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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Luciana da Silva Ferreira
Distribuio de Salrios na Economia Brasileira: Um estudo a partir da matriz de
contabilidade social para os anos de 2001, 2005 e 2008.
Rio de Janeiro Maro de 2012
1
Luciana da Silva Ferreira
Distribuio de Salrios na Economia Brasileira: Um estudo a partir da matriz de
contabilidade social para os anos de 2001, 2005 e 2008
Tese final de curso apresentada como requisito obteno ao ttulo de doutor em Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Prof Dr Esther Dweck. Co-orientador: Prof. Dr. Fabio Neves Percio de Freitas.
Rio de Janeiro
Maro de 2012.
2
LUCIANA DA SILVA FERREIRA
DISTRIBUIO DE SALRIOS NA ECONOMIA BRASILEIRA: UM ESTUDO A
PARTIR DA MATRIZ DE CONTABILIDADE SOCIAL PARA OS ANOS DE 2001,
2005 E 2008
Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Cincias Econmicas.
Rio de Janeiro, maro de 2012.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________ Prof Dr Esther Dweck IE/UFRJ
___________________________________________________ Prof Dr Fbio Neves Percio Freitas IE/UFRJ
_____________________________________________________ Prof. Dr Carlos Pinkusfeld Bastos IE/UFRJ
_____________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Eduardo de Andrade Baltar IE/UNICAMP
_____________________________________________________ Pesquisador Dr. Cludio Roberto Amitrano IPEA
3
Para Roberto, pelo carinho e apoio.
4
Agradecimentos
A realizao deste trabalho s foi possvel porque contei com a colaborao de
pessoas a quem devo minha gratido por suas contribuies especficas.
Ao meu esposo Roberto Rodrigues pelo seu apoio desde o incio de minha jornada
no doutorado, pela sua pacincia nos momentos mais tensos e por ter me incentivado sempre
a continuar. A ele tambm agradeo por sugestes crticas a este trabalho.
minha orientadora Esther Dweck por sua orientao, por ter lido toda a minha
tese e por nossas reunies esclarecedoras. A ela que, pela reestruturao de seu tempo e
disponibilidade de datas para os encontros, abriu mo de algumas tardes de sbado e domingo
para nos reunirmos em trabalho.
Ao professor Fbio Freitas pelas orientaes prestadas e apoio para finalizar a tese.
A todos os professores do Instituto de Economia da UFRJ pelo reconhecimento de suas
contribuies minha formao acadmica.
Coordenao de Contas Nacionais do IBGE pela prestao valiosa de dados
fundamentais para a construo deste trabalho. Especialmente, a Ktia Namir, por sua
disponibilidade e presteza em atender as minhas demandas junto ao IBGE. Agradeo tambm
a Joo Hallak pelos esclarecimentos prestados quando algumas dvidas surgiram ao longo do
processo.
Ao MTE Rio e ao Datamec, na pessoa de Jos Roberto Manna, que no perodo de
realizao desta tese, prestava apoio aos usurios do Programa de Disseminao das
Estatsticas do Trabalho (PDET) do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE). Por sua
disponibilidade e inmeros esclarecimentos quanto ao tratamento das bases de dados do MTE.
Aos meus colegas do Departamento de Histria e Economia do Instituto
Multidisciplinar da UFRRJ (IM/UFRRJ), pelo apoio nesta fase de formao acadmica e,
principalmente, por me liberar de compromissos administrativos, fundamental para minha
dedicao a esta pesquisa.
Aos meus alunos do IM/UFRRJ, especialmente do Grupo de Pesquisa em Poltica
Econmica que, com seus questionamentos e curiosidades me incentivaram a aprofundar
minha pesquisa.
Enfim, aos meus pais Gilson e Aldineia e a meu tio Adriano pelo apoio e incentivo
no doutorado.
5
Resumo
Esta tese tem por objetivo analisar a distribuio dos salrios na economia brasileira conforme os setores de atividades e as estruturas de ocupaes, de modo a avaliar os fatores explicativos para essa distribuio de salrios. Para isso, assumida uma interpretao que conclama o papel da estrutura produtiva e ocupacional na determinao da remunerao dos trabalhadores. Assim, pressupe-se que so as ocupaes que remuneram os trabalhadores conforme sua importncia relativa nos setores produtivos da economia e de acordo com o papel dos setores de atividade na economia como um todo. Com isso, busca-se fundamentar uma anlise que pretere a interpretao de que a distribuio funcional da renda e, mais especificamente, a distribuio dos salrios na economia brasileira seja reflexo das escolhas individuais sobre os nveis de educao. Essa explicao recorrentemente tratada pela Teoria do Capital Humano, onde rendas maiores so relacionam com maiores nvel de educao de maneira diretamente proporcional. Contudo, para os propsitos desta tese, a estrutura produtiva e ocupacional que definem e governam a distribuio de salrios numa economia. Para tanto, adotou-se como metodologia de anlise a construo de uma Matriz de Contabilidade Social para alguns anos da primeira dcada de 2000, e a partir disso, a explorao de algumas clulas da matriz capazes de demonstrar a remunerao do trabalho. Este processo levou foi a compilao de uma Matriz de Distribuio de Salrios que atende tanto necessidade de expor os salrios por estrutura ocupacional e produtiva, quanto por faixas de salrios e nveis de educao. Adicionalmente, foi construda uma Matriz de Impacto de Consumo que visa estabelecer a relao entre o consumo dos trabalhadores e a produo dos setores de atividade. Com isso, possvel obter duas fontes de anlise, baseadas nas Contas Nacionais. Por um lado, como os setores de atividade remuneram os trabalhadores e, por outro, como ocorre o retorno dos salrios aos setores de atividade por meio do consumo dos trabalhadores, de modo que se complete o fluxo circular da renda. O resultado dessa pesquisa proporciona uma anlise detalhada da distribuio de salrios e sua participao no consumo na economia brasileira conforme setores de atividade, bem como concede papel importante demanda efetiva e a estrutura produtiva na determinao da renda do trabalho. Palavras-chave: Distribuio de salrios, Contas Nacionais, Matriz de Contabilidade Social, estrutura ocupacional, estrutura produtiva, setores de atividade.
6
Abstract
This thesis aims to analyze the distribution of wages in the Brazilian economy as sectors of activities and structures of occupations in order to evaluate the factors that explain this distribution of wages. Therefore, it is assumed an interpretation that calls the role of occupational and production structure in determining the remuneration of workers. Thus, it is assumed that occupations are those that pay workers according to their relative importance in the productive sectors of the economy and in accordance with the role of industry sectors in the economy as a whole. Thus, we seek to support an analysis that prefers to the interpretation that the functional distribution of income and, more specifically, the distribution of wages in the Brazilian economy is a reflection of individual choices about the levels of education. This explanation is repeatedly addressed by the Human Capital Theory, where higher incomes are related to higher levels of education in a manner directly proportional. However, for purposes of this thesis is the production and occupational structure that define and govern the distribution of wages in an economy. To this end, it was adopted as a methodology for analyzing the construction of a Social Accounting Matrix for few years of the 2000s, and from this, the exploration of some matrix cells able to demonstrate the remuneration for work. This process was led to compile a Wages Distribution Matrix that meets both the need to expose the wage structure by occupational and productive, and wages and education levels. Additionally, we constructed a Consumer Impact Matrix which aims to establish the relationship between consumption and production workers in the sectors of activity. This makes it possible to get two sources of analysis, based on National Accounts. On the one hand, the sectors of activity remunerate workers and, secondly, as is the return of wages to activity through the consumption of workers, so that to complete the circular flow of income. The result of this research provides a detailed analysis of the distribution of wages and their share in consumption in the Brazilian economy as sectors of activity, as well as grants to the important role effective demand and production structure in the determination of labor income. Keywords: Distribution of salaries, National Accounts, Social Accounting Matrix, occupational structure, production structure, sectors of activity.
7
Lista de Grficos
Grfico 1 Coeficiente de Gini Brasil 1976 a 2008 ......................................................7877 Grfico 2 - Participao no Valor Adicionado: 1995 a 2008 ......................................144143 Grfico 3 - Coeficiente de Gini para Mercado Formal e Brasil .................................151150 Grfico 4 - Estrutura de Ocupaes Frequncia ......................................................155154 Grfico 5 - Estrutura de Ocupaes - em % do Total.................................................156155 Grfico 6 - Frequncia de Emprego Formal por Setor de Atividade - % Total.......163162
8
Lista de Quadros
Quadro 1 - Matriz de Contabilidade Social Simplificada - sem governo e sem setor externo .....................................................................................................................................91 Quadro 2 - Matriz de Contabilidade Social Ampliada: com Governo e Resto do Mundo..................................................................................................................................................93 Quadro 3 - Estrutura Esquemtica das CEIs ....................................................................101 Quadro 4 - Tabela de Recursos e Usos ...............................................................................102 Quadro 5 - Matriz de Distribuio dos Salrios - por faixa de remunerao.................108 Quadro 6 - Matriz de Distribuio de Salrios - por nvel de educao..........................108 Quadro 7 - Tabela de Salrios Simplificada ......................................................................112 Quadro 8 - Transformao dos Setores de Atividades......................................................116 Quadro 9 - Grandes Grupos de Ocupao - CBO.............................................................118 Quadro 10 - Faixas de Remunerao..................................................................................119 Quadro 11 - Nvel de Instruo ...........................................................................................120 Quadro 12 - Tabela de Salrios ...........................................................................................122 Quadro 13 - SAM Brasileira de 2001 - R$ Milhes ...........................................................139 Quadro 14 - SAM Brasileira de 2005 - R$ Milhes ...........................................................140 Quadro 15 - SAM Brasileira de 2008 - R$ Milhes ...........................................................141
9
Lista de Tabelas
Tabela 1 - Participao de Lucros e Salrios na Renda - % do PIB ...............................143 Tabela 2 Renda Mdia por Faixa de Salrios e Nvel de Educao..............................147 Tabela 3 - Frequncia de Empregos Formais - Faixa de Salrios e Nvel de Educao 149 Tabela 4 - Taxa de Crescimento de Empregos Formais ...................................................149 Tabela 5 - Coeficiente de Gini para Mercado Formal ......................................................150 Tabela 6 - Renda Mdia por Estrutura de Ocupaes......................................................154 Tabela 7 - Frequncia de Estruturas Selecionadas ...........................................................157 Tabela 8 - Renda Mdia do Emprego Formal por Setor de Atividade - Em R$ ............159 Tabela 9 - Frequncia do Emprego Formal por Setor de Atividade ...............................161 Tabela 10 - Educao X Faixa de Salrios - Setores Selecionados...................................165 Tabela 11 - Salrios X Educao - Setor Indstria Tradicional ......................................166 Tabela 12 - Remunerao Mdia dos Salrios por Setor de Atividade - Em R$............168 Tabela 13 Inflao Acumulada e Variao do Salrio Mnimo Real em % .............169 Tabela 14 - Remunerao por Tipo de Insero no Mercado de Trabalho Segundo Agrupamento de Atividades - Em R$ 1.000.000 ................................................................171 Tabela 15 - Ocupaes por Tipo de Insero no Mercado de Trabalho Segundo Agrupamento de Atividades ................................................................................................172 Tabela 16 - Consumo Final dos Salrios - Em R$ Milhes (valores correntes)..............174 Tabela 17 - Participao dos Salrios sobre o PIB............................................................177 Tabela 18 - Coeficiente de Participao dos Salrios por Setores ...................................179 Tabela 19 - Coeficiente de Participao de Salrios por Faixa de Remunerao ..........181 Tabela 20 Consumo dos Salrios por Setores de Atividades.........................................182 Tabela 21 - Impacto do Consumo dos Salrios por Setores de Atividades .....................183
10
SUMRIO
Resumo ...........................................................................................................................................5
Abstract ..........................................................................................................................................6
Lista de Grficos............................................................................................................................7
Lista de Tabelas .............................................................................................................................9
Introduo ....................................................................................................................................13
CAPTULO 1: Aspectos Tericos dos Determinantes da Distribuio de Renda.................21
1.1 Principais elementos da Teoria Neoclssica da Distribuio de Renda ..............................22 1.1.1 Funcionamento dos mercados de fatores......................................................................24 1.1.2 Equilbrio de Pleno Emprego e Distribuio de Renda................................................27 1.1.3 A Teoria do Capital Humano........................................................................................29
1.2 Teorias Heterodoxas sobre Distribuio da Renda..............................................................34 1.2.1- O Princpio da Demanda Efetiva.................................................................................36 1.2.2- O Princpio da Demanda Efetiva em Kalecki e a determinao da renda...................38 1.2.3- Distribuio Funcional da Renda ................................................................................44
1.3 Distribuio de Salrios.......................................................................................................50 1.3.1- Estrutura de Ocupaes...............................................................................................51 1.3.2- Estrutura de Salrios ...................................................................................................55
CAPTULO 2 O Debate sobre Distribuio de Renda no Brasil .........................................63
2.1 O debate entre Fishlow e Langoni na dcada de 1970 ........................................................63
2.2- O Debate na Dcada de 1980 e Primeira Metade de 1990.................................................76
2.3- O Debate na Segunda Metade da Dcada de 90 e Dcada de 2000 ...................................83
CAPTULO 3: Aspectos metodolgicos e compilao de uma Matriz de Contabilidade Social para o Brasil......................................................................................................................89
3.1 A Matriz de Contabilidade Social .......................................................................................90
3.2 O Sistema de Contas Nacionais...........................................................................................96 3.2.1 Contas Econmicas Integradas.....................................................................................98 3.2.2 Tabelas de Recursos e Usos........................................................................................102
3.3 Construo de uma Matriz de Contabilidade Social para o Brasil ....................................104
3.4 Anlise da Conta de Gerao da Renda.............................................................................105 3.4.1 Matriz de Distribuio de Salrios .............................................................................107 3.4.2 Matriz de Coeficientes de Salrios .............................................................................111
3.5 Uso da Renda.....................................................................................................................125
CAPTULO 4: Anlise dos dados oriundos da Matriz de Contabilidade Social Brasileira129
4.1 A economia brasileira nas ltimas dcadas .......................................................................130
11
4.2 A Matriz de Contabilidade Social para o Brasil ................................................................134
4.3 Desagregao da Conta de Gerao de Renda da SAM....................................................142
4.4 A Matriz de Distribuio de Salrios para o Brasil ...........................................................145 4.4.1 Comportamento do Emprego Formal a Partir das Estruturas de Ocupaes .............152 4.4.2 Comportamento do Emprego Formal a Partir dos Setores de Atividades..................158 4.4.3 Construo da Matriz de Distribuio de Salrios .....................................................169
4.5 Uso da Renda a partir da distribuio de salrios..............................................................173 4.5.1 Inferncias a partir das matrizes .................................................................................175
Concluso ...................................................................................................................................185
Referncias Bibliogrficas ........................................................................................................191
Anexo A Matriz de Contabilidade Social Esquemtica ......................................................197
Anexo B Tradutor CNAE 2.0/SCN .......................................................................................198
Anexo C Tradutor CNAE 1.0/SCN.......................................................................................204
Anexo D Coeficientes de Salrios 2001 Nvel de Educao .............................................249
Anexo E Coeficientes de Salrios 2001 Faixa de Salrios................................................258
Anexo F Coeficientes de Salrios 2005 Nvel de Educao..............................................267
Anexo G Coeficientes de Salrios 2005 Nvel de Salrios ................................................276
Anexo H Coeficientes de Salrios 2008 Nvel de Educao .............................................282
Anexo I Coeficientes de Salrios 2008 Faixa de Salrios .................................................291
Anexo J Matriz de Distribuio de Salrios Faixa de Salrio 2001................................300
Anexo K Matriz de Distribuio de Salrios Faixa de Salrio 2005...............................318
Anexo L Matriz de Distribuio de Salrios Faixa de Salrio 2008 ...............................336
Anexo M Matriz de Distribuio de Salrios Nvel de Educao 2001 ..........................354
Anexo N Matriz de Distribuio de Salrios Nvel de Educao 2005 ...........................372
Anexo O Matriz de Distribuio de Salrios Nvel de Educao 2008...........................390
Anexo P Matriz do Produto Nacional do ano 2001 Valor nominal Em milhes de Reais............................................................................................................................................408
Anexo Q Matriz do Produto Nacional do Ano 2005 Valor nominal Em milhes de Reais............................................................................................................................................416
Anexo R - Matriz do Produto Nacional do Ano 2008 Valor nominal Em milhes de Reais............................................................................................................................................424
12
Anexo S - Matriz do Produto Nacional do Ano 2009 Valor nominal Em milhes de Reais............................................................................................................................................432
Anexo T Matriz de Market Share do Ano de 2001..............................................................440
Anexo U Matriz de Market Share do Ano de 2008 .............................................................456
Anexo V Matriz de Market Share do Ano de 2009 .............................................................464
Anexo W Tabela de Renda dos Trabalhadores Destinada ao Consumo em 2001 Em Milhes de Reais ........................................................................................................................472
13
Introduo
A apropriao e distribuio da renda entre os indivduos participantes do processo
de produo de bens e servios na economia brasileira tm se mostrado bastante desigual ao
longo das ltimas dcadas. O estudo a respeito deste tema ganhou relevncia no pas a partir
dcada de setenta, quando a divulgao dos primeiros resultados do censo demogrfico
revelou que a economia brasileira apresentava elevadas taxas de crescimento
concomitantemente ao aumento da concentrao de renda. Nas dcadas de oitenta e noventa,
o pas apresentou baixas taxas de crescimento econmico, mas o problema da alta
concentrao permaneceu como um fato importante e, de certa forma, agravou-se a partir da
segunda metade dos anos oitenta e durante a dcada de noventa, registrando queda amena
apenas na dcada posterior. Contudo, apesar da tnue melhora na distribuio da renda no
pas na primeira dcada de 2000, ainda elevado o nvel de concentrao de renda no Brasil e
o tema continua em voga, uma vez que o pas permanece como uma economia com um alto
grau de concentrao de renda.
O estudo da distribuio de renda, entretanto, alude a dois conceitos importantes: a
distribuio pessoal da renda e a distribuio funcional da renda. Por distribuio pessoal da
renda entende-se como sendo a parcela da renda final apropriada pelo indivduo, ou de outra
forma, o rendimento individual. Por outro lado, a distribuio funcional da renda refere-se
distribuio da renda de acordo com a funo desempenhada pelos agentes no processo de
produo e gerao de renda, isto , a remunerao dos proprietrios de capital e trabalho na
forma de juros, lucros e salrios. Apesar de distintos, esses conceitos se relacionam entre si
uma vez que a distribuio funcional da renda impacta no rendimento do indivduo. Para
analisar o papel desempenhado pela distribuio funcional sobre a distribuio pessoal da
renda preciso examinar a participao dos salrios e dos lucros (e juros) na renda, bem como
a sua composio.
No Brasil, o estudo da distribuio pessoal da renda tem se destacado na literatura
acadmica nos ltimos anos, especialmente, pelo interesse dispensado ao papel das escolhas,
dotaes e produtividades individuais sobre a renda pessoal. Essa forma de anlise
caracterstica da interpretao neoclssica revela a influncia desta teoria econmica tambm
no campo da anlise da distribuio da renda. O interesse da abordagem neoclssica sobre a
distribuio pessoal da renda, no entanto, no se d em detrimento da distribuio funcional, o
que ocorre que para essa corrente, a distribuio da renda entre lucros e salrios dada
simultaneamente no equilbrio entre oferta e demanda agregadas.
14
De acordo com a teoria neoclssica, os agentes econmicos so vistos como seres
atomizados e proprietrios de uma dotao inicial que lhe insuficiente para gerar satisfao
e, portanto, faz-se necessria a troca dessa dotao no mercado de fatores. Alm disso, a
teoria neoclssica supe que essa dotao inicial (oferta) dada exogenamente e, portanto,
reflete a escassez relativa dos recursos, o que restringe e governa o processo alocativo numa
economia capitalista. Uma vez que para essa teoria os preos so flexveis, a oferta e demanda
de produtos tende sempre ao equilbrio de pleno emprego atravs de movimentos nos preos
dos produtos. No mercado de fatores h tambm a tendncia ao equilbrio de pleno emprego e
os preos dos fatores refletem os ndices de escassez desses fatores de produo.
A suposio do funcionamento do mercado de fatores para a corrente neoclssica
elimina qualquer outra possibilidade sobre os determinantes da distribuio funcional da
renda. Dessa forma, como esta est dada no equilbrio de pleno emprego, preciso avaliar o
papel das escolhas individuais que refletiro, em ltima instncia, na dotao inicial dos
agentes e nas suas produtividades marginais. Assumindo a relevncia das escolhas individuais
sobre os rendimentos pessoais, a teoria neoclssica lana mo da teoria do capital humano.
Esta teoria enfatiza o papel desempenhado pela educao dos indivduos na ocupao dos
postos de trabalho, que levam a diferentes qualidades de mo de obra. Por conseguinte, o
mercado de trabalho passa a ser composto por indivduos heterogneos que possuiro, por
isso, diferentes produtividades e, portanto, diferentes salrios. Nesse sentido, os anos de
estudo, ou a educao formal dos trabalhadores, correspondem a diferenas nas habilidades
cognitivas de cada indivduo.
Sendo assim, os retornos da escolaridade seriam maiores quanto maior a
escolaridade e refletiriam em maiores salrios, o que serviria de estmulo aos trabalhadores
por aumentar sua qualificao/escolaridade. Ademais, os indivduos investiriam em educao
com expectativas de retornos futuros representados pelos salrios que iro receber.
O debate na academia a respeito da distribuio de renda no Brasil nas ltimas
dcadas centrou, basicamente, na busca de uma explicao terica consistente sobre as causas
da desigualdade e da pobreza, bem como na orientao de possveis solues para o
problema. De um modo geral, pode-se afirmar que esse debate ganhou expressividade com os
trabalhos na dcada de setenta de Fishlow (1972) e de Langoni (1973).
O estudo de Fishlow (1972) buscou apresentar os problemas da distribuio de
renda do Brasil na dcada de sessenta, descrevendo a importncia da educao/escolaridade
nos determinantes da distribuio, mas ressaltando, principalmente, o papel exercido pelo
governo militar sobre os trabalhadores, incorrendo em redues no poder de barganha desses,
15
assim como os efeitos da inflao sobre os salrios desses trabalhadores. Por outro lado,
Langoni (1973) realizou uma anlise dos dados disponveis da economia brasileira para o
perodo de 1960 e 1970 estudando a influncia de aspectos regionais, de sexo e nvel
educacional sobre a apropriao da renda pelos indivduos. Sua principal constatao recai
sobre o papel da escolaridade nos determinantes da desigualdade de renda.
Ao longo da dcada de oitenta, apesar dos problemas referentes desigualdade de
renda no pas, o debate acadmico desviou-se para outras questes mais urgentes do perodo
como os problemas com o endividamento pblico, baixo crescimento econmico e alta
inflao. Nesse perodo podemos destacar o trabalho de Bonelli e Sedlacek (1991) que apenas
analisam os dados a partir do Censo Demogrfico e da Pesquisa Nacional de Amostra por
Domiclios (PNAD) sem, no entanto, aprofundar as razes analticas para a concentrao de
renda. As discusses sobre a distribuio de renda so retomadas a partir da dcada de
noventa com nfase no papel da educao sobre os diferenciais de renda, permanecendo com
esse foco at a dcada atual. Paralelamente, a partir da segunda metade da dcada de noventa,
com a implantao de programas sociais de transferncia de renda, vrios trabalhos com a
mesma orientao terica tambm procuram avaliar o impacto de polticas pblicas de
transferncia de renda adotadas no Brasil sobre a queda na desigualdade1.
Esses trabalhos utilizam o arcabouo terico neoclssico e, com base nesta teoria,
ressaltam as caractersticas dos fatores de produo como determinantes da distribuio de
renda. Como resultado desses estudos, no difcil entender recomendaes sobre
elevao/melhora do nvel/qualidade da educao no pas como forma de melhorar o acesso
dos indivduos a maiores parcelas da renda, via salrios melhores. Assim, a principal
concluso sobre esses trabalhos publicados no Brasil de que a nica (e suficiente) forma de
uma distribuio de renda mais equitativa passa pela educao dos indivduos, principalmente
educao formal2.
Alm destes estudos, outro ponto de destaque no debate atual no pas so os
efeitos do salrio mnimo sobre a distribuio de renda. Para os economistas que assumem os
pressupostos neoclssicos, a execuo de uma poltica salarial como a do salrio mnimo no
aceita como forma de reduzir a desigualdade de renda, pois, este representaria uma rigidez
no mercado de trabalho, impedindo-o de atingir o pleno emprego via flexibilidade de salrios.
Assim sendo, o mercado de trabalho apenas ratificaria as diferenas individuais existentes
anteriores entrada do trabalhador no mercado de trabalho. Ademais, o salrio mnimo
1 Ver, por exemplo, Barros, Foguel e Ulyssea (2006, 2007). 2 Ver, por exemplo, Barros, Henrique e Mendona (2002).
16
impactaria negativamente no oramento do governo, bem como agravaria o resultado da
Previdncia3. Para Barros, Corseuil e Cury (2000), quando excludo o efeito sobre a
previdncia social, aumentos no salrio mnimo provocam efeitos negativos sobre a pobreza,
pois essa poltica provoca uma reduo do nvel de emprego (est implcita a concepo do
funcionamento do mercado de trabalho neoclssico).
Em uma anlise diferente sobre o impacto do salrio mnimo sobre a distribuio
de renda e o mercado de trabalho podemos citar Saboia (2005, 2007), cujos estudos apontam
que os efeitos positivos do salrio mnimo, assim como de seus eventuais reajustes, impactam
positivamente no somente no mercado de trabalho em si como tambm nos grupos sociais
como os aposentados urbanos e rurais.
Contudo, a partir de uma rpida anlise dos rendimentos do trabalho no Brasil,
possvel perceber que trabalhadores com o mesmo nvel de educao recebem remuneraes
bastante distintas. Os professores do ensino mdio, por exemplo, recebem salrios menores do
que alguns setores tcnicos da economia brasileira que exigem apenas o prprio ensino
mdio. Da mesma forma, professores da classe de adjunto das universidades pblicas
brasileiras, com nvel de doutor, recebem, em muitos casos, remuneraes menores que muito
de seus alunos recm-formados. Neste sentido, cabe indagar: porque trabalhadores com nveis
de educao iguais recebem remuneraes diferentes, contradizendo, assim, os principais
trabalhos com base na abordagem neoclssica? O propsito central desta tese justamente
verificar esta problemtica a partir da anlise das estruturas de salrios. Para tanto,
necessrio recorrer s teorias clssicas de distribuio de renda.
A anlise do processo de distribuio de renda numa economia perpassa o
entendimento da apropriao final da renda pelos indivduos medida que torna-se necessrio
avaliar todo o processo de formao e alocao da renda e a contribuio de cada agente nesta
ao. Assim sendo, uma avaliao da distribuio de renda exige, em contrapartida, entender
que a gerao, formao e alocao da renda numa economia resultado, em grande medida,
das aes dos diferentes agentes que participam desta economia.
Diferentemente da teoria neoclssica, a distribuio funcional na abordagem
clssica no est dada num modelo de equilbrio geral e, portanto, alteraes nessa, podem
ocorrer de modo a afetar a distribuio pessoal da renda. Neste sentido, necessrio avaliar os
aspectos que contribuem para a distribuio funcional e neste aspecto deve ser dispensada
importncia sobre a estrutura dos rendimentos dos salrios e como estes so afetados por
3 Para um exemplo de estudo nesse sentido ver Giambiagi (2003).
17
fatores como a estrutura ocupacional, a composio do mercado de trabalho e fatores
institucionais.
De acordo com a economia poltica clssica, os agentes econmicos podem ser
classificados conforme o papel que desempenham na economia, isto , de acordo com o
processo de produo: a economia composta por capitalistas, proprietrios dos meios de
produo, e trabalhadores, que vendem sua fora de trabalho. Ambos os grupos de agentes
econmicos contribuem para a produo de bens e servios existentes na economia. Essa
produo gera uma renda correspondente que apropriada pelos capitalistas e trabalhadores
na forma de lucros e salrios, de acordo com suas funes exercidas na economia. Ou seja, as
relaes de produo estabelecidas na economia capitalista implicam uma distribuio
funcional da renda (lucros e salrios). Cabe, assim, buscar entender como se do essas
relaes entre capitalistas e trabalhadores bem como estudar como a renda distribuda entre
essas classes a partir das relaes funcionais, sabendo-se que isso implicar numa distribuio
pessoal da renda.
Adicionalmente, a formao econmica e social dos pases em desenvolvimento,
especialmente os latino-americanos, impacta diretamente nos problemas de distribuio de
renda, uma vez que a caracterstica geralmente apresentada pela convivncia de um setor
moderno na economia concomitante a reas atrasadas, somado oferta ilimitada de mo de
obra leva a deteriorao dos salrios e da renda reproduzindo a pobreza e concentrao de
renda. Dessa forma, pode-se afirmar que as estruturas de produo e da sociedade tambm
condicionam a distribuio de renda de um pas4.
Neste sentido, possvel perceber uma lacuna quando se trata de analisar a
distribuio de renda como derivada de uma distribuio de salrios, conforme estrutura
produtiva e de ocupaes do pas. Isso porque, presume-se que a distribuio de renda,
quando analisada do ponto de vista da participao dos indivduos no processo econmico de
produo, , em grande parte, reflexo da remunerao oriunda desta participao.
Sendo assim, algumas questes so colocadas: Qual o papel da estrutura de
ocupaes do mercado de trabalho no Brasil? Qual o impacto dessa estrutura de ocupaes
sobre as remuneraes do trabalho e consequentemente sobre a distribuio de renda, a partir
de uma anlise da distribuio de salrios? Logo, faz-se necessrio um estudo sobre o papel
da distribuio de salrios sobre os rendimentos individuais no Brasil que leve em
considerao aspectos econmicos, estruturais, institucionais e polticos. Para tanto, inserida
4 Ver Medeiros (2004, 2007).
18
na questo da distribuio funcional da renda, deve estar a anlise detalhada da estrutura
ocupacional no mercado de trabalho, bem como a estrutura salarial da economia brasileira
como elementos fundamentais que determinam uma distribuio de salrios e seus reflexos
sobre os rendimentos individuais.
O interesse desta tese concentra-se, especificamente, na anlise da participao dos
salrios na renda e sua composio, de modo a avaliar o papel dos rendimentos do trabalho na
formao dos rendimentos individuais. Assim, o objetivo desta tese realizar uma anlise da
distribuio de renda a partir da distribuio de salrios, conforme a estrutura de ocupaes e
os setores de atividade econmica. Conforme a interpretao proposta no presente estudo, a
estrutura produtiva e de ocupaes define uma distribuio de salrios que reflete na renda
pessoal.
Adicionalmente, supe-se que a economia brasileira ainda caracterizada pela
existncia de um expressivo excedente de mo de obra (ainda que concentrado nos dias atuais
nos centros urbanos e no tanto no campo como ocorria no passado) e que, por tanto, a
concorrncia entre trabalhadores exerce papel importante na formao das taxas de salrios.
Tambm se pressupe que aes coordenadas do governo que afetem a estrutura ocupacional
ou as taxas de salrios como o caso de uma poltica de salrio mnimo , impactam
positivamente na distribuio de salrios.
Desta forma, esta tese tem como objetivo principal elaborar e analisar uma
distribuio de salrios conforme a composio das ocupaes dos trabalhadores e dos
diversos setores de produo da economia brasileira para a primeira dcada de 2000. A
novidade deste trabalho se concentra justamente no fato de relacionar os diversos nveis de
salrios s estruturas de ocupaes e aos setores de atividades do Brasil. A hiptese do
trabalho de que a estrutura produtiva do pas afeta a distribuio dos salrios, muito mais do
que o nvel de educao, como pressupem os trabalhos apresentados at o momento no
Brasil. Alm disso, a tese tem como objetivo secundrio criar um instrumental de anlise e de
poltica econmica de distribuio dos salrios conforme a estrutura de produo do pas e um
instrumental de poltica econmica do uso destes de salrios e como estes afetam essa mesma
estrutura de produo, ou seja, como os trabalhadores gastam seus salrios conforme os
setores de atividades da economia.
A elaborao desse estudo est condicionada construo de uma Matriz de
Contabilidade Social. Esta uma representao matemtica das Contas Nacionais de um pas.
Assim, a base de dados de nosso levantamento sero as contas nacionais fornecidas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). As contas nacionais fornecem dados
19
oficiais sobre a gerao de renda, alocao da renda primria e distribuio secundria da
renda, cujos clculos oriundos desses agregados revelam dados sobre o Produto Interno Bruto
(PIB), a Renda Nacional, e a Renda Pessoal. Ou seja, a Matriz de Contabilidade Social
satisfaz a necessidade de informaes desses agregados e permite construes adicionais que
sejam concernentes ao objetivo da tese. No entanto, como a Matriz de Contabilidade Social
o registro contbil na forma matricial das transaes econmicas num perodo de tempo, isso
significa que ser preciso selecionar alguns anos da primeira dcada de 2000 para a
construo dos dados. Para tanto, optou-se por selecionar trs anos distintos da dcada: 2001,
2005 e 2008, sendo este ltimo o que dispe de informaes necessrias matriz mais recente
para economia brasileira.
Aps a construo da Matriz de Contabilidade Social, so exploradas algumas
clulas desta matriz para atingir os propsitos de relacionar os salrios com as estruturas de
ocupaes e os setores de produo. Esse exerccio de abertura de dados d origem a outras
trs matrizes: a Matriz de Coeficientes de Salrios, a Matriz de Distribuio de Salrios e a
Matriz de Impacto de Consumo. A matriz de coeficientes de salrios apresenta em suas linhas
as ocupaes e nas colunas os setores de atividade econmica e construda com base nas
informaes prestadas pelo Registro Anual de Informaes Sociais (RAIS); ela servir de
base para a compilao da Matriz de Distribuio de Salrios.
A Matriz de Distribuio de Salrios, cerne da tese, construda respeitando-se os
setores de atividade econmica (so elencados quinze setores de atividade) e a estrutura de
ocupaes, esta ltima conforme a Classificao Brasileira de Ocupaes (CBO). Seus dados
so resultado do produto entre a matriz de coeficientes de salrios e as informaes prestadas
pelas Contas Nacionais e comporta dados do mercado formal e informal de trabalho. Ela
reflexo da abertura de algumas contas da Matriz de Contabilidade Social. A partir das
informaes alcanadas com a Matriz de Distribuio de Salrios ser possvel conjecturar
sobre o papel da distribuio de salrios no Brasil conforme estrutura de ocupaes e setores
de atividade econmica. A partir dessa matriz e da Matriz de Contabilidade Social tambm
ser possvel elaborar um exerccio contrafactual do impacto das aes do governo sobre a
distribuio de salrios e o consumo. Dessa forma, a tese apresenta como a renda gerada no
processo de produo econmica apropriada pelos trabalhadores conforme estrutura
ocupacional, como tambm discute sobre como essa renda apropriada pelos indivduos
retorna economia na forma de consumo, conforme as contas nacionais.
Para atingir os objetivos propostos, este trabalho est dividido em quatro captulos,
alm dessa introduo e da concluso. No primeiro captulo, de cunho terico, feita uma
20
apresentao dos principais argumentos e hipteses da teoria neoclssica e como elas so
utilizadas para embasar a explicao de muitos economistas sobre os problemas de
distribuio de renda. Em contrapartida, apresentado o argumento terico da economia
poltica clssica, baseado no princpio da demanda efetiva kaleckiano, assumido como
essencial para entender as hipteses levantadas na construo da matriz de distribuio de
salrios e que, portanto, balizaro a anlise e as ponderaes desta tese. No segundo captulo
feita uma releitura de todo o debate sobre a distribuio de renda no Brasil desde sua origem
na dcada de setenta at a primeira dcada de 2000. Esse captulo apresenta, alm dos debates
dos principais autores, os aspectos tericos contidos nas explicaes e exposies. Nesse
captulo ser possvel apurar a supremacia da teoria neoclssica nos debates acadmicos por
um lado e, por outro, a necessidade de uma anlise alternativa que privilegie a distribuio de
salrios como fator efetivo dos rendimentos individuais.
O captulo trs trata da metodologia empregada nesta tese. Nele sero expostos
os caminhos percorridos para a construo da Matriz de Contabilidade Social, da Matriz de
Coeficientes de Salrios, da Matriz de Distribuio de Salrios e da Matriz de Impacto do
Consumo. O quarto captulo apresenta os principais resultados obtidos na tese e aprofunda a
anlise sobre esses dados, bem como comporta um exerccio que permite algumas concluses
sobre a importncia da atuao do governo na economia e seus impactos sobre a distribuio
de salrios e de renda e sobre o consumo. Finalmente, sero expostas as principais concluses
desta tese.
21
CAPTULO 1: Aspectos Tericos dos Determinantes da Distribuio de Renda
O problema da concentrao de renda que aflige o Brasil h algumas dcadas
ultrapassa questes estatsticas concebidas por diversas fontes de dados e constatadas por
vrios estudos. Isto porque, para alm das constataes, a concentrao reflete a privao de
milhares de brasileiros de acesso renda, consumo, bem estar, entre outros. Neste sentido,
como faz parte da realidade social de nosso pas, este tema percorre a agenda de pesquisa de
muitos economistas que recorrem teoria econmica como instrumental para compreender e
interpretar as causas e impactos da desigualdade de distribuio de renda e, por conseguinte,
recomendar aes que contribuam para transformar tal cenrio. Assim, o presente captulo
desta tese tem por objetivo investigar as caractersticas, hipteses e fundamentos de algumas
teorias utilizadas para explicar os determinantes da distribuio de renda de modo a alcanar
entendimento das principais teorias que balizam o tema.
Desta forma, podemos destacar dois grandes plos de interpretao terica acerca
dos determinantes da distribuio de renda. Por um lado tem se destacado o interesse
dispensado ao papel das escolhas, dotaes e produtividades individuais sobre a renda
pessoal. Essa forma de anlise, caracterstica da interpretao neoclssica, revela a influncia
desta teoria econmica tambm no campo da distribuio da renda. Por outro lado, seguindo
uma linha mais heterodoxa, podemos destacar algumas teorias que, sustentadas pelo Princpio
da Demanda Efetiva e pela aceitao de uma sociedade de classes, evocam o papel do Estado
na economia e o poder da luta de classes para explicar como a renda gerada no processo
produtivo apropriada pelos atores de uma economia. Assim sendo, este captulo estar
dividido em mais quatro sees: a primeira seo apresentar os principais aspectos da teoria
neoclssica e suas inferncias sobre a distribuio de renda, a segunda parte tratar da teoria
neoclssica do capital humano, a terceira seo apresentar algumas teorias heterodoxas sobre
a distribuio de renda e a quarta seo postular sobre a distribuio de salrios com base na
abordagem da economia poltica clssica.
22
1.1 Principais elementos da Teoria Neoclssica da Distribuio de Renda5
Diversos trabalhos que buscam entender e explicar os fatores determinantes da
concentrao de renda numa economia adotam a abordagem neoclssica como teoria
balizadora de suas proposies. Assim sendo, conhecer as principais distines desta teoria
essencial para compreender tanto os fatos explicativos adotados pelo pesquisador que se
baseia nesta teoria, bem como suas recomendaes de poltica econmica. No Brasil, por
exemplo, muitos trabalhos difundidos sobre o tema da distribuio de renda so
fundamentados na teoria neoclssica, especialmente a teoria neoclssica do capital humano
que adverte para o papel da educao como determinante dos rendimentos individuais. Assim,
o mesmo mecanismo adotado para explicar como a economia se comporta serve para
justificar os padres de desigualdade de renda observados.
A teoria neoclssica apregoa que a livre interao dos agentes econmicos no
mercado leva a um equilbrio de pleno emprego na economia. Assim, o mercado seria o lcus
onde se encontram ofertantes e demandantes que buscam realizar trocas mutuamente
vantajosas. Os agentes, por sua vez, so caracterizados como seres atomizados e proprietrios
de uma dotao inicial que lhe insuficiente para gerar satisfao e, portanto, faz-se
necessria a troca dessa dotao nos mercados correspondentes. Neste sentido, os agentes so
racionais, de tal modo que essas trocas tm por objetivo a maximizao de utilidade
(satisfao) e de lucros. Ademais, os agentes racionais tm perfeito conhecimento das
condies de mercado e de preos antes mesmo de ingressarem nos mercados, o que implica
que o equilbrio desta economia seja timo no sentido de Pareto.
Os agentes so detentores de fatores de produo que por simplificao vamos
considerar apenas capital e trabalho e/ou de bens e servios e suas trocas ocorrero nos
mercados de fatores mercado de trabalho e mercado de capital e/ou nos mercados de bens
e servios, respectivamente. Esses mercados so perfeitamente competitivos e representados
por curvas de oferta e demanda bem comportadas cujo intercepto reflete o equilbrio de pleno
emprego de fatores. Esse equilbrio garantido pela flexibilidade dos preos, considerada, por
isso, varivel de ajuste dos mercados. Ou seja, como os preos so flexveis, a oferta e
demanda de produtos/fatores tende sempre ao equilbrio de pleno emprego atravs de
movimentos nos preos correspondentes.
5 Nesta seo ser apresentada uma verso simplificada da teoria neoclssica da distribuio de forma a deixar claro os pontos de divergncia desta teoria com a teoria heterodoxa que ser apresentada na outra parte deste captulo. Esta verso simplificada no incorpora elementos como concorrncia imperfeita, retornos crescentes, e outros elementos que perturbam a teoria original, pois a forma como estes elementos so incorporados na teoria neoclssica no altera o arcabouo principal, que torna-se mais ntido na verso simplificada.
23
A Teoria Neoclssica assume como pressuposto fundamental a chamada Lei de
Say, segundo a qual a oferta cria sua prpria demanda, ou seja, a ao de produzir cria uma
renda correspondente que seria destinada compra dos bens e servios produzidos,
correspondendo a uma demanda de igual valor. A ideia essencial desta Lei pode ser capturada
nas palavras seguintes:
A product is no sooner created, than it, from than instant, affords a market for other products to the full extent of its own value...The mere circumstance of the creation of one product immediately opens a vent for other products (SAY, 1821, apud SNOWDON et all, 1995, pg. 52).
Assim, a oferta agregada da economia dada e a demanda agregada sempre se
adqua oferta num equilbrio de pleno emprego garantido pela flexibilidade de preos.
Considerando os mercados de fatores e de produtos, a dotao inicial, isto , a oferta de
fatores e de produtos dada exogenamente e determina as suas respectivas demandas. Nestes
mercados, os preos relativos refletem a escassez relativa dos recursos, haja vista que estes
so as variveis de ajuste dos mercados. Ademais, a escassez relativa de recursos delimita e
define o processo alocativo numa economia capitalista. Assim sendo, para um melhor
entendimento deste processo, necessrio perceber como o nvel de produto determinado na
economia.
Para esta teoria, o nvel de produto da economia depende apenas do estoque de
fatores de produo que, combinados a uma dada tecnologia, produzem os bens e servios que
sero ofertados. O modelo considera que os fatores de produo capital e trabalho so
homogneos e que esses so transformados em produto atravs de um conjunto de tcnicas
cuja fronteira de eficincia a funo de produo do tipo Cobb-Douglas, ou seja,
== 1),( LKLKFY 0
24
produtividade marginal decrescente do fator e do caso de a tecnologia apresentar retornos
constantes de escala. Os retornos constantes de escala e retornos marginais decrescentes
permitem o pleno emprego dos fatores de produo7. Assim, conforme Serrano e Cesaratto
(2002), mantendo um fator fixo, a variao do outro requer a escolha de um mtodo de
produo mais intensivo no fator de produo que est variando (supondo um aumento deste,
o que leva a uma queda de seu preo) e, dessa forma, se obtm um volume de produo
maior, reduzindo a produtividade marginal do fator utilizado mais intensivamente. Esse caso,
entretanto, pressupe a existncia de vrios mtodos de produo capazes de produzir o
mesmo produto8 e que o produtor escolhe a tcnica mais barata. Dadas as caractersticas da
funo de produo que representa como o nvel de produto determinado na economia,
preciso, agora, conhecer o comportamento dos respectivos mercados de fatores.
1.1.1 Funcionamento dos mercados de fatores
Uma vez que o nvel de produto da economia neoclssica determinado pelo
estoque de fatores de produo e que estes fatores, por sua vez, so dados em seus respectivos
mercados, preciso conhecer o seu comportamento. Os mercados de fatores tambm
apresentam a tendncia ao equilbrio de pleno emprego e os preos dos fatores refletem os
ndices de escassez desses fatores de produo. Por simplificao, vamos considerar apenas o
mercado de trabalho e de capital. No mercado de trabalho, a oferta de trabalho realizada
pelas famlias que escolhem entre trabalho e lazer. O trabalho no gera prazer, apenas poder
de compra atravs do salrio real. Por outro lado, o lazer no gera uma remunerao, no
entanto, proporciona satisfao/utilidade. O salrio real o custo de oportunidade de horas de
lazer. Assim, as famlias optam por uma cesta que rene lazer e trabalho e a maximizao da
utilidade redunda na oferta de horas de trabalho. Esta deciso, por sua vez, ser influenciada
pelos movimentos nos salrios reais, gerando dois efeitos neste mercado: o efeito renda e o
efeito substituio.
O efeito renda decorre do fato de que quanto maior o salrio real, menos horas de
trabalho sero precisas para obter renda para satisfazer as necessidades de demanda por bens e
servios das famlias. Logo, seguindo este efeito, quanto maior o salrio real menor a oferta
de horas de trabalho. J o efeito substituio considera que quanto maior o salrio real, maior
ser o custo de oportunidade do lazer, ou seja, mais caro est o lazer em relao ao trabalho e,
portanto, maior ser a oferta de horas de trabalho. Por simplificao, considera-se o efeito
7 Ver Serrano e Cesaratto (2002). 8 Neste sentido, necessrio supor que tanto trabalho quanto capital sejam homogneos e substitutos entre si.
25
substituio superior ao efeito renda (efeito substituio lquido) de tal modo que a relao
entre salrio real e oferta de horas trabalhadas seja positiva. Esta relao pode ser
contemplada num grfico cuja oferta de trabalho representada por uma curva positivamente
inclinada que relaciona oferta de trabalho e salrio real que reflete a desutilidade marginal do
trabalho9.
Por outro lado, a demanda por trabalho realizada pelas empresas que contratam
trabalhadores como insumo no processo de produo que devero ser combinados com capital
para gerar um nvel de produto. Tendo em vista que o objetivo das firmas maximizar o lucro
e o salrio real custo de produo para estas empresas, elas contratam trabalhadores at o
ponto em que o valor da produtividade marginal do trabalho se iguala ao salrio, ou de outra
forma, at a igualdade entre produtividade marginal do trabalho e salrio real. Como se supe
que ao variar um fator de produo, mantendo-se o outro constante, o fator que estiver
variando apresentar retornos marginais decrescentes, a curva de demanda por trabalho
negativamente inclinada em relao ao salrio real. Isto , quanto maior o salrio real, maior o
custo de produo e, portanto, menor a demanda por trabalhadores.
O ponto de interseo entre as curvas de oferta e de demanda por trabalho presume
o equilbrio de pleno emprego no mercado de trabalho. Qualquer divergncia entre oferta e
demanda ser resolvida via flexibilidade do salrio; assim, um excesso de oferta de trabalho
leva a uma reduo do salrio e um excesso de demanda concorre para um aumento do salrio
que, sendo o preo do trabalho, mede a escassez desse fator na economia e leva sempre a
que a demanda por trabalho se ajuste oferta10. Neste ponto de equilbrio determina-se
simultaneamente o nvel de emprego de pleno emprego e o salrio real de equilbrio. Dada a
flexibilidade do salrio real, desequilbrios no mercado de trabalho (excesso de oferta ou de
demanda) sero temporrios e o equilbrio admitir apenas a existncia de desemprego
friccional na economia.
Por outro lado, considerando o mercado de capital, nesta verso simplificada, a
teoria neoclssica assume a existncia de um nico bem de capital homogneo. Fazendo
conforme Serrano (2001), vamos assumir tambm apenas capital circulante. Sendo assim,
toda poupana passa a ser a oferta de estoque de capital que ser demanda pelas empresas na
forma de investimento. A oferta de fundos para capital novo, ou seja, a poupana, relaciona-se
9 Pode-se considerar tambm o total da populao economicamente ativa ofertando trabalho. Nesse caso, a curva de oferta de trabalho uma reta vertical, haja vista que a oferta de trabalho ser independente do salrio real. 10 Isso fica mais evidente se assumirmos a suposio da nota anterior, isto , a oferta de trabalho como uma reta vertical. Neste caso, os desequilbrios no mercado de trabalho sero temporrios, pois, as alteraes no salrio real sero necessrias para ajustar a demanda de trabalho a uma oferta dada.
26
com a taxa de juros real medida que esta varivel torna-se o prmio por abrir mo do
consumo no presente para consumir mais no futuro. Os agentes econmicos podem fazer suas
escolhas quanto ao consumo presente ou futuro baseados na escolha intertemporal. Assim,
supe-se que a economia esteja dividida em dois perodos perodo t e t+1 e que os
indivduos tomam suas decises de consumo com base na maximizao da utilidade que
reflete a escolha da curva de indiferena mais alta dada a sua restrio oramentria (neste
caso, a renda intertemporal).
Supondo que o agente seja racional no sentido neoclssico (maximizar satisfao)
e dada uma taxa de juros real positiva, o indivduo ser estimulado a abrir mo do consumo
no perodo t, ou seja, poupar parcela de sua renda para adquirir uma renda maior no perodo
t+1 (a renda poupada mais a remunerao dos juros e que se traduzir numa renda maior na
soma dois perodos) para poder consumir mais em t+1 (que tambm significar um consumo
maior na soma dos dois perodos). Sendo assim, quanto maior a taxa de juros, maior o
estmulo a abrir mo do consumo e poupar mais. Graficamente esta relao direta entre
poupana e taxa de juros reflete uma curva de poupana bem comportada e positivamente
inclinada no plano cartesiano poupana-taxa de juros real.
A demanda por recursos da poupana feita pelas empresas que necessitam
realizar investimentos para aumentar o estoque de fatores e, consequentemente, ampliar a
capacidade de gerar mais bens e servios na economia. A demanda por recursos vista, ento,
como demanda por fundos emprestveis para realizar investimentos e que tero como
contrapartida o posterior pagamento dos emprstimos mais seus juros correspondentes. Dessa
forma, quanto maior a taxa de juros, menor o estmulo a tomar emprestado para realizar
investimento e quanto menor a taxa de juros, maior o incentivo ao investimento. Essa relao
entre investimento (capital circulante) e taxa de juros pode ser expressa graficamente por uma
curva de demanda por capital circulante inversamente relacionada taxa de juros, logo, uma
curva de demanda por capital negativamente inclinada, haja vista que a taxa de juros o preo
do investimento e, portanto, a demanda pelo fator capital se relaciona negativamente com o
seu preo. Como neste caso tambm se assume a flexibilidade do preo do capital, isto , da
taxa de juros, qualquer divergncia entre oferta e demanda ser resolvida via movimentos na
taxa de juros. Ou seja, a demanda por capital (investimento) se ajustar a sua oferta
(poupana) pela flexibilidade da taxa de juros.
Conforme Serrano (2001), tanto no mercado de trabalho quanto de capital deve-se
ressaltar que a tendncia ao equilbrio parte do suposto de que a oferta de fatores (dotao)
induz a demanda. Assim, no longo prazo, qualquer aumento da dotao exgena de fator
27
levar a um aumento de sua demanda. Como a oferta de trabalho dada exogenamente, a
demanda por trabalho sempre se ajustar oferta atravs da flexibilidade dos salrios que, por
sua vez, sempre se igualam ao valor da produtividade marginal do trabalho ou, de outra
forma, os salrios reais sempre se igualam produtividade marginal do trabalho de pleno
emprego.
Alm disso, preciso discorrer a respeito de um ponto importante para a operao
do equilbrio de mercado (com a oferta determinando a demanda) da teoria neoclssica
explicitado em Serrano (2001): os mecanismos de substituio direta e indireta. Supondo um
aumento na dotao de um fator de produo, mantendo o outro constante, a consequncia
disso ser uma queda no preo do fator que ficou mais abundante e isso leva a dois efeitos:
i. A queda do preo do mtodo de produo que utiliza mais intensivamente o fator
que se tornou mais abundante, levando adoo desse mtodo e, por conseguinte,
substituio na produo (substituio direta); e
ii. A diminuio do preo final do produto que utiliza aquele fator abundante
intensivamente, o que gera uma substituio no consumo (substituio indireta)11.
Desse modo, esses dois efeitos levam a um aumento da demanda pelo fator de
produo que ficou mais barato, o que faz a economia tender automaticamente para um
equilbrio de pleno emprego. Em resumo, um aumento na dotao de fatores (oferta) leva,
num primeiro momento, ao excesso de oferta do fator em relao a sua demanda. Como
resultado, o preo deste fator ficar mais barato relativamente, estimulando a ampliao de
sua demanda. Logo, a flexibilidade de preos dos fatores garante que toda oferta seja
demandada at que se atinja o equilbrio de pleno emprego.
Visto como se d o processo de operao nos mercados de fatores, o prximo
passo analisar como, para a teoria neoclssica, determinada a distribuio de renda.
1.1.2 Equilbrio de Pleno Emprego e Distribuio de Renda
Conforme visto na seo anterior, na verso apresentada, a livre interao dos
agentes econmicos no mercado leva a um equilbrio de pleno emprego, garantido pela
flexibilidade de preos e salrios na economia. Este equilbrio esttico considerado timo no
sentido de Pareto e, ao mesmo tempo que define a alocao dos fatores de produo e o
produto de pleno emprego, tambm determina a distribuio de renda entre os agentes da
economia. Para a teoria neoclssica os agentes desta economia so reconhecidos por suas
dotaes de fatores de produo. Assim, as famlias so proprietrias da fora de trabalho 11 Para mais detalhes, ver Serrano (2001).
28
enquanto que as empresas so proprietrias do capital (que em ltima instncia tambm so
de propriedade das famlias). Ou seja, temos na economia neoclssica os proprietrios da mo
de obra e os proprietrios de capital. Ambos os fatores combinados no processo de produo
geram um produto que corresponde oferta de bens e servios e uma renda correspondente
que ser canalizada para a compra destes bens e servios ou para a poupana da economia.
A renda gerada no processo de produo , na verdade, a remunerao destes
fatores de produo na forma de lucros e salrios. Conforme apresentado anteriormente, cada
fator de produo tem seu mercado correspondente cuja interao da oferta e demanda pelos
fatores determina o equilbrio de pleno emprego. E justamente neste equilbrio de pleno
emprego que se d a determinao simultnea da distribuio funcional da renda. Por
distribuio funcional da renda entende-se a distribuio da renda entre os agentes na forma
de lucros e salrios de acordo com a funo exercida por estes na economia. Na teoria
neoclssica ressalta-se no a funo de cada agente econmico, mas, a dotao dos fatores de
produo pelos agentes econmicos. Assim, a distribuio funcional expressa a remunerao
dos fatores ou, em outras palavras, deriva dos preos dos fatores de produo, isto , salrios
que remuneram o fator de produo trabalho e lucros que remuneram o fator de produo
capital. Esta ideia pode ser verificada nas palavras de Clark (1908):
It is the purpose of this work to show that the distribution of the income of society is controlled by a natural law, and that this law, if it worked without friction, would give to every agent of production the amount of wealth which that agent creates. However wages may be adjusted by bargains freely made between individual men, the rates of pay that result from such transactions tend, it is here claimed, to equal that part of the product of industry which is traceable to the labor itself; and however interest may be adjusted by similarly free bargaining, it naturally tends to equal the fractional product that is separately traceable to capital. (CLARK, 1908, prefcio)
A distribuio da renda na teoria neoclssica no depende das relaes sociais
estabelecidas no processo de produo, mas da contribuio de cada detentor de fator ao
produto final (representado pela funo de produo) expresso pela produtividade marginal do
fator. Uma vez que a teoria postula que os fatores possuem rendimentos decrescentes, ou seja,
a produtividade marginal de cada fator decrescente, ento, isso tambm influenciar a
distribuio de renda:
If capital be used in increasing quantity by a fixed working force, it is subject to a law of diminishing productivity. This law determines how much labor it is best to withdraw from the securing of what ministers directly to wants, for the sake of making an addition to the equipment of working instruments. () The principle of the final productivity of labor and capital everywhere determines how much capital it pays to accumulate. What we have now to note is the fact that the diminishing productivity of labor, when it is used in connection with a fixed amount of capital, is
29
a universal phenomenon. This fact shows itself in any economy, primitive or social. (CLARK, 1908, parag. 26 e 27)
Assumindo a hiptese simplificadora da teoria neoclssica de que a economia do
tipo concorrncia perfeita, com agentes tomadores de preos e maximizadores de utilidade e
lucros, o processo de maximizao dos lucros leva as empresas a empregarem trabalho e
capital at o ponto em que suas produtividades marginais se igualem a seus preos. Neste
ponto de maximizao dos lucros os mercados dos respectivos fatores de produo
encontram-se em equilbrio de pleno emprego e com os preos que equilibram estes mercados
definidos. Ademais, dado que a oferta de fatores reflete a escassez relativa destes, os salrios
e lucros determinados neste equilbrio revelam os ndices de escassez destes recursos. Ou seja,
a dotao inicial de fatores referenda as relaes de troca nos mercados e a distribuio
funcional da renda na economia neoclssica.
Posto isso, cabe notar que a suposio do funcionamento do mercado de fatores
para a corrente neoclssica extenua qualquer outra possibilidade sobre os determinantes da
distribuio funcional da renda. Dessa forma, como a distribuio est dada no equilbrio de
pleno emprego, preciso avaliar o papel das escolhas individuais que refletiro, em ltimo
caso, na dotao inicial dos agentes, nas suas produtividades marginais e na distribuio da
renda.
Alm disso, para a teoria neoclssica, esta distribuio da renda ir afetar a
distribuio pessoal da renda, considerada a renda final apropriada pelo indivduo. Neste
sentido, para a abordagem marginalista a distribuio pessoal da renda depende, em grande
medida, das decises individuais, isto , dado que cada um possui uma dotao inicial e vai ao
mercado realizar trocas, o resultado dessas trocas (seja de bens ou de fatores) determina a
apropriao da renda por cada indivduo, dadas as caractersticas desse indivduo, cujo
resultado reflete a escassez relativa na economia. Como essas relaes revelam as escolhas
individuais, mais uma vez evidencia-se a proeminncia da oferta de fatores (escolhas
individuais) sobre a demanda por estes. Neste sentido, a teoria neoclssica avana em sua
anlise sobre a distribuio da renda a partir da suposio de que melhorias na dotao inicial
do fator trabalho levam a diferenas na produtividade marginal e, consequentemente, no
salrio, como ser visto a seguir.
1.1.3 A Teoria do Capital Humano
De acordo com a teoria neoclssica, o mercado de trabalho pode ser representado
por curvas de oferta e de demanda por trabalho bem comportadas cuja interseo confere
30
simultaneamente o nvel de emprego de pleno emprego e o salrio real que equilibra este
mercado. Essa relao expressa graas hiptese simplificadora de mo de obra
homognea. Exemplo disso que o cruzamento das curvas ocorre num nico ponto
graficamente. No entanto, dado que no mundo real observada a existncia de diferentes
salrios na economia, a hiptese simplificadora da mo de obra homognea precisa ser
superada pela prpria teoria neoclssica. Neste sentido, a teoria do capital humano satisfaz
essa condio12, j que pressupe diferentes produtividades marginais e, por conseguinte,
diferentes salrios de equilbrio.
A teoria do capital humano foi formulada inicialmente nas dcadas de cinquenta e
sessenta com autores como T. Schultz e J. Mincer como principais expositores no perodo. O
propsito da Teoria do Capital Humano acentuar o principal elemento da teoria neoclssica
de distribuio, qual seja, o tratamento igual a todos os chamados fatores de produo. Capital
e trabalho, na verso mais simples apresentada na seo anterior, so apenas fatores de
produo, sem nenhuma diferena entre fator reprodutvel (produzido) como mquinas, e
oferta de mo-de-obra. Ao expor os impactos da educao/qualificao sobre a produtividade
marginal do trabalho e consequentemente sobre o salrio percebido pelo trabalhador, o fator
trabalho se aproxima ainda mais do fator capital, sobre o qual possvel alguma deciso de
acumulao. Assim, a teoria do capital humano postula os impactos dos ganhos de
produtividade proporcionados pelos investimentos individuais em educao sobre a
distribuio de renda entre os indivduos. De acordo com a teoria do capital humano, a
escolha intertemporal de cada indivduo que define o seu acumulo de educao determinante
para a melhora de sua dotao inicial e, assim, o resultado de sua troca no mercado de
trabalho. A ideia concernente a isso que os ganhos de produtividade gerados pela educao
representam aumentos de produo por trabalhador, garantindo um produto de pleno emprego
maior com o mesmo estoque de trabalhadores e, em decorrncia, uma renda da economia
maior que ser apropriada pelos detentores dos fatores. Neste sentido os investimentos em
capital humano seriam a nica explicao para o crescimento econmico europeu no ps-
guerra, conforme Schultz (1961):
Although it is obvious that people acquire useful skills and knowledge, it is not obvious that these skills and knowledge are a form of capital, that this capital is in substantial part a product of deliberate investment, that it has grown in Western
12 Veja, por exemplo em Schultz (1961): The failure to treat human resources explicitly as a form of capital, as a produced means of production, as the product of investment, has fostered the retention of the classical notion of labor as a capacity to do manual work requiring little knowledge and skill, a capacity with which, according to this notion, laborers are endowed about equally. This notion of labor was wrong in the classical period and it is patently wrong now. (SCHULTZ, 1961, pag.3).
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societies at a much faster rate than conventional (nonhuman) capital, and that its growth may well be the most distinctive feature of the economic system. It has been widely observed that increases in national output have been large compared with the increases of land, man-hours, and physical reproducible capital. Investment in human capital is probably the major explanation for this difference. (SCHULTZ, 1961, pag. 1)
Assim, para Schultz (1961), gastos com educao, sade, treinamento, lazer, entre
outros constituem exemplos de investimento em capital humano e, portanto, In these and
similar ways the quality of human effort can be greatly improved and its productivity
enhanced. I shall contend that such investment in human capital accounts for most of the
impressive rise in the real earnings per worker. (SCHULTZ, 1961, pag. 1). Logo, todo
esforo necessrio ao aumento das habilidades do trabalhador colaboram para aumentos de
produtividade e, em decorrncia, aumentos de salrios reais. Dentre esses esforos que
proporcionam melhora das habilidades dos trabalhadores, Schultz (1961) destaca cinco, quais
sejam: gastos em sade que aumentam a expectativa de vida e vitalidade; treinamento on-the-
job de aprendizagem no interior da empresa; educao formal, qualificao de adultos e
migrao de indivduos que buscam novas oportunidades de emprego13. Dentre estas cinco,
porm, Schultz (1961) chama a ateno para a importncia da educao formal no aumento
dos retornos deste tipo de investimento, dada a relao por ele estabelecida entre o aumento
deste investimento na economia por ele estudada (Estados Unidos e demais pases
desenvolvidos) e o aumento da renda nacional.
Para a teoria do capital humano, os investimentos em capital humano devem ser
feitos tais quais os investimentos em capital fsico, isto , aguardando uma taxa de retorno na
forma de rendimentos futuros, em termos de renda permanente. Assim, por exemplo, os
investimentos em educao formal so realizados pelos indivduos ou famlias mirando o
salrio real relacionado produtividade adicional adquirida com os investimentos em
educao. Uma vez que se trata de escolhas individuais, cada indivduo define para si uma
taxa de retorno ideal, isto , aquele salrio real que ir conferir maior renda permanente e,
consequentemente, mais capacidade de consumo intertemporal que satisfaa a condio de
maximizao da utilidade.
Dessa forma, os retornos da escolaridade so maiores quanto maior a escolaridade
e, por sua vez, refletem maiores salrios, o que serve de estmulo aos trabalhadores por
aumentar sua qualificao/escolaridade. Assim, os indivduos investem em educao com
13 De acordo com Schultz (1961), os indivduos acabam realizando investimentos propriamente ditos em capital humano, mas, tambm consumo que desempenharia papel importante na melhoria das habilidades individuais (como o caso da sade e do lazer, por exemplo). Para mais detalhes ver Schultz (1961) pg 9 e seguintes.
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expectativas de retornos futuros representados pelos salrios que iro receber. De acordo com
Schultz (1960):
Surely some individuals and families make decisions to invest in some kinds of education, either in themselves or in their children, with an eye to the earnings that they expect to see forthcoming from such expenditures on education. It should be possible to analyze these decisions and their consequences as one does other private decisions that give rise to physical capital formation throughout the economy. (SCHULTZ, 1960, pg.572-573)
Destarte, segundo a teoria do capital humano, os diferentes nveis de educao
levam a diferentes qualidades de mo de obra, isto , o mercado de trabalho passa a ser
composto por indivduos heterogneos que possuiro, por isso, diferentes produtividades e,
portanto, diferentes salrios. Nesse sentido, os anos de estudo, ou a educao formal dos
trabalhadores, correspondem a diferenas nas habilidades cognitivas de cada indivduo.
Assim, o conhecimento passa a ser visto como um capital cujo investimento refletir num
retorno oriundo do nvel de escolaridade14.
Os investimentos em educao ao determinarem a produtividade marginal do
trabalho e em decorrncia os salrios reais percebidos pelos trabalhadores tero um impacto
na distribuio pessoal da renda. Com isso, a teoria do capital humano passa a estabelecer
uma relao direta entre investimentos em educao e distribuio de renda15. Para esta teoria,
como os investimentos em capital humano diferem entre os indivduos, isso ser suficiente
para explicar, por exemplo, a desigualdade de distribuio de renda nos pases. Ou seja, uma
vez que essas taxas so subjetivas e diferentes de indivduo para indivduo, haver diferentes
taxas de salrios (dadas as diferenas de qualidades de mo de obra) e, portanto, diferenas na
distribuio de renda do trabalho que incorrero em diferenas na distribuio pessoal da
renda. Distribuies de renda assimtricas que redundem em concentrao de renda, por
exemplo, tm suas causas relacionadas aos investimentos em educao que cada indivduo
realiza para si ou para sua famlia.
Neste sentido, quando os indivduos dirigem-se ao mercado de trabalho, carregam
consigo as diferenas de qualidade de mo de obra e isso leva a equilbrios neste mercado
com diferenas de salrios reais. Cabe ressaltar que para a teoria do capital humano, essas
escolhas so individuais e levam em conta as relaes de custo benefcio para investimentos
em educao, baseados em escolhas racionais dos indivduos. Cada um decide
14 Diversos estudos foram realizados no sentido de medir o retorno obtido pela quantidade de anos de educao, ver, por exemplo, Mincer (1974, 1981), Trostel (2004). Para uma aplicao ao caso do Brasil, ver Lam e Schoeni (1993), Leal e Werlang (1991) e Psacharopoulos (1987). 15 Para mais detalhes, inclusive com modelagem para essa relao, ver Mincer (1958, 1974)
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autonomamente o volume de investimentos em educao: uns podem decidir realizar altos
investimentos em educao e, portanto, podero abrir mo de salrios no presente para
obterem maiores retornos (salrios) no futuro, enquanto outros podero abrir mo de salrios
maiores no futuro para obterem salrios no presente. O importante, neste caso, ratificar que
essas escolhas fazem parte da deciso autnoma de indivduos racionais com base na
maximizao de suas utilidades. Nas palavras de Mincer (1958):
The implications for income distributions of individual differences in investment in human capital have been derived in a theoretical model in which the process of investment is subject to free choice. The choice refers to training differing primarily in the length of time it requires. Since the time spent in training constitutes a postponement of earnings to a later age, the assumption of rational choice means an equalization of present values of life-earnings at the time the choice is made. (MINCER, 1958, pg. 301)
Esses pressupostos assumidos acima so especialmente vlidos sob o aspecto de
mercados competitivos. No entanto, esses mercados podem apresentar problemas de
assimetria de informaes ou mercados imperfeitos, o que gera problemas de distribuio da
educao entre os agentes e a consequente desigualdade na distribuio de renda. A teoria do
capital humano utilizada, assim, como instrumental para explicar a heterogeneidade da mo
de obra, bem como para sugerir solues aos problemas concernentes concentrao de
renda. Dessa forma, para essa teoria, melhoras no nvel educacional se tornam essenciais para
uma distribuio mais igualitria da renda. Isso porque o aumento do investimento em
educao implicar num aumento na produtividade marginal, bem como nos salrios. Da,
muitos adeptos desta teoria, ao identificarem o problema de concentrao de renda, sugerem a
atuao do governo em investimentos em educao. Essas aes de poltica pblica do
governo colaborariam para superar as falhas de mercado e conduzir a economia a uma renda
melhor distribuda. Ademais, tais polticas so recomendadas medida que no interferem nas
relaes de troca dos indivduos explicitadas no mercado, haja vista que se do diretamente
sobre as dotaes destes indivduos (neste caso, dotao em educao) 16.
Em decorrncia destes fatos, a teoria do capital humano apregoa que diferenas
nas rendas dos salrios apenas refletem diferenas de escolhas, tanto de polticas pblicas
quanto dos prprios indivduos sobre educao e, portanto, a concentrao de renda
endgena economia e polticas devem ser desenvolvidas apenas para melhorar a dotao da
fora de trabalho. Para Barros, Henriques e Mendona (2002),
16 Para exemplo da defesa de polticas governamentais para incentivar a educao e a qualificao da mo de obra como forma de combater o desemprego e a m distribuio de renda, ver, por exemplo, Schultz (1961) e Barros, Henriques e Mendona (2002).
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Consideremos que a desigualdade salarial representa a imagem da desigualdade educacional projetada atravs de um espelho curvo. Nesse caso, a imagem projetada (desigualdade salarial) seria to maior quanto maior fosse o objeto original (heterogeneidade educacional da fora de trabalho) e quanto maior fosse a curvatura do espelho (o valor que o mercado de trabalho atribui a cada ano a mais de escolaridade). (BARROS, HENRIQUES E MENDONA, 2002, pg.6)
Tendo visto os postulados da teoria do capital humano, pode-se inferir que, dadas
as escolhas individuais (e de governo), o equilbrio no mercado de trabalho aquele de pleno
emprego, ressaltando-se a diferena entre o mercado de trabalho neoclssico convencional e
esse que assume a teoria do capital humano que este ltimo incorpora trabalho heterogneo.
Desde a divulgao dos primeiros estudos da teoria do capital humano entre os anos cinquenta
e sessenta, tal teoria ganhou muitos adeptos pelo mundo, inclusive no Brasil. Em suas
agendas de pesquisa, muitos economistas estudiosos dos problemas de distribuio de renda
brasileira passaram a assumir e postular que a origem da concentrao de renda no Brasil est
na heterogeneidade de educao entre trabalhadores e entre as regies do pas. A
disseminao desta teoria ultrapassou os muros da academia e passou a constituir argumento
adotado em diferentes setores da sociedade, atraindo simpatizantes medida que
investimentos em educao, em ltima instncia, geram forte apelo popular. Entretanto,
preciso abstrair destas questes e resgatar a abordagem terica que est na gnese de muitos
estudos sobre distribuio de renda17. Uma vez identificada esta teoria, necessrio
apresentar outras, em especial que caracterizam arcabouo heterodoxo de maneira a contrapor
esta teoria neoclssica. Esta tarefa objeto da prxima seo.
1.2 Teorias Heterodoxas sobre Distribuio da Renda
As sees anteriores apresentaram como, para a teoria neoclssica, a renda
distribuda entre os agentes de uma economia. Foi visto que a distribuio funcional da renda
resultado do equilbrio automtico e simultneo dos mercados de fatores e, neste sentido,
este equilbrio apenas ratifica e reflete os resultados das dotaes iniciais dos indivduos. Esta
teoria, como dito, baliza diversos estudos sobre distribuio de renda no Brasil e ecoa como
base terica para sugestes para possveis polticas favorveis a uma distribuio de renda
mais equitativa. No entanto, nesta seo apresentamos uma abordagem terica alternativa
teoria neoclssica para fundamentar o estudo sobre a distribuio de renda e de salrios no
Brasil para o perodo proposto por esta tese. Neste sentido, nossa anlise parte da relao
entre distribuio funcional e pessoal da renda pela tica da abordagem clssica. No que
17 A releitura sobre os principais trabalhos que tratam do tema no Brasil, inclusive com a investigao terica que permeia as pesquisas, ser feita no captulo 2 desta tese.
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concerne distribuio de renda, o ponto central que difere a Economia Poltica Clssica do
que foi apresentado acima que as relaes econmicas so balizadas pelo o papel
desempenhado pelos agentes no processo de produo18. Neste sentido, necessrio avaliar os
aspectos que contribuem para a distribuio funcional e em particular a distribuio de
salrios, sendo que neste aspecto deve ser dispensada importncia sobre a estrutura dos
rendimentos dos salrios e como estes so afetados por fatores como a estrutura produtiva e
ocupacional, a composio do mercado de trabalho e fatores institucionais. Diferentemente da
teoria neoclssica, a distribuio funcional na abordagem clssica no est dada num modelo
de equilbrio geral e, portanto, alteraes nessa podem ocorrer de modo a afetar a distribuio
pessoal da renda.
De acordo com a economia poltica clssica, os agentes econmicos podem ser
classificados conforme o papel que desempenham na economia, ou seja, segundo o processo
de produo. Dessa forma, a economia composta por capitalistas caracterizados como sendo
proprietrios dos meios de produo e trabalhadores que vendem sua fora de trabalho.
Ambos os grupos de agentes econmicos contribuem para a produo de bens e servios
existentes na economia. Essa produo gera uma renda correspondente que apropriada pelos
capitalistas e trabalhadores na forma de lucros e salrios, de acordo com suas funes
exercidas na economia. Assim, as relaes de produo e o poder poltico das classes
estabelecidas na economia capitalista implicam uma distribuio funcional da renda (lucros e
salrios). Cabe aos economistas clssicos buscar entender como se do essas relaes entre
capitalistas e trabalhadores e estudar como a renda distribuda entre essas classes a partir das
relaes funcionais, sabendo-se que isso implicar numa distribuio pessoal da renda, isto ,
como cada indivduo se apropria da renda da economia.
No entanto, antes de apresentarmos a abordagem terica sobre a distribuio da
renda, preciso cogitar como essa renda gerada nesta economia, ou em outras palavras,
como o produto da economia determinado. Essa observao necessria porque, medida
que se conhecem os fatores determinantes da renda, pode-se especular sobre como estes
fatores contribuem tambm para o cenrio da distribuio de renda da economia. Neste
sentido, necessrio complementar a teoria clssica com outro elemento central para a
determinao do produto. Para iniciar a nossa anlise, assumiremos como proposio terica
o Princpio da Demanda Efetiva que impe uma causalidade distinta daquela apresentada por
D. Ricardo, autor que consolidou a abordagem clssica do excedente, ao definir que a
18 No caber nesta tese, a ttulo dos objetivos lanados, debruarmos sobre a Economia Poltica Clssica em seus autores originais. Para mais detalhes, ver Gleicher e Stevans (1991, pg. 1 e nota 1 do captulo 1).
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