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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ MANOELA MILITÃO DE SIQUEIRA O EXTERMINISMO E A TEORIA REALISTA – UMA ABORDAGEM DA GUERRA FRIA. CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

MANOELA MILITÃO DE SIQUEIRA

O EXTERMINISMO E A TEORIA REALISTA – UMA ABORDAGEM DA GUERRA FRIA.

CURITIBA

2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

MANOELA MILITÃO DE SIQUEIRA

O EXTERMINISMO E A TEORIA REALISTA – UMA ABORDAGEM DA GUERRA FRIA.

Monografia de conclusão de curso para obtenção do grau de bacharel em História-Memória e Imagem pela Universidade Federal do Paraná. Sob orientação do professor José Roberto Braga Portella.

CURITIBA

2013

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe por todo o apoio e amor.

Agradeço aos meus avós pelo carinho.

Agradeço a todos os mestres que me ajudaram neste percurso, em especial ao Professor e orientador José Roberto Braga Portella, pela paciência e ânimo.

Agradeço aos amigos e em especial aos meus companheiros de viagem, “Sputniks”, por terem despertado em mim a curiosidade pelas Relações Internacionais e

desafiado meu conhecimento.

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"Eu não sei com que armas a Terceira Guerra Mundial acontecerá, mas a Quarta Guerra será lutada com paus e pedras."

Albert Einstein (1879 - 1955)

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RESUMO.

Através deste trabalho monográfico buscou-se analisar a politica da Guerra Fria. A pesquisa foi baseada no conceito denominado Exterminismo, criado por Edward Thompson para analisar o período correspondente ao reaquecimento da Guerra Fria e relacioná-lo a Teoria Realista das Relações Internacionais, iniciada por Edward Carr. O Exterminismo explica o perigo de uma guerra nuclear, baseando-se nas políticas internacionais adotadas no período, políticas estas pautadas na Teoria Realista. O presente trabalho analisa então as características concernentes a ambas as discussões teóricas. Temas como busca pelo poder, corrida armamentista, economia, guerra ideológica, perigo nuclear, entre outras. Em resumo, práticas políticas utilizadas para, formular o que se conhece como Guerra Fria. A pretensão é a de correlacionar os atos de uma política baseada na Teoria Realista com o perigo real de uma guerra nuclear total. O ponto essencial a ser discutido aqui é a razão do uso da Teoria Realista culminar no exterminismo.

Palavras-Chave: Exterminismo, Teoria Realista, Guerra Fria.

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ABSTRACT

Through this monograph we sought to examine the politics of the Cold War. The research was based on a concept called Exterminism, created by Edward Thompson to analyze the period corresponding to the reawakening of the Cold War and relate it to PoliticalRealism Theory of International Relations, initiated by Edward Carr. The Exterminism explains the danger of a nuclear war, based on the international policy adopted in period, these policies which were guided by the Political Realism Theory. This paper then analyzes the characteristics regarding both theoretical discussions. Topics like quest for power, the arms race, economics, ideological warfare, nuclear danger, among others. At short, political practices used to formulate what is known as the Cold War. The intention is to correlate the actions of a policy based on realistic theory with the real danger of a nuclear war. The essential point to be discussed here is the reason why the use of the Political Realism Theory culminated in the Exterminism.

Key- Words: Exterminism, Realism Political Theory, Cold War.

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Sumário

Introdução. ................................................................................................................. 8

1- Guerra Fria Revisitada. ..................................................................................... 10

2- Teoria Realista. ................................................................................................. 17

3- Exterminismo. ................................................................................................... 27

3.1 – O Conceito do Exterminismo......................................................................... 27

3.2- O Militarismo. .................................................................................................. 37

3.3 - A Bomba. ....................................................................................................... 39

3.4 - Europa Ocidental como pano de fundo. ......................................................... 40

Conclusão. ............................................................................................................... 44

Bibliografia. .............................................................................................................. 50

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Introdução.

Este trabalho monográfico tem por objetivo abordar a Guerra Fria através do

conceito de Exterminismo, termo cunhado por Edward Thompson, nos anos 80,

como crítica à guerra nuclear e relacioná-lo com a Teoria Realista, do campo das

Relações Internacionais. Os anos 70 foram anos de muita especulação, medo,

mudanças e novos rumos, sentimentos estes que culminaram com a criação do

termoExterminismo no início dos anos 80. O mundo estava dividido, e o perigo de

uma guerra nuclear e da destruição total era viável e diário. A bipolaridade do

período ultrapassava o ideológico e o econômico, era também uma dualidade militar,

pronta para atacar e defender. O panorama era o de que duas potências, fortemente

armadas, se digladiavam no jogo internacional em busca de poder.

O estudo do conceito de Exterminismo nasceu no bojo do movimento

pacifista e ecológico liderado por Thompson e analisa e critica o problema bélico

mundial. O estudo do Exterminismo serve para corroborar os movimentos pacifistas

do período, que buscavam o fim das armas nucleares e o perigo de aniquilação total.

Thompson critica o alto armamentismo neste período e põe em evidencia o perigo

iminente de uma guerra nuclear.

Outras discussões existiram acerca dos perigos de uma guerra nuclear, com

características semelhantes inclusive, mas por que analisar o Exterminismo? A

princípio pelo protecionismo de classe, o líder deste movimento é um historiador,

mas, além disso, e principalmente pelas discussões encontradas entre Thompson e

outros especialistas, além de entrevistas e artigos sobre o assunto. Os artigos

condensados no livro ‘’Exterminismo e Guerra Fria’’ são muito inflamados,

dissonantes e interessantes. São diferentes visões a cerca do mesmo tema e que se

interconectam, se correspondem. O desafio foi selecionar as informações que se

fariam presentes e em como condensá-las em poucas páginas.

A Teoria Realista, criada por outro historiador, Edward Carr, propôs uma

nova abordagem do período entre a I e a II Guerras Mundiais, e que se opusesse à

Teoria Liberalista das Relações Internacionais, teoria esta preponderante desde

meados do século XIX. Em oposição a sua predecessora pacifista, na Teoria

Realista não existe meio termo, um Estado precisa aniquilar o outro para obter

poder, e qual a melhor forma de fazer isso senão através do poder estratégico-

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militar? A ideologia também é importante para esta teoria, mas sem a base militar, a

ideologia não passa de mera propaganda. Na Teoria Realista, o jogo é de soma

zero, ou seja, para um Estado ganhar prestigio, ou poder internacional, outro precisa

perder; um precisa sucumbir ao poder do outro.O armamentismo é um importante

ator no jogo realista, pois é através dele que os Estados demonstrarão seu poder e,

portanto, sua superioridade. Ao longo da Guerra Fria, Estados Unidos e União

Soviética eram estes Estados.

Ao longo de toda guerra fria, houve um equilíbrio de forças entre EUA e

URSS, cada um aumentando seu potencial bélico, com armas cada vez mais

potentes e em maior quantidade. É preciso destacar que nunca houve um embate

direto entre ambas as potências, e sim, demonstrações de poder em países

periféricos como Coréia, Vietnam e Afeganistão, por exemplo. Neste jogo, o medo

de uma guerra total e de destruição absoluta frearam os ataques diretos.

Pretende-se neste trabalho monográficounir a Teoria Realista e o conceito

do Exterminismo para se compreender a Guerra Fria pelo viés político-militar.

Utilizaremos este conceito eesta teoria para analisar o período proposto tomando

por base a corrida armamentista e suas justificativas. Busca-se entender quais foram

as razões políticas para a utilização das armas como objeto de barganha e poder

Esta monografia está dividida em três partes, no primeiro capítulo,

trabalharemos com uma perspectiva histórica da guerra fria, tentando explicar, ainda

que de forma resumida o que era e como se formou a bipolaridade. Nosegundo

capítulo examinaremos a Teoria Realista, tomaremos como base os grandes

teóricos como o historiador E.H. Carr e Hans Morgenthau para compreendermos

melhor essa teoria das relações internacionais. O terceiro e último capitulo analisa o

conceito do Exterminismo a partir de diversos autores que no inicio dos anos 80

trabalharam com este conceito. A abordagem que se espera obter da Guerra Fria

através deste trabalho é a razão da corrida armamentista ter sido uma ocorrência

constante e importante para a política ao longo destes anos.

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1- Guerra Fria Revisitada.

No livro ‘’As Novas Ordens Mundiais’’, Noam Chomsky se aprofunda no

mundo pós Guerra Fria, ou melhor, sobre a hegemonia norte-americana no mundo,

porém não deixa de analisar o período pregresso e verificar as bases para o futuro

sobre o qual se debruça. Para Chomsky é preciso voltar a 1945, quando a ordem

mundial foi decidida, e esta seria bipolar.Para o autor foi este panorama que ditou a

partir de então as políticas econômica, militar e política dos países.

Ao final da II Guerra Mundial, duas potências sobressaíram: Estados Unidos

da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Linhas foram traçadas e

zonas de influência delimitadas. E o constante embate, ideológico e político, entre

ambas as potências gerou a chamada Guerra Fria.Para o historiador e cientista

político Paulo Fagundes Vizentini1, o fim da Segunda Guerra gerou a chamada Pax

Americana, momento em que a economia norte americana capitalista apresentava

elevados crescimentos e o american way of life era exportado para o mundo.Ainda

que a União Soviética tenha saído vitoriosa e com grande prestigio diplomático e

militar no cenário internacional, seu território estava devastado, sua indústria

debilitada e as enormes perdas populacionais tornaram-se um desafio ao regime. Os

Estados Unidos saem à frente nesta conjuntura. Durante a guerra, reavivaram suas

indústrias, acabaram com a depressão dos anos 30 e tiveram pouquíssimas perdas

materiais e populacionais.

Vizentini explica que a aproximação entre EUA e URSS durante a II Guerra

Mundial foi momentânea, para os Estados Unidos o verdadeiro inimigo continuava

sendo o comunismo. Com o fim da guerra e a subida de Truman ao poder, as

hostilidades foram reforçadas especialmente pela ameaça da bomba A. O

historiador descreve o panorama:

O General Groves, responsável pelo Projeto Manhattan (produção da bomba A), afirmara em 1942 – em plena vigência da aliança EUA-URSS – que essa seria uma importante arma contra a União Soviética! No mesmo ano, Churchill elaborou seu Memorandum Secreto, no qual afirmava que, assim que o Eixo deixasse de constituir uma ameaça, os aliados anglo-saxões deveriam recordar que a URSS era o “verdadeiro inimigo”.2

1VIZENTINI, Paulo Fagundes. A guerra fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto alegre: Leitura XXI, 2004. 2VIZENTINI, Op.Cit.p.71.

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As bombas de Hiroshima e Nagasaki foram desnecessárias do ponto de

vista militar, o Japão não mais representava uma ameaça, pode-se, portanto, tomá-

las como uma demonstração, por parte do governo norte-americano, de poder ao

mundo e em especial ao regime soviético. É preciso lembrar que até este momento

somente os Estados Unidos possuíam poder nuclear e quis mostrar isso ao mundo.

A União Soviética após o fim dos embates voltou-se à reconstrução interna,

os soldados foram alocados em postos de trabalho e a indústria foi pouco a pouco

aumentando a produção. Os soviéticos voltaram-se para si mesmos, na

reconstrução e organização internas. Enquanto isso, o Ocidente iniciava a política de

fortalecimento do inimigo. A ‘’cortina de ferro’’ se instituía, de um lado estavam os

membros ocidentais sob a proteção do Plano Marshall e da OTAN e do lado oriental

estavam os países sob proteção do Pacto de Varsóvia, do COMECON e ao lado da

União Soviética.

Os Estados Unidos se empenharam parafazer da Europa ocidental uma

aliada. A Doutrina Truman foi posta em prática logo ao final da II Guerra, aliados

eram todos os países que discordavam do sistema soviético. O Plano Marshall,

concomitantemente, concedia empréstimo aos países europeus ocidentais para se

reconstruírem e tornarem-se mercado consumidor da indústria norte-americana

incrementada durante a guerra. Essas políticas acentuaram a divisão do mundo em

blocos e áreas de influência, Vizentini afirma que havia um clima de pacifismo

reinante e que foi preciso utilizar ‘’poderosos mitos e imagens que desarticulassem

essa corrente. (...) A ‘ameaça soviética’ e a ‘defesa do mundo livre’ constituíram

esses mitos mobilizadores e legitimadores da nascente guerra fria.’’ 3

Para Chomsky esta política (imperfeita) esteve pautada na ‘’escola de

ciência governamental ‘realista’ e inflexível. Hans Morgenthau teórico realista, citado

por Chomsky, afirmou que era obrigação norte-americana zelar pelo

estabelecimento da liberdade na América e consequentemente no mundo. A política

norte-americana deveria se tornar um exemplo a ser seguido por todos. Esta política

foi praticada ao extremo e o realismo se disseminou como forma político-ideológica

de controle e desenvolvimento. A política estadunidense tinha agora um inimigo

definido. “Tem-se de vender intervenção ou outra ação militar de modo a criar a falsa

3Vizentini.Op.Cit. p.74.

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impressão de que é contra a União Soviética que se está lutando. ‘É isso que os

Estados Unidos tem feito desde a Doutrina Truman”4

Além das armas o que estava em questão era,também,a ideologia. O

capitalismo de um lado versus um comunismo de outro. Isso mobilizou, em especial,

os EUA a criarem o inimigo comum e perigoso que deveria ser combatido em todas

as frentes: política, econômica e militar. Logo após o fim da II Guerra o que os norte-

americanos perceberam foi o perigo das nações devastadas pela guerra e fome

resolverem aderir ao bloco da URSS. O plano de desenvolvimento dos EUA

precisava de mercados consumidores, logo os EUA tiveram de se antecipar e

investir nestes países em troca de fidelidade. O que o historiador Eric Hobsbawn nos

explica é que ao mesmo tempo, a URSS encontrava-se devastada. E não tinha

nenhum interesse em confrontar-se com o país mais desenvolvido e poderoso, ou

seja, os EUA tiveram de criar um inimigo comum aos países ocidentais para garantir

que os Estados aceitassem seu financiamento.

Em suma, enquanto os EUA se preocupavam com o perigo de uma possível supremacia mundial soviética num dado momento futuro, Moscou se preocupava com a hegemonia de fato dos EUA, então exercida sobre todas as partes do mundo não ocupadas pelo Exército Vermelho. Não seria preciso muito para transformar a exausta e empobrecida URSS numa região cliente da economia americana, mais forte na época do que todo resto do mundo junto. A intransigência era a tática lógica. Que pagassem para ver o blefe soviético5.

Neste momento era Washington quem possuía o monopólio das estratégias

e, portanto, era Washington quem ‘’movia uma Guerra Fria contra o socialismo real,

que se encontrava em posição de inferioridade, embora dentro de um mesmo

patamar de poder”6Vizentini deixa bem clara a posição de que eram os Estados

Unidos quem liderava a corrida armamentista e impulsionavam a União Soviética a

incrementar seus armamentos. Ainda que tenha sido uma era de armamentismo

constante e pesado, Hobsbawn afirma que a peculiaridade desta guerra é que não

havia perigo iminente de combates. O que existia era uma ‘’retórica apocalíptica’’

dos dois lados. Ambas as potências sabiam que possuíam poder suficiente para

4HUNTINGTON, apud. CHOMSKY, Noam. Novas e Velhas Ordens Mundiais. São Paulo: Scritta, 1996. p.43 5 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995,p. 231. 6VIZENTINI.Op.Cit. p.12.

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destruir a civilização e nenhuma conscientemente iniciaria o embate, todos tinham

consciência das consequências.

À medida que o tempo passava, mais e mais coisas podiam dar errado, política e tecnologicamente, num confronto nuclear permanente baseado na suposição de que o medo da “destruição mutua inevitável” impediria um lado ou outro de dar o sempre pronto sinal para o planejado suicídio da civilização. Não aconteceu, mas por cerca de quarenta anos pareceu uma possibilidade diária.7

Chomsky afirma que o documento inicial que deu base a toda essa política

apocalíptica de que fala Hobsbawn foi o memorando 68 do Conselho Nacional de

Segurança, de abril de 1950. O documento se apresenta quase como um conto de

fadas, uma fábula sobre nós, EUA, (bons) e eles, URSS, (maus). Este documento

afirmava que era obrigação norte-americana defender a democracia contra as

barbáries e perigos do Kremlin, que tinha como principal objetivo acabar com a

liberdade dos povos e ganhar poder total sobre todos os homens. O documento é

enfático:é preciso destruir o sistema soviético e garantir a liberdade e paz no mundo.

Para Chomsky a magnificência norte-americana descrita neste documento está

longe da realidade observada ao longo dos anos, tortura, opressão, maquina de

guerra e quebra dos direitos humanos são alguns exemplos citados para mostrar

que a política estadunidense estava longe da perfeição.

Com a morte de Stalin, a URSS passou por um período de desestalinização.

Kruchov iniciou uma política de coexistência pacífica ou Deténte quando acreditou

que a União Soviética tinha alcançado a condição de potência mundial. Nas palavras

de Vizentini:

O país recuperara-se, no plano econômico e demográfico, do baque sofrido na Segunda Guerra, atingira um relativo equilíbrio nuclear na Europa e ultrapassara os EUA na corrida espacial, ao lançar o primeiro satélite artificial (o Sputnik), em 1957, e colocar o primeiro homem em órbita. (...) A URSS percebia-se como potência e, nos marcos da coexistência pacífica, propunha-se a ultrapassar economicamente os EUA em pouco tempo. 8

Os Estados Unidos não demoraram a reagir e o memorando 68 foi

abusivamente utilizado pelos governos democratas, Kennedy e seu secretário de

Defesa Robert Mcnamara promoveram a política de defesa e contenção da URSS.

7HOBSBAWN.Op.Cit. p.224. 8 VIZENTINI. Op. Cit. p.92.

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Ainda que a doutrina ideológica posta em marcha pelo governo Kennedy tenha sido

importante, não se comparou à política armamentista realizada. Um dos mais

importantes consultores de Kennedy, Maxwell Taylor, incentivou o presidente a

promover um governo keynesiano de guerra. Segundo Taylor, ‘’Sem se fazer uma

estimativa precisa pode-se estar certo de que o total da conta excederá qualquer

orçamento de tempos de paz na história dos Estados Unidos”9

Da metade da década de 60 até 1973, as potências conviveram em clima de

Deténte. Os Estados Unidos aceitaram os acordos de limitação de armamentos em

troca da não intervenção soviética nas ex-colônias recém independentes. Além

disso, a URSS passou a produzir misseis balísticos intercontinentais (ICBM’s), ou

seja, o território norte-americano não estava mais seguro. Os Estados Unidos

tentavam controlar a situação na América Latina e Vietnam, enquanto a URSS

tentava se reorganizar com a saída de Kruchov do poder. Ambos os blocos sofriam,

a Europa ocidental não mais aceitava de livre vontade a intervenção norte-

americana, assim como faziam os europeus do leste em relação à URSS. Os

movimentos que explodiram em todo mundo em 1968, demonstravam a insatisfação

com a subordinação às duas potências.

Os anos 70 mudaram o panorama mundial, a crise econômica, revoluções

em todo o Terceiro Mundo, além da Deténte que apaziguou a relação entre ambas

as potências. Durante o governo Carter, mesmo que ele tenha sido eleito com um

discurso de paz e de promoção da defesa dos direitos humanos,a indústria

armamentista voltou à vida, os acordos SALT II não foram ratificados, ocorreu a

fabricação da bomba de nêutrons, além do rearmamentoda OTAN e da instalação

de mísseis Pershing2 e Cruise na Europa.10 Diante das agitações mundiais, os

Estados Unidos precisavam encontrar uma maneira de manter seu poder.

A Nova Guerra Fria consiste, esquematicamente, no seguinte: os Estados Unidos desencadeiam uma corrida armamentista convencional e estratégica que os põe em superioridade estratégica relativamente à URSS e abala a economia soviética; a URSS, debilitada pelo aumento dos gastos militares e pelo embargo comercial dos EUA e seus aliados, vê-se obrigada a limitar seu apoio às revoluções do Terceiro mundo, como contrapartida para uma redução da pressão militar norte americana contra si. 11

9TAYLOR, apud.Chomsky.Op.Cit. p.44. 10VIZENTINI. Op. Cit. p.128. 11

Idem.p.129.

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A ultradireita começa a se fortalecer e a reaquecer a luta ideológica. O que

se sentia era um clima apocalíptico, de que a explosão da guerra ocorrerá a

qualquer momento. Enquanto Vizentini afirma que este movimento é político e

ideológico, Chomsky afirma que os anos 80 precisavam de um novo aquecimento na

economia e nada mais natural que reavivar o pensamento do inicio da Guerra Fria e

fomentar a indústria de guerra. O governo Reagan promoveu o reaquecimento da

Guerra Fria e da indústria militar americana, que levaram a uma postura muito mais

agressiva neste período da guerra fria. Hobsbawn corrobora este pensamento ao

afirmar que este período está formado por economias altamente militarizadas, que

deveriam ser utilizadas para manter e afirmar seus respectivos governos no poder.

Nos anos 70 com Brejnev, à frente do governo Soviético, a URSS teve de

fazer um grande esforço para manter o crescimento econômico em seu limite. O

reaquecimento da corrida armamentista, os embargos econômicos, a deflagração do

conflito no Afeganistão e a estagnação interna provocaram a decadência econômica

da potência militar soviética. Ainda que a URSS sobrevivesse até inicio dos anos 90,

seu poder foi paulatinamente diminuindo. O que os Estados Unidos precisavam

fazer era frear o suporte advindo da URSS aos partidos comunistas em todo mundo

durante a nova Guerra Fria. Para Vizentini, ‘’a corrida armamentista – nuclear ou não

– representa o regulador de um sistema internacional em transição e convulsionado

por rupturas revolucionárias, regulador esse imposto pela economia dominante.”12

Para Chomsky um ponto chave para se compreender a Guerra Fria é a

‘’Segurança Nacional’’. A Guerra Fria foi em muito a justificativa para as políticas de

segurança nacionais postas em prática no período. Segurança nacional é a ideia de

que em um futuro indefinido, nenhum outro adversário controlará os recursos para

colocar em risco uma nação. A doutrina de segurança nacional foi implementada

junto com a formação das bases da Guerra Fria, e dominou a política mundial.

Ainda que seja característica da Guerra Fria, Chomsky cita que a ideia de

ameaça ao Estado norte-americano surgiu muito antes e que a máquina de defesa

norte-americana também. A questão do extermínio aos outros ‘’inferiores’’ iniciou-se

nos Estados Unidos antes da Guerra Fria, mas se aprofundou durante.13 A

segurança era, portanto, a base sobre a qual se formularam as doutrinas de política

externa, economia e expansão.

12VIZENTINI, Op. Cit. p.130. 13 CHOMSKY, Op.Cit. p.46.47.

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Houve um falatório constante sobre a ameaça militar soviética, mas é importante lembrar exatamente como foi concebida. A ideia de que os russos pudessem atacar a Europa ocidental nunca foi levada muito a sério, apesar de o poder militar soviético, isso era reconhecido, tomar a atitude de ameaça: ele serviu para deter a intervenção militar norte-americana no Terceiro Mundo, e houve o perigo de que a URSS reagisse à incorporação de seus tradicionais inimigos Alemanha e Japão, por meio de alianças militares conduzidas por adversários implacáveis em Washington, uma ameaça genuína a sua segurança, reconheceram os planejadores ocidentais. A formação da OTAN parece ter sido motivada menos pela expectativa de que as forcas de Stalin pudessem atacar a Europa ocidental do que pelo temor de uma ‘terceira força’ europeia neutralista, um ‘atalho ao suicídio’.14

O trecho citado elucida sobre o que era a segurança nacional – uma base de

força que defendesse os territórios “amigos” contra os inimigos. O neutro também é

perigoso, a neutralidade não podia fazer parte da doutrina de segurança nacional,

pois gerava incerteza, medo e perigo. Os Estados Unidos utilizaram a ideologia para

criar a OTAN, armar a Europa ocidental e garantir assim que qualquer conflito

ocorresse naquele território, longe do território norte-americano, portanto. Europa e

Japão tornaram-se subordinados aos Estados Unidos, militar e economicamente. A

doutrina posta em prática por Kissinger nos anos 70 propunha a adoção, pelos

países subordinados, da política norte-americana. Os interesses regionais estariam

abaixo dos interesses gerais, ou melhor, norte-americanos.

Chomsky acredita que a Guerra Fria se forjou na política interna norte-

americana. As recusas aos acordos de paz, limitações às armas e políticas de

coexistência pacificas propostas pela URSS foram sempre negadas pelos governos

estadunidenses, e pelo contrário, foram inclusive fomentadas por eles. “A estrutura

convencional torna-se realmente plausível se interpretarmos o conceito de

‘segurança nacional’ de modo suficientemente amplo vendo-o ameaçado se

qualquer coisa estiver fora de controle.”15 Sendo assim, para Chomsky, o ‘’perigo

real’’, iniciou-se, em verdade, em 1917, e não somente em 1950. O ataque era

contra o risco de sublevação revolucionária, voltando ao memorando 68, o perigo

era “a dominação soviética mundial” – o inimigo tinha de ser contido e a liberdade

garantida, mesmo através da guerra.

14 VIZENTINI, Op.Cit. p.48. 15 CHOMSKY, Op.Cit. p.51.

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2- Teoria Realista.

A Teoria Realista, como teoria política, se inicia quando os teóricos

Liberalistas16 já não conseguiam mais suprir as necessidades da sociedade que se

instituiu, nos anos trinta, depois de uma guerra extremamente violenta e num

período de recessão econômica. Os ideólogos da Teoria Realista não queriam

acreditar num mundo idealista, em que todas as pessoas conviveriam em harmonia

e paz. Os Estados europeus então começam a se rearmar, a se defender e a se

fechar em seus próprios nacionalismos centralizados. Baseados em Tucídides,

Maquiavel e em Hobbes e seu Estado de Guerra de todos contra todos no estado de

natureza, os realistas acreditavam que a única forma de manutenção da paz seria

através do poder, que seria exercido pela guerra ou ao menos pelo acúmulo de

potencial bélico.

A principal crítica à Teoria Liberalista foi feita por E.H.Carr. Segundo ele

(...) os pensadores liberais de RI interpretaram totalmente errado os fatos da história e não entenderam a natureza das RI – equivocadamente, os liberais acreditaram que tais relações poderiam ter por base uma harmonia de interesses entre países e pessoas. Segundo Carr, o ponto de partida correto seria o oposto: deveríamos assumir que há intensos conflitos de interesse tanto entre países quanto entre pessoas.17

A luta essencial das Relações Internacionais é entre os poderosos e os que

desejam o poder. O pai da Teoria Realista, Edward Hallet Carr18 escreveu entre as

grandes guerras e levou em consideração o perigo eminente de novos combates. O

clima era de insegurança e de fortalecimento dos Estados. O Realismo pode ser

explicado como a teoria das bolas de bilhar, onde cada bola representando um

Estado se choca com as outras em busca de seus próprios interesses. Hobsbawn,

no livro A Era dos Extremos, nos explica que a guerra tornou-se uma guerra de

povos, nações contra nações, Estados soberanos contra outros Estados soberanos,

explicação esta, que poderia corroborar o pensamento realista. Há, aqui, uma

valorização do Estado e da política.

16Não confundir o Liberalismo econômico com a Teoria Liberalista das Relações Internacionais. 17SORENSEN, Georg e JACKSON, Robert.Introdução às Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2007, p.70. 18CARR, Edward Hallet. Vinte anos de crise: 1919-1939. Brasília: Editora da UnB, 2001.

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Carr analisa as nuances derivadas desta problemática política, o que faria

uma minoria aceitar de livre e bom grado as imposições da maioria? Os realistas

acreditam que as minorias deveriam aceitar, porque caso contrário as maiorias os

obrigariam por meio da força e da coerção. No âmbito das Relações Internacionais

isto significaria dizer que os Estados mais fracos seriam obrigados pelos Estados

mais Fortes a tomarem determinadas posições e a agirem de determinada forma.

Pois o bem do mais forte seria também o bem do mais fraco.

Levando isso em consideração, Carr nos explica que os políticos adotaram

a doutrina do Laissez-faire econômica, baseada em Adam Smith, na política.

Economicamente isto significava a não intervenção estatal e política na economia,

pois já que o interesse individual era o interesse geral, a harmonia surgiria

espontaneamente. Mas essa é uma teoria que funcionaria em uma economia

primitiva. Assim, o realista nos explica historicamente como isso se deu e de que

forma se pode fazer um paralelo com o desenvolvimento político.

Quando a industrialização inicia-se, no século dezoito, essa será a doutrina

adotada pela classe dominante, dona das maquinas e que buscava manter seu

domínio através da crença de que seus interesses eram os mesmos que os do resto

da sociedade. Nos anos seguintes a publicação de ‘’A Riqueza das Nações’’ e da

industrialização houve um boom de desenvolvimento econômico, tecnológico e

populacional, o que, portanto, manteve a popularidade da doutrina econômica.

(a doutrina) atenuou a competição por mercados entre produtores, já que constantemente novos mercados tornavam-se acessíveis; adiou a questão das classes, com sua insistência na importância primordial da distribuição eqüitativa, ao estender a membros das classes menos prósperas alguns beneficies da prosperidade geral; e, ao criar uma sensação de confiança no bem-estar presente e futuro, encorajou os homens a acreditarem que o mundo estava ordenado segundo um plano tão racional quanto a natural harmonia de interesses.19

Essa doutrina funcionou muito bem para as pessoas enquanto agentes

econômicos até aquele período e foi transpassada ao nível internacional, ou seja, se

cada país defendesse seu próprio interesse, automaticamente estaria defendendo o

interesse internacional. O Liberalismo Econômico era defendido, pois dava a

impressão de que a economia mundial se auto-ajustaria. Porém, no final do século

XIX a queda desta doutrina era iminente, pois nenhuma nação, a não ser a

19CARR, Op.Cit.p.61-2.

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Inglaterra, tinha poder suficiente para crer numa harmonia econômica internacional.

A concorrência era a força motriz desse sistema, porém pouco a pouco o

protecionismo nacionalista foi se transformando em Imperialismo, pois era preciso

buscar novos mercados e a luta pela concorrência se dava em nível global. O

Darwinismo Social passou a fazer parte desse ciclo, onde as nações mais

desenvolvidas deveriam guiar os povos menos desenvolvidos numa espécie de

colaboração mútua. Esta foi a moral imposta pelo período, mas que logo deixaria de

satisfazer a sociedade que se formava, uma sociedade estratificada onde haveria

uma luta social entre os fracos e os fortes. Assim, os Estados tiveram que criar

regras para proteger os mais fracos dos mais fortes. E logo essa doutrina foi deixada

de lado, pois se percebeu a impossibilidadedos interesses individuais serem os

mesmos dos da sociedade como um todo. Portanto, criou-se uma doutrina mista a

partir de 1919 e se chegou à conclusão que o Estado deveria criar a harmonização

de interesses, já que eles não são naturais.

Tomando como base a política de interesse comum, os Estados anglo-

saxões chegaram à conclusão de que o interesse principal e comum era a

manutenção da paz. Porém aos outros Estados e nações esta teoria parecia

infundada devido as vitórias históricas alcançadas por Estados, como Alemanha,

Itália ou França. Mas mesmo assim essa doutrina tomou força.

Essa doutrina, Liberalista, foi retomada nos anos seguintes a primeira

guerra, quando nenhum Estado pretendia envolver-se em outras batalhas e iniciou-

se um processo de resolver interesses por meios pacíficos. As pretensões estatais

visavam duas possibilidades: manter o status quo ou alterá-lo. Mas os interesses

nacionais foram maquiados em nome da paz. “Uma peculiar combinação de lugar-

comum e falsidade tornou-se, então, endêmica nos pronunciamentos de estadistas

acerca de problemas internacionais.”20

Logo se percebeu que existia uma separação entre os intelectuais

econômicos e os políticos, aqueles movidos pelo laissez-faire presumiam que o

interesse de cada país representava o interesse dos países como um todo. Já os

políticos estavam interessados somente em seus próprios países, e que os

interesses da economia de cada Estado representava os interesses internacionais.

No período entre guerras esta foi a doutrina adotada, porém chegou-se a conclusão

20 CARR, Op.Cit. p.72.

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que esse sistema só beneficiava alguns países e que outros, mais fracos, tinham

suas economias ainda mais debilitadas.

Por volta de 1930, a situação mundial não podia permanecer sem que a

crise se agravasse. Pactos e projetos que beneficiassem a todos foram postos em

marcha, mas nenhum com resultados efetivos. Nesse período a teoria econômica

distanciou-se completamente da prática, assim como da política, sempre em busca

de uma harmonia internacional. Além disso, a dissonância entre os países era

explícita, os já industrializados e os menos industrializados possuíam interesses e

formações sociopolíticas muito distintas, o que dificultou em grande parte a

harmonia econômica internacional que se pretendia.

Carr destaca que essa doutrina é especialmente importante aos países

desenvolvidos, pois garantiria sua importância no mercado mundial e satelizaria as

nações menos desenvolvidas, como seriam os casos de Colômbia e Iugoslávia

citados pelo autor,

olaissez-faire, tanto nas relações comerciais internacionais, quanto nas entre capital e trabalho, é o paraíso do economicamente forte. O controle estatal, seja sob a forma de legislação protetora, ou de tarifas protecionistas, é a arma de legítima defesa invocada pelo economicamente fraco. O choque de interesses é real e inevitável e a natureza do problema é totalmente distorcida por uma tentativa de esconder isto.21

O autor explica que no século XIX essa doutrina se valeu da grande

expansão das economias em geral, pois ainda havia espaço para ampliar-se, terras

ainda não utilizadas, mercados não tomados, mão de obra barata em países ainda

não desenvolvidos, etc. No período anterior àPrimeira Guerra Mundial essa era a

política que se via, em especial na Europa, e a busca por mercados foi uma das

razões apontadas por ele como fomentadora da guerra. Pois todos os países

passaram a lutar por sua própria economia, e, portanto os nacionalismos ficaram,

exacerbados. E mais importante, a onda expansionista do século XIX chegara ao

fim, os mercados mundiais estavam saturados, não havia mais espaço livre para

expansão. O nacionalismo econômico passou a dominar o mundo, mas essa ética já

não tinha mais espaço na sociedade do pós-guerra. Portanto outra doutrina deveria

ser posta em prática a partir da critica feita pelos realistas ao modelo anteriormente

adotado.

21 CARR, Op.Cit. p.80.

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Carr analisa a crítica realista, começando por seus fundamentos. Estes, que

se iniciaram com Maquiavel e depois Hobbes e Bodin entre outros, consistiam em

separar a utopia da prática. Hegel foi um pensador que contribui para isso também,

criando a filosofia histórica e evolutiva, onde o pensamento racional se sobrepõe ao

divino. E nessa mesma linha vieram outros: Marx com a evolução econômica da

historia e Buckle com a interpretação geográfica da história. O que se buscava era

trocar o divino por alguma força material superior em que a política seria o reflexo

disso. Para estes intelectuais não poderia haver mudança fora do processo histórico,

ou seja, a política está inserida em seu contexto, e o julgamento de fatos passados

seria tolice, pois os fatos são o que aconteceram e não se pode alterar isso. Logo a

historia exalta os vitoriosos. ”A história cria direitos, e, portanto, o Direito. A doutrina

da sobrevivência do mais apto prova que o sobrevivente era, de fato, o mais apto a

sobreviver.”22 Cria-se, então, uma sensação de missão histórica. Onde os fortes

devem assumir o papel de guiar os fracos.

Esse pensamento foi importante para a criação de uma nova ciência, a

sociologia do pensamento. Percebeu-se, nesse momento, que historicamente o

pensamento foi a arma utilizada para submissão e manutenção de poder. Marx, por

exemplo, foi além e disse que todo pensamento histórico é condicionado pelos

interesses econômicos e que provém do dominador sobre o dominado. Ou seja,

passou-se a acreditar que o pensamento não molda o futuro, como criam os

utopistas, mas que ele é criado para explicar um fato passado, ou seja, baseado em

um fato real.

Carr nos explica que os pensamentos e pensadores são influenciados por

modismos de época, mas que funcionam e que, inclusive, passam ao nível da

intelectualidade e espalham-se inconscientemente para a população. Explica

também, que não são criados pela mera vontade do criador, mas com objetivos reais

de execução. Por exemplo, para desacreditar um inimigo, ou difundir o pensamento

civilizado/não civilizado. São discursos criados para assegurar determinada ética ou

perspectiva e assentar as investidas reais, melhor dizendo, as ações reais. Neste

processo, o que ocorreu no período entre guerras foi a defesa moral de política

internas e a crítica a moral alheia. Em especial, no que dizia respeito à produção

armamentista: “A inspiração de considerar seus próprios armamentos vitais como

22 CARR, Op.Cit. p.90.

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defensivos e benéficos, e os das outras nações como ofensivos e prejudiciais,

provou ser particularmente frutífera.”23

O que buscavam os realistas era a quebra do padrão de pensamento

utópico, ou seja, desmembrar pensamento geral analítico utópico e trazer a

discussão ao nível dos fatos e acontecimentos. As teorias deveriam ser vistas como

reflexo da prática e, logo, como reflexo de toda e qualquer ação política. Leis

absolutas não cabem aqui, a especificidade entra em cena. O credo de que políticas

nacionalistas são postas em pratica em nome de uma política e harmonia

internacional foram muito utilizadas neste período, a máxima utópica de que o que é

melhor para o mundo é o melhor para os países, foi alterada e dizia-se que o melhor

para os países era o melhor para o mundo. Apesar de ser apenas uma troca

sintática, a semântica também era outra, assim como eram as políticas

internacionais protecionistas postas em prática como nos demonstra Carr: “Esse

cinismo inconsciente do utópico contemporâneo provou ser uma arma diplomática

muito mais eficaz do que o cinismo deliberado e consciente de um Walewski ou de

um Bismarck.”24

Nesse sentido o nacionalismo era fomentado por uma moral internacional.

As ações agora eram pautadas pela ‘’defesa da humanidade’’ ou ‘’causa global’’ em

especial nos países de anglo-saxões. Para estes, o nacional e o humano se

mesclavam, tomavam-se medidas nacionais em nome da moral humanitária ou

causa humana e que a causa nacional era, realmente, o interesse maior da

humanidade. Já a crítica anglo-saxônica aos países europeus continentais que

adotaram esse discurso, era de que o faziam por puro egoísmo nacional. E nos

países europeus continentais, afirmava-se que os anglo-saxões eram mestres em

ocultar seus verdadeiros interesses em nome de uma causa humanitária e absoluta.

A solução de Carr para este dilema foi de que toda moral internacional é a moral do

dominador que se identifica com a população e impõe sua vontade.

Tanto a visão de que os povos de língua inglesa são os monopolistas da moral internacional, quanto a visão de que eles são hipócritas internacionais consumados, podem ser reduzidas ao simples fato de que os atuais cânones da virtude internacional foram, por um processo natural e inevitável, criados principalmente por eles25.

23CARR, Op.Cit. p.98. 24

Idem. p.100. 25

Idem. p.105.

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Afirmado isso, Carr explica a crítica realista como a teoria da harmonia

internacional, pois a vontade harmônica é a vontade do dominador cujos interesses

são automaticamente tomados como interesses totais. Ainda que em certa medida

essa teoria faça sentido, pois os dominadores são tão poderosos dentro de certa

comunidade que seus interesses realmente são os mesmo do resto da sociedade, a

queda desse poder dominador acarretaria também a queda de toda comunidade. E

isso passou ao nível internacional, pois as nações poderosas passaram a acreditar

que o que era bom para elas, era bom para todas as outras nações. E a bandeira

levantada em defesa disso era a da paz mundial. Pois os dominadores deveriam

prezar e proteger esse bem comum em nome dos mais fracos. E isso foi

paulatinamente tornando-se a propaganda a favor da guerra, pois nações se uniam

em nome da paz mundial e inimigos morais eram criados e criticados. A ideologia

propagada pelos líderes a favor da paz era, ao mesmo tempo, a ideologia da guerra.

Já a critica realista ao internacionalismo é a critica a um Estado soberano

absoluto e imperialista. Que tem suas bases fixadas na soberania de uma pequena

classe dominante. Foi, no século XIX que se iniciaram os projetos, ou melhor, a ideia

de criação da união européia ou de um pan-asiatismo liderado pelo Japão. Assim a

perspectiva de uma união internacional, ou vontade absoluta sempre parte de

nações dominadoras, pois estas buscam a dominação em nível internacional.

Seriam elas, portanto, que guiariam as outras nações. “Ordem internacional’ e

‘solidariedade internacional’ serão sempre slogans dos que se sentem

suficientemente fortes para se imporem sobre outros.”26 . A crítica principal deu-se

na medida em que a paz ou harmonia mundial não poderia ser tomada como um

objetivo nacional, mas sim como um desejo humano absoluto, um fim ideal. O que

se pretendia na verdade, era manter a ordem estabelecida, baseada na perspectiva

global de paz. Para Carr, isso não passava de uma intenção egoísta de defesa de

interesses nacionais. Logo, a “falência da visão utópica reside não em seu fracasso

em viver segundo seus princípios, mas no desmascaramento de sua inabilidade em

criar qualquer padrão absoluto e desinteressado para a condução dos problemas

internacionais.”27

O realismo embora trabalhe com as questões reais do pensamento político,

muitas vezes deixa lacunas para a própria ação real. Segundo o autor, a Teoria

26CARR,Op.Cit.p.114. 27

Idem,p.115.

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Realista deixa de lado quatro questões importantes para a pratica da política: um

objetivo final, um apelo emocional, um direito de julgamento moral e um campo de

ação. Quando se fala em um objetivo final é porque os realistas sempre buscam

ações maiores, para objetivos sem fim definitivo, sem um fim objetivo dentro da

própria temporalidade histórica, criando um movimento contrário a eles mesmos. Os

intelectuais quando do discurso realista, não recorrem ao lado sentimental e

emotivo, afirmando que são meros difusores de teorias e que a aceitação delas é

opção individual e pessoal, pois

se a seqüência de causa e efeito for suficientemente rígida para permitir a "previsão científica" dos acontecimentos se o nosso pensamento for irrevogavelmente condicionado por nosso status e nossos interesses então tanto a ação quanto o pensamento se tornam desprovidos de objetivo.28

Logo, a conclusão de Carr é a de que enquanto a Teoria Utópica não dava

bases reais para que as ações se sustentassem, a Teoria Realista tampouco serviu

para este fim, pois demonstrou as falhas da Teoria Utópica ou Liberalista, mas não

apresentou outra teoria consistente em seu lugar. Carr apenas denunciou as falhas

da Teoria Liberalista e forjou as bases da Teoria Realista, mas nunca a consolidou

como teoria política.

Este trabalho ficou com outro teórico realista, que escreveu no pós Segunda

Guerra, Hans Morgenthau29. Alemão radicado nos Estados Unidos que se dedicou

principalmente a estudar a política internacional e a relação entre as nações. Para

este, a natureza humana é a base de todas as Relações Internacionais, logo os

seres humanos são seres egoístas e que buscam seus próprios interesses e poder.

Foi ele quem de fato firmou as bases da Teoria Realista, anteriormente esboçadas

por Carr.

No primeiro capitulo do livro “A política entre as nações” Morgenthau

apresenta quais seriam os seis princípios do realismo políticos. Tentaremos esboçar

em poucas linhas o que cada princípio significa. No primeiro, o autor nos explica que

para entender a sociedade é preciso compreender as leis que regem essa

sociedade. “O realismo parte do principio de que a natureza de uma determinada

política externa só pode ser averiguada por meio do exame dos atos políticos

28 CARR, Op.Cit. p.121. 29MORGENTHAU, Hans. A Política entre as Nações. Brasília: FUNAG/IPRI, Editora UnB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003.

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realizados e das consequências possíveis para estes atos.”30. O segundo princípio

trata do poder, o observador colocar-se-ia no lugar do ator político para prever seus

atos a partir de atos passados. “A teoria política tem de julgar as qualidades políticas

do intelecto, vontade e ação” de cada ator político e a partir deles determinar sua

atuação.31O dever político é distinto do desejo pessoal. A realidade deve ser

entendida e avaliada como uma tentativa de aproximação de um sistema ideal de

equilíbrio de poder entre mais fortes e mais fracos. O terceiro ponto completa que o

poder é um conceito mutante. Sendo assim o que rege a Política Internacional são

os interesses, que dependem do período histórico e contexto determinados. Os

mesmos poderes do passado continuam agindo na política internacional, mas de

diferentes maneiras, é sempre a luta entre fortes e fracos. Anteciparemos o sexto

ponto, pois nele o autor afirma que o realismo intelectualmente sustenta a autonomia

da esfera política, ou seja, que o interesse é definido como poder. Logo a Política

Internacional seria definida como poder.

O quarto princípio é importante para compreendermos a teoria, pois nela

Morgenthau explica que princípios morais não podem ser aplicados às ações dos

Estados em sua formulação universal abstrata. É necessário prudência, ou seja,

avaliação moral dos atos políticos e que geram consequências32. O quinto ponto

ainda nessa direção afirma que as aspirações morais nacionais são diferentes das

aspirações morais universais. E que em política deve haver uma reflexão moderada

do julgamento moral.

O que fez Morgenthau foi pôr à prova os valores universais e afirmar que a

política é baseada no poder e em interesses egoístas. Há em sua escrita a

dualidade PAZ e GUERRA sendo que esta ganha, pois seria única maneira

encontrada pelos políticos para assegurar suas vontades e manter sua dominação

sobre os povos mais fracos.Segundo o teórico, a política internacional, além de

história recente e fatos recorrentes, deve abarcar o cenário contemporâneo com

ênfase nas mudanças e perspectivas cambiantes. A luta pelo poder seria o objetivo

indireto de toda e qualquer política internacional. Em resumo, Morgenthau afirma

que poder é o controle dos homens sobre as mentes de outros homens. E poder

30.MORGENTHAU, Op.Cit. p.6. 31

Idem. p.9. 32Há, em seu livro, uma parte inteira em que o autor trata da moral política, matéria julgada muito importante por ele.O livro está dividido em Partes e Capítulos.

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político, são as relações mútuas de controle entre os titulares de autoridade publica

e entre os últimos e o povo de modo geral.33

A dualidade autoridade versus povo significa expectativa de benefícios

mútuos, receio de desvantagem e respeito e amor por indivíduos e instituições. A

autoridade para ele se daria por ordens, ameaças, autoridade e carisma e que esta

autoridade se transporia a nível internacional. Dentro das relações internacionais de

luta de poder que visaria organizar o mundo.

Um conceito interessante que Morgenthau explica em seu livro é a política

do status quo, quando a ordem nacional é mais estável, coesa e organizada que a

internacional. Ou seja, vindo de alguém que escreve no pós-guerra isso significaria

dizer que o ideal de sociedade internacional havia desaparecido e que só havia no

lugar Estados individuais cada vez mais fortalecidos e coesos, ou melhor, potências

ideológicas cada vez mais fortalecidas.É preciso lembrar que é o inicio da Guerra

Fria, da bipolaridade EUA versus URSS. A manutenção do status quo significaria,

para o autor, o fim de uma guerra, o fim da II Guerra Mundial. O que resultaria no

surgimento de fenômenos políticos de conservação, aumento e demonstração de

poder. Este último, muito importante, pois será esta doutrina tomada pelas duas

potências que levantam nesse período: a demonstração de poder, militar e

ideológico, ou melhor, a manutenção do status quo.

Em resumo, a Teoria Realista clássica de Carr e Morgenthau associa uma

visão pessimista da natureza humana a uma noção de política de poder entre os

Estados, presente na anarquia internacional. Não veem nenhuma perspectiva de

mudança nessa situação: para os realistas clássicos, Estados independentes em um

sistema internacional anárquico são uma característica permanente das Relações

Internacionais. Estes autores têm uma visão cíclica da história e que somente com a

manutenção de uma balança de poder estável ocorrerá a harmonia entre os

Estados. Ainda que esta harmonia signifique a dominação dos Estados mais fortes

sobre os mais fracos.

33MORGENTHAU, Op.Cit. p.51.

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3- Exterminismo.

3.1 – O Conceito do Exterminismo.

Edward Thompson escreveu no inicio da década de 80 sobre o conceito de

Exterminismo,quando afirmou existir uma crise bélica mundial.34O conceito do

Exterminismo e o movimento liderado pelo historiador de Desarmamento Nuclear

Europeu (END) foram grandes aliados ao longo de toda a década de 80, o

movimento END com ações reais e o Exterminismo como discussão teórica acerca

da Guerra Fria.

Através do termo Exterminismo, o autor descreve a irracionalidade do

momento, uma época em que qualquer perda da razão levaria a uma guerra geral

de destruição total. Com uma tendência claramente de esquerda, Thompson

concorda com a Teoria Realista quando afirma que seriam as pequenas elites

irracionais e militares que ao longo da história forjaram este panorama de terceira

guerra mundial.

O estudo das gêneses e o antropomorfismo não precisa analisar armamentos e estratégias. As armas são coisas, e as estratégias são planos instrumentais para a implementação de políticas que se originam em outros âmbitos. Logo, o que devemos fazer é analisar as elites dirigentes e suas intenções políticas. Pode-se considerar todo o resto como dado.35

Thompson se relaciona com C. Wright Mills que já apontava as bases para a

política exterminista e militarizada da Guerra Fria. Sobre as elites o sociólogo

escreveu que

as elites do poder político, militar e econômico são os pontos focais das causas econômicas, políticas e militares da guerra. Por suas decisões e suas indecisões, por suas omissões e ignorância, controlam o impulso dessas causas. Podem ocupar tais posições e utilizá-las de acordo com o realismo imediato devido à impotência, apatia, insensibilidade dos vários públicos e da massa. Podem fazer isso em parte devido a inatividade dos intelectuais, cientistas e outros trabalhadores culturais. Tanto nos Estados Unidos como na União Soviética e nas aterrorizadas zonas que jazem entre os dois, há um vazio político e intelectual. Em ambos o impulso para a III

34THOMPSON, Edward. Notas sobre o exterminismo, o estágio final da civilização. In. Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo: Editora Brasiliense,1985. p.15. 35

Idem,p.21.

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Guerra Mundial é acelerado pelo comportamento da elite em nome do Estado soberano e de acordo com a metafísica militar.36

C. Wright Mills, escreveu e analisou as possíveis causas de uma III Guerra

Mundial cujas características de assemelham às descritas por Thompson vinte anos

depois. Para Mills a causa da III guerra mundial, ou guerra total, seria a vontade das

elites de criar uma ‘’situação histórica na qual (a guerra) seja vista como

inevitável’’.37 Para Mills a guerra tornou-se o objeto ao redor do qual as vidas se

formulam, e a paz não passava de um estado de equilíbrio entre terror e medo. Mills

afirma que a III guerra mundial seria diferente das outras, pois todos seriam atores:

Estados, Políticos, indivíduos, a guerra é total e geral, engloba a todos e a todos

afeta. Não existiria vitória militar, somente uma preparação constante para uma

guerra de destruição total. A paz, nada mais significava do que uma preparação para

a guerra.

No Exterminismo, segundo Thompson, não há evolução histórica, há, em

realidade, uma dialética da destruição, onde cada lado tenta superar o outro até que

o embate direto seja inevitável e gere o extermínio total.Thompson afirma que essa

decisão não é arbitrária, ela é a somatória histórica de diferentes coisas que

culminariam com o embate entre pelo menos dois grandes Estados e que

desencadeariam o extermínio em massa. “O Exterminismo designa aquelas

características de uma sociedade – expressas, em diferentes graus, em sua

economia, em sua política e em sua ideologia – que a impelem em uma direção cujo

resultado deve ser o extermínio de multidões.”38.

O imperialismo e o militarismo seriam as características primeiras a serem

verificadas nesse contexto. “O Exterminismo é uma configuração desse tipo, cuja

base institucional é o sistema de armamentos e todo o sistema de apoio econômico,

cientifico, politico e ideológico a esse sistema de armamentos – o sistema social que

o pesquisa, o ‘escolhe’, o produz, o policia, o justifica e o mantém vivo”39. Para

Thompson, a crise bélica perpétua serve para que as elites corroborem seu

posicionamento de comando. Seja nos Estados Unidos, seja na União Soviética, os

lideres precisam reafirmar a irracionalidade de suas escolhas, e o fazem através do

36 MILLS, C. Wright. As Causas da Próxima Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1961. p.99. 37

Idem, p.17. 38 THOMPSON, Op.Cit. p.43. 39

Idem, p.44.

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risco bélico do extermínio total. Chomsky40 afirma que o sistema é útil às potências,

pois mantém o status quo que é controlado por elas. O controle se deu por via

ideológica, ambas as potências precisavam de um motivo lógico para armar-se e

promover uma disputa tão atroz que poderia acabar com muitos povos, isso não

seria moralmente aceito, mas a partir do momento que existe um inimigo, todo

esforço é necessário para detê-lo.

É na ideologia que se destila a dependência viciada ao exterminismo. Desde o inicio o confronto das superpotências sempre teve o conteúdo mais altamente ideológico: a ideologia, assim como a busca de lucro e o crescimento burocrático, impeliu o crescimento armamentista, indicou o rumo da colisão e até recolheu algumas vítimas. A ideologia desempenha, em ambos os campos, uma tríplice função: motiva as preparações para a guerra, legitima o estatuto privilegiado dos fabricantes de armas e polícia a dissensão interna. Por mais de trinta anos, o anticomunismo foi o meio de controle ideológico sobre a classe trabalhadora e a intelligentsia norte-americana; pelo mesmo período, a ortodoxia comunista impôs controles ideológicos com uma simples inversão ‘stalinista.41

Thompson trata detalhadamente sobre a importância do

imperialismo.Política que durante a guerra fria, se deu em dois polos, o democrático

e o soviético. Asex-colôniasafricanas e asiáticas seriam democráticas sob o poder

dos Estados Unidos ou socialistas unidas à UniãoSoviética. Rudolf Bahro concorda

e complementa:

(...)o presente aumento da tensão leste-oeste surgiu não primariamente da concorrência entre os dois blocos, mas antes das contradições interiores aos dois sistemas. Alimentam-se descrições hostis do adversário, como forma de suprimir a resistência doméstica. A corrida armamentista, nesse sentido é também uma estratégia para manter o poder em cada um dos lados. Quem quer que rejeite o consenso da “segurança pela força’ perturba, com isso, a legitimação básica do sistema de dominação.”42

Seja em qualquer um dos blocos, a legitimação dos que estão no poder se

deu por meio da ação militar. Sem inimigo externo, não há ação militar, produção,

economia de guerra e mais importante, não há a necessidade de manutenção dos

que estão no poder. O confronto é a condição necessária para qualquer um dos

40CHOMSKY, Noam. Armas estratégicas, Guerra Fria e Terceiro Mundo. In. Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. 41 THOMPSON, Op.Cit. p.46-7. 42 BAHRO, Rudolf. Uma nova abordagem para o movimento pacifista na Alemanha. In. Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo: Editora Brasiliense,1985. p.105.

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sistemas. Bahro afirmou que a Guerra Fria chegara a um sistema entre blocos tão

imbricado que a única saída seria o extermínio dos mesmos.

Para Thompson a Guerra Fria era a máquina que movia o mundo. As

potências EUA-URSS que teriam de aniquilar uma a outra para sobreviver. Elas

seriam os centros do poder e ao redor delas estavam os outros Estados

independentes, mas subordinados. “É o campo de força que engendra exércitos,

diplomacias e ideologias, que impõe relações dependentes aos poderes e exporta

armas e militarismo para a periferia.”43 Seria a partir dessa luta imperialista que se

formariam os arsenais bélicos de ambas as potências. As armas são levadas ao

limite, nem acordos como SALT I e II poderiam freá-las.Mills acreditava, já no inicio

dos anos 60 que a relação entre defesa e ataque era inexistente devido aos avanços

tecnológicos de guerra. Tanto a União Soviética quanto os Estados Unidos estariam

prontos para um ataque mútuo aniquilador, para Thompson assim como para Mills

anteriormente, não existe postura defensiva, há, em realidade, posturas

extremamente ofensivas, quando uma potência possui um míssil de longo alcance

(ICBM’s) ela não o faz para defesa de seu território e povo, mas sim, para atacar a

potência inimiga e acabar com ela, como num jogo de soma zero. Para Thompson, a

potencialidade de uma guerra total advém do fato de que EUA e URSS estavam

armando os países periféricos, e muito. Para Deborah Shapley,

(...) estava implícita a ideia de que as decisões dos líderes realmente determinavam a estrutura de força e que as ordens dos líderes eram executadas pela burocracia militar(...) Isso implicava que os líderes de cada lado reagiam racionalmente ao comportamento do outro lado.44

Rudolf Bahro concorda com Thompson sobre o conceito de Exterminismo.

Para Bahro a corrida armamentista tem por inicio a indústria moderna, o

Exterminismo estaria aí enraizado, como parte do sistema. Enquanto Thompson

acredita que o Exterminismo faz parte do capitalismo, Bahro afirma que é ainda

anterior à sociedade capitalista europeia. “Neste sentido, portanto, nosso ponto de

partida não deveria ser uma crítica superficial da economia política contemporânea,

mas uma crítica mais fundamental da própria natureza humana”.45 O que o autor nos

explica é que historicamente as sociedades foram se construindo sobre o

43 THOMPSON, Op.Cit. p.19. 44 SHAPLEY, Deborah apud THOMPSON, Op.Cit.p.22. 45 BAHRO, Op.Cit. p.100.

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Exterminismo, o que, no período contemporâneo, se acentuou com o sistema

industrial e sua predileção pelo militarismo. Mills afirma que os políticos estão

dependentes do mercado, ou melhor, do sistema industrial fomentado pela

guerra,“Suas relações mais importantes com o Estado baseiam-se hoje na

coincidência entre os interesses militares e os das empresas, definidos pelos

generais, homens de negócio e aceitos pelos políticos e pelo público.‘’46. A

contradição está no fato de que as mesmas bases que constituem a sociedade atual

seriam as que a destruiriam: o sistema industrial.

Bahro explica que os movimentos pacifistas devem começar de baixo para

cima, primeiro conter os avanços nucleares e usinas atômicas, para depois acabar

com a indústria bélica e com a sociedade exterminista.

Sem o ‘desarmamento industrial’ – isto é, uma redução absoluta na demanda global de matérias-primas e energia e uma transformação tecnológica equivalente – não será possível nem atingir um autêntico desarmamento militar, nem recompor a capacidade de o Sul se prover com meios adequados de subsistência. (...)Se tudo continuar como hoje, certamente haverá uma Terceira Guerra Mundial, como a consequência mais extrema da guerra cotidiana contra a Terra e a humanidade que é inseparável do sistema industrial capitalista.47

Segundo Thompson, o armamentismo superou os desejos racionais

políticos, a luta estava no âmbito da tecnologia de guerra e não mais no jogo

diplomático entre as potências. O irracional para ele é gastar a maior parte do PIB

mundial em armas de destruição mútua assegurada (DMA). Isso, para um teórico de

esquerda significa a luta capitalista pelo monopólio, ou no caso soviético significa o

controle absoluto do Estado. Ainda que este seja um dado importante, o autor

destaca que a ideologia e a burocracia impulsionam muito mais o armamentismo do

que a mera questão econômica. Thompson afirma e reafirma que tanto nos EUA

quanto na URSS o que motivou o armamentismo foi o desejo de poder e o incentivo

governamental. Ainda nesta linha, o historiador afirma que isso gerou um problema

maior ainda, pois com o avanço das tecnologias, o ataque ficou mais rápido,

ultrapassando até mesmo o tempo da política.

Em entrevista, Thompson defende que o tempo da ciência é mais rápido.

Uma invenção pode gerar uma necessidade política. O aperfeiçoamento de mísseis,

46MILLS, Op.Cit. p.39. 47BAHRO,Op.Cit. p.103-4.

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a criação de mísseis de longa distancia a modernização do potencial de guerra, tudo

isso surgiu antes como invenção científica e, posteriormente, foi adaptado às

necessidades reais. Em entrevista, ele cita os exemplos dos misseis Cruise e SS-20:

One of the myths is that the Cruise was developed in response to the SS-20.

You know as a scientist that both were developed completely independently

of each other in the laboratories. And only afterward were the political

situations contrived out of which they could be justified.48

O que Thompson explica é que não mais é necessária uma decisão política,

um apertar de botão pode gerar uma destruição maior. A modernização dos

aparatos e a consciênciapolíticanãocaminham juntas, aquelaestáàfrentedesta.”But it

is very important historically to know whether the military or the politicians order

weapons because they perceive a real emergency, or whether the weapons arrive

from the laboratory and then create an emergency, themselves.”49Portanto, o

equilíbrio no jogo de forças estava mais tênue e a luta pelo poder e aniquilação do

inimigo cada vez mais possível. Mills, já escrevia sobre isso nos anos 60, para ele

qualquer ataque seria um ‘’acidente’’, mas não um acidente qualquer, seria um

acidente previamente deliberado e racionalizado nos mais altos escalões do

governo. O que se entende é que para o autor qualquer apertar de botões seria um

acidente, mas que seria respondido imediatamente pelo adversário que já possuía

tecnologia para tal.50

Mike Davis no artigo ‘’O Imperialismo Nuclear e Dissuasão Extensiva”51,

acredita que o Exterminismo se molda imprevisivelmente, pela convergência das

vontades de diferentes esferas do poder, Thompson, por sua vez, afirma que o

desejo de extermínio não é decidido nas altas instancias da Guerra Fria, o que move

a humanidade rumo ao exterminismo são as vontades derivadas do armamentismo,

é algo além da política. A Guerra Fria iria além da mera disputa entre blocos, ela

teria seu motor próprio que gira sobre si mesmo, tornou-se hábito. As motivações

48THOMPSON, Edward. In. KREISLER, Harry.Califórnia Living Magazine. 11.set.1983. STEWART, Roy (Ed.). http://globetrotter.berkeley.edu/conversations/Thompson/thompson-con0.html 49

Idem. 50 MILLS, Op.Cit. p.58. 51DAVIS, Mike. O Imperialismo Nuclear e Dissuasão Extensiva. In.Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

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continuam, perpetuação do poder, controle, crescimento econômico dos centros que

se formaram em torno deste ciclo.

Em entrevista a revista Califórnia Living Magazine em 11 de Setembro de

1983, Thompson afirma que o problema nuclear, o armamentismo e os movimentos

pacifistas são ideológicos. O que de fato todos os países buscam é não somente

aumentar seu poder, mas mantê-lo, um realismo político irracional foi colocado em

prática. As grandes potências, como já explicado, querem o fim da outra e os outros

países (Thompson cita os europeus ocidentais) buscam autonomia e lideranças

regionais.

Qual seria então o principal impulso do Exterminismo? O aumento do

armamentismo.52 E o aumento do armamentismo não serviria apenas para o

confronto político, mas também pelo crescimento econômico. Thompson cita que os

anos da Deténte foram anos em que a indústria mais cresceu. A tese de Thompson

é que a Guerra Fria foi o cenário para o desenvolvimento do Exterminismo, assim

que uma guerra acabava outra era posta em marcha poucos anos depois. Coréia,

Vietnam, Irã e Afeganistão são alguns exemplos citados por ele. As armas, bases e

estratégias tinham de ser usadas, afinal de contas, o equilíbrio entre as potências se

dava pelo armamentismo.

Lucio Magri53 afirma que a ideia da paz derivada do equilíbrio do terror é

falsa. Ao invés de mostrar às grandes potências a inutilidade da corrida

armamentista e promover uma real situação de paz, funcionou como motivo e razão

para o contínuo aumento na quantidade e na qualidade das armas. Quando uma

potência se arma, ela pretende estar à frente de outra, independente do que esta

pretenda fazer, uma típica demonstração da política realista, baseada na teoria dos

jogos. Para o autor os acordos de paz assinados, não significaram mais do que

meras pausas, ou nem isso, no jogo armamentista:

Quando o governo Carter – que seguramente não era pacifista e tampouco ansioso pelo desarmamento – assinou o SALT II, os SS-20 já estavam sendo instalados: mas o governo reconheceu publicamente um equilíbrio efetivo de forças entre ambos os lados. Desde então se a instalação desses misseis soviéticos tivesse continuado, teria acionado uma fase completamente nova do rearmamento estratégico norte-americano.54

52THOMPSON, Op.Cit, p. 32-3. 53 MAGRI, Lucio. O movimento pacifista e a Europa. In. Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. 54

Idem. p.142.

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Roy e Zhores Medvedev55 discordam de Thompson quando este afirma que

toda a sociedade armamentista provém igualmente das sociedades norte-americana

e soviética. Para os autores, assim como para Davis, há uma profunda diferença

entre cada sistema e que deve ser levado em consideração. Ainda que os autores

concordem que as análises sobre a URSS se davam de modo mais difícil pelo falta

de transparência nas decisões de Estado soviéticas, eles afirmam ser possível

perceber o desequilíbrio entre EUA e URSS.

‘’Complexos industriais-militares existem em todas as sociedades industriais

modernas, mas eles estão sob muito menor controle responsável nos Estados

Unidos do que na URSS.’’ 56A diferença essencial estaria no fato de que o aparato

militar soviético estaria subordinado ao Estado, enquanto que nos Estados Unidos

ele funcionaria como um ente separado, independente. O que Roy e Zhores

Medvedev tentam explicar é que o sistema soviético é tão burocrático que qualquer

decisão de ataque teria de passar por vários setores antes de ser posto em prática,

ao contrário dos Estados Unidos, onde decisões arbitrárias podem liberar bombas e

iniciar a guerra. Para eles há três circunstâncias possíveis para que pudesse haver

confronto direto: “como ataque de agressão deliberada, como ataque preventivo

antecipado a agressão do outro lado e como ataque de retaliação” 57

Para Magri, foi nos anos 70 que ocorreu a grande aceleração da corrida

armamentista, mas em dois momentos e de maneiras diferentes. No inicio deste

período, a filosofia da guerra mudou. Antes, as potências se armavam nuclearmente

para se proteger e responder ao inimigo destruindo-o, essa política que ficou

conhecida como dissuasão. Qualquer que fosse o Estado que atacasse, estava

seguro que isto significava ser atacado de igual modo. No final dos anos 70, houve

uma mudança na corrida armamentista nuclear, não mais se criavam armas para se

assemelhar ao inimigo, agora se criavam armas para aniquilar o inimigo. O que isso

acarreta é a busca infindável por novas armas, mais potentes e capazes de acabar

com a ameaça. Enquanto no inicio da década de 70 o controle e a limitação se

davam pelo próprio ‘’mercado’’, digamos assim, no final do período o armamentismo

deveria ser ilimitado e potente.

55 MEDVEDEV, Roy e MEDVEDEV, Zhores. A URSS e a corrida armamentista. In. Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo: Editora Brasiliense1985. 56

Idem. p.162. 57

Idem. p.164.

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Outro fator importante destacado por Magri foi a alteração nas políticas nos

anos 70. A URSS e os EUA buscaram bases aliadas no Terceiro Mundo, sem uma

intervenção direta, mas investindo no pensamento nacionalista de cada país. Magri

cita Brasil, Indochina, África do Sul, Chifre da África como alguns exemplos. A

novidade era que não chegava a se transformar em uma multipolaridade, mas sim

na transposição da guerra global para o âmbito regional. O embate se daria, no nível

ideológico em pequena escala, sendo ambas as potências suportes, mas não

diretamente entrando em combate. “neste sistema uma multipolaridade de

interesses e lógicas nacionais agora intervém de formas cada vez menos

controláveis, proliferando, assim, os riscos de conflitos locais provocarem uma

guerra global”.58 Para o autor, este panorama só gerou mais instabilidade e

brutalização no Terceiro Mundo, as potências precisavam de mercados

consumidores, suas armas precisavam de destino.

Alan Wolfe59, outro teórico que escreveu sobre o Exterminismo, explica que

o motor de todo e qualquer sistema é o crescimento econômico. Seja através do

liberalismo seja através do socialismo o que buscam as sociedades modernas é o

crescimento. A diferença está em como realizá-lo, mas não em sua necessidade. Ao

fazer o planejamento, todos os Estados separam grande parte de seu tempo e

orçamento para promover a guerra. Está intrínseco a todo e qualquer Estado

moderno possuir uma indústria bélica, exército, estratégias militares, enfim toda a

gama de serviços e máquinas que essa indústria necessita. “Em um século de

guerra total, o planejamento total da guerra se converte em rotina burocrática”60.

Para o autor, tanto o capitalismo quanto o socialismo provieram de guerras.

A promoção do crescimento e o planejamento para a guerra se cruzam em todos os pontos. Uma sociedade de crescimento é aquela que tem mais recursos a serem aplicados na preparação para a guerra, ao passo que uma sociedade militarizada é aquela que, a algum nível, tenta canalizar sua indústrias e arsenais para o crescimento. Os Estados que podem acumular o maior montante de poder são aqueles que podem expandir suas economias e aumentar seus armamentos.61

58 MAGRI, Op.Cit. p.146. 59WOLFE, Alan. Política perversa e Guerra Fria. In. Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. 60

Idem. p.209. 61

Idem. p.210.

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Lúcio Magri, concordando com Wolfe, afirmou que a corrida armamentista

além de atuar no setor político, serviu especialmente para o desenvolvimento

econômico. O autor cita o keynesianismo reinante, onde a guerra faz a economia

girar. E este foi, de fato, o motor da economia global durante toda década de 60 e

70. No inicio dos anos 80, com a crise do capitalismo de Estado, altas inflacionárias

e desequilíbrios fiscais, essa doutrina deve ser alterada. Os estados não mais

poderiam atuar segundo a lógica do keynesianismo de Estado. ‘’Nessas condições,

os gastos militares se tornam alternativas cabais para o investimento social e o

aumento de empregos. Para manter o seu nível será cada vez mais necessário

desmantelar o Estado do bem-estar social”.62 Ainda que o Ocidente esteja em

situação de desmantelamento a União Soviética não estava a salvo.

A crise da estratégia militar ocidental coincide com uma crise crescente da estabilidade política geral no bloco oriental que tende finalmente a afetar a própria União soviética. Dado um produto total que é menos da metade do dos EUA, uma produtividade ainda mais inferior e a integração muitíssimo menos favorável do setor militar no conjunto da economia, a União Soviética, com sua população mais pobre, tem de gastar pelo menos uma proporção duas vezes maior da sua renda nacional para se manter na corrida armamentista.63

A União Soviética em nenhum momento conseguiu alcançar a tecnologia do

bloco ocidental. O que fez então foi ganhar em quantidade e treinar tropas com um

número astronômico de soldados. A URSS, além disso, ganha em território, a

ocupação geopolítica-estratégica da União Soviética fazia com que ela tivesse

alguma vantagem frente ao inimigo.

A dicotomia rearmamento/desenvolvimento socioeconômico sempre foi a

principal barreira encontrada pela política soviética. Uma potência que tem menos

da metade do PIB da outra, teve de fazer manobras heroicas para equiparar-se

militarmente. A partir do momento que as taxas de crescimento estagnaram ou até

diminuíram, como manter o entusiasmo ideológico das massas?

O Exterminismo queria combater o panorama mundial, a ‘’destruição mútua

assegurada’’ não poderia mais ser parte da vida diária das pessoas. Através de

movimentos populares, Thompson propôs mudar a consciência política do período,

extremamente militarizada. Voltada para a guerra, seja pela via política, econômica

62 MAGRI,Op.Cit. p.147. 63 BAHRO, Op.Cit. p.114.

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ou ideológica. O Exterminismo refuta a sociedade militarizada e em perigo de

aniquilação, a guerra seria contra a guerra nuclear, contra o fim total da

humanidade.

3.2- O Militarismo.

O militarismo é considerado uma ideologia política. Nicolas Boer,64 no livro

‘’Militarismo e clericalismo em mudança’’, afirma que desde meados do século XIX

ocorre a militarização das sociedades e que esta militarização está unida ao

nacionalismo e ao imperialismo. O militarismo nada mais seria, senão a forma

racional de se resolverem conflitos internacionais imperialistas. A partir domomento

em que a sociedade civil é transformada em militares e quando os altos militares

passam a fazer parte da política, a cultura da guerra passa a ser normal. Paul Virilio

afirma que quando o Estado surgiu, ‘’ele desenvolveu a guerra como uma

organização, como economia territorial, como economia da capitalização, da

tecnologia.’’ 65

Ludendorff, general prussiano, afirmou que o militarismo enquanto ideologia

coloca a ‘’razão militar’’ acima da ‘’razão de Estado’’, e generais passam a fazer

parte dos altos escalões de poder.66 Além disso, escreveu que a paz não é nada

mais do que um intervalo entre guerras, uma pausa na luta imperialista. Já

Clausewitz definiu a guerra como um modo de um Estado forçar suas vontades

sobre o inimigo. Logo, pode-se concluir que a guerra nada mais é senão um modo

de fazer política externa. Um modo constante, pois para Boer, a guerra nunca

termina, ela só possui pausas, e mudanças de atores e vontades políticas.

Boer diferencia o militar do militarismo, o militar é uma instituição de guerra

subordinada ao Estado, enquanto que o militarismo existe quando a ideologia de

guerra passa a controlar a política nacional. Além disso, Boer afirma que o

militarismo superou a ideologia militar, ao final da Primeira Guerra Mundial, em todos

os Estados europeus reinava o militarismo como ideologia:67

64BOER, Nicolas. Militarismo antigo e novo. In. Militarismo e clericalismo em mudança. São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. 65 VIRILIO, Paul e LOTRINGER, Sylvere. Guerra Pura – A militarização do cotidiano. São Paulo: editora Brasiliense, 1983. p.15. 66BOER, Op.Cit. p.85. 67

Idem. p.94.

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A luta, a guerra pela existência e pela sobrevivência, portanto, é inseparável da vida das nações. O nacionalismo pode fornecer forte motivação ao militarismo, pois afinal os programas de levée em masse, de mobilização geral, de serviço militar obrigatório e universal, bem como a noção de guerra total e de capitulação incondicional, de exército como a ‘’nação em armas’’, a ‘’nação de uniforme’’, surgiram na época do nacionalismo europeu, o século XIX.68

Nacionalismo este que foi reformulado durante o século XX, é um

nacionalismo forjado na ideia do outro como inimigo. A ideologia de guerra,

militarismo, imperialismo e nacionalismo cujas origens datam do século XIX,

permearam todo o período da guerra fria, inclusive e principalmente no momento da

formulação do Exterminismo, nesse momento, a militarização alcançou seu ápice e

as principais potências estavam prontas a atacar inimigo e defender sua ideologia

nacional.

Boer explica que existe nas sociedades uma ideologia militar, pautada em

princípios éticos e morais da guerra. Esta ideologia possui cinco características

especiais: ‘’autoritarismo, pessimismo a respeito da natureza humana, alarmismo

(estimativas pessimistas quanto à probabilidade da guerra), nacionalismo e

conservadorismo político’’.69 É possível fazer uma associação direta com a Teoria

Realista anteriormente explicada, os ideais são os mesmos, pessimistas,

conservadores, enfim, são, essencialmente, protecionistas, querem defender o

nacional em face do outrem através da guerra. O militarismo é político e não militar.

Isso é muito importante para compreendermos o período da Guerra Fria, pois foi

uma guerra política mais que militar. Boer elucida desta maneira,

(Os militares) argumentam sempre que o perigo exige o aumento dos armamentos, pois nunca julgam que a nação está suficientemente preparada para a guerra. O militar sempre favorece a preparação para a guerra, mas nunca se sente suficientemente preparado para ela. Ele está acostumado a ver-se como vítima da belicosidade civil. Em seu entender, são sempre o povo e os políticos, a opinião pública e os governos que iniciam guerras. (...) Os militares, atuando em razão da função peculiar, não provocam conflitos armados. Mas julgam que o Estado que deseja a paz deve ser suficientemente forte para impor o seu desejo.70

O autor complementa afirmando que a ideologia militarista provém de uma

ideologia político-social seja ela qual for, ocidental capitalista ou oriental socialista. O

68Boer, Op.Cit. p.110. 69

Idem.p.226. 70

Idem.p.232.

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que importa é que o militarismo está intrínseco a sociedade humana independente

de como ela se organiza politicamente. Uma sociedade militarizada nada mais é do

que uma sociedade pronta para a guerra e seus horrores.

3.3 - A Bomba.

Para Thompson, a bomba atômica é o ponto chave do século XX, foi ela que

a partir dos anos 50 dominou toda e qualquer relação política e social no mundo. O

medo da bomba atômica alcançou todas as classes e gerou um medo e uma apatia

geral:

quanto a bomba, ela é uma Coisa, e uma Coisa não pode ser um agente histórico. A preocupação com os horrores de uma guerra nuclear imaginária é diversionista e leva a medonha confusão total na luta de classes... a Bomba é, afinal, algo mais que um Coisa inerte. Em primeiro lugar, é uma coisa ameaçadora, em sua produção destrutiva e sua trajetória programada. Em segundo lugar, ela é um componente de um sistema de armamentos: e produzindo, manejando e apoiando esse sistema, existe um sistema social correspondente.71

Thompson acreditava que a bomba era o meio utilizado para a dominação, o

caos dos anos 60, 70 e 80 proviria dela e seria por meio da bomba, que se daria a

luta de poder. A dominação era feita por meio de ameaças e demonstrações de

poder e qual maior poder de barganha senão possui a bomba de hidrogênio?

Davis propõe uma explicação historicamente materialista da Guerra Fria.

Thompson acredita que o Exterminismo provém de uma simples inércia

desordenada.

Que forças são essas, cuja interação gera o exterminismo em ambos os campos? Elas próprias aparecem desordenadamente no texto de Thompson, disseminadas em diversas passagens. No caso do Ocidente, são as ambições abstratas de cientistas nos laboratórios; a rivalidade entre as forças armadas; a margem de lucro das empresas de armamentos; e mais importante, talvez as ‘decisões burocráticas’ ou, em algum lugar, o ‘impulso inercial.72

Para Davis, há em Thompson uma contradição latente: a discrepância entre

a “minimização das origens do Exterminismo e a maximização de sua expansão”.

71 THOMPSON, Op.Cit. p.18. 72 DAVIS, Op.Cit. p.65.

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Para Davis o trabalho de Thompson não leva em consideração as diferenças

existentes entre a URSS e os EUA. Para este, a estrutura política é o que acarretaria

o apertar de botões final e não as especificidades inerentes a cada um dos entes.

Davis, pelo contrário afirma que as diferenças são essenciais, pois a Guerra Fria

seria a tela sobre a qual se afirmam os devidos poderes soviético e americano e

conhecendo a origem destas potências se poderia supor as decisões que tomariam.

A bomba, seria uma consequência deste panorama e não sua causa. A bomba,

portanto, passaria a ser “um instrumento central de poder”73 em um contexto pré-

existente.

3.4 -Europa Ocidental como pano de fundo.

Thompson vai além da Teoria Realista, ele explora o modo pelo qual se

daria este embate. O principal fator de perigo era a Europa, ou melhor, seu território.

Neste momento a Europa Ocidental se transformava em uma marionete norte-

americana. Para Thompson o solo europeu seria o “teatro de operações” do

apocalipse. Com a modernização da OTAN, e com a instalação dos misseis Cruise e

Pershing II, a provocação ocidental estava feita. “A OTAN então ‘solicita’ ao governo

norte-americano para enviar, com a sua generosidade, essa caixa de cascavéis para

o teatro de operações indicado e, no mesmo instante, avisa os governos europeus

que estão para recebê-la”.74 O que Thompson explica é que com a instalação deste

misseis, a Europa fica sob o poder decisório e militar dos EUA, pois o acionamento

dos mesmos se daria pelos americanos. Segundo o autor, a expulsão de armas e

bases norte-americanas na Europa, o desarmamento nuclear europeu, seria um ato

de autodeterminação que feriria a dinâmica do poder75.

Bahro ao escrever sobre a dissuasão, explica quesob a OTAN, os Estados

Unidos conseguiram formular uma política de ataque forte, sem que isso caísse

diretamente sobre seu território. Com a instalação de ogivas nucleares, mísseis e

bases em território da Europa ocidental sob o comando norte-americano, a Guerra

Fria se translada ao “teatro de operações” europeu. O apertar de botão está sob

controle americano, porém, agora, muito mais possível de acontecer. Na Europa as

73DAVIS, Op.Cit. p.69. 74THOMPSON, Op.Cit. P.29. 75 Importante lembrar que Thompson teve papel de destaque na luta pelo desarmamento europeu.

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linhas inimigas estão mais próximas e prontas para revidar qualquer iminência de

ataque.

Mike Davis afastando-se um pouco dos autores citados desmembra o

conceito de Exterminismo e explica o que para ele o constituiria. A Guerra Fria teria

sido construída sob a luta do capitalismo americano contra o imperialismo soviético

que começava a firmar suas bases. O socialismo, segundo Davis teve de buscar

novos espaços, lugares outros que não as antigas potências europeias que caíram

sob a égide do capitalismo. O socialismo foi, ao longo do século XX, se alastrando

pouco a pouco e galgando uma posição de destaque. Foi a fusão do socialismo com

o nacionalismo em países periféricos que contribuiu para a formação de dois blocos

antagônicos. Lutava-se pelas ex-colônias (daí a noção de imperialismo advinda de

Thompson), não somente pela ideologia. Davis cita que a cada quatro anos, em

média, ocorria uma revolução socialista, e que, embora não tenham sido

universalistas como a de Outubro, tiveram ressonância internacional. É aí que se

iniciou a chamadaTeoria Dominó, onde os países iam, em cadeia, realizando

revoluções populares. Davis então explica que para ele, diferentemente de

Thompson e Bahro, a Guerra Fria não é um acontecimento arbitrário e anacrônico

que ocorre no território europeu, seria antes disso, um conflito enraizado e explicável

de formas sociais e ocorrências militares e que ocorrem, em essência, no Terceiro

Mundo.

Davis explica que o europeísmo existente nessas teorias, na de Thompson

inclusive, é devido ao fato de que eram nas fronteiras europeias a divisão do “mundo

socialista” e do “mundo capitalista”. Quando os EUA trouxeram os países europeus

ocidentais para sua área de influência, eles esperavam abarcar também os países

menos pobres do leste, como Polônia, Hungria e Tchecoslováquia.Quando estes

caíram como tampão de proteção ao território soviético, criou-se na Europa um

cordão de divisão: americanistas de um lado e soviéticos de outro. Foi na Europa

que se viu as diferenças extremas entre ambas as formas de poder, a democracia

livre e avançada contra um totalitarismo burocrático. Berlin seria o ápice dessa

divisão, porém, Davis cita que nunca houve um embate direto em solo europeu, pelo

contrário estes se deram todos em solos terceiro-mundistas.

Como o acadêmico soviético Trofimenko explicou em um ensaio extremamente franco e revelador em um número recente da ForeignAffairs, a essência da aproximação do governo Nixon e Ford à URSS nas reuniões

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de cúpula dos anos 70 era uma barganha entre a paridade nuclear e a contenção da revolução de terceiro mundo. A ‘ligação’, no jargão de Kissinger, significava a codificação norte-americana do status quo das armas estratégicas em troca da ratificação soviética do status quo sócio-político no terceiro mundo.76

O que Davis nos explica é que nos anos 70, a partir das descolonizações

africanas e asiáticas o mundo sofreu uma reviravolta. Os territórios antes dominados

por colonizadores capitalistas foram paulatinamente caindo nas graças da União

Soviética, o que gerou um desequilíbrio de forças corroborado pela crise política

norte-americana. Foi uma resposta geopolítica liderada pelos soviéticos ao

imperialismo americano e da união nada convencional entre a China e os EUA.

É nos momentos em que os mecanismos institucionais que estabilizam a guerra fria se dobram ao ataque em cheio da lógica da revolução permanente que surge a época da Bomba. Como registrou Daniel Ellsberg, esse momento ressurgiu repetidamente ao longo da guerra fria: durante a retirada do reservatório Chosin em 1950, no últimos dias de DienBienPhu em 1953, durante a crise do estreito de Formosa em 1959, durante a crise dos mísseis em Cuba em 1962, no cerco de KheSanh em 1968 e, mais recentemente, durante o alerta nuclear de Nixon depois do cerco do Terceiro Exército Egípcio em YomKippur em 1973. Em todas as ocasiões, foram os estado Unidos que chegaram a essa iminência – geralmente sem consultar seus aliados europeus – e em praticamente todos os casos a arena da crise estava no terceiro mundo.77

Segundo o autor, desde 1945 os Estados Unidos vem tentando fazer uma

dissuasão ostensiva contra a URSS de formas diferentes e enumeradas por ele.

Primeiramente, os Estados Unidos mantiveram a corrida armamentista como uma

forma de cerco econômico contra o sistema soviético.

Outra forma era armar a OTAN para evitar qualquer avanço soviético sobre

a Europa. A OTAN desde seu surgimento possuía poder militar nuclear à disposição

para defesa. O que Davis nos lembra é de que os Estados Unidos sempre estiveram

a salvo, longe de qualquer possibilidade de ataque direto. Mas isso somente até

1965-68 quando a URSS conseguiu misseis ICBMs intercontinentais, o que alterou

as regras do jogo. Os irmãos Medvedev completam a ideia, afirmando que todas as

tentativas de coexistência pacífica vieram da União Soviética. Os Estados Unidos,

pelo contrário, passaram todo esse tempo promovendo e aumentando seu poderio

76DAVIS, Op.Cit. p.79. 77

Idem, P.81.

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bélico para manter a União Soviética no jogo político: ou a URSS se arma ou seria

aniquilada pelos EUA.

Na época do advento da crise do petróleo em 1973-74, a liderança norte-americana tinha começado a perceber uma mudança importante no equilíbrio geopolítico e militar do poder. O êxito da união soviética na modernização de sua marinha e no desenvolvimento da um sistema ICBM fez diminuir a importância da dissuasão tradicional pela distância oceânica, como fator da sua defesa americana.”78

Foi somente no inicio dos anos 70 que a URSS conseguiu poder atômico

suficiente para atacar o território norte-americano.Com a derrota no Vietnã e os

problemas políticos internos, os Estados Unidos finalmente se propuseram a assinar

e ratificar acordos de paz. Foi neste ínterim que surgiu o SALT I.

Outra forma de dissuasão utilizada pelos americanos foi a ameaça de

retaliação nuclear diante de qualquer tentativa soviética de conseguir bases

avançadas. O exemplo clássico foi a situação da instalação dos misseis cubanos. A

defesa soviética afirmava que os Estados Unidos estavam geograficamente

protegidos de bases inimigas, cercado de aliados e oceanos. A União Soviética, pelo

contrário, precisaria enfrentar o risco por todos os lados:

até onde vai a guerra ao ‘teatro de operações’, é algo que não se discute e sua possibilidade é oficialmente negada. A URSS, nesse sentido, não alimenta planos quanto à possibilidade de uma guerra nuclear limitada com a Europa, ao contrário do que fazem os Estados Unidos. Por outro lado, se algum país disparasse ou permitisse um ataque nuclear isolado contra a União Soviética, então, com todas as probabilidades, a URSS empreenderia uma retaliação igualmente limitada contra o território do agressor.79

A última forma de dissuasão descrita pelo autor seria os Estados Unidos

demonstrarem sua superioridade bélico-estratégica nas intervenções soviéticas em

países de Terceiro Mundo. Claro que as políticas não funcionaram de forma precisa

e a luta se deu em diferentes escalas e em muitos lugares.Os territórios antes

protegidos por colonizadores capitalistas foram paulatinamente caindo nas graças

da União Soviética, o que gerou um desequilíbrio de forças corroborado pela crise

política norte-americana. Foi uma resposta geopolítica liderada pelos soviéticos ao

imperialismo americano e da união nada convencional entre a China e os EUA.

78 MEDVEDEV, Roy e MEDVEDEV, Zhores. Op.Cit. p.175. 79

Idem. p.181.

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Conclusão.

Ao longo do texto, puderam-se perceber as semelhanças entre a Teoria

Realista e o conceito de Exterminismo, que serão agora condensadas. O

Exterminismo conseguiu representar a política mundial do período e os anseios da

população. Uniu o realismo político das elites com o medo real das outras classes. O

Exterminismotoma como base ideias da Teoria Realista, ou seja, ideias de guerra,

de defesa e de ofensas militares constantes. Utilizaremos esta parte final da

monografia para tratar dos pontos de união entre os conceitos, ou seja, poder,

dominação, militarização, ideologia e extermínio.

Tendo em vista o discorrido ao longo do texto, pode-se afirmar que o

principal fator em jogo é o poder, sua busca, manutenção e demonstração. A Teoria

Realista frisa muito isso no jogo internacional, o que os Estados devem buscar é

sempre mais poder para assim manter o status quoe sua dominação sobre os

Estados mais fracos. A fórmula apresentada, tanto por E.H.Carr quanto por Hans

Morgenthau, para isso é simples: através do armamentismo e da guerra.A guerra,

não precisa, necessariamente, ser a guerra real, de trincheiras como foram as

grandes guerras da primeira metade do século XX, a guerra ideológica também é

importante, e muito, para os realistas. Esse tipo de dominação foi denunciada por

Thompson quando ele afirmou que a delimitação de áreas de influência nada mais

era do que o domínio das potências, mantido pelo poder militar e econômico, frente

a nações mais fracas. Os teóricos realistas afirmavam que a guerra era necessária

para assegurar vontades e manter a dominação sobre os mais fracos.

A perspectiva Realista era aniquilar o inimigo e aumentar sua influência

mundial. Qual seria o panorama perfeito para vermos na prática essa teoria sendo

aplicada senão o da Guerra Fria? O embate era direto, aberto e divulgado. Duas

potências, ideologicamente diversas, imensamente armadas, em busca de novos

domínios, controle e poder total sobre o mundo. O quadro soa fatalista, mas é esse

mesmo o sentimento do período. A ideia de que ‘’o mundo pode acabar’’ era

iminente. Uma guerra global e mortal estava presente no dia a dia das pessoas. Este

medo se sobrepunha especialmente entre os europeus, como explicado

anteriormente, viver no “teatro de operações” não era fácil. O historiador Eric

Hobsbawn transcreve o medo:

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Gerações inteiras se criaram à sombra de batalhas nucleares globais que, acreditava-se firmemente, podiam estourar a qualquer momento, e devastar a humanidade.(...) À medida que o tempo passava, mais e mais coisas podiam dar errado, política e tecnologicamente, num confronto nuclear permanente baseado na suposição de que só o medo da “destruição mútua inevitável” impediria um lado ou outro de dar o sempre pronto sinal para o planejado suicídio da civilização. Não aconteceu, mas por quarenta anos pareceu uma possibilidade diária.80

É este contexto que o historiador Edward Thompson compreende e

consegue transpor em uma palavra: Exterminismo. O que se vivia era uma era de

exterminismo, onde a iminência de aniquilação total era evidente. Ao longo do

presente trabalho monográfico, analisamos quais pontos de sua tese se destacam, a

relação acaba sendo inevitável com a Teoria Realista. As políticas externas

implantadas pelas potências foram nada menos do que a amostra na prática de uma

teoria política. O irracionalismo dos dirigentes, a luta pelo poder, as demonstrações

de poderio militar, a bomba atômica, a corrida espacial, o imperialismo no terceiro

mundo e inúmeras outras formas de expressão da Guerra Fria forampautadas pela

Teoria Realista.

Partindo do pressuposto que, para a Teoria Realista, a guerra significa

demonstração de poder pode-se perceber que tanto a União Soviética quanto os

Estados Unidos estavam preparados para isso. De que outra forma os políticos,

ditos irracionais, manteriam seu poder e subjugariam Estados mais fracos? Como

visto anteriormente, no final da IIGuerra Mundial, o mundo estava despedaçado, e

somente duas potências (ou uma, que posteriormente “criou” a outra) tinham

subsídios necessários para dominar a cena internacional. Através de ajudas,

incentivos ou de pressão militar, tanto os EUA quanto a URSS conseguiram formar

áreas de influência e dominá-las

A Teoria Realista, como discorrido anteriormente, trabalha com a ideia dos

nacionalismos no início do século XX, formas de controle populacional pautadas

pela ideia de supremacia nacional frente às outras nações. Uma amostra disso foia

expansão que ocorreu, de um imperialismo articulado sob uma ideologia

ultranacionalista frente a Estados inferiores. Ainda que o ápice disso tenha se dado

durante as duas grandes guerras, a Guerra Fria continuou este pensamento, mas

agora duas potências se digladiavam pelo poder mundial baseando-se em

ideologias.“As causas imediatas da corrida armamentista são as definições oficiais

80 HOBSBAWN, Op.Cit. p.224.

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da realidade mundial, a que se apegam as elites do EUA e a URSS. Essas

definições nacionalistas e ideologias nacionalistas servem hoje em dia como uma

máscara de irresponsabilidade e incompetência da elite.”81

Ainda que para Thompson o imperialismo estivesse mais evidente na

Europa, outros teóricos, afirmaram que a luta se deu nos países periféricos.A

disputa, então, era não somente pela Europa, mas por outros países em todos os

hemisférios. Este imperialismo materializou-se através do poder militar.Para os

realistas seria somente através do imperialismo nacionalista que se alcançaria a paz

e a harmonia internacional. O Estado de guerra iminente seria, portanto, um Estado

de paz constante. Thompson afirma que isso de fato ocorre, mas que não pode

continuar dessa forma. Seu apelo é pelo desarmamento, que vai contra qualquer

política realista – não há realismo político sem a manutenção do estado de guerra

constante. E sem estado de guerra constante, de que outra forma poderiam as elites

se manter no poder? Este é o principal argumento de Thompson, o desarmamento

não traria somente a paz e o fim deste modelo como, também, o fim da dominação

dos fortes contra os fracos.

O domínio militar era necessário, a indústria armamentista se desenvolveu

ao longo do século XX cada vez mais potente e em maior número, clara expressão

do realismo político.O acúmulo de potencial bélico seria o gerador de poder. Além

disso, para a Teoria Realista, é essencial a valorização do Estado e da política.O

que se pôde perceber, como crítica principal feita por Thompson, é que as

populações precisavam se livrar do poder político exercido pelas potências e lutar

pela independência e autotutela de suas próprias nações. Para os teóricos do

Exterminismo, a paz viria de baixo e não da política, pois os políticos seriam

irracionais e só buscariam sua manutenção no poder. O que se pode aduzir é que o

ponto de convergência entre os conceitos é a manutenção de uma Elite no poder

através de armas de destruição total e que não obstante desejam manter este

quadro, querem expandir seu poder até obter o controle total e firmar-se como

potência única.

Ainda que o armamentismo seja o foco principal, pudemos perceber que o

poder não é exercido somente pela pressão militar, mas também, e principalmente,

pela ideologia. Este é um ponto muito importante e talvez o crucial para se

81MILLS, Op.Cit. p.93.

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compreender as relações internacionais durante a Guerra Fria. A ideologia do pós-

segunda guerra foi uma ideologia forjada no inimigo. Economias precisavam ser

reaquecidas, políticas feitas e zonas de influências delimitadas, como então

convencer um Estado a negociar com este e não com aquele? É preciso que aquele

se torne um inimigo. Os Estados Unidos foram excepcionais nesse sentido,

conseguiram fazer com que a URSS se apresentasse como um ente terrível a ser

combatido. Hobsbawn confirma essa ideia,

Como a URSS, os EUA eram uma potência representando uma ideologia, que a maioria dos americanos sinceramente acreditava ser o modelo para o mundo. Ao contrário da URSS, os EUA, eram uma democracia. É triste, mas deve-se dizer que estes era provavelmente mais perigosos.(...) Um anticomunismo apocalíptico era útil, e portanto tentador, mesmo para os políticos não de todo convencidos de sua própria retórica ou tipo do secretário de Estado da marinha do presidente Truman, James Forrestal ( 1882-1949), clinicamente louco o bastante para suicidar-se porque viu a entrada dos russos de sua janela no hospital. 82

Este trecho nos demonstra o quão eficiente se mostrou a política ideológica

dos Estados Unidos, apocalíptica, fatal. O realismo político alcançou seu extremo,

através da doutrina de política externa norte americana o que, consequentemente,

fez com que a URSS tomasse postura semelhante e, então, o jogo estava formado.

Dois Estados, extremamente armados, com poder suficiente para acabar com o

mundo, com políticas imperialistas e de expansão de sua área de influencia. Como a

guerra real era inviável o conflito teve de se dar na esfera ideológica.

Ainda que fossem duas potências, duas elites, dois sistemas, o objetivo era

o mesmo: aniquilação e dominação. Durante a Guerra Fria, dois sistemas políticos

se confrontaram e se retroalimentaram, o socialista e o liberalista, mas ambos

buscavam a mesma coisa: poder, crescimento e aniquilação do outro. E estes três

elementos caminhavam juntos, só existiria poder com crescimento econômico e o

crescimento se daria através da produção de armamentos para aniquilar o inimigo.

No fim é uma corrente perfeitamente Realista para se por em prática. Isso é

corroborado por Alan Wolfe que afirmou que osEstados Unidos e União Soviética

tornaram-se potências por que uniram a ideologia a uma poderosa máquina estatal:

A promoção do crescimento e o planejamento para a guerra se cruzam em todos os pontos. Uma sociedade de crescimento é aquela que tem mais

82 HOBSBAWN, Op.Cit, p.232.

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recursos a serem aplicados na preparação para a guerra, ao passo que uma sociedade militarizada é aquela que, a algum nível, tenta canalizar sua indústrias e arsenais para o crescimento. Os Estados que podem acumular o maior montante de poder são aqueles que podem expandir suas economias e aumentar seus armamentos.83

O que se depreende, portanto, e que Thompson corrobora, ainda mais por sua

ideologia eminentemente de esquerda, é que independente do sistema, o ponto

principal, o que está realmente em jogo, é a manutenção do poder de um Estado

sobre outros e, ainda, de uma Elite sobre uma população.

Neste trabalho monográfico, o objetivo foi analisar um momento específico e

uma política específica. Muitas características não foram exploradas a fundo, como

por exemplo, a perspectiva esquerdista e de luta de classes presente na discussão

sobre o Exterminismo, exatamente por abrirem outro leque de possibilidades e

interpretações. Ainda que outras questões surgissem e outras discussões se fizeram

presentes ao longo do trabalho, como ‘’o que é paz?’’, ‘’o que é a guerra’’, ‘’por que a

paz através da luta de classes?’’ entre outras, acreditamos que são questões

filosóficas e históricas e que se distanciariam muito da essência do trabalho se

fossem trazidas para esta pesquisa. Além disso, não se conseguiria abordá-las por

completo e a fundo. Questões gerais foram, portanto deixadas de lado e as únicas

questões abordadas foram aquelas que, especificamente, se relacionassem com a

questão proposta.

O objetivo desta monografia era único, obter uma abordagem da Guerra Fria

a partir de conceitos diversos, mas que se convergiriam através da política

internacional.

A Teoria Realista ajudou a explicar as decisões políticas ao longo do século

XX. E o Exterminismo criticou estas políticas. No Prefácio à Segunda edição do livro

‘’Que é História’’, E.H Carr afirma em meados da década de 80 que ele terminara

suas conferências de 1961 com certo otimismo, porém que os anos que seguiram

acabaram com qualquer esperança:

A Guerra Fria recomeçou com intensidade redobrada, trazendo consigo a ameaça da destruição nuclear. A adiada crise econômica começou impetuosamente, devastando os países industrializados e espalhando o câncer do desemprego através da sociedade ocidental. Hoje, raro é o país que está livre da hostilidade da violência e do terrorismo. (...) Nestas

83 WOLFE, Op.Cit. p.210.

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condições, qualquer expressão de otimismo pode parecer absurda. Os profetas da desgraça têm tudo a seu favor. O quadro da destruição eminente, laboriosamente desenhado por escritores e jornalistas sensacionalistas e transmitido através dos meios de comunicação em massa, penetrou no vocabulário do discurso cotidiano. Nunca a antiga previsão popular do fim do mundo pareceu tão apropriada.84

Este trecho é interessante, pois o criador da Teoria Realista, cuja ideia era

descrever o cenário da primeira metade do século XX, ou seja, de duas guerras

mundiais, percebe que a segunda metade do século XX não foi muito diferente, que

a situação era de calamidade e perigo eminente. Não se pode deixar de notar que a

Teoria Realista pouco tem de otimista. Tampouco têm Thompson e o conceito do

Exterminismo.

84CARR, Edward Hallet.Que é História?. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3 Ed. 1982. p.12-3.

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