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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL A SINGULARIDADE E A PLURALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL NO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE MENTAL Graziela Scheffer Machado Orientador: Prof. Dr. Eduardo Mourão Vasconcelos Rio de Janeiro, 2007.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

A SINGULARIDADE E A PLURALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL NO PROCESSO DE

TRABALHO EM SAÚDE MENTAL

Graziela Scheffer Machado

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Mourão Vasconcelos

Rio de Janeiro, 2007.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

A SINGULARIDADE E A PLURALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL NO PROCESSO DE

TRABALHO EM SAÚDE MENTAL

Graziela Scheffer Machado

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social, da Escola de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Mourão Vasconcelos

Rio de Janeiro, junho de 2007

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A SINGULARIDADE E A PLURALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL NO PROCESSO DE

TRABALHO EM SAÚDE MENTAL

Graziela Scheffer Machado

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Mourão Vasconcelos

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Serviço

Social, da Escola de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Aprovada por: ___________________________________________ Presidente, Prof. Dr. Eduardo Mourão Vasconcelos ___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Marilda Vilela Iamamoto ___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Miriam Guindani ___________________________________________ Prof. Dr. Erilmaldo Matias Nicacio

Rio de Janeiro, Junho de 2007

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Em caso de dúvidas contatar a Bibliotecária de sua Unidade ou Centro

Machado, Scheffer Graziela. “A singularidade e a pluralidade do serviço social no

processo de trabalho em saúde mental”. Machado, Scheffer Graziela - Rio de Janeiro. UFRJ: ESS, 2007.

Orientador: Eduardo Mourão Vasconcelos Dissertação (mestrado)- UFRJ /ESS/ Programa de Pós-

Graduação em Serviço Social, 2007. Referências Bibliográficas: f -149-159

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RESUMO: “A SINGULARIDADE E A PLURALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL NO

PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE MENTAL”

Nome do Autor: Graziela Scheffer Machado Orientador: Prof. Dr. Eduardo Mourão Vasconcelos Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social, da Escola de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Esta dissertação tem como eixo principal a análise da participação do Serviço Social no processo de trabalho em saúde mental das equipes interprofissionais dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS, dos municípios do Rio de Janeiro e Porto Alegre.

No primeiro capítulo abordamos a trajetória da histórica da Reforma Psiquiátrica e do Serviço Social no Brasil. Nesta etapa do estudo também apontamos o debate atual da categoria em relação ao campo da saúde mental e buscamos fazer uma reflexão sobre suas interfaces com as transformações no mundo trabalho e com a saúde publica a partir da Reforma Psiquiátrica.

No segundo capítulo colocamos os pressupostos teóricos que orientaram a pesquisa empírica e a política municipal de saúde mental de Porto Alegre e Rio de Janeiro. Logo em seguida apresentamos a organização a CAPS e suas implicações na orientação do trabalho em equipe.

No terceiro capítulo descrevemos os eixos analíticos e os resultados da pesquisa. Palavras-chave: Serviço Social em saúde mental, processo de trabalho, Reforma Psiquiátrica e equipe interprofissional.

Rio de Janeiro, Junho de 2007.

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ABSTRACT: "THE SINGULARITY AND THE PLURALITY OF THE SOCIAL SERVICE IN THE PROCESS OF WORK IN MENTAL HEALTH" Name of the Author: Graziela Scheffer Orienting Tutor : Prof. Dr. Eduardo Mourão Vasconcelos Summary of the Dissertation of Master submitted to the Program of Post-Graduation in Social Service, of the School of Social Service, Federal University of Rio de Janeiro - UFRJ, as part of the obligatory requirements to the attainment of the tittle of Master in Social Service. This dissertation has as main axle the analysis of the participation of the Social Service in the work’s process in mental health of the social science’s teams belonging to the Psicossocial Attention Centers - CAPS, of the cities of Rio de Janeiro and Porto Alegre. In the first chapter we approach to the trajectory of the history of the Psychiatric Reformulation and the Social Service in Brazil. In this phase of the study we also point to the current debate of the category in relation to the field of the mental health and we look for to make a reflection about its interfaces with the work’s transformations and with the health mental since the Psychiatric Reformulation. In the second chapter we discuss the theoretical assumption which had guided the empirical research and the municipal’s politics of mental health of Porto Alegre and Rio de Janeiro. After that analyzed we present the CAPS´s organization and its implications in the orientation of the team’s work. In the third chapter we describe the meaning of the analytical axles and the result of the research of the dissertation. Word-key: Social Service in mental health, process of work, Psychiatric Reformulation and Team’s Conception.

Rio de Janeiro, June of 2007

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SIGLAS:

ABPESS: Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

AIS: Ações Integradas de Saúde

CAPS: Centro de Atenção Psicossocial

CFESS: Conselho Federal de Serviço Social

CRESS: Conselho Regional de Serviço Social

CONASP: Conselho Nacional da Administração de Saúde Previdenciária

DINSAM: Divisão Nacional de Saúde Mental.

ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente

ENESSO: Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social

ESP-RS: Escola de Saúde Publica Rio Grande do Sul

FIOCRUZ: Fundação Oswaldo Cruz

HPSP: Hospital Psiquiátrico São Pedro

INAMPS: Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

IFB: Instituto Franco Basaglia

INPS: Instituto Nacional da Previdência Social

INAMPS: Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

MPAS: Ministério da Previdência e Assistência Social

MTSM: Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental.

NAPS: Núcleo de Atenção Psicossocial

SUS: Sistema Único de Saúde

OMS: Organização Mundial de Saúde

ONG: Organização Não Governamental

OPAS: Organização Pan-americana de Saúde

PUCRJ: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

PUCRS: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

RISMC: Residência Integrada em Saúde Coletiva

TCC: Trabalho de Conclusão de Curso

UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro

UERJ: Universidade Estadual do Rio de Janeiro

CAIS Mental: Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental

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Agradecimentos:

(...) Assim como no reino das estrelas há por vezes dois sóis que

determinam a trajetória de uma só planta, assim como, certos casos,

brilham á volta de um só planeta sóis de cores diferentes, ora com luz

avermelhada, ora luz verde, para depois o atingirem de novo

simultaneamente, inundando-o de muitas cores. Também assim, nós,

homens modernos, graças à mecânica complicada de nosso céu

estrelado, somos determinados por diferentes morais. Nossas ações

brilham alternadamente com diversos matizes, raras vezes são unívocas

e freqüentemente cometemos ações multicolores. (Nietzsche, F. 2000,

p.138)

Em minha trajetória acadêmica e pessoal tem muitos sóis e cores, entre essas,

vou destacar em ordem cronológica os que considero fundamentais:

Minha família que são os meus primeiros raios de sol. Principalmente a minha

mãe, pela paciência e tolerância diante das minhas “crises” de TPB (Tensão Pré-banca).

Às amigas Carlene e Patrícia, que me acompanham nessa longa trajetória de

vida, mesmo de longe (20 anos de amizade).

Colegas e amigas da FSS: Mari e Sandra (muitíssimo especial); Profª Leonia,

Thaísa e Rosi.

Amigos da ESP/HPSP: aqui tem um dos sóis mais importante em decisão de fazer

o mestrado - Soninha (amiga carioca que me influenciou com luz ofuscante, mas que

seguiu seu rumo para Espanha), Janice e Daniel (amigos e companheiros de trabalho

maravilhosos). E o amigo agregado de outra residência - “estrangeiro”: Amon, que me

impulsionou com sua forma de olhar o mundo e o desconhecido, me mostrando que não

tinha motivos para ter medo do diferente.

Ivete - “Pavão misterioso, pássaro formoso”. Com ela conheci o mistério do

sofrimento psíquico, mas também potência de reinventar a vida.

Ricardo e o mar, meus terapeutas, presentes em todos os momentos, dos mais

angustiantes e aos mais alegres. Quando estou com eles minha alma encontra a paz.

Meu querido orientador EEdduuaarrddoo (sol belo e eterno), que com sua humildade e

sabedoria me acolheu não só intelectualmente, mas afetivamente. Tornando-se a minha

bússola nesta grande viagem em busca de algum saber que transcende a mim.

Aos meus amigos/família que conheci no RJ e com quem dividi durante dois anos

o meu viver: Matheus e Daniele (minhas luzes diárias). Amo vocês!!!

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As lindas amiguchas: Elaine, Andréa, Rose, Silvia e Juliana que são como pôr-

do-sol no Arpoardor.

A minha banca de qualificação: Prof.ª Marilda Iamamoto, Prof.ª Miriam Guindani

e Prof.ª Maria Helena Machado, que com suas críticas possibilitaram que eu avançasse

no processo de aprendizagem.

Margi e Prof.ª Helena, que me ajudaram nessa fase final de encanto/desencanto

da dissertação.

E por fim... Todas as assistentes sociais do campo da saúde mental, que,

orientadas pela Reforma Psiquiátrica/SUS, em seu trabalho miúdo cotidiano buscam o

enfrentar a questão social atravessada pelo sofrimentos psíquicos e sociais.

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Índice

Introdução...............................................................................................................12

Capítulo I

1. A trajetória histórica da Reforma Psiquiátrica e do Serviço Social em visão

panorâmica ............................................................................................................18

1.1 O tecer da processualidade da Reforma Psiquiátrica............................18

1.2 Fragmentos do processo histórico da política de saúde mental e do

Serviço Social no Brasil...............................................................................24

1.3 Novos ângulos do debate atual do Serviço Social no campo da saúde

mental.....................................................................................................................64

Capítulo II

2. A geografia do trabalho em saúde mental..........................................................73

2.1 Pressupostos e conceitos do estudo.....................................................73

2.2 Os contornos da pesquisa: política municipal de saúde mental em Porto

Alegre e no Rio de Janeiro.....................................................................................83

2.3 O cenário da pesquisa: o horizonte e suas tendências do trabalho em

saúde mental..........................................................................................................87

Capítulo III

3. A epopéia do claro e escuro do cotidiano profissional......................................102

3.1 O rio e o oceano: a pesquisa de campo ..............................................102

3.2 Analisando singularidades e pluralidade das percepções dos assistentes

sociais no cotidiano do CAPS...............................................................................104

Considerações finais.............................................................................................141

Referências Bibliográficas....................................................................................149

4. Anexos

Anexo 1 - Roteiro de entrevistas......................................................................146

Anexo 2 - Termo de consentimento informado................................................147

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5. Lista de quadros

Quadro 1 - Caracterização das entrevistadas....................................................107

Quadro 2 - Velhas demandas e sua realização hoje..........................................125

Quadro 3 - Novas demandas atribuídas.............................................................130

.

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INTRODUÇÃO

A dissertação “A singularidade e a pluralidade do Serviço Social no

processo de trabalho em saúde mental” busca trazer a singularidade do trabalho

do assistente social no campo da saúde mental, bem como a pluralidade na

perspectiva do reconhecimento do universo heterogêneo das experiências

profissionais circunscritas por um habitus profissional1 entrelaçado nos processos

históricos, culturais, políticos e econômicos vivenciados no cotidiano do trabalho.

Portanto, não existe uma contraposição entre o singular e plural, mas sim uma

composição de ambos os aspectos que ganham vida no processo de trabalho.

O objetivo da pesquisa é investigar empiricamente o trabalho dos

assistentes sociais nas equipes interdisciplinares da rede de atenção psicossocial

(CAPS) dos municípios do Rio de Janeiro e de Porto Alegre em 2006/2007. O

estudo busca contribuir com o debate acadêmico e teórico sobre a inserção do

Serviço Social nas equipes interprofissionais de saúde mental, visando à

qualificação e formação profissional a partir do aprofundamento da contribuição do

fazer profissional no processo de trabalho orientado pela diretrizes da Reforma

Psiquiátrica.

A escolha do tema dessa pesquisa surgiu a partir de minha formação na

Residência Integrada em Saúde Mental Coletiva, da Escola de Saúde Pública do

Estado do Rio Grande do Sul. Durante a formação trabalhei, sob a orientação do

referencial da Reforma Psiquiátrica, em equipes interprofissionais que suscitaram

reflexões sobre o trabalho profissional nesse campo.

No primeiro ano da residência iniciei no Hospital Psiquiátrico São Pedro,

particularmente na internação hospitalar e no Residencial Terapêutico Morada São

1 Estes conceitos serão aprofundados ao longo trabalho, mas inicialmente, introduzimos ao leitor à noção de campo, constituído por relações de forças sociais e lutas que guardam suas particularidades forjadas nos processos históricos, e a concepção de habitus, uma matriz reguladora das diferentes as práticas, percepções, ações da profissão, oriundas da trajetória familiar e escolar.

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Pedro2. Nesse período, observei que o Serviço Social nesse campo tinha uma

construção histórica e cultural importante no trabalho junto aos usuários e

familiares, principalmente com relação às avaliações sociais, recursos e definições

da alta hospitalar. Uma colega de trabalho dizia: “O médico e assistente social são

os que fazem o hospício rodar”, ou seja, são esses dois profissionais que são

responsáveis pela dinâmica hospitalar, atuando nas definições de inserção e saída

dos usuários através do trabalho com os familiares e orientações socais, o que faz

desses profissionais elementos imprescindíveis para a organização hospício.

Frente a essa primeira observação, questionava: como foi que o trabalho

profissional do serviço social se inseriu e se legitimou na saúde mental? Por que a

família é a principal demanda institucional do Serviço Social? Por que esse

trabalho profissional nunca é abordado na formação? Por que a Reforma

Psiquiátrica não é vista durante a graduação? Por que há pouca publicação sobre

esse campo sócio-ocupacional?

Nesse primeiro ano de residência fui à procura de explicações para minhas

indagações, mas constatei que só havia um livro, do Prof. Dr. Eduardo

Vasconcelos, o qual me ofereceu os primeiros passos para o entendimento do

trabalho profissional nesse campo. Apesar da inserção do Serviço Social no

campo da saúde mental não ser uma novidade, verifiquei, em levantamento feito

na internet e de material bibliográfico, a escassez de material sobre esta temática.

Ainda nesse período, mergulhei em um processo intenso de sistematização do

trabalho profissional durante minhas supervisões de núcleo profissional com a

Prof. Dra. Izabel Bellini (assistente social), o que resultou em publicações3 e

apresentação de trabalhos.

2 O serviço residencial terapêutico caracteriza-se como “moradias ou casa inseridas,

preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais saídos de internações de longa permanência e que não desfrutem de inteira autonomia social ou não possuam laços familiares. O papel desses serviços é promover a reinserção de sua clientela na vida comunitária”. (Relatório de Saúde de 2002, apud, BELINNI & MACHADO, 2004). O Residencial iniciou suas atividades em dezembro de 2002 recebendo egressos/moradores (institucionalizados) do Hospital Psiquiátrico São Pedro. O objetivo do MPS é proporcionar a desinstitucionalização e romper com o sistema hospitalocêntrico, através da articulação das diferentes políticas e de ações integradas. 3 “A qualificação e contribuição do processo de trabalho dos assistentes sociais no campo da saúde mental” (Seminário Latino Americano de Serviço Social, 2003, Porto Alegre); “Uma

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No segundo ano da residência iniciei o trabalho junto a outros serviços de

saúde mental, no Ambulatório Especializado Melanie Klein e no Centro de

Atenção Psicossocial - Hospital de Clínicas de Porto Alegre. No decorrer dessa

segunda experiência pude perceber de forma mais ”intensa” que a abertura de

postos de trabalho em serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico (CAPS,

Residencial Terapêutico e Hospital dia), a abordagem em equipe interprofissional

orientadas pela Reforma Psiquiátrica e o acirramento da questão social estão

redimensionando as atribuições “tradicionais4” do serviço social, especialmente na

saúde mental.

Foi possível observar que esses novos serviços substitutivos de saúde

mental exigiam do Serviço Social a ampliação de seus saberes e de sua

intervenção social, visando atender à complexidade das expressões da questão

social em interface com o transtorno mental, extrapolando os limites das

“tradicionais” demandas do sistema hospitalocêntrico e das fronteiras profissionais

historicamente construídas.

Nesse período, os principais questionamentos suscitados eram os

seguintes: quais são as novas demandas dos assistentes sociais? O que é

específico dos assistentes sociais nas equipes interdisciplinares em saúde

mental? Qual a principal contribuição do Serviço Social nesse novo modelo? Qual

relação entre o social e o terapêutico na saúde mental? Como “lidar” com a

contradição entre a ampliação do exercício da cidadania do portador de transtorno

mental e o acirramento da questão social no contexto do “esvaziamento” das

políticas sociais públicas? Qual é o mandato social da profissão na saúde mental?

experiência de formação em saúde mental coletiva” In: I Fórum de Gaúcho de Saúde Coletiva Porto Alegre(Secretaria Estadual de Saúde, 2003); “A qualificação e contribuição do processo de trabalho dos assistentes sociais no campo da saúde mental In: Textos e Contextos” (Porto Alegre, 2004); “Uma nova tecnologia de atenção em saúde mental: residencial terapêutico Morada São Pedro” In: XI Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais(Fortaleza, 2004). 4 As atribuições tradicionais dos assistentes sociais a que nos referimos são aquelas já legitimadas e reconhecidas no âmbito institucional, a saber: orientação de familiares, realizar encaminhamentos para recursos da comunidade e a realização de altas sociais. Podemos dizer que estas são as principais demandas institucionais encaminhadas para o Serviço Social no hospital psiquiátrico.

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Também nessa época continuei a trabalhar na elaboração de diversos

resumos e apresentação de relatos de experiências, em parceria com colegas da

equipe.

As inquietações suscitadas por essas experiências e o vazio teórico sobre

esse campo na profissão foram o motor para minha inserção no mestrado, não só

na busca de respostas, mas também para “militar”, no bom sentido do termo, em

prol do reconhecimento da Reforma Psiquiátrica e do trabalho cotidiano dos

assistentes socais na saúde mental.

O estudo se situa nesse movimento que vai do singular do campo ao plural

da profissão, a partir de uma pesquisa qualitativa sobre o trabalho dos assistentes

sociais nas equipes interdisciplinares da rede de atenção psicossocial (CAPS) do

município do Rio de Janeiro e de Porto Alegre, realizada em 2006, que teve como

base entrevistas semi-estruturas com sete assistentes sociais, sendo cinco do

município do Rio de Janeiro e dois de Porto Alegre.

A análise dos relatos do trabalho cotidiano dos assistentes sociais procurou

criar os nexos analíticos entre três linhas de percepções: as assistentes sociais de

“campo/CAPS”, os “doutos” profissionais da academia e seus trabalhos

publicados, e a atividade de uma pesquisadora “peregrina5”. Cada um desses

agentes assume ou assumiu suas formas próprias nesse processo de constituição

da pesquisa, e nesse movimento tivemos batalhas, alianças, conflitos,

contradições, crises, angústias e, por fim, alegrias. A dissertação foi organizada

em três capítulos:

No capítulo I apresento a contextualização da trajetória histórica, política e

econômica que balizou a implantação e consolidação da política de saúde mental

e do Serviço Social no Brasil. Também exponho uma revisão do debate

acadêmico atual do Serviço Social na saúde mental a partir de três autores:

Vasconcelos, E. (2000); Rodrigues (2002) e Binesto (2005).

No capítulo II abordo os pressupostos teóricos e as tendências atuais do

processo de trabalho em saúde mental e os Centros de Atenção Psicossocial

5 Peregrina compreendida enquanto sujeito/pesquisadora que vai por terras distantes na busca de um conhecimento “presunçosamente novo”.

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(CAPS), que foram eleitos para ser o cenário da pesquisa. A escolha de fazer a

pesquisa no CAPS ocorreu por compreendermos este serviço como a expressão

mais contundente da modalidade de atenção psicossocial em saúde mental

orientada pelos marcos da Reforma Psiquiátrica. Portanto, nesses serviços

substitutos podemos perceber com “maior“ evidência as novas configurações do

trabalho dos assistentes sociais, bem como da equipe.

No capitulo III discuto a metodologia da pesquisa, descrevo os eixos

temáticos que orientaram a análise dos dados, e, finalmente, apresento os

resultados da investigação.

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1. A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E DO SERVIÇO

SOCIAL

“As transformações e a destruição dos hospitais psiquiátricos não é obra que percorre etapas pré-constituídas e lineares. Se existem semelhanças entre experiências de vários países, tal fato deve-se a muitos motivos, entre os quais a existência de algumas premissas comuns a cada renovação psiquiátrica. Essas premissas se resumem, em geral, na recusa da violência e das funções hierárquicas tradicionais” (BASAGLIA, et al, 2002).

Neste primeiro capítulo tratamos da contextualização dos processos

históricos que nos fornecem as bases para o entendimento acerca da trajetória de

transformação do campo da saúde mental e do Serviço Social. Buscamos

evidenciar os marcos societários que fornecem os contornos micropolíticos do

processo de trabalho em saúde mental, onde se desenvolvem as diferentes

formas de lutas, tensões, práticas, contradições, dominação e avanços.

1.1 O TECER: A PROCESSULIDADE HISTÓRICA DA REFORMA

PSIQUIÁTRICA

(...) as mudanças não são promovidas por decretos, mas decorrentes de processo histórico-cultural (RAMALHO, 1993, p.51).

Para o entendimento da Reforma Psiquiátrica se faz necessário tecer6 a

processualidade histórica das bases de contraposição à Psiquiatria

hospitalocêntrica. Inicialmente, é importante enfatizar o movimento global que

possibilitou o desencadeamento dos questionamentos/contraposição ao

manicômio como forma de assistência e cura por meio do “isolamento

social/contenção/coerção”, como modalidades terapêuticas de tratamento dos

transtornos mentais, sob o mandato do saber psiquiátrico.

No Ocidente, a partir do período após a segunda guerra mundial, constitui-

se um processo de mudanças e questionamentos sobre o papel do hospício e da

Psiquiatria, que teve como base de discussão a incapacidade de saber

psiquiátrico dar conta isoladamente da questão da loucura, a inadequação do

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manicômio como dispositivo da intervenção técnica e o reconhecimento da

cidadania dos portadores de transtorno mental. Esse processo de mudança

desencadeado pela Reforma Psiquiátrica foi influenciado por diferentes

experiências: pelas comunidades terapêuticas, pela antipisquiatria, pelo

preventismo, e, por fim, pela Reforma Italiana (ALVES, 2001). No contexto do pós-

guerra, a Psiquiatria foi questionada e alterada, levando a uma metamorfose do

saber psiquiátrico convencional para um saber múltiplo e interdisciplinar em saúde

mental, tendo como uma de suas bases a Psiquiatria Social, dentro do campo da

Medicina (ROSA, 2003).

Segundo Vasconcelos, E. (2002), é possível identificar elementos da

processualidade histórica internacional nas dimensões política, econômica e

cultural que forneceram estímulos para a consolidação do Movimento da Reforma

Psiquiátrica no mundo, que são os seguintes:

A) O contexto de guerra mundial, que propiciou um “clima cultural“ de

solidariedade nacional que resultou em investimentos na reabilitação de soldados

e/ou civis com problemas associados à guerra. Durante e após a Segunda Guerra

foram implantadas as comunidades terapêuticas nos Estados Unidos e na

Inglaterra, as quais tinham um cunho endógeno, ou seja, visavam a um processo

de reformas institucionais, predominantemente restritas ao ambiente hospitalar

psiquiátrico; buscava-se uma mudança na dinâmica institucional por meio de

medidas administrativas, democráticas, participativas e coletivas (AMARANTE,

2000).

B) Conjunturas históricas de diminuição da força de trabalho e revalorização

do trabalho humano, que proporcionaram um estímulo ao investimento em

propostas de reabilitação de grupos populacionais considerados improdutivos. No

contexto de um projeto de reconstrução nacional, argumentos de ordem

econômico-social enfatizavam a importância da recuperação da mão-de-obra até

então invalidada.

C) Processos de transição demográfica, com aumento da população idosa

e modificações nas estruturas familiares convencionais (aumento de famílias

6 O tecer, no sentido de entrelaçar os fios de entendimento histórico que exige trabalho e cuidado.

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matrifocais e de pessoas sozinhas); a inserção da mulher no mercado formal de

trabalho e a ampliação de serviços sociais substitutivos ou de suporte ao cuidado

informal prestado pela família e pelas mulheres, no âmbito doméstico; e mudanças

em direção à crescente individualização.

D) Conjunturas políticas de democratização, que possibilitaram a

visibilidade e os avanços nos processos políticos de cunho revolucionário ou a

mobilização de movimentos sociais populares, bem como processos político-

sociais de afirmação dos direitos civis e políticos, com o reconhecimento de

direitos dos portadores de doença mental. No que tange a tais direitos, elencamos

como exemplos: o desenvolvimento da antipsiquiatria, em consonância com os

movimentos dos anos de 1960; a inserção no cenário político de movimentos de

trabalhadores da saúde e saúde mental; o avanço das forças de esquerda, na

Itália; e, por fim, a redemocratização e a rearticulação dos movimentos sociais no

Brasil, a partir da metade dos anos 70.

E) Implantação de políticas de bem-estar social e contextos de ênfase aos

direitos sociais, quando foram viabilizados programas e seguros sociais para

segmentos da população considerados dependentes, dentre os quais se incluem

os portadores de transtorno mental. Segundo Rosa (2003), sob o espectro das

mudanças geradas pelo capitalismo nos marcos das políticas keynesianas, a

Psiquiatria altera seu objeto de trabalho e sua prática, passando a implementar

reformas que emergem em diferentes contextos sociais e históricos, bem como

em tradições teóricas diferenciadas. Dessa forma, ganham ênfase os serviços de

saúde mental de base comunitária.

F) Paradoxalmente, as políticas neoliberais acabaram por impulsionar os

processos de desospitalização, na medida em que induziram processos de alta

hospitalar de usuários de instituições psiquiátricas convencionais. Contudo, tal

processo ocorreu sem que fossem propiciadas as condições necessárias para a

garantia de assistência em saúde mental na própria comunidade, configurando-se

um quadro de negligência social que se estendia ao conjunto das políticas sociais

e contribuiu para o aumento da população em situação de rua, inclusive incluindo

um número maior de portadores de transtorno mental nesta parcela da população.

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Como exemplo de políticas de cunho neoliberal que atuaram no sentido do

desmonte profundo da estrutura de proteção social podemos citar as

implementadas pelos governos de Reagan, nos EUA, e de Thatcher, na Inglaterra,

nos anos de 1980.

G) Inovação em Psicofarmacologia (principalmente na década de 1950),

que contribuiu para manutenção e para melhorar o controle dos sintomas mais

agudos dos transtornos mentais.

H) Transformações no âmbito das elaborações da Epistemologia, da

Filosofia, da teoria e da prática nas Ciências Humanas, e, principalmente, nas

críticas aos paradigmas convencionais do campo da “psi”, com ênfase na

Psiquiatria e no poder dos diversos profissionais que compõem a intervenção

nesse campo. No que diz respeito a tais transformações, destacamos as

formulações teórico-críticas, tais como: a Psicanálise; a Psicoterapia Institucional

francesa (com desdobramentos na análise institucional); a antipsiquiatria; a

Sociologia das Profissões; as teorias da normalização e do empowerment; além

das elaborações de autores como Foucault, Goffman, Castel e Basaglia, cujo

debate baseia-se na crítica da “função” do hospital psiquiátrico na sociedade e do

exercício de poder/ saber dentro dessas instituições.

Tais transformações significaram um redimensionamento da compreensão

do transtorno mental como objeto de intervenção, uma vez que subsidiaram e

fortaleceram uma perspectiva que se contrapunha à visão anteriormente

dominante, a qual propunha como medida terapêutica o isolamento em hospícios,

visto como um meio de alcançar a cura, e estava centrada em identificar,

classificar os sintomas e diagnosticar o quadro. A partir das mudanças em curso

naquele momento foram questionadas as estruturas institucionais vigentes à

época e demonstrada a sua ineficácia para alcançar qualquer forma de cura do

transtorno mental.

Segundo Rosa (2003), ocorreu um redimensionamento do saber

psiquiátrico para o saber em saúde mental, e isto se desenvolveu em dois

momentos:

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No primeiro momento, foram reivindicadas transformações nas estruturas

institucionais, por dois motivos: primeiro, em virtude de serem avaliadas como

patológicas e, segundo, pelo fato do transtorno mental passar a ser visto como

subproduto dessa organização. Assim, buscava-se resgatar a humanização, a

democratização e a revitalização dos objetivos e finalidades sociais da instituição.

Desse movimento crítico surgiram as experiências das comunidades terapêuticas

inglesas e a Psicoterapia Institucional francesa.

Segundo Amarante (2000), também no âmbito desse movimento a

Psiquiatria de setor, surgiu nos anos 60, inicialmente na França, onde se

configurou como uma política oficial que visava atuar no âmbito da comunidade de

forma a assegurar o tratamento das doenças mentais por meio do atendimento ao

usuário em seu meio social e cultural, embora tendo como centro o hospital

psiquiátrico. O trabalho em saúde mental era realizado por meio da divisão de

territórios geográficos em setores e da intervenção por equipes de médicos,

enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos. Porém, esta modalidade não teve

muito êxito, pois teve que enfrentar o alto custo da implantação desses serviços

comunitários e a resistência de grupos intelectuais imbuídos de um pensamento

conservador que acreditava numa possível invasão de ruas por loucos.

No contexto de vários problemas graves, dentre os quais se incluem a

Guerra do Vietnã, o uso crescente de drogas pelos jovens, o aparecimento de

gangues de jovens e o movimento betnik, surge nos Estados Unidos (EUA) a

Psiquiatria “preventiva”, a qual, além de ser adotada pelo governo norte-

americano, passa a influenciar as organizações sanitárias internacionais. É

importante mencionarmos que o preventivismo significou um novo projeto de

medicalização da ordem social na expansão dos preceitos médico-psiquiátricos,

sem, contudo, consistir em uma mudança radical na assistência aos usuários

“habituais” do hospital psiquiátrico, os quais permaneceram internados.

O segundo momento, também situado nos anos 60, consiste no

aparecimento da antipsiquiatria inglesa e norte-americana, cujo debate central era

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o saber psiquiátrico como modalidade de controle social7 e o transtorno mental

como um problema social. Nessa perspectiva, a sintomatologia do transtorno

mental era vista como expressão de um comportamento desviante na sociedade e

a internação psiquiátrica seria uma forma social de punição.

Podemos identificar um terceiro momento, paralelo à antipsiquiatria, que é

representado pela Psiquiatria Democrática Italiana, a qual buscava a ruptura com

o saber da Psiquiatria clássica, ampliando o entendimento da loucura, do hospício

e sociedade e tendo como princípio a liberdade terapêutica, o reconhecimento da

existência de sofrimento e da sua complexidade. De acordo com essa visão, a

organização dos serviços de saúde mental está orientada pela concepção de

territórios geográficos e existenciais, ou seja, o território é mais do que espaço

geográfico, é onde ocorre a reinvenção da vida, composta por de uma rede de

relações de conflitos, solidariedade, rejeições e visões de mundo. Portanto,

trabalhar no território não equivale trabalhar na comunidade, mas sim lidar com os

saberes e relações de forças concretas das comunidades, que propõem soluções,

apresentam necessidades e demandas e favorecem a construção de objetivos

comuns.

Segundo Rotelli et al. (2001), o ponto fundamental da atenção à saúde

mental na Itália é a desmontagem do manicômio, com uma mudança na gestão

financeira e administrativa que consiste na reconverção dos recursos existentes

do manicômio, das verbas e dos usuários para a comunidade. A

desinstitucionalização é uma transformação das relações de poder, sendo um

grande processo social, que implica trabalhar a desinstitucionalização das

relações familiares, dos âmbitos sociais, dos lugares de trabalho, dos serviços

sanitários e das instituições de controle social. O objetivo central é a existência

global, complexa e concreta dos sujeitos portadores de transtorno mental. O

trabalho centraliza-se nas relações sociais e ações de ruptura do preconceito e

dos mecanismos de exclusão, visando a concretude da reprodução social do

usuário com liberdade e direitos civis, políticos e sociais. Os profissionais que

trabalham no manicômio são mobilizados para atuarem como os principais atores

7O controle social nesse contexto tem o sentido de controle político e institucional sobre a

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iniciais do processo de desinstitucionalização, pois contribuem diretamente para a

transformação das relações no interior das instituições, bem como para a

reconversão dos recursos.

Para Basaglia (1985), o problema não é tanto a doença mental em si, mas

como se estabelece a relação entre o portador de transtorno mental e a

sociedade. Para o autor, a Psiquiatria, hoje, se conscientiza de que a “abertura” do

manicômio produz uma transformação gradual na forma do doente se colocar no

mundo e em relação à doença, ao passo que a longa hospitalização restringe e

diminui o sujeito portador de transtorno mental à doença. Nesse ponto de vista, ao

transpor os muros do internamento o sujeito entra em uma nova dimensão

emocional e social.

1.2 FRAGMENTOS DO PROCESSO HISTÓRICO DA POLÍTICA DE SAÚDE

MENTAL E DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL

“Assumir uma atitude responsável perante o futuro sem uma compreensão do passado é ter um objetivo sem conhecimento. Compreender o passado sem um comprometimento com futuro é um conhecimento sem objetivo” (LACONTE, s.d, apud, AMARANTE, 2000).

Nesta sessão serão abordados os fragmentos mais significativos da

trajetória histórica da política da saúde mental e do Serviço Social no Brasil,

enfatizamos a emergência do Movimento da Reforma Psiquiátrica em nosso País

e a conformação de novas propostas de trabalho em saúde mental alicerçadas

nas diretrizes do SUS. Seguiremos a construção de Resende (1992), que em seu

trabalho abordou três etapas de atenção em saúde mental: a Psiquiatria empírica,

a Psiquiatria científica e a Psiquiatria de massa. A partir da quarta etapa,

apresentaremos a nossa sistematização, seguindo esta lógica de periodização

para a construção do trabalho. Para a melhor compreensão desta sessão a

organizamos em subtítulos, definidos a partir dos marcos históricos do campo da

saúde mental e do Serviço Social, os quais serão trabalhados separadamente com

população.

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o intuito de preservar e aprofundar as particularidades desses processos

históricos.

A) Colônia e século XIX Psiquiatria empírica- a loucura, o social e

subjetividade na esfera religiosa

O sistema econômico e social da colônia se caracterizava pela produção

basicamente da agricultura e pela extração mineral, bem como pela divisão entre

senhores proprietários de terras, escravos e trabalhadores “livres”. No Brasil

colonial os loucos tinham convívio pacífico, ou seja, ficavam vagando pela cidade,

não constituindo uma ameaça à sociedade. Durante trezentos anos de História

Colonial do Brasil, os loucos tinham certa liberdade. Após esse longo período, a

loucura foi reconhecida socialmente. Contudo, quando ocorreu um aumento

substancial da presença de “vadios” desordeiros nas cidades, o louco acabou por

ser arrastado na rede comum da repressão à desordem, à mendicância e à

ociosidade. Os loucos e seus “companheiros” das ruas da cidade foram enviados

aos estabelecimentos das Santas Casas de Misericórdia, onde ficavam entregues

aos guardas e carcereiros e expostos a diversas situações de maus-tratos. Além

disso, não havia condições de atender a todos nas enfermarias, devido à

crescente demanda de portadores de transtorno mental, e, por isso, acabavam

recolhidos/detidos em prisões. Assim, verificamos que os loucos e pobres eram

tratados como caso de polícia, configurando um processo de criminalização da

loucura e da pobreza. Nessa etapa histórica, o “tratamento” da loucura ficava

centrado no binômio “repressão/caridade”, sem qualquer formulação “cientifica”

que sustentasse.

Nesse primeiro período histórico do hospício a organização ficava sob a

responsabilidade das religiosas, de forma que havia poucos médicos atuando nos

manicômios. As religiosas não tinham um critério claro para justificar as

internações psiquiátricas, e, juntamente com alienados, eram internados também

os órfãos e os criminosos, ou seja, as instituições de caráter asilar efetivamente se

constituíram como local de descarga e ocultamento de todos os casos de

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sofrimento, miséria ou distúrbio social, que demonstravam ser incoerentes,

insolúveis e irredutíveis para sociedade (ROTELLI, et al. 2001).

No “manicômio“ eram utilizadas diversas formas de repressão e controle

(uso de camisa de força, redução na alimentação, privação ou diminuição de

visitas, coerção física e moral) que visavam à “normalização/domesticação” dos

sujeitos internados. Frente à grande demanda e às inúmeras formas de violência,

a partir da proclamação da República a classe médica assume os encargos com a

assistência aos “alienados”, sob o discurso “humanizador” e “científico” da

intervenção na loucura.

B) Século XIX e República - os primeiros passos “científicos” da Psiquiatria

no Brasil

Este período se caracteriza pela ascensão da classe médica, sob os

referenciais de Pinel e Esquirol, e a criação das instituições especializadas na

“cura” da loucura, quais sejam: hospícios e colônias. De acordo com Costa (1989),

por volta de 1830, um grupo de médicos higienistas com um discurso de

sensibilização com a situação de abandono de muitos portadores de transtorno

mental organizou um movimento para a construção de um hospício para atender

os “alienados”. Em 1852, frente à gravidade dessa situação, o imperador Dom

Pedro II inaugurou, na cidade do Rio de Janeiro, o primeiro hospício que tinha

como objetivo oferecer um ambiente higiênico e arejado que pudesse proporcionar

um tratamento moral, baseado nas idéias de Pinel e Esquirol. Os referidos teóricos

defendiam a orientação da função do hospital psiquiátrico com ênfase na

disciplina, na vigilância aos internos e no tratamento moral.

A criação do primeiro hospital dos alienados significou um marco na

assistência psiquiátrica brasileira, pois rompia com a Psiquiatria empirista e

instaurava a Psiquiatria científica, promovendo a ascensão da classe médica

como porta-voz legítimo do Estado. Conforme afirma Ribeiro (1999), após a

criação do primeiro hospício, desencadeou-se o estabelecimento de hospícios em

diversas localidades do Brasil. Além disso, foram construídas colônias agrícolas

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que visavam a abordagem terapêutica por meio do trabalho, ou seja, buscavam

reverter a “vadiagem” e tradicional “moleza” do brasileiro (RESENDE, 1992).

Porém, os loucos não se enquadravam e permaneciam pouco receptivos a este

tipo de “tratamento”.

C) A emergência do Serviço Social na Europa , Estados Unidos e suas as

bases no Brasil

Martinelli (1997), em seu estudo, aborda a estreita vinculação entre saúde

pública e a constituição das práticas do Serviço Social, na Europa. Para a autora,

ao longo do tempo, a higiene e a educação foram se colocando como atividades

complementares da assistência. No final do século XVIII foi criado, em Londres, o

Ministério da Saúde, pois a classe trabalhadora passava por sofríveis condições

de vida que a tornava vulnerável às doenças endêmicas, epidêmicas e

profissionais que grassavam nas vilas operárias. Em 1865, Octavia Hill iniciou um

trabalho de educação familiar e social, sob a influência das experiências

realizadas em Londres na área da Saúde, quando se buscava atenuar os

sofrimentos físicos e sociais da população pobre e doente por meio de visitas

domiciliares. O trabalho pioneiro de Octavia Hill e de seus colaboradores foi

importante referência para a realização de abordagem com as famílias operárias,

tendo contribuído para que o Estado burguês passasse a receber em suas

instituições de saúde o trabalhador social como um membro colaborador para

intervenção com as famílias operárias, antes mesmo do fim da década de 1880.

“O contato direto com família foi valorizado, pois segundo a concepção da

burguesia, os problemas de subsistência e das reivindicações dos trabalhadores

era um problema de caráter” (Ibidem, p.104, grifos nossos).

Segundo Soares, A. (2006) as primeiras intervenções do chamado Serviço

Social psiquiátrico surgiram nos EUA, aproximadamente por volta de 1905,

mesmo antes reconhecimento da profissão na sociedade. O trabalho dos

assistentes sociais “psiquiátricos” se baseava no modelo denominado “after-care”,

destinado a preparar os pacientes psiquiátricos para alta hospitalar.

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Bartlett (1970, p.20, apud SOARES, A., 2006) afirma que havia estreita

relação entre a Psiquiatria e o Serviço Social, enfatizando que essa proximidade

era visível nessas duas áreas mais do que em qualquer outro campo que

envolvesse a prática multiciplinar. Isso se deve ao fato de que a Psiquiatria da

época começou a estudar o paciente em sua situação de vida e, desse modo,

desenvolveu uma nova compreensão da loucura. Nesta nova concepção, com

base teórica na “Higiene Mental”, as relações sociais e familiares ganham

destaque para o entendimento da origem do transtorno mental. Esse novo

entendimento do transtorno mental possibilitou a criação de ações de “prevenção”.

As principais atividades dos assistentes sociais eram coletar dados sociais,

econômicos, hereditários, físicos, familiares, mentais e emocionais, tendo em vista

contribuir na prevenção do transtorno mental na sociedade e nas relações

familiares.

O Serviço Social psiquiátrico ganha um novo impulso “teórico” em 1912,

com as formulações de Mary Jarret, que intensificou estudos sobre a relação entre

os fatores sociais e psiquiátricos na intervenção dos transtornos mentais. O campo

sócio-ocupacional dos assistentes sociais na saúde mental é alargado em 1917,

com inserção dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, por meio de um

trabalho voltado para os soldados de guerra e suas famílias. Neste período houve

um deslocamento da abordagem profissional, que antes estava calcada no

“ambiente social/prevenção” e passava a se voltar para o “ambiente familiar/

inconsciente/moral”.

Conforme nos aponta Vasconcelos (2004), os anos posteriores à I Guerra

mostram a crescente fusão do Serviço Social com a Psiquiatria e o movimento de

higiene mental. Este último centrava-se no poder e na pretensão da Psiquiatria em

regenerar toda a sociedade, tendo como pressuposto a redução do “social”

através da abordagem da eugenia e da psicologia normatizadora e ajustadora dos

comportamentos vistos como “anormais”.

Para Verdès-Leroux (1986), os assistentes sociais, ao reivindicarem a

Psicologia, sob uma nova roupagem das práticas religiosas, não se limitaram

somente a retificar comportamentos, como também projetaram uma representação

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negativa de si mesmos nos trabalhadores. Além disso, sua intervenção fez com

que os sujeitos se reconhecessem como culpados pela situação em que se

encontravam. Sendo assim, todo um segmento da classe operária foi considerado

como anormal, desviante e inadaptado.

A intervenção do Serviço Social sob a influência higienista constitui-se em

uma clara estratégia de hiperpsicologização e individualização normatizadora e

moralizadora da força de trabalho e da população em geral, em consonância com

os interesses do Estado, das elites empresariais, da Igreja Católica e da

corporação médica.

Nos EUA, na década de 40, existiam duas escolas de pensamento do

Serviço Social: a Escola Diagnóstica e a Escola Funcional. A primeira foi fundada

por Gordon Hamilton e Mary Richmond, a qual, em sua elaboração “científico-

social” do “case work”, buscava o fundamento e a legitimidade da profissão tendo

como base a noção de “evidencia social”, que forneceria subsídios para o

diagnóstico social e subsidiaria as intervenções sobre a “personalidade social”,

privilegiando em sua metodologia as visitas domiciliares. Conforme Abreu (2002

p.87, grifos nossos):

As formulações de Mary Richmond, em Diagnóstico Social (1950), revelam elementos substanciais da função pedagógica do assistente social vinculada às estratégias de reforma moral e reintegração social, na medida em que o referido estudo centra-se no aperfeiçoamento de procedimentos e instrumentos pedagógicos – inquérito, observação, entrevista, visita domiciliar e fontes de informações – utilizados no processo de elaboração do diagnóstico sobre situação social e a personalidade do indivíduo considerado necessitado, condição básica para a intervenção – desenvolvimento do processo de “ajuda” psicossocial individualizada, em sentido estrito.

Já a Escola Funcional, fundada por Virgínia Robison, propunha que o

trabalho do assistente social com o “usuário/cliente“ estivesse focado na

problemática dos relacionamentos interpessoais. Assim, visava criar mecanismos

para desarmar as defesas do “usuário/cliente“, de modo a possibilitar o auto-

conhecimento e o desencadear de um processo de mudança, para o qual a

vontade do “usuário/cliente” é um fator fundamental e no qual o assistente social

se insere como um agente facilitador.

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Conforme Vasconcelos, E. (2002), durante a primeira metade do século XX,

nos EUA, com base no treinamento psicológico e social proposto, o assistente

social não poderia ser considerado um profissional completamente subalterno ao

próprio psiquiatra. Além disso, se apresentava ao mundo acadêmico e profissional

como portador de uma metodologia rigorosa, dentro de cânones científicos

legitimados por uma sociedade de tradição empirista, positivista e pragmática.

A influência do movimento higienista ocorre sob o espectro da legitimidade

que visava à afirmação da profissionalização do Serviço Social através da busca

da “cientificidade” da profissão em outras áreas científicas que se apresentavam

mais consolidadas, como a Psiquiatria. Ao mesmo tempo, o Serviço Social almeja

a autonomia “científica” desses campos de conhecimento por meio de tentativa de

estabelecer fios de conexão entre o social e aspectos psicológicos, visando a uma

nova elaboração teórica.

Segundo Iamamoto & Carvalho (2004), a primeira Escola de Serviço Social

do Brasil foi criada em 1936, em São Paulo, e teve como marco oficial o “Curso

Intensivo de Formação para Moças” promovido pelas Cônegas de Santo

Agostinho, para o qual foi convidada Adèle Loneaux, da Escola Católica de

Serviço Social de Bruxelas. Cabe mencionar que esta primeira escola é oriunda do

Centro de Estudos e de Ação Social de São Paulo (CEAS), criado em 1932 como

resultado da condensação sentida por setores da Ação social e Ação Católica, e

integrado por grupos sociais femininos da classe média burguesa e do movimento

católico leigo.

Com relação ao surgimento das escolas de Serviço Social no Brasil,

Vasconcelos, E. (2002) insere outro aspecto importante, considerando que com a

tomada de poder por Vargas são levadas à ascensão as propostas de políticas

sociais higienistas. Segundo o autor, o movimento histórico da profissionalização

do Serviço Social brasileiro é atravessado pela confluência da vertente doutrinária

católica (franco-belga), que já recebera previamente a influência higienista, e pelo

movimento higienista/psicologização (norte-americano), com seus

desdobramentos próprios no Brasil, que se consolidou de modo dominante em

uma prática calcada em abordagens individualistas, com ênfase nos problemas

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psicológicos, principalmente nos anos de 1940. O autor também afirma que a

primeira escola de Serviço Social do Rio de Janeiro teve em seu currículo uma

orientação nitidamente médico/higienista, que permaneceu até meados dos anos

70.

Para Netto (1996), o estatuto da cientificidade do Serviço Social foi

embalado pelo sincretismo e o ecletismo, ou seja, foi conduto de diversas

tendências teóricas (funcionalistas, da psicologia do ego, da Psiquiatria) e também

se caracterizou como uma receptora dos subprodutos das ciências sociais. As

tentativas de “teorização da prática” são frutos do desejo de posicionar-se como

portador de uma teoria particular referente à sua dimensão técnico-operativa. Para

o autor, o exercício profissional expressa,

(...) Não apenas o seu enraizamento na vertente do pensamento conservador que o torna extremamente funcional para conceber e tratar as expressões da questão social como problemas autonomizados, para operar no sentido da psicologização da sociabilidade e para jogar nos vetores da coesão social pelos condutos da “reintegração” dos acometidos sociopatas. (ibidem, p.77).

Segundo Faleiros (2005), Getúlio Vargas8 assume o poder numa nova

correlação de forças, em que emergia a pressão do operariado e das classes

médias, mas ainda era mantido grande poder da Igreja Católica. Nesse momento,

também ocorreram os avanços das pesquisas médico-sociais, psicossociais,

biológicas e sociais, a partir dos trabalhos de Pasteur, Marx, Durkheim, Mendel e

Darwin, entre outros, que abriram caminhos para conhecimentos experimentais e

comportamentais. No plano político, temos as elaborações de Marx, e no plano

psicológico, contamos com as contribuições de Freud (a partir do final do século

passado), ambos questionadores dos fundamentos da sociedade da época.

Porém, predominou no âmbito científico e profissional a biologização do social

aliada a uma profunda influência da moral e da ordem, em relação ao caráter

religioso e conservador. O autor sinaliza que, no contexto econômico, político e

cultural dos anos 30, o Serviço Social enfatizava a moral, a higiene e a ordem. O

8 A intervenção mais maciça do Estado brasileiro na saúde ocorreu a partir de 1930, organizada em dois subsetores: o de Saúde Pública8 e o de Medicina Previdenciária.

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trabalho do assistente social se resumia à regulação das relações de casal por

uma certidão de casamento ou nascimento dos filhos e em evitar as relações

promíscuas, balizados pela ordem moral e social edificadoras da boa família.

D) A Psiquiatria de massa: subordinação e reconhecimento do social (1940-

1964)

Segundo Paulin & Turato (2004), em 1941 foi criado pelo Decreto-lei 3.171

de 24 de abril de 1941 o Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), inserido

na estrutura do Ministério da Educação e Saúde. Nesta época predominavam os

hospitais públicos9, os quais eram responsáveis por 80,7% dos leitos psiquiátricos

do país e exerciam um papel orientador da assistência psiquiátrica, consolidando

a política macro-hospitalar pública como o principal instrumento de intervenção

sobre a loucura. Certamente, contribuiu para este crescimento o estabelecimento

do Decreto-lei 8.550, de três de janeiro de 1946, que autorizava o SNDM a realizar

convênios com os governos estaduais para a construção de hospitais

psiquiátricos.

Em 1956, observamos um movimento pontual, mas importante, de

renovação no campo da saúde mental brasileira, com a criação da Casa das

Palmeiras por Nise da Silveira, Lígia Loureiro, Belah Paes Leme e Maria Estela

Braga. A Casa das Palmeiras objetivava reduzir as reinternações por meio do

estabelecimento de uma ponte entre o hospital e a vida na sociedade. O principal

método de tratamento era a terapêutica ocupacional, tendo como foco a “livre

expressão-artística” e profissionalizante no desenvolvimento das atividades.

(MELO, 2001). O trabalho desenvolvido tinha como base a psicologia junguiana,

que não era muito difundida no Brasil naquela época. Cabe sinalizar que nesse

período foi organizado um grupo de estudos sobre obra de Jung. Conforme relata

o autor,

9 Os famosos asilos — como o Juqueri em São Paulo, o Hospital Nacional dos Alienados no Rio de Janeiro e o São Pedro em Porto Alegre. Havia hospitais privados, como a Casa de Saúde Dr. Eiras no Rio de Janeiro e o Sanatório Recife, criado por Ulisses Pernambucano em 1936, e ambulatórios, que em 1941 resumiam-se a apenas quatro em todo o país, mas incipientes diante da pujança dos hospitais públicos.

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(...) Nise da Silveira era uma estudiosa, principalmente da psicologia de C.G. Jung. No início da década de 1950 adquiriu o livro Psicologia e Alquimia, de Jung (...) e Nise propôs que formassem um grupo de estudos. A eles se juntaram, de início, Lígia Loureiro (assistente social) e Manoel Machado (médico). O primeiro encontro se deu em abril de 1955. (2001, p.21).

Paulin & Turato (2004) apontam que houve mudança no perfil assistencial

psiquiátrico no país a partir do movimento militar de 1964, que buscou romper com

o modelo de poder desenvolvimentista-populista e introduziu uma nova concepção

capitalista-monopolista que teve como uma de suas conseqüências a privatização

de algumas áreas das políticas públicas. Em 1941, o Brasil possuía 62 hospitais

psiquiátricos, sendo 23 públicos (37,1%) e 39 privados (62,9%). Estes últimos,

embora em maior número, representavam apenas 19,3% dos leitos psiquiátricos,

enquanto que os públicos detinham 80,7%. Em 1961, o Brasil já possuía 135

hospitais psiquiátricos, sendo 54 públicos (40%) e 81 privados (60%). Notava-se,

no entanto, um crescimento de 24,9% dos leitos psiquiátricos privados e uma

diminuição de 75,1% dos leitos públicos. Em 1961 a 1981, percebe-se que o

quadro se modificou completamente: em 1981 os hospitais privados eram

responsáveis por 70,6% dos leitos, enquanto os hospitais públicos possuíam

apenas 29,4%.

Amarante (2000) explicita que a partir dos anos de 1960 constitui-se no

Brasil uma verdadeira indústria para o enfrentamento da loucura, que ocasionou o

reforço do poder de corrupção e da perversão no circuito da atenção psiquiátrica,

ou seja, os hospitais conveniados incentivavam a cronicidade das doenças, tendo

em vista i aumento do lucro. Nesses anos, verifica-se uma ampliação assustadora

da população internada em instituições conveniadas, remuneradas pelo poder

público.

Particularmente do fim dos anos de 1960 até o término da década seguinte

amplia-se a rede de leitos em clínicas privadas financiados pelo Governo Federal,

configurando um período marcado pela comercialização da doença mental, em

uma intensidade que não encontra paralelo em outros países (DELGADO, 1992).

Vasconcelos, E. (2002) enfatiza que durante o período militar, com a

repressão aos dispositivos de luta e participação política na sociedade, houve

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pouca visibilidade social do que ocorria dentro dos muros dos hospitais

psiquiátricos. No entanto, a “par dos cemitérios” promovida pela ditadura teve pelo

menos uma exceção durante a sua vigência, expressa pela criação de

comunidades terapêuticas dentro dos hospitais psiquiátricos, possibilidade

efetivada sob a influência de experiências internacionais anteriores e do projeto

pioneiro da Clínica Pinel de Porto Alegre (1960). Essa criação foi marcada por

uma forte atmosfera de otimismo terapêutico e de militância técnica-política

alternativa. Conforme Paulin & Turato (2004, p. 6),

(...) a Clínica Pinel, foi considerada o primeiro modelo assistencial no país influenciado pelos princípios da comunidade terapêutica. Inspirada nos conceitos de seu idealizador, Maxwell Jones, bem como nas experiências da psicoterapia institucional francesa, a proposta das comunidades terapêuticas era viabilizar uma prática alternativa que agisse no interior dos hospitais asilares. Em sua essência, procuravam alterar a lógica do funcionamento manicomial, tornando-se um espaço de recuperação que integrava os pacientes aos familiares, desprovido da hierarquia repressiva das instituições (...).Ainda na década de 1960, David Zimmermann instalou um serviço comunitário na Divisão Melanie Klein do Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre. Propunha restrição da terapêutica medicamentosa, estimulando a terapia ocupacional e a terapia de orientação psicanalítica entre os pacientes internados.

Apesar desta conquista pontual, cabe destacarmos que de modo geral,

nesse período a assistência em saúde mental no Brasil se caraterizou por uma

onda privatista e por uma situação caótica dos hospitais psiquiátricos públicos,

marcados pela superlotação, condições insalubres e maus-tratos aos usuários.

Além disso, podemos considerar que a ênfase do trabalho situava-se nos

aspectos “biológicos” e de medicalização dos sintomas, em detrimento dos

aspectos sociais e subjetivos.

Segundo Bravo (2004), nesse período histórico a saúde se caracteriza por

um modelo assistencial, médico e privatista, ou seja, o Estado estabeleceu vários

convênios com instituições privadas de saúde, sendo o atendimento pontual e

curativo realizado em grandes hospitais e centralizado nos trabalhadores inseridos

no mercado de trabalho.

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E) Os marcos e afirmação do Serviço Social no campo da Saúde mental no

Brasil

De acordo com Bravo (2004), a expansão da profissão de Serviço Social no

Brasil ocorre no período pós-1945, estando relacionada às exigências e

necessidades de aprofundamento do capitalismo no país e da adequação às

mudanças que ocorreram no panorama internacional, em função do término da

Guerra Mundial. Nessa mesma época, aumentava a absorção de assistentes

sociais na saúde, sendo que esse fato estava associado ao “novo” conceito de

saúde, elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948. O referido

conceito enfocava os aspectos biopiscossociais e, por isso, foi determinante para

a requisição de outros profissionais para atuar no campo. Na política de saúde

brasileira, no período de 1950, surgiram as propostas racionalizadoras - “Medicina

integral”, “Medicina preventiva” - e seu desdobramento, a partir dos anos de 1960,

na “Medicina comunitária”, mas que não tiveram repercussões na categoria

profissional que atuava na Área da Saúde. Ou seja, os profissionais mantiveram

sua atuação nos hospitais e ambulatórios, onde o trabalho era voltado aos

serviços básicos de higiene pré-natal, infantil e pré–escolar, à tuberculose, à

verminose e ao laboratório, e a proposta fundamental visava introjetar na

população a educação sanitária.

Segundo Vasconcelos E. (2002), em relação a inserção dos assistentes

sociais no campo da saúde mental, as escolas de Serviço Social do Rio de Janeiro

procuraram introduzir a assimilação desses profissionais via diretoria dos hospitais

psiquiátricos. Em uma visão mais ampla, podemos dizer que o Serviço Social teve

duas frentes principais de trabalho nesse campo: os Centros de Orientação

Infantil e Juvenil e os hospitais psiquiátricos.

Os Centros de Orientação Infantil e Juvenil estavam vinculados ao

Departamento Nacional da Criança, que atendia aos jovens e famílias na

abordagem de tratamento e incluía também iniciativas de prevenção higienista,

tendo obtido prestígio e status em sua prática (VASCONCELOS, E., 2000).

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No trabalho no Centro de Orientação Infantil e Juvenil a família é vista

como fundamental, pois é no meio familiar que “nasce” a neurose e é na infância

que é determinada a estrutura da personalidade do indivíduo (LEPP, 1958). A

Psicanálise freudiana e a Psicologia do ego, que influenciaram as elaborações

teóricas e práticas do Serviço Social neste período, enfatizavam as abordagens

baseadas em “neuróticos/famílias”, objetivando a reforma moral e adaptação

social. Podemos observar que a bagagem teórico/prática do assistente social no

campo da saúde pública e mental é marcada por uma concepção de “higiene da

alma/neurose” que estava em congruência com as propostas teóricas e

institucionais da época. Segundo Lepp (1958), a concepção de “higiene da alma” é

centrada na formação dos pais, educadores, diretores, e chefes de toda ordem. O

principal objetivo era combater preventivamente a neurose, que teria sua origem

nas relações familiares, aparecendo seus ”sintomas” na infância e adolescência

do indivíduo, embora isso não significasse a impossibilidade de emergir em

qualquer idade. As prescrições da higiene da alma não exigiam nenhum

especialista, pois era considerada semelhante à higiene do corpo, que deveria

entrar nos hábitos de todos os dias.

Vasconcelos, E (2000), também afirma que o trabalho do assistente social

no hospital psiquiátrico atendia, também, às muitas e variadas demandas no

varejo dos próprios usuários em relação a seus familiares ou vice-versa,

relacionadas a necessidades imediatas em termos de roupas, contatos, pequenos

recursos sociais e financeiros, etc. O trabalho era situado na porta de entrada e

saída, atendendo prioritariamente as suas demandas por levantamentos de dados

sociais e familiares dos pacientes e/ou contatos com os familiares para

preparação da alta, confecção de atestados sociais e realização de

encaminhamentos, em um tipo semelhante ao after-care psiquiátrico, porém mais

burocratizado e massificado. Nesse sentido, a intervenção profissional se constitui

como subalterna, burocrática, superficial e, em alguns casos, assistencialista.

Frente aos aspectos apontados pelo autor sobre a prática profissional

“subalterna” nos hospícios, é importante problematizá-la, baseando-se em dois

fatores de natureza teórica e institucional:

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1)Teórico: a concepção de loucura hegemônica na formação profissional

apresentava uma visão reduzida dos fenômenos biopsíquicos e sociais,

sustentadas principalmente nos referenciais higienista e funcionalista. Conforme

Abreu (2002, p.89),

um ponto fundamental é a tendência à naturalização da vida social, onde as desigualdades sociais são justificadas como uma condição inerente à pessoa humana. Neste sentido, é exemplar a argumentação de Verdès-Leroux (1982: 72) sobre a proximidade da alquimia ideológica operada pela psicanálise e pela religião, ao imprimirem às relações sociais características da natureza (divina ou inconsciente) nas coisas e por isso mesmo legitimá-las.

2) Institucional: nas práticas nos hospitais psiquiátricos brasileiros ainda

“persistiam” traços do antigo sistema de caridade que atendia a uma população de

camadas “miseráveis” e abandonadas, apesar da ruptura com a “Psiquiatria

empirista” de cunho religioso. Portanto, o trabalho do assistente social absorveu

as antigas práticas religiosas e atividades executadas pelo médico, dentre as

quais: preparação da alta, confecção de atestados sociais e realização de

encaminhamentos. Além disso, agregaram essas atividades às diretrizes

“científicas” da profissão para responder às demandas institucionais/sociais, cujo

discurso aparentemente era de ruptura com as práticas caritativas e repressoras.

O projeto profissional da época apresentou-se em sintonia com a prática

psiquiátrica e com as raízes institucionais religiosas e, nesse sentido, podemos até

ressaltar que foi uma “aliança perfeita”. Para Karsch (1998), nas organizações

médicas os assistentes sociais são ou foram agentes importantes, pois, cada vez

mais, foram substituindo antigas funções do médico. Na medida em que o

especialista reduz seu trabalho profissional ao diagnóstico ou ao ato cirúrgico, e se

apresenta cada vez menos no relacionamento com o paciente, o assistente social

assume essa lacuna e consegue desenvolver nas instituições uma espécie de

poder institucional sobre médicos e os clientes, como, por exemplo, no campo das

chamadas altas sociais.

Diante desses aspectos, acreditamos que o trabalho do assistente social

era “relativamente” “subalterno”, mas mostrou-se extremamente importante no

contexto institucional, contribuindo para desocupação de leitos, dinamizando a

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prática institucional baseado nos “critérios científicos” ditos na época. Na

dimensão “teórica”, o Serviço Social apresentava concepções de homem

(loucura/saúde) e sociedade muito próximas às da Medicina/Psiquiatria.

Caracterizamos esse período do Serviço Social brasileiro no campo da saúde

mental como de busca de racionalização no trato da assistência psiquiátrica da

questão social em interface com a loucura, no qual o trabalho assentou-se no

retorno do “louco“ para sua família e comunidade. Conforme Iamamoto & Carvalho

(2004, p.77),

A questão social não é senão a expressão do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo o reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É na manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre proletariado e a burguesia, a qual passa exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão.

Outro trabalho em saúde mental desse período, ainda que pontual, foi a

Casa das Palmeiras (conforme abordado anteriormente), que contou com

presença marcante de Lígia Loureiro, que foi a assistente social pioneira nesse

novo método de intervenção no âmbito do Serviço Social. Este novo modo de

trabalhar estava balizado em práticas “psicossociais” alicerçadas em outra

concepção de homem, loucura e sociedade. O novo método de abordagem

privilegiava o usuário/louco no seu processo subjetivo e artístico que extrapolava o

lócus da família. Entretanto esse modelo de abordagem “psicossocial” não teve

repercussões no âmbito acadêmico e ocupacional do Serviço Social como um

todo. Conforme nos mostra Vasconcelos, E. (2002), sua influência no Serviço

Social tem sido mais restrita aos profissionais que trabalham no campo da saúde

mental, que durante várias décadas estagiaram nessas oficinas10.

Gentilli (2001) aponta que nos anos de 1950 surgiram as primeiras críticas ao

padrão originário da profissão (atendimento individual e grupal), que foi

compreendido como um conjunto de ações focalistas, assistencialistas, patriarcais

10 Uma questão importante é que até meados dos anos 70 as equipes que trabalhavam nos hospitais psiquiátricos eram formadas somente por psiquiatras, assistentes sociais e enfermeiros. A inserção da Psicologia e Terapia Ocupacional foi tardia. No trabalho desenvolvido na Casa das Palmeiras os profissionais realizavam as atividades de “terapia ocupacional”.

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e imediatistas. Nesse período, emergiram os primeiros sinais de necessidade de

adequação aos novos tempos. As transformações tiveram início na adesão dos

assistentes sociais ao modelo desenvolvimentista, o qual se caraterizava pela

ênfase nas mudanças locais como estratégias para superar o atraso econômico e

a marginalidade sociocultural.

A intervenção deixa de focar e enfatizar a ordem, a moral e a higiene e

passa a ser buscar a articulação da harmonia social na relação Estado-sociedade.

A melhoria das condições de vida, do meio e da comunidade deveria se dar com a

participação dos grupos e líderes ativos, movidos pelo bem comum. Nessa

perspectiva, as propostas de trabalhos comunitários visavam ao

autodesenvolvimento das comunidades por meio de técnicas de ajuda mútua.

Conseqüentemente, no debate profissional surgiu a necessidade de criação de

estratégias que pudessem instrumentalizar a ação profissional para o

enfrentamento de pautas nacionais como democracia, eleições, saúde pública,

educação, imigração, legislação trabalhista, etc.

De uma perspectiva mais ampla, podemos dizer então que no Brasil o

Serviço Social se desenvolve nos marcos do pensamento conservador, como um

estilo de pensar e agir na sociedade capitalista, no bojo de um movimento

reformista e conservador. Esse fio condutor permite à profissão ir evoluindo e

atualizando seus fundamentos científicos e técnico-interventivos, sem

questionamentos que atinjam os pilares da ordem burguesa, alimentando, assim,

um programa de ação de cunho conservador voltado para reformas parciais no

nível dos indivíduos, grupos e comunidades, na defesa da pessoa humana, do seu

desenvolvimento e do bem comum (IAMAMOTO, 2001).

Abreu (2002) coloca que a perspectiva da modernização conservadora é

intensificada a partir dos anos de 1950 e 1960 no continente latino-americano, por

meio do processo que se convencionou chamar de desenvolvimentismo. O

Serviço Social aderiu a essa modalidade com o desenvolvimento de comunidades,

mas sem superar a lógica da “ajuda psicossocial”.

Essa adequação se reflete na reorganização e objetivação do processo de “ajuda”, que passa, assim, a priorizar as conotações da “auto-ajuda” e da “ajuda mútua”, nos processos

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participacionais induzidos no interior das relações comunitárias para integração no processo de desenvolvimento, constituindo formas consideradas privilegiadas de superação do assistencialismo e da dependência econômica (Ibidem, p. 110).

Bravo (2004) indica que houve pouca penetração da ideologia

desenvolvimentista no trabalho do assistente social na saúde. O trabalho do

Serviço Social na saúde ficou concentrado na área hospitalar, cujo método

predominante foi o “Serviço Social de Caso”. Para a autora, este fato ocorreu

devido à profissão ter assumido a “função” de “seleção” e “exclusão” da demanda

pauperizada. Outro aspecto a ser destacado é o fato das visitadoras terem

“assumido” certas atividades que “caberiam” ao Serviço Social realizar no âmbito

da saúde comunitária. Foi somente em 1975 que os assistentes sociais se

integraram às equipes nos Centros de Saúde, já que esses eram compostos por

médicos, enfermeiros e visitadoras.

Consideramos que no período apareceram alguns movimentos

questionadores11 da “categoria psicossocial” tradicional no campo da saúde

mental e coletiva, porém, ainda se mantiveram concepções

funcionalistas/psicologia do ego e higienistas imbricados no conceito de “neurose”

e anomia social, os quais enfatizavam o caráter moral da abordagem profissional

na saúde mental. Os primeiros passos de renovação do Serviço Social no campo

da saúde mental apareceram no fim dos anos 60.

Segundo Netto (1998), o Movimento de Reconceituação teve origem em

1965, configurando um processo que envolveu não apenas os profissionais do

Brasil, mas também de outros países da América Latina. O movimento supracitado

teve como base o debate acerca da funcionalidade profissional na superação do

subdesenvolvimento, abrangendo indagações acerca dos desafios do exercício

profissional frente à questão social e sobre os procedimentos profissionais

relacionados à legitimidade, eficácia e eficiência da profissão. Além disso, houve

inquietações quanto aos novos agentes políticos que emergiam naquele contexto

histórico, ligados às classes subalternas. Para o autor, no pós-1964 ocorreu o

processo de renovação do Serviço Social no Brasil, que esteve ligado à

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reorganização do Estado e às profundas transformações na sociedade efetivadas

no decorrer da autocracia burguesa. Essas mudanças tiveram influência tanto na

prática, quanto na formação profissional. A ampliação do mercado de trabalho

exigiu um redimensionamento do desempenho “tradicional” do Serviço Social, de

modo que sejam ultrapassados os comportamentos baseados em valores

humanistas abstratos e posturas avessas ou alheias à lógica organizacional, e,

assim, se construa uma ação profissional coerente com a centralidade adquirida

pela racionalidade burocrático-administrativa. Neste processo, se constituem três

vertentes, sobre as quais discorreremos nas linhas seguintes.

A primeira vertente, denominada modernizadora, era pautada no

estrutural-funcionalismo. Nessa vertente, apresentavam-se as propostas de

adequação da profissão referentes aos instrumentos, técnicas, formulações para

atendimento técnico-instrumental e tecnologia de planejamento de administração

que possibilitassem a operacionalização nos marcos das estratégias de

desenvolvimento capitalista. Conforme Bravo (2004, p.30),

o Serviço Social na saúde vai receber as influências da modernização conservadora, sedimentando sua ação na prática curativa, principalmente na assistência previdenciária - maior empregador dos profissionais. Foram enfatizadas as técnicas de intervenção, a burocratização das atividades, a psicologização das relações sociais e as concessões de benefícios.

A segunda vertente, camada de reatualização do conservadorismo,

emerge na metade dos anos de 1970, amparada na teoria e nos debates

filosóficos da Fenomenologia e do Existencialismo cristão. Essa perspectiva

enfatiza a dimensão psicologista e a retórica irracionalista da “humanização”, num

sentido abstrato.

Para Vasconcelos, E. (2002), as tentativas de mudança de direção das

orientações teóricas e práticas buscaram subsídios no referencial da

Fenomenologia, mas se constituíram numa apropriação debilitada, sem uma

aproximação mais sistemática com as formulações mais à esquerda do

11 As propostas de desenvolvimento de comunidade e o trabalho do Serviço Social na Casa das Palmeiras.

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movimento fenomenológico. Nessa segunda vertente também aparecem os

funcionalistas modernizadores.

A terceira vertente, intitulada intenção de ruptura, surge em meados dos

anos de 1980, inspirada em fontes marxistas e marxianas, visando romper com a

herança conservadora em suas dimensões teórico-metodológica e técnico-

operativa.

Para Iamamoto (2001), embora o movimento de reconceituação tenha se

gestado na política desenvolvimentista, já no despontar da década de 70

passaram a marcar presença no cenário profissional análises e propostas com

nítida inspiração marxista, abrindo uma fratura com suas próprias produções

iniciais. A descoberta do marxismo pelo Serviço Social latino-americano contribui

para um processo de ruptura teórica e prática com a tradição profissional. Ruptura

esta que foi sendo construída no processo de aprofundamento das premissas do

Movimento de Reconceituação. Os pontos de ruptura podem ser localizados em

dois grandes âmbitos: na crítica marxista do próprio marxismo e do fundamento do

conservadorismo, assim como no redimensionamento das interpretações

históricas da profissão.

Em síntese, nesse período podemos apontar que o conceito de psicossocial

ainda foi orientado pelo viés do funcionalismo ou da fenomenologia, associado à

cultura profissional religiosa e higienista que enfatizava valores universais da

natureza humana, como uma abstração, desconsiderando aspectos sociais,

políticos e culturais como elementos formadores da subjetividade.

É importante ressaltar que a pobreza, a criminalidade, a loucura e as lutas

políticas dos trabalhadores eram consideradas tanto como uma anomia social,

quando relacionados aos grupos, família ou comunidade, quanto como uma

patologia, caso restritos ao âmbito individual. Nessa perspectiva, a sociedade é

vista como um todo harmônico, ao qual os indivíduos deveriam se adequar. Essa

corrente foi dominante até meados dos anos de 1980, quando a corrente Intenção

de Ruptura inaugura uma nova concepção acerca da profissão.

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F) O processo de Reforma Psiquiátrica e a crise da ditadura militar (1970 –

1990)

Nos anos de 1970, o campo da saúde mental apresentou a influência da

Psiquiatria preventiva norte-americana e de instituições como a Organização

Mundial de Saúde (OMS) e a sua subsidiária, Organização Pan-americana de

Saúde (OPAS).

No Rio de Janeiro ocorreram experiências “inovadoras” que foram

realizadas nas seguintes unidades: no Instituto de Psiquiatria Brasileiro, com

trabalhos de praxiterapia, orientados pelo Dr. Luis Cerqueira; a experiência de

comunidade terapêutica da equipe do Dr. Oswaldo Santos, que teve seu início em

clínica particular e no período de 1967 a 1974 foi realizada na Unidade Olavo

Rocha, do Hospital Odilon Galottie, nas enfermarias do Hospital Pinel e iniciada

1969 nas comunidades terapêuticas.

Segundo Paulin & Turato (2004), no Brasil, a crescente influência de

propostas da Europa e, principalmente, dos Estados Unidos12, por meio da

Psiquiatria comunitária, levou ao redirecionamento dos objetivos da Psiquiatria

brasileira. A partir de então, a meta foi a redução do transtorno mental na

comunidade. As propostas preventivistas tornaram-se a referência para os setores

organizados da Psiquiatria brasileira, em contraposição ao modelo hospitalar

privado que se tornara dominante. Em 1970, na cidade de São Paulo, ocorreu o I

Congresso Brasileiro de Psiquiatria, promovido pela Associação Brasileira de

Psiquiatria. Durante o evento, foi lançada a Declaração de Princípios de Saúde

Mental, em que se pôde observar o predomínio dessa corrente de pensamento.

O próprio Ministério da Saúde do Brasil, por intermédio de seu titular, o dr.

Mário Machado Lemos, em outubro de 1972 foi um dos signatários do documento

que se propunha a nortear os rumos da assistência psiquiátrica para o continente.

O documento, denominado Plano Decenal de Saúde para as Américas, foi

elaborado com os demais ministros da saúde de países latino-americanos, em

12

O decreto do presidente John F. Kennedy, em fevereiro de 1963, denominado Community Mental Health Center Act, baseava-se nos conceitos preventivistas lançados pelo professor Gerald Caplan.

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Santiago do Chile. No entanto, a situação da assistência psiquiátrica no Brasil se

apresentava caótica, com mais de sete mil doentes internados sem cama e

hospitais psiquiátricos sem especialistas. Chegava há sete meses o tempo médio

de permanência de casos agudos em hospitais. O índice de mortalidade nas

colônias de doentes crônicos era seis vezes maior que nos hospitais para doenças

crônicas de outras especialidades. Neste sentido, foi necessária uma atitude por

parte dos órgãos competentes, pois a política de priorização da compra de

serviços dos hospitais privados levou a um déficit financeiro, o qual obrigou a

Previdência Social a buscar soluções saneadoras para melhor utilização da rede

pública e modernização de suas unidades. Em 1968 foi criado, no então estado da

Guanabara, a Comissão Permanente para Assuntos Psiquiátricos, cujo objetivo

maior era estudar as dificuldades da assistência psiquiátrica no estado. A

comissão formada por profissionais, entre eles Luiz Cerqueira, fez uma minuciosa

análise sobre as condições da assistência psiquiátrica, visando a racionalização e

a melhoria da qualidade dos serviços. O relatório do grupo de trabalho, aprovado

em 1970 e publicado no ano seguinte, apresentou um retrato fiel da situação em

que se encontrava a assistência psiquiátrica local, com o setor ambulatorial

totalmente deturpado, funcionando principalmente como encaminhador de laudos

para internação, e o hospital se consagrando como o grande e único agente

terapêutico “eficaz”. Além do levantamento, a comissão indicou propostas de

melhoria da assistência, lançando mão de pressupostos básicos da Psiquiatria

comunitária norte-americana.

O trabalho desenvolvido pela equipe de profissionais repercutiu

intensamente, de tal forma que, em 1971, praticamente a mesma comissão foi

convidada pela Secretaria de Assistência Médica do INPS para estudar, em

âmbito nacional, as bases de uma reformulação da assistência psiquiátrica.

Estavam lançados os princípios que viriam, dois anos depois, consagrar a

orientação da Psiquiatria comunitária no Brasil: o Manual de Serviço para a

Assistência Psiquiátrica. Aprovado em 19 de julho de 1973 pela Secretaria de

Assistência Médica do INPS, o manual privilegiava a assistência psiquiátrica

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oferecida sempre que possível na comunidade, com uso de recursos extra-

hospitalares.

O marco histórico de mobilização por transformações na política de saúde

mental ocorre em 1978, com o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental

(MTSM), conjuntamente à reemergência dos principais movimentos sociais do

país, após um longo período de repressão imposta pelo regime militar, que

inviabilizava, até aquele momento, a expressão política da sociedade civil

(VASCONCELOS, E., 2002; AMARANTE, 2000).

O MTSM teve como estopim o episódio da “Crise da DINSAM” (Divisão

Nacional de Saúde Mental), órgão do Ministério da Saúde responsável pela

formulação das políticas do sub-setor de saúde mental, composta por profissionais

de quatro unidades (Centro Psiquiátrico Pedro II, Hospital Pinel, Colônia Juliano

Moreira e Manicômio Judiciário Heitor Carrilho), que deflagraram uma greve em

1978. Em Belo Horizonte, nesse mesmo período, com a visita de Basaglia ao

Centro Hospitalar de Barbacena foram desencadeadas várias denúncias da

Psiquiatria pública e privada, mobilizando a sociedade civil e a imprensa, na busca

de alternativas para a situação. Segundo Vasconcelos, E. (2002, p. 24) os

principais objetivos da plataforma do MTSM eram:

1. não criação de novos leitos em hospitais psiquiátricos especializados e

redução onde possível e/ou necessário;

2. regionalização das ações em saúde mental, integrando setores internos

dos hospitais psiquiátricos ou hospitais específicos, com serviços

ambulatoriais em áreas geográficas de referência;

3. controle das internações na rede conveniada de hospitais psiquiátricos

privados, via centralização das emissões de AHI (Ações Hospitalares

Integradas) nos serviços de emergência do setor público;

4. expansão da rede ambulatorial em saúde, com equipes multiprofissionais

de saúde mental, compostas basicamente por psiquiatras, psicólogos e

assistentes sociais e, às vezes, também por enfermeiros, terapeutas

ocupacionais e fonoaudiólogos;

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5. humanização e processos de reinserção social dentro dos asilos estatais,

também com equipes multiprofissionais.

O MTSM realizou diversas denúncias sobre a situação dos internos dos

grandes asilos e a privatização e mercantilização da assistência na rede de hospitais

conveniados, bem como formulou reivindicações de humanização dos hospitais.

O início dos anos de 1980 foi marcado pela conquista dos setores

progressistas. Em Porto Alegre, no ano de 1984, no Hospital Psiquiátrico São

Pedro – HPSP, a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul criou a Residência

em Psiquiatria e Estágio Especializado em Saúde Mental, que contava com a

presença de diversos profissionais. Atualmente, após reformulações, passa a ser

denominada Residência Integrada em Saúde Mental Coletiva – RISMC; trata-se

de uma Residência Integrada em Saúde por estabelecer a correlação dos

Programas de Residência Médica com os Programas de Aperfeiçoamento

Especializado e a integração entre trabalho e educação de diferentes profissões

que se constituem como Equipe de Saúde, entre ensino, serviço e gestão do SUS

(BELLINI, et.al, 2004).

No Rio de Janeiro o processo de co-gestão entre o Ministério da Saúde e o

Ministério da Previdência para administração dos hospitais públicos proporcionou

a abertura de espaço político para atuação das lideranças do MTSM, permitindo

processos de reforma e humanização dos hospitais psiquiátricos públicos, que

foram base da criação do Plano CONASP. No período de 1982-1983 ocorreu a

implementação gradual em todo o país do modelo sanitarista por meio das

chamadas Ações Integradas de Saúde (AIS), que, posteriormente, desaguaram no

SUS, consagrado na I Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e na

Constituição Federal de 1988. Em 1987, aconteceu a I Conferência Nacional de

Saúde Mental. Um grupo de liderança do MTSM não ligado diretamente à gestão

avaliou que o movimento estava se restringindo à ação na esfera

intragovernamental e com traços fortemente corporativos. Frente a essa situação,

no mesmo ano foi convocado o II Congresso Nacional dos Trabalhadores de

Saúde Mental. Desse Congresso surgiu o “Movimento de Luta Antimanicomial”,

que adotou como palavra de ordem: “Por uma sociedade sem manicômios”.

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Segundo Lobosque (2000), o “Movimento de Luta Antimanicomial” visava a

desconstrução dos muros literais ou simbólicos, com os quais a técnica assumiu o

mandato de exclusão da loucura do contexto social.

Vasconcelos, E. (1992) avalia que no início do movimento a adoção de uma

palavra de ordem negativa, sozinha, poderia ter efeitos negativos e adversos,

tanto políticos quanto sociais. Dessa forma, entre alguns desses aspectos temos:

1. Recaírem em uma concepção espacial de poder psiquiátrico, segundo a

qual a eliminação daquele local seria equivalente a sua superação;

2. Obscurecer o direito do usuário a um local apropriado de refúgio nos

períodos de sofrimento psíquico e do direito da família à co-

responsabilidade pública, com cuidado e tratamento de seu membro

portador de problemas mentais;

3. A possibilidade de negligência social em programas de

desinstitucionalização no Brasil, pois poderia ocorrer a não diferenciação da

posição política do movimento e de políticos neoliberais interessados na

mera desospitalização, com vistas ao enxugamento do Estado e/ou ao

sucateamento das políticas sociais estatais com objetivo de privatizá-las

posteriormente.

Os programas de Reforma Psiquiátrica no País tiveram uma forte influência

da Psiquiatria Preventiva norte-americana no início dos anos de 1980, sendo que

a assistência ambulatorial apontada como uma alternativa ao modelo hospitalar,

oferecendo um acompanhamento periódico aos pacientes saídos da internação,

passou por um processo de sucateamento e acabou por constituir-se, de fato, em

mais um mecanismo de cronificação. Segundo Delgado (1992), mesmo

apresentando uma clientela composta por pacientes graves, havia grandes filas de

espera, consultas de curta duração, limitadas à administração de fármacos, com

grandes intervalos para remarcação e restritas a uma única especialidade

profissional.

A noção de desinstitucionalização emerge com maior evidência na segunda

metade dos anos de 1980 e se insere num contexto político de grande importância

para a sociedade brasileira. Em 1989, foi lançado o Projeto de Lei 3657, de autoria

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do Dep. Paulo Delgado, pela qual se propunha a não expansão de novos leitos em

hospitais psiquiátricos e a substituição desses por serviços intermediários na

comunidade, além de medidas rigorosas de controle de internação involuntária.

Nesse mesmo ano foi criado o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS), em

Santos, inspirado na experiência de Trieste (Itália), que oferecia um serviço que

funcionava 24 horas por dia, nos sete dias da semana, ao mesmo tempo em que

era fechada a Clínica Anchieta, o único hospital psiquiátrico da cidade. Esse

mesmo processo foi adotado na capital São de Paulo, no primeiro serviço

chamado de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e que, posteriormente, foi

difundido pelo resto do Brasil.

Para Amarante (1997), o CAPS e o NAPS têm propostas políticas e teóricas

diferenciadas. O CAPS era um serviço intermediário e alternativo paralelo ao

sistema manicomial, já o NAPS se constitui um serviço substutivo, tendo como

fundamento a desconstrução do sistema anterior. No decorrer da década de 1980,

com o entusiasmo pela reconstrução democrática do país e a crescente influência

da perspectiva basagliana na América do Sul, foi organizada a Conferência

Regional para Reorientação da Assistência Psiquiátrica no Continente, realizada

em Caracas, em 1990. Nessa conferência foi elaborada a “Declaração de

Caracas”, que buscava promover mudanças radicais na assistência em saúde

mental no continente.

F) O Serviço Social e as transformações do campo da saúde mental

Em 1972, a Coordenação Nacional de Serviço Social definiu um plano

básico de ação, que continuava norteando o trabalho naquele período. Em 1973,

foi sancionada uma portaria pela qual se exigia o aumento de profissionais da

saúde nos hospitais, incluindo os assistentes sociais. O Programa de Proteção e

Recuperação da Saúde teve complementações por meio de especificações da

intervenção profissional em algumas clínicas e na assistência psiquiátrica, em

1976, e da ação do Serviço Social na saúde mental, em 1977. Para Bravo, o

avanço nesse período ocorreu em 1975, quando foi estipulada a inserção dos

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assistentes sociais nas ações de saúde, no âmbito comunitário. Porém, houve um

número reduzido de profissionais interessados nesse espaço, prevalecendo o

trabalho na lógica “curativo-hospitalar”.

Bisneto (2005) afirma que nesse período (1973) foi colocada a demanda de

Serviço Social em saúde mental pelo Estado, via MPAS-INAMPS-INPS, o que

forneceu as bases de legitimidade e consolidação, a partir de demandas concretas

no sentido da prestação de benefícios sociais, cidadania, direitos dos usuários, de

reabilitação social.

A nosso ver, porém, as bases de legitimidade são anteriores a esse

processo e a inserção “maciça” de assistentes sociais nesse campo expressa dois

aspectos: de um lado, a luta e conquista política da categoria profissional, pautada

no reconhecimento do processo histórico de intervenção nesse campo e, por outro

lado, uma conjuntura sócio-política em que o Estado visa “racionalizar” os custos

da atenção à saúde e estabelecer formas de uma gestão menos caótica dos

aspectos sociais associados à internação. Além disso, desde o início dos anos 70

há articulações de profissionais de saúde da esquerda, que penetraram no

aparelho do Estado, particularmente no Ministério da Saúde, promovendo medidas

modernizadoras e mais eficazes do ponto de vista da saúde pública. A ação

destes profissionais se expressará mais tarde, em planos como o Plano Integrado

de Saúde Mental (PISAM), de 1978, que visava à descentralização da abordagem

da questão da saúde mental na rede ambulatorial em saúde, bem como, em 1980,

no Rio de Janeiro, o processo de co-gestão entre o Ministério da Saúde e o

Ministério da Previdência para administração dos hospitais públicos,

proporcionando a abertura de espaço político para atuação das lideranças do

MTSM e permitindo processos de reforma e humanização dos hospitais

psiquiátricos públicos, o que foi a base da criação do Plano CONASP, em 1982.

Estas medidas refletem um processo político mais amplo no contexto da

ditadura militar. A partir de 1974, o bloco do poder, por não ter conseguido

consolidar sua hegemonia, ao longo de dez anos, modificou gradativamente sua

relação com a sociedade civil, na chamada estratégia da “distensão política”: a

política de saúde, nesse período, enfrentou permanente tensão entre os

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interesses dos setores estatal e empresarial e a emergência do movimento

sanitário (BRAVO, 2004) e da reforma psiquiátrica. O Movimento da Reforma

Sanitária e o Movimento da Reforma Psiquiátrica surgem de forma mais explícita

em 1978, com propostas de fortalecimento do setor público em detrimento do

setor privado.

Para Bravo (2004), apesar do processo organizativo da categoria, do

aparecimento de outras direções para a profissão, do aprofundamento teórico dos

docentes e do movimento geral da sociedade, no campo da saúde, o Serviço

Social não alterou suas “bases” da vertente modernizadora, ou seja, o trabalho

profissional continuou orientado por esta vertente e as produções teóricas, apesar

de restritas na área, também continuaram com essa direção. A autora sinaliza

que, no campo profissional, a vertente de intenção de ruptura (sob a orientação

marxista e marxiana) se consolida, no meio acadêmico, na década de 1980, a

partir das modificações advindas da transição democrática, mas apresentou pouca

influência sobre esse campo.

No Rio de Janeiro, a assistente social Leda Oliveira, que viveu a

experiência da comunidade terapêutica coordenada pelo Drº Oswaldo Santos,

assumiu em 1978 a Coordenação de Serviço Social da Divisão de Nacional Saúde

Mental (DINSAM) do Ministério da Saúde. Leda Oliveira teve um papel

fundamental na divulgação da abordagem de comunidade terapêutica em saúde

mental entre assistentes sociais e estagiários de Serviço Social. Suas propostas

se baseavam na tentativa de romper com o “modelo de entrada e saída”, trazendo

para o debate profissional a necessidade de maior compromisso político e

militância no campo, questionamento da divisão clássica de trabalho, introduzindo

o debate de interdisciplinariedade, intervenção social mais complexa junto aos

familiares por meio de grupos regulares, acolhimento e processo de reinserção na

família e na comunidade.

Do ponto de vista de Bravo (1996), as ações dos assistentes sociais na

área da saúde eram fragmentadas em diversas instituições e não existia uma

coordenação geral. Segundo a autora, o único grupo que continuou se destacando

era o que estava vinculado ao Departamento Nacional da Criança, no Centro de

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Orientação Juvenil, de orientação psicanalítica e sistêmica. Alguns dos assistentes

sociais ligados a esse trabalho dedicaram-se à atividade liberal, abrindo

consultórios com outros profissionais, centralizando sua ação na terapia de

família. Outro trabalho que conseguiu ascensão foi o vinculado ao Ministério da

Saúde, nos hospitais psiquiátricos, os quais estavam ligados às comunidades

terapêuticas, em que o Serviço Social realizava grupos operativos e terapia de

família, junto com outros membros da equipe. No Ministério da Previdência havia

uma coordenação de Serviço Social, em nível nacional, que defendia princípios

norteadores dessa ação.

Frente ao debate dos autores Vasconcelos, E. (2002) no campo da saúde

mental, e Bravo (1996), do Serviço Social em saúde, é importante refletirmos o

significado histórico da “categoria psicossocial”, para que possamos identificar os

processos de continuidade e ruptura com a concepção de homem/subjetividade

nela intrínseca.

Vasconcelos, E. (2000) coloca que, naquele período histórico, as

comunidades terapêuticas eram consideradas altamente progressistas na prática

profissional em saúde mental, sendo consideradas um avanço por promoverem

algumas rupturas com as concepções funcionalistas de ajuda psicossocial. A base

desse trabalho era a humanização das relações institucionais, enfatizando a

mudança da situação dos usuários no contexto dos criticados mecanismos de

“mortificação” da instituição psiquiátrica tradicional, e a criação de dispositivos

democráticos, mas não sem enfrentar e propor rupturas com as bases fundantes

da problemática da loucura na sociedade. A abordagem da “categoria

psicossocial”, nesse momento histórico, começa a sofrer transformações no

campo da saúde mental, trazendo consigo reflexões sobre as práticas

profissionais exercidas na instituição psiquiátrica e a necessidade de mudanças na

dinâmica institucional, reconhecendo seu papel histórico como um dispositivo

autoritário e arbitrário que levou à atrofia da autonomia e da criatividade dos

sujeitos em suas relações sociais e interpessoais.

Em contraponto, a perspectiva de Bravo (1996), ao relatar a situação do

Serviço Social na saúde coletiva e mental, evidencia a continuidade do padrão

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modernizador/conservador. Portanto, a “categoria psicossocial” continuava sob

antiga orientação da psicologização das relações sociais. Concordamos com a

afirmação da autora ao referir-se ao trabalho desenvolvido pelos assistentes

sociais do Departamento Nacional da Criança, no Centro de Orientação Juvenil13.

Entretanto, não podemos caracterizar da mesma forma o Serviço Social que

atuava nos hospitais psiquiátricos na perspectiva da comunidade terapêutica, pois,

em nosso entendimento, as comunidades terapêuticas proporcionaram um

significativo enriquecimento nas intervenções profissionais, no sentido de

extrapolarem a demanda burocrático-rotineira dos hospitais psiquiátricos (triagem,

alta e encaminhamento para recursos) e de propor ações em prol dos usuários e

familiares contra a dinâmica institucional perversa imposta nos serviços de saúde

mental.

Vasconcelos, E. (2002) identificou, no início dos anos de 1980, no Rio de

Janeiro, a consolidação do autodenominado “Serviço Social psiquiátrico”, que foi

produto da combinação da tradição do Serviço Social clínico, do modelo de “porta

de entrada e saída“, com influência da Psiquiatria social de Leme Lopes

(principalmente no trabalho em grupo com famílias), de Luís Cerqueira (entrada

particularmente nas atividades de praxiterapia) e das terapias de família de cunho

sistêmico. Paralelamente, já vinha ocorrendo a difusão da comunidade terapêutica

desde os anos de 1970, mas somente entre 1977 e 1981 essas influências são

sistematizadas no Curso de Especialização em Serviço Social Psiquiátrico do

Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Um itinerário semelhante a essa tradição do

Serviço Social clínico, foi traçado pelo curso de graduação da PUC-RJ, com uma

ênfase maior nas abordagens do Serviço Social Clínico e da Fenomenologia. A

influência do Serviço Social Clínico foi bastante reduzida após a consolidação do

Movimento de Reconceituação/intenção de ruptura.

Concomitantemente a esses avanços, a área da saúde mental também vai

receber gradualmente os questionamentos internos quanto à formação dos

assistentes sociais e quanto ao projeto ético-político da profissão, os quais desde

13 Esta vertente é orientadora da tendência do Serviço Social Clínico, atualmente.

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os anos 80 têm como preocupação central a análise do significado social da

profissão no processo de reprodução das relações sociais (IAMAMOTO, 2001).

Nos anos 80, a concepção de subjetividade/homem, explicitada no Código

de Ética de 1986, enfatizava seu caráter restrito à classe social, tendo em vista o

elemento fundador da subjetividade e desconsiderando as questões universais. O

conceito de sociedade latente nesse modelo marxista é “enviesado”, ressaltando o

caráter economicista e politicista.

A categoria psicossocial imbricada no conceito de homem/sociedade “deu

lugar” a uma nova concepção de homem restrita à classe social. Para Barroco

(2004), o Código de Ética de 1986, expressou uma defasagem que o Serviço

Social recebeu do marxismo, pois, naquele período, a profissão não tinha

conhecimentos filosóficos marxistas acerca da Ontologia Social. Para a autora, a

história do marxismo no Serviço Social é marcada por uma insuficiência na

produção ética e por uma crítica à Filosofia, que levaram a rebatimentos no debate

no Serviço Social, resultando em uma visão restrita da concepção de homem, que

será superada no Código de Ética de 1993. Tal superação ocorre a partir da

Ontologia Social marxiana, que possibilitou superar a problemática anterior

instaurada no Serviço Social, ligada à ausência de uma concepção de homem no

interior do pensamento de Marx, permitindo, assim, tratar da universalidade dos

valores e do homem de forma crítica, histórica, sob uma visão de totalidade.

Em uma visão mais ampliada, podemos dizer que, no período de 1964-

1993 observamos que o debate sobre a categoria “psicossocial” foi “morrendo” no

âmbito acadêmico. Entretanto, esse fato não ocorreu no campo da saúde mental e

da saúde coletiva, que, ao contrário, obtiveram avanços. É significativo entender

que essas ênfases de visões de homem/subjetividade ainda se fazem presentes

no campo profissional. No âmbito acadêmico, acreditamos que o Código de Ética

de 1993 expressa um amadurecimento teórico e ético acerca do entendimento

ontológico de homem e suas relações com a sociedade.

Compreendemos que esse período foi emblemático para a construção de

um “novo” “perfil“ profissional, pois se mudou toda a estrutura da formação,

proporcionando um novo modo de pensar e agir no cotidiano do trabalho.

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Entretanto, nos parece haver um descompasso entre a construção do novo perfil

profissional e as novas configurações do campo da Saúde mental. Principalmente

no que diz respeito às mutações na categoria “psicossocial”.

G) Implementação da Reforma Psiquiátrica na tempestade neoliberal:

buscando a temperança entre o social e subjetividade (1990 até dias atuais)

O início dos anos de 1990, em relação ao campo da saúde mental, foi

marcado pela dominação da inspiração teórica basagliana e da experiência

italiana; pelo papel central das lideranças brasileiras do movimento da Reforma

Psiquiátrica na articulação do encontro e de seu documento, a Declaração de

Caracas, e pela realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1992,

que desencadeou, logo em seguida, as primeiras normas federais,

regulamentando a implantação de serviços de atenção diária e as primeiras

normas de fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos no país. No

período pós-1992, ocorreu o lançamento de diversas portarias ministeriais e

medidas concretas de administração dos serviços de saúde mental, com o

financiamento estatal para novos serviços substitutivos ao hospital especializado

convencional, como os centros e núcleos de atenção psicossocial, hospitais-dia,

oficinas terapêuticas e laborativas, centros de convivência, etc.

Segundo Amarante et al. (2000), a partir de 1992, apareceram as primeiras

normas legislativas da Reforma Psiquiátrica, aprovada nos cinco Estados que

demonstram uma função fundamental na reestruturação da atenção em saúde

mental, quais sejam: Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Ceará, Pernambuco e

Minas Gerais. O autor também coloca que a Organização Mundial de Saúde

(OMS) aspira, de fato, uma atenção integrada dos serviços de saúde mental com

ênfase na prevenção e na participação ativa da comunidade.

Conforme Vasconcelos, E. (2004), houve um desenvolvimento

particularmente intenso de dispositivos legais até meados de 1996, período em

que o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) substituiu o então Ministro da

Saúde (Senador Adib Jatene), ocasionando um desestímulo político e econômico

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em novos projetos inovadores. Isso implicou em vários anos de estagnação, no

plano federal, de avanço das iniciativas no sentido da Reforma Sanitária, da

implantação do SUS e do processo de Reforma Psiquiátrica no país.

Alguns avanços se consolidaram somente em nível estadual e municipal,

pela atuação mais comprometida de coordenações de programas estaduais,

regionais e municipais de saúde mental, ou por pequenas iniciativas, serviços e

associações de usuários e familiares. O movimento de Reforma Psiquiátrica e da

luta antimanicomial só consegue reocupar seu espaço político dentro do Ministério

a partir da entrada do ministro da saúde José Serra, em 1999.

Nesse período ocorreram avanços significativos na legislação federal:

Em 1999, foi aprovada a lei sobre as cooperativas sociais, para inclusão no

trabalho de indivíduos dependentes;

No ano 2000, a portaria do Ministério da Saúde sobre serviços residenciais

terapêuticos;

Em 2002, a aprovação final da Lei Psiquiátrica 10.216, de 06/04/2001 e a

regulamentação, bem como a reatualização de várias portarias anteriores sobre

serviços substitutivos;

A partir de 2004 houve o lançamento e a realização do Programa Nacional

de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH), que vistoriou todos os

hospitais psiquiátricos e estabeleceu novos e mais exigentes critérios de qualidade

da assistência, em paralelo a um processo de intervenção local em vários

hospitais psiquiátricos particulares, visando a diminuição do número de leitos

convencionais.

Em contrapartida e em paralelo a esse movimento, temos um

reordenamento das relações de produção capitalistas e a refuncionalização do

Estado, por meio de três movimentos inter-relacionados: a mundialização da

economia, a reestruturação produtiva e o ajuste neoliberal em nosso país. Tal

processo consiste em uma reação burguesa à crise do capitalismo verificada a

partir do final dos anos de 1970, que desencadeia uma busca pela retomada da

lucratividade, conforme sinaliza Behring (2001, p.109),

Como resposta à queda das taxas de lucro na década de 70, os anos 80 são marcados por uma ofensiva revolução tecnológica (...)

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em busca do diferencial da produtividade do trabalho como fonte de super lucros – pela mundialização da economia e pelo ajuste neoliberal.

Segundo Soares, L. (2002), o ajuste neoliberal no Brasil teve início com a

eleição de Collor e foi aprofundado com Fernando Henrique Cardoso (FHC), a

partir do lançamento do Plano Real, ainda quando este era ministro da economia

do Governo Itamar Franco, e, posteriormente, nos dois mandatos do Governo

Cardoso que se sucederam. O ajuste neoliberal não tem somente uma dimensão

econômica, mas uma redefinição do campo político-institucional e das relações

sociais. Ou seja, nessa perspectiva, a pobreza passa para uma nova categoria

classificatória, sendo o centro das políticas assistenciais focalizadas. Em relação

às políticas sociais universais existentes (previdência social, saúde, educação

básica), que nos países capitalistas periféricos já se constituíam precárias,

evidencia-se o seu desmonte, o que vem agravando consideravelmente as

condições sociais, na medida em que cresce o desemprego e os serviços e

políticas sociais públicos não atendem toda a demanda em virtude do

sucateamento e desfinanciamento a que vem sendo submetidos. Segundo Laurell

(1995), os objetivos neoliberais são: remercantilizar os bens sociais, reduzir o

gasto social público e suprimir a noção de direitos sociais.

Para Merhy (1997), as políticas de ajuste neoliberal apresentam

implicações no campo da saúde nos processos de re-ordenamento das práticas

de gestão. As atuais políticas de ajuste colocadas em prática se fazem

acompanhar:

1. Por um processo de desmonte de vários mecanismos estatais que

mediam e controlam o conjunto das práticas gerenciais e administrativas das

instituições públicas;

2. Pela quebra dos mecanismos de controle mais centralizados e

tradicionais que existem no interior dos serviços, fomentando atos voluntários de

alguns atores institucionais, como corporações profissionais, ou mesmo atos

isolados de grupos de interesses que atuam em beneficio próprio, como corruptos

e oportunistas;

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3. pelo poderoso imaginário instituinte, pautado na importância da lógica

do mercado, que incentiva a privatização do espaço público e que acarreta

deslegitimação de direitos sociais e coletivos.

4. pela prática institucional nos serviços de saúde, marcada pela

fragmentação do processo de trabalho, pelo descompromisso e alienação do

conjunto dos trabalhadores na produção e nos resultados, o que atinge o principal

núcleo no cotidiano institucional que constrói o modo de operar com necessidades

em saúde, ou seja, a gestão do processo de trabalho.

Para esse autor (2002), o trabalho em saúde tem sofrido influências das

organizações produtivas hegemônicas e das mudanças tecnológicas, na

passagem da modelagem do tipo da Medicina tecnológica, que se assemelha em

parte aos processos produtivos fabris, mas que, entretanto, não tem as mesmas

características típicas da indústria, pois se localiza no terreno dos serviços. A

transição tecnológica que se vem construindo no campo da saúde é provocada

pela presença do capital financeiro que busca atingir o trabalho vivo em ato na sua

capacidade de produzir saúde. A reestruturação produtiva se expressa pela

aparição do que se chamou de “atenção gerenciada”, que cria uma gestão

competitiva em torno da noção de clientela e gerenciamento do cuidado pautado

na racionalidade instrumental.

Apesar das políticas neoliberais de ajuste do Estado e do crescimento

expressivo do setor privado, os serviços de saúde e educação continuam

crescendo em número de profissionais da área. Segundo Machado & Oliveira

(2006), o setor de saúde tem um caráter cumulativo e não substitutivo da mão-de-

obra, ou seja, quanto mais tecnologia se emprega no campo, mais se absorve

mão-de-obra especializada, sem necessariamente dispensar as equipes

existentes. Um exemplo desse fato é a crescente incorporação de profissionais

com especializações diversas, com aparecimento de novas profissões e

ocupações, compondo a equipe de saúde, como também, de novos equipamentos

médicos que acabam requisitando profissionais altamente especializados não só

para operá-los estes como para fazer a devida correlação entre o ato profissional

e o tecnológico. Para as autoras, a natureza das atividades e dos serviços

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prestados no setor de saúde faz com que este absorva um contingente

significativo de profissionais. Conforme Amarante (2000, p.13),

Atualmente, a Organização Mundial de Saúde revela que o Brasil é o país onde se está realizando o mais importante passo à frente deste quadro de mudanças. Que em menos de três anos, o número de hospitais psiquiátricos foi reduzido em 8%, enquanto o número de leitos em hospitais psiquiátricos foi reduzido em 6%. Foram criados 2.156 leitos para atendimento psiquiátrico em 139 hospitais gerais e 3.500 vagas em hospitais–dia, Núcleo e Centros de Atenção Psicossocial. O custo com internações hospitalares baixou e melhorou as condições de funcionamento.

O movimento da Reforma Psiquiátrica e o movimento da Reforma Sanitária

expressam um avanço na formulação e na sua implementação na política de

saúde no Brasil. Porém, estão na contra-corrente das propostas neoliberais de

desmonte do Estado. Isso significa que são muitos os desafios para sua

concretização, já que a realidade social, política, cultural e econômica do país

impõem limites para sua consolidação.

Vasconcelos, E. (2002, grifos nossos) indica que um dos paradoxos mais

fundamentais no campo das políticas sociais e das conquistas da cidadania é a

conjuntura mundial de hegemonia neoliberal que é marcada pelo empobrecimento

e desemprego de vastas massas populacionais. O campo da saúde mental é

fortemente marcado por esse dilema que articula, de forma complexa, as

conquistas no campo social e no campo psicossocial com o desenvolvimento de

processos de subjetivação que buscam a autonomia e a reinvenção da

sociabilidade, trabalho, moradia, lazer, educação, etc. Porém, nos países latino-

americanos e no Brasil, as reivindicações emancipatórias no campo da

subjetividade se combinam necessariamente com lutas por garantias mínimas de

cidadania social que nunca foram conquistadas pela população.

H) O Projeto Ético–político e a Reforma Psiquiátrica no Brasil

Paralelamente ao avanço do Movimento da Reforma Psiquiátrica, o Serviço

Social inaugura o seu Projeto Ético–político profissional, presente no Código de

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Ética de 1993, o qual traz consigo uma concepção mais clara de homem/mundo.

Os princípios e valores humanistas, guias do exercício profissional, são:

- O reconhecimento da liberdade como valor ético central, que requer o

reconhecimento da autonomia;

- A emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais e seus direitos;

- A defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e

autoritarismo;

- A defesa, aprofundamento da cidadania e da democracia da socialização da

participação política e da riqueza produzida;

- O posicionamento a favor da equidade e da justiça social, que implica a

universalidade no acesso a bens e serviços e a gestão democrática;

- O empenho na eliminação de todas as formas de preconceito e a garantia do

pluralismo;

- O compromisso com a qualidade dos serviços prestados na articulação com

outros profissionais e trabalhadores (IAMAMOTO, 2002).

Nesta perspectiva, podemos perceber que foram contemplados os valores

universais, sociais, políticos, culturais e econômicos acerca da concepção de

homem e sociedade.

O processo de Reforma Psiquiátrica e o Projeto Ético-político da profissão

encontram-se sob uma base contraditória e de tensões, na medida em que a

consolidação das reivindicações e transformações nas políticas de saúde mental,

bem como do projeto profissional, ocorrem sob o marco avançado da

mundialização, das políticas de ajuste neoliberal e da reestruturação produtiva.

Conforme Bisnesto (2005), o Movimento da Reforma Psiquiátrica se

encontra limitado pela armadilha do neoliberalismo, em que a diminuição de

serviços hospitalares acabou por arrefecer a oferta de atenção, enquanto o

propugnado é a substituição por serviços alternativos aos hospitais psiquiátricos.

Do ponto de vista da inserção do Serviço Social no campo teórico da saúde

mental, no decorrer dos anos de 1980 e início dos anos de 1990 a categoria

psicossocial, bem como os debates acerca dos processos subjetivos,

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desaparecem do debate acadêmico sob a dominação marxiana e/ou marxista

(retornando no final dos anos de 1990). É importante reconhecer que esse período

foi extremamente importante para a “auto-análise” profissional sobre a “identidade

e a história profissional” conectada às teias das relações sociais e políticas do

capitalismo nos processos “macropolíticos” do Estado e da sociedade civil,

estabelecendo mediações de consenso e graus de racionalização no atendimento

das refrações da questão social em suas múltiplas manifestações, por meio das

políticas sociais. Portanto, esse período proporcionou rupturas importantes com a

“suposta neutralidade” teórico-metodológica e técnico-operativa e com a

caracterização da profissão como operando uma abordagem psicossocial. Para

Barroco (2004), os anos de 1990 foram marcados pelo amadurecimento teórico

sobre a Ética, tendo como base a maturidade teórica alcançada nos anos de 1980,

explicitada na construção do Projeto Ético-político da profissão consolidado no

Código de Ética profissional de 1993.

Entretanto Vasconcelos, E. (2002), sem deixar de se colocar a favor de se

inserir nesse movimento mais amplo da categoria, afirma que o Movimento de

Reconceituação (intenção de ruptura) realizou uma crítica na abordagem

conservadora da subjetividade sob uma única perspectiva, o que acabou por

reproduzir um recalcamento das temáticas relacionadas à subjetividade.

O retorno do debate sobre subjetividade, no âmbito acadêmico, aparece no

final dos anos de 1990, tendo como marco dois livros: “Estratégias em Serviço

Social” (FALEIROS, 1999) e “Serviço Social e Saúde Mental - desafio da

subjetividade e da interdisciplinaridade” (VASCONCELOS, E., 2000). Esses dois

autores enfatizam a necessidade de aprofundamento do entendimento sobre os

processos subjetivos universais e os processos subjetivos forjados no âmbito

singular, articulados aos valores universais e aos processos subjetivos

circunscritos nas relações sociais, econômicas, políticas e culturais, e introduzem

a discussão sobre “empoderamento” dos sujeitos em nível individual e coletivo.

Uma nova concepção de fenômeno “psicossociais” reaparece nestes

autores como compreensão ampla e crítica de subjetividade no Serviço Social,

implicado na concepção de homem e mundo. Na medida em que essa

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compreensão reflete o debate ocorrido no processo de Reforma Psiquiátrica,

acreditamos ser importante recuperar este percurso. Para isso, utilizamos as

indicações feitas por uma liderança expressiva do movimento, o Profº Benilton

Bezzerra, do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade Estadual do Rio

de Janeiro), que nos parece sugestivas para o entendimento do debate. A partir

deste autor, o conceito de subjetividade14 pode ser explorado, a nosso ver, como

composto de quatro aspectos articulado entre si:

*Valores humanistas universais: liberdade, autonomia, cidadania, democracia e

pluralismo;

*Processos subjetivos universais: sofrimento/alegria, amor/ódio, pulsões;

desejos/ racionalidade que aparecem na experiência de qualquer sujeito,

independente da cultura, mas que sempre emergem interrelacionados aos

processos históricos da sociedade;

*Processos subjetivos circunscritos nas relações sociais, econômicas,

políticas e culturais: Esses valores e processos subjetivos variam em cada

época histórica social, cultural, econômica e política. “Sofrer é universal, mas a

maneira de sofrer varia a cada contexto histórico” (BEZERRA, 2003 p.14);

*Processos subjetivos forjados no âmbito singular: Relações primárias

(família, amigos) e a rede secundária de socialização do sujeito (instituições,

comunidade). Ou seja, “nenhum humano já nasce sujeito. É preciso tornar-se um

sujeito, e isto se aprende com seus semelhantes” (Ibidem, p.14).

A nosso ver, os principais aspectos que contribuíram para o retorno do

debate sobre a subjetividade no âmbito do Serviço Social em saúde mental são:

a) Inovações e debates promovidos pelas Reforma Psiquiátrica e Reforma

Sanitária, no SUS, que enfatizam o “social” e a “subjetividade” nos processos de

saúde/doença e a grande absorção/ampliação do mercado para assistentes

sociais, no campo da saúde coletiva e saúde mental;

14 As idéias foram elaboradas com base na entrevista de Benilton Bezzera publicada na Revista Ciência e Cultura: temas e tendência da Psicanálise.

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b) O Código de Ética de 1993, que contém uma concepção de homem e

sociedade ampliada e o debate sobre direitos humanos, no interior da categoria

profissional;

c) A discussão sobre subjetividade no campo da Sociologia do Trabalho e

da saúde/saúde mental do trabalho, fruto das transformações desencadeadas pela

reestruturação produtiva que redimensionaram a organização e o mercado de

trabalho, no contexto atual.

Em nossa opinião, o debate atual sobre subjetividade no âmbito

“acadêmico“ é atravessado por diferentes tendências15:

1) “Pensadores” da prática: esta tendência se divide em duas: a) Os que

abordam a necessidade de compreender os processos subjetivos, partindo de

análises do campo sócio-ocupacional e da demanda na suas particularidades (fica

implícito que a concepção de subjetividade no Serviço Social precisa ser

aprofundada); b) os que acreditam que o debate sobre a subjetividade poderia

significar um retrocesso na profissão. Esse grupo defende a proposta de maior

aprofundamento e qualificação teórico-metodológicos.

2) O Serviço Social clínico: esse grupo é formado por profissionais ligados

à terapia de família; reivindica o modelo “tradicional“ de abordagem terapêutica

pautada na concepção de homem “abstrato” universal e restringe-se aos

processos subjetivos singulares e grupais, na família. Portanto, a concepção de

sociedade fica diluída em processos “subjetivos” que têm um cunho sistêmico de

15 Em nossa perspectiva, de forma dominante no meio acadêmico do Serviço Social a subjetividade é abordada de forma superficial, pois o debate se remete às concepções ligadas a “piscologilização” das relações sociais e de controle população. Ao negar/alienar-se da dimensão subjetiva, a profissão fica suscetível ao esvaziamento de seu “poder” no exercício do processo de inculcação subjetiva de valores de cidadania junto às classes populares e caindo freqüentemente em análises mecanicistas centradas em categorias como “alívio de tensão”. A dimensão subjetiva revela o elemento “imaterial” que apresenta-se na situações concreta das refrações da questão social vivenciadas pelo usuários no cotidiano (que são expressão das relações macrossocietárias), que fornecem as base para as respostas ídeo-políticas mediatizadas pelo contexto institucional e por processos da sociedade que revelavam as possibilidades efetivas imbricadas nas relações de poder. A dimensão subjetiva atravessa todos os processos de trabalho em que o Serviço Social se insere e que sofreu “metamorfoses” no decorrer da história da sociedade e da profissão, de sua base conservadora de “ajuda social” para os dias atuais no exercício da cidadania. Ou seja, essa dimensão esteve efetivamente ligada aos processos “educativos“ e culturais que serviram para o controle/consenso da população, mas foi reapropriada de forma critica e engajada pelos movimentos sociais e por produções acadêmicas, ligadas à Reforma Sanitária e Psiquiátrica.

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análise, e de um dispositivo de trabalho focado exclusivamente nos aspectos

psicológicos e comunicacionais dos problemas familiares.

3) Os pensadores da Reforma da Psiquiátrica: nessa tendência há um

reconhecimento unânime de que projeto ético-político tem aproximação

significativa com os princípios da Reforma Psiquiátrica, mas seus membros

divergem na concepção de subjetividade. Para um primeiro grupo, a concepção

ontológica marxista consegue responder integralmente às demandas do campo da

saúde mental/loucura. Para o outro, existe a necessidade de ampliar o debate

sobre processos subjetivos, pois os fundamentos ontológicos marxistas não

conseguem contemplar integralmente a complexidade da subjetividade, no campo

da saúde mental e em outros campos sócio-ocupacionais, exigindo uma abertura

com outras correntes teóricas que lidam com os fenômenos psicossociais.

Aprofundando o debate à luz do conceito de subjetividade, já sistematizado

acima em suas diversas categorias, em relação aos “pensadores da Reforma

Psiquiátrica”, podemos considerar que existe uma tendência no primeiro grupo

em suas produções de conhecimento, de subordinar a esfera da subjetividade à

dimensão econômica, dando cuja ênfase aos processos subjetivos circunscritos

nas relações sociais, econômicas, políticas e culturais, com centralidade no

trabalho, e colocando em um patamar secundário os valores humanistas e

processos subjetivos universais e singulares. No segundo grupo, a tendência é

estabelecer laços de conexões de interdependência entre subjetividade e

sociedade, mas sem sobrepor uma determinação rígida de uma esfera à outra,

pois a idéia central nos parece ser a existência de uma composição orgânica entre

as dimensões que não se opõem ou se subordinam, havendo níveis de autonomia

relativa entre as dimensões econômicas, políticas em interface com a

subjetividade. Esse segundo grupo busca fazer o reconhecimento da importância

dos valores humanistas universais e dos processos subjetivos universais e

singulares implicados no cenário dos processos subjetivos circunscritos nas

relações sociais, econômicas, políticas e culturais.

Especificamente no campo da saúde mental, nos parece que a categoria

“psicossocial” permanece, pois está ligada à gênese do campo ocupacional, ou

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seja, o objeto é “o processo saúde/sofrimento psíquico” no qual as práticas

interprofissionais vão intervir de diversas formas. A categoria “psicossocial”

(imbricada nas concepções de homem e sociedade) sofreu um processo de

aprofundamento, maturação e qualificação, a partir de reflexões teóricas

subsidiadas pelo entendimento dos processos sociais, subjetivos e culturais no

trabalho em saúde coletiva e mental. A ampliação do debate sobre o social e

subjetivo é fruto do movimento dos trabalhadores em saúde coletiva e saúde

mental que reivindicaram a ruptura com a lógica do modelo biomédico privatista

que submetia o social e a subjetividade à segunda ordem, fragmentando, em

conseqüência, os processos de saúde/doença: “o conhecimento do médico nas

diversas especialidades ressaltava as dimensões exclusivamente biológicas, em

detrimento das considerações psicológicas e sociais” (MATTOS, 2001, p. 45).

1.3 NOVOS ÂNGULOS DO DEBATE ATUAL DO SERVIÇO SOCIAL NO CAMPO

DA SAÚDE MENTAL

“Nada é mais universal e universalizável do que as dificuldades (...)” (Bourdieu, 1989, p.18).

O objetivo desta sessão é proporcionarmos um panorama sobre as novas

questões da literatura do Serviço Social do campo da saúde mental. O trabalho

profissional na saúde mental aparece muitas vezes no campo acadêmico cercado

de polêmicas e dilemas, como: o debate do Serviço Social Clínico, a subjetividade

e o psicossocial. E por outro lado, ainda apresenta-se misterioso ao lidar com o

lado “obscuro e imaterial” da saúde (psique/alma) cuja expressão máxima é a

loucura.

Atualmente, a inserção do trabalho Serviço Social na saúde mental coletiva

levanta questionamentos acerca do objeto, da especificidade e da legitimidade

profissional, que nos revelam um lado “saudável” na tentativa de superação do

antigo habitus orientado por uma concepção de sociedade e homem funcionalista

e higienista.

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Constatamos em nossa revisão bibliográfica que os autores afirmam que

existe uma “crise/dilema” da profissão nesse campo. Neste sentido, buscamos

compreender os elementos que apontam a referida “crise”.

A “crise”, analisada por nós, nesse trabalho de revisão aponta dificuldades

articuladas às dimensões teórico-metodológica, ético–político e técnico-operativo

da profissão. A dimensão teórico-metodológico da profissão proporciona uma

compreensão da realidade social que capacita a intervenção profissional a partir

dos pressupostos ético-políticos pautados no compromisso com a justiça social. O

enfoque técnico-operativo do Serviço Social se caracteriza por instrumentos e

técnicas utilizados na efetivação da intervenção na realidade. Todas estas

dimensões da profissão estão interligadas no processo de trabalho, não devendo,

portanto ser dissociadas.

Essas dimensões, no decorrer da formação, são bases de orientação do

habitus profissional, ou seja, a ação escolar constitui o princípio de experiências,

incluindo desde a recepção das mensagens culturais, até as experiências

profissionais avançadas (BOURDIEU, 1983). Portanto, entender o debate

acadêmico nos oferece sustentação para a análise dos dados desta pesquisa.

No debate sobre o trabalho do assistente social no campo da saúde mental

e a Reforma Psiquiátrica temos três autores que abordam a problemática, a saber:

Rodrigues (2002), Binesto (2005) e Vasconcelos, E. (2000).

Para Rodrigues (2002), existe uma crise de identidade no campo da saúde

mental a partir de dois elementos:

a) A persistência de traços conservadores herdados do passado recente pela

nova geração de profissionais, que se expressa pela repetição de posturas

“tarefeiras” e voluntaristas nos dispositivos alternativos ao sistema asilar e

tem origem no descompasso entre as vanguardas das categorias e o

exercício profissional. A postura voluntarista do assistente social nos

serviços de atenção diária, no Hospital-dia e no CAPS tem sido explicitado

por certa representação da profissão como “acolhimento”. Nesta

perspectiva, as demandas prioritárias e a intervenção seriam mais afetivas

que terapêuticas e o recurso privilegiado da atuação institucional seria o

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“afeto”, a “escuta da diferença”, a “percepção e a aceitação da

singularidade”. Mesmo quando os assistentes sociais operam de maneira

criativa e crítica sua atuação fica desarticulada dos procedimentos

institucionais de triagem, de alta e da abordagem familiar, o que conduz à

negação de grande parte das demandas postas à profissão.

Compreendemos que os assistentes sociais que atuam na saúde mental

exprimem uma defasagem entre o acúmulo teórico-metodológico, obtido

nos anos de 1980, e o campo da prática cotidiana.

b) A presença de fortes traços pós-modernos no ideário da Reforma

Psiquiátrica Brasileira alimenta uma crise de identidade, pois preconizam o

abandono de qualquer saber, proclamam o irracionalismo, o cetismo, a

verdade e o real concebido como caótico e tomado como mero discurso e

signo. Observando os postulados da “nova clínica” (pós-moderna) em

saúde mental percebemos, em primeiro lugar, que a mesma é desprovida

de qualquer pretensão científica (se aproxima das experiências artísticas

pós-modernas). O segundo postulado corresponde a seu estatuto de

“encontro”, que dispensa a profissionalidade e a suspensão de todas as

certezas e compreende a escuta e o afeto como as bases da clínica

alternativa para construção de um projeto coletivo através da tolerância, do

acolhimento e da conciliação da solidariedade. Por fim, o terceiro postulado

é a idéia de uma abordagem transteórica que se opera no ecletismo e

busca transcender a teoria e incorporar os saberes não-teóricos.

A autora reconhece que essa “crise de identidade“ no campo da saúde

mental não é exclusiva do assistente social. Para a saída do “caos” pós-moderno

presente no campo reivindica a perspectiva basagliana da Psiquiatria democrática

(que é a fonte inspiradora e base para a constituição da Reforma Psiquiátrica

brasileira).

Em nosso ponto de vista, as tendências pós-modernas se fazem presentes

no campo da saúde mental de forma heterogênea e abrangem desde as

tendências radicais do irracionalismo até a complexidade, passando pela

perspectiva basagliana. Sendo assim, não podem ser homogeneizadas,

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considerando que é bastante plural o debate sobre a “clínica16”. O campo da

saúde mental apresenta-se como uma diversidade de abordagens e técnicas de

cuidado e de visões de mundo/homem, pois é produto da construção da interação

de diversas concepções profissionais que o compõem. Essas mudanças no modo

de operar das equipes no campo da saúde mental, desencadeadas pela Reforma

Psiquiátrica, têm gerado no âmbito do debate da categoria profissional um

“desconforto” relacionado a um possível retorno ao conservadorismo17, tendo em

vista que as abordagens teriam um cunho psicossocial. Entretanto, a Reforma

Psiquiátrica consiste em um projeto ético-político que propõe avanços na atenção

em saúde mental e está integrada às diretrizes centrais ao SUS, o qual, por sua

vez, tem pontos em comum com o Projeto Ético-político da profissão.

Frente à citação acima, é importante entendermos os processos que

atravessam o fazer profissional e a interdisciplinariedade. Esta não pode ser

reduzida à polivalência, flexibilidade, multifunções e à diluição das especificidades,

pois isso corresponde diretamente à tendência de flexibilização resultante do

processo neoliberal de reestruturação produtiva adaptada ao setor de serviços. A

interdisciplinariedade implica o entrelaçamento das diversas especialidades de

saberes e práticas profissionais na construção de propostas de trabalho na

perspectiva da integralidade, intersetorialidade e eqüidade, que contemple ou

aproxime (ao máximo) as necessidades dos grupos e indivíduos em sua

totalidade. Nessa modalidade de trabalho “inter”, exige-se que os profissionais

trabalhem em equipe na lógica de interdependência e com plasticidade, o que

16 Atualmente observa várias concepções sobre clínica que abrangem - clínicas das psicoses, clínica da rua, clínica ampliada, clínica psicanalítica. 17 Não entraremos no debate do Serviço Social “clínico”, pois consideramos sua demanda de legitimação um “retrocesso”, uma tentativas de fragmentação da profissão no sentido do Serviço Social tradicional de caso, grupo e comunidade. Acreditamos ser importante distinguirmos e entendermos que o conceito de subjetividade e concepção de “terapêutico” que o Serviço Social Clínico utiliza é diferente do que atualmente se utiliza como referencial no campo da saúde mental orientado pela Reforma Psiquiátrica. Existem atualmente no campo da saúde mental inúmeros avanços referentes à concepção de “terapêutico” que esta imbricada na idéia de um profissional responsável pelo acompanhamento e articulação com a equipe e os serviços internos e externos visando atender necessidades globais do usuário. Portanto, nesse aspecto, a concepção de apenas “projeto terapêutico” é ampliada significativamente, e não diz respeito a fazer uma terapia “psicológica” ou “psiquiátrica”, mas sim estabelecer vínculo e efetivo cuidado em saúde mental para a reivenção e garantia da reprodução social do usuário.

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significa reconhecer que seus conhecimentos específicos e suas práticas

correspondem a uma parte dessa totalidade do trabalho coletivo.

Bisnesto (2005, grifos nossos) identifica uma “crise” do profissional

relacionada a uma indefinição na intervenção, pois a atuação do profissional

ficaria dissolvida nas várias especialidades do campo “psi”18 e terapêutico que

dominam o conhecimento em saúde mental, sem que o Serviço Social estabeleça

com clareza suas especificidade ou metodologia. Para o autor, a crise estaria

relacionada à dominação da lógica do saber psiquiátrico, que submeteria o saber

“social” do assistente social ao campo biomédico e psicológico. “O Serviço Social,

como neste caso atua numa área em que não é mandante, fica sujeito às várias

ambigüidades” (Ibidem, p.120). Um dos entraves do assistente social nesse

campo é expresso pelo fato de que desde 1970 não se desenvolvem pesquisas e

publicações suficientes voltadas à análise e elucidação da prática profissional nos

serviços psiquiátricos que conseguissem estabelecer conexões entre as

particularidades da atuação da área da saúde mental e o movimento mais geral do

Serviço Social. A contribuição profissional está nos conhecimentos da

“previdência” e possibilitaria a interlocução da Psiquiatria com a questão social.

Para superar essas dificuldades seria importante avançar durante a formação

profissional em estudos da sociologia crítica e da história destas áreas de

conhecimento. O autor afirma que “o movimento de Reforma Psiquiátrica tem um

discurso de valorização do social, mas as categorias profissionais ‘psi’, com

privilégio histórico, não querem ceder espaço corporativo” (2005 p.120).

De nosso ponto de vista, acreditamos que o componente gerador de

desconforto no Serviço Social não é a diluição do social nos aspecto da “psi”, mas

sim a ampliação/democratização do debate do “social” na equipe e nas diversas

intervenções de outros profissionais da saúde mental. Ou seja, atualmente

passamos por uma mudança no campo da saúde mental, em que se busca um

aprofundamento dos aspectos sociais na desinstitucionalização, enfatizando a

cidadania e da inclusão social dos portadores de transtornos mentais. Este

18 Como pudemos constar nos debates dos autores abordados anteriormente, a “indefinição e diluição” não é restrita ao campo da saúde mental.

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aspecto tem repercussões sobre os habitus dos demais profissionais que

compõem esse campo, pois transforma os capitais culturais, econômicos e

simbólicos, resultando em transformações profundas nas relações e posições dos

vários profissionais. Neste sentido, o assistente social se depara com a

necessidade de afirmar um novo espaço de seu saber no processo de trabalho em

saúde mental, em um serviço cuja orientação dominante está alicerçada no

reconhecimento do social na relação saúde/sofrimento psíquico.

Estas modificações no processo de trabalho em saúde mental estão sendo

interpretadas no interior da categoria muitas vezes enquanto “crise profissional”,

tendo em vista que as intervenções executadas “tradicionalmente” (alicerçadas na

trajetória histórica) somente pelo Serviço Social (triagem, atendimento a familiares

e alta) atualmente são compartilhadas por outros integrantes da equipe. Frente à

plasticidade e transformação das “intervenções tradicionais”, se faz necessário

que o profissional tenha maior clareza sobre suas atribuições, objeto profissional,

saberes e contribuições, de modo que subsidiem a construção das fronteiras de

competência em relação às outras profissões do campo.

Por sua vez, Vasconcelos, E. (2000), afirma que o Movimento de

Reconceituação (intenção de ruptura) induziu a um recalque na produção

acadêmica e no debate da temática da subjetividade, particularmente em relação

às dimensões da emoção, do inconsciente, da corporeidade, da sexualidade, da

religião, dos processos grupo e da subjetividade/sofrimento no trabalho em saúde

mental. Este processo de recalque da subjetividade identificado pelo autor na

formação do Serviço Social repercute no âmbito de sua teoria, da prática

profissional, bem como no âmbito pessoal. O autor aponta que estas questões são

relevantes para o debate atual do Serviço Social e não são restritas ao campo da

saúde mental, pois, a nosso ver, o trato da questão social está imbricado pelas

dimensões subjetivas (individuais e coletivas). Segundo o referido autor, existem

diversas lacunas na produção de conhecimento e no trabalho do Serviço Social

brasileiro contemporâneo no campo da saúde mental que podem ocasionar a crise

da identidade profissional. Para o autor, existe um “vazio” nas mediações teóricas

e do instrumental metodológico adequado para intervenção no campo. Esta falta

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de mediações teóricas, de acordo com o mesmo autor, pode ser exemplificada

nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) sobre saúde mental, quando estes

buscam as referências interdisciplinares, enquanto que a bibliografia específica

profissional está diminuindo e até desaparecendo dos trabalhos a partir dos anos

de 1990.

A nosso ver, a perspectiva ontológica marxiana assegura alguns elementos

básicos, mas é necessário avançar19 no estudo da categoria subjetividade, se

aproximando dos campos sócio-ocupacionais da profissão revelando, assim, suas

singularidades.

Acreditamos que em seus debates acerca da “crise20” do Serviço Social na

saúde mental, esses três autores caminham numa perspectiva analítica que busca

compreender “somente” a dimensão teórico-metodológica e histórica da profissão,

abordando o interior profissional e sua trajetória histórica (que são aspectos

importantes), mas que apenas revelam uma parte da problemática, não

conseguindo apreender toda sua complexidade.

De formas distintas, todos concordam que existem “dificuldades teóricas”.

Para Rodrigues (2001), esta consiste em uma defasagem entre o acúmulo teórico-

metodológico, obtido a partir dos anos de 1980, e o campo da prática cotidiana.

Binesto (2005) aponta falhas no Serviço Social em estudos sociológicos críticos

nessa aérea de “Psiquiatria”. E, por fim, Vasconcelos, E. (2000), realiza uma

aborda as “lacunas” no debate da temática subjetividade em relação às dimensões

da emoção, do inconsciente, da corporeidade, da sexualidade, da religião, dos

processos grupais e da subjetividade/sofrimento no trabalho e saúde mental.

Acreditamos que os autores não avaliaram as transformações no processo

de trabalho em saúde mental e suas repercussões no fazer profissional. Conforme

Iamamoto (2001, p.20),

(...) é importante sair da redoma de vidro que aprisiona os assistentes sociais numa visão de dentro e para dentro do Serviço

19O que se observa atualmente é que a psicologia caminha cada vez mais para a apreensão/abertura do “campo social e político”. Os estudos recentes da psicologia social, no Brasil, são exemplos dessa tendência. 20 Esse debate será retomado na análise de dados.

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Social, como precondição para que possa captar as novas mediações e requalificar o fazer profissional, identificando suas particularidades e descobrir alternativas de ação.

A nosso ver, a análise do Serviço Social tem que levar em conta as

transformações da saúde coletiva e saúde mental e os processos sociais mais

amplos (reestruturação produtiva e ajuste neoliberal) que criam movimentos

contraditórios entre os avanços e retrocessos no processo de trabalho da equipe,

bem como seu impacto e tendências atuais no mercado trabalho das profissões de

um modo geral21. Embora indicações originais para a continuidade deste debate já

tenham sido feitas nessa dissertação até o presente momento, é na análise dos

resultados da presente pesquisa, realizada com assistentes sociais engajados nos

CAPS no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, que novos ângulos deste debate

serão trazidos para a discussão. Esse é o tema do próximo capítulo.

21 Não é só o Serviço social que passa por “questionamentos” acerca de sua especificidade e legitimidade, mas todas as profissões inseridas nesse campo, como pudemos avaliar em debate anterior mencionado nessa dissertação.

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O Mapa

Olho o mapa da cidade Como quem examinasse

A anatomia de um corpo... (É nem que fosse meu corpo!)

Sinto uma dor esquisita Das ruas de Porto Alegre Onde jamais passarei...

(...) Nas ruas que não andei (E há uma rua encantada

Que nem em sonhos sonhei...) Quando eu for, um dia desses,

Poeira ou folha levada No vento da madrugada, Serei um pouco do nada

Invisível, delicioso Que faz com que o teu ar

Pareça mais um olhar Suave mistério amoroso

Cidade de meu andar (Deste já tão longo andar!) E talvez de meu repouso.

Mario Quintana

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2. A GEOGRAFIA DO ESTUDO

Neste capitulo vamos localizar os pressupostos e conceitos teóricos que

iluminam nosso estudo de forma a complementar a base histórica, sistematizada

nas sessões anteriores da dissertação, que nos fornecerá os elementos para

análise de nossa temática, o trabalho do assistente social nas equipes de saúde

mental dos Centros de Atenção Psicossocial. Também faremos uma breve

contextualização da política municipal do Rio de Janeiro e Porto Alegre, e logo

após enfatizamos o horizonte e as tendências atuais do trabalho nos Centros de

Atenção Psicossocial (CAPS).

2.1 PRESSUPOSTOS E CONCEITOS DA PESQUISA

Frente aos objetivos propostos neste estudo, consideramos como principal

fonte teórica de nossa pesquisa a contribuição de Pierre Bourdieu. Em nosso

ponto de vista, o referido autor nos oferece as ferramentas teóricas (a noção de

campo, habitus, capital simbólico e cultural) para o entendimento do movimento

dialético das dimensões objetiva e subjetiva em que se processa a objetivação do

trabalho profissional.

Apesar de Bourdieu não trabalhar em nenhum de seus estudos o conceito

de processo de trabalho (o autor usa prática), compreendemos como necessário

complementarmos nosso arcabouço teórico utilizando essa categoria, diante dos

objetivos propostos para a pesquisa e pela importante discussão existente no

campo da saúde como um todo e no Serviço Social brasileiro, no qual uso do

termo processo de trabalho é dominante.

Portanto, a intenção não é “harmonizar” linearmente tendências teóricas

diferentes, mas devido aos limites do autor frente ao objeto da pesquisa e às

particularidades da realidade brasileira do Sistema Único de Saúde (SUS),

decidimos avançar nesse debate. Entendemos como necessário abordar as

particularidades da formação sóciopolítica, econômica e cultural brasileira do

Serviço Social e do processo de trabalho em saúde ligado ao SUS. E também

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concordamos com a afirmação de Iamamoto (2001 p.95), segundo a qual “transitar

do foco da prática ao trabalho não é uma mudança de nomenclatura, mas de

concepção; o que geralmente é chamado de prática corresponde a um dos

elementos constitutivos de processos de trabalho, que é o próprio trabalho”.

Neste sentido, abordamos três fontes que posteriormente estarão

articuladas na análise dos resultados da pesquisa de campo: Bourdieu e os

autores do Serviço Social brasileiro e da saúde coletiva que abordam o debate

sobre processo de trabalho.

Bourdieu tem uma imensa e diversificada produção teórica. Seu primeiro

livro foi publicado em 1958, no qual estudou a questão do trabalho na Argélia22.

Segundo Ortiz (1983), Bourdieu é um tipo de pensador difícil de ser situado em

relação a uma escola, pois foi profundamente original e estudou diversos temas

(os camponeses, os artistas, a escola, os clérigos, os patrões, as classes

populares, moda, literatura, etc). Porém, também apresenta limites em sua

formulação da “sociologia da reprodução”, pois cria certo “negativismo” frente às

possíveis superações das estruturas de reprodução social. Cabe ressaltar que

Bourdieu, em seus livros “Contrafogos - Táticas para enfrentar a invasão

neoliberal” (1998) e “Contrafogos 2 – Por um movimento social europeu” (2001),

busca “modificar” essa perspectiva mais estruturalista da “reprodução social”,

assumindo um caráter de maior engajamento político dos intelectuais e dos

movimentos sociais pela transformação social.

Sua crítica epistemológica está focada na discussão entre objetivismo

(estruturalista) e subjetivismo (fenomenologia) da ciência, em que busca a

superação da dicotomia destas duas formas de produção de conhecimento,

propondo uma abordagem relacional. Sua principal problemática é a reflexão da

mediação entre o agente social e a sociedade, homem e história.

A nosso ver, suas premissas espitemológicas estão orientadas em cinco

categorias principais: (a) conhecimento praxiológico; (b) a noção de habitus; (c) a

concepção de campo, (d) o conceito de capital simbólico e (e) capital cultural.

22

O titulo do livro era “Socioligie de Algélia” e foi republicado novamente em 1968 com um novo título, “Travail et travailleurs en Algélia”. Segundo Loyola (2002), o autor escreveu 72 livros e 234 ensaios, além de depoimentos, entrevistas e artigos em jornais, publicados em diversas línguas.

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O conhecimento praxiológico está focado nas relações dialéticas entre as

estruturas objetivas e as disposições estruturadas nas quais elas tendem a se

atualizar e a reproduzir. Bourdieu procura equacionar a relação entre a

“interiorizarão da exterioridade e a exteriorização da interioridade”. Portanto, busca

o entendimento da relação entre a ação subjetiva (agente) conectada à

objetividade da sociedade (condicionamentos/determinantes sociais).

Nessa perspectiva, compete ao pesquisador passar da apreensão externa,

objetiva, para uma subjetiva, através da incorporação da mesma realidade sob o

ângulo em que se encontra o agente individual capaz de vivê-la em seu cotidiano.

Segundo o autor, o habitus adquirido na família está no princípio da

estruturação das experiências escolares, sendo este habitus transformado pela

escola, ele mesmo diversificado, estando por sua vez no princípio da estruturação

de todas as experiências ulteriores. Portanto, é oriundo de um processo amplo de

inculcação que perpassou o âmbito da família, da classe social e da escola que

são materializadas através de práticas, estratégias, respostas ou proposições

objetivas ou subjetivas na resolução de problemas de reprodução social, o que

condiciona o agente em seu posicionamento no espaço social.

O habitus apresenta-se sob uma forma de “probalidade” (senso comum)

que os agentes incorporam em suas práticas cotidianas, e tem dois sentidos: o

primeiro como resultado de ações; e o segundo, designa uma maneira de ser,

estado habitual, uma predisposição (reprodução), uma tendência, uma propensão

ou uma inclinação de uma prática de grupo social (profissional) de agir no

cotidiano.

O habitus “funciona” como uma matriz de percepção, apreciações e ações,

e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às

transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da

mesma forma e as correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente

produzidos por estes resultados. Portanto, o habitus é um princípio gerador que

impõe um esquema durável, mas é suficientemente flexível a ponto de possibilitar

improvisações reguladas, pois permite ajustamentos e inovações às exigências

postas pelas situações concretas que põem à prova sua eficácia.

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76

Para Bourdieu (1983, grifos nossos), todo grupo profissional possui um

habitus (matriz) que aparece como “mediador” do profissional na elaboração de

suas vivências passadas, que estão pautadas no compartilhamento de valores,

teorias, práticas, e está imbricado no processo de formação profissional e nas

condições objetivas das estruturas institucionais, sociais, econômicas e culturais

em que se processa o trabalho. Todo profissional atua no interior de um campo

socialmente “predeterminado” que é alicerçado pelo habitus, situado no espaço

que transcende as relações entre os agentes. As práticas dos grupos profissionais

tendem a afirmar habitus como um código em comum, uma matriz. A “prática

social” pode ser definida como produto da relação dialética entre uma situação e

o habitus.

Segundo Iamamoto (2001), partindo de uma perspectiva teórica marxista, o

contigente profissional atual do Serviço Social brasileiro é oriundo de segmentos

médios pauperizados, com nítido recorte de gênero, já que a condição feminina é

um das marcas da profissão. O assistente social absorve tanto a imagem social da

mulher quanto as discriminações a ela impostas no mercado de trabalho. Sendo

assim, os profissionais são herdeiros de uma cultura profissional que carrega

fortes marcas confessionais em sua formação histórica e alguns de seus traços se

atualizam no presente por meio de um discurso laico que reatualiza a herança

conservadora. Para a autora, esses traços conservadores atualmente se

expressam em atitudes messiânicas e voluntaristas no trato da profissão e da

questão social (por alguns segmentos da profissão) e por resquícios de um

humanismo abstrato na interpretação das relações humanas e na presença de

auto-culpabilização frente aos limites da intervenção profissional.

A caracterização do Serviço Social brasileiro atual nos levanta dois

aspectos centrais: a origem de sua classe social - segmentos médios

pauperizados e o recorte de gênero, e a condição feminina. Este quadro, que nos

fornece indicadores sobre a constituição atual do habitus profissional juntamente

com a formação acadêmica, hoje hegemonicamente de orientação marxista nas

principais escolas do país, nos leva a acreditar que esses aspetos “favorecem” o

processo em que os profissionais se identifiquem com a defesa dos direitos

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sociais e humanos em contraponto às mazelas sociais produzidas pelo sistema

capitalista.

O habitus orienta a visão de mundo e homem e também contribui para a

constituição do capital simbólico dos grupos profissionais na sociedade.

Segundo o autor, o poder simbólico é um poder de construção da realidade que

tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo social.

As diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta simbólica

para imporem a definição do mundo social conforme os seus interesses, e

imporem no campo as tomadas das posições ideológicas, reproduzindo em forma

transfigurada suas posições sociais. As tomadas de posição ideológica dos

dominantes são estratégias de reprodução que tendem a reforçar dentro da classe

e fora da classe a crença na legitimidade da dominação da classe. A produção

simbólica é um microcosmo da luta simbólica entre classes, que se assenta no

capital econômico, que busca assim impor uma dominação legítima. Os principais

agentes da produção simbólicos são especialistas (letrados, intelectuais, artistas).

O capital simbólico é forma de “distinção/diferenciação” que produz uma

“imagem social” e um “discurso social” reconhecido legitimamente, que delineia a

priori as percepções; que está calcado em um processo social, cultural e histórico.

Para Bourdieu (1998), o conceito de profissão é uma noção perigosa, pois

as aparências jogam a seu favor. A idéia de profissão era colocada na visão

funcionalista dominante como um conjunto de pessoas com mesmo nome,

dotados de estatuto econômico quase equivalente, e, sobretudo, organizados em

associações profissionais dotadas de uma deontologia, de instâncias coletivas que

definem regras de entrada. Neste sentido, esse conceito de profissão

desconsidera as diferenças econômicas, sociais e étnicas que fazem da profissão

um espaço de concorrência, uma construção social de grupo e uma representação

dos grupos23.

23Segundo Netto (1999), de uma perspectiva marxista, os projetos profissionais são construídos por um sujeito coletivo que envolve profissionais de campo, pesquisadores, docentes, estudantes e seus organismos corporativos e sindicatos. A organização do Serviço Social brasileiro que envolve o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), os Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa (ABPESS), a Executiva Nacional de

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Para o autor os “diplomas escolares são para o capital cultural o que a

moeda é para o capital econômico” (2002 p.198). Pois, o diploma escolar tem

valor convencional, formal, juridicamente garantido, que proporciona “liberdade”

frente às limitações locais e às flutuações temporais. A objetivação operada pelo

diploma fornece formas de poder ligadas à existência de prova escrita de

qualificação que confere crédito ou autoridade, sendo inseparável do direito ao

definir posições “permanentes”. Ao atribuir o mesmo valor a todos os detentores

do mesmo diploma, contribui para a redução dos obstáculos na circulação do

capital cultural, superando o fato que ele aparece no cotidiano incorporado a um

indivíduo singular. Neste sentido, as relações de poder e dependência deixam de

se estabelecer entre pessoas, mas se instauram, na própria objetividade; ou seja,

entre diplomas e cargos definidos e garantidos, do ponto de vista social. Esses

elementos proporcionam a instauração de mercado unificado de todas as

capacidades culturais e garantem a convertibilidade em moeda do capital cultural

adquirido mediante determinado gasto de tempo e trabalho.

Barbosa (1993), com base em Bourdieu, aponta que o capital cultural é o

principal eixo de estruturação das profissões, pois define as condições de

produção (a escola), de distribuição (a atuação organizada no mercado) e de

controle (das diversas formas de hierarquização, organização e representação). A

delimitação de capital cultural como elemento estruturador permite conceber as

profissões enquanto uma relação social que amplia o entendimento da base

cognitiva, incluindo os conhecimentos não científicos, como base de articulação do

grupo profissional, o próprio nome da profissão e a sua representação. Para a

autora, o capital cultural nos permite avançar na compreensão dos conflitos

interprofissionais pela delimitação de monopólios, pois é concebido como objeto

de luta, inscrito no universo objetivado da técnica, mas que só se realiza através

Estudantes de Serviço Social (ENESSO), os sindicatos e demais organizações dos assistentes sociais. A categoria profissional (sujeito coletivo) constitui um universo heterogêneo, no sentido de que os indivíduos são diferentes em suas origens, expectativas sociais, condições intelectuais, comportamentos e preferências teóricas, ideológicas e políticas. Portanto, a categoria profissional é um espaço plural no qual vai surgir diferentes projetos profissionais, sendo que toda categoria profissional é um campo de tensões e lutas que não suprime divergências e contradições.

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da mediação dos sistemas simbólicos que exprimem as divisões entre grupos e

classes.

Bourdieu (1998) aponta a noção de campo como parte da construção do

objeto de pesquisa, ou seja, a noção de campo orienta as opções da pesquisa e

funciona como sinalizador para se verificar que o objeto em questão não está

isolado de um conjunto de relações. O campo é constituído por forças sociais e

lutas em que os agentes visam a transformar ou conservar, impondo sua visão,

mas eles o fazem sempre com pontos de vista, interesses e referenciais

determinados pela posição que ocupam nas relações sociais que pretendem

transformar ou conservar. Essa luta implica no exercício de poder influenciado

pelas práticas políticas, econômicas e culturais historicamente construídas nessa

área.

Nos serviços de saúde, à luz da noção de campo, entendemos que se

constitui no cotidiano dos agentes (profissionais, usuários e familiares) e no

processo de trabalho, um espaço de luta de diferentes orientações teóricas e

ideológicas e de exercício de poder, não “entendido como algo natural”, mas como

uma prática social, influenciadas pelas orientações sanitárias e políticas

assentadas historicamente na organização societária.

Nesta direção, e para exemplicar, segundo Bastos & Castiel (2002), o

chamado campo da saúde mental se apresenta especialmente complexo e

conflituoso. Consiste num corpo de conhecimentos cuja operacionalização, tende

a seguir hegemonicamente o dispositivo conceitual tributário do raciocínio médico

(Psiquiatria), mas isso não se dá sem grandes dificuldades. Na própria definição e

na demarcação do recorte de seu objeto de conhecimento, o campo “mental”

consiste apenas num dos discursos e saberes possíveis sobre a loucura. Em

todos os campos da medicina há uma coexistência com outros saberes que

subsidiam definições do que é e do que não é doença, mas em nenhum outro

domínio essa discordância é tão significativa como no âmbito da saúde mental.

Pinheiro (2001) afirma que o cotidiano é lócus onde se expressam não

somente as experiências de vida, na perspectiva individual, mas também revela o

contexto de relações distintas que envolvem tanto pessoas, como coletividade e

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instituições, em espaços e tempos determinados. Estudar os agentes, seus

discursos e prática no cotidiano das instituições é fundamental, pois possibilita a

localização e o entendimento dos elementos objetivos e subjetivos, por meio dos

quais os agentes sociais constroem suas percepções, referentes à vida social,

que inclui a vida institucional.

A percepção do mundo social, segundo Bourdieu (1988), é produto de uma

dupla estruturação social: do lado objetivo, está socialmente estruturada pelas

autoridades ou instituições ligadas aos agentes que oferecem uma percepção

alicerçada na probabilidade existente no contexto social, cultural e político; do lado

subjetivo, está estruturada em esquemas de percepção e de apreciação, que

estão susceptíveis de serem utilizados no cotidiano, pois estão sedimentados na

linguagem, sendo que são produtos de lutas simbólicas anteriores e exprimem

relações de forças simbólicas. As lutas simbólicas são pautadas em lutas de

visões de mundo e de projetos societários que se reivindicam o

legítimo/verdadeiro. O modo de percepção do “legítimo” é objeto de lutas, que se

processa na passagem do implícito para explícito. A escola/universidade faz uma

inculcação da identidade legítima que tende gerar a unidade real. Neste sentido,

as profissões travam lutas internas e externas por dominação do legítimo acerca

da visão de mundo que as profissões propagam como “certo”. O campo cria

modelagem da política e ideológica das relações sociais dos agentes na

instituição, determinando os níveis de participação e o “como deve ser” das

abordagens profissionais, no processo de satisfação das demandas dos usuários

e familiares.

Passamos agora a considerar o conceito de processo de trabalho, como

anunciamos na introdução desta seção.

O debate acadêmico do Serviço Social sobre processo de trabalho é

relativamente recente, e está atravessado pela interlocução da profissão com a

tradição marxista e pela aproximação com as recentes produções do campo da

sociologia do trabalho, que contribui para fortalecimento dessa perspectiva no

âmbito profissional. O movimento empreendido dentro do circuito acadêmico de

Serviço Social não pode ser tomado isoladamente, no que diz respeito ao

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amadurecimento desse recorte conceitual, por que hoje o processo de trabalho

vem sendo também discutido na área de saúde, assim como em outras categorias

profissionais que se situam também fora da esfera da produção, no setor de

serviços (ALMEIDA, 1996).

Karsch (1998) coloca que o setor serviço tem como característica ser uma

atividade útil, mas sua utilidade termina em si mesma, e inclui desde a satisfação

das necessidades básicas do homem até as necessidades de adaptação,

realização ou exigência de vida na sociedade. No capitalismo monopolista, a

tendência é profissionalizar as atividades, criando aparelhos burocráticos e

organizações que prestam serviços de controle. A autora indica três aspectos

sobre o setor de serviços:

1) os serviços não podem mais ser entendidos como um setor específico na

divisão social do trabalho, de tão articuladas que estão as formas de produção

social com as relações sociais;

2) por causa de sua produção incorpórea, os serviços são administrados de

modo singular, que desafiam os pressupostos racionais da eficácia e da eficiência,

e respondem mais aos objetivos principais das instituições da sociedade do que

aos seus próprios objetivos, como atividade social;

3) os serviços, em condições históricas concretas, desenvolvem uma

cultura própria que articulam a sua produção às relações sociais; tal cultura se

expressa através da aceitação dos valores que a sociedade legitima e assume

uma lógica política que os organiza e justifica.

Para Iamamoto (2000, grifos nossos), o processo de trabalho implica uma

matéria prima ou objeto sobre o qual incide a ação; meio ou instrumentos de

trabalho que potencializam a ação do sujeito sobre o objeto; e a própria atividade,

ou seja, o trabalho direcionado a um fim, que resulta em um produto. A questão

social é o objeto de trabalho do assistente social, tendo como instrumento básico

de trabalho a linguagem, que se encontra intimamente associada a sua formação

teórico-metodológica, técnico-operativo e ético-política. Os resultados ou produtos

dos processos de trabalho em que participam os assistentes sociais situam-se no

campo da reprodução da força de trabalho, da obtenção das metas de

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objetividade e rentabilidade das empresas, da viabilização de direitos e da

prestação de serviços públicos de interesse da coletividade, da educação sócio-

política, afetando hábitos, modos de pensar, comportamentos, práticas dos

indivíduos sociais em suas múltiplas relações e dimensões da vida cotidiana na

produção e reprodução social, tanto em seus componentes de reiteração do

instituído, como de criação e re-invenção da vida em sociedade. O Serviço Social

preserva uma relativa independência na definição de prioridades e das formas de

execução de seu trabalho, sendo este controle exercido sobre sua atividade

distinto daquela a que é submetido. A instituição organiza o processo de trabalho

do qual o profissional participa.

Nessa mesma linha, Bellini et al (2004, p.6), coloca que o trabalho do

Serviço Social em saúde mental abrange a compreensão da questão social

imbricada no processo de saúde/sofrimento psíquico e de sua configuração nas

relações, familiares, culturais e econômicas dos sujeitos envolvidos, objetivando

sua inclusão social, através da atenção integral dispensada a eles. Entende-se o

processo de trabalho como conjunto de ações pautadas nas dimensões ético-

político, teórico-metodológica e técnico-operativa, que subsidiam as múltiplas

intervenções sociais.

Em relação às particularidades trabalho em saúde, Merhy (2002) coloca

que é um território de práticas e técnicas produtoras de cuidado em saúde. Os

atos de saúde são constituídos por dois núcleos24:

A) O núcleo de atividade cuidadora: atravessa todas as profissões da

saúde, está presente em qualquer prática e não sofre um recorte profissional

muito definido.

B) O núcleo de problemas concretos: centrado nos territórios

profissionais específicos que recortam o mundo das necessidades dos usuários, o

que possibilita a significação do processo de saúde-doença com uma ênfase

profissional singular. Todos os recortes das necessidades de saúde, como certos

24 Esclarecemos, desde já, que utilizaremos como referência de análise estas categorias referentes ao processo de trabalho de Merhy, por sua capacidade de elucidar várias questões relativas ao processo de trabalho em equipe de saúde mental.

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modelos de atenção, apresentam tensão entre a dimensão cuidadora e a

profissional. Para o autor, a partir da missão institucional, podemos perceber as

tendências na ênfase do núcleo cuidador (que cria maior possibilidade de

práticas interdisciplinares) ou na dimensão profissional específica (que propicia

práticas unidisciplinares de dominação, em relação aos outros saberes

profissionais), sendo que a tendência que na atualidade opera nos serviços de

saúde está dentro da ótica hegemônica do modelo médico neoliberal, que

subordina a dimensão cuidadora a um papel irrelevante. Nesse sentido, subordina

os outros profissionais de uma equipe à lógica dominante, tendo seus núcleos

específicos profissionais submetidos à lógica médica e com núcleo cuidador

empobrecido. Os processos de definição para que se organizem modelos de

atenção em saúde são sempre implicados social e politicamente por interesses

que impõem suas finalidades nesses processos de produção.

2.2. OS CONTORNOS DA PESQUISA: OS CONTORNOS DA PESQUISA:

POLÍTICA MUNICIPAL DE SAÚDE MENTAL RIO DE JANEIRO E PORTO

ALEGRE

“O momento presente desafia os assistentes sociais a se qualificarem para acompanhar, atualizar e explicitar as particularidades da questão social nos níveis nacional, regional e municipal diante das estratégias de descentralização das políticas públicas” (IAMAMOTO, 2001, p.41).

Nessa parte do trabalho vamos buscar entender as particularidades das

orientações da política de saúde mental dos municípios investigados, que

organizam a forma de atenção em saúde mental, e que são aspectos

fundamentais para o ordenamento do trabalho profissional.

Os serviços de saúde mental no Rio de Janeiro, até a metade dos anos 70,

estiveram centrados nas internações em hospitais psiquiátricos, públicos ou

privados contratados. Apesar do movimento de Reforma Psiquiátrica, que

impulsionou a construção de uma série de serviços com propostas de oposição ao

modelo manicomial em todo o país, inclusive no Estado do Rio de Janeiro, as

experiências inovadoras desenvolvidas no município estavam localizadas nos

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hospitais federais e universitários. Estes serviços eram criados por iniciativa dos

profissionais que, favoráveis às propostas da Reforma, desejavam romper com o

modelo de tratamento desenvolvido nas instituições25. No entanto, estas iniciativas

não representavam uma mudança significativa no modelo assistencial hegemônico

em saúde mental, de caráter manicomial (RIETRA, 1999).

Segundo Vasconcelos, E. (2004), o processo de Reforma Psiquiátrica no

Estado do Rio de Janeiro tem suas especificidades. O município e a área

metropolitana do Rio de Janeiro, dadas as suas características de antiga sede do

império e capital da República, tenderam a concentrar toda a oferta dos serviços

psiquiátricos no estado e grandes asilos e hospitais de agudos convencionais, e

uma estrutura de grandes ambulatórios, com enormes dificuldades para serem

municipalizados e reconvertidos para os novos modelos de assistência.

Conforme Rietra (1999), a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de

Janeiro, sempre esteve afastada da assistência em saúde mental na cidade. Já

em 1996, iniciou-se a construção de uma rede de Centros de Atenção

Psicossocial (CAPS), com o objetivo de inverter o modelo manicomial dominante.

Para isso, estabeleceu parcerias com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento

e com Organizações Não-Governamentais: a Fundação Lar São Francisco de

Paula e o Instituto Franco Basaglia (IFB). Dessa forma, o processo de construção

dos centros de atenção foi subsidiado pela realização de um censo26. Assim, em

25 Conforme já abordamos, houve experiências inovadoras como trabalho desenvolvido por Nise da Silveira no Centro Psiquiátrico Pedro II, que a partir da década de 1940, desenvolveu, na Seção de Terapêutica Ocupacional, um vigoroso trabalho de práticas terapêuticas lançando mão de atividades expressivas com pacientes daquela instituição. Na década seguinte fundou a Casa das Palmeiras, clínica de reabilitação de doentes mentais em regime de externato. Nos anos 1960 formou o Grupo de Estudos do Museu de Imagem do Inconsciente, que se tornou centro de referência no desenvolvimento de práticas artísticas para pacientes psicóticos. Em 1968 Oswaldo dos Santos e Wilson Simplício, dois psicanalistas da Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro, criaram a primeira comunidade terapêutica no estado, na Seção Olavo Rocha do Hospital Odilon Galloti, uma das 12 unidades que compunham o CPPII (Figueiredo, 1993). Tal comunidade, assim como a de Porto Alegre, apoiava-se na psicanálise, com a compreensão psicodinâmica do transtorno mental. A visão progressista e diferenciada atraía muitos seguidores, em contraposição ao discurso e à prática médico-biológica vigentes naquelas instituições. No ano seguinte, Eustaquio Portella Nunes e Roberto Quilelli fundaram a comunidade terapêutica do Hospital Pinel. 26Foram entrevistados todos os pacientes internados em hospitais psiquiátricos ligados ao SUS, na data escolhida como referência (24 de outubro de 1995) excetuando-se a Colônia Juliano Moreira, onde só foram entrevistados os usuários do Hospital Jurandyr Manfredini (RIETRA, 1999).

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1995, levantou-se 3223 usuários internados na data de referência. Dentre os itens

mais relevantes para o planejamento da implantação dos CAPS, estão o

“endereço do usuário”, que permitiu localizar a origem geográfica desta clientela,

os itens ligados ao tratamento com relação à qualidade do tratamento oferecido

durante a internação, como “atividades em grupo durante a internação”, seja com

relação ao vínculo terapêutico do usuário entre as internações, como “tratamento

ambulatorial antes da internação”. Por fim, os itens que investigam as relações

familiares dos usuários e suas possibilidades de viver fora do hospital.

Para Vasconcelos, E. (2004), a perspectiva do movimento de Reforma

Psiquiatria no município do Rio do Janeiro tem visado à reversão destas

tendências históricas e vem sendo implementada buscando a ocupação do

espaço político disponível nas administrações municipais e estaduais, para

planejar e gerenciar as iniciativas e mudanças necessárias no processo de Reforma

Psiquiátrica, reforçando o papel das coordenações municipais em todo o estado na

montagem de planos de saúde mental com serviços comunitários locais com o

mínimo uso de internações nos grandes hospitais convencionais; o controle severo

sobre os hospitais privados conveniados de agudos e de longa permanência, com

diminuição de leitos e constantes supervisões administrativas; a reforma dos

hospitais públicos de agudos, com diminuição do número de leitos, controle sobre as

internações desnecessárias e do tempo de permanência, bem como a diversificação

das atividades de reabilitação psicossocial, e nos hospitais de longa permanência a

perspectiva tem sido de melhoria das condições arquitetônicas e de vida, através de

construção de casas no próprio espaço hospitalar e no ambiente externo, como nos

dispositivos residenciais implementados nos últimos anos.

Nos seminários de Gestão Participativa em Saúde da Região Metropolitana

do Rio de Janeiro, realizados em 2004 e abril de 2005, elaborou-se um diagnóstico

das questões sanitárias e de organização dos serviços, e ele aponta a falta de

serviços de saúde mental, alcoolismo e drogas.

O Rio Grande do Sul, segundo Paulin & Turato (2004), foi o estado em que

o modelo preventivo-comunitário foi mais marcante. Em Porto Alegre esse modelo

teve como exemplo emblemático a experiência desenvolvida na Unidade Sanitária

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de Murialdo, que desde a década de 1960 funcionava como unidade experimental

da Secretaria de Saúde do Estado e da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul. A partir de 1974, criou-se um programa alternativo de prestação de serviços,

sob a forma de sistema comunitário de saúde, desenvolvido para prover serviços

gerais de saúde sem dissociar as tarefas curativas e de reabilitação das de

prevenção e fomento. Os trabalhos estavam pautados nos pressupostos da saúde

pública e da Psiquiatria comunitária. As prioridades eram:

1) Atendimento às famílias;

2) Capacitação de pessoal técnico;

3) Treinamento de membros da comunidade para exercer o papel de

agentes de saúde;

4) Atividades grupais;

5) Avaliações epidemiológicas.

Essa experiência foi realizada com base em um modelo inteiramente

inovador de Psiquiatria comunitária no país, na época, em um momento no qual a

prática de assistência hospitalar predominava e as propostas comunitárias

praticamente não ultrapassavam a condição de documentos oficiais.

Foi também no Rio Grande do Sul que surgiu, no início dos anos 1960, a

Clínica Pinel, sob orientação dos princípios da comunidade terapêutica e o serviço

comunitário de saúde mental na Divisão Melanie Klein do Hospital Psiquiátrico

São Pedro, em Porto Alegre. No começo dos anos 1970, no município de Viamão,

interior do estado, criou-se o Centro Agrícola de Reabilitação para pacientes

internados no hospital psiquiátrico da cidade, que eram estimulados a trabalhar

em estabelecimentos agrícolas.

Dias (2001) aponta que no campo da saúde mental no Rio Grande do Sul, o

Movimento de Luta Manicominal foi polarizado pelo Fórum Gaúcho de Saúde

Mental, formado por trabalhadores de saúde, familiares e pessoas portadoras de

transtorno mental, que passou a lutar pela reversão do modelo centrado no hospício.

O estado foi cenário de uma ação forte do movimento da saúde mental a partir do

final da década de 80, que orientou uma concepção de “saúde mental coletiva”,

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calcada nas propostas de lutas por uma sociedade sem manicômios e nos

princípios do SUS. O Fórum Gaúcho de Saúde Mental passou a realizar um projeto

de capacitação, inclusive com publicações na Revista Saúde Mental Coletiva. Como

resultado desse movimento de legitimação, o Estado foi pioneiro, na história do

Brasil, em estabelecer uma legislação psiquiátrica estadual que contemplasse a

nova lógica em saúde mental, por meio da Lei n. 9.716, de 7 de agosto de 1992, que

dispõe sobre a Reforma Psiquiátrica.

O quadro de montagem e implantação dos novos serviços mostra,

conforme Brasil (2005) que existiam em 2005 no país 251 CAPS I, 266 CAPS II,

25 CAPS III, 56 CAPSi e 91 CAPSad. A região brasileira que apresenta o maior

número de CAPS é a região sudeste. No município do Rio de Janeiro, atualmente,

existem 12 CAPS, e Porto Alegre tem 6 CAPs .

2.3 O CENÁRIO DA PESQUISA: O HORIZONTE E TENDÊNCIAS DO

TRABALHO EM SAÚDE MENTAL

“Tendências não destinos”.(ANSOFF, 1883, apud, AMARANTE, et.al, 2002).

Nesta parte de nosso trabalho buscamos sistematizar as informações e o

debate sobre o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que constitui um

dispositivo estratégico da rede e da política de saúde mental, e um dos elementos

centrais do que há de mais inovador nas propostas da Reforma Psiquiátrica.

Assim, o CAPS foi eleito como cenário de nossa pesquisa. Apresentaremos

também as implicações das orientações do Sistema Único de Saúde (SUS) e da

Reforma Psiquiátrica nas transformações do processo de trabalho em saúde

mental e os agentes envolvidos (profissionais, usuários e familiares), que geram

lutas, conflitos e avanços no interior do campo da saúde mental, como

observamos nas sessões anteriores, em que a trajetória histórica dos serviços foi

revelada. Neste sentido, buscamos acentuar as particularidades das forças e das

lutas sociais atuantes no campo dos “CAPS”.

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Na proposta oficial da política de saúde mental hoje no país, segundo

Brasil (2005), os CAPS27 têm como função: prestar atendimento clínico em regime

de atenção diária, evitando reinternações em hospitais psiquiátricos; promover a

inserção social das pessoas com transtornos mentais por meio de ações

intersetoriais; e regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde

mental na sua área de atuação, dando suporte à atenção em saúde mental na

rede básica. O processo de trabalho em saúde mental está calcado na busca de

ruptura do binômio isolamento social/cura enfatizado pelo modelo biomédico de

medicalização e focalização dos sintomas/patologias. Esse “novo” modelo está

pautado em uma concepção ampliada de saúde, implicada numa relação com o

contexto econômico, social e cultural do País, ou seja, abrange situações de

moradia, saneamento, renda, alimentação, educação, acesso lazer e bens. Essa

nova concepção busca abrir canais de democratização dos saberes profissionais,

bem como das informações acerca do processo de saúde/sofrimento psíquico.

Os CAPS têm como predominante o núcleo cuidador como organizador do

processo de trabalho em saúde mental. Portanto, abrindo diálogo e

potencializando intervenções para além do biológico e integrando outros olhares

profissionais sobre o “fenômeno” da loucura na sociedade e novas intervenções

que consigam ser eqüitativas e integrais buscando romper com posturas

27

Segundo Brasil (2005), os CAPS se caracterizam pela sua capacidade de assistência: CAPS I - são de menor porte, capazes de oferecer uma resposta efetiva às demandas de

saúde mental em municípios com população entre 20.000 e 50.000 habitantes. Estes serviços têm uma equipe mínima de 9 profissionais, entre profissionais de nível médio e superior, têm como clientela adultos com transtornos mentais. Funcionam 5 dias da semana.

CAPS II - são serviços de médio porte, e dão cobertura a municípios com mais de 50.000 habitantes. A clientela típica destes serviços é adulta com transtornos mentais severos e persistentes. A equipe mínima é formada por 12 profissionais, entre profissionais de ensino médio e superior e também funcionam cinco dias da semana.

CAPS III - são serviços de maior porte da rede CAPS que dão cobertura aos municípios com mais de 200.000. Esta modalidade se faz presente hoje, na maioria, nas grandes metrópoles. Os CAPSIII são de alta complexidade, uma vez que funcionam 24 horas em todos dias da semana, tem no máximo cinco leitos para internações de curta duração e faz acolhimento noturno. A equipe mínima é de 16 profissionais (entre ensino médio e superior).

CAPSi - são serviços especializados no atendimento de crianças e adolescentes com transtornos mentais. A equipe mínima é de 11 profissionais de nível médio e superior.

CAPSad - são serviços especializados nos atendimentos a pessoas que fazem o uso prejudicial de álcool e outras drogas, equipamentos previstos para cidades com mais de 200.000 habitantes, ou por localização geográfica (municípios de fronteira, ou parte da rota de tráfico de drogas). A equipe mínima é de 13 profissionais de nível médio e superior.

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corporativas, pois reconhece e valoriza os saberes para além da Psiquiatria28.

Conforme Passos (2006, p.1, grifos nossos),

Quando dizemos que o CAPS é uma ação psicossocial é porque o cuidado se dá no limite entre o individual e o coletivo. Foi nesta experiência–limite que o movimento da reforma psiquiátrica fez sua aposta e é aí que os serviços substitutivos devem afirmar os seus dispositivos de intervenção (...) uma experiência–limite entre o individual e o coletivo, e se afirmamos que estes termos se distinguem, mas não se separam é porque outra relação de inseparabilidade se coloca: aquela entre clínica e política. (...) no campo da reforma psiquiátrica, clinica e política são domínios que não se distinguem.

As propostas de atenção em saúde mental na direção da Reforma

Psiquiátrica têm implícita uma orientação ético-política articulada ao SUS e aos

seus princípios norteadores: saúde, como um direito fundamental e dever do

Estado, enfatizando o acesso universal na atenção em saúde mental com base

em integralidade, intersetorialidade, eqüidade, universalidade, igualdade e no

controle social (no sentido da participação popular dos usuários e familiares). Esta

concepção do SUS ampliou o conceito de saúde para além da dimensão biológica,

pois o processo saúde/doença está contido numa relação com o contexto

econômico, social e cultural do País, ou seja, abrange situações de moradia,

saneamento, renda, alimentação, educação, acesso lazer e bens. Expressa a

necessidade de uma abordagem intersetorial e interdisciplinar, sobre o alicerce

dos conceitos de eqüidade, integralidade e universalidade, que visam, por meio da

abordagem interprofissional, atender às necessidades de saúde, de modo amplo.

28Como já abordamos anteriormente, historicamente o campo da saúde mental, no Brasil, esteve sob dominação do modelo biomédico, ou seja, houve uma ênfase nos saberes biológicos traduzidos na valorização dos “sintomas” e na terapêutica do isolamento social/cura em detrimento das dimensões subjetivas e sociais do louco. Os saberes sobre o “social” e a “subjetividade” eram importantes neste modelo na medida em que contribuíam para a avaliação das condições sociais e “emocionais” para “adequar” o usuário e família na comunidade, contribuindo, desse modo, para “harmonia” institucional e social. O trabalho da equipe se realizava de forma fragmentada e compartimentada, intervindo, quando necessário, e cada um fazendo sua parte para que “todo” funcionasse “bem”, sob centralidade do saber médico. Os usuários e familiares, nesse contexto, se apresentavam como “despossuídos” de decisões, sendo convocados para “obedecer“ às recomendações dos técnicos. Este modo de trabalhar em saúde, associado aos fatores da ineficiência e enclausuramento de grande parte dos usuários nos hospitais psiquiátricos, em condições insalubres e desumanas, começou a ser questionado a partir do Movimento de Reforma Psiquiátrica que se inicia em 1978, com o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental.

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Conforme a II Conferencia Nacional de Saúde mental (1992 apud Dias, 2001,

grifos nossos),

As ações de atenção integral à Saúde mental devem priorizar o atendimento interdisciplinar ao portador de sofrimento mental, com participação familiar e comunitária nos serviços de saúde, substituindo o modelo manicomial e hospitalocêntrico por atendimentos em unidades de saúde, em centros de atenção psicossocial, pensões protegidas, em centros de convivência e cooperativas (...).

Para Mattos (2001, p.41), “a integralidade não é apenas uma diretriz do

SUS definida constitucionalmente. Ela é uma bandeira de luta, pois a proposta da

integralidade é uma ruptura com estruturas organizacionais dos serviços de saúde

(centralidade no saber biomédico) e com as práticas fragmentárias e

reducionistas“. Sua colocação significa uma luta permanente para que as barreiras

à sua implementação sejam eliminadas totalmente da realidade do campo da

saúde mental.

Dias (2001, grifos nossos) destaca as seguintes diretrizes que orientam os

serviços de saúde mental inspirados na Reforma Psiquiátrica:

a) Acolhida: caminha no sentido da universalidade, pois é a capacidade de

desenvolver ações que acolham todos os usuários que procuram os serviços sem

distinções que levem à exclusão e à segregação, bem como organizar os serviços

de forma que haja disponibilidade para o atendimento e escuta imediata. No

espaço institucional, a acolhida se constitui como porta de entrada das demandas

e necessidades dos usuários. A partir da acolhida que é a feita a triagem. A

triagem é realizada pela equipe ou na forma de rodízio de duplas de profissionais.

Nela é realizada uma entrevista a fim de coletar alguns dados para o

desenvolvimento do plano terapêutico. Também são feitos encaminhamentos ao

trabalho, aos serviços da comunidade e o atendimento aos familiares, quando

necessário.

b) Vínculo: entendido como humanização da relação com o usuário, na sua

singularidade, reconhecendo em cada um a capacidade crítica e escolha da

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modalidade de atendimento que está adequada às suas necessidades, bem como

a responsabilidade da unidade ou serviço na solução de problemas observados na

sua área de abrangência, por meio de oferta de ações qualificadas, eficazes e que

permitam o controle pelo usuário.

c) Contrato de cuidados: mediante a elaboração e a informação aos usuários

dos processos de atenção à saúde, individual ou coletiva, terapêutica ou de

promoção. Ele deve considerar a história de vida, a cultura e as particularidades

de cada cidadão, suas inter-relações na sociedade, reconhecendo que cada

pessoa tem um saber sobre suas fragilidades e suas capacidades.

Outro aspecto importante que aparece na organização dos serviços de

saúde mental inspirados na Reforma Psiquiátrica é a concepção de território.

Conforme Amarante & Giovanella (2002, p.145),

A substituição da idéia de comunidade pela de território não visa estabelecer apenas uma distinção com a comunidade da Psiquiatria comunitária. O território é uma força viva de relações concretas e imaginárias que as pessoas estabelecem entre si, com os objetos, com a cultura, com as relações que se dinamizam e se transformam. (...) O trabalho no território não é um trabalho de construção ou de promoção em saúde mental, mas de reprodução de vida, de subjetividades. (...) uma atuação territorializada, significa dizer que se assumem completa responsabilidade pelas questões relativas à atenção nos sofrimentos psíquicos e de mal-estar dos sujeitos em sua sociabilidade.

Dias (2001) também anuncia a orientação para o processo de trabalho da

equipe, no qual destacamos:

a) Interdisciplinaridade: a atuação da equipe em considerar os diferentes

campos de saber e a abordagem do sujeito como um todo, atento ao contexto

socioeconômico-cultural no qual ele está inserido.

b) Integralidade da atenção: a equipe deve estar capacitada a oferecer, de forma

conjunta, ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, no âmbito

individual e coletivo.

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c) Intersetorialidade: o desenvolvimento de ações deve ser integrado entre os

serviços de saúde, outras políticas públicas e programas.

d) Plano terapêutico individual: a assistência deve resultar na elaboração de um

plano, pela equipe, de uma rotina personalizada para cada usuário, de acordo com

necessidades terapêuticas, visando a sua melhora na socialização, educação em

saúde e cuidados pessoais.

Neste sentido, as novas configurações na saúde mental coletiva, a partir de

uma concepção ampliada de saúde, geram impactos no trabalho das profissões,

pois criam necessidade de intenso diálogo, planejamento em conjunto e as

fronteiras entre as profissões aparecem nesse modelo menos “rígidas“, pois o

trabalho torna-se cada vez mais coletivo e plástico, exigindo a constante interação

e comunicação. Essa situação atual das profissões provoca movimentos de

tensão no seu mandato social historicamente circunscrito.

Segundo Vasconcelos (2004), mandato social implica na formalização das

profissões, é acompanhada por um reconhecimento de reivindicações de um

saber e competência exclusivos, na qual as esferas dominantes daquela

sociedade particular ou o Estado atribuem um mandato social para tomar

decisões, realizar tarefas específicas, controlar recursos e para a atribuição de

responsabilidade legal em caso de problemas, cristalizando um patamar próprio

da divisão social e técnica do trabalho. Nas democracias modernas esse processo

é formalizado pelas esferas legislativas, através das legislações profissionais e

assistências, mas o mandato social sofrerá também fortes influências da forma

como se estruturam as políticas sociais, na esfera do executivo e da sociedade

civil, bem como dos interesses das empresas e organização, bem como dos

interesses das empresas e organizações corporativas que atuam no campo.

Um dos aspectos resultantes da ascensão de novos saberes na saúde, a

partir da interdisciplinariedade, é a competitividade por espaços ocupacionais

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associados de forma mais igualitária, na relação de poder e saber. Segundo

Machado (1997, p.16),

(...) o poder e saber médicos estão sendo, de certa forma, questionados e partilhados por outros profissionais da área (psicólogos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas etc), e até mesmo os engenheiros biomédicos e os técnicos que lidam com sofisticados instrumentos computadorizados, utilizados em salas de cirurgias ou de delicados diagnósticos, procedimentos e terapêuticas.

Vasconcelos, E. (2004) afirma que, nas últimas décadas no campo da

saúde mental, no Brasil, ocorreram várias tentativas de usurpar competências e de

imperialismo entre profissões, tais como o Projeto de Lei de um deputado federal

médico tentando proibir a psicoterapia para os psicólogos, no inicio da década de

1980. Outro exemplo é o movimento mais recente da Medicina que tenta demarcar

seu poder profissional no âmbito jurídico por meio do Projeto de Lei do “Ato

Médico”, que visa reverter a perda de espaço no campo, em seus atos em saúde,

para outras profissões como Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia, entre

outros.

Segundo Bourdieu (1998), podemos considerar que o campo ocupacional é

regido por capitais e os agentes sociais são distribuídos pelo maior capital cultural

e econômico, e que está articulado ao habitus profissional, que fornece bases de

seu posicionamento no espaço ocupacional e na luta simbólica, proporcionando

maior ou menor identificação com o grupo social do campo. Avaliamos que existe

no campo da saúde mental uma luta simbólica29, fruto das mudanças no campo

que descentraliza o poder do médico e modificam as tradicionais abordagens das

profissões, exigindo a criação de novas propostas e uma intervenção que

possibilite a reinvenção da vida. Podemos então considerar que o “Ato Médico” é

uma reação à competição e às “fissuras” no capital cultural e simbólico da

29 Ainda nesse mesmo eixo de análise da luta simbólica, referente aos capitais presentes no campo ocupacional, podemos compreender que na política de assistência social, o capital cultural e econômico dominante é do Serviço Social. Isto ocasiona um desconforto em outras profissões na inserção nesse campo. Segundo Vasconcelos, E. (2004, p.36), “(...) quando os psicólogos se inserem nas equipes da Assistência Social, tendem a se sentir despreparados para o trabalho social, ou insistem na possibilidade de acionarem suas competências de atendimento clínico convencional, seja individual ou de família”.

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medicina no mercado de trabalho, que produz novas formas de organização do

campo.

O aspecto corporativo das profissões está também ligado à defesa dos

espaços conquistados no mercado de trabalho. As profissões, por meio das

organizações corporativas (os sindicatos, associações e conselhos profissionais),

estabelecem continuamente fronteiras de saber e competência com outras

profissões; exercem controle sobre a formação e as práticas dos afiliados,

incluindo normas éticas que defendem interesses econômicos e políticos, tais

como nichos no mercado de trabalho, recursos para pesquisa e treinamento,

salários, condições de trabalho, políticas setoriais que atingem a área, etc. As

instituições corporativas, por sua vez, sofrem influências das organizações

econômicas, institucionais e políticas que atuam no campo (VASCONCELOS, E.,

2004).

Segundo Larson (1980), a natureza corporativa das profissões está

relacionada ao processo histórico de profissionalização/legitimação dos “produtos

profissionais/serviços” na sociedade30. O controle corporativo foi/é necessário para

“criar” uma ideologia de persuasão e coerção no “consumo dos serviços”

profissionais, sendo que o Estado também se insere nesse processo no sentido de

dar legitimidade jurídica. Para a autora (1977, apud DUBAR, 1997, p.150) “os

profissionais assalariados, como os profissionais ‘liberais’, são aqueles que

conseguiram organizar a aquisição e a legitimidade da sua competência em

vastos campos funcionais, na base de títulos oficiais de que são detentores”.

30 Juntamente com o avanço da saúde e da interdisciplinaridade, ocorre atualmente no Brasil uma proliferação nos estudos da Sociologia das Profissões. Segundo Barbosa (1999), o estudo sociológico dos grupos profissionais tornou-se, nos últimos anos, um tema legítimo para investimentos acadêmicos no Brasil e pela primeira vez um livro publicado pela FIOCRUZ tenta dar conta do conjunto de questões teóricas da Sociologia das Profissões. A nosso ver, esta tendência expressa na produção da Sociologia das Profissões, no campo da Saúde Coletiva, está relacionada às propostas/modificações que estão em processo na Saúde Pública, por meio das propostas “inter” que fomentaram a necessidade de uma “auto-reflexão” no âmbito profissões e suas dimensões para constituição das práticas “inter”. Observamos, também, um movimento “corporativo” expressado pela regulamentação das profissões (da Educação física, Jornalismo, etc), sindicalização dos profissionais liberais e modificações nos Códigos de Ética que demonstram, entre outras coisas, um processo de demarcar território profissional no mercado trabalho. Esse movimento está entre outras coisas, intimamente ligado à competitividade do mercado atual das profissões, que provoca movimentos de tensão no seu mandato social historicamente circunscrito.

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Acreditamos que os atuais conflitos e disputas no campo da saúde mental,

manifestados nas relações interprofissionais e nas fronteiras profissionais de

competências, também estão ligados às mudanças no modelo de atenção de

saúde mental, com uma nova direção ético-política, pois como já relatamos

historicamente, o campo da saúde mental foi dominado durante mais de um

século pelo capital econômico, cultural e simbólico da Psiquiatria, ou seja, era

esse grupo profissional que detinha o mandato social da intervenção na loucura. A

partir da Reforma Psiquiátrica há tentativas de rupturas com essa dominação e de

ascensão de outros saberes e novas abordagens que valorizam outras categorias

profissionais, levando ao reconhecimento e a cargos de direção dos serviços de

saúde. Contudo, a nosso ver este processo, se por um lado apresenta um aspecto

bastante “progressivo”, por outro, mais extremo deste “discurso”, pode nos levar

ao esvaziamento dos “núcleos dos problemas concretos (profissionais)” que estão

pautados nas especificidades profissionais, o que tem como conseqüência a

negação dos diferentes saberes na atenção universal, integral e eqüitativa das

necessidades complexas dos usuários.

Para Iamamoto (2001), o processo expresso na reestruturação industrial e

das políticas de cunho neoliberal tem apresentado claras refrações nos processos

de trabalho, no controle e gestão da força de trabalho, assim como na feição dos

mercados. Para a autora, observa-se uma transformação no tipo de atividade

atribuída ao assistente social, exigindo cada vez mais sua inserção em equipes

interdisciplinares, seu desempenho na formulação de políticas públicas

impulsionadas pelo processo de municipalização; o trato com a informática, com

as novas técnicas e discursos gerenciais, entre outros aspectos, o que muitas

vezes tem sido visto como desprofissionalização, perda de espaços e restrições

de suas possibilidades ocupacionais. A profissão tem construído parte de sua

história investindo na implementação e execução de políticas públicas, mas a

descentralização das políticas sociais impõe a construção de outros

conhecimentos no Serviço Social, que incidam na esfera da formulação e

avaliação de políticas, assim como no planejamento e gestão inscritos em equipes

interprofissionais. Também aponta que atualmente é comum encontrar o

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assistente social partilhando atividades com outros profissionais - pedagogo,

sociólogo, psicólogo, arquiteto, advogado, economista - na coordenação de ações

comunitárias, nos programas de saúde mental, nas empresas, em ONGs, etc.

Porém, para a autora, é importante desmistificar a idéia de que a equipe, ao

desenvolver ações coordenadas, cria uma identidade entre seus participantes que

leva à diluição de suas particularidades profissionais que o trabalho coletivo não

impõe. Ao contrário, exige maior clareza no trato das mesmas e o cultivo da

identidade profissional, como condição de potencializar o trabalho conjunto.

Segundo Severino (1998), para se constituir, a perspectiva interdisciplinar

não opera uma eliminação das diferenças: tanto quanto na vida em geral,

reconhece as diferenças e as especificidades, convive com elas, sabendo,

contudo, que ela se reencontra e se complementa, contraditória e dialeticamente.

A interdisciplinaridade implica um plano prático operacional, que se estabeleça

como mecanismos e estratégias de efetivação desse diálogo solidário no trabalho

científico, tanto na prática da pesquisa, como naquela do ensino e na prestação de

serviço.

É importante enfatizar que o trabalho interdisplinar significa o

entrelaçamento dos distintos saberes que têm como pressuposto o

reconhecimento da existência de diferentes disciplinares/saberes que articulados,

vão de encontro à “satisfação” de necessidades complexas dos usuários. Não é

negar a especificidade profissional que “garante” propostas de trabalho integrais e

eqüitativas, mas o reconhecimento da importância dos distintos conhecimentos

como dispositivos de cuidados que são acionados no sentido de uma concepção

de saúde ampliada.

Segundo Vasconcelos, E. (2004), é necessário reconhecer que a proposta

de práticas interdisciplinares convive, na realidade, com um conjunto de

estratégias de saber intra e intercorparativas e de processos institucionais e

socioculturais muitos fortes, que impõem barreiras profundas às trocas de saberes

e às práticas interprofissionais colaborativas e flexíveis desencadeadas pela

interdisciplinaridade. O autor afirma que as crises atuais do Estado e as

conseqüências políticas do ajustamento neoliberal não proporcionam uma cultura

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e um ambiente profissional adequados para a interdisciplinaridade no contexto da

saúde pública, pois dificultam que os profissionais possam adotar as propostas de

mudanças de suas identidades profissionais convencionais para aderir às práticas

interdisciplinares, pois exige um mínimo de reciprocidade em termos de salários

dignos, boas condições de trabalho, jornada de trabalho que evite o multiemprego

excessivo e investimento, capacitação e supervisão.

Antunes (1999), em sua análise sobre mundo do trabalho, indica que,

particularmente nas últimas décadas, a sociedade vem apresentando profundas

transformações, tanto nas formas da materialidade quanto na esfera da

subjetividade, dadas as complexas relações entre essas formas de ser e existir da

sociabilidade humana relacionada ao mundo do trabalho. Para o autor, o setor de

serviços está cada vez mais se aproximando da lógica e da racionalidade do

mundo produtivo, gerando uma interpenetração recíproca entre elas (trabalho

produtivo e improdutivo). Diante das transformações no mundo trabalho, é

necessário ampliar o conceito marxiano de classe para “classe-que-vive-do-

trabalho”, aderindo a uma noção ampliada de classe trabalhadora, que inclui,

então, todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho, em troca de

salário, incorporando, além do proletariado industrial, os assalariados do setor de

serviços, também os proletários rurais, que vende sua força de trabalho para o

capital. Esse movimento de assalariamento/proletarização dos profissionais

desencadeia uma redução no exercício da autonomia no processo de trabalho e o

acirramento da competitividade na inserção no mercado, que não se limitam

apenas aos profissionais liberais reconhecidos convencionalmente, como os

advogados, médicos e engenheiros.

Observamos no contexto atual que o setor de serviços torna-se “vital” ao

ciclo da acumulação capitalista. Essa imbricação da lógica capitalista com o setor

serviços repercute no campo das profissões acarretando um movimento de

assalariamento/proletarização e impondo uma racionalidade “produtiva” a todas as

profissões.

Para Merhy (2002), o trabalho em saúde tem sofrido influências das

organizações produtivas hegemônicas e das mudanças tecnológicas, na

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passagem da modelagem do tipo da Medicina Tecnológica, que se assemelha, em

parte, aos processos produtivos fabris, porém não tem as mesmas características

típicas da indústria, pois se localiza no terreno dos serviços. A transição

tecnológica que se vem construindo no campo da saúde é provocada pela

presença do capital financeiro que busca atingir o trabalho vivo em ato, na sua

capacidade de produzir saúde. A reestruturação produtiva se expressa pela

aparição do que se chamou de “atenção gerenciada”, que cria uma gestão

competitiva em torno da noção de clientela e gerenciamento do cuidado pautado

na racionalidade instrumental.

Podemos também observar que esse novo modo de trabalhar em saúde

mental, além da tensão e contradição macroestrutural, traz consigo um conflito

latente nas equipes interprofissionais, já que as formações profissionais “não

ensinaram” a trabalhar de forma coletiva integrada e muitas vezes reforçaram o

caráter corporativista das profissões pautado na lógica compartimentada da

ciência, sem uma noção de totalidade e complexidade do processo

saúde/sofrimento psíquico.

Um aspecto importante sobre o mercado trabalho do Serviço Social é a

ampliação do debate e intervenção do “social”, pois desde o final do regime militar

e promulgação da Constituição de 1988, verifica-se um grande interesse pela ação

social. Dois fatores que contribuiriam para isso: primeiro são de fato, os avanços

em termos de democratização política, e o segundo fator é a crescente

transferência de responsabilidade de parte do governo federal para as

organizações da sociedade civil no tocante ao enfrentamento da questão social.

Para Vasconcelos, A. (2003), o terceiro setor passou a ser procurado por

diferentes profissionais, além das profissões predominantes - Serviço Social,

Direito, Psicologia -, e buscam não só um mercado de trabalho, mas articular um

ganho financeiro ao exercício da cidadania.

As ONGs (Terceiro Setor) ampliam o debate do “social”, mas, por outro

lado, trazem consigo questões como a precarização dos vínculos trabalhistas e

das políticas publicas, principalmente, da política de Assistência Social, pois esta

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modalidade transfere a responsabilidade política pública para a esfera privada, da

sociedade civil e empresarial, levando à mercantilização “total” do trabalho social.

Essas modificações, ocorridas no espaço sócio-ocupacional,

desencadeadas pela ampliação do “social”, seja por via das ONGs ou pela nova

orientação da política de saúde coletiva, remetem à profissão o desafio de criar

fronteiras e de se afirmar. As novas configurações na saúde pública geram

impactos no mercado de trabalho das categorias profissionais. Vivemos o

acirramento da competitividade por espaços ocupacionais associados, a abertura

de fronteiras entre as profissões de forma mais igualitária, a inserção em equipes

interdisciplinares e ampliação do debate e da intervenção de outras profissões em

relação à questão social, que foi promovida pela ampliação dos dispositivos

democráticos e de ampliação de direitos constitucionais (SUS, Estatuto da Criança

e Adolescente, Estatuto do Idoso, Direitos Humanos, etc.) e inserção das

Organizações Não Governamentais (ONGs).

Assim, no decorrer desta sessão verificamos que a construção da

integralidade, eqüidade e universalidade, articulada às abordagens

interdisciplinares e intersetoriais, no campo da saúde pública, mostram-se

carregadas de desafios por diversas razões:

a) históricas e culturais: temos um longo período de dominação biomédica/

privatista, orientada por uma concepção de saúde/doença reduzida aos aspectos

biológicos;

b) políticas: influência do ajuste neoliberal, desarticulação e precarização

das políticas e a ideologia da desvalorização/despolitização do serviço público;

c) profissional: o caráter corporativo e auto-suficiente das profissões sem

noção de totalidade e complexidade durante sua formação universitária

convencional;

d) condições de trabalho: a precarização dos vínculos trabalhistas e

redução da autonomia profissional.

Consideramos que a saúde mental e os agentes que a compõem

(usuários, familiares e profissionais) estão passando por um processo de

transformação nas suas relações sociais e institucionais que têm, como gênese,

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as mudanças macrossociétarias geradas pelo avanço do neoliberalismo, que

repercutem na organização institucional e na vida social. Também estão

atravessados contraditoriamente pelo avanço das lutas pelos direitos sociais,

como pelo movimento de Reforma Psiquiátrica. Este processo não se restringe

apenas ao Serviço Social, mas a todas as categorias profissionais que trabalham

na saúde mental, pois estão aí implicadas as modificações da organização do

trabalho, do mercado e as mudanças no campo da saúde mental coletiva.

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101

.

Sobre o Ofício de Construir Estrelas

e os Riscos das Verrugas

Eis minhas mãos: não tenho porque escondê-las,

ainda que, por teimosia, tragam verrugas nos dedos

por apontar estrelas.

(...) Este é o nosso ofício, este é o nosso vício. Cego enlouquecido,

visão por trevas tomada insiste em apontar estrelas mesmo em noites nubladas.

Ainda que seja por nada insisto em aponta-las

mesmo sem vê-las com a certeza que mesmo nas trevas

escondem-se estrelas.

Enganam-se os que crêem que as estrelas nascem prontas.

São antes explosão brilho e ardência

imprecisas e virulentas herdeiras do caos furacão na alma

calma na aparência.

Enganadoras aparências...

Extintas, brilham ainda: Mortas no universo

resistem na ilusão da retina.

(Por Mauro Iasi)

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3. A EPOPÉIA DO CLARO E ESCURO DO COTIDIANO PROFISSIONAL

“Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem superficial que nos pressiona” (LUFT, 2005).

Neste capítulo abordaremos inicialmente a metodologia que orientou o estudo;

e apresentaremos a análise qualitativa das entrevistas realizadas com assistentes

sociais que trabalham nos CAPSs dos municípios do Rio de Janeiro e de Porto

Alegre. A análise visa o entendimento do fazer profissional partindo do que é claro

(o que se apresenta de forma óbvia, explícita e evidente e que às vezes, por ser

tão claro, é banalizado) e escuro (escondido, implícito) no processo de trabalho e

nas lutas simbólicas do campo da saúde mental, buscando evidenciar os nuances

da realidade cotidiana e contribuir para que a profissão avance em sua

intervenção.

3.1 O RIO E O OCEANO: A PESQUISA DE CAMPO

“Diz-se que mesmo antes de um rio cair no oceano, ele treme de medo. Olha para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, dos povoados, e vê a sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer Mas não há outra maneira. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando entra no oceano é que o medo desaparece, porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano. Mas tornar-se oceano. Por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento.” (Anônimo)

Nesta sessão apresentaremos nossa pesquisa, que investigou

empiricamente o trabalho dos assistentes sociais nas equipes interdisciplinares da

rede de atenção psicossocial (CAPS) dos municípios do Rio de Janeiro e de Porto

Alegre, em 2005/2006, pautada nas percepções dos assistentes sociais do

trabalho cotidiano no CAPS. O campo estudado apresentou-se como um vasto

oceano de informações trazendo consigo o “medo” diante da complexidade da

realidade na inter-relação dos processos históricos, pressupostos e conceitos

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mediados pelo processo investigativo (contatos telefônicos, entrevistas,

transcrição de fitas, leitura atenta das entrevistas, elaboração de eixos analíticos,

escolhas, relatos).

Buscamos abordar não só o que há de difícil, de inábil, de precário, mas

também o que existe de potente, de “extra-ordinário” na contribuição do assistente

social para o campo da saúde mental. Portanto, nossa análise visa ir para além do

que oprime e aliena, tentando estudar a importância da atuação do profissional

nas equipes interprofissionais e seus “reais” conflitos cotidianos.

Para Bourdieu (1998), os atos aparentemente mais insignificantes da vida

cotidiana nos revelam os princípios fundamentais da “organização” cultural e da

ordem política que se impõe como evidente.

Este estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa, que buscou

abordar de forma mais abrangente possível a realidade investigada, orientada na

definição do objeto de pesquisa e balizada nos pressupostos. O principal

instrumento utilizado para coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada,

gravada com consentimento das entrevistadas. Todas participaram livremente, por

meio de termo de consentimento que lhes assegurava a não identificação. A partir

dos relatos das entrevistadas foram elaborados “eixos” temáticos analíticos para o

estudo.

Para realização da pesquisa foi feito contato telefônico com todos os CAPS

do Município do Rio de Janeiro, 2 CAPS /infantil e 9 CAPS para adultos, sendo

que desses serviços, três não têm assistentes sociais. Inicialmente tivemos

dificuldades para estabelecer contato por meio telefônico (tive que ligar inúmeras

vezes, atrasando o andamento da pesquisa). Esta dificuldade foi, na maioria das

vezes, devido ao fato de que os profissionais estavam em atendimento, ou não era

o dia de seu trabalho no CAPS. Em Porto Alegre, também fiz contato telefônico,

quando foi solicitado o envio do projeto de pesquisa para avaliação das equipes

(CAPS Clínicas, CAIS Mental, CAPS Conceição). O projeto foi aprovado por todas

as equipes, porém no CAPS Conceição ainda teria de passar pelo Comitê de Ética

do Hospital Conceição. Este se reuniria apenas no final de fevereiro, o que

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inviabilizou a entrevista, pois estava no final de prazo do mestrado, já que

enquanto bolsista da CAPES, teria que defender até o final de março.

Foram realizadas cinco entrevistas com assistentes sociais do Rio de

Janeiro e duas em Porto Alegre. Todas as entrevistadas trabalham em CAPS para

adultos, cadastrados no Ministério da Saúde. O total da amostra da pesquisa é de

sete assistentes sociais. As entrevistas transcorreram no local de trabalho das

entrevistadas. Houve poucas interrupções, tanto por parte dos técnicos, quanto de

usuários, sem prejuízo da coleta de dados.

3.2 ANALISANDO A SINGULARIDADE E A PLURALIDADE DAS

PERCEPÇÕES DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO COTIDIANO DO CAPS

(...) cada um de nós é uma biografia, uma história. Cada um de nós é uma narrativa singular que, de modo contínuo, inconsciente, é construída por nós, por meio de nós e em nós – por meio de nossas percepções, sentimentos, pensamentos e ações (SACKS, 1997, p.129 apud MELLO, 2001, p.87).

Nesta parte de apresentação dos dados, descrevemos inicialmente os eixos

de análise do trabalho dos assistentes sociais no CAPS. Organizamos o material

nos seguintes eixos temáticos, alicerçados por perguntas, a saber:

A) Formação profissional e Reforma Psiquiátrica - (Como está atualmente a

relação entre o habitus profissional, capital cultural e os conhecimentos sobre a

Reforma Psiquiátrica?) Nosso objetivo é avaliar a apreensão dos conhecimentos

acadêmicos e de que modo o saber profissional está em consonância com a

Reforma Psiquiátrica. Portanto, buscamos avaliar o habitus acadêmico

relacionado com as experiências cotidianas dos assistentes sociais.

B) CAPS e o processo de trabalho em saúde mental - (Que repercussões

as mudanças da política de saúde mental produziram na orientação do trabalho

profissional?) Neste eixo, analisamos como os assistentes sociais percebem a

instituição e as relações profissionais. Também neste aspecto visamos entender

como ocorre a dialética entre habitus profissional e campo na vivência cotidiana.

C) As velhas e novas demandas - (Qual é o capital simbólico do assistente

social em perspectiva histórica, habitus e sua percepção da contribuição

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profissional na satisfação das demandas em saúde mental?) Nossa

intencionalidade é observar quais são as demandas velhas que ainda “persistem”

do sistema hospitalocêntrico e de que modo são operacionalizadas e elaboradas

atualmente. Além de verificar quais são as novas demandas oriundas desse

modelo de atenção e sua relação com capital simbólico do Serviço Social.

D) Especificidade e legitimidade - (Qual é a percepção que os assistentes sociais

têm acerca da sua especificidade e legitimidade na equipe?) Nossa finalidade é

compreender as fronteiras da competência profissional e como os assistentes

sociais reivindicam/ram, o que aparece como “privativo” e específico em seu

trabalho cotidiano na equipe, além de entender como observam sua fonte de

“poder” e legitimidade.

A ) Formação e Reforma Psiquiátrica

“Saúde mental é vista como uma coisa à parte, mas não como saúde, nem na formação teórica” (Entrevista 5).

Neste eixo primeiramente vamos apresentar uma caracterização das

assistentes sociais entrevistadas, com a finalidade de compreender o habitus31

profissional. Para isso, elaboramos o quadro a seguir:

31 Como já abordado anteriormente o habitus é um principio gerador que impõe um esquema durável, mas é suficientemente flexível, a ponto de possibilitar improvisações reguladas, pois permite ajustamentos e inovações às exigências postas pelas situações concretas que põem à prova sua eficácia.

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106

QUADRO 1: Caracterização das entrevistadas

AS Sexo Universidade Vínculo

trabalho

Aprimoramento ou

especialização

Conhecimentos

de Reforma

Psiquiátrica na

graduação

1 Fem UFRJ-1994

Tercerizada

Especialização em Saúde

Mental-ENSP (não concluída) Não

2 Fem

Faculdade de

Serviço Social

Veiga de

Almeida- 1976

Funcionária

Pública da

Prefeitura

Curso de Atualização para

Oficinas em Saúde Mental.

Ministério da Saúde

Não

3

Fem UFRJ-2002

Funcionária

Pública da

Prefeitura

Especialização em Saúde

Mental-Instituto Brasileiro de

Psiquiatria-UFRJ

Não

4 Fem UFRJ-1987 Tercerizada

Especialização em Saúde

Mental-Instituto Brasileiro de

Psiquiatria-UFRJ

Não

5 Fem UERJ- 1994

Funcionária

Pública da

Prefeitura

Especialização em Saúde

Mental-FIOCRUZ

Especialização em Serviço

Social na Saúde – UERJ

Não

6 Fem PUCRS-1985

Funcionária

Pública

Federal

Especialização em Terapia de

Família e Grupo. Não

7 Fem PUCRS-1982

Funcionaria

Pública

Prefeitura

Mestrado em Serviço Social -

PUCRS Não

Em relação ao ano de formação, temos três assistentes que concluíram

seus cursos na década 80, e possivelmente receberam a influência mais “direta”

do movimento de intenção de ruptura e a transição de currículo de 1982 e sua

implementação. As duas entrevistadas formadas na década de 90 e a formada em

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2002, já tiveram, em sua graduação, um currículo consolidado com direção da

“intenção de ruptura” e acompanharam o debate sobre o Projeto Ético-político

presente no Código de Ética de 1993. Somente uma assistente social, graduada

na década de 70, teve uma formação que ainda recebeu influência “direta” da

perspectiva “modernizadora e de reatualização do conservadorismo”.

Com base nesses dados, podemos considerar que a maioria das

entrevistadas (7) recebeu durante sua formação uma influência das mudanças

teóricas e políticas da profissão, na direção de projetos societários comprometidos

com a classe trabalhadora. Esta formação política é percebida pelos assistentes

sociais como algo que os diferencia dos outros profissionais. Como apresentamos

nos seguintes depoimentos:

“Acho que formação da gente é uma boa formação política, marxista, dá uma base muito forte para a gente trabalhar em política pública. Eu acho, eu sinto esse diferencial até em relação a outros profissionais (...)” (Entrevistada 3).

“Tem muita gente da equipe que nem sabe o que é controle social, nem imagina que existe conselho distrital. Aí, eu acho que compete ao assistente social, como um trabalhador politizado, estar divulgando isso. Muitos usuários e familiares vão quando você explica para eles” (Entrevistada 5). “Eu acho que pensar o usuário como cidadão e que tem outras necessidades, pensar o tratamento mais ampliado. O serviço social consegue dar amplitude, pois tradicionalmente o psicólogo e o psiquiatra têm uma formação de fazer uma escuta mais individualizada do sujeito. O assistente social consegue ver as repercussões na vida ocupacional, familiar e comunitária” (Entrevistada 7).

Por outro lado, verificamos também a necessidade “sentida” pelos

profissionais de buscar conhecimentos para intervir no campo da saúde mental,

que são reflexos da lacuna deixada na graduação. De forma unânime, as

profissionais apontam a falta de debate sobre a Reforma Psiquiátrica no decorrer

da formação, deixando implícito que a política de saúde mental não é vista

enquanto uma política pública de Estado e que isso está sendo negligenciado na

formação profissional. Para Gentilli (2003), a implantação do currículo de 1982

visou modernizar a profissão e adequá-la à nova ordem sócio política, significando

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mudanças em relação à questão teórica. No entanto, deixou de enfrentar os

contingentes do mercado de trabalho, particularmente com relação ao problema

da técnica. As falhas na formação levaram os profissionais a procurar

aprimoramento técnico em outras Instituições.

Tradicionalmente, a saúde mental é vista como uma especialidade

profissional isolada e não como parte integral no processo de promoção de saúde.

Por este fato a saúde mental continua, em muitos sentidos, sendo considerada

pelos profissionais como uma política à parte do campo geral da saúde.

Atualmente, a implementação de estratégias de integralização no âmbito do SUS

e a consolidação dos serviços substitutivos e atenção básica acarreta vários

dilemas, dada a necessidade de uma abordagem realmente integral.

Os profissionais entrevistados acreditam que sua formação é boa, que lhe

fornece uma direção política e uma base importante no trabalho em saúde mental.

Mas, não a consideram suficiente e afirmam que tiveram que buscar “sozinhas”

conhecimentos específicos para intervir nesse campo, o que demostra uma

desarticulação entre a formação profissional e o mercado de trabalho. A Reforma

Psiquiátrica produziu transformações que alteram a demanda, tornando

necessária a apreensão dessas mudanças no processo de formação profissional.

As falas abaixo, apesar de extensas, expressam argumentos importantes:

“Na época da minha graduação no Serviço Social era buraco, quem se interessava como eu, começava a ler com indicação com Y. Fiz minha monografia com ele, daí comecei a ter uma formação mais orientada em saúde mental. Essa questão mais específica da saúde mental é que a gente tem que buscar fora (...) Acho que a formação do Serviço Social deveria ter uma preocupação menor, né, ter menos medo que as pessoas que estão na saúde mental e que estejam fazendo Serviço Social clínico e de querer deixar de ser assistente social. Acho que se o Serviço Social fugisse disso e tentasse entender a contribuição que o assistente social pode dar na saúde mental, sabendo que profissional vai continuar assistente social e uma coisa não tem nada haver com outra. Fica essa briga com Serviço Social clínico, fica uma coisa recalcada e você fica sem acesso. Eu tive privilégio de participar de um programa de pesquisa e ter leituras mais apropriadas, mas tem outras pessoas que, na ausência, buscam de tudo e acham que para atender família tem que fazer terapia de família (Entrevistada 4).

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“Eu acho que a formação teórica do Serviço Social dá uma visão ampliada do sujeito, da sociedade, do contexto social e cultural. Mas eu acho, na minha época pelo menos, a experiência de “96”, é que a intervenção do Assistente Social no campo da saúde mental era pouco divulgada. Eu lembro na época que todo povo da saúde mental só tinha um orientador que era professor “X”. (...) a gente procurava alguém pra dar orientação no trabalho de monografia final, falavam “Ah, não! Saúde mental fala com “X”. Ah! “Eu não entendo de saúde mental” (Entrevistada 5).

As entrevistadas indicam que o debate da subjetividade associado à

Reforma Psiquiátrica no campo profissional fica reduzido ao espectro do retorno

ao conservadorismo, que acarretaria um “subjetivismo” na abordagem da questão

social. Segundo Vasconcelos, E. (2005), um dos motivos que levam à falta de

discussão e inserção do Serviço Social brasileiro em relação à saúde mental é a

tendência de associar atenção psicossocial aos modelos que vigoram na profissão

antes de seu processo de Reconceituação e intenção de ruptura, nos anos de

1970 e 1980, particularmente o chamado Serviço Social Clínico. Os profissionais

atuais tendem a oferecer resistência em considerar a possibilidade de abordagem

de fenômenos subjetivos e de participar de atividades de atenção psicossocial,

pois estas são vistas com fortes conotações conservadoras. O autor (2000)

também coloca que existe um “vazio” nas mediações teóricas e no instrumental

metodológico adequado para intervenção no campo. Esta falta de mediações

teóricas pode ser exemplificada nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC)

sobre saúde mental, quando estes buscam as referências interdisciplinares. A

bibliografia profissional específica está diminuindo, ou até desaparecendo, dos

trabalhos, a partir dos anos de 1990.

Neste sentido, à luz do autor, as assistentes sociais têm uma lacuna nesse

saber sobre saúde mental, que leva esses profissionais a buscar especializações

que possibilitem um melhor entendimento da intervenção nesse campo. Conforme

uma das entrevistadas:

“Eu acho que faltou matéria que discutisse a saúde mental, não sei se agora tem. Acho que minha maior dificuldade para trabalhar na saúde mental, geralmente a profissão que não dá uma formação que privilegie essa área, é não ter treinamento. Depois que fiz curso de especialização melhorou bastante, porque lá era bem mesclado, tinha gente que estava trabalhando há anos no CAPS e outros que acabaram de entrar e todas as categorias profissionais

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inseridas. Então, ficou uma coisa bem variada e a gente pôde trocar experiências e saberes. (...) Imagina pra quem acabou de formar, é seu primeiro emprego como assistente social e chegar sem querer no CAPS. Na época, eu não queria e tive que construir um trabalho sem muito entender a área“ (Entrevistada 3). Eu não tive no meu tempo nada sobre Reforma Psiquiátrica, aprendi estudando para o concurso. Mas noto que muitas estagiárias chegam aqui sem saber de nada sobre saúde mental e Reforma Psiquiátrica. Daí, na supervisão, eu indico leituras e discuto. (...) (Entrevistada 6).

Acreditamos que especializações em saúde mental expressam uma

estratégia de acumulação e ampliação de capital cultural e simbólico, que

possibilita a manutenção de seu “status”, do “prestígio profissional” e poder no

espaço sócio-ocupacional, através da apreensão de conhecimentos específicos da

área. Também demonstra uma tentativa de “ajustamento” do habitus ao campo.

Conforme relatado anteriormente, Bourdieu (1998) considera que o capital

cultural está ligado às bases cognitivas da profissão, incluindo os conhecimentos

não científicos, como fontes de articulação do grupo profissional. O capital cultural

nos permite captar as disputas interprofissionais, espaço objetivado da técnica,

mas que só se realiza através da mediação dos sistemas simbólicos que

exprimem as divisões entre grupos e classes. Segundo o autor, as relações de

poder e dependência deixam de se estabelecer diretamente entre as pessoas,

mas instauram-se entre instituições, ou seja, entre diplomas e cargos – garantidos

e definidos, respectivamente, do ponto vista social; e através deles, entre os

mecanismos sociais que produzem e garantem o valor social dos diplomas e

cargos, por um lado, e por outro, a distribuição desses atributos sociais entre os

indivíduos.

Segundo Birmam & Costa (2002), a universidade é local de produção e

reprodução do saber, mas deve também formar os técnicos adequados para o

atendimento da população. Atualmente, as necessidades são outras na saúde

mental e, sem cair na ingenuidade de “psiquiatrizar” a “comunidade” com véu de

boas intenções sociais, deve-se fornecer tratamento decente aos sujeitos

necessitados. Os autores apontam que a universidade tem um papel fundamental,

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pois são os locais avançados na criação, elaboração e execução de programas

orientados pela Reforma Psiquiátrica.

Neste sentido, acreditamos que a profissão precisa se aproximar de

estudos da história da política pública de saúde mental brasileira e da Reforma

Psiquiátrica, para que possa adotar posturas condizentes com o Projeto Ético–

político e se consiga garantir sua inserção e permanência nestes novos modelos

de atenção (Residência Terapêutica, CAPS, Pensão Protegida etc). Este “vazio”

teórico sobre o debate da Reforma Psiquiátrica pode levar a “fissuras” e até

rupturas no habitus profissional, enquanto matriz para o trabalho profissional em

saúde mental. Conforme a fala de uma entrevista:

“São tantas coisas específicas do trabalho da saúde mental, que me afastei da discussão teórica do Serviço Social. Eu uso no meu trabalho psicanálise para entender a loucura e a discussão do direito sobre cidadania” (Entrevistada 6).

Para Soares, A. (2006), no campo da saúde mental atual a Psiquiatria deixa

de ser “saber dominante”. Para ele, o que é dominante no cenário atual é a

psicologia e psicanálise. Em nosso ponto de vista, este fato se deve às críticas

feitas à trajetória histórica da Psiquiatria na atenção em saúde mental. A

Psiquiatria no momento atual tende a ser vista como “bode expiatório”, ou melhor,

passa a ser identificada como o principal agente culpado da história da

institucionalização dos usuários nos hospícios e suas mazelas institucionais.

B) CAPS e o processo de trabalho em saúde mental

“A gente discute tudo”. (Entrevista 3)

Neste eixo temático analisamos os relatos das assistentes sociais sobre o

processo de trabalho no CAPS aliado às relações interprofissionais, institucionais

e às condições de trabalho. Também investigamos as repercussões das propostas

neoliberais no trabalho dos profissionais. Inicialmente, abordamos quem são os

usuários do CAPS, apresentando as particularidades do processo de trabalho.

Temos como premissa que no CAPS deságuam os sintomas do sofrimento

psíquico intenso, imersos em condições de pobreza, desemprego, desamparo,

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violência e demais problemas que atravessam o psíquico, disparado por um sistema

sócio–econômico “perverso” (JUSTO, 2002). Conforme descrevem as entrevistadas:

“O social está em todos os lugares, mas na saúde publica é diferente de você trabalhar na Unimed. Na saúde pública a questão social se senta na cadeira. Quem pode, se aperta um pouquinho e paga um plano. A gente lida com quem está à margem, lida o tempo todo com a questão social (...) é o pobre, o operário, aquele que não tem o que comer, que não tem água encanada, aquele que não tem banheiro, aquele não tem renda, que cata papelão” (Entrevistada 5). “Aqui o que tu atendes, na maioria das vezes, são pessoas em situação de rua. (...) Acho que é 70% da demanda.” (Entrevistada 7).

Os “usuários” do CAPS, como um serviço público aberto, têm traços

particulares, em uma demanda atravessada pela trajetória histórica de exclusão e

discriminação da loucura na sociedade. Segundo Sposati (1999), a exclusão

social é multidimensional, pois além das causas estruturais, como as econômicas,

ela possui implicações no convívio social. Ou seja, existem mecanismos pelos

quais pessoas ou grupos serão/são discriminadas, apartadas do convívio social. A

exclusão é um processo multidimensional que soma várias situações em graus

diversos na escala entre exclusão–inclusão social. Caracteriza-se não só pela

ruptura com o mercado de trabalho, mas por várias outras rupturas afetivas e

familiares.

Caracterizamos que os usuários da saúde mental apresentam duas formas de

exclusão:

A primeira exclusão é “material”: a maioria dos usuários dos serviços públicos

de saúde mental historicamente foi e continua a ser composta de sujeitos em

situação de pobreza e miséria, com rupturas no mercado de trabalho.

A segunda exclusão é “cultural”: o “louco” é (ainda) reconhecido como sujeito

“estigmatizado”. Ainda é visto como “alguém” que comete atos violentos, sua fala

é “incoerente”, “alienada”, sendo muitas vezes considerado perigoso para a

sociedade.

Ainda neste âmbito, um aspecto importante sobre o campo da saúde mental

é a estreita relação com o judiciário, pois a agressividade, violência e

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imprevisibilidade são atributos historicamente associados ao transtorno mental

que foram utilizados como justificativas para exclusão e institucionalização do

louco nos hospícios. Segundo Barros (2002), dois postulados básicos apoiavam a

aplicação de medida de segurança ao portador de transtorno mental:

impulabilidade – periculosidade do sujeito, que impõe sua separação da

comunidade, e a suposta terapeuticiade da instituição psiquiátrica. A autora

também coloca que a medicina mental ratificou em sua definição de transtorno

mental a equação transtorno mental = perigo social. Sendo assim, a definição

jurídica não poderia deixar de reafirmar sua presença no campo, associada à

exclusão cultural mais difusa na sociedade.

Associados a esses dois aspectos de “exclusão” também existem as limitações

“ocupacionais” e “cognitivas” oriundas do próprio transtorno mental32, que fazem

com que o usuário da saúde mental tenha um grau maior de dificuldade em suas

relações sociais/culturais. Por estes aspectos, torna-se ainda “mais” vulnerável às

discriminações na vida social, familiar33 e no acesso a outras políticas públicas, o

que precisa ser trabalhado e que extrapola os muros institucionais do serviço.

Conforme podemos observar nas falas abaixo:

O nosso paciente é muito discriminado na sociedade, por isso é importante trabalhar a comunidade, pois não adianta tu só trabalhar com preparação dele. Tu tens que preparar a comunidade para recebê-lo. Agora estou com um grupo de reinserção na rede, daí a gente liga e faz visitas institucionais e domiciliares (Entrevistada, 6).

Para marcar um exame ginecológico é um problema. É como se paciente psiquiátrico não tivesse útero. Muitos serviços de saúde não querem atender os nossos usuários. (...) Outro dia chegou

32

Alguns transtornos mentais, como a esquizofrenia, podem provocar um funcionamento psicológico e social com limitações que podem variar de leve até muito grave. Os sintomas da doença interferem na capacidade do indivíduo de interação e comunicação interpessoal, ocasionando uma maior vulnerabilidade social.

33 Rosa (2003), ao analisar o cuidado familiar e o transtorno mental, ressalta as perdas econômicas advindas da doença, visto que ocasiona desabilidades laborais no portador de esquizofrenia e exige dos familiares um atento cuidado, impossibilitando ou dificultando que estes trabalhem.

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nosso usuário que havia se machucado e eles não quiseram atender. A equipe teve que intervir mandamos carta para coordenação de saúde denunciando os profissionais do PAM (Entrevistada 5).

Essas falas também revelam que as instituições de saúde, particularmente,

os hospitais, estão lotadas e muitas vezes sucateadas. O usuário da saúde mental

demanda um cuidado mais complexo e intensivo, e, portanto, seria um peso maior

sobre os trabalhadores da saúde, já esgotados. Daí a recusa, segundo eles

próprios.

O fazer do assistente social está localizado na trama das relações loucura/

exclusão/ discriminação e política de saúde mental /políticas públicas, que vão se

delineando e se particularizando no cotidiano da questão social. É nessa relação

que se “movimenta” e “realimenta” o habitus profissional (dimensão subjetiva

orientada pela formação, conforme discutido no eixo anterior) e o campo sócio-

ocupacional (dimensão objetiva e estruturante).

Os relatos das entrevistadas, na sua maioria absoluta, apontam que a

lógica do processo de trabalho no CAPS é diferente de outros locais de trabalho

em saúde mental. É fortemente marcado pelo que Merhy chama de núcleo

cuidador. Daí, sua construção mais coletiva e democrática, onde as relações entre

saberes e poderes profissionais aparecem de forma horizontal e menos

compartimentada. Como já havíamos abordado anteriormente, na perspectiva de

Merhy (2002), a missão institucional organiza as tendências do processo de

trabalho que podem favorecer abordagens interdisciplinares ou unidisciplinares.

Para o autor, quando o serviço de saúde prioriza o núcleo cuidador como

orientador das práticas profissionais, proporciona a valorização de outros saberes

e cria maior possibilidade de práticas interdisciplinares. Quando um serviço de

saúde prioriza um saber dominante, ou seja, ressalta o núcleo profissional

específico, acaba por propiciar práticas unidisciplinares de dominação em relação

aos outros saberes profissionais.

Também nesses relatos, as atividades profissionais aparecem mais

“plásticas”, porém mantendo o “núcleo” profissional preservado, no sentido de

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respostas às demandas específicas da cada formação ligadas ao capital cultural e

simbólico. Vejamos como se manifesta uma das entrevistadas:

“Eu vi uma diferença e me senti mais profissional no CAPS, na saúde mental, porque no hospital de emergência tinha muita coisa que não era do Serviço Social, como avisar óbito. Eu acho que tem que ser uma equipe com o médico e não o Serviço Social sozinho. (...). Aqui você consegue orientar um paciente quanto ao benefício, participar do grupo de família, oficina (...) Acho que aqui o Serviço Social é valorizado” (Entrevistada 2).

As assistentes sociais percebem seu trabalho valorizado e sua identidade

profissional “preservada”, mas na maioria dos relatos ficaram implícitos (no

escuro) conflitos interprofissionais no processo de trabalho em saúde mental.

Acreditamos que essa percepção de “não haver um explícito conflito”

interprofissional no CAPS se deve ao fato das relações entre os poderes

profissionais serem mais horizontais e igualitárias, o que possibilita a “disputa”

entre visões de mundo/sociedade e de homem/loucura na própria tomada de

posições, pois estão orientadas por uma abordagem interdisciplinar que visa a

integralidade na atenção em saúde mental.

Nesta direção, as entrevistadas fazem algumas comparações com suas

experiências profissionais anteriores, apontando que no “hospital” as relações

profissionais são verticais, impossibilitando articulação, valorização e até

construção de abordagens profissionais compatíveis com o que acreditam ser

suas atribuições profissionais. Neste sentido, há um espaço ”limitado” para o

diálogo, para o questionamento dos processos instituídos e o processo decisório

se caracteriza como “autoritário”. A organização do processo de trabalho no

hospital aproxima-se do que Merhy chama de “modelo médico neoliberal” que

subordina a dimensão cuidadora e os outros saberes profissionais da equipe à

lógica dominante da Medicina/Psiquiatria, tendo os núcleos específicos

profissionais e o núcleo cuidador empobrecidos.

Os seguintes relatos colocam diversas questões pertinentes à comparação

entre o processo de trabalho no hospital e no CAPS:

“No inicio do meu estágio na enfermaria de saúde mental do Hospital Universitário Pedro Ernesto (1994) era muito difícil, pois achavam que o objeto do Serviço Social era dar orientação à

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família, mandar recadinho, ligar pra pedir ambulância. Naquela época era difícil, hoje é diferente. O CAPS é outro campo totalmente diferente, você até pode tentar ser diferente, o profissional pode até achar que é o detentor do saber, mas ele não se sustenta, não consegue ficar muito tempo inserido no CAPS, pois a equipe discute tudo, desde diagnóstico, a intervenção clínica, o que for. (...) Eu costumo dizer que eu sou mais uma trabalhadora da saúde mental que uma assistente social. Trabalhar em saúde mental, essa troca de saber o tempo todo, faz com que você saia um pouco desse lugar da assistente social do CAPS X. Mas, antes de tudo, eu sou uma trabalhadora da saúde mental do CAPS X. Estar nesse lugar, ser assistente social, eu adoro, eu não seria outra coisa nessa vida. A nossa escuta é diferenciada, eu não ouço como psicóloga, eu não ouço como terapeuta ocupacional, como nenhuma outra formação profissional, ouço como assistente social, por isso é importante trocar saberes com outras profissões” (Entrevistada 5). “Aqui a gente tem um trabalho ampliado. A minha chefe do Serviço Social do hospital não entende e às vezes exige coisas que não posso fazer, pois no CAPS o trabalho é diferente. Tu desenvolves acompanhamento e tem de estar presente junto com os pacientes e com a equipe” (Entrevistada 6).

Nessas falas também podemos perceber a construção de “novas” relações

de forças sociais no campo, impulsionando uma lógica descentralizada dos

poderes profissionais através da abordagem interdisciplinar, que favorece a

constituição de um novo habitus, produto da relação dialética de campo da saúde

mental (valores, teorias, práticas políticas) e habitus profissional (formação

profissional). Segundo Vasconcelos, E. (2005, p.31, grifos nossos), as práticas

interdisciplinares têm uma tendência à horizontalização das relações de poder

entre os membros e campos de saber que, gradativamente, pactuando

problemáticas, saberes, valores e um Projeto Ético-político e assistencial comuns,

que deverão reger todo o serviço ou programa, introduzindo a noção de finalidade

maior, que aos poucos tendem a questionar e redefinir a formação, as práticas e

as identidades profissionais dos campos originais envolvidos.

No CAPS, a dinâmica do processo de trabalho favorece as abordagens que

caminham no sentido da interdisciplinariedade, orientadas pelo projeto terapêutico

que busca viabilizar a eqüidade, integralidade e intersetoridade no atendimento

das necessidades dos usuários e/ou grupos. Dessa forma, apesar da forte

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presença histórica da “Psiquiatria” como detentora do mandato social mais amplo

no trato da loucura, esta nova modalidade de atenção abre inúmeras

possibilidades de valorização e de disputas de outros profissionais das equipes.

Conforme o relato abaixo:

“O que acho interessante no campo da saúde mental é em primeiro lugar a interdisciplinariedade, que você não tem em outros campos. No meu trabalho na saúde no Estado, que é em um hospital que trata de tuberculose, você tem que ter um mínimo de entendimento entre as categorias profissionais, porque as pessoas chegam para internar e o médico coloca na ficha lá motivo da internação causa social. Tem o Serviço Social, mas chega na hora de dar alta o médico decide sozinho. Será que o paciente então se curou da “causa social”? (risos). Eu só tenho essas duas experiências, mas aqui (CAPS) é completamente diferente, você está em contato com as pessoas o tempo inteiro (...). Aqui o trabalho é interdisciplinar, aqui não tem muito essa coisa descolada, só o Serviço Social faz, tem coisas que são muitos práticas, que ficam comigo, como as coisas referentes à renda e os encaminhamentos aos benefícios, mas não sem discutir sobre a situação do usuário.(...). Aqui não tem essas coisas compartimentadas. Ah! Então o colega atendeu e encaminhou pra mim, aqui não é assim. Da mesma forma, ao contrário, se vejo que tem uma pessoa que está precisando de mudança de medicação (...) daí eu vou falar com médico que fulano está dormindo o tempo inteiro no trabalho, que assim não dá(...)” (Entrevistada 3).

Todas as assistentes sociais afirmam participarem de reuniões de equipe e

as definem como um espaço de trocas de saberes e tomadas de decisões. Em

todos os CAPS do Rio de Janeiro, além da reunião semanal regular, também há

uma “supervisão” institucional.

Neste sentido, os relatos dos assistentes sociais que trabalham no CAPS

contrariam a análise de Binesto34 (2005), que coloca que a principal queixa dos

profissionais refere-se à indefinição da atuação na área. Esta ficaria dissolvida nas

várias especialidades do campo “psi” e terapêutico que dominam o conhecimento

em saúde mental, sem que o Serviço Social estabeleça com clareza suas

34 Acreditamos que a situação descrita pelo autor em relação ao Serviço Social no campo da saúde mental se aproxima da realidade do “hospício/internação“, cuja lógica curativo/biomédica dominante, estaria levando, em muitas situações, à hierarquização e fragmentação das relações e intervenções interprofissionais. Nessa lógica curativa, o médico é visto como “único/principal” agente do processo saúde/doença e os outros profissionais são chamados para intervir em situações “complementares” ao tratamento.

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especificidades ou metodologia. Na verdade, as principais queixas estão

relacionadas às condições de trabalho e envolvem falta de infra-estrutura,

recursos financeiros, materiais e humanos.

“A universalidade é muito importante, mas não dá conta de atender a todos, faltam serviços saúde mental” (Entrevistada 1) . “Aqui é uma região muito pobre e populosa. Aqui tem Complexo do Alemão, Complexo da Maré, Manguinhos. A rede ambulatorial de saúde mental não dá conta para atender essa demanda de usuários. O que acontece é que o CAPS funciona como o ordenador do território, acaba atendendo tudo. O paciente que não consegue entrar na rede ambulatorial acaba caindo no CAPS, sem necessidade, porque no CAPS as portas estão sempre abertas” (Entrevistada 3). “O CAPS funcionava há quase 6 anos dentro do PAM, o teto estava caindo, entendeu?! Um horror! Precaríssimo!(...) Se a gente tivesse que conversar com usuário tinha que ir para baixo de uma árvore” (Entrevistada 4).

“Na prática a gente encontra mil empecilhos para efetivar isso (princípios do SUS). (...) Não tem investimento, não tem recurso, não tem estrutura, não tem mão de obra. Outro dia, o atendente de enfermagem saiu para comprar algodão porque não tinha. (...)” (Entrevistada 5).

Estes relatos estão de acordo com a análise de Bourdieu (1998, p.11).

Segundo ele, é:

(...) Algo surpreendente, sobretudo para aqueles que são enviados à linha de frente, para desempenhar as funções ditas “sociais” e suprir as insuficiências mais intoleráveis do mercado, sem que lhes sejam dados os meios de cumprir verdadeiramente sua missão.

Outro aspecto importante que indica “precarização” do trabalho é o número

reduzido de assistentes sociais. Somente um CAPS tem dois profissionais, sendo

que três serviços do Município do Rio de Janeiro não têm profissional de Serviço

Social. Também revela a persistência de um traço histórico da trajetória do

assistente social no campo da saúde mental, iniciada no hospital psiquiátrico;

pouquíssimos profissionais para uma enorme demanda, que leva à tendência da

realização de um trabalho no varejo e com dificuldades para planejamento das

ações. Observemos os depoimentos abaixo:

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“A gente tinha uma Assistente Social muito boa, mas o secretário X (Assistência Social) tirou e nem permitiu que ela retornasse para se despedir dos pacientes. Foi uma situação horrível na época. Agora, além da coordenação (risos), eu faço todos atendimentos de orientações sociais no CAPS e o grupo de familiares” (Entrevistada 3). “Essa coisa de faltar pessoas para trabalhar, faz com que a gente não tenha tempo para sistematizar, para fazer um contato. Falta tempo para ti pensar naqueles que não estão fazendo barulho. Eu queria fazer, sistematizar e até organizar trabalhos para apresentar em congressos, mas não consigo. Eu faço trabalho que na verdade é meu carro chefe, sobre Oficina de Trabalho e Cidadania (...) É a mais cheia do CAPS” (Entrevistada 4). “Ah! Eu tive que parar de fazer a oficina de Jornal da Cidadania. Estou trabalhando além daqui, na internação hospitalar e no CAPS infantil. Então, tive de largar algumas das oficinas do CAPS. Eu tenho uma demanda muito grande” (Entrevistada 6).

Esta falta de profissionais do Serviço Social produz tendências e tensões no

trabalho. Em nosso ponto de vista, podemos descrevê-las da seguinte forma:

*Tendência a um trabalho “individual, burocrático e rotineiro”, atendendo às

necessidades “institucionais” e com pouca apreensão das reais demandas dos

“usuários”.

*Redução na realização de atendimentos e trabalhos interdisciplinares, pois

todos os profissionais da equipe acabam sendo requisitados para atender

“emergências sociais”.

*Falta de tempo para realizar o planejamento do trabalho e a

implementação de propostas inovadoras em consonância com o projeto da

Reforma Psiquiátrica e do Projeto Ético–político da categoria.

Segundo Vasconcelos, A., (2003), na perspectiva do Projeto Ético–político

do Serviço Social, um dos grandes desafios enfrentados pelos assistentes sociais

é trabalhar demandas, pleitos, exigências imediatas - dor, sofrimento, falta de

tudo, falta de condições de trabalho, condições de vida - sem perder a perspectiva

de médio e longo prazo. Isto implica em responder os problemas cotidianos

imediatos e ao mesmo tempo criar ações que vêm de encontro às necessidades e

interesses da classe trabalhadora.

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A nosso ver, a falta de planejamento do Serviço Social repercute

diretamente na qualidade dos serviços prestados e indiretamente na legitimidade

profissional, pois as intervenções aparecem revestidas no cotidiano por um senso

comum, não demostrando a sustentação teórico-metodológica que justifique os

seus objetivos nas abordagens. O planejamento das atividades cotidianas é

fundamental, principalmente em intervenções que buscam criar novas formas de

abordagens (ligadas à arte, à pintura, teatro, música35), pois “previnem” contra a

lógica de “entretenimento” e da simples “ocupação” de tempo ocioso.

Amarante & Giovanella (2002) afirmam que a noção mais simples de

planejamento é a não-improvisação. Fazer planos é uma coisa conhecida pelo

homem, pensar antes de agir, estando relacionado a todo processo de trabalho e,

consequentemente, a toda vida humana, pois o trabalho é condição inerente à

vida humana. Para os autores, o planejamento em saúde mental tem algumas

características que devemos considerar que dizem respeito à natureza do saber

da instituição psiquiátrica, ao conceito de desinstitucionalização e à discussão

sobre invenção de novas “tecnologias” de cuidados.

Um conflito que aparece claramente diz respeito às divergências de

orientação política do trabalho mais global, conforme as falas abaixo:

“(...) Aqui você trabalha com profissionais diversos e com pessoas diferentes. Você tem que estar o tempo inteiro discutindo o projeto do CAPS, o projeto terapêutico daquele paciente, porque algumas decisões em relação àquela situação precisam de tomada de posição. Isso é bastante difícil” (Entrevistada 1). “Aqui eu vejo um lugar diferenciado, mas existe um conflito constante, quase uma guerra entre associação de familiares e a equipe. O técnico acha que o familiar não tem que se meter aqui, pois não é técnico. O familiar que conhece seus direitos, que é politizado, que sabe da participação popular e da importância disso no SUS, cobra isso” (Entrevistada 5).

35

O “uso dos recursos artísticos” na atenção em saúde mental no Brasil tem como marco o trabalho nas oficinas de terapia ocupacional (1946) sob direção de Nise Silveira, como já abordado nesse estudo. Esse trabalho foi fonte de inspiração, juntamente com a Reforma Psiquiátrica Italiana, para mudanças na Psiquiatria brasileira durante o século XX e para montagem de CAPS (MELO, 2001). Portanto, o uso dos recursos artísticos está “implicitamente” incorporado no processo de trabalho em saúde mental orientado pela Reforma Psiquiátrica. Isto não significa que há uma “obrigação” de existir oficinas ligadas à arte, mas todos os CAPS realizam oficinas ligadas a um tipo ou mais de arte (teatro, pintura, música, dança).

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“Tu sabes que tem disputas nas equipes, agora a gente está passando por uma. Apesar de ter uma legislação do CAPS clara, hoje, algumas pessoas da equipe acreditam que a função do CAPS é amenizar sintomas, e outros profissionais acreditam que o CAPS tem que ter trabalho de reinserção social, e tu tens que pensar que amenizar sintomas é uma parte do caminho e temos investir na inclusão social, para que o usuário reaprenda a circular na cidade, ter acesso à rede. A política de saúde mental do município não se mostra. Então, fica em disputa e quem ganhar hegemonia é que vai ser” (Entrevistada 7).

Nesses relatos podemos constatar que estão explícitas no cotidiano as lutas

políticas e profissionais materializadas nas disputas de orientações no processo

de trabalho mais geral em saúde mental, tendo como pano de fundo as propostas

tencionadas da Reforma Psiquiátrica, dos diversos capitais simbólicos dos

profissionais e do projeto neoliberal. Também percebemos o impacto “ideológico”

dos objetivos neoliberais, que trazem consigo as propostas de reduzir o gasto

social público e suprimir a noção de direitos sociais.

Um outro conflito que apareceu na maioria das entrevistas realizadas no

município do Rio Janeiro foi a “transferência” dos assistentes sociais vinculados à

Secretaria de Saúde para a Secretaria de Assistência Social:

“Esta mudança de secretaria se deu de modo autoritário, sem discussão que pudesse determinar isso. O prefeito tem autonomia para fazer essa mudança. (...) As repercussões hoje são que legalmente minha chefia é a interlocutora, que me causa grande incômodo. Ela fica me demandando coisas sem entender as especificidades do meu trabalho, qual a importância da minha permanência nesse serviço. Achando que a qualquer momento pode pegar o telefone e marcar uma reunião e eu tenho que sair correndo para ir lá. Acho isso muito desrespeitoso com a minha chefia imediata daqui do CAPS e com trabalho que realizo. Financeiramente ficou melhor, mas não entendo o motivo dessa mudança. (...) Eu acho essa mudança um retrocesso, pois rompe com propostas da Reforma Psiquiátrica e da Reforma Sanitária” (Entrevistada 5).

Acreditamos que a situação imposta aos assistentes sociais do município

do Rio de Janeiro significa um retrocesso na concepção do significado e na

identidade da profissão, pois fica restrita somente à política de Assistência Social.

Isto traz consigo uma descaracterização do Serviço Social enquanto uma

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profissão inserida em divisão sócio-técnica do trabalho coletivo, que “trabalha com

questão social nas suas variadas expressões, tais como os indivíduos as

experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na

assistência social pública etc”. (IAMAMOTO, 2001, p. 28, grifos nossos). Também

traz implicações com os princípios de integralidade e interdisciplinariedade do

SUS, trazendo idéia de que o “social” não faz parte intrínseca do campo da saúde.

Diante dos resultados, reconhecermos que os profissionais do Serviço

Social incorporam a direção da Reforma Psiquiátrica em seu cotidiano. Contudo,

os assistentes sociais também expressam de modo implícito que existem forças

“estruturais/objetivas”, como a falta de profissionais, que levam à vulnerabilidade

do trabalho, principalmente nas questões relacionadas ao planejamento de ações,

das abordagens “inovadoras” ligadas aos recursos artísticos e o trabalho de

interdisciplinariedade de médio e longo prazo.

C) As velhas e novas demandas do Serviço Social:

“Eu não sou meramente uma assistente social que dá orientação previdenciária”(Entrevistada 5.)

Neste eixo aprofundamos o debate sobre as demanda dirigidas ao Serviço

Social no processo de trabalho em saúde mental, buscando observar como ocorre

essa “delimitação“ de fronteiras na equipe, no sentido da dimensão técnico-

operativa. Partimos da premissa que as demandas revelam aspectos do capital

simbólico e do habitus profissional. Bourdieu (1998) indica que a maneira de ser e

pensar é perpassada pela imagem, pelo imaginário, pelo simbólico, pelo imaterial.

A imagem se constituiria como meio, como vetor primordial do vínculo social.

Neste sentido, nós construímos e são produzidas “imagens” do campo da saúde

mental, dos usuários/loucos e dos profissionais que o compõem. Portanto, o que é

demandado ao Serviço Social e o que a profissão define como suas demandas

está atravessado e constituído pelo capital simbólico, o habitus e pela estrutura e

processo de trabalho dos serviços. Conforme Netto (1999, p.95, grifos nossos),

Os projetos profissionais apresentam uma auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os objetivos e funções, formulam os

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requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com outras profissões e com as outras organizações e instituições sociais, privadas e públicas (entre estas, também e destacadamente o Estado, ao qual coube, historicamente, o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais).

O autor coloca que os projetos profissionais são estruturas dinâmicas que se

modificam respondendo às alterações das necessidades sociais e das

transformações econômicas, históricas e culturais.

Consideramos que as demandas são produtos de necessidades sociais

imbricadas nos processos culturais, econômicos e políticos de nossa sociedade

capitalista, que são elaboradas e refletidas nas vivências subjetivas da população

usuária do serviço, que “reivindicam” o trabalho de profissionais para satisfazê-las.

As demandas não são dadas a priori, mas são frutos de “elaborações” e

articulações entre profissional/ equipe, instituição e processos sociais históricos.

Segundo Serra (2000), a partir da apreensão das demandas, podemos

observar a construção dos objetos específicos do Serviço Social. As demandas da

profissão estão passando por mudanças estruturais, são complexas e nem

sempre visíveis. Às vezes se entrecruzam demandas tradicionais com demandas

potenciais.

Para aprofundarmos o debate e dar clareza ao estudo sobre as demandas,

criamos duas classificações, as quais se “misturam” e “redimensionam” no

cotidiano do trabalho profissional.

As “velhas” demandas - aquelas provenientes da trajetória histórica da

profissão, sedimentadas no campo, que fomentam o habitus e criam um capital

simbólico na relação com a equipe e a população usuária. Utilizamos como

parâmetro as demandas apontadas nas entrevistas e as colocadas por Rodrigues

(2001). Que são: triagem, alta e abordagem familiar.

Partimos do pressuposto de que as velhas demandas postas ao assistente

social, como já relatado nesse trabalho, refletem o capital simbólico e o habitus

que legitimaram a visão de mundo social na ótica funcionalista e higienista.

Historicamente, no campo da saúde mental, o profissional tinha como função

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adaptar o sujeito à família, oferecendo respostas “caritativas racionalizadas” à

miserabilidade dos usuários internados nos hospícios, e também, buscando

desocupar leitos. Essa abordagem predominante estava sedimentada na base do

“Serviço Social de Caso”. Portanto, essas “velhas” demandas formam o capital

simbólico da profissão na saúde mental, que esteve pautado também numa

concepção de loucura dominante na formação profissional, no qual o trabalho com

a família era visto como primordial.

Novas demandas - são as oriundas do novo modelo de atenção em saúde

mental orientado pela Reforma Psiquiátrica. Expressam novas forças e lutas

sociais no campo e de “livre” elaboração dos profissionais pautados no Projeto

Ético–político profissional, que redimensionam e realimentam a construção do

novo habitus, fazendo uma ruptura com o capital simbólico “funcionalista”.

No quadro abaixo organizamos um quadro das velhas demandas atendidas

pelo Serviço Social:

QUADRO 2: Velhas demandas e sua realização hoje

Velhas demandas

Assistentes sociais

que declaram que as

realizam

Acolhida e “Triagem” Todas

Orientação previdenciária Todas

Abordagem familiar em grupo e individual Todas

Recursos e rede social Todas

Alta social 2

Visita domiciliar Todas

Conforme abordado anteriormente, a acolhida tem como premissa a

universalidade; ou seja, visa atender a todos os usuários que procuram os

serviços sem distinções. Os profissionais devem ter disponibilidade para o

atendimento e a escuta imediata. Acolhida é a porta de entrada das demandas e

necessidades dos usuários. A equipe busca fazer um acolhimento das

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necessidades e se responsabilizar no encaminhamento, quando necessário, para

outro estabelecimento. A partir da acolhida é feita a triagem, que é realizada na

maioria das vezes em forma de “rodízio” entre duplas de profissionais, quando se

faz uma entrevista para coleta de dados. Após, a situação do usuário (“caso”) é

discutida em reunião de equipe para o desenvolvimento do plano terapêutico que

deve proporcionar o enfrentamento de seu processo saúde/sofrimento psíquico,

bem como as possibilidades, habilidades e potencialidade do usuário. Neste

sentido, a acolhida e a triagem são da equipe, na qual o assistente social participa

e expressa uma dimensão coletiva no processo de trabalho.

Conforme as entrevistas, todas as assistentes sociais realizam orientação

previdenciária, sendo que nos relatos ficou “implícita” a idéia de uma demanda

“burocrática e rotineira”. Ou seja, o procedimento é visto como algo instituído e

que só o Serviço Social detém esse conhecimento e faz. A procura por

atendimento vem tanto dos usuários como da equipe. Muitas vezes, o profissional

não tem uma intervenção direta, mas é solicitado pelos profissionais da equipe

para que “assessore“ com seus conhecimentos os encaminhamentos e

abordagem sobre a situação previdenciária e social do usuário. A orientação

previdenciária expressa as bases históricas mais reconhecidas institucionalmente

do habitus e do capital simbólico do profissional no campo36.

Outra demanda importante é o atendimento em grupos de familiares, que

expressam uma transição do velho habitus para novo habitus, pois os profissionais

buscam dar uma nova direção à velha demanda, no sentido de tornar o trabalho

com familiares um espaço para “politizar” a percepção de seus direitos e estimular

a participação popular e o exercício do controle social:

“(...) Quem fazia esse grupo de familiares era uma psicóloga. Depois eu assumi. Busquei assumir já com outro olhar, tentando ver mais a questão da participação política dos familiares, né. Acho que tem grupo de familiares ainda muito preocupado com a situação de saúde do usuário (..) Eles ainda tem muito essa preocupação da saúde em si, com aquela coisa mais micro, mas

36

Conforme abordado anteriormente a partir de 1973, o Serviço Social em saúde mental compreendia, na visão do MPAS-INAMPS-INPS, uma demanda “oficial” para a prestação de benefícios sociais, promoção da cidadania, direitos dos usuários e reabilitação social.

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não saúde com uma coisa mais macro, como saúde publica” (Entrevistada 3).

“Antigamente se pensava que família era objeto do Serviço Social, hoje se sabe que família não é objeto do assistente social. (...) Busco trabalhar a participação do familiar, informo sobre a importância da participação no Conselho de Saúde” (Entrevistada 5) . “Eu acho que Serviço Social contribui para que equipe entenda o ambiente social, a família e possa que integrar no tratamento. (...) Uma coisa que a gente conseguiu criar, muito importante, foi a Associação de Amigos, Familiares e Usuários do CAPS. Ali eles se organizam para reivindicarem seus direitos. Faltou medicação, daí eles podem se organizar e ir atrás dos seus direitos” (Entrevistada 6).

Os assistentes sociais na equipe são acionados para contribuir com os

conhecimentos sobre recursos e rede social, que visam articulações com outras

instituições e serviços de diferentes políticas publicas37 que proporcionem a

“inserção” social na comunidade. Os recursos e rede social se apresentam como

primordial no atendimento aos sujeitos em situação de rua, pois não há vínculos

familiares e neste sentido busca-se “criar” um “suporte social38”. Essas situações,

na sua maioria, são encaminhadas pela equipe ao assistente social que fica

responsável por encontrar alternativas, por meio de articulação de diferentes de

políticas e recursos da comunidade, que nem sempre são satisfatórias e muitas

vezes são paliativas. Portanto, um desafio atual é atuar na atenção em saúde

mental às pessoas em situação de rua, portadoras de transtorno mental, em

especial devido à precarização e fragmentação das políticas sociais públicas, que

configura um suporte social quase inexistente, que impossibilita a concretude do

direito à atenção integral na continuidade do cuidado necessário para esses

usuários.

Dois aspectos são relevantes sobre a alta social no CAPS:

A primeira é que a alta deixa ter um mandato social exclusivo do médico e

do assistente social, e passam a ser uma decisão da equipe.

37 Atividades sociais, esportivas, educacionais e de lazer. 38 Albergues, abrigos, ONGs e programas assistências.

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O segundo aspecto é a própria de falta de “altas” no CAPS. Somente duas

assistentes sociais (de Porto Alegre) colocaram a situação de se ter alta/saída

nesses serviços. A percepção da maioria das assistentes sociais sobre a razão de

não haver altas no CAPS remete à falta de serviços de saúde que possam garantir

a manutenção do “tratamento”.

Acreditamos que o argumento referente à “falta de serviços”, precisa ser

desmembrados nos diversos fatores que o compõem, que são:

*A falta de ambulatórios de saúde mental e psiquiatras para atendimento;

*A dificuldade de acesso aos serviços de atenção básica à saúde, devido ao

número reduzido de serviços ambulatoriais e de equipes de PSF;

*A recusa de acompanhamento ao portador de transtorno mental na atenção

básica, pois, muitas vezes, o médico generalista e a equipe não se sentem

capazes de atendê-lo. Em outros casos, acham que não é sua demanda, e sim do

serviço especializado de saúde mental.

*A tendência dos psiquiatras a não estimularem a prescrição de psicofármacos

pelos médicos comunitários de família.

*Um aspecto que ficou implícito, nos relatos, foi o receio da equipe de que o

usuário, ao sair do serviço, tenha novos “surtos” agudos e que piore sua situação

de saúde.

A nosso ver, estes fatores podem significar um risco de uma nova forma de

institucionalização, fazendo do CAPS um lugar de “entretenimento” e ocupação de

tempo ocioso, pois muitos dos usuários estão lá desde a fundação do serviço.

Acreditamos que estes fatores são mais intensos na cidade do Rio de Janeiro,

pois como vimos no capitulo II, Porto Alegre tem uma forte trajetória histórica do

modelo preventivo-comunitário da saúde pública e da Psiquiatria comunitária, que

favorece a integração saúde mental e rede de saúde, e uma menor resistência das

equipes dos CAPS à saída do usuário dos Centros para sua inserção na atenção

básica.

Portanto, além da ampliação de serviços substitutivos de saúde mental, é

necessário que os CAPS invistam em trabalhos de matricialidade na atenção

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básica através de programas institucionais de assessoria de cunho intersetorial e

de interconsulta39.

Com base nos relatos, podemos avaliar que há uma contraposição à

afirmação de Rodrigues (2001), que aponta que os assistentes sociais atuam de

maneira desarticulada dos procedimentos institucionais de triagem, de alta, da

abordagem familiar, que acabam por levar à negação de grande parte das

demandas postas à profissão. Em nossa análise, consideramos que os

assistentes sociais continuam a atender essas demandas “velhas”, porém sob

novas configurações do processo de trabalho em saúde mental. O que

constatamos é que as tradicionais demandas dos assistentes sociais são

executadas e compartilhadas com outros profissionais da equipe40 e que essa

mudança é fruto da transformação do processo de trabalho em saúde mental

alicerçada na integralidade e interdisciplinariedade. O Serviço Social através da

análise das velhas demandas evidencia uma mistura entre o velho e novo capital

simbólico da profissão no campo da saúde mental.

Neste sentido, os CAPS abriram espaços de renovação,

redimensionamento e questionamentos das atribuições “tradicionais” do assistente

social e de questionamento do próprio modelo biomédico no campo da saúde

mental.

39A Interconsulta surge da necessidade de melhorar o trabalho de referência e contra-referência no serviço especializado em saúde mental com as Unidades Básicas de Saúde e Programas de Saúde da Família. Os objetivos são: *sensibilizar e integrar os profissionais e serviços da Rede Básica em Saúde para as temáticas em saúde mental; *assessorar as Equipes Básicas de Saúde no atendimento aos usuários (as) em sofrimento psíquico, *promover capacitação para os profissionais e serviços da Rede Básica na área de saúde mental; *incentivar parcerias com recursos da comunidade e outros recursos institucionais; *contra-referenciar usuários aos Serviços de Atenção Básica; *evitar e/ou diminuir as internações psiquiátricas; *substituir as tradicionais práticas de institucionalização, exclusão, incapacitação e estigmatização, por práticas terapêuticas nos espaços da Rede de Atenção Básica; *romper com a lógica dualista no cuidado em saúde coletiva, proporcionando aos usuários (as) a integralidade do atendimento. 40

Para Serra (2000, grifos nossos) atualmente no terreno social o que existe são demandas de perfis e não demandas de uma profissão em particular, de forma que as demandas potenciais e tradicionais estão em disputa no mercado trabalho entre diferentes aéreas (psicologia social, educação, etc).

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Também elaboramos o quadro n. 3, abaixo, sobre as novas demandas

atendidas pelo Serviço Social,

QUADRO 3: Novas demandas e realizadas hoje

Novas demandas Assistentes sociais

entrevistadas que

declaram realizá-las

Orientação e encaminhamento de direitos sociais Todas realizam

Trabalho intersetorial Todas realizam

Técnico de referência Todas realizam

Geração de renda 2

Oficina artes (teatro, artes plásticas e música) 3

Oficinas ligadas diretamente a cidadania 2

Gestão/ coordenação do CAPS 1

A orientação e o encaminhamento de direitos sociais aparecem em

todas as entrevistas, o que reflete esse novo capital simbólico da profissional

fortalecido pelo Projeto Ético-político da categoria e reconhecimento legal dos

direitos sociais na Constituição de 198841.

Conforme relato abaixo:

“Acho que Serviço Social tem papel fundamental para garantia dos direitos dessas pessoas, né. Porque o INSS, conforme a legislação, não exige curatela, mas distribuem um papel dizendo curatela, para eles levarem daqui. (...) Eu digo: não, peraí! Não precisa de curatela. Eu faço um documento para o INSS dizendo que essa medida é descabida e carimbo e coloco telefone. Até agora ninguém ligou e eles conseguiram dar entrada” (Entrevistada 3).

Essa demanda por direitos sociais assume uma dimensão importante no

sentido da legitimidade e especificidade profissional, como veremos a seguir.

Contudo, os profissionais também apontam a idéia de uma demanda “burocrática

e rotineira”. Os atendimentos são oriundos dos usuários e da equipe.

41 ECA, SUS, Estatuto do Idoso, LOAS/BPC e diretos humanos.

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Em relação ao trabalho intersetorial, o assistente social aparece

implicitamente como o principal agente articulador do trabalho. Acreditamos que

este fato ocorre por ser um desdobramento ou “mistura” da velha demanda por

recursos e rede social que foi redimensionada42. Contudo, a maioria dos

assistentes sociais reconhece as dificuldades em estabelecer parcerias de cunho

intersetorial de longo prazo, através da elaboração de trabalho em conjunto. O que

aparece no cotidiano são micro-ações individualizadas através de

encaminhamento e contato telefônico, que visam a articulação com programas e

serviços, principalmente na articulação com a política de assistência social,

originárias das necessidades apresentadas pelo usuário ou por solicitação da

equipe. O trabalho intersetorial também é compartilhado por outros profissionais

da equipe. Observemos o relato abaixo:

“Intersetorialidade é imprescindível na saúde mental, fazer contatos com outras pessoas, a educação, os contatos, as parceiras. E para você estar encaminhando, a troca de saberes, pois esses setores têm deficiência muito grande em entender Saúde mental e cometem muitos equívocos. Quando você pode está presentes nas reuniões da área (...). Quando mais contatos fora do seu setor mais você tá difundindo o trabalho” (Entrevistada 4).

O técnico de referência é o responsável pelo acompanhamento do usuário

na sua totalidade, acessando e articulando os demais saberes e integrantes da

equipe, conforme as necessidades apresentadas pelo usuário. Neste sentido, não

cabe só ao profissional conhecer o que lhe é específico, mas cada profissão pode

contribuir na situação desse usuário. Necessariamente não há o

abandono/diluição da identidade profissional, mas um aprofundamento do núcleo

de atividade cuidadora (MERHY, 2002) em detrimento do um recorte profissional.

O trabalho e a geração de renda caminham na perspectiva não só de

“aumentar” a renda, mas de oferecer trabalhos e empregos compatíveis com a

situação de saúde mental do portador de transtorno mental, e que lhe possibilite

uma nova inserção social e a recuperação da auto-estima através do trabalho.

42 Políticas públicas de Educação, Assistência Social e Trabalho.

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Pude observar durante a pesquisa que o trabalho de geração de renda na maioria

das vezes é realizado pelo terapeuta ocupacional. Desta forma, o assistente

social trabalha em parceria na oficina, ficando implícita sua contribuição com

conhecimentos ligados a direitos trabalhistas e previdenciários.

As entrevistadas trabalham em parceria com colegas em oficinas ligadas a

recursos artísticos, os quais são apontados pelas assistentes sociais como um

dispositivo de melhoria da “qualidade de vida” e de “inclusão” social. Porém, diante

do questionamento sobre o objetivo do uso dos recursos artísticos os

conhecimentos da assistente social aparecem de uma forma muito “intuitiva”.

Conforme Rotelli (2002, p.161),

Cada forma artística tem sua lógica (..) creio que estimular os doentes a simplesmente escrever poesias não é uma grande idéia (...) entre as pessoas que têm problemas psiquiátricos existem muitos que têm uma sensibilidade muita aguda para as formas artísticas. (...) eu penso que se nós encontramos pessoas entre os nossos pacientes que têm efetivamente uma sensibilidade aguda para questão artística, nós devemos ajudar essas pessoas a se expressarem, porque dessa forma nós estamos ajudando a potencializar uma expressão do daquele indivíduo, uma qualidade que ele e isto é muito importante de fazer se nós pudermos.

A colocação deste autor revela que o uso destes recursos não deve ser

indiscriminado. Ou seja, deve-se compreender a lógica que permeia cada recurso

artístico e observar quais os usuários que se beneficiariam com essa forma de

arte, para que tais recursos possam realmente contribuir na abordagem do

processo saúde/sofrimento psíquico de forma a garantir a prioridade dos objetivos

de reinserção social, e não apenas a ocupação do tempo do usuário.

Concordamos parcialmente com Rodrigues (2001), no sentido de que isto

expressa em certa medida uma postura voluntarista do assistente social na saúde

mental, na utilização de recurso artístico. Porém, discordamos, com base nos

resultados, de que este fato ocorra devido às assistentes sociais que atuam na

saúde mental terem uma defasagem entre o acúmulo teórico-metodológico, obtido

nos anos de 1980, e o campo da prática cotidiana. A caracterização e os relatos

das entrevistadas (conforme analisado no eixo-Formação e Reforma Psiquiátrica)

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demonstram que receberam a influência mais “direta” do movimento Intenção de

Ruptura.

Acreditamos que o profissional utiliza o recurso artístico, mas isso não é

ensinado na graduação. Conforme Fernandes (1999:288, apud MACHADO, 2002,

p.47, grifos nossos) aponta,

Nos espaços de comunidade, pode se trabalhar com imaginário social. Para isto devem-se utilizar os meios de comunicação, tanto nos espaços micro, como nos macro espaços. É possível trabalhar com a população a utilização da comunicação. Podem ser utilizadas entre elas, a comunicação através da arte, através da escrita, através da vivência, da própria experiência, do teatro, da música. Este é o tipo de experiência profissional que não é dado na graduação, somente pela prática direta com população.

A nosso ver, o uso dos recursos artísticos é um meio privilegiado de

conexão do indivíduo com um todo, de forma a refletir a infinita capacidade

humana de criar, de expressar experiências objetivas e idéias, tendo poder de

sensibilizar e aflorar lembranças, bem como despertar sentimentos, dado que é

uma linguagem que dá maior liberdade à expressão da forma e conteúdo, bem

como à interpretação. Esta última é uma atitude significativa do indivíduo

correlacionada às condições e ao modo de vida do sujeito na perspectiva da sua

realidade subjetiva e objetiva. Os recursos artísticos possibilitam estabelecer um

outro canal de comunicação, outras linguagens que rompem com o discurso do

dever ser, pois o ato criativo é construído e dialogado em seus significados em

relação à situação objetiva (condições de vida) e subjetiva (modo de vida),

podendo enfocar os direitos sociais e humanos a partir do uso destes recursos na

ação profissional.

Em relação às oficinas ligadas diretamente à cidadania, as entrevistadas

apontam que o objetivo desse trabalho é a democratização das informações sobre

os direitos sociais. Porém, somente duas das entrevistadas apontaram para a

realização desse tipo de abordagem. Acreditamos que ela poderia ser utilizada

como mais um dispositivo de orientação social, “rompendo” desta forma com o

trabalho individualizado e pontual. Enquanto um espaço coletivo de troca, as

oficinas de cidadania podem favorecer um olhar coletivo para questões que, até

então, eram vistas como individuais e singulares.

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Em relação à gestão/coordenação de CAPS, é interessante observar que

durante os contatos telefônicos foi constatado que, além de uma das

entrevistadas, como registrado no Quadro 3, mais duas assistentes sociais são

coordenadoras de CAPS na cidade do Rio de Janeiro, o que demonstra um novo

perfil profissional e uma nova tendência no mercado de trabalho. Conforme

Iamamoto (2001, p.125, grifos nossos) coloca em seu estudo,

A gestão de políticas sociais públicas abre-se a um conjunto de especializações profissionais como assistentes sociais, sociólogos, cientistas políticos, educadores etc., indicando a tendência de se sobrepor a qualificação ao diploma. (...), tende a ser qualificação demonstrada em um mercado competitivo que indica o melhor profissional para exercício de funções requeridas e não o mero diploma. A abertura das fronteiras entre as profissões, fazendo com que os profissionais afins concorram entre si em um mercado restrito passa a exigir níveis de aperfeiçoamento de formação que possibilitem ao assistente social concorrer em igualdade de condições (...), na luta por posto de trabalho, participando de um mesmo e idêntico processo seletivo.

Estes resultados nos oferecem um panorama das demandas profissionais,

das atividades profissionais e das compartilhadas com a equipe, demonstrando

que o processo de trabalho em saúde mental está cada vez mais “coletivo” e

“democrático” e as fronteiras entre as profissões mais plásticas no sentido das

execuções e compartilhamento de “atividades”. No entanto, é interessante

observar que os direitos sociais e previdenciários foram considerados como uma

demanda exclusiva do Serviço Social. Outro aspecto a ser destacado é que todas

as entrevistadas realizam trabalho com familiares, demonstrando que no cotidiano,

implicitamente, essa demanda ainda é vista como atribuída ao assistente social.

Contudo, observamos que as tradicionais demandas do Serviço Social (triagem,

alta e abordagem familiar) são compartilhadas com outros profissionais da equipe.

Este fato nos leva a acreditar que está acontecendo uma modificação/transição

para um novo capital simbólico da profissão no campo da saúde mental, balizado

pela Reforma Psiquiátrica e pelo Projeto Ético-político do assistente social.

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D) Especificidade e legitimidade

“Qualquer um dentro da sua formação tem sua especificidade ”(Entrevistada, 1).

Neste eixo temático a análise está pautada na percepção dos assistentes

sociais - o que o distingue das outras profissões no sentido da especificidade e o

que lhe garante a legitimidade. Dentro deste tema, também avaliamos a

articulação do Projeto Ético-político expresso no Código de Etica de 199343 e a

concepção de subjetividade e psicossocial que os profissionais identificam em seu

trabalho na saúde mental.

Segundo Bourdieu (1998, grifos nossos), a distinção corresponde ao

capital simbólico que se apresenta no cotidiano dos agentes sociais/profissionais

como conhecido e reconhecido como algo óbvio. Toda a profissão apresenta um

capital simbólico em dois aspectos: o primeiro refere-se a uma construção de

uma fronteira do saber que lhe fornece as bases de legitimidade na divisão social

do trabalho e o mandato social para sua intervenção; o segundo diz respeito à

construção histórica e cultural ligada à percepção/imagens que outros agentes e a

sociedade têm acerca de suas competências e atribuições profissionais.

Para Iamamoto (2001), a especificidade do assistente social está no seu

objeto de intervenção, que é a questão social44, sendo que a matéria prima do

trabalho do assistente social (ou da equipe interprofissional em que se insere)

encontra-se no âmbito da questão social em suas múltiplas manifestações, que

são vivenciadas pelos indivíduos sociais em suas relações sociais quotidianas, as

quais respondem com ações, pensamentos e sentimentos.

As assistentes sociais apontam a especificidade em dois sentidos, que

aparecem sempre entrelaçados: no seu saber e na intervenção. As entrevistadas

apontam como específico em seu saber: direitos sociais e políticas publicas (5),

família e ambiente social (1), e somente uma aponta a questão social (1). Neste

sentido, a maioria que identifica os conhecimentos sobre os direitos sociais e

43 A base é o reconhecimento da liberdade como valor ético central, a autonomia, a emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais e seus direitos humanos, políticos e sociais

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políticas publicas como algo específico indica, implicitamente, a idéia que isso

seria objeto profissional. Como podemos observar nos relatos abaixo das

entrevistadas,

“Eu acho que orientação social é específica da profissão. Além disso, quando as pessoas vão tentar fazer elas se embananam de uma maneira. Por exemplo, várias pessoas foram encaminhadas para o beneficio sem orientação adequada, né. A gente sabe que os pacientes acabam sendo encaminhados para curatela sem necessidade” (Entrevistada 3).

“Eu me sinto como vigilante do exercício da cidadania do usuário Não é difícil tu ver o familiar querer explorar o usuário, daí tenho que acionar o Ministério Público. O meu objetivo é que o usuário tenha seus direitos garantidos. Eu tenho que ajudar a preservá-lo” (Entrevistada 7).

Acreditamos que esta percepção esta alicerçada no que aparece de

concreto no dia-dia, que são as respostas à questão social experimentadas pelos

usuários. Observamos que há uma inversão entre objeto (questão social) e

objetivo (garantia dos direitos socais). Também acreditamos que o destaque

conferido aos direitos sociais está ligado à construção do “novo” habitus (produto

do Projeto Ético-político da profissão) que impulsiona um “novo” capital simbólico,

que é fortalecido pela orientação da Reforma Psiquiátrica e pela conquistas

democráticas presentes na Constituição (1988), que garante na forma legal os

direitos sociais, e que permitiram à profissão acioná-los no enfrentamento da

questão social.

Nessa percepção (especificidade ligada aos direitos sociais), as (5) assistentes

sociais afirmam que as orientações sociais (benefícios, programas sociais, direitos

sociais e previdenciários) são algo “privativo” da profissão. Uma da entrevistada

apontou a questão social e uma outra a abordagem familiar. É importante ressaltar

que não é só uma percepção dos assistentes sociais, mas de toda a equipe,

conforme depoimento abaixo:

“eu canso de dizer os critérios do LOAS, porque psicólogo não pode saber quais são critérios do LOAS; de perguntar renda

44 Segundo Iamamoto (2004, p.27), “Questão Social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdade da sociedade capitalista madura(...).

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daquela pessoa, dividir para ver renda per capita, mas não conseguem fazer isso. Se o assistente social não fazer o enfrentamento da questão social, pouco anda“ (Entrevistada 5).

Neste sentido, o capital simbólico da profissão (algo conhecido e

reconhecido) está balizado por uma imagem social ligada à resolução de

problemas oriundos das mazelas socais - questão social e os direitos sociais. Em

relação à questão social, somente uma das assistentes sociais a coloca

explicitamente como objeto e especificidade profissional, conforme a fala abaixo:

“a importância do assistente social no CAPS é fundamental, tem questões que são nossas. Tem questões que parecem para nós obviais, mas não é para a equipe. (...) Enfrentar a questão social é objeto do serviço social. O enfrentamento da questão social se dá só se tiver uma profissional do Serviço Social nesse lugar. A gente acha essas coisas tão... Essas coisas tão fáceis estão entranhadas na assistente social, que a gente estranha como o outro não se tocou. O cara não tem renda, não tem nada, não tem pai, não tem mãe, não tem filho, daí a gente fala da LOAS, né. Isso é o que toca a gente. Eu acho que isso é específico do assistente social, o enfrentamento da questão social” (Entrevistada, 5).

Concordamos com afirmação de Vasconcelos, A. (2002), de que o Serviço

Social tem um lugar privilegiado, pois não só pensa a realidade como tem

bagagem teórico-metodológica e técnico-operativa que lhe possibilita a ampliação

e “universalização” dos direitos sociais.

Nos relatos de duas entrevistas podemos observar um “tensionamento” na

abordagem da especificidade, na construção de fronteira de seu saber, fruto da

estreita relação entre objeto profissional e objeto da equipe.

“Aqui a equipe entende a questão social como parte do tratamento. Fica difícil dizer o que é específico do Serviço Social. Eu acho que a própria integralidade, que a pessoa reconhecida como ser integral e que todos esses fatores estão envolvendo a saúde, e, portanto, ela vai precisar de uma intervenção social.” (Entrevistada 3).

“(...) Trabalho numa equipe que pensa a questão social. (...) Pensar a questão social não é específico do Serviço Social, mas de todo funcionário público (..)” (Entrevistada 7).

Entretanto, neste tópico, no decorrer da investigação as entrevistadas se

mostram ambivalentes, pois em muitos momentos implicitamente relatam a

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questão social como o objeto do Serviço Social. Conforme podemos constatar

nessa fala bastante ilustrativa:

“Acho que se assistente social não tiver na equipe acabam esquecendo da inclusão social. O psicólogo e o psiquiatra tendem a pensar na subjetividade esquecendo da questão social. Eles não têm formação para isso” (Entrevistada 7).

Acreditamos que esta percepção tem como base a incorporação do social

no modelo do CAPS, que visa à inserção social dos portadores de transtorno

mental, gerando uma ampliação do debate e da intervenção no “social” pela

equipe. Esta perspectiva é produto da história de luta do Movimento dos

Trabalhadores da Saúde Mental (1978) e da Luta Antimanicomial que ampliou o

debate dos direitos dos portadores de transtorno mental. Todas as entrevistas

apontam que o “social” no campo da saúde mental está incorporado no próprio

modelo atenção atual. Neste sentido, podemos observar que existe uma

“aproximação” de valores éticos e políticos da profissão com o campo da saúde

mental e com os outros profissionais em relação à dimensão “social”. Os relatos

abaixo ilustram essa aproximação:

“Acho que na própria missão do CAPS, já tem essa concepção maior da saúde. A saúde não fica restrita ao sintoma e a doença. A saúde é uma relação que abrange vários aspectos da vida da pessoa. Então, o viés econômico já é visto na equipe como fator que influencia diretamente na saúde: como o emprego, a falta de renda, a falta de recursos, as faltas culturais. Acho que o Serviço Social pode estar reforçando isso nas situações que atende e com a própria equipe. (...) Essa coisa também do usuário do como sujeito do tratamento, isso vai de encontro com a direção do o nosso código atual de nossa profissão. A questão da liberdade, da autonomia, o respeito ao sujeito, isso tudo é bem viabilizado na saúde mental e no próprio contato com outros profissionais. (...) Pra mim psicossocial é a relação da pessoa com sociedade e não só relação dela com doença (Entrevistada 4).

“O Serviço Social contribui para a Reforma Psiquiátrica na visão ampliada do sujeito como um todo, dentro do momento histórico, quais são as parcerias possíveis, quais instituições possíveis e a ser reinventada. Acho que essa elaboração é muito mais do Serviço Social que da Reforma Psiquiátrica. Eu acredito que a Reforma contribui para Serviço Social no cuidado com o diferente, apesar de não ser uma novidade para profissão” (Entrevistada 5).

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Segundo Binesto (2005), o movimento de Reforma Psiquiátrica propõe

valores similares ao Projeto Ético-político45, que se torna catalisador de uma

metodologia atual em Serviço Social e saúde mental. Portanto, essa proximidade

da discussão da saúde mental com seu habitus profissional e o Projeto Ético-

político gera em muitos momentos uma tensão no que se refere a sua

“especificidade”. Contudo, esses relatos contrariam a análise de Binesto (2005),

no que diz respeito à necessidade do Serviço Social trabalhar a concepção de

subjetividade mais próxima do “social”. Todas as assistentes sociais relatam uma

compreensão de subjetividade ligada ao social, o que aparece como lacuna é o

saber sobre loucura, política de saúde mental e Reforma Psiquiátrica, conforme

podemos observar no relato abaixo de uma Assistente Social que iniciou sua

graduação em 1978,

“Na época eu peguei a transição de currículo (...) se lia Janet Garret, tinha psicologia evolutiva que era funcionalista meio Esquirol, nunca entendi o porque. Era uma coisa interpretava-se tudo (...) Acho que se a gente estudasse psicologia social faria sentido, para tu entenderes a saúde mental”.(Entrevistada 7).

Em nosso ponto de vista, é relevante levarmos em consideração que a questão

social atravessa diversos núcleos profissionais e que o assistente social não

consegue em seu processo de trabalho eliminar a questão social (que é estrutural

ao modo de produção capitalista), mas oferece respostas ídeopolíticas e

subjetivas subsidiadas e sustentadas por recursos institucionais

(material/imaterial) e os direitos sociais historicamente conquistados articulados às

políticas públicas. O “mandato social46” e o capital simbólico relacionado à questão

social aparece historicamente ligada ao Serviço Social. Segundo Bourdieu (1988),

45 O Projeto Ético-político no Serviço Social exerce entorno da identidade legitíma e representa uma defesa da profissão na sociedade um papel de aglutinador noe um guia para formacão acadêmico-profissional, ou seja, “expressa a perspectiva hegemônica impressa ao Serviço Social brasileiro” (IAMAMOTO, 2002). 46 Entre algumas das competências do Assistente Social no art.4: III Encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos e a população; XI. Realizar estudos sócio-econômicos com usuários para fins de benefícios e serviços sociais, junto a órgãos da administração pública direta ou indireta, empresas privadas e outras entidades. No campo da saúde o usuário recebe dois tipos de alta (médica e social). O assistente social faz avaliação das condições sociais para retorno do usuário para casa.

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as fronteiras e territórios profissionais são um ato jurídico de delimitação, produto

de uma divisão que se impõe enquanto legítima.

Em relação à legitimidade do trabalho do assistente social na equipe, as

entrevistadas apontam em sua maioria como algo a ser conquistado, sendo que o

conhecimento das políticas públicas e dos direitos sociais fornece as bases de sua

legitimidade.

“A gente aqui não tem um projeto do Serviço Social. A gente foi construindo o que cabe a nós com a equipe. Antes tudo era com o Serviço Social, teto caindo, gente sem casa, tudo o que não havia solução. Pra mim é esse conhecido das orientações socais, dos direitos sociais que dá a legitimidade para o trabalho do assistente social na equipe” (Entrevistada 1). “Eu acho que o assistente social consegue sua legitimidade na equipe, se usar no seu dia-dia, toda a base de sua formação profissional e ter uma postura de defesa de direito e cidadania da população, e pensando a Seguridade Social como inclusão e não como assistencialismo. A gente sabe que existe um preconceito de que o assistente social é assistencialista. Portanto, se profissional não seguir essa linha de defesa do direito e da cidadania, acho difícil conseguir a legitimidade de seu trabalho na equipe e com os usuários” (Entrevistada 4).

Diante desses resultados consideramos que especificidade e legitimidade

aparecem enquanto uma construção social e como produto do trabalho cotidiano

que está atravessado pelo capital simbólico e pelo habitus do profissional. O que

podemos observar é que existe uma “luta” diária por garantia de legitimidade, pois

não é dada a priore. Também observamos que o saber profissional sobre direitos

sociais é base da legitimidade e imprime no dia-a-dia uma forma de especificidade

diante dos integrantes da equipe. Acreditamos que a orientação do CAPS

favorece que os profissionais da equipe (psicólogo, o psiquiatra, terapeuta

ocupacional e enfermeiros) tenham “sensibilidade” e reconheçam a questão social,

porém eles não tem bagagem teórico-metodológica e técnico-operativa que os

permita intervir de forma “qualificada”. Em nosso ponto de vista, o assistente social

é um profissional imprescindível no trabalho em saúde mental, pois é habilitado

para abordar a questão social na relação saúde/sofrimento psíquico com

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conhecimentos das políticas públicas e dos direitos que vão ao encontro da

concepção de saúde ampliada, ou seja, saúde abrange situações de moradia,

saneamento, renda, alimentação, educação, acesso lazer e bens.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS...

“Que sejamos criticados pelo excesso de paixão, sonho e esperança, mas nunca pela sua ausência” (PRATES, 1996).

Chegamos ao término da dissertação com a certeza que pudemos realizar

apenas contribuições iniciais neste debate “tenso” sobre o trabalho do assistente

social no campo da saúde mental. Este trabalho não teve em nenhum momento a

intenção de esgotar a temática, mas sim de tentar sistematizá-la, ampliá-la com

novos dados, para proporcionar uma melhor compreensão das particularidades do

trabalho do Serviço Social nas equipes de saúde mental a partir da Reforma

Psiquiátrica.

Viu-se no capítulo I que o Serviço Social tem longa a trajetória histórica nas

políticas de saúde mental no Brasil e que recebeu influências desse campo na sua

bagagem teórica. O assistente social se inseriu no hospício como agente

responsável em dar respostas às mazelas da questão social do louco. Sua missão

era fazer uma articulação entre a instituição, a família e a comunidade, cuja

prioridade era preparar o retorno do “louco” ao seio familiar. As principais

demandas dirigidas ao profissional eram: triagem, abordagem familiar,

encaminhamento de recursos na comunidade e preparação para alta.

Contudo, podemos verificar que a partir do Movimento da Reforma

Psiquiátrica buscaram-se questionar toda a estrutura do hospício inserido na

sociedade capitalista e o papel dos profissionais neste sistema, principalmente os

psiquiatras. A partir da Reforma Psiquiátrica o processo de trabalho em saúde

mental vai tomar uma guinada no sentido da integralidade, eqüidade e

interdisciplinaridade, enquanto proposta de regaste de uma abordagem complexa

e mais ética do louco/loucura na sociedade.

No entanto, o que pudemos observar é que o Serviço Social não

acompanhou no âmbito acadêmico as transformações no campo da saúde mental.

A maior evidência disso é a escassez de produção de conhecimento sobre a

política de saúde mental e a atuação profissional nesse campo. Também

verificamos que os autores do debate atual do Serviço Social enfatizaram a

dimensão teórico-metodológica e a histórica, não conseguindo contemplar a

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totalidade da problemática da inserção do profissional nesse campo sócio-

ocupacional a partir da Reforma Psiquiátrica.

Para alguns autores analisados (Vasconcelos, Rodrigues e Bisneto) existe

uma “crise” da atuação profissional nessa área. Em nosso ponto de vista, não há

uma crise em si, mas sim um processo de forte mudança, influenciado por

transformações profundas na política de saúde mental, na visão do louco e da

loucura e no processo de trabalho da equipe. Outro fato a assinalar se refere às

transformações no mercado de trabalho, a partir da reestruturação produtiva,

flexibilidade laboral, precarização dos vínculos trabalhistas, que acarreta uma

maleabilidade das fronteiras profissionais daquele.

No capítulo II observamos as tendências dos processos de trabalho no

CAPS e o SUS a partir da Reforma Psiquiátrica. É possível constatar que a diretriz

oficial destes tem como direção predominante a concepção de um núcleo cuidador

como organizador do trabalho nos serviços de saúde mental. Isto implica a

valorarização de outros saberes na construção de práticas interdisciplinares, no

sentido da integralidade e eqüidade na abordagem do processo saúde/sofrimento

psíquico. Isto leva a uma discussão sobre as fronteiras profissionais, no sentido de

torná-las mais “plásticas”, e as mudanças no mercado trabalho, que se torna mais

complexo, dinâmico e competitivo. Também observamos que a saúde mental e os

agentes que a compõem (usuários, familiares e profissionais) estão passando por

um processo de modificações nas suas relações sociais e institucionais. Todo

esse processo tem em sua base elementos contraditórios entre o avanço do

neoliberalismo e a persistência das lutas pelos direitos sociais, como aquelas

levadas à frente pelo movimento da Reforma Psiquiátrica.

No capitulo III, apresentamos o resultado da análise de dados, que

demonstrou que a formação profissional não está oferecendo o suporte necessário

sobre o debate da política pública de saúde mental e do movimento de Reforma

Psiquiátrica para seus discentes.

É importante destacar que a pesquisa revelou que existe uma necessidade

de superar esta situação que leva a uma procura de maior qualificação e

capacitação, procurando agregar maior capital cultural. Na busca de superação

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143

deste déficit, os profissionais de campo buscam por especializações ligadas ao

campo da saúde mental. Ao mesmo tempo isto não deixa de ter conseqüências no

habitus profissional, já que passou a incorporar conhecimentos que não são

reconhecíveis como próprios da profissão. Desta maneira, o profissional se

encontra em uma situação que poderíamos denominar de “risco”, no sentido de

que os profissionais e estudantes podem perder seu referencial acadêmico,

levando a uma fragilidade em seu capital cultural e em seu habitus, em relação às

orientações das abordagens em saúde mental.

A partir da pesquisa observamos, então, que existem mudanças e um

redimensionamento nas demandas atribuídas aos assistentes sociais. As velhas

demandas (triagem, abordagem familiar e alta) aparecem atualmente como

atribuições de toda a equipe, o que anuncia que o processo de trabalho e as

decisões estão cada vez mais coletivos.

Também verificamos que o capital simbólico do assistente social se

“diferencia” e se legitima na equipe a partir dos seus conhecimentos acerca das

políticas públicas e dos direitos sociais. Desta forma, contribui para o

enfrentamento da questão social imbricada no processo de saúde/sofrimento

psíquico que vem ao encontro da concepção de saúde ”ampliada”, presente na

Constituição de 1988. Desta maneira, a imagem da profissão está ligada a

determinadas demandas que se dirigem somente ao assistente social.

Contudo, as entrevistas nos revelaram uma dificuldade na identificação da

questão social como objeto profissional. A pesquisa aponta que existe uma

confusão importante neste momento entre objeto e objetivo, havendo uma

inversão entre ambos. A orientação pelos direitos sociais, presentes no dia a dia,

tende a aparecer como o objeto principal e o orientador da profissão,

obscurecendo a questão social como a verdadeira “gênese” da demanda, já que

finalmente não há como garantir direitos sociais sem ter em conta a questão social

como o objeto profissional mais abrangente e relevante.

Também no que se refere à questão social, observamos um tensionamento

entre o objeto profissional e o objeto do campo. Um dos aspectos que favorece

essa dificuldade é o próprio alargamento e democratização do debate e da

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intervenção do/no “social” na diretriz do CAPS e no SUS no processo de trabalho

em saúde mental. Como já indicamos a orientação do CAPS favorece que os

profissionais da equipe (psicólogo, o psiquiatra, terapeuta ocupacional e

enfermeiros) tenham “sensibilidade” e reconheçam a questão social, porém eles

não têm bagagem teórico-metodológica e técnico-operativa que os permita intervir

de forma “qualificada”.

Por seu capital simbólico, mandato social e capital cultural, o assistente

social o profissional mais qualificado para tratar a questão social. A trajetória

histórica da profissão do Serviço Social está sem dúvida ligada à questão social.

Podemos considerar que o Serviço Social no processo de trabalho em saúde

mental vem contribuindo quotidianamente no enfrentamento do “miúdo” da

questão social na interface saúde/sofrimento psíquico.

Reconhecer a questão social como objeto de trabalho do Serviço Social

implica em identificar as bases históricas que orientaram a construção do capital

cultural e simbólico da profissão, abrangendo teorias, técnicas e legitimidade.

Contudo, isto não significa que os demais profissionais não possam produzir

conhecimento e intervenção técnica que contemplem a questão social. Assim

como o subjetivo, o cultural, o econômico e o político, a questão social atravessa

todas as profissões e seus exercícios. Entretanto, existe uma construção histórica

que colocou o serviço social no âmago do enfrentamento dessa questão, em seus

rebatimentos no cotidiano de seus processos de trabalho.

Diante dos resultados apresentados, resta ainda pensar de forma breve e

resumida as implicações do estudo para a gestão de programas de saúde mental

e para a formação profissional em Serviço Social.

Em relação à gestão em saúde mental, sugerimos uma atuação nos

seguintes pontos:

*Ampliação da Rede CAPS com ênfase no tipo III, com características mais

claramente substitutivas do hospital psiquiátrico;

*Capacitação permanente em toda a rede, e a garantia de supervisão de

qualidade, que contemple o debate das questões levantadas neste estudo;

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145

*Maior investimento na construção de sedes institucionalizadas de

intersetorialidade com as demais políticas sociais e públicas, visando

particularmente a inserção do usuário na vida produtiva, e social;

*Trazer urgentemente o debate sobre a questão da saída/ alta dos usuários

do CAPS, implicando em articulação com a rede de saúde e com as outras

políticas;

*Ampliar o debate sobre o enfrentamento de situações específicas de maior

vulnerabilidade social, como a de pessoas em situação de rua e portadores de

transtorno mental com uso abusivo de drogas e portadores de HIV.

Para a formação profissional em serviço social:

*Reconhecer a importância e incluir no conteúdo curricular temáticas como

a política de saúde mental, os avanços do debate atual sobre subjetividade e

abordagens psicossociais, na perspectiva das conquistas da Reforma Psiquiátrica;

*Investir em atividades de extensão e estágio em serviços de saúde mental

sintonizados com as novas tendências mais comprometidas do campo;

*Contemplar durante o processo formativo os princípios de universalidade,

eqüidade, integralidade e intersetorialidade no debate sobre políticas sociais e

suas implicações no processo de construção de conhecimento e de práticas

interdisciplinares, situando o serviço social nesta composição;

*Investir na produção de pesquisa e conhecimento na área do Serviço

Social em saúde mental, ampliando o arcabouço teórico-metodológico da

profissão, qualificando a sua dimensão técnico-operativa no campo.

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146

ANEXO I

Termo de consentimento informado

Este pesquisa faz parte da dissertação de mestrado de Graziela Scheffer

Machado, orientada pelo Prof. Dr. Eduardo Mourão Vasconcelos da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vinculado à Escola de Serviço Social (ESS).

Este estudo tem como objetivo estudar o trabalho dos assistentes sociais nas

equipes interprofissionais do CAPS. Será garantido anonimato do entrevistado e

só constará o local de sua formação e ano.

Declaro que obtive todas as informações necessárias e aceito participar da

pesquisa.

Data: __________________________

___________________________________________________________

Assinatura da participante

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ANEXO II

ROTEIRO DO FORMULÁRIO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA:

1. Identificação:

1. Sigla do nome:

1.1 Vínculo de trabalho:

2.Formação:

2. Qual universidade que você se formou e ano?

2.2. Tem outra formação ou especialização?

2.3. Quais são recursos teóricos que tu utiliza para intervenção em saúde mental?

2.4 De forma o conhecimento adquirido na sua formação lhe auxilia nas

abordagens em saúde mental e com relação em equipe?

2.5 O que tu achas que seria importante conter em sua formação para o trabalho

no campo da saúde mental?

3.Relações de trabalho:

3.1 Como foi sua inserção no campo da saúde mental?

3.2 Quais são as atividades realiza? (individual e em equipe)

3.4 Como tu descreves sua relação com a equipe em termos de estabelecimento

de “trocas de saberes”?

3.5 Tem reuniões equipes? E como ocorre e qual freqüência?

3.6 Como tu descreverias seu trabalho de equipe? (sua importância e desafios)

3.8 Quais são suas atribuições “privativas” na equipe? O que tu consideras

específico da profissão?

4.Serviço Social e Reforma Psiquiátrica / SUS:

4.1 O que dá sustentação e reconhecimento profissional na saúde mental?

4.2 O que é para ti interdisciplinaridade, integralidade, intersetorialidade e

eqüidade?

4.4 Quais princípios norteadores da Reforma Psiquiátrica/SUS que tu achas mais

importantes na sua prática?

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4.5 O que você percebe que a Reforma Psiquiátrica modificou nas relações

profissionais?

5.Política de saúde mental do municipal:

5.3 Como é estabelecida a relação com as outras políticas publicas?

5.4 Como é a relação entre os serviços de saúde mental?

5.5 Como é relação entre o CAPS e os outros serviços saúde?

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Não foi possível encontrar outras referências do artigo.

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