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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ MARIANA PONCIO DE LIMA MUROS, CORES E IDEIAS: UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA COM GRAFITEIROS DE CURITIBA E DE SÃO PAULO CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

MARIANA PONCIO DE LIMA

MUROS, CORES E IDEIAS: UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA COM GRAFITEIROS DE CURITIBA E DE SÃO PAULO

CURITIBA 2013

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MARIANA PONCIO DE LIMA

MUROS, CORES E IDEIAS: UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA COM GRAFITEIROS DE CURITIBA E DE SÃO PAULO

Trabalho apresentado como requisito parcial à obtenção do grau Socióloga no curso de graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Angelo Jose da Silva

CURITIBA 2013

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TERMO DE APROVAÇÃO

MARIANA PONCIO DE LIMA

MUROS, CORES E IDEIAS: UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA COM GRAFITEIROS DE CURITIBA E DE SÃO PAULO

Trabalho apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Cientista Social no curso de graduação em Ciências Sociais, pela seguinte banca examinadora:

____________________________________

Prof. . Dr. Angelo Jose da Silva

Setor de Ciências Humanas, UFPR

___________________________________

Profa. Dra. Ana Luisa Fayet Sallas

Departamento de Ciências Sociais, UFPR

___________________________________

Profa. Martina Ahlert

Departamento de Antropologia, UFPR

Curitiba, 13 de dezembro de 2013

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A todas as pessoas de espírito livre, mente aberta e que são gauche na vida.

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AGRADECIMENTOS

Ao deus ou à deusa que mora dentro de cada um de nós.

À minha mãe, meu pai, meus irmãos e toda minha família – que mesmo

sem saber o que eu estudo exatamente me deixaram escolher.

Aos meu anjos da guarda de Curitiba: Angelo, Ana Lu e Auma.

Às amigas e aos amigos que fizeram de Curitiba minha casa.

Às amigas e aos amigos que me acompanharam nessa jornada

acadêmica.

A toda galera que vive o graffiti intensamente e que influenciou nesse

trabalho diretamente:

Cheira Tinta Crew: Eric, Jamil e Rato;

Utopia Crew: Café, Hope e João;

Os que engrossaram o caldo e tudo ficou mais interessante:

Acra, Alexandre Orion, Anni, Cabeça de Macaco, Coração,

Debora, Drika Chagas, Eker, Gaga Heal, Iceman, Japem, Jasom,

Keiko, Ken.Luchi, Magdádiva, Magrela, Malina Suliman,

Negahamburguer, Nene Surreal, Senkoe, Shamsia Hassani,

Shock, Skorr, Steeve, Wolf...

Aos oldschool: Os gêmeos, Nina, Banksy, Shepard Fairey e por ai

vai.

A Universidade Federal do Paraná por me fazer migrar e desbravar um

novo horizonte.

Ao setor de Ciências Humanas por me acolher e me ajudar na vida

universitária.

A Coordenação do curso de Ciências Sociais que sempre fez o possível

para me auxiliar nas problemáticas burocratas.

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Ao Restaurante Universitário que ajudou a me alimentar por todos esses

anos.

Aos artistas de rua, de casa, de apartamento, de galeria, de museu, de

praia, de templo, de madeira, de ferro...

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“Imagine uma cidade em que o grafite não é ilegal. Uma cidade onde qualquer um pode desenhar onde quiser. Onde cada rua seja inundada de milhões de cores e frases curtas. Onde esperar no ponto de ônibus não seja uma coisa chata. Uma cidade que pareça uma festa a qual todos foram convidados, não apenas as autoridades e os grandes figurões dos grandes empreendimentos. Imagine uma cidade como essa e não encoste na parede – a tinta está fresca.”

BANKSY, 2005.

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RESUMO

A vida nas grandes cidades está cada vez mais saturada, caótica, e

para muitos, insuportável. Com tantos veículos, lixo, poluição, violência, e

principalmente pessoas que perderam ou nunca tiveram a noção de como viver

em sociedade - o senso de coletivo. Em meio a tanto cinza, concreto e

monotonia, surge o graffiti para quebrar a rotina. Para chamar a atenção

daqueles que sempre estão muito ocupados. Os grafiteiros estão no contra

fluxo da modernidade, pois enquanto a maioria das pessoas se “protegem” ou

se “escondem” em suas casas, eles enfrentam as ruas e ocupam esse espaço,

de modo a despertar os sonâmbulos alienados e devolver um pouco de

humanidade ao mundo supertecnológico no qual vivemos hoje. Nessa

perspectiva, esse trabalho pretende apresentar algumas considerações acerca

da relação do graffiti com a cidade, com quem o faz e comigo, enquanto

pesquisadora. A partir de um trabalho de campo realizado no eixo Curitiba -

São Paulo, envolvendo principalmente dois grupos de jovens praticantes de

graffiti, além de diversos informantes também inseridos nesse universo, foi

observado que a linguagem do graffiti além de ser expressão artística,

engajada, democrática e efêmera é também universal. Independente das

diferenças, desigualdades ou particularidades, o graffiti dilui fronteiras e

transforma o cotidiano revivendo as pessoas habitantes da metrópole.

Palavras-chave: Graffiti, Sociologia da Imagem, Sociologia Urbana, Antropologia da arte.

1. Foto: Hélvio

Romero/AE

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ABSTRACT

Life in big cities is increasingly saturated , chaotic , and for many, unbearable.

With so many vehicles , trash , pollution, violence , and especially people who

have lost or never had the concept of how to live in society - the collective

sense . Amid much ash, concrete and monotony , the graffiti appears to break

the routine . To draw the attention of those who are always busy . The graffiti

artists are against the flow of modernity since, while most people " protect " or "

hide " in their homes , they face the streets and occupy that space. In a way to

wake the alienated sleepwalkers up and return a little humanity to this

supertechnological world we live in today. Under such perspective , this work

presents some considerations about the relationship of the city with graffiti , who

makes it and me, as a researcher . From field work conducted in the axis

Curitiba - Sao Paulo, along with mainly two groups of young people involved in

graffiti and several informants also included in this universe , it was observed

that the language of graffiti besides being artistic expression, engaged,

democratic and ephemeral is also universal.

Keywords: Graffiti, Sociology Picture, Urban Sociology, Anthropology of Art.

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2.No more tear gas - "Caribine" R.Gergen

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 9

2 O QUE É GRAFFITI? ......................................................................................................................... 13

3 SOCIO-HISTÓRIA DO GRAFFITI .................................................................................................... 16

4 A QUESTÃO DO GRAFFITI ARTE ................................................................................................. 43

5 A REFLEXIVIDADE DO CAMPO ..................................................................................................... 48

5.1 QUANDO O CAMPO VEIO ATÉ MIM ....................................................................................... 51

5.2 QUANDO FUI ATÉ O CAMPO .................................................................................................. 55

6 PERFIS: A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE .............................................................................. 61

6.1 CHEIRA TINTA CREW ................................................................................................................ 61

6.2 UTOPIA CREW ............................................................................................................................ 64

7 A QUESTÃO DA IMAGEM E SUA REPRODUÇÃO..................................................................... 70

8 GRAFFITI E SUA LINGUAGEM REUMANIZADORA .................................................................. 79

8.1 COMO AS IMAGENS PENSAM ................................................................................................ 81

8.2 O TEMPO DA IMAGEM .............................................................................................................. 83

8.3 A REUMANIZAÇÃO ATRAVÉS DA LINGUAGEM ................................................................. 85

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 86

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ................................................................................................... 90

LISTA DE ILUSTRAÇÕES .................................................................................................................... 92

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1 INTRODUÇÃO

3.“Se o graffiti não mudasse nada - ele não seria ilegal.” – BANKSY

Atualmente vivemos num mundo cada vez mais caótico, poluído, cinza,

no qual as pessoas estão perdendo sua humanidade. O „bom senso‟, aquilo

que nos permite viver de forma descente e saudável em sociedade, está a

cada dia sendo substituído pelo nonsence – essa expressão em inglês que

significa “ a falta de senso” ou “sem sentido” e representa tão bem o padrão de

comportamento nas grandes cidades ao redor do mundo.

Os micromundos do universo das telecomunicações transformam a

maioria das relações humanas em virtuais. O celular conectado a internet é a

principal ferramenta de comunicação entre as pessoas. Os olhares e dedos

fixos à tela do aparelho deixam as cabeças baixas a maior parte do tempo, algo

que denota um semblante triste e vazio. As grandes cidades estão sendo palco

de uma nova onda de alienação pautada pelas novas tecnologias.

Tal linguagem revolucionária parece ser um grande paradoxo, pois as

pessoas se comunicam o tempo todo por aparelhos para não ter que se

comunicar pessoalmente. Ou seja, criam a sensação de estar em constante

comunicação umas com as outras ao passo que aumenta-se progressivamente

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a dúvida se essa comunicação ocorre efetivamente. Responder uma

mensagem no celular se tornou, para muitos, mais relevante do que responder

a alguém que pergunta as horas no ponto de ônibus.

Em meio a essa nova forma de comunicação que vem se mostrando

cheia de falhas e problemas relacionados interelação humana, o graffiti se

destaca, entre outros motivos, por “roubar” a atenção - tão cara hoje em dia –

dos habitantes da urbe e fazer com que eles retomem uma humanidade que

está se perdendo aos poucos. A arte urbana é responsável por uma quebra na

monotonia, uma ruptura no cotidiano, algo que o professor estadunidense

Richard Schechner chamaria de performance.

Na performance do graffiti, o muro parece instituir o status daquele que

atua como grafiteiro – aquele que faz graffiti - confirmando o poder criativo do

ritual. Como bem destaca o autor, as manifestações na rua se apropriam do

espaço público, enquanto no caso do graffiti não é apenas isso, uma vez que a

própria rua se apropria da arte criada. Desse modo, por estar na rua esta

performance esta sujeita a diversos tipos de intervenções. Uma delas é a

intervenção policial.

Muitos países, incluindo o Brasil, vivem sistemas políticos que

anseiam em ser democráticos, todavia muitas de suas políticas relembram ou

retomam ideologias e atitudes vividas em tempos de ditadura. A polícia

brasileira, principalmente a das capitais, pode ser o maior exemplo dessa

mentalidade reacionária, opressora, punitiva, etc. reflexo da sombra ditatorial.

Essa instituição representante do Estado trabalha muitas vezes numa

lógica sem lógica, onde proibir é lei e permitir é ilegal. E por seu campo de

atuação principal serem as ruas das grandes cidades, policiais e grafiteiros

acabam se encontrando constantemente. Um encontro geralmente

desagradável. Perante a lei, pichação pode ser considerado ato de vandalismo,

depredação de patrimônio público ou privado, crime ambiental, etc., enquanto o

graffiti já é tratado de forma mais liberada.

E quais serão os critérios usados pela polícia para distinguir um ato

criminalizado e outro “liberado”? A distinção genérica que se faz é a de que

pichação são letras de uma mesma cor repetidas como marcas registradas de

uma gangue, enquanto o graffiti é mais elaborado, artístico, tem uma

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preocupação estética e “embeleza” a cidade. Será mesmo que existe essa

distinção tão demarcada? Fora do Brasil o que se percebe é outra realidade.

Na maioria dos países, não há essa distinção. A pichação está

entrelaçada ao graffiti e por sua vez a street art (arte de rua). Portanto, o graffiti

é pichação e pichação é graffiti e isso tudo é considerado crime, de modo que

em muitos países existem políticas de forte repressão aos praticantes dessa

arte. Por isso me inspiro na imagem do graffiti feito pelo artista urbano inglês

mais detestado e admirado da atualidade: Banksy.

O autor nos faz questionar as relações entre os civis e o Estado, a

cidade e as pessoas que vivem nela, os espaços públicos e os privados, a rua

e o particular, etc. Afinal, por que algo que expressa tanta opinião, ideias,

sentimentos, sensações deve ser ilegal? Por que devemos ser privados de

uma das mais profundas e intimas ânsias: a de nos comunicarmos? O graffiti

nos “tira da bolha” na qual vivemos e nos faz refletir sobre desde o mundo onde

vivemos, até o que desejamos ou não viver.

Já que no Brasil graffiti e pichação são tratados de formas distintas

tanto por quem pratica quanto para quem observa, para não me prolongar

nessa discussão, me baseio na opinião de um dos socioeducadores e grafiteiro

que colaborou para este trabalho Jamil Santos: a única diferença entre graffiti e

pichação é que um é permitido e o outro não. No fim, proibido ou não, as

pessoas vão continuar a praticar muito de um e de outro.

No mundo do graffiti tudo é uma possibilidade. Todo momento é um

momento propício para praticar o graffiti. O que vale é vontade, intensão e

ideia. Os lugares a serem explorados são infinitos. Uma monografia não seria

suficiente para trabalhar as múltiplas possibilidades de um tema tão rico, amplo

e diverso. A partir disso, como discorrer sobre um tema tão amplo e que

convive com a humanidade desde a formação dos grupos primordiais?

Num primeiro momento questionarei o que é o graffiti. Depois,

delimitarei uma cronologia sócio-histórica-imagética a cerca desse movimento

constante de grafitar que acompanha os seres humanos desde os primórdios

das sociedades, com o foco nas sociedades ocidentais, já que tanto a origem

da própria terminologia quando as influências diretas adquiridas pelos grupos

estudados nesse trabalho derivam da cultura ocidental moderna.

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Posteriormente, apresentarei algumas questões e elementos do mundo

do graffiti que tiveram inicio nos anos 1990 e estiveram em voga dos anos 2000

em diante. Por exemplo, situar a discussão de alguns autores sobre a relação

graffiti e pichação. Sobre a questão da arte, cultura urbana e essa enorme

dimensão que o graffiti está tomando no Brasil e no mundo.

Em seguida, descreverei o campo, o por quê da escolha desse campo,

minha experiência nele, um pouco do perfil de quem conheci, onde conheci, o

que pude constatar, etc. Compartilharei algumas imagens, conversas e ideias

que se desenrolaram nesse um ano e meio de intenso contato com o

movimento do graffiti.

E por fim, colocarei em debate a questão do graffiti enquanto imagens

que se comunicam por si e entre si, de modo a criar uma linguagem própria e

aparentemente universal, a qual devolve a magia para a linguagem tanto

escrita quanto imagética, causando um efeito de reumanização nas pessoas

em volta dele.

Enfim, esse trabalho pretende construir uma base sócio-antropológica

através da junção de algumas histórias do graffiti: no mundo, na minha vida e

na vida de algumas pessoas do eixo São Paulo- Curitiba-México D.F. (por

exemplo, as Crew‟s1 Cheira Tinta e Utopia) para mostrar alguns dos elementos

dessa reumanização (amor, vida, deus, cidadania, coletividade, cooperação,

expressão, cura, criatividade, amizade, etc) que o universo do graffiti é capaz

de nos presentear.

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2 O QUE É GRAFFITI?

“Graffiti é uma das coisas que fazem a cidade ter algum sentido.”

- Mariana Poncio

4. Streep (Equador) e Auma (Brasil) -

Graffiti: palavra de origem italiana que significa o plural de graffito

(técnica de incisão com ponta em superfície dura), a qual existe desde o

Império Romano. No mundo moderno ocidental, essa prática começou a se

expandir com os grandes movimentos sociais, por exemplo, o de contracultura

de maio de 1968 na França.

Já na década de 1970, se desenvolveu junto ao movimento Hip Hop

dos guetos estadunidenses. Enquanto no Brasil, ele toma força da década de

1980 com a popularização do movimento Hip Hop no país, principalmente em

São Paulo. A cultura Hip Hop é baseada nos „4 elementos‟: música (rap) com

os DJ‟s e os MC‟s (Disc jockey e Mestre de Cerimonia), dança (break) com as

B-Girls e os B-Boys e finalmente o graffiti com os writers11 (escritores).

1 Writers: termo em inglês que literalmente significa “escritores”. A palavra “grafiteiro” apesar de

ser muito utilizada na literatura e na mídia não é muito popular entre os praticantes de graffiti. Estes, em geral, preferem a expressão “escritores” ou writers mesmo.

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Na ultima década, tanto o mundo das artes quanto o mundo da rua

valorizam o graffiti. Enquanto o seu discurso cresceu e se diversificou de tal

forma que não se pode classifica-lo como pertencente a determinado grupo

social ou limitá-lo a regiões específicas do planeta.

A partir dessa perspectiva permeada pelo debate sobre a arte e

mobilidade urbana, uma das pretensões desse trabalho é discutir alguns dos

elementos que permitem que grafiteiros de São Paulo dialoguem com

grafiteiros de Curitiba - mesmo encontrando-se em realidades, identidades e

estilos de fazer arte todos distintos.

De modo a tentar compreender mais profundamente a partir das

imagens e conversas realizadas pelos grafiteiros, bem como os textos

escolhidos para auxiliar nesse estudo, a linguagem que desenha e transforma

cada cidade de forma colorida, engajada, dinâmica e efêmera.

Pensar em graffiti é pensar em imagens. Imagens e sua relação com o

ser humano. Imagens de diversos tipos, formas e conteúdos. Elas podem

agradar ou não. Podem ser percebidas ou não. O importante aqui é pensar

como as pessoas se comunicam através dessa linguagem ou como ela

comunica por si mesma.

A partir disso, torna-se possível indagar, como fez Etienne Samain, se

toda imagem veicula ou é portadora de pensamentos, toda imagem leva

consigo algo do objeto representado. Por exemplo, no caso do graffiti, o que

gera o spray ao entrar em contato com a superfície de um muro.

De um lado as ideias dos grafiteiros e de outro dos transeuntes

anônimos, independente de qual lado o observador se encontra, as imagens

sempre oferecem algo para se pensar. E como isso ocorre? Será que a

imagem tem vida própria ou pensa, como defende Samain? Ou ainda, mesmo

independente de quem a faz ou a observa, ela se comunica e dialoga com

outras tantas imagens pensadoras?

Nesse contexto, é interessante pensar que o graffiti, sendo um

movimento que dá vida a cidade, devolve sua magia, que consegue intervir no

dia a dia das pessoas, conversa com outras formas de linguagem, a cidade

devolve isso para ele? A cidade parece partilhar de uma relação de amor e

ódio. E se há uma relação possível, quer dizer que algo se comunica.

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Certamente a linguagem que surge a partir da imagem de um graffiti diz

alguma coisa a uma possibilidade infinita de pessoas.

Alguns praticantes e comentadores desse movimento, diriam que

graffiti é tudo, está em tudo, pode vir a ser tudo aquilo que envolve as mãos,

um material com o qual se possa escrever e a pulsão do ser humano de expor

seu eu interior mundo a fora. Desde suas histórias cotidianas, passando por

seu próprio nome e até provocações políticas e artísticas muito intensas. Seja

numa caverna, numa parede, num caderno, numa superfície plana – ou não,

num mural, numa tela, numa folha de papel, num tronco de árvore, ou

principalmente num muro.

Nesse sentido, vale esclarecer o por quê, diferente de alguns autores e

tradutores, utilizo neste trabalho a palavra “graffiti” - e não grafite – e sem o

formato itálico. Durante todo o campo me deparei com essa palavra na língua

estrangeira como se já pertencesse a língua portuguesa. Aliás, como se não

pertencesse a idioma específico nenhum. Como se a palavra usada no original

fizesse jus ao que o graffiti é: uma arte sem barreiras territoriais, linguísticas,

religiosas ou étnicas.

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3 SOCIO-HISTÓRIA DO GRAFFITI

“A pichação na parede já defende algum direito.”

– anônimo

Para identificar o graffiti na prática é preciso conhecê-lo em sua origem

na palavra. A primeira pessoa a adotar esse termo utilizado ate hoje, foi o

historiador italiano Raffaele Garrucci em sua obra datada de 1856 sobre

grafismos políticos e pornográficos em Pompéia – os quais comentarei mais

adiante.

Garrucci os denominou sgraffiato ou sgraffito, uma técnica de

decoração em mural milenar originária das civilizações mediterrâneas. A partir

dai, obras riscadas ou pintadas em muros públicos passaram a ser

reconhecidas como graffiti (o plural de graffito): “qualquer ato de escrever,

inscrever, marcar ou desenhar sobre qualquer superfície, desde uma folha de

papel até uma rocha, uma parede ou outro elemento qualquer, inclusive do

espaço urbano” (PROSSER, p.5, 2009).

Segundo o doutor em sociologia Rodrigo Apolloni (2011), o hábito de

transformar conteúdos psíquicos por meio de símbolos gráficos seria anterior

ao Homo sapiens, chegando a 60 mil anos no passado, entre o declínio do

Homem de Neanderthal e a ascensão do Homem de Cro-Magnon.

O que nos faz crer que o ato de fazer graffiti além de ser instintivo e

vital ou como defende o sociólogo francês Michel Maffesoli (apud Apolloni

2011), trata-se de um princípio essencial à existência e à sobrevivência da

humanidade. Também possui papel fundamental na história humana como

expressão e representação de uma linguagem que transborda as barreiras da

oralidade e desde o primeiro século depois de Cristo, da escrita tradicional.

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5.Sítio arqueológico de Vertentes (PE) - pintura rupestre datada de +/- 6mil anos.

Já Pompeia, a cidade do Império Romano que foi encoberta de cinzas

no ano de 79 d.C. por uma homérica erupção vulcânica, foi redescoberta por

arqueólogos em 1748 e se tornou um dos sítios arqueológicos mais

importantes do mundo, recebendo o título de Patrimônio Mundial pela Unesco.

Esta cidade possui uma enorme e intensa quantidade de registros

sócio-históricos e entre eles desenhos e grafismos, como afirma Apolloni,

clandestinos que transportam assinaturas, xingamentos, poemas, declarações

de amizade, visões infantis de mundo, afirmações de proezas sexuais e

comentários ofensivos.

Os muros dali ainda tem vida. Não parecem ser meros apoios para

comunicados políticos ou informativos cotidianos. Os muros de Pompeia ainda

se comunicam. Dizem muito sobre seu povo e sobre a história da humanidade

como um todo. O que descobriram em Pompeia se faz presente até hoje em

muitas outras sociedades ocidentais.

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6.

Apolloni destaca que não há apenas duas categorias de graffiti –

legítimo ou clandestino, mas diversas configurações que transcendem esses

limites. A partir disso, pode-se perceber, como fizeram alguns pesquisadores e

amantes das artes gráficas anteriormente, que o nome (ou posteriormente

conhecido como a tag2) é o elemento que liga os graffitis de Pompéia e os

encontrados no final do séc. XIX.

Reconhecido por estudiosos como “o pai do graffiti moderno” ou a

primeira pessoa na história ocidental moderna a assinar seu próprio nome

numa parede, o austríaco Joseph Kyselak se tornou famoso pelos seus feitos.

Kyselak foi o primeiro grafiteiro a incorporar a matriz de estêncil 3 às

ferramentas de trabalho, o que ajudou a difundir com mais rapidez e agilidade

seu trabalho por grande parte da Europa.

2 Tag: termo originário de Nova Iorque usado pelos praticantes de graffiti que significa

“assinatura” ou o nome marcado na parede. O tag reto, por exemplo, é um estilo de letra difundido pelos pichadores de São Paulo 3 Estêncil: originário do inglês stencil é uma folha fina feita seja de papel, plástico ou metal,

utilizada para servir como base de um desenho ou texto que pode ser reproduzido infinitas vezes numa parede, num muro, numa camiseta, etc.

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7.

A imagem acima remete ao ato de grafitar na sua essência. A ânsia de

escrever um nome em lugares de difícil acesso e grande visibilidade. A

metáfora de escalar um monte, vencê-lo e deixa-lo uma marca. Porém não

qualquer marca, não um bandeira que representa nações inteiras, mas sim a

representação da nação solitária de si mesmo: seu nome. As roupas e a

paisagem rural ao fundo condenam um cenário pré-urbano.

Assim, para analisar o graffiti das décadas seguintes, as quais estão

inseridas em contextos urbanos industriais, é importante conhecer o conceito

de metrópole do sociólogo alemão do inicio do século passado Georg Simmel.

Nesse conceito, a metrópole é o locus (lugar) da economia, da política, do

sistema de trocas intensas de mercadorias, fluxo massivo de pessoas, etc.

Na metrópole, o foco está nas relações mercadológicas, onde se

trocam produtos, não sentimentos. Nesse contexto surge a figura do blasé, ou

o individuo habitante da grande cidade, o qual cria uma camada protetora

baseada na racionalidade e na indiferença para se distanciar da multidão e

entrar em contato com sua subjetividade.

A metrópole de Simmel não está distante da realidade de qualquer

grande cidade ao redor do mundo ocidental. Nesse contexto, enquanto o blasé

se mune de indiferença, criando uma capa protetora contra a multidão infinita,

os grafiteiros interagem intensamente com essa multidão da cidade: por onde

passam deixam suas marcas, visões de mundo, reflexões sobre o cotidiano

urbano.

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Assim, sigo para a década de 1960 por ter sido, sem dúvida, palco dos

anos do séc. XX mais conflituosos, revolucionários, transformadores

sócioculturalmente para o Brasil e para o restante do mundo. As ruas se

tornaram trincheiras, campos abertos de batalhas - muitas delas trágicas. A

figura do blasé parisiense, por exemplo, se deparou constantemente com

protestos, barricadas, prisões em grupo, movimentações políticas importantes.

O que estava em jogo não era só a política interna e externa de um

país, mas todo tipo de direito civil, liberdade de expressão do corpo e da

mente, mudanças comportamentais e ideológicas profundas. Tudo isso iria

servir de base e refletir os acontecimentos seguintes da nova fase da

sociedade moderna, a qual se estendeu até o final dos anos 90.

No âmbito do graffiti enquanto ferramenta de protesto, muito foi

experimentado, testado e aplicado nas ruas principalmente na Paris dos anos

60. Por exemplo, na imagem abaixo, a escrita feita em spray (que no Brasil se

categorizou como pichação) que na minha tradução livre pode ser entendida

como “Desfrute sem barreiras”, ou melhor, “Curta sem atrapalhar” ou ainda

“Aproveite sem entraves”.

Um trocadilho, talvez, referente o que parece ser um lugar abandonado

ou camuflado, onde a entrada está fechada. Ou seja, como aproveitar algo se

não se pode ter acesso? Ou como curtir a vida, ainda mais naquela época, sem

incomodar ninguém? Uma brincadeira que parece não agradar o senhor de

chapéu. A bicicleta estacionada, o cartaz do partido comunista e um grande

pôster dobrado compõe

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8.

O spray é originário do período pós Segunda Guerra Mundial, quando

começaram a ser produzidos materiais em aerossol (inseticidas, perfumes,

etc). Todavia foi nas décadas de 50 e 60 que seu uso se popularizou. As tintas

e vernizes em spray possibilitaram maior velocidade e liberdade de

movimentos e se tornou ferramenta de protesto entre os estudantes, operários,

sindicalistas ou insatisfeitos em geral com a política da época.

9.

Ainda na França, nessa mesma época de revoltas e mudanças sociais,

o fotógrafo húngaro Gilberte Brassaï (pseudônimo de Gyula Halász) registrou

inúmeros graffiti dos muros parisienses. Desde a década de 1930 ele trazia o

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debate sobre a importância artística dos escritos urbanos no muro como forma

legítima de expressão. O autor afirma:

“Gravar [algo] em um muro reconecta com um princípio humano

ancestral e também com uma forma muito antiga de apreensão do mundo. [...]

No muro, palavras e figuras parecem pragmáticas, descomplicadas, vigorosas:

a linguagem se torna ação, e a imagem um instrumento de magia.” (BRASSAÏ

2002 apud APOLLONI 2011).

Brassaï não só propôs que a pichação das ruas de Paris saísse da

marginalidade e do vandalismo para ser vista como expressão artística

verdadeira, mas também trouxe o debate a cerca da importância no papel de

observador no processo da comunicação entre “grafiteiro e transeunte”. Como

é essa relação se ela realmente existir?

O fotógrafo realizou um trabalho intitulado “A Linguagem da Parede”,

no qual foram registrados grafismos de protesto e de chamamento político,

onde nota-se um grande número de sobreposições entre graffitis como modo

de responder ao grafiteiro anterior de forma provocativa. Podendo ser

entendida pelos passantes como uma luta por espaço, território, opinião ou

apenas um jogo onde o tabuleiro são os muros de Paris.

10.

Enquanto no Brasil da mesma tortuosa década de 1960, o que

acontecia nos muros de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo não se

distinguia muito dos muros de Paris retratados por Bressaï. A imagem da

clássica fotografia “Abaixo a Ditadura” diz muito sobre o que o país estava

vivendo naquele período.

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Naquela época grafitar/pichar para a polícia era motivo de prisão,

tortura e até mesmo morte. Escrever em muros públicos importantes em

períodos de grande repressão é gritar para o restante do mundo aquilo que o

Estado e a grande mídia tentam esconder. O graffiti nesse contexto serviu

muitas vezes como mais uma forma de gritar para mundo que a ditadura devia

acabar o quanto antes.

11.

Na imagem acima vale destacar alguns elementos que me chamaram

atenção. O “Abaixo A Ditadura” grande e em letras garrafais parece querer

reforçar o pequeno e escondido “Fora Ditadura” que está em baixo. Os

observadores da esquerda estão com um ar de contemplação como se

estivesses em um museu, enquanto os da direita parecem não se importar ou

ignorar aquele ato. Algo que pode remeter às opiniões políticas do momento.

Já a Kombi parece estar pronta para a fuga.

Grafitar em si pode ser subjetivo, intimo ou solitário e supra aquela

ânsia de se expressar na parede, mas também é coletivo do ponto de vista que

a ideia transcrita pode representar muitas outras pessoas. Grita por todos

através de um. O graffiti começa onde termina o ato de grafitar. Não pertence

mais a quem o fez. Pertence ao mundo. A quem quiser ver.

Pouco depois desse período veio a década de 1970 e outro país

marcado pela revolução do graffiti e que ainda hoje é referencia internacional

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em street art4 é a Alemanha. Principalmente na sua capital Berlim, onde foi

construído o muro que dividia o lado Comunista do Capitalista. A imagem

abaixo é uma foto tirada em 1971, 10 anos após a construção do muro.

A composição da foto desperta interesse, pois a tradução livre da

inscrição diz: “União e liberdade para Berlim”. Não se sabe qual dos lados foi

feito o graffiti, mas o arquivo alemão Germany.info indica que este foi um dos

primeiros a burlarem as leis com mensagem de protesto nesse muro. Já o

menino do centro parece ser o L e o I da palavra Berlin, enquanto ou outros

três estão em cima do muro tão à vontade como se estivessem no quintal de

casa. Elementos fazer mais sentido a frase grafitada.

12.

Mantendo esse espírito de “união e liberdade”, torno a descrever o

Brasil a partir dos anos de 1970, quando a prática do spray de expandiu e

tomou as ruas com novas propostas. A pichação se instalou, se alastrou e

incomodou muitas pessoas, enquanto os graffitis (no contexto brasileiro visto

como arte de rua) „brincava‟ com a cidade e explorava-a através da linguagem

artística.

Nesse contexto, Rodrigo Apolloni constata que ao caminhar pelo

Centro de uma cidade como Curitiba ou São Paulo e se deparar com um

graffiti, se a pessoa é „fisgada‟, tende a iniciar o que o filósofo Vilém Flusser

4 Street art: a forma de Arte que dispensa galerias, museus e prestigio. A Arte marginal, criativa

e surpreendente. Do movimento underground a exemplo de sustentabilidade espacial. A Street Art. (Arte de Rua).

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denominou “scanning”, ou um “vaguear pela superfície” em busca de sentido,

conexões e intenção do autor.

13.

Então, qual seria a conexão entre a calçada carioca abaixo e os

prédios tipicamente paulistas de fundo? Qual a intensão de colocar isso na rua

pra todo mundo poder ver? Maurício parece crer que o costume de frequentar

bares, lanchonetes, a vida boemia em geral faz parte da cultura dessas duas

grandes capitais. Enquanto os pinguins do canto direito parecem querer

“invadir” a festa.

O artista plástico, grafiteiro e ex-pichador Celso Gitahy, também

participante ativo dessa agitação, comenta que Villaça analisava os pichadores

como “despreparados” artisticamente e ofereceu a eles algumas oficinas de

pintura juntamente com outro artista urbano Alex Vallauri.

Villaça acreditava que o pichador era sua própria obra, como escrever

a tag significasse dizer ao mundo “eu existo”, segundo Gitahy. A imagem

abaixo é um estêncil de Alex Vallauri conhecido como “Bota Preta”, um dos

símbolos percursores do graffiti anos 70. Alex, após a sua morte em 1987 foi

homenageado com o “Dia Nacional do Graffiti” comemorado no dia 27 de

março.

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14.

A “Bota Preta” me faz pensar nas botas das trabalhadoras noturnas da

região da Augusta em São Paulo. Como um símbolo para marcar de território.

Imagino que onde havia uma bota como essa grafitada, uma mulher da noite

poderia estar à espera de clientes. A bota negra e solitária representa toda um

identidade, um estereótipo, um estigma. Novamente, o que graffiti feito por uma

pessoa pode falar por tantas outras.

Passou a década de 1970 e então chegaram os anos 80, época da

grande expansão do graffiti enquanto linguagem urbana oficial e de expressão

da subjetividade através de tinta, cola, spray, etc. As formas são as mais

diversas: estêncil, colagens5, painéis6, telas em galerias e principalmente as

tags.

Se no Brasil desde a década de 1950 já se usava a tinta spray para

publicar nos muros o próprio nome ou algum pensamento artístico, foi no

período oitentista que o graffiti como street art se consagrou, não parou de se

5 Colagem: composição feita de elementos diversos colados sobre uma tela, papel ou papelão.

6 Painel: composição de pintura feita sobre tela, madeira, alvenaria, parede, quadro, etc.

Toda obra de teor artístico e/ou decorativo que reveste uma parede.

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desenvolver e transitar entre becos, tuneis, alto dos prédios e grandes galerias

como ocorre até hoje.

15.“A grande transformação” - Jaime Prades, Túnel na Av. Paulista, 1987.

Em São Paulo, Jaime, assim como Zé Carratü, César Teixeira,

Eduardo Duar e Milton Sogabe e os geógrafos Antonio Robert de Moraes e

Armando Correia da Silva da USP, faziam parte dos fundadores do primeiro

coletivo de artistas urbanos que pensavam o espaço urbano e formas de

interferências públicas, denominado TUPINÃODÁ. Segundo Gitahy , o nome

surgiu a partir do poema de Antonio Robert de Moraes que diz:

"Você é Tupi daqui

Ou Tupi de lá,

Você é Tupiniquim ou Tupinãodá?"

Na década de 1980, o graffiti no Brasil crescia e se desenvolvia de

modo a ganhar visibilidade pelos muitos artistas plásticos e frequentadores de

galerias. No restante dos polos mundiais de street art não era muito diferente.

Porém o que se entendia como graffiti aqui estava muito mais ligado às artes

visuais do que com a questão do “vandalismo”, marginalidade e tag como no

caso da pichação.

No Brasil, o graffiti também era ilegal, mas foi conquistando um espaço

para além das ruas e avenidas. A maioria das pessoas tanto na mídia quanto

nas ruas acabaram por categorizar o „feio‟ (ruim) como pichação e o „belo‟

(bom) como graffiti. Não havia um consenso sobre o graffiti. Enquanto a

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pichação sempre foi estigmatizada como algo interligado unicamente a

marcação de território entre gangues.

16.

“PIXAÇÃO é uma forma de tagging (assinar) que veio dos grafiteiros

brasileiros. Esse estilo da pichação (ou pixação) é também conhecido como tag

reto (tag em linha reta).” – Anônimo.

Para compreendermos com mais profundidade os movimentos que se

seguem nos anos 90 no Brasil e posteriormente nos anos 2000 -

especificadamente em São Paulo e Curitiba - onde os grupos pesquisados

nesse trabalho se formaram e se desenvolveram - é importante descrever o

que acontecia na cidade de Nova York nos anos 80, pois muito do que

construiu dentro da cultura Hip Hop daquela época, foi e ainda é referencia

para os integrantes de ambos os grupos.

Os EUA da década de 1980 foi arena da guerra, simbólica ou não,

entre gangues suburbanas pela intensa – e muitas vezes de alto risco - busca

em conquistar maiores e mais distantes territórios além de seu bairro,

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aprimorar suas técnicas e ferramentas de trabalho, conseguir maior visibilidade

dentro do movimento Hip Hop e principalmente ter aquela sensação de

“trabalho cumprido” ao ver seu próprio nome (tag) escrito inúmeras vezes pelos

vagões do metrô.

A imagem a baixo é a capa do documentário Style Wars (Guerras de

Estilos), dirigido por Tony Silver em 1983. O filme aponta não só como era a

cena Hip Hop daqueles últimos anos, a qual crescia e se popularizava cada vez

mais entre bairros de negros estadunidenses, porto riquenhos, mexicanos,

italianos, judeus, etc., mas também as relações de poder, o papel do Estado e

das instituições perante essa novidade que vinha tomando conta do espaço

urbano descontroladamente.

17.

O ponto de partida para o que temos ate hoje em se tratar de

desenhar a cidade com o próprio nome, teve início com um rapaz chamado

Demetrius morador da rua 183 no bairro Washington Heights em Nova York. “TAKI

183” é abreviação de seu nome em grego „Demetraki‟ e seu endereço.

Ele já escriva sua tag em metrôs, trens, postes, etc. desde a década

de 1960, mas foi no começo dos anos 70 que o New York Times publicou uma

matéria de capa sobre seu “vandalismo”, intitulada Taki 183 Spawns Pen Pals,

ou por minha tradução literal, “Taki 183 faz amigos por correspondência”.

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Titulo um tanto irônico, já que para o Estado o graffiti era considerado

crime, mas que faz jus ao estímulo que milhares de jovens nova-iorquinos

tiveram para copiar e reproduzir sua atitude e tentar conseguir mais atenção. O

que esses jovens estavam tentando dizer? Ouso deduzir que por serem

excluídos de tantas maneiras pelo Estado, espalhar seus nomes pela cidade

era uma forma de dizer que ela também pertencia a eles, que eles também

viviam ali e algo deveria mudar.

18.

Nesse processo, segundo Apolloni, o graffiti era percebido até então

mais como produto de uma faixa etária do que de um estrato étnico, ganhou

status na sociedade da época como uma „prática do gueto‟, sendo desprezível

e ameaçadora ao mesmo tempo. Isso, provavelmente, também contribuiu para

a configuração do graffiti nova-iorquino em uma estrutura de poder paralela às

já estabelecidas, tanto como elemento de uma cultura de violência quanto

elemento de uma cultura da paz expressa pelo Hip Hop.

Assim, num primeiro momento existia a tag, mas nos anos 80 elas

eram tantas que se confundiam umas com as outras não sendo mais

suficientes para representar a identidade de cada um. Então surgiu o bombing

ou bomb: a técnica de fazer tags maiores e mais grossas, geralmente feitas em

duas cores, com a maior agilidade possível e de forma pouco legível em

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formato de bolhas, tendo como referencia a Pop Art7 por suas formas coloridas

e arredondadas.

19.

Throw-up, cuja tradução literal é “vomitar” ou “por para fora”, mais

conhecido no Brasil como bomb.

Muitos começaram a seguir o estilo bomb de fazer tag e então este

também logo ficou saturado. Os artistas urbanos queriam mais e melhor

sempre. Havia a busca infinita pela genuinidade, por ser único em meio a

multidão. Enfim surgiu a production ou “produção”, nome dado aos murais de

graffiti, geralmente feitos com autorização, por mais de um artista e um

complementa o trabalho do outro.

Eram formas mais elaboradas de escritas que se desenvolveram e

acabaram sendo reconhecidas por muitos autores como Graffiti Hip Hop. A

imagem abaixo representa uma típica production holecar (pintar o vagão

inteiro) novaiorquina dos anos 80. Vale ressaltar o contraste entre o colorido

“Dondi.” e os tons acinzentados dos prédios ao fundo e dos ferros que

sustentam o trem.

7 Pop Art: movimento artístico surgido na década de 50 na Inglaterra, que alcançou maturidade

na década de 60 em Nova York. Propunha que se admitisse a crise da arte que assolava o século XX. Desta maneira pretendia demonstrar com suas obras a massificação da cultura popular capitalista. Procurava a estética das massas, tentando achar a definição do que seria a cultura pop, aproximando-se do que costuma se chamar de kitsch.

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20.

Ao observar os graffitis de Nova Iorque, São Paulo, Curitiba, etc. é

notável a afirmação de Rodrigo Apolloni sobre a metrópole ser um lugar capaz

de ultrapassar diferenças étnicas e nacionais. Seus problemas (dos quais, o

mais relevante talvez seja o estímulo ao individualismo) se assemelham, assim

como suas manifestações de criatividade e humanidade.

Algo que o sociólogo francês Michel Maffesoli denomina

neotribalismo, ou aquilo que difere do tribalismo não apenas por fazer parte da

pós-modernidade, mas também por ocorrer em um ambiente de poderosa

interconexão entre os microgrupos, principalmente por conta das tecnologias

de informação e comunicação.

Desse modo, afirma Apolloni, formam-se produtos que, em virtude

da ampliação das possibilidades de objetivação e percepção, são capazes de

crescer ao redor do mundo por meio de um universo semântico ao mesmo

tempo global e local. Os temas e as imagens se assemelham, ao passo que

parecem guardar pontos de contato com as próprias realidades, assumindo

contornos que ele define como transtribal.

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21.

Vale observar, como ressalta Rodrigo Apolloni, que esse

neotribalismo –redefinido como transtribalismo por seu alcance transurbano -

não se limita às artes gráficas de rua. Por exemplo, a imagem acima com

elementos de break e rap transmite uma sensação de movimento, de equilibro,

parece que se pode ouvir a musica e imaginar o próximo movimento do garoto

de cinza. Ele é o centro. A neutralidade, onde os de azul parecem ser rivais dos

de vermelho. Tudo acontecendo num cenário que respira graffiti.

Posteriormente, vieram os anos 90. O transtribalismo oitentista se

uniu as novas tecnologias e aos novos parâmetros para a street art. A figura de

grande destaque desse período foi o estadunidense estudante de artes

Shepard Fairey e sua série de estênceis e lambes8 intitulada Andre, the Giant

(André, o Gigante), criada para uma disciplina da faculdade, o qual se

disseminaram pelo mundo pela adesão de colaboradores que replicam suas

imagens.

Fairey até hoje atua nas ruas e galerias com trabalhos voltados a

crítica sociopolítica. Segundo o próprio site de Shepard: “ O sticker (adesivo)

não tem nenhum significado, só existe para levar as pessoas a reagir, para ser

contemplado e fazer com que as pessoas procurem sentido nele.”

8 Lambe: poster lambe-lambe(Wheat-paste, em inglês), também chamados de poster-bomber,

é um pôster artístico de tamanho variado que é colado em espaços públicos. Podem ser pintados individualmente com tinta látex, spray ou guache.

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22.

Posteriormente, Shepard adicionou a palavra OBEY (Obedeça) na

imagem do rosto de Andre, o Gigante. A campanha do sticker OBEY pode ser

explicada como um experimento de Fenomenologia. Conceito o qual o filósofo

alemão Heidegger descreve como o processo de deixar as coisas

manifestarem-se. A fenomenologia tenta capacitar as pessoas para ver

claramente algo que está bem diante de seus olhos, porém obscurecido, bem

como faz o graffiti.

23.

OBEY GIANT - Lambes

Enquanto nos EUA dos anos 90 Shepard construía seu nome e sua

identidade – mesclada ao Obey e ao Andre, the Giant - de artista urbano de rua

e de galeria, na Ingleterra outro grande nome ganhava força, território,

seguidores, admiradores e „haters‟ (pessoas que o repudiavam, principalmente

policiais).

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Banksy é pseudônimo do grafiteiro, pintor, ativista político e diretor

de cinema britânico que ainda não revela seu nome verdadeiro. Sua street art

satírica e subversiva mistura sarcasmo e graffiti com uma técnica de estêncil

bem elaborada. Filho de um técnico de fotocopiadora, só começou a se

envolver com graffiti durante o grande boom do spray em Bristol no fim da

década de 1980.

24.

A imagem acima é um dos estencils mais conhecidos de Banksy, por

alguns chamado de “flor-atirador”. O artista passou a juventude em meio ao

movimento punk, a protestos e conflitos com autoridades. Nessa imagem, ele

parece se traspor para o concreto. Transmite a sensação de estar na parede

praticando aquela ação. As flores coloridas (em lugar de um coquetel molotov)

na mão do manifestante além de gerar contraste e surpresa para que observa,

reproduz uma mensagem de “lutar pela paz”.

Foram entre os anos 1990 a 1994 que ele começou como grafiteiro à

mão livre. Foi inspirado por artistas locais e seu trabalho era parte da cena

underground de Bristol. Seus trabalhos geralmente de cunho social e político,

cujas mensagens geralmente “antiguerra”, “anticapitalista” ou

“antiestablishment”, enquanto as personagens mais vistas são ratos, macacos,

policiais, soldados, crianças e idosos, podem chegar a custar trezentos mil

reais.

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25. “Uma ideia original vale mais do que mil citações estúpidas. -

Diogenes” (tradução livre)

O mais divertido nessa imagem é que ele mesmo cita algo. Essa

frase do filósofo grego Diógenes já deve ter sido citada milhares de vezes. E

mais uma vez foi citada por Banksy através da figura do menino segurando a

citação num pedaço de papel. Sem dúvida, a escolha dessa frase com esse

contexto é muito original.

Todavia o relevante aqui é a crítica que ele faz a questão da

originalidade ao próprio trabalho de artista. Sabe-se que todo tipo de arte

mescla a vivencia do artista com sua inspiração, portanto algumas coisas

podem ser fragmentos de algumas dessas mil citações “estúpidas”.

Seus trabalhos podem ser encontrados em ruas, muros e pontes de

cidades em diversas partes do mundo, inclusive mais recentemente no Brasil.

Atualmente, também se encontra em galerias, feiras de arte e até na internet.

Esse tipo de transito entre rua e galeria se tornou cada vez mais comum a

partir dos anos 2000, fato que não anula um lugar ou outro, mas sim expande

as possibilidades.

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26.

Como foi dito no primeiro capítulo, graffiti é ilegal na maior parte dos

países. Nesse sentido, parece haver uma “guerra” urbana entre grafiteiros e

autoridades públicas pela conquista de territórios na cidade. Os grafiteiros

possuem materiais e técnicas cada vez mais elaboradas e vem crescendo a

cada dia. Enquanto o Estado propõe políticas de combate ao graffiti cada vez

mais intensas.

Esse “combate ao vandalismo” parece ganhar força a cada ano. As

cidades, que quase já não mais possuem áreas verdes, planejamento urbano,

áreas de lazer, etc. estão ficando cada vez mais cinzas sem o colorido das

intervenções urbanas. O mais alarmante é pensar que o dinheiro usado para

apagar parte da cultura da cidade é público.

27.

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No Brasil a polêmica não é diferente. Em 2008, a Prefeitura de São

Paulo apagou um mural de 700 metros quadrados feito há sete anos antes

pelos artistas Os Gemeos. A notícia teve repercussão internacional e no final

do mesmo ano o muro foi repintado por eles e mais 5 artistas (entre eles Nina e

Nunca). Todavia, para se chegar a este ponto da história é preciso conhecer

mais sobre os irmãos Gustavo e Otavio Pandolfo.

28. Novo Mural, 2008 - Red Bull Street Art View - http://www.streetartview.com/

Os Gemeos, irmãos nascidos em São Paulo no início da década de

1970 tinham apenas 12 anos quando começaram a improvisavam e inventar

sua própria linguagem. Em 1986, o graffiti entrou nas suas vidas juntamente

com a cultura Hip Hop. Pintavam com tintas de carro, látex, spray e usando

bicos de desodorante e perfume para moldar seus traços – pois nessa época

ainda não existiam acessórios e produtos especializados em graffiti.

Então nos anos 90 sua técnica se aprimorou e se intensificou e

passaram a ser convidados a grafitar em outros cantos do mundo. Nesse

sentido, crescer numa cidade caótica, desigual e extremamente urbanizada

como São Paulo, proporcionou a eles a essência para o desenvolvimento de

seus traços únicos e facilmente reconhecíveis e que até hoje servem de

referência a diversos artistas.

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29.

Para alguns, o conteúdo crítico de sua obra pode se “camuflar” entre

tantas cores vibrantes, porém sempre representa algo de cunho político-

sociológico. São justamente essa gama de cores que faltam à cidade, as quais

são preenchidas por suas obras. Os temas são diversos: desde crítica às

políticas públicas da cidade, passando pelo tema de migração brasileira, até

obras mais surrealistas9.

Assim como na arte de Banksy, percebe-se a identidade marcante

do autor em sua obra. Nas representações dos Gemeos, alguns personagens

parecem ser autorretratos. Como se eles mesmos estivessem fixados nas

paredes expondo sua opinião. Vale ressaltar a relação entre o nome (tag) os

gêmeos e a construção de sua identidade enquanto irmãos gêmeos que

trabalham juntos.

O nome no universo do graffiti é algo de grande importância para

representar não só a pessoa enquanto writer, „grafiteiro‟ ou artista, mas

também transformar sua obra efêmera numa coisa viva, que possui identidade

fixa, memorável e ao mesmo tempo fluida, pois transita por toda cidade.

9 Surrealista: palavra derivativa de surreal, logo significa dizer aquele ou aquilo que está fora da

realidade por sua extravagância exagerada, maluquice pura, mas no sentido positivo, genial.

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30.

Enquanto em Curitiba, da mesma década, também surgiram grandes

nomes do graffiti. Alguns são o que se pode chamar de a “1ª geração”:

Baycroc, Cimples, Thiago Syen, Dose, Jorge Galvão, entre diversos outros.

Segundo Galvão, parafraseado por Marina Pimentel (2012: p. 42,), os sprays

no Brasil eram muito caros, por isso o graffiti era algo “tinta com tinta”. Eles

usavam aqueles rolinhos de pintor, algo que não existia na época.

Dessa forma, quem se aventurava no graffiti curitibano tinha que

adaptar os materiais, criar novos estilos e letras10, “fazer do jeito que dá”. E

assim, como afirma Galvão, no Brasil o graffiti fez-se combativo, provocativo e

marginal, enquanto nos Estados Unidos servia como suporte de ideias e na

Europa, de vitrine de outras subculturas.

Essa geração foi marcada por filmes como Beat Street (A Loucura do

Ritmo, no Brasil) e Style Wars (citado acima) que eram dos anos 80, porém só

começaram a chegar aqui nos anos 90. Bem como a Streert Dance (dança de

rua) que ganhou força e espaço junto ao movimento Hip Hop. Nesse contexto,

o graffiti curitibano começava a se desenvolver.

10

Letras: no graffiti representa um tipo de arte. São palavras escritas de formatos diversos: 3D, wild, style, por exemplo. geralmente as letras significam os nomes de quem as fazem.

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41

31.

Novamente, nota-se a relação intima do autor com o personagem

desenvolvido em seu graffiti. Syen adotou o discurso da mobilidade urbana e

desde então passou a cultuar a bicicleta por onde pinta. Interessante pensar

sua relação com a cidade. Divulga essa prática que está ganhando espaço aos

poucos em Curitiba num período quando importantes políticas públicas estão

sendo analisadas e votadas.

Enquanto a segunda geração – que está nas ruas até hoje - começa a

ser formada nos anos 2000. As tecnologias já eram outras e havia uma maior

facilidade em se comunicar, ao acesso aos sprays e outros materiais. Gustas,

Heal, Iceman, Japem, Marciel Conrado, Paulo Auma, Rimon, além dos que

integram a Utopia Crew até hoje: Café, João, Hope, são alguns dos nomes que

ajudam a construir uma Curitiba mais viva.

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32. Cimples, Auma e Tom14. – 1ª geração, 2ª geração e o “gringo”.

Às vezes os graffitis aparentam ser uma coisa só. Os desenhos

estão tão interligados e conectados que parecem pertencer todos ao mesmo

artista. Todavia um olho treinado ou mais atento pode perceber os diferentes

traços, cores, formas e nuances que fazem parte da identidade de cada um

deles.

Fazer produção ou production11 se tornou cada vez mais recorrente

entre as Crew‟s e/ou entre amigos que assinam individualmente durante esse

período de “2ª geração” até hoje. Em São Paulo, a cultura do graffiti se alastrou

de tal maneira que seria necessária uma monografia inteira para nomear e

dividir temporalmente os grandes nomes que surgiram e se desenvolveram de

1990 até hoje.

Portanto, me restringi a citar, nesse primeiro momento, Os Gemeos

por sua importância inegável nesse universo e principalmente por serem os

criadores dos primeiros graffitis que conheci. Assim, nos capítulos seguintes

focarei em duas crew’s principalmente: Cheira Tinta (São Paulo) e Utopia

(Curitiba).

11

Production ou produção: grande pintura geralmente realizada em murais, de forma autorizada, onde mais de um artista pintam juntos a mesma composição.

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43

4 A QUESTÃO DO GRAFFITI ARTE

33.

“O caráter mágico das imagens é

essencial para a compreensão das suas

mensagens. [...] Imagens são mediações entre o

homem e o mundo. O homem existe, isto é, o mundo

não lhe é acessível imediatamente. Imagens têm o

propósito de representar o mundo.”

-

Vilém Flusser

Partindo da ideia de que graffiti dialoga com os passantes, transita

entre ambientes públicos e privados, aborda temas dos mais diversos que

remetem desde questões sócio-políticas até estéticas e em sua maioria está

nas ruas – o que nos faz crer que é a mais democrática das artes.

Sua forma máxima de expressão é através da linguagem imagética,

portanto certamente o graffiti não existe apenas para representar o mundo e

suas peculiaridades, mas também para revolucioná-lo através de

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microrevoluções cotidianas num processo de devolver o que as pessoas tem

de mais humano: sua essência. O espírito livre para sentir o que a cidade pode

oferecer.

Percebe-se, então, a partir do conceito de transtribalismo discutido

anteriormente, que o graffiti transita entre o tempo e o espaço – pois pode ser

encontrado em todas as culturas, épocas e estilos artísticos e lugares ao redor

do mundo bem como técnicas aprendidas nas ruas e em escolas de arte,

habitantes de periferias e de grandes centros, da cultura do punk rock até a

cultura Hip Hop, etc.

Assim, o que propus ate agora foi tentar construir, de forma mais ou

menos linear, a trajetória sócio-histórica desse impulso humano tão ancestral

ainda hoje se desenvolve e se transforma – hora com liberdade, hora com

repressão, porém sem ser banido e que não parou de se desenvolvido.

A cronologia feita nessa primeira parte do trabalho prioriza alguns

fatos marcantes na história do graffiti no meu ponto de vista. Sabe-se que são

inúmeros os artistas urbanos e cada um possui sua importância. Infelizmente,

há apenas condições de levantar alguns dos nomes de grande importância e

reconhecimento nacional e internacional.

Deixo muitos nomes de fora, mas subentende-se que estão incluídos

no debate e acredito em sua grande relevância para os estudos de street art.

Nesse contexto, me apoio em alguns dos diversos autores que discutem o

tema graffiti para dar continuidade a esse trabalho.

Celso Gitahy e William da Silva-e-silva são exemplos que enfatizam

a distinção entre graffiti e pichação, tendendo a requalificar o graffiti enquanto

ferramenta estético-política diretamente ligada às artes e por outro lado

desqualificar a pichação enquanto ato de vandalismo extremo, sem qualquer

cunho político muito menos estético ligado à expressão artística.

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45

34.

Assim, reconheço o debate acerca dessa distinção profunda,

todavia, para a construção desse trabalho, parto do pressuposto de que

qualquer intervenção urbana 12– incluindo a pichação - pode ser considerada

street art bem como os autores Alice Belfort Moren, Daniela Munhoz, Elizabeth

Prosser, Nicholas Ganz, Rodrigo Apolloni, por exemplo.

A pichação a meu ver funciona mais como uma tentativa de

chamar atenção. Assim como o graffiti, expressa ideias e deseja ser notada

pelo maior numero de pessoas possível. Por isso se vê tanto pela cidade. O

que importa para o pichador é o representa: símbolo, rabisco ou frase. Aqui o

senso estético não pesa tanto quanto no graffiti, pois o foco está no que as

letras querem dizer.

Portanto, não pretendo me prolongar no debate sobre „o que pode

ser considerado arte ou não‟, pois parto do pressuposto que ambos o são. Ou

como sugere Marina Pimentel (2012: p. 44), mesmo tendo diferentes

terminologias, graffiti e pichação partilham da mesma árvore genealógica,

12

Intervenção Urbana: termo utilizado para designar os movimentos artísticos relacionados às intervenções visuais realizadas em espaços públicos. No início, um movimento underground que foi ganhando forma com o decorrer dos tempos e se estruturando. Mais do que marcos espaciais, a intervenção urbana estabelece marcas de corte. Particulariza lugares e, por decupagem, recria paisagens. Existem intervenções urbanas de vários portes, indo desde pequenas inserções através de adesivos (stickers) até grandes instalações artísticas.

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geralmente o „grafiteiro‟ inicia suas atividades no picho e muitas vezes alia essa

atividade ao graffiti ou a abandona temporariamente.

Dentro do movimento modern graffiti (graffiti moderno) há o conceito

graffiti arte. Usado mais internacionalmente para diferenciar o graffiti vandal (no

Brasil, pichação) do graffiti com certo tipo de senso estético. Nesse sentido,

existem diversas escolas e estilos de arte, as quais podem servir de inspiração

ou referencia para desenvolver a pintura.

Nas ultimas décadas, um novo estilo surge a partir do modo como se

utiliza as ferramentas de trabalho. Portanto é relevante observar os detalhes da

cada piece – abreviação de masterpiece ou obra-prima, na qual podem ser

incorporados efeitos 3-D, setas, transição de cores, entre outros “efeitos”. Pode

ser influenciada pela escola realista¹³, expressionista¹4, surrealista¹5, etc.

Realizada geralmente por grafiteiros mais experientes, ela exige mais

tempo, cores, esboços e técnicas do que um throw¹613-up ou bomb. O local

escolhido para sua realização pode aumentar a credibilidade, admiração e

respeito em relação aos demais writers.

¹3Realista: movimento artístico e literário surgido nas últimas décadas do século XIX na Europa,

principalmente França, o qual no contexto do graffiti são Retratos fieis às personagens com traços que sugerem a realidade como ela é. ¹4Expressionista: movimento artístico e cultural de vanguarda surgido na Alemanha no início do

século XX. No graffiti, demonstra aspectos de deformação da realidade em busca de intensas expressões emocionais e subjetivas da natureza e do ser humano. ¹5Surrealista: Palavra derivativa de surreal, logo significa dizer aquele ou aquilo que está fora

da realidade por sua extravagância exagerada, maluquice pura, mas no sentido positivo, genial. ¹6Throw-up, ou throwie: técnica que se situa entre uma tag e um Bomb em termos de

complexidade e tempo de investimento. Ele é geralmente constituído por um contorno de uma cor e uma camada de enchimento e de cor. Formas de balão de fácil pintura muitas vezes formam as letras. Um throw-up é projetado para execução rápida, para evitar atrair a atenção para o escritor.

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35.

A piéce acima também pode ser chamada de produção, pois vários

grafiteiros pintam o mesmo espaço de modo que a obra se comunica entre si.

Os desenhos podem ser reconhecidos como quem o fez, de que tipo são e o

estilo: 1) Café – Persona17 2) Nody - Persona/Tatoo 3) Iceman – /3D 4) João –

Persona/Realismo 5) Hope – Letras Wild Style 6) Destak –

Cartoon1418/Surrealista.

¹7Persona ou personagem: tipo de desenho em forma de pessoa. Pode ser monocromático ou

colorido, realista ou cartoon, etc. ¹8Cartoon: um cartoon, cartune ou cartum é um desenho humorístico acompanhado ou não de

legenda, de caráter extremamente crítico retratando de uma forma bastante sintetizada algo que envolve o dia-a-dia de uma sociedade.

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5 A REFLEXIVIDADE DO CAMPO

36.

“O campo é onde não estamos.

Ali, só ali, há sombras verdadeiras e

verdadeiro arvoredo.”

- Fernando Pessoa

Como diria Jules Ventura (colega do curso de Ciências Sociais): “o

campo também sou eu que estou lá incluso naquela lógica”. O campo não é

algo distante da minha realidade, mas sim inerente a minha presença.

Funciona como espaço de reflexividade.

No sentido da minha presença no campo ter consequências diretas nas

ações dos meus observados e vice-versa. Algo que não contempla diretamente

o conceito de reflexividade do sociólogo Antony Giddens sobre a nova fase da

sociedade moderna, a qual esta intrínseca a um sistema onde ação e

pensamento seguem em direções opostas.

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Além de estar no campo, acompanha-lo, participar de suas atividades,

registrá-lo, trocar experiências e informações com os sujeitos pertencentes a

ele, eu – enquanto pesquisadora - também faço parte de sua estrutura e pude

transformá-lo bem como ele me transformou.

Tal afirmação de Ventura me faz retomar a obra “Corpo e Alma” do

sociólogo francês Loïc Wacquant sobre o boxe estadunidense. Wacquant

realizou sua pesquisa nos bairros periféricos de baixa renda das cidades de

Chicago, Nova York, Boston, etc., locais onde havia altos índices de violência

urbana e ausência ou precariedade de instituições estatais de saúde, educação

e lazer, por exemplo.

Após frequentar o bairro do ponto de vista de um “estrangeiro europeu”

e perceber que desse modo não seria possível dar continuidade a sua

pesquisa ele decide se inscrever e frequentar uma academia de boxe do bairro.

Assim, Loïc entra “de corpo e alma” no mundo do boxe negro, periférico e

marginal, no qual ele já não era mais considerado um „forasteiro‟ e sim „mais

um pugilista como qualquer outro‟.

Ali, compartilha jabs¹915 , histórias cotidianas do bairro, reflexões e

principalmente experiências com os demais frequentadores do ambiente. O

processo de inserção de Wacquant não foi instantâneo nem simples. Ser

branco, europeu e ainda francês nas periferias estadunidenses causa um dos

maiores temores de um pesquisador: chamar atenção exageradamente.

Algo inevitável nessas circunstancias, mas também crucial para que o

interesse fosse recíproco. Estar em campo é fazer parte dele. É importante

para o pesquisador que seu objeto de pesquisa deseje sua presença, mesmo

que minimamente. A forma de se comunicar pode ser até silenciosa ou

discreta, porém as trocas feitas naquele espaço enriquecem o trabalho de

forma única.

19

Jabs (do boxe): a palavra jab foi usada pela primeira vez em 1825, para significar "empurra para um ponto". O termo é uma variante escocesa da palavra "job", que significa "golpear", "perfurar" ou "impulso".

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37.

No meu ponto de vista, o campo é onde não estamos, pois é algo que

tenho que buscar. Ir até ele para que ele venha até mim. Lá é o lugar onde

surgem as maiores dúvidas ou sombras verdadeiras e as melhores respostas

ou verdadeiro arvoredo. Tal arvoredo pode ser florido ou não. O importante é a

sombra que pode oferecer.

E foi nessa pesquisa de campo entre Curitiba, São Paulo e Cidade do

México onde pude notar que o indivíduo praticante de graffiti transita ao mesmo

tempo entre ser outsider e ser estabelecido. Tais conceitos do sociólogo

alemão Norbert Elias ajudam a compreender a interação dos grafiteiros com os

espaços onde circulam.

De modo que por um lado a maioria dos pesquisados podem ser

considerados outsiders do ponto de vista do difícil acesso aos aparelhos do

Estado (educação, saúde, moradia, etc.), às políticas públicas de lazer e

cultura (cinema, teatro, pista de skate, etc.) ou ainda pela relação conflituosas

com os agente de segurança pública (policiais civis ou militares, guardas

municipais, etc.).

Enquanto do outro, são plenos estabelecidos no ambiente das ruas.

Dominam estes espaços como se fosse a extensão de sua casa ou ainda como

uma segunda casa. Muitos passam a maior parte do seu tempo estudando,

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trabalhando ou fazendo graffiti fora da “casa oficial”, usando-a apenas como

“dormitório” e “escritório”.

Estes “outsiders-estabelecidos” participam de um movimento de contra

fluxo urbano moderno, onde a maioria das pessoas nas grandes cidades

(independente da classe social) se “escondem” em suas casas – exceto em

protestos, festas tradicionais, grandes concertos, ou jogos de futebol

importantes – enquanto eles enfrentam as ruas, a polícia, os preconceitos e os

próprios medos.

5.1 QUANDO O CAMPO VEIO ATÉ MIM

38.

Desde a infância, a qual vivi a maior parte na cidade de São Paulo dos

anos 1990, o graffiti sempre foi algo que me chamou atenção. Transformava

meu cotidiano, rompia a rotina - algo que o pesquisador estadunidense Richard

Schechner classifica como performance.

Como afirma Scheschner (2012): às vezes, as ações nas ruas trazem

mudanças. Nesse sentido, o ato de grafitar pode ser entendido como um

processo ritual pertencente ao espaço urbano que gera transformações. As

quais trazem a percepção do potencial eficaz da formação do imprevisto, do

imprevisível.

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Aos olhos da teoria de Schechner, a performance do graffiti no muro

parece instituir o status daquele que atua como grafiteiro, confirmando o poder

criativo do ritual. Como bem destaca o autor, as manifestações na rua se

apropriam do espaço público, enquanto no caso do graffiti não é apenas isso,

uma vez que a própria rua se apropria da arte criada.

Nesse contexto, tais intervenções que faziam parte do meu imaginário

infantil me faziam refletir sobre a cidade onde vivia. Tornava meus caminhos

mais agradáveis, diferentes, lúdicos e menos caóticos. Por mais que “pichação

não fosse algo belo”, aquelas letras muitas vezes indecifráveis, aguçavam

minha curiosidade em descobrir o que queriam dizer e porque estariam ali.

Os anos passaram e a street art se tornava algo cada vez mais

frequente nas periferias da cidade. Alguns dos garotos, meus vizinhos de

apartamento, também estavam envolvidos com graffiti e pichação e suas

conversas sobre “ser transgressor, vândalo, fugir da polícia, fazer algo ilegal,

ver sua tag e reconhecer a tag de outros colegas por todo o bairro” me

fascinava.

Aprendi que “aquilo era errado”, mas havia uma vontade imensa dentro

de mim de acompanha-los. Por faixa etária, gênero e medo de ser pega, não

pude seguir esse tal “impulso ancestral” - semelhante ao que foi apresentado

na introdução desse trabalho. Enfim, apenas acompanhava com os olhos todo

aquele movimento de recriar a cidade.

Já na adolescência mudei para uma cidade onde pouco havia

intervenções urbanas, principalmente de graffiti. Então, quando viajava

qualquer graffiti me chamava atenção. Minha percepção se aguçou ainda mais

e acabava dando mais valor a eles justamente por não haver muitos onde vivia.

Mesmo assim não havia uma troca direta entre os grafiteiros e eu. Até

então eu não partilhava dos mesmos espaços, das mesmas regras, da mesma

conduta, da mesma linguagem falada. Entretanto, o graffiti intermediava uma

comunicação indireta entre “eles” e eu. De modo que não os conhecia

pessoalmente, mas me comunicava com suas ideias através de suas obras.

Recentemente, me mudei para Curitiba e tive contato desde então com

inúmeras formas de street art (graffiti, estencils, lambes, grandes painéis, etc.)

espalhadas pela cidade, principalmente na região central. Nesse aspecto, algo

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que se destacou foram os traços, as variedades de cores e mensagens

políticas e poéticas, por exemplo, figuras de Paulo Leminsk. Essa variedade e

riqueza de imagens me fez despertar ainda mais para o tema.

39.

Então, ao me questionar sobre o que exatamente podia ser

considerado graffiti e quão relevante e revelador isso significaria para mim

encontrei diversas significações. Umas mais subjetivas, outras bastante

técnicas. Foi nessa busca por conceitos e definições que – aproveitada da tese

de Elizabeth Prosser (2009, p. 18) - me identifiquei com a seguinte:

“O graffiti, ou modern graffiti, por sua vez, pode ser

entendido tanto no seu sentido amplo, englobando toda e qualquer

inscrição, seja sobre papel ou sobre superfícies do espaço urbano

ou natural, quanto no sentido específico do hip hop, abrangendo a

sua vertente visual nos seus cinco estilos (picho, lambe-lambe,

stencil, sticker e graffiti propriamente dito).”

Nesse sentido, partilho da iniciativa da autora em usar como sinônimos

as expressões encontradas tanto em campo quanto na literatura: intervenção

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urbana, arte urbana, arte de rua, escrita urbana, modern graffiti, graffiti-arte e

graffiti. Pois dessa forma reforçamos a ideia de que tudo isso pode ser

entendido como arte.

E por tratar-se de expressão artística, o graffiti é tão diverso, plural,

abrange tantos temas, ideias e estilos de vida quanto os seus realizadores.

Nesse sentido, ao observar algo que seria meu futuro campo de pesquisa,

percebi que para estar envolvida com o graffiti não precisava pertencer ou estar

relacionada com uma determinada tribo urbana.

Portanto, me senti à vontade para me aventurar nessa área que

sempre admirei e ao mesmo tempo conhecia tão pouco ou apenas

superficialmente. Assim, a principal preocupação em campo não é saber o que

faz as pessoas grafitarem ou o por que fazem, mas sim o que pode surgir a

partir desse ato. Por exemplo: as relações, o olhar sobre a cidade, o

desenvolvimento da linguagem, a representatividade da imagem, a escolha dos

espaços, a construção da identidade, etc.

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5.2 QUANDO FUI ATÉ O CAMPO

40.

A primeira questão: como me inserir? A primeira estratégia simples e

direta seria frequentar os eventos de graffiti divulgados nas redes sociais e a

partir desse primeiro encontro, criar algum vínculo com o espaço e com as

pessoas. Todavia, antes mesmo do primeiro evento ocorrer fui para São Paulo

e já tive a oportunidade de conhecer meu primeiro informante.

Eric, pertencente a Cheira Tinta Crew, logo me inseriu no grupo.

Conheci então os outros integrantes Daniel (Rato) e Jamil. Pouco tempo depois

já os acompanhava em atividades ligadas ao graffiti. Conheci o espaço

chamado S.A.F. (foto acima) onde eles trabalham como educadores sociais

dando aula de artes ou “transformando real em fantasia”, como afirmou Jamil,

no contra turno das escolas de seu bairro.

Através de um convite feito por Eric e Rato, tive a grande oportunidade

de participar da festa de 13 anos da Casa Hip Hop em Diadema -SP, onde

ambos foram convidados a grafitar uma parede cada. Algo muito relevante,

pois é raro mais de uma pessoa da mesma Crew ser chamada para pintar além

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de ser uma parede para cada. Assim, pode-se perceber o reconhecimento de

seu trabalho dentro da cena graffiti da região.

41.

A experiência na Casa Hip Hop foi incrível. Se não fosse por esse

convite tão oportuno talvez não teria a oportunidade de conhecer o espaço. Em

meio a um ambiente de comemoração, música, dança, abraços e muitas latas

de spray, Eric e Rato pintaram por todo o dia. A noite, estávamos todos

cansados e retornamos para nossas casas.

A foram que encontrei para interagir no campo foi observando, tirando

fotos, conversando com as pessoas – principalmente com quem fazia graffiti - e

anotando algumas informações sobre o lugar, contatos, palavras

desconhecidas, os estilos de cada um ao fazer sua arte.

Identifiquei-me de certo modo com Loïc Wacquant, no âmbito da

aproximação com o campo. No sentido de não “pertencer” aquele universo,

num primeiro momento, porém após uma inserção auto sugerida e bem

sucedida, passeia estar interligada a ele e partilhar daqueles códigos, criar

laços de amizade, compartilhar conhecimento e experiências.

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42.

“Graffiti pra mim significa Amizade, Família. No Graffiti foi onde conheci

meus melhores amigos, onde aprendi a me auto conhecer, a ser um cidadão

melhor nessa sociedade. Acima de tudo pra mim, o grafite é meu hobby, minha

liberdade de expressão, um momento único onde me expresso através das

cores e hoje o grafite também significa educar, transmitir o conhecimento.”

O que afirma Eric condiz muito com o que pude presenciar em campo.

Existe uma identificação profunda entre os praticantes dessa atividade. Porém,

diferente das “tribos urbanas”, ou segundo José Guilherme Magnani (2005:

p.176) subculturas urbanas (por exemplo: punk, heavy metal, skatista, raggae,

rasta, etc.), o graffiti é algo que engloba todos os estilos de vida.

Algo como uma reconfiguração cultural, onde independente das

vestimentas, crenças étnico-religiosas, classe social, ideologias,

posicionamento político, hábitos alimentares, etc. quem grafita se conecta entre

si transpondo barreiras socioculturais. O que não significa ausência de conflito

ou que as individualidades não são consideradas.

O que parece ocorrer é a transformação constante de „desigualdades‟

em „diferenças‟. Assim, enquanto as desigualdades supõem afastamento ou

ausência de identificação entre si, as diferenças os enriquecem como pessoas,

bem como seu trabalho individual ou coletivo.

Algo muito próximo do que pude constatar no campo em Curitiba. De

modo que nessa cidade a inserção foi bem diferente. A primeira estratégia

comentada acima foi colocada em prática. Participei do evento internacional

Street of Styles (tradução literal: „rua dos estilos‟) que aconteceu em abril de

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2013. Foram quatro dias de atividades, nas quais havia participantes de

diversas partes do Brasil e do Mundo.

43.

Nesse ambiente tive intermediadores ou pessoas que já possuíam uma

relação mais intensa e intima com o campo, os quais fizeram uma ponte entre

eu e meus primeiros contatos com os informantes. Apresentaram-me a alguns

deles, me ajudaram com referencias artísticas desse universo, auxiliaram-me

em eleger entrevistados e pontos interessantes para minha pesquisa.

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44.

Foi nesse contexto que conheci Paulo Auma. Além de grande artista da

2ª geração do graffiti curitibano, como foi dito anteriormente, uma pessoa de

coração grande e espírito leve. O nome surgiu com uma crew que se chamava

AUMA: Arte Urbana Mudando e que posteriormente se desfez. Paulo passou a

assinar apenas “Auma”.

A parir desse primeiro contato, comecei a participar de alguns eventos

envolvendo o graffiti e acompanhar Auma em alguns de seus trabalhos,

quando em um deles conheci Case, Heal, Japem e Café da Utopia Crew. O

trabalho era grafitar uma grande parede do Sesc Agua Verde com o seguinte

tema: Além da Linha D‟água.

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45.

“O Graffiti pra mim é minha maneira de transitar pela cidade, conhecer

e fazer amigos, me divertir, poder compartilhar com as pessoas um pouco da

minha vivencia, entendendo que parte de mim está em cada trabalho

desenvolvido. Graffiti é meu life style (estilo de vida).”

O que afirma Café é coerente com o que foi discutido nos capítulos

anteriores. O graffiti possibilita outras formas de conhecer e reviver a própria

cidade e diversas outras. Além de estar ligado aos sentimentos de amizade,

companheirismo e parceria, a obra carrega um pedaço do artista. Como se

uma parte dele se fixasse ao muro após todo o processo artístico.

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6 PERFIS: A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

“Palpite: graffiti é o limite.”

– Paulo Leminski

6.1 CHEIRA TINTA CREW

46. Autorretratos: 1. Eric 2. Jamil 3.Rato

A Cheira Tinta Crew surgiu como grupo em 2007, a partir de do contato

feito entre os estudantes Eric Reis e Daniel Damatta em oficinas realizadas

pelo educador social e grafiteiro Jamil Santos. Estas oficinas eram realizadas

no espaço S.A.F. no contra turno de suas aulas. Ao decorrer do tempo ficaram

amigos e desde então o trio sempre tenta grafitar junto. O nome surgiu do

gosto dos integrantes pelo cheiro da tinta spray.

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Atualmente, já se consideram familiares, tradando-se como irmãos.

Realizam diversos trabalhos em projetos socioeducativos junto às

subprefeituras de municípios em São Paulo, onde seu papel é inserir o graffiti

nas aulas de arte para crianças e adolescentes, ensinando-lhes a cultura do

graffiti como algo permitido, possível e transformador.

Jamil pode ser considerado o fundador do grupo, pois foi quem

articulou as primeiras pinturas coletivas além de ter sido o principal responsável

por ensinar e repassar a arte e a responsabilidade de ser educador social para

Eric e Rato. Uma relação não hierárquica porém que necessita de liderança e

pode ser de um ou de outro dependendo do projeto, momento, situação.

Segundo o site dos educadores sociais, seu papel é atuar na área de

Educação Social, oferecendo cursos, palestras, oficinas e consultoria para

organizações sociais do Terceiro Setor e Secretarias Municipais. Desenvolvem

junto aos educandos meios para facilitar a descoberta de novos caminhos e

alternativas, de modo a atuar muitas vezes como agente de transformação bem

como maneiras para uma significativa mudança na comunidade.

E é justamente o que busca o grupo Cheira Tinta nos seus projetos

educacionais relacionados ao ensino de artes e aos trabalhos com o graffiti. A

arte nesse sentido pode ser vista como ferramenta de transformações

individuais e coletivas. Enquanto o graffiti como agente de construção da

identidade individual e coletiva.

Através de um processo criativo que vai desde a elaboração da tag,

passando pelos traços e estilos que sirvam de referencia, até chegar a uma

imagem que represente a si mesmo ou que funcione como uma marca de

identificação. Algo que represente sua identidade, que seja a coisa que mais

goste de pintar e que geralmente se repete.

Vale lembrar que essa repetição da “marca registrada” nunca é

exatamente a mesma. Ela se transforma e se adapta conforme as

necessidades daquele momento. Aparecem com mais frequência em trabalhos

de tema livre ou quando vão grafitar em outras áreas da cidade fora se sua

região.

No caso dos integrantes da Cheira Tinta as preferencias nessa

transposição da identidade subjetiva para a objetiva do graffiti são as

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seguintes: Jamil gosta de temas de natureza, já Eric prefere letras wild style2016

3D, enquanto Rato reproduz constantemente a persona da imagem abaixo.

47.

“É uma coisa muito louca, vai muito além de uma pintura na parede.

Foi a maneira que achei de me manifestar, comunicar com as pessoas com o

mundo. O graffiti causa diversos sentimentos tanto pra que faz tanto pra quem

vê. O graffiti hoje pra mim é uma coisa que eu não consigo viver sem. Falo

sobre graffiti, escrevo sobre, assisto, me visto... o graffiti esta ao meu redor o

tempo todo. Pra resumir tudo isso que disse: Graffiti não é moda é estilo de

vida.”

20

Wild Style (graffiti): um dos primeiros Graffiti que surgiram, com texto de modo estilizado

quase ilegível, muitas vezes com bloqueio, tipo tridimensional.

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6.2 UTOPIA CREW

48.

A Utopia²117 Crew surgiu, segundo seu release, a partir de um projeto

em 2002 para criar um Zine (Revista alternativa, destinada aos fãs de

determinada manifestação cultural) chamado Utopia Art Style para que

pudessem divulgar seus trabalhos e também das pessoas próximas a eles e

conforme o projeto fosse amadurecendo envolver outros escritores curitibanos.

A ideia inicialmente não era montar uma crew, pois os idealizadores da

zine já faziam parte de diferentes crews, porém como o projeto do Zine só ficou

no papel e os primeiros membros Hope e Bochecha começaram a assinar

Utopia Art Style e posteriormente Café, o nome foi simplificado e o grupo

passou a se chamar Utopia.

O nome Utopia, para eles, significa: projeto irrealizável; quimera;

fantasia; O utopismo é a ideia de idealizar não apenas um lugar, mas uma vida,

um futuro, ou qualquer outro tipo de coisa, numa visão fantasiosa e

normalmente contrária ao mundo real. O Utopismo é um modo não só

21

Utopia: projeto irrealizável; quimera; fantasia; O utopismo é um conceito originado da palavra Utopia, que consiste na idéia de idealizar não apenas um lugar, mas uma vida, um futuro, ou qualquer outro tipo de coisa, numa visão fantasiosa e normalmente contrária ao mundo real. O Utopismo é um modo não só absurdamente otimista, mas também irreal de ver as coisas do jeito que gostaríamos que elas fossem.

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absurdamente otimista, mas também irreal de ver as coisas do jeito que

gostaríamos que elas fossem.

A partir de 2004 se firmaram como crew e novos integrantes

começaram a surgir. Back, Chaos, Destak, Ies, Now (foi aluno do Auma) e Only

são outros artistas pertencentes ao grupo, mas que não participaram do meu

trabalho de campo, pois ainda não tive oportunidade de conhecer.

João - quem tive mais contato durante a pesquisa - já era amigo de

Now há muito tempo e conhecia os demais participantes através das pinturas

no bairro e entrou no grupo em 2010. Além de especialista em retratos de

realismo monocromático (preto e branco) participa de campeonatos de skate

por todo o Brasil.

49.

“O graffiti é uma cultura que reúne e une diversas pessoas. Tá muito

interligado pelo skate também, mas não é só isso. O cara pode curtir punk, hip

hop, reggae, rock... Tenho amigos que a única coisa que nos une é o graffiti.

Boa parte do meu caráter foi montado por causa do graffiti.”

Enfim, os integrantes de ambas as crews possuem realidades

sócioculturais semelhantes dentro dos próprios grupos, entretanto, ao realizar

uma comparação entre uma crew com a outra, surgem distinções. Não apenas

de localização geográfica, mas também de condições socioeconômicas, nível

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de escolaridade, oportunidades de trabalho na área, crenças religiosas, gostos

musicais, maneira de se vestir, gírias específicas de cada região, etc.

Elementos que me fizeram questionar o que significa “ser grafiteiro”. O

que essa classificação implica? Assim, após alguns meses de participação no

campo já pude notar que essa nomenclatura tem muito mais a ver o ato de

fazer graffiti em si do que participar de uma tribo urbana com regras e condutas

específicas.

6.3 A IDENTIDADE OU AS IDENTIDADES DO “GRAFITEIRO”

Na perspectiva de identidade coletiva, quem poderia ser classificado

como “grafiteiro”? Segundo, Marina Pimentel (2012: p.6): a construção da

identidade interfere no sentimento de pertença a um lugar; ou seja, na maneira

como a sociedade urbana ajuda a construir uma cultura urbana, um modo de

vida e, finalmente, uma cidade. E é exatamente isso que o graffiti sugere.

O que ocorrer é que o graffiti parece seguir o mesmo movimento das

outras expressões artísticas como a musica, dança ou escultura. Por exemplo,

quem faz música é chamado de músico, quem faz graffiti é chamado de

grafiteiro. Participar desse ou daquele universo não exclui uma atividade da

outra, bem como as particularidades de cada individuo.

Como afirma Daniela Munhoz (2003: p. 25): A apropriação do espaço

urbano, a relação local/global, a construção da identidade articulada entre o

real e o virtual, servem de referencia básica para se pensar o grafite. Assim,

existem 3 pontos chave que estão interligados dentro do movimento do graffiti:

o nome (tag) interligado à identidade, a expressão artística desenvolvida pela

motivação e técnica, e o elemento que diferencia essa arte de muitas outras, a

ocupação dos espaços públicos urbanos.

Marina Pimentel, estudiosa de graffiti, em sua tese analisa a teoria de

Stuart Hall nesse contexto da subcultura para identificar os grupos de

grafiteiros. Tal conceito, por um lado parece subjugar de certa forma as

culturas juvenis e por outro parece trazer a ideia de que são “sub” porque estão

entrelaçadas com uma “Cultura-mãe” que seria partilhada pelos habitantes da

urbe.

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Nesse sentido, é importante entender o que Stuart Hall entende como

subcultura para poder haver a crítica à utilização desse conceito usado também

nos trabalhos de José Guilherme Magnani e Daniela Munhoz:

1) Uma oposição social da classe trabalhadora – em relação a cultura

dominante elitista.

Em se tratar de graffiti enquanto expressão artística, a sua proposta

inicial está muito mais próxima a propor algo novo, desvendar a cidade, expor

suas opiniões, delírios, desejos, dotes artísticos, por exemplo, do que

necessariamente se opor a alguém ou alguma ideia ligada a elite. A meu ver, o

graffiti cada vez mais está se mostrando uma cultura dominante.

2) Uma derivação da cultura parental, para que haja uma relação

forçada de distinção entre pais e filhos – ou a negação da cultura da geração

anterior que oprime e impõe.

A discrepância pode estar no fato de justamente haver uma relação

oposta com a cultura anterior. Não parece haver uma negação da geração

anterior, mas sim uma reflexão sobre ela muitas vezes em forma de denuncias,

protestos, mensagens irônicas, caricaturas, etc. A geração anterior serve de

base para se construir o novo. O graffiti transforma a opressão em expressão.

3) Um grupo ou mais, distintos com estruturas identificáveis, o que

lhes permite diferenciar-se da „culturamãe‟, enquanto coordenada com esta –

ou coletivos que possuam características semelhantes entre si, mas que se

distinguem da cultura dominante ao passo que esta permeia as demais.

Este ultimo item é crucial para esse debate. Em campo, me questionei

algumas vezes quais seriam tais estruturas identificáveis. Seriam as roupas?

As gírias? O estilo de vida? O gosto musical? Os materiais? As técnicas? Pude

perceber que talvez elas não sejam facilmente identificáveis como sugere a

teoria.

A dita “cultura dominante” permeia de certo modo a “cultura suburbana”

- contexto o qual muitas vezes o graffiti está inserido. Desse modo, o graffiti por

abranger tantas subculturas distintas parece criar uma nova cultura urbana.

Uma cultura própria. Portanto, o indivíduo pode pertencer a qualquer uma

dessas subculturas e ainda assim viver o graffiti de forma intensa e profunda.

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Com a vivencia em campo a outra questão que surgiu foi se o graffiti é

realmente uma subcultura que define identidades - como afirmam muitas

bibliografias comentadas acima – (no sentido do grafiteiro identificar o graffiti

como seu estilo de vida) ou se por ter como características ser multicultural,

plural, englobar diversas subculturas, deva ser considerado algo para além do

conceito de cultura.

Nesse contexto, o que pude observar em campo está conectado mais

aos elementos em torno do ato de grafitar, vivenciar o graffiti enquanto

experiência, compartilhar/trocar informações, técnicas, vivencias ou estilos, ou

principalmente criar/manter relações de amizade, do que propriamente com

comportamentos, signos ou símbolos que sugerissem estruturas identificáveis

específicas ou classificatórias, as quais delimitassem algum tipo de padrão de

ser grafiteiro.

50.

“O Graffiti é uma maneira de expor ideias e opiniões sem precisar gritar

com ninguém, apenas chamando atenção de olhares, mesmo que não

entenda. Eu diria que o grafite é minha vida, mas eu respiro arte. Eu escolhi ser

livre. Gosto disso.”

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Enfim, esse debate demonstra que o graffiti está para além da

subcultura. E o que é importante reconhecer em campo não é o fato das

pessoas se autodeclaram grafiteiros ou não, mas sim o que implica viver o

graffiti como estilo de vida. Não só ter a oportunidade de trabalhar com algo

que ama, mas também de estudar, de transpor o meio afetivo para essa rotina,

de respirar graffiti literalmente.

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7 A QUESTÃO DA IMAGEM E SUA REPRODUÇÃO

51.

“Como antropólogo, acabei entendendo que

as imagens são refúgios de memórias, de inquietações,

de promessas e de desejos. Elas devem ser utilizadas,

desdobradas para pensar o mundo.” – Etienne Samain

A partir do pressuposto de que o principal elemento unificador dos

indivíduos que vivem o graffiti é o próprio graffiti (incluso as relações sociais

que surgem/se mantém a partir dele), a hipótese testada em campo foi: por

possuir uma aparente linguagem sem fronteiras étnico-social-linguísticas,

portanto universal, o graffiti transita entre a comunicação imagem-texto e cria a

possibilidade de reumanização na vida da urbe.

Antes de dar inicio ao trabalho na parede, o grafiteiro faz um esboço do

que será feito naquele espaço. Ele contém ideias, rascunhos, referências e

qualquer outro elemento que sirva como base para quando os primeiros riscos

forem traçados na superfície escolhida, a inspiração se liberte e ao decorrer do

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trabalho não haja muitas correções. O esboço, muitas vezes descartado após o

termino do trabalho, é peça fundamental no processo de construção da obra.

É interessante pensar como a linguagem textual e imagética do papel

transporta-se para a parede, muro, tela, etc. de forma a abranger uma nova

forma de comunicação muito mais ampla. O esboço é uma algo mais intimo,

mais “cru”, feito geralmente em uma escala pequena (do tamanho de uma folha

A4, por exemplo).

Nesse sentido, o que é essa capacidade de ler e fazer imagens? O

filósofo tcheco Vilém Flusser intitula esse feito de “imaginação”. Ou seja, a

capacidade decodificar fenômenos de quatro dimensões em símbolos planos e

decodificar as mensagens assim codificadas. Tal decodificação pode ser feita

através da abstração da imagem.

Essa leitura é realizada, primeiro, através do olhar, o qual passa por

uma percepção resultado de uma contemplação que exalta uma subjetividade

momentânea. Assim, as imagens são superfícies que pretendem representar

algo. Nesse sentido, imagens servem para representar o mundo. Porém, nesse

processo ocorre com frequência a interposição das imagens entre o mundo e

às pessoas, as quais acabam vivendo em função das imagens.

Uma das problemáticas de se viver em função da imagem num mundo

onde as imagens comunicam mais do que pessoas, é a de que além das

imagens serem mais facilmente manipuladas e “falsificadas”, as pessoas

acabam adaptando sua leitura para compreender essas imagens e não o

contrario. Num tempo onde tudo é instantâneo, pautado por tecnologias, por

logicas de consumo, onde as leituras que se fazem das imagens são cada vez

mais superficiais, ambíguas e muitas vezes equivocadas.

Para o Vilém, o caráter mágico das imagens é essencial para a

compreensão das suas mensagens. Imagens são códigos que traduzem

eventos em situações, processos em cenas. Assim, as imagens são capazes

de tonar os textos – que perderam sua mágica com a textolatria - novamente

mágicos. Desse modo, o graffiti possui essa mágica em sua essência.

Faz um movimento de retorno, se apoderar das imagens para

representar o mundo em que está inserido. No graffiti o texto pode ser imagem

e a imagem também pode ser texto. Um texto que “conversa” com a imagem,

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se relaciona de modo a criar uma nova forma de lidar com a imagem. Uma

linguagem que mescla as duas formas de comunicação que se complementam

e reforçam a mensagem que deseja ser passada, de modo a aguçar os nossos

sentidos e estimular de todas as formas a leitura.

52.

Ao tentar compreender esse processo de transição do conhecimento

humano ao se tratar da forma como lidamos com a linguagem textual e

imagética, Flusser discorre sobre os conceitos de imagem técnica e imagem

tradicional. A primeira é realizada através de produtos derivados da técnica, ou

de textos científicos aplicados, denominados „aparelhos‟, por exemplo a

fotografia.

Enquanto a tradicional, se trata de representação de símbolos

derivados da imaginação de alguém que se concretizou sem a necessidade de

uma tecnologia intermediária entre o artista e sua obra. Ou seja, existe uma

pessoa entre a imagem e seu significado, mas não uma maquina que faça

pense pela pessoa como no caso das câmeras filmadoras, por exemplo. A

pintura, os totens, as estátuas de templos, bem como o graffiti podem ser

considerados imagens tradicionais.

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Flusser defende que historicamente, as imagens tradicionais precedem

os textos, por milhares de anos, e as imagens técnicas sucedem aos textos

altamente evoluídos. Hoje, pode ser percebido um novo momento para se

trabalhar tais imagens. Muitas vezes a fotografia se mescla com a pintura.

Quando no graffiti o autor usa uma foto para realizar uma pintura

realista ou quando a fotografia de um graffiti se torna a forma mais eficiente de

difundir sua mensagem e imortaliza-la ou ainda uma fotografia se transforma

em quadro na parede, são formas de transformar a imagens em diferentes

linguagens. Cada tipo gera diferentes formas de leituras, sensações,

significações no tempo e no espaço.

53.

Certamente, para se compreender melhor as imagens devemos levar

em conta seus contextos. Ver essa foto com um enquadramento que parece

excluir parte de obra da pintura realista do rosto do revolucionário brasileiro

Carlos Marighella preto e branco (monocromático) de mais ou menos 3 metros

ao lado de outro rosto que se parece com um espectro, de cores vibrantes,

traços lúdicos e que indicam 2 setas, o qual reforçam a atenção para o rosto é

bem diferente de analisar essa:

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54.

Para quem não está familiarizado ou desconhece a linguagem do

graffiti, pode entender que a palavra “RATO” ao lado esquerdo (por onde se

inicia a leitura) pode insinuar a mensagem de que essa grande personalidade

do movimento comunista brasileiro “é um rato”, algo pejorativo, de modo que a

compreensão equivocada transmita a ideia oposta daquela que os integrantes

da crew desejaram ressaltar: uma homenagem ao guerrilheiro.

Atualmente, existe um tipo de fascínio mágico em relação às imagens

técnicas. Cada vez mais, como afirma Flusser, o que fazemos é viver,

conhecer, valorizar e agir em função de tais imagens. Essa “nova magia” visa

modificar nossos conceitos em relação ao mundo e não mais o mundo em si,

como foi feito na pré-história.

Como bem ressalta o autor: A função das imagens técnicas é a de

emancipar a sociedade da necessidade de pensar conceitualmente. Se os

textos antes surgiram com o propósito de tirar a magia das imagens

tradicionais, criando um novo momento chamado de “textolatria”, o surgimento

da fotografia, retirou um pouco do poder dos textos e resinificou essa

linguagem. A maquina fotográfica “lê” o mundo para as pessoas.

No caso do graffiti, há estímulos visuais complementares, escrita e

desenho conectados para um fim maior: expressar a arte de forma mais

abertamente possível de modo a possibilitar a reconceitualização da cultura. Se

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num primeiro momento da historia da humanidade havia uma cultura de

iconolatria e num segundo, de textolatria, surge agora na cultura moderna um

terceiro momento ainda sem nome, onde o graffiti pode ser considerado

precursor.

Se a função primordial das imagens técnicas - principalmente a

fotografia – era de interelacionar conhecimento científico, experiência artística e

vivência política da vida cotidiana não foram apenas estes os efeitos

encontrados na revolução das imagens técnicas.

A potência fotográfica para a falsificação de informações, substituição

da magia, ludibriamento do verdadeiro conhecimento científico, impossibilitou a

reunificação da cultura, mas abriu caminho para a construção de uma cultura

de massa voltada para uma lógica capitalista de consumo, na qual se vive as

consequências até hoje.

Segundo o autor, isso se deu, pois as imagens técnicas formaram-se

barreiras. Os textos científicos deixam de fluir, as imagens técnicas deixam de

representar o mundo como ele é e passam a ser ferramenta para repetição e

manipulação de informação. Hoje, como afirma Vilém, todo ato científico,

artístico e político visa eternizar-se em imagem técnica, visa ser fotografado,

filmado, gravado. Com o graffiti não é diferente, porém o propósito é outro.

Há uma necessidade de reprodução compartilhada, ou seja, usar as

imagens técnicas unidas às ferramentas virtuais para a divulgação do trabalho,

a criação de eventos (nacionais e internacionais) de graffiti, o compartilhamento

de técnicas, estilos ou experiências vividas (em forma de registro documental).

Nesse movimento, existe uma ânsia de auto superação, de

desenvolver novas técnicas e de respirar a todo momento essa arte,

compartilhando esse ar. São ideias e ideais que ainda não participam

diretamente – e nem parece haver esse interesse - da lógica de mercado que

frauda informações, engana e mente para vender a todo custo.

O que me faz crer que o graffiti tem uma lógica paralela a de mercado

que rege o sistema capitalista pós-moderno. O consumo de tinta spray e de

outros elementos que permeiam esse universo é uma questão relevante a se

pensar os danos ambientais possíveis e as lógicas de consumo intenso de tinta

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tóxica, principalmente para o organismo. Discussão que pode ser aprofundada

em outro momento, em outro trabalho.

O que vale ressaltar aqui é a ausência de receitas ou manuais de

“como grafitar”. O processo de aprendizagem é bastante variado. A maioria

começa com a pichação. No inicio, todos os grafiteiros que conheci foram

pichadores. Há aqueles que continuaram com as duas práticas, enquanto

outros se dedicam apenas a uma delas. Alguns começam a treinar seus

esboços no muro diretamente, já outros preferem aperfeiçoar sua técnica

primeiramente em telas para depois começar a praticar nas ruas.

Cada processo é único e o tempo é muito relativo. Cada um possui

uma trajetória, que por mais que se assemelhem não são as mesmas. Algo

bem perceptível no caso dos dois grupos estudados nesse trabalho. Os temas

variam de acordo com a fase da vida que cada um está vivendo. As influencias

que possuem são reproduzidas em suas obras. Num fluxo de reciprocidade,

pois a obra depois de terminada também influencia em suas vidas.

Quando os artistas utilizam textos científicos para a realização de sua

obra, eles servem como complemento do trabalho e não como a base. O graffiti

abrange diversas técnicas artísticas, de modo a existirem inúmeros caminhos

para se chegar a arte final do muro. Como entender essa reprodução é outro

ponto importante dessa pesquisa.

Nesse contexto, o sociólogo alemão Walter Benjamin, sugere que pela

primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das

responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente

ao olho. Como o orno apreende mais depressa do que a mão desenha, o

processo de reprodução das imagens experimentou tal aceleração que

começou a situar-se no mesmo nível que a palavra oral.

Assim, a imagem é algo de importância indubitável na vida social

urbana pós-moderna e uma das causas desse feito foi facilidade de reprodução

que o desenvolvimento das tecnologias possibilitaram. Nesse sentido, a era da

reprodutibilidade técnica, na qual vivemos atualmente, é basicamente pautada

em copiar: seja estilos de vida ou comportamentos, seja reproduzir de tudo na

maior escala possível, ressignificar símbolos e signos, reciclar ideias, objetos e

até pessoas.

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Para os mais mal intencionados, a polêmica do plagio. Para aqueles

que se dizem autênticos, a criação. A arte, nesse contexto, opera em diversos

locus. A facilidade que se tem hoje para reproduzir quase que infinitamente as

coisas, mais perceptível no âmbito dos bens de consumo duráveis, possibilitou

a sua inserção na cultura de massa.

Hoje, tanto em Curitiba quanto em São Paulo, há um enorme acesso a

todo tipo de expressão artística pela maioria dos habitantes da urbe. As

distancias, a condição sócioeconomomica ou a forma como a cultura de massa

é reproduzida por uma mídia elitista e que segrega ainda são problemas a

serem superados por quem vive ou convive mesmo que de forma indireta com

a arte.

Podem ser obstáculos que ainda devem ser vencidos, mas se houver o

verdadeiro interesse, esses elementos não impedem totalmente de vivenciar

arte, seja pela música, dança, artes visuais, etc. Assim, o graffiti pode ser visto

como um dos principais colaboradores para diminuir essas distancias

socioculturais.

Em sua maioria, ao meu ver, as pessoas envolvidas no universo do

graffiti são “jovens adultos” ou “adultos jovens”, o que dá a esse movimento um

espírito de inovação, criatividade, força de vontade, e um constante exercício

de autenticidade. Para Walter Benjamin, a autenticidade pode ser entendida

como uma tradição que identifica o objeto (de arte), desde o momento de sua

produção até o tempo que ele estiver entre nós, sendo aquele objeto, sempre

igual e idêntico a si mesmo.

Assim, o graffiti não é necessariamente um objeto, porém se fixa em

um. Usa os objetos, as coisas presentes na rua – os muros de uma forma geral

- como suporte, ressignificando-os. Passam a ser vistos como uma peça de

arte ou de vandalismo. Transformam a cidade, para o bem - ou como pensam

algumas pessoas - para o mal, porém é indiscutível que sua presença afeta as

pessoas.

Por mais que o graffiti represente a identidade de quem o pratica, e de

certo modo essa sua marca, tag ou assinatura seja reproduzida infinitamente,

há algo de autentico. A pintura nunca se repete. O estilo, as cores, a proposta

podem serem similares, porém a obra deixada na parede - ou onde quer que

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esteja – se transforma constantemente. Algo que também tem a ver com o

processo de amadurecimento do artista.

O graffiti sendo único possibilita experiências únicas. O que não quer

dizer que a reprodução da técnica as impeça. De certo modo, a

reprodutibilidade emancipou a arte e possibilitou mais pessoas terem acesso a

ela. No caso do graffiti, com o desenvolvimento do látex, das tintas sprays cada

vez mais duráveis e com mais opções de cores, tipos e preços houve uma

facilitação em sua prática.

Em campo, pude perceber que para a maioria dos praticantes “não tem

desculpa pra não grafitar”. O dinheiro para comprar as latas “se arranja”. Se

não há dinheiro para o transporte ou se vai a pé ou de skate ou de bicicleta. O

possível encontro com a polícia é visto como um obstáculo e não uma

limitação. O mundo é a sua tela. Não há limites.

Se para Benjamin, a pintura reduz a significação social da arte, de

modo a aumentar a distancia no público entre a atitude de aproveitamento e a

de crítica, pois tinha como um dos elementos pertencer a espaços privados e

de público reduzido, por exemplo, os museus ou casas da alta sociedade, com

o graffiti ocorre o oposto.

Por estar nas ruas, por ser gratuito, por transmitir as ideias de dentro

para fora da cabeça de quem o faz - como diria Benjamin - a massa é a matriz

da qual emana, no momento atual, toda uma atitude nova com relação à obra

de arte. A quantidade converteu-se em qualidade. Algo bem perceptível no

universo do graffiti, onde a repetição não implica em perder a autenticidade,

mas sim como mais uma forma de aprimorar a técnica e a visão de mundo.

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8 GRAFFITI E SUA LINGUAGEM REUMANIZADORA

55.

“Muro misterioso: separa e comunica.”

- anônimo.

Pensar sobre o olhar é perceber que a visão humana é uma questão

primordialmente cultural e para que enxerguemos bem, devemos olhar com os

sentidos e não apenas com os olhos cheios de preconceitos e

superficialidades. No graffiti, as vezes “correr os olhos” sobre a superfície

marcada com tinta é a única opção que o transeunte apressado parece ter no

momento.

Entretanto, para se deixar tocar pela mensagem do graffiti é necessário

olhar com bastante atenção para tentar compreender aquela linguagem. Nesse

sentido, segundo Ana Luisa Sallas, para conhecer a dimensão sócio-histórica

da imagem é preciso estudar: o seu circuito, sua circulação, sua produção,

apropriação e todas as suas variáveis.

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Portanto, para a realização desse trabalho, foi necessário o

aprofundamento no contato com ambos os grupos, manter contato com seu

trabalho, suas obras, seu cotidiano. Tendo conhecimento que aqui foi possível

conhecer apenas uma parcela, uma pequena amostra da realidade desses

jovens, porém significativa e intensa.

Através de estudos comparativos baseados na iconografia e na

semiótica voltados para as obras de arte desses indivíduos, pode-se observar

como sua linguagem própria, permeada pela arte, alcançar um diálogo entre

pessoas que habitam realidades muitas vezes totalmente distintas.

57.

“Graffiti pra mim significa um talento para ser usado como ferramenta.

O graffiti é universal, porque tem o poder de transmitir muito sem falar nada, e

os escritores tem a vantagem de fazer grandes amigos pelo o mundo sem se

quer falar a mesma língua.”

Assim como afirma Hope, tal linguagem transpassa fronteiras

territoriais, étnicas, religiosas, culturais, ou até mesmo linguísticas. Parece

haver a criação de uma linguagem própria de quem compartilha o hábito, a

mania, o vício, o prazer, a lógica paralela, o sentimento, ou simplesmente

aquela inquietação primordial do ser humano de marcar uma superfície com

seus pensamentos.

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Durante essa pesquisa ficou visível a distinção de cada participante

possui suas crenças, comportamentos, ideias sobre o mundo, estilos de vida,

etc. Contudo, ao fazer graffiti as desigualdades que geralmente distanciam e

segregam, passam a ser diferenças de personalidade, curiosidades sobre a

pessoa, o olhar exótico do outro, e isso só tende a enriquecer esse universo e

a todos aqueles que partilham dele.

É sabido que apesar de todas essas diferenças existe uma linguagem

própria que parece ser universal, pois independente do país de origem, da

língua falada, das técnicas usadas, ou gostos diferenciados para música,

vestimentas, etc.; os grafiteiros conseguem se comunicar livremente entre si e

criar laços (mesmo que momentâneos algumas vezes) de modo a compartilhar

mais intensamente e democraticamente sua arte.

8.1 COMO AS IMAGENS PENSAM

Para auxiliar nesse debate sobre a linguagem me baseio nas ideias do

antropólogo Etienne Samain sobre como as imagens pensam (se é que elas

pensam). A questão aqui não é saber o por que as imagens comunicam, mas

sim como ocorre esse processo. Não desejo questionar para que servem as

imagens, e sim “como elas existem, como vivem, como nos fazem viver. Ou

ainda, como a imagem nos provoca a pensar” – como diria Samain.

Nessa perspectiva, as imagens realmente pensam? A partir do

pressuposto de que elas fazem parte de um sistema no qual circula

pensamento, pode-se afirmar que elas mesmas participam de tal pensamento,

ou seja, pensam. Compartilho da ideia de Etienne do que sem chegar a ser um

sujeito, a imagem é muito mais que um objeto: ela é o lugar de um processo

vivo, ela participa de um sistema de pensamento. A imagem é pensante.

No capítulo anterior defendi a ideia de que o graffiti foge à regra dessa

era da reprodutibilidade técnica que vivemos, onde as imagens já não nos

servem mais e sim nós que acabamos servindo a elas. Essa arte urbana auxilia

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no processo de retorno a nossa autonomia perante um mundo cada vez mais

ilusório e iludido pelas imagens.

A maneira que o graffiti encontrou para disseminar essa outra forma

possível de enxergar o mundo foi através de sua linguagem que além de

devolver a mágica para os textos e para a imagem, pode trazer à tona os

sentidos mais intensos das pessoas. Assim, algumas constatações do autor

sobre o conceito de imagem, facilitam a compreensão e exemplificação de

como ela se coloca no graffiti:

Toda imagem nos oferece algo para pensar. Seja desenho, pintura, escultura,

fotografia, fotograma, eletrônica ou infográfica.

Toda imagem é portadora de um pensamento, isto é, veicula pensamentos. No

caso do graffiti, o que o spray traçou no muro, por exemplo.

Toda imagem é uma memória de memórias: um grande jardim de arquivos

vivos. A ideia inserida na obra surge a partir de um acúmulo de saberes de

toda uma vida que muitas vezes é expresso na parede.

Toda imagem é uma forma que pensa. Assim, independente de nós, as

imagens seriam formas que, entre si, se comunicam e dialogam, de modo a

combinar ou associar a ela um conjunto de dados sígnicos (traços, cores,

movimentos, etc.).

57.

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Interessante ressaltar o questionamento de Samain sobre a

imagem ter “uma vida própria”. Ele defende que ao se associarem as

imagens desenvolvem um poder de suscitar pensamentos, ou

movimento de ideias. Como se desenvolvessem pensamentos para além

de seu criador.

No caso do graffiti, como se o artista não pudesse mais controlar

sua mensagem após suas ideias terem saído da lata de spray e se

fixarem em uma superfície. Nesse sentido, Etienne também caracteriza

a imagem como uma forma que pensa e que nos ajuda a pensar. Uma

forma moldável e moldadora.

Tal forma é moldável, pois é construída a partir de um processo

artístico, portanto passível de mutações constantes. E moldadora, pois

quebra a rotina, modifica a estrutura da cidade e do cotidiano das

pessoas que vivem nela. Mesmo que vistos muito rapidamente ou de

passagem, as cores e riscos do graffiti trazem mais vida para esse

ambiente.

58.

8.2 O TEMPO DA IMAGEM

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Outro debate interessante da teoria de Samain é a relação do tempo da

imagem. Seria o tempo da lembrança, da caminhada, da passagem, da

viagem, do tanto de tempo que ela permanecer em nossa mente. Seja num

papel fotográfico, num punhado de argila, numa tela de algodão, ou num muro

em qualquer esquina, a imagem pode estar imortalizada ou ser facilmente

esquecida.

Quando o graffiti está nas ruas, pois na galeria está de certo modo

“protegido”, é passível de diversas transformações que não podem e nem

devem ser controladas. Por exemplo, a chuva que desgasta a textura da tinta,

o sol que desbota as cores, o desgaste natural da superfície onde ele foi

realizado, os pichadores que desejam marcar sua tag em cima da obra, a

prefeitura que apaga tudo e transforma a arte em cinzas.

59.

Tal efemeridade do graffiti faz crer que, como afirma Etienne, que toda

imagem participa de um tempo que não pode se confundir com o tempo da

nossa história. Afinal, o graffiti pode durar 15 minutos numa parede, ser

resguardada por décadas em discos rígidos, ou ainda ser imortalizado numa

foto impressa até que o papel se desfaça.

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8.3 A REUMANIZAÇÃO ATRAVÉS DA LINGUAGEM

Na perspectiva de Etienne Samain: a imagem é capaz de ideações,

capaz de suscitar ideias. A imagem e o som constituem o princípio da

comunicação humana. Assim, entende-se que as imagens „falam por si‟,

comunicam entre si e aos outros e sim, podem ser capazes de pensar por si

mesmas e de fazer o outro pensar sobre ela e sobre si.

O graffiti é a objetificação de um sistema de pensamento. Tendo como

sua formação as imagens, pode ser visto como um fenômeno: acontecimento,

performance, revelação, resultado de um processo que combina as mais

diversas contribuições (artísticas, filosóficas, históricas, sociais, psicológicas,

etc.). Um fenômeno que modifica as relações sociais na urbe.

A linguagem do graffiti pode ser entendi como dialógica: o texto

produzido através das imagens não é visto isoladamente, mas sim

correlacionado com outros discursos similares e/ou próximos. Dessa forma, o

dialogismo se dá a partir da noção de recepção/compreensão de uma

enunciação a qual constitui um território comum entre o locutor e o locutário.

Algo que funciona como um facilitador de diálogos. Diferentemente do

universo da escrita ou da internet, o qual cria a ilusão de aproximar, porém cria

mais distancias em se tratar das atitudes humanas mais essenciais (o ato de se

abraçar, por exemplo), o universo do graffiti proporciona um transito de

pessoas, ideias e atitudes as quais são responsáveis pela criação e

desenvolvimento de laços humanos básicos de amor, amizade e cooperação.

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9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

60. Café, Heal e Auma: os três mosqueteiros.

“A arte existe para que a realidade não nos destrua.”

- Friedrich Nietzsche

O crescente movimento do graffiti vem ganhando força, visibilidade e

espaço nas grandes cidades a cada dia. A cidade de São Paulo é conhecida

internacionalmente por muitos dos envolvidos nesse universo como “a Meca do

graffiti mundial”. Isso implica que se no restante do mundo há uma tendência

do graffiti se expandir e se desenvolver cada vez mais, São Paulo é

considerada uma referencia para essa revolução do spray.

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Curitiba não está atrás. Seus artistas estão ganhando nome no Brasil

fora dele. Os participantes dessa pesquisa são convidados a viajar

constantemente para grafitar em diversas regiões do país, e em alguns casos

também na América Latina, Estados Unidos e até Europa.

O que parece ocorrer no Brasil que faz com que aqui o graffiti seja

reconhecido, admirado e frequentemente citado no exterior e que nos outros

países não há, é essa a miscigenação de estilos, técnicas e conteúdos que

podem conter na mesma obra por exemplo. As ideias aqui parecem se

conectar sem preconceitos, segregação ou limitações estéticas.

No exterior, está se tornando cada vez mais comum os grafiteiros se

reunirem para pintar em eventos voltados a um estilo específico. Por exemplo,

um festival de letras, outro de persona, outro de cartoon, etc. Desse modo,

ocorre um processo de auto segregação entre esses grupos, fato que dificulta o

diálogo entre aqueles que não partilham dos mesmos estilos. Algo que ao meu

ver, deixa de enriquecer mais esse universo.

Em Curitiba e em São Paulo o panorama é diferente. Há uma riqueza

infinita de estilos, temas, técnicas. Não parece haver discriminação desse ou

daquele jeito de fazer a arte. A historia de vida dos grafiteiros se mescla com a

história da cidade. Um se reflete no outro diretamente e conscientemente.

O perfil padronizado de ser humano que a metrópole exige rouba parte

da humanidade das pessoas de modo a transformá-las em máquinas. Muitos

habitantes vivem um estado de dormência típico de zumbis cinematográficos.

Ao invés de estarem sempre atrás de cérebro – a metáfora da ausência do

pensar – essas máquinas humanas vazias de sentimentos e alienadas estão

sempre em busca de dinheiro, nada mais.

Então, ao se depararem com um graffiti surge a oportunidade de

retomar a consciência humana de viver sociedade. Torna-se possível voltar a

ter sensações, repensar seu papel no mundo, questionar o que aquela imagem

quer dizer, perceber que a cidade pode se comunicar com seus habitantes por

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intermédio de pessoas que dedicam a vida – ou pelo menos uma parte dela –

vivenciando a arte e fazendo a vida nas grandes cidades terem mais sentido.

A ideia principal desse trabalho foi observar, através do graffiti e de

quem o realiza, como a arte de rua reúne pessoas, quais as relações que

podem surgir a partir desse encontro, quais podem ser os diálogos em relação

a linguagem imagética, quais as leituras possíveis dessas imagens e assim

conhecer um pouco mais da vida nas grandes cidades experimentada por esse

ângulo.

Pude perceber que estudar o graffiti está diretamente interligado a

estudar a cidade, as classes sociais, as noções de cultura e lazer, a questão da

segurança pública, as políticas de higienização, os discursos socioambientais,

a relação da imagem com a vida pós-moderna, as relações humanas profundas

que surgem a partir desse universo e as quais o permeiam. São tantos temas

que não couberam em uma monografia.

Enfim, sem dúvida também fui reumanizada por esse contato intenso

que tive com as pessoas, as situações, as sensações de estar emergida em

tanta arte, também pelo prazer indescritível de segurar uma lata de spray e

apertar bico até a mão doer, de redescobrir a cidade, de ajudar a imortalizar

aquelas obras com minha fotografia e principalmente em criar novos laços de

amizade para a vida toda.

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61.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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troca de registro psíquico nas artes gráficas e plásticas de rua baseadas

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Federal do Paraná, 2011.

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BEDOIAN, Graziela; MENEZES, Kátia. Por Trás dos Muros - Horizontes

Sociais do Graffiti. São Paulo: Peiropolis, 2008.

BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Brasiliense, 1987.

ELIAS, Norbert. Estabelecidos e outsiders. Ed. Jorge Zahar, 2000.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985.

GANZ, Nicholas. O MUNDO DO GRAFITE, arte urbana dos cinco

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GITAHY, Celso. O que é graffiti? Ed. Brasiliense, 1999.

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“Tempo Social”, Revista de Sociologia da USP, v. 17, n. 2. - 2005.

MOREN, Alice Belfort. A Vida dos Muros Cariocas: o grafite e as

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Doutorado em Geografia da UFRJ/ PPGG, 2009.

MUNHOZ, Daniella R. Michelena. Graffiti: uma etnografia dos autores da

escrita urbana de Curitiba. Dissertação do programa de Mestrado em

Antropologia Social da Universidade Federal do Paraná, 2003.

PIMENTEL, Marina de Oliveira. Curitiba em cores: a prática do grafite e da

pichação frente ao marketing urbano da capital paranaense. Dissertação

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91

de Mestrado apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de

Coimbra, 2012.

PROSSER, Elisabeth Seraphim. Graffiti Curitiba. Curitiba: Kairós Edições

Ltda, 2010.

SALLAS, Ana Luisa Fayet. Ciência do homem e sentimento da natureza:

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SAMAIN, Etienne. Como pensam as imagens. Campinas, SP: Unicamp,

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SCHECHNER, Richard. Performance e antropologia de Richard Schechner.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

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2. No more tear gas "Carbine" R. Gegen - THEREADLESS

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3. BANKSY <www.banksy.co.uk/menu.html> Acessado em 26-11-

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4. Street of Styles: elaborada pelo autor ..................................................13

5. PINTURA RUPESTRE - PARQUE NACIONAL DO CATIMBAU

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Acessado 10-12-2013.............................................................................17

6. Pintura na cidade de POMPÉIA

<antoniodearaujo.blogspot.com.br/2013/02/historia-do-grafite-

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7. KYSELAK < http://www.urbanfire.es/urban/kyselak-el-primer-tagger-de-

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8. PARIS ANOS 1960 < http://eng.partizaning.org/?p=4938> Acessado em

26-11-2013..............................................................................................21

9. Foto de 1943: Aerossol inventado pelos pesquisadores USDA Lyle

Goodhue and William Sullivan

<http://www.atgetphotography.com/The-Photographers/BRASSAI.html>

Acessado em 27-11-2013...................21

10. Brassaï, 1968 <http://www.atgetphotography.com/The-

Photographers/BRASSAI.html> Acessado em 27-11-2013...................22

11. Brasil anos 60 < http://marxismo21.org/o-golpe-de-1964/> Acessado em

27-11-2013.............................................................................................23

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12. GERMANY.INFO<<http://www.germany.info/Vertretung/usa/en/02__GIC

/GIC/05/03__Without__Walls/Feature__1/Timeline__Gallery__B.html>

Acessado em 27-11-2013.......................................................................24

13. Maurício Villaça – meados de 1970 - PICHAÇÕESCIBERESPACIAL

http://pichacoesciberespaciais.blogspot.com.br/2007/12/graffiti-de-

maurcio-villaa-1988-tapumes.html> Acessado em 26-11-2013............25

14. Bota Preta IDEAFIXA <http://www.ideafixa.com/dialogos-pop-alex-

vallauri-e-warhol-no-mam/>Acessado em 26-11-2013...........................26

15. Jaime Padres <http://www.flickr.com/photos/artetude/2969430850/>

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16. Pichação em inglês - VALITERATURA

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18. Taki183 < http://typograffyunderground.com/pages/graffogs/index.html>

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19. Thow-up - SENSESLOST< http://senseslost.com/interviews/ensoe-

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20. Dondi - JERSEYJOEART < http://jerseyjoeart.com/category/dondi/>

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21. Hip hop - STYLE WARS <http://stylewars.com/>

Acessado em 25-11-2013.......................................................................32

22. Andre, the giant <http://www.obeygiant.com/bootlegs/shepard-has-a-

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23. OBEY/GIANT - Lambes

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24. Manifestante/Banksy - BRANKSY <http://www.banksy.co.uk/>

Acessado em 26-11-2013.......................................................................35

25. Diogenes/Banksy < http://www.stencilrevolution.com/banksy-art-

prints/one-original-thought/> Acessado em 26-11-2013.........................36

26. BRANKSY <http://www.banksy.co.uk/> Acessado em 26-11-2013 ......37

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contra-prefeitura-de-sp-apos-grafite-apagado/> Acessado em 27-11-

2013.......................................................................................................37

28. Novo Mural, 2008 - Red Bull Street Art View Os Gêmeos

<http://www.streetartview.com/> Acessado em 27-11-2013………...…38

29. Os gêmeos –trem FAAP<http://www.faap.br/hotsites/osgemeos/>

Acessado em 27-11-2013.......................................................................39

30. Jorge Galvão FLICKR< http://www.flickr.com/photos/jorgegalvao/>

Acessado em 27-11-2013......................................................................40

31. Syen FLICKR< http://www.flickr.com/photos/thiago_syen> Acessado em

27-11-2013..............................................................................................41

32. Auma, cimples e TOM14 < http://tom14.com/?p=778> Acessado em 28-

11-2013 ..................................................................................................42

33. Olhos, Muro em Oaxaca, Mexico. Elaborada pelo autor ....................43

34. Prédio circular pichado

<http://www.bemparana.com.br/noticia/213381/vandalismo-com-

deboche-nas-redes-sociais> Acessado em 28-11-2013 ........................46

35. Produção Utopia: facebook do Iceman.................................................48

36. Mão nas latas – elaborada pelo autor.................................................49

37. Flores na quebrada – elaborada pelo autor.........................................51

38. Os gêmeos-metro <http://subsoloart.com/blog/2009/06/os-gemeos-em-

coney-island/gemeos-metro/> Acessado em 28-11-2013.....................52

39. Estêncil do Leminski - elaborada pelo autor......................................54

40. S.A.F. - elaborada pelo autor ................................................................55

41. Casa Hip Hop Diadema - elaborada pelo autor....................................56

42. Eric – Facebook do Eric.........................................................................57

43. Street of styles – o elaborada pelo autor.............................................58

44. Auma - elaborada pelo autor ................................................................59

45. Café - elaborada pelo autor...................................................................60

46. Muro da Cheira Tinta Crew – elaborada pelo autor .............................61

47. Rato - elaborada pelo autor ...................................................................63

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48. Utopia Crew - elaborada pelo autor ......................................................64

49. João – elaborada pelo autor ..................................................................65

50. Jamil - elaborada pelo autor ..................................................................68

51. Gravuras - elaborada pelo autor ...........................................................70

52. Jesus – facebook do Café .....................................................................72

53. Mural Marighella 1 - elaborada pelo autor ............................................73

54. Mural Marighella 2 – elaborada pelo autor ..........................................74

55. Corazon (street of styles) - elaborada pelo autor ................................69

56. Hope – facebook do Hope ……..…….………………………………...…..80

57. Street of styles – elaborada pelo autor ................................................82

58. Street of styles – elaborada pelo autor ................................................83

59. Os gemeos antes e depois CARTUNISTASOLDA

http://cartunistasolda.com.br/2012/02/15/veja-imagem-do-grafite-da-dupla-

os-gemeos-que-foi-apagada/> Acessado em 28-11-

2013...............................................................................................................84

60. Exposição na Sala do Design – elaborada pelo

autor...............................................................................................................86

61. Desenhos do Heal – elaborada pelo autor

.......................................................................................................................90