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Universidade Federal do Rio de Janeiro CONSTRUCIONALIZAÇÃO/MUDANÇAS CONSTRUCIONAIS DE PORÉM, CONTUDO E TODAVIA: UM ESTUDO PANCRÔNICO À LUZ DOS MODELOS BASEADOS NO USO Simone Silva de Oliveira 2018

Universidade Federal do Rio de Janeiro CONSTRUCIONALIZAÇÃO ... · Universidade Federal do Rio de Janeiro CONSTRUCIONALIZAÇÃO/MUDANÇAS CONSTRUCIONAIS DE PORÉM, CONTUDO E TODAVIA:

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  • Universidade Federal do Rio de Janeiro

    CONSTRUCIONALIZAÇÃO/MUDANÇAS CONSTRUCIONAIS DE PORÉM,

    CONTUDO E TODAVIA: UM ESTUDO PANCRÔNICO À LUZ DOS MODELOS

    BASEADOS NO USO

    Simone Silva de Oliveira

    2018

  • CONSTRUCIONALIZAÇÃO/MUDANÇAS CONSTRUCIONAIS DE

    PORÉM, CONTUDO E TODAVIA: UM ESTUDO PANCRÔNICO À LUZ

    DOS MODELOS BASEADOS NO USO

    Simone Silva de Oliveira

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-

    Graduação em Linguística da Universidade Federal do

    Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários para

    a obtenção do título de Doutor em Linguística.

    Orientadora: Profª. Doutora Maria Luiza Braga

    Rio de Janeiro

    Agosto de 2018

  • CIP - Catalogação na Publicação

    Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com osdados fornecidos pelo(a) autor(a).

    S48cSilva de Oliveira, Simone CONSTRUCIONALIZAÇÃO/MUDANÇAS CONSTRUCIONAIS DEPORÉM, CONTUDO E TODAVIA: UM ESTUDO PANCRÔNICO À LUZDOS MODELOS BASEADOS NO USO / Simone Silva deOliveira. -- Rio de Janeiro, 2018. 202 f.

    Orientador: Maria Luiza Braga. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Riode Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de PósGraduação em Linguística, 2018.

    1. Construcionalização/mudanças construcionais. 2.Conectores. 3. Modelos Baseados no Uso. I. Braga,Maria Luiza, orient. II. Título.

    i

  • CONSTRUCIONALILAÇÃO/MlJDANÇAS CONSTRIJCIONA IS Df· PORÉA.-1, CONTUDO E TODA / 'IA: Utvl LSTlJDO PANCRÔNJCO À LUZ DOS MODFLO~

    8 /\Sl:ADOS NO USO

    Simone Silva

  • Àqueles que são a razão do meu viver: meus pais Jacira e José,

    minha irmã Rejane

    iii

  • AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar, agradeço a Deus pela vida e pela Sua presença Misericordiosa em

    cada segundo do meu viver.

    Agradeço à minha querida orientadora Maria Luiza Braga, que acompanha, com grande

    entusiasmo, a minha trajetória acadêmica e profissional, há quase vinte anos, pessoa ilustre, de

    caráter e delicadeza incomparáveis, por quem tenho muita admiração, respeito e, sobretudo,

    afeto. Sou extremamente grata, não só pelas suas valiosas discussões teóricas e ensinamentos,

    mas também por toda a sua atenção, apoio, incentivo e amizade, durante uma orientação que

    foi zelosa e incansável.

    Sigo agradecendo a cada um dos professores, titulares e suplentes, que aceitaram o

    convite para compor a banca da minha defesa de tese: à professora Conceição Paiva que, me

    conhecendo desde quando eu era bolsista de Iniciação Científica, sempre esteve pronta para me

    apoiar e me incentivar a fazer descobertas linguísticas. Neste momento da minha caminhada,

    mais uma vez, lançou seu olhar atento e encorajador ao meu trabalho, quando, em especial,

    integrou a banca do meu exame de Qualificação. Tenho certeza de que, agora, ao participar da

    minha banca de doutoramento, suas críticas e comentários continuarão a enriquecer e, muito,

    esta pesquisa.

    Ao professor Ivo da Costa do Rosário, pessoa amiga e dadivosa, que tendo participado

    da banca do meu exame de Qualificação, ofertou-me sugestões preciosas e teceu comentários

    essenciais para este trabalho. Sou muito grata por ele ter se mostrado acessível em todos os

    momentos, por sua simpatia e por suas palavras sempre tão atenciosas.

    À professora Nilza Barrozo Dias, quem o tempo não apagou da minha memória suas

    primeiras lições da 6ª série, enquanto eu era apenas uma criança que estudava no Colégio Pedro

    II. Passados tantos anos, a vida trouxe-me novamente a oportunidade de estar diante dela, com

    todo o seu grande carisma e gentileza para poder desfrutar de um novo aprendizado.

    À professora Mônica Maria Rio Nobre, que me estimulou a fazer o Doutorado e desde,

    então, me acompanhou nesta empreitada. Agradeço pelos longos anos de convivência, desde a

    época da minha graduação, em que fui sua aluna no curso de Português III na UFRJ. Seu

    exemplo de sabedoria, competência, dedicação e carinho me inspiram até hoje e me

    impulsionam a buscar, cada vez mais, conhecimento e aprimoramento profissional.

    À professora Christina Gomes, que sempre me acolheu de forma prestativa e amável,

    desde a época em que eu trabalhava como bolsista de IC no PEUL/UFRJ. Juntamente com as

    iv

  • outras professoras, a “Cris” era, em qualquer momento, uma referência para os meus estudos

    sociolinguísticos, que continuaram a ser engrandecidos no Doutorado, com o seu curso de

    Sociolinguística: teoria e descrição.

    À professora Maria Lúcia Leitão, que aceitou o meu convite com muita alegria e

    respeito. Durante a realização desta tese, o contato com a história da língua foi inevitável e

    certamente, o meu interesse e a minha satisfação em poder estar lidando com este tema, sem

    dúvida, vieram a partir das minhas aulas de Português IV da graduação, ministradas por ela.

    Sinto-me grata pela presença de todos os professores e educadores que já passaram por

    minha vida, da educação básica ao doutorado, os quais vêm me ajudando a forjar todo um

    conhecimento ao longo de anos, de modo que eu pudesse chegar até aqui. Gostaria de

    mencionar, em especial, Tia Deise, Irmã Evangelina, Sônia Moura, Luiz Palladino Netto, Vania

    Lúcia Rodrigues Dutra, Lina Maria da Silva Menezes, Cezarina, Luiz Carlos Travaglia, Mario

    Eduardo Martelotta, Ruth Monserrat, Helena Gryner e Charlote Emmerich.

    Agradeço aos meus amados pais, meus primeiros educadores, com quem pude, desde

    muito cedo, ter acesso aos livros. Eles são a base da minha existência, tudo o que sou hoje devo

    a eles. Com presença doce, suave e constante e, sobretudo, com amor incondicional, enchem o

    meu coração de alegria e confiança para seguir superando cada um dos obstáculos que a vida

    me impõe.

    Agradeço à minha irmã, também madrinha, pela sua presença amiga em minha vida, por

    ter despertado em mim, desde sempre, o gosto pelos estudos, por ter me motivado a fazer Letras

    e a seguir buscando crescimento profissional e ter sido exemplo de esforço e persistência para

    alcançar os sonhos que busco nesta vida.

    Agradeço a todos os meus tios e primos que, estando em diferentes partes deste nosso

    Brasil, estiveram orando e torcendo por mim.

    Agradeço ao meu esposo Denilton Paes, companheiro de todas as horas, que com grande

    paciência, sabedoria e amor, soube, nos momentos mais difíceis, entender o meu cansaço e

    idiossincrasias de doutoranda. Nesses quatro anos, mesmo quando sua saúde esteve em grande

    risco, suas palavras e o seu olhar carinhoso foram alento e paz para o meu espírito. Enfim, sem

    ele, não conseguiria ter chegado até aqui!

    Agradeço a todos os meus amigos que, sempre me desejando o bem, estiveram

    mandando boas energias, pensamentos e palavras de ânimo, na torcida para que eu obtivesse

    sucesso em minha trajetória no doutorado. Em especial, minha eterna gratidão a Leandro da

    Silva Gomes Cristóvão, um amigo-irmão de longa data, para todas as horas, de um coração

    grandiosíssimo, com quem sempre compartilhei os bons e os maus momentos, para os quais,

    v

  • invariavelmente, ele tem um sorriso e uma palavra sincera e alvissareira e a Antônio Ferreira

    da Silva Júnior, um amigo generoso, pessoa extraordinária, que está sempre disponível a ajudar,

    compreensivo e de incansável solicitude.

    A tantos amigos, pelo apoio e por toda a força que me deram nesta caminhada: André

    Silva Bern, Jefferson Jima, Renato Vazquez, Aurea Pazos, Taís Bahia, Bianca Gentil, Ana

    Beatriz Rocha de Carvalho, Ana Paula Lima, Aline D’Arc, Paula Mendonça, Suelen Mendes,

    Inês Canéro, José Francisco de Miranda Marques, Nadia Maria Remanowski, Áurea Gonçalves,

    Priscila e Lucila Coutinho, Isabella Rocha, Teresa e Sonia Brandini, Dona Lurdes, Osvaldo

    Lima, Valter Leite, Rosemary Gomes Ferreira, João Medeiros, Maurillo Pereira, Rosana Souza

    Lima, Maria Helena Azevedo, Dulci Nascimento, Déborah Belo Marques...

    Sou muito grata também a todos os meus amigos da Escola Municipal Montese, em

    especial, à Tâmara Bitencourt e à Cristiane Moraes, pela alegria de sempre, e por toda a

    preocupação que tiveram comigo nesses últimos quatro anos, me honrando com suas palavras

    de incentivo e gestos de verdadeiro apoio e compreensão.

    Sinto-me muito grata, principalmente, por Deus ter colocado no meu caminho muitas

    outras pessoas maravilhosas que puderam me ajudar imensamente durante essa caminhada e

    que se tornaram meus amigos, companheiros, verdadeiros anjos da guarda, que me

    proporcionaram encontros preciosíssimos! Cada um, à sua maneira, trouxe-me contribuições

    valiosas, acadêmicas e de todas as outras esferas da vida, falo dos meus queridos parceiros da

    UFRJ: Quézia Lopes, Priscila Thaiss da Conceição, Diego Leite de Oliveira, Cassiano Santos,

    André Vieira, Manuela Oliveira, Bruno Araújo, Rubens Loiola e Eliaine Gomes.

    Por fim, e de modo muito especial, gostaria de agradecer a todos os professores do

    Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL/UFRJ), onde, em 1999, pude iniciar minha

    trajetória de pesquisa linguística como bolsista de IC. A professora Nelize Pires de Omena foi

    quem, generosamente, me deu essa oportunidade e a quem serei eternamente grata. Foi ela que

    me apresentou e me proporcionou trocar experiências com outros professores que hoje são

    verdadeiros ícones na área dos estudos linguísticos. Dessa forma, além de Maria Luiza,

    Conceição, Christina e Helena, como já referenciadas, ofereço meus mais profundos votos de

    agradecimento a Anthony Julius Naro, Maria Eugênia Lamoglia Duarte, Maria Marta Pereira

    Scherre, Maria Cecilia Mollica e Vera Lúcia Paredes Silva.

    vi

  • Das Utopias

    Se as coisas são inatingíveis... ora!

    não é motivo para não querê-las...

    Que tristes os caminhos, se não fora

    A mágica presença das estrelas!

    Mario Quintana.

    vii

  • Oliveira, Simone Silva de. Construcionalização/mudanças construcionais de porém, contudo e

    todavia: um estudo pancrônico à luz dos Modelos Baseados no Uso. Rio de Janeiro: 2018. Tese

    (Doutorado em Linguística). Programa de Pós-Graduação em Linguística, Faculdade de Letras,

    Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    RESUMO

    Nesta tese, mediante um estudo pancrônico, à luz dos modelos baseados no uso, investigam-se

    a construcionalização/mudanças construcionais de porém, contudo e todavia, com foco nos

    fatores semântico-pragmáticos que podem ter motivado sua neoanálise, nos termos de Traugott

    e Trousdale (2013). Segundo estes autores, primeiramente, ocorre uma sucessão de mudanças

    na forma e no conteúdo, seguida por uma reorganização estrutural do material linguístico. Em

    segundo lugar, há o consequente surgimento de um novo nó na rede, que leva a uma

    reconfiguração do esquema ao qual a construção pertence. Nesse sentido, sabe-se também que

    a esquematicidade, a produtividade e a composicionalidade da construção são afetadas pela

    construcionalização, que, depois de consolidada, pode, ainda, alimentar novas mudanças

    construcionais. Dessa forma, a pesquisa objetiva analisar as micromudanças que levaram à

    mudança dos links e à criação ou ao apagamento de nós da rede construcional a que porém,

    contudo e todavia estão vinculados. Para tanto, faço uma análise de diferentes textos do século

    XIII ao século XXI, em que examino o contexto onde porém, contudo e todavia estão inseridos,

    buscando semelhanças e diferenças em seus processos de construcionalização e de pós-

    construcionalização. Ademais, investigo como esquematicidade, produtividade e

    composicionalidade estão envolvidos nos vários estágios de mudança das referidas

    microconstruções.

    Palavras-chave: construcionalização/mudanças construcionais; rede construcional; Modelos

    Baseados no Uso.

    viii

  • Oliveira, Simone Silva de. Constructionalization/constructional changes of porém, contudo and

    todavia: a panchronic study in light of the Usage-Based Models. Rio de Janeiro: 2018. Thesis

    (Doctorate in Linguistics). Programa de Pós-Graduação em Linguística, Faculdade de Letras,

    Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    ABSTRACT

    In this thesis, through a panchronic study, in the light of Usage-Based Models, the

    constructionalization/constructional changes of, porém, contudo and todavia are investigated

    with focus on the semantic-pragmatic factors that may have motivated its neoanalysis, in the

    words of Traugott and Trousdale (2013). According to these authors, first, there is a gradual

    accumulation of contextual constraints, followed by a structural reorganization of the linguistic

    material. Second, there is the consequent emergence of a new node in the network, which leads

    to a reconfiguration of the schema to which the construction belongs. In this sense, it is also

    known that the schematicity, productivity and compositionality of the construction are affected

    by the constructionalization, which, once consolidated, can also enable new constructional

    changes. Thus, the research aims to analyze the micro-changes that led to the change of links

    and the creation or deletion of nodes of the constructional network to which porém, contudo

    and todavia are linked. To do so, I make an analysis of different texts from the thirteenth to the

    twenty-first century, in which I examine the context where porém, contudo and todavia are

    inserted, seeking similarities and differences in their processes of constructionalization and

    post-constructionalization. In addition, I investigate how schematicity, productivity and

    compositionality are involved in the various stages of change of the microconstructions.

    Key words: constructionalization/constructional changes; constructional network; Usage-

    Based Models.

    ix

  • LISTA DE GRÁFICOS

    Gráfico 1: Posição de porém dentro da oração ao longo dos séculos XVI ao XXI 61

    Gráfico 2: Formas de expressão dos sujeitos das orações com porém ao longo 63

    dos séculos XVI ao XXI

    Gráfico 3: Correferencialidade entre os sujeitos das orações com porém ao 67

    longo dos séculos XVI ao XXI

    Gráfico 4: A leitura que emerge da combinação das orações relacionadas por 69

    porém ao longo dos séculos XVI ao XXI

    Gráfico 5: Correlação modo-temporal das orações com porém ao longo dos 71

    séculos XVI ao XXI

    Gráfico 6: A polaridade nas orações com porém ao longo dos séculos XVI ao XXI. 73

    Gráfico 7: Aspecto em relação às orações combinadas por porém ao longo dos 74

    séculos XVI ao XXI

    Gráfico 8: Uso de porém nos gêneros textuais ao longo dos séculos XVI ao XXI 75

    Gráfico 9: Posição de contudo dentro da oração ao longo dos séculos XVII ao XXI 92

    Gráfico 10: Formas de expressão dos sujeitos das orações com contudo ao longo 94

    dos séculos XVII ao XXI

    Gráfico 11: Correferencialidade entre os sujeitos das orações com contudo ao longo 95

    dos séculos XVII ao XXI

    Gráfico 12: Correlação modo-temporal das orações com contudo ao longo dos 97

    séculos XVII ao XXI

    Gráfico 13: A leitura que emerge da combinação das orações relacionadas por 100

    contudo ao longo dos séculos XVII ao XXI

    Gráfico 14: A polaridade nas orações com contudo ao longo dos séculos XVI ao 102

    XXI

    Gráfico 15: Aspecto em relação às orações combinadas por contudo ao longo dos 104

    séculos XVI ao XXI

    Gráfico 16: Uso de contudo nos gêneros textuais ao longo dos séculos XVI ao XXI 105

    Gráfico 17: Posição de todavia dentro da oração ao longo dos séculos XIX ao XXI 124

    x

  • Gráfico 18: Formas de expressão dos sujeitos das orações com todavia ao longo 127

    dos séculos XIX ao XXI

    Gráfico 19: Correferencialidade entre os sujeitos das orações com todavia ao 128

    longo dos séculos XVI ao XXI

    Gráfico 20: Correlação modo-temporal das orações com todavia ao longo dos 130

    séculos XIX ao XXI

    Gráfico 21: A leitura que emerge da combinação das orações relacionadas por 133

    todavia ao longo dos séculos XIX ao XXI

    Gráfico 22: A polaridade nas orações com todavia ao longo dos séculos XIX ao 135

    XXI

    Gráfico 23: Aspecto em relação às orações combinadas por todavia ao longo dos 136

    séculos XIX ao XXI

    Gráfico 24: Uso de todavia nos gêneros dos séculos XVI ao XXI 137

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Posição de porém dentro da oração ao longo dos séculos XVI ao XXI 61

    Tabela 2: Formas de expressão dos sujeitos das orações com porém ao longo 64

    dos séculos XVI ao XXI

    Tabela 3: Correferencialidade entre os sujeitos das orações com porém ao 67

    longo dos séculos XVI ao XXI

    Tabela 4: A leitura que emerge da combinação das orações relacionadas por 69

    porém ao longo dos séculos XVI ao XXI

    Tabela 5: Correlação modo-temporal das orações com porém ao longo dos 71

    séculos XVI ao XXI

    Tabela 6: A polaridade nas orações com porém ao longo dos séculos XVI ao XXI. 73

    Tabela 7: Aspecto em relação às orações combinadas por porém ao longo dos 74

    séculos XVI ao XXI

    Tabela 8: Uso de porém nos gêneros textuais ao longo dos séculos XVI ao XXI 75

    Tabela 9: Posição de contudo dentro da oração ao longo dos séculos XVII ao XXI 92

    Tabela 10: Formas de expressão dos sujeitos das orações com contudo ao longo 94

    xi

  • dos séculos XVII ao XXI

    Tabela 11: Correferencialidade entre os sujeitos das orações com contudo ao longo 96

    dos séculos XVII ao XXI

    Tabela 12: Correlação modo-temporal das orações com contudo ao longo dos 98

    séculos XVII ao XXI

    Tabela 13: A leitura que emerge da combinação das orações relacionadas por 100

    contudo ao longo dos séculos XVII ao XXI

    Tabela 14: A polaridade nas orações com contudo ao longo dos séculos XVI ao 102

    XXI

    Tabela 15: Aspecto em relação às orações combinadas por contudo ao longo dos 104

    séculos XVI ao XXI

    Tabela 16: Uso de contudo nos gêneros textuais ao longo dos séculos XVI ao XXI 105

    Tabela 17: Posição de todavia dentro da oração ao longo dos séculos XIX ao XXI 124

    Tabela 18: Formas de expressão dos sujeitos das orações com todavia ao longo 127

    dos séculos XIX ao XXI

    Tabela 19: Correferencialidade entre os sujeitos das orações com todavia ao 129

    longo dos séculos XVI ao XXI

    Tabela 20: Correlação modo-temporal das orações com todavia ao longo dos 131

    séculos XIX ao XXI

    Tabela 21: A leitura que emerge da combinação das orações relacionadas por 135

    todavia ao longo dos séculos XIX ao XXI

    Tabela 22: A polaridade nas orações com todavia ao longo dos séculos XIX ao 137

    XXI

    Tabela 23: Aspecto em relação às orações combinadas por todavia ao longo dos 137

    séculos XIX ao XXI

    Tabela 24: Uso de todavia nos gêneros dos séculos XVI ao XXI 138

    xii

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Dimensões da construção porém antes e após a construcionalização 18

    Quadro 2: Dimensões da construção contudo antes e após a construcionalização 19

    Quadro 3: dimensões da construção todavia antes e após a construcionalização 19

    Quadro 4: Aspectos morfossintáticos, semânticos e gráficos de porém ao longo dos 55

    séculos XIII ao XXI

    Quadro 5: Fatores que alcançaram estabilidade, instabilidade ou que sofreram possíveis 76

    mudanças após a construcionalização de porém

    Quadro 6: Aspectos morfossintáticos, semânticos e gráficos de contudo ao longo dos 88

    séculos XIV ao XXI

    Quadro 7: Fatores que alcançaram estabilidade, instabilidade ou que sofreram 106

    possíveis mudanças após a construcionalização de contudo

    Quadro 8: Aspectos morfossintáticos, semânticos e gráficos de todavia ao longo 120

    dos séculos XIII ao XXI

    Quadro 9: Fatores que alcançaram estabilidade, instabilidade ou que sofreram 139

    possíveis mudanças após a construcionalização de todavia

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Modelo da estrutura simbólica de uma construção na Gramática 17

    de Construção Radical

    Figura 2: Gradiência das relações hierárquicas entre as construções 23

    Figura 3: Gradiência das relações hierárquicas entre as construções porém, contudo e 24

    todavia

    Figura 4: Construcionalização de porém ao longo do tempo 59

    Figura 5: Construcionalização de contudo ao longo do tempo 90

    Figura 6: Construcionalização de todavia ao longo do tempo 122

    Figura 7: Contextos específicos de uso de porém durante a construcionalização 144

    Figura 8: Contextos específicos de uso de contudo durante a construcionalização 144

    xiii

  • Figura 9: Contextos específicos de uso de todavia durante a construcionalização 145

    Figura 10: Representação da posição de porém dentro da oração através do tempo 146

    Figura 11: Representação da posição de contudo dentro da oração através do tempo 146

    Figura 12: Representação da posição de todavia dentro da oração através do tempo 147

    Figura 13: Representação das formas de expressão do sujeito das orações com 148

    porém ao longo do tempo

    Figura 14: Representação das formas de expressão do sujeito das orações com 148

    contudo ao longo do tempo

    Figura 15: Representação das formas de expressão do sujeito das orações com 148

    todavia ao longo do tempo

    Figura 16: Representação da correferencialidade entre os sujeitos das orações com 149

    porém ao longo do tempo

    Figura 17: Representação da correferencialidade entre os sujeitos das orações com 149

    contudo ao longo do tempo

    Figura 18: Representação da correferencialidade entre os sujeitos das orações com 149

    todavia ao longo do tempo

    Figura 19: Representação da correlação modo -temporal das orações com porém, 150

    contudo e todavia ao longo do tempo

    Figura 20: Representação da leitura que emerge da combinação de orações 150

    relacionadas por porém ao longo do tempo

    Figura 21: Representação da leitura que emerge da combinação de orações 151

    relacionadas por contudo ao longo do tempo

    Figura 22: Representação da leitura que emerge da combinação de orações 151

    relacionadas por todavia ao longo do tempo

    Figura 23: Representação do uso de porém nos gêneros textuais ao longo tempo 152

    Figura 24: Representação do uso de contudo nos gêneros textuais ao longo tempo 152

    Figura 25: Representação do uso de todavia nos gêneros textuais ao longo tempo 153

    Figura 26: Esquema das construções de contraste no século XVI 154

    Figura 27: Esquema das construções de contraste no século XVII 155

    Figura 28: Esquema das construções de contraste no século XIX 155

    xiv

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    anáf. – anáfora

    corref. – correferencialidade

    narrat. – narrativa

    pré-constr. – pré-construcionalização

    SN subst. – sintagma nominal substantival

    suj. – sujeito

    t. arg. – texto argumentativo

    t. jorn. – texto jornalístico

    xv

  • SUMÁRIO

    CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO 1

    CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 5

    2.1. Os Modelos Baseados no Uso 5

    2.2 O conceito de construção 14

    2.3 Construcionalização/mudanças construcionais 17

    2.4 Conjunções adversativas 28

    2.5 O conceito de contraste 37

    CAPÍTULO 3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 41

    3.1 Análise baseada no uso 41

    3.2 Os corpora 43

    3.3. Procedimentos de coleta e análise de dados 46

    CAPÍTULO 4 – PORÉM: CONSTRUCIONALIZAÇÃO E MUDANÇAS 49

    CONSTRUCIONAIS

    4.1. Construcionalização de porém 49

    4.2. Mudanças construcionais após a construcionalização de porém 59

    4.3 Porém: um conector prototípico? 77

    CAPÍTULO 5 – CONTUDO: CONSTRUCIONALIZAÇÃO E MUDANÇAS 81

    CONSTRUCIONAIS

    5.1. Construcionalização de contudo 81

    5.2. Mudanças construcionais após a construcionalização de contudo 91

    5.3 Contudo: um conector prototípico? 107

    xvi

  • CAPÍTULO 6 – TODAVIA: CONSTRUCIONALIZAÇÃO E MUDANÇAS 111

    CONSTRUCIONAIS

    6.1. Construcionalização de todavia 111

    6.2. Mudanças construcionais após a construcionalização de todavia 122

    6.3 Todavia: um conector prototípico? 140

    CAPÍTULO 7 – A REDE DE CONECTORES CONTRASTIVOS 143

    7.1 O papel do contexto no desenvolvimento das construções porém, contudo e todavia 143

    7.2 Esquematicidade, produtividade e composicionalidade em foco 153

    CAPÍTULO 8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 157

    CAPÍTULO 9 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 160

    ANEXO 1 165

    xvii

  • Capítulo 1 _______________________________

    Introdução

    Ao longo da história do pensamento ocidental, a natureza da linguagem humana tem

    suscitado inúmeras reflexões de pensadores e estudiosos, os quais, por sua vez, adotam

    diferentes perspectivas sobre a questão da linguagem e a sua relação com as línguas naturais.

    Apesar da existência de distintas abordagens, nesta tese, baseio a minha discussão no

    princípio de que as habilidades linguísticas humanas estão intimamente relacionadas às

    habilidades cognitivas gerais. Essa interação, na verdade, possui um grande papel, não só na

    mudança linguística, mas também na aquisição e no uso da língua.

    Por conseguinte, a linguagem é caracterizada como um grande complexo comunicativo

    que integra também atividades cognitivas e sociais fortemente ligadas a outros aspectos da

    psicologia humana. Tal visão é representada por um grupo de teóricos que a denominam de

    linguística funcional baseada no uso, que tem como preceito fundamental a ideia de que a

    estrutura linguística emerge do uso linguístico (LANGACKER, 1987; GOLDBERG, 1995,

    2006; GIVÓN, 1995; BYBEE, 1985, 1995, 2002; TOMASELLO, 1998, 2003 E BARLOW E

    KEMMER, 2000).

    Em especial, Tomasello (2003) defende que a gramática emerge quando os falantes de

    uma língua criam construções linguísticas a partir de sequências recorrentes de símbolos, pois

    para ele, a essência da linguagem é a sua dimensão simbólica. A esse respeito, ele afirma:

    “quando os seres humanos usam símbolos para se comunicar uns com os outros, unindo-os em

    sequências, surgem padrões de uso que se consolidam em construções gramaticais.”1

    As reflexões feitas nos parágrafos anteriores, portanto, serão fundamentais para se

    discutirem as questões que serão expostas ao longo desta tese e que se encontram, a seguir,

    descritas.

    Estudos anteriores (SILVA, 2010, ROCHA, 2006) já mostraram que as formas porém,

    contudo e todavia, tradicionalmente classificadas pela maioria das gramáticas normativas do

    português como conjunções adversativas, passaram por um processo de gramaticalização.

    Embora a categorização das referidas formas seja discutível — uma vez que, com exceção de

    1 “when human beings use symbols to communicate with one another, stringing them together into sequences, patterns of use emerge and become consolidated into grammatical constructions.” (Tomasello, 2003, p. 5)

    1

  • mas, que é a conjunção prototípica, os elementos anteriormente mencionados não têm um

    comportamento sintático prototípico de conjunções — considera-se que todas, de alguma

    forma, se tornaram mais gramaticais desde suas origens medievais até hoje.

    A maioria dos trabalhos, como o de BARRETO (1999), afirma que a motivação para a

    gramaticalização dos itens em pauta foi metonímica, por influência da presença de elementos

    de sentido negativo em posição adjacente à deles, no português medieval.

    Apesar de porém, contudo e todavia serem vistos como elementos gramaticalizados que

    assumiram status de conjunção, NEVES (2000), em sua Gramática de usos do português, os

    chama de advérbios juntivos de valor anafórico por ocorrerem numa oração ou sintagma,

    referindo-se a alguma porção da oração ou do sintagma anterior, indicando contraste. Os

    exemplos abaixo, extraídos de NEVES (2000) ilustram tal situação:

    • Muito áspera foi e está sendo a jornada que vivemos a partir de 1964. Os resultados alcançados são, PORÉM, indiscutivelmente, positivos, marcantes mesmo.

    • Pelo menos teríamos um final de temporada com o estádio bem mais animado. CONTUDO, isto dificilmente ocorrerá.

    • O espiritismo define-se então como religião, ciência e filosofia. Será TODAVIA tratado aqui como religião.

    Neves (2000, p 241).

    Como se pode observar, diferentemente do conector mas, as formas porém, contudo e

    todavia, por vezes, não ocupam a posição inicial das orações como ocorre com os conectores

    prototípicos. Apesar de já terem sido discutidos na literatura linguística, esses elementos não

    recebem um tratamento consensual entre os estudiosos.

    Além disso, cabe salientar que, embora os estudos sobre a gramaticalização já tenham

    contribuído notadamente para entendermos a formação de novos itens gramaticais na língua,

    em especial, os conectores em língua portuguesa (cf. MARTELOTTA et al, 1996; BRAGA,

    2000, 2003; PAIVA, 2001; SILVA E SILVA, 2001; SILVA, 2010), eu adoto, para o presente

    estudo, uma nova abordagem teórica, que leva em conta a inserção dos elementos na rede

    linguística e também a atuação de fatores como a esquematicidade, a produtividade e a

    composicionalidade.

    Na tentativa, portanto, de investigar a fluidez categorial de porém, contudo e todavia,

    este trabalho tem como objetivo principal apresentar um estudo sobre essas construções,

    baseado no modelo da construcionalização/mudança construcional apresentado por Traugott e

    2

  • Trousdale (2013), procurando analisar as micromudanças que levaram à mudança dos links e à

    criação ou ao apagamento de nós da rede construcional.

    Para tanto, será feito um estudo pancrônico de diferentes textos do século XIII ao século

    XXI, disponíveis em bases de dados online de conceituadas universidades, bem como

    hemerotecas virtuais e livros em formato .pdf, todos listados na seção Procedimentos

    Metodológicos deste trabalho.

    A hipótese central é que porém, contudo e todavia vêm sofrendo um processo de

    construcionalização. É possível que a origem de porém, contudo e todavia seja reconhecida, a

    partir da análise das mudanças graduais em cada micropasso, desde os primeiros contextos

    linguísticos que propiciaram o surgimento dessas construções até os seus usos como conectores

    que exprimem contraste.

    Será aplicada, aqui, a linha teórico-metodológica da Linguística Funcional Centrada no

    Uso (BARLOW E KEMMER 2000; BYBEE, 2010; TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013), que

    incorpora alguns dos pressupostos da Linguística Funcionalista norte-americana e da

    Linguística Cognitiva, em especial, a Gramática de Construções (GOLDBERG, 1995; CROFT,

    2001).

    Considerando as reflexões acima apresentadas, pretendo responder a uma série de

    questionamentos, os quais estão elencados abaixo:

    1) Que processos e mecanismos propiciaram a construcionalização de porém, contudo

    e todavia?

    2) Após a construcionalização, porém, contudo e todavia estão sofrendo alguma

    mudança construcional?

    3) Qual a categorização mais adequada de porém, contudo e todavia?

    4) Porém, contudo e todavia sofreram as mesmas mudanças construcionais?

    5) Que restrições explicam o uso das construções porém, contudo e todavia?

    É levando em conta os questionamentos acima apresentados, que proponho uma análise

    pancrônica, à luz dos pressupostos teóricos que serão delineados no próximo capítulo deste

    trabalho, o qual está organizado da seguinte forma: no segundo capítulo, são discutidos alguns

    3

  • pressupostos e princípios centrais do quadro teórico em que o presente estudo está alicerçado.

    No terceiro capítulo, são apresentados os procedimentos metodológicos da pesquisa. No quarto,

    encontram-se a descrição e a análise dos resultados para porém; no quinto, para contudo; no

    sexto, para todavia. No sétimo capítulo, há uma discussão sobre a rede dos conectores que

    exprimem contraste e no capítulo seguinte, são apresentadas as considerações finais do trabalho.

    4

  • Capítulo 2 _______________________________

    Fundamentação teórica

    Neste capítulo, são expostos os pressupostos teóricos que norteiam esta pesquisa.

    Primeiramente, no item 2.1, discorre-se a respeito da abordagem baseada no uso. O item 2.2

    trata de estabelecer o conceito do termo construção. Em 2.3, disserta-se sobre o modelo da

    construcionalização/mudança construcional. Na seção seguinte, há um exame sobre os

    elementos considerados como conjunções adversativas do português e por fim, no item 2.5, há

    uma explanação do que se entende sobre o conceito de contraste trabalhado na presente tese.

    2.1. Os modelos baseados no uso

    Para os modelos baseados no uso, a gramática é vista como a representação cognitiva

    da experiência dos indivíduos com a língua. Essa abordagem teórica dialoga com a Linguística

    Cognitiva e com a Gramática de Construções. Além disso, busca verificar os processos de

    domínio geral que criam as estruturas linguísticas e situam a língua num contexto mais amplo

    do comportamento humano, isto é, esses processos são chamados de domínio geral porque não

    são exclusivos da linguagem e estão presentes em outras habilidades que o ser humano possui,

    como a visão e o pensamento abstrato.

    Na linguagem, eles têm importante papel em fenômenos de variação, mudança e

    estabilidade das construções. Os processos de domínio geral apresentados por Bybee (2010, p.

    7-8) são:

    (1) categorização – aqui, a autora refere-se à correspondência que ocorre quando

    palavras, frases e seus componentes são reconhecidos e associados a representações

    armazenadas. As categorias resultantes disso são a base do sistema linguístico, sejam elas

    fonemas, morfemas, palavras, frases ou construções. Para Bybee, esse processo é de domínio

    geral, no sentido de que as categorias perceptuais de vários tipos são criadas a partir da

    experiência, independentemente da língua. Além disso, é o mais central, uma vez que ele

    interage com os demais.

    5

  • (2) chunking – diz respeito ao processo pelo qual sequências de unidades são usadas

    juntas para formar unidades mais complexas. Na língua, esse é um processo básico para a

    formação de unidades sequenciais, expressas como construções, constituintes e expressões

    formulaicas. Nesse sentido, sequências repetidas de palavras ou morfemas são estocadas em

    conjunto na cognição de modo que podem ser acessadas como uma única unidade. A interação

    do chunking com a categorização resulta em sequências convencionais que variam em graus de

    analisabilidade e composicionalidade2. Como um processo de domínio geral, o chunking ajuda

    a explicar o motivo pelo qual as pessoas, com a prática, desempenham melhor as tarefas

    cognitivas e neuromotoras.

    Por exemplo, porém, contudo e todavia ilustram bem o caso de chunking, pelo fato de

    terem sofrido alterações no seu significado e na sua forma. Essas construções, ao longo do

    tempo, perderam o seu sentido original — no caso de porém, sentido conclusivo-explicativo:

    “por essa razão”; no caso de contudo, sentido fórico: “com todas essas/as coisas” e, todavia,

    sentido espacial: “em todo o caminho” — para ganharem um sentido adversativo, o qual não

    pode ser depreendido quando analisado o significado de suas partes. Além disso, essas

    construções também passaram por modificações em sua forma, as quais podem ser explicadas

    conforme o esquema abaixo, onde se observa a mudança da configuração morfossintática de

    preposição e nome; preposição e pronome, e determinante e nome para conector,

    respectivamente.

    por ende = Prep + N > porém = conector

    con todo = Prep + Pro > contudo = conector

    toda via = Det + N > todavia = conector

    (3) armazenamento mnemônico rico (rich memory) – tem a ver com o armazenamento

    que se faz na memória dos detalhes da experiência que se tem com a língua, incluem-se aqui

    detalhes fonéticos, contextos de uso, significados e inferências. Bybee afirma que a

    categorização é o processo pelo qual essa memória é mapeada em representações existentes. A

    memória linguística é representada em exemplares, os quais são construídos a partir de

    ocorrências (tokens). Cada experiência com a língua tem um impacto nas representações

    cognitivas.

    2 Nesta tese, trabalho com o conceito de composicionalidade de Traugott e Trousdale (2013), que não separam o parâmetro de analisabilidade e composicionalidade. A visão de que estes devem ser considerados como dois

    parâmetros independentes pode ser observada em Bybee (2010).

    6

  • (4) analogia – diz-se do processo pelo qual enunciados novos são criados com base em

    enunciados anteriores. Para Bybee, a analogia também depende da categorização, já que partes

    das ocorrências anteriores devem ser analisadas em unidades que são alinhadas e categorizadas

    antes que novos enunciados possam ser formados. Como processo de domínio geral, a analogia

    tem sido estudada em termos de estruturas relacionais em estímulos visuais, como cenas, formas

    e cores.

    (5) associação transmodal – é a habilidade que propicia o link entre o significado e a

    forma. Ellis (1996 apud BYBEE, 2010, p. 8) discute esse princípio mais básico, pelo qual as

    experiências coocorrentes tendem a ser cognitivamente associadas (Lei da Contiguidade, de

    James, 1950/1980).

    Além disso, o conceito de rede desempenha um papel significativo dentro dos modelos

    baseados no uso. Ele tem importância fundamental na linguística cognitiva, devido à ideia de

    que a organização da língua não é intrinsecamente diferente da organização de outros aspectos

    da cognição. Segundo Bybee (2010 apud TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013, p. 50):

    a padronização da língua faz parte da nossa capacidade de domínio-

    geral para categorizar, estabelecer relações e operar em ambos os

    níveis, local e global, isto é, dentro dessa perspectiva, o conhecimento

    da língua faz parte de um sistema de conhecimento maior, que inclui

    outras habilidades cognitivas.

    Para Langacker (2008 apud TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013, p.50), a língua é “um

    inventário estruturado de unidades linguísticas convencionais. Esta estrutura – a organização

    de unidades em rede – está intimamente relacionada ao uso linguístico, formatando-o e sendo

    formatada por ele.”

    Segundo Barlow e Kemmer (2000), as tendências mais dominantes em linguística, nas

    últimas gerações, têm focalizado a língua como um sistema mais ou menos fixo, o qual pode

    ser estudado independentemente do contexto e uso e independentemente das suas interações

    com outros aspectos da cognição.

    Por outro lado, os mesmos linguistas apontam que há, pelo menos, duas tradições

    principais que antecedem os enfoques atualmente concebidos como modelos baseados no uso:

    a tradição Firthiana, que enfatiza a importância do contexto, incluindo seus aspectos sociais; e

    a linguística enunciativa, que defende a ideia de que as teorias da estrutura linguística sejam

    baseadas nos atos de fala. Segundo os referidos estudiosos, os modelos baseados no uso

    compartilham uma série de características as quais serão discutidas a seguir.

    7

  • No que diz respeito à íntima relação entre as estruturas linguísticas e o uso da língua,

    Barlow e Kemmer (2000) afirmam que o termo “estrutura linguística” é ambíguo, ou seja, ele

    pode se referir a estruturas hipotéticas derivadas pelo analista a partir da observação de dados

    linguísticos, sem nenhuma expectativa de que tais estruturas sejam cognitivamente instanciadas

    (o sistema linguístico externo), ou alternativamente, a estruturas postuladas pelo analista como

    uma afirmação decorrente de operações e estruturas mentais (o sistema linguístico interno).

    Um modelo baseado no uso sustenta que o sistema linguístico do falante é

    fundamentalmente baseado em eventos de uso: instâncias de produção e compreensão

    linguísticas de um falante. “Fundamentalmente baseado em”, significa que as representações

    linguísticas estão intimamente ligadas aos eventos de uso de três maneiras. Primeiro, esses

    casos são a base a partir da qual o sistema linguístico de um falante é formado, ou seja, são

    experiências a partir das quais o próprio sistema é inicialmente abstraído.

    Segundo, a relação entre as representações mais abstratas na gramática do falante e os

    eventos de uso experimentados por ele é muito mais direta do que normalmente é assumido.

    Barlow e Kemmer ressaltam, ainda, que as representações gerais que emergem a partir da

    operação do sistema, necessariamente, estão ligadas a exemplos específicos desses padrões e

    que as unidades da língua não são fixas, mas dinâmicas, sujeitas à extensão criativa e à

    reformulação com o uso.

    Em terceiro lugar, as produções linguísticas não são apenas produtos do sistema

    linguístico do falante, mas também fornecem uma entrada para o sistema de outros falantes,

    não só na aquisição inicial, mas no uso da língua por toda a vida. Assim, entendem que os

    eventos de uso desempenham um duplo papel no sistema: ambos resultam do, e também

    formam o próprio sistema linguístico em uma espécie de retroalimentação (feedback).

    Outro ponto destacado pelos referidos autores é que a frequência de ocorrências é um

    fator primordial na estrutura e funcionamento do sistema. A frequência teria um papel

    indispensável em qualquer explicação da língua, uma vez que a frequência de um padrão de

    uso particular é, além de um resultado, uma força de formação de um sistema.

    A maior frequência de uma unidade ou modelo resulta em um grau maior daquilo que

    Langacker chama de “enraizamento” (entrenchment), ou seja, a rotinização cognitiva, que afeta

    o processamento da unidade. O papel da frequência para o enraizamento de unidades no sistema

    linguístico é um aspecto crucial dos modelos de Langacker e Bybee.

    Um outro pressuposto assumido é o de que a compreensão e a produção são parte

    integrante, ao invés de periférica, do sistema linguístico. Como os eventos de uso levam à

    formação e ao funcionamento do sistema linguístico interno, a estrutura desse sistema não é

    8

  • separada, de forma alguma, dos (cumulativos) atos de processamento mental que ocorrem no

    uso da língua. A habilidade linguística do falante é, de fato, constituída por regularidades no

    processamento mental e na produção da linguagem.

    Os modelos baseados no uso focalizam o papel da aprendizagem e da experiência na

    aquisição da linguagem e reconhecem que produção e compreensão linguísticas são de

    importância central para a estrutura do sistema linguístico e devem ser entendidas como

    especialmente significativas para a aquisição da linguagem.

    Para muitos cientistas cognitivos, é óbvio que a aprendizagem é um ponto central para

    a aquisição da linguagem. Muitos linguistas, entretanto, poderiam colocar isso em dúvida. Na

    história recente da linguística, a aquisição da linguagem pela criança é colocada como o

    problema fundamental a ser explicado e a solução oferecida tem sido admitir a existência de

    estruturas linguísticas inatas específicas.

    Dentro da perspectiva dos modelos baseados no uso, porém, existem pesquisas que

    mostram como os primeiros enunciados das crianças são baseados em itens lexicais específicos,

    notavelmente, verbos. Outra linha de pesquisadores focaliza como as crianças aprendem

    padrões linguísticos baseados nas suas experiências de rotina social e com o seu próprio corpo,

    conforme referenciado por Barlow e Kemmer (2000).

    Em relação às representações linguísticas, estas são vistas como emergentes, ao invés

    de armazenadas como entidades fixas. As unidades linguísticas são, aqui, entendidas como

    rotinas cognitivas, ou seja, padrões recorrentes de ativação mental. Quando nenhum

    processamento está ocorrendo, a informação representada por essas unidades simplesmente

    reside em padrões de conectividade resultantes de ativações anteriores.

    Para os modelos baseados no uso, existe uma grande importância dos dados de uso na

    construção e descrição teóricas. Dentro dessa abordagem, as teorias da linguagem devem ser

    fundamentadas na observação dos dados de usos reais da língua, visto que o sistema linguístico

    é tão intimamente ligado ao uso. Dessa forma, uma teoria baseada no uso deve considerar que

    o objeto principal de estudo é a língua que as pessoas realmente produzem e compreendem.

    Em um modelo de cunho cognitivo, como este sobre o qual se discorre, o uso, a variação

    sincrônica e a mudança diacrônica possuem uma íntima relação. As variantes linguísticas

    podem ser entendidas como alternativas licenciadas pela rede em que as estruturas da língua se

    organizam. A seleção pela ativação de uma dada variante enraizada é governada por um

    complexo conjunto de fatores motivacionais, incluindo tanto fatores internos, quanto fatores

    contextuais relativos à situação comunicativa.

    9

  • O uso linguístico é visto como o lugar onde a mudança ocorre. Os efeitos de uso do

    sistema da língua certamente mostram que a língua dos falantes é influenciada pelas produções

    que eles ouvem em determinadas comunidades de fala dos quais são membros. Tudo isso

    motiva o surgimento de variantes e influencia a frequência de uso dessas, o que mais tarde pode

    vir a gerar um novo padrão na língua. Mudança e variação linguísticas são vistas, portanto,

    como reflexos da dinamicidade da linguagem.

    De acordo com os modelos baseados no uso, há a interconectividade entre o sistema

    linguístico e os sistemas cognitivos não linguísticos. A estrutura linguística é um subconjunto

    da estrutura conceptual. Os modelos cognitivos e culturais são vistos como quadros de

    compreensão do significado das expressões linguísticas. Esses modelos são sistemas coerentes

    de conhecimento dos vários graus de complexidade, desde esquemas mais simples até os mais

    complexos, como aqueles que envolvem modelos mais específicos, extraídos da experiência

    social e cultural.

    Segundo os modelos baseados no uso, o contexto, na operação do sistema linguístico,

    possui um papel crucial. Os padrões linguísticos e não linguísticos são processados e aprendidos

    de forma integrada. Todos os aspectos da língua, da fonética à semântica, estão abertos à

    influência dos contextos linguístico e não linguístico. Há sempre uma interação complexa entre

    as representações cognitivas e os fatores contextuais na situação imediata de uso.

    A língua não detém ou "transmite" um significado em si; simplesmente, fornece pistas

    para a construção do significado no contexto. Quando uma conceituação ocorre em uma

    instância específica de uso da língua, ela é evocada pelas formas linguísticas utilizadas, mas é,

    necessariamente, muito mais rica do que qualquer informação associada, especificamente, com

    aquelas formas, tais informações são apenas uma abstração da experiência, ou do uso das

    formas.

    Em síntese, tem-se, aqui, as características fundamentais de uma concepção

    fundamentalmente baseada no uso da língua; seu estudo, conforme ilustrado acima, poderá

    dizer muito sobre a forma como a linguagem humana funciona.

    Com efeito, a abordagem baseada no uso considera a linguagem como um sistema capaz

    de se auto-organizar e a gramática, no que diz respeito tanto à morfossintaxe, quanto à

    fonologia, como emergente desse sistema. A linguagem possui mecanismos que operam sempre

    quando a língua está sendo usada, tais como a habilidade para categorizar informações da

    experiência e de fazer inferências. Por isso, essa abordagem está tão preocupada com os fatores

    semânticos, pragmáticos, discursivos e, principalmente, cognitivos, ou seja, com a experiência,

    a compreensão e o armazenamento de memória.

    10

  • O referido modelo teórico rejeita a autonomia da sintaxe, incorpora a semântica e a

    pragmática às análises linguísticas, assume a não distinção estrita entre o léxico e a sintaxe,

    busca a íntima relação entre a estrutura das línguas e o uso que os falantes fazem delas nos

    contextos reais de interlocução. Assim, esse quadro teórico entende que se deve analisar os

    dados linguísticos, sejam de fala ou escrita, provenientes de enunciados que ocorrem em

    contextos efetivos de comunicação, inseridos no discurso natural, abstendo-se de investigar

    frases inventadas, isto é, apartadas de sua verdadeira função durante a interação.

    Tendo em vista que os modelos baseados no uso não reconhecem uma rígida distinção

    entre léxico e sintaxe, o paradigma denominado Gramática de Construções vem propor, em seu

    lugar, um continuum de construções, onde as expressões linguísticas, desde as mais simples até

    as mais complexas, constituem unidades simbólicas baseadas em correspondências entre forma

    e significado (cf. FERRARI, 2016).

    A gênese de uma gramática de construções ocorre nos finais da década de oitenta, em

    Berkeley, quando Fillmore cunha o termo Gramática de Construções (cf. TRAUGOTT E

    TROUSDALE, 2013), cujo objetivo é fornecer uma abordagem capaz de explicar os fenômenos

    regulares da língua, a partir da explicação das construções irregulares, admitindo o fato de que,

    estabelecidos os princípios norteadores dessas irregularidades, os mesmos explicariam os

    fenômenos regulares.

    Segundo Ferrari (2016), esse paradigma teórico é inaugurado com o trabalho de

    Fillmore, Kay e O’Connor (1988). Neste estudo, os autores estabelecem uma tipologia de

    expressões idiomáticas; para tanto, argumentam que construções gramaticais complexas têm as

    mesmas propriedades semânticas e pragmáticas que os itens lexicais. Destacam-se aí os estudos

    sobre expressões idiossincráticas e idiomatismos3, tais como let alone (Fillmore, Kay, e

    O’Connor , 1988 apud TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013 p. 3) e what’s X doing Y, por

    exemplo, What’s this fly doing in my soup? (Kay e Fillmore 1999 apud TRAUGOTT E

    TROUSDALE, 2013 p. 3)

    Outra vertente da Gramática de Construções, apontada por Traugott e Trousdale (2013)

    é a Gramática de Construções Baseada no Signo, cujo objetivo principal é formalizar uma

    abordagem que possa dar conta de identificar propriedades universais da língua, inclusive a

    questão da recursividade que tem recebido pouca atenção entre aqueles que trabalham com o

    modelo da gramática de construções.

    3 No original: idioms.

    11

  • Sua consideração básica é a de que a língua é um sistema baseado em signos, retomando,

    assim, o modelo Saussureano que considera a língua como um sistema de signos formados pela

    união de um significante e de um significado, noção que estende para construções complexas.

    Porém, aqui, o signo abarca a estrutura fonológica, a forma (morfológica), a categoria sintática,

    a semântica e os fatores contextuais, tais como a estrutura da informação.

    Traugott e Trousdale, (2013) citam, ainda, a Gramática de Construções Cognitiva cujas

    principais referências são os trabalhos de Lakoff (1987) e Goldberg (1995, 2006). Esta última

    estudiosa concentra suas análises em algumas construções do inglês, tais como as construções

    bitransitivas (como em I gave/baked John a cake) e a construção de movimento causado (por

    exemplo, Frank sneezed the napkin off the table) (cf. TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013). A

    autora defende que as próprias construções têm significado, independentemente das palavras

    que as constituem. Para ela, as construções da língua são pareamentos entre forma e significado

    e, sendo assim, os atributos semânticos de cada estrutura linguística ganham grande destaque.

    Vale lembrar também que Goldberg afirma que as construções podem ser de qualquer tamanho,

    desde orações complexas a afixos flexionais e sugere, ainda, que a totalidade do nosso

    conhecimento sobre a língua é capturada por uma rede de construções.

    A Gramática de Construções Radical é outra que compõem o quadro das gramáticas de

    construções e foi proposta por Croft (2001). Segundo Traugott e Trousdale (2013), esta

    abordagem preocupa-se com a relação entre a descrição gramatical e a tipologia linguística.

    Assim como Goldberg, Croft assume que construções são pareamentos convencionais de forma

    e significado, estando a forma ligada às propriedades fonológicas, morfológicas e sintáticas, e

    o significado, às propriedades semânticas, pragmáticas e discursivo-funcionais.

    Ainda no rol dos modelos teóricos em Gramática de Construções, Traugott e Trousdale

    (2013) mencionam a Gramática Cognitiva, que tem como referência os trabalhos de Langacker

    (1987, 1991, 2005). O referido autor (2009 apud TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013 p. 7)

    rejeita a noção de um componente sintático da gramática e concebe o signo linguístico como

    uma ligação entre a estrutura semântica e a fonológica.

    A ausência da sintaxe nesse modelo o distingue de todos os outros anteriormente citados

    (Fillmore, Croft e Goldberg). Langacker ressalta a habilidade dos usuários da língua em

    construírem uma mesma situação a partir de maneiras alternativas, de modo que ele ressalta

    que estão aí envolvidos conceitos tais como perspectiva, ponto de vantagem e direção de

    escaneamento mental4 (TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013 p. 7).

    4 “Construal involves perspective, specifically vantage-point and direction of mental scanning...” Langacker

    (2009 apud TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013 p. 7)

    12

  • Feitas essas considerações, é importante entender o rótulo de Gramática de Construções

    Baseada no Uso. Importa saber, como bem explica Diessel (2015), que, nesta abordagem, a

    gramática é vista como um sistema auto organizado de categorias emergentes e construções

    fluidas, que, em princípio, estão sempre mudando, sob a influência de processos cognitivos de

    domínio geral envolvidos no uso linguístico, tais como a analogia, a categorização e a

    automatização (ou chunking).

    Ainda segundo o referido autor, há dois princípios básicos que fundamentam a análise

    da estrutura linguística nessa abordagem. Em primeiro lugar, a estrutura linguística é composta

    por signos, isto é, construções e, em segundo lugar, as construções estão ligadas entre si por

    vários tipos de links, criando um intrincado sistema de elementos interconectados que pode ser

    caracterizado como uma rede dinâmica.

    Ele ressalta também que, na visão da linguística gerativa, a gramática e o léxico são dois

    componentes estritamente distintos (módulos), mas no modelo da Gramática de Construções

    Baseada no Uso, a divisão entre léxico e gramática é abandonada em favor de um modelo de

    rede no qual todos os elementos linguísticos estão potencialmente conectados uns com os

    outros. A esse respeito, Diessel (2015, p. 302) afirma:

    modelos de rede têm uma longa tradição na ciência cognitiva. Existem

    muitos tipos diferentes de modelos de rede - alguns teóricos, alguns

    computacionais - que variam em relação a uma ampla gama de

    parâmetros; mas o que todos os modelos de rede têm em comum é que

    eles são projetados para "processar" dados e "aprender" da experiência

    através do processamento de dados. Modelos de rede são, portanto,

    modelos baseados em uso por definição.

    O autor salienta que, tradicionalmente, a noção de signo é reservada para expressões

    lexicais, mas na linguística cognitiva, este conceito estendeu-se a entidades gramaticais,

    notadamente as construções. Uma construção é como uma unidade gramatical na qual um

    padrão estrutural particular é associado a uma função ou significado específico.

    Como declara Diessel (2015, p. 298), sem dúvida, a Gramática de Construções

    desempenhou um importante papel no desenvolvimento da abordagem baseada no uso. De fato,

    na literatura, a Gramática de Construções é frequentemente descrita como parte integrante da

    abordagem baseada no uso para o estudo da gramática (BYBEE, 2010; GOLDBERG, 2006;

    HILPERT, 2014; LANGACKER, 2008; TOMASELLO, 2003); mas a noção de Gramática de

    Construções refere-se a toda uma família de teorias que não necessariamente são consideradas

    13

  • como baseadas no uso. De fato, uma das primeiras e mais influentes teorias baseadas na noção

    de construção, desenvolvida por FILLMORE E KAY (1999), adota a divisão gerativa entre

    competência e desempenho e desconsidera o uso linguístico.

    Outras variedades da Gramática de Construções, como as já referidas Gramática

    Cognitiva (LANGACKER, 2008) e Gramática Radical da Construção (CROFT, 2001), adotam

    uma perspectiva dinâmica e já deram importantes contribuições à abordagem baseada no uso

    (BYBEE, 2010; GOLDBERG 2006; TOMASELLO 2003).

    A maioria das teorias gramaticais pressupõe um conjunto de categorias sintáticas

    anteriores à sua própria análise; mas na abordagem baseada no uso, categorias sintáticas são

    emergentes da experiência dos usuários da língua com as construções.

    2.2. O conceito de construção

    Embora utilizado por vários pesquisadores, o termo construção não tem um significado

    unânime. Por esse motivo, pretende-se, aqui, mostrar algumas das diferentes definições de

    construção, a fim de se esclarecer o sentido com que esse termo é empregado nesta tese. Para

    tanto, será feita, inicialmente, uma apresentação dos conceitos estabelecidos por alguns autores.

    Em seu livro A Construction Grammar Approach to Argument Structure, Goldberg

    (1995) considera que construções sejam as unidades básicas da língua. Ela afirma que os

    sintagmas são considerados construções se algo sobre a sua forma ou o seu significado não

    advém inteiramente das propriedades das partes dos seus componentes, ou não decorre de outras

    construções. Portanto, para a referida autora, uma construção pertence à gramática se o seu

    significado e/ou sua forma não é composicionalmente derivado de outras construções existentes

    na língua. Para ilustrar, Goldberg cita os morfemas como sendo exemplos claros de construções

    que configuram pareamentos de significado e forma, os quais não podem ser previsivelmente

    derivados de qualquer outra construção. Além disso, ela reconhece que esse tipo de definição

    tem como consequência o fato de que o léxico não seja exatamente diferenciado do resto da

    gramática.

    Em Construction at Work, Goldberg (2006) explica que construções são pareamentos

    entre forma e função e que todos os níveis de análise gramatical envolvem construções, isto é,

    pareamentos aprendidos de forma com função semântica ou discursiva, incluindo morfemas,

    palavras e expressões idiomáticas, por exemplo. Para a autora:

    14

  • qualquer padrão linguístico é considerado como uma construção desde que

    algum aspecto de sua forma ou função não seja estritamente previsível a partir

    das partes que o compõem ou a partir de outras construções reconhecidamente

    existentes. Além disso, padrões são armazenados como construções, mesmo

    os totalmente previsíveis, desde que ocorram de forma suficientemente

    frequente. (GOLDBERG, 2006, p.5)

    A autora ainda argumenta que “a descrição das ricas restrições semântico/pragmáticas

    e complexas restrições formais sobre os padrões (lexicais) se estende facilmente sobre padrões

    mais gerais, simples e regulares.” (GOLDBERG, 2006, p. 5). Em outras palavras, não há uma

    separação nítida entre o léxico, possuidor de rica semântica, e a sintaxe, de semântica limitada,

    mas sim uma sintaxe que, na verdade, não difere muito do léxico em termos semânticos.

    A estudiosa considera que, como o padrão não é completamente previsível, uma

    construção deve ser considerada de modo que especifique a forma particular e a função

    envolvida.

    Some-se às considerações acima, o fato de que as construções existem em cada língua

    e que elas são essenciais para um entendimento efetivo de padrões incomuns ou especialmente

    complexos e podem auxiliar na compreensão de padrões básicos e regulares da língua também.

    TAYLOR (2002), em Cognitive Grammar, diz que uma construção pode ser definida

    como qualquer estrutura analisável em partes e que existem três tipos de entidades reconhecidos

    na Gramática Cognitiva, são elas: estruturas fonológicas, estruturas semânticas e estruturas

    simbólicas. Dentro de cada um desses domínios, o autor afirma que é possível reconhecer

    construções. Ele fornece os seguintes exemplos:

    (i) construções fonológicas: [kæt] constitui uma construção fonológica, em que a

    estrutura complexa pode ser analisada em três segmentos componentes, a saber: [k], [æ] e [t].

    (ii) construções semânticas: [BLACK CAT] constitui uma construção semântica, que

    pode ser analisada em duas unidades semânticas componentes, a saber: [BLACK] e [CAT].

    (iii) construções simbólicas: [BLACK CAT] / [blæk kæt]: constitui uma construção

    simbólica, em que duas unidades simbólicas componentes podem ser identificadas, a saber

    [BLACK] / [blæk] e [CAT] / kæt].

    Taylor (2002) declara, ainda, que, quando se investigam construções, sejam elas

    fonológicas, semânticas ou simbólicas, vários tipos de relação podem manter-se entre elas. Em

    suas palavras:

    15

  • Uma construção pode ser esquemática para outra construção; uma

    construção pode ter, como uma de suas partes, uma construção menor;

    e as construções podem se relacionar por similaridade. Em segundo

    lugar, as construções podem variar de acordo com seu grau de

    entrincheiramento. No caso das construções esquemáticas, a questão da

    produtividade também surge: quão prontamente os falantes de uma

    língua criam expressões que instanciam o esquema construcional?

    (TAYLOR, 2002, p. 562)

    Em suma, para Taylor, as construções podem ser especificadas com graus variados de

    esquematização. Uma construção esquemática (também conhecida como um esquema

    construcional) captura um padrão geral para a combinação de unidades menores em unidades

    maiores

    Croft (2001), em Radical Construction Grammar, explica que construções são as

    unidades básicas de representação sintática. Para ele, categorias gramaticais são definidas por

    construções, e não o contrário, e define construção como objetos de representação sintática que

    também contêm informações semânticas e até mesmo fonológicas (como os itens lexicais

    substantivos individuais nos idioms parcialmente esquemáticos, ou padrões prosódicos

    especiais ou regras especiais de redução fonológica, como em I wanna go too).

    O autor distingue construções de itens lexicais, considerando o fato de que os itens

    lexicais são substantivos e atômicos (isto é, unidades sintáticas mínimas), enquanto que as

    construções podem ser esquemáticas e complexas (quando consiste de mais de um elemento

    sintático).

    Além disso, as construções são pensadas como o mesmo tipo teórico de objeto de

    representação, tais como os itens lexicais, embora sintaticamente complexos e, pelo menos,

    relativamente esquemáticos. Assim, há um continuum entre o léxico e as construções sintáticas.

    Na visão de Croft (2001), construções são unidades simbólicas e consistem de

    pareamentos de forma-sentido, pelo menos, parcialmente arbitrários. A forma compreende as

    propriedades sintáticas, morfológicas e fonológicas; e o sentido, propriedades semânticas,

    pragmáticas e discursivo-funcionais, numa correspondência simbólica interna à construção,

    conforme ilustrado na figura abaixo (CROFT, 2001, p.18).

    16

  • Figura 1 – Modelo da estrutura simbólica de uma construção na Gramática de Construção Radical (CROFT,

    2001, p. 18)

    Para Traugott e Tousdale (2013), construção é um pareamento de forma e significado,

    de acordo com o seguinte modelo: [[F]] [[M]], em que F representa a forma, isto é,

    compreende os domínios da sintaxe, morfologia e fonologia, enquanto que M representa o

    significado, nos níveis do discurso, da semântica e da pragmática. Nesse esquema, as duas setas

    especificam a ligação entre a forma e o significado e os colchetes externos denotam que o

    pareamento forma-significado é uma unidade convencionalizada.

    A definição de construção, portanto, varia na literatura, porém, nesta tese, o referido

    termo será usado no sentido de Traugott e Trousdale (2013).

    2.3. Construcionalização e mudanças construcionais

    A gramática de construções, criada no âmbito da Linguística Cognitiva, tem como

    princípio básico o fato de que a língua é constituída de pareamentos de forma e significado, as

    chamadas construções, organizados em uma rede. A ideia de rede reflete o fato de que a língua

    é um sistema de construções interconectadas.

    As construções são entendidas como unidades simbólicas convencionais. São unidades

    porque algum aspecto do símbolo é tão idiossincrático ou tão frequente, que ele é armazenado

    como um pareamento de forma e significado na mente do usuário da língua. Simbólicas, porque

    são símbolos, associações arbitrárias de forma e significado e convencionais, porque são

    compartilhadas pelos mesmos falantes.

    17

  • Assim, neste trabalho, foi adotado o conceito de construção como o pareamento

    convencionalizado de forma e significado e consequentemente, assumida a concepção de

    gramática como rede de construções. Dessa forma, o objeto de análise define-se, não só por si,

    mas na relação com outras unidades da língua. A gramática é vista como uma rede de relações

    de formas e sentidos.

    Para Traugott e Trousdale (2013), construções distinguem-se em três dimensões:

    tamanho, grau de especificidade fonológica e tipo de conceito. No que diz respeito à dimensão

    tamanho de uma construção, os autores afirmam que ela pode ser atômica ou complexa, ou

    ainda estar entre uma classificação ou outra. Construções atômicas são monomorfêmicas,

    enquanto complexas referem-se ao fato de serem unidades de chunks analisáveis.

    No que tange à sua especificidade fonológica, as construções podem ser substantivas,

    ou seja, preenchidas fonologicamente ou esquemáticas, quando caracterizarem uma abstração,

    ou, ainda, podem ser uma construção intermediária, isto é, parte da construção é substantiva e

    parte é esquemática.

    Em relação ao seu conceito, as construções podem ser de conteúdo (quando lexicais) ou

    procedurais (quando gramaticais). O quadro abaixo ilustra as características da construção

    porém, antes e após a construcionalização.

    Quadro 1 – Dimensões da construção porém antes e após a construcionalização

    No caso de porém, as construções das quais deriva são complexas (composta de chunks

    analisáveis); procedurais (gramaticais); de caráter referencial e o resultado das mudanças

    ocorridas é uma construção atômica (monomorfêmica), menos referencial, mais abstrata e

    procedural. A sua dimensão fonológica, tanto antes, quanto após a construcionalização, é

    sempre substantiva, isto é, preenchida fonologicamente.

    Dimensões da construção

    porém

    Antes da

    construcionalização

    Após a

    construcionalização

    Tamanho complexa atômica

    Especificidade fonológica substantiva substantiva

    Tipo de conceito procedural procedural

    18

  • Em relação a contudo, as características da construção, tanto antes quanto após a

    construcionalização, são semelhantes àquelas que pertencem a porém, conforme mostra o

    quadro abaixo:

    Quadro 2 – Dimensões da construção contudo antes e após a construcionalização

    No que se refere a todavia, as construções das quais deriva são complexas, mas, ao

    mesmo tempo, seu conceito é procedural e lexical, referencial e o resultado das mudanças

    ocorridas é uma construção atômica (monomorfêmica), menos referencial, mais abstrata e

    procedural. A sua dimensão fonológica, tanto antes, quanto após a construcionalização, é

    sempre substantiva, isto é, preenchida fonologicamente, conforme mostra o quadro abaixo:

    Quadro 3 – Dimensões da construção todavia antes e após a construcionalização

    Nessa abordagem, os olhares voltam-se para a história da convencionalização do

    pareamento e de todas as estruturas concorrentes, ou seja, em competição, das construções. É

    importante destacar que as construções surgem a partir do desenvolvimento de micro passos ou

    micro inovações no uso, porém, nem toda inovação leva necessariamente à mudança, isto é, ao

    surgimento de uma nova construção. Mudanças só na forma, ou só no sentido são chamadas de

    mudanças construcionais e não constituem uma nova construção. Uma inovação só constitui

    mudança quando atinge o pareamento forma e significado e essa mudança é, então,

    disseminada, isto é, convencionalizada pela comunidade linguística.

    Dimensões da construção

    contudo

    Antes da

    construcionalização

    Após a

    construcionalização

    Tamanho complexa atômica

    Especificidade fonológica substantiva substantiva

    Tipo de conceito procedural procedural

    Dimensões da construção

    todavia

    Antes da

    construcionalização

    Após a

    construcionalização

    Tamanho complexa atômica

    Especificidade fonológica substantiva substantiva

    Tipo de conceito procedural/de conteúdo procedural

    19

  • Traugott e Trousdale (2013) apresentam uma proposta de se verificar a mudança a partir

    de dois tipos: a mudança construcional — a mudança da construção, a qual pode ser fonética,

    morfológica, semântica — e a construcionalização, que é o surgimento da nova construção, uma

    mudança na forma e no sentido, ou seja, no pareamento entre forma e função.

    Segundo os autores, “uma mudança construcional é uma mudança que afeta uma

    dimensão interna de uma construção. Ela não envolve a criação de um novo nó.” (p.26). Já a

    construcionalização envolve mudanças simultâneas na forma e no significado e geram um novo

    nó na rede, isto é, uma nova construção, levando essa rede a se reorganizar com novas relações

    entre as construções. Segundo os autores:

    a construcionalização é a criação de nova forma e novo significado

    (combinação de) signos. Ela forma novos nós, os quais têm nova sintaxe

    ou morfologia e novo significado codificado na rede linguística de uma

    população de falantes. Ela é acompanhada por mudanças no nível de

    esquematicidade, produtividade e composicionalidade. A

    construcionalização de esquemas sempre resulta de uma sucessão de

    micro-passos e é, portanto, gradual. Novas micro-construções podem,

    de forma semelhante, ser criadas gradualmente, mas elas podem

    também ser instantâneas. Gradualmente criadas, as micro-construções

    tendem a ser procedurais e instantaneamente criadas, as micro-

    construções tendem a ter conteúdo. (TRAUGOTT E TROUSDALE,

    2013, p. 22)

    Conforme o pensamento dos referidos linguistas, dentro da concepção de gramática

    como rede de construções, uma nova construção é entendida como uma espécie de solução para

    o mismatch que se cria entre forma e significado (a incongruência entre forma e função) num

    determinado momento. Para eles, ocorreria uma perda de links entre os elementos da

    microconstrução. A partir dessa perda de composicionalidade, haveria o aumento, então, da

    produtividade e o aumento da esquematicidade. A criação de novos nós na língua pode ser de

    natureza gramatical (construcionalização gramatical) ou lexical (construcionalização lexical).

    Como o fenômeno analisado neste trabalho está relacionado à construcionalização gramatical,

    apenas esse tipo de construcionalização será focalizado.

    Para entender melhor essa dinâmica, é preciso esclarecer os referidos conceitos citados

    anteriormente. Para Traugott e Trousdale (2013), existem três conceitos que são muito

    importantes, pois regem o processo de construcionalização, são eles: a esquematicidade, a

    produtividade e a composicionalidade.

    Em primeiro lugar, a esquematicidade consiste numa propriedade de categorização que

    envolve crucialmente abstratização. “Um esquema é uma generalização taxonômica das

    20

  • categorias, linguísticas ou não”. (TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013, p. 13). Os esquemas

    linguísticos são abstratos, tomados como grupos de construções, procedurais ou de conteúdo,

    são abstrações em torno de uma série de construções as quais são inconscientemente percebidas

    pelos usuários da língua como altamente relacionados entre si na rede construcional.

    Existem graus de esquematicidade, que se referem a níveis de generalidade ou

    especificidade. Eles exemplificam esse rótulo com o conceito de móveis, que é mais abstrato,

    mais do que cadeira e o conceito de cadeira, que, por sua vez, é mais abstrato do que o conceito

    de poltrona. Igualmente, um substantivo é mais abstrato do que substantivo contável, verbo é

    mais geral do que verbo transitivo ou verbo de ligação.

    Para esses linguistas, esquemas linguísticos são instanciados por subesquemas e, nos

    níveis mais baixos, por microconstruções: membros-type específicos de esquemas mais

    abstratos. Isso pode ser entendido através do seguinte exemplo que eles fornecem: poder é uma

    microconstrução do subesquema de modais; modal é um subesquema do esquema auxiliares.

    Por sua vez, subesquemas podem ser desenvolvidos ao longo do tempo (por exemplo,

    subconjuntos de modificadores perifrásticos de NP, (Van de Velde, 2011 apud TRAUGOTT E

    TROUSDALE, 2013 p. 14), ou perdidos (por exemplo, subconjuntos de verbos bitransitivos,

    Coleman e De Clerck, 2011 apud TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013 p. 14). O surgimento e

    a perda de subesquemas envolvem mudanças construcionais antes e após a construcionalização.

    A esquematicidade de uma construção refere-se ao quanto ela captura padrões mais

    gerais em toda uma série de construções mais específicas. (Tuggy 2007, Barddal 2008 apud

    TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013 p. 14).

    Na verdade, Traugott e Trousdale (2013) reconhecem que há outras definições para

    esquematicidade, esse termo, por exemplo, também tem sido referido como ‘generalidade’ em

    Langacker (2008: 244 e Trousdale, 2008 apud TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013 p. 14). Na

    visão de Bybee (2010 apud TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013 p. 14), a esquematicidade

    envolve posições e preenchimento através de uma variedade de palavras e sintagmas. Ela

    também define esquematicidade como o grau de dissimilaridade dos membros e como grau de

    variação dentro de uma categoria.

    Já para Traugott e Trousdale (2013), os esquemas são frequentemente discutidos em

    termos de slots e como as estruturas simbólicas são formadas dentro deles. Para ilustrar, diz-se

    que uma construção pode consistir inteiramente de slots esquemáticos abstratos, como o

    componente da forma do esquema bitransitivo [SUBJ V OBJ1 OBJ2], ou pode ser parcialmente

    esquemática na medida em que contém uma construção substantiva como a way-construction (

    [SUBJi [V POSSi way] DIR]).

    21

  • Outra questão é que os falantes, muitas vezes, generalizam e estendem as fronteiras de

    uma determinada construção. Tais inovações podem, com o tempo, transformar-se em mudança

    linguística.

    Ainda na perspectiva de Traugott e Trousdale (2013), a esquematicidade é gradiente de

    duas maneiras. Por um lado, uma boa formação é uma questão de convenção e, por vezes, a

    sanção é apenas parcial. Como citado por eles, “uma quantidade considerável de não

    convencionalidade é tolerada (e muitas vezes esperada) como uma característica normal de uso

    da língua” (Langacker, 1987: 69 apud TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013 p. 16). Esta

    tolerância para não convencionalidade é de grande importância na mudança: extensões

    parcialmente sancionadas de uma construção convencionalizada existente podem, ao longo do

    tempo, tornar-se casos totalmente sancionados de uma construção esquemática mais geral, que

    tenha mudado como resultado da experiência do falante / ouvinte com a língua.

    Uma segunda maneira pela qual a esquematicidade seria gradual é em termos das

    distinções hierárquicas que podem ser feitas. Como já visto, buscando manter o foco na forma

    e no significado, Traugott e Trousdale (2013) propõem o seguinte conjunto mínimo de níveis

    de construção, como um recurso heurístico para a descrição e a análise da mudança

    construcional: esquemas, subesquemas e microconstruções. Porém, os autores entendem que

    essas não são distinções absolutas e, com o tempo, as relações entre eles podem mudar. Para

    eles, a mudança construcional começa quando novas associações entre construtos5 e

    construções emergem ao longo do tempo. A figura 2, a seguir, sintetiza e exemplifica essas

    distinções. O nível mais alto inclui todos os tipos de quantificadores, aqueles que indicam

    quantidades pequenas, grandes ou intermediárias, ou que sejam binominais e monomorfêmicas.

    No nível medial, de subesquemas, as distinções são feitas entre as quantidades grandes,

    pequenas e intermediárias; e no nível mais baixo, encontram-se os vários tipos de

    microconstruções.

    5 Nos termos de Traugott e Trousdale (2013, p. 2), o construto é o locus da mudança, uma instância de uso. De

    acordo com Braga e Paiva (2016), “as microconstruções se manifestam por construtos, que são tokens atestados

    empiricamente.”

    22

  • Figura 2: Gradiência das relações hierárquicas entre as construções

    many a lot of few a bit of

    Outro exemplo de esquema construcional é o esquema de contraste, que se refere às

    construções ora em estudo. O nível mais alto inclui todos os tipos de contr