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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ANGÉLICA COSENZA RODRIGUES JUSTIÇA AMBIENTAL E CONFLITO SOCIOAMBIENTAL NA PRÁTICA ESCOLAR DOCENTE: significando possibilidades e limites RIO DE JANEIRO 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ANGÉLICA COSENZA RODRIGUES

JUSTIÇA AMBIENTAL E CONFLITO SOCIOAMBIENTAL NA PRÁTICA ESCOLAR

DOCENTE: significando possibilidades e limites

RIO DE JANEIRO

2014

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Angélica Cosenza Rodrigues

JUSTIÇA AMBIENTAL E CONFLITO SOCIOAMBIENTAL NA PRÁTICA ESCOLAR

DOCENTE: significando limites e possibilidades

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação em Ciências e Saúde do Núcleo de Tecnologia Educacional

para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Educação em

Ciências e Saúde.

Orientadora: Profa. Dra. Isabel Gomes Rodrigues Martins

Rio de Janeiro

2014

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R696j Rodrigues, Angélica Cosenza.

Justiça ambiental e conflito socioambiental na prática escolar docente:

significando possibilidades e limites. / Angélica Cosenza Rodrigues. – Rio de Janeiro:

UFRJ/NUTES, 2014.

178 f.; 30 cm.

Orientadora: Isabel Gomes Rodrigues Martins.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de

Tecnologia Educacional para a Saúde, Programa de Pós-graduação em Educação em

Ciências e Saúde, Rio de Janeiro, 2014.

Referências bibliográficas: f. 166-176.

1. Educação ambiental. 2. Ensino de ciências. 3. Tecnologia Educacional em

Saúde - Tese. I. Martins, Isabel Gomes Rodrigues. II. Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Pós-Graduação em

Educação em Ciências e Saúde. III. Título.

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Angélica Cosenza Rodrigues

JUSTIÇA AMBIENTAL E CONFLITO SOCIOAMBIENTAL NA PRÁTICA

ESCOLAR DOCENTE: significando possibilidades e limites

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação

Educação em Ciências e Saúde,

Núcleo de Tecnologia Educacional

para a Saúde, Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como requisito

parcial à obtenção do Título de

Doutor em Educação em Ciências e

Saúde.

Aprovado em:

______________________________________________________

Profa. Dra. Isabel Gomes Rodrigues Martins - UFRJ

______________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Marcelo de Carvalho - UNESP/Rio Claro

______________________________________________________

Prof. Dr. Celso Sánchez Pereira - UNIRIO

______________________________________________________

Prof. Dr. Carlos Frederico Bernardo Loureiro - UFRJ

______________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Augusto Coimbra de Rezende Filho - UFRJ

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Para Ian que, a cada dia, me revela a beleza do cuidado.

Amor que semeia o desejo de futuro e

a esperança em um mundo mais justo e sustentável.

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AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos aqui expostos envolvem o reconhecimento de que esta tese se

realizou ao longo desses quatro anos graças ao envolvimento e a solidariedade de algumas

pessoas queridas, instituições e grupos de pesquisa. Primeiramente eu gostaria de agradecer

ao Departamento de Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de

Fora, que proporcionou o afastamento integral de minhas atividades para cursar o doutorado

e, com isso, a tranquilidade e dedicação necessárias à sua conclusão. Também sou grata aos

professores e professoras do Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia da

FACED/UFJF, que se revezaram para cobrir minhas atividades ao longo desses quatro anos

de doutoramento.

Agradeço ao Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES/UFRJ) por sua

riqueza interdisciplinar que tanto contribuiu em minha formação. Aos grupos LEME –

Linguagens e Mediações – do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da UFRJ e

GRESC@ - Educació per la Sostenibilitat, Escola i Comunitat - da Universidade Autônoma

de Barcelona, agradeço pelas parcerias estabelecidas, pelos diálogos enriquecedores e pelos

deslocamentos produzidos. A convivência nesses dois grupos alargou muito meu olhar para as

relações entre os campos da educação em ciências e da educação ambiental. Agradeço

também às agências CNPQ, que me concedeu uma bolsa de doutorado no Brasil e na Espanha

(PDSE) e CAPES (Projeto Observatório da Educação) que financiou os meses iniciais de

meus estudos e concedeu uma bolsa à professora de Macaé, RJ, com a qual estabeleci um

interessante processo formativo colaborativo, que subsidiou a presente tese.

Agradeço imensamente a atenção e os ensinamentos das professoras Isabel Martins e

Mariona Espinet. Isabel, obrigada pela orientação, pela confiança e entendimento nos

momentos mais difíceis. Sua orientação foi densa e direcionada nos momentos certos.

Mariona, a você agradeço imensamente por me receber na Universidade Autônoma de

Barcelona tão gentilmente durante o doutorado sanduíche e por me proporcionar momentos

inesquecíveis de grande enriquecimento pessoal e acadêmico.

Um agradecimento muito especial para a professora, sujeito dessa pesquisa, com a

qual estabeleci o desafio de pensar uma formação para a justiça ambiental. Obrigada por sua

paciência, dedicação e por acreditar e se envolver de forma crítica e participativa. Obrigada

também à escola pública de Macaé, onde empreendemos tal processo.

Aos meus afetos, sempre tão presentes em minha vida, agradeço pelo incentivo e

apoio ao longo de mais essa caminhada. Mãe, você que esteve tão presente, compartilhando

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de tantos cuidados, quando eu frequentemente precisei estar fora, os meus mais sinceros

agradecimentos. Às amigas e aos amigos sempre tão próximos do coração, o sentido desse

trabalho não existiria se não fosse por tantos ideais emancipatórios que compartilhamos: valeu

Marisa Cosenza, Ely Manoel Rosa Machado, Rachel Zacarias, Vicente Pinto, Gisele Moraes

Moreira, Luisa Vilardi, Karina Cardozo, Márcia Carneiro, Thays Costa, Cláudia Nicoline,

David Teixeira, Murilo Garcia, Lúcio Oliveira, Cristiano Rodrigues. À Cris Moreira um

carinho especial por ter me recebido tantas vezes em sua casa durante minha estada no Rio de

Janeiro.

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“Não basta reconhecer que a Cidade é educativa, independente de nosso querer ou de nosso

desejo. A Cidade se faz educativa, pela necessidade de educar, de aprender, de ensinar, de

conhecer, de criar, de sonhar, de imaginar que todos nós, mulheres e homens, impregnamos

seus campos, suas montanhas, seus vales, seus rios, impregnamos suas ruas, suas praças, suas

fontes, suas casas, seus edifícios, deixando em tudo o selo de certo tempo, o estilo, o gosto de

certa época. A Cidade é cultura, criação, não só pelo que fazemos nela e dela, pelo que

criamos nela e com ela, mas também é cultura pela própria mirada estética ou de espanto,

gratuita, que lhe damos. A Cidade somos nós e nós somos a Cidade”

Paulo Freire

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RESUMO

RODRIGUES, Angélica Cosenza. Justiça ambiental e conflito socioambiental na prática

escolar docente: significando possibilidades e limites. 2014. 178f. Tese (Doutorado em

Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde ,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

Atualmente, práticas de educação em ciências e educação ambiental vêm sendo

chamadas a responder a uma formação para participação comunitária e para justiça social.

Todavia, sentidos hegemônicos, constituintes de tais práticas, contribuem para o apagamento

de lutas ambientais, bem como de injustiças e desigualdades socioambientais que afligem

determinadas comunidades. No enfrentamento deste problema, esta tese assume como questão

de pesquisa entender o papel do conflito socioambiental na constituição de propostas de

ensino relacionadas a uma formação voltada à justiça ambiental na escola. Seu objetivo é

explorar sentidos de uma professora, em processo de formação continuada, na enunciação de

um determinado conflito socioambiental em suas possibilidades e limites didáticos. As ações

de formação foram realizadas no ano de 2011, em Macaé, uma região do norte do estado do

Rio de Janeiro, altamente impactada pela indústria do petróleo e gás. Nesta tese, apresento

análises de construções discursivas baseadas no referencial teórico-metodológico da Análise

Crítica do Discurso (ACD). Tais análises revelaram hibridização entre visões emancipadoras,

com aportes da justiça ambiental, e outras que não envolvem dimensões de questionamento,

participação e transformação social. Problematizam em que medida ambivalências presentes

no discurso investigado, tais como a coexistência da defesa de uma educação ambiental

transformadora e de formulações nas quais prevalece o apagamento de injustiças/conflitos

socioambientais e de seus atores, sinalizam a cooptação ideológica por discursos que não

valorizam dimensões distributivas, participativas relacionadas à justiça ambiental. Além

disso, as análises identificam matrizes curriculares rígidas como fator limitante da

potencialidade transformadora de uma prática educativa voltada à discussão de temas

socioambientais. Finalmente, os resultados apontam para a necessidade de fortalecimento da

justiça ambiental e de conflitos socioambientais no tratamento didático de questões

ambientais na escola como possibilidade de alcançar objetivos comprometidos com práticas

educativas emancipatórias.

Palavras-chave: Justiça ambiental. Ensino de ciências. Educação ambiental. Discurso.

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ABSTRACT

RODRIGUES, Angélica Cosenza. Justiça ambiental e conflito socioambiental na prática

escolar docente: significando possibilidades e limites. 2014. 178f. Tese (Doutorado em

Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

Currently, practices in science education and environmental education have been due to

respond to training for community participation and social justice. However, hegemonic

meanings, constituents of such practices, contribute to the erasure of environmental struggles,

as well as social and environmental injustices and inequalities which concern certain

communities. In addressing this problem, this thesis assumes, as a matter of research, to

understand the role of socio-environmental conflict in the creation of teaching proposals,

related to teacher training, focused on environmental justice in school. It aims to explore

meanings of a teacher, in the ongoing education process, in the enunciation of a particular

socio-environmental conflict in their didactic possibilities and limits. The training activities

were conducted in 2011 in Macaé, a northern region in the state of Rio de Janeiro, highly

impacted by the oil and gas industry. In this thesis, I analyze discursive constructions based

on the theoretical and methodological framework of the Critical Discourse Analysis (CDA).

These analyses revealed hybridization between emancipatory views, with contributions of

environmental justice, and others which do not involve questioning dimensions, participation

and social transformation. They also problematize to what extent ambivalences present in the

discourse investigated - such as the coexistence of the defense of a transformative

environmental education and formulations in which the erasing of injustices/environmental

conflicts and its actors prevails – signal the ideological cooptation by discourses which do not

value distributive participatory dimensions related to environmental justice. Moreover, the

analyses identify rigid curriculum matrices as a limiting factor of the transforming potential of

an educational practice focused on the discussion of socio-environmental issues. Finally, the

results point to the need for strengthening environmental justice and socio-environmental

conflicts in the didactic treatment of environmental issues in school as a possibility to achieve

goals committed to emancipatory educational practices.

Keywords: Environmental justice. Science teaching. Environmental education. Discourse.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

2 DISCURSO E ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO 24

3 AS ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS E O DESENHO DE

PESQUISA

33

4 CONTEXTO SOCIAL E AMBIENTAL DE PRODUÇÃO DO

DISCURSO DOCENTE

45

4.1 O AMBIENTE ESCOLAR 45

4.2 EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO E INJUSTIÇAS AMBIENTAIS: O CASO

DO CONFLITO SOCIOAMBIENTAL EM LAGOMAR, MACAÉ/ RJ

56

5 ANÁLISE DE ASPECTOS CONJUNTURAIS: OS DISCURSOS

SOCIOAMBIENTAIS E SUAS RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO

AMBIENTAL E O ENSINO DE CIÊNCIAS

69

5.1 OS SENTIDOS DE JUSTIÇA AMBIENTAL E CONFLITOS

SOCIOAMBIENTAIS NO MOVIMENTO AMBIENTALISTA

74

5.2 OS SENTIDOS DE JUSTIÇA AMBIENTAL E DE CONFLITOS

SOCIOAMBIENTAIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

82

5.3 O CONFLITO AMBIENTAL COMO TEMÁTICA

POTENCIALIZADORA DA ARTICULAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO

AMBIENTAL E ENSINO DE CIÊNCIAS NA ESCOLA

95

5.3.1 Potencializando o tratamento controverso da sustentabilidade 97

5.3.2 Potencializando o reconhecimento dos atores sociais que sofrem

injustiças ambientais e protagonizam conflitos socioambientais

104

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5.3.3 Potencializando a defesa de uma educação política, ética e moral no

âmbito de processos educativos emancipatórios

110

6 AS SIGNIFICAÇÕES SOBRE UM CONFLITO SOCIOAMBIENTAL

NA PRÁTICA ESCOLAR DOCENTE

117

6.1 SIGNIFICANDO UM CONFLITO SOCIOAMBIENTAL NA ESCOLA EM

DIÁLOGO COM A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E COM A EDUCAÇÃO

AMBIENTAL

120

6.2 SIGNIFICANDO UM CONFLITO SOCIOAMBIENTAL NA ESCOLA EM

DIÁLOGO COM OS ATORES COM QUE DELE PARTICIPAM

145

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 158

REFERÊNCIAS 166

ANEXOS 178

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12

1 INTRODUÇÃO

Este texto apresenta minha tese de doutorado, cujo arcabouço conceitual apoiou-se na

constituição de um espaço de diálogo entre os campos da educação ambiental e da educação

em ciências. Nele busco problematizar significações de uma professora sobre o tratamento

didático de um conflito socioambiental em aulas de biologia e encaminho a tese de que a

incorporação de conflitos socioambientais no âmbito do ensino de ciências materializa um

nicho de mudança discursiva que desafia as práticas educativas ambientais hegemônicas, as

quais contribuem para o apagamento de lutas ambientais, bem como de problemas e injustiças

ambientais que afligem determinadas comunidades.

Esta tese foi favorecida de um lado, pelos estudos críticos do discurso (ACD), a partir

do pensamento de Norman Fairclough que busca pensar o discurso como um momento das

práticas sociais e fortalecer a ACD como disciplina para investigações da vida social, que

almejam contribuir para a superação das relações de dominação. Por outro lado, também foi

sendo construída pela tessitura de articulações teóricas entre algumas correntes da Educação

em Ciências, notadamente as abordagens CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade), Temas

Controversos e Questões Socialmente Vivas e da Educação Ambiental (EA) em sua tendência

crítica, emancipatória.

O arcabouço teórico elaborado nesta tese buscou vincular a questão ambiental à social

e situar-se na defesa e opção por explorar dimensões políticas da educação em ciências e

ambiental relacionadas, na escola, ao exercício da cidadania e da justiça social para

contextualizar e politizar a prática educativa ambiental. Ele surge de minhas inquietações

sobre os desafios de formação na escola pública, inicialmente como professora da educação

básica e, posteriormente, no trabalho de formação de professores que desenvolvo na

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Em minha experiência,

esses desafios relacionam-se a como lidar na escola com vivências de sujeitos sociais tão

desprovidos de salários dignos, moradia, transporte, assistência médica, saneamento básico

etc. e me levaram sempre a buscar respostas para questões, tais como: como articulá-las ao

debate ambiental? Como dar visibilidade às experiências de degradação e desigualdade

socioambientais de sujeitos em situação de vulnerabilidade, bem como às experiências de

lutas socioambientais nas quais tomam parte estes sujeitos pela superação da precarização de

seus espaços de vida? Como tratá-las, por meio de ações didáticas em contextos curriculares,

muitas vezes, voltados a uma formação propedêutica que, quando muito, toma as questões

sociais apenas como ponto de partida para o ensino de conteúdos?

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Como educadora, em diferentes contextos, sempre me sensibilizei pelas muitas e

injustas vivências de negação, destruição, precarização de espaços do viver de tantos alunos e

alunas que tomam lugar na escola pública. Ao mesmo tempo, pude participar de lutas pela

conquista e produção de novos espaços coletivos a partir de minha atuação como conselheira

no Conselho Municipal do Meio Ambiente da cidade de Juiz de Fora, MG, espaço este de

discussão/proposição/deliberação acerca de questões ambientais locais, constituído por grupos

sociais com diferentes interesses socioambientais em disputa. Ocasionalmente, algumas

tensões extrapolavam este espaço e forjavam articulações entre diferentes grupos e práticas

sociais exigentes de maior cuidado socioambiental, em confronto direto com interesses do

poder público e de empresários. Tais práticas questionavam, por vezes, a impactação de

empreendimentos sobre recursos naturais, mas outras vezes iam mais longe, interrogando a

imposição desproporcional de impactos ambientais à sociedade e moldando assim conflitos

socioambientais.

Surge daí, meu interesse por essas práticas de conflito. Em 2008, esse interesse cresce

enquanto pesquisadora do grupo de pesquisa NEC/FACED1no âmbito de minha participação

na pesquisa intitulada “Conflitos ambientais e cidadania: um estudo do caráter educativo dos

movimentos sociais”. Tal pesquisa visava estabelecer diferentes sentidos atribuídos a

problemas e conflitos socioambientais locais pelos conselheiros do COMDEMA e

representantes de movimentos sociais locais envolvidos em conflitos e ações de educação

ambiental. Por meio dessa pesquisa foi possível entender como a participação nestes conflitos

contribui para a produção de educabilidade2, já que os mecanismos de participação

apresentados pelos sujeitos estudados sugeriram fomentar aprendizagens individuais e

coletivas nos espaços públicos de representação e no interior dos movimentos sociais e em

suas ações/propostas (RODRIGUES; PINTO, 2009).

O interesse pelos conflitos socioambientais se reafirma no doutorado em “Educação

em Ciências e Saúde” do NUTES/UFRJ, a partir da necessidade de compreender melhor

como as cidades se movimentam, inventam respostas e enfrentamentos a injustiças ambientais

1 O NEC - Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia da Faculdade de Educação da UFJF- é um

núcleo de caráter interdisciplinar, criado na década de 80. Está articulado em torno de grupos que concentram

estudos, pesquisas e projetos em temas afins a partir das seguintes linhas de pesquisa: Cultura, Conhecimento e

Educação; Educação Ambiental; Educação em Ciências, Educação Matemática. 2 Para Lara (2010, p. 206), há uma destinação ontológico-histórica do homem para a educação. É isso o que ele

chama de educabilidade: “a capacidade que cada ser humano tem de levar a termo o processo originalíssimo da

própria realização, incapaz de ser previsto, ou tecnicamente delineado. Não existe técnica que garanta tal

realização [...]”. Desse modo, a educação tem a dimensão da totalidade da vida, não é questão para determinado

momento da existência. Para o autor, se há momentos e espaços específicos institucionalmente constituídos

para pensar e realizar a educação, como a escola, por exemplo, sua a tarefa primeira é “educar para um educar-

se contínuo”.

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e como geram processos de educabilidade envoltos nesses enfrentamentos. A inserção no

grupo de pesquisa LEME (Linguagens e Mediações) do NUTES surge, então, como

possibilidade de entender meios de apropriação discursiva de tais enfrentamentos em

contextos escolares. Essa inserção proporcionou duas importantes ações.

A primeira relacionou-se ao desenvolvimento do estágio-doutorado, ao longo do

primeiro semestre letivo de 2013, junto à Profa. Mariona Espinet do Departamento de

Didática de Ciências Experimentais da Universidade Autônoma de Barcelona (Catalunha-

Espanha) e do grupo GRESC@ - Educació per la Sostenibilitat, Escola i Comunitat. O estágio

se justificou em termos (a) do acesso ampliado a referências bibliográficas fundamentais para

a expansão e elaboração da revisão de literatura sobre conflitos socioambientais/justiça

socioambiental em sua interface com a educação em ciências e a educação ambiental; (b) da

possibilidade de discutir e avançar nas análises, considerando a congruência de perspectivas

teórico-metodológicas entre os grupos de pesquisa LEME da UFRJ e GRESC@ da UAB; (c)

da ampliação do quadro analítico de forma a incluir discussões acerca das relações

curriculares entre educação em ciências e educação ambiental.

No âmbito da UAB, a ampliação do referencial teórico foi realizada a partir do

aprofundamento a respeito das relações entre: 1) Justiça social/justiça ambiental; 2) Justiça

ambiental e conflitos socioambientais; 3) Justiça ambiental/EA/Educação em Ciências. Já o

tratamento de dados empíricos envolveu a transcrição e análise de um conjunto de eventos

discursivos do corpus de pesquisa, com vistas à construção da tese e também à preparação de

um artigo conjunto com a professora Mariona Espinet.

A segunda ação referiu-se ao meu envolvimento como pesquisadora no projeto

“Ensino de Ciências: desempenho de estudantes, práticas educativas e materiais de ensino” 3

que investigou ações educativas que se desenvolveram nos municípios de Macaé, Angra dos

Reis (RJ) e São Paulo (SP). Tal projeto assumiu como questão de investigação entender

como, em diversas instâncias educacionais, o tema da energia é abordado em suas relações

sociais, culturais, tecnológicas e ambientais no mundo contemporâneo. Seus objetivos gerais

foram:

Analisar em que medida as demandas (i) pela contextualização de conceitos físicos

em termos de suas relações sociais, tecnológicas e ambientais e (ii) pelo desenvolvimento de

habilidades e competências de leitura, interpretação, argumentação e atitudes frente a questões

3 Projeto desenvolvido em parceria entre UFRJ, USP e UNI-RIO. Financiamento: CAPES/INEP/SECAD, Edital

Observatório da Educação 2008-1.

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sócio-científicas, postas pelos Exames Nacionais do Ensino Médio, estão materializadas em

materiais educativos chancelados, ou não, por programas governamentais de avaliação de

livros didáticos (PNLEM);

Analisar práticas de uso de livros didáticos e de formas de mediação presentes em

situações de utilização em situações de sala de aula voltadas para abordagem de conceitos

físicos na perspectiva de suas relações sociais, tecnológicas e ambientais;

Contribuir para a consolidação dos programas envolvidos, para a qualificação e

formação de graduandos e pós-graduandos e para a formação continuada de professores em

exercício;

Promover a integração das atividades de formação inicial e continuada de

professores com as da pós-graduação.

Entre os anos de 2009 e 2012, no âmbito do Laboratório de Linguagens e Mediações

(LEME) do NUTES/UFRJ, as atividades do referido projeto foram realizadas sob

coordenação da Profa. Isabel Martins. O projeto envolveu também dois alunos do curso de

doutorado e dois alunos do curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação

em Ciências e Saúde do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES) da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de duas professoras da educação básica do

município de Macaé, RJ.

Esse grupo de pesquisadores, interessado em produzir e compreender práticas

pedagógicas e estratégias de mediação desenvolvidas quando do desenvolvimento e utilização

de materiais e abordagens que tratam do tema energia, na ocasião da produção de um

levantamento bibliográfico, explorou diferentes interesses de pesquisa ligados ao referencial

CTS. Também desenvolveu dois cursos de extensão e formação de professores oferecidos em

Macaé sobre a abordagem CTS, Alfabetização Científica, Questões Sociocientíficas, Temas

Controversos e suas possibilidades educativas no contexto do ensino de ciências. Em janeiro

de 2011, duas professoras de biologia de duas diferentes escolas estaduais de Macaé foram

selecionadas a participar do projeto na qualidade de professoras/bolsistas CAPES e a

desenvolver atividades didáticas que articulassem os referenciais mencionados à temática

“energia”. Cada uma dessas professoras passou assim a ser acompanhada em processo

formativo por um dos pesquisadores do Laboratório de Linguagens e Mediações

(LEME/NUTES) ligados ao referido projeto.

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Assumi o processo formativo com uma dessas professoras de biologia, a qual leciona

há 24 anos na rede pública de Macaé, RJ, sendo que grande parte de sua atuação deu-se nas

primeiras séries do ensino fundamental em uma escola estadual, em que se deram as

atividades do referido projeto. O modo como as ações do Projeto se relacionam, constituem o

cenário empírico e marcam o processo de coleta de dados de meu projeto particular de

pesquisa, recomenda que eu esclareça o trabalho de formação e intervenção pedagógicas

realizado no período de fevereiro a dezembro de 2011.

A temática energia, privilegiada no Projeto, é considerada central e estruturante dos

currículos do ensino médio e fundamental, sobretudo no que diz respeito às ciências naturais,

e também da matriz de habilidades e competências do Exame Nacional do Ensino Médio

(ENEM). Entre elas, destaco:

Avaliar propostas de intervenção no ambiente, considerando a qualidade da vida

humana ou medidas de conservação, recuperação ou utilização sustentável da

biodiversidade.

Analisar perturbações ambientais, identificando fontes, transporte e(ou) destino

dos poluentes ou prevendo efeitos em sistemas naturais, produtivos ou sociais.

Avaliar impactos em ambientes naturais decorrentes de atividades sociais ou

econômicas, considerando interesses contraditórios.

Avaliar implicações sociais, ambientais e/ou econômicas na produção ou no

consumo de recursos energéticos ou minerais, identificando transformações

químicas ou de energia envolvidas nesses processos. (BRASIL, 2009, p. 8-10).

Tais habilidades e competências colocam a necessidade de ampliar o significado de

energia, por meio de suas relações sociais, culturais, tecnológicas e ambientais, no contexto

dos desafios do mundo contemporâneo.

Minha adesão ao projeto deu-se inicialmente por vislumbrar possibilidades de

investigação das relações entre fenômenos educativos, conflitos socioambientais e justiça

ambiental em um contexto marcado por um crescimento econômico advindo da exploração da

energia petrolífera que atinge desproporcionalmente a população de Macaé. Na ocasião,

compreendia a temática “energia”, mobilizadora do projeto, como um elemento constitutivo

da vida cotidiana de Macaé em todas as suas formas de expressão, incluindo as advindas dos

impactos ambientais, já que ali a exploração de petróleo trouxe profundas mudanças na

economia, no meio ambiente, nas relações e nos modos de vida da população local. Em suas

múltiplas faces, muitos destes problemas acabam por forjar injustiças socioambientais e

práticas sociais que se desdobram em conflitos socioambientais, envolvendo diferentes

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sujeitos sociais em situações assimétricas de poder e posições antagônicas representadas em

torno da utilização territorial do ambiente4.

Consequências sociais e ambientais decorrentes de grandes projetos de infraestrutura

envolvidos na cadeia produtiva petroleira têm sido evidenciadas em um conjunto de práticas

de desrespeito, violência sociocultural e injustiça ambiental em Macaé (FILHO et al , 2010;

ESTEVES et al, 2008). O conceito de injustiça ambiental define as situações em que a carga

dos danos ambientais do desenvolvimento se concentra de modo predominante, nas

populações pobres e em seus locais de vida. Uma lógica que faz com que todos os efeitos

nocivos do desenvolvimento recaiam sempre sobre as populações mais vulneráveis

(ACSELRAD; MELLO, 2009). Em Macaé, a injustiça ambiental resulta da lógica perversa de

um sistema de produção, de ocupação do solo, de destruição de ecossistemas, de alocação

espacial de processos poluentes, que penaliza as condições de saúde da população

trabalhadora, moradora de bairros pobres, por vezes favelizados, e excluída do grande “sonho

do petróleo”.

Deste modo, a competência e a habilidade de analisar criticamente as implicações

ambientais, sociais e econômicas dos processos de utilização dos recursos energéticos,

expressas no referencial do ENEM, reivindicam a meu ver, no contexto macaense, o

tratamento didático de um fenômeno de uso e ocupação do espaço que se inicia no “sonho do

petróleo” e se desdobra em histórias de migrações, expropriações e negações de espaços

dignos do viver.

No processo de compreensão da gravidade dos problemas socioambientais de Macaé,

entendia cada vez mais, que um modelo de formação com a professora mencionada

reivindicava um compromisso ético-político formativo com processos de justiça ambiental

voltado para alunos/as, que como moradores da periferia da cidade, alguns nela nascidos,

outros nela estabelecidos, carregam essas histórias de migrações e vivências de espaços

precarizados. Esse compromisso foi explicitado à professora e contou com sua adesão. O

trabalho desenvolvido com essa professora girou em torno de dois eixos. O primeiro

envolveu-nos (a mim e a professora) em atividades de leitura, interpretação e discussão de

textos científicos em educação em ciências e educação ambiental como dispositivos para

produção de novos textos e reflexões pela professora, acerca do espaço conferido em sua

prática pedagógica à temática da energia e de suas relações socioambientais locais.

4 Pescadores, poder público, ambientalistas, fazendeiros, população rural, população estrangeira (ao município),

população local e a Petrobras, são grupos identificados por Esteves et al. (2008) como grupos sociais em

conflito em Macaé.

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Esse exercício reflexivo desdobrou-se em novas demandas acerca da compreensão

das implicações socioambientais associadas à exploração local da energia petrolífera, por mim

encaminhadas à professora e com ela negociadas. O sentido dessa negociação residia em

minha percepção acerca da necessidade de buscarmos informações junto a órgãos ambientais

e interagirmos com coletivos sociais locais para alargar nossa compreensão das dimensões

sociais e ecológicas destas implicações.

Entendo que algumas características desse processo de formação docente, quais sejam,

a parceria estabelecida com a professora, a ação de formação e aprendizagem mútuas, a busca

de informação em contextos sociais e por meio de atores sociais relevantes, se fazem

coerentes com as correntes que defendem uma formação de professores para a justiça social

(ZEICHNER, 2008; MCDONALD, 2008) e também assume inspiração nas propostas de

formação de Tobin (2010) em sua defesa de “diálogo cogenerativo” 5 e Simonneaux e

Legardez (2010) para o tratamento didático de “questões socialmente vivas” 6 (SAQs).

Segundo estes últimos autores, um princípio essencial no tratamento dessas questões com os

professores é oferecer condições para um exame sócio-epistemológico das referências em

jogo que estruturam questões como potencialmente vivas, sem direcioná-los para métodos ou

objetivos específicos de ensino.

A busca por didatizar o tema “energia: efeitos socioambientais da exploração de

petróleo” e nele incorporar um conflito socioambiental local foram demandas feitas à

professora como parte dos objetivos do projeto e interesses particulares de pesquisa e como

parte do compromisso ético-político anteriormente mencionado. Sua resposta adveio com a

sugestão de uma situação bastante conflitiva, em um território que oferece morada a alguns de

seus alunos/as – o Bairro Lagomar. Este conflito instaura-se em torno de uma comunidade de

cerca de 100 famílias de baixa renda, que cresceu ao longo da última década, de maneira

irregular, e desprovida de serviços públicos como água tratada e coleta de esgoto doméstico,

em território limítrofe ao Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.

5 O termo é criado por Tobin (2010) no contexto de estudos de formação, quando do uso de referências da

etnografia crítica, baseados na reflexividade e colaboração entre professores ou entre professores e alunos no

intuito de catalisar melhorias na qualidade dos encontros sociais, assim como nos resultados institucionais

educacionais. 6 “Socially Acute Questions” é um termo originalmente referido por Simonneaux e Legardez (2010) para quem

podem ser ditas questões socialmente vivas (mencionadas também pela sigla SAQs) em processo de

transposição didática, aquelas que apresentam as seguintes características: 1) são questões sociais que desafiam

práticas sociais, pressupõe amplo debate, e podem gerar conflitos sociais, 2) constituem controvérsias entre

paradigmas distintos mobilizados por sujeitos de diferentes campos disciplinares ou diferentes campos

políticos, culturais, sociais de atuação, 3) são questões vivas no conhecimento a ser ensinado.

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Nos estudos realizados com a professora, a noção de ambiente foi sendo construída a

partir de uma matriz conflitiva dos problemas socioambientais locais de Macaé

(LAYRARGUES, 2009; NICOLAI-HERNÁNDEZ; CARVALHO, 2006; FILHO et al, 2010).

Nesse movimento, e configurando o segundo eixo do projeto, a professora foi planejando e

desenvolvendo ações didáticas voltadas a alunos/as de uma turma do segundo ano do ensino

médio. Encaminhou parte dessas ações ao tratamento didático dos problemas socioambientais

de Macaé e do conflito socioambiental no Bairro Lagomar.

A tese volta-se assim à compreensão das significações dessa professora sobre o

tratamento didático do conflito ambiental mencionado, suas estratégias, suas tensões e seus

limites, na tentativa de refletir sobre a contribuição da escola no enfrentamento da

problemática socioambiental complexa gerada pelo atual modelo civilizatório, em sua

vertente desenvolvimentista. Acredito que a escola tem papel emancipatório importante no

interior das lutas por transformações sociais e ambientais, em defesa da qualidade de vida e da

justiça socioambiental.

Deste modo, o problema que motiva essa pesquisa aponta um paradoxo: se por um

lado, práticas de educação em ciências e educação ambiental vêm sendo chamadas a

responder a uma formação com vistas à participação comunitária e à justiça social, por outro

lado, sentidos hegemônicos, constituintes de tais práticas, contribuem para a manutenção das

desigualdades e injustiças ambientais que afligem determinadas comunidades.

No contexto das visões hegemônicas de educação ambiental (LAYRARGUES; LIMA,

2011; HALUZA-DELAY, 2013) o ambiente é tomado pelos seus aspectos naturais e favorece

uma conceituação de educação ambiental, na qual ela funciona tanto como ferramenta para a

conservação ambiental, quanto como mecanismo pragmático de compensação do risco do

atual modelo de produção e consumo. Assim, pensando com Fairclough (2001), para quem

uma ideologia dominante contém estratégias para o estabelecimento e sustentação das

relações hierárquicas e de poder nela implicados e, desta forma, serve à reprodução de uma

ordem social que favorece determinados indivíduos e grupos com ela alinhados, é possível

dizer que tais visões acabam por situar a EA no âmbito de práticas vinculadas a uma lógica de

manutenção do status quo ou sem questioná-la. Nestas condições é que o foco central passa a

ser o problema ambiental pontual e não os processos de injustiças e desigualdades ambientais

conformadores de tal problemática.

Como resultado da incorporação da lógica do capital na educação ambiental, está o

que Layrargues (2012) entende como “pobreza política da educação ambiental”. Tal

fenômeno se traduz na adoção de práticas de sensibilização ecológica, campanhas de

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reciclagem e/ou práticas educativas ingênuas e românticas que desprezam conhecimentos

produzidos a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas. Além disso, favorecem

o risco da fácil cooptação ideológica da prevalência hegemônica, e afastam-se de um projeto

alternativo emancipatório, realmente questionador e transformador da estrutura civilizatória

contemporânea e de seus mecanismos de reprodução.

A supressão da reflexão sobre justiça ambiental e conflitos socioambientais na

construção do saber ambiental produz um esvaziamento político que reforça a dimensão

ecológica da questão ambiental, em detrimento das dimensões políticas, éticas e econômica

(HALUZA-DELAY, 2013; KUSHMERICK et al, 2007; PELOSO, 2007; AGYEMAN et al,

2009). Fomenta uma perspectiva equivocada de que o problema ambiental não está inserido

numa cadeia complexa, e, portanto, sua solução é somente técnica. Entendo que a pobreza

política da educação ambiental de que fala Layrargues, traduz-se na escola (e em suas práticas

docentes) por meio de duplo processo de exclusão ou ocultamento: 1) de experiências sociais

de degradação e desigualdade socioambientais dos sujeitos que vivem riscos socioambientais,

2) de experiências socioambientais de lutas nas quais tomam parte estes sujeitos pela

superação da expropriação e precarização de seus espaços de vida.

Por meio desse duplo processo, a escola opera no apagamento curricular de questões

sociais vivas, contraditoriamente e, ao mesmo tempo, em que filhos e filhas de famílias tão

desiguais adentram a escola mais do que nunca antes, tensionando as políticas públicas e as

práticas pedagógicas, principalmente em espaços de acirrados problemas e conflitos

socioambientais territoriais. Nas palavras de Arroyo: “As desigualdades dos coletivos sem-

teto, sem-terra, sem-espaço, sem-comida, sem-universidade, sem-territórios entram na escola

como nunca antes e interrogam as políticas educativas, sua gestão e suas análises”

(ARROYO, 2010, p. 1384).

A presença dos desiguais no sistema escolar é hoje incentivada pelas políticas

públicas,

porém não como portadores de experiências significativas, ricas em indagações,

significados e conhecimentos, mas apenas como meros receptores, aprendizes dos

conhecimentos que os coletivos nobres, sujeitos da história, da cultura e da

racionalidade produziram. Podemos dizer que os currículos selecionam uns coletivos

sociais e segregam e ignoram outros. (ARROYO, 2011, p. 139)

Segundo Arroyo (2011) a tendência da escola é secundarizar essas vivências e

incertezas mais radicais, mais vivas, não reconhecer os coletivos populares como produtores

de saberes, modos de pensar. Essas questões tocam em cheio a docência e os currículos, pois

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embora na escola (e nas práticas pedagógicas) ainda se faça distância de questões sociais

agudas e vivas, com toda uma lógica de composição que ainda tenta separar e eliminar as

contradições e as diferenças; o que encontramos na escola são contradições, agudezas sociais

e conflitos que emergem em seu interior de forma explícita ou oculta. Os desiguais desafiam a

escola a impregnar-se de suas experiências de vida mais radicais, do mesmo modo em que

afirmam a necessidade de não ocultar suas ações e lutas por justiça, igualdade, emancipação.

No que se relaciona à prática pedagógica estudada, entendo que o movimento

formativo no âmbito do projeto “Ensino de Ciências: desempenho de estudantes, práticas

educativas e materiais de ensino”, objetivou um deslocamento nas práticas pedagógicas de

ciências ao estimular diferentes olhares para o espaço, num contexto macaense em que

processos sócio-históricos de ocupação desse espaço pela indústria petrolífera de grande

porte, levaram a alterações brutais também de desocupação (impactações-expulsões-

migrações-remoções) de que muitas alunos/alunas da escola pública em que atua a professora

são vítimas. Ainda que tenha envolvido somente uma professora, priorizou uma formação

interdisciplinar7 na intenção de articular conteúdos das ciências naturais às sociais em suas

ações.

Mas que significados tem esse deslocamento no campo da educação ambiental, mais

especificamente no interior de práticas educativas escolares de ciências, quando

professores(as) vinculam suas ações às inspirações de movimentos por justiça, equidade,

emancipação? Quais os desafios, tensões e limites postos à prática pedagógica frequentemente

circunscrita a saberes científicos disciplinares quando da incorporação de questões vivas a

exemplo de justiça ambiental e conflitos socioambientais? Ao tomarem parte em processos

didáticos na escola, estariam os conflitos socioambientais reafirmados ou distanciados de

práticas sociais conflitivas de referência? São perguntas que sustentam o problema de

pesquisa.

No caso específico do presente estudo, encaminho a tese de que ao serem produzidas

em contextos escolares marcados por exigentes orientações diretivas impostas por um

currículo mínimo construído em torno de saberes científicos disciplinares, por políticas

7 O termo interdisciplinaridade não possui um sentido único e estável. Estarei aqui defendendo que o espaço

interdisciplinar nasce no encontro de diversos campos do saber, é fronteiriço e surge no conhecimento que se

produz a partir da abertura das fronteiras disciplinares. Tal entendimento permite pensar a interdisciplinaridade

na formação de professores como um objetivo a ser permanentemente buscado, cuja preocupação centra-se

mais no processo de construção social do conhecimento, do que na forma de apresentar conteúdos integrados

aos professores e destes para com seus alunos e alunas. Nessa direção, a interdisciplinaridade não é dada pela

simples adição de especialidades, nem tampouco oferecida aos professores como uma síntese de saberes

especializados (COSENZA, 2008; FAZENDA, 2001).

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compensatórias, por um sistema de avaliação utilizado para aferir a qualidade do ensino de

cada escola e/ou de cada rede escolar, as questões socioambientais locais mais radicais, mais

vivas e agudas podem desafiar a prática pedagógica a questionar o currículo, a enriquecê-lo de

experiências sociais.

O apagamento dos conflitos socioambientais ou seu redimensionamento na prática

pedagógica são processos que assumem uma expressão semiótica nos currículos escolares,

nos discursos de professores/as e alunos/as, e podem ser investigados por meio dos discursos

daqueles que protagonizam os processos sociais estudados. No estudo em questão, optei pelo

discurso da professora, com quem empreendi um processo formativo no contexto do projeto

“Ensino de Ciências: práticas educativas, materiais de ensino” mencionado anteriormente.

Tomando os pressupostos teórico-metodológicos da Análise Crítica do Discurso –

ACD – (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, 2001; FAIRCLOUGH, 2003), neste

trabalho, investigo sentidos enunciados por uma professora a um conflito socioambiental no

contexto do desenvolvimento de uma sequência didática sobre energia. Interessa a esta

investigação, por meio de análises linguísticas, desvelar relações opacas de poder

hegemonicamente constituídas em seu discurso. Dessas análises, é possível depreender como

a linguagem representa ou instancia um momento discursivo específico e informa aspectos

conjunturais e da prática social, nesse caso, a prática pedagógica.

A proposição da ACD é a de que, por meio da análise de amostras discursivamente

situadas, é possível compreender como discursos forjam-se nas relações com seus contextos

macrosociais de existência, como vão se transformando e assim, informando as próprias

práticas sociais, das quais a educação é exemplo.

Por isso, como parte da lógica que estrutura as investigações em ACD, a tese está

assim desenhada: na introdução, enuncio o problema de pesquisa. No segundo capítulo,

discuto o referencial da ACD para estruturar a lógica da investigação e enunciar a questão de

pesquisa junto a seus objetivos e, no capítulo três, sua estrutura metodológica. Já ao longo de

todo o capítulo quatro e cinco, parto, respectivamente, para um exame mais detalhado das

condições sociais de produção que atravessam o discurso da professora e para a conjuntura

referente ao problema investigado.

Finalmente, no capítulo 6, problematizo as significações da professora acerca da

relação entre conflito socioambiental e prática docente e, posteriormente, teço as

considerações finais.

Nessa direção, no capítulo seguinte, a ACD será descrita em termos de seu referencial

e de seu potencial crítico para favorecer o entendimento de textos e eventos educacionais,

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explicitando os conceitos de ideologia, dominação, hegemonia, poder, identidade e diferença.

Partindo da lógica da ACD, a discussão de tais conceitos deve preceder a apresentação da

questão da pesquisa e objetivos da pesquisa, já que estão envolvidos em sua formulação.

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2 DISCURSO E ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO

A sociedade contemporânea possui um conjunto de características que a tornam

específica e distinta de outras épocas e vem sendo marcada por uma profunda crise mundial,

cujas facetas afetam todos os aspectos da nossa existência — a saúde, a qualidade do meio

ambiente, as relações sociais, a economia, e a política. Para Giddens et al. (1997),

encontramo-nos diante de uma "modernização da modernização" ou "segunda modernidade",

ou "modernidade reflexiva", forjada a partir da crise da primeira modernidade também

denominada por esses autores como simples ou industrial.

Afirmando-se a partir do século XVIII, a primeira modernidade é definida pelos

autores nos seguintes termos: organização estatal e nacional, estruturas coletivas, pleno

emprego, rápida industrialização, exploração da natureza não "visível". A tese dos autores é a

de que a primeira modernidade entra em um processo de autodissolução e reflexividade, na

qual seus princípios e instituições falham (gerando um potencial para o novo) e as tradições

já não informam a vida social de forma autoevidente e inquestionável.

A modernidade tardia é caracterizada por Giddens (2002) por uma mudança na

natureza do sistema mundial envolvendo uma aceleração dramática de compressão tempo-

espaço. Para Giddens a tendência à globalização da modernidade tardia é uma ação à

distância: uma extensão no alcance espaço-temporal do poder que envolve o desencaixe das

relações sociais de determinados lugares e contextos e sua generalização para além das

fronteiras temporais e espaciais. Este desencaixe pode ser visto como uma prática específica

reguladora nos sistemas sociais, através da qual as relações sociais são retiradas de suas

localidades e reorganizadas em outras. Chouliaraki e Fairclough (1999) argumentam que o

desencaixe é também evidente nas práticas da mídia (impressa, mas principalmente

eletrônica), nas quais as notícias são frequentemente retiradas dos seus contextos de produção

e circulam por todo o mundo sob a forma de elementos desligados (sob o “efeito colagem" de

notícias) formando um novo senso de familiaridade com os acontecimentos distantes e

criando assim uma nova consciência global.

A globalização é uma força importante no processo de destradicionalização da

sociedade moderna, segundo Giddens (2002), para quem as tradições já não formam a vida

social de forma autoevidente e inquestionável. Um aspecto da globalização que sinaliza um

deslocamento nos fundamentos da "tradição" é o de que a modernidade produz

vulnerabilidades que não pode controlar e a desconfiança no triunfo das formas científicas,

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tecnológicas e institucionais em responder a essas vulnerabilidades. Embora a vida moderna

tenha reduzido ou eliminado muitos dos riscos de formas sociais anteriores, ela começou a

fabricar os novos riscos que são percebidos como fora de controle, tais como o risco mais

atual da degradação ambiental. Neste contexto da modernidade tardia, os novos riscos

ambientais, por exemplo, ganham, para Beck (2011), contornos reflexivos forjando uma

compreensão de imperceptibilidade, imprevisibilidade e incompensabilidade diante de muitos

problemas socioambientais.

O conceito de reflexividade também é mobilizado para pensar a modernidade tardia e

as crises de identidade. Tal conceito refere-se à possibilidade de os sujeitos construírem

ativamente suas auto-identidades, em construções reflexivas de sua atividade na vida social.

Entretanto, para Giddens, falar em “crises de identidade” só faz sentido se tomadas no

contexto das transformações globais que têm sido definidas como características da vida

contemporânea. A globalização envolve uma interação entre fatores econômicos e culturais,

causando mudanças nos padrões de produção e consumo, as quais por sua vez, podem

produzir identidades novas e globalizadas. O que caracteriza essa nova fase do capitalismo

globalizado é a convergência e hibridização de culturas e estilos de vida nas sociedades, que,

ao redor do mundo, tornam-se assim expostas ao seu impacto (GIDDENS, 2002).

A globalização, entretanto, produz diferentes resultados em termos de identidade.

Segundo Woodward (2013), a homogeneidade cultural promovida pelo mercado global pode

levar ao distanciamento da identidade relativamente à comunidade e à cultura local, mas de

outro modo, pode levar também a uma resistência capaz de fortalecer e reafirmar identidades

nacionais e locais ou levar ao surgimento de novas posições de identidade. As mudanças e

transformações globais nas estruturas políticas e econômicas do mundo contemporâneo

colocam em destaque as questões de identidade e diferença, bem como as lutas pela afirmação

e manutenção de determinadas identidades.

Assim, a modernidade tardia pode ser pensada como um período marcado pelo

colapso de velhas certezas e pela produção de novas formas de posicionamento. Deste modo,

as lutas por construções de identidades são um traço saliente da vida na modernidade tardia e

constituem-se para os teóricos da análise crítica do discurso (ACD) Chouliaraki e Fairclough

(1999), assuntos de identificação no discurso: lutas para encontrar uma voz, como parte de

lutas para encontrar uma identidade. Deste modo, as identidades sociais são construídas por

meio de classificações mantidas pelo discurso e assim, como são construídas discursivamente,

identidades também podem ser contestadas no discurso. Esse argumento valoriza o papel da

linguagem na vida social e no curso das mudanças sociais. Valoriza também a contribuição

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dos estudos do discurso para investigar/analisar processos educativos, na medida em que os

concebe como críticos e transformadores.

Chouliaraki e Fairclough (1999) revisam múltiplas e, por vezes, contrastantes teorias

críticas da modernidade tardia a partir de Harvey, Giddens e Habermas, incluindo narrativas

pós-modernistas e feministas para discutir dialeticamente na ACD os seguintes pares de

termos: colonização/apropriação; globalização/localização; reflexividade/ideologia;

identidade/diferença, assim como o hibridismo e poder, assumidos como constituintes dos

discursos e dos demais termos mencionados. Para os autores, a modernidade tardia implica

no alargamento das fronteiras entre diferentes domínios do uso social da linguagem, cujo

resultado é um hibridismo difundido nas interações discursivas e texto, uma mistura de

diferentes gêneros e discursos. Na reflexividade sobre o discurso - ainda que nem todas as

pessoas compartilhem um elevado nível de consciência crítica ou que estejam igualmente

cientes de todas as suas práticas com a mesma intensidade -, as pessoas estão em geral mais

conscientes de suas práticas, assim como suas práticas estão mais abertas para a

transformação do conhecimento.

A etnia e a “raça”, o gênero, a sexualidade, a justiça social, o ambiente são algumas

das mais recentes temáticas, as quais, materializadas em discursos e práticas de novos

movimentos sociais, produzem novas formas de identificação no mundo contemporâneo. Tais

movimentos têm adotado uma posição não essencialista com respeito à identidade e têm

enfatizado que as identidades são fluidas, que não são essências fixas, que não estão presas a

diferenças permanentes e válidas para qualquer época (WOODWARD, 2013).

A crítica ao essencialismo também tomo corpo no pensamento de Fairclough (2003),

para o qual a natureza discursivamente constiuída do social - ainda que, em parte, a considere

como reprodução das estruturas discursivas - inclui uma ênfase na diferença social, na

diversidade e fluidez das identidades sociais. As metáforas do hibridismo, do mimetismo

(imitação de um discurso que se origina em outro lugar), do cinismo (resistência a um

discurso outro a partir do riso e da recusa) discursivos por ele mobilizadas, aludem a

movimentos para complexificar e subverter a identidade.

No entanto, processos de hibridização discursivos – a circulação de um discurso ou

gênero de uma prática em outra, que implica em sua recontextualização no interior das

mesmas –, analisados em teorias sociais críticas contemporâneas, a exemplo da ACD, se dão

entre identidades situadas assimetricamente em relação ao poder. As relações com "outros"

discursos são todas relações desiguais, constituídas por vetores de força, no sentido de que o

discurso "outro" é imposto do exterior ou utilizado de forma criativa como recurso para obter

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efeitos específicos. A hibridização, de alguma forma, afeta o poder: o discurso original é

recontextualizado, toma parte em algo diferente, e assim é capturado em trajetórias de

mudança discursiva imprevistas por aqueles que ora marcaram seu lugar de origem. Mesmo

em uma relação neo-colonial, a colonização por um discurso é sempre uma apropriação desse

discurso, a qual pode afrouxar o controle do colonizador. Esta é para Fairclough uma base

para a luta ideológica no discurso (FAIRCLOUGH, 2003).

A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam sempre as operações

de incluir e de excluir. Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, fazer distinções

entre o que fica dentro e o que fica fora. Tal relação não é inocente, pois onde existe

diferenciação está o poder. Para Silva (2013), a diferenciação é o processo central pelo qual a

diferença é produzida, ainda que hajam outras tantas marcas da presença do poder, tais como:

incluir/excluir, demarcar fronteiras, classificar, normalizar. Deste modo, identidade e

diferença são o resultado de atos de criação linguística (“ser isto significa “não ser isto” e

“não ser aquilo”) e não podem ser compreendidas fora do sistema de significação nos quais

adquirem sentido. Para Silva (2013, p. 84), o processo de produção de uma identidade oscila

entre dois movimentos: de um lado, estão aqueles processos que tendem a fixar e a estabilizar

a identidade; de outro, os processos que tendem a subvertê-la e a desestabilizá-la. A exemplo

do que ocorre com a linguagem, a identidade está sempre escapando, pois para o autor: “a

fixação é uma tendência e, ao mesmo tempo, uma impossibilidade”. Esse argumento admite

que há uma relação dialética entre discurso e subjetividade. Fairclough (2003) pensa essa

relação, considerando os sujeitos sociais como simultaneamente moldados pelas práticas

discursivas e capazes de remodelar e reestruturar essas práticas. Essa relação é investida

ideologicamente, já que sujeitos também são constituídos discursiva e ideologicamente.

Práticas discursivas são investidas ideologicamente uma vez que incorporam

significações que contribuem para manter ou estruturar as relações de poder com base na

classe, no gênero social, no grupo cultural e assim por diante. À medida que seres humanos

são capazes de transcender a essas relações, são capazes de transcender a ideologia. O

entendimento de ideologia na ACD assume posição dialética: sujeitos são posicionados

ideologicamente, mas são também capazes de agir criativamente no sentido de realizar suas

próprias conexões entre as diversas práticas a que estão expostos e a reestruturar as práticas e

as estruturas posicionadoras.

Semelhante forma de entender a ideologia surge em oposição à sua identificação

enquanto cimento social universal, presa às estruturas sociais. Fairclough considera que essa

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ideia marginaliza a possibilidade de mudança discursiva, contradição e transformação e,

assim, ele assume, em direção contrária, um entendimento de ideologia como

significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as

identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos

das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a

transformação das relações de dominação. (FAIRCLOUGH , 2003, p. 117)

Seu entendimento de ideologia a localiza tanto 1) nas estruturas (ordens do discurso8)

que constituem o resultado dos efeitos passados, quanto 2) nas condições para os eventos

atuais e nos próprios eventos quando reproduzem e transformam as estruturas

condicionadoras. Do mesmo modo, em sua teoria, tanto os sentidos dos textos (e dos

discursos) como as formas dos textos e seus aspectos formais são investidos ideologicamente.

Práticas discursivas que naturalizam relações e ideologias específicas, o fazem em

meio à luta hegemônica. Esse argumento de Fairclough situa o papel da linguagem na luta

hegemônica. Fairclough (2003) assume a hegemonia na modernidade tardia como o domínio

exercido pelo poder de um grupo sobre os demais, baseado mais no consenso que na coerção

ou no uso da força. Esse domínio, no entanto, sempre está em equilíbrio instável e em pontos

de instabilidade que forjam a luta hegemônica.

A noção de linguagem como espaço de luta hegemônica sustenta-se, segundo

Fairclough (2003), em instituições particulares e não em nível de política nacional; os

protagonistas são sujeitos reais, vivenciando coisas, construindo mundos. São os indivíduos

inseridos em práticas discursivas e sociais, que corroboram para a manutenção ou

transformação de estruturas sociais.

Uma vez que a hegemonia é vista em termos da permanência relativa de articulações

entre elementos sociais, existe a possibilidade intrínseca de desarticulação e rearticulação

desses elementos, o que se dá pela agência humana. Assim, agentes sociais, embora

socialmente constrangidos, não têm suas ações totalmente determinadas, ou seja, são dotados

de relativa liberdade para estabelecer relações inovadoras (RESENDE; RAMALHO, 2006).

Na noção de linguagem como luta hegemônica, a questão do poder está sempre em

causa, como também está para Fairclough a questão do hibridismo. No âmbito desse trabalho,

esse entendimento crítico permite pensar a educação como um processo que é, ao mesmo

8 Fairclough (2003) reformula o conceito a ordem de discurso de Foucault e o toma como uma faceta discursiva

do equilíbrio contraditório e instável que, em sua opinião, constitui uma hegemonia. A articulação e a

rearticulação de ordens de discurso são consequentemente um marco delimitador na luta hegemônica, que

contribui em graus variados para a reprodução ou a transformação não apenas da ordem de discurso existente,

mas também das relações sociais assimétricas existentes.

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tempo, constrangido por estruturas sociais e aberto a transformações em direção a novas

significações e características próprias9. Nessa direção, também o espaço escolar pode ser

pensado como ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente, por um conjunto de normas

e regras, que buscam unificar e delimitar a ação dos seus sujeitos. Cotidianamente, por

uma complexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e

conflitos, imposição de normas e estratégias individuais, ou coletivas, de transgressão e de

acordos. Segundo Dayrell (1996), o espaço escolar é assim pensado como um processo de

apropriação constante dos espaços, das normas, das práticas e dos saberes que dão forma à

vida escolar.

A noção da linguagem como espaço de luta hegemônica é também desenvolvida nos

estudos genealógicos de Foucault (1987), que localiza o discurso e a linguagem no centro das

práticas sociais e dos processos sociais. Para Foucault o poder é constitutivo das práticas

sociais cotidianas e constantemente empregado, tendo seu sucesso proporcional à sua

habilidade para esconder seus próprios mecanismos. Nessa direção, o poder não funciona

negativamente pela dominação forçada dos que lhe são sujeitos; ele os incorpora, os molda e

os re-instrumentaliza, para ajustá-los a suas necessidades (FAIRCLOUGH, 2001).

Foucault assume que a ação de um indivíduo ou grupo sobre outros indivíduos ou

grupos está presente nos dois lados da relação. Sua elaboração da noção de poder enfatiza o

indivíduo como sujeito ativo, a invenção e ação como elementos centrais de sua dinâmica.

Foucault usa o termo 'biopoder' para se referir a formas radicalmente modernas de poder, em

que o saber/poder10

é um agente de transformação da vida humana. No entendimento de

Foucault, de acordo com Fairclough (2001), o poder moderno não é imposto de cima por

agentes coletivos específicos (classes sociais, por exemplo) sobre grupos ou indivíduos; ele se

desenvolve debaixo em certas microtécnicas. Em relação ao indivíduo, o poder se exerce por

meio da vigilância, da prevenção e do tratamento de comportamentos desviantes, pervertidos,

9 Esse entendimento assume referência no pensamento de Bernstein, cujo interesse está no campo particular da

educação. Bernstein argumenta que a análise social da educação, envolve tanto a análise de aspectos estruturais

desse campo, quanto a análise do discurso pedagógico. Este último envolve a análise detalhada de como

modalidades particulares pedagógicas operam dentro de contextos de escolarização, incluindo análises do

discurso de sala de aula. Bernstein desenvolve uma teoria do discurso, cara a ACD, na medida em que valoriza

uma forma de conectar análise da linguagem com análise sociológica (BERNSTEIN, 1996 apud

FAIRCLOUGH, 1999). 10

Foucault, nos estudos genealógicos, dirá que o sujeito é produto do poder e do saber. Assim, abandona a ideia

do poder em termos de soberania, para, então, construir um discurso inverso, ou seja, mostrar que a dominação

não se dá centralizadamente, como na Idade Média, mas nas relações sociais, nas relações recíprocas e

múltiplas. Foucault entende que mecanismos de dominação, através de sofisticados cultos como a disciplina e a

confissão, exercem controle sobre o corpo, tendo por finalidade as relações de poder. O corpo é intensamente

marcado, separado, atingido, alvo desses mecanismos de sujeição e de controle (FOUCAULT, 1987).

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30

ou potencialmente perigosos, procedimentos típicos da sociedade disciplinar. Em relação à

sociedade, o poder assume uma feição mais totalizante, cumprindo um papel político de

gestão (programas de saúde, políticas sanitaristas, políticas de natalidade etc.) (FOUCAULT,

2009).

Fairclough reconhece a grande influência de Foucault sobre o conceito de discurso e

de análise de discurso, atentando para sua contribuição no estudo da relação entre discurso e

poder, da construção discursiva dos sujeitos sociais e do conhecimento e funcionamento do

discurso na mudança social. No entanto, critica a ausência de uma orientação analítica mais

explícita na abordagem foucaultiana, em particular no que diz respeito às análises textuais.

Para Fairclough, a análise sociodiscursiva deve transitar entre uma análise de

conjuntura, uma análise da prática social e uma análise de seu momento discursivo. Assim

deve incluir uma dimensão estrutural, como também uma dimensão interacional. A dimensão

estrutural trata de como os discursos são constrangidos pela rede de ordens de discurso,

enquanto a dimensão interacional trata de como essa rede é interacionalmente trabalhada e

potencialmente reestruturada por uma rearticulação de recursos individuais e coletivos.

Inspirados no Realismo Crítico11

, em consonância com o pensamento de Bhaskar,

Chouliaraki e Fairclough (1999) organizaram um modelo analítico que possibilita identificar

problemas sociais, materializados em textos orais ou escritos. Essa abertura de possibilidades

transdiciplinares fez com que a ACD ganhasse espaço na ciência social crítica, permitindo aos

analistas de discurso uma compreensão ampliada da vida social, principalmente em relação

aos elementos micro e macrossociais.

Chouliaraki e Fairclough (1999), em conformidade com Bhaskar, entendem que as

pesquisas em ACD devem estar voltadas para problemas práticos da vida social,

vislumbrando, assim, aquilo que Bhaskar defende como uma ‘crítica explanatória’, construída

com base nas descobertas dos problemas sociais, oriundos das práticas sociais, e a partir delas

buscar soluções para a sua superação. Para alcançar o potencial explanatório, o ponto de

partida é a análise de como os significados são construídos na prática social. Para tanto,

Fairclough (2003) propõe uma abordagem de análise de discurso que enfatiza a relação

dialética entre o discurso e outros elementos das práticas sociais, que incluem outras formas

de semioses, tais como linguagem corporal, imagens visuais etc.

11

O Realismo Crítico refere-se à ideia de que existe uma realidade exterior, independente das concepções que se

tenha dela. Bhaskar distingue não apenas o mundo e a nossa experiência, mas a sua estratificação ontológica -

a questão do Ser, representado pelos três domínios da realidade: o Real, o Realizável e o Empírico

(FAIRCLOUGH, 1999).

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31

O modelo de análise proposto por Chouliaraki e Fairclough (1999), baseado na crítica

explanatória de Bhaskar sugere cinco estágios:

1) identificação do problema social e sua representação semiótica;

2) obstáculos a serem enfrentados;

3) função do problema na prática;

4) possíveis maneiras de superar os obstáculos;

5) reflexão da análise.

No primeiro estágio, conforme diz Chouliaraki e Fairclough (1999), o analista deve

identificar o problema que pode estar em alguma parte da vida social (ex. educação, política,

economia, etc.). No segundo estágio, deve reconhecer os possíveis obstáculos a serem

enfrentados e para isso precisa fazer uma análise, denominada por Chouliaraki e Fairclough

(1999), de análise de conjuntura. A conjuntura a que eles se referem representa um trajeto

particular de uma rede de práticas que constituem as estruturas sociais. Ao proceder à análise

de conjuntura, o analista crítico de discurso deve atentar-se para a análise de uma prática em

particular ou práticas sociais.

No terceiro estágio, o analista crítico do discurso procura olhar a função do problema

na prática, ou seja, o modo como o aspecto problemático do discurso assume uma função

particular dentro da prática social. No quarto estágio, o analista crítico do discurso procura as

possíveis maneiras de superar os obstáculos. Aqui, o analista crítico do discurso deve,

portanto, investigar os efeitos reprodutivos das práticas.

No quinto e último estágio, o analista crítico do discurso deve fazer uma reflexão

acerca da análise, isto é, manter-se como um pesquisador reflexivo, tendo em vista ser a

pesquisa social uma pesquisa crítica. Nesse sentido, a reflexão feita pelo analista crítico do

discurso deve levar em consideração se o que está sendo realizado é de fato uma pesquisa que

visa algum tipo de mudança na prática social.

Partindo do arcabouço conceitual exposto, a pesquisa assumiu como questão

principal entender:

Qual o papel do conflito socioambiental na constituição de propostas de ensino de

questões ambientais na escola, que promovam uma formação voltada à justiça ambiental?

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Dessa questão de pesquisa, um objetivo geral pode ser enunciado:

Explorar sentidos de um conflito socioambiental na constituição de uma prática

docente voltada à promoção de uma formação para a justiça ambiental.

Esse objetivo suscita outros objetivos mais específicos:

Discutir as contribuições dos campos da educação ambiental e da educação em

ciências no tratamento didático das relações entre conflito socioambiental e justiça ambiental;

Investigar teorias e estratégias didáticas mobilizadas pela professora quando do

tratamento didático do conflito ambiental em aulas de biologia;

Discutir em que medida as estratégias enunciadas pela professora foram

condicionadas pelos desafios, limites, possibilidades envolvidos na promoção de uma

formação voltada à justiça ambiental.

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33

3 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS E DESENHO DA PESQUISA

Todo centro tiene miedo de lo que parece ser su periferia.

En los bordes laterales de los ojos habitan todas las cosas que decidimos no mirar

y que nos hablan a raudales. Por eso pestañear es clausurar los costados por donde intentan ascender

los amores inconclusos, las miserias disimuladas, la infancia remota y perdida.

La mirada no es un punto fijo sobre el que decidimos nada,

sino una circunferencia mayúscula repleta de palabras pisoteadas.

Abrir los ojos es, en cierto modo,

pedirle perdón a todo aquello que alguna vez hemos ignorado.

Carlos Skliar

As palavras de Carlos Skliar, expressas acima, tocam fortemente em mim sentidos

sobre a produção de conhecimento, modos de ver e sentir o mundo. Ao transpor aqui esse

entendimento à produção de conhecimento científico, reforço situá-la, como o poema sugere,

em circunferência. Mirada que estabelece a tentativa de escapar do centro e não ignorar os

cantos, lugar de morada do risco, da subjetividade, do erro, do medo, das perturbações, das

ilusões, do poder e das contradições.

Mirando em circunferência, aprendo a olhar a ciência enquanto uma produção humana

e uma tentativa de compreensão do mundo, histórica e socialmente construída. Sob tal

aspecto, impossível imaginar uma neutralidade científica e uma oposição entre o pesquisador

(o cientista social) e o seu objeto (a sociedade). Ilusório, também, querer tratar os fenômenos

sociais como se fossem fatos, passíveis de serem previstos e controlados. Semelhante

entendimento de ciência que nasce da crítica aos ideais de neutralidade e de objetividade da

ciência positivista, sustenta um tipo particular de compreender e fazer ciência: o viés

qualitativo de pesquisa. Utilizo nesta pesquisa, interessada em significações discursivas de

uma professora, referenciais teórico-metodológicos decorrentes dos princípios da Análise

Crítica de Discurso (ACD) em seu diálogo com as abordagens de investigação qualitativa.

Segundo Denzin e Lincoln (2006) a abordagem qualitativa é em si mesma, um campo

de investigação. Ela atravessa disciplinas, campos e temas. Hoje o que usualmente

convencionamos chamar de pesquisa qualitativa constitui-se em um enorme guarda-chuva,

sob o qual há uma grande diversidade de métodos e de abordagens conceitual e

epistemologicamente distintas. Um campo ainda sujeito a muitas resistências provenientes da

corrente positivista, que põe em cheque os critérios de avaliação e validade desse(s) tipo(s) de

investigação.

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34

Apesar de reconhecer que os diferentes contextos históricos são fundamentais na

definição desse tipo de pesquisa, Denzin e Lincoln (2006, p. 17) oferecem uma definição

genérica. Para esses autores, a pesquisa qualitativa “é uma atividade situada que localiza o

observador no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que

dão visibilidade ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma série de

representações [...]”.

Denzin e Lincoln destacam que o foco da pesquisa qualitativa possui inerentemente

uma multiplicidade de metodologias. A crença de que a realidade objetiva nunca pode ser

captada, força a ideia de que para conhecer algo é preciso se cercar de profundidade em sua

tentativa de representação.

A história da pesquisa qualitativa está marcada mais por rupturas do que por

progressão cumulativa e abriga tensões que a distancia de teorias, práticas e estratégias únicas

de pesquisa. Essa história emerge e se desenvolve em sentido cada vez mais ascendente de

contestar a neutralidade científica do discurso positivista e das pesquisas unicamente

mensurativas. Sua emergência no final do século XIX reforça a reivindicação de uma

metodologia autônoma para as ciências humanas, já que cientistas de fenômenos sociais não

se contentavam em reproduzir e submeter-se às exigências metodológicas das ciências da

natureza (CHIZZOTTI, 2006).

A pesquisa qualitativa envolve uma abordagem interpretativa sobre o mundo

(DENZIN; LINCOLN, 2006). Nessa condição, os fenômenos só podem ser compreendidos

dentro de uma perspectiva multidimensional, que leve em consideração os sujeitos e seus

contextos em interações recíprocas. Para Monteiro (1998, p.7) “podem ser ditas investigações

qualitativas aquelas cujas estratégias de pesquisa privilegiam a compreensão do sentido dos

fenômenos sociais para além de sua explicação, em termos de causa e efeito”.

Longe de um campo homogêneo, por detrás de cada prática de pesquisa de abordagem

qualitativa, existem diferentes visões sobre conhecimento, objetividade, validade. As questões

que permeiam esse campo, longe de se esgotarem, deixam, como nos diz Chizzotti (2006), um

horizonte variado de novas interrogações. Uma delas, diz respeito ao conceito de

reflexividade, vital nessa abordagem, em que a interpretação de fenômenos de interesse

demanda um exame de tudo aquilo que poderia marcar os modos pessoais de olhá-los. Em

Usher (1996) é possível identificar os tipos de reflexividade: pessoal, social e epistêmica.

Reconhecer a reflexividade como temática implica romper com a pretensão à objetividade do

cientista e à neutralidade da ciência.

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A reflexividade pessoal pode ser entendida como uma projeção do pesquisador em sua

pesquisa. Sua identidade, suas dúvidas e anseios, suas influências e valores com os quais se

põe a olhar um fenômeno, refletem-se não apenas na escolha do objeto ou do tópico

pesquisado, mas no modo a partir do qual a pesquisa é desenvolvida. Essa relação da pesquisa

com o olhar de quem a pratica, não é algo somente permissivo às pesquisas de abordagens

qualitativas, mas constituinte delas.

Além dos aspectos pessoais que influenciam a pesquisa, o autor relata que as

implicações também são posicionadas a partir do campo social e marcadas por reflexões

acerca das funções sociais do conhecimento e da pesquisa.

Do ponto de vista da ACD, os sujeitos são, ao mesmo tempo, constituintes e

constituidores do mundo social. Como pesquisadores, agimos sobre o mundo social, não

apenas para reproduzi-lo, mas para modificá-lo. Nessa direção, a reflexividade do pesquisador

se torna importante para questionar continuamente a pesquisa, colocá-la sob constante

escrutínio e exercitar a possibilidade de refazer sua lógica.

A reflexividade epistêmica, por sua vez, refere-se à dimensão epistemológica que

marca o fazer científico: carregamos um entendimento de ciência e de sua relação com o

mundo, atravessado pelos ideais compartilhados com uma comunidade de pesquisa ou

disciplinar.

É na perspectiva da reflexividade que encontrei acolhida para pensar-me no contexto

desta pesquisa. As significações discursivas da professora configuraram-se como investigação

no âmbito do projeto “Ensino de Ciências: desempenho de estudantes, práticas educativas e

materiais de ensino” conforme mencionei anteriormente. Como colaboradora neste projeto,

assumi uma dupla função: encaminhar esse processo formativo com a professora, pensar com

ela as questões socioambientais locais e estimulá-la a planejar e a desenvolver ações didáticas,

ao mesmo tempo em que pesquisar sua prática pedagógica. Esse desafio não se consistiu em

tarefa fácil. Por vezes a função de formadora, trazia desconfortos à de pesquisadora ou vice-

versa.

Empreendi com essa professora um processo formativo, ao longo de muitos encontros

semanais à distância e encontros presenciais durante o período de um ano. Alternávamo-nos

em viagens entre Macaé- Rio de Janeiro (e vice-versa) para que pudéssemos nos encontrar

presencialmente uma vez a cada mês. Um panorama das atividades envoltas no processo

formativo pode ser visto no quadro abaixo:

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Quadro 1: Panorama Geral do Processo Formativo

02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12

Seleção da professora e da escola,

ambiente do estudo.

X

Seleção de textos sobre: CTS, Temas

Controversos, exploração de

petróleo, educação ambiental,

conflitos ambientais. Criação de

roteiros para oportunizar a leitura e

debate dos mesmos com a

professora.

X

X

X

X

X

X

Reuniões à distância e presenciais

para discussão dos textos lidos e/ou

produzidos pela professora.

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

Entrevistas com sujeitos

participantes do conflito

socioambiental local.

X

X

Visita à área de conflito

socioambiental no Bairro Lagomar,

Macaé, RJ e participação em uma

reunião comunitária lá ocorrida.

X

Acompanhamento do planejamento

de unidades didáticas para tratamento

do tema “A exploração da energia:

efeitos socioambientais da

exploração de petróleo em Macaé”.

X

X

X

X

X

X

X

X

X

Observação e videogravação de 19

horas-aula na escola.

X X X X X

Fonte: elaborado pela pesquisadora.

Esta atividade de formação demandava-me encaminhar à professora textos, atividades

formativas e solicitar-lhe reuniões, viagens, participação em eventos, produções textuais, etc.

Uma prática muitas vezes interpretada por ela como investida de uma posição hierárquica, de

quem espera uma produção, espera uma ação em tempo e espaço definidos para isso. Mais do

que isso: em alguns momentos a professora parecia sentir-se coagida a resultados esperados,

que em sua expectativa deveriam estar “corretos”. Essa expectativa da professora regrediu no

contínuo e no contexto de nossa convivência. Era visível nos encontros, o modo como falava

das vivências de sua cidade, de sua escola, de seus alunos e alunas. Ao longo de nossa

parceria, em suas proposições, a professora pareceu-me mais confortável no papel de

produtora da própria prática, apesar da mesma estar circunscrita aos objetivos, tempos e

Meses

Atividade

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espaços do referido projeto. Do lado de cá, apesar de partir de referenciais formativos (e de

compartilhá-los com a professora) que me pareciam claros em seu comprometimento com o

diálogo, a colaboração, a emancipação e a justiça social, questionava-me a todo tempo sobre o

risco de estar impondo-lhes à professora, ou mesmo prescrevendo-lhes metodologias. Tal

incômodo advinha do risco de estabelecer qualquer proximidade com uma dimensão técnica

formativa baseada na ideia do/a professor/a como consumidor de novidades metodológicas e

implementador de técnicas didáticas mais sofisticadas. A tensão entre pensar um processo

formativo participativo e, de fato, implementá-lo na prática, acompanhou-me ao longo de toda

a convivência com a professora.

Se, em um primeiro momento, ao longo das primeiras ações exploratórias de campo e

das atividades em sala de aula, sentia-me tomando um espaço de ação frequentemente

circunscrito à professora, essa sensação foi posteriormente diminuindo e se acomodando

melhor. Menciono alguns exemplos: solicitando licença à professora, intervi em algumas de

suas primeiras aulas junto aos estudantes, para fomentar debates em torno de questões que

acreditava que poderiam ser exploradas sob diferentes pontos de vista. Do mesmo modo, em

algumas das entrevistas que realizamos conjuntamente, estabelecia algum diálogo com os

entrevistados para estender ou esclarecer ou contrastar determinados temas que pautavam a

conversa. Em outros momentos, ao longo de meus encontros de trabalho com a professora,

também me sentia inicialmente direcionando seu planejamento didático rumo a estratégias

mais coletivas, a abordagens articuladoras de dimensões naturais/sociais, menos conteudistas,

menos narrativas. Nesses momentos, especialmente no que diz respeito ao planejamento das

atividades e intervenção em sala de aula, era tomada por certo sentimento de inadequação

quanto à possibilidade de estar sugerindo didáticas e, assim, tomando o espaço da professora

ou ferindo sua autonomia. Apesar de o processo formativo demandar uma construção a “duas

mãos”, reconhecer diferentes papéis (o de pesquisadora e o de professora) na construção desse

processo e na negociação dessa participação foi tarefa necessária e complexa. Especialmente,

porque, também em minha tarefa docente, estou envolta em processos formativos, quando da

supervisão de estágios curriculares de professores/as em formação inicial e imersos/as em

contextos escolares, nos quais frequentemente tomo parte sugerindo e auxiliando a elaboração

de materiais e estratégias didáticas.

Ademais, o papel de pesquisadora dos discursos da professora recomendava certo

limite em minha intervenção. Ainda que seu discurso fosse reconhecido como um produto de

relações intertextuais por ela estabelecidas entre os discursos que circularam em seu processo

formativo (inclusive o meu) e outros, a garantia de sua autonomia era vital nessa empreitada

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investigativa. Ao intervir muito diretamente junto à professora em momentos iniciais de nosso

convívio, penso hoje, que recomendava metodologias ou ações acreditando na garantia de

maiores deslocamentos na prática docente da professora. Nesse sentido é que tal movimento

reflexivo foi dando lugar a uma postura de maior respeito aos tempos e espaços da professora,

ao diálogo, a liberdade de criação e proposição enquanto virtudes comunicativas12

necessárias

ao estabelecimento de consenso entre pesquisadora-professora acerca dos caminhos e das

escolhas didáticas a serem privilegiadas.

Tais mediações e sentimentos foram se acomodando melhor em mim, na medida em

que entendia serem, ao mesmo tempo, constituintes e desafiadores de tais práticas. Na medida

em que também problematizava com a professora os diferentes papéis que nos cabia

desempenhar. Nesse sentido, cada vez mais, fui refletindo acerca dos modos de minha

participação. Em nossos encontros, ao contrário de sugerir, questionava mais. Ao discutir com

a professora as estratégias por ela propostas, procurava contrapô-las aos objetivos do projeto,

aos “combinados” de encontros anteriores. Ao longo do processo, intervi cada vez menos nas

interações discursivas entre os estudantes e no movimento de sala de aula.

Tal percurso, acolhedor das ambiguidades e ambivalências, remete a uma preocupação

recente na educação em ciências e forjam um compromisso ético-político no ato de formação

docente. Também indica um movimento formativo que incorpora a dimensão do

conhecimento construído e assumido a partir de uma prática reflexiva mais ampla. Refiro-me

aqui há uma intenção de formação docente compromissada tanto com questões socialmente

vivas e com processos de justiça social, que podem levar a um conhecimento das experiências

e lutas sociais (SIMONNEAUX; LEGARDEZ, 2010; ZEICHNER, 2008), quanto com uma

reflexividade crítica, capaz catalisar importantes melhoras na qualidade dos encontros sociais,

assim como nos resultados institucionais (TOBIN, 2010).

A defesa de um processo formativo que valoriza a reflexividade, o tempo prolongado

de convívio entre participantes e defende a cooperação com outros ao invés de tentar controlá-

los, pode ser vista em Tobin (2010) e trouxe importantes contribuições para pensar o processo

de formação com a professora. Algumas das principais características desse processo que ele

denomina de “diálogo cogenerativo” foram exercitadas, porém não sem tensões: utilizar o

diálogo para chegar a um consenso entre professora- pesquisadora acerca dos caminhos e das

12

“Virtudes Comunicativas” é um termo utilizado por Levinson (2006) para designar disposições necessárias

para conduzir uma discussão com pontos de vista conflitantes, como por exemplo: paciência, tolerância,

respeito às diferenças, escuta atenta e pensativa, abertura, honestidade, aderência a procedimentos acordados,

liberdade de expressão e igualdade. Essas virtudes são indispensáveis para garantir a narrativa de vozes de

participantes em situação de desacordos.

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escolhas didáticas a serem privilegiadas; concentrar-nos mutuamente nas experiências sociais

de alunos e alunas para criar estratégias e melhorar aspectos didáticos identificados;

fomentarmos a participação de todos os envolvidos; estarmos atentas às sugestões mútuas e

em entendermos a viabilidade das sugestões, antes de sugerirmos ajustes ou alternativas;

mantermos um clima emocional positivo e aceitarmos a responsabilidade de desenvolver as

mudanças acordadas.

As características que associam criticidade, necessária a uma formação para a justiça

social, à reflexividade e solidariedade no ato de produzir mutuamente um processo formativo,

foram sendo construídas com a professora no contínuo de nossa convivência e nos levou a

pensarmos juntas em questões como: Que conteúdos seriam necessários para o tratamento do

tema energia, considerando as questões socioambientais tão intensas pelas quais passa a

cidade de Macaé e seus moradores/as? Quais conteúdos seriam necessários ao enfrentamento

destes problemas na vida social? Que métodos poderiam contribuir para compartilhar saberes,

para desenvolver a autonomia e criticidade necessários ao tratamento de temas socialmente

tão agudos? Em que medida isso se chocaria ou ofereceria novas oportunidades ao currículo

escolar?

Sabia que a busca de respostas a esses questionamentos não seria tarefa fácil, mas

compartilhava com a professora a ideia de que essa busca implicava uma formação

comprometida ideologicamente com processos de justiça e emancipação sociais. Consistia em

uma busca incerta, sem caminhos pré-escritos. Dizia a ela que era preciso caminhar na direção

de melhor entender os processos socioambientais de seu município, seus atores, suas visões

de mundo, suas vivências sociais de degradação e de luta por sua transformação. Ao longo,

desse processo, estaríamos por construir tempos e didáticas para responder ao desafio de tratar

o tema energia associadas a algumas de suas mais intensas implicações socioambientais

locais. A professora, por sua vez, me questionava sobre se suas escolhas e condutas estavam

“corretas”, se não estávamos demorando a produzir ações em sala de aula, me dizia que seus

alunos e alunas estavam ansiosos por nossas ações em sala.

O sentido de sua preocupação residia no fato do projeto iniciar-se em fevereiro/2011,

mas ter sua primeira ação em sala de aula somente em maio/2011. Do mesmo modo, o

intervalo de tempo entre esta primeira ação, basicamente exploratória dos sentidos

construídos pelos estudantes às implicações socioambientais da exploração da energia, e as

demais foi de cerca de três meses. Ao longo desse tempo, estivemos envolvidas em estudos da

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literatura científica, da questão ambiental local, do conflito socioambiental do Lagomar13

.

Assim, o caminho construído pela professora desde sua adesão ao Projeto Ensino de

Ciências, passando pelos estudos exploratórios e delimitação da temática ao planejamento e

produção de ações didáticas foi denso, repleto de avanços, retrocessos, idas e vindas, quedas,

desconfianças, incertezas, recomposições, que foram sendo reconhecidas na reflexão/ação em

seus vínculos sociais e com a pesquisadora.

Esse caminho foi atravessado pelo exame dos principais referenciais teóricos da

pesquisa em educação em ciências e da educação ambiental e por outras experiências sociais

extraescolares. As escolhas metodológicas e/ou da práxis da professora estiveram ancoradas

1) nas relações que se forjam na escola (proposta pedagógica, recursos disponíveis, tempo e

espaços disponíveis), 2) nos referenciais teóricos que foram mobilizados ao longo do

desenvolvimento do projeto, bem como outros que marcam a sua identidade como

ser/educadora, 3) nas vivências sociais de que tomou parte quando foi em busca de conhecer o

Bairro Lagomar, seus moradores e seus representantes, 4) nas relações com a pesquisadora.

Produzir uma proximidade com a professora demandou atuar com ela, estudar com

ela, escutar-lhe, acolher suas sugestões de textos, de lugares e pessoas a investigar, de modos

de ver os impactos ambientais, de ver a contribuição de sua escola diante deles, dos desafios

das propostas que criava e que estava implementando em sala. Em nossos encontros, buscava

respeitar seu saber sobre o território, sobre a escola, sobre processo de ensino-aprendizagem

etc. e, com eles, incitar novos olhares. Afinal, eram esses os territórios de seu domínio e de

sua experiência. Em relação aos objetivos mutuamente traçados para cada vivência

extraescolar ou em sala de aula, discutíamos a cada encontro novas possibilidades didáticas

e/ou experiências de aprendizagem.

Tal processo formativo gerou muitos caminhos pelos quais o entendimento do

discurso da professora poderia ser produzido. Tenho gravadas todas as reuniões presenciais,

duas entrevistas realizadas pela pesquisadora com a professora, três entrevistas realizadas por

ela junto a sujeitos sociais locais14

e todas as atividades pedagógicas desenvolvidas em sala de

aula (estas últimas em áudio e vídeo15

). Tenho versões escritas de seu planejamento didático,

13

Recomendo revisitar panorama das ações do processo formativo no quadro 1 no primeiro capítulo desta tese. 14

Realizamos - a pesquisadora e a professora - duas entrevistas com sujeitos sociais locais quais sejam:

dirigentes da Associação de Moradores do Bairro Lagomar e da ONG Sociedade Amigos do Lagomar.

Realizamos também uma entrevista com a advogada, assessora do vereador local, que acompanha as lutas

históricas da comunidade envolvida no conflito ambiental estudado tanto como advogada, como estudiosa,

devido seu vínculo na ocasião como estudante de mestrado da Universidade Federal Fluminense. Também

estivemos presentes em uma reunião comunitária que envolveu a presença dos moradores da ocupação, de um

vereador e de sua assessora. 15

Estas videogravações contaram com a autorização da escola e dos pais dos estudantes.

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das apresentações sequenciais de conteúdos que ela usou com seus alunos e alunas e de textos

(memoriais) em que a professora faz referência às vivências didáticas e aos pressupostos

teóricos mobilizados por ela quando do planejamento e desenvolvimento de atividades

didáticas. No entanto, compreendo que nem todas essas atividades informam diretamente o

tratamento didático do conflito socioambiental. Por exemplo, algumas sequências de aulas

tratam da conceituação da energia, da formação do petróleo e de sua cadeia produtiva. Deste

modo, se fez necessário delimitar um corpus que pudesse responder às perguntas de pesquisa.

No intuito de desenhar a pesquisa, coerentemente com o referencial teórico e problema

de pesquisa construído, identifiquei para a análise de conjuntura, a pluralidade discursiva

ambiental que constitui os campos da educação ambiental e da educação em ciências em sua

interface com a discussão sobre conflitos socioambientais e justiça ambiental. Esta análise

permitiu compor o problema social descrito na introdução e a prosseguir em uma segunda

etapa com o objetivo de delimitar as condições sociais de produção do discurso da professora

(aspectos do ambiente escolar e do conflito socioambiental de Lagomar). Finalmente, os

próprios discursos da professora sobre o tratamento didático do conflito socioambiental foram

analisados, valendo-se de conceitos da ACD, tais como aspectos da análise textual e

intertextualidade manifesta, a partir do seguinte corpus16

:

Texto escrito pela professora, quando da ocasião da produção de um relatório final,

denominado “A Abordagem CTS e O estudo de Temas controversos em uma Turma do Ensino

Médio”, avaliativo de todas as etapas do projeto “Ensino de Ciências, práticas educativas e

materiais de ensino”.

Discursos orais produzidos pela professora em interação com seus alunos e alunas

quando do desenvolvimento da atividade “Energia em foco”.

16 Tal corpus analítico consistiu em episódios selecionados a partir de um conjunto de textos e discursos orais (a

partir de videogravações). No caso das videogravações, as seções foram transcritas, lidas e relidas na

composição dos dados da tese.

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Discursos orais da professora no contexto de interações discursivas quando do

desenvolvimento de uma estratégia didática desenvolvida em sala de aula. Tal estratégia

envolveu a mediação pela professora de uma palestra com diferentes atores envolvidos no

conflito ambiental do bairro Lagomar, portadores de diferentes vivências sobre a questão

ambiental/territorial do Lagomar tanto a partir do lugar acadêmico, quanto pela vivência

direta nos processos de precarização do espaço de ocupação ou a partir de embates jurídicos.

Ao longo da palestra, esses sujeitos lançaram pontos de vista sobre a postura de desocupação

afirmada pelo Ministério Público Federal e sobre a postura da prefeitura local favorável a

permanência dos moradores na área, por impossibilidade financeira de removê-los e

recompensá-los. Levaram à escola enunciações sobre o bairro a partir de diferentes dimensões

histórica, ecológica, jurídica, científica, social, cultural, afetiva, etc.

● Discursos da professora no texto dirigido aos alunos e alunas para desenvolvimento

de uma atividade em sala de aula: dramatização/esquete. Análise também do discurso oral da

professora, por ocasião das interações discursivas quando da condução desta atividade em sala

de aula. Nesta atividade ocorrida em outubro de 2011, em um dia e em uma aula após a

palestra mencionada acima, a professora narra a história fictícia de uma família proveniente

do nordeste brasileiro, que chega a Macaé, em busca de trabalho e melhores condições de

vida. Após narrar a história oralmente aos estudantes e entregar-lhes também uma folha com

sua descrição, a professora pede aos alunos que, em grupo, representem em forma de uma

dramatização curta (esquete) o conflito vivenciado pela família e demais moradores da área de

ocupação e as possibilidades de urbanização do bairro, levando em conta o desafio de

preservar a natureza local. O desenho da pesquisa pode ser melhor visualizado no quadro 2 a

seguir:

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Quadro 2: Desenho da pesquisa

Objetivos

específicos

Justificativa

Estrutura analítica

Corpus analisado

Discutir as

contribuições

dos campos da

educação ambiental e

da educação em

ciências no

tratamento didático

das relações entre

conflito

socioambiental e

justiça ambiental;

As representações

discursivas da professora são

frutos de negociações e

tensões com o referencial

contido:

-nos textos mobilizados pelo

projeto e com ela

trabalhados,

-nos discursos dos sujeitos

por ela entrevistados14

,

-no discurso de seus

alunos/as,

-no currículo escolar

-no discurso da pesquisadora

Descrição e análise da

conjuntura, bem como

das condições socais de

produção discursiva para

identificação destes

discursos circulantes na

prática social da

professora.

- Literatura da educação

ambiental, da educação

em ciências e da justiça

ambiental/ conflitos

socioambientais.

- Pluralidade discursiva

presente nas tendências

ambientalistas, da

educação ambiental e da

educação em ciências;

-Projeto Político

Pedagógico da Escola.

-Currículo Mínimo

SEE/2010

Investigar teorias e

estratégias didáticas

mobilizadas pela

professora quando do

tratamento didático

do conflito

socioambiental em

aulas de biologia;

Os discursos da professora

sobre o conflito ambiental

são materializados nos

textos e discursos orais

construídos, em parte por

intertextos com os discursos

dos campos de estudo

mencionados acima, assim

como com os discursos dos

atores sociais que tomam

parte no conflito por ela

didatizado.

Descrição e análise dos

discursos da professora.

Foco em aspectos

textuais como

vocabulário, gramática,

coesão e aspectos

discursivos relacionados

à intertextualidade

manifesta, ou seja, às

formas pelas quais outros

discursos estão

explicitamente marcados

na superfície discursiva.

- Discurso oral em

atividade didática

“Energia em foco”

-Texto “A Abordagem

CTS e O estudo de

Temas controversos em

uma Turma do Ensino

Médio” produto do

relatório final

direcionado à

pesquisadora.

-Discurso oral:

Atividade pedagógica:

mediação de uma

palestra

- Texto e discurso oral:

Atividade pedagógica:

esquete.

Discutir em que

medida as estratégias

enunciadas pela

professora foram

condicionadas pelos

desafios, limites,

possibilidades

envolvidos na

promoção de uma

formação voltada à

justiça ambiental.

As tensões entre os

pressupostos teórico/práticos

da formação docente e

currículo escolar favorecem

a construção de diferentes

sentidos e práticas sobre a

incorporação do conflito

socioambiental nas aulas de

biologia, podendo levar ao

seu apagamento ou

redimensionamento.

Análise e construção de

relação entre as etapas

anteriores

- Análise e construção de

relações entre a

literatura, e o corpus

mencionado acima

Fonte: elaborado pela própria autora.

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A Análise Crítica do Discurso considera que todo texto é constituído por elementos de

outros textos. Atualiza e responde a textos que o antecederam, ao mesmo tempo em que

orienta-se e antecipa-se a textos que o seguirão. Esta heterogeneidade dos textos incorpora as

relações entre as convenções e práticas que estruturam as ordens do discurso, podendo

recorrer a elas direta ou indiretamente. Esta dimensão diz respeito à intertextualidade

manifesta, ou seja, às formas pelas quais outros textos estão explicitamente marcados na

superfície textual (VILANOVA; MARTINS, 2008).

Nesse processo, a análise aqui considerada envolve tanto os recursos textuais diretos

utilizados pela professora, por exemplo, títulos, escolhas lexicais, e afirmações explicitamente

avaliativas, quanto nos recursos indiretos, sugestionados por detrás da forma geral de

argumentação, de determinadas estruturas sintáticas, da construção da estrutura semântica,

dos recursos a pressuposições, negações e metadiscursos, da colocação em evidência ou

apagamento de certos fatos, do estabelecimento de elos causais, etc. Segundo Moita Lopes e

Fabrício (2005), é a relação complexa entre recursos nos níveis: lexical, sintático, semântico e

intersentencial que atua na construção de uma ótica ideológica para o texto.

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4 CONTEXTO SOCIAL E AMBIENTAL DE PRODUÇÃO DO DISCURSO

DOCENTE

Para a ACD, as condições para o desenvolvimento de determinada prática discursiva

relacionam-se com as práticas sociais de produção de textos e eventos discursivos associados

ao tipo de discurso que se deseja analisar.

Segundo Fairclough (1989) a linguagem como processo social, deve, necessariamente,

envolver o discurso, pois envolve condições sociais, que podem ser especificadas como

condições sociais de produção e condições sociais de interpretações desse discurso. Além

disso, essas condições sociais se relacionam com três diferentes ‘níveis’ de organização

social: o nível da situação social, ou o meio social imediato, no qual o discurso ocorre; o nível

da instituição social, que constitui uma matriz mais ampla para o discurso; e o nível da

sociedade como um todo.

O discurso é entendido como uma forma de ação no mundo. É mediante o discurso

que os indivíduos constroem sua realidade social, agem no mundo em condições histórico-

sociais e nas relações de poder nas quais operam (FAIRCLOUGH, 1989). Para esse autor, o

discurso não é apenas prática de representação do mundo; mas também prática de significação

no mundo, construindo o mundo em significado. O discurso contribui para a construção de:

‘identidades sociais’, ‘relações sociais entre as pessoas’ e ‘sistemas de conhecimento e

crença’ (FAIRCLOUGH, 2003, p. 91).

Assim, assumo o pressuposto de que interpretar e revelar o contexto social e ambiental

no qual a prática pedagógica é construída torna-se necessário para melhor compreender as

significações que informam o discurso da professora.

Tomo a seguir como parte das condições sociais de produção do discurso docente

tanto o ambiente escolar de que toma parte a professora, quanto a problemática

socioambiental de Macaé e o conflito socioambiental pautado pela professora em sua prática

pedagógica.

4.1 O AMBIENTE ESCOLAR

A professora com que empreendi esta investigação é moradora do município de

Macaé, mas não nasceu nessa cidade. Veio de uma cidade do interior de Minas Gerais nos

anos 1980. Está na faixa dos cinquenta anos, é casada, mãe de três filhos, todos eles

empregados da Petrobras em Macaé. Na juventude, iniciou seus estudos como normalista e

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veio à Macaé, por ocasião da transferência do marido, também empregado da Petrobras, logo

após o início das atividades petroleiras na Bacia de Campos. Já na cidade, passou em 1993, a

ministrar aulas às primeiras séries do ensino fundamental em um colégio estadual da cidade,

mas seu interesse pela área de ciências naturais a fez cursar a Licenciatura em Ciências

Biológicas. Desde 2007, passou a lecionar a disciplina Biologia no mesmo colégio estadual

no qual já atuava, e a disciplina Ciências na rede pública municipal local. No ano de

realização dessa pesquisa, a professora assumia a regência de seis turmas de ensino médio

regular na escola estadual e de seis turmas de EJA na escola da rede municipal.

A professora contou-me que sua busca por entender melhor as ciências naturais e sua

interface com a educação, a fez prosseguir seus estudos e cursar três diferentes cursos de pós-

graduação lato sensu: Botânica (modalidade à distância), Gestão Escolar (modalidade à

distância) e Educação Ambiental (modalidade: presencial) em universidades públicas e

particulares do RJ e MG.

A escolha desta professora a participar do Projeto Ensino de Ciências: desempenho de

estudantes, práticas educativas e materiais de ensino, adveio de sua indicação por um

professor do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro –

campus Macaé. Como formador de licenciandos/as em ciências biológicas, imersos/as em

estágios curriculares pedagógicos, este professor conhece bem o contexto das escolas públicas

locais e, por diversas ocasiões, disse-me ter trabalhado com a professora. Falou-me da

contribuição desta professora no processo formativo de seus/suas alunos/as, da maneira

colaborativa como empreendia os estágios pedagógicos dos/as licenciandos/as, de seu

dinamismo, de seu interesse pelas questões ambientais locais e por práticas de educação

ambiental. Por tudo isso, decidi convidá-la a se inserir no projeto.

Ao encontrar-me pela primeira vez com ela, deixei-a a par do Projeto Ensino de

Ciências: desempenho de estudantes, práticas educativas e materiais de ensino e, mais

particularmente de minha pesquisa. Expus claramente que o objetivo principal do projeto era

compreender práticas pedagógicas e estratégias didáticas desenvolvidas quando do tratamento

do tema energia em suas implicações socioambientais. Expliquei que a questão principal que

me levava a ela era o interesse em trabalhar com uma professora que me fora indicada por seu

dinamismo, seu interesse e atuação em práticas educativas ambientais.

Mostrei-lhe um resumo do projeto, um termo de consentimento para a realização da

mesma e um termo de compromisso com as atividades do projeto, já que, como bolsista

CAPES, seu vínculo deveria ser resguardado por alguns direitos e deveres acordados neste

plano; dentre eles, por exemplo, o de receber bolsa e auxílio viagens, destinar carga horária

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semanal de 12 horas para estudo e desenvolvimento de atividades, cumprir o plano de

atividades estabelecido de estudos individuais e coletivos, planejar atividades pedagógicas,

produzir materiais didáticos e desenvolver ações em sala de aula.

Ao falar de meu interesse particular de pesquisa, procurei deixar claro sua relação com

o Projeto Ensino de Ciências. Contei-lhe que pensava a temática da energia mobilizadora do

Projeto, no âmbito de suas implicações ambientais, sociais e econômicas dos processos de

utilização dos recursos energéticos. Disse-lhe que essas implicações reivindicavam a meu ver,

no contexto macaense, o tratamento didático de injustiças ambientais e lutas ligadas ao uso e

ocupação do espaço.

Disse-lhe que meus interesses relacionavam-se ao tratamento didático de um conflito

socioambiental local, que vislumbrava possibilidades de investigação, no âmbito das

atividades desenvolvidas no Projeto Ensino de Ciências, das relações entre o tema energia e

injustiças e conflitos socioambientais.

Defendi junto a ela a perspectiva de que o contexto macaense, tão marcado por um

crescimento econômico advindo da exploração da energia petrolífera, que atinge

desproporcionalmente a população de Macaé, criava condições de articular na escola o tema

energia aos impactos socioambientais e estes ao tratamento de um conflito socioambiental

local. A professora significou o que eu dizia inicialmente remetendo-se a problemas como

lixo, poluição de rios, praias, mangues e outras áreas de interesse ambiental local. Questionei-

a acerca de problemas que envolviam mais diretamente sujeitos locais como vítimas de

processo de degradação socioambiental. Ela então mencionou também processos de

comprometimento da pesca, favelização e criminalização. Quando questionei se ela

reconhecia alguma luta socioambiental local, ela contou-me a respeito da mobilização de um

grupo de moradores de uma área abastada de Macaé, que se manifestava contrariamente a

construção de um condomínio na orla de uma praia local, a qual ocorria à espreita dos órgãos

ambientais e da legislação ambiental. O reconhecimento de outras lutas e protagonismos

comunitários locais demandou muitas discussões com a professora e imersão em atividades de

campo.

Na ocasião, falei ainda de alguns princípios que norteavam o meu olhar sobre a

formação que estávamos por começar a desenvolver. Conversei com ela sobre o

reconhecimento das dimensões sociais e políticas do ensino, juntamente a outras dimensões,

além do reconhecimento das contribuições dos professores e da escola para diminuir

desigualdades sociais. Nesse processo, mencionei a importância de privilegiar os

conhecimentos e as experiências sociais dos/as alunos/as e de usar esses conhecimentos para

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planejar estratégias didáticas. Mas, esclareci que, embora contássemos com esses referenciais,

não havia um caminho pré-moldado, conteúdos ou metodologias didáticas prontas a serem

prescritas e encaminhadas a ela ou à escola. Disse-lhe que ao tomarmos esse compromisso

ético-político formativo, nos lançaríamos às estratégias e caminhos por descobrir.

Esclareci ainda na ocasião a metodologia de minha pesquisa de doutorado, procurando

deixar claro tratar-se de uma pesquisa qualitativa, que busca compreender o sentido que os

sujeitos dão às suas próprias experiências no mundo, para além de mecanismos de

quantificação e de causa e efeito. Falei também da articulação da pesquisa com os estudos

críticos do discurso. Expliquei que esse referencial contribui para o entendimento de discursos

como representações e significações do mundo e que desse modo, também contribui para o

entendimento de práticas sociais. Disse-lhe que os estudos críticos do discurso interessam-se

pelas muitas maneiras pelas quais os discursos sustentam relações de poder e que isso admite

importância à educação porque informa como processos educativos são constrangidos por

estruturas sociais, mas também abertos à agência e a transformações.

Esses foram os desafios e as demandas lançados à professora. Ela aderiu a eles, a

julgar pela assinatura esclarecida dos termos de consentimento e compromisso com o Projeto

e por sua conduta séria e socialmente comprometida ao longo de todo o processo.

A opção por uma escola do Sistema Público Estadual da cidade de Macaé, RJ foi

motivada inicialmente pelo oferecimento do ensino médio, já que o Projeto “Ensino de

Ciências” objetivava articular práticas pedagógicas em torno da matriz de habilidades e

competências do ENEM no Ensino Médio. Trata-se de uma das escolas nas quais a professora

pesquisada atua como educadora havia 19 anos, além de lá já ter desenvolvido alguns projetos

de educação ambiental. Além disso, trata-se de uma grande escola, com facilidade de acesso e

que guarda uma grande diversidade de alunos/as, provenientes de vários bairros precarizados

da cidade.

O contato com a referida escola foi feito no mesmo dia em que se deu a adesão da

professora ao projeto. Este contato me possibilitou iniciar o processo de negociação de acesso

à escola para a realização da pesquisa e ocorreu juntamente ao corpo diretivo (diretor e vice-

diretora). Ao encontrar-me com essa equipe, deixei-os a par do Projeto Ensino de Ciências:

desempenho de estudantes, práticas educativas e materiais de ensino e, particularmente de

minha pesquisa. Mostrei-lhes também um resumo do projeto e um termo de consentimento

para a realização da mesma e para filmagem de determinadas aulas. O diretor, manifestando

interesse, assinou o termo de consentimento e guardou uma cópia do resumo.

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De acordo com Monteiro (1998), a negociação é uma etapa fundamental para a

realização da pesquisa de abordagem qualitativa. Ao negociar a autorização para efetuar um

estudo, o investigador deve ser claro, explícito e coerente com os termos do acordo, devendo

respeitá-lo até a conclusão do estudo. O autor sugere ainda que as identidades dos sujeitos

devem ser protegidas, para que a informação que o investigador recolha não lhes possam

causar qualquer tipo de transtorno. Coerente com tal orientação, falei ao diretor e à professora

sobre o meu compromisso de não identificar a escola, nem os/as alunos/as, nem a professora,

sujeito da pesquisa. Informei-lhes que tais nomes não seriam revelados, algo que se tornou

muito importante no processo de negociação das filmagens das aulas junto à professora e seus

alunos/as.

Compreendo o ambiente escolar enquanto um meio percebido, produzido e

interpretado pela comunidade escolar. Sendo também transformado, modifica os saberes, os

discursos individuais e coletivos. Nesse sentido, o termo “ambiente escolar” assume uma

conotação mais complexa, ultrapassando a ideia de algo que envolve ou cerca os indivíduos.

Tomo o ambiente escolar pesquisado enquanto parte de um contexto social de

produção do discurso da professora, dinâmico e interativo, onde as relações contínuas de

conflito e negociações são construídas. A composição do ambiente de estudo, para além de

sua dimensão física/funcional, requer também o exame de sua estrutura pedagógica e

curricular.

A escola foi inaugurada em 1920 com o objetivo de atender a alunos/as da educação

infantil, às primeiras séries do ensino fundamental. Posteriormente passa a ser chamada de

Grupo Escolar e a oferecer todo o ensino fundamental. A partir de 2002, como Colégio

Estadual passa a promover o 1º e 2º segmentos do ensino fundamental, o ensino médio, o

ensino de Jovens e Adultos de ensino fundamental e médio, a educação especial com

atendimento para portadores de deficiência auditiva.

A escola possui dois pavimentos. No primeiro, onde se localiza o pátio e a quadra

poliesportiva, há também a cantina, a biblioteca, a sala da direção e algumas salas de aula. No

segundo pavimento, há um salão denominado “sala de tele vídeo”, bem amplo, com pé direito

alto, bastante conservado. Este espaço possui um piano antigo, um computador, um data

show, um aparelho de som e vídeo e muitas cadeiras móveis, cujo remanejamento facilitou em

grande medida o trabalho feito pela professora. Todas as aulas ministradas por ela no âmbito

do projeto foram lá realizadas.

Um total de 22 salas de aula integra a estrutura física da escola. Salas que comportam

cada uma delas, cerca de quarenta carteiras. No entanto, há turmas que funcionam com um

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pouco mais do que esse número. A escola apresenta, no entanto poucos espaços extraclasses

disponíveis para o trabalho docente (como laboratórios de ciências ou de informática). Uma

delas, a “telessala” impressionou-me pela limpeza, pelo tamanho e pelo modo como senti os

alunos e alunas de uma turma do segundo ano do ensino médio confortáveis nela, bem

adaptados a um trabalho coletivo, que segundo a professora não é comum na escola.

A escola funciona nos três turnos, sendo o ensino fundamental no 1º e 2º turnos, o

médio com atendimento no 1º, 2º e 3º turnos e a EJA no 3º turno. É composta por uma

diretoria geral e três diretorias adjuntas (para assuntos financeiros, administrativos e

pedagógicos). Além disso, possui uma coordenadora pedagógica e uma orientadora

educacional para cada um dos três turnos. Segundo o Projeto Político Pedagógico (PPP, 2007)

a escola atendeu em 2007 a 1878 alunos, sendo 430 no ensino fundamental, e 1025 no ensino

médio, além de 23 alunos em classe especial para alunos/as com deficiência auditiva. Dispõe

de uma professora de libras para trabalhar exclusivamente com esses últimos.

No ensino fundamental e médio, a escola adota o regime de progressão continuada,

assim entendido no PPP (2007) como aquele em que o aluno não será retido no interior do

ciclo, desde que se submeta a todos os processos de avaliação, participe das atividades de

recuperação paralela, não ultrapasse 25% em falas justificadas.

Segundo o projeto político-pedagógico da escola em sua última versão datada de 2007,

a clientela do colégio não difere das de outras escolas públicas de Macaé “carenciada de modo

geral, muitas vezes, provenientes de lares desfeitos ou desestruturados pela falta de emprego

ou atividade econômica, alcoolismo e uso de drogas”. O documento segue dizendo que a

defasagem de escolaridade idade/série é uma característica entre os/as alunos/as da escola,

“muitos oriundos de lugares distantes que chegam ao município contando com as empresas

aqui instaladas em busca de trabalho. Esta população cheia de expectativas sonha em

construir sua escolaridade na busca de melhor situação econômica” (PPP, 2007, p. 8).

Ao referir-se a uma comunidade escolar de classe média e baixa, carente e

trabalhadora, geralmente proveniente de outros estados do Brasil (nordeste principalmente)

convivendo na cidade e frequentando a unidade escolar, a escola reconhece o cenário de

desigualdade de que toma parte. Mas como a escola se coloca diante dessa questão? Como se

vê diante desse cenário recheado de deslocamentos, migrações, precariedade, desigualdades?

O item “Objetivo da Escola” (PPP, 2007) é que me dá pistas para estas indagações. São os

seguintes os objetivos gerais da escola nele anunciados:

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Criar condições para que todos os alunos desenvolvam suas capacidades e

aprendam os conteúdos necessários para a vida em sociedade;

Permitir ao aluno exercitar sua cidadania a partir da compreensão da realidade,

para que possa contribuir em sua transformação;

Buscar novas soluções, criar situações que exijam o máximo de exploração por

parte dos alunos a estimular novas estratégias de compreensão da realidade;

Melhorar a qualidade do ensino, motivando e efetivando a permanência do aluno

na escola, evitando a evasão;

Criar mecanismos de participação que traduzam o compromisso de todos na

melhoria da qualidade de ensino e com o aprimoramento do processo pedagógico;

Promover a integração comunidade-escola;

Atuar no sentido do desenvolvimento humano e social tendo em vista sua

função maior de agente de desenvolvimento cultural e social na comunidade, a par

de seu trabalho educativo. (PPP, 2007, p. 8, grifos meus)

A palavra todos no primeiro e no quinto objetivos indica um sentido progressista no

entendimento do papel inclusivo da escola, ligado a esforços de promover maior equidade no

ensino (todos os alunos desenvolvam suas capacidades, compromisso de todos na melhoria

do ensino) e na sociedade (contribuir em sua transformação). Mas, quem são esses todos?

No entendimento de Candau (2002), a igualdade está no reconhecimento básico dos direitos

de todos, mas também no reconhecimento da desigualdade. Falar em diferença para ela

implica falar em desigualdade de acesso, a, por exemplo, aprendizagem, compreensão da

realidade, construção da cidadania, termos caros aos objetivos da escola no PPP. A palavra

“todos”, impregnada de um sentido emancipatório, implica o reconhecimento das diferenças

como elementos presentes na construção da igualdade.

O documento não estende o sentido da palavra transformação presente no segundo

objetivo. Dependendo da orientação ideológica a palavra acima ganha diferentes sentidos.

Arroyo (2010, p. 1398), por exemplo, aponta como as políticas contemporâneas influenciam

uma maneira de pensar a transformação social pela via do trabalho: “Estude e terás emprego”,

“Tire o diploma de ensino fundamental, médio e terás trabalho”.

No contexto de Macaé, esse discurso se faz presente, bastante ancorado nas práticas

empresariais de “responsabilidade social” que apostam em ações educativas de formação para

o emprego em uma comunidade tão desigual, como se as oportunidades fossem universais,

assim como as boas condições trabalhistas e os bons salários. Vale mencionar, que durante o

trabalho de campo em Macaé, por várias vezes presenciei a propaganda de escolas técnicas

preparatórias para empregos na Petrobras, veiculadas em automóveis cujos alto-falantes

pronunciavam: “Venha estudar no curso “X” e garanta já sua vaga na Petrobras”.

No cenário contemporâneo, as desigualdades são aprofundadas, quando a

universalização da escolarização prometia aproximá-las. Esta é uma realidade, que segundo

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Arroyo obriga a repensar relações lineares, mecânicas, entre escolarização, trabalho e

igualdade. O discurso do acesso ao trabalho pela escola como redutor das desigualdades

limita à escolarização básica ao papel de capacitar para uma inserção precária, instável, em

trabalhos desqualificados.

Semelhante discurso limita a escola a preocupar-se com a permanência dos alunos em

seu interior para oferecer-lhes a precarizados mercados de trabalho. Nessa direção, é

interessante notar que as primeiras metas presentes no PPP (2007, p. 11) são: “diminuição dos

níveis de evasão escolar, diminuição do nível de alunos em dependência, aumento satisfatório

da promoção no ensino fundamental”.

No que se relaciona aos objetivos para o ensino médio, no PPP, pretende-se que o

aluno “tenha domínio dos conhecimentos de ciências humanas e ambientais necessários ao

exercício da cidadania”. No entanto, esse objetivo não encontra lugar naqueles mais

específicos ao ensino/aprendizagem de Biologia no segundo ano do ensino médio, série em

que se desenvolveram as atividades do projeto Ensino de Ciências. Tais objetivos voltam-se a

ações mentais relacionadas a conhecimentos científico-escolares sistematizados, sem

demonstrar nenhuma articulação com questões sociais ou de “cidadania”:

[...] levar o aluno a: Relacionar e classificar os seres vivos de acordo com suas

características, entendendo a importância de cada um na natureza; e também obter

conhecimentos sobre fisiologia animal; relacionar e classificar os seres vivos de

acordo com suas características, entendendo a importância de cada um na natureza,

obtendo conhecimentos sobe a fisiologia dos vegetais. (PPP, 2007, p. 30)

Outro documento que referencia a prática pedagógica e se hibridiza no discurso

docente é o “currículo mínimo” proposto às escolas pelo Governo do Estado do Rio de

Janeiro (RIO DE JANEIRO, 2010). Acompanhei uma reunião na escola, logo no início do

trabalho formativo, autorizada pelo diretor, cuja pauta girava em torno das políticas públicas

do estado para a rede de ensino. Na ocasião, me apresentei aos demais professores, falei

brevemente sobre o trabalho que estava desenvolvendo com a professora e justifiquei minha

presença na reunião dizendo que me interessava compreender as políticas públicas do Estado

e como elas se refletiam na escola. Os(as) professores(as) manifestaram interesse no trabalho

explicitado e acolheram-me na reunião.

Mereceram destaque na apresentação do diretor, os itens: condição docente e

dimensão da meritocracia na docência e estrutura pedagógica. No que se relaciona à

meritocracia, é política governamental estadual instituir a chamada “bonificação por

resultados” na rede. Os benefícios atrelam-se a uma remuneração variável, observadas às

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tarefas de acompanhar o currículo mínimo e bom desempenho na avaliação de competência.

Essa política de bonificação por resultados agrega critérios de produtividade relacionados ao

aumento da aprovação dos alunos e à redução da evasão escolar. Além disso, atrela-se a um

Sistema de Avaliação Institucional, no qual alunos/as e professores respondem a um extenso

questionário para avaliar a qualidade de ensino e as condições de infra-estrutura das unidades

escolares. Para alguns professores, sindicalistas e teóricos da educação, por trás dessa política

de bonificação, há, porém, uma estratégia de aprovação automática a qualquer custo, mesmo

sem desempenho satisfatório do/a aluno/a. Além disso, há uma crítica ao enfoque puramente

intra-escolar da responsabilização pela evasão e pelo déficit de aprendizagem, os quais em

suas opiniões não dependem apenas do docente, pois estão associados mais diretamente a

outros fatores externos à escola, como problemas familiares ou necessidade de trabalhar

(GATTI, 2011).

A proposta do currículo mínimo da Secretaria de Estado de Educação do Rio de

Janeiro (RIO DE JANEIRO, 2010) traduz-se em um documento resultante do trabalho que

reuniu professores/as da rede estadual e contou com a coordenação de equipes de especialistas

nas diversas áreas de conhecimento da UFRJ. Duas versões já foram produzidas. A primeira

em 2006 e a última em 2010, a qual buscou ressignificar a primeira, tendo em vista sua maior

compatibilização a referências oficiais (tais como Parâmetros Curriculares Nacionais, a

Matriz de Referência do ENEM, a Matriz de Referência do SAERJ e Matrizes de Referência

da Prova Brasil e SAEB). Nessa nova versão, o documento propõe uma organização das

competências e habilidades por anos/séries e bimestres em tabelas. A valorização e escolha

destas competências e habilidades advêm, segundo a proposta, de sua afinidade com as

matrizes referenciais de avaliações de larga escala. Esse formato propõe uma nova

organização que segundo o documento: “deverá ser testada, avaliada, adaptada e validada”

pelos professores (RIO DE JANEIRO, 2010, p. 5).

Uma competência abarca um conjunto de procedimentos e ações. Abarca um conjunto

de conhecimentos (saberes), habilidades (saber-fazer - ação física ou mental que indica a

capacidade adquirida), atitudes (saber-ser, relacionadas a aspectos éticos, políticos,

cooperativos, solidários, participativos). As habilidades devem ser desenvolvidas na busca das

competências, que por sua vez relacionam-se a operações mentais, capacidades para usar as

habilidades e ao emprego de atitudes.

A referência curricular de 2010, expressa um conjunto de desenvolvimento de

competências e habilidades por parte do aluno, em lugar de privilegiar o conteúdo conceitual.

Isso de certa forma desloca o foco do conteúdo para a maneira de produzi-lo. Desloca também

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as responsabilidades da escola e do/a professor/a para as de ensinar a comparar, classificar,

analisar, discutir, descrever, opinar, julgar, fazer generalizações, analogias, diagnósticos, etc.

Assim, implica também em novas competências que os/as professores/as devem adquirir na

sociedade atual. O discurso da competência abrange deste modo, competência do(a)

professor(a) e competências a desenvolver nos/as alunos/as.

Segundo Gatti et al. (2011), cada vez mais, os/as professores/as trabalham em uma

situação em que a distância entre a idealização da profissão e a realidade de trabalho tende a

aumentar, em razão da complexidade e da multiplicidade das tarefas que são chamados a

cumprir nas escolas. Para Zeichner (2008), mais do que tarefas, os professores são chamados

a cumprir metas, as quais precisam satisfazer. Tal visão incide na responsabilização individual

do docente pela qualidade do ensino e pela educação pública nacional.

Apesar da defesa de uma formação humana integral transcender, mas não desprezar

questões ligadas a competências, o discurso, nessas políticas em que a questão de

competência é analisada, subordina a educação às demandas socioeconômicas dos novos

modelos de articulação produtiva (GATTI, 2011).

Além disso, uma segunda crítica é feita. Ela é relativa a uma visão de competência

descontextualizada. Tal visão apoia-se na ideia de que alunos/as e professores/as possam

chegar universalmente às competências, descolados das circunstâncias sociais que os

constituem, as quais vão desde a estrutura física e pedagógica das escolas até as condições de

trabalho. Não só processos de formação inicial ou continuada têm tomado essa visão como

base, como também os processos de avaliação docente, inclusive os de carreira docente, as

políticas de abono salarial e os prêmios (GATTI, 2011).

No que se relaciona ao currículo mínimo a ser seguido no segundo ano do ensino

médio, a referência curricular situa no 1º e 2º bimestres, o foco temático na “diversidade da

vida” tratando especialmente da célula (1º bimestre) e da biodiversidade (2º bimestre). No 3º e

4º bimestres, o foco é a “diversidade dos processos vitais”, assumindo centralidade os

processos de obtenção e transformação de matéria e energia e processos de excreção,

reprodução e equilíbrio hormonal.

Vinte e três competências surgem no referencial curricular do 2º ano como demandas

de ações esperadas dos/as alunos/as e professores/as. Todas elas destinadas a aspectos

cognitivos e ações mentais, enunciadas pelos verbos: identificar, reconhecer, comparar,

relacionar, interpretar. Outras três voltadas a ações físicas, enunciadas pelos verbos realizar

(levantamento de dados), pesquisar (um conteúdo). Alguns exemplos:

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realizar um levantamento de dados relacionados às doenças transmitidas pelos

invertebrados, associando-as as condições de saneamento e as formas de prevenção”

“pesquisar a importância das bactérias e fungos na indústria de produção de

alimentos e farmacêutica”; “Pesquisar a importância das Archaeas como organismos

extremófilos. (RIO DE JANEIRO, 2010, p. 12)

No âmbito das competências e habilidades desse referencial, em somente duas se faz

referência a uma dimensão social mais explícita. Tais competências estreitam vínculos com

aspectos éticos, políticos e participativos. São elas:

Realizar um levantamento de dados sobre a incidência do vírus HIV na população

do nosso estado relacionando-a com as formas de contágio e de prevenção [...]

Coletar dados entre os moradores da região para identificar os efeitos do

sedentarismo e da nutrição na saúde do coração, apresentando os resultados através

de gráficos e tabelas. (RIO DE JANEIRO, 2010, p. 12)

No entanto, a julgar pela centralidade dos saberes científicos escolares nessas

orientações curriculares do Currículo Mínimo, assim como naquele relativo ao PPP, o que se

valoriza no âmbito desses referenciais não é o processo de construção de conhecimentos, mas

a apreensão de conceitos e sua reprodução nos testes avaliativos padronizados.

Neste contexto educativo marcado por orientações diretivas impostas por um currículo

mínimo, construído em torno de saberes científicos disciplinares, por políticas

compensatórias, por um sistema de avaliação utilizado para aferir a qualidade do ensino de

cada escola, as questões socioambientais mais radicais, mais vivas e agudas, não tomam

espaço.

Temáticas controversas, temáticas vivas, temáticas conflitivas estão distantes desse

currículo, que se encontra “mínimo” de experiências sociais densas, “mínimo” daqueles que

lhe exigem reconhecer-se enquanto sujeitos. Esse currículo nos fala da diversidade de uma

vida natural, de formas de vidas naturais, da fisiologia e anatomia de vidas naturais, mas

oculta a diversidade de formas humanas a interagir com elas. O ambiente como sinônimo de

natureza e o apagamento de questões sociais assumem assim sua expressão semiótica nos

conteúdos e finalidades educativas enunciadas tanto no PPP quanto na Proposta Curricular da

SEE/RJ.

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4.2 EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO E INJUSTIÇAS AMBIENTAIS: O CASO DO

CONFLITO SOCIOAMBIENTAL EM LAGOMAR, MACAÉ/ RJ

No contexto da formação docente que embasa esta tese, a problematização do

contexto socioambiental de Macaé adveio do estudo e discussão de artigos científicos dos

campos da educação ambiental e da educação em ciências, os quais privilegiavam correntes

críticas de tais campos. Adveio também da elaboração, do desenvolvimento e da avaliação de

sequencia didática produzidos ao longo do processo formativo colaborativo empreendido

com a professora. Aqui, alguns aspectos de tal colaboração podem ser destacados.

Primeiramente, na condução das escolhas didáticas. Como apontado anteriormente,

sem querer impor estratégias à professora, mas atentando para os objetivos e referenciais

teóricos do projeto, questionava frequentemente se os conteúdos e métodos delineados eram

os mais coerentes com as premissas de participação, de adesão a problemas e injustiças

locais, de articulação destes às lutas comunitárias e verdadeiramente populares. Tal

intervenção levava a que as atividades fossem repensadas, chegando, em alguns momentos a

um esforço de serem refeitas repetidas vezes pela professora.

Igualmente, o empenho em escolher e entender um conflito socioambiental de base

popular, que abrangesse o protagonismo de sujeitos mais vulneráveis e expostos a práticas de

exclusão e injustiças ambientais, envolveu muitas pesquisas por parte da professora em

jornais e coletivos sociais locais e em escuta atenta aos estudantes na escola. A professora

chegou a uma listagem de situações conflitivas a serem didatizadas. No entanto, poucas delas

pareciam ter alguma representação mais direta na vida de seus/suas alunos/as e em suas

comunidades. Outras também envolviam a luta de comunidades mais abastadas por

preservação de áreas naturais. Muitas discussões foram necessárias para articular: a) aquilo

que líamos nos artigos ao contexto socioambiental local e, b) a temática energia ao

tratamento didático de um conflito socioambiental.

Meu desafio como partícipe do projeto formativo era o de auxiliar a professora a

pensar em um planejamento escolar que articulasse dimensões sociais e políticas vivas

(presentes na discussão de um conflito socioambiental) a conteúdos científicos tipicamente

curriculares tais como: energia primária, energia secundária, ciclos biogeoquímicos,

formação do petróleo, impactação ambiental causada pela exploração do petróleo.

A escolha do conflito de Lagomar envolveu muitas ações coletivas e mediações.

Realizávamos entrevistas, por exemplo, e posteriormente as discutíamos na tentativa de

entender os protagonistas do conflito, sua história, suas causas, as injustiças que sofriam.

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Decisões sobre em que momento da sequencia didática a professora iria abordar o conflito

socioambiental, sob quais metodologias e quais atores sociais deveriam estar presentes na

escola pautaram nossos momentos de diálogo.

Desse modo, para melhor contextualizar o estudo em termos da problemática

socioambiental de Macaé, RJ trato, a seguir de injustiças e conflitos socioambientais

advindos da expansão da infraestrutura petroleira, cuja lógica expansionista, expressão da

acumulação, choca-se com os das populações tradicionais e interesses ambientais. Trato a

seguir dessa lógica e do conflito de Lagomar, delimitado pela professora em sua ação

didática.

No contexto contemporâneo da globalização, emanam acirradas as demandas e as

disputas pelos recursos energéticos. Desse processo, decorre aumento de preços e o

fortalecimento da posição econômica e estratégica dos países exportadores desses recursos.

Além disso, a discussão sobre o papel do gás natural, as descobertas de petróleo na camada

de pré-sal, o pagamento de royalties, tomam atualmente parte em debates no cenário nacional

e internacional.

Hernández e Bermann (2010) apresentam alguns números da indústria do petróleo no

Brasil, que correspondem aos primeiros resultados operacionais após a fundação da Petrobras

em 1955 e que representam um grande investimento do governo brasileiro em exploração e

aumento da produção doméstica para alcançar a autossuficiência. Segundo esses autores, em

1981, o Brasil gastou cerca de US$10,6 bilhões com a importação de petróleo, representando

uma taxa de 80% de dependência internacional. Na década de 90 a produção nacional cresce

e a taxa de dependência cai para 47%.

Em abril de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a

autossuficiência brasileira, no que diz respeito à produção de petróleo. A partir dessa data, a

nítida expansão da produção brasileira não veio, contudo acompanhada de significativa

redução das importações de derivados - óleo diesel e gás do petróleo liquefeito (GLP) - e

aumento da exportação de petróleo bruto. Isso significa que embora a produção brasileira de

petróleo cru seja significativa, o Brasil ainda tem baixa capacidade de refino. Hernández e

Bermann (2010) alertam que, se essa situação não mudar, corre-se o risco do petróleo aqui

extraído ser remetido ao exterior para refino e de lá retornar ao Brasil sob a forma de

derivados, impactando os gastos brasileiros.

A busca pela autossuficiência em termos de extração do petróleo cru no Brasil

reafirma-se em discursos nacionalistas e desenvolvimentistas que associam a abundância

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desse recurso ao “bem-estar nacional” gerado pelas possibilidades econômicas de seu uso.

Há um uso ideológico do que poderia ser chamado de “questão energética” no Brasil.

O discurso nacionalista dominante surge associado a um sentido de progresso e

desenvolvimento, como algo decorrente de um interesse nacional, de uma equitativa

distribuição de benefícios advindos do crescimento da indústria petroleira. Segundo

Hernández e Bermann (2010) há uma superimposição de particularismos dos ganhos advindos

dessa atividade produtiva, apresentados como universais, quando efetivamente não o são.

Falando em nome de um “interesse nacional”, o nacionalismo serve assim, como espécie de

força integradora e estabilizadora da sociedade e como elemento de manutenção do status quo

societário.

Ganhando espaço na mídia, o discurso nacionalista/desenvolvimentista empresarial é

eficaz no esforço de persuadir a sociedade, ocupar posições de superioridade frente a

discursos de outros grupos de interesse e trabalhar no sentido de que a sociedade aceite os

seus valores e objetivos e de seu modo econômico e cultural de operar em uma dada

localidade. Empenham-se em mostrar na mídia o aparato tecnológico envolvido em suas

atividades como exemplo de progresso, bem como suas ações (ex: educação ambiental nas

comunidades locais, políticas de saúde pública etc.) como exemplos de compromisso e

responsabilidades sociais (HERNÁNDEZ; BERMANN, 2010). Grandes empresas se

apropriam desse discurso estrategicamente.

Ao se debruçar sobre o discurso da mídia, Fairclough observa que os meios de

comunicação de massa vêm se tornando mais reflexivos e conscientes a respeito da linguagem

que utilizam, empregando-a cada vez mais, de forma calculada e estratégica. Essa condição

leva ao uso semiótico planejado pela publicidade de acordo com objetivos econômicos,

políticos e organizacionais (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999).

A expansão da infraestrutura petroleira (seja no âmbito da extração, refino ou

transporte) em regiões de populações tradicionais e interesse ambiental é expressão da

acumulação do capital que procura legitimar-se em discursos e práticas desenvolvimentistas.

Essa lógica expansionista afina-se com interesses de grupos específicos dominantes em uma

sociedade com discrepâncias sociais que não podem ser negligenciadas.

As escalas dos empreendimentos e projetos envolvidos na cadeia petrolífera alertam

para reflexões que podem se amparar na noção de justiça ambiental. Nessa direção, o foco

recai sobre os sentimentos de injustiça e desrespeito socioambientais decorrentes de vivências

degradantes do espaço, bem como de lutas por espaços mais dignos.

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Consequências sociais e ambientais decorrentes de grandes projetos de infraestrutura

envolvidos na cadeia produtiva petroleira têm sido evidenciadas em um conjunto de práticas

de desrespeito ou violência sociocultural: migrações e remoções de populações tradicionais,

comprometimento de populações extrativistas e indígenas, vazamento de óleo em mares,

diminuição da pesca e extração de produtos naturais, aumento populacional nas cidades que

não vem devidamente acompanhado de serviços sociais, aumento da prostituição, violência,

favelização (FIOCRUZ; FASE, 2010). Algumas dessas consequências podem ser

mencionadas para o contexto de Macaé, RJ. Passo a discuti-las.

Desde a primeira metade do século XIX, Macaé foi reconhecida em termos de sua

economia agroindustrial apoiada na cana-de-açúcar, exercendo a função de cidade comercial a

partir do desenvolvimento do Porto de Imbetiba, em 1846. Desde então, a pesca foi a

atividade produtiva preponderante da região.

Nas últimas décadas do século XX, no entanto, desponta como centro regional em

decorrência das atividades de extração de petróleo e gás natural na Bacia de Campos,

recebendo um reconhecimento em nível nacional, sendo inclusive conhecida como a

“Princesinha do Atlântico”. O crescimento da indústria petrolífera e de empresas associadas

em Macaé gerou um efeito multiplicador pela inclusão de outros setores da economia e pela

criação de oportunidades de negócios, para um vasto mercado de fornecedores de

equipamentos, suprimentos e serviços (ESTEVES et al, 2008).

Em Macaé, o súbito crescimento demográfico de uma comunidade antes movida pela

atividade pesqueira é propulsionado pelo novo “eldorado” e carreia assim migrações em

busca de trabalho e oportunidades. Os imigrantes chegam, ainda hoje no município, repletos

de aspirações individuais. Muitas vezes, não encontram condições sociais disponíveis para

concretizá-las, tendo em vista um seletivo mercado de trabalho exigente de um nível de

escolaridade e especialidade na área do petróleo. Sem escolaridade, e, sem ter condições de

retornar para sua cidade de origem, muitos acabam permanecendo no município com

inúmeras consequências sociais, dentre elas a expansão da criminalidade urbana (FILHO et al,

2010).

De fato, Macaé foi a quarta cidade do Estado do Rio de Janeiro que mais cresceu em

população de acordo com os dados do censo do IBGE de 2010, crescendo 56,08% ao final do

período de 2000 a 2010. Em primeiro lugar está Rio das Ostras, com taxa de 190,39%, a

segunda maior taxa de crescimento populacional do país, perdendo apenas para a cidade de

Balbinos, no Estado de São Paulo, que apresentou crescimento populacional de 199,47%

(IBGE, 2011 apud SILVEIRA, 2013).

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Essa presença também tem um impacto grande no tocante à arrecadação e orçamento

público de todos os municípios da região da Bacia de Campos. No caso de Macaé, há uma

grande transferência de recursos relativos a royalties do petróleo, fazendo com que as leis de

previsão orçamentária contenham valores cada vez mais elevados ano após ano. Silveira

(2013) observa que no ano de 2013 a previsão orçamentária do Município de Macaé se

aproxima da casa dos dois bilhões de reais. Todavia, a autora discute que o aumento

expressivo na arrecadação municipal, com forte representação de valores referentes a

royalties do petróleo, não implicou necessariamente na extinção de condições precárias de

vida da população mais carente.

Nesse contexto, Macaé se destaca na geração de empregos, tanto para brasileiros,

quanto para estrangeiros, movidos pelo aumento do mercado de trabalho local decorrente da

implantação e posterior ampliação das bases da Petrobras na cidade. A divulgação de números

expressivos de oferta de emprego na cidade criou uma expectativa de empregabilidade, que

associada à falta de planejamento urbano, levou à ocupação desregrada do solo, com a

ocupação de diversas áreas de interesse e preservação ambiental, como o bairro Lagomar

(área de restinga), além de contribuir para a degeneração das condições ambientais de rios e

lagoas, com o lançamento de esgoto in natura originário de construções diversas, como no

caso da Lagoa de Imboassica.

Assim, o crescimento desordenado do município e as novas conformações político-

econômicas são fatores que concorrem para gerar amplo processo de favelização, ocupação de

áreas de proteção ambiental (restinga e mangue) e expansão da criminalidade urbana. Em

Macaé, tal cenário acaba também por pressionar serviços públicos como saúde, educação,

oferta e tratamento de água e esgoto, coleta de lixo etc. em curto espaço de tempo

(SILVEIRA, 2013).

Nesse processo, algumas relações estabelecidas entre determinados grupos17

que

resistem a esse processo de ocupação do espaço pela indústria do petróleo, são indicativas de

conflitos entre o poder público e a população em relação à gestão ou repasse dos royalties

arrecadados. Outras questões estão relacionadas aos ambientalistas e gestores de Unidades de

17

Alguns organizações são citadas por Esteves et al (2008): Agenda 21, Amigos e Defensores da Lagoa de

Imboassica (ADLIM), Associação de Moradores do Mirante da Lagoa (AMOLA) , Associação Ecológica

Amigos da Serra Associação Macaense de Defesa Ambiental, Centro de Estudos Ambientais de Cultura

Contemporânea (ECOCidadão), Colônia de Pescadores Z-03 , Federação das Associações de Moradores de

Macaé, ONG Clube da Árvore, ONG Pequena Semente, ONG SOS Praia do Pecado , Rede Ambiental de

Informação e Ação (RAIA). Outras também são pertinentes a esse trabalho como: ONG Amigos do Lagomar e

Associação dos Moradores do Bairro Lagomar.

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Conservação, vinculadas principalmente, ao uso do solo e espaço, à especulação imobiliária

tanto para moradia quanto para instalação de outros empreendimentos no município.

Em relação à pesca e às atividades de exploração de petróleo e gás, os conflitos estão

relacionados à influência direta da exploração do petróleo e alteração no pescado, seja em

relação à área delimitada para a pesca junto às plataformas de petróleo, ou pelo risco de

acidentes e vazamentos. Além desses, uma diversidade de fatores como explosão

demográfica, conflitos de interesses na delimitação de unidades de conservação, na

exploração de recursos naturais podem ser percebidos em Macaé (ESTEVES et al, 2008).

Nesse contexto, o Loteamento Balneário Lagomar em Macaé, assume especial

interesse para essa pesquisa, já que foi escolhido pela professora como temática a ser

problematizada em sala de aula, em que a degradação socioambiental é evidente, assim como

as lutas por sua superação. Vale dizer que o motivo dessa escolha também se relaciona ao fato

de que é lá que vive a maioria dos alunos e alunas do segundo ano do ensino médio para quem

a professora leciona18

.

A descrição do conflito socioambiental do bairro Lagomar será aqui analisada a partir

dos estudos realizados por Filho e colaboradores (2010), além de Silveira (2013). É

importante dizer que estes autores, ambientalistas, estudiosos do conflito socioambiental do

bairro Lagomar, estiveram na escola (juntamente a um morador) em outubro de 2011,

convidados pela professora a proferir uma palestra à turma do segundo ano do ensino médio,

com a qual foi realizado o projeto Ensino de Ciências. Os discursos que sustentam coadunam-

se com um entendimento de ambiente a partir de conflitos socioambientais e de ideais de

justiça ambiental. Passo a seguir a enunciar tal perspectiva conflitiva.

A localidade conhecida como Lagomar surgiu como bairro de Macaé em 1970,

inicialmente como um loteamento para sítios de lazer, aprovado junto ao INCRA – Instituto

Nacional de Reforma Agrária. Seus moradores eram basicamente locais ou da região, com

perfil econômico de classe média, principalmente profissionais liberais, que se dirigiam para

seus “sítios” a beira mar, para passar o fim de semana, num local com bela vegetação e

ambiente tranquilo, daí surge, inclusive o nome do bairro de “Balneário”. O parcelamento de

área rural em sítios continuou autorizado, quando da criação do IBAMA, sob a condição de

18

Essa escolha admite relações intertextuais com a abordagem da “educação baseada no lugar” (“place-based

education”), ligada à corrente CTS de ecojustiça (PEDRETTI; NAZIR, 2011). Essa abordagem é baseada na

ideia que a aprendizagem é mais efetiva quando é derivada de contextos imediatos do aprendiz. Deste modo,

para essa abordagem, situações socioambientais locais, ao serem abordadas por professores (as) e

pesquisadores (as), tornam as fronteiras entre escolas e seus arredores mais permeáveis às experiências sociais

de estudantes e podem se constituir em significativas oportunidades pedagógicas.

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que o proprietário preservasse a vegetação original do local por ser toda a região uma área de

restinga (SILVEIRA, 2013).

Ocorre que, com o passar do tempo, mais precisamente a partir do final da década de

90, as glebas foram sendo subdivididas em lotes de terrenos menores com até 200m², sem

qualquer respeito às normas legais e sem qualquer tipo de autorização de órgãos competentes.

Assim, o Bairro Lagomar que, inicialmente se caracterizava por alocar residências

secundárias, ocupadas primordialmente por veranistas e instalações industriais; em função do

crescimento urbano, da valorização e especulação imobiliária e, tendo como pano de fundo a

quebra da exploração do petróleo19

, foi sendo ocupado de forma desordenada e irregular por

população de baixa renda, proveniente de vários estados brasileiros.

O parcelamento irregular do solo sem observância à legislação ambiental, com a

omissão do poder público municipal, passa a subsidiar as ações do mercado imobiliário na

cidade de Macaé. A partir do final dos anos 90, o perfil da população que passa a adquirir

lotes no bairro Lagomar se modifica, passando para famílias de baixa renda. Lagomar que, já

contava em 2012, com aproximadamente quarenta mil moradores, é um dos maiores bairros

da cidade de Macaé. E um dos mais pobres. É um bairro sem saneamento básico, nem

serviços urbanos, vizinho a gasoduto e dentro da área de amortecimento de um parque

ambiental nacional criado em 1998 com o propósito de preservar o ecossistema frágil de

restinga, essencial para a estabilização de dunas e manutenção da drenagem natural dos

manguezais.

Com a criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, em 1998, a área em que

se localiza o Bairro Lagomar passou a figurar como parte do entorno da Unidade de

Conservação, o que acarretou restrições ao uso do solo com vistas a assegurar a preservação

do território protegido. Em decorrência, acirrou-se o conflito entre distintos interesses e

formas de uso e ocupação. A disputa pelo acesso e uso do território assumiu configuração,

indo de encontro à preservação e conservação da restinga de Jurubatiba (FILHO et al, 2010).

A princípio todo o bairro Lagomar era considerado integrante da área de entorno do

Parque (Figura 1), o que impedia, inclusive, que ali fossem realizadas quaisquer obras de

infraestrutura até que fosse editado o plano de manejo. Após a entrega em 2008 do Plano de

Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, o principal objetivo era encontrar uma

solução para a população moradora de seu entorno, que cresceu muito entre o período da

19

A partir de 1995, aumentou a presença de várias empresas em Macaé, por conta da emenda constitucional nº

9/1995 (governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso), que passou a permitir a contratação de

empresas públicas ou privadas para a atividade petrolífera, sinalizando o processo do fim do monopólio estatal

para exploração e produção de petróleo no país (SILVEIRA, 2013).

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criação do parque e a efetivação do seu plano de manejo, de maneira irregular, e desprovida

de serviços públicos como água tratada e coleta de esgoto doméstico (FILHO et al, 2010). Por

meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Município de Macaé e

o Ministério Público Federal de Campos dos Goytacazes, em 2000, o Município de Macaé

reconheceu seu dever de fiscalização dos lotes e construções no Lagomar, e se comprometeu

oficialmente a impedir parcelamento, obra ou edificação no referido loteamento (FILHO et al,

2010; SILVEIRA, 2013).

Figura 1: Lagomar: visão geral.

Disponível em < www.maplandia.com.br/brazil/rio-de.../macaé/macae>

O Termo de Ajustamento de Conduta definiu como área a ser desapropriada apenas

aquela mais próxima, limítrofe do Parque, conhecida como W-30 (Figura 2), que corresponde

a uma zona de amortecimento mínima criada, onde não se permitiria qualquer tipo de

construção. O TAC determinou um prazo para que fosse concluída a desapropriação e

autorizou a Prefeitura de Macaé a promover obras de infraestrutura no bairro, firmando,

ainda, o compromisso de coibir e evitar invasões na área, tendo em vista, a intensa utilização

da Lagoa de Jurubatiba como área de lazer por essa população.

A delimitação da área de amortecimento mínima, ocorreu segundo Filho et al. (2010),

em razão do forte apelo popular dos moradores da localidade que sofriam com a falta de

infraestrutura mínima, como calçamento de ruas, iluminação pública, rede de água e esgoto e

transporte público. Em decorrência desse apelo popular, a prefeitura, em 2005, instituiu, por

meio de decreto, o bairro Lagomar como Área Especial de Interesse Social. Tal medida

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representou um esforço do Poder Público Municipal para regularizar a ocupação fundiária, ao

mesmo tempo em que atendia a demanda da população local por serviços públicos, e,

resguardava parte da zona de amortecimento de impacto do Parque Nacional de Jurubatiba.

Ocorre, porém, que atualmente, também esta área (Figura 2) já está ocupada. O

município estima que haja naquela área um total de 250 famílias (em torno de 1.000 pessoas),

e que o valor para indenização total de todos os proprietários da área, assim como dos

possuidores que fizeram obras (benfeitorias) no local, seria algo em torno de trinta e seis

milhões de reais (FILHO et al, 2010).

Figura 2: Lagomar: visão da área demarcada para desocupação.

Disponível em: www.maplandia.com.br/brazil/rio-de.../macaé/macae.

A Associação de Moradores do Balneário Lagomar, afirmou, em julho de 2001, que o

prazo de cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta haveria se esgotado, sem que

tivessem sido tomadas medidas pelo Poder Público Municipal para controlar as invasões, e a

consequente degradação do patrimônio natural da região. A ausência de medidas efetivas

visando o atendimento do Termo de Ajustamento de Conduta agravou ainda mais a situação

do conflito social no loteamento, em razão da falta de saneamento, do acúmulo de lixo e do

incremento dos índices de violência e acabou, segundo Filho et al (2010), por exigir a

interferência do Ministério Público Federal, como alternativa capaz de forçar a adoção de

ações concretas pelo município.

O Ministério Público Federal fez tramitar em 2002, perante a 1ª Vara Federal de

Campos dos Goytacazes, RJ, uma Ação Civil Pública em face do Município de Macaé, como

medida protetiva do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, solicitando, liminarmente,

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cessar a ocupação irregular do entorno do mencionado parque. Diante do alto valor

necessário para indenizar os proprietários da área, além da perspectiva de que a retirada da

população não seria suficiente para afastar o problema das invasões, em dezembro de 2010 a

prefeitura propôs um projeto alternativo ao Ministério Público Federal. A ideia central

consiste na formação de uma "força tarefa" para evitar novas invasões em áreas de proteção

ambiental do município.

A partir dessa postura, segundo Silveira (2013) passa a ficar claro o desinteresse do

município em efetuar a desocupação da área, sob o argumento da inviabilidade econômica

relativa às indenizações.

O pivô do conflito com a população do bairro Lagomar, o Parque Nacional da

Restinga de Jurubatiba, em suas diferentes gestões buscou soluções, em parceria com o

Município de Macaé, para a desapropriação das casas no bairro Lagomar na área de

amortecimento do Parque. A proteção radical dos limites do parque, bem como a defesa da

desapropriação dos moradores da área de entorno, indicam uma preocupação muito mais

voltada à conservação dos recursos naturais do que a justiça social e a ampla participação da

comunidade envolvida na questão. Nessa visão, que se vincula a pressupostos

conservacionistas por privilegiar a proteção integral, o cidadão não é considerado parte do

ambiente natural, mas apenas um potencial gerador de danos, “a ser controlado e

domesticado, a sofrer ajustamentos de conduta” (FILHO et al, 2010, p. 365).

No entanto, a postura atual dos gestores da unidade de conservação encampa a defesa

do projeto da prefeitura, passando de contrários à favoráveis a oficialização das famílias no

entorno imediato do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Segundo Filho e

colaboradores (2010), a solução proposta, em esforço tardio de gestão conjunta entre a

unidade de conservação federal e os órgãos ambientais municipais, acarretaria benefícios aos

moradores que vivem no entorno do Parque, como um melhor aporte de serviços ambientais e

estimulados a conservar os limites do Parque.

As unidades de conservação representam uma estratégia política diante de uma crise

no acesso e na manutenção dos recursos naturais. Tornaram-se uma alternativa importante

para conservar áreas naturais frente à degradação ecológica imposta pelos modelos

econômicos e neoliberais que têm orientado a globalização hegemônica. Mas, certamente,

“não podem servir de pretexto a atitudes arbitrárias, como àquela do Ministério Público

Federal que conduz a desocupação sem permitir ampla defesa de cada morador, posto que o

ambiente a todos pertence” (FILHO et al, 2010, p. 366). Para isso, “uma estrutura dialógica,

com ampla participação social na questão, pode ser um importante passo em um processo que

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objetive garantir a todos e a cada um o acesso aos bens ambientais e o resgate ecologicamente

equilibrado da qualidade de vida” (FILHO et al, 2010, p. 366)

Logicamente, não se pode negar a importância da conservação de áreas naturais,

principalmente quando se fala no processo de construção e sustentabilidade de uma cidade, já

que muitos dos problemas enfrentados em grandes cidades hoje em dia, derivam da falta de

observância a critérios de conservação ambiental. Todavia, também não se pode negar o

direito à moradia às parcelas mais pobres da população que, no caso de Macaé, restaram

excluídas “do grande sonho do petróleo”.

Está claro que, frente ao crescimento súbito movido pela presença (e estímulo) da

Petrobras na região, por bastante tempo, o Poder Público se omitiu de seu dever de preservar

uma área importante sob o ponto de vista ecológico. Do mesmo modo que não se empenhou

em criar igualdade na oferta de moradia e serviços ambientais para os mais despossuídos que

vinham de fora. O conflito em Lagomar converge para a fragilidade das políticas públicas de

garantia de direitos, tais como moradia, saúde, educação, saneamento, segurança pública,

trabalho e renda, afetando, sobretudo, as populações vulnerabilizadas pelas desigualdades

sociais. A distribuição desigual de tais direitos e serviços ambientais em Macaé se faz visível

pelo gradiente da exclusão social e, portanto pelo desnível de poder político - participativo e

de reconhecimento - entre as classes sociais.

Desse modo, tais desequilíbrios trazem uma desigual distribuição setorial e espacial

dos investimentos públicos na cidade. Diferentemente dos bairros mais abastados da região,

em que vivem os imigrantes estrangeiros, em Lagomar vive a maior parte da população pobre,

nordestina e negra de Macaé, convivendo com a vulnerabilidade socioambiental da falta de

saneamento e outros serviços, e com a violência e a criminalidade. Falar em justiça nesse

caso demanda um entendimento de injustas distribuições territoriais e da fragilidade ou

ausência de reconhecimento e de participação dessa população em “zona de sacrifício”. O

termo de Acselrald (2010) é aqui mobilizado para definir Lagomar enquanto espaço em que

os riscos do zoneamento excludente, da proteção desigual, que afeta os mais pobres, chegam

juntos à histórica omissão e relaxamento do poder público no cumprimento das

regulamentações ambientais e oferta de bens e serviços.

O conflito em Lagomar envolve sujeitos sociais diversos tais como Ministério Público

Federal, Prefeitura Municipal, gestores do Parque e movimentos sociais como a Associação

de Moradores do Bairro Lagomar e a ONG Amigos do Lagomar. Nesses espaços de

participação comunitária, diferentes entendimentos sobre ambiente, desenvolvimento e

qualidade de vida estão postos em disputa. Essas diferenças sustentam orientações político-

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ideológicas distintas nos movimentos sociais locais que têm os problemas ambientais e

principalmente, os conflitos ambientais permeando suas reflexões e ações. Estes espaços de

vivência são também espaços de interações discursivas, de discussão de problemas

sociais/ambientais. Desse modo, são espaços plurais de articulação e participação, nos quais

os conflitos se tornam visíveis e as diferenças se confrontam como base constitutiva da

legitimidade dos diversos interesses em jogo. Assim, a história destes moradores também

carrega outro componente: sua resistência e luta por um justo espaço do viver.

O conflito em Lagomar ainda hoje sustenta a luta das famílias ocupantes por

permanecerem (e serem regularizadas) neste espaço da área de amortecimento mínima. Sua

luta é também por serviços públicos adequados como saneamento básico, saúde, educação.

Essa luta tensiona interesses conservacionistas e de justiça ambiental, mas também por outro

lado, é atravessada por interesses desenvolvimentistas, já que os representantes dos coletivos

sociais acima mencionados não esconderam, na ocasião de entrevistas realizadas pela

professora e pela pesquisadora, seus interesses em que novos empreendimentos da Petrobras

cheguem ao bairro, que tragam avanços sociais e garantam empregos aos moradores.

Os sentimentos de pertencimento e inclusão de trabalhadores e trabalhadoras de

Lagomar adquirem sentido por sua inserção na cadeia petrolífera pela via do emprego. Deste

modo, a indústria é percebida por um viés salvacionista: embora cause impactações no meio

natural e social, estas não são mais significativas do que a possibilidade de sustento e a

garantia de sobrevivência. Deste modo, a responsabilização da empresa pela perda de

atividades produtivas tradicionais (como a pesca) e pela ocupação desigual do território surge

minimizada no discurso comunitário: a Petrobras é colocada como empresa que traz o

desenvolvimento, restando ao poder público equacionar os problemas advindos de sua

atividade. Banaliza-se a violação de direitos e de justiça como condição para o

desenvolvimento.

O não reconhecimento da responsabilidade da empresa na perda de atividades

produtivas tradicionais e na segmentação socioterritorial (com consequente favelização e

crescentes riscos ambientais), naturaliza também o sacrifício dessas populações e de seus

territórios. Após apenas um dia em Macaé, em suas ensolaradas, descobertas e precarizadas

paradas de ônibus, dificilmente não se percebe o quanto este município é uma zona de

sacrifício da cadeia do petróleo. A visão reducionista por parte dos movimentos sociais que

ainda resistem e lutam pela melhoria das condições de vida em Lagomar é, certamente, um

severo complicador de um contexto já desfavorável diante de novos empreendimentos da

empresa.

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Estas reflexões iniciais permitem estabelecer para o contexto de Macaé relações entre

discursos desenvolvimentistas oriundas da exploração da atividade petrolífera e discursos e

práticas alternativos construídos em torno das externalidades dessa atividade produtiva. Esses

últimos ousam questionar a problemática socioambiental local e o quadro de desigualdade

socioambiental sob as quais está grande parte daqueles menos favorecidos que hoje vivem em

Macaé. A história do Bairro Lagomar revela um fenômeno de uso e ocupação do espaço que

se inicia no “sonho do petróleo”. Seus moradores/ocupantes, de maioria nordestina e negra,

vieram de longe acreditando na sustentação operária desse sonho, trazendo consigo uma

história de migrações, expropriações e negações de um espaço digno do viver.

É a partir da compreensão dos conflitos socioambientais e da injustiça ambiental que

torna-se possível pensar em políticas públicas locais capazes de refletir o estágio atual das

lutas sociais e definir pautas de ação e intervenção que consideram as necessidades da

sociedade e como elas devem ser satisfeitas. Neste contexto, o conhecimento e as demandas

dos coletivos sociais existentes em Macaé, sejam eles compostos por pescadores artesanais,

sindicatos, organizações de direitos humanos e ambientalistas, pesquisadores, populações

urbanas, ou uma combinação destes, devem não só ser considerados, mas serem fundantes dos

processos decisórios em torno de políticas e projetos que a eles afetam direta ou indiretamente

(FAUSTINO; FURTADO, 2013).

Essa problematização leva assim a uma reflexão sobre o papel da educação formal

frente a intensas questões socioambientais e à relação escola-comunidade. Para ARROYO

(2010, 2011), a presença dos desiguais na escola desafia o currículo, a formação e as práticas

pedagógicas a impregnar-se de suas experiências de vida mais radicais, do mesmo modo em

que afirmam a necessidade de não ocultar suas ações e lutas por justiça, igualdade,

emancipação. Uma vez que a escola tem um papel significativo na formação dos indivíduos,

nas suas comunidades, nas suas culturas, nas suas relações sociais, deve assumir também, ao

lado de outros meios políticos, econômicos, e técnico-científicos, sua contribuição no

processo de diminuição das desigualdades.

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5 ANÁLISE DE ASPECTOS CONJUNTURAIS: OS DISCURSOS

SOCIOAMBIENTAIS E SUAS RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O

ENSINO DE CIÊNCIAS

Encaminho ao longo de todo esse capítulo, uma análise de conjuntura, necessária à

compreensão do problema social, dos fatores históricos, sociais, políticos que o constituem.

Diferentes e controversas representações político-ideológicas marcam sentidos nos quais

comumente a questão ambiental é representada (e confrontada) nas práticas sociais,

inclusive educativas e, por isso, ganham destaque nesse trabalho como parte da conjuntura a

partir da qual, e ainda que no diálogo entre estrutura e ação, o discurso pesquisado se

constitui. Tratarei de como relações entre discursos produzem tensões que atravessam o

campo ambiental e, mais especificamente, o diálogo entre educação em ciências e educação

ambiental na escola. Problematizar relações entre discursos socioambientais e educação

ambiental recomenda alguns desafios. Um deles está no reconhecimento de que, apesar de

haver um consenso sobre a emergência e a seriedade da crise ambiental contemporânea, há

diferentes representações ideológicas que constituem múltiplas formas através das quais

indivíduos e grupos sociais compreendem os problemas socioambientais e reagem a eles. É

nesse contexto de incertezas e acirramento de riscos da modernidade tardia que diferentes

discursos e práticas passam a informar o ambientalismo e também a educação ambiental,

mas não sem tensões.

Parto, assim, do reconhecimento de que a pluralidade discursiva no campo ambiental

que se faz visível quando analisamos respostas, posicionamentos ou possíveis explicações

de diferentes setores sociais às indagações sobre causas, consequências e alternativas à crise

socioambiental contemporânea. Essa pluralidade tensiona identidade e diferença, já que

estas se manifestam em situações em que existe uma sobreposição de reivindicações de

diversos segmentos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas. Para

Fairclough (2003), por se tratarem de construções simbólicas, identidades e diferenças são

instáveis, sujeitas a relações de poder e a lutas por sua (re) definição. Deste modo, o embate

discursivo ambiental é também um embate de identidades distintas, construídas na relação

constante entre estrutura e ação e marcadas por posições assimétricas de poder.

A criação ou proliferação de diferenças no campo ambiental também atravessa

concepções e práticas pedagógicas e assume caráter ideológico, na medida em que tende a

reforçar conhecimentos, crenças e valores que podem repensar ou contribuir para

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manutenção de esquemas de opressão social, perpetuadores de desigualdades

socioambientais.

Em Alier (2007), é possível visualizar a pluralidade do campo ambiental e sua

distinção interna a partir de três correntes: o culto ao silvestre, o evangelho da ecoeficiência e

o ecologismo dos pobres ou justiça ambiental. A primeira corrente tem seu discurso bastante

identificado com práticas conservacionistas, na defesa de uma natureza intocada, na

preservação da biodiversidade e demais recursos naturais. A biologia da conservação fornece

a base científica que respalda essa corrente que tem como atores muitos cientistas ligados às

áreas das Ciências Naturais e organizações não-governamentais de prestígio internacional.

Seu discurso está identificado com práticas conservacionistas, que marcam, por exemplo, as

grandes conferências internacionais ambientalistas (e os documentos gerados a partir delas),

inicialmente pensadas para favorecer a aquisição de informações e habilidades de forma a

responder positivamente à conservação dos recursos naturais.

A preocupação com a conservação dos recursos naturais representou a motivação de

muitas dessas conferências, ainda que muitos de seus produtos20

possam representar um

avanço, visto que contribuíram para aproximar a questão ambiental daquilo que já se falava

nos movimentos sociais, libertários, operários e estudantis das décadas de 60 e 70.

A década de 80 trouxe um aumento da preocupação mundial para com o ambiente e

alertou sobre os efeitos da atividade industrial na destruição da qualidade de vida. Nessa

época, o movimento ambientalista se fortalece ao denunciar grandes acidentes ambientais

como o de Bhopal, na Índia, e o da Usina Nuclear de Chernobyl, na ex-União Soviética, que

causaram a morte de milhares de pessoas por intoxicação e radioatividade, respectivamente.

No ano de 1987, foi publicado o documento “Nosso Futuro Comum” ou também chamado

Relatório Brundtland. Ele foi produzido em consequência da Conferência de Estocolmo em

1972, mas só veio a ser apresentado quinze anos depois, na Assembleia Geral da ONU. O

documento propõe, como um caminho para a resolução dos problemas ambientais: a

promoção do desenvolvimento sustentável, o qual foi definido, na ocasião, como o

desenvolvimento que tem como meta atender às necessidades do presente, sem comprometer

a possibilidade de gerações futuras atenderem às próprias necessidades.

Se no Relatório Brundtland, o conceito de desenvolvimento sustentável foi esboçado,

na II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a RIO-92,

20

Documentos históricos, tais como, os “Limites do Crescimento” (produzido pelo Clube de Roma em 1972), a

“Declaração sobre o Ambiente Humano” e o Relatório Brundtland (produzidos respectivamente em 1972 e

1987, ambos frutos da Primeira Conferência Mundial sobre Meio Ambiente Humano e Desenvolvimento,

realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972).

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esse conceito foi ampliado: a implantação do desenvolvimento sustentável (DS) em larga

escala tornou-se a linha ideológica norteadora das discussões ocorridas no evento. Desde

então, o termo foi apropriado por diferentes setores sociais, com diferentes intencionalidades.

Todavia, o discurso hegemônico do DS afirma, a partir desse momento histórico, a

possibilidade de conseguir um crescimento econômico sustentado através de mecanismos do

mercado. Dessa forma, esse discurso, conduz a objetivos de equilíbrio ambiental e justiça

social por uma via: o crescimento econômico orientado pelo livre mercado. Sendo assim, a

tecnologia se encarregaria de reverter os efeitos da degradação ambiental nos processos de

produção, distribuição e consumo de mercadorias.

Alier (2007) vai identificar esta maneira de conceber e praticar o desenvolvimento

sustentável no âmbito de uma segunda corrente do ambientalismo, denominado por ele de

evangelho da ecoeficiência. Para o autor, muito além da conservação da natureza, essa

corrente preocupa-se com os efeitos do crescimento econômico não só nas áreas naturais, mas

também na economia industrial, agrícola e urbana. Há aqui uma aposta no desenvolvimento

sustentável, na modernização ecológica, na utilização racional de recursos.

Via de regra, esse discurso ecoa bem no âmbito do setor empresarial que ganha

destaque no movimento ambientalista, defendendo o modelo de desenvolvimento sustentável

como já dito dentro da ótica do sistema de valores capitalistas vigente. Neste contexto, o

chamado “discurso empresarial verde” anuncia uma mudança no estilo de desenvolvimento

convencional, assumindo-o como extremamente poluidor, e aposta na incorporação de

princípios ecológicos agregados ao modo de produção industrial. Layrargues (2000) considera

que este é um exemplo do modo como na história da burguesia, os valores capitalistas

tradicionais foram permanentemente renovados e legitimados. Para o autor, isso exemplifica a

transição ideológica do discurso empresarial.

Segundo Harvey (2012), os interesses dominantes da classe capitalista e dos

desenvolvedores se atrelaram aos ambientais (pela ocupação e alteração da natureza e pela

oportunidade de negócios verdes) da mesma maneira como produzem todo o resto: como um

empreendimento especulativo, muitas vezes com a conivência e a cumplicidade do aparelho

do Estado.

O interesse pelo desenvolvimento da qualidade ambiental no setor empresarial não se

faz por nenhum projeto transformador no qual as relações sociais e econômicas estariam

embasadas em uma nova racionalidade ecológica. Ao contrário, o núcleo central dos valores

da sociedade capitalista tais como o individualismo, o mercado, a produtividade máxima e a

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competição, continua inalterado. A racionalidade por detrás do discurso empresarial continua

sendo a econômica de mãos dadas com o mercado verde (LAYRARGUES, 2000).

Nesse sentido, também para Bullard (2004) a proteção ambiental gerencial atua dentro

do paradigma capitalista dominante ao regular e distribuir desigualmente riscos, assim como

institucionaliza regulamentações iníquas, legitima a exposição humana a perigosos agentes

químicos e agrotóxicos, promove tecnologias de riscos, explora a vulnerabilidade das

comunidades fragilizadas econômica e politicamente e cria uma indústria em torno da

avaliação e do gerenciamento de riscos que posterga ações de descontaminação e falha em

desenvolver a prevenção da poluição. Layrargues e Lima (2011) identificam essa ideologia,

típica de alguns setores do movimento ambientalista, em discursos e práticas pedagógicas,

quando relações sociedade-natureza são enfatizadas sem, contudo, aprofundar as causas da

problemática ambiental e as relações com determinados modelos de desenvolvimento e de

interações entre ciência e tecnologia (C&T).

A expressão “desenvolvimento sustentável” abrange pelo menos dois significados

gerais que expressam visões de mundo diferenciadas: “um inclui sua dimensão política e

ética, e o outro diz respeito unicamente ao gerenciamento técnico sustentável dos recursos

naturais” (BRÜGGER, 1999, p. 65). Segundo esta autora, na ideologia que se encontra por

detrás dos conceitos imperativos de desenvolvimento sustentável, a dimensão técnica é

predominante. Muitas das críticas de autores contemporâneos ambientalistas (LEFF, 2001) a

esta concepção hegemônica do desenvolvimento sustentável, por outro lado, anunciam a

necessidade de construir uma nova racionalidade social e produtiva que, reconhecendo o

limite como condição de sustentabilidade, funde a produção nos potenciais da natureza e da

cultura. Propõe assim a revalorização da vida humana e não humana.

É por isso que para Sachs (2004), todo plano de desenvolvimento precisa levar em

conta, simultaneamente, cinco dimensões de sustentabilidade. A primeira delas seria a

sustentabilidade social que se define pela criação de um processo de desenvolvimento

sustentado por uma visão de equidade na distribuição de rendas e bens, de modo a reduzir a

diferença entre os padrões de vida dos ricos e dos pobres (desenvolvimento includente).

A segunda dimensão seria a da sustentabilidade econômica que se define pelo

gerenciamento mais eficiente dos recursos. Prevê a modificação dos serviços das dívidas para

com os países desenvolvidos. Considera necessária a revisão dos parâmetros das barreiras

protecionistas existentes no Norte e do acesso limitado à ciência e à tecnologia pelos países do

Sul. Já a terceira dimensão é a da sustentabilidade ecológica. Consiste na necessidade de

intensificar do uso de recursos, com um mínimo de danos aos sistemas de sustentação da vida,

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limitar o consumo de combustíveis fósseis e de outros recursos esgotáveis ou danosos ao

meio, substituindo-os por recursos renováveis/abundantes, reduzir o volume de resíduos e a

poluição, promover a limitação no consumo de materiais por parte de países ricos e dos

indivíduos de todo o mundo, intensificar a pesquisa para a obtenção de tecnologias de baixo

teor de resíduos para o desenvolvimento urbano, rural e industrial.

A quarta dimensão é a da sustentabilidade espacial que é dirigida a uma

configuração rural-urbana mais equilibrada e a uma melhor distribuição dos assentamentos

humanos. Já a quinta dimensão consiste na ideia da sustentabilidade cultural que inclui o

respeito às culturas nativas e o planejamento de estratégias locais de sustentabilidade. Sachs

(2004) afirma que a transição para um mundo sustentável exige um progresso simultâneo em

todas essas dimensões. Considera que os ideais de equidade, igualdade e solidariedade devem

estar embutidos no conceito de desenvolvimento sustentável.

A afirmação da identidade e da diferença no discurso ambiental traduz conflitos de

poder entre grupos assimetricamente situados. Assim, para Loureiro et al. (2009), as

significações hegemônicas ao adotarem uma perspectiva puramente ecológica da crise e dos

problemas ambientais, são legitimadas por uma ideologia neoliberal dominante na qual os

efeitos socioambientais das atividades produtivas são externalizados. Entendo que esta

ideologia pode ser tomada no sentido atribuído por Fairclough uma vez que funciona ou

segundo a lógica do mercado ou sem questioná-la, e sem qualquer compromisso com práticas

transformadoras da ordem econômica vigente.

Por outro lado, tais significações hegemônicas vêm sendo mais recentemente

desafiadas, segundo Alier (2007), por uma terceira chamada ecologismo dos pobres ou

movimento por justiça ambiental que reconhece que impactos derivados do crescimento

econômico não são solucionados somente por políticas econômicas ou por inovações

tecnológicas e atingem desproporcionalmente alguns grupos sociais que protestam e resistem.

O eixo discursivo principal dessa corrente não é uma reverência sagrada à natureza, mas

antes, uma representação de ambiente a partir de conflitos ecológicos. Sua ética nasce de

demanda contemporânea por justiça social entre humanos.

A corrente do ecologismo dos pobres ou justiça ambiental opera no sentido contra-

hegemônico ao expor as assimetrias e desigualdades socioambientais e, por meio disso, atuar

em um processo consciente e dialógico de transformação e emancipação. A centralidade que

os ideais dessa corrente assumem nesse trabalho recomenda a seguir o delineamento teórico

de sua história, de seus princípios e de suas implicações à educação ambiental e à educação

em ciências.

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5.1 OS SENTIDOS DE JUSTIÇA AMBIENTAL E DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

NO MOVIMENTO AMBIENTALISTA

O movimento de Justiça Ambiental nasce nos EUA nos anos 1980, a partir de uma

articulação entre movimentos de caráter social, territorial, ambiental e de direitos civis.

Reafirma-se no âmbito de lutas que procuraram expor que áreas de maior privação

socioeconômica e/ou habitadas por grupos sociais e étnicos sem acesso às esferas decisórias

do estado e do mercado concentram a falta de investimento em infra-estrutura de saneamento,

a ausência de políticas de controle dos depósitos de lixo tóxico, a moradia de risco, entre

outros fatores que forjam más condições ambientais de vida e de trabalho (ACSELRAD et al,

2009).

Para designar esse fenômeno de imposição desproporcional de riscos socioambientais

às populações menos dotadas de recursos financeiros e políticos, o movimento consagrou o

termo injustiça ambiental. Como contraponto, está a reivindicação por justiça ambiental,

compreendida como o tratamento justo e o envolvimento pleno dos grupos sociais, nas

decisões sobre o acesso, a ocupação e o uso dos recursos ambientais em seus territórios. No

âmbito do movimento ambientalista, essa noção tem sustentado discursos que se desdobram

em reflexões e ações por integrar as lutas ambientais às sociais (SCHLOSBERG, 2007;

BULLARD, 2004).

Uma premissa fundamental dessa corrente é a de que o processo de acumulação

capitalista priva certos grupos sociais do acesso aos recursos naturais e aos serviços

ambientais e de qualidade de vida. Nesse processo, as mudanças nos modelos de

desenvolvimento de determinadas localidades assumem maior impacto em grupos sociais

mais expostos aos riscos, afetando a sua sobrevivência. Isso cria e reforça uma situação de

expropriação e subordinação desses grupos submetidos à ótica do capital, sustentada por

relações de poder assimétricas entre aqueles que detêm os meios de produção e outros a quem

só restam os riscos (LOUREIRO et al, 2009).

Deste modo, o movimento por justiça ambiental deriva do ativismo ambiental afro-

americano que emergiu do sudeste dos Estados Unidos, mesma região que deu origem ao

movimento pelos direitos civis. Schlosberg (2007) identifica na origem de tal movimento

duas correntes: o movimento contra a contaminação tóxica e o movimento contra o racismo

ambiental.

Se o movimento contra a contaminação tóxica ganhou notoriedade a partir do

emblemático caso Love Canal que se notabilizou nas décadas de 70 e 80 pelo alto grau de

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mobilização social de uma comunidade frente à poluição por dejetos químicos21

, por sua vez,

o movimento contra o racismo ambiental insinua vínculos com o movimento por direitos

humanos. O movimento passou a denunciar o que denominou de “racismo ambiental” desde

1982, em Warren County, Carolina do Norte, onde um aterro, contendo bifenil policlorado

(PCB), instalado em uma comunidade negra gerou protestos e mais de 500 prisões. Tais

protestos estimularam estudos que revelaram que 75% das imediações dos aterros comerciais

de resíduos perigosos situados na região sudeste dos Estados Unidos se encontravam

predominantemente localizados em comunidades afro-americanas, embora estas

representassem apenas 20% da população da região.

Posteriormente, o primeiro estudo nacional norteamericano (denominado Toxic Waste

and Race da Comissão para Justiça Racial dos Estados Unidos) a correlacionar instalações

industriais às características demográficas, apontou que a raça era a variável mais potente na

escolha de onde tais instalações estariam localizadas (BULLARD, 2004).

O que foi iniciado como uma luta baseada em comunidades locais afro-americanas,

frequentemente expostas a agentes tóxicos e assentamentos de instalações perigosas,

expandiu-se em direção a um movimento, segundo Bullard, multitemático, multiétnico e

multirregional. Na I Conferência Nacional de Lideranças Ambientais de Pessoas de Cor, em

1991, primeiro evento singular do movimento, este passa a incluir em seus “17 princípios da

justiça ambiental” para além de antiprodutos tóxicos, lutas por saúde pública, segurança do

trabalho, uso do solo, transporte, moradia, alocação de recursos e empoderamento de

comunidades (BULLARD, 2004). Mais do que uma expressão do campo do direito, justiça

ambiental é assumida como campo de reflexão, mobilização e bandeira de luta de diversos

sujeitos e entidades22

.

A exemplo do sudeste e do sul dos Estados Unidos, o movimento por justiça ambiental

no Brasil também vem denunciando o modelo de “zonas de sacrifícios”, territórios

caracterizados pelo duplo risco do predomínio do zoneamento excludente, da proteção

desigual que afeta pobres e pessoas de cor, junto à conivência do Estado por meio de políticas

21

O caso Love Canal, ocorreu na cidade de Niagara Falls, New York, Estados Unidos. No final da década de 70,

a comunidade local, após descobrir que suas casas foram erguidas sobre um grande aterro de um canal com

dejetos químicos industriais e bélicos, passou a identificar entre as crianças, a ocorrência de diversas doenças e

defeitos genéticos, além de abortos espontâneos. Em 1978, os moradores da região afetada decidiram fundar

uma associação com o objetivo de pressionar as autoridades políticas e juntar fundos para evacuação dos

moradores locais. A mobilização da comunidade afetada surtiu resultado quando em 1980 o então presidente

dos EUA, Jimmy Carter, assinou uma lei sobre a evacuação permanente de todas as famílias lá residentes

reconhecendo os riscos a que estavam sujeitos (RAMMÊ, 2012). 22

Manifesto de Lançamento da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, criada em 2001, com o objetivo de

combater as injustiças ambientais.

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de diminuição de impostos e relaxamento no cumprimento das regulamentações ambientais.

Nestes termos, o movimento tem alertado que ao ceder à “chantagem locacional” dos capitais

– ou seja, à pressão exercida pelas grandes corporações sobre governos e comunidades sob a

ameaça que fazem de retirar destes os seus investimentos e os seus empregos, acabam por

reforçar um quadro de segmentação socioterritorial. Nas palavras de Acselrad (2010, p. 110):

Tal segmentação socioterritorial tem se aprofundado com a globalização dos

mercados e a abertura comercial – a saber, com a maior liberdade de movimento e

deslocalização dos capitais, queda do custo de relocalização e incremento do poder

de exercício da chantagem locacional pelos capitais, que podem usar a carência de

empregos e de receitas públicas como condição de força para impor práticas

poluentes e regressão dos direitos sociais. A denúncia da operação desses

mecanismos e a construção de capacidade organizativa e de resistência à chantagem

de localização serão, consequentemente, instrumentos de pressão pela redefinição

das práticas sociais e técnicas correntes de apropriação do meio, de localização

espacial das atividades e de distribuição do poder sobre os recursos ambientais.

Desde seu surgimento, o enfoque majoritário da justiça ambiental assenta-se sobre a

dimensão distributiva em sua crítica à partilha injusta de riscos e males ambientais vividos por

comunidades pobres e de cor. Tal foco é sobre como a distribuição de riscos ambientas, tais

como aqueles ligados a depósitos de resíduos, incineradores, aterros, poluição industrial,

instalações nucleares, espelha a iniquidade em termos culturais e socioeconômicos. Muitos

autores discutem também as iniquidades em termos de bens ambientais, a exemplo de

parques, jardins, áreas verdes, água e ar limpos, comida saudável. O pano de fundo da questão

é que a justiça ambiental reconhece que nem os custos da poluição, nem sequer os benefícios

da proteção ambiental têm sido uniformemente distribuídos por toda a sociedade

(AGYEMAN et al, 2003).

Tal enfoque, segundo Schlosberg (2007), surge na confluência das teorias tradicionais

de justiça social que, ancoradas no pensamento liberal, argumentam que a distribuição justa

de bens materiais para os indivíduos é a via principal para atingir a justiça social. Essas teorias

defendem então, a noção de justiça social como a divisão equitativa de bens e recursos para o

indivíduo. Young (1990) criticou esse enfoque unicamente distributivo, alertando que onde as

diferenças dos grupos sociais existem e onde alguns grupos são privilegiados, enquanto outros

são oprimidos, a justiça social requer, explicitamente, reconhecer e atender às diferenças

desses grupos a fim de minar a opressão.

Para Young, bens e serviços não podem vistos como estáticos e independentes do

contexto institucional e das estruturas sociais. Além disso, a justiça envolve, mas não está

exclusivamente relacionada à distribuição de bens e benefícios entre os indivíduos. Em sua

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visão, para entender e remediar injustiças é necessário examinar o porquê das iniquidades e

como o contexto social exerce influencia sobre injustas distribuições. Desse modo, se e como

indivíduos e comunidades são reconhecidos é crucial, pois pouco ou mau reconhecimento são

formas institucionais e culturais de injustiça. Esse pensamento agrega uma nova dimensão à

justiça social: a do reconhecimento.

Enquanto a equidade distribucional é a primeira e central definição de justiça

defendida por ativistas e grupos no interior do movimento de justiça ambiental, esta não se faz

sem a consideração de que lutas por justiça ambiental são motivadas por iniquidades, mas

também por várias outras formas de opressão dentro de uma comunidade. Como dito, tal

movimento vem apontando a ausência de reconhecimento e validação da identidade como

fator central na distribuição de riscos ambientais, quando denuncia, por exemplo, que decisões

sobre uso do solo refletem o viés da classe e da cor. A prática de pouco reconhecimento ou

desrespeito em nível individual e, principalmente, coletivo forja ativismos em defesa de

comunidades e demandas por respeito. No Brasil, por exemplo, a luta de muitas comunidades

indígenas pela garantia, demarcação e ocupação de terras envolve uma questão de

sobrevivência cultural.

Em Schlosberg (2007) é possível compreender outras dimensões da justiça ambiental,

construídas a partir de diferentes lutas e abordagens unificadas em torno da necessidade de

expandir a clássica noção de justiça distributiva. O autor discute que a demanda pelo

empoderamento e por vozes comunitárias e individuais tem tomado parte do movimento por

justiça ambiental e problematizado a ligação entre a ausência de reconhecimento e a ausência

de participação em processos políticos. O argumento é o de que pouco reconhecimento devido

à classe ou raça cria obstáculos à participação política.

Para Agyeman et al. (2009) aqueles com limitado acesso a informação, oportunidades

de participação, e/ou poder para criar discursos ou decisões são menos hábeis para defender a

si próprios e a suas comunidades de efeitos ambientais negativos e também menos preparados

para lutar por melhores condições ambientais. Deste modo, a razão para a defesa da

participação em processos de tomada de decisão socioambientais, expressa no slogan

“speaking for ourselves” ou “falando por nós mesmos”, está no empoderamento de pessoas

marginalizadas e na inclusão em processos mais plenamente democráticos. A participação

cidadã aqui é tomada, para além da clássica noção de garantia de direitos, de cooperação e de

bom convívio social, a partir de um entendimento de seres humanos como agentes, não

simplesmente recipientes de bens.

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Falar em justiça, então, requer um entendimento de injustas distribuições e da ausência

de reconhecimento e de participação, mas também a compressão das maneiras pelas quais tais

dimensões estão ligadas em processos políticos e sociais. Esse entendimento ampliado na

conceitualização de justiça e na superação de uma visão liberal aponta também para a

valorização do papel dos grupos e comunidades – grupos e comunidades demandam justiça

ambiental para grupos e comunidades, não somente para indivíduos. Para Schlosberg (2007)

na literatura sobre justiça social há pouca discussão sobre injustiça baseada em comunidades.

Segundo ele, os grupos podem ser vistos tanto como o ambiente dentro do qual a justiça

individual é exercida, tanto quanto uma esfera própria da justiça. Nesse ponto, o autor chama

atenção novamente para o limite das teorias tradicionais de justiça social distributiva que se

concentram prioritariamente em termos de garantia de direitos individuais. Em sua visão, o

movimento por justiça ambiental amplia referências ao problematizar injustiças tomando por

base a degradação socioambiental de comunidades, a falta de reconhecimento da identidade e

diferença, a exclusão da participação política e a dizimação das capacidades individuais e

comunitárias.

Pelo exposto, podemos afirmar que há uma nítida relação entre equilíbrio ecológico,

direitos humanos e (in)justiça ambiental. Para Rammê (2012) muitas das injustiças ambientais

contemporâneas decorrem de grandes violações a direitos humanos à vida, à saúde e ao bem-

estar físico em casos de poluição, contaminação tóxica ou fenômenos climáticos decorrentes

do aquecimento global. Para esse autor que vê no meio ambiente sadio uma pré-condição para

o gozo de direitos humanos:

Inúmeros processos de degradação ambiental atingem a dignidade humana de

indivíduos e de comunidades humanas inteiras, na exata proporção da desigualdade

social existente. A degradação do ambiente, nesse aspecto, é, efetivamente, uma

ameaça aos Direitos Humanos, já que muitas vezes atingem a vida, a saúde e a

cultura de indivíduos e comunidades humanas em estado de maior vulnerabilidade

social, de modo mais intenso e desproporcional em comparação com o restante da

população, em verdadeiros processos de recusa à dignidade humana dos atingidos.

(RAMMÊ, 2012, p. 140)

Muitos processos de injustiça ambientais, quando materializados em lutas

comunitárias e populares por distribuição, reconhecimento e/ou participação, podem encontrar

nos conflitos socioambientais sua expressão mais nítida. Conflitos ambientais,

socioambientais23

, induzidos pelo ambiente, de conteúdo ambiental, ecológico-distributivos,

23

O termo conflito ambiental vem sendo usado para designar conflitos relacionados com danos aos recursos

naturais, em que o protagonismo provém principalmente de atores exógenos às comunidades, comumente

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espaciais, territoriais, são algumas nomenclaturas que identificam enfoques e pontos de vista

distintos (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010; WALTER, 2009). Por trás delas, diferenças

ideológicas fundamentam discursos que podem, por exemplo, pautar-se na ideia de que o

crescimento da economia resulta em uma melhoria das condições socioambientais, em

contraste com outros que atribuem a esse crescimento a origem dos processos conflitivos.

Enquanto na primeira perspectiva, os conflitos existem e devem ser resolvidos, a partir do

estabelecimento de consensos, em favor da manutenção do status quo, por outro lado, na

segunda, os conflitos devem ser exacerbados para o enfrentamento daquilo que justifica sua

existência, quais sejam, os esquemas de opressão e dominação que geram injustiças

ambientais.

Os conflitos, para além dos problemas ambientais, envolvem, via de regra, posições

antagônicas de diferentes atores representadas em torno da utilização e/ou gestão do ambiente.

Zhouri e Laschefski (2010) consideram haver três tipos de conflitos socioambientais que

podem ocorrer isoladamente ou coexistir: distributivos, espaciais e territoriais.

Os conflitos distributivos são aqueles que, manifestadamente, indicam graves

desigualdades sociais em torno do acesso e da utilização dos recursos naturais, tais como

petróleo, água, florestas, pré-sal etc. Os conflitos espaciais abrangem aqueles causados por

efeitos ou impactos que ultrapassam os limites entre os territórios de diversos agentes ou

grupos sociais, tais como emissões gasosas, poluição da água, etc. Já os territoriais marcam

situações em que existe sobreposição de reivindicações de diversos segmentos sociais,

portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial,

como por exemplo, área de implementação de uma hidrelétrica versus territorialidade da

população afetada.

De todo modo, os conflitos socioambientais polarizam sujeitos sociais em condições

assimétricas no uso simbólico/material de acesso ao poder. Nesta perspectiva tais conflitos

são

aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferentes de apropriação, uso e

significado do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a

continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada

ativistas de organizações ambientalistas motivados por um viés conservacionista. Conflito socioambiental,

por sua vez, é um termo que reforça o ideário de que a questão ambiental se articula à social e envolve lutas de

indivíduos e comunidades diretamente afetados por problemas e injustiças ambientais (WALTER, 2009).

Ainda que seja difícil pensar em um “conflito ambiental” isento de dimensão social, mas considerando a

necessidade de romper com a soberania de correntes conservacionistas no campo ambiental, nesse trabalho

estabeleço uma opção pelo adjetivo “socioambiental”.

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por impactos indesejáveis - transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos -

decorrentes do exercício de práticas de grupos. (ACSELRAD, 2004, p. 26)

A falta de políticas adequadas aos povos indígenas, a alteração do regime tradicional

de uso e ocupação de terras por caiçaras, ribeirinhos, índios, pescadores artesanais e

agricultores familiares, a construção de barragens, as indenizações irrisórias, a biodiversidade

perdida, as comunidades afetadas, os direitos humanos violados, os deslizamentos de

encostas, enfim, são temáticas que representam barbáries e que se desdobram em alguns dos

conflitos ambientais no Brasil (FIOCRUZ; FASE, 2010).

Neste contexto, a reivindicação por justiça ambiental, no âmbito dos conflitos

socioambientais, compreendida como o tratamento justo e o envolvimento pleno dos grupos

sociais nas decisões sobre o acesso, a ocupação e o uso dos recursos ambientais em seus

territórios (ACSELRAD et al, 2009), vem sendo assim constituída por 1) discursos que

representam a pauta das lutas ambientais junto às sociais e 2) discursos que insinuam a

expansão da noção de justiça para além do território mais tradicional de sua dimensão

distributiva.

A perspectiva conflitiva dos problemas ambientais também subsidia as preocupações

da ecologia política, campo que foi tomando corpo, sobretudo a partir da década de 80, a

partir de um maior aporte teórico proveniente de distintas disciplinas em torno do estudo dos

conflitos por acesso, desapropriação, uso e usufruto dos territórios e recursos aí incluídos (o

que inclui reconhecer e verificar as contraforças existentes e suas propostas alternativas).

Grande referência desse campo, Alimonda busca a construção de uma ecologia política latino-

americana, junto aos movimentos sociais, aportando obras clássicas a partir do Conselho

Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) (ALIMONDA, 2011).

Nessa perspectiva, ainda que sob referenciais teóricos-epistemológicos distintos da

corrente da justiça ambiental, também para os estudiosos da ecologia política a crescente

acumulação de capital tem demandado cada vez mais uma exploração do entorno natural e

social com implicações socioambientalmente desiguais. Nessa direção, a fase atual de

acumulação capitalista estaria significando uma agudização das pressões sobre os recursos

naturais, provocando degradação, escassez, e privações sociais, fatores propícios ao

desenvolvimento de conflitos. Todavia, na perspectiva da ecologia política, os conflitos

socioambientais atuais são considerados muito mais do que disputas pela propriedade de um

recurso. Neles se encontram enfrentadas cosmovisões ambientais e de vida (entendidas como

manifestações de conflitos sociais entre interesses privados e públicos): por um lado o meio

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ambiente é visto como espaço econômico, por outro como o espaço vital, onde se constitui a

vida (ALIMONDA, 2011; ALIER, 2007; ESCOBAR, 2005; LEFF, 2006).

Para Escobar (2005), a tarefa da ecologia política é delimitar e caracterizar diversos

componentes e suas articulações, desde relações sociais, políticas, econômicas e de

conhecimento, até modos de uso do espaço, das condições biofísicas existentes e as variantes

nas percepções e experiências no tecido social.

Assim, para esse autor, a ecologia política tem como campo de estudo as múltiplas

formas e práticas em que o biofísico e o histórico vêm se forjando mutuamente implicados.

Esse autor propõe uma visão de ecologia política em que a dimensão cultural se faz presente

ao lado de outras na constituição de conflitos ecológicos distributivos. Com esta definição,

Escobar estende a noção de distribuição ao campo cultural, estabelecendo a reivindicação de

saberes plurais e a necessidade de fortalecimento de racionalidades alternativas, pontos- chave

também na teoria do mexicano Enrique Leff (2006) para quem a ecologia política se ocupa de

estudar as relações de poder que atravessam o conhecimento, o saber, o ser e o fazer e a

necessidade de construir novas racionalidades.

Seja no âmbito da corrente da justiça ambiental ou na ecologia política, a perspectiva

de internalizar os conflitos socioambientais se faz presente na construção de conhecimentos,

no estabelecimento de diálogos interdisciplinares e negociações, tanto do ponto de vista

acadêmico quanto em relação aos atores dos conflitos. Essa perspectiva implica, em práticas

sociais de empoderamento e tomada de decisões, de que a educação é um exemplo, considerar

contextos socioeconômicos, políticos e culturais em suas especificidades, reconhecer o

protagonismo de atores sociais individuais e comunitários em situação de risco e ativismo,

compreender e desvelar assimetrias de poder e complexos esquemas (distributivos,

participativos e/ou de reconhecimento) de opressão social que perpetuam desigualdades

socioambientais.

A necessidade de afirmar a educação ambiental surge neste contexto, como uma forma

de contribuir no processo de construção de sociedades socioambientalmente justas. No

entanto, a educação ambiental pode existir atravessada por um sistema centralizado de poder,

que usa o saber ambiental e o controle sobre o saber ambiental como armas que reforçam as

desigualdades e perpetuam o dualismo nas relações entre sociedade e natureza. E aí reside a

sua fraqueza. Mas a educação ambiental também pode existir sustentada por ideais

emancipatórios que ajudam a pensar a igualdade e o respeito entre humanos. Busca, assim,

uma relação entre a sociedade e a natureza, no sentido de promover não só mudanças

comportamentais, mas, sobretudo, políticas. Visa à formação de sujeitos críticos,

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participativos e comprometidos com uma sustentabilidade socioambiental plural, enquanto

opção ético-política. E essa é sua força.

5.2 OS SENTIDOS DE JUSTIÇA AMBIENTAL E DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

As reflexões a respeito das correntes ambientalistas contemporâneas, discutidas na

anteriormente, trazem indagações sobre suas relações com a educação ambiental. Parto

brevemente da história da educação ambiental no Brasil, para a tentativa de trazê-las à tona.

Como discutido acima, o objetivo das primeiras conferências e primeiros documentos

produzidos sobre a problemática ambiental era refletir sobre a degradação ambiental, de uma

forma um tanto quanto técnica, em que raramente se buscou questionar as causas dos

desequilíbrios ambientais. A concepção de EA, que se fez refletir nesses documentos, foi

influenciada pelo caráter conservacionista.

Assim, em grande parte da história da EA, principalmente no Brasil, essa concepção

marcou tanto orientações político-ideológicas, quanto metodológicas. Ainda hoje, ela se faz

presente nas práticas em espaços formais e não-formais em que a educação ambiental

acontece. Exemplos disso são as campanhas do tipo: “Plante uma Árvore”; “Salve o Mico-

Leão-Dourado”, além de campanhas visando à coleta seletiva de lixo ou ainda, a limitação da

EA a datas comemorativas, tais como “O Dia da Árvore”; “A Semana do Meio Ambiente”

etc. Nessas condições, o que deveria ser um fio condutor, torna-se uma atividade-fim e,

frequentemente, como nos alerta Brügger (1999), um tipo de instrução que mais se assemelha

a um “Adestramento Ambiental”.

No Brasil, a discussão sobre a questão ambiental chegou ao final da década de 60 e no

início da década de 70. Seu contexto é o do regime militar, da censura, das greves, da

militância política e estudantil e de toda a efervescência cultural consistente com um

movimento mundial de enfrentamento das condições de opressão e injustiça. Movido pelo

crescimento econômico a qualquer custo, o Brasil, naquela época, abria suas portas ao capital

estrangeiro. Indústrias estrangeiras se implantavam no país sem que o governo brasileiro

fizesse qualquer restrição quanto à sua falta de planejamento ambiental e social. Era então, o

início do movimento econômico denominado “milagre brasileiro” (DIAS, 1991).

Nessa época, o governo brasileiro criou o primeiro órgão oficial para tratar da questão

ambiental: a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), elaborando normas e padrões de

preservação do meio ambiente. Um dos artigos do decreto que cria a Secretaria ressalta a

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importância da educação para promover o uso adequado dos recursos naturais. Pela primeira

vez no país, a educação era reconhecida legalmente como uma ferramenta para a conservação

ambiental (DIAS, 1991).

A década de 80 traz mudanças no cenário sociopolítico do país com o início do

processo de redemocratização. Esse processo teve seu grande momento com a promulgação

da Constituição Federal, em 1988. Um passo importante para a implementação da Educação

Ambiental no Brasil foi a inserção, na Constituição, de um capítulo inteiramente dedicado ao

meio ambiente. Nele, a Constituição incumbe o poder público de promover a Educação

Ambiental em todos os níveis de ensino (DIAS, 1991).

Alguns autores, como Zacarias (2002) e Dias (1991), são unânimes em afirmar que

proliferava no Brasil certo hibridismo entre EA e Ecologia, entre identificar, analisar e buscar

soluções para os problemas socioambientais e priorizar a abordagem naturalista de problemas

tais como, extinção de espécies degradação de florestas, mares. Assim a EA só se desenvolvia

sob o marco do conservacionismo, desprovida do debate político que rearticula questões

ambientais com socioeconômicas.

O fato de a educação ambiental ter sido gestada no Brasil para responder à

conservação dos recursos naturais, sustenta uma proposta reducionista da EA, por centrar-se

numa ideologia essencialmente conservacionista. Esta abordagem reducionista favorece um

enfoque da questão ambiental, que, muitas vezes, se restringe à conservação ou preservação

dos recursos naturais. Uma ética conservacionista ou preservacionista que muito contribuiu

para o desenvolvimento do movimento ambientalista, e que tem grande mérito principalmente

pela perda veloz da biodiversidade e dos recursos naturais, a partir da segunda metade do

século XX. Porém, quando se toma o ambiente somente pelos seus aspectos naturais, perde-se

a capacidade reflexiva sobre sua crise. O que está em discussão é a forma pela qual a questão

ambiental é comumente confundida com a ecologia e muitas vezes, monopolizada pelas

ciências naturais.

Para Loureiro (2006), um dos principais problemas ocorridos nas décadas de 1970 e

1980 foi a EA não ter sido abordada na legislação como parte da área de Educação, mas vista

como uma prática vinculada diretamente com o campo ambiental.

Porém, a partir da década de 90, em nível nacional, a EA atinge maior reconhecimento

e institucionalização. Um primeiro marco importante desta década para a EA foi a II

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a RIO-92.

Paralelamente às reuniões oficiais da conferência, ocorria o Fórum Internacional de ONGs,

realizado pela sociedade civil, com cerca de 10 mil representantes de ONGs de vários

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continentes. Foi nesse fórum que a EA ganhou maior destaque, inclusive, num dos

documentos resultantes das discussões que aí se realizaram: o “Tratado de Educação

Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global”, o qual foi elaborado a

partir de múltiplas vozes que nesse fórum se fizeram presentes. Em sua elaboração,

participaram associações e grupos comunitários ambientalistas, sindicatos e movimentos

sociais, representantes de várias religiões, educadores, jornalistas, artistas. O tratado

representou um avanço para a EA na medida em que vinculou a educação à busca de uma

sustentabilidade global equitativa.

Apesar de não mencionar diretamente a justiça ambiental ou os conflitos

socioambientais, o documento assume tais premissas na medida em que sinaliza que as causas

primárias de problemas como o aumento da pobreza, da degradação humana e ambiental e da

violência podem ser identificadas no modelo de civilização dominante, que se baseia em

superprodução e superprodução e superconsumo para uns e em subconsumo e falta de

condições para produzir por parte da grande maioria. Deste modo, aponta para a necessidade

de uma EA permanente e crítica, comprometida com a democracia e contrária a toda forma de

desenvolvimento excludente e injustiça social. Cito, abaixo, alguns “Princípios da Educação

para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global”, contidos no tratado. Estes

princípios representam bem a responsabilidade do encaminhamento mencionado

anteriormente:

A educação ambiental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em

qualquer tempo ou lugar, em seus modos: formal, não formal e informal,

promovendo a transformação e a construção da sociedade.

A educação ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato político, baseado em

valores para a transformação social.

A educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e equitativa nos processos

de decisão, em todos os níveis e etapas.

A educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos

direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e da interação entre as

culturas.

A educação ambiental deve estimular e potencializar o poder das diversas

populações, promovendo oportunidades para as mudanças democráticas de base

que estimulem os setores populares da sociedade. Isto implica que as comunidades

devem retomar a condução de seus próprios destinos. (FÓRUM BRASILEIRO DE

ONGS E MOVIMENTOS SOCIAIS PARA O MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO, 1992, s/p).

Também na década de 90, a iniciativa do MEC em 1996, por meio do lançamento dos

“Parâmetros Curriculares Nacionais” (PCN), consolida a posição do Conselho Federal de

Educação de não constituir a EA como disciplina específica do currículo. Os “Parâmetros

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Curriculares Nacionais” instituem a EA como tema transversal a ser trabalhado por todas as

áreas do currículo, de forma contínua e integrada. Essa orientação é, sem dúvida, um avanço

para o desenvolvimento da EA no Brasil. Todavia, o debate não se esgota aí, não é possível

dizer que os PCN colocaram um fim na maneira reducionista de tratar a EA no Brasil. O fato

da EA não se constituir no currículo como uma disciplina não garante que ela esteja sendo

vivenciada de forma verdadeiramente interdisciplinar. Não garante que ela esteja sendo

compreendida no diálogo construído entre diversos campos do saber.

O documento orienta que os professores de diferentes áreas não devem parar sua

programação para trabalhar os temas, e ainda, que os mesmos não devem ser trabalhados

paralelamente aos conteúdos formais. É proposta dos PCN que os professores devam trazer

para os seus conteúdos e para a metodologia de sua área, a perspectiva dos temas. Além disso,

é preciso que “haja momentos em que as questões relativas aos temas sejam explicitamente

trabalhadas e conteúdos de campos e origens diferentes sejam colocados na perspectiva de

respondê-las” (BRASIL, 1998, p. 28). Sob tal prisma, cabe ao professor explicitar relações

entre os conteúdos das matérias escolares com aqueles relativos aos temas transversais,

durante as aulas formais e durante momentos específicos em que os temas estarão sendo

trabalhados na versão de “projetos”. É preciso apontar que a ênfase de tal proposta curricular

está centrada no currículo por disciplinas, daí ficar visível o sentido de adição conferido aos

temas transversais na proposta dos PCN (COSENZA, 2008).

Apesar de o eixo da proposta dos PCN girar em torno da integração e da

interdisciplinaridade, a manutenção do currículo por disciplinas limita o diálogo entre saberes

e, via de regra, leva a descaracterização do potencial integrador dos temas transversais. A

proposição dos temas transversais como um dos elementos do currículo escolar tem merecido

inúmeras críticas em virtude da pouca probabilidade de sua inserção, considerando o tipo de

organização disciplinar vigente na escola básica (LOUREIRO, 2006; COSENZA, 2008).

Os pressupostos teóricos sobre a EA apresentados no referido documento incluem a

sua história e alguns princípios de sua pedagogia (objetivos, conteúdos, orientações didáticas).

Em várias partes do documento, é visível a preocupação de que a temática ambiental seja

compreendida em toda a sua multidimensionalidade (COSENZA, 2008), ainda que a

discussão sobre processos de degradação ambiental não estejam acompanhados de reflexões

acerca da desigualdade, da injustiça e do racismo ambientais. A menção aos riscos ambientais

e também a benefícios e serviços ambientais se fazem presentes no texto, porém sem localizar

as desigualdades implícitas em sua distribuição. Sob tal aspecto, o esvaziamento de conflitos

socioambientais e de lutas comunitárias no texto dos PCN torna preocupante sua significação

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em contextos escolares em que estão indivíduos e comunidades mais vulneráveis

socioambientalmente. O debate sobre o fortalecimento da EA a partir da década de 90 passa

também em considerar a Lei da “Política Nacional de Educação Ambiental”, promulgada em

1999. Tal documento, primeiro do gênero da América Latina, expressa, entre outras, uma

preocupação em fazer com que os cursos de formação profissional insiram de modo

transversal conceitos que minimizem os impactos ambientais na sua prática profissional e

aponta a inserção da EA em todos os níveis de ensino, valorizando a inserção na formação de

professores (OLIVEIRA; CARVALHO, 2012).

Todavia, para Layrargues (2002) ainda que sem deixar de valorizar o significado

político da regulamentação da PNEA para o campo de Educação Ambiental no país, sua

institucionalização se constituiu de modo precoce, isto em decorrência da insuficiência dos

debates políticos e sociais qualificados sobre a temática e, ainda, em função da incipiência do

conhecimento teórico-conceitual a seu respeito. Um dos reflexos desta precocidade se

expressa para Layrargues em uma concepção de EA24

voltada para a conservação do meio

ambiente, afastando-se, portanto, das correntes ditas críticas (LAYRARGUES, 2002).

A implementação da PNEA, em nível nacional, tem-se dado por intermédio de duas

pastas ministeriais e por meio de instrumentos de regulação específicos. De um lado, é

implementada pela via do Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA), relativo

tanto ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), quanto ao Ministério da Educação (MEC), e,

de outro, por intermédio de ações específicas do próprio MEC, como a edição, para o Ensino

Fundamental, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e do Programa Parâmetros em

Ação, dos Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico e,

por fim, da Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental

(BRASIL, 2007).

Os documentos mencionados representam um reconhecimento político da EA; todavia

estão longe de significar sua consolidação ou até mesmo, um consenso sobre sua

compreensão. Para Layrargues (2012), o período compreendido entre a realização da

Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental25

e o atual, pós-conferência

24

Em seu Artigo 1º, a PNEA (BRASIL, 1999) entende por EA “os processos por meio dos quais o indivíduo e a

coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a

conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua

sustentabilidade”. 25

Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental promovida pela Unesco em parceria com o

PNUMA e realizada na cidade russa de Tbilisi em 1977, considerada o principal marco histórico da área. Entre

seus princípios norteadores da EA estava a necessidade de articulação interdisciplinar da educação ambiental

envolvendo os aspectos físicos, biológicos, sociais, econômicos, culturais e políticos da questão ambiental.

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Rio+20, demarca no Brasil a substituição dos esforços que buscavam definir um único

conceito de educação ambiental para o de caracterizar distintas correntes político-pedagógicas

na área. Se antes o campo da EA buscava construir um conceito padrão definidor de tudo

aquilo que englobava e representava a educação ambiental, atualmente passou a buscar as

diferenças entre as correntes de pensamento que inspiram as experiências pedagógicas

propriamente ditas.

Essas diferenciações internas, em parte traduzidas pela linguagem, constituem-se no

processo de luta hegemônica e, assim, exercem domínio em políticas públicas e práticas

pedagógicas. Lançando luz sobre essa questão, o trabalho de Layrargues e Lima (2011)

enuncia três macro-tendências convivendo e disputando a hegemonia simbólica e objetiva do

campo da Educação Ambiental no Brasil: conservacionista, pragmática e crítica.

Segundo esses autores, o discurso conservacionista, que Alier (2007) denomina de

culto ao silvestre, na educação, assume uma representação de ambiente tomada por seus

aspectos naturais, enunciando os problemas ambientais como frutos de desconhecimento de

princípios ecológicos e maus comportamentos. Já o pragmático, associa a essa percepção

despolitizada das relações socioambientais, apostas em ações factíveis que tragam resultados

orientados a um futuro sustentável, embora dentro de um limite que não ultrapasse as

fronteiras do economicamente viável e da conservação do status quo. (LAYRARGUES;

LIMA, 2011).

Concepções de caráter conservacionista e pragmático apontam para uma prática

política e educativa orientada no sentido de minimizar os impactos ambientais das ações

humanas. Tais discursos, ainda presentes em muitas práticas, explicariam no dizer de Trein

(2012) a apresentação de grande número de trabalhos em eventos científicos que se

constituem em descrições de atividades sem o devido aprofundamento dos pressupostos

teóricos que as ensejam.

Para muitos autores, tais como Carvalho (2001) e Carvalho e Kawasaki (2009, p. 144),

o que explica esta adesão a práticas e discursos pragmáticos em EA é o argumento de que “na

experiência brasileira, a EA não nasceu no campo educativo, mas parece ser um fenômeno

cuja gênese e cujo desenvolvimento estariam mais ligados aos movimentos ecológicos e ao

debate ambientalista”. Para Trein (2012), se, em sua história, a EA encontra-se tardiamente

com o campo da educação, pelo seu lado de fora; hoje, no entanto, trata-se de um campo

constituído na confluência entre dois outros: o ambiental e o educativo e destaca-se pela

consequente característica interdisciplinar.

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Trein (2012) sinaliza um aspecto que trata da pouca atenção dos autores da pesquisa

em EA às questões referentes especificamente à concepção de educação com a qual estão

trabalhando. Para ela, o rigor conceitual é exigido mais em relação ao modo como definimos

o ambiental, já que só a partir daí se estabelecem, de forma prescritiva, as características do

que a EA deve ser. Isso faz com que assim, muitas vezes, educação formal ou não formal é

meio para a (com)formação a uma ideia de ambiental.

Ao mesmo tempo, a produção na área vem criticando as práticas descontextualizadas

voltadas à promoção de medidas de proteção da natureza e ao apelo a uma ética ecológica,

que desconsideram a materialidade histórica em que essas práticas educativas efetivamente

ocorrem. Discursos e práticas conservacionistas e pragmáticas vêm sendo assim

historicamente contestados na educação ambiental, desenhando novas significações e práticas

que, articuladas, forjam a vertente crítica.

Esta vertente, por sua vez, apoia-se na revisão dos fundamentos que proporcionam a

dominação do ser humano e dos mecanismos de acumulação do capital, buscando o

enfrentamento político das desigualdades e da injustiça socioambiental. Este discurso surge

no âmbito de práticas que buscam contextualizar e politizar o debate ambiental, articular as

diversas dimensões da sustentabilidade e problematizar as contradições dos modelos de

desenvolvimento e de sociedade experimentadas local e globalmente (LAYRARGUES;

LIMA, 2011).

A EA crítica, em sua pluralidade, vem sendo concebida e praticada como aquela que

articula a discussão da relação entre o ser humano e a natureza inserida no contexto das

relações sociais. Aquela que propicia o desenvolvimento de uma consciência ecológica no

educando, mas que contextualiza seu projeto político-pedagógico de modo a enfrentar

também a injustiça ambiental, a exclusão social, a desigualdade na distribuição de riscos e

serviços ambientais, a falta de participação e reconhecimento políticos, a apatia política, além

da degradação da natureza. Aquela que expõe as contradições das sociedades assimétricas e

desiguais (TREIN, 2012).

Se, por um lado, as características das EA crítica assumem proximidade com os

princípios históricos do movimento de justiça ambiental ou da ecologia política, por outro

leva a alguns questionamentos: Como promover uma articulação entre educação ambiental e

conflitos socioambientais, considerando as dimensões teóricas, epistemológicas, pedagógicas

do campo da EA? Qual o papel das lutas políticas por justiça ambiental na educação

ambiental?

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Se a justiça ambiental vem hoje tomando parte em movimentos sociais e inspirando

práticas coletivas no espaço público, as quais, por vezes, se desdobram em conflitos

socioambientais, todavia alguns estudos vêm apontando para uma produção ainda frágil de

sua interface com a educação ambiental (AGYEMAN et al, 2009; HALUZA-DELAY, 2013;

KUSHMERICK et al, 2007; LOUREIRO; LAYRARGUES, 2013; PELOSO, 2007). Tais

estudos criticam discursos da corrente dominante da EA, as quais baseadas em ecossistemas e

em recursos naturais acabam por favorecer programas educativos irrelevantes para os sujeitos

mais afetados por riscos. Inversamente, os autores acima partilham da ideia de que estreitar

laços entre a justiça ambiental e a EA permite evidenciar a omissão com grupos sociais em

condições de vulnerabilidade e contribuir para a articulação de lutas em defesas de seus

territórios.

Loureiro e Layrargues (2013, p. 68) consideram pertinente discussão da articulação

entre a denominada educação ambiental crítica e o movimento de justiça ambiental, em

decorrência da aproximação no modo como tais campos definem as causas da crise atual,

estabelecem estratégias de luta social e defendem o projeto societário anticapitalista. Para

esses autores, a educação ambiental crítica, a justiça ambiental e a ecologia política

representam, em seus campos particulares, oportunidades de enfrentamento contra-

hegemônico da realidade socioambiental. Representam possibilidades de luta política por

outro modelo societário, “na medida em que suas vertentes críticas se alinham numa possível

e desejável aliança teórica, garantindo que, do ponto de vista da questão ambiental, as

condições de superação das contradições do capitalismo estejam estrategicamente na direção

do realizável”.

Na tentativa de compreender empiricamente o nível de inclusão e a representação de

conteúdos de justiça ambiental em guias didáticos curriculares nacionais de educação

ambiental dos Estados Unidos, Kushmerick e colaboradores (2007) analisaram um total de

224 sequências didáticas, baseados em 14 indicadores de justiça ambiental26

. Os resultados do

estudo sugerem que os guias curriculares analisados, frequentemente, encaminham temáticas

26

Os indicadores por eles considerados foram: 1) equidade, justiça e direitos, 2) equidade, justiça e direitos no

contexto da justiça ambiental, 3) definições/perspectivas multiculturais, 4) definições/perspectivas

multiculturais no contexto da justiça ambiental, 5) Interconexões entre ecologia, cultura e comunidade, 6)

Interconexões entre ecologia, cultura e comunidade no contexto da justiça ambiental, 7) perspectivas

comunitárias/locais sobre questões ambientais, 8) perspectivas comunitárias/locais sobre questões ambientais

no contexto da justiça ambiental, 9) definição holística de ambiente, 10) definição holística de ambiente no

contexto da justiça ambiental, 11) impactos ambientais sobre a saúde humana, 12) ) impactos ambientais sobre

a saúde humana no contexto da justiça ambiental, 13) Questões globais/ internacionais, 14) Questões globais/

internacionais no contexto da justiça ambiental. O estudo revelou que somente 2,69% dos indicadores

encontrados nos textos foram considerados como sendo “no contexto da justiça ambiental” (KUSHMERICK

et al, 2007).

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relacionadas à justiça ambiental (por exemplo, impactos ambientais à saúde humana e

segurança, interconexões entre ecologia, cultura e comunidade, perspectivas comunitárias

locais), todavia, elas raramente se apresentam dentro do contexto da justiça ambiental ou

considerando serem questões relativas à justiça ambiental. Os autores consideram que, ainda

que o conteúdo aponte para causas particulares dos problemas, como os de saúde comunitária,

o fazem sem problematizar que certos grupos sofrem mais que outros. Em suas conclusões

também consideram haver perdas de oportunidades para incorporar conteúdos de justiça

ambiental nos guias e, indicam que as lições poderiam ser facilmente adaptadas para

tornarem-se mais inclusivas.

Apesar da Associação Norte-americana de Educação Ambiental (NAAEE) fazer da

“diversidade e justiça ambiental”, uma de suas prioridades, o canadense Haluza-Delay (2013)

considera haver ainda na literatura americana sobre EA uma frágil incorporação de posições

sociais e culturais de minorias ou uma total ausência de atenção para a cor e outros fatores na

exposição aos riscos. Raça, poder e cultura seguem largamente sendo pouco problematizados

tanto na educação ambiental, quanto no movimento ambientalista do norte da América e de

outras partes do mundo. Em suas considerações, não somente a literatura de EA, mas também

a literatura sobre a pesquisa em EA tem fragilmente considerado maneiras sistemáticas que a

degradação ambiental impacta injustamente grupos sociais particulares.

Agyeman et al (2009), por sua vez, questiona o que seria necessário para orientar a

educação ambiental em direção à justiça ambiental: uma mudança na política/nas práticas/ no

currículo ou uma mudança de paradigma no próprio campo da EA? Ele defende a necessidade

de “enculturar a educação ambiental”: dar mais atenção às diferenças produzidas nas variadas

experiências de vida, localização social ou filiações étnicas. Para ele, vozes alternativas são

necessárias porque as vozes que atualmente dominam o campo são improváveis de movê-lo

em novas direções.

Em recente artigo, apresentamos um levantamento quantitativo, seguido de uma

discussão qualitativa acerca dos diferentes sentidos associados à temática “conflitos

ambientais” contidos em publicações selecionadas de periódicos de pesquisas nacionais e

internacionais do campo da educação ambiental, até o ano de 2011. Nosso objetivo foi o de

compreender os sentidos atribuídos aos conflitos socioambientais e justiça ambiental na

produção científica sobre educação ambiental e refletir sobre as contribuições que esta

abordagem lança - ou pode lançar - ao campo da educação ambiental (COSENZA;

MARTINS, 2012).

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Os resultados de tal estudo reforçam a incipiência da interface pesquisada nos

periódicos analisados. Sua frágil articulação se expressa tanto pela baixa quantidade de

publicações nessa linha, quanto pela baixa frequência de relatos de pesquisa empírica.

Contudo, indicamos que referências à justiça e conflito ambientais no âmbito da EA vêm

sendo mobilizadas no sentido de rever concepções e práticas tradicionais postas a serviço da

alienação e desigualdade socioambiental.

Na leitura sistemática de seis artigos filtrados em oito periódicos do campo da

educação ambiental a partir das expressões “conflito ambiental”, “justiça ambiental” por meio

de sua identificação nas seções título e/ou resumo e palavras-chaves, afirmamos que

referências à justiça e conflito socioambientais no âmbito de suas contribuições à EA operam

a partir de alguns deslocamentos, a saber: 1) a defesa de uma educação vinculada a um projeto

de sustentabilidade político de redistribuição equitativa de bens em termos globais e locais, 2)

a defesa de um maior reconhecimento do protagonismo dos atores sociais (indivíduos e

comunidades) em situação injustiça, 3) a defesa de uma educação política, ética e moral no

âmbito de processos educativos que se pretendam emancipatórios em contraposição a uma

prática educativa desvinculada do compromisso social (COSENZA; MARTINS, 2012).

O primeiro deslocamento trata da contribuição da educação ambiental na edificação de

uma sociedade sustentável e remete ao debate que ganha expressão a partir do Fórum das

ONGs na RIO-92 e encontra ressonância no âmbito da Política Nacional de Educação

Ambiental (PNEA). Essa defesa histórica do campo da EA assume sentido bastante distinto

daquele defendido pelas Nações Unidas em Johanesburgo (2002) no contexto da Rio+10,

quando de sua proposição da “Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável” .

A proposta das Nações Unidas admite tendência economicista, vinculação com as

ecotecnologias e com as forças de mercado como fatores indutores da sustentabilidade. Esses

fatores, segundo Layrargues (2012) motivaram a comunidade brasileira de EA a rechaçarem a

proposta de uma educação “para o desenvolvimento sustentável”, em nome da manutenção da

força simbólica presente na identidade cultural do conceito “educação ambiental”, fortemente

vinculado no país à ideia de se trabalhar por “sociedades sustentáveis”, e não para o

“desenvolvimento sustentável”.

No entanto, a noção de sustentabilidade surge farta na literatura brasileira da EA,

muitas vezes produzindo a falsa ideia de que há um consenso sobre todos os discursos que

acionam este conceito. Inversamente, os artigos pesquisados partilham da crítica à

sustentabilidade caracterizada no âmbito de um cenário desenvolvimentista e pensada sob a

ótica do mercado. Assim, esses artigos operam um primeiro deslocamento importante às

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práticas de EA: ressaltam que a sustentabilidade não é neutra, nem tampouco homogênea,

pois pode ser apropriada por forças hegemônicas na perpetuação de seus mecanismos de

dominação e por forças emancipatórias e populares na construção de uma nova racionalidade

produtiva.

Semelhante consideração está bem expressa em Carvalho (2008), que busca contrapor

conflitantes paradigmas de sustentabilidade. A noção de conflito surge, em suas ideias,

associada à preocupação com a injustiça ambiental. Nesta perspectiva, para a autora, o

processo de construção de sustentabilidade não se dá pela tentativa de “resolver” conflitos por

meio de estabelecer amplos consensos em torno de interesses comuns. Trata-se de construir a

sustentabilidade pela via do enfrentamento dos conflitos e da construção coletiva de um pacto

societário em torno do avanço da justiça ambiental.

Nesse sentido, a EA assume papel importante na compreensão dos fatores e

contradições que sustentam conflitos e diferentes projetos de sustentabilidade. Tratar os

conflitos ambientais em um processo educativo pode contribuir para a articulação de lutas em

defesas dos territórios (e também da participação e do reconhecimento) de comunidades em

situação de vulnerabilidade socioambiental (JABER; SATO, 2010).

Para Haluza-Delay (2013), uma ampla visão de sustentabilidade pode expandir o papel

da EA, criando atenção, no conteúdo tradicional da EA, para formas de injustiças sociais e

suas causas. Expandir a EA em direção à justiça ambiental é um movimento positivo, proativo

na construção de justas e sustentáveis comunidades.

Nesse processo de politização da educação, um segundo deslocamento é favorecido: o

reconhecimento de atores sociais (indivíduos e comunidades) que sofrem práticas de exclusão

e injustiças ambientais, contrariamente a abordagens que ao privilegiarem identificar, analisar

e buscar soluções para problemas ambientais o fazem sob uma ótica conservacionista ou

pragmática, ocultando os sujeitos sociais que sofrem injustiças ambientais e/ou lutam por sua

superação (LAYRARGUES; LIMA, 2011).

O conflito ambiental recupera a centralidade dos atores sociais (indivíduos e

comunidades) em disputa. Segundo Loureiro (2003), em uma perspectiva de educação

ambiental transformadora, o sentido de partir dos grupos sociais em situação de maior

vulnerabilidade ambiental é destacar a realidade da maioria, é democratizar o acesso à

informação, é entender a sociedade em suas múltiplas contradições.

Esse segundo deslocamento se manifesta quando Guanabara et al. (2008, p. 129)

descrevem diferenças no tratamento pedagógico da temática resíduos sólidos a partir de

diferentes perspectivas: a Pedagogia dos 3R´s, o Consumo Ético e Responsável e a Teoria do

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Risco e Injustiça Ambiental. Os autores admitem que, embora os problemas relacionados com

poluição e resíduos possam ser considerados problemas globais, diferentes classes sociais não

estão expostas aos mesmos tipos, nem ao mesmo grau, aos riscos ambientais gerados a partir

desses problemas. Assim, defendem que projetos de educação ambiental “deveriam

incorporar os conceitos de risco e de injustiça ambiental ao seu discurso, ainda mais em

comunidades carentes onde o risco é maior e o acesso à informação é menor”. Também para

Haluza-Delay (2013), a educação ambiental deve ajudar as pessoas a construir, criticar e

transformar seus mundos de forma mais justa e sustentável.

Capacitar indivíduos em ambientes urbanos para construir comunidades que defendem

a justiça ambiental deve ser para Peloso (2007) o foco da educação ambiental critica. No que

se relaciona a ambientes escolares, para essa autora, os educadores têm um papel único de

estimular um senso de justiça em seus alunos e alunas. Ao capacitar os jovens que vivem em

áreas de injustiça, as quais por vezes circundam ambientes escolares, semeiam o

desenvolvimento de fortes comunidades para resistir a processos de exclusão e planejar de

forma participativa territórios mais sustentáveis. Para essa autora, um dos objetivos no

sistema escolar deve ser o de formar crianças, jovens e adultos a compreender seus espaços de

vida e a exercer os seus próprios direitos individuais e comunitários. Assim, segundo ela,

conceitos de justiça ambiental devem ser incorporados em cada currículo e incorporados na

alfabetização científica27

nas escolas.

O terceiro deslocamento, a defesa de uma educação política, ética e moral no âmbito

de processos educativos que se pretendam emancipatórios, em contraposição a uma prática

educativa desvinculada de compromisso social é um ponto comum entre os artigos

pesquisados. Fazer educação com compromisso social segundo Layrargues (2009) significa

reestruturar a compreensão da educação ambiental, para estabelecer a conexão entre justiça

ambiental, desigualdade e transformação social.

O desenvolvimento da responsabilidade social e de uma formação orientada por

princípios éticos envolve uma intrincada combinação de conhecimentos, capacidades,

interesses e atitudes. Para Haluza-Delay (2013), o ensinar e o aprender sobre o ambiental

implicam um dever moral para agir sobre o que se torna conhecido como injusto. Em outras

27

Por alfabetização científica, Peloso (2007) reconhece ser o conhecimento e compreensão de conceitos e

processos científicos necessários para a tomada de decisão pessoal, participação em atividades cívicas e

culturais. Segundo ela é preciso que a alfabetização científica seja associada a uma “alfabetização de vida”, ou

“alfabetização para a vida”, incluindo o contexto social dentro da alfabetização científica para desenvolver

uma pedagogia eficaz. Nesse sentido, em sua visão, ao promover essa ligação através de uma educação

experiencial, noções abstratas de justiça ambiental devem estar integradas às experiências vividas pelos

estudantes.

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palavras, para esse autor, conteúdos de educação ambiental devem incluir aquisição de

habilidades para o falar e o escrever sobre o que está sendo aprendido, para analisar discursos,

e para engajar estudantes nos protagonismos contra danos socioambientais.

Semelhantes processos, para Kaza (2002), dependem, dentre outros elementos, de

experiências curriculares, nomeadamente da observação, vivência e análise coletiva de

situações de conflito e injustiça ambiental. Essa autora analisa a aprendizagem ocorrida ao

longo de um curso de justiça ambiental, em que estudantes foram convidados a fazerem um

tour com paradas em regiões potencialmente tóxicas. A aprendizagem dos alunos e alunas,

segundo a autora, envolveu superar negações sobre a existência de processos de injustiças

ambientais locais, lidar com as próprias impressões ambivalentes sobre os movimentos de

libertação, reconhecer crenças, experiências e valores para compreender as relações de poder

presentes nas injustiças e conflitos ambientais.

Os diferentes discursos mencionados acima informam correntes ideológicas de

pensamentos ambientalistas e da educação ambiental. Esses discursos interagem na vida

social e, assim, são postos a funcionar em diferentes contextos. A globalização das práticas

discursivas leva cada vez mais a desencaixes na relação global-local, por meio da superação

das fronteiras linguísticas e culturais. Essas práticas, assim, ficam mais dispostas a

hibridações distintas e isso contribui, segundo Chouliaraki e Fairclough (1999), para a (re)

construção de identidades. O resultado disso indica na educação ambiental, rearticulações

dinâmicas híbridas de diferentes discursos em interações discursivas e textos.

Esse processo é subsidiado por uma reflexividade crítica, por uma busca por

autoconstruções reflexivas, cada vez mais influenciadas por informações circundantes e por

relações de poder. Busca, cuja força está em sinalizar que a análise dos discursos pode ajudar

a compreender a reprodução ou a mudança social: são os indivíduos inseridos em práticas

discursivas e sociais que corroboram para a manutenção ou transformação de estruturas

sociais.

Ao longo deste subcapítulo, estabeleci o desafio de pensar a heterogeneidade de

discursos ambientais e de educação ambiental, que se relacionam mutuamente. Esses

discursos perpassam a escola, seus sujeitos e os saberes por eles produzidos. É possível pensar

que a escola e o currículo de ciências compõem-se, em parte, dos aspectos conjunturais dos

discursos ambientais expostos anteriormente, mas também que, no contexto das vivências

escolares, esses discursos são (re) significados, transformados.

Pensando de acordo com a lógica da ACD, o problema que sustenta essa pesquisa,

qual seja, o apagamento e a eliminação dos processos de injustiça ambientais e dos conflitos

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socioambientais, quando do tratamento de questões ambientais na escola e, mais

especificamente, no ensino de ciências, admite superar obstáculos. Tais obstáculos consistem

em sentidos naturalistas comumente construídos acerca do que é ambiente, sentidos

conservacionistas e também pragmáticos de pensar e praticar a educação ambiental na escola.

Tais discursos informam currículos, saberes e práticas docentes. Deste modo, potencializar o

tratamento didático de conflitos socioambientais articulados à justiça ambiental em sala de

aula de ciências pode assim, contribuir para superar tais obstáculos.

Por meio de que práticas e sob quais referenciais os conflitos socioambientais,

considerados como (ou ainda relacionados a) questões complexas e socialmente vivas podem

ser tratados na escola, em especial no âmbito de práticas educativas de ciências/biologia?

Passo a discutir no próximo subcapítulo, a potencialidade da articulação entre educação em

ciências e educação ambiental no desafio de buscar respostas para esta questão, já que o

problema de pesquisa toca em cheio na necessidade de expandir as “fronteiras” das disciplinas

de Ciências e Biologia de forma a captar a complexidade e a intensidade das questões

ambientais considerando, para tanto, os conflitos socioambientais como constitutivos dessas

questões.

5.3 O CONFLITO SOCIOAMBIENTAL COMO TEMÁTICA POTENCIALIZADORA DA

ARTICULAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ENSINO DE CIÊNCIAS NA

ESCOLA

Falar no tratamento didático de conflitos socioambientais em sala de aula de ciências

toca em aproximações e divergências entre os campos da educação em ciências, da educação

ambiental e destes para com as ciências sociais. Estas serão aqui examinadas a partir do

reconhecimento de identidades distintas construídas historicamente pelos campos para

defender uma articulação possível capaz de preservar as suas singularidades, e ao mesmo

tempo, criar pontos de convergência e espaços de interseção.

Para Martins et al. (2008), são muito debatidas as contribuições da EA para as ciências

naturais. No entanto, as contribuições da educação em ciências para a educação ambiental ao

contrário, não encontram tanto espaço de discussão. A meu ver, podemos encontrar elementos

que explicam esta falta de reciprocidade na própria história da educação ambiental que a

encaminhou a distinguir-se das ciências naturais e fortalecer-se como campo de estudos

autônomo.

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O diálogo entre os campos da educação em ciências e da educação ambiental para

Martins et al (2008, p. 131) vem sendo facilitado pela circulação de trabalhos de educação

ambiental em periódicos e eventos de pesquisa em educação em ciências. Segundo esses

autores, é possível perceber alguns pontos de tangência entre as agendas de pesquisa nos

campos da educação em ciência e da educação ambiental. Um deles é a recorrente discussão

acerca das identidades dos campos e de suas relações com outras áreas de conhecimento. Em

suas palavras “a educação ambiental, entendida como campo de conhecimento agrega várias

concepções tanto no campo da pesquisa quanto nas ações de intervenção propriamente ditas”.

Do mesmo modo, afirmam que a heterogeneidade de perspectivas que atravessam a educação

em ciências é também destacada por pesquisadores deste campo, como Delizoicov (2004),

para o qual a educação em ciências configura-se como ciências humanas aplicadas.

Outro paralelo destacado pelos autores supracitados é a relevância de uma agenda de

desafios relacionados a problemas, cujas soluções envolvem ações e tomada de decisões, bem

como o estabelecimento de relações entre diferentes dimensões sociais, tecnológicas e

científicas associadas a questões do cotidiano. Afirmam também que uma aproximação entre

esses campos pode resultar em articulação de dimensões política, de que se ocupou

historicamente a educação ambiental, e pedagógica, que marcou a agenda de pesquisa da

educação em ciências.

Na seção anterior, argumentei que, mesmo de modo incipiente, novos discursos e

práticas de EA vêm sendo mobilizadas junto a ideais de justiça ambiental e conflitos

socioambientais no sentido de deslocar concepções e práticas hegemônicas conservacionistas

e/ou pragmáticas de EA. Esses ideais situam a educação ambiental em um projeto de

sustentabilidade político emancipatório em contraposição a uma prática educativa

desvinculada do compromisso social. Operam a favor de um maior reconhecimento de atores

sociais, de suas situações de risco socioambiental, bem como de suas lutas por um digno

viver. Constituem a educação ambiental de conteúdos e estratégias didáticas que vão além

daqueles de referência disciplinar ecológica, incorporando questões sociais, éticas, políticas e

morais.

Nessa seção, parto desses deslocamentos para problematizar posturas epistemológicas

e estratégias didáticas de algumas tendências da educação em ciências, especialmente as

abordagens CTS, Temas controversos, Questões Socialmente Vivas e Ecojustiça. Entendo que

este movimento é possível pelas minhas próprias possibilidades de identificar e estabelecer

relações entre formulações oriundas dos campos da Educação em Ciências e da Educação

Ambiental, por meio daquilo que Fairclough (2003) denomina de intertextualidade, ou seja, o

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reconhecimento de que textos são constituídos por elementos de outros textos que circulam

nas práticas sociais.

Isso porque em minha experiência, os discursos da educação ambiental e da educação

em ciências interagem. Reconheço que minha forma de olhar a questão ambiental e seu viés

educativo é atravessada por esses discursos diversos que busco colocar em questão nesse

trabalho, sem antes hierarquizá-los ou reduzi-los um ao outro. Assim, a produção de meu

entendimento ambiental, entrecruza os campos da educação ambiental e educação em ciências

e resulta de rearticulações dinâmicas desses diferentes discursos.

Falo de um processo particular de negociação e diálogo que hibridiza diferentes

discursos e gêneros em textos e interações discursivas. Para Fairclough (2001), o hibridismo

pode funcionar na sociedade moderna tardia como uma estratégia de resistência, como um

recurso para o diálogo, mas pode igualmente ser uma estratégia para a dominação.

Referenciais da educação em ciências podem favorecer os deslocamentos

emancipatórios produzidos pelos ideais de justiça e conflitos socioambientais na educação

ambiental? Podem assim contribuir para que conflitos socioambientais venham à tona em

aulas de ciências? A radicalidade e intensidade que marcam as práticas sociais que

referenciam conflitos socioambientais são também favorecidas por essa articulação? Estes são

questionamentos que animam o presente debate e que também conduzem a face empírica

desta investigação.

5.3.1 Potencializando o tratamento didático da sustentabilidade

No que se relaciona à discussão do primeiro deslocamento favorecido pelas

inspirações dos conflitos socioambientais e justiça ambiental às práticas educativas

ambientais, o entendimento emancipatório de sustentabilidade - em contraposição àquele

hegemônico apropriado pelas forças de mercado – podemos encontrar alguma ressonância no

campo da educação em ciências?

Creio que o entendimento contra-hegemônico emancipatório de sustentabilidade se

instala a partir da compreensão de que vivemos em uma sociedade marcada por diferentes

acessos a sustentabilidade social, econômica, cultural, espacial e ecológica (SACHS, 2004).

Pela via da justiça socioambiental, a conquista dessa sociedade sustentável passa assim, pelo

entendimento dos conflitos e da construção coletiva de um pacto societário em torno de seu

avanço.

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Favorecer esse entendimento nos processos educativos em territórios e comunidades

desprovidos de qualquer sustentabilidade exige um exame de conflitantes paradigmas de

sustentabilidade e sua consideração em processos educativos. Entendo que posturas teórico-

epistemológicas e metodológicas das abordagens da educação em ciências mais

especificamente as abordagens CTS e os Temas Controversos podem contribuir com

referenciais importantes para um entendimento crítico de sustentabilidade nas práticas

educativas.

O primeiro referencial que destaco, vem do campo CTS e diz respeito à função social

de questionar os modelos e valores de desenvolvimento científico e tecnológico em nossa

sociedade, os quais afetam a vida diária de todos e a organização política, econômica, social e

ambiental. Essa tecnologia moderna, não é neutra, ao contrário, ela incorpora valores de uma

sociedade industrial particular e em especial aqueles das elites, que reforçam sua hegemonia

por meio do controle tecnológico.

O movimento CTS levou a proposição, a partir da década de 1970, de novos currículos

no ensino de ciências que buscaram incorporar uma dimensão social aos conteúdos das

ciências naturais (AIKENHEAD, 1994). No Brasil, o campo CTS nasce ligado à educação em

ciências e afirma-se mais fortemente na década de 90, como uma de suas tendências.

Segundo essa concepção, a força da educação científica está na importante promoção

da alfabetização científico-tecnológica (AIKENHEAD, 1994). A educação é assim pensada

em espaços formais e não formais como instrumento para construir e disseminar um

pensamento crítico que se estabeleça em oposição à “pseudo-autoridade científico-

tecnológica” (FONSECA, 2007).

Um dos avanços propiciados pelos estudos CTS, no que diz respeito à educação, está

no reconhecimento de que o ensino e o aprendizado não podem mais se basear em concepções

superficiais idealizadas de ciência, tecnologia e ambiente, mas devem incluir a complexidade

dos temas relativos ao desenvolvimento científico e tecnológico e suas consequências

socioambientais.

Segundo Aikenhead (1994), há uma ampla gama de significados encontrados em

cursos e programas de CTS. A classificação desse autor inclui oito categorias que refletem a

relativa importância dada ao CTS em termos de graus e maneiras nas quais conteúdos CTS

são integrados a conteúdos científicos tradicionais. Na medida em que se progride nas

categorias, a incorporação de conteúdos CTS aumenta progressivamente em relação à

avaliação do conteúdo puro de ciências. Nessa escala, a categoria 1 corresponderia a 0% (CTS

como elemento de motivação) de incorporação de conteúdos CTS e a categoria 8 a 100% .

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99

Nessa última categoria, o estudo de uma questão tecnológica ou social é privilegiado em

detrimento do conteúdo de ciências (AIKENHEAD, 1994).

Segundo Auler e colaboradores é preciso haver uma compreensão do papel social do

ensino de ciências, pois não basta apenas inserir temas sociais no currículo, ou que as editoras

dos livros didáticos incluam, nos livros, temas sociais ou os disseminem nos chamados

paradidáticos. Para estes autores, se não houver uma compreensão do papel social do ensino

de ciências, pode-se incorrer no erro de uma “simples maquiagem dos currículos atuais com

pitadas de aplicação das ciências à sociedade” (AULER et al, 2009 p. 71).

Desde sua origem, as reflexões do campo CTS buscam compreender de maneira

menos ingênua as relações existentes entre ciência, tecnologia e sociedade, destacando

também os aspectos negativos associados ao “avanço” científico e tecnológico sobre a

sociedade, a partir de perspectivas ambientais, políticas, econômicas, sociológicas etc.

Considerando que essas propostas incorporam uma perspectiva de reflexão sobre

consequências ambientais, posteriormente elas passam a ser denominadas por alguns

pesquisadores do campo como ciência-tecnologia-sociedade-ambiente – CTSA quando

incluem as implicações ambientais (ANGOTTI; AUTH, 2001). No entanto, apesar de

diferenciarem a linha CTSA da linha CTS pela estratégia de chamar a atenção para a

dimensão ambiental junto à tríade CTS, forjam de fato um novo campo ou novos pressupostos

teóricos?

Em recente levantamento bibliográfico sobre os lugares do “ambiente” na literatura

CTS28

(COSENZA; MARTINS, 2011), afirmamos que ainda não estão suficientemente

discutidos e analisados os objetivos de uma Educação CTSA e tampouco o tema ambiental

qualifica uma novidade capaz de forjar na literatura uma nova abordagem para além do debate

histórico da corrente CTS. Em alguns artigos pesquisados que se intitulam CTSA, não

percebemos diferenciações teórico-metodológicas da abordagem CTS. Não há clareza sobre o

modo como os autores compreendem incorporar o ambiente em suas problematizações.

28

Este trabalho consistiu em um levantamento quantitativo, seguido de uma discussão qualitativa acerca dos

diferentes sentidos associados ao termo “ambiente” contidos nas publicações selecionadas da produção

científica na linha de CTS dos principais periódicos de pesquisa nacionais e internacionais em ensino de

ciências, até o ano de 2009. O estudo foi motivado pela tentativa de compreender qualitativamente quais os

lugares do “ambiente” na produção científica sobre CTS, ou seja, com quais sentidos o termo ambiente vem

sendo usado na literatura CTS. Na leitura sistemática de dezessete artigos filtrados, as referências a ambiente

foram compreendidas atreladas a três contextos distintos, a saber: em estudos vinculados à temática CTSA

(nove artigos), em articulação com discussões sobre Temas Controversos (cinco artigos) e em relatos de

Investigações Temáticas com base em pressupostos freireanos (três artigos). O estudo dos artigos presentes

nos periódicos mostrou uma tendência forte no campo de pesquisa sobre intervenções de práticas educativas.

Podemos dizer que a pesquisa em CTS que agrega a dimensão ambiental o faz em sua maioria e em princípio

no Brasil em contextos de proposição/intervenção didáticas.

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100

Nessa direção, corre-se o risco do próprio “A” de ambiente ser reduzido a uma enxertia no

debate CTS.

Se compreendermos que as distintas entidades que formam a sigla CTSA estão

indissociadas do desenvolvimento da ciência e da tecnologia na racionalidade moderna, então

talvez não fosse necessário pensar em novas nomenclaturas, mas sim em articular questões e

interesses de pesquisa que levassem a uma compreensão mais ampla dessas relações.

A despeito desse debate CTS/CTSA, a importância das abordagens CTS se reafirma a

partir da década de 90 no Brasil, enquanto referencial para a função social de questionar os

modelos e valores de desenvolvimento científico e tecnológico em nossa sociedade. Isso se

concretiza segundo Auler e Delizoicov (2001) problematizando os mitos de uma visão

reducionista sobre ciência e tecnologia. Segundo estes autores, a visão reducionista é

caracterizada pela crença em três mitos: o da superioridade científica, o da perspectiva

salvacionista e o do determinismo tecnológico.

O primeiro mito diz respeito à crença na soberania do discurso e do saber científico

sobre outras formas de saber. O segundo mito assume o desenvolvimento científico-

tecnológico como irreversível e inexorável na marcha pelo progresso. Aí a crença

preponderante é a de que o desenvolvimento C&T poderá resolver os problemas e dilemas do

mundo contemporâneo. Já o mito do determinismo tecnológico sugere a aceitação passiva

e/ou conformista das inovações tecnológicas.

Nesse entendimento do papel emancipatório da educação é que se instala uma das

tendências do campo CTS denominada por Auler e Delizoicov (2001) como “ampliada”. Essa

propõe a problematização das relações CTS e a desmistificação dos mitos construídos

historicamente sobre C&T.

Essa perspectiva busca problematizar o que está por detrás das relações CTS e assim,

superar a perspectiva fatalista e a percepção ingênua das relações. Surge em contraposição à

tendência chamada pelos autores de “reducionista” que, por sua vez, aposta no ensino de

conceitos, desarticulado da dimensão social, ignorando a existência dos mitos que ainda hoje

balizam as formas sociais convencionais de pensar e lidar com as relações CTS. Ao reduzir a

discussão sobre C&T ao enfoque conceitual e ao funcionamento de artefatos tecnológicos e

científicos numa dimensão apenas técnica e internalista, essa perspectiva acaba por contribuir

para manter ocultos os mitos ligados à C&T.

No âmbito das questões ambientais, as inovações tecnológicas conferem os alicerces

seguros capazes de livrar o mundo de diversos problemas e de suas consequências

indesejáveis. Esta ênfase como saída para a problemática do lixo é um bom exemplo de como

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101

a discussão crítica que questiona o consumo exacerbado e problematiza o modo de produção

capitalista, fica encoberta pela solução tecnológica da reciclagem.

No entanto, apesar de há décadas se questionar as relações CTS e suas implicações

sociais e ambientais, ainda é bastante difundida socialmente uma suposta autonomia e

neutralidade das práticas científicas e tecnológicas, assim como, não raro, o desenvolvimento

científico-tecnológico surge fácil nos discursos empresariais ecoeficientes como um processo

inexorável e irreversível na “marcha do progresso” (AULER; BAZZO, 2001).

Se por um lado, as abordagens CTS podem conferir um referencial para desvelar os

mitos em torno da redenção dos problemas socioambientais pela tecnologia, e assim

aprofundar a compreensão das relações com determinados modelos de desenvolvimento

econômicos e neoliberais que têm orientado a globalização hegemônica; por outro lado, os

Temas Controversos podem conferir um caminho teórico-metodológico para incorporar

distintos entendimentos de sustentabilidade no tratamento de questões ambientais em

processos educativos. Assim, o segundo referencial que destaco no entendimento

emancipatório de sustentabilidade vem dos Temas Controversos e confere novos intertextos

entre educação em ciências e a questão ambiental.

Considerar a sustentabilidade como questão controversa em processos educativos e, a

partir daí, estabelecer uma atmosfera didática para acolher as controvérsias e buscar, não

somente a partir delas, mas por meio delas, complexificar ideias e sentidos de estudantes,

podem ser referências para o tratamento didático dessa temática, que se pretenda

emancipatório (COSENZA et al, 2011; COSENZA; MARTINS, 2013).

Endereçar questões controversas aos currículos no contexto da educação em ciências

foi um dos objetivos do campo CTS/CTSA (ciência-tecnologia-sociedade-ambiente) na

década de 1970 que aspirou unir conteúdos científicos aos de justiça social. Pedretti e Nazir

(2011), ao mapearem este campo, mencionam a preocupação com questões controversas em

algumas de suas correntes, seja no âmbito da defesa do pensamento lógico como base para

garantir conhecimento e tomada de decisão, ou no âmbito do uso de raciocínio moral e ético,

ou até mesmo por favorecer o senso de justiça e emancipação sociais.

Levinson (2006) considera que questões controversas são aquelas que comumente

dividem a sociedade e, para as quais, grupos significativos oferecem explicações e soluções

conflitantes. Há, para ele, três características incluídas em qualquer definição de uma questão

controversa: 1) quando pessoas partem de diferentes premissas, carregam diferentes crenças,

entendimentos, valores, ou oferecem explicações ou soluções conflitantes que são derivadas

dessas premissas; 2) quando as premissas, explicações ou soluções envolvem um número

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considerável de pessoas ou grupos diferentes; 3) quando a questão não é possível de ser

resolvida (e/ou quando a solução não é possível de ser estabelecida) apenas pelo apelo às

evidências.

No entanto, essas características apresentam limites, pois apontam para diferenças que

são reconhecidas, abertas e visíveis. Para Levinson, é possível haver controvérsias, por

exemplo, nas situações em que diferenças não estejam tão aparentes, situações onde pessoas

possam não expressar suas posições por sentirem-se intimidadas ou possam ser resistentes à

mudança mesmo quando as evidências forem constrangedoras. Deste modo, para o autor, o

lugar da controvérsia no currículo está ainda obscurecido pela ausência de uma clareza sobre

a estrutura ética e epistemológica da controvérsia.

Deste modo, Levinson defende um modelo epistemológico de controvérsia composto

por três vertentes: “categorias de desacordos razoáveis”, “virtudes comunicativas” e modos de

pensamento (“narrativo” e “lógico-científico”29

). Segundo ele, tal modelo confere uma

estrutura para abordar o ensino de questões controversas na escola e atua como ferramenta

para possibilitar a análise das maneiras nas quais elementos de uma questão controversa

podem ser desenvolvidos na sala de aula. Permite a professores/as, por exemplo, um quadro

de avaliação com foco sobre fatores que os estudantes teriam de destacar em um desacordo

específico, por exemplo, habilidades para criar evidências ou articular distintas visões de

mundo.

Há nove categorias de desacordos razoáveis que representam uma ampla gradação no

nível de desacordos, indo desde a verificação e falsificação de argumentos através do uso de

evidências científicas, até um nível em que crenças e argumentos são tão incomensuráveis e

estruturas teóricas ou paradigmas tão incompatíveis, a ponto de conferir papel irrelevante às

evidências. Essas categorias refletem o quanto as pessoas estão voltadas aos mesmos ou a

diferentes valores, o quanto há de diferenças nas prioridades sobre os mesmos valores ou

diferentes interpretações sobre uma mesma questão (LEVINSON, 2006).

Já as virtudes comunicativas estão associadas com disposições necessárias para

conduzir uma discussão com pontos de vista conflitantes, como por exemplo: paciência,

tolerância, respeito às diferenças, escuta atenta e pensativa, abertura, honestidade, aderência a

procedimentos acordados, liberdade de expressão e igualdade. Essas virtudes são

indispensáveis para garantir a narrativa de vozes de participantes em situação de desacordos.

29

As expressões foram traduzidas a partir dos termos originalmente usados por Levinson (2006): “Categories of

reasonable disagreement”, “Communicative virtues”, “Modes of thought: narrative mode and logic-scientific

mode”.

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103

Os dois modos de pensamento conferem distintas maneiras de ordenar experiências

que dão suporte aos desacordos na tentativa de convencer, ou seja, validar um ponto de vista.

O modo lógico-científico é baseado em evidências científicas (construção de verdades

empíricas) como estratégia de convencimento. Já o modo narrativo de pensamento envolve

histórias narrativas, contemplando as vozes de participantes e leigos em questões sócio-

científicas. Nesses casos, a ciência é frequentemente reconstruída, marginalizada ou inerte. O

primeiro modo procura explicar os desacordos, o segundo busca fornecer meios de

interpretação de desacordos, mas ambas são maneiras de estruturar experiências para

desenvolver desacordos.

Importante considerar que nem toda controvérsia socioambiental está associada

diretamente a controvérsias sociocientíficas. Em alguns casos, poucas relações (ou nenhuma)

são estabelecidas com o pensamento científico, ou com conteúdos de referência disciplinar e

científica. Nesses casos, são privilegiados conteúdos relacionados ao uso de raciocínio moral

e ético, ou até mesmo sentidos de justiça e emancipação sociais. Dizer que as controvérsias se

reafirmam para além da comunidade científica assume importância nesse trabalho, interessado

em controvérsias socioambientais no âmbito de um conflito, que não está estabelecido

unicamente no interior do meio científico, pois encontra-se vinculado mais a grupos de

interesse e a grupos sociais outros.

As vertentes do modelo epistemológico de tratamento didático de controvérsias

enunciado por Levinson (2006) podem possibilitar conduzir uma discussão com pontos de

vista conflitantes sobre sustentabilidade e encorajar os/as alunos/as a narrarem seus pontos de

vista, perceber diferenças e assim questionarem a tradições afinadas com discursos

desenvolvimentistas. Nessa direção, tomam lugar tanto controvérsias sócio-científicas,

quando a questão estudada inclui a comunidade científica como um de seus atores, quanto

controvérsias socioambientais, quando a questão situa-se majoritariamente fora da agenda

científica.

Segundo Lewis e Ketter (2004), discursos fixos têm mais probabilidade de serem

interrompidos e até modificados quando conversas mais dialógicas ocorrem. Por outro lado,

falar em controvérsias implica falar de posições antagônicas, vivenciadas e compreendidas no

diálogo, na prática. Isso implica também em considerar uma aprendizagem que se nutre da

diferença, que a toma como produtora de educabilidade não primariamente como um ato

mental, mas como um bem social dependente de interação entre as pessoas e as suas

ferramentas e tecnologias (LEVINSON, 2006). Partindo desse argumento, acredito ser

possível que estudantes e professores respondam positivamente a diferentes discursos

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ambientais, diferenciando-os ideologicamente em meio a conversas mais dialógicas. De outro

modo, em práticas pedagógicas mais fechadas ao diálogo e à interação, é mais fácil ocorrer

dessas diferenças não sejam percebidas, por estarem ocultas por relações opacas de poder

hegemonicamente constituídas nos discursos.

5.3.2 Potencializando o reconhecimento dos atores sociais que sofrem práticas de

exclusão e injustiças ambientais e protagonizam conflitos socioambientais

Arroyo (2010) destaca como as políticas educacionais contemporâneas têm sido

instigadas pelas tentativas de corrigir as desigualdades e superar no campo intra-escolar o

analfabetismo, os baixos níveis de escolarização, as defasagens, as evasões, as repetências e

as desigualdades de percursos escolares. Para ele é preocupante que, na medida em que os

mais desiguais chegam ao sistema escolar, expondo as brutais desigualdades que os vitimam,

as relações educação-políticas-desigualdades fiquem secundarizadas e sejam priorizadas

como políticas de inclusão, de qualidade, de padrões mínimos de resultados.

A relação entre educação, políticas públicas, Estado e desigualdades vai dando lugar a

políticas de inclusão, escola inclusiva, projetos inclusivos, currículos inclusivos. Entretanto,

para o autor, ao centrarem-se nas desigualdades intraescolares, as políticas e suas análises se

empobrecem, pois não tocam nas formas brutais de produzir os desiguais nas bases materiais

do viver, sobreviver, na negação da proteção da vida, do comer, do trabalho, da moradia, da

terra e território, da renda, do salário, nem na instabilidade, insegurança e precarização do

trabalho. O foco estreito continua responsabilizando os professores e até os próprios

educandos pela persistência das desigualdades. Em sua visão, políticas de inclusão cidadã que

ignorem essa base material desigual na produção da cidadania não avançarão na inclusão

cidadã (ARROYO, 2010).

Há um pressuposto, para Arroyo (2010, p. 1387) que orienta essas análises de políticas

inclusivas, cidadãs: “o problema está na sociedade e, de maneira específica, o problema está

nos pobres, nos coletivos populares, nos setores vulneráveis em risco, nos coletivos

desiguais”. As políticas contemporâneas operam para Arroyo na transformação dos diferentes

em desiguais: sua entrada na escola pública é saudada como uma concessão e a produção de

suas identidades étnicas, raciais em identidades negativas, inferiorizadas.

Nesse cenário em que os desiguais adentram a escola como nunca antes, segundo

Arroyo (2011, p. 329) há uma vivência que é marcante em seus coletivos de origem e em suas

experiências fortes: as vivências degradantes do espaço, bem como de lutas por espaços mais

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dignos: “por teto, por terra, territórios, lugares”. Porém, na escola, muitas vezes, as

desigualdades que tomam corpo nas vivências dos alunos e alunas, são valorizados apenas

como elemento motivador, como ponto de partida para a construção conceitual dos conteúdos

curriculares, e não como algo a se conhecer, a se produzir conhecimento sobre, a se

posicionar frente a.

O trato dado ao ambiente nos currículos oficiais e no material didático está distante

das vivências de precarização e das lutas por novos espaços: “a preocupação dos currículos

com o espaço destaca mais os impactos da ação humana sobre o espaço, sobre o entorno

natural do que o impacto das formas de produção, apropriação-expropriação da terra e do

espaço sobre os coletivos humanos” (ARROYO, 2011, p. 332). Para o autor, os currículos, os

materiais didáticos exaltam os espaços do progresso e ignoram, desprezam os espaços tidos

representativos de retrocesso.

Segundo Arroyo, ignorar essas vivências ou maquiá-las com visões triunfalistas de

progresso é ingênuo e antipedagógico. Em sua defesa, o estudo dos saberes do espaço deveria

ser organizado em torno de duas grandes vivências: de um lado as vivências de negação-

precarização dos espaços do viver coletivo, de outro, as vivências de resistências a esses

processos e de lutas por espaços coletivos de um justo viver.

Ao destacar diferentes olhares para o espaço, num contexto em que processos sócio-

históricos de ocupação desse espaço, levam a alterações brutais também de desocupação

(impactações-expulsões-migrações-remoções), a escola pode produzir entendimento sobre

essas tensas vivências do espaço e das externalidades muitas vezes ocultas em discursos que

se ocupam por mostrar o progresso e a preocupação social.

Alguns caminhos no tratamento didático dessas vivências sócio-espaciais pela escola

são sugeridos por esse autor. Uma atenta escuta das perguntas que vêm de suas vivências

pode ser uma postura inicial. A partir daí, pode-se abrir tempos e didáticas para essas

perguntas e pô-las em diálogo com os conhecimentos sistematizados.

No caminho de didatizar as histórias de enfrentamento desses deslocamentos e dos

desenraizamentos provocados pela expansão econômica, o autor sugere trabalhar com os

educandos, os esforços da família e das comunidades por melhoria do lugar, de moradia, por

luz, água, esgoto, transporte, escola, posto médico, segurança, bem como trazer lideranças

comunitárias para narrar essas lutas (ARROYO, 2011). Essas sugestões agregam dimensões

sociais ao currículo e às práticas educativas escolares, porém não são fáceis de serem

conduzidas no contexto de aulas de ciências e biologia, pois implicam repensar um currículo

fortemente preso a conteúdos científicos e modos de produção e consumo de conhecimentos

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circunscritos às ciências naturais. Semelhantes desafios didáticos podem ser visualizados nos

referencias teórico-metodológicos dos Temas controversos e das Questões Socialmente Vivas.

Os Temas Controversos sugerem como orientação didática e metodológica que

convergem para o sentido de tomar a sala de aula como um espaço coletivo de produção de

conhecimentos. Espaço este, que de outro modo, frequentemente converge para sentidos

únicos e discursos de autoridade que silenciam vozes. No sentido conferido por essa

abordagem, a sala de aula é um espaço produtor de uma aprendizagem que se nutre da

diferença e de diferentes visões de mundo. As controvérsias possibilitam um entendimento de

diferentes argumentos em jogo e assim podem iluminar diferenças e as relações que as

sustentam (COSENZA et al, 2011; COSENZA; MARTINS, 2013).

No âmbito de questões socioambientais, metodologias sugeridas pelos temas

controversos possibilitam a que problemas socioambientais sejam encaminhados à sala de

aula sob a forma de estudos de casos em formato de discussão, debate, tribunal, resolução de

problema, e/ou sob formato individual. Nessas situações, estudantes são 1) estimulados a

exercitarem uma compreensão alargada das diferentes perspectivas envolvidas nas questões

socioambientais controversas estudadas, 2) instigados a desenvolver um plano de ação para

responder a um problema estudado, ou 3) encaminhados a recolher dados para compreender

diferentes pontos de vista envolvidos na controvérsia estudada (COSENZA; MARTINS,

2013; PEDRETTI; NAZIR, 2010;).

De maneira semelhante, na perspectiva das Questões Socialmente Vivas (SAQ),

também há um comprometimento com as experiências sociais dos sujeitos. O ensino também

objetiva relacionar conhecimento escolar com fatos sociais e com a complexidade de eventos

sociais da atualidade. Sua preocupação, no entanto, está em desenvolver uma alfabetização

mais compromissada com as ciências sociais ao promover competências para empoderar

estudantes a entender e posicionar-se frente a assuntos controversos sociais contemporâneos

(SIMONNEAUX; LEGARDEZ, 2010; SIMONNEAUX, J; SIMONNEAUX, L, 2010).

Uma SAQ, no entendimento dos autores acima, é uma questão ainda não

completamente decidida pela ciência e pela sociedade, uma questão que é viva na sociedade,

no conhecimento de fundo (epistemológico), e no conhecimento a ser ensinado. Seu ensino

prioriza um raciocínio interdisciplinar, científico, ético e demanda uma reflexividade sócio-

epistemológica nos processos de produção do conhecimento e nas condições sociais nas quais

esse conhecimento emerge. No âmbito do estudo e tratamento didático de uma SAQ, a

interdisciplinaridade surge como pressuposto para articular as ciências naturais às humanas e

sociais.

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107

O exemplo sobre o tratamento didático da globalização, conferido por Simonneaux e

Legardez (2010) demonstra que esse tema é parte de um todo, é estruturado por problemas

interligados, inclusive socioambientais, o que reforça a necessidade de sua abordagem

interdisciplinar. Ao puxar apenas um fio da intrincada rede que constitui a temática da

globalização, tratando-o em uma área específica do saber como fato único e isolado, o(a)

professor(a) não apenas perde a dimensão do conjunto, mas pode criar condições para uma

leitura reducionista da realidade.

No referencial das SAQs, as escolhas didáticas devem ser produzidas a partir de um

exame sócio-epistemológico de diferentes paradigmas implicados na questão aguda e pela

definição de estratégias didáticas coerentes com esses paradigmas. Esse exame se desdobra

também por descobrir o nível de conhecimento social de estudantes e de suas representações

de conhecimento das questões vivas estudadas e por criar estratégias para transpor à escola

um conhecimento produzido dentro de campos disciplinares ou sociais de referencia que

circulam na sociedade (SIMONNEAUX; LEGARDEZ, 2010).

A noção de raciocínio sócio-científico nas SAQs advém de uma extensão do trabalho

de Sadler e colaboradores (2006), em oposição ao raciocínio baseado em pura lógica. Tais

autores baseiam sua teoria a partir de quatro operações: a) reconhecimento da inerente

complexidade da questão a ser estudada, b) exame da questão a partir de múltiplas

perspectivas, c) entendimento de que a questão está em curso, ainda incerta, d) entendimento

de que se deva nutrir ceticismo quanto a informações tendenciosas. Igualmente, nas SAQs, as

questões são socialmente indefinidas, pouco-estruturadas e admitem soluções sempre

disputáveis. Porém, Simonneaux, J. e Simonneaux, L. (2010) complementam estas operações

com duas outras: e) identificar riscos e incertezas e f) ter em conta valores - potencialmente

definidos pela influencia da cultura, sociedade ou mídia - ou princípios éticos subjacentes à

tomada de decisão.

Por meio dessas operações é que os autores examinaram representações sociais e

raciocínio sociocientífico de estudantes universitários em processo formativo sobre três SAQs

a partir do ponto de vista do desenvolvimento sustentável: a reintrodução de ursos nos

Pirineus e de lobos no Parque Nacional do Mercantour na França e o aquecimento global. O

estudo explora profundamente a caracterização dessas questões como SAQs para

posteriormente oferecer ao leitor as representações sociais dos estudantes universitários a

cerca de tais questões (bem como as ligações entre as três SAQs estudadas) (SIMONNEAUX,

J; SIMONNEAUX, L, 2010).

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Diferentes mediações metodológicas produzidas pelos autores, dentre visitas

exploratórias, consulta a documentos, debates em classe, leitura de artigos, entre outras,

contribuíram diferentemente para a produção das representações. A imersão na vida-real, por

exemplo, reforçou a maneira como estudantes se envolveram na questão dos ursos

(demonstrando empatia com o posicionamento dos pastores desfavoráveis à sua reintrodução

nos Pirineus) mais do que proporcionou o estudo de artigos que mobilizavam argumentos

sociais, políticos e econômicos para ambos os lados da questão. A situação de vida real

reforçou a maneira como os estudantes se posicionaram diante da questão, mas ao mesmo

tempo, incentivou, segundo os autores, posições emocionais exageradas e extremadas por

parte dos estudantes. Tal afirmação é problemática para Sadler (2009)30

, o qual não estaria

convencido de que o envolvimento em questões locais necessariamente limita a aprendizagem

e o pensamento crítico, ainda que cite outros estudos que apontam para dificuldades de

estabelecimentos de conexões quando o estudo é muito situado localmente.

A despeito de outras críticas produzidas por Sadler (2009) de que nas SAQs o

raciocínio sociocientífico estaria sendo elevado ao grau de teoria científica e constructo

analítico, contrariamente à sua ideia de um recurso conceitual para melhor entender como

experiências de aprendizagem baseadas em questões sociocientíficas podem afetar

pensamentos de estudantes, tais autores situam, no entanto, as SAQs como uma oportunidade

para expandir e refinar o discurso em torno das questões sociocientíficas e CTS.

O ensino das SAQs corre o risco duplo de aquecer ou arrefecer a agudeza de tais

questões a partir respectivamente, do incentivo excessivo ou minimização dos conflitos de

valores em sala de aula. Segundo Simonneaux e Legardez (2010), isso pode acontecer quando

estratégias didáticas assentam-se sobre muitos recortes das práticas de referência e/ou

menosprezam opiniões e valores dos estudantes. Sob uma postura epistemológica crítica, o

objetivo das SAQs não é simplesmente prover uma “solução para” ou uma visão simplificada

da questão, mas permitir a que estudantes identifiquem o que está em jogo nelas. Essa

configuração objetiva encorajar seu senso de comprometimento social no âmbito de processos

educativos cidadãos. Assim, algumas estratégias são propostas para o tratamento das SAQs:

leitura crítica de diferentes teorias, análise de posições e dados contraditórios, estudo de casos

de uma controvérsia ou uma crise global, debate ou dramatização em sala de aula

(SIMONNEAUX; LEGARDEZ, 2010).

30

Tal afirmação é problemática também para os autores da perspectiva da ecojustiça, tais como Mueller (2009,

2011) e Bowers (2001).

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É possível dizer que os Temas Controversos ou as Questões Socialmente Vivas trazem

experiências sociais, por vezes densas, radicais, conflitivas de que os currículos carecem,

sobretudo, os de ciências naturais. Mas no âmbito dessas perspectivas, qual o espaço do

debate na escola e na própria Educação em Ciências sobre as relações opressoras que sufocam

determinados conhecimentos ou paradigmas ou formas de viver em detrimento de outros?

Acredito que no âmbito das questões socioambientais é importante conectá-las em um

nível mais profundo, buscando as relações sociais, políticas, econômicas, culturais, históricas

e ecológicas que sustentam diferenças e encontram legitimação no modelo de sociedade e

desenvolvimento. O argumento desse trabalho reside no pressuposto de que é necessário ir

fundo para encontrar relações subterrâneas ligadas às desigualdades socioambientais e tentar

aprofundá-las com os educandos.

Entendo que questões controversas ou socialmente vivas, ao colocarem

permanentemente em questão a diferença, não devem ser apartadas das relações de poder que

as constituem como tal, nem distanciadas das relações de igualdade/desigualdade entre os

diferentes. Essas questões guardam certa ambiguidade, fruto das relações de poder que as

organizam, pois dependendo das forças que delas se apropriam pelo discurso, podem ser

tomadas como expressão do espaço de luta dos grupos sociais dominados para terem suas

formas culturais reconhecidas ou como demanda por “solução” para o problema que a

diferença impõe. Nesse último sentido, essas questões podem surgir como uma ferramenta

produtora de consenso em torno de ideais dominantes e assim podem limitar o

reconhecimento de fatores e contradições que sustentam conflitos socioambientais.

Processos educativos emancipatórios dão centralidade ao que se esconde por detrás

das diferenças, sejam elas diferenças de interesses de classe, ambiente, etnia, gênero, raça,

sexualidade. Essa perspectiva carrega consigo um entendimento crítico presente nos estudos

multiculturais, para os quais “a diferença mais do que tolerada ou respeitada, é colocada

permanentemente em questão” (SILVA, 2009, p. 89). A ideia de tolerância e respeito a esse

outro tido como exótico, diferente deixariam intactas as relações de poder que estão na base

da produção da diferença e implicam certa superioridade por parte de quem mostra essa

tolerância (HALL, 2006, 2013; SILVA, 2013).

A articulação dialética entre igualdade e diferença também pode ser vista nos escritos

de Candau (2002, p. 128), para quem não se deve contrapor igualdade à diferença, pois a

igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade. Do mesmo modo diferença,

segunda ela, “não se opõe à igualdade e sim à padronização, à produção em série, à

uniformidade, a sempre o “mesmo”, à “mesmice””.

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110

Tomadas de um ponto de vista ideológico, identidade e diferença são fabricações da

linguagem, nomeadas de acordo com certos posicionamentos discursivos. Esse ato de

designação não é neutro, estando ligado a vetores de forças que situam os diferentes

assimetricamente em grupos sociais. É por essa razão que identidade e diferença encontram-se

em estreita conexão com relações de poder, pois os processos de diferenciação, apresentam

marcas de “ inclusão/exclusão, de marcação de territórios entre “nós e “eles” , classificação e

normalização”. Criamos padrões de correção e elegemos identidades como parâmetros de

normalidade e positividade, segundo os quais outras identidades são definidas como

desviantes (MOITA LOPES; FABRÍCIO, 2005, p. 257).

Falar em conflitos socioambientais implica em um sentido mais crítico, compreender e

desvelar assimetrias de poder e esquemas de opressão social que perpetuam desigualdades

socioambientais. Do mesmo modo, tratar dos padrões de apropriação-expropriação

socioambiental da terra, do espaço implica tratar as relações sociais e políticas de dominação-

subordinação presentes em nossa história. Talvez os conflitos socioambientais demandem

mais do que desvelar controvérsias, ou examinar diferentes paradigmas, ou interesses em jogo

que os compõe.

De um ponto de vista mais crítico, o tratamento didático de conflitos na escola, ao

aglutinar referenciais da educação ambiental, aos dos temas controversos, das SAQs, e do

multiculturalismo crítico desafiam a escola (e as práticas pedagógicas) a colocarem em

questão processos pelos quais as diferenças são produzidas através das relações de assimetria

e desigualdade.

5.3.3 Potencializando a defesa de uma educação política, ética e moral no âmbito de

processos educativos que se pretendam emancipatórios

Uma das correntes das abordagens ciência-tecnologia-sociedade-ambiente - CTSA31

-

mencionadas por Pedretti e Nazir (2011) ao mapear esse campo, é a corrente da ecojustiça

(ecojustice). Para além do entendimento do uso de temáticas relevantes socialmente para

explorar ciência e prover oportunidades para desenvolver competências e práticas no

desenvolvimento da cidadania, o foco dessa corrente recai sobre entender e resolver

problemas socioambientais e injustiças ambientais através da agência humana e ação.

31

Esses autores partilham da crença de que o “A” de ambiente sempre esteve contemplado nas discussões sobre

CTS, e deste modo identificam esta abordagem como CTSA desde sua origem.

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111

Os estudiosos dessa corrente (BOWERS, 2001; MUELLER, 2011, 2009; PEDRETTI;

NAZIR, 2011) acreditam que a educação em ciências tradicional ou outras correntes CTSA

não vão longe o suficiente em seus processos educativos no tratamento sobre fatores culturais,

políticos e econômicos que influenciam a ciência e a educação em ciências e assim, acabam

por minimizar seu papel na transformação societária.

O objetivo do ensino é a promoção de certo tipo de cidadania e responsabilidade

cívica, em que a transformação, a agência e a emancipação são características chaves. As

propostas assentam-se assim, nos objetivos de aquisição de conhecimentos, utilização de

habilidades e desenvolvimento de valores. Atividades de sala de aula são construídas para

atrair estudantes a desenvolver senso de justiça e motivá-los a pensar e resolver criticamente

problemas CTSA. Essas atividades são geralmente sugeridas na forma de trabalhos

cooperativos entre alunos ou entre professor e aluno, pesquisas, apresentações orais e

relatórios escritos.

Pedretti e Nazir (2011) mencionam duas abordagens comuns no âmbito dessa

corrente: a primeira combina “educação baseada no lugar”32

com uma orientação CTSA,

fundamentada na crença, diferentemente das SAQs, de que a aprendizagem é mais efetiva

quando é derivada de contextos imediatos do aprendiz. As situações estudadas levam

estudantes a executar suas próprias opiniões sobe a ciência e tecnologia, junto aos fatores

ambientais, econômicos, sociais, políticos que sustentam uma questão de estudo. Estudantes

são estimulados a desenvolver um plano de ação e buscar uma solução para o problema. São

também encorajados a pensar em princípios de justiça, equidade e responsabilidade social

para responder a este problema estudado.

Uma segunda abordagem usualmente utilizada envolve atividades em que estudantes

aplicam princípios democráticos para enfrentar os problemas ambientais mais gerais que se

originam a partir da ciência e tecnologia. Atividades são pensadas para empoderar estudantes

a fazerem escolhas democráticas e exerceram ações específicas em um plano de ações.

Assim como os autores tratados quando da discussão sobre justiça ambiental no

movimento ambientalista, Bowers (2001) tem argumentado sobre a necessidade de ampliar o

escopo da dimensão apenas distributiva da justiça ambiental, baseada nas disparidades de

bens, serviços e riscos ambientais. Esse autor considera que tais disparidades repousam sobre

premissas culturais e instituições sociais específicas. Para ele, a existência de “justiça” ou

“ambiente” não são universalmente realizáveis e assim se faz importante reforçar outra

32

Termo originalmente mencionado pelos autores como “place-based education” (PEDRETTI; NAZIR, 2011, p.

617).

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112

dimensão da justiça, a justiça de reconhecimento, relacionada a pouco ou mau

reconhecimento ou ainda a desvalorização de formas sociais e visões de mundo culturais

particulares. Segundo ele, a legitimação de processos pelos quais significados são atribuídos

para questões, tais como o direito de elementos da natureza à justiça, é fundamental para a

busca de justiça, igualdade e proteção ambiental em determinados contextos culturais.

No entanto, Bowers (2001) defende que a educação ambiental deva ser uma educação

para a ecojustiça. Seu argumento reside na crença de que a EA está fundada em uma visão de

mundo ocidental e que assim, estaria imbuída dos valores que tomam parte na crise ambiental

contemporânea. No contexto da ecojustiça, ele propõe uma extensão da justiça para o

ambiente não humano, o que requer o exame de metáforas profundas, símbolos, normas e

práticas sociais alternativas.

Outro autor desta corrente a defender a dimensão do reconhecimento enquanto

constitutiva da justiça ambiental é Mueller (2009, 2011), que aposta no entendimento de

ecojustiça como uma descrição densa do bem comum, como uma forma de repensar as

maneiras pelas quais comunidades vivem em relação a outras comunidades humanas, espécies

não humanas e seus habitats. Para esse autor, o movimento é o de “deixar a sala de aula”, não

necessariamente de forma física, mas como jeito de conhecer formas culturais diversificadas.

Para ele faz-se importante ir lá fora para aprender maneiras como comunidades aprendem a

viver sustentavelmente fazendo, inclusive, frente ao mercado globalizado. Semelhante

entendimento pode ser visto em Dopico e Garcia-Vazquez (2011), para quem a ecojustiça

deve se constituir a partir de uma perspectiva positiva que valoriza experiências sustentáveis

positivas, em vez de uma pedagogia estruturada ao redor de exemplos de problemas

ambientais, de crise ambiental e de como não ser sustentável.

Mueller (2009, p. 1033) define o foco central da ecojustiça como uma perspectiva

emergente em que confluem preocupações com o social, com a injustiça ambiental, com a

opressão para com humanos e para com a natureza e a degradação ambiental. O foco central

da ecojustiça é o entendimento das tensões entre cultura (conhecimentos inter-generacionais e

habilidades, crenças, valores, expectativas e narrativas) e as necessidades dos ecossistemas da

Terra. Segundo seu pensamento, a justificativa para incorporar o ambientalismo e a ecojustiça

na educação está em “aumentar a consciência em torno da crença que um maior estilo de vida

sustentável é beneficial para o indivíduo, para a comunidade e para o ambiente”.

Mueller (2009) acredita que as práticas educativas ambientais devem prescindir das

discussões acerca da crise ambiental, que, em sua opinião, são contraproducentes,

desestimulantes, pois geram medo e podem se constituir em uma doutrina de choque nas

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113

escolas. Deste modo, propõe uma filosofia de ecojustiça que traz, segundo ele, ao menos três

implicações para a educação. A primeira é a oportunidade que estudantes e professores devem

ter para pensar sobre diferentes maneiras nas quais indivíduos, comunidades e ambientes

trabalham juntos enquanto ecossistemas complexos. Sob esse prisma, oportunidade, mais que

o medo, é a base para sustentar responsabilidade e ativismo a partir da escola. Para ele,

quando jovens tornam-se informados e constroem conhecimentos dos impactos da tecnologia,

eles tomam um espaço no processo de tomada de decisão da comunidade e na escolha de

estilos de vida.

A segunda implicação da ecojustiça para educação em Mueller é a necessidade de

preparar professores e estudantes para tornarem-se confortáveis com as maneiras nas quais

ecologistas lidam com pontos incertos, o que, em sua opinião, conduziria uma formação de

futuros ecologistas ou gestores ambientais mais preparados para conduzir projetos

sustentáveis reais.

Já a terceira dimensão é relativa à valorização das comunidades locais no trabalho

pedagógico. Para Mueller, estudantes e professores devem conduzir projetos que integrem

conhecimentos e habilidades imersos dentro de comunidades locais. Abordar a educação

científica com a mentalidade do “quanto mais próximo melhor”33

é apropriado, segundo ele,

quando se pensa em termos de aproximar a aprendizagem de contextos imediatos do aprendiz

e do fortalecimento de culturas e comunidades locais. Para o autor, muitas oportunidades

podem envolver a comunidade ao ensino de ciências e vice-versa: pesquisas, imersão cultural,

aprendizagem em serviço, co-planejamento e co-ensino, mapeamento comunitário, eventos

culturais, entrevistas comunitárias, jornais e portfólios, contação de histórias, projetos de

sustento comunitário (o autor cita como exemplo o viés da soberania alimentar a partir de

projetos coletivos que envolvem escola-comunidade em jardinagem, produção de alimentos e

embalagens, nutrição etc.). Todas essas ações implicam, para o autor, em como estudantes e

professores podem trabalhar juntos construindo práticas em torno da crença, muito reforçada

em seu texto, de que um maior estilo de vida sustentável é bom “para o indivíduo, para a

comunidade e para o ambiente natural” (MUELLER, 2009, p. 1053).

Os pressupostos de Bowers e Mueller têm sofrido muitas críticas no âmbito da EA,

dentre elas a de que, diferentemente da perspectiva da justiça ambiental, que denuncia a

desigual distribuição de danos ambientais entre pessoas, a ecojustiça estaria fortemente ligada

a uma perspectiva de justiça voltada à natureza (HALUZA-DELAY, 2013). Ainda que seja

33

Termo original utilizado pelo autor: “the closer the better” (MUELLER, 2009, p. 1053).

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114

visível em seus escritos tal inclinação, muitos dos ideais subjacentes dessa corrente advêm de

uma tentativa de alargar os pressupostos apenas distributivos da justiça ambiental, conferir

novos aportes aos conteúdos tradicionais do ensino de ciências e contribuir para fortalecer a

relação escola-comunidade. A meu ver, tais referenciais podem ser articulados e

complexificados aos de uma formação para justiça social.

A formação para a justiça social objetiva contribuir para uma diminuição das

desigualdades existentes nos sistemas escolares públicos e das injustiças que existem nas

sociedades fora dos sistemas de ensino: em relação ao acesso à moradia, alimentação, saúde,

transporte, saneamento básico, ao trabalho digno, salário justo. Também objetiva preparar

professores para lidar criticamente com formas crescentes de “responsabilidade” que têm sido

impingidas às escolas e frequentemente assumem uma postura punitiva em relação às

mesmas, culpando professores e administradores pelos problemas sociais (ZEICHNER,

2008).

A formação para justiça social incorpora vários aspectos do que tem sido referido na

agenda da educação, ou nas políticas públicas de educação como educação socio-

reconstrucionista, multicultural, anti-racista e inclusiva. Mas, embora faça uso de aspectos

dessas tendências de formação, ela aprofunda o foco na contribuição da educação aos

processos de mudança social. Existe um reconhecimento das dimensões sociais e políticas do

ensino, juntamente com outras dimensões e o reconhecimento das contribuições dos

professores para aumentar as oportunidades de vida de seus alunos e alunas. Embora o ensino

e a formação possam desempenhar importante papel para lidar com desigualdades e injustiças,

devem ser vistos como parte de um plano mais abrangente de reformas societárias

(ZEICHNER, 2008).

O sentido de justiça social na formação surge associado a uma matriz pedagógica de

um ensino “culturalmente sensível”, em que o conhecimento, as habilidades e os

compromissos, voltam-se a um ensino que; 1) é socioculturalmente consciente que valoriza as

múltiplas formas de perceber a realidade, 2) tem uma visão positiva de alunos com perfis

diversos, ao invés de considerar as diferenças como problemas a serem superados, 3) busca

conhecer os conhecimentos e as experiências sociais dos alunos e alunas (inclusive pela

imersão em suas comunidades), 4) usa esse conhecimento para planejar estratégias didáticas

(VILLEGAS; LUCAS, 2002 apud ZEICHNER, 2008).

Com a afirmação da existência de múltiplas subjetividades e condições de ser e de

existir adentrando a escola, coloca-se como demanda uma dinâmica de formação que dialogue

com essas múltiplas formas de ser e estar no mundo. Nesse cenário, a presença de desiguais

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115

na escola gera uma demanda de formação para professores e destes para com seus alunos e

alunas que não está associada diretamente aos conteúdos específicos de seu objeto de

conhecimento. Relacionam-se a conteúdos de ética, política e justiça social (ZEICHNER,

2008).

Tomo as perspectivas de uma formação para justiça social, valendo-me de duas outras

perspectivas essenciais nesse estudo. Uma delas é a da justiça ambiental que mostra que o

gradiente de desigualdade também assume uma dimensão ambiental pelas desproporcionais

oferta de serviços ambientais e imposição de riscos ambientais às populações menos dotadas

de reconhecimento, participação e de recursos financeiros e políticos. Assim, trago a

dimensão ambiental para dentro da formação para justiça social. Aglutinar essa dimensão em

processos formativos requer explicitamente 1) reconhecer as diferenças entre grupos a fim de

contribuir para minar a opressão e riscos socioambientais e 2) dar visibilidade às lutas dos

grupos sociais nas decisões sobre o acesso, a ocupação e o uso dos recursos ambientais em

seus territórios.

Outra referência importante que ressignifica meu olhar na discussão sobre justiça

social vem da Análise Crítica de Discurso (ACD). Como tratado no capítulo dois, essa teoria

assume posição dialética em relação aos conceitos de ideologia/hegemonia que torna possível

dizer que os sujeitos são posicionados ideologicamente, mas são também capazes de agir

criativamente no sentido de realizar suas próprias conexões entre as diversas práticas a que

estão expostos e a reestruturar essas práticas e as estruturas posicionadoras.

Esses pressupostos implicam no reconhecimento que discursos e práticas, e mesmo as

oportunidades de aprendizagem, são influenciadas, mas não determinadas pela associação de

um indivíduo a um grupo. Processos que dão centralidade à justiça social ajudam a reconhecer

indivíduos como membros de grupos sociais, cujas oportunidades e experiências são

influenciadas, mas não determinadas, por suas filiações.

Sob esses referenciais, lidar com o fenômeno da injustiça ambiental em processos

formativos requer conhecer diferenças e relações de poder que sustentam injustiças, ao

mesmo tempo em que requer considerar as lutas por justiça ambiental como formas dignas de

romper com estruturas posicionadoras e quadros de opressão. Também convida a pensar

diferentes maneiras com as quais professores/as podem apropriar-se desses ideais, romper

com processos formativos neutros e apartados de compromisso social.

O tratamento de conflitos socioambientais na escola pode mobilizar os referencias da

educação em ciências descritos nesta seção a partir de uma formação voltada a justiça e

emancipação sociais. Nessa direção, demandam um entendimento de educação como práxis

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116

essencialmente política. Um paralelo possível entre esses campos mencionados se constitui

na defesa e na tecedura da educação para a cidadania. Para Santos e Mortimer (2001), o

controle social sobre a atividade científica, em uma perspectiva democrática, implica em

envolver uma parcela cada vez maior da população nas tomadas de decisão e para uma ação

responsável sobre C&T, assim como em relação aos problemas éticos, ambientais e de

qualidade de vida.

Pode-se dizer que o fortalecimento da cidadania, além de ser um dos principais pilares

de uma educação crítica, se constitui hoje, em um de seus principais desafios. O elemento

cidadania para Jacobi “trata não só da capacidade do indivíduo exercer os seus direitos nas

escolhas e nas decisões políticas, como ainda de assegurar a sua total dignidade nas estruturas

sociais” (JACOBI, 2005, p. 5).

Isto significa que uma educação comprometida com a formação de uma cidadania

plena deve ir além da visão clássica de cidadania, enquanto noção de direitos civis, sociais e

políticos, de cooperação e de bom convívio social. Esta visão é cumulativa, passiva e não dá

conta das demandas de inclusão na sociedade global e de construção de uma

responsabilidade ativa (LOUREIRO, 2002).

Em contrapartida, a cidadania plena pode ser assumida como algo que se constrói,

que se constitui ao dar significado ao pertencimento do indivíduo a uma sociedade,

incluindo, além dos direitos e deveres civis, sociais, políticos, o direito a um meio ambiente

sadio e equilibrado e uma co-responsabilidade e participação na construção de uma sociedade

sustentável. Fazer das lutas e protagonismos comunitários por cidadania, processos

educativos, convida a pensar diferentes maneiras com as quais professores (as) podem

romper com práticas formativas neutras, apartadas de compromisso social em direção à

formação de sujeitos político-cidadãos.

Neste capítulo, argumentei que práticas sociais e educativas em educação em ciências

e educação ambiental, que têm como elemento mediador os conflitos socioambientais,

podem se constituir em espaços privilegiados para produção de educabilidade e para uma

formação para a justiça ambiental.

No capítulo seguinte, passo à análise do discurso da professora no contexto do corpus

delimitado. As análises apoiam-se na discussão de relações intertextuais entre discursos da

professora e discursos dos campos da educação em ciências e educação ambiental, bem como

discursos dos atores que tomam parte do conflito socioambiental de Lagomar, quando da

significação de tal conflito na prática pedagógica.

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117

6 AS SIGNIFICAÇÕES SOBRE UM CONFLITO SOCIOAMBIENTAL NA PRÁTICA

ESCOLAR DOCENTE

A Análise Crítica do Discurso considera que todo texto é constituído por elementos de

outros textos (FAIRCLOUGH, 2001). Como tratado no capítulo dois, Fairclough (2001)

entende a relação entre o discurso e o mundo sociocultural como sendo dinâmica e sempre

movente, podendo ter um caráter transformador ou reprodutor das práticas sociais. Para

entender o processo de mudança ou estabilidade no discurso, por um lado, o analista se

preocupa com as particularidades de um evento especifico, analisando-o em sua dupla

dimensão de prática discursiva (processo de produção, circulação e de interpretação) e de

prática social (ligado ao contexto sociocultural global e local).

Exploro aqui uma dimensão analítica que diz respeito à intertextualidade manifesta, ou

seja, às formas pelas quais outros textos estão explicitamente marcados na superfície textual.

A intertextualidade pode acontecer de maneira sequencial, em que diferentes textos ou

discursos se alternam em um texto; encaixada, em que um texto ou tipo de discurso está

claramente contido na matriz de outro; e mista, na qual, texto ou tipos de discursos estão

hibridizados ou fundidos de forma menos facilmente separáveis (FAIRCLOUGH, 2001).

Neste trabalho, a intertextualidade manifesta será explorada por meio da identificação de suas

realizações na forma de representações discursivas, pressuposições, negação, metadiscurso e

ironia.

A representação discursiva determina os tipos de discurso, o modo como estes estão

representados e ainda a sua função no texto, por meio do entendimento do que é citado, como

e por quê. A representação discursiva pode ir além do conteúdo do discurso representado,

incluindo aspectos do estilo e do contexto dos enunciados representados (FAIRCLOUGH,

2001). A representação pode ser direta quando o autor reproduz as palavras exatas do discurso

representado (por meio de aspas, por exemplo) ou indireta, nesse caso não se pode ter certeza

de que as palavras originais (e os sentidos) estejam ali fielmente representadas ou não.

Já as pressuposições são representadas no texto por proposições consideradas, pelos

seus produtores, como algo estabelecido, sendo, portanto, uma forma de incorporar outros

textos, que podem ou não terem sido produzidos pelos sujeitos envolvidos na produção do

texto analisado. Segundo Fairclough (2001), as pressuposições tomam parte da constituição

ideológica dos sujeitos. Podem ser sinceras ou manipulativas, ou seja, podem apresentar uma

proposição estabelecida com o objetivo de manipulação do leitor, uma vez que proposições

são frequentemente difíceis de desafiar.

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118

Por meio do recurso semiótico da negação, o/a autor/a, incorpora outros textos para

contestá-los ou rejeitá-los. Negar algo, fazendo uso de um intertexto, pressupõe a defesa do

ponto de vista (contestado/rejeitado) em algum outro texto ou discurso. Nos casos em que um

metadiscurso toma forma, o/a produtor/a distingue níveis diferentes dentro do próprio texto e

distancia a si próprio de alguns desses níveis como se fosse outro texto externo. O

metadiscurso causa um efeito de distanciamento de si mesmo em relação a alguns níveis desse

texto, abordando o nível distanciado como outra produção, como se fosse um texto externo.

Representações de metadiscursos podem se constituir através de expressões evasivas, (como

“uma espécie de”, “um tipo de”), ou trechos que sugerem pertencimento a outro texto

(“fulano poderia ter dito”, “segundo fulano”), ou expressões metafóricas ou ainda através do

uso de paráfrases.

O metadiscurso sugere que o falante está acima ou fora de seu próprio discurso. Essa

posição oferece condições de o falante controlar ou manipular seu discurso. A consequência

dessa prática é interessante na leitura que se faz da relação entre discurso e identidade

(subjetividade). A questão apresenta dois lados. Primeiro, a probabilidade de o sujeito

distanciar-se de seu próprio discurso cria a ilusão de que ele controla esse discurso. O “eu”

assumiria uma posição de controle. O segundo lado diz respeito à visão dialética da relação

entre discurso e subjetividade: os sujeitos são posicionados e constituídos no discurso, mas

também são transformadores à medida que se envolvem na prática contestadora e redefinidora

das estruturas discursivas (ordem do discurso) que os posicionaram.

Parafrasear ou reformular recria a fala de outro de outra maneira no texto. Parafrasear

consiste em transcrever, com novas palavras, as ideias centrais de um texto. Desta forma, a

paráfrase repousa sobre um texto-base, condensando-o de maneira direta e imperativa. Para

Fairclough (2001), a pessoa não somente incorpora discursos outros, mas também está

envolvida na pratica que contesta e reestrutura as estruturas discursivas. Está envolvida em

considerações polêmicas e objetivos manipulativos dos discursos que usa e, assim em novas

definições textuais políticas e ideologicamente motivadas.

Nas definições tradicionais de ironia (dizer uma coisa e significar outra), falta uma

abordagem intertextual desse recurso (FAIRCLOUGH, 2001). Em um enunciado irônico,

ecoa um outro enunciado ou uma outra voz, pois não há relação entre o significado, ou função

real do enunciado, e o que foi ecoado. Na ironia, os intérpretes exercem uma função muito

importante: eles devem ser capazes de perceber o outro sentido que está velado nas estruturas

linguísticas. Vários fatores contribuem para essa identificação: explícita falta de combinação

entre o significado aparente e o contexto situacional, indicações sobre o tom de voz do falante

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119

ou pistas no texto escrito, pressupostos dos intérpretes acerca das crenças e dos valores do

produtor do texto.

Na tentativa de entender tais relações intertextuais, meu foco recai sobre aspectos do

discurso da professora tanto em relação a discursos textuais lidos/considerados ao longo do

projeto formativo, quanto a discursos orais de protagonistas do conflito socioambiental de

Lagomar. Desse modo, organizei os dados de pesquisa em duas seções.

O primeiro trata das relações intertextuais que se estabelecem em um diálogo

constante com uma rede de textos disponíveis culturalmente. Refiro-me tanto a textos sobre

CTS (AULER, 2007; AULER; DELIZOICOV, 2001), Temas Controversos (SILVA;

CARVALHO, 2007), Educação Ambiental, Justiça e Conflitos Socioambientais (FILHO et al,

2010; LAYRARGUES, 2009; NICOLAI-HERNÁNDEZ; CARVALHO, 2006;

RODRIGUES; PINTO, 2009), que foram escolhidos pela pesquisadora e pela professora no

processo formativo, quanto outros, presentes na prática educativa da professora (como, por

exemplo, o “PPP” e o “Currículo Mínimo”).

O segundo trata dos intertextos estabelecidos em diálogo com os discursos dos atores

do conflito socioambiental de Lagomar, com os quais a professora se envolveu ao longo de

alguns importantes momentos, a saber: entrevistando lideranças comunitárias do Bairro

Lagomar, participando de reunião junto à comunidade moradora da área de ocupação do

Lagomar. Além disso, a professora também recebeu na escola alguns dos sujeitos que tomam

parte do conflito (um morador da área de ocupação, duas advogadas defensoras dos

moradores da área, um pesquisador do conflito), quando do desenvolvimento de uma

atividade pedagógica (palestra) em sala de aula.

Com base no ângulo conjuntural e no universo contextual apresentados, me volto para

esses dois subconjuntos de análises, com o objetivo de entender quais discursos sobre o

conflito socioambiental nele circulam. Deixo para as considerações finais, a construção de

relação entre eles a partir do sentido da hibridização. Algumas questões orientam o meu olhar:

quais discursos dos campos da educação em ciências e da educação ambiental entram em cena

quando a professora menciona estratégias didáticas para o tratamento do conflito

socioambiental na escola? Quais vozes dos atores que participam do conflito socioambiental

do Lagomar são privilegiadas em seu discurso? Quais recursos discursivos são por ela

utilizados interacionalmente para evidenciar, redimensionar ou apagar o conflito

socioambiental?

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120

6.1 SIGNIFICANDO UM CONFLITO SOCIOAMBIENTAL EM DIÁLOGO COM A

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Tomo como parte do corpus analítico para essa discussão, dois eventos discursivos

distintos. O primeiro refere-se a um texto produzido pela professora e por ela denominado: “A

Abordagem CTS e o Estudo de Temas Controversos em uma Turma do Ensino Médio”. Este

texto foi produzido, quando do desenvolvimento do relatório final das atividades do Projeto

Ensino de Ciências: desempenho de estudantes, práticas educativas e materiais de ensino, a

partir de uma demanda feita por mim de que ela descrevesse/interpretasse as vivências

realizadas ao longo do projeto considerando alguns eixos, quais foram: 1) os textos estudados

e os trabalhos de campo realizados e suas implicações à prática pedagógica, 2) o planejamento

e as ações didáticas realizadas em sala de aula e suas implicações ao processo

ensino/aprendizagem e 3) os significados que a vivência no projeto trouxe a sua vida de

professora, às suas práticas de sala de aula, à sua vida como moradora de Macaé, às suas

expectativas de aprendizagem dos alunos e alunas que vivenciaram o projeto.

Tal texto pode ser caracterizado como um relatório de atividades educativas, em sua

última versão produzida em janeiro de 2012. Foi sendo escrito por ela ao longo de todo o

processo formativo e também por ela reavaliado ao final de todas as etapas desenvolvidas no

projeto. Esse movimento objetivou capturar o exercício reflexivo produzido pela professora:

seus saberes, suas dúvidas e anseios, as influências e valores com os quais se colocava a olhar

sua própria prática diante de questões socioambientais tão intensas e tão difíceis de serem

didatizadas.

Este texto é assim fruto de uma reflexão da professora, eminentemente avaliativo de

sua prática pedagógica. Por meio dele, ela também oferta referenciais, estratégias, desafios

didáticos, o planejamento das atividades, enfim, informações à pesquisadora, em um relatório

de atividades, cujo gênero discursivo demanda uma reflexão crítica a respeito das práticas e

contextos discursivos de sua produção e interpretação. Deste modo, entendo que esse texto

expressa atitudes e juízos morais da professora em relação a sua práxis34

e, assim, constitui

34

Para Paulo Freire, práxis “implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”

(FREIRE, 1988, p. 67). Refere-se à ação intersubjetiva entre pessoas, relativa à liberdade e às escolhas

conscientes, feitas pela interação dialógica e pelas mediações que estabelecemos com o outro, com a sociedade

e com o mundo. Ao falar em práxis docente, assumo o/a professor/a como aquele/a que se reconhece no

mundo, sabendo-se capaz de modificar a realidade objetiva e modificar-se nela de modo reflexivo, pelo

autoquestionamento, pelo sentimento de provisoriedade e ambiguidade. Localiza assim, a força educativa

inovadora, emancipatória, na capacidade de pensar a educação como processo - com avanços, retrocessos,

zigue-zagues, idas e vindas, tropeços, quedas, recomposições, que vão sendo reconhecidos na reflexão/ação em

seus vínculos sociais.

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um campo fértil para a análise do trabalho ideológico do discurso. Análises realizadas a partir

deste corpus e desta experiência formativa se somaram a outras na produção do artigo

conjunto produzido por Cosenza e colaboradores (2014).

O segundo evento discursivo considerado aqui se refere aos discursos orais produzidos

pela professora ao longo da primeira atividade por ela realizada, em maio de 2011

(denominada “Energia em Foco”), junto aos alunos e alunas do segundo ano do ensino médio.

Entendo que esses discursos compõem o corpus dessa pesquisa, na medida em que,

pronunciados nesta atividade, dispararam o reconhecimento pela professora do bairro

Lagomar como território precarizado de vida de muitos desses alunos e alunas. Essa atividade

conferiu também reconhecimento de importantes saberes acerca da impactação

socioambiental de Macaé, de que a professora fez uso para planejar estratégias didáticas,

inclusive aquelas mais especificamente relacionadas ao conflito socioambiental de Lagomar.

Tais discursos ganham sentido na medida em que insinuam uma adesão bastante híbrida a

uma das correntes teóricas da educação em ciências - os Temas Controversos - no tratamento

da sustentabilidade.

O texto “A abordagem CTS e o Estudo de Temas Controversos em uma Turma do

Ensino Médio” apresenta 10 páginas e foi subdivido pela professora em quatro seções, quais

sejam: resumo, desenvolvimento, relato dos resultados e considerações. Em anexo, a

professora também situa um quadro referente ao planejamento das atividades didáticas que

desenvolveu. Nas primeiras seções, a professora menciona os objetivos do projeto, o contato

inicial com a pesquisadora e o modo como se engajou ao projeto. Minha análise inicia-se com

três segmentos contidos respectivamente nas seções título, resumo e desenvolvimento:

SEGMENTO 1 A ABORDAGEM CTS E O ESTUDO DE TEMAS CONTROVERSOS EM UMA TURMA DO ENSINO 1 MÉDIO [grifos meus] 2

SEGMENTO 2 O tema proposto aos alunos foi energia, e esse serviu de ponto de partida para amplas discussões sobre as 3 implicações da exploração da energia originada do petróleo e os impactos socioambientais causados por ela. 4

SEGMENTO 3

Nesse primeiro contato, a pesquisadora me falou de seu interesse em explorar questões relacionadas à energia, 5 uma vez que o município tem como base de sua economia a extração do petróleo e essa extração e toda a cadeia 6 que a envolve ocasionou nos últimos anos, grandes mudanças no cenário anteriormente bucólico de cidadezinha 7 do interior, passando de Princesinha do Atlântico à Capital Nacional do Petróleo. Nesse primeiro contato com a 8 pesquisadora Angélica, ela ainda me falou sobre o enfoque CTS e as questões controversas, que seriam 9 abordados durante o trabalho e que pautariam a realização dos mesmos. Questões do ENEM, abordagem da 10 temática energia também estariam evidenciadas nesse estudo. 11

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Esses três segmentos têm em comum, referências às tendências do campo da educação

em ciências (abordagens CTS e Temas Controversos) no âmbito do trabalho pedagógico por

ela enunciado. Interessante notar nas linhas 1 e 9 pressuposições à essas abordagens como

proposições consideradas tácitas pela professora, utilizando-se dos artigos definidos (o, a/s)

para delimitá-las e diferenciá-las no texto.

Também no segmento dois, posicionado na seção “resumo”, referências à abordagem

CTS podem ser percebidas em representações discursivas indiretas: a importância ao tema

energia, tomada como ponto de partida para articulações com questões sociais e ambientais

ecoa um discurso comum às abordagens CTS que valorizam os impactos da ciência e

tecnologia sobre a sociedade e ambiente no tratamento de um conteúdo científico, neste caso a

energia. Esse tema surge na nominalização (conversão do processo de proposição do conteúdo

energia aos alunos em um nome = “o tema proposto”) presente na linha 3 e é marcado em

primeiro plano na primeira e segunda orações. O tema energia surge como sujeito das

orações, ofuscando a ação da própria professora (que é quem propõe o tema aos/as alunos/as).

A enunciação da professora confere certa centralidade a essas abordagens, na medida em que

elas vêm enunciadas em seções que intitulam, resumem toda a experiência no âmbito do

projeto.

No segmento 3, a professora menciona o processo de negociação de sua adesão ao

projeto junto à pesquisadora. Como mencionei anteriormente, nesta ocasião, expus que o

objetivo do projeto Ensino de Ciências era promover práticas pedagógicas e estratégias

didáticas desenvolvidas quando do tratamento do tema energia, mas que esse objetivo deveria

ser alargado em direção aos impactos e conflitos socioambientais locais.

A professora situa a pesquisadora como sujeito em orações (que falou de interesses

ligados à temática da energia e que pautou o trabalho a partir da abordagem CTS e dos temas

controversos). Usa de paráfrases para mencionar diretamente a pesquisadora ou por meio de

pronomes (ela me falou), como para distanciar a si própria de um discurso externo. Nesses

segmentos, a professora, os/as alunos/as aparecem como beneficiários de processos

formativos (linhas 1, 3, 5 e 9). Os intertextos do discurso da professora aqui sugerem o

reconhecimento de meus interesses de pesquisa e de meu discurso parafraseado sob a forma:

do enfoque CTS, das questões controversas e das questões do Enem na abordagem da

temática energia.

Importante notar, a ausência das temáticas “conflito socioambiental” e “justiça

ambiental” nessas partes significativas do relatório, tais como título, resumo e

contextualização das atividades, que nesse gênero frequentemente costumam condensar as

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ideias centrais a serem desenvolvidas no texto. As temáticas que passam a prevalecer em seu

discurso, em seu aspecto ideacional, ou seja, em seus significados representados, são as

relativas ao conteúdo da energia, presente na matriz curricular do ensino médio e nos livros

didáticos. Também na relação com os discursos da pesquisadora, na análise desses segmentos

iniciais, esta ausência se faz notar a julgar pelo modo como o conflito socioambiental sempre

pautou minhas sugestões didáticas e discussões com a professora.

Dando continuidade ao seu texto, adentrando a seção “desenvolvimento” das

atividades do projeto, a professora relata os textos que leu, os caminhos investigativos que

percorreu junto à AGENDA 21 e aos coletivos sociais locais, as estratégias que teceu para

tratar “o tema proposto”. Segmento importante de seu texto (SEGMENTO 4), transcrito

abaixo, menciona os conteúdos que desenvolveu no processo formativo junto aos seus alunos

e alunas.

SEGMENTO 4

Em prosseguimento às ações iniciadas, foi realizada uma sequencia de aulas objetivando, tratar as questões 12 referentes ao petróleo e sua exploração no município de Macaé. Todas as ações planejadas tinham como 13 objetivo evidenciar a controvérsia existente entre o progresso da cidade de Macaé, fruto da implementação da 14 cadeia produtiva do petróleo na região e a impactação socioambiental ocasionada por essa cadeia. Essa análise 15 focando a controvérsia possibilita aos alunos, segundo Reis, alcançarem uma opinião formada e de 16 participarem em discussões, debates e processos de tomada de decisão, o que foi instigado durante todas as 17 etapas. 18 Os conteúdos trabalhados em aula abordavam: 19 Diferentes tipos de energia e usos 20 Identificação das fontes primárias e secundárias de energia 21 A origem do petróleo e os processos envolvidos; 22 A história do petróleo e de sua utilização pela humanidade; 23 A cadeia produtiva do petróleo 24 Impactos socioambientais causados nos diferentes níveis da cadeia produtiva do petróleo; 25 Pré-sal: o que é? Perspectivas de sua exploração e impactação futura no município de Macaé. 26 O processo de Formação do Pré-sal. Lições que Macaé tira para o Pré-sal 27 O Bairro Lagomar- os impactos socioambientais causados pela indústria do petróleo e a ameaça desses 28

impactos sobre o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba 29

No segmento quatro, novos recursos discursivos disponibilizam vozes e discursos de

outros em seu texto. A referência à controvérsia na linha 16 surge acompanhada de nova

nominalização, “as ações planejadas”, contribuindo para ocultar a contribuição da professora

na produção dessa controvérsia na sala de aula. A controvérsia (linhas 14 e 16) surge como o

objeto que ganha sentido em seu discurso por opor progresso à impactação socioambiental.

Mais do que isso, este intertexto indica um sentido que considera a questão ambiental local

como controversa por envolver interesses antagônicos. Esse sentido ganha reforço no

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metadiscurso. Ao posicionar as ideias do autor ao final da oração (segundo Reis linha 16),

utiliza-se delas para acrescentar uma nova informação acerca do uso de uma controvérsia em

sala de aula e dos “comprovados” benefícios (por serem certificados pela fala de um cientista

externo) aos/as alunos/as. O uso do metadiscurso dá mais legitimidade ao trabalho pautado

por controvérsias “durante todas as etapas” por meio da adesão a uma fala de autoridade

(pesquisador estrangeiro) e convergência com as ideias da pesquisadora, que disponibilizou o

texto para a professora.

A sequência e a diversidade de conteúdos estão descritos sob a forma de conteúdos

conceituais, com exceção daquele mencionado nas linhas 28 e 29, voltado a uma competência

(identificação) a ser desenvolvida pelos/as alunos/as. Tal sequencia revela um movimento

que transitou desde o tratamento de conteúdos tipicamente curriculares (linhas 20 a 23), os

quais mobilizam conceitos relativamente estáveis e característicos de uma matriz curricular de

ciências, até conteúdos que fogem a essa matriz. Esses últimos ganham dimensão

interdisciplinar por articularem questões científicas às sociais, econômicas, políticas,

culturais, ou circunscreverem-se a essas últimas dimensões. A centralidade dos saberes

científicos escolares nesses conteúdos definidos pela professora é notória, assim como nos

referenciais relativos ao PPP e currículo mínimo, anteriormente tratados.

Em anexo ao relatório, a professora situa um quadro representativo do planejamento

de suas ações didáticas na sala de aula (SEGMENTO 5). Tal quadro dá um panorama de suas

ações (em suas relações tempo/conteúdos/estratégias) didáticas ao longo de 16 horas-aula. A

professora não menciona o anexo ao longo do texto do relatório, mas o situa ao final, como

que para ampliar a oferta de informações à pesquisadora. Nesse sentido, cria uma

oportunidade de estabelecer algumas conexões com as significações produzidas no texto do

relatório.

No planejamento, as estratégias didáticas surgem significadas como ações a serem

realizadas pela professora. Algumas a professora privilegia ao longo do relatório, estendendo-

as ou esclarecendo-as mais que a outras. Planejamento e relatório admitem uma relação de

equivalência entre os conteúdos mencionados nas linhas 20 a 27 (do segmento quatro do

relatório) e àqueles referidos no planejamento como conteúdos trabalhados entre os dias 30/08

à 28/09.

Porém, se as linhas 28 e 29 do segmento 4 revelam mais especificamente o lugar do

Bairro Lagomar; em suas significações no relatório final por sua vez os conteúdos referentes

aos dias 18/10, 19/10 e 13/12 dão um panorama de sua tematização, tratamento e maior

relação com o conflito socioambiental em sala de aula. O único ponto que menciona o Bairro

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Lagomar no relatório contrasta com a sua tematização em oito horas-aula de sequencia

didática. Importante destacar que até aqui a palavra conflito não aparece em seu texto.

Na porção descritiva do relatório, o conteúdo citado nessas linhas 28 e 29 é

nominalizado por “impactos socioambientais”. Como nominalização, refiro-me ao processo

que divide com a voz passiva a possibilidade de omitir o agente ou reduzir sua participação

textual. Na construção textual destacada, a indústria do petróleo é o agente da passiva que

causa os impactos. A passiva muda o objeto para a posição inicial, funcionando nesse caso

como tema, o que significa apresentá-lo como situação já dada ou conhecida. A voz passiva

também muda o agente, para a posição proeminente no final da oração. Na segunda oração, é

o objeto (e não o agente) o causador da impactação ao parque. Essa construção atenua a

responsabilidade da indústria do petróleo, bem como de seus maiores beneficiários, na

culpabilização pelos impactos socioambientais.

Na última linha do segmento 4, outro aspecto que me chama bastante atenção é a

menção a ameaça dos impactos socioambientais somente ao Parque de Jurubatiba. No

discurso da professora, quem sofre com a precarização socioambiental, com a ocupação

desordenada do território é o Parque e seus recursos naturais. A supressão do ator social como

vítima dessa impactação ( e, principalmente, como protagonista do conflito socioambiental)

indica que, em sua representação, somente os recursos naturais sofrem os impactos. O foco

implícito ao Parque e em aspectos naturais do meio alude a um discurso conservacionista que

é bastante presente no ensino de biologia/ecologia, o qual enfatiza a degradação de recursos

naturais, mais do que informa questões ligadas à qualidade de vida humana e à sua

sustentabilidade.

Se a descrição dos conteúdos contido nesse segmento quatro do relatório minimiza o

Bairro Lagomar, os seus problemas e os seus sujeitos e sugere uma representação

conservacionista, o planejamento didático em anexo (SEGMENTO 5), por outro lado, os

problematiza e complexifica. O Bairro Lagomar, nesse sentido, surge relacionado às

tematizações: criminalização dos moradores, problemas reconhecidos por uma comunidade,

risco ambiental, conflito ambiental, conservação da natureza x ocupação territorial. Em

relação à descrição de conteúdos no relatório, o planejamento dá uma dimensão mais real do

que foi tratado em sala de aula e revela intertextos com discursos emancipatórios críticos da

educação em ciências e educação ambiental na condução da sequência.

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SEGMENTO 5

Data Conteúdos Estratégias

1ª aula

(2 tempos)

30/08/

2011

Diferentes tipos de energia e usos

Identificação de fontes primárias e

secundárias de energia

O petróleo e sua utilização: como

esses produtos estão presentes em

nosso cotidiano?

Conhecendo a história do petróleo

A origem do petróleo (Vídeo educativo).

Organização de grupos para discutir as

mudanças tecnológicas envolvidas na

exploração do petróleo e os efeitos sociais

negativos e positivos dessas tecnologias ao

longo do tempo.

Promover o compartilhamento das ideias dos

grupos com a turma.

2ª aula

(2 tempos)

30/08/

2011

Processos que envolvem a formação

do petróleo-

Soterramento de organismos;

Processos de decomposição;

Migração do petróleo para rochas-

reservatórios.

Apresentar a animação sobre a origem do

petróleo

Propor a elaboração de um texto individual

abordando os conceitos envolvidos no processo

de formação do petróleo como decomposição,

rochas reservatório, rochas sedimentares,

formação do petróleo.

Promover o compartilhamento de cada trabalho

com a turma.

3ª aula

(2 tempos)

31/08/

2011

Processos que envolvem a cadeia

produtiva do petróleo;

Análise dos impactos ocorridos ao

longo da cadeia produtiva;

Abordar, utilizando a apresentação em ppt

todas as etapas da cadeia produtiva do petróleo

e os impactos ambientais e sociais ocorridas nas

diferentes etapas dessa cadeia produtiva.

Propor aos alunos a organização de um painel

com os elementos participativos dessa cadeia

em nossa cidade e como estamos inseridos nela.

Apresentar o painel elaborado e discutir a

inserção da população nessa cadeia.

4ª aula

(2 tempos)

28/09/

2011

1-Pré-sal- o que é?

2-O processo de formação do Pré-sal

3-Lições que Macaé tira para o Pré-

sal

Apresentação e discussão do vídeo educativo –

“Conhecendo o pré-sal”

5ª aula

(2 tempos)

18/10/

2011

Palestra de três pesquisadores do

conflito ambiental em Lagomar e

um morador do Lagomar

Tema: “A criminalização dos

moradores do Lagomar em razão

da ocupação irregular de área de

proteção ambiental”.

Palestra e dinâmica de perguntas aos

palestrantes

6ª aula

(4 tempos)

19/10/

2011

Os problemas vividos por uma

comunidade, o reconhecimento dos

sujeitos envolvidos no conflito.

Conservação da natureza versus

ocupação territorial

Propor que, em grupos, e, de posse da proposta

do trabalho de uma esquete, os alunos

organizem e apresentem/representem uma

esquete que fale dos desafios de uma

comunidade que vive em área de risco

socioambiental.

7ª aula

(2 tempos)

13/12/

2011

Questões socioambientais locais

Conflito ambiental no bairro

Lagomar: incertezas e desafios de

viver em local de risco

Apresentação de um filme produzido pela

turma. Solicitar aos alunos que comentem seus

trabalhos, apresentando os desafios na

realização dos mesmos

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Importante dizer que a professora não se dedicou a cruzar tais conteúdos com aqueles

definidos previamente em sua prática e indicados no referencial do currículo mínimo escolar.

O tratamento curricular referente à energia em suas relações sociais e ambientais foi

construído como algo à parte do conteúdo formal. Essa dificuldade adveio, em suas

representações (SEGMENTO 6), do desafio de construir relações com conteúdos

recomendados à série pelos referenciais do currículo mínimo referentes à diversidade da vida

e a processos fortemente biológicos.

Outro ponto é que a proposição do tema energia em suas relações sociais, ambientais,

de fato, surgiu como uma demanda institucional do Projeto “Ensino de Ciências”, externa ao

planejamento escolar. Tal tensão, por ela denominada de “conflito” (linha 32) entre atender

ao currículo mínimo e, ao mesmo tempo, ao projeto é representada diretamente em seu

discurso:

SEGMENTO 6

Durante o processo de construção dessa base teórica, fui traçando paralelos com minha prática diária e 30 analisando ainda as dificuldades para promover mudanças nessa prática. Isso tudo requer sair de uma zona de 31 conforto e lançar-me rumo ao desconhecido, destaco aqui a situação de conflito gerado pela implementação 32 das ações referentes ao projeto e ao mesmo tempo atender à proposta do Currículo Mínimo a ser 33 desenvolvido e monitorado pela Secretaria Estadual de Educação. O Currículo Mínimo é um documento que 34 serve como referência a todas as escolas estaduais do Estado do Rio de Janeiro, apresentando as competências, 35 habilidades e conteúdos básicos que devem estar contidos nos planos de curso e nas aulas. Sua finalidade é 36 orientar, de forma clara e objetiva, os itens que não podem faltar no processo de ensino-aprendizagem, em cada 37 disciplina, ano de escolaridade e bimestre. Como solução para atender a essa situação conflitante busquei 38 ampliar minha carga horária semanal junto à turma envolvida no projeto, utilizando tempos vagos dos 39 alunos, tempos esses originados da ausência de alguns professores para essa turma, essa ação promoveu 40 uma carga horária mais extensa, garantido o atendimento ao currículo escolar e, ao mesmo tempo, às 41 atividades do projeto. 42

Para resolver a “situação conflitante” (linha 38), a resposta da professora foi a de usar

aulas de outros colegas e de outros tempos escolares vagos para desenvolver o projeto com os

estudantes e assim, não comprometer o andamento dos conteúdos recomendados “de forma

clara e objetiva” (Linha 37) no Currículo Mínimo.

Se a descrição de conteúdos em seu relato e em seu planejamento revela algumas

contradições entre, respectivamente, minimizar e dar visibilidade ao conflito socioambiental;

no entanto, outros segmentos do relatório vão redimensionar o Bairro Lagomar e o conflito

socioambiental nas estratégias didáticas desenvolvidas. Assim, no segmento 7 do relatório

abaixo, a professora fala dos motivos que a levaram a buscar o Bairro Lagomar, como campo

de estudos dos impactos socioambientais locais. A centralidade ao Parque aparece

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novamente: o Parque é sujeito de duas orações nas linhas 46 e 47 (ele abrange o Lagomar e

ele tem sido disputado pelos moradores referidos genericamente).

Seu modo de enunciar o conflito aqui não menciona os atores individuais e coletivos

que protagonizam o conflito socioambiental no Lagomar, quais sejam os moradores, o poder

público municipal, o Ministério Público Federal, um vereador local, o Centro de Assistência

Judiciária da Universidade Federal Fluminense de Macaé, os gestores do Parque Nacional da

Restinga de Jurubatiba, as associações e ONGs do Lagomar. Contraditoriamente, em suas

palavras na linha 47, a disputa pela permanência (e não por sua retirada, remoção) dos

moradores do Parque (linhas 47) insinua um reconhecimento da pauta de luta em defesa de

tais moradores.

SEGMENTO 7

Para a realização do trabalho de análise mais profunda e observação dos impactos socioambientais no 43 município,foram feitas investigações sobre o local a se priorizar e vários motivos que apontaram para a escolha 44 do Bairro Lagomar, dentre esses motivos está o fato de vários alunos da turma serem moradores do referido 45 bairro, ainda a controvérsia envolvendo o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, que abrange o 46 Lagomar como área de amortecimento, e que tem sido alvo de disputa pela permanência dos moradores 47 do entorno. Outro motivo pautável seria o fato do Bairro Lagomar, ser um dos destinos mais comuns dos 48 migrantes que para Macaé vem, em busca de empregos, esse aumento populacional do bairro, por descaso e 49 omissão do poder público de Macaé, fez com que o local acabasse favelizado, transformando-se no ponto de 50 maior violência da região. 51

Esse segmento guarda outras ambivalências. Ao mesmo tempo em que traz marcas de

um discurso conservacionista, por conferir centralidade ao Parque e à conservação de seus

recursos naturais, esse segmento traz marcas de uma educação ambiental crítica, amparada em

pressupostos da justiça ambiental. Ele sugere diretamente temas como migração, favelização,

omissão do poder público, violência envoltos na ocupação do espaço em Macaé.

Há espaços naturais locais precarizados que envolvem especialmente praias poluídas,

cujas lutas mobilizam interesses conservacionistas. Mas, ao escolher e destacar o Bairro

Lagomar, a professora faz uma opção por: 1) um espaço em que processos sócio-históricos de

sua ocupação, carregam histórias de migrações e de grandes alterações (impactações-

remoções) (linhas 46-47) um espaço de vivências de precarização e degradação

socioambiental de muitos de seus alunos e alunas, (linha 45) um espaço marcado por uma

disputa controversa que envolve sujeitos concretos. Essa escolha também admite uma relação

intertextual com o discurso da justiça ambiental mobilizado pela pesquisadora ao longo do

processo formativo.

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Nessa relação com os discursos da pesquisadora, considerando as demandas do

projeto, os acordos feitos nos encontros, a professora parte em busca de melhor entender o

conflito: não somente pergunta aos seus/suas alunos/alunas por vivências de riscos, vai ao

encontro delas: faz visitas ao bairro Lagomar, fotografa, lê sobre ele, entrevista coletivos

sociais locais, participa de reunião comunitária. Tal necessidade foi sendo reconhecida por ela

em muitos encontros em que discutíamos o conflito de Lagomar, inicialmente via escritos

acadêmicos através de Filho et al. (2011) e Layrargues (2009).

Não obstante, questionava a professora se por meio dos escritos teríamos

entendimento sobre as pautas, os sentimentos e anseios dos atores envolvidos no conflito.

Defendia o ponto de vista de que seria importante ao processo de didatização uma imersão

mais profunda no bairro. Inicialmente, a ideia não foi bem recebida pela professora que

demonstrou preocupação quanto à entrada em um bairro qualificado segundo ela como “ponto

de maior violência da região” (linhas 50-51).

Ponderamos conjuntamente esse argumento, decidindo estabelecer as primeiras

entrevistas nas imediações da escola. A ida ao bairro para continuidade das entrevistas

ocorreu em um momento definido pela professora, após a mesma estabelecer contato com as

lideranças dos movimentos locais e sua certificação de que estes estariam à nossa espera em

dia e local determinados. Do mesmo modo, a visita à área de ocupação ocorreu na companhia

de uma das entrevistadas e de um vereador local, que nos conduziu de carro até lá.

Em sua representação desse percurso de apreensão do bairro Lagomar a professora

entendeu haver diferenças entre discursos dos coletivos sociais entrevistados. Um deles, em

suas palavras, “mais focados nas carências do bairro”, o outro por sua vez fazendo uma

“leitura mais próxima ao discurso da política vigente, com um otimismo em relação ao

presente e futuro do bairro Lagomar”.

Em sua trajetória, buscou criar didáticas para trazer as “carências do bairro” e as

histórias de enfrentamento dessas carências à sala de aula. Se nos segmentos de 1 a 5, o

discurso da professora minimiza o conflito socioambiental estudado e por ela didatizado em

sala de aula, nos segmentos abaixo este tema surge em parte redimensionado.

SEGMENTO 8

Buscando levantar mais conhecimentos dos problemas socioambientais oriundos da indústria petrolífera 52 divulguei junto aos alunos coletânea de textos, apresentações em slides, filmes e imagens disponibilizados na 53 oficina organizada pela UFF, Universidade Federal Fluminense - A oficina sobre impactos sociais, ambientais 54 e urbanos das atividades petrolíferas - o caso de Macaé (RJ), disponibilizados em 55 http://www.uff.br/macaeimpacto/OFICINAMACAE/pdf, realizada no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia 56 (ICHF) da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, entre 7 e 9 de dezembro de 2010. 57

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SEGMENTO 9

Em um momento posterior, foi convidada “Paula”

35, mestranda da UFF, autora do texto analisado pelos alunos, 58

“Os operários dos royalties”, que em parceria com “Carla”, ambas bacharéis em Direito pela UFF Macaé, 59 proferiram uma palestra com o tema: Criminalização dos moradores do Lagomar em razão da ocupação 60 irregular da área de proteção ambiental. Na ocasião, Paula falou sobre as questões jurídicas que envolvem o 61 conflito no Lagomar. Essa palestra aconteceu no colégio “X”em 04/10 tendo como público os alunos da turma 62 “X”,envolvida no projeto e outros convidados. Na ocasião Paula levou para participar do momento um morador 63 do Bairro Lagomar que deu seu depoimento sobre sua trajetória de vida dentro do bairro, seu amor pelo 64 lugar, seus erros no cuidado com o PARNA Jurubatiba, o passo posterior, já conscientizado da 65 importância da preservação do local e sua busca por fazer o compartilhamento dessa consciência com os 66 demais moradores. O momento contou ainda com a presença e participação do Professor “Edgar” da Faculdade 67 de Direito da UFF em Macaé e coordenador do (...) da UFF e que conta com grande experiência na área de 68 Direito Ambiental e Urbanístico, com ênfase em Conflitos socioambientais, rurais e urbanos. 69

SEGMENTO 10

Na aula seguinte à palestra, foi feita aos alunos uma proposta para que elaborassem uma esquete abordando: 70 1-O conflito vivenciado por uma família moradora do Bairro Lagomar e posteriormente moradores da área de 71 ocupação: 72 2-As possibilidades e impossibilidades de urbanização do Bairro Lagomar e o desafio de manter a natureza 73 preservada. 74

SEGMENTO 11

Como etapa final do trabalho, foi proposta aos alunos a organização de um vídeo, abordando questões como: 75 aspectos relacionados ao desenvolvimento e à sustentabilidade do PARNA Jurubatiba, os desafios que 76 envolvem a ampliação do Terminal de Cabiúnas e a construção de um porto próximo à área do Parque, 77 questões relacionadas à preservação do ambiente e a garantia de saúde, educação e saneamento básico 78 para os moradores do Bairro Lagomar. 79

Nesses segmentos, também foi possível identificar categorias de intertextualidade

manifestas em seu texto. A representação discursiva direta está na menção aos textos

utilizados com os alunos nas linhas 53, 60, 61, além dos nomes dos palestrantes que foram à

escola e as instituições que representam. A oficina organizada da UFF como espaço virtual de

acesso a textos que tratam da impactação socioambiental em Macaé, mencionada no segmento

oito, foi por mim indicada logo no início das atividades de estudo com a professora. Alguns

textos, dentre eles, o de Filho e colaboradores (2010), foi tema de discussão para alguns de

nossos estudos coletivos; enquanto outros, ela trabalhou diretamente com os alunos (LINHA

59).

A representação indireta dos discursos dos palestrantes, no entanto, aponta para uma

frágil demarcação dos enunciados. Para Fairclough (2001), quanto maior a demarcação do

discurso maior é sua força ilocucionária nos textos. A professora faz uso destas

representações para chamar a atenção para as estratégias metodológicas que usou com os/as

35

Nomes fictícios conferidos pela pesquisadora.

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alunos/as e insinuar uma abordagem didática inovadora, (divulgou oficina junto aos alunos/as,

convidou diversos sujeitos à escola, propôs dramatizações e a realização de um filme)

embora, por vezes, use de formações sentenciais que a omitem como sujeito dessas

experiências propositivas. Tais marcas são usualmente identificadas em textos acadêmicos e

foram escolhidas por ela na produção de um texto endereçado à pesquisadora, também

professora universitária. Isso indica o reconhecimento da pesquisadora no endereçamento do

relatório.

No segmento nove, ainda que mencione a fala do morador, o faz dando mais

centralidade ao Parque do que ao processo de desigualdade socioambiental em termos

territoriais e de serviços ambientais que sustenta como pano de fundo a luta comunitária de

Lagomar. No entanto, ao colocar em evidência a estratégia da palestra, sua opção novamente

é ambivalente em relação ao discurso conservacionista anteriormente pronunciado. Seu

discurso converge aos ideais didáticos emancipatórios da educação ambiental crítica, ao

mencionar o uso de temáticas ligadas à justiça ambiental na sala de aula (criminalização dos

moradores em razão da ocupação).

Além disso, em um contexto que, frequentemente, leva a visões únicas e discursos de

autoridade, a professora traz à escola diferentes sujeitos envolvidos com o conflito

socioambiental de Lagomar. Esses sujeitos, palestrantes convidados por ela, oportunizaram na

sala de aula diferentes vivências sobre a questão territorial do Lagomar, a partir do lugar

acadêmico, a partir da atuação direta nos processos de precarização da área de ocupação ou a

partir de embates jurídicos. Ao convidar palestrantes que se situam na defesa da permanência

dos moradores na área de entorno do parque, a professora privilegia um conjunto de vozes

sociais e não outros. Privilegia também um conjunto de vozes mais homogêneo, no sentido

de pontos de vista mais convergentes.

A professora menciona outras estratégias nas linhas 70 e 75, todas envoltas em

processos de nominalização (uma proposta de esquete, a organização de um vídeo), que

ofuscam sua agência nessas ações. Quando propõe dramatizações e a finalização dos trabalhos

por meio de uma produção fílmica, privilegia tomar a sala de aula como espaço coletivo de

produção de conhecimentos, espaço este fundado na diferença. Nessa direção, produz

importantes intertextos com as abordagens do ensino de ciências CTS, Temas Controversos e

Questões Socialmente Vivas.

Todas as atividades mencionadas pela professora tanto no texto do relatório, quanto no

texto do planejamento (em anexo ao relatório), pautaram nossas discussões presenciais e à

distância. Ainda que as escolhas didáticas (e sua condução em classe) fossem da professora,

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elas não me isentavam de influência. A metodologia de trabalho desenvolvida pela professora,

por exemplo, valorizou o diálogo a partir do debate entre alunos/as produtores de distintas

visões acerca do conflito socioambiental em Lagomar. Essa referência indica abordagens, as

quais eu frequentemente trazia às nossas discussões e nas quais também há um

comprometimento com as experiências sociais dos sujeitos e em formar estudantes a entender

e posicionar-se frente a assuntos controversos sociais contemporâneos. Nessas situações,

estudantes são estimulados a exercitarem uma compreensão alargada de diferentes

perspectivas envolvidas em questões socioambientais estudadas, em estudo de casos de uma

controvérsia, em um debate ou em uma dramatização em sala de aula.

A menção a “o conflito vivenciado por uma família” (linha 71) representa um desafio

aos estudantes para que dramatizem a história de uma família moradora da área de ocupação,

os desafios de viver sustentavelmente ali e, ao mesmo tempo, conferir sustentabilidade e

proteção aos recursos naturais do Parque. Esse segmento 10 surge originalmente para os/as

alunos/as, no interior de um texto em que a professora narra uma história fictícia, recheada

por elementos narrativos criados por ela a partir de dados apresentados pelos palestrantes.

Esse texto será analisado no subcapítulo 6.2.

Em “relato dos resultados” (SEGMENTO 12), a professora traz a fala de outros em

forma de representação discursiva direta para ajudá-la a avaliar o trabalho e enunciar as

aprendizagens construídas por seus alunos e alunas:

SEGMENTO 12

O produto final construído por eles vem a confirmar o pensamento de Décio Auler e Demétrio Delizoicov, em 80 que se afirma que “a sociedade, como um todo, possui o direito de participar em definições que envolvem seu 81 destino, considera-se fundamental a democratização de processos decisórios que envolvem temas vinculados à 82 Ciência-Tecnologia (CT)”. Destaco esse poder de participação, na escolha do que investigar junto aos 83 moradores, do que arguir junto aos entrevistados, que questões focar e destacar nesse momento. Percebe-84 se uma capacidade de fazerem uma leitura crítica da realidade, do “mundo”, pressuposto freiriano, elemento esse 85 fundamental para uma compreensão crítica sobre as interações entre CTS. 86

Situando-se agora como participante ativa, na oração (“destaco” linha 83), a

professora destaca algumas competências privilegiadas pelos alunos/as na leitura crítica de

seu mundo: participar escolher, investigar, arguir. Em outro segmento (SEGMENTO 13), ela

produz também um intertexto com um dos textos lidos ao longo do Projeto, no qual os autores

situam a abordagem da “Investigação Temática de Freire” 36

no âmbito da tendência CTS.

Mas, nesse caso, a professora traz este intertexto para contestar sua presença no trabalho:

36

O texto de Auler e Delizoicov (2001) traz ao debate CTS os pressupostos teóricos de Paulo Freire. Estes

pressupostos têm sido uma referência constante para as pesquisas em abordagens temáticas, dando uma direção

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SEGMENTO 13 a escolha do tema a ser enfatizado, a questão da energia direcionada aqui à indústria do petróleo e sua complexa 87 cadeia produtiva e os impactos socioambientais originados a partir dela, esses temas não partiram da escolha 88 dos alunos não atendendo aqui os pressupostos freireanos, que apontam para a participação dos alunos 89 em processos decisórios. 90

A ambivalência desse discurso em relação àquele pronunciado no segmento 12 indica

que, apesar dos alunos não terem participado da escolha inicial do tema, participaram de

forma pró-ativa das demais decisões e das atividades desenvolvidas no projeto.

Todo o conjunto de dados que norteia esse subcapítulo dirige-se à compreensão de

quais discursos do campo da educação em ciências e da educação ambiental entram em cena

quando a professora menciona estratégias didáticas para o tratamento do conflito

socioambiental na escola. Do ponto de vista do texto explorado até o momento, como visto

acima, diferentes discursos em rearticulações dinâmicas e híbridas informam correntes

ideológicas da educação em ciências e da educação ambiental. Até aqui, explorei uma análise

mais global, de certa forma cronológica, das escolhas e dos sentidos construídos pela

professora ao longo do processo formativo. Algumas destas escolhas, mencionadas por ela no

relatório, me permitiram identificar intertextos entre os discursos orais da professora e outros

discursos da educação em ciências e da educação ambiental.

Desse modo, passo a seguir a explorar a mediação de uma atividade didática

conduzida pela professora em sala de aula. Se o texto do relatório foi a mim endereçado, os

discursos orais em meio a interações amplia este endereçamento aos alunos/as. A pergunta

que norteia o meu olhar continua a interrogar os discursos do campo da educação em ciências

e da educação ambiental que entram em cena quando a professora conduz a atividade: Que

mediações a professora introduz junto aos seus alunos e alunas? Sob quais intertextos? De que

maneira insinuam a problemática socioambiental vivida em Macaé em sua relação com

processos de injustiça e conflitos socioambientais?

Além de propiciar uma discussão dos diálogos com as correntes da educação em

ciências e EA, esta atividade inicia uma tentativa de didatização do conflito socioambiental

por meio da descrição do bairro e de suas carências. Nessa atividade, a professora reconhece

que, em alguns momentos é também metodológica, bem como, fornecendo elementos sobre os quais se pode

fundamentar uma visão de conhecimento baseada na dialogicidade e problematização, pressupostos

indispensáveis para a construção de um conhecimento emancipatório, conscientizador (DELIZOICOV et al

2008; ANGOTTI; AUTH, 2001). O desenvolvimento de um trabalho educativo no contexto escolar, balizado

pela dinâmica de Investigação Temática adota como ponto de partida as situações vividas pelo coletivo de

alunos, as quais sintetizam as contradições sociais da comunidade onde está inserida a escola.

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importantes saberes acerca da impactação socioambiental de Macaé, dos quais fez uso para

planejar estratégias didáticas que se seguirão a esta.

Essa atividade, denominada por ela de “Energia em Foco”, foi a primeira atividade

por ela desenvolvida na escola em maio de 2011. Surge após algumas entrevistas realizadas

pela professora junto a órgãos ambientais locais. Surge após a leitura e discussão de muitos

artigos em nossos encontros. Seu planejamento envolveu uma reunião presencial e duas

reuniões à distância. Interessante notar a ausência da menção a esta aula e atividade no

planejamento da professora (SEGMENTO 5).

Tal atividade foi iniciada com a solicitação aos estudantes que registrassem por meio

de uma câmera fotográfica ou de celular, uma imagem do que para eles/elas representaria

melhor os efeitos locais sociais e/ou ambientais da exploração de petróleo. Cada aluno(a)

também deveria levar para sala de aula, junto à sua foto impressa, uma justificativa, em forma

de texto, dos motivos que os/as levaram à escolha da foto. A sugestão de trabalhar com

fotografias foi por mim feita à professora, que revelou nunca ter trabalhado com tal recurso.

Quando do início desta atividade, a professora assim a enuncia:

SEGMENTO 14

Cada um vai se organizar, vai se levantar e vai escolher uma foto pra falar sobre ela, que não seja a sua. Logo 91 depois, o autor da foto vai falar também porque que tirou aquela foto. E aí a gente vai perceber o que? Que a 92 leitura que foi feita por um colega, pode ser diferente da dele. E ninguém aqui vai zoar ninguém, vocês são 93 crescidos para fazer um trabalho bem legal. 94

SEGMENTO 15

Então vamos lá, cada um fazendo a observação da foto. Primeiro, nessa imagem que foi registrada por um 95 colega, a gente vai tentar identificar, as questões sociais e ou ambientais que estiverem inseridas ali: O que eu 96 consigo enxergar nessa foto, que tenha sido um resultado de um impacto ambiental provocado pela indústria 97 do petróleo? Eu posso ver o que está além daquela foto? 98

Esses segmentos permitem uma compreensão acerca de aspectos ideacionais

(representacionais) das intenções pedagógicas da professora. A enunciação, destacada na

linha 97, revela sua intenção de conhecer os interesses, saberes e visões de seus alunos e

alunas sobre os impactos socioambientais provocados pela indústria de petróleo em Macaé.

Seu objetivo também era o de garantir o debate em torno de diferentes impressões acerca

desses impactos, pela solicitação aos estudantes de que escolhessem fotos diferentes da sua

(linha 96), se posicionassem quer seja como comentadores da foto que escolheram, quer seja

como autores das mesmas após a apresentação de cada colega (linhas 97 e 98). Ao buscar

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trazer significações dos estudantes à sala de aula, abrir-lhes tempos significativos e didáticas,

acredito que a professora faz uma opção pelas vivências sociais, de que seus alunos e alunas

são sujeitos e opera assim, por ressignificar o próprio currículo escolar tratado, tão fechado as

experiências dos estudantes e em ouvir suas narrativas.

Destaco aqui uma importante referência no discurso pedagógico produzido pela

professora, o qual articula os referenciais críticos da educação em ciências e da educação

ambiental à sua linha de ação didática. Essa referência novamente exemplifica a

intertextualidade com tais referenciais trabalhados ao longo do processo formativo. Os

discursos de inclusão nos processos educativos, que valorizam a voz e a vez dos alunos e

alunas, assim como suas experiências sociais, bastante defendidos nos referenciais: CTS,

Temas Controversos e Educação Ambiental e presente nos textos por ela lidos, manifestam-se

como representações discursivas indiretas, conferindo sentido às significações didáticas da

professora.

A atividade “Energia em foco” foi desenvolvida em dois momentos: um momento de

representação individual por meio da foto e texto (enunciação individual) e um segundo

momento de debate e interação acerca das fotos (momento de enunciação coletiva). No

segundo momento da atividade, os/as alunos/as foram dispostos em círculo no centro do

auditório da escola, com visibilidade para as fotos dispostas em um mural e em uma

apresentação projetada na parede. Foram convidados a escolherem uma foto, que fosse

diferente da sua e, em seguida, a falar perante a turma sobre como a foto escolhida

representava efeitos sociais/ambientais da exploração de petróleo na cidade37

.

Os resultados dessa análise (mais especificamente aqueles que se dirigiram ao discurso

dos alunos e alunas) também foram problematizados com a professora e por ela considerados

em novos estudos sobre o bairro Lagomar e em estratégias didáticas posteriormente

construídas. Ao longo do planejamento de tal atividade, após a definição do recurso

imagético, o momento individual de representação foi sugerido pela professora. Já o segundo

momento foi por mim sugerido como forma de complexificar as interações em tal atividade.

Importante dizer que a professora participa desse segundo momento - de enunciação

coletiva - como mediadora do debate e também como produtora de fotos e textos. Ela dispõe

fotos por ela registradas no mural, frequentemente lê para os estudantes fragmentos de textos

de políticos, de moradores, de ambientalistas e de jornalistas locais, além daqueles produzidos

por cientistas sociais e ambientais. Além das imagens, todos estes fragmentos foram por ela

37

Estas interações foram videogravadas e transcritas na íntegra para posterior análise textual pela pesquisadora.

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coletados em pequenas entrevistas ou outras fontes secundárias para esta atividade.

Referenciam dimensões, por vezes controversas, dos impactos socioambientais locais e

alguns, ainda neste capítulo, serão objetos de análise.

Tais imagens produzidas pela professora e textos por ela coletados em entrevistas não

estavam previstos no planejamento original. A professora os apresenta a mim em encontro

presencial um dia antes de sua abordagem na sala de aula. Ela considerava ser importante

levar tais materiais porque não estava certa da adesão dos/as alunos/as à solicitação feita por

ela de que produzissem fotografias e textos referentes a elas. No dia da apresentação, os

apresenta aos alunos como materiais complementares à atividade, produzidos para “animar os

debates”. Deste modo, a professora complexifica o segundo momento da atividade por mim

sugerido– o de enunciação coletiva- tornando-se sujeito também desta enunciação. Adere à

posição da pesquisadora, estabelecendo intertextos com a ideia de ampliar debates na classe e

abordar o assunto dos impactos e riscos a partir de suas controvérsias.

A apresentação dos alunos e alunas foi realizada em sequência, de forma que os

autores das fotos se posicionaram após uma apresentação anteriormente feita por um colega.

Frequentemente, elaboraram (esclarecendo, exemplificando), ou estenderam (acrescentando

uma coisa nova, seja concordando ou discordando) da fala de colegas. Em muitas situações,

o(a) autor(a) reafirma seu discurso anterior, em outras situações ele o reformula, incorporando

outros, presentes nas trocas entre os participantes da atividade.

A professora, por sua vez, mediava essas trocas, dirigindo questões aos estudantes, tais

como: “Como o outro colega, que tirou esta foto, vê essa colocação?”, “Quem tirou a foto,

quer fazer sua colocação?”, “Alguém consegue reconhecer o que está nessa imagem?”

“Alguém tem uma visão diferente da do colega?”. Repetidas vezes, se posicionava assim, após

a defesa do ponto de vista do(a) aluno(a) que apresentava sua foto. Em seu discurso, o autor

da foto (ou, em alguns casos, a turma toda) era chamado(a) a se pronunciar diante daquilo que

foi dito anteriormente sobre a imagem que estava em questão.

A professora também dirigia questões temáticas a quem estava apresentando a foto,

tais como: “Como você consegue identificar o local dessas fotos?”, “Porque você escolheu

esta foto, o que você viu nela?”, “Essa imagem te lembra alguma coisa a mais?” “Qual a

relação da exploração de petróleo com essa foto?”, por vezes contribuindo para uma melhor

elaboração e complexificação das significações dos(as) alunos(as). Em outros momentos, a

professora também acrescentava novas informações às falas dos alunos.

Nesse sentido, é importante registrar a intenção (e ação) da professora em ampliar o

debate e em tomar a sala de aula como um espaço coletivo de produção de conhecimentos. A

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metodologia de trabalho desenvolvida pela professora valorizou o diálogo a partir do debate

entre alunos/as enunciadores de distintos posicionamentos acerca das imagens, sem antes

buscar por consensos de sentidos em torno deles.

Aqui há uma relação (intertexto) produzida por ela ao considerar a questão ambiental

como controversa e a partir daí estabelecer uma atmosfera didática para acolher as

controvérsias e buscar, não somente a partir delas, mas por meio delas, complexificar ideias e

sentidos de seus alunos e alunas. Aproximou-se também das vertentes do modelo

epistemológico de tratamento didático de controvérsias enunciado por Levinson (2006), quais

sejam: virtudes comunicativas (liberdade de expressão, escuta atenta, respeito às diferenças,

aderência a procedimentos acordados) e modo narrativo de pensamento, ao conduzir uma

discussão com pontos de vista conflitantes e encorajar os/as alunos/as a narrarem seus pontos

de vista, perceberem diferenças e assim questionarem a tradição local afinada com discursos

desenvolvimentistas.

Analisamos (a pesquisadora, a professora e a orientadora deste trabalho) os discursos

dos estudantes, identificando relações (intertextos) entre seus discursos expressos nas imagens

e textos com discursos distintos (e controversos) acerca dos efeitos sociais da exploração da

energia (COSENZA et al, 2011). Neste trabalho, nosso corpus compunha-se somente de

imagens e textos a elas relacionados no âmbito da atividade pedagógica considerada.

Exploramos também em outro trabalho os discursos orais dos estudantes e da professora

mobilizados junto às imagens e textos que, pronunciados no contexto de interações

discursivas, pautaram preferencialmente as análises (COSENZA; MARTINS, 2013).

Muitas imagens e textos referenciaram discursos conservacionistas e

desenvolvimentistas, que foram postos em jogo no momento das interações, quando sentidos

controversos passaram a opor ideias ligadas aos efeitos positivos da exploração de petróleo,

assumidos como progresso social, em oposição aos efeitos ambientais potencialmente

poluidores e transformadores do ambiente local. Essas controvérsias revelaram tensões que se

complexificaram nas interações discursivas analisadas e potencializaram deslocamentos

discursivos, que em maior ou menor grau, fortaleceram argumentações e forjaram novos

discursos entre os/as alunos/as (COSENZA; MARTINS, 2013).

Entre os diferentes discursos e saberes mobilizados, referências a dimensões políticas

da questão foram bastante exploradas com a professora e desdobradas em novas situações

didáticas no sentido de estimular a compreensão das relações assimétricas de poder entre os

diferentes sujeitos que vivenciam os riscos presentes nas agressões ambientais.

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Nesta análise dirigida à tese, busquei explorar os sentidos da professora pronunciados

por ocasião do segundo momento da atividade 1) em uma imagem, da qual é autora e a qual

encaminha ao mural, 2) em alguns fragmentos de seu discurso oral em meio às interações

discursivas com os(as) alunos(as). Assim, discuto a seguir dois eventos discursivos escolhidos

por permitirem a discussão sobre efeitos de sentido produzidos/apagados nas interações. Tais

sentidos são construídos na relação com aspectos conjunturais do tratamento de conflitos

socioambientais e de discussões sobre justiça ambiental na escola.

Cada evento abaixo contém uma análise de um registro fotográfico, seguido dos

discursos produzidos no momento em que esses mesmos registros pautaram as interações e no

qual o discurso de um dado participante era interpelado e mediado pelos discursos dos outros

participantes.

a) Mediando a reafirmação de um discurso nas interações discursivas

A figura abaixo foi registrada pela professora. Traz a vegetação e o córrego em

primeiro plano e em segundo plano uma via urbana. Bastante saliente é o contraste entre a

vegetação e o córrego, assim como o reflexo das árvores e postes de iluminção nas águas do

córrego. Em posição frontal está a saída de escoamento de esgoto no córrego, o que insinua,

pela centralidade na imagem, a impactação da água.

Figura 3

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Essa imagem foi escolhida por uma aluna, que a apresentou no momento em que um

colega falava sobre o comprometimento de rios e de praias. Ela então pede a palavra e sua

fala é seguida de outras emitidas pela professora e por seus colegas:

SEGMENTO 16

CARLA

38: Eu escolhi essa foto em decorrência do descaso da população que joga lixo no rio e em decorrência 99

da PETROBRAS vir para cá, gerou muito mais pessoas vindo pra cá e mais gente no bairro e muito mais descaso 100 da população, aí virou isso né.. Elas não imaginam que pode chover, que pode inundar a casa deles pelo descaso 101 deles. 102

PROFESSORA: Você consegue identificar o local dessa foto? 103

CARLA: É o canal Macaé-Campos, tem muito mosquito, tem mau cheiro. Dá muito incômodo pra todo mundo. 104 Ali atrás tem a Infraero que traz movimento pra a Petrobras 105

PROFESSORA: O Felipe fez uma observação interessante sobre o canal Macaé - Campos. um ponto importante 106 nessa foto e que há uns vinte anos atrás, ou talvez um pouquinho menos, as pessoas pescavam no canal Macaé-107 Campos, ele era completamente limpo. Havia uma estação de tratamento lá no bairro Aeroporto e todos os 108 dejetos que eram lançados lá, eram inicialmente tratados. Então não havia a questão da poluição por esgoto 109 doméstico. Hoje quando você passa lá, como a aluna colocou, você tem um cheiro terrível exalando e um 110 criadouro de mosquitos e tem época do ano que as pessoas não conseguem dormir sem a utilização de repelentes. 111

PROFESSORA: Eu tenho aqui a fala de uma funcionária de uma escola municipal, nascida em Macaé e que hoje 112 tem a idade de 50 anos. Ela diz o seguinte: “Macaé sofreu uma profunda transformação com a chegada da 113 Petrobras. Antes não havia emprego para as pessoas. Agora todo mundo consegue um trabalho”. Mas ela 114 também diz o seguinte: “os moradores que vem de fora não tem amor ao lugar, mas é aqui que eles estão 115 comendo o milho” Então, ao mesmo tempo em que ela fala a questão de ter emprego, vem a pessoa de fora, mas 116 ela não estabelece vínculos com o local. Ela não consegue gostar de Macaé, como ela gostava da cidade de 117 origem e a primeira oportunidade que ela tiver ela vai embora. E ela ainda acrescenta que essa chegada das 118 pessoas aqui fizeram com que os laços entre os antigos moradores acabassem por ser rompidos. A fala dela é 119 assim: “os laços com a vizinhança acabaram. Os princípios dos macaenses acabaram”. 120

A fala de Carla elabora e acrescenta novos elementos à imagem, na medida em que ela

reconhece a poluição hídrica em decorrência do lixo gerado pelo aumento do número de

pessoas em Macaé, após a chegada da Petrobras. Os atores sociais estão presentes em

processo ativo (pessoas, gente, população realizam ações - linhas 99, 100, 101, 105) dentro

de uma circunstância (poluição) e classificados de forma genérica: as pessoas (em atos

individuais) agem em direção ao ato de poluir e causam mal ao canal e a si próprias. Sua fala

é clara ao mencionar quem são os culpados pela poluição que identifica: aqueles que vêm de

fora, assumidos como quem tem “descaso” pela cidade (linha 101).

Aqui a poluição surge associada à ideia de aumento populacional e esta a aumento do

descaso. Uma progressão linear e direta de descuidos ambientais. A culpabilização do

indivíduo pelos impactos causados pelo lixo, bem como pelo aumento do número de

38

Todos os nomes aqui pronunciados são fictícios.

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habitantes, após a vinda da empresa exploradora do petróleo (Petrobras) ecoa uma referência

tipicamente associada a correntes conservadoras presentes em abordagens educativas que

transferem a responsabilidade para o indivíduo e que banalizam as influências estruturais.

Semelhante referência de intertextualidade esteve reforçada no discurso da professora,

quando esta faz uso da fala de outro aluno para se referir à poluição do canal. Apesar de

mencionar na linha 109 o despejo de esgoto doméstico como causa dessa poluição, não

acrescenta informação, de forma adversativa, àquela pronunciada por Carla. Ao contrário,

busca de novos intertextos, na forma de representações discursivas diretas, e assim, faz uso da

fala de uma moradora nascida em Macaé para parafrasear e complexificar as ideias de

culpabilização dos habitantes que vêm de fora (linha 116), que não têm amor ao lugar, que

não estabelecem vínculos com Macaé (Linha 117), que não gostam de Macaé (linha 117), que

rompem laços e princípios estabelecidos entre os antigos moradores (linha 119). Menciona

diretamente os discursos de uma moradora, para parafraseá-lo entre as linhas 116 e 119.

Ao fazer uso da fala de uma moradora mais antiga, como recurso de autoridade e

confiabilidade, a professora condensa-a de maneira direta e imperativa perante aos(as)

alunos(as) e, assim, compromete o diálogo e as virtudes comunicativas (escuta atenta e

pensativa, abertura, honestidade, aderência a procedimentos acordados, liberdade de

expressão e igualdade) de que fala Levinson (2006).

Esta significação em relação aos migrantes, em sua maioria nordestinos (FILHO et al,

2011; SILVEIRA, 2013), culpabilizados pela poluição no discurso da professora, insinua a

problemática socioambiental vivida em Macaé em sua relação com processos de injustiça e,

até mesmo, racismo ambientais.

Como discutido no capítulo cinco, “racismo ambiental” é um tema que surgiu no

campo de debates e de estudos sobre justiça ambiental do movimento negro estadunidense e

que se tornou um programa de ação do governo federal dos Estados Unidos, por meio da

EPA- Environmental Protection Agency, agência federal de proteção ambiental. O conceito

diz respeito às injustiças sociais e ambientais que recaem de forma desproporcional sobre

etnias vulnerabilizadas.

Como escreveu Pacheco (2014) em seu blog, chama-se racismo ambiental “as

injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre grupos étnicos

vulnerabilizados e sobre outras comunidades, discriminadas por sua 'raça', origem ou cor”.

Desta forma, ele não se configura apenas por meio de discursos/ações que tenham uma

intenção racista/impacto racial relacionados à cor, mas também à origem social. Nesse

sentido, na discussão sobre desigualdade e injustiça ambiental o racismo recai também sobre

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negros urbanos, ribeirinhos, extrativistas, pescadores, pantaneiros, caiçaras, ciganos, índios,

comunidades de terreiro, quilombolas, etc.

No caso brasileiro, como bem lembrado por Herculano (2013), tomamos como “raça”,

e inferior também o retirante, o migrante nordestino, que passará a ser percebido como o

“cabeça-chata”, o “paraíba”, o invasor da “modernidade metropolitana”, e nesse caso

específico: o causador de problemas ambientais. Nesse sentido é que entendo que se podem

tomar como racistas os intertextos produzidos pela professora em relação aos migrantes em

Macaé. Tal racismo pode trazer embutido o risco da aceitação da pobreza e da vulnerabilidade

de enorme parcela da população macaense, simplesmente porque ao naturalizar tais

diferenças, imputando-as a “raças”, têm-se reforçadas as injustiças socioambientais e

encobertas as verdadeiras causas (e atores) das desigualdades socioambientais locais.

A menção aos que “vem de fora” ao mesmo tempo em que explicita uma identidade

comum aos migrantes nordestinos, também traduz a marca de uma diferença em relação aos

que ali sempre estiveram na condição de “moradores antigos”. Tal afirmação da identidade e

a marcação da diferença implicam segundo Silva (2013) em incluir e excluir. Afirmar a

identidade do migrante nordestino significa produzir diferenciações sustentadas no discurso.

Diferenciações que demarcam fronteiras entre o que fica dentro (o morador antigo que cuida e

estabelece laços de pertencimento ao lugar, que tem amor ao lugar, que tem princípios) e o

que fica fora (o novo morador de origem externa à Macaé).

Alguns minutos de silêncio decorreram da última pronuncia da professora, mas foram

por ela interrompidos, ao solicitar que uma nova imagem fosse escolhida e posta em

discussão. Esse silêncio e a ausência de discussão de dois aspectos tão controversos como as

causas dos impactos ambientais e a responsabilização de moradores não nascidos em Macaé,

contribuem para quebrar a comunicação e tomar o ponto de vista de um participante como

dado, como tácito.

b) Mediando a desconstrução de discursos e a produção de novos sentidos nas interações

discursivas

Imagens podem criar relações particulares entre observadores e o mundo interior da

estrutura da imagem, criando sugestões sobre que atitudes os observadores podem tomar em

direção ao que está sendo representado. Por exemplo, imagens registradas de perto sugerem

maior intimidade ao observador, já aquelas registradas de longe, maior distanciamento.

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Imagens registradas a partir de um ângulo frontal constituem recursos semióticos que

conferem maior proximidade, identificação e envolvimento entre observadores e elementos

representados. Já ângulos verticais, conferem maior apelo e poder sobre o observador

(JEWITT; OYAMA, 2001).

A figura abaixo foi produzida por um aluno, que denominarei de Carlos. Nesta

imagem, dois elementos estão em evidência: o ônibus em primeiro plano e, em segundo, o

monumento da cidade, construído após a instalação da Petrobras que, pelo tamanho e

suntuosidade, insinua o destaque da cidade na produção petrolífera. O ônibus está em

saliência na foto pelo seu tamanho e em maior proximidade em relação ao observador. O

ângulo vertical, indicador de que a foto foi tirada de baixo para cima exerce maior poder dos

elementos em saliência sobre o observador.

Essa imagem pode ser interpretada como conceitual - portadora de atributos

simbólicos - por conter um atributo simbólico (monumento-símbolo da cidade), que amplia o

significado do ônibus (portador). O ônibus e o monumento são dois elementos semióticos que

têm em comum uma temática: a representação de uma noção de progresso que envolve

mudanças na paisagem e modernização do transporte.

Figura 4

Apesar de a imagem encaminhar para um ideal desenvolvimentista que minimiza os

problemas socioambientais e aposta em efeitos sociais positivos da exploração de petróleo, as

trocas abaixo trazem marcas do cotidiano dos alunos e alunas e sugerem ter sido capazes de

produzir novos entendimentos em direção à superação desse discurso puramente

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143

desenvolvimentista. Elas foram produzidas quando uma menção ao transporte de qualidade

em Macaé foi feita por um aluno. Nessa ocasião, a professora solicitou aos (as) demais alunos

(as) a apresentação de outra imagem que contemplasse a questão do transporte e que pudesse

conferir contraponto a ela. Desta forma, a imagem dois chegou à turma apresentada por

Fernanda.

Aqui, o discurso da professora foi importante para o redimensionamento das

significações mencionadas, tanto por sua perspicácia em chamar essa imagem ao debate,

quanto por sua postura em fomentar controvérsias relativas ao transporte público e ao

saneamento básico ao longo dessas trocas.

SEGMENTO 17

FERNANDA: eu acho que trouxe um desenvolvimento muito grande à população, muitas pessoas de fora e tal. E 121 com isso de certa forma a cidade não cresceu tanto de acordo com a população, porque a gente vai pegar um 122 ônibus e tipo, tá tudo lotado. A gente vê que é precária a situação né e o preço do ônibus é muito caro. 123

PROFESSORA: Mas o que o colega anteriormente disse é que o transporte em Macaé é bom, é de qualidade, 124 concordam, discordam, como vocês veem isso? 125

RAFAELA: eu acho assim, sabe o que acontece, a população reclama muito de barriga cheia também. Uma 126 coisa que a gente não pode reclamar é a situação da saúde e da educação. Todas as escolas têm comida boa, e 127 merendas ótimas. eu falo porque eu almoço na escola e a comida é uma delícia. Os hospitais públicos são bons, 128 pode até demorar, mas as consultas que você sabe que vai lá e que vai resolver o seu problema (...). Então 129 Macaé tem saúde e saneamento básico, ok para Macaé, esses são pontos positivos para Macaé. 130

PROFESSORA O colega aqui do lado queria fazer uma consideração diferente sobre o saneamento básico. 131

FELIPE: mas gente, tipo assim, Macaé não tem tratamento legal para o esgoto, você vê tem muitos bairros que 132 ficam assim esquecidos, Jardim esperança ninguém vai lá, ninguém conhece só em época de eleição pedir voto, 133 agitam, passam um barro lá, mas ninguém vai lá botar um hidrômetro de água..tem alguns lugares lá que você 134 tem que puxar só à bomba, a água não chega nas casas, só com o auxílio das bombas. Lá no Lagomar, a água 135 do Lagomar é preta. 136

Diferentemente da imagem de Carlos, autor da foto, a aluna que toma a foto para se

expressar a partir dela, usa do marcador coesivo (“de certa forma”) para relativizar o

crescimento da cidade e falar da precariedade dos serviços de transporte (“ônibus lotado”,

“caro”), que não acompanhou o aumento populacional da cidade. A professora intervém, usa

do marcador coesivo “mas” (linha 124) para chamar ao debate, de forma adversativa, a voz do

aluno que elogiou o transporte público na cidade. Usou desse intertexto (metadiscurso) para

potencializar diferenças de pontos de vista. Rafaela se pronuncia dizendo-se indignada com

tantas reclamações. Ela, então, chama a atenção para os efeitos positivos da presença da

empresa na cidade, alegando a melhoria de saúde, educação e saneamento básico e aludindo

assim, ao desenvolvimentismo. Sua fala é interpelada pela da professora, que chama Felipe a

se pronunciar. Este, por sua vez, questiona a informação sobre saneamento básico,

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144

acrescentando novas informações sobre o bairro onde mora.

Ao problematizar a falta de saneamento básico no Lagomar, Felipe desafia Rafaela

dando exemplo de um espaço onde não há saneamento. Narra assim, experiências sociais

significativas do mundo da vida de muitos alunos e alunas moradores desse bairro para dentro

do mundo da escola. Como moradores da periferia da cidade, alguns nela nascidos, outros

nela estabelecidos, muitos desses estudantes carregam histórias de migrações. Dessas

vivências, surgem narrativas sobre sua condição existencial-espacial e discursos críticos desse

modo de viver.

Levinson (2006) considera que diferentes experiências das pessoas no curso de suas

vidas influenciam em seus julgamentos e assim em debates controversos, as evidências podem

decorrer dessas experiências baseadas em contextos de vida. Nesses casos, a narração de suas

histórias pode iluminar julgamentos que os participantes fazem sobre a temática controversa.

A participação da professora nesse processo foi vital, pois sua mediação privilegiou a

produção da diferença e não a do consenso em torno dos problemas examinados. Isso

contribuiu para trazer à tona, as externalidades produzidas nesse contexto, muitas vezes

ocultas em discursos que se ocupam por mostrar o aparato tecnológico envolvido na extração

do petróleo como exemplo de progresso e preocupação social.

Ao narrarem experiências cotidianas, Fernanda, Rafaela e Felipe, ampliam referências

temáticas e situam os efeitos socioambientais da exploração da energia, como no discurso de

Felipe em um plano político. Complexificam-se também, pois são (re) descritos em termos de

temáticas (transporte, educação, saúde, saneamento básico) que ampliam a noção de

ambiente. Isso pode ter contribuído para a reformulação do discurso de Carlos, autor da foto,

que chega a assumir, ao final das trocas, aspectos negativos antes escondidos em sua

justificativa inicial: “Então professora, a gente vê que é uma das coisas ruins desse lado.

Isso tem um lado bom e um lado ruim como já foi falado aqui”.

Em casos em que uma prática é interpelada por várias posições, pode ser mais difícil

manter a naturalização de discursos hegemônicos. Essa interpelação controversa pode

manifestar-se experiencialmente em um sentido de confusão ou incerteza e/ou na

problematização das convenções. Nessas condições, segundo Fairclough (2003), é que uma

prática consciente, transformadora poderá mais facilmente desenvolver-se. As trocas expostas

nessa seção expõem diferentes discursos no âmbito de um debate bastante controverso,

pautado pela narração de experiências duras de vida, que contribuíram para deslocar discursos

hegemônicos (desenvolvimentistas, conservacionistas, pragmáticos) e oportunizar a criação

de novos sentidos identificados com vivências sociais de que os alunos e alunas são sujeitos.

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145

Segundo Silva e Carvalho (2007) as controvérsias socioambientais trabalham a favor

da construção da complexidade ambiental ao reconhecer sentidos culturais diferenciados em

um processo que incorpora os saberes particulares a partir de suas identidades e diferenças.

Possibilita aos estudantes desconstruírem o já pensado para reconstruí-lo a partir de suas

individualidades culturais, espirituais, políticas, éticas e estéticas.

Assim, os discursos da professora em meio às trocas expostas acima ajudam a

entender que não existem controvérsias per se. A noção de ambiente e dos efeitos da

exploração da energia em Macaé só se torna controversa quando diferentes julgamentos são

produzidos e postos em confronto. Nessa direção, a mediação da professora insinua um

entendimento de construção de controvérsias a partir da troca e do diálogo.

Diferentes discursos ambientais em processo de hibridação informam as significações

da professora, perpassam assim os saberes e os referenciais com os quais ela se posicionou a

construir o tratamento didático para o conflito socioambiental do Lagomar. Nesse sentido, a

professora constrói discursos híbridos, estabelecendo em alguns episódios a reafirmação de

um discurso conservacionista de educação ambiental, em outros a criação de um discurso que

relativizou aquele primeiro, ou até a criação de um discurso novo, capaz de reconhecer as

agressões e riscos socioambientais e desafiar discursos hegemônicos que circulam nas práticas

sociais de que ela e os/as alunos/as tomam parte.

Quer seja em seus escritos ou em suas pronúncias orais, as ambivalências presentes no

discurso da professora retratam a coexistência da defesa de uma educação ambiental

transformadora e de formulações nas quais prevalece o apagamento de injustiças, conflitos

socioambientais e de seus atores. Tais ambivalências podem, por um lado, insinuar dimensões

políticas que podem ser exploradas e desdobradas em novos processos educativos no sentido

de estimular a compreensão das relações assimétricas de poder entre os diferentes sujeitos que

vivenciam os riscos presentes nas agressões ambientais locais. Por outro lado, podem sinalizar

uma cooptação ideológica por discursos que não valorizam dimensões emancipatórias e,

assim, podem limitar o reconhecimento de fatores e contradições que sustentam a

desigualdade socioambiental local.

6.2 SIGNIFICANDO UM CONFLITO SOCIOAMBIENTAL NA ESCOLA EM DIÁLOGO

COM OS ATORES COM QUE DELE PARTICIPAM

Na tentativa de melhor entender a problemática socioambiental, a imersão direta no

contexto ambiental macaense e junto aos movimentos sociais locais, tomou parte significativa

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146

no processo formativo desenvolvido com a professora no âmbito do Projeto “Ensino de

Ciências: desempenho de estudantes, práticas educativas e materiais de ensino”. Nesse

processo, a professora visitou órgãos ambientais oficiais e entrevistou lideranças de dois

movimentos locais: a Associação de Moradores do Bairro Lagomar e a ONG Amigos do

Lagomar. Também entrevistou a advogada que representa os moradores da área de ocupação

de Lagomar39

.

Não obstante, a professora também teve acesso a informações mais detalhadas acerca

do conflito socioambiental de Lagomar quando recebeu na escola alguns dos sujeitos que

tomam parte do conflito para o desenvolvimento de uma atividade pedagógica (palestra) em

sala de aula. Junto à pesquisadora e um vereador local, visitou também a área de ocupação,

conversou com os moradores e participou de reunião comunitária que tratou dos aspectos

legais ligados ao conflito.

Ao longo das entrevistas, atores dos movimentos sociais locais lançaram pontos de

vista distintos, por vezes conflitantes, sobre a postura de desocupação afirmada pelo

Ministério Público Federal e sobre a postura da prefeitura local hoje favorável a permanência

dos moradores na área, por impossibilidade financeira de removê-los e recompensá-los.

Enquanto parte dos envolvidos no conflito de Lagomar, os sujeitos convidados pela

professora levaram à escola enunciações sobre o bairro (e sobre o conflito) a partir de

diferentes dimensões histórica, ecológica, jurídica, científica, social, cultural, afetiva, etc.

Nesse sentido, a professora esteve envolta mais diretamente em seus discursos acerca da

impactação ambiental local e de suas diferentes impressões sobre processos de injustiça

ambientais e formas de organização comunitária frente a eles.

Para discutir os intertextos produzidos pela professora junto a esses discursos, tomo

como corpus: a) os discursos orais da professora no contexto de interações discursivas quando

do desenvolvimento de uma estratégia didática desenvolvida em sala de aula. Tal estratégia

envolveu a mediação pela professora de uma palestra com diferentes atores envolvidos no

conflito socioambiental do bairro Lagomar, portadores de diferentes vivências sobre a questão

ambiental/territorial do Lagomar tanto a partir do lugar acadêmico, quanto pela vivência

direta nos processos de precarização do espaço de ocupação ou a partir de embates jurídicos;

b) os discursos da professora no texto dirigido aos alunos e alunas para desenvolvimento de

uma atividade em sala de aula: dramatização/esquete e; c) os discursos orais da professora,

39

Um panorama geral da sequência das ações realizadas no processo formativo pode ser visto no “Quadro 1”

posicionado no capítulo 1. Ele auxilia no entendimento de informações contextuais relevantes à significação

do discurso da professora em tais eventos.

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147

por ocasião das interações discursivas quando da condução desta última atividade em sala de

aula. Importante lembrar que tais estratégias foram enunciadas pela professora em seu

relatório final interpretativo do processo formativo (tanto no segmento cinco que trata do

planejamento, quanto nos outros em que trata das estratégias que desenvolveu), o qual foi

analisado na seção anterior.

Considero importante apontar brevemente os discursos acerca do conflito que

circularam no decorrer da palestra na escola para discutir quais deles a professora privilegiou

em seu discurso, quais sentidos, dentre os que circularam nos discursos dos palestrantes,

deram sentido ao próprio discurso que a professora dirigiu aos alunos e alunas na ocasião

desta estratégia didática (palestra), assim como da outra que a sucedeu (esquete).

Na primeira atividade pedagógica aqui considerada, os seguintes atores estiverem

presentes na escola desenvolvendo a palestra junto aos estudantes: um morador da área de

ocupação no bairro Lagomar; duas bacharelas em direito, residentes no Centro de Assistência

Judiciária da Universidade Federal Fluminense - campus Macaé/RJ, um professor titular da

Faculdade de Direito da UFF, este também coordenador do Programa de Pós-Graduação em

Sociologia e Direito da UFF e da linha de pesquisa: justiça ambiental/conflitos

socioambientais.

A professora iniciou tal atividade convidando os vinte e quatro estudantes a tomarem

assento nas cadeiras dispostas circularmente no centro da telessala. Aos palestrantes, reservou

lugares à frente do salão, bem diante dos estudantes. Todos os palestrantes mantiveram-se de

pé diante dos alunos, com exceção do professor, que toma assento em meio a eles,

posicionando-se assim lateralmente aos demais palestrantes. Também a professora e a

pesquisadora posicionaram-se junto aos alunos. Atrás dos palestrantes, uma tela estava

preparada para as apresentações em data-show.

Um primeiro ponto importante a destacar é que, mesmo que de diferentes maneiras,

tais palestrantes ambientalistas representaram vozes defensoras da permanência dos

moradores na área de amortecimento do entorno do Parque Nacional da Reserva de

Jurubatiba. Ainda que, alguns grupos ecologistas ou gestores do parque, contrários a essa

orientação, não tivessem sido considerados como convidados pela professora, contudo, seus

discursos foram mencionados pelos participantes.

A escolha da professora, sua predileção pelos três ambientalistas bacharéis em direito,

esteve relacionada ao fato de que é de autoria dos três, um artigo lido, anteriormente à

atividade, pela professora. Tal artigo (FILHO et al, 2010) encontra-se disponível na página

virtual da oficina organizada pela UFF e por mim indicada à professora. O artigo trata da

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148

criminalização do bairro Lagomar em vista dos ajustamentos de conduta por parte do

Ministério Público Federal. Quando do planejamento de tal atividade, a professora sugeriu

tais nomes, insistindo na coerência do convite por se tratar de pessoas envolvidas

juridicamente no conflito e por sua facilidade em acessá-las. Quando questionei a ela se, em

sua opinião, a atividade não deveria contar com alguém que vivesse na área de risco, ela então

me disse que faria o convite a algum/a morador/a por intermédio dos demais ambientalistas

convidados. No planejamento de tal atividade, a professora também considerou convidar

gestores ambientais do Parque, no entanto, disse-me posteriormente, que não havia

conseguido estabelecer o contato.

Deste modo, esta escolha pode ser considerada um ponto de partida no entendimento

das significações da professora, uma opção por autores/atores partícipes de uma mesma ideia:

justiça ambiental. Os palestrantes, contudo, enunciaram o conflito socioambiental de Lagomar

a partir de três perspectivas diferentes, porém complementares. Não houve conflito ou

antagonismo entre tais enunciações. As disputas somente apareceram por meio de

representações discursivas de outros discursos em meio aos discursos dos palestrantes

A primeira perspectiva que ressalto adveio do morador que tematizou o conflito a

partir dos riscos socioambientais do viver na área de ocupação, também de sua história de

vida e de seu afeto pelo lugar. Trouxe, assim, o fenômeno do conflito à cena escolar a partir

da experiência direta do viver.

Uma segunda perspectiva representada, sobretudo, pelas falas das duas bacharelas de

direito é aquela que diz respeito à descrição do conflito socioambiental em termos de suas

vinculações ao conflito, da história e da motivação do conflito, da situação atual (aspectos

históricos, geográficos, ambientais), da importância de participação comunitária na luta pela

conquista do viver ali. Ao longo de suas apresentações, ambas fizeram uso de slides, expondo

vários mapas e fotografias, para criar um panorama histórico e geográfico da ocupação do

bairro e de seu súbito crescimento demográfico a partir dos anos 80, e problematizar novos

empreendimentos da empresa na atualidade. Retrataram na palestra aos estudantes e, fazendo

uso de recursos imagéticos, o que haviam descrito textualmente no artigo Filho et al. (2010)

lido pela professora.

Contudo, uma terceira perspectiva se fez presente através da fala do professor da UFF:

a que diz respeito aos discursos da justiça ambiental em suas dimensões distributiva, de

reconhecimento e participativa (SCHLOSBERG, 2007). O professor tematizou o conflito, a

partir de discussões sobre uso e ocupação de unidades de conservação, planejamento urbano e

iniquidades no uso e na ocupação do espaço urbano de Macaé. Em sua exposição, conceituou

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149

justiça ambiental e tratou com os estudantes sobre as relações que se escondem por detrás do

conflito em termos de iniquidades na distribuição de serviços ambientais e riscos.

Em suas palavras, teceu considerações a respeito do Lagomar “que virou como se

fosse uma cidade inteira, sem água, sem esgoto, sem coleta de lixo, sem transporte adequado,

sem posto de saúde. O que a gente chama isso: luta por justiça ambiental!” Mencionou que

se o rico pode ter um ambiente que está limpo, onde o lixo é recolhido, a água potável, isso

não poderia ser um ambiente preservado só para alguns, teria de ser preservado para os

demais também. Disse ainda que a luta por justiça ambiental é uma luta de todos: “porque se

o ambiente é um ambiente humano também, o ser humano não pode viver em um ambiente

que ele não tenha dignidade. Tem que ter uma luta por dignidade e essa luta inclui que os

serviços cheguem ao Lagomar”. Finalizou sua apresentação que, contrariamente às demais,

ocorreu sem recursos visuais, afirmando a necessidade de uma “leitura participativa e

solidária da cidade”.

De forma a discutir os discursos da professora em meio a estas significações, trago

abaixo um primeiro segmento, representativo de sua primeira intervenção, após cinquenta

minutos decorridos do início da palestra40

. Importante mencionar que essa intervenção ocorre

após as apresentações das duas ambientalistas bacharelas, seguidas da breve fala do morador

exposta abaixo.

SEGMENTO 18

MORADOR: agente convive com a incerteza né, mas aguentando né. Quando A1 (ambientalista 137

palestrante) vai lá conversar com a gente, a gente fica mais tranquilo. Mas assim, a cobrança do pessoal... De 138 vez em quando eles vão lá bater na minha porta: - e aí, como é que está a situação? A situação ainda está dentro 139 de um processo, mais pra frente vai ser resolvido. E eles dizem:- mas poxa, eu não posso melhorar minha casa, 140 tá um barraco. Mas como a pessoa vai melhorar a sua casa se ainda existe essa incerteza, não sabe se vai sair, 141 entendeu? Aí eles dizem: - mas a gente vai sair daqui de mão abanando? Quando a gente chegou aqui, a gente 142 comprou! Não importa quem vendeu! A gente comprou de alguém e aí a gente olha recibo e ele não vale nada. 143 Alguém vendeu e alguém comprou. A certeza é esta e eles não querem sair e tem gente que diz assim: olha: eu só 144 saio daqui morto! Então existe uma incerteza muito grande por parte dos moradores, mas eu acho que vai ser 145 resolvido. 146

PROFESSORA : você podia falar um pouquinho pra gente que significa viver ali? Como é que.. os 147 problemas que vocês enfrentam lá, para além dessa coisa da incerteza, os problemas concretos ligados ao 148 lixo, a água, ao transporte e como é pra vocês nesses tempos incertos que virão? O que vocês mais anseiam 149 ali para essa área? 150

MORADOR: o que a gente mais deseja é ficar na área, com tanto que hajam melhorias. Porque do jeito que tá, 151 nesse impasse, a prefeitura não faz obras, os ônibus já há dois anos pararam de circular até a gente, parece que já 152 coloca dificuldade pra gente sair mesmo. A iluminação pública não é colocada, então o pessoal “se vira nos 30 153 né”, puxam 200 metros de rede elétrica e vai conseguindo colocar iluminação. O engraçado é que é cobrado 154 iluminação pública! Vem uma taxa. Tem gente que mora lá desde 2000 e instalava luz tudo direitinho. Depois 155

40

A palestra teve uma duração de 2hs e 20 minutos.

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150

que disseram que ia tirar, acabou tudo. Nós não temos água. A água é de poço, pelos menos perto da restinga é 156 muito boa. Já no meio do bairro a água não é boa pela proximidade das casas e tudo. Saneamento não existe né, é 157 fossa! Então pelas dificuldades que o pessoal tem com saneamento e tal eles fazem, sem projeto, da maneira 158 deles. Então, é muito desorganizado. Então, iluminação, saneamento, pavimentação que não existe. 159

O morador faz uso de intertextos com falas de outros moradores representadas

diretamente em seu discurso: a ideia dos riscos associados à incerteza aparece claramente

demarcada para fortalecer as inseguranças do viver. Também o discurso do duplo risco (riscos

do viver aliado ao risco da incerteza de permanecer ali vivendo) adquire significação em seu

discurso.

Professora e alunos/as são atores reconhecidos na voz da professora: “pra gente”

(linha 147) como beneficiários de uma informação. O ponto de partida da intervenção da

professora é a ideia de que somente a incerteza não dá conta de significar os problemas

comunitários vividos e as necessidades futuras. Usa da marcação coesiva, conjunção aditiva

“para além” (linha 148) e cria uma oportunidade para o morador ampliar referências e

temáticas dos riscos e impactos à saúde humana (água, luz, esgoto, lixo), assim como falar em

nome da comunidade da área de ocupação.

Nas linhas 149 e 150, menciona “vocês” ao se dirigir ao morador. Nesse sentido,

pluraliza o sujeito como coletivo, como representante de uma comunidade. A valorização da

voz do morador como representante de uma coletividade, de uma comunidade, como alguém

que tem algo mais a dizer a ela e aos estudantes, traz importante intertexto com discursos

críticos de valorização dos atores sociais e da participação.

Convidar o morador, dar a ele uma condição especial de participação enquanto um

representante comunitário insinuam reconhecimento e respeito comunitários. Este discurso

circulou entre os discursos presentes na palestra, mais timidamente no discurso do morador e

mais enfaticamente no discurso do professor da UFF. Este último denunciou a prática de

pouco reconhecimento ou desrespeito em nível individual e, principalmente, coletivo em

Lagomar pela criminalização dos moradores em face de termos de ajustamento de conduta.

Como apontei no capítulo cinco, a dimensão do reconhecimento comunitário vem sendo

valorizada no âmbito do movimento da justiça ambiental (SCHLOSBERG, 2007; AGYEMAN

et al, 2009) que a reforça e resignifica para além da dimensão distributiva de bens e serviços

ambientais. Também toma parte nas preocupações de muitos autores vinculados à educação

em sua interface com as desigualdades e justiça social (ARROYO, 2011; ZEICHNER, 2008,

MUELLER, 2011; BOWERS, 2001) no fortalecimento das relações escola-comunidade.

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151

Apesar dessa referência, uma enunciação contrária a esta pode ser reconhecida no

discurso da professora. Ela veio à tona, quando chegando ao fim da palestra, um dos

palestrantes, o professor da UFF, busca uma identificação por parte dos alunos com o bairro

em que o conflito é protagonizado. O conflito ganha, assim, uma dimensão de elemento da

realidade dos alunos e alunas no discurso desse professor. Porém, essa ação se dá em meio a

muitos risos dos alunos (e também da professora) que denunciam uma zombaria quanto à

possível condição de pertencimento do aluno ao local:

SEGMENTOS 19

PALESTRANTE PROFESSOR UFF: Alguém aqui mora no Lagomar? 160

ALUNOS: é o Fernando [Muitos risos] 161 PALESTRANTE PROFESSOR UFF: Além do Fernando, só o Fernando? 162 ALUNO FERNANDO: eu não moro ali não cara. Mas eu não sei nada disso, eu moro lá na outra ponta, lá no 163 lado de lá. 164

DEMAIS ALUNOS: conta aí os problemas do Lagomar [Muitos risos] 165 ALUNO MENCIONADO: Ah todos! 166

PROFESSORA: A área ali já é mais urbanizada já! [responde rindo em meio aos risos dos demais 167

alunos] 168 MORADOR: pra gente que mora lá é um descanso. A gente passa o dia em Macaé, essa loucura de trânsito, tudo 169 urbanizado, muita correria. Então, aquela luta na condução, aquele aperto, stress, mas quando a gente chega a 170 casa, com o barulho do mar, natureza na porta. Então pra gente é. A gente quer ficar por conta disso. A gente tem 171 medo de haver uma, um acordo pro pessoal ficar e não ficar só essa quantidade de casas que está lá, eles 172 liberarem aqui, encherem de moradia e acabar a paz que ainda tem ali. Mas é muito bom morar lá, é gratificante, 173 apesar de tudo, é uma paz essa parte do Lagomar pra quem mora ali. 174

Importante mencionar que, diante da insistência do palestrante em identificar os alunos

e alunas moradores do Lagomar e da área de ocupação, alguns outros alunos e alunas

levantam a mão para indicar tais pertencimentos, porém, quando o pronunciamento de

Fernando passa a ser motivo de zombaria e risos, tais alunos/as abaixam suas mãos e se

calam.

A frase declarativa “a área ali já é mais urbanizada já” dita pela professora (linha

167) faz referência direta à área de vida mencionada pelo aluno, como não pertencente à área

de ocupação, motivadora do conflito socioambiental. Apesar do sujeito da frase ser “a área

ali”, ele incorpora o ator social (aluno) percebido dentro de uma circunstância (o aluno

pertence à área mencionada: é a localização de sua área de vida).

O uso repetido do advérbio “já” reforça a adjetivação de que a área que serve de

morada ao aluno é urbanizada, diferentemente daquela outra em que se dá a ocupação

irregular. Tal advérbio pode admitir dois sentidos. Primeiramente, quando posicionado antes

do verbo e do adjetivo, a palavra “já” remete a uma temporalidade: nesse tempo, agora,

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152

atualmente é mais urbanizada. Tal condição sugere um intertexto, sob a forma de

representação discursiva indireta, com a representação histórica e geográfica do Lagomar,

descrita pelas ambientalistas na palestra e no texto lido pela professora, que distinguiram o

Lagomar como um todo da área de ocupação, em termos de serviços ambientais e

regularização fundiária. Enquanto parte do Lagomar, a área de ocupação, ainda hoje se

encontra mais precarizada por estar envolta no impasse dos ajustamentos de conduta.

Um segundo sentido ganha o advérbio “já” quando posicionado após o adjetivo. “mais

urbanizada já” tensiona identidade e diferença. Cria um sentido de comparação que contrasta

a normatividade, a positividade entre o que é dito urbanizado em relação à negatividade de

outro espaço: menos urbanizado, periférico. Para Silva (2013), a afirmação da identidade e a

marcação da diferença implicam sempre as operações de incluir e de excluir.

Desse modo, os risos da professora, misturados à sua fala, no momento de sua

pronúncia admitem dois sentidos. O primeiro pode ser significado no sentido de proteger o/a

aluno/a da zombaria dos demais, retirando-o de cena, retirando-o da cena do conflito, da área

de exclusão e da condição de excluído, assim como o incluindo à condição de mais

urbanizado. Nessa ação, o discurso da professora admite um segundo sentido: uma

necessidade de distinção, de criar e reforçar uma diferença: entre os que vivem na área de

ocupação como à margem da urbanização e os que não vivem, já ocupando um lugar

considerado mais urbanizado = desenvolvido. De maneira semelhante àquela quando de sua

menção “aos que vem de fora” (tratada na seção anterior), a professora opera novamente em

uma marcação que faz distinguir os pobres dos mais pobres, os precarizados dos ainda mais

precarizados socioambiental e espacialmente.

Tal formulação, no entanto, contribui para a relativização da história e condição de

pobreza e vulnerabilidade de enorme parcela da população moradora de um bairro fortemente

marcado por descuido e descaso socioambiental. Ao reforçar tais diferenças no interior do

próprio bairro, imputando a ele graus distintos de urbanização, restam apagadas as

verdadeiras desigualdades socioambientais locais nas diferenças (de serviços e bens, de

acesso à informação, de oportunidades de participação, e/ou poder para criar discursos ou

decisões), entre bairros e comunidades mais abastados em relação aos mais pobres. Em

contraposição, o discurso do morador reforça a positividade, salientando o privilégio de

acesso à natureza em meio a uma área urbana (acesso que, via de regra, só experimentam os

mais favorecidos economicamente em Macaé).

Comunidades marginalizadas em situação de reconhecimento e fortalecimento são

tidas como mais preparadas para lutar por melhores condições ambientais. Para Agyeman et

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al (2009), os sentimentos de pertencimento e de empatia são vitais para lutas em prol da

defesa de si e das comunidades contra os efeitos ambientais negativos. Desse modo, outra

consideração ainda cabe aqui sobre o discurso da professora: aquela que diz respeito à frágil

identificação comunitária, contrariamente ao discurso dos palestrantes, quando da defesa da

contribuição da educação na produção de pertencimento comunitário e engajamento em lutas

comunitárias. Contrariamente ao seu próprio discurso em valorizar o morador durante a

palestra como pertencente e representante de uma comunidade.

Nesse sentido, tal discurso da professora pode ser considerado ambivalente em relação

ao seu próprio esforço de pesquisar e trazer um conflito socioambiental à sala de aula, cujo

sentido está no empoderamento de pessoas marginalizadas e na inclusão em processos mais

plenamente democráticos. A negação do aluno como parte da comunidade, como parte

daqueles que surgem na voz dos palestrantes como os que vivem as desigualdades e as

injustiças (e devem lutar para revertê-las), implica em não pertencimento a tais processos.

Assim, como podem lograr participação?

Trazer à escola, diferentes enunciações acerca de um espaço de vida próprio de seus

alunos e alunas, oportunizar debates controversos em torno desse espaço e de sua degradação,

propiciar a participação dos alunos e alunas, são práticas que insinuam o entendimento desses

sujeitos como partícipes em didáticas inovadoras. Contrariamente a isso, no entanto,

apagar/minimizar as desigualdades socioambientais que tomam corpo em suas vivências

nesse espaço, valorizar espaços tidos como mais urbanizados em detrimento de outros tidos

como representativos do retrocesso, são práticas que os desconsideram como partícipes de

intervenção política e de tomada de decisões. Essa ambivalência ganha reforço e sentido em

outros eventos discursivos que serão, a seguir, problematizados.

Refiro-me aos discursos da professora no texto (ANEXO 1) dirigido aos alunos e

alunas para desenvolvimento de uma atividade em sala de aula: dramatização/esquete e aos

discursos orais da professora, por ocasião das interações discursivas quando da condução

desta atividade em sala de aula.

Nesta atividade, ocorrida em 19 de outubro de 2011 - um dia depois da palestra na

escola - a professora elabora e oferta (sob a forma de texto escrito e leitura coletiva) a história

fictícia de uma família proveniente do nordeste brasileiro, que chega a Macaé, em busca de

trabalho e melhores condições de vida. Havíamos acordado em nosso último encontro

presencial, em setembro de 2011, que uma dramatização em pequenos grupos seria a

atividade para avaliar a apreensão de conhecimentos dos/das alunos/as após a palestra. Deste

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modo, a professora prepararia um esqueleto de uma narrativa a ser dramatizada e

conversaríamos sobre ela presencialmente após o desenvolvimento da palestra.

A proposição chegou a mim no dia da palestra e me pareceu, naquele momento,

coerente com os objetivos anteriormente mencionados, trazia a condição de risco e

precariedade de uma comunidade e insinuava uma situação controversa a ser interpretada

pelos estudantes. Sugeri à professora pequenos ajustes como correções ortográficas no texto e

passamos a discutir aspectos metodológicos de organização e apresentação dos grupos.

Naquele momento, para mim todos os elementos necessários à dramatização de um conflito

socioambiental estavam ali postos. Somente após um distanciamento e movimento analítico é

que pude melhor compreender as dimensões complementares destacadas pelos palestrantes na

atividade do dia anterior, assim como perceber o que estava sendo privilegiado/minimizado

no discurso da professora enunciado na esquete.

Tal atividade ocorreu em um dia e em uma aula após a palestra tratada acima e sua

proposição admite relações intertextuais com os discursos proferidos na palestra e também

por ocasião das entrevistas e conversas realizadas junto aos atores do conflito socioambiental

de Lagomar.

Assim, a professora inicia a atividade da esquete em sala de aula, abordando pontos

tratados pelos palestrantes, os quais ela julgou importantes para contextualizar tal atividade.

Faz uso de representações discursivas diretas mencionando seus nomes e ideias: “agora eu

vou lançar uma proposta para vocês pensarem do ponto de vista do morador, das questões

legais, do ponto de vista dos professores aqui presentes ontem”. Nesse sentido, discute com

os estudantes a chegada de migrantes nordestinos à Macaé, o crescimento desordenado da

cidade, o crescimento do Bairro Lagomar. Trata de alguns impasses no Lagomar: a compra de

terras ilegais, a proximidade do parque. Nesse sentido, contrapõe os interesses de moradia aos

de proteção ambiental para problematizar as ações do Ministério Público e as propostas atuais

da prefeitura. Neste momento cria também intertextos com a leitura do artigo de Filho e

colaboradores (2010). Também aborda conceitos ecológicos de conservação de um

ecossistema de restinga, como formação da vegetação, caracterização do solo, das lagoas,

endemismo, polinização, adaptação. Nesse último caso, estabelecendo intertextos com os

referenciais ecológicos comuns à sua prática docente.

Para trazer aspectos mencionados na palestra à lembrança de seus alunos e alunas, usa

também de muitas representações discursivas diretas. Nesse sentido, frequentemente elabora

perguntas aos estudantes, usando de expressões como: “vocês prestaram atenção ao que a

ambientalista disse sobre o crescimento de Lagomar”, “vocês se lembram do que o professor

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comparou...”, “a ambientalista mostrou os mapas e assim...”, “o professor disse que o

ministério público...”, “o morador disse...”, “o morador considerou...”, etc.

Na história fictícia (ANEXO I), que respalda a proposta da atividade da esquete

lançada aos/as alunos/as, a professora narra a história de uma família, que chega à Macaé

proveniente do nordeste brasileiro, acreditando nas “possibilidades de emprego nas atividades

relacionadas à cadeia produtiva do petróleo offshore” e nas “perspectivas de bons

empregos, bons salários e sadia qualidade de vida, com garantia de moradia, educação e

saúde”. Tal família “Queiroz” se instala no bairro Lagomar, na periferia da cidade “como

uma alternativa aos altos valores cobrados nos imóveis nas áreas nobres do município”.

Em seu discurso enuncia os atores sociais que vivem em Lagomar. A situação a partir

da qual a professora enuncia a família é a de pobreza e precariedade. Inclusa no âmbito de

uma “população menos favorecida”, localizada em “área ilegal e imprópria para moradia”, e

ameaçada de ser “despejada de sua casa”; em sua significação, a família estava

“constantemente acometida por problemas de saúde” tendo em vista morarem em um bairro

que “não possui serviço de saneamento básico, como água tratada, canalização de esgoto e

coleta regular de lixo, também iluminação e transporte”.

Essa enunciação traz um importante intertexto em relação ao discurso do morador

pronunciado no contexto da palestra: os riscos socioambientais de se viver ali associados à

incerteza de permanecerem ali. Tais referências temáticas ampliaram em seu texto, em

extensão aditiva, a precariedade da nova vida. A voz do palestrante morador, sob a forma de

representação discursiva indireta, se fez presente, auxiliando-a a compor os atores sociais,

enquanto vítimas de riscos, e o cenário no qual se dá a experiência insegura do viver nessa

área do Bairro Lagomar.

Em seu discurso também enuncia o conflito de Lagomar. Segundo ela, a escolha por

viver nessa área “se apresenta como uma iniciativa que trará muitos conflitos a essa

população menos favorecida economicamente, que chega em Macaé”. Aqui, o conflito

socioambiental assume o sentido de problema ambiental aos menos favorecidos. O ator social

(população e família Queiroz) é situado como vítima de problemas e não protagonista de um

conflito, o qual se deve em suas palavras à “ocupação da área do entorno do Parque

Nacional da Restinga de Jurubatiba, e isso contrapõe a necessidade de moradia aos

interesses e conservação da natureza”.

O ponto central de seu discurso para o conflito, desse modo, tensiona o uso do espaço

para moradia x conservação da natureza. O segmento, transcrito abaixo, ajuda a compreender

sua visão acerca dos posicionamentos em jogo e dos atores que compõe o conflito:

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SEGMENTO 20

Para o Ministério Público todos os moradores da área de amortecimento do parque deveriam ser retirados, pois 175 esses representavam uma ameaça à biodiversidade do parque. Para a prefeitura seria interessante manter os 176 moradores no entorno, pois sua retirada seria muito cara. Os moradores alegavam que por estar ali há muito 177 tempo se sentiam capazes de colaborar no cuidado com o parque e impedir novas invasões 178

Em sua enunciação, os atores que compõe o conflito são: Ministério Público,

prefeitura e moradores. Não tomam parte desses atores, em sua enunciação, os gestores do

parque, nem a empresa Petrobras, nem o Centro de Assistência Judiciária da UFF.

Representando indiretamente a descrição do conflito feita pelas ambientalistas na palestra,

duas distintas posições podem ser compreendidas em seu discurso para o conflito. A primeira

refere-se à posição do Ministério Público pela retirada dos moradores da área de ocupação. A

segunda refere-se a sua permanência, amparada, todavia, por motivos distintos: por

impossibilidade financeira (prefeitura) ou por terem laços com o lugar e capacidade de

cuidado ambiental (moradores).

Finalizando a esquete, a professora faz a seguinte proposição:

SEGMENTO 21

Reflitam sobre isso em seu grupo e juntos organizem e apresentem em forma de esquete: 179 1- O conflito vivenciado pela família Queiroz e demais moradores da área de ocupação. 180 2- As possibilidades e impossibilidades de urbanização do bairro e, ao mesmo tempo, preservar a natureza local. 181

O conflito aqui aparece tematizado como algo vivenciado por uma comunidade e, a

julgar pelas informações ofertadas na esquete, deve ser representado pelos estudantes em

termos de seus atores, de sua história e das posições em jogo. Em muitos momentos da

mediação dessa atividade por parte da professora, ela assim se posiciona perante a eles:

“Vocês podem representar essa família ou outra família”, “vocês podem inventar outro

personagem: um líder comunitário etc.”, “Teatro tem falas, por exemplo, vocês já colocaram

os personagens?”, “Tem de ser curto: em teatro se você fala algo longo, a pessoa se perde”,

“Quais são os problemas de lá?”, “O que acontece lá?”, “Olha o tempo, pensa na questão: o

que a prefeitura vai propor à família?”.

As apresentações das esquetes, ocorridas duas horas-aula depois da proposição pela

professora, ocorreram com a participação intensa de todos os alunos e alunas presentes. De

maneira geral, todos os cinco grupos de estudantes representaram a saída da família Queiroz

do nordeste brasileiro, a chegada em Lagomar, a venda ilegal de lotes, a falta de emprego na

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Petrobras (a consequente ocupação em subempregos), os riscos ambientais e as duas posturas

envolvidas respectivamente à saída ou à permanência dos moradores na área de ocupação.

Os grupos, no entanto, diferiram em relação à adesão a uma ou outra postura: dois

deles manifestaram-se favoráveis à permanência da comunidade, acreditando ser possível

ocupar - e urbanizar - ao mesmo tempo em que conservar a natureza local. Contrariamente,

três dos cinco grupos, revelaram-se favoráveis à saída da comunidade do entorno imediato do

parque, desde que houvesse uma compensação dos danos financeiros a ela por parte da

prefeitura.

A centralidade que o conflito ganha aqui se faz visível na didática da professora e em

sua representação pelos estudantes como algo que vitima a população, mas não

necessariamente como algo protagonizado em nome de uma luta legítima por condições

dignas de vida em um contexto de intensas desigualdades socioambientais.

Ainda que sob didáticas participativas, contextualizadas em problemas comunitários

do entorno escolar, problematizadoras de questões sociais controversas, vivas que tomam vez

na historia de vida de muitos de seus alunos e alunas, o conflito socioambiental surge em seu

discurso a partir de uma perspectiva superficial (atores, posições em jogo), apartado das

relações locais de desigualdade socioambiental e, assim, apartado da discussão da justiça

ambiental.

Tais sentidos pouco problematizaram as desigualdades socioambientais enquanto

dimensões constitutivas do conflito socioambiental quanto às oportunidades de ocupação do

espaço, distribuição de serviços e riscos ambientais e ao reconhecimento comunitário. Ainda

que, esses sentidos mais críticos de fato não estejam visíveis no discurso estudado, não

obstante, há referências a didáticas que valorizaram experiências sociais densas e conflitivas

de que os currículos, a meu ver, necessitam, sobretudo, os de ciências naturais. Esta talvez

seja a força da ambivalência discursiva aqui reconhecida: ela pode abrir espaço para

mudanças.

Tais didáticas, ainda que ambivalentes em sua relação à prática de referência do

conflito socioambiental podem significar um deslocamento nas práticas pedagógicas de

ciências estudadas, principalmente se considerarmos que o contexto escolar admite projeto

político pedagógico e propostas curriculares “mínimas de sentido social” em que temáticas

controversas, conflitivas se fazem distantes. O sentido dessa hibridização no entrelaçamento

dos dois subconjuntos de dados apontados aqui será discutido a seguir.

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158

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo do interesse de melhor entender o papel do conflito socioambiental na

constituição de propostas de ensino relacionadas a uma formação voltada à justiça ambiental

na escola, explorei os sentidos construídos discursivamente por uma professora na enunciação

de um determinado conflito socioambiental em suas possibilidades e limites didáticos.

Ao longo desse trabalho, estabeleci a tentativa de produzir uma narrativa polifônica,

na qual várias vozes me auxiliaram a mapear discursos ambientalistas disponíveis

culturalmente. Com elas, e, considerando as condições contextuais de produção discursiva,

também estabeleci sentidos sobre um conflito socioambiental na prática docente a partir do

discurso de uma professora e ao longo do corpus proposto. As análises expostas sugerem que

ao enunciar problemas socioambientais locais, bem como o conflito socioambiental

privilegiado neste estudo, a professora estabelece relações ambivalentes entre discursos

conservadores e emancipatórios da educação em ciências e da educação ambiental, postos em

jogo nos momentos em que ela 1) conta e avalia a sua experiência formativa no âmbito do

projeto “Ensino de Ciências: desempenho de estudantes, práticas educativas e materiais de

ensino”, 2) produz uma narrativa sobre o conflito socioambiental em um texto ofertado aos

seus alunos e alunas e, 3) interage com eles/elas no contexto de duas atividades didáticas.

Compreendo que o conflito socioambiental se constituiu na didática da professora e

ousou deslocar práticas, matrizes e referenciais curriculares tradicionais de ensino de ciências.

Mesmo considerando a frágil enunciação da articulação entre conflito socioambiental e justiça

ambiental, os discursos de correntes emancipatórias informaram as significações da

professora, forjando novas metodologias e posturas formativas. Isso pode sinalizar que a

construção de novas práticas escolares em ciências e em EA compromissadas socialmente são

possíveis, porém não sem tensões, nem limites.

Ao discutir tais significações, tensões e limites e, ao fim deste processo, tenho em mim

reforçada a tese de que a incorporação de conflitos socioambientais no tratamento didático de

questões ambientais na escola materializa um nicho de mudança discursiva que desafia as

práticas educativas ambientais hegemônicas, as quais contribuem para a manutenção das

desigualdades e injustiças ambientais que afligem determinadas comunidades.

Ao produzir uma sequencia didática para tratar do tema energia em suas relações

socioambientais, a professora parte de conteúdos conceituais da temática “energia” a uma

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tentativa de impregnar sua prática de questões socioambientais vivas41

da cidade onde mora e

do local em que vivem alguns de seus alunos e alunas. Ao valorizar experiências cotidianas,

por exemplo, no contexto das atividades “Energia em Foco”, palestra e esquete, a professora

amplia referências conceituais iniciais, complexifica-as em termos de suas dimensões locais

culturais, políticas, sociais e ecológicas. Oportuniza a emergência de temas polêmicos, os

quais, até então, não faziam parte da pauta do trabalho curricular por ela desenvolvido e, de

diferentes visões (inclusive antagônicas) entre os estudantes.

Ao reconhecer um conflito socioambiental nesse local, busca no campo da educação

em ciências, estratégias pedagógicas para recriá-lo em sala de aula. Nesse processo, cria

atividades que apontam um entendimento de sustentabilidade como questão controversa e, a

partir daí, estabelece uma atmosfera didática para acolher as controvérsias e buscar, não

somente a partir delas, mas por meio delas, complexificar ideias e sentidos de estudantes.

Nesse sentido, estabelece intertextos com correntes pedagógicas emancipatórias da educação

em ciências, tais como CTS, Questões Socialmente Vivas e, principalmente, Temas

Controversos.

Também identifica o conflito socioambiental no Lagomar envolto nesse entendimento

controverso da sustentabilidade local. Ao insinuá-lo, estabelece intertextos com discursos de

atores sociais que tomam parte no conflito, alguns dos quais atravessaram seu processo

formativo. Nesse sentido, significa suas ações didáticas partindo de grupos sociais em

situação de maior vulnerabilidade socioambiental local e cria formulações nas quais

prevalecem atores sociais em disputa.

Mas, apesar de reconhecê-los a partir de didáticas participativas, contextualizadas em

processos de degradação ambiental que tomam parte na vida de muitos de seus alunos e

alunas, minimiza a radicalidade de tais processos em seu discurso. Isso se torna visível em

partes significativas do texto “A abordagem CTS e o estudo de Temas Controversos em uma

turma do ensino médio”, e mais propriamente nas atividades em que o conflito toma forma

(palestra, esquete). Dessa forma, em seu discurso, também não há destaque para o

protagonismo daqueles que lutam por reverter tais processos de desigualdade e degradação,

suas causas de luta, bem como as injustiças que vivem.

41

Assumo o termo questões socioambientais vivas como análoga a uma SAQ (SIMONNEAUX; LEGARDEZ,

2010), no sentido de que, a exemplo desta última, o processo formativo com essa professora, encaminhou-a a

reconhecer uma questão ambiental aguda na sociedade em que vive, a construir um ponto de vista sobre

diferentes pontos de vista implicados na questão e estratégias didáticas coerentes com esses entendimentos.

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Com relação ao conflito socioambiental didatizado, suas representações delimitam

uma espécie de “aparência” e não aquilo que se situa na essência, no interior do conflito

socioambiental do Lagomar, qual seja a desigualdade socioambiental, fruto de uma

desproporcional distribuição de serviços e benefícios, sucedida do crescimento da indústria

petroleira.

Apesar de ter didatizado um conflito socioambiental e encaminhado à escola atores

que insinuaram a perspectiva da justiça ambiental, todavia, esta não se fez representada em

seu discurso. Ainda que o tratamento didático do conflito de Lagomar tenha apontado para

causas particulares, atores, cenários que animam tal conflito, seu discurso (e sua prática) não

problematizou o modo como certos grupos sofrem mais que outros em Macaé.

Tais impressões, não querem dizer, contudo, que prevaleçam (sobre outras) no

discurso da professora formulações conservadoras nas quais toma forma o apagamento de

processos de injustiça e desigualdade socioambientais. Não é tarefa simples favorecer o

discurso crítico da justiça ambiental nos processos educativos em contextos escolares de

matrizes curriculares rígidas, que não valorizam temáticas socioambientais controversas, nem

sequer vivências degradantes do espaço.

Além disso, outro fator limitante da potencialidade transformadora de uma prática

educativa voltada à discussão de temas socioambientais mais agudos está no contexto sócio-

educativo local que, apesar de desigual, é atravessado por discursos que se empenham em

apostar nas ações educativas enquanto formação (direta e garantida) para o emprego e, mais

especificamente, para a garantia de vagas na Petrobras ou no mercado offshore. Isso contribui

para limitar tal prática, na medida em que, uma formação para justiça social ou ambiental ao

problematizar contradições sociais, contrapõe-se ao discurso hegemônico empresarial que

afirma a possibilidade de conseguir equilíbrio ambiental e justiça social pela via do mercado.

Outra questão pode ser aqui mencionada: a relação entre a prática social escolar,

sobretudo no que diz respeito à formação política e aos limites curriculares das disciplinas, à

prática social de militância em conflitos socioambientais. Tal relação entre práticas não se deu

de forma direta: a constituição intertextual do discurso da professora incorporou alguns

elementos partilhados com os discursos envoltos no conflito socioambiental. Fairclough

(2001) considera que, para que os discursos (ou práticas) façam sentido, os intérpretes têm de

achar modos de combinar diferentes elementos em um todo coerente, embora não

necessariamente unitário, determinado ou não ambivalente.

A militância direta nos conflitos socioambientais envolve segundo Gohn (2005) um

saber popular politizado, construído em práticas políticas participativas. Para a autora, tal

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saber e tais práticas tornam-se inclusive, uma ameaça às classes dominantes, na medida em

que eles reivindicam espaços nos aparelhos estatais, através de conselhos, etc com caráter

deliberativo. Nesse sentido, a prática social dos movimentos sociais que têm como eixo de

ação os conflitos socioambientais, articula-se a formação de uma cidadania forjada no

processo de luta, no cotidiano e isto inclui a sabedoria do direito a um ambiente sadio,

equilibrado e de uma co-responsabilidade e participação na construção de uma sociedade

sustentável. Tal perspectiva e formação políticas fomentam aprendizagens individuais e

coletivas nos espaços públicos de representação, no interior dos movimentos sociais e em suas

estratégias de lutas.

Entretanto, essa construção política não se estabelece sem tensões no saber escolar, na

prática social escolar. Isso porque desde sempre a escola é atravessada por sistemas de

controle – métodos, operacionalidade curricular, programação sistemática, avaliação

sistemática, orientação fortemente disciplinar e assim por diante. Semelhantes sistemas

conferiram instrumentos úteis historicamente, mas também pequenas algemas de controle

quando empregados sem a crítica e sem o sentido de sua necessidade (BRANDÃO, 2004).

Tais sistemas tocam em cheio a docência e os currículos de ciências, que admitem em

sua história, a produção e o consumo de um conhecimento científico frequentemente

propedêutico, livresco, distanciado de questões sociais, apartado de compromisso social.

Conteúdos científicos assim tomados isoladamente na escola, ainda que permanentemente

relacionados, na vida, como fios de um só tecido. O empobrecimento político de que fala

Layrargues (2012) também se alimenta de uma estrutura curricular que favorece a

fragmentação dos conteúdos e da aprendizagem e gera um isolamento entre as disciplinas (e

os professores) de referências naturais e sociais. Nesse sentido, as premissas interdisciplinares

e políticas, constitutivas, por exemplo, de conflitos socioambientais, representam desafios

relacionados à inserção da temática ambiental na escola no âmbito de áreas disciplinares.

Assim, diante dos limites mencionados acima, as significações da professora acerca do

conflito socioambiental, se configuraram de modo distanciado da perspectiva da justiça

ambiental (manifestadamente em seu discurso pela minimização das condições da opressão

socioambiental e do apagamento do protagonismo comunitário). Sob a perspectiva da ACD,

os diferentes discursos (incluindo os da pesquisadora), postos em jogo ao longo do processo

formativo da professora, foram lidos por ela, sob a condição de “intérprete”. Para Fairclough

(2001, p. 173), os intérpretes são mais do que sujeitos do discurso: eles são também sujeitos

sociais, com experiências sociais particulares acumuladas e com recursos orientados

variavelmente para múltiplas funções da vida social. Tais variáveis, segundo ele, afetam os

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modos como os intérpretes vão interpretar discursos particulares.

Isso implica dizer que nem todos os intérpretes são permeáveis, no sentido de se

ajustarem às posições que são estabelecidas nos discursos outros. Alguns intérpretes são

resistentes em uma extensão maior ou menor. Leituras resistentes podem desarticular em

diferentes graus o hibridismo de um texto, de um discurso. Desse modo, a constituição de

uma prática educativa híbrida (de referência conservadora em alguns momentos e

emancipatória em outros) pela professora pode ser considerada como uma estratégia para o

diálogo no contexto das tensões entre as ações realizadas e os limites expostos acima.

Para Fairclough, as origens e as motivações imediatas da mudança no evento

discursivo repousam na problematização das convenções. Intérpretes tentam resolver aquilo

que ele denomina de “dilemas”, sendo inovadores ou criativos ou adaptando-se as convenções

existentes de novas maneiras e assim contribuindo para a mudança discursiva. A hibridização

de discursos constitui nesse caso a criatividade como opção.

As tensões entre 1) os objetivos do processo formativo, empreendido com a

professora, comprometidos em dar visibilidade às experiências de degradação e desigualdade

socioambientais, bem como às experiências de lutas comunitárias locais, e 2) os limites que o

contexto social e escolar traziam ao deslocamento de suas práticas de ensino de ciências;

podem ser tomadas como dilemas, com os quais a professora teve de lidar.

Ainda que a incorporação do conflito socioambiental de Lagomar, no âmbito dos

discursos e da prática pedagógica escolar estudada, se configurou de modo distanciado da

desigualdade socioambiental local (manifestadamente em seu discurso pela minimização das

condições da opressão socioambiental e do apagamento do protagonismo comunitário), ela

materializou um nicho de mudança discursiva que desafiou as abordagens tradicionais de

práticas educativas ambientais hegemônicas, as quais contribuem para o apagamento de

conflitos e questões socioambientais vivas. Embora tal mudança discursiva de fato não tenha

se constituído em uma forma de transgressão crítica, o cruzamento de fronteiras entre os

conteúdos das ciências naturais-sociais e as novas combinações didáticas produzidas

contribuíram para deslocar as convenções, nas quais a professora toma parte.

Penso que a contribuição desse estudo está em complexificar o debate em torno dos

sentidos de educação ambiental e de educação em ciências em suas relações com a

desigualdade socioambiental em um contexto em que tais campos vêm, cada vez mais, sendo

chamados a responder a uma formação com vistas à participação comunitária e à justiça

social.

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Nesse sentido, o trabalho privilegiou uma discussão em torno da potencialidade

educativa de conflitos socioambientais e da justiça ambiental em contextos marcados por

vulnerabilidade socioambiental. Oportunizou o reconhecimento de referenciais da educação

em ciências no sentido de favorecer deslocamentos emancipatórios produzidos pelos ideais de

justiça e conflitos e superar sentidos hegemônicos em práticas educativas ambientais. As

interfaces produzidas podem contribuir para ampliar as discussões que são comuns, ainda que

incipientes, aos campos da educação ambiental e da educação em ciências.

Valendo-me do referencial teórico-metodológico da ACD para estudar questões

educacionais, foi possível compreender como discursos docentes constituem-se nas relações

com seus contextos e como vão se transformando na constituição das práticas sociais

educativas. Nesse caminho, reconheci marcas no discurso da professora que insinuaram

estruturas posicionadoras, movimentos de pertencimento e legitimação a determinados

indivíduos, grupos ou instituições sociais. Por outro lado, também foi possível reconhecer

marcas discursivas indicativas da agência da professora em seu agir criativo no sentido de

realizar conexões próprias entre diversos discursos com os quais interagiu. Penso que a maior

contribuição do uso da ACD na análise de questões educacionais está em seu movimento

dialético de captura discursiva.

As análises e os resultados discutidos nesta tese não têm caráter fechado, conclusivo.

Ao contrário, abrem-se a novas possibilidades investigativas e a novos olhares. Também

implicam no reconhecimento de dificuldades e limites em sua condução empírica. Mais

especificamente, acredito que o projeto formativo poderia ter envolvido a escola como um

todo, talvez professores e professoras de diferentes áreas e deste modo, agregado uma

dimensão interdisciplinar ao tratamento didático da temática energia em suas implicações

socioambientais. O desafio de pensar na escola em questões complexas que constituem um

conflito socioambiental, tema tão impregnado socialmente, recomenda seu tratamento

interdisciplinar. Investigar a relação entre sentidos na enunciação do tratamento didático de

um conflito socioambiental, a partir de diferentes sujeitos em trabalho interdisciplinar, poderia

trazer novos matizes ao entendimento do hibridismo discursivo e enriquecer os resultados

deste estudo.

Outra dificuldade que atravessou esta investigação se refere à construção de processos

formativos colaborativos efetivos. Trabalhar com e não para, numa relação em que a

participação constitua não apenas uma descentralização de tarefas, mas a conquista da partilha

de poder de decisão fomenta processos democráticos, mas não é tarefa simples. Exige

cuidado, abertura mútua, reconhecimento de distintos papéis, sem antes hierarquizá-los.

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Importante lembrar que o conflito socioambiental surge como temática em meio à outra

(energia) constitutiva do interesse do projeto “Ensino de Ciências: desempenho de estudantes,

práticas educativas e materiais de ensino”. Tais temáticas estabeleceram demandas de

trabalho à professora, não surgiram dela ou do interesse de um projeto escolar coletivo ou do

interesse de seus alunos e alunas. Isso trouxe a necessidade de acomodar distintos interesses e

demandas curriculares por parte da professora e, de minha parte, forçou a um movimento de

respeito à agência e autonomia da professora no contínuo e no contexto de nossa convivência.

O que está em questão aqui no reconhecimento de limites desse estudo é que o

processo formativo de antemão surge fixando temas e objetivos. Do mesmo modo, minhas

intervenções junto à professora também se basearam na garantia de que tais objetivos fossem

cumpridos. Entender em que medida isso afetou a colaboração e a parceria e em que medida

isso se manifestou no discurso da professora foi um limite desse estudo.

Compreendo que o foco investigativo desta tese não foi o processo formativo em si,

mas, significações da professora ao conflito socioambiental construídas em meio a ele. Tal

foco não ignorou, portanto, o processo contextual de produção e circulação do discurso

investigado. Informações relevantes sobre o processo formativo e sobre a escola foram

consideradas e aqui descritas. Nesse sentido, fundamental foi reconhecer marcas de possíveis

intertextos de meu discurso no discurso da professora. Penso que a ACD torna possível tal

reconhecimento na medida em que aposta na reflexividade do/a pesquisador/a para questionar

continuamente a pesquisa, colocá-la sob constante escrutínio.

Investigar relações entre linguagem e práticas educativas de ciências e de educação

ambiental foi fundamental para minha formação como pesquisadora. São esses laços que

desejo reforçar em minha trajetória como professora universitária. Problematizar sentidos

sobre novos conflitos socioambientais e justiça ambiental na escola a partir do discurso de

estudantes, professores e professoras em situações de interação discursiva. Compreender

relações entre modos de vida locais, processos de desigualdade socioambientais e produção de

sentidos sobre EA. Entender as relações escola-comunidade a partir do envolvimento de

estudantes e professores em protagonismos ambientais. Empreender e pesquisar processos

formativos formais e não formais voltados à justiça ambiental. São caminhos que abro em

novas maneiras de pensar a contribuição da educação diante de injustiças e desigualdades

socioambientais.

Esta é a esperança que anima o presente trabalho e aponta futuros. Desapegar da ilusão

de que a escola se faz distante de questões socioambientais mais vivas e agudas. Entender que

a escola (e seus sujeitos) é movimento e ordem, sistema e contestação. Acreditar que a

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ambiguidade humana no ato de educar e, insinuar formas de educar, pode produzir diálogos

híbridos entre o trabalho pedagógico que ensina na escola e o ato político que luta na rua em

direção a cidades mais justas e solidárias.

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ANEXOS

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ANEXO 1: Proposta de atividade – Esquete

Essa poderia ser a história dos muitos moradores do Bairro Lagomar em Macaé, mas

essa é a história de Edson Queiroz, sua esposa Wilma e seus três filhos.

Até o ano de 2002 eles eram moradores da cidade de Lagoinhas na Bahia .Decidiram

tentar a vida em Macaé quando ouviram notícias na TV sobre o crescimento da cidade e as

inúmeras possibilidades de emprego nas atividades relacionadas À cadeia produtiva do

petróleo. A mudança de vida trouxe a família Queiroz, perspectivas de bons empregos, bons

salários e sadia qualidade de vida, como moradia , educação e saúde: tudo que a família

sonhava para dar um futuro melhor para os filhos.

Em dezembro de 2002 eles chegaram a Macaé e fixaram residência no Bairro

Balneário Lagomar, esse Bairro surge, como outros na periferia de Macaé, como uma

alternativa aos altos valores cobrados nos imóveis nas áreas nobres do município. Essa

escolha se apresenta como uma iniciativa que trará muitos conflitos a essa população menos

favorecida economicamente, que chega em Macaé. Esses conflitos se devem à ocupação da

área do entorno do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, e isso contrapõe a necessidade

de moradia aos interesses e conservação da natureza.

A família Queiroz comprou um terreno a um preço bem acessível , que lhes foi

oferecido ilegalmente, onde construíram uma pequena casa. Esse terreno ficava em área de

proteção ambiental, na zona de amortecimento do parque. Mas nem assim a vida ficou mais

fácil, pois localizados em área ilegal e imprópria para moradia, as ameaças de serem

despejados de sua casa pelo poder público se tornou um pesadelo constante e a insegurança da

família era facilmente notada. Para o ministério Público todos os moradores da área de

amortecimento do parque deveriam ser retirados, pois esses representavam uma ameaça à

biodiversidade do parque. Para a prefeitura seria interessante manter os moradores no entorno,

pois sua retirada seria muito cara .Os moradores alegavam que por estar ali a muito tempo se

sentiam capazes de colaborar no cuidado com o parque e impedindo novas invasões

O que piorava ainda mais a vida da família Queiroz eram os constantes problemas de

saúde que acometiam a todos eles e mais gravemente as crianças. Esses problemas de saúde

estavam relacionados à contaminação pela água não tratada e esgoto correndo a céu aberto. O

bairro Lagomar não possui serviço de saneamento básico, como água tratada, canalização de

esgoto e coleta regular de lixo. Nota-se ainda problemas relacionados ao transporte ,

iluminação pública e segurança dos moradores. Existem promessas das autoridades

competentes em resolver esse impasse e urbanizar o bairro com toda a infraestrutura

necessária. Mas, hoje, os problemas estão longe de terminar.

O processo de urbanização da área de ocupação e de novos empreendimentos

industriais (construção de um porto, ampliação do Terminal de Cabiúnas) próximos aos

Bairro Lagomar, podem produzir novos efeitos socioambientais (positivos e/ou negativos)à

sua população e ao ambiente natural. Reflitam sobre isso junto ao seu grupo e organizem e

apresentem em forma de esquete:

1. O conflito vivenciado pela família Queiroz e demais moradores da área de

ocupação.

2. As possibilidades de urbanização do bairro e ao mesmo tempo o desafio de

preservar a natureza local.