueceram nenhuma parte.

Atividade “O Dia das Mães”

No desenho orientado relativo ao Dia das mães, JE manteve os traços da mãe

(Figura 6), dizendo que os cabelos são longos e que ela tem cabelo “amarelo”. Nota-

se que todos os desenhos de JE possuem sistematicamente as formas alongadas

muito parecidas que se repetem.

ME é muito querida por todas as crianças e muito apegada à JE, mostrando-se

insegura para desenhar. Essa insegurança permaneceu por todo o tempo de

pesquisa. Ela sempre esperava JE desenhar para depois repetir todos os traços e,

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posteriormente, também as cores. Essa insegurança de expor sua criatividade, suas

próprias produções e ideias podem ser vista na Figura 7, onde apenas reproduz

cores, formas e traços.

Figura 6 – Mamãe (JE)

Figura 7 – Mãe (ME)

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Atividade “Ciranda do anel” – música de Bia Bedran

Quando a professora trocava o recurso pedagógico para estimular as crianças, por

exemplo, a música, percebíamos que havia uma interação maior. As crianças

cantavam, faziam gestos, conversavam, brincavam e vivenciavam a dinâmica com

mais intensidade. Após a conversa, partia-se sempre para o registro. Vale lembrar

que, inicialmente, as crianças possuíam somente lápis de cor para fazer seus

desenhos. Lápis esses, que eram apontados pela professora durante o momento em

que iniciavam os desenhos fazendo com que muitas crianças brigassem pelos

poucos lápis disponíveis e também por algumas cores preferenciais.

Percebemos, durante esse momento, que algumas crianças se desinteressavam

pelo tema que fora inicialmente explorado e partiam para outras brincadeiras, o que

gerava um desgaste por parte da professora no sentido de querer resgatar a história

e o que fora discutido anteriormente. Percebe-se, nesse momento, um conceito

errado da professora em relação ao desenho, pois criança quer desenhar desenhos

e não palavras. Assim, a partir da música trabalhada, JE fez uma sereia (Figura 8),

com os cabelos longos e vermelhos. Verbalizou que sereia é assim, pois já tinha

ouvido história de sereias e visto algumas figuras (talvez A pequena sereia de Hans

Christian Andersen). Percebemos, a intertextualidade cultural já presente na

linguagem visual.

Figura 8 – A sereia (ME)

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SO continuava sem interesse pelas orientações da professora. Em sua fala, indicava

ter entendido o contexto da música e a intenção da professora com a atividade, mas

isso não era percebido ainda em seus registros. É importante salientar que o

desenho de SO não dava conta do que sua fala sinalizava durante os momentos de

discussão e elaboração. Ela possuía uma linguagem oral muito boa, mas não estava

direcionada para identificar seus registros gráficos. Nota-se, então, que a

necessidade de a linguagem (que pode ser oral ou de sinais) acompanhar a

linguagem gráfica dependerá da fase e do contexto em que a criança se encontra.

A intervenção pedagógica nesses momentos, na Zona de Desenvolvimento Proximal

é que fará com que a criança vá organizando dessa forma seu pensamento,

trocando informações e fazendo com que ela se aproprie de marcas e artefatos

culturais.

Figura 9 – A baleia (SO)

TI também fez algumas tentativas de elaboração, mas o sentido de seus registros

ainda é dado a partir de sua fala. Para Vygotsky (1996), o desenho constitui a

atividade artística preferencial das crianças e, assim como o jogo e a brincadeira,

todos têm a finalidade de comunicar. Aqui, ele desenhou a baleia (Figura 10), o anel

e o grande rabo. Disse que vê muita baleia na televisão e que gosta muito do mar.

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Novamente os intervenientes culturais trazidos não somente no grafismo pelas

crianças pequenas como também na linguagem.

Figura 10 – A baleia, o anel e o grande rabo (TI)

PE desenhava alheio ao que era orientado pela professora. Desenhava vários carros

(Figura 11) e, quando questionado por que ele não estava desenhando sobre o que

foi orientado, dizia que não queria. Desenhava carros porque gostava muito deles.

Quando a professora pediu que ele desenhasse uma parte da música trabalhada.

Ele virou a folha de papel e desenhou o Sol. Disse:

_ Pronto! Desenhei o Sol, agora posso fazer um carro?

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Figura 11 – Carros (PE)

Com essa resposta, PE traz para seus registros temas e algumas marcas que se

repetem e que se tornaram significativas para suas representações gráficas, com um

grau de importância muito maior do que as propostas trazidas pela professora. Nota-

se, na fala abaixo, que o Outro (mediador que trocou informações a respeito da

elaboração de carros) tornou-se uma peça fundamental, visto que traçavam

informações justamente que eram do interesse de PE. É importante destacar que

não havia por parte da professora a mediação ideal para que PE avançasse em

seus registros, pelo contrário, existia uma necessidade de que a criança cumprisse o

que fora programado para o dia.

P – Você gosta muito de desenhar carro?

PE – Gosto.

P – Quem na sua casa gosta de desenhar carros?

PE – Eu e o Dudu.

P – Quem é Dudu?

PE – Um amigo!

P – Ele mora com você?

PE – Ele mora pertinho da minha casa.

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P – E vocês brincam de desenhar?

PE – A gente brinca de carrinho, aí eu jogo quando eu quero jogar.

P – Aí ele te ensina a desenhar carros. E a historinha que você ouviu? Você vai

desenhar?

PE – ... (silêncio)

Figura 12 – Carro de polícia (PE)

Atividade “Festa Junina”

Em vários momentos, pudemos perceber que PE não conseguia fazer link do que a

professora pedia para desenhar. Podemos pensar que essa atitude partiu do seu

desejo de realizar algo que, para ele, já era tranquilo no sentido de já ter se

apropriado do traçado que iria utilizar, sem com isso ter que se preocupar com

temas que se apresentavam como desafios a serem superados, ou então, que PE

queria entrar num processo pessoal de desenhar, começando por algo que “sabia”

(Figura 13), desvinculando-se assim dos mandados verbais da professora.

P – O que você tá fazendo?

PE – Um carro.

P – O que a gente combinou de fazer?

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PE – É por isso que eu não sei desenhar a Festa Junina.

P – E por que você não experimenta fazer?

PE – Porque eu não sei.

P – Experimenta. Você desenha carro tão bem. Experimenta desenhar a festa!

PE – É por isso que eu só sei desenhar carro.

P – Quem te ensinou a desenhar esse carro? Esse tipo de carro?

PE – Eu sei desenhar um carro assim. É assim que o Dudu me ensinou.

P – Mas por que você não experimenta fazer outro tipo de desenho sem ser carro?

PE – Por que eu não... gosto de... (silêncio)

Figura 13 – Carros (PE)

Esse silêncio que se segue na fala de PE pode nos remeter a várias situações que

precisam do olhar sensível do professor para poder entendê-las. Nesse silêncio cabe

muita coisa como: “[...] Não gosto que mandem em mim, [...] Não gosto de desenhar

palavras, [...] Não gosto de autoritarismo, [...] Não gosto de aprender o que não sei”.

Enfim, percebíamos que algumas crianças mantinham uma postura de insegurança

em relação a elaborar novas formas e, quando questionadas pela professora sobre

seus desenhos, muitos respondiam “eu não sei desenhar”. Pontuamos, a partir

dessa fala, que as crianças já chegam à escola com noções cristalizadas a respeito

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do que seja produção artística. As famílias (Figura 14) transmitem para as crianças

medo, tosando a liberdade de expressão que pode ser tão bem trabalhada pelo

professor nessa fase inicial. Cabe, assim, ao professor desconstruir as noções de

certo e errado para depois fazer um trabalho de incentivo, estímulo à expressão

artística de cada criança. Essa reflexão pode ser percebida nitidamente na atividade

“Bicicleta” descrita a seguir.

Figura 14 – Carros (PE)

Atividade “Bicicleta”

P – PE, o que você desenhou?

PE – O carro e esse daqui, é o morro, esse daqui é um “m” que significa pra ele

passar, esse daqui é um “n” e aí vai nessa rua e vai pra lá.

P – E onde está a bicicleta?

PE – Eu não sei desenhar! Eu vou desenhar ainda.

P – PE quem te ensinou a fazer esse carro?

PE – Meu pai.

P – A mamãe costuma desenhar carros em casa?

PE – Sim!

Analisamos que o fato de algumas crianças se mostrarem seguras em relação à

criação de seus desenhos e inseguras diante dos desafios propostos pela

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professora revelam-se de várias formas. Consideramos, nesta pesquisa, como uma

questão de interesse pessoal (Por que preciso desenhar o que o adulto quer e não o

que eu quero?), e também como uma questão emocional, de autoestima.

Podemos citar, por exemplo, o caso de JE (Figura 15) que demonstra tranquilidade e

segurança em fazer seus registros. Novamente, trazemos ao diálogo a função da

família e do meio em que a criança está inserida como a propulsora de posturas

mais seguras ou inseguras diante dos desafios que as crianças apresentam quando

solicitadas a desenhar algo que não estão interessadas em desenhar.

P – O que você desenhou?

JE – Eu desenhei uma bicicleta, uma menina, uma casinha e uma florzinha.

P – Ficou lindo seu desenho. Quem te ensinou a desenhar?

JE – Ninguém. Eu sozinha.

Figura 15 – A bicicleta (JE)

Enquanto JE possui toda uma estrutura familiar que a estimula e acredita no seu

potencial. Temos o caso de ME que, já na entrevista, a família pontuou que ela não

sabia desenhar e que também não sabia utilizar corretamente os materiais gráficos,

como canetinha, lápis de cor, tinta... Esse reforço negativo reflete na insegurança

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demonstrada por parte de ME (Figura 16) e na necessidade, na dependência que

sente em apoiar-se em JE ao desenhar:

P – ME, que foi que você desenhou?

ME – Eu desenhei um negócio!

P – Mas o que a gente combinou de desenhar?

ME – Uma bicicleta!

P – Você tem bicicleta?

ME – Eu? Minha madrinha vai me dar!

P – E quem é que tem bicicleta na sua casa?

ME – Minha, minha... oh, ladrão roubou a da minha mãe.

P – E agora? Como é que sua mãe faz sem bicicleta?

ME – Minha mãe ficou sem bicicleta e anda a pé.

P – Você andava de bicicleta com ela?

ME – Eu andava!

P – Quem te ensinou a desenhar bicicleta assim?

ME – A Jennifer.

P – Você gosta do jeito como a Jennifer desenha?

ME – Ahã!

P – Por quê?

ME – Porque ela é minha amiga.

P – E você gosta do jeito como ela desenha?

ME – Gosto.

P – Ela desenha bonito, você acha?

ME – Desenha.

P – Ela te ensina a desenhar muitas coisas?

ME – Me ensina.

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Figura 16 – A bicicleta (JE)

Percebemos, a partir desse diálogo, que algumas crianças gostam de aprender a

desenhar com outras, com adultos e também com diferentes imagens, mas isso tem

que ser, especialmente, no lócus escolar, mediado pela professora, pois a

apropriação das marcas culturais do cotidiano, num olhar holístico, tem que agregar

informações e autonomia e não podar a criatividade e inibir a autoestima da criança.

Atividade – A bonequinha preta

Vygotsky (1996) defende a ideia de que o desenho inicial se elabora a partir de

como a criança compreende o mundo, principalmente quando é estimulada e tem

material disponível. Segundo a professora, não havia material diversificado

disponível na escola para que as crianças realizassem seus desenhos, assim, após

alguns encontros, levamos para a sala de aula caneta hidrocor e giz de cera.

Nesse momento, apesar da história e do estímulo dado pela professora para a

elaboração dos desenhos, o interesse das crianças foi pelo novo material. Queriam

explorá-lo de todas as formas, rabiscando no papel (Figura 17) e também no próprio

corpo. Trocavam de canetinhas e alegravam-se por terem em mãos canetinhas de

cores iguais formando seus pares. Vale ressaltar que a exploração material por parte

da criança deve ser considerada como condição lúdica da atividade gráfica e

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percebemos que, nesse momento, o interesse maior da professora era que as

crianças parassem de explorar o material e se dedicassem ao desenho que ela

havia orientado que fizessem, evitando, assim, o movimento de descoberta, prazer e

conversação que se espalhou pela sala de aula.

Figura 17 – Rabiscação (SO)

JE explorou a canetinha hidrocor batendo a ponta contra o papel numa atitude mais

tímida, mesmo porque já dá conta de desenhar o que deseja representar

simbolicamente. Apesar de sua intencionalidade em relação ao desenho e da

percepção nítida da orientação da professora, nota-se que o prazer pela exploração

do material revela-se uma necessidade intrínseca nessa idade.

Por sua vez, ME continua apropriando-se das formas, traços e cores de JE e,

mesmo não tendo a intencionalidade que JE demonstra (Figura 18), ficou tão

receosa em fugir da cópia, da sua referência visual e afetiva, que preferiu observar

JE e os amigos divertindo-se com o novo material. Ficou tão absorta em suas

observações que não deu conta de finalizar seu desenho (Figura 19):

P – O que você está fazendo?

JE – A bonequinha.

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P – E onde ela está?

JE – Ela está na rua!

Figura 18 – A bonequinha preta (JE)

Figura 19 – A bonequinha preta (ME)

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4.1.2 Análise dos desenhos espontâneos

[...] En el fomento de la creación artística infantil, incluyendo la representativa, hay que observar el principio de libertad, como premisa indispensable para toda actividad creadora. Esto significa que las clases de arte que se dan a los niños no deben ser obligatorias ni impuestas, debiendo partir exclusivamente de los propios intereses de los niños (VYGOTSKY, 2003, p. 103).

De fato, as atividades criadoras livres para os pequenos desenhistas podem gerar

momentos ricos e de muito prazer, mas não podemos deixar de citar a

intencionalidade pedagógica presente nesses momentos e também de lembrar a

grande contribuição de Iavelberg (2006, p.44), quando nos traz a reflexão sobre o

desenho cultivado na criança, em que “[...] a estruturação do grafismo infantil só se

completa incluindo a educação e a interação com modelos do meio”.

Entretanto, buscamos, nesse momento, os resultados que obtivemos com os

desenhos espontâneos. Alguns desenhos foram realizados no lócus familiar e outros

no lócus escolar. No lócus familiar, percebemos pouca intervenção da família e

amigos, diferentemente dos desenhos no lócus escolar em que, a todo momento, as

falas dos amigos e da professora têm ação direta sobre a elaboração dos registros

gráficos.

Alguns desenhos realizados no lócus familiar apresentaram uma elaboração que

não refletia a produção que a criança fazia na escola. Quando questionadas sobre

quem estava presente enquanto realizavam os desenhos, as respostas quase

sempre eram “Ninguém. Eu desenhei sozinha!”. Porém, percebe-se nitidamente a

influência do outro nas atividades gráficas trazidas de casa.

4.1.2.1 Desenho espontâneo no lócus familiar

A entrada na escola, para o desenvolvimento infantil, deve ser considerada como um

divisor de águas, fazendo-se necessária uma abordagem do desenho dentro do

contexto familiar.

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Facci (2004a) faz uma reflexão pertinente sobre a criança no contexto infantil antes

da inserção na escola e depois, bem como observa a mudança de posturas dos

adultos em relação às crianças. Enfoca (fundamentada em LEONTIEV, 1978) a

mudança que ocorre na vida da criança depois que ela entra na escola, quando sua

principal atividade se torna o estudo.

A autora diz que o mundo das crianças “[...] divide-se em dois círculos: um criado

pelos pais ou pelas pessoas que convivem com elas, sendo que essas relações

determinam as relações com todas as demais pessoas; o outro grupo é formado

pelos demais membros da sociedade” (FACCI, 2004).

Nessa perspectiva, toda produção gráfica realizada pela criança no lócus familiar,

durante a fase da pesquisa, será de fundamental importância para a análise, pois

abarca o cotidiano infantil e a vida da criança fora da escola. Assim, quando TI traz

para o desenho palavras escritas (Figura 20) que ainda não foram apropriadas, nota-

se que foram copiadas e com a intervenção direta de alguém. Os bonecos palitos

também não fazem parte do vocabulário gráfico utilizado por TI, mesmo quando

deseja desenhar a figura humana. Se essa intervenção continuar a acontecer,

possivelmente, no decorrer da pesquisa, TI irá se apropriar desses gestos repetindo-

os posteriormente:

Ps – Você sabia escrever o nome de todo mundo?

TI – Sim!

Ps – E aqui. O que foi que você desenhou?

TI – Um carrinho!

Ps – Mas foi você mesmo quem desenhou ou alguém desenhou pra você?

TI – Eu desenhei tudo! A mamãe, o papai, eu...

Ps – Por que você desenhou o vovô, a vovó, a mamãe e o papai? Eles moram com

você?

TI – Ahã!

Ps – Todos?

TI – Todos!

Ps – E você gosta muito deles?

TI – Gosto!

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Ps – O que eles fazem de mais legal para você?

TI – Compa binquedo, compa biciqueta, compa tudo!

Figura 20 – A família (TI)

Outras crianças, como JE (Figura 21 e 22), quando desenhavam sozinhas,

mantinham a identidade de seus registros, com rabiscação, garatujas ou mesmo

com traços, cores, formas e temas que lhes eram significativos.

JE – Isso daqui é um bolo, isso daqui é um menino, isso daqui é uma menina e isso

daqui é outro menino.

P – Quem é essa daqui?

JE – Minha mãe.

P – Você gosta muito da sua mãe? Ela tem cabelo comprido?

JE – (balança a cabeça que sim).

P – Ah é? E aqui?

JE – Essa daqui é a minha irmã Camille.

P – Hum, que legal! E aqui?

JE – É uma florzinha.

P – Alguém te ensinou a desenhar flor assim ou você fez sozinha?

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JE – Eu mesmo que desenhei.

Figura 21 – O bolo, papai, mamãe (JE) Figura 22 – A casa (JE)

No caso da Figura 21, o tema “bolo de aniversário” se repete em várias situações de

desenho espontâneo pela proximidade da festa de aniversário que a mãe de JE iria

fazer para ela. Percebemos nitidamente que ela mantém a temática (Figura 23) e

também as características de traçados e cores que lhe são peculiares. Mesmo

desenhado no lócus familiar, a intervenção da família, por mais que venha ocorrer,

não é significativa para modificar sua forma de expressão.

P – O que você tá desenhando?

JE – Um bolo.

P – Por que você tá gostando tanto de desenhar bolo?

JE – Porque eu gosto de bolo.

P – É? E qual bolo que você mais gosta?

JE – De morango.

P – De morango?

JE – A minha mãe vai fazer um aniversário com bolo de morango pra mim.

P – É? E quantos anos você vai fazer?

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JE – (mostrou com os dedos).

P – Quatro?

Fig. 23 – O bolo de aniversário (JE)

A história de vida de algumas crianças dá a elas um empoderamento, autoconfiança.

Com a ajuda de familiares, sentem-se seguras e mantêm o caráter idiossincrático de

suas produções. É importante notar que, dependendo do tipo de intervenção, esta

pode constituir uma via de mão dupla, podendo haver um refinamento das

produções gráficas ou uma inibição por parte do desenhista. Nas Figuras 24 e 25,

ME, ao desenhar no lócus familiar, detalhou graficamente (com mais elementos),

seu desenho do que cotidianamente na sala de aula onde espera sempre por JE

para efetuar seus registros:

ME – Isso daqui é uma mulher.

P – Esse desenho você fez sozinha, ME, ou alguém te ajudou?

ME – Minha mãe me ajudou.

P – Ajudou a fazer o quê, ME?

ME – Eu fiz isso ontem.

P – O que é isso daqui?

ME – Uma mulher.

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P – Uma mulher? E aqui?

ME – É uma geladeira.

Ps – Ah, entendi. Mas, por que você quis desenhar uma geladeira e uma mulher?

ME – Ah, porque eu queria e minha mãe falou.

Figura 24 – A geladeira (ME)

Figura 25 – Uma mulher (ME)

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4.1.2.2 Desenho espontâneo no lócus escolar

Segundo Silva (2002, p. 32), “[...] há uma mudança qualitativa nos desenhos a partir

do ingresso no mundo escolar”, e eles podem ser alvo de diversos tipos de análise

no processo pedagógico, variando entre “atividade gráfica destituída de valor

educacional” (laissez-faire) e “extrema instrumentalização do desenho” (treino,

cópia), bem como as concepções em relação à intervenção do professor variam

como “nocivo e prejudicial” ou “modelo a ser visto, copiado e atingido”.

Atentaremos, neste contexto, não para uma visão onde o desenho espontâneo

possa ser visto como laissez-faire, mas como um procedimento que possa gerar

atividades produtivas, trazendo à tona o que é significativo para a criança no

momento em que ela tem vontade de desenhar ou, simplesmente, deixar suas

marcas (Figura 26), ampliando sua forma de agir e pensar o mundo.

Nas escolas, o próprio trabalho proposto pelo Referencial Curricular da Educação

Infantil, busca garantir à criança a possibilidade de refletir e vivenciar a Arte como

um exercício sensível e expressivo. Como nos fala Camargo (1984, p. 155):

[...] Enquanto a criança está na fase dos rabiscos, não vamos esperar que ela represente coisas, ou nos diga o que seu rabisco significa – pois, como diz Sylvia Orthof, ‘um rabisco é um rabisco, não precisa ser coisa alguma’.

P – Sophia, fala pra mim o que você desenhou?

SO – Eu desenhei uma água e desenhei tudo colorido.

P – Mas o que você desenhou aqui?

SO – Uma roda-roda.

P – Por que você desenhou isso?

S – Porque eu quis.

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Figura 26 – Roda-roda (SO)

Os desenhos espontâneos geram momentos em que as crianças formulam jogos de

linguagem que nos aproximam de histórias verdadeiras e inventadas, quando a

imaginação se mistura com elementos culturais. Nesse processo, nota-se que a

influência midiática nos desenhos espontâneos é intensa, pode ser que, em alguns

casos (Figura 27), pelo fato de buscarem na televisão a orientação preestabelecida,

sugestiva, exercida pela professora:

PE – É, o moço tava botando dinheiro no carro dele e aí pra tirar...

P – Pra tirar o quê, PE?

PE – O fogo! E aí quando o fogo desceu pegou fogo.

P – Você já viu algum carro pegando fogo, PE?

PE – Nunca vi um carro pegando fogo. Só nos filmes de televisão. Ontem eu vi um

filme e tava todo mundo atirando no cara, aí o cara pegou fogo no carro. O cara

dirigiu o carro vermelho, depois ele botou fogo no carro.

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Figura 27 – Carro pegando fogo (PE)

As histórias verdadeiras são identificadas claramente quando o professor conhece

com mais cuidado a vida, o contexto familiar e sociocultural das crianças. Assim,

podemos dialogar focando o desenho como uma atividade lúdica, afetiva, social e

cognitiva, que percebe a criança com múltiplos olhares, possibilitando momentos

variados para que elas possam falar de suas vivências e de situações conflituosas

que precisam ser resolvidas.

Entre uma história e outra contada durante o desenho, surgem sentimentos que

afligem, que incomodam e também os sentimentos de alegria, de prazer por isso a

necessidade de deixar fluir não somente o grafismo, mas estar atento às conversas

imbricadas durante o processo.

Ps – Você está gostando de desenhar em casa, PE?

PE – Tô gostando de desenhar aqui e na minha casa.

Ps – Quando é que você desenha na sua casa? Você resolve desenhar ou a mamãe

que manda?

PE – Eu jogo e desenho.

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Ps – Joga o quê?

PE – Computador!

Ps – Ah, mas a mamãe que manda você fazer esses desenhos ou você que pega a

folha e desenha?

PE – Eu pego a folha e desenho.

Ps – O que você desenhou aqui?

PE – Uma carreta, um carro e um outro carro.

Ps – Por que você gosta tanto de carro?

P – É porque eu sou PE e eu... eu gosto dos desenhos do Discovery Kids... Ah, se

eu não soltar pum na cama eu chego perto da minha mãe.

Ps – Ah, por quê? Se você fizer isso, ela não deixa você chegar perto, não?

P – Eu acho que não. Ela não deixa.

Durante toda conversa e desenho (Figura 28), PE mostra-se muito ansioso; sopra as

unhas constantemente e perde-se em seus pensamentos por alguns segundos.

Demonstra uma necessidade muito grande de conversar e contar coisas da sua

vida. Mesmo contando essas histórias, ele continua desenhando carros, como se

tivesse apenas reproduzindo traços e formas apropriados anteriormente e que se

repetem sempre. Inferimos, assim, que, durante o processo de criação, as relações

que se estabelecem ajudam nas reflexões pessoais a partir do momento que

mobilizam diferentes linguagens.

PE – Ei, quando eu faço bagunça na minha casa meu pai me bate!

Ps – Mas bate onde, no bumbum?

PE – Bate é no meu bumbum.

Ps – Mas você merece ou acha que ele é que está muito bravo!

PE – Ele fica muito “brabo”, quando eu fico bagunçando as coisas.

Ps – Você tem irmãos PE?

PE – Eu tenho o meu amigo Dudu e eu sou servo do Senhor. Eu venho na escola e

eu vou na Igreja.

Ps – Ah é? Que bom, e seu pai e sua mãe também vão à igreja?

PE – Vão, mas quando eu chamo o Dudu... Ele vai na minha igreja quando ele quer,

quando ele não quer ele não vai.

Ps – E o que você faz lá na igreja?

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PE – (silêncio)... Não sei!

Figura 28 – Carros (PE)

Concluímos, dessa forma, que os dois procedimentos pedagógicos (desenho

orientado e espontâneo) devem ser analisados pelo professor durante a elaboração

de seus planejamentos. Ambos têm sua parcela de contribuição, mas cabe ao

professor perceber o que, na verdade, faz com que as crianças tenham seu

potencial criador e suas relações interpessoais ampliadas e que seu processo de

apropriação das marcas culturais aconteçam de forma lúdica, prazerosa, intensa e

feliz.

Percebemos que, durante o processo de atividade espontânea, foi dada à criança

condições e oportunidades para podermos conhecer um pouco mais do seu contexto

de vida e que a postura da professora em proporcionar esses momentos, deixando

as crianças realizarem seus relatos de experiência sem intervenção, apenas

ouvindo-as, foi fundamental para o aprendizado individual e coletivo. Não podemos

deixar de situar o importante lugar que a intervenção do Outro deve ter nesse

processo de apropriação e elaboração gráfica, de linguagem, criatividade e

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ludicidade, pois a criança é um todo que deve ser vista sempre com múltiplos

olhares.

4.2 MARCAS EXISTENCIAIS: ELEMENTOS GRÁFICOS APROPRIADOS

CULTURALMENTE

As marcas diferenciais nos desenhos de JE, PE, SO, ME e TI são possíveis de

serem observadas, mesmo quando não temos a identificação nominal. Seus

desenhos carregam em si expressões próprias, marcas singulares que os

caracterizam e os tornam identificáveis.

Percebemos que, ao analisarmos os variados desenhos de cada criança, alguns

esquemas gráficos são recursivos e, segundo Japiassú (2002), podem ter sido

aprendidos com pessoas mais experientes dessa cultura gráfica.

O desenho infantil, como produção gráfica, pode ser analisado e percebido ao

estabelecermos um diálogo entre os diversos elementos que são apropriados

culturalmente. Esses artefatos culturais são elaborados e reelaborados pelos

pequenos, pois entendemos que eles são produtores e consumidores de cultura.

[...] [Vygotsky] entende que todo o mundo de cultura (e a arte é o

elemento fundamental da cultura) é produto da imaginação e da

criação do homem e que esse processo de criação é uma

reelaboração do antigo com o novo, reforçando a idéia de que toda

invenção é, então, produto de sua época e de seu ambiente.

Ninguém cria do nada; nada pode ser criado sem referência anterior,

sem pertencer à rede de construção coletiva de conhecimento

(LEITE, 1998, p.132).

Essa cultura gráfica existente afetará a produção da criança, pois o tempo e o lugar

onde vivem, as informações que recebem, os diálogos que estabelecem e os

materiais a que têm acesso farão a diferença nos processos relativos a essa

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apropriação. Vygotsky (1997, p.106), também nos propõe que “[...] a cultura é

resultado da vida e da prática social”.

Iavelberg (2006, p. 44) nos impele a refletir sobre o conceito de desenho cultivado

“[...] por meio do qual é possível ver que desde cedo a criança observa e imita atos e

formas de desenhos realizados em sua presença, incorporando-os, em seu

repertório, por intermédio de assimilação recriadora”.

As marcas apreendidas na vida cotidiana e no ambiente escolar se transformam a

partir da troca de responsabilidade, ajuda mútua, confronto, espaço de reflexões,

novas pesquisas, linguagens e, principalmente, novo olhar.

No processo de desvelamento e busca, colocamo-nos como interlocutores e

corresponsáveis, pois, para conhecer, faz-se necessário doar-se no ouvir, no

escutar. Nesse sentido, ao ouvirmos/olharmos as histórias subjetivas que se

apresentaram durante a pesquisa, fez-se necessário nosso envolvimento existencial

fenomenológico, dando sentido e vazão às falas e mensagens subliminares que nos

foram reveladas no olhar, no toque, no corporal e no gestual, demonstrando, assim,

toda a subjetividade e constituição do sujeito sócio-histórico, pelo qual entendemos a

criança.

[...] a subjetividade vai se instituindo, se inventa e se constrói conforme o nosso envolvimento existencial nos grupos, nas comunidades, na cultura. O sujeito envolvido é um ser da experiência. Estamos no mundo, e o mundo objetivo nos marca (PINEL, 2008, p. 6).

A subjetividade constitui-se a partir da relação do eu (minha intimidade, medos,

alegrias, frustrações e bem-querer) com o mundo ao meu entorno e, dessa relação

resultam as marcas idiossincráticas do sujeito histórico-cultural. Assim a criança

dará sentido às relações interpessoais, constituindo-se, criando sentido de

identidade por meio da alteridade.

Vygotsky (2003) demonstra que a imaginação criadora se amplia e adquire um

funcionamento ao longo do desenvolvimento cultural do sujeito. Inferimos, dessa

forma, que os modelos que invandem o universo infantil cotidianamente (televisão,

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mídia, filmes, etc.) tornam os pequenos produtores de cultura, sujeitos seduzidos e

atravessados por inúmeras informações.

O lúdico também toma espaço no cotidiano e aparece de forma intensa nas

produções desses pequenos sujeitos. São mundos que se criam no entorno dessas

crianças que tomam uma dimensão de movimentos constitutivos.

A cada dia, as crianças constituem-se e são constituídas pelos traços culturais que

as atravessam no tempo e no espaço, num eterno devir, movimento de ser e vir a

ser.

4.1.1 Subjetividade no desenho reiterada em elementos grá ficos específicos

Em cada bloco de desenhos analisados individualmente de cada criança,

percebemos nitidamente suas marcas, seu jeito de ser no fazer, uma singularidade

identificável quando colocada em meio a outros desenhos. Além dos traços, cores e

formas que se repetem, podemos observar ainda a imaginação, criatividade e temas

preferenciais de cada um. Notamos também o que Brent Wilson e Bárbara Wilson

(1982) pontuam sobre as habilidades diferenciais que as pessoas têm para

desenhar objetos específicos.

4.2.1.1 Desenhos de JE

Ao observarmos os desenhos de JE (Figuras 29 a 32), percebemos que ela mantém,

como tema preferencial, a figura humana, flores e árvores. Suas figuras são

alongadas com traços mais retos. As cores já são utilizadas buscando uma

reprodução da realidade bem como a relação de tamanho. Costuma desenhar

ocupando a folha na direção horizontal. Nota-se, em sua fala, que muitos elementos

revelados em seus desenhos são reflexos de sua vida cotidiana.

P – Na sua casa tem flor?

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JE – Tem muita flor rosa!

P – Quem é que cuida das flores?

JE – É a minha mãe.

P – E você ajuda a sua mãe cuidar das flores?

JE – Ajudo.

P – Tem quintal na sua casa?

JE – Tem, mas fora da minha casa e dentro da minha casa também tem. Minha casa

é no meio...

Figura 29 – A casa (JE)

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Figura 30 – Festa Junina (JE)

Figura 31 – A árvore de maçã (JE)

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Figura 32 – Bolo de aniversário (JE)

4.2.1.2 Desenhos de TI

TI utiliza traços retos e poucas formas (Figuras 33 a 35). Opta sempre por desenhar

na folha na direção vertical. Desenha em grandes blocos, ocupando praticamente

todo espaço da folha com apenas seu elemento preferencial: carros. Esse tema é

representado em seu grafismo com grande valor. Analogicamente, podemos

compará-lo, pela sua fala, ao grande espaço que ele ocupa em sua vida. Apesar da

orientação diferenciada da professora, ele mantém um mesmo registro gráfico pela

possibilidade de trazer à tona um assunto que demonstra ser uma

necessidade/desejo especial de sua família (adquirir um carro), em especial, seu pai

com o qual demonstra grande afeto em suas falas cotidianas:

Ps – Por que tantos carros?

TI – Porque meu pai adora.

Ps – Seu pai gosta de carro? E você?

TI – Eu... meu pai dirige e eu fico atais.

Ps – Atrás do carro? Que carro que o seu pai tem?

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TI – Ele vai tê um Wolswagui.

Ps – Um Wolkswagen? Mas hoje ele tem carro?

TI – Só se Jesus abençoa!

Ps – Mas na hora de trabalhar, o seu pai tem carro no trabalho dele?

TI – Ele conserta ônibus, lava... qualquer coisa.

Ps – Ele é mecânico?

TI – Não.

Ps – Ué? Então como é que ele sabe consertar, TI?

TI – Ele conserta embaixo.

Ps – Então ele é mecânico!

TI – Ele tira as roda pa outo coocá.

Ps – Pra outro colocar? E qual é o trabalho dele, se ele não é mecânico?

TI – Porque ele trabalha muito.

Ps – Mas ele trabalha onde?

TI – Lá na impeza.

Ps – Fazendo o que na empresa?

TI – A impeza de ônibus. Ele lava qualquer ônibus.

Ps – TI, quando você puder comprar um wolkswagen, você vai comprar de que cor?

TI – Mermelho.

Figura 33 – Wolkswagen vermelho (TI)

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Figura 34 – Carro mercedes (TI) Figura 35 – Ônibus (TI)

4.2.1.3 Desenhos de PE

Assim como TI, PE demonstra uma preferência enorme pela temática “carros”. É

interessante pontuar que, na sala de aula, os dois, durante toda a pesquisa, não

trocaram informações sobre essa temática. Eles não se aproximavam, não tinham

relação de amizade e, por sua vez, a professora também nunca objetivou fazer uma

troca de informações, de diálogo entre essa duas crianças que demonstram

preferência por uma mesma temática. PE utilizava todo o espaço da folha e seus

desenhos possuíam uma forma pequena, com detalhes minúsculos. As cores e

formas eram mais variadas e, na maioria das vezes, as formas iam tomando corpo a

partir das histórias que PE ia contando ao desenhar. Geralmente seus desenhos

coincidiam com fatos que aconteciam em casa, demonstrando, assim, a grande

necessidade que tinha de contar histórias da sua vida.

Percebe-se que PE está numa fase em que já possui recursos gráficos suficientes

para elaborar seus carros, reiterando Vygotsky (2003, p.96) que, segundo alguns

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psicólogos, “[...] os desenhos na fase esquemática são mais enumerações, relatos

gráficos sobre o objeto que querem representar”. E ainda

[...] mientras el niño dibuja, piensa en el objeto de su imaginación como si estuviera hablando del mismo . En su exposición oral él no se encuentra atado por la continuidad de su objeto en el tiempo y en el espacio y, por ello puede, dentro de un marco determinado, tomar cualquier parte aislada o saltar a través de ella (VYGOTSKY, 2003, p. 96).

No diálogo a seguir, podemos perceber como as situações cotidianas são trazidas

pelos pequenos desenhistas e, dessa forma, a fala e o desenho (Figura 36) vão se

constituindo mutuamente:

PE – Eu desenhei o carro da polícia, que ela atirou nas nuvens e ela ficou vermelha.

E aí a polícia ia pegar os ladrões. E aí... Esse daqui é o carro que tava na rua dessa,

aí depois ele foi zuuuuuu...

Ps – E esse daqui?

PE – É a água e areia embaixo da água. Água de esgoto.

Ps – E o esgoto? Por que você desenhou o esgoto?

PE – Porque levanta a rua. Fica em pé a minha rua com o esgoto.

Ps – Aí estraga a rua?

P – É sim. Esse daqui é o caminhão que passou daqui e depois foi pra li.

Figura 36 – Os carros e o esgoto (PE)

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Para PE, além de essa temática ser importante, percebemos que a sua

sistematização parte da segurança que ele tem por ter se apropriado de

determinadas formas (Figuras 37 e 38), que o Outro (amigo Dudu), a quem se referiu

em vários momentos da pesquisa, já lhe assegurou que elas podem ser

identificadas/significadas pelas demais pessoas ao seu entorno.

Figura 37 – O carro e o jardim (PE)

Figura 38 – Os carros (PE)

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4.2.1.4 Desenhos de ME

Os desenhos de ME demonstram insegurança, mesclando-se de várias formas,

cores e traçado que sempre são copiados dos colegas. A folha também é utilizada

de forma variada, ora em posição horizontal, ora na vertical. Algumas vezes, quando

desenhou espontaneamente, percebemos que a figura humana se repetiu, mas não

foi possível identificar, durante a pesquisa, temas preferenciais, visto que sempre

esperava alguém desenhar primeiro (Figuras 39 a 41).

Figuras 39 – Figura humana (ME) Figuras 40 – Figura humana (ME)

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Figuras 41 – Figura humana (ME)

4.2.1.5 Desenhos de SO

Desde o primeiro dia da inserção em campo, SO demonstrava o prazer que sentia

em desenhar. Não tinha interesse em aproximar-se dos amigos e nem da

pesquisadora, mostrava-se absorta em fazer seus registros gráficos. Não esperava

que a professora desse o material. Entrava na sala e já procurava algo para

desenhar. Quando não tinha papel, riscava seu próprio corpo.

Desenhava pelo prazer de deixar suas marcas, demonstrando, assim, uma relação

intensa com a questão visual (Figuras 42 e 43). Apresentou, durante quase toda a

pesquisa, um registro gráfico muito próximo da rabiscação, repetindo uma forma

central concentrada, com movimentos pesados, chegando, por vezes, a rasgar o

papel. As cores eram utilizadas de forma aleatória, porém sempre cores fortes,

intensas como seu grafismo e também como sua vida (verbalizava sempre que sua

mãe se encontrava presa e que ela estava sendo criada pela tia). Não se

preocupava em copiar os outros, nem buscar referências em objetos ou palavras

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(orientações dadas pela professora). Geralmente, não falava sobre as suas

produções, porém, se perguntávamos sobre o que havia desenhado, buscava

interpretá-los, indicando, em seu traçado, referência com algo que lhe parecesse

real.

Figura 42 – Rabiscação (SO)

Figura 43 – Rabiscação (SO)

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4.2.2 Como a criança se apropria dos elementos gráf icos

Os elementos gráficos podem ser cotidianamente apropriados pelas crianças

pequenas de várias formas. Consideraremos, neste trabalho, a fala do Outro, a

observação do desenho do Outro e o ambiente externo.

4.2.2.1 A fala do Outro

Como já foi discutido, a fala exerce uma função organizadora em relação ao

desenho. Durante o momento de elaboração do registro gráfico, a criança apresenta

um repertório (não somente de sugestões de temas para serem desenhados como

dicas de como realizá-los), que é constantemente socializado entre os sujeitos

desenhistas, demonstrando um vocabulário cheio de expressões que representam

ora a imaginação, ora a realidade. Vygotsky (2003, p.101) propõe que as crianças

“[...] No reproducem sus câmbios ni sus acciones. De eso o hablan o lo muestran en

sus juegos”.

Nos diálogos a seguir ilustramos como as crianças se apropriam da fala de outrem e

reproduzem isso em seus desenhos. O próximo diálogo aconteceu entre PE, TI e o

amigo RA. Desde que chegou na sala de aula, TI não falava em outra coisa a não

ser dos ratos que apareceram em sua casa. Quando a professora pediu que

desenhassem algo, ele logo falou que desenharia um rato:

PE – Thiago o que você tá fazendo?

TI – Uma pista de rato.

PE – De quê?

TI – De rato. Eles só tão correndo. A minha mãe mata rato.

PE – Eu tenho uma figurinha de rato. A sua mãe mata ratos?

TI – É aparece todos. É, quando ele aparece, minha mãe mata todos.

PE – Lá na sua casa?

TI – E na sua RA, aparece?

RA – Parece. Ele parece só um pouquinho só.

TI – Não, tem muito. Tem muito pra matar.

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PE – Eu não sei como é um rato. Faz ele aí pra mim.

TI – Esse é mago (magro).

PE – E aí a sua mãe mata como?

TI – Com a vassoura.

Salientamos que a folha onde TI desenhou (Figura 44) pertencia ao PE que, em

seguida, fez algumas tentativas de reprodução deixando ligeiramente seus carros de

lado. O diálogo que Ti travou com os amigos foi tão interessante para eles que,

nesse momento, o mais importante para eles era tentar mostrar nos desenhos aquilo

que TI contava com tanta empolgação.

Figura 44 – O rato (PE e TI)

Por sua vez, RA também fez algumas tentativas de desenhar ratos em sua folha

(Figura 45). Nesse mesmo desenho, acreditamos que, em um outro momento,

novamente temos a intervenção de TI, como podemos ver no carro marrom, que é

um assunto que ele traz em todos os momentos de diálogo com os amigos e

também com a professora.

rato

vassoura

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Figura 45 – Ratos e carro (RA e TI)

Essa questão pode ser percebida nitidamente em outra situação da pesquisa,

quando vimos, com segurança, a intervenção de TI no desenho de RA. O diálogo

abaixo acontece entre a professora e TI. Assim que ele acabou de desenhar na folha

de RA, fez várias tentativas de demonstrar graficamente as dicas verbais e visuais

que TI dava a todo tempo, como forma de mostrar tudo o que sabia sobre o seu

assunto favorito: carros.

P – TI, você tá fazendo desenho pra ele? Pro RA?

TI – Eu só to fazendo o carro.

P – Olha só, quem tem que fazer é ele.

TI – Mas ele não sabe.

P – Mas ele vai aprender. Faz o carro do seu jeito RA.

TI – Ele não sabe, eu que sei.

P – Mas por que você sabe e ele não sabe?

TI – Porque meu pai me ensinou.

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Nesse momento, TI, além de ir mostrando a RA como deveria desenhar o carro

(Figura 46), traz histórias e marcas que são comuns em seu cotidiano,

demonstrando nitidamente que estabelece relações com suas vivências pessoais e

seu desenho. RA, por sua vez, mostra-se totalmente desprovido de assuntos que

tenham algum significado ou importância para os amigos, bem como recursos para

desenhar. Mesmo verbalizando que sabe desenhar, prefere a intervenção de seu

amigo “que sabe mais que ele”. Assim, ele se apropria com mais segurança dessas

marcas e vai operando por meio da mediação do outro, buscando um resultado mais

elaborado no próprio trabalho.

Figura 46 – Carros (RA e TI)

No exemplo acima, destacamos a forma como a fala do Outro interfere nas

produções infantis, bem como a forma como algumas crianças observam os

desenhos alheios para poderem apropriar-se de marcas, tornando, assim, seus

registros mais elaborados. A fala e a observação caminham juntas e tornam-se

processos ativos de trocas e de relações interpessoais.

Tentativas de RA

Desenhos de TI

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4.2.2.2 A observação do desenho do Outro

Como foi citado, a observação do desenho de outras pessoas, amigos ou imagens,

torna-se, pois, elemento de apropriação de marcas culturais. Essa forma de ver a

constituição do grafismo infantil aproxima-se do pensamento de Silva (2002, p. 67),

que nos remete à seguinte conclusão:

[...] O modelo pode ser explícito, isto é, a criança que ‘sabe’ mostra para a outra que ‘não sabe’ como deve fazer. E também pode ser mais sutil, no sentido de que não foi requisitado, mas influenciou o grafismo de outrem, fato até mais comum, porque as crianças acabam olhando para os desenhos dos colegas e apropriando-se de determinados traços ou de uma figura completa.

Pontuamos abaixo a observação feita do diálogo e dos desenhos (Figuras 47 e 48)

de JE e ME. Durante toda a fase da pesquisa, ME nunca quis expor suas produções

individuais, sempre esperava que alguém lhe mostrasse uma forma para que

pudesse repeti-la. Nota-se que seu desenho se reproduz fielmente, nas cores e nas

formas e uma tentativa de cópia do elemento principal do desenho de JE (a árvore).

ME – Eu vou fazer igual da JE.

P – Igual da JE por que, ME?

ME – Porque ela é minha amiga.

P – Mas você pode fazer do seu jeito.

ME – JE, aqui tá bonito? (muda de assunto ignorando a fala da professora)

JE – Cadê o marrom? Ele pegou...

P – Então empresta pra ela PE.

PE – Mas ela tem que pintar rápido porque eu vou precisar.

ME – Tia, eu também quero. Eu vou fazer igual da JE.

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Figura 47 – Natureza (JE)

Figura 48 – Natureza (cópia feira por ME)

É importante notar que a borboletinha pendurada foi ensinada anteriormente por JE

e que ME também tenta reproduzir de memória. O desenho de memória, segundo

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Vygotsky (2003), compreende uma descrição gráfica. JE, por sua vez, também

passou por um processo anterior de apropriação (Figura 49), porém ocorreu no lócus

familiar. Vejamos a seguir o início da apropriação das formas gráficas da borboleta:

Ps – Por que você desenhou borboleta?

JE – Porque eu gosto.

Ps – Quem te ensinou?

JE – O meu pai.

Ps – E as cores, quem escolheu?

JE – A minha mãe.

Ps – Ela que ficou falando para você pintar assim?

JE – Ahã!

Ps – E por que você não pintou do seu jeito?

JE – Porque eu gosto de pintar mais bonito.

Ps – E você acha que sua mãe sabe escolher as cores mais bonitas?

JE – Acho.

Figura 49 – Borboleta (realizado no lócus familiar)

Dessa maneira, a organização do desenho, as formas, cores, traçados são alterados

em seus grafismos e também são temáticas que vão se constituindo como repertório

visual e de memória no cotidiano das crianças.

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Stern (1962) também considera benéficas influências entre os desenhos das

crianças. Entende que o aluno expressa seu “eu interior” ao desenhar, mas

desenhar com o grupo, ou seja, aprender com o colega, traz benefícios.

Nesse processo de apropriação das marcas do outro, ME vai compondo seus

desenhos (Figura 51) e ampliando suas composições, confirmando, assim, a

reflexão a que Stern nos remete:

P – ME, por que você ta fazendo igual da AL?

AL – Ah, ela pediu pra mim fazer.

P – Ah, foi você que fez pra ela?

ME – Esse foi eu. Esse foi a AL.

P – Por que você pediu para ela fazer?

ME – Porque eu queria fazer isso.

P – Você não sabe fazer do seu jeito?

ME – Essa parte não.

P – Qual parte você não sabia fazer?

ME – Eu sabia fazer o pirulito.

Figura 50 – Desenho de AL Figura 51 – Figura realizada por AL na folha de ME

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Como no caso da borboleta da JE, podemos observar que, além da intervenção dos

amigos no lócus escolar, essa interferência também ocorre no lócus familiar por

parentes e amigos, constituindo, assim, fator fundamental para a apropriação de

diferentes marcas gráficas. Vejamos o caso de TI, que, além da intervenção familiar

acontecer no desenho, também ocorre na escrita (Figura 52), visto que TI ainda não

sabe escrever ortograficamente nem mesmo o próprio nome sozinho. Vale ressaltar

que pode acontecer de a criança desejar e aceitar que lhe ensinem a representar

uma imagem, no entanto é importante perceber se, mesmo sofrendo influência, a

criança se coloca no desenho e tomar cuidado pela constância desses pedidos.

Também é necessário cuidar para que não sejam impostos dessa forma, os

costumeiros estereótipos:

Ps – TI, que coisas lindas você fez na sua casa.

TI – Eu fiz tudinho na minha casa.

Ps – O que você fez?

SO – Um menino, uma menina...

TI – Não! É o RO e o RA.

Ps – Por que você quis desenhar o RO e o RA?

TI – Porque eles são meus amigos!

Ps – E quem escreveu o nome deles?

TI – Foi minha mãe.

Ps – Aí você foi olhando e copiando?

TI – Ahã.

Ps – E aqui?

TI – É a JE.

Ps – E aqui?

TI – É eu. Eu!

Ps – Você aprendeu a fazer o bonequinho assim com alguém?

TI – Foi a minha mãe que me ensinou.

Ps – Você desenha sempre assim, do jeito que a mamãe ensinou?

TI – Ahã!

Ps – Agora aqui você fez diferente. O que você fez?

TI – Porque eu faço assim mesmo.

Ps – E isso aqui é o quê? (referindo-me ao cabelo da JE)

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TI – É o cabelo da JE.

Figura 52 – Amigos da sala (TI )

4.2.2.3 O ambiente externo

A observação é um recurso que as crianças utilizam para apropriar-se de traços e

formas disponíveis social e culturalmente. A observação do desenho do outro se

torna uma constante na sala de aula e, em alguns momentos, a própria professora é

quem propõe a observação, seja da própria realidade, de recursos midiáticos ou

estereótipos.

Proposta como intenção pedagógica por parte da professora, a observação ocorreu

esporadicamente durante a pesquisa. Alguns desses momentos eram realizados no

ambiente interno utilizando, como recurso gravuras, livros e filmes, outros foram de

observação externa à sala de aula, da própria realidade.

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Descreveremos, a seguir, uma atividade de observação da realidade proposto pela

professora. Vejamos a orientação dada:

P – A gente vai olhar da janela e observar o que tem do lado de fora. Não é para

mexer nos brinquedos da sala de TV e nem pra conversar. Nós vamos olhar da

janela, porque não tem perigo, lá tem grade. Vamos ficar de boca fechada e tentar

enxergar alguma coisa lá na rua, depois vocês vão desenhar o que vocês viram.

É relevante pontuar que o tipo de orientação feita pela professora impede a troca de

informações entre os pares, mas isso, na dinâmica da sala de aula, não funciona,

pois as crianças interagem o tempo todo. E assim aconteceu com ME, AL e M

(Figuras 53, 54 e 55), que trocaram informações com a professora e entre elas sobre

o que tinham observado e também como realizar o registro do que tinham visto (e,

ainda, do que imaginaram ter visto):

P – O que você está vendo, ME?

ME – Uma casa, uma pessoa e uma florzinha vermelha.

P – O que você vai fazer, ME?

ME – A casa.

P – Então desenha.

ME – Mas eu não sei.

M – Ô, tia, eu sei fazer uma casa!

P – Que legal, M.

M – O telhado, a janela...

(ME fica somente observando as amigas e não desenha nada).

ME – Tia, eu não consegui fazer casa.

P – Claro que consegue.

ME – Eu não consigo.

P – Como é que faz a casinha? ME falou que não sabe. Quem sabe fazer?

M – Eu!

P – ME, você viu as casas na rua! Você tá olhando de quem é esta casa?

ME – Da M.

M – Esta é a minha casinha. Essa aqui é do meu tio e a minha.

ME – Agora eu vou fazer o Sol de preto igual da AL!

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P – Por que igual da AL?

ME – Por que ela é minha amiga e eu gosto dela.

ME – Pronto, olha aqui, tia.

Ps – O que você fez?

ME – Essa é minha cama. A cama é rosa!

AL – Eu tenho cama rosa.

ME – Eu tenho a cama verde!

ME – Ô, tia, tá bonito?

P – Tá, que mais você vai fazer?

ME – A porta, eu fiz a porta de vermelho!

P – Como é que vai ser a porta?

ME – Grandona!

AL – Eu não sei fazer isso!

P – E essa parte aí?

M – É o telhado.

[...]

ME – Nem fez a cama!

M – A cama é aqui.

P – Você vai fazer a cama, M?

M – Eu vou fazer aqui, ó.

Figura 53 – Desenho de observação da realidade “A casa” (M).

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Figura 54 – A casa – Desenho de observação da realidade (AL)

Figura 55 – A casa – Desenho de observação da realidade e do desenho das amigas AL e

M (feito por ME)

Inferimos que, além da intervenção direta dos amigos e dos professores, da

realidade ao entorno da criança, outro fator que contribui para a apropriação de

diferentes recursos gráficos é a mídia. Diariamente, as crianças traziam elementos

externos à movimentação da sala de aula fazendo com que outros recursos gráficos

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(cor, forma, traçado ou tema) influenciassem a elaboração dos pequenos

desenhistas. O que as crianças assistem na televisão reflete fortemente em seus

desenhos cotidianos, como podemos verificar nos dois exemplos que trazemos a

seguir, como o filme “Amigo oculto” e o “Jogo de futebol do Flamengo”.

Nesse dia, a conversa na roda gerou em torno do filme “Amigo oculto” passado na

segunda-feira à noite na televisão. Após o momento de conversa, a professora pediu

que desenhassem livremente, porque, logo após, teríamos que descer para o

momento cívico que acontecia toda terça-feira.

ME aproximou-se chorosa (já estava assim desde a hora que chegou, não quis

sentar na rodinha). Após tentar acalmá-la, a professora disse:

P – Agora faz um desenho bem lindo para mim.

ME – Mas eu não consigo!

P – Por que não?

ME – Mas eu não consigo pensar pra desenhar um filme de terror.

P – Mas agora esquece o filme de terror! No filme, a menina não desenhava um

monte de coisa bacana?

ME – A menina desenhou um menino que era o amiguinho dela. Ele era muito... ele

matava gente.

P – Ah, ela desenhou isso?

ME – É, ele matou a mãe dela, o pai dela, a mãe, ela tive outra mãe...

P – Mas você quer desenhar esse filme?

ME – Eu não sei!

P – Se você não quiser desenhar esse filme, desenha outra coisa. Desenha outra

coisa, então.

ME – Eu não sei desenhar coração. Eu só sei desenhar bonequinha e bonequinho.

Ps – Então desenha bonequinho e bonequinha, tá bom?

Mesmo desenhando o “bonequinho e a bonequinha” (Figura 56), ME mantém a cor

vermelha que disse ter visto nos desenhos que a menina fazia no filme, que a

deixava com muito medo e assustada.

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Figura 56 – Bonequinho e bonequinha (ME)

Em outro momento, tivemos, como tema principal, durante a conversa na roda, o

jogo do Flamengo ocorrido no final de semana:

P – O que foi que você desenhou?

TI – A bandeira do Flamengo.

P – Por que você desenhou essa bandeira?

TI – Porque o Flamengo ganhou de quatro a zero nesse jogo.

P – Você assistiu ao jogo com quem? Com o papai, com seu irmão? Com quem?

TI – Com meu pai, com minha mãe e com meu irmão.

P – E todo mundo na sua família é flamenguista?

TI – É sim!

Este exemplo ilustra bem a influência que a mídia exerce no grafismo e na

expressão criativa das crianças. TI fez esse desenho (Figura 57), após assistir ao

jogo Botafogo e Flamengo, que aconteceu no domingo.

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Figura 57 – Bandeira do Flamengo (TI)

Além da mídia, o papel social que a professora ocupa diante da sala de aula faz com

que suas sugestões e interferências também influenciem diretamente o trabalho

gráfico. Notamos, na atividade abaixo, que, ao trazer folhas xerocadas e desenhos

para serem copiados, a expressão criadora tornou-se limitada.

Nesse dia, a professora trabalhou com as crianças explorando os sentimentos.

Iniciou conversando sobre os sentimentos e mostrando algumas expressões faciais

em pequenos cartazes:

P – Vamos fazer carinha de triste? Não é chorando, é triste!

Qual a outra carinha que tem? Eu já fiquei assustada. E a carinha de bravo?

Vamos ver outra carinha. Agora é pensativa. Quando eu vou desenhar, eu fico

pensativa. Pensativa é ficar conversando?

Todos _ Não!

P_ Olha a boquinha da menina como está. Ela está de boca aberta?

Todos _ Não! Tá de boca fechada.

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P _ Na hora em que a gente vai desenhar e escrever, a gente tem que ficar de boca

fechada, pensativo.

PE – A gente vai pintar agorinha.

P – O quê? Pintar agora, não! Agora a gente vai pensar.

Esta carinha está entediada, chateada, enjoada.

[...]

Este daí é o sorriso. E o coração do menino e da menina tem que ficar como?

Todos (Gargalhadas)

P _ E quem tá feliz aqui? E agora carinha de pensativo. Pensativo porque vocês vão

desenhar agora.

Mesmo com o estímulo, brincadeira, orientação da professora e com toda

informação visual contida nos cartazes disponibilizados, JE, TI e PE continuam

desenhando (Figuras 58 e 59) sua temática preferencial e utilizando os recursos

gráficos que lhes traziam segurança e que lhes interessavam. Veja o diálogo entre a

professora, JE e TI:

JE – Aí é o jardim da minha mãe.

P – É aquele que você ajuda a cuidar, que tem um monte de flores?

JE – Eu ajudo a cuidar das flores dela.

[...] TI entrou na conversa.

P – Na sua casa não tem flor, não?

TI – Tem um monte de jardim.

P – E você sabe desenhar flor TI?

TI – Não sei.

P – Você já experimentou desenhar flor?

TI – Não. Desenho coisas que eu já sei.

P – Desenha o quê?

TI – Carro...

P – Você só desenha o que você já sabe?

TI – Ahã.

P – E o que você já sabe fazer, TI?

T – Desenhar carro, pintar, fazer dever, dever de casa...

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Figura 58 – O jardim (JE)

Figura 59 – Carros (TI)

Diferentemente de JE, TI e PE que gostam de seus desenhos e demonstram

segurança e prazer em realizá-los, SO e ME limitaram-se a tentar copiar o

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estereótipo disponibilizado pela professora, sem se colocar em seus registros

(Figuras 60 e 61) ou questionar com a professora. Simplesmente tentaram copiar o

que havia sido pedido, repetindo a temática, os traçados, cores e formas.

Nota-se que o próprio questionamento feito pela pesquisadora revela que as

crianças estavam apenas reproduzindo imagens:

Ps – E você, ME? O que você tá fazendo de lindo?

ME – Aquela boneca!

Ps – A boneca que tá pintada?

ME – É!

Ps – E essa boquinha aqui, você aprendeu olhando lá ou já sabia fazer?

ME – Eu aprendi a fazer olhando ali naquele desenho.

Figura 60 – Diversas carinhas (SO) Figura 61 – Carinha alegre (ME)

Além das histórias e gravuras, a professora utilizava imagens dos filmes com a

intenção ampliar o universo gráfico – visual, mas que nem sempre sensibilizavam as

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crianças. Assim, ela acabava liberando para que desenhassem o que tivessem

vontade.

O exemplo abaixo partiu do contexto em que a professora havia levado a turma para

assistir ao filme “Pedro e o lobo”:

P – Lembra do filme que nós assistimos? De qual a parte que vocês mais gostaram?

JE – E não gostei de nenhuma parte.

P – Nenhuma parte você gostou, JE?

JE – Não.

ME – Tia, eu gostei do cachorrinho dançando.

[...]

P – Fala PE o que você gostou mais do filme?

PE – Eu gostei do esperto.

P – Então olha, só, agora vocês vão pensar e desenhar aquilo que vocês acharam

mais legal do filme [...]. Então vamos lá, todo mundo desenhando.

PE – Eu não sei desenhar animal.

P – Então como a gente aprende a desenhar?

K – Eu sei fazer algumas coisas...

P – Olha só, PE, e se a gente tentar? AL já começou a desenhar.

K – Eu vou desenhar um porco.

JE – Eu não gostei de nada!

Ps – Tinha um homem, a espingarda...

JE – Eu não gostei de nada!

P – Então desenha o que você quiser.

JE – Eu vou desenhar uma sereia.

ME – Uma sereia de rosa.

Dessa forma, JE busca outras estratégias para tornar significativo o desenho que

quer realizar e ME tenta segui-la em seus traçados e cores. Assim que percebe o

desenho de JE, ME pede auxílio à amiga no intuito de ampliar seu repertório gráfico.

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Notamos que não houve interesse por parte de ME em observar o material da

professora (mesmo havendo borboletas disponíveis), ela preferiu se assegurar no

vínculo afetivo e na segurança que tinha estabelecido com a amiga.

JE fez algumas borboletas e ME pediu que ela desenhasse igual em sua folha

(Figuras 62 e 63). JE fez a borboleta da esquerda na folha de ME, depois ME tentou

fazer uma igual ao lado (pormenor da Figura 63).

Figura 62 – A sereia (JE)

Figura 63 – A sereia com borboletas (ME)

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Pormenor da Figura 63 – Borboletas (da esquerda de JE e da direita de ME)

Podemos notar no pormenor acima que o traçado de JE é fluente, seguro, com

linhas contínuas, enquanto o traçado de ME é trêmulo, mais pesado e com uma

linha descontínua. Nesse processo de trocas, fomos percebendo que, mesmo com

toda a insegurança de ME, ela estava dia a dia se apropriando de novas formas e,

de certa maneira, cultivando seu desenho, como nos lembraria Iavelberg.

4.2.3 Elementos socioculturais presentes no desenho infantil analisados

Ao tentarmos entender como a criança se apropria de elementos gráficos, faz-se

necessário compreender e esclarecer a definição de alguns termos para definirmos o

lugar de onde pensamos e falamos. A priori, quando trazemos a palavra

“elementos”, queremos falar, segundo o dicionário Soares Amora (2001, p. 243), “[...]

daquilo que entra na composição de alguma coisa; rudimentos, primeiras noções,

princípios”. E, quando falamos de sociocultural, vamos nos referir “[...] à classe ou

grupo social e à cultura que os caracteriza” (AMORA, 2001, p. 685).

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Esses primeiros elementos (rudimentos) podem ser observados a partir da cultura e

do grupo social ao qual a criança pertence. Mesmo com a cultura15 intervindo

diretamente nos desenhos das crianças, elas não perdem sua singularidade, seu

sabor. Desenham porque veem pessoas desenhistas, porque o mundo

contemporâneo está repleto de imagens, de símbolos, intensificando, assim, a

apropriação desses conhecimentos gráficos.

O mundo atual é também multicultural, plural, e as crianças que se apresentam

nesse mundo são plurais. Essa pluralidade pode ser de influência religiosa,

econômica, étnica e social. A partir de uma identidade dialógica (identidade aberta

ao diálogo), é preciso identificar a origem desses pequenos elementos para

entender o contexto em que a criança se encontra, trabalhando com elas o princípio

da convivência numa sociedade plural.

Ao recortarmos do contexto da sala de aula um pequeno grupo, percebemos que as

crianças que participavam da pesquisa já utilizavam algumas formas-padrão da

cultura local, com as quais já estabeleciam referência (estereótipos dos pais,

professora e a influência da cultura visual). Assim, podemos considerar suas

produções atreladas à diversidade cultural que se apresenta neste mundo, que é

atual e plural.

O exemplo a seguir ilustra o que acabamos de citar, quando a professora pede que

todas as crianças desenhem o trabalho dos seus pais, visto que estava próximo do

“Dia dos pais”.

Marcas culturais: o trabalho

Ao desenhar o trabalho de seu pai, JE busca elementos essenciais que o

representem. Recorreu às características físicas (Figuras 64 e 65), demonstrando

oralmente o que internalizou a respeito do trabalho (importância social e familiar) e

15 Vygotsky (apud PINO, 1997, p. 88) diz que “a cultura é o produto, ao mesmo tempo, da vida social

e da atividade social do homem”.

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graficamente quando traz o elemento “bombom” (Figura 65) representando o que

deseja mostrar e tornando-o pertencente e identificável no contexto social em que se

encontra. Provavelmente, para JE, a imagem visual do bombom é bem presente em

seu universo familiar, no seu cotidiano, diferentemente do desenho de uma criança

que dificilmente tivesse acesso a esse tipo de doce e que, porventura, necessitasse

desenhar bombons:

JE – O meu pai tem cabelo cacheadinho de velhinho.

P – O papai tem o quê, JE?

JE – O cabelo cacheado.

P – O que mais, JE, você está fazendo além do papai?

JE – É... os bombons. O papai está fazendo bombons porque ele trabalha na

Garoto.

Figuras 64 – O pai trabalhando na fábrica de bombons (JE)

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Figuras 65 – O pai trabalhando na fábrica de bombons (JE)

Marcas culturais: o coração

No intuito de mostrarmos os elementos socioculturais presentes no desenho infantil,

podemos citar outros símbolos (elementos socioculturais) que puderam ser

identificados nas produções gráficas, como o coração e a cruz, ambos com

significados divergentes a partir da vivência de cada criança, porém produtos da

ideia podendo ser considerados como expressão humana, de propriedade humana.

Vejamos, no diálogo, sobre o desenho (Figura 66) abaixo, como isso nos apresentou

durante a pesquisa em uma atividade de desenho espontâneo:

P – Por que você vai desenhar a menininha beijando na boca do homem, JE?

ME – Eu sei. É porque ela adora namorar.

P – Você já viu alguém namorando, JE?

JE – Eu já vi. A minha mãe e o meu pai beijavam lá no banheiro.

P – E você viu eles se beijando no banheiro?

JE – (balançou a cabeça que sim)

P – E quando foi isso?

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JE – Hoje (risos)

ME – É hoje, JE! Você não sabe o que é que é hoje, não?

JE – Sei. Hoje é hoje é hoje!

P – E você falou o que na hora que eles estavam se beijando no banheiro?

JE – Oh, mãe! Eu acho que eu e minha irmã estão vendo vocês se beijando na

boca. Aí ela disse: (mudando o tom de voz):

_ Ah saco! Então fecha a porta!

JE – Eu fiz o papai e mamãe querendo se apaixonar, aí tem esse coração! Aí ela

olhou pro papai, quando ele começou a namorar, aí esse daqui ele deu pra ela, eles

queriam namorar, aí ele ficou desse jeito.

Figura 66 – O pai e a mãe namorando (JE)

Para JE, a concepção que tem do significado coração tem relação com o amor

existente entre seus pais, com o fato de ainda namorarem e estarem juntos. Em

outra instância, para SO, esse significado inexiste, ou, quando traz esse elemento

gráfico (Figura 67), é apenas para mostrar que já se apropriou do símbolo que se

relaciona com a escrita do próprio nome, a partir da intervenção da professora, sem

vinculá-lo às experiências por ela vividas.

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Inferimos, assim, que as marcas gráficas do adulto nem sempre têm o mesmo

significado para a criança, apenas se aproximam das marcas reais culturalmente

instituídas (padrão adulto) pela imitação:

SO – Eu fiz o coração, agora eu tô fazendo eu.

Ps – Quem te ensinou fazer este coração?

SO – Eu aprendi na escola.

Ps – Com quem?

SO – Com a tia, ué!

Ps – A professora que desenha coração assim?

SO – A minha tia escreve o nome, mas eu aprendi a escrever do nome. Eu aprendi

meu nome com o coração!

Figura 67 – Autorretrato com coração (SO)

Marcas culturais: cruz

Sob uma outra ótica, no exemplo a seguir (diálogo entre a pesquisadora e TI),

podemos notar que a marca gráfica apropriada faz parte não somente de uma

cultura ocidental instituída, símbolo de ascensão social, de classes sociais e,

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também, no contexto familiar da criança como uma marca importante na vida, onde

a cruz (Figuras 68 e 69) significa comodidade para a família, sonho realizado.

Ps – E isso daqui, TI?

TI – É um carro!

Ps – E essa cruz?

TI – É a mercedes.

Ps – A cruz da mercedes? Quem te falou isso?

TI – Papai.

Ps – Que carro mercedes tem uma cruz?!

TI – Ahã!

Ps – Que mais você sabe sobre carros?

TI – Todos.

Ps – Mas o que você sabe sobre eles?

TI – Wosvagem, palio, chegolete, honda... qualque carro.

Ps – E seu pai já conseguiu comprar o carro?

TI – Ainda não. Jesus é que vai abençoa!

Figura 68 – Carros mercedes (TI) Figura 69 – Carros mercedes (TI)

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Num outro exemplo, podemos citar os desenhos de SO. Para ela, a cruz (Figura 70)

não tem o mesmo significado que tem para TI. Para ela, a cruz relaciona-se com a

igreja, com a religião escolhida pela família:

P – O que você desenhou, SO?

SO – Uma banana, o planeta Terra, a cruiz da igreja e o meu nome.

P – E por que você fez o planeta Terra?

SO – Pra Jesus morar no céu.

P – Você vai à igreja, Sophia?

SO – Vou!

P – E o que você faz lá na igreja?

SO – Eu canto, eu oro, eu louvo a “palavra”, o pastor fica falando e eu louvo a

“palavra”... Eu canto o canto de igreja.

Figura 70 – Uma banana, o planeta Terra, a cruz da igreja

Concluímos, dessa forma, que os processos de apropriação dos elementos culturais

são diferentes, dependendo das pessoas que estão envolvidas na relação social,

tornando os registros gráficos mutáveis, produtos humanos,16 criados e recriados a

16 Vygotsky (1997) entende que cultura é toda produção humana, são práticas humanas. Essas

práticas podem ser percebidas nos desenhos das crianças e sustentadas na linguagem.

A cruz da igreja

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partir das interações que se estabelecem. Existe, assim, um imbricamento entre o

eu, o outro e o meio, fazendo com que a cultura adquira sua verdadeira dimensão de

não criar nada, apenas modificar o que é natural. Ou seja, ao produzirem seus

desenhos, as crianças nos mostram marcas de suas vidas/vivências e também a

forma como se apropriam desses elementos na sociedade.

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5 DIÁLOGOS RELEVANTES: CONCLUINDO

Ao falarmos sobre como é emocionante ver e tentar compreender os desenhos

infantis, não podemos deixar de enfatizar como é encantador o contato com as

crianças. O imbricamento existente entre essas duas categorias poderia nos deixar

pesquisando por anos a fio, pois não se esgotam, pelo contrário, a cada novo

movimento, tudo se refaz, se renova.

Os desenhos infantis possuem um encantamento onírico, pois nos faz sonhar. E

quando sonhamos, somos capazes de pensar, e o pensamento é que nos move a

buscar coisas novas, a imaginar e transcender.

Pensar criança-desenho é embarcar no mundo lúdico do universo infantil, que,

cotidianamente, é atravessado pela cultura. O universo infantil é lúdico, simbólico,

mas, ao mesmo tempo, real. Abro parênteses para lembrarmos que é comum termos

uma visão burguesa de criança, achando sempre que seu mundo é encantador. Vale

lembrar que muitas crianças vivem em condições nada encantadoras e, mesmo

assim, são produtoras e consumidoras de cultura.

Elas produzem registros gráficos simbólicos, mas, ao mesmo tempo, nos

apresentam a realidade cotidiana. Isso nos leva a refletir sobre o desenho como

processo de apropriação cultural. E, se entendemos os desenhos como linguagem

que se inter-relacionam com o desenvolvimento cultural, damos alguns passos no

sentido de melhor entendermos como se processa a apropriação das marcas da

cultura nos desenhos das crianças que esse trabalho tem por objetivo discutir.

A partir do objetivo citado, focamos nosso objeto de estudo no processo, no

percurso percorrido pela criança no momento de sua produção e, em alguns

momentos, interessou-nos as características formais, sobre as quais discursamos

sobre o que pôde ser visto no texto por ela produzido.

Para discutir criança-desenho-cultura, utilizamos elementos da perspectiva sócio-

histórica, fundamentando-nos em Vygotsky, e buscamos pensar o desenho como

linguagem infantil, constituído por símbolos culturais apropriados por meio do Outro

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(interlocutores e mediadores), sem perder de vista suas experiências pessoais, sua

subjetividade e contexto social.

Vygotsky (apud JAPIASSÚ, 2008, p. 89) nos impele a pensar que “[...] o desenho –

enquanto sistema semiótico – só existe efetivamente após o período dos rabiscos”, e

que “[...] Vygotsky efetua um recorte no desenvolvimento cultural do grafismo infantil

desprezando a ‘pré-história’ do desenho”.

Para Vygotsky (2003), somente a partir dessa fase é que o desenho resulta em uma

ação intencional da criança, ou seja, ela desenha com o objetivo de representar

simbolicamente o que deseja, com a intenção de comunicar.

Concordamos com Vygotsky sobre a representação simbólica estar vinculada à

linguagem, porém inferimos que a etapa anterior à representação simbólica também

se constitui, a nosso ver, como período de elaboração e constituição do sujeito pela

linguagem gráfica e oral, visto que a criança se comunica o tempo todo, por gestos,

expressões e histórias de vida. Apenas a forma de nos apresentar/reapresentar suas

produções gráficas é que se constitui de maneira singular, idiossincrática.

Mesmo antes de a criança ingressar no período do pensamento simbólico, ela sente

necessidade de expressar-se pelo desenho, como movimento, expressão agradável,

pois é por meio dele que as relações acontecem e, a partir dessas relações, a

criança se constitui como sujeito.

Smole (2000, p. 94) pontua que,

[...] a despeito da proximidade, a linguagem verbal e linguagem pictórica participam ambas de uma natureza mental de comunicação e expressão, mas cada uma com sua especificidade, sua maneira particular de comunicar e interpretar uma imagem, uma idéia, um conceito. Portanto, verbal e pictórico se aproximam sem, no entanto, um suplantar o outro.

Nesse momento de exploração, rabiscação e movimento, verbal e pictórico se

aproximam e a criança percebe o Outro e o contexto em que está inserida. Assim a

elaboração e apropriação da linguagem gráfica acontecem na mediação, no lúdico

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(imaginação e realidade se misturam), na sanção (como o Outro entende suas

marcas e reelabora) e pelo próprio meio circundante, onde seus desenhos tomam

formas, ganham corpo e significados.

Consideramos, dessa forma, que esse sujeito atravessado, sujeito de tantas

linguagens e com uma forma de ser toda especial, necessita da presença de outros

seres humanos para efetivar suas potencialidades como sujeito criador e criativo, ou

seja, requer presença humana para se autopotencializar e potencializar o Outro e o

mundo circundante, estabelecendo, assim, possibilidades de ampliação e

aprimoramento das capacidades próprias do ser humano.

Nesse contexto, procuramos, em nossa pesquisa, também observar as questões

metodológicas utilizadas em sala de aula, visto que o professor é o mediador de

qualidade nesse espaço e também faz parte do processo promovendo as trocas e

elaboração dos registros gráficos.

Trazemos, dessa forma, para esse diálogo, Wilson e Iavelberg, por percebermos em

suas produções um pensamento próximo ao nosso. Wilson (1982) e Iavelberg (2003)

tratam da necessidade de trazer o professor (mediador de qualidade) para um

processo em que ele deva orientar a criança, para que ela possa cultivar uma forma

própria de expressão, utilizando artefatos culturais produzidos pela humanidade.

O olhar do professor (fundamentado) deve apontar a conscientização das crianças

em relação ao patrimônio cultural, situando-as no espaço onde vivem, podendo,

consequentemente, transformá-lo. Além da informação, cabe o cuidado com a

subjetividade, buscando um desenvolvimento holístico, uma humanização da criança

em todos os tempos e lugares, equilibrando o processo criativo com as informações

necessárias para que haja diálogo, discussão, reflexão e, nesse processo,

apropriação das marcas culturais.

Nesse sentido, notamos que, durante toda a pesquisa, a fala, implícita na

intervenção da professora nos desenhos, praticamente inexistiu. Na sala de aula as

crianças apenas desenhavam sem refletir sobre suas marcas e também sobre as

marcas dos amigos. Não se estabeleceu um diálogo no sentido de trocas de

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experiências com intenção pedagógica. O que acontecia era provocado,

naturalmente, pelo diálogo estabelecido pelas crianças e que muitas vezes era até

proibido pela professora, quando dizia: “Cada uma fazendo o seu”. Isso nos leva a

refletir sobre como a caminhada em relação ao entendimento sobre o grafismo

infantil ainda é diversa.

Em contrapartida, alguns professores, além de mediar o processo, têm o hábito de

significar o desenho das crianças por meio da palavra. Leite (2004, p. 73) nos faz

pensar sobre essa necessidade por parte dos pais e professores em escrever no

desenho da criança aquilo que ela quis representar e nos diz: “[...] em hora nenhuma

desprezo a importância da palavra como mediadora e estruturadora do processo

criativo; questiono, sim, a necessidade que temos de captá-la, exigi-la e, sobretudo,

registrá-las nos desenhos”.

Essa necessidade de escrever no desenho da criança, como também nos fala Silva

(2002), não foi percebida no dia-a-dia da sala de aula. No entanto, em alguns

momentos, percebemos essa necessidade nos pais, quando as crianças

desenharam espontaneamente no lócus familiar.

Vemos, no entanto, ser fundamental que, nessa fase, a intervenção provoque os

pequenos desenhistas e os ponham em movimento. Importante também é que a

criança encontre sua própria forma de desenhar a partir das informações que recebe

do meio, mas isso não pode fazer com que ela deixe o seu potencial criador em

segundo plano. Essas duas informações precisam se entrecruzar, se integrar. Cabe,

assim, ao professor, criar condições para que a criança tire o máximo de proveito

das informações para aperfeiçoar seu vocabulário gráfico, pois, como nos pontuam

Arslan e Iavelberg (2006, p. 5):

[...] O aluno, sujeito da aprendizagem, constrói seus saberes em arte ao estabelecer relações entre o percurso da criação de seus trabalhos e sua reflexão pessoal sobre as diferentes linguagens, tendo como referência a diversidade da arte produzida ao longo da história.

Inferimos ainda que as crianças são produtoras e consumidoras de cultura de uma

forma ampla, em que as informações visuais, auditivas, olfativas e sensoriais são

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tomadas para si de forma única. Consideramos, assim, que o mundo infantil é fluido,

integralizador, dinâmico, em constante movimento.

É notório que as crianças têm recursos suficientes para produzir cultura, pois elas

possuem voz própria e uma maneira particular de perceber a realidade. Faz-se

necessário, no entanto, ouvi-las e entendê-las, e o desenho é uma das formas que a

criança tem para se comunicar, para brincar, contar suas histórias, transmitir o que

sabe muito bem, revelar suas fantasias e medos e também deixar simplesmente que

o prazer tome conta do seu ser como fazedora e apropriadora de marcas.

O desenho torna-se, portanto, um objeto cultural constituído pela linguagem e

revelado pelo prazer e pela criatividade, apresentando a maneira própria de ver e de

pensar da criança.

Dessa forma, não nos interessa, neste trabalho, constituir características universais

para o desenho infantil, ao contrário, pretendemos, apoiada em Vygotsky (1989),

Wilson e Wilson (1982) e Iavelberg (2006), trazer a influência do contexto social no

desenho infantil, destacando as marcas que cada criança trouxe e deixou nos

modos de desenhar e se relacionar, assim como a professora e a pesquisadora que

participaram de todo processo, tornando nosso olhar ainda mais sensível, quando

podemos olhar, sem entraves, para a riqueza e a diversidade das produções gráficas

infantis que nos são oferecidas no cotidiano de uma sala de aula.

Destacamos, também, neste diálogo final, a relevância da fantasia inerente ao

universo infantil, quando o próprio Wallon (1971, p. 18) pontuava que

[...] A fantasia é constituída sempre com material retirado do mundo real, ou seja, a imaginação se encontra em relação direta com a riqueza e variedade da experiência acumulada diretamente pelo homem. Quanto maior for a experiência do mesmo, maior será as suas possibilidades para imaginar.

Daí entendermos que a criança criativa, lúdica, se constitui como sujeito histórico a

partir do acúmulo de acontecimentos culturais que a absorve cotidianamente, e

também que ela é autora e produtora de cultura. Sua história de vida e histórias que

conta, bem como seus desenhos são passíveis de diversas interpretações e, assim,

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ela nos apresenta seu mundo que é social e cultural, onde sua forma de ser é

singular e pessoal, e onde ela nos mostra, em seus desenhos, as marcas da cultura

que a atravessa e constitui.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A _ PROTOCOLO DE PESQUISA

Vila Velha (ES), abril de 2008.

A UMEI: Jurandir Mattos Griffo

A/C: Eli Ferreira de A. Silva

Apresento a síntese do projeto de pesquisa intitulado “AS MARCAS DA CULTURA

NOS DESENHOS DAS CRIANÇAS ”, orientado pelo Prof. Dr. César Pereira Cola, no

Curso de Mestrado em Educação/UFES, tendo como linha de pesquisa Educação e

Linguagens, com o objetivo de estabelecer parceria com essa unidade de ensino,

para o desenvolvimento deste trabalho. Essa escola foi selecionada com base na

sua localização, uma vez que favorece o atendimento a populações de baixa renda

e por apresentar, em seu projeto político-pedagógico para a Educação Infantil, uma

proposta de ensino-aprendizagem pautada no trabalho de estímulo ao grafismo.

Perfil do pesquisador

Dados pessoais

Nome: Margarete Sacht Góes

Endereço: Avenida Luciano das Neves, n. 2099, Itapoã, Vila Velha – ES

Telefone: 3289-7745 e 9949-3388 CEP: 29100-202

Idade: 40 anos Naturalidade: Santa Teresa Estado civil: casada

Local de trabalho: Colégio Marista Cargo: Coordenadora pedagógica

Experiência profissional

Atuo como coordenadora pedagógica da 1ª Fase do Ensino Fundamental no Colégio

Marista Nossa Senhora da Penha em Vila Velha. Trabalho nessa instituição desde

1990. No período inicial, atuei como professora sempre na área da educação infantil

com crianças de três a seis anos de idade. Em experiências anteriores – de 1986 a

1990 – trabalhei como professora também com crianças da Educação Infantil.

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Interesse de pesquisa

Meu interesse em estudar o grafismo infantil na educação infantil tem origem nas

minhas experiências de trabalho. Assim, buscando entender melhor como ocorrem

os processos de apropriação do desenho em crianças de quatro e cinco anos, e as

marcas da culturas deixadas nesses desenhos, é que proponho a observação das

práticas no cerne da sala de aula dessa instituição de educação.

Síntese do projeto de pesquisa

Título: As marcas da cultura nos desenhos das crianças

Objetivo da pesquisa: Investigar as marcas da cultura nas produções das crianças,

analisando o conceito de interações sociais no cotidiano escolar e fora dele e, ainda,

a apropriação, influências e interdependências das relações interpessoais no

grafismo infantil.

Público-alvo: Uma turma de quatro e cinco anos (alunos, professores, familiares

dos alunos e funcionários do corpo técnico-pedagógico).

Requisitos para a seleção da turma: Interesse da professora regente pela

pesquisa.

Metodologia: Estudo de caso do tipo etnográfico.

Coleta de dados:

• Será realizada durante o ano de 2008, por meio de entrevistas com os

sujeitos, observação participante, fotos, gravação e análise de documentos.

• A inserção do pesquisador no espaço escolar ocorrerá de forma gradativa,

com o objetivo de familiarizar-se com os sujeitos e não causar transtornos na

rotina escolar. Nesse processo, o investigador estará à disposição para

desenvolver atividades colaborativas que auxiliem o professor no trabalho

pedagógico ou em outras atividades da escola.

• Todos os procedimentos envolvendo a coleta de dados serão previamente

planejados e acordados com a professora e com as crianças.

• Será solicitada autorização dos responsáveis para a participação das

crianças-sujeitos na pesquisa.

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APÊNDICE B _ TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARE CIMENTO

Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresento à UMEI Prof. Jurandyr Mattos

Griffo e aos funcionários, técnico-pedagógicos, professores e alunos (sujeitos da

pesquisa), o projeto de pesquisa As marcas da cultura nos desenhos das

crianças , de autoria da mestranda Margarete Sacht Góes, como recomendação

para a realização do Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em

Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo.

O objetivo da pesquisa é investigar as marcas da cultura nas produções das

crianças, analisando o conceito de interações sociais no cotidiano escolar e fora dele

e, ainda, a apropriação, influências e interdependências das relações interpessoais

no grafismo infantil. Como instrumentos de pesquisa, serão utilizados análise de

documentos relacionados com a história da escola, registros de alunos, entrevistas,

registros em diário de campo, gravações em áudio, registros em fotografia, além de

transcrições por escrito das falas dos alunos em atividades orais e de interação

comunicativa em classe.

Os dados terão tratamento ético, com garantia de proteção dos nomes dos sujeitos e

autorização da participação dos alunos pelas famílias. O trabalho será realizado a

partir de negociações com os sujeitos envolvidos na pesquisa no decorrer do estudo.

Os dados/resultados da pesquisa serão apresentados no texto da dissertação e

poderão ser utilizados para publicação. Por isso, solicito, por meio da assinatura

deste Termo de Consentimento, sua autorização para que eu possa efetuar a

pesquisa.

Vila Velha, abril de 2008.

MARGARETE SACHT GÓES

Nome do profissional Função Assinatura Telefone

Cecília Carli Custódio Professor

Aline Amaral de souza Pedagoga

Eli Ferreira de A. Silva Diretor

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APÊNDICE C _ TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA PARTICIPAR E M PESQUISA

Vila Velha, ES, _______ de ______________ de 2008.

Senhores responsáveis pelos alunos e alunas do ________________________

__________________________________________________________________

Sou pedagoga da 1ª Fase do Ensino Fundamental do Colégio Marista e, atualmente,

estou realizando Curso de Pós-Graduação em nível de Mestrado em Educação, do

Programa de Pós-Graduação em Educação, na Linha de Pesquisa Educação e

Linguagens, da Universidade Federal do Espírito Santo. O objetivo da pesquisa é

investigar as marcas da cultura nos desenhos das crianças, analisando o conceito

de interações sociais no cotidiano escolar e fora dele e, ainda, a apropriação,

influências e interdependências das relações interpessoais no grafismo infantil.

Dessa forma, para realizar minha pesquisa, preciso proceder à coleta de dados que

inclui entrevistas, registros gráficos das crianças, registros em diário de campo,

gravações em áudio e fotografias, além de transcrições por escrito das falas dos

alunos em atividades orais e de interação comunicativa em classe.

Nesse sentido, solicito a autorização dos senhores e/ou senhoras para utilizar as

imagens por mim captadas, as gravações realizadas em sala de aula e as produções

escritas feitas por seu(sua) filho(a) ou aluno(a) que esteja legalmente sob a sua

responsabilidade. Esclareço que os dados coletados serão utilizados estritamente

para análise e os nomes dos(as) alunos(as) não serão divulgados. Quando for

necessário me referir a eles(elas), utilizarei as iniciais do nome, resguardando

totalmente a identidade dos(das) participante(s) da pesquisa. Esses dados coletados

serão apresentados na dissertação e poderão ser utilizados para publicação.

A participação da família será apenas disponibilizando o material de desenho

entregue pela pesquisadora para que a criança faça seus registros espontâneos no

lócus familiar.

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Ao final deste estudo, a minha intenção é contribuir para a melhoria da qualidade do

ensino de Arte e embasamento teórico sobre a apropriação do grafismo na

Educação Infantil.

Margarete Sacht Góes

Pedagoga da 1ª Fase do Ensino Fundamental

Eu, ______________________________________, responsável pelo aluno (a)

____________________________________, da _________________________,

autorizo sua participação no projeto de pesquisa “As marcas da cultura nos

desenhos das crianças ”, de autoria da mestranda Margarete Sacht Góes –

PPGE/UFES, concordando com os procedimentos acima apresentados.

Assinatura _______________________________ RG: _________________

Vila Velha, _______ de ____________ de 2008.

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APÊNDICE D _ ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZA ÇÃO DA

ESCOLA

Instrumento de pesquisa a ser utilizado para coletar informações destinadas à

escola-campo.

1. Nome da escola :

___________________________________________________________________

2. Endereço :

___________________________________________________________________

3. Dados históricos :

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

4. Bairros de origem da clientela :

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

5. Aspecto físico :

a) Número de salas de aula:

___________________________________________________________________

b) Condições da sala de aula:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) Possui biblioteca?

___________________________________________________________________

d) Possui sala ambiente?________

Quais?______________________________________________________________

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e) Possui sala de professores, sala de direção, coordenação pedagógica,

secretaria? Outras?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

f) Possui refeitório? ___________________________________________________

g) Possui área livre? Parquinho? Quadra de esportes?

___________________________________________________________________

h) Como são utilizados?

___________________________________________________________________

6) Organização das turmas:

a) Média de alunos por turma: ___________________________________________

b) Número de alunos por turno:

Matutino: _______Vespertino: _______ Noturno: _______

c) Número de turmas por turno:

Matutino: ___________ Vespertino: ____________ Noturno: ____________

d) Organização das turmas:

Matutino Vespertino Noturno

7. Recursos Humanos :

a) Número de professores por turno:

Matutino:______ Vespertino:______ Noturno:______

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b) Composição do corpo técnico administrativo:

__________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) Faxineiras e merendeiras:

___________________________________________________________________

d) Pessoal de apoio:

___________________________________________________________________

8. Recursos materiais :

a) Tipo de material pedagógico existente na escola?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

b) Recursos audiovisuais:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Como são utilizados e com que frequência?________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

9. Rotina escolar :

a) A chegada das crianças na escola:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

b) O recreio:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) O intervalo entre as aulas:

___________________________________________________________________

d) O momento da saída:

___________________________________________________________________

e) Outras atividades:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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APÊNDICE E _ ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZA ÇÃO

DOS(AS) ALUNOS(AS)

1. Nome do aluno (a ): ________________________________________________

2. Endereço completo : _______________________________________________

3. Dados pessoais:

a) Data de nascimento _____________/______/_________

b) Idade: ____________________________________________________________

c) Sexo: ____________________________________________________________

d) Algum problema relacionado com a saúde? ______________________________

Qual?_______________________________________________________________

___________________________________________________________________

4. Dados da vida escolar:

a) Com que idade frequentou pela primeira vez um espaço escolar? _____________

b) Como se relaciona com os amigos e professores? _________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) Sabe utilizar os materiais para desenhar e pintar adequadamente? ____________

___________________________________________________________________

5. Atividades extraescolares:

a) Possui materiais para desenhar e pintar em casa? Quais? ________________

___________________________________________________________________

b) Em quais momentos gosta de desenhar? ________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

6. Dados familiares:

a) Pessoas que moram com a criança. Quantas e quais? ______________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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b) Pai: ______________________________________________________________

Profissão: ___________________________________________________________

Trabalho atual: _______________________________________________________

Grau de instrução: ____________________________________________________

c) Mãe: _____________________________________________________________

Profissão: ___________________________________________________________

Trabalho atual: _______________________________________________________

Grau de instrução: ____________________________________________________

d) Responsável: ______________________________________________________

Profissão: ___________________________________________________________

Trabalho atual: _______________________________________________________

Grau de instrução: ____________________________________________________

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APÊNDICE F _ ROTEIRO DE ENTREVISTA COM A PROFESSORA

Instrumento a ser utilizado para coletar informações para a caracterização da

professora da turma envolvida no estudo.

1. Sexo: Masculino ( ) Feminino ( )

2. Idade:

( ) abaixo de 25 anos

( ) entre 26 e 30 anos

( ) entre 31 e 35 anos

( ) entre 36 e 40 anos

( ) acima de 40 anos.

3. Você trabalha em:

Uma só escola ( )

Duas escolas ( )

Três escolas ou mais ( )

Outra situação: ____________________________________________________

4. Nesta escola você é:

Profissional efetivo ( )

Profissional contratado ( )

Profissional com designação temporária ( )

Outra situação: ___________________________________________________

5. Há quanto tempo trabalha nesta escola? ______________________________

6. Além de trabalhar nesta escola, você exerce outr a atividade profissional fora

da sala de aula ou outra atividade fora da área da educação? _______________

Qual? ______________________________________________________________

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7. Sua formação acadêmica está em nível de:

( ) médio ( ) licenciatura curta ( ) licenciatura plena

( ) pós-graduação/aperfeiçoamento (menos de 360 horas)

( ) pós-graduação/especialização (360 horas ou mais)

( ) mestrado ( ) doutorado

Outros:

______________________________________________________________

8. Sua experiência como professora:

( ) abaixo de 2 anos ( ) entre 2 e 4 anos

( ) entre 5 e 7 anos ( ) entre 8 e 10 anos

( ) acima de 10 anos

9. Que curso(s) de ensino superior cursou? ______________________________

10. Participou ou participa de cursos que tenham co ntribuído com a sua

formação? _________________________________________________________

Cite três cursos, por ordem de relevância, indicando a carga horária correspondente:

1)__________________________________________________________________

2)__________________________________________________________________

3)__________________________________________________________________

11. Quais são suas atividades culturais mais freque ntes?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

12. O que a levou a escolher a profissão de profess ora da Educação Infantil?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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13. Como costuma interferir nos momentos de desenho das crianças?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

14. Em sua concepção, qual a importância do desenho no desenvolvimento

infantil?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

15. O que você acha do desempenho dos seus alunos n as produções gráficas?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

16. Como você entende o retorno que o desenho pode trazer para a formação

da criança? _________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

17. De que forma você percebe que o cotidiano, as v ivências estão presentes

no grafismo das crianças?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

18. Você percebe se o cotidiano e o temperamento da s crianças no dia-a-dia

trazem influências no ato de desenhar? Quais?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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APÊNDICE G _ FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS SAL AS DE AULA

DA TURMA

1. Aspecto físico :

a) Dimensão espacial: _________________________________________________

b) Mobília: ___________________________________________________________

c) Acústica: __________________________________________________________

d) Há ambientes específicos na sala de aula? Quais? ________________________

___________________________________________________________________

2. A turma :

a) Número de alunos: Meninas: ____________ Meninos: ____________

b) Forma de organização da turma no espaço físico: _________________________

___________________________________________________________________

c) Número de alunos ingressantes este ano? _______________________________

3. Sobre o trabalho coletivo :

a) Há regras para orientar o trabalho e a organização diária: ___________________

___________________________________________________________________

b) São explicitadas? Como? ____________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) São cobradas? Como? _______________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

4. A rotina diária :

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

5. A participação da família:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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APÊNDICE H _ FOLHA DE DIÁRIO DE CAMPO

O diário de campo será utilizado para registro das observações realizadas em sala

de aula.

Escola : ____________________________________________________________

Data: _______________________________________________________________

Pesquisadora: Margarete Sacht Góes

Período de observação/Data : _______________ Horário : __________________

1. Assunto observado :

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

2. Comentário crítico :

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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APÊNDICE I _ FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA COMU NIDADE

ESCOLAR E DO CORPO DOCENTE

1. A comunidade escolar:

a) Como é a atuação dos pais na escola? __________________________________

___________________________________________________________________

b) Como é o perfil da comunidade que a escola atende? ______________________

___________________________________________________________________

c) Existe na comunidade algum Conselho de moradores para atuar junto à escola?

Qual?_______________________________________________________________

___________________________________________________________________

2. Processo pedagógico :

a) O que a escola tem oferecido para os professores em termos de formação

continuada?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

b) Como a escola mantém a qualidade dos processos pedagógicos?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) O trabalho com o grafismo na escola está ancorado em qual perspectiva

pedagógica?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

d) Como esses saberes foram construídos/ instituídos nas praticas educativas?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

e) Quais documentos nortearam esse trabalho?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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