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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ÍTALA BYANCA MORAIS DA SILVA
LES MORTS VONT VITE: A Sociedade Capistrano de Abreu e a construção da memória de seu patrono na
historiografia brasileira (1927-1969)
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães
Rio de Janeiro 2008
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2
Rubens da Silva Ferreira – CRB-2 1108.
Rubens da Silva Ferreira – CRB-2 1108
Silva, Ítala Byanca Morais da. S586m
Les morts vont vite: a Sociedade Capistrano de Abreu e a construção da memória de seu patrono na historiografia brasileira (1927-1969) / Ítala Byanca Morais da Silva. – Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2008.
358 f. : il.; 31cm. Orientador: Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães. Dissertação (mestrado) – UFRJ/IFCS/Programa de Pós-
Graduação em História Social, 2008. Referências bibliográficas: f. 310-333. 1. Abreu, João Honório Capistrano de, 1853-1927. 2.
Historiadores – Biografia. 3. Historiografia. I. Guimarães, Manoel Luiz Lima Salgado. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. III. Programa de Pós-Graduação em História Social. IV. Título.
CDD: 21. ed.: 928.092.
3
LES MORTS VONT VITE:
A Sociedade Capistrano de Abreu e a construção da memória de seu patrono na
historiografia brasileira (1927-1969)
Ítala Byanca Morais da Silva
Orientador: Prof. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História.
Aprovada em: ___________________________________ _______________________________________________ Presidente, Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães _______________________________________________ Prof.ª Drª. Lúcia Maria Paschoal Guimarães _______________________________________________ Profª. Drª. Maria Aparecida Rezende Mota
Rio de Janeiro Abril de 2008
4
Aos meus pais, Ivoneide e Bibiano (in memoriam)
5
AGRADECIMENTOS
Este momento com certeza é um dos mais especiais da escrita de um trabalho
acadêmico, pois neste espaço podemos assumir a primeira pessoa e compartilhar a
autoria da pesquisa com outras mãos que de uma forma direta ou indireta, afetiva ou
profissional, contribuíram para que a autora deste trabalho chegasse ao momento tão
aguardado de vê-lo impresso e disponível aos leitores.
Para iniciar, começo por meus orientadores, Prof. Dr. Manoel Luiz Lima
Salgado Guimarães, orientador desta pesquisa, e minha orientadora de graduação e
leitora implícita dessa dissertação, a Profª. Drª. Giselle Martins Venancio. À Giselle
devo inclusive a possibilidade de ter conhecido o prof. Manoel, através do projeto de
Organização do Acervo Capistrano de Abreu do Instituto do Ceará orientado por
ambos, ficando aqui registrados os meus agradecimentos e admiração a esses
profissionais da história. Nesse momento, devo também agradecer ao Prof. Dr. Gizafran
Nazareno Mota Jucá, também orientador do projeto no Instituto do Ceará, com ele
aprendi a dedicação e empenho necessários a realização da pesquisa histórica.
Meus agradecimentos ao Programa de Pós-gradução em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro/PPGHIS, principalmente, à sua coordenação
por ter compreendido a minha ausência da cidade do Rio de Janeiro no último ano de
mestrado e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES,
por ter financiado esta pesquisa em seu primeiro ano.
Agradeço aos professores que contribuíram com o desenvolvimento deste
trabalho em todas as disciplinas que freqüentei. Cabendo agradecimentos especiais
6
aos professores: Andrea Daher, Ricardo Benzaquen, Lúcia Guimarães e Maria
Aparecida Mota.
Agradeço ao intercâmbio bibliográfico com Rebeca Gontijo, Karina Anhezini e
Candice Vidal e Souza.
Devo um agradecimento especial a todas as instituições de pesquisa que
freqüentei para a realização desta dissertação: Academia Brasileira de Letras;
Biblioteca Afrânio Coutinho da Faculdade de Letras/UFRJ; Biblioteca da Primeira
Comissão Demarcadora de Limites, Belém-PA; Biblioteca da Faculdade de Letras e do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ; Biblioteca do Museu Nacional/UFRJ;
Biblioteca Pública Arthur Vianna, Belém-PA; Biblioteca Pública Elcyr Lacerda, Macapá-
AP; Fundação Biblioteca Nacional, especialmente nos setores de Referência e
Periódicos, Obras Raras e Divisão de Informação; Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro; Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico) e Museu do Ceará.
Devo ao Instituto do Ceará não apenas a possibilidade de estudar um arquivo fabuloso,
mas também as amizades que lá fiz. À Marinês Alves e Nonato Inoia deixo registrado o
meu reconhecimento e profundo afeto. Também não posso deixar de agradecer ao
atual Presidente do Instituto do Ceará, José Augusto Bezerra, por ter autorizado a
consulta ao arquivo da Sociedade Capistrano de Abreu e, principalmente, ao Presidente
Manuel Eduardo Pinheiro Campos (in memoriam), pois em sua gestão foi gerado um
novo Instituto do Ceará, no qual inúmeras pesquisas se tornaram possíveis e que hoje
não se constitui apenas como um espaço de pesquisa, mas também, como lugar que
democratiza o acesso à informação no Estado do Ceará, através da biblioteca e do
Memorial Barão de Studart.
7
Agradeço à minha nova casa profissional, o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional/IPHAN, a possibilidade de concluir as pesquisas necessárias para
dissertação, principalmente, a Maria Dorotéa de Lima (Superintendente da
2ªSR/IPHAN) e Simone da Silva Macedo (Chefe da Sub-Regional Amapá) por terem
permitido a minha ida ao Rio de Janeiro, e a Lia Mota (Coordenadora da
COPEDOC/IPHAN) e Márcia Chuva (Gerente de Pesquisa e Identificação
COPEDOC/IPHAN) por terem me recebido nesta cidade.
Por contingências profissionais, nos dois anos de pesquisa tive várias casas,
nas quais conheci pessoas especiais e que com certeza serão amigos de toda vida.
Na minha casa carioca, Naiara, Rachel e Luciana, além de amigas de
mestrado, foram pessoas fundamentais para a minha adaptação ao “Gigante de Pedra”,
como afirmava Capistrano de Abreu. A elas devo nunca me sentir sozinha no Rio de
Janeiro e saber que poderia contar com elas a qualquer momento. A Naiara, minha
parceira intelectual, devo também o fato dela ter propiciado que a sua casa fosse minha
também, permitindo o meu convívio com pessoas muito queridas, no que se destacam
Márcia e seus companheirinhos Fubá e Zozó.
Na minha casa macapaense, deixo registrado o meu afeto e agradecimento por
“Dalvita”, Vanessa, Simone, Luciano e Maria do Carmo. Na minha novíssima casa
belemense, agradeço a Denise, Juliana e Rubens, a este último também devo a ficha
catalográfica dessa dissertação, por me ajudarem na adaptação à nova cidade.
Às pessoas que fazem a minha casa cearense são as mais difíceis de
agradecer, pois lá vivi toda a vida, com exceção dos últimos dois anos. Lá tenho o meu
lar, minha família e pessoas especiais que fazem com que todos os dias sejam para
8
mim dias de saudade. Assim, agradeço às minhas tias “Lourdinha” e “Neidinha”
representando a minha família, ao Bruno, meu companheiro e tradutor de plantão, e
aos meus amigos Ozângela, Paula Virginia, Igor e Humberto, que acompanharam de
perto a construção desse trabalho.
Para concluir agradeço à minha mãe, Ivoneide, por ter aceitado embarcar
comigo nesse turbilhão de mudanças.
.
9
Memória
Amar o perdido deixa confundido
este coração.
Nada pode o ouvido contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas, muito mais que lindas,
essas ficarão.
Carlos Drummond de Andrade
10
RESUMO
Este trabalho objetiva discutir a construção da memória do historiador João Capistrano
de Abreu (1953-1927) pela Sociedade Capistrano de Abreu, instituição criada em 11 de
setembro de 1927, na cidade do Rio de Janeiro, com o fim deliberado de preservar a
memória de seu patrono no quadro disciplinar da historiografia brasileira. A pesquisa
teve como fontes principais a documentação que, compreende o arquivo da instituição
depositado no Instituto Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico), além de fontes
bibliográficas e periódicas sobre as atividades do grêmio. A análise compreendeu a
trajetória da Sociedade desde sua criação até a transferência de suas atividades para a
cidade de Fortaleza, em 1969, apresentando um panorama sobre as representações
construídas sobre Capistrano de Abreu pelos sócios da instituição, bem como as
estratégias utilizadas para concretizar este objetivo, enfatizando as disputas
institucionais e o caráter dinâmico que esta prática memorialística assumiu nos 42 anos
percorridos pela pesquisa. A dissertação apresenta os ritos de memória e o
comemoracionismo presentes nas atividades da sociedade como práticas sociais
representativas do campo historiográfico e político brasileiro das primeiras décadas do
século XX, observando como a construção de representações sobre o historiador
Capistrano de Abreu colaborou para a construção da identidade do ofício do historiador,
da escrita da história e da memória nacional.
Palavras-chave: Historiografia; Memória; Sociedade Capistrano de Abreu.
11
ABSTRACT
The objective of this work is to discuss the construction of the memory of the historian
João Capistrano de Abreu (1853-1927) by Capistrano de Abreu's Society, founded in
the city of Rio de Janeiro in September 11th, 1927. This fact was to preserve the
memory of Capistrano de Abreu among the brazilian historians as patron of brazilian
disciplinary historiography. The search had its principal source based upon
documentaries belonged to the archives of Instituto do Ceará (Antropological,
Geographical and Historical) and also had periodical biography sources of the history
association. The analyse focus the complete trajetory of history society since its creation
until its transference to Fortaleza in 1969, presenting considerations about Capistrano
by members of the institution concerning strategies concretizing objectives, concerning
institutional arguments and the dinamic pratice and character for the memorialistic way
of 42 years time of this search. The dissertation presents the memory rites and
commemoration facts of the society as social practices represented in historical and
political brazilian fields in the first decades of twentieth century, observing how the
construction toward the historian Capistrano de Abreu moulded its formation and identity
leading Capistrano as writer of memory and Brazilian History.
Keywords: Historiography; Memory; Capistrano de Abreu Society
12
LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 - Estátua em bronze de Capistrano de Abreu, na Praça Capistrano de Abreu. 16 jan. 2007. FIGURA 2 - Praça Capistrano de Abreu, conhecida popularmente como “Praça da Lagoinha”, 16 jan. 2007. FIGURA 3 - Notícia do Falecimento de Capistrano de Abreu, O Jornal, 14 ago. 1927, p.5. FIGURA 4 – Inauguração da Sociedade Capistrano de Abreu, O Jornal, 25 out. 1927, p.5.
FIGURA 5 – Capistrano de Abreu na juventude, Jornal do Comércio, 14 ago. 1927.
FIGURA 6 – Primeira reunião da Sociedade Capistrano de Abreu no aniversário de nascimento de seu patrono em 23 de outubro de 1927.
FIGURA 7 – Capistrano de Abreu. FIGURA 8 – Inauguração da Sociedade Capistrano de Abreu. Pode-se ver à direita a rede do historiador. FIGURA 9 – Casa na qual morreu Capistrano de Abreu e sede da Sociedade. FIGURA 10 – Vista atual da casa de Capistrano de Abreu, na Rua Capistrano de Abreu. FIGURA 11 – Placa da Rua Capistrano de Abreu, inaugurada em 23 de outubro de 1927 FIGURA 12 – Rede de Capistrano de Abreu, Museu do Ceará. FIGURA 13 – Quadro de Capistrano de Abreu doado por Edgard Roquete Pinto, 1927. FIGURA 14 – Adriana Janacopulos esculpindo o busto de Capistrano de Abreu encomendado pela Sociedade. FIGURA 15 – Busto de Capistrano de Abreu, Museu do Ceará FIGURA 16 – À esquerda, edição de luxo para sócios da Sociedade Capistrano de Abreu (1928), à direita, edição popular (1934) FIGURA 17 – Folheto de divulgação da Gramática dos Caxinauás FIGURA 18 – Anúncio publicado na edição popular dos Capítulos de História Colonial, 1934 FIGURA 19 - Selo Comemorativo ao Centenário de Capistrano de Abreu – 1953 FIGURA 20 - Cadernos de Capistrano de Abreu (Instituto do Ceará)
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LISTA DE ABREVIATURAS
ABL – ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
BN – BIBLIOTECA NACIONAL
CCA – CORRESPONDÊNCIA DE CAPISTRANO DE ABREU
DNP – DEPARTAMENTO NACIONAL DE PROPAGANDA
DIP – DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
IC – INSTITUTO DO CEARÁ (HISTÓRICO, GEOGRÁFICO E ANTROPOLÓGICO)
IHGB – INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO
INL – INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO
LA – LIVRO DE ATAS
SCA – SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU
SPHAN – SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL
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SUMÁRIO
Introdução .................................................................................................................... 15 1. 13 de agosto de 1927: morre João Honório Capistrano de Abreu, nasce o
historiador do Brasil ................................................................................................... 27
1.1 . A Sociedade dos amigos e discípulos de Capistrano de Abreu ....................... 48
2. Histórias de vida e a História Nacional: representações e estratégias de
construção da memória de Capistrano de Abreu .................................................... 81
2.1. As narrativas biográficas: imagens do historiador ........................................ 81 2.2. “No vai e vem da rede”: imagens da memória ............................................ 106 2.3. Capistrano de Abreu para todos os bolsos e públicos ................................ 116 2.4. O Prêmio Capistrano de Abreu para “melhor conhecer o Brasil” ................ 179
3. O declínio de um culto: a Sociedade Capistrano de Abreu e a constituição do
campo historiográfico no Brasil ........................................................................ 211
3.1. O ano do Centenário: a Sociedade Capistrano de Abreu e a comemoração do centenário de seu patrono ........................................................................... 225
3.2. Anotar e prefaciar a obra do “mestre”: reflexões de José Honório Rodrigues sobre Capistrano de Abreu ......................................................................... 271
3.3. Os últimos anos do culto institucional a Capistrano de Abreu .................... 301 Considerações Finais ............................................................................................... 311 Bibliografia e Anexos ................................................................................................ 314
15
INTRODUÇÃO
Em abril de 2003, os jornais cearenses divulgaram a notícia de que a estátua
em bronze de Capistrano de Abreu, situada na praça que possui o nome do historiador,
no centro de Fortaleza, havia sido roubada, não existindo paradeiro dos furtivos ladrões
e tão pouco da peça. Por sua vez, lembramo-nos dos recorrentes comentários sobre o
fato nos corredores do curso de História. Alguns alunos se indignavam, outros se
compadeciam, apresentavam suposições de que a estátua já poderia ter sido vendida e
derretida. Enfim, os sentimentos e comentários eram os mais variados possíveis.
Porém, esse fato aparentemente corriqueiro, pois o roubo de monumentos em
bronze de praças e logradouros públicos no Brasil, infelizmente, é uma realidade,
possuiu para um grupo de pessoas em particular, especificamente, para uma classe
profissional, um significado especial. Esse grupo era o dos historiadores.
O debate entre alunos e professores girava em torno de duas questões. A
primeira seria que o furto não teria sido de uma estátua qualquer, mas do monumento
de um historiador. A segunda questão foi sobre os valores simbólicos que estavam
presentes naquele objeto (a estátua) e a sua diversidade.
Para a imprensa e para comunidade de historiadores aquele objeto
representava um “monumento”, ou seja, no sentido de Pierre Nora, um lugar de
memória, portador de uma constituição material, simbólica e funcional.1 Alguns
historiadores viam no roubo da imagem o desfalque de um símbolo da trajetória da sua
1 Segundo Nora, ela é material por seu conteúdo demográfico e espacial, funcional porque assegura a cristalização e transmissão da lembrança e por definição simbólica, pois vincula uma experiência vivenciada por um pequeno grupo de indivíduos a outros que não a vivenciaram. NORA, Pierre. Entre la
16
disciplina, o que gerou comentários preconceituosos sobre a “ignorância” dos vândalos
que roubaram a estátua por serem incapazes de compreender o valor do “monumento”
que possuíam.
FIGURA 1 - Estátua em bronze de Capistrano de Abreu, na Praça Capistrano de Abreu. 16 jan. 2007.
Essa monumentalização do material, constituindo, como sugere Régis Lopes
Ramos, ao analisar o mesmo evento, uma política da memória, chegou ao extremo da
imprensa local humanizar o objeto.2 A chamada de uma das matérias era “Capistrano
Mutilado”, quando do reaparecimento da estátua com uma das pernas serrada.3 Ou
como em uma recente matéria sobre o roubo de monumentos em bronze do centro de
Mémoire e la Histoire. In. ___. (org.). Les lieux de mémoire.I – La République. Paris: Gallimard, 1998, p. XXXV. 2 RAMOS, Francisco Régis. Objetos biográficos e biografados. In. ___. A danação do objeto: o museu no ensino de História. Chapecó: Argos, 2004, p. 105-127.
17
Fortaleza, o jornalista retoma o roubo da estátua de Capistrano de Abreu, afirmando
que ela foi encontrada “crivada de balas”.4
Nesse momento, nos colocamos no papel dos “vândalos” e questionamos que
tipo de representações eles construíam sobre aquele objeto. Será que eles estavam
roubando o monumento do “Príncipe dos historiadores brasileiros”? Será que eles já
haviam lido os Capítulos de História Colonial? Provavelmente não. Não pretendemos
justificar a ação desses homens, apenas demonstrar que para eles a estátua em bronze
não possuía o sentido do monumento, não os incluía a um processo, não criava uma
memória que deveria ser compartilhada por eles. Como apresenta Dominique Poulot, o
monumento e sua posterior institucionalização como patrimônio cultural de uma nação
correspondem a um processo de definir lembranças e valores para serem
compartilhados por uma comunidade nacional.5 Dessa forma, até que ponto os
“vândalos” identificavam naquela estátua um patrimônio constituinte da sua identidade,
inclusive como brasileiros?
Outro aspecto que vem corroborar o não compartilhamento por esses homens
das categorias que poderiam permitir com que eles aferissem à aquele objeto o sentido
de “monumento” é a própria localização da estátua. Ela fica localizada no centro da
cidade, na Praça Capistrano de Abreu. Contudo, a maioria das pessoas que circulam
no lugar ou nele trabalham, – pois na praça existe uma grande concentração de
mercadores informais –, conhecem-na como Praça da Lagoinha, denominação que faz
referência a uma lagoa que ali existia.
3 Capistrano Mutilado. O Povo. Fortaleza, 26 abr. 2003, p.12. 4 Patrimônio Histórico. Diário do Nordeste. Fortaleza, 08 mar. 2008, p.10. 5 POULOT, Dominique. Patrimoine et musées: l’institution de la culture. Paris: Hachette, 2001.
18
FIGURA 2 - Praça Capistrano de Abreu, conhecida popularmente como “Praça da Lagoinha”, 16 jan. 2007.
A partir desse evento, podemos concluir que a memória, principalmente quando
ela toma a dimensão de culto cívico, se transformando em comemoração, requer dos
seus interlocutores o compartilhamento significados e sentidos, visto que a própria
etimologia da palavra denuncia o seu caráter de prática social, pois comemorar nada
mais é do que lembrar em comunidade. Assim, realizamos os mesmos
questionamentos de Régis Lopes Ramos sobre o evento do roubo:
O que, afinal, foi roubado? Uma estátua ou 150 quilos de bronze prontos para o roubo? A imagem que foi mutilada, consertada e recolocada no pedestal era “o professor” de quem? Para quem e contra quem? Quem era o professor de que precisava vender pedaços na praça pública? E quem mais sabia que ali era a Praça Capistrano de Abreu? 6
Capistrano de Abreu nasceu no Ceará em 23 de outubro de 1853, realizando
seus estudos secundários em escolas desta província. Em 1869, o futuro historiador
6 RAMOS, Régis Lopes. Op. cit. p. 124.
19
migrou para cidade do Recife com o objetivo de realizar o exame de seleção da
Faculdade de Direito. Como era costume entre a sociedade imperial, a família de
Capistrano deveria ver no seu ingresso nesta faculdade a melhor oportunidade de
ascensão social e econômica para o jovem. Contudo, Capistrano foi reprovado nos
testes, o que lhe causou alguns problemas familiares.
Apesar da reprovação, Capistrano não se manteve distante do mundo das letras,
o que lhe permitiu conhecer o romancista José de Alencar (1829-1877), para o qual
realizou algumas pesquisas. Satisfeito com trabalho realizado, o literato ofereceu uma
carta de recomendação a Capistrano. Oferta fundamental para o então desconhecido
jovem que aportou 1874 na cidade do Rio de Janeiro em busca de oportunidades e
desprovido de um sobrenome de prestígio e do diploma de bacharel em Direito.
Rapidamente, Capistrano de Abreu conseguiu vaga de colaborador em jornais,
resenhista e crítico na Livraria Garnier, professor de português e francês no Externato
Aquino, Oficial da Biblioteca Nacional, e por fim, professor do Imperial Colégio Dom
Pedro II, chegando inclusive a sócio da maior instância de consagração de um
historiador neste período, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
A maioria da população ignora quem foi Capistrano de Abreu. Na verdade, só um
grupo muito especializado de historiadores e cientistas sociais conhece a obra deste
historiador. Autor de estudos que variaram da crítica literária à lingüística indígena,
Capistrano é comumente lembrado como o autor do livro Capítulos de História Colonial
(1907), publicação sobre história do Brasil considerada por muitos críticos como um
livro de referência na produção historiográfica nacional.
20
No ano seguinte, voltamos a nos deparar com a memória produzida sobre o
historiador Capistrano de Abreu, desta vez como bolsista de iniciação científica no
projeto de organização do acervo do historiador depositado no Instituto do Ceará
(Histórico, Geográfico e Antropológico), através de um convênio entre a Universidade
Estadual do Ceará e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ao iniciarmos o trabalho, acreditávamos que a documentação ali encontrada se
constituiria, exclusivamente, de cartas que por sua vez corresponderiam às missivas do
historiador já publicadas por José Honório Rodrigues já na década 50, cabendo apenas
uma higienização e catalogação das mesmas. Porém, para a grata surpresa dos
coordenadores e bolsistas do projeto, a documentação ali reunida corresponde a um
conjunto de aproximadamente 500 missivas do historiador ainda inéditas.7
Ao longo da pesquisa, observamos que o arquivo ali reunido era composto
principalmente por cartas passivas de Capistrano de Abreu, correspondia ao acervo da
Sociedade Capistrano de Abreu (SCA), instituição criada em 11 de setembro de 1927,
na cidade do Rio de Janeiro, com objetivo de cultuar o historiador após a sua morte e
“perpetuar” a sua memória.8 Esta sociedade teve como principal missão tornar
Capistrano de Abreu uma figura referencial não apenas entre aqueles que escreviam e
escrevem a História do Brasil, mas também para os cidadãos comuns, pois eles
deveriam ver Capistrano de Abreu como um exemplo de grande homem e seus textos
como uma narrativa exemplar sobre a História do Brasil.
7 O Projeto “Organização do Acervo Capistrano de Abreu do Instituto do Ceará” foi coordenado pelos Professores Doutores Giselle Martins Venancio, Gizafran Nazareno Mota Jucá e Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães. Foram bolsistas de iniciação científica: Emy Maia Neto, Igor de Meneses Soares, Ítala Byanca Morais da Silva e Paula Virgínia Pinheiro Batista. O Projeto contou com o apoio do CNPQ, FUNCAP, UECE e UFRJ. 8 Quando necessário o termo Sociedade Capistrano de Abreu será substituído pela abreviatura SCA.
21
Aos poucos a documentação da Sociedade foi aflorando no arquivo. Cartas
entre os sócios, livros de atas, fotografias. Dessa forma, o acervo da instituição se
apresentou como um objeto de pesquisa privilegiado para compreender os processos
de construção da memória social do historiador Capistrano de Abreu. E este é o
objetivo do estudo aqui apresentado.
São necessários, para a melhor compreensão da pesquisa, alguns
esclarecimentos sobre a documentação. Dentro dos trabalhos historiográficos um dos
principais exercícios realizados pelos pesquisadores é a busca da origem de suas
fontes, questionando por quais caminhos uma determinada documentação passou,
quem as produziu e quais as condições nas quais esteve conservada.
Quando nos referimos a arquivos originados na esfera pública, a conclusão
parece imediata, afinal os arquivos públicos foram criados para acondicionar a
documentação produzida pela burocracia estatal, ou documentos de origem privada
que pelas contingências cotidianas, uniram o público e o privado em seus registros,
como inventários e testamentos.
O acervo que tratamos aqui se caracteriza como privado, ou seja, pertenceu a
uma pessoa jurídica, a Sociedade Capistrano de Abreu, sendo a documentação
produzida a quem da esfera do Estado. A trajetória desse tipo de documentação
aparece como repleta de enigmas. Apresenta dificuldades concernentes ao tipo de
documento que foi conservado e aos caminhos percorridos pela documentação desde
sua acumulação inicial até o seu destino final, as instituições de guarda.
A Sociedade viveu de maneira estável por aproximadamente 20 anos, porém,
assim como aconteceu com o “Mestre”, termo utilizado pelos sócios ao se referirem a
22
Capistrano de Abreu, a morte também chegou para os seus “discípulos”. Ou seja, os
amigos de Capistrano de Abreu responsáveis pela manutenção financeira e cotidiana
da sociedade não estavam mais presentes para administrá-la. Com a morte de Eugênio
de Castro e Rodolfo Garcia, dois importantes administradores da instituição, a
sociedade viveu um período obscuro e as publicações da obra de Capistrano de Abreu
e de trabalhos inéditos se tornaram inconstantes.
Porém, na metade da década de 50 a Sociedade passou por um novo período
de efervescência, com o historiador José Honório Rodrigues a sua frente. Mas o campo
historiográfico havia se transformado, e por conseqüência os sócios da instituição
também. A partir daquele momento a Sociedade não seria mais composta por
“discípulos” de Capistrano de Abreu, mas sim, por um público de profissionais
especializados, pertencentes ao novo corpo acadêmico que começava a se constituir
no Brasil com a reforma universitária e a consolidação dos cursos superiores.
Dentre esses novos sócios, também estavam os intelectuais cearenses, Antônio
Martins Filho (Reitor da Universidade do Ceará), Raimundo Girão e José Aurélio
Câmara (ambos sócios do Instituto do Ceará). Em 1961, Antônio Martins Filho propôs a
transferência da Sociedade para a cidade de Fortaleza ao seu então presidente, José
Honório Rodrigues. A proposta consistia na transferência da Sociedade do Rio de
Janeiro para Fortaleza e a criação do Centro de Estudos Capistrano de Abreu na
Universidade do Ceará, atua Universidade Federal do Ceará.
A proposição foi recusada por unanimidade na assembléia Geral da Sociedade
de 03 de novembro do mesmo ano.9 Porém, a idéia da transferência do acervo para
9 Ata da 40ª Assembléia Geral da SCA, 03 nov. 1961. Livro de Atas da Sociedade Capistrano de Abreu n. 1, Fundo Sociedade Capistrano de Abreu, p. 59.
23
uma universidade e a criação de um centro de estudos foi considerada ideal pelos
sócios da instituição, que nesse momento já observavam a impossibilidade de mantê-la
em atividade por mais tempo. Assim, a Comissão Executiva da Sociedade, munida da
idéia de Antônio Martins Filho, iniciou negociações com outras instituições como: a
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a Universidade do Estado da
Guanabara, a Universidade do Brasil e o Arquivo Público do Rio de Janeiro. Todas as
propostas aparentemente não obtiveram sucesso, até que na assembléia de 23 de
outubro de 1969, José Honório Rodrigues colocava em votação aos sócios presentes, a
transferência da Sociedade para o Estado do Ceará. Os sócios concordaram com a
mudança, inclusive a representante legal da família do historiador, a nora de Capistrano
de Abreu, Amnérides Abreu, que condicionou a transferência à permanência dos
direitos autorais sobre a obra do autor restritos à família.
Segundo o livro de atas da Sociedade, a transferência já era algo decidido para
José Honório Rodrigues, visto que, ele, na mesma sessão, já comunicava a eleição da
nova Comissão Executiva da Sociedade e dos novos sócios da agremiação no Ceará.
Simultaneamente, segundo o livro de atas, a nova comissão executiva se reuniu no
Colégio Militar de Fortaleza. A partir da documentação, cartas e telegramas, podemos
constatar que o traslado do acervo foi realizado através de negociações entre José
Aurélio Câmara10 e José Honório Rodrigues. Infelizmente, não conseguimos datar o
período no qual o acervo da instituição foi transferido da Universidade do Ceará para o
Instituto do Ceará, atual detentor do acervo, tendo apenas uma estimativa do ano de
10 José Aurélio Câmara era militar e sócio do Instituto do Ceará. Foi autor de uma biografia sobre Capistrano de Abreu premiada pela Academia Brasileira de Letras em 1969. CÂMARA, José Aurélio. Capistrano de Abreu. 2 ed. Fortaleza: Casa José de Alencar; UFC, 1999.
24
1971.11 Contudo, observando os novos sócios e os que já faziam parte da instituição,
como Raimundo Girão e Carlos Studart Filho (sócios do Instituto do Ceará), a sua
transferência foi quase um fator natural, visto que o Instituto possuiu durante muitos
anos exclusividade sobre a produção historiográfica no Ceará. Mesmo após a criação
do curso de História na Universidade, a maioria dos professores que nele lecionavam
eram sócios da instituição.
O acervo da Sociedade, – ou do que a maioria acreditava ser o acervo pessoal
de Capistrano de Abreu, – hipótese somente refutada após o início da catalogação,
permaneceu inacessível ao público até a conclusão do seu inventário em 2005.12
Foi com surpresa que o acervo da Sociedade foi descoberto e aos poucos
reconstituído. Essa documentação, que recebeu a designação de Fundo Sociedade
Capistrano de Abreu, encontra-se depositada no Instituto do Ceará e dividida em
subfundos, designação que será utilizada nas referências a documentos do arquivo.
Pela natureza distinta da documentação que compõe cada subfundo, podemos
estabelecer uma tipologia das fontes a serem utilizadas.
O primeiro subfundo corresponde à documentação administrativa da Sociedade
Capistrano de Abreu. Neste fundo, podemos localizar a documentação referente ao
11 Encontramos apenas dois registros sobre a documentação nas revistas do Instituto do Ceará. Em 1971, foi registrada no livro de atas do Instituto a realização de um convênio entre a instituição e a Universidade do Ceará, sendo apresentada a impossibilidade do Instituto em receber o acervo do historiador, pois este não dispunha de pessoal capacitado para o tratamento acervo. Em 1990, a instituição apresentou na revista uma proposta de restauro e catalogação da biblioteca do historiador, contudo, nenhuma referência foi realizada sobre a Sociedade Capistrano de Abreu. Ver: Ata da reunião do dia 6 de dezembro de 1971. Revista do Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico). Fortaleza, t.85, p. 317, 1971; Projeto para organização das salas Eurico Facó e Capistrano de Abreu da Biblioteca do Instituto do Ceará. Revista do Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico). Fortaleza, t. 104, p.241-244, 1990. 12 Após a morte de Capistrano de Abreu, o porão no qual o historiador viveu de 1922 a 927 foi ocupado pela Sociedade, ficando sob sua responsabilidade a guarda e preservação o espólio do historiador. O que compreendia livros e materiais de pesquisa, correspondência e objetos pessoais.
25
cotidiano burocrático do grêmio. A documentação se estende desde notas fiscais de
compra a contratos com editores para promover as edições dos prêmios monográficos
da Sociedade e das reedições da obra de Capistrano de Abreu.
O segundo subfundo corresponde a Biblioteca Capistrano de Abreu. O acervo
bibliográfico da Sociedade concerne na reunião dos livros de Capistrano de Abreu, cujo
espólio foi de responsabilidade da Sociedade e cedidos a esta, pela família do
historiador, e de novos volumes comprados pela associação durante a sua atividade.
São 2528 volumes, onde se apresentam 1518 periódicos e 1010 livros.
O terceiro subfundo compreende o acervo epistolar da Sociedade. São 346
cartas, onde 244 são passivas e 102 ativas. As correspondências ativas puderam ser
mapeadas através de um acervo de cópias criado pela própria sociedade, onde esta
reuniu reproduções das correspondências e ofícios que emitia.
Assim, realizamos uma divisão temática entre as correspondências.
Correspondências passivas e ativas foram divididas seguindo a mesma tipologia. O
primeiro grupo corresponde às missivas trocadas entre os sócios do grêmio; o
segundo grupo se compõe de correspondências com outras instituições culturais e
políticas; o terceiro grupo são as cartas enviadas para comunicar aos destinatários a
sua escolha para sócio da agremiação.
Por fim, um tipo de documentação cabe ser apresentada. A Sociedade, como
produtora de uma representação de si e de Capistrano de Abreu, produziu uma
quantidade relevante de material bibliográfico e de narrativas sobre Capistrano de
Abreu. Fazendo valer das posições ocupadas por seus sócios no campo político e
cultural, utilizou de todos os recursos disponíveis para a divulgação da memória de
26
Capistrano e das atividades intelectuais de seus sócios, como: divulgação pela
imprensa escrita e radiofônica, através de discursos na Câmara dos Deputados e no
Senado, além das tradicionais revistas dedicadas à produção do conhecimento, como:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Letras,
Revista do Brasil, do Museu Nacional e do Museu Paulista.
No Capítulo 1 apresentaremos a criação da instituição e suas principais
características, tendo como objetivo perceber as suas particularidades no campo da
produção historiográfica nas primeiras décadas do século XX no Brasil.
No Capítulo 2 discutiremos as estratégias utilizadas pela Sociedade para
construir uma imagem pública para o homem e historiador Capistrano de Abre.
Dessa forma, serão privilegiados quatro aspectos: a escrita biográfica sobre o autor,
a publicação da sua obra, a constituição de uma memória material que o
representasse e o Prêmio Capistrano de Abreu de História, este último, voltado à
construção do autor no quadro disciplinar da historiografia brasileira.
No Capítulo 3 apresentaremos a fase final da instituição, principalmente
percebendo a sua interação com o processo de consolidação do campo
historiográfico no Brasil. Além disso, analisamos de forma detida a construção da
memória do autor no período no qual a Sociedade foi presidida pelo historiador José
Honório Rodrigues.
27
1
13 de agosto de 1927: morre João Honório Capistrano de Abreu,
nasce o historiador do Brasil
Esse ano que corre, de 1927, parece que vai ser efetivamente o ano dos historiadores.13 (João Ribeiro)
João Ribeiro, um dos mais atuantes críticos literários das letras nacionais da
primeira metade do século XX e autor de uma História do Brasil, assinalou o ano de
1927 como aquele que deveria ser dedicado aos historiadores. O autor enumera
algumas razões que distinguiriam 1927como especial para esse pequeno grupo de
especialistas do passado, mesmo que este grupo não fosse tão especializado e restrito,
pois a dedicação à escrita da história ainda era uma prática compartilhada por políticos,
literatos, jornalistas e profissionais liberais.
Para introduzir as particularidades do ano de 1927, João Ribeiro elencou os
requisitos necessários para que alguém pudesse “fazer história”. Segundo João Ribeiro,
o bom historiador não precisaria apenas de qualidades literárias, senso crítico e arte de
bem escrever, seria necessário a superação de certas circunstâncias difíceis e às vezes
inacessíveis ou insuperáveis ao escritor de boa vontade.14 E segue o autor
especificando esses requisitos:
13 Artigo originalmente publicado no periódico O Estado de São Paulo em 26 jun. 1927. RIBEIRO, João. Historiadores. In. ___. Crítica: obras de João Ribeiro. Volume VI – Historiadores. Rio de Janeiro: ABL, 1961, p. 5.
28
Uma delas, e não somenos, é a de recursos pecuniários, em terra onde tudo falta e nada existe em estado de concentração, ao alcance de todos. Sente essa falta principalmente o jornalista, que é também escritor, coagido como vive a dissipar-se no perpétuo improviso da imprensa. Os obstáculos, porém, em compensação fortalecem a vontade e fazem das fraquezas grande força. É necessário por vezes viajar, buscar e adquirir, ou inventariar documentos, ler ou copiar papéis, freqüentar arquivos e bibliotecas, e gastar muito tempo por uma agulha perdida em palheiro. Essa contingência afasta pela renúncia a maior parte dos pesquisadores indolentes. Em certos países como a Inglaterra, a história não é só a especialidade de professores, bibliotecários, mas a de políticos e estadistas em disponibilidade. A lista deve somar-se os diplomatas que têm sempre largos ócios e suficientes recursos para trabalhar e financiar os trabalhos.15
Exemplificando para comprovar suas afirmações, João Ribeiro apontou Robert
Southey (1774-1843) e Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) como
representantes clássicos de como a história do Brasil se beneficiou do ócio e da
profusão de recursos pecuniários, pois eles seriam os autores das duas melhores obras
sobre a história nacional.16 Especificamente, João Ribeiro dedicou parte do artigo à
História Geral do Brasil de Varnhagen, reafirmando a obra como de fôlego, sendo esta
a que conseguiu reunir o maior número de informações documentais, não sendo mais
superada por outro trabalho. Aspecto que levou o autor a lamentar a inexistência de
outras pesquisas com a mesma densidade, bem como o caráter fragmentário que teria
14 Ibid., p.5. Sobre a História do Brasil de João Ribeiro: RIBEIRO, João. História do Brasil: curso superior segundo os programas do Colégio Dom Pedro II. Rio de Janeiro: São José, 1923. 15 Ibid., p.5. 16 João Ribeiro enfatizava a dedicação à vida diplomática por Varnhagen e a consolidada situação financeira da família de Southey como fatores determinantes para o sucesso destes na escrita da história do Brasil. As obras cujo autor faz referência são: SOUTHEY, Robert. History of Brazil. Londres: Longman, 1910-1919. 3 v; VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil. São Paulo: Weiszflog, 1927.3 v. Um apanhado sobre os dois autores pode ser encontrado em: CEZAR, Temístocles. O historiador e o poeta. Varnhagen em face à obra de Robert Southey. In. História e multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. Anais eletrônicos do XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo: Unisinos, 2007. 1 CD.
29
assumido a historiografia brasileira, dispersa, como afirmou o autor, em triste
compilação de compêndios escolares.17
Diante do lugar preponderante construído por João Ribeiro para Varnhagen e
para a sua História do Geral do Brasil na historiografia brasileira, o autor apontou a
futura publicação da terceira edição da obra como um acontecimento literário de vulto.18
João Ribeiro acreditava que a revisão e anotação da obra de Varnhagen,
complementando as lacunas e omissões deixadas pelo autor, poderiam ser
contribuições de maior eficácia do que a escrita de uma nova história geral, pois
nenhum empreendimento dessa magnitude poderia se esquivar das contribuições já
realizadas pelo Visconde de Porto Seguro. Capistrano de Abreu também partilhava das
impressões de João Ribeiro sobre a História Geral de Varnhagen. Em carta a João
Lúcio de Azevedo afirmou:
Propôs-me um livreiro fazer uma edição anotada da História Geral de Varnhagen. Aceitei em princípio, porque, com os documentos mais ou menos conhecidos, não se pode fazer obra inteiramente nova, e a de Varnhagen, revista com cuidado, pode atravessar este período de transição. Além disso, o trabalho não estorva, antes fomenta a edição de meus Capítulos de História Colonial, em que ultimamente tenho pensado: espero dentro de um ano dar conta de Varnhagen.19
17 RIBEIRO, João. op.cit. p.6. 18 Ibid., p.6. 19 Todas as referências à correspondência de Capistrano de Abreu foram retiradas das edições de 1977 organizadas pelo historiador José Honório Rodrigues. ABREU, Capistrano de. Correspondências de Capistrano de Abreu. Vol. 1 Organização de José Honório Rodrigues. 2 ed. [1ª ed. 1954]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/MEC, 1977; ___. Correspondências de Capistrano de Abreu. Vol. 2 Organização de José Honório Rodrigues. 2 ed. [1ª ed. 1954]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/MEC, 1977; ___. Correspondências de Capistrano de Abreu. Vol. 3. Organização de José Honório Rodrigues. 2 ed. [1ª ed. 1956]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/MEC, 1977. Por economia textual e como forma de sistematizar as referências, oferecendo ao leitor informações sobre destinatário, remetente e ano de envio das missivas, elaboramos um padrão para citação destas, no qual a Correspondência de Capistrano de Abreu será substituída pela sigla CCA, seguido do volume e página dos quais foram retiradas as citações. Correspondência enviada por Capistrano de Abreu a João Lúcio de Azevedo em 30 jun. 1916. CCA, volume 2, p. 12.
30
A missiva enviada a João Lúcio de Azevedo foi datada de 1916, contudo,
Capistrano de Abreu já se dedicava a esta anotação pelo menos desde 1900, quando
lhe foi encomendado o trabalho pela Livraria Laemmert. Capistrano não viveu para ver
editados os volumes revistos por ele da obra de Varnhagen, empreendimento que foi
compartilhado por ele com Rodolfo Garcia, bibliotecário do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) e depois diretor da Biblioteca Nacional. A publicação só
veio a público após a morte do historiador, ocorrida em 13 de agosto de 1927, com
notas e explicação de Rodolfo Garcia e prefácio de Afonso de Taunay. 20
João Ribeiro ao comentar a futura edição, enfatizou o papel de Rodolfo Garcia
como anotador e organizador dos volumes, reduzindo a participação de Capistrano de
Abreu. Como sugere Ribeiro:
20 Rodolfo Garcia (1873-1949) foi um importante colaborador dos trabalhos de Capistrano de Abreu, a quem o historiador descreveu como um pernambucano inteligente, instruído, mas que não dispensa censor, porque às vezes dispara. Pela própria citação se observa a relação tramada entre os dois historiadores, na qual Capistrano teria o papel de “censor” dos estudos históricos de Garcia. A amizade de Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia nos parece a mais representativa do clima intelectual e sentimental que estimulou a criação da Sociedade Capistrano de Abreu, como veremos a seguir. Carta enviada por Capistrano de Abreu a João Lúcio de Azevedo na 2ª feira gorda de 1923. CCA, volume 2, p. 269. Por morarem próximos, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, a correspondência trocada entre os dois foi muito pequena, visto que, se viam com freqüência em suas casas ou no IHGB, e posteriormente, na Biblioteca Nacional. Contudo, podemos observar nas três cartas passivas e vinte seis cartas ativas de Capistrano a Rodolfo Garcia alguns episódios representativos se suas relações intelectuais, por exemplo, o agradecimento de Rodolfo Garcia a Capistrano pela edição da História do Brasil do Frei Vicente do Salvador: acaba de chegar-me às mãos sua carta de 1º deste, pela qual lhe sou muito obrigado. Recebi há dias com o exemplar da História do Frei Vicente do Salvador, que me destinou. Como lhe agradecer a oferta e mais ainda a menção de meu apagado nome no prólogo desse livro imortal, não sei francamente: creia apenas que considero aquela página o melhor diploma da minha carreira literária, com o valor que em outros tempos teria uma condecoração subidamente honrosa. Carta enviada por Rodolfo Garcia a Capistrano de Abreu, sem data. CCA, volume 3, p. 103. Os resultados mais expressivos da parceria entre Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia foram: as edições e anotações à História Geral do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen, à História do Brasil, 1500-1627 do Frei Vicente do Salvador, à série de publicações Denunciações de Pernambuco (1593-1595), Denunciações da Bahia (1591-1593) e Confissões da Bahia (1591-1592), que faziam parte da Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil. Também merece destaque o prefaciador da obra, Afonso de Taunay (1876-1952). O autor também foi um dos sócios fundadores da Sociedade e um auto declarado discípulo e continuador dos trabalhos de Capistrano de Abreu. Taunay dedicou-se aos estudos de história colonial, principalmente paulista, no que se destaca o seu estudo sobre o movimento bandeirante. Foi Diretor do Museu Paulista e do Museu do Estado de São Paulo e professor da Universidade de São Paulo.
31
Rodolfo Garcia, tão conhecido pelos seus estudos tupis, e hoje bibliotecário do Instituto Histórico, começou a organizar e já vai adiantada, a edição exaustivamente anotada da grande história. Essa empresa havia sido iniciada por Capistrano de Abreu, que a abandonou logo nos primeiros capítulos, com a volubilidade que lhe é própria. Rodolfo Garcia retomou o trabalho onde o deixara o seu e nosso mestre e neste ano ainda aparecerá o primeiro volume de Varnhagen. Não sei se é intuito do novo editor trazer a história de Varnhagen até os nossos dias ou pelo menos até a queda do Império, como seria para desejar.21
Como atesta a correspondência de Capistrano, – principalmente com João
Lúcio de Azevedo e Lino de Assunção, ambos os historiadores residentes em Portugal
e aos quais com freqüência Capistrano solicitava cópias de documentos históricos dos
arquivos europeus – ele possuiu uma ativa prática de pesquisa mobilizada para concluir
as anotações á obra de Varnhagen. Constituiu toda uma rede de pesquisa histórica
mobilizada para conseguir documentos que corroborassem ou corrigissem as
afirmações de Varnhagen.
Segundo Maria da Glória Oliveira, as anotações à obra de Varnhagen foram um
importante meio de escrita da história por Capistrano de Abreu. Pois, ao buscar a
precisão da informação e da busca de documentação que amparasse a sua narrativa
crítica, Capistrano de Abreu teria deixado à mostra todo o aparato crítico que
compreendia ser necessário à escrita da história. Como apresenta Oliveira:
O trabalho de reedição da História Geral pressupunha que a própria obra monumental do Visconde de Porto Seguro fosse convertida em documento. Por sua condição de incompletude, o texto historiográfico tornava-se suscetível a correções, acréscimos e reinscrições. Na intenção de narrar uma história verdadeira sobre o Brasil, Varnhagen o fizera tanto quanto lhe fora possível. Com efeito, Capistrano não hesitara
21 Importante ressaltar o papel delegado à História Geral do Brasil de Varnhagen até este momento, pois, apontando João Ribeiro a possibilidade desta ser estendida até a queda do Império por Rodolfo Garcia, mesmo assim a autoria da obra seria do Visconde de Porto Seguro. Era como se o seu nome e sua obra histórica fossem tão representativos da historiografia brasileira e daquela geração de historiadores que esta poderia ser continuada por outros autores, se tornando uma obra coletiva dos historiadores nacionais e ao mesmo tempo restrita a uma única autoria, a de Varnhagen. RIBEIRO, João. op.cit. p.7.
32
em atribuir-lhe o papel de “desbravador” que cumprira o encargo de “fazer quase tudo” na escrita dessa história. Tratava-se, pois, não tanto de contestá-lo, mas de perscrutá-lo, seguir o rastro de suas numerosas fontes, identificar-lhes a procedência, confrontá-lo com outros testemunhos, de modo a retificar, ou seja, tornar mais exata e menos incompleta a sua narrativa.22
Dessa forma, podemos concluir que a afirmação de João Ribeiro em tributando
o abandono do trabalho por Capistrano ao seu caráter volúvel, foi um pouco
precipitada. Pois, o que podemos observar foi que Capistrano de Abreu reconhecia a
importância historiográfica das anotações à História Geral e sempre se mostrou
insatisfeito diante da documentação que levantava. Sempre havia uma lacuna
documental a preencher, o que para Capistrano impossibilitava a publicação.
Independente das contribuições de Capistrano de Abreu à edição de
Varnhagen, João Ribeiro considerou 1927 como o ano dos historiadores, porque
naqueles seis primeiros meses, cabe salientar que o texto foi publicado em junho de
1927, um número expressivo de livros de história foi publicado: Mauá, de Alberto de
Faria; Política Exterior do Império, de João Pandiá Calógeras23, o Diário de Pero Lopes,
do Comandante Eugênio de Castro24. Por fim, o autor se ampara na apreciação de
Paulo Prado,25 sobre o livro de Tobias Monteiro e reafirma sua opinião de que: o ano de
22 OLIVEIRA, Maria da Glória. Crítica, método e escrita da história em João Capistrano de Abreu (1853-1927). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2006, p. 153. 23 João Pandiá Calógeras (1870-1934) era engenheiro formado na Escola de Engenharia de Minas Gerais e dedicou-se à carreira política. Foi deputado, chegando a assumir três ministérios: Agricultura, Indústria e Comércio (1914-195), Fazenda (1915-1917) e Guerra (1919-1922). Realizou estudos sobre mineralogia, históricos e sobre a administração do Estado brasileiro. Foi um dos sócios fundadores da Sociedade Capistrano de Abreu. 24 Eugênio de Castro (1882-1947) era militar da marinha brasileira. Seus trabalhos intelectuais foram dedicados principalmente à transcrição e a anotação documentos. Além disso, realizou estudos sobre lingüística e história colonial.
33
1927 devia ser marcado no calendário em caracteres vermelhos, como o ano dos
historiadores.26
O que João Ribeiro e Paulo Pardo não poderiam prever seria que no segundo
semestre de 1927, mais um evento, além da publicação da terceira edição da História
Geral de Varnhagen e de outros textos emblemáticos para a escrita da história do
Brasil, corroboraria para a percepção desse ano como dedicado aos historiadores, e
que ele, João Ribeiro, mais uma vez narraria estes fatos em sua coluna semanal,
reunindo novamente os nomes de Paulo Prado, Afonso de Taunay, Eugênio de Castro,
Tobias Monteiro, Alberto Rangel, João Pandiá Calógeras, João Lúcio de Azevedo e do
Barão de Studart.
O evento foi o falecimento de João Honório Capistrano de Abreu às 05 horas e
55 minutos de um sábado, 13 de agosto de 1927, na cidade do Rio de Janeiro. A morte
de Capistrano de Abreu parece ter suavizado os comentários de João Ribeiro, e assim,
o autor narra o falecimento do historiador:
Quando estava disposto a escrever esta pequena tarefa, quase cotidiana do Dia Sim..., chegava-me a notícia da morte de Capistrano de Abreu. Desde que o conheci há quarenta anos aprendi a venerá-lo com a mais entranhada veneração. E nele não admirava apenas o sábio mestre, mas o próprio homem despido de todas as vaidades e de todas as preocupações de interesse material. Capistrano de Abreu tinha esquisitices e singularidades que estavam talvez em harmonia com a originalidade reacionária de seu espírito.27
25 Paulo da Silva Prado (1869-1943) era filho de um tradicional cafeicultor paulista, Antônio Prado, tendo se dedicado posteriormente à exportação de café. Atuou como mecenas em inúmeras atividades culturais, como a edição da Revista do Brasil ao lado de Monteiro Lobato, a organização da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo e na edição da Coleção Eduardo Prado: para melhor conhecer o Brasil ao lado de Capistrano de Abreu. 26 PRADO, Paulo. Apud. RIBEIRO, João. p. 7. 27 Artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil em 26 ago. 1927. RIBEIRO, João. Retrato de Capistrano de Abreu. In. ___. Crítica: obras de João Ribeiro. Volume VI – Historiadores. Rio de Janeiro: ABL, 1961, p.93.
34
No artigo em homenagem ao historiador, João Ribeiro prossegue descrevendo
o comportamento intelectual e social de Capistrano de Abreu. Como homem,
Capistrano era:
Sendo um incréu e agnóstico, desejava vestir uma batina para evitar as complicações do vestuário. Por iguais sentimentos detestava as complexidades mundanas. E, um dia, ao dizerem-lhe que devia ser da Academia (Academia Brasileira de Letras), respondeu que não pertencia a sociedade nenhuma, a não ser a sociedade humana, da qual contra vontade já fazia parte. E estava farto. Contudo não era um misantropo, nem um pessimista que não podia ser. Às vezes parecia um estrangeiro, não no sentido de natural de outras terras, mas de outro planeta. Desconcertava mas nunca aborrecia. É que o seu espírito pairava acima do tempo e para além de todas as convenções. Inatual, indiferente e ultra-humano, fazia a crítica de todas as coisas com um dito, uma frase, em geral terrível na sua quintessência venenosa. Ninguém como ele parecia um índio que houvesse perfurado a civilização e subido à tona da nossa cultura, com arco e flecha, seminu e indomável.28
Entram em cena representações de Capistrano de Abreu como um homem
avesso às relações sociais, inadaptado aos refinamentos e afetações da vida carioca
do início do século. Processo estendido inclusive ao universo das letras e descrito por
Lima Barreto na sua República da Bruzundanga.29 Observando as análises de Nicolau
Sevcenko sobre a obra de Lima Barreto e sua descrição da vida carioca, que também
era a vida da capital política do Brasil, percebemos que tipo de sociedade produziu e
valorizou o atípico comportamento social de Capistrano de Abreu após a sua morte,
aspecto presente na maioria das notas de falecimento e nos necrológios sobre o autor.
Segundo Sevcenko:
A força da nova sociedade estava concentrada justamente nos comportamentos mais anti-sociais, elevados à condição de valores máximos da elite: o gosto pela fruição do conforto material e pelas situações de privilégio e superioridade, despertando a discriminação e
28 Ibid., p. 93. 29 BARRETO, A. H. de Lima. Os Bruzundangas. Natal: UFRN, 2005.
35
as mais variadas formas de desprezo mútuo entre os cidadãos. Era a condenação de qualquer princípio de solidariedade de antemão. Daí o desenvolvimento do “canibalismo dos argentários” e a transformação do “preconceito em conceito”. A riqueza, as posições, os cargos, os símbolos da distinção, de carreira e o saber passaram a exercer a indigna função de separar e indispor os homens entre si, enquanto a República cumpriria o papel de “enriquecer os ricos e empobrecer os pobres”.30
Essa sociedade de “complexidade mundana”, segundo Sevcenko, também
produziu imagens de Capistrano de Abreu como historiador, como também apresentou
João Ribeiro. Segundo o jornalista:
Lia e estudava em todas as grandes línguas cultas e deletreava as selvagens com o mesmo intenso amor. Nunca, porém, conseguia levar a cabo o que principiava. As primeiras impressões bastavam-lhe, e assim, deixava-se ficar nas primeiras páginas do livro que não escreveu, porque, naturalmente, achava curta a vida e longa a arte. Todo o seu saber desaparece agora, a maior parte inédita, dentro de si, sem exterioridade a não ser a dos diálogos íntimos ou dos fragmentos admiráveis que escaparam à sua negligente modéstia. No convívio dos seus discípulos e amigos, repartia o tesouro de experiência e de saber [...] uma vez, há muito tempo, perguntei-lhe porque não lia menos e escrevia mais. Respondeu-me que havia já quem escrevesse de mais, lendo de menos. Senti o remoque que não vinha a mim reconhecendo a necessidade de equilíbrio entre os tagarelas e os silenciosos [...] lastimo que ele não quisesse escrever toda a nossa história e só ele poderia fazê-lo com autoridade. Fez, todavia, muito! 31
Diante das representações do homem e do intelectual Capistrano de Abreu
construídas por João Ribeiro, a derradeira frase do autor apresenta-se como a mais
significativa e geradora de questionamentos e problematizações. E, assim, conclui João
Ribeiro: Devia ser hoje um dia de luto nacional.32 A frase parece-nos intrigante, pois
buscava transformar os ritos fúnebres da morte de Capistrano de Abreu em uma
30 SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na primeira república. 4 ed. São Paulo:Brasiliense, 1999, p. 186. 31 RIBEIRO, João. op.cit. p. 94. 32 Ibid., p. 94.
36
obrigação cívica da nação. Essa perspectiva reforça-se nos enunciados publicados na
imprensa sobre a sua morte, que tentavam construir uma dívida por parte do Brasil à
figura de Capistrano e nas homenagens realizadas pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado. Vários Jornais, como de costume, trouxeram as transcrições dos discursos
pronunciados na plenária da Câmara e do Senado. Na edição do periódico O Jornal,
encontra-se uma das mais representativas manifestações:
O Sr. Basílio de Magalhães (Deputado Federal) diz que tendo sido discípulo e admirador de Capistrano de Abreu, cumpre o dever de acentuar que não foi apenas o grande historiador que o Brasil perdeu, mas um dos seus maiores humanistas, um dos mais dignos filhos. Ninguém narrou com tanta competência, probidade, fé e patriotismo o ressurgimento das tradições nacionais, a que tanto se dedicou aquele brasileiro. A sua modéstia levava a nem sequer formar e divulgar trabalhos que correram o mundo em prefácios de livros que traduzia e em inúmeras produções que revelavam ao Brasil aquilo que só ele podia fazer, porque além do historiógrafo, manejava as línguas modernas, tendo sido um estudioso das obras dos maiores antropólogos, etnógrafos e geógrafos que perlustraram a terra brasileira. Alude as nobres qualidades do coração daquele notável cearense dos quais o orador foi testemunha e ao concluir declara associar-se as homenagens pedidas para a memória de tão ilustre personalidade.33
Observa-se no texto acima a necessidade de afirmar que a obra intelectual de
Capistrano de Abreu seria antes de tudo um ato de patriotismo, dessa forma, a nação
ver-se-ia homenageada pelo historiador, devendo os brasileiros a retribuição a
Capistrano dos favores prestados por ele à história pátria. Juntam-se as homenagens
oficiais prestadas ao historiador pela Câmara e pelo Senado, a presença de ministros
33 Câmara dos Deputados: a sessão de ontem foi dedicada à memória de Capistrano de Abreu. O Jornal, Rio de Janeiro, 16 ago 1927, p.3. As homenagens a Capistrano de Abreu na Câmara e no Senado podem também ser vistas em: Capistrano de Abreu. Excepcionais homenagens da Câmara à sua memória. O Globo, Rio de Janeiro, 15 ago. 1927. Última Hora, p. 3; Na Câmara foi levantada a sessão de ontem em homenagem à memória de Capistrano de Abreu. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 ago. 1927, p. 7; Na Câmara: o elogio de Capistrano de Abreu. A Noite, Rio de Janeiro, 15 ago. 1927, p. 3.
37
de Estado no velório e enterro do historiador, além do representante oficial do
presidente da República.
Na homenagem prestada por Edgard Roquete Pinto,34 posteriormente sócio
fundador da Sociedade, a Capistrano de Abreu na imprensa também é reafirmado o
dever da nação para com a memória do historiador.
Venho da casa de Capistrano de Abreu, o querido mestre dos meus estudos etnográficos. A doença prostou o indomável sertanejo acaboclado. Já não se estira na rede, companheira fiel de tantos anos, ergue-se a custo sobre o cotovelo na posição que a dispnéia consente. Geme baixinho, sem queixa e nem revolta. É um acaso meigo, o daquele sábio cheio de bondade e tolerante. No quarto de pouca luz, atravancado de livros, os discípulos e os amigos cercaram-no com a ânsia sincera de verificar alguma melhora. É, afinal, o Brasil que debruça sobre o leito em que sofre um dos seus maiores filhos. [...] Nessa nossa terra só se contam os serviços públicos. Um honrado cidadão mais ou menos classe D na chave de Galton foi deputado, senador, ministro, que sei eu; passeou suas roupas bem tosadas em legações bailes e banquetes, e só por isso é tido na conta de haver prestado grandes serviços ao país. Para os outros é recompensa o esquecimento. Metido um instante no que representaram para a nossa cultura o trabalho e o ensino de Capistrano de Abreu, relembro tudo quanto nos tem dado na história e na etnografia; não encontro na minha desinteressada admiração outro nome para inscrever ao lado do seu. [...] [Capistrano] Tem criticado o Brasil sem piedade, às vezes diz frases tão severas que revoltam pela dureza. Mas a verdade, a mais consoladora verdade que essas frases jamais conseguiram disfarçar é que não passavam de uma explosão do seu patriotismo orgânico, sincero e profundo. Ninguém mais do que ele tem amado esta terra; ninguém melhor do que ele a em servido apaixonadamente. [...] Venho da casa de Capistrano de Abreu, certo de que o meu querido mestre não voltará mais a encantar os seus discípulos porque, infelizmente, a sua frase viva vai sumir; mas certo de que nós o encontraremos, em todo o tempo, guia singular dos que estudam a nossa terra.35
34 Edgard Roquete Pinto (1884-1954) era médico e etnógrafo. Participou ativamente da consolidação dos estudos de etnografia e antropologia no Brasil, como Diretor do Museu Nacional, participante do Congresso Nacional dos Americanistas (1924) e presidindo o I Congresso de Eugenia (1929). Integrou a Missão Rondon, em 1912, sendo autor do estudo antropológico Rondônia, decorrente da viagem realizada ao norte do país com a missão. 35 PINTO, Edgard Roquete. Bilhetes Brancos: Capistrano de Abreu. Diário Nacional, São Paulo, 17 ago. 1927.
38
Podemos observar nestas homenagens ao historiador a inserção de Capistrano
de Abreu no hall dos heróis nacionais, entre aqueles que deveriam ser lembrados por
participar do processo construtivo da nação.
Nos primeiros anos da República Velha foi ativa a construção do panteão dos
heróis nacionais republicanos. Fato representativo foi a edição do O Jornal de 14 de
agosto de 1927.36 Esta edição, além de documentar fartamente a morte de Capistrano
de Abreu, trouxe homenagens a dois outros “heróis republicanos”: Floriano Peixoto e
Rui Barbosa. As três matérias que ilustravam o periódico vinham com o título em
francês “Les morts von vite”, ou seja, “Os mortos vão rapidamente”. Esse termo e o
conteúdo das matérias que apresentavam as contribuições intelectuais e políticas das
três personalidades republicanas enunciavam o dever de memória que movia essas
homenagens, bem como, a perspectiva de que ao se cultuar a memória desses
indivíduos cultuava-se a memória nacional, visto que, eles personificariam a nação.
Outro aspecto que se evidencia é a necessária organização de uma prática de memória
mobilizada para perpetuar os personagens na memória coletiva da nação, apresentado
a consciência de que o tempo poderia apagar as ações patrióticas desses personagens
na história nacional.37
36 Les morts vont vite: Capistrano de Abreu; Homenagens ao patrono da República; Homenagens à memória de um grande aposto da lei: o jubileu de Rui Barbosa. O Jornal, Rio de Janeiro, 14 ago 1927, p.9. 37 Para ver sobre as homenagens fúnebres como estratégias de construção da memória nacional: CATROGA, Fernando. As romagens cívicas. In. ___. O Céu da memória: cemitério romântico e culto cívico dos mortos em Portugal (1756-1911). Coimbra: Minerva, 1999, p.171-206; BEN-AMOS, Avner. Les funérailles de Victor Hugo: apothése de l’evénement spectale. In. NORA, Pierre. (org.). Les lieux de mémoire. La République I. Paris, Gallimard, 1986, p.473-521; GOULEMOT, Jean-Marie; WALTER, Éric. Les centenaires de Voltaire et de Rosseau. In. NORA, Pierre. (org.). Les lieux de mémoire. La République I. Paris, Gallimard, 1986, p.381-419; PROST, Antoine. Les monuments aux morts: culte républicain? Culte civique? Culte patriotique? In. NORA, Pierre. (org.). Les lieux de mémoire. La République I. Paris, Gallimard, 1986, p.195-225.
39
A homenagem fúnebre possui uma historicidade que demonstra os usos
políticos a ela conferidos por diferentes sociedades. Nicole Loraux, ao estudar o papel
político que a oração fúnebre possuía na pólis ateniense, afirma que a pólis apropriava-
se de seus mortos, tornando-os representativos da própria pólis. O elogio ao morto não
se apresentava apenas como uma homenagem individual, mas sim como um elogio
coletivo. Eram ressaltadas não as idiossincrasias do indivíduo, mas o seu papel como
cidadão ateniense. O elogio ao morto era acima de tudo um elogio a Atenas. Segundo
Loraux:
Por isso, tudo, na comparação entre a oração fúnebre e as formas que lhe são avizinhadas, leva a situar o discurso em um momento de ruptura entre o presente e o passado da pólis ateniense e, mais precisamente, na ruptura que o regime democrático introduziu no sistema de valores morais e políticos, em prejuízo das individualidades e para o maior proveito da coletividade.38
A Primeira República no Brasil produzirá um culto à memória de seus
personagens mais representativos também através do elogio fúnebre marcadamente
mobilizado para construir uma imagem coletiva da nação, como na pólis ateniense. Ou
seja, os indivíduos lembrados teriam suas vidas destinadas ao engrandecimento e
construção da pátria. Contudo, a diferença entre os dois tipos de culto aos mortos
apresentava-se na presença da categoria “indivíduo”. Se na pólis ateniense ocorria uma
diluição da individualidade frente ao cidadão ateniense, à época moderna, no que se
inserem os anos iniciais da República no Brasil, valorizar-se-ia a individualidade e a
personalidade de um indivíduo como agentes na construção da nação. Assim,
38 LORAUX, Nicole. A Invenção de Atenas. São Paulo: Editora 34, 1998, p. 71.
40
Capistrano de Abreu não era apenas lembrado como o historiador nacional, mas como
um homem com uma conduta moral modelar na sociedade.39
Esse aspecto pode também ser identificado no ensaio de João Ribeiro, no qual
foram delineadas lembranças de Capistrano de Abreu. João Ribeiro foi o autor de
apenas uma das inúmeras homenagens, necrológios e notas de falecimento que
permearam a imprensa carioca nas semanas que se seguiram ao falecimento do
historiador. Diversos homens de letras e políticos foram à imprensa narrar histórias
sobre Capistrano de Abreu. As narrativas se singularizavam porque os autores faziam
questão, assim como João Ribeiro, de expor suas experiências pessoais com e sobre o
historiador. Os discursos se fortaleciam na medida em que os autores afirmavam que
viram, ouviram ou compartilharam experiências com o morto.
Segundo François Hartog, a modernidade criou uma “cultura do testemunho”,
na qual as narrativas produzidas por aqueles que experimentam ou vivenciam um fato
acabam possuindo um papel na organização da memória social. “Eu vi, eu vivi, logo falo
39 Segundo George Simmel, o século XIX produziu uma nova percepção do indivíduo, marcada principalmente pela desigualdade intrínseca e latente existente entre cada indivíduo. Dessa forma, o século XIX produziu uma sociedade pautada na desigualdade em oposição ao princípio da igualdade síntese do século XVIII. A percepção de que os indivíduos são diferentes por natureza provocou uma sociedade no século XIX que valorizava o fator individual frente ao coletivo, pois sendo o indivíduo portador de qualidades únicas e diferenciadas, alguns passaram a ser objeto de culto por suas personalidades singulares. Essa perspectiva influenciou diretamente a escrita de biografias e a realização de homenagens fúnebres, sendo valorizadas principalmente as características morais e particulares que essa individualidade poderia oferecer ao coletivo. Ver: SIMMEL, Georg. Indivíduo e sociedade nas concepções de vida dos séculos XVIII e XIX. In. ___. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 83-118. Para ver sobre a concepção de indivíduo moderno: CORBIN, Alan. O Segredo do Indivíduo. In. PERROT, Michelle. (org.) História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Cia. das Letras, 1991, p. 419-501; DUMONT, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. Para ver sobre a mudança na mudança provocada na biografia a partir dessa nova concepção de indivíduo: GÉRARD, Alice. Le grand home et la conception de l’histoire au XIX siècle. Romantisme, Paris, v.28, n.100, p. 31-48, 1998.
41
a verdade”. 40 Contudo, Hartog afirma que a dinâmica estabelecida entre o testemunho
e a aceitação pública e coletiva desse testemunho como verdade possui nuances que
com o chegar da modernidade se tornam mais complexas.
Um grupo de “amigos” e “discípulos”, porém, passou a se apropriar da imagem
de Capistrano de Abreu, se valendo de terem convivido com o historiador, “viram” e
“ouviram” Capistrano de Abreu, e por conseqüência, passaram a se representar como
porta-vozes do historiador após sua morte, constituindo a Sociedade Capistrano de
Abreu.
A morte de Capistrano de Abreu foi noticiada por um número considerável de
jornais da cidade do Rio de Janeiro e de outros estados, independente de cores
partidárias ou ideológicas. Além das notas de falecimento comuns, observou-se a
presença de narrativas sobre a vida do morto que se caracterizavam principalmente por
distingui-lo como “historiador do Brasil”. A primeira matéria a anunciar sua morte saiu no
O Jornal, nela foi enfatizado a excepcionalidade de Capistrano de Abreu como
historiador e intelectual das “coisas do Brasil”.41
Capistrano de Abreu falecido hoje era uma das mais expressivas personalidades do cenário intelectual brasileiro, e nesse caráter foi reconhecido sempre, a despeito do natural retraimento que o levava a afastar-se dos círculos consagradores, e da sua índole bizarra de boêmio. Desde que se apresentou no campo da literatura indígena, versando aquele gênero que constituiria em especialidade e que o consagraria Mestre – a História Brasileira – logo se afirmou um espírito superior de analista e coordenador, com a constância, a honestidade, a clarividência discriminativa que se exigem aos comentaristas de topo. Os capítulos que examina e expunha traziam invariavelmente o cunho de obra definitiva, realçada na melhor musa documentária e construída sobre argumento próprio de inquestionável solidez.42
40 HARTOG, François. A testemunha e o historiador. In. PESAVENTO, Sandra J. Fronteiras do Milênio. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2001, p.11-41. 41 Faleceu hoje Capistrano de Abreu. O Jornal, Rio de Janeiro, 13 ago. 1927, p.3. 42 Ibid., p.3.
42
A imagem do historiador também passou a se consolidar nessas primeiras
narrativas após a sua morte.
O historiador, porém, não absorvia em Capistrano a individualidade do escritor na sua prosa singela, ele possuía uma prosa própria e vigorosa, assim como na feição de julgar e compor episódios históricos, o relevo inconfundível, a virilidade característica de sua personalidade vibrante e rebelde. Outro aspecto marcante do historiador era a sua erudição, que abrangia os mais variados ramos do conhecimento humano, acentuada pelas virtudes de memória. As obras que deixa à posteridade enceram de modo integral a sua vida laboriosa de intelectual, laboriosa e obscura, sem os brilhos que sonham compensar os homens de letras.43
O artigo apresenta sugestões semelhantes às de João Ribeiro. Capistrano de
Abreu não seria um intelectual comum. A representação que passa a ser construída
sobre o autor é a do homem independe das instâncias de reconhecimento próprias do
campo letrado nacional do final do século XIX e primeiras décadas do XX. No ensaio,
apresenta-se um historiador que conseguiu reservar o seu espaço no campo letrado
não pelas relações sociais e políticas que estabelecia, mas pela magnitude e erudição
de sua produção intelectual. E prossegue o jornalista afirmando que:
Capistrano de Abreu era também um dos espíritos originais da sua geração; tão conhecidos os seus hábitos boêmios, a sua lata imaginação humorística – que só na intimidade se revelava – o seu desdém pelas praxes sociais, e correu por aí contingente de anedotas que bem lhe reflete a índole e a vida.44
As matérias nos periódicos ilustravam a “grandiosidade” da produção do autor.
Em grande parte, os elogios fúnebres a Capistrano de Abreu eram seguidos da relação
43 Ibid., p.3. 44 Ibid., p.3.
43
completa de sua produção como medida comprobatória da contribuição do autor às
letras nacionais. Nas páginas da Gazeta de Notícias de 14 de agosto de 1927, lia-se:
Faleceu, ontem, Capistrano de Abreu, um dos escritores mais robustos da intelectualidade brasileira. A frase “sua morte abriu um clarão de não fácil preenchimento”, muitas vezes empregada sem imprimir verdade, tem aplicação legal diante do desaparecimento de Capistrano de Abreu, no que diz respeito ao cenário intelectual brasileiro. Escritor de estilo elegante e sóbrio, o extinto, não obstante ter se dedicado à história, patenteou qualidades inestimáveis do possuidor de escol. Nas suas obras que são quase todas estudos preclaros da nossa história pátria, não sabemos o que mais admirar, se a documentação sólida e conscienciosa, baseada em argumentos que provara exuberantemente a robustez da cultura do autor, ou a perfeição impecável do estilo.45
Não menos elogiosa foi a homenagem prestada pelo Jornal do Comércio:
Vítima de uma pneumonia que desde o dia 29 de junho o trazia preso ao leito, faleceu, ontem, nesta capital, o ilustre historiador Capistrano de Abreu. Figura de grande relevo em nossa seara de atividade mental, o morto de ontem deixa uma grande e valiosa obra histórica e literária, em que se compendiam longos anos de paciente e beneditino estudo. Enfezo por índole, avesso aos prazeres mundanos, Capistrano de Abreu se consagrou de todo aos livros, especializando-se nos estudos históricos em que se tornou autoridade de grande relevo e valia. Nessa esfera do conhecimento grande são os serviços por ele prestados ao país, quer na pesquisa de fatos ou personalidades insuficientemente caracterizados na nossa história, quer no relato fidedigno de episódios, que procurava definir à luz clara dos documentos. A sua obra é toda norteada por um grande amor à verdade e feita pelos mais severos métodos de pesquisa histórica.46
De uma forma geral, as narrativas recuperam aspectos comuns da vida de
Capistrano de Abreu. Questões referentes a uma vida dedicada aos livros e a uma
escrita metódica e precisa da história do Brasil, a robustez e a dureza ao se expressar e
a aversão a vida social são recorrentes. Aspectos que não serão restritos apenas a
45 O falecimento de Capistrano de Abreu: alguns traços biográficos desse notável historiador. Gazeta de notícias, Rio de Janeiro, 14 ago. 1927, p. 2. 46 Capistrano de Abreu: o falecimento do notável historiador. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 14 ago. 1927, p.3.
44
estas primeiras homenagens fúnebres ao historiador, mas que se consolidarão com o
tempo, principalmente nas biografias sobre o autor.
Uma das homenagens mais significativas ao autor foi realizada por Assis
Chateaubriand nas páginas do Jornal do Comércio, também em 14 de agosto. Parte do
periódico foi dedicada a Capistrano, apresentando uma verdadeira cobertura jornalística
da sua morte e enterro. Ressalta-se que apenas esse jornal publicou fotografias do
velório do autor.
O periódico O Jornal também realizou uma intensa cobertura jornalística das
atividades da Sociedade Capistrano de Abreu, pois, como veremos, a divulgação de
suas atividades na imprensa foi uma importante estratégia da instituição. Assim, a folha
ilustrou em suas páginas as primeiras imagens da Sociedade reunida, que depois
seriam reproduzidas nas páginas da Revista Fon-Fon.
45
FIGURA 3 - Notícia do Falecimento de Capistrano de Abreu, O Jornal, 14 ago. 1927, p.5. Acima o velório do historiador e abaixo a condução do corpo ao cemitério São João Batista
46
FIGURA 4 – Inauguração da Sociedade Capistrano de Abreu, O Jornal, 25 out. 1927, p.5.
47
FIGURA 5 – Capistrano de Abreu na juventude, Jornal do Comércio, 14 ago. 1927
48
1.1 A Sociedade dos amigos e discípulos de Capistrano de Abreu
No dia 23 de agosto de 1927, o Barão de Studart, residente em Fortaleza,
recebeu do Rio de Janeiro uma correspondência de conteúdo bastante peculiar. A
missiva tratava de um convite, ou melhor, de uma convocação, que portava a seguinte
passagem:
Amigos e discípulos de Capistrano de Abreu, sabedores de quanto seu admirável exemplo contribuiu para elevar a intelectualidade de nosso meio, unimo-nos para procurar tirar os corolários dessa grande vida e prolongar-lhe tempos afora o benéfico influxo. Desejaríamos que, no mesmo modestíssimo porão, cela monástica onde viveu, meditou, trabalhou e morreu, se conservasse intacta a biblioteca que lhe serviu de oficina mental. Catalogada e posta em ordem; enriquecida com livros novos de continuadores dos mesmos estudos do Mestre; se tornaria o núcleo central de uma forte cultura a bem de nossa terra e em homenagem de respeito ao grande morto.47
Este é apenas um trecho da carta que foi enviada após a morte de Capistrano
de Abreu por seus amigos a intelectuais e políticos de todo o Brasil. A correspondência
convidava os destinatários a comparecer a antiga casa de Capistrano de Abreu para
juntos organizarem um grêmio, que segundo os remetentes, seria preito de afeição e de
respeito à memória do brasileiro excepcional que foi Capistrano de Abreu.48
Os destinatários se reuniriam no dia 11 de setembro de 1927, às duas da tarde
no local determinado. Dos convocados, 37 compareceram à sessão, e 26 enviaram
47 Correspondência assinada por Paulo Prado, João Pandiá Calógeras, Eugênio de Castro, Miguel Arrojado Lisboa, Adriano de Abreu, Manuel Said Ali Ida, Jayme Coelho, Rodolfo Garcia, Afrânio Peixoto, Theodoro Sampaio, Affonso de E. Taunay e Roquette Pinto, e enviada a Guilherme Studart (Barão de Studart) do Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1927. Correspondência pertencente à “Coleção Studart” do Instituto do Ceará. Ver Anexo 2. 48 Correspondência da “Coleção Studart”, Ibid. Podemos concluir que esta mesma missiva foi destinada a outros receptores pelas respostas enviadas pelos destinatários, também por meio da prática epistolar.
49
correspondências e procurações se fazendo representar naquele encontro. Nessa
mesma tarde surgiu a Sociedade Capistrano de Abreu.49
Em carta ao historiador João Lúcio de Azevedo, Capistrano de Abreu anunciou
um desejo dois anos antes do seu falecimento:
Você que administrou a vida melhor do que eu – viveu dos rendimentos sem atacar o capital, escreveu não sei quem citado pelo Rui – ainda pode formar planos e aninhar aspirações. Minhas aspirações, depois de cinqüenta anos de Rio – cheguei aqui a 25 de abril de 1875 – reduzem-se a morrer sem escândalo, sair do mundo silenciosamente como nele entrei.50
Estas correspondências se encontram depositadas no Instituto do Ceará e pertencem ao “Fundo Sociedade Capistrano de Abreu”. 49 A precisão da data e do número das pessoas que compareceram ao encontro puderam ser verificados através do Livro de Atas da Sociedade Capistrano de Abreu. Neste livro estão registradas todas as reuniões realizadas pela agremiação no período concernente a 11 de setembro de 1927 até 23 de outubro de 1969, data da última reunião registrada por este grupo. O referido livro pertence ao “Fundo Sociedade Capistrano de Abreu” e se encontra depositado no Instituto do Ceará. Ver: Livro de Atas da Sociedade Capistrano de Abreu, sessão de 11 de setembro de 1927, pág. 01. Segue a relação dos sócios presentes na reunião. Os nomes que se apresentam entre parênteses não estiveram presentes na reunião, contudo enviaram representantes a mesma, que correspondem aos nomes em destaque. Paulo Prado (Araújo Penna, Gustavo Lessa e Ronald de Carvalho), João Pandiá Calógeras (José Pires Brandão, Clemente Brandenburger, Assis Chateaubriand, Padre Manuel de Madureira), Miguel Arrojado Lisboa (Jeronymo de Avellar Figueira de Mello, Tobias Monteiro, Miguel Calógeras, Alberto Rangel, Henrique Castriciano e Afonso d’Escragnole Taunay), Rodolfo Garcia (Conde de Afonso Celso, Manuel Cícero, Rodrigo Octávio e Urbino Viana), Eugênio de Castro (Leopoldo de Bulhões, Afrânio Peixoto, Theodoro Sampaio, Thomé Motta, Jacy Monteiro, Júlio Conceição e Adriano de Abreu), Francisco Sá Filho (Francisco Sá), Pedro Calmon (Sr. Miguel Calmon), Assis Brasil, Edgardo de Castro Rebello, Jayme Coelho, José de Mendonça, Fernandes Figueira, João Lopes Ferreira Filho, Ildefonso Albano, Francisco Mendes da Rocha, Tasso Fragoso, Alfredo Malan d’Angrogne, Graça Aranha, Braz do Amaral, Vicente Licínio Cardoso, Eloy de Sousa, Gentil de Assis Moura, Djalma Guimarães, Iseu de Almeida e Silva, Aurélio de Sousa Lopes, Cassius Berlink, J. Costa Sena, Manuel Bonfim, Mozart Monteiro, Heráclito Domingues, J. de Castro Fonseca, Fernando Raja Gabaglia, Augusto de Lima, Milton Barbosa, Manuel Motta, Perillo Gomes. 50 Carta enviada por Capistrano de Abreu a João Lúcio de Azevedo, 15 abr. 1925. CCA, volume 2, p.154.
50
FIGURA 6 – Primeira reunião da Sociedade Capistrano de Abreu no aniversário de nascimento
de seu patrono, em 23 de outubro de 1927.
51
Em parte o desejo de Capistrano de Abreu foi atendido. O historiador faleceu
sem escândalo na cidade do Rio de Janeiro a 13 agosto de 1927, no porão em
Botafogo onde vivia desde 1922. Contudo, não foi silenciosamente que este deixou a
vida. Inúmeras foram as homenagens, cortejos, missas, discursos, necrológios, que
acompanharam a despedida do historiador, como observamos, tendo como ápice
destas homenagens a criação da Sociedade Capistrano de Abreu.
Segundo o livro de atas da Sociedade, Paulo Prado assumiu a presidência da
sessão e expôs quais os motivos que levaram aquele grupo de intelectuais a realizar o
encontro. As informações transmitidas na correspondência destinada aos sócios foram
reafirmadas e Miguel Arrojado Lisboa51 apresentou o projeto dos estatutos da
agremiação. Neste projeto, que depois foi confirmado pelos sócios como estatuto oficial
do grêmio, foram traçados os principais objetivos da composição da Sociedade. O 1º
artigo dos Estatutos demonstra claramente o propósito da instituição:
Art. 1º. Sob a denominação de Sociedade Capistrano de Abreu, fica constituída, nesta cidade, uma sociedade formada pelos abaixo assinados, amigos e discípulos de João Capistrano de Abreu, no propósito de prestarem homenagem à sua memória.52
Foi este o exercício realizado pela Sociedade Capistrano de Abreu em seus 42
anos de atividade: prestar homenagem à memória de Capistrano de Abreu. Porém,
essa prática deve se apresentar como objeto de reflexão do historiador, na medida em
que não demonstra apenas a realização de uma simples homenagem, mas as
51 Miguel Arrojado Lisboa (1872-1932), sócio fundador da Sociedade Capistrano de Abreu, era engenheiro e durante alguns anos dirigiu Inspetoria de Obras Contras as Secas. 52 Estatutos da Sociedade Capistrano de Abreu, 11 de setembro de 1927. Documento pertencente ao “Fundo Sociedade Capistrano de Abreu” do Instituto do Ceará. Ver Anexo 1.
52
estratégias de um determinado grupo de indivíduos para construir uma imagem, ou
representação de um outro indivíduo, não mais presente, para o resto do corpo social.
Dessa forma, nos propomos a investigar as atividades da Sociedade
Capistrano de Abreu (1927-1969), no que concernem dois aspectos: a prática de
construção da memória do historiador João Capistrano de Abreu e as relações que esta
instituição manteve com o espaço letrado da qual foi contemporânea.
Pensando no contexto no qual a Sociedade começou a desenvolver suas
atividades, ou seja, no final da década de 20, podemos concluir que a reunião de
letrados em torno de academias ou instituições culturais e científicas era algo ainda
bastante comum no campo da produção intelectual, visto que a instauração do saber
especializado dentro das universidades só se efetuou no Brasil durante os anos 30.53
Dessa forma, a produção do conhecimento científico sobre a história e a
geografia nacionais ainda era oficialmente restrita às academias que existiam nos
estados da federação aos moldes do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB).54 Seguindo o paradigma francês do século XVIII para a socialização de
intelectuais e para a produção e divulgação do saber, os Institutos Históricos foram
durante um século, o núcleo da produção histórica e geográfica nacional.55 Portanto, é
importante ressaltar que a organização escolhida para configurar a recém fundada
53 Para saber sobre o processo pelo qual a produção do saber passou dos Institutos e Academias para as Universidades ver: DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica brasileira (do IHGB aos anos 1930). Passo Fundo: EDIUPF, 1998. 54 Sobre o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ver: GUIMARÃES, Manoel L. Salgado. Nação e civilização nos trópicos: O IHGB e o projeto de uma historia nacional. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n.1. v.1, p.5-27, 1988. 55 A reunião de intelectuais em academias, sociedades e institutos foi uma característica comum na França até século XVIII. A partir do século XIX os debates entre os intelectuais se transferiram gradualmente para o interior das universidades. Para ver sobre o desenvolvimento das instituições
53
sociedade já era uma forma bastante recorrente no campo de produção cultural
nacional e estrangeira. Também era recorrente nesta ambiência intelectual a reunião de
letrados para a realização de cultos cívicos a indivíduos.56
A Sociedade Capistrano de Abreu possuía uma organização semelhante a do
IHGB. O grêmio consistia na reunião de intelectuais divididos em níveis de
pertencimento, ou seja, sócios efetivos (110 vagas), sócios correspondentes ou
honorários (30 vagas) e sócios beneméritos, que atendiam às demandas da instituição
em homenagear seus sócios mais atuantes.57 Porém, o número de sócios é um
demonstrativo do caráter peculiar e distintivo desta instituição em relação as suas
contemporâneas. O IHGB, por exemplo, tinha a quantidade de sócios efetivos limitada
ao número de 50. Todavia, o caráter congregador da Sociedade Capistrano de Abreu,
pelo menos em sua primeira formação, não se definia apenas por uma afinidade
intelectual, mas por uma prática baseada no exercício da amizade e de “culto” a
Capistrano de Abreu, por isso o número tão elevado de sócios.
Dois relatos a respeito da fundação da sociedade são significativos para se
perceber as particularidades da Sociedade Capistrano de Abreu. O primeiro foi
realizado por Eugênio de Castro, sócio fundador, que assim narrou a criação da
instituição:
Paulo Prado teve então para quem o acompanhava a confidência de uma idéia reveladora de fina sensibilidade. E era que, sendo Capistrano de Abreu um guia, um mestre paternal dos que estudavam e escreviam, bem competiria a estes, discípulos e amigos, o culto do
culturais e científicas francesas e a constituição do campo letrado: VIALA, Alain. Naissance de l’écrivain. Paris: Les Éditions de Minuit, 1985. 56 Podemos citar como exemplos contemporâneos à Sociedade: o Grêmio Euclídes da Cunha, Sociedade Filipe de Oliveira, Grêmio Graça Aranha e a própria Academia Brasileira de Letras, principalmente centrada na personalidade de Machado de Assis. 57 Para a relação completa dos sócios da Sociedade Capistrano de Abreu, ver: Anexo 7.
54
sábio para além da existência terrena prestes a extinguir-se [...] Uma academia que consagrasse tão bella vida voltada ao estudo e ao bem, seria em desacordo aos sentimentos do mestre; mas uma sociedade dos bons amigos de Capistrano [...]58
Outro relato, desta vez pertencente ao idealizador da sociedade, Paulo
Prado, caracteriza o grupo em 1928, após um ano de existência:
A Sociedade Capistrano de Abreu, criada no ímpeto de devoção e saudade, após a sua morte, empreendeu a tarefa de continuar, na medida das suas forças, esse trabalho monumental que o Mestre animava e desenvolvia. A Sociedade é pobre como foi Capistrano. Como ele, vive modestamente; não tem presidente, nem vice-presidente, nem – graças a Deus – orador oficial. Mas alimenta, na humildade, uma fervorosa ambição – a de trabalhar, como queria Capistrano, para “melhor se conhecer o Brasil”.59
Pelos relatos acima, podemos demarcar algumas características da Sociedade,
a primeira delas consiste em percebê-la como um lugar de sociabilidade, um lugar de
encontro entre amigos, de confluência do grupo. A diferenciação estabelecida por
Eugênio de Castro entre o que seria uma Academia e uma Sociedade já demonstra um
dos seus diferenciais.60 Ela não possuía exclusivamente em suas atividades o caráter
direcionador de uma instituição condicionada especificamente à produção cultural e
científica.61 O segundo fator a ser apontado é a flexibilidade no que concernia à
58 CASTRO, Eugênio. Sociedade Capistrano de Abreu. Boletim do Museu Nacional. Rio de Janeiro, v. 4, n.1, 1928, p.12. 59 PRADO, Paulo. Capistrano. In. CALIL, Carlos Augusto (org.). Paulística, etc. 4.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 217. 60 Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Academia seria uma agremiação, particular ou oficial, com caráter científico, literário ou artístico, e Sociedade seria a reunião de indivíduos que mantêm relações sociais e mundanas; os prazeres da sociedade, homem de sociedade; grupo de pessoas que se submetem a um regulamento a fim de exercer uma atividade comum ou defender interesses comuns, agremiação, centro, grêmio, associação. HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986. 61 Podemos perceber que o que unia os sócios era o interesse comum de preservar socialmente a imagem do amigo Capistrano de Abreu, porém, é necessário afirmar que a dimensão cultural e científica
55
hierarquia dentro do grêmio. Como todos eram amigos de Capistrano ou seus
admiradores, o que prevalecia nas reuniões era uma descontração com relação aos
protocolos institucionais.62
Por possuir essas duas dimensões, ou seja, a de uma instituição ligada ao
campo da produção científica sobre a história e a geografia do Brasil, e a dimensão
ligada à prática da amizade, esta associação se diferenciava.63 A recorrência aos
relatos dos próprios sócios da Sociedade para descrevê-la pode parecer algo
extremamente duvidoso, ou frágil. Porém, esse recurso se apresenta como única
alternativa devido a não existência de trabalhos especificamente dedicados ao grupo.
Segundo Fernando Amed, que investigou a prática epistolar de Capistrano de Abreu e a
edição de sua obra, os biógrafos e comentadores da vida e da obra de Capistrano são
reticentes ao abordarem o cotidiano da Sociedade Capistrano de Abreu. Mesmo que
costumeiramente citada, seu nome aparece mais como uma referência de um espaço
de cultivo da memória do historiador.64
A Sociedade Capistrano de Abreu se apresenta como uma lacuna. Muito já se
escreveu sobre Capistrano de Abreu e sobre os sócios da agremiação, mas sobre a
não foi abandonada pela Sociedade, o que se pode perceber pelos concursos monográficos realizados sobre a história do Brasil e pelas edições e reedições da obra de Capistrano de Abreu. 62 Esta afirmação foi baseada nos relatos presentes no Livro de Atas da Sociedade Capistrano de Abreu. 63 A afirmação se baseia, sobretudo, na prática epistolar dos sócios da sociedade, visto que, nestas missivas são observadas as duas dimensões. Para ver sobre a pratica social da amizade: BUFFAULT, Anne Vincent. Da amizade: uma história do exercício da amizade nos séculos XVIII e XIX. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1996. 64 AMED, Fernando J. História ao portador: interlocução privada e deslocamento no exercício de escrita de cartas de João Capistrano de Abreu (1853-1927). Dissertação de Mestrado apresentada junto ao Programa de Pós-graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2001, p. 99.
56
sociedade, entendida como uma configuração particular de letrados, não há nada
específico.65
Assim o que objetivamos é observar a constituição desse grupo em suas
especificidades como um espaço de sociabilidade e de produção historiográfica sem,
no entanto, nos aprofundarmos na obra de cada sócio-membro de forma
particularizada. Mostra-se mais relevante, diante da proposta que apresentamos,
construir um perfil comum desses indivíduos que se associaram à Sociedade como uma
forma de se cultivar a memória do “mestre e amigo” Capistrano de Abreu.
A Sociedade agiu rapidamente na tarefa de tornar Capistrano de Abreu um
indivíduo memorável. Os preparativos e investimentos para “eternizar” Capistrano de
Abreu se iniciaram com o próprio velório do historiador. A escolha do porão onde
Capistrano morava como o lugar do velório, correspondeu diretamente à imagem que
os sócios da sociedade construíram para o historiador. Capistrano deveria ser velado
cercado por seus livros, dentro da sua “oficina mental” e próximo aos seus instrumentos
de trabalho. Para os sócios, perecer entre os livros seria a melhor forma de representar
Capistrano de Abreu.
65 Podemos citar os trabalhos de Karina Anhezini como um exemplo da dimensão das pesquisas referentes aos sócios da sociedade. Anhezini estuda as diversas alocações do intelectual Afonso Taunay (sócio fundador da sociedade) no campo intelectual. Ou seja, as relações estabelecidas por ele no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, na Academia Brasileira de Letras, no Museu Paulista, porém, a alocação de Taunay no espaço referente à Sociedade Capistrano de Abreu é inexistente, exatamente pela ausência de uma documentação que sustentasse sua análise. Ver: ANHEZINI, Karina. Afonso de Taunay e alguns aspectos da escrita da história nas primeiras décadas do século XX. (mimeo); _____. Correspondência e escrita da história na trajetória intelectual de Afonso Taunay. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.32, 2003, p.51-70; ______. Intercâmbios intelectuais e a construção de uma história: Afonso de Taunay, 1911-1929. Dissertação de Mestrado defendida junto a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2003. Cabe fazer referência ao artigo de Eliana de Freitas Dutra sobre Paulo Prado como um dos exemplos de estudos dedicados à produção dos sócios da Sociedade Capistrano de Abreu. Ver: DUTRA, Eliana de F. O Não Ser e o Ser Outro: Paulo Prado e seu Retrato do Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.14, n.26, p. 233-252, 2000.
57
Um segundo aspecto também está relacionado à escolha de velar Capistrano no
porão; a simplicidade. Nos necrológios e biografias dos sócios da Sociedade sobre
Capistrano, figuram características como modéstia, despretensão social, simplicidade
na forma de viver, um desleixo que muitas vezes atingiria até o seu vestuário. Era como
se Capistrano devesse ser lembrado como o paradoxo entre o homem de gestos
simples, “o sertanejo acaboclado” que lia deitado na rede e o erudito possuidor de uma
capacidade intelectual surpreendente, “um gigante da inteligência e da bondade”,
segundo o ministro Calógeras.66
O cortejo seguiu até o cemitério São João Batista, bairro de Botafogo. Os
jornais da época anunciavam com pesar a morte do “historiador nacional”. Porém, o que
mais parecia chamar atenção dos cronistas da sociedade carioca era a presença dos
índios que moravam com Capistrano e que revezavam as alças do caixão com
ministros, embaixadores, banqueiros, condes e aristocratas durante a condução do
corpo ao cemitério. Assim, narrou o cortejo, o sócio Assis Chateaubriand:
Ao sair do pobre porão de trapista intelectual onde morava, o enterro de Capistrano de Abreu, quando lhe tomou uma das alças do caixão, o índio Tuxinin, que ele mandara buscar, para fixar-lhe a língua, do interior do Mato-grosso, eu tive como que a sensação que nenhum de nós era tanto o expoente de qualquer coisa do enterro, na vida do grande indianista, como aquele representante dos primeiros povoadores da terra brasileira. Luiz (assim se chama o Tuxinin) ali estava com a sua farda de soldado da brigada policial, os olhos vermelhos de chorar, levando o esquife de Capistrano de Abreu, no lado de Francisco Sá, Paulo Prado, Arrojado Lisboa, Aguiar Moreira e tantos outros. A presença daquele índio no acompanhamento fúnebre do eminente historiador, cuja paciência beneditina reproduziu para a nossa história tantos idiomas dos nossos aborígenes em vésperas de desaparecerem, era como um pedaço mesmo da brasilidade. Ninguém mais que Capistrano de Abreu se interessou pelos usos, costumes e hábitos dos índios brasileiros. Bacairis, caxinauás, tuxinins [...] Luiz civilizado, metido no seu uniforme da brigada, os olhos rasos de lágrimas, valia como um
66 CALÓGERAS, João Pandiá. Necrológio de Capistrano de Abreu. Revista do IHGB, t.101, v.155, p.342-356, 1927.
58
símbolo da gratidão dos exemplares indígenas já assimilados aos hábitos ocidentais pelo historiador ilustre[...]67
A população também seguiu curiosa o cortejo. Afinal, não era todo dia que
personagens importantes da política e cultura nacionais, acompanhados de suas
famílias, caminhavam a pé, dispensando carros fúnebres, para conduzir aquele a quem
chamavam de “mestre-amigo”.
A forma com a qual foi enfatizada a simplicidade do enterro pelos que o
narraram, bem como o velório realizado no porão, contrastam claramente com outros
enterros que também foram momentos da afirmação de cultos cívicos a indivíduos na
Primeira República, como no caso de Machado de Assis e Rui Barbosa. Estes últimos
foram velados com luxo e magnificência, respectivamente, na Academia Brasileira de
Letras e na Biblioteca Nacional. Os sócios da sociedade, ao contrário, enfatizavam o
desapego de Capistrano de Abreu das recompensas públicas de seu trabalho
intelectual, bem como a independência que sempre marcou sua conduta, distante dos
jogos políticos que lhe eram contemporâneos. Daí a necessidade simbólica de velá-lo
com simplicidade, mesmo que participantes dos funerais fossem os mesmos. Dessa
forma, acreditamos que o próprio enterro já se constituía como uma estratégia de
construir representações sobre o historiador.
O porão localizado na travessa Honorina, n.45, sempre despertou um fascínio
entre os admiradores do historiador. Tanto que a Sociedade escolheu como sede este
mesmo porão, mantendo a organização deixada por Capistrano durante 42 anos. No
que se destaca a presença da rede sempre armada, próxima à escrivaninha e aos
livros. Também não podemos deixar de chamar atenção para os sócios que atenderam
67 CHATEAUBRIAND, Assis. Capistrano de Abreu. O Jornal, Rio de Janeiro, 14 ago. 1927, p.2.
59
ao convite e se filiaram a Sociedade, como Mário de Andrade e o futuro presidente
Washington Luís, e os estrangeiros Franz Boas, H. G. Wells e Paul Rivet.68
***
A produção sobre Capistrano de Abreu tem crescido consideravelmente,
principalmente nos últimos anos. Os motivos estão ligados ao sesquicentenário de
nascimento do historiador em 2003, ao contexto sócio-político do país durante o
aniversário de 500 anos da “descoberta do Brasil” pelos portugueses e a fatores
relacionados às mudanças nas perspectivas teóricas e metodológicas da história.
Quanto aos projetos advindos como fruto da comemoração do aniversário de
nascimento do historiador podemos citar o desenvolvimento do projeto de organização
do acervo de Capistrano de Abreu e da Sociedade Capistrano de Abreu que se
encontram sob guarda do Instituto do Ceará, citado na introdução deste trabalho.
Com referência ao contexto sócio-político no “aniversário de 500 anos do
Brasil”, evento que gerou um crescimento na produção e na reflexão dos historiadores
sobre o pensamento social brasileiro, podemos citar os trabalhos de José Carlos Reis e
a organização de dois volumes sobre a historiografia brasileira realizada por Lourenço
Mota, cujo artigo sobre Capistrano foi elaborado por Ronaldo Vainfas.
O trabalho de José Carlos Reis se propôs a perceber a forma pela qual
Capistrano de Abreu, através de sua prática historiográfica, buscou construir uma
determinada narrativa sobre a história do Brasil que propiciou a formação de uma
68 Para a relação completa dos sócios da Sociedade Capistrano de Abreu, ver Anexo.
60
identidade para Nação.69 O texto de Vainfas está inserido em um projeto editorial que
buscava recolher autores e livros que contribuíram para se pensar sobre a
nacionalidade brasileira.70 A presença de Capistrano de Abreu nos livros de Reis e
Mota é significativa, pois demonstra a relevância da produção do autor para o
pensamento social brasileiro.
Quanto aos procedimentos teóricos e metodológicos de Capistrano de Abreu
na escrita histórica, podemos citar os trabalhos de Arno Wehling, Ricardo Benzaquem
de Araújo, Astor Diehl e Maria Luiza Gaffrée Ribeiro.71 Os quatro autores, apesar de
percorrerem caminhos intelectuais diversos, compartilham da idéia de que a formação
de Capistrano de Abreu e a sua atuação no campo historiográfico transformaram a
prática da escrita da história nacional. Observam que o autor trouxe novas perspectivas
metodológicas e teóricas para a historiografia brasileira, rompendo os cânones de uma
narrativa factual e continuista em relação à história de Portugal.
Um outro trabalho que pode ser relacionado às duas perspectivas anteriores,
ou seja, de Capistrano de Abreu como instaurador de uma história preocupada com a
nacionalidade brasileira e com novos procedimentos na prática historiográfica é a tese
69 REIS, José Carlos. Anos de 1900: Capistrano de Abreu. O surgimento de um povo: o brasileiro. In. _____. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 5.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p.85-114. 70 VAINFAS, Ronaldo. Capistrano de Abreu: Capítulos de História Colonial. In. MOTA, Lourenço D. Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. São Paulo: SENAC, p.171-191, 1999. 71 WEHLING, Arno. A invenção da história: estudos sobre historicismo. Rio de Janeiro: Gama Filho, 1994; _____. Capistrano de Abreu e a História do Brasil. Revista Trajetos, Fortaleza, v. 3, n.5, 2004, p. 49-64; _____.Capistrano de Abreu e Silvio Romero: Um paradoxo cientificista. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, t.153, jan-mar, 1991, p.47-62; ARAÚJO, Ricardo B. Ronda noturna: narrativa, crítica e verdade em Capistrano de Abreu. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1, p.28-54, 1988; RIBEIRO, Maria L. Gaffrée. Uma ruptura na historiografia brasileira: a formação intelectual de João Capistrano de Abreu (1853-1927). Dissertação de mestrado (UFRJ). Rio de Janeiro,1990; BOTTMANN, Denise. A propósito de Capistrano. História: Questões e Debates. Curitiba, n.10, p. 283-301, jun/dez, 1989; DIEHL, Astor. O que é história? Sistemas de referencia e narrativa. Capistrano de Abreu e o
61
de Daniel Pereira. O autor acredita que Capistrano propôs em seus escritos estas
novas questões, em um trabalho de intenso debate com Francisco Adolfo de
Varnhagen.72
Porém, esta dissertação se insere dentro do último tipo de pesquisa que vem
sendo desenvolvida a respeito de Capistrano de Abreu, ou seja, as que foram
influenciadas pelas transformações teóricas e metodológicas que a história, como
disciplina, passou nos últimos anos. Em resposta ao uso excessivo do método
quantitativo/serial, e da análise estruturalista no desenvolvimento do conhecimento
histórico, grupos de historiadores, nas mais variadas correntes teóricas, passaram a se
questionar do papel que os indivíduos possuem na história e a criar categorias teóricas
que privilegiassem essas atuações mais particulares.73
Aliando-se aos trabalhos que buscavam perceber as ações individuais,
surgiram pesquisas destinadas a captar as construções identitárias, ou, como um
determinado grupo ou pessoa se dava a ver para o resto corpo social. Assim, as últimas
pesquisas sobre Capistrano de Abreu têm se detido a problematizar as representações
que o próprio historiador construiu de si em sua obra, principalmente através de sua
moderno sentido para a historiografia brasileira. Ágora, Santa Cruz do Sul, v.11, n.1, p.49-77, jan/jun. 2005. 72 PEREIRA, Daniel M. Descobrimentos de Capistrano: A História do Brasil “a grandes traços e largas malhas”. Tese de Doutorado apresentada ao programa de Pós-graduação em História Social da Cultura da PUC-RJ, Rio de Janeiro, 2002. 73 Três historiadores foram fundamentais para estas novas perspectivas dadas à historiografia, o italiano Carlo Ginzburg, o inglês Eduard Thompson e o francês Roger Chartier, porém neste projeto a utilização dos conceitos deste último será relevante para a execução do trabalho, ver: GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais: morfologia e história. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003; _____. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. 3.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. THOMPSON, Eduard. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. CHARTIER, Roger. A história Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Editora Difel, 1990.
62
prática epistolar. São pesquisas que se propõem a visitar as diversas alocações de
Capistrano de Abreu em sua vida.
Podemos citar o trabalho de Virgínia Buarque, onde esta estabelece o diálogo
tramado entre Capistrano de Abreu e sua filha Honorina; e mais os trabalhos de
Rebeca Gontijo, Fernando Amed e Eduardo Amaral sobre o intercâmbio mantido por
Capistrano de Abreu com outros intelectuais a partir da prática epistolar; ou o trabalho
de Paula Virgínia Batista sobre o universo feminino nas correspondências do
historiador.74 Parte desses trabalhos possui como fonte principal as correspondências
do autor publicadas em três volumes por José Honório Rodrigues (sócio da Sociedade
Capistrano de Abreu desde 1939).75
Contudo, dentre os autores citados acima, as pesquisas de Rebeca Gontijo
aparecem como um dos principais interlocutores deste trabalho, principalmente a tese
recentemente defendida por esta, na qual a autora problematiza a construção da
identidade do historiador, centrando a sua análise no “estudo de caso Capistrano de
Abreu”.76
Gontijo observa que a construção da identidade de um indivíduo, nesse caso,
do historiador, parte de dois exercícios opostos, porém complementares: o primeiro
74 BUARQUE, Virgínia. Escrita Singular: Capistrano de Abreu e Madre Maria José. Fortaleza: Museu do Ceará, 2003; AMARAL, Eduardo L. Correspondência Cordial: Capistrano de Abreu e Guilherme Studart. Fortaleza: Museu do Ceará, 2003; AMED, Fernando. op.cit; GONTIJO, Rebeca. “Paulo Amigo”: amizade, mecenato e ofício do historiador nas cartas de Capistrano de Abreu. In. GOMES, Ângela de C. Escrita de Si. Escrita da História. Rio de Janeiro: FGV, p.163-196, 2004; _____. A reta e o circulo: amizade, projeto intelectual e construção identitária nas cartas de Capistrano de Abreu a João Lúcio de Azevedo (1916-1927). Trajetos. Fortaleza, v.3, n.5, 2004, p.101-128; BATISTA, Paula V. Práticas de leitura, troca de favores e cotidiano na correspondência feminina de João Capistrano de Abreu. Monografia de conclusão de curso apresentada à Universidade Estadual do Ceará, 2005. 75 ABREU, Capistrano de. Correspondência de Capistrano de Abreu. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. A coleção compreende 3 volumes de correspondências ativas e passivas do historiador.
63
seria coletivo, resultado da atuação dos pares; e o segundo seria individual, fruto do
desejo e atividade de Capistrano de Abreu, no qual este se representaria e conformaria
uma determinada representação de si através de sua correspondência. Assim, a
Sociedade faria parte do exercício coletivo da construção da identidade de Capistrano
de Abreu, no qual, segundo Gontijo, ocorre a institucionalização de um culto a esse
historiador.77
Dessa forma, esta pesquisa visa aprofundar um dos aspectos constituintes
desse exercício coletivo de construção da identidade do historiador centrado na figura
de Capistrano de Abreu, a Sociedade Capistrano de Abreu – podendo contar com o
acervo documental da referida instituição como o principal meio de dar inteligibilidade a
esse exercício.
O historiador Fernando Catroga discute em muitos dos seus trabalhos a
relação estabelecida entre a história e a memória. Chamando atenção para duas
formas aproximadas de entendimento da memória e da história, quais sejam, a de
Maurice Halbwachs e Pierre Nora, Catroga chega a uma definição comum para eles do
que seria a memória e a história.78 A memória teria um caráter sacro, anônimo,
normativo, afetivo, inconsciente das suas deformações e vulnerável a todas as
manipulações, sendo ainda suscetível de longas latências e de repentinas
76 GONTIJO, Rebeca. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador. Niterói: Tese defendida no Programa de pós-graduação em história da Universidade Federal Fluminense, 2006. 77 GONTIJO, Rebeca. Ibid., p. 59. 78 CATROGA, Fernando. Memória, história e historiografia. Coimbra: Quarteto Editora, 2001; ___. Memória e História. In. PESAVENTO, Sandra J.(org). Fronteiras do Milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2001, p.43-70. Os textos tomados de Halbwachs e Nora por Catroga são respectivamente: HALBWACHS, Maurice. Les cadres sociaux de la mémorie. Paris: Albin Michel, 1994; NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n.10, p.7-28, 1993.
64
revitalizações.79 A história seria fruto do pensamento crítico, conceitual, abstrata, laica,
utilitária, ou seja, uma laicizada operação intelectual, assente na análise e na atitude
crítica.80
Para Catroga, as definições anteriormente esboçadas são nitidamente fruto de
uma concepção científica da historiografia e, para ele, a história e a memória seriam
muito mais próximas do que aparentemente se apresentam. Contudo, afirma que estas
características não podem ser desconsideradas para o próprio entendimento da história
como ciência, e que tanto a História quanto a memória se originariam no desejo comum
de combater o esquecimento, lidando com o ausente, lidando com o morto.81 Assim,
tanto a história quanto a memória se fundariam em atos de “re-presentificação”, no qual
a escrita (e a leitura) da História provoca, a partir de traços, re-presentações que visam
conhecer algo do que se sabe já não existir.82 Segundo este:
Os ritos param o tempo, a fim de se fazer reviver, simbolicamente, o que já passou. Por conseguinte, têm razão os que, como Michel de Certeau, destacaram o fundo ritual que anima o próprio trabalho do historiador. É que, em última análise, este procura “re-presentar [ou, dizemos nós re-presentificar] mortos, através de um itinerário narrativo”.83
Para o autor a “história seria filha da memória”, tanto quanto a “memória filha
da história”, e estas possuiriam identidades e diferenças. Contudo, o que mais
aproximaria as duas seria o fato de suas “re-presentações” sobre o passado serem
79 CATROGA, Fernando. Memória e História. In. PESAVENTO, Sandra J.(org). Fronteiras do Milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2001, p.53. 80 CATROGA, Fernando. Ibid., p.54. 81 CERTEAU, Michel. A beleza do morto. In. ___. A Cultura no plural. Campinas: Editora Papirus, 1995, p.55-86. 82 CATROGA, Fernando. op.cit. p.55.
65
dependentes por completo das demandas e contingências do tempo presente. Para o
autor:
tanto a recordação como a historiografia constróem re-presentificações a partir da interrogação de indícios e traços; e, fazem-no dentro de uma experiência de tempo que é indissociável da memória e das expectativas. O que implica a existência, em ambas, do mesmo intento de ordenar (retrospectivamente) o caos dos acontecimentos. E, como tudo isso é mediado pelo presente, o recordar e o historiar oferecem ao passado um mundo aberto de possibilidades.84
A partir da reflexão acima pode se realizar duas considerações a respeito da
historiografia. A primeira, que a própria historicidade da disciplina pode ser vítima das
artimanhas do tempo presente e do peso, do “fardo da memória”.85 Visto que, baseada
na perspectiva de Fernando Catroga, o discurso que o historiador realiza sobre a
história de sua disciplina pode, como qualquer outra narrativa histórica, ser
conformadora de uma memória. Segundo Manoel Salgado Guimarães, a ausência do
exercício crítico dos historiadores sobre o seu ofício provoca muitas vezes a
cristalização e naturalização das interpretações sobre determinados autores e textos, e
por conseqüência transformando o lugar na disciplina e discurso desses autores e
obras em memória (sacro, normativo e afetivo).86 A segunda é que as representações
e percepções sobre uma determinada obra ou autor são sempre marcadas pelas
questões do tempo presente de quem as fórmula.
83 CATROGA, Fernando. Ibid., p.55. 84 CATROGA, Fernando. Ibid., p.57. 85 REVEL, Jacques. Le Fardeau de la mémoire. Correspondance. Bulletin Scientifique de l’IRMC. Tunísia, n.55, www.irmcmaghreb.org. 86 GUIMARÃES, Manoel. A cultura historiográfica oitocentista: a constituição de uma memória disciplinar. In. PESAVENTO, Sandra J.(org). História Cultural: experiências de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003, p.9-24; GUIMARÃES, Manoel S. Historiografia e Cultura Histórica: notas para um debate. Ágora, Santa Cruz do Sul, v.11, n.1, p.31-47, jan/jun. 2005.
66
Como uma forma de perceber criticamente os quadros sociais nos quais a
disciplina História está inserida, os lugares sociais que forjam as narrativas históricas, e
possibilitar a desconstrução dos quadros memoriais nos quais determinadas obras e
autores estão imersos, a historiografia se apresenta como uma importante área de
investigação histórica. É o historiador refletindo sobre a historicidade do seu ofício.
Dessa forma, Manoel Salgado Guimarães delega à historiografia como área de
pesquisa a função de investigar criticamente os quadros disciplinares da história,
realizando a interrogação da memória e de suas artimanhas, voltadas para a
sacralização dos objetos sobre os quais se debruça.87
Trabalhos recentes, que tiveram como objeto a historiografia brasileira, têm
apontado a pouca atenção que até a década de 80 do século XX foi conferida a esta
área de estudo, principalmente questionando a ausência de reflexões realizadas pelos
historiadores sobre os resultados da sua prática historiográfica.88
Inspirados pelos apontamentos realizados fora da produção historiográfica
nacional, principalmente alemã, francesa e inglesa, os historiadores brasileiros
87 GUIMARÃES, Manoel S. Historiografia e Cultura Histórica: notas para um debate. Ágora, Santa Cruz do Sul, v.11, n.1, p.32, jan/jun. 2005. 88 Alguns historiadores consideram que a maior abertura aos estudos historiográficos, de histórias das idéias e de historia intelectual foi motivada pela tão proclamada “crise da história” do final dos anos 70 e início dos 80. Diante das críticas à epistemologia da história promovida por profissionais de outras disciplinas como filosofia, teoria literária, antropologia e sociologia, o historiador teria assim se dedicado a busca de sua identidade como profissional. Dessa forma, cada vez mais os historiadores passaram a ter como objeto de estudo a sua própria escrita e a história da sua disciplina. Ver: CARVALHO, José M. de. História Intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi, Rio de Janeiro, n.1, p. 123-152. 2000; FALCON, Francisco. A identidade do historiador. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.17, p.7-30, 1996; GUIMARÃES, Manoel. A cultura historiográfica oitocentista: a constituição de uma memória disciplinar. In. PESAVENTO, Sandra J.(org). História Cultural: experiências de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003, p.9-24. Podemos citar também dois livros organizados com o objetivo de refletir sobre o fazer historiográfico: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998; MALERBA, Jurandir (org.) A Velha história: teoria, método e historiografia. Campinas: Papirus, 1996. Sobre a “crise da história” ver: BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique. Em que pensam os historiadores? In. ___.(orgs). Passados recompostos: campos e
67
passaram a se dedicar com maior intensidade às questões relacionadas à escrita da
história, levantando problemáticas e buscando o horizonte social e disciplinar que
possibilitara essas práticas discursivas, permanecendo como referencial comum o
ensaio provocador de Michel de Certeau sobre o historiador e seu lugar social.89
José Honório Rodrigues, Roberto do Amaral Lapa, Carlos Guilherme Motta e
Nilo Odália são historiadores que realizaram trabalhos de crítica historiográfica dos
anos 60 aos 80. Especificamente, José Honório Rodrigues foi um importante agente na
definição do grupo de historiadores e textos clássicos da historiografia brasileira.90
Como sugere Manoel Salgado Guimarães:
Entre nós podemos considerar o trabalho de José Honório Rodrigues como o pioneiro em relação aos estudos de historiografia. Por primeira vez, um historiador de ofício assume o interesse pela historiografia como parte da pesquisa histórica. Seu caráter pioneiro e inaugural deixou também marcas na forma de conceber o trabalho com a historiografia, aproximando-o da elaboração de um cuidadoso catálogo de autores e obras.91
Rebeca Gontijo, além de apontar o pioneirismo de José Honório Rodrigues,
atribui a ele o papel de conformador da memória disciplinar da historiografia brasileira,
pois ele acabou definindo o corpo de obras e autores que deveriam ser lembrados e
passíveis de análise, conformando, muitas vezes, a própria percepção desses autores
por outros críticos. No Caso específico de Capistrano de Abreu, Gontijo afirma que é
canteiros da história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998, p.193-202. CHATIER, Roger. A história Hoje: dúvidas, desafios propostas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.7, n.13, p. 97-113. 1994. 89 CERTEAU, Michel. Operação historiográfica. In. A escrita da História. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.65-77. 90 Estas afirmações tomam por base: GUIMARÃES, Manoel S. Historiografia e Cultura Histórica: notas para um debate. Ágora, Santa Cruz do Sul, v.11, n.1, p.31-47, jan/jun. 2005; GONTIJO, Rebeca. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador. Niterói: Tese defendida no Programa de pós-graduação em história da Universidade Federal Fluminense, 2006. Ver principalmente o capítulo 7 onde a autora realiza um balanço historiográfico da produção sobre Capistrano de Abreu a partir dos anos 40. 91 GUIMARÃES, Manoel S. Ibid., p. 33.
68
possível dizer que José Honório estabeleceu as linhas mestras para a leitura da
produção de Capistrano, ao definir suas contribuições para a historiografia brasileira e,
ao mesmo tempo, ao situá-lo em relação a uma tradição de estudos históricos.92
É inegável o papel de José Honório Rodrigues como construtor da memória de
Capistrano de Abreu em nossa historiografia. Rodrigues foi o continuador do trabalho
iniciado pela Sociedade Capistrano de Abreu, tendo entrado como sócio em 1939 e
permanecido em sua administração até o termino das suas atividades em 1969.
Capistrano de Abreu aparece como um dos casos que melhor ilustra o
processo no qual a história, como disciplina, manifesta o seu caráter eminentemente
canônico. O historiador, mesmo em vida, sempre foi alvo de inúmeras narrativas, o que
ajudou a conformar representações de sua pessoa que variaram do “mestre da
historiografia brasileira” ao taciturno, cabisbaixo, alheio às relações humanas e que
pouco se preocupava com a sua aparência, passando inclusive a impressão de
desleixo, sendo muitas vezes objeto de chacota da imprensa. Dessa forma, o que nos
move ao realizar esta pesquisa é reconstruir algumas representações produzidas sobre
Capistrano de Abreu, desvendando parte do processo no qual um indivíduo passa a
fazer parte do panteão dos deuses da historiografia brasileira.
Tomamos a representação a partir dos pressupostos formulados por Roger
Chartier, que a define como o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade social é construída, pensada e dada a ler.93 Este conceito nos é
92 GONTIJO, Rebeca. op.cit. p.289. 93 CHARTIER, Roger. Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In. _____. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1990, p.17.
69
útil para que possamos perceber como diferentes grupos construíram, pensaram e
deram a ler o indivíduo João Capistrano de Abreu.
Na busca das representações construídas por um grupo ou indivíduo, Chartier
aponta caminhos a serem seguidos, segundo o próprio autor:
O primeiro diz respeito às classificações, divisões e delimitações que organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e de apreciação do real. Variáveis consoante as classes sociais ou os meios intelectuais, são produzidas pelas disposições estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São estes esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado.94
A partir da afirmação anterior pode-se concluir que o ato de representar é
eminentemente uma atividade que lida com o social. As representações são categorias
que tanto definem o que é o real para um determinado grupo/indivíduo, quanto mantêm
uma relação de mão dupla com esse social/real, pois as representações tanto se
originam de esquemas intelectuais incorporados quanto servem de delimitadores e
chaves de compreensão da realidade social. As representações estariam
fundamentadas no espaço de tensão entre o “eu - indivíduo” e o “nós - sociedade”,
nessa “balança” das relações sociais apontadas por Norbert Elias, em que o social não
seria completamente definidor e constrangedor dos atos e vivências individuais, como o
indivíduo não seria por completo independente do viver em sociedade.95
Esse jogo estabelecido entre o indivíduo e o social levou Roger Chartier a
pensar nas representações como coletivas e definidores de identidades sociais, ou
94 CHARTIER, Roger. Ibid., p.17.
70
seja, que ao serem partilhadas por um grupo podem constituir um referencial comum de
entendimento do mundo e de si, uma identidade. Chartier ainda sugere que o trabalho
com representações requer a eliminação de falsos debates sobre a distinção entre a
“objetividade das estruturas” e as representações, que seriam consideradas como
restritas ao mundo da subjetividade e distantes do real. Segundo o autor, tentar superar
esta distinção exige considerar os esquemas geradores dos sistemas de classificação e
de percepção como verdadeiras “instituições sociais”, incorporando sob a forma de
representações coletivas as divisões da organização social.96
Nesse trabalho de relacionar representação e identidades sociais, torna-se
necessário articular o “trabalho de classificação”, ou seja, as categorias através das
quais o social é percebido por diferentes grupos e as formas pelas quais o
grupo/indivíduo se percebe como participante do social, as “práticas”, os meios
objetivos de ação pelo qual um determinado grupo/indivíduo exibe uma maneira própria
de estar no mundo, e as “formas institucionalizadas” pelas quais um indivíduo/grupo
marca, singulariza e legitima a sua existência.
Isso se reforça ainda mais quando o ato de representar está ancorado em um
trabalho de construção deliberada da memória através de uma narrativa. Este é o caso
da Sociedade Capistrano de Abreu, na qual a representação toma um caráter
estratégico, pois visa a institucionalizar determinadas compreensões do real não só
para o grupo que as forja, mas também para o resto do corpo social.97
95 ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004. 96 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In. ___. À beira da falésia. A história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade/ UFRGS, 2002, p.72.
71
Esta reflexão sustenta a hipótese apresentada na pesquisa, de que as distintas
representações construídas sobre Capistrano de Abreu conferiram aos seus produtores
um lugar social, uma forma de estar no mundo. Em síntese, ao se definir a forma pela
qual Capistrano de Abreu deveria ser visto e lembrado, formas mediadas pelos
padrões do grupo reunido em torno da Sociedade Capistrano de Abreu, estes
indivíduos também conformavam a maneira através da qual deveriam ser vistos, visto
que, essas práticas de construção da memória necessariamente atendem às demandas
de grupos sociais específicos. Se os sócios da Sociedade construíam a imagem de
Capistrano como uma figura ímpar da historiografia brasileira e se auto-representavam
como seus discípulos e continuadores do seu trabalho, conseqüentemente, fundavam
um lugar social e legitimavam a sua atuação no espaço letrado brasileiro do início do
século XX, especificamente na escrita da história e no ofício do historiador.
Talvez esta hipótese seja elucidativa ao questionamento realizado por Oscar
Cavalia Sáez; que ao retomar, pois, alguns eventos e comportamentos da vida de
Capistrano de Abreu, os quais revelavam poucas afeições a homenagens, levanta a
seguinte questão: Afinal, para que bajular um morto de um modo que ele rejeitava em
vida, porque cultuar sua memória contrariando seus gostos?98 A resposta parece-nos
clara, porque o culto a um morto é uma prática dos vivos e, por conseqüência, emite
significados apenas para essa comunidade. Pois, como afirma Fernando Catroga, o ato
97 Para ver sobre o conceito de estratégia, CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. As artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. 98 Podemos citar como exemplos do afastamento buscado por Capistrano dessas dádivas e homenagens, e ainda da modéstia pela qual era reconhecido: a negativa ao convite de ser um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, a renúncia à premiação ofertada por Dom Pedro II, a ameaça de rompimento com os amigos que organizavam uma homenagem no seu aniversário, e a prática do historiador assinar “João Ninguém” ao fim de suas correspondências. SÁEZ, Oscar Cavalia. A morte e o sumiço de Capistrano de Abreu: Antropologia, Etnologia e/ou História do Brasil. In. www.cfsc.br/oscar/CAPISTRANO.DOC.
72
de memorar só preenche de sentido a vida dos vivos, pois partindo da premissa que a
morte é, em si mesma, um nada epistemológico e um nada ontológico, tudo o que
podemos saber sobre ela é a sua semiótica e os discursos tanatológicos serão sempre
uma fala de (e sobre) os vivos. 99
Nesse ponto é necessário realizar uma advertência. A Sociedade se manteve
ativa por 42 anos, o que nos leva a acreditar que as formas com as quais Capistrano de
Abreu era visto variaram com o tempo e de acordo com cada grupo que a constituiu,
visto que a memória é por si uma prática transitória e atende demandas sociais diversas
de acordo com configurações sociais específicas. Podemos assim identificar dois
grupos distintos de sócios da instituição: o grupo dos “amigos” e “discípulos” de
Capistrano, ou seja, aqueles que privaram de sua companhia e prática epistolar e o
grupo de sócios posterior, reunidos em torno da figura centralizadora de José Honório
Rodrigues, na sua maioria professores das recém fundadas universidade brasileiras.
Assim, ressaltam-se como figuras centrais das narrativas da Sociedade
Capistrano de Abreu, o historiador e o gênero histórico. Com a atividade historiográfica
e campo profissional não definidos durante a criação da instituição e em consolidação
no período de José Honório Rodrigues, podemos afirmar que cultuar e analisar
Capistrano de Abreu podem ser indícios da construção de uma identidade não só para
Capistrano e seus cultuadores, mas também para o fazer histórico do período, criando-
se uma identidade para o historiador e a história como disciplina, definindo-se métodos,
objetos e formas de análise. Dessa forma, entendemos a “identidade do historiador”
seguindo as sugestões de Francisco Falcon, onde esta estaria definida por dois
99 CATROGA, Fernando. O céu da memória: cemitério romântico e culto cívico dos mortos em Portugal (1756-1911). Coimbra: Minerva, 1999, p.10.
73
aspectos, os meios de reconhecimento profissional do historiador e as características e
marcas discursivas particulares que identificariam um texto como de história. Segundo
Falcon, ambos os aspectos são complementares e definiriam a identidade do
historiador como,
[...] autoconsciência do historiador, a começar pela intenção de produzir um texto de história; identidade, também, como reconhecimento do trabalho produzido pelo historiador como de história ou, o que vem a ser a mesma coisa, o reconhecimento de seu autor como historiador.100
A hipótese que se reafirma seria a de que os sócios fundadores da Sociedade
buscavam no passado, no culto à memória de um indivíduo, a constituição de uma
identidade para um ofício, o do historiador, e para uma narrativa, o gênero histórico, e
por sua vez projetavam essa identidade como referencial de uma escrita futura da
história. Já no caso de José Honório Rodrigues e dos professores universitários
posteriormente reunidos na instituição, o culto à memória de Capistrano de Abreu se
definiria como a fundação de uma tradição.101 Buscavam demonstrar que o ofício da
história que desenvolviam nas universidades era portador de um passado, de uma
historicidade, da qual Capistrano de Abreu era o referencial. Contudo, essa trajetória
era estabelecida em uma perspectiva evolutiva. Eles não escreviam a história como
Capistrano de Abreu, mas se representavam como aperfeiçoadores de seus métodos.
Pois como alerta Manoel S. Guimarães, nossa própria disciplina tem a sua história, fruto
de embates e tensões, disputas por memória, uma memória disciplinar que uma vez
100 FALCON, Francisco. A identidade do historiador. Estudos históricos, Rio de Janeiro, n.17, p.13, 1996. 101 LENCLUD, Gérard. Qu’est-que la tradition? In. DETIENNE, Marcel. Transcrire les mithologies. Paris: Albin Michel, 1994, p. 25-44.
74
instituída tende a canonizar autores e obras constituindo o panteon dos nossos
clássicos. 102
Esse exercício deliberado de construção de uma memória do outro e de si e de
uma atividade letrada específica, nos faz utilizar categorias próprias das discussões
sobre memória. Assim, podemos identificar a Sociedade Capistrano de Abreu como um
lugar de memória, ou seja, como um lugar reservado para construir uma memória
artificial sobre o autor, baseado em um sistema de significantes que, a par da face
veritativa que referenciam, também visa gerar efeitos normativos e afetivos.103 Um
lugar investido de uma “aura simbólica”, que segundo Armelle Enders se define como
toda unidade significativa, de ordem material ou ideal, da qual a vontade dos homens
ou o trabalho do tempo fez um elemento simbólico do patrimônio da memória de uma
comunidade qualquer.104
Porém, dentro da Sociedade, com já foi afirmado, podemos encontrar um outro
tipo de construção de memória. Os sócios da agremiação, além de construir Capistrano
de Abreu como “mestre”, representaram-se como seus discípulos. Assim, uma de
nossas hipóteses é de que a construção de Capistrano de Abreu como uma importante
figura no campo intelectual, contribuiu para que os sócios da sociedade fossem
reconhecidos e legitimados por seus pares neste mesmo campo. Um exemplo
102 GUIMARÃES, Manoel S. Historiografia e Cultura Histórica: notas para um debate. Ágora, Santa Cruz do Sul, v.11, n.1, jan/jun. p.32, 2005. 103 CATROGA, Fernando. O Céu da memória: cemitério romântico e culto cívico dos mortos em Portugal (1756-1911). Coimbra: Minerva, 1999, p.21. 104 ENDERS, Armelle. Les lieux de mémoire, dez anos depois. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.6, n.11, p.129. Também tomamos como fundamental o texto de Pierre Nora, idealizador do conceito e da coleção que recebeu este nome na França, porém optamos pela citação de Enders por nos parecer mais sistemática. Ver: NORA, Pierre. Entre memória e história: A problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n.10, 1993.
75
significativo foi o caso de João Pandiá Calógeras. Ângela de Castro Gomes, em seu
estudo sobre a cultura historiográfica do Estado Novo, ao comentar sobre os artigos
publicados pela Revista Autores e Livros , sobre Calógeras, afirma:
Tendo sido aluno e amigo de Capistrano de Abreu, sua produção historiográfica era muito grande, sobretudo para quem, fora ministro de Estado três vezes, em três pastas diferentes e importantíssimas. Quando de seu falecimento, em 1934, é publicado um volume, Calógeras na opinião de seus contemporâneos, organizado por Francisco Sales de Oliveira, Roberto Simonsen e Gontijo de Carvalho, que elenca nada menos que 68 títulos. Mas a produção de Calógeras é ela mesma pouco comentada no suplemento, que o reconhece como um seguidor de Capistrano.105
A conclusão da historiadora nos aparece como indício para buscar
compreender a forma pela qual os sócios da Sociedade se representaram como
discípulos, continuadores da obra de Capistrano de Abreu, e mediadores da memória e
da pesquisa historiográfica do historiador. Daí a necessidade de se historicizar a
produção dos sócios da Sociedade sobre Capistrano de Abreu em necrológios,
efemérides, artigos para imprensa e principalmente na obra publicada dos sócios, pois
são nos prefácios de seus livros que eles estabelecem a continuação da obra de
Capistrano de Abreu em seus textos.106
Nos trabalhos dos sócios, acreditamos que estes pretenderam continuar a obra
de Capistrano de Abreu. Esses autores divulgavam a nova metodologia de trabalho
trazida à historiografia pelo autor dos Capítulos de História Colonial, e se delegavam a
missão de colocá-la em prática, acreditando que seus trabalhos continuavam a
produção do “Mestre”. Dessa forma, supomos que a Sociedade Capistrano de Abreu
105 GOMES, Ângela de C. História e Historiadores: a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV,p. 121, 1996.
76
contribuiu para a formação de uma cultura historiográfica durante a primeira metade do
século XX. Os sócios foram responsáveis por uma produção que, retomando a
expressão de Paulo Prado, serviria para melhor conhecer o Brasil. Os concursos
promovidos pela Sociedade, os pareceres emitidos pelos sócios sobre os trabalhos
concorrentes, e a sua prática editorial - que não envolveu apenas a obra de Capistrano
de Abreu - são importantes indícios para a compreensão dessa prática historiográfica.
Como já foi apontado, esta pesquisa se mobiliza dentro das mudanças
ocorridas na prática historiográfica decorrentes das transformações nos procedimentos
metodológicos e concepções teóricas no campo da História, mudanças que delegaram
uma maior importância aos aspectos que não eram observados por uma concepção
estruturalista da história, e que, por conseqüência, deixava de lado uma série de
práticas culturais e políticas que não se apresentavam adequadas a uma análise
quantitativa e serial.
Esse questionamento proporcionou à história uma abertura teórico-
metodológica. Os historiadores passaram a entender os seres humanos não mais como
resultantes diretos de uma estrutura pré-determinada e globalizante, mas como
indivíduos que negociam e dialogam com o espaço social e que criam estratégias e
táticas de ação nesse espaço, propiciando a revalorização do particular. Daí recorrer a
sugestões do historiador Roger Chartier. Visto que, retomando autores como Paul
Ricoeur, Nobert Elias e Michel de Certeau, e dialogando com Michel Foucault, Chartier
passou a problematizar as relações existentes entre os textos e ações dos agentes
106 Para ver sobre os prefácios como espaços de diálogo do escritor com o seu público: NOIRIEL, Gerard. L’Univers Historique: une collection d’historie à travers son paratexte (1970-1993). Gêneses. n.18, 1995. p. 110-131.
77
históricos com relação ao espaço social que os circunda.107 Seguindo os
questionamentos dos tempos iniciais dos Annales, quando Lucien Febvre formulou a
famosa expressão sobre a história política como “uma história de mentes
desencarnadas”, Chartier, com a retomada desses autores, passou a entender as
ações individuais ou coletivas como o resultado de representações e buscas individuais
e/ou grupais de conservação de uma determinada memória, e da necessidade de se
historicizar essa produção e seus agentes, mantendo as relações concernentes entre a
ação humana e o espaço social. Segundo o autor:
O objeto fundamental de uma história cujo projeto é reconhecer a maneira como os atores sociais investem de sentido suas práticas e seus discursos, parece-me residir na tensão entre as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades e os constrangimentos, as normas, as convenções que limitam – mais ou menos fortemente, dependendo de sua posição nas relações de dominação – o que lhes é possível pensar, enunciar e fazer.108
Esse novo regime de escrita trazido à prática historiográfica se torna
fundamental para pensarmos a Sociedade Capistrano de Abreu em suas múltiplas
dimensões, como: construtora de memória (dos sócios e de Capistrano de Abreu),
produtora de bens culturais e como agente no campo historiográfico ainda em processo
de autonomização no Brasil. Uma destas dimensões se torna extremamente relevante
para uma outra área do conhecimento histórico que cada vez mais tem se aproximando
dos conceitos difundidos pela História Cultural, ou seja, a História Política. 109
107 CHARTIER, Roger. História Intelectual e história das Mentalidades: uma dupla reavaliação. In. _____. A história Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Editora Difel, 1990, p. 29-67; _____. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n.13, 1994, p. 97-113; _____. Figuras do autor. In. _____. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora UNB, 1999. p. 33-67. 108 CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n.13, 1994, p.102-103.
78
Como congregadora de indivíduos, uma agremiação ou sociedade cria
inúmeros códigos, procedimentos e ações comuns àqueles que a compõem, e quando
um desses objetivos e ações perpassa pelo espaço de construção de memória, essa
junção entre os conceitos operacionais da História Cultural e as preocupações
relacionadas aos códigos compartilhados da História Política, se faz imprescindível,
visto que, como alerta Jacques Le Goff, apesar da memória ser um fenômeno individual
e psicológico ela liga-se intimamente com a vida social.110
A História Política retornou à prática historiográfica, e tem como um de seus
principais representantes o historiador René Remond. O autor, organizador de uma
importante coletânea sobre a retomada do estudo do político, aponta como uma das
preocupações desta o estudo dos comportamentos coletivos, das sociabilidades e das
investigações sobre os fatores associativos.111
Dessa forma, a Sociedade Capistrano de Abreu se insere dentro desta
perspectiva, visto que, pode ser identificada como um lugar de sociabilidade, conceito
que tenta dar conta dos grupos associativos que se organizam para além dos grupos
reconhecidamente congregadores existentes na sociedade, como o Estado, as igrejas,
109 A História Política esteve durante muitos anos afastada das preocupações dos historiadores. Inicialmente, pelas críticas formuladas pela primeira geração do Annales, Lucien Febvre e Marc Bloch. Esses autores delegaram ao desterro a História Política, pois não concordavam com as preocupações e objetos desta, que no final do século XIX e início do século XX correspondiam a uma narrativa cronológica, factual e restrita as atividades do Estado. Com a segunda e terceira gerações dos Annales, o exílio da História Política se torna ainda mais profundo, visto que as múltiplas temporalidades de Fernand Braudel delegaram a esta o espaço temporal da curta duração, restrita aos eventos políticos, que para o autor não possuíam relevância diante das grandes estruturas (econômicas, geográficas e culturais). Sobre o afastamento da Historia política da historiografia: BURKE, Peter. As Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: UNESP, 1997; DOSSE, François. A História em Migalhas: dos Annales à Nova História. Bauru: EDUSC, 2003; REIS, José C. Nouvelle Histoire e tempo histórico. A contribuição de Febvre, Bloch e Braudel. São Paulo: Ática, 1994; sobre Braudel, ver: BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 2005. 110 LE GOFF, Jacques. Memória. In. Memória e História. 5 ed. Campinas: Unicamp, 2003, p. 419-476.
79
ou os partidos políticos.112 Este conceito se define dentro do espaço de preocupação da
História Política dedicado a perceber os movimentos pelos quais os intelectuais
produzem, compartilham e reproduzem determinados bens culturais e as idéias sobre o
político. Segundo Jean-François Sirinelli, a sociabilidade, conceito que fundamenta o de
lugar de sociabilidade, se define como um pequeno mundo estreito, onde os laços se
atam.113 Visto que, segundo Sirinelli:
Todo grupo de intelectuais organiza-se também em torno de uma sensibilidade ideológica ou cultural comum e de afinidades mais difusas, mas igualmente determinantes, que fundam uma vontade e um gosto de conviver. São estruturas de sociabilidade difíceis de apreender, mas que o historiador não pode ignorar ou subestimar.114
São essas duas dimensões da Sociedade, a ideológica e cultural, e as que são
consideradas mais difusas, como o exercício da amizade e da construção e
contemplação da lembrança de um “mestre/amigo”, que podem ser problematizadas
pela História Política, mesmo porque a construção da representação de um indivíduo
para ser lida pelo resto do corpo social pode ser percebida como um ato político.
Retomando o texto de Chartier, se faz necessário apontar um alerta,
realizado pelo historiador, para se utilizar o conceito de representação. Segundo o
autor, as representações são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as
111 RÉMOND, René. Uma História Presente. In. _____ (org.). Por uma história Política. Rio de Janeiro: FGV/ UFRJ, p. 13-37, 1996. 112 Para ver sobre sociabilidade intelectual: GONTIJO, Rebeca. História, cultura, política e sociabilidade intelectual. In. SOIHET, Rachel (org.). Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Manuad, p. 259-284, 2005. 113 SIRINELLI, Jean F. Os intelectuais. In. RÉMOND, René (org.). Por uma história Política. Rio de Janeiro: FGV/ UFRJ, p. 248, 1996. 114 SIRINELLI, Jean F. Ibid., p. 248.
80
forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com
a posição de quem os utiliza.115
Devido ao alerta de Roger Chartier, nos apoiaremos nas categorias
formuladas por Pierre Bourdieu. Este sociólogo, procurando compreender a produção
dos bens simbólicos e o modo pelo qual os intelectuais se organizam, construiu os
conceitos de campo, habitus e estratégia, que nos são apresentados como uma forma
de se perceber os meios pelos quais a Sociedade Capistrano de Abreu se organizou
internamente e os seus membros procuraram estabelecer relações com o campo de
produção historiográfica em autonomização. 116
115 CHARTIER, Roger. op.cit.p.17. 116 BOURDIEU, Pierre. Razões Praticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2003; ____. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003; ____. As regras da Arte: gênese
81
2
Histórias de vida e a História Nacional:
Representações e estratégias de construção da memória de Capistrano de Abreu
2.1
As narrativas biográficas: imagens do historiador
Em 1890, o romancista Aluízio de Azevedo (1857-1913) publicou o romance O
Coruja. Nesta data, Capistrano de Abreu já se encontrava no Rio de Janeiro há
dezesseis anos e já era um intelectual conhecido entres seus pares. Na
correspondência do historiador existem poucas referências ao romancista, sendo estas
apenas pontuais, na maioria dos casos, comentários sobre a publicação de algum livro.
Um breve diálogo tramado entre os dois foi a resenha crítica realizada por Capistrano
de Abreu ao romance de estréia de Aluízio de Azevedo, “O Mulato”. O texto
correspondia aos trabalhos encomendados pela Gazeta de Notícias para a coluna
Livros e Letras e foi publicado em 14 de maio de 1881.117 Nesta resenha, Capistrano
discutiu sobre a presença não determinante do positivismo e do abolicionismo no
romance, bem como o definiu com realista nos seguintes termos:
O que o romance é essencialmente é realista que como tentativa é muito notável. Nas primeiras páginas o autor inspira-se evidentemente no
e estrutura do campo literário. São Paulo Companhia das Letras, 2002; ___. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2001; FERNANDES, Florestan; ORTIZ, Renato. (orgs.) Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, 1983. 117 ABREU, Capistrano de. Livros e Letras [sobre O Mulato, de Aluizio de Azevedo] In. ___. Ensaios e Estudos, 4ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p. 259-261.
82
estilo de Zola, Eça de Queiroz e, Deus lhe perdoe!, de Euzébio Macário; mas em breve se emancipa, e os períodos saem-lhe fluentes, ágeis, abundantes, a latejarem vida como um formigueiro.118
De uma forma geral Capistrano realizou uma apreciação positiva, contudo,
como critico afiado que era e meticuloso com relação à edição de textos concluiu com
um elogio ao autor e uma crítica mordaz à edição.
Já apontamos seus defeitos; pode ser que haja outros; duvidamos, entretanto, que muitos dos romancistas menos distintos tenham mostrado tanto talento como este ao estrearem. O livro foi impresso no Maranhão, porém mal. O papel é ordinário, e as incorreções não são poucas. O Cônego Diogo atravessa o romance citando latim... Se houver quem traduza a metade das frases, pode tirar carta de decifrador de charadas. Além disto, há um engano de paginação, que nos privou das páginas 468, 469, 472 e 473.119
Este foi o único contato intelectual mais explicito que pudemos recuperar entre
Capistrano de Abreu e Aluizio de Azevedo. Contudo, eles possuíam aspectos em
comum. Eram dois imigrantes das províncias para corte do Rio de Janeiro,
respectivamente vindos do Maranhão e do Ceará. Além disso, compartilhavam do ofício
das letras e deveriam possuir espaços de sociabilidade e amigos comuns, por exemplo,
freqüentar as livrarias e casas importadoras da Rua do Ouvidor. Aluizio de Azevedo foi
um dos “imortais” fundadores da Academia Brasileira de Letras, convite recusado por
Capistrano de Abreu. Os dois deveriam ser ver com certa freqüência, mas
provavelmente não se relacionaram intimamente. Porém, algo aproximou estes dois
intelectuais, a publicação do romance anteriormente mencionado, O Coruja.120
118 Ibid., p. 261 119 Ibid., p. 261. 120 AZEVEDO, Aluízio de. O Coruja. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1890.
83
O Coruja é considerado pela crítica como um romance realista, crítico à
sociedade burguesa. O título da obra corresponde ao apelido do protagonista, André
Miranda, um jovem órfão que após a perda dos pais foi entregue aos cuidados do
vigário de sua cidade natal e por fim internado em uma escola para meninos. O que
marca a narrativa em seu início é o estado de abandono no qual André vivia, pois
mesmo o vigário, desprovido dos preceitos cristãos que tanto apregoava em seus
sermões, não se importava com seu destino, tendo recolhido o menino mais por
constrangimentos sociais do que por desejo próprio. A descrição física de André
contrastava com sua descrição psicológica:
Era pequeno, grosso, cabeçudo, braços e pernas curtas, mãos vermelhas e polposas, tez morena e áspera, olhos sumidos de uma cor duvidosa e fusca, cabelo duro e abundante [...] em todo ele nada havia que não fosse vulgar. A expressão dominante em sua fisionomia era a desconfiança? Nos seus gestos retraídos, na sua estranha maneira de esconder o rosto e jogar com ombros, quando andava parecia alguma coisa de um urso velho e mal domesticado. Não obstante, quem lhe surpreendesse o olhar em certas ocasiões descobriria aí um inesperado brilho de inefável doçura, onde a resignação e o sofrimento transluziam, como a luz do sol por entre o nevoeiro espesso.121
Na escola para meninos ocorreram dois fatos que mudariam a vida do Coruja.
Durante as suas primeiras férias escolares, o Coruja sem ter um lar para onde retornar,
permaneceu na escola e assim recebeu do diretor a função de organizar a biblioteca da
instituição. Aluizio de Azevedo descreve com detalhes o sentimento que aquele lugar
despertou no menino.
O pequeno, à porta, invadiu-a com um ar tão sôfrego e tão significativo, que o Dr. Mosquito (Diretor da Escola) o chamou e perguntou-lhe qual era o livro que tanto o impressionara. [...] Logo que se viu só, tratou de munir-se de um espanador e de um pano molhado, e, com o auxílio de uma escadinha que havia na biblioteca, principiou a grande limpeza dos livros. [...] Não sabia qual dos livros tomar de preferência; não conseguia
121 Ibid., p.11.
84
ler de nenhum deles mais que algumas frases soltas e apanhadas ao acaso. E, toda aquela sabedoria encadernada e silenciosa, toda aquela ciência desconhecida que ali estava por tal forma o confundiu e perturbou que, no fim de alguns segundos de dolorosa hesitação, o Coruja como que sentia libertar-se dos volumes a alma de cada página para se refugiarem todas dentro da cabeça dele. [...] passava todos os dias feriados e todas as horas de recreio, metido na biblioteca, de cuja fiscalização continuava encarregado.122
Com o reinício das aulas, o Coruja conheceu o novo aluno da escola,
Theobaldo Henrique de Albuquerque -segundo fato determinante em sua vida- com
quem passa a estabelecer uma amizade fraternal por toda vida. Theobaldo era o oposto
de André, bonito, elegante e criado com mimo;123 filho único do Barão de Palmar.
O fato é que a vida do Coruja passou a ser dedicada à amizade de Theobaldo
e a leitura voraz dos livros, despertada pelo empenho com que o menino se dedicou à
biblioteca de sua escola e que na maturidade foi direcionada à escrita de uma História
do Brasil nunca concluída. Juntos se mudaram de Minas Gerais para o Rio de Janeiro,
cidade na qual se desenvolve a maior parte da narrativa. O enredo do romance se
fundamenta nos contrastes entre Theobaldo e o Coruja; este representava: sapiência,
empenho, erudição, força física, economia, rusticidade, a história; aquele: esperteza,
frivolidade, beleza, enfim, o modo de vida burguês. Theobaldo representava a poesia.
Segundo o autor:
Theobaldo era detestado pelos colegas por ser muito petulante; o outro por ser muito casmurro e concentrado. O esquisitão e o travesso tinham, pois, este ponto de contato – o isolamento. Achavam-se no mesmo ponto de abandono, viram-se companheiros de solidão, e é natural que se compreendessem e que se tornassem afinal amigos inseparáveis. Uma vez reunidos completavam-se perfeitamente. Cada um dispunha daquilo que faltava no outro; Theobaldo tinha a compreensão fácil, a inteligência pronta; o Coruja, o método, e a perseverança no estudo; um
122 Ibid., p. 20. 123 Ibid., p.21.
85
era rico; o outro econômico; um era bonito, débil e atrevido; o outro feio, prudente e forte. Ligados possuiriam tudo.124
Inúmeras são as referências ao empenho do Coruja em escrever sua História
do Brasil, bem como as afirmações sobre sua personalidade estranha, avessa às
relações sociais, a pouca atenção dada às maneiras de se vestir e ao asseio pessoal,
contrastando com os seus sentimentos que eram de generosidade, amor e a amizade
como devoção. Assim, Aluízio de Azevedo narra a relação do Coruja com Branca,
esposa de Theobaldo:
André ficou extremamente surpreso quando notou que a encantadora senhora era para com ele muito mais dada e expansiva do que com qualquer dos outros amigos do esposo. E foi aos poucos se habituando a vê-la e a falar-lhe sem ficar constrangido, até sentindo, já por fim, certo gosto quando a tinha ao seu lado, tão tranqüila, tão feliz e tão distinta. Ela, muita vez, ao vê-lo triste e apoquentado da vida, chamava-o para junto de si e procurava animá-lo com boas palavras de interesse. Dizia-lhe, por exemplo: - Então, meu amigo, que ar terrível tem hoje o senhor... Veja se consegue enxotar os seus diabinhos azuis e leia-me alguma coisa. Olhe! Dê-me notícia de sua obra, diga-me como vai a sua querida história do Brasil... Terminou afinal aquele episódio dos Guararapes, que tanto o preocupava? Vamos! Converse! Coruja sorria muito lisonjeado por baixo da sua crosta de elefante, mas remanchava para não mostrar o que escrevera. - Ora... aquilo era um tão frio, tão desengraçado, que não podia interessar ao espírito de uma senhora. Contudo, se Branca insistia, ele acabava por ir buscar os seus caderninhos de apontamentos históricos e lia-lhe em voz alta aquilo que dentre eles se lhe afigurava menos insuportável. Eram fatos colhidos por aqui e por ali, em serões na Biblioteca Nacional, escritos num estilo compacto, muito puro, mas sem belezas de colorido nem cintilações de talento. O que lhe falecia em arte e gosto literário sobrava-lhe não obstante em fidelidade e exatidão; as suas crônicas eram de uma frieza de estatística, mas sumamente desapaixonadas, simples e conscienciosas. Entre aquela infinidade de páginas, abarrotadas de letrinhas miúdas e muito iguais, não havia um só adjetivo de luxo ou uma frase que não fosse de primeira necessidade.125
124 Ibid., p.29. 125 Ibid., p. 211.
86
Mais informações sobre a História do Brasil planejada pelo Coruja são
apresentadas no seguinte trecho:
A história desses artigos é a seguinte: Coruja, havia muito, entregar-se por gosto ou por necessidade de sua índole ao estudo sério e acurado de umas tantas matérias, a que em geral chamam áridas, e com as quais Theobaldo não seria capaz de entestar. Sem imaginação, nem talento inventivo e nem arte, André só assim encontrou meio de usar sua grande atividade intelectual e foi aos poucos se familiarizando com os estudos econômicos e sociológicos. Pode ser que esse apetite fosse ainda uma conseqüência da sua idéia fixa e dominante – a história do Brasil, obra esta a que ele se escravizara desde os seus vinte anos e da qual nunca se distraíra, investigando sempre. Inalteravelmente, com a calma e a paciência de um sábio velho que se dedica ao trabalho só pelo prazer de trabalhar, sem a menor preocupação de elogio ou glória. Esta obra ainda estava longe de seu termo, mas representava já uma soma enorme de serviço: compilações de todo o gênero e apontamentos de toda a espécie.126
O malvestido, modesto e carrancudo Coruja passa todo o romance empenhado
na escrita da sua História do Brasil, enquanto Theobaldo, após a ruína financeira e a
morte dos pais, se empenha em conseguir novamente a posição social perdida. Como
um bom romance realista, este possui um fim trágico, Theobaldo perece consumido
pelos “males da vida burguesa” e o Coruja não consegue trazer à luz sua tão sonhada
História do Brasil.
Quando os personagens de André e Theobaldo se conheceram, este
questionou aquele sobre a origem do apelido “Coruja”, André então respondeu que
recebeu a alcunha devido a sua feiúra. A escolha deste animal para representar o
protagonista do romance por Aluizio de Azevedo deve ter se justificado também no fato
de a coruja ser o animal símbolo da sabedoria. André era então uma coruja, um sábio
preso em um corpo pouco gracioso.
87
Quando do lançamento do romance, em 1890, todos acreditavam que o
personagem Coruja havia sido inspirado no historiador Capistrano de Abreu.127 Durante
a pesquisa procuramos indícios que de fato comprovassem a inspiração do
personagem no historiador, infelizmente não obtivemos sucesso. Porém, percebemos
que tão importante quanto um registro de Aluízio de Azevedo que atestasse a
inspiração do personagem, seria a recepção e a relação tramada entre o historiador e o
Coruja realizada pelos leitores. Neste momento, nos demos conta que até mesmo uma
declaração de Aluízio de Azevedo negando a inspiração poderia não ter sido bem
sucedida, pois, para o público leitor, o Coruja era a representação de Capistrano de
Abreu. Principalmente, porque a realidade é uma construção discursiva e a factualidade
da inspiração possuiria um valor semelhante, ou até mesmo inferior, aos discursos
construídos sobre ela.
De fato, não seria nenhum exagero a comparação entre Capistrano de Abreu e
o Coruja. O desalinho, a erudição, a leitura voraz, a modéstia, a sisudez e
principalmente a História do Brasil, são aspectos que já correspondiam às
representações sobre o historiador desde o final da década de 80 do século XIX.
Capistrano de Abreu, mesmo antes de sua morte, foi objeto de um número
expressivo de anedotas, homenagens e registros biográficos. Podemos dividir estas
práticas discursivas em dois tipos: narrativas pitorescas e narrativas honoríficas.
As narrativas pitorescas correspondiam a anedotas e fatos exóticos e
engraçados da vida do historiador que contribuíram para a sua percepção como um
homem estanho, misantropo, displicente com sua aparência, de gostos exóticos, mas
126 Ibid., p. 248.
88
também, como um leitor dedicado. Podemos iniciar apresentando o registro fotográfico
realizado pelo periódico O Malho. A fotografia possuiu uma significação especial, pois,
segundo o periódico, o autor não gostava de ser fotografado, sendo esta mais uma de
suas esquisitices.
Em O Brasil Anedótico, Humberto de Campos trouxe uma dessas histórias,
recuperada do livro de Raimundo de Menezes com o mesmo título. Cabe salientar que
Raimundo de Menezes publicou suas sátiras ainda quando Capistrano de Abreu vivia.
Segundo Humberto de Campos:
Entre as figuras de relevo que serviam de alvo habitual à sátira impiedosa de Emílio de Meneses, estava Capistrano de Abreu, historiador ilustre, sábio respeitadíssimo, em torno do qual se criara uma glosadíssima lenda de desleixo, de abandono próprio, e, mesmo, de falta de higiene. Utilizando uma versão popular conta o poeta: Uma vez o Capistrano mandou à tinturaria um terno, para ser lavado, um terno com que andava a doze anos. Uma semana depois, aparece-lhe à porta um empregado da tinturaria, e entrega-lhe um embrulho pequenino, que lhe cabia na mão. E como lhe perguntavam o que seria, Emílio concluía invariável: - São os botões, menino!128
Comentando o livro de Humberto de Campos sobre o anedotário nacional, João
Ribeiro lamenta só existir no livro apenas uma anedota de Capistrano de Abreu, o que
representa uma lacuna, pois ninguém seria mais fértil em ditos felizes e até de lapidar
malignidade,129 do o que o autor. João Ribeiro afirma que a pesar de existirem algumas
inexatidões nas narrativas sobre o historiador, elas poderiam contribuir para a
compreensão de suas “negligências sociais”, oferecendo a sua contribuição ao
anedotário:
127 MATOS, Pedro Gomes de. Capistrano de Abreu. Fortaleza: A. Batista Fontenelle Editora, 1953, p. 251. 128 CAMPOS, Humberto de. O Brasil anedótico: frases históricas que resumem a crônica do Brasil - Colonial, do Brasil - Império e do Brasil - República. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1956, p. 214.
89
De uma feita perguntara uma pessoa a Ferreira de Araújo onde era possível encontrar Capistrano de Abreu. - Não sei, disse o diretor da Gazeta. Posso apenas adiantar-lhes dizendo os lugares onde não o encontrará nunca: aqui, na Gazeta, onde ele escreve, nem no Colégio Pedro II, onde é professor, e nem na casa em que ele mora. Não era exato, mas podia bem significar que Capistrano passava a maior parte das horas nas bibliotecas e arquivos, a ler e a decifrar papéis velhos.130
A origem dessas histórias é desconhecida. São daquelas narrativas que fogem
ao tempo e aos espectadores, pois ao serem transmitidas nunca se sabe quando
aconteceram e quem as presenciou. São narrativas quase lendárias, mas, que nesse
caso foram determinantes para a construção de uma imagem pública do historiador
Capistrano de Abreu.
FIGURA 7 – Capistrano de Abreu131
129 RIBEIRO, João. Humberto de Campos. (originalmente publicado no Jornal do Brasil, 28 dez. 1927). In. ___. Obras de João Ribeiro: crítica. Volume VI – Historiadores. Rio de Janeiro: ABL, 1961, p.191. 130 Ibid., p. 191.
90
Importante observar os apontamentos realizados por Nathalie Heinich sobre as
narrativas sobre a vida do pintor Van Gogh. A autora alerta que pretende abrir uma
“caixa negra” que contem as representações discursivas sobre Van Gogh e que de fato
contribuíram para que ele fosse compreendido como um pintor de referência no cânone
artístico mundial, para então analisar o conteúdo da caixa e a sua elaboração. Ela
pretende que:
Retraçando, em sua cronologia e sua temática, a construção da lenda, nos descobriremos que aquela parte do indivíduo real, denominado Vincent Van Gogh, pouco a pouco se constituiu em um personagem público: remarcada a sua singularidade, admirado tanto quanto grande, celebrado como quase um santo.132
Importantes suportes para a construção de um conjunto de narrativas que
passam a representar um personagem público são as biografias. Como Heinich
também alerta, a valorização de uma singularidade estilística, permitindo assegurar a
passagem à posteridade, ocorre par e passo ao tratamento biográfico do artista.133
Essa afirmação nos aprece significativa para o caso Capistrano de Abreu, pois a
maioria dos textos que o identificavam como um transformador do campo dos estudos
históricos no Brasil, não se isentava de emitir pareceres sobre a vida do historiador,
mesmo porque o que caracterizou esses textos de uma forma geral foi a descrição de
Capistrano de Abreu enfatizando o devotamento da sua vida à história. A escrita
131 Instantâneos. O Malho, Rio de Janeiro, 16 nov. 1907, p.5. 132 HEINICH, Nathalie. La Gloire de Van Gogh: essai d’anthropologie de l’admiration. Paris: Editions Minuit, 1991, p.9. 133 Ibid., p. 59.
91
biográfica assumiria a função de uma hagiografia, martirizando o processo produtivo do
autor; seria a hagiografização da biografia. 134
A necessária passagem da crítica literária ou historiográfica pela biografia dos
autores foi um aspecto recorrente na produção nacional das primeiras décadas do
século XX no Brasil. Perspectiva ilustrada por dois trabalhos sobre o tema publicados
no periódico Boletim de Ariel. Neles Lúcia Miguel Pereira e Gastão Cruls ressaltam o
papel da biografia para compressão da produção de um autor. Segundo o último, seria
importante observar os homens públicos em sua intimidade, metidos nos “pijamas e
chinelas” e não em atitudes de “parada”, pois nas primeiras se encontra a essência do
autor.135 Pode-se também perceber o papel que os textos biográficos exerciam nesse
momento através da observação de Tristão de Athayde, na qual a biografia seria um
discurso tradutor da realidade. Segundo o autor:
Exibe, hoje em dia, uma verdadeira epidemia biográfica. E é bem do estado de espírito de nossa época, uma grande tendência à realidade. No bom e no mal sentido, quer como conceito quer como preconceito, a realidade exerce cada vez mais uma imensa sedução sobre os espíritos. [...] tudo isso indica, para voltar ao ponto de partida - como o gosto das biografias que se transformou modernamente em verdadeira mania, não é apenas uma moda literária passageira. Ele representa uma face de nossa moderna sedução pela verdade, pelas coisas concretas, por tudo o que represente um reflexo do ser. [...] E como a biografia é exatamente o gênero literário que faz o traço de união entre o romance e a história – sem ter a irrealidade a fantasia de um nem a erudição rebarbativa do outro – foi ele talvez o gênero que mais se desenvolveu modernamente, desde que Michelet aproximou a história do romance e Proust o romance da história.136
134 Ibid., p. 63. Ver principalmente o capítulo 2, La legende dorée: de la biographie à l’hagiographie. 135 CRULS, Gastão. Autobiografias. Boletim de Ariel, Rio de Janeiro, n.3, dez. p.67, 1936; PEREIRA, Lúcia Miguel. Uma biografia. Boletim de Ariel, Rio de Janeiro, n.10, jul. p.67, 1937. 136 ATHAYDE, Tristão de. Biografias. In. ___. Estudos. 4ª série. Rio de Janeiro: Centro Dom Vidal, 1931. p. 165-177.
92
Dessa forma, Maria Helena Werneck observou as perspectivas de análises
dessas biografias, chegando à seguinte conclusão:
Quando não se quer descobrir onde está a verdade mais genuína sobre a vida particular e a produção intelectual do escritor, o que passa a mover o interesse do leitor de biografias são as variadas maneiras de interpretar e representar, sob a forma de uma narrativa, os acontecimentos da vida do escritor.137
Maria Helena Werneck, ao estudar a forma como a imagem do literato Machado
de Assis foi “encadernada” por biógrafos e críticos literários, chegou à conclusão de que
os textos produzidos por estes são fontes importantes para a percepção da própria
crítica literária e do campo de estudos literários. Pois, ao realizarem a escolha do sujeito
a ser biografado, bem como definir formas de entendimento sobre este sujeito, os
biógrafos e críticos estão mobilizando categorias sociais que lhe são contemporâneas e
na maioria dos casos são representativas de um grupo social que as constrói,
compartilha e legitima. Assim, a autora transforma as biografias e textos de crítica
literária em objeto de reflexão.
Decorrente dessa percepção de que as biografias e análises críticas são textos
datados e restritos a um espaço social específico, a autora aponta o relativismo
presente na crítica e põe em xeque o ideal de “verdade” que estaria embutido nos
textos biográficos. 138 Afirma que o leitor ao ler biografias não deve buscar a precisão e
a pureza de uma narrativa, que teria conseguido retratar a vida de um indivíduo com
exatidão, mas observar os textos biográficos apenas como maneiras variadas de
137 WERNECK, Maria Helena. O homem encadernado: Machado de Assis na escrita das biografias. Rio de Janeiro: EDUERJ, p.24, 1996. 138 Para Daniel Madélenat um dos aspectos que reforçou a percepção do texto biográfico como passível de exatidão e enunciador da verdade sobre a vida de um determinado indivíduo foi a perspectiva de uma
93
interpretar e representar, sob a forma de uma narrativa, os acontecimentos da vida do
escritor.139
Os apontamentos realizados pela autora nos parecem relevantes ao analisarmos
a extensa produção bibliografia, biográfica e crítica existente na historiografia brasileira
sobre o historiador Capistrano de Abreu. Este partilhou, como muitos outros homens de
letras do início do século XX no Brasil, da prerrogativa de ter sua memória urdida por
instituições ou por práticas e ritos de memória não institucionais, como artigos em
periódicos.140 Contudo, no caso do historiador, sua memória foi construída de forma
institucional.
Percebendo a memória como um espaço de disputa e dinâmico, no qual as lutas
de representação fazem parte do próprio exercício de entendimento da memória.
Espaço social no qual grupos sociais disputam ininterruptamente o poder de “enquadrá-
la”, acreditamos que a memória construída institucionalmente pela Sociedade
Capistrano de Abreu para seu patrono passou por momentos distintos em seus 42 anos
de atividades.141 Durante este período, nas atividades da instituição, questões diversas
biografia historicista, na qual a reconstrução documental da vida do biografado seria o principal aspecto legitimador da exatidão do texto biográfico. Ver: MADÉLENAT, Daniel. La biographie. Paris: PUF, 1984. 139 WERNECK, Maria Helena. op.cit. p. 24. Outros autores já discutiram a retórica mobilizada nos textos biográficos que objetiva produzir um ideal de verdade, o mais conhecido crítico contemporâneo desse caráter da biografia foi Pierre Bourdieu. Ver: BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In. ___. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 4 ed. Campinas: Papirus, p. 74-82, 2003. 140 Ver: ABREU, Regina. O enigma dos Os Sertões. Rio de Janeiro: Funart: Rocco, 1998; ___. A fabricação do imortal: memória, história e estratégias de consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Lapa: Rocco, 1996; EL FAR, Alessandra. A Encenação da Imortalidade: uma análise da Academia Brasileira de Letras nos primeiros anos da República (1897-1924). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000; GONÇALVES, João Felipe. Enterrando Rui Barbosa: um estudo de caso da construção fúnebre de heróis nacionais na primeira república. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 25, v. 1, 2000; GONTIJO, Rebeca. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador. Niterói: Tese defendida no Programa de pós-graduação em história da Universidade Federal Fluminense, 2006. 141 Compreendemos a memória como um movimento dialético no qual o seu “enquadramento” por um grupo social específico, ou seja, a tentativa de tornar a lembrança sobre um determinado fato
94
foram colocadas, interesses vários foram buscados, fato ainda mais representativo
diante das transformações no seu quadro social.
Dois momentos podem ser enfatizados na Sociedade Capistrano de Abreu.
Primeiro, sua fase inicial nas décadas de 30 e 40, momento no qual a instituição foi
mais produtiva, com a publicação da obra completa do historiador, com exceção da
correspondência do autor – ainda com consulta restrita na Biblioteca Nacional –,
realização de concursos monográficos, confecção de quadros e bustos, coleta de
objetos pessoais, além da regularidade nas reuniões anuais dos sócios no dia do
nascimento de Capistrano de Abreu, 23 de outubro, para a realização de palestras,
homenagens e cortejos ao cemitério São João Batista, local onde foi sepultado o
historiador. Aspecto relevante deste período é a presença no quadro social da
instituição de indivíduos que privaram da companhia de Capistrano de Abreu, como
Paulo Prado e Rodolfo Garcia, ou através da escrita epistolar, como H. G. Wells e Franz
Boas. Esses sócios se representavam como amigos, discípulos ou admiradores do
“mestre” Capistrano de Abreu.
A partir da metade dos anos 40, a Sociedade passou por transformações
constantes, que serão apresentadas em capítulo específico. Neste momento, o que
cabe ressaltar é que os sócios que de fato administravam o empreendimento se
afastaram por falecimento ou questões pessoais.
homogênea, eliminando qualquer tipo de disputa ou forma concorrente de entendimento, gera, inevitavelmente, novas formas de percepção dos fatos sociais. Como alertou Michel Pollack, a memória é sempre um espaço de disputa. Ver: POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.10, 1989/1; ___. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.03, 1989/1; ___. La gestion de l’indicible. Actes de la recherche em Sciences Sociales. Paris, v.62, n.62-63, p.30-53, 1986; ___. Le témoignage? Actes de la recherche em Sciences Sociales. Paris, v.62, n.62-63, p.3-29, 1986.
95
Retomando a discussão que introduz este tópico, o que cabe ser problematizado
diante da percepção dos textos biográficos e das análises críticas como representações
de uma condição sócio-temporal específica – observação que permite transformar estes
textos em caminhos para se chegar não apenas no autor analisado ou biografado, mas
também nos críticos e biógrafos que os produziram –, e da percepção de que a
memória é um espaço dinâmico de disputas e de construção de si, são as práticas de
construção da memória de Capistrano de Abreu operacionalizadas por seus
discípulos.142
Novas formas de representar Capistrano de Abreu surgiram e se sobrepuseram
por meio de um movimento dialógico durante o período no qual a instituição se manteve
ativa. Naturalmente, a Sociedade não poderia estabelecer as mesmas relações afetivas
e profissionais com seu patrono por mais de 40 anos. Por conseqüência, os
investimentos realizados para construção e afirmação de uma memória sobre o autor se
transformaram. Mudanças também ocorreram na condução das atividades do grêmio e
nas formas de representar Capistrano.
Na fase inicial da Sociedade o que prevaleceu foi uma visão institucional, porém
coletiva, sobre Capistrano de Abreu. Existia nos textos de Paulo Prado, Afonso de
Taunay, Roquete Pinto e João Pandiá Calógeras uma confluência de posicionamentos,
na qual Capistrano de Abreu era lembrado como um paradigma da historiografia
brasileira, o “mestre” dos estudos históricos, geográficos e etnográficos. Ou seja, uma
unidade nos discursos, porém construída pelo coletivo.
142 Para ver sobre as representações como construtoras de memórias e identidades sociais, CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In. ___. À beira da falésia. A história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade/ UFRGS, 2002, p.72.
96
Segundo as sugestões de Hugo Lovisolo, podemos entender que os sócios
fundadores da Sociedade viam a memória histórica de Capistrano de Abreu como
“âncora”. Segundo o autor, a memória enquanto âncora possibilita que diante do
turbilhão da mudança e da modernidade, não nos desmanchemos no ar.143 Ou seja,
para os sócios fundadores da Sociedade, e isso é o que pode ser percebido em muitos
textos que estes produzem sobre Capistrano de Abreu, o que estava em jogo e o que
os mobilizava era a perspectiva de construir uma tradição que os legitimasse, enquanto
representantes e continuadores de uma escrita da história na qual Capistrano era
representado como precursor.144 Cabe apontar que não foram encontrados textos
críticos produzidos pelos “sócios fundadores” da Sociedade, prevalecendo nos
discursos fundadores o tom encomiástico e emulativo, bem como foram colocados em
destaque episódios da vida privada de Capistrano, sendo valorizada a intimidade com o
historiador.
Para compreendermos, em paralelo as formas com as quais Capistrano de
Abreu foi representado nas duas primeiras décadas da Sociedade dentro dos trabalhos
de memória da instituição é que realizaremos um estudo de caso de um texto biográfico
143 LOVISOLO, Hugo. A memória e a formação dos homens. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.2, n.3, 1989, p. 16. 144 Um artigo referencial para pensar na construção de uma tradição historiográfica fundada por Capistrano de Abreu é o texto de Paulo Prado publicado em Paulística, no qual o autor credita a Capistrano a formação de uma escola histórica mobilizada para melhor conhecer o Brasil, e expõe o empenho da Sociedade em continuar os estudos do “mestre”. Outro trabalho de referência é a primeira biografia de Capistrano de Abreu publicada em 1931, cuja edição foi financiada pela Sociedade. Nela, a autora, Alba Nascimento, expõe o que seria essa tradição, definindo a produção de Capistrano e da Sociedade como Moderna. Essa escrita da história se caracterizaria por ser pautada em uma relação próxima com a Sociologia e a Geografia (Antropogeográfia) e fundamentada principalmente na crítica documental. Ver: PRADO, Paulo. PRADO. Capistrano. In. Paulística, etc. 4 ed. CALIL, Carlos Augusto (org.). São Paulo: Companhia das Letras, 2004; NASCIMENTO, Alba Cañizares. Capistrano de Abreu. O Homem e a obra. Rio de Janeiro: Editora Briguiet & Cia, 1931. Para ver sobre a construção de uma tradição como um ato deliberado de formação de um lugar social, LENCLUD, Gérard. Qu’est-que la tradition? In. DETIENNE, Marcel. Transcrire les mithologies. Paris: Albin Michel, 1994, p. 25-44.
97
com freqüência elogiado pelos sócios da instituição. Essa reconstrução da biografia do
historiador compreende à análise de textos impressos, produzidos no horizonte do que
foi a Sociedade Capistrano de Abreu, os quais, eminentemente, referenciam a
construção da identidade do historiador, desconsiderando assim as representações
feitas sobre Capistrano de Abreu a respeito de suas características psicológicas e
comportamentais.145
O texto por nós escolhido para análise corresponde à “tentativa biográfica”
esboçada sobre Capistrano de Abreu de autoria de Alba Cañizares Nascimento (1893-
1944) e publicada em 1931 sob os auspícios da Sociedade.146 O trabalho foi a primeira
biografia de Capistrano de Abreu e se originou do discurso realizado pela autora
quando esta assumia uma cadeira na Academia Carioca de Letras da qual Capistrano
de Abreu era patrono. Dos sócios que constituíram a geração inicial de membros da
instituição, os quais tinham como principal característica terem privado da companhia
em vida de Capistrano, nenhum deles escreveu um ensaio biográfico sobre o autor.
Contudo, pelos registros na documentação da Sociedade sobre o trabalho realizado por
Alba Nascimento e da pronta ajuda ofertada pela instituição à pesquisa e publicação do
trabalho, podemos tomar esta biografia como uma representante das percepções que
os sócios da instituição fundadores possuíam de Capistrano de Abreu. Outro argumento
que contribui para que esta biografia se particularize entre os outros trabalhos
145 Para ver uma análise mais detalhada das biografias sobre Capistrano de Abreu: GONTIJO, Rebeca. Memória e biografia: a trajetória de um “cruzado da inteligência”. In. ___. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador. Niterói: Tese defendida no Programa de pós-graduação em história da Universidade Federal Fluminense, 2006, p.109-164. 146 Alba Cañizares Nascimento nasceu no Rio de Janeiro. Diplomou-se em Filosofia. Foi professora e membro da Academia Carioca de Letras e da Academia Feminina de Letras. NASCIMENTO, Alba Cañizares. Capistrano de Abreu. O Homem e a obra. Rio de Janeiro: Editora Briguiet & Cia, 1931.
98
biográficos sobre Capistrano de Abreu, é a dedicatória do trabalho à Sociedade
Capistrano de Abreu. A biógrafa atribui uma grande parcela de seu trabalho ao auxílio
que obteve da instituição, afirmando que:
Na Sociedade Capistrano de Abreu passei dias de acurado estudo meditando artigos espalhados na imprensa e publicados por ocasião da morte do grande mestre da história brasílica. Acolheram-me, nas dificuldades em que me encontrei, os fidalgos amigos de Capistrano, orientando-me, ilustrando-me, fornecendo-me o material necessário à difícil síntese final. Si algum mérito a neste trabalho é ele devido aos sábios, generosos e excelentes amigos do grande indianólogo patrício. Há aqui períodos inteiros extratados de artigos preciosos escritos pelos que conheceram de perto Capistrano e souberam apreciar a grandeza do seu talento, sua inestimável operosidade e a formosura do seu caráter... Trabalhei, meditei numa atmosfera de culto.147
A autora, em uma nota de esclarecimento sobre o livro, apresenta-o como um
difícil estudo crítico psicológico e filosófico em torno da figura expressiva de Capistrano
de Abreu.148 São exatamente esses dois pontos que a autora leva em consideração ao
biografar Capistrano: traçar um perfil físico e psicológico e um perfil filosófico do autor.
A biografia é organizada por pontos temáticos, que, por sua vez, podem ser entendidos
em dois grupos exemplificados no subtítulo da obra, o Homem – retrato físico, primeiros
anos, a mocidade, excentricidade, vida íntima e familiar, o amigo, sua morte, seu
enterro e homenagens – e a Obra – mentalidade representativa, a cultura, jornalista,
naturalista, etnógrafo, geógrafo, poliglota, homem de letras, estilista e “causeur”,
historiador e nacionalista. São exatamente as categorias reunidas neste segundo grupo
que serão aqui analisadas.
O aspecto referente a uma mentalidade representativa é evocado pela autora
como justificativa do estudo biográfico de Capistrano de Abreu. O historiador é
147 Ibid., p. 6.
99
representado como modelo e exemplo do que se poderia considerar, à época, como um
legítimo intelectual exemplar. Capistrano deveria ser tomado como um autêntico
representante da intelligentzia nacional. Sendo considerado como típico membro do
espaço letrado brasileiro, este seria modelar como cientista, literato, crítico, estilista e
causeur. Assim, o que observamos na narrativa de Alba Nascimento é o processo pelo
qual a biografia toma um caráter doutrinário, pois as características emitidas sobre
Capistrano de Abreu se tornam por sua vez representativas do que se poderia esperar
de um indivíduo para que esse fosse reconhecido como integrante do mundo letrado.
Dessa forma, a percepção das qualidades de Capistrano de Abreu, como constituintes
de uma mentalidade representativa dos letrados contemporâneos, abre espaços para
outras atividades exercidas em vida pelo autor, que também se tornam referenciais.
Os conhecimentos culturais de Capistrano de Abreu – cultura no sentido de
cultivado, letrado – eram considerados como os mais vastos; ele possuiria uma
mentalidade soberana. Cultura autônoma. Autodidata. – Cultura omnímoda. Saber
polimático. Um homem que conhecia tudo.149 Capistrano deslizaria por inúmeras áreas
de conhecimento (história, geografia, etnografia, jornalismo, filologia, antropogeografia,
crítica e filosofia da história, sociologia, geologia, arqueologia, antropologia,
paleontologia, artes, economia, política, e obviamente, todas as ciências auxiliares da
história). Capistrano de Abreu era, para Alba Nascimento, portador de um saber
completo, caleidoscópico, vasto e profundo, enciclopédico.150 Suas obras representam
amostra insignificantes do opulento cabedal do espírito privilegiado. Acumulava a
148 Ibid., p. 5. 149 Ibid., p.12. 150Ibid., p.12.
100
totalidade dos conhecimentos científicos e literários do tempo. E é personificação
máxima de intelectualidade genuinamente brasileira.151
Capistrano de Abreu seria representante do que, na época, era chamado de um
polígrafo, um letrado que atuava em várias áreas do saber. Essa percepção tão variada
da atuação de um intelectual é fruto da constituição do campo letrado brasileiro no
período, onde a distinção e separação entre as diversas disciplinas não era algo
rigidamente definido, visto que, a maioria delas só passou pelo processo de
autonomização durante a década de 30 com a criação dos cursos universitários no
Brasil. Dessa forma, era comum que um intelectual atuasse em diversos contextos
disciplinares. A própria existência da Sociedade Capistrano de Abreu também se
originava das particularidades desse campo letrado, sendo as academias e sociedades
de intelectuais uma forma de organização própria desse universo das letras brasileiras
desde o século XIX, com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) e
suas variantes regionais.
Seguindo a análise concernente aos atributos culturais do historiador, Alba
Nascimento afirma que a inteligência de Capistrano de Abreu é inclassificável. Ela não
poderia ser definida por suas leituras cientificistas – Taine, Comte, Spencer –, e tão
pouco pela influência do pensamento alemão, pois Capistrano não foi discípulo
submisso.152 Ele seria o autor de uma vasta síntese das disciplinas e doutrinas
filosóficas, e que tiveram como objetivo uma unidade, o historiador e a conformação do
conhecimento necessário ao seu ofício. Assim, o saber polígrafo de Capistrano de
Abreu era tido como fundamental para o reconhecimento da história, pois como afirma
151Ibid., p.13.
101
a biógrafa, toda a sua prodigiosa ciência é finalizada à unidade extraordinária dos seus
propósitos de historiador. 153
Contudo, o fazer historiográfico de Capistrano seria portador de
particularidades. O primeiro aspecto diz respeito à composição multidisciplinar da qual
esta escrita histórica resultaria. Ela teria fortes influências da mesologia, na busca do
misterioso laço causal entre os reinos vegetal e animal, as relações entre o meio físico
e os indivíduos, estuda ações e reações entre a ambiência, o habitat e o homem.154 O
que levaria por sua vez ao necessário conhecimento dos aspectos geográficos.
Capistrano de Abreu seria o grande impulsionador dos estudos antropogeográficos no
Brasil, ou seja, aderiu à proposição de Friedrich Ratzel, a qual faz menção às
possibilidades dos aspectos geográficos servirem como meios de tornar inteligíveis os
processos sociológicos. Para a biógrafa:
A literatura geográfica deixou de ser sob sua pena amontoado estéril de nomes e números, para ostentar-se conjunto grandioso, interessante, ligando-se o homem aos acidentes e ao quadro formidável da criação. Fez confluir à geografia todos os estudos humanos, todas as ciências formadas – finanças, medicina, higiene, estudos demográficos, especulações científicas e filosóficas de todo gênero, num quadro convergente, palpitante de vida. 155
A etnografia também apareceu como uma das disciplinas contribuintes à escrita
da história. Efetivamente, a Capistrano de Abreu foi atribuída a tarefa de ter constituído
um nexo científico a esta disciplina nos estudos indianistas, fazendo com que a
152 Ibid., p.16. 153 Ibid., p.17. 154 Ibid., p.19. 155 Ibid., p.22. Podemos citar como referência aos trabalhos de cunho antropogeográficos de Capistrano de Abreu: ABREU, Capistrano de. Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil. In. ___. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. 2 ed. 1ª edição: 1930. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu/ Livraria Briguiet, 1960, p. 59-164. Estudo originalmente publicado no Jornal do Comércio (1899) e ampliado na Revista América Brasileira (1924).
102
etnografia no Brasil passasse de um acervo de coisas curiosas e inúteis a uma
etnografia científica que mapearia os modos de ser e viver dos povos primitivos da
América.156
O segundo aspecto que singularizaria a escrita histórica de Capistrano de
Abreu seria a presença do método científico e de uma matriz filosófica de análise. O
historiador é lembrado como criador de um novo estilo histórico. Na verdade, lhe seria
atribuído o mérito de introduzir as preocupações estilísticas entre as demandas dos
historiadores. Quando da publicação dos Capítulos de História Colonial, Capistrano de
Abreu sofreu várias críticas pela forma com a qual o texto se apresentou, tendo
preferido uma síntese sobre o período colonial e a omissão das notas de referência,
quando o espaço letrado privilegiava as narrações longas e divididas em vários
volumes sobre uma história geral do Brasil.157 Para Alba Nascimento, a narrativa de
Capistrano era o golpe de morte a prosa, e parafraseando o próprio autor, a biógrafa
afirma que o bom texto de história deveria ter poucas palavras e muita verdade. 158
É nesse ponto que ela introduz a excelência de Capistrano no uso do método
crítico para a análise de fontes, conformando assim uma história científica e moderna.
Essa ciência história deveria destacar:
156 NASCIMENTO, Alba Cañizares. op.cit, p.21. Sobre os estudos etnográficos e lingüísticos de Capistrano de Abreu ver: ABREU, Capistrano. rã-txa hu-ni-ku-i: gramática, textos e vocabulário caxinauás. 2 ed. 1ª edição: 1913. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu/ Livraria Briguiet, 1941. 157 Sobre a prática historiográfica de Capistrano de Abreu, ver: ARAÚJO, Ricardo B. Ronda noturna: narrativa, crítica e verdade em Capistrano de Abreu. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1. 1988, p.28-54; PEREIRA, Daniel M. Descobrimentos de Capistrano: a História do Brasil “a grandes traços e largas malhas”. Tese de Doutorado apresentada ao programa de Pós-graduação em História Social da Cultura da PUC-RJ, Rio de Janeiro, 2002; OLIVEIRA, Maria da Glória de. Crítica, método e escrita da história em João Capistrano de Abreu (1853-1927). Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em história da UFRGS, Rio de Janeiro, 2006. 158 Ibid., p.25.
103
As grandes sínteses da evolução humana, a direção geral dos acontecimentos, pesquisando leis, sem dar a incidentes mais que o valor que têm por partes. A história não é simples narrativa de fatos sociais. Quer-se o sentido dos acontecimentos. Costumes, opiniões, tendências, atividades, indústria, comércio, artes, ciências e religião, – toda a mesologia, toda a psicologia – tudo queremos saber com seguras conclusões. Trabalho de análise e síntese conclusiva.159
Pode-se observar no trecho acima a legitimação da síntese histórica promovida
por Capistrano de Abreu nos Capítulos de História Colonial. Nascimento chega inclusive
a afirmar que não havia história do Brasil antes de Capistrano, pelo menos uma história
científica e moderna. A narrativa de Capistrano era considerada moderna e filosófica
porque seria guiada pelo propósito de compor uma teoria da evolução histórica do
Brasil, na qual seriam apresentados o nexo causal dos acontecimentos, as qualidades
etnológicas e condições biológicas que se entrecruzaram para a constituição de uma
psicologia nacional. E era considerada metódica pela necessária consulta às fontes
históricas para a composição e conclusões sobre essa psicologia nacional. Em síntese,
a autora define as principais contribuições do historiador,
Com Capistrano aparecem valores e virtudes novas – o respeito ritual pelo documento, facilidade, agudeza na identificação da origem, capacidade de discernimento, o grupamento filosófico dos acontecimentos, a ampliação de todos os campos já devassados, a pesquisa pessoal de um grande número de depoimentos, o impessoalismo da psicologia, a independência no julgamento, a isenção de ânimo, a mais completa probidade no citar e concluir.160
Por fim, a escrita histórica de Capistrano era identificada como voltada ao
nacional. O historiador não deveria mais se voltar para as questões referentes ao
desenvolvimento de uma civilização, e principalmente na Europa, mas sim observar as
159 Ibid., p.30. 160 Ibid., p.36.
104
particularidades do brasileiro. Capistrano tinha o sentido do Brasil, para a autora. 161 Se
como foi afirmado anteriormente todos os conhecimentos disciplinares de Capistrano de
Abreu se fundiram na unidade do historiador, por sua vez, estes conhecimentos se
reuniram também em uma segunda unidade, o nacional. Como conclui Alba
Nascimento, na multiplicidade de escritos a unidade do pensamento absorto nas coisas
de sua terra.162
Uma história científica, moderna, filosófica e nacionalista. São esses pontos que
também podem ser identificados na obra dos auto-declarados discípulos de Capistrano
de Abreu, e que eles entendiam como parte dos trabalhos de orientação do “mestre” e
“amigo” Capistrano. O entendimento da produção do autor dos Capítulos de História
Colonial por essa chave pode servir para compreender o que os sócios fundadores
entendiam e acreditavam ser o fazer histórico nas primeiras décadas do século XX, no
que deveria constituir uma identidade para o historiador. O culto ao ofício do historiador
centrado na figura de Capistrano de Abreu pelos seus discípulos era um culto a eles
mesmos, a uma forma de estar no mundo, era a reafirmação deles próprios como
intelectuais. Como afirma Fernando Catroga, o ato de memorar só preenche de sentido
a vida dos vivos, pois partindo da premissa de que a morte é, em si mesma, um nada
epistemológico e um nada ontológico, tudo o que podemos saber sobre ela é a sua
semiótica e os discursos tanatológicos serão sempre uma fala de (e sobre) os vivos. 163
161 Ibid., p.40. 162 Ibid., p.17. 163 CATROGA, Fernando. O céu da memória: cemitério romântico e culto cívico dos mortos em Portugal (1756-1911). Coimbra: Minerva, 1999, p.10.
105
O processo construtivo da memória biográfica permite a identificação de alguns
desses discursos tanatológicos, pois a morte de um indivíduo, além de uma
transformação física nele próprio, propicia transformações sociais, dentre as quais a
criação de um indivíduo imaginado que habita a memória das pessoas. Andrea Ferreira
Delgado sugere que a memória biográfica reflete um processo moderno de
individualização, que tornou indivíduos aptos a serem os objetos centrais de narrativas.
Contudo, a epistemologia do texto biográfico não está na descoberta do eu-narrado,
mas sim, do eu-narrador, que mais do que representar as construções de mundo do
biógrafo, na medida em que estas são emblemáticas para a consolidação e a
reprodução de valores coletivos.164
164 DELGADO, Andréa F. A rede de memórias e a invenção de Cora Coralina. In. SCHMIDT, Benito. (org.). O Biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000, p.131-178.
106
2.2
“No vai e vem da rede”: imagens da memória
A inauguração da Sociedade foi um momento de comemoração, de lembrar em
comunidade. Além da apresentação dos estatutos, descerramento da placa de bronze a
ser exposta na fachada da sede e dos discursos em homenagem ao morto, realizou-se
a inauguração da Rua Capistrano de Abreu em substituição à antiga travessa Honorina
com a presença de representantes do Governo do Distrito Federal, a oferta por parte do
etnógrafo e Diretor do Museu Nacional Roquette Pinto (1884-1954) de uma pintura a
óleo de Capistrano de Abreu para decorar o saguão da Sociedade, e a realização de
missas e cortejos. Para os sócios era como se através destes atos Capistrano de Abreu
novamente se fizesse presente. Não foi por acaso que a Sociedade escolheu o dia 23
de outubro, data do nascimento de Capistrano, para as suas reuniões anuais,
comemorando anualmente o renascimento do autor através destes pequenos atos de
presença.
Na primeira Assembléia Geral da Sociedade, os sócios já começaram a colocar
em prática as estratégias de consagração de Capistrano. Três projetos foram
priorizados pelo grupo. O primeiro era a recuperação de objetos pessoais do
historiador, no que se destaca a reconstituição de sua biblioteca e a reunião das cartas
107
enviadas por Capistrano de Abreu. O historiador era conhecido por doar seus livros já
lidos e por ser um grande escritor de cartas, assim, a Sociedade além de pedir que os
amigos presenteados devolvessem os volumes e correspondências, criou um plano de
compra dos livros citados por Capistrano em seus textos.
A devolução das cartas fazia parte de um segundo projeto da Sociedade, a
edição da obra completa de Capistrano. O grêmio se tornou o grande responsável pela
divulgação dos artigos e livros do historiador. Em vida, Capistrano escreveu três livros:
Descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI (1883), o já citado
Capítulos de História Colonial (1907) e rã-txa-hu-ni-ku-i, língua dos Caxinauás (1914). A
maioria de seus artigos estava dispersa por revistas e jornais. A Sociedade reuniu estes
textos na série Ensaios e Estudos em 3 volumes, e na construção do livro inédito
Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil, todos editado durante a década de 30. A
sociedade também distribuía livros em escolas e criou edições populares a baixo custo,
como veremos em tópico específico.
A Sociedade Capistrano de Abreu não esteve solitária em sua missão de
preservar e construir a memória sobre um indivíduo. Muitas foram às instituições e
eventos durante a República Velha (1889-1930) que se dedicaram a essa tarefa. O
início da República foi palco de uma epidemia de heróis nacionais, e a figura de
108
Capistrano como um destes heróis estava relacionada à proposta de escrita da história
do Brasil dos sócios da Sociedade.
O historiador era lembrado como o homem do interior e de ascendência
indígena, segundo Calógeras, “um desconfiado tapuia transplantado para o meio
civilizado” e que teria passado por uma “maravilhosa transformação” através dos livros,
distanciando-se de um mundo de “barbárie”. Recuperar as formas como Capistrano
deveria ser lembrado nos faz refletir sobre o processo de integração dos sertões e dos
sertanejos na história do Brasil. Um processo de integração com critérios, nos quais a
civilização, o ambiente urbano e de uma alta cultura letrada, teria que necessariamente
subverter a “barbárie” dos sertões.
De uma forma mais específica, o culto a Capistrano de Abreu proporcionou o
reconhecimento de um grupo específico de letrados, os historiadores. Devido a tardia
instauração dos cursos superiores de História no Brasil. Os intelectuais que se
dedicavam as pesquisas históricas não eram reconhecidos por possuírem um diploma
de bacharel em História, mas pelo respeito e a credibilidade conferida aos seus
trabalhos por outros historiadores. Assim, a Sociedade Capistrano de Abreu era um
destes pequenos lugares que precederam as universidades, onde os amantes da
História do Brasil se reuniam para discuti-la e cultuar o mestre de seus estudos.
109
Sociedade Capistrano de Abreu como uma Instituição-memória. Jacques Le
Goff, como foi anteriormente mencionado, acredita que apesar da dimensão individual e
psicológica da memória, esta se constitui a partir de demandas sociais, demandas do
tempo presente. Por conseqüência, a prática de memorar deve ser entendida sempre
como dinâmica, pois cada grupo ou sociedade de padrões culturais diversos expressa
uma forma particular de perceber a memória.165 Com a vulgarização da escrita e a sua
maior utilização pelo Estado como um recurso para a manutenção da sua própria
memória administrativa, acabaram se desenvolvendo as “instituições-memória”
(arquivos, bibliotecas, museus) que passariam a partir de então a organizar e
disponibilizar esses documentos e objetos, antes restritos à propriedade privada ou do
Estado, para o resto da população.166
A Sociedade Capistrano de Abreu era uma instituição movida por um impulso colecionista.
Buscava representificar Capistrano através de traços materiais deixados por este. Seus manuscritos,
cadernos de anotações, cartas, livros, sediar a instituição em sua casa, guardar objetos pessoais,
dentre eles a tão famosa rede. Tudo era coletado e organizado com o objetivo de expor na sede da
165 LE GOFF, Jacques. Memória. In. Memória e História. 5 ed. Campinas: Unicamp, 2003, p. 419-476. Para o autor, as sociedade humanas lidam de formas diferentes com a memória na medida em que dispõem de recursos tecnológicos específicos, como a escrita ou a memória eletrônica dos computadores. Dessa forma, sociedades que possuem o recurso da escrita mantêm uma organização social menos dependente da memória, o que se apresenta de forma diversa nas sociedades sem escrita, onde a memória dos indivíduos regula seus comportamentos e práticas sociais. 166 Para ver sobre o desenvolvimento das bibliotecas, arquivos e museus: POMIAN, Krzysztof. Coleções. Enciclopédia Einaudi, volume I – Memória-História. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1984, p.51-86.
110
instituição a mesma “cela monástica”, a mesma “oficina mental” na qual Capistrano viveu. Como
afirmava Paulo Prado um ano após a morte do historiador,
aí ainda estão intactos, como os deixou Capistrano, os livros poeirentos e usados pelo contínuo manuseio, as pilhas de velhos jornais e revistas, a rede cearense, e, na parede, a folhinha com a data fatídica do seu falecimento – 13 de agosto. Como nas manhãs de longas palestras, nesse quarto de estudante continua a dirigir e animar os discípulos a presença espiritual do Mestre.167
No trecho acima fica claramente demonstrado a função, que muitas, vezes a
memória exerce socialmente: promover a estagnação do tempo. Segundo Le Goff, a
memória manipula inúmeras linguagens, visto que esta caracteriza-se pela função
social, pois se trata de comunicação a outrem de uma informação, na ausência do
acontecimento ou do objeto que constitui o motivo.168 Assim, colecionar objetos
corresponde a um exercício entendido por Fernando Catroga como a metáfora do
corpo, um trabalho imaginário exigido pela recusa da morte e pela conseqüente
objetivação dos desejos compensadores de sobrevivência nascidos do fato de a
condição humana exigir ontologicamente a assunção de um “desejo de eternidade”.169
Seguindo as perspectivas traçadas por Alessandra El Far no seu estudo sobre
a Academia Brasileira de Letras, onde a autora demonstra como esta instituição agiu na
167 PRADO, Paulo. Capistrano. In. CALIL, Carlos Augusto (org.). Paulística, etc. 4.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 214. 168 LE GOFF, Jacques. Memória. In. Memória e História. 5 ed. Campinas: Unicamp, 2003, p. 421.
111
construção da memória de seus membros, ou melhor, como inventora de uma
tradição,170 é que podemos supor que a Sociedade Capistrano de Abreu se assemelhou
a mesma em seus procedimentos e objetivos. El Far sugere que os membros da
Academia se delegavam a um “Estatuto da Imortalidade”; assim, a Sociedade teve
como objetivo dar a Capistrano de Abreu o estatuto de imortal na historiografia
brasileira. A autora também comenta alguns procedimentos que a Academia utilizou
nesta tarefa: a construção de estátuas, colecionar objetos dos sócios, a manutenção de
suas bibliotecas particulares e a realização de concursos.171 A sociedade também
utilizou esses recursos para perpetuar a imagem de Capistrano como “mestre” da
historiografia brasileira.
169 CATROGA, Fernando. O Céu da memória: cemitério romântico e culto cívico dos mortos em Portugal (1756-1911). Coimbra: Minerva, 1999, p.15. 170 EL FAR, Alessandra. A Encenação da Imortalidade: uma análise da Academia Brasileira de Letras nos primeiros anos da República (1897-1924). Rio de Janeiro: editora FGV, 2000. Sobre o processo pelo qual as tradições são inventadas e se consolidam ver a importante reflexão de Eric Hobsbawm: HOBSBAWM, Eric. A invenção das tradições. In. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence.(orgs.). A invenção das tradições. 2.ed. São Paulo: Paz e Terra, p.9-23, 1997. 171 EL FAR, Alessandra. “A presença dos ausentes”: a tarefa acadêmica de criar e perpetuar vultos literários. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.25, vol. 13, 2000. Nesse artigo, a autora especifica as estratégias criadas pelos membros da Academia para delegar aos sócios os seus “estatutos de imortalidade”.
112
FIGURA 8 – Inauguração da Sociedade Capistrano de Abreu. Pode-se ver à direita a rede do historiador.
113
FIGURA 9 – Casa na qual morreu Capistrano de Abreu e sede da Sociedade
114
FIGURA 10 – Vista atual da casa de Capistrano de Abreu, na Rua Capistrano de Abreu.
FIGURA 11 – Placa da Rua Capistrano de Abreu, inaugurada em 23 de outubro de 1927
115
FIGURA 12 – Rede de Capistrano de Abreu, Museu do Ceará
116
FIGURA 13 – Quadro de Capistrano de Abreu doado por Edgard Roquete Pinto, 1927.
117
FIGURA 14 – Adriana Janacopulos esculpindo o busto de Capistrano de Abreu
encomendado pela Sociedade 172
FIGURA 15 – Busto de Capistrano de Abreu, Museu do Ceará
172 Pela Glória de Capistrano de Abreu. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 8 out. 1932. p, 5.
118
2.3
Capistrano de Abreu para todos os bolsos e públicos173
Em 1901 e 1919, Capistrano de Abreu perdeu dois de seus grandes amigos,
respectivamente, Eduardo Prado (1859-1901) e Francisco Ramos Paz (1838-1919). O
sentimento de perda provocado pela morte de seus dois companheiros foi um pouco
amenizado pelo reencontro de Capistrano de Abreu com ele mesmo. Mas no que
consistiu esse reencontro?
Observando sua correspondência, percebemos que o autor não era muito
sistemático quanto à organização conferida a sua produção intelectual e especialmente
aos seus trabalhos para imprensa. De fato, Capistrano de Abreu produziu muito nos 53
anos dedicados à atividade letrada, se contarmos dos artigos publicados na imprensa
cearense, em 1874, até a sua morte, em 1927. Principalmente, porque os artigos e
resenhas críticas publicados por Capistrano de Abreu em jornais eram em grande parte
fruto de encomendas. O que observamos foi que estes artigos não foram por completo
uma extensão das pesquisas de Capistrano de Abreu, mas, muitas vezes, apenas uma
fonte renda. Isso pode ser observado em carta a Ramos Paz, quando o autor afirma
que: já começo a estudar, ou antes, a ler, porque continuo com a seção na Gazeta
(Gazeta de Notícias), e quero antes de tudo ficar livre daqueles pesadelos, a fim de
pertencer-me total e exclusivamente.174
173 Devemos este tópico às sugestões da Profa. Dra. Andréa Daher, que ministrou a disciplina de Cultura escrita e oralidade: discussões teóricas e estudos de caso, ficando aqui registrado o nosso agradecimento. 174 Carta a enviada por Capistrano de Abreu a Francisco Ramos Pais em 23 dez.1880. CCA, volume 1, p.8.
119
Como um intelectual ativo nas batalhas políticas, e por que não afirmar
historiográficas, de seu tempo, Eduardo Prado constituiu uma biblioteca rica quanto à
presença de documentação e bibliografia. A mesma observação pode ser realizada
sobre Ramos Paz, que possuía a “paixão” pelo colecionismo como sua principal
atividade de lazer, ainda quando, segundo Capistrano de Abreu, a noção de livro raro
havia a pouco se propagado, não deixando de ser uma questão “esotérica”. 175
Contudo, é no espólio bibliográfico deixado por Eduardo Prado e Ramos Paz
que Capistrano irá se reencontrar com seu passado, mais especificamente, com a sua
produção intelectual. Como consulente da biblioteca de Eduardo Prado, a qual
Capistrano gostava de dedicar boa parte do seu tempo nas viagens realizadas à cidade
de São Paulo, e como organizador do catálogo da biblioteca de Ramos Paz, Capistrano
de Abreu pôde reencontrar muitos de seus artigos publicados na imprensa, inclusive
alguns que o autor não mais se recordava.176 As bibliotecas de Eduardo Prado e
Ramos Paz possibilitaram a criação de uma ordem para uma produção dispersa como a
de Capistrano de Abreu. Assim, a narração do encontro de seus artigos nos papéis de
seus amigos era presente em sua correspondência.
175 Interessante observar o esoterismo atribuído por Capistrano de Abreu ao livro raro, talvez esta percepção resulte da compreensão que o autor possuía sobre os livros. O valor bibliográfico de uma produção era medido por Capistrano não pelo valor pecuniário que alguns manuscritos ou livros poderiam alcançar e nem tão pouco pela sua antiguidade. O valor simbólico desse material seria medido, para Capistrano, pelas contribuições que este poderia trazer a escrita da história e pela sua dificuldade de acesso, principalmente quando localizado em arquivos europeus. ABREU, Capistrano de. Francisco Ramos Paz. In. ___. Ensaios e Estudos: crítica e história, 2ª série. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p.127-139. Sobre Eduardo Prado, ver: ABREU, Capistrano de. Eduardo Prado. In. ___. Ensaios e Estudos: crítica e história, 1ª série. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1975, p.233-240. Sobre a coleção de Ramos Paz, ver: BESSONE, Tânia Maria. Palácios de destinos cruzados: bibliotecas, homens e livros no Rio de Janeiro, 1870-1920. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999. 176 Francisco de Ramos Paz deixou em testamento a recomendação para que Capistrano de Abreu escolhesse os volumes que desejasse da sua coleção, antes que esta fosse dispersa. A coleção de Ramos Paz esteve por várias vezes na iminência de ser leiloada e por conseqüência de perder sua unidade. A questão só foi solucionada quando Arnaldo Guinle comprou-a e em seguida doou-a à
120
Reunir artigos sempre causou-me repugnância. Mesmo se a não sentisse, teria de abrir mão da empresa, porque não coleciono tais aparas. Ultimamente eu pensei na possibilidade da coisa, fiado em que Ramos Paz devia possuir a maior parte e mos cederia com gosto. E Paz morreu. Recebi há dias carta dos testamenteiros, comunicando que em carta de consciência me pedira auxiliar a venda de suas coleções e deixava-me os vinte volumes que quisesse escolher. Se encontrar meus artigos e os testamenteiros o permitirem, ficarei com eles; verei se podem servir requentados. Creio que não.177
E em carta a Afonso de Taunay, afirmou:
No espólio do Paz encontrei diversos artigos meus, de alguns dos quais não me lembrava mais. Fernando Gabaglia ofereceu-me a hospedagem do Anuário do Colégio Pedro II, prometendo-me um certo número de separatas. O oferecimento tentou-me, mandei copiar alguns artigos a muito custo descobertos e posso oferecer-lhe um índice quase definitivo. Caminha e a sua carta, do Jornal do Comércio de 1908, Gândavo, da Notícia, de 95, três sobre o povoamento do Brasil de 1897, talvez um da Gazeta de 1880, que juraria nunca ter escrito e vou ver se é aproveitável.178
Se como um “arquivista de si” Capistrano de Abreu não foi dos mais dedicados,
como editor de seus trabalhos o autor apresentou uma dedicação irrepreensível.179 A
edição de seus livros e mesmo de amigos era acompanhada com atenção e com apuro.
Capistrano de Abreu manifestava preocupação com o formato das publicações, os tipos
utilizados, a melhor forma de organizar o corpo do texto e inserir notas, como realizar
Biblioteca Nacional, sendo Capistrano de Abreu responsável pela confecção do catálogo. Ver: Catálogo da Biblioteca de Francisco Ramos Paz. Rio de Janeiro: Tipografia d’O Imparcial, 1920. 177 Carta enviada por Capistrano de Abreu a Mário de Alencar no “equinócio de 1919”. CCA, volume 1, p. 251. 178 Carta enviada por Capistrano de Abreu a Afonso de Taunay em 25 jul. 1920. CCA, volume 1, p. 312. 179 A expressão “arquivista de si” foi derivada das reflexões de Giselle Martins Venâncio sobre as formas de “arquivamento do eu” presentes nos arquivos privados e pessoais, tendo como objeto o arquivo de Oliveira Viana. VENANCIO, Giselle M. Arquivos pessoais: dos vestígios da memória à escrita da história. Humanas. Londrina, v.1, n.1, p.55-76, 2000; ___. Na trama do arquivo: A trajetória de Oliveira Viana. Tese de doutorado do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, 2003. Sobre as práticas de “arquivamento do eu” ver também: ARTIÈRES, Philippe. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n.21, p.9-34, 1998; GOMES, Ângela de C. O Ministro e sua correspondência: projeto político e sociabilidade intelectual. In. GOMES, Ângela de Castro (org.). Capanema: o ministro e o seu ministério. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p.13-49.
121
citações, papel, encadernação, etc. A correspondência do historiador Capistrano de
Abreu é um espaço privilegiado para se observar o mercado editorial brasileiro no final
do século XIX e primeiras décadas do século XX. Em carta a Afonso de Taunay,
Capistrano comentou sobre um número da Revista do Museu Paulista, da qual o
destinatário era o editor: duas impressões senti: muito grosso, muito grosso, muito
grosso. Acho a ventripotência tão inconveniente no indivíduo como no livro.180 E, em
carta a Miguel Arrojado Lisboa:
Pus ontem as provas registradas no Correio. Algumas emendas visam provocar-te a dar expressão mais clara às idéias. No princípio há um trecho que me pareceu descolado; no fim acho melhor que comece as conclusões em página nova. Apresentei um título ligeiramente diferente. Estando teu nome na folha de rosto, não precisa voltar como assinatura.181
Também foi relevante a observação realizada sobre uma publicação preparada
por Mário de Alencar:
Não acho feliz a sua idéia do formato 32º. Com o nosso papel, o nosso tipo, a nossa brochagem sairia um monstrengo. E qual a razão da preferência? Poder-se andar com o livro no bolso! Não atenua os erros contra a estética, não o tornaria de aspecto menos rebarbativo. É um sonho de poeta conseguir vendas de 10.000 exemplares. Creio que Laemmert conquista este algarismo para suas folhinhas. Aliás, para os seus silabários; as agencias portuguesas dele se aproximam; mas tudo isto são fatos solteiros e extraordinários; que não podem servir de regra, é evidente; que não se dariam no seu caso, facilmente se demonstra, porque V. não dispunha de toda uma organização comercial espalhada pelo Brasil inteiro, e sem esta condição prévia, ficaria tolhido desde os primeiros passos; mesmo com ela, é duvidoso o resultado final, com a crise moral e econômica vigente nos últimos vinte anos.182
180 Carta enviada por Capistrano de Abreu a Afonso de Taunay em 10 jun. 1920. CCA, volume 1, p. 310. 181 Carta enviada por Capistrano de Abreu a Miguel Arrojado Lisboa em 30 out. 1916. CCA, volume 1, p. 435. 182 Carta enviada por Capistrano de Abreu a Mário de Alencar em 14 set. 1901. CCA, volume 1, p. 209.
122
O esmero com a publicação também se evidenciava em seus trabalhos. Seu
maior parceiro em revisões de texto foi o filólogo, Manuel Said Ali Ida, sócio fundador
da Sociedade. Na correspondência trocada entre os dois, os registros dessa relação
mútua de cooperação editorial são recorrentes, o que rendeu um agradecimento de
Capistrano quando da edição do rã-txa hu-ni-ku-i: Ao concluir não posso omitir o nome
do meu colega M. Said Ali Ida, lente de alemão do Colégio Pedro 2º, cuja intuição
luminosa e opulento cabedal recorri sempre com proveito [...].183 A impressão da
Gramática caxinauá, bem como os textos sobre o vocabulário bacairi, aparecem na
correspondência como aqueles que mais concentraram cuidados editoriais,
principalmente, devido à especificidade dos tipos a serem utilizados, em sua maioria
decorrentes do alfabeto fonético.184
Estas afirmações deixam claro que para Capistrano de Abreu existiam outros
aspectos que mediavam a relação autor e leitor, ou melhor, texto e leitura. A
materialidade do texto seria um fator determinante nas relações estabelecidas pelo
leitor com o livro. A leitura deveria começar pela própria aparência do impresso. Visto
que, tento este uma aparência atrativa poderia assim angariar um público leitor e
comprador mais numeroso. Contudo, as observações de Capistrano sobre a
materialidade dos impressos se encerram nesses aspectos. Para o autor, o texto,
independente de sua apresentação física, possuiria sempre o mesmo sentido. Pois,
183 ABREU, João Capistrano de. rã-txa hu-ni-ku-i: gramática, textos e vocabulário caxinauá. 2 ed. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu; Livraria Briguiet, 1941, p. 9. 184 Sobre a redação das gramáticas caxinauá e bacairi, ver: CHRISTINO, Beatriz P. A rede de Capistrano de Abreu (1853-1927): uma análise historiográfica do rã-txa hui-ni-kui em face da sul-americanística dos anos de 1890-1929. Tese de doutorado defendida no Programa de Pós-graduação em semiótica e lingüística geral, USP. São Paulo, 2006.
123
para Capistrano de Abreu e a geração intelectual da qual fez parte a epistemologia das
obras estava presente no próprio texto e no seu autor, e não no leitor.
Atualmente, a história da leitura tem provocado uma reviravolta quanto à
percepção e interpretação dos textos. Cada vez mais, o leitor ganha espaço nesse jogo
de significados que a leitura provoca. O leitor assumiu para a história da leitura uma
posição ativa, pois, o livro ou qualquer outro tipo de suporte só se apresenta enquanto
enunciador de uma informação quando é objeto da experiência da leitura.185
Além do novo lugar conferido ao leitor, a história da leitura colocou um outro
fator como determinante das práticas de leitura: a materialidade do escrito. Os aspectos
anteriormente apresentados por Capistrano, como o formato das publicações,
diagramação, tipos e papel, passam a ser portadores de significados. A história do livro
e da leitura francesa e a bibliografia americana colocam em cheque a percepção de um
texto como absoluto e definitivo, ou seja, de que este possuiria permanentemente a
mesma significação, se opondo ao que Roger Chartier definiu como as “abordagens
clássicas” dos impressos. Segundo Chartier, as abordagens clássicas pensam a obra
em si mesma, como um texto puro cujas formas tipográficas não têm importância, e
185 Para Michel de Certeau a leitura foi entendida por muito tempo dentro de uma “ideologia da informação pelo livro”, ou seja, essa ideologia reforçada pelo mito da educação iluminista acreditava que o escrito “verbal ou icônico” possuiria o poder de moldar o público leitor, delegando a este uma passividade. Dessa forma, De Certeau propõe o entendimento da leitura como uma atividade de consumo, porém não passiva, mas inventiva, na qual o leitor não assimila o texto, mas o transforma a partir de suas próprias experiências. Segundo o autor: Longe de serem escritores, fundadores de um lugar próprio, herdeiros de servos de antigamente, mas agora trabalhando no solo da linguagem, cavadores de poços e construtores de casas, os leitores são viajantes; circulam nas terras alheias, nômades caçando por conta própria através dos campos que não escreveram, arrebatando os bens do Egito para usufruí-los. A escritura acumula, estoca, resiste ao tempo pelo estabelecimento de um lugar e multiplica sua produção pelo expansionismo da reprodução. A leitura não tem garantias contra o desgaste do tempo (a gente se esquece e esquece), ela não conserva mal a sua posse, e cada um dos lugares por onde ela passa é repetição do paraíso perdido. CERTEAU, Michel de. Ler: uma operação de caça. In. ___. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 2003, p.269-270. Para ver sobre a história do livro e da leitura: CHARTIER, Roger (org.). Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
124
também pela teoria da recepção que postula uma relação direta, imediata, entre o
“texto” e o leitor, entre os “sinais textuais” manejados pelo autor e o “horizonte de
expectativa” daqueles a quem se dirige.186 Assim, a história do livro passa a
compreender o sentido dos escritos não mais como imóvel, mas sim, inserido em uma
lógica processual, que compreende a produção, a transmissão e a recepção destes.
Segundo Roger Chartier, ainda se referindo às abordagens clássicas da leitura:
Parece-nos haver aí uma simplificação ilegítima do processo através do qual as obras adquirem sentido. Reconstituí-lo exige considerar as relações estabelecidas entre três pólos: o texto, o objeto que lhe serve de suporte e a prática que dele se apodera.187
Assim, configurasse a perspectiva de uma “sociologia dos textos” que deveria
acompanhar todo o processo de construção de sentido pela leitura. Nesta sociologia
dos textos os suportes que lhe dão materialidade, seja escrito ou oral, possuem um
lugar privilegiado, pois a forma, no seu entendimento, possui significados, é formadora
de sentido, é um protocolo de leitura. Como prática social e produtora de
representações, a leitura se estrutura entre os constrangimentos sociais e as
idiossincrasias do leitor. Neste contexto, a forma material do texto assume a função de
um constrangedor social. Segundo Donald Mckenzie, é necessário sublinhar os efeitos
dos sentidos das formas. Um texto (aqui na definição clássica) é sempre inscrito em
uma materialidade: aquela do objeto escrito que o porta, aquela da voz que o lê ou o
recita, aquela da representação que o dá a entender.188 E adiante, o autor afirma: para
186 CHARTIER, Roger. Textos, impressos, leituras. In. ___. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1990, p. 127. 187 Ibid., p.127. 188 MCKENZIE, Donald. Le livre comme forme expressive. In. ___. La bibliographie et la sociologie des textes. Paris : Editions du Cercle de la Librairie, 1991. p.31.
125
a graça da etimologia, (“escritura dos livros”), é necessário igualmente referenciar,
portanto, em termos, as novas versões.189
Se toda a forma possui um sentido, que problemas podemos levantar sobre os
textos que possuíram várias formas? Especificamente, como problematizar os livros
que possuíram várias edições, visto que, cada nova edição é uma nova forma, e, por
conseguinte gera novos significados? Segundo Donald Mckenzie, a produção de novos
exemplares leva a produção de novas versões. Assim, como devemos pensar a edição
da obra de Capistrano de Abreu diante do número extenso de impressões que estas
possuíram?
Como afirmamos anteriormente, Capistrano não foi sistemático na organização
de sua obra. Mesmo o projeto apresentado na correspondência com Mário de Alencar
de organizar seus artigos, revisá-los e criar um índice “definitivo” não foi bem sucedido.
Na verdade, não temos como afirmar que este projeto tenha passado da fase de
reprodução dos artigos.190 Assim, a historiografia atribui a Sociedade Capistrano de
Abreu a função de ter construído a obra capistraneana191, no sentido de ter oferecido a
unidade e sistematização dos livros e artigos do autor em uma forma “definitiva”, visto
que, em vida, Capistrano publicou apenas três livros.192
189 Ibid., p. 36. 190 O termo “definitivo” apresenta-se entre parêntesis, pois para a história do livro e da leitura e a sua perspectiva de realizar uma sociologia dos textos, é inviável o estabelecimento de um texto absoluto, pois as interferências de editores e tipógrafos, bem como a leitura como uma atividade dinâmica sempre produz novos textos e interpretações. 191 AMED, Fernando. As edições das obras de Capistrano de Abreu. História: questões & debates.Curitiba, n.32, p.99-117, 2000. 192 ABREU, João Capistrano de.O descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI. Rio de Janeiro: Leuzinger & Filhos, 1883; ___. Capítulos de História Colonial. Rio de Janeiro: Impressores
126
Este tópico tem por objetivo discutir a edição da produção bibliográfica de
Capistrano de Abreu pela Sociedade, observando como esta atuou como editora e
construtora da “obra” de Capistrano. Aproximando-nos das questões propostas por
Chartier e Mckenzie para a realização de uma “sociologia dos textos”, ou seja, tentando
perceber o percurso da leitura (produção, transmissão e apropriação), nos deteremos
nesta análise principalmente nos processos de transmissão dos escritos, pois é neste
aspecto que a função da Sociedade como editora da obra de Capistrano aparece de
uma forma mais evidente. Neste momento, nos parece importante apresentar o
questionamento de Chartier para o estudo dos textos encenados no teatro, pois, apesar
de ser uma forma de divulgação dos escritos distinta do livro, é esclarecedor quando ao
aspecto referente à transmissão dos escritos. Assim questiona o autor: como devemos
repartir os diversos papéis de todos os que intervêm no processo de publicação, ou
melhor dizendo, de produção do texto teatral, o poeta, o autor de comédias, os atores
ou comediantes, os compositores e os corretores, os espectadores e os leitores?193
O questionamento de Chartier aponta a diversidade de agentes que atuam na
composição da peça teatral, se transpusermos este questionamento para a história dos
impressos poderemos perceber que a publicação de um livro é resultado da ação de
um grupo de agentes, do qual o autor é apenas um dos integrantes. Dessa forma, o que
buscamos perceber na prática editorial da Sociedade é que tipo de intervenções e
constrangimentos ao leitor esta realizou na edição da obra de Capistrano de Abreu,
Orosco & Cia; 1907; ___. rã-txa hu-ni-kui: a língua dos Caxinauás do Rio Ibuaçu, afluente do Murú. Rio de Janeiro: Tipografia Leuzinger, 1914. 193 CHARTIER, Roger. Prácticas del teatro. Escribir, ver e leer la comedia en el siglo de oro. In. ___. Escribir las prácticas: discurso, práctica, representación. Valencia: Fundación Cañada Blanch, 1998, p. 87.
127
mais especificamente, qual a construção de sentido e representação de Capistrano de
Abreu foi impressa nesse projeto editorial.
Durante o período em que a Sociedade atuou foram editados por ela dezesseis
livros de cinco autores distintos, totalizando 23.270 exemplares distribuídos ou postos à
venda.194 No mercado editorial atual estes números não são muito expressivos,
contudo, se dividirmos o total de publicações pelos 42 anos de atividade da instituição e
ponderarmos que de 1927 a 1969 o público leitor destas obras era restrito, inclusive o
número de alfabetizados no país, chegaremos a um número aproximado de 500
exemplares anuais, o que não deixa de ser representativo. Principalmente, porque as
publicações eram restritas às temáticas historiográficas, não compreendendo gêneros
literários de maior alcance e consumo como o romance. A venda do maior número de
volumes pela Sociedade se concentrou entre 1927 e 1941, período no qual esta foi
administrada pelo grupo que a idealizou, totalizando 15.870 exemplares e uma média
anual de 1.100 livros.
O desejo de editar a obra completa de Capistrano de Abreu foi um dos
principais objetivos da instituição, contudo, os estatutos da mesma apresentam a
construção de um programa editorial para instituição, não restrito apenas à produção de
seu patrono: Art. 3.º A Sociedade Promoverá: a) a edição de trabalhos inéditos e cartas-
missivas, e a reedição de obras já publicadas de João Capistrano de Abreu; b) a
tradução e publicação das obras dos viajantes e sábios estrangeiros, que percorreram o
Brasil.195
194 Ver Anexo 9. 195 Estatutos da Sociedade Capistrano de Abreu. Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrativa, pac.1, doc.1. Ver Anexo 1.
128
De fato, a instituição buscou alargar sua atividade editorial enveredando pelos
caminhos da tradução de textos e a publicação de manuscritos. A proposta da edição
de viajantes corroborava a perspectiva de dotar o profissional da história de fontes para
a escrita da história do Brasil. A utilização de cronistas religiosos ou laicos e viajantes
muitas vezes eram as únicas formas de se conseguir informações sobre a vida colonial
da nação, principalmente por que grande parte da documentação ainda se encontrava
restrita aos arquivos europeus. Um exemplo da utilização dessas narrativas é a própria
trajetória de Capistrano de Abreu como editor.196 Na assembléia da Sociedade
realizada em 23 de outubro de 1932, foi sugerido que, em comissão, Rodolfo Garcia,
Jaime Coelho e Alcides Bezerra designem quais as obras de viajantes estrangeiros, -
ingleses, alemães, e holandeses de preferência -, são merecedoras de tradução, afim
de a Comissão Executiva proceder à escolha dos consócios para esse determinado
fim.197 E em carta de 06 de junho de 1935, o sócio Luis Sombra pede informação a
Rodolfo Garcia sobre a delegação concedida a Francisco Jaguaribe Gomes de Matos
196 Um exemplo do empenho de Capistrano de Abreu em traduzir e editar fontes para a escrita da História do Brasil foi a série “Eduardo Prado: para melhor se conhecer o Brasil” editada pelo autor e Paulo Prado entre 1922 e 1929, os dois últimos números da série foram publicados, respectivamente, em 1927 e 1929, após a morte de Capistrano de Abreu. Os responsáveis por estas últimas edições foram Eugênio de Castro e Rodolfo Garcia. Foram publicados cinco volumes: D’ABBEVILLE, Claude. Histoire de la mission dês Pères Capucins en l’Isle de Maragnan et terres circonvoisines. Paris : Librairie Ancienne Edouard Champin, 1922 ; MENDONÇA, Heitor F. Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça. Confissões da Bahia 1591-92. São Paulo, 1922; MENDONÇA, Heitor F. Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça. Denunciações da Bahia 1591-93. São Paulo, 1925; SOUSA, Pero Soares de. Diário de Navegação de Pero Soares de Sousa (1530-1532). 2 volumes. Rio de Janeiro: Tipografia Leuzinger, 1927; MENDONÇA, Heitor F. Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça. Denunciações de Pernambuco 1593-95. São Paulo, 1929. Para ver sobre a Série Eduardo Prado: BERRIEL, Carlos Eduardo O. Tietê, Tejo e Sena: a obra de Paulo Prado. Campinas: Papirus, 2000, p.122-124. 197 Ata da 7ª Assembléia Geral da SCA em 23 out. 1932, LA n.1, p.14-15.
129
para que este reproduzisse em nome da Sociedade manuscritos do Frei Cristóvão de
Lisboa no Arquivo Colonial de Lisboa para posterior publicação.198
De fato, os projetos de editar fontes para a história do Brasil não foram bem
sucedidos e os dois exemplos citados não de concretizaram. A única publicação da
Sociedade com este objetivo foi a reedição da Primeira Visitação do Santo Ofício às
partes do Brasil pelo Licenciado Heitor Furtado de Mendonça - capitão fidalgo Del Rei
nosso Senhor e do desembargo, deputado do Santo Ofício. Confissões da Bahia 1591-
1592.199 Esta edição foi realizada após a concessão dos direitos autorais da obra, que
pertenciam ao sócio Paulo Prado, apresentando em seu frontispício um agradecimento
a este nos seguintes termos:
Esgota a 1ª edição de 250 exemplares das Confissões da Bahia (1591-92), publicação inaugural em 1922 da série Eduardo Prado, foram por Paulo Prado oferecidos à Sociedade Capistrano de Abreu os direitos autorais da reedição desta obra raríssima. Reeditando-a para figurar entre suas valiosas publicações, a Sociedade cumpre o dever de
198 Carta enviada por Luis Sombra a Rodolfo Garcia em 06 jun. 1935, Fundo SCA, Subfundo correspondência passiva, pac. 2, doc. 88. A Sociedade confirmou a delegação em correspondência: tendo na devida consideração a carta que o dedicado consócio dirigiu ao nosso tesoureiro Luiz Sombra, acerca do manuscrito sobre peixes do Brasil, de frei Christovão de Lisboa, que por um feliz acaso aí deparou e examinou, é com a maior satisfação que aceitamos o seu gentil oferecimento para se encarregar de obter do eminente Sr. Diretor do Arquivo Colonial de Lisboa que a publicação desse precioso trabalho seja feita no Brasil , sob os auspícios de nossa Sociedade. Para isso delegamos a V. Sa., em nome da Comissão Executiva desta Sociedade os poderes necessários para tratar a respeito com o Exmo. Sr. Diretor daquele arquivo, e autorizamos a fazer as despesas de cópia e outras que se fizerem necessárias, cuja importância poderemos adiantar logo que nos der a satisfação de fazer qualquer comunicação a cerca deste assunto. Cumpre-nos, ainda, avisar que o Dr. Afonso d’Escragnolle Taunay, membro da Comissão Executiva e Diretor do Museu Paulista, acaba de nos fazer a oferta de se encarregar, por conta desse museu, de todas as despesas necessárias de cópia e publicação do referido manuscrito nos “Anais do Museu Paulista”, em cujo volume deste ano vai ser publicado a tradução, já pronta, do capítulo do Marcgrav referente aos peixes; promete ele, ainda mais, tirar uma separata para nossa Sociedade e da qual poderíamos destinar exemplares para o Arquivo Colonial de Lisboa [...]. Carta enviada pela Diretoria da SCA a Francisco Jaguaribe Gomes de Matos em 01 mar. 1935, Fundo SCA, Subfundo correspondência ativa, pac. 1, doc. 38. 199 MENDONÇA, Heitor F. Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça. Confissões da Bahia 1591-92. 2 ed.Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu; Livraria Briguiet, 1935. Existe em circulação uma edição recente desta obra apenas com o título modificado, ver: VAINFAS, Ronaldo (org.). Confissões da Bahia. Santo Ofício da Inquisição em Lisboa. São Paulo: Cia. das Letras, 2001.
130
manifestar seu reconhecimento ao doador magnânimo, a quem tanto devem nossas letras históricas como escritor erudito e editor benemérito.200
Como o próprio agradecimento apresenta, a reedição foi motiva pelo rápido
esgotamento da edição, limitada a 250 exemplares, número fixado por Capistrano de
Abreu.201 Já a edição da Sociedade foi de 1000 exemplares para venda em papel
comum e 150 exemplares especiais para distribuição entre os sócios da instituição,
rendendo à Sociedade 2:000$00 réis202 pagos pela Livraria Briguiet correspondentes
aos direitos autorais.203
Ainda dois outros projetos editoriais da Sociedade não obtiveram êxito: a
publicação do catálogo da biblioteca Capistrano de Abreu e a publicação da
correspondência de seu patrono, que desde a morte do historiador já causava
burburinho entre a elite política e intelectual brasileira.
Apesar destes insucessos, podemos considerar que a Sociedade foi bem
sucedida no que se refere à publicação da obra de Capistrano de Abreu. Foram
publicados 12 títulos, totalizando 21.520 exemplares. Como um projeto editorial, as
200 MENDONÇA, Heitor F. op.cit. p. 1. 201 Todos estes dias tenho ido ao Leuzinger para ver se está brochado o tal volume primeiro. Não sei se hoje serei mais feliz. O formato dos cadernos já foi escolhido por mim; atendi somente à comodidade. O copista, como lhe disse, é inteligente e sério; irá melhorando com o tempo.[...] Para Lisboa seria conveniente mandar 1:000$ (um conto). Para concluir o que falta da Inquisição, é dinheiro mais que suficiente; mas penso que depois de ler o tal volume dos Anais, V. sentirá vontade de mandar copiar paulísticas: isto pode fazer-se na Bib. Nac. (de lá), enquanto se trabalha na T. do Tombo. Não sei quando começarei a impressão: fixei em 250 o número de exemplares. Do meu prólogo mandei fazer uma separata. Carta enviada por Capistrano de Abreu a Paulo Prado em 18 jan. 1922. CCA, volume 2, p. 412. 202 Os valores referentes às publicações serão apresentados em contos (de réis), que se escrevia 1:000$000, moeda corrente no Brasil até novembro de 1942. A partir desta data as informações referentes às publicações serão apresentadas em cruzeiros, que se escrevia Cr$ 1.000,00. Em 1967, ocorreu a conversão para cruzeiro novo, porém, não possuímos dados sobre as publicações posteriores a esta data. HALLEWELL, Laurence. Moedas e taxas de câmbio. In. ___. O livro no Brasil (sua história). São Paulo: Editora USP, 1985, p. 621-624. 203 Para ver sobre a edição: Ata da 11ª Assembléia Geral da SCA em 23 out. 1936, LA n. 1, p. 22-23.
131
edições da Sociedade possuíam uma dupla idéia de conjunto. A primeira correspondia
ao desejo de publicar com completude à obra de Capistrano de Abreu, diante da não
sistematização de seus estudos. A Sociedade desejava compor uma coleção definitiva
dos textos de seu patrono. A segunda apresentava-se na própria materialidade dos
livros. Fisicamente os volumes editados pela instituição, independente da autoria ser ou
não de Capistrano de Abreu possuíam a mesma apresentação, aspecto que reforçava a
idéia de coleção. Segundo Eliana Dutra,
As coleções foram uma expressão material da política de popularização da leitura, e também da especialização profissional e divisão do trabalho no campo editorial, uma vez que demandava política de acervos editoriais e reforçava o papel estratégico do editor, que se tornava um especialista responsável tanto pela definição de um perfil, ao decidir pelo critério de reunião, ou de seleção das obras, de uma coleção – seja pelas compilações de autores sobre um mesmo tema; em obras de um mesmo gênero ou destinação, reunidas em série, ou compartilhando traços materiais uniformes, como cor, logotipo, tamanho – quanto pelo direcionamento da atuação da editora para determinadas faixas do mercado de livros.204
Além do aspecto unificador da materialidade e apresentação dos volumes,
outro aspecto reforçava a idéia de coleção presente no projeto editorial, como
anteriormente afirmamos: o estabelecimento da obra completa de Capistrano de Abreu.
Como afirmou Bruno Latour, as coleções surgem do desejo de acumular todas as
informações disponíveis sobre um determinado tema; seria um trabalho de reduzir a um
número de suportes mínimos, o máximo de conhecimento produzido. Ao mesmo tempo
em que a coleção executa essa tarefa reducionista, ela também realiza um trabalho de
amplificação, pois congrega um número máximo de informações, distribuindo-as a um
204 DUTRA, Eliana. Companhia Editora Nacional: Tradição Editorial e Cultura Nacional no Brasil dos anos 30. In. I Seminário brasileiro sobre livro e história editorial. (mimeo). p. 6.
132
público praticamente ilimitado.205 Como um lugar de memória, as coleções estabelecem
dispositivos que buscam assegurar um suporte material contra esquecimento, nada
mais adequado para os objetivos da Sociedade. Como uma instituição empenhada em
construir e preservar a memória social de seu patrono, que foi um importante expoente
da atividade letrada nacional, a consolidação de sua obra em um conjunto de textos
definitivos passou a figurar também como um monumento à sua memória. Além disso,
como agentes do campo cultural, os sócios da Sociedade deveriam ser conscientes do
capital simbólico que lhes seria atribuído por se definirem como editores exclusivos da
obra de Capistrano de Abreu, reforçando ainda mais suas posições no campo letrado.
Pois como afirma Eliana Dutra:
Afinal autores e editores sabem que os livros e as leituras atendem às necessidades de informação e formação, funcionam como canais de divulgação, de reflexão, de difusão de estilos, de formação de opinião. E a edição é uma prática que tem um lugar determinante nas instâncias de legitimação cultural.206
Assim, ao lado das tipografias e livrarias escolhidas para publicarem a obra de
Capistrano de Abreu, a Sociedade exercia a função de editora deste projeto.
Retomando as considerações sobre a história do livro e da leitura e a sua perspectiva
de uma sociologia dos impressos, ressaltamos que a desnaturalização do livro e da
leitura como um objeto e uma prática não dinâmicos, colocaram em cena não apenas
os leitores, mas também os editores e tipógrafos como agentes decisivos desse circuito
do livro. Para Eliana Dutra:
205 LATOUR, Bruno. Redes que a razão desconhece: laboratórios, bibliotecas coleções. In. BARATIN, Marc; JACOB, Christian (orgs.). O Poder das Bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. 2 ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006, p. 21-44. 206 DUTRA, Eliana. op.cit. p. 12.
133
O papel do editor merece uma atenção especial, na medida em que ele, enquanto um “mestre de obras” intelectual tem um poder que não se restringe a difundir idéias, mas também de definir o que deve ser lido; de escolher os suportes materiais da leitura; de provocar diferentes sensações no contato físico com os livros; de tentar induzir determinados efeitos da leitura no pensamento e nas sensibilidades.207
Chartier afirma que a coleção de livros de cordel é uma fórmula editorial que dá
ao objeto formas próprias, que organiza os textos de acordo com dispositivos
tipográficos específicos.208 Transferindo esta afirmação para o caso da Sociedade,
podemos de ante-mão entendê-la como construtora de uma fórmula editorial, tento em
mente o papel decisivo que esta passa ocupar como intermediária da obra de
Capistrano de Abreu ao ocupar a função de editora. Para Donald Mckenzie, o papel do
editor pode ser tão decisivo que em algumas vezes pode definir até mesmo um novo
texto ou desvirtuar a leitura do texto original, transformando as alterações realizadas
por estes em verdadeiros clássicos que obliteram as formas originárias do impresso.
Isso decorre, segundo o autor, porque todas as sociedades reescrevem seu passado,
todo leitor, os textos que ele leu, e até mesmo aqueles que possuem uma existência
suficientemente longa, a um momento dado, um impressor os oferece uma forma
nova.209
Esse duplo sentido de unidade – a forma material e a construção de uma obra
– serão os dois aspectos utilizados como estratégia para expor os principais traços do
projeto editorial da Sociedade.
207 Ibid., p. 13. 208 CHARTIER, Roger. Textos e edições: a literatura de cordel. In. ___. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1990, p. 178. 209 MCKENZIE, Donald. op.cit. p. 48.
134
Durante os 41 anos de atividade editorial da instituição, esta possuiu apenas
duas casas editoriais como parceiras para a execução das publicações: Leuzinger e
Briguiet. A Casa Leuzinger, de propriedade do suíço Georges Leuzinger, teve suas
atividades iniciadas em 1832, apenas como papelaria, e, em 1837, após a compra da
Tipografia Francesa, alargou suas atividades para o mercado da edição e impressão de
livros. Esta foi a casa editorial escolhida por Capistrano de Abreu para a publicação de
dois dos seus três livros publicados em vida.210 Além disso, a Leuzinger foi responsável
pela publicação do Catálogo da Exposição de História do Brasil, organizado pelo Barão
de Ramiz Galvão, em 1881, projeto no qual Capistrano de Abreu esteve envolvido
como funcionário da Biblioteca Nacional durante a organização da exposição.211 Os
elogios a esta casa editorial são recorrentes na correspondência do autor. Segundo
Laurence Hallewell:
O mais importante autor a ser regularmente editado por Leuzinger foi o historiador Capistrano de Abreu. Mesmo após sua morte suas obras continuaram a ser confiadas à firma Leuzinger pela Sociedade Capistrano de Abreu até 1930, praticamente quando a firma deixou de cuidar de edições.212
Cabe ser realizada uma correção à afirmação de Hallewell. A Leuzinger foi
responsável apenas por uma publicação da Sociedade, a segunda edição do livro
Capítulos de História Colonial, em 1928, primeira publicação da série Capistrano de
Abreu. A documentação da Sociedade não possui registros das relações comerciais
estabelecidas com a Leuzinger, fato que impossibilita a definição dos motivos que
210 ABREU, João Capistrano de.O descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI. Rio de Janeiro: Leuzinger & Filhos, 1883; ___. rã-txa hu-ni-kui: a língua dos Caxinauás do Rio Ibuaçu, afluente do Murú. Rio de Janeiro: Tipografia Leuzinger, 1914. 211 Para ver sobre a Exposição de História do Brasil organizada pela Biblioteca Nacional, em 1881: DUTRA, Eliana. A tela imortal: o catálogo da Exposição de História do Brasil de 1881. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v.37, p.159-181, 2005.
135
levaram esta a ser substituída por outra casa editorial. Contudo, acreditamos que o
motivo exposto por Hallewell seja o mais plausível, pois somente uma adversidade
externa à sociedade poderia tê-la levado a realizar esta mudança diante das simpatias
dos sócios pela firma Leuzinger. Como possuía uma tipografia, a Leuzinger executava
todas as fases da publicação: edição e impressão. Trabalho distinto do realizado pela
sua substituta, a Livraria Briguiet, restrita apenas à edição.
A Livraria Briguiet se manteve como editora da Sociedade até a transferência
desta para Fortaleza, em 1969. A casa editorial era de propriedade do francês
Ferdinand Briguiet, ex-comapanheiro de trabalho de Capistrano de Abreu na Livraria
Garnier, e iniciou suas atividades em 1893, através da compra da livraria Lachaud. As
relações da livraria com a Sociedade foram estabelecidas mesmo antes da casa
receber a incumbência do projeto editorial da instituição, pois Ferdinand Briguiet foi
sócio do grêmio desde a sua criação, em 1927, sendo substituído após a sua morte
pelo sobrinho, também Ferdinand. Como afirmamos, a Briguiet apenas editava as
publicações sendo responsável pela diagramação e definição de papel e tipos. A
revisão do texto e da edição, bem como a preparação do conteúdo era de
responsabilidade dos sócios da Sociedade, Eugênio de Castro e Rodolfo Garcia. Para o
trabalho de impressão, a casa editorial geralmente contratava os serviços de outras
tipografias, como as tipografias A. P. Barthel, a Encadernadora e Gráfica Sauer, além
de uma edição impressa nas oficinas gráficas da revista "Mês". Como alerta Hallewell, a
fragmentação do trabalho entre editoração e impressão era comum no mercado livreiro
brasileiro até a primeira metade do século passado, aspecto decorrente das intensas
212 HALLEWELL, Laurence. op. cit. p. 160.
136
relações comerciais estabelecidas pelos livreiros nacionais com as tipografias européias
e reforçado pela margem de lucro superior para os livros impressos fora do Brasil,
devido às debilidades das gráficas nacionais e as taxas de importação que encareciam
os insumos necessários a impressão. Contudo, quando a Sociedade iniciou o seu
projeto, o mercado editorial nacional já se apresentava melhor estruturado e suas
impressões foram realizadas em gráficas nacionais, porém, permanecendo o hábito da
separação entre os trabalhos de edição e impressão.213
A Sociedade buscou construir para o seu projeto editorial uma identidade
formal da coleção. Os livros deveriam possuir uma uniformidade que possibilitasse a
sua rápida visualização e identificação nos expositores das livrarias como obras
editadas pela Sociedade Capistrano de Abreu. Essa identidade formal que muitas
vezes se apresenta como um fator acessório é fundamental para a construção de uma
identidade da coleção para o público leitor, construindo, segundo Gérard Noiriel, as
estratégias editoriais de apresentação dos textos. Como sugere o autor:
Em todos os esforços estendidos pela instituição editorial para forjar a identidade formal da coleção, não há mais sentido do que aquele de adquirir rapidamente uma legitimidade no mundo intelectual. É uma condição imperativa para que o público alvo compre as obras publicadas sob sua marca.214
A compreensão por parte do leitor deste aspecto faz com que uma obra seja
lida não apenas pelo seu conteúdo, mas por pertencer a um determinado conjunto de
textos ou autor. Além disso, a compra de um exemplar que pertence a uma coleção
impulsiona a leitura e a compra de outros títulos da mesma coleção. Também para
Noiriel, a edição de uma coleção é um ato classificação e distinção social, pois cria um
213 HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil (sua história). São Paulo: Editora USP, 1985.
137
lugar social particular para o grupo de textos nela impressos diante do largo mercado
editorial.215
O livreiro e sócio da Sociedade, Ferdinand Briguiet, deveria compreender a
importância da idéia de conjunto que as publicações da Sociedade deveriam apresentar
ao público leitor como uma importante estratégia de venda, quando realizou a seguinte
sugestão aos sócios-editores da instituição para a publicação do Descobrimento do
Brasil, em 1929: Pedimos à digna diretoria permissão para como sócios fazer duas
sugestões sobre essa edição: 1º. Que seja posto em todas as obras a publicar um título
geral: “Obras completas de Capistrano de Abreu”.216
Apesar do conselho que Capistrano de Abreu ofereceu a Mário de Alencar em
carta anteriormente citada, as publicações da Sociedade eram editadas em formato de
um “monstrengo”.217 Os livros eram impressos em papel pardo, no formato in-32 (26,5
X18 cm), encadernados em brochuras, com capas verdes e lombadas em papel pardo.
Atendendo a recomendação de Ferdinand Briguiet, os livros apresentavam em suas
capas o título geral Edição da Sociedade Capistrano de Abreu; a não limitação do
projeto à obra de Capistrano de Abreu deve ter sido a razão da mudança do título geral
sugerido.
214 NOIRIEL, Gérad. L’univers historique: une collection d’histoire à travers son paratexte (1970-1993). Genèses, Paris, n.18, jan. p. 115, 1995. 215 Segundo Gérard Noiriel, o lançamento de uma coleção pode ser considerado, de fato, como um ato de classificação social para que a instituição editorial trace uma linha de demarcação que recorte no tecido imenso de publicações de perfil histórico uma edição dotada de uma singularidade. Ibid., p. 114. 216 Duplicata do contrato enviado à SCA pela Livraria Briguiet referente à publicação do livro Descobrimento do Brasil. 06 jun. 1929. Fundo SCA, subfundo Documentação Administrativa, pac.2, doc.36. 217 Ver nota 36 deste capítulo.
138
Como apresentamos, o projeto de construção da memória de Capistrano de
Abreu pela Sociedade era uma prática social complexa, que não apenas capitalizava
“glória”, reconhecimento e legitimidade para Capistrano de Abreu, mas também, e
principalmente, para os discípulos que investiam nessa economia da glória.218 Assim, a
distinção social dos membros da instituição também se materializava nas edições
promovidas pelo grupo, bem como estas também foram utilizadas como lugares de
memória dos próprios sócios.
Donald Mckenzie, refletindo sobre a função simbólica que a materialidade dos
escritos possui, se questiona sobre a forma freqüente com que o mercado editorial se
vale das edições de luxo como uma forma de criar um público consumidor diferenciado
para o objeto livro. Adquirir uma edição de luxo além de expressar um fetichismo sobre
a edição é uma demonstração clara de que a expressão física do livro exerce uma
função simbólica, pois se esta fosse algo indiferente, a publicação de edições de luxo,
comemorativas ou de fac-símiles de manuscritos seria pouco recorrente, visto que, na
maioria dos casos, possui lucros inferiores aos volumes vendidos aos milhões em
edições de bolso nas bancas de jornal e estações de metrô. Para Mckenzie,
A realização recorrente de edições de luxo e a renovação do interesse pelos manuscritos caligráficos de uma parte, os numerosos estudos recentes sobre os modos complexos de apresentação dos textos e a iluminura dos manuscritos medievais de outra parte, apóiam todas as idéias fundamentais segundo as quais as formas têm um efeito sobre o sentido.219
A idéia de que a forma possui um efeito sobre o sentido pode ser observada
nas encomendas por parte da Sociedade de edições de luxo destinadas aos sócios da
218 HEINICH, Nathalie. La gloire de Van Gogh: essai d’anthropologie de l’admiration. Paris: Éditions de Minuit, 1991.
139
instituição para um número considerável das publicações. Os livros de luxo possuíam
encadernação especial, o papel era apergaminhado, na folha de rosto existia um campo
reservado para a introdução do nome do sócio, todas as edições possuíam um número
de ordem e marca d’água da instituição e uma fotografia colorida de Capistrano de
Abreu. As edições de luxo eram pagas pela Sociedade à casa editorial responsável
pela publicação e, muitas vezes, possuíam um valor próximo aos direitos autorais que a
instituição recebia pela publicação, esse fato era amenizado porque a família de
Capistrano de Abreu, que também se beneficiava dos direitos autorais sobre a obra do
historiador, dividia as despesas destas edições com a instituição. Também era vetada à
casa editorial, bem como a Sociedade, a comercialização de tais exemplares.
Em alguns casos, como o da publicação do livro Caminhos Antigos e o
Povoamento do Brasil, em 1960, os direitos autorais foram praticamente consumidos
pelas despesas na confecção de edições de luxo. A tiragem do livro foi de 3000
exemplares, possuindo uma tiragem de luxo de 260 exemplares, sendo entregue um
número superior pela casa editorial, 300 exemplares. O preço da edição comum era de
Cr$ 880. A família de Capistrano recebeu 2/3 do valor referente aos direitos autorais,
num total de Cr$ 116.000 e para a Sociedade foi viabilizado o valor restante de
Cr$58.800. A edição comum possuiu um custo total de Cr$ 174.000, já a edição
especial totalizou Cr$ 57.720, valor devido pela Sociedade à Livraria Briguiet. Assim,
comparando o valor dos direitos autorais pagos à Sociedade pela edição com os
devidos pela impressão da edição de luxo, observamos a existência mínima de lucro.220
219 MCKENZIE, Donald. op.cit. p.37. 220 Análise da tiragem do livro “Caminhos antigos e povoamento do Brasil”, 1960. Fundo SCA, subfundo Documentação Administrativa, pac. 2, doc. 43.
140
As tiragens variavam dependendo das publicações e da oferta de matéria-
prima para as mesmas. Um exemplo foi a publicação da 1ª série dos Ensaios e
Estudos, em 1931. Foram impressos 2150 exemplares da edição comum e somente 30
exemplares da edição de luxo, pois, segundo a justificativa do editor, não havia papel
no mercado de acordo com a qualidade exigida.221 De uma forma geral, as edições de
luxo possuíam uma tiragem média de 150 exemplares, sendo exceções o caso anterior
e a edição comemorativa dos Capítulos de História Colonial, em 1954, como parte das
homenagens ao Centenário de Capistrano de Abreu, com uma tiragem de 400
exemplares.
FIGURA 16 – À esquerda, edição de luxo para sócios da Sociedade Capistrano de Abreu (1928), à
direita, edição popular (1934)
221 Ata da 7ª Assembléia Geral da SCA. LA n.1, 23 out. 1932, p.14-15.
141
Pelas informações apresentadas fica claro que os investimentos nas edições
destas obras de luxo não foram capitalizados financeiramente, pois apesar de
possuírem um valor comercial superior às edições comuns sua venda era proibida e
nunca foi estipulado um valor comercial para estes volumes. Estes exemplares não
foram produzidos como objetos portadores de um valor de troca, e sim como objetos
portadores de uma aura222; eram únicos, personalizados e intransferíveis, daí o controle
protocolar de cada exemplar e a inscrição do nome do proprietário, sócio da sociedade,
na contracapa. A posse do exemplar de luxo era a materialização do pertencimento ao
grupo, era a expressão do capital social disponível aos “discípulos” de Capistrano de
Abreu.
Todas as publicações da Sociedade possuíam as mesmas disposições das
seções. A edição de sócio era introduzida pela fotografia de Capistrano de Abreu e o
campo referente à identificação do proprietário do exemplar; após estes aspectos todas
as edições possuíam a mesma apresentação. Inicialmente era exposta a relação dos
títulos já publicados pela Sociedade; quando necessário, eram realizados
agradecimentos aos sócios da instituição que contribuíram com a publicação.223 Em
seguida, sem prefácios ou notas introdutórias, eram iniciados os textos objetos das
publicações seguindo, segundo os editores, as disposições originais. Todas as edições
da Sociedade apresentavam os estatutos da instituição em seu final, acompanhados da
222 Apesar dos livros serem produzidos em série, acreditamos que a relação particular que cada sócio estabelecia com esse capital social disponível aos membros da instituição, bem como o fato dos exemplares possuírem alguns aspectos que garantiam a individualidade de cada volume permitia a existência destes como objetos portadores de uma aura. Ver: BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica. In. ___. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 165-197. 223 São exemplos os agradecimentos ao sócio Paulo Prado pela cessão dos direitos autorais da publicação sobre a visitação do Santo Ofício (ver nota 52 deste capítulo) e a homenagem prestada ao sócio Guilherme Guinle pelo patrocínio da edição da Gramática dos Caxinauás, em 1941.
142
relação de sócios componentes da comissão executiva da instituição no ano da edição
e da relação nominal dos sócios e seus respectivos endereços para o recebimento de
correspondência. A publicação também trazia informações sobre a localização da
sociedade e da sua tesouraria – esta última funcionou de 1933 ao final da instituição na
residência do sócio Luiz Sombra e de sua esposa, também sócia da Sociedade, Maria
José de Proença Sombra –, bem como as condições de consulta e horário de
funcionamento da biblioteca do grêmio. A seção seguinte correspondia à relação dos
ganhadores e suas respectivas monografias agraciadas com o Prêmio Capistrano de
Abreu. Após estas observações, podemos concluir o quanto era presente a imagem
institucional do grêmio em suas publicações, o que reforça a decisão tomada pelos
editores de definirem como título geral da coleção “Publicações da Sociedade
Capistrano de Abreu” em detrimento de “Obras completas de Capistrano de Abreu”,
como inicialmente sugerido por Ferdinand Briguiet.
Como espaço de memória, as edições da Sociedade possuíam uma seção
destinada a prestar homenagens aos sócios da instituição. As publicações
apresentavam a relação dos sócios falecidos durante os intervalos das edições.
Homenagem singular foi a realizada pela Sociedade quando do falecimento do sócio
Miguel Arrojado Lisboa, em 1932. Como apresentamos anteriormente, Arrojado Lisboa
foi o primeiro sócio fundador homenageado com a inscrição do seu nome em prata na
estante número um da Biblioteca Capistrano de Abreu. Assim, a edição da 2ª série dos
Ensaios e Estudos trouxe a transcrição da homenagem prestada pela instituição
através do discurso do sócio Eugênio de Castro.224
224 Arrojado Lisboa. In. ABREU, Capistrano de. Ensaios e Estudos (crítica e história), 2ª série. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu; Livraria Briguiet, 1932, p.383-385.
143
Aspecto relevante das publicações foi a ausência de prefácios e notas
explicativas nas edições da Sociedade, principalmente nas edições organizadas pelos
editores e não por Capistrano de Abreu como a série Ensaios e Estudos e o livro
Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil . Os prefácios e as apresentações são
espaços privilegiados de interlocução entre autores, editores e leitores. Nesses espaços
textuais podem ser realizadas inúmeras operações que buscam constranger o leitor
sobre o texto dado a ler, desde sua qualidade literária e estética, bem como da
exemplaridade do autor que a produziu, quanto às particularidades da edição, e
especificamente no universo historiográfico, pode expor o conjunto de fontes e
procedimentos metodológicos que garantam ao leitor a segurança de consumir um
texto criterioso e de rigor científico.225 Segundo Gérard Noiriel, os prefácios e
apresentações são trabalhos promocionais que procuram informar o leitor, valorizar o
texto e justificar aquilo que está escrito.226 Diante da relevância desses espaços de
interlocução, nos questionamos por que a Sociedade não os utilizou como um lugar
privilegiado para a construção da memória de seu patrono, bem como para a promoção
de seus trabalhos e explicação da própria ordem estabelecida por ela para as edições.
Mais uma vez foi Gérard Noiriel que nos ofereceu alguns indícios sobre a negligência
da Sociedade em prefaciar suas publicações, bem como emitir notas explicativas sobre
seus trabalhos de edição.
Tendo como objetivo investigar os espaços de legitimação intelectual no campo
da história, Gérard Noiriel investigou os prefácios escritos para a coleção francesa de
225 Segundo Gérard Noiriel, a diferença dos livros de ficção, nos quais a separação entre o prefácio e o texto é evidente, ela é muito mais difícil de ser traçada nas obras históricas. Aquilo que centenas de autores chamam “prefácio”, “advertência” ou “avant-propos” constitui para os outros uma introdução que faz parte do próprio texto. NOIRIEL, Gérard. op.cit. p. 122.
144
textos de história L’Univers Historique, chegando à conclusão de que estes se
apresentam de três tipos: tipo A (apresentações curtas e neutras), tipo B
(apresentações longas e elogiosas) e tipo C (longas e neutras). Como a própria
definição apresenta, os prefácios do tipo A se limitavam a dar dados pontuais sobre as
obras, sem especificar questões de cunho metodológico sobre as mesmas e sem se
aprofundar na trajetória intelectual do autor. Já os prefácios de tipo B, eram mais
detalhados, trazendo informações sobre as obras e autores com o objetivo de valorizar
o texto e eram utilizados principalmente para obras de autores estrangeiros. Um
aspecto relevante neste segundo tipo de prefácio era a presença de prefaciadores já
conhecidos no campo intelectual francês e que através de seus textos elogiosos
atestavam a qualidade do livro estrangeiro em questão. Os do tipo C eram utilizados
para apresentar novos autores que não possuíam prestigio nas instâncias de
consagração, porém eram produtores de pesquisas inovadoras, assim as informações
sobre os aspectos teóricos e metodológicos das pesquisas eram intensificados em
detrimento do autor. Por trás dessa discussão aparentemente acessória concernente à
publicação de um livro, está todo um capital simbólico envolvido nas instâncias de
consagração e legitimação de uma obra. Segundo Noiriel, os prefácios de tipo A são
utilizados em livros cujos autores já dispõem de uma posição consolidada no campo
intelectual, assim dispensando qualquer tipo de elogio. Os prefácios de tipo B, para o
autor são antes de tudo textos estratégicos que buscam apresentar um autor
estrangeiro e atestar através das informações ou do parecer do prefaciador a qualidade
de um texto desconhecido do público francês e os de tipo C apresentavam autores
226 Ibid., p. 123.
145
desconhecidos, porém autores de teses de doutorado bem avaliadas pela academia.
Como sugere Noiriel:
De uma maneira geral, são os autores mais consagrados pelas autoridades acadêmicas que se beneficiam das notícias mais curtas e mais neutras, enquanto que os autores menos legitimados sobre o plano das instituições nacionais tem direito às apresentações mais valorizadoras. O caso extremo é aquele de Emmanuel Le Roy Ladurie (1980), professor do Collège de France que é apresentado unicamente pelo seu sobrenome (sem nome) acompanhado, fato raríssimo na UH, de uma foto [...] O tipo B é, sobretudo, ilustrado pelas apresentações de autores estrangeiros que pertencem freqüentemente a instituições de prestígio, mas pouco conhecidos do público francês. O editor deve então compensar este handicap com elogios de apoio. [...] (O de tipo C) Ele concerne principalmente aos jovens autores que não chegaram (ainda) ao ápice da consagração acadêmica, mas que possuem ao menos uma legitimidade institucional pela sua formação anterior.227
Para a Sociedade, Capistrano de Abreu estaria dentro da categoria de autores
contemplados pelos prefácios de tipo A, cuja apenas a citação do nome já seria
suficiente como legitimadora da obra. Para os editores, o autor já era suficientemente
conhecido no universo letrado nacional, bem como reconhecido como um especialista
criterioso nos estudos históricos, o que dispensaria a necessidades de textos elogiosos
e ou de apresentação. A grandiosidade de Capistrano de Abreu no campo letrado era já
algo consolidado pela Sociedade e a edição de sua obra seria apenas a reafirmação
desse lugar privilegiado. Além disso, a própria edição dos textos em uma coleção como
monumento á sua memória seria uma apresentação suficientemente elogiosa e
legitimadora do autor. Dessa forma, a dispensa das notas, prefácios e introduções,
passa a ser facilmente compreendida, bem como o recurso a introdução da fotografia
do autor nos textos.
227 Ibid., p. 117.
146
O nome do autor como um receptor de capital simbólico no campo das letras e
artístico foi uma das principais conseqüências do processo de constituição da figura
autoral e que levou o nome do autor a representar um discurso particular.228 A figura do
autor, concebido pelo seu nome, passa a representar uma unidade de escrita e
naturalmente a representar um conjunto de representações sobre um determinado
texto. No caso de Capistrano de Abreu, seu nome representaria no campo letrado
nacional a escrita história do Brasil a partir de uma metodologia criteriosa de
abordagem das fontes. Assim, a inserção do seu nome na capa dos livros de imediato
atestaria e legitimaria um tipo de discurso particular, o historiográfico. Segundo
Foucault:
Um nome de autor não é simplesmente um elemento de um discurso (que pode ser sujeito ou complemento, que pode ser substituído por um pronome, etc.); ele exerce relativamente aos discursos um certo papel: assegura uma função classificativa; um tal nome permite reagrupar um certo número de textos, delimitá-los, selecioná-los, opô-los a outros textos [...] Em suma, o nome de autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso: para um discurso, ter um nome de autor, o fato de se poder dizer “isto foi escrito por fulano” ou “tal indivíduo é o autor”, indica que esse discurso não é um discurso cotidiano , indiferente, um discurso flutuante e passageiro, imediatamente consumível, mas que se trata de um discurso que deve ser recebido de certa maneira e que deve, numa determinada cultura, receber um certo estatuto.229
Entendendo o nome do autor como constituinte de uma ordem discursiva,
podemos relacionar este aspecto à própria constituição do campo historiográfico no
228 O processo de constituição da figura autoral remonta ao século XVI, atingindo a sua maturidade no século XIX, e correspondeu à individualização dos textos como propriedade intelectual e jurídica de um determinado indivíduo. Segundo Foucault, a noção de autor constitui o momento forte da individualização na história das idéias, dos conhecimentos, das literaturas, na história da filosofia também, e na das ciências. Mesmo hoje, quando se faz a história de um conceito, de um gênero literário ou de um tipo de filosofia, creio que tais unidades continuam a ser consideradas como recortes relativamente fracos, secundários e sobrepostos em relação à unidade primeira, sólida e fundamental, que é a do autor e da obra. FOUCAULT, Michel. O que é um autor? In. ___.O que é um autor? 4 ed. Lisboa: Vega/Passagens, 2000. p. 33.
147
Brasil na primeira metade do século XX e de como o nome de Capistrano de Abreu
passou a ser significativo e representante de um determinado tipo de discurso. A
própria constituição do projeto editorial da Sociedade e que recebeu o nome de
Capistrano de Abreu já apresenta que tipo de textos poderiam ser relacionados ao seu
nome: obras de sua autoria, fontes para escrita da história e textos historiográficos.
Dessa forma, o nome de Capistrano de Abreu representaria o discurso histórico.
A presença da fotografia do historiador aliada ao seu nome como única forma
de apresentação dos livros também corresponde ao processo de constituição da figura
autoral, pois representaria a propriedade e personificação da obra em relação ao autor.
Segundo Chartier:
A mais espetacular dessas marcas (de individualização do texto) é a representação física do autor, em seu livro. O retrato do autor que torna imediatamente visível a atribuição do texto a um eu singular é freqüente no livro impresso no século XVI. Quer a imagem dote o autor (ou tradutor) dos atributos reais ou simbólicos de sua arte, ou o heroifique à antiga, ou o apresente “ao vivo”, ao natural, sua função é idêntica: constituir a escrita como expressão de uma individualidade que fundamenta a autenticidade da obra.230
As reflexões de Foucault sobre como o nome do autor constitui uma ordem
discursiva são importantes para refletirmos sobre o segundo aspecto relacionado às
edições da Sociedade: a constituição da obra de Capistrano de Abreu. Como
afirmamos, a instituição publicou doze edições de textos de seu patrono referente a
sete títulos distintos. A primeira publicação correspondeu à segunda edição do livro
Capítulos de História Colonial, em 1928. Este livro também foi o mais editado pela
Sociedade, possuindo reedições em 1934, 1954 e 1969, visto que, este livro foi
229 Ibid., p.44-5.
148
representado como a principal contribuição do autor à historiografia brasileira, e de fato,
até hoje, é o trabalho mais citado do autor. A Sociedade também promoveu a reedição
dos dois outros livros publicados em vida por Capistrano de Abreu, a segunda edição
do Descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI, em 1929, e a
segunda edição de rã-txa hui-ni-ku-i, em 1941. Apesar das edições anteriores
possuírem particularidades editoriais que serão a seguir apresentadas, as publicações
que expõem de uma forma mais explícita o papel da Sociedade como editora são a
série Ensaios e Estudos – publicada em três números, respectivamente em 1931, 1932,
1938 e 1969, sendo as duas últimas referentes à primeira e a segunda edição da
terceira série – e o livro Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil, publicado em 1930
e 1960.231 Nestes últimos livros, as inferências dos editores na construção da obra de
Capistrano de Abreu parecem mais evidentes porque estes trabalhos não foram
deixados prontos pelo autor, mas foram construídos pela Sociedade. Ensaios e Estudos
corresponderam, como a própria instituição definiu em ata, à publicação dos ensaios e
estudos de Capistrano já publicados e sobre a temática “crítica e história”, desde os
primeiros até os últimos estudos do mestre, e assim organizados em séries e em
obediência à ordem cronológica dos mesmos.232 Já o livro Caminhos Antigos e
Povoamento do Brasil correspondeu a um trabalho de editoração mais complexo, pois
organizou alguns artigos do autor em um grupo temático e oferecendo a feição de livro.
Ao lado dos Capítulos, o livro Caminhos Antigos é um dos trabalhos mais citados do
autor e poucos leitores sabem que este livro foi um produto editorial da Sociedade, pois
230 CHARTIER, Roger. Figuras do autor. In. _____. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora UNB, 1999. p. 53. 231 Ver Anexo 9.
149
devido à ausência de notas explicativas, o processo construtivo deste trabalho não foi
explicitado na publicação.
Antes de apresentarmos os detalhes da publicação é necessário trazer as
reflexões de Michel Foucault sobre a definição de obra. Dialogando com as
perspectivas de análise estruturalista dos textos, as quais possuíam como objetivo
abandonar os questionamentos sobre o autor e se deter apenas no estudo das “obras”
como pressuposto epistemológico, Foucault chega a conclusão que essa percepção de
análise do discurso possui um fundo simplista que não consegue alcançar a
complexidade da construção discursiva. Para Foucault, a ênfase na análise da obra
oblitera e negligencia um aspecto fundamental da construção do discurso: a figura
autoral. Assim, o autor põe em xeque o fundamento deste tipo de análise e realiza os
seguintes questionamentos:
O que é uma obra? Em que consiste essa curiosa unidade que designamos por obra? Que elementos a compõem? Uma obra não é o que escreveu aquele que se designa por autor? [...] Se um indivíduo não fosse um autor, o que ele escreveu ou disse, o que ele deixou nos seus papéis, o que ele herdou poderia chamar-se uma “obra”? 233
Como aponta o autor, surgem inúmeras dificuldades ao se tentar conceituar o
que seria uma “obra”. Talvez o questionamento mais incisivo e desestabilizador seja o
realizado sobre o conteúdo que deve constituir uma obra. Será que tudo o que um
determinado indivíduo produziu durante a vida deve compor a sua obra? Como sugere
Foucault:
Quando se empreende, por exemplo, a publicação das obras completas de Nietzsche, onde é que se deve parar? Será com certeza preciso publicar tudo, mas que quer dizer este “tudo”? Tudo o que o próprio Nietzsche publicou, sem dúvida. Os rascunhos das suas obras?
232 Ata da 6ª Assembléia Geral, LA n. 1, 23 de out. 1931, p. 12. 233 FOUCAULT, Michel. op. cit. p. 37.
150
Evidentemente. Os projetos de aforismos? Sim. As emendas, as notas de roda-pé? Também. Mas quando, no interior de um caderno cheio de aforismos, se encontra uma referência, uma indicação de um encontro ou de um endereço, um recibo da lavanderia: obra ou não? E isso indefinidamente. Como definir uma obra entre os milhões de vestígios deixados por alguém depois da morte?234
O autor tem como objetivo ao realizar estes questionamentos relativizar a
concepção de obra, observando que a obra não é um dado que cabe ao editor apenas
resgatar, mas sim, demonstrar que a obra é uma construção, produto de um processo
seletivo. A conclusão do autor é reveladora quanto a este aspecto: a teoria da obra não
existe, e os que ingenuamente empreendem a edição de obras completas sentem a
falta dessa teoria e depressa o seu trabalho empírico fica paralisado.235 Dessa forma, o
que a Sociedade apresentou como a obra completa de Capistrano de Abreu foi apenas
um recorte, uma seleção de textos aos quais os editores apresentaram como
significativo e completo. Um exemplo são as exclusões realizadas pela Sociedade de
textos publicados por Capistrano sem autoria declarada, para compor a série Ensaios e
Estudos236 ou o texto oficial desenvolvido pelo autor como orientação aos imigrantes
recém chegados ao Brasil encomendado pela Companhia Metropolitana, em 1897. O
que queremos afirmar com estes exemplos é que como todo processo seletivo, a
Sociedade também realizou exclusões. 237
234 Ibid., p. 38. 235 Ibid., p. 38. 236 Esses textos foram publicados por José Honório Rodrigues nos Ensaios e Estudos, 4ª série, em 1976, após o termino das atividades da Sociedade. A publicação foi composta por 74 artigos, 17 assinados pelo autor e 58 sem identificação. Estes últimos corresponderam às contribuições de Capistrano de Abreu ao periódico Gazeta de Notícias entre 1879 e 1881. Ver: ABREU, Capistrano de. Ensaios e Estudos, 4ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976. Sobre as edições da obra de Capistrano de Abreu por José Honório Rodrigues ver capítulo 3.
151
A série Ensaios e Estudos seguiu o plano anteriormente traçado. Os artigos
foram dispostos em ordem cronológica. Na 1ª série foram publicados textos entre 1874
e 1901; na 2ª série artigos entre 1903 e 1908, e após um intervalo, entre 1917 e 1927.
Apenas na 3ª série ocorreram alguns anacronismos nas disposições dos artigos,
justificados pelas descobertas de novos trabalhos após a publicação das primeiras
séries e também porque este volume foi composto principalmente por prefácios e
introduções escritas por Capistrano de Abreu, o que dificultava a disposição em ordem
cronológica em relação às edições anteriores.238 Os trabalhos foram fruto de uma
intensa pesquisa em vários periódicos, como a Revista do IHGB, Almanaque Garnier,
Revista do Brasil, Jornal do Comércio, O Jornal, O Globo, Folhinha Laemmert, Revista
da Academia Brasileira de Letras, Anais da Biblioteca Nacional, A Notícia, Gazeta de
Notícias e Maranguapense. Este último foi o jornal no qual Capistrano escreveu seus
primeiros trabalhos de crítica literária, em 1874, ainda na sua cidade natal,
Maranguape, município da região metropolitana da cidade de Fortaleza, Ceará. A
aquisição originou-se da doação do sócio Luiz Sombra.239 Aliás, as doações de artigos,
cartas e matérias em jornais de autoria ou referentes à Capistrano de Abreu foi uma
prática comum entre os sócios do grêmio. São exemplos: o envio por Cruz Abreu de um
artigo de autoria de Rodolfo Teóphilo sobre Capistrano de Abreu; o artigo doado por
237 ABREU, Capistrano de. Instruções para os imigrantes. Trajetos. Fortaleza, v. 3, n.5, p. 11-30, 2004. 238 A justificativa da disposição não cronológica de alguns artigos da 3ª série dos Ensaios e Estudos foi uma das raras intervenções dos editores na apresentação da publicação. Segundo a justificativa apresentada para publicação do artigo História pátria, os três artigos agora publicados, pela data que trazem, deveriam ter sido incluídos, se conhecidos a tempo, entre os primeiros escritos de Capistrano de Abreu, que formam a 1ª série dos Ensaios e Estudos. Nota explicativa ao artigo História Pátria. In. ABREU, Capistrano de. Ensaios e Estudos, 3ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p. 103. 239 Ver: Ata da 3ª Assembléia Geral, LA n. 1, 23 de out. 1929, p. 8.
152
Arthur Neiva sobre o historiador, atendendo a um pedido do sócio Roquete Pinto; a
doação pelo sócio Tancredo de Barros Paiva de um número da Revista Kosmos com
um artigo do autor.240 De fato, a Sociedade conseguiu reunir um número expressivo de
artigos produzidos por Capistrano de Abreu. Foram publicados nos três primeiros
números da série que foram de responsabilidade exclusiva da instituição um total de 42
trabalhos.
A Sociedade visivelmente definiu um perfil para os trabalhos publicados na
série, aspecto que se evidencia no subtítulo da coletânea, “crítica e história”. Foram
reunidos os trabalhos do autor que se detiveram sobre temáticas referentes á
historiografia e a etnografia brasileira, crítica documental, resenhas críticas, prefácios
de livros anotados, editados ou traduzidos pelo autor, além de artigos sobre crítica
literária. A apropriação realizada pela Sociedade da produção intelectual de Capistrano
de Abreu se apresentou de uma forma tão intensa e eficaz que na atualidade é
extremamente difícil apontar as lacunas deixadas pela Instituição; sendo inovadores
trabalhos como o de Maria Verônica Secreto que trouxe à luz um trabalho ainda inédito
de Capistrano de Abreu.241 Por alguns comentários apresentados nas reuniões da
instituição, acreditamos que o número dos artigos coligidos do historiador tenha sido
bem maior do que o efetivamente publicado, pois os sócios chegaram a apresentar a
proposta de edição da quarta e quinta séries dos Ensaios e Estudos.242
240 Carta enviada por Eugenio de Castro a Cruz Abreu em 25 abr. 1931, Fundo SCA, Subfundo correspondência ativa, pac. 1, doc. 7; Carta enviada por Arthur Neiva a Roquete Pinto em 28 set 1927, Fundo SCA, Subfundo correspondência passiva, pac. 1, doc. 1; Ata da 10ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1935, p. 20. 241 Ver nota 92. SECRETO, Maria Verônica. As instruções para os imigrantes no contexto da propaganda da imigração. Trajetos. Fortaleza, v. 3, n.5, p. 31-48, 2004.
153
Contudo, o trabalho de maior apuro editorial e que em sua composição possuiu
maior sucesso quanto ao objetivo de construir uma memória de Capistrano de Abreu
dentro do cânone da historiografia brasileira foi a publicação do livro Caminhos Antigos
e povoamento do Brasil.243 Ele demarcava não apenas um projeto editorial, mas
também historiográfico. Além disso, esta foi a primeira publicação da Sociedade a
atingir a marca dos dois mil exemplares impressos.
O livro foi composto por dez ensaios produzidos entre 1887 e 1924. A reunião
dos mesmos atendeu a um recorte temático bem mais restritivo do que o da série
Ensaios e Estudos. Coligir artigos que falassem sobre o povoamento do Brasil era o
objetivo da publicação. Segundo o livro de atas da instituição, na sessão anual de 1929,
os sócios aprovaram as idéias apresentadas à Comissão Executiva sobre a publicação
da Sociedade referente a 1930 e que deverá constar dos estudos de Capistrano de
Abreu publicados em jornais ou revistas e que melhor se enquadrem no tema de
nossos “antigos caminhos e povoamento” do Brasil.244
O primeiro artigo, Solís e Primeiras Explorações, foi publicado pelo autor no
Jornal do Comércio, em 1900, com o título Revistas Histórico. A mudança do título nos
deixa alerta para as observações anteriormente apresentadas sobre a história dos
impressos e de como cada nova impressão, devido às interferências editoriais se
transforma em um novo texto. Acreditamos que a mudança do título foi realizada com
242 Dentre as atividades da Sociedade registradas em ata foi exposta a leitura dos artigos e estudos de Capistrano de Abreu a serem aproveitados nas futuras publicações da Sociedade, sob o título ‘Ensaios e Estudos’ (4ª série) e (5ª série) e anotar outras indicações que sejam reveladas pelos sócios presentes ou ausentes. Ata da 14ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1939, p. 26. Infelizmente, não conseguimos identificar nenhum registro mais descritivo sobre a publicação destes dois volumes. 243 ABREU, João Capistrano de. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu; Livraria Briguiet, 1930. 244 Ata da 3ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1929, p. 9.
154
objetivo de explicitar o conteúdo do ensaio, visto que, Revistas Históricas, deveria ser
entendido como excessivamente genérico e pouco inclusivo no tema proposto para a
publicação. O artigo discutia sobre as demarcações de limites entre a América
portuguesa e espanhola no século XVI e as inúmeras contradições existentes na
demarcação destes limites, com ênfase na expedição realizada por Juan Diaz de Solís
com o objetivo de alcançar o oceano Pacífico e da pertinência deste ser considerado o
descobridor do Rio da Prata. Destacam-se neste artigo o uso da crítica documental e da
cronologia como instrumentos da escrita da história, aspectos que gerariam a
factualidade da narrativa.
O segundo artigo foi publicado também no Jornal do Comércio, em 1917, sob o
título Os Guaianases de Piratininga. O ensaio buscava recuperar o grupo indígena “pré-
cabralino” que ocupava a região de Piratininga quando do início da colonização.
Capistrano de Abreu colocou neste artigo a emergência de se entender os grupos
indígenas que dialogicamente constituíram ao lado do colono português o território
brasileiro. Capistrano buscava encontrar o “papel histórico” do indígena na construção
da espacialidade nacional, concluindo que estes possuíram um papel decisivo, pois
precederam aos portugueses na formação dos caminhos que levaram a interiorização
do Brasil. Segundo o autor:
Se recordarmos que os Guaianases-Guarulhos-Miramumis freqüentavam as estradas de Facão e Passa Vinte, antes dos Bandeirantes para lá terem dirigido suas hordas, teremos uma idéia de seu papel histórico: antes de Garcia Rodrigues haver desbravado o Paraibuna e transposto a balança das águas entre o Paraíba e o Guanabara, não podia, quem do rio quisesse ir aos descobertos auríferos, tomar caminho diferente. Outro caminho, de alcance menor,
155
aliás, liga-se ainda a estes índios, mostrando como atravessaram uma garganta da Mantiqueira, no século XVII.245
No ensaio Capistrano de Abreu apresenta dois questionamentos relevantes
para prática historiográfica. O primeiro seria o revisionismo pelo qual deveria passar o
conhecimento produzido sobre a etnografia nacional, pois, para o autor, a etnografia
brasileira estava contínua ainda, sob o signo de Carlos von Steinen e Paulo Ehrenreich,
e estes por sua vez tinham como princípios as observações Karl Friedrich von Martius.
Dessa forma, o autor observava uma defasagem entre estes autores e os estudos
promissores que poderiam ser realizados pelos etnógrafos nacionais. O segundo
aspecto correspondia no papel dos jesuítas para o conhecimento e a produção da
etnografia brasileira. Neste aspecto residia muito da admiração que Capistrano de
Abreu nutria sobre cronistas da Companhia de Jesus, particularmente, José Anchieta,
pois indiferente às práticas de constrangimento realizadas pelos jesuítas na conversão
religiosa do gentio, Capistrano via na gramaticalização do vocabulário dos indígenas
promovidos pelos missionários uma forma de salvaguarda e repositório de informações
que poderiam ser utilizadas pelo etnógrafo do final do século XIX e início do século XX.
Segundo Capistrano de Abreu:
Com o auxílio de um escravo que sabia bem a língua, em quinze dias que com ele tratou fez um pedaço de vocabulário e parte da gramática o venerável José de Anchieta. ‘Os Maramumis têm língua boa e fácil de apreender’, informa Simão de Vasconcelos; mas Anchieta, obrigado por outros deveres, passou o encargo a seu confrade Manuel Viegas que fortemente se empenhou na missão [...]246
245 ABREU, João Capistrano de. Os Guaianases de Piratininga. In. ___. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1975, p. 14. 246 Ibid., p. 13. As questões referentes à abordagem de Capistrano de Abreu e da Sociedade sobre a questão dos jesuítas no Brasil serão mais bem discutidos no próximo tópico, O Prêmio Capistrano de Abreu.
156
Atribulações de um donatário foi o terceiro trabalho coligido, publicado
originalmente na Revista Ciências e Letras, em 1917. Por este artigo, Capistrano de
Abreu apresentava o cotidiano das capitanias durante a colonização no século XVI, as
formas de vestir, alimentar, morar, as sociabilidades, etc. Em específico, o autor
apresenta a chegada da inquisição ao Brasil e as mudanças ocorridas na colônia, tendo
com estudo de caso o processo do Donatário da Capitania de Porto Seguro, Pero do
Campo Tourinho. A temática apresentava-se relevante para o estudo do povoamento
do Brasil, pois, Capistrano de Abreu observava as Capitanias Hereditárias como um
relevante dispositivo de consolidação do território frente às ameaças estrangeiras,
sendo este um tema recorrente em sua produção.
O quarto ensaio da obra é também o que dá nome à coletânea. Os Caminhos
Antigos e o Povoamento do Brasil corresponderam a uma série de ensaios publicados
no Jornal do Comércio, em 1899, e revistos e novamente publicados na revista América
Brasileira entre agosto e outubro de 1924. É o artigo mais denso que compõe o livro,
seja pelo volume, seja pelas informações que trás. Trata-se de uma descrição do
processo de devastação, incursão, colonização e povoamento do território nacional.
Capistrano de Abreu estabelece os principais centros de povoamento constituintes do
espaço nacional, quais sejam: Pernambuco, Salvador, São Vicente e Maranhão. Neste
ensaio o autor promove o que definimos como uma escrita geográfica da história.
Como apresentaremos no próximo item, a escrita da história e a geográfica, no final do
século XIX e início do século XX, eram narrativas próximas, na verdade, a historiografia
se apropriava da geografia como forma de obter a compreensão e a causalidade dos
processos históricos. Capistrano de Abreu apresenta os meandros socioeconômicos e
157
geográficos que promoveram a interiorização do território. As bandeiras, a criação de
gado, a existências de vias fluviais, a abertura de picadas que posteriormente se
transformaram em caminhos e estradas, a afabilidade ou a dureza da vegetação são os
aspectos constitutivos do processo de povoamento e conquista do sertão segundo o
autor.247 Capistrano de Abreu realiza uma narrativa particular para cada centro de
povoamento, cada um destes existindo de uma forma independente em relação aos
outros e com raríssimos contatos entre as zonas de povoamento. Através dessa
narrativa fragmentada apresenta-se a percepção que o autor possuía do povoamento
do território, qual seja: um processo descontínuo e fragmentado pelas diversas áreas
do país e que pouco contribuiu para a constituição de uma unidade nacional. A
constituição da identidade da nação com uma unidade é o objetivo do autor, e assim,
ele se questiona:
Assim no princípio do século último (século XVIII) estava todo o país ligado, imperfeitamente embora, por meio de vias terrestres ou fluviais. Chegar-se-ia a formar um conjunto, uma nacionalidade? O sistema colonial era a divergência, o particularismo; o centro ficava além-mar. Por circunstancias conhecidas, a corte por circunstâncias conhecidas a
247 Os aspectos referentes à produção historiográfica de Capistrano de Abreu, bem como as representações da escrita da história promovidas pela Sociedade serão apresentados em tópico específico, contudo, faz-se necessário adiantar algumas definições. O sertão era entendido como qualquer área do território nacional que se encontrasse distante da área litorânea, independente da região geopolítica no qual estivesse localizado. Ou seja, existiam os sertões do sul, do norte, mineiro, etc. Na verdade, entender a definição de sertões para esta historiografia somente é possível através do movimento dialógico entre o sertão e o litoral como categorias opostas. Assim, o sertão estaria onde o litoral não se apresentasse. Nas definições de Capistrano de Abreu encontra-se ausente qualquer observação que leve á definição do sertão como exclusivamente correspondente à região nordeste. Como alerta Durval Muniz de Albuquerque, a percepção do nordeste como uma região particular foi uma construção discursiva posta em prática nas duas primeiras décadas do século XX. Outra definição relevante é a de caminho. Para Capistrano de Abreu este se definia pelas vias que ligavam o litoral ao sertão brasileiro, estes poderiam ser terrestres ou fluviais. Neste momento também é necessário esclarecer que sertão e litoral não representavam exclusivamente uma condição geográfica e natural, representavam acima de tudo modos de compreensão da realidade nacional. Dessa forma, sertão e litoral estavam para além de uma condição natural e se apresentavam acima de tudo como modos diversos de construção nacionalidade. Sobre a prática historiográfica da Sociedade, ver próximo tópico “O Prêmio Capistrano de Abreu”. Sobre a construção discursiva da região nordeste como um espaço particular do território brasileiro, ver: ALBUQUERQUE Jr, Durval M. A invenção do Nordeste e outras artes. 3 ed. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana; São Paulo: Cortez, 2006.
158
corte portuguesa transplantou-se, e ficou intrínseco o centro que estava fora. Treze anos reinou D. João VI, dez anos reinou D. Pedro I, e tão suave começou a convergência das partes, e tão naturalmente correu o processo de unificação que, apesar das revoluções profundas realizadas nestes dois reinados, tudo se pautou por uma evolução gradual e legítima. Tão cimentada ficou a obra nacional que desafiou as crises que acompanharam a regência e ainda entraram pelo segundo reinado.248
A unidade nacional não seria para o autor apenas o somatório das partes. A
nação se constituiria pelo conhecimento de si mesma, de suas partes, da posse e
consolidação de seu território e da existência de um poder político unificador. Dessa
forma, a percepção do povoamento para Capistrano de Abreu não seria apenas a
ampliação do território, para o autor o povoamento representaria a conquista e a
permanência do colono na terra conquistada e por sua vez a sua relação intima com um
poder central.
Os primeiros descobridores de Minas é o quinto trabalho que constitui o livro.
Este também sofreu a interferência dos editores em sua disposição original. Publicado
inicialmente no periódico A Semana, em 1887, com o título Notas para nossa História, o
artigo foi reproduzido em 1901, na Revista do Arquivo Público Mineiro, já com o título
atual. Neste último ensaio, Capistrano concluiu a publicação com uma nota de
advertência na qual atualizava informações bibliográficas e discutia brevemente as
conclusões realizadas no primeiro ensaio. Na edição organizada pela Sociedade estas
passaram a nota de abertura, com o objetivo de introduzir o artigo com as novas
informações apresentadas pelo autor. Seguindo os parâmetros já apresentados, o
artigo buscava mapear as primeiras expedições exploradoras que chegaram ao atual
estado de Minas Gerais.
248 ABREU, João Capistrano de. Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil. In. ___. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1975, p. 67.
159
Aspecto relevante foi a utilização das crônicas de padres da Companhia de
Jesus e da tratadística de Pero Magalhães de Gândavo como fontes para o
estabelecimento das expedições e sua cronologia. Neste artigo observa-se todo um
estudo de crítica documental com objetivo de cercar as afirmações como a maior
precisão possível. Esse aspecto é relevante, visto que a documentação sobre a colônia
no século XVI era praticamente inacessível aos pesquisadores brasileiros e as crônicas
eram as principais fontes para suas narrativas, sendo a sua utilização cercada de
armadilhas à pretendida exatidão do discurso histórico. Geralmente, as crônicas ou
cartas chegavam aos historiadores nacionais através de cópias, e estas nem sempre
eram de uma qualidade e correção confiável.249 O uso desses textos demandava um
trabalho minucioso de comparar cópias produzidas por copistas distintos, ou existentes
em bibliotecas variadas, até se chegar ao texto mais preciso e fidedigno aos originais,
que na maioria dos casos já foram destruídos. Esse trabalho de depuração dos
documentos geralmente apresentava-se como uma parte fundamental da narrativa
histórica, talvez por legitimar as afirmações ali apresentadas. Esse recurso foi
249 São inúmeros os flagrantes na correspondência de Capistrano de Abreu dos problemas ou sucessos promovidos pelos copistas que trabalhavam para o historiador, um exemplo foi o recebimento do processo inquisitorial sobre o donatário Pero do Campo Tourinho, que resultou no terceiro artigo do livro Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. A cópia do processo foi intermediada por João Lúcio de Azevedo e assim Capistrano de Abreu comunicou o seu recebimento: Acabei de rever a cópia datilografada do artigo sobre a moeda, comecei a leitura de Rondônia de Roquette Pinto e pensava em conseguir um exemplar para remeter-lhe, quando bateu o correio com um registrado. Sabendo que só vapores ingleses tocam agora em Lisboa, nem de longe presumi que se tratasse do processo de Tourinho. Minha surpresa foi grande. Agradeço mais esta prova de sua bondade invariável. Agradeço-lhe a escolha do copista: é inteligente, tanto que não tropecei no texto; é honesto e não recorre às letras unciais e polegares para encher linhas. Tomara que faça muitas cópias para mim. Carta enviada por Capistrano de Abreu a João Lúcio de Azevedo em 14 abr. 1917. CCA, volume 2, p. 46.
160
corriqueiramente utilizado por Capistrano de Abreu e culminava, como no caso deste
artigo, com a transcrição dos documentos.250
O sexto trabalho, Esquema das bandeiras, correspondeu um esquema
oferecido por Capistrano de Abreu a Paulo Prado sobre a origem das bandeiras e as
respectivas áreas atingidas por estas. Assim, o autor apontou a existências das
bandeiras paulistas, baianas, pernambucanas, maranhenses e amazônicas.
A Bandeira de Francisco de Melo Palheta ao Madeira e o Documento da
Narração da Viagem, sétimo artigo coligido, representou a transcrição de documentos
referentes à bandeira de Francisco de Melo Palheta, originalmente publicados por
Capistrano de Abreu na Gazeta Literária em outubro e novembro de 1884. Como
veremos, narrativas e roteiros de viagem eram documentos preciosos para os
historiadores do início do século passado, pois estes documentos apresentavam com
minúcia os “caminhos” fluviais e terrestres percorridos, os modos de viver coloniais e as
aproximações com os “brasis”, termo utilizado para identificar a população indígena.
O oitavo artigo trata da colonização do Ceará, província natal do autor. Em
Sobre uma história do Ceará, Capistrano de Abreu apresenta de uma forma precisa as
concepções de escrita da história que considerava pertinentes ao caso Brasileiro.
Produzido como uma nota crítica ao livro Datas e Fatos para a História do Ceará escrito
pelo Barão de Studart, o ensaio foi publicado na revista do Instituto do Ceará, em 1899.
Capistrano introduz o trabalho demarcando o objetivo português durante os três séculos
em que governou e dirigiu a expansão territorial da colonial, qual seja: estabelecer
250 Foram transcritos: Carta do Padre João de Aspilcueta (última na coleção de 1555); Carta de Mercê, que o Snr. Govor. Mem de Sá fez a Vasco Roiz de Caldas e a 100 homens que vão com ele a descobrir minas; Trecho de uma carta do Padre Antonio Blasquez (de algumas coisas que Jam em nau que se perdeu do bispo, para nosso Padre Ignácio); Extrato do capítulo 9º do Tratado da Terra do Brasil de Pero
161
como limites de seu território o rio Amazonas e o Prata. Dessa forma, o Ceará, assim
como outras províncias, teria tido a sua ocupação derivada do desejo da metrópole em
estender seus limites. Mais especificamente, a colonização do Ceará estaria
diretamente relacionada a dois processos que o autor via como fundamentais e
interdependentes: a ocupação do sertão e a organização econômica da pecuária.
Tricentenário do Ceará, nono ensaio, publicado no periódico A Notícia em 1903 e na
Revista do Instituto do Ceará, em 1904, corrobora as discussões iniciadas no artigo
anterior.
Fragmento de um prólogo encerra a publicação e realiza um debate com a
geografia, buscando a contribuição do Rio da Prata e Tietê para a expansão e
exploração dos sertões. Em nota, a Sociedade também identifica dois outros artigos
que por afinidade temática também poderiam constar da publicação: História
topográfica e bélica da nova colônia do Sacramento do Rio da Prata e História Pátria.
Os artigos coligidos no livro coadunavam com o projeto de escrita da história
proposto pela instituição, pois, assim como a escrita biográfica sobre Capistrano de
Abreu buscava estabelecer uma identidade para a prática historiográfica e para o
historiador, as edições da Sociedade, particularmente, o livro Caminhos Antigos e
Povoamento do Brasil, também participavam desse processo de construção identitária.
Na nota liminar à edição de 1975, José Honório Rodrigues realizou algumas
apreciações sobre a obra e estas resumem os aspectos que de uma forma geral a
crítica apresenta sobre o livro. Segundo o autor:
Escrito em 1899, sete anos antes dos Capítulos, este estudo é não somente inovador e original, como preparatório do segundo, onde, pela
de Magalhães Gândavo; Capítulo XIV da História da Província de Santa Cruz, por Pero de Magalhães Gândavo.
162
primeira vez, se destacará o papel do sertão na história do Brasil. Basta dizer que no fim do século pouco se sabia da obra bandeirante, da conquista do sertão, dos caminhos de ligação, terrestres ou fluviais, do gado, da gente do sertão.251
Todos os trabalhos de memória realizados pela Sociedade sobre a obra e o
papel de Capistrano de Abreu na historiografia brasileira possuem a sua materialidade
e consolidação na publicação desta coletânea de artigos. A representação de que
Capistrano teria constituído uma nova seara para os estudos históricos, observando a
narrativa sobre a constituição da espacialidade nacional, bem como das
particularidades de uma área do território brasileiro ainda pouco conhecida, o sertão ou
hinterland, foram os aspectos que se consolidaram como a representatividade do autor
na escrita da história do Brasil. O que propomos ao realizarmos esta observação não é
de nenhuma maneira diminuir ou desmerecer a obra de Capistrano de Abreu, afirmando
que a relevância da sua obra seja apenas uma construção memorialística, mas sim,
demonstrar que os discursos sobre o seu papel como um historiador “guia”, “mestre”,
“pioneiro”, “descobridor de novos caminhos”, singular no panorama intelectual brasileiro,
possui uma gênese e que esta se apresenta inclusive na organização póstuma de sua
obra.
Retomando as discussões que demonstram ser a obra apenas uma construção
e não algo que existe em si e por si, não cabendo apenas a sua recuperação, a
Sociedade apresentou o conjunto de cartas de Capistrano de Abreu como constituinte
da sua obra. O estatuto da instituição deixava claro serem as missivas enviadas ou
recebidas pelo autor parte da sua contribuição à escrita da história, bem como objeto
251 RODRIGUES, José Honório. In. ABREU, Capistrano de. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1975, p.XII.
163
futuro de publicação. Quando do aniversário de criação da Sociedade, em 1928, o
presidente da instituição, Paulo Prado, prestou uma homenagem ao seu patrono, bem
como ao grêmio, na imprensa, realizando inclusive uma apreciação sobre a
correspondência de Capistrano de Abreu. Segundo o autor:
Apesar de uma enorme colaboração em revistas e jornais efêmeros, a obra principal de Capistrano está talvez na sua correspondência espalhada pelos mais afastados recantos do Brasil, assim como pela Europa e América. Ninguém se dirigiu a esse Mestre sem dele receber, generosamente, informações, conselhos, idéias, encorajamentos. Corrigia provas de outros, anotava-as com rude franqueza, acompanhava com interesse e simpatia qualquer tentativa que lhe parecesse aproveitável, promovia intercâmbio de livros raros, investigava arquivos e bibliotecas por conta alheia, era realmente – ele só – toda uma academia, toda uma biblioteca, um curso vivo de saber e erudição. Dava assim aos discípulos a ilusão de que eram colaboradores numa obra comum.252
A Sociedade se emprenhou em realizar publicação das cartas. Na ata da 6ª
Assembléia Geral, Paulo Prado já solicitava a doação de cartas, nos seguintes termos:
Foi solicitada aos consócios presentes a oferta das cartas-missivas do Mestre à Sociedade a fim de enriquecer a coletânea das mesmas que ela pretende organizar e, assim como o relato, com a máxima veracidade dos fatos ditos de nota sobre a vida do nosso patrono e que revelou tantos aspectos de seu coração e de sua inteligência, e o que certamente constituirá autorizados subsídios aos estudiosos que se dedicarem a escrever-lhe a biografia. 253
O pedido foi reiterado na assembléia de 1932, sendo realizado o apelo para
que todos os consócios que possuam cartas-missivas de Capistrano de Abreu as
forneçam, para cópia dos originais, à Secretaria da Sociedade -, uma vez que se
destinem a um dos volumes das nossas publicações. 254 A leitura em sessão das cartas
252 PRADO, Paulo. Capistrano. In. ___. Paulística, etc. São Paulo: Cia. das Letras, 2004, p. 216. 253 Ata da 3ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1928, p. 7. 254 Ata da 7ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1932, p. 14.
164
doadas pelos sócios passou a fazer parte dos ritos memorialísticos de da Sociedade,
como se pôde observar na assembléia geral de 1933, na qual foram lidas duas cartas
escritas por Capistrano de Abreu a João Carlos de Carvalho, ex-chefe de seção da
Biblioteca Nacional, e ao seu irmão Sebastião de Abreu, doadas respectivamente por
Rodolfo Garcia e Luiz Sombra.255 A instituição chegou inclusive a compor um esboço
para a publicação do 1º volume da correspondência. Este seria composto pelas cartas
enviadas a João Lúcio de Azevedo, João Pandiá Calógeras, Lino de Assunção, João
Brigido e “outros” que não tiveram seus nomes especificados.256
Verificamos na aspiração dos sócios em divulgar a correspondência de
Capistrano de Abreu o desejo de compartilhar da feitura da obra do historiador. Seria a
exposição deles mesmos como interlocutores do “Mestre” e a reafirmação das suas
imagens de discípulos. A troca de cartas passa a ser um sinal de distinção por
compartilhar da intimidade de Capistrano de Abreu, bem como a significação material
do compartilhamento de seu projeto historiográfico. Nas cartas também seria exposto o
papel de Capistrano como co-autor dos trabalhos de seus “discípulos”, oferecendo aval
as suas narrativas. A publicação destas missivas corresponderia, assim, a uma
estratégia de reconhecimento na economia da consagração.
255 Ata da 8ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1933, p. 14. Podemos citar alguns exemplos de doações de cartas: a doação de José Pires Brandão de sete cartas e dois telegramas enviados por Capistrano de Abreu; cópia da correspondência do autor com Lino de Assunção oferecida por Jaguaribe de Matos; as reproduções cedidas por Américo Jacobina Lacombe, diretor da Casa Rui Barbosa e sócio da Sociedade, de cartas enviadas pelo historiador a Rui Barbosa; cópias oferecidas pelo sócio Hélio Viana de cartas do autor ao Barão do Rio Branco. Ver, respectivamente, atas da 10ª, 14ª, 16ª e 17ª Assembléias Gerais da Sociedade. 256 Como apresentamos no primeiro capítulo, a correspondência do autor com João Lúcio de Azevedo foi alvo de inúmeras disputas, e apesar de existir no livro de atas a afirmação de que a Sociedade possuía cópias das cartas em seu arquivo, acreditamos que dificilmente estas foram realizadas. Ver: Ata da 14ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1939, p. 26.
165
Retomando o projeto editorial da Sociedade que realmente foi executado,
passamos a expor algumas particularidades das publicações que contribuem para o
entendimento da obra de Capistrano de Abreu proposta pela instituição. Foi na relação
comercial estabelecida com a Livraria F. Briguiet que a Sociedade pôde consolidar sua
prática editorial. Dessa forma, passamos a uma exposição mais meticulosa dos
contratos estabelecidos entre ambas.
Nos contratos estabelecidos entre as duas instituições existia a participação de
três partes: a Sociedade, a Livraria Briguiet e os herdeiros de Capistrano de Abreu. Os
contratos estabeleciam que a editora responsável pela edição deveria pagar à
Sociedade e aos herdeiros do historiador um valor pré-estabelecido. Esta importância
variava de acordo com a tiragem e a trajetória de venda do livro, ou seja, os direitos
pagos por uma reedição como a dos Capítulos de História Colonial, cuja venda da
tiragem era garantida, seriam maiores do que o da série Ensaios e Estudos, afinal a
nova publicação ainda seria um enigma comercial, não sendo garantida a sua
receptividade. O valor pago como direito autoral também era relevante porque, como
podemos perceber através da proposta comercial apresentada pela Livraria Briguiet
para a edição popular do livro Capítulos de História Colonial, essa soma influenciava
diretamente na definição do preço de mercado dos livros.
Sendo a edição de 2000 exemplares em formato de in-18 que é o formato para romances, em papel de segunda qualidade, embora de boa aparência, e em tipo menor ou pelo menos mais apertado que o da primeira edição, em brochura, poderemos vender o exemplar a 9$000,00, se isento de direitos autorais. Pagando a esta Sociedade 1:000$000 de direitos autorais, poderemos vendê-lo a 10$000, e pagando 2:000$000 de direitos autorais, o preço será de 12$000.257
257 Carta enviada pela Livraria Briguiet à Sociedade Capistrano de Abreu, em 02 fev. 1933, Fundo SCA, Subfundo correspondência passiva, pac. 2, doc. 82.
166
Através da Ata da 8ª Assembléia Geral, constatamos que a Sociedade optou
por receber os 2: 000$000 de direitos autorais, mesmo sendo o seu objetivo baratear a
publicação que era classificada como de gênero popular.258 Supomos que o motivo que
levou a esta decisão foi a necessidade do pagamento do valor correspondente aos
direitos autorais à família do historiador, pois, mesmo que a Sociedade abdicasse de
seu direito ao recebimento da quantia, a família de Capistrano teria que realizar a
mesma renúncia para que a livraria fosse isenta do pagamento e pudesse baratear a
edição. Outro exemplo das negociações entre a Sociedade e Livraria Briguiet encontra-
se no orçamento apresentado para a publicação da 1ª série dos Ensaios e Estudos, no
qual Ferdinand Briguiet apresentava o custo comercial da edição em 20$000 réis o
exemplar, correspondente ao pagamento de 4: 400$000 réis de direitos autorais. Assim,
apresenta o editor a seguinte argumentação:
Embora o livro possua 365 páginas, ele poderá ser vendido por 20$000 réis com pequena redução nos lucros se os direitos autorais não passarem de 4: 400$000 réis; qualquer aumento nessa quantia nos obrigará a vendê-lo a 22$000 réis o que certamente prejudicará a saída do livro [...] A péssima situação do comércio de livros, o aumento no preço da matéria prima, o aumento dos impostos, a diminuição nas vendas, obrigam-nos a pequenos sacrifícios tendentes a minorar-lhes as conseqüências, esperamos que a D. Diretoria nos ajude nesta tarefa.259
Desde o início das atividades da Sociedade, ficou estabelecido que qualquer
pagamento referente a direito autoral sobre a obra de Capistrano de Abreu seria
igualitariamente dividido entre a Sociedade e os herdeiros do historiador, seus filhos:
Adriano de Abreu, Honorina de Abreu e Mathilde Nogueira. Estes, por sua vez,
258 Ata da 8ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1933, p. 16. 259 Carta enviada por Ferdinand Briguiet a Sociedade Capistrano de Abreu em 31 out. 1932. Fundo SCA, Subfundo correspondência passiva, pac. 1, doc. 52.
167
realizariam a divisão dos 50% que lhes correspondia em três partes também iguais. Em
1930, a filha mais velha do historiador, Honorina de Abreu, cedeu seus direitos à
herança paterna em nome da Sociedade, pois esta era freira no Convento das
Carmelitas Descalças, em Santa Teresa. Contudo, este fato não alterou a distribuição
dos recursos, pois os outros filhos do autor continuaram recebendo a metade do valor
dos direitos autorais.260
À Livraria Briguiet caberia a comercialização exclusiva da obra de Capistrano
de Abreu, dessa forma, à Sociedade era vetada a comercialização das edições,
somente lhe sendo facultada a distribuição gratuita de exemplares. Este aspecto pôde
ser observado através da correspondência institucional da Sociedade, pois, sempre que
consultada sobre compra dos volumes por ela editados era indicada a Livraria Briguiet
como o local onde as publicações poderiam ser adquiridas.
Com a Livraria Briguiet, a Sociedade constituiu o seu projeto editorial mais
relevante, a publicação de obras populares de Capistrano de Abreu com o objetivo de
alcançar um público leitor mais extenso e de classes sociais menos favorecidas
economicamente. As alterações nos textos originais seriam realizadas tanto em sua
forma material, ou seja, apresentando uma publicação que utilizasse insumos mais
baratos, como no conteúdo da publicação. O primeiro trabalho que buscou atender a
essa exigência foi a publicação do livro Capítulos de História Colonial, em 1934.
Provavelmente a escolha dos Capítulos como o livro apropriado para uma edição de
260 Sobre as relações da Sociedade Capistrano de Abreu com a família do historiador, ver: Capítulo 3, “O declínio de um culto: a Sociedade Capistrano de Abreu e a constituição do campo historiográfico no Brasil”. Sobre a renúncia realizada por Honorina de Abreu, ver: Ata da 4ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1930, p. 10. O documento no qual foi oficializada a cessão se encontra sob a guarda do Museu do Ceará. A relação financeira entre a Sociedade e a família de Capistrano de Abreu era um pouco tumultuada, em algumas edições um dos irmãos abriu mão do recebimento dos direitos autorais, enquanto o outro recebia.
168
vulgarização se deveu ao fato deste ser o trabalho mais conhecido do autor.
Retomando uma citação anteriormente realizada, a publicação popular seria impressa
em formato de in-18 que é o formato para romances, em papel de segunda qualidade, embora
de boa aparência, e em tipo menor ou pelo menos mais apertado que o da primeira edição, em
brochura.261 De fato, a escolha do formato in-18 barateava a publicação por diminuir sua
espessura, bem como a escolha do papel “de segunda qualidade”. Contudo, a opção
por diminuir o tamanho dos tipos utilizados é um indício que pode levar á identificação
do público alvo destas edições. Analisando a coleção francesa de vulgarização
Bibliothèque bleue, Roger Chartier afirma que um dos principais recursos utilizados em
edições de vulgarização seria o aumento dos tipos e do espaço entre as linhas como
forma de oferecer um campo de leitura mais agradável ao leitor não treinado, sem uma
prática de leitura freqüente.262 Escolhendo por diminuir este campo de leitura, talvez os
editores objetivassem não a divulgação da obra por camadas sociais pouco letradas,
mas apenas reduzir o valor da publicação ao seu consumidor rotineiro. Apesar de a
edição ser de cunho popular, o editor Ferdinand Briguiet realizou a ressalva de que:
Embora estes dados se refiram a uma edição de vulgarização, a impressão será cuidada e o aspecto geral atraente; uma edição que não tivesse estes característicos teria certamente sua venda prejudicada e sairia de sua norma habitual, pois costumamos cuidar quanto nos é possível da apresentação das nossas publicações.263
Esta observação reforça a perspectiva de que a apresentação física dos
impressos é um fator determinante no seu consumo. Na assembléia de 1933, foi
261 Carta enviada pela Livraria Briguiet à Sociedade Capistrano de Abreu, em 02 fev. 1933, Fundo SCA, Subfundo correspondência passiva, pac. 2, doc. 82. 262 CHARTIER, Roger. Textos e edições: a literatura de cordel. In.___. A História Cultural entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1990, p. 165-187. 263 Carta enviada pela Livraria Briguiet à Sociedade Capistrano de Abreu, em 02 fev. 1933, Fundo SCA, Subfundo correspondência passiva, pac. 2, doc. 82.
169
autorizada a publicação da edição dos Capítulos nas condições anteriormente
apresentadas, somente sendo vetada pela assembléia a publicação do texto em grafia
simplificada.264
Também correspondia à Livraria Briguiet a função de divulgar as edições, para
isso, Ferdinand Briguiet sugeriu à Sociedade que:
Quando necessário for, a obra seja acrescida, mesmo em separado, de um folheto explicativo ora lembrando particularmente do texto, ora explicando o porquê do ponto de vista do autor, ora aconselhando ao leitor em ver em outra página ou outra obra, etc. Em resumo, fazer com que todos possam aproveitar, mesmo nas suas formas mais sutis, os ensinamentos do Mestre.265
No arquivo da instituição pudemos recuperar apenas um destes folhetos
explicativos, produzido para a divulgação da gramática dos caxinauás, ra-txã-hui-ni-kui.
FIGURA 17 – Folheto de divulgação da Gramática dos Caxinauás
O folheto apresentava informações sobre o autor e a obra. Na sua maioria
corresponde a transcrições de trechos do trabalho de anotação à gramática realizado
pelo etnógrafo e americanista Theodor Koch-Grünberg. Segundo o anotador: os textos
264 Infelizmente a documentação a que tivemos acesso não nos permite identificar quais alterações seriam realizadas na redação do texto, com objetivo de torná-lo mais simples. Ata da 8ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1933, p. 17.
170
são escritos seguindo rigorosas regras fonéticas e providos de tradução interlinear. A
obra começa por uma clara análise gramatical do idioma. Termina por um minucioso
vocabulário brasileiro-caxinauá e outro caxinauá-brasileiro.266 São ressaltadas as
contribuições da pesquisa às letras nacionais, bem como a relevância da gramática
como uma compilação de referência não apenas no Brasil como também no exterior.267
Talvez por conhecer a amplitude desta publicação e o quanto ela seria apreciada pelo
público estrangeiro, o folheto foi impresso em língua vernácula e em mais cinco
idiomas, alemão, italiano, francês, inglês e espanhol. O folheto ainda trazia informações
sobre as formas de venda, valor da publicação em moeda nacional e dólar, endereço
da Livraria Briguiet e uma apreciação sobre as atividades da Sociedade, enfatizando
que o que motivou a edição não foram interesses comerciais, mas, apenas, por esta
265 Duplicata do contrato enviado pela Livraria F. Briguiet à Sociedade Capistrano de Abreu referente à publicação do livro Descobrimento do Brasil, 1929. Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrativa. pac.2, doc. 36. 266 KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Folheto explicativo da Gramática dos Caxinauás. Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrativa. pac.2, doc. 37. 267 Importante observar um dos aspectos valorizados por Koch-Grünberg na obra. O anotador aponta a preservação do vocabulário dos caxinauás como a principal contribuição da pesquisa, afirmando que: salve para a ciência e para a posteridade a cultura intelectual dessas tribos, que tende a desaparecer no que tem de mais característicos. Não cabe nos limites deste trabalho discutir o processo de gramaticalização de línguas indígenas promovido por Capistrano de Abreu, contudo, há de se notar que a permanência da “autenticidade” e da “originalidade” destes povos frente a um processo civilizador que necessariamente os dizimaria é um dos principais motivadores destas pesquisas. Em carta a Mário de Alencar, Capistrano deixa evidente o que o motivava a realizar a gramaticalização dos vocabulários caxinauá e bacairi: Depois de um período longo de amortecimento cerebral, voltei ao bacairi. Darei conta da mão? Depois de vinte anos de abandono, serei capaz de recomeçar? Em todo caso, viro as costas à História; não faltarão Tácitos e Suetônios: os pobres índios sumir-se-ão do mundo; quero apenas que não vão sem acompanhamento ao túmulo. (Grifo nosso). Fica evidente a justificativa da “retórica da perda” presente no discurso do autor, assim, é inevitável estabelecer um paralelo entre Capistrano de Abreu e os folcloristas europeus do século XVIII que buscavam recuperar os contos e canções camponesas diante do desaparecimento iminentes destas frente às mudanças na vida rural provocadas pela Revolução Industrial. Carta enviada por Capistrano de Abreu a Mário de Alencar em 06 set. 1915. CCA, volume 1, p. 239. Para ver sobre o surgimento folclore na Europa, BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Cia. das Letras, 1989; DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos. São Paulo: Graal, 1996. Sobre a retórica da perda, ver: GONÇALVES, José Reginaldo. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: IPHAN; UFRJ, 2002.
171
publicação se encontrar esgotada desde 1914 e ser mais uma contribuição à
construção da memória do historiador.
As edições também traziam anúncios em sua contracapa das próximas
publicações a virem à luz pela Sociedade, bem como a impressão do catálogo de livros
já publicados pela instituição também era uma forma de divulgação da coleção.
FIGURA 18 – Anúncio publicado na edição popular dos Capítulos de História Colonial, 1934
Tão fundamental quanto a divulgação comercial da coleção pela Livraria
Briguiet era a divulgação realizada pela Sociedade. Foi criada pelo grêmio uma rede de
distribuição das obras por ele editadas compreendendo instituições nacionais e
estrangeiras. O Livro de protocolo, bem como as cartas em agradecimento ao envio de
livros apresenta alguns desses destinatários da obra capistraneana. Exemplos de
instituições nacionais: Academia Brasileira de Letras e suas variações regionais,
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e suas variações regionais, Arquivo Nacional,
Biblioteca Nacional, Instituto Nacional do Livro, Museu Nacional, Biblioteca e Mapoteca
do Ministério das Relações Exteriores, Departamento Nacional de Propaganda, Real
Gabinete Português de Leitura, Biblioteca Rio-Grandense, Centro de Cultura Intelectual
de Campinas, Biblioteca da Repartição de Estatística de São Paulo, Arquivo Público de
172
São Paulo, Biblioteca Militar, Grêmio Literário Coelho Neto, Grêmio Euclídes da Cunha,
Sociedade Felipe de Oliveira, Instituto Católico de Estudos Superiores, Academia
Brasileira de História das Ciências, Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas,
Biblioteca Brasiliana Galanti, Biblioteca da Universidade do Distrito Federal. Instituições
internacionais: Bibliographisches Institut (Leipzig), Bibliothèque Nationale (Paris),
Comité International d’Histoire des Sciences (Paris), Instituto Ibero Americano (Madrid),
Instituto de Investigaciones Historicas (Montevidéu), Instituto Argentino-Brasileño de
Cultura (Buenos Aires), Instituto Panamericando de Geografia e Historia (Cidade do
México), King’s College (Londres), Librairie Armand Colin (Paris), London University
(Londres), Museo de la Plata (Argentina), Museo de Entre Rios (Buenos Aires),
Museum of Archaeology and Ethnology (Londres), Musée National d’Histoire Naturelle
(Paris), Universidad de la Republica (Montevidéu), Universidade da Califórnia
(Califórnia), Universidade de Coimbra (Coimbra), Universidade de Lisboa (Lisboa),
Universidade do Texas (Texas), Vanderbily University (Tenessee). 268
Excluídos da relação acima se encontram as escolas e ginásios, bem como as
redações dos jornais. Estes dois receptores da obra de Capistrano de Abreu possuíam
uma representação especial dentro da estratégia de divulgação da Sociedade. As
escolas eram representadas pelos sócios da instituição como as depositárias de uma
prática pedagógica impressa pela Sociedade em suas edições de vulgarização. Na
Assembléia Geral de 1931, o grêmio já apresentava a necessidade de divulgar suas
268 Para ver sobre a distribuição das publicações pela Sociedade: Caderno de protocolo de entrega de livros e correspondência da SCA (1933-1939). Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrativa; Caderno de protocolo de entrega de livros e correspondência da SCA (1940-1941). Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrativa. A partir de 1941, a distribuição dos livros foi acompanhada através da correspondência passiva da instituição, ver: Fundo SCA, Subfundo Correspondência Passiva. Acreditamos que a relação de instituição que recebiam com regularidade as publicações seria mais
173
publicações entre os secundaristas, aprovando a título de prêmios de história, sempre
que possível, a oferta pela Sociedade aos institutos de ensino secundário do Brasil e a
um de Portugal, suas publicações anuais para que tivessem a merecida divulgação.269
O exemplo mais representativo do empenho da Sociedade em divulgar a obra
capistraneana entre escolares foi o convênio realizado entre a Sociedade e o Curso
Jacobina, instituição de ensino restrita ao público feminino, localizada em Botafogo,
mesmo bairro da sede da instituição e dirigida por Isabel Jacobina Lacombe, mãe do
historiador e futuro sócio do grêmio, Américo Jacobina Lacombe.270 Em 1932, a diretora
do Curso Jacobina agradeceu o envio de exemplares do livro O Descobrimento do
Brasil que seriam oferecidos às alunas mais distintas em História do Brasil, agraciadas
com o Prêmio Capistrano de Abreu.271 Além disso, podemos citar as contribuições
financeiras e o envio de livros ao Grupo Escolar Capistrano de Abreu na cidade de
Maranguape, cidade natal do historiador.272
Os jornais eram um fator fundamental de divulgação, principalmente junto ao
público especializado. Quando do lançamento de publicações, eram freqüentes
comentários nos periódicos, aspecto iniciado através da distribuição gratuita dos
volumes às redações dos jornais, além disso, muitos sócios da instituição eram
colaboradores nestas folhas. Podemos apontar como os mais significativos: Assis
extensa, contudo, dada às lacunas na documentação só podemos analisar com precisão o período de 1933 a 1941. 269 Ata da 6ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1931, p. 13. 270 Para ver sobre o Curso Jacobina: LUSTOSA, Isabel. Lacombe, narrador. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, 1996, p. 13. 271 Carta enviada por Isabel Jacobina Lacombe a Eugenio de Castro em 12 dez. 1932. Fundo SCA, Subfundo Correspondência Passiva. pac. 2, doc. 56. 272 Ver: Ata da 10ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1935, p. 20.
174
Chateaubriand (Diários Associados), Carlos Pontes (Correio da Manhã), Eloy Pontes (O
Globo), Hélio Viana (A Nação) e M. Paulo Filho (Correio da Manhã).
As resenhas impressas nesses jornais eram veículos de informação que
contribuíram para divulgação da obra e das representações sobre Capistrano de Abreu
construídas pela Sociedade, bem com da própria instituição e do seu papel como
construtora da obra do autor Eram texto elogiosos, que em alguns casos traziam
fotografias do autor e um retrospecto de sua vida intelectual. O caso que conseguimos
melhor documentar foi a da publicação da terceira série dos Ensaios e Estudos. 273
Capistrano de Abreu era lembrado por sua singularidade como historiador, na
seção Livros Novos, Plínio Barreto destacou a escrita e o estilo do autor, observando
que:
Capistrano de Abreu é um historiador que sempre encanta. No seu estilo galopante, para usar da expressão que ele aplica a um cronista dos tempos coloniais, diz tudo quanto tem que dizer no menor número de palavras, somente com os vocábulos justos e necessários, sem o mínimo atavio literário, rapidamente com firmeza e aprumo. Seu estilo todo músculo e o seu pensamento é sempre límpido. Mesmo quando conjectura, põe no que escreve tal força de convicção e apóia-se em razões tão pertinentes que quase se transforma em verdade aquilo que apenas sugere como hipótese. É admirável a arte com que extrai de livros enfadonhos coisas interessantes e desvenda os tesouros da sua erudição sem cansar o leitor e sem assumir os ares irritantes, tão encontradiço nos farejadores de arquivo, de um único detentor da verdade.274
Prosseguindo com as características psicológicas que corroboravam na sua
escrita da história do Brasil.
273 BARRETO, Plínio. Livros Novos. J. Capistrano de Abreu. Ensaios e Estudos (3ª série, Ed. da Sociedade Capistrano de Abreu, Rio, 1938). O Estado de São Paulo. São Paulo, 01 out. 1938, p. s/p; H. V. Ensaios e Estudos. Touring. Rio de Janeiro, nov. 1938, p. s/p; LEÃO, Múcio. Registro Literário. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 03 fev. 1939, p. s/p. 274 BARRETO, Plínio. Livros Novos. J. Capistrano de Abreu. Ensaios e Estudos (3ª série, Ed. da Sociedade Capistrano de Abreu, Rio, 1938). O Estado de São Paulo. São Paulo, 01 out. 1938, p. s/p.
175
O bom senso, de que, largamente, foi provido, manteve-lhe sempre, a vaidade de asas cortadas e nunca lhe permitiu supor que a ciência dos livros lhe dava o direito de se considerar acima e fora da humanidade. Se não era humilde também não era orgulhoso. Poucos espíritos, entretanto, terão chegado, no Brasil, às eminências de cultura de que ele chegou. Até em ligeiros artigos de jornais essa cultura se denuncia.275
Na nota bibliográfica publicada pela Revista Touring os principais pontos
presentes nestes textos se apresentam, porém, foi enfatizado o papel da Sociedade na
realização das publicações:
Tendo reunido em meia dúzia de volumes a quase totalidade da obra espaça de Capistrano de Abreu, a Sociedade que tem por patrono o grande historiador cearense prestou valioso serviço as letras nacionais. Três desses volumes foram dedicados a recolher “Ensaios e Estudos” de crítica e história, e deles o último acaba de aparecer agora, enfeixando capítulos do maior interesse para o conhecimento do passado brasileiro [...] À vista do breve relato do conteúdo do novo livro de Capistrano de Abreu, não é preciso acrescentar mais nada sobre o seu valor e interesse, bastando que ainda uma vez seja assinalada a benemerência do esforço publicitário da Comissão Executiva da Sociedade que tem por patrono o grande historiador brasileiro.276
A imagem da Sociedade como benemérita das “letras nacionais” é recorrente.
Esta representação conferia aos seus sócios mais atuantes um lugar social no universo
letrado nacional, principalmente sendo eles representados como agentes civilizadores
por alimentarem o ainda restrito mercado da leitura nas primeiras décadas do século
XX. Apesar de extenso, cabe reproduzirmos aqui o artigo publicado no mensário
Boletim de Ariel, pois sendo este um periódico dedicado à divulgação das letras
nacionais, apresenta uma síntese de como a Sociedade era percebida dentro do campo
intelectual e de como seus sócios foram recebedores de um capital simbólico
decorrente de suas atividades institucionais.
275 Ibid., s/p. 276 H. V. Ensaios e Estudos. Touring. Rio de Janeiro, nov. 1938, p. s/p.
176
A Sociedade Capistrano de Abreu continua, mau grado o seu nenhum amparo e o seu nenhum alarido, a ser uma das instituições mais fecundas e mais vivas do país. Graças aos cultores da grande memória e, especialmente, ao lúcido devotamento de Eugênio de Castro, o notável comentador do Diário de Pero Lopes e o magistral ressuscitador dos primeiros fundamentos da povoação de São Vicente, vai aumentando de ano em ano a coleção póstuma do mestre incomparável que senhoreou tantos corações e apaixonou tantos cérebros. E aí estão agora, enriquecendo a nossa tão pobre biblioteca histórica, os Capítulos de História Colonial, O Descobrimento do Brasil, Os Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil, Ensaios e Estudos. Obras tão meritórias, reaparecendo numa obra, não menos meritória, de coordenação inteligente, levada a cabo pelos amigos de Capistrano, amigos – o que é paradoxal entre nós – de um varão que não foi argentário ou político eminente e apenas um eterno estudante, um fanático dos livros, um fervoroso instigador de cultura. E é justo os que rejubilem com isso os que temiam a dispersão dos produtos de Capistrano, por isso que esgotados em volume ou sepultados em revistas ou jornais do século XIX. No momento a publicação metódica dos seus trabalhos mostra, mais que nunca, haver sido Capistrano, não boêmio ou diletante que muitos supunham, mas, tal qual Varnhagen, uma das nossas grandes realidades pensantes. Criatura viva e humana como poucas, lendo-lhe os livros agora, explicasse a sedução e o interesse com que ele fascinou tanta gente e da melhor do nosso Brasil. Historiógrafo, etnógrafo e filólogo, Capistrano era evidentemente um mestre na arte de refletir e de concluir. Mas o que admiro nele não foi ter dominado como ninguém o nosso passado, penetrando-o com uma aguda visão de conjunto, ter sido um especialista em assuntos alemães, uma das nossas primeiras autoridades em matéria de línguas indígenas, ter vivificado numa arte criadora a documentação inerte dos arquivos. O que admiro nele foi haver sido, mais que um humanista, um homem, e haver suscitado o núcleo de uma associação que está concorrendo para o enobrecimento das letras históricas de nosso país.277
O aspecto anteriormente apresentado foi corroborado por Luís da Câmara
Cascudo durante as comemorações do centenário de nascimento de Capistrano de
Abreu, em 1953. Para Câmara Cascudo, a melhor forma de homenagear Capistrano
de Abreu seria a publicação de sua obra completa, atividade que a Sociedade vinha
desenvolvendo. Pois, com esse tipo de elogio, além da memória de Capistrano de
Abreu ser reafirmada, as letras e a cultura nacionais também ganhariam, por verem o
número de títulos sobre história do Brasil ampliado. Câmara Cascudo observava nas
277 GRIECO, Agripino. Três assuntos. Boletim de Ariel. Mensário crítico-bibliográfico. Rio de Janeiro, n.4,
177
palestras, cursos e narrativas biográficas voltadas a recuperar a trajetória do historiador
uma ato ineficiente, alertando para a contribuição efetiva que seria a conclusão da
publicação da obra completa do autor. Segundo Câmara Cascudo:
Cem anos depois de seu nascimento as comemorações mais legítimas deviam convergir de todos os Estados e associações, para a impressão da obra completa de Capistrano de Abreu, iniciada pela Sociedade que recebeu seu nome. Obras completas em preços que permitissem seus leitores medianos tomarem chegada aos livros. Discursos, artigos e conferências são folha seca e muito mais interesse real e positivo é voltar a ouvir Capistrano que entender as opiniões sobre sua vida e sua obra.278
Retomando a divulgação da obra do historiador, caso peculiar foi a promoção
das atividades da Sociedade e de suas publicações na Hora do Brasil, programa
radiofônico oficial do governo brasileiro, administrado pelo Departamento de
Propaganda – DNP. Na sessão de 1936, a Sociedade aprovou um voto de louvor ao
sócio Hélio Viana pela divulgação inteligente que vem dando pela imprensa e pelo rádio
às obras publicadas pela Sociedade Capistrano de Abreu.279 Já na sessão de 1942, foi
ofertado um “voto de agradecimento” também a Hélio Viana pela nota bibliográfica na
Revista Estudos Brasileiros sobre a publicação da Sociedade ra-txã-hui-ni-kui , assim
como pelo seu artigo inserto no n.º 17 da Revista Cultura Política de julho de 1942, sob
o título: ‘Cartas de Capistrano de Abreu ao Barão do Rio Branco’.”280
Hélio Viana foi funcionário do DNP, posteriormente transformado no
Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP, órgão que partilhava com o Ministério
da Educação e Saúde a função de organizar as práticas culturais do Estado Novo. Além
p. 101, 1933. 278 CASCUDO, Luis da Câmara. C. de Abreu. Bando, Natal, a.5, v.3, n.4, p.375, 1953. 279 Ata da 11ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1936, p. 23.
178
dos programas radiofônicos, o Estado Novo possuiu outros dispositivos que
contribuíram para a construção do que Ângela de Castro Gomes definiu como “cultura
historiográfica” do Estado Novo, dos quais as revistas Cultura Política e Estudos
Brasileiros também faziam parte.281 Também cabe ser apontado o tratamento oferecido
por estes agentes do Estado Novo ao historiador Capistrano de Abreu, sendo ele
homenageado em 1944, no suplemento Autores e Livros, vinculado ao jornal A Manhã,
também criação do regime varguista.282
Como se apresentou, a edição da obra de Capistrano de Abreu foi uma das
principais estratégias de construção de sua memória pela Sociedade, representou a
materialidade de suas idéias e também de uma concepção de escrita da história que
por ele teria sido introduzida na prática dos historiadores nacionais. Nessa relação
íntima entre memória e edição, concluímos este tópico com as aspirações do livreiro
Ferdinand Briguiet ao editar a obra capistraneana:
Não podemos deixar de lembrar mais uma vez nesta carta que, na edição das obras do nosso inesquecível Amigo Capistrano de Abreu, não visamos somente a parte comercial, mas queremos contribuir com a nossa cota, por mínima que seja, ao esforço da Sociedade em perpetuar a memória do seu saudoso patrono.283
280 Ata da 17ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1942, p. 29. 281 Segundo a autora, o DIP tinha duas faces opostas e complementares. Tratava-se de difundir amplamente a imagem do novo regime que se instalara em novembro de 1937 e de combater a veiculação de todas as mensagens que lhe fossem contrárias. Para tanto o órgão deveria ser um grande mecanismo de promoção da figura do chefe de Estado, das autoridades que o cercavam e das iniciativas políticas então implementadas, produzindo e divulgando o noticiário oficial e supervisionando todos os instrumentos de comunicação de massa. O alcance dessa proposta se refletia na estrutura do próprio órgão, dividido em cinco seções: propaganda, radiodifusão, cinema e teatro, turismo e imprensa. GOMES, Ângela de Castro. O Estado Novo e a recuperação do passado brasileiro. In. ___. História e historiadores: a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p.125. 282 As representações construídas pelo Estado Novo sobre a obra de Capistrano de Abreu serão discutidas no próximo tópico. Para ver sobre o Suplemento Literário Autores e Livros: GOMES, Ângela de Castro. Os historiadores de Autores e Livros. In. ___. História e historiadores: a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 27-74. 283 Duplicata do contrato enviado pela Livraria F. Briguiet à Sociedade Capistrano de Abreu referente à publicação do livro Descobrimento do Brasil, 1929. Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrativa. pac.2, doc. 36.
179
2.4
O Prêmio Capistrano de Abreu para “melhor conhecer o Brasil”
Os limites não são linhas ou paredes simples, mas os instrumentos cheios de vida de um dos mais grandiosos fenômenos vitais que a terra conhece... São um órgão periférico do organismo de estado... É da natureza deste corpo, pelo fato de ser orgânico, romper as barreiras inorgânicas dos limites políticos, se assim o exige sua atividade vital.284 (Friedrich Ratzel)
Iniciar este tópico com uma epígrafe de Friedrich Ratzel nos pareceu a forma
mais conveniente de representar o assunto que aqui será tratado.285 A citação de
Ratzel não é significativa apenas por pertencer a um dos autores mais lidos e debatidos
pelos intelectuais nacionais no final do século XIX e início do século XX, dentre os quais
Capistrano de Abreu e seus auto-declarados discípulos. Ela possui a sua relevância no
fato de apresentar um dos aspectos mais caros a essa geração de autores nacionais, a
formação dos territórios. Mas como sugere Ratzel, os limites são “instrumentos cheios
de vida”, possuem uma dinâmica e correspondem ao incessante processo de
construção simbólica e discursiva que constrói uma nação, um espaço físico carregado
de uma carga discursiva. Nesse aspecto, nos amparamos no clássico livro de Benedict
284 RATZEL, Friedrich. Apud. ABREU, Capistrano de. Sobre uma história do Ceará. In. ___. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira; INL, 1975, p. 131. 285 Friedrich Ratzel trabalhava os fatores de adaptabilidade dos indivíduos as condições geográficas e foi considerado “pai da antropogeografia”. Essa teoria cientificista era cara a um grupo de historiadores que buscava perceber as particularidades do povo brasileiro, principalmente em um território de dimensão extensa e com uma heterogeneidade de aspectos geográficos e culturais. Dessa forma, essas teorias cientificistas no final do século XIX buscavam engendrar os fatores físicos (meio) e fatores biológicos (raça) em um processo sociológico determinista. Para ver sobre: SCHWARCZ, Lilia. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Cia. das Letras, 2005.
180
Anderson que define a nação como uma comunidade política imaginada – e que é
imaginada ao mesmo tempo como intrinsecamente limitada e soberana.286
Como sugere o autor, as nações não possuem uma existência “intrínseca”, não
são dotadas de uma existência ontológica. Elas são fruto de um processo de
construção, invenção e reinvenção ininterrupto que tem por finalidade exatamente a
construção de representações que a dotem de um passado ontológico para que
nenhum de seus membros ponha em xeque a existência e a origem da comunidade
nacional a que pertence. Esse processo de construção simbólica da nação atinge sua
eficácia, segundo Benedict Anderson, quando os membros da mais pequena nação
nunca conhecerão, nunca encontrarão e nunca ouvirão falar da maioria dos outros
membros dessa mesma nação, mas, ainda assim, na mente de cada um existe a
imagem da sua comunhão.287
Capistrano de Abreu e os sócios da Sociedade acompanharam inúmeras
transformações na política nacional, sejam como expectadores, sejam como elementos
ativos nesses debates e transformações. No caso de Capistrano de Abreu, ele
acompanhou o ufanismo imperial após a Guerra do Paraguai, viu esse entusiasmo se
deteriorar frente ao republicanismo e ao fim da escravidão, e por fim, viu a República
ser instaurada sem que a população e até mesmo seus próprios realizadores tivessem
muita noção de seus atos e do que fazer de agora em diante. As incertezas sobre a
nação republicana são recorrentes em sua correspondência. Com alguns de seus
correspondentes essas discussões ficam mais latentes como nas cartas com os
286 ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a expansão do nacionalismo. Lisboa: Edições 70, 2005, p. 24. 287 Ibid. p. 25.
181
ministros João Pandiá Calógeras e Francisco Sá, ou com o homem de Estado por
excelência, Barão do Rio Branco. De uma carta a este último podemos observar as
impressões de Capistrano de Abreu sobre a República:
Recebi sua última carta no dia 15 de novembro! Vinha do Campo de Santana impressionado, como pode imaginar, depois de ter visto uma revolução. E que revolução! Só há uma palavra que reproduz o que eu vi: empilhamento. Levantou-se uma brigada, chegaram os batalhões um a um, como peixe na salga. Quando não havia mais batalhão ausente ou duvidoso, proclamou-se a República, sem que ninguém reagisse, sem que ninguém protestasse. No ponto em que as coisas estavam, era a única solução razoável. Antes uma Deodorada do que uma Saldanhada. Todo Brasil aderiu; apenas em Pernambuco José Mariano levantou um grito separatista que não ecoou. Digam o que quiserem a República hoje é a pátria unida; a restauração seria a secessão.288
E prossegue descrevendo o pouco entendimento entre aqueles que seriam os
novos dirigentes nacionais, nomes recorrentes na política brasileira até a Revolução de
1930.
Poderá, porém, o generalíssimo (Deodoro da Fonseca) conseguir que o ministério chegue inteiro à Constituinte? Duvido muito: Rui Barbosa parece-me que só está de acordo com Benjamin Constant. Demétrio e ele não se podem ver; dizem que Campos Sales também está zangado com o decreto sobre bancos de emissões [...] Quintino parece que também está descontente. E dizem que Rui está descontente com Quintino[...].
O processo referente à construção imagético-discursiva das nações foi em
grande parte excludente, o que levou Partha Chatterjee a questionar por quem e para
quem a comunidade nacional foi imaginada.289 José Murilo de Carvalho atestou a “nula
participação popular” na implantação da República brasileira e a derrota dos esforços
da população em atuar mais diretamente na construção do Estado nacional
288 Carta enviada por Capistrano de Abreu ao Barão do Rio Branco em 25 jan. 1890. CCA, volume 1, p. 127.
182
republicano, aspecto no qual a citação de Capistrano de Abreu sobre a República
corrobora. 290
Colônia, Império e República, faces de um mesmo objeto chamado Brasil. “A
pátria unida” foi em grande parte dos trabalhos de Capistrano um fator determinante,
não para realizar a sua reafirmação como existência ontológica, mas sim para
compreender o processo da sua constituição, no que se destaca a sua composição
territorial e étnica. A questão que mais pareceu inquietar o autor foi a constituição do
caráter cultural do povo brasileiro. A obra de Capistrano de Abreu, no que se ressaltam
os Capítulos de História Colonial, introduz um novo agente na trama da história, o povo
brasileiro.291 Para Capistrano, a sua constituição derivaria de um todo complexo devido
às dimensões territoriais e a heterogeneidade geográfica do Brasil. Além disso, a
presença do negro, do indígena e do português teria gerado uma série de combinações
étnicas com o espaço geográfico que determinariam a impossibilidade de definir um tipo
nacional homogêneo. Sobre a população brasileira, afirmou o autor:
A maioria constava de mestiços; a mestiçagem variava de composição conforme as localidades. Na Amazônia prevalecia o elemento indígena, abundavam mamelucos, rareavam os mulatos. Na zona pastoril existiam poucos negros e foram assimilados muitos índios. À beira-mar e nas comarcas dos metais sobressaía o negro, com todos os derivados deste radical. Ao sul dos trópicos elevava-se a porcentagem de brancos.292
289 CHATTERJEE, Partha. Comunidade imaginada por quem? In. ANDERSON, Benedict. (org.). Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000, p. 227-238. 290 CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo: Cia. das Letras, 1987. 291 REIS, José Carlos. Anos de 1900: Capistrano de Abreu. O surgimento de um povo: o brasileiro. In. _____. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 5 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p.85-114. 292 ABREU, João Capistrano de. Três séculos depois. In. ___. Capítulos de História Colonial. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p. 190.
183
Capistrano de Abreu foi um dos primeiros autores a apresentar a improbidade
que seria determinar a existência de um tipo nacional que expressasse a nação como
um todo, porém essa averiguação o inquietava, principalmente porque esta se
apresentava também na estrutura política brasileira. Se observarmos a estrutura do
capítulo Três séculos depois, nos Capítulos, e do artigo Caminhos Antigos e o
Povoamento do Brasil, poderemos observar que a narrativa de Capistrano seccionou os
núcleos populacionais que considerava representativos do processo de povoamento do
território, como se entre esses grupos não ocorressem contatos, como se eles não se
constituíssem como uma nação, com uma referência de pátria comum. O fechamento
dos Capítulos é incisivo quanto a este aspecto. Segundo o autor:
Se excetuarmos algumas irmandades e associações de benemerência como as casas de misericórdia, sempre beneméritas e sempre vivazes, as manifestações coletivas eram sempre passageiras: mutirão, pescarias, vaquejadas, feiras, novenas. Entre o estado e a família não se interpunham coordenadores de energia, formadores de tradição, e não havia progressos definitivos [...] Vida social não existia, porque não havia sociedade; questões públicas tão pouco interessavam e mesmo não conheciam [...] É mesmo duvidoso se sentiam, não uma consciência nacional, mas ao menos capitanial, embora usassem tratar-se de patrício e paisano [...] Cinco grupos etnográficos, ligados pela comunidade ativa da língua e passiva da religião, moldados pelas condições ambientes de cinco regiões diversas, tendo pelas riquezas naturais da terra um entusiasmo estrepitoso, sentindo pelo português aversão ou desprezo, não se prezando, porém, uns aos outros de modo particular – eis em suma ao que se reduziu a obra de três séculos.293
Capistrano de Abreu questionou a existência da nação. Como ela poderia existir
sem os sentimentos de pertencimento e reconhecimento mútuo, sem o sentimento de
comunhão assinalado por Benedict Anderson? Talvez este tenha sido o motivo do autor
ter dedicado a sua vida à pesquisa de fontes documentais e mesmo da sua mudança
293 Ibid., p. 212.
184
rumo aos estudos etnográficos, procurando, dessa forma, outras matrizes de
construção do nacional, pois a “realidade” histórica não parecia tão favorável.
As primeiras décadas do século XX foram momentos de dúvidas e inquietudes
para a escrita da história nacional. As certezas históricas produzidas pelos bacharéis do
IHGB passaram a ser questionadas.294 Seriamos de fato uma nação? Como definir a
imagem de um Brasil coeso, se este havia produzido o massacre de Canudos?295 Como
perceber o Brasil em sua unidade se o seu território ainda era um mistério para o
próprio governo brasileiro?296
Em 1914, teve início a Primeira Guerra Mundial. Com este conflito armado, o
mundo para o qual os intelectuais do IHGB produziram suas imagens de Brasil
294 O IHGB foi criado em 1838, durante a Regência, com objetivo de, segundo Manoel Salgado Guimarães: dar conta de uma gênese da Nação brasileira, inserindo-a, contudo, numa tradição de civilização e progresso, idéias tão caras ao iluminismo. A Nação cujo retrato o Instituto se propõe a traçar, deve, portanto, surgir como o desdobramento, nos trópicos, de uma civilização branca e européia. Tarefa sem dúvida a exigir esforços imensos, devido à realidade social brasileira, muito diversa daquela que se tem como modelo. GUIMARÃES, Manoel L. S. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1, 1988, p. 8. 295 Como forma de apresentar os questionamentos sobre a nacionalidade que o conflito de Canudos introduziu no debate intelectual nacional, principalmente, no que concernia ao ideal de nação republicana, consideramos pertinente a análise de Ricardo de Oliveira sobre a obra Os Sertões de Euclídes da Cunha. Segundo o autor: apesar do conflito interno à estrutura do livro, nos três pontos em que a narrativa do livro está encadeada, percebemos tacitamente as construções imaginárias, inicialmente de uma espacialidade nacional, em seguida o estabelecimento de um tipo étnico que encarnasse a nação, o sertanejo, e enfim, no momento da luta, o conflito mais grave que é o reconhecimento de que, grosso modo, a República, elemento que até então simbolizava de alguma maneira a idéia de nacionalidade, na cabeça do jornalista Euclídes da Cunha presente no acaso da tragédia, acabou sendo o algoz dos que são os primevos e essenciais brasileiros. OLIVEIRA, Ricardo de. Euclídes da Cunha, Os Sertões e a invenção de um Brasil profundo. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.22, n.44, 2002, p.520. (Grifo nosso). Esse aspecto foi reforçado por Lúcia Guimarães ao afirmar que: o certo é que o Instituto Histórico a memória nacional tendo como traço característico à continuidade. Deste modo, o Estado Monárquico estabelecido em 1922 converteu-se no legítimo herdeiro e sucessor do império ultramarino português. Herança que se sustentava, inclusive, com a presença de um representante da Casa de Bragança no trono brasileiro. A antiga metrópole transformou-se em mãe pátria. GUIMARAES, Lúcia. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2007, p.117. 296 Para ver sobre as missões e expedições cientificas da Primeira Republica com objetivo de mapear o território nacional: LIMA, Nísia Trindade. Missões civilizatórias da República e interpretação do Brasil. História. Ciência. Saúde. Manguinhos, v.5 (suplemento), p.163-193, 1998.
185
civilizado começou a ruir. Os pressupostos de civilização europeus não pareciam mais
tão sólidos e os intelectuais brasileiros passaram a produzir um discurso que não mais
homogeneizava o Brasil no mapa das nações.297 O fim do “longo século XIX” teve suas
conseqüências para a escrita da história no Brasil e para o lugar dos historiadores
nesse novo espaço de debates.298 Segundo Renato Ortiz, 1914 simboliza o início da
Primeira Guerra Mundial, isto é, a emergência de um espírito nacionalista que procura
se desvencilhar das teorias raciais e ambientais do início da República Velha.299
Complementando o conjunto de mudanças que a quebra dos padrões de
progresso e civilidade acarretaram ao discurso histórico, Tânia de Luca afirma que as
próprias funções do historiador e da narrativa histórica passaram a ser questionadas em
sua perspectiva utilitária. Pois, com a necessidade de se construir uma imagem positiva
do Brasil na nova ordem mundial, no que se destacava o avanço do imperialismo norte-
americano na América Latina, o passado nacional pareceu não fornecer um repertório
de fatos positivos que engrandecessem a pátria. Abriu-se então um aguerrido debate
entre presentistas e tradicionalistas, no qual os primeiros acreditavam que a superação
e o abandono do passado nacional seria a melhor forma de construir a nação no
presente; já os tradicionalistas viam no passado a possibilidade de reconstruir o
processo que gerou o Brasil como uma grande nação moderna. De fato, os
297 O próprio IHGB teve realizar essa inflexão em sua narrativa sobre a pátria, ver: GUIMARAES, Lúcia. IV Congresso de História Nacional: tendências e perspectivas da história do Brasil colonial. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.24, n.48, p.145-170, 2004. 298 “Longo século XIX” foi uma expressão cunhada por Eric Hobsbawm para identificar a permanência do complexo social burguês e imperialista, fundamentado nos preceitos de civilização e progresso, para além do século XIX; sendo este posto em xeque apenas com a emergência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; ___. A Era dos Extremos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. 299 ORTIZ, Renato. Memória coletiva e sincretismo científico: as teorias raciais do século XIX. In. ___. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 22.
186
tradicionalistas conseguiram afirmar a necessidade de construção do passado nacional,
porém, realizaram concessões aos presentistas, cujas principais foram: mobilizar a
história para explicar a constituição do território nacional e fazer com que a disciplina
repensasse seus procedimentos metodológicos e teóricos. Como sugere Tânia de
Luca:
A reabilitação do passado não se efetivou sem antes lançar os historiadores, contemporâneos e antigos, no banco dos réus. A análise dos procedimentos seguidos na construção do conhecimento histórico extrapolou o circulo restrito de especialistas e educadores para adquirir o status de questão crucial para quem quer que se importasse com os destinos da nação. Proliferaram críticas às interpretações correntes e receitas para colocá-las na direção correta.300
Nesse revisionismo dos métodos de escrita da história, que não era apenas dos
métodos, mas sim dos resultados políticos e simbólicos alcançados pela narrativa
historiográfica, o autor mais debatido e refutado foi Francisco Adolfo de Varnhagen.
Segundo a autora, nas páginas da Revista do Brasil, Varnhagen foi visto como um
historiador que apesar de ter o mérito de ser o autor da primeira história nacional escrita
por um brasileiro, não conseguiu imprimir em sua narrativa o caráter heróico presente
do passado nacional e necessário para as representações do Brasil no presente.
Para concluir, Tânia de Luca credita à geografia a reabilitação da história.
Assim sugere a autora:
Coube à geografia propiciar a reconciliação entre a nação e a sua história. O discurso sobre o território forneceu a moldura capaz de reenquadrar o passado, extirpando-lhe tensões e ambigüidades que obstacularizavam a sua utilização na construção da identidade. Num caminho até certo ponto peculiar, a construção do espaço nacional ocupou o centro da cena, subordinando a história que passou a ser encarada como narrativa dos grandes
300 DE LUCA, Tânia. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N) ação. São Paulo: UNESP, 1999, p.95.
187
feitos que asseguraram, apesar de todas as adversidades, a posse da terra.301
Foi nessa ambiência intelectual que a imagem de Capistrano de Abreu como
historiador foi cultuada por seus discípulos, agentes nesse processo de construção do
passado nacional, através do que chamaremos aqui de escrita geográfica da história.
Também foi o momento no qual veio à luz o Prêmio Capistrano de Abreu de História,
promovido pela Sociedade Capistrano de Abreu entre 1927 e 1935. Nesse momento
surge-nos um questionamento: como Capistrano de Abreu, um autor cujas perspectivas
sobre o passado e futuro nacionais não eram as mais ufanistas, que questionou várias
vezes a validade de seus estudos por não conseguir delimitar a natureza do seu objeto,
o brasileiro, foi representado como o historiador símbolo da nacionalidade?
Cabe, nesse momento, trazer a questão posta por Capistrano de Abreu ao
Barão de Studart, que soou não só como um questionamento, mas também como um
desabafo do autor: Punge-me sempre e sempre a dúvida: o brasileiro é povo em
formação ou em dissolução? Vale a pena ocupar-se de um povo dissoluto? Vale a pena
para um Tácito ou Juvenal, mas estou afastado tanto dessas naturezas.302
Para os seus discípulos não havia essa dúvida, o brasileiro existia de fato.
Cabia apenas historicizar a sua formação. Essa não foi a única diferença entre o que
Capistrano de Abreu produziu e a imagem de historiador construída pela Sociedade
para ele. Assim, esclarecemos que: semelhante ao processo de construção biográfica,
a obra e a imagem de Capistrano de Abreu como historiador foi apropriada por seus
discípulos, na perspectiva de Michel de Certeau, na qual o aspecto inventivo e de
301 Ibid., 97.
188
consumo, no sentido de fazer usos diferentes, foi uma condição primordial.303 Dessa
forma, o que se apresenta nessa análise poderá não corresponder necessariamente às
conclusões de Capistrano de Abreu sobre a história do Brasil presentes em seus textos,
mas sim, corresponderá à sua imagem pública de historiador, cujos sentidos e
simbolismos foram mobilizados para constituir um lugar social para seus discípulos na
memória disciplinar da historiografia brasileira, bem como, produzir uma imagem de
historiador que correspondesse às demandas colocadas à escrita da história nacional
nas primeiras décadas do século XX. Como alertou Lúcia Guimarães, a figura de
Capistrano de Abreu passou por um processo de apropriação e reinvenção contínua na
primeira metade do século XX na historiografia brasileira. Estabelecendo como
parâmetros o I Congresso Nacional de História, promovido pelo IHGB em 1914, e o IV
Congresso Nacional de História em 1949, também sob os auspícios da instituição, a
autora averiguou a forma como as perspectivas historiográficas de Capistrano de Abreu
foram se consolidando na historiografia nacional, principalmente, nos aspectos
referentes à historiografia colonial e no deslocamento dos estudos da história política
para uma história social e econômica. Segundo Lúcia Guimarães:
Os encaminhamentos propostos nos Capítulos só começariam a ser experimentados nas pesquisas e na produção do conhecimento histórico alguns anos após a morte de Capistrano, apesar da sua fama de erudito e do reconhecimento que desfrutava entre os pares do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A decalagem entre a recepção e a apropriação tardia das idéias de Capistrano de Abreu pela comunidade dos historiadores pode ser percebida através do estudo comparativo de dois eventos-chave da historiografia brasileira da primeira metade do século passado: o primeiro e o quarto congressos de história nacional, promovidos pelo IHGB, respectivamente.304
302 Carta enviada por Capistrano de Abreu ao Barão de Studart em 19 set. 1909. CCA, volume 1, p. 182. 303 CERTEAU, Michel. Invenção do Cotidiano. As artes de fazer. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
189
Prossegue a autora, apresentado suas conclusões sobre a apropriação da obra
de Capistrano de Abreu no IV Congresso Nacional:
O número expressivo de itens direcionados para o estudo da ocupação e do povoamento do interior brasileiro, bem como para a análise da formação da sociedade colonial, aponta para uma outra direção. Constitui forte indicativo da ascendência de matriz historiográfica nacional, em particular, as contribuições de Capistrano de Abreu, tanto na coletânea Caminhos antigos e povoamento do Brasil quanto nos Capítulos de História Colonial. 305
Como a maioria das atividades e estratégias empregadas pela Sociedade para
construir uma memória para seu patrono, a elaboração de um concurso de monografias
sobre a história do Brasil já se apresentava em seus estatutos e na ata da segunda
reunião, realizada em 23 de outubro de 1927. O artigo 5ª dos estatutos determinava
que: a Sociedade criará prêmios para as investigações, contribuições e obras
consideradas de mérito, referentes à História, Etnografia, Etnologia e Lingüística
Brasileira, com o fim de incentivar os respectivos estudos.306
A definição dos campos de estudo aos quais os candidatos à premiação
deveriam concentrar seus trabalhos (História, Etnografia, Etnologia e Lingüística)
corroborava a imagem de historiador construída para Capistrano de Abreu na biografia
patrocinada pela Sociedade, demonstrando que o bom historiador deveria perpassar
uma gama extensa de conhecimentos e sintetizá-los no discurso histórico. Aspecto
304 GUIMARÃES, Lúcia. Circulação de saberes, sociabilidades e linhagens historiográficas: dois Congressos de História Nacional (1914-1949). In. GUIMARÃES, Manoel Salgado. (org.) Estudos sobre a escrita da história. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.162. Para ver sobre o tratamento da História Colonial no IV Congresso Nacional de História: GUIMARÃES, Lúcia. IV Congresso Nacional de História: tendências e perspectivas da História do Brasil Colonial. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.24, n.48, p.145-170, 2004. 305 Idid., p. 171. 306 Estatutos da Sociedade Capistrano de Abreu. Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrativa, pac.1, doc.1. Ver ANEXO 1.
190
relevante foi a definição da premiação como “Prêmio Capistrano de Abreu de História” e
na maioria da documentação da Sociedade a sua referência apenas como “Prêmio de
História”.
Tanto a ampla abrangência temática que poderia ser definida dentro do termo
História, como a biografia intelectual de Capistrano de Abreu produzida por Alba
Gañizares Nascimento, demonstram que as definições das fronteiras disciplinares entre
a História, a Etnografia, Etnologia e a Lingüística não estavam bem definidas. Porém, a
ênfase de nossa afirmação pode ser atenuada com a seguinte proposição. Os limites
temáticos e de procedimentos metodológicos entre essas disciplinas já estavam
parcialmente definidos, podemos citar a experiência etnográfica de Capistrano de Abreu
como os bacairi e caxinauá e a sua vivência historiográfica no arquivo na busca de
fontes documentais, porém, o que ainda estava por ser definido era o espaço
acadêmico e profissional que garantisse que um pesquisador da área de etnologia se
mantivesse restritos aos estudos etnológicos e não históricos, ou vice-versa. Dessa
forma, a Sociedade Capistrano de Abreu e o seu “Prêmio de História” nos ajudam na
observação dos campos de estudos das ciências humanas no Brasil da primeira
metade do século XX.
Como afirmamos, a realização do prêmio monográfico foi uma das primeiras
preocupações da instituição, pois na 2ª sessão da Sociedade os editais para abertura
do concurso já forma apresentados, pouco mais de um mês após a criação do grêmio.
A proposta consistia na realização de dois concursos monográficos, ambos com a
designação de “Prêmio Capistrano de Abreu”, há serem realizados em 1928. As
premiações se diferenciariam em dois aspectos. O primeiro correspondeu à temática do
191
concurso: um seria destinado a premiar monografias sobre a história do Brasil e seria
oferecido pela Sociedade; e outro seria disponibilizado pelo Governo do Estado do
Ceará, devendo a monografia versar sobre a história do estado. O segundo aspecto
diferenciador dos concursos seria o valor das premiações, a Sociedade pagaria ao
autor vencedor 2:000$000 (dois contos réis) e o Estado do Ceará 1:000$000 (um conto
de réis).307
Na reunião também ficaram definidos os sub-temas referentes a cada
premiação. O prêmio oferecido pela Sociedade sobre história do Brasil, deveria se
dedicar a um dos seguintes assuntos:
a) Os primeiros caminhos do século XVI e XVII;
b) Anchieta na Capitania de São Vicente;
c) Os Companheiros de D. Francisco de Sousa;
d) Pedro Teixeira na Capitania do Amazonas;
e) Engenhos de açúcar no século XVI.
Foram definidos os seguintes argumentos para o prêmio sobre História do
Ceará:
a) Ceará: colonização e povoamento;
b) Guerras contra os índios nos Vales do Jaguaribe e Cariri;
c) Os holandeses no Ceará.
A observação das temáticas específicas do concurso já permite que algumas
particularidades sejam apontadas. A primeira compreende a nítida preocupação com o
passado colonial, visto que, todos os assuntos se restringiam aos dois primeiros
séculos da colonização portuguesa. Talvez essa restrição à vida colonial, também
307 Ata da 2ª Sessão da SCA em 23 out. 1927. LA n.1, 4-5.
192
presente na obra de Capistrano de Abreu, visto que seus Capítulos tiveram como limite
cronológico a chegada da família real portuguesa em 1808, fosse fruto de uma postura
metodológica, já recomendada por Karl Friedrich Von Martius, em sua tese sobre Como
se deve escrever a história do Brasil, premiada pelo IHGB em 1845.308 Assim, os fatos
oriundos do recente passado imperial e recentíssimo passado da República estariam
próximos em demasia para a sua perfeita compreensão pelo olhar de homem da fides
do historiador.309
Além do fator metodológico, acreditamos que uma causa política determinou a
escolha pelo passado colonial nacional em detrimento do Império e da República.
Capistrano de Abreu e seus discípulos, podendo-se destacar Afonso de Taunay, Paulo
Prado e Pandiá Calógeras, observavam o período colonial como o momento da história
brasileira no qual a presença do estado português, com a sua aparelhagem
disciplinadora, estava por completo ausente, principalmente nas áreas distantes do
litoral, nos sertões.310
Nesse espaço despojado de um poder político organizado, despojado da tutela
do estado português, produziram-se outras formas de organização social,
308 Von Martius afirmava que somente uma decalagem temporal entre o tempo do historiador “observador” e o tempo do fato histórico analisado poderia permitir a compreensão dos fenômenos históricos. Dessa forma, seria imprescindível a distancia temporal entre o historiador e o evento analisado. Essa perspectiva também foi recorrente em historiadores como Wilhelm Huboldt e Leopold Von Ranke. HUMBOLDT, Wilhelm von. Sobre a tarefa do historiador. Anima. Rio de Janeiro, a.1, n.2, p.79-89, 2001. 309 Para ver sobre as questões referentes às temporalidades dos objetos históricos e o tempo do historiador: CEZAR, Temístocles. Presentismo, memória e poesia. Noções da escrita da História no Brasil oitocentista. In. PESAVENTO, Sandra. (org.). Escrita, linguagens, objetos: leituras de História Cultural. Bauru: EDUSC, 2004, p.43-80; HARTOG, François. O século XIX e a História: o caso Fustel de Coulanges. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003; ver especialmente o capítulo 2 “Os infortúnios do método”. 310 Ver: CALOGERAS, João Pandiá. Formação Histórica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938; PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. 9 ed. [1ª edição 1928]. Organizador Calos Augusto Calil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
193
particularmente nacionais. Assim, Capistrano de Abreu emite o seguinte parecer sobre
o Brasil em meados do século XVIII:
Em suma, dominavam forças dissolventes, centrífugas, no organismo social; apenas se percebiam as diferenças; não havia consciência de unidade, mas de multiplicidade. Só muito devagar foi cedendo esta dispersão geral, pelos meados do século XVII. Reinóis e manzombos, negros boçais e negros ladinos, mamelucos, mulatos, caboclos, caribocas, todas as denominações, enfim, sentiram-se mais próximos uns de outros, apesar de todas as diferenças flagrantes e irredutíveis, do que do invasor holandês: daí uma guerra começada em 1624 e levada ao fim, sem desfalecimento, durante trinta anos. Em São Vicente, no Rio e na Bahia, e em outros lugares, por meios diferentes, chegou-se ao mesmo resultado.311
Esses autores, dentre eles Capistrano, não viram com bons olhos a emergência
dos poderes locais dos fazendeiros de gado e senhores do açúcar da Bahia e de
Pernambuco, e nem tão pouco as “cruezas dos potentados bandeirantes, da família de
João Ramalho” em São Vicente. Contudo, “as forças dissolventes” que pouco
interligavam os habitantes do território eram a realidade brasileira e deveriam ser
reconstituídas historicamente.
Além disso, o aprofundamento das questões referentes aos séculos XVI, XVII e
XVIII sempre foram muito caras a Capistrano de Abreu. Inúmeras vezes ele se referiu
em sua correspondência do pouco conhecimento ainda acumulado sobre este período
da história do Brasil e da emergência dos historiadores em dissipar a obscuridade que
caracterizava esse momento histórico. Comentado um livro sobre Couto de Magalhães
com Lino de Assunção, afirmou o historiador que:
[...] o autor falar-nos-á do fim do século XVII, de todo o período que antecedeu aos mascates, que, em nossos anos, é tão conhecido, agora, como o interior da África, há cem anos; acabará com o exclusivismo da
311 ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p. 70.
194
colônia do Sacramento, a que em suma tem quase circunscrito a história pátria.312
E para João Lúcio de Azevedo comentava sua insatisfação quanto a pouca
documentação sobre o século XVI e seus estudos sobre o XVIII, afirmando que: se
Braamcamp, o Baião ou Azevedo publicassem a lista do que existe na Torre do Tombo
relativo ao Brasil do século XVI, seria um grande passo: mas não me iludo com
esperanças vãs e volto-me para o fim do século XVIII, para a estrada do Maranhão à
Bahia, de Ceará a Pernambuco.313
Além de terem produzido uma organização política própria, marcando a origem
da identidade da nação, os séculos XVI, XVII e XVIII possuiriam outras particularidades
que os distinguiam como construtores do processo de identidade nacional. A principal
delas foi a produção da territorialidade nacional. Para Capistrano de Abreu, os três
primeiros séculos foram palcos de processos históricos que propiciaram a organização
e a expansão dos limites territoriais que definiam a nação; nos quais os limites e
fronteiras nacionais já haviam adquirido uma forma praticamente semelhante à
constituição atual. Os séculos XVI e a primeira metade do XVII eram para o autor os
séculos do litoral, bem como a segunda metade do XVII e XVIII representavam a
ruptura das barreiras naturais e a superação dessa história restrita ao litoral, abrindo-se
312 Carta enviada por Capistrano de Abreu a Lino de Assunção em 12 abr. 1879. CCA, volume 1, p. 51. As cartas enviadas por Capistrano de Abreu a Lino de Assunção são extremamente relevantes para a compreensão do ofício do historiador no final do século XIX. A troca de cartas entre os dois foi realizada entre 1885 e 1893, a primeira delas, de março de 1885, é representativa, pois trás o seguinte comentário de Capistrano de Abreu: a história do Brasil é um mundo, e o que existe nos arquivos portugueses pelo menos um continente. Seria preciso passar muitos anos aí (Lisboa), sem ter outra coisa a fazer, para dar cabo da tarefa. Peço-te, pois, que circunscrevas tuas investigações ao século XVI. Além do pedido, a carta trazia em anexo uma relação extensa de documentos para reprodução, aspecto recorrente na correspondência. Carta enviada por Capistrano de Abreu a Lino de Assunção em 12 mar. 1885. CCA, volume 3, p. 306. 313 Carta de Capistrano de Abreu a João Lúcio de Azevedo em 03 set. 1917. CCA, volume 2, p. 66.
195
os caminhos rumo aos sertões brasileiros.314 Esse aspecto pode ser observado no
conselho oferecido por Capistrano de Abreu a Afonso de Taunay:
A sua idéia de escrever uma história dos capitães-generais de S. Paulo é simplesmente infeliz. Que lembrança desastrada a de preferir um período desinteressante, quando a grande época dos paulistas é o século XVIII. Deixe este encargo ao... ou ao... Isto lhes vai a calhar. Que encham as páginas da Revista com tão desenxabido assunto.315
E em carta a Pandiá Calógeras ressaltava as particularidades do “organismo
colonial” gerado por esses dois séculos e de conseqüências para a constituição política
e econômica nacional no início do século XX.
Na parte positiva deves insistir sobre o organismo colonial. Gêneros coloniais, escravidão, monopólio, grande propriedade, valorização são as características do Brasil antigo: o câmbio baixo é um sucedâneo. Devemos nos bater por uma forma inferior de atividade econômica? E, atendo-nos aos gêneros coloniais, não é exato que o Brasil é um país essencialmente inagrícola? 316
O sertão que então se apresentava como objeto de estudo do historiador, não
deve ser confundido como o nosso entendimento contemporâneo sobre sertão. Se a
definição contemporânea de sertão se pauta principalmente em fenômenos climáticos,
ou seja, o sertão é o lugar da seca e da carência de recursos hídricos; a definição
desses autores sobre o sertão era ao mesmo tempo mais simples e mais complexa. Era
simples porque o sertão seria e estaria onde o litoral não estivesse. Por sua vez, seria
complexa porque o limite entre estas duas realidades não apenas geográficas mais
culturais era difícil de definir. Como afirmou Candice Vidal e Souza:
314 ABREU, Capistrano de. Capitanias hereditárias. In.___. Capítulos de História Colonial. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p. 35-43. 315 Carta enviada por Capistrano de Abreu a Afonso de Taunay no dia de S. Bertoldo, 1904. CCA, volume 1, p. 276.
196
Os mapas do Brasil desenhados pela análise sociográfica, se colocados uns sobre os outros, surpreendem pela coincidência de dois grandes divisores geográficos: as regiões identificadas por sertão e litoral. Invariavelmente, as narrativas se sustentam sobre o contraste entre as partes distintas que compõem o todo Brasil. Sertão e litoral constituem o padrão das descrições do espaço nacional e dos modos de vida concebidos como regionalmente diferenciados. As clivagens políticas, sociais e econômicas, encontradas na observação da “realidade” nacional, são inteligíveis, para os pensadores do Brasil, mediante esta bipartição geográfica e cultural do território nacional.317
Dessa forma, o sertão brasileiro se estendia do norte ao sul do país, sem estar
restrito à região nordeste. Região que se constituiu apenas na segunda década do
século XX, através de um processo contínuo de apropriação da seca pelos políticos
locais e dos movimentos culturais e intelectuais que afirmavam a singularidade do
nordeste no mapa cultural do Brasil.318 No capítulo Os Sertões dos Capítulos de Historia
Colonial a narrativa de Capistrano não se restringe em nenhuma região em específico,
o sertão estava na Amazônia, em Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e São
Paulo.319
Outro aspecto importante referente ao o concurso foi o equilíbrio na distribuição
dos temas pelas diversas regiões brasileiras, marcadas por Capistrano de Abreu por
seus aspectos irredutíveis e singulares. O prêmio possuiu um sub-tema de abrangência
geral, “Os primeiros caminhos do século XVI e XVII”; dois temas ligados a historiografia
paulista, “Anchieta na Capitania de São Vicente” e “Os Companheiros de D. Francisco
316 Carta enviada por Capistrano de Abreu a João Pandiá Calógeras em 28 dez. 1910. CCA, volume 1, p. 369. 317 SOUZA, Candice Vidal e. A pátria geográfica: sertão e litoral no pensamento social Brasileiro. Goiânia: EDUFG, 1997, p. 38. 318 ALBUQUERQUE Jr, Durval M. A invenção do Nordeste e outras artes. 3 ed. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana; São Paulo: Cortez, 2006. 319 ABREU, Capistrano de. Os Sertões. In.___. Capítulos de História Colonial. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p. 98-172.
197
de Sousa”; e dois temas afeitos à história do “norte”, “Pedro Teixeira na Capitania do
Amazonas” e “Engenhos de açúcar no século XVI”.320 Além disso, apesar da instituição
propor a inserção das áreas de etnografia, lingüística e etnologia, o prêmio não
apresentou nenhuma temática afeita a estas áreas. Principalmente, referente à questão
indígena, tema bastante caro a Capistrano de Abreu não apenas do ponto de vista do
vocabulário, mas também como um objeto de análise histórica, enfatizando a
organização e distribuição das aldeias indígenas no território nacional no período
definido por Capistrano como “pré-cabralino”, e os conflitos causados entre esta
organização social e a chegada do “elemento alienígena”, o colono. Temática presente
apenas no prêmio para História do Ceará.321
Para regulamentar as premiações a Sociedade elaborou dois regimentos, que
posteriormente, resultaram nos dois editais do concurso.322 Os editais ofereciam
informações sobre a premiação, local e prazo de inscrição, temas de abrangência, o
perfil dos candidatos – permitindo a participação de estrangeiros, porém com o texto
necessariamente redigido em português- e os procedimentos para a lisura do concurso,
como a utilização de pseudônimos na entrega do material e um envelope lacrado
320 Utilizamos o termo norte, pois a utilização da categoria nordeste para designar uma região específica do território brasileiro só passou a ser utilizada nas primeiras décadas do século XX. Porém, percebemos que a região amazônica já possuía as suas especificidades discursivamente produzidas antes da singularização da região nordeste. Para ver sobre o processo político e discursivo de construção do nordeste como região: ALBUQUERQUE Jr, Durval M. A invenção do Nordeste e outras artes. 3 ed. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana; São Paulo: Cortez, 2006. 321 ABREU, Capistrano. Guaianases em Piratininga. In. ___. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 197 p.5, 11-16. 322 Edital para o segundo prêmio de História para 1928 (História do Ceará). Subfundo Documentação Administrativa, pac.1, doc. 6. Ver Anexo 2,; Edital para o prêmio de História do Brasil para 1928. Subfundo Documentação Administrativa, pac.1, doc. 7. Ver Anexo3.
198
contendo o verdadeiro nome do autor, que somente seria aberto após a decisão da
Sociedade sobre a monografia vencedora.
Como afirmamos em tópico anterior, a Sociedade possuía uma rede de
relações na imprensa que permitia com que suas atividades tivessem uma ampla
divulgação. Dessa forma, os prêmios foram amplamente divulgados em periódicos
impressos; como demonstra a nota expedida pela Comissão Executiva da instituição à
imprensa, apresentando o concurso como uma das homenagens à memória de
Capistrano de Abreu: a Sociedade Capistrano de Abreu na missão de interessar toda a
intelectualidade brasileira no culto a que se propôs, pede o vosso concurso no sentido
de ser dada ampla publicidade aos temas e regulamentos dos prêmios que a mesma
Sociedade distribuirá em 1928.323
O lançamento público do Prêmio de História aconteceu dentro de um conjunto
de homenagens a Capistrano, já apresentadas em outro momento da dissertação,
como a inauguração da rua com seu nome e descerramentos da placa e do quadro do
historiador. Na imprensa ressaltou-se, como sugerido pela própria instituição, a
realização do concurso como parte do “culto” a Capistrano, porém, os prêmios também
foram descritos como atos em honra ao Brasil e à terra natal do historiador,
percebendo-se a imbricação realizada entre a escrita da história e construção da
memória nacional, bem como a reafirmação de Capistrano como historiador do
Brasil.324
323 Ofício enviado à imprensa pedido ampla publicidade ao Prêmio Capistrano de Abreu. Subfundo Documentação Administrativa, pac.1, doc. 3. 324 Sociedade Capistrano de Abreu: uma série de prêmios sobre história. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 25 out. 1927, p. 2; Sociedade Capistrano de Abreu: várias deliberações tomadas na reunião de anteontem. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 26 out. 1927, p. 6; Sociedade Capistrano de Abreu. O Jornal, Rio de Janeiro, 25 out. 1927, p. 5.
199
A divulgação das monografias vencedoras também foi realizada pela imprensa.
Em 26 novembro de 1928, o Diário da Noite anunciou os dois primeiros vencedores da
premiação, Antonio de Alcântara Machado, com a monografia Anchieta na Capitania de
São Vicente, e Francisco de Assis Carvalho com o ensaio Os Companheiros de Dom
Francisco de Souza.325 A matéria cobriu uma parte considerável da folha, trazia
fotografia dos autores e entrevistas. O título da matéria também se apresentou
relevante, pois se enfatizou a origem paulista de ambos. Esse aspecto, como veremos,
possui estreita relação com a proposta de escrita da história que ali se esboçou.326
Alcântara Machado recuperou em sua entrevista a trajetória da Sociedade,
enfatizando o conjunto de sócios que constituía a instituição. Segundo o autor:
Fundada por um grupo de discípulos do grande cearense, a Sociedade Capistrano de Abreu reúne sem dúvida as primeiras figuras de quantas entre nós se dedicam hoje em dia ao estudo da história brasileira. Basta citar alguns nomes: Paulo Prado, Afonso de Taunay, Rodolfo Garcia, Teodoro Sampaio, Pandiá Calógeras, Roquete Pinto, Eugênio de Castro, Alberto de Faria, Ellis Júnior e Basílio de Magalhães.327
O reconhecimento de Alcântara Machado das atividades da Sociedade e a
singularidade do grupo que ali se constituiu foi um aspecto relevante para percebermos
o lugar social da instituição no espaço letrado e na escrita da história nas três primeiras
décadas do século XX.
325 FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Os companheiros de Dom Francisco de Souza. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional; Sociedade Capistrano de Abreu 1929; MACHADO, Antônio de Alcântara. Anchieta na Capitania de São Vicente. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional; Sociedade Capistrano de Abreu 1929. Os prêmios foram inicialmente publicados na Revista do IHGB, no tomo 105, primeiro volume de 1929. 326 O Prêmio Capistrano de Abreu conferido a dois escritores paulistas. Diário da Noite. Rio de Janeiro, 26 nov. 1928. s/p. 327 Idid., p. s/p.
200
O autor era filho do historiador José de Alcântara Machado, acadêmico da
Academia Brasileira de Letras e autor do livro Vida e morte do bandeirante.328 Esse
aspecto gerou na imprensa algumas confusões sobre a sua identidade, porém, o
parecer da instituição foi categórico quanto a autoria da monografia.
Os estatutos da Sociedade ofereciam em seu artigo 7º a prerrogativa dos
vencedores da premiação se candidatarem à vaga de sócios da instituição, possuindo a
preferência diante de outras candidaturas. Dos quatro vencedores da premiação,
Alcântara Machado foi o que demonstrou maior empenho em ingressar na instituição. A
partir do anúncio do vencedor do concurso, o autor iniciou uma freqüente prática
epistolar com os sócios Paulo Prado, seu então presidente, e Eugênio de Castro,
buscando viabilizar a sua admissão. Ambos os sócios eram já eram conhecidos de
Alcântara Machado, porém, com Paulo Prado, o autor possuía uma relação mais
próxima por já terem compartilhado outros projetos intelectuais, como: organização da
Semana de Arte Moderna em 1922 e as contribuições de ambos à Revista Terra Roxa,
periódico do movimento modernista paulista. Em carta de 06 dezembro de 1928,
Alcântara Machado expôs suas pretensões a Paulo Pardo:
Recebi hoje Dr. Paulo Prado uma carta do Eugênio de Castro datada de 16 de novembro e pondo a minha disposição um conto de réis. Vamos fazer um trato? Pelos estatutos da sociedade o autor premiado tem preferência sobre qualquer outro para fazer parte do quadro social se houver vaga (a do Madureira já foi preenchida?) eu me candidato. [...] Está combinado? Na antropófaga de dezembro, prestes a sair darei notícia breve e ligeira do Retrato. Aí no Rio publicarei depois coisa mais cuidadosa.329
328 OLIVEIRA, Antonio de Alcântara Machado de. Vida e morte do Bandeirante. São Paulo: Empresa Gráfica, 1929. 329 Carta enviada por Antonio de Alcântara Machado a Paulo Prado em 6 dez. 1928. Fundo SCA, correspondência passiva. pac. 1, doc.4.
201
Em missiva datada de 16 de dezembro de 1928 reafirma o pedido, desta vez a
Eugênio de Castro, e em 30 de janeiro de 1929, agradece a eleição.330 Tamanho
empenho de um intelectual já possuidor de uma capital simbólico considerável, nesse
momento Alcântara Machado era o diretor da Revista de Antropofagia, nos faz refletir
sobre o papel e a relevância que o culto a Capistrano de Abreu possuía no campo
letrado nacional. Além disso, aspecto relevante foi a importância da obra de Capistrano
de Abreu e, por conseqüência, da Sociedade para produção intelectual paulista neste
período. Não podemos nos esquecer que Mário de Andrade era um dos sócios da
instituição. Cabe então recuperar uma fala de Alcântara Machado se filiando a essa
“escola Capistraneana”: venho felicitá-lo muito vivamente, prezado senhor Eugênio de
Castro, pelos seus trabalhos sobre o porto de Pernambuco e barra do Rio Grande, que
já havia lido quando publicadas pelo O Jornal. Considere mais uma lição que honra
ao mestre e aproveita aos discípulos como eu.331
Na entrevista anteriormente citada, Alcântara Machado elogiou as ações cívicas
da Sociedade e inseriu a sua pesquisa um projeto maior com objetivo de aprofundar a
história paulista.
Essa tese eu a estudei e escrevi em poucos meses, nos intervalos de um trabalho literário que não é dos menos intensos e de uma vida profissional bastante atarefada. Quis com isso desenvolver quanto me era possível um tema que desde muito me tentava e, sobretudo, render uma homenagem à Sociedade Capistrano de Abreu, que com tanta inteligência esta incentivando o amor pelas coisas desta terra. Acho que é um dever auxiliar os que procuram sacudir a preguiça intelectual do Brasileiro. Falo (está claro) em preguiça no que se refere a assuntos sérios. Porque de literatura amena a maior parte do que existe, errada
330 Carta enviada por Antonio de Alcântara Machado a Eugênio de Castro em 16 dez. 1928. Fundo SCA, correspondência passiva. pac. 1, doc.5; Carta enviada por Antonio de Alcântara Machado a Eugênio de Castro em 16 dez. 1928. Fundo SCA, correspondência passiva. pac. 1, doc.8. 331 Carta enviada por Antonio de Alcântara Machado a Eugênio de Castro em 02 set. 1929. Fundo SCA, correspondência passiva. pac. 1, doc.12. (GRIFO NOSSO)
202
como é, podia bem ser destruída que ninguém daria falta. Minha tese como eu declarei na sua introdução e o ilustre Rodolfo Garcia no parecer com que a julgou, compreendeu muito bem, é simples esquema para um ensaio futuro. Dentro de poucos anos há de ser comemorado em São Paulo o quarto centenário da fundação da Capitania de São Vicente. Então será oportuno, mais do que em qualquer outra época, o aparecimento de trabalhos sobre o passado paulista. Se puder, publicarei uma Vida de Anchieta.332
Francisco de Assis Carvalho Franco também passou a integrar o quadro social
da Sociedade em 1929. O autor, diferente de Alcântara Machado, nos oferece menos
pistas sobre a sua relação com a Sociedade. Na entrevista, ofereceu poucas
informações. Foi entrevistado na Delegacia de Segurança Pessoal, seu local de
trabalho, pois era delegado. Afirmou ser um “escritor clandestino” e que: escrevo e
guardo meus escritos. Só por um acaso, como esse, é que os meus trabalhos terão
publicidade.333 Porém, aconteceram outros acasos e o autor publicou mais dois livros
afins com o ensaio. Na Coleção Brasiliana publicou Bandeiras e Bandeirantes de São
Paulo, no qual o ensaio vencedor do prêmio foi inserido e Dicionário de Bandeirantes e
Sertanistas do Brasil.334 Nos agradecimentos à indicação de sócio da Sociedade, o
autor também compartilhou a necessária construção da memória de Capistrano de
Abreu, afirmando: Direi apenas que aceitando prezadamente este encargo, me
proponho, embora apagadamente, acompanhá-los no culto nobilitante daquele que em
vida foi dos mais admiráveis e dos mais preciosos no saber da nossa história.335
332 O Prêmio Capistrano de Abreu conferido a dois escritores paulistas. op.cit. s/p. 333 Ibid., s/p. 334 FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Bandeiras e Bandeirantes de São Paulo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940; ___. Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil. 3 ed. São Paulo: USP, 1989. 335 Carta enviada por Francisco de Assis Carvalho Franco a Eugênio de Castro em 24 nov. 1929. Fundo SCA, correspondência passiva. pac. 1, doc.20.
203
As entrevistas mencionaram pontos importantes, como: os pareceres emitidos
pela Sociedade sobre as obras e a publicação das monografias. Aspectos que
passaremos a detalhar.
Os procedimentos para o julgamento das monografias consistiam na
constituição de uma comissão interna que avaliaria os trabalhos, expedindo parecer à
Comissão Executiva. Posteriormente, o parecer era lido em assembléia e avaliado,
decidindo-se sua aprovação. A comissão de avaliação do primeiro prêmio foi composta
pelos sócios: Jayme Coelho, Teodoro Sampaio, Miguel Arrojado Lisboa, Rodolfo
Garcia, Pandiá Calógeras, Paulo Prado e Eugênio de Castro. Apenas duas monografias
concorreram ao concurso, por sua vez, as duas as quais já nos referimos. Eram textos
cursos, definidos pelos pareceristas como textos de “síntese”. O ensaio de Alcântara
Machado possuía 88 páginas e o de Carvalho Franco 46. 336
Os prêmios foram avaliados por suas qualidades estilísticas e método de escrita
da história. A primeira monografia avaliada foi a de Alcântara Machado. O autor foi
elogiado pelo uso criterioso das fontes e suas respectivas referências. Os fatos teriam
sido explanados com boa crítica, elegância e vivacidade de estilo. Além disso, foi
salientada a publicação de uma carta de José Anchieta em apenso, aspecto caro aos
historiadores que constituíram a comissão avaliadora, pois eles estavam empenhados
no projeto de Capistrano de Abreu de publicar fontes para a escrita futura da historia do
Brasil. O parecer salientava o estado ainda restrito das fontes sobre José de Anchieta,
o que valorizava o texto concorrente, pois este executou o trabalho possível diante de
tal situação. Sobre a síntese empreendida pelo autor a comissão estabeleceu que:
204
O quadro traçado guarda as proporções convenientes. Não há tirar e nem por nas figuras esboçadas. Anchieta e Nóbrega, que entendeu muito bem, não deve isolar de Ramalho, Mem de Sá, Leonardo Nunes e Luís de Grã e os demais participantes da grande obra, todos ali têm os lugares que lhe competem no cenário histórico em que agiram.337
Como se pode observar no trecho do parecer, havia uma “grande obra” durante
o período colonial na qual esses agentes, jesuítas (Nóbrega e Anchieta), colonos,
bandeirantes (Ramalho) e o governo da coroa portuguesa (Mem de Sá, Leonardo
Nunes e Luís de Grã) estavam envolvidos. O significado dessa “grande obra” já pode
ser observado em Capistrano de Abreu. Ao comentar sobre a instauração do governo-
geral na colônia, o autor realizou a seguinte apreciação:
Em companhia do capitão-mor vieram seis jesuítas, os primeiros mandados a este continente, sobre cujos destinos tanto deveriam mais tarde pesar. Completaram harmonicamente a administração, pois tanto como Tomé de Sousa ou Pero Borges, o padre Manuel da Nóbrega obedecia ao sentimento coletivo, trabalhava pela unidade da colônia, e no ardor de seus trinta e dois anos achava ainda pequeno o cenário em que se iniciava uma obra sem exemplo na história.338
E a seguir, acrescenta sobre o governo de Mem de Sá:
Entre todos os seus serviços sobreleva o auxílio prestado a Nóbrega para realizar a obra das missões. Esgotaria todos os préstimos dos Brasis (indígenas) fornecerem matéria-prima para a mestiçagem e para trabalhos servis, meras máquinas de prazer bastardo e de labuta incomportável? Se não com palavras, isto afirmavam os colonos de modo menos ambíguo por atos repetidos de pertinácia invariável. Ora, os jesuítas representavam outra concepção da natureza humana. Racional como outros homens, o indígena aparecia-lhes educável. Na tábua rasa das inteligências infantis podia-se imprimir todo o bem [...] Tal a idéia de Nóbrega, representada essencialmente pela Companhia de Jesus nos séculos de sua fecunda e tormentosa existência no Brasil.339
336 Ata da 2ª Assembléia Geral da SCA, 23 out. 1928. LA n.1, p. 6. Extratos do parecer foram publicados na imprensa: Sociedade Capistrano de Abreu. O Jornal, Rio de Janeiro, 24 nov. 1928, p. 14. Ver: Anexo 7. 337 Ibid., p. 6 338 ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p. 40. 339 Ibid., p.50.
205
A História da Companhia de Jesus ganha para Capistrano de Abreu os
contornos de um projeto civilizador para a colônia. Em inúmeras oportunidades o autor
traça paralelos entre a obra “desbravadora” dos colonos bandeirantes e a obra
“colonizadora” dos jesuítas.
De certa forma, Capistrano de Abreu viveu em sua obra momentos de tensão
quanto à ação dos bandeirantes na construção da territorialidade nacional.
Principalmente, sendo esta conquistada através de disputas com as populações
indígenas e seu conseqüente extermínio. O autor chegou a questionar: compensará tais
horrores a consideração de que por favor dos bandeirantes pertencem agora ao Brasil
as terras devastadas?340 Capistrano de Abreu chegou a definir as bandeiras como
despovoadoras, devido à eliminação do elemento indígena.341 Por outro lado, via a
“obra” da Companhia de Jesus como uma ação em benefício da unidade da pátria e da
colonização integrada com o indígena, que era visto por Capistrano como um elemento
da paisagem natural. Em carta a João Lúcio de Azevedo, afirmou o autor: o
cosmopolitismo dos jesuítas parece-me um pouco simplificado nas suas páginas. O
jesuíta podia ser e muitas vezes foi patriota; apenas a pátria não era onde nascera, mas
aonde trabalhava.342
Dessa forma, a narrativa empreendida por Alcântara Machado corrobora as
perspectivas de Capistrano de Abreu e da Sociedade quanto ao empreendimento de
uma “obra” colonial, a construção do Brasil como território e como povo. Porém, a
340 Ibid., p.103. 341 Ibid., p.106.
206
narrativa de Alcântara Machado irá ganhar contornos diferentes da de Capistrano, pois,
na era apenas a obra da Companhia de Jesus que o autor buscava apresentar, mas
ação de José de Anchieta na capitania de São Vicente.
O ensaio de Alcântara Machado tenciona entre a biografia de José de Anchieta
e a própria biografia da Vila de São Vicente, gerada com todas as virtudes do processo
civilizador e racional dos jesuítas. No capítulo inicial o autor estabelece uma biografia
cronológica da vida de José de Anchieta. No segundo capítulo, o autor realiza o mesmo
recurso pra descrever “São Vicente em 1553”, título do capítulo. Nesse capítulo irá se
contrastar a missão dos jesuítas como formadora de cultura com o colono de São
Vicente, personificado no bandeirante João Ramalho, como não promotor da
colonização e enxerto de vícios e cobiça. Segundo Alcântara Machado, o português
quando deixava a praia era para criar inimigos. Não os movia o objetivo de fundar
culturas terra adentro. Em torno da escravidão indígena é que girava toda a atividade
colonizadora.343 A apreciação do autor sobre o colono de Piratininga, especificamente,
o bandeirante, também era tensional como a de Capistrano de Abreu. Pois, apesar de
identificar o colono de Piratininga e São Vicente como despovoador, reconhecia que ali
se constituía um espírito de revolta e independência, que mais tarde viria explodir,
ameaçando o domínio reinol em Piratininga.344 Ali se constituía um sentimento
nacionalista.
Alcântara Machado narra no ensaio a epopéia da obra colonizadora dos
jesuítas e a sua contribuição decisiva para constituição do caráter paulista,
342 Carta enviada por Capistrano de Abreu a João Lúcio de Azevedo em 03 set. 1927. CCA, volume 2, p. 64. 343 MACHADO, Antonio de Alcântara. op.cit. p. 35.
207
identificando-os como os elementos construtores de cultura nos trópicos. Além disso,
identifica no “chão de Piratininga” e São Vicente, criação jesuíta a primeira e devedora
de sua obra missionária a segunda, os lugares nos quais os colonos puderam se fixar
para a partir daí buscarem a descoberta da terra.
De sua parte, os jesuítas, apesar da influência decisiva de Manuel da Nóbrega sobre Thomé de Sousa, nos meios empregados e no objetivo a alcançar se afastam consideravelmente dos portugueses. Viviam mesmo em permanente luta contra eles, combatendo-lhes a cobiça e os vícios.345
O ensaio de Carvalho Franco alia-se ao de Alcântara Machado na perspectiva
de observar São Paulo como o centro de origem da devastação dos sertões e
construção da espacialidade nacional. A monografia versava sobre D. Francisco de
Sousa, sétimo Governador Geral da colônia na primeira década do século XVI, e se
propunha a discutir as estratégias de D. Francisco de Sousa, e por sua vez de todos os
agentes da coroa portuguesa e colonos que a ele se reuniram, para encontrar a
lendária Serra do Sabarabossú, um lugar que, segundo as narrativas de participantes
das primeiras explorações, seria depositário de uma quantidade expressiva de ouro,
prata e pedras preciosas.
Carvalho Franco enfatizou a diversidade de pessoas que apoiaram e realizaram
o empreendimento de D. Francisco de Sousa, principalmente os principais dianteiros da
grande massa bandeirante despontada no século XVII. 346 No capítulo inicial A miragem
das minas de prata, o autor apresentou as narrativas de cronistas e expedicionários que
comentavam a existência de um Potosi também nas terras da colônia portuguesa, a
Serra do Sabarabossú. Como afirma o autor:
344 Ibid., p. 36. 345 Ibid., p. 36.
208
E com o tempo, na imaginação daqueles homens d’além mar, que não podiam deixar de ter em suas pupilas a centelha de alguma quimera como estímulo às suas ambiciosas aventuras – essa serra de Sabarabossú passou a desenhar-se toda de prata, à beira de uma lagoa de águas douradas, inscrita em seus roteiros nebulosos [..] foi essa ficção que empolgou o animo cavalheiresco de D. Francisco de Sousa – e não conseguindo atingi-la pelo norte, buscou abraçá-la pelo sul, valendo-se principalmente dos homens de São Paulo, que já por esse tempo tinham fama de capazes de todos os sertões.347
A serra insistentemente buscada não foi encontrada. Carvalho Franco trás a
relação de todas as bandeiras e entradas realizadas, organizadas ou não por D.
Francisco de Sousa para alcançar esse objetivo. Contudo, minérios foram encontrados,
não na lendária elevação, mas nos sertões de Minas Gerais. Aliada à descoberta dos
minérios, o autor aponta outra conseqüência das ações do Governador Geral: a
constituição do território nacional pelas bandeiras.
D. Francisco de Sousa soube aproveitar-se dos homens de todas as categorias sociais que dele se aproximaram para o seu mais alentado ideal: o desvendamento das minas do sertão brasileiro. Sob segura orientação desse governador sertanista, esses homens, tendo como sede a Capitania de São Vicente, atingiam dentro em pouco, conscientemente, ao norte os vales dos grandes rios de Minas Gerais e ao sul as regiões do Guairá (1601-1602). E assim iniciados, sob a denominação de bandeirantes, os descendentes desses homens se tornaram lendários, por sobre o território amplíssimo da Pátria.348
O ensaio foi bem avaliado pela comissão da Sociedade, realizando apenas
restrições sobre a ausência de referências bibliográficas e documentais.
Com relação a tese sobre Os companheiros de D. Francisco de Sousa, não há negar ao seu autor, informação segura do importante assunto, que colheu especialmente nos eruditos Prolegôminos do nosso saudosíssimo mestre e patrono, aos livros IV e V da História do Brasil do Frei Vicente do Salvador. Além dessas achegas preciosas, a leitura de sua dissertação deixa patente que se valeu de outras fontes documentais que pena é não tivesse assinalado, como o exigem
346 FRANCO, Francisco de Assis C. op.cit. p. 4. 347 Ibid., p. 16. 348 Ibid., p. 42.
209
monografias dessa ordem. É, entretanto, um trabalho de mérito, de exposição perfeita, seriação justa e estilo sóbrio e adequado.349
Além da premiação da Sociedade, o que une as duas monografias é a
perspectiva de observar a capitania de São Vicente como palco no qual se desenvolveu
com sucesso a “grande obra” da colonização. São Paulo assumiu nessas narrativas o
papel de construtor do território nacional, através da ação bandeirante, e também de
construtora do espírito nacional, por meio da ação civilizadora do jesuíta e do
sentimento de distinção em relação à metrópole ali desenvolvido.
Observamos nessas representações construídas no prêmio Capistrano de
Abreu sobre São Paulo, muito da ambiência intelectual paulista do começo do século
XX, na qual os intelectuais da paulicéia construíam um discurso, inclusive
historiográfico, que buscava demonstrar o papel preponderante da Capitania de São
Vicente na constituição da história nacional. Esses ensaios estavam inseridos no
conjunto de produções que compôs o movimento regionalista paulista.
Maria Inez Pinto ressalta que o início do século XX, principalmente pós-primeira
guerra, como afirmamos, foi marcado pelas disputas entre intelectuais tradicionalistas e
de vanguarda na capital paulista. Contudo, a autora afirma que existia um ponto em
como nos dois grupos, a necessidade de afirmar São Paulo como a nova dirigente da
política e da cultura nacionais, principalmente, em oposição ao Rio de Janeiro. Segundo
a autora,
Para esses autores, São Paulo encarnava uma dupla face de tradição e vanguarda, pois era habitada por todos os tipos de povos e, berço dos bandeirantes, era voltada para o interior; além disso, a cidade estaria melhor preparada para se inserir na modernidade do século XX. A questão regional, tal como era posta, recobria um sério debate: qual seria a região capaz de impor seu tom ao conjunto nacional? Que
349 Ata da 2ª Assembléia Geral da SCA, 23 out. 1928. LA n.1, p. 6.
210
características a capacitava para exercer o papel de matriz da nacionalidade? Determinados aspectos geográficos, certas tradições históricas e o “caráter” do seu povo eram, sem dúvida, os trunfos mais valorizados [...] o coração do Brasil brasileiro e moderno seria São Paulo. Metrópole ‘febril’, industrializada, habitada por todos os tipos de raças e de povos, nem por isso desapegara-se dos sólidos valores da brasilidade. 350
Como a citação da autora demonstra, a historiografia foi um instrumento
privilegiado nas primeiras décadas século XX. Ela poderia oferecer os valores da
brasilidade presentes no passado paulista, oferecendo a tradição necessária ao projeto
modernista da paulicéia. Segundo Tânia de Luca, o bandeirante passou a representar
a materialidade das experiências do paulista como construtor da nação, observando o
processo no qual o bandeirante, ou seja, desbravador, destemido, altivo, determinado,
independente, leal, líder inato, vai se tornando sinônimo de paulista.351
Contudo, o regionalismo e a construção do território nacional não eram um
privilégio dos paulistas. Na mesma reunião na qual a Sociedade anunciou os
vencedores do prêmio de 1928, foi lançado o edital do Prêmio de História de 1929, cujo
tema foi O Rio São Francisco na História do Brasil, intensificando a geografia como um
elemento constituinte da nacionalidade e do discurso histórico. 352
350 PINTO, Maria Inez M. B. Urbes industrializada: o modernismo e a paulicéia como ícone da brasilidade. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 21, n.42, p. 437, 2001. 351 DE LUCA, Tânia. op.cit. p. 102.
211
3
O declínio de um culto: a Sociedade Capistrano de Abreu e a constituição do
campo historiográfico no Brasil.
Capistrano de Abreu despertou amizades sinceras, e bem numerosos podem ser contados aqueles que lhe consagraram franca admiração. Infelizmente, entretanto, cada vez se tornam mais escassos os discípulos, no sentido preciso do termo.353 (Jayme Coelho)
Como de costume, às 21 horas do dia 23 de outubro de 1949, estavam
reunidos os sócios da Sociedade Capistrano de Abreu para mais uma reunião. Ao
falarmos em “sócios”, naturalmente o leitor será levado a pensar em um número
expressivo de participantes da reunião, lembrando, naturalmente, dos já mencionados
encontros anuais em homenagem ao historiador Capistrano de Abreu que a imprensa
densamente anunciava e que eram tão concorridos. Porém, apenas três sócios
compareceram ao encontro, Iseu de Almeida e Silva, Jayme Coelho e Maurício Teixeira
de Castro.354 Os dois primeiros compartilharam dos anos de efervescência da
Sociedade, tendo inclusive conhecido Capistrano de Abreu e participado da fundação
352 Ata da 2ª Assembléia Geral da SCA, 23 out. 1928. LA n.1, p. 6. Ver Anexo 4. REGO, Luis Flores de Moares. O Vale do São Francisco: ensaio de monografia geográfica. São Paulo: Museu Paulista; Sociedade Capistrano de Abreu, 1936. 353 COELHO, Jayme. Capistrano de Abreu. Discursos realizados na SCA por ocasião do centenário de nascimento de Capistrano de Abreu. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v.221, out.-dez., p. 214, 1953. 354 Ata da 25ª Assembléia Geral, LA, n.1, 23 out 1949, p.40.
212
da instituição em sua homenagem.355 Já o engenheiro Maurício de Castro era filho de
Eugênio de Castro (1882-1947) – um dos mais atuantes “discípulos” de Capistrano de
Abreu como foi apresentado – e após a morte do pai, passou a freqüentar as reuniões
da instituição sendo incorporado ao seu quadro social como sócio efetivo. 356
A reunião foi significativa não apenas pela ausência de sócios, mas também,
por ser o momento de realizar o voto de pesar pelo falecimento do Presidente da
Sociedade, Rodolfo Garcia, que morreu no Rio de Janeiro em 14 de novembro do ano
anterior.357 Podemos considerar que a morte de Rodolfo Garcia fechou um ciclo dentro
da SCA. As atividades do grêmio sempre foram geridas pelos sócios fundadores Paulo
Prado, Eugênio de Castro e Rodolfo Garcia, e pelo sócio e amigo de Capistrano, o
engenheiro militar Luiz Sombra, um dos responsáveis pela vinda dos índios do Mato-
355 Jayme Coelho (1887-1966) era bacharel em Direito, exercendo a docência na Universidade do Distrito Federal e na Universidade do Estado da Guanabara. Foi escritor de livros didáticos e desenvolveu pesquisas sobre História da América. Ver maiores informações sobre os sócios fundadores da Sociedade Capistrano de Abreu no Capítulo 1. Quanto a Iseu de Almeida e Silva, conseguimos identificá-lo apenas como médico, presidente da Associação Nacional de Medicina durante o biênio 1957-59 e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgiões. 356 Maurício Teixeira de Castro foi um importante colaborador de José Honório Rodrigues quando da publicação da correspondência de Capistrano de Abreu. O sócios fundadores da SCA sempre ansiaram pela publicação deste conjunto de missivas, com grande destaque para Eugênio de Castro. Ele foi um dos primeiros a pleitear a consulta à correspondência ativa de Capistrano de Abreu doada pelo historiador João Lúcio de Azevedo à Biblioteca Nacional. Pedido posteriormente negado pelo diretor da Biblioteca. Eugênio de Castro conservou em seu poder as cartas de Capistrano doadas à Sociedade, sendo um importante incentivador destas doações. Podemos citar o caso da correspondência ativa de João Pandiá Calógeras, cujas cópias foram negociadas por Eugênio de Castro com a esposa do historiador. Após a morte do pai, Maurício de Castro ficou responsável pela documentação, e como José Honório Rodrigues afirmou na introdução do volume, as disponibilizou para publicação. Ver, RODRIGUES, José Honório. Introdução à edição da correspondência. In. ABREU, João Capistrano de. Correspondência de Capistrano de Abreu. 2 ed. vol.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, p.IX-XXXVI. 357 Rodolfo Garcia era bacharel em Direito pela Faculdade de Recife, tendo se dedicado inicialmente à docência em escolas secundárias. Após transferir-se para cidade do Rio de Janeiro, foi bibliotecário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e diretor do Museu Histórico Nacional e da Biblioteca Nacional. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e do IHGB. Podemos destacar como principais temas de suas pesquisas: etnografia indígena, lingüística e a história das explorações científicas no
213
Grosso e Acre com os quais Capistrano convivia para realizar seus estudos sobre os
vocabulários indígenas. Com os seus respectivos falecimentos, a sociedade passou por
sérios problemas administrativos, entrando em uma fase que compreendemos como de
transição.
Devido ao número reduzido de sócios, a reunião foi cancelada e remarcada,
sendo apenas discutida a precária situação financeira da Sociedade. De fato, os sócios
voltaram a se reunir em outro momento. A 26ª Assembléia Geral (Extraordinária)
ocorreu no dia 22 de agosto de 1950, após o envio de cartas convocando os sócios.
Um dos principais objetivos da reunião foi formalizar a situação da SCA, visto que, o
mandato da Comissão Executiva que a administrava tinha se expirado em 1945,
comissão da qual Rodolfo Garcia era o Presidente e Eugênio de Castro o Secretário
Geral. Mas o afastamento de ambos da administração da SCA não se definiu apenas
na proximidade de suas mortes, pois, a partir da assembléia de 1946, ambos já se
encontravam impossibilitados de freqüentar as reuniões devido às suas respectivas
enfermidades.
Contudo, existia entre os sócios da instituição um decoro que os impedia de
afastar Eugênio de Castro e Rodolfo Garcia definitivamente da Comissão Executiva e
eleger um novo grupo gestor. Como os novos sócios, que em sua maioria não
conheceram e nem privaram da companhia de Capistrano de Abreu, poderiam
desconsiderar a presença daqueles que dividiram não só a intimidade, mas a própria
tarefa de historiador com Capistrano de Abreu?358
Brasil.Ver maiores informações sobre os sócios fundadores da Sociedade Capistrano de Abreu no Capítulo 1. 358 Como afirmamos, Eugênio de Castro e Rodolfo Garcia foram dois dos beneficiados com o espólio intelectual de Capistrano de Abreu, ambos concluíram após a morte do historiador as traduções e
214
Apesar dos investimentos do sócio Francisco Jaguaribe Gomes de Matos359 em
efetuar mudanças na administração da SCA e propor reformas que pudessem alterar a
sua precária situação financeira, como: o afastamento de Rodolfo Garcia e a eleição de
um novo presidente, reivindicar junto ao governo do Distrito Federal e ao Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) a desapropriação do prédio no qual a
SCA estava instalada e uma subvenção pública para mantê-la, bem como a
desapropriação do espólio de Capistrano de Abreu, que apesar de estar sob a guarda
da Sociedade, legalmente pertencia a seus filhos, Adriano e Matilde Abreu, e
finalmente, duplicar o valor da mensalidade e substituir os sócios inadimplentes a mais
de seis meses, ainda existia uma hierarquia entre os sócios fundadores e os
posteriormente ingressos no grêmio que inviabilizava mudanças profundas. 360
Era como se aqueles jovens que no início do século cultuavam seu mestre e se
auto-proclamavam seus discípulos possuíssem um capital simbólico dentro da SCA que
os garantia gerenciá-la, mesmo que não possuíssem o dinamismo, os recursos
anotações que este havia iniciado. São exemplos as edições e anotações à História Geral do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen, à História do Brasil, 1500-1627 do Frei Vicente do Salvador, à série de publicações Denunciações de Pernambuco (1593-1595), Denunciações da Bahia (1591-1593) e Confissões da Bahia (1591-1592), que faziam parte da Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, todos concluídos por Rodolfo Garcia; e a publicação do Diário de Navegação de Pero Lopes de Souza em 2 volumes por Eugênio de Castro. Ver: VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1975; SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil, 1500-1627. São Paulo: Melhoramentos, 1975; MENDONÇA, Heitor Furtado de. Primeira visitação do Santo Ofício as partes do Brasil: confissões da Bahia, 1591-1592. São Paulo: Cia. das Letras, 1998; SOUSA, Pero Lopes de. Diário de navegação de Pero Lopes de Sousa: estudo crítico pelo comandante Eugênio de Castro. 2 vol. Rio de Janeiro: Gráfica Sauer, 1940. 359 Francisco Jaguaribe Gomes de Matos era militar e participou ativamente das expedições promovidas pelo governo brasileiro à região centro-oeste do Brasil na primeira metade do século XX, principalmente, no Estado do Mato-grosso. Participou de expedições ao lado dos generais Cândido Mariano da Silva Rondon, Edgard Roquete Pinto e Luís Sombra, todos sócios e ativos colaboradores de Capistrano de Abreu em seus estudos sobre etnografia indígena. 360 Ata da 23ª Assembléia Geral, LA, n.1, 23 out 1948, p.38. Utilizamos a expressão “sócios fundadores” com um significado abrangente. Entendemos como fundadores não apenas aqueles que fizeram parte da
215
financeiros e a vitalidade anterior. Também não podemos negligenciar o capital social
que estes intelectuais possuíam, principalmente, Rodolfo Garcia, que chegou a diretor
de uma das maiores instituições do campo letrado brasileiro, a Biblioteca Nacional.
Seria somente com os desaparecimentos destes “fundadores” do culto a Capistrano de
Abreu, que uma nova organização da sociedade poderia ser proposta e levada adiante,
mesmo que, como veremos, essa nova organização adquirisse inicialmente um lugar
subalterno na instituição.
Mesmo com a morte dos administradores cotidianos da SCA, outros sócios
fundadores, que apesar de não participarem com freqüência de sua administração,
puderam exercer o seu capital simbólico sobre os demais.361 A nova Comissão
Executiva, eleita em 1950, era uma adaptação da antiga. Foram eleitos: Jayme Coelho,
Manuel Said Ali Ida, Afonso de Taunay, Edgard Roquete Pinto, Tobias Monteiro,
Cândido Mariano da Silva Rondon, Francisco Jaguaribe Gomes de Matos, Edgardo de
Castro Rebello, Iseu de Almeida e Silva, Marcos Carneiro de Mendonça e Afonso
Arinos de Melo Franco. O nome de Francisco Jaguaribe Gomes de Matos foi a única
mudança. De fato, os sócios mais novos não se sentiam a vontade para eleger seus
Comissão que organizou a Sociedade, mas também aqueles que acompanharam e apoiaram o empreendimento em seus primeiros momentos. 361 Ao utilizarmos os termos poder e capital simbólico estamos nos referindo às proposições do sociólogo Pierre Bourdieu, que discutindo as disputas e organizações dos campos letrados observou a existência de uma espécie de capital distinto do econômico e material e que se estrutura no horizonte dos valores, das representações e dos sentidos. Segundo Bourdieu, o capital simbólico é um conjunto de propriedades distintivas que existe na e pela percepção de agentes dotados de categorias de percepção adequadas, categorias que se adquirem principalmente através da experiência da estrutura da distribuição desse capital no interior do espaço social ou de um microcosmo social como o campo científico. BORUDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2001, p.80. Ver também: BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2003; ____. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003; ____. As regras da Arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo Companhia das Letras, 2002.
216
próprios nomes para a Comissão Executiva da SCA, e, dessa forma, a sua
administração permanecia praticamente inalterada.362
Além da reafirmação dos antigos sócios fundadores pelos sócios mais recentes,
outra observação cabe ser realizada a respeito da eleição da nova comissão executiva,
a ausência de um membro da família de Capistrano de Abreu. Os estatutos da
Sociedade previam a necessária existência de um membro do sexo masculino da
família Abreu em sua Comissão Executiva, com o objetivo de melhor resguardar os
direitos da família de Capistrano. Assim afirmavam os estatutos:
Art. 9º. A Sociedade será administrada por uma Comissão Executiva, composta de 12 sócios, que será designada em assembléia geral e exercerá suas funções durante 3 anos. Art. 10º. Os membros da comissão executiva serão escolhidos entre os sócios versados em estudos históricos, geográficos, etnográficos ou lingüísticos, além de um representante masculino da família de Capistrano de Abreu, que deverá ser um dos membros da Sociedade.363
A ausência do representante da família Abreu, que até aquele momento era o
filho primogênito de Capistrano, Adriano de Abreu (1883-1952)364, foi apenas mais um
dos inúmeros problemas que a Sociedade enfrentou a partir dos anos 40, nos quais
podemos somar a restrição de recursos financeiros e a necessidade de realizar a
desapropriação do imóvel no qual estava instalada, pois os expedientes eram
insuficientes para a manutenção do imóvel.
362 Fizeram parte da eleição os sócios: Iseu de Almeida e Silva, Francisco Jaguaribe Gomes de Matos, José Honório Rodrigues, Maurício A. Teixeira de Castro, Jayme Coelho, Luiz Raul da Silva Caldas, Américo Jacobina Lacombe, Marcos Carneiro de Mendonça, F. Briguiet, Arnaldo Guinle, Rodrigo de Melo Franco, Roquete Pinto, Manoel Cícero Peregrino da Silva e Afonso Arinos de Melo Franco. Dois nomes não foram identificados no Livro de Presenças (LP). Ver: Livro de presenças da SCA, 22 ago 1950, p.21. 363 Estatutos da Sociedade Capistrano de Abreu. Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrativa, Pac.1, Doc.1.
217
As relações da família com a Sociedade haviam sido harmônicas em seu início.
Adriano de Abreu sempre acompanhou os trabalhos da instituição, participando
regularmente das reuniões do grupo e seguindo de forma minuciosa as publicações da
obra póstuma de seu pai. A filha mais nova de Capistrano, Matilde de Abreu Nogueira
(1891-?), esporadicamente freqüentava as reuniões, pois residia na cidade de
Machado, em Minas Gerais. Adriano e Matilde eram os herdeiros legais do espólio de
Capistrano de Abreu, pois a filha mais velha do historiador, Honorina de Abreu (1882-
1959), tendo entrado para a ordem das Carmelitas Descalças e realizado voto de
pobreza, doou à SCA a parte que lhe seria destinada. Interessante observar a escolha
da SCA como beneficiária por Honorina de Abreu, e não seus irmãos, podendo
compreendê-la como um investimento da filha na construção da memória paterna.365 De
fato, a herança que Capistrano de Abreu deixou aos seus filhos não se expressava em
bens materiais propriamente ditos, mas sim através de seus trabalhos, cuja publicação
póstuma possibilitava rendimentos através dos direitos autorais. Contudo, a maior
herança dos filhos de Capistrano não se capitalizava em bens materiais, mas sim em
capital simbólico. Um exemplo foi a posição alcançada por Adriano de Abreu no
Ministério de Viação e Obras Públicas, pois, é bem sintomático, o fato do filho de
364 Adriano de Abreu era funcionário público da Companhia de Viação e Obras Públicas, jornalista e autor do romance Dias de maio. 365 Honorina de Abreu entrou em 10 de janeiro de 1911 para vida monástica no Convento de Santa Teresa, posteriormente assumindo o nome religioso de Me. Maria José de Jesus. O documento de doação dos direitos sobre o espólio de Capistrano de Abreu realizado por Honorina de Abreu em favor da SCA está sob a guarda do Museu do Ceará. As respectivas referências são: Certidão 1266, folha 60 (verso), do Novo Ofício de Notas da Cidade do Rio de Janeiro, 04 ago 1928. Sobre a relação de Capistrano de Abreu e a sua filha Honorina, ver: BUARQUE, Virgínia A. Castro. Escrita singular: Capistrano de Abreu e Madre Maria José. Fortaleza: Museu do Ceará/SECULT, 2003.
218
Capistrano ter sido nomeado durante o ministério de seu amigo e confidente, Francisco
Sá.366
O fim da harmonia entre a família e a instituição começou a ocorrer em 1946,
quando Adriano de Abreu enviou uma correspondência à SCA vetando a 4ª edição do
livro Capítulos de História Colonial pela Livraria Briguiet e comunicando a sua saída do
quadro social da instituição, recomendando inclusive que esta fosse dissolvida.367 As
razões efetivas que levaram Adriano de Abreu a essa decisão são desconhecidas, não
havendo registros na documentação. Contudo, a transcrição da missiva de Adriano de
Abreu no livro de atas da SCA mostra algumas de suas intenções, e aponta indícios. 368
Exmo. Sr. Dr. Rodolfo Garcia. D. Presidente da Sociedade Capistrano
de Abreu.
Rio de Janeiro, 14 de março de 1946.
Desde a sua fundação, em 11.09.27, tem sido publicado sob os auspícios da Sociedade Capistrano de Abreu, as seguintes obras do escritor que lhe deu nome:
Capítulos de História Colonial, 1500-1800; Descobrimento do Brasil;
366 Como apresentou Paula Virgínia Pinheiro Batista, Capistrano de Abreu foi um ativo freqüentador da vida familiar de seus amigos, podendo-se destacar o convívio presencial ou epistolar com a família Sá. Para ver sobre as práticas de sociabilidade de Capistrano de Abreu e alguns exemplos de trocas de favores políticos e intelectuais que perpassaram sua correspondência: BATISTA, Paula Virgínia P. Capistrano de Abreu e a escrita feminina. Fortaleza: Museu do Ceará/ Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 2006. Para ver sobre a família Sá e a trajetória política de Francisco Sá: SÀ, Carlos (org.). Francisco Sá: reminiscências biográficas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1938. 367 Ata da 21ª Assembléia Geral, LA, n.1, 23 out 1946, p.34-35. 368 A única referência encontrada sobre o estranhamento entre Adriano de Abreu e a SCA se encontra no prefácio à 4ª edição dos Capítulos de História Colonial, no qual o historiador José Honório Rodrigues narra o evento brevemente. Segundo este, por volta de 1946, quando já se reviam as provas da 4ª edição, foi esta inteiramente suspensa, de ordem de Adriano de Abreu, filho do autor e representante masculino da família na Comissão Executiva. Ficou, então, o editor com a composição parada, impossibilitado de atender aos inúmeros e sempre crescentes pedidos de exemplares do Brasil e do estrangeiro. A 4ª edição do livro só foi concretizada em 1954, sob a organização de José Honório Rodrigues. Adriano de Abreu já havia falecido e o representante da família na SCA era o genro de Capistrano e esposo de Matilde de Abreu Nogueira, Aprígio Nogueira. Ver: RODRIGUES, José Honório. Explicação. In. ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial, 1500-1800. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/ Brasília: INL, 1976, p. IX.
219
Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil; Ensaios e Estudos, 03 volumes; A língua dos Caxinauás; Constituem estas obras reprodução: ou de livros do autor já
divulgados durante sua vida; ou de artigos e prólogos por ele assinados; ou de artigos sabidamente de Capistrano; ou, ainda, em dois ou três casos, de recortes de jornais oferecidos à Sociedade por um de seus sócios.
Atualmente dois ilustres sócios da Comissão Executiva procedem à revisão de mais uma edição (a 3ª) do livro Capítulos de História Colonial. Dada à luz essa nova edição, não dispõe, entretanto, a Sociedade de material suficiente para publicação de outros volumes.369
Tudo o mais que existe de Capistrano jaz exposto em jornais e revistas da capital e estados, ao longo de um período superior a três décadas. Tudo isso copiar, depois de aprovada criteriosamente a indiscutível autoria do escrito, incumbia o carinho filial do representante masculino da família, a quem se referem os estatutos; essa tarefa cujo desempenho demandava familiaridade absoluta com a vida do saudoso extinto. Tarefa hoje levada a cabo, através cerca de um ano e meio de labor do signatário, que oportunamente promoverá a publicação do que coligiu.
Não creio dispusesse a Comissão Executiva da Sociedade de haveres para arcar com a empreitada; também pouco sabia ela onde encontrar os originais; e nem, para correta individuação destes possuía a Comissão o indispensável conhecimento da vida e hábitos e predileções ou antipatias de Capistrano, o que tudo sobejava e sobeja ao seu único descendente direto.
Isto posto, e agradecendo à Egrégia Comissão Executiva da Sociedade os serviços prestados à memória do mestre, venho comunicar ao seu preclaro presidente a resolução que tomei de retirar-me da Sociedade Capistrano de Abreu, como efetivamente dela me retiro, a partir da expedição desta carta.
Não pode a Sociedade subsistir, [ilegível] do art. 10 dos Estatutos, sem que faça parte da Comissão Executiva um representante masculino da família de Capistrano de Abreu.
A renuncia do representante da família (implica) importa na devolução pela Sociedade, a quem de direito, da biblioteca e do arquivo de que trata o art.14 dos estatutos; importa a inibição para Sociedade de continuar a ocupar-se com a edição e revisão de trabalhos de seu patrono; importa, pois, na extinção de fato da Sociedade, por falta de objetivo legal.
Solicitando ao ilustre patrício a fineza de acusar o recebimento da presente carta, aproveito o ensejo para renovar os meus [ilegível] de sabido apreço e particular estima.
Adriano de Abreu370
369 A referencia à 3ª edição expressa por Adriano de Abreu em sua correspondência se apresenta equivocada, visto que, até aquele momento, o livro Capítulos de História Colonial, 1500-1800 havia possuído 3 edições, a primeira em 1907, editada por Capistrano de Abreu; a segunda em 1928, primeira publicação da SCA; e a terceira em 1934, também com o financiamento da instituição.
220
No prefácio à biografia de Capistrano de Abreu escrita por Pedro Gomes de
Matos, o prefaciador, José Stênio Lopes, afirmou que a família do historiador manteve
durante muitos anos o desejo de que uma biografia de Capistrano fosse escrita por um
de seus membros, especificamente: Adriano de Abreu e/ou Honorina de Abreu.371 O
irmão mais jovem de Capistrano, Sebastião de Abreu, foi dentro do núcleo familiar o
depositário e investigador de fontes que pudessem viabilizar essa “biografia familiar”.
Contudo, acreditamos que com o falecimento de Adriano de Abreu em 1952, estas
expectativas se frustraram e a documentação pôde ser utilizada por outro biógrafo
avalizado pela família, Pedro Gomes de Matos. Mas o que podemos supor é que
memórias concorrentes de Capistrano de Abreu estavam se projetando e entrando em
disputa, a memória da SCA e a memória familiar.
A questão levantada neste ponto sobre a memória de Capistrano de Abreu não
se limita às formas diversas de vê-lo e representá-lo, mas do lugar social conferido a
aqueles que eram portadores da sua memória. Na carta de Adriano de Abreu enviada à
Sociedade, o que se enuncia é a busca pelo reconhecimento social do seu trabalho de
colecionar e organizar a obra paterna, quando na maioria das vezes os créditos por
essa organização se dissolviam na instituição e não se personificavam nas atividades
de um único indivíduo. O sócio da Sociedade Edgardo de Castro Rebello tentou
amenizar as proposições de Adriano de Abreu afirmando que este não desejava, na
realidade, extinção da Sociedade cuja finalidade era cultuar a memória de seu ilustre
pai, mas apenas julgava que a mesma não mais poderia promover a publicação da obra
370 Ata da 21ª Assembléia Geral, LA, n.1, 23 out 1946, p.34-35. 371 LOPES, José Stênio. Prefácio. In. MATOS, Pedro Gomes de. Capistrano de Abreu (vida e obra do grande historiador). Edição do centenário. Fortaleza: A. Batista Fontenelle Editora, 1953, p.14.
221
capistraneana exposta.372 O que podemos observar é que a carta escrita por Adriano
não manifestava amenidades, era objetiva.373 E mesmo que o filho de Capistrano não
desejasse a dissolução da Sociedade, apesar de afirmá-la, ele estava solicitando a
suspensão da atividade que mais notabilizou a instituição e que ainda garantia a sua
existência e legitimação social, a publicação da obra de Capistrano de Abreu. Mas o
argumento de Adriano de Abreu em alegar a incapacidade da SCA em continuar seu
projeto editorial, devido às restrições financeiras, é plausível, pois, como os registros
das finanças da Sociedade demonstram a instituição não mais dispunha de recursos
pecuniários.374
Em 1941, a SCA realizou a publicação da 2ª edição da Gramática dos
caxinauás.375 Após esta publicação, a instituição permaneceu 13 anos sem realizar
nenhuma atividade editorial, somente a retomando em 1954 com a tão esperada e
372 Ata da 21ª Assembléia Geral, LA, n.1, 23 out. 1946, p.35. Adriano de Abreu realmente retirou-se da instituição, permanecendo esta em atividade mesmo sem o representante familiar. Em 1953, após a morte de Adriano de Abreu e durante a comemoração do centenário de nascimento de Capistrano, assumiu como representante da família na Comissão Executiva o genro de Capistrano de Abreu, Aprígio Nogueira. 373 A determinação de Adriano de Abreu em promover o fechamento da Sociedade aparece de uma forma explicita em outra carta enviada por ele a Rodolfo Garcia. Adriano de Abreu informava ao presidente da Sociedade que ele e sua irmã, Matilde Nogueira, realizaram a doação da biblioteca e do arquivo de Capistrano de Abreu à Biblioteca Nacional. Como pudemos observar pela trajetória do acervo exposta na introdução deste trabalho a doação não foi efetivada. Carta enviada por Adriano de Abreu a Rodolfo Garcia em 19 ago. 1946. Correspondência Passiva da Sociedade Capistrano de Abreu. Fundo SCA, Subfundo correspondência. pac. 3. doc.150. 374 De 1943 a 1947 os rendimentos da Sociedade declinaram de uma forma significante. Em 1945, a instituição possuía uma receita de Cr$ 9.019 e uma despesa de Cr$ 8.379,40; em 1946, a receita foi de Cr$ 8.749,40 e a despesa de Cr$ 8.449,70; em 1947, a instituição possuiu o primeiro déficit expressivo em seu orçamento, possuindo uma receita de Cr$ 6.804,70 e uma despesa de Cr$ 9.087,70. Ver: Relatório do ano social 1945-1946. Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrava, pac. 5, doc. 145 e Ata da 22ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 out. 1947, p. 36. 375 ABREU, Capistrano de. ra-txã-hu-ni-ku-i, a língua dos Caxinauás. 2 ed. (1 edição 1914) Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu/ Livraria Briguiet, 1941.
222
questionada 4ª edição do livro Capítulos de História Colonial. 376 Quando da avaliação
do Relatório do ano social de 1941-1942, os sócios atestaram a impossibilidade de
realizar novas edições da obra de Capistrano, afirmando que: continuando-se na
pesquisa e coleta de estudos de Capistrano de Abreu e, também, tendo-se em vista o
custo elevado das atuais edições, não pode a sociedade dar nova publicação no
decorrente ano.377
Os projetos existiam, mas os recursos não permitiam que esses fossem
colocados em ação. Por exemplo, a elaboração e publicação da 4ª série dos Ensaios e
Estudos se prolongaram por 30 anos, e mesmo assim, não foi concretizada pela SCA,
mas por José Honório Rodrigues, em 1976, quando esta já havia sido extinta.378 Alguns
sócios colaboravam financeiramente com a Sociedade, podemos citar o caso de
Arnaldo Guinle, que, em 1941, financiou a publicação da Gramática dos Caxinauás e
Marcos Carneiro de Mendonça, que, em 1949, realizou uma doação de 5 mil cruzeiros
(Cr$ 5.000) para que a Sociedade saldasse suas dívidas e realizasse alguma
publicação. Os principais gastos da instituição correspondiam ao pagamento de
funcionários (bibliotecária e zeladora), à manutenção da sede social e seu respectivo
aluguel, e ao pagamento do seguro para a biblioteca e o arquivo da instituição. As
formas de captação de recursos se limitavam ao recebimento das anuidades dos
sócios, muitos inadimplentes, e ao lucro alcançado com a publicação e venda das obras
376 ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial, 1500-1800. 4 ed. Rio de Janeiro: Briguiet/ Instituto Nacional do Livro, 1954. Esta edição foi anotada e prefaciada por José Honório Rodrigues, que também urdiu a parceria entre a SCA e o Instituto Nacional do Livro para publicação. Esta parceria demonstrou a fragilidade da instituição, que sempre publicou de forma independente a obra de seu patrono. 377 Ata da 17ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 de out. de 1942, p.29.
223
de seu patrono pela Livraria Briguiet. Mas observando os relatórios, podemos perceber
que os compromissos financeiros da instituição não mais compatibilizavam com a sua
receita e o principal causador do déficit era a já citada inadimplência dos sócios.
Alguns historiadores, como Fernando Amed, concedem ao sócio Paulo Prado o
mérito de ter amparado financeiramente a Sociedade e demarca a sua morte, em 1943,
como o início do declínio das atividades da instituição. Segundo Amed:
O falecimento de Paulo Prado, em outubro de 1943, deve ter contribuído para o esgotamento das publicações da Sociedade Capistrano de Abreu, uma vez que somente duas novas edições viriam ao público, como vimos, uma em 1954 e outra em 1960. Com a ausência de Paulo Prado, a Sociedade Capistrano de Abreu passaria a buscar apoio financeiro junto ao governo, o que deve ter contribuído para o seu definhamento. 379
Mas o que podemos inferir através dos relatórios financeiros da instituição é
que a redução dos recursos se deveu principalmente ao abandono dos sócios e do não
pagamento de suas anuidades, aspecto já ressaltado mesmo antes do falecimento de
Paulo Prado. Observando as condições da instituição, as já referidas propostas do
sócio Pedro Gomes de Matos – afastar Rodolfo Garcia e eleger de um novo presidente,
reivindicar junto ao governo do Distrito Federal e ao SPHAN a desapropriação do prédio
no qual a SCA estava instalada e uma subvenção pública para mantê-la, bem como, a
desapropriação do espólio de Capistrano de Abreu, duplicar o valor da mensalidade e
substituir os sócios inadimplentes a mais de seis meses – se tornam completamente
378 ABREU, Capistrano de. Ensaios e Estudos. Crítica e História. 4ª série. 1 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. 379 Uma correção à informação de Fernando Amed cabe ser realizada. Após o falecimento de Paulo Prado, em 1943, a Sociedade realizou a publicação de mais quatro trabalhos de Capistrano de Abreu, a 4ª e 5ª edições do livro Capítulos de História Colonial, respectivamente, em 1954 e 1969; a 2ª edição dos Caminhos antigos e Povoamento do Brasil, em 1960; e a 2ª edição da 3ª Série dos Ensaios e Estudos, em 1969. AMED, Fernando. As edições das obras de Capistrano de Abreu. História: questões & debates, Curitiba, n.32, p.99-117, jan./jun., 2000.
224
compreensíveis. Pois, a Sociedade ganharia uma nova dinâmica em suas ações, uma
sede própria, ficaria resguardada dos humores da família de Capistrano de Abreu e
renovaria seu quadro social com sócios que estivessem dispostos a colaborar com a
instituição.
A renovação de fato não ocorreu, como foi afirmado. O período compreendido
entre o afastamento dos sócios fundadores por falecimento, questões pessoais ou
voluntárias e o ano do centenário de nascimento de Capistrano de Abreu, em 1953,
pôde ser percebido com de abandono da instituição pela família do historiador, pelo
Estado, que não atendia aos pedidos de subvenção financeira, e pelos próprios sócios.
As reuniões da SCA que se realizaram de forma ininterrupta por 23 anos não ocorreram
em 1951 e 1952. Somente a aproximação do centenário de Capistrano de Abreu os
reuniu novamente, com novas propostas e uma formação distinta.
Dessa forma, se apresentam dois questionamentos sobre a SCA neste período,
um específico ao grupo e outro de caráter mais genérico: primeiro, o que mudou no
quadro social da instituição que fez com que seus participantes não se sentissem mais
responsáveis pela sua manutenção? E segundo, que mudanças ocorriam no campo
letrado, e mais especificamente, no pequeno mundo dos historiadores, para que a SCA
que reuniu as figuras mais referenciais das letras brasileiras neste período fosse
relegada ao abandono? Retomando a epigrafe que inicia este capítulo, pretendemos
compreender o que significava ser discípulo de Capistrano de Abreu no sentido “preciso
do termo”, segundo o sócio Jayme Coelho. São estas as questões que tentaremos
responder ao longo deste capítulo, apresentando o declínio do culto a Capistrano de
Abreu por esta instituição.
225
3.1
O ano do Centenário: a Sociedade Capistrano de Abreu e a comemoração do
centenário do nascimento de seu patrono.
Como o observador que abraça, com o olhar, o contorno global de montanha que, ao longe, se projeta azul. Para medir-lhe a altitude, só o compasso de um século.380 (Otávio Lobo)
Com as atividades suspensas há dois anos, foi a homologação da Lei 1896 de
08 de julho de 1953 que novamente conseguiu reunir os sócios da Sociedade em uma
sessão extraordinária, realizada em 13 de agosto de 1953.381 A lei correspondia à
confirmação, com algumas alterações, do projeto apresentado à Câmara dos
Deputados Federais, em 24 de outubro de 1952, pelo deputado cearense filiado a UDN
e sócio da SCA, Adahil Barreto, que dispunha sobre as comemorações do primeiro
centenário de nascimento de João Capistrano de Abreu.382
O projeto apresentado ao plenário pelo referido deputado era de uma
completude admirável, e a possibilidade de aprovação deste deve ter enchido de animo
os sócios da instituição. O projeto inicial apresentado por Barreto não foi aprovado por
380 LOBO, Otávio. Câmara dos Deputados. Sessão de 23 de outubro de 1953. Revista do IHGB. v. 221, out.-dez., p.234, 1953. 381 Ata da 27ª Assembléia Geral, LA, n.1, 13 ago 1953, p.43.
382 Proposição PL-2583/1952, no site da Câmara dos Deputados Federais pode ser encontrado um breve resumo da proposição e da sua respectiva transformação em norma jurídica. Disponível em: <www.2camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em 23 abr. 2006. Uma cópia na integra da proposta de lei 2583/52 pode ser encontrada no arquivo da SCA, este exemplar foi doado pelo deputado Adahil Barreto em 26 de outubro de 1952. Ver: Câmara do Deputados. Projeto 2583/1952. Fundo SCA. Documentação Administrativa. pac. 5, doc. 156.
226
completo, mas a sua análise nos ajuda a perceber algumas demandas que estavam
sendo colocadas à instituição.
De um ponto de vista amplo, o objetivo principal do projeto de lei seria propor
que o Governo Federal se responsabilizasse em fomentar as comemorações do
centenário do historiador, disponibilizando recursos do orçamento federal de 1953 e
direcionando a sua principal instituição dedicada ao universo letrado, a Biblioteca
Nacional, para gerir e amparar a SCA durante as comemorações.
À Biblioteca Nacional caberia reeditar os trabalhos de Capistrano de Abreu que
estivessem esgotados, bem como, publicar a seu critério de escolha as cartas inéditas
do historiador que estavam depositadas na sua seção de manuscritos. Um aspecto
interessante, levantado pelo autor do projeto, era o papel de mediadora que a Biblioteca
Nacional deveria assumir entre a família de Capistrano, a SCA e a editora contratada
para realizar as impressões. Este aspecto já insinua a posição de menor destaque
assumida pela Sociedade no que correspondia às práticas de construção da memória
de seu patrono, pois, esta não seria a única instituição a publicar a obra de Capistrano
de Abreu, perdendo assim o seu “monopólio editorial”.
Um segundo aspecto proposto, seria a criação do Prêmio Nacional Capistrano
de Abreu, destinado a recompensar com 100 mil cruzeiros o melhor estudo histórico
baseado em pesquisas sobre o Brasil. Este, diferente dos prêmios instituídos pela SCA,
seria qüinqüenal e o primeiro seria oferecido durante as comemorações do centenário
de nascimento de Capistrano. Aliado a este prêmio seria lançado um concurso de
biografias sobre Capistrano de Abreu, cujos primeiro e segundo lugares receberiam,
respectivamente, 50 e 30 mil cruzeiros.
227
O projeto também previa a articulação de dois ministérios durante as
comemorações. O Ministério da Viação e Obras Públicas, por meio do Departamento de
Correios e Telégrafos, deveria criar dois selos alusivos ao centenário do historiador,
ambos com efígies e referências à obra de Capistrano. Por sua vez, o Ministério da
Educação e Saúde deveria regulamentar o prêmio e o concurso anteriormente
referidos, e promover em todo país palestras e conferências sobre Capistrano, além de
garantir que todas as escolas primárias, ginásios, colégios e Faculdades de Filosofia
que lhe fossem subordinadas comemorassem a data.
A Sociedade também não foi esquecida pelo deputado Adahil Barreto em seu
projeto de lei. Este solicitava a desapropriação do prédio no qual estava instalada a
instituição e que o mesmo lhe fosse doado, com a ressalva de que o imóvel seria
incorporado ao patrimônio da União caso o grêmio fosse extinto. Seriam
disponibilizados 500 mil cruzeiros para a desapropriação. Além disso, foi pleiteada uma
ajuda anual à instituição no valor de 200 mil cruzeiros. A contrapartida da Sociedade
seria manter o arquivo e a biblioteca organizados e abertos à visitação pública.
Comparando os dois valores, podemos concluir que o apoio anual a ser destinado à
Sociedade seria elevado e satisfatório às necessidades do grêmio.
As justificativas utilizadas pelo deputado para a aprovação do projeto estavam
inseridas no conjunto de representações comuns de Capistrano de Abreu produzidas
pela Sociedade até então. “O homem que mais sabia a sua época”, “o maior historiador
que o Brasil já possuiu”, “patrimônio do Brasil”, são referências corriqueiras sobre
Capistrano de Abreu. Mas neste momento, cabe realizar uma breve observação sobre a
proposta de Adahil Barreto e a sua relação com a obra de Capistrano, relação esta que
228
se torna importante ao pensarmos nas transformações pelas quais as representações
sobre o historiador passaram posteriormente.
Quando da comemoração do centenário de Capistrano de Abreu na Câmara
dos Deputados, Adahil Barreto realizou um discurso em homenagem ao historiador.383
A narrativa seguiu uma estrutura textual comum às biografias e necrológios escritos
sobre Capistrano. O nascimento no sítio em Columinjuba no município de Maranguape,
na então província do Ceará, que na maioria dos casos era relacionado, ao processo de
colonização e as particularidades geográficas da região, ou seja, levantando o
questionamento de como de uma terra árida e agreste surgiria um indivíduo com um
comportamento intelectual tão refinado. Mas, o discurso de Barreto se diferenciava dos
demais por se contrapor à perspectiva de compreensão da História elaborada por
Capistrano de Abreu.
Os Capítulos de História Colonial, bem como os textos sistematizados pela SCA
no volume Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil, são identificados pela
historiografia como um momento de inflexão na escrita da História do Brasil. A
perspectiva construída pela crítica é a de que Capistrano de Abreu inseriu nas
preocupações historiográficas o problema da construção e percepção de um Brasil até
então desconhecido, o Brasil dos sertões e do interior do território, que deveriam ser
integrados à história nacional, com o objetivo de serem fatores constituintes de uma
identidade. Para Daniel Pereira,
Os planos de Capistrano testemunham sobre sua concepção de História. Além de buscar temas diferentes dos predominantes até então na historiografia brasileira, o historiador indica novas possibilidades metodológicas e teóricas. Em vez da lógica do encômio, ele concebe a
383 BARRETO, Adahil. Câmara dos Deputados. Sessão de 23 de outubro de 1953. Revista do IHGB. v. 221, out.-dez., p.239-245, 1953.
229
história como uma disciplina crítica e pretende não revelar uma história de reis e generais, mas a da formação de um povo, de uma nação.384
Pereira reafirma as proposições a respeito da produção historiográfica de
Capistrano de Abreu, observando a criação de um novo plano de escrita da história, e
que, por sua vez, este plano possuiria visões concorrentes. Especificamente, a tese de
Pereira acompanha a visão concorrente de Capistrano de Abreu em relação à obra de
Francisco Adolfo de Varnhagen, e uma das oposições percebidas entre essas duas
perspectivas se define na diferença de quais seriam os agentes construtores da História
do Brasil.
Para Varnhagen, a História do Brasil seria eminentemente uma história
amparada em fatos políticos, mas não fatos políticos aleatórios, e sim, acontecimentos
ligados a agentes que contribuíssem para a unidade e a “harmonia” política da nação,
no que se destacariam as ações de reafirmação da continuidade lusitana na identidade
brasileira. Porém, para Capistrano de Abreu, a história deveria ser “vista por baixo” e
possibilitar a superação do sentimento de “transoceanismo intelectual”.385 Ou seja,
primeiramente, os agentes que de fato constituiriam a nacionalidade não estariam
localizados em postos do poder político, mas no cotidiano dos lares pelos sertões do
384 PEREIRA, Daniel Mesquita. Quatro séculos depois. In. ___. Descobrimentos de Capistrano: a História do Brasil “a grandes traços e largas malhas”. Tese de doutorado em História Social da Cultura defendida na PUC-RJ. Rio de Janeiro, 2002, p.21-72. 385 “Transoceanismo intelectual” foi uma categoria desenvolvida por Daniel Pereira a partir da apropriação do termo “transoceanismo” utilizado por Capistrano de Abreu para identificar o sentimento de inferioridade que prevalecia entre os colonos com relação à metrópole, aspecto que se destacava entre os portugueses residentes na colônia, que não perdiam a sua relação com o reino, o que resultava com que as suas estadas na colônia fossem percebidas como transitórias e sempre objetivando o retorno a Portugal. Aspecto que inviabilizaria o surgimento de uma identidade comum entre os colonos e afetiva com relação ao Brasil. Para Mesquita, esse processo de não independência cultural dos colonos teve conseqüências para a escrita da História, percebendo o “transoceanismo intelectual” como a possibilidade da História do Brasil ser pensada de um ponto de vista interno, através da superação do sentimento de continuidade e de inferioridade intelectual em relação à Europa.
230
Brasil. Assim, Capistrano se desvencilha do pólo político como a chave de
entendimento da história, transferindo a sua análise para um pólo social de
entendimento e interpretação. Ele vai se preocupar com a descrição dos tipos étnicos
que constroem a identidade do brasileiro. Em segundo lugar, permitir que a História do
Brasil fosse escrita de um ponto de vista interno, nacional.
Um exemplo ilustrativo pode ser percebido com relação à delimitação e
consolidação do território nacional. Para Varnhagen, a diplomacia seria a principal
articuladora desse processo, para Capistrano de Abreu seriam as ações dos
bandeirantes que de fato teriam constituído o aspecto atual do território.
Será com relação aos agentes constituintes da História do Brasil, que o
deputado Adahil Barreto realizará um diálogo com a obra de Capistrano de Abreu. O
que se mostra enigmático é o fato de um discurso de comemoração, que no caso de
Capistrano de Abreu, geralmente se constituía por emulações, nesse caso foi dirigido a
uma avaliação negativa de alguns aspectos do seu trabalho. Logo nos primeiros
parágrafos do texto, Barreto expõe a tensão entre as suas perspectivas e as que ele
considerava como as de Capistrano de Abreu, afirmando que:
Se, por um lado, desde logo sofreu o influxo das idéias novas das passageiras verdades científicas que, pelo jornal e pelo livro, fecundavam as inteligências moças da Fortaleza, - de outro nunca logrou se assenhorear integralmente dos valores do vivo, forte, e independente mundo sertanejo dos chefes de gentes e dos senados das Câmaras. (GRIFO NOSSO).386
O que Barreto apresentou foi a compreensão negativa das qualidades que a
historiografia, de uma forma quase consensual, atribuía à Capistrano de Abreu, talvez
por esse não pertencer efetivamente ao universo de discussões historiográficas. O
231
ponto crucial seria que Barreto percebia a escrita da história e a construção de sua
causalidade, principalmente nos fatos e nos agentes políticos, nos chefes de gentes e
dos senados das Câmaras. Para o deputado, Capistrano teria supervalorizado as
explicações decorrentes das informações físico-geográficas do território e da ação
popular, negligenciando as condições políticas que dariam, segundo Barreto, conteúdo
e sentido aos fatos históricos.387 Aspecto que seria a justificativa de Barreto, para a não
escrita de uma “História Geral do Brasil” por Capistrano de Abreu.388
Mas, o aspecto que nos chamou atenção não foi propriamente a discordância
de Adahil Barreto em relação à prática historiográfica de Capistrano de Abreu, mas sim,
o novo clima e conjunto de representações que se constituíam em relação a Capistrano
de Abreu. A crítica passa a se inserir como um dos discursos válidos para os momentos
386 BARRETO, Adahil. Câmara dos Deputados. Sessão de 23 de outubro de 1953. op.cit. p.240. 387 BARRETO, Adahil. Câmara dos Deputados. Sessão de 23 de outubro de 1953. op.cit. p.240. 388 Como afirmamos no Capítulo 2, um dos pontos mais discutidos sobre a obra de Capistrano de Abreu foi o fato deste não ter escrito uma “História Geral do Brasil”. Acreditamos que as justificativas e análises críticas sobre esse aspecto da produção do historiador precisam ser pautadas pela concepção do que seria uma História do Brasil para seus críticos. Se a compreensão dessa história e o estabelecimento de seus procedimentos fossem estabelecidos em relação à “História Geral” de Francisco Adolfo de Varnhagen, de fato, os Capítulos de História Colonial não atenderiam a essa demanda. Contudo, se a História do Brasil proposta por Capistrano de Abreu fosse pensada em paralelo a de Varnhagen, não no sentido de superação, mas buscando os diálogos e a construção de uma nova identidade do historiador e do fazer historiográfico, a obra de Capistrano de Abreu pode ser entendida como resultado de um processo distinto do manifestado na História Geral de Varnhagen, e por conseqüência, uma outra concepção do que seria escrever a História do Brasil. Ver: OLIVEIRA, Maria da Glória de. Como deveria ser reescrita a história pátria. In. ___. Crítica, método e escrita da História em João Capistrano de Abreu (1853-1927). Dissertação de mestrado defendida no programa de Pós-graduação em História da UFRGS. Porto Alegre, 2006, p. 60-86. Em 1910, José Veríssimo emite o seguinte parecer sobre a escrita da História do Brasil até a publicação dos Capítulos por Capistrano: Nada há, por exemplo, mais desagradável na nossa história que os longos nomes, dados sempre em toda a sua extensão e argumentados dos títulos e apelidos profissionais dos seus donos. A pormenorização dos fatos acompanha a dos apelidos e nomes. Não se esquecia a sucessão dos bispos, dos governadores, capitães-mores e ainda somenos indivíduos, nem a criação de um convento ou a criação de uma indústria mofina ou cargo secundário. A história era feita a moda dos anais dos povos primitivos, nestes por impérios e reinados, a nossa por governadores ou períodos absolutamente artificiais, burocráticos por assim dizer. p.202. Contudo, Veríssimo ainda esperava como outros autores contemporâneos a escrita de uma história geral do Brasil definitiva. Ver: VERÍSSIMO,
232
de comemoração. Esse aspecto se fez presente em outros trabalhos produzidos à
época do centenário, principalmente, nas palestras do Curso Capistrano de Abreu
promovido pelo IHGB. Sem realizar nenhum juízo de valor entre a compreensão da
escrita da História do Brasil – História, em seu singular coletivo – de Capistrano de
Abreu e Adahil Barreto, visto que este não é nosso objetivo, o que se apresenta é uma
nova forma de compreender as representações, que aparentemente se apresentavam
harmônicas, também como espaços de disputas e lutas. Contendas que se tornarão
cada vez mais visíveis e que colocarão em jogo o entendimento de Capistrano de
Abreu como historiador exemplar. Capistrano de Abreu a partir de então não seria mais
o homem que tudo sabe, mas o homem que tudo sabia à sua época.389 A própria
segmentação do tempo entre antes e depois de Capistrano de Abreu, já anuncia o
princípio da diferença. Depois de Capistrano a história não seria a mesma que este
escreveu e incentivou. Observa-se a tensão decorrente das mudanças.390
Como anteriormente afirmamos, o projeto de lei original foi aprovado com
algumas mudanças. As medidas mais imediatas e econômicas foram priorizadas, como
a composição de selos, sessões solenes na Câmara e no Senado Federais, bem como
José. O Sr. Capistrano de Abreu. Jornal do Comercio. Rio de Janeiro, 16 set 1907; ___. Capistrano de Abreu. Revista da Academia Cearense de Letras. Fortaleza, t. 15, p. 202-211, 1910. 389 BARRETO, Adahil. Câmara dos Deputados. Projeto 2583/1952. Fundo SCA. Documentação Administrativa. pac. 5, doc. 156, p.2. 390 A primeira metade do século XX foi marcada por disputas quanto à organização do campo historiográfico. Um aspecto que chama atenção na SCA é a ausência de intelectuais como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Jr. Assim, gostaríamos de deixar claro que o campo historiográfico, por ainda se encontrar em constituição, era um espaço de disputas e de grupos que na maioria das vezes não realizavam diálogos. Se fossemos observar toda a produção contemporânea à Sociedade sobre a história do Brasil, constataríamos a existência de outros projetos de escrita da história e que provavelmente não teriam Capistrano de Abreu como uma figura referencial, contudo, a mudança que apontamos é notável por se encontrar dentro da SCA, dentro dos discursos de comemoração a Capistrano de Abreu. Sobre a diversificação das questões que perpassavam as discussões historiográficas nos anos 50 no Brasil, ver: KONDER, Leandro. História dos intelectuais nos anos 50. In.
233
nas instituições de ensino, a realização de alguma atividade pela Biblioteca Nacional e
a manutenção do concurso biográfico.391
FIGURA 19 - Selo Comemorativo ao Centenário de Capistrano de Abreu – 1953 392
As ações que mais diretamente beneficiariam a Sociedade, como a
desapropriação de sua sede e a possibilidade de torná-la própria, a perspectiva de
auxílio anual para a sua manutenção, bem como ao programa editorial da instituição,
não foram acatadas pela Câmara e não se concretizaram na Lei 1896.
A Biblioteca Nacional teve uma participação considerável durante as
comemorações do centenário de Capistrano, esta realizou uma exposição, que foi
aberta ao público em 22 de outubro de 1953, em seu hall, em homenagem ao
FREITAS, Marcos Cezar de. (org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1998, p. 355-374. 391 Os discursos realizados na Câmara Federal pelos deputados Adahil Barreto e Otávio Lobo, e no Senado pelo senador Onofre Gomes foram publicados na Revista do IHGB dedicada ao Curso Capistrano de Abreu, ver: Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v.221, out.-dez., 1953. O vencedor do concurso realizado pelo Ministério da Educação e Cultura foi o historiador e sócio da SCA, Hélio Viana. A proposta do autor foi realizar uma biobibliográfica de Capistrano de Abreu, ou seja, a vida do autor dos Capítulos de História Colonial foi dividida em fases de acordo com a sua formação intelectual e posteriormente sua produção bibliográfica. Ver: VIANNA, Hélio. Capistrano de Abreu: ensaio biobibliográfico. In. ABREU, Capistrano. O Descobrimento do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.VII-LXXVIII; ou VIANNA, Hélio. Capistrano de Abreu: ensaio biobibliográfico. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1953.
234
historiador. Aliada à exposição da Biblioteca Nacional, realizou-se atividade semelhante
no Arquivo Nacional, exposição aberta ao público em 23 de outubro de 1953, na sala de
consulta da instituição.393
Poucas informações puderam ser coletadas sobre a exposição na Biblioteca
Nacional, pois, atualmente, não existem referências oficiais em sua documentação ao
evento e nem nos anais da instituição. Contudo, alguns relatos da mesma puderam ser
encontrados, principalmente em periódicos impressos, e assim, pudemos reconstruir
alguns aspectos da exposição.
392 Selo Comemorativo ao Centenário de Capistrano de Abreu. Fundo SCA. Documentação Administrativa. pac. 5, doc. 173. 393 Sobre as exposições na Biblioteca Nacional e Arquivo Nacional, bem como as diversas homenagens realizadas durante o Centenário de Nascimento de Capistrano de Abreu, ver: Capistrano de Abreu. Correio Paulistano, São Paulo, 23 out. 1953, p.12; Capistrano de Abreu. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 04 out. 1953. 1º Caderno, p. 5; Capistrano de Abreu. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 out. 1953. Notas sociais, 1º caderno, p. 8; Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 21 out. 1953, p.5; Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 22 out. 1953, p.2; Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 23 out. 1953, p.5; Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 24 out. 1953, p.4; Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 25 out. 1953, p.6; Capistrano de Abreu. Transcorre hoje o primeiro centenário de nascimento de Capistrano de Abreu. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 out. 1953. Notas Sociais, p.10; Centenário de Capistrano de Abreu. O. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 out. 1953. Notas Sociais, 1º Caderno, p. 8; Centenário de Capistrano de Abreu. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 out. 1953. 1º Caderno, p.8; Centenário de Capistrano de Abreu. Correio Paulistano, São Paulo, 24 out. 1953, p. 4-5; Centenário de Capistrano de Abreu. Estado de São Paulo, São Paulo, 23 out. 1953, p. 5; Centenário de Capistrano de Abreu. Uma comissão do Arquivo Nacional em visita à filha de Capistrano de Abreu. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 out. 1953, 1º caderno, p. 9; Centenário de nascimento de Capistrano de Abreu. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 27 out. 1927. 1º Caderno, p. 2; Comemorações do centenário de Capistrano de Abreu, As. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 out. 1953. 1º caderno, p. 9; Comemorando o centenário de nascimento de Capistrano de Abreu. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 out. 1953. 1º Caderno, p. 6; Expressivas solenidades assinalarão o centenário de Capistrano de Abreu. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21 out. 1953. Notas Sociais, p. 8.
235
O curador da amostra foi o sócio da Sociedade, José Honório Rodrigues, então
diretor substituto da Biblioteca Nacional e chefe do Setor de Obras Raras da instituição.
Em jornais da época, Honório Rodrigues apontou quais seriam os objetivos da
exposição. Após uma introdução biobibliográfica de Capistrano, na qual o autor apontou
as contribuições do historiador aos estudos históricos, geográficos e etnográficos
brasileiros, afirmou, Honório Rodrigues:
A exposição da Biblioteca Nacional mostrará que não foi pequeno o espólio científico e literário deixado por Capistrano, diante de tantas contribuições definitivas, de ensaios tão originais, da seriedade com que desenvolvia o método e o fato, nas perspectivas novas que abriu aos caminhos dos estudos brasileiros. Desde 1907, quando laçava a terceira edição anotada da História Geral do Brasil de Varnhagen e os Capítulos de História Colonial, Capistrano era reputado o maior sábio brasileiro, aquele que mais se dedicara à província imensa do conhecimento humano que é o Brasil.394
José Honório Rodrigues não apresentou detalhes dos objetos expostos na
exposição, porém, fez referência à presença nas semanas que antecederam à
inauguração da exposição na Biblioteca Nacional do índio caxinauá, Tuxinin, que agora
se chamava Luís Tuxinin Sombra, para escolher fotografias e nelas identificar os índios
que contribuíram para composição dos trabalhos etno-lingüísticos de Capistrano de
Abreu. Além das fotografias, o curador apontou a presença de manuscritos e cadernos
que pertenceram a Capistrano de Abreu e que foram esquecidos por este na sala de
leitura da Biblioteca Nacional quando de suas pesquisas. Por fim, o último aspecto que
conseguimos recuperar da exposição foi a presença de livros expostos. Segundo José
Honório, a parte referente à exposição de publicações não poderia se limitar apenas
aos livros e trabalhos escritos por Capistrano de Abreu, mas esta deveria ser composta
também pelos livros que foram representativos de sua personalidade intelectual,
394 Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 21 out. 1953, p.5.
236
mesmo que não fossem de sua autoria, e cujas leituras contribuíram para a composição
da obra de Capistrano de Abreu. Como veremos em tópico especifico, a recomposição
das leituras realizadas por Capistrano de Abreu foi um dos métodos utilizados por José
Honório Rodrigues para realizar um balanço historiográfico da produção do historiador.
Acreditamos que os livros expostos provavelmente seriam oriundos da historiografia
alemã, pois, segundo José Honório Rodrigues, a genialidade dos trabalhos de
Capistrano de Abreu seria tributária de suas leituras dos autores alemães,
principalmente da economia, psicologia, história e sociologia germânica.395
Ao contrário da exposição promovida pela Biblioteca Nacional, a amostra do
Arquivo Nacional foi mais bem documentada, inclusive sendo o seu catálogo publicado
na imprensa.396 O evento foi descrito nos jornais como iniciativa do diretor do Arquivo
Nacional, E. Vilhena de Moraes, que através de uma norma interna determinou que a
instituição comemorasse a data. Além da “Exposição Capistrano de Abreu”, uma
comissão feminina de arquivistas do Arquivo Nacional designada pelo então diretor
realizou uma visita a Madre Maria José, filha de Capistrano de Abreu, no Carmelo de
Santa Tereza. A visita foi bem documentada na imprensa, principalmente porque a
presença da comitiva no Carmelo foi um evento excepcional dadas às restrições de
395 Sobre a relação de José Honório Rodrigues com a obra de Capistrano de Abreu, ver o item 3.2 deste capítulo, “Memória e historiografia: representações de Capistrano de Abreu na obra de José Honório Rodrigues”. Um artigo representativo das relações intelectuais tramadas por José Honório Rodrigues entre Capistrano de Abreu e a historiografia alemã pode ser encontrado em: RODRIGUES, José Honório. Capistrano de Abreu e a Alemanha. In. ___. História e Historiografia. Petrópolis: Editora Vozes, 1970, p. 175-184. 396 Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 21 out. 1953, p.5; Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 22 out. 1953, p.2; Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 23 out. 1953, p. 5; Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 24 out. 1953, p.4; Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 25 out. 1953, p.6.
237
acesso ao mesmo.397 Também foi divulgado pela imprensa o telegrama enviado pelo
diretor do Arquivo Nacional à Madre Maria José cumprimentando-a pelo centenário.
Apesar da extensão, acreditamos ser importante a transcrição dos objetos
expostos pelo Arquivo Nacional.
LIVROS E DOCUMENTOS EXPOSTOS NO ARQUIVO NACIONAL NA "EXPOSIÇÃO CAPISTRANO DE ABREU", 1953.398
1. ABREU, João Capistrano de. Cavalheiro da ordem da Rosa.Rio de Janeiro, 7-1-1882. 1 doc, 1 fl. Cx. 79, Pac. 6, Doc.1
2. ABREU, João Capistrano de. Representação de Alfredo do Vale Cabral ao Imperador pedindo para mandar passar a certidão referente à nomeação e tempo de serviço como oficial da Biblioteca Nacional. Faz referência a Antônio José Fernandes de Oliveira. Rio de Janeiro, 5-11-1883. 1 doc, 1 fl. Cx.8, Pac.3, Doc. 148.
3. ABREU, João Capistrano de.Fragmento de um autógrafo de... sobre as estradas de Bandeiras em Minas Gerais. Documento que pertenceu ao Dr. Augusto de Lima, antigo diretor do Arquivo Público Mineiro e pela viúva desse. 4 fls. Cedido por D. Vera de Lima. Oferecido ao Arquivo Nacional.
4. ABREU, João Capistrano de. 07 cópias fotoestáticas tiradas no gabinete fotográfico desta repartição de fotografias referentes... Três fases de sua vida e as pessoas da família do ilustre historiador.
5. ABREU, João Capistrano de. A geografia do Brasil por... (reprodução). Publicações do Arquivo Nacional, n.34, p.119-141.
5A - Documentos referentes a Capistrano de Abreu como funcionário da Biblioteca Nacional e do Colégio Pedro II. 6. ABREU, João Capistrano de. A armada de D. Nuno Manoel. O Brasil no Século XVI. Estudos. Rio de Janeiro: Tipografia da Gazeta de Notícias.
7. ABREU, João Capistrano de. O Brasil suas riquezas naturais e suas indústrias. Rio de Janeiro, 1907.
8. ABREU, João Capistrano de. Le Brèsil et ses richesses natirelles e ses industries. Paris, 1908.
9. ABREU, João Capistrano de. Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil. Rio de Janeiro, 1930.
397 Nas matérias referentes à visita realizada à Madre Maria José, os jornais buscaram realçar os laços familiares de Capistrano de Abreu, humanizando a figura do historiador. Assim, o Jornal do Brasil trás fotografias do casal Abreu, Capistrano e sua esposa Maria José de Castro Fonseca e o Jornal do Comércio trouxe um soneto dedicado a seu pai escrito por Madre Maria José quando esta decidiu entrar para vida monástica. Ver: Centenário de Capistrano de Abreu. Uma comissão do Arquivo Nacional apresenta, no Convento de Santa Tereza, congratulações à filha do historiador. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 out. 1953, 1º caderno, p. 9; 398 Ao transcrever os objetos expostos respeitamos a descrição conforme o catálogo publicado na imprensa. Ver. Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 22 out. 1953, p. 2; Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 23 out. 1953, p. 5.
238
10. ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial do Brasil. Rio de Janeiro, 1928.
11. ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial do Brasil. Rio de Janeiro, 1907.
12. ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial do Brasil. Rio de Janeiro, 1934.
13. ABREU, João Capistrano. O Descobrimento do Brasil - Povoamento do Solo. Separata do Livro do Centenário, 1900.
14. ABREU, João Capistrano de. O Descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento nos séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro, 1883.
15. ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos. 1ª, 2ª e 3ª série. Rio de Janeiro, 1931.
16. WAPPEUS. Geografia física do Brasil. Tradução e notas de Capistrano de Abreu e Alfredo do Vale Cabral, 1884.
17. ABREU, João. Tradução da Geografia Geral do Brasil por Sellin. Rio de Janeiro, 1889.
18. ABREU, João Capistrano de. RA-TXA-HUI-NI-KUI. A língua dos Caxinauás do Rio Ibuaçu, 1914.
19. ABREU, João Capistrano de. RA-TXA-HUI-NI-KUI. Gramática, textos e vocabulário dos Caxinauás, 1941.
20. ABREU, João Capistrano de. Visitação do santo à Bahia. Rio de Janeiro, 1922.
21. ABREU, João Capistrano de. Cartas a Lino de Assunção. Lisboa, 1946.
22. ABREU, João Capistrano de. História do Brasil pelo Frei Vicente do Salvador. Rio, 1887.
23. ABREU, João Capistrano de. História topográfica e bélica da Colônia de Sacramento. Publicado pelo Liceu Literário Português. Rio de Janeiro, 1900.
24. ABREU, João Capistrano de. História do Brasil por Varnhagen. Rio de Janeiro, 1907.
25. ABREU, João Capistrano de. A descoberta da América e a suposta prioridade dos portugueses por O. Marcondes de Sousa. São Paulo, 1913.
26. ABREU, João Capistrano de. Tratado da terra e gente do Brasil por Fernão Cardim. Rio de Janeiro, 1924.
27. ABREU, João Capistrano de. Diário da Navegação de Pero Lopes de Souza. Rio de Janeiro, 1927.
28. ABREU, João Capistrano de. Diálogo das grandezas do Brasil. Notas e introdução. Rio de Janeiro, 1901.
29. ABREU, João Capistrano de. História do Brasil pelo Frei Vicente do Salvador. Rio de Janeiro, 1918.
239
Além dos livros e documentos apresentados na abertura da exposição, foram
acrescentados, no decorrer da amostra, uma série documental pertencente ao sogro de
Capistrano de Abreu, o Almirante Inácio Joaquim da Fonseca, combatente na Guerra
do Paraguai. A coleção era composta por ordens honoríficas, artigos sobre o militar no
Almanaque da Marinha, ordens do dia e notícias sobre diversas regiões nas quais o
militar desempenhou suas funções.399
Os itens das exposições podem ser divididos em três grupos: os documentos
impressos e manuscritos, as fotografias e as publicações. No primeiro grupo, são
apresentados documentos que representam a vida pública de Capistrano de Abreu,
mais especificamente, documentos que ligam o historiador ao Estado. A condecoração
com a Ordem da Rosa pelo imperador Dom Pedro II devido ao sucesso alcançado com
o Catálogo da Exposição de História do Brasil, em 1881, a nomeação como funcionário
da Biblioteca Nacional e como Professor do Imperial Colégio Dom Pedro II são
exemplos de documentos que permitem que seja tramada essa relação de proximidade.
Nesta mesma categoria também estão os manuscritos expostos na Biblioteca Nacional
que pertenceram ao historiador. Dentre as várias anedotas que construíram a imagem
pública de Capistrano, estão as referentes às inúmeras vezes que o historiador perdeu
manuscritos, rascunhos e cadernos de trabalho pelas salas de leitura da Biblioteca
Nacional e do IHGB, corroborando uma imagem de negligência para com seus
trabalhos.400
399 Para ver o catálogo dos documentos sobre o Almirante Inácio Joaquim da Fonseca presentes na Exposição Capistrano de Abreu: Capistrano de Abreu. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 25 out. 1953, p. 6. 400 Podemos citar um exemplo a esse respeito expresso na própria correspondência do historiador, corresponde à recuperação de alguns cadernos sobre a língua bacairi perdidos por Capistrano de Abreu na Biblioteca Nacional, segundo o historiador: “Outro dia trouxe da B. Nac. (Biblioteca Nacional) os
240
FIGURA 20 - Cadernos de Capistrano de Abreu (Instituto do Ceará)
As fotografias constituem o segundo grupo. Elas seriam do próprio autor em
fases distintas de sua vida e dos índios com os quais Capistrano de Abreu compôs sua
pesquisa sobre o vocabulário bacairi e caxinauá.
Por fim, o terceiro grupo, referente às publicações. Fazem parte do conjunto os
livros publicados por Capistrano de Abreu ainda em vida e edições da SCA. Apresenta-
se a preocupação de apresentar uma publicação nas suas mais diversas edições,
talvez com o objetivo de demonstrar a relevância da produção do historiador
representada pelo número significativo de reimpressões. Um exemplo é o livro
Capítulos de História Colonial, exposto nas suas diversas edições, como parte da
edição encomendada por Vieira Souto, como separata, como publicação independente
e com o título definitivo e as três edições promovidas pela Sociedade. Além disso, são
apresentados os trabalhos de edição, anotação e tradução de Capistrano de Abreu.
cadernos bacairis que encontrei. São apenas uma parte mínima, talvez um sexto. Não voltei ainda a ver se aparecem mais, porque, contando sempre com a pior hipótese, adio a decepção. Os cadernos trazidos são exatamente os primeiros que escrevi, os mais fáceis. Quase todos têm tradução linear”.Carta enviada a Mário de Alencar, 15 set. 1915. CCA, volume 1, p. 242.
241
Compondo a série de publicações, a parecem os livros que contribuíram para a
formação intelectual do historiador, os quais, infelizmente, não obtemos os títulos.
Refletindo sobre os documentos apresentados nas exposições da Biblioteca
Nacional e do Arquivo Nacional, nos questionamos sobre qual o valor simbólico
presente naqueles objetos que poderia constituir uma memória comemorativa de
Capistrano de Abreu em seu centenário. Mais especificamente, podemos mais uma vez
observar dentre as práticas comemorativas em torno da figura de Capistrano de Abreu,
a presença dos objetos como construtores de uma narrativa sobre o autor.
As exposições são uma forma de narrativa, e os objetos expostos possuem um
valor semântico nessa construção discursiva.401 Nesse momento os objetos perdem a
sua funcionalidade cotidiana, se tornam objetos biográficos. Os livros não servem para
serem lidos ou consultados; os documentos do arquivo não possuem a função
administrativa e comprobatória; os manuscritos esquecidos não devem ser aproveitados
para outros trabalhos, eles passam a ser representativos exatamente pela sua
incompletude, por serem as marcas materiais de um processo intelectual, intangível.
Segundo Ecléa Bosi:
Mais que um sentimento estético ou de utilidade, os objetos nos dão um assentimento à nossa posição no mundo, à nossa identidade [...] São estes objetos que Violette Morin chama de objetos biográficos, pois envelhecem com seu possuidor e se incorporam à sua vida: o relógio da família, a medalha do esportista, a máscara do etnólogo, o mapa-múndi do viajante. Cada um desses objetos representa uma experiência vivida.402
401 Novamente nos remetemos ao texto de Eliana Dutra sobre o catálogo e a Exposição de História do Brasil, em 1881. DUTRA, Eliana. A tela imortal: o Catálogo da Exposição de História do Brasil de 1881. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.37, p. 159-180, 2005. 402 BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. 12 ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2004, p.441.
242
No caso de Capistrano de Abreu não necessariamente os objetos conviveram
com ele, mas envelheceram como ele, e para aquele grupo que compôs as exposições
os objetos expostos são peças legítimas para se construir uma narrativa sobre a vida do
historiador, “são intermediários entre os espectadores e o mundo invisível de que falam
os mitos, os contos e as histórias”. 403
Dessa forma, qual história foi narrada na exposição? A história da trajetória
profissional do historiador Capistrano de Abreu, mais especificamente, a trajetória do
homem de letras. Essa foi a identidade constituída nas exposições. As relações
profissionais tramadas com o Estado empregador, como pesquisador na Biblioteca
Nacional e como professor de história do Brasil no Colégio Dom Pedro II. Os
manuscritos expressam o trabalho intelectual do historiador, juntamente com as leituras
de outros autores. Trabalho que rendeu um expressivo número de publicações, e que,
devido ao consumo do público leitor, foram constantemente reeditadas.
Retomando o conjunto de atividades comemorativas do centenário, outras
instituições como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Ministério da Educação
e Cultura, e Institutos Históricos regionais como os de São Paulo e Ceará também
organizaram programações específicas para a data.404
O IHGB além de promover o curso em homenagem a Capistrano de Abreu, que
compreendeu um ciclo de palestras sobre o historiador, cunhou uma moeda alusiva ao
403 Remetemos as discussões realizadas no Capítulo 2 desta dissertação, particularmente nos aspectos referentes aos objetos semióforos. POMIAN, Krzysztof. Coleção. Enciclopédia Einaudi. v.1. Memória e História. Lisboa: imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1984, p. 69. 404 Sobre o “Curso Capistrano de Abreu” realizado pelo IHGB, ver: Revista do IHGB. Rio de Janeiro, v. 221, out.-nov; 1953. Uma análise das conferências realizadas neste curso se encontra em: GONTIJO, Rebeca. O curso Capistrano de Abreu. In. ___. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador. Niterói: Tese defendida no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense, 2006, p.87-108.
243
evento.405 Segundo Rebeca Gontijo, duas temáticas poderiam sintetizar as conferências
realizadas neste Instituto, narrativas relacionadas aos aspectos físico-psicológicos do
historiador e narrativas dedicados a uma análise propriamente historiográfica. Como
apresentou a autora,
Na maior parte dos discursos produzidos em função do curso Capistrano de Abreu, observa-se o investimento no sentido de demarcar uma singularidade, definida a partir de um conjunto de qualidades, que fazem dele alguém sem precedentes e sem par. De modo geral, o Curso definiu as linhas mestras para a leitura do homem Capistrano, através da construção de um perfil físico-psicológico. Esse perfil corresponde a um conjunto que engloba tanto o corpo e a personalidade, situados fora do tempo – uma vez que prevalece uma imagem corpórea e psíquica do indivíduo nos vários discursos, ignorando as mudanças vividas ao longo da vida –, como os projetos, as idéias, as realizações e os acontecimentos, geralmente atrelados à linha cronológica. Ao fim e ao cabo, o evento definiu o legado de Capistrano, que pode ser relacionado a duas dimensões: a da construção da história enquanto um campo de conhecimento e da construção da própria nacionalidade. Com seus elementos representativos, entre os quais alguns intelectuais podem estar situados, em função de sua suposta e desejada capacidade de interpretar a nação.406
Foi nesse contexto, que a Sociedade se viu no dilema de, apesar das
dificuldades financeira e social pelas quais passava, também organizar uma
programação própria em homenagem ao seu patrono.
Devido a não realização das atividades por dois anos, a convocação para a
sessão extraordinária teve o objetivo, como anteriormente expomos, comunicar aos
sócios as determinações da Lei 1896, mas também, reestruturar a instituição através de
uma nova Comissão Executiva. O novo grupo escolhido para administrá-la mais uma
vez não era tão novo assim, o que se apresentou foi a repetição de nomes já
405 Foram conferencistas do “Curso Capistrano de Abreu”: Rodrigo Otávio Filho (sócio da SCA desde 1934), Barbosa Lima Sobrinho (sócio da SCA desde 1927), Gustavo Barroso (sócio da SCA desde 1927), Múcio Leão, José Honório Rodrigues (sócio da SCA desde 1939), Arthur Cezar Ferreira Reis (sócio da SCA a partir de 1960), Mozart Monteiro (sócio da SCA de 1927 a 1931), Honorina de Abreu Monteiro (sócia da SCA a partir de 1969).
244
tradicionais.407 Contudo, um novo integrante da Comissão Executiva, o historiador José
Honório Rodrigues (1913-1987), que até então possuía uma participação modesta e
acanhada dentro da instituição – muitas vezes suas participações eram registradas
apenas por comunicados que este realizava, como uma conferência, ou o lançamento
de um livro, ou até mesmo a descoberta de um artigo de Capistrano de Abreu perdido
em publicações desconhecidas ou não localizadas – passaria a ter um destaque dentro
do grupo e na organização das comemorações do centenário de nascimento de
Capistrano de Abreu. De fato, um aspecto que pode ser observado sobre Rodrigues é a
presença assídua deste nas reuniões da Sociedade desde o seu ingresso no quadro
social em 1939.
Os preparativos para a comemoração começaram a ser planejados com dois
meses de antecedência. Como a Sociedade sempre se dedicou à publicação da obra
de Capistrano, seria natural que uma das atividades programadas pela instituição fosse
a publicação de uma edição comemorativa e os Capítulos de História Colonial, 1500-
1800, o livro mais apropriado para o evento, por ser a maior referência de Capistrano
de Abreu no universo letrado nacional e estrangeiro. Desse modo, a Sociedade
propunha a realização da esperada 4ª edição dos Capítulos. As restrições financeiras
se materializaram nos preparativos da edição, diante da impossibilidade de realizar uma
tiragem em número suficiente para venda ao público, o livro seria editado e entregue
apenas aos sócios da instituição que estivessem quites com suas mensalidades.
406 GONTIJO, Rebeca. op.cit. p.107. 407 A Comissão Executiva eleita para o mandato de 1953-1955 foi composta por Jayme Coelho, Rodrigo Otávio Filho, Affonso de Taunay, Edgardo de Castro Rebello, José Honório Rodrigues, Candido Mariano da Silva Rondon, Francisco Jaguaribe Gomes de Matos, Edgard Roquete Pinto, Iseu de Almeida e Silva, Marcos Carneiro de Mendonça e Afonso Arinos de Mello Franco.
245
Várias reuniões foram realizadas até 23 de outubro, e na sessão extraordinária
de 3 de setembro, as ações a serem tomadas para o centenário já pareciam
definidas.408 O Ministério da Educação e Saúde apareceu como o principal responsável
por providenciar as medidas relacionadas à Lei 1896, de tal modo, que foi necessária a
indicação de um representante da Sociedade junto ao Ministério, para realizar uma
espécie de consultoria sobre as atividades a serem desenvolvidas. Os sócios optaram
pela formação de uma comissão especial que deveria articular a realização dos
seguintes pontos: apresentar ao ministério o plano de execução do Prêmio Nacional
Capistrano de Abreu e do concurso de biografias, reivindicar a expedição por parte do
ministério de uma circular sugerindo que as instituições de ensino de todo país
comemorassem a data, e por fim, viabilizar a publicação da edição especial dos
Capítulos e da correspondência de Capistrano de Abreu depositadas na Biblioteca
Nacional e no acervo da Sociedade.
Na mesma reunião, José Honório Rodrigues comunicou o início do Curso
Capistrano de Abreu no IHGB e o desejo do Ministério da Educação em realizar alguma
conferência sobre Capistrano. A tensão que surgia na Sociedade era sobre a pequena
dimensão que as atividades da instituição estavam possuindo diante de comemorações
mais pomposas e planejadas como a do IHGB ou da Biblioteca Nacional. Efetivamente,
a distância entre a SCA e aquelas instituições não era longa, os sócios da sociedade
trabalhavam na Biblioteca Nacional, como José Honório Rodrigues – que durante as
comemorações era Diretor da Divisão de Obras Raras, ou faziam parte do quadro social
do IHGB; mas o que de fato incomodava os sócios da instituição era a sua timidez
408 Ata da 28ª Assembléia Geral Extraordinária, LA n.1, 3 de setembro de 1953, p.44 - 45.
246
diante das outras programações e do fato da Sociedade não ter assumido o seu papel
de dirigente da memória de Capistrano de Abreu construída através destes eventos,
quando essa deveria ter sido a sua função natural.
Como forma de minimizar os efeitos da condição na qual o grêmio se
encontrava, a Comissão Executiva decidiu definir como estratégia da Sociedade para
se fazer presente nas atividades do centenário de seu patrono, associar-se a todas as
manifestações alusivas a data, enviando um representante da Comissão Executiva.
Dessa forma, a comemoração da SCA se estenderia pelas atividades organizadas por
outras instituições, mas não a isentando de construir uma programação própria, mesmo
que modesta. Foi assim definido que à Sociedade caberia a edição e a distribuição da
4ª edição dos Capítulos de História Colonial, organizar uma exposição com os trabalhos
e livros de Capistrano de Abreu no hall da instituição, realizar uma sessão
comemorativa ao centenário de Capistrano de Abreu com discursos do então
presidente Jayme Coelho e do sócio Marcos Carneiro de Mendonça, mobilizar a
imprensa carioca para a publicação da programação comemorativa da instituição e de
artigos sobre Capistrano de Abreu, e realizar uma missa e um cortejo ao túmulo do
historiador.
José Honório Rodrigues e Américo Jacobina Lacombe (1909-1993)409 foram os
responsáveis pela organização dos eventos e por representar a instituição junto ao
Ministério da Educação, a Agência Nacional, instituição também interessada em realizar
409 Américo Jacobina Lacombe (1909-1993) era historiador e foi diretor da Casa Rui Barbosa de 1939 a 1954. Era filho da professora Isabel Jacobina Lacombe, diretora do Curso Jacobina, uma importante instituição de ensino para meninas do Rio de Janeiro e com a qual a SCA realizou atividades, como concursos de redação entre as alunas e doação de livros de Capistrano de Abreu. Jacobina Lacombe participou da fundação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, foi presidente do IHGB e sócio da Academia Brasileira de Letras. Ver: SENNA, Homero; WEHLING, Arno. Américo Jacobina
247
uma homenagem ao historiador, e na imprensa. No acervo da Sociedade podemos
encontrar inúmeras correspondências de José Honório Rodrigues aos jornais cariocas
pedindo publicidade das atividades da SCA e seguidas de anúncios e convites a serem
publicados, como:
A Sociedade Capistrano de Abreu convida aos amigos e admiradores de seu patrono para a missa que será celebrada hoje, dia 23, às 10 horas da manhã na Igreja da Candelária e para a romaria ao túmulo do ilustre historiador, às 11 horas, no cemitério de São João Batista. Convida, ainda, para a sessão solene que será realizada às 21 horas na sede da Sociedade, à Rua Capistrano de Abreu, n.45.410
Os incentivos de José Honório Rodrigues junto à imprensa se materializaram
em anúncios de jornais e na concessão por parte de Assis Chateaubriand (1892-1968)
de 12 páginas nos Diários Associados.411 Em uma destas concessões, José Honório
Rodrigues pôde expor trechos de um ensaio biográfico de Capistrano de Abreu, que
infelizmente não foi localizado, “Capistrano: História de um historiador”.412
O artigo escrito por Rodrigues se enquadra no conjunto de representações
comumente relacionadas a Capistrano de Abreu pela Sociedade. Nesse caso, o uso do
termo “enquadra” faz referência às reflexões desenvolvidas por Henri Rousso e Michel
Lacombe: o servido público, o historiador. Coleção Papéis Avulsos, n.28. Rio de Janeiro: Casa Rui Barbosa, 1996. 410 Convite da Sociedade Capistrano de Abreu publicado em jornais da imprensa carioca (Diário de Notícias, Jornal do Comércio, Correio da Manhã e Diário da Noite). Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrava, pac. 2, doc. 26. 411 Francisco Assis de Chateaubriand Bandeira de Melo foi jornalista, empresário e proprietário de um dos mais importantes grupos de comunicação durante o século XX no Brasil, possuindo emissoras de rádio e TV, além de jornais impressos por quase todas as capitais do país. Foi amigo de Capistrano de Abreu e Paulo Prado, tendo sido um dos sócios mais atuantes durante a fundação da SCA. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e fundador do Museu de Arte de São Paulo. Para ver maiores informações sobre os sócios fundadores da Sociedade Capistrano de Abreu no Capítulo 1. 412 Com afirmamos, só tivemos acesso a uma matéria em jornal comentando o trabalho biográfico planejado por José Honório Rodrigues. Cabe salientar, que nenhuma biografia de Capistrano de Abreu
248
Pollak ao tentarem desvendar os meandros que constituem o processo de
“enquadramento da memória”.413 Os autores, partindo de casos distintos – Rousso da
memória compartilhada pelo povo francês sobre a Guerra Franco-prussiana e Pollak
sobre as memórias subterrâneas que muitas vezes se obliteram diante de investimentos
que buscam homogeneizar as percepções sobre um determinado evento – entendem
que as práticas de memória são atitudes perante o tempo que buscam no passado o
material que servirá de matéria-prima para a construção de um fundo cultural comum a
um determinado grupo ou sociedade.
Os autores entendem a memória coletiva como um ato deliberado de seleção,
ou seja, existem agentes que viabilizam através de instrumentos diversos – como: a
escrita da História, a construção de monumentos, um calendário comemorativo, ou até
mesmo, através do constrangimento social ao se evocar uma determinada lembrança –
o enquadramento da memória, definindo modos de sentir e compreender determinados
eventos que devem ser compartilhados por uma coletividade específica, anulando ou
diminuindo a importância de memórias concorrentes. Restringem-se então as
possibilidades de interpretação de um evento e mapeia-se uma forma legítima e aceita
socialmente de lembrar.414
foi registrada entre os inventários dos trabalhos publicados pelo autor. RODRIGUES, José Honório. Da “História de um historiador”. Tribuna das Letras. Rio de Janeiro, 24/25 out 1953, p.3. 413 ROUSSO, Henri. Vichy, le grand fossé. Vingtième Siècle, Paris, n.5, p.55-80, 1985 ; POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento e Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.2, n.3, p.3-15, 1989. 414 Para Pollak, o processo de enquadramento da memória não mantém a sua eficácia de uma forma definitiva, visto que, este processo atende sempre às demandas do tempo presente, e por conseqüência, as mudanças sociais podem fazer emergir memórias que até então se encontravam silenciadas. Para o autor a memória é dinâmica, constantemente construída, desconstruída e reconstruída. Pollak entende essa memória, que aos poucos se apresenta e entra em disputa com uma memória oficial, através de um processo de gestão, no qual o lugar social do indivíduo atua de uma forma considerável nas formas de lembrar e narrar determinados eventos, construindo assim uma seleção da memória. Ver: POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento e Silêncio. op. cit; ___. La gestion de l’indicible. Actes de la recherche em sciences sociales. Paris, n.62/63, p. 30-53, 1986.
249
A construção deste “fundo cultural comum”, ou seja, da memória como
construtora de unidade, coesão, filiação e origem, encontra nas comemorações festivas
momentos ímpares e estratégicos de reafirmação de seus princípios.415 Assim, a
comemoração do centenário de nascimento de Capistrano de Abreu pela Sociedade,
não apenas especificamente no artigo de Rodrigues, revela a memória enquadrada de
Capistrano até então urdida por esta instituição. Como veremos a seguir, existirão
momentos de tensão na interpretação dessa memória “enquadrada” de Capistrano de
Abreu, inclusive em trabalhos anteriores de Rodrigues, ou no caso da justificativa de lei
do Deputado Adahil Barreto como vimos, contudo, o centenário foi um momento de
reafirmação dos valores compartilhados pela Sociedade, foi a ocasião apropriada para
emular Capistrano de Abreu, omitindo a concorrência de outras representações sobre o
historiador, inclusive tecidas por membros do grupo.
Desse modo, José Honório Rodrigues realizou um discurso apologético sobre
Capistrano de Abreu. O artigo iniciou definindo um itinerário de leitura, apresentando
quais seriam os principais trabalhos do historiador, para Rodrigues: Capítulos de
História Colonial e Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. Mais uma vez, foi
destacada na narrativa a figura do historiador que inovou a escrita da história do Brasil
e do anotador e pesquisador dedicado – que teria descoberto a História do Brasil do frei
Vicente do Salvador e aparado as arestas da História Geral do Visconde de Porto
Seguro através de anotações. A frase de abertura do artigo pode servir de resumo das
intenções de Rodrigues nesta narrativa: Os Capítulos de História Colonial são a mais
415 Para ver sobre as comemorações como momentos apropriados para a reafirmação das identidades e busca de coesão social, ver: CATROGA, Fernando. Portugal: as comemorações como nostalgia do Império. In.___. Nação, Mito e Rito: religião civil e comemoracionismo. Fortaleza: Edições NUDOC-
250
perfeita síntese jamais realizada na historiografia brasileira. É um livro para todos, que
todos podem e devem ler mais de uma vez.416
Dedicando-se a uma análise crítica, segundo o autor, Rodrigues aponta a
produção de Capistrano de Abreu como o momento de fundação de um novo campo de
pesquisas para a história do Brasil, a pesquisa sobre os “caminhos” que levaram à
colonização e formação do território durante o período colonial e o “povoamento”
efetivamente realizado. Neste ponto, o autor introduz reflexões sobre o método utilizado
por Capistrano, que para Rodrigues, se fundaria na base documental, e realiza um
breve paralelo entre Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha. De fato, o que se
observa por trás desta pequena querela instaurada por Rodrigues, é a presença de
uma disputa maior, a que se dava entre a história e literatura.417 Para o autor, o
discurso de Capistrano seria mais legítimo do que o de Euclídes da Cunha, pois seria a
pesquisa de fontes que legitimaria o trabalho do historiador e desvalorizaria o texto de
literatura, concluindo que:
Ninguém atribuíra, como Capistrano, desde o fim do século, tanta importância à conquista e ao povoamento do sertão: ninguém estudara como ele com tanto afinco e com tanta base documental este tema de nossa história; não seria uma mixórdia de dados históricos, antropológicos e geográficos e fatos contemporâneos, como Os Sertões de Euclídes da Cunha, livro de 1902. Seria um desenvolvimento sucinto e legível daquele capítulo da tese de 1883 ou dos Caminhos de 1889, com a base histórica, geográfica e antropológica que ninguém conhecia em particular e em conjunto como ele nessa época.418
UFC/Museu do Ceará, 2005, p.117-180; OLIVEIRA, Lúcia Lippi. As festas que a república manda guardar. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.2, n.4, p.172-189, 1989. 416 RODRIGUES, José Honório. Da “História de um historiador”. op.cit. p.3. 417 Capistrano de Abreu esteve envolvido nesta querela entre história e literatura, seu principal interlocutor foi Machado de Assis, ver: CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003; CANO, Jefferson. Machado de Assis, historiador. In. CHALHOUB, Sidney; PERREIRA, Eduardo Afonso de M. (orgs.). A História contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p.35-66. 418 RODRIGUES, José Honório. Da “História de um historiador”. op.cit.p.3.
251
O que se pode perceber é a presença das disputas entre as atividades letradas.
Apesar da história, durante a década de 50 do século XX, já se encontrar em nítido
processo de autonomia, com espaços de legitimação próprios, talvez as disputas
anteriormente travadas com a literatura ainda possuíssem alguma repercussão.419
Através da afirmação de Rodrigues, também podem ser percebidas algumas
particularidades delegadas à História pelo historiador. Uma delas diz respeito aos seus
procedimentos de escrita, à constituição da narrativa. Para Rodrigues, a reunião de
fatos históricos, geográficos, antropológicos, cronologicamente ordenados, não
legitimariam um texto como sendo de História. Para José Honório, mais do que reunir
dados de natureza diversa, inclusive contemporâneos, era necessário para a
constituição de uma narrativa coerente realizar a conexão entre estes eventos em um
plano de compreensão comum, definindo o sentido destes mesmos fatos, suas relações
de causa e conexão, ou seja, entendê-la como um singular coletivo.420 Nesse aspecto
419 O processo de autonomização de um campo se dá quando os membros de um determinado ofício ou categoria social formulam seus próprios parâmetros de seleção para admissão em seus espaços de sociabilidade e legitimação, bem como de reconhecimento e validação de suas produções. Sobre os campos e seus processos de autonomização, ver: BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Cia. das Letras, 2002; CHARTIER, Roger. Pierre Bourdieu e a história. Topoi. Rio de Janeiro, mar, p. 139-182, 2002. 420 Heinhart Koselleck, em seus estudos sobre a Begriffsgeschichte (História dos Conceitos), mostra como a história (Geschichte) absorveu a História (Historie) e como a partir do século XVIII o conceito de História se constituiu em um singular coletivo. Ou seja, como a história, grafada no singular, passou a ser portadora de múltiplos sentidos. Sentidos estes que podem ser entendidos em dois aspectos. O primeiro é referente a dimensão dessa história, a sua capacidade de aglutinar todas as vivências individuais em um substantivo singular, a passagem das histórias (Geschichten), termo utilizado até então para designar o devir humano segmentado em vivências individuais, para a História (Geschichte). A partir dessa mudança, a história ganha uma capacidade de abstração que possibilita que um termo singular represente o devir coletivo, assim todos os seres humanos passaram a viver a História. A História se torna abstrata porque rompe com a necessária existência de um sujeito (indivíduo ou nação) para que esta se desenvolva, como afirma o próprio Koselleck, a história passaria a existir em si e para si, acima das histórias individuais e nacionais estaria a História.O segundo corresponde ao processo no qual a História (Historie) foi absorvida pela história (Geschichte). Assim um só termo passou a representar primeiro, o próprio devir, os acontecimentos e ações; segundo, a narrativa desses acontecimentos; e
252
foi identificado por José Honório a “superioridade” de Capistrano de Abreu em relação a
Euclídes da Cunha.421
Como parte do discurso de legitimação de Capistrano, também estava presente
neste artigo mais um paralelo com outro autor, com o historiador americano do final do
século XIX, Frederick Jackson Turner – considerado pela historiografia dos Estados
Unidos como o autor que teria fundado um novo campo de estudos da história
americana ligado à expansão da fronteira política, econômica e por sua vez cultural
para a região oeste do continente em direção ao Oceano Pacífico, a popularizada
“Marcha para o Oeste”.422 Se no caso anterior a comparação foi realizada para destacar
a “superioridade” da narrativa de Capistrano de Abreu, nesta segunda, o objetivo seria
de estabelecer uma relação de igualdade, contextualizando o “pioneirismo” de Tuner
para a historiografia americana ao “pioneirismo” de Capistrano para a historiografia
brasileira como reveladores da temática dos processos de povoamento dos territórios
em seus respectivos países de origem.
Após esta breve exposição do artigo comemorativo de José Honório sobre
Capistrano, percebe-se que o fator mais ressaltado pelo autor como característica
finalmente a ciência histórica, a disciplina história. Ver: KOSELLECK, Reinhart. Futuro pasado: para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Editorial Paidós, 1993, p. 41-66; ___. historia/Historia. Madrid: Editorial Trotta, 2004. 421 Sem realizar um julgamento das considerações de José Honório Rodrigues sobre a obra de Euclídes da Cunha e percebendo as particularidades contextuais das mesmas, acreditamos na pertinência da análise de Regina Abreu sobre a obra euclidiana, na qual a autora apresenta os caminhos realizados por Euclides da Cunha na composição do livro Os Sertões, nos quais a pesquisa documental possuiu considerável relevância. Ver: ABREU, Regina. Um cientista do front. In.___. O enigma dos Sertões. Rio de Janeiro: Rocco: FUNARTE, 1998, p.106-158. 422 Quando funcionário do Instituto Nacional do Livro, José Honório Rodrigues recebeu em 1943 uma bolsa de estudos da Fundação Rockefeller na Universidade de Columbia nos Estados Unidos, talvez esta seja a causa das constates referências à historiografia americana na obra do autor, bem como alemã, visto que, os Estados Unidos se caracterizaram como um país de exílio para os intelectuais europeus durante a 2ª Guerra Mundial. Sobre a obra de Frederick Jackson Turner, ver: BILLINGTON, Ray Allen. Why Some Historians Rarely Write History: a Case Study of Frederick Jackson Turner. The Mississippi
253
distintiva de Capistrano de Abreu em relação a seus contemporâneos foi um suposto
“pioneirismo”. Mas, no que constituiria o “pioneirismo” de Capistrano para José Honório
Rodrigues? Para responder a esta questão foi necessário sistematizar a sua resposta
em dois grupos temáticos, o método de pesquisa, já previamente apontado no paralelo
com Euclides da Cunha, e a temática dos sertões.
José Honório afirmou que quando Capistrano de Abreu começou a realizar suas
pesquisas a história do Brasil possuía como único objeto as concentrações urbanas
próximas ao litoral. Da mesma forma que Turner teria feito para a historiografia
americana, o autor dos Capítulos de História Colonial teria percebido as limitações
concernentes a essa historiografia quase monotemática e entendido que o sertão e o
caminho como processo de incorporação e dilatação da fronteira ocidental: era um
campo novo, um método de investigação e interpretação original da formação colonial
do Brasil. O sertão e os caminhos são um fator de criação da vida brasileira.423
“Criação da Vida brasileira”, esse seria o fator preponderante para José Honório
na categorização de Capistrano de Abreu como pioneiro, pois este teria proposto um
estudo que viabilizasse a compreensão das idiossincrasias que compunham a
identidade nacional brasileira em oposição à “civilização européia”. Seria na formação
de uma teoria da gênese da identidade nacional, – que consistia na percepção de que
somente com o distanciamento do litoral, por sua vez, dos contatos com os europeus,
que uma população de traços e ações tipicamente brasileiras poderia emergir – que a
obra de Capistrano de Abreu pôde ser pensada por José Honório Rodrigues como
Valley Historical Review, v.50, n. 1, p. 03-27, 1963; TUNER, Frederick J. O Significado da História. Tradução e apresentação de Arthur Lima de Ávila. História. São Paulo, v.24, n.1, p.191-223, 2005. 423 RODRIGUES, José Honório. Da “História de um historiador”. op.cit.p.3.
254
inovadora. 424 As narrativas de Capistrano possuiriam nesse processo de gênese da
identidade nacional a possibilidade de articular a escrita da história do Brasil em um
singular coletivo, ou seja, os eventos estariam diretamente relacionados a esse
processo de formação. Dessa forma, Rodrigues define a tese de Capistrano de Abreu:
no processo de transformar o sertão, o colono a princípio se barbariza e depois ele
próprio e o sertão se alteram e, nesta mudança, cria-se uma nova personalidade que é
distintamente brasileira.425
A conclusão que podemos chegar com o texto comemorativo de José Honório é
a de que este se coloca como um intermediário entre Capistrano de Abreu e os leitores
que lhe eram contemporâneos, e de que em certos momentos existe uma dificuldade
424 Através de um itinerário de pesquisa diverso, o historiador José Carlos Reis também chegou as mesmas conclusões sobre a obra de Capistrano que José Honório Rodrigues, a diferença entre os dois autores é a de que na narrativa de José Honório pode ser percebido um caráter de filiação à tese descrita, já em José Carlos Reis é percebido um distanciamento, ver: REIS, José Carlos. Anos de 1900: Capistrano de Abreu. O surgimento de um povo: o brasileiro. In. _____. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 5.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p.85-114. 425 A busca da identidade nacional foi algo comum entre os letrados durante o século XIX e primeira metade do século XX. O concerto das Nações, os avanços industriais, as duas guerras, e principalmente a emergência dos nacionalismos tornavam decisiva a compreensão do que era ser brasileiro, e sobretudo, do lugar do Brasil nesse novo mapa político mundial. Várias foram as interpretações lançadas sobre esse questionamento, algumas com forte caráter científico, relacionando meio e raça nesse processo de gênese da identidade nacional, aspecto ressaltado por Rodrigues através da sua interpretação da obra de Capistrano, na qual interagem o homem em constante transformação do meio em um processo de adaptação mútuo. Outro caso típico deste período é a interpretação do Brasil realizada pelo “discípulo” de Capistrano de Abreu, Paulo Prado, no livro Retrato do Brasil a respeito da identidade nacional e na coletânea de ensaios Paulística sobre as idiossincrasias do povo paulista. Para ver sobre a questão da identidade nacional durante o século XIX e início do século XX: GUIMARÃES, Manoel L. Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o IHGB e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n.1. v.1, p.5-27, 1988; NAXARA, Márcia Regina. Estrangeiros em sua própria terra: representações do brasileiro (1870-1920). São Paulo: Annablume, 1998; ___. Cientificismo e sensibilidade romântica: em busca de um sentido explicativo para o Brasil. Brasília: UNB, 2004; SCHWARCZ, Lília Moritz. O Espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1995. Para ver sobre Paulo Prado: SILVA, Ítala Byanca M. A Sociedade Capistrano de Abreu e os discípulos do “mestre” e “amigo”: Paulo Prado e o Caminho do Mar. In. BASSETO, Sylvia (org.) Anais do XVIII Encontro Regional de História: O Historiador e o Seu Tempo. Assis: UNESP, 2006; ___. A História como arte: Paulo Prado e o Retrato do Brasil. Revista de História da Biblioteca Nacional (no prelo).
255
em perceber quais são as assertivas do próprio Capistrano e quais são apenas
interpretações de José Honório Rodrigues.426
Prosseguindo com as atividades da Sociedade durante o centenário,
observamos a inserção desta nas programações construídas por outras instituições,
reproduzindo-se aqui o calendário elaborado em seu livro de atas:
PROGRAMAÇÃO DA SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU PARA
O CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE CAPISTRANO DE ABREU 427
20/out
Conferência sobre Capistrano de Abreu na Associação Brasileira de
Imprensa pelo professor João de Albuquerque Maranhão
22/out
Abertura da Exposição em homenagem ao Centenário de nascimento
de Capistrano de Abreu na Biblioteca Nacional
22/out
Sessão Solene no Ministério da Educação e conferência do sócio
Edgardo de Castro Rebello
23/out
Missa às 11 horas na Igreja da Candelária e romaria ao túmulo de
Capistrano de Abreu
23/out
Enceramento do Curso Capistrano de Abreu no IHGB com a palestra da
neta de Capistrano de Abreu, Honorina de Abreu Monteiro
23/out
Abertura da exposição com trabalhos de Capistrano de Abreu no hall da
Sociedade Capistrano de Abreu
23/out
Sessão Solene na Sociedade Capistrano de Abreu e conferência
realizada por Jayme Coelho e Marcos Carneiro de Mendonça
23/out
Inauguração das Estantes Rodolfo Garcia e Eugênio de Castro na
Biblioteca da Sociedade Capistrano de Abreu
426 As representações de José Honório Rodrigues sobre a obra capistraneana merecem um destaque dentro da produção da Sociedade Capistrano de Abreu e receberam maior atenção em tópico específico. Ver item 3.2 deste capítulo.
256
As atividades foram difusas e o monopólio da SCA sobre a memória de seu
patrono se enfraquecia. A neta de Capistrano de Abreu, Honorina de Abreu Monteiro –
filha de Adriano de Abreu – no discurso proferido no Curso Capistrano de Abreu
oferecido pelo IHGB, comentou os planos há muito urdidos por Paulo Prado, Rodolfo
Garcia, Eugênio de Castro e João Pandiá Calógeras para a comemoração do
centenário pela Sociedade e que de fato, após anos de investimento, não puderam ser
concretizados. Assim afirmou Honorina Monteiro:
Com que pesar evoco os nomes de Paulo Prado, Rodolfo Garcia, Eugênio de Castro, Calógeras que circundavam as minhas recordações que se referem a Capistrano de Abreu como uma auréola cintilante, imensamente bela! Assisti, por diversas vezes, na Sociedade Capistrano de Abreu, aos planos para os festejos na comemoração do centenário de meu avô, por eles feitos, com devotado carinho. Deus não permitiu que os concretizassem, mas, sabiamente, como acontece com todos os seus grandes desígnios, deu elementos de valor ao Embaixador José Carlos de Macedo Soares, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que organizou brilhantemente o curso Capistrano de Abreu...428
Os agradecimentos familiares pelas comemorações do centenário de
Capistrano também não foram dirigidos à Sociedade, o que transpareceu no trecho
acima foi a frustração diante da realidade na qual a instituição vivia após um período
tão grandioso. Como anteriormente afirmamos, a presença institucional da Sociedade
não era reconhecida nos outros eventos, mas os sócios da instituição foram
individualmente ativos durante as comemorações. O discurso de Edgardo de Castro
Rebello, no Ministério da Educação e Cultura, e o de Afonso de E. Taunay, na sessão
427 Ata da 30ª Assembléia Geral Extraordinária, LA n.1, 15 de outubro de 1953, p.47-48. 428 MONTEIRO, Honorina de Abreu. O avô que eu conheci. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v.21, out.-dez., p.193, 1953.
257
solene do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), foram representativos
desse aspecto.
Edgardo de Castro Rebello429 propôs no artigo uma análise da obra de
Capistrano de Abreu, ação muito semelhante a de José Honório Rodrigues.430 O
questionamento levantado pelo autor foi compreender as características da vida
intelectual de Capistrano de Abreu, e como este mesmo afirmou, desvendar os
“enigmas” da sua produção.
O nascimento do historiador no Ceará é retomado, bem como as frustrações
estudantis na infância e a tentativa também frustrada de aprovação na Faculdade de
Direito em Recife. Também não foram esquecidos os primeiros artigos na imprensa
cearense sobre crítica literária e a inserção de Capistrano de Abreu na Academia
Francesa e na Escola Popular do Ceará no final do século XIX. 431 O apoio do literato
José de Alencar e a chegada ao Rio de Janeiro são marcas de uma nova fase na vida
intelectual do historiador. Mas, o que de fato caracteriza essa breve introdução
429 Edgardo de Castro Rebello (1884-1970) foi professor de direito da Universidade do Brasil, tendo se dedicado aos estudos históricos e jurídicos, podendo-se destacar em seus estudos históricos o livro: REBELLO, Edgardo de C. Mauá: restaurando a verdade. Rio de Janeiro: Editora Universo, 1932. 430 REBELLO, Edgardo de C. Capistrano de Abreu. Conferência apresentada no dia 22 de outubro de 1953 no auditório do Ministério da Educação e Saúde. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n.221, out.-dez; p. 204-213. 1953. O texto foi novamente publicado pelo autor juntamente com a conferência Capistrano de Abreu e Síntese Histórica; pronunciada na Casa do Estudante sob os auspícios da Sociedade Capistrano de Abreu, em 1956. Ver: REBELLO, Edgardo de C. Capistrano de Abreu e a Síntese Histórica. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1956. 431 A Academia Francesa fundada em 1872-3 foi um movimento literário e filosófico promovido por intelectuais cearenses do qual Capistrano de Abreu foi um dos fundadores. Reunidos para realizar leituras de autores ligados ao cientificismo e ao positivismo francês, como Augusto Comte, Spencer e Tayne, o grupo acabou recebendo essa designação pela preponderância de autores franceses em suas discussões. Acreditando na secularização das práticas sociais e no poder concedido à educação pelos iluministas, o grupo promoveu conferências populares noturnas para “ilustrar” os operários cearenses, projeto conhecido como Escola Popular. Sobre a Academia Francesa e a Escola Popular, ver: BARREIRA, Dolor. História da Literatura Cearense, t. 1.. Fortaleza: Instituto do Ceará, 1948, p.85-98; OLIVEIRA, Almir Leal. Universo letrado em Fortaleza na década de 1870. In. SOUSA, S; NEVES, F (orgs.). Intelectuais. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2002, p. 15-40.
258
biográfica de Capistrano de Abreu é o reforço na perspectiva de entender o historiador
como possuidor de um gênio criador nato, que apesar dos obstáculos do meio físico e
social, já estava predisposto, em sua essência, a se tornar um grande homem de
letras.Como afirmou o autor, Capistrano distinguiu-se pela posse de predicados
contraditórios, em que não é, talvez, temerário reconhecer-se a confluência de
predisposições ancestrais, contrariadas na infância ou na adolescência pela educação
paterna, ou incompreendidas, então, do meio social a que teve de ajustar-se. 432 Os
enigmas que Rebello tenta desvendar eram - os quais ele define como “enigma
biográfico” e “problema biográfico” - qual a causa da substituição dos estudos literários
pelos históricos na trajetória intelectual de Capistrano de Abreu, por que ele não
escreveu uma história do Brasil e quais as mudanças estilísticas ocorridas em sua
escrita da história.
Apesar do autor apontar a existência de enigmas, este deixa claro que o
conhecimento integral da vida e obra do indivíduo Capistrano de Abreu seria um
exercício factível, ou seja, “os problemas biográficos” possuiriam necessariamente uma
solução. Podemos atribuir essa percepção à própria concepção de biografia corrente
nesse momento, na qual esta seria o exercício de escrita capaz oferecer a coerência
432 REBELLO, Edgardo de C. Capistrano de Abreu. Conferência apresentada no dia 22 de outubro de 1953 no auditório do Ministério da Educação e Saúde. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n.221, out.-dez. 1953, p.204. Segundo Pierre Bourdieu a idéia do gênio criador foi durante muito tempo um dos principais recursos para escrita de biografias, determinando as capacidades intelectuais dos indivíduos como uma predisposição natural. A origem desta perspectiva pode ser observada já durante o século XVIII na obra de Immanuel Kant. Este apontava em seu texto sobre o esclarecimento de 1783, que caberia ao homem sair da menoridade em direção a sua maioridade intelectual, alcançando a sua autonomia, na qual este seria responsável por seus próprios atos e usos públicos de sua razão, independente de qualquer tutoria. Ver: BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. 4. ed. São Paulo: Papirus, 2003, pp. 74-83; ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995; KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: Que é “esclarecimento”?[„Aufklärung”]. In. Textos Seletos. Petrópolis: Vozes, 1974, p.100-117.
259
necessária à vida humana por meio de uma narrativa que apresentasse os fatos que a
compunham em um todo coerente.433
Sobre os enigmas a serem desvendados por Castro Rebello, podemos
apresentar de imediato uma observação quanto ao entendimento do autor sobre o
campo dos estudos históricos e literários na década 50 do século XX no Brasil. O
questionamento sobre a mudança de trajetória intelectual de Capistrano de Abreu da
crítica literária para história só poderia ser fruto de um campo profissional consolidado
para as duas atividades, a de crítico literário e a de historiador. Ou seja, a variação
entre estudos literários e estudos históricos só poderia ser considerada problemática e
instigadora de um enigma na medida em que as atividades de crítico literário e de
historiador já estivessem restritas a campos profissionais distintos e afastadas uma da
outra. Essa distinção precisa entre a prática da crítica literária e a prática historiográfica
não caracterizava o campo letrado no período em que Capistrano de Abreu produziu
sua obra. Um mesmo autor poderia se dedicar aos dois ofícios sem que
necessariamente tivesse que se enquadrar em uma categoria profissional restrita. Os
433 Ângela de Castro Gomes define como “desejo de unidade do eu” esse poder atribuído a escrita biográfica e autobiográfica, apontando como o principal fator desse desejo a fragmentação do indivíduo perante a modernidade. Segundo a autora, é exatamente porque o ‘eu’ do indivíduo moderno não é contínuo e harmônico que as práticas culturais de produção de si se tornam possíveis e desejadas, pois são elas que atendem à demanda de uma certa estabilidade e permanência através do tempo. Daniel Madelénat, em seu estudo sobre a escrita biográfica, também apresenta as inquietudes da modernidade como transformadoras das perspectivas de escrita biográfica e autobiografia, colocando o problema da epistemologia do texto biográfico pautado no desejo de coerência e completude. Segundo o autor, se, com Kierkegaard, julga-se a existência concreta, a experiência vital e única, como o único lugar onde se toca a verdade, aspira-se a transformar a conivência em saber dizível e transmissível. GOMES, Ângela de C. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In. ___. (org.) Escrita de Si, Escrita da História. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p.13; MADELÉNAT, Daniel. La connaissance de l’autre. In. ___. La biographie. Paris: PUF, 1994, p. 95. Para ver mais sobre a escrita biográfica e autobiográfica: BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. 10 ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2003; DUBET, François; WIEVIORKA, Michel (orgs.). Penser le sujet: autour d’Alain Touraine. Paris: Fayard, 1995; GAY, Peter. O Coração desvelado: a experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. Volume 4. São Paulo: Cia. das Letras, 1999; LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In. REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p. 225-250; WERNECK, Maria
260
intelectuais durante o século XIX e primeiras décadas do século XX no Brasil se
caracterizavam mais por um saber polígrafo, do que por um saber restrito a um campo
de conhecimento específico. Podemos citar como exemplos outros intelectuais
contemporâneos a Capistrano de Abreu como Silvio Romero, João Ribeiro e José
Veríssimo.
Com esta observação não estamos afirmando que não haveria distinções
entre as operações de escrita literária e histórica até a segunda metade do século XX
no Brasil, mas sim, que essas distinções não impossibilitavam um autor de atuar como
produtor desses dois tipos de discurso, aspecto problematizado na biografia intelectual
de Capistrano de Abreu por Castro Rebello. Segundo Nelson Schapochnik, essa
clivagem entre a história e a literatura foi tomada pelos historiadores da segunda
metade XIX como uma premissa necessária para não macular sua reputação
acadêmica ou cientifica.434 Podemos concluir que a distinção apontada e
problematizada por Castro Rebello derivou do amadurecimento do processo contínuo
realizado pelos profissionais atuantes no campo historiográfico de se distanciarem da
prática literária, pois assim, confeririam maior credibilidade epistemológica e
metodológica à escrita da história, na busca da disciplina pelo o que Schapochnik
definiu como a materialização através de uma narrativa de um passado determinado e
fixo (ontológico).
A forma como Castro Rebello formula a questão parece sintomática. Ele propõe
entender como se operou a passagem de Capistrano de Abreu do “gosto da crítica
Helena. Um pensar saudável sobre biografias. In. ___. O homem encadernado: Machado de Assis na escrita das biografias. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1996, p.17-30.
261
literária” à “severidade dos estudos históricos”. O autor apresenta a oposição entre um
saber frugal, a literatura, e um outro que demandaria um esforço maior para ser
alcançado, a história, visto que, o objetivo de Capistrano teria sido alcançar a
“compreensão do passado colonial” por meio de “um conhecimento seguro”. A
representação do ofício do historiador construída por Castro Rebello procura enfatizar o
caráter “beneditino” do qual o historiador deveria estar imbuído. A rotina nos arquivos
poeirentos e desorganizados, a leitura de manuscritos quase ilegíveis, enfim, todo o
aparato necessário à escrita da história, talvez vivenciadas pelo próprio Castro Rebello
em suas pesquisas. De forma sintética, o conferencista aponta as leituras de Buckle,
Taine e Agassiz como determinantes para a decisão de Capistrano em se dedicar aos
estudos históricos e de definir um programa de escrita da história do Brasil.435
Em outra palestra também promovida pela Sociedade, em 1956, as
perspectivas de Castro Rebello sobre Capistrano de Abreu e o ofício do historiador
aparecem mais claramente. A partir da oposição entre a crônica e a história Castro
Rebello apresenta as concepções de escrita da história que foram operadas por
Capistrano no livro Capítulos de História Colonial. Segundo o autor,
A linha de separação entre os dois gêneros, - história e crônica, - é, de fato, ainda hoje, um dos pontos de interesse historiográfico menos estudados. [...] A verdade é que a história só se pode separar conceitualmente da crônica, na medida em que adquiriu feição científica, e deixou de ser, apenas narrativa, ou mesmo, de algum modo, crítica.436
434 SCHAPOCHNIK, Nelson. As figurações do discurso da história. In. MALERBA, Jurandir (org.). A velha história: teoria, método e historiografia. Campinas: Papirus, 1996, p. 171. 435 As referências ás leituras provavelmente foram retiradas da correspondência de Capistrano de Abreu, visto que o autor com freqüência relembrava aos seus correspondentes o seu primeiro projeto de escrita da história do Brasil. Em carta ao Barão do Rio Branco, afirmou Capistrano: “Dou-lhe uma grande notícia (para mim): estou a escrever a História do Brasil, não a que sonhei há muitos anos no Ceará, depois de ter lido Buckle, e no entusiasmo daquela leitura que fez época em minha vida”. Carta enviada ao Barão do Rio Branco, 17 abr. 1890. CCA, volume 1, p. 130. As referências das publicações são: AGASSIS, Louis. Viagem ao Brasil (1865-1866). São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1935; TAINE, Hippolyte. De l’idéal dans l’art. Paris: G. Balliére, 1867.
262
O livro de Capistrano é apresentado como um trabalho que buscava a história
“propriamente dita”, visto que, a história teria para Castro Rebello uma função
reveladora para com o passado, pois:
A história esclarece o passado, mas só o esclarece de modo satisfatório, quando, conhecidos os fatos de que é expressão, através de documentos detidamente analisados, logra fazer-lhes a síntese, isto é, logra reuni-los em conjuntos totais ou parciais, segundo lógica de sua ocorrência e os fatores de sua realização; combiná-los, segundo o vínculo de conexão ou afinidade que haja entre eles, preferido o principal ao acessório, unificá-los, em suma, o que permitirá interpretá-los melhor e prendê-los sem fantasia a causas imediatas ou distantes, de maior generalidade. É, no entanto, o que fez Capistrano de Abreu, com rara intuição e um preparo cultural dos mais sólidos, com relação aos três primeiros séculos de vida brasileira.437
Parece-nos relevante apontar a maneira como as homenagens prestadas a
Capistrano de Abreu em seu centenário foram direcionadas para a reflexão da
identidade do historiador e do seu ofício. Além da apresentação dos traços biográficos
do historiador, o texto de Castro Rebello mostra os meandros teóricos e metodológicos
da escrita da historiografia e os parâmetros de pesquisa, interpretação e constituição da
narrativa histórica. Os outros dois enigmas propostos por Castro Rebello, a não escrita
de uma história do Brasil e a mudança de estilo na narrativa de Capistrano de Abreu,
também são pontos esclarecedores sobre a escrita da história do Brasil na metade do
século XX.
O texto de síntese aparece pela primeira vez como adequado à escrita da
história, o que teria resultado na mudança no estilo de escrita do historiador, pois,
segundo Castro Rebello, no decorrer da trajetória de Capistrano de Abreu a sua
436 REBELLO, Edgardo de C. Capistrano de Abreu e a Síntese Histórica. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1956, p. 30.
263
linguagem havia se tornado menos imaginosa, menos colorida, a frase menos plástica,
resultado naturalmente da preocupação de torná-la, cada vez mais concisa.438 Castro
Rebello entende que a descrição da história do Brasil de uma forma sintética,
apresentado apenas os fatos mais relevantes e necessários para a construção da
inteligibilidade do passado seria mais produtiva do que uma “história geral” aos moldes
do Visconde de Porto Seguro. Afinal, segundo o autor, a obra de Capistrano possuiria
um fator determinante que a diferenciava da produção de Varnhagen, a apresentação
de concepções sociológicas que contribuíram para construção da interpretação e
causalidade da história do Brasil dentro de um processo positivo, determinista e
evolutivo.
As afirmações de Castro de Rebello não são de nenhuma forma consenso entre
os intelectuais do período. Dois pontos foram motivos de querelas. O primeiro referente
à escrita de uma história geral e o segundo relacionado à existência de uma
perspectiva determinista na obra de Capistrano de Abreu. O primeiro ponto aparece
como motivador de discussões porque a questão de uma escrita da história do Brasil
através da síntese ainda era algo extremamente problemático, pelo menos entre os
historiadores membros da SCA e por sua vez do IHGB. A memória da História Geral do
Brasil do Visconde de Porto Seguro na historiografia ainda era algo presente, apesar da
crescente fragmentação dos estudos históricos em áreas como história econômica,
social e regional. 439 Castro Rebello justifica a sua defesa da escrita da história do Brasil
437 REBELLO, Edgardo de C. op.cit.p. 32. 438 REBELLO, Edgardo de C. Capistrano de Abreu. Conferência apresentada no dia 22 de outubro de 1953 no auditório do Ministério da Educação e Saúde. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n.221, out.-dez. 1953, p.211.
264
através da síntese, legitimando os Capítulos de História Colonial como uma
representação sólida e precisa do passado nacional. Como apresenta o autor,
A síntese é no processo de elaboração histórica, onde a contribuição pessoal do historiador é mais livre e o elemento subjetivo, dominante. De tal modo que não falta quem a considere, ainda que sem razão, estranha à metodologia. [...] A síntese atende à concepção genética da história. É, ao mesmo tempo, garantia, de objetividade e remédio ao perigo da particularização, condenada justamente por Bauer. Evita que os fatos se segreguem da harmonia da vida e sejam tratados como coisa que existe por si própria, para nos servimos de expressões desse autor. 440
Como veremos no próximo tópico há nas perspectivas de Castro Rebello uma
junção entre o “presentismo”, ou seja, a forma com a qual o passado é construído pelo
historiador seguindo as demandas do presente e dotando a narrativa de um elemento
subjetivo e a “positividade dos fatos”, o que justificaria uma história científica e a crítica
documental como forma de alcançar a “verdade” do passado. Essa junção de
“presentismo” e “positividade do fato” foi apresentada por Ana Luiza Marques como a
principal característica da concepção de história de José Honório Rodrigues e a qual
acreditamos ter sido compartilhada por Castro Rebello.441
Apesar da fortuna crítica das conferências de Edgardo de Castro Rebello, os
dois textos mais significativos para entendermos o sentimento que mobilizou a
439 As discussões sobre este período da historiografia brasileira são bem peculiares, principalmente porque a disciplina passava por importantes transformações, nas quais os discursos dos membros do IHGB e da SCA se tornavam cada vez mais distanciados das discussões sobre a disciplina realizadas no espaço universitário, podemos destacar como exceções a essa exclusão o sócio Edgardo de Castro Rebello, José Honório Rodrigues e Américo Jacobina Lacombe. Para ver um balanço sobre a historiografia entre anos 30 e 70, nos quais são apresentadas as questões referentes a instauração dos cursos de graduação e pós-graduação, bem como sobre os estudos de brasilianistas e a recepção do marxismo e do weberianismo no Brasil, DIEHL, Astor. A cultura historiográfica brasileira: década de 1930 aos anos 1970. Passo Fundo: UPF Editora, 1999. 440 REBELLO, Edgardo de C. Capistrano de Abreu e a Síntese Histórica. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1956, p. 40.
265
Sociedade e seus “sócios fundadores” ainda vivos durante o centenário, ou melhor, dos
discípulos no sentido preciso do termo, foram os discursos de Afonso de Taunay no
IHGSP e o de Jayme Coelho, realizado na sessão em homenagem a Capistrano na
SCA. Os dois discursos são momentos de auto-avaliação. Lembrar do passado do
“mestre” era também lembrar do passado dos “discípulos”.442
Regina Abreu analisando o culto póstumo ao literato Euclides da Cunha pelos
euclidianos, integrantes do Grêmio Euclides da Cunha – agremiação de características
semelhantes à SCA – observou a existência de uma relação metonímica entre a
memória de Euclides da Cunha e a dos euclidianos. Verificou a autora que, quando do
aniversário de 80 anos das “comemorações euclidianas” as lembranças evocadas pelos
euclidianos sobre Euclides da Cunha ou sobre a origem das comemorações e de como
o grupo se organizou eram momentos nos quais os euclidianos recordavam a sua
própria história. Segundo Regina Abreu, estabelece-se entre os euclidianos e o autor de
Os Sertões uma relação metonímica - de identificação e de continuidade. Ao narrarem
trechos da história de vida do escritor, muitas vezes enunciavam pontos de contato com
suas próprias histórias de vida.443
441 MARQUES, Ana Luiza. José Honório Rodrigues: uma sistemática teórico-metodológica a serviço da história do Brasil. Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da PUC-RJ, 2000. 442 O discurso de Jayme Coelho se encontra incompleto em sua transcrição, visto que, o autor sofreu um acidente e não pode concluir a redação do discurso, ver a nota explicativa que acompanha a transcrição. Podemos reunir a estas duas conferências a nota publicada por Edgard Roquette Pinto no periódico O Jornal. Infelizmente, o exemplar que tivemos acesso estava ilegível na parte referente ao texto, sendo inviável maiores considerações sobre o artigo. Ver: TAUNAY, Afonso d’Escragnole. Capistrano de Abreu. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, t.221, out.-dez; p.194-203, 1953; COELHO, Jayme. Capistrano de Abreu. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, t.221, out.-dez; p.214-216, 1953; PINTO, Edgard Roquete. Capistrano de Abreu. O Jornal, Rio de Janeiro, 25 out. 1953, p.4. 443 ABREU, Regina. Entre a Nação e a Alma: quando os mortos são comemorados. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.7, n.14, p.215, 1994.
266
Essa narrativa duplamente biográfica, segundo Regina Abreu, pôde ser por nós
também identificada nos textos de Taunay e Coelho. Diferente das narrativas
anteriores, a de Taunay e Coelho iniciam-se pela morte de Capistrano, mais
especificamente pelo sentimento de perda que esta despertou. Os autores apresentam
seus sentimentos. Narram como conheceram o historiador, relembrando momentos da
juventude. Para Taunay:
A Capistrano conheci quando me preparava, em 1889, para o exame de história e corografia do Brasil. Minha boa mãe empenhada em me dar os melhores explicadores existentes no Rio de Janeiro, convido-o a lecionar em aulas particulares, por indicação de meu tio Leopoldo Teixeira Leite, amigo do ilustre cearense. Fui durante seis meses, seu explicando e ao mesmo tempo o de Moreira Pinto o nosso grande corógrafo. Daí em diante mantive sempre relações com o meu professor de 1889, a princípio espaçadamente, depois quando já homem, cada vez mais freqüente...o fato de morarmos longe um do outro fez com que não muito nos avistássemos. Mas sempre que ia ao Rio de Janeiro visitava eu ao mestre. E o mesmo se dava, embora muito mais raramente, quando ele vinha a ter em São Paulo.444
Taunay se dava a ver como discípulo de Capistrano de Abreu, relação tramada
ainda nos anos escolares. Representação também compartilhada por Jayme Coelho e
que também possibilitou a reativação das memórias de juventude. Assim afirmou Jayme
Coelho:
Capistrano de Abreu foi dos meus amigos um dos mais queridos, e, em se tratando de estudos históricos, mestre incomparável. Jamais me será possível devidamente significar a amizade que lhe consagrei e que intangível permanece, nem tão pouco dar conta do que lhe devo em ensinamentos preciosos.445
Mas é na identidade do historiador e na lembrança de suas trajetórias
profissionais que a memória sobre Capistrano de Abreu atua de uma forma mais
efetiva. As lembranças de Taunay são reativadas com o objetivo de recuperar a
444 TAUNAY, Afonso d’Escragnole. Capistrano de Abreu. op.cit.p.201-2. 445 COLEHO, Jayme. Capistrano de Abreu. op.cit. p. 214.
267
produção historiográfica de Capistrano. Mas essa recuperação acabou servindo como
meio para representações pessoais de Taunay. Fazendo referência ao desejo de
Capistrano de Abreu em incentivar a publicação de documentos sobre a história do
Brasil, para que estes fossem utilizados na escrita da história, Taunay imediatamente
relembra o seu papel de pesquisador e editor, e dos elogios que recebia de Capistrano
de Abreu:
Quando publiquei a primeira série destes papeis sevilhanos escreveu-me imediatamente: “Não hesito em dizer-lhe: continue! E abraço-o gostosamente”. Ficou sobremodo satisfeito com a impressão nos Anais do Museu Paulista do Diário de Navegação de Juzarte, que considerava da maior relevância, assim como mais tarde elogiou, de modo desvanecedor, a publicação do Livro Segundo do Governo do Brasil (1615-1628) [...] Por indicação sua obtive e designei papéis de notável valia como, por exemplo, a Demonstração dos diversos caminhos de São Paulo para o Cuiabá [...] a ânsia em divulgar as fontes de nossa história fazia com que multiplicasse as advertências e os conselhos a todos os amigos.446
A partir daí Taunay recupera toda uma rede de sociabilidade urdida em torno da
pesquisa histórica: Paulo Prado, João Lúcio de Azevedo, Antônio Baião, Washington
Luís, Afrânio Peixoto, Eugênio de Castro, João Pandiá Calógeras, Rodolfo Garcia, e é
claro, ele mesmo, Taunay. Como a maioria dos comentaristas da obra de Capistrano,
Taunay explana sobre as contribuições do autor para o surgimento de novas áreas de
pesquisa sobre a história do Brasil, antes restrita, segundo Taunay, a fatos militares e a
história administrativa. Pois,
as questões essenciais da devassa e conquista do território, do povoamento, as da interpenetração das diversas regiões, os assuntos econômicos, haviam sido relegados a segundo plano ou antes a distante plano, se é que ainda as começaram a esboçar os descritores de nossa vida nacional pregressa.447
446 TAUNAY, Afonso d’Escragnole. Capistrano de Abreu. op.cit.p. 195. 447 TAUNAY, Afonso d’Escragnole. Capistrano de Abreu. op.cit.p. 198.
268
Como conseqüência da ausência das questões entendidas como fundamentais
pelo autor, Taunay apontou as limitações do ensino da História do Brasil durante o
século XIX, comentou, amparado em sua experiência pessoal, a má qualidade dos
compêndios utilizados pelos alunos e as temáticas muitas vezes enfadonhas que
ocupavam as lições. O levantamento dessas questões serviram para que Taunay
relembrasse dos tempos de aluno do Imperial Colégio Dom Pedro II, no qual Capistrano
era professor, dos amigos de seu pai, Visconde de Taunay, que para ele seriam
exceções entre os letrados dedicados aos estudos históricos por se mostrarem
interessados por outras temáticas além da “história-batalha”.448
Como solução para a paralisia na qual os estudos de História do Brasil se
encontravam, Taunay apontou os incentivos de Capistrano de Abreu a outras temáticas
de pesquisa, como:
as entradas e bandeiras ao apossamento das enormes áreas ocidentais desacompanhadas de um único comentário recordando os obstáculos opostos a tão árdua conquista. Era o capítulo da mineração do ouro tudo quanto havia de mais insignificante: o dos albores do desenvolvimento cultural do país reduzia-se à citação dos títulos de uma ou duas das academias literárias setentistas. E assim por diante...449
448 Alfredo d’Escragnole Taunay, Visconde de Taunay, além de suas atividades políticas foi autor de romances como Inocência, Juca Tropeiro e A retirada de Laguna. O autor ao lado de José de Alencar, Bernardo Guimarães e Franklin Távora é considerado um dos principais expoentes do regionalismo literário do século XIX. Em carta a Afonso de Taunay, Capistrano de Abreu realizou elogios ao Visconde por considerá-lo um dos precursores do estudo “empírico” dos sertões brasileiros: “quando as críticas se apurarem, reconhecerão que seu pai foi o primeiro dentre nós que descreveu sertões de experiência e autópsia, não de chic: antes dele só houvera estrangeiros”. Quando da publicação do romance A retirada de Laguna, em 1879, Capistrano também realizou comentários favoráveis à obra no periódico Gazeta de Notícias, valorizando o realismo empregado na narrativa pelo autor: “[...] o autor escreveu um diário que serviu de base ao trabalho. Daqui uma conseqüência que produz muito bom efeito: a narrativa moldava-se à realidade, e reproduz fielmente os seus relevos, ondulâncias e desenvolvimentos imprevistos.” Carta a Afonso de Taunay, 27 fev. 1923. CCA, volume 1, p. 330; ABREU, Capistrano de. Livros e Letras. In.___. Ensaios e Estudos, 4ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p. 101. Para ver sobre o romance regionalista, LIPPI, Lúcia. A conquista do espaço: sertão e fronteira no pensamento brasileiro. História, Ciência e Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, v.5, jul. p. 195-215, 1998. 449 TAUNAY, Afonso d’Escragnole. Capistrano de Abreu. op.cit.p. 200.
269
As recordações de Taunay sobre Capistrano de Abreu eram a legitimação da
sua própria forma de entender a História do Brasil, dos estudos que este desenvolveu.
Já as recordações de Jayme Coelho se concentram na sua própria condição de
“discípulo” de Capistrano. O autor verificou mudanças nas formas de organização dos
intelectuais e no próprio campo letrado. Os estudos sobre história do Brasil não seriam
mais os mesmos do período áureo da criação da Sociedade. Segundo Coelho, o “culto”
a Capistrano de Abreu se extinguia diante da inexistência de novos “discípulos”. Para
Coelho, alguns discípulos de Capistrano,
de justificado renome, e que devem ser considerados como pertencentes ao seu círculo, produziram o melhor das suas obras, quando ainda em vida o nosso sábio mestre. Não raro souberam aproveitar os seus ensinamentos com inteligência e correção, mas, com o andar dos tempos, as pegadas de Capistrano de Abreu sendo menos seguidas, embora sua obra continue a ser das mais estimadas e aproveitadas, não é menos certo que a carência de discípulos se manifesta de maneira sensível e lastimável.450
O que se pode perceber na afirmação de Jayme Coelho são as mudanças
decorrentes das transformações do campo historiográfico nesse período. Uma
instituição-memória como a Sociedade Capistrano de Abreu, amparada em laços
afetivos e profissionais poderia resistir e apresentar um projeto concorrente e atrativo de
escrita da história do Brasil diante do avanço das universidades como forma de
organização do campo letrado, do marxismo, do estruturalismo, dos Annales?451
450 COLEHO, Jayme. Capistrano de Abreu. op.cit. p. 214 - 215. 451 BATALHA, Cláudio H. M. A Historiografia da Classe Operária no Brasil: Trajetória e Tendências. FREITAS, Marcos Cezar de. (org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1998, p. 145-158. FICO, Carlos; POLITO, Ronald. A Historiografia Brasileira nos últimos 20 anos – tentativa de avaliação crítica. In. MALERBA, Jurandir. (org.) A velha História: teoria, método e historiografia. Campinas: Papirus, 1996, p.190-207; KONDER, Leandro. História dos intelectuais nos anos 50. In. FREITAS, Marcos Cezar de. (org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva. 2. ed. São Paulo:
270
Acreditamos que seria uma tarefa árdua, visto que, os dois pilares de sustentação da
instituição, as relações afetivas e profissionais estavam esgotadas. Capistrano de
Abreu continuou sendo para história da historiografia brasileira uma figura referencial,
mas as formas de entendimento da escrita da história, seus métodos e temáticas se
transformaram. Capistrano de Abreu passou a ser lembrado como referência, e não
mais como um modelo a ser copiado.
O Centenário de Capistrano de Abreu foi o momento dos “sócios fundadores”
se despedirem da instituição que criaram em 1927, daí às homenagens durante o
centenário ao sócio Afonso de Taunay, com o Prêmio Capistrano de Abreu de Honra ao
Mérito, e a inauguração das duas últimas estantes da biblioteca com os nomes em
prata dos fundadores da Sociedade, Rodolfo Garcia e Eugênio de Castro. A sessão em
comemoração ao Centenário de Capistrano de Abreu também foi a despedida dos
discípulos no sentido preciso do termo, ou seja, daqueles que privaram da companhia
de Capistrano de Abreu e seguiam minuciosamente suas orientações historiográficas.
Mas, se pudéssemos definir qual seria o ponto em comum nas Comemorações
do Centenário de Capistrano de Abreu, este seria a presença de José Honório
Rodrigues – na Biblioteca Nacional como funcionário, no IHGB como palestrante, no
Instituto Nacional do Livro, como organizador da edição comemorativa dos Capítulos de
História Colonial, e na própria SCA, como apresentamos. A ele seria atribuída a tarefa
árdua de buscar a sobrevida e adaptações da Sociedade ao novo campo historiográfico
Brasileiro.
Contexto, 1998, p. 355-374; MICELI, Sérgio. Sobre História, Braudel e os Vaga-lumes. A Escola dos Annales e o Brasil (ou vice-versa). In. FREITAS, Marcos Cezar de. (org.) Historiografia Brasileira em
271
3.2
Anotar e prefaciar a obra do “mestre”: reflexões de José Honório Rodrigues
sobre Capistrano de Abreu.
Certamente a anotação é um trabalho que revela modéstia, humanidade, renuncia, mostrando-se o autor capaz de sacrificar seu tempo, seu esforço e faculdade pelo aperfeiçoamento de obra já realizada por outro. Esta não foi a lição de Varnhagen, que sempre foi soberbo e orgulhoso, mas de quem se assinava “João Ninguém” e o maior historiador que o Brasil já possuiu. (José Honório Rodrigues)452
Com essa afirmação, José Honório Rodrigues definiu as anotações realizadas
por Capistrano de Abreu à obra de Francisco Adolfo de Varnhagen. Uma lição de
humildade, como se o trabalho do prefaciador ou anotador textos não conferisse
identidade e reconhecimento no campo letrado, seria este um ato quase beneficente,
para Rodrigues. Contudo, as anotações e os prefácios conferem posições nas disputas
do mundo das letras, e estes campos extra-textuais são importantes espaços de
disputas e diálogos, e representam um lugar social.453 Não por acaso nas biografias e
análises críticas à obra de Capistrano de Abreu o seu papel de anotador e prefaciador é
constantemente retomado, delegando um capital simbólico a esses trabalhos, condição
da qual a própria afirmação de Rodrigues foi resultado.
Perspectiva. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1998, p. 259-270. 452 RODRIGUES, José Honório. Capistrano de Abreu. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 25 out. 1953. p.3. 453 Para ver sobre os prefácios como instrumentos de interlocução com os leitores: NOIRIEL, Gerard. L’Univers Historique: une collection d’historie à travars son paratexte (1970-1993). Gêneses. n.18, 1995. pp. 110-131. Sobre a função dos prefácios nos textos de história: ARAÚJO, Ricardo Benzaquen. História e narrativa. In. MATTOS, Ilmar Rohloff (org.). Ler e Escrever para Contar: documentação, historiografia e formação do historiador. Rio de Janeiro: Access, 1998. p. 221-258.
272
O próprio José Honório Rodrigues foi receptor de um capital dessa natureza, foi
organizador, anotador e prefaciador de todas as edições da obra de Capistrano de
Abreu posteriores a 1954, com exceção da edição dos Caminhos Antigos e
Povoamento do Brasil realizada em 1960, e das duas últimas publicações da SCA, a 2ª
edição da 3ª série dos Ensaios e Estudos e dos Capítulos de História Colonial, ambas
publicadas em 1969. Como dirigente da Sociedade, acabou substituindo-a no papel de
editor da obra de Capistrano de Abreu após o término de suas atividades em 1969.
As relações de José Honório Rodrigues com a obra de Capistrano de Abreu são
anteriores a sua entrada na instituição, em 1939. Foi como pesquisador dedicado à
história da colonização holandesa no nordeste brasileiro que José Honório iniciou a sua
aproximação com a obra de Capistrano.
José Honório Rodrigues nasceu no Rio de Janeiro em 20 de setembro de 1913
e formou-se em direito na Faculdade do Largo de São Francisco em 1937, no mesmo
ano recebeu o prêmio de erudição da Academia Brasileira de Letras pela pesquisa
realizada ao lado de Joaquim Ribeiro sobre a invasão holandesa no período colonial,
cujo volume veio a ser publicado em 1940 com o título de A Civilização Holandesa no
Brasil.454 A partir de 1939 passou a trabalhar no Instituto Nacional do Livro ao lado
Sérgio Buarque de Holanda, permanecendo nessa instituição até 1944.455 Essa era
posição ocupada por José Honório no campo letrado no momento da sua admissão no
454 RODRIGUES, José Honório; RIBEIRO, Joaquim. Civilização Holandesa no Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1940. Posteriormente o autor também publicou como resultado dessa pesquisa um guia de fontes e bibliografia sobre a temática: RODRIGUES, José Honório. Historiografia e Bibliografia do domínio Holandês no Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1949. 455 Para ver sobre a trajetória intelectual e a produção historiográfica de José Honório Rodrigues: IGLÉSIAS, Francisco. José Honório Rodrigues e a historiografia brasileira. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1, p.55-78 1988; MARQUES, Ana Luiza. José Honório Rodrigues: uma sistemática teórico-metodológica a serviço da História do Brasil. Dissertação de Mestrado PUC/RJ, 2000.
273
quadro social da SCA. Contudo, acreditamos que a sua admissão decorreu não apenas
de seu capital simbólico acumulado, mas também da resenha crítica sobre Capistrano
de Abreu publicada pelo autor na Revista do Brasil em março de 1939.456
A escrita do artigo na Revista do Brasil foi, como veremos, apenas o primeiro
encontro de José Honório Rodrigues com Capistrano de Abreu. A produção
historiográfica de José Honório foi vasta e perpassou vários canteiros da história.457
Mas a presença de Capistrano de Abreu foi constante, seja em textos sobre a
historiografia brasileira, ou mesmo em trabalhos destinados às reflexões políticas e
econômicas. A observação de Capistrano de Abreu sobre algum momento político
descrita em sua correspondência, ou alguma colocação deste em seus trabalhos eram
utilizados por José Honório com freqüência, normalmente, para justificar e reforçar
alguma perspectiva do próprio autor. Alguns trechos da Teoria da História do Brasil são
representativos, “A história é um estudo empírico, no sentido de que não é um
aglomerado não interpretado de símbolos, sem referência à experiência. Daí
representar a intuição ou a adivinhação de que falava Capistrano de Abreu um papel
importante”458 ou “Como disse Capistrano de Abreu, Varnhagen soube escavar
documentos, demonstrar-lhes a autenticidade, solver enigmas, desvendar mistérios,
revelar uma multidão de fatos”.459
456 RODRIGUES, José H. Capistrano de Abreu. Revista do Brasil, Rio de Janeiro, a.2, n.9, mar. fase 3, p.56-63,1939. 457 Francisco Iglesias realizou uma classificação temática da produção de José Honório Rodrigues em cinco grupos: teoria, metodologia e historiografia; história de temas; ensaios historiográficos; obras de referência; edições de textos. IGLÉSIAS, Francisco. op.cit.p. 59-60. 458 RODRIGUES, José H. Teoria da História do Brasil (Introdução Metodológica). 5 ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1978, p.133. 459 Ibid. p. 136.
274
José Honório Rodrigues teve uma vida dedicada à história, e porque não dizer,
também dedicada à obra de Capistrano de Abreu. A dedicação concedida ao historiador
compreendeu uma parte relevante do seu projeto de vida “historiográfico”, a
constituição do campo dos estudos teórico-metodológicos e da pesquisa histórica no
Brasil. Com esse objetivo José Honório constituiu um plano de trabalho, que
correspondeu à publicação de três livros, dedicados, respectivamente, à teoria da
história, à pesquisa histórica no Brasil e à história da história do Brasil. O objetivo maior
que perpassou esse projeto era perceber todos os meandros que acompanhavam a
produção do texto histórico no Brasil, desde a pesquisa de fontes até às perspectivas
teóricas, ou como afirma José Honório, ideológicas que compunham a narrativa,
oferecendo aos estudantes dos cursos de filosofia e posteriormente de história manuais
sobre historiografia brasileira.460
Diante do exposto, cabe nos indagarmos sobre o papel ocupado por Capistrano
de Abreu nesse projeto de José Honório Rodrigues, para assim percebermos como a
dedicação do historiador à obra de Capistrano de Abreu contribuía para a concretização
de seus planos de pesquisa e de consolidação do campo dos estudos históricos no
Brasil. A relação peculiar que José Honório estabeleceu com a obra de Capistrano de
Abreu foi ressaltada por vários pesquisadores, podendo ser destacados Francisco
Iglésias e Astor Diehl, porém, a observação realizada por Ana Luiza Marques nos
parece sintetizar essa relação, “José Honório não é dos mais coerentes em suas
460 O projeto editoria de José Honório Rodrigues foi parcialmente concluído, faltando apenas a conclusão do último livro. Como resultado deste, podemos citar: RODRIGUES, José H. Teoria da História do Brasil (Introdução Metodológica). 5 ed. [1ª edição 1949] São Paulo: Ed. Nacional, 1978; ___. A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. [1ª edição 1952]. São Paulo: Ed. Nacional, 1982; ___. História da História do Brasil. Historiografia Colonial. volume 1. São Paulo: Ed. Nacional, 1979; ___. História da História do Brasil. A Historiografia Conservadora. volume 2. São Paulo: Ed. Nacional, 1978; ___. História da História
275
citações, com exceção da admiração inabalável por Capistrano de Abreu, a maioria dos
historiadores que estudou foi vítima dos refluxos de seu humor”.461
3.2.1
Capistrano de Abreu e a história da história do Brasil
Quando em parágrafo anterior afirmamos que José Honório Rodrigues dedicou
a sua vida à história, não afirmávamos apenas a dedicação cotidiana do historiador ao
seu ofício, mas também ao próprio significado que a história possuía para ele. Para
José Honório a história é a representação da vida. Segundo o autor:
Deus não é dos mortos, mas dos vivos, porque, para ele, todos são vivos. A história também não é dos mortos, mas dos vivos, pois ela é a realidade presente, obrigatória para a consciência, frutífera para a experiência. A vida e a realidade são história, gerando passado e futuro. Assim, todo o movimento da consciência, toda a pulsação vital do espírito é história, no duplo sentido de res gestae e historia res gestae, segundo a lição de Croce. Por isso a historiografia está sempre na dependência da história.462
Na história estaria o princípio ativo da vida, e diante desse entendimento, é
conferido à história, como narrativa, e ao historiador, como produtor desse discurso
particular, papéis decisivos e ativos no devir da sociedade. A história e o historiador
teriam uma missão política a cumprir. Como a “historiografia está sempre na
dependência da história”, José Honório entende que o presente do historiador é o
principal motivador da narrativa historiográfica e que por isso todo o discurso histórico
do Brasil. A metafísica do latifúndio: o ultra-reacionário Oliveira Viana. volume 2. tomo 2. São Paulo: Ed. Nacional, 1988. 461 MARQUES, Ana Luiza. op.cit.p.24.
276
deve ser passível de análise, pois, somente através desse processo de depuração do
texto histórico é que se poderia chegar ao passado bem como ao presente, pois, o texto
histórico seria tanto uma narrativa sobre o passado como sobre o presente de quem
narra.463 Nesse sentido, segundo o autor:
A historiografia é verdadeiramente um espelho onde se refletem os problemas da própria nação e da humanidade. Neste sentido, as revisões históricas não nascem das noções históricas concretas, mas da análise e da crítica dos elementos ideológicos determinativos. É um realismo ingênuo acreditar que se possa conhecer o objeto histórico em si próprio como uma fotografia. A realidade histórica é uma pintura que depende da perspectiva do historiador. Mas “o historiador só pode ver o fato através de si mesmo” , como homem do seu século, comparando com o tempo em que vive. Sem fatos não há história, mas sem historiador os fatos não têm sentido, e como o historiador é homem de certa época, e muda, com ele muda a história.464
Nesse jogo de tensões entre o passado – José Honório não colocou em xeque
a existência de um passado a ser transmitido – e o presente da sociedade, que se
realiza a ruptura com o futuro. O autor aponta o fim da 2ª Guerra Mundial como o
momento instaurador de uma nova ordem, na qual a Europa cada vez mais se
distanciava dos debates políticos e na qual outras realidades históricas como a
americana, a soviética, e a dos países asiáticos, africanos e latino-americanos
apareciam como desconhecidas tanto para os profissionais da história quanto para a
população de uma forma geral. A realidade contemporânea colocava novos desafios ao
462 RODRIGUES, José H. Teoria da História do Brasil (Introdução Metodológica). 5 ed. [1ª edição 1949] São Paulo: Ed. Nacional, 1978, p.27. 463 José Honório Rodrigues realiza várias aproximações com a obra de Arnold Toynbee. Acreditamos que esta percepção do presente como definidor da escrita da história derivou de uma destas aproximações, pois, segundo Toynbee: “Em qualquer época de qualquer sociedade o estudo da história, tal qual as demais atividades sociais, é governado pelas tendências dominantes do tempo e do lugar”. TOYNBEE, Arnold J. La relatividad del pensamiento histórico. In. ___. Estudio de la Historia. volume 1. Buenos Aires: Emecé Editores, 1978. 464 RODRIGUES, José H. op.cit. p. 28.
277
historiador, no qual o principal seria compreender um mundo no qual a Europa não
possuiria um papel preponderante.465
Diante dessas mudanças, o autor observou como a historiografia brasileira
estava despreparada para encarar estes desafios em dois aspectos. O primeiro deles
era a negativa em perceber que o presente demandava que os estudos históricos
nacionais se desviassem para questões que pudessem colaborar com entendimento
das questões políticas atuais. O segundo aspecto seria persistência de uma
historiografia que reificava a ”personalidade básica portuguesa” e a “sociedade rural”.
Segundo o autor:
A historiografia brasileira, expressão de sua história, representava até há pouco, e ainda representa em significativa proporção, a sociedade velha e arcaica, a que se referiam Pierre Denis e Jacques Lambert, e por isso se dedicava tão esmagadoramente à história colonial , expressão do seu apego às tradições e à cultura luso-brasileira, forma de concepção histórico-filosófica de sua personalidade básica e de seu caráter social. O Brasil arcaico é o Brasil rural, com 54,92% de sua total população, ao contrário de uma sociedade nova, muito mais evoluída e com muito maior estabilidade que domina de modo geral o Estado de São Paulo e o extremo sul, mas que no resto do país é, sobretudo uma sociedade urbana.466
Retomando a perspectiva de uma história pragmática e comprometida com o
presente, José Honório apresenta a nova realidade brasileira a qual o historiador
deveria responder, a emergência de um Brasil urbano. Assim, a historiografia brasileira
deveria atender as demandas desse Brasil moderno e presente. Diante desse duplo
descompasso externo e interno, ou seja, de uma historiografia que não respondia à
pendência quanto à nova geopolítica do pós-guerra, pois valorizava um passado
465 Sobre as transformações da historiografia no pós-guerra ver Capítulo 1 “Os problemas da história e as tarefas do historiador”. RODRIGUES, José H. op.cit. p. 27-44. 466 Ibid., p. 32.
278
europeu (luso-brasileiro), e nem a compreensão do Brasil urbano, José Honório insere a
questão da identidade nacional como forma de reparar esse atraso historiográfico
brasileiro. Pois, buscando a identidade da nação, o historiador brasileiro poderia
oferecer um perfil para o Brasil dentro na nova ordem mundial, bem como oferecer o
entendimento do nacional para os próprios brasileiros, que segundo o autor, sempre
foram alijados do processo de construção histórica do nacional, tanto por não fazerem
parte da narrativa como por não compartilharem dos seus resultados simbólicos.467
Assim questiona o autor:
Que fazemos nós, historiadores, para esclarecer as razões do nosso caminho nacional e internacional em busca do poder e do respeito internacionais? Que fazemos nós, historiadores, para reconhecer e esclarecer os climas especiais de opinião, as características de certas épocas e lugares, o caráter de nossa cultura, a personalidade básica de nosso povo, seus traços especificamente nacionais?468
Como se observa, José Honório credita à história e ao historiador um papel
político a ser cumprido, arriscamos a definir a história para o autor como missionária.
Assim, o “historiador missionário” não poderia exercer a sua prática de uma maneira
aleatória. A escrita da história, dada a sua importância social, deveria ser exercida por
profissionais especializados. Dessa forma, José Honório Rodrigues detecta mais um
problema da historiografia no Brasil, a necessária profissionalização do historiador e o
467 José Honório Rodrigues atribui esse distanciamento entre a história e o “povo” como decorrente de uma história política que tenderia a reduzir o social às “atividades de políticos, de personalidades influentes, como expressão de classes superiores e de minorias dirigentes”. Pela afirmação de José Honório este entendia a história política de uma forma semelhante a de Lucien Febvre, entendendo-a como estudos que se encontrariam na superfície do explicação histórica pois se deteriam apenas aos fatos, sem a sua conexão e restrita às ações estados e de seus agentes. O autor definiu o “personalismo” como uma das principais características da historiografia brasileira. RODRIGUES, José H. op.cit. p. 212; FREBVRE, Lucien. Combates pela História. 3 ed. Lisboa: Editorial Presença, 1989. 468 RODRIGUES, José H. op.cit. p. 43.
279
maior aprofundamento das questões referentes à metodologia, teoria e pesquisa
históricas.
Nessa vida dedicada à história, José Honório Rodrigues propôs inúmeros
projetos e ações que buscaram viabilizar esse reconhecimento social do profissional
historiador, como a Comissão Nacional de História469 e o Instituto Nacional de Pesquisa
Histórica470, projetos que não alcançaram seus objetivos. Contudo, a sua maior
contribuição foi o projeto editorial sobre historiografia brasileira, anteriormente citado. É
na execução desse projeto que o autor se depara e se dedica de uma forma mais
469 Por volta de 1954, José Honório Rodrigues passa a se dedicar à criação da Comissão Nacional de História. Durante o Congresso Comemorativo do Tricentenário da Restauração Pernambucana, o historiador conseguiu reunir um grupo relevante de adeptos ao projeto e posteriormente ampliar o número de participantes no IV Centenário da Fundação de São Paulo. No documento indicativo saído das discussões do congresso em Recife foram definidos os principais aspectos da comissão: “A Comissão Nacional não faz concorrência aos Institutos Históricos Brasileiros, pois seu objetivo é unir os historiadores e estudiosos de história brasileira. A tarefa mais importante desta Comissão é filiar em todo país, através de Seções Estaduais, os historiadores e estudiosos da história, independente de títulos acadêmicos ou honoríficos, para verificar os progressos realizados pela ciência história e promover os métodos da organização das pesquisas e do ensino, e batalhar pela criação de instituições necessárias ou pela melhoria das existentes em todo o território nacional. A Comissão congrega e reúne, não distingue e nem premia. A comissão une os historiadores brasileiros, membros ou não de Institutos Históricos, numa rede de cooperação mútua e assistência recíproca”. Interessante observar a relação estabelecida com os Institutos Históricos e com os “estudiosos da história” mesmo sem títulos acadêmicos, bem como a afirmação de que a comissão “não distingue e nem premia”, prática habitual nos Institutos Históricos. Essas ressalvas apresentam um momento de transição no campo historiográfico brasileiro, no qual, apesar do IHGB e suas variantes regionais, não possuírem mais tanta preponderância nos estudos históricos, estes não poderiam ser segregados da nova organização profissional e acadêmica dos historiadores. O arquivo da Sociedade Capistrano de Abreu possui alguns documentos relativos à Comissão, bem como a correspondência de José Honório Rodrigues permite a observação das questões discutidas para a criação das comissões regionais e a divulgação da Comissão Nacional no exterior. Indicação para a criação da Comissão Nacional de História. 11 set. 1954. Sub-fundo Documentação Administrativa da Sociedade Capistrano de Abreu. pac.4, doc.123; Anteprojeto de estatutos para Comissão Nacional de História. Sub-fundo Documentação Administrativa da Sociedade Capistrano de Abreu. pac.4, doc.124; Proposta para a programação do 1° Encontro Nacional de História. Sub-fundo Documentação Administrativa da Sociedade Capistrano de Abreu. pac.4, doc.125. RODRIGUES, José H. Correspondência de José Honório Rodrigues. Rio de Janeiro: ABL, 2000; ___. Nova Correspondência de José Honório Rodrigues. Rio de Janeiro: ABL, 2004. 470 O Instituto Nacional de Pesquisa Histórica tinha o objetivo “promover e estimular a pesquisa histórica oficial e pública no Brasil e no estrangeiro, planejando a organização dos instrumentos do trabalho histórico, inventariando e reproduzindo os papéis históricos do Brasil e relativos ao Brasil, existentes no estrangeiro, e preparando a formação profissional de historiadores e pesquisadores de história”. Mais do que a coleta de documentos, o plano de criação do Instituto tinha como finalidade transformar o Estado em um fomentador de pesquisas históricas, pois a sua criação era, segundo Rodrigues, “uma
280
aprofundada à figura de Capistrano de Abreu. Como uma forma de sistematizar as
representações construídas por José Honório Rodrigues a respeito de Capistrano
nesses trabalhos, utilizaremos os três pilares estabelecidos pelo autor sobre a escrita
da história: teoria, pesquisa e historiografia. Iniciaremos pela teoria, pois como o autor
afirmou, o plano, o sentido, as forças e os poderes impulsionadores, suas
possibilidades e pressupostos só se compreendem na relação mútua, funcional e
dependente do fato ou texto com a teoria interpretativa.471 Dessa forma, iniciaremos
pelo exercício primeiro de definir um objeto de estudo.
Como afirmamos anteriormente, para José Honório toda história é fruto do
presente. O historiador ao se voltar ao passado procura fatos, personagens e
processos que interessam a sua contemporaneidade. Dessa forma, toda narrativa
histórica seria comprometida com algo que lhe é exterior, o social. A teoria da história
para o autor seria aquilo que trata de princípios conceituais que precedem, guiam e
acompanham a técnica da pesquisa e o processo crítico na história geral ou nacional.472
Ou seja, o processo de escrita da história se inicia antes mesmo da pesquisa das
fontes, através do presentismo que guia desde a escolha do objeto de estudo, a
escolha e críticas dos fatos pelo historiador, bem como, as conexões realizadas entre
os fatos colhidos para construir a narrativa. A teoria acompanharia todos os passos da
prática histórica.
necessidade da consciência nacional”. RODRIGUES, José. A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. [1ª edição 1952]. São Paulo: Ed. Nacional, 1982, p.239. 471 RODRIGUES, José H. Teoria da História do Brasil (Introdução Metodológica). 5 ed. [1ª edição 1949] São Paulo: Ed. Nacional, 1978, p.17. 472 Ibid., p.16.
281
José Honório então verifica o quanto a historiografia brasileira foi tributária de
uma teoria da história “passadista” e “conservadora”, cujo maior representante foi
Francisco Adolfo de Varnhagen, e que esta não correspondia mais com as demandas
presentes na segunda metade do século XX. Na verdade, o que mais afligia o autor não
era a existência no passado desse passadismo e conservadorismo, mas o quanto
esses fatores ainda estavam presentes na historiografia brasileira. Segundo Astor Diehl,
O autor, já no final da década de 1950, alertava que a historiografia brasileira passaria por uma crise, que segundo ele, se apresentava pela falta de sintonia entre as correntes de pensamento e a própria vida social. No entanto, constatamos que não era uma crise momentânea, mas, sim, uma crise de permanência de um pensamento histórico antiquário e revisionista, fatual e não ideológico, que tinha suas raízes no Brasil arcaico. Esse Brasil arcaico seria o fator que estaria perpetuando a discrepância entre a pesquisa histórica e seus resultados relacionados com as necessidades sociais da época. Nessa perspectiva, o autor parte para a idéia de que o passado deve ser reconstruído com base na complexidade social-histórica presente, ou seja, o interesse histórico pelo passado deve apresentar-se como resultado e prolongamento das perspectivas presentistas.473
A partir desse momento a produção historiográfica de Capistrano de Abreu
passa a ser constantemente retomada por José Honório Rodrigues, se tornando aquele
historiador do final do século XIX a representação de vários aspectos da postura
profissional os quais José Honório pretendia que se generalizassem nos estudos
históricos nacionais. Capistrano passou a ser identificado como o precursor de uma
“historiografia nova”. Essa historiografia se destacava por ter se apoiado em questões
teóricas de outros campos das ciências humanas como a sociologia, psicologia e a
473 DIEHL, Astor. op.cit.p. 222.
282
economia, e por substituir um passado colonial gerador de conservadorismo por um
passado nacional.474 Segundo Honório Rodrigues,
É especialmente com Capistrano de Abreu que se inicia a historiografia nova, expressão do Brasil novo, pois ao escrever Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil (1899), tema colonial ainda, ele rejeita a ênfase sobre as origens européias e as relações européias. Seu tema é integralmente nacional, pois convidava os historiadores brasileiros a não centralizar o seu interesse nas comunidades do litoral, mas no interior, no próprio Brasil arcaico, é verdade, mas nas origens autônomas do Brasil novo: as minas, as bandeiras, os caminhos. A rejeição colonial está implícita no próprio tema colonial.475
Podemos imaginar o quanto era significativo para José Honório Rodrigues,
verificar que um intelectual do século XIX, mais especificamente, um historiador,
escrevia e pesquisava motivado pelo questionamento de se o brasileiro era um povo
em dissolução ou em formação, e que concluiu seu principal livro anunciando que após
300 anos do início da colonização portuguesa, o brasileiro ainda não existia como
unidade, não constituindo uma identidade unívoca para a nação.476 Assim, prossegue o
autor:
474 Neste momento cabe ser realizado um paralelo entre o projeto de construção do cânone literário por Antonio Cândido e o projeto de José Honório Rodrigues para história. Em comum podemos apontar nos dois críticos a necessidade de estabelecer um conjunto de obras de referência para suas respectivas disciplinas e as perspectivas nacionalistas presentes nos dois projetos, ou seja, seria na narrativa sobre o nacional que se fundaria um discurso tipicamente brasileiro. Outro aspecto importante foi o diálogo estabelecido por José Honório com a crítica literária. O projeto do autor de definir os textos representativos da historiografia brasileira também foi uma ação que buscava retirar estes escritos da análise exclusivamente estética, o que muitas vezes proporcionava uma visão dos textos de cronistas e viajantes coloniais como de pouco valor. Assim, José Honório pretendia apontar que estes trabalhos possuíam um valor para além do estilo da narrativa e que somente a análise historiográfica poderia definir o seu real valor.Segundo José Honório: a obra histórica deve ver-se e examinar-se como obra histórica, por seu valor intrínseco, como contribuição ao desenvolvimento de nossa disciplina. O critério literário e formal no é aqui o definitivo [...] Assim, pois, o estudo da historiografia representa um esforço para cortar os laços entre nossa disciplina e a história literária. RODRIGUES, José Honório. Historiografia del Brasil, siglo XVII. México: Comision de Historia del Instituto Panamericano de geografia e historia, 1963, p. 9. Sobre a construção do cânone literário por Antonio Candido e sua interpretação nacionalista ver: BAPTISTA, Abel Barros. O Cânone como formação: a teoria da literatura brasileira de Antonio Candido. In. O livro Agreste: ensaio de curso de literatura brasileira. Campinas: UNICAMP, 2005, p. 41-82. 475 RODRIGUES, José H. op.cit. p. 34.
283
Mas é a sua orientação para a historiografia nova que nos interessa agora. Ele a enriqueceu, graças à sua formação, de novos conceitos: o de cultura substitui o de raça, seus estudos indígenas são atuais e renovam nossa etnografia; a importância da história social e dos costumes aparece pela primeira vez nos Capítulos; e o próprio sistema da casa-grande e senzala e sua importância no Nordeste viu-o pela primeira vez em 1910.477
O aparato teórico que José Honório identificava em Capistrano de Abreu o
levava este último a contribuir para um outro aspecto da constituição da escrita da
história: a narrativa. Como já foi apontado anteriormente, José Honório observava no
historiador uma peça fundamental da construção do discurso histórico. Ana Luiza
Marques afirma que o sistema teórico-metodológico de José Honório era constituído por
um “híbrido teórico-prático” entre presentismo e positivismo.478 Ou seja, José Honório
acreditava na positividade da pesquisa histórica de recuperar o passado, contudo, esse
passado só apresentaria sentido e significação na interpretação do historiador.
José Honório passa então a tramar uma oposição entre Capistrano de Abreu e
Francisco Adolfo de Varnhagen. O autor reconhecia com freqüência às contribuições do
Visconde de Porto Seguro à historiografia, principalmente na descoberta de fontes e na
crítica documental, contudo, o autor observava que a história não poderia se limitar à
exposição dos fatos, pois o verdadeiro trabalho do historiador estaria em realizar a
interconexão processual, ou seja, descobrir os fatos e mostrar suas relações, processo
simultâneo.479 Para José Honório, Capistrano teria sido o primeiro a realizar este
476 ABREU, Capistrano de. Três séculos depois. In.___. Capítulos de História Colonial. 6 ed. [1ª edição 1907]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p.189-213. 477 RODRIGUES, José H. op.cit. p. 34. 478 MARQUES, Ana Luiza. José Honório Rodrigues: uma sistemática teórico-metodológica a serviço da História do Brasil. Dissertação de Mestrado PUC/RJ, 2000.
284
trabalho, e se ampara em uma afirmação do próprio Capistrano sobre Varnhagen para
chegar a essa conclusão:
Como disse Capistrano de Abreu, Varnhagen soube escavar documentos, demonstrar-lhes a autenticidade, solver enigmas, desvendar mistérios, revelar uma multidão de fatos. Compreender, porém, tais fatos em suas origens, em sua ligação com outros mais amplos e radicais de que dimanam, generalizar as ações e formular-lhes a teoria, não conseguiu e nem consegui-lo-ia. Foi essa incapacidade teórica de Varnhagen que o impossibilitou de realizar, na obra mais completa da historiografia brasileira, uma bem planejada e bem arquitetada divisão de períodos.480
A teoria era considerada por José Honório o principal componente dos
discursos históricos, afinal, ela seria a responsável pela construção da narrativa.
Somente com ela poderia ser realizada a interpretação dos fatos e a organização dos
mesmos em um todo coerente. Assim, prossegue José Honório:
Não será exagero dizer que Capistrano de Abreu soube, com essas poucas páginas (Informações e fragmentos históricos do Padre José de Anchieta), elevar-se realmente a altura ainda não atingida por nenhum historiador brasileiro. É aqui, então, que ele anota a deficiência fundamental de Varnhagen, sua falta de percepção filosófica. E é aqui, ao adotar estas grandes censuras, ao caracterizá-las e ligá-las, que ele mostra o elemento propriamente filosófico da história do Brasil e demonstra sua penetrante capacidade teórica, que o distingue de qualquer pedante, de qualquer rato ou burocrata da história para elevá-lo ao nível de um verdadeiro historiador [...] Mas não é só nos fundamentos sócio-econômicos ou nos subfundamentos naturais e antropológicos que ele vai buscar a categoria histórica de um período. É também – e aí toda grandeza lógica de suas seções temporais – nos fins, nas regras da vida, nos sentimentos e ideais de cada círculo que ele busca as fronteiras de sua época.481
479 Outros trechos também são ilustrativos: “A fide ou infidedignidade das fontes é um problema de primeira instancia, mas, no final, na hora do julgamento e da avaliação, o historiador, como o juiz, para chegar à convicção tem sua liberdade de interpretação”; “Deste modo, a narrativa é objetiva e subjetivamente verdadeira, isto é, a realidade do passado é objetivamente estabelecida pelas fontes, mas subjetivamente interpretada pelo historiador”. RODRIGUES, José H. op.cit. p. 109. 480 Parte desta citação foi retirada por José Honório Rodrigues do Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen escrito por Capistrano de Abreu, em 1878, para o Jornal do Comércio. RODRIGUES, José H. op.cit. p. 133; ABREU, Capistrano de. Necrológio de Francisco Adolfo Varnhagen, Visconde de Porto Seguro. In. ___. Ensaios e Estudos: crítica e história, 1ª série. 2 ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira; INL, 1975, p. 90.
285
Proeminente na teoria e na construção da narrativa, Capistrano de Abreu
também se diferenciava dos demais no último aspecto referente ao ofício do historiador:
a pesquisa. Apesar do relevo concedido à teoria e a interpretação dos fatos, José
Honório Rodrigues acreditava na positividade do passado e na sua recuperação através
da pesquisa. Segundo José Honório, a pesquisa histórica é a descoberta cuidadosa,
exaustiva e dirigente de novos fatos históricos, a busca crítica da documentação que
prove a existência dos mesmos, permita sua incorporação ao escrito histórico ou a
revisão e interpretação nova da história.482
Consciente do papel determinante da história para o presente, José Honório
definia o Estado como o principal interessado na profissionalização da história e do
profissional historiador, pois a pesquisa histórica deveria ser entendida como um
serviço de utilidade pública. Assim, seria atribuição do Estado a coleta e o
arquivamento de documentos públicos e privados, a garantia de acesso a qualquer
cidadão dos documentos de interesse nacional, bem como o investimento em
pesquisas e na formação de um profissional especializado, o historiador, e a sua
inclusão no quadro funcional do próprio Estado. No livro A Pesquisa histórica no Brasil,
o autor apresentou o seu plano de criação do Instituto Nacional de Pesquisa Histórica,
instituição que deveria construir um novo panorama da pesquisa histórica para a
república.
O autor atribui ao governo imperial o mérito de ter incentivado a pesquisa
histórica nacional, inclusive com inúmeras missões no exterior e a fundação do IHGB,
481 RODRIGUES, José H. op.cit. p. 136. 482 RODRIGUES, José. A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. [1ª edição 1952]. São Paulo: Ed. Nacional, 1982, p.21.
286
em oposição à república que não apresentou nenhum investimento significativo.
Apresentando as várias comissões imperiais dedicadas à pesquisa de fontes, José
Honório apresenta todo um panorama favorável aos estudos históricos. Contudo, o
historiador apresenta o período republicano como o responsável pelo aumento das
pesquisas privadas, visto que, o Estado não mais oferecia recursos.483 É dentro dessa
nova ambiência que José Honório destaca a figura de Capistrano de Abreu como
pesquisador. Segundo o autor, os historiadores da república:
[...] necessitados de novas fontes ou simplesmente de peças referidas por Varnhagen, mas nunca obtidas em cópias integrais, ou ainda desconfiados das cópias extraídas por investigadores desprevenidos, viam-se obrigados a recorrer aos seus próprios amigos na Europa ou a pagar com seus próprios meios as pesquisas. Deixou de haver qualquer interesse de busca e reprodução de fontes. A historiografia brasileira, de acordo com a opinião oficial, não precisava mais de investigações no estrangeiro. O que fora feito era suficiente. Deste modo, qualquer estudioso brasileiro, verdadeiramente consciente dos problemas, dúvidas e questões que afloram no campo da investigação histórica, cuidava de realizar, pelo seu próprio esforço e as suas custas, o que fosse necessário. É o caso de Capistrano de Abreu [...].484
Capistrano de Abreu é tomado como referência por José Honório Rodrigues,
não apenas por suas capacidades intelectuais, mas também por uma postura exemplar
de pesquisador. São ressaltados o empenho com que Capistrano de Abreu realizava
suas pesquisas e o quanto estas lhe eram dispendiosas, segundo José Honório, ele
dirigia daqui pesquisas na Europa, instava por exames, inquiria amigos, consultava
arquivistas, especialmente os portugueses e espanhóis. Também foram destacados os
483 Para ver sobre a pesquisa histórica no Brasil: RODRIGUES, José H. A Evolução da pesquisa pública histórica brasileira. In. ___. A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. [1ª edição 1952]. São Paulo: Ed. Nacional, 1982, p. 37-118. 484 RODRIGUES, José H. op.cit. p. 93.
287
trabalhos de Capistrano de Abreu como anotador, tradutor e como especialista na
crítica de textos e edição de documentos históricos.
Contudo, o aspecto de maior relevância apontado por Rodrigues nas pesquisas
de Capistrano foi o seu empenho em divulgar as fontes históricas, independente destas
serem ou não utilizadas em seus trabalhos. Pois sendo a pesquisa histórica para José
Honório um serviço de utilidade pública, a guarda ou a sonegação de documentos e
informações seria um erro grave cometido pelo pesquisador. Assim, José Honório
repreende a postura de alguns historiadores como Alberto Rangel, Alberto Lamego e
Tobias Monteiro por estes divulgarem documentos apenas em seus textos e pouco
oferecendo documentos para os usos públicos, por isso, segundo José Honório, pouco
contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa, no sentido que a definimos aqui: de
conquista e reprodução de documentos para o uso dos historiadores em geral.485
Concomitante aos trabalhos que levaram José Honório Rodrigues a representar
o papel de Capistrano de Abreu na historiografia brasileira como proeminente, o autor
também se dedicou de uma forma especial à edição da obra de Capistrano, bem como
às atividades da Sociedade Capistrano de Abreu. São esses aspectos que serão
discutidos a seguir.
3.2.2
A memória como plataforma: estudos críticos, prefácios e edições
Como apresentamos no Capítulo 1, na fase inicial da SCA prevaleceu uma visão
institucional, porém coletiva, sobre Capistrano de Abreu. Existia nos textos de Paulo
Prado, Afonso de Taunay, Roquete Pinto, João Pandiá Calógeras e outros, uma
288
confluência de posicionamentos, na qual Capistrano de Abreu era lembrado como um
paradigma da historiografia brasileira, o “mestre” dos estudos históricos, geográficos e
etnográficos. Ou seja, uma unidade nos discursos, porém construída pelo coletivo.
Contudo, durante as comemorações do centenário de Capistrano de Abreu em 1953,
observamos uma mudança que levou à obliteração dos discursos do que chamamos
“sócios fundadores” e a proeminência como discurso institucional da Sociedade da
visão individual e de José Honório Rodrigues.
Os “sócios fundadores” e José Honório Rodrigues, apesar de terem como
referencial a filiação a uma mesma instituição, levados pela dinâmica da memória,
possuíam formas distintas de se relacionar com a memória de Capistrano de Abreu.
Segundo as sugestões de Hugo Lovisolo, podemos entender que os sócios fundadores
da Sociedade viam a memória histórica de Capistrano de Abreu como “âncora”.
Segundo o autor, a memória enquanto âncora possibilita que diante do turbilhão da
mudança e da modernidade, não nos desmanchemos no ar.486 Ou seja, para os sócios
fundadores da Sociedade, e isso é o que pode ser percebido em muitos textos que
estes produzem sobre Capistrano de Abreu, o que estava em jogo e o que os
mobilizava era a perspectiva de construir uma tradição que os legitimasse, enquanto
representantes e continuadores de uma escrita da história da qual Capistrano era
representado como precursor.
No caso de José Honório Rodrigues, a memória histórica de Capistrano de Abreu
pode ser percebida como “plataforma”, o que para Lovisolo, permite que nos lancemos
para o futuro com os pés solidamente plantados no passado criado, recriado ou
485 Ibid., p. 100.
289
inventado como tradição. Esta, por sua vez, toma o sentido de resistência e
transformação.487 Será esta relação de plataforma que buscaremos apresentar. Para
isso retornaremos ao ensaio inicialmente citado que José Honório escreveu sobre
Capistrano de Abreu na Revista do Brasil.
O ensaio crítico foi motivado pela publicação da 3ª série dos Ensaios e Estudos
de Capistrano, publicada, em 1938, pela Sociedade.488 O início do ensaio parece nos
revelar as perspectivas que norteariam as análises críticas do autor sobre Capistrano, e
também revela os aspectos que diferenciariam as suas análises das dos sócios
fundadores da instituição.
O que Rodrigues propõe discutir no ensaio é a formação de Capistrano de
Abreu, especificamente, “a unidade de pensamento” do autor. Porém, essa unidade de
pensamento tem para Rodrigues um significado diverso do que a Sociedade entendia
como unidade. Para Rodrigues, a unidade de Capistrano seria a forma com a qual o
historiador lidou com diversas matrizes teóricas durante a sua atividade profissional, e
mesmo assim, suas afirmações não foram contraditórias. Na perspectiva de Rodrigues,
Capistrano soube depurar as teorias da história e sociológicas que teve acesso; e o
autodidatismo do autor dos Capítulos de História Colonial não teria resultado em uma
combinação esdrúxula e desconexa de idéias.
Nesse ponto já se apresenta a principal perspectiva das análises de Rodrigues
sobre Capistrano. A produção intelectual do historiador não é mais entendida como algo
inato, fruto de sua genialidade, o que em grande medida caracterizava o que seria a
486 LOVISOLO, Hugo. A memória e a formação dos homens. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.2, n.3, 1989, p. 16. 487 LOVISOLO, Hugo. op.cit. p.16.
290
“unidade de Capistrano” para os sócios fundadores da instituição. Rodrigues passa a
inserir o autor em tradições teóricas de escrita da história. Para Rodrigues, a análise da
produção intelectual de Capistrano de Abreu não poderia ser completa se esta se
restringisse apenas aos textos produzidos pelo historiador, sua produção deveria ser
colocada em diálogo com outros textos, percebendo as heranças e contribuições que
estes trabalhos trouxeram a Capistrano. José Honório apresenta a possibilidade de
observar Capistrano de Abreu através da sua formação intelectual.
Para os sócios fundadores da Sociedade, a genialidade de Capistrano de Abreu
era um dos aspectos fundamentais nas construções póstumas do autor, principalmente,
porque para eles a genialidade do “mestre” representaria a genialidade dos “discípulos”
e continuadores de sua obra. Com esta afirmação não estamos afirmando que José
Honório Rodrigues se desprendeu da categoria de gênio para caracterizar Capistrano
de Abreu, mas que essa genialidade passou a ser entendida como um processo de
formação intelectual. Para Rodrigues:
Não vacila o pensamento de Capistrano de Abreu quando discute qualquer idéia; ele segue sempre a mesma disciplina intelectual, a mesma doutrina que o seu espírito curioso e indagador aceitou como a mais verdadeira. Essa a razão da profunda admiração que lhe tributamos. Homenagem grata merece o nosso maior historiador, porque nunca se limitou a vasculhar tão somente documentos ou manuscritos; ele arejou todas as disputas históricas com um pouco de sua fina intuição psicológica, da crítica sociológica de sua época, e das correntes etnológicas que disputavam o pensamento do período de sua vida.489
José Honório, assim como os sócios fundadores, também entende e constrói a
imagem de Capistrano como a do “maior historiador brasileiro”. Contudo, Capistrano
seria o maior para Rodrigues não pela sua genialidade inata, mas sim pelas leituras que
488 RODRIGUES, José Honório. Capistrano de Abreu. Revista do Brasil, a.2, n.9, fase 3, mar. p.56-63, 1939.
291
fez, pela sua formação, e principalmente, por aliar a teoria à história – teoria sugerida
pela leitura de outros autores.
Pensando na produção historiográfica brasileira neste período, podemos
demarcar que a instauração dos cursos universitários promoveu uma mudança na
própria abordagem histórica e nos objetos de pesquisa. Cada vez mais, o discurso
histórico passou a ser objeto da disciplina história em um exercício de auto-reflexão, e
José Honório Rodrigues é lembrado constantemente como um dos autores referenciais
nesta seara dos estudos de historiografia. Caberia ao crítico historiográfico depurar os
procedimentos de escrita da história (métodos, fontes, objetos e discussão
bibliográfica).
O que se pode averiguar é o antagonismo de olhares entre aquele que se
representa como um crítico com o deliberado desejo de analisar o autor em questão, e
aqueles que ao abordarem a obra do “mestre” – denominação que já prevê uma
hierarquia – agiam com parcimônia nas observações realizadas. Afinal, para os “sócios
fundadores”, questionar os procedimentos de Capistrano de Abreu enquanto historiador
significava por em xeque os seus lugares sociais privilegiados no espaço letrado.
Nesse ponto apresenta-se uma segunda característica das considerações de
Rodrigues sobre a produção de Capistrano. Rodrigues não escrevia para reafirmar as
posições de Capistrano, mas sim para dialogar com estas e muitas vezes realizar
reparos. É o que se pôde observar nos comentários de Rodrigues sobre o artigo
História Pátria, presente na 3ª série dos Ensaios e Estudos.490 O autor chama atenção
ao uso que Capistrano de Abreu fez da psicologia, da sua proposta de compreender por
489 RODRIGUES, José H. op.cit. p. 57.
292
um viés psicológico os fatos históricos. Rodrigues cita o caso da consciência de
inferioridade da população brasileira no período colonial em relação à metrópole, que,
para Capistrano, seria ausente na população pernambucana, sendo este o fator causal
das freqüentes insurreições e revoltas nesta capitania durante o século XVIII e XIX.
Rodrigues traz inúmeros autores, que, segundo ele, emitem considerações
débeis e facilmente destrutíveis sobre esse caráter particular do povo pernambucano. E
apesar de não inserir Capistrano dentre estes autores, considera que a atribuição feita
por este a ausência da consciência de inferioridade dos pernambucanos como fator
causal é algo que deve ser questionado. Rodrigues segue o texto desconstruindo as
interpretações dos autores, tendo como principal suporte a efervescente antropologia
cultural do início do século XX. Contudo, ao analisar Capistrano de Abreu, Rodrigues
também desconstrói a sua perspectiva, todavia, respeita o seu lugar de maior
historiador brasileiro.
Assim, percebemos que a relação estabelecida por Rodrigues com Capistrano
será a de continuidade, mas no sentido evolutivo, de aperfeiçoamento. O analista passa
a então a expor todo o corpus de leitura que o faz capaz de dialogar com então
“mestre”, e de muitas vezes chegar a uma conclusão diversa. A seguinte afirmação de
Rodrigues nos parece reveladora dessa nova relação tramada:
Para nós, a rebeldia pernambucana, se quisermos lobrigá-la tão longe, estaria na necessidade de bem estar material que experimentá-la o povo na época holandesa. Ainda nesse ponto concordariam conosco os antropólogos sociais se mostrássemos que o contato cultural de ordem material (ergológico, diria Montandon) imprimira este padrão mais alto de vida que sonegado pelas más administrações portuguesas provocará a luta com essa finalidade. Naturalmente mascarada com a feição ideológica que embeleza as revoluções econômicas. O fato, no entanto, é que Capistrano nos fornece uma interpretação bem interessante e
490 ABREU, Capistrano. História Pátria. In. ___. Ensaios e Estudos: crítica e história. 3ª Série. 2 ed. [1ª edição 1938] Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p.103-124.
293
fortalecida por intuição psicológica verdadeiramente penetrante [...] É essa, sem dúvida, uma outra explicação interessante e merecedora de reflexão.491
O texto de Capistrano aparece como necessário, porém não aparece como
limitador, e sim instigador de questionamentos. Ele não deve ser tomado como modelo,
mas sim como uma matriz iniciadora de novos problemas. Esse aspecto pode ser
novamente observado no trecho no qual Rodrigues discute a seguinte afirmação de
Capistrano: o que houver de diverso entre o brasileiro e o europeu atribuo em máxima
parte ao elemento clima e ao indígena. Sem negar a ação do elemento africano, penso
que ela é menor que a dos dois fatores, tomados isoladamente ou em conjunção.492
Rodrigues, então, mais uma vez se nutre de leituras contemporâneas para rebater as
afirmações de Capistrano. Dessa vez, Gilberto Freyre aparece como seu principal
interlocutor, e Casa Grande & Senzala como o estudo que desconstruiria a
interpretação de Capistrano. Rodrigues fez a seguinte afirmação: Na formação da família, na economia, enfim seria ocioso lembrar aqui todo o montante de influência que a cultura índia e negra trouxeram à civilização brasileira. Mesmo porque esta tem sido a finalidade de alguns trabalhos que ultimamente vem aparecendo. Em Casa Grande & Senzala pode-se ter uma síntese e mesmo uma análise das influências negras e índias. Não pode haver dúvida de que Capistrano errava quando dizia referindo-se aos tupinambás: “Assim representavam o termo de evolução a que os portugueses e africanos tendiam a cada progresso que fazia a aclimação das raças vindicas, era um passo que os aproximava dos caboclos”. Seria um absurdo que os dominadores portugueses, de cultura superior, acomodassem, à cultura inferior indígena. Os portugueses é que iam impondo aos indígenas e aos africanos os métodos de vida, social e de família às culturas inferiores, procurando, é certo se adaptar as condições especiais de ambiente e clima. Essas eram as únicas concessões que seria possível fazer. 493
Esse foi o recurso utilizado por Rodrigues em todo o ensaio, afirmava as
posições de Capistrano, e a partir de uma bibliografia que lhe era contemporânea
realizava novas conclusões, mas sempre reservando o lugar privilegiado de Capistrano
na historiografia brasileira. Esse recurso não se limitou apenas a este artigo. Diante do
491 RODRIGUES, José Honório. op.cit. p. 58. 492 ABREU, Capistrano de. Apud. RODRIGUES, José Honório. op.cit. p. 62.
294
exposto no tópico anterior e das considerações até então apresentadas, acreditamos
que os investimentos realizados por José Honório na construção de um lugar
paradigmático na historiografia brasileira para Capistrano de Abreu correspondiam
também a um intenso investimento do autor na construção de uma memória de si. Pois,
os cortes temporais realizados pelo autor entre antes e depois de Capistrano de Abreu,
acarretaram a existência de precursores, aí se destacando Francisco Adolfo de
Varnhagen, com sua História Geral do Brasil, e sucessores, dentre estes, o próprio José
Honório Rodrigues. Assim, compartilhamos da afirmação de Ana Luiza Marques, sua
ambição (José Honório Rodrigues) era contribuir para os estudos históricos da história
do Brasil e compartilhar, com nomes da envergadura de Varnhagen e Capistrano, o
mérito de tê-la influenciado decisivamente.494
Essa intencionalidade de se estabelecer no campo letrado como um sucessor,
aprimorando a produção historiográfica de Capistrano de Abreu, aparece de uma forma
mais evidente durante as comemorações do centenário de nascimento do historiador,
em 1953. José Honório Rodrigues publicou a correspondência do autor e realizou as
anotações do principal livro de Capistrano de Abreu, os Capítulos de história
Colonial.495 Daí por diante os livros de Capistrano de Abreu passaram a ser
introduzidos por Rodrigues, e os prefácios e notas introdutórias passaram a ser
espaços privilegiados para que o autor, utilizando um discurso que aparentemente se
493 RODRIGUES, José Honório. op.cit. p. 63. 494 MARQUES, Ana Luiza. op.cit.p. 5. 495 RODRIGUES, José Honório. Explicação. Notas a 4ª edição. In. ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial. 4 ed. 1ª edição 1907: 2ª edição 1928: 3ª edição 1934. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu/Briguiet & Cia, 1954. p. 5-40.
295
mostrava isento e imparcial, pudesse também construir o seu lugar social através dos
ritos memorialísticos de Capistrano de Abreu.
Uma observação relevante cabe ser feita: as edições realizadas pelos “sócios
fundadores” não saiam acompanhadas de prefácios. O objetivo era manter a
integridade da obra. Os acréscimos realizados às edições eram expostos ao seu final,
onde se apresentavam os membros da atual Comissão Executiva da Sociedade, a
relação dos sócios que compunham o quadro social da instituição, os estatutos e uma
seção reservada às homenagens póstumas aos sócios falecidos nos anos sociais entre
os intervalos das publicações.
O que se pode concluir observando estas publicações era a existência de uma
hierarquia simbólica entre dos “sócios fundadores” da Sociedade para com Capistrano
de Abreu, que não permitia que estes emitissem diagnósticos “críticos” a respeito da
obra. Para eles, o que parecia mais apropriado seria lembrar as qualidades intelectuais
e íntimas do autor. Contudo, diante de uma publicação de luxo, com papel especial,
fotografia de Capistrano de Abreu e organizada por uma Sociedade com seu nome,
seria redundante a realização de mais elogios.
Já os prefácios e notas de José Honório Rodrigues possuíam um duplo objetivo
na intenção de construir a sua própria memória. O primeiro aspecto era a necessidade
de legitimar sua posição como representante do “culto” institucional a Capistrano de
Abreu, como um guardião da sua memória, aspecto recorrente mesmo nos prefácios
posteriores ao fim da Sociedade, em 1969. Quanto a este aspecto, são representativos
o prefácio à edição do livro Capítulos de História Colonial, em 1954, e a nota liminar à
2ª edição do volume 2 dos Ensaios e Estudos, em 1975.
296
Ao comentar sobre o trabalho de edição dos Capítulos, José Honório Rodrigues
aponta erros ocorridos nas edições anteriores da obra, afirmando que a edição
organizada por ele é rigorosamente fiel à 1ª edição, a única publicada em vida do autor
e revista por ele e seu amigo Manuel Said Ali Ida, falecido este ano.496 Assim, José
Honório demonstra o apuro com que teria realizado o trabalho, gerando uma oposição
em relação às edições realizada pelos “sócios fundadores”. A imagem que o autor tenta
transmitir é a de que a edição revista por ele estaria mais próxima ao texto original de
Capistrano de Abreu. Na seqüência do texto, José Honório é objetivo ao afirmar que:
A 2ª (edição) em 1928 e a 3ª (edição) em 1934 não foram revisadas pelo autor, falecido em 1927, e como esta ocorreram sob os auspícios da Sociedade Capistrano de Abreu. Infelizmente, acumularam-se enganos e omissões de origem tipográfica e pequenas modificações introduzidas pelos revisores das edições de 1928 e 1934, como se poderá observar nas notas que seguem no texto. De modo geral pode-se dizer que esta 4ª edição obedece a uma única norma: a fidelidade rigorosa ao texto da 1ª [...]. 497
De fato, as notas realizadas pelo autor buscaram a precisão na correção das
informações com base na primeira edição, reparando cada informação através de
comparações dos textos nas três edições, 1907, 1928 e 1934. São exemplos: na 3ª
edição (pág. 10 omitiu-se o trecho “o cabo de Orange, limite com a Guiana Francesa”;
Na 2ª edição (pág. 20) e na 3ª (pág.12) foi retirada a expressão “depois de finado”, 1ª
edição pág. 11.498 Outras críticas foram direcionadas à gestão anterior da Sociedade,
496 RODRIGUES, José Honório. Explicação. Notas à 4ª edição. op. cit.p. 5. 497 Ibid., p.5. 498 ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial. 4 ed. 1ª edição 1907: 2ª edição 1928: 3ª edição 1934. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu; Briguiet & Cia, 1954. p.220.
297
como o autor apontou na nota liminar anteriormente citada, na qual ele deixa explícito o
declínio que tomava a instituição quando da sua entrada no quadro social. 499
O segundo objetivo era a construção de uma memória para Capistrano de Abreu
dentro das novas exigências do discurso da crítica historiográfica, e a sua própria
representação como um historiador pioneiro nesta área, colocando-se como precursor
dos estudos de historiografia brasileira. Para ilustrar este aspecto dois textos aparecem
como significativos, as anotações ao livro Capítulos de História Colonial, e a introdução
realizada para a edição da correspondência de Capistrano de Abreu, cujo principal texto
foi Capistrano de Abreu e a historiografia Brasileira.
Nas anotações, José Honório Rodrigues questiona o fato de Capistrano de Abreu
ter negligenciado a anotação de seu principal livro, visto que, o autor é comumente
lembrado pelas anotações à História Geral do Brasil de Varnhagen.500 De fato, o
questionamento a respeito da falta de notas é plausível, principalmente porque a
apresentação de referências bibliográficas e documentais era percebida no século XIX
como uma das principais ferramentas do ofício do historiador moderno. A crítica das
fontes era o componente mais relevante desta prática, e as notas de rodapé eram o
lugar reservado para a exposição do aparato crítico do historiador, procedimento que
buscava garantir a legitimidade científica da narrativa. 501 Assim afirma Rodrigues,
499 RODRIGUES, José Honório. Nota Liminar. In. ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos. 2ª Série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1975, p. X. 500 Sobre as anotações de Capistrano a História Geral do Brasil de Varnhagen, OLIVEIRA, Maria da Glória. Crítica, método e escrita da história em João Capistrano de Abreu (1853-1927). Porto Alegre, Dissertação em História/UFRGS, 2006. 501 Ver, ARAÚJO, Ricardo Benzaquen. História e narrativa. In. MATTOS, Ilmar (org.). Ler e Escrever para Contar: documentação, historiografia e formação do historiador. Rio de Janeiro: Access, 1998. p. 221-258; GRAFTON, Anthony. As origens trágicas da erudição. Pequeno tratado sobre a nota de rodapé. Campinas: Papirus, 1998.
298
Os textos citados sem indicação de procedência, num autor como Capistrano de Abreu, que no mesmo ano da 1ª edição destes Capítulos (1907) publicava uma edição anotada do 1º volume da História Geral do Brasil de Varnhagen, atualizando-a e revelando a origem das informações, mostram que só razões muito fortes o teriam levado a não fazer a indicação de fontes neste livro. Ele não tinha dúvida sobre a necessidade imprescindível de obedecer a esta regra metodológica.502
No segmento do texto, Rodrigues emite sua opinião sobre a ausência das notas:
A pressa na encomenda, a rapidez com que teve de elaborar em um ano estes Capítulos e especialmente o limite de 120 páginas imposto pelo editor – e Capistrano escreveu 300 – o impediram de cumprir uma obrigação a que se sentia consciente e moralmente ligado. Só isto explica a falta das citações e só isto justifica as notas agora apostas no fim, para mostrar as fontes utilizadas.503
José Honório enfatiza as contingências não favoráveis em que foi editado o livro,
apresentado-se como aquele que irá reparar a falta de cunho metodológico cometida
por Capistrano, ressaltando que esta falta não teria sido empreendida pelo historiador
por ignorância metodológica, mas por motivos alheios ao mundo dos historiadores. Nos
trechos anteriores, fica evidente a necessidade de uma justificativa teórico-
metodológica que abonasse o trabalho até então evitado pela Sociedade de anotar os
Capítulos. Então, José Honório Rodrigues recorre a uma citação de Capistrano de
Abreu para evocar o historiador prussiano Leopold von Ranke e apresentar a narrativa
historiográfica como necessariamente tributária da crítica histórica desenvolvida por
este no século XIX, amparando suas anotações nesta tradição de escrita.504
502 RODRIGUES, José Honório. Explicação. Notas a 4ª edição. In. ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial. 4 ed. 1ª edição 1907: 2ª edição 1928: 3ª edição 1934. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu; Briguiet & Cia, 1954. p. 6. 503 RODRIGUES, José Honório. Explicação. Notas à 4ª edição. op. cit.p. 7. 504 O trecho transcrito por Rodrigues pertence a uma carta enviada por Capistrano de Abreu ao Barão de Studart em 20 de abril de 1904, cito: “Por que motivo, portanto, te insurges contra uma obrigação a que se sujeitam todos os historiadores, principalmente desde que com os estudos arquivais, com a criação da crítica histórica, com a crítica de fontes criada por Leopold Von Ranke, foi renovada a fisionomia da história?” ABREU, Capistrano de. apud. RODRIGUES, José Honório. Explicação. Notas à 4ª edição. p.6.
299
As notas foram inseridas no fim do livro e são de três tipos: notas de correção da
edição, anteriormente caracterizadas; notas de referência, ou seja, notas que
buscariam recompor a autoria e localização de trechos de documentos, autores e obras
citadas no livro; e por fim, as notas de correção de Capistrano de Abreu.
As notas de correção do próprio historiador são a expressão de maior ousadia de
José Honório Rodrigues, pois tinham o fim deliberado de realizar reparos no texto de
Capistrano e corrigir informações equivocadas. A edição dos Capítulos com estas notas
são significativas para o entendimento das mudanças ocorridas quanto à representação
e recepção de Capistrano de Abreu no campo historiográfico. A quebra da “aura” do
texto de Capistrano demonstra que o campo historiográfico na década de 50 se
organizava em torno de outras questões, outras referências teóricas e outras formas de
disposição. Para José Honório Rodrigues, assim como para a crítica dos anos 50, a
produção de Capistrano não era mais observada como canônica e portadora de uma
sacralidade que inibia até a introdução de prefácios, mas sim, como um texto que
poderia ser anotado e criticado. Os Capítulos de História Colonial passaram de modelo
e referência a objeto da crítica historiográfica.
A edição dos Capítulos com as notas de José Honório também é relevante para
se perceber as mudanças na própria Sociedade. Pois, apesar de se apresentar como
díspar das edições até então realizadas pela instituição, também foi financiada por esta.
Fato que demonstra a preponderância de José Honório na Sociedade e a perda de
espaço pelos ainda remanescentes “sócios fundadores”.
A abertura à crítica propiciada pelos trabalhos de José Honório se reforça na
medida em que ele propõe chaves de leitura para a obra de Capistrano de Abreu. Esse
300
aspecto pode ser observado no mesmo prefácio aos Capítulos no tópico “A significação
dos Capítulos” e na introdução à publicação da correspondência do autor. Capistrano
de Abreu passa a receber nestes textos categorias como positivista, metódico,
evolucionista, cientificista e historicista, buscando reconstruir as mudanças na sua
prática historiográfica. 505
O que podemos concluir é que através das anotações e prefácios à obra de
Capistrano de Abreu, José Honório Rodrigues funda o seu lugar social na historiografia
brasileira como um crítico, e transforma muitos de seus textos em verdadeiras notas de
rodapé às citações de Capistrano. Constitui-se como uma voz autorizada a criar
conceituações e definições sobre Capistrano de Abreu que marcariam os lugares de
Capistrano e do próprio José Honório Rodrigues na memória disciplinar da historiografia
brasileira.
As representações de José Honório Rodrigues sobre a obra de Capistrano de
Abreu também mereceram destaque, porque nelas encontramos muitas das definições
e análises que posteriormente foram realizadas sobre o autor dos Capítulos de História
Colonial. Capistrano de Abreu positivista, metódico e principalmente, nacionalista. Há
uma persistência e reafirmação dessas categorias.506
505 RODRIGUES, José Honório. Capistrano de Abreu e a historiografia brasileira. In. ABREU, João Capistrano de. Correspondência de Capistrano de Abreu, volume I. 2 ed. 1 edição: 1954. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, p. XXXVII-LVI. 506 FALCON, Francisco. O Brasil de Capistrano de Abreu: características de sua produção historiográfica. Trajetos. Rio de Janeiro, v.3, n.5, p. 65-78, 2004; ___. As idéias e as noções de ‘Moderno’ e ‘Nação’ nos textos de Capistrano de Abreu. Os Ensaios e Estudos, 4ª série – comentários. Acervo. Rio de Janeiro, v.12, n.1/2, jan. /dez., p. 5-26, 1999; NOVAIS, Fernando A. Capistrano de Abreu na historiografia brasileira. In. ___. Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p.313-316; REIS, José Carlos. Anos de 1900: Capistrano de Abreu. O surgimento de um povo: o brasileiro. In. ___. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 5.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p.85-114; VAINFAS, Ronaldo. Capistrano de Abreu: Capítulos de História Colonial. In. MOTA, Lourenço D. Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. São Paulo: SENAC, p.171-191, 1999; WEHLING, Arno. A invenção da história: estudos sobre o historicismo. Rio de Janeiro: Editora da UFF / Gama Filho, 1994;
301
3.3
Os últimos anos do culto institucional a Capistrano de Abreu
Finalizada a comemoração do Centenário de Capistrano de Abreu era hora de
recomeçar as atividades da instituição. As reuniões para a organização das
comemorações já serviram para que algumas mudanças ocorressem, por exemplo, a
entrada de novos sócios.507 Observando a lista de admissão, podemos perceber dois
aspectos: o primeiro é o aumento de sócios cearenses nos quadros da instituição, visto
que, a maioria dos sócios era fluminense, e mesmo entre os sócios correspondentes, o
número de conterrâneos de Capistrano de Abreu era pequeno. O segundo fator foi a
introdução de políticos no quadro da instituição. Sócios ligados à esfera política sempre
foram presentes na Sociedade, mesmo porque a distinção entre políticos e intelectuais
era muito tênue no Brasil até as primeiras décadas do século XX, e era comum que um
indivíduo possuísse cargos públicos e atuasse no universo letrado. Casos exemplares
são os dos Ministros de Estado João Pandiá Calógeras e Francisco Sá. Contudo, a
inserção dos novos sócios era distinta, pois eles não atuavam no campo letrado. Assim,
o que podemos concluir é que a introdução destes representantes do poder político,
como o Deputado Adahil Barreto, que criou a lei para o Centenário de Capistrano de
_____. Capistrano de Abreu e Silvio Romero: um paralelo cientificista. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 152, n. 370, p. 265-274, jan/ mar. 1991. 507 Foram eleitos sócios correspondentes: Pedro Gomes de Matos (CE), Dolor Barreira (CE), Amoroso Quintas (PE), João Calazans Brandão da Silva (BA), Dante de Laytano (RS), Tomaz Pompeu Sobrinho (CE), Raimundo Girão (CE); para sócios efetivos foram eleitos: Adahil Barreto (Câmara dos Deputados), Daniel de Carvalho (Câmara dos Deputados), Abner de Vasconcelos, Augusto Meyer (Instituto Nacional do Livro), Oliveira Dias, Aluízio de Carvalho Filho (Senado Federal), Raimundo Austregésilo de Athayde, Edmundo de Macedo Soares e Silva e Amnérides de Abreu (nora de Capistrano de Abreu).
302
Abreu, poderia facilitar a aquisição de subvenções do governo federal para a
manutenção da instituição.
A Sociedade realizou o movimento contrário ao da autonomização dos campos,
permanecendo como uma instância de consagração ligada ao campo político. Enquanto
esse processo normalmente se articula com o afastamento das instâncias acadêmicas,
profissionais ou artísticas da esfera do Estado, a sociedade buscou no poder público a
possibilidade de manter a sua existência. A partir de 1954, as solicitações por parte da
SCA de recursos do Estado são freqüentes. A instituição que até então tinha se
mantido independente financeiramente destas subvenções, cada vez mais se mostrava
dependente. Exemplo dessa articulação foi a proposta a emenda do orçamento de 1955
pelo deputado Moreira da Rocha à Câmara dos Deputados para que fosse destinada
uma ajuda financeira no valor de 100.000 cruzeiros para encadernar o acervo
bibliográfico da Sociedade.508
Entre 1954 e 1969, a Sociedade conseguiu se manter, porém com dificuldades.
José Honório Rodrigues e Marcos Carneiro de Mendonça revezaram-se na presidência
da instituição nesse período. Os dois constituíram uma importante parceria para superar
as dificuldades. Assim, Marcos Carneiro de Mendonça confessava a José Honório
Rodrigues as suas dúvidas quanto ao futuro da instituição, renunciando a presidência
da instituição:
Aqui estou para prestar constas de uma incumbência sobre a Sociedade Capistrano de Abreu. Infelizmente não são boas. Sinto que o seu mal é quase de morte e o pior é que o centenário do seu glorioso patrono se aproxima. Para ela entrei pela mão do nosso mestre Rodolfo Garcia, com quem tanto aprendemos. A vida é assim mesmo e nada é capaz de corrigir esta tendência de diminuir na memória do povo, a figura de Capistrano de Abreu, mas ela há de ser mantida pela chama sagrada de
508 Justificativa a emenda do orçamento apresentada pelo deputado Moreira da Rocha à Câmara dos Deputados, 18 jun. 1954. Fundo SCA, Subfundo Documentação Administrativa, Pac. 2, Doc. 28.
303
seus amigos que com o calor do seu centenário a alimentarão. Que chamassem Pandiá Calógeras, Jackes de Figueiredo, de Euclídes da Cunha a Capistrano de Abreu, a tendência verificada é a mesma. Você verá com a morte de Brício F°, o destino que terá as romarias anuais ao túmulo de Floriano. Consideramos que a obra de Capistrano de Abreu deverá lhe manter com o maior vigor [...] mais reconheçamos também que a nobre devoção de Eugênio de Castro e Rodolfo Garcia à Sociedade e a memória do seu grande patrono, não deu para conceder-me a graça de me transformar em seu continuador, ou melhor, em um bom coordenador de instinto brilhante com que a Sociedade pedia contas.509
O pedido de renuncia de Marcos Carneiro de Mendonça não foi aceito pelos
sócios da Sociedade e ele continuou compartilhando com José Honório a sua
administração, mesmo sem se considerar um discípulo no “sentido preciso do termo”.
Porém, a carta possui uma significação que ultrapassa a própria sociedade e apresenta
as mudanças que ocorreram no campo letrado na segunda metade do século XX.
Todos os “heróis nacionais” da república e as práticas operadas para preservar suas
memórias, como romarias, elogios, cultos institucionais, entraram em desuso no campo
intelectual, se tornando dessa forma incipientes, pois os principais consumidores
desses produtos simbólicos, sejam os admiradores de Floriano Peixoto, Capistrano de
Abreu ou Euclídes da Cunha, não mais possuíam a predominância, seja no espaço
político ou intelectual, para oferecer o mesmo sucesso aos ritos de memória que
colocavam em prática. Outro aspecto que tornava estas práticas ineficazes foi a
mudança na “economia da admiração” operada entre os membros da intelectualidade
nacional.
A figura de José Honório Rodrigues aparece como significativa porque ele
tentou manter o equilíbrio entre os ritos de memória tradicionais e as novas exigências
509 Carta enviada por Marcos Carneiro de Mendonça a José Honório Rodrigues. 20 jun. 1952. Correspondência passiva da Sociedade Capistrano de Abreu. Subfundo Sociedade Capistrano de Abreu.
304
do campo intelectual. Observando a correspondência da instituição neste período
podemos observar que o autor deu continuidade às práticas de intercâmbio e troca de
publicações com outras instituições. A própria correspondência privada de José Honório
era utilizada para dar dinâmica à instituição. O historiador enviava livros, divulgava as
atividades da Sociedade em congressos internacionais, e indicava seus amigos
pessoais atuantes no campo letrado a sócios da Sociedade. José Honório transformou
a sua correspondência em um lugar para discutir com seus interlocutores o seu
investimento na construção da obra capistraneana. Em carta ao padre Serafim Leite
afirmou: Ando as voltas com o centenário de Capistrano, devendo sair a sua
correspondência em 2 vols. e a 4ª edição dos Capítulos, restituídos à forma da primeira
edição e com umas poucas notas do seu amigo.510 Na missiva enviada a Carlos
Fouquet, diretor do Instituto Hans Standen, José Honório Também comentava sobre as
edições da sociedade:
Deve ser publicada esta semana, pela Casa Briguiet, a nova edição, por mim preparada, dos Capítulos de História Colonial de Capistrano de Abreu. Esta última edição cujo texto foi restituído ao de 1907, com notas, prefácio e índice, será de caráter comercial, tornando-se impossível prometer-te enviar um exemplar para o Instituto.511
No período posterior à comemoração do centenário José Honório acabou se
tornando o depositário do capital social conferido aos seguidores de Capistrano de
Abreu. O autor passou a ser pessoalmente consultado sobre a publicação de separatas
e artigos de Capistrano de Abreu. São exemplos o pedido realizado pelo professor da
pac. 4. doc. 157. 510 Carta enviada por José Honório Rodrigues a Serafim Leite. 06 ago. 1953. RODRIGUES, José H. Correspondência de José Honório Rodrigues. Rio de Janeiro: ABL, 2000, p. 206. 511 Carta enviada por José Honório Rodrigues a Carlos Fouquet em 15 out. 1954. RODRIGUES, José H. Nova correspondência de José Honório Rodrigues. Rio de Janeiro: ABL, 2004, p. 20.
305
Universidade de São Paulo (USP), Egon Schaden para incluir textos de Capistrano de
Abreu no caderno “Leituras de etnologia brasileira” para ser usado pelos alunos do
curso de Ciências Sociais512 e a solicitação da Livraria Progresso para editar o livro
Diálogos das grandezas do Brasil mantendo o prefácio de Capistrano de Abreu.513 José
Honório também passou a dirigir as edições da Sociedade. Além do projeto de anotar
os Capítulos de História Colonial, o autor possuía o desejo de publicar pela Sociedade
o 4º volume dos Ensaios e Estudos, organizado por ele. Pelo livro de atas, podemos
acompanhar as discussões referentes à publicação. Estas eram motivadas porque a
maioria dos artigos compilados por José Honório não estavam assinados por
Capistrano, sendo necessário identificá-los, como afirmou o autor, pela natureza dos
assuntos e maneira de tratá-los, o estilo, o próprio vocabulário, expressões
empregadas, indicações circunstanciais diversas.514 A busca desses “indícios de
autoria” e o reconhecimento por parte dos outros sócios da instituição da autoria de
Capistrano de Abreu parece não ter sido consenso, sendo necessário o parecer de uma
comissão que averiguasse a autoria dos mesmos.515 Talvez por isso o projeto de
publicação da 4ª série tenha sido abandonada, somente sendo concretizada após o fim
da instituição.
512 Carta enviada por Egon Schaden a José Honório Rodrigues em 31 mar. 1955. Fundo SCA, Subfundo Correspondência, pac. 4, doc.188. 513 Carta enviada pela Livraria Progresso a José Honório Rodrigues em 28 ago 1954. Fundo SCA, Subfundo Correspondência, pac. 4, doc.169. 514 RODRIGUES, José H. Prefácio. In. ___. ABREU, Capistrano de Abreu. Ensaios e Estudos: crítica e história, 4ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; INL, 1976, p.XII. 515 A permissão para publicar os artigos foi dada pela sociedade em 1958, após parecer favorável sócio Edgardo de Castro Rebello. Ata 35ª Assembléia Geral da SCA, 23 out. 1958. Livro de atas n.1, p. 53.
306
No período de 1954 a 1969, as atividades da Sociedade tiveram como
objetivo geral a contornar a precária situação financeira da instituição. A entrada de
novos sócios com o objetivo de arrecadar fundos com as mensalidades se tornou uma
prática recorrente. Era necessário trazer para Sociedade indivíduos que
demonstrassem interesse pela instituição. Na sessão ordinária de 23 de outubro de
1954, 24 novos sócios foram incorporados aos quadros sociais da instituição. Uma
observação cabe ser realizada sobre o perfil dos novos integrantes, a crescente
admissão de docentes das universidades brasileiras e de brasilianistas, pesquisadores
estrangeiros dedicados à história do Brasil.516 Na reunião ordinária do ano de 1960,
novos docentes também foram incorporados à Sociedade.517
A escolha desses novos sócios, ligados a um universo mais “acadêmico”,
estava relacionada ao novo perfil que José Honório Rodrigues tentou construir para
SCA, transformando-a de uma instituição-memória para uma instituição de pesquisa, na
qual a existência de um núcleo de pesquisas sobre história do Brasil e de uma revista
para a divulgação de suas atividades eram as principais demandas.518 A perspectiva
516 Foram eleitos: Manuel Lopes de Almeida, Vitorino Nemésio, Virginia Rau, Damião Peres, Hernani Cidade, Eugênio Pereira Salas, Silvio Zavala, Engel Sluiter, Guilherme Auler, Joaquim de Carvalho, Eduardo d’Oliveira França, E. Simões de Paula, Charles R. Boxer, Astrogildo Rodrigues de Melo, Vicente Tapajós, Antônio Gonçalves de Melo, Lewis Hanke, Lourenço Luís Lacombe, Mafalda Zemella, Torquato de Sousa Soares, Carlos Ribeiro, Gil Metódio Maranhão, Manuel Diegues Junior, Miguel Costa Filho, Otávio Tarquínio de Sousa, Rubem Rosa. 517 Foram eleitos: Antonio Martins Filho (Reitor da Universidade do Ceará), José Aurélio Câmara (Professor do Colégio Militar de Fortaleza e sócio do Instituto do Ceará), Francisco Martins (Professor da Universidade do Ceará), Yedda Linhares (Professora da Universidade do Brasil), Francisco de Assis Barbosa e Artur César F. Reis (Professores da Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro), Antônio Leôncio Ferraz, Celso Ferreira da Cunha, Antonio Moraes (Diplomata), Darcy Ribeiro e Odilo Costa Filho. 518 Nesse período ocorreu uma intensificação nos planos da Sociedade em editar uma revista. Até aquele momento a elaboração de um periódico não havia feito parte dos planos da instituição, que priorizou a publicação da obra de Capistrano de Abreu e a publicação dos prêmios de história. A preparação da revista foi discutida de 1956 a 1961, sendo esta não concretizada. As discussões foram motivadas pelas ofertas do sócio Carlos Ribeiro e do Instituto Nacional do Livro para editar a revista, esta última
307
era eliminar a imagem da Sociedade como uma instituição dedicada a cultuar um
indivíduo, enfim, retirar as percepções de “viúvas de Capistrano” que marcavam os
sócios do grêmio, para ter Capistrano de Abreu apenas como patrono, homenageado
pelo nome da instituição. Foi esse o trabalho almejado por Rodrigues nos anos
posteriores ao centenário.
O que podemos observar nas atividades da instituição é o desaparecimento de
todos os rituais de recordação de Capistrano de Abreu, bem como dos sócios
fundadores do grêmio. Missas, cortejos, fotografias, coleção de objetos, placas
comemorativas, tudo perderia a importância, o que prevaleceria de Capistrano de Abreu
seria a sua biblioteca, a produção historiográfica do autor e sua correspondência,
subsídios que pudessem fomentar pesquisas sobre o mesmo, mas não o seu culto.
A alteração da função social da Sociedade chegou inclusive a atingir a data das
reuniões e o seu cerimonial. O dia 23 de outubro reservado à lembrança de Capistrano
de Abreu perdeu a sua importância, os sócios se reuniam seguindo as demandas
administrativas da própria instituição, não havendo problemas em reunir-se no dia 23 de
outubro ou no dia 25, ou mesmo em qualquer outra data mais conveniente para os
sócios. As reuniões, que sempre contavam com um tempo dedicado a memorar a
figura de Capistrano de Abreu, nas quais, geralmente, um sócio que o conheceu
contava algum evento da vida do historiador o qual tenha compartilhado, não mais
ocorriam. Tanto que na reunião de 23 de outubro de 1957, o presidente da Sociedade,
provavelmente fruto de negociações de José Honório Rodrigues, que matinha uma relação próxima com a instituição como ex-funcionário. José Honório Rodrigues e Américo Jacobina Lacombe viam na realização desta edição uma forma de propiciar novo ânimo à instituição, talvez, compreendessem o papel que as revistas possuem no campo letrado como constituintes de laços de sociabilidade e de um lugar social. Para ver sobre as revistas e o campo intelectual: PLUET-DESAPATIN, Jacqueline. Une contribuition a l’histoire des intellectuels: les revues. Les Cahiers de l’IHTP. N.20, p.125-136, 1992. Para
308
Marcos Carneiro de Mendonça, ofereceu a palavra aos sócios que quisessem se
manifestar sobre qualquer assunto de interesse da Sociedade, visto que, as questões
administrativas já haviam sido discutidas. Então, o sócio Francisco Jaguaribe Gomes de
Mattos solicitou que um tempo fosse tomado da reunião para que todos relembrassem
Capistrano de Abreu, convidando o sócio Jayme Coelho para narrar eventos da vida do
historiador.519 A instituição não mais se personificava em seu patrono.
O projeto de Rodrigues parecia ser o mais apropriado. Contudo, essa
adaptação da Sociedade às novas demandas do campo historiográfico eram difíceis de
serem colocadas em prática por dois motivos: primeiro, porque ainda existia uma
resistência dentro da instituição a essa mudança e segundo, devido às limitações
financeiras.
O primeiro aspecto a ser afetado pelas dificuldades internas e econômicas da
Sociedade foi a edição da obra de Capistrano de Abreu. José Honório Rodrigues
começou a construir relações com outras instituições que pudessem promover a edição
da obra do autor, como a Universidade de Brasília e o Instituto Nacional do Livro. Mas,
como se contrapor à tradição da Livraria Briguiet de ser a editora oficial da Sociedade,
existindo, inclusive, membros da família Briguiet em seu quadro social. Esse foi um dos
primeiros desafios colocados a José Honório, quebrar o monopólio editorial da
Sociedade e da Livraria Briguiet sobre a obra de Capistrano de Abreu.
Observando as edições da instituição posteriores a 1954 até o término de suas
atividades, podemos concluir que a disputa foi equilibrada. Apenas quatro livros foram
ver as revistas como lugares de sociabilidade: SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In. RÉMOND, René. Por uma história política. 2 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p.231-269. 519 Ata da 34ª Assembléia Geral, LA n.1, 23 de outubro de 1957, p.52.
309
editados nesse período, publicados pelo Instituto Nacional do Livro em parceria com a
Briguiet e pela Livraria Briguiet & Cia. individualmente. Fora da Sociedade, a
preponderância de José Honório Rodrigues pareceu mais evidente, pois ele conseguiu
realizar o desejo dos sócios fundadores da instituição de publicar a correspondência de
Capistrano de Abreu depositadas na Biblioteca Nacional.520
Contudo, ainda existe um mistério quanto à publicação dessa correspondência.
O acervo da SCA, hoje depositado no Instituto do Ceará, ainda possui inéditas 518
correspondências de Capistrano de Abreu que faziam parte do espólio do historiador
doado à Sociedade com o seu falecimento. Documentação que obviamente era do
conhecimento de José Honório, visto que, ele, além de presidente da Sociedade a partir
de 1960, foi o responsável pelo inventário e transferência da documentação para o
Ceará. Por que José Honório Rodrigues não as publicou?
A nossa hipótese é de que ocorreu algum veto interno na instituição para que a
publicação não ocorresse. As cartas que pertenciam à sociedade eram
correspondências passivas de Capistrano de Abreu, ou seja, correspondências
guardadas pelo historiador, o que as dota de um valor específico, e elas provavelmente
estavam no porão no qual Capistrano de Abreu viveu e onde a Sociedade se instalou
após o seu falecimento. Quando da publicação da primeira edição da correspondência,
José Honório teve que apresentar a edição previamente a uma comissão de sócios da
instituição, e quando da sua distribuição juntamente com a 4ª edição dos Capítulos, a
520 ABREU, Capistrano de. Correspondências de Capistrano de Abreu. Vol. 1 Organização de José Honório Rodrigues. 2 ed. [1ª ed. 1954]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/MEC, 1977; ABREU, Capistrano de. Correspondências de Capistrano de Abreu. Vol. 2 Organização de José Honório Rodrigues. 2 ed. [1ª ed. 1954]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/MEC, 1977; ABREU, Capistrano de. Correspondências de Capistrano de Abreu. Vol. 3. Organização de José Honório Rodrigues. 2 ed. [1ª ed. 1956]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/MEC, 1977.
310
percepção que se tem é a de que esta publicação possuía uma relação bem próxima
com a Sociedade. A conclusão a que chegamos é a de que apesar de José Honório se
representar como “guardião da memória” de Capistrano de Abreu nos prefácios que
realizou, idéia referendada por Rebeca Gontijo e Fernando Amed, o que a
documentação de fato aponta é a sua dependência em relação à da Sociedade.521
Somente com o termino das atividades da instituição José Honório pôde dispor
da obra de Capistrano de Abreu para editá-la segundo seus critérios. Os planos do
historiador para transformar a sociedade em uma instituição de pesquisa também não
foram bem acolhidos, mas, mesmo assim, o autor buscou realizar o seu desejo.
Realizou negociações com IHGB, com o Arquivo Público do Rio de Janeiro,
Universidade do Brasil, Universidade do Distrito Federal e Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro para receber a Sociedade ou promover a criação do núcleo
de pesquisa, mas, não obteve sucesso. Somente a Universidade do Ceará se dispôs a
recebê-la, mudança ao máximo evitada por José Honório, mas diante da
impossibilidade de manter a instituição, em 23 de outubro de 1969 a transferência para
o Ceará foi acusada no livro de atas da instituição e redigida a sua última ata na cidade
do Rio de Janeiro.
521 AMED, Fernando. As edições das obras de Capistrano de Abreu. História: questões & debates, Curitiba, n.32, p.99-117, jan./jun., 2000; GONTIJO, Rebeca. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador. Niterói: Tese defendida no Programa de pós-graduação em história da
311
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos neste trabalho desnaturalizar as representações de Capistrano de
Abreu como grande historiador e divisor de águas da historiografia brasileira. Em
nenhum momento pretendemos questionar o mérito e as qualidades intelectuais do
autor, aspecto sempre questionado nos simpósios ou seminários nos quais
apresentamos esta pesquisa. Tentamos apenas demonstrar que o comemoracionismo
e o culto a este historiador possuiu a sua gênese, e por sua vez, plantar algumas
dúvidas entre a comunidade de historiadores sobre as bases do campo institucional no
qual eles estão inseridos.
O empreendido posto em prática pela Sociedade Capistrano de Abreu, a partir
da morte do seu patrono, em 1927, por mais de 40 anos, nos faz pensar e questionar
nossas certezas institucionais. Buscamos propiciar ao historiador, leitor em potencial
deste trabalho, um pouco da trajetória do seu ofício no Brasil, na primeira metade do
século XX. Um momento no qual escrever história era também um ato cívico.
Sobre as representações de Capistrano de Abreu, as mudanças ocorridas
dentro da Sociedade, colocaram em cena o caráter dinâmico da memória, por mais que
esta tenha como fundamento a perenidade e a permanência. As diversas configurações
assumidas pela instituição, naturalmente não poderiam estabelecer as mesmas
relações afetivas e profissionais com a memória de seu patrono, e por conseqüência,
os investimentos realizados para construção e afirmação de uma memória sobre
Universidade Federal Fluminense, 2006. Ver principalmente o capítulo 7 onde a autora realiza um balanço historiográfico da produção sobre Capistrano de Abreu a partir dos anos 40.
312
Capistrano de Abreu se transformaram. Mudanças também ocorreram na condução das
atividades do grêmio e das formas de representar Capistrano. Se em sua fase inicial o
que prevalecia era uma visão institucional da Sociedade sobre Capistrano de Abreu, a
partir de 1953, com o centenário do historiador, o que prevaleceu na instituição foi a
visão individual e “historiográfica” de José Honório Rodrigues. Assim, este autor se
auto-representou como distinto dos demais sócios da instituição nos prefácios que
realizou para obra de Capistrano de Abreu.
No caso de José Honório Rodrigues e dos sócios fundadores da Sociedade, as
representações sobre Capistrano de Abreu também se tornaram um meio de auto-
afirmação e representação.
Em ambos os casos, da Sociedade e de José Honório Rodrigues, podemos
observar claramente uma correlação com as perspectivas esboçadas por Gilberto Velho
entre memória, identidade e projeto.522 O autor afirma que a identidade se funda no
princípio da diferença, ou seja, a constituição de uma identidade é sempre em oposição
a algo, é fruto do perceber-se distinto dos demais. Contudo, o que nos motiva a tomar
as observações de Gilberto Velho é o caráter temporal atribuído a essa relação, onde a
memória, portanto, seria a tentativa de buscar em um passado os aspectos que
propiciariam a constituição de uma identidade no tempo presente, e o projeto, a
possibilidade de reafirmação dessa identidade no futuro.
A conclusão seria a busca do passado, no culto à memória de um indivíduo, no
caso Capistrano de Abreu, a fim de se concretizar a constituição de uma identidade
para um ofício, o do historiador, e para uma narrativa, o gênero histórico, que, por sua
522 VELHO, Gilberto. Memória, identidade e projeto. In. ___. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994, p. 97-105.
313
vez, projetaria essa identidade como referencial de uma escrita futura da história. Pois
como alerta Manoel S. Guimarães, nossa própria disciplina tem a sua história, fruto de
embates e tensões, disputas por memória, uma memória disciplinar que uma vez
instituída tende a canonizar autores e obras constituindo o panteon dos nossos
clássicos.523
523 GUIMARÃES, Manoel S. Historiografia e Cultura Histórica: notas para um debate. Ágora, Santa Cruz
314
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ANEXOS
340
ANEXO 1
ESTATUTOS DA SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU
ART.1º. Sob a denominação de SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU, fica constituída, nesta cidade, uma sociedade formada pelos abaixo-assinados, amigos e discípulos de João Capistrano de Abreu, no propósito de prestarem homenagem à sua memória. ART.2º. A Sociedade receberá, devidamente relacionados, dos herdeiros de João Capistrano de Abreu, a Biblioteca e o Arquivo deste, que ela se obrigará a guardar a conservar, sem nenhuma remuneração por esse serviço, bem como a entregá-los e restituí-los aos mesmos herdeiros, ou a quem os represente legalmente, no caso de dissolução da sociedade. ART.3º. A Sociedade promoverá:
a) A edição de trabalhos inéditos e cartas-missivas, e a reedição de obras já publicadas de João Capistrano de Abreu;
b) A tradução e publicação das obras dos viajantes e sábios estrangeiros, que percorreram o Brasil.
ART.4º. A Sociedade publicará quaisquer trabalhos e documentos de valor, relativos a assuntos brasileiros, a notados e comentados. ART.5º. A Sociedade criará prêmios para as investigações, contribuições e obras consideradas de mérito, referentes à História, Etnografia, Etnologia e Lingüística Brasileira, com o fim de incentivar os respectivos estudos. ART.6º. Cada um dos sócios efetivos e fundadores contribuirá para as despesas sociais com a mensalidade de 10$000, paga adiantadamente por trimestre, semestre ou ano, à vontade do contribuinte, constituindo-se o fundo da Sociedade com o saldo das contribuições, rendas e donativos eventuais.
Parágrafo único – O atraso de uma ano no pagamento das contribuições, importará em renunciar ao lugar de sócio, abrindo-se vaga. ART.7º. O número de sócios será limitado – não podendo exceder de 110 efetivos e 30 honorários ou correspondentes – e as vagas serão preenchidas por eleição da assembléia da Sociedade e proposta da Comissão Executiva, havendo preferência para os premiados pela própria sociedade. ART.8º. Os membros da Sociedade não respondem subsidiariamente pelas obrigações contraídas, expressa ou tacitamente, em nome dela.
341
ART.9º. A Sociedade será administrada por uma Comissão Executiva, composta de 12 sócios, que será designada em assembléia geral e exercerá suas funções durante 3 anos. ART.10º. Os membros da Comissão Executiva serão escolhidos entre os sócios versados em estudos históricos, geográficos, etnográficos ou lingüísticos, além de um representante masculino da família de Capistrano de Abreu, que deverá ser um dos membros da Sociedade. ART.11º. A Comissão Executiva distribuirá entre seus membros, de acordo com os seus conhecimentos especiais de cada um, os respectivos trabalhos, como também os encargos de administração, e escolherá um de seus membros para a direção geral dos serviços. ART.12º. O membro da Comissão Executiva encarregado geral dos serviços representará a Sociedade em juízo ou fora dele, em suas relações com terceiros e poderá escolher entre os sócios um, para exercer funções de tesoureiro, e outro, para os serviços de Secretaria. ART.13º. Uma Assembléia Geral terá ligar no dia 23 de outubro de cada ano, aniversário do nascimento de Capistrano de Abreu, e as demais assembléias sociais se realizarão por livre convocação da Comissão Executiva. ART.14º. No caso de dissolução da Sociedade, o patrimônio desta, com exceção da biblioteca e arquivo a que se refere o artigo 2º destes Estatutos, passará a instituição congênere, que se destine aos mesmos fins. ART.15º. Para o caso previsto no artigo anterior, bem como para a reforma destes Estatutos, será preciso o voto expresso da maioria absoluta dos membros da Sociedade.
342
ANEXO 2
CARTA-CONVITE ENVIADA PELOS SÓCIOS FUNDADORES DA SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU
Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1927. Ilmo. Snr. Barão de Studart,
Amigos e discípulos de Capistrano de Abreu, sabedores de quanto seu admirável exemplo contribuiu para elevar a intelectualidade de nosso meio, unimo-nos para procurar tirar os corolários dessa grande vida e prolongar-lhe tempos afora o benéfico influxo.
Desejaríamos que, no mesmo modestíssimo porão, cela monástica onde viveu, meditou, trabalhou e morreu, se conservasse intacta a biblioteca que lhe serviu de oficina mental. Catalogada e posta em ordem; enriquecida com livros novos de continuadores dos mesmos estudos do Mestre; se tornaria o núcleo central de uma forte cultura a bem de nossa terra e em homenagem de respeito ao grande morto. As obras deste, esgotadas em quase totalidade, seriam reeditadas e completadas; os inéditos que deixou, publicados e distribuídos. Os valiosos documentos que são as cartas por ele escritas, e as que recebeu, precioso manancial de estudos destes últimos trinta anos, principalmente em suas manifestações intelectuais, viriam a luz. Criar-se-iam prêmios, estimulantes para as investigações históricas, geográficas e etnográficas. Promover-se-ia a tradução para o vernáculo das obras dos viajantes naturalistas e sábios que percorreram o Brasil no século XIX conforme um seu ardente desejo.
Para dar forma e organizar tal grêmio, preito de afeição e de respeito à memória do brasileiro excepcional que foi Capistrano de Abreu e protesto de continuação de sua obra e da vitalidade do espírito que a animou, tomamos a iniciativa de propor a todos aqueles que o amavam e lhe seguiram a direção científica, colaborarem no dever de lhe servir o pensamento.
Ao amigo convidamos, para esse fim, que nos levará a reunirmos à travessa Honorina n.º 45, Domingo, 11 de setembro, às 2 horas da tarde.
(ass.º)
Paulo Prado João Pandiá Calógeras
Eugênio de Castro Miguel Arrojado Lisboa
Adriano de Abreu Manoel Said Ali Ida
Jayme Coelho Rodolfo Garcia Afrânio Peixoto
Teodoro Sampaio Afonso d’E. Taunay
E. Roquete Pinto
343
ANEXO 3
EDITAL DA SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU PARA O PRÊMIO CAPISTRANO DE ABREU DE HISTÓRIA DO CEARÁ PARA 1928
A Sociedade dará, em 1928, outro prêmio sob o nome de Capistrano de Abreu e disposto às mesmas disposições regulamentares do primeiro, exceção feita quanto ao valor do Prêmio e temas.
O valor do Prêmio será de – um conto de réis – (1:000$000), oferecido pelo
Governo do Estado do Ceará, terra natal do grande historiador brasileiro; e as teses versarão sobre um dos temas seguintes, à escolha dos concorrentes:
d) Ceará: colonização e povoamento;
e) Guerras contra os índios nos Vales do Jaguaribe e Cariri;
f) Os holandeses no Ceará.
(ass.º)
Comissão Executiva da Sociedade Capistrano de Abreu
344
ANEXO 4
EDITAL DA SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU PARA O PRÊMIO CAPISTRANO DE ABREU DE HISTÓRIA DO BRASIL PARA 1928
De acordo com o regulamento para a distribuição de prêmios por esta
Sociedade, as inscrições para o prêmio de História de 1928, serão aceitas em sua sede social, à Rua Capistrano de Abreu, n. 45 (antiga Travessa Honorina), a partir de 15 de outubro do corrente.
As teses apresentadas versarão sobre um dos temas seguintes, a escolha dos
concorrentes:
I. Os primeiros caminhos do século XVI e XVII;
II. Anchieta na Capitania de São Vicente;
III. Os Companheiros de D. Francisco de Sousa;
IV. Pedro Teixeira na Capitania do Amazonas;
V. Engenhos de açúcar no século XVI.
Os concorrentes ao Prêmio poderão ser nacionais ou estrangeiros, mas as memórias apresentadas serão escritas em português, aceitando-se em outras línguas somente a transcrição de documentos justificados.
As memórias, assinadas por pseudônimos e acompanhadas de envelope fechado contendo o nome do autor, serão aceitas mediante recibo e registro em livro especial, na sede da Sociedade, até as 16 horas de quinta-feira 30 de agosto de 1928. Findo este prazo nenhuma memória será aceita.
O autor da memória escolhida por julgamento da Comissão Executiva e aprovação da Assembléia Geral da Sociedade Capistrano de Abreu receberá o prêmio de 2:000$000, dois contos de réis, no mês de outubro de 1928.
Os concorrentes inscritos ficarão sujeitos às prescrições do “Regulamento para os Prêmios Capistrano de Abreu”, regulamento que poderá ser obtido na sede da Sociedade.
Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1927.
(ass.º)
Comissão Executiva da Sociedade Capistrano de Abreu
345
ANEXO 5
EDITAL DA SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU PARA O PRÊMIO CAPISTRANO DE ABREU DE HISTÓRIA DO BRASIL PARA 1929
De acordo com o regulamento para a distribuição de prêmios por esta
Sociedade, as inscrições para o prêmio de História de 1929, serão aceitas em sua sede social, à Rua Capistrano de Abreu, n. 45 (antiga Travessa Honorina), a partir de 15 de outubro do corrente.
As teses apresentadas versarão sobre o seguinte tema:
I. O Rio São Francisco na História do Brasil.
Os concorrentes ao Prêmio poderão ser nacionais ou estrangeiros, mas as memórias apresentadas serão escritas em português, aceitando-se em outras línguas somente a transcrição de documentos justificados.
As memórias, assinadas por pseudônimos e acompanhadas de envelope fechado contendo o nome do autor, serão aceitas mediante recibo e registro em livro especial, na sede da Sociedade, até as 16 horas de quinta-feira 30 de agosto de 1929. Findo este prazo nenhuma memória será aceita.
O autor da memória escolhida por julgamento da Comissão Executiva e aprovação da Assembléia Geral da Sociedade Capistrano de Abreu receberá o prêmio de 2:000$000, dois contos de réis, no mês de outubro de 1929.
Os concorrentes inscritos ficarão sujeitos às prescrições do “Regulamento para os Prêmios Capistrano de Abreu”, regulamento que poderá ser obtido na sede da Sociedade.
Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1928.
(ass.º)
Comissão Executiva da Sociedade Capistrano de Abreu
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ANEXO 6
REGULAMENTO PARA O PRÊMIO CAPISTRANO DE ABREU
INSTITUIDO PELO GOVERNO DO CEARÁ PARA 1935
Para a concessão do Prêmio Capistrano de Abreu instituido pelo Governo do Ceará, e de acordo com o artigo 5º dos estatutos da Sociedade, devem ser observadas as seguintes disposições :
I. O Prêmio que terá a denominação de Premio Capistrano consistirá em
uma quantia em dinheiro fixada pelo Governo do Ceará que o instituiu na importância de 1:000$000, hum conto de réis.
II. O tema versa sobre : A COLONIZAÇÃO DO CEARÁ. III. O anúncio de inscrição será feito na segunda quinzena de outubro de
1934 e o prazo para a recepção das memórias dilatar-se-á até a segunda quinzena de agosto de 1935.
IV. As memória, datilografadas, em três exemplares, serão assinadas por pseudônimos, e enviadas a sede da Sociedade (rua Capistrano de Abreu, 45) acompanhads de envelopes fechados, contendo os nomes dos autores.
V. A medida em que forem recebidas serão registradas em livro especial, dando-se recibo à quem as apresentar, não sendo aceitas as que forem entregues fora das condições fixadas.
VI. As memória serão escritas em portugues – em ortografia oficial se até 1935 esta for a definitivamente adotada, admitindo-se, entretanto, a transcrição em outras linguas, de citações e documentos justificativos.
VII. Ao prêmio poderão concorrer autores nacionais e estrangeiros, excluídos os que pertencerem à Comissão Executiva durante a vigencia do mandato.
VIII. Encerrado o prazo, reunir-se-á a Comissão Executiva, a quem compete o julgamento, feito por maioria absoluta dos votos de seus membros, em parecer consiso, mas devidamente fundamentado. Este parecer deverá ser submetido à Assembléia Social, que o aprovará ou rejeitará, e do qual se dará publicidade. Para o caso de rejeição do parecer será preciso o voto de dois terços da totalidade dos sócios.
IX. O processo de julgamento e votação do parecer deverá ficar concluído em dezembro de 1935.
X. Verificado não haver memória digna de prêmio, ou a ele não havendo concorrente, será o mesmo transferido para o ano seguinte.
XI. As memórias não premiadas serão restituídas aos concorrentes contra a devolução do recibo dado no ato da entrega.
45, rua Capistrano de Abreu Pela Comissão Executiva Rio de Janeiro Paulo Prado, Rodolfo Garcia e Paulo Prado
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ANEXO 7
RELAÇÃO NOMINAL DOS SÓCIOS DA SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU (1927-1969) NOME ENTRADA SAÍDA CATEGORIA CIDADE
ABNER CARNEIRO LEÃO DE VASCONCELOS 1953 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
ADALBERTO RECHSTEINER 1936 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
ADHAIL BARRETO 1953 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
ADRIANO DE ABREU 1927 1946 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ
AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO 1937 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
AFONSO D'ESCRAGNOLE TAUNAY 1927 1958 FUNDADOR SÃO PAULO/SP
AFRÂNIO PEIXOTO 1927 * FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ AGUINALDO PINHEIRO 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
ALARICO SILVEIRA 1931 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
ALBA CAÑIZARES NASCIMENTO 1931 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
ALBERTO DE FARIA 1927 1931 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ
ALBERTO RANGEL 1927 * EFETIVO PARIS/FRANÇA ALCEU AMOROSO LIMA 1927 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ALCIDES BEZERRA 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ALCINDO SODRÉ 1936 * EFETIVO PETRÓPOLIS/RJ
ALEXANDRE J. BARBOSA LIMA SOBRINHO 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ALEXANDRE MARCHANT 1945 * CORRESPONDENTE TENNESSEE/EUA ALFREDO AMANCIO DOS SANTOS 1938 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ALFREDO D'ESCRAGNOLE TAUNAY 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
ALFREDO ELLIS JUNIOR 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ALFREDO PUJOL 1927 1930 EFETIVO SÃO PAULO/SP ALTINO ARANTES 1932 * EFETIVO SÃO PAULO/SP ALUÍSIO DE CARVALHO FILHO 1953 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ AMÉRICO FACÓ 1936 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ AMÉRICO JACOBINA LACOMBE 1931 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ AMÉRICO LUDOLF 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ AMNÉRIS DE ABREU 1953 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ AMARO QUINTAS 1953 * CORRESPONDENTE RECIFE/PE ANTONIO CÂMARA 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE ANTONIO DE ALCÂNTARA MACHADO 1929 1935 EFETIVO SÃO PAULO/SP
ANTÔNIO BATISTA PEREIRA 1929 1960 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ANTONIO FELIX DE BULHÕES 1927 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ANTONIO FERNANDES FIGUEIRA 1927 1928 EFETIVO * ANTÔNIO HONAIS 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ANTÔNIO LEÔNCIO FERRAZ 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
ANTONIO MARTINS FILHO 1960 * CORRESPONDENTE FORTALEZA/CE ANTÔNIO SERRANO 1936 CORRESPONDENTE ARGENTINA APRÍGIO NOGUEIRA 1927 EFETIVO MACHADO/MG ARISTIDES DE ALMEIDA BELTRÃO 1932 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ARNALDO GUINLE 1935 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ARTUR CÉSAR FERREIRA REIS 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ASSIS BRASIL 1927 * EFETIVO MELO/URUGUAI ASSIS CHATEAUBRIAND 1927 1932 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
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AUGUSTO DE LIMA 1927 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ AUGUSTO MEYER 1953 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ AURÉLIO LOPES DE SOUSA 1927 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ AURÉLIO PORTO 1933 * EFETIVO PORTO ALEGRE/RG AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE 1953 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
ASTROGILDO RODRIGUES DE MELO 1954 * CORRESPONDENTE SÃO PAULO/SP BARÃO DE RAMIZ GALVÃO 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ BARÃO DE STUDART 1927 1938 EFETIVO FORTALEZA/CE BASÍLIO DE MAGALHÃES 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ BRAZ DO AMARAL 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ BRUNO BARBOSA 1927 * EFETIVO SANTOS/SP CÂNDIDO MARIANO DA SILVA RONDON 1927 1958 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CARLOS MALHEIRO DIAS 1929 1941 CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ CARLOS MIGUEL DELGADO DE CARVALHO 1927 1930 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CARLOS NEVES D'ALGE 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE CARLOS LEONI WERNECK 1929 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CARLOS PONTES 1936 * CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ CARLOS RIBEIRO 1954 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CARLOS STUDART FILHO 1931 * EFETIVO FORTALEZA/CE
CASSIUS BERLINCK 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CELSO FERREIRA DA CUNHA 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CESAR LOPES 1927 1936 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CEZAR RABELLO 1927 1960 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CHARLES BOXER 1954 * HONORÁRIO LONDRES/INGLATERRACHARLES GRIFFIN 1960 * CORRESPONDENTE NOVA IORQUE/EUA CLADO RIBEIRO LESSA 1933 1960 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CLÁUDIA MARIA DE CASTRO 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE CLÁUDIO GANNZ 1931 1960 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CLEMENTE BRANDENBURGER 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CLOVIS BEVILÁQUA 1930 1944 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ COLOMBO DE A. PORTELLA 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CONDE DE AFFONSO CELSO 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CONSTÂNCIO ALVES 1927 1933 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ CYPRIANO AMOROSO DA COSTA 1936 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ DAMIÃO PERES 1954 * HONORÁRIO COIMBRA/PORTUGAL DANIEL DE CARVALHO 1953 1966 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ DANTE DE LAYTANO 1953 * CORRESPONDENTE PORTO ALEGRE/RG DARCY RIBEIRO 1960 * EFETIVO SÃO PAULO/SP DEMÓSTENES DE OLIVEIRA DIAS 1953 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ DIONYSIO CERQUEIRA 1927 1933 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ DJALMA FORJAZ 1927 * EFETIVO SÃO PAULO/SP DJALMA GUIMARÃES 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ DJACIR MENESES 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE DOLOR BARREIRA 1953 * CORRESPONDENTE FORTALEZA/CE EDGARD RAJA GABAGLIA 1927 1945 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ E. ROQUETTE PINTO 1927 1954 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ
EDGARDO DE CASTRO REBELLO 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ EDMUNDO DE MACEDO SOARES E SILVA 1953 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
EDUARDO DE OLIVEIRA FRANÇA 1954 * CORRESPONDENTE SÃO PAULO/SP ELOY DE SOUSA 1927 * EFETIVO NATAL/RN ELOY PONTES 1933 CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ EMÍLIO FERNANDES DE SOUZA DOCCA 1932 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ EMMANUEL EDUARDO GAUDIE LEY 1935 * CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ
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ENGEL SLUITER 1954 * HONORÁRIO CALIFÓRNIA/EUA EREMILDO VIANA 1936 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ESTEVÃO DE MENDONÇA 1927 * EFETIVO CUIABÁ/MT EUGÊNIO DE CASTRO 1927 1946 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ
EUGÊNIO PEREIRA SALAS 1953 * HONORÁRIO SANTIAGO/CHILE
EURÍPEDES SIMÕES DE PAULA 1954 * CORRESPONDENTE SÃO PAULO/SP EUSÉBIO NERY DE SOUSA 1933 * CORRESPONDENTE FORTALEZA/CE EVARISTO BIANCHINI 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FELISBERTO DE AZEVEDO 1934 * EFETIVO PORTO ALEGRE/RG FELIX PACHECO 1931 1936 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ F. BRIGUIET 1927 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ F. X. GUIMARÃES NATAL 1927 1933 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FERDINAND BRIGUIET SOBRINHO 1933 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FERNANDO AUGUSTO PIRES BRANDÃO 1932 1941 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FERNANDO LEITE 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE FERNANDO RAJA GABAGLIA 1927 1954 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FRAN MARTINS 1960 * CORRESPONDENTE FORTALEZA/CE FRANCISCO ASSIS CARVALHO FRANCO 1929 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FRANCISCO DE ASSIS BARBOSA 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FRANCISCO JAGUARIBE GOMES DE MATOS 1932 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FRANCISCO MARQUES DOS SANTOS 1941 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FRANCISCO MENDES DA ROCHA 1927 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FRANCISCO ROCHA LAGOA FILHO 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FRANCISCO SÁ 1927 1936 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ FRANCISCO SÁ FILHO 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ GAGO COUTINHO 1941 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ GALENO REVOREDO 1927 * EFETIVO SÃO PAULO/SP GASTÃO CRULS 1930 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ GENTIL DE MOURA 1927 1929 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ GIL METÓDIO MARANHÃO 1954 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ GRAÇA ARANHA 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ GUILHERME AULER 1954 1966 CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ GUILHERME GUINLE 1935 1960 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ GUSTAVO BARROSO 1927 1960 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ GUSTAVO LESSA 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ HAHNEMANN GUIMARÃES 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ HÉLIO DE ALCANTARA AVELAR 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ HÉLIO LOBO 1927 1960 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ HÉLIO VIANA 1932 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ HELOÍSA ALBERTO TORRES 1931 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ HONORINA DE ABREU MONTEIRO 1969 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ HENRI HAUSER 1938 * HONORÁRIO PARIS/FRANÇA HENRIQUE BOITEUX 1931 1936 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ HENRIQUE CASTRICIANO DE SOUSA 1927 * EFETIVO NATAL/RN HENRIQUE DE MORAES 1936 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ HERÁCLITO DOMINGUES 1927 1931 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ HERNANI CIDADE 1954 * HONORÁRIO LISBOA/PORTUGAL HIDERVAL LEITE 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE
ILDEFONSO ALBANO 1927 * EFETIVO HAVANA/CUBA ISEU DE ALMEIDA E SILVA 1927 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JACY MONTEIRO 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JAYME COELHO 1927 1966 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ JEOVAH MOTA 1965 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JERÔNIMO FIGUEIRA DE MELO 1927 * EFETIVO ROMA/ITÁLIA
350
J. DE BORGES FORTES 1932 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JOÃO ANGYONE DA COSTA 1935 1954 CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ JOÃO DE ALMEIDA PRADO 1931 * EFETIVO SÃO PAULO/SP JOÃO HUGO MENDITEGUY 1933 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JOÃO LOPES FERREIRA FILHO 1927 1928 EFETIVO * JOÃO LÚCIO DE AZEVEDO 1927 1933 HONORÁRIO LISBOA/PORTUGAL JOÃO PANDIÁ CALÓGERAS 1927 1934 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ JOAQUIM DE CARVALHO 1954 * HONORÁRIO * JOAQUIM DE CASTRO FONSECA 1927 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JOAQUIM LACERDA DE ABREU 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
JOAQUIM M. PAULA PESSOA 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE JONATHAS DO REGO MONTEIRO 1933 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JONATHAS SERRANO 1935 1944 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JORDÃO EMERICIANO 1960 * CORRESPONDENTE RECIFE/PE JOSÉ ANTONIO GONÇALVES DE MELO NETO 1954 * CORRESPONDENTE RECIFE/PE
JOSÉ AUGUSTO VINHAES 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
JOSÉ AURÉLIO CÂMARA 1960 * CORRESPONDENTE FORTALEZA/CE JOSÉ BARBOSA RODRIGUES JUNIOR 1931 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
JOSÉ CAMINHA ALENCAR ARARIPE 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE JOSÉ CALAZANS BRANDÃO DA SILVA 1953 CORRESPONDENTE SALVADOR/BA JOSÉ DE CASTRO MONTE 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JOSÉ CARDOSO DE MOURA BRASIL 1927 1928 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JOSÉ CARLOS DE MACEDO SOARES 1927 * EFETIVO SÃO PAULO/SP JOSÉ CARLOS DE MATOS PEIXOTO 1927 * EFETIVO FORTALEZA/CE JOSÉ DA COSTA SENNA 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JOSÉ DE MENDONÇA 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JOSÉ DE MIRANDA VALVERDE 1939 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JOSÉ HONÓRIO RODRIGUES 1939 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JOSÉ PIRES BRANDÃO 1927 1932 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JOSÉ RODRIGUES DE CARVALHO 1933 * CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ JOSÉ WANDERLEY DE ARAÚJO PINHO 1945 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JUAREZ TÁVORA 1936 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JULIANO MOREIRA 1927 1933 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ JÚLIO CONCEIÇÃO 1927 * EFETIVO SÃO PAULO/SP
JÚLIO MESQUITA FILHO 1927 * EFETIVO SÃO PAULO/SP LÊDA BOECHAT RODRIGUES 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ LEHMANN NITSCHE 1930 * EFETIVO ARGENTINA LEOPOLDO DE BULHÕES 1927 1928 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ LEWIS HANKE 1954 HONORÁRIO TEXAS/EUA LICÍNIO DE ALMEIDA 1936 1944 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ LOURENÇO LUIZ LACOMBE 1954 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ LUCINDA COUTINHO DE MELO COELHO 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ LUIZ DA CÂMARA CASCUDO 1933 * CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ LUIZ FLORES DE MORAES REGO 1935 1941 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ LUIZ CAMILLO DE OLIVEIRA NETO 1935 1953 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ LUIZ RAUL DE SENA CALDAS 1937 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ LUIZ SOMBRA 1927 1936 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ LUIZ VIANA 1936 * EFETIVO SALVADOR/BA LUIZ VIANA FILHO 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ M. PAULO FILHO 1930 * CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ
MAFALDA P. ZEMELLA 1954 * CORRESPONDENTE SÃO PAULO/SP MALAN D'ANGROGNE 1927 1932 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
351
MANOEL BONFIM 1927 1932 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MANOEL CÍCERO PEREGRINO DA SILVA 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MANOEL DIÉGUES JÚNIOR 1954 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MANOEL LOPES DE ALMEIDA 1954 * HONORÁRIO COIMBRA/PORTUGAL MANOEL MOTTA 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MANUEL BERNARDEZ 1929 * CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ MANUEL SAID ALI IDA 1927 1953 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ MARCOS CARNEIRO DE MENDONÇA 1933 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
MARIA JOSÉ DE PROENÇA SOMBRA 1936 * HONORÁRIO RIO DE JANEIRO/RJ MARIA LUIZA DA MOTA CUNHA FREIRE 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MÁRIO BEHRING 1930 1933 HONORÁRIO RIO DE JANEIRO/RJ MÁRIO DE ANDRADE 1936 * EFETIVO SÃO PAULO/SP
MÁRIO DE VASCONCELOS 1927 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MÁRIO GUEDES NAYLOR 1931 1936 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
MÁRIO MOURA BRASIL DO AMARAL 1931 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MAURÍCIO AMOROSO TEIXEIRA DE CASTRO 1941 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MAURÍCIO GOULART 1960 * CORRESPONDENTE ITAJUBÁ/SP MECENAS DOURADO 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MIGUEL ARROJADO LISBOA 1927 1932 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MIGUEL CALMON DU PIN E ALMEIDA 1927 1935 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MIGUEL CALÓGERAS 1927 * EFETIVO PARIS/FRANÇA
MIGUEL CÂMARA 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE MIGUEL COSTA FILHO 1954 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MIGUEL COUTO 1927 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MILTON BARBOSA 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ MOZART MONTEIRO 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ NARCÉLIO DE QUEIROZ 1935 1961 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ODILO COSTA FILHO 1960 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ OTÁVIO GOUVEIA DE BULHÕES 1936 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ OTÁVIO TARQUINIO DE SOUSA 1954 1960 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ OSVALDO RIEDEL 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE PADRE MANUEL JOSÉ MADUREIRA 1927 1928 HONORÁRIO RIO DE JANEIRO/RJ PAUL GROUSSAC 1927 1929 CORRESPONDENTE ARGENTINA PAUL RIVET 1927 1958 CORRESPONDENTE FRANÇA PAULO PRADO 1927 1943 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ
PEDRO ALBERTO SILVA 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE PEDRO GOMES DE MATOS 1953 * CORRESPONDENTE MARANGUAPE/CE PEDRO LEÃO VELOSO 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ PEDRO PAULO MONTENEGRO 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE PERILLO GOMES 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
PIERRE DEFFONTAINES 1938 * CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ PHILIPPE VON LUTZELBURG 1931 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ PRIMITIVO MOACYR 1927 1942 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ PRUDENTE DE MORAES NETO 1932 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ PTOLOMEU DE ASSIS BRASIL 1932 1935 EFETIVO RS
RACHEL DE QUEIROZ 1969 * EFETIVO FORTALEZA/CE RAIMUNDO GIRÃO 1953 * CORRESPONDENTE FORTALEZA/CE
RAMIRO BERBERT DE CASTRO 1930 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ RAUL B. DUNLOP 1927 1929 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ RAUL NIN FERREIRA 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ RENÉ DE CASTRO THIOLLIER 1927 * EFETIVO SÃO PAULO/SP ROBERTO MACEDO 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
352
ROBERTO MOREIRA 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ROBERTO MOTTA DA CUNHA FREIRE 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ ROBERTO PIRAGIBE DA FONSECA 1941 * EFETIVO * ROBERTO SEIDL 1941 * * * ROBERTO SIMONSEN 1936 * EFETIVO SÃO PAULO/SP ROBERTO VICTOR DE LAMARE 1934 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ RODOLFO GARCIA 1927 1946 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ RODRIGO MELLO FRANCO DE ANDRADE 1936 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ RODRIGO OTÁVIO 1927 1945 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ RODRIGO OTÁVIO FILHO 1934 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ RONALD DE CARVALHO 1927 1934 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ RUBEM ROSA 1954 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ SERAFIM LEITE 1939 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ SYLVIO FRÓES DE ABREU 1931 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
SYLVIO ZAVALA 1954 * HONORÁRIO MÉXICO TANCREDO DE BARROS PAIVA 1935 1958 CORRESPONDENTE RIO DE JANEIRO/RJ TASSO FRAGOSO 1927 1945 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ THEODORO SAMPAIO 1927 1936 FUNDADOR RIO DE JANEIRO/RJ TOBIAS MONTEIRO 1927 1953 EFETIVO SALVADOR/BA THOMAS POMPEU SOBRINHO 1953 * CORRESPONDENTE FORTALEZA/CE TOMÉ MOTA 1927 1928 EFETIVO * TORQUATO DE SOUZA SOARES 1954 * HONORÁRIO COIMBRA/PORTUGAL TRAJANO GARCIA QUIÑONES 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ URBINO VIANA 1930 1945 CORRESPONDENTE SÃO PAULO/SP VICENTE COSTA SANTOS TAPAJÓS 1960 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ VICENTE LICÍNIO CARDOSO 1927 1931 EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ VIRGÍLIO BARBOSA 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ VIRGÍLIO CORREIA FILHO 1932 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ VIRGÍNIA RAU 1954 * HONORÁRIO LISBOA/PORTUGAL VITORINO NEMÉSIO 1960 * HONORÁRIO LISBOA/PORTUGAL VIVALDO COARACY 1933 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ WALDEMAR FALCÃO 1936 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ WASHINGTON LUÍS PEREIRA DE SOUSA 1927 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ WELLS, H. G. 1927 * CORRESPONDENTE INGLATERRA
YEDDA LEITE LINHARES 1960 * EFETIVO RIO DE JANEIRO/RJ
353
ANEXO 8
PARECER DA COMISSÃO EXAMINADORA DO PRÊMIO CAPISTRANO DE ABREU PARA 1928
À Comissão Executiva abaixo-assinada forma presentes as memórias enviadas à
Secretaria da Sociedade Capistrano de Abreu, nos termos do artigo 5º dos estatutos,
referentes ao concurso para 1928. A primeira, assinada pelo pseudônimo Manzombo,
versa sobre Anchieta na Capitania de São Vicente ; a segunda assinada por Assis
Carvalho, estuda os Companheiros de Dom Francisco de Sousa. Todos esses trabalhos
correspondem às condições estabelecidas pelo edital da Sociedade .
A primeira tese foi desenvolvida com conhecimento do assunto tão perfeito quanto
possível, recenseadas as fontes principais e explanados os fatos com boa crítica,
elegância e vivacidade de estilo. A dissertação abrange além de um capítulo
introdutório, outros que inscrevem: Vida de Anchieta, A capitania de 1553, Fundação de
São Paulo, Anchieta, professor e dramaturgo, Ramalho e os jesuítas,Tamoios e
franceses, Na direção da Capitania de São Paulo e As últimas visitas, 79, 85 e 94,
vindo em apenso um largo e minucioso trecho da carta de Anchieta, datada do Colégio
de são Vicente, a 1º de junho de 1560. Do quanto se pode dizer, no estado atual dos
nossos documentos, sobre a vida do admirável companheiro de Nóbrega que entendeu
muito bem não poder isolar, Ramalho, Mem de Sá, Leonardo Nunes, Luis da Grã, e os
demais participantes da grande obra, todos ali têm os lugares que lhe competem no
cenário histórico em que agiam. Em ensaio original e interessante para a construção
futura de maior tomo com que o autor certamente honrará as letras nacionais.
Com relação à tese sobre os Companheiros de Dom Francisco de Sousa, não há negar
ao seu autor a instrução segura do importante assunto, que colheu especialmente nos
eruditos Prolegôminos do nosso saudosíssimo mestre e patrono, aos livros IV e V da
História do Brasil do Frei Vicente do Salvador. Além dessas achegas preciosas, a leitura
de sua dissertação deixa patente que se valeu de outras fontes documentais que pena
é não tivesse assinalado, como o exigem monografias dessa ordem. É, entretanto, um
354
trabalho de mérito, de exposição perfeita, seriação justa e estilo sóbrio e adequado. Do
exposto sucintamente, considerando a Comissão que os trabalhos apresentados são
dignos de ser premiados; mas considerando, por outro lado, que o regulamento dos
prêmios para 1928 é omisso no caso de igualdade de mérito das dissertações, é de
parecer que seja a importância destinada ao prêmio da Sociedade, adjudicada em
partes iguais aos dois concorrentes. Propõe, por fim, a comissão que, aceita a oferta feita pelo nosso digníssimo consócio,
Senhor Conde de Afonso Celso, presidente do Instituto Histórico, sejam as memórias
com a declaração de que foram premiadas pela Sociedade, publicadas na Revista do
mesmo Instituto. Caso com esse alvitre concordem seus autores.
Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1928 (ass.º)
Comissão da Sociedade Capistrano de Abreu.
INVENTÁRIO DAS PUBLICAÇÕES DA SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU (1928-1969)
N.º Autor Título Edição Editor Tipografia Cidade Ano
1. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Capítulos de História Colonial (1500-
1800). 2ª
Sociedade Capistrano de
Abreu Leuzinger, 11/11/1928
Rio de Janeiro 1928
2. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Descobrimento do Brasil. Seu
desenvolvimento no século XVI 1ª
Sociedade Capistrano de
Abreu
F. Briguiet; Tipografia do
Anuário outubro 1929
Rio de Janeiro 1929
3. FRANCO, Francisco de Assis
Carvalho Os Companheiros de D. Francisco de
Sousa 1ª
Sociedade Capistrano de
Abreu Imprensa Nacional
Rio de Janeiro 1929
4. MACHADO, Antonio de AlcântaraAnchieta na Capitania de São
Vicente 1ª
Sociedade Capistrano de
Abreu Imprensa Nacional
Rio de Janeiro 1929
5. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Caminhos Antigos e Povoamento do
Brasil 1ª
Sociedade Capistrano de
Abreu Livraria Briguiet Rio de Janeiro 1930
6. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Ensaios e Estudos, 1ª Série (Crítica e
História) 1ª
Sociedade Capistrano de
Abreu Livraria Briguiet Rio de Janeiro 1931
7. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Ensaios e Estudos, 2ª Série (Crítica e
História) 1ª
Sociedade Capistrano de
Abreu
Livraria Briguiet, Impresso na
Tipografia A. P. Barthel em
dezembro 1932 Rio de Janeiro 1932
8. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Capítulos de História Colonial (1500-
1800). 3ª
Sociedade Capistrano de
Abreu
Livraria Briguiet, impresso na Tipografia A
Encadernadora, outubro 1934
Rio de Janeiro 1934
356
N.º Autor Título Edição Editor Tipografia Cidade Ano
9. MENDOÇA, Heitor Furtado.
Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil pelo Licenciado Heitor Furtado de Mendonça -
capitão fidaldo del rei nosso Senhor e do desembargo, deputado so Santo Ofício. Confissões da Bahia 1591-
1592 2ª
Sociedade Capistrano de
Abreu Livraria F.
Briguiet e Cia. Rio de Janeiro 1935
10. REGO, Luiz Flores de Moraes O Vale do São Francisco. Ensaio de
Monografia Geográfica 1ª
Sociedade Capistrano de
Abreu *** São
Paulo 1936
11. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Ensaios e Estudos, 3ª Série 1ª
Sociedade Capistrano de
Abreu
Livraria F. Briguiet e Cia.
mandada imprimir na
gráfica Sauer, 1937-1938
Rio de Janeiro 1938
12. ABREU, João Capistrano de
Abreu.
rã-txa hu-ni-ku-i: a lingua dos Caxinauás do Rio Ibuaçu afluente do
Murú 2ª
Sociedade Capistrano de
Abreu
Livraria Briguiet, composta e impresa por
Fred. H. Sauer em 1940-1941.
Rio de Janeiro 1941
13. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Capítulos de História Colonial (1500-
1800). 4ª
Sociedade Capistrano de
Abreu Livraria Briguiet Rio de Janeiro 1954
357
N.º Autor Título Edição Editor Tipografia Cidade Ano
14. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Caminhos Antigos e Povoamento do
Brasil 2ª
Sociedade Capistrano de
Abreu
Livraria Briguiet, mandada
imprimir na Revista "Mês" em
1960 Rio de Janeiro 1960
15. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Ensaios e Estudos, 3ª Série 2ª
Sociedade Capistrano de
Abreu Livraria Briguiet Rio de Janeiro 1969
16. ABREU, João Capistrano de
Abreu. Capítulos de História Colonial (1500-
1800). 5ª
Sociedade Capistrano de
Abreu Livraria Briguiet Rio de Janeiro 1969
CONTINUAÇÃO DO INVENTÁRIO
N.º Tiragem
Total Tiragem Popular
Tiragem Especial Observações
1. 1000 875 125 Os exemplares especiais em papel bouffant
2. 1125 1000 125 1000 em papel comum e 125 em papel
apergaminhado e fotografia do autor
3. 200 *** 200 Prêmio Capistrano de Abreu de 1928,
separata da Revista do IHGB, t.105, v.159.
358
4. 200 *** 200 Prêmio Capistrano de Abreu de 1928,
separata da Revista do IHGB, t.105, v.159.
5. 2165 2040 125 2040 exemplares em papel comum e 125 em
papel apergaminhado
6. 2180 2150 30 2150 em papel comum e 30 destinandos aos
sócios da SCA
7. 2300 2150 150 Mandada Imprimir por F. Briguiet & Cia. NA Tipografia A.P. Brathel em dezembro 1932
8. 2150 2000 150
Edição em papel comum, "inicia uma série de publicações, mais acessível ao público e da qual farão parte todas as edições esgotadas da SCA". Contem anuncio da edição da 3ª Série dos Ensaios e Estudos para o ano de
1935. Fornato in 18.
9. 1150 1000 150
Edição realizada após a concessão realizada por Paulo Prado dos direitos autorais da
obra,visto que esta já fora editada na Coleção Eduardo Prado, em 1922. Apresenta
nota de agradecimento da SCA a Paulo Prado.
10. 200 *** 200
Tiragem de 200 exemplares da separata da Revista do Museu Paulista, t. 20, 1936
destinados aos sócios da SCA
11. 2200 2050 150 Edição de sócio da Sociedade Capistrano de
Abreu
359
12. 1000 800 200
Edição patrocinada por Guilherme Guinle, trás homenagem a este. Edição consultada na BN pertenceu a José Honório Rodrigues. As edições para sócios possuíam um campo reservado para que estes colocassem seus
nomes: "Exemplar de; Membro da Sociedade Capistrano de Abreu".
13. 4400 4000 400
Revisada, anotada e prefaciada por José Honório Rodrigues, edição comemorativa do 1º Centenário de Nascimento de Capistrano
de Abreu. 4000 exemplares em papel comum e 400 em papel apergaminhado, sendo 200 numerados de 1 a 200 destinados a sócios
da SCA e 200 numerados de 201 a 400 destinados a bibliófilos. Foi publicada com o patrocínio do Instituto Nacional do Livro uma
tiragem especial de 1000 exemplares em papel apergaminhado também em
comemoração ao Centenário de nascimento do historiador.
14. 1000 *** ***
Nota Limiar de José Honório Rodrigues apresentando os críterios de edição da
publicação. Afirma que em assembélia da Sociedade foi decidido não realizar
anotações e nem notas críticas. Afirma: "As normas da reedição limitaram-se primeiro a adaptar o texto de Capistrano de Abreu à ortografia moderna; segundo, a reproduzir
exatamente as citações documentais; e terceiro, a respeitar a nomeclatura indígena,
geográfica ou tribal, tal como a grafou Capistrano de Abreu".
15. 1000 *** ***
Edição em papel nacional acetinado 90gr, conservou-se a ortografia utilizada na 1ª
edição apenas nas citações
360
16. 1000 *** ***
TOTAL DE EXEMPALRES VENDIDOS OU DOADOS PELA SOCIEDADE
CAPISTRANO DE ABREU 23.270 exemplares
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