109
Universidade Federal do Pará Núcleo de Pesquisa e Teoria do Comportamento Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento ANÁLISE DA ADESÃO AO TRATAMENTO EM MULHERES COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO PATRÍCIA REGINA BASTOS NEDER BELÉM 2009

Universidade Federal do Pará Núcleo de Pesquisa e …ppgtpc.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/dissertacoes/PatriciaNeder2009.pdf · estudante do último ano de psicologia, foi fundamental

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  • Universidade Federal do Par

    Ncleo de Pesquisa e Teoria do Comportamento

    Programa de Ps-Graduao em Teoria e Pesquisa do Comportamento

    ANLISE DA ADESO AO TRATAMENTO EM MULHERES COM LPUS

    ERITEMATOSO SISTMICO

    PATRCIA REGINA BASTOS NEDER

    BELM

    2009

  • ii

    Universidade Federal do Par

    Ncleo de Pesquisa e Teoria do Comportamento

    Programa de Ps-Graduao em Teoria e Pesquisa do Comportamento

    ANLISE DA ADESO AO TRATAMENTO EM MULHERES COM LPUS

    ERITEMATOSO SISTMICO

    PATRCIA REGINA BASTOS NEDER

    Trabalho apresentado ao Programa de Ps-

    graduao em Teoria e Pesquisa do

    Comportamento como parte dos requisitos

    necessrios obteno do ttulo de Mestre em

    Teoria e Pesquisa do Comportamento,

    realizado sob a orientao da Profa. Dra.

    Eleonora Arnaud Pereira Ferreira e co-

    orientao do Prof. Dr. Jos Ronaldo Matos

    Carneiro.

    BELM

    2009

  • iii

    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP) (Biblioteca de Ps-Graduao do IFCH/UFPA, Belm-PA)

    Neder, Patrcia Regina Bastos

    Anlise da adeso ao tratamento em mulheres com Lpus Eritematoso

    Sistmico / Patrcia Regina Bastos Neder; orientadora, Eleonora Arnaud

    Pereira Ferreira. - 2009

    Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Par, Instituto de

    Filosofia e Cincias

    Humanas, Programa de Ps-Graduao em Teoria de Pesquisa do

    Comportamento, Belm, 2009.

    1. Lpus Eritematoso Sistmico - Tratamento. 2. Doenas - Psicologia.

    3. Depresso. 4. Qualidade de vida. I. Ttulo.

    CDD - 22. ed. 616.723

  • iv

    O valor das coisas no est no tempo que

    elas duram, mas na intensidade

    com que acontecem. Por isso existem

    momentos inesquecveis, coisas inexplicveis

    e pessoas incomparveis.

    Fernando Pessoa

  • v

    Dedico este estudo a todas as pacientes

    do Ambulatrio de Reumatologia da FSCM PA,

    que gentilmente aceitaram participar da pesquisa.

  • vi

    AGRADECIMENTOS

    Em primeirssimo lugar agradeo a Deus, meu Pai Criador, que me deu nova

    oportunidade de concretizar esse sonho, j antigo, de fazer um estudo voltado para a

    assistncia s pessoas doentes. E quando eu j havia esquecido do sonho, Ele me

    colocou novamente de frente para essa possibilidade, e foi maravilhoso.

    No posso deixar de citar aqui pessoas importantes na minha vida. Agradeo

    aos meus pais por toda dedicao e carinho desde o princpio de minha existncia. E

    no quero deixar de falar aqui os nomes das amigas, consideradas verdadeiras irms,

    que me estimulam, me aconselham, choram comigo nas dificuldades e comemoram

    minhas vitrias. Muitssimo obrigada Telma Sousa, Patrcia Martins, Ana Sylvia

    Gonalves, Edna Leito, Kelly Lopes, Suely Chaves e Silvia Canaan Stein.

    Agradeo, tambm, ao Romariz pela pacincia em me orientar os trmites

    burocrticos desde a seleo at a entrega desta dissertao.

    O desejo de fazer este estudo at alguns anos atrs era apenas desejo, e a nossa

    mestra Eleonora Ferreira foi quem acreditou na possibilidade de realiz-lo e esteve ao

    meu lado desde a elaborao do projeto. A voc Eleonora MUITO OBRIGADA. Por

    vezes voc foi me, amiga, conselheira e sempre com muita dedicao e

    profissionalismo me orientou brilhantemente.

    Quando o projeto foi idealizado para ter como local de coleta a Fundao Santa

    Casa de Misericrdia do Par, procurei pessoas ligadas Pr-Reitoria de Extenso da

    Universidade do Estado do Par, e cheguei at o Dr. Jos Ronaldo Carneiro, que desde

    o primeiro momento me acolheu, e se mostrou muito receptivo e disponvel para

    ajudar em tudo que precisei. Muito obrigada Dr. Ronaldo, pela compreenso e

    dedicao como co-orientador no nosso estudo.

    Para a realizao da coleta dos dados a ajuda da Ana Carolina Carneiro,

    estudante do ltimo ano de psicologia, foi fundamental. A voc Carol, meu muito

    obrigada pela colaborao, dedicao e compreenso.

    Aos meus AMADOS filhos, Beatriz, 10 anos, e Fredinho, 6 anos, que

    compreenderam a necessidade de me ausentar por algumas vezes por conta de reunir

    dados e estudar para a realizao da pesquisa. Muito obrigada, filhinhos.

  • vii

    SUMRIO

    Agradecimentos vi

    Sumrio vii

    Lista de Abreviaturas viii

    Lista de Tabelas ix

    Resumo x

    Abstract xi

    I. Introduo 1

    1. Lpus Eritematoso Sistmico. 2

    2. Depresso e doenas crnicas. 8

    3. Qualidade de vida, estratgias de enfrentamento em doenas

    crnicas.

    17

    4. Adeso ao tratamento em doenas crnicas 22

    II. Objetivos 36

    III. Mtodo 37

    1. Composio da amostra 37

    2. Ambiente 38

    3. Instrumentos 38

    4. Procedimento 43

    5. Anlise dos dados 45

    IV. Resultados e Discusso 48

    V. Consideraes Finais 72

    Referncias

    Anexos

  • viii

    LISTA DE ABREVIATURAS

    LES: Lpus Eritematoso Sistmico

    ACR: American College of Rheumatology

    AAN: Anticorpos antincleo

    Anti-DNAn: Anticorpo anticido desoxirribonuclico de dupla hlice

    CE: Corticosteride

    VHS: Velocidade de hemossedimentao

    HLA: Antgenos leucocitrios humano

    CNS: Conselho Nacional de Sade

    HFSCMP: Hospital da Fundao Santa Casa de Misericrdia do Par

    UEPA: Universidade do Estado do Par

    DP: Desvio Padro

    SLEDAI: Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index

    AINH: Antiinflamatrio no hormonal

    CCBS: Centro de Cincias Biolgicas e da Sade

  • ix

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Distribuio das variveis sociodemogrficas no grupo Adeso (n=17) e no

    grupo No Adeso (n=13).

    49

    Tabela 2 Distribuio da situao conjugal, nmero de filhos, nmero de abortos,

    hospitalizaes e tempo de diagnstico no grupo Adeso (n=17) e no grupo

    No Adeso (n=13).

    51

    Tabela 3 Comparao entre as manifestaes clnicas identificadas nas

    participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo No Adeso (n=13).

    53

    Tabela 4 Resultados obtidos com a aplicao do inventrio Beck de depresso (BDI)

    com as participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo No-Adeso

    (n=13).

    54

    Tabela 5 Resultados obtidos com a aplicao do inventrio Beck de ansiedade (BAI)

    com as participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo No Adeso

    (n=13).

    55

    Tabela 6 Resultados obtidos com a aplicao do inventrio Beck de desesperana

    (BHS) com as participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo No

    Adeso (n=13).

    56

    Tabela 7 Comparao entre os resultados do nvel de depresso (BDI) e de

    desesperana (BHS), com as participantes do grupo Adeso (n=17) e o

    grupo No Adeso (n=13), e as variveis idade e tempo de diagnstico.

    58

    Tabela 8 Resultados obtidos com o questionrio SF-36 entre as participantes do

    grupo Adeso (n=17) e do grupo No Adeso (n=13).

    60

    Tabela 9 Relao entre os resultados obtidos com o questionrio SF-36 e o tempo de

    diagnstico, com as participantes do grupo Adeso (N=17) e do grupo No

    Adeso (N=13).

    63

    Tabela 10 Mdia e desvio padro dos escores obtidos em cada domnio do

    WHOQOL-Breve e da qualidade de vida geral entre os grupos Adeso

    (n=10) e No Adeso (n=9).

    64

    Tabela 11 Associao linear dos escores obtidos entre os domnios do WHOQOL

    Breve com as participantes do grupo Adeso (n=10) e o do grupo No

    Adeso (n=9).

    65

    Tabela 12 Correlao entre idade, tempo de diagnstico e domnios do WHOQOL -

    Breve com as participantes do grupo Adeso (n=10) e do grupo No

    Adeso (n=9).

    67

    Tabela 13 Mdias dos fatores da escala modos de enfrentamento do problema entre as

    participantes do grupo Adeso (n=10) e do grupo No Adeso (n-9).

    69

    Tabela 14 Associao linear dos escores obtidos entre as estratgias de enfrentamento

    com as participantes do grupo Adeso e do grupo No Adeso.

    70

  • x

    Neder, P.R.B. (2009). Adeso ao tratamento em mulheres com lpus eritematoso

    sistmico. Dissertao de Mestrado. Belm: Universidade Federal do Par. 112 pgs.

    RESUMO

    O lpus eritematoso sistmico (LES) uma doena inflamatria crnica do tecido

    conjuntivo, de carter auto-imune e natureza multissistmica, podendo afetar diversos

    rgos e sistemas. H predomnio no sexo feminino e apresenta perodos de remisso e

    exacerbao. Embora de etiologia ainda desconhecida, vrios fatores contribuem para o

    desenvolvimento da doena, dentre eles os fatores hormonais, ambientais, genticos e

    imunolgicos. Algumas manifestaes clnicas tm desafiado os especialistas, como o

    caso da associao do LES com estados depressivos. Este estudo teve como objetivo

    identificar variveis relacionadas adeso ao tratamento em mulheres com diagnstico

    de LES. Foram feitas correlaes entre caractersticas sociodemogrficas, nveis de

    depresso, qualidade de vida, estratgias de enfrentamento e comportamentos de adeso

    ao tratamento. Foram usados os instrumentos: Roteiros de entrevista, Escalas Beck,

    International Quality of Life Assessment Project (SF-36), Escala Modos de

    Enfrentamento de Problemas (EMEP) e Inventrio de Qualidade de Vida (WHOQOL-

    Breve). As participantes integravam um grupo de trinta pacientes assistidas no

    ambulatrio de reumatologia de um hospital pblico. Foram distribudas em dois

    grupos, de acordo com o uso ou no de medidas orientadas pelo mdico: Adeso (n=17)

    e No Adeso (n=13). O grupo Adeso, independentemente da idade e do tempo de

    diagnstico, apresentou menores nveis de depresso se comparado com o grupo No

    Adeso. Os resultados sugerem que, em ambos os grupos, nos primeiros cinco meses de

    convivncia da paciente com o LES, o aspecto fsico, a dor e o estado geral de sade so

    percebidos como fatores difceis de lidar. Entretanto, possvel afirmar que, nesse

    mesmo perodo, se o paciente no adere s prescries mdicas, o desconforto em

    relao aos fatores citados intensificado. A correlao entre o domnio Vitalidade, o

    domnio Aspectos sociais (medidos pelo SF-36) e a adeso ao tratamento apresentou-se

    vlida, pois as participantes do grupo Adeso tambm relataram que se sentiam

    amparadas, tanto pelo seu grupo social quanto pela equipe de sade. Os resultados

    sugerem que o comportamento depressivo pode ocorrer pelo longo tempo de

    convivncia dessas pacientes com a incontrolabilidade dos sintomas da doena, e

    tambm por conta das seqelas do LES, que as atinge severamente, comprometendo

    rgos vitais como rins, corao, pulmes, prejudicando a qualidade de vida das

    mesmas. Discutem-se as vantagens e limitaes do uso de instrumentos para

    identificao de variveis relevantes no estudo da adeso ao tratamento em doenas

    crnicas. Sugere-se a realizao de estudos longitudinais, com delineamento do sujeito

    como seu prprio controle para investigar a relao entre estados depressivos, controle

    de sintomas e adeso ao tratamento.

    Palavras-chave: adeso ao tratamento; Lpus Eritematoso Sistmico; depresso;

    qualidade de vida.

  • xi

    Neder, P.R.B. (2009). Adhesion to treatment by women with systemic lupus

    erythematosus. Masters dissertation. Belm: Universidade Federal do Par. 112 pages

    ABSTRACT

    Systemic lupus erythematosus (SLE) is a chronic autoimmune, multisystemic

    connective tissue inflammatory disease, capable of affecting several organs and

    systems throughout the body. It affects mostly women and presents periods of

    remission and exacerbation. Even though its etiology still unknown, several factors

    contribute to the development of the disease, among them hormonal, environmental,

    genetic and immunological factors. Some clinical manifestations have challenged the

    specialists, among them the association of SLE with depressive states. This study

    aimed to identify related variables with adhesion to treatment in women with SLE

    diagnosis. Correlations were made between socio demographic characteristics, levels

    of depression, quality of life, coping and adhesion behavior to treatment strategies. The

    following instruments were used: Itineraries of interview, The Beck Scale,

    International Quality of Life Assessment Project (SF-36), The Ways of Coping Scale,

    World Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQOL-BREF). The

    participants formed a group of thirty patients attended at the rheumatology ward of a

    public hospital. They were distributed in two groups: Adhesion (n=17) and Non

    Adhesion (n=13). The adhesion group, regardless of age and time of diagnosis,

    presented lower levels of depression when compared with the non adhesion group. The

    results suggest that, on both groups, during the first five months of patients

    coexistence with SLE, the physical aspect, pain and the general state of health are

    found to be difficult factors to deal with. However, it is possible to assert that, in the

    same period, if the patient does not adhere to the medical prescriptions, the discomfort

    regarding the mentioned factors is intensified. The correlation between Vitality

    subscale and the social Aspects (measured by the SF-36) and the adhesion to treatment

    presented valid results, for the Adhesion group participants also reported that they felt

    protected as much by their social group as by the health team. The results suggest that

    depressive behavior can take place for the long period these patients have been living

    with the uncontrollability of the disease symptoms, and also for the sequelae caused by

    SLE, which affects them severely, implicating vital organs such as kidneys, heart,

    lungs, damaging their quality of life. The pros and cons, as well the limitations on the

    use of instruments for identification of relevant variables in the study of adhesion to

    the treatment in chronic diseases are also discussed. Longitudinal studies are

    suggested, with delineation of the subject as its own control to investigate the relation

    between depressive states, control of symptoms and adhesion to treatment.

    Keywords: adhesion to treatment; Systemic lupus erythematosus; depression; quality of

    life.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Autoimmunityhttp://en.wikipedia.org/wiki/Connective_tissue_disease

  • 1

    INTRODUO

    Este estudo foi fruto de observaes e pesquisas realizadas desde o ano de 2001

    junto a alunos do curso de medicina da Universidade do Estado do Par (UEPA),

    durante o exerccio da docncia na disciplina Psicologia Mdica II.

    Nos ltimos sete anos de realizao dessa atividade, constatou-se uma relevante

    incidncia de mulheres jovens com lpus eritematoso sistmico (LES). Observou-se

    que, nesses casos, o LES um fator que tm contribudo para a no realizao de

    projetos pessoais, como escolaridade, casamento e maternidade, em virtude das

    limitaes e cuidados que essa doena acarreta no cotidiano dessas pacientes, tambm

    atingindo diretamente, e por vezes de forma severa, a sua auto-imagem devido s

    seqelas decorrentes, como lceras na pele e edemas que deformam o corpo.

    Aliado ao LES, com freqncia observou-se estados depressivos muitas vezes

    no diagnosticados e adequadamente tratados. Estes estados depressivos no raramente

    podem estar correlacionados com idias de suicdio e com o abandono do tratamento,

    principalmente se houver negligncia por parte do profissional da rea de sade acerca

    do diagnstico de depresso (Keiserman, 2001). Estudos tm confirmado que o

    abandono dos pacientes ao tratamento do LES pode agravar o estado clnico dos

    mesmos e gerar complicaes em outros rgos e sistemas como os rins, os pulmes e o

    corao (Mccune & Riskalla, 2002; Wallace, 2002).

    O LES tem despertado interesse em diversas reas do conhecimento humano,

    como a medicina, a enfermagem e a psicologia. Entretanto, ainda h poucos estudos

    investigando a associao entre o estado depressivo e a adeso ao tratamento em

    pacientes que convivem no seu dia a dia com o LES.

  • 2

    O estudo dessa temtica requer o conhecimento da doena, incluindo suas

    principais manifestaes clnicas, prognstico e medidas teraputicas que auxiliem na

    promoo da qualidade de vida das pacientes, auxiliando-os no enfrentamento da

    doena. Para isso, props-se a realizao de uma pesquisa sobre variveis relacionadas

    adeso ao tratamento em mulheres com LES e da real necessidade de acompanhamento

    psicolgico para essas pacientes.

    Lpus Eritematoso Sistmico

    O Lpus Eritematoso Sistmico (LES) uma doena inflamatria crnica do

    tecido conjuntivo, caracterizada por alteraes imunolgicas, com formao de auto-

    anticorpos dirigidos principalmente contra antgenos celulares, alguns dos quais

    participam da leso tecidual imunologicamente mediada. Apresenta grande

    polimorfismo de manifestaes clnicas, podendo acometer um ou mais rgos e

    sistemas, de maneira concomitante ou consecutiva, assumindo um padro de recorrncia

    intercalado por perodos de remisso, com evoluo e prognsticos muitas vezes

    imprevisveis (Grossman & Kalunian, 2002).

    Em 1851, o mdico francs Pierre Lazenave chamou ateno para a presena de

    leses cutneas observadas na face de pacientes com LES, semelhantes a mordidas de

    lobo, tendo, ento, esse estudioso utilizado a expresso lpus para se referir a esta

    doena. Em 1895, o mdico canadense William Osler chamou ateno para o

    envolvimento sistmico da doena, incorporando o termo mesma (Sociedade

    Brasileira de Reumatologia, 2007).

    Aspectos relacionados etiologia e patogenia do LES continuam

    desconhecidos. Diversos fatores parecem aumentar o risco de desenvolvimento da

  • 3

    enfermidade, entre eles o gentico. Tal fato corroborado pelo encontro de maior

    ocorrncia da doena em gmeos monozigotos, quando comparados aos dizigotos

    (Grennan et al., 1997). Fatores hormonais, ambientais e infecciosos tambm esto

    envolvidos na etiopatogenia da doena. Isto pode ser observado pela alta incidncia do

    LES em indivduos do sexo feminino na idade reprodutiva, em indivduos com

    antecedentes de exposio irradiao ultravioleta e a relao com algumas espcies de

    vrus como o Epstein-Bar (Bynoe, Diamond & Grimaldi, 2000; Incaprera et al., 1998;

    Terui et al., 2000).

    Embora os reais mecanismos pelos quais esses fatores contribuem para a

    exacerbao ou aparecimento do LES no estejam, at o presente momento, bem

    definidos, acredita-se que em indivduos geneticamente suscetveis, sob influncia de

    tais fatores possam contribuir para a anormalidade do sistema imune com hiperatividade

    de clulas B e T, perda da autotolerncia com produo exagerada de auto-anticorpos

    contra diversos constituintes celulares resultando em leses teciduais (Hahn, 1997).

    O LES uma doena de distribuio universal, sua prevalncia varia entre 14,8 a

    50,8/100.000 habitantes na populao dos Estados Unidos da Amrica. A taxa anual de

    incidncia para cada grupo de 100.000 habitantes varia entre 1,8 e 7,6 doentes, em

    diversas partes do mundo (Hochberg, 1985; McCarty et al., 1995; Nived, Sturfelt &

    Willheim, 1985). No Brasil, um estudo realizado na cidade de Natal, no Rio Grande do

    Norte, estimou a incidncia do LES em 8,7 casos para cada grupo de 100.000

    indivduos no ano de 2000 (Vilar & Sato, 2002). A variabilidade observada nesses

    estudos pode refletir diferentes padres metodolgicos, variaes tnicas, raciais e

    socioeconmicas (Lahita, 1999).

    O LES apresenta ntida preferncia pelo sexo feminino e, no adulto, a proporo

    de nove a dez mulheres acometidas pela doena para cada homem. Embora o LES

  • 4

    possa ocorrer em qualquer faixa etria, mais frequentemente diagnosticado em

    mulheres em idade frtil, sendo sua maior freqncia observada entre os 15 e 45 anos de

    idade (Schur, 1993).

    Sintomas constitucionais como febre, anorexia, perda de peso, fadiga e adinamia

    esto entre as principais manifestaes clnicas iniciais e durante os perodos de

    atividade da doena, podendo ser encontrados em 36% a 90% dos pacientes (Gladman

    & Urowitz, 1998; Wallace, 2002).

    Manifestaes musculoesquelticas, como artrites e ou artralgias so freqentes

    e constituem as manifestaes iniciais mais comuns da doena, tendo uma incidncia

    varivel entre 53% e 95% durante o curso da enfermidade, enquanto as miosites

    ocorrem em 5% a 11% dos casos (Wallace 2002).

    O comprometimento renal, diagnosticado por meio de alterao do sedimento

    urinrio com a presena de hematria e/ou proteinria, ocorre em 41% a 62% dos casos,

    ao longo da evoluo do LES (Rocha et al., 2000). Manifestaes neuropsiquitricas,

    hematolgicas, gastrointestinais e cardiopulmonares podem estar presentes durante o

    curso da doena em propores que variam entre 7% e 80% dos casos (Costallat &

    Coimbra, 1995; D`Cruz, Khamashata & Hughes, 2002; Gladman & Urowitz, 1998)

    At o momento, no existe exame laboratorial que permita o diagnstico do

    LES. Assim, importante uma detalhada histria clnica acompanhada de um bom

    exame fsico. Entretanto, no se pode esquecer de pesquisar os anticorpos antinucleares

    (AAN), pois podem estar presentes em mais de 95% dos casos, apesar de sua

    inespecificidade (Wallaece, 2002). Alm disso, anticorpos anti-DNA de dupla hlice e

    anti-Sm apresentam alta especificidade para o diagnstico do LES, sendo encontrados

    respectivamente em 95% e 99% dos casos. Entretanto, a sensibilidade de 70% para o

    anti-DNA de dupla hlice atravs da imunofluorescncia indireta com Crithidia luciliae,

  • 5

    e de apenas 25% a 30% para o anti-Sm (imunodifuso dupla) (Schur, 1993).

    Para confirmao do diagnstico de LES, o Colgio Americano de

    Reumatologia (ACR) vem adotando, desde a dcada de 70, critrios que so

    periodicamente revistos. Assim, o ACR estabeleceu a presena de pelo menos quatro,

    dentre os onze critrios clnicos e/ou laboratoriais para classificao do LES. Estes

    critrios so universalmente aceitos e esto apresentados na Tabela 1 (Hochenberg et

    al., 1997).

    Fonte: Critrios atualizados por MC Hochenberg et al. (1997). Arthritis Rheum. 40:1725.

    Dentre os sintomas do LES, merece destaque as manifestaes cutneas

    presentes em at 80% dos casos durante o curso da doena, como a presena da clssica

    leso em asa de borboleta (rash malar), documentada em 50-60% dos pacientes, que

    aparece ou se exacerba aps exposio s irradiaes ultravioletas (Schur, 2005).

    Fazendo parte do cortejo clnico do LES durante a evoluo da doena,

    ressaltam-se as manifestaes renais presentes em mais de 50% dos pacientes. As

    manifestaes cardacas, pulmonares, neurolgicas e hematolgicas, traduzidas sob a

    forma de pericardite, pleurites, convulses, trombocitopenia e anemia hemoltica,

    respectivamente, podem estar presentes em at 70% dos casos (Schur 2005).

  • 6

    Estudos tm chamado ateno para um melhor prognstico e sobrevida em

    pacientes com LES nas ltimas dcadas. Atualmente, mais de 90% dos pacientes

    sobrevivem por mais de 10 anos. A sobrevida dos pacientes com LES tem alcanando

    valores acima de 90% aos cinco anos do curso da doena, e 83% aos 10 anos (Sth-

    Hallengegre, 2000). No Brasil, Paiva et al. (1985) e Latorre (1997) observaram ser a

    sobrevida dos pacientes com LES, respectivamente, de 69% e 90%, quando seguidos

    por um perodo de cinco anos. O tratamento deve ser realizado o mais precocemente

    possvel, entretanto, existem casos fatais em que muito pouco se consegue modificar a

    evoluo da doena (Schur, 2005).

    O LES freqentemente evolui com perodos de exacerbaes intercalados com

    perodos de acalmia. O tratamento bastante diversificado. Habitualmente, as

    medicaes utilizadas para o controle da doena durante o surto de atividade so

    indicadas de acordo com as manifestaes clnicas e a gravidade do caso, incluindo os

    antiinflamatrios no hormonais, antimalricos, corticosterides e imunossupressores.

    Inicialmente, o paciente com LES e seus familiares devem receber informaes

    gerais sobre a doena como medidas educacionais e orientaes sobre o controle, recursos disponveis

    para o diagnstico e o tratamento. necessrio ainda educar o paciente para os cuidados com sua

    sade, indicar realizao de atividades fsicas, dieta adequada, proteo solar e evitar o tabagismo. Estes

    hbitos contribuem para controle da doena, proporcionando o prolongamento da vida com produtividade e

    qualidade. (Sato et al., 2004).

    O tratamento clnico do paciente com LES deve ser individualizado, e voltado para o rgo ou

    sistema acometido. Geralmente faz-se necessrio o uso contnuo de antimalricos, pois estes reduzem a

    atividade da doena e ainda poupam o uso de doses elevadas de esterides, alm de melhorarem o perfil

    lipdico e reduzir o risco de fenmenos tromboemblicos. Entretanto, deve-se ter cuidado com os efeitos

    colaterais dessa droga principalmente para a viso ocular (Consenso Brasileiro, 2002).

    Os corticsterides constituem a pedra angular no tratamento de pacientes com LES e devem ser

    reservados para casos mais graves ou quando os pacientes no respondem aos antimalricos. Tambm, pode-

    se lanar mo, em casos especiais, de imunossupressores como: azatioprina, ciclofosfamida, clorambucil,

    metotrexato e ciclosporina Em alguns casos, as imunoglobulinas e a plasmaferese constituem uma importante

    ferramenta no controle desses pacientes (Sato et al. 2004).

  • 7

    Os antiinflamatrios no hormonais tm perdido espao nos ltimos anos no controle dos pacientes

    com LES, por seus efeitos colaterais principalmente para os rins.

    Sato (2004) reafirma que os antimalricos, como a Cloroquina na dose de 4mg/kg/dia ou

    Hidrxicloroquina na dose de 6mg/kg/dia, so indicados em todas as formas de LES, desde que no haja

    contra-indicao, embora sua maior indicao seja para as formas cutnea-articular. Devido aos efeitos

    colaterais, os pacientes candidatos ao uso de antimalricos devem ser submetidos a um exame de fundo de

    olho a cada seis meses, em mdia, do uso da droga.

    Em casos graves, os pacientes com LES devem fazer uso de imunossupressores

    como a Ciclofosfamida na dose de 0,5 a 1g/m2 de superfcie corporal sob a forma de

    pulsoterapia1 inicialmente mensal, por seis meses, depois bimensal ou trimensal e final

    semestralmente, totalizando um perodo de dois anos.

    Deve-se, tambm, orientar os pacientes e seus familiares sobre fatores que

    influenciam na exacerbao da doena, como exposio irradiao ultravioleta, uso de

    estrgenos e gravidez, entre outros, alm de fornecer suporte psicolgico e social

    (Mccune & Riskalla, 2002; Wallace, 2002).

    No caso de gravidez, o momento mais adequado para a mulher portadora de LES

    engravidar quando a doena est inativa, embora todas as gestaes devam ser

    consideradas de alto risco devido severidade da patologia e necessidade de terapia

    medicamentosa (Lockshin, 2001). Ser portadora de LES no impede a gravidez ou a

    formao de bebs saudveis, embora toda interveno durante a gestao deva ocorrer

    sob o acompanhamento conjunto entre o reumatologista e o ginecologista. As mulheres

    com LES que no desejam engravidar devem procurar um mdico para orient-la acerca

    do mtodo contraceptivo mais adequado, uma vez que o estrgeno contido nas plulas

    anticoncepcionais pode ativar a doena (Sato, 1999).

    Pesquisas de Lockshin (2001) mostram que 50% de todas as gestaes em

    mulheres com lpus so normais, 25% tm bebs prematuros e 25% correspondem

    1 Pulsoterapia de glicocorticides com dose intravenosa de 1 g por dia em trs dias consecutivos de metilprednisolona (15-20

    mg/kg/dia por dose). Doses baixas a moderadas so usadas para o controle inicial de manifestaes mais brandas.

  • 8

    perda do feto, por aborto espontneo ou morte do beb. A mortalidade perinatal mais

    elevada quando o LES se apresenta de forma severa e est mal controlado. A doena

    pode se exacerbar no perodo prximo ao parto e at oito semanas aps. Contudo, o

    acompanhamento sistemtico pode evitar a ativao da doena (Sato, 1999).

    Depresso e doenas crnicas

    A literatura refere que uma porcentagem significativa de mulheres com

    diagnstico de LES desenvolve depresso em nvel moderado ou grave. H uma

    percepo clnica geral de que a depresso ocorre com freqncia no curso do LES. Se

    essa depresso pode ser normalmente esperada devido ao estresse e aos sacrifcios

    impostos pela doena ou se, ao contrrio, ela que agrava e desencadeia os sintomas e

    crises agudas, uma questo de difcil resposta (Ayache & Costa, 2005).

    A depresso classificada como transtorno do humor de acordo com o Manual

    Diagnstico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR, 2000). Os sintomas que

    caracterizam e determinam o diagnstico de depresso so: humor deprimido, insnia e

    hipersonia, sensao de inutilidade, fadiga ou diminuio da energia, agitao ou

    retraimento psicomotor, pensamentos persistentes e recorrentes acerca da morte e

    suicdio, sentimento de culpa exacerbado e inadequado, retraimento da capacidade de

    pensamento e deciso, perda ou ganho relevante de peso, prazer ou desprazer acentuado

    pelas atividades. Esse conjunto de aspectos indica que fatores biolgicos, genticos e

    neuroqumicos participam dos quadros depressivos (Dalgalarrondo, 2000).

    A depresso pode ser classificada quanto intensidade dos sintomas, como leve,

    moderada ou grave; ou quanto ao predomnio dos sintomas, como depresso atpica,

  • 9

    depresso ansiosa, depresso psictica, distimia e transtorno bipolar de humor (CID 10,

    1993).

    Botega et al. (2002) caracterizam a depresso como um transtorno de humor

    recorrente e sugerem que uma a cada vinte pessoas apresenta depresso em estado

    moderado ou grave. De cinqenta casos, um necessita de hospitalizao e pelo menos

    15% dos deprimidos graves se suicidam.

    O enfoque da depresso do ponto de vista da anlise do comportamento destaca

    a relao entre o ambiente e os estados emocionais do homem. Compreende-se por

    ambiente a histria filogentica, ontogentica e cultural a qual todos esto submetidos.

    Portanto, o desencadeamento e a durao dos sintomas depressivos dependem do

    conjunto de fatores biolgicos, histricos e ambientais (Capelari, 2002).

    Nery, Borba e Lotufo Neto (2004) sugerem que pacientes com o LES e que

    apresentam sintomas sugestivos de estado depressivo devem ser alertadas que esse

    estado emocional pode ser induzido pela prpria doena, pelos medicamentos usados no

    tratamento e por um incontvel nmero de estmulos aversivos vivenciados pelo

    paciente durante o curso dessa doena crnica. Portanto, o dficit de contingncias

    reforadoras pode promover estados depressivos.

    Keiserman (2001) demonstrou que 15% das pessoas com doenas crnicas em

    geral sofrem de depresso e entre os pacientes com diagnstico de lpus esse percentual

    pode chegar a quase 60%. Deve-se considerar, entretanto, que embora a depresso seja

    muito mais comum em portadores de doenas crnicas, como o LES, do que no resto da

    populao, nem todos apresentaro depresso.

    importante ressaltar que pacientes com LES podem apresentar sintomas

    semelhantes ao estado de depresso, tais como a apatia, letargia, perda de energia ou

    interesse, insnia, aumento das dores, reduo do apetite e da performance sexual, da a

  • 10

    importncia de profissionais bem preparados com conhecimento sobre os mtodos

    diagnsticos que permitam diferenciar as enfermidades. Essa prtica pode evitar que os

    pacientes atinjam estgios avanados, com sofrimento para os mesmos, correndo risco

    de lev-los at ao suicdio. Estudos tm documentado que cerca de 30 a 50% dos casos

    de depresso no so diagnosticados pelos procedimentos mdicos de rotina

    (Keiserman, 2001).

    Nery et al. (2004) revelaram que vrios fatores contribuem para a depresso em

    uma doena como o LES, como as reaes emocionais causadas pelo estresse e tenso

    associados ao enfrentamento da doena, as privaes e os esforos necessrios aos

    ajustes que o paciente deve fazer em sua vida, alm de alguns medicamentos usados no

    tratamento da doena como os corticosterides. Tambm importante considerar o

    envolvimento de rgos vitais como o Sistema Nervoso Central contribuindo para o

    aparecimento do estado depressivo (Keiserman, 2001).

    Cabral (1986), ao abordar as consequncias psicolgicas e sociais de uma

    doena crnica, inclui como fatores relevantes para o doente: a gravidade da doena,

    sua fase evolutiva, o estilo de vida do enfermo e seu padro comportamental frente s

    situaes adversas. Este pesquisador conclui seus estudos relatando que padres de

    comportamento aprendidos ao longo da vida podem propiciar o desenvolvimento de

    doenas crnicas ou contribuir para o agravamento do seu quadro clnico, resultando em

    condutas que dificultam a adeso ao tratamento e, a consequente, recuperao do

    paciente.

    Em estudos acerca de depresso junto a pacientes com LES, destaca-se o

    trabalho de Segui et al. (2000, citado por Arajo, 2004) que investigaram 20 mulheres

    com diagnstico de LES em perodo de atividade e de inatividade da doena a fim de

    comparar nveis de depresso. Os autores concluem que tanto nos momentos de

  • 11

    exacerbao dos sintomas como nos de remisso, os nveis de depresso se mantm os

    mesmos. Tais pesquisadores advertem que outros fatores podem estar contribuindo para

    a depresso no sendo a mesma intensificada nas fases agudas da doena. Shapiro

    (2001, citado por Arajo, 2004) chama ateno para fatores como o impacto emocional

    envolvido no estresse da adaptao doena crnica, as alteraes em rgos como o

    crebro, corao e rins e algumas medicaes usadas para controle do LES que podem

    levar o indivduo depresso. Esse dado justifica a dificuldade de identificar a etiologia

    dos sintomas.

    A literatura tambm aponta a associao de depresso e ansiedade com outras

    doenas crnicas, como o hipertireoidismo. Vainboim (2005) investigou a representao

    da doena e da internao em pacientes com diagnstico de hipertireoidismo

    hospitalizados, com o objetivo de observar possveis associaes entre os nveis de

    ansiedade e depresso e posteriormente os comparou com os pacientes ambulatoriais. A

    pesquisa teve amostra de 30 pacientes, sendo que nove estavam hospitalizados e os 21

    restantes se encontravam em tratamento ambulatorial. Foram utilizadas: entrevista

    psicolgica semidirigida e Escala HAD (Hospital Anxiety Depression), sigla pela qual

    conhecida a Escala de avaliao de ansiedade e depresso em contexto hospitalar.

    Vainboim concluiu que os ndices de ansiedade e depresso foram mais elevados em

    pacientes ambulatoriais do que em pacientes hospitalizados. Essa autora considera que a

    doena e a hospitalizao so situaes incontrolveis na vida de qualquer pessoa e

    implicam em uma ameaa ao equilbrio fsico, emocional e social, pois tais situaes

    so cercadas de ansiedade, angstias, fantasias, medos, questionamentos e dvidas.

    Inclusive as relaes sociais, familiares e suas atividades de trabalho tambm so

    atingidas a partir da doena.

  • 12

    A anlise do comportamento tem estudado variveis de controle de diferentes

    problemas humanos discutidos por B. F. Skinner. As relaes humanas podem ser foco

    de estudos interessados em descrever causas, efeitos e formas de tentar lidar,

    adequadamente, com essas contingncias. Skinner (1953/2000) descreve processos

    bsicos nos quais os comportamentos se estabelecem: a filognese, que diz respeito

    interao com o ambiente a partir da evoluo da espcie, referindo-se a

    comportamentos reflexos e traos comportamentais; a ontognese, que compreende a

    aprendizagem individual como conseqncia das experincias com o meio; e a

    ontognese sociocultural que se refere aprendizagem social, ou seja, a aprendizagem

    que se estabelece no contato com a cultura (valores, crenas, estilos de vida).

    A depresso est ligada histria de reforamento de cada indivduo

    (aprendizagem individual no contato social). Para compreend-la necessrio olhar

    para a interao homem-ambiente, ou seja, verificar os antecedentes e as conseqncias

    de um comportamento depressivo.

    A histria de vida de cada indivduo passa por uma seleo do comportamento

    pelas suas conseqncias que envolvem dupla relao de controle: a do sujeito sobre seu

    meio ambiente que atravs do seu comportamento pode modific-lo , e a do

    ambiente sobre o comportamento do sujeito, que sofre as conseqncias das alteraes

    ambientais produzidas por ele prprio (Skinner, 1994). Contudo, sabe-se que estmulos

    que no esto sob controle do sujeito tambm podem modificar seu comportamento.

    Diversos estudos experimentais demonstraram que animais submetidos a

    choques eltricos incontrolveis apresentaram, posteriormente, dificuldade de aprender

    respostas de fuga, sendo que o mesmo no ocorre quando os choques prvios foram

    controlveis. Esse efeito da incontrolabilidade dos choques tem sido denominado

    "desamparo aprendido" (Maier & Seligman, 1976; Peterson, Maier & Seligman, 1993).

  • 13

    A interpretao mais aceita sobre o desamparo aprendido assinala que, durante o

    tratamento com estmulos incontrolveis, o sujeito aprende que as alteraes dos

    estmulos independem de suas respostas, de forma que, posteriormente, ele tem maior

    dificuldade em aprender a relao entre comportamento e conseqncia contida em

    contingncias operantes s quais exposto (Maier & Seligman, 1976; Peterson et al.,

    1993).

    No entanto, estudos recentes fortalecem a suposio de que a incontrolabilidade

    dos estmulos no uma varivel suficiente para que se produza o efeito de desamparo

    aprendido. Estas questes se tornam mais relevantes ao se considerar a aplicabilidade do

    termo a estudos com seres humanos expostos a estmulos incontrolveis, como a

    evoluo de uma doena crnico-degenerativa.

    No caso de indivduos com LES, embora estudos apontem para uma relao

    entre esta doena e a presena de depresso, em especial em mulheres (Mattje & Turato,

    2006), no est clara tal relao. H estudos sugerindo que as caractersticas da doena

    poderiam favorecer estados depressivos em mulheres (Ballone, 2003), assim como

    estudos que sugerem que tais estados depressivos poderiam ser decorrentes de efeitos

    colaterais dos medicamentos utilizados para o tratamento do lpus (Ballone, 2003).

    O desamparo aprendido se estabelece quando o sujeito aprende que no existe

    relao entre suas respostas e os estmulos, aprendizagem essa que se contrape

    aprendizagem seguinte que envolve contingncia de reforamento (Maier & Seligman,

    1976). Porm a hiptese do desamparo aprendido vai alm da anlise das relaes

    funcionais estabelecidas na condio experimental e considera crticos alguns processos

    cognitivos, inferidos a partir dos dados. Segundo Maier e Seligman, a varivel

    independente crtica para o desamparo no a incontrolabilidade estabelecida

    experimentalmente, mas sim a expectativa desenvolvida pelo indivduo de que ele no

  • 14

    pode controlar o ambiente. Essa expectativa pode atuar em diferentes nveis,

    promovendo um conjunto de efeitos que caracterizam o desamparo, que desencadeia

    trs tipos de dficits: motivacional, cognitivo e emocional. A interpretao cognitivista

    desse efeito, segundo Hunziker (2005) decorre de uma alterao na forma de como o

    sujeito processa a informao relativa nova contingncia. Seria esse erro de

    processamento, causado pela expectativa de incontrolabilidade, que leva o sujeito a

    no registrar a relao de dependncia que h entre sua resposta e as mudanas no

    ambiente. Consequentemente, o dficit emocional caracterizado por alteraes

    fisiolgicas, tais como mudanas do ciclo de sono e de ingesto de alimentos,

    imunossupresso, entre outras. Ainda na interpretao cognitivista, a crena de que o

    reforo no vir, produz estados alterados de emoes (ansiedade e depresso) que, por

    sua vez, levam a essas alteraes fisiolgicas.

    Nery et al. (2004) constataram que mdicos reumatologistas experientes e os

    prprios pacientes relacionam a piora ou surgimento do LES com algumas situaes

    aversivas. Por outro lado, deve ficar bem definido que a doena possui evoluo

    tipicamente marcada por perodos variveis de remisso e exacerbao, e que sofre

    influncia de alguns fatores como exposio solar, hormnios, drogas, e agentes

    infecciosos.

    Os resultados obtidos por Nery et al. (2004), no levantamento das pesquisas cujo

    objetivo era verificar a piora nas manifestaes de doenas clnicas sob a influncia de

    fatores psicologicamente estressantes, mostram que, no LES, h um padro diferente de

    resposta imune nos pacientes, quando comparados a pessoas saudveis, que pode estar

    ligado piora ou exacerbao da doena. E, alm disso, como foi visto em outros

    estudos j mencionados, os estmulos aversivos cotidianos ligados a relacionamentos

    interpessoais podem preceder a piora da atividade clnica do LES. Porm, se faz

  • 15

    necessrio mais investigaes para se afirmar que eventos de vida marcantes e

    estressores crnicos podem eliciar sintomas fsicos.

    O estudo de Schubert (1999) apresenta o monitoramento de uma nica paciente

    com LES durante pouco mais de dois meses, verificando estressores cotidianos

    semanalmente e realizando diariamente medidas de neopterina2 urinria, um parmetro

    imunolgico de atividade inflamatria do LES. Embora no tenham observado

    parmetros bem definidos durante o perodo do estudo, o autor constatou um aumento

    da neopterina urinria sempre um dia aps estressores cotidianos moderadamente

    intensos. Embora este achado no seja suficiente para concluses definitivas, sugere

    uma possvel relao de agentes estressores psicossociais na atividade do LES.

    Em contrapartida, Dobkin et al. (2002) acompanharam 120 pacientes com LES

    durante 15 meses. Trimestralmente, eram avaliados estressores ambientais do cotidiano,

    sintomas psiquitricos, qualidade de vida, suporte social e estratgias de enfrentamento.

    Alm destas variveis, a atividade da doena tambm foi avaliada ao incio e ao final do

    estudo. Os autores verificaram que estresse no predizia aumento da atividade da

    doena. Porm, todas as pacientes com LES eram participantes de um grupo de

    psicoterapia, e segundo os pesquisadores provvel que essa interveno tenha

    interferido no impacto do estresse psicossocial sobre a doena, uma vez que todas as

    medidas avaliadas mostraram melhora ao longo do estudo.

    Estudo realizado por Shering-Plough (2002) refere que profissionais da rea

    mdica destacam estresse e fatores psicolgicos como desencadeantes de sintomas

    fsicos, mas no se esclarece quais os fatores especficos, nem como os aspectos

    emocionais afetam o organismo. Porm, nem toda a classe mdica compreende o

    desencadeamento dos sintomas relacionado com o estresse. Tambm, estudos em

    2 Neopterina: um produto excretado pelos macrfagos quando estes so estimulados por interferon-gamma.

  • 16

    psicologia da sade referem que, isoladamente, a condio emocional de uma pessoa

    no suficiente para desencadear uma doena orgnica, destacando a importncia de

    uma abordagem que busque a multicausalidade do problema (Costa & Lpez, 1986). A

    forma como o indivduo se comporta e seu estilo de vida associado ao tipo de adeso ao

    tratamento que ele apresenta podem interferir na intensidade dos sintomas de uma

    doena, mas no o nico responsvel pela exacerbao dos sintomas (Ferreira,

    Mendona & Lobo, 2007).

    Com base nos achados de Ferreira et al. (2007), nota-se que os recursos mdico-

    farmacolgicos disponveis no so suficientes para a cura de uma doena caracterizada

    como crnica. Nesse sentido, necessrio um tratamento e um acompanhamento

    profissional em longo prazo que vise o controle da doena por meio de consultas

    mdicas, monitorao sistemtica de sintomas e avaliao dos procedimentos mdico-

    farmacolgicos (Derogatis, Fleming, Sudler & Pietra, 1996). Os tratamentos deveriam

    educar o paciente a aprender a controlar sua doena reduzindo a freqncia de quadros

    agudos. A reeducao do comportamento do paciente tem dificuldades na sua realizao

    uma vez que, esse processo envolve o impacto da doena e das exigncias do tratamento

    do paciente. O paciente crnico precisa conciliar o desejo de ser curado e as

    exigncias do tratamento que concorrem com o padro comportamental do mesmo, j

    modelado ao longo de sua histria de vida. Quando se trata de uma doena crnica, as

    exigncias significam muito mais do que a responsabilidade de realizar o tratamento

    farmacolgico ao longo da vida do paciente. Significa a aprendizagem de novos

    repertrios comportamentais que possibilitem ao paciente ter qualidade de vida (Ferreira

    et al., 2007).

    Qualidade de vida e estratgias de enfrentamento em doenas crnicas

  • 17

    A literatura atual apresenta o termo qualidade de vida como um conceito que

    inclui uma variedade de condies que esto alm do estado de sade do indivduo,

    como valores sociais, determinantes culturais e expectativas. O desequilbrio nas

    condies citadas anteriormente interfere na percepo do indivduo em relao a seus

    sentimentos, seus comportamentos, ao funcionamento da vida diria. O conceito de

    qualidade de vida valoriza a preocupao com o bem-estar geral e os parmetros que

    extrapolam o controle de sintomas (Seidl & Zannon, 2004).

    Na rea da sade, estudos recentes utilizam instrumentos sobre qualidade de

    vida e ndices de depresso em pacientes com doenas crnicas. Dentre esses estudos,

    destaca-se o de Berber et al. (2005) que realizaram uma estimativa da prevalncia de

    depresso em pacientes com sndrome de fibromialgia, bem como da condio de

    qualidade de vida destes pacientes, e avaliaram a magnitude da associao entre a

    depresso e a qualidade de vida. Para esse estudo foram selecionados 70 pacientes com

    fibromialgia que compareceram s consultas mdicas em duas instituies pblicas e

    em seis consultrios particulares de reumatologia. Foram aplicados dois questionrios: o

    General Health Questionaire (GHQ-28), para mensurar a depresso, e o Medical

    Outcome Short Form Health Survey (SF-36) para medir a qualidade de vida, composto

    de 8 sub-escalas, que abordam vrios aspectos do construto qualidade de vida.

    Realizaram-se anlises uni e multivariadas entre os escores obtidos no GHQ-28 e nas

    escalas do SF-36.

    Os resultados obtidos por Berber et al. (2005) sugerem uma correlao entre a

    reduo de escores de alguns aspectos da qualidade de vida (como condicionamento

    fsico, funcionalidade fsica, funcionalidade social e emocional, sade mental, dor e a

    percepo da sade em geral) e a ocorrncia de depresso em pacientes com

    fibromialgia. Nesse estudo, dois teros da amostra apresentaram algum grau de

  • 18

    depresso. Os baixos escores de qualidade de vida observados no estudo j haviam sido

    encontrados, segundo os autores, em outros trabalhos que utilizaram o instrumento SF

    36 com pacientes com LES e fibromialgia. Os escores de pacientes com fibromialgia

    foram significativamente mais baixos do que os obtidos por pacientes com LES. Ficou

    evidente no estudo que pacientes com fibromialgia atingiram escores mais baixos nas

    escalas dor e vitalidade, ao serem comparados com pacientes com outras doenas

    crnicas, indicando pior qualidade de vida.

    Para Berber et al. (2005), os distrbios depressivos complicam o curso de

    qualquer doena por meio de uma variedade de mecanismos: intensifica a sensao de

    dor, dificulta a adeso ao tratamento, tende a diminuir o suporte social e desequilibrar os

    sistemas humoral e imunolgico. Os autores concluem que pacientes com diagnstico

    de uma doena crnica, como fibromialgia e LES, que esto depressivos apresentam

    maior incapacidade que os no depressivos. No estudo de Berber et al., a depresso

    estava freqentemente associada a redues importantes na qualidade de vida, incluindo

    uma funcionalidade social prejudicada. Observou-se queda dos escores nas escalas que

    mediam vitalidade, concentrao, qualidade das interaes sociais e satisfao com a

    vida nos pacientes depressivos. Desta forma, quanto mais severa a depresso, pior era a

    percepo da qualidade de vida entre os participantes do estudo, levando os autores a

    sugerirem que a depresso compromete a funcionalidade social e emocional dos

    pacientes, uma vez que pessoas depressivas tm tendncia ao isolamento, a sentimentos

    de derrota e frustrao, influenciando negativamente o seu relacionamento com outras

    pessoas.

    No caso da sndrome de fibromialgia, os fatores psicossociais tm papel

    significativo na etiologia e evoluo da doena. Dentre estes fatores esto aspectos

    comportamentais como condutas de risco e utilizao de estratgias de enfrentamento

  • 19

    no adaptativas; fatores cognitivos como vitimizao e perda do autocontrole; e fatores

    sociais como interferncias na funo do indivduo na sociedade. Assim, forma-se uma

    cadeia de perdas que fortalece os sintomas depressivos, gerando um ciclo vicioso

    (Berber et al., 2005).

    Ainda no estudo de Berber et al. (2005), de acordo com a autopercepo dos

    pacientes, observou-se que a associao entre depresso e piora dos sintomas foi

    significativa. Com base nesses resultados, os autores acreditam que a percepo

    negativa de seu estado de sade por parte do paciente e a exacerbao dos sintomas

    pode ocorrer em qualquer doena crnica associada depresso.

    Em meados da dcada de 90, as investigaes entre variveis psicolgicas,

    estratgias de enfrentamento, suporte social e a percepo da qualidade de vida,

    passaram a relacionar esses fatores com a condio do paciente portador de doena

    crnica (Dunbar, Mueller, Medina & Wolf, 1998). No caso das estratgias de

    enfrentamento da doena, um instrumento que tem sido til para pesquisar associao

    entre enfrentamento e qualidade de vida, utilizado em estudos nacionais, a Escala

    Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP): instrumento derivado da escala de

    Vitaliano, Russo, Carr, Maiuro e Becker (1985), em verso adaptada para o portugus

    por Gimenes e Queiroz (1997) e submetido anlise fatorial por Seidl, Trccoli e

    Zannon (2001).

    O EMEP foi utilizado no estudo de Faria e Seidl (2006), no qual investigou-se o

    poder de predio de estratgias de enfrentamento, incluindo o enfrentamento religioso

    (ER), escolaridade e condio de sade (assintomtico ou sintomtico) em relao ao

    bem-estar subjetivo (afeto positivo e negativo) com 110 indivduos soropositivos para o

    HIV dos quais 68,2% eram homens, com idades entre 21 e 60 anos. Os instrumentos

    incluram questionrios elaborados para o estudo, Escala de Afetos Positivos e

  • 20

    Negativos, Escala Modos de Enfrentamento de Problemas e Escala Breve de

    Enfrentamento Religioso. Dentre os resultados apresentados, os autores indicaram que

    enfrentamento focalizado na emoo (preditor negativo), enfrentamento focalizado no

    problema e enfrentamento religioso positivo foram preditores do afeto positivo. Em

    relao ao afeto negativo, observou-se contribuio do enfrentamento focalizado na

    emoo e do enfrentamento focalizado no problema (preditor negativo). Os achados

    apontam que o preconceito expresso por algumas religies limitaram, moderadamente, o

    apoio social de pessoas com diagnstico de soropositividade quando buscavam as

    prticas religiosas.

    Reflexes sobre prticas religiosas no Brasil foram apresentadas por Gwercman

    (2004) em um artigo no qual relata a origem e a expanso da teologia da

    prosperidade, baseada na mxima de que Deus capaz de dar o que o fiel desejar.

    Basta ter f e acreditar que as prprias palavras tm poder. Tal crena foi incorporada

    por vrias igrejas, e, no Brasil favoreceu a exploso evanglica. Atualmente, a

    populao brasileira em geral exemplo de uma cultura extremamente religiosa. E,

    ainda, mantendo-se fiel ao Cristianismo.

    Outras variveis associadas qualidade de vida esto em investigao por vrias

    reas de conhecimento. Santos, Frana Jr. e Lopes (2007) se propuseram a analisar a

    qualidade de vida de 365 pessoas que vivem com HIV-aids com idade maior que 18

    anos e passaram por consulta com o infectologista. As variveis sociodemogrficas, de

    consumo recente de substncias psicoativas e as condies clnicas foram obtidas por

    meio de questionrios e a qualidade de vida foi avaliada por meio do WHOQOL-bref.

    Apesar de diversidade em relao a sexo, cor da pele, renda e condies de sade

    mental e imunolgica, os autores concluram que os portadores de HIV-aids avaliaram

    ter melhor qualidade de vida fsica e psicolgica que outros pacientes crnicos,

  • 21

    porm os escores foram mais baixos no domnio de relaes sociais. Neste ltimo

    domnio, podem estar refletidos os processos de estigma e discriminao associados s

    dificuldades em revelar seu diagnstico para terceiros, em especial para os parceiros

    sexuais.

    Em pesquisa com 241 pessoas portadoras de HIV-aids, sendo 169 sintomticas e

    72 assintomticas, com 208 delas em uso de terapia antirretroviral, Seidl, Zannon &

    Trccoli (2005) correlacionaram qualidade de vida (QV) com condio clnica,

    escolaridade, situao conjugal, enfrentamento e suporte social. A varivel QV foi

    investigada nas dimenses psicossocial, fsica, do ambiente e qualidade de vida geral,

    mediante anlises de regresso mltipla hierrquica. Nos resultados apresentados se

    verificou que, o suporte social emocional, enfrentamento focalizados na emoo,

    enfrentamento focalizado no problema e viver com parceiro, podem ser considerados

    como preditores significativos da dimenso psicossocial da QV, alcanando a maior

    varincia explicada. O suporte social emocional e enfrentamento focalizado na emoo

    foram preditores significativos nas anlises relativas s demais dimenses da QV. Os

    autores concluram que as pessoas soropositivas que avaliaram maior disponibilidade e

    satisfao com o suporte emocional, e referiram menor utilizao de estratgias de

    enfrentamento focalizado na emoo, maior freqncia de enfrentamento do problema e

    estavam vivendo com parceiro(a) apresentaram condies de funcionamento das esferas

    cognitiva, afetiva e dos relacionamentos sociais mais adequadas, alm de maior

    satisfao com esses aspectos. Um dado esperado e interessante verificado pelos autores

    foi quanto dimenso fsica: as pessoas assintomticas avaliaram melhor o seu

    funcionamento fsico que as sintomticas. Ainda que a maioria dos participantes

    estivesse usando a terapia anti-retroviral, os sintomas estavam menos intensos e

    provavelmente as pessoas sintomticas tinham mais desconforto fsico.

  • 22

    Tais reflexes sobre qualidade de vida e variveis como renda, ocupao,

    conhecimento da doena, caractersticas da doena indicam a necessidade de manejo de

    algumas destas variveis a fim de favorecer a adeso ao tratamento.

    Adeso ao tratamento em doenas crnicas

    Para Jeammet (1982), adeso ao tratamento envolve vrios aspectos presentes

    em uma situao de doena como: (a) a doena em si, se esta se encontra em estgio

    agudo ou se crnica e debilitante; (b) o prprio paciente, se este se encontra pela

    primeira vez enfrentando uma situao de doena grave, se possui apoio familiar, se

    confia no mdico que o assiste; (c) o profissional mdico e sua expectativa em relao

    ao paciente, como se relaciona com o mesmo, se mantm uma postura humanizada e

    emptica, conseguindo ouvir as angstias do paciente, cont-las e orient-lo; e (d) o tipo

    de tratamento, dependendo da complexidade, se exige preciso nos horrios, se utiliza

    medicaes injetveis ou orais, seu tempo de durao e quantidade de comprimidos ao

    dia. De modo geral, os aspectos citados iro influenciar de forma mais intensa em

    alguns casos e brandamente em outros, no que se refere adeso ao tratamento.

    Segundo a Organizao Mundial de Sade (2002), possvel conceituar adeso

    ao tratamento como o grau de concordncia entre as recomendaes do prestador de

    cuidados de sade e o comportamento do paciente relativamente ao regime teraputico

    proposto em comum acordo. Esta definio permite perceber a complexidade e

    variedade de comportamentos que podem ser tratados enquanto fenmenos de adeso ao

    tratamento. Portanto, quando se fala em adeso ao tratamento, refere-se a formas

    diversas de manifestaes em diferentes momentos do processo teraputico. A entrada e

    a permanncia em programas de tratamento, o seguimento das consultas previamente

  • 23

    estabelecidas, a aquisio dos medicamentos prescritos e o uso dos mesmos de forma

    adequada, o seguimento de regimes alimentares ou a prtica de exerccio fsico, ou

    ainda, o abandono de comportamentos de risco, so exemplos da diversidade dessas

    manifestaes.

    A diversidade e a complexidade dos comportamentos citados auxiliam a

    compreender a dificuldade em determinar de forma precisa o nvel de adeso ou de no

    adeso ao tratamento, na medida em que estes dependem do tipo de doena, do regime

    teraputico e da metodologia utilizada para avaliar a correspondncia entre as

    prescries e o seguimento ou no destas prescries (Bond & Hussar, 1991).

    Em estudo retrospectivo, Maia e Arajo (2004) fizeram uma anlise de 150

    pacientes com diabetes mellitus do Tipo 1 (DM1). As variveis estudadas foram: idade,

    sexo, tempo de convivncia com a doena, esquema insulnico utilizado, perfil

    psicolgico, glicemia capilar com passado de crise convulsiva, hipoglicemia grave ou

    cetoacidose diabtica. O perfil psicolgico do paciente foi avaliado por psiclogo, sendo

    investigados: a forma como o paciente estava lidando com o diabetes, a presena de

    sentimento de medo em relao s crises hipo-hiperglicmicas e suas repercusses em

    ambiente pblico como, por exemplo, a vergonha de revelar que portador de DM1.

    Maia e Arajo concluram que a presena de uma doena crnica degenerativa gera

    sentimentos diversos como angstia, temor e incerteza nos diabticos e em seus

    familiares. Os portadores de DM1 se sentiam frustrados ou "esgotados" pelo

    desconforto dirio do tratamento e da automonitorizao. Outra varivel significativa

    analisada por Maia e Arajo foi a idade em relao aceitao da doena. Pois,

    observou-se maior mdia de idade nos pacientes com menor aceitao da doena. O

    desconforto psicossocial gerado pela rotina de automonitorao da glicemia em

    pacientes com DM1 tem impacto negativo sobre a capacidade do paciente de iniciar e

  • 24

    manter as recomendaes bsicas de autocuidado, levando algumas vezes a omisses de

    doses de insulina, com maior incidncia de complicaes agudas graves. Maia e Arajo

    concluram que, mesmo com os esforos empregados pelos profissionais de sade, os

    aspectos do comprometimento da qualidade de vida do paciente podem dificultar

    importantes evolues no atendimento assistencial. E advertiram que, com menor

    adeso ao tratamento, piora o controle glicmico e aumenta o nmero de complicaes

    em longo prazo.

    Delgado e Lima (2001) comentam que Hipcrates j considerava que pacientes

    mentem freqentemente quando lhes perguntado se tomaram os medicamentos. O

    desejo de agradar ou de evitar a desaprovao leva a que pacientes emitam respostas

    para se mostrarem, a eles prprios e sobretudo aos outros, como mais aderentes do que

    realmente so. Alguns pacientes ainda, segundo Taylor (1986), na verdade nem se

    percebem como no aderentes, pelo que seria intil perguntar-lhes se tomaram certo

    medicamento ou fizeram determinada dieta. No parece tambm que, de acordo com

    Steele, Jackson, e Gutmann (1990), os mdicos sejam capazes de identificar com

    fidelidade quem so os pacientes aderentes e quem so os no aderentes por alguma

    caracterstica que estes tenham, ou por qualquer misteriosa intuio a que alguns

    chamam olho clnico.

    Em Portugal, Ramalhinho (1994), ao avaliar a adeso medicao anti-

    hipertensiva em 95 adultos, chegou a resultados coincidentes com a literatura.

    Ramalhinho utilizou, na avaliao da adeso aos medicamentos prescritos, o mtodo de

    contagem de medicamentos em paralelo com uma medida psicomtrica. Neste estudo se

    encontrou, respectivamente, uma adeso de apenas 46,3 a 56,8% aos medicamentos

    anti-hipertensivos.

  • 25

    Delgado e Lima (2001) afirmam que, dentre os mtodos indiretos e

    comportamentais, a contagem de medicamentos tem merecido a preferncia de muitos

    investigadores. Ramalhinho (1994), que utilizou esta metodologia para avaliar o nvel

    de adeso teraputica anti-hipertensiva, comenta que esta metodologia oferece

    dificuldades e os resultados podem ser enviesados.

    Se o doente se apercebe, ou avisado que est a ser controlado com o objetivo

    de medir a sua adeso aos tratamentos, pode tomar os medicamentos com maior

    assiduidade do que tomaria normalmente, ou at mesmo deit-los fora, de modo

    a procurar agradar ao seu mdico ou aos investigadores. Por outro lado, o

    mtodo da contagem dos medicamentos moroso, pois obriga pelo menos a

    duas visitas a casa do doente no pressuposto que o doente guarde as embalagens

    de todos os medicamentos que est a tomar. O que nem sempre acontece. Alguns

    doentes deixam algumas embalagens/comprimidos dos medicamentos que esto

    a tomar numa outra casa que freqentam com regularidade, ou no local de

    trabalho, ou ainda, esquecem-se que entre as contagens adquiriram novas

    embalagens (Ramalhinho, 1994, p. 84).

    Delgado e Lima (2001) referem que, a fim de contornar algumas destas

    dificuldades e com o objetivo de criar um mtodo que oferecesse boas qualidades

    psicomtricas e permitisse ao mesmo tempo uma aplicao extensiva, regular e que se

    adaptasse a qualquer contexto clnico, Morisky e Green desenvolveram, em 1986, uma

    medida de quatro itens para avaliar a adeso aos tratamentos, cujos itens os pacientes

    respondiam de forma dicotmica (sim/no a quatro perguntas: 1) voc, alguma vez,

    esquece de tomar seu remdio? 2) voc, s vezes, descuidado quanto ao horrio de

    tomar seu remdio? 3) quando voc se sente bem, alguma vez, voc deixa de tomar o

    remdio? 4) quando voc se sente mal com o remdio, s vezes, deixa de tom-lo?).

    Segundo Delgado e Lima, a originalidade desta escala, relativamente a outras formas de

    auto-relato, residia, fundamentalmente, na construo das questes pela negativa, em

    que a resposta no significava adeso. Este fato permitia, segundo os mesmos autores,

    evitar os enviesamentos.

  • 26

    Delgado e Lima (2001) buscaram verificar se a adeso poderia ser medida com a

    utilizao de uma escala do tipo Likert, comparativamente escala dicotmica utilizada

    por Morisky e Green, que analisa as caractersticas psicomtricas de duas medidas com

    seis itens desenvolvidas para aceitar a adeso medicao (comprimidos e inalador). O

    objetivo melhorar a qualidade psicomtrica do instrumento de medida da adeso ao

    tratamento, quer em termos de sensibilidade e de especificidade, quer de consistncia

    interna. Delgado e Lima fizeram uma validao concorrente desta escala tomando como

    critrio a contagem de medicamentos. Estabeleceram que o mtodo de contagem de

    medicamentos , na verdade, um instrumento de avaliao mais prximo da medida de

    adeso do que o critrio controle da presso arterial utilizado em outros estudos.

    Nesse estudo, o critrio de adeso consistia em tomar entre 80% e 100% da dose

    prescrita no mbito do tratamento. E como no adeso, a porcentagem abaixo das

    referidas.

    Este critrio utilizado por Delgado e Lima (2001) para selecionar os sujeitos que

    esto aderindo e os que no esto aderindo no consensual. Segundo Grgoire,

    Guilbert, Archambault e Contandriopoulos (1997), no existe unanimidade sobre qual

    o ponto de ruptura acima e abaixo da qual o paciente deve ser classificado como

    aderente ou como no aderente. Grgoire et al. destacam que a arbitrariedade na

    definio do ponto de ruptura altera a classificao de muitos pacientes como aderentes

    ou como no aderentes, com importantes conseqncias em termos da sensibilidade e da

    especificidade de qualquer medida utilizada. O percentual dentro do qual um paciente

    considerado aderente situa-se entre os 75 e os 120% que tomam a medicao prescrita.

    Com isto observa-se que estudos acerca da adeso podem indicar um ou mais fatores

    facilitadores ou no para o tratamento e sucesso da terapia.

  • 27

    Strele, Mion Jr. e Pierin (2003) relacionaram o controle da presso arterial com o

    teste de Morisky e Green, o conhecimento sobre a doena, a atitude frente tomada dos

    remdios e o comparecimento s consultas e juzo subjetivo do mdico. No referido

    estudo, participaram 130 hipertensos: 73% mulheres, 60 11 anos, 58% casados, 70%

    brancos, 45% aposentados, 45% com primeiro grau incompleto, 64% com renda

    familiar de um a trs salrios mnimos, ndice de massa corporal 30 7 Kg/m2, 11 9,5

    anos de conhecimento da doena e 8 7 anos de tratamento. Os dados do estudo de

    Strele et al. evidenciaram que os pacientes hipertensos, que responderam ao teste de

    Morisky e Green, expressaram atitudes positivas em relao tomada dos remdios,

    porm sua associao com o controle ou no da presso arterial foi pouco significativa,

    exceto para a questo descuido do horrio da tomada das medicaes. Observou-se

    tambm que os hipertensos apresentaram conhecimento satisfatrio em relao doena

    e do tratamento e mais uma vez com fraca associao com o controle ou no da presso

    arterial. Dessa forma eles concluem que no teste de Morisky e Green, o conhecimento

    sobre doena e o tratamento no apresentaram abrangncia suficiente para predizer o

    controle da presso arterial. E tambm advertem dizendo que a avaliao dos

    hipertensos com o referido teste e com tratamento em curso foi pontual, o que talvez

    justifique os resultados encontrados.

    Nos resultados do estudo de Strele et al. (2003), apenas cerca de um tero dos

    hipertensos estudados estava com a presso arterial controlada, similar ao encontrado na

    literatura. Segundo os autores, a influncia da aposentadoria e mais tempo de tratamento

    no controle da presso poderia ser justificada pela maior disponibilidade de dedicao

    ao tratamento daqueles pacientes. Strele et al. mostraram, ainda, que a idade mais

    elevada, baixa escolaridade, baixa renda, menos de cinco anos de doena associam-se

    ao abandono e controle inadequado da presso arterial. Na associao entre

  • 28

    conhecimento sobre a doena e sobre o tratamento com o controle da presso arterial,

    tambm avaliados no estudo, o conhecimento satisfatrio expresso pelos hipertensos,

    no se relacionou com o controle da presso arterial. Esse dado talvez indique que os

    hipertensos que compuseram a amostra do estudo, apesar de expressarem

    conhecimentos dos aspectos importantes sobre a doena e tratamento, no realizaram,

    em seus hbitos de vida, mudanas suficientes para alcanar o controle da presso

    arterial. Os autores alertam que o conhecimento da enfermidade racional, e o

    comportamento de adeso um processo complexo, envolvendo fatores emocionais e

    barreiras concretas, de ordem prtica e logstica. Outro critrio para mensurar o

    comportamento de adeso ao tratamento, segundo os autores o comparecimento s

    consultas, mas que na presente investigao no se relacionou com o controle ou no da

    presso arterial.

    Os dados de Strele et al. (2003) apontam para a necessidade de uma abordagem

    multidisciplinar, na qual a vivncia de cada paciente, seus valores, crenas e prticas

    culturais sejam reconhecidos e abordados. Eles destacam a importncia de trabalhar o

    contexto social e psicossocial do paciente, tornando o tratamento um problema que deve

    ser enfrentado por todos: o hipertenso, a famlia, a comunidade, as instituies e a

    equipe de sade.

    Em estudo similar realizado por Pierin et al. (2001), tambm se verificou que o

    fato de as pessoas hipertensas estarem orientadas sobre a doena e o tratamento no

    implica em efetivo seguimento do tratamento proposto, uma vez que a adeso ao

    tratamento requer mudana de comportamentos e no apenas acesso a informaes.

    No estudo de Pierin et al. (2001), a populao estudada compreendia 205

    pacientes hipertensos atendidos em um ambulatrio de uma universidade no Estado de

    So Paulo. Os participantes apresentavam bom nvel de conhecimento dos fatores

  • 29

    associados hipertenso. E, segundo os autores, estes descreviam as orientaes

    mdicas, como reduo de sal na alimentao, evitar estresse, eliminar hbitos como o

    fumo e a bebida alcolica. E ainda, o conhecimento por parte do paciente acerca dos

    aspectos de cronicidade e gravidade da doena no indicou correspondente seguimento

    das regras necessrias ao controle da presso arterial, o que significaria adeso. Dentre a

    populao estudada, o sexo predominante foi o feminino e a faixa de idade de 41 a 60

    anos; entretanto, os resultados mostraram os homens como menos aderentes que as

    mulheres, sugerindo que fatores de ordem social e cultural, que consideram o sexo

    masculino na posio de comando e dominao, isento de doena e fraqueza, podem

    influenciar significativamente o comportamento de no adeso.

    Pierin et al. (2001) destacaram a necessidade de a populao hipertensa conhecer

    todos os aspectos inerentes doena e ao tratamento. Pois, o esclarecimento sobre

    fatores de risco associados, cronicidade da doena, ausncia de sintomatologia

    especfica e complicaes que comprometem rgos vitais quando no controlados os

    nveis da presso arterial, so aspectos importantes sobre os quais as pessoas hipertensas

    deveriam ser orientadas. E mesmo que os resultados mostrem que o conhecimento da

    doena e sua gravidade pelos pacientes no determine a adeso ao tratamento, os

    autores enfatizaram que os pacientes hipertensos precisam de um processo educativo

    para o seguimento adequado do tratamento.

    Outro aspecto importante e que constitui um dos principais problemas que o

    sistema de sade enfrenta o abandono do tratamento pelo paciente ou o incorreto

    cumprimento das orientaes prescritas pelos profissionais de sade. A no adeso aos

    tratamentos constitui, provavelmente, a mais importante causa de insucesso das

    teraputicas, introduzindo disfunes no sistema de sade por meio do aumento da

    morbilidade e da mortalidade (Gallagher, Horwitz & Viscoli, 1993).

  • 30

    O estudo de Colombrini, Coleta, Baena e Lopes (2008) objetivou verificar a

    prevalncia de no-adeso terapia anti-retroviral altamente potente (HAART) em

    pacientes (N=60) com diagnstico de aids e estabelecer o valor preditivo dos fatores

    associados no-adeso HAART. Foram considerados os trs dias anteriores

    entrevista e os pacientes classificados como aderentes quando ingeriam 95% ou mais do

    total de comprimidos prescritos por dia. A adeso foi de 73,3%. A anlise da amostra

    indicou que indivduos da raa negra apresentaram 6,48 vezes mais risco de no aderir

    ao tratamento; os pacientes que apresentaram ausncia de efeito colateral tiveram um

    risco de 7,6 vezes maior, e a cada comprimido ingerido o risco foi de 1,12. Os fatores

    sociodemogrficos e culturais, de acordo com Colombrini et al. podem interferir na

    adeso HAART. Os resultados mostraram que: raa (negra), idade (40 a 49 anos),

    escolaridade ( 6 anos), efeitos colaterais (presena) e nmero total de comprimidos

    prescritos estavam associados no-adeso ao tratamento. Os autores tambm

    investigaram associaes entre o fator raa e algumas caractersticas socioeconmicas:

    renda familiar, condies de habitao, ocupao ou tipo de trabalho e escolaridade.

    Concluram que apenas a associao entre raa negra e a escolaridade foi significativa:

    negros com diagnstico de aids e com menor escolaridade apresentaram pior adeso.

    Arajo e Traverso-Ypez (2007), em estudo com mulheres diagnosticadas com

    LES, objetivaram aprofundar os processos de significao e gerao de sentidos

    relacionados experincia do LES, entrevistando oito mulheres portadoras da doena.

    As autoras analisaram a experincia de cada participante e enfatizaram a necessidade de

    uma abordagem interdisciplinar que atenda as dimenses biopsicossociais envolvidas no

    processo de adoecimento. As autoras observaram que a doena impediu cinco dentre as

    oito participantes de continuarem suas atividades ocupacionais regularmente. E

    constataram que o LES no foi impedimento para a realizao de atividades autnomas

  • 31

    (como as de artes, escritora e vendedora), por serem mais flexveis do que as regras

    estabelecidas pelos empregadores, que determina s pessoas assalariadas uma jornada

    em torno de seis a oito horas dirias. Concluram que uma carga horria fixa e rgida

    torna-se incompatvel com os sintomas apresentados quando a doena est em perodo

    de atividade. A maioria das participantes declarou ficar impossibilitada de se

    locomover, em estgios ativos do LES, o que exigiu a suspenso de suas atividades

    laborais.

    A renda de pacientes com doenas crnicas pode dificultar sua adeso ao

    tratamento de acordo com Nunes e Oliveira (2008). As autoras desenvolveram um

    estudo com 162 hipertensos cadastrados na Unidade de Sade da Famlia Cidade Verde

    IV, na cidade de Joo Pessoa, onde a renda dos entrevistados foi mencionada como

    sendo entre um e trs salrios mnimos (80%), gerando dificuldades na adeso no que se

    refere s mudanas nos hbitos de vida, como aderir a uma alimentao saudvel e

    enfrentar situaes ansiognicas provocadas por problemas financeiros e familiares,

    bem como o acesso medicao.

    O apoio familiar que vem em forma de incentivo do(da) companheiro(a) no

    momento de tomar a medicao e comparecer s consultas, permite que alguns

    pacientes sejam alertados sobre as complicaes que iro advir se no fizerem uso da

    medicao corretamente, e sobre as mudanas que precisam fazer como preveno dos

    agravamentos (Nunes & Oliveira, 2008).

    O nvel de informao sobre a doena e o conhecimento que o paciente possui

    sobre o seu tratamento e prognstico so importantes para favorecer a adeso ao

    tratamento, embora no sejam suficientes, como j foi dito. Assim, o conhecimento que

    um indivduo possui sobre a relevncia de alguns aspectos de sua vida indispensvel

    para o enfrentamento da doena. Contudo, anlises funcionais, provavelmente, podem

  • 32

    reduzir a ocorrncia de estados de ansiedade relacionados a falsas expectativas. A

    literatura mostra que frequentemente pacientes crnicos tm poucas informaes ou

    informaes equivocadas sobre sua doena, o que pode favorecer a expectativa de

    ficarem curados e descontentes com o fato de essa cura no se realizar nunca (Ferreira

    et al., 2007).

    Uma reflexo sobre a convivncia com a doena crnica foi apresentada por

    Silveira e Ribeiro (2005), em estudo realizado com pacientes assistidos em ambulatrio

    de um hospital universitrio. De acordo com os autores, quando as doenas so

    denominadas crnicas, de longa durao, o desafio do tratamento para o paciente est

    em viver e conviver autonomamente com esta condio de cronicidade. A doena

    crnica tambm passvel de duas formas de dependncia: a dos remdios e a do

    mdico. Partindo dessa perspectiva, as autoras aconselham que o tratamento do paciente

    portador de doena crnica deve favorecer a adaptao a esta condio,

    instrumentalizando-o para que, por meio de seus prprios recursos, desenvolva

    mecanismos que permitam conhecer seu processo sade/doena de modo a identificar,

    evitar e prevenir complicaes, agravos e, sobretudo, a mortalidade precoce.

    A necessidade de o paciente adaptar-se s limitaes da doena e nova rotina

    de vida merecem um estudo mais cuidadoso no que se refere adeso ao tratamento. O

    comportamento de adeso corresponde ao grau de seguimento dos pacientes

    orientao mdica (Fletcher et al., 1989), e relaciona-se maneira como o indivduo

    vivencia e enfrenta o adoecimento. Fletcher et al. chamam a ateno para os parmetros

    usados quando se trata de adeso, no qual se focaliza o uso dos medicamentos

    prescritos, o seguimento das orientaes e restries indicadas, as modificaes que a

    pessoa necessita fazer no estilo de vida para recuperar sua sade.

  • 33

    Para Botega (2001) e Fletcher et al. (1989), estudos sobre adeso, de modo geral,

    utilizam diferentes mtodos para medi-la: comportamentais (contagem de plulas, por

    exemplo), inqurito com os pacientes, tcnicas bioqumicas, reviso de resultados

    clnicos, entre outros. Eles compreendem que essa forma de avaliar, com foco no

    aspecto medicamentoso, evidencia uma preocupao com a adeso aos medicamentos

    em lugar da adeso ao tratamento, como se fossem fatores dissociados. Esta concepo

    do profissional de sade modulada por uma formao acadmica que privilegia a

    doena e no o doente com suas caractersticas, seu estilo e seu contexto de vida.

    desprezado o significado que a doena tem para o paciente, bem como sua relevncia

    para o tratamento. Entretanto, necessrio verificar neste processo a relao do paciente

    com o profissional de sade e com a instituio qual est vinculado para tratar-se,

    justificam essas autoras.

    Desse modo, uma contribuio importante para o controle da doena crnica a

    relao do doente com os profissionais que o assistem (Britt, Hudson & Blampied,

    2004; Fernandes, 1993). necessrio, para a qualidade de vida do paciente crnico,

    buscar alternativas para realizao de um tratamento que melhor se adapte realidade

    de cada um. E de responsabilidade do profissional de sade facilitar o estabelecimento

    de um vnculo adequado que permita reconhecer possibilidades e limitaes, visando

    indicao de alternativas adequadas para adeso ao tratamento (Guimares & Kerbauy,

    1999).

    Um aspecto importante na anlise da adeso ao tratamento a postura de

    profissionais que compem uma equipe de sade, estabelecendo regras e orientaes

    para o controle da doena sem considerar a histria pessoal do paciente, que varia desde

    a difcil condio financeira, at crenas religiosas e hbitos alimentares. Desse modo,

  • 34

    os tratamentos padronizados podem favorecer a no adeso ou dificult-la por no

    considerarem as especificidades de cada caso (Malerbi, 2000).

    O psiclogo da rea da sade est capacitado a prestar assistncia especializada

    ao paciente que precisa aprender e adaptar-se a um novo padro comportamental, que

    contribua com sua qualidade de vida. Como analista do comportamento, o psiclogo

    pode ter um papel importante para o auxlio no tratamento de doenas crnicas: por

    meio da anlise funcional do comportamento (Ferreira et al., 2007).

    No caso do LES, at o momento foram localizados poucos estudos que

    investigassem fatores relacionados adeso ao tratamento na rea da psicologia. Dentre

    os estudos localizados, a maioria da rea mdica, da enfermagem, da farmcia e da

    fisioterapia, descrevendo procedimentos teraputicos e seus efeitos. Os estudos que

    relacionam aspectos emocionais e LES foram conduzidos por mdicos psiquiatras ou

    por equipes multiprofissionais sem a incluso de psiclogos, na sua maioria. Assim,

    destaca-se a relevncia de estudos sobre adeso ao tratamento por indivduos com LES,

    enfatizando-se sua importncia cientfica e social uma vez que esta doena crnica

    compromete a qualidade de vida desses pacientes, como tem sido apontado pela

    literatura j mencionada.

    Nessa perspectiva, estudos sobre aspectos que se relacionam com a adeso ao

    tratamento podem servir de base para a compreenso da evoluo dos sintomas e para

    testar futuros modelos de interveno que permitam melhor qualidade de vida aos

    pacientes com LES.

    Desse modo, com base na reviso da literatura realizada, verificou-se a

    necessidade de realizar um estudo exploratrio com vistas a identificar fatores

    relacionados a comportamentos de adeso ao tratamento em mulheres com diagnstico

    de LES.

  • 35

    OBJETIVOS

    1 Geral

    Identificar variveis relacionadas adeso ao tratamento em mulheres com

    diagnstico de lpus eritematoso sistmico (LES) atendidas no ambulatrio de

    reumatologia do Hospital da Fundao Santa Casa de Misericrdia do Par, no perodo

    de maio de 2008 a abril de 2009.

    2 Especficos

    (a) Verificar a relao entre condio socioeconmica, medida de acordo com os

    critrios de classificao determinados pela Associao Brasileira de Empresas

    de Pesquisa - ABEP (2007), de mulheres com diagnstico de LES e adeso ao

    tratamento;

    (b) Verificar a relao entre as manifestaes clnicas (sintomas e agravamento da

    doena) e adeso ao tratamento;

    (c) Verificar a relao entre estados depressivos, de ansiedade e desesperana e

    adeso ao tratamento;

    (d) Verificar a relao entre qualidade de vida e adeso ao tratamento;

    (e) Verificar a relao entre estratgias de enfrentamento da doena e adeso ao

    tratamento.

  • 36

    MTODO

    1 Composio da Amostra

    Tratou-se de um estudo prospectivo do tipo transversal onde participaram 30

    mulheres com diagnstico de LES inscritas h, no mnimo, seis meses no Ambulatrio

    de Reumatologia da Fundao Santa Casa de Misericrdia do Par (FSCM-PA), com

    idades entre 18 e 50 anos, perodo de fertilidade da mulher e indicado na literatura como

    o de maior incidncia do diagnstico. Alm destes critrios de incluso, somente

    participaram as pacientes que aceitaram e concordaram em assinar o Termo de

    Consentimento Livre e Esclarecido [TCLE] (Anexo 01). O nmero de 30 participantes

    corresponde a 30% do total de pacientes com diagnstico de LES inscritos no programa

    de assistncia desse ambulatrio. A escolha por pacientes que estivessem h pelo menos

    seis meses, tempo mnimo de permanncia no ambulatrio de reumatologia da FSCM-

    PA, ocorreu em virtude dessas pacientes agendarem consultas de retorno para controle

    da doena de trs em trs meses.

    Foram excludas da amostra, pacientes com idade inferior a 18 anos, as com

    idade superior a 50 anos, as que compareceram ao ambulatrio com sintomas de LES

    que sugerissem a necessidade de imediata hospitalizao, as que apresentassem

    indicativos de transtornos psiquitricos e as que se recusassem a assinar o TCLE, assim

    como as que apresentassem faltas recorrentes nas consultas de retorno.

    Tambm participou do estudo um mdico reumatologista que atende no

    Ambulatrio de Reumatologia da FSCM-PA. O convite foi realizado por meio de um

    termo de concordncia (Anexo 02), no qual o mdico aceitou que a pesquisadora ou a

  • 37

    assistente de pesquisa entrevistassem as pacientes antes e aps as consultas, assim como

    as acompanhassem durante as mesmas.

    2 Ambiente

    O estudo foi realizado no Ambulatrio de Reumatologia da FSCM-PA. Este

    ambulatrio composto de doze consultrios os quais so utilizados pela equipe de

    mdicos especialistas, por alunos de graduao em medicina e por mdicos residentes

    em Reumatologia. Funciona diariamente nos turnos da manh e da tarde, sendo que os

    atendimentos dirigidos a pacientes com diagnstico de LES concentram-se nos dias de

    sexta-feira.

    3 Instrumentos

    A coleta de informaes se deu por meio dos seguintes instrumentos:

    (a) Pronturio da Paciente: Documento no qual so registrados todos os atendimentos e

    procedimentos realizados pelos profissionais da FSCM-PA com a paciente durante o

    acompanhamento desta no Ambulatrio de Reumatologia. Foi utilizado um roteiro para

    o levantamento do comparecimento da paciente s consultas, seguindo ordem

    cronolgica, assim como para o registro do tempo do diagnstico, do ingresso da

    paciente no ambulatrio e do registro de sintomas recorrentes.

  • 38

    (b) Roteiro de Entrevista em PrConsulta (Anexo 04): Roteiro semi-estruturado

    contendo dados de identificao das caractersticas demogrficas da participante, de sua

    situao socioeconmica (mediante roteiro proposto pela Associao Brasileira de

    Estudos Populacionais [ABEP], 2007), entendimento sobre o diagnstico, descrio das

    regras do tratamento, levantamento dos comportamentos de adeso ao tratamento j

    instalados e sentimentos em relao doena e ao tratamento.

    (c) Escalas Beck: Conjunto de quatro inventrios utilizados como medida de auto-

    avaliao de depresso, ansiedade, desesperana e tentativa de suicdio. No Brasil, foi

    validada por Cunha (2001), e neste trabalho, foram utilizadas as escalas de ansiedade

    (BAI), desesperana (BHS) e depresso (BDI). O Inventrio Beck para Ansiedade

    (BAI) proposto para medir os sintomas comuns de ansiedade. Ele consta de 21

    sintomas listados, conte