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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL LUÍS PAULO SILVA VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coetâneas em São Luís (1854-1876) São Luís - MA 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

LUÍS PAULO SILVA

VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coetâneas em São Luís (1854-1876)

São Luís - MA

2014

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LUÍS PAULO SILVA

VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coetâneas em São Luís (1854-1876)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História Social (Mestrado

Acadêmico) da Universidade Federal do

Maranhão, como requisito para a obtenção do

grau de Mestre em História Social.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva

Mota.

São Luís - MA

2014

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Silva, Luís Paulo.

VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coletâneas em São Luís (1854-

1876)/ Luís Paulo Silva. – São Luís, 2014.

240 f.

Orientadora: Profa Dr

a. Antonia da Silva Mota.

Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade Federal do

Maranhão, 2014.

1. Varíola 2. Vacina 3. Higiene 4. Discurso médico

CDU 981.21

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LUÍS PAULO SILVA

VARÍOLA E VACINA: Antiqualhas e coetâneas em São Luís (1854-1876)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História Social (Mestrado

Acadêmico) da Universidade Federal do

Maranhão, como requisito para a obtenção do

grau de Mestre em História Social.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva

Mota.

Aprovado em:____/_____/________.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva Mota- Orientadora

Universidade Federal do Maranhão

_____________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Cheche Galves

Universidade Estadual do Maranhão

_____________________________________________

Prof. Dr. Josenildo de Jesus Pereira

Universidade Federal do Maranhão

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Dedico este trabalho à memória daqueles que

já foram: Rosalina Silva Gomes (minha mãe) e

Militão Alves Silva (meu avô), mas, que

continuam sendo minha bússola sempre a

procura de um horizonte melhor em minha

vida. Aqui desde já meus agradecimentos pelo

legado de simplicidade, honestidade, coragem

e luta.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pelo amparo em cada passo da minha vida.

Ao meu querido filho Gael que em boa parte deste texto chorou, engatinhou e depois

subia a mesa próxima ao computador sempre com um sorriso e expressão da graça de

criança abençoada iluminando meu dia e minha vida.

À minha esposa Raimunda Anésia pelo seu carinho, zelo e dedicação.

À minha família, em especial a minha mãe Rosalina Silva Gomes e ao meu avô Militão

Alves Silva por me mostrarem que lutar é preciso.

Aos meus irmãos Paulo Henrique, Nazaré e Raimunda Nonata que tanto amo e torço

pelo sucesso de cada um.

Agradeço à generosa orientação da Prof.ª Dr.ª Antonia da Silva Mota, que acreditou em

minha potencialidade como historiador.

Aos colegas do Mestrado em História Social da Universidade Federal do Maranhão.

A todos os professores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em História Social

da Universidade Federal do Maranhão, que contribuíram direta ou indiretamente para o

resultado final deste trabalho.

À Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Maranhão (FAPEMA) pelo apoio nas

pesquisas para a conclusão deste trabalho.

Ao setor administrativo do Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM) por

sempre me receber e auxiliar em minhas pesquisas acadêmicas.

E a todos que colaboraram de alguma forma para a conclusão desta dissertação, grato a

todos.

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar o impacto da varíola e da prática da vacinação

em São Luís durante o período de 1854 a 1876. Apesar da existência de órgãos que

visavam à propagação da vacina no país desde o início do século XIX, identifica-se pela

documentação relativa às autoridades de saúde pública da Província do Maranhão uma

constante resistência da população em submeter-se à vacina antivariólica mesmo em

tempos epidêmicos. Por isso, discutir os motivos do receio ou medo da vacina, remete-

se a uma questão dramática e central dentro do imaginário social do século XIX. Neste

sentido, a varíola e suas vacinas possuem elementos significativos que permitem

nuançar aspectos do cotidiano dessa sociedade. Identifica-se também uma série de

problemas de natureza administrativa e estrutural que dificultaram a implementação de

um sistema de vacinação coeso e eficiente na Província do Maranhão.

Palavras chave: varíola, vacina, higiene, discurso médico.

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ABSTRACT

This work aims to analyze the impact of smallpox and vaccination practice in St. Louis

during the period from 1854 to 1876. Despite the existence of bodies that sought the

spread of vaccine in the country since the early nineteenth century, is identified by

documentation relating to public health authorities of the Province of Maranhão

constant resistance of the population to submit to the smallpox vaccine even in epidemic

times. Therefore, discussing the reasons for fear or fear of vaccine, the reader is referred

to a dramatic and central issue within the social imagination of the nineteenth century.

In this sense, smallpox and its vaccines have significant elements that allow nuanced

aspects of daily life that society. Also identifies a number of administrative and

structural problems that hindered implementation of a system of cohesive and efficient

vaccination in the Province of Maranhão.

Keywords: smallpox, vaccination, hygiene, medical discourse.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Total de vítimas pela febre amarela em 1851 ..................................................... 102

Quadro 02: Balanço de óbitos da cidade de São Luís entre outubro de 1854 a março de

1855 ....................................................................................................................................... 119

Quadro 03: Proporção de vítimas ocasionadas pela varíola entre agosto de 1854 e abril

de 1855 .................................................................................................................................. 120

Quadro 04: Comparativo dos estragos das epidemias de 1854-1855 e 1864-1865-1866 ..... 132

Quadro 05: Estatística da mortalidade variólica na capital do Maranhão, 1875 ................... 139

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LISTA DE MAPAS

Mapa 01: Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão em 08 de junho de

1820 até 15 de abril de 1826 .................................................................................................. 147

Mapa 02: Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1838 a 1841 ....... 151

Mapa 03: Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1854 a 1855 ....... 166

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Varíola benigna ou discreta.................................................................................. 28

Figura 02: Varíola confluente ou grave ................................................................................. 28

Figura 03: Pústulas variólicas em processo de secamento .................................................... 29

Figura 04: Pústulas variólicas em processo de secamento .................................................... 29

Figura 05: Crostas remanescentes nas palmas das mãos e dos pés ....................................... 29

Figura 06: Crostas remanescentes nas palmas das mãos e dos pés ....................................... 29

Figura 07: Sequelas da varíola .............................................................................................. 30

Figura 08: Método de variolação praticado na China............................................................ 45

Figura 09: The cow-pockor thew onderful effects of the new inoculation. James Gilray

(1802) .................................................................................................................................... 159

Figura 10: Gravuras publicadas por George Kikland em 1806 ............................................. 175

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LISTA DE SIGLAS

APEM - Arquivo Público do Estado do Maranhão

FAPEMA - Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Maranhão

NM - Nanômetro

Kbp - Quilobase (em algumas obras kilobase) é a unidade de medida em biologia

molecular significando 1000 pares de bases de DNA ou RNA.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 12

2. UMA PÁGINA NA HISTÓRIA PARA A VARÍOLA E SUAS VACINAS ................... 17

2.1. Notas sobre a história da varíola..................................................................................... 17

2.2. Etiologia da varíola ......................................................................................................... 25

2.3. Considerações sobre a varíola e suas vacinas ................................................................. 36

2.4. Da vacina para a imunidade ........................................................................................... 47

2.5. Contágio, infecção e miasmas ........................................................................................ 52

3. A LEGISLAÇÃO SANITÁRIA NA PROVÍNCIA DO MARANHÃO ........................... 65

3.1. Da inspetoria da saúde pública: regulamentação e normas do Conselho de Saúde

Pública da Província do Maranhão e da Junta Central de Hygiene Pública .......................... 65

3.2. Da inspetoria de saúde do porto: regulamentação e a normatização do porto de São

Luís ........................................................................................................................................ 76

3.3. Da política de isolamento: o hospital dos lázaros, o lazareto da Ponta d’ Areia e o

hospital dos bexiguentos ........................................................................................................ 84

3.4. Da Repartição da Vacina na Província do Maranhão ..................................................... 93

3.5. A febre amarela e a cólera morbus na reconfiguração da política sanitária da

Província do Maranhão .......................................................................................................... 100

4. A CIDADE E A MORTE: ESTATÍSTICAS MÉDICAS SOBRE A

MORTALIDADE VARÍOLICA EM SÃO LUÍS NA SEGUNDA METADE DO

SÉCULO XIX ....................................................................................................................... 107

4.1. 1854 – 1855 a varíola reina em São Luís ....................................................................... 107

4.2. 1864-1865-1866 novamente a varíola reina em São Luís .............................................. 126

4.3. Varíola: um caso endêmico em São Luís ....................................................................... 136

4.4. O tráfico de escravos e as condições insalubres dos portos como vetores para as

ocorrências das epidemias intertropicais ............................................................................... 141

5. A VACINA É A DOENÇA? VACINA E VACINOPHÓBICOS ..................................... 146

5.1. Os primórdios da vacinação sistemática no Maranhão .................................................. 146

5.2. A vacinação em São Luís em tempos epidêmicos .......................................................... 154

5.3. Dos gargalos da vacinação aos vacinofóbicos ................................................................ 173

5.4. Remédios contra a varíola em tempos epidêmicos ......................................................... 188

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 205

Referencias ............................................................................................................................ 207

Anexos ................................................................................................................................... 225

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“Aceita o conselho dos outros, mas nunca

desistas da tua própria opinião”.

William Shakespeare.

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1. INTRODUÇÃO

Descrever o caminho desta pesquisa significa antes de tudo apresentar as

escolhas feitas durante minha trajetória acadêmica no curso de Graduação em História

pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. O fascínio em trabalhar com o

discurso médico no século XIX me impulsionou a concluir minha monografia “Os

doutores não sabem? Armas e armadilhas do discurso médico no Brasil do século XIX”

em 2011, neste trabalho analisei a penetração do discurso médico-higienista dentro da

sociedade brasileira durante o século XIX.

O anseio em dar continuidade a essa pesquisa me levou a considerar viável o

desenvolvimento de um projeto de pesquisa voltado ao Programa de Pós-Graduação em

História Social da Universidade Federal do Maranhão que justificase uma interpretação

crítica sobre a recusa da vacina antivariólica no Maranhão durante o século XIX. A

princípio minha intenção era privilegiar ao máximo o debate sobre a distribuição e

aplicação da vacina antivariólica na Província do Maranhão na segunda metade do

século XIX.

Entretanto, ao longo das pesquisas tal perspectiva mostrou-se cada vez mais

desafiadora, pois mesmo que a Repartição da Vacina do Maranhão levasse os

progressos da vacina a várias partes da Província do Maranhão, a varíola sempre

reaparecia em caráter epidêmico e mortífero. Sequencialmente esse problema é

registrado nas seguintes datas 1854-1855, 1864-1865-1866, 1874-1875-1876 e 1882-

1883.

A busca pela problematização de novas fontes de pesquisa juntamente com as

orientações da professora Antonia da Silva Mota impulsionou novos arranjos para este

trabalho. Em primeiro lugar, percebemos que não iríamos historicizar de maneira

precisa à epidemia variólica ocorrida em 1882-18831. Por isso sentimos a necessidade

de restringir a pesquisa somente aos anos de 1854 a 1876. Este novo horizonte tem um

peso significativo em nossas pretensões, isto porque de fato nossa vontade inicial era de

1 Ao que tudo indica entre as quatro epidemias variólicas vivenciadas em São Luís durante a segunda

metade do século XIX, a ocorrida entre os anos de1882-1883 provavelmente foi a mais devastadora. No

entanto, existe uma carência sobre o índice real ou próximo das vítimas feitas pela varíola nesses anos. O

que podemos extrair de veridico sobre a varíola em 1882 e 1883, é que o discurso médico e as atitudes de

caridade e doações aos variolosos foram muito mais frequentes do que as percebidas durante as epidemias

variólicas anteriores. De acordo com Jeronimo Viveiros o jornal O Paiz de 1883 descreve essa epidemia

variólica como “peste de horrorosas proporções”. Cf. VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio

no Maranhão (1612-1895). V. 2. São Luís: Coleção Academia Maranhense de Letras, 1992, p. 359.

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realizar uma análise comparativa entre o quadro de obituários e da vacinação ocorrentes

durante as quatro epidemias variólicas citadas acima. Em segundo lugar, sentimos a

necessidade de restringir os dados da pesquisa somente à cidade de São Luís, tendo em

vista que neste momento dar conta das informações sobre o estado sanitário de toda a

Província do Maranhão seria inviável para o resultado final do trabalho.

Com este novo cenário, nossa caminhada tornou-se menos tortuosa e mais

enriquecedora em relação às fontes utilizadas nesta dissertação, pois, verificamos a

existência de um verdadeiro contraponto entre as autoridades de saúde do Império e as

autoridades de saúde da Província do Maranhão. Os códices e ofícios relativos à saúde

pública da Província do Maranhão, por exemplo, sugerem que entre os anos de 1854 a

1876 havia uma verdadeira falta de consentimento sobre as leis, decretos e

normalizações de medidas higiênicas e profiláticas no combate aos surtos epidêmicos. A

administração local era grotescamente vacilante em seu comportamento e empenho no

combate as doenças perniciosas ao homem.

Sendo a varíola um dos nossos objetos centrais de reflexão, partimos do

princípio que sua história foi construída pelo homem, neste sentido um dos nossos

objetivos será o desenvolvimento de uma análise interpretativa sobre as estratégias de

cura em relação à varíola. Nesta perspectiva de análise iremos verificar não apenas a

ação do discurso médico higienista2 em São Luís, mas também o modo de como

médicos e autoridades maranhenses adotaram medidas higiênicas e profiláticas visando

maior controle sobre as doenças e os espaços considerados como “insalubres”.

É importante destacar que a motivação primordial para as medidas higiênicas

era o controle sobre o corpo, tornando este dócil e mensurável. Neste enredo, a vacina

antivariólica acenava como a possibilidade real de ser o elemento positivo do conjunto

das inovações médicas científicas que ocorreram durante os séculos XVIII e XIX, não

apenas no controle e diminuição das moléstias perniciosas ao homem, mas no próprio

controle sobre o corpo.

2 Em meados do século XIX surge no Brasil o discurso médico higienista, suas propostas residiam na

defesa salvacionista da nação e na preocupação com a higiene, e sua transformação em um conjunto de

normas e leis particulares e coletivas com objetivo de conter doenças e de melhorar a vida em sociedade.

Segundo Lilia Schrwarcz foi a partir de 1870 que os médicos emergiram no Brasil como uma nova elite

intelectual em defesa da vida e da ordem pública do país. Cf. SCHRWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo

das raças: cientistas. Instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das

Letras, 1995, p. 28; Entretanto, autores como Gilberto Hochman e Nízia Lima consideram que o discurso

médico higienista surgiu no Brasil de fato entre 1910 e 1920 com as primeiras campanhas nacionais de

salubridade pública. Cf. HOCHMAN, Gilberto & LIMA, Nízia. Condenado pela raça, absolvido pela

medicina: o Brasil descoberto pelo Movimento Sanitarista da Primeira república. In: Raça, ciência e

sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.

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Sendo assim, a vacina antes de ser um preservativo para a vida era um atestado

do poder legítimo dos médicos e da medicina oficial sobre a sociedade3. Dessa forma a

prática da medicina oficial constituía-se como uma verdadeira arena de disputas pelo

discurso legítimo, interpolando os médicos em um misto de intelectual e missionário no

domínio das mentes e corpos hígidos.

Por isso temos como proposta central discutir os argumentos positivos e

negativos em relação à vacina contra a varíola, analisando, sobretudo falas e discursos

de médicos e autoridades da saúde contemporâneas à questão4. Entender este problema

no período que se estende aos anos 1854 a 1876 torna-se mais desafiador, pois como já

foi dito, neste intervalo a capital da Província do Maranhão fora assolada

sequencialmente por três epidemias variólicas. Esta pesquisa também tem por objetivo

abordar o impacto mortuário causado pelo ciclo das epidemias variólicas vivenciadas

em São Luís5, pois tendo em vista que mesmo a varíola sendo uma moléstia de natureza

peculiar, por dar imunidade ao indivíduo após sua primeira infecção, ainda assim a

mesma foi uma das moléstias que mais ceifou vidas em São Luís na segunda metade do

século XIX. Para constatar tal suspeita, iremos analisar os registros anuais de óbitos da

cidade de São Luís. Visamos também abranger as condições de higiene e salubridade

pública durante o período citado, demonstrando a inter-relação das atitudes

governamentais frente aos problemas de ordem higiênicos e sanitários enfrentados pela

população de São Luís.

Para o alcance de tais fins, optamos por dividir o trabalho em quatro capítulos.

No primeiro capítulo “Uma página na história para a varíola e suas vacinas”,

realizamos apontamentos sobre a história da varíola e suas vacinas, descrevendo os

3 Segundo Eliézer Cardoso a vacina antivariólica era uma prática médica inovadora em relação à

medicina popular e às práticas médicas pré-pasteurianas. Segundo o mesmo antes do século XIX, a

medicina oficial preocupava-se mais em expulsar humores do corpo do que colocar nele substâncias

estranhas, com o advento da vacina antivariólica o método da técnica da escarificação foi sendo

aperfeiçoado ao longo do tempo. Cf. OLIVEIRA, Eliézer Cardoso de. A epidemia de varíola e o medo da

vacina em Goiás. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2003, p.

955. 4 Segundo Eliézer Cardosoo poder curativo da vacina antivariólica não era a mesmo desde os anos 1830.

Cf. OLIVEIRA, Eliézer Cardoso de. A epidemia de varíola e o medo da vacina em Goiás. História,

Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2003, p. 954; Anny Jackeline Torres

Silveira e Rita de Cássia Marques sugerem uma resistência popular contra a vacina. Cf. SILVEIRA, Anny

Jackeline Torres; MARQUES, Rita de Cássia. Sobre a varíola e as práticas da vacinação em Minas

Gerais (Brasil) no século XIX. Ciência & Saúde Coletiva, 16(2), 2011, p. 393. 5 De acordo com Georges Duby durante a Idade Média a população européia foi reduzida pelo menos em

um terço em virtude da peste, o que livrou segundo o autor a Europa de um substancial aumento de sua

população. Cf. DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000 na pista de nossos medos. São Paulo: Editora

UNESP, 1999, p. 89.

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diferentes tipos de virulência da varíola e suas ocorrências, bem como a identificação

desta como doença de caráter infecto-contagionista. Neste capítulo, também apontamos

que a vacina antivariólica a ser analisada e discutida ao longo do texto, será a “vacina

jenneriana ou humanizada”.

No segundo capítulo “A legislação sanitária na Província do Maranhão”,

promovemos uma discussão sobre as bases epistemológicas do discurso médico

higienista da sociedade ocidental na segunda metade do século XIX, onde a influência

da higiene era a principal característica nas reflexões e decisões médicas deste período.

Por isso refletir sobre as estratégias de convencimento, em que somente a higiene com o

auxílio da medicina cuida dos corpos e do espaço citadino, torna-se uma prerrogativa

importante e necessária para o entendimento das ideias de transmissibilidade,

adoecimento e cura nesta sociedade.

No terceiro capítulo “A cidade e a morte: estatísticas médicas sobre a

mortalidade variólica em São Luís na segunda metade do século XIX” analizamos o

impacto mortuário causado pelas epidemias de varíola em São Luís, verificando suas

trajetórias e as condições topográficas e sociais que favoreceram a proliferação da

moléstia, a ponto desta ser considerada endêmica em São Luís durante o século XIX.

No quarto capítulo “A vacina é a doença? Vacina e vacinophóbicos”

procuramos realizar um debate sobre a constituição e durabilidade da vacina, assim

como sua rejeição por grande parte da população e pelos próprios médicos e

comissários vacinadores. A suspeita de que o método utilizado na inoculação da vacina

antivariólica poderia facilitar a transmissão da sífilis ou “avacalhar” os vacinados,

produzia colorações cinzentas a respeito de sua eficácia. Neste capítulo, também iremos

realizar apontamentos sobre outras possibilidades de tratamento e cura da varíola em

épocas epidêmicas que não fosse à vacina.

Quanto à documentação consultada6, esta é extensa e diversificada, o que acaba

por ter um peso positivo no resultado final do trabalho. Foram consultados ofícios,

relatórios e, sobretudo mapas de vacinação de autoridades da saúde pública ligadas à

Secretária de Governo da Província do Maranhão com vistas a se obter informações

sobre as condições de saúde e salubridade urbana da cidade de São Luís na segunda

metade do século XIX. A documentação citada também fornece dados que contribuem

para um estudo do comportamento social da população em relação à vacina.

6 Em relação à documentação consultatda optamos por manter a escrita original de algumas fontes e

referencias.

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Infelizmente alguns mapas de vacinação e relatórios sobre a vacina encontram-

se completamente corroídos e danificados pela ação do tempo. Mas a ausência de alguns

dados não compromete de forma alguma a eficácia da pesquisa e a familiaridade com as

questões. Para isso, utilizaremos os relatórios provinciais como alternativa de viabilizar

projeções e cruzamentos entre hipóteses políticas e sociais da época. O uso desse tipo de

documentação tem outra vantagem, como iremos tratar especificamente de informações

sobre a vacinação e salubridade, é perfeitamente cabível o uso de cálculos percentuais

como auxílio no levantamento final dos dados.

A legislação provincial do Maranhão não poderia ficar de fora nesta análise,

decretos e regulamentos da Província constituem um excelente acervo sobre os atos

obrigatórios impostos tanto à sociedade quanto para as autoridades públicas

competentes, determinando quais as regras a seguir dentro da sociedade de forma a não

perturbar o bem-estar público. Os Códigos de Postura de 1842 e 1866 são outra fonte de

pesquisa imprescindível para este trabalho, os mesmos compõem um valiosíssimo

mecanismo institucional para o entendimento do controle social por meio da higiene.

Jornais e periódicos médicos do século XIX também serão usados em nossa

análise metodológica. Por meio deles podemos contemplar a sequência dos fatos e as

atitudes tomados pelas autoridades de saúde frente aos problemas oriundos das

epidemias variólicas. Faremos uso de notícias e artigos científicos sobre a varíola e suas

vacinas. Destaco em especial a coletânea de 22 artigos científicos do Dr. Pedro Franco

Affonso publicados pelo jornal O Paiz em 1887. Nestes artigos o Dr. Pedro Franco

Affonso expõe questões fundamentais sobre a varíola, a origem das vacinas contra a

varíola, assim como seus progressos e degeneração.

Sobre a estrutura do texto, esta se fez por pura investigação empírica, estratégia

que tem suas vantagens e desvantagens. A vantagem é que o leitor poderá acompanhar

simultaneamente o processo de descoberta do tema, seus problemas e suas soluções. A

desvantagem consiste na sensação frequente de incompletude de algumas lacunas

existentes no texto em decorrência do estilo narrativo ancorado na fragmentação das

fontes.

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2. UMA PÁGINA NA HISTÓRIA PARA A VARÍOLA E SUAS VACINAS

2.1 Notas sobre a história da varíola

Segundo os registros históricos as primeiras vítimas humanas pela varíola

provavelmente viveram nas áreas de concentração agrícola na Ásia ou na África, há

aproximadamente 10.000 anos a.C. Após este episódio a varíola espalhou-se pelo

mundo sempre acompanhando o ritmo das migrações humanas7. O historiador

americano William McNeill destaca que em 500 a.C. os patógenos virais começaram a

ter influencia no crescimento das populações da Ásia e da Europa. Os microparasitários

da difteria, influenza, caxumba e da varíola começaram a ser transmitidas rapidamente

entre os humanos, sem necessidade de hospedeiros intermediários.8

Estudos indicam que as marcas na face mumificada do faraó egípcio Ramsés V

(1160 a.C.) da décima oitava dinastia egípcia são consequência da varíola, quanto ao

registro do primeiro surto epidêmico variólico provavelmente este aconteceu no ano de

1700 a.C. na China, com o nome de “tai-tu”.9

Tucídides descreve a ocorrência da varíola em Atenas por volta de 430 a.C.,

Diodorus Siculus descreve uma doença similar atacando o exército cartaginês no cerco a

Siracusa em 396 a.C. No ano 312 de nossa era, a varíola foi registrada em caráter

epidêmico na cidade de Roma. Historiadores e epidemiologistas parecem concordar

que, ao fim do século VI, a varíola tenha se tornada epidêmica na Arábia, espalhando-se

pelo mediterrâneo indo até a Europa, as epidemias relatadas na Itália e França, em 570,

por Marius, bispo de Avenches, e por Gregório de Tours em 581, ratificam esta

hipótese. A partir do ano de 675, ela é registrada na Irlanda e, posteriormente, na

Espanha, onde a introdução da doença é atribuída aos invasores sarracenos.10

7 LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente

do bioterrorismo. In. Revista da Associação Medica Brasileira, 2002; 48(4), p. 357. 8 No início das primeiras áreas de concentração agrícola na Ásia e na África os humanos compartilharam

algo em torno de 65 doenças infectocontagionistas com cachorros, 50 com os bovinos, 46 com ovelhas e

cabras, 42 com porcos, 35 com cavalos e 26 com aves domésticas. Esses animais se juntaram aos

humanos na disseminação das doenças. Cf. McNeill WH. Plagues and peoples. New York: Anchor

Books, 1971, p. 12. 9 LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente

do bioterrorismo. In. Revista da Associação Medica Brasileira, 2002; 48(4), p. 357. 10

Id. Ibid., p. 357.

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18

De acordo com Carlos Guido Levi e Georges Kallás o bispo Marius foi quem

citou a palavra varíola, possivelmente derivada do latim varius (moteado, salpicado) ou

varus (granilho), ou simplesmente pintado, pontilhado11

. O tratado de “Razes Abu Barrk

El Razi” do início do século X foi o primeiro a caracterizar os aspectos clínicos e a

evolução da doença de maneira empírica12

. Na Inglaterra o termo poc ou pocca

descrevia a varíola. Daí por diante o termo pockes foi utilizado para designar a

incidência da moléstia. O prefixo small foi adicionado no final do século XV para

diferenciar a varíola da sífilis, que era denominada na época como greatpox. Na França,

a varíola foi chamada de petite vérole, e na Alemanha de pocken.13

Durante o século XVII a varíola começou a ser reconhecida puramente como

doença de caráter epidêmico, a Inglaterra foi à primeira nação a admitir por meio de

boletins de mortalidade impressos em Londres que a enfermidade era distinta, com certa

regularidade nos registros de obituário médico, e com crescente gravidade. Estima-se

que na Europa durante o século XVIII morreram por varíola mais de 60 milhões de

pessoas, somente em Paris no ano de 1707 morreram 14 mil pessoas sobre sua

influencia.14

De acordo com as estatísticas apresentadas por Wilhelm Von Drigalski entre

1707-1709 a Irlanda sofreu sucessíveis ataques epidêmicos da varíola, nessa mesma

época, Roma também sentiu os efeitos nefastos da varíola. Em 1796 houve um terrível

surto mortífero da moléstia na Rússia e entre 1790-1800 foi a vez da Alemanha sofrer

com a incursão constante da varíola.15

A varíola também foi recorrente em toda a França durante a Guerra Franco-

Prussiana em 1870. Entre 1893 e 1897, um ciclo de epidemias variólicas custou à soma

de mais de 275 mil vidas na Rússia. Em 1900 nos Estados Unidos, a varíola teve que ser

encarada como doença de caráter epidêmico com ocorrência de 700.000 casos, em 1919

e 1920 a varíola foi reinante na Itália e Portugal. E ainda no século XX, apareceram

muitos casos na União Soviética, 102 mil casos em 1919, 57.590 casos em 1920, 71.605

11

Id. Ibid. 12

NUTTON, Vivian. Ascenção da Medicina. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio

de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p.60. 13

LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente

do bioterrorismo. In. Revista da Associação Medica Brasileira, 2002; 48(4), p.357. 14

BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume II:

Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, 1956, p. 243. 15

DRIGALSKI, Wilhelm Von. O homem contra os micróbios. Belo Horizonte: Itatiaia, 1959, p. 22.

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19

casos em 1921 e 25.047 casos em 192216

. Também em 1920 a varíola era considerada

endêmica na África, Ásia (Índia, Paquistão e, sobretudo Burma e Indochina), América

(México, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru, Paraguai e Brasil).17

Historiadores apontam que a varíola foi fundamental no processo de conquista

das Américas, tendo em vista que a mesma ainda não era conhecida no continente antes

da chegada dos europeus, quando apareceu, provocou devastadoras epidemias,

chegando a exterminar por completo tribos inteiras. Crosby sugere que a varíola teria

cruzado o Atlântico no final de 1518 ou no início de 1519, e durante os quatro séculos

seguintes desempenhou um papel tão essencial quanto à pólvora no avanço do

imperialismo ultramarino18

. Na opinião de Jeanette Farrel o isolamento do continente

teria contribuído para a ausência de imunidade dos nativos em relação à varíola,

explicando assim sua rápida expansão e a alta taxa de mortalidade.19

Segundo Junior Toledo provavelmente a varíola foi introduzida nas Américas

em 1507, quando ocorreram os primeiros casos na ilha de Hispaniola, a partir desse

caso, a moléstia se alastrou por todo o território, ceifando mais da metade da população

indígena de todo o arquipélago20

. O exército liderado por Hernán Cortez teria

reintroduzido a varíola na América logo no início da conquista espanhola em 1520.

Toledo explica que na América, a varíola foi uma das piores heranças dos

colonizadores, estima-se que mais de três milhões de nativos morreram da doença, o

que certamente facilitou a conquista dos espanhóis.21

De acordo com Cristina Brandt Gurgel e Camila Pereira da Rosa há

controvérsias sobre os dados estatísticos oficiais ocasionados em decorrência da varíola

no período da conquista da América. Segundo as mesmas, diferentes estudos defendem

uma redução de 25% até fastigiosos 96% no número de habitantes indígenas na

América Central entre 1492 a 165022

23

. Luís Felipe Alencastro explorou esta questão

16

BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume II:

Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 244. 17

Id. Ibid., p. 244. 18

CROSBY AW. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa (900-1900). São Paulo:

Companhia das Letras,2000, p. 192. 19

FARREL, Jeanette. A assustadora história das pestes e epidemias. São Paulo: Ediouro, 2003, p. 48. 20

TOLEDO JR., Antônio Carlos de. Varíola: a morte da grande assassina. In: TOLEDO JR., Antônio

Carlos de. (org.). Pragas e epidemias: histórias de doenças infecciosas. Belo Horizonte: Folium, 2006, p.

22. 21

Id. Ibid., p. 22. 22

GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina:

A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012,

p. 390.

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20

em torno das conexões entre as margens do Atlântico e do fortalecimento de regiões

localizadas ao sul da América Portuguesa, reservando espaço importante para o estudo

da mortalidade e das doenças nas margens do atlântico. Uma das variantes utilizadas

pelo autor é a existência de uma “unificação microbiana do mundo”.24

De verdade, a vulnerabilidade dos índios ao choque epidemiológico

resultante da união microbiana do mundo completada pelos descobrimentos

constituiu um fator restritivo à extensão do cativeiro indígena e,

inversamente, facilitou o incremento da escravidão negra.25

Contudo é errôneo responsabilizar apenas a varíola pelo tenebroso quadro de

redução da população nativa das Américas. Sem dúvida alguma ela exerceu um papel

importante, colaborando com sucessivas tragédias epidêmicas em todo o continente

americano. Entretanto, é sabido, que a frequência epidêmica das febres perniciosas, do

escorbuto, da cólera morbus, da febre amarela e até mesmo da fome também

contribuíram para este cenário desolador.

Em 1640, a varíola penetrou na América do Norte, durante esse período os

índios de Massachusetts e de Narragansett, que somavam cerca de 40 mil em 1633,

sofreram grande redução em virtude da presença da varíola. O México foi um dos países

da América Central que mais sofreu com ataques mortíferos da varíola. As principais

epidemias aconteceram nos anos de 1763, 1779 e 1797, sendo que em 1802 toda a

América Central sofreu com violentos ataques da moléstia.26

As epidemias variólicas mais mortíferas que atingiram as Américas em seu

período colonial foram às observadas na parte sul do continente, pelo fato de ali se

concentrar a maior população indígena da época. A varíola penetrou na parte sul da

América por volta do ano de 1588, no Peru as epidemias que assolaram os anos de 1720

23

William McNeill correlaciona a incidência das doenças à história política e cultural de populações

específicas, demostrando que a circulação de determinadas doenças como a varíola afetaram as relações

humanas. Este autor destaca, sobretudo, o papel das doenças infecciosas (cólera, febre amarela, peste,

sífilis e varíola) sobre os processos de natureza histórica. Em seu entendimento, as doenças infecciosas

seriam um dos parâmetros fundamentais e determinantes da história da humanidade. Como exemplo, ele

aponta que a história da conquista da América seria incompreensível sem a percepção do papel que as

epidemias de varíola sempre estiveram por dizimar as populações nativas e propiciando a vitória dos

espanhóis. Cf. McNeill WH. Plagues and peoples. New York: Anchor Books, 1971, p. 13. 24

A época das grandes navegações e consequentemente o descobrimento do novo mundo fomentou a

proliferação patogênica das doenças infectocontagiosas em todo o globo. Cf. ALENCASTRO, L.F. O

trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.133. 25

ALENCASTRO, L.F. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 133. 26

BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 244.

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21

e 1729 são consideradas as mais arrasadoras, supõe-se uma mortalidade de 30% a 50%

entre os nativos dos Andes somente nos primeiros meses após o contágio.27

Em relação ao Brasil, provavelmente a varíola chegou em 1555, introduzida

pelos calvinistas franceses que haviam ali fundado um pequeno núcleo populacional no

Rio de Janeiro28

. Em 1561, a doença teria chegado à Bahia através de uma nau que

trazia bexiguentos a bordo, dois anos mais tarde em 1563 ocorreu o primeiro surto

variólico de grande escala. Este surto surgiu por uma ocasião inesperada, isto porque

um surto variólico iniciado em Portugal em 1562 teve repercussões trágicas atingindo a

costa brasileira. O primeiro local atingido foi a ilha de Itaparica na Bahia, em menos de

um ano, a doença foi reintroduzida em Ilhéus. Dali se espalhou por toda a costa

brasileira propagando-se para as capitanias de Pernambuco e de Piratininga, em especial

nos aldeamentos e missões fundadas pelos jesuítas, fazendo grandes estragos em 156429

.

Calcula-se que entre 1563 a 1564 esse surto epidêmico tenha vitimado cerca de 30.000

índios.30

Em 1597, novamente a varíola fez enormes estragos entre a população indígena

da Bahia. Em 1617, a varíola apareceu em Olinda, em 1641 novamente na Bahia,

também em 1641 o Rio de Janeiro conhece as primeiras notícias de que a varíola teria

originando-se pela importação de escravos do quilombo dos Corvos, lugar de

importação de escravos da África para a costa brasileira, a partir desse ocorrido a

varíola passa a ser associada ao tráfico de escravos31

. Em 1666 a varíola se fez presente

em Salvador, e no ano de 1695 a varíola foi epidêmica no Rio Grande do Sul.32

O século XVII testemunharia outros desastrosos surtos variólicos em diversas

partes do Brasil, como os de 1621, 1631, 1642, 1662-1663, 1665-1666 e 1680-1684,

todos iniciados nas capitanias ao norte, então principal pólo econômico do país33

. A

varíola teria sido ainda objeto do primeiro livro escrito sobre a medicina no país, “O

27

Id. Ibid., p. 244. 28

GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina:

A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012,

pp. 390-391. 29

Na época este surto epidêmico ficou conhecido como o açoite do Senhor, nome dado à epidemia

segundo os relatos do padre Leonardo do Valle. Cf. GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA,

Camila Andrade Pereira da. História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In.

Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, pp. 387-399. 30

GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da Medicina:

A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012,

p. 392. 31

Id. Ibid., p. 393. 32

Id. Ibid. 33

Id. Ibid., p. 394.

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22

Tratado Único das Bexigas e Sarampo”, de Simão Pinheiro Mourão, publicado em

Lisboa em 168334

. Para Stefan Ujvari nos tempos coloniais a varíola foi utilizada com

propósitos de conquista e expansão pelos portugueses, segundo este autor tribos

indígenas de origem goitacá, foram quase que varridas do mapa por repetidos surtos

variólicos:

Os goitacás moravam em palafitas nas áreas pantanosas da região dos rios

Paraíba do Sul e Itabapoana. Extremamente violentos, constituíam tribos

difíceis de ser combatidas e permaneceram na região do campo de Goitacás

por muitos anos. Até o dia em que os portugueses descobriram um meio de

vencer os 12 mil índios resistentes usando a varíola como arma

bacteriológica. No final do século XVIII, esses nativos foram dizimados por

uma epidemia da doença espalhada entre eles de maneira proposital pelos

portugueses.35

Von Martius descreve que a varíola sempre se apresentou em caráter

devastador entre os índios das terras brasílicas. Para ele a varíola era completamente

desconhecida pelos gentios antes do povoamento português tendo por isso se alastrado

com grande virulência e pestilência entre as sociedades indígenas de todo o Brasil, não

discriminando sexo e idade. Valendo-se disso, os colonizadores portugueses utilizaram-

se das bexigas36

como uma verdadeira “arma bacteriológica” para a conquista do

território.37

Narrativas semelhantes, também podem ser verificadas no Maranhão. De

acordo com Mércio Pereira Gomes em 1815 os índios Canelas Finas que habitavam

regiões próximas a Caxias foram atacados por um surto variólico, a origem do surto

seria a manipulação de brindes e roupas contaminadas por varíola e distribuídas aos

nativos da região38

. Jairo Nascimento da Silva aponta que as bexigas eram

popularmente conhecidas entre os índios do Pará pelo termo “mereba-ayba”39

, sendo

muitas vezes utilizadas para fins nefastos. Para Mário Martins Meireles entre as

moléstias infecto-contagionistas foi à varíola que mais ceifou vidas nesse período no

34

FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2.São Paulo: Hucitec/EDUSP,

1991, pp. 157-158. 35

UJVARI, Stefan Cunha. A história e suas epidemias: a convivência do homem com os micro-

organismos. 2 ed. Rio de Janeiro: Senac, 2003, p. 107. 36

Durante os séculos XVII, XVIII e XIX a varíola era conhecida populamente como doença das

“bexigas”, em algumas situações a expressão “mal da bicha” também era utilizada para designar a

varíola. 37

MARTIUS, Von. Natureza, Doenças, Medicina e Remédios dos Índios Brasileiros (1844). In.

MARTIUS, C. F. & SPIX, J.B. Viagem pelo Brasil. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1861. 38

GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 34. 39

SILVA, Jairo de Jesus Nascimento da. Da Mereba-ayba à Varíola: isolamento, vacina e intolerância

popular em Belém do Pará, 1884-1904. 148f. Dissertação (Mestrado em História)-Universidade Federal

do Pará, 2009, p. 14.

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23

Maranhão40

. Raimundo Palhano enfatiza que a varíola foi uma das doenças mais

mortíferas da história do Maranhão Colonial41

. Infelizmente os registros primários e

literários que relatam a densidade real do impacto demográfico causado pelas epidemias

variólicas no Maranhão no período Colonial são escassos, o que se supõe, é que as

epidemias variólicas dos tempos coloniais causaram estragos principalmente entre os

índios da região.

Sequencialmente a varíola é registrada no Maranhão nos anos de 1621, 1661,

1662, 1695, 1703, 1724, 1725, 1730, 1776, 1784, 1785, 1787, 1788, 1799, 1805, 1813,

1820, 1821, 1837, 1838, 1854, 1855, 1864,1865, 1874, 1875, 1876, 1883 e 188442

43

.

Teodorico Constantino Chermont em suas Memórias dos mais terríveis contágios de

bexiga e sarampo deste Estado, aponta que nada mais nada menos houve uma sucessão

de pelo menos dez aparições do “mal da bicha” no Maranhão entre 1724 a 1776.44

O Dr. Manuel Rodrigues de Oliveira (primeiro cirurgião-mor da Capitania do

Maranhão) escrevera na Folha Medicinal do Maranhão45

de 1822 que a varíola tem

40

MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. São Paulo: Siliciano, 2001, p. 196. 41

PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira

República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 147. 42

As datas referentes aos surtos variólicos de 1621, 1662, 1695, 1703, 1724, 1730, 1776, 1785, 1787,

1799 e 1813 ocorridos no Maranhão foram obtidas junto às informações fornecidas por MEIRELES,

Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 201-236; os surtos variólicos de 1661,

1724 e 1725 foram obtidos junto as informações fornecidas por CHAMBOULEYRON, Rafael et al.

‘Formidável contágio’: epidemias, trabalho e recrutamento na Amazônia colonial (1660-1750). História,

Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.4, out-dez. 2011, p. 987-1004; os surtos variólicos

de 1838, 1855 e 1884 foram obtidos junto as informações fornecidas por MARQUES, César Augusto.

Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p.

486; os surtos variólicos de 1805, 1820 e 1821 foram obtidos junto a PALHANO, Raimundo N. A

produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira República: a realidade

loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 146; os surtos variólicos de 1784, 1788, 1837, 1854, 1855, 1864,

1865, 1874, 1875, 1876, 1883 foram obtidos junto aos resultados provenientes desta pesquisa. 43

Nos anos de 1743, 1744, 1747, 1748 a varíola reinou no Pará em caráter epidêmico, no entanto, até o

momento não existem fortes evidencias de que a mesma reinou no Maranhão em caráter epidêmico nestes

respectivos anos. Cf. CHAMBOULEYRON, Rafael et al. ‘Formidável contágio’: epidemias, trabalho e

recrutamento na Amazônia colonial (1660-1750). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de

Janeiro, v.18, n.4, out-dez. 2011, pp. 987-1004; Segundo César Marques a varíola também reinou em

caráter epidêmico em São Luís nos anos de 1867, 1868, 1870, 1871. Cf. MARQUES, César Augusto.

Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p.

486. No entanto, de acordo com as pesquisas realizadas para este trabalho, nestes respectivos anos a

varíola não se fez presente em caráter epidêmico ou em sua forma maior “varíola confluente”, apenas há

indícios de casos pontuais de varicela, sem citação de epidemia. 44

MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 212. 45

Segundo Joffre Marcondes de Rezende a Folha Medicinal do Maranhão foi o primeiro periódico

médico do Brasil editado em São Luís. O primeiro número data de 11 de março de 1822, cinco meses

após a chegada da primeira tipografia ao Maranhão que fora importada diretamente da Inglaterra pelo

governador da província, Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca. Neste número, o Dr. Oliveira anunciava

o seu propósito de “definir e descrever cada uma das principais moléstias desta província, que mais a

afligiam e a despovoavam e indicar os métodos curativos”. A Folha Medicinal do Maranhão teve

duração efêmera. Foram publicados ao todo catorze números, o último dos quais em 10 de junho de 1822,

sem que se cumprisse o ambicioso projeto de seu fundador. Foi a mesma acerbamente criticada pelo

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24

sido a moléstia mais recorrente no Maranhão desde os tempos coloniais46

. Meireles

relata o descaso das autoridades em relação à saúde pública durante seu período

colonial. O autor relata os pedidos da Câmara de São Luís em 1719 para a Coroa

portuguesa, solicitando “pelo amor de Deus a remessa de médico, boticário e de um

cirurgião aprovado47

”. De fato não existia um serviço regular de atendimento e de

transferência de médicos no Maranhão Colonial. Entre o primeiro cirurgião da capitania

do Maranhão e o segundo, passaram-se praticamente meio século.48

Referindo-se a epidemia de varíola de 1621, que grassou sobre toda a

população de São Luís, Meireles relata o seguinte:

Inúteis os tiros de bombardas com que, do forte para o céu, se pretendia

defender a vila, purificando-lhe os ares empestados com a fumaça de muita

pólvora, os fogachos de alcatrão e as fogueiras de lenha de mangue que se

acendiam nos quintais e nos chãos vazios para afugentar os miasmas que

andavam nos ventos, os banhos de cheiro, com ervas aromáticas, com que se

procurava refrescar, nos pestosos, a crosta de lixa das peles em fogo.49

A epidemia variólica de 1621 foi tão severa que as classes mais ricas dos

habitantes da capital, se sentindo ameaçadas pela doença, prometiam construir igrejas

no intuito de apaziguar o que segundo eles seria um “surflágio da ira de Deus”.

O Capitão-Mor Diogo da Costa Machado (1619/22) teve que apelar para

maior graça divina, prometendo à Santíssima Virgem erguer, à sua própria

custa, um templo, sob sua invocação, se mais uma vez acudisse aos

maranhenses, debelando a epidemia que ameaçava dizimá-los. E, como

forma de cumprir esta promessa, foi construída, em 1677, a igreja de Nossa

Senhora da Vitória, a primeira matriz da cidade.50

Raimundo Palhano ao referir-se sobre as epidemias variólicas de 1787 e 1788

que assolaram a cidade de São Luís acaba por descobrir o mesmo comportamento.

padre José Gonçalves Ferreira da Cruz Tezinho, em uma publicação satírica intitulada Palmatória

Semanal, em virtude da pobreza de conteúdo do jornal, que pouco ou nada continha de assuntos médicos.

Por não haver cumprido com seu propósito inicial Lycurgo Santos Filho e outros historiadores da

medicina do Brasil não consideram a Folha Medicinal do Maranhão como o primeiro periódico médico

brasileiro, conferem este título simbólico ao “O Propagador das Sciencias Medicas ou Anaes de

Medicina, Cirurgia e Pharmacia; Para o Império do Brasil e Nações Estrangeiras, Seguidos de um

Boletim Especialmente Consagrado às Sciencias Naturaies, Zoologia, Botânica etc.”, jornal fundado no

Rio de Janeiro por José Francisco Xavier Sigaud em 1827. Cf. REZENDE, Joffre Marcondes de. À

sombra do plátano: crônicas de história da medicina [online]. O primeiro periódico médico do Brasil.

São Paulo: Editora Unifesp, 2009, pp. 385-387. 46

MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 220-221. 47

Id. Ibid., p. 214. 48

De acordo com Mário Martins Meireles o primeiro cirurgião de São Luís foi o Dr. Thomas de Lestre, o

segundo cirurgião de São Luís foi o Dr. Antônio Carvalho. Cf. MEIRELES, Mário Martins. Op. Cit., pp.

199-203. 49

Id. Ibid., p. 209. 50

Id. Ibid.

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25

Ao longo do período de 1787 e 1788 as epidemias de varíola se tornaram

muito frequentes. Em 1787-88, chegou tão violenta a epidemia que a Câmara

recorreu ao Governador, solicitando um médico para a Capital, oferecendo-

lhe a elevada soma de 400$000 réis por um ano de trabalho. O Governador,

vendo que o mal não se debelava, em 25 de abril de 1788, pediu à Câmara

Municipal que recorresse à misericórdia divina, através do bispo diocesano, a

quem solicitava três dias de preces e uma procissão a São Sebastião.51

O apelo a Providencia divina será perceptível em outras oportunidades em que

a varíola foi reinante em São Luís, mais especificamente nos anos de 1855, 1865 e

1883, datas em que novamente a varíola reapareceu em caráter epidêmico e para com-

batê-la, recorria-se às preces e até as promessas de construção de igrejas.

2.2 Etiologia da varíola

Entre os séculos XVIII e XIX a varíola foi considerada uma das doenças

infecto-contagiosas mais difundidas em todo o mundo. Somente no século XVIII ela

vitimou mais de 60 milhões de vidas. Antes da época da introdução da vacina

jenneriana, 95% dos expostos contraiam a doença, com letalidade de 30% (em algumas

situações sua letalidade alcançou 80% das vítimas).52

Os números ratificam que a varíola foi uma das doenças mais mortíferas na

história da humanidade. Ela geralmente ocorria na forma epidêmica, sua

transmissibilidade poderia dar-se por meio das secreções das vias respiratórias, das

mucosas do enfermo, por roupas e objetos contaminados e da própria exposição das

lesões da pele do enfermo ao ar livre53

. A varíola apenas poderia ser transmitida pelo ar

a curtas distâncias, sobretudo em ambientes fechados, sabia-se ainda que o período de

51

PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira

República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 146. 52

A mortalidade alcançada pela varíola em seus surtos epidêmicos era comparável à mortalidade

apresentada pelos surtos da cólera morbus e da peste. Estatisticamente sabe-se que a varíola foi uma das

doenças mais mortíferas do século XIX, sua ocorrência neste século dava-se principalmente em sua forma

mais aguda “varíola maior ou confluente”. Essa realidade mudou no século XX, neste século

predominou a varicela que tinha um índice de mortalidade bastante inferior aos casos de varíola aguda.

Cf. ÂNGULO, Juan. Varíola, In: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de

Janeiro: Guanabara Koogan, p. 55. 53

Ainda no século XIX estudos foram realizados em Copenhagen (Dinamarca) utilizando as listas anuais

de obituários. Entre 1749 até 1798, ou seja, um intervalo de cinquenta anos, a varíola vitimou

aproximadamente 210. 158 mil indivíduos. Entre 1802 (época da introdução da vacina jenneriana no país)

até 1819 foram 73.000 indivíduos mortos pela varíola. Cf. GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada

por uma associação de facultativos, 2° série, Volume II. A vaccinação e a revaccinação como fonte de

grandes benefícios para a humanidade. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1877, p. 270.

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26

incubação era de 7 a 16 dias, podendo existir variações de 7 a 19 dias ou de 10 a 14 dias

dependendo do grau de virulência da moléstia.54

Etimologicamente ela caracterizava-se por uma súbita febre, passando por

calafrios, cefalagia, raquialgia, e intensa prostração, que perduravam por três ou quatro

dias. Após o termino desses sintomas, ocorria uma queda da temperatura dando início às

erupções até o aparecimento das crostas variólicas que secavam e se destacavam, ao

término da terceira semana. As erupções variólicas eram generalizadas, porém sua

frequência era mais intensa na costa, peito, braço, antebraço e principalmente no rosto.55

Carlos Machado salienta que a transmissibilidade da varíola se dá

predominantemente entre a primeira semana de incubação, porém este prazo pode se

estender para as quatro primeiras semanas de infecção. De acordo com esse

pesquisador.

A transmissão da varíola dá-se por contato direto. Ao findar o período

padrâmico e ao iniciar-se o período exantemático, o vírus passa a estar

presente nas secreções das vias respiratórias superiores; a concentração do

vírus na orofaringe é máxima nos primeiros dias do período exantemático. O

agente infeccioso encontra-se também nas lesões cutâneas, inclusive nas

crostas. Além da transmissão através das gotículas de Flügge, deve também

ser considerada transmissão indireta, por intermédio de partículas veiculadas

pelo vento.56

Apesar de ser popularmente conhecida como “bexigas” nos séculos XVIII e

XIX, existiam de fato três tipos de ocorrências variólicas distintas. O primeiro deles era

a varíola clássica, também conhecida como varíola maior ou confluente e que se

constituía como doença grave com letalidade de 20% a 30%57

. O segundo tipo seria a

varíola hemorrágica, a qual era mais letal e perigosa do que a varíola confluente,

caracterizando-se pelo aparecimento de manchas púrpuras e hemorragias cutâneas,

vitimando o indivíduo em três ou quatro dias após a infecção e contágio (geralmente

antes que se manifeste a erupção típica). O terceiro tipo era a varicela também

conhecida como varíola menor ou varioloide, era entendida como a forma benigna da

54

LEVI, Guido Carlos; KALLÁS, Esper Georges. Op. Cit., p. 358. 55

Id. Ibid. 56

MACHADO, Carlos Gonçalves. Varíola. In: NETO, Vicente Amato; BALDY, José Luís da Silveira.

Doenças transmissíveis. 3. ed. São Paulo: Sarvier, 1989, p. 876. 57

Em 1970 a varíola maior ou confluente foi considerada extinta. Entre os séculos de sua maculação

sobre as populações ela chegou a computar de 10 a 15% de todas as mortes em alguns países. Cf. KIPLE,

Kenneth F. História da doença. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro:

Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 33.

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27

doença, com letalidade inferior a 1% dos casos, apresentava sintomas brandos, erupções

discretas com febres de pouca intensidade, a evolução de suas lesões era mais lenta.58

Pedro Luiz Chernovicz, autor do Dicionário de Medicina Popular59

, assim

referia-se as bexigas: “Uma erupção geral ou parcialmente de borbulhas pelo corpo que

se convertem em grandes pústulas redondas e purulentas; acabam pela dessecação e

deixam nodoas vermelhas às quais sucedem cicatrizes mais ou menos aparentes” 60

.

Chernovicz distinguia apenas duas espécies de varíolas, classificadas em benignas (ou

discretas), e graves (ou confluentes), estas ultimas eram conhecidas como “pele de lixa

e olho de polvo”, pois, deformavam o corpo da vítima por inteiro.

Na primeira espécie de pústula variólica Pedro Chernovicz as descreve como

isoladas umas das outras, na segunda espécie, as pústulas variólicas são tão numerosas e

concentradas que chegam a se confundir umas com as outras. Segundo ele a varíola

benigna ou discreta manifesta-se com calafrios seguidos de temperatura, náuseas, sede,

perda de apetite, dores de cabeça, cansaço e por vezes acompanhada de delírio.

Principia sua erupção no quarto dia, inicialmente no rosto, alastrando-se depois pelo

pescoço, peito e membros. As borbulhas que levantam na pele são avermelhadas e

dolorosas, provocando reações específicas como a dormência do rosto, inchaço das

pálpebras, pés e mãos.

Ao terceiro ou quarto dia contados do principio da erupção, sétimo ou oitavo

da data da moléstia, as pustulas do rosto começam a empallidecer a

branquear na ponta a serosidade que ellas contem torna-se purulenta fazem-se

depois amarellas e deixam sahir o pus.61

Este fenômeno ocorre com as outras partes do corpo. Somente no décimo

primeiro dia aproximadamente o rosto desincha, as pústulas secam formando crostas

que caem no décimo quarto ou décimo quinto dia. À proporção que as nódoas vão

desaparecendo, deixam em seu lugar pequenas cicatrizes, havendo também bexigas que

não deixam sinais.

58

ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim,

pp. 202-207. 59

O Dicionário de Medicina Popular de Pedro Luiz Chernovicz foi uma das obras mais lidas e difundidas

entre os médicos brasileiros durante o século XIX. Cf. GUIMARÃES, Maria Regina Cotrim. Civilizando

as artes de curar: Chernovitz e os manuais de medicina popular no império. 101f. Dissertação de

Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História das Ciências da Saúde da Casa de

Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, 2003; CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias

na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 169. 60

CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger &

F. Chernovcz, 1890, p. 325. 61

Id. Ibid., p. 326.

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28

Na varíola grave ou confluente todos os sintomas apresentam-se com maior

intensidade.

A febre persiste durante todo o curso da moléstia; as borbulhas são tão

multiplicadas e tão conchegadas que às vezes é difícil ver os interstícios; no

rosto parecem formar uma só pústula com superfície desigual. Depois da

erupção não diminue a violência dos symtomas; quasi sempre pelo contrario

a febre aumenta. As crostas quando cahem deixam cicatrizes que desfiguram

os mais bellos semblantes.62

A varíola grave ou confluente assim que aparece torna-se chata no centro

assemelhando-se a um umbigo, a pele fica áspera e enrugada com a aparência de pele de

peixe ou de uma lixa, desenvolve-se principalmente no rosto, ela sempre tem um fim

funesto, provocado pela violência da inflamação. Quando a morte não acontece, deixa

vestígios como a perda da visão, deformidade, surdez, e males desse porte. O perigo é

extremo, pois nas pústulas em vez de pus contêm serosidade ou sangue negro. Neste

caso ê conhecida como “bexiga preta, negra ou hemorrágica” 63

. Já a varíola benigna

geralmente isenta a pessoa ao delírio, disenteria e outros contratempos, a mesma tem

grande virulência que duram de 14 a 21 dias64

. As imagens seguintes ilustram diferentes

sequelas ocasionadas pela varíola nas suas diversas incidências.

Figura 01. Figura 02.

Varíola benigna ou discreta. Varíola confluente ou grave.

62

Id. Ibid. 63

Id. Ibid. 64

Id. Ibid., p. 327.

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29

Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara

Koogan, pp. 88-89.

Figura 03. Figura 04.

Pústulas variólicas em processo de secamento.

Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara

Koogan, p. 86.

Figura 05. Figura 06.

Crostas remanescentes nas palmas das mãos e dos pés.

Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara

Koogan, p. 87.

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30

Figura 07.

Sequelas da varíola.

Fonte: VERONESI, Ricardo. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara

Koogan, p. 90.

Utilizando-se da narrativa do historiador norte-americano Sander Gilman, Roy

Porter chama atenção para as representações e os aspectos de impureza que as doenças

infectocontagionistas exercem na sociedade. Segundo ele, determinadas moléstias criam

e recriam verdadeiros esquemas de repreensão social, onde o “eu”, o “nós” e os “outros”

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31

são definidos por estereótipos desqualificado o outro como perigoso65

. A este respeito

Jeanette Farrel sublinha que a história da varíola em parte é contada pela sensibilidade

de suas cicatrizes, principalmente aquelas deixadas na face humana, estigmatizando

suas vítimas.

Essa doença, em um dia, atacava um rosto de pele macia, que depois se

avermelhava de febre de origem desconhecida, durante quatro ou cinco dias,

até que as reveladoras pústulas, ou espinhas, parecidas com catapora,

começavam a surgir e, depois, inchavam, estouravam e secavam. [...] Os

felizardos que sobreviviam podiam esperar um rosto coberto de concavidades

rasas, como a superfície da lua, ou uma praia salpicada pela chuva. As

cicatrizes, indisfarçáveis, marcavam os sobreviventes, e deixavam claro que,

uma vez contraída a doença, eles agora estavam imunizados – nunca mais

seriam infectados. Pessoas do mundo inteiro, ávidas por proteção,

começaram a refletir sobre isso.66

Para Erving Goffman a maculacão de doenças da pele como a hanseníase, a

sífilis e a própria varíola supõe o afloramento do medo e das tensões entre os ditos

“normais” e, consequentemente, a exclusão e o afastamento dos indivíduos

estigmatizados por essas doenças, que deixam profundas marcas na autoestima,

proporcionando um sentimento de inferioridade em seus afetados e o “ostracismo

social”.

Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele

tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa

categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos

desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou

fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a

uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma,

especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande – algumas

vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem

– e constitui uma discrepância específica entre a identidade social virtual e a

identidade social real.67

Em artigos publicados em 03 de junho de 1922 pelos Archivos Rio-Grandenses

de Medicina os doutores Thomaz Mariante e Tudy de Godoy caracterizaram

patologicamente varíola e varicela como doenças distintas. Para eles a varicela seria o

mesmo que alastrim68

, sendo que esta era mais constante no século XX, enquanto que a

varíola clássica foi percebida com maior frequência e intensidade no século XIX.

Segundo eles em ambas os sintomas são muito parecidos, com exceção da letalidade

65

PORTER, Roy. O que é a doença? In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de

Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 91. 66

FARREL, Jeanette. A assustadora história das pestes e epidemias. São Paulo: Ediouro, 2003, p. 31. 67

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de

Janeiro: LTC, 2008, p. 12. 68

Alastrim é o tipo brando da varíola, conhecido popularmente como catapora. Cf. ARCHIVOS RIO

GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim, pp. 202-207.

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produzida por cada uma. A varíola era de extrema letalidade com procedência

epidêmica de até 30% em óbitos de seus infectantes, já o alastrim era diferente, sua

letalidade no século XIX era de apenas 1%, na virada para o século XX, este índice cai

para 0,5% de óbitos em vítimas infectadas pelo vírus.69

Toda essa diferença explica-se pelo fato da varíola ser de origem do vírus

Poxvirus officinale que pertence a sub-famíla do grupo viral Chordopoxvirinae e ao

gênero Orthopoxvirus. De acordo com Bremam e Henderson o vírus que provoca a

varíola é um dos maiores e mais resistentes já estudados, ele é completamente visível ao

microscópio medindo aproximadamente 302-350nm por 244-270nm, sua forma é

retangular com as bordas ligeiramente arredondadas, possuindo dois envelopes, um

externo (extracelular) que rodeia o núcleo do vírus e outro interno presente no vírus. No

núcleo se concentra seu genoma que tem 186 kbp, que consiste numa molécula de DNA

de cadeia dupla, com um loop70

em forma de gancho em cada ponta.71

Por outro lado o alastrim seria uma doença causada pelo vírus Milk-pox,

também chamado de Karfin-pox menos letal, outra diferença entre as doenças seria sua

fase de incubação e desenvolvimento. O alastrim caracteriza-se por ter um período de

incubação entre 16 a 19 dias, tendo por preferência as pústulas a aparecerem no tronco e

abdome e parte próximas a estes membros. A varíola por sua vez, teria um período de

incubação menor, variando entre 07 a 16 dias, sendo a regra considerada apenas de 12

dias de incubação, o surgimento de suas pústulas dava-se, sobretudo na face, pescoço e

peito. Além disso, as feridas produzidas pelo alastrim eram rapidamente cicatrizadas,

enquanto que as da varíola poderiam permanecer por toda vida.72

Henrique Aragão também expõe a diferença entre varíola e alastrim, segundo

ele a associação microbiana nas duas moléstias são completamente distintas, isto porque

no alastrim são predominantes os estafilococos, enquanto que na varíola os

estreptococos são predominantes73

. Magarinos Torres e Castro Teixeira esclarecem que

nas células epidérmicas das lesões provocadas pelo alastrim se evidenciam pústulas

69

ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim,

p. 202. 70

Loop é uma palavra inglesa, que originalmente significa “aro”, “anel” ou “sequência”, e que

no contexto da língua portuguesa é usada com este último significado. Cf. BREMAN, J.G.;

HENDERSON, D. A. Diagnosis and Management of Smllpox. In. ENGL. J. Med., Vol. 347, 2003, pp.

690-691. 71

BREMAN, J.G.; HENDERSON, D. A. Diagnosis and Management of Smllpox. In. ENGL. J. Med.,

Vol. 347, 2003, pp. 690-691. 72

ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III n° 9, 03 de junho de 1922, Sobre o alastrim,

p. 203. 73

Ibidem.

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33

isoladas ou em pares, enquanto que na varíola a ação é muito mais violenta, sendo as

pústulas reunindo-se em grupos numerosos às vezes em um único local do corpo.74

As condições de higiene e salubridade pública, sempre eram lembradas como

fatores preponderantes na origem e proliferação da varíola, isto porque, mesmo sanada a

cura de um ou outro indivíduo acometido por ela, sabia-se que a contaminação

miasmática poderia ser realizada caso o local em que determinado(s) varioloso(s) não

fosse devidamente isolado e desinfetado.

De acordo com Downie o vírus variólico penetra no ser humano pela via

respiratória, ele é encontrado nos elementos eruptivos da pele (até nas crostas em que se

mantem vivo por muito tempo), também é presente no sangue do virulento e nas lesões

naso-bucofaringéas, existindo uma viremia em período pré-eruptivo mesmo depois da

morte do indivíduo acometido por varíola, ou seja, a transmissibilidade da doença ainda

pode ocorrer mesmo à pessoa estando em óbito. Por isso, assevera Downe, que a

assepsia dos locais infectados pelo varioloso, é de suma importância, para conter o

avanço epidêmico ou endêmico da moléstia.75

O vírus variólico era tão intenso que o mesmo poderia ser passado da mãe para

o feto, tendo como consequência nefasta quase sempre o aborto. Em princípio de

dezembro de 1870, encontramos o seguinte relato:

Caso singular de varíola - Uma peça pathologica muito interessante foi

apresentada era julho a Academia de Medicina de Pariz pelo Sr. Zabbe e em

nome do Sr Dr. Alberto Vidal, de Grasse. Trata-se de um feto vindo ao

mundo, vivo e coberto de pústulas variólicas, sem que a mãe, vaccinada,

jamais tivesse tido varíola. Tem-se assignalado casos, e o Sr. Depaul o fez

recentemente de varíola sobrevinda em fetos em consequência das mães

acharem-se affectadas desta moléstia; mas o facto do Sr. Vidal é o único até

hoje conhecido. O que tem uma grande importância neste facto é que a

criança foi concebida no fim do mez de Novembro ou no principio de

Dezembro de 1870, sendo o pai accommettido de varíola semi-confluente nos

primeiros dias do mez de Dezembro de 1870. O pai procriando o filho

transmitteria o gérmen da varíola e a criança teria contaminado a mãe.76

A contaminação também poderia ser possível mesmo após a cura de um doente

há duas semanas. Por estes e outros motivos a varíola manteve seu alto índice de

contagiosidade em todos os períodos da vida humana ao longo do século XIX, sendo

assim, ela não respeita a influência do meio externo, tanto a criança como o adulto eram

74

Ibidem. 75

DOWNIE, R. S. Health Promotion; Models and Values. Secund Edition. Oxford: University Press.

Apud. BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 246. 76

GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos, 2° série, Volume V.

Caso singular de varíola. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1880-1881, p. 99.

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vulneráveis. João de Barros Barreto sugere que a faixa etária menos propensa à doença

era a velhice, isto porque a maioria das pessoas dessa faixa etária possivelmente já havia

contraído a varíola anteriormente adquirindo imunidade biológica contra a varíola.77

Em relação à distribuição geográfica da varíola, sabia-se que sua proliferação

não era uniforme, há registros de simples casos e outros de grandes ciclos epidêmicos

com proporções catastróficas. Em algumas situações, a frequência da varíola era

constante, por isso a mesma era reconhecida em certos lugares como doença endêmica.

No entanto, sua frequência variava muito, devido à dependência da importação infecto-

contagiosa pelos portos e do grau de imunidade da população de cada região afetada.

Os médicos higienistas do século XIX consideravam que a varíola teria

condições topográficas de se desenvolver melhor nas regiões tropicais, principalmente

no período chuvoso, que acaba por influenciar no aumento da umidade relativa do ar.

Em outras palavras os médicos higienistas da segunda metade do século XIX

caracterizavam a varíola por ser uma “doença estacional”, isto é, intimamente ligada ao

pensamento miasmático do final século XVIII e início do século XIX, onde médicos

europeus aproximaram a noção da ameaça representada pelas regiões de clima tropical

(sua falta de saúde e a pobreza do solo dessas regiões) com o aparecimento de surtos

epidêmicos. Segundo eles esta seria a recíproca manifestada pelas temperaturas

elevadas com rápida putrefação da atmosfera.

Essas características seriam vetores para a proliferação de doenças perniciosas

ao homem, o que intimamente reforçou a ideia de desvalorização não somente do

espaço físico e geográfico das regiões tropicais, mas também a noção de degeneração de

sua gente. De fato por muito tempo os médicos atribuíram aos trópicos um número

significativo de doenças, por considerá-los locais patogênicos por excelência. As febres

intermitentes e catarrais, a febre tifoide, a febre amarela, a malária, a cólera e a varíola

foram os flagelos não somente temidos pelos europeus, mas circunscritos a uma posição

geográfica no globo. O clima quente, a umidade excessiva do ar, o excesso da flora e

fauna, bem como a imundície da população foram atributos utilizados para distinguir os

trópicos de outras regiões do mundo, introduzindo uma noção de “tropicalidade das

doenças”.78

77

BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 248. 78

Durante o século XIX a medicina cresceu internacionalmente, em 1864 em Genebra na Suíça aconteceu

a primeira grande reunião de nível global reunindo diversos profissionais da medicina moderna, em 1867

novos congressos médicos são realizados em Paris e a partir de 1870 a medicina tropical é

institucionalizada. Este ramo da medicina se dedica ao estudo de doenças estreitamente ligadas às

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A transmissibilidade e virulência dos surtos epidêmicos variólicos de 1854-

1855, 1864-1865, 1874-1875-1876 que serão analisadas neste trabalho, deram-se, tal

como os médicos da época explicavam, com maior frequência entre os meses de janeiro

a junho acompanhando o ritmo frenético das chuvas que se estendiam até o mês de

julho. Os médicos também consideravam que a transmissibilidade da varíola poderia se

estender aos meses de julho a agosto, período de estiagem das chuvas. Nesses meses a

varíola também poderia ocorrer de forma epidêmica, pois na estiagem acontecia o

fenômeno de maior erupção miasmática dos pântanos e charcos alagados que entravam

em estado de vaporização pelas altas temperaturas do clima da região.

Todavia, o aparecimento de surtos variólicos não tinha origem com as copiosas

chuvas ou com a umidade do ar, estes fatores poderiam ser facilitadores para a

proliferação do mal variólico, isto porque, a mesma já havia grassado em caráter

epidêmico em regiões com climas temperados e com agradáveis temperaturas e também

em diferentes estações do ano.

Idade, sexo, raça e clima não evitam nem favorecem a aquisição da varíola.

Entretanto, parece que, no hemisfério norte, a varíola era mais frequente no

inverno e na primavera, estações coincidentes, no hemisfério sul, com o

verão e outono, onde parecia também aumentar a incidência da varíola

quando esta era endêmica.79

Estudos realizados por Clare Oswald Stallybras apontam ser negativas as

correlações da incidência da varíola com a temperatura, parecendo ser mais perspicaz

relacionar o aparecimento de surtos epidemiológicos de varíola com os índices de

imunidade absoluta da população80

. Will Rogers calcula que a varíola declina nos

períodos de umidade e chuva absoluta na Índia e em outras partes do Império Britânico.

No que diz respeito ao Brasil, estudos realizados nas cidades de Belém, Rio de Janeiro e

São Paulo durante o quinquênio de 1940 a 1944, apontam que o domínio da varíola

menor (varicela) não foi predominante somente no semestre da estação de verão

(período das chuvas intensas no Brasil).81

características das regiões tropicais, consideradas na época verdadeiro túmulo para o homem branco

europeu. Cf. Porter, Roy. Ciência Médica. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de

Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, pp. 267-268. 79

ÂNGULO, Juan. Varíola. In: Ricardo Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de

Janeiro, Guanabara Koogan, 1982, p. 55. 80

STALLYBRAS, Clare Oswald. The principles of epidemiology and the process of infection, 1930.

Apud. BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 245. 81

Id. Ibid.

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36

2.3 Considerações sobre a varíola e suas vacinas

Os conhecimentos sobre a epidemiologia das doenças e suas virulências eram

ligeiramente escassos durante os séculos XVIII e XIX, os médicos desse período não se

preocupavam em apreciar a origem e as manifestações das moléstias na espécie

humana. Em outras palavras, preocupavam-se, sobretudo, em perceber o grau de

distribuição de determinada moléstia sobre a população. Os avanços no campo da

pesquisa e inovação técnica eram tímidos, resumiam-se a meia dúzia de experimentos,

dentre os quais se destacam a criação do estetoscópio82

pelo médico francês Laennec em

1816 e a descoberta da vacina antivariólica em 1796 por Edward Jenner.

De acordo com Pedro Franco Affonso pesquisas sobre uma possível vacina

antivariólica vinham sendo realizadas desde 1768, quando Pritton Sutton e Fewster

coletavam informações sobre uma possível inoculação do cow-pox83

(vírus variólico

com incidência nos bovinos) em seres humanos, os dois haviam notado que os criados

camponeses empregados nos estábulos de criação de vitelos se tornavam imunes ao

contágio das bexigas.84

Alguns anos mais tarde em 1781, Rabon Pommier de Montpellier e o

dinamarquês Plett da aldeia de Nackendorf fizeram as mesmas observações sobre o

cow-pox e sua possível inoculação em seres humanos. Em 1774 o inglês Benjamin

Jesty85

inoculou o cow-pox em sua mulher e em seus dois filhos, para preservá-los dos

ataques da varíola. Esta tentativa obteve resultado satisfatório, porém não encontrou

imitadores, isto porque a comunidade médica local acusou Benjamin Jesty de ter feito

seus ensaios científicos sem os devidos cuidados médicos.86

82

O estetoscópio possibilitava ao médico diagnosticar com maior exatidão doenças pulmonares, como

bronquite, pneumonia e principalmente a tuberculose. Este aparelho sofreu aperfeiçoamentos ao longo do

século, o primeiro deles foi em 1852, quando o americano George P. Cammann transformou o aparelho

em biaricular, aumentando sua capacidade de diagnósticos. Cf. Porter, Roy. Ciência Médica. In.

PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p.

158. 83

A palavra cow-pox significa pústula de vaca, o cow-pox também era popularmente chamado na

Inglaterra do século XVIII de grease (borbulha). Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21

de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02. 84

AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p.

02. 85

Benjamin Jesty faleceu em 16 de abril de 1816 aos 79 anos de idade na cidade de Yetminster. Há

poucos registros históricos sobre Benjamin Jesty, as informações ao seu respeito não o colocam como

médico diplomado apenas como um simples cultivador da cidade de Gloucestershire. Cf. AFFONSO,

Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02. 86

Id. Ibid.

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37

O cirurgião inglês Edward Jenner87

descobriu a vacina contra a varíola

utilizando-se da mesma estratégia que outrora Pritton, Fewster, Rabon Pommier, Plett e

Benjamin Jesty utilizaram. Quando esteve em Glocestershire servindo ao exército inglês

Jenner, observou que era possível obter resultados positivos com a inoculação do cow-

pox em seres humanos, ele percebeu que camponeses ingleses que trabalhavam na

ordenação das vacas e vitelos desenvolviam nas mãos pústulas variólicas semelhantes

ao cow-pox, após o desenvolvimento e secagem desta pústula variólica os camponeses

adquiriam imunidade do sistema imunológico em relação à varíola.

No ano de 1776, Jenner realizou a primeira inoculação com a vacina

antivaríolica, esta foi feita no menino Phipps, de oito anos de idade. Edward Jenner

empregou o seguinte método: “primeiro Jenner retirou o vírus vacínico das mãos de

Sarah Nelms, que havia acidentalmente sido infeccionada pelo cow-pox, inoculou esse

vírus no braço do menino Phipps, que após alguns dias havia adquirido imunidade

contra as bexigas” 88

. Para certificar-se de sua descoberta, Jenner sujeitou o menino a

novas inoculações variólicas e viu que todas as tentativas obtiveram bons resultados.

Em 1788 Edward Jenner publicou seu primeiro trabalho sobre a vacina antivariólica,

que não conseguiu atrair a atenção do grande público.89

Apenas em 14 de maio de 1796 Edward Jenner conseguiu divulgar sua

descoberta inoculando pela primeira vez o cow-pox em várias cobaias humanas, obtendo

resultados satisfatórios. Em um curto espaço de tempo suas experiências multiplicaram-

se na Inglaterra e para fora do canal da Mancha, países como a França, a Holanda e a

Alemanha também realizaram experimentos com o cow-pox.

Anos depois Bouvier estudando sobre o assunto, descobriu que o mesmo

processo acontecia com tratadores de cavalos acometidos por bexigas, a estas pústulas

Bouvier atribuiu o nome de “hose-pox” 90

(vírus variólico com incidência nos equinos).

O eventual sucesso da vacina de Edward Jenner logo trouxe benefícios à população, em

02 de dezembro de 1799, fundava-se em Londres um instituto destinado à propagação

87

Edward Jenner nasceu em 1749 na cidade Berkeley (Inglaterra) concluiu seus estudos em Londres,

recebendo o grau de doutor em cirurgia, era discípulo de Daniel Ludlow, falecendo em 1823. Cf.

AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, São Luís, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02. 88

Id. Ibid. 89

Id. Ibid. 90

Estudos realizados por Chauveau e Warlomont ratificam que a vacina original deferia ser extraída dos

cavalos e não das vacas. Em 1863 Leblanc sugere que as pústulas variólicas também poderiam

apresentar-se em cabras e porcos e a partir desses animais poder-se-ia extrair a linfa vacínica. Cf.

AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III, p. 01.

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da vacina e somente em seu primeiro ano de existência foram inoculados com a vacina

mais de 18.000 indivíduos.91

Entretanto, na mesma época da descoberta de Jenner, o italiano Aloysio Sacco,

de Piza atribuía a ele a descoberta da vacina contra a varíola. Sacco afirmava que havia

obtido resultados positivos, vulgarizado seu método por toda a Itália frente à epidemia

variólica que escandalizava aquele país92

. Aloysio Sacco não foi considerado o criador

da vacina antivariólica, tampouco Benjamin Jesty, que de fato teria sido o primeiro a

inocular indivíduos com o cow-pox, teve seu nome reconhecido. Atribui-se, portanto a

Edward Jenner a descoberta científica da vacina contra a varíola, sendo o nome de

Jenner até hoje lembrado nos anais da medicina moderna como o descobridor desse

valioso método profilático e propulsor do agente patogênico da vacina antivariólica.

A vacina de Jenner ficou conhecida mundialmente por três nomes, o primeiro

era a uma homenagem ao seu criador, “vacina jenneriana”, o segundo diz respeito ao

método da aplicação da vacina, pois se retirava a linfa vacínica do braço de um

indivíduo bifurcando-se este mesmo pus no braço de outro individuo, por esse motivo a

vacina também era conhecida como “vacina de braço a braço”, o terceiro nome

também diz respeito ao método da aplicação da vacina, por isso também ficou

conhecida como “vacina humanizada ou humana”.

A vacina jenneriana (ou linfa vacínica) 93

era extraída do liquido das pústulas

de indivíduos previamente vacinados, geralmente após o quarto dia da primeira

inoculação, no geral a vacina jenneriana caracterizava por ser um liquido seroso, incolor

e viscoso. Exposto ao ar este líquido seca-se rapidamente, mas mesmo depois de seco o

material pode ser reaproveitado com simples dissolução em água clorada. A aplicação

da vacina antivariólica deveria ser realizada por indivíduos gabaritados, no geral eram

médicos especializados na aplicação da linfa vacínica. O método utilizado para a

aplicação do cow-pox era cientificamente chamado na época de “método endérmico”

(ou método por incisão), e dava-se da seguinte forma:

Na ponta de uma lanceta de vacinação recolhem-se algumas gotas do liquido

previamente derramado em um vidro de relógio bem limpo, e as introduzia

na pele, por meio de cinco a seis picadas, demorando a ponta do instrumento

o mais possível, para assegurar a absorção. O ponto escolhido para as

91

AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 21 de outubro de 1887. Descoberta da vaccina II, p. 02. 92

Id. Ibid. 93

Na documentação consultada tanto a expressão vacina jenneriana, vacina de braço e vacina humana

eram utilizadas, porém era muito comum rotular a vacina antivariólica pelos termos: “linfa vacínica, pus

ou fluído vacínico”, por isso utilizarei algumas destas terminologias ao longo do texto.

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inoculações era a região do braço e antebraço. A vacina deveria vir em

pequenos frascos de vidros de 04 a 05 gramas, frascos previamente

esterilizados pelo calor e fechados com rolo de esmeril.94

A linfa vacínica poderia ser aplicada no indivíduo também por via oral, para

este procedimento o médico inglês Robert Landell sugere que tal método poderia dar

bons resultados quanto ao aproveitamento da vacina. Landell havia realizado alguns

ensaios com a vacina jenneriana em 1854 utilizando o referido método:

Dissolve-se a vacina em uma lâmina ou em tubo capilar em 04 ou 06 onças

d’ agua fria e da-se uma colher de sopa de duas em duas ou de três em três

horas; seguindo-se esse tratamento, ao segundo ou terceiro dia erupção ficam

as bexigas como se fossem varioloides ou cataporas, a epiderme torna-se

entaboado e grosso, e no quinto secam sem secreção. Sendo aplicado o

mesmo tratamento no quarto ou quinto dia de erupção as bexigas tomam a

forma de verdadeiras vacinas, incham, estouram, e secam no décimo dia.95

Desde sua descoberta a vacina de Jenner não parou de se difundir, nos

primeiros anos do século XIX o Sr. Rochefoucaul de Liancourt96

procurou promover

simultaneamente e com zelo a propagação da vacina jenneriana na Alemanha, Áustria,

Suíça, Holanda, Itália e França. Em 1807 a pratica da vacina jenneriana torna-se

obrigatória na Baviera, anos mais tarde os governos da Alemanha, França e Inglaterra

também adotaram esta medida profilática como sendo de fundamental na ajuda ao

combate às epidemias variólicas.

Em todos esses países o cow-pox foi utilizado na vacinação humana contra a

varíola, porém já em 1820 notou-se o aumento gradativo da falha da vacina jenneriana

transmitido de braço a braço, questionava-se muito a respeito da imunidade

proporcionada pela vacina, isto porque a linfa vacínica rapidamente mostrou-se

degenerada, a varíola começou a atacar os vacinados previamente imunizados com

vacina jenneriana. Em termos proporcionais de cada três indivíduos vacinados pelo

menos um havia contraído varíola depois de ter sido imunizado. Como de costume a

França foi a nação que mais questionou a ação imunológica da vacina jenneriana,

demostrando com exemplos a fraqueza da linfa vacínica.

94

AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III, p. 01. 95

CORREIO DA VICTORIA, 22 de novembro de 1856. Publicações a pedido, p. 04. 96

O francês François Alexander Fréderic de La Rochefoucaul duque de Liancourt nasceu em 11 de

janeiro de 1747, falecendo em 27 de março de 1827. Ele foi um dos primeiros promotores

da vacinação na França, estabeleceu um dispensário em Paris, além disso, era um membro ativo das

placas centrais da administração de hospitais, prisões e agricultura. Sua oposição ao governo na Câmara

de Paris levou ao seu afastamento em 1823 onde o comitê de vacinação, da qual ele era presidente, foi

suprimido. Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III, p.

01.

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1° O número cada vez maior casos de varíola nos vacinados;

2° A grande diferença de caracteres gerais e locais da vacina de então,

comparados ao da antiga vacina;

3° A diferença das cicatrizes deixadas pela vacina.97

Na Inglaterra (berço da vacina jenneriana) a vacina também se encontrava em

estado de degeneração, constatações semelhantes foram feitas em Copenhagen e Berlim.

Sendo que a ideia do enfraquecimento da linfa vacínica findava-se em três simples

observações, muito comuns às realizadas na França.

1° A maior frequência de assaltos de varíola grave em indivíduos vacinados;

2° Os caracteres de maior desenvolvimento de pústulas falsas, da maior

reação febril;

3° Da dificuldade crescente de transmissão da vacina de braço, de modo a ter

pouco o nenhum sucesso nos inoculados.98

Após essas acusações admitiu-se a ideia de ser necessária a busca de uma

técnica na produção de uma nova vacina com maior potencialidade e mais duradoura.

Em 1830 é publicado na Inglaterra o livro Observações sobre a varíola e vaccina de

autoria do médico inglês Ceely um entusiasta nos estudos experimentais de Edward

Jenner. Ceely acreditava ser possível inocular o cow-pox dos bovinos diretamente no

homem, sem a ajuda da vacina de braço ou humanizada. Em 1836 o médico russo

Kasau realizou procedimentos semelhantes acreditando ter encontrado um novo método

de criação da vacina antivariólica, na mesma época o médico francês Thiélè diz ter

obtido vacina de boa qualidade sem o uso da vacinação de braço.99

Admitiu-se até mesmo a criação de uma “retro-vacina” que consistia na ideia

da reintrodução da vacina humana no organismo dos vitelos e das vacas, a fim de se

obter uma cultura vacênica mais duradoura, porém todos os experimentos e esforços

fracassaram100

. A este respeito Tânia Maria Fernandes101

em estudos sobre a produção e

aplicação da vacina jenneriana, fez importantes observações sobre o assunto. Segundo a

autora, com a disseminação da vacina no mundo, a técnica original de Jenner sofreu

várias alterações, e a partir de 1840 os médicos Negri e Gabiati implantaram uma nova

cultura na produção da vacina em Nápoles na Itália. Esta nova técnica na produção da

97

AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 29 de outubro de 1887. Varíola e vaccina IV, p. 01. 98

AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 09 de novembro de 1887. Degeneração da vaccina do homem VI,

p. 01. 99

Id. Ibid., p. 01. 100

AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 03 de novembro de 1887. Retro-vaccina V, p. 01. 101

Os trabalhos de Tania Maria Fernandes são considerados referencias sobre a varíola e suas vacinas no

que diz respeito ao Brasil.

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vacina antivariólica também consistia na extração diretamente do cow-pox dos bovinos

e implantando-o em seguida no homem. Essa vacina passou a ser chamada na época de

“vacina animal”. A autora continua argumentando que a implantação da revacinação

como garantia dos resultados satisfatórios da vacina jenneriana também foi outra

mudança significativa na pratica da vacinologia.102

No entanto, mesmo que a comunidade médica europeia da segunda metade do

século XIX considera-se a aplicação da vacina animal mais segura do que a vacina

jenneriana (humanizada), ainda assim ela sofreu inúmeras críticas sobre a comprovação

de sua verdadeira eficácia, demorando mais de vinte anos para que a mesma fosse

difundida na Europa. Até 1864 seu uso restringia-se à apenas a Itália, esta circunstância

se explica pelos insucessos das primeiras experiências promovidas coma vacina animal.

A França mais uma vez seria o palco principal dos discursos difamatórios e eloquentes

contra a nova técnica de produção da vacina, para piorar a situação entre 1870 e 1871 o

país foi assolado por uma terrível epidemia variólica.103

No intuito de demonstrar os progressos e a longevidade da ação imunológica

obtida pelas inoculações da vacina animal, os defensores da nova vacina recorreram ao

uso da estatística, citando que: “Em 1868 os insucessos da vacina animal eram de 268

por mil, em 1869 de 183 por mil. De 72 a 79 de 16 por mil e em 1880 de 03 por mil”

104. Apenas em 1882 a vacina animal achou entrada no cenário científico europeu, neste

referido ano, Leonardo Voigt publicou em Hamburgo seu famoso livro Vaccina e

Varíola, nesta obra Voigt atesta que estar comprovada à criação e eficácia da vacina

antivariólica de origem animal sem sustentação na vacina humanizada.

Ora, a cultura simultânea do vírus variólico e do vaccinico sobre o mesmo

animal, repetida um certo número de vezes, pode dar lugar a uma

modificação do variólico ou à substituição pelo vaccinico, visto que sabemos

que, enquanto o vírus variólico tende a extinguir-se na vacca, o vaccinico

nunca perde sua energia nesses animais.105

Mesmo com a demora da propagação da vacina animal pelo mundo, essa nova

técnica de produção da vacina logo tomou posição de destaque. A partir de 1880 países

como a Alemanha, Bélgica, Inglaterra, Prússia, Rússia, Áustria, Suíça, Holanda,

Espanha e Portugal estabeleceram a cultura de produção da vacina baseada na vacina

102

FERNANDES, Tania. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro:

Editora Fiocruz, 1999, p. 16. 103

AFFONSO, Pedro Franco. O PAIZ, 29 de outubro de 1887. Varíola e vaccina IV, p. 01. 104

Id. Ibid., p. 01. 105

Id. Ibid.

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animal106

. Em Nápoles o Dr. Lanoix realizou alguns procedimentos com a vacina

animal, chegando a seguinte conclusão:

1° Proceder à revaccinação ao cabo de um período de dez anos subsequentes

à primeira vaccinação. D’este modo, uma criança vaccinada no berço seria

revaccinada no começo de seu undécimo anno; e, chegando à idade adulta, a

fará novamente com utilidade aos 22 ou 25 annos. As estatísticas tem

demostrado que passados 35 annos, a operação dá resultado apenas

apreciáveis.107

Em 1870 se acenava no Brasil a possibilidade de substituição da vacina

jenneriana pela vacina animal, um dos principais defensores para essa mudança era o

Dr. Uchoa, que baseava-se nos seguintes preceitos:

l. A vaccinação animal é um progresso; neste sentido que sua eficácia é maior

do que a da vaccinação de braço á braço; 2. Ella é isempta da censura que se

pode fazer á vaccinação humana de transmittir vicios diathesicos, e em

particular a syphilis; 3. Chega-se, por este processo, e unicamente por elle, a

obter o vírus vaccinico puro, certo e abundante, isto é nas condições em que

elle deve achar-se; 4. O methodo de Galbiati é o único que permitte vaccinar

em um só dia com uma fonte dada de vaccina, milhares de indivíduos; 5. A

experiência tem provado que ella é a única capaz de produzir revaccinações,

e que os resultados obtidos por ella são infinitamente superiores aos

resultados dados pela antiga vaccina; 6. As experiências instituídas com o

fim de reconhecer o valor da vaccinação animal são todas a seu favor e

reclamam sua propagação; 7. É do dever das Faculdades e das authoridades

médicas sustentar e animar a vaccinação animal.108

A vacina animal chegou ao Brasil apenas em 1887, pelos zelosos esforços do

Barão Pedro Affonso Franco109

. A implantação sistemática da vacina animal no Brasil

deu-se pelo Decreto de n° 105-15/09 de 1894 que estabeleceu a criação do Instituto

Vacínico Municipal do Rio de Janeiro, em 30 de novembro, no mesmo ano é assinado

um contrato de validade de dez anos do Instituto Vacínico Municipal sobre orientação

de Pedro Affonso Franco.

Segundo Tania Maria Fernandes em 1866 o Instituto Vacínico de Berlim

adotou o uso da glicerina como forma de se obter uma vacina mais pura a fim de

minimizar seus possíveis efeitos colaterais. No final do século XIX, o vírus da vacina

foi isolado e desenvolvido em tecido celular através de um ovo embrionado e em células

106

Id. Ibid. 107

A REFORMA, 20 de dezembro de 1871. A varíola e a vaccina, p. 02. 108

GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos, Volume IV.

Vaccinação animal; modo de obtê-la e aplica-la. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho,

1870, p. 185. 109

Pedro Affonso Franco era médico-cirurgião, no final do Império aos primeiros anos do século XX

atuou como conselheiro dos assuntos referentes à saúde pública. Cf. FERNANDES, Tania. Vacina

Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 26.

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de coelho, essa nova técnica começou a ser utilizada no início do século XX, juntamente

com a técnica do cow-pox dos bovinos110

. Na passagem do século XIX para o XX

técnicas de filtração da vacina animal foram realizadas, fazendo parte deste rol de

experimentos o uso da glicerina, caldo glicosado, éter, caulim, roccal e a penicilina

todas essas substancias foram empregadas junto à vacina animal para obter-se maior

controle na contaminação bacteriana e na produção de uma vacina mais limpa.111

Entretanto, é necessário deixar claro que já existia um método profilático de

combate à varíola e suas epidemias, anterior à descoberta da vacina jenneriana e da

vacina animal. Este método era conhecido vulgarmente como variolação112

, sua origem

provêm dos povos do Oriente Antigo (chineses, persas e indianos113

). A variolação

consistia basicamente na inoculação de uma pessoa em boas condições de higiene e

saúde com o pus retirado das pústulas variólicas, em outras palavras extraia-se o pus

variólico do braço de uma pessoa acometido por varíola, inoculando este pus

contaminado no braço de um individuo sadio. Esperava-se desenvolver neste indivíduo

inoculado uma espécie de varíola benigna, mas esta não se desenvolveria a ponto de se

converter em varíola maligna, por fim o indivíduo inoculado estaria imune aos efeitos

da varíola.

Tanto a variolação quanto a vacina jenneriana consistiam basicamente na

aplicação do método endérmico114

, porém havia um grande receio da comunidade

médica da época na utilização destes métodos, principalmente no método que envolvia a

variolação, isto porque a inoculação muitas das vezes se mostrava ineficaz. Era

extremamente comum a inoculação ser falha e ao invés de adquirir imunidade, a pessoa

fosse acometida pela varíola e às vezes na sua pior incidência. Este era um risco

calculável, pois ambas as técnicas deveriam ser feitas por intermédio da disponibilidade

de “bons braços”. Os médicos do século XIX consideravam como bons braços para

110

Id. Ibid., p. 17. 111

BARREDO João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Volume II. Imprensa

Nacional do Rio de Janeiro. 1948, p. 251. 112

Tania Maria Fernandes e Sidney Chalhoub utilizam o termo variolização em seus trabalhos para

designar o método profilático anterior à vacina jenneriana, entretanto pela documentação consultada o

termo recorrente para designar este método era chamado de “variolação”. Cf. FERNANDES,

Tania. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz,

1999, p.31; CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro:

Companhia das Letras, 2006, pp. 102-106. 113

KIPLE, Kenneth F. História da doença. In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de

Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 35. 114

O método endérmico consistia basicamente na bifurcação da epiderme pela escorificação geralmente

por meio de uma lacenta.

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realizar as inoculações, as crianças, pois nelas a vacina jenneriana teria melhores

condições de obter resultados satisfatórios.

Por se tratar de um método que envolvia a introdução de substâncias e

organismos de um indivíduo a outro, a variolação e também a vacina antivariólica foram

amplamente reprimidas por vários médicos e esculápios da época, que diziam ser muito

perigoso o uso desse tipo de contraceptivo, pois poderia ocorrer a contaminação por

sífilis ou outras doenças.

Guardadas as devidas conclusões sobre a questão, fato era que a variolação foi

introduzida na Europa muito antes do advento da vacina jenneriana. Provavelmente o

método da variolação, chegou a Europa no século XVII. Sendo amplamente

disseminada em todas as classes sociais. No ano de 1716 em Constantinopla, Lady

Montagne115

relata que ela mesma teria sido testemunha dos bons resultados da prática

da variolação em sua própria filha. A técnica da variolação foi amplamente adotada na

Inglaterra, Prússia, França, Portugal, Espanha e depois importada para a África e para as

Américas116

. A proxima ilustração é uma representação do método da variolação

praticado na China.

115

Lady Wortley Montagne foi embaixatriz do Império Britânico em Constantinopla entre os anos de

1716 e 1718. Cf. AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 26 de outubro de 1887. Origem da vaccina III,

p. 01. 116

Id. Ibid.

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Figura 08.

Método de variolação praticado na China.

Fonte: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro:

Companhia das Letras, 2006, p. 158.

Na obra “A primeira página da história da vaccina no Brasil” de 1881,

Alfredo Piragibe enfatiza que o método jenneriano já estaria em curso no Brasil desde

1798117

. Lycurgo Santos Filho concorda com a hipótese lançada por Piragibe118

. No

entanto José Vieira Fazenda, em “Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro”, tem

117

PIRAGIBE, Alfredo. A primeira página da história da vaccina no Brazil. Rio de Janeiro. 1881. 118

FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2. São Paulo:

Hucitec/EDUSP, 1991, pp. 270-271.

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opinião contrária, para este autor apenas a variolação era praticada no Brasil desde

1798, a vacina jenneriana seria implantada em terras brasílicas apenas em 1804 pelo

marquês de Barbacena, na Bahia.119

Tania Maria Fernandes destaca que pelo despacho de 29 de dezembro de 1781

Francisco Mendes Ribeiro120

inaugurou no Brasil os trabalhos profiláticos da vacinação

antivariólica em 1798 por meio da variolação, isto é, empregando a linfa vacínica

retirado da secreção da pústula variólica e inoculando-a de braço a braço em alguns

indivíduos. Segundo esta autora a vacina jenneriana, procedente do cow-pox, foi

introduzida no país por volta de 1804, pelo marquês de Barbacena, na Bahia.121

Vale a pena ressaltar que a vacina antivariólica era importada da Inglaterra ou

da Holanda por isso em alguns casos nota-se os nomes de “vacina inglesa ou vacina

holandesa”. A vacina procedia diretamente à Junta da Instituição Vacínica da Corte e

posteriormente ao Instituto Vacínico do Império órgão subordinado a Junta Central de

Hygiene, que por fim era encarregada de distribuir a vacina para as províncias do

Brasil.122

É preciso ressaltar que mesmo os médicos do século XIX considerando a

vacina jenneriana como o método eficaz de prevenção contra a varíola verdadeira, seria

um erro ou pelo menos um equivoco em considerar a existência de apenas um método

contraceptivo contra a varíola em solo brasileiro ao longo do século XIX. Isto porque a

variolação e a vacina jenneriana foram inseridas na população quase que

simultaneamente. Infelizmente não disponho de uma proporção real que me certifique

qual método era mais utilizado pela população neste período.

119

FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. 1998; Cf. também LOPES,

Myriam Bahia e POLITO, Ronald. Para uma história da vacina no Brasil – um manuscrito inédito de

Norberto e Macedo. In: Revista História Ciências Saúde – Manguinhos, Vol. 14, nº 2, Abril/Junho 2007,

pp. 595-605. 120

Francisco Mendes Ribeiro é natural de Canavezes, bispado do Porto (Portugal), lá exerceu o cargo de

cirurgião militar, obtendo dispensa do serviço militar português, vindo para o Brasil. Aqui, ele serviu no

Rio de Janeiro como cirurgião-de-número da Casa Real e só em 1821 foi nomeado cirurgião-mor do

Primeiro Regimento de Milícias do Rio de Janeiro. Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina

Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 19. 121

FERNANDES, Tania. Op. Cit., 1999, p.19; Cf. também ARAÚJO, Carlos da Silva. A imunização

antivariólica no Brasil colonial e nos primórdios da sociedade de medicina (1830), 1979, pp.151-156;

FILHO, Lycurgo de Castro Santos. Op. Cit., 1991, pp. 270-272. 122

A respeito da importação da vacina jenneriana Cf. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e

epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, pp. 102-114.

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47

2.4 Da vacina para a imunidade

A descoberta de Edward Jenner foi baseada puramente em tentativas empíricas,

seus estudos tinham como foco a implantação da doença benigma no indivíduo, na

possibilidade de evitar a varíola no homem pelo contato com o cow-pox. Em suas

observações realizadas em 1798, Jenner desenvolveu sua vacina inoculando no homem

o pus variólico retirado das pústulas dos vitelos. A partir das primeiras erupções

formava-se uma cadeia de imunização entre os homens inoculados com o cow-pox

retirado dos vitelos, funcionando como uma espécie de primeiro agente imunizante.

No entanto, é preciso destacar que a caracterização da imunidade da vacina

como conceito ainda não possuía matriz cientificamente comprovada. Jenner não havia

construído hipóteses racionais sobre a imunidade de sua vacina, isto porque seus

experimentos resumiam-se a reprodução de fatos observados a posteriore. Sobre esta

questão Pierre Darmon acrescenta que em seu tempo Edward Jenner não dispunha de

condições técnicas para analisar a verdadeira ação imunológica da vacina, pois a havia

criado em condições naturais e não em artificiais, ou seja, em laboratório123

. Em outras

palavras, Jenner considerava que o vírus da vacina era um produto estreitamente natural.

De acordo com Luiz Antônio Teixeira o desenvolvimento de uma vacina e sua

eficácia está intimamente ligado à possibilidade da possível variação viral e suas

funestas consequências124

. Seguindo essa linha de raciocínio, é preciso especificar que a

mudança na técnica da produção da vacina antivariólica humana para animal a partir de

1840 apenas eliminou o homem dos primeiros processos de produção da vacina, o cow-

pox ainda era o axioma para ambas.

Estas lacunas perduraram por longos anos, sendo a vacina jenneriana uma das

pautas centrais das discussões da Academia de Medicina Européia. No inicio da década

de 1860 o professor Henri Bouley125

, realizou vários experimentos que comprovariam

que o vírus vacínico contra as bexigas poderia dar-se em três formas distintas na

natureza. A primeira nos vitelos (cow-pox), a segunda nos equinos (horse-pox) e a

123

DARMON, Pierre. A cruzada antivariólica. In: LE GOFF, Jacques. (org.). As doenças têm história.

Lisboa: Editora Terramar, 1991. 124

TEIXEIRA, Luiz Antônio. Vírus, ciências e homens. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de

Janeiro, 2003, p. 758. 125

Henri Marie Bouley (1814-1885) foi um médico francês pioneiro na veterinária e patologia. Bouley foi

professor de patologia cirúrgica na École nationale d'Alfort Veterinário (Escola Nacional de Veterinária

de Alfort), e em 1885, foi eleito presidente da Academia Francesa de Ciências.

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terceira em humanos (a varíola comum), porém em cada um seu desenvolvimento seria

diferente.

Bouley comunicou a Academia de Medicina os resultados de suas pesquisas

sobre as bexigas, mostrando as diversas formas pelos quais a vacina animal extraída dos

vitelos e dos cavalos poderiam se manifestar no organismo humano. Os estudos do

professor Bouley foram à centelha para que Depaul pudesse realizar severas críticas à

descoberta de Edward Jenner. Para ele as erupções do cow-pox e do hose-pox126

tinham

características diferentes, podendo imunizar ou não o indivíduo inoculado com a vacina.

1° Não há vírus vaccinico.

2° O pretendido vírus vaccinico, considerado antagonista e neutralizador do

vírus varioloso, é o próprio vírus varioloso.

3° As erupções pustulosas do cavalo e da vacca são a varíola desses animais.

4° As diferenças das manifestações dependem da estrutura diversa da pelle e

da abundância dos pelos.127

Nas seções de encontro da Academial de Medicina de 27 de julho, 03 e 10 de

agosto de 1869 o professor Depaul finaliza seu discurso da seguinte forma:

1°. A vaccina conservada de braço á braço soffre, depois de um certo numero

de gerações, um enfraquecimento que parece-me incontestável.

2°. Esta degenerescencia verifica-se pela diminuição progressiva dos

phenomenos locaes e geraes que produz a inoculação do cow- pox que possue

toda sua actividade, pelo apparecimento mais frequente da varíola nos

indivíduos vaccinados e pelos successos consideráveis obtidos pelas

revaccinações.

3°. A syphilis produzida pela vaccinação, desde muito tempo desconhecida e

systematicamente repelida, é hoje um facto que não se pode negar, e a

observação clinica sabiamente interpretada concedeu-lhe um lugar perfeita-

mente distinto no quadro nosológico.

4°. O cow-pox conservado sobre a espécie bovina, isto, é, sobre sua terra

natal, guarda durante, numerosas gerações, uma energia e uma actividade que

são indispensáveis para manter suas propriedades preservativas quando for

inoculado sobre a espécie humana.

5°. A inoculação do cow-pox assim perpetuada é um meio certo de abrigar-se

da syphilis vaccinal e de dar á vaccina todo o prestigio de que ella necessita

para poder ser útil.

6°. Parece pouco mais ou menos demonstrado pelas experiências já

numerosas, que a vaccina que se enfraqueceu no organismo humano,

recupera vantajosamente suas propriedades por uma germinação nova na

espécie bovina.128

126

O hose-pox também era conhecido na Inglaterra pelo nome de “grasse”. 127

AFFONSO, Pedro Franco. O Paiz, 28 de outubro de 1887. Vaccina e Varíola, p. 01. 128

GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a direção do

Dr. Antônio Pacífico Pereira, 1870. Vaccinação animal, modo de se obtê-la e de applica-la. Por J. R.

Souza Uchôa, estudante de medicina em Paris, 31 de março de 1870. Bahia, Volume IV, impresso na

Typ. J. G. Tourinho, 1870, p. 185.

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Bousquet, adversário de Depaul e Bouley na Academia de Medicina, propôs

que as dúvidas levantadas por Depaul, fossem postas a prova. Estabeleceu-se então em

30 de maio de 1865 uma comissão fiscalizadora, denominada na época de comissão

Lyoneza, composta pelos doutores Chauveau, Viennois, Meynet, Bondet, Delore,

Dupuis, Gallenton, Honrad e Lontet, esta comissão além de experimentar

cientificamente os efeitos da vacina deveria dar um parecer final sobre o pleito em

questão.129

A dita comissão Lyoneza realizou ao longo do processo investigativo três

experimentos em vitelos, cavalos e seres humanos, afim se saber a origem,

desenvolvimento e efeitos da vacina. A primeira experiência consistiu na inoculação

simultânea do mesmo indivíduo, por picadas distintas do vírus variólico e da vacina. O

resultado foi que cada uma das inoculações deram-se erupções completamente

diferentes, e que não houve sequer a modificação do vírus variólico do estágio benigno

para o estágio maligno. A segunda experiência foi feita inoculando simultaneamente no

mesmo indivíduo, por picadas distintas tanto do vírus variólico quanto da vacina

colhidos sobre um só animal. O resultado mais uma vez foi satisfatório, novamente se

observou que o vírus da varíola e o da vacina possuem características diferentes. A

terceira experiência consistiu na mistura dos dois vírus, e na inoculação por picadas

dessa mistura, o resultado foi que quando se experimenta a vacina sobre vitelos e

cavalos, obtém-se uma linfa vacínica pura como se as bexigas não tivessem se

desenvolvido.130

O relatório final da comissão Lyoneza concluiu que a vacina não é a varíola da

vaca ou do cavalo, vacina e varíola são dois vírus completamente diferentes, sendo o

primeiro introduzido na pele humana e o segundo desenvolvido no organismo humano

por meio de infecção.

1° A varíola humana inocula-se no boi e no cavalo, do mesmo modo que a

vacina.

2° O efeito da inoculação dos dous vírus difere absolutamente.

3° A vacina preserva da varíola e esta daquela.

4° Cultivada methodicamente sobre os animais, isto é, transmittida de boi

para bovino e de cavalo para cavalo, a varíola não se aproxima da erupção da

vacina. Ella fica o que é ou extingue-se.

5° A varíola assim cultivada sendo transmitida ao homem dá varíola.

6° Tomada assim do homem e passando para a vacca ou cavalo, não há cow-

pox.131

129

AFFONSO, Pedro Franco. O Paiz, 28 de outubro de 1887. Vaccina e Varíola, p. 01. 130

Id. Ibid. 131

Id. Ibid.

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Convencido de que a vacina jenneriana era a prova concreta de um

experimento que punha em risco a vida dos inoculados por ela, Henri Bouley não

satisfeito com os resultados apresentados pela comissão sugeriu que imediatamente

fosse feita uma contra prova dos resultados apresentados pela comissão, em seus

argumentos, Bouley não cansava de repetir que a vacina desenvolvida por Jenner já se

encontrada em estado de degeneração.

Á qui vous donnez la varriole ne rend pas la vaccine. L’ enfaut à qui vous

avez inoculé le prétendu cow-pox, isso de la vache variolée, ne rend pus la

vacinne; il rend la variole. Voila le criterium sur, contre lequel tontes les

argumentations du monde ne sauraient prévaloir.132

Novas experiências foram realizadas com a vacina jenneriana, no entanto o

parecer final da comissão continuou sendo favorável à vacina. A comissão rezumia os

fatos da seguinte maneira: a vacina produzia uma pústula em tudo muito semelhante a

da varíola, embora um pouco mais grossa. A partir desses estudos, aceitou-se a ideia

que o vírus variólico e o vírus da vacina antivariólica eram distintos ao serem

introduzidos no organismo humano. A mudança na produção da vacina baseada na

cultura animal não resolveu a procedência real do agente etiológico da doença,

tampouco o baixo princípio ativo do processo imunizante da vacina. Indubitavelmente

essas dúvidas arrastaram-se por anos, sendo respondidas apenas no final do século XIX.

Pauster foi um dos primeiros a indicar o mecanismo imunológico que existia

no método vacínico de Jenner, diz ele que “a vacina jenneriana é um vírus que produz

uma doença benigna; uma vez que a tivermos, ela preserva de uma doença mais grave,

frequentemente mortal, que é a varíola”.133

Para Juan Ângulo a vacina jenneriana produzia um vírus denominado Poxvirus

officinale, que em sua estrutura biológica era totalmente distinto do vírus originário da

varíola.

Consiste em suspensão de tecidos animais, geralmente pele de vitela ou

membrana corio-alantóide de embrião de galinha, contento o vírus ativo

(vivo) da vacina. Esse vírus, o Poxvirus officinale é mutante, obtido no

laboratório pela passagem seriada do vírus da varíola da vaca (cow-pox), ou

ainda, do vírus da varíola humana, em pele de vitela e de coelho.134

.

132

Id. Ibid. 133

FERNANDES, Tania. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro:

Editora Fiocruz, 1999, p. 30. 134

ÂNGULO, Juan. Varíola. In: Ricardo Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de

Janeiro: Guanabara Koogan, 1982, p. 56.

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De acordo com Downie o vírus da varíola e o da pústula vacínica produzem

lesões diferentes. Na prática a imunização pela linfa vacínica não acarretaria lesões e

gânglios graves, no máximo a pessoa imunizada pela vacina antivariólica teria algum

tipo de febre, resultante de efeitos colaterais135

. Jayme Reis Bertoldi descreve em sua

tese a diferença entre varíola e vacina através do sangue dos variolosos, dizendo que:

O sangue dos variolosos é cheio de bactérias como é todo o sangue nas

moléstias sépticas graves. Já as bactérias são corpos orgânicos infusorios

mycrophytas especie de algas de filamentos delgadíssimos tem os cylindricos

de 4 a 12 milésimos, 3 se movimentam de forma espontânea e que se

propagam por segmentos e que se dissolvem nos líquidos em que se

examinam.136

Contudo, nenhum desses experimentos ou teses realizados com a vacina

jenneriana e animal tinham por meta avaliar o grau de resistência das vacinas e da

própria varíola. Este fato apenas foi consumado em 1930, data que consiste na

Campanha de Erradicação Mundial da Varíola. E. S. Horgan e Mansour Ali Haseeb

desenvolveram novos estudos sobre a varíola e sua vacina. Os mesmos sugerem que o

vírus da vacina seria uma variante ao da varíola, degradado de modo definitivo com

baixa virulência para o homem. O antígeno básico do vírus vacínico é um bom agente

imunizante, o vírus da varíola tem, ademais, um antígeno específico com fraco ou nulo

poder imunizante, mas dotado de virulência para o homem.137

Descobriu-se ainda que o vírus variólico era filtrável, isto é, resiste à maioria

dos germes patogênicos, ao dessecamento e aos desinfetantes. Tamanha resistência

provém do fato de que a varíola teria surgido primeiro entre os animais domesticados

pelo homem, e quando as populações humanas começaram a praticar a agricultura e as

trocas culturais passaram a ser as bases do comércio, acredita-se que ela evoluiu, e se

adaptou gradualmente aos humanos. Para Gilberto Hochman a vacina antivariólica

impulsionou em todo mundo a chamada “cultura da imunização”.138

Convém destacar ainda que a descoberta de Edward Jenner proporcionou

mudanças significativas no conceito e uso de alguns termos científicos. A palavra

“vírus”, por exemplo, que antes indicava uma espécie de veneno (um gente etiológico

135

BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Volume II. Imprensa

Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 246. 136

BERTOLDI, Jayme Reis. Vaccina, variola e varioloide. Dezenove de Dezembro, Curityba, 29

nov.1873, n°1458, p. 3. 137

BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p. 246. 138

HOCHMAN, Gilberto. Vacinação, varíola e uma cultura da imunização no Brasil. Ciência & Saúde

Coletiva, 16(2), 2011, pp. 375-386.

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da doença) que se julgava estar presente em algumas doenças, passou a ser considerada

como um grupo de microrganismo com características semelhantes a determinadas

doenças. O termo “virulência” passou a indicar a força do vírus originário de

determinada epidemia. A “linfa vacínica” era utilizada para designar o líquido extraído

da pústula vacinal, a “revacinação” passou a ser reconhecida como uma espécie de

segunda dose de reforço da vacina. A “vacina verdadeira” indicava a reação positiva do

organismo ao receber a vacina, a “vacina regular” indicava o uso da revacinação e a

“vacina falsa” era utilizada na indicação da falência desta.

2.5 Contágio, infecção e miasmas

Etimologicamente, os médicos do século XIX pouco sabiam a respeito da

epidemiologia das doenças de sua época, de acordo com John Snow139

(considerado o

pai da epidemiologia médica moderna), os conhecimentos médicos e científicos no

século XIX resumiam-se basicamente a higiene preventiva, os médicos não se

preocupavam em apreciar a origem e manifestações das doenças na espécie humana140

.

Em outras palavras, preocupavam-se, sobretudo, em perceber o grau de distribuição de

determinada moléstia na população. A medicina clínica ainda não era em todo seu

conjunto técnica, seus avanços iniciais iriam se consumar apenas no final do século XIX

com as descobertas de Robert Koch e Louis Pauster e o advento da microbiologia.141

A palavra vírus existia nos dicionários médicos desde o século XVI, no entanto

os estudos sobre a virologia ainda era uma incógnita na segunda metade do século XIX.

Por isso, será necessário caracterizar o uso dos principais termos utilizados na medicina

do século XIX, no que diz respeito ao combate e conhecimento das moléstias

pestilentas.

139

De acordo com George Rosen, John Snow (1813-1858) praticava o ofício de medicina em Londres e

era mais conhecido como anestesista do que como epidemiologista. Sua carreira e nome ganharam status

quando em 1831 e 1832 ele observou a origem e desenvolvimento da cólera em Newcastle-on-Tyne. Sua

primeira comunicação sobre o assunto apareceu em 1849, em um panfleto intitulado “Sobre a maneira de

transmissão da cólera”. Em 1855 John Snow publicou a versão estendida de seu primeiro trabalho que

continuou a receber o mesmo título. Cf. ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo:

Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 221. 140

PORTO, Celmo Celeno. Exame Clínico: Bases para a prática médica. Rio de Janeiro: Editora

Guanabara Koogan S.A, 2000, p. 12. 141

A microbiologia era uma nova versão de entendimento da relação entre saúde e natureza, isso se deve

em muito aos efeitos causados pelas descobertas de Louis Pauster, impulsionada pelo uso dos

microscópios e da medicina clínica que impulsionaram um olhar cirúrgico sobre as doenças em todo o

globo. No que diz respeito ao Brasil a microbiologia logo ganhou fôlego com as pesquisas de Oswaldo

Cruz e Guilherme Guinle. Cf. ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio

de Janeiro, 1994, pp. 231-255.

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O primeiro deles era a inspiração contagionista das doenças, que por muito

tempo foi considerada o referencial teórico a ser seguido nos estudos acadêmicos sobre

o assunto. Historicamente a teoria contagionista iniciou-se na Europa em 1530 com a

publicação da obra “Syphilis, Sive Morbus Gallicus” de Girolamo Fracastoro (1478-

1553), médico italiano responsável por disseminar a ideia do contágio por meio de

sementes pútridas espalhadas sobre o corpo enfermo. Em 1546 Fracastoro publica o

primeiro tratado científico sobre o contágio: “De Contagione, Contagiosis Morbis et

Eorum Curatione (Sobre contágio, doenças contagiosas e suas curas).142

Fracastoro considerava a existência de três modos de contágio: o primeiro era o

contato direto de pessoa a pessoa; o segundo era o contato por agentes transmissíveis; e

o terceiro era o contato à distância, ou seja, pelo ar. Apesar de considerar que a

atmosfera infecciosa poderia ser propulsora de epidemias Fracastoro faz referencias

apenas à teoria contagionista em seus trabalhos143

. De acordo com George Rosen os

médicos contagionistas possuíam uma reflexão curta e direta. Para eles o surgimento de

uma doença era fruto de um veneno específico, que uma vez produzido poderia se

multiplicar diante do contato com os indivíduos144

. A varíola, por exemplo, foi

entendida por muito tempo como doença tipicamente contagiosa, até mesmo sua vacina

entrava no enredo dos médicos contagionistas. As interpretações contagionistas iam

desde a influência dos astros, do envenenamento das águas, indo até a bruxaria.

Pedro Napoleão Chernoviz, um dos autores mais lidos pelos médicos

brasileiros durante o século XIX entendia que o contágio seria: “Propriedades que

apresentavam certas doenças pestilenciaes de se comunicar de um a outro indivíduo

diretamente pelo contato físico, ou indiretamente, através do contato com objetos

contaminados pelos doentes ou pelo ar envenenado” 145

. A inspiração contagionista das

doenças continuou a desabrochar nos séculos seguintes, tanto que suas ideias orientaram

por um longo período a elaboração de normas e leis sobre os padrões técnicos e

argumentativos para a prática da higiene preventiva.

João de Barros Barreto esclareceu com vasta documentação que para haver

doença contagiosa apenas por proximidade; esta só poderia acontecer num raio de

142

PORTER, Roy. O que é a doença? In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de

Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 89. 143

ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 90. 144

Id. Ibid., p. 90. 145

CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger &

F. Chernovcz, 1890. Apud CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial.

Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 168.

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transmissão de 60 a 90 cm em torno da fonte de infecção. Para ele o “olfato” seria o

meio mais eficaz de comprovar que a transmissibilidade por contágio independe da

aproximação física com a fonte infectante, isto porque o contágio pode ser realizado

pela infecção perniciosa do ar envenenado. Barreto continua seu argumento explicando

que apenas a ideia vaga de contágio não explicaria a origem e proliferação das doenças.

As mesmas dependem de “vetores sociais e geográficos” para propagar-se, desta forma

a varíola seria um exemplo de doença pulverizadora da teoria contagionista.146

Os médicos anti-contagionistas acreditavam que ela não se transmitia apenas

de pessoa a pessoa pelo simples contato e sim em áreas de regiões pantanosas, quentes e

úmidas e por infecção147

. O termo infecção seria o mais adequado no entendimento das

moléstias perniciosas, isso porque o mesmo se referia à ação exercida por miasmas

mórbidos. A medicina aplicada no século XIX passou a caracterizar a pessoa acometida

por varíola, como o próprio reservatório por excelência para a proliferação da doença,

por isso, o varioloso era concebido como a fonte direta não mais apenas do contágio,

mas também da infecção, neste sentido, a pratica por isolamento era a mais aconselhada

para evitar-se a proliferação das moléstias perniciosas ao homem.148

A esta nova explicação os médicos chamavam de “teoria miasmática ou

infeccionista”, que nascera no ano de 1717, quando Giovanni Maria Lancisi (1654-

1720) médico romano, publicou “De Noxiix Paludum Effluviis” (Sobre as emanações

nocivas dos pântanos), segundo Lancisi as emanações miasmáticas oriundas dos pânta-

nos seriam capazes de gerar duas espécies de efluídos, os animadas (mosquitos) e os

inanimadas (ar envenenado), capazes de originar surtos epidêmicos149

. Refletindo sobre

a suspeita insólita, ou presença acidental de algum princípio gasoso pernicioso, Roberto

Martins assim sugere as compilações miasmáticas:

146

BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1956, p.118. 147

O termo infecção não possuía significado médico quando começou a ser usados na Antiguidade.

Infectar significava primitivamente tingir, colorir, impregnar de alguma substância visível. O ar infectado

seria, portanto, uma atmosfera colorida, tingida ou impregnada de algo visível (vapores, bruma, poeira).

Mas daí veio, por analogia, a concepção de que o ar carregado de substâncias ou germes nocivos estaria

também infectado. Cf. MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história da prevenção das doenças

transmissíveis, São Paulo: Moderna, 1997, p. 52; De acordo com João de Barros Barreto o termo infecção

historicamente é ligado a Louis Pauster, que comprovou cientificamente a infecção por gases

atmosféricos; substituía-se a doutrina de Max Von Pettenkoffer que fazia as doenças dependerem de

emanações do solo através do ar [...]. Estudos de John Snow e Filippo Pacini (1812-1883) com o cólera

deram a água, a responsabilidade da transmissão das doenças intestinais; surgiu depois, um nítido o grupo

de doenças transmitidas por insetos, ou seja, o termo infecção fora ganhando cada vez mais espaço sobre

o antigo termo contagionista. Cf. BARREDO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e

higiene. Volume II. Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 248. 148

ROSEN, George. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980, pp. 81-82. 149

ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 86.

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[...] até o século XVIII, as ideias sobre os miasmas e sobre a transmissão de

enfermidades pelo ar eram apenas hipóteses. Na verdade, pouco se sabia a

respeito da própria natureza do ar. Datam dessa época os primeiros estudos

de caráter científico moderno sobre a composição do ar e seu papel na doença

e na manutenção da vida [...].150

Pedro Luís Napoleão Chernoviz, em seu dicionário de medicina popular, assim

definia os miasmas;

Tomando a palavra em sua acepção lata, consideram-se sob este título todas

as emanações nocivas, que corrompem o ar, e atacam o corpo humano. Nada

há mais obscuro do que a natureza íntima dos miasmas: conhecemos muitas

causas que os originam; podemos apreciar grande número de seus efeitos

perniciosos, e apenas sabemos o que eles são. Submetendo-os a investigação

dos nossos sentidos, só o olfato nos pode advertir de sua presença: não nos é

dado tocá-los nem vê-los. A química mais engenhosa perde-se na sutileza das

doses e combinações miasmáticas; de ordinário, nada descobre no ar

insalubre ou mortífero que deles esteja infectado, e quando consegue

reconhecer nela uma proporção insólita, ou presença acidental de algum

princípio gasoso, não nos revela senão uma diminutíssima parte do

problema.151

Importa salientar a perspectiva geográfica da teoria miasmática nos pontos

elencados acima e nas fontes pertinente ao assunto. Cronologicamente Hipócrates (460-

370 a.C.) é considerado o marco nos estudos miasmáticos, o mesmo já mencionava a

questão da proximidade dos pântanos em relação a saúde humana na Antiguidade

Clássica. Pela concepção hipocrática, o ar poderia produzir epidemias quando houvesse

um desequilíbrio de calor, frio, umidade e secura, atuando sobre os humores corporais.

A concepção hipocrática das doenças ficou conhecida na história como a perspectiva

“humoral”, onde para ser realizada a cura do corpo enfermo seria preciso a eliminação

ou expelição de humores venenosos para fora do corpo.152

O poeta romano Titus Lucretius Carus (cerca de 98-55 a.C), também é

considerado uma referência nos estudos miasmáticos sobre as doenças, assim como o

arquiteto romano Vitrúvio (70 - 25 a.C), que sugeria em seus tratados que todas as ruas

pequenas ou vielas da cidade fossem orientadas no sentido de conter os desagradáveis

150

MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história da prevenção das doenças transmissíveis. São

Paulo: Moderna, 1997, p.111. 151

CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão. Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger &

F. Chernovcz, 1890. Apud Sidney Chalhoub. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio

de Janeiro: Companhia das Letras, 2006, p. 169. 152

MARTINS, Roberto de Andrade. Op. Cit., 1997, p. 48.

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ventos frios e os infecciosos ventos quentes para assim evitar-se o desequilíbrio

humoral.153

Samuel Pepys ao explicar a origem das doenças concorda com a perspectiva

humoral. Para ele o resfriado torna-se perigoso porque este pode se desenvolver e

alcançar o estágio perigoso da pneumonia, por isso a melhor opção a se fazer seria

expêli-lo para fora do corpo, assim gradativamente o indivíduo iria recuperar seu

equilíbrio imunológico.154

O “Dictionnaire Encyclopédique des Sciences Médicales”, lançado em 1873

traz o verbete “miasme” 155

assinado por Léon Colin, médico do hospital militar de

Bicêtre. Na obra, Colin diferencia contágio e miasmas, mas, de qualquer forma,

reconheceu a influência do meio no desenvolvimento dos germes e advertiu para a

generalidade da concepção miasmática. Provavelmente, por questionar a generalidade

da questão fez a distinção dos miasmas em quatro categorias: “as emanações pútridas,

os miasmas humanos, os provenientes do solo e aqueles relacionados por analogia às

influências telúricas”.156

Na primeira categoria, as emanações pútridas foram associadas à matéria

orgânica em decomposição e seriam provenientes dos esgotos, pântanos, cemitérios e

matadouros. Para a segunda categoria dos miasmas humanos, relacionou-as aos pontos

de aglomeração populacional, tipicamente urbano, como habitações coletivas e

hospitais. Na terceira e quarta categorias, entende-se o caráter geográfico, na terceira

importaria as emanações originárias do local, e na quarta, as condições topográficas e

climáticas do ambiente seriam determinantes.157

Com o propósito de contribuir para os esforços de desinfecção de lugares

contaminados por miasmas pútridos, um farmacêutico português “desconhecido”

publicou um estudo acerca do tema em 1848 no Jornal da Sociedade das Ciências

Médicas de Lisboa instituição similar à Academia Brasileira de Medicina da Corte. O

autor reportava-se a germes e miasmas contagiosos que seriam, até então,

153

Id. Ibid., p. 51. 154

PORTER, Roy. O que é a doença? In. PORTER, Roy. Cambridge História da Medicina. Rio de

Janeiro: Editora REVINTER Ltda, 2006, p. 87. 155

Segundo Martins a palavra “miasma” tem sua origem do grego “miasme”, que significa “mancha” ou

“nódoa”. A palavra foi utilizada inicialmente nos textos teatrais gregos para simbolizar uma “mancha de

sangue” originada de um assassinato ou um sinal de impureza ou morte. A palavra miasma aparece de

fato na obra de Giovanni Maria Lancisi. De acordo com Martins Lancisi utilizou o termo miasma para

representar algo que contamina ou infecta o ar. Cf. MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história

da prevenção das doenças transmissíveis. São Paulo: Moderna, 1997, p. 91. 156

MARTINS, Roberto de Andrade. Op. Cit., 1997, p. 91. 157

Id. Ibid.

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57

imperceptíveis aos sentidos, mas cuja existência era demonstrada pelos seus efeitos. Em

sua obra começou a esmiuçar outras ideias sobre o assunto. Para o ele, o ar em

condições de putrefação era composto por vários gases mefíticos que desenvolveriam

um foco de putrefação específico, cujo contato bastaria para a origem das enfermidades

pútridas e contagiosas, sendo assim, cada novo indivíduo afetado por uma dessas

enfermidades era um novo foco de putrefação piorando cada vez mais a condição do ar

e o aumento dos males. Desse modo justificava a origem mais frequente das epidemias

pestilentas.158

Em 860, a Academia brasileira, sob a influência da “teoria miasmática”

promoveu uma discussão sobre a diferença entre os termos contágio e infecção. O

médico Francisco Portella ressaltou que essas questões eram as que mais vivamente

tinham atraído à atenção dos médicos. Portella destacava a aproximação entre os termos

buscando estabelecer uma distinção entre eles. Para o médico, o contágio:

Subentendia, necessariamente, um doente do qual parte uma moléstia que

contagia. Justificava-se afirmando que ninguém diria que os miasmas e

eflúvios, eram contagiosos, porque não se poderia dizer com precisão se eles

realmente foram produzidos por uma pessoa, assim, classificava as doenças

contagiosas como as que poderiam ser transmitidas pelo contato imediato ou

por inoculação direta, cujo, elemento morbífico é engendrado no organismo e

une-se ao mucus ou pus das erupções do corpo.159

De acordo com Portella, as doenças infecciosas, por outro lado, constituíam-se

como moléstias que se transmitiam por contato imediato em espaços insalubres, em

virtude de um produto morbífico, produzido fora do organismo humano, mas uma vez

infectado no homem poderia se reproduzir dentro do organismo com facilidade,

difundindo assim a infecção160

. Corrêa de Azevedo exemplifica a diferença entre

infecção e contágio, indicando que a primeira nada mais era do que o resultado dos

miasmas, emanações e decomposições orgânicas. Por outro lado caracterizava a

segunda pela transmissão de indivíduo a indivíduo, que se correlacionaria em questões

158

PINTO, A. J. de Souza. Sobre as desinfecções dos hospitais, cadeias e mais lugares infectados pelos

miasmas pútridos, por meio das fumigações ácidas do cloro e dos cloretos e da aplicação destes nas

chagas gangrenadas da tísica e na cólera morbus. Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa,

v.III, pp. 65-84. Apud FERNANDES, Tania. Vacina antivariólica: seu primeiro século no Brasil (da

vacina jenneriana à animal). História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Mar./Jun. 1999, vol. 6, n°1, pp. 29-

51. 159

PORTELLA, F. Contágio e infecção nas moléstias. Annaes Brasilienses de Medicina, fev. 1860 vol.

13, ano 13, p. 233-238. Apud FERNANDES, Tania. Vacina antivariólica: seu primeiro século no Brasil

(da vacina jenneriana à animal). História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Mar./Jun. 1999, vol. 6, n°1, pp.

29-51. 160

Id. Ibid., p. 30.

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58

climáticas e condições orgânicas161

. Edwin Chadwich e Southwood Smith se reportam

as duas teorias com as mesmas características feitas por Corrêa Azevedo.

Os surtos epidêmicos por doenças infecciosas são o resultado de uma

atmosfera local em estado de putefração, devido ao mau cheiro e os locais

pantanosos, já os surtos epidêmicos por doenças contagiosas resumiam-se

pelo contágio limitado de pessoa para pessoa.162

Nota-se uma preocupação na busca exata por definições terminológicas acerca

das doenças epidêmicas, com definições específicas para cada uma delas. Vários artigos

publicados pela Academia de Medicina da Corte tentam se posicionar frente a essas

discussões. Faz-se importante registrar que opiniões contrárias à teoria contagionista e

miasmática já vinham sendo registradas desde o século XVI, mas no geral a teoria

contagionista ou microbiana e a anticontagionista ou miasmática dominavam o centro

das atenções.

Para George Rosen a concepção miasmática sustentou os argumentos dos

higienistas que queriam convencer as autoridades públicas da eminência de uma

intervenção em nível de políticas de saneamento básico, educação higiênica, prevenção

e atendimento médico. Na opinião deste autor a influência da concepção atmosférica-

miasmática perdurou por muito tempo, essa concepção desempenharia um importante

papel no avanço da Saúde Pública no século XIX, tendo nas medidas de quarentena de

mar sua fiel bandeira163

. Rosen explica que de fato não houve evolução significativa na

comprovação científica das ideias da teoria miasmática. Todavia, essa teoria

permaneceu hegemônica e persuasiva, por longo período, com vários defensores e

colaboradores em diferentes áreas. Pode-se até mesmo ratificar a hegemonia da

concepção miasmática pelos mecanismos de intervenção sanitária urbana ou ainda fazer

a analogia que “medicina urbana” esteve por longa data sobre a influência

miasmática.164

Segundo Roberto Martins a teoria miasmática é um interessante caso de uma

concepção equivocada que foi extremamente útil à humanidade. Segundo ele a teoria

miasmática impulsionou medidas sanitárias adotadas nos séculos XVIII e XIX que

trouxeram grande melhoria à saúde pública165

. Para Johnson os preceitos que

161

Id. Ibid., p. 31. 162

ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, p. 222. 163

Id. Ibid., p. 89. 164

Id. Ibid., p. 89. 165

MARTINS, Roberto de Andrade. Op. Cit., 1997, p. 91.

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sustentaram a teoria miasma por tanto tempo eram em grande medida feito de meias

verdades e de correlações equivocadamente tomadas como suas causas.166

Ademais, observa-se o caráter geográfico desta concepção, visto que os

eflúvios maléficos eram provenientes, na maioria das vezes, de elementos de interesse

da geografia física, como o ar, o solo, a água e os pântanos; ou de interesse da geografia

humana, como o matadouro, o mercado, a periferia da cidade e seus cortiços, dentre

outros pontos de circulação da população urbana.

Erwin Ackerkneeht ao retomar o problema preferiu não dedicar-se ao estudo

das terminologias usadas em cada caso de surto epidêmico. O ponto de partida de

Ackerkneeht é tentar compreender, por que essas teorias eram dominantes entre os anos

de 1821 a 1867. Norteando apontamentos interessantes sobre o assunto, Ackerkneeht

chegou a seguinte conclusão:

Neste período as concepções infecto-contagionista passam a ter voz cativa

em países como Estados Unidos, França e Inglaterra. A explicação para a

aceitação era induzida por motivos políticos e econômicos. O miasma era

tanto uma cria da biologia quanto política.167

Roger Cooter inclina-se na mesma direção, pois de concreto, as quarentenas

representavam os maiores símbolos da presença dos médicos infecto-contagionistas,

estabeleciam a harmonia entre os anseios dos comerciantes e o controle dos burocratas

do estado168

. George Rosen explica que neste cenário não haveria espaço para relações

de cumplicidade e trocas pessoais, em contrapartida, haveria espaço suficiente para

considerar que marginalizados e indigentes também fossem interpolados nesta

atmosfera infecciosa. Ele também dá pistas que os médicos infecto-contagionistas

estavam em sintonia com a conjuntura política da época, pois suas teorias médicas eram

uma clara referência às mudanças da sociedade capitalista, além de uma tentativa de

reformular os saberes populares sobre doenças, corpo e cura, jogando estes em um nível

subalterno de conhecimento.169

166

JOHNSON, Steven. O mapa fantasma: como a luta de dois homens contra o cólera mudou o destino

de nossas metrópoles. Tradução. Sérgio Lopes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 128. 167

ACKERKNECHT, Erwin H. “Anticontagionismbetween 1821 and 1867”, Bulletin of the History of

Medicine, vol. 22, 1948, pp. 562-593. Apud CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na

corte imperial. Rio de Janeiro. Companhia das Letras, 2006, pp. 170-171. 168

COOTER, Roger. Anticontagionism and history’s record. In: Wright, Peter, e Treacher, Andrew. The

problem of medical knowledge: examining the social construction of medicine, Edinburgh, 1982, pp. 87-

108. Apud CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro:

Companhia das Letras, 2006, pp. 171-172. 169

ROSEN, George. Uma história da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro, 1994, pp. 213-

214.

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Preocupar-se com estas questões significava efetivamente, para os médicos

infecto-contagionistas atuar no esquadrinhamento do espaço público. Instituições como

hospitais, prisões, matadouros, cemitérios, foram interpoladas como fatores

determinantes do crescimento das cidades e, portanto indispensáveis ao seu

funcionamento. Poderiam, no entanto, estar servindo como focos de doenças,

representando um perigo para o perímetro urbano, não poderiam nem deveriam ser

abolidas, entretanto era necessário, afastá-las do centro citadino. Neste contexto os

portos também foram interpolados como locais por excelência de contágio e infecção.

Bourel-Roncière elucida inúmeros exemplos de como tripulações de “navios

estrangeiros” poderiam evitar a contaminação e proliferação de certas doenças

pestilentas ao atracarem na costa brasileira. Suas sugestões eram:

Evitar as comunicações fora do ambiente da embarcação, as saídas para terra

eram proibidas, a não ser em casos indispensáveis, os passeios ou trabalhos

em dias de intenso calor eram desaconselhados à tripulação, a fim de poupá-

la dos efeitos da insolação. Durante a noite, as saídas deviam ser evitadas por

causa dos cabarés que margeavam as praias, onde os marinheiros podiam

procurar, a baixo preço, doenças venéreas.170

As medidas preventivas sugeridas por Bourel-Roncière em suma restringiam-se

às embarcações estrangeiras, os cuidados com as embarcações locais resumiam-se a

dois pontos básicos. O primeiro seria a limpeza da embarcação e segundo seria a

aeração das embarcações, mesmo assim, estas duas medidas, revelam a definição de

higiene gestada durante os séculos XVIII e XIX não apenas como um conceito, mas

como uma prática da medicina oficial, que no fundo remonta ao modelo de intervenção

que vigorava sobre a vida pública e privada, chamada na época de “aerismo” 171

, isto

porque ao final do século XVIII e início do século XIX, a questão dos cheiros e odores

dos corpos constituía um dos quadros teórico-metodológico das preocupações

higiênicas.

170

BOUREL-RONCIÈRE. Paul Marie Victor. ‘La station navale du Brésil et de la Plata’. Archives de

Médecine Navale, Paris, v.19, 1872a, p.114. Apud MORAIS, Rosa Helena de S.G. de. A geografia

médica e as expedições francesas para o Brasil: uma descrição da estação naval do Brasil e da Prata

(1868-1870). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n.1, p. 39-62, jan.-mar. 2007. 171

O aerismo necessariamente não preocupa-se apenas com a boa ventilação e circulação do ar em

ambientes fechados. De acordo com Roasenau o termo também remete-se a concepções atmosféricas, já

que esta é a reguladora da temperatura da terra, servindo-lhe de guarda-sol durante o dia e de coberto

durante a noite. Para Haldane o aerismo fundamentalmente tem a ver com as potencialidades de trabalho

do ser humano, segundo o mesmo, o ser humano trabalha em condições normais e atenues, com a

temperatura até 23-25°C, nessas condições vê-se reduzir-se em ¾ a cota de suor que ele elimina e se a

umidade relativa do ar passar de 60 a 80% o acréscimo de temperatura ao corpo sob gradativamente de

0°5, a 0°7, podendo atingir até a elevação de 1°. Cf. BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene:

Saneamento e higiene. Volume II. Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1956, p. 252.

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Importante para os médicos higienistas do século XIX era garantir a circulação

do ar, a fim de escapar da “estagnação mórbida”. A ventilação garantia a circulação do

ar, resguardava a qualidade do ar, a própria agitação das águas também favorecia a

purificação e asseguravam a salubridade do ambiente. Por isso navios, hospitais e

prisões funcionavam como verdadeiros laboratórios, onde se instituíram técnicas de

ventilação e desinfecção.172

Lavar, aerizar, ventilar, secar e fazer penetrar o ar em todos os lugares e

constantemente, é um procedimento que deve ser sempre seguido pelo

comandante-chefe dos navios da estação naval; estas medidas podem ser

consideradas como uma primeira condição para manter a saúde da tripulação.

Uma boa ventilação e a existência de fortes correntes de ar são um meio

eficaz contra o calor excessivo.173

Vê-se aqui, todo um quadro teórico e metodológico acerca da concepção

miasmática, projetando-se sobre a análise geográfica. Pois, assim compreendiam os

médicos higienistas do século XIX o binômio, saúde e doença. Fazia-se necessário

atentar para as condições de insalubridade do ambiente, principalmente o urbano, que

era um iminente objeto de intervenção pública.

Entende-se, portanto que a teoria miasmática contribuiu para as concepções

sociais das doenças, no momento em que se viam nos ambientes espaciais os efeitos de

uma possível insalubridade. Neste sentido, concorda-se em parte com as perspectivas

traçadas por George Rosen em seu clássico livro “Uma História da Saúde Pública”,

onde o mesmo, refere-se ao papel primário da teoria miasmática sobre a constituição da

saúde pública no século XIX. Rosen chega a admitir as incoerências da própria teoria,

assim como a definição exata do termo miasma, porém, afirma:

E, embora não estivesse certa, essa ideia forneceu um terreno para a ação

profícua da política sanitária. Muitas vezes, portanto, as coisas não são com-

pletamente claras ou completamente escuras, e ideias erradas podem ser

usadas de modo frutífero.174

Em suma entende-se que as ideias infecto-contagionistas serviram de base

teórica para a concepção miasmática, onde a importância dada ao ambiente físico e

172

CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos dezoito e dezenove. São

Paulo: Companhia da Letras, 2006, pp. 105-118. 173

BOUREL-RONCIÈRE. Paul Marie Victor. ‘La station navale du Brésil et de la Plata’. Archives de

Médecine Navale, Paris, v.19, 1872a, p. 114 Apud MORAIS, Rosa Helena de S.G. de. A geografia

médica e as expedições francesas para o Brasil: uma descrição da estação naval do Brasil e da Prata

(1868-1870). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n. 1, pp. 39-62, jan.-mar.

2007. 174

ROSEN, George. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980, pp. 81-82.

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social foi estendida aos arautos da saúde e da doença, mesmo mergulhada nos

malgrados das limitações científicas da própria teoria miasmática. A premissa desta

teoria foi crucial no entendimento da projeção das questões urbanas no século XIX, no

momento em que percebia os elementos naturais como, o ar, o solo, a água, como meios

de disseminação das doenças pestilentas.

São recorrentes em vários trabalhos historiográficos os embates entre os

médicos contagionistas e infectologistas do século XIX. No meu ponto de vista, creio

que estas discussões apenas restringiam-se ao uso correto do termo a ser utilizado no

aparecimento e proliferação de uma epidemia, não penso que havia de fato um conflito

entre ambas as teorias, pelo contrário, o que houve foi uma bifurcação do termo

contágio pelo termo infeção, que trouxe maior dinamismo às interpretações

contagionistas, isso porque o termo infecção quebra a paridade hierárquica das leis da

natureza, assim as epidemias poderiam ser interpoladas diretamente a grupos ou classes

subalternas.

Pelo exposto acima, não é de se estranhar, que os médicos maranhenses do

século XIX comungassem com essa perspectiva. As fontes para o envenenamento do ar,

que incluíam os pântanos com suas águas estagnadas, os vapores que emanavam dos

corpos humanos e dos animais em decomposição, as excreções e as emanações pútridas

das latrinas eram constantemente lembradas em discursos da câmara municipal de São

Luís.

Na seção da câmara municipal de 03 de maio de 1839, Manoel Felizardo de

Sousa e Mello presidente da Província do Maranhão, assim discursava sobre a questão.

As febres intermitentes, que assaltão principalmente os moradores do

interior, sendo devidas à visinhança dos pântanos, dos terrenos alagadiços &

tem de persistir nos lugares acostumados, em quanto não se modificar a

natureza, e disposição do seu solo: o que por sem duvida não se verificará em

os nossos dias, sim quando braços numerosos ajudados por fortes capitaes

dessecarem os charcos, roteiarem os campos saturados de agoas estagnadas,

derrubarem mattas insalubres, e em uma palavra extinguirem todos os focos

de malignos, effluvios, causadores ordinários das endemias.175

Esta mesma concepção miasmática é reforçada, 15 anos mais tarde pelo então

secretário da Província do Maranhão José Maria Farias de Matos, que assim discursava

em 01 de maio de 1854;

175

MARANHÃO, Presidência da Província. Discurso que recitou o Exm. presidente da Provincia do

Maranhão, Manoel Felisardo de Sousa e Mello na occazião da abertura da Assemblea Legislativa

Provincial, no dia 03 de maio de 1839. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1839,

pp. 41-42.

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Mandai secar esses imensos e imundos charcos, a que chamamos de

pântanos, sobretudo os do Bacanga, onde nascem, vivem e morrem animais e

vegetais de toda a espécie, e acabareis com essas febres de mau caráter, que

se hão tornado endêmicas na nossa Capital, e suas funestas consequências

tais como irritação do aparelho digestivo, hipertrofias do baço e fígado,

hidropisias de que é vítima talvez a terça parte de nossa população.176

Em 1863 a assertiva miasmática novamente é colocada em pauta, desta vez no

relatório geral da Assembleia a respeito das condições do estado sanitário da Província

do Maranhão, neste relatório fica claro a interface existente entre a frequência das

doenças e as estações do ano: “[…] deduz-se também que as condições atmosphericas

têm influído grave e fatalmente sobre as molestias, principalmente sobre as lesões tho-

raxicas, hydropesia, dentições e diarrhea” ou “as dysenterias proprias de nosso

clima”.177

Higienizar os pântanos sempre foi uma preocupação constante na legislação

sanitária de São Luís, especificamente porque o ambiente natural da cidade era

favorável à constituição de miasmas pútridos. César Augusto Marques sublinha que os

esforços para conter os avanços miasmáticos sobre a capital maranhense eram tardios,

referindo-se especificamente ao início das obras do Cais da Sagração, em 1841. Para

Marques a construção do Cais da Sagração beneficiaria a saúde pública, considerando

que uma vasta área em torno do centro comercial seria aterrada e acabaria com as ema-

nações venenosas provenientes dos pântanos que circundavam a capital.178

O segundo Código de Postura de São Luís datado de 1866 é mais um exemplo

da assertiva miasmática sobre a origem das doenças. De acordo com o Art. 175 “os

possuidores de terrenos pantanosos e alagados, dentro desta cidade, são obrigados no

prazo de seis mezes, depois de intimados pelos fiscaes, a aterra-los e bem feitorisa-los

de modo a tornarem-se enxutos e salubres”.179

Carlos Lacaz ressalta que a hegemonia da concepção miasmática das doenças,

influenciaram os intelectuais do século XIX em diferentes partes do Brasil180

. Um

176

MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de

Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 196. 177

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snr. Presidente da Provincia, Dr.

Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snr. Miguel Joaquim Ayres do

Nascimento, No dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1863, p. 24. 178

MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, pp. 282-283. 179

MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na Typographia da

Temperança. Anno, 1866, p. 95. 180

LACAZ, Carlos S. Introdução à geografia médica do Brasil. São Paulo: Edgard Blucher/Editora da

Universidade de São Paulo, 1972, p. 39.

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enfoque semelhante foi adotado entre os maranhenses, principalmente entre os médicos

e seus pares. Pode-se confirmar tal fato nos registros literários, testemunhos da relação

próxima entre saúde e ambiente, que alcançou grande visibilidade ao longo da

sociedade oitocentista.

Entre teses de doutoramento, livros, artigos para jornais e revistas destaco as

seguintes obras: Breve memória sobre o clima e moléstias mais frequentes da Província

do Maranhão, apresentada em 29 de novembro de 1854, na Faculdade de Medicina da

Bahia pelo médico maranhense Cesar Augusto Marques; Dicionário Histórico-

Geográfico da Província do Maranhão, 1870 também de autoria de César Augusto

Marques; Hemato-Chyluria endêmica dos paizes quentes, tese de doutoramento de

Antenor C. Coelho de Souza, médico maranhense, que se graduou pela Bahia em 1886;

e Geograhia Medica e Climatologia do Estado do Maranhão, escrito por Nosôr Galvão

e apresentado ao 4º Congresso Médico Latino Americano, no Rio de Janeiro em 1909.

Em todas essas obras nota-se a parecença da interpretação miasmática e a produção

científica nesse campo de estudo, reiterando ainda mais a importância da matriz

ambiental da saúde no Brasil e no Maranhão.

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3. A LEGISLAÇÃO SANITÁRIA NA PROVÍNCIA DO MARANHÃO

3.1 Da inspetoria da saúde pública: regulamentação e normas do Conselho de

Saúde Pública da Província do Maranhão e da Junta Central de Hygiene Pública

No século XIX a medicina legitimava-se por meio de novas descobertas

científicas, conferindo aos médicos diferentes bases de fundamentação teórica e

espistemiológica, caracterizado a profissão, como fundamental para os problemas

encontrados na vida cotidiana. Os médicos seriam um misto de intelectual e missionário

uma vez que “eram os médicos que planejavam as reformas urbanas, dividiam a

população entre sãos e enfermos, e administravam remédios em alta escala”.181

Michel Foucault resalta que ao longo do século XIX os médicos foram

interpolados em uma dimensão de suma importância na sociedade. Segundo Foucault

eles não eram apenas os esculápios de cura do corpo adoecido, eles significavam antes

de tudo a consolidação da episteme médica sobre a família medicalizada.182

Fazendo uso das estatísticas populacionais183

como categoria de uso e análise

os médicos higienistas contribuíram para o florescimento de novas áreas como a

microbiologia, a bioquímica e a medicina clínica, que tiveram efeitos substanciais na

produção e conservação de alimentos, na farmacologia e na higiene, representando um

passo decisivo para o prolongamento da vida da espécie humana. Foucault define essa

circunstância, como o nascimento em massa do bio-poder184

e da episteme médica na

181

SCHRWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas. Instituições e questão racial no

Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 277. 182

FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 6 ed., tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 2008, pp. 49-50. 183

De acordo com Michel Foucault os termos população e família medicalizada referem-se a uma

apropriação das ciências sociais por parte da biologia, que costumeiramente usa-o no entrecruzamento de

grupos formados por seres humanos. A população e a família medicalizada em uma extremidade

expressam a complexibilidade da espécie humana. Assim população e família medicalizada constituem

um novo elemento coletivo para a história, recaindo sobre elas novos instrumentos de segurança e

persuasão. Cf. FOUCAULT, Michel. A política da saúde no século XVIII. In. Microfísica do poder. 25

ed. São Paulo: Graal, 2012, pp. 296-317. 184

Michel Foucault sugere que a partir da segunda metade do século XVIII novas tecnologias e

mecanismos de poder haviam surgido, com o advento do bio-poder, para ele, nossas sociedades são

vinculadas constantemente aos mecanismos de segurança. Foucault atribui o mesmo sentido do bio-poder

à bio-política, entendendo esta como “o conjunto de mecanismos pelos quais, na espécie humana,

constitui seus traços biológicos para uma estratégia política geral de poder, dito de outra forma o

elemento biológico, ou seja, a espécie passar a ser primordial na esfera do domínio”. Cf. FOUCAULT,

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sociedade ocidental. Foucault ressalva, que para se tornar um almagro de saberes e

verdades a medicina oficial que conhecemos hoje, antes de tudo embebedou-se na fonte

de virtude do direito penal, civil e, sobretudo no discurso eclesiástico da igreja185

. Para

ele ao longo do século XIX a medicina camuflou-se sobre a égide do cuidado e do

controle dos corpos, fazendo disto não apenas sua função, mas sua especialidade. A

primeira tarefa do médico é, portanto, política, a luta contra a doença deve começar com

uma luta contra os maus governos; o homem só será definitivamente curado se for

liberto, nesta sociedade reinará a concórdia, onde a figura do médico transborda com o

ato de legislar sobre decisões do corpo de seus pacientes.186

Foucault continua explicando que a tradição médica do século XVIII, apresenta

a doença como um “código de saberes” constituído de “sintomas e signos”

distinguindo-se pelo seu valor semântico e morfológico187

. Segundo Roberto Machado

no século XIX o médico procura não apenas encontrar elementos que ilustre as

concepções de cura. A doença na medicina passa a ser entendida como um conjunto de

sintomas que são perceptíveis, por outro lado, o sintoma é transformado pela medicina

moderna em signo da doença. A partir, da conceituação de doença e sintomas, bem

como, a percepção de ambos no corpo dos sujeitos, é que surge a figura do médico e a

necessidade da cura sistematizada nos procedimentos terapêuticos da medicina

oficial.188

Entre as inovações médicas do século XIX, potencializam-se as práticas de

controle sobre o corpo, aproximando assim, as descobertas científicas ao cotidiano. A

demografia, o controle populacional, a vigilância e a salubridade urbana passam a ser

pauta constante dos assuntos burocráticos de governo.

Naturalmente, a medicina desempenhou o papel de denominador comum.

Seu discurso passava de um a outro. Era em nome da medicina que se vinha

ver como eram instaladas as casas, mas era também em seu nome que se

catalogava um louco, um criminoso, um doente.189

Michel. O dispositivo da sexualidade. In. História da sexualidade I: A vontade de saber. 13ª ed., Rio de

Janeiro: Graal, 1988, pp. 75. 185

Id. Ibid., pp. 73-123. 186

FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 6ª ed., tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 2008, p. 36. 187

Id. Ibid., p. 97. 188

MACHADO, Roberto. Danação da norma: medicina social e a constituição da psiquiatria no Brasil.

Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 156. 189

FOUCAULT, Michel. Poder-corpo. In. Microfísica do poder. 25ª ed. São Paulo: Graal, 2012, p. 243.

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67

Será a higiene como conceito e prática que irá dar os tons e contornos da

medicina aplicada nos séculos XIX e XX, ela era entendida como arte de conservar a

vida, indicava os rumos para sua utilização, fosse pelos que afirmavam as

responsabilidades individuais no processo de adoecer e morrer ou para aqueles que a

utilizavam como conceito para alardear a determinação social do processo saúde e

doença.

Em meados do século XIX surge no Brasil o discurso higienista, suas propostas

residiam na defesa salvacionista da nação e na preocupação com a higiene e sua

transformação em um conjunto de normas e leis particulares e coletivas, com objetivo

de conter doenças e de melhorar a vida em sociedade.

Analisando o nascimento da medicina social, Michel Foucault identificou três

modelos distintos da aplicação do discurso médico na sociedade. Segundo ele, na

Alemanha desenvolveu-se uma “medicina para o Estado”; na Inglaterra, aplicou-se

uma “medicina para a força do trabalho e controle dos pobres” e na França, em fins do

século XVIII, aplicou-se uma medicina pautada no fenômeno da urbanização,

configurando-se em uma verdadeira “medicina urbana”, que no fundo seria o resultado

de um longo processo histórico.

A medicina urbana não é verdadeiramente uma medicina dos homens, corpos

e organismos, mas uma medicina das coisas: ar, água, decomposições,

fermentos; uma medicina das condições de vida, do comportamento humano

e do meio de existência. [...] A relação entre organismo e meio será feita

simultaneamente na ordem das ciências naturais e da medicina, por

intermédio da medicina urbana.190

De acordo com Foucault dos três modelos citados acima, a medicina urbana

francesa foi a que mais encontrou adeptos ao redor do mundo, isto por que ela se

preocupava em atender três objetivos básicos: O primeiro seria a necessidade de analisar

e intervir nos locais considerados insalubres e perigosos, com maior atenção para os

cemitérios, matadouros, hospitais e prisões. Estes locais eram vistos como geradores de

odores pútridos, que poderiam ocasionar ciclo epidemicos. O segundo objetivo refletiu

na necessidade da garantia da circulação do ar e da água, estes dois elementos eram

considerados fatores patogênicos para a proliferação das moléstias exteriores e

interiores. O terceiro objetivo refletiu na capacidade da medicina urbana em atender os

anseios da administração pública e dos cidadãos. Na realidade a medicina urbana 190

FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In. Microfísica do Poder. 25ª ed., São Paulo:

Graal, 2012, pp. 162-163.

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francesa em muito usufruía da concepção miasmática das doenças, por isso, no século

XIX nota-se uma intensa preocupação dos médicos higienistas em realizar intervenções

cirúrgicas no espaço citadino. Longas e largas avenidas foram construídas, para que o ar

circulasse e se renovasse no arejamento das casas e ruas das cidades.191

Segundo Roberto Machado a higiene se institucionalizou, produzindo práticas

e profusos discursos, os quais encontraram eco e visibilidade na atuação dos médicos do

século XIX192

. Contribuiu também para uma melhor compreensão sobre a saúde e

doença, fazendo-se mister seu reconhecimento e divulgação. Saiu-se das explicações

mágico-religiosas e do silêncio fisiológico para o conceito de nosologia médica.193

Portanto, ao se valer da vigilância dos espaços e dos indivíduos a higiene

afirma-se como um discurso competente preocupado em impedir o surgimento de surtos

e ciclos epidêmicos. As intervenções médicas se justificariam acima de tudo em prol da

salubridade pública. Ao longo da história, os maiores problemas de saúde que a espécie

humana enfrentou estiveram relacionados à natureza em vida comunitária, por isso a

maioria das soluções médicas no século XIX era de ordem da sobrevivência da espécie.

Discutia-se muito a respeito das condições da água e das comidas, melhoria do

ambiente físico e das condições climáticas. Em termos de Brasil as questões higiênicas

apenas começaram a ser discutidas de fato, no ano de 1827, quando o farmacêutico

Francisco Xavier Ferreira deputado estadual pela Província do Rio Grande do Sul fez

severas criticas ao monopólio do saber médico no Brasil194

. No ano seguinte a

Fisicatura-mor195

e o cargo de físico-mordo Império foram extintos, deixando a classe

médica sem apoio nas questões burocráticas do governo.

Tânia Salgado Pimenta destaca que a Constituição de 1824 e a lei de 1828

estabeleceram a criação e as atribuições das câmaras municipais, onde foi extinta a

Fisicatura-mor, e os exíguos serviços de saúde, até então a ela vinculados, passaram a

ser da competência das câmaras municipais. Essa alteração não trouxe mudança

substancial aos serviços, pois atendia, na realidade, à proposta de descentralização do

191

Id. Ibid., pp. 145-170. 192

MACHADO, Roberto. Danação da norma: medicina social e a constituição da psiquiatria no Brasil.

Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 155. 193

O termo nosologia médica diz respeito não apenas ao conhecimento das doenças, mas também ao meio

físico e social. Cf. LACAZ, Carlos. Introdução à geografia médica do Brasil. São Paulo, 1972, p. 39. 194

SIGAUD, Jean François Xavier. Do clima e das doenças do Brasil ou estatística médica deste

império; tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009, p. 309. 195

Entre 1808 e 1824 as atribuições da Fisicatura-mor eram, até então, de fiscalizar a medicina oficial e

os ofícios de cura dos ditos “terapeutas populares”. Cf. PIMENTA, Tânia Salgado. Transformações no

exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante a primeira metade do Oitocentos. História,

Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1), 2004, pp. 67-92.

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poder estatal em função da consolidação das relações locais regidas pela ascendente

“classe senhorial”.196

Jean François Xavier Sigaud salienta que essa discussão abriu a possibilidade

para que em 1830 a câmara municipal do Rio de Janeiro colocasse em pratica um edital

que submetia a Sociedade de Medicina por intermédio da Comissão de Salubridade

Geral a realizar um projeto sobre posturas de higiene e salubridade para a cidade do Rio

de Janeiro. Após a leitura e discussão desse projeto as questões higiênicas e profiláticas

rapidamente se transformaram em modismo, adentrando em várias áreas da sociedade,

além da saúde, tanto que em 1832 ganharam força de lei, nos Códigos de Postura da

cidade do Rio de Janeiro.197

A partir de 1834, foi instituída, para cada Província, uma Assembleia Le-

gislativa Provincial, cuja função era legislar em sua área de competência. O referido

órgão, instalado em 1835, era responsável pela aprovação dos Códigos de Posturas, que

por natureza jurídica eram instrumentos normativos que estabeleciam parâmetros gerais

para o convívio em sociedade.198

De acordo com Heitor Ferreira de Carvalho os Códigos de Posturas foram

instrumentos disciplinadores no intuito de educar o uso e ocupação do espaço urbano,

ao mesmo tempo em que representaram a promulgação das primeiras leis sanitárias que

nortearam os hábitos e as atividades consideradas insalubres. Foram instrumentos de

caráter punitivo quando havia infrações às leis e normas pré-estabelecidas.199

Os Códigos de Postura eram propostos pelas Câmaras Municipais, que desde a

Carta Constitucional de 1824 possuíam natureza exclusivamente administrativa.

Segundo o artigo 66, o inciso dois, da lei de 01 de outubro de 1828, diz que: “é dever da

câmara municipal de São Luís promover posturas sobre a salubridade do município,

assim como forçar a todos os seus moradores a cumprirem suas exigências” 200

. Em

1842 a câmara municipal de São Luís sanciona o estabelecimento do primeiro Código

196

PMENTA, Tânia Salgado. Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante

a primeira metade do Oitocentos. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1), 2004,

pp. 67-92. 197

SIGAUD, Jean François Xavier. Do clima e das doenças do Brasil ou estatística médica deste

império; tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009, p. 310. 198

Id. Ibid., p. 310. 199

CARVALHO, Heitor Ferreira de. Urbanização em São Luís: entre o institucional e o repressivo. 177f.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS da Universidade

Federal do Maranhão – UFMA, 2005, pp. 21-22. 200

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da

Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma Província, Jerônimo Martiniano

figueira de Mello, Na Sessão de 03 de maio de 1843. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.

Ferreira, 1843, p. 12.

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de Posturas da cidade de São Luís com 113 artigos201

, sob o jugo deste Código de

Posturas a salubridade do perímetro urbano da cidade esteve sobre total

responsabilidade da câmara municipal até 1849, que na prática obedecia a um sistema

de saúde descentralizado.

Os serviços de saúde pública no Império de 1828 a 1850 ficaram a cargo dos

municípios que nada fizeram senão organizar alguns regulamentos para

tentativas de saneamento do meio; de 1850 a 1889, a centralização fez-se

pela criação de órgãos centrais de saúde pública, seguidos, posteriormente, de

órgãos provinciais e municipais, subordinados a um órgão central, tendo as

municipalidades direito de legislar sobre a saúde pública.202

Durante o decênio de 1840 e 1850 a cidade de São Luís gozou de relativo

estado de saúde, os serviços higiênicos e profiláticos oferecidos à sua população foram

timidamente melhorados, em 29 de janeiro de 1843 a legislação sanitária do Brasil foi

regulamentada203

. Desse modo, não é de se estranhar que o discurso higienista deixa de

ser teoria passando a existir em ações práticas, o primeiro exemplo dessa transmutação

foi à própria instituição do Código de Posturas de 1842 e da legislação sanitária de

1843.

Por meio destes mecanismos, os médicos procuravam resolver o lócus do

processo civilizador na Província do Maranhão, avaliando a possibilidade de forjar uma

possível “civilização nos trópicos” 204

. O médico José Antônio da Silva Maia205

, talvez

seja o maior expoente dessa concepção em terras maranhenses, o mesmo escrevera em

1845, no jornal da Sociedade Philomatica Maranhense206

um litigioso artigo a respeito

201

Durante o século XIX foram instituídos três códigos de postura em São Luís, referentes aos anos de

1842, 1866 e 1893. Cf. CARVALHO, Heitor Ferreira de. Urbanização em São Luís: entre o institucional

e o repressivo. 177f. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais –

PPGCS, da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, 2005. 202

IYDA, Massako. Cem anos de saúde pública: a cidadania negada. São Paulo: Ed. da Universidade

Estadual Paulista, 1994, p. 30. 203

SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 311. 204

O termo civilização nos trópicos é usado rotineiramente dentro da historiografia brasileira para

designar o projeto evolucionista europeu, da criação de uma nação pautada aos moldes eurocêntricos. Os

trabalhos pioneiros do IHGB ratificam esta postura. Cf. KURY, Lorelai Brilhante. O império dos

miasmas: a Academia Imperial de Medicina (1830-1850). Dissertação de mestrado, UFF, 1990, p. 29. 205

José da Silva Maia, natural de Alcântara doutor em medicina pela Universidade de Paris. Em 1821

com dez anos de idade, Silva Maia foi para a França, estudou ali as primeiras letras e um ano depois

adentrou no Colégio Real de Caen, onde ficara até 1826, neste mesmo ano Silva Maia regressou a São

Luís, voltando pra a França em 1829, ingressou no curso de medicina em 1830 ficando por lá até o ano de

1838, ano em que recebeu a outorga em doutor em medicina pela Universidade de Paris, neste mesmo ano

Silva Maia regressou a São Luís. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da

Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 903-904. 206

O jornal da Sociedade Philomatica Maranhense foi editado no Maranhão entre os anos de 1845 a 1847

tinha como presidente Joaquim Vieira da Silva e Sousa e como editor chefe Raimundo Joaquim

Cantanheide. Sua publicação era anual, trazia artigos com especialistas nos mais variados ramos da

medicina oficial dissertando a respeito da saúde, da prevenção das moléstias (simples e agudas), da

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da higiene urbana e sobre os surtos epidêmicos da varíola que outrora ceifavam vidas na

capital maranhense. Para ele a emergência de uma higiene urbana deveria ser crucial na

tentativa de retirar as pessoas do estado famigerado da imundice que contaminava até a

alma.

No Maranhão a hygiene pública é ignorada até no nome, para o que não tem

pouco contribuído para os nossos governantes, cujo espírito parece achar-se

inteiramente oposto a tudo o quanto é salubridade pública, e aperfeiçoamento

de seus administradores, pois que nada se tem feito na nossa infeliz Província

a favor de tão importante objeto, e o pouco que nos legarão nossos

antepassados, se ainda existe, não é observado, ou está em véspera de

desaparecer completamente, como todas as cousas úteis do Paiz.207

Silva Maia conclui que somente através da higiene, o Maranhão sairia de seu

estado de inércia, passando a constituir uma sociedade dinâmica e eficaz, dizia também

que a higiene era o único preservativo correto na preservação da vida.

Espalharemos pelas diversas classes da Sociedade noções de hygiene e

instruções convenientes, procurando conciliar os nossos concidadãos em

todas as phases de sua existência; examinaremos as causas que tendem a

favorecer a reprodução, afim de determinarmos os meios mais adequados à

imprimir-hes modificações salutares, e alias compatíveis em nosso estado

social; bem como as circunstâncias e perigos que precedem, acompanhão e

seguem o nascimento do homem [...] para que o homem possa chegar são e

forte a mais avançada velhice, e ter um termo isento de sofrimentos [...]

envidaremos enfim todos os esforços para ensinar-mos aos nossos

comprovincianos à evitarem as causas prejudiciais, e à fazerem bom uso das

uteis. Si o conseguirmos serão cumpridos todos os nossos desejos, e os da

Sociedade Philomatica Maranhense.208

Apesar de ser adversário político de Silva Maia, Cesar Augusto

Marques209

projeta-se na mesma direção, segundo o próprio, somente pela higiene o

Maranhão poderia se ver livre dos surtos epidêmicos das doenças pestilentas210

. O

relatório entregue em 1856 pelo vice-presidente da Província do Maranhão José

aplicação dos remédios além das descobertas científicas. Cf. MARANHÃO. Secretaria de Estado da

Cultura. Biblioteca Publica Benedito Leite. Serviço de Apoio Técnico. Catálogo de jornais maranhenses

do acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite: 1821-2007. São Luís: Edições SECMA, 2007, pp. 26-27. 207

JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMATICA MARANHENSE. Hygiene Publica, 1846, p. 13. 208

Ibidem, p. 12. 209

César Augusto Marques (1824-1900), natural de Caxias-MA, foi médico do Corpo de Saúde do

Exército, no mesmo ano de sua graduação na Província da Bahia, servindo ainda no Maranhão, Pará e

Amazonas. Dentre os muitos cargos e funções que exerceu, destacam-se os de Médico da Província,

Comissário Vacinador, da Saúde do Porto, Consultor da Santa Casa, Cirurgião da Guarda Nacional,

Médico da Companhia de Aprendizes Marinheiros e dos Educadores Artífices, membro da Junta de Saúde

Militar e secretário da Comissão de Higiene Pública; foi professor do Liceu do Piauí e do Seminário das

Mercês, em São Luís. Cf. MEIRELES, Mário. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 225. 210

MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de

Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 597-599.

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Joaquim Teixeira Vieira Berford também ratifica a hipótese da emergência da higiene

pública.

Se um dos fins a que se propões a hygiene publica, é, como acredito,

extinguir e remover as cauzas, que, directa ou indirctamente podem influir

para a alteração da saúde pública, fora, entretanto, demasiado exigir que ella

pudesse afastar de nós todas as enfermidades que flagellão a humanidade. As

cauzas, se não estou em erro, do aparecimento e do desenvolvimento das

queixas que soffremos na saúde, a maior parte das vezes, permanecem, a

despeito dos esforços da sciencia, ocultas ao homem, e na generalidade dos

cazos de moléstias endêmicas, esporádicas, ou epidêmicas, são elles

duvidosas cauzas telluricas ou atmosfhericas.211

A relativa estabilidade do estado sanitário da Província do Maranhão alcançada

entre os anos de 1840 a 1850 parecia que continuariam por longa data, os ânimos

higiênicos ganhavam cada vez mais ares de esperança. Em 1849 foi instituída a lei de

criação do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão. Em 11 de janeiro de

1850 Azevedo Coutinho pôs em circular as normas de cunho pessoal e de organização

do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão212

. Segundo o artigo 4° do

Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão:

As medidas profiláticas deveriam se estender da capital ao restante das

comarcas, por isso ficara estabelecido que em cada cabeça de comarca da

Província, haverá um médico facultativo que ser considerado como delegado

da respectiva comarca (Grifo meu), tendo gratificação assistida pela

Assembleia Legislativa Provincial.213

O artigo 5° do regulamento do Conselho de Saúde Pública da Província do

Maranhão outorgava aos médicos facultativos, a permissão de inspecionar, vigiar e

promover sobre todos os assuntos administrativos à higiene pública. Para tal objetivo os

médicos poderiam contar com o auxílio dos delegados de saúde e da polícia sanitária, a

fim de:

Visitar prisões, inspecionar estabelecimentos industriais e matadouros

públicos, examinar a planta das cidades, vilas e povoações, vigiar os

cemitérios, tutelar sobre as medidas preventivas de cura contra as doenças

contagiosas, reprimir os efeitos do charlatanismo, examinar a sanidade dos

211

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da Província do

Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência da Província do Maranhão ao

Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado, 21 de dezembro de 1856.

Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856, p. 07. 212

Pelas normas da Câmara Municipal de São Luís o Conselho de Saúde Pública da Província do

Maranhão teria como previsão de inicio de suas atividades apenas em 18 de dezembro de 1851, sendo

presidido na própria casa da Câmara Municipal, contudo o Conselho de Saúde Pública da Província do

Maranhão começou seus serviços ainda em 1850. Cf. O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de janeiro

de 1850, Governo da Província, p. 02. 213

O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de janeiro de 1850, Parte Official, Governo da Província, p.

02.

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alimentos e bebidas, visitar as boticas, fazer corpo delito e autópsias

devidamente registrados pelo Conselho de Saúde Pública da Província.214

O Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão atuou com vigor e

praticidade no ano de 1850. O objetivo pretendido pelo Conselho era levar a emergência

da higiene pública para toda dimensão da Província do Maranhão, e mesmo que isto,

não pudesse ser feito em curto prazo, essa atitude revela que os médicos da época

sabiam que o aparecimento de surtos epidêmicos não dependia única e exclusivamente

do controle da entrada e saída de embarcações do porto da capital. As moléstias

poderiam ser importadas pela região do Turiaçu, ou por Caxias, passando por Pastos

Bons e Itapecuru chegando por fim a São Luís.215

A polícia sanitária216

era responsável por resguardar a posição da política

sanitária da Província do Maranhão, havendo ordens do governo no intuito de prevenir

o aparecimento de epidemia na capital ou para diminuir a gravidade dos males

ocasionados por determinada epidemia. Por essa prerrogativa os citadinos obedeciam às

posturas municipais sobre a saúde pública a fim de evitarem multas ou outros processos

penais217

. Em especial, a câmara municipal de São Luís constantemente relembrava a

população local, sobre duas posturas:

Postura n° 34. Todos os que tiverem em sua loja, ou armazém géneros

corrupitos, que prejudiquem a saúde pública, serão condenados a pagar a

pena de seis mil reis; e nesta proporção, pelas reincidências até o máximo.

Postura n° 83. Todos os gêneros corrupitos que forem encontrados quer em

terra, ou a bordo de qualquer embarcação, conforme a postura 34, serão de

depois julgados tais pela Comissão de Saúde, inutilizados ou jogados ao mar,

como melhor convier; sendo este trabalho feito à custa dos donos de taes

gêneros.218

214

Ibidem, p. 02. 215

Médicos e autoridades públicas sabiam que a região de Turiaçu possuía uma intensa movimentação de

embarcações fluviais, já a região de Caxias e Pastos Bons estavam próximas ao Piauí. 216

De acordo com Michel Foucault a polícia médica sanitária foi instituída de fato na Alemanha no

século no século XVIII. Ela fazia parte de um sistema amplo de controle social; se estendendo a registros

de obituários, nascimentos, controle sobre produtos alimentícios, espaços públicos e privados, há

fenômenos epidêmicos e pandêmicos em longa escala. Cf. FOUCAULT, Michel. O nascimento da

medicina social. In. Microfísica do Poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, pp. 148-149. 217

A polícia sanitária foi instituída pelo decreto de 29 de janeiro de 1843, cujo qual prescrevia as

obrigações do Provedor da Saúde ocupado por mais de 30 anos pelo cirurgião Verissimo dos Santos

Caldas, depois pelo cirurgião Silvestre Marques da Silva Ferrão que exerceu o cargo por alguns meses,

depois pelo Dr. Luís Miguel Quadros. Vale ressaltar que as obrigações da policia sanitária foram

reestruturadas pelo Decreto de n° 828, de 29 de dezembro de 1851 cujo qual o Ministério do Império

mandou executar o Regulamento da Junta de Hygiene Pública em conformidade do disposto no Decreto

de n° 598, de 14 setembro de 1850. Por este ultimo foi criado às normas de institucionalização da Política

Sanitária da Província do Maranhão em 1850. Cf. MARQUES, Cesar Augusto. Dicionário histórico–

geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 598. 218

O PUBLICADOR MARANHENSE, 16 de Abril de 1850, Repartição da Polícia, p. 02.

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Em 15 de abril de 1850 as respectivas posturas foram adotadas com veemência

entre os comerciantes de couros da capital. Estes se queixavam das peticionárias

propriedades de armazenamento de couro. Queriam eles, que o local conhecido como

pátio de São Thiago219

fosse usado na preparação de seus produtos, porém, o Conselho

de Saúde considerava tal manipulação de carnes e couros a céu aberto, imprópria à

saúde dos citadinos, pois poderia facilitar a entrada de moléstias oriundas das vísceras

dos animais mortos, por isso proibiu que no pátio de São Thiago fosse realizada

quaisquer operação semelhante que pudesse colocar em risco a saúde da população.

O decreto imperial de nº 598 de 14 de setembro de 1850 estabeleceu as normas

e institucionalização da Junta Central de Hygiene Pública com jurisdição sobre todo o

território nacional. Nas províncias a Junta Central de Hygiene Pública, atuaria através

de Comissões de Higiene Pública, estabelecidas na capital de cada uma delas220

. Em

São Luís a Comissão de Higiene Pública iniciou suas funções no ano seguinte e assim

era subscrita pelo seu próprio regulamento.

Ar. 1° A Junta de Hygiene Pública, creada por Decreto de 14 de Setembro de

1850, será denominada Junta Central de Hygiene Pública – Seu assento será

na Corte; e no município desta e na Província do Rio de Janeiro exercitará

imediatamente a sua autoridade.

Ar. 2° Nas Províncias do Pará, Maranhão, Bahia e Rio Grande do Sul haverá

Comissões de Higiene Pública, compostas de três membros, nomeados pelo

governo que dentre as mesmas designará seu Presidente; nas outras

Províncias haverá somente Provedores de Saúde Pública. Os Presidentes

tanto da Junta como das Comissões, tem voto de qualidade.

Ar. 3° Farão parte das Comissões de Hygiene Pública os Comissários

Vacinadores Provínciaes, os Provedores de Saúde dos Portos, e Delegados,

Cirurgião-mor do Exército, onde os houver. Os Provedores de Saúde Pública

serão escolhidos destas três classes, segundo o Governo entender.221

O decreto nº 828 de 29 de setembro de 1851 estabeleceu o regulamento da

Junta Central de Hygiene Pública222

, que prescrevia acima de tudo:

Propor ao governo todas as medidas, que julgar necessárias ou convenientes a

bem da salubridade pública, e informar sobre as que lhe forem indicadas pelo

governo. Entender na efetiva execução das Posturas da Câmara Municipal

relativas ao objeto de salubridade pública, e indicar-lhe as medidas que julgar

219

O pátio de São Thiago ficava em frete a capela de São Thiago, localizada noatual bairro das

Cajazeiras. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do

Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 851. 220

MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 229. 221

O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de dezembro de 1851, Parte Official, Governo Central,

Ministério do Império, p. 01. 222

Sobre o Decreto nº 828 - de 29 de setembro de 1851. Manda executar o Regulamento da Junta de

Hygiene Publica. Cf. O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de dezembro de 1851; SENADO

FEDERAL. Portal Legislação. Online. Capturado em 15 set. 2013. Disponível na Internet:

http://legis.senado.gov.br/legislação/ListaPublicaçoes. Acesso em 15 de setembro de 2013.

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necessárias ou convenientes para que se convertam em Posturas, recorrendo

para o governo (...) quando não for atendida; Exercer polícia médica nas

visitas das embarcações até agora encarregadas à inspeção da Saúde do Porto,

e nas que devem fazer-se nas boticas, lojas de drogas, mercados, armazéns, e

em geral em todos os lugares, estabelecimentos, e casas donde possa provir

dano à Saúde Pública.223

Com a regulamentação da Junta Central de Hygiene Pública, os médicos

higienistas passaram a ter um grande monopólio na vida pública e política do país, suas

influências seriam sentidas nas mais diferentes instâncias de poder da vida pública,

sobretudo em assuntos urbanos224

. As normas da Junta de Higiene Pública dão fé a essa

questão, as mesmas balizavam-se, em oitos itens.

O primeiro deles diz respeito aos empregados da repartição de saúde pública,

ficou estabelecido que cada repartição de saúde pública das províncias deveria ter no

mínimo três médicos permanentes formados em medicina legal e conhecedores assíduos

das medidas higiênicas no combate ao desenvolvimento de surtos epidêmicos. Sendo

que o primeiro seria o presidente do conselho, o segundo ficaria incumbido ao cargo de

secretário do conselho e o terceiro ficaria em vogal. Além desses três médicos deveria

existir um médico assistente em vogal para substituir qualquer um destes, caso fosse

necessário.225

O segundo item, diz respeito à inspeção de saúde dos portos. A Junta de

Hygiene Pública substituiria o decreto de n°. 268 de 29 de janeiro de 1843, com as

seguintes alterações:

Os provedores de saúde dos portos ou qualquer membro das Comissões de

Saúde das Províncias terão que entrar em contato imediatamente com a Junta

Central de Higiene sobre o aparecimento ou não de alguma moléstia, e onde

não houvesse comissões os provedores de saúde darão parte das notícias ao

presidente da Província, que automaticamente as repassará à Junta Central de

Higiene Pública.226

O terceiro item refere-se à inspeção da vacina, onde ficou igualmente acertado

que a Junta Central de Hygiene continuaria a dar vigor ao decreto de n°. 461 de 17 de

agosto de 1846 com apresentação de exames, mapas e relatórios sobre o estado de

223

BRASIL. Decreto nº 598 de 14 de setembro de 1850. In: COLLEÇÂO DE LEIS DO BRASIL, 1850,

Tomo XI, parte I. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1951. 224

A respeito da criação e função da Junta Central de Hygiene Cf. DELAMARQUE, Elizabete Vianna.

Junta Central de Higiene Pública: vigilância e política sanitária (antecedentes e principais debates).

187f. Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências e da

Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz, como requisito para obtenção do Grau de Mestre. Área de

Concentração: História das Ciências. Rio de Janeiro, 2011. 225

O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de dezembro de 1851, Parte Official, Governo Central,

Ministério do Império, p. 01. 226

Ibidem.

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vacinação em cada Província do Império, os governos das províncias ficaram

incumbidos de regular o serviço de vacinação, assim como os dias e locais a serem

aplicadas as vacinas.227

O quarto item diz respeito ao exercício da medicina legal, onde ninguém

poderia exercer o ofício da medicina ou qualquer uma de suas ramificações sem ter

título conferido pelas Escolas Médicas do Brasil ou do exterior e com devida habilitação

dada pela Junta Central de Higiene Pública. O quinto item diz respeito à polícia médica

sanitária, que dava autorização às comissões de higiene a realizarem normas de

vigilância sanitária em ruas, praças, estabelecimentos públicos e particulares. O sexto

item, refere-se especificamente aos procedimentos corretos a serem feitos durante as

visitas sanitárias, o sétimo item posicionava-se, sobre as vendas de medicamentos nas

boticas e o oitavo item ratificava as disposições gerais que deveriam ser feitas caso

houvesse alguma irregularidade durante as visitas sanitárias.228

A regulamentação e as normas da Junta de Hygiene Pública e do Conselho de

Saúde Pública da Província do Maranhão ratificam que os preceitos da higiene se

transformaram em um conjunto de normas e leis particulares e coletivas, com objetivo

de controlar doenças e de melhorar a vida em sociedade. Isto ocorreu não por acaso,

mas, porque, cada vez mais a higiene tornou-se “regra”, seja no cuidado com a

atmosfera, mantendo suas condições normais e livrando-a de causas de poluição, seja

pela água, evitando-se sua contaminação, no cuidar do solo, já que é nele que o homem

assenta sua morada ou na distribuição espacial do lar demarcando os locais para

determinadas relações sociais.

3.2 Da inspetoria de saúde do porto: regulamentação e a normatização do porto de

São Luís

A vinda da Família Real Portuguesa e sua corte, em 1808 para o Brasil

possibilitou uma série de mudanças e melhorias na saúde pública da ainda então

Colônia. Nesse processo seguiu-se uma série de ações político-administrativas que iriam

alterar o panorama geral do Brasil. Em 1809 o Príncipe D. João regulamenta os serviços

227

Ibidem. 228

Ibidem, p. 02.

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prestados pelo provedor da saúde do porto229

, suas funções passam a ser privativas a

médicos diplomados, sobretudo na vigilância dos portos. Sobre este assunto, Mário

Martins Meireles assinala:

Nas capitais regionais que fossem portos de mar, teria a coadjuvação de um

guarda-mor da Saúde, que teria, às suas ordens, uma Política de Saúde do

Porto, de modo a que houvesse uma permanente vigilância nos navios

chegados, e para evitar que desembarcassem pessoas com moléstias infecto-

contagiosas ou mercadorias já inaproveitáveis para o consumo.230

Segundo George Rosen o século XIX tem como característica principal a

normatização administrativa dos portos espalhados pelos continentes, a fim de

garantirem um livre transito entre as mercadorias mundiais, para este autor as

quarentenas, tinham por objetivo conter o surgimento dos surtos epidêmicos de doenças

pestilentas, melhorando assim o escoamento e distribuição das mercadorias231

. A corte

portuguesa contribuiu para o salto substancial no que diz respeito aos serviços sanitários

disponíveis em São Luís. Por suas condições geográficas a capital maranhense seria um

ponto estratégico de comunicação com os portos da Europa, Ásia e África, entendia-se

que a distância entre São Luís e a Europa era menor do que a de São Luís com Rio de

Janeiro232

. Esta situação é comprovada pelo porto de São Luís ser majoritariamente

ocupado por ingleses no início do século XIX.233

Fato que ligeiramente motivou o governo imperial a desenvolver uma política

que pudesse enquadrar a Província do Maranhão nas devidas linhas de salubridade e

higiene pública da nação. Dentro do contexto econômico, o Maranhão já desempenhava

um importante papel. Matthias Assunção destaca que desde o inicio do século XIX São

Luís despontou como uma das principais cidades portuárias do Brasil.234

229

O cargo de provedor da saúde do porto era exercido anteriormente por vereadores sem especialização

médica, auxiliado por outros funcionários. Em 1655, o Senado da Câmara de São Luís criou o cargo de

Juiz da Saúde, que tinha como função informar sobre o aparecimento de moléstias importadas por navios

que chegavam com negros. Cf. MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p.

207. 230

Id. Ibid., p. 221. 231

ROSEN, George. Uma história da saúde pública. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro: Abrasco, 1994,

pp. 210-212. 232

GALVÃO, Manuel da Cunha. Melhoramento dos portos do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia-

Perseverança, 1869, pp. 87- 112. 233

A respeito da presença inglesa em São Luís entre os séculos XVIII e XIX, Cf. VIVEIROS, Jerônimo

de. História do Comércio no Maranhão (1612-1895). V. 2. São Luís: Coleção Academia Maranhense de

Letras, 1992. 234

ASSUNÇÃO, Matthias Rohrig. Exportação, mercado interno e crises de subsistência numa província

brasileira: O caso do Maranhão, 1800-1860. In. BOTTCHER, Nikolaus; HAUSBERGER, Bernd.

Dinero y negócios em la historia de América Latina. Frankfurt & Madri: Vervuert - Iberoamaricana,

2000, pp. 291-192.

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A regulamentação dos serviços do porto da cidade de São Luís é datada do ano

de 1843, a mesma obedece às orientações do decreto imperial de nº 268 de 29 de

Janeiro de 1843, que sublinhava as inspeções de saúde dos portos da nação. Por este

decreto nenhuma embarcação poderia atracar em qualquer porto do Brasil sem a

apresentação da carta de saúde da dita embarcação.235

De acordo com Sigaud, o Dr. José Antônio da Silva Maia (conselheiro do

Império) foi peça fundamental na elaboração dos doze artigos sobre a saúde e vigilância

dos portos da nação do decreto imperial de nº 268 de 29 de Janeiro de 1843.236

Art. 1°. As câmaras municipais não terão doravante nenhuma intervenção nas

inspeções sanitárias dos portos, nem tampouco na nomeação dos empregados

que serão escolha do governo.

Art. 2°. O posto e a função do professor de saúde serão exercidos pelo

inspetor da saúde, o qual será médico ou cirurgião.

Art. 3°. Haverá no Rio de Janeiro um inspetor e dois secretários-interpretes,

um agente, um porta-estandarte, e dois guardas.

Art. 4°. Na Bahia, Pernambuco e Maranhão haverá o mesmo número de

empregados, menos um secretário, o agente, o estandarte e o guarda.

Art. 5°. Nos outros portos providos de alfândega só haverá um inspetor e um

guarda, o qual preencherá as funções de escrivão e secretário.

Art. 6°. Os secretários-interpretes deveram saber falar francês e inglês.

Art. 7°. Nos portos em que a saúde terá um barco a sua disposição, este

servirá também para as visitas da polícia do porto; nos outros, este serviço

será feito no barco da alfândega.

Art. 8°. O inspetor tem direito de visitar todos os navios declarados em

quarentena, de inspecionar os serviços dos empregados, de examinar as

patentes de saúde, de empreender e fazer cumprir todas as medidas de polícia

sanitária e, nos casos difíceis e imprevistos, de reclamar a autoridade do

ministro de Império.

Art. 9°. Aos secretários pertence a tarefa de intérpretes, a visita aos navios, a

expedição de escrituras, a manutenção de arquivos e o teor e a assinatura das

patentes de saúde.

Art.10° O agente tem obrigação de entregar os pareceres ao inspetor, de

receber do Tesouro o salário dos empregados, de abastecer os navios em

quarentenas de todos os objetos e provisões que reclamem, de vigiar a

limpeza da casa de saúde, etc.

Art. 11°. Os guardas devem acompanhar os secretários em suas visitas de

inspeção, etc.

Art. 12°. Um local conveniente será escolhido em cada porto para a casa de

saúde.237

.

Em 1849 o terrível flagelo da febre amarela grassou a cidade do Rio de Janeiro

por completo, o impacto da moléstia foi tamanho que levou o Estado Imperial a

235

SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 311. 236

Disponível em: www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-29_12.

pdf. Acesso em 12 de novembro de 2013. 237

SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 311.

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rediscutir as questões de saúde pública de maneira incisiva238

. Segundo Lycurgo Santos

Filho foi somente a partir do episódio do flagelo da febre amarela em 1849 que se

passou a discutir com veemência o controle das epidemias mortíferas no Brasil239

. A

própria criação da Junta Central de Hygiene Pública foi um reflexo dessa situação.

Sobre esta questão Flávio Edler cita a criação da Junta Central de Hygiene

Pública no centro do debate científico em 1850 e os conflitos que por ela perpassaram.

A cooptação de importantes quadros das elites médicas, brindados com

cargos públicos em instituições médicas estratégicas, com as faculdades de

medicina e a Junta central de Higiene Pública; um forte controle do ensino

médico, que corrompia a formação técnico-científica através das cartas de

empenho, viabilizando, assim a constituição de uma burocracia estatal

conformada ao sistema de patronagem política e o esvaziamento das

propostas de organização de um sistema de instituições médicas, seja através

de um sistema de instituições médicas, seja através de respostas parciais ou

efêmeras às reivindicações defendidas pelas principais lideranças, médicas ou

mesmo pela postergação das medidas por elas preconizadas visando o

controle e regulamentação do exercício da medicina e melhoria na formação

profissional.240

Tânia Salgado Pimenta acrescenta que a criação da Junta Central de Hygiene

Pública foi um marco para a medicina acadêmica e para as pretensões médicas no

controle e monopolização dos saberes de cura. Contudo, segundo a autora, após a

criação da Junta Central de Hygiene Pública nunca se tinha visto antes tantos súbitos da

febre amarela e de outros flagelos como a cólera morbus e a varíola no Rio de

Janeiro.241

Gabriela Sampaio e Luiz Otavio Ferreira sugerem que a criação da Junta

Central de Hygiene Pública em 1850 não constituiu um corpo institucional coeso para

os médicos e seus pares, isto porque a mesma foi gestada em momentos de conflitos e

pretensões políticas. Muitos médicos reclamavam abertamente sobre os equívocos da

238

Para aprofundar a questão da epidemia de Febre amarela que assolou o Rio de Janeiro em 1849, Cf.

REGO, José Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de

Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851; RODRIGUES, Claudia. A

cidade e a morte: a febre amarela e seu impacto sobre os costumes fúnebres no Rio de Janeiro (1849-

1850). In: História, Ciência e Saúde. Vol. 6, nº 1, 2000. FRANCO, Odair. História da febre amarela no

Brasil. Rio de Janeiro, 1969. 239

FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2. São Paulo:

Hucitec/EDUSP, 1991, p. 499. 240

EDLER, Flávio Correa. As Reformas do Ensino Médico e a Profissionalização da Medicina na Corte

do Rio de Janeiro, 1854-1884. 275f. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas, USP, São Paulo, 1992, p. 38-39. 241

PIMENTA, Tânia Salgado. O exercício das artes de curar no Rio de Janeiro (1828 a 1855). 256f.

Tese de doutorado, UNICAMP: Campinas SP, 2003, p. 176.

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Junta Central de Hygiene Pública, principalmente no controle e distribuição de

remédios e na distribuição da linfa vacínica contra a varíola.242

Circunstancia similar é percebida em São Luís em 1850, quando o Dr. José

Antônio da Silva Maia preocupado com a importação do flagelo da febre amarela ao

porto da Ponta d’ Areia estabeleceu normas sobre as quarentenas de mar ao porto de

São Luís. No mesmo ano Silva Maia postulou um documento identificado: Medidas

sanitárias adoptadas na Província do Maranhão para evitar a epidemia da febre

amarela. Neste documento Silva Maia aponta seu parecer oficial sobre a febre amarela.

Quanto á origem da epidemia pretendião muitos medicos que ella fôra

importada da Nova Orleans, onde estava fazendo grandes estragos, por um

navio que apportára à Bahia, com direcção à California, ou da Costa d’Africa

pelos numerosos navios que andão no trafico da escravatura. Outros, porém,

sustentavão que o mal tinha alli mesmo a sua origem, e que provinha das

emanações pantanosas, verdadeiras envenenamentos pelos miasmas vegetais

e animaes que exhalão dos alagadiços, das agoas estanques, dos charcos, e

mesmo do solo d’aquella Província.243

O parecer de Silva Maia vai de encontro aos pressupostos da medicina urbana

francesa que exemplificava a origem da doença no século XIX ao controle dos espaços

públicos e centros urbanos em busca de possíveis focos endêmicos e epidêmicos. O

relato do Dr. Silva Maia caracteriza-se como de suma importância, pois, oficialmente a

regulamentação oficial da saúde dos portos brasileiros passou a ser vigente desde 29 de

janeiro com o Decreto Imperial de nº 268, no entanto as discussões sobre a tutelada e as

quarentenas dos portos da nação foram realizadas somente em 1851, e isto somente fora

feito devido aos efeitos do terrível flagelo da febre amarela que atacou o Rio de Janeiro

em 1849.

Em 1851 foram realizadas reuniões em Paris, onde foram discutidas as medidas

profiláticas das quarentenas244

de mar nos portos de todo o mundo.

242

Cf. SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura: as diferentes medicinas no Rio de Janeiro

Imperial. 192f. Dissertação de mestrado UNICAMP. Campinas SP, 1995; FERREIRA, Luiz Otávio. O

nascimento de uma instituição científica: os periódicos médicos da primeira metade do século XIX. Tese

de doutorado, USP: São Paulo, 1996. 243

MAIA, José da Silva. Medidas sanitárias adoptadas na Província do Maranhão para evitar a

epidemia da febre amarella, com o regulamento de saúde dos portos. São Luís, Typ. Ferreira, 1850, p.

10. 244

Segundo Michel Foucault as medidas de quarentenas já haviam por existir em várias parte da Europa

desde a Idade Média, em alguns países como a França, por exemplo, existia até mesmo um regulamento

em caso de aparecimento de surto epidêmico de qualquer natureza. Segundo Foucault este regulamento

possuía cinco itens básicos: 1° cada família deveria permanecer em sua casa e se possível cada pessoa em

seu compartimento, 2° a cidade deveria ser dividida em distrito ou bairros para facilitar o controle sobre a

epidemia; 3° deveria haver inspetores de saúde para observar e enviar relatórios, se possível diários sobre

o desenvolvimento da epidemia, 4° os inspetores deveriam diariamente passar em revista em todas as

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O poder contagioso desta moléstia não pode jamais ser contestado. Se em

outras épochas a influencia prestigiou o comércio, o poder dominador do

século, pode, para aniquilar as medidas de quarentenas que prejudicar a seus

interesses, levantar uma phalagede anti-contagionistas, que, nos congressos

sanitaristas de 1851 a 1853 resolveram os govemos da França e da Inglaterra

a reduzi-las a meras formalidades que não impedissem a liherdade do

comercio, muito severa foi de certo a lição que soffreram aquelles povos.

Depois da epidemia de febre amarella de Saint Nazaire, sobre a qual versou o

brilhante relatório do senhor Héfíer, e uma extensa e importante discussão na

Academia de Medicina de Paris, em que ficou claramente definida acerca da

transmissibilidade da moléstia pelos doentes, e pelos carregamentos dos

navios, e especialmente a formação do foco de infecção no porão dos

mesmos; o Governo francês, reformando suas medidas sanitárias de accordo

com estas ideias, determinou o isolamento dos navios, seu arejamento e

desinfecção cuidadosa do carregamento, e além d'isto o lazareto para os

passageiros; e no caso de não ter havido doentes a bordo, e sim ter o navio

somente carta suja isto é, ser de procedência contaminada pela epidemia,

ainda assim, determina o decreto de 1851 o isolamento do navio, seu

arejamento a desinfecção, bem como a do carregamento.245

Ainda assim, havia aqueles a considerar as quarentenas como percalços para

uma atividade portuária dinâmica, por isto não era difícil burlar-se a lei mediante a não

apresentação da carta de navegação. Discussões como esta voltaram a acontecer nos

anos subsequentes a 1851. Artigos científicos da Gazeta médica da Bahia apontam que

as autoridades da França e da Inglaterra ratificavam os benefícios das quarentenas, mas

mesmo assim ainda havia por existir contrários a essa obrigação.

As leis francezas punem com a pena de morte o indivíduo que por transgredir

os regulamentos sanitários, é causa d'uma invasão' pestilencial. E será

irresponsável a authoridade que, incumbida de fazer observar estes

regulamentes, os despreza por ignorância ou por incúria, causando assim

enorme dano á saúde publica? A historia das epidemias nos mostra as

terríveis devastações que fazem elas quando encontram em sua recepção um

conjuncto de más condições hygienicas. Basta vê-las para estremecer-se de

boas medidas quarentenarias que devem ser observadas rigorosamente, com

especialidade nos lugares ainda não atacados. Não reputamos necessária a

quarentena tão longa como era de rigor outrora: com o auxilio dos meios de

desinfécção hoje empregados, que tendem a salubrificar o foco da moléstia, a

quarentena pôde ser menos longa e não menos efficaz. A communicação com

os lugares atacados da molestia, devem ser feitas com toda a precaução, com

a desinfécção dos navios, mercadorias, etc, vindas d'esses lugares. Na cidade

devem ser tomadas rigorosas providencias sanitárias, em relação ao asseio e

desinfecção das ruas, casas, pateos, latrinas, canos, etc. As dejecções e roupas

dos indivíduos atacados devem ser desinfetadas e lançadas ao mar, longe da

costa, ou enterradas; e a policia deve fornecer às casas pobres os meios de

effectuarem esta desinfecção. Os cadáveres dos fallecidos da epidemia não

casas do distrito ou do bairro, 5° em casa por casa deveria se praticar a desinfecção. Cf. FOUCAULT,

Michel. O nascimento da medicina social. In. Microfísica do Poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, pp.

155-156. 245

GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a direção do

Dr. Antônio Pacífico Pereira 1870. Hygiene Publica. A hygiene n’esta cidade; a proposito da invasão da

febre amarela. 15 de maio de 1870. Bahia, Volume III, impresso na Typ. J. G. Tourinho, 1870, p. 218.

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devem ser enterrados sem certas precauções. Dever-se-hia proceder como nos

hospitais da França em relação aos colericos: Logo que sucumbia o doente

espalhava-se ácido phenico em torno da cama; no caixão se assentava o corpo

em cloreto de cal, e enchia-se o espaço restante de serradura impregnada de

ácido phenico; e além d'isto, quando o caixão descia á sepultura, deitava-se

sobre a cova uma camada de cloreto de cal, e fazia-se por cima uma aspersão

com água cloruretada. E todas estas medidas não são demais para aniquilar a

influencia contagiosa da moléstia.246

Em “Medidas sanitárias adoptadas na Província do Maranhão para evitar a

epidemia da febre amarela” essa orientação já havia por existir na cidade de São Luís.

Além disso, o Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão era atuante em São

Luís desde 1850.

O relatório geral do estado sanitário da Província do Maranhão do ano de 1850

presta contas à boa atuação do Conselho de Saúde Pública. Segundo o Conselho de

Saúde Pública, o porto e o lazarento da Ponta da Areia encontram-se em bom estado de

salubridade, os mesmos funcionavam na melhor oferta possível, seus empregados

executam com zelo e inteligência as medidas sanitárias e higiênicas para abstrair a

introdução de qualquer mal que por ventura pudesse colocar em risco a saúde coletiva.

As quarentenas de mar eram feitas regularmente tanto de dia, quanto a noite, por

sentinelas postadas a cinco beiras da praia, vigiados também por uma barca da

alfandega e por uma lancha comandada por um guarda da saúde.247

A fora todas essas preocupações o diretor do lazarento da Ponta d’ Areia

ronda em horas incertas na noite, nas ditas embarcações de vigilância,

entrando nas embarcações sob custódia de quarentena averiguando o estado

de saúde tanto da tripulação quanto da embarcação, também fora vetada

quaisquer comunicação entre tribulações em quarentenas é citadinos. Sendo

que os próprios funcionários do lazarento são obrigados a tomar diariamente

banhos salgados com cloro afim de evitar-se quaisquer contágio.248

O estado sanitário da cidade de São Luís era satisfatório em 1850, parecendo

que nas atuais circunstâncias não havia moléstia alguma por reinar em longos anos em

São Luís, elogiava-se com prazer e zelo os serviços prestados pelo Conselho de Saúde

Pública da Província do Maranhão, principalmente no anseio e limpeza das ruas, casa,

quintais e salubridade dos portos da cidade. Sendo que nunca fora tão grande tamanha

246

Ibidem. 247

MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do

Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de

sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.

Ferreira, 1850, p. 12. 248

O PUBLICADOR MARANHENSE, 30 de abril de 1850, Parte Official, Governo Central,

Ministério do Império, p. 03.

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83

satisfação da câmara municipal com as posturas higiênicas adotadas na cidade de São

Luís.249

As medidas sanitárias aplicadas aos portos do Brasil foram postas no porto da

Ponta d’ Areia. Por elas entende-se toda a preocupação infecto-contagionista das

moléstias perniciosas ao homem.

Art.1°. São consideradas moléstias pestilenciaes. O cholera-morbus

epidêmico, a febre amarela e a peste.

Art.3°. As medidas aqui estabelecidas se resumem: 1. Em desinfecção das

casas e das pessoas; 2. Em quarentenas de observações e quarentenas de

rigor; 3. Em socorros médicos à pessoas afectadas ou ameaçadas; 4. Em

expedientes que facilitem o commercio entre os portos do Império, deste com

os portos estrangeiros;

Art.4°. As medidas sanitárias preventivas deveram variar conforme os

seguintes casos: §1. Quando os navios forem de portos onde reinara qualquer

das 3 molestias pestilenciaes, e chegarem ao porto com viagem de 15 até 25

dias, sem ter durante ella ter apparecido caso algum de taes moléstias. §2.

Quando durante esta viagem houver tido lugar algum caso de moléstia

pestilencial. §3. Quando os navios dos portos procedentes dos portos

infectados chegarem com menos de 15 dias de viagem, sem ter havido a

bordo caso algum de moléstia pestilencial. §4. Quando durante esta viagem

houver sucedido algum caso de taes moléstias. §5. Quando, qualquer que seja

a procedência do navio, quaisquer que sejão os dias que trouxer de viajem,

chegar a ele com hum ou mais doentes afectados de alguma moléstia

pestilencial.

Art.5°. Quando entrar algum navio procedente de portos onde reine alguma

das três molestias pestilenciaes, trazendo de 15 até 25 dias de viagem, sem

que tenha durante ella a bordo nenhum caso de moléstia pestilencial; logo

que ele ancorar, ou ainda sobre a vela, a autoridade sanitária, por se ou por

seus delegados médicos, dirigindo a seu bordo procederá sucessivamente à

inquirição e inspeção do artigo 45.250

O artigo 45 da política de segurança dos portos de São Luís refere-se as

disposições gerais do regulamento dos portos do Império do Brasil. Segundo este artigo

logo que ancorados os navios nacionais ou estrangeiros deveriam apresentar as devidas

cartas de saúde atestando boas ou más condições da embarcação e de sua tripulação.

Art. 45°. Haverá duas espécies de informações a respeito dos navios quando

chegarem aos portos do Império. A primeira constando de inquirição verbal,

a segunda se procederá logo a chegada do navio ao porto, se for possível

estando ainda sobre vela: formulada nos requisitos seguintes.

1. De onde vem?

249

Apenas uma reclamação, havia a se fazer, tratava-se da limpeza dos canos cobertos da Praia Grande e

de sua circunvizinhança, pois desde que foram construídos aqueles canos, os mesmos ainda não haviam

sido foram devidamente limpos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm.

presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa

Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, p. 13. 250

O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de junho de 1855. Parte Official, Rio de Janeiro. Medidas

sanitárias. Regimento sanitário dos portos do Império contra a importação de moléstias pestilenciaes, p.

02.

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84

2. Traz cartas de saúde?

3. Qual o nome, nação, ou lotação do navio?

4. Que carta traz?

5. Quantos dias de viagem?

6. Qual o estado de saúde a partida?

7. Teve moléstia, ou perdeu algum doente na viagem?

8. Chegou com as mesmas pessoas com quem sahio?

9. Comunicou com algum navio ou porto durante o trajecto?

10. Precisa de algum socorro medico ou de outra natureza?251

Por estes exemplos, nota-se que a partir de 1850 o porto de São Luís foi

categoricamente marcado por posturas de normatização, reflexo da política sanitária

adotada pela Província do Maranhão, com a criação da Junta de Hygiene e do Conselho

de Saúde Pública da Província do Maranhão.252

3.3 Da política de isolamento: o hospital dos lázaros, o lazareto da Ponta d’ Areia e

o hospital dos bexiguentos

A história das cidades pode ser contada através da experiência corporal de seus

habitantes, homens e mulheres num mesmo espaço, circuncidados por olhares, cheiros,

odores e curvas arquitetônicas, linhas que definem não o homem mais a pessoa citadina,

seus comportamentos, sua moral, seus costumes, tudo circunscrito pela higiene e pelos

médicos253

. Portanto ao se valer da vigilância dos espaços, dos indivíduos e dos

fenômenos da natureza a medicina urbana afirmava-se como um discurso legítimo e

competente preocupado em impedir o surgimento de surtos e ciclos epidêmicos.

Segundo Roberto Machado as intervenções médicas se justificariam acima de

tudo em prol da salubridade pública. Ao longo da história, os maiores problemas de

saúde que os seres humanos enfrentaram estiveram relacionados à natureza da vida em

comunidade, por isso a maioria das soluções médicas no século XIX era de ordem da

sobrevivência da espécie, aplicadas nos centros urbanos254

. Ou seja, pode-se dizer que a

251

Ibidem. 252

A atuação do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão foi tamanha em 1850 que

praticamente todas as praias da capital estavam sobre vistoria dos agentes de saúde que retiravam animais

mortos e imundices que pudessem ser focos de miasmas pútridos. Cf. MARANHÃO, Presidência da

Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo

Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de

1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, p. 13. 253

SENNET, Richard. Carne e Pedra: O corpo e a cidade na civilização ocidental. 3ª edição. Rio de

Janeiro: Editora Record, 2003, pp. 180-209. 254

MACHADO, Roberto. Op. Cit., 1978, pp. 155-156.

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medicina instituída com viés na higiene foi, sobretudo, uma medicina preventiva. João

de Barros Barreto assim ratifica os argumentos da higiene preventiva.

Há, assim, a distinguir nitidamente, na esfera da ação da higiene: uma tarefa

de saneamento, ou seja, do cuidado conveniente com o ambiente; uma outra,

em que esse cuidado é com o organismo humano, para possibilitar-lhe o

funcionamento normal-tarefa propriamente da higiene, a se dizer assim

individual, mas que dentro do mesmo critério e com a mesma orientação,

ampara com cuidados especiais o homem nos diversos períodos etários da

sua vida, e, com estas normas estende os seus benefícios às coletividades- é a

chamada higiene pública; uma terceira tarefa é a da medicina preventiva, que

se propõe a reduzir ou a erradicar as doenças removendo ou modificando os

seus fatores etiológicos, agindo sobre elementos e condições que facilitam

sua ocorrência e expansão, ou ainda imprimindo alteração à suscetibilidade

individual graças a recursos e práticas que alicerçam e reforçam a resistência

orgânica.255

De acordo com Vigarello o cuidar de si, já ajudaria em muito na superação de

muitas doenças perniciosas ao homem. A própria história da higiene corporal ilustra

bem essa realidade, lentamente foram sendo adicionadas as exigências higiênicas ao

cotidiano do ser humano. A limpeza passou a refletir o processo civilizador de uma

sociedade, as sensações corporais sobre sabores, odores e prazeres passaram a ser

moldadas gradativamente.256

Comportamentos foram aos poucos refinados, desencadeando sutilmente um

“polimento social”. Este polimento social é perceptível nas ações de isolamento social

por moléstias infecto-contagiosas. Leprosários e lazarentos eram locais com histórias

conhecidas na sociedade oitocentista, sua finalidade maior seria a garantia da

salubridade e purificação do espaço urbano, através da boa circulação do ar e da

comercialização de alimentos, por isso qualquer pessoa acometida por um mal

pernicioso ao homem e que fosse infecto-contagioso deveria ser isolado em lugares

como estes.

Em tese leprosários e lazarentos possuem a mesma função de isolamento, no

entanto suas estruturas são diferentes. Os leprosários eram locais de isolamento

destinados a pessoas acometidas por lepra257

(hanseníase), lazarentos ou casas de saúde

255

BARRETO, João de Barros. Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume I:

Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, 1948, p. 12. 256

VIGARELLO, G. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes,

1996, pp.15-21. 257

A lepra ficou conhecida na história como mal de São Lázaro, a pessoa acometida por lepra também era

chamado de “morfético ou pestoso”. Cf. NASCIMENTO, Heleno Braz do. A lepra em Mato Grosso:

caminhos da segregação social e do isolamento hospitalar (1924 - 1941). 178f. Dissertação apresentada

ao programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade

Federal de Mato Grosso. Cuiabá-MT, abril de 2001, pp. 24-41.

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86

do porto eram locais de isolamento destinados às tripulações acometidas pelas moléstias

pestilentas como a cólera morbus, a febre amarela e a peste. Para Fernando Bissaya

Barreto a lepra seria “sinônimo do mal” sujo e imundo, reminiscência do antigo mundo

medieval, ele situa a ocorrência e a disseminação da lepra nas camadas populares

portuguesas, sobretudo nas rurais, identificando o leprosário como um local de exclusão

social.258

Em São Luís o Hospital dos Lázaros259

foi edificado em um terreno concedido

pelo acórdão da câmara municipal em 23 de novembro de 1830. Em 1833 este local

começou a receber os morféticos, sendo desativado em 1869. O hospital estava sob-

responsabilidade da Santa Casa de Misericórdia situado junto à necrópole do cemitério

do Gavião.260

Anterior ao leprosário, o primeiro lazarento da cidade de São Luís foi

construído em 1785 no Bonfim, para servir de local de isolamento para os pestosos261

.

O vice-almirante Paulo José da Silva Gama por ofício de 15 de junho de 1813

recomendaria à câmara da capital que fizesse recolher ao lazarento do Bonfim todos os

bexiguentos a fim de se evitar-se uma possível epidemia variólica em São Luís.

Entre 1849 e 1850 circulava em todo o império notícias de uma violenta

epidemia de febre amarela, locais como Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Alagoas,

Paraíba e Pará sentiram a força mortífera do rastro deste flagelo. Ciente dos eventuais

problemas que estavam por vir, Eduardo Olímpio de Machado então presidente da

Província do Maranhão estabeleceu uma comissão de saúde composta pelos doutores

José Da Silva Maia, José Miguel Pereira Cardozo e Veríssimo dos Santos Caldas262

. A

258

BARRETO, Fernando Bissaya. Acudamos aos leprosos: a lepra, o mal sujo e imundo dos antigos.

Coimbra, 1938, p. 4. Apud XAVIER, Sandra. Em diferentes escalas: a arquitetura do Hospital-Colônia

Rovisco Pais sob o olhar do médico Fernando Bissaya Barreto. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,

Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, jul.-set. 2013, pp. 983-1006. 259

O Hospital dos Lázaros era considerado na época como um cancro no seio da cidade de São Luís

constituindo um flagelo de semimortos. Em várias descrições da época era visto como a porta para o

inferno “Per me si va ne la città dolente, per me si va ne l’etterno dolore”. Após ser desativado o lugar

foi ocupado por gente pobre que por lá construíram algumas casa de taipa cobertas por palha. Cf.

MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de

Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 608. 260

Id. Ibid., pp. 332-334. 261

Segundo Georges Duby a lepra era considerada como sinal distintivo do desvio sexual, nos corpos

desses infelizes reletia-se a podridão de seu pecado e alma. Duby também aponta que chamava-se de

lepra muitas doenças de erupções cutâneas da pele. Cf. DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000 na pista de

nossos medos. São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 81; a assertiva apontada por Georges Duby

assemelha-se as em muito ao isolamento praticado em São Luís no século XIX, pois até o ano de 1833

pessoas enfermas de qualquer natureza contagiosa eram isolados no lazarento do Bonfim. 262

Em 1850 o Dr. José Da Silva Maia ocupava o cargo de inspetor geral da polícia de saúde, José Miguel

Pereira Cardozo ocupava o cargo de comissário vacinador provincial, enquanto que Verissimo dos Santos

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dita comissão entendeu que seria de bom grado estabelecer artigos de posturas contendo

medidas sanitárias, além da criação de um segundo lazarento localizado no igarapé do

Forte da Ponta da Areia, a fim fiscalizar as quarentenas de mar.263

Em 26 de março de 1850 o lazarento do Forte da Ponta da Areia264

foi

instituído, tendo como seu primeiro diretor Veríssimo dos Santos Caldas, que na época

também exercia o cargo de provedor da saúde. O lazarento do Forte da Ponta da Areia

teve ainda como seu diretor o Dr. Luiz Muniz Barreto. Este lazarento disponibilizava

duas enfermarias, uma destinada aos brancos e outra para as pessoas de cor, obedecia às

regras do regulamento dos portos brasileiros, que em tese prescrevia a aplicação de

rígidas medidas sanitárias no combate às moléstias consideradas pestilentas ao

homem265

. O jornal o Publicador Maranhense de 20 de junho de 1855 retrata bem essa

realidade.

Embarcações que chegavam dos portos infectados retornavam rápido,

forneciam os mantimentos e não tinham comunicação com a população da

cidade, e se trouxessem algum doente, esse seria repassado para o hospital do

lazarento, afim de receber atendimento médico.266

O sexto capítulo do regulamento das medidas sanitárias aplicáveis aos portos

do Império do Brasil ratifica bem essa postura. Diz este capítulo que as medidas

aplicadas aos artigos 4° e 5° deste regulamento somente valeriam aos casos de moléstias

pestilenciais.

Art.20°. qualquer que seja a procedência do navio, quaisquer que forem os

dias que trouxer de viagem, se ella chegar com hum ou mais doentes afctados

de alguma das três moléstias pestilenciaes, se procederá a seu respeito pela

forma seguinte.

§1. As pessoas sãs, depois de desinfectadas a bordo pela maneira que for ahi

possível, serão desembarcadas ao lugar por ellas destinado, ou, se assim

entender a autoridade sanitária necessária para salvar a saúde pública, serão

Caldas ocupava o cargo de provedor da saúde. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Falla

dirigida pelo Exm. presidente da Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á

Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850.

Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850, pp. 11-15. 263

Ibidem, p. 12. 264

Além de contar com um diretor geral, o lazarento do Forte da Ponta da Areia dispunha de um

empregado do correio, dois guardas da Alfandega, dois remadores e a força militar para executar as

ordens e medidas higiênicas aos navios em quarentena. Cf. MEIRELES, Mário M. Dez estudos

históricos. São Luís: Alumar, 1994; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da

Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970. 265

MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da Província do

Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de

sua installação no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.

Ferreira, 1850, p. 12. 266

O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de junho de 1855. Parte Official. Rio de Janeiro. Medidas

sanitárias. Regimento sanitário dos portos do Império contra a importação de moléstias pestilenciaes, p.

01.

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88

conservadas essas pessoas não afectadas a bordo do navio somente durante a

remoção deste para o lazarento;

§2. Toda roupa suja, da tripulação dos passageiros e dos colonos e em geral

todos os tecidos e substancias orgânicas absorventes de miasmas ou

susceptíveis de infecção, serão imersos em dissolução chloruleto; ou

fumigadas pelo chloro ou pelo gaz acido sulfuroso, aquelles que se podem

deteriorar pelos chloruletos, e por fim arejados. Este processo será feito

durante o transporte e remoção do navio ao lazarento, se for possível e

sempre antes do desembarcar pessoa alguma tenha que levar consigo taes

objectos.

§3. Chegando o navio ao ancoradouro do lazarento, serão todos os

passageiros e mesmos os marinheiros (desde que o capitão designar)

desembarcados; os sãos ocuparam os aposentos que lhes são destinados; ou a

juízo de autoridade depois de purificados regressarão ao próprio navio, no

caso que este tenha de vir completar sua descarga dentro do porto, e outro

seja o lugar destinado aos sãos em quarentenas de observação; os doentes

serão recebidos no hospital do lazarento.267

Na tentativa de impedir a importação da cólera morbus a São Luís, em 1855 o

governo provincial mandou construir mais dois lazarentos. O primeiro localizava-se na

Ponta da Guia, próximo ao antigo lazarento do Bonfim, o segundo foi construído na ilha

do medo. Estes dois lazarentos possuíam uma estrutura física bastante rústica, o

lazarento da Ponta da Guia era um grande galpão, dividido apenas por quatro

compartimentos de diferentes dimensões, sendo em um deles o pavimento revestido de

cimento e nos outros o assoalho e as paredes eram de tábua de pinho branco com

cobertura de pindoba (palha). O lazarento da ilha do medo era composto por duas casas

pequenas revestidas de tábuas de pinho branco e cobertas com pindoba, uma das casas

era destinada ao tratamento dos enfermos, a outra era destinada ao processo de

desinfecção, o lazarento ainda contava com um pequeno cemitério.268

Ao que tudo indica as regras impostas aos navios e embarcações atracadas

nestes lazarentos eram constantemente burladas. Em uma inspeção de vistoria aos

lazarentos os engenheiros Raymundo Teixeira Mendes, João Nunes Campos e o doutor

Sergio Mendes Ferreira membro da então comissão de higiene, atestam o estado

deplorável de funcionamento dos lazarentos:

1°. Que o estado das casas é péssimo não só pela falta de solidez na

construção, principalmente a casa destinada para o lazarento, que além de ser

coberto de palha, tem as paredes entaipadas de barro argiloso ou tabatinga,

amassado com agua do mar, tornando-se assim muito humidades pelas

quantidades de saes, que contem e absolvem a humidade da atmosphera e

mantem as paredes naqulle estado.

267

Ibidem, p. 02. 268

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da

Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma Província, Antônio Candido da Cruz

Machado, Na Sessão de 09 de junho de 1856. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1856, p. 15.

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89

2°. O local não foi bem escolhido e não é o mesmo indicado pelos médicos

encarregados desta commissão. O terreno em que as casas foram construídas

é inclinado; ellas se acham na falda de um morro 10 a 20 braças da pancada

do mar; as aguas pluviais não tem fácil escoamento, inconveniente este que,

por meio de uma vala, ainda poderá ser removido;

3°. Os ventos açoitão para os matos do morro que fica por detraz do

lazarento, onde não chegão, de maneira que os miasmas que ordinariamente

existem nos hospitais permaneceram para sempre ou por muito tempo

naquelle lugar;

4°. A natureza chimica do solo pertence a formação do grão vermelho; as

casas assentão sobre uma camada de tabatinga cheia de pedras da mesma

composição, mas sobrecarregadas de oxidos de ferro; é humido e

inconsistente;

5°. Os commodos da casa destinados a enfermaria são nenhum; outra casa

construída para armazem das mercadorias, com quanto seja coberta de telha,

rebocada e caiada, podendo ainda servir em caso de necessidade, é acanhada

e não oferece as acommodações precisas para desenfardamento e desinfecção

das mercadorias;

6°. Não existe água corrente, e sim de poço, a qualidade della não é má, mas

é preciso filtra-la.

7°. O ancoradouro é com quanto de diffícil acesso pelo lado de N. E e do S.

O., dá em oito braças d’agua, fundo d’ areia encourando de dous a três navios

de 200 toneladas.269

Entre 10 e 21 de agosto de 1884 os mesmos problemas foram notificados pelo

Dr. José Eduardo Teixeira270

, em seu parecer oficial prestado a comissão do Ministério

do Império, Teixeira ratifica que ambos os lazarentos não possuem qualquer condição

de funcionamento, pois não tinham estrutura física adequada para tal fim e também por

não haver fiscalização dos portos em ambos os lazarentos, por estarem geograficamente

mais distantes do centro urbano de São Luís.271

De acordo com o artigo 100 do Código de Posturas da cidade de São Luís de

1842, a pessoa que fosse acometida por varíola ou qualquer doença contagiosa deveria

269

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente Joaquim Teixeira

Vieira Beford, entregou a presidência da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Shr. Commendador

Antônio Candido da Cruz Machado, Na Sessão de 21 de dezembro de 1855. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1856, pp. 8-9. 270

O Dr. José Eduardo Teixeira era conselheiro do Império nos assuntos de saúde e saneamento. Após

seu parecer oficial sobre os lazarentos da cidade, ficou estabelecido que em 27 de setembro de 1855 o

lazarento localizado na Ponta da Guia passaria por reformas estruturais, sobre a quantia de 8. 500§000

rés, ecom a supervisão do engenheiro Manoel Jansen Pereira. Cf. O PAIZ, 28 de fevereiro de 1885. Falla

que o Exm. Sr. Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos, Presidente da Província, dirigiu á Assembléa

Legislativa Provincial da Província do Maranhão por occasião da installação da 2° seção da 25°

legislatura em 24 de fevereiro de 1885. 271

O PAIZ, 28 de fevereiro de 1885. Governo da Província. Falla que o Exm. Sr. Dr. José Leandro de

Godoy e Vasconcellos, Presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província

do Maranhão por occasião da installação da 2° seção da 25° legislatura em 24 de fevereiro de 1885, p.

01.

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90

ser prontamente isolada e afastada com urgência para o hospital do Bonfim272

, longe do

perímetro urbano da cidade a fim de evitar-se a contagiosidade da moléstia.

Toda a pessoa infectada de bexigas, qualquer que seja a sua condição, e

estado será obrigada a retirar-se para o Hospital do Bonfim, para ali se curar,

sob pena de trinta mil reis, e na reincidência sessenta mil reis, para o cofre da

Câmara, e 15 dias de prisão; sendo, todavia obrigado a retirar-se para aquelle

lugar a expenças suas entendendo-se o mesmo com as pessoas escravas por

quem seus senhores, ou administradores ficam responsáveis. Aquellas

pessoas, pois que seu estado de pobreza, e indigência se não possão

transportar para o dito Hospital, fica, todavia ao cuidado da Câmara

Municipal o concorrer grátis com toda a despesa, com o seu curativo, e

transporte, devendo fazer sciente à mesma Câmara por hum atestado do seu

respectivo Vigário, e na sua falta do Juiz de Paz do seu Districto a sua

pobreza, e que não tem meios alguns para se curar.273

Contudo, em todas as situações que a varíola confluente grassou em São Luís

no século XIX, a câmara municipal da cidade recorria sempre ao aluguel de um imóvel

para servir como hospital dos variolosos ou bexiguentos274

. Por meio das fontes de

pesquisa utilizadas neste trabalho, sabe-se que este hospital localizava-se geralmente na

Rua de Santa Rita, o mesmo não dispunha de boa estrutura física para o socorro dos

variolosos.

O pequeno hospital da Rua de Santa Rita era destinado aos socorros dos

variolosos, sua clientela era composta por os negros e indigentes, que sem sombra de

dúvidas eram as vitimas mais frequentes da varíola. Este hospital contava com o auxílio

de três médicos responsáveis pelos cuidados dos enfermos, um enfermeiro, um

cozinheiro, além de uma comissão destinada a promover os socorros públicos. Vale a

pena ressaltar que tanto no lazarento da Ponta da Areia, quanto no hospital dos

variolosos havia uma separação de atendimento entre as pessoas brancas e as pessoas de

cor. Essa característica de separação social dos corpos até mesmo no momento da dor e

sofrimento revela os reflexos de exclusão da sociedade oitocentista.

Para Foucault a medicina e a higiene não teriam por objeto apenas o estudo e

combate às doenças, elas apresentavam fortes relações com a organização social.

272

A carta de Lei de 20 de outubro de 1823 informava que havia muitos morféticos por andarem no

perímetro urbano da cidade, a partir disso foi estabelecido a criação de um pequeno hospital no Bonfim,

consignado pelos rendimentos da Província. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico-

geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 608. 273

MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na Typographia da

Temperança. Anno, 1842, p. 16. 274

Este hospital era temporário e também era chamado de enfermaria dos bexiguentos. Cf.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial da Província

do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma Província, Eduardo Olímpio Machado, Na

Sessão de 05 de maio de 1855. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856.

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Foucault, conclui que a medicina e a higiene foram usadas no processo de

“medicalização da sociedade”, a qual se caracteriza, sobretudo pelo esquadrinhamento

do espaço social reprimindo as condutas e comportamentos275

. João de Barros Barreto

tem opinião semelhante, segundo ele o isolamento utilizado durante o século XIX,

possuía um caráter estreitamente excludente, ou melhor, promovia a separação citadina

dos corpos pela hierarquização social.

No seu propósito de proteger e melhorar a saúde, a higiene compendia e

aproveita fatos doutrinários e ensinamentos práticos colhidos em vários

campos dos conhecimentos humanos. E aprimorando esses ensinamentos,

cuida de sanear o ambiente em que vive o homem, cuida de favorecer na sua

plenitude o ótimo funcionamento do organismo, ajustando-o ao meio, cuida

de impedir e combater as doenças que trazem estorvo a esse perfeito

funcionamento; e assim se esforça por manter íntegra, a saúde, elevar o

padrão de bem estar, prolongar a duração da vida e aprimorar a raça, mesmo

que seja pelo isolamento.276

Gilberto Freyre foi um dos pioneiros nas análises dos tipos físico-biológicos

dos escravos representados nos anúncios de fuga e venda nos jornais e periódicos

brasileiros no século XIX, expõe de maneira original os aspectos depreciativos que

emergiam aos olhos da sociedade oitocentista em relação aos negros. Freyre sintetiza

que frases como “escravos rendidos, quebrados, cheios de bicho-de-pé, efeitos de

raquitismo, erisipela, escorbuto, bexiguentos, sífilis e oftalmia” e tantas outras eram

cunhadas e relacionadas aos negros.277

Lílian Mortiz Shwartz em Retrato em branco e negro percebe a mesma ação

pejorativa. Segundo Shwartz os jornais paulistas do século XIX retratam toda a

hierarquização social e as representações negativas sobrepostas no corpo negro e como

este foi interpolado como a própria doença em instância de degeneração. A análise

critica da autora ajuda a entender como operava a mentalidade de boa parte da elite

brasileira durante o século XIX e o processo de mestiçagem, pois, se ocorresse infecção

por doença venérea ou degeneração dos corpos, a medicina preventiva pairava para

proteger a raça e quando falha a persuasão, age drasticamente proibindo até o casamento

com pessoas de cor, segregando a pessoa em pleno período de sua capacidade

275

FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In. Microfísica do Poder. 25ª ed., São Paulo:

Graal, 2012, p. 154. 276

BARRETO, João de Barros. Op. Cit., 1948, p. 17. 277

FREYRE, O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, São Paulo: Companhia

Editora Nacional, 1979, p. 39.

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produtiva, fazendo-lhes às vezes até a esterilização, a este campo recorre à medicina

preventiva baseada na higiene social.278

Sidney Chalhoub argumenta que durante a segunda metade do século XIX,

surgiu no Rio de Janeiro as explicações higienistas que alimentavam acima de tudo a

representação política e social da separação dos corpos e das “classes perigosas”,

interpolando os negros e as classes subalternas como verdadeiras fontes do contágio e

da infecção de moléstias perniciosas.279

Josenildo de Jesus Pereira percebe a mesma estratégia de depreciação do corpo

negro nos jornais abolicionistas do século XIX. De acordo com ele a imprensa

abolicionista retratava o negro como uma espécie de cancro mole, um verdadeiro câncer

na sociedade que deveria ser amputado. A respeito do aspecto depreciativo do corpo

negro, Josenildo Pereira destaca a fala do jornalista Themístoceles Aranha: “o mal é

crônico e só como a doença crônica devia ser tratada”.280

A mesma situação é percebida em 04 de maio de 1851 quando o Conselho de

Saúde Pública da Província do Maranhão sugeriu uma postura de separação entre

brancos e negros, a justificativa usada pelo Conselho de Saúde Pública para tal postura,

seria que os negros eram em grande número na capital e a maior parte deles circulava

com roupas imundas e com chagas nas pernas.

Lembro a vossa segurança que seria bom organizarem a semelhante respeito

uma postura, visto como as roupas imundas, o calor do corpo e o mau cheiro

das chagas necessariamente hão de produzir exalações fétidas que devem

causar grande prejuízo às pessoas que de perto comunicar-se com os feridos

indivíduos e até aos que de passagem o encontrarem.281

Por este exemplo, nota-se que parte da sociedade oitocentista via os negros

como “incorrigíveis”, proibindo que estes circulassem em determinados locais.

278

SHWARTZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no

fim do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pp.111-113. 279

CHALHOUB, Sidney. Op.Cit., 2006, p. 29. 280

PEREIRA, Josenildo de Jesus. “Vão se os anéis e ficam os dedos”: Escravidão, cotidiano e ideias

abolicionistas no Maranhão do século XIX. In. GALVES, Marcelo Cheche, COSTA, Yuri (Orgs.). O

Maranhão oitocentista. Imperatriz: Ética / São Luís: Editora UEMA, 2009, p. 253. 281

O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de maio de 1851, Parte Official, Governo Central, p. 03.

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3.4 Da Repartição da Vacina na Província do Maranhão

Em 1802, o conde de Anadia, ministro da Secretaria de Estado dos Negócios

da Marinha e Domínios Ultramarinos, recomendou ao vice-rei do Brasil e aos

governadores das capitanias a propagação da vacina jenneriana, a mesma foi introduzida

na colônia em 1804282

. Existe um impasse em relação à data correta da introdução da

vacina jenneriana no Brasil, diferentes autores sugerem datas distintas, por exemplo,

Tania Maria Fernandes e Sidney Chalhoub consideram que esta foi introduzida em

1804, José Vieira Fazenda sugere que a vacina foi introduzida um ano antes em 1803,

José Murilo de Carvalho considera que as primeiras experiências com o método

jenneriano ocorreram em 1801 no Rio de Janeiro.283

Em termos de Maranhão, César Marques aponta que os primeiros registros da

vacina jenneriana no Maranhão são datados de 17 de janeiro de 1805, quando D.

Antônio de Saldanha da Gama governador da Capitania do Maranhão recomendou à

corte portuguesa a introdução da vacina no Maranhão já que as bexigas estavam por

fazer estragos no Maranhão. Em 27 de fevereiro de 1805, D. Antônio de Saldanha da

Gama reforçou o pedido a corte, prevenindo para que a mesma lhe envia-se linfa

vacínica de qualidade da Inglaterra.284

Em 24 de abril de 1805 o governo da Capitania da Bahia, obedecendo ao ofício

de 10 de novembro de 1804 expedido pela Secretaria de Estado dos Negócios da

Marinha e Domínios Ultramarinos, enviou ao Maranhão Francisco da Cunha Meneses

com a missão de propagar a vacina na região. As notícias das primeiras inoculações da

vacina no Maranhão são datadas de 24 de junho de 1805, quando o fluido vacínico foi

aplicado em alguns escravos vindos do brigue Tibério.285

Ilmo. Exmo. Sr. – Por ocasião de virem de Lisboa no navio Bom Despacho

07 negrinhos daqui mandados para conduzir o humor da vacínico a esta

282

FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de

Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, pp. 44-45. 283

Sobre a introdução da vacina jenneriana no Brasil, Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina

Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999;

CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia

das Letras, 2006; FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. 1998;

CARVALHO, José Murillo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:

Companhia das Letras, 1987; ARAÚJO, Carlos da Silva. “A imunização antivariólica no Brasil colonial

e nos primórdios da sociedade de medicina (1830)”, futura academia imperial. Rio de Janeiro: Editorial

R. Continental, 1979; FILHO, Lycurgo Santos. História geral da medicina brasileira. Volume 2. São

Paulo: Hucitec/EDUSP, 1991. 284

MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 885. 285

Id. Ibid.

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cidade, afim de se poder adotar aqui o método da vacinação como o único

preservativo das bexigas; recebi um ofício expedido pela Secretaria de Estado

dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos em data de 10 de

novembro do ano passado, em qual o Príncipe Regente de nosso Senhor é

servido determina-me promova com todas as forças da persuasão o uso deste

específico nesta capitania, e procure com toda a diligência introduzir nas

mais do Brasil, pelo que, Matias Antônio Álvares, mestre do brigue Tibério,

que presentemente segue para essa capitania, remeto a V. Exa o referido

humor guardado em vidros. “Como”, porém talvez não produza por este

modo conduzido o seu desejado efetivo, e no mesmo brigue se transportam

vários escravos que ainda não tiveram bexigas, persuadi ao sobredito mestre

a que viesse assistir à vacinação que ontem se fez na minha presença, para se

adestrar no modo de se ir vacinando sucessivamente durante a viagem alguns

dos ditos escravos com o fim de que se consiga chegar desta maneira a esta

cidade a vacina em todo o seu vigor. Deus guarde a V. Exa. Bahia, 27 de

abril de 1805. Sr. Antônio de Saldanha da Gama / Francisco da Cunha

Maneses.286

Não satisfeito com essas medidas em 07 de agosto de 1805 Antônio de

Saldanha da Gama pediu para João Lourenço Marques cirurgião-mor propagar a vacina

em todo o território do Maranhão. Os esforços para a introdução da vacina em solo

maranhense enfim eram conquistados. Em ofício de 07 de novembro de 1805, Antônio

de Saldanha da Gama presta homenagens ao governo da Bahia pelos bons resultados

que a vacina obteve em seus primeiros inoculados.

Cheio de maior gosto participou a chegada da vacina da Bahia a esta

capitania, havendo os efeitos dela correspondido à sua expectativa, e dos

habitantes que a esperavam com ânsia incrível e tinham esperança de ver

anualmente diminuir o número de mortos por bexigas, até que de uma vez se

extinguisse este avassalador mal.287

Rapidamente a vacina foi transposta para o interior da Capitania do Maranhão,

Cesar Marques aponta que o ofício de 20 de novembro de 1805 ratifica a vacinação em

Alcântara e Guimarães por dois cirurgiões. Entretanto, ao que parece a linfa vacínica

aplicado junto à população local não era de boa qualidade ou pelo menos não fora

inoculado da maneira apropriada, tanto que o próprio Antônio de Saldanha da Gama em

ofício de 20 de dezembro de 1805 assim reportava-se:

Participou vários casos que tinham derramado a desconfiança contra a

vacina, e que o povo estava desanimado vendo serem atacados por bexigas e

até morrerem pessoas vacinadas e confessou que ele também estava da

mesma maneira a ponto de aconselhar o povo que não continuasse a vacinar-

se.288

286

Id. Ibid., p. 886. 287

Id. Ibid. 288

Id. Ibid.

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Mesmo com a reprovação de parte da população, a vacina jenneriana continuou

a ser propagada na então Capitania do Maranhão. Em 11 de agosto de 1806 o

governador da Capitania do Maranhão D. Francisco de Melo Manuel da Câmara

participou ter recebido o aviso de n° 14 de 29 de março de 1806, o qual dizia ter

recebido quarenta exemplares do papel escritos pelo governo e capitão-general da Índia

e físico-mor daquele país sobre as observações e a maneira correta de inocular-se as

pessoas com a vacina.289

Pelo decreto de 04 de abril de 1811, sob a inspeção do físico-mor e

do intendente-geral da polícia, é criada a Junta da Instituição Vacínica da Corte, esta

tinha por atribuição a propagação da vacina antivariólica. Em 04 de dezembro de 1811

estabeleceu-se um novo decreto290

, este prescrevia as gratificações dos empregados da

Junta Vacínica291

. A Junta Vacínica da Corte funcionava no Rio de Janeiro, no entanto

havia diversas repartições espalhadas pelas províncias.292

Pelo aviso de 24 de dezembro de 1819 em 12 de fevereiro de 1820 foi

estabelecida em São Luís e por toda a Capitania uma Repartição da Vacina, o Dr. José

Antônio Soares de Sousa foi nomeado vacinador e inspetor da vacina293

. Faziam parte

da Repartição da Vacina do Maranhão um escrivão com vencimentos de 8$000 réis

mensais, um porteiro com vencimentos de 6$000 réis mensais, um servente com igual

valor e alguns cirurgiões encarregados de promover a vacina pelo interior da Capitania

do Maranhão.294

Em 28 de março de 1821 a câmara municipal relata à corte portuguesa os

primeiros resultados satisfatórios alcançados pela vacina oferecida em escala no

Maranhão.

289

Id. Ibid. 290

O decreto de 04 de dezembro de 1811 foi publicado na Coleção das leis do Brasil, encontrando-se sob

a forma de documentação manuscrita no acervo do Arquivo Nacional. Para inspetor geral da Junta foi

nomeado Teodoro Ferreira de Aguiar, cirurgião-mor do Exército e médico da Real Câmara, além do

escrivão Bernardo Francisco Monteiro e de três vacinadores: Francisco Bonifácio, Hércules Octaviano

Musi e Florêncio Antônio Barreto. Este documento informa, ainda, que pelo decreto de 14 de abril de

1821 foi nomeado inspetor Joaquim da Rocha Mazarem, no lugar de Teodoro Ferreira de Aguiar, que

acompanhou d. João VI em sua volta a Lisboa. Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica:

ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. 291

FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 45. 292

Id. Ibid., p. 45. 293

O Dr. José Antônio Soares de Sousa não recebia nenhuma gratificação pelos seus serviços, pois o

mesmo se ofereceu gratuitamente para este serviço. José Antônio Soares de Sousa ocupou o cargo de

inspetor da vacina durante os anos de 1820 a 1837. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário

histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 885-887. 294

MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 886.

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Havendo a moléstia das bexigas assolando e desbastando tanto esta cidade

como as vilas e lugares mais florescentes da Capitania, hoje tinha diminuído

este flagelo pelo prestantíssimo remédio da vacina, que o previdente governo

tinha mandado liberalizar até pelos lugares mais remotos de sua jurisdição,

enviando hábeis cirurgiões e aniquilando desta forma a enfermidade pela

descoberta que mais honrava o gênio do homem.295

Em 1827 a câmara municipal de São Luís regulamentou o serviço de vacinação

da Repartição da Vacina no Maranhão, e em conformidade com o Art. 69 da Lei de 01

de outubro de 1828, a vacina antivariólica passa a ser prática constante nos assuntos

profiláticos da Província do Maranhão296. O Código de Posturas de 1832 da cidade do

Rio de Janeiro foi quem estabeleceu pela primeira vez no Brasil a obrigatoriedade da

vacina, promovendo multa para aqueles que inflingissem sua autoridade.297

Toda pessoa do termo da cidade do Rio de Janeiro que tiver a seu cargo a

educação de uma criança de qualquer cor que seja, será obrigada a mandá-la

à casa da vacina para ser vacinada, até pagar ou fazê-la vacinar em casa,

podendo-o dentro de três meses de seu nascimento, e de um, depois que tiver

a seu cargo, passado desta idade e estando com saúde para receber o remédio.

Os que se acharem em contravenção serão multados em 6$000 réis. As

criadeiras encarregadas da criação dos expostos são também compreendidas

nesta disposição, levando-os ao depósito da Santa Casa para este fim.298

Em 1834 foi aprovada uma postura municipal semelhante em São Luís

tornando a vacina obrigatória, de acordo com Cesar Marques o livro mais antigo da

Repartição da Vacina ressalta em sua primeira página um edital datado de 27 de

fevereiro de 1834, neste o vereador da câmara municipal Raimundo Nunes Cascaes, nas

forças do inspetor da vacina, fez saber ao público a obrigatoriedade da vacina por

postura proposta pela câmara e aprovada pelo presidente da Província.

Todo chefe de família deve enviar seus filhos, fâmulos e escravos para se

vacinarem logo que fossem avisados pelo agente da repartição da vacina ou

pelos juízes de paz, sendo na falta multados pela primeira vez em 4$000 réis,

e na reincidência 8$000 réis para as despesas da câmara.299

Esta mesma postura foi novamente regulamentada em 17 de agosto de 1846

como a obrigatoriedade da vacina para todas as pessoas do império300

, porém

prescrevia-se por regra que a vacina fosse aplicada na infância, por isso as multas na

295

Id. Ibid. 296

MARANHÃO, Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão. Typographia da

Temperança. Anno, 1842, p. 14. 297

SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 370. 298

FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 47. 299

MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 886. 300

O PUBLICADOR MARANHENSE, 28 de setembro de 1847. Parte Official, Governo da Província,

p. 01.

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maioria das vezes eram aplicadas em sua maioria aos chefes de família, àqueles que por

ventura fossem contra a vacinação em seus filhos deveriam pagar multa de 5$000 réis,

caso fosse residente a multa a ser pagar seria o dobro do valor inicial, como explica

Meirelles: “[…] sujeitando os chefes de famílias que não a cumprissem, a uma multa de,

que seria cobrada no dobro em caso de reincidência”.301

Segundo Raimundo Palhano a obrigatoriedade da vacina antivariólica em São

Luís em 1834 foi falha, pois o serviço de vacinação só funcionava uma vez por

semana302

. De fato, o uso da vacina como instrumento profilático era desacreditado, sua

propagação era muito tímida no seio da população. Apenas por meio de ofícios e

publicações específicas a vacina era requisitada em tempos epidêmicos e ainda assim

com grandes fracassos. A crescente no valor das multas sobre a vacinação revela isto.

Ao longo dos anos as posturas da obrigatoriedade da vacina303

ficaram mais rígidas em

São Luís, passando a multa de 4$000 réis para 5$000 réis e por fim 6$000 réis.

N° 01 – Todos os chefes de família e mais pessoas, que recusarem mandar

seus filhos, fâmulos ou escravos para se vaccinarem, quanto para isso sejam

avizados pelo agente da repartição da vacina ou pelos juízes de paz, serão

multados pela primeira vez em quatro mil réis para as despesas da câmara, e

na reincidência em oito mil réis.

Postura 103. Toda a pessoa, depois de vacinada será obrigada a comparecer

na sessão seguinte da vacina na repartição competente, ainda que para isso

não seja avisada, para se verificar se ella produzio, ou não efeito; sob pena de

pagar a multa de cinco mil réis pela primeira vez, e na reincidência de dez

mil réis e cinco dias de prisão, se a pessoa for de menor de idade, seu pai, ou

quem por ella responda, e se for escravo o seu senhor ou administrador.

Maranhão, 29 de agosto de 1865. Dr. Cesar augusto Marques, comissário

vaccinador provincial.304

Entre 1820 a 1835 a Repartição da Vacina funcionava na Casa dos Expostos, a

mesma oferecia os serviços de vacinação apenas uma vez durante a semana, geralmente

aos sábados ou domingos das 07 às 09 horas da manhã. Por ordem da câmara municipal

de São Luís, em 15 de outubro de 1835 os serviços da vacinação passaram a ser

ministrados duas vezes na semana já que o flagelo das bexigas estava por se

desenvolver na capital. Em 17 de dezembro do mesmo ano a câmara municipal teve que

301

MEIRELES, Mário M. Op. Cit., 1994, p. 224. 302

PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira

República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 150. 303

A variação entre as multas foram extraídas de acordo com os números apresentados pelo jornal “O

Publicador Maranhense” entre 1855 a 1883. 304

O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de julho de 1854. Parte Official, Governo da Província, p. 02.

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nomear um médico auxiliar para dar conta dos serviços de vacinação na capital, já que o

vacinador local não supria a demanda da população.305

Em 1837 após a morte do Dr. Soares, o cirurgião-mor Veríssimo dos Santos

Caldas foi nomeado para o cargo de vacinador e inspetor da vacina, este recebia

anualmente a quantia de 150$000 contos de réis pelos seus serviços, neste mesmo ano

Raimundo Nonato Nunes foi nomeado para a função de escrivão recebendo anualmente

200$000 contos de réis. O porteiro Joaquim Raimundo de Moraes e Santos recebia os

mesmo 200$000 contos de réis306

. Ainda assim, mesmo com essas gratificações o

serviço de vacinação parecia capengar, tanto que em 02 de março de 1839 a câmara

municipal decidiu que os serviços da vacinação deveriam ser realizados na própria

câmara municipal a fim de se estabelecer maior controle sobre o mesmo.307

Em 1846 a Junta Vacínica da Corte é reestruturada pelo Ministério do Império

que se valendo do § 30 do artigo 2° da lei de n° 369 de 18 de setembro de 1845, baixou

o decreto de n° 466, de 17 de agosto de 1846 decretando a criação do Instituto Vacínico

do Império308

e extinguindo o cargo de inspetor da vacina em seu lugar é criado o cargo

de comissário vacinador provincial cabendo a este fiscalizar a aplicação da linfa

vacínica, emitir relatórios e mapas trimestrais e anuais sobre as estatísticas das pessoas

vacinados e não vacinados, sendo que em cada mapa de vacinação deveria constar o

nome, o sexo, a idade, a naturalidade, a filiação e a condição de cada pessoa vacinada.

O decreto de n° 466, de 17 de agosto de 1846 também prescrevia a criação dos

cargos de comissário vacinador municipal e paroquial, os quais tinham as mesmas

obrigações do comissário vacinador provincial, porém estes atuariam no interior das

províncias não havendo obrigatoriedade de pagamentos ou gratificações pelos seus

serviços309

. Para o cargo de comissário vacinador provincial foi designado o Dr. José

Miguel Pereira Cardoso, o qual foi nomeado em 01 de junho de 1847, exercendo esta

função até 28 de julho de 1865, data de seu falecimento. No dia seguinte foi nomeado

305

MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 887. 306

Id. Ibid., p. 887. 307

Id. Ibid. 308

O Instituto Vacínico do Império sofreu importantes alterações ao longo da segunda metade do século

XIX, até sua extinção em 1886, quando a vacinação passou a ser pauta da Inspetoria Geral de Higiene.

Cf. FERNANDES, Tânia Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de

Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, pp. 50-55. 309

MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 887.

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para este cargo o Dr. Cesar Augusto Marques que entrou em exercício de função em 01

de agosto de 1865.310

O decreto imperial de 14 de setembro de 1850 que estabeleceu as normas e

institucionalização da Junta Central de Higiene Pública, também representou um passo

decisivo no emprego da vacina jenneriana nas províncias do Brasil, a criação da Junta

Central de Higiene Pública reitera quão eram engenhosos os serviços de vacinação na

corte311

. O Código de Postura da cidade de São Luís de 1865 reconhecia a necessidade

de um inspetor da vacina, sendo este cargo criado novamente pelos artigos 180, 181 e

182 do referido código, este receberia anualmente 200$000 contos de réis enquanto que

o comissário vacinador provincial receberia 400$000 contos de réis.312

Quanto aos serviços de vacinação, sabe-se que a Repartição da Vacina do

Maranhão oferecia esporadicamente a linfa vacínica à população de São Luís, pois a

mesma dependia da importação ou do Instituto Vacínico do Império localizado no Rio

de Janeiro, ou importada diretamente da Inglaterra ou da Holanda, em ambas as

situações geralmente a vacina recebida era de péssima qualidade, pois a mesma era

distribuída em tubos de vidros ou em tubos capilares e mal acondicionada aos longos

dias de transporte.

Em São Luís a vacinação era realizada na câmara municipal desde 1839,

geralmente aos sábados e domingos das 07 às 09 horas da manhã, porém em épocas de

epidemias realizava-se a vacinação na própria residência do comissário vacinador, ou

nas residências das pessoas. Pelos relatórios emitidos pelos presidentes da Província do

Maranhão, sabe-se que a Província do Maranhão contava com 23 comissários

vacinadores em 1847, em 1850 este número sobe para 30, decresce para 28 em 1854,

em 1856 o número aumenta para 34, chegando a totalizar 43 comissários vacinadores

em 1863. O aumento proporcional no número de comissários vacinadores ratifica a

hipótese que mesmo diante de tamanhas dificuldades as autoridades locais

identificavam a vacina antivariólica como o principal contraceptivo da época contra a

varíola.

A aplicação da vacina era feita pelo vacinador local em duas fases, a primeira

era chamada de vacinação com aplicação do fluído vacínico no braço da pessoa, a

segunda deveria ser feita oito dias após a primeira inoculação, era chamada de

310

Id. Ibid. 311

O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de outubro 1850. Parte Official, Governo Central, p. 02. 312

MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 887.

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revacinação ou reforço. Porém sabia-se que para a vacina ser boa ou pelo menos regular

no indivíduo inoculado, este deveria comparecer às duas seções de vacinação, caso

contrário a vacina perderia seus efeitos de imunidade.

3.5 A febre amarela e a cólera morbus na reconfiguração da política sanitária da

Província do Maranhão

Durante a primeira metade do século XIX, o Brasil ficou isento de ataques

mortíferos proporcionados por epidemias, apenas se viu alguns casos pontuais da

varíola, sarampo, gripe, disenterias, e das febres intermitentes e catarrais. Na própria

história das epidemias reinantes no Brasil os documentos inscritos nas obras dos

primeiros exploradores assinalam o bom estado da colônia, mesmo em tempos

epidêmicos. José Pereira Rego louvava os bons ares que respirava o Brasil por não

sofrer assaltos da febre amarela e da cólera morbus.313

José Francisco Xavier Sigaud, por exemplo, afirma categoricamente em 1844

que “não havia nenhum exemplo de desenvolvimento do vômito preto no hemisfério

austral” 314

. O mesmo Sigaud nos da outro exemplo anterior a 1844, segundo ele não há

registro de moléstias pestilenta ou perniciosa em solo brasileiro anterior a 1832.

Entre a linha do Equador e o trópico em Pernambuco e Bahia, vós não

encontrais nenhum indício desses flagelos contagiosos da América do Norte,

a febre amarela, o vômito negro, os quais precisam desenvolver condições

análogas de clima e as continuadas continuações do comércio. Debaixo do

trópico sul apresentam-se as febres intermitentes perniciosas, e acompanha ao

longe os grandes rios São Francisco, doce e Paraíba, assim como os pequenos

rios menos rápidos que se lançam na baía do Rio de Janeiro. O litoral do mar

até os areais do Rio Grande do Norte, desde Campos até além de Santa

Catarina, é cercado por uma cinta de febres intermitentes e Paranaguá,

reclama por sua parte, a disenteria como afecção característica. No centro e

para o sul, o antraz no Rio Grande, o papo em São Paulo e a elefantíase em

Minas formam um triunvirato endêmico e que não pode escapar o vosso

espírito de observação.315

A relativamente tranquilidade do Brasil em relação às doenças pestilentas

durante a primeira metade do século XIX ocorreu em certa medida graças à proibição da

metrópole portuguesa impedindo a entrada de navios estrangeiros nos portos brasileiros.

Entretanto os navios portugueses navegavam por muito tempo de Macau ao Rio de

313

REGO, José Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de

Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851, pp. 5-6. 314

SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, p. 257. 315

Id. Ibid., p. 20.

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Janeiro à Bahia, passando pelos portos da Índia, onde a cólera reinava de forma

pandêmica, e desde 1807 os navios norte-americanos eram bem vindos ao Brasil sem

uma vistoria sanitária bem realizada.316

Essa circunstancia possibilitou a entrada da febre amarela em 1851 no porto de

São Luís, fazendo com que a cidade fosse assolada pelo ataque mortífero de febre

amarela317

. O crescimento da moléstia sobre a população foi tão grande, que deliberou

pontuais dúvidas sobre as medidas higiênicas tomadas pela Junta de Hygiene e pelo

Conselho de Saúde Pública principalmente no controle da entrada e da saída de

embarcações estrangeiras ao porto da capital. Os meses de março e julho do respectivo

ano foram sumariamente alarmantes para a população local, tendo em vista que a febre

amarela nunca antes havia ceifado tantas vidas no Maranhão com tamanha intensidade.

As proporções tomadas pela epidemia da febre amarela foram tão eloquentes

que no intervalo do mês de maio de 1851, a moléstia chegou a vitimar 230 pessoas,

superando com facilidade o índice de 90 óbitos por mês, considerado normal para a

mortalidade ordinária dos meses de 1850318

. De acordo com o movimento dos

cemitérios da Misericórdia, dos Passos e dos Ingleses chega-se a uma extraordinária

soma de 730 óbitos em São Luís por febre amarela entre os meses de março e julho de

1851. Desse total, 235 vítimas eram da faixa etária de 19 a 11 anos de idade, 71 vítimas

eram da faixa etária de 10 a 01 ano de idade, 288 vítimas variavam de 20 anos a 50 anos

de idade, e 136 vítimas tinham de 50 anos de idade para cima.319

Os dados impressionam, até porque a febre amarela não era uma doença

recorrente no Maranhão, tanto que não há registros epidêmicos da mesma antes de

1851, é provável que o surto que aconteceu neste ano tenha sido o primeiro de natureza

316

Em relação às rotas comerciais marítimas entre Brasil, Portugal e outras nações, Cf. ALENCASTRO,

L.F. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 317

Durante o século XVIII e XIX a febre amarela também era conhecida como o vômito negro, e a partir

da segunda metade do século XIX ela passou a ser considerada a principal moléstia a ser combatida no

Brasil, tendo em vista que sua ocorrência se dava principalmente entre os estrangeiros. Cf. REGO, José

Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro em 1850.

Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851; CHERNOVICZ, Pedro Luís Napoleão.

Dicionário de medicina popular. Volume 2. Paris: A. Roger & F. Chernovcz, 1890; FRANCO, Odair.

História da febre amarela no Brasil. Rio de Janeiro, 1969. 318

MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado,

Presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por

occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional

de I.J. Ferreira, 1851, p. 51. 319

Ibidem.

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mortífera da doença no Maranhão. A tabela abaixo demostra o quão foi esmagadora a

proporção dos estragos feitos pela febre amarela no ano de 1851.

Quadro 01. Total de vitimas pela febre amarela em 1851.

Cemitérios Misericórdia Passos Ingleses Total

Em março 103 07 01 111

Em abril 118 09 0 157

Em maio 201 20 06 230

Em junho 110 13 10 133

Em julho 82 06 11 99

Soma total 730

Fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado,

presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por

occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional

de I.J. Ferreira, 1851, p. 52.

As criticas que recaíram sobre os ombros do Conselho de Saúde Pública da

Província do Maranhão somam-se a sua incapacidade de conter o aparecimento e

proliferação da moléstia, mesmo já sabendo que esta, estava por circunvizinhar em

outros portos do Brasil.

Com o cessar gradativo da epidemia durante o mês de agosto, ainda assim o

Conselho de Saúde Pública mostrou-se incapaz de controlar o aparecimento da moléstia

em São Luís, principalmente no porto da Ponta da Areia, pois, o intenso movimento de

embarcações portuguesas abriu novamente a possibilidades para que a febre amarela

vitimasse 77 vidas a mais no mês de agosto.

O índice oficial de óbitos para esse mês registrava 01 vítima por febre amarela

para cada 10 óbitos. Dessas 77 vítimas, 71 foram sepultadas no cemitério da

Misericórdia, 05 no cemitério de Passos e 01 no cemitério dos Ingleses. Ao todo a febre

amarela alcançou a incrível cifra de 807 óbitos em seis meses320

. Sendo que fora da

capital, a epidemia da febre amarela foi igualmente perturbadora, atingindo a cidade de

Alcântara e as vilas de Guimarães, São Bento, Icatu, Mearim, Rosário, Itapecuru-mirim

e Viana (nesta a febre amarela se manifestou com muita brutalidade, diziam os médicos

320

Ibidem.

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103

que este fato seria propiciado pelas condições topográficas de Viana já que a mesma

seria circuncidada por lagos e lagoas).321

322

O ano de 1851 deixou como lembrança a traumática perda de 807 vidas e a

ineficiência das medidas higiênicas adotadas pela Política Sanitária da Província do

Maranhão. Passado os estragos realizados pela febre amarela, restava ao Conselho de

Saúde Pública reforçar o controle sobre a entrada e saída de embarcações no porto da

Ponta da Areia, chegando a lançar em edital de 05 de setembro de 1851 a informação

que nenhuma embarcação atracaria no porto sem antes ter verificado seu estado

sanitário pela Estação de Saúde em Belém.323

O então presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio

Machado324

adotou diversas medidas sanitárias na tentativa de pulverizar o

aparecimento e proliferação das moléstias pestilentas. A primeira medida higiênica

adotada por Eduardo Olímpio Machado foi comunicar por meio da Comissão de

Higiene Pública a todas as freguesias e localidades do interior da Província afetadas por

algum tipo de moléstia a emitir por meio de exemplares e informativos seu estado de

saúde325

, também foram adotadas medidas do tipo:

As medidas adotadas quanto à limpeza das ruas, praças e praias, foram

emitidas como normas de combate a insalubridade. E mediante a ordem do

Presidente da Província fora criada uma comissão, composta por uma

autoridade policial e um facultativo, com a função de fiscalizar os anseios

dos districtos. E também era confiada a Câmara Municipal a responsabilidade

pele limpeza e higiene da cidade, como inspeção dos açougues, currais,

carnes e manter a qualidade da água.326

Convicto de suas obrigações burocratas Eduardo Olímpio Machado também

combateu com energia e vigor o costume dos enterros dentro do recinto das igrejas,

321

Ibidem. 322

Segundo Raimundo Palhano em 13 de junho de 1851 pelas estimativas do Diretor-Geral da Polícia de

Saúde a epidemia de febre amarela havia atingido incríveis 27.000 pessoas em toda a Província e dessas,

255 faleceram em consequência da moléstia até 13 de junho de 1851. Cf. PALHANO, Raimundo N. Op.

Cit., 1988, p. 147. 323

O PUBLICADOR MARANHENSE, 21 de setembro de 1851. Edital, p. 04. 324

Eduardo Olímpio Machado médico por formação que governou a Província do Maranhão entre 05 de

junho de 1851 a 14 de agosto 1855. Cf. MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. São Paulo:

Siliciano, 2001. 325

O PUBLICADOR MARANHENSE, 21 de setembro de 1851, Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio

de Machado, presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do

Maranhão por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851, p. 02. 326

MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de Machado,

presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por

occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional

de I.J. Ferreira, 1851, p. 52.

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obedecendo às normas da Lei provincial de n° 225. Já que esta era uma prática que

colocava em risco a saúde dos fiéis, por estarem em contato com os possíveis miasmas

pútridos oriundos dos defuntos, por isso era de bom grado que a população em geral

extirpar-se este mau hábito.

As igrejas brasileiras serviam como sala de aula, de recinto eleitoral, de

auditórios para tribunais de júri e discussões políticas. Ali se celebravam os

momentos maiores da vida urbana, batismo, casamento e morte, ali no

interior daquelas altivas construções coloniais, os mortos estavam integrados

a dinâmica da vida.327

Por esta lei as punições para quem não cumprisse as determinações se

estenderiam não só aos populares, mas também a todas as autoridades, sendo elas

eclesiásticas ou de outra ordem. Eduardo Olímpio Machado estava cumprindo as ordens

da lei municipal de 1843 que dizia: “Fica proibido, depois de construído os cemitérios o

enterramento de pessoas no recinto das igrejas”, reforçada pela lei de nº 598, de 14 de

setembro de 1850, estabelecida um ano antes no governo de Honório Pereira de

Azeredo Coutinho. Fato é, que inciso 4§ do Artigo 5º da respectiva lei deu a Junta de

Hygiene à faculdade de atender e efetivar a execução das posturas e, de expedir ordens

aos fiscais da câmara municipal. Sendo assim, a Junta de Hygiene Pública tinha

autonomia caso a câmara municipal não lhe desse recurso.328

As medidas adotadas por Eduardo Olímpio surtiram relativo efeito nos anos de

1852 e 1853, porém, o estado sanitário da Província do Maranhão não se mostrou

tranquilo, mesmo não sendo atacada por nenhuma epidemia mortífera entre 1852 e 1853

a população da capital da Província do Maranhão sofrera severamente com a carestia

dos gêneros de primeira necessidade. Durante esses anos foi à população da capital e de

alguns pontos do interior da Província flagelada pela fome, resultante da falta e carestia

da farinha de mandioca.

Nunca havia se visto antes no Maranhão tamanha preocupação em relação aos

perigos das doenças pestilentas. Em 1854, a Província do Maranhão novamente tem

327

REIS, João José. A morte é uma festa, ritos fúnebres e revoltos populares no Brasil do século XIX. São

Paulo: Companhia das letras, 2001, p.172. 328

MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Honório Pereira de Azeredo Coutinho,

presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da Província do Maranhão por

occasião de sua installação no dia 07 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional

de I.J. Ferreira, 1850, pp. 8-9.

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suas atenções voltadas para as moléstias pestilentas, o abaixo assinado de 05 de

novembro de 1854, dava como certa as medidas profiláticas para evitar-se a possível

importação da cholera morbus asiática ao porto de São Luís.

Estabeleceram-se nos lazarentos apenas aqueles com títulos de observação,

que será na ponta d’ areia com o título provisório e na ilha do medo. O

facultativo encarregado da saúde do porto dirá em observação, e vizitará os

navios fazer compreendido entre estes e São Marcos. Este facultativo depois

de examinar a carta e informar-se dos dias de viagem, e moléstias que

durante ela se tenham moléstias a bordo, quais os seus sintomas, tempo de

aparecimento e duração, e numero de vítimas infectadas e falecidas dentro do

navio e seus seguintes destinos. O navio que vier do porto de que não tiver

suspeita, e nemhum cazo dela se estendendo a bordo será adimittido a livre

hora, se suspeito de epidemia e nenhum cazo dela tenha dado a bordo durante

a viagem desta maior que vinte e cinco dias será impedido de livre pratica. O

navio que estiver no estado insalubre terá que contar menos de vinte e cinco

dias de viagem mais de quinze do ultimo infectado será conduzido para o

lazarento em observação, e ali dezinfeccionado e ter a livre pratica. O navio

que tiver tido doentes de cholera morbus será conduzido para o lazarento em

observação e ali perfeitamente sequestrados no mais o navio será

dezinfeccionado e permanecerá neste lazarento por quantos dias forem

precisos para completar na ponta d’ areia de São Marcos se for possível

obriga-lo a ir ao lazarento provisório. O navio que não estiver em nenhuma

destas hypoteses procedidas será obrigado a uma quarentena de dezinfecção

se assim o entender o encarregado da saúde do porto. A correspondência

official e praticamente as gavetas uma vez dezinfectadas seram remetidas

para a administração dos correios. A dezinfecção farse há com receita e

numero com notas fixadas que devem estar estendidas aos mercadores e

clientes. Os navios serão bem lavados e os mais que for possível: os objetos

mais suspeitos serão camas, coxões e roupas lavadas ou mergulhadas em

agua e solução preparadas conforme a receita e as medidas. Esta mesma agua

usada na lavagem não pode ser exposta e reutilizada. Receitas de numero um

Sal ordinário ou comum nove onças, Bioxido de manganês três onças, Agua

comum seis onças. Misture bem e junte, sendo a mistura feita em vazilha

com ácido sulfúrico com seis onças, agite bem com uma epistola. Receitas de

numero dois Cloreto de cal huma libra, Agua comum entre quatro libras.

Misture bem em vasilha apropriada.329

Estarrecidos ainda pelas 807 mortes que a febre amarela ocasionou em 1851,

médicos e autoridades locais promoveram uma nova redefinição da política sanitária

para a Província do Maranhão no intuito de impedir a importação da cólera morbus ao

porto de São Luís. Essa nova redefinição sanitária foi instituída em 27 de agosto de

1855, pelo relatório geral do referido ano, o vice-presidente da Província do Maranhão,

José Joaquim Teixeira Vieira Belford impôs à cidade de São Luís um regulamento

contendo 18 artigos sanitários. Por esse regulamento os médicos higienistas da cidade,

329

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios da Comissão de Hygiene Pública ao presidente da Província do Maranhão, 1854. Setor

de avulsos. APEM.

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deveriam desenvolver estratégias higiênicas para impedir o aparecimento e proliferação

da cólera morbus em São Luís.

Art. 14. A comissão de hygiene publica, convida todos os médicos desta

capital, que se recusarem a este serviço, fará proceder a organização de um

programa que contenha as bases gerais do tratamento da epidemia, o qual

será publicado pelos jornaes, e se observará nas estações médicas, quando

outro não seja o plano do tratamento dos médicos respectivos.

Art. 15. Todos os facultativos da capital e do interior são convidados, no

caso de epidemia, a enviar a comissão de hygiene publica, ou a secretaria do

governo, o tratamento que sua pratica houver mostrado mais vantajoso,

acompanhados de todas as observações que julgarem convenientes.330

A capital seria dividida em quatro departamentos sanitários e em cada um

desses departamentos deveria haver uma estação médica, com quatro ou mais leitos,

uma farmácia e um médico que seria encarregado por prestar os primeiros socorros às

pessoas acometidas pela cólera. Este médico era responsável por emitir e assinar

relatórios diários com mapas da movimentação da enfermaria a qual fora responsável,

dividir e empregar as dietas e medicamentos aos enfermos e fiscalizar os socorros

públicos de sua estação. Deveria haver um veículo para recolher os doentes ao devido

hospital de isolamento, um escrivão responsável por anotar as informações pessoais de

cada enfermo em um livro geral de anotações, um agente encarregado por fornecer e

garantir as necessidades de cada estação e os inspetores de quarteirão teriam a

incumbência de informar a polícia sanitária o estado sanitário dos hospitais, estações

médicas, casas, matadouros públicos além da possível proliferação da cólera morbus

entre os indigentes e escravos.331

Segundo o regulamento aos primeiros sinais de qualquer indisposição devia-se

recorrer aos cuidados médicos, fugindo de todos os conselhos indicados pela

especulação, mantendo o paciente sobre boa ventilação em local fresco e arejado,

desinfetar as roupas suadas ou sujas, tanto do leito como do doente, desinfetar os

excretos, por meio de água fenicada ou cloretada, lançada sobre eles, remover os

doentes para enfermarias e hospitais e realizar desinfecções rigorosas nas habitações

depois de removido o doente.332

330

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da Província do

Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência da Província do Maranhão ao

Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da Cruz Machado, 21 de dezembro de 1856, Anexo

01. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856. 331

Ibidem. 332

Ibidem.

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4. A CIDADE E A MORTE: ESTATÍSTICAS MÉDICAS SOBRE A

MORTALIDADE VARIÓLICA EM SÃO LUÍS NA SEGUNDA METADE DO

SÉCULO XIX.

4.1 1854 – 1855 a varíola reina em São Luís

O início de 1850 foi categoricamente marcado pela institucionalização da

legislação sanitária na Província do Maranhão, a criação da Junta de Hygiene e o

Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão aplicavam com zelo as medidas

profiláticas e higiênicas a fim de sanar qualquer problema de natureza epidêmica que

pudesse aterrorizar a Província do Maranhão. Os portos e as praias da capital eram

vistoriados pelos agentes de saúde que removiam animais e imundices que pudessem

ser focos de miasmas pútridos.

Entretanto a legislação sanitária aplicada na cidade de São Luís não passava de

uma letra morta. Ademais, a administração pública, tal como os médicos higienistas e

seus meios profiláticos pareciam incapazes de conter os avanços das doenças pestilentas

ao homem. Essa situação fora posta a prova em 1851, ano em que o terrível flagelo da

febre amarela grassou em São Luís de maneira epidêmica, ceifando 807 vidas na

capital.

A saúde sanitária da cidade não se recuperou nos anos seguintes, em 01 de

novembro de 1853 os deputados da Assembleia Legislativa Provincial discutiam o

estado famigerado da Província do Maranhão decorrente da falta de gêneros

alimentícios de primeira necessidade que sofreram carestia entre os anos de 1852 e

1853, sobretudo a farinha de mandioca, a fome se generalizou entre a população

relembrando o ano sombrio de 1851.333

Contudo, tudo isso foi pequeno ao ocorrido entre os anos de 1854 e 1855.

Médicos e autoridades maranhenses estavam estarrecidos com a possibilidade da

importação do terrível mal da colera morbus asiático pelos portos do Pará para a

333

O PUBLICADOR MARANHENSE, 12 de dezembro de 1855. Governo Central, p. 02; Cf. também

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão com que o

Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia

01 de maio de 1853, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1854. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1853, p. 27.

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Província do Maranhão, por este motivo a política de segurança dos portos da capital foi

intensificada ao máximo.

Entre janeiro a agosto de 1854, os cuidados com as embarcações que

atracavam no porto da Ponta d’ Areia eram quase que totais. Infelizmente as normas de

segurança sobre a contagiosidade foram desobedecidas, não por conta da colera morbus,

mais sim pela varíola, isto porque, o regulamento das medidas sanitárias dos portos do

Império do Brasil erroneamente, considerava como moléstias pestilentas apenas “o

cholera morbus, a febre amarela e a peste”. A varíola, o sarampo, a typho, a

escarlatina, o carbúnculo, a hydrophobia, a syphilis e certas febres intermitentes eram

consideradas meramente doenças de natureza contagiosa com pouca gravidade.

O fato da varíola não ser considerada moléstia pestilenta, reside na

circunstancia da mesma possibilitar imunidade aos indivíduos que eventualmente a

adquirirem em uma primeira ocasião e também por haver vacina contra a mesma. Por

estas prerrogativas, grotescamente levaram o serviço de saúde dos portos a dar-se o luxo

de permitir o contato de uma tripulação afetado por varíola com o continente.

Sobre este aspecto o artigo 49 do regulamento do estado sanitário dos portos do

Brasil é enfático:

Art. 49. Quando os navios procedentes dos portos não infectados chegarem

com doentes que não forem das 3 moléstias pestilenciaes, serão admitidos à

livre pratica, e os doentes poderão desembarcar para onde melhor lhes

convier. Contudo, relativamente a estes doentes, se houver suspeita da

autoridade sanitária de que a moléstia possa comprometer a saúde pública ou

ao menos os lugares onde tem de ser os doentes admitidos, esta autoridade

participando, e de acordo com o governo do município neutro, e nas

províncias com a primeira autoridade civil do lugar, resolverá o que cumpri

fazer em tal emergência. He particularmente recomendado em taes

conjuncturas muita circunspecção quando esta emergência for ocasionada por

diarrheas epidêmicas, typho, ou varíola.334

Em novembro de 1854, em correspondência direta com o presidente da

Província, Eduardo Olímpio Machado, o Dr. José Sérgio Ferreira ressalva que a varíola

já estava em pleno processo de desenvolvimento na capital causando devastadores

estragos, e que seria de bom grado aplicar com maior firmeza a linfa vacínica o quanto

antes a fim de conter possíveis consequências nefastas. Segundo o relatório geral do

estado sanitário da Província do Maranhão de 1854 as bexigas teriam chegado pela

334

O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de junho de 1855. Parte Official, Rio de Janeiro. Medidas

sanitárias. Regimento sanitário dos portos do Império contra a importação de moléstias pestilenciaes, p.

03.

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primeira vez a São Luís no inicio do mês de agosto importadas pela barca Linda335

,

tendo afetado apenas uma pessoa durante o dito mês, a varíola passou despercebida em

setembro, vitimando apenas um soldado de linha no final do mês de outubro.

Curiosamente naquele momento, os médicos consideravam que seria muito

difícil a varíola ter sido importada pelos portos, já que o intervalo dos casos de agosto

para outubro era de dois meses336

. Segundo os médicos eram remotas as chances da

manutenção da força de contágio do germe variólico sem que este pudesse se

desenvolver em uma escala de dois meses, apresentando apenas dois registros de

ocorrências neste intervalo de tempo. Para reforçar seus argumentos, os médicos

higienistas consideravam que o período que vai de agosto para dezembro seria

impróprio para o surgimento da varíola, pois a capital não estaria em seu ciclo chuvoso

tampouco o de estiagem.

Demais, aqueles colonos, que, aliás, tiveram uma viagem de 27 dias não só

estiveram em permanente contato com os operários do canal do Arapapahy,

mas foram em grande parte distribuídos por particulares em diversos portos

do interior, sem que nenhum dos lugares, em que residirão, fosse

enfeccionado; o que de certo não aconteceria, se o mal se se origina deles.

Assim, a não dar-se o absurdo, de crer que o germe da varíola pôde

conservar-se inoculado por mais de dous mezes sem desenvolver-se.337

Ocorre que os médicos maranhenses do século XIX, ainda não sabiam que o

vírus variólico338

era um dos mais resistentes, podendo permanecer inoculo por dois ou

três meses sem perder sua força de infecção e contágio. Este fato logo se concretizou, a

devastação causada pela varíola foi tão rápida que em um curto período a moléstia

ceifou muitas vidas na capital. Em novembro de 1854 o mal variólico já estava

completamente generalizado.

335

Não encontramos registros da procedência da barca Linda, o que sugerimos é que a mesma não

apresentou carta atestando seu estado de saúde. Sendo que as informações dão como certa o contato

permanentimente da tripulação da referida barca com o continente. Outro fato curioso é que a epidemia

variólica sentida na Província do Maranhão em 1855 reapareceu na vila de Guaratuba, procedente da

Freguesia de Itajaí, da Província de Santa Catarina em 1856-1857, através de uma canoa de cabotagem,

que trazia gêneros alimentícios. Cf. GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade

Pereira da.História da Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de

Patologia Tropical, Vol. 41 (4), 2012, pp. 390-394. 336

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincialno dia 03 de maio de

1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 60. 337

Ibidem. 338

Em relação à resistência do vírus variólico Cf. ÂNGULO, Juan. Varíola, In: Ricardo

Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 55.

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Contudo, grotescamente as autoridades públicas estavam mais preocupadas

com a possível importação da cólera morbus asiática do que o combate ao mal variólico

e aos anseios aos pobres, classe numericamente mais afetada pela varíola. A sessão de

25 de novembro de 1854 da câmara municipal de São Luís liderada pelos vereadores

Vieira, Antônio Rego e Nogueira Souza ratifica a necessidade da criação de uma

comissão de higiene pública que em tese substituiria o Conselho de Saúde Pública da

Província do Maranhão.

Essa comissão exerceria um triplo papel: o primeiro deles seria a investigação,

mantendo o governo central informado sobre os movimentos de qualquer epidemia em

curso na cidade de São Luís; segundo, a comissão também teria um papel de elaborar e

comparar medicações empregadas em algum tipo de tratamento; terceiro a comissão

teria um papel na prescrição e autorização de médicos e agentes de saúde a realizarem

vistorias nas casas e locais considerados insalubres.

1°, de 20 do corrente, comunicado que, afim de que tenha um lugar com toda

a brevidade à limpeza desta capital, tem resolvido dividir o trabalho em

tantas secções quanto forem os districtos de paz encarregando cada uma desta

a uma comissão composta da seguinte forma: 1°, que conprehende o 1°

districto de paz o Dr. Chefe de polícia, e o Dr. em medicina Antonio Rego;

2°, que comprehende o segundo districto o Dr., delegado de polícia, e o Dr.

em medicina José Sérgio Ferreira, 3°, que comprehende o terceiro districto o

subdelegado de polícia da Freguesia de Nossa Senhora da Victoria, e o Dr.

em medicina Thomaz Hall; 4°, finalmente que comprehende o quarto

districto o subdelegado de polícia da freguesia da Nossa Senhora da

Conceição e o Dr. em medicina José Carlos Jauffret.339

Em 29 de novembro, Eduardo Olímpio de Machado dava por assegurada às

obrigações das comissões de saúde340

nos quatro distritos da capital, ratificando

novamente que seria de bom grado as comissões atuarem na limpeza pública da cidade a

fim de se evitar a importação da cólera morbus ao porto da capital, esquecendo-se de

implantar medidas mais eficazes para conter o desenvolvimento da varíola que se

encontrava em pleno estágio mórbido na capital.

339

O PUBLICADOR MARANHENSE, 18 de janeiro de 1855. Maranhão. Câmara Municipal. Sessão

ordinária de 29 de novembro de 1854. Liderada pelos vereadores Vieira, Antônio Rego e Nogueira

Souza, p. 02. 340

Ao que tudo indica as Comissões de Saúde Pública substituíram o Conselho de Saúde Pública da

Província do Maranhão, Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da

Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa

Provincialno dia 03 de maio de 1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e

mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, pp. 60-63.

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A atitude passiva ou pelo menos reativa de Eduardo Olímpio Machado

demonstra como as autoridades médicas locais, enfrentavam o problema das epidemias.

Logo que se desencadeava algum surto epidêmico de qualquer natureza a máquina

administrativa era prontamente posta em ação, sob o comando de um médico

especialista, as cartas de saúde nos portos tornavam-se obrigatórias, sendo obrigados os

respectivos vistos, visitas de saúde, inspeções e se necessário impedimentos de

comunicação e desinfecções coercivas. Além de promover as medidas de isolamento e

quarentenas, desenvolvendo na cidade o aprimoramento da higiene e as normas de

vigilância epidemiológica.

A todas essas medidas os médicos higienistas seriam os responsáveis por

resguardá-las, assim como esclarecer os obituários, programar notificações e respeito

das doenças perigosas, registrar eventuais surtos de doenças, acompanhar a evolução da

mortalidade na Província. Proceder a estudos topográficos a respeito das doenças

infecto-contagionistas e realizar a assistência médica às classes menos abastadas.

Neste sentido a análise de uma epidemia não pode se impor apenas como uma

tarefa pura e simples de reconhecer a forma geral da doença e sua gravidade. É preciso

compreender a estrutura perceptível no curso da epidemia, o contágio, por exemplo, tem

grande importância, entretanto, o mesmo é apenas uma modalidade da ação epidêmica,

desta forma as medidas de controle sobre este são ainda mais relevantes. Daí a

necessidade de institucionalizar uma polícia sanitária, a fim de zelar pela salubridade

dos portos, das quadras de cada bairro da cidade, dos cuidados com a inumação e

incineração dos cadáveres, do controle dos matadouros, e sobre o comércio de vinho,

pão e carnes da cidade.

O problema era que nem todas essas atribuições eram realizadas por completo,

no geral os médicos higienistas e as comissões de saúde apenas prestavam os serviços

de socorros públicos aos pobres e indigentes, realizando sempre a pratica do isolamento

ou das quarentenas apenas após a incursão da moléstia no seio da população. De acordo

com Michel Foucault o “isolamento ou internação” é uma criação institucional própria

do mundo moderno, ele assumiu desde o início uma amplitude que não lhe permite uma

comparação com a prisão, mas sim como medida econômica e social.341

Erwin Ackerknecht destaca que o conhecimento das causas da existência e do

desenvolvimento de uma epidemia deriva única e exclusivamente da especialização dos

341

FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva S.A.,

1972, p. 78.

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hospitais de controlede doenças infecto-contagionistas342

. Para Patrice Pinell a

especialização clinica e hospitalar de determinadas doenças demanda um processo de

introdução de novas técnicas, modificando a configuração da doença e do

prosseguimento de uma epidemia.343

Em outras palavras, esses autores advogam a ideia de que toda e qualquer

doença deve ser compreendida como uma unidade natural e que sua cura articula etapas

de conhecimentos especializados em áreas distintas. O hospital deve ser um lugar nessa

configuração em que as instâncias da clínica são múltiplas, para melhorar e assegurar

uma vigilância contínua. Ele é necessário para o doente sem família e ainda mais

necessário nos casos de doenças infecto-contagiosas e de doenças complexas ou

“extraordinárias”, portanto a primeira tarefa do hospital é a proteção.

Segundo Jacques-René Tenon o hospital necessariamente deve ter um caráter

assistencialista de proteger o povo de seus próprios males, orientando-se por dois

princípios básicos: a “formação”, que destinaria cada hospital a uma categoria de

doentes ou a uma família de doenças; e a “distribuição”, que define, no interior de um

mesmo hospital, a ordem de seguir, para nele dispor os enfermos que se tiver achado

oportuno a receber344

. Assim, concebido o hospital permite classificar e agrupar os

doentes a partir de sua condição de saúde, sem difundir o contágio no hospital ou fora

dele.345

Para Samuel Tissot a tarefa de classificar e agrupar os enfermos no leito

hospitalar não é apenas uma tarefa quantitativa, ela deve atender natureza e o modo de

manifestação da doença e sua relação com o doente e com a própria comunidade346

.

Neste sentido o artigo de n°100 do Código de Posturas de São Luís de 1842 prescreve

que toda pessoa acometida por moléstia contagiosa de qualquer natureza deveria ser

isolada no hospital do Bonfim para que assim se pudessem tomar as devidas medidas

profiláticas e terapêuticas. E que nenhuma pessoa poderia deixar de comunicar a

existência de algum doente acometido de mal contagioso e epidêmico que, por ventura

342

ACKERKNECHT, E. H. La Médicine Hospitalière à Paris. Paris: Payot, 1986, p. 12. 343

PINELL, Patrice. Análise sociológica das políticas de saúde. Tradução de Irene Ernest Dias e Vera

Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010, p. 179. 344

TENON, Jacques-René. Mémoires sur les hôpitaux, Paris, 1788, p. 359. Apud. FOUCAULT, Michel.

O nascimento da clínica. 6ª edição. São Paulo: Editora Forense Universitária, p. 45. 345

Id. Ibid., p. 354. 346

TISSOT, Samuel. Mémoire pour la construction d’ un hôpital clinique, in Essai sur les études

médicales, Lausanne, 1785, p. 120. Apud. FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 6ª edição. São

Paulo: Editora Forense Universitária, p. 64.

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estivesse em sua casa, bem como não poderia receber em seu domicílio, caso contrário

estaria sujeito à multa e retaliações.347

No entanto, somente no final do mês de novembro de 1854 as autoridades

perceberam a gravidade da contagiosidade apresentado pelas bexigas, ficando

estabelecido que na capital houvesse um hospital provisório e emergencial de

isolamento localizado na Rua de Santa Rita exclusivo para as pessoas de cor acometidas

por varíola. Neste hospital havia duas enfermarias onde os bexiguentos eram recolhidos

e tratados gratuitamente, em uma ficaria os bexiguentos livres e na outra os bexiguentos

escravos. As pessoas desvalidas de ambos os sexos eram socorridas em uma enfermaria

do hospital da Casa de Expostos da Misericórdia, enquanto que as pessoas abastadas

eram socorridas no hospital de São Sebastião ou em domicílio.348

Os socorros públicos eram realizados quase que diariamente, porém muitos

variolosos eram tratados em suas casas, ou sequer recebiam a visita dos médicos e da

comissão dos socorros públicos. Esta circunstância foi determinante para o alto índice

de mortalidade alcançado pela epidemia variólica no ano de 1855, tendo em vista que o

procedimento padrão deveria ser feito primeiro com o recolhimento do enfermo,

isolando-se qualquer foco de infecção que pudesse agravar o estado famigerado de

saúde da capital, e não atendendo a pessoa em domicílio ou deixando-a por lá.

O motivo para haver socorros públicos em caráter domiciliar era que, o mesmo

Código de Postura que autorizava o isolamento do doente, outorgava a possibilidade de

tratamento em domicílio, caso o paciente não fosse morador do perímetro urbano da

cidade.349

Fran Paxeco denuncia o estado de miserabilidade dos hospitais e

estabelecimentos de caridade de São Luís, argumentado que “chocava a qualquer um as

condições de saúde nada merecedoras de lisonja, que apresentava a capital” 350

. As

fontes indicam que esse problema foi constante na cidade de São Luís ao longo do

século XIX.

347

MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão. Typographia da

Temperança. Anno, 1842, p. 16. 348

MARANHÃO. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de

Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 05 de maio de 1855, Acompanhado do

Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61. 349

MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão. Typographia da

Temperança. Anno, 1842, p. 16. 350

PAXECO, Fran. O trabalho maranhense. São Luís: Imprensa Oficial, 1916, p. 79. Apud CORREIA,

Maria da Glória Guimaraes. Nos fios da trama: Quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do operariado

feminino em São Luís, na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006, p. 75.

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A cidade não possuía um conjunto de instituições na área da saúde que pudesse

suprir os anseios de sua população estimada em 30.000 habitantes351

. Em 1854-55 e

1864-55 períodos em que a varíola confluente grassou em São Luís, a população apenas

poderia contar para sua assistência médica, com o Hospital da Santa Casa de

Misericórdia, o Hospital de São Sebastião, os lazarentos do Bonfim e da Ponta da Areia,

uma enfermaria militar e a enfermaria temporária destinada ao isolamento dos

bexiguentos localizada na Rua de Santa Rita.352

Além disso, a quantidade de médicos que prestavam serviços de vacinação à

população era pífia, além do comissário vacinador provincial, cargo ocupado pelo Dr.

José Miguel Pereira Cardoso, a população de São Luís poderia contar com o auxílio do

Dr. José Coelho Moreira de Sousa e os cirurgiões Antônio Henriques Leal, João Diogo,

José Sérgio Ferreira, José Ricardo Jauffret, Silvestre Marques da Silva Ferrão e Thomaz

Wright Hall. Levando-se em consideração a margem de 30.000 almas, a cidade de São

Luís tinha em média um vacinador para cada 3.750 habitantes entre 1854 e 1855.

Comparando o número de médicos por habitantes novamente iremos nos

deparar com um algarismo negativo. Lê-se no Almanack do Maranhão de 1849 a

351

De acordo com José Ribeiro do Amaral é extremamente complicado assegurar o índice populacional

da Província o Maranhão e da cidade de São Luís durante os anos do século XIX. Para justificar seu

posicionamento José Ribeiro do Amaral reporta-se ao exemplo dado pelo Dr. Antônio Henriques de Leal

em seu Almanack do Maranhão de 1860, diz o Dr. Antônio Henriques de Leal que “a população é o

centro para qual convergem todos os materiais de uma estatística e donde partem os esclarecimentos que

iluminam e dão-lhe o cunho da verdade e exatidão. Um país cuja população não é conhecida em suas

condições sociais, diferenças de idades, de sexo, estado civil, classes, profissões, movimento e

desenvolvimento, não pode ser administrado (...). Nestas condições infelizmente estamos nós”.

AMARAL, José Ribeiro. O Maranhão histórico – Artigos de jornal (1911-1912). São Luís: Instituto

Geia, 2003, p. 59; SegundoMário Martins Meireles em Viagem pelo Brasil os viajantes naturalistas

bávaros Spix e Martius consideraram São Luís como a quarta cidade em importância do Império

estimando ser a população local de 30.000 habitantes em 1819. Em 1832 o percentual de 30.000 mil

habitantes novamente é catalogado pelo naturalista francês Alcide d’Orbigny em seu livro Viagem

pitoresca pelo Brasil. No entanto, acrescenta Meireles “nessas circunstancias, e conquanto os algarismos

não sejam todos confiáveis, embora sejam os únicos de que dispomos, não é de admirar que, para São

luís, o Censo de 1872 apontasse uma população de 31. 664 e que o de 1890 diminuiu para 29. 308 almas,

enquanto setenta anos antes já fora estimada em 30.000 mil”. Cf. MEIRELES, Mário M. Dez estudos

históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 219-231; Regina Faria cita o relatório do presidente da Província

do Maranhão de 1878, que estimava a população local de São Luís na margem de 34.966 habitantes. Cf.

FARIA, Regina Helena Martins de. Mundo do trabalho no Maranhão Oitocentista: os descaminhos da

liberdade. São Luís: EDUFMA, 2012, p. 242; Segundo o relatório do presidente da Província de 1863 a

população local de São Luís girava em torno de 30.000 almas. Cf. MARANHÃO, Presidência da

Província, Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha

passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-

presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1863, p. 27. Considerando todas estas estimativas e possíveis variações, iremos adotar a margem de

30.000 mil habitantes para a cidade de São Luís entre os anos de 1854 a 1876. 352

A respeito dos hospitais e estabelecimentos de profilaxia e caridade em São Luís no século XIX, Cf.

MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico - geográfico da Província do Maranhão. Rio de

Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 605-614.

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quantia de 25 doutores para esse ano, sendo médicos propriamente 12 na capital e 05 no

interior e mais 08 cirurgiões em São Luís353

, o que nos dá uma média de um médico

para cada 1.500 habitantes.

Vale lembrar que somente em 21 de setembro de 1861 pela Lei provincial de

n° 609 foi estabelecido o cargo de médico da Província, o qual foi interinamente

ocupado pelo Dr. César Augusto Marques até 18 de junho de 1866, quando o mesmo foi

extinto354

. Além disso, a capital da Província poderia contar ainda com o auxilio de 05

boticas355

. Sendo que apenas uma delas estava credenciada para a aplicação da vacina

em 1855. Por esses dados imaginamos que a vida em épocas de epidemias reinantes em

São Luís, deveria ser uma mescla de rusticidade, angústia e medo.

Maria da Glória Correia identifica que em 1847 apenas existia neste referido

ano a proporção de “um médico para curar a pobreza” de toda a gente da cidade de São

Luís. A autora sinaliza que este quadro inoperante de socorros públicos perdurou pelo

menos até 1893.

Quando, sob o nome de Repartição de Higiene Pública, passaram a constar da

folha de despesas do município 01 inspetor, 01 ajudante e 01 secretário como

sendo efetivo da referida repartição. Contudo, indica uma indefinição ou

absoluta falta de diretrizes para uma política de saúde pública, pela Lei n° 15,

de 06 de junho de 1896, foi a referida repartição extinta, ao mesmo tempo em

que era criado o cargo de “médico da municipalidade”.356

Voltando ao problema das vítimas da varíola, esta se fez por preferência em se

concentra na capital, pois a mesma dispunha do maior contingente populacional da

época. Foi justamente em São Luís que ela ceifou mais vidas, no interior da Província a

varíola não se prolongou e tampouco se apresentou em caráter mortífero ou epidêmico.

A única exceção foi na vila do Rosário, um ponto depois de São Luís, onde foram

registrados no total 28 mortes desde novembro até fevereiro de 1855.357

Em novembro de 1854 a varíola já era percebida em todas as extensões de São

Luís, as únicas exceções em que os relatórios médicos atestavam bom estado de saúde 353

LEAL, Antônio Henriques de. Almanack do Maranhão, 1849. Apud MEIRELES, Mário M. Dez

estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 226; A relação de médicos e cirurgiões da cidade de São

Luís também pode ser encontrada em MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da

Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 738-756. 354

MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 230. 355

VIVEIROS, Jerônimo de. História do comércio do Maranhão (1612-1895). V. 2. São Luís: Coleção

Academia Maranhense de Letras, 1992, pp. 321- 338. 356

CORREIA, Maria da Glória Guimaraes. Nos fios da trama: Quem é essa mulher? Cotidiano e

trabalho do operariado feminino em São Luís, na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006, p. 75. 357

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61.

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eram as prisões, os conventos, o recolhimento, a casa dos educando, o seminário e os

colégios, nesses locais o mal variólico ainda não havia penetrado. O que demonstra que

nem todas as medidas higiênicas aplicadas pelo Conselho de Saúde da Província foram

ineficazes. Entretanto no Campo de Ourique, por exemplo, a varíola já havia ceifado

dois corpos de linha, e no dia 31 de novembro de 1854 existiam infectadas no hospital

de Santa Rita oito praças.358

Na sua grande maioria os indivíduos afetados pela varíola eram indigentes

ou escravos, isso se repetia em sequencia, pois, os mesmos entravam em contato com as

fontes de infecção constantemente, no entanto, a moléstia não escolhia classe social, a

cada dez vítimas de varíola, pelo menos duas não eram escravos, indigentes ou

pobres359

. Este baixo índice de mortalidade entre as pessoas ricas ou com algum bem, se

explica pelo fato, de que os escravos deveriam ser tratados apenas no hospital de Santa

Rita, local de escassos recursos e assistência médica e terapêutica.

Segundo os relatórios emitidos por José Miguel Pereira Cardoso, o hospital de

Santa Rita não atendia as mínimas exigências para o amparo aos desvalidos, sua

estrutura era rústica, não dispondo de locais de arejamento, as enfermarias eram

abarrotadas de variolosos, o médico responsável pelo hospital não conseguia ao menos

cumprir com as necessidades básicas dos enfermos, não por incompetência sua, mas

pela falta de recursos técnicos disponíveis no local.

Para termos noção do problema, temos as seguintes situações: primeiro era de

conhecimento geral que a luz solar poderia auxiliar na secura e cicatrização das pústulas

variólicas; segundo, os banhos terapêuticos deveriam ser dados diariamente e com

frequência nos variolosos, à água morna poderia auxiliar no processo de relaxamento

das pústulas variólicas na epiderme facilitando o uso de medicamentos. De acordo com

o Dr. Darut os banhos terapêuticos podem repelir ou atrair o sangue estancado corpo:

Ele atrai o sangue para a periferia, bem como todos os humores, a

transpiração e todos os líquidos úteis e nocivos. Com isso os centros vitais se

veem desertos, o coração funciona e o organismo se esfria. Esse fato é

confirmado por essas síncopes, essas lipotimias, a fraqueza, o abandono, o

cansaço.360

358

Ibidem. 359

Ibidem. 360

DARUT, Les bains froids sont-ils plus propres à conserver la santé que les bains chauds? Tese 1763,

Gazette salutaire, n° 47. Apud. FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo:

Editora Perspectiva S.A., 1972, p. 315.

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No entanto, a situação era tão vexaminosa no hospital destinado ao isolamento

dos bexiguentos em São Luís, que os variolosos não poderiam sequer tomar banho de

sol, por falta de local adequado, tampouco realizar banhos terapêuticos diariamente por

pura e simples falta de água no local. O resultado final foi o aumento gradativo no

número de acometidos pela varíola.

Em novembro de 1854 a média dos socorros públicos realizados em

decorrência da varíola era de 60 pessoas, esse percentual só foi aumentando nos meses

seguintes. O balanço oficial dos socorros públicos em decorrência da epidemia variólica

para este ano foi o seguinte:

(...) de 24 de dezembro de 1854 até 15 de abril de 1855 entraram somente

nesta enfermaria 241 pessoas infectados por varíola, saíram curadas apenas

139 pessoas, faleceram 81 e ainda existiam em tratamento 21 pessoas. A

Santa Casa da Misericórdia atendeu ao todo 328 variolosos, além desses,

foram socorridos em domicilio por vários bairros da cidade 741 pessoas

acometidas por varíola.361

Em 1855 os socorros públicos decaíram consideravelmente até 31 de janeiro

haviam sido registradas 50 ocorrências de entradas de variolosos, 30 no hospital de São

Sebastião, 20 no hospital de Santa Rita, em compensação 206 ocorrências foram

realizadas em domicílio, sendo 163 do sexo feminino e 93 do sexo masculino. De toda

essa gente apenas 18 escravos foram tratados no hospital de Santa Rita, totalizado 256

socorros públicos em janeiro de 1855362

. Em março do mesmo ano 121 pessoas foram

recolhidas no hospital dos variolosos, 180 pessoas foram atendidas em domicílio, destas

107 foram atendidas pela Santa Casa da Misericórdia e 73 pelo boticário Vidal.363

Em abril de 1855, 79 pacientes deram entrada no hospital dos variolosos,

saíram curados 45 indivíduos, receberam atendimento domiciliar 194 pessoas. Nas

contas do jornal O Publicador Maranhense de cinco de maio de 1855, no mês de abril o

Dr. Coelho de Sousa realizou 22 socorros domiciliares, os cirurgiões Silvestre Marques

da Silva Ferrão 28, Thomaz Wright Hall 08, José Ricardo Jauffret 04, José Sérgio

Ferreira 03, João Diogo 02 e Henriques Leal 127 socorros domiciliares.364

361

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61. 362

Ibidem. 363

Ibidem. 364

O PUBLICADOR MARANHENSE, 05 maio de 1855. Publicações a pedido, p. 02.

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Ou seja, a escala de crescimento dos índices de mortalidade ocasionados pela

epidemia variólica de 1854 e 1855 está intimamente ligada ao alto índice dos socorros

domiciliares realizados entre dezembro de 1854 a abril de 1855. Em outubro a varíola

vitimou apenas 01 pessoa, em novembro foram 12, e nas primeiras semanas de

dezembro foram 52 mortes. No total a varíola havia vitimado 62 pessoas em menos de

três meses, ou seja, um crescimento de mais de 100% para cada mês.365

As expectativas para o ano de 1855, não eram animadoras, tendo em vista que

a tendência era o aumento gradativo do índice de contagiosidade, virulência apresentado

pela epidemia. Fato que se concretizou pela manutenção dos socorros domiciliares que

não isolavam a fonte de infecção (neste caso o varioloso). O resultado foi o aumento

gradativo do índice de mortalidade. Em janeiro de 1855 foram 152 vítimas de varíola,

sendo que o número de escravos enterrados no mesmo período foi de 93, todos por

varíola.366

Durante o mês de fevereiro a mortalidade apresentada pela moléstia continuou

prevalecendo, somente no início de fevereiro foram registrados 73 óbitos, dos quais

pouco mais da metade eram decorrentes da varíola. O número final de óbitos por varíola

neste mês foi de 147. Em março a epidemia continuou reinante, falecerão em São Luís

108 pessoas vítimas da moléstia, 31 delas eram escravas.367

A mortalidade foi tamanha que em 11 de junho de 1855 o jornal O Publicador

Maranhense foi forçado a lançar nota explicativa sobre o aumento vertiginoso alcançado

pela epidemia. O cenário era tão avassalador que o mal variólico acabou por ganhar as

primeiras páginas dos jornais cariocas, os índices de mortalidade foram considerados

alarmantes pelo jornal o Globo, que destacava a soma de 371 óbitos entre os meses de

outubro de 1854 a março de 1855.

365

MARANHÃO, Presidência da Província, Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 05 de maio de

1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61. 366

Ibidem, p. 61. 367

O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 abril de 1855. Publicações a pedido, p. 02.

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119

Quadro 02. Balanço de óbitos da cidade de São Luís entre outubro de 1854 a março de 1855.

Falecceram Óbitos De bexigas Outras moléstias

De 01 dia a 07 annos 164 57 107

De 7 a 50 380 288 92

De 50 a 80 66 23 43

De 80 para cima 08 03 05

Somma 618 371 247

Fonte: O PUBLICADOR MARANHENSE, 28 de abril de 1885. Notícias diversas, p. 03.

Em tempo algum a varíola fez antes tantos estragos em São Luís, os dados

trimestrais dos relatórios de salubridade de 1855 apontam que o tipo de vírus que

atingiu a cidade de São Luís foi de natureza aguda. A varíola “confluente” não perdeu

de vista seu curso, permanecendo com um elevado índice de mortalidade entre janeiro e

março do respectivo ano. Além de tudo as medidas sanitárias adotadas para conter o

avanço da doença pareciam ser ineficazes. Quanto ao sexo, não houve distinção, a

varíola ceifou vidas em proporção igual a homens e mulheres. Em relação à idade, teve

ela por fazer preferência em adultos entre 15 a 50 anos de idade, vitimando em menor

escala crianças e idosos.368

No inicio de abril de 1855 o Dr. Henriques Leal em correspondência direta

com o presidente da Província Eduardo Olímpio de Machado, constata que a epidemia

variólica havia dado sinais de desgastes, porém o mesmo resguarda que a varíola foi

benigna entre 03 e 18 março, contudo logo reinou na capital ainda em março com a

mesma malignidade apresentada no inicio de fevereiro. Henriques Leal previa que as

copiosas chuvas e o intenso calor do mês de abril poderiam ser facilitadores para uma

nova virulência na cidade.369

Ao fim do mês de abril de 1855 médicos e autoridades públicas sentiram-se

anestesiados devido aos rumos tomados pela epidemia nos meses seguintes, isto porque,

era esperado por todos que o índice de mortalidade variólico se mantivesse estável,

tendo em vista o aumento da pluviosidade métrica neste período, porém é justamente

neste intervalo que a epidemia variólica apresenta claros sinais da perda de sua

virulencia.

368

Ibidem. 369

Ibidem, p. 02

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120

Na realidade, a lógica seria essa, pois, sendo a varíola uma moléstia por

característica peculiar quanto à imunização do indivíduo contaminado na sua primeira

infecção, a mesma teria por tendência natural enfraquecer-se em uma escala de dois a

três meses no raio de sua ação epidêmica. Essa hipótese é reiterada com os 517 registros

de óbitos pela varíola até 15 de abril de 1855. Os números sobre proporção de

mortalidade alcançada nos meses em que a varíola grassou em São Luís são

assustadores para uma moléstia que poderia contar com o auxílio de uma vacina como

forma de prevenção. Em novembro do ano de 1854 a proporção de mortalidade era de

01 vítima para cada dois dias, em dezembro de 1854 era de pouco mais 1/2 por dia, em

janeiro de 1855 mais de 05 por dia, em fevereiro 04 vítimas por dia, em março 1/2 por

dia, e menos de 01 vítima a cada dois dias no mês de abril. A tabela abaixo demonstra a

proporção de vítimas feitas pela varíola entre novembro de 1854 a abril de 1855 em São

Luís.

Quadro 03. Proporção de vítimas ocasionadas pela varíola entre agosto de 1854 e abril de

1855.

Meses / ano Vítimas Quantidade

distribuída por dias

Total

Agosto 1854 01 a cada 30

517 vítimas

Setembro 1854 0 30

Outubro 1854 02 a cada 30

Novembro 1854 01/ a cada 02

Dezembro 1854 1/2 a cada 01

Janeiro 1855 05 a cada 01

Fevereiro 1855 04 a cada 01

Março 1855 1/2 a cada 01

Abril 1855 -1 a cada 02

Fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do Presidente da Província do Maranhão, o

Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 61.

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121

A varíola ainda iria ceifar mais 166 vidas até dezembro de 1855, totalizando ao

todo incríveis 683 óbitos em sua decorrência. Infelizmente não encontramos um

referencial exato sobre a proporção real do número de vítimas feitas pela epidemia nos

meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro de 1855. Os dados nos permitem

apenas supor que entre esse intervalo de tempo a epidemia variólica tenha perdido sua

força de virulência e mortalidade. Sendo que as 166 vítimas citadas acima referem-se ao

total somado a partir da segunda quinzena de abril de 1855 a setembro de 1855. Este

número não representa a distribuição proporcional da mortalidade feita pela varíola em

cada um desses meses, apenas apontam a soma dos mesmos.

É importante esclarecer que o percentual real das vítimas que a varíola

ocasionou no período de 1854-1855, é discutível, isto porque algumas fontes relatam

que apenas 517 pessoas foram mortas pela moléstia, já outras apontam para 614 óbitos

entre 1854-55370

. Sendo que pouquíssimas fontes se referem ao percentual de 683

óbitos, estipulado para este trabalho.371

É possível que o número inexato das vítimas feitas pela varíola seja fruto da

compilação de óbitos pela moléstia apenas no período de observação de sua maior

virulência e contagiosidade quando esta alcançou 614 mortes, não sendo observados os

casos de óbitos por varíola no segundo semestre de 1855. Outra possibilidade que

reforça a hipótese de que o número de vítimas ocasionadas pela varíola entre 1854 e

1855 seja o percentual de 683 óbitos (ou o mais próximo disso), era o antigo hábito que

muitas pessoas tinham por realizar enterros em seus quintais.

De fato, há uma grande margem de acerto para isso ter acontecido entre os

anos de 1854 e 1855, pois, tendo em vista que a varíola era contagiosa mesmo que o

indivíduo estivesse morto, presumia-se que este não poderia ter um velório

acompanhado de seus parentes e familiares, por essa razão é bem possível que muitas

famílias optassem por enterrar o corpo do varioloso em seus quintais, como forma de

370

O percentual de 614 vítimas por varíola entre os anos de 1854 e 1855 pode ser encontrado em

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, pp. 61-62; Cf. também MARQUES, César

Augusto. Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta,

1970, pp. 760-761. 371

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do

Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião

de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1866, p. 29.

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122

assegura pelo menos uma boa morte ao defunto, regada de melancolia, preces e cânticos

religiosos.

Segundo Philippe Ariès o homem cristão sempre aceitou a morte como um

fenômeno dramático, pessoal e coletivo e por isso não tem possibilidade de esquivar-se

dela, porém para essa aceitação, é de extrema importância que a morte fosse

acompanhada de solenidades, especulações e preces para conforto familiar da memória

daquele que se foi.372

Em 1847, o Dr. José da Silva Maia cita exemplos sobre essa questão, segundo

ele:

O numero dos enterramentos no Cemitério da Mizericordia, sendo alias o

unico que temos, não representa o numero exacto dos obitos, por quanto

todas as crianças que nascem mortas, ou que morrem logo depois que nascem

sem o sacramento do baptismo, são enterradas nos quintaes das cazas, o que

mostra o grande atraso das nossas leis policiaes, hygiênicas, e

administrativas. E isto basta para provar igualmente que nossa Cidade não é

possível actualmente conhecer-se o número exacto dos nascimentos.373

Mesmo diante de algumas dúvidas, os números são verdadeiramente

catastróficos. Conclui-se então, que a epidemia variólica de 1854-1855 foi um dos

piores episódios já registrados pela varíola no Maranhão, o movimento dos cemitérios

da cidade revela essa triste realidade. Em 1853 foram sepultados 937 cadáveres no

Cemitério da Santa Casa da Misericórdia e 41 no da Santa Cruz dos Passos, somando-se

ao todo 978 sepultamentos em todo ano de 1853. Já em 1854 apenas os dois últimos

meses foram suficientes para alavancar os sepultamentos na capital, até os fins de

dezembro de 1854 foram registrados 954 sepultamentos de cadáveres, sendo 908 no

cemitério da Santa Casa de Misericórdia e 46 no cemitério de Santa Cruz dos Passos, a

diferença de sepultamentos de um ano para o outro foi apenas de 24 sepultamentos.374

372

ARIÈS, Philippe. Sobre a história da morte no Ocidente: desde a Idade Média. 2ª edição. Rio de

Janeiro: Teorema, 1998, p. 31. 373

JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMÁTICA MARANHENSE, Estatística, 1847, p. 86. 374

As estatísticas sobre o número de sepultamentos nos cemitérios de São Luís entre 1854 a 1858 podem

ser encontradas em MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do

Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial

no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; No

entanto informações mais completas também podem ser encontradas em MARANHÃO, Presidência da

Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão

da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do

Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro

de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26; MARQUES, César

Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta,

1970, pp. 331-338.

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123

Entretanto, esse percentual sofre um considerável aumento de 710 mortes a

mais em 1855, contabilizando ao todo 1666 óbitos, sendo que apenas no primeiro

trimestre deste ano foram sepultados 618 cadáveres375

. De acordo com as normas

higiênicas aos sepultamentos, os cadáveres dos falecidos por epidemia de qualquer

natureza deveriam passar antes por um processo de desinfecção:

Logo que succumbia o doente espalhava-se ácido phenico em torno da cama;

no caixão se assentava o corpo em chlorureto de cal, e enchia-se o espaço

restante de serradura impregnada de ácido phenico; e além d'isto, quando o

caixão descia á sepultura, deitava-se sobre a cova uma camada de chlorureto

de cal, e fazia-se por cima uma aspersão com água chloruretada.376

Em uma inspeção ao cemitério da Santa Casa da Misericórdia, o Conselho de

Saúde Pública da Província do Maranhão constatou ser impossível o cemitério continuar

a funcionar normalmente devido ao alto índice de cadáveres em detrimento e

empilhados uns sobre os outros sem quaisquer normas higiênicas. A maior parte do sítio

do cemitério encontrava-se neste estado. Por este motivo o Conselho de Saúde Pública

da Província do Maranhão determinou que fosse suspensa qualquer atividade funerária

no cemitério da Misericórdia, passando os sepultamentos a serem feitos no cemitério

dos Passos.

Segundo o relatório geral de 1855, a Comissão de Saúde Pública assim atestava

sobre as condições físicas e higiênicas do cemitério da Misericórdia:

Aquele primeiro cemitério, por falta da capacidade requerida para receber o

grande número de cadáveres, que nelles se sepultavão todos os anos, tornava-

se constantemente revolvido em seu solo saturado de massa orgânica em

decomposição incompleta. Um verdadeiro foco de emanações pestilenciaes

com que cumpri acabar o quanto antes. Com uma área que apenas contém

2.471 sepulturas compreendidas as catacumbas tem ele servindo de depósito,

desde 1831, em que forão prohibidos os enterramentos nas igrejas, até o fim

do anno passado a 25.833 cadáveres, ou mais de 1.000 por anno, e desde

1805 até a mesma época ou menos de meio século, ao total de 41.200

cadáveres. [...] não se achando, pois o número das sepulturas em relação com

o dos cadáveres anualmente recebidos, erão ellas, por efeito da necessidade,

novamente abertas antes de 03 annos, ou antes, do tempo exigido do nosso

clima para a perfeita decomposição desses, cujos restos, em fermentação

pútrida, empestavão em taes ocasiões o ar ambiente, resultando dahi

375

O PUBLICADOR MARANHENSE, 30 de junho de 1856. Relatório com que o Exm. Snh.

Commendador Antônio Candido da Cruz Machado abriu a Assembleia Legislativa Provincial, no dia 09

de junho de 1856, Saúde Pública, p. 02; Cf. também O PUBLICADOR MARANHENSE, 20 de abril de

1858. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente, Dr. Francisco Xavier Paes Barreto, passou a

administração da Província ao Exm. Snh. Vice-presidente, Dr. João Pedro Dias Vieira, Saúde Pública, p.

02. 376

GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativo, Anno IV, n° 91.

Hygiene Publica. A Hygiene n’esta cidade a propósito da invasão da febre amarella. Bahia, Officina

litho-typographia de J.G. Tourinho, 15 de maio de 1870, p. 220.

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124

converter em asylo dos mortos, nos subúrbios desta capital, em um sitio

eminentemente prejudicial à saúde dos vivos.377

Agostinho Holanda Coe aponta que a interdição do cemitério da Santa Casa da

Misericórdia foi consequência da epidemia varíola de 1854-55, segundo ele era preciso

haver o triplo de sepulturas utilizadas para atender a demanda de cadáveres ocasionados

pela varíola378

. Em uma cidade que pedia por socorros no que diz respeito ao

arejamento de ruas, praças e matadouros a solicitação do pedido da interdição do

cemitério da Misericórdia pela Comissão de Saúde Pública era uma mescla de alívio e

desespero para os médicos higienistas no combate ao mal variólico e a possível

importação da cólera morbus.

O que de fato podemos crer, é que as 683 mortes ocasionadas pela varíola

deixavam cair novamente dúvidas pontuais sobre a eficácia e aplicação da linfa vacínica

contra a varíola. Desde a institucionalização da legislação sanitária na Província do

Maranhão com a criação do Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão e da

Junta de Hygiene em 1850, a cidade de São Luís esteve coberta sobre um manto de

morte, iniciando-se em 1851 com a febre amarela e depois em 1854 e 1855 com varíola.

O estado sanitário de São Luís nunca havia sido tão insatisfatório, os registros

de óbitos neste respectivo período dão fé sobre o aumento da mortalidade ano após ano

na cidade de São Luís. Em 1851 os cemitérios da cidade registraram a cifra de 953

sepultamentos, destes, 807 foram provenientes somente por febre amarela379

. Em 1852

o movimento nos cemitérios chegou a 929 sepultamentos380

. Em 1853 foram registrados

377

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1855, Acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 62. 378

COE, Agostinho Holanda. Questões de higiene pública? Debates acerca de um bom cemitério nos

periódicos ludovicenses do século XIX. In. GALVES, Marcelo Cheche, COSTA, Yuri (Orgs.). O

Maranhão oitocentista. Imperatriz: Ética / São Luís: Editora UEMA, 2009, p. 91. 379

A estimativa de 953 sepultamentos para o ano de 1851 foi retirada junto as seguintes fontes:

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João

Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO. Relatório

com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a

administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-

presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26; MARQUES, César Augusto. Dicionário

histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338. 380

O cálculo de 929 sepultamentos para o ano de 1852 foi óbito pelo somatório de sepultamentos no

Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, Cemitério dos Passos e Cemitério dos Ingleses. Cf.

MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de

Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 333-338.

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125

978 sepultamentos381

. Em 1854 os cemitérios da cidade registram 954 sepultamentos382

,

no entanto, esse percentual alcança incríveis 1688 sepultamentos em 1855, sendo 683

provenientes pela varíola.383

O alto índice de mortalidade perdura nos anos seguintes, em 1856 os

cemitérios de São Luís registraram 1127 sepultamentos, 214 dessas mortes foram

ocasionadas por uma epidemia de disenteria, soma-se a este alguns casos por varíola384

,

e em 1857 o índice de sepultamentos novamente subiu para 1151 óbitos, em virtude de

um surto de febres intermitentes neste respectivo ano.385

381

A estimativa de 978 sepultamentos para o ano de 1853 foi retirada junto as seguintes fontes:

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João

Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO,

Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel

Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no

dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26;

MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de

Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338. 382

A estimativa de 954 sepultamentos para o ano de 1854 foi retirada junto as seguintes fontes:

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João

Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO,

Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel

Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no

dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26;

MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de

Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338. 383

O PUBLICADOR MARANHENSE, 30 de junho de 1856. Relatório com que o Exm. Snh.

Commendador Antônio Candido da Cruz Machado abriu a Assembleia Legislativa Provincial, no dia 09

de junho de 1856, Saúde Pública, p. 02. 384

A estimativa de 1127 sepultamentos para o ano de 1856 foi retirada junto as seguintes fontes:

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João

Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO,

Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel

Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no

dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26;

MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de

Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338. 385

A estimativa de 1151 sepultamentos para o ano de 1857 foi retirada junto as seguintes fontes:

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. João

Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1859. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1859, p. 11; MARANHÃO,

Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel

Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no

dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26;

MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico–geográfico da Província do Maranhão. Rio de

Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 331-338.

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126

4.2 1864-1865-1866 novamente a varíola reina em São Luís

A escala de crescimento no quadro mortes entre os anos de 1851 e 1857

prescrevem a hipótese da ineficiência da legislação sanitária na Província do Maranhão

e sua incapacidade de manter estruturas sanitárias mínimas para conter o avanço de

flagelos mortíferos à população. Essa situação, pois em xeque a eficácia do Conselho de

Saúde Pública da Província do Maranhão, que encontrou dificuldades em realizar suas

atividades.

A limpeza das praias não era mais constante, as normas sobre os matadouros

públicos eram burladas e a podridão nos charcos estava por se espalhar por todo o

perímetro urbano de São Luís. Próprio Conselho de Saúde Pública alegava falta de

verbas e de pessoal qualificado para enfrentar problemas de tal envergadura, tanto que o

mesmo foi dissolvido ainda em 1854, sendo substituído por Comissões temporárias de

Higiene Pública.

Para piorar a situação, em 1858 a Junta Central de Hygiene386

e suas comissões

regionais foram extintas. Neste cenário o índice de sepultamentos nos cemitérios de São

Luís não parou de crescer entre os anos de 1858 a 1868. Em 1858, foram sepultados na

capital da Província do Maranhão 1121 cadáveres, deste total 13 pessoas foram vítimas

da febre amarela que havia reaparecido em São Luís387

. Em 1859 foram sepultados mais

1152 cadáveres, 118 por febres intermitentes e catarrais e 30 por febre amarela388

. No

inicio da década de 1860 foram mais 1382 sepultamentos389

, em 1861 este índice

386

A Junta Central de Hygiene foi substituída anos mais tarde pela Inspetoria de Saúde Pública em 1886

que no Maranhão inicialmente foi confinada ao Dr. José M. Augusto Bayma. 387

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do

Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh.

Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia

Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de

I.J. Ferreira, 1863, p. 26. 388

De acordo com o anexo de n° 05 emitido em 03 de maio de 1860, o mapa patológico e mortuário

estatístico da cidade de São Luís do Maranhão do ano de 1859, expedido pelo senhor Ovídio da Gama

Lobo indica que dos 1152 óbitos ocorridos em 1859, morreram por febre amarela em São Luís 30

indivíduos, 03 no mês de janeiro, 02 em fevereiro, 04 em março, 04 em abril, 03 em maio, 05 em junho,

05 em julho, 02 em setembro e 02 em dezembro, não foram registrados óbitos por febre amarela nos

meses de outubro e novembro. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm.

Snh. Presidente da Província do Maranhão João Silveira de Souza abriu a assembleia Legislativa

Provincial no dia 03 de maio de 1860. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1860. 389

De acordo com o anexo de n° 02 emitido em 03 de julho de 1861 dos 1362 óbitos registrados em 1860,

784 óbitos foram de pessoas livres e 598 óbitos foram de escravos, sendo que 170 óbitos foram de

crianças de até dois anos de idade, provavelmente o grande número de mortes entre as crianças tenha

haver com um surto de sarampo que se alastrou em toda a Província por volta de setembro de 1859

findando-se em julho de 1860. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório apresentado à

assembleia Legislativa Provincial pelo Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Major

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127

decresce um pouco atingindo a cifra de 1078 sepultamentos390

, entretanto, volta a subir

em 1862 com 1044 sepultamentos391

e em 1863 novamente sofre acréscimo para 1245

sepultamentos.392

Durante esse período a cidade de São Luís rotineiramente sofreu a influencia

de moléstias no obituário de seus cemitérios, o que levou a uma média de mais de 03

mortes por dia393

. Levando-se em consideração o índice populacional de 30.000

habitantes da cidade de São Luís, entre as décadas de 1850 a 1860, a cidade apresentou

um acréscimo de 1/6 nos números da mortalidade nos cemitérios da cidade394

. Esse

aumento é considerado significativo em relação aos anos anteriores a 1850, isto porque,

até 1850 a média de sepultamentos nos cemitérios da cidade de São Luís não passava de

900 cadáveres por ano. Após 1851, ano em que grassou a febre amarela em São Luís, a

média subiu para mais de 1000 sepultamentos por ano.

Ou seja, os números comprovam que mesmo com a institucionalização da

legislação sanitária no Maranhão em 1850 e a criação da Junta de Hygiene Pública e do

Conselho de Saúde Pública da Província do Maranhão, a cidade de São Luís esteve a

mercê da falta de condições salutares de higiene.

Em agosto de 1864 a varíola novamente grassou em São Luís, José Miguel

Pereira Cardoso admitiu a entrada e o contato de uma embarcação portuguesa acometida

por varíola, com a população local. Logo, a varíola se fez presente entre a população da

Francisco Primo de Sousa Aguiar, no dia 03 de julho de 1861, acompanhado do Relatório que lhe foi

transmitida a administração da mesma. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1861. 390

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do

Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh.

Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia

Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de

I.J. Ferreira, 1863, p. 26. 391

Ibidem. 392

O percentual de 1245 sepultamentos não é oficial, apenas uma probabilidade. Cf. MARANHÃO,

Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel

Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na assembleia Legislativa Provincial no

dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 25. 393

A estimativa de 03 mortes por dia foi retirada junto a seguinte fonte: MARANHÃO, Presidência da

Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão

da Cunha, passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do

Nascimento, 2° vice-presidente, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro

de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26. 394

A estimativa de acréscimo de 1/6 no quadro de mortalidade dos cemitérios da cidade de São Luís foi

retirada da seguinte fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh.

Presidente da Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da

mesma ao Exm. Snh. Desembargador Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente,

apresentou na assembleia Legislativa Provincial no dia 24 de novembro de 1863. Maranhão, impresso na

Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 26.

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128

cidade, a primeira infectada teria sido uma mulher, que teve contato direto com a

tripulação. Dai por diante a contagiosidade da moléstia se deu em ritmo lento, quase

despercebido pelas autoridades de saúde.395

A virulência da moléstia se fez presente a partir de 03 de outubro de 1854, dois

meses após a primeira infecção ocorrida por varíola. Nestas circunstâncias, o governo

provincial, apenas pôde fazer como medida de conter o avanço da varíola a nomeação

urgente do Dr. Antônio Henriques Leal, como encarregado geral da enfermaria

destinada ao socorro dos variolosos. Esta enfermaria começou a funcionar em 24 de

novembro de 1864. Antônio Henriques Leal também foi prontamente nomeado como

inspetor de saúde e comissário vacinador interino, tendo como auxiliares nestes dois

últimos cargos os doutores Jauffret e Saulnier.396

Em termos comparativos, houve um decréscimo no número de vacinadores em

São Luís entre os anos de 1864 a 1866. Além de José Miguel Pereira Cardoso

comissário vacinador provincial eram responsáveis por aplicar a vacina na população de

São Luís os já citados médicos Antônio Henriques Leal, Jauffret e Saulnier, o que nos

leva a uma margem negativa de um vacinador para cada 7.500 habitantes. Outra

semelhança entre as duas epidemias é que o surto variólico que atingiu a cidade de São

Luís em 1864 apresentou as mesmas características da epidemia desencadeada entre

1854-1855. Nos primeiros meses de contágio a virulência apresentada pela moléstia foi

mínima.

Porém o movimento dos socorros públicos realizados pela enfermaria dos

bexiguentos demonstra um aumento gradativo no número de contagiosidade e vítimas

da varíola. Entre 24 de novembro de 1864, dia em que começou a funcionar a

enfermaria destinada ao socorro dos bexiguentos até 15 de março de 1865, haviam

entrado na enfermaria 563 variolosos, deste total, 405 eram homens e 158 eram

mulheres. Saíram curados desta enfermaria 477 pessoas, 358 homens e 119 mulheres397

.

A cifra de óbitos feitos pela varíola neste período foi considerada baixa. Entre

novembro de 1864 a março de 1865 a varíola vitimou 86 pessoas, destas 47 eram

homens e 39 mulheres.398

395

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do

Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da mesma Província ao Exm. Snh.

1° vice-presidente tenente–coronel, José Caetano Vaz Junior, no dia 23 abril de 1865. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1865, p. 15. 396

Ibidem. 397

Ibidem. 398

Ibidem.

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129

Em comparação com o primeiro semestre de 1855, os 92 óbitos registrados em

decorrência da varíola entre novembro de 1864 a março de 1865 foram bem inferiores à

cifra de 514 vítimas feitas pelo surto variólico que atingiu São Luís entre o final do ano

de 1854 e o primeiro semestre do ano de 1855. Em janeiro de 1865 ela somou 34 óbitos,

em fevereiro 22 e em março 40 totalizando 92 mortes no primeiro trimestre de 1865399

.

Números que poderiam ser considerados satisfatórios, se os comissários vacinadores

tivessem intensificado o uso do contraceptivo da vacina. É possível, que por ter a

epidemia apresentado baixo índice de mortalidade no primeiro trimestre de 1865 os

comissários vacinadores não tenham aplicado com êxito a vacina antivaríolica.

Este erro custou caro, a epidemia variólica ganhou contornos cinzentos já em

abril de 1865, neste respectivo mês a contagiosidade variólica foi bem mais aguda do

que a apresentada no primeiro trimestre de 1865. Mais uma vez as autoridades de saúde

da Província do Maranhão mostraram-se em descompasso no resguardo à sua

população. Ao recompormos o cenário em que a varíola surgiu em São Luís em 1864 é

possível perceber que a moléstia apenas foi considerada epidêmica quando passou a

atingir outras dimensões geográficas e populacionais.

Em setembro de 1864 a varíola já se fazia presente na vila do Codó em caráter

benigno, expandindo-se e logo reaparecendo com intensidade em dezembro de 1864 em

Alcântara, Itapecuru-mirim, Miritiba e Rosário. Em janeiro de 1865 a contagiosidade do

vírus continuou a se espalhar pelo interior da Província atingindo com intensidade Icatu

e no mês de abril de 1865, Guimarães, Anajatuba e São Bento. Em junho de 1865 a

varíola chegou a Pinheiro, Viana, Santa Helena e São José dos Índios, atingindo

também Vargem Grande e Caxias em julho. Em agosto a varíola se fez presente em São

Luís do Gonzaga do Alto do Mearim, Brejo, Barreirinhas, Pastos Bons e vila do Paço

do Lumiar, e em dezembro de 1865, ela se prolongou a São Vicente Ferrer, Turriaçu,

São José de Penalva, Cururupu, Barra do Corda, São Bernado e Carolina.400

Pela primeira vez no século XIX a varíola havia grassado em todo o território

da Província do Maranhão, este fato não havia ocorrido nos surtos variólicos de 1837-

1838 e 1854-1855. A varíola também foi consecutiva por três anos, pois esta havia se

iniciado em agosto de 1864 com alguns casos, entre abril de 1865 ela reapareceu em

399

Ibidem, p. 18. 400

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do

Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião

de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1866, p. 28.

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São Luís e em toda a Província na sua forma mortífera. A intensidade do surto variólico

foi tamanha, que até o mês de maio de 1866 ela ainda se fazia presente na Província do

Maranhão, entretanto, neste último ano sua letalidade era mínima, apenas fazendo-se

sentir por alguns casos pontuais de sua ocorrência.

Há duas hipóteses para tamanha longevidade do vírus variólico. A primeira, diz

respeito a uma possível evolução do vírus através da contagiosidade, passando de sua

forma benigna, para sua forma maligna (varíola confluente). A segunda diz respeito, a

uma possível nova entrada da varíola confluente a partir do mês de abril de 1865. Das

duas possibilidades, a mais provável seria a primeira, isto porque as chances de

evolução do vírus variólico da forma benigna para a maligna eram consideráveis e

provavelmente o alto índice de contagiosidade e virulência ajudaram na longevidade

desde surto epidêmico.

A este respeito Mayor Greenwood explica que as mutações infectantes de um

micróbio ou vírus pode trazer grandes modificações no caráter de uma epidemia, para

mais ou para menos401

. Segundo John Snow o percurso de uma epidemia não é

constante, ao estudar a cólera, este autor chamou atenção para o movimento descontínuo

nos casos de virulência e contagiosidade de uma moléstia, apontando as diferenças na

patogenidade das culturas de uma determinada amostra de germe ou vírus nos períodos

pré-epidêmico, epidêmico e pós-epidêmico ou nos intervalos da epidemia.402

A intensidade com que a varíola confluente grassou em 1865 foi tamanha que a

epidemia logo tomou proporções catastróficas. Em abril do referido ano, a virulência

apresentada pela moléstia, fez com que o Dr. Antônio Henriques Leal transferisse o

local da enfermaria de socorro aos variolosos para o sobrado do senhor Raymundo

Lamignère Muniz, o qual oferecia o espaço para a criação de mais 60 leitos para os

variolosos403

. Contudo, mesmo recebendo uma nova enfermaria muitos variolosos

401

GREENWOOD, Mayor. Epidemics and crowd diseases: introduction to the study of

epidemiology. North Stratford: Ayer Company Publishers; 1935. In. TERRIS, Milton. La Epidemiologia

y la salud Publica: origenes e impacto de la segunda revolucion epidemiológica. Revista San. Hig. Pub.

1994, volume 68, pp. 5-10. 402

SNOW, John. Sobre a maneira de transmissão da cólera. 2 ed. São Paulo/ Rio de Janeiro: Hucitec/

Associação brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), 1990. In. SILVA, Jarbas Barbosa

da; BARROS, Marilisa Berti Azevedo. Epidemiologia e desigualdade: notas sobre a teoria e a história.

Revista Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 12(6), 2002, pp. 375-383. 403

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do

Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião

de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1866, p. 27.

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131

preferiam tratar-se por conta própria do que receber o curativo da enfermaria dos

bexiguentos.

Para resolver esta situação, uma comissão de caráter urgente foi estabelecida.

A referida comissão chegou a receber 4:471$000 contos de réis num intervalo de quatro

meses, como ajuda de custo para os primeiro socorros aos variolosos e era composta

pelo presidente da câmara municipal Manoel Gonçalves Ferreira Nina, pelo presidente

da praça de comércio Luiz da Serra Pinto e pelo negociante Joaquim José Domingues

Lima, estes senhores foram incumbidos de percorrer os diversos bairros da capital e

distribuir para os variolosos os socorros primários e dietas.404

De janeiro a dezembro de 1865, a varíola vitimou ao todo 473 pessoas405

, um

índice considerado altíssimo para uma moléstia que poderia ser combatida pelo

contraceptivo da vacina. Infelizmente, não disponho de dados estatísticos sobre o índice

de virulência e mortalidade ocasionado pela epidemia variólica em todos os meses de

1865, sabemos apenas, que o número de sepultamentos no cemitério da Misericórdia no

mês de julho de 1865 atende a seguinte proporção: 24 homens livres, 24 mulheres

livres, somando-se assim 48 sepultamentos por varíola de pessoas livres. Foram

sepultados neste cemitério no referido mês, 35 homens escravos e 28 mulheres escravas,

uma soma de 58 sepultamentos de escravos vítimas da varíola.406

O mês de setembro de 1865 teve o movimento de 106 sepultamentos, sendo

que desta totalidade 32 mortes foram ocasionadas por varíola confluente407

. No mês de

agosto de 1865 a varíola vitimou 17 pessoas a mais do que setembro de 1865, isto

significa dizer que a mortalidade ordinária por varíola em agosto de 1865 foi de 49

óbitos.408

Ao que parece a intensidade da virulência da epidemia variólica começa a cair

exatamente no final do mês de agosto de 1865, entretanto seus súbitos são percebidos

404

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Vice-Presidente da Província

do Maranhão, José Caetano Vaz Junior, passou a administração da Província ao Exm. Snh. Presidente

Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, no dia 11 junho de 1865. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de

I.J. Ferreira, 1865, p. 10. 405

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do

Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião

de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1866, p. 29. 406

Ibidem. 407

O PUBLICADOR MARANHENSE, 02 de outubro de 1865. Estatística da cidade, p. 02. 408

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província do

Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa Provincial, por ocasião

de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1866, p. 29.

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até o final de maio de 1866. Segundo os dados estatísticos da mortalidade dos anos de

1864 a 1866, a epidemia variólica ceifou ao todo 505 vidas, em comparação com a

epidemia de 1854 e 1855, que ceifou ao todo 683 vidas, houve um decréscimo de 178

óbitos para menos. A tabela abaixo mostra o comparativo entre as duas epidemias.

Quadro 04. Comparativo dos estragos das epidemias de 1854-1855 e 1864-1865-1866.

Meses Homens Mulheres Soma

Outubro de 1854 a

dezembro de 1855

334

349

683

Outubro de 1864 a

maio de 1866

244 261 505

Diferença para menos 178

Fonte: MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da

Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembléa Legislativa

Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 29.

As estatísticas sobre as moléstias que lastimaram a população de São Luís entre

os anos de 1864 a 1866 colocam a varíola no topo da tabela com 505 óbitos em menos

de três anos409

. Vale destacar ainda que a virulência apresentada pela epidemia variólica

foi tamanha que as cidades de Brejo e Caxias foram sumariamente castigadas por este

surto variólico. As despesas com a epidemia variólica de 1864, 1865 e 1866 chegou a

cifra de 25:224$152 conto de reis todas pagas pelo ministério do império410

. Mesmo

com toda essa despesa, mais uma vez a varíola contribuiu para a manutenção do alto

índice de mortalidade nos cemitérios de São Luís, os números abaixo mostram esse

percentual.

Entre 1861, a 1866 a média anual de sepultamentos na cidade foi de 1210

cadáveres por ano. Em 1861, foram sepultados nos cemitérios de São Luís 1078

cadáveres, em 1862 este índice decresceu para 1044 sepultamentos, em 1863 sobe para

1213 sepultamentos, no ano seguinte a média de sepultamentos é mantida com 1125

enterros, porém em 1865, ano em que a varíola grassou com severa intensidade em toda

409

As moléstias interiores ocupam o segundo lugar das moléstias que mais ceifaram vidas em São Luís

entre 1864 a 1866 com 214 óbitos, em terceiro lugar estão às complicações do tubo gastro intestinal com

187 óbitos, em quarto, os casos de derramamento seroso com 115 óbitos e em quinto as febres

intermitentes com 112 casos de óbitos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o

Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à

Assembléa Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, pp. 29-30. 410

Ibidem, p. 29.

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133

a Província do Maranhão, foram registrados 1590 sepultamentos nos cemitérios de São

Luís411

, destes, 473 foram decorrentes da varíola.

Mesmo diante de tamanha calamidade o governo provincial considerava que o

surto variólico que atingiu a cidade de São Luís entre 1864, 1865 e 1866 não foi de

natureza mortífera, por isso não classificava a ocorrência da varíola nesses anos como

epidêmica.

De acordo com o relatório do presidente da Província do Maranhão referente

ao ano de 1866 a proporção entre o número daqueles que deram entrada na enfermaria

dos bexiguentos e que por ocasião morreram de varíola foi de 16% entre os anos de

1864 a 1866. Entretanto o mesmo relatório entra em contradição ao assegura que a

estimativa da mortalidade da cidade de São Luís no período de 1861 a 1865 foi de 01

morte para cada 25 habitantes, percentual considerado negativo e comparável ao dos

países mais insalubres, que era de 01 morte para cada 26 habitantes412

. Sendo superior

também à estimativa de 01 morte para cada 38 habitantes cifra estimada para épocas de

grandes epidemias na França no século XIX.413

É possível que o governo provincial não tenha considerado a existência de

epidemia variólica nos anos de 1864-65-66 devido ao decréscimo dos 178 óbitos a

menos em comparação com a epidemia de 1854-55. César Augusto Marques, por

exemplo, em seu conceituado Dicionário Histórico e Geográfico da Província do

Maranhão, não menciona os anos de 1864, 1865 e 1866, como épocas de epidemias

variólicas, o mesmo se reporta a ocorrência da varíola no Maranhão no século XIX

apenas aos anos de 1837-1838, 1854-1855, 1867-1868, 1870-1871.414

411

Ibidem, p. 30. 412

A estimativa de 01 morte para cada 25 habitantes entre os anos de 1861 a 1865 foi encontrada levando

em consideração a média da população anual de 30.000 mil habitantes e a média de sepultamentos entre

esses anos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da

Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia Legislativa

Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 30; Informações semelhantes podem ser encontradas também em

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o Dr.

Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres do

Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 28; e no jornal O PUBLICADOR MARANHENSE, de 12 de

maio de 1866. Governo da Província, Relatório lido pelo Exm. Snh. Presidente da província por ocasião

da abertura da assembleia legislativa provincial. Saúde Pública, p. 01. 413

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o

Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres

do Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 27. 414

MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 761.

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134

É provável que tenha acorrido uma constatação equivocada dos fatos pelos

médicos higienistas da época, já que a virulência e contagiosidade do vírus variólico de

1864, 1865 e 1866 obedecia todas as características de uma epidemia mortífera em

curso.

l. As moléstias epidêmicas tem em seu progresso ou desenvolvimento uma

marcha especial. Geralmente se lhes reconhecem períodos de ascensão,

estacionários, e de declinação ou terminação. Esses períodos não apresentam

muita vez nem os mesmos syinptomas, nem as mesmas lezões, nem a mesma

gravidade.

2. Durante uma moléstia epidêmica, as outras molestias são menos numerosa,

e recebendo o cunho ou impressão da affecção dominante.

3. Quando reina uma moléstia, epidêmica, não é muito raro que as pessoas

que gozara de saúde não experimentem, mais ou menos, d'aquella influencia

geral.

4. As moléstias epidêmicas reapparecem e cessam muitas vezes na mesma

estação, e tem, em geral, a mesma duração.

5. Uma moléstia epidêmica é muitas vezes precedida de outras affecções

mais ou menos graves, mais ou menos generalizadas, que lhe servem, de

alguma sorte, de precursoras.415

Para se compreender as possibilidades que levaram os médicos higienistas de

São Luís a não considerar o surto variólico de 1864-1865-1866 como mortífero, é

necessário recuar ao conceito de epidemiológica médica utilizado no século XIX. Dina

Czeresnia, por exemplo, propõe-se a discutir a dimensão epistemológica e cultural das

doenças, examinando as relações entre o conceito de transmissão e a constituição da

epidemiologia enquanto disciplina. Segundo esta autora embora seja certa a definição

etimológica sobre epidemiologia como a ciência ou doutrina das epidemias, ou o acervo

de conhecimentos sobre as doenças epidêmicas. É preciso que se entenda a

epidemiologia como a unidade científica destinada à observação das doenças na espécie

humana em várias épocas e em lugares diferenciados.416

Mausner e Bahn sugerem que o problema se concentra na análise da

epidemiologia tradicional, que consiste no:

Estudo da distribuição e dos determinantes de doenças e agravos à saúde em

populações humanas. (...) Como a distribuição das doenças e agravos é

irregular, mas não por azar, (...) precisamos ordenar cadeias de inferências

que ultrapassem os limites da observação direta.417

415

GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativo e sob a direção do Dr.

Dirgilio Climaco Damazio. Volume I. Relatório acerca do estado sanitário d’esta Província, durante o

anno de 1866, apresentado à Junta Central de Hygiene Publica pelo Dr. José de Goês Siqueira. Bahia,

Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1867, p. 190. 416

CZERESNIA, Dina. Do contágio à transmissão: ciência e cultura na gênese do conhecimento

epidemiológico. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1997, pp. 71-78. 417

MAUSNER, J. S. & BAHN, Α. Κ. Epidemiologia. México: Nueva Editorial Interamericana, 1977. In.

SAMPAIO, José Jackson Coelho. Epidemiologia da imprecisão: Processo saúde/doença mental como

objeto de estudo da epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998, p. 17.

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135

Goldberg explica que a epidemiologia tem como característica principal o

esforço para identificar o modelo etiológico e linear de cada grupo epidêmico

destacando-se as análises estatísticas das doenças418

. Para Almeida Filho a visão

tradicional da epidemiologia induz ao erro dedutivo, pois tem como característica

principal apenas a distinção dos fatos419

. Autores como Breilh e Granda citam as

análises epidemiológicas como.

Uma ciência social empírica e prática que estuda a distribuição e a

determinação do modo de expressão, para fins de prevenção e planejamento e

produção de conhecimento, de qualquer elemento do processo saúde/doença

hierarquizando valores (que permitem diferentes possibilidades de saúde e

sobrevivência) e contra valores (que permitem diferentes possibilidades de

doença e morte) em relação ao momento histórico e população

significativa.420

Greenwood sugere que no século XIX existia pouco discernimento sobre o que

era e o que não era epidemia, segundo ele os doutores do século XIX consideravam

moléstia de ação epidêmica, apenas aquelas que em um curto e reduzido tempo tivesse

feito grande número de óbitos, constatação que segundo ele estaria extremamente

equivocada, isto por que:

A epidemia independe do número de vítimas, o que defini se uma doença

apresenta ou não caráter epidêmico é o seu aparecimento brusco em mais de

um ponto da localidade ou região afetada, proporcionando um desequilíbrio

na saúde e nas condições de salubridade.421

No entanto os relatórios de saúde pública, emitidos entre 1864 e 1866 tentam

ao máximo amenizar a situação, destacando que a varíola sempre esteve sob controle,

frisando a atuação da comissão de socorro aos desvalidos e dos comissários

vacinadores. O governo provincial do Maranhão chega até mesmo a demonstrar mais

418

GOLDBERG, M. Cet obscur objet de l’ epidemiologie . Sciences Sociales Et Santé . V. I Toulouse:

Érès, 1982. Apud. SAMPAIO, José Jackson Coelho. Epidemiologia da imprecisão: Processo

saúde/doença mental como objeto de estudo da epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998, p. 17. 419

ALMEIDA FILHO, N. Bases históricas da epidemiologia. Apud. ROUQUAYROL, Μ. Z. (Org.)

Epidemiologia & Saúde. 3 ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1988, p. 15. 420

BREILH, J. & GRANDA, E. Investigação da Saúde na Sociedade. Guia Pedagógico sobre um Novo

Enfoque do Método Epidemiológico. São Paulo: IS/ Abrasco, 1986. Apud. SAMPAIO, José Jackson

Coelho. Epidemiologia da imprecisão: Processo saúde/doença mental como objeto de estudo da

epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998, p. 18. 421

GRENWOOD, Mayor. Epidemics and crowd diseases: introduction to the study of

epidemiology. North Stratford: Ayer Company Publishers; 1935. Apud. BARRETO, João de Barros.

Tratado de Higiene: Saneamento e higiene. Rio de Janeiro, Volume II: Imprensa Nacional do Rio de

Janeiro, 1956, p. 19.

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136

uma vez maior preocupação com a importação da cólera morbus vinda da Europa do

que propriamente com a varíola.

Esta situação é comprovada quando em meados de 1865, os doutores Antônio

Henriques Leal, Luiz Quadros e Jauffret são incumbidos de formar uma comissão de

saúde, a fim de evitar a importação da cólera morbus pelo porto da cidade. A dita

comissão logo deu-se com presa a se reunir, sugerindo ao governo da Província do

Maranhão medidas profiláticas de caráter de urgência para conter a importação da

moléstia. Uma clara tentativa de retirar o foco da epidemia variólica que havia se

alastrado na cidade.

4.3 Varíola: um caso endêmico em São Luís

Mesmo não considerando o surto variólico de 1864, 1865 e 1866 de natureza

mortífera os médicos admitiram a intensidade da virulência do vírus, o surto foi

considerado como extinto em maio de 1866, entretanto a varíola reapareceu ainda em

dezembro do mesmo ano. Entre 1867 a 1871 a varíola foi considerada pelos médicos

como benigna, ou seja, apenas fez-se presente na sua forma menos letal a “varicela”,

mesmo assim ela não deixou de ceifar vidas na capital.

Em 08 de janeiro de 1867 a primeira página do jornal O Publicador

Maranhense expõe o pedido do Dr. Tolentino Augusto Machado cirurgião-mor da

guarda nacional ao presidente da Província salas do edifício do hospital da Madre Deus

para o estabelecimento de uma enfermaria especial destinada ao tratamento de praças do

exército, da guarda nacional e o corpo de polícia que fossem acometidas pela varicela.

Em março de 1867 a varíola também era presente na vila de Vargem Grande.422

No ano seguinte a varíola novamente fez-se presente em São Luís, e não parou

de reaparecer. Em ofício expedido em 22 de setembro de 1870, o vice-presidente da

Província do Maranhão sabendo que a varíola estava por reinar novamente em São Luís

resolveu instituir duas enfermarias com a conveniente separação dos sexos, no edifício

do hospital regimental essas duas enfermarias ficariam sobre diligencia do Dr. Fabio

Augusto Bayma, nelas seriam tratados os indigentes, os presos de justiça, praças do

exército da armada e o corpo de polícia que por ventura tivessem contraído a

422

O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de janeiro de 1867. Governo da Província. Expediente do dia

29 de dezembro de1866, p. 01.

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137

moléstia423

. O mesmo ofício dava como certo a abertura de 2:000$000 contos de réis

para as despesas das enfermarias destinadas aos variolosos, este valor era prescrito pelos

termos do §1 do art. 5° do decreto, n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862.424

No final de 1871, César Marques registra a ocorrência da varíola em São Luís,

com alguns casos em 1872425

. Tudo indica que a varíola neste período não foi de

natureza epidêmica, tratando-se de casos de varicela e não da varíola confluente ou

hemorrágica. Em 1874 a varíola confluente novamente se desenvolveu em São Luís,

tudo indica que a importação da moléstia deu-se mais uma vez por meio do porto da

cidade.

Os ofícios entre os presidentes de Província relatam que em 1873 a varíola

confluente estava por se desenvolver na freguesia do Iguaçu na Província do Paraná, na

freguesia de Indaiatuba na Província de São Paulo, na Bahia, no Rio de Janeiro e no

Pará e no inicio de 1874 no Amazonas426

·. Em 28 de setembro de 1874 o vice-

presidente da Província do Maranhão José Francisco de Viveiros, ressalva que a varíola

vinha fazendo estragos significativos em diversas localidades do Brasil. O mesmo

advertia que a varíola já se fazia presente em São Luís, demonstrando preocupação

sobre uma possível ação mortífera do vírus em São Luís427

. Seguindo estes argumentos

foi estabelecida uma comissão de socorro aos desvalidos, assim como a intensificação

da vacina como medida profilática para conter a possível ação mortífera da varíola.

Estabeleceu-se também a aplicação da vacina durante todos os dias da semana em

diferentes partes da cidade. Foram designados para este serviço na capital, cinco

médicos, cada um deles teriam um dia da semana para inocular à vacina na população.

Na segunda-feira o Dr. Jauffret aplicaria a vacina no Seminário Episcopal, na

terça-feira o Dr. Tolentino Augusto Machado aplicaria a vacina no quartel do

Campo de Ourique, na quarta-feira o Dr. Julio Mario Serra Freire aplicaria a

vacina no Seminário das Mercez, na quinta-feira Dr. Afonso Soulnier

aplicaria a vacina em São Pantaleão e na sexta o comissário vacinado local o

Dr. Cesar Marques aplicaria a vacina na câmara municipal.428

423

O PUBLICADOR MARANHENSE, 07 de outubro de 1870. Governo da Província. Expedido do dia

22 de setembro de 1870, p. 01. 424

O§1 do art. 5° do decreto, n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862 prescrevia a abertura de créditos

emergenciais com o propósito de socorrer a população em épocas de epidemias. 425

MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 761. 426

O PUBLICADOR MARANHENSE, 17 de janeiro de 1874. Secção Official. Governo Central, p. 01. 427

O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de outubro de 1874. Secção Official. Relatório com que o

Exm. Snh. Vice-presidente Dr. José Francisco de viveiros passou a administração da província em 28 de

setembro ao Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro. Salubridade Pública, p. 01. 428

O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de outubro de 1874. Secção Official. Relatório com que o

Exm. Snh. Vice-presidente Dr. José Francisco de viveiros passou a administração da província em 28 de

setembro ao Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro. Vaccina, p. 01.

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138

Também foi criada uma enfermaria destinada as praças do quinto batalhão de

infantaria do corpo de polícia da armada e da esquadra de pedestres que fossem

acometidos pela varíola. Já os bexiguentos desvalidos seriam tratados em uma

enfermaria sob os cuidados da Santa Casa da Misericórdia429

. Foram tratados nesta dita

enfermaria 81 pacientes acometidas por varíola em dezembro de 1874, deste total 58

saíram curados e 19 faleceram, até janeiro de 1875 ainda existiam 25 pacientes em

tratamento por decorrência da varíola430

. Os socorros públicos também eram feitos em

domicílio, porém, mesmo socorrendo e tratando um número considerável de pessoas

acometidas por varíola. O relatório de 1874, assinado pelo então presidente da Província

do Maranhão o Sr. Augusto Olímpio Gomes de Castro, indica que os esforços dos

facultativos médicos Jauffret, Tolentino Augusto Machado, Júlio Mario Serra Freire,

Afonso Soulnier e Cesar Marques não impediram o progresso da varíola na capital.

Ao todo a varíola vitimou 96 indivíduos em 1874, porém esse percentual de

óbitos é decorrente do intervalo de 28 de setembro de 1874 a 31 de janeiro de 1875,

neste respectivo período sepultaram-se nos cemitérios da cidade 334 cadáveres, 96 deles

por varíola431

. O movimento dos cemitérios da cidade de São Luís dá pistas que o

caminho a ser percorrido pela varíola seria novamente marcado pela agonia e pelo

medo. Isto porque desde 28 de setembro de 1874, data do inicio dos sepultamentos por

varíola, até 30 de novembro haviam sido sepultados nos cemitérios da cidade 45

pessoas em decorrência da varíola, em dezembro do mesmo ano foram sepultados mais

1485 cadáveres, destes 50 foram por varíola, números que sugerem uma projeção

crescente da mortalidade variólica para o ano de 1875.432

Para piorar a situação, a virulência apresentada pelas bexigas neste período não

foi circunscrita apenas a São Luís. Em 1874 a varíola fez estragos nas comarcas de

Alcântara, Caxias e São Bento. O governo provincial utilizando dos termos do §1 do art.

5° do decreto de n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862 logo abriu carta de crédito no valor

de 300$000 contos de réis para socorrer a população ceifada pela moléstia433

. Mesmo

429

Ibidem. 430

O PUBLICADOR MARANHENSE, 02 de março de 1875. Secção Official. Governo da Província.

Relatório com que o Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro, presidente da província, passou a

administração ao 2° vice-presidente o Exm. Snh. Conselheiro José Pereira da Graça, no dia 22 de

fevereiro de 1875. Saúde Pública, p. 01. 431

Ibidem. 432

O PUBLICADOR MARANHENSE, 05 de janeiro de 1875. Noticiário. Estatísticas da cidade, p. 03. 433

O PUBLICADOR MARANHENSE, 02 de março de 1875. Secção Official. Governo da Província.

Relatório com que o Exm. Snh. Dr. Augusto Olympio Gomes de Castro, presidente da província, passou a

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139

assim a varíola continuou a se espalhar pelo interior da Província a passos largos,

atingindo São Vicente Ferrer, Cajapió, Itapunhenga, Ilha Grande, Monção, São Bento

de Bacurituba, Icatu e Anajatuba em 1875434

. Em São Luís a varíola não apresentou

sinais de desgastes, ao todo ela ceifou 291 vidas em 1875, a tabela abaixo exemplifica o

quão fora implacável a varíola neste ano.

Quadro 05. Estatística da mortalidade variólica na capital do Maranhão, 1875.

Meses / ano Óbitos Total

Janeiro de 1875 58

291

Fevereiro de 1875 44

Março de 1875 45

Abril de 1875 39

Maio de 1875 34

Junho de 1875 20

Julho de 1875 14

Agosto de 1875 10

Setembro de 1875 05

Outubro de 1875 08

Novembro de 1875 06

Dezembro de 1875 08

Fonte: O Paiz, 29 de junho de 1878. O estado sanitário da capital, p. 01.

No primeiro semestre de 1875 a varíola vitimou ao todo 240 pessoas, no

segundo semestre a cifra decresceu consideravelmente para 51 vitimas, os médicos

esperavam que a epidemia perdesse de vista seu curso de contagiosidade e virulência,

administração ao 2° vice-presidente o Exm. Snh. Conselheiro José Pereira da Graça, no dia 22 de

fevereiro de 1875. Saúde Pública, p. 01. 434

Ibidem.

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140

no entanto, os constantes socorros em domicilio e os erros provenientes na vacinação

facilitaram a manutenção da epidemia, tanto que em março de 1876 novamente a varíola

da seus primeiros sinais de ressurgimento na capital. Neste referido mês ela vitimou 13

pessoas, em abril foram registrados mais 12 casos, em maio este índice começa a

crescer novamente com 21 registros de óbitos e em julho de 1876 a varíola apresenta-se

novamente com intensidade em São Luís, os cemitérios da cidade sinalizam a faixa de

63 sepultamentos por sua ocorrência, em agosto de 1876 foram mais 54 óbitos e em

setembro 35.435

Ao todo a varíola registrou 198 óbitos em 1876, somando-se as cifras de 1874,

1875 e 1876 temos o registro de incríveis 585 mortes ocasionadas pela varíola em

menos de três anos. Mais uma vez a varíola contribuiu negativamente para o aumento

das estatísticas da mortalidade registrada em São Luís. Em 1874 os cemitérios da cidade

registraram 1257 sepultamentos, 99 destes por varíola, em 1875 sepultaram-se ao todo

1428 cadáveres, destes 291 foram vítimas da varíola e em 1876 foram 1374

sepultamentos com 198 vítimas oriundas da varíola.436

Estes dados levam a crer que a varíola infelizmente estava por se tornar uma

moléstia de natureza endêmica437

no Maranhão, ou seja, típica de uma região, na qual se

manifesta constantemente. Esta suspeita pode ser confirmada na seguinte comparação:

entre 1864 a 1876, ou seja, por doze anos consecutivos a varíola esteve por guarnecer a

São Luís em varias incidências. Apenas os intervalos de 1869 e 1873 não constam

indícios de óbitos sobre sua influencia na capital.

É claro que a intensidade da virulência e contagiosidade da varíola não foram

constantes, variando muito, apresentando inclusive um decréscimo no obituário de cada

surto epidêmico. Em 1854-1855, por exemplo, foram registrados 683 óbitos por

incidência da varíola, em 1864-1865 e 1866 foram 505 e entre 1874- 1875 e 1876 mais

585 óbitos. Mesmo que exista uma pequena variação entre os números de mortes

ocasionados pela varíola nesses períodos, é preciso reconhecer que a mesma sempre se

435

O Paiz, 29 de junho de 1878. O estado sanitário da capital, p.01. 436

Ibidem. 437

Alguns trabalhos acadêmicos também apontam a mesma incidência endêmica da varíola em outras

partes do Brasil no século XIX. Cf. BARROS, Karla Torquato dos Anjos. “A varíola ficou morando na

capital”: Ideias e práticas médicas representadas mediante manifestação da doença em Fortaleza (1891-

1901). 185f. Dissertação submetida ao Programa de Mestrado Acadêmico em História do Centro de

Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito para a obtenção do grau (mestre) em

História. Fortaleza, 2011; OLIVEIRA, Carla Silvino de. Cidade (in) salubre: ideias e práticas médicas

em Fortaleza (1838 -1853). 156f. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em História Social da Universidade Federal do Ceará, para a obtenção do grau de mestre em História

Social, 2007.

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manteve presente em São Luís, tanto que entre o final de 1883 e o primeiro semestre de

1884 ela novamente irá aparecer em São Luís em caráter mortífero.438

4.4 O tráfico de escravos e as condições insalubres dos portos como vetores para as

ocorrências das epidemias intertropicais

José Pereira Rego associa a ocorrência dos surtos variólicos e da febre amarela

com tráfico de escravos. Para este autor a incidência da varíola no Rio de Janeiro nos

anos de 1834, 1835, 1836, 1838 e 1839 tem íntima relação com a frequente chegada de

cativos da África para o Brasil. Pereira Rego ainda explica que os escravos seriam

excelentes atravessadores do vômito negro (febre amarela), pois segundo ele os mesmos

eram mais resistentes a essa moléstia.439

Dauril Alden e Joseph Miller em investigação sobre o assunto sugerem que as

suspeitas de Rego possuem certo fundamento teórico, pois sendo os portos as artérias da

corte brasileira era inegável que a chegada dos tumbeiros fosse um foco de contágio por

excelência para as bexigas.

[...] haveria uma relação entre os períodos de seca em regiões da África,

ocorrência de epidemias de varíola nestas regiões, e transmissão da doença

para o Brasil por meio de um aumento do contingente de africanos sujeitos ao

comércio negreiro que seriam provenientes destas regiões deflagradas pela

seca [...].440

Segundo Luiz Felipe de Alencastro é possível fecundar o debate acerca da

origem das epidemias na América do Sul com a questão da colonização europeia e o

tráfico de escravos441

. O médico francês Mathieu François Maxime Audouard enfatiza

que a febre amarela não é oriunda de nenhuma região particular. Audouard crê que a

438

Sobre a erradicação da varíola. Cf. CHAGAS, Daiana Crús. Erradicando doenças: De projeto

internacional ao Sistema de Vigilância Epidemiológica - a erradicação da varíola no Brasil (1900-1970).

152f. Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação em História das Ciências e da

Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, como requisito para obtenção do Grau de Mestre. Área de

Concentração: História das Ciências. Rio de Janeiro, 2008; GAZÊTA, Arlene Audi Brasil. Uma

Contribuição à História do Combate à Varíola no Brasil: do Controle à Erradicação. 218f. Tese de

Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de

Oswaldo Cruz como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História das Ciências da Saúde,

2006. 439

REGO, José Pereira. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro

em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851, p. 22. 440

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 109. 441

ALENCASTRO, L.F. Op. Cit., 2000, p. 133.

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142

moléstia era uma infecção, cuja causa específica seria um ambiente inóspito, neste caso

os tumbeiros usados no tráfico de escravos.

A febre amarella não é originaria de nem um paiz. Os climas quentes

favorecem a causa que a produz, e está ao alcance do homem fazer cessar

esta causa, porque ella reside em uma infecção própria dos navios negreiros.

Para dar ideia desta infecção basta lembrar que em muitas ocasiões se tem

apreendido navios negreiros, nos quais os escravos viviam no meio de suas

porcarias. Dahi vem a podridão da madeira do alcatrão e de tudo que está no

interior do navio, e producção de um foco de infecção que não se extingue

senão depois de ter percorrido todos os grãos de decomposição pútrida.

Ajuntaremos que para esta extincção não bastam nem dias nem meses:

também as duas ultimas epidemias de febre amarella que tem afflingido a

Hespanha, e de que o autor deste escripto foi testemunha, a de Barcelona em

1821, e a do Porto da Passagem em 1823, tiveram origem de navios que

serviram ao trafico de negros antes de serem carregados de mercadorias

coloniaes na Havana. Em sua partida deste porto a febre amarella não reinava

ahi; portanto elles não exportavam uma produção morbífica deste paiz.

Entretanto attribuiam a febre amarella à Barcelona e à Passagem; e o que

demonstra bem claramente que elles tinham a causa em seus costados, é que

os carpinteiros, que empregaram-se em calafetalos, pereceram quasi todos da

febre amarella em muito poucos dias, e foram as primeiras victimas destas

duas epidemias. Elles sentiram grande fedor quando tinham entre mãos a

operação da crena, porque então o esterco que estava contido entre os forros,

foi posto a descoberto, e o calor dos mezes de agosto e setembro contribuiu

poderosamente para desprender emanações as mais mortíferas. Este único

facto – de navios partidos de um ponto do novo continente, em que a febre

amarella não reinava, fazerem apparecer esta moléstia em dois portos da

Europa, lança por terra todas as ideias que se tinham sobre a origem e a

natureza da febre amarella; porque esta moléstia não é devida aos climas da

América, pois que tem sido levada à Europa por navios partidos de Havana,

quando ela não reinava neste lugar. Ella não é originaria da Europa, pois que

a Hespanha não soffria antes do descobrimento da América, e a América

mesmo não soffreu senão ha 200 annos depois, visto que a moléstia chamada

hoje febre amarella foi apelidada a princípio mal de Siam, visto ter sua

aparição na Martinica em 1694, coincidido com a presença de navios, vindos

do golfo de Siam, nos portos desta ilha: denominação esta que o correr dos

annos tem mostrado ser errônea. O mais provável é que se começou nesta

época a ressentir os effeitos do trafico dos negros, porque então se activou

muito esta negociação, e os governos a fomentaram, autorizando mesmo por

títulos ou cartas regias certas companhias a fazê-la em grande escalla.

Entretanto estas companhias, entregando-se a um commercio que as leis

protegiam, e dispondo de grandes capitais, esclarecidas pela experiência,

poderam fazer logo as despesas necessárias para o estabelecimento dos

escravos a bordo, de modo que perdessem o menor numero possível na

viagem: seu interesse levou-os a fazer observar certas medidas hygienicas.

Tendo a revolução trazido a guerra entre a França e a Inglaterra estas

companhias cessaram seus trabalhos, e o trafico foi feito por navios do

commercio que não eram construídos para este fim. Os mesmos que depois

desta época foram construídos de proposito eram talvez ainda piores, porque

para escaparem aos corsários deviam ser muito bons veleiros, dispostos, por

consequência, de um modo muito differente do dos navios de transporte. Em

um outro caso os piratas, querendo ganhar muito dinheiro, entulharam de

escravos o porão, não lhes permittindo mesmo subir sobre a cuberta para

satisfazer as suas necessidades, e os prenderam ou encadeiraram de modo

que, se um homem morria os que sobreviviam tinham muitas vezes de ficar

um dia ou mais, juntos ao cadáver. Tal foi o trafico durante a guerra

marítima; também partindo de 1793, os focos de infecção que a guerra trouxe

mais num rosos e mais mortíferos tornaram a febre amarella mais frequente

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143

na América, e principalmente em Hespanha, onde ella tinha sido apenas

conhecida até então. Partindo de 1800, data da grande epidemia que roubou

61.362 habitantes à Andalusia, a febre amarella reinou quasi todos os annos

em Hespanha até 1823, data da febre amarella da Passagem, e foi em 1824

que o autor desta memoria veio sustentar perante a academia das sciencias

que a febre amarella da Barcelona e da Passagem tinha provindo de navios

que acabavam de servir ao trafico dos negros, navios que elle designava

como os focos de uma infecção especial, produzindo uma moléstia especial,

que é a febre amarella. Donde concluía que os climas de um e outro

continente tinham apenas uma acção secundaria que se limitava a dar mais

actividade aos focos de infecção criados pelo trafico. O acaso tem justificado

estas asserções; porque desde 1824 a Hespanha não soffreu mais da febre

amarella; enquanto que nos vinte e quatro annos anteriores da moléstia

roubara 140.000 de seus habitantes. Mas cumpre saber que se está de sobre-

aviso contra os navios que tem servido ao trafico.442

Em estudo sobre a ocorrência da febre amarela no Rio de Janeiro em 1850 a

pesquisadora Kaori Kodama deu início a uma série de exemplos sobre a origem da

moléstia. Utilizando-se da narrativa produzida pelos redatores do jornal “O

Philantropo” a autora explica que em 29 de março de 1850 foi publicado no referido

jornal o artigo “Os contrabandistas de carne humana e a epidemia reinante” que

acusava o tráfico de escravos como causa principal das doenças epidemicas na cidade.

Em 31 de maio de 1850, o mesmo jornal publica “O exemplo do caráter infectante da

febre amarela da Costa da África”, advertindo sobre o caso de um vapor de guerra

inglês que em 1846 teria sido infectado por uma febre “maligna e contagiosa” após ter

estado na Costa da África, insinuando que tal enfermidade contagiosa seria a febre

amarela.443

Magali Romero Sá levanta a hipótese que a oncocercose444

era restrita até fins

do século XIX a apenas o continente Africano. Na virada do século XIX para o XX

diversos casos da moléstia começam a ser notificados em outros continentes, o que

implica a suspeita da importação da doença por meio dos portos.445

Em relação à importação de moléstias perniciosas a São Luís, Mário Meireles

aponta que o Senado da Câmara da cidade por vereação de 14 de junho de 1865 criou o

442

AUDOUARD. Mathieu François Maxime. In. O PHILANTROPO, 27 de setembro de 1850. O

tráfico dos negros considerado como a causa da febre amarela. Tradução do extrato de uma memória do

Mr. Audouard, p. 02. 443

KODAMA, Kaori. Antiescravismo e epidemia: “O tráfico dos negros considerado como a causa da

febre amarela”, de Mathieu François Maxime Audouard, e o Rio de Janeiro em 1850. História, Ciências,

Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, n.2, abr.-jun. 2009, pp. 515-522. 444

A oncocercose também é chamada "cegueira dos rios" ou "mal do garimpeiro", é uma doença

parasitária causada pelo “nematódeo Onchocerca volvulus”. Cf. SÁ, Magali Romero. Doença de além-

mar: estudos comparativos da oncocercose na América Latina e África. História, Ciências, Saúde,

Manguinhos. Rio de Janeiro, 2003, pp. 251-256. 445

SÁ, Magali Romero. Doença de além-mar: estudos comparativos da oncocercose na América Latina e

África. História, Ciências, Saúde, Manguinhos. Rio de Janeiro, 2003, p. 252.

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144

cargo de Juiz de Saúde: “e o que fez haver muitas moléstias castigando quase

permanentemente a população e para visitar os navios que chegavam com negros” 446

,

para que assim se pudesse evitar a possível importação de doenças perniciosas à cidade.

Entretanto, acrescenta Meireles: “em 1730 mais uma vez a varíola se fez presente, e na

sua pior espécie – a bexiga de lixa, importada por um navio negreiro da Costa da Mina

na África” 447

. Raimundo Palhano cita a mesma ocorrência:

As autoridades justificavam sua impotência diante das epidemias,

principalmente as de varíola, afirmando serem aquelas moléstias

“importadas”. E as fontes do contágio, apontadas por todos, eram os negros

escravos, portadores, principalmente, da “bexiga pele de lixa”, Não foi por

outra razão que homens pretos escravos ficavam em quarentenas, em locais

como a ilha do Boqueirão, o Bonfim e a Ilha do Medo.448

Como foi demonstrado neste trabalho, as ocorrências da varíola que ocorreram

no período de 1854 a 1876 foram importadas a São Luís por meio do porto da cidade,

por isso a insalubridade deste era fator primordial para a proliferação das moléstias

pestilentas. Diana de Carvalho não foge a regra das analises tradicionais, considerando

também que o tráfico negreiro inegavelmente facilitou sim o transporte de vírus e

bactérias e o contato entre diferentes povos, o que levou a diversificação das doenças e

epidemias no Brasil. Porém isso não seria o bastante para atribui aos africanos

escravizados no Brasil a responsabilidade pela transmissão das doenças pestilentas neste

período.

A autora mostra que o preconceito de vincular os escravos como os

responsáveis por transmitir doenças consideradas perniciosas é um tema ultrapassado.

Segundo a mesma, tem-se de ir além dos dados e perceber o contexto histórico e social

em que se processam cada doença, bem como as suas condições de proliferação.

A própria aproximação entre historiadores e epidemiologistas aumenta a

densidade das discussões sobre as doenças do passado, principalmente das

relações entre doenças e escravidão. Assim será possível desconstruir

preceitos raciais e claramente baseados no senso comum, que sustentaram a

ideia de raças humanas como fator biológico. O tráfico de escravos foi uma

446

MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, p. 207. 447

Além da varíola que constantemente flagelava a população do Maranhão, o impaludismo, as disenterias

ou diarreias de sangue, a tísica pulmonar (tuberculose) e, sobretudo as febres intermitentes, renitentes,

catarrais e pseudocontínuas rotineiramente flagelavam a classe pobre do Maranhão. Cf. MEIRELES,

Mário M. Dez estudos históricos. São Luís: Alumar, 1994, pp. 207-211. 448

PALHANO, Raimundo N. Op. Cit., 1998, p. 147.

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145

fonte introdutória de novos parasitas para a América, mas o mesmo fez a

penetração dos espanhóis e dos portugueses no continente.449

Pelos exemplos citados acima, supõe-se a existência de uma verdadeira

representação negativa sobre os trópicos, onde muitos médicos higienistas do século

XIX inseririam a região dos trópicos como locais por excelência para o aparecimento e

proliferação de doenças nocivas ao homem europeu, sentenciando o clima quente

Brasileiro e o tráfico de escravos como os propulsores das epidemias intertropicais que

atingiam o Brasil em seu período colonial e Monárquico.

449

CARVALHO, Diana Maul. Doenças dos escravizados, doenças africanas? In: PÔRTO, Ângela (org.).

Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas terapêuticas. Simpósio Temático do XII Encontro

Regional de História – ANPUH/ Rio- 2006. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007.

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146

5. A VACINA É A DOENÇA? VACINA E VACINOPHÓBICOS

5.1 Os primórdios da vacinação sistemática no Maranhão

Apesar de algumas discordâncias a provável data da introdução da vacina

jenneriana no Brasil foi em 1804. Fruto da dedicação e empenho de Felisberto Caldeira

Brant, futuro marquês de Barbacena, que mandou de Lisboa sete crianças de sua

propriedade como cobaias para a propagação da técnica de vacinação de braço. Esta

técnica foi reproduzida na Bahia e no Rio de Janeiro. De acordo com Hercules Octavio

Muzzi médico responsável por coordenar a aplicação da linfa vacínica na corte, a vacina

foi recebida com grande energia e entusiasmo na Bahia e no Rio de janeiro.450

Narrativas semelhantes às de Hercules Octavio Muzzi foram constantemente

reproduzidas ao sabor dos tempos. Em 1909 Plácido Barbosa e Cassio Resende

publicam “A historia Monumental dos Serviços de Saúde Pública do Brasil”, nesta obra

a imagem da aceitação positiva da vacina jenneriana junto à população foi cristalizada.

De fato, a corte portuguesa sempre demostrou empenho da veracidade da vacina

antivariólica como um valiosíssimo preservativo contra as bexigas.

D. João VI foi o primeiro a dar exemplo, ao mandar seus filhos D. Pedro e D.

Miguel a serem vacinados pouco tempo depois de a vacina jenneriana ter chegado a

Lisboa. O mesmo D. João VI ordenou a tradução e publicação imediata das obras de

Edward Jenner em Portugal, em 04 de abril de 1811 ele estabeleceu a Junta da

Instituição Vacínica do Rio de Janeiro iniciando oficialmente os serviços profiláticos da

vacinação em escala em terras brasileiras.451

Em relação a São Luís, a municipalidade local desde o princípio demonstrou

simpatia com a vacina. Em 17 de janeiro de 1805, D. Antônio de Saldanha da Gama

governador da Capitania do Maranhão recomendou à corte portuguesa a introdução da

vacina no Maranhão. Em 12 de fevereiro de 1820 foi estabelecida em São Luís e por

toda a extensão da capitania uma Repartição da Vacina. Em 1827 a câmara municipal

de São Luís dá um passo decisivo para o progresso da vacina na Província do Maranhão

450

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 107. 451

Id. Ibid., p. 108.

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147

regulamentando pela primeira vez o serviço de vacinação, em 1834 foi aprovada uma

postura municipal tornando a vacina antivariólica obrigatória em São Luís.452

De acordo com Raimundo Palhano, desde 1828 os gestores públicos de São

Luís, ainda que timidamente, criaram um aparato técnico burocrático que garantisse a

aplicação da vacina. O uso de relatórios, mapas de vacinação e intervenção policial para

garantir a metodização e obrigatoriedade do serviço de vacinação e isolamento foram

ações que aos poucos revelam o endurecimento das municipalidades em relação à

varíola.453

O mapa de vacinação mais antigo que encontrei durante as pesquisas revelam

que os resultados obtidos pela Repartição da Vacina da Província do Maranhão

impressionam e ratificam a hipótese da aceitação positiva da vacina junto aos populares.

De acordo com o Dr. José Antônio Soares de Sousa454

a vacina obteve extraordinário

sucesso no seio da população local. No período de 08 de junho de 1820 até 15 de abril

de 1826 foram vacinados 12.889 pessoas. Em todas as pessoas vacinadas havia se

desenvolvido a vacina verdadeira, ou seja, um saldo positivo de 100% nos resultados da

vacinação.

Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão em 08 de junho de 1820 até 15 de abril de

1826.

Maranhão

Paço

do

Lumiar

Alcântara Guimarães Itapecuru Viana Caxias Total Qualidade

2.342 396 678 304 1.486 627 476 6.173 Livres

2073 67 1.213 194 598 129 182 5.455 Escravos

710 _ 203 114 98 _ _ 1.125 Soldados

6125 463 2.094 611 2.182 756 658 12.889 Soma

Vacinados em casas particulares que não forem escritos para mais de 2.000 pessoas

Fonte: MARANHÂO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente e Governador das armas do Maranhão, 20 de abril

de 1826. Setor de avulsos. APEM.

452

MARQUES, César Augusto. Op. Cit., 1970, p. 886. 453

PALHANO, Raimundo N. Op. Cit., 1998, pp. 149-151. 454

José Antônio Soares de Sousa era natural de Portugal, foi o primeiro inspetor da vacina no Maranhão

servindo gratuitamente seus serviços desde 1820 até 1831, ano em que faleceu.

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148

Há de se duvidar dos dados emitidos pelo Dr. José Antônio Soares de Sousa,

isto porque era consenso entre os médicos da época que existia uma margem de erro

para os resultados da aplicação da vacina, já que ela dificilmente se desenvolveria como

verdadeira em todas as situações. Por este motivo a prática da revacinação era

necessária, no entanto esses dados não aparecem no mapa geral da vacinação de 1826. É

possível que o número de vacinados neste respectivo período tenha sido bem superior à

cifra total estimada no mapa geral da vacinação de 1826, tendo em vista que os dados

do mapa geral de vacinação de 1826 são referentes à apenas algumas localidades do

interior da Província do Maranhão, excluindo-se São Luís, local de maior contingente

populacional.

De acordo com os ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do

Maranhão, somente a partir de 1831 os mapas de vacinação sofrem uma importante

mudança qualitativa na apreensão dos seus resultados. A partir dessa data o serviço de

vacinação da Província do Maranhão passou a considerar relevante a emissão de

relatórios e mapas mensais para a observação do progresso da vacina junto à população.

Informações como a quantidade de pessoas vacinadas por sexo, número de revacinados,

soma da redução individual do vacinados e revacinados em diferentes dias, quantidade

de pessoas que tiveram vacina verdadeira e vacina falsa, quantidade daqueles em que a

vacina foi falha e numero dos vacinados e revacinados que não tiveram seus casos

devidamente observados, passaram a ser constantes nos relatórios e mapas de

vacinação.

Oficialmente, os mapas de vacinação aplicados na Província do Maranhão

apenas começam a informar a quantidade de escravos vacinados e revacinados a partir

de 1846, porém, há evidencias que a principal preocupação da Junta da Instituição

Vacínica em seus primeiros tempos de funcionamento, era a imunização dos escravos.

Para Tania Maria Fernandes a primeira década da aplicação da vacina

jenneriana no Rio de Janeiro se caracterizou por um intenso apelo dos senhores de

escravos em vacinar seus cativos.

A obrigatoriedade da vacina era regra geral, porém sua aplicação parecia

restrita a apenas uma fração da população negra, sendo que a única

obrigatoriedade efetivamente cumprida nos primeiros anos da vacinação foi à

relacionada à escravidão nas fazendas, para onde o vacinador era deslocado

por solicitação dos proprietários de escravos. Com isso, geralmente

alcançava-se uma média de 40% no número final de escravos e negros

vacinados em relação aos demais vacinados.455

455

FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 24.

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149

Sidney Chalhoub posiciona-se na mesma direção, segundo ele a principal

função do serviço de vacinação da corte em seus primeiros anos de funcionamento era

de fato a imunização dos escravos456

. Em A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-

1850) Mary Karasch enriquece o debate analisando a demografia da população carioca

na primeira metade do século XIX. A autora realiza um mapeamento sobre os obituários

da cidade e sua relação com as causas das mortes dos cativos, além de saber ainda

idade, sexo, duração de vida e taxas de mortalidade e natalidade dos escravos. Karasch

salienta que as taxas de mortalidades entre os escravos no centro urbano do Rio de

Janeiro eram altíssimas, isto porque essas pessoas estavam à mercê das epidemias

intertropicais. Mas, mesmo estando indefesos aos assaltos da varíola, por exemplo, a

autora sinaliza um baixo índice de mortalidade entre os negros em virtude da

moléstia.457

Luiz Antônio da Silva Mendes e José Francisco Xavier Sigaud ao analisarem

as estatísticas de mortalidade da população negra no Império do Brasil na primeira

metade do século XIX, concluem que as pessoas de cor dessa época eram flageladas por

moléstias como a disenteria, as febres intermitentes e catarrais, as vermes, a sífilis e o

escorbuto. A varíola apenas é citada como um dos vetores para a cegueira.458

Em anexo ao ofício de 22 de junho de 1835 emitido por Veríssimo dos Santos

Caldas459

inspetor da vacina do Maranhão ao presidente da Província da mesma, o

senhor Vicente Thomaz Pires de Figueiredo Camargo encontramos uma lista de

vacinados equivalente ao período de 15 de novembro de 1834 a 25 de junho de 1835.

Na referida lista consta a soma de 155 vacinados, dos quais 98 eram escravos460

,

números que sustentam a hipótese de que provavelmente a verdadeira função da

Repartição da Vacina em seus primórdios fosse à imunização dos cativos.

Em meio a números e estatísticas encontramos a seguinte situação sobre e

estado da vacina na Província do Maranhão. Entre outubro de 1837 a março de 1838

foram vacinadas em São Luís 410 pessoas, 92 compareceram as sessões de revacinação

456

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, pp. 110-111. 457

KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo, Companhia das

Letras, 2000, p. 152. 458

SIGAUD, J.F. X. Op. Cit., 2009, pp. 118-127. 459

Verissimo dos Santos Caldas era cirurgião e natural da Bahia. Foi o segundo inspetor da vacina da

Província do Maranhão, nomeado em 1837 servindo até 20 de junho de 1847. 460

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 22 de junho de 1835.

Setor de avulsos. APEM.

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150

e apenas 234 apresentaram vacina verdadeira461

. Péssimos índices para um

contraceptivo que em 1826 teoricamente havia tido cem por cento de aceitação entre os

populares.

Supõe-se então, que desde a emissão do mapa geral emitido pelo Dr. José

Antônio Soares de Sousa em 20 de abril de 1826 até março de 1838, a vacina tenha sido

rejeitada por grande parte da população local, isto por que a Repartição da Vacina no

Maranhão achava-se completamente desolada. Os vacinadores municipais e paroquiais

não prestavam conta sobre seus serviços, faltava-lhes obediência aos regulamentos que

os obrigava a expandir da vacina no Maranhão, sendo mais frequente ofícios com

pedidos de demissões do cargo de comissário vacinador do que a emissão de relatórios e

mapas de vacinação.

Entre o final de 1837 e inicio de 1838 a varíola começa a ser reinante no

Maranhão, realizando estragos principalmente na cidade de Caxias. Este desastroso

episódio impulsionou a procura pela vacina na capital. As informações colhidas junto ao

relatório geral da vacinação de 08 de julho de 1841, emitido por Veríssimo dos Santos

Caldas ao presidente da Província do Maranhão João Antônio Miranda sugerem que a

vacina foi procurada na capital pelo menos até o fim de maio de 1841. Tal como o mapa

de vacinação abaixo explica.

461

MARANHÃO, Presidência da Província. Discurso que recitouo Exm. Snh. Vicente Thomaz Pires de

Figueiredo Camargo, presidente desta Província, na occazião da abertura da Assembléa Legislativa

Provincial no dia 03 mayo do corrente anno. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1838, p. 29.

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Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1838 a 1841.

Épocas Idades N. dos

vacina

dos

N. dos

revacina

dos

Total Boa

vacina

Vacina

arrebe

ntada

Vacina

falsa

Vacina

não

pegada

N. dos não

observados

1838 De 08

meses a

58 anos

449 118 567 240 25 10 209 83

1839 De 04

meses a

46 anos

341 80 421 176 17 - 188 90

1840 De 03

meses a

42 anos

718 74 792 462 08 - 131 191

1841 até

o fim de

maio

De 03

meses a

05 anos

174 85 209 96 18 - 53 48

Soma - 1.682 807 1980 966 68 10 531 412

Fonte: MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 08 de julho de 1841.

Setor de avulsos. APEM.

Apesar do substancial progresso da vacina na capital, sobretudo no ano de

1840, os serviços de vacinação da capital deixavam muito a desejar. Entre junho a

dezembro de 1841, a Repartição da Vacina do Maranhão não ofereceu vacina alguma

aos populares. Em relatório emitido ao presidente da Província do Maranhão, Veríssimo

dos Santos Caldas atesta sobre a situação da vacina na capital. Segundo ele, entre 01 de

janeiro de 1842 a 18 de abril de 1843 foram vacinados em São Luís 778 pessoas, deste

total de inoculados, 171 não retornaram para a revacinação e 151 não tiveram seus

resultados acompanhados462

. Nas palavras do inspetor da vacina, o grande problema era

que em parte alguma a linfa vacínica era bem aceita.

Esta circunstancia é denunciada em 29 de julho de 1843, quando o jornal O

Publicador Maranhense analisa a falta de vacinadores em todo o interior do Maranhão e

a incapacidade da Repartição da Vacina em distribuir vacina de boa qualidade à

462

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 18 de abril de 1843.

Setor de avulsos. APEM.

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152

população. Segundo com referido jornal os primeiros resultados da aplicação da vacina

no interior da Província para o ano 1843 foram decepcionantes.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor. - Na câmara municipal de Itapecuru-

mirim tem aplicado com bastante assiduidade o pus vacínico, mas este não

tem produzido os efeitos desejados; pois dos quarenta e sete primeiros

vacinados só uma criança de três anos pegou a vacina verdadeira.463

Em 1844 novamente a vacina sofre um grande revés. Apesar do relatório do

presidente da Província atestar sobre os progressos que a Repartição da Vacina do

Maranhão vinha realizando junto à população, apenas 443 pessoas foram inoculadas,

sendo todas elas residentes de São Luís, destas 260 desenvolveram vacina verdadeira

enquanto que 183 desenvolveram vacina falsa464

. Ciente do baixo desempenho

profilático da vacina no Maranhão em 12 de setembro de 1845, Veríssimo dos Santos

Caldas comunica a corte brasileira sobre a péssima qualidade da linfa vacínica

denunciando as más condições de transporte e armazenamento da vacina vinda da

Inglaterra.

Cópia n° 07: Ilustríssimo e Excelentíssimo senhor: Não tendo a Repartição da

Vacina papel desse cunho / segue-se a lamentar a Vossa Excelência não só

para melhor conservar a vacina nesta Província, mas até para ser melhor

acondicionada para esta Província e mesmo para províncias vizinhas, rogo a

Vossa Excelência afim de requisitar ao encarregado da delegação imperial

em Londres, oito a dez vidros de pus vacínico, visto achar-se próximo a para

aquele porto huma barca inglesa, rogo igualmente a Vossa Excelência afim

de requisitar a mesma delegação a frequência do pus vacínico a esta

Província, vindo navios a este porto ou menos interpoladamente, pois só

desta forma é que se pode conservar a vacina nesta Província visto que ella já

vai aparecendo enfraquecida entre nos. Deus Guarde a Vossa Excelência/

Maranhão/ Repartição da Vacina doze de setembro de mil quatrocentos e

quarenta e cinco.

Ilustrissimo e Excelentíssimo senhor Ângelo Carlos Muniz Presidente da

Província/ o encarregado da vacina Veríssimo dos Santos Caldas esta

confirma. Veríssimo dos Santos Caldas.465

O fraco rendimento da vacina perdurou aos anos de 1846 e 1847, neste último

foram realizadas apenas 389 inoculações466

. Em 09 de julho de 1847, Veríssimo dos

Santos Caldas faz severas ressalvas, certificando que a vacina encontrava-se

463

O PUBLICADOR MARANHENSE, 29 de julho de 1843. Repartição de polícia, p. 03. 464

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que dirigiu o Exm. Snh. Vice- presidente da

Província do Maranhão, Ângelo Caldas Muniz à Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 maio de

1845. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1845, p. 09. 465

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Anexo do ofício do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 09 de julho de

1847. Setor de avulsos. APEM. 466

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão, 09 de julho de 1847.

Setor de avulsos. APEM.

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153

completamente em desuso na Província Maranhão. Não tendo a Inglaterra fornecido

vacina de boa qualidade para a Repartição da Vacina. O inspetor da vacina achava-se

amputado dos seus facultativos deveres, o mesmo reinterava seu pedido mais uma vez,

solicitando ao encarregado da delegação imperial em Londres que se esforçar-se a

enviar o quanto antes linfa vacínica de boa qualidade ao Maranhão.467

Em 01 de junho de 1847 o Dr. José Miguel Pereira Cardoso468

é nomeado ao

cargo de comissário vacinador provincial, coincidentemente ou por manobra política os

comunicados e pedidos da Repartição da Vacina do Maranhão começam a ser atendidos

com maior frequência e volúpia pela Junta Vacínica do Rio de Janeiro. Em julho de

1847 a Assembléia Provincial obedecendo ao inciso 05 do artigo 31 do regulamento de

N° 664 aprovado em 17 de agosto de 1846, prescreveu a extensão da vacinação

obrigatória ao interior da Província do Maranhão, local de grande dificuldade de se

convencer os populares sobre os benefícios da vacina469

. Além disso, o contingente de

comissários vacinadores no Maranhão passou de 24 para 31 em 1850.470

As medidas adotadas pelo governo provincial surtiram pequeno efeito, em

1848 haviam sido vacinados 539 indivíduos, a maioria da capital, entretanto no primeiro

semestre de 1849 foram registradas 212 inoculações471

. Este percentual melhorou nos

dois anos subsequentes, entre 01 de julho de 1849 a 30 de junho de 1850, 1713

indivíduos receberam a vacina regularmente em toda a Província do Maranhão, sendo

pertencentes a São Luís 1086 vacinados472

. A média de pessoas que tiveram boa vacina

467

Ibidem. 468

José Miguel Pereira Cardoso natural do Maranhão foi o primeiro comissário vacinador provincial do

Maranhão, nomeado em 01 de junho de 1847, tomou posse em 21 de julho do mesmo ano e serviu até sua

morte em 21 de junho de 1865. 469

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 12 de

março de 1851. Setor de avulsos. APEM. 470

MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da Província do

Maranhão, Honório Pereira de Azeredo Coutinho à Assembléa Legislativa Provincial por occasião de

sua installação no dia 07 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.

Ferreira, 1850, p. 14. 471

MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da Província do

Maranhão, Herculano Ferreira Penna à Assembléia Legislativa Provincial por occasião de sua

installação no dia 14 de outubro de 1849. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1849, p. 49. 472

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da Província

do Maranhão, Honório Pereira de Azeredo Coutinho à Assembleia Legislativa Provincial por ocasião de

sua installação no dia 07 de setembro de 1850. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.

Ferreira, 1850, p. 14.

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154

foi de 877, em compensação a média daquelas que tiveram vacina falsa também foi

elevada, com 680 casos, 156 casos não foram observados.473

O aumento entre o número de pessoas vacinadas em 1850 possui relação com a

instituição das normas pessoais do Conselho de Saúde Pública da Província do

Maranhão, que tinha como uma de suas prerrogativas acompanhar o progresso da

vacina no Maranhão. No entanto, o próprio relatório do presidente da Província do

Maranhão de 1850 é enfático em relação aos progressos da vacina: “Não tem, pois a

vaccina produzido nesta Província os benefícios que eram de esperar”.474

5.2 A vacinação em São Luís em tempos epidêmicos

Em um espaço de dez anos a varíola confluente reinou por duas vezes em São

Luís em caráter puramente mortífero. Entre 1854-1855 ela vitimou 683 indivíduos e em

1864-1865-1866 foram mais 505 mortes. Entender os motivos que levaram a varíola a

ser tão violenta neste curto espaço de tempo significa refletir na ação negativa de seu

contraceptivo, a vacina. Isto porque a mesma era entendia pelos médicos da época como

o único remédio eficaz contra a varíola. Significa também refletir sobre a estrutura física

e a capacidade de distribuição e aplicação da linfa vacínica pela Repartição da Vacina

do Maranhão, assim como a descrença ou os preconceitos que levaram os populares e a

até mesmo parte da comunidade médica a desacreditar na ação positiva da vacina.

Percorrer essa trajetória não será fácil, até porque os dados estatísticos sobre a

vacinação e revacinação em São Luís e no Maranhão neste respectivo período não estão

completos. Grande parte dos relatórios e mapas de vacinação encontra-se deteriorados

ou simplesmente foram corroídos ou destruídos pela ação do tempo. Tendo em vista

esses percalços, proponho-me a analisar a situação da vacina antivariólica desde 1851

há 1866, a fim de se confirmar a suspeita que a linfa vacínica distribuído junto aos

populares era de má qualidade e procedência, e que a porcentagem de inoculados que se

considerava imunizada era pífia em relação ao percentual demográfico e a distribuição

geográfica da cidade de São Luís.

Como foi dito anteriormente o primeiro semestre de 1851 foi categoricamente

marcado pela epidemia da febre amarela que grassou na cidade de São Luís. Ao todo

essa moléstia vitimou a soma de 807 indivíduos, números que refletiram no decréscimo

473

Ibidem. 474

Ibidem, p. 15.

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155

de inoculados. Em toda Província do Maranhão foram inoculadas com a linfa vacínica

632 indivíduos, 363 desenvolveram vacina regular, em 263 indivíduos a vacina deu-se

como falsa.475

Mesmo sem ultrapassar a margem de mil inoculações por ano, José Miguel

Pereira Cardozo insistia nos bons resultados alcançados pela vacina junto à população.

Diz ele em ofício de 27 de janeiro de 1852 que a vacina apresentava-se em bom estado

de conservação e que a aplicação dela na capital estava assegurada. Cardozo ratificava

sua fala com o balanço geral de 3.273 indivíduos inoculados entre os anos de 1847 a

1851 com uma margem para 1.585 inoculações verdadeiras e 1.688 inoculações

falsas.476

Obviamente que as considerações apresentadas por José Miguel Pereira

Cardozo eram no mínimo exageradas, certifico-me as considerá-las como grotescas, isto

porque uma cifra de apenas 1.585 pessoas com vacina verdadeira em um período de

quatro anos consecutivos de campanha de vacinação, não poderia ser considerada como

positiva.

O baixo índice de inoculações será mantido pela Repartição da Vacina entre

1852 a 1854. Segundo o mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre

01 de janeiro a 30 de junho de 1852 foram inoculados 672 indivíduos, deste total 408

tiveram vacina regular e 264 desenvolveram vacina falsa477

. Um novo balanço da vacina

é divulgado em 16 de julho de 1852, de acordo com este mapa de vacinação, entre 01 de

julho de 1851 a 30 de junho de 1852 receberam a vacina 2.201 pessoas, 1.363

475

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 27 de

janeiro de 1852. Setor de avulsos. APEM. 476

É importante esclarecer que o balanço levantado por José Miguel Pereira Cardozo de 3.273 indivíduos

inoculados para os anos de 1847 a 1851, não esclarece que das 389 inoculações realizadas em 1847 a

maioria pertencia a São Luís, este fato novamente se repetirá em 1848, os 539 indivíduos inoculados

neste ano em sua maioria eram residentes da capital, somente em 1849 e 1850 a Repartição da Vacina

consegue inocular 1713 indivíduos em toda a Província do Maranhão, sendo pertencentes a São Luís

1086 vacinados e 627 inoculados eram oriundos do interior do Maranhão. Em 1851 das 632 pessoas

inoculadas a maioria residia em de São Luís. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.

Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao

presidente da Província do Maranhão, 27 de janeiro de 1852. Setor de avulsos. APEM. 477

O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de janeiro até 30 de junho de 1852

também indica que foram vacinados 370 indivíduos do sexo masculinos, 282 indivíduos do sexo

feminino, 378 indivíduos livres e 294 indivíduos escravos, obedecendo às particularidades instituídas no

artigo 31 do regulamento de 17 de agosto de 1846. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da

Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial

ao presidente da Província do Maranhão, 10 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM.

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156

desenvolveram vacina regular, o ponto negativo foi que da soma dos 2.201 vacinados,

838 não compareceram a revacinação não tendo seus casos acompanhados.478

Um terceiro mapa sobre o estado da vacina em 1852 é emitido em 29 de

janeiro de 1853. Segundo este novo mapa ao todo foram inoculadas 232 pessoas entre

01 de agosto a 31 de dezembro de 1852, sendo que apenas 99 apresentaram vacina

regular e 133 tiveram falsa vacina479

. Por este último mapa de vacinação entende-se que

a vacina caminhava a ritmo de desuso no Maranhão, isto porque a Repartição da Vacina

não conseguia aumentar o índice de vacinados em escala de seis a seis meses, além

disso, o número das pessoas que não compareceram a revacinação e que tiveram vacina

falsa foi similar aos que apresentaram vacina verdadeira.

Entre 01 de janeiro a 30 de junho de 1853, receberam a vacina em toda a

Província do Maranhão 302 pessoas, apenas 64 tiveram vacina regular enquanto que

248 não compareceram a revacinação480

. No segundo semestre do mesmo ano a

aceitação da vacina entre os populares perdurou a níveis baixíssimos, sendo vacinados

356 indivíduos, 193 com vacina regular e 163 com vacina falsa.481

Esses fatídicos resultados apresentados pela Repartição da Vacina do

Maranhão certamente contribuíram para que o índice de contagiosidade e virulência da

varíola fossem tão intensos entre novembro de 1854 a abril de 1855. A sensação de

impotência e inutilidade que a epidemia variólica de 1854-1855 espalhou entre as

autoridades locais foi tamanha, que o serviço de vacinação da Província sofreu severas

críticas, quanto à aplicação e desempenho da vacina.

Contando com o auxílio de seus 28 comissários vacinadores a Repartição da

Vacina inoculou ao todo 7.172 indivíduos de ambos os sexos no ano de 1854. Deste

478

O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de julho de 1851 a 30 de junho de

1852 indica que foram vacinados 1.214 indivíduos do sexo masculinos, 987 indivíduos do sexo feminino,

1.165 indivíduos livres e 1.036 escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.

Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao

presidente da Província do Maranhão, 16 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM. 479

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 29 de

janeiro de 1853. Setor de avulsos. APEM. 480

O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de janeiro a 30 de junho de 1853

indica que foram vacinados 182 indivíduos do sexo masculinos, 130 indivíduos do sexo feminino, 204

indivíduos livres e 103 escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.

Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao

presidente da Província do Maranhão, 30 de julho de 1853. Setor de avulsos. APEM. 481

O mapa da vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de julho a 31 de dezembro de 1853

indica que foram vacinados 221 indivíduos do sexo masculinos, 134 indivíduos do sexo feminino, 208

indivíduos livres e 148 escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.

Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao

presidente da Província do Maranhão, 28 de janeiro de 1854. Setor de avulsos. APEM.

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157

total, 3.863 indivíduos inoculados residiam em São Luís enquanto que 3.309 no interior

da Província482

. Centrando-se o olhar sobre esses dados, percebe-se uma tentativa de

ocultação de informações, pois os números que correspondem à vacinação praticada no

ano de 1854 não prestam conta sobre o percentual daqueles em que a vacina foi

verdadeira e falsa e nem daqueles que não compareceram a sessão de revacinação.

No entanto, em 22 de junho de 1855 o jornal O Publicador Maranhense relata

números interessantes sobre a vacina antivariólica. “Os dados estatísticos da Repartição

da Vaccina no Maranhão apontam que de 1847 a 1854 foram inoculados com a linfa

vacínica 15.909 pessoas, deste total 8.506 residiam na capital e 7.403 eram do

interior”483

. Considerando a margem de 30.000 mil almas sobre o percentual de 8.506

inoculações realizadas na capital neste período. Significa dizer que apenas 28% dos

habitantes de São Luís foram inoculados com a vacina, sendo que deste percentual

exclui-se os números de inoculações falsas e casos não acompanhados, que poderiam

diminuir ainda mais o percentual de inoculados.484

Se compararmos as 7.172 inoculações realizadas em 1854 com os sete anos

anteriores, perceberemos que o número de inoculações não ultrapassava mil vacinações

por ano. Para piorar a situação, esperava-se um considerável aumento no número de

vacinados para o primeiro semestre de 1855, entretanto o desempenho da vacina neste

respectivo período foi trágico. Os comissários vacinadores inocularam apenas 923

indivíduos em toda a Província, sendo da capital 491, enquanto que 432 residiam no

interior da Província.485

Cifras catastróficas para um semestre que apresentou maior virulência e

contagiosidade da varíola. É importante frisar ainda que o índice de 923 inoculações

somente fora alcançado porque as multas de seis mil contos de rés para quem não

482

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 62; Informações semelhantes podem ser

encontradas em O PUBLICADOR MARANHENSE, 22 de junho de 1855. Parte Official. Governo da

Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, na

abertura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 03 de maio de 1855, p. 01. 483

Ibidem, p. 63. 484

Informações semelhantes podem ser encontradas em O PUBLICADOR MARANHENSE, 22 de junho

de 1855. Parte Official. Governo da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o

Dr. Eduardo Olímpio de Machado, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 03 de maio

de 1855, p. 01. 485

Ibidem; Informações semelhantes podem ser encontradas em O PUBLICADOR MARANHENSE, 22

de junho de 1855. Parte Official. Governo da Província. Relatório do presidente da Província do

Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial, no

dia 03 de maio de 1855, p. 01.

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158

comparecesse nos dias de vacinação e revacinação foram reestabelecidas repetidamente

em São Luís. A vacina era tão rechaçada entre os populares que em publicação oficial

do dia 18 de janeiro de 1855, Eduardo Olímpio de Machado achara conivente que o

boticário João Diogo Duarte auxiliasse nos serviços da vacinação na capital, servindo

vacina todos os dias na sua residência localizada na Rua Formosa, número 27.486

Em ofício de 03 de fevereiro de 1855, o mesmo Eduardo Olímpio de Machado

ratifica que a vacina deveria ser levada a domicílio a fim de se alcançar um número

desejado de inoculados em 1855.

E por que seja mister que a propagação da vaccina tenha o mais rápido

andamento, e não vejo outro meio de consegui-lo senão mandar levar a

vaccina para as casas dos indivíduos que ainda não foram vaccinados, acabo

de expedir as convenientes ordens, para que esta deliberação seja cumprida

tanto pelo Dr. comissário vacinador e pelo seu ajudante, como pelos

facultativos Veríssimo dos Santos Caldas e Silvestre Marques da Silva

Ferrão, recomendando-lhes que, no caso de ser necessária a intervenção da

autoridade policial para o bom resultado desta medida recorram a V. S., que

dará as providencias, que julgar convenientes.487

A pouca procura da linfa vacínica em 1855 decorre exclusivamente de duas

circunstâncias. A primeira era que a vacina antivariólica possuía uma péssima qualidade

de imunidade, a segunda era que muitas pessoas simplesmente não queriam se vacinar,

pois diziam que a vacina corrompia seus corpos, não tendo efeito algum sobre a varíola.

Para piorar a situação, alguns médicos duvidavam dos efeitos positivos da vacina. Entre

1850 e 1851 corriam boatos no Maranhão, Bahia e no Rio de Janeiro que alguns

médicos diplomados difamavam a vacina, diziam eles que a pratica da vacinação e

revacinação em tempos de epidemia era falha e prejudicial à saúde das pessoas.488

O médico inglês Legendre foi um dos primeiros a considerar essa hipótese,

dizia ele que a vacina jenneriana não poderia modificar totalmente a varíola

contribuindo para um possível mal estado dos vacinados489

. Rilleit e Barthez inclinam-

se na mesma direção, até mesmo o Dr. Erchhoru um dos mais renomados médicos da

época, salienta que a vacina não pode ser considerada um preservativo totalmente

neutralizador da varíola, já que fora percebido em várias ocasiões que pessoas vacinadas

486

O PUBLICADOR MARANHENSE, 19 de dezembro de 1855. Annuncios, p. 03. 487

O PUBLICADOR MARANHENSE, 15 de março de 1855. Parte Official. Governo da Província.

Expedientes dos dias 03 e 05 de fevereiro de 1855, p. 01. 488

Ibidem. 489

O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de fevereiro de 1855. Maranhão. Da opportunidade e

necessidade absoluta da vaccinação na quadra actual, p. 03.

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159

desenvolveram a varíola.490

. Em sua maioria, as opiniões contrárias contra a vacina

provinham da França. Em 1802 circulou neste país e em toda a Europa a clássica

caricatura intitulada The cow-pock or the wonderful effects of the new inoculation de

James Gilray. Esta gravura foi repercutida incessantemente ao longo do século XIX,

inclusive no Brasil. Nela fica clara a tentativa de colocar a vacina jenneriana como o

preservativo que “avacalharia” o homem. Que por ser de origem animal causaria em

seus inoculados lesões nefastas como o aparecimento de feições de bois com chifres na

cabeça, ao passo que a voz do indivíduo se assemelharia ao rugido dos bovinos.

Figura 09

The cow-pock or the wonderful effects of the new inoculation. James Gilray, 1802.

National Library of Medicine, Bethesda, EUA.

490

Ibidem.

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160

Fonte: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro:

Companhia das Letras, 2006, p. 158.

Em 1808 o Dr. Heleodoro Jacinto de Araújo Carneiro publicou em Londres

uma memória intitulada “Sobre a prática da vacinação e suas funestas consequências”.

Nesta obra Heleodoro segue a linha de raciocínio de James Gilray apontando os

possíveis efeitos nefastos e irreversíveis no uso da vacinação antivariólica. Para

Heleodoro a vacina promovia a degeneração da espécie humana. Segundo ele as

crianças vacinadas poderiam ao longo do curso de seu crescimento desenvolver feições

de boi; tumores surgiriam em suas cabeças indicando o local dos chifres, e aos poucos a

fisionomia se tornaria cada vez mais próxima a de uma vaca, com a voz transformada

em mugido de touro.491

Além das deformações físicas e morais, médicos e esculápios acusavam a

vacina jenneriana de facilitar a ocorrência da sífilis. Em consonância com este assunto o

Jornal do Commércio do Rio de Janeiro lança nota editorial em julho de 1855 sobre a

obra “Degenerescencia physica e moral da espécie humana causada pela vacina”do

médico francês Verdé-Delisle, que segundo o jornal argumentava com fatos e

estatísticas que a vacina causava a degeneração física e moral da espécie humana.

Deslisle exagera em suas explicações, chegando a comparar a varíola como uma fase

necessária na vida.492

Em 17 de novembro de 1855o jornal Correio da Victoria também lança nota

explicativa sobre a obra do médico francês. De acordo com o jornal o Dr. Deslisle acusa

Edward Jenner de ter cooperado para atrofiar a espécie humana por meio da vacina,

enfatizando que as moléstias como: “a cólera, a gastrite, as escrófulas e a physica

pulmonar, tão frequentes no século XIX também eram oriundas da vacina

jenneriana”.493

Sidney Chalhoub expõe a existência de um grande debate sobre o assunto,

levantando a considerar a hipótese que durante a segunda metade do século XIX havia

491

BARBOSA, Plácido; RESENDE, Cassio Barbosa. Os serviços de saúde pública no Brasil,

especialmente na cidade do Rio de Janeiro de 1808 a 1907. Volume I. Rio de Janeiro, Imprensa

Nacional, 1909, p. 415. Apud. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte

imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006. 492

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 121. 493

CORREIO DA VICTORIA, 17 de novembro de 1855. Notícias Diversas, p. 02.

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161

um grande número de meretrizes e proletários, vítimas da varíola no Rio de Janeiro,

sugerindo uma solidariedade cruel entre vacina e sífilis.494

A suspeita que a vacina antivariólica poderia facilitar a transmissão da sífilis

produzia colorações cinzentas a respeito da eficácia da linfa vacínica. Pedro Affonso

Franco cita que em 1865 o médico francês Depaul publica “La syphillis vacinalle”,

obra de grande impacto e repercussão na comunidade médica europeia. Neste livro o

autor cita alguns casos que comprovam segundo ele a transmissibilidade da sífilis por

intermédio da vacina jennerriana.

Na pagina 03 é contado um caso de uma menina de boa apparencia, com cuja

lympha foram inoculadas 46 crianças. Destas, 06 escaparam ao contágio, mas

40 tiveram ulceras syphiliticas nos pontos inoculados, e morreram 19, e

salvaram-se as outras tornando-se extremamente fracas e conservando os

signaes de infecção syphilitica. Muitas amas e mães das crianças foram por

estas infeccionadas. Na pagina 04, é referida a observação de Cerioli, de uma

criança com excelente aspecto de saúde, rosada, sadia, que parecia, pois nas

melhores condições para se vacinar, e da qual se retirou a lympha para 64

crianças. Todas estas foram atacadas de syphilis, 08 crianças falleceram, e 02

mulheres que amamentavam tiveram a mesma sorte. Indaga a causa, soube-se

que os pais da primeira criança eram syphiliticos, e que esta portanto tinha a

syphilis latente. Mais adiante é citado o facto de uma menina forte, e de

apparencia perfeitamente sadia, cuja vaccina transmitiu a syphilis a 19

pessoas. Essa mesma teve mais tarde ataque syphilico e falleceu em 06 dias.

Vê-se que ella também tinha a syphilis oculta, quando serviu de vacinífera.495

Infelizmente, a lógica seria o eminente fracasso da vacina, até porque esta

concorria com o método da variolação. Como se sabe, esse procedimento era bastante

similar ao método endérmico da aplicação da vacina jenneriana, o problema era que a

probabilidade de haver incidentes entre variolação, vacina e sífilis era gritante, e que

supostamente contribuiu para o insucesso da vacina. A frequência desse problema pode

estar no uso do método da variolação no combate contra a varíola.

Aliás, ao que parece este é um problema de ordem cronológica isto porque a

varíola já assaltava vidas no Brasil desde o século XVI. Sendo que a primeira grande

epidemia de varíola remonta ao ano de 1563, na região da Bahia, onde muitos índios

morreram vítimas das bexigas496

. Em 1776 os médicos europeus já podiam contar com

o auxílio da vacina jenneriana contra a varíola. Sendo que no Brasil a introdução desse

método é datada ao ano de 1804. No entanto somente em 1811, foi criada a Junta da

494

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, pp. 120-125. 495

AFFONSO, Pedro Franco. In. O PAIZ, 25 de novembro de 1887, Inconveniente da vaccina humana

VI, p. 01. 496

GURGEL, Cristina Brandt Friedrich Martin; ROSA, Camila Andrade Pereira da. História da

Medicina: A Varíola no Brasil Colonial (Séculos XVI E XVII). In. Revista de Patologia Tropical, Vol. 41

(4), 2012, pp. 387-399.

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162

Instituição Vacínica e apenas partir de 1832 com o Código de Posturas do Rio de

Janeiro, a vacina passou a ser obrigatória pela primeira vez no Brasil.497

Segundo José Vieira Fazenda, anterior à vacina jenneriana, o método da

“variolação” já havia chegado ao Brasil no final da década de 1790498

. No que diz

respeito à região do Pará e Maranhão, o geógrafo francês Charles Marie de La

Condamine, descendo o Rio Amazonas esteve em missões científicas, e logo tomou

conhecimento no ano de 1744 que um frade carmelita costumava imunizar seus

catecúmenos com a variolação, observação que ele transmitiu à Academia Real de

Ciências de Paris no relatório que apresentou sobre sua viagem499

. Robert Southey em

sua História do Brasil informa que desde 1730 se fazia uso da prática da variolação em

missões religiosas ao longo do Rio Negro.500

Ao citar esse problema, Sidney Chalhoub, não toma parte sobre o mesmo.

Segundo o autor há uma imprecisão nos fatos ou no mínimo uma incoerência dos

relatos.

Havia aqueles que resistiam à vacina aplicada pelos médicos alegando que

esta era a própria varíola, passando então a descrever os riscos normalmente

associados à variolização; mais torna-se difícil entender a recusa à vacinação

por esta ser confundida com a variolização se há testemunhos inequívocos de

que a inoculação do pus variólico era conhecida e bastante praticada no país.

Em suma, as razões registradas pelos médicos para a resistência à vacina nos

deixam a dificuldade de explicar o porquê de tantas pessoas recorrerem a

variolização.501

O interessante neste problema, é que os dados apontam que variolação e vacina

jenneriana foram introduzidas no Brasil em uma escala de tempo muito próxima, o que

de algum modo reforça a ideia que a população não dispunha de tempo suficiente para

diferenciar vacina e variolação, confundindo em muita das vezes ambas. Mas, mesmo

que fosse apenas um problema de nomenclatura ou diferença, o desprezo pela vacina

antivariólica repousa em simples observação empírica. Muitos doutores ficavam

surpresos com os assaltos que a varíola causava em pessoas vacinadas, vira e mexe

essas evidencias apareciam ao sabor da má qualidade da linfa vacínica distribuído e

497

FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de

Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 19. 498

FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. 1998; Cf. também LOPES,

Myriam Bahia e POLITO, Ronald. Para uma história da vacina no Brasil – um manuscrito inédito de

Norberto e Macedo. In: Revista História Ciências Saúde – Manguinhos, Vol. 14, nº 2, Abril/Junho 2007,

pp. 595-605. 499

MEIRELES, Mário M. Op. Cit., 1994, p. 212. 500

SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Tradução de Joaquim Luiz de Oliveira e Castro. São Paulo:

Obelisco, 1965. 501

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 131.

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163

aplicado na população. Sendo que desde o inicio da década de 1820 sabia-se na Europa

que a vacina jenneriana já apresentava sinais de desgastes. Na realidade seu efeito

poderia ser comparado a uma leve brisa de verão.

José Pereira Rego, em seu esboço histórico sobre epidemias que haviam

grassado na corte entre 1830 a 1870, aponta que anterior a epidemia de 1834 que

assombrou o Rio de Janeiro, a varíola já aterrorizava pessoas vacinadas, notando a

repetição do fenômeno em epidemias ao longo do período citado502

. A própria história

da vacina jenneriana evidencia este fato. Como se sabe a vacina não fora somente

circuncidada por elogios e argumentos positivos, não faltaram detratores das mais

variadas categorias e funções: químicos, médicos, cientistas, mercadores, boticários,

burocratas e governantes de vários países denunciavam segundo eles os malefícios da

vacina jenneriana.

Durante a guerra franco-prussiana em 1870, epidemias variólicas grassaram a

França e Alemanha simultaneamente. A mortalidade foi tamanha que várias

interrogações foram postas em relação à vacina, o número de indivíduos que refutava a

vacina como preservativo ideal contra a varíola foi considerável. Questionava-se muito

sobre a durabilidade da imunidade oferecida pela linfa vacínica, isso porque alguns

estudos realizados na França durante a guerra franco-prussiana apontaram que a linfa

animal transpostas em vários indivíduos neste período era de menor qualidade em

relação à produzida no tempo de Jenner. Além disso, os dados estatísticos sobre a

mortalidade variólica recolhida entre os dois exércitos mostram uma enorme diferença.

As tropas alemãs registraram apenas 261 óbitos por varíola, já a França registrou a

perda de 23. 467 oficiais cifra bem superior à apresentada pela sua vizinha.503

No ano de 1875 a câmara municipal de Hamburgo na Alemanha recolheu perto

de 30.000 assinaturas contra a aplicação da vacina jenneriana. Diziam estas pessoas que

a vacina poderia favorecer a transmissão de certas doenças graves ao homem, levando

uma extrema perturbação à saúde do homem504

. Os detratores da vacina jenneriana

diziam que a mesma poderia facilitar “aflições” na pele humana que poderiam se

multiplicar e desenvolver lesões gravíssimas na epiderme humana, aumentando o índice

de mortalidade em épocas de grandes epidemias.

502

REGO, José Pereira Rego. História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de

Janeiro em 1850. Rio de Janeiro, Typographia de F. de Paula Brito, 1851, pp. 6-22. 503

O PAIZ, 21 de outubro de 1887. Noticiário, p. 02. 504

Ibidem.

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164

Situação semelhante foi percebida na Áustria entre 1807 a 1850. Morreram de

varíola neste país, somente 376 indivíduos, número considerado baixo. No entanto entre

1877 a 1886, época da introdução da vacinação sistemática neste país a varíola vitimou

cerca de 28.5000 indivíduos na mesma região505

. Esses dados levam a crer, que a

imunidade apresentada pela vacina jenneriana dependia do grau de penetração da vacina

no seio da população e a própria procedência da vacina, já que esta poderia ser de boa

ou péssima qualidade.

Para Mikhaël Suni os argumentos dos efeitos benéficos da vacina possuíam um

prazo de validade indeterminado “tão curto, que os vacinadores mostram-se bastante

tímidos para fixar-lhe a duração: quando a epidemia sobrevém, a vacinação ou a

revacinação, mesmo muito recente, não tem mais que um poder de preservação muito

aleatório”.506

A tudo isso, soma-se o fato que foi apenas em 1864 com a vacinação

sistemática na cidade de Nápoles que a comunidade médica europeia admitiu de fato os

possíveis progressos da vacina507

. Mesmo diante de tamanhas dúvidas e incertezas, a

vacina antivariólica continuou a ser vinculada como o método mais eficaz no combate

às bexigas, sendo propagada por quase toda a Europa. Fato era que a varíola

apresentava-se como mortífera em vários países mesmo após o advento e proliferação

de sua vacina. Suas ocorrentes epidemias eram comparadas as da cólera e da peste.

Em ofício datado de 07 de dezembro de 1853, Eduardo Olímpio de Machado

demostra perspicácia no debate sobre a eficácia da vacina antivariólica no Brasil, o

mesmo relembrava e advertia o Ministério do Império à necessidade de se criar um

cargo de agente específico para combater as difamações que a vacina outrora vinha

recebendo.508

Em 03 de fevereiro de 1855 o próprio Eduardo Olímpio de Machado designou

que os médicos José Ricardo Jauffret, José Miguel Pereira Cardozo e José Sérgio

Ferreira desmentissem quaisquer boatos que vinham por a prova à eficiência da vacina,

tal como mostra este enunciado:

505

O PAIZ, 29 de outubro de 1887. Noticiário, p. 02. 506

SUNI, Mikhaël. A vacinação obrigatória. Rio de Janeiro, Apostolado Positivista do Brasil, jan. 1903.

In: GILL, Lorena Almeida; PEZAT, Paulo Ricardo. (Orgs.) As publicações dos positivistas religiosos

brasileiros sobre questões médico-sanitárias (1885-1927). Pelotas: Editora e Gráfica Universitária –

UFPEL, 2008, pp. 09-14. 507

FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 1999, p. 33. 508

O PUBLICADOR MARANHENSE, 01 de fevereiro de 1854. Parte Official. Governo da Província.

Expedientes dos dias 07 e 08, 10 e 12 de dezembro de 1853, p. 01.

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165

Epidemia – O número de atacados continua o mesmo, pouco mais ou menos,

porém o mal parece ter diminuído de intensidade; em tempo algum fizeram

as bexigas tanto estrago, mal grado as medidas sanitárias que contra o

contágio se tenha tomado. Ao contrário da febre amarella tem esta epidemia

atacado de preferencia os naturaes, e destes ainda com mais violência os da

raça indígena, não consta que estrangeiro algum tenha dela sido victima;

quanto ao sexo e a idade não tem nisso havido diferença, o mal tem atacado

indistictamente e com igual força, homens e mulheres, velhos, moças e

crianças. Atribuímos à má qualidade da vaccina, que actualmente se está

empregando o resultado funesto de alguns casos de indivíduos recentemente

vacinados. A opinião ariscada que a tempos grassou (mesmo entre pessoas

ilustradas!) que a vacina em tempos de epidemia provoca o aparecimento das

bexigas é inteiramente destituída de fundamento, e nem podemos acreditar

que médico algum auctorisasse com a sua opinião a crença de semelhante

absurdo.509

Porém, mesmo que os referidos doutores considerassem que as difamações

contra a vacina fossem fora de contexto, sabia-se que a desconfiança da população de

São Luís e de toda a Província do Maranhão só aumentava em relação à vacina

antivariólica, e desde 1849 havia rumores em São Luís de que a pratica da vacinação e

revacinação em tempos epidêmicos punha em risco a vida das pessoas. Esses rumores

passaram a ser mais recorrentes entre a população de São Luís entre 1854 e 1855. Essa

suspeita é confirmada quando Thomaz José Rodrigues, comissário vacinador da região

de Itapecuru atesta que das 53 inoculações realizadas na primeira semana de campanha

de vacinação contra a epidemia de 1855, apenas uma pessoa inoculada apresentou

resultado satisfatório e que nas seções de revacinação a descrença na vacina era geral.510

Ciente do péssimo desempenho que a vacina alcançara frente aos populares em

um ano de epidemia, o governo provincial se empenhou na urgência da vacinação e

revacinação obrigatória em São Luís e na região que se estendia entre a baixada

maranhense, Ribeira do Itapecuru à cidade de Caxias. Os 29 comissários vacinadores

municipais e paroquiais511

intensificaram ao máximo seus serviços, muitos o fizeram

por mera caridade. Todo este empenho resultou na distribuição da linfa vacínica no

Maranhão pelo menos até o final de novembro de 1855, apenas as vilas de Tutoya,

Pastos Bons e São José ainda não tinham recebido lotes da vacina.

509

O PUBLICADOR MARANHENSE, 22 de março de 1855. Notícias diversas, p. 03. 510

O PUBLICADOR MARANHENSE, 15 de março de 1855. Parte Official. Governo da Província.

Expediente do dia 06 de setembro de 1855, p. 02. 511

O número exato de comissários vacinadores existentes na Província do Maranhão entre 1854 e 1855 é

variável, em algumas fontes encontramos a cifra de 29 vacinadores e em outras apenas 28. Cf. O

PUBLICADOR MARANHENSE de 05 de janeiro de 1856. Parte Official. Governo da Província, p. 03;

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 63.

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166

Em seu balancete final sobre a vacinação a Repartição da Vacina exalta os

supostos resultados positivos alcançados entre os anos de 1854 e 1855 alegando que

desde o dia 01 de julho de 1854 a 30 de junho de 1855 foram vacinadas em toda a

Província do Maranhão a margem de 13. 727 pessoas, das quais tiveram vacina regular

11.084. Sendo da capital 5.554 indivíduos e 4.262 do interior da Província512

. No

segundo semestre do respectivo ano foram vacinadas mais 2.024 pessoas, sendo que

1.662 pessoas tiveram vacina regular e apenas 362 apresentaram falsa vacina, como

mostra o mapa abaixo.

Mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 1854 a 1855.

Freguezias Sexos Condição Total por freguesias

Masc. Femi. Livres Escra. Com vacina

regular

Com vacina

falsa

Total

N. S. da

Victoria

1.469 328 416 1381 1501 206 1797

Bacanga 16 17 33 0 24 09 33

Chapadinha 08 05 06 07 0 13 13

V. da

Vargem

Grande

40 44 77 07 57 27 84

Cidade de

Vianna

21 25 16 30 38 08 46

Cidade de

Alcântara

20 31 28 23 42 09 51

Resultado 1.574 450 576 1.448 1.662 362 2.024

Fonte: MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 26 de

janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM.

512

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 26 de

janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM; O balancete geral sobre a vacinação na Província do Maranhão

foi oficialmente emitido e registrado em 26 de janeiro de 1856, no entanto, informações semelhantes

podem ser encontradas em MARANHÃO. Relatório do presidente da Província do Maranhão, o Dr.

Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembleia Legislativa Provincial no dia 03 de maio de

1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1855, p. 63; Cf. também O PUBLICADOR

MARANHENSE de 05 de janeiro de 1856. Parte Official. Governo da Província, p. 03.

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167

Entretanto, mais uma vez percebe-se que as informações emitidas sobre a

vacina podem ser claramente contestadas, isso porque era recorrente em ofícios a

rebeldia popular em relação a vacina, fato que não aparece em nenhum momento nas

entre linhas do relatório final da vacinação praticado em 1855. A falta dessa informação

pode leva o leitor a entender que a vacina alcançou resultados positivos em 1855, tendo

em vista que o resultado alcançado pela vacina falsa foi relativamente baixo com apenas

362 notificações.

De acordo com o mesmo relatório desde julho de 1847, (ano em que aqui se

pôs em execução o regulamento de n° 464 de 17 de agosto de 1846), até 31 de

dezembro de 1855 teriam sido vacinadas em toda a Província 25.087 pessoas, sendo

11.369 pertencentes a capital513

, porém no relatório não consta dados ou informações a

respeito da vacina falsa e dos casos não observados, ou seja, uma clara tentativa de

enaltecer “os supostos progressos da vacina na Província do Maranhão”.

As estatísticas sobre a vacinação praticada na Província do Maranhão sugerem

que desde 1826 a vacina antivariólica sempre foi rechaçada por grande parte da

população, fato que novamente irá se repetir nos anos subsequentes sucumbindo ao

traumático episódio de 1864-1865.

Seguindo com a análise dos mapas e relatórios de vacinação, no segundo

semestre de 1856 o número de comissários vacinadores locais e paroquiais subiu de 29

para 34, este acréscimo entre os vacinadores não refletiu na quantidade de inoculados,

tampouco na qualidade da linfa vacínica. De acordo com José Miguel Pereira Cardoso

foram vacinados em toda Província do Maranhão no período de 01 de janeiro de 1856 a

30 de junho de 1857, apenas 971 pessoas. Desta soma, 714 residiam em São Luís, 458

desenvolveram vacina regular e 513 não compareceram as seções de revacinação

comprometendo assim mais uma vez a eficácia da vacina514

. Em 1858 a média de

inoculações continuou baixa e ineficiente, foram realizadas neste ano 992 inoculações,

527 desses inoculados residiam na capital, 583 pessoas apresentaram vacina regular e

513

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 26 de

janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM. 514

De acordo com o mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão entre 01 de janeiro de 1856

a 30 de junho de 1857, das 971 pessoas inoculadas, 610 pertenciam ao sexo masculino, 361 pertenciam ao

sexo feminino, 424 eram livres e 552 escravos Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.

Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao

presidente da Província do Maranhão, 10 de julho de 1857. Setor de avulsos. APEM.

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168

409 vacina falsa515

. Ou seja, mesmo após três anos do terrível surto variólico de 1854-

1855, a vacina ainda caminhava a passos lentos em todas as partes da Província do

Maranhão.

José Miguel Pereira Cardoso simplifica a questão da vacina da seguinte forma:

“desgraçadamente o povo só se lembra da vacina, quando se vê ameaçado pelo contágio

das bexigas” 516

. Essa circunstância vigorou na Província do Maranhão entre o período

de 1859 a 1863. Durante este intervalo não fez a varíola aparições em caráter

epidêmico, tampouco fez estragos catastróficos, por isso o ritmo da vacinação declinou

consideravelmente.

Desde maio de 1859 a Repartição da Vacina no Maranhão carecia de vacina de

boa qualidade, o que influenciou diretamente no índice de inoculações realizadas neste

ano. Ao todo foram vacinadas em toda a Província 442 pessoas, 324 residiam na capital,

299 desenvolveram vacina regula e 144 não se apresentaram nas seções de revacinação,

portanto desenvolveram vacina falsa517

. Em 1860 o índice de aproveitamento da vacina

perdurou a níveis baixíssimos, foram inoculadas com a linfa vacínica 267 pessoas, 147

residiam em São Luís, em 174 indivíduos a vacina se desenvolveu de maneira regular e

93 apresentaram vacina falsa518

. Em 1861 a média de vacinados sobe para 1105

inoculações, 479 desses inoculados residiam em São Luís e 626 eram residentes do

interior da Província, 687 apresentaram vacina regular enquanto que 418 não

compareceram a revacinação.519

515

De acordo com o mapa de vacinação emitido em 19 de janeiro de 1859, 548 inoculados pertenciam ao

sexo masculino, 444 pertenciam ao sexo feminino, 524 eram livres e 468 eram escravos. Cf.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública.

Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 19 de janeiro de

1859. Setor de avulsos. APEM. 516

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do

Maranhão apresentou ao presidente da Província, Conselheiro Antônio Manoel de Campos Mello, por

occasião da instalação da mesma Assemblea no dia 27 de outubro de 1862. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1862, p. 16. 517

De acordo com o mapa de vacinação emitido em 09 de janeiro de 1860, da soma de 442 inoculações

realizadas, 368 pertenciam ao sexo masculino, 64 pertenciam ao sexo feminino, 223 eram livres e 219

eram escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades

da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão,

09 de janeiro de 1860. Setor de avulsos. APEM. 518

De acordo com o mapa de vacinação praticado na Província do Maranhão em 1860, do total de 267

inoculados, 102 pertenciam ao sexo masculino, 165 ao sexo feminino, 105 eram livres e 162 eram

escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 18

de fevereiro de 1861. Setor de avulsos. APEM. 519

Os resultados obtidos para o ano de 1861 foram alcançados somando-se os mapas de vacinação do

primeiro e segundo semestre de 1861, por esta soma 647 dos inoculados pertenciam ao sexo masculino,

460 pertenciam ao sexo feminino, 613 eram livres e 494 eram escravos.

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169

A penúria do serviço de vacinação do Maranhão foi gritante entre 1859 a 1861,

os números apresentados acima demostram que em apenas uma ocasião o número de

vacinados superou a quadra de mil inoculações. Entre 1862 e 1863 o péssimo

desempenho da vacina no Maranhão seguiu a passos firmes. De acordo com o anexo de

n° 05 expedido em 03 de julho de 1862 pelo comissário vacinador provincial José

Miguel Pereira Cardoso, foram vacinados em toda a Província do Maranhão entre 01 de

janeiro a 30 de junho de 1862, 478 indivíduos, destes, 454 residiam em São Luís,

enquanto que 24 eram da cidade de Caxias, desta soma 319 apresentaram vacina

verdadeira, 150 não se revacinaram.520

Entre 01 de julho a 31 de dezembro do mesmo ano a média de vacinados na

Província decresce para 333 inoculações, desta soma 190 apresentaram vacina regular e

143 não compareceram as seções de revacinação521

. Sendo que se subtrai dos 333

inoculados, 105 recrutas, 60 do exercito e 45 da marinha onde a maioria não

compareceu as seções de revacinação.

A oposição da população para com a vacina será crucial para que tenhamos

mais uma vez em São Luís a ocorrência de um surto variólico em escala mortífera. O

cenário começa a se desenha ainda em 1863, quando um violento surto variólico se

expande em todo o nordeste brasileiro. Preocupado com o péssimo rendimento da

vacina em 1863, que de janeiro a junho do respectivo ano somou apenas 230

inoculações, sendo 221 realizadas na capital e apenas 09 no interior da Província522

, o

governo provincial temendo o pior prontamente estabeleceu providencias contra a

possível importação da moléstia.

A primeira providencia foi ampliar o número de vacinadores, de 34 para 43, a

segunda foi nomear o médico Alexandre Marcellino Bayma sob a gratificação mensal

520

De acordo com o anexo de n°05, 279 indivíduos eram do sexo masculino, 199 eram do sexo feminino,

219 eram livres e 259 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a

Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, conselheiro

Antônio Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 27 de

outubro de 1862. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1862, anexo de n° 05,

1862. 521

De acordo com o anexo de n°05, 232 dos indivíduos inoculados eram do sexo masculino, 101 eram do

sexo feminino, 220 eram livres e 113 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província.

Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da

Província, conselheiro Antônio Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma

Assembléa no dia 03 de maio de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863,

anexo de n° 05. 522

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da Província o

Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm. Snh. Miguel Joaquim Ayres

do Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro do último. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1863, p. 28.

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de 200.000 contos de réis, como investigador oficial de qualquer aparecimento da

varíola ou da varicela no interior da Província. Bayma teria que emitir relatórios e

mapas de vacinação atestando sobre o estado de saúde da população do interior da

Província.523

A terceira providencia foi intensificar o uso da vacina entre as crianças. Pelas

informações prestadas por José Miguel Pereira Cardoso apenas no primeiro semestre de

1864 foram vacinados 774 meninos, sendo das freguesias da capital 683, de Vargem

Grande 35 e de Nossa Senhora da Lapa e Pias 46. Entre essas 774 crianças vacinadas

343 tiveram vacina regular, não sendo revacinadas 421.524

Em 1864 a Repartição da Vacina consegue superar a margem de mil

inoculações, sendo vacinadas na Província do Maranhão 1523 pessoas a grande maioria

crianças525

, apenas 215 dos inoculados residiam na capital e 1308 eram do interior. Era

a primeira vez desde 1826 que a vacina obteve um desempenho satisfatório em relação

ao interior da Província. Desses 1523 inoculados, 1005 apresentaram vacina de boa

regular e 520 apresentaram vacina falsa.526

Há de se duvidar mais uma vez dos dados arrolados pela Repartição da Vacina,

isto porque em ofício de 10 de agosto de 1864 emitido por José Miguel Pereira Cardoso

assim acusa a situação da vacina.

Comunico a Vossa Excelência o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Doutor

José Joaquim Alves do Nascimento vice presidente d’esta Província que

estamos sem vacina de braço, o melhor meio de sua conservação e

transmissão com bom resultado; falhou por fraca; a inoculação com o pus das

laminas, que havia conservado também falhou por 3 vezes depois de já ter

sido aplicado.527

523

Ibidem. 524

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa Provincial do

Maranhão apresentou ao vice-presidente da Província, desembargador Miguel J. Ayres do Nascimento,

por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03 de maio de 1864. Maranhão, impresso na

Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1864, p. 18; As informações sobre as crianças vacinadas no primeiro

semestre de 1864 também podem ser encontradas no jornal O PUBLICADOR MARANHENSE, 07 de

maio de 1864. Parte Official. Governo da Província. Relatório com que a Assembleia Legislativa

Provincial do Maranhão apresentou ao vice-presidente da Província, desembargador Miguel J. Ayres do

Nascimento, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03 de maio de 1864, p. 01. 525

Das 1523 inoculações realizadas entre abril e junho de 1864, provavelmente 774 foram feitas somente

em crianças, tal como indica os dados da vacinação praticados no primeiro semestre de 1864. 526

De acordo com o mapa de vacinação emitido em 12 de julho de 1864, 974 dos inoculados pertenciam

ao sexo masculino, 549 pertenciam ao sexo feminino, 997 eram livres e 546 eram escravos. Cf.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde Pública.

Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 12 de julho de

1864. Setor de avulsos. APEM. 527

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 10 de

agosto de 1864. Setor de avulsos. APEM.

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171

Surpreendentemente entre 1865 e 1866 anos em que a varíola confluente foi

novamente reinante em São Luís, o número de vacinados oscila muito. O péssimo

desempenho da vacina mais uma vez é atribuído à negligência da população em

vacinar-se em tempos de epidemia. Os mapas de vacinação referentes aos anos de 1865

e 1866 reiteram as evidencias de que as inoculações realizadas pela Repartição da

Vacina foram feitas somente na capital e em um número bastante reduzido.

Em 1865 o progresso da vacina sobre a epidemia mostrou-se decepcionante,

foram vacinadas em São Luís 487 pessoas, sendo que 183 apresentaram vacina regular e

224 apresentaram falsa vacina528

. Em 1866 houve uma pequena melhora, contudo

inexpressiva, com 590 inoculações, desta soma 520 apresentaram vacina regular e 70

vacina falsa.529

A soma da vacinação praticada nos sete anos anteriores a 1866, nos da uma

margem de 4.943 inoculações. Se compararmos este algarismo com o percentual de 30.

000 mil almas, nos deparamos com uma média de aproximadamente 16% da população

inoculada. Sendo que deste cálculo está se desconsiderando as vacinações falsas e o

percentual de inoculados do interior da Província do Maranhão.

Obviamente que esses resultados decepcionantes da vacina fomentaram o

avanço da varíola na capital, que decorre exclusivamente de três fatores: primeiro, a

descrença dos populares em relação à vacina (um número considerável de pessoas

desconhecia de fato o que era a vacina ou simplesmente desconfiavam do método

utilizado por isso rechaçavam o uso da vacina); segundo, a ineficiência imunológica

apresentada pela vacina (é necessário recordar que a vacina só poderia atingir um bom

desempenho se fosse aplicada corretamente e tendo em vista que anualmente as taxas de

vacina falsa e de não comparecimento à revacinação eram altíssimas, conclui-se então

528

De acordo com o mapa de vacinação emitido em 31 de março de 1866 pelo comissário vacinador

provincial César Augusto Marques, foram vacinados em São Luís no período de 01 de agosto a 31 de

dezembro de 1865, 487 pessoas. Desta soma 312 pertenciam ao sexo masculino, 95 pertenciam ao sexo

feminino, 232 eram livres e 175 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província.

Correspondências. Autoridades da Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao

presidente da Província do Maranhão, 31 de março de 1866. Setor de avulsos. APEM; Informações

semelhantes podem ser obtidas em MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm.

Snh. Presidente da Província o Dr. Lafayete Rodrigues Pereira apresentou a Assembléa Legislativa

Provincial por occasião de sua abertura no dia 03 de maio de 1866. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1866, p. 30. 529

Dos 590 inoculados em 1866, 236 pertenciam ao sexo masculino, 354 pertenciam ao sexo feminino,

420 eram livres e 170 eram escravos. Cf. MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o

Exm. Snh. Dr. Franklin A. de Menezes Doria passou a administração desta Província ao Exm. Snh. Dr.

Antônio Epaminondas de Mello, no dia 28 de outubro de 1867. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1867, p. 20.

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172

que grande parte dos inoculados poderiam estar de fato desprotegidos contra o vírus

variólico); terceiro, a ampla preferência por vacinar especialmente as crianças (isto

porque médicos e vacinadores locais consideravam a infância como a principal faixa

etária a serem concentrados os esforços da vacinação sistemática, tendo em vista que se

esperava que nelas a vacina pudesse se desenvolver com melhor qualidade para a defesa

imunológica do organismo).

De fato o número de vítimas na faixa etária de 0 a 14 foi pequeno nas

epidemias variólicas analisadas neste trabalho, no entanto o Dr. Erchhoru prevenia ser

de bom grado aplicar sempre a vacina como neutralizadora das bexigas em todas as

etapas da vida, sem distinção ou escolha de grupos de risco. Segundo Erchhoru era

preciso levar em consideração as variantes da moléstia530

. A mesma prerrogativa é

encontrada no Capítulo 12 do Artigo 29 do Regimento Vacínico do Império sentenciava

a obrigatoriedade da vacinação a todas as pessoas do Império independente de raça,

sexo ou idade.531

Como vimos a aplicação da vacina foi intensificada por excelência nas crianças

e não nos adultos, essa estratégia foi articulada na tentativa da vacina ter resultados

positivos nas crianças. Este equivoco certamente custou à vida de muitas pessoas nos

anos de 1854-1855 e 1864-1865-1866. De acordo com Juan Ângulo durante o século

XIX a varíola teve por preferência os adultos, a varíola apresentada nestes indivíduos

quase sempre era de caráter maligno532

. Não por acaso ela vitimou principalmente as

pessoas da faixa etária acima dos 18 anos de idade.

Se a vacina fosse inoculada com maior fervor e tutela entre os adultos, talvez

as cifras de 683 e 505 óbitos registrados pela varíola em 1854-1855 e 1864-1865-1866

tivessem sido menores. Todavia seria extremamente complicado concretizar essa

hipótese, até porque havia um consenso entre os médicos da época em inocular-se por

preferência as crianças. O Dr. Kusson, assim explica esta situação:

No caso de uma epidemia variólica próxima ou já existente, toda demora

voluntária entre o primeiro e o segundo dia de nascimento de um menino

530

O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de fevereiro de 1855. Maranhão. Da opportunidade e

necessidade absoluta da vaccinação na quadra actual, p. 03. 531

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 20 de

julho de 1863. Setor de avulsos. APEM. 532

No século XIX a varíola vitimou principalmente os adultos, já no século XX as crianças foram as

principais vítimas da varicela, no entanto, seu percentual de óbitos raramente alcançava 1% da população.

Cf. ÂNGULO, Juan. Varíola. In: Ricardo Veronesi. Doenças infecciosas e parasitárias. 7a ed., Rio de

Janeiro: Guanabara Koogan, 1982, pp. 55-56.

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173

para se inocular a vacina deve ser considerada como um delito, podendo ser

determinante no curso da epidemia.533

Opinião semelhante é compartilhada pelo Dr. Fleury “durante uma epidemia de

varíola deve-se vacinar a todos os meninos, qualquer que seja sua idade, constituição,

estado de saúde, ainda mais quando se suspeita a infecção do vírus variólico” 534

. Lino

Romualdo Teixeira médico vacinador da Bahia diz ter sólidas razoes para considerar a

vacinação infantil como a mais eficaz, segundo ele somente nas crianças que

apresentem alguma deficiência mental ou que estão muito verdes deve-se evitar a

vacina.535

De fato a vacinação infantil era tutelada com maior rigor pelas autoridades

locais, o Regulamento Vacínico da Corte considerava que criança alguma poderia se

matricular em instituições ou estabelecimentos de caridade sem antes comprovar seu

estado de vacinação536

. O próprio César Augusto Marques, nomeado comissário

vacinador provincial do Maranhão escreveu um pequeno livreto intitulado “Aos meus

meninos” nesta obra, Marques dedica exclusivamente as primeiras páginas sobre a

zelosa tarefa e importância da vacinação e revacinação nas crianças ainda na primeira

infância.

5.3 Dos gargalos da vacinação aos vacinofóbicos

Os problemas referentes à ordem técnica as falhas humanas da Repartição da

Vacina configuram-se como grandes empecilhos dos serviços de vacinação prestados na

Província do Maranhão e certamente contribuíram em muito para a falta de prestígio da

vacina e também para a proliferação dos surtos variólicos em São Luís e em algumas

localidades no interior da Província. Um desses problemas diz respeito ao transporte da

linfa vacínica. A vacina vinha acondicionada ora em vidros ou em tubos capilares. Era

extremamente comum haver reclamação sobre as dificuldades de transporte da linfa

vacínica para lugares distantes do Rio de Janeiro, tal como era o caso da Província do

Maranhão.

533

O PUBLICADOR MARANHENSE, 08 de fevereiro de 1855. Maranhão. Da opportunidade e

necessidade absoluta da vaccinação na quadra actual, p. 03. 534

Ibidem. 535

Ibidem. 536

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de

fevereiro de 1882. Setor de avulsos. APEM.

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174

O desleixo dos comissários vacinadores municipais e paroquiais configurava-se

com um dos piores gargalos da Repartição da Vacina, isto porque, grande desses

vacinadores atuavam no interior da Província e não possuía diploma, ou sequer alguma

familiaridade com os ofícios de medicina. Hercules Muzzi e Jacintho Reys responsáveis

pela propagação da linfa vacínica na corte e no Rio de Janeiro, viram-se em vários

momentos em apuros, pois a repugnância com que o povo se referia à vacina condizia

com as falhas do serviço de vacinação.537

Em São Luís os problemas pareciam se repetir com a mesma frequência. Em

ofício de 20 de julho de 1863, José Miguel Pereira Cardoso cita que em todas as

comarcas da Província do Maranhão existiam inúmeras falhas dos vacinadores

municipais e paroquiais, informando que grande parte não sabia usar, tampouco

manusear o material da linfa corretamente, por vezes confundindo pústulas variólicas

falsas com verdadeiras e vice-versa.538

A gravura a baixo mostra as diferentes etapas de evolução das pústulas

variólicas nos processos da vacinação e da variolação.

537

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 116 538

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 20 de

julho de 1863. Setor de avulsos. APEM.

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175

Figura 10

Gravuras publicadas por George Kikland em 1806, a partir dos desenhos do Capitão

C. Gold, mostrando a evolução mais regularmente observada das lesões causadas pela

variolação e vacinação. As gravuras foram republicadas no British Medical Journal em

1896, celebrando o centenário das pesquisas de Edward Jenner.

Fonte: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro:

Companhia das Letras, 2006, p. 158.

José Miguel Pereira Cardoso finaliza seu argumento indicando que essa

situação era comum em indivíduos previamente imunizados.

Como o pus vacínico oferece semelhante dificuldade no uso de seu

direcionamento lembro-me dizer que poder-se experimentar a uma aplicação

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da maneira seguinte: se tem apreciado mais o favorecimento feita a picada

com a ponta da lacenta, deitando-se ela sobre o sangue ou pluviosidade

produzida por ele, deve-se ser sempre em quantidade mínima o pus vacínico

repassado a lamina da lacenta, para que esta possa ser enxuta, desta forma

não há necessidade de dissolve-la na água ou solução, o líquido da pele é que

o dissolve.539

A falta de profissionalismo produzida pelos comissários vacinadores era

gritante e vexaminosa, sendo de extrema recorrência entre estes profissionais o não

cumprimento de suas obrigações negligenciando a emissão de relatórios, ofícios e

mapas de vacinação, e muitas das vezes eram funcionários fantasmas.

Este serviço público não obstante as ordens e providencias dadas por vossa

Excelência para que alli possa haver melhor resultado como é do desejo do

governo, antevi que houve atraso que expus a Vossa Excelência em 29 de

janeiro do ultimo, pelas mesmas circunstancias observadas, havendo de mais

a notar-se, como mostra o mappa que no interior da Província houve atraso

ou além do município desta capital não houvesse um só indivíduo só com

vacina regular, o que podemos assegura que não é por falta de empenho, mas

porque recebemos o aviso que os comissários vacinadores do interior da

Província estão muito preguiçosos em seus deveres, atribuímos também que

há nesta capital grande incúria, onde vacinados não cumprem o compromisso

da revacinação.540

Tentando inibir essas condutas, o Instituto Vacínico da Corte generaliza em

todo o Império a execução do Decreto do Ministério do Império de n° 466 de 17 de

agosto de 1866 reformando as instruções dos comissários vacinadores municipais e

paroquiais.

Capítulo VIII.

Art. 22. Aos Commissários Vaccinadores Municipais compete:

§ 1°. As atribuições atribuídas aos Commissários Provinciais pelos § § 1° e

6° do artigo 21.

Diz o § 1°. Vaccinar em todos os domingos e mais uma vez ao menos na

semana, a todas as pessoas para este fim se apresentarem, dando certificado a

aquellas, em que tiver aproveitado a vacina.

Diz o § 6°. Propor à Câmara Municipal, respectiva todas as medidas, que

d’ella despenderem para que a vacina seja effiscamente propagada e se obste

ao desenvolvimento da epidemia das bexigas, logo que se manifeste em

qualquer ponto do Município.

§ 2°. Informar ao Commissário Provincial imediatamente que apareça em

qualquer ponto do Município o contágio da bexiga, indicando quasquer

providencias, que lhes pareção acertadas para atalhar o contágio.

§ 3°. Ter o maior cuidado na conservação da Vacina, para que ella não falte

jamais no Município, requisitando-a com a precisa antecipação ao

Commissário Vaccinador sempre que seja precisar.

539

Ibidem. 540

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 30 de

junho de 1853. Setor de avulsos. APEM.

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§ 4º. Executar todas as ordens e instruçções, que lhes forem transmitidas pelo

Commissário Provincial para o regular serviço a seu cargo.

§ 5°. Remetter ao Commisário Provincial, de três em três meses, um Mapa de

todas as pessoas, que tiverem vacinados no Município, acompanhando

quaisquer observações, que julgue necessárias para o melhor desempenho dos

seus deveres.

Capítulo XIX.

Dos Commissário Parochiaes.

Art. 23. Os Commissário Parochiaes exerceram em suas respectivas

Parochiaes, as mesmas atribuições que os Commissários Vaccinadores

Municipais em seus municípios.

Palácio do Rio de Janeiro 17 de agosto de 1866 (assignado) por Joaquim

Marcellino de Brito.

Confere, Maranhão 08 de maio de 1866. Dr. Cesar augusto Marques.

Commmisário Provincial Interino.541

Em 27 de março de 1868, obedecendo ao Decreto do Ministério do Império de

n° 466 de 17 de agosto de 1866, o Dr. Cesar Augusto Marques, então comissário

vacinador provincial interino do Maranhão, pôs em circular na capital e em 12 comarcas

da Província, instruções gerais sobre o manuseio e aplicação correta da linfa vacínica.

Uma clara tentativa de diminuir os erros e equívocos praticados na vacinação.

Tendo inserido a ponta de uma faca ou de um canivete entre as duas laminas

de vidro e envergando-se um pequeno esforço e jeito abram-se as laminas.

Na parte interna encontra-se umas manchas brancas – é o fluido vaccinico.

Dissolvem-se essas manchas em um pouco d’ água fria, aquece-se bem a

ponta de uma lacenta. Dissolve-se bem até a água ficar grossa e turva.

Prompto assim o fluido vaccinico a pessoa que vai vaccinar, agarra com o

braço esquerdo da pessoa que tem de ser vacinada pela parte interna, isto é,

d’ aquela parte que toca a parte da caixa do peito, afim de repuxar bem a pele

da parte internar e externa do mesmo braço.

Com a mão direita introduzir obliquamente com a ponta de uma lacenta

debaixo da epiderme, isto é, coma ponta de uma lacenta fazer uma pequena

incisão, muito superficial na pele, como se fosse uma arranhadura, ou

esfoliação, ou escoriação.

Ás vezes aparece uma gota de sangue nesta picada. Limpa-se ou deixa-se

secar, e depois tira-se esse pequeno coalho de sangue, que ahi se forma. É de

costume fazer-se em cada braço de duas a três pecadas diferentes e de uma ou

duas gotas de pus vaccinico.

Se é criança ou pessoa fraca duas picadas bastão. Se é homem ou pessoa forte

então são necessarias. Feitas essa picadas deitar-se com a ponta da lacenta

sobre cada uma delas de uma a duas gotas do liquido, que já deve estar

preparado sobre uma lamina de vidro.

Conserva-se a pessoa vaccinada em um lugar bem arejado até secar

inteiramente esse liquido depositado nas picadas. Depois de passados oito

dias, essas picadas se tornaram botões ou pústulas largas, inchadas e

resistentes e rodeadas de um circulo inflamatório.

Abra-se com a ponta da lacenta um d’esses botões, pela parte debaixo ou pela

base apresenta-se logo um liquido muito transparente – é o liquido vaccinico.

Então pode-se dispensar essa vaccina de lamina, já que tem esta de braço,

541

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de

maio de 1866. Setor de avulsos. APEM.

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que é mais segura. Usa-se essa como expliquei na vaccina de lamina. As

vezes quando se abre a pústula ou o botão aparece algum sangue.

Não se usa assim da vaccina misturada, limpa-se com um pano bem limpo e

fino, e a’ ahi a pouco aparece uma gota de vacina. É costume usar-se das

pústulas no 8° dia porem ainda serve no 9°, e até mesmo no 10° dia.

Quando no processo aparece matéria ou pus, limpa-se, e as vezes surge das

gotas de que falei, e quando ela não vem, entende-se que ela não é boa.

Precauções.

Quando aparecer febre, rechaçar-se o doente, para que seja posto em dieta de

caldo de galinha, de carne ou de mingaus, não durante a ascenção da febre,

porem depois d’ella passado. Não se previne o doente de beber água fria

durante a febre, pelo contrario dê-se-lhe bastante até lhe fartar.

Quando há inchamento entre os braços, lava-se com água morna e espalha-se

por cima e ao redor das pústulas sebo da Holanda, porem depois de se tirar

d’ellas o fluido vaccinico nunca provem desta.

Não se devem consentir que os vacinadores cocem as pústulas porque não se

desenvolvem bem, e quando se desenvolvem, arrebentam e perde-se o

liquido.

Pareci-me que falei numa linguagem muito clara e acomodada a inteligência

de quem não é médico. Se parecer não me explicar bem, estou pronto a dar

todas as explicações.

Maranhão 27 de março de 1868. Comissário Vaccinador Provincial. Dr.

Cesar Augusto Marques.542

Os problemas oriundos da má aplicação da vacina, infelizmente serão

debatidos com serenidade apenas em 17 de dezembro de 1873, quando Pedro Affonso

Franco, então secretário dos assuntos sanitários da corte reformula as instruções do

Instituto Vacínico da Corte, revitalizando a maneira correta da inoculação da vacina em

todo o território nacional.

Tendo de põr-se em execução de 1° de janeiro futuro em diante a portaria

abaixo transcrita, previno ao público, de ordem do Exm. Sr. Conselheiro

inspector geral, que d’esse dia em diante nenhuma pessoa será vacinada, quer

no instituto, quer nos postos creados nas diversas freguesias, sem que se

apresenta muida de documentos exigido no §3° da mesma postura, para cujo

fim estão dadas as providencias de inteligência com as autoridades policiaes;

e bem assim que, para cumprimento do §1°, fica marcado o prazo de três

mezes, depois dos quaes será posta effectivamente em execução.543

No entanto, mesmo que o governo imperial decreta-se por ofício e lei, que

somente médicos diplomados fossem os únicos a realizarem os prontíssimos serviços de

vacinação para atender a população, na prática as coisas eram diferentes. O próprio

Serviço de Vacinação da Corte, por algumas vezes com o receio da perda de grandes

542

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 27 de

maio de 1868. Setor de avulsos. APEM. 543

A REFORMA, 21 de dezembro de 1873. Declarações. Instituto Vaccínico da Corte. Posturas, p. 02.

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quantidades de frascos e tubos de linfa vacínica, fornecia gratuitamente a vacina a

qualquer um que habilitar-se a realizar as inoculações.544

Para piorar o cenário, há evidencias que apontam que a vacina jenneriana

importada da Inglaterra ao Brasil era de péssima qualidade, ou que talvez nem fosse de

fato a vacina. De acordo com a Sociedade de Sciencias Médicas de Lisboa existia na

Inglaterra uma verdadeira sofisticação fraudulenta da vacina.

Em resultado das enormes requisições de vaccina, feitas em Inglaterra, creou-

se uma indústria fraudulenta, que consiste em vender em vez da vaccina um

composto de tártaro emético, óleo de croton e collodio, que, sendo inocula-

do produz pústulas inteiramente semelhantes ás da vaccina. Cuidado, pois,

com mais este lôgro medico que o ambicioso charlatanismo põe em anseio,

sem attender aos grandes males que dá à humanidade.545

Infelizmente esses problemas perduraram aos anos posteriores. Em ofício de 08

de fevereiro de 1882 o então comissário vacinador provincial Amâncio Alves Pereira de

Azevedo, assim reportava-se sobre o modo quase que irreversível da precariedade dos

serviços de vacinação e consequentemente a ineficácia da vacina.

Debalde procurar este comissário lucidar com a indiferença de nossa

população para com a inoculação da vacina. É sabido desde longa data, que

só se procura a vacina em quadro epidêmico de varíola. O anno próximo indo

ficou inutilizado o fluído vacínico por duas vezes por não haver quem se

quisesse aproveitar deste importante preservativo, e, com quanto, este anno,

já tenham aparecido alguns casos de varíola, subsiste a mesma censurável

diferença, apezar das disposições claras do artigo 29 capítulo 12 do

Regulamento Vacínico que obriga à vacinação de todas as pessoas residentes

dentro do Império. Acresce também de não ter sido de boa qualidade o fluído

vacínico findo do Rio de Janeiro, de forma que poucas inoculações foram

proveitosas, motivo pelo que em 2 de janeiro passado solicitei de Vossa

Excelência vacina de procedência inglesa.São estas as informações que me

cumpre levar ao conhecimento de vossa Excelência, satisfazendo assim as

ordens exaradas em ofício de 18 de janeiro do anno passado.546

Outro grande gargalo da Repartição da Vacina da Província do Maranhão era a

falta de credibilidade da vacina entre os populares e até entre alguns médicos. Jacintho

Pereira Reys descreve que muitos indivíduos representavam a vacina como a própria

varíola, apresentando certo medo e receio em se vacinar-se. Reys define esses

544

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 132. 545

GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos. Sob a direção do Dr.

Virgílio Climaco Damazio. Volume I. Sophisticação da vaccina em Inglaterra. Bahia, Officina litho-

typographia de J.G. Tourinho, 1866-1867, p. 168. 546

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 08 de

fevereiro de 1882. Setor de avulsos. APEM.

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180

indivíduos como “vacinophóbicos” 547

. A ocorrência da vacinophobia era recorrente nos

ofícios das autoridades de saúde da Província do Maranhão.

Havendo agora muito boa vacina de braço, infelizmente muito poucas

pessoas as tem apparecido afim de propagar-se tão útil preservativo contra

uma moléstia tão cruel. Peço também a Vossa Excelência que lembre a

comarca municipal a necessidade d’lla mandar por seus fiscais mandar avisar

as pessoas, que por ventura não sejam vacinadas a comparecer nas quartas

feiras e nos sábados de todas as semanas das 6 às 9 horas da manhã, na sala

destinada ao serviço da vacinação, achando-se eles presentes a fim de

verificarem quais foram os ignorantes que faltarão e infligiram o artigo 1881

– 1882 – 1883 da mesma comarca.548

Na historiografia brasileira existem alguns trabalhos que discutem a questão da

vacina, vacinofobia e mais especificamente “A Revolta da Vacina de 1904”. Lima

Barreto, por exemplo, ao analisar o episódio de 1904, surpreende-se com o espetáculo

que se interpõe aos seus olhos:

Durante as mazorcas de novembro de 1904, eu vi a seguinte e curiosa cousa:

um grupo de agentes fazia para os cidadãos e os revistava.

O governo diz que os oposicionistas a vacina, com armas na mão, são

vagabundos, gatunos, assassinos, entretanto ele se esquece de que o fundo

dos seus batalhões, dos seus secretas e inspetores, que mantêm a opinião

dele, é da mesma gente.

Essa mazorca teve grandes vantagens: 1) demostrar que o Rio de Janeiro

pode ter opinião e defende-las com armas na mão; 2) diminuir um pouco o

fetichismo da farda; 3) desmoralizar a Escola Militar.

Pela vez primeira, eu vi entre nós não se ter medo de homem fardado. O

povo, como os astecas ao tempo de Cortés, se convenceu de que eles também

eram mortais.549

José Murilo de Carvalho também explica que os fatos ocorridos em 1904 não

estão à luz da simplicidade do jogo político, a verdadeira causa defendida pelos

revoltosos de 1904 refere-se ao tom moralista dado a campanha de vacinação em 1904.

Para ele a revolta da vacina foi “uma revolta fragmentada em uma sociedade

fragmentada”.550

Teresa Meade aponta que a Revolta da Vacina significou acima de tudo uma

luta entre o discurso médico e as tradições populares de cura551

. Jeffrey Needell

547

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 114 548

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da Saúde

Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província do Maranhão, 24 de

novembro de 1869. Setor de avulsos. APEM. 549

BARRETO, Lima. Diário Íntimo. São Paulo: Ed. Mérito, 1953, p. 49. 550

CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:

Companhia das Letras, 1987, p. 91. 551

MEADE, Teresa. Community protest in Rio de Janeiro, Brazil, during then First Republic, 1890-1917.

Tese de Ph.D., Rutgers University, 1984.

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interpreta a questão da Revolta da Vacina, sobre o prisma do racismo e das formas de

repreensão à cultura afro-brasileira552

. Leonardo Pereira, expressa que as barricadas

feitas contra a vacina, refletiam as tensões sociais vividas no Rio de Janeiro em 1904.553

Os trabalhos de José Meihy, Cláudio Bertoli, Sidney Chalhoub e Tânia

Fernandes se debruçam em estudos indispensáveis sobre a investigação do Serviço de

Vacinação da Corte554

. Contudo, entre tantos trabalhos que tratam a questão da varíola,

vacinophobia e Revolta da Vacina, destaco em especial a obra de Nicolau Sevcenko “A

Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes”. Nesta obra o autor aponta que

os protestos de 1904 são fruto de uma reação ao “aburguesamento e cosmopolitização

da sociedade carioca”. Nas palavras de Nicolau Sevcenko a revolta do povo não foi

somente contra a vacina, e sim antes de tudo com a história.555

A Revolta da Vacina foi nesse contexto que observamos o conjunto de

transformações que culminaram com a reformulação da sociedade brasileira,

constituindo a sua feição material mais aparente e ostensiva ao processo de

regeneração, ou seja, a metamorfose urbana da Capital Federal, acompanhada

das medidas de saneamento e de redistribuição espacial dos vários grupos

sociais.556

Sevcenko cita, por exemplo, o Deputado Barbosa Lima que em seções de 1904

na câmara dos deputados brandava em fúria com os comissários vacinadores e suas

formas de aplicar a vacina antivariólica. Segundo Barbosa Lima a lei da obrigatoriedade

da vacina era uma:

Lei... ignominiosa, pós só o médico da Saúde Pública tem competência para

dizer se tal criatura mostra a cicatriz da vacina em membro inferior, dando-

se-lhe assim carta de corso para a mais infame pirataria, contra qual todas as

insurreições serão eternamente gloriosas.557

Um dos motivos citados por Barbosa Lima para a rejeição da vacina seria a

maneira de inocular a vacina, já que segundo ele, os doutores higienistas ofendiam os

chefes de família ao invadirem seu lar, e na sua ausência, obrigavam suas mulheres e

552

NEEDELL, Jeffrey. “The Revolta contra Vacina of 1904: the revolt against modernization in Belle

Époque Rio de Janeiro”. Hispanic American Historical Review. Vol. 67, n° 2, maio de 1987, pp. 233-69. 553

PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. As barricadas da saúde: Vacina e protesto popular no Rio

de Janeiro da Primeira República. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002, pp. 33- 106. 554

MEIHY, José Carlos Sebe; FILHO, Cláudio Bertolli. História social da saúde. Opinião pública versus

poder, a campanha da vacina, 1904. Estudos CEDHAL, n° 5, São Paulo, 1990; CHALHOUB, Sidney.

Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006;

FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de

Janeiro: Editora Fiocruz, 1999. 555

SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo:

Brasiliense, 1984, p. 10. 556

Id. Ibid., p. 88. 557

Id. Ibid., pp. 14-15.

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filhas a colocarem expostas partes íntimas do seu corpo, já que a vacina segundo ele,

também poderia ser aplicada nas nádegas.

É claro, que há um pouco de exagero nas explicações de Barbosa Lima, já que

se sabia e era conhecimento geral que a vacina era e sempre foi inoculada no braço dos

indivíduos. Todavia, e resguardando os exageros a partir, a interpretação de Nicolau

Sevcenko tem algo de original, ela sugere a personificação da luta e resistência do

homem em decidir sobre o que lhe convêm a ser bom a sua saúde ou pelo menos

duvidar dos mecanismos científicos e profiláticos utilizados pelo governo em interferir

positivamente ou negativamente na sua saúde e no seu corpo.

Beatriz Weber tem opinião semelhante, segundo esta autora muitos indivíduos

viam a vacinação obrigatória na República como uma condenação da integridade física

e moral, uma vez que a vacina era resultado de um produto mórbido retirado de

substâncias impuras dos bovinos.

A discussão realizada pelos médicos influenciados pelo positivismo é

bastante ampla, incluindo questões técnicas sobre a vacinação e sobre sua

obrigatoriedade, o uso de animais para a produção de vacinas, sobre higiene,

pelo livre culto aos mortos, sobre expulsão de cortiços, o isolamento

domiciliar, exames, etc. Essas questões foram objeto de intervenções [...]

principalmente no Rio de Janeiro. A política de saneamento completo e

extinção das endemias na capital da República, do presidente Rodrigues

Alves, juntamente com a remodelação urbana na cidade, levadas a cabo pelo

intendente Pereira Passos, geraram inúmeras resistências. Essas medidas

eram parte de um projeto de inserção do país no mercado mundial, com

aplicação de recursos estrangeiros no Brasil, já iniciado na proclamação da

República.558

O mais interessante, é que a maior parte desses trabalhos, assim como os novos

estudos acadêmicos que discutem o problema da vacina, ainda retratam a Lei da

obrigatoriedade da vacina de 1904 como a centelha para o estopim do episódio

conhecido como “A Revolta da Vacina”, não se atentado ao fato que a própria Lei da

obrigatoriedade da vacina de 1904 celebrava o centenário dos serviços de vacinação no

Brasil, já que este teve início em 1804 com a chegada da vacina jenneriana ao Brasil.

Também não se atentam ao fato de que a Lei da obrigatoriedade da vacina de 1904 nada

mais era do que uma réplica da antiga obrigatoriedade de se vacinar-se contra as

bexigas, prática existente no Brasil desde 1832.

558

WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo na República

Rio-Grandense – 1889/1928. Campinas, 1997. Tese (Doutorado em História do Trabalho). Universidade

de Campinas, p. 89. Cf. também WEBER, Beatriz Teixeira. Positivismo e saúde: Comte e a medicina. In:

GRAEBIN, Cleusa Maria G.; LEAL, Elisabete. (Orgs.). Revisando o positivismo. Canoas: La Salle, 1998.

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183

No entanto, imagino que os motivos para tamanho receio contra a vacina

antivaríola em 1904 tenha sido em virtude do rigor de alguns artigos da Lei de 1904559

e

não sobre sua obrigatoriedade.

Art. 16°. Os pais, pais adotivos e tutores são obrigados a fazer com que seus

filhos, filhos adotivos ou tutelados se submetam à vacinação e revacinação de

acordo com o presente Regulamento, sob pena de multa de 50$ a 1:100$,

dobrada nas reincidências; Art.17°. Os diretores ou responsáveis pelos

colégios e estabelecimentos congêneres não poderão receber alunos que não

estejam vacinados ou revacinados e portadores de atestados confirmativos da

operação; Art.18°. Os infratores do artigo precedente serão passíveis de multa

de 50$ por aluno não vacinado, e se os estabelecimentos de instrução forem

oficiais (ilegível) responsáveis suspensos por um mês; Art.19°. Ninguém

poderá ser admitido como (ilegível) ou empregado, sem que apresente

atestado de vacinação ou revacinação, de acordo com o estabelecido no

presente regulamento; Art. 20°. Nos casos de infração do artigo (ilegível)

serão as pessoas que tomarem a seu serviço (ilegível) não vacinados ou

revacinados passíveis de multa (ilegível) a 500$000; Art. 21°. Nos casos a

que se referem estes artigos (ilegível) os chefes das casas deverão ficar

(ilegível) de vacinação ou revacinação de seus (ilegível) empregados

enquanto estiverem (ilegível); Art. 22°. Nenhum negociante poderá (ilegível)

empregado algum que não tenha sido vacinado ou revacinado (ilegível) de

acordo (ilegível) multa de 100$ por empregado (ilegível) imunizado; Art.23°.

(Ilegível) vacinado ou revacinado e nos casos de reincidência à pena de

fechamento do estabelecimento; Art. 24°. Todos os colégios, fábricas,

oficinas, asilos e estabelecimentos congêneres deverão possuir um livro em

que estejam consignados: os nomes das pessoas nele reunidas, a data da

vacinação ou revacinação e o número de registro sob que estão lançados os

atestados nos livros da Diretoria Geral de Saúde Pública. §1°. Os

responsáveis pelos estabelecimentos a que se referiu o presente artigo serão

passíveis de multa de 500$, dobrada nas reincidências, quando não possuírem

o livro referido. §2°. Quando o livro não estiver escriturado em dia será o

responsável passível de multa de 100$ e no dobro na reincidência.§3°. As

disposições do presente artigo começarão a vigorar seis meses após a

promulgação deste regulamento; Art. 25°. Em nenhuma construção ou obra,

quer particular, quer pública, poderão ser admitidas pessoas que não tenham

sido vacinadas ou revacinadas de acordo com os artigos 1° e 2°, sob pena de

multa de 50$ por pessoa não imunizada ou suspensão por três meses do

encarregado ou responsável pela obra ou construção, se for empregado

público; Art. 26°. Ninguém poderá ser qualificado eleitor, inscrever-se em

concurso, ser nomeado para a Guarda Nacional, nem fazer parte do Exército

e Armada Nacional sem que demonstre estar vacinado ou revacinado de

acordo com os artigos 1° e 2°, ficando os responsáveis pela infração sujeitos

a multa de 100$ por pessoa; Art. 27°. Ninguém poderá ser funcionário ou

matricular-se nas escolas de ensino superior da República sem que prove

estar imunizado contra a varíola de acordo com os artigos 1° e 2°. Parágrafo

Único. Os chefes das repartições serão responsáveis pelo cumprimento do

presente artigo, sob pena de multa de 500$ ou suspensão por seis meses; Art.

28°. Ninguém poderá contrair casamento sem apresentar os atestados que

provem o cumprimento disposto nos artigos 1° e 2°. Parágrafo Único. Os

escrivães das Pretorias serão passíveis de multa de 50$ por infração do

presente artigo; Art. 29°. Pessoa alguma poderá matricular-se negociante sem

que prove estar de acordo com o estabelecido neste regulamento; Art. 30°. Os

chefes de família são responsáveis perante a autoridade sanitária pelo

cumprimento do disposto nos artigos 1° e 2° deste regulamento, sob pena de

multa de 50$ por pessoa que não estiver de acordo com o que está neles

559

A Lei sobre a obrigatoriedade da vacinação de 1904 pode ser encontrada no anexo 01 deste trabalho.

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estabelecido; Artigo 31°. Os responsáveis pelas casas de cômodos e de

pensão, hotéis, estalagens e outros estabelecimentos análogos não poderão

alugar aposentos a pessoa alguma que não esteja nas condições dos artigos 1°

e 2°, sob pena de multa de 50$ por pessoa não imunizada contra a varíola.

Parágrafo Único. Nos livros de registro sanitário a que se refere o art. 122 do

regulamento aprovado pelo decreto n° 5.156, de 08 de março de 1901, dever-

se-á consignar o número sob o qual e a delegacia de saúde em que o atestado

de cada hóspede está registrado; Art.32°. Nenhum passageiro poderá

desembarcar nos portos do Brasil sem que prove estar vacinado ou

revacinado, de acordo com os artigos 1° e 2°. Parágrafo Único. Os

comandantes dos navios serão responsáveis pelo cumprimento desta

disposição e passíveis de multa de 20$ por passageiro que não exibir o

atestado a que se refere o art. 10°; Art. 33°. Quando alguém tiver de passar de

um estado da União para outro, deverá munir-se dos documentos que provem

estar de acordo com os artigos 1° e 2°, não lhe podendo ser vendida a

passagem ou concedido o passe sem preenchimento desta formalidade.560

Voltando a questão implícita nos corpos, Jorge Crespo em sua História do

Corpo, assim explica a propulsão da pulverização do discurso médico sobre o corpo.

A importância dada ao corpo, no nosso tempo, contrapõe-se ao ofuscamento

a que estava submetido no passado [...] os novos valores de beleza, felicidade

ou juventude identificaram-se com um corpo que se transforma em objeto de

cuidados e desassossegos. O projeto de libertação do corpo está presente em

cada momento, exprimindo-se numa dinâmica multifacetada e atingindo a

imensa teia de relações sociais.561

Crespo ainda interpõe análises riquíssimas sobre essa questão, sugerindo que o

corpo também pode ser visto pelo ângulo da doença e do sofrimento. Segundo ele,

durante a segunda metade do século XVIII, surgiu na Europa normas e regulamentos a

respeito dos enterramentos em cemitérios, situação que ratifica a urgência das regras da

higiene coletiva, no quadro das políticas de saúde pública no mundo ocidental. Em

Portugal, por exemplo, a intervenção médica higienista pode ser observada com rigor

nas propostas de autópsia da dessecagem dos corpos pela Junta de Saúde Pública de

Lisboa em 1813, especificamente no que se refere aos procedimentos e cuidados sobre

os cadáveres.

Em defesa dos valores humanitários, estabeleciam-se as normas a cumprir,

entre as quais se destacava a obrigatoriedade de se manterem os mortos em

observação, durante quarenta e oito horas, antes da realização das cerimônias

fúnebres. Na circunstância, os médicos acompanhavam a morte em processo,

aplicando meios de diagnóstico e de reanimação específicos, emitindo

certificados de óbito.562

560

RIO DE JANEIRO (Cidade). Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 - Revolta da Vacina. A

maior batalha do Rio. 120f. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. – A Secretaria, (Cadernos da

Comunicação. Série Memória), 2006, p. 95. 561

CRESPO, Jorge. A história do corpo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1990, p. 07. 562

Ibidem, p. 34.

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Roy Porter atribuiu à medicina o papel de desarticulação do corpo humano em

unidade, passando o homem a ser um objeto de estudo. Para este autor é o corpo doente

que se materializa quando os historiadores resgatam através dos boletins e registros

médicos. Porem é necessário entender que a fonte não pode ser considerada como o

único material para a construção das narrativas, pois o historiador não deve tratar o

corpo simplesmente como fenômeno biológico. Porter finaliza seu argumento da

seguinte forma: “devemos enxergar o corpo como ele tem sido vivenciado e expresso no

interior de sistemas culturais particulares por eles mesmos alterados através dos

tempos”.563

Ao reflete sobre os poderes “quase que invisíveis” que controlam e moldam

sociedades a partir do corpo, Michel Foucault percebe que os casamentos assim como a

procriação são excelentes exemplos de análise da penetração da higiene nas questões da

sexualidade, nas inúmeras nuanças de medo destacando-se as doenças sexualmente

transmissíveis, nos pecados da carne, na dor diante do parto e na curiosidade da

masturbação. Para ele todas essas questões “pairam no ar”, deixando a sensação que o

corpo vive em constante rotina de vigilância, a começar pelas roupas, continuam no seu

deitar na cama, coagindo-o no seu amor e por fim corroborando-o no leito de sua

morte.564

De certo, o corpo é constantemente vigiado sendo alvo de inúmeros

instrumentos de repreensão, pelos quais asseguro que a higiene tenha sido o referencial

a ser seguido no século XIX, indeferindo os enfermos. Extraindo-se da mesma, prazer,

dor, e os atos indispensáveis para o bem viver. Ora confundindo-se com ela mesma, ora

separando puros e impuros, conscientes e ignorantes, protegidos e marginalizados. Por

meio da higiene circunscrita nos corpos, faz-se também o controle das epidemias e do

aliciamento da população em hábitos profiláticos, como a vacinação.

Porém há ainda uma grande ressalva a se fazer sobre a vacina antivariólica, isto

porque seu método de inoculação era de extrema rusticidade. Analisando passo a passo

o desenvolvimento da vacina no organismo do indivíduo entre o primeiro dia após as

primeiras picadas de inoculação, indo ao oitavo e nono dia, que incluiria a revacinação,

chegando ao o décimo dia que seria uma espécie de secura das pústulas ocasionadas

563

PORTER, Roy. História do corpo. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p. 205. 564

FOUCAULT, Michel. Poder-corpo. In. Microfísica do poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, p. 236.

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pela vacina, observa-se uma mescla de incertezas e angústias em relação a pratica da

vacinação.

Convêm fazer as picadas com a ponta de uma lacenta bem profundas, ao ver

se a vaccina entrou bem na abertura feita sobre a epiderme da pelle. E sempre

preferível para a inoculação da vaccina tirada no mesmo momento de uma

creança sadia, ou da pústula de uma vacca.

A vaccina, como todas as moléstias, tem períodos distinctos. Admitimos três:

o de incubação, o de inflamação ou erupção e o de dissecação.

O primeiro começa no momento em que foi feita as picadas. Forma-se então

um círculo superficial cor de rosa de 0=, 020 a 0=, 030 de diâmetro, que

desaparece alguns momentos depois, deixando uma leve tumoficação que

persiste algum tempo; até o 3° e 4° dia não se percebe trabalho algum

inflamatório.

No fim d’esse tempo começa o segundo período; aparece nas picadas uma

elevação de vermelho claro, que no quinto dia deprime-se ligeiramente e

causa comichões; no sexto dia ella alarga-se, deprime-se mais no centro e

limita-se por um círculo vermelho de 1 a 2 milímetros de largura; no sétimo o

botão tem o aspecto de uma pústula; a elevação circular achata-se e toma

uma cor mais escura; o circulo vermelho, que circunscreveria a pústula até

então, empalece um pouco e propaga-se, por irradiação, no tecido celular

vizinho; no nono dia a pústula cobre-se de uma aureola vermelha; no decimo

dia a inchação alarga-se, a aureola aumenta de exatidão, n’um circulo de 3 a

4 centímetros de raio e toma a cor vermelha viva.

N’essa época de erupção, o vacinado accusa dores nas glândulas auxiliares

quase sempre um movimento febril pouco ou muito intenso, cortejando por

bocejos, rubor nas faces e aceleração do pulso.

No 11° dia a pústula ganha a cor de perola; seu diâmetro é de 01 centímetro a

08 milímetros: é dura ao tacto e oferece a resistência de um corpo

inteiramente unido à pelle; o liquido que contem é um pouco menos

transparente e viscoso.

No 12° dia começa o período da dessecação, a depressão central toma o

aspecto de uma crosta; o liquido perturbar-se e fica opalino, a aureola

empalidece o tumor vaccinal se defaz e expolia-se a epiderme.

No 13° dia continua a dessecação do centro para a circunferência; o tumor

circular amarellece e encolhe-se, à medida que secca, e a matéria que n’elle

se contém é amarellada e puriforme; a aureola tem um tom levemente pureo.

No 14° dia a crosta endurece e fica amarello escuro; o circulo que delimita a

largura segue a ordem de decrescimento do tumor vaccinal.

Do 14° ao 25° dia, a crosta torna-se solida e dura completamente ao tacto,

adquire a cor da pele e conserva sua forma umbilical ou arredonda-se

ligeiramente.

A’ proporção que da de si o tumor vaccinal, a crosta ergue-se, mas à pelle,

até que cahe no 24° ou 25° dia, deixando uma cicatriz profunda e estampada

que primeiramente é parda e depois de alguns meses fica muito branca.565

Como se vê a inoculação da linfa vacínica era dolorosa e lenta, o que

contribuía para os preconceitos da população com a vacina antivariólica, e se já era

difícil convencer a população a vacinar-se em épocas normais de campanhas, realizar

então a pratica da revacinação mostrava-se como uma tarefa quase que monumental.

Além disso, pra que a vacina pudesse alcançar resultados satisfatórios ou no mínimo

565

A REFORMA, 24 de setembro de 1875. Factos Diversos. Vaccina, p. 02.

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relevantes era necessário à obtenção de braços bons para a aplicação da mesma, fato que

na maioria das vezes não acontecia.

Em 1848, Jacintho Pereira Reys se mostra indignado com a enorme quantidade

de braços que o Brasil perdia sempre que a varíola era reinante566

. Pedro Affonso

Franco assim resume os empecilhos da vacina jeneriana.

A falta de crianças em boas condições para serem vacinadas e a repugnância

natural dos pais em prestar seus filhos para a extração da vacina acarretam na

pequena produção da lympha das pústulas humanas, são as condições

insuperáveis que explicam a falta, algumas vezes absoluta de boa vacina

humana.567

Se a dificuldade era grande em realizar a vacinação ela dobrava quando o

assunto era a revacinação568

, talvez por isso os dados em relação à revacinação eram

quase sempre negativos. Dado o ensejo, em 1839 a Faculdade de Medicina da Bahia

resolveu se pronunciar sobre o assunto da revacinação. De acordo com os médicos

baianos a prática da revacinação não era aconselhável, podendo ter consequências

nefastas e funestas ao preservativo da vacina. O argumento e as observações dos

médicos baianos eram baseados em fins técnicos e burocratas. Segundo eles haviam

uma sonora discrepância entre propagar a vacina e realiza as inoculações de maneira

correta, tendo em vista que muito dos vacinadores se quer cumpriam com suas

obrigações, além disso, utilizar a pratica da revacinação seria o mesmo que atestar

cientificamente a ineficácia da vacina jenneriana, pois a mesma precisaria de uma nova

incursão na pele para ser validada.569

Para Tânia Maria Fernandes a questão da revacinação gerou intenso debate

entre os médicos do século XIX, existindo uma enorme confusão sobre o assunto,

alguns diziam que a revacinação seria uma maneira de comprovar a imunidade, outros

diziam que apenas tratava-se de uma dose de reforço570

. O problema era que desde 1820

a varíola vinha por fazer assaltos frequentemente em vidas de pessoa previamente

vacinadas com a linfa vacínica, não havia como os doutores se oporem aos números

estatísticos, e mesmo que a Academia Imperial de Medicina ainda não tivesse dado

566

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., 2006, p. 130. 567

AFFONSO, Pedro Franco. Inconveniente da vaccina humana X. In. O PAIZ, 25 de novembro de

1887, p. 01. 568

Segundo Tania Maria Fernandes apenas em 1875 a revacinação contra a varíola foi considerada

obrigatória. Cf. FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos

homens. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 130. 569

CHALHOUB, Sidney. Op. Cit., p. 118. 570

FERNANDES, Tania Maria. Op. Cit., 2006, p. 35.

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parecer final sobre a questão, em 1840 a pratica da revacinação encontrava-se

generalizada em todo o Brasil.

Os médicos sinalizavam para uma primeira revacinação de dose de reforço da

vacina, oito dias após a primeira inoculação. Sendo que uma segunda revacinação

deveria ser feita em um espaço de dez anos, e uma terceira revacinação novamente após

dez anos. Assim, a criança que cedo foi inoculada com a linfa vacínica teria que

reintroduzi-la ao completar seu décimo e um ano de vida, renovando esta linfa vacínica

uma última vez em seu vigésimo e um ano de vida.

Como já foi demostrado neste trabalho este processo dificilmente era realizado

por completo, pois a vacina era verdadeiramente rechaçada pela população, a grande

maioria não comparecia as seções de vacinação, sendo que a defasagem de pessoas no

oitavo dia marcado para a primeira revacinação era ainda maior. As causas para

tamanha repugnância e insucesso da vacina junto à população se resumem pela

descrença dos populares com o preservativo da vacina, que ia desde a falta de

informação, medo, dor e o próprio receio de deixarem seus filhos serem tocados por

desconhecidos.

5.4 Remédios contra a varíola em tempos epidêmicos

Entre muitas questões já analisadas neste trabalho uma delas refere-se ao

universo teórico e metodológico dos médicos higienistas do século XIX, sendo visível o

baixo repertório clinico a respeito das possibilidades de intervenção e cura frente às

epidemias pestilentas. No máximo as teorias infecto-contagionistas se resumiam a meia

dúzia de palavras muita das vezes ocas, sem qualquer nexo com a situação local, e por

mais que os médicos (esculápios) usassem o discurso higienista como se fosse tiros de

canhão tentando ritualizar o uso da medicina legal como a única forma de se obter cura

em tempos de epidemias, estes apenas anunciavam seu eminente fracasso.

Essa situação é fomentada pela existência das artes de cura popular, resistindo

à monopolização do saber médico na sociedade oitocentista. Ao contrário do que

aconteceu, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a medicina acadêmica se estabeleceu

com grande respaldo. No Brasil a hegemonia do discurso médico capengou nas

tradições populares de cura e assistencialismo571

. Na verdade, desde os tempos colônias

571

FILHO, Lycurgo Santos. Op. Cit., 1991, p. 12.

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o reduzido contingente de médicos deu aos “terapeutas populares” maior presença no

dia-a-dia dos citadinos.572

Em estudos sobre o assunto, Tânia Salgado Pimenta considera que faziam parte

da constelação dos ditos “terapeutas populares” os “curandeiros, feiticeiros, raizeiros,

benzedores, padres, barbeiros, parteiras, sangradores e boticários” 573

. De acordo com a

historiadora, mesmo com restrições as suas funções ainda assim os terapeutas populares

possuíam grande prestígio e identificação com a população, sobretudo nos momentos do

nascimento, doença, morte e cura.

Assim, os curandeiros continuavam a ser considerados o recurso de que

dispunham os pobres. Eram pessoas de camadas subalternas que ratavam os

miseráveis, os quais não teriam mesmo condições de pagar visita de médicos

diplomados. Desde o tempo da Fisicatura, quando ainda existiam licenças de

curandeiros, a justificativa para essa concessão era de que não havia pessoas

mais habilitadas nas regiões que pudessem acudir o povo.574

Auguste de Saint-Hilaire conta que em todo o Brasil se desenvolveu uma

cultura brasílica da doença e do corpo baseada nos conselhos e tradições de anciões,

pajés e curandeiros que aplicavam seus conhecimentos vegetais e espirituais na

população. Saint-Hilare argumenta ainda que a difícil vinda e estabelecimento de

médicos e cirurgiões diplomados em algumas regiões retardou o processo de aceitação

da medicina legal no seio da população.575

Para Gabriela dos Reis Sampaio os terapeutas populares eram requisitados por

que na maioria das vezes eram mais eficientes ou pelo menos mais presentes no

tratamento das moléstias leves ou agudas e principalmente em tempos de epidemias

reinantes. Gabriela Sampaio explica que existia certo fascínio na arte de cura dos

572

Estudos resentes mostram um extremo apelo popular às artes de cura dos ditos terapeutas populares no

século XIX, Cf. ALMEIDA, Diádiney Helena de. Hegemonia e contra-hegemonia nas artes de curar

oitocentistas brasileiras. 209f. Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em

História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz - Fiocruz, como requisito para obtenção do

Grau de Mestre. Área de Concentração: História das Ciências. Rio de Janeiro, 2010. 573

Sobre as relações entre os terapeutas populares e as instituições médicas oficias no Brasil oitocentista,

sobretudo na primeira metade do século XIX Cf. PIMENTA, Tânia Salgado. O exercício das artes de

curar no Rio de Janeiro (1828 a 1855). Tese de doutorado, UNICAMP, 2003, pp. 81-108; PIMENTA.

Tânia Salgado. Barbeiros-sangradores e curandeiros no Brasil (1808-1828). História, Ciência, Saúde –

Manguinhos, vol. 02, 1998, pp. 349-74. 574

PIMENTA, Tânia Salgado. Barbeiros-sangradores e curandeiros no Brasil (1808-1828). História,

Ciência, Saúde – Manguinhos, vol. 02, 1998, p. 321. 575

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Histórias das Plantas Mais Notáveis do Brasil e do Paraguai. Belo

Horizonte: Fino Traço Editora, 2011, p. 128.

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terapeutas populares, uma dimensão mágica que proporcionava a estes o firmamento de

seus ofícios junto à população.576

No centro deste debate, encontra-se uma decisiva questão, a relação entre

médicos, terapeutas populares e o enfermo. Patrice Pinell explica que as relações

intrínsecas entre quem cura e quem está doente se estabelecem em um momento de pura

fragilidade, seja pela doença física ou pela doença psicológica577

. Segundo André

Pereira Neto as cenas de curandeirismo generalizadas em todo o Brasil eram

potencializadas pelos erros clínicos e de diagnóstico dos médicos, o que origina a

desconfiança e má vontade da população em relação à medicina oficial.

O médico, em geral, ia ao hospital filantrópico quando queria. Atendia

quantos pacientes desejasse. Era ou não renumerado. Para ele, pouco

importava. A atividade era relevante por que lhe da experiência profissional,

prestígio junto à clientela abastada e, ao mesmo tempo, era exercida de

maneira que sua autonomia técnica e econômica era garantida.578

Portanto seria necessário que médicos e pacientes compartilhassem em alguma

medida, ou ponto de vista sobre as mesmas concepções de doença e cura, fato que na

maioria dos casos não se concretizava, tendo em vista os conflitos gerados pelas

concepções de cura entre o sagrado e a etiologia do tratamento científico das doenças.

Le Goff aborda a questão das doenças na história da humanidade como fenômenos

socialmente construídos. Em sua concepção, a doença em si, revela ao mesmo tempo o

saber científico da medicina oficial e os saberes relacionados às questões do universo

das crenças, da magia e do curandeirismo, que convivem lado a lado com os

conhecimentos do saber médico desde a Antiguidade até os dias atuais.579

Regina Alves explica que em uma sociedade marcada pelo estigma do

preconceito e da escravidão as possibilidades de aceitação entre os pobres e os

terapeutas populares eram maiores do que com os médicos diplomados.

Como muitos dos curandeiros eram africanos e/ou ex-escravos podiam

compreender os problemas que os negros ou a população pobre enfrentavam

no dia-a-dia, podiam compartilhar seus infortúnios, estabelecendo, em

contraposição aos discursos dos médicos diplomados e as ações impositivas

das autoridades municipais uma relação mais solidária com seus pacientes.

576

SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura. As diferentes medicinas no Rio de Janeiro

Imperial. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas da Universidade estadual de Campinas, 1995, pp. 121-161. 577

PINELL, Patrice. Análise sociológica das políticas de saúde. Tradução de Irene Ernest Dias e Vera

Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010, pp. 20-25. 578

NETO, André de Faria Pereira. Ser médico no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001, p. 21. 579

GOFF, Jacques Le. As doenças tem história. Trad. Laurinha Bom. Lisboa: Terramar, 1985, p. 359.

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Havia entre essa população e os curandeiros uma identidade e solidariedade

que passavam pelas experiências que tinham em comum e pela sua condição

social.580

Pereira Neto situa a existência da falta de diálogo e comunicação entre médicos

de carreira e seus pacientes no século XIX, que em parte era proporcionada pela não

compreensão por parte dos médicos ao universo mágico e sagrado de algumas

enfermidades e epidemias581

. Jaques Revel, ao citar o fenômeno das epidemias aponta

que as mesmas são oriundas não apenas de fatores biológicos, mas também por fatores

sociais, tendo em vista que suas vítimas têm por característica a exclusão dos principais

contraceptivos e técnicas de cura. Revel explica ainda que a ação devastadora de uma

epidemia coincide com a existência de diversas formas de se conceber a morte: castigo

divino, revolta, terror e discriminação.

O acontecimento mórbido pode, pois, ser o lugar privilegiado de onde melhor

observar a significação real de mecanismos administrativos ou de práticas

religiosas, as relações entre os poderes, ou a imagem que uma sociedade tem

de si mesma. Um exemplo real, entre dez outros possíveis, prediz a riqueza

desses temas: o da exclusão social em tempo de epidemia, que pode ir da

suspeita ao massacre e pode dirigir-se, segundo os casos conhecidos, aos

pobres.582

A hipótese levantada por Revel coincide com a utilização de relatórios e

boletins médicos imersos a um emaranhado de documentos de puro teor social dos

registros que dimensionam tanto o sofrimento como as mediações que desumanizavam

o enfermo, neste caso o varioloso.

A conjugação dessas fontes permitiu que o alinhamento do texto também se

desse pelo prisma cultural. Fala-se, portanto agora das formas distintas de compreensão

da varíola, que se desdobraram em meio às epidemias, sabotando de alguma forma os

recursos profiláticos da vacina. A primeira delas seria a noção da “doença e intervenção

divina”, que na verdade seria uma reminiscência de praticas de cura vivenciada na

Idade Média, onde sacerdotes, monges e padres ungiam a cabeça do enfermo com óleo

bento invocando o poder dos santos especialistas em curas de determinadas moléstias.

580

ALVES, Regina Xavier. Dos males e suas curas: práticas médicas na Campinas oitocentista. In.

CHALHOUB, Sidney; MARQUES, Vera Regina Beltrão; SAMPAIO, Gabriela dos Reis; SOBRINHO,

Carlos Roberto Galvão (Orgs.). Artes e ofícios de curar no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP,

2003, p. 341. 581

NETO, André de Faria Pereira. Op. Cit., 2001, p. 31. 582

REVEL, Jaques e PETER, Jean-Pierre. O corpo: o homem doente e sua historia. In: LE GOFF, Jaques

e NORA, Pierre. Historia: novos objetos. Trad. Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves.

4ª Ed. 1995, p. 144.

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192

Em Os Reis Taumaturgos, Marc Bloch também percebeu esse apelo divino na

esperança de cura nos momentos de dor e sofrimento. Segundo ele, reis e monarcas da

Europa Renascentista tinham a capacidade fecunda de curar os males com o simples

toque de seus dedos583

. A possibilidade da cura pelo sagrado constituía-se como uma

resposta integral a uma serie de insatisfações individuais e coletivas. Uma espécie de

refúgio social onde a medicina oficial não poderia dar-lhe a resposta que convêm ao

indivíduo, ou aquela que ele queria ouvir. Neste sentido diante do sagrado o indivíduo

poderia se confortar ou confrontar na questão de por que ele se encontra naquela

situação ou porque ele entre tantas pessoas, ou até mesmo se determinado mal era fruto

de uma punição divina?

Há ainda as questões culturais, nas quais muitos médicos não conseguiam

compreender no universo milagroso a possibilidade de cura frente às epidemias. Jorge

Amado, em uma ação de astúcia e sutileza narra um caso semelhante na obra Capitães

de Areia, retratando a ocasião de um surto variólico que havia atingido a população de

Salvador. O mais interessante na escrita de Jorge Amado é a maneira como as classes

subalternas compreendiam a origem e evolução da epidemia variólica.

OMOLU

584 MANDOU BEXIGA NEGRA PARA A CIDADE. MAS LÁ EM

CIMA os homens ricos se vacinaram, e Omolu era um Deus de floresta na

Àfrica, não sabia dessas coisas científicas e da vacina. E a varíola desceu para

a cidade dos pobres e botou gente doente, botou negro cheio de chaga em

cima da cama. Então vinham os homens da Saúde Pública, metiam os doentes

num saco, levavam para um lazarento distante. As mulheres ficavam

chorando, porque sabiam que eles nunca mais voltariam. Mas como Omolu

teve que deixar que ela descesse para a cidade dos pobres. Já que a essa

altura, tinha que deixar que ela realizasse sua obra. Mas como Omolu tinha

pena de seus filhos pobres, tirou a força da bexiga negra, virou em alastrim,

que é a bexiga branca e tola, quase um sarampo. Apesar disto, os homens da

Saúde Pública vinham e levavam os doentes para os lazarentos. Ali as

famílias não podiam ir visita-los, eles não tinham ninguém só a visita do

médico. Morriam sem ninguém sem ninguém saber e quando um conseguia

voltar era mirado como um cadáver que houvesse ressuscitado. Os jornais

falavam da epidemia de varíola e da necessidade da vacina. Os candomblés

batiam noite e dia, em honra a Omolu, para aplacar a fúria de Omolu. O pai-

de-santo Paim, do Alto do Abacaxi, preferido de Omolu, bordou uma tolha

branca de seda, com lantejoulas, para oferecer a Omolu e aplacar sua raiva.

Mas Omolu não quis, Omolu lutava contra a vacina.585

583

BLOCH, Marc. Os reis taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, pp. 81-82. 584

Omulu na tradição ioruba é o orixá de cura e doença, também chamado de Obaluaiê, Babuluaiê ou

Xapanã. Cf. BATISDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das

interpretações de civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971. 585

AMADO, Jorge. Capitães de Areia. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, pp. 132-133.

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O exemplo citado acima reflete a noção da “doença como punição”, inserindo

o contexto e a consequência dos fatos a uma transgressão coletiva das regras sociais,

exigindo uma reparação, ou seja, uma ação de reconciliação pela interiorização da

desobediência individual ou coletiva. O interessante na abordagem “doença como

punição”, é que a culpabilidade experimentada pelo indivíduo(s) é proporcional ao

castigo merecido. Desta forma, o que é enfatizado é a relação estreita entre a imputação

etiológica do doente e a moralização da doença seja qual for à natureza da transgressão

divina. A desobediência sempre é interpretada como uma ação negativa contra sua

própria sociedade, por isso na doença como punição, sempre haverá espaço para as

noções de responsabilidade, justiça e reparação que no fundo não são mais do que

noções sociais que regem o equilíbrio da sociedade.

A crença da doença como sinônimo de punição talvez seja a mais frequente,

chamo atenção para um famoso provérbio francês “Coxos, vesgos, corcundas e zarolhos

nasceram no quarto crescente” 586

, que neste caso é uma representação da punição da

natureza, isto porque de acordo com a cultura popular francesa os pais que conceberem

filhos na lua crescente, serão punidos com o nascimento de filhos deformados.

Retomando ao exemplo de Jorge Amado, percebe-se outra dimensão no

entendimento das doenças. A relação entre “doença e vingança”, que se insere na

perspectiva da fúria de Deus, divindades, santos ou até mesmo espíritos, com alguma

situação ou problema que desacate sua ordem cosmológica. Nota-se uma clara noção de

vingança, pois segundo o autor baiano.

A varíola era uma vingança de Omolu contra a cidade dos ricos, mas os ricos

tinham a vacina, fato que Omolu desconhecia então tudo que Omolu pode

fazer foi deixar a varíola descer para acidade dos pobres, transgredindo esta

em alastrim, bexiga branca e tola. Ainda assim, morreram muitos negros e

pobres, mas Omulu dizia que não foi o alastrim que os matou e sim o

lazarento, Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhos negros, sua luta

era contra a vacina dos brancos.587

Jorge Amado enfatiza que nas mucambas em honra a Omolu, o povo negro

castigado com a bexiga, assim cantava:

Cabano,

Aziela engoma!

Quero vê couro zoá!

Omolu vai pro sertão.

Bexiga vai espalhar.

586

LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1991, p. 229. 587

AMADO, Jorge. Capitães de Areia. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, p. 133.

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Ele é mesmo nosso pai.

E é quem pode nos ajudar...

Ora, adeus, ó meus filhinhos,

Qu’ eu vou e torno vortá....588

No Rio de janeiro do século XIX, por exemplo, havia fortes evidencias de

raízes africanas em algumas tradições religiosas, como por exemplo, a crença em São

Benedito conhecido como padroeiro dos negros. Pereira Rego narra um caso curioso,

ele conta que durante a quarta feira de cinzas do ano 1849, São Benedito foi

desrespeitado, tudo porque alguns brancos não aceitavam carregar preto sob seus os

ombros (mesmo que este fosse santo). No ano seguinte grassou no Rio de Janeiro uma

terrível epidemia de febre amarela, não demorou muito para as beatas associarem a

epidemia com a fúria do santo.589

Para François Laplantine a interpretação da doença pela ação do sagrado seja

pela punição ou pela vingança são totalmente inteligíveis de compreensão, pois, se

percebemos que para toda e qualquer sociedade, a doença é imiscuída a categorias

sociais, durante o século XIX as epidemias não fogem a essa regra590

. Claudine Herzlich

tem opinião semelhante:

A doença é um fenômeno que ultrapassa a medicina moderna. (...) Por ser

um fenômeno que ameaça ou modifica, às vezes irremediavelmente, nossa

vida individual, nossa inserção social e, portanto, o equilíbrio coletivo, a

doença engendra sempre uma necessidade de discurso, a necessidade de uma

interpretação complexa e contínua da sociedade inteira. (...) Por outro lado,

nas representações da saúde e da doença aparecem relacionadas, nossas

visões do biológico e do social.591

Claudio Bertolli Filho ao estudar o fenômeno da gripe espanhola fez as

seguintes observações “são os fatores culturais que levam a uma naturalização de

aspectos genéricos e os efeitos sociais dessa reversão esculpem uma nova imagem dos

possíveis históricos sobre a gripe espanhola”.592

Em estudos antropológicos sobre o assunto Roger Batisde argumenta que as

dimensões de doença e cura de alguns grupos afrodescendentes escravizados no Brasil

se concentra no sentido de bricolagem, em outras palavras diz respeito à crença

588

Id. Ibid., pp. 149-150. 589

REGO, José Pereira Rego. Op. Cit., 1851, p. 63. 590

LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1991, pp.

219-225. 591

HERZLICH, Claudine. A Problemática da Representação Social e sua Utilidade no Campo da

Doença. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento): 57-70, 2005, p. 60. 592

FILHO, Claudio Bertolli. História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950. 248f. Rio de

Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001, p. 08.

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generalizada, que determinadas divindades eram imiscuídas de certo poder dual, ou seja,

possuíam a capacidade de curar e evitar as doenças, assim como a capacidade de enviar

doenças flagelando populações inteiras. Os africanos de origem banta, por exemplo,

compartilhavam a crença, de que o desequilíbrio e o infortúnio seriam as causas da ação

malévola de espíritos ou de pessoas, frequentemente feitos através da feitiçaria.593

Nessa cultura o corpo é apresentado como um sistema perfeito em equilíbrio,

porém sujeito às intervenções externas ou a feitiços de qualquer natureza. Isso significa

dizer que qualquer distúrbio era oriundo da falta de harmonia das partes do corpo com o

ambiente. Quando isto ocorria procurava-se neutralizar a ação maléfica por meio de

remédios preparados com ervas, raízes e ritos a divindade ou santo em questão. Sobre

este assunto Joaquim Manuel de Macedo destaca o fascínio religioso que os negros

proporcionam as elites brasileiras.

No Brasil a gente livre mais rude e negra, como faz a civilizada, a mão e o

tratamento fraternal ao escravo; mas adotou e conserva as fantasias

pavorosas, as superstições dos míseros africanos, entre os quais avulta por

mais perigosa a crença no feitiço.594

Yvonne Maggie desenvolve a hipótese de que no Rio de Janeiro dos séculos

XIX e XX os mecanismos reguladores criados pelo Estado não extirparam as crenças

nas práticas de cura dos afrodescendentes, a autora elenca vários elementos que indicam

que os brancos sempre foram frequentadores assíduos dos rituais afro-brasileiros595

.

Segundo Beatriz Weber a interpretação da “sociedade medicalizada” nos séculos XIX e

XX, não pode de nenhuma forma retirar a propriedade das questões teóricas e

metodológicas dos ofícios e espaços de cura dos terapeutas populares.596

Nina Rodrigues um dos médicos maranhense mais celebres do final do século

XIX e início do século XX, sugere as seguintes considerações sobre as crendices dos

africanos no Brasil: “toda doença é o resultado de um feitiço, de um sortilégio; a missão

de destruir, pela intervenção da magia, essa obra sobrenatural, pertence ao feiticeiro”

593

BATISDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações

de civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971, p. 126. 594

MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas algozes. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa,

1988 [1869], p. 74. 595

MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Ministério da Justiça,

1992, pp. 20-35. 596

WEBER, Beatriz Teixeira. As Artes de Curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo na República

Rio-Grandense (1889-1928). Santa Maria: Editora da UFSM e Bauru: Edusc, 1999, p. 161.

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597. Rodrigues também observa o fascínio que as religiosidades afro-brasileiras

proporcionam aos seus espectadores.

Pode-se dizer que no Brasil todas as classes, mesmo a dita superior, estão

aptas a se tornarem negras. O número dos brancos, mulatos e indivíduos de

todas as cores e matizes que vão consultar os negros feiticeiros nas suas

aflições, nas suas desgraças, dos que crêem publicamente no poder

sobrenatural dos talismãs e feitiços, dos que, em muito maior número,

zombam deles em público, mas ocultamente os ouvem, os consultam, esse

número seria incalculável se não fossem mais simples dizer de um modo

geral que é a população em massa, à exceção de uma pequena minoria de

espíritos superiores e esclarecidos que têm a noção verdadeira do valor

dessas manifestações psicológicas.598

Essas colocações não se resumem a meros argumentos simplistas. De acordo

com Rodrigues havia uma posição de destaque e hierarquia estabelecida entre algumas

entidades religiosas afrodescendentes conhecidas popularmente como orixás e alguns

santos do catolicismo popular.

Nos negros que ainda existem neste estado, e nos filhos que os africanos

libertos puderam educar como entenderam a conversão religiosa não fez mais

do que justapor as exterioridades muito mal compreendidas do culto católico

às suas crenças e praticas fetichistas que em nada se modificaram. Concebem

os seus santos ou orisás e os santos católicos como de categoria igual, embora

perfeitamente distintos.599

Rodrigues sintetiza a relação direta entre doenças, divindades, punição e

vingança nas religiões de raízes afrodescendente. Em suas análises sobre o sincretismo

religioso Sergio Ferretti explica que mesmo o Maranhão sendo ignorado nas pesquisas

africanistas até 1847, ainda assim se percebe no contexto de sua peculiaridade local um

grande resquício de sincretismo religioso entre as doenças e as entidades divinas600

,

segundo o mesmo:

No Maranhão é comum, no tambor de mina, dizer um vodum “adora” ou tem

devoção por este ou aquele santo católico, assinalando a relação de

subordinação do vodum ao santo, considerando como entidade em nível

hierárquico superior. Afirma-se também que “os santos são mais puros”.601

597

RODRIGUES. Raimundo Nina. O animismo fetichista dos negros baianos. Rio de Janeiro: Fundação

Biblioteca Nacional/ Editora UFRJ, 2006, p. 69. 598

Id. Ibid., p. 116. 599

Id. Ibid., p. 108. 600

De acordo com Sérgio Ferretti Toi Averequete ou Verequete adora São Benedito e o culto de ambos

mostra similar importância no Maranhão. Cf. FERRETTI, Sérgio. Repensando o Sincretismo. São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo; São Luís FAPEMA, 1995, pp. 133-144. 601

Id. Ibid., p. 134.

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Os exemplos citados acima descrevem um equilíbrio entre o sagrado e o

profano, onde os santos católicos, orixás ou vodus seriam uma espécie de ponte entre

aquilo que poderia ser considerado sagrado e aquilo que deveria ficar a margem do

sagrado, e por isso necessariamente punido.

No que diz respeito à origem e evolução das epidemias variólicas analisadas

neste trabalho, não encontramos nenhuma relação direta entre a varíola com a vingança

divina, entretanto como a questão se concentra no fato de que muitas pessoas vacinadas

voltaram a contrair a moléstia e que os serviços sanitários e hospitalares oferecidos e

prestados à população eram de péssima qualidade, o que podemos extrair de verídico

nas epidemias variólicas que se sucederam em São Luís entre os anos de 1854 a 1876, é

que as mesmas foram palco de uma verdadeira “panaceia milagrosa”.

A primeira evidência refere-se à ajuda divina no combate ao mal variólico, era

extremamente comum haver missas e reuniões, geralmente aos sábados ou domingos,

com votos de socorro divino para algum santo especialista em cura de doença

perniciosa, neste caso a varíola.

Os abaixo assignados avisão ao respeitável público, que hoje ás 6 da manhã,

1, e 2 horas da tarde na igreja de São Pantaleão se dará começo às preces ao

glorioso Mártir de São Sebastião, para que interceda por nós ao Altíssimo,

afim de livrar-mos do terrível flagelo das bexigas, bem como dar as chuvas

que tem se demorado, e que talvez seja a origem da mesma peste, duraram

por nove dias, assim como que, todos os dias as 4 horas da madrugada haverá

uma missa rezada no altar do mesmo santo, pelo reverendo capellão do

cemitério, e no dia 20 as mesmas horas uma cantada à cantochão pelo mesmo

reverendo capellão. Maranhão, 11 de janeiro de 1855.602

Em 1865, ano em que a varíola novamente foi epidêmica em São Luís tem-se

as mesmas preces de socorro a São Sebastião, pedindo a este que se interponha ao

Altíssimo na ajuda contra as bexigas. Em meio à situação de calamidade e apelo divino,

os redatores do jornal O Publicador Maranhense estavam escandalizados com o

desrespeito dos populares às recomendações médicas que impedia aglomerações de

qualquer natureza em tempos de epidemias reinantes, mesmo que fossem religiosas.

Diziam os médicos que o contágio da varíola poderia ocorrer pelo contato com

as lesões de pele, roupas e outros objetos de uso do doente. A varíola também se

propagava pelo ar quando a pessoa inalava gotículas de saliva e aerossóis provenientes

das mucosas nasais e orofaríngeas expelidas por um varioloso. Por isso o risco de

contágio e infecção dobrava ou triplicava com aglomeração de pessoas em locais

602

O PUBLICADOR MARANHENSE, 11 de janeiro de 1855. Annuncios, p. 02.

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fechados ou abertos, a limpeza das ruas e logradouros também era prática indispensável

no combate ao mal variólico.

Porém, por mais que os doutores advertissem a população sobre os malefícios

desse problema, os mesmos não conseguiam convencê-la do contrário. Raimundo

Palhando, por exemplo, cita o apelo constante a São Sebastião603

sempre que as bexigas

grassavam em São Luís.

Não são poucos os registros históricos que revelam um povo aflito,

recorrendo sempre, durante as grandes epidemias, à “misericórdia divina”.

Era muito comum, nos momentos de grandes surtos, o viático sair até 5 ou 6

vezes por dia, para socorrer vítimas de moléstias epidêmicas, que

depositavam suas esperanças na misericórdia dos santos.604

E continua,

O povo verdadeiramente, não via necessidade de recorrer ao poder público

por uma razão também muito simples: é que o próprio poder público, via de

regra, também se valia daquela mesma fonte salvadora. Eram comuns os

ofícios da Câmara Municipal, pedindo a bispos e às igrejas que rezassem

missas e organizassem prosições para que os flagelos epidêmicos

abandonassem a cidade. A rigor, por ironia da sorte, todos preferiam confiar

muito mais nos milagres de São Sebastião, que na ação “laica” do poder

público local.605

Em junho de 1847 o Jornal da Sociedade Philomática Maranhense cita que o

apelo ao socorro divino era ainda mais constante no interior da Província.

É na capital que grande parte dos doentes vem procurar os socorros da

medicina que lhes faltam por lá e que infelizmente raras vezes aproveitam,

por que quando a isso se resolvem já é tarde, e quase sempre sucumbem; ao

passo que ninguém vem aqui batizar seus filhos, e nem dá-los a luz.606

A segunda evidência refere-se ao apelo popular as praticas de cura, dos ditos

“terapeutas populares”. De acordo com a Lei Imperial de 04 de outubro de 1832, apenas

médicos diplomados poderiam exercer os ofícios de cura no Brasil607

. Em 1855 o

603

Segundo a tradição católica São Sebastião é conhecido como o santo protetor. Nas tradições afro-

brasileiras, o Orixá Oxossi da Umbanda é sincretizado como São Sebastião. Oxossi é o grande Orixá das

florestas e das relações entre o reino animal e vegetal. Grande caçador, comumente é representado nas

florestas caçando com seu arco e flecha. Cf. FERRETTI, Sérgio. Repensando o Sincretismo. São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo; São Luís FAPEMA, 1995; BATISDE, Roger. As religiões

africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo:

Livraria Pioneira Editora, 1971. 604

PALHANO, Raimundo N. A produção da coisa pública, serviços públicos e cidadania na primeira

República: a realidade loduvicense. São Luís: IPES, 1988, p. 148. 605

Id. Ibid., p. 148. 606

JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMATICA MARANHENSE. Estatística, 1847, pp. 85-86. 607

O PUBLICADOR MARANHENSE, 01 de junho de 1850. Facultativo, p. 04.

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governo da Provincial do Maranhão decretou como ilegal e ilegítima toda e qualquer

forma de tratamento contra a varíola que não fosse o uso da vacina. Segundo os

médicos, as praticas de cura baseadas na tradição e no conhecimento de charlatões em

tempos epidêmicos potencializavam o contágio e por consequência a virulência das

epidemias.

Contrariando todas as expectativas médicas higienistas, o que se viu foi o

movimento contrário. Em 09 de janeiro de 1855, o jornal O Publicador Maranhense

ressalva que muitos populares indubitavelmente tinham por preferência o tratamento

contra a varíola nas ditas casas denominadas “tractadeiras”.

Notam-se entre as diversas causas do mal variólico, os excessivos calores da

quadra, e o apelo popular a umas casas chamadas tractadeiras, que por

ignorância e práticas abusivas e supersticiosas ajudam a peste; e o descuido e

indolência da população em preservar-se com a vacina. Sabemos até de

muitas pessoas de critérios que só em presença do perigo recorrem ao

preservativo. Tudo quanto fica dito entenda-se bem, refere-se ao pedido que

terminou em 31 de dezembro; por que o anno novo, força é confessa-lo,

inaugurou-se sob auspícios bem sombrios. Não menos de trinta cadáveres se

deram à sepultura nos quatro primeiros dias do correte mez; e vinte e dous

deles vitimas da peste. É possível que o mal avulte em proporções maiores; e

nessa previsão seria para desejar que o governo mandasse estabelecer um

hospital maior, posto sob a excessiva direção dos homens da verdadeira arte

da medicina; e que a polícia continuasse com vigor o trabalho já começado –

fazendo acabar de prompto, e por uma vez, com essas casas de tractadeiras,

que são verdadeiros focos de infecção derramados por toda a capital, onde,

aliás, bem poucas garantias encontram a saúde e a vida dos pobres

enfermos.608

Em 03 de janeiro de 1883, ano em que a varíola reinou em São Luís em caráter

epidêmico, o jornal O Diário do Maranhão fez a seguinte denuncia, contra uma

curandeira chamada “Joanninha”:

Continuam as reclamações contra o hospital, que aquella mulher tem na rua

das barrocas, em um quarto sem commodos, onde conserva os doentes que

lhe são confiados e moram com sua gente. Não obstante as prevenções

havidas e ordens contra ella, Joaninha continua a receber doentes livres e

escravos. Dizem-nos que o tratamento ali não pode ser bom, visto que a

mulher estar sempre alcoolizada; grita e dar bordoadas etc. Os moradores da

vizinhança vão novamente reclamar contra os procedimentos de Joanna, que

não podendo ir à fonte do Ribeirão lavar roupas, faz este serviço mesmo a

porta do quarto.609

Outro fragmento dos ofícios de cura dos terapeutas populares contra a varíola

pode ser encontrado no jornal Pacotilha de 16 de julho de 1883, que publica na página

608

O PUBLICADOR MARANHENSE, 09 de janeiro de 1855. Noticias Diversas. A peste, p. 02. 609

DIÁRIO DO MARANHÃO, 03 de janeiro de 1883. Repartição da Polícia, p. 03.

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200

de anúncios os serviços de aluguel das habilidades de cura e tratamento das bexigas da

escrava que pertencia a Francisco de Costa e Castro610

. Os remédios de segredo

constituem a terceira evidencia de alternativas de cura diante das epidemias variólicas.

Segundo Vera Beltrão os remédios de segredo eram produtos de manipulação

farmacológica, ligados ao universo místico da cura611

. Sobre esta questão Keith Thomas

argumenta que o arsenal terapêutico dos médicos no século XIX em muita lembrava as

concepções naturais e sobrenaturais da experiência e da crença. Médicos conceituados

receitavam remédios em pleno final do século XIX a base do ciclo lunar.612

Sigaud discriminava aquilo que ele mesmo denominava “a moda dos

remédios”, considerando como inoperante e sujeita a erros a banalização dos chamados

“remédios de segredo”, fenômeno que segundo ele não traria qualquer benefício à

sociedade613

. No entanto, era inegável a penetração dos remédios à base de laxante e

purgante, nas mais variadas classes sociais do Brasil do século XIX. Sobre este antigo

costume e gosto popular oitocentista, Tânia Andrade Lima, assim explica a questão.

No Brasil, supõe-se que os princípios hipocráticos tenham sido introduzidos

pela medicina portuguesa, na qual tiveram ampla penetração, bem como

pelos médicos que acompanharam a colonização holandesa. Constantemente

realimentada nos séculos subsequentes pelo fluxo de ideias em circulação na

Europa, de onde provinham os médicos e os manuais que difundiam as regras

da higiene e práticas curativas aqui adotadas, acabaram se sedimentando, e

medidas como sangrias, purgas, vomitórios, suadouros, fumigações etc.

foram intensificamente praticadas, especialmente no século XIX.614

A preferência pelos remédios de segredo guarda resquícios com a tradição

hipocrática da doença que retrata o desequilíbrio entre o ambiente e o homem.

Orientados por essa concepção médicos e populares expulsavam do corpo humores

nefastos pelo vômito como forma de equilibrar os humores corporais. Tânia Andrade

Lima continua sua explicação, enfatizando que os processos de purgas e sangrias

obedeciam ao mesmo sistema de orientação hipocrática.615

Em sintonia com as palavras da historiadora, François Laplantine, assim define

a tradição humoral na medicina aplicada no século XIX:

610

PACOTILHA, 16 de julho de 1883. Annuncios, p. 04. 611

MARQUES, Vera Regina Beltrão. Natureza em boiões. Medicinas e boticários no Brasil setecentista.

Campinas: Editora da UNICAMP, 1999, p. 28. 612

THOMAS, Keith. Religião e o declínio da magia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 613

SIGAUD, Jean François Xavier. Op. Cit., 2009, pp. 364-365. 614

LIMA, Tânia Andrade. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século

XIX. História, Ciência, Saúde – Manguinhos, vol. II, n° 3, 1995, pp. 44-96. 615

Id. Ibid.

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201

A medicina humoral partindo de uma ideia-força polarmente oposta à

ontologia médica, ela se exprime no Ocidente pela concepção hipocrática da

doença, que aprende os sintomas menos como o efeito de um agente

patogênico estranho ao doente do que como variações de um dos quatro

humores dos quais se constitui: o sangue, a fleuma, a bílis amarela, a bílis

negra.616

Em 1867 a Gazeta Médica da Bahia lança um artigo denominado “Tratamento

da varíola confluente, queimaduras extensas, psoriasis e outras moléstias cutâneas,

pela immersão permanente em água de prata”. De acordo com o artigo, o Dr. Hebra

um dos mais respeitados dermatologistas de Viena assegura que esta terapia seria a mais

indicada na cura das pústulas variólicas. O método seria simples, seguro e aconselhável

restando ao cirurgião com ajuda de uma agulha ou com a ponta de uma lacenta inserir

gotículas de nitrato de prata (solução composta por água, álcool e iodo), que atuariam na

coagulação e dessecação das pústulas variólicas.617

O uso de tratamentos e medicamentos a base da tradição humoral também é

percebida em São Luís no combate a varíola. Em 17 de janeiro de 1880, a Pharmácia

Minerva Azevedo Filho e Companhia vendia o xarope de ácido phenico do Dr. Declat

indicado para as febres typhoides, deynteria, diphterite, scarlatina, varíola, cholerina e

febre amarella.618

Em 17 de janeiro de 1883 o doutor Fábio Augusto Bayma definia a varíola

como uma moléstia efusivamente contagiosa, que se desenvolve sob a influencia de um

vírus especial, caracterizando-se por um trabalho evolutivo realizado sobre a pele, onde

as pústulas deixam cicatrizes mais ou menos profundas e indesejáveis na epiderme.

Segundo Bayma a varíola possui diferentes períodos de evolução podendo ser brandos

ou violentos dependendo da força de sua virulência:

1° período.

Invasão, - Nos tempos epidêmicos, observando doentes não vacinados,

cumpre desconfiar da varíola toda vez que, sem razão conhecida – accuzarem

os indivíduos uma phase simptomatica iniciando-se por frios mais ou menos

intensos, seguidos de calor e acceleração de pulso – ao mesmo tempo que a

physionomia começa a revelar um abatimento, um estado de prostação,

característico ás afecções por intoxicação do sangue.

616

LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1991, p.

220. 617

GAZETA MEDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos. Sob a direção do Dr.

Virgílio Climaco Damazio. Volume I. Tratamento da varíola confluente, queimaduras extensas, psoriasis

e outras moléstias cutâneas, pela immersão permanente em água. Bahia, Officina litho-typographia de

J.G. Tourinho, 1866-1867, p. 100. 618

O PAIZ, 17 de janeiro de 1880. Annuncios, p. 04.

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Manifesta é a tendência ao vômito e algumas veses realisa-se ele mais

axasperando a cephalagia (dor de cabeça - bastante incommoda ao doente em

quem, de ordinário, sobrevem delírio ou insônia e agitação cahindo em

estado camatoso.

Os membros, o corpo todo torna-se percorrido por dores contorsivas, e de

algum modo caracteriza a varíola – a rachialogia, - dôr lombar – que exprime

a compressão dos nervos espinaes pelos plexus veinosos.

São estes os sintomas principaes do rimeiro período – período de invasão – e

todos eles, após pequenas remissões – crescem a phase eruptiva e

desenvolver-se.

2° período.

Em geral a face é o primeiro ponto em que mostra-se a erupção, revertendo a

forma de pápulas que cerca uma aureola rubra – e o seu interior contem um

liquido seroso, que a pouco e pouco turva-se tornando-se amarelo, e

caracterizando a pústula.

Umbellicadas a princípio, tendo em seu centro uma ligeira depressão – do 4°

ao 7° dia de trabalho eruptivo revertem ellas à forma esférica e ao liquido

que, contem adquire mais consistência.

O tecido cellular subcutâneo inmefaz-se e em consequência desse fenômeno,

é que a physionomia dos doentes tem um aspecto triste e hediondo.

A’ medida que a erupção estendia-se ao pescoço, tronco e membros, a esses

pontos também estende-se a inmefacação.

As mucosas não são estranhas a essas desordens, que sobrevém à pelle e de

modificações de voz, dizem que a larynge é invadida, assim como a

dysphogia (dificuldade de engolir) revela a erupção da pharynge e com razão

suspeitada inspecionando-se a boca, onde depara-se com vesículas sitiando o

seu paladar as anygdalas, etc., e que quais sempre terminam pela resolução.

3° período.

Estabelecida a erupção – os fenômenos que constituíam o período de invasão

declinando a princípio, cessão de todo – para reaparecerem com intensidade

durante a supuração, em cuja ocasião – a febre é a expressão do traumatismo.

4° período

As pústulas chegando à maturação – os fenômenos febris decaem, ellas

começam a experimentar uma nova phase, escapando-se o pus nelas contido

em consequências de erosões da pelle, ou antes, de mais a mais concretando-

se e formando crostas, que deixam, destacando-se, cicatrizes mais ou menos

profundas e indesejáveis, pelas quais pode-se julgar do trabalho ulcerativo e

destruidor, que realizou-se na superfície cutânea.619

Bayma explica ainda que para cada período da ação variólica no organismo

havia um tratamento a ser seguido à risca, sem intervenção de outras terapias, isto

porque as mesmas poderiam beneficiar o desenvolvimento da moléstia no organismo.

Para o período invasão e erupção de desenvolvimento da varíola a recita era a seguinte:

Tártaro emético, 05 centímetros;

Sulfato de magnésia, 30 grammas;

Água, 500 grammas;

Xarope de ipecacuanha, 30 grammas;

Aos adultos, dar-se os cálices de ¼ em ¼ de hora até o efeito.620

619

O PAIZ, 21 de janeiro de 1883. Medicina. Tratamento das bexigas pelo Dr. Fábio Augusto Bayma, p.

01. 620

Ibidem, p. 02.

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O médico assegurava ainda que a pratica de cobrir os doentes com pesados

cobertores de lã e o uso de bebidas quentes deveria ser abolido, segundo ele isso apenas

piorava o quadro clinico dos pacientes. Os quartos deveriam ser arejados evitando as

variações de temperaturas e para as fases seguintes da moléstia Bayma receitava as

seguintes medicações.

Tintura de acônito, 02 grammas;

Acetato de amoníaco, 02 grammas;

Água, 120 grammas;

Xarope diacodio, 130 grammas.621

Deveria-se tomar de duas em duas horas uma colher de sopa com a mistura

dessas substancias, e descamando-se a pele nas partes de erupção aplica-se o xarope

diacodio sobre as lesões. Se tais medicações não resolverem o problema, recorre-se ao

uso do chloral hydratado, administrando as colheres de sopa na seguinte porção:

“chloral hydratado, 02 grammas; água de goma, 100 grammas” 622

. Se, por alguma

ocasião a diarreia aparecer no paciente em virtude desta medicação aplica-se então o

subinitrato de bismuth, deveria ser ingerido da seguinte maneira: “colheres misturadas

de subinitrato de bismuth, 04 grammas; diluídas em água de goma, 150 grammas e

soluto arábico, 30 grammas em horas alternadas”.623

Contra os fenômenos opostos, como prisão de ventre, febres e dores no corpo,

Bayma indicava o uso dos “mucilaginosos em clysteres e óleo de rícino”. Sentindo-se o

paciente fraco, deprimido, abatido ou apático far-se-á uso de tônicos, os mais indicados

eram “o decocto de quina, dado em 250 grammas e o acetato de amoníaco, também

dado em 250 grammas” 624

, os dois deveriam ser misturados e ingeridos seguidamente

de três em três horas em meio cálice.

O tratamento indicado pelo doutor Fábio Augusto Bayma era apenas um,

entre muitos encontrados nas paginas dos jornais e periódicos de São Luís. No dia 12 de

março de 1883 informações do Alto do Mearim apontam para um suposto tratamento

milagroso do Dr. Freitas contra as bexigas, e ao que parece os resultados foram

animadores625

. Em fevereiro de 1884 um tratamento denominado Jefranvibra

621

Ibidem. 622

Ibidem. 623

Ibidem. 624

Ibidem. 625

O PAIZ, 20 de março de 1883. Novo systema para tratamento das bexigas, p. 02.

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homeopathica, propunha curas infalíveis contra as bexigas626

. Em 13 de fevereiro de

1884 encontramos a seguinte informação no jornal O Publicador Maranhense:

Remédio contra a varíola. “Sulfato de zinco, um grão, Digitalis, um grão,

adicionar meia colher de chá de assucar. Misture-se bem com duas colheres

d’agua, e estando bem misturado adicione-se quatro onças d’agua. Dar-se

uma colher de chá de hora em hora para uma criança, regulando a dose

segundo a idade”.627

Esses fragmentos textuais revelam alternativas para o tratamento e cura dos

variolosos em tempos epidêmicos que não fosse à vacina. Revelam também que a

penetração do saber médico na sociedade oitocentista, não se deu em linha vertical de

prestígio e credibilidade, pelo contrário, ele próprio guarda em si tensões e

sensibilidades entre médicos e terapeutas populares na disputa pela legitimidade de

saberes sobre as moléstias perniciosas ao homem em tempos de epidemia.

626

O PAIZ, 01 de fevereiro de 1884. Jefranvibra homeopathica, p. 01. 627

O PUBLICADOR MARANHENSE, 13 fevereiro de 1884. Remédio contra a varíola, p. 02.

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6. CONSIDERAÇÔES FINAIS

Durante a segunda metade do século XIX, vários fatores contribuíram para o

aparecimento e proliferação da varíola em São Luís. No entanto, a recusa da população

pela vacina foi determinante para os altos índices de mortalidade feitos por ela em São

Luís. A vacina não era entendida como um preservativo para a vida. É claro que para

alguns a vacina significava naquele momento o início de uma nova era, onde o corpo

não mais poderia ser molestado por determinada doença, já para outros, a mesma vestia

manto preto, celebrando o início do cortejo de suas concepções e tradições de cura.

Os mapas de vacinação anuais praticados na Província do Maranhão supõem

uma crescente degeneração da vacinaa, ao ponto da vacina ser assemelhada a própria

doença. Muitos doutores ficavam surpresos com os constantes assaltos que a varíola

vinha fazendo a indivíduos previamente imunizados. Somam-se a isso, as constantes

reclamações contra a técnica de inoculação da vacina que causava desconforto e dor

entre os vacinados, além dos problemas de ordem técnica e profissional da Repartição

da Vacina no Maranhão, como o despreparo de muitos vacinadores em manusear

corretamente o material da linfa vacínica, e as dificuldades financeiras e de transporte

para levar a vacina a pontos distantes do centro urbano.

Apesar de existir um serviço permanente de vacinação e revacinação o índice

de imunização apresentado pela população, mesmo em tempos de epidemia reinate era

consideravelmente baixo. É importante destacar ainda que entre 1854 a 1876 o cenário

não era nada agradável para os defensores da vacina. Muitos médicos e vacinadores

não eram reconhecidos pela população como esculápios de cura, isso porque, havia

aqueles com intimidade maior a outros meios de tratamento da varíola que não fosse à

vacina. Neste aspecto, a recusa da vacina também pode ser atribuída à concorrência dos

terapeutas populares, ou aos remédios de segredo e aos tratamentos milagrosos contra a

varíola.

A legislação sanitária da Província capengava frente aos desafios de saúde e

higiene que volta e meia repetiam-se em exaustão. A cidade de São Luís era

constantemente envolvida por ciclos epidêmicos de outras doenças como a cólera, a

febre amarela, o beri-beri, o sarampo e as disenterias. Além disso, as normas e

obrigações do porto eram constantemente burladas, o comércio de carnes verdes e os

matadouros públicos funcionavam sem qualquer inspeção segura que garantisse a saúde

dos citadinos, as ruas eram abarrotadas de lixo e esterco de animais. Para piorar a falta

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de recursos médicos e hospitalares era quase que total. Situação que se agravava em

tempos epidêmicos. O governo provincial pouco ou quase nada podia fazer para sanar

esses problemas, suas soluções resumiam-se a propostas de curta duração com efeito

imediato, muito devido à escassez de recursos financeiros. Sendo que este quadro

lastimável perdurou ao longo do século XIX.

Apesar de não ser considerada moléstia pestilenta ou perniciosa ao homem, foi

à varíola, mesmo contando com o preservativo da vacina, a doença mais mortífera

durante o período estudado neste trabalho. Porém também é preciso destacar que suas

incidências não provocaram nenhum tipo de crise demográfica.

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REFERENCIAS

DOCUMENTOS OFICIAIS

Editais

MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na

Typographia da Temperança. Anno, 1842.

MARANHÃO. Edital da Câmara Municipal de São Luís. Maranhão, Re-impresão na

Typographia da Temperança. Anno, 1866.

Jornais

A NOTÍCIA - 1904.

A REFORMA - 1871, 1873, 1875.

CORREIO DA VICTORIA – 1855, 1856.

JORNAL DA SOCIEDADE PHILOMATICA MARANHENSE – 1846, 1847.

O PAIZ - 1887 a 1884.

O PHILANTROPO - 1850.

O PUBLICADOR MARANHENSE - 1843 a 1884.

PACOTILHA - 1883.

Periódicos

ARCHIVOS RIO GRADENSES DE MEDICINA. Ano III, n° 9, 03 de junho de 1922.

GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos. Sob a

direção do Dr. Virgílio Climaco Damazio. Volume I. Bahia, Officina litho-typographia

de J.G. Tourinho, 1866-1867.

GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativo e sob a

direção do Dr. Dirgilio Climaco Damazio. Volume I. Bahia, Officina litho-typographia

de J.G. Tourinho, 1867.

GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a

direção do Dr. Antônio Pacífico Pereira. Bahia, Volume III, impresso na Typ. J. G.

Tourinho, 1870.

GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Publicada por uma associação de facultativos e sob a

direção do Dr. Antônio Pacífico Pereira. Bahia, Volume IV, impresso na Typ. J. G.

Tourinho, 1870.

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208

GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos, 2°

série, Volume II. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1877.

GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Publicada por uma associação de facultativos, 2°

série, Volume V. Bahia, Officina litho-typographia de J.G. Tourinho, 1880-1881.

Decretos

DECRETO IMPERIAL de nº 268 de 29 de Janeiro de 1843;

DECRETO PROVINCIAL de n° 466, de 17 de agosto de 1846;

DECRETO IMPERIAL de nº 598 de 14 de setembro de 1850;

DECRETO IMPERIAL de nº 828 de 29 de setembro de 1851;

DECRETO PROVINCIAL de n° 2884, de 1° de fevereiro de 1862;

DECRETO IMPERIAL de n° 466 de 17 de agosto de 1866;

DECRETO REPUBLICANO de n° 105 de 15 de setembro de 1894.

Ofícios

MARANHÂO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente e Governador das armas do

Maranhão, 20 de abril de 1826. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão,

22 de junho de 1835. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão,

08 de julho de 1841. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do inspetor da vacina ao presidente da Província do Maranhão,

18 de abril de 1843. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Anexo do ofício do inspetor da vacina ao presidente da Província do

Maranhão, 09 de julho de 1847. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 12 de março de 1851. Setor de avulsos. APEM.

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209

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 27 de janeiro de 1852. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 10 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 16 de julho de 1852. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 29 de janeiro de 1853. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 30 de junho de 1853. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 30 de julho de 1853. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 28 de janeiro de 1854. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 26 de janeiro de 1856. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 10 de julho de 1857. Setor de avulsos. APEM

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 19 de janeiro de 1859. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 09 de janeiro de 1860. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 18 de fevereiro de 1861. Setor de avulsos. APEM.

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210

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 20 de julho de 1863. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 12 de julho de 1864. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 10 de agosto de 1864. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 31 de março de 1866. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 08 de maio de 1866. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 27 de maio de 1868. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 24 de novembro de 1869. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios do comissário vacinador provincial ao presidente da Província

do Maranhão, 08 de fevereiro de 1882. Setor de avulsos. APEM.

MARANHÃO, Secretaria do Governo da Província. Correspondências. Autoridades da

Saúde Pública. Ofícios da Comissão de Hygiene Pública ao presidente da Província do

Maranhão, 1854. Setor de avulsos. APEM.

Regulamento

REGULAMENTO, Medidas sanitárias contra a importação da cólera morbus asiática

ao porto de São Luís. Determinado pelo vice-presidente da Província do Maranhão,

José Joaquim Teixeira Vieira Belford.

Relatórios

MARANHÃO, Presidência da Província. Discurso que recitou o Exm. Snh. Vicente

Thomaz Pires de Figueiredo Camargo, presidente desta Província, na occazião da

abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 03 mayo do corrente anno.

Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1838.

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211

MARANHÃO. Presidência da Província. Discurso que recitou o Exm. presidente da

Província do Maranhão, Manoel Felisardo de Sousa e Mello na occazião da abertura

da Assemblea Legislativa Provincial, no dia 03 de maio de 1839. Maranhão, impresso

na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1839.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa

Provincial da Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma

Província, Jerônimo Martiniano figueira de Mello, Na Sessão de 03 de maio de 1843.

Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1843.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que dirigiu o Exm. Snh. Vice-

presidente da Província do Maranhão, Ângelo Caldas Muniz à Assembleia Legislativa

Provincial no dia 03 maio de 1845. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.

Ferreira, 1845.

MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. Presidente da

Província do Maranhão, Herculano Ferreira Penna à Assembléa Legislativa Provincial

por occasião de sua installação no dia 14 de outubro de 1849. Maranhão, impresso na

Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1849.

MARANHÃO, Presidência da Província. Falla dirigida pelo Exm. presidente da

Província do Maranhão, Honório Pereira de Azevedo Coutinho, á Assembléa

Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1850.

Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1850.

MARANHÃO, Presidência da Província. Falla que o Exm. Dr. Eduardo Olímpio de

Machado, Presidente da Província, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial da

Província do Maranhão por occasião de sua installação no dia 07 de setembro de

1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1851.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do

Maranhão com que o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na abertura da

Assembléa Legislativa Provincial no dia 01 de maio de 1853, Acompanhado do

Orçamento das Despeças para o anno de 1854. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1853.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do

Maranhão, o Dr. Eduardo Olímpio de Machado, apresentou na Assembleia Legislativa

Provincial no dia 03 de maio de 1855, acompanhado do Orçamento das Despeças para

o anno de 1856, e mais documentos. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.

Ferreira, 1855.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da

Província do Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência

da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da

Cruz Machado, 21 de dezembro de 1855. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional

de I.J. Ferreira, 1856.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório que á Assembléa Legislativa

Provincial da Província do Maranhão appresentou ao Exm. Presidente da mesma

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212

Província, Antônio Candido da Cruz Machado, Na Sessão de 09 de junho de 1856.

Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o vice-presidente da

Província do Maranhão José Joaquim Teixeira Vieira Berford, entregou á Presidência

da Província do Maranhão ao Ilum. e Exm. Snh. Commendador Antônio Candido da

Cruz Machado, 21 de dezembro de 1856, Anexo 01. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1856.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório do presidente da Província do

Maranhão, o Dr. João Lustosa da Cunha Paranaguá, apresentou na Assembleia

Legislativa Provincial no dia 03 de maio de 1859. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1859.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da

Província do Maranhão João Silveira de Souza abriu a assembleia Legislativa

Provincial no dia 03 de maio de 1860. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de

I.J. Ferreira, 1860.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório apresentado à assembleia

Legislativa Provincial pelo Exm. Snh. Presidente da Província do Maranhão, Major

Francisco Primo de Sousa Aguiar, no dia 03 de julho de 1861, acompanhado do

Relatório que lhe foi transmitida a administração da mesma. Maranhão, impresso na

Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1861.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa

Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, Conselheiro Antônio

Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 27

de outubro de 1862. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1862.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa

Provincial do Maranhão apresentou ao presidente da Província, conselheiro Antônio

Manoel de Campos Mello, por occasião da instalação da mesma Assembléa no dia 03

de maio de 1863. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863.

MARANHÃO, Presidência da Província, Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da

Província o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha passou a administração da mesma ao Exm.

Snh. Miguel Joaquim Ayres do Nascimento, 2° vice-presidente, no dia 24 de novembro

do último. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1863.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que a Assembléa Legislativa

Provincial do Maranhão apresentou ao vice-presidente da Província, desembargador

Miguel J. Ayres do Nascimento, por occasião da instalação da mesma Assembléa no

dia 03 de maio de 1864. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1864.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da

Província do Maranhão, o Dr. Ambrósio Leitão da Cunha, passou a administração da

mesma Província ao Exm. Snh. 1° vice-presidente tenente-coronel, José Caetano Vaz

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213

Junior, no dia 23 abril de 1865. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J.

Ferreira, 1865.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Vice-

Presidente da Província do Maranhão, José Caetano Vaz Junior, passou a

administração da Província ao Exm. Snh. Presidente Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira,

no dia 11 junho de 1865. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira,

1865.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Presidente da

Província do Maranhão, Dr. Lafaiette Rodrigues Pereira, apresentou à Assembleia

Legislativa Provincial, por ocasião de sua abertura no dia 03 maio de 1866. Maranhão,

impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1866.

MARANHÃO, Presidência da Província. Relatório com que o Exm. Snh. Dr. Franklin

A. de Menezes Doria passou a administração desta Província ao Exm. Snh. Dr. Antônio

Epaminondas de Mello, no dia 28 de outubro de 1867. Maranhão, impresso na Typ.

Constitucional de I.J. Ferreira, 1867.

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225

ANEXO 01

Projeto de regulamentação do serviço de vacinação e revacinação obrigatória

contra a varíola, divulgado pelo jornal “A NOTICIA”em09 de novembro de 1904.628

A Vacina Obrigatória

Art. 1°. A vacinação contra a varíola é obrigatória e deverá ser feita:

a) nas crianças até seis meses de idade.

b) em todas as pessoas que não provarem, de acordo com o art. 13°, que foram

vacinadas com proveito nos últimos seis anos ou que foram acometidas de varíola nos

últimos dez anos, exceto nos casos previstos no art. 7° deste regulamento.

c) em todas as pessoas que, tendo sido vacinadas uma primeira vez, não o

foram com proveito.

Art. 2º. A revacinação contra a varíola é obrigatória e deverá ser feita:

a) nas crianças que frequentarem colégios ou outros estabelecimentos

congêneres, públicos ou particulares, orfanatos, asilos etc., no decurso do 7° e 14° anos,

exceto nos casos previstos no art. 7°.

b) em todas as pessoas nos septénios que se seguirem à primeira vacinação,

exceto nos casos previstos no art. 7°.

Art. 3º. Todos os nascimentos deverão ser comunicados pelos pais às

autoridades sanitárias dentro dos 15 primeiros dias, sob pena de multa de 50$000.

Art. 4°. As repartições sanitárias organizarão um registro de nascimentos, a fim

de facilitar e metodizar o serviço de vacinação e revacinação.

Art. 5°. Se a vacinação não der resultado positivo, segundo o atestado do

médico vacinador, deverá ser ela repetida anualmente, durante três anos sucessivos, a

contar da data do atestado negativo fornecido.

Parágrafo Único. Se a última operação, dentro do prazo de que trata este artigo,

for ainda infrutífera, poderá a autoridade sanitária exigir que a nova operação seja

efetuada por um dos vacinadores oficiais, podendo este ser escolhido pelo vacinado ou

pela pessoa por ele responsável.

628

RIO DE JANEIRO (Cidade). Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 - Revolta da Vacina. A

maior batalha do Rio. 120f. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. – A Secretaria, (Cadernos da

Comunicação. Série Memória), 2006, p. 95.

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226

Art. 6°. A pessoa vacinada ou revacinada deverá apresentar-se ou ser

apresentada ao médico vacinador, no mínimo no 6° dia e no máximo no 8° dia que se

seguir à vacinação ou revacinação, sob pena de multa de 50$000 e do dobro na

reincidência.

Parágrafo Único. Para a execução do disposto no presente artigo, o médico

vacinador marcará lugar, dia e hora, para que se lhe apresente a pessoa imunizada.

Art. 7°. Serão eximidas da vacinação e revacinação as pessoas afetadas de

moléstias tais, que possam ser maleficamente influenciadas pela evolução da vacina.

Parágrafo Único. A prova de contraindicação da imunização contra a varíola

consistirá em um atestado firmado por três médicos e com as firmas reconhecidas por

tabelião.

Art. 8°. Toda a pessoa que não puder, de acordo com o artigo precedente,

sofrer a operação da vacinação ou revacinação, deverá a elas ser submetida no fim de

um ano, a contar da data do atestado fornecido.

§ 1°. Se ainda no fim desse prazo for apresentada uma razão de impedimento, a

autoridade sanitária, se julgar necessário, pedirá uma conferência com os médicos

fornecedores do atestado, a fim de verificar se o motivo alegado é ou não aceitável.

§ 2°. No caso de desacordo, poder-se-á fazer nova conferência, na qual

tomarão parte, além dos médicos referidos, mais dois outros de reconhecida

competência, sendo um deles indicado pelo vacinado ou pela pessoa por ele responsável

e o outro pela repartição sanitária.

Art. 9°. A operação de imunização contra a varíola poderá ser feita não só

pelos vacinadores oficiais, como também pelos médicos clínicos que poderão atestar o

resultado obtido.

Art. 10°. Os atestados de vacinação e revacinação só poderão ser passados em

impressos especiais, que serão fornecidos gratuitamente pelas repartições sanitárias.

Parágrafo Único. Os atestados a que se referem o presente artigo só serão

válidos quando visados e registrados pela autoridade sanitária, o que só poderá ser feito

tendo sido a firma do médico que efetuou a operação previamente reconhecida pelo

tabelião.

Art. 11°. Os atestados a que se refere o artigo precedente serão encontrados em

todas as dependências da Diretoria-Geral de Saúde Pública, bem como em todas as

farmácias do Distrito Federal.

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Parágrafo Único. As farmácias que não possuírem os atestados de que trata o

presente artigo sofrerão multa de 50$, dobrada na reincidência.

Art. 12°. A autoridade sanitária poderá, quando julgado conveniente, verificar

os atestados fornecidos.

Art. 13°. O atestado de vacina em papel oficial, devidamente registrado e

visado pela autoridade sanitária, é o único meio pelo qual poder-se-á provar a vacinação

ou revacinação.

Art. 14°. O médico que fornecer atestado de vacinação ou revacinação

reconhecido falso será passível de penas cominadas no art. 217 do Regulamento

aprovado pelo decreto 5.156, de março de 1904.

Art. 15°. A autoridade sanitária tratará de verificar se uma pessoa acometida de

varíola é ou não portadora de um atestado de vacina.

§ 1°. Se não tiver sido imunizada, de acordo com os artigos 1° e 2° do presente

Regulamento, será o doente por ocasião do restabelecimento ou a pessoa por ele

responsável, se for menor, passível da multa de 500$000.

§2° Se a pessoa acometida de varíola possuir atestado tratará a autoridade

sanitária de verificar a autenticidade dele, punindo o vacinador de acordo com o artigo

precedente se for falso o atestado; indagará da origem da linfa e tomará todos os

esclarecimentos para ajuizar do caso.

§3° O presente artigo só entrará em vigor um ano após a aprovação deste

Regulamento.

Art. 16°. Os pais, pais adotivos e tutores são obrigados a fazer com que seus

filhos, filhos adotivos ou tutelados se submetam à vacinação e revacinação de acordo

com o presente Regulamento, sob pena de multa de 50$ a 1:100$, dobrada nas

reincidências.

Art.17°. Os diretores ou responsáveis pelos colégios e estabelecimentos

congêneres não poderão receber alunos que não estejam vacinados ou revacinados e

portadores de atestados confirmativos da operação.

Art.18°. Os infratores do artigo precedente serão passíveis de multa de 50$ por

aluno não vacinado, e se os estabelecimentos de instrução forem oficiais (ilegível)

responsáveis suspensos por um mês.

Art.19°. Ninguém poderá ser admitido como (ilegível) ou empregado, sem que

apresente atestado de vacinação ou revacinação, de acordo com o estabelecido no

presente regulamento.

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228

Art. 20°. Nos casos de infração do artigo (ilegível) serão as pessoas que

tomarem a seu serviço (ilegível) não vacinados ou revacinados passíveis de multa

(ilegível) a 500$000.

Art. 21°. Nos casos a que se referem estes artigos (ilegível) os chefes das casas

deverão ficar (ilegível) de vacinação ou revacinação de seus (ilegível) empregados

enquanto estiverem (ilegível).

Art. 22°. Nenhum negociante poderá (ilegível) empregado algum que não

tenha sido vacinado ou revacinado (ilegível) de acordo (ilegível) multa de 100$ por

empregado (ilegível) imunizado.

Art.23°. (Ilegível) vacinado ou revacinado e nos casos de reincidência à pena

de fechamento do estabelecimento.

Art. 24°. Todos os colégios, fábricas, oficinas, asilos e estabelecimentos

congêneres deverão possuir um livro em que estejam consignados: os nomes das

pessoas nele reunidas, a data da vacinação ou revacinação e o número de registro sob

que estão lançados os atestados nos livros da Diretoria Geral de Saúde Pública.

§1°. Os responsáveis pelos estabelecimentos a que se referiu o presente artigo

serão passíveis de multa de 500$, dobrada nas reincidências, quando não possuírem o

livro referido.

§2°. Quando o livro não estiver escriturado em dia será o responsável passível

de multa de 100$ e no dobro na reincidência.

§3°. As disposições do presente artigo começarão a vigorar seis meses após a

promulgação deste regulamento.

Art. 25°. Em nenhuma construção ou obra, quer particular, quer pública,

poderão ser admitidas pessoas que não tenham sido vacinadas ou revacinadas de acordo

com os artigos 1° e 2°, sob pena de multa de 50$ por pessoa não imunizada ou

suspensão por três meses do encarregado ou responsável pela obra ou construção, se for

empregado público.

Art. 26°. Ninguém poderá ser qualificado eleitor, inscrever-se em concurso, ser

nomeado para a Guarda Nacional, nem fazer parte do Exército e Armada Nacional sem

que demonstre estar vacinado ou revacinado de acordo com os artigos 1° e 2°, ficando

os responsáveis pela infração sujeitos a multa de 100$ por pessoa.

Art. 27°. Ninguém poderá ser funcionário ou matricular-se nas escolas de

ensino superior da República sem que prove estar imunizado contra a varíola de acordo

com os artigos 1° e 2°.

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229

Parágrafo Único. Os chefes das repartições serão responsáveis pelo

cumprimento do presente artigo, sob pena de multa de 500$ ou suspensão por seis

meses.

Art. 28°. Ninguém poderá contrair casamento sem apresentar os atestados que

provem o cumprimento disposto nos artigos 1° e 2°.

Parágrafo Único. Os escrivães das Pretorias serão passíveis de multa de 50$

por infração do presente artigo.

Art. 29°. Pessoa alguma poderá matricular-se negociante sem que prove estar

de acordo com o estabelecido neste regulamento.

Art. 30°. Os chefes de família são responsáveis perante a autoridade sanitária

pelo cumprimento do disposto nos artigos 1° e 2° deste regulamento, sob pena de multa

de 50$ por pessoa que não estiver de acordo com o que está neles estabelecido.

Art. 31°. Os responsáveis pelas casas de cômodos e de pensão, hotéis,

estalagens e outros estabelecimentos análogos não poderão alugar aposentos a pessoa

alguma que não esteja nas condições dos artigos 1° e 2°, sob pena de multa de 50$ por

pessoa não imunizada contra a varíola.

Parágrafo Único. Nos livros de registro sanitário a que se refere o art. 122 do

regulamento aprovado pelo decreto n° 5.156, de 08 de março de 1901, dever-se-á

consignar o número sob o qual e a delegacia de saúde em que o atestado de cada

hóspede está registrado.

Art.32°. Nenhum passageiro poderá desembarcar nos portos do Brasil sem que

prove estar vacinado ou revacinado, de acordo com os artigos 1° e 2°.

Parágrafo Único. Os comandantes dos navios serão responsáveis pelo

cumprimento desta disposição e passíveis de multa de 20$ por passageiro que não exibir

o atestado a que se refere o art. 10°.

Art. 33°. Quando alguém tiver de passar de um estado da União para outro,

deverá munir-se dos documentos que provem estar de acordo com os artigos 1° e 2°,

não lhe podendo ser vendida a passagem ou concedido o passe sem preenchimento desta

formalidade.

Art.34°. As companhias, administrações etc... que fornecerem passagens sem a

observância do estabelecido no artigo anterior serão passíveis de multa de 500$,

dobrada nas reincidências, sendo suspenso por dois meses o responsável, se tratar de

estabelecimento pertencente ao governo.

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Art. 35°. Para facilitar a matrícula, inscrição, embarque de passageiros etc.,

poder-se-á fornecer, a juízo da autoridade sanitária, atestados provisórios, que deverão

ser substituídos por atestados definitivos no fim dos oito dias que se seguirem a

operação, perdendo, ipso facto, nesse prazo, seu valor o atestado provisório.

Art. 36°. Em casos especiais de eminência de epidemia, a Diretoria Geral de

Saúde Pública poderá mandar efetuar a vacinação e revacinação em massa, devendo

para isso ser previamente autorizada pelo governo.

Art. 37°. Nos casos de revacinação sem proveito, a operação será renovada no

septénio seguinte, a não ser que haja razões para acreditar-se na existência de alguma

causa de erro, deverá ser repetida.

Art. 38°. Qualquer pessoa que, depois de vacinada ou revacinada, lançar mão

de meios tendentes a evitar que a inoculação seja proveitosa será passível de multa de

500$ e sujeitada a nova operação.

Art. 39°. Quem de qualquer maneira se opuser que alguém se vacine ou

revacine, será passível multa de 1000$, dobrada na reincidência.

Art. 40°. As vacinações ou revacinações serão feitas de acordo com as

instruções especiais aprovadas pelo Governo.

Art. 41°. Os médicos que efetuarem vacinações ou revacinações sem a fiel

observância das instruções a que se refere o artigo precedente serão passíveis de multa

de 100$ e se forem funcionários serão suspensos por um mês e demitidos na

reincidência.

Art. 42°. Se em consequência da vacinação ou revacinação resultarem

acidentes que possam ser atribuídos a imperícia ou negligencia do vacinador, será ele

passível da multa de 2.000$ e demissão se for funcionário.

Parágrafo Único. Se do acidente resultar deformidade da pessoa a imunizar, ou

a sua morte, será o vacinador processado de acordo com o artigo do Código Penal.

Art. 43°. A vacinação e revacinação contra a varíola só poderão ser feitas com

a vacina animal.

Art. 44°. A vacina fornecida pelos institutos vacínicos deverá trazer sempre a

data de seu preparo.

Art. 45°. A vacina só poderá ser preparada em institutos especiais, com

autorização e sob imediata fiscalização da Diretoria-Geral da Saúde Pública.

Art. 46°. Se verificar que a vacina fornecida pelos institutos vacínicos e de má

qualidade e capaz de comprometer a saúde das pessoas a imunizar, à Diretoria-Geral de

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231

Saúde Pública comunicará o fato ao governo, que ordenará o fechamento do Instituto, se

for particular, ou demitirá o responsável técnico, se for estabelecimento oficial.

Art. 47°. A fiscalização do presente regulamento no Distrito Federal compete

exclusivamente à Diretoria-Geral de Saúde Pública e nos estados aos inspetores de

saúde dos Portos, onde os houver, que para este fim entender-se-ão com as autoridades

estaduais.

Parágrafo Único. Nas localidades onde não houver autoridade sanitária federal,

a fiscalização do presente regulamento competirá às autoridades sanitárias estaduais,

que neste caso, deverão entender-se com a Diretoria-Geral de Saúde Pública.

Art. 48°. As infrações do presente regulamente a que não estiverem cominadas

penas especiais serão punidas com as multas de 50$ a 500$, dobradas das reincidências.

Art. 49°. Nos casos omissos do presente regulamento, o diretor-geral de Saúde

Publica tomará as providências que julgar necessárias, como exigir o interesse da saúde

pública, submetendo imediatamente o ocorrido à apreciação do ministro do Interior.

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232

ANEXO 02

Cronologia básica

Fatos relevantes sobre a varíola e a vacina antivariólica.629

1798. Difusão da vacina antivariólica no mundo.

1804. Introdução da vacina jenneriana no Brasil.

1811. Criada a Junta Vacínica da Corte – 04/04.

1828 – Extintos os lugares de provedor-mor, físico-mor e cirurgião-mor do Império pela

Lei n° 30/08 (as competências destes passam as câmaras municipais e justiças

ordinárias).

1832. Primeira Lei de obrigatoriedade da vacina no Brasil.

1834/1835. Surto epidêmico variólico no Rio de Janeiro.

1838. Surto epidêmico variólico no Maranhão.

1840. Elaboradas propostas para reestruturação da Junta Vacínica da Corte.

1846. Criação do Instituto Vacínico do Império pelo Decreto de n° 464 -17/08 o

Regulamento do Instituto. O Instituto tem como finalidade “o estudo, prática,

melhoramento e propagação da vacina em todo o Império”; o Instituto será composto

por um inspetor-geral, uma junta vacínica na capital do Império e comissários

vacinadores provinciais, municipais e paroquiais; inclui a obrigatoriedade da vacinação

para todas as pessoas residentes do Império, independentemente de raça, sexo, idade e

condição; incentiva a tentativa de inoculação do vírus na vaca, a fim de produzir o Cow-

pox, destinando prêmio a quem o conseguir.

1849. Surto epidêmico da febre amarela no Rio de Janeiro.

1850. Criada a Junta de Hygiene Pública pelo Decreto de n° 598 - 14/09, segundo o 3°

Artigo Decreto de n° 598 - 14/09 ficam subordinados à Junta: a Inspeção de Saúde do

629

FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de

Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 129.

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233

Porto do Rio de Janeiro, o Instituto Vacínico do Império e os serviços de higiene das

províncias e localidades.

1851. É regulamentada a Junta de Hygiene Pública, alterando-se a denominação para

Junta Central de Hygiene pública pelo Decreto de n° 828-29/09. A inspeção da saúde

dos portos e a inspeção da vacina são subordinadas à Junta Central de Hygiene, no

entanto o Decreto de 1846 continuou a orientar os serviços de vacinação da Corte.

1851. Surto epidêmico da febre amarela em São Luís.

1854/1855. Surto epidêmico variólico em São Luís.

1864/1865/1866. Surto epidêmico variólico em São Luís.

1875. Torna-se obrigatória a revacinação em diferentes estabelecimentos custeados pelo

aviso de 11 de novembro.

1874/1875/1876. Surto epidêmico variólico em São Luís.

1876. É criado um hospital na ilha de Santa Bárbara para internação de casos da varíola

pelo Artigo 431 do Decreto de n° 6. 378 de 15 de novembro de 1876.

1878. Surto epidêmico variólico em Rio de Janeiro.

1882. Reestruturados os serviços de saúde pública do Império pelo Decreto de n° 8. 387

– 19/01. Este decreto impõe uma nova regulamentação à Junta de Hyiene Pública

(revoga o Decreto de n° 828 – 29/09/1851); cria comissões em algumas províncias e

recomenda que sejam criadas juntas ou que sejam designados delegados e inspetores

provinciais, nomeados pelos presidentes das províncias.

1882/1883. Surto epidêmico variólico em São Luís.

1884. É criada a Escola Veterinária de Pelotas, com um Instituto Vacínico anexo para a

produção da vacina animal.

1886. Fechada a Escola Veterinária de Pelotas e o Instituto a ela vinculado.

Reorganizado o Serviço Sanitário do Império pelo Decreto de n° 9.554 – 03/02.

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Criação da Inspetoria Geral de Higiene e da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos;

criação de um conselho superior de saúde pública; o Instituto Vacínico é extinto, e a

vacina antivariólica fica a cargo da Inspetoria Geral de Higiene.

1887. Surto epidêmico variólico em Rio de Janeiro.

É introduzida a vacina antivariólica animal no Brasil na Santa Casa de Misericórdia,

pelo Dr. Pedro Affonso Franco.

1888. A Inspetoria cria uma comissão para verificar a eficácia da vacina produzida por

Pedro Affonso. A vacina é aprovada pela comissão composta por Francisco Marques de

Araújo Goés e Bento Gonçalves Cruz em relatório apresentado à Diretoria em

11/01/1888.

O governo federal dispensa a subvenção para o fornecimento da vacina animal.

1889. O Decreto de n° 68 de 18 de dezembro de 1889 reestrutura o serviço de polícia

sanitária na capital federal, incluindo indicações de medidas sanitárias para impedir

atenuar o desenvolvimento de qualquer epidemia. Ao inspetor geral são dados poderes

para intervir na fiscalização de todos os serviços sanitários de terra; ficam estabelecidas

três medidas básicas recomendadas pela higiene: notificação obrigatória, desinfecção de

objetos e domicílios, e isolamento nosocominal no caso de algumas doenças

transmissíveis; é obrigatória a vacinação para crianças de até seis meses de idade, a

revacinação é facultativa e deve ser executada de dez em dez anos.

É crido o Conselho de Intendência Municipal – Decreto 50ª.

1890. É constituído o Conselho de Saúde Pública e reorganizado o serviço sanitário

terrestre pelo Decreto de n° 169-18/01. A União fica responsável pelo serviço sanitário

terrestre em todo o país; a direção e propagação da vacina animal ficam a cargo da

Inspetoria sob competência de médico vacinador que efetua a vacinação duas vezes por

semana no posto central (a vacina é produzia por Pedro Affonso que a encaminha para a

Inspetoria); o Conselho tem como incumbência dar parecer acerca das questões de

higiene e salubridade geral sobre o que for consultado pelo governo.

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1891. É extinta a Inspetoria de Higiene no Estado do Rio de Janeiro pelo Decreto de n°

554-29/09. As inspetorias dos outros estados são extintas ou desligadas da

administração federal.

É assinado um contrato entre a União e o Dr. Pedro Affonso para o fornecimento da

vacina em tubos com linfa glicerinada ao Distrito Federal.

1892. É criada a prefeitura do Distrito Federal pela Lei de n° 85-20/09. A lei determina

que não ficaria sob responsabilidade da municipalidade os serviços de higiene

preventiva da capital federal.

É extinta a Inspetoria Geral de Higiene e criada a Diretoria Sanitária da capital federal

pelo Decreto de n° 1.172-1712. A Diretoria Sanitária teria como incumbência as

medidas de higiene de natureza defensiva em épocas anormais; a vacinação não aparece

enquanto competência da Diretoria Sanitária.

É assinado um contrato entre a prefeitura do Distrito Federal e Dr. Pedro Affonso pelo

aviso de n° 4323-29/12. A produção da vacina passa a ser responsabilidade do

município do Distrito Federal, por intermédio do Dr. Pedro Affonso.

1893. É ampliado o número de posto da vacinação antivariólica na capital, sob

responsabilidade do governo municipal; amplia-se também o número de dias de

atendimento no posto de vacinação.

1894. É criado o Instituto Sanitário Federal pelo Decreto de n° 1.647-12/10. São

extintos a Diretoria e o Laboratório Bacteriológico, cujas competências passam para o

Instituto Sanitário.

Criado o Instituto Vacínico Municipal por meio de contrato com a prefeitura do Distrito

Federal, por um prazo de dez anos, sob a direção de Pedro Affonso Franco pelo Decreto

de n° 105-15/09. O contrato entre a municipalidade e o Dr. Pedro Affonso foi assinado

em 30/11 com validade de dez anos.

Elaborada e apresentada ao Senado pelo senador Abdon Milanez do Estado da Paraíba,

uma proposta de organização de um Instituto Federal de Vacina.

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1895. Iniciam-se os trabalhos do Instituto Vacínico Municipal (IVM) em 01/01.

O governo federal concede subvenção ao Instituto Vacínico Municipal para que forneça

vacina aos estados – Lei n°360-30/12.

1897. Criada a Diretoria Geral de Saúde Pública pelo Decreto de n° 2.449-01/02. São

extintos o Instituto Sanitário Federal e a Inspetoria Geral de Saúde dos Portos, cujas

competências passam para a Diretoria Geral de Saúde Pública, subordinada ao

Ministério da Justiça e Negócios Interiores; a Diretoria Geral de Saúde Pública somente

está autorizada a intervir na higiene municipal quando solicitada pelo nível local ou em

caso de calamidade pública; não há nenhuma referencia à vacinação.

Reorganizado o Instituto Vacínico Municipal pelo Decreto de n° 386-08/04.

Estabelecido o quadro pessoal e administrativo do Instituto Vacínico Municipal e cria-

se o cargo de diretor e vice-diretor.

O Instituto Vacínico Municipal é autorizado a receber qualquer subvenção ou

indenização do governo da União ou dos estados - Decreto de n° 425-27/09.

1900. Criado o Instituto Soroterápico Federal, sob a direção do Dr. Pedro Affonso

Franco.

1902. Solicitados da municipalidade para a esfera do governo federal os serviços de

higiene preventiva da Capital da República pelo Decreto de n° 4.463-12/07. Segundo

esse decreto a Lei de 1892 de n° 85 de organização do governo municipal já havia

excluído da municipalidade a higiene preventiva, porém tal legislação não foi cumprida.

São estabelecidas as bases para a regulamentação dos serviços de higiene preventiva da

capital federal pelo Decreto de n° 4.464-12/07. Esses serviços compreendem a polícia

sanitária, assistência hospitalar, isolamento e desinfecção.

Oswaldo Cruz assume a direção do Instituto Soroterápico Federal, ocupando o lugar de

Pedro Affonso Franco.

1903. Oswaldo Cruz assume os serviços de Saúde Pública da União.

Apresentado à Câmara dos Deputados um projeto de reestruturação dos serviços de

saúde da União.

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1904. São organizados os serviços de higiene da União, sob a responsabilidade da

Diretoria Geral de Saúde Pública pelo Decreto de n° 1.151-05/01. Este decreto amplia a

responsabilidade da Diretoria no Distrito Federal, cabendo a ela “tudo quanto se

relaciona à profilaxia geral e específica das moléstias infecciosas”; autoriza a aquisição

do Instituto Soroterápico Federal; estabelece como competência do ISF a produção de

soros e vacinas para todos os estados, com exceção da vacina antivariólica.

Regulamentados os serviços sanitários a cargo da União pelo Decreto de n° 5.156-

08/03. O capítulo XII trata da varíola; a vacinação não é uma medida obrigatória, porém

o número de vacinações que o inspetor praticar contará como mérito para ele.

Prorrogado por sete anos o contrato entre a Prefeitura e o Instituto Vacínico pelo

Decreto de n° 984-31/05.

Aprovada a Lei de Obrigatoriedade da Vacina para todos os indivíduos e ratificada pela

Lei de n° 1.261-31/10/1906.

Apresentada à Câmara, por Melos Mattos, um projeto de criação do Instituto de

Medicina Experimental de Manguinhos (Projeto de n° 17-02/07/1906). Esse projeto

determina, entre outras a incorporação da vacina antivariólica ao Instituto; por proposta

da Academia de Medicina, o nome seria Instituto de Patologia Experimental de

Manguinhos.

1908. A vacinação passa para âmbito da Diretoria, e a produção da vacina permanece

com o Instituto Vacínico Municipal.

Oswaldo Cruz encaminha a “Proposta de Organização Definitiva dos Serviços de

Higiene da União”.

1909. É renovado por dez anos o contrato entre o Instituto Vacínico Municipal e a

Prefeitura pelo Decreto de n° 1.315-09/11. O contrato é assinado em 24/11, começando

a vigorar em 1912.

Alterado o quadro de pessoal do Instituto Vacínico Municipal pelo Decreto de n° 1.918-

15/07.

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Estabelecido um novo Regulamento para a Diretoria Geral de Saúde Pública pelo

Decreto de n° 10.821-18/03. Esse regulamento mantém as mesmas bases da legislação

em vigor, tornando mais rígidas as medidas de vigilância sanitária de mar e terra em

todo o país; amplia as doenças sob notificação compulsória; incorporada os funcionários

que em 1904 haviam sido cedidos à União pela municipalidade.

1919. Reorganizado o Instituto Oswaldo Cruz pelo Decreto de n° 13.527-26/03/1919. O

Instituto é regulamentado; suas atribuições ampliadas, incluindo-se a produção da

vacina antivariólica; incorpora em sua estrutura o Instituto Vacínico Municipal como

Instituto Vacínico Federal.

1920. Criado o Departamento Nacional de Saúde Pública. São ampliadas e centralizadas

as medidas de controle das doenças transmissíveis nos estados.

1921. Regulamentado o Instituto Vacinogênico Federal pelo Decreto de n° 14.629-

17/01/1921. O regulamentado incorpora o Instituto Vacínico Municipal ao Instituto

Oswaldo Cruz; é aproveitado o pessoal técnico e administrativo do extinto Instituto

Vacínico Municipal.

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ANEXO 03

Conhecimento científico

Experiências e descobertas sobre a vacina antivariólica.630

1778. Descoberta da vacina antivariólica por Edward Jenner.

1840. Instituída a vacina animal em Nápoles por Negri.

1864. Introduzida em Paris a vacina animal, por Lanoix e Chambon.

1865. A Sociedade de Ciências de Lyon elege uma comissão para aprofundar os estudos

sobre a vacina, a varíola, o cow-pox e o horse-pox.

1878. Primeiras tentativas do Dr. Pedro Affonso Franco para implantar a vacina animal

no Brasil

1886. Introdução da glicerina como purificante e conservante da vacina (Berlim).

1888. Pesquisas sobre a receptividade do coelho para a vacina, realizada por Gailleton.

1891. Consegue-se destacar do vitelo a polpa vacínica e levá-la para o laboratório.

1892. Descoberta dos Corpúsculos de Garnieri. Que foram indicados como agentes

etiológicos da varíola e da vacina.

1901. Experiências para o cultivo do vírus variólico fora do organismo bovino,

realizadas por Calmette e Guérin.

1907. Constatada a ultra filtrabilidade do vírus vacínico.

O agente etiológico da varíola é classificado como um protozoário por Aragão e

Prowazeck. Essa descoberta foi posteriormente negligenciada e negada por outras

experiências.

630 FERNANDES, Tania Maria. Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens. Rio de

Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 136.

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1910. Estudos realizados por Noguchi, Hensenval e Convent comprovam a

possibilidade de produção da vacina em testículos de coelho conhecida como orchi-

vacina.

Estudos sobre a purificação da vacina com métodos químicos e físicos (éter sulfúrico,

filtração e aquecimento).

1920. Estudos realizados por Levaditi comprovam a possibilidade de produção da

neurovacina no cérebro de coelho.

A ultra filtração é aplicada para determinação do tamanho do vírus por Bechold.

Estudos realizados por Parker e Nye possibilitam a técnica de cultura de tecidos para o

cultivo do vírus vacínico.

1930. Experiências com embrião de galinhas são realizadas no Hospital do Instituto

Rockefeller.

A filtração é indicada como melhor método de purificação da vacina.

1931. Experiências realizadas por Goodpasture possibilitam a utilização da cultura do

vírus variólico em ovo embrionário.