134
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS INSTITUTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DA UFRJ A HETEROGENEIDADE EPISTEMOLÓGICA DA PSICOLOGIA SOCIAL FILIPE MILAGRES BOECHAT RIO DE JANEIRO 2009

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROlivros01.livrosgratis.com.br/cp113856.pdf · psicólogo social norte-americano Kenneth J. Gergen declarava que a Psicologia Social, longe de

  • Upload
    vutram

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DA UFRJ

A HETEROGENEIDADE EPISTEMOLÓGICA DA PSICOLOGIA SOCIAL

FILIPE MILAGRES BOECHAT

RIO DE JANEIRO

2009

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

FILIPE MILAGRES BOECHAT

A HETEROGENEIDADE EPISTEMOLÓGICA DA PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de

Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Orientador: Profº Dr. Francisco Teixeira Portugal

RIO DE JANEIRO

2009

B669 Boechat, Filipe Milagres.

A heterogeneidade epistemológica da psicologia social / Filipe Milagres Boechat - Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. 131 f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia / Programa de Pós-graduação em Psicologia, 2009.

Orientador: Francisco Teixeira Portugal 1. Psicologia social. 2. Epistemologia. 3. Psicologia social – História. 4. Psicologia - Teses. I. Portugal, Francisco Teixeira. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. III. Título.

CDD 302

FILIPE MILAGRES BOECHAT

A HETEROGENEIDADE EPISTEMOLÓGICA DA PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de

Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Rio de Janeiro, ___ / ___ / ___.

____________________________________________________

Profº Dr. Francisco Teixeira Portugal

Universidade Federal do Rio de Janeiro

____________________________________________________

Profª Drª. Rosane Azevedo Neves da Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

____________________________________________________

Profº Dr. Marcelo Santana Ferreira

Universidade Federal Fluminense

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, aos meus pais e ao meu irmão, pela confiança e pelo amparo

incondicionais.

Em segundo lugar, aos meus amigos e a todos os que estiveram ao meu lado quando

necessitei de alguma ajuda, fosse ela da ordem que fosse.

Agradeço, além disso, ao Professor Francisco Portugal, pela confiança e pela indiscutível

dedicação com que me orientou nesses últimos dois anos.

Em seguida, gostaria de agradecer aos funcionários da Biblioteca do Centro de Filosofia e

Ciências Humanas, pela compreensão e pela pronta ajuda nos momentos delicados de minha

pesquisa.

Por último, meus agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) pela concessão do auxílio financeiro, sem o qual esse trabalho teria sido,

sem dúvida alguma, ainda mais difícil do que efetivamente foi.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................9

2. O QUE É A PSICOLOGIA SOCIAL? .........................................................................212.1. A indefinição da Psicologia Social .............................................................................222.2. A heterogeneidade epistemológica da Psicologia Social..........................................252.3. Os motivos apresentados para a indefinição da Psicologia Social .........................292.3.1. A imaturidade da Psicologia Social.......................................................................312.3.2. O parentesco interdisciplinar da Psicologia Social..............................................322.3.3. As revoluções paradigmáticas ...............................................................................332.3.4. As diferentes configurações sociais .......................................................................362.4. A indisciplinaridade da Psicologia Social.................................................................39

3. EPISTEMOLOGIA E PSICOLOGIA SOCIAL .........................................................423.1. A disputa pela hegemonia do discurso psicossociológico ........................................433.2. A Psicologia Social como ciência ...............................................................................443.3. As epistemologias da Psicologia Social .....................................................................453.3.1. A inspiração positivista ..........................................................................................463.3.2. A inspiração fenomenológica .................................................................................493.3.3. A inspiração pragmática ........................................................................................553.4. A Psicologia Social e suas formas ..............................................................................613.4.1. As formas psicológica e sociológica da Psicologia Social ....................................623.4.2. As formas experimental e não-experimental da Psicologia Social .....................633.4.2.1. A Psicologia Social experimental ......................................................................643.4.2.2. A Psicologia Social não-experimental ...............................................................67

4. HISTÓRIA E PSICOLOGIA SOCIAL........................................................................764.1. A Psicologia Social como fato cultural......................................................................774.2. Considerações historiográficas ..................................................................................784.2.1. O problema do critério de periodização ...............................................................804.2.2. As historiografias da Psicologia Social .................................................................834.3. A Psicologia Social a partir do estado de sua reflexão epistemológica ..................854.4. Observações preliminares a uma história epistemológica da Psicologia Social....884.4.1. O advento das ciências morais...............................................................................884.4.2. A experimentalização da Psicologia Social...........................................................934.4.3. A crise de identidade da Psicologia Social............................................................984.4.4. O pós-construcionismo e o giro pragmático.......................................................101

5. O ESTADO DA PSICOLOGIA SOCIAL CONTEMPORÂNEA ...........................1025.1. História recente da Psicologia Social ......................................................................1035.1.1. O pós-construcionismo .........................................................................................1045.1.2. O neo-experimentalismo ......................................................................................1115.2. Curiosidades relativas ao estado atual da Psicologia Social .................................116

6. CONCLUSÃO...............................................................................................................119

REFERÊNCIAS

RESUMO

Boechat, Filipe Milagres. A heterogeneidade epistemológica da Psicologia Social. Rio de

Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

Essa dissertação é dedicada ao exame da heterogeneidade epistemológica que caracteriza o domínio impreciso e indefinido da Psicologia Social contemporânea. Para tanto, enumera e descreve as principais inspirações filosóficas responsáveis pelo perfil de cada uma de suas partes. Em seguida, ela se ocupa em apresentar algumas considerações a respeito da história e historiografia da Psicologia Social. Por último, examina e descreve os dois principais movimentos que, nas últimas duas ou três décadas, vem modificando consideravelmente o perfil dessa ciência (a saber, o Construcionismo Social e a Neurociência Social), como forma de apresentar, ainda que sumariamente, o estado atual da Psicologia Social.

Palavras-chave: Psicologia Social, Epistemologia, História da Psicologia Social, Psicologia Social contemporânea.

ABSTRACT

Boechat, Filipe Milagres. A heterogeneidade epistemológica da Psicologia Social. Rio de

Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

The present work examines, firstly, the epistemological heterogeneity which defines the changing and indefinite realm of the contemporary Social Psychology. In order to do that, I enumerate and describe the main philosophical inspirations which are responsible for the principal aspects of each area of the Social Psychology. After this exposition, I present some considerations of Social Psychology history and historiography. Finally. I examine and describe the two main movements (Social Constructionism and Social Neuroscience) which, in the last three decades, have been considerably modifying the profile of this science, in order to discuss, briefly, the present state of Social Psychology.

Key-words: Social Psychology, Epistemology, History of Social Psychology, Contemporary Social Psychology.

9

1. INTRODUÇÃO

No início da década de 1970, em artigo intitulado A Psicologia Social como história1, o

psicólogo social norte-americano Kenneth J. Gergen declarava que a Psicologia Social, longe

de ser uma ciência experimental do comportamento social, deveria ser concebida, dali em

diante, como um “inquérito histórico”, um “exame sistemático da história contemporânea”

(2008, p. 475, 483)2. Isso porque, segundo Gergen, as regularidades que ela julgava expressar

sob a forma de leis ou “princípios da interação humana” (p. 475) – derivadas da manipulação

experimental, observação e análise estatísticas – não passariam de regras ou hábitos

ocasionais, sempre contingentes, induzidos de fatos “em grande medida irrepetíveis e

instáveis” (p. 475). Dizia ele, à época:

A Psicologia é usualmente definida como ciência do comportamento e a psicologia social como aquele ramo dessa ciência que lida com a interação humana. [...] [Porém] Os princípios da interação humana dificilmente podem ser desenvolvidos porque os fatos sobre os quais são baseados geralmente não permanecem estáveis (p. 475, itálico nosso).

Seguramente, não é necessário muito esforço para que nos apercebamos da falha na

argumentação de Gergen ou, enfim, para que nos convençamos de que ela é, no mínimo,

insatisfatória e fundamentalmente retórica. Afinal, no artigo em questão, o autor

simplesmente postula que os fenômenos humanos são, por assim dizer, de outra natureza que

os fenômenos naturais, o que desautorizaria todo esforço na direção de buscar neles (por

detrás ou entre eles) quaisquer possíveis relações de causalidade necessária.

1 GERGEN, K. J. (1973) Social Psychology as History. J. Pers. Soc. Psychol.. v. 26, n. 2, p. 309-320.2 Embora não pareça haver indícios de um vínculo direto entre a posição de Kenneth Gergen e aquela de Jürgen Habermas, este último já havia declarado, em On the logig of social sciences (1967), que as ciências do homem deveriam encaminhar-se na direção de uma “systematically generalized history”. De acordo com Thomas McCarthy, Habermas argumenta que a análise dos sistemas sociais não poderia continuar a ser compreendida como uma forma de ciência “empírico-analítica à maneira da Biologia”, devendo ser transformada numa “teoria da sociedade historicamente orientada com objetivo ou propósito prático” (in HABERMAS, 1988, p. viii).

10

Apesar, porém, desta relativa insuficiência, é quase unânime entre os psicólogos sociais

contemporâneos a opinião de que a publicação daquele artigo marca uma data capital na

história da Psicologia Social 3 . Segundo confissões reiteradas, sua publicação teria

representado, senão o coroamento, ao menos o reconhecimento e a publicização de um

movimento latente de crítica ao modelo epistemológico hegemônico a que a Psicologia Social

permanecia vinculada desde o fim da Segunda Guerra Mundial (GERGEN, 1985; IÑIGUEZ,

2004).

A bem da verdade, porém, na época da publicação do artigo de Gergen (1973), a Psicologia

Social já havia deixado de ser uma ciência exclusivamente comportamental. Embora, com

efeito, ela ainda sustentasse o desejo ou o ideal de tornar-se uma ciência experimental, o

relativo consenso entre seus representantes já não era, digamos, realidade. Nos Estados

Unidos, por exemplo, há cerca de duas ou três décadas antes da publicação do artigo de

Gergen, o cognitivismo já havia ganho força e reconhecimento nos círculos acadêmicos ao

alegar a importância da consideração do processamento interno da informação sensorial. O

humanismo, desde 1940, já se desenvolvia como uma “terceira força”, num amplo movimento

de crítica à imagem do homem e da ciência veiculadas pela psicologia experimental, de um

lado, e pela Psicanálise, de outro – consequência, em grande parte, das reflexões teóricas e

técnicas da psicologia clínica (WERTZ, 1998). Na União Soviética, por sua vez, dentre as

décadas de 1940 e 1970, o experimentalismo já não era, segundo González Rey, “cenário

absoluto” (2004, p. 27). Inspirados pelos trabalhos de Arthur Rubinstein (1889-1960) e Lev

Vygostsky (1896-1934), Alexei Leontiev (1903-1979) e os demais partidários da “psicologia

da atividade” vislumbravam já a necessidade de um relativo afastamento do reducionismo

3 Entre aqueles, é claro, que não sucumbiram ao “sectarismo doutrinário de outrora”, conforme as palavras de Aroldo Rodrigues (1979, p. 18), o que exclui, se não toda psicologia social experimental, parcela considerável dos partidários da tradição experimentalista.

11

materialista vigente 4 , propondo uma interpretação do funcionamento do psiquismo que

passasse a considerar “os processos simbólicos de produção da realidade e as configurações

de sentido socialmente produzidos” (p. 27). Na França, para citarmos um último caso, o

psicólogo social Serge Moscovici já havia publicado, há alguns anos, sua obra seminal,

intitulada A Psicanálise, sua imagem e seu público 5 , na qual lançara mão da figura do

sociólogo Émile Durkheim6 (1858-1917) para reformular a base teórica da Psicologia Social,

a fim de torná-la capaz de melhor compreender, segundo ele, os fenômenos de ideologia e

comunicação (MOSCOVICI, 1984, p. 6-7).

Esses e muitos outros acontecimentos dão-nos, portanto, indícios suficientes de que, mesmo

antes do “artigo-manifesto” de Gergen, o comportamentalismo já não era um empreendimento

fora de qualquer suspeita. Todavia, se já a partir da década de 60 o consenso entre os

psicólogos sociais em torno de quais seriam seus conceitos fundamentais, seus fenômenos

específicos e seu método adequado já não existia; se a Psicologia Social, há mais de trinta

anos, já aparentava ser uma verdadeira “terra-de-ninguém da ciência” (ASCH, 1971, p. 4); se

há trinta ou quarenta anos a hegemonia do método experimental já se encontrava abalada e o

comportamento social havia deixado de ser uma unidade de análise segura e um objeto de

estudo privilegiado, o que dizer da Psicologia Social contemporânea?

4 De acordo com González Rey, a “esfera social”, na psicologia soviética anterior à década de 40, permanecia reduzida a “operações com o objeto em contexto imediato”, ao “interpessoal”, numa concepção “ambientalista” e objetivista da realidade social. Ainda segundo o autor, isso se deveria às limitações impostas pelo pensamento marxista e seu projeto de fazer remontar todas as operações psíquicas às operações práticas e concretas correspondentes, o que o teria conduzido a tornar-se uma espécie de “camisa-de-força para o desenvolvimento da psicologia soviética” (2004, p. 29-32).5 MOSCOVICI, S. (1961). La Psychanalyse, son image et son public. Paris: P.U.F..6 O fato de Serge Moscovici ter recorrido ao sociólogo francês Émile Durkheim para a reformulação da Psicologia Social pode parecer estranho a quem esteja acostumado a ver neste autor um ferrenho defensor da Sociologia positiva. No entanto, como bem destacou Robert Farr, “embora Durkheim tenha sido o mais hostil de todos os sociólogos importantes à psicologia, aquela contra a qual ele fazia forte oposição era a psicologia do indivíduo. Ele não se opunha absolutamente ao desenvolvimento da psicologia social, nem era, em princípio, um defensor intransigente dos direitos da sociologia” (2004, p. 152).

12

O significado do problema proposto

Mas o que é a Psicologia Social contemporânea? Eis aí uma pergunta que nos tem ocupado

todo o percurso acadêmico. Afinal, qualquer estudante que já se tenha colocado essa pergunta

nestes mesmos termos e que tenha mantido o cuidado de considerar não apenas uma, mas

muitas das respostas que já lhe foram consagradas, deverá ter percebido que ela não é uma

resposta simples de se dar. Ou, ao menos, se ele tiver o trabalho de conferir aquilo que os

psicólogos sociais dizem, constatará que eles próprios divergem profundamente em suas

respostas, tanto mais quanto mais distantes suas convicções epistemológicas.

A despeito de suas diferenças, porém, hoje como ontem, a grande maioria dos psicólogos

sociais tende a considerar a Psicologia Social uma ciência. No entanto, embora eles possam

estar seguros de que fazem ciência, conquanto possam estar de acordo com o fato de que a

Psicologia Social é uma ciência, nem sempre parecem concordar quanto ao que devemos

entender por esse conceito – o que nos põe, de imediato, diante de um problema, pois como

disse certa vez o historiador Paul Veyne, ainda que “ciência” não seja uma palavra sagrada, é

bastante comum que a indiferença pela discussão sobre o seu conceito seja acompanhada por

uma confusão entre as idéias sobre a própria coisa (1998, p. 11).

Os limites do problema

Antes, porém, é preciso que façamos a ressalva de que nossa dissertação não é dedicada,

como se poderia apressadamente pensar, a toda Psicologia Social. O exame exaustivo de sua

bibliografia e uma análise pormenorizada de suas práticas pressuporia, de nossa parte, um

conhecimento e um tempo de pesquisa de que, seguramente, não dispomos. Essa limitação,

contudo, não impediu que a indagássemos como um todo. O que queremos aqui, portanto, é

13

dar atenção particular ao problema de sua unidade ou às dificuldades referentes à sua

definição e ao seu conceito – ou, se assim se preferir, à discussão em torno de sua bem

conhecida e outrora polêmica “crise de identidade” (RODRIGUES, 1979, p. 30-38; LANE,

1984, p. 10-12). Dedicando-a, portanto, à Psicologia Social como um todo, dedicamo-la

também, poder-se-ia dizer, ao exame de seu designado – ou seja, ao exame daquilo que é

visado por seu nome ou em seu nome. Pois, afinal de contas, conquanto se possa dizer que o

visado por esse nome seja múltiplo e bastante diverso (e os psicólogos sociais de fato o

dizem), certo é que ele não visa ou pelo menos não pretende visar qualquer espécie de coisa –

o que é atestado, aliás, pela relutância de alguns deles em admitir certas proposições e certas

práticas como parte de sua ciência.

Mais exatamente, ela é destinada a uma espécie de reflexão crítica sobre a unidade

reconhecidamente precária desse domínio diversificado e indefinido do saber e da prática

contemporâneas, responsável – ora mais, ora menos diretamente – por parcela não desprezível

de todo discurso moderno7 referente aos fenômenos humanos decorrentes da “ação recíproca

de muitos” (WUNDT apud FARR, 2004, p. 61). Ainda porque, uma vez considerados como

parte significante de sua história, por exemplo, os trabalhos de Wilhelm Wundt (1832-1920),

na Alemanha, Gabriel Tarde (1843-1904) e Gustave Le Bon (1841-1931), na França, William

MacDougall (1871-1938) e Wilfred Trotter (1872-1939), na Inglaterra, e mesmo Sigmund

Freud (1856-1939), na Áustria (MELLO NETO, 2000), o que se constata é que a Psicologia

Social é hoje uma ciência com mais de cem anos de idade e que, no entanto, ela permanece

uma ciência relativamente indeterminada, indefinida, sob a tutela, mais ou menos limitadora,

7 Discurso moderno, sem dúvida alguma, uma vez que essa ciência, contrariamente ao que julgava Gordon Allport (1897-1967), não possui um passado tão longo, tendo encontrado suas condições de possibilidade (ou “raízes”, conforme metáfora corrente), muito pelo contrário, só muito recentemente, nas transformações, sobretudo políticas, que atravessaram de ponta a ponta os séculos XVIII e XIX, razão pela qual excluiremos, de antemão, toda e qualquer referência a uma possível reflexão psicossociológica da qual seríamos herdeiros desde tempos imemoriais – como parece ser o caso nas historiografias amparadas em uma epistemologia de orientação positivista (FARR, 2004, p. 193-206).

14

da Psicologia, de um lado, e, do outro, do conjunto das ciências sociais, dos diversos

acontecimentos que lhes serviram de motivação histórica e, especialmente, das vogas

epistemológicas que, volta e meia, as sacodem e as renovam.

O significado da “crise de identidade da Psicologia Social”

Houve, com efeito, um período na história da Psicologia Social em que a pergunta pela sua

unidade confundia-se com a busca de sua identidade epistemológica – ou seja, com a busca,

por parte de seus representantes, de um método e de um objeto que a tornassem capaz de

fornecer enunciados legítimos sobre o homem, em geral, e sobre o homem enquanto este se

encontra em relação com outros homens. Esperava-se que a Psicologia Social pudesse, por

essa via, configurar-se como um domínio de pesquisa autônomo em relação às demais

ciências humanas e, acima de tudo, legítimo – mais exatamente, um domínio de pesquisa

capaz de produzir juízos de conhecimento que ultrapassassem, definitivamente, o âmbito da

mera especulação. Conforme consta em sua literatura, passados os anos de “euforia” (LANE,

1984, p. 10), findo o período de “relativa tranquilidade” (RODRIGUES, 1979, p. 19), situado

aproximadamente entre os anos de 1945 e 1965, a Psicologia Social sofreu um duro golpe.

Interrogada ao nível de sua validade e questionada sobre sua eficácia (LANE, 1984, p. 10), a

Psicologia Social viu desmoronar grande parte de suas certezas e, junto com elas, a confiança

de parcela significativa da comunidade científica. Conforme as palavras do psicólogo social

Aroldo Rodrigues, principal expoente no Brasil, à época, da Psicologia Social experimental,

a tranquilidade e a clara identidade da psicologia social como ciência básica, prevalente nas décadas de 40, 50 e grande parte da de 60, cedeu lugar ao torvelinho de questionamentos dos últimos 10 anos, fazendo com que a disciplina mergulhasse numa crise profunda e que se configura, cada vez mais, como uma crise de identidade (1979, p. 30).

15

Criticada em seus fundamentos epistemológicos e, sobretudo, questionada quanto à sua

função política, a Psicologia Social iniciava um movimento progressivo de fragmentação do

qual, ainda hoje, sentimos as consequências (FONSECA apud STREY et al., 2003, p. 42).

Vivia-se, diziam, “uma situação de verdadeiro caos” e, consequentemente, “um estado de

grave apreensão acerca do status desta ciência” (RODRIGUES, 1979, p. 18). Ao que parecia,

mesmo àqueles seus representantes mais confiantes na plausibilidade de seus experimentos e

no êxito futuro de suas possíveis aplicações, a ordem não vinha e, o progresso, menos. De

acordo com as palavras da psicóloga social brasileira Silvia Lane, representante, no Brasil, do

movimento de crítica e oposição à Psicologia Social experimental,

a euforia deste ramo científico denominado Psicologia Social dura relativamente pouco, pois sua eficácia começa a ser questionada em meados da década de 60, quando as análises críticas apontavam para uma ‘crise’ do conhecimento psicossocial que não conseguia intervir nem explicar, muito menos prever comportamentos sociais (1984, p. 10).

A diferença entre a pergunta pela unidade e a busca por identidade

Acontece que nós não precisamos mais confundir, como se fez no passado, unidade e

identidade, e esperar que todo esforço de inteligibilidade termine pela uniformização e a

homogeneização de um determinado domínio do saber. Ainda porque nós hoje sabemos que a

unidade de um determinado campo científico não é dada por uma perfeita comunidade de

método e objeto e que, muito pelo contrário, o campo científico é mais “o espaço de jogo de

uma luta concorrencial”, onde se disputa, segundo Pierre Bourdieu,

o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio da competência científica, compreendida enquanto capacidade de falar e agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado (1983, p. 122-123).

16

Portanto, à diferença do que se fez no passado, nosso propósito não será o de julgar se a

Psicologia Social é ou não uma ciência, que ciência ela é, ou se ela tem ou não tem um

método e um objeto que lhe assegure autonomia em relação às demais ciências, mas apenas

refletir sobre o que ela efetivamente é a partir da descrição de suas orientações

epistemológicas (e, particularmente, saber se ela pode ou não pode, como é de praxe, ser

descrita como uma disciplina). Não se trata, assim, contrariamente ao que se poderia pensar,

de tentar “recuperar” uma unidade que essa ciência haveria perdido e, ainda menos, de tentar

recuperar sua unidade a partir da circunscrição de um determinado objeto ou pela prescrição

de um método finalmente adequado. Mesmo porque, fosse esse o nosso intento, nós não

saberíamos muito bem avaliar o seu ganho, já que todo discurso parece facilmente sobreviver

e prosperar a despeito de suas diferenças e apesar de suas contradições mais evidentes.

A dificuldade própria à pergunta “O que é a Psicologia Social?”

Como dissemos, a recolocação do problema da unidade da Psicologia Social é motivada pelo

embaraço em que nós mesmos nos encontramos quando confrontados, durante nosso percurso

acadêmico, com a pergunta “o que é a Psicologia Social?”. Entretanto, essa pergunta, posta

assim dessa maneira, pode comportar uma possível suposição da qual precisamos afastar-nos

de imediato. Afinal, conforme Silva (2005), a pergunta pela essência da Psicologia Social

parece sugerir, pela sua própria forma, que a Psicologia Social diga respeito a uma classe

homogênea e inequívoca de objetos, saberes e práticas. Um breve exame, porém, de suas

definições (a partir de seus manuais, livros-textos, assim como a partir de sua historiografia)

basta para que nos apercebamos do contrário. Esse exame revela-nos, afinal, que a Psicologia

Social designa, muito diferentemente, um domínio epistemologicamente heterogêneo, um

domínio recortado por diferentes maneiras de se conceber a atividade científica, cada qual lhe

17

imprimindo feições bastante particulares e atendendo a exigências historicamente

determinadas.

O projeto de examinar as orientações epistemológicas que lhe constituem

Mas, além da Psicologia Social constituir um espaço mal definido do saber e da prática

contemporâneas, marcado por uma pluralidade de orientações epistemológicas, suas

epistemologias, além de diferentes, são divergentes. Ou melhor: elas não ocupam,

pacificamente, um espaço comum. Elas, muito pelo contrário, opõem-se umas às outras, numa

luta incessante pela hegemonia do discurso psicossociológico8. Por essa razão, e tomando

deliberadamente a Psicologia Social como objeto de análise, essa nossa dissertação não

desejará ser mais nem menos do que o exame e a descrição sumária das diferentes orientações

epistemológicas presentes na Psicologia Social contemporânea – ou, mais precisamente, o

exame e a descrição das diferentes maneiras pelas quais os seus representantes concebem a

atividade científica e os fenômenos que lhe concernem. O que não é, em todo caso, pouco,

visto que essas epistemologias não são sem relação com a imagem que os psicólogos sociais

fazem de seu objeto e de seu papel perante ele. São elas que determinam, enfim, o estatuto a

ser conferido aos dados (ou aos fenômenos) e o que decide, por sua vez, se eles deverão ser

tratados, por exemplo, como informações a serem computadas ou como signos a serem

interpretados9.

8 A acusação segundo a qual os psicólogos sociais de orientação experimental representariam a faceta ideológica do modo de produção capitalista, tendo como papel a reprodução das condições de dominação e a manutenção da classe operária sob o jugo da classe burguesa, oferece-nos um exemplo bastante claro de o quanto calorosas e intensas podem ser essas disputas (LANE, 1981).9 Assim lemos em Nikolas Rose: “as ciências sociais, incluindo a psicologia e a psicologia social, na verdade criam fenômenos. Elas trazem novos domínios a serem conhecidos, registrados e administrados. E elas mudam as maneiras como os indivíduos se relacionam consigo mesmos” (2008, p. 160).

18

Algumas possíveis objeções à recolocação do problema

Há quem diga, porém, que a ausência de uma definição que estabeleça os limites, os

problemas e os procedimentos característicos de uma determinada ciência não constitui

propriamente um problema. Pelo contrário, há quem veja na sua multiplicidade a própria

prova de sua riqueza e prosperidade, chegando mesmo a encarar a exigência de uma definição

– por mínima que seja – como o resquício de um passado em que a Filosofia a tudo impunha a

ditadura e a pobreza do rigor lógico10.

Com efeito, alguns psicólogos sociais parecem enxergar na indeterminação de sua ciência um

motivo de orgulho e um sólido indicador de sua riqueza intelectual, mais ou menos como o

etnógrafo que se alegra, na diversidade das culturas que descreve, com a aparente evidência

da dignidade e preeminência de seu objeto em oposição à pobreza das outras formas de

organização animal. De acordo com as palavras do psicólogo social Tomáz Ibáñez, a crítica à

ortodoxia experimentalista “abriu a porta para um pluralismo metodológico e teórico que

permitiu um enriquecimento extraordinário das ciências sociais e humanas como um todo,

atenuando a pressão exercida pelos fundamentalismos científicos” (2004, p. 37, itálico nosso).

Nós, porém, em nossa posição, não discordamos de todo dessa interpretação, ela mesma

bastante difundida, segundo a qual a indefinição e a indisciplinaridade da Psicologia Social

constituem o seu mais precioso tesouro e, paralelamente, a marca maior de sua singularidade.

Apenas gostaríamos de acrescentar, pelo simples fato de não ser coisa que se tenha o hábito

de dizer, que essa indefinição e essa indisciplinaridade são também a causa de toda uma sorte

de reveses dos quais todos tentamos, nós, psicólogos sociais, desvencilharmo-nos ainda hoje,

com maior ou menor consciência.

10 Segundo o psicólogo social Serge Moscovici, “existem muitos que pensam que um acordo geral sobre tal definição não é mais problema na psicologia social” (2004, p. 146).

19

Os reveses decorrentes da indefinição da Psicologia Social

A primeira classe desses reveses é de ordem eminentemente pedagógica. Pois, conforme

recente publicação, “a diversidade nas concepções da própria disciplina tanto quanto de suas

abordagens didáticas não poderia ser ignorada” (KALAMPALIKIS, DELOUVÉE &

PÉTARD, 2006, p. 25). E já houve quem dissesse, aqui mesmo, entre nós brasileiros, que “a

indefinição da psicologia social e dos professores de psicologia social suscitam nos alunos da

disciplina uma sensação bastante frustradora” (RODRIGUES, 1979, p. 36). Em certa medida,

uma antiga observação de Rodrigues permanece verdadeira. Segundo o autor,

uma das consequências desagradáveis desta crise da psicologia é o desvario que se verifica em certos departamentos, onde o sectarismo doutrinário domina inteiramente, impedindo a formação adequada dos alunos. Daí se segue o desvario profissional, com os psicólogos concentrando-se em uma única e tendenciosa faceta do spectrum psicológico e valorizando-o em detrimento de todas as demais (1979, p. 18).

A segunda classe de reveses, por sua vez, é de ordem econômica e inclui, de certo modo, a

classe anterior. Diz respeito a todos aqueles obstáculos relativos à produção, à distribuição e

ao consumo de seus produtos, sejam eles conceitos, objetos, instrumentos, técnicas, projetos

de intervenção comunitária etc.. Afinal, desde o declínio de sua difusão institucional, por

volta dos anos sessenta, a Psicologia Social tem padecido de uma relativa falta de

credibilidade científica – o que responde, em certa medida, pelo relativo decréscimo dos

investimentos destinados às suas pesquisas, quando comparados à sua “época de ouro”, e pela

relativa suspeita com que é recebida socialmente, e que julgamos poder contribuir para a

20

progressiva redução da eficácia de suas aplicações, sejam elas práticas de adaptação e de

redução de conflitos, sejam elas práticas de emancipação e promoção da liberdade11.

Eis aí, portanto, ainda que sumariamente, alguns dos motivos pelos quais ainda hoje nos

parece possível que recoloquemos, todos nós, com maior ou menor ingenuidade, a seguinte

pergunta: o que é, afinal de contas, a Psicologia Social contemporânea?

11 A partir de recente pesquisa estatística, constatou-se que a produção científica brasileira nos programas de pós-graduação em Psicologia Social tem crescido vertiginosamente, a ponto de sua produção já representar mais da metade da produção em Psicologia (YAMAMOTO, 2007). Todavia, isso não significa dizer que houve ganho no que tange à sua credibilidade. Nossa hipótese é que esse “crescimento” deve-se justa e exclusivamente àindefinição em torno do que ela representa. Esse, assim nos parece, é o motivo para tamanho acréscimo no número de suas publicações, haja vista que é suficiente uma pesquisa em Psicologia não ser experimental para capitular-se designá-la “social”. Como veremos adiante, no entanto, sob o nome vago de Psicologia Social congregam-se as teorias as mais divergentes e as práticas as mais diversas.

21

2. O QUE É A PSICOLOGIA SOCIAL?

A Psicologia Social é um conjunto de temas que excedeu o âmbito de uma Psicologia não-social, mas que está sendo investigado de forma eficaz por uma Psicologia que se radica nas ciências sociais. (...) Eu próprio não consigo encontrar um único atributo ou conjunto de atributos que distingam de maneira absoluta os assuntos de Psicologia Social dos que pertencem à Psicologia Geral e Experimental, ou mesmo à Sociologia, Antropologia ou Lingüística. (...) A Psicologia Social ocupa-se dos processos mentais (ou comportamentos) das pessoas, na medida em que são determinados por interações, passadas ou presentes, com outras pessoas, mas isso é incompleto e a definição não exclui muita coisa. (...) [A Psicologia Social] é um campo de estudos, um desenvolvimento histórico, não uma construção teórica.

BROWN apud WHELDALL, 1976, p. 19-20.

A julgar pelas palavras de alguns outrora proeminentes psicólogos sociais, a Psicologia Social

é o que é, e ponto final. É o que dão a entender, por exemplo, as palavras de Jonathan

Freedman, Merrill Carlsmith e David Sears, ao constatarem que, “de certa forma, [a

Psicologia Social] é definida por aquilo em que trabalham as pessoas que se consideram

psicólogos sociais e pelo que aparece publicado nas revistas de Psicologia Social” (1976, p.

9); é o que também concluem, por exemplo, os psicólogos sociais Chester Insko e John

Schopler, para quem, se é verdade que a Psicologia Social não sabe bem o que ela é, ela deve

ao menos saber que não pode deixar de ser a disciplina cujo estudo interessa àqueles que se

denominam psicólogos sociais12.

É forçoso reconhecer, no entanto, que essas afirmações, ainda que não as possamos

logicamente chamá-las falsas, não se prestam ao esclarecimento genuíno do significado e

extensão da Psicologia Social contemporânea. Sua redundância e generalidade patentes, afinal

12 No original, lemos: “with tongue in cheek we can define social psychology as that discipline which people who call themselves social psychologists are interested in study” (INSKO & SCHOPLER, 1972, p. xiii-xiv). Poder-se-ia, certamente, contestar a autoridade dos autores supracitados. Pertencendo à variante experimental da Psicologia Social, seus julgamentos poderiam apenas refletir a ignorância e a incompreensão daqueles que, voluntaria ou involuntariamente, enganam-se ao tomar a parte pelo todo. Logo veremos, porém, que a dificuldade quanto à definição e delimitação teórico-metodológica da Psicologia Social não se confina à opinião de uns poucos pesquisadores supostamente enviesados. Dela, como veremos mais adiante, dão também testemunho outros ilustres psicólogos sociais, dentre os quais podemos destacar os nomes de Gustav Jahoda(2007), Robert Farr (2004) e Serge Moscovici (2006).

22

de contas, nada parecem acrescentar a quem porventura venha a indagar-se sobre o que

devemos (ou não devemos) pôr daqui em diante sob a rubrica de uma ciência que, quer

queira, quer não queira, compreende uma extensão relativamente grande da totalidade do

território psicológico.

2.1. A indefinição da Psicologia Social

A Psicologia Social, apesar de sua indiscutível contribuição para os rumos tomados pela

Psicologia contemporânea e a despeito mesmo de sua irrefutável difusão institucional, não

fez, não faz e talvez nunca venha a fazer um, a constituir um domínio perfeitamente

homogêneo de conceitos e de métodos, de modo que seus resultados possam ser

compartilhados pela totalidade absoluta de seus fiéis representantes. Ou antes, é provável que

a sua unidade jamais venha a ser aquela outorgada por uma definição, a unidade de um

conceito expressa por um juízo. Afinal, quando têm de se ocupar em definir o âmbito de suas

investigações e quando se lhes pede que precisem a maneira pela qual procedem; quando

interrogados sobre o objeto e o método de seu saber e de sua prática, os psicólogos sociais

raramente encontram acordo em suas respostas. Multiplicam-se os fenômenos, de tal maneira

que pouco ou quase nada parece escapar de sua alçada. E assim também as “abordagens”, a

ponto de parecer possível tudo poder ser dito ou feito, não importando muito a maneira.

Como disseram certa vez três de seus representantes franceses, “a desgraça é que os

‘psicólogos sociais’ acabam por se ocupar de quase tudo e não há disciplina que diga respeito

a objetos tão diferentes e a métodos tão diversos” (DAVAL, BOURRICAUD &

DELAMOTTE, 1967, 14).

23

Esse estado de coisas poder-se-ia, a princípio, atribuí-lo à divergência que divide em dois

ramos inteiramente distintos a Psicologia e as ciências humanas como um todo. Afinal,

conforme dissera Rom Harré,

há, principalmente, duas maneiras de se representar os seres humanos e seus modos de vida que têm sido dominantes em vários ramos dos estudos humanos desde o século dezenove. Por um lado, há o modo de representar a vida humana como a soma das interações de ‘mecanismos’ individuais. (...) Por outro lado, há a representação da vida humana como uma atividade coletiva, na qual os indivíduos trabalham para realizar suas intenções e realizar seus projetos de acordo com regras e normas locais. (1999, p.43)

Essa constatação, no entanto, embora relativa e historicamente justa, não parece contribuir

para o esclarecimento da diversidade de métodos e de objetos que verificamos no interior de

um só e mesmo “modo de representação”, para fazermos uso das palavras de Harré.

Seja como for, e de acordo com as palavras de James M. M. Good, em artigo bastante

instrutivo dedicado ao exame do estatuto disciplinar da Psicologia Social, “como todas as

disciplinas humanas, a Psicologia Social tem sido um domínio com conceitos discutíveis”

(2000, p. 383). Os psicólogos sociais, a despeito de sua inegável e abundante produção

bibliográfica, viveriam constantemente sob o efeito de uma “desunião endêmica” (p. 398),

consequência, aparentemente, das idiossincrasias e das desventuras de sua proveniência

institucional.

Entretanto, esse estado de indefinição ou de desunião não se deve, como se poderia supor, à

excessiva cautela ou ao relativo pudor de seus representantes – com efeito, sempre possíveis.

Afinal, muito preocupados em não limitar desde cedo o desenvolvimento e o êxito de uma

ciência tão promissora, seria mesmo razoável que os psicólogos sociais abstivessem-se de

dizer o que ela é ou prescrever o que ela devesse ser. Muito contrariamente, porém, é da vasta

variedade de suas definições que a Psicologia Social recolhe a sua flagrante indeterminação, e

uma rápida apreciação de suas últimas publicações bastaria para que nos apercebêssemos

24

todos de que é quase lei que os psicólogos sociais comecem um livro ou um artigo por um

novo e entusiasmado ensaio de definição. Daí uma variedade de orientações quase equivalente

ao número de psicólogos sociais, e daí também a impressão de um infinito recomeço,

semelhante àqueles estágios pré-paradigmáticos de que nos fala Thomas Kuhn em sua

filosofia da história das revoluções científicas13.

Conforme o psicólogo social Ricardo Burmester, “como objeto de estudo a psicologia social é

evidentemente difícil de captar” (1988, p. 4). Como veremos adiante, muitos psicólogos

sociais admitem que a Psicologia Social designa um conjunto bastante heterogêneo de saberes

e de práticas que divergem, fundamentalmente, a) quanto aos objetos a que se referem ou a

que se aplicam; b) quanto aos métodos de que se valem seus representantes ou quanto aos

procedimentos regulares de que se servem no conhecimento ou na manipulação destes

mesmos objetos; c) quanto à sua utilidade ou quanto à finalidade de sua prática.

Assim, a Psicologia Social experimental tenderia a ser, de acordo com as palavras de Rom

Harré, “abstrata e indutiva”. Amparando-se numa compreensão bastante particular do modus

operandi da atividade científica moderna, ela buscaria encontrar “correlações entre

manipulações e comportamentos” ou, ainda, “fazer hipóteses sobre os mecanismos cognitivos

‘por detrás’ destas correlações” (1999, p. 43). Ainda segundo Harré, os psicólogos sociais

experimentais contentar-se-iam com “uma investigação das relações estatísticas entre as

manipulações e as respostas a estas manipulações (...) em busca de regularidades” (p. 45).

A psicologia “discursiva”, por sua vez, que Harré faz constar no rol das “psicologias

alternativas” (p. 44), tende a ser “concreta e analítica” (p. 44). Com isso desejariam seus

representantes dizer que ela se recusa a admitir o corte operado pelo objetivismo entre o

sujeito e o objeto do conhecimento, de modo que, ao invés de preocupar-se exclusivamente

13 Segundo Thomas Kuhn, “quando um cientista pode considerar um paradigma como certo, não tem mais necessidade, nos seus trabalhos mais importantes, de tentar construir seu campo de estudos começando pelos primeiros princípios e justificando o uso de cada conceito introduzido” (1989, p. 40).

25

com o comportamento social, ela procuraria estabelecer os sistemas simbólicos e as condutas

operadas segundo suas coordenadas. De acordo com Harré, o que se busca nesta forma de

Psicologia Social é “tentar tornar explícitas as normas, regras e significados implícitos e

imanentes ao que as pessoas estão fazendo, e retirar do fluxo turbulento da vida cotidiana tais

padrões de ação individual e conjunta” (p. 43).

2.2. A heterogeneidade epistemológica da Psicologia Social

A heterogeneidade da Psicologia Social, assim como a heterogeneidade de qualquer ciência,

manifesta-se, no entanto, segundo níveis ou critérios variados. O psicólogo social Robert Farr,

por exemplo, em sua obra intitulada As raízes da Psicologia Social moderna (2004), teria se

ocupado tão somente de sua heterogeneidade institucional, compreendendo aí a diferença

verificada entre as suas partes que deveria ser atribuída à diferença entre as suas

proveniências ou filiações institucionais. Nós, no entanto, decidimos ocuparmo-nos

unicamente de sua heterogeneidade epistemológica, da heterogeneidade decorrente da

presença, no interior dessa ciência, de diferentes concepções sobre a atividade científica.

Há pouco, listamos três pontos segundo os quais os psicólogos sociais divergem quando se

põem a definir sua ciência: objetos, métodos e propósitos. Esses três pontos de diferenciação

não são, porém, sem relação uns com os outros. Dependem, em última instância, da

epistemologia ou da filosofia da ciência a que o psicólogo social esteja vinculado,

determinando, assim, a imagem de seu objeto e a maneira particular de conceber os meios de

se conhecê-lo. Suas opções epistemológicas determinam, cada qual a sua maneira, o estatuto a

ser conferido aos seus objetos e os procedimentos necessários para o seu conhecimento.

Esse assunto, no entanto, nós o reservaremos à outra ocasião. Por ora, gostaríamos apenas de

salientar que essa heterogeneidade não é uma característica que os psicólogos sociais

26

desconheçam. Ainda porque, conforme esperamos poder mostrar logo adiante, os psicólogos

sociais sempre estiveram às voltas com a indefinição de sua ciência. Hoje, mais do que nunca,

eles parecem saber que a Psicologia Social não tem um objeto e um método que lhe sejam

próprios, ou que não há acordo entre todos os seus representantes em torno do que deve ser

estudado pela Psicologia Social e de como eles devem encaminhar esses seus estudos.

Entretanto, ainda que, sem dúvida alguma, os próprios psicólogos sociais tenham insistido

sobre o caráter indefinido e impreciso de sua ciência, não é sempre claro para todos que essa

indefinição e esse desacordo possam decorrer de sua heterogeneidade epistemológica.

Uma primeira prova de que esse estado de indefinição não lhes é desconhecido pode ser dada

pelas palavras do psicólogo social Serge Moscovici. Há décadas atrás, motivado pelo desejo

de estabelecer uma nova base epistemológica para a Psicologia Social, Moscovici afirmara

que “devemos admitir que a psicologia social não é realmente uma ciência” (2004, p. 128).

Ainda segundo o autor,

nós desejamos dar-lhe uma aparência de ciência, usando um raciocínio matemático e os refinamentos do método experimental; mas o fato é que a psicologia social não pode ser descrita como uma disciplina, como um campo unitário de interesse, um referencial sistemático de critérios e exigências, um corpo coerente de conhecimentos, ou mesmo um conjunto de perspectivas comuns compartilhados por todos que a praticam (2004, p. 128).

Além disso, a indeterminação da Psicologia Social, não bastasse estender-se pelo curso de

mais de um século, também não reconhece fronteiras espaciais, limites geográficos. Como

assinalou o psicólogo social Serge Guimond, “há muitas variações segundo os países”14.

Poder-se-ia, com efeito, dizer que um continente é suficientemente extenso para abrigar

14 Cf. GUIMOND, S. (2002). Serge Guimond. Entrevista concedida a Michaël Dambrun em agosto de 2002. Disponível em: www.psychologie-sociale.org/pdfEntretiens/Guimond_2002.pdf.

27

posições antagônicas, perspectivas concorrentes, mas mesmo um país parece ser capaz de

sofrer dessa indeterminação a que nos referimos.

Aliás, em 1928, na primeira edição de sua Introdução à Psicologia Coletiva (1960), Charles

Blondel (1876-1939) já escrevia:

não parece que tenha sido estabelecido neste terreno um acordo satisfatório, entre os pesquisadores, sobre a natureza e o caráter de seus estudos. Daí uma impressão penosa de confusão e desordem quando se passa, nessas matérias, dos autores alemães aos italianos, ingleses, americanos ou franceses, ou mesmo, em cada língua, de um autor a outro (1960, p. 8).

Estaríamos, no entanto, sendo justos? Afinal, a Psicologia Social sempre foi uma daquelas

protociências que se arrogam desde seu nascimento o direito de não saber o que são por não

terem ainda alcançado sua tão sonhada maioridade. Sendo assim, a constatação de Blondel,

datando do início do século XX, não seria de espantar. Confusão e desordem devendo-se

unicamente ao estado de indeterminação próprio a todo novo empreendimento, o tempo

encarregar-se-ia de amainar as diferenças, agrupar as semelhanças, e pouco a pouco o que era

múltiplo, por uma espécie de metamorfose misteriosa, ficaria um.

Isso não foi, porém, o que efetivamente aconteceu. Recentemente, o psicólogo social Michel-

Louis Rouquette mostrou-se da mesma opinião. Segundo ele,

é difícil falar da disciplina como se ela fosse unitária. Existem práticas e construções da psicologia social muito diferentes: na Europa, onde já se tem inúmeras, que co-existem mais ou menos pacificamente; na América do Norte e na América Latina. Não se trata, de modo algum, das mesmas questões, particularmente, se se compara a América do Norte à América Latina e a América Latina a uma boa parte da Europa. Há, portanto, uma diversidade de psicologias sociais15.

15 Cf. ROUQUETTE, M.-L. (2001). Michel-Louis Rouquette. Entrevista concedida a Sylvain Delouvée em dezembro de 2001. Disponível em: www.psychologie-sociale.org/pdfEntretiens/Rouquette_2001.pdf.

28

Assim, que a sua indefinição seja grande e que essa indefinição não se tenha ainda dissipado

são coisas sobre a qual não pode haver dúvida. Afinal, arrolássemos todas as definições que

dela já se deu e somássemos a estas outras que hoje vigoram, submeteríamos o leitor a uma

experiência desconcertante, tamanho o disparate que há nelas entre si, tamanho o desacordo

que há entre o que nelas se expressa e o que ela, a Psicologia Social, efetivamente é.

Em 1966, o psicólogo social norte-americano Leon Festinger, “um dos líderes, se não o líder

dos psicólogos sociais experimentais” (MOSCOVICI & MARKOVÁ, 2006, p. 16, itálico do

autor), via no “desenvolvimento sem paralelo” que a disciplina sofrera a razão para tão baixo

“grau de ordem ou de evolução sistemática”, e consagrava um livro inteiro, juntamente a

outros psicólogos sociais, ao “empreendimento cooperativo [visando] favorecer a atual

tendência no sentido da codificação de técnicas de pesquisas [a fim de] oferecer aos

estudantes que se graduam no setor certa compreensão dos princípios e processos da

metodologia moderna” (FESTINGER & KATZ, 1974).

Alguns anos mais tarde, porém, em 1979, o psicólogo social francês Jacques-Phillipe Leyens

confessava-nos que “é mais fácil nomear os psicólogos sociais do que definir a unidade dos

seus campos de interesse” (p. 12).

Além dele, o psicólogo social Aroldo Rodrigues dizia-nos, à mesma época, que

a psicologia social contemporânea não sabe bem o que é, havendo os que a consideram uma ciência básica, outros uma ciência aplicada, outros ainda uma tecnologia, alguns uma ideologia e outros poucos uma filosofia social, além dos que a consideram como uma combinação de duas ou três das características citadas (1979, p. 30)

A recente observação de Willem Doise é mais esclarecedora na medida em que apresenta, de

certa maneira, um esquema da situação da Psicologia Social contemporânea. De acordo com o

autor,

29

há vários anos, os debates que ocorrem nos congressos internacionais de Psicologia Social se limitam, frequentemente, a solicitações de esclarecimentos, a sugestões polidas de interpretações alternativas, a observações quanto às populações estudadas. Tudo se passa como se trabalhássemos no âmbito de uma ciência normatizada, uma ciência na qual os pesquisadores aderem aos mesmos postulados de base e na qual as possíveis divergências fossem apenas uma questão de detalhes. Divergências fundamentais, no entanto, existem entre os pesquisadores, sendo que alguns aderem a um construcionismo radical, outros a uma prática da análise de discurso, rejeitando a idéia de quantificação ou variáveis experimentais e, outros ainda, aderem a uma corrente da cognição social que, ao contrário, privilegia a abordagem experimental (2002, p. 27).

2.3. Os motivos apresentados para a indefinição da Psicologia Social

A confiarmos no que vêm relatando seus representantes, não deve restar dúvida quanto ao

caráter heterogêneo da Psicologia Social. Afinal, como vimos, os psicólogos sociais

recorrentemente dão testemunho da dificuldade de recolher, numa fórmula mais ou menos

precisa, a unidade de sua ciência. Assim é que a Psicologia Social, quando não figura como

parte da Psicologia Geral, vem definida negativamente como uma ciência não-experimental

ou “social”, sem que possamos estar certos do que esse termo significa.

A fragmentação ou, ainda, a pluralidade teórico-metodológica da Psicologia Social

(FONSECA in STREY et al., 2003, p. 42), seja dado o nome que se der, vários autores já a

relataram. As linhas anteriores desejaram mostrar, porém, que esse estado de coisas não

pertence, de modo algum, ao passado da Psicologia Social. Aliás, segundo a psicóloga social

Tânia Maria Galli da Fonseca, no estado atual da Psicologia Social podemos constatar, muito

pelo contrário, “pluralizações diversas que apontam para um quadro de fragmentação antes do

que para a unidade” (in STREY et al., 2003, p. 42). Ainda segundo a autora,

novos espaços se constituem pelas conjunções e disjunções realizadas. Implicações antigas são questionadas e descentramentos são propostos. (...) Redes de saberes se propõem a interconexões, possibilitando uma infindável trama de possibilidades de conhecer (p. 42-43).

30

Em publicação recente, os psicólogos Serge Moscovici e Ivana Marková buscaram esmiuçar

os bastidores do longo processo que fez da Psicologia Social uma ciência internacional.

Amparados em vasta documentação, os referidos autores foram capazer de demonstrar-nos

com suficiente clareza histórica os compromissos assumidos pela Psicologia Social no

período posterior e imediato ao pós-guerra. Desse elaborado exame, concluíram os autores

que “a dificuldade (...) referente à identidade da psicologia social não foi resolvida e (...)

persiste hoje” (2006, p. 9).

Em um livro igualmente recente, dedicado à história das ideias psicossociológicas, o

psicólogo social Gustav Jahoda afirmou algo semelhante. Segundo Jahoda, “mesmo hoje há

uma falta de consenso sobre aquilo que a psicologia é ou deva ser” (2007, p. 2).

Contudo, não apenas as definições são muitas. Igualmente variados são os motivos ou as

causas a que os psicólogos sociais recorrem para justificar esse estado de indefinição.

Sua indefinição, até onde pudemos verificar, é atribuída:

a) à imaturidade da Psicologia Social quando comparada às demais ciências sociais;

b) ao seu “parentesco interdisciplinar”, verificado historicamente pela sua dupla vinculação à

Psicologia e à Sociologia;

c) às mudanças paradigmáticas de que, volta-e-meia, seriam vítimas todas as ciências,

apoiando-se, portanto, numa determinada filosofia da história das ciências (Thomas Kuhn em

mente);

31

d) à variação das estruturas sociais nas quais o saber psicossociológico se elabora e ao qual

permaneceria inextricavelmente vinculado (de acordo com uma socioepistemologia hoje

bastante difundida).

A seguir, enumeraremos cada um desses motivos, avaliando, sempre que possível, sua

plausibilidade e coerência.

2.3.1. A imaturidade da Psicologia Social

Uma das maneiras mais pobres pelas quais alguns psicólogos sociais procuram compreender

ou justificar o estado de indefinição de sua ciência consiste em afirmar que a Psicologia

Social é uma ciência ainda muito jovem. Desse “argumento”, dão-nos testemunho as palavras

de Rodrigues, para quem é forçoso reconhecer que a Psicologia é “uma ciência muito nova”

(1979, p. 85). De acordo com o autor, “na melhor das hipóteses, diremos que ela tem cerca de

120 anos. Ora, uma ciência de 120 anos é uma ciência incipiente” (1979, p. 85).

Entretanto, e conforme Wittgenstein, “a confusão e a aridez da psicologia não pode ser

explicada chamando-a uma ‘ciência jovem’; seu estado não é comparável com aquele da

física no seu começo, por exemplo. Na psicologia, o que há são métodos experimentais e

confusão conceitual” (1953, p. 232).

Além disso, o infortúnio desse argumento é que ele exige dos psicólogos sociais qualquer

coisa da ordem de uma esperança cega num futuro a todo instante renovado. O que não é,

afinal, sem relação com uma determinada opção epistemológica. Pois este argumento parece

apoiar-se na convicção do positivista de que o tempo encarregar-se-ia, progressivamente, de

conferir a uma ciência, seja ela qual for, a unidade que lhe falta.

32

2.3.2. O parentesco interdisciplinar da Psicologia Social

Um segundo argumento igualmente difundido entre os psicólogos sociais consiste na

apresentação da indefinição da Psicologia Social como consequência da pluralidade de sua

proveniência institucional. Segundo seus porta-vozes, o caráter heterogêneo e impreciso da

Psicologia Social contemporânea encontraria suas raízes no fato histórico de que essa ciência

nasceu, mais ou menos prematuramente, de duas disciplinas distintas (da Psicologia, de um

lado, da Sociologia, do outro). Isso, assim argumentam, teria feito com que ela herdasse

dessas duas disciplinas conceitos, métodos e problemas heterogêneos e mesmo incompatíveis

(FARR, 2004; MOSCOVICI, 1992). A Psicologia Social seria, portanto, uma ciência

“charneira”, conforme a expressão de Jean Maisonneuve (1977, p. 2).

Da mesma forma, para Theodore N. Newcomb, o “campo algo indefinido da pesquisa

psicossocial” (in FESTINGER & KATZ, 1974, p.2) dever-se-ia à ocasião de a Psicologia

Social ser uma “ciência de fronteira” (p. 9). Conforme Newcomb, “além dos riscos que

cercam todos os tipos de pesquisa social, a psicologia social está sujeita a algumas

deficiências especiais. Muitas delas provêm de seu parentesco interdisciplinar e de seus

limites ainda ambíguos” (p. 5).

Esse argumento é, de certa forma, aquele que fora empregado por Robert Farr, em seu Raízes

da Psicologia Social Moderna (2004). De acordo com Farr, haveria duas formas de

Psicologia Social. Ao lado de uma Psicologia Social psicológica, concebida como parte da

Psicologia Geral, haveria uma Psicologia Social sociológica, mais próxima à Sociologia e às

demais ciências sociais, preocupando-se, assim, em compreender as formas simbólicas sem as

quais o indivíduo não passaria de pura abstração.

É curioso notar, porém, que, embora a Psicologia Social possa mesmo ter sido concebida

originariamente como “um lugar de encontro e de interação entre duas disciplinas (a

33

sociologia e a psicologia)” (MOSCOVICI, 1992, p. 541), ela permanece uma ciência

relativamente ignorada, seja em sua formação histórica, seja em sua configuração epistêmica

atual, e isso tanto por parte de muitos psicólogos quanto por parcela significativa dos

cientistas sociais, que no preconceito que insistem em nutrir a seu respeito parecem apenas

querer velar as incongruências e os impasses de que sofrem suas próprias ciências. Aliás,

quanto a esse ponto, são reveladoras as palavras de Burmester. Segundo este autor,

os ‘enfoques interdisciplinares’ são [...] justaposições de profissionais limitados – o economista que escuta o sociólogo sem entendê-lo, o sociólogo que não sabe o mínimo necessário de psicologia para entender um texto elementar, o historiador que não é capaz de manejar os princípios de uma análise lingüística de textos – [Nessa situação,] a psicologia social ocupa o lugar incômodo da incompreensão generalizada. O psicólogo trata desesperadamente de reduzí-la à sua disciplina, o sociólogo faz o mesmo, também o antropólogo e o economista vislumbram sua contribuição possível porém a compreendem sentindo-se alheios a ela, respeitando o que não entendem (1988, p. 4).

2.3.3. As revoluções paradigmáticas

Não é raro vermos psicólogos sociais tentando justificar a indefinição de sua ciência apoiados

no conceito de “paradigma”, tal como fora definido em 1962 por Thomas Kuhn em sua

filosofia da história das revoluções científicas 16 . Para eles, após um período “normal”,

caracterizado pelo consenso de seus representantes em torno dos conceitos, dos métodos e dos

instrumentos de análise e situado, aproximadamente, entre as décadas de 40 e 60, a Psicologia

Social teria entrado num período de “crise paradigmática” 17 . Essa crise, a que se

16 Não obstante o próprio autor ter sugerido que o conceito talvez não pudesse aplicar-se ao exame da história das ciências sociais. Conforme lemos em Thomas Kuhn, “permanece em aberto a questão a respeito de que áreas da ciência social já adquiriram tais paradigmas” (1989, p. 35). Aliás, como bem disse Rodrigues, “quase podemos dizer que esta ciência – perdoem-me a irreverência – muda de paradigma como se muda de roupa, ou talvez que nenhum paradigma foi ainda aceito em psicologia” (1979, p. 18).17 Conforme as palavras de Rodrigues, “houve épocas de maior consenso no que diz respeito aos métodos, às finalidades e ao enfoque geral dado aos problemas com que a disciplina se confronta” (1979, p. 17).

34

convencionou chamar de “crise de identidade da Psicologia Social”, constituiria, porém,

apenas um momento no desenvolvimento progressivo de sua ciência.

Essa interpretação, porém, que faz a indefinição da Psicologia Social parecer um mero

acidente, não nos parece inteiramente justa. Mesmo porque, embora o conceito de paradigma

pareça ajustar-se em alguns aspectos àquilo que se passou à Psicologia Social (em especial, ao

momento de sua experimentalização (FARR, 2004)), ele deixa de adequar-se em vários outros

aspectos.

Em artigo dedicado a indagar sobre a existência ou não existência de um progresso real na

pesquisa em Psicologia Social, lemos a seguinte opinião de Brewster Smith:

De qualquer forma, parece-me que a psicologia social está atualmente num ‘estado de crise’, no sentido utilizado por Kuhn em seu livro The structure of scientific revolutions. Parece que estamos um tanto perdidos no que tange a problemas importantes a serem investigados e modelos a serem utilizados em nossa pesquisa e em nossa teoria (apud RODRIGUES, 1979, p. 16).

Segundo Kuhn, o conceito de paradigma é a unidade fundamental para o estudo do

desenvolvimento científico (p. 31). Ele diz respeito a “um corpo qualquer de crenças comuns”

(p. 33) ou ao “conjunto-padrão de métodos ou de fenômenos” (p. 33) que orientam os

cientistas em sua prática e que são “revelados nos seus manuais, conferências e exercícios de

laboratório” (p. 67). Para ele, as crises paradigmáticas seriam causadas, principalmente, pela

dificuldade dos cientistas em apreender um novo fenômeno a partir dos recursos disponíveis,

pelos recursos fornecidos pelo paradigma vigente. Elas seriam, assim, motivadas pelas

“anomalias que subvertem a tradição existente na prática científica” (p. 25).

De fato, após a Segunda Guerra Mundial, a Psicologia Social assistiu a um grande

desenvolvimento institucional, manifesto pela criação de periódicos especializados, centros de

pesquisa e por uma progressiva participação nos currículos universitários (FARR, 2004). E,

com efeito, segundo Thomas Kuhn, “a criação de jornais especializados; a fundação de

35

sociedades de especialistas e a reivindicação de um lugar especial nos currículos de estudo,

têm geralmente estado associadas com o momento em que um grupo aceita pela primeira vez

um paradigma” (1989, p. 39-49).

Mas é forçoso reconhecer que as semelhanças entre a história da Psicologia Social e a história

das revoluções científicas tais como Kuhn a descreve acabam por aí. Afinal, um paradigma

diz respeito, para Thomas Kuhn, a algo mais do que a mera difusão institucional de uma

ciência18. Aliás, a confiarmos nas palavras da historiadora Marina Massimi,

o termo ‘paradigma’ não parece ser, do ponto de vista historiográfico, a expressão mais adequada para definir a natureza epistemológica da psicologia em geral e possivelmente da psicologia social, pois lhe impõe um modelo que, derivado das ciências naturais, acaba por reduzir acomplexidade e multiplicidade que a constituem (in CAMPOS & GUARESCHI, 2007, p. 34).

Enfim, quando nos pomos a conhecer aquilo que os psicólogos sociais efetivamente dizem ou

fazem, tudo indica que eles não estão seguros de seus primeiros princípios. Ou melhor, tudo

nos leva a crer que eles não compartilham os mesmos princípios. E esse é, entretanto, uma das

principais funções de um novo paradigma. Segundo Kuhn, “um paradigma permite explicar

os eventos retrospectivos” (p. 44), ele “dispensa o cientista da necessidade de começar dos

primeiros princípios” (p. 39). No entanto, segundo dois psicólogos sociais brasileiros, “na

Psicologia Social, esse não é o caso. Ao contrário, há intensas disputas, pouca tolerância sobre

pontos de vista diferentes e nenhuma concordância sobre quais seriam os pressupostos

teóricos básicos” (SPINK & SPINK, 2005, p. 565).

18 É bem verdade, no entanto, que o conceito de paradigma, mesmo em Thomas Kuhn, não é um conceito bem definido. Coisa que, aliás, o próprio autor reconhece. Pois, segundo ele, um paradigma pode ser concebido de duas maneiras: ou como um conjunto de crenças (1989, p. 23) ou de regras que orientam a prática científica (p. 26), ou, ainda, como um conjunto de exemplos compartilhados pelos cientistas em um determinado momento da história de sua ciência (p. 232). Tanto em um quanto noutro caso, porém, um paradigma teria como função definir os problemas possíveis e as soluções igualmente possíveis (p. 25), assim como a totalidade dos objetos cognoscíveis (p. 26). Aliás, segundo Kuhn, é a sua própria capacidade de “restrição fenomênica” o que permite uma compreensão mais aguda dos fenômenos (p. 45).

36

2.3.4. As diferentes configurações sociais

Outro argumento utilizado para compreender o estado de indefinição da Psicologia Social

pode ser encontrado na pesquisa genealógica empreendida há alguns anos pela psicóloga

social Rosane Neves da Silva, publicada recentemente sob o título A invenção da Psicologia

Social (2005). Neste livro, Silva teria decidido, segundo suas próprias palavras, “encarar de

frente” a questão de saber o que é, afinal de contas, a Psicologia Social (p. 9). Seu argumento,

porém, diferentemente dos argumentos anteriores, não toma a indefinição e a variabilidade

constatada no interior da Psicologia Social como um problema a ser solucionado, mas como

um indício pelo qual podemos averiguar o caráter próprio dessa ciência. Consiste ele,

sumariamente, em apresentar a diversidade que acomete essa ciência como sendo derivada da

diversidade dos modos de manifestação e conceitualização de seu objeto, definido geralmente,

segundo Silva, “em torno da interação social dos indivíduos” (p. 15).

Lançando mão das “ferramentas da genealogia foucaultiana” (p. 10), Silva sugere que

admitamos, em primeiro lugar, que a Psicologia Social não tem, como se poderia supor, um

objeto real. Que ela não tem um objeto que permanece sempre o mesmo, pairando sobre a

ganga dos acontecimentos, esperando apenas a feliz ocasião de ser enunciado pelo psicólogo

social. Pelo contrário, conforme a autora, “o social é menos um campo de aplicação da

psicologia que a condição de possibilidade para o surgimento da própria psicologia moderna”

(p. 10). Daí sua afirmação de que

a chave para compreender a invenção de uma psicologia social se encontra particularmente num movimento de conceitualização do social, ou seja, num movimento que cessa de tomar o social como uma simples evidência fundada sobre o senso comum (no sentido de uma ‘universalidade fictícia’ que atravessaria todas as relações humanas) e, ao contrário, passa a constituí-lo em relação a um campo problemático que emerge a partir de um determinado conjunto de práticas. (p. 16)

37

Assim, as diferentes manifestações da Psicologia Social encontrar-se-iam intimamente

vinculadas aos modos particulares pelos quais se configurou o seu objeto. Isso porque,

segundo Silva, uma ilusão comum entre os psicólogos sociais consistiria na identificação

entre as relações sociais e a noção de sociabilidade. Essa operação teria como efeito a

supressão da historicidade do modo pelo qual os homens têm se relacionado aqui e ali, nessa

ou naquela sociedade, nesse ou naquele momento.

Conforme a autora, “precisamos admitir que não vamos encontrar apenas uma configuração

do social, mas várias: cada formação histórica cria um campo de possibilidades de onde

emerge uma certa configuração específica do social” (p. 17).

E assim, amparando-se numa discussão sobre “as condições de possibilidade para a criação de

um campo de conhecimentos em torno daquilo que se convencionou chamar de ‘psicologia

social’” (p. 16), Silva descreve-nos duas configurações sociais ou dois modelos de

conceitualização do social. Isso porque, segundo a autora, esses modelos respondem, cada

qual a sua maneira, por dispositivos particulares de ordenação das relações entre os homens.

Segundo Silva, eles “traduzem um certo arranjo entre as estratégias de poder e as técnicas de

subjetivação que atravessam uma formação histórica em um determinado momento,

atualizando sistemas de referência distintos quanto ao modo de organização do tecido social”

(p. 18).

Assim sendo, num primeiro momento, as relações sociais teriam sido reguladas sem que

houvesse jamais a necessidade do recurso a qualquer corpo especializado. Segundo Silva,

suas “‘disfunções’ são reabsorvidas no próprio tecido das relações sociais informais” (p. 18).

A partir do século XIII, porém, essas redes informais teriam dado lugar àquilo que Castell

chamara de “gestão racional da indigência” (apud SILVA, 2005, p. 19). Daí em diante,

assistiríamos à disseminação do modelo “social-assistencial”, ligado, segundo Silva, ao

“desenvolvimento de um conjunto de práticas que possuem uma função protetora e

38

integradora, cujo objetivo é o atendimento de certos segmentos da população carente” (2005,

p. 19).

Silva descreve-nos, em seguida, um modelo resultante de uma “fratura entre uma ordem

jurídico-política fundada sobre a igual soberania de todos, e uma ordem econômica que

acarreta um aumento da miséria” (p. 23). Segundo a autora, “o importante é que agora, nesta

segunda configuração, o social se torna, além de tudo, um objeto de conhecimento. Aí reside a

principal diferença com relação à primeira configuração: a objetivação do social enquanto um

novo domínio de saber” (p. 26).

Assim, a dificuldade em compreender a Psicologia Social decorreria do fato de que o seu

objeto teria surgido a partir do arranjo de acontecimentos bastante precisos, decorrentes das

desordens político-econômicas imediatas à Revolução Francesa e à Revolução Industrial.

Mais precisamente, sua indeterminação dever-se-ia ao fato de seu objeto ter-se apresentado de

múltiplas maneiras ou configurações, e isso em função dos arranjos políticos e econômicos

em voga. Essas configurações ou conceitualizações do social é que responderiam, portanto,

pelos diferentes modos de ser da Psicologia Social.

Segundo Silva, a Psicologia Social deve ser entendida, antes de tudo, como um dispositivo

forjado para atender às demandas provenientes da configuração social decorrente das

Revoluções Francesa e Industrial. Segundo ela, “o que nos interessa para o desenvolvimento

de nossa análise é poder compreender os dispositivos criados por uma determinada formação

social no sentido de resolver os problemas aos quais ela se vê confrontada” (p. 17).

Essa, aliás, parece ser também a posição de Fonseca, para quem,

como dispositivo autoritário, a Psicologia tende a naturalizar a realidade psicológica e social, mascarando o papel que desempenham certas práticas humanas na construção dessa realidade, sugerindo, por exemplo, a existência de certos padrões de normalidade psicológica marcados pela própria natureza e aos quais devemos nos conformar e adequar (in STREY et al., 2003, p. 45).

39

2.4. A indisciplinaridade da Psicologia Social

De acordo com James M. M. Good, o estudo sistemático das disciplinas é um

empreendimento relativamente recente. Ele teria assistido, no entanto, a um progresso notável

nos últimos vinte anos, em razão da contribuição de linhas de pesquisa bastante diversas,

originárias de áreas as mais distintas, tais como os estudos sociais da ciência, a epistemologia

social, a sociologia do conhecimento, a história e a filosofia da ciência e a filosofia e a

psicologia da ciência (2000, p. 384).

Conforme as palavras de Thomas F. Gieryn, este estudo teria como objetivo “a atribuição de

características selecionadas à instituição da ciência (i.e., aos seus praticantes, métodos,

estoque de conhecimento, valores e organização de trabalho) a fim de construir um limite

social” (apud GOOD, 2000, p. 386). Este “trabalho de delimitação” (boundary work) deveria,

assim, ser compreendido como o meio a partir do qual a “autoridade cognitiva” de disciplinas

é restringido, protegido, expandido ou, ainda, reforçado (p. 387). Segundo Good, a

importância concedida ao estudo das disciplinas advém do reconhecimento de que elas

constituem “agências para a produção e disseminação do conhecimento” (p. 383).

Entretanto, apesar desse esforço recente de distinção, a maioria dos psicólogos sociais, até

onde pudemos ver, não parecem fazer diferença entre o conceito de ciência e o conceito de

disciplina. Muito contrariamente, têm-nos usado como sinônimos, como se ambos

designassem o mesmo objeto, como se fosse evidente a identidade entre esses termos, ou

como se eles visassem ou devessem visar uma só e mesma coisa.

Acontece que uma coisa é o saber, a ciência, enquanto conjunto coerente de princípios,

enunciados e regras para a formação de enunciados. Outra, bastante diferente, o dispositivo

destinado à sua propagação e à sua reprodução. De modo que, ainda que nós pudéssemos

consentir que à Psicologia Social fosse reservado o conceito de ciência, nós não estaríamos

40

seguros de que a Psicologia Social possa ser definida como uma disciplina. E, menos ainda,

de que ela deva ser definida como uma “disciplina específica”19. Ou melhor: à diferença do

que ocorre a alguns psicólogos sociais, nós não concordamos que a Psicologia Social seja

uma disciplina. Pois, afinal, a não ser que se queira fazer um uso indiscriminado do conceito,

“uma disciplina se define por um domínio de objetos, um conjunto de métodos, um corpus de

proposições verdadeiras, um jogo de regras e de definições, de técnicas e de instrumentos”

(FOUCAULT, 2002, p. 30). Ela faz parte, ao lado do comentário e do autor, daqueles

princípios de rarefação, daqueles procedimentos de delimitação e de controle que, do interior

mesmo do discurso, conjuram seus poderes e perigos ao prescrever-lhe a regra de sua

articulação e as condições de seu aparecimento (p. 9, 21-26).

Uma disciplina é, no entanto, definida também como um sistema. Um sistema, seja dito, a

serviço da reprodução de uma ciência. Fundando a possibilidade da produção de novos

enunciados a partir da transmissão de algumas regras particulares, ela forma “uma espécie de

sistema anônimo à disposição de quem quer ou pode servir-se dele, sem que seu sentido ou

sua validade estejam ligados a quem sucedeu ser seu inventor” (FOUCAULT, 2002, p. 30,

itálico nosso).

Esse aspecto sistêmico de toda disciplina parece, no entanto, ter escapado à grande maioria

dos psicólogos sociais. Pois é preciso lembrar que um sistema é sempre definido como uma

totalidade em que as suas partes são solidárias, cada qual contribuindo para a definição de

todas as outras e, simultaneamente, para a definição do todo do qual são partes.

A Psicologia Social, entretanto, considerada em seu conjunto (ou seja, independentemente

dessa ou daquela orientação epistemológica) não constitui de maneira nenhuma um sistema.

Antes, suas partes, atentando permanentemente umas contra as outras, fazem dessa ciência um

território indefinido, marcado, como já se disse, por “intensas disputas, pouca tolerância sobre

19 Segundo Robert Farr, “se a psicologia social é uma disciplina específica, e eu creio que ela o é, deve, então, interessar-se de modo particular com a relação entre o indivíduo e a sociedade” (2004, p. 192, itálico nosso).

41

pontos de vista diferentes e nenhuma concordância sobre quais seriam os pressupostos

teóricos básicos” (SPINK & SPINK, 2005, p. 565).

42

3. EPISTEMOLOGIA E PSICOLOGIA SOCIAL

No capítulo anterior, buscamos mostrar o quanto os psicólogos sociais divergem quando se

trata de definir sua ciência. Fizemos isso, tanto quanto possível, através de seu próprio

testemunho, e vimos, assim, que, a despeito de sua indiscutível boa vontade, os psicólogos

sociais costumam dar à Psicologia Social o perfil que lhes convém, atribuindo-lhe objetos,

métodos e finalidades bastante divergentes entre si.

Quando, no entanto, nós mesmos assumimos a tarefa de examinar a grande massa de

trabalhos que se tem posto sob o seu nome, o que constatamos não é diferente: ora

encontramos a Psicologia Social definida como uma ciência do comportamento (ZAJONC,

1969), ora como uma ciência histórica (GERGEN, 1973), ora como uma ciência hermenêutica

(MOSCOVICI, 2004; IÑIGUEZ, 2004), ora uma ciência da ideologia (MOSCOVICI, 2004;

LANE, 1984). Ora, ainda, mais recentemente, ela é apresentada como um setor da ciência

biológica, reivindicando para si todos os fenômenos neuronais subjacentes aos

comportamentos sociais – aí incluídos, não sem alguma dificuldade20, os comportamentos

verbais ou linguísticos (CACIOPPO & BERNTSON, 2000).

Mas vimos também que, apesar dos psicólogos sociais já terem definido a Psicologia Social

de inúmeras maneiras, não é verdade que eles ignorem completamente a diferença entre as

suas definições. Pelo contrário, conhecem a imensa disputa que caracteriza a história de seu

domínio. Conforme mostramos, eles próprios lançaram mão de inúmeros argumentos para

justificar o estado indefinido de sua ciência – muitas vezes com a intenção de fazer parecer

provisória e acidental sua incapacidade de reunir todos os seus representantes em torno de

uma única definição.

20 Conforme assinalam os neurocientistas sociais Jean Keenan e Julian Decety, editores do periódico Social Neuroscience, “muitos dos comportamentos sociais em que estamos interessados, tais como a linguagem e os comportamentos sexuais, diferem tão significativamente entre as espécies que estes estudos limitam nosso entendimento” (2006, p. 3).

43

Mas, mesmo que os psicólogos sociais tenham desde sempre se empenhado em definir a sua

ciência e que eles não desconheçam completamente a sua heterogeneidade, eles parecem não

atentar para o fato de que é justamente no instante em que a definem que, tomando a parte

pelo todo e definindo a Psicologia Social a partir da Psicologia Social que fazem, excluem

todas as suas demais orientações ou manifestações.

3.1. A disputa pela hegemonia do discurso psicossociológico

Poder-se-ia, no entanto, objetar que muitas ciências são igualmente compostas por partes e

que isso, afinal de contas, não parece constituir um problema. Poderia, aliás, ser apenas o caso

de a diferença verificada entre as suas partes não ser mais do que o efeito de um processo de

especialização. Pois, com efeito, algumas ciência, muito frequentemente, julgam mesmo

necessário que suas partes ou seus representantes conquistem uma relativa autonomia, para o

bem e o desenvolvimento do próprio todo do qual são partes. A especialização das partes

impediria, assim, que seus representantes permanecessem subordinados às mesmas condições,

coisa que contribuiria para o aparecimento de novas questões e de novos fenômenos.

Acontece que, no que tange à Psicologia Social, a diferença observada entre as suas partes

parece ser de outra natureza. Pois as suas partes, longe de serem solidárias umas às outras,

participam de uma verdadeira disputa pela hegemonia do discurso psicossociológico. Essa

disputa caracteriza-se pelo fato de que, nela, cada parte reivindica para si o direito de falar em

nome da Psicologia Social como um todo21.

Entretanto, essa disputa, embora reconhecida, costuma ser sempre apresentada sob a forma

simplificada de uma divergência ou de uma disputa entre duas partes apenas. Assim é que,

21 Veremos, no capítulo seguinte, que essa disputa manifesta-se claramente na estratégia adotada, nos Estados Unidos, pelos irmãos Allport, no momento em que afirmaram que a Psicologia Social verdadeiramente científica deveria ser concebida, dali em diante, como uma ciência positiva e experimental do indivíduo.

44

frequentemente, encontramos na sua literatura a oposição entre positivistas e historicistas,

individualistas e holistas, psicólogos sociais psicológicos e psicólogos sociais sociológicos

etc.. Caberia, no entanto, perguntarmos: trata-se mesmo de uma divergência? Seria mesmo o

caso de estarmos diante de uma luta em que se opõem apenas duas alternativas?

Uma observação de dois psicólogos sociais brasileiros parece fornecer uma resposta negativa

a essa pergunta. Segundo eles, “a bibliografia sobre pesquisa em Psicologia Social é extensa e

contempla diferentes concepções de ciência, consequentemente, procedimentos muito

diferenciados sobre a atividade de pesquisar” (TITTONI & JACQUES in STREY et al., 2003,

p. 83). Além disso, conforme veremos logo adiante, tem sido cada vez mais frequente o

reconhecimento de que a mera recusa ao experimentalismo não é suficiente para que os

psicólogos sociais entrem em consenso sobre seus métodos, seus objetos e sobre a finalidade

de sua ciência.

3.2. A Psicologia Social como ciência

Independentemente do objeto, do método ou da finalidade que a Psicologia Social já se deu

ou que ela hoje se dá; a despeito da flagrante diferença de suas inúmeras manifestações

segundo as diferenças de seus países de origem, dos acontecimentos que lhe suscitaram ou

dos caprichos de seus inumeráveis representantes, ela, a Psicologia Social, é sempre definida

ou apresentada como uma ciência. Essa, a bem da verdade, parece ser a única coisa da qual

os psicólogos sociais estão seguros e, ao que tudo indica, é tudo quanto podem dizer sem que

se instaure imediatamente a discórdia.

Esse predicado, porém, longe de apaziguar-nos em nossa inquietação, é, ele também, a causa

de outras tantas indagações. Pois ele não nos diz, afinal, muita coisa, uma vez que, como se

desejará mostrar, o termo não é de maneira nenhuma inequívoco.

45

Acontece que muitos psicólogos sociais costumam ignorar que há ainda outra orientação

compondo o rol das epistemologias da Psicologia Social. Que a sua heterogeneidade não se

explica inteiramente, afinal, pela mera oposição entre positivistas e fenomenólogos.

Segundo Robert Farr, a Psicologia Social teria emergido nos Estados Unidos a partir,

justamente, do conflito entre “duas filosofias rivais, mas incompatíveis”, referindo,

declaradamente, à fenomenologia e ao positivismo (2004, p. 183-192). Contudo, segundo

Jaqueline Tittoni e Maria Jacques, “[mesmo] os procedimentos de análise e interpretação

empregados na pesquisa em Psicologia Social admitem uma diversidade de propostas cuja

opção depende da conceitualização do objeto, do material pesquisado e do aporte teórico de

fundamentação” (in STREY et al., 2003, p. 79). Ou seja: mesmo reconhecendo o caráter

linguístico ou simbólico dos fenômenos de que trata, mesmo admitindo que os seus

fenômenos são históricos, ainda assim os psicólogos sociais divergem, lançando mão de

diferentes filosofias da linguagem. Assim é que veremos que também o pragmatismo

linguístico, ao menos da maneira como ele se desenvolveu a partir dos trabalhos de

Wittgenstein (1889-1951) e da Escola de Oxford, encontra-se presente na Psicologia Social.

Segundo Ibáñez, “é à filosofia analítica, em suas várias orientações e devido tanto a seus

fracassos como a seus êxitos que devemos atribuir a expansão do interesse pela linguagem nas

várias ciências sociais e humanas” (2004, p. 22).

3.3. As epistemologias da Psicologia Social

Se a oposição entre positivismo e fenomenologia não é suficiente para dar conta da totalidade

das variações da Psicologia Social, da diversidade de seus temas, seus conceitos, seus

métodos, talvez fosse conveniente tentarmos buscar esclarecer as suas posições

46

epistemológicas, buscar colocar em discussão, da mesma maneira como sugere Ronald

Arendt, “os modelos subjacentes de ciência das práticas psicológicas” (2004, p. 20).

Nossa dissertação, porém, como dissemos anteriormente, é dedicada exclusivamente ao

exame crítico da Psicologia Social segundo o ponto de vista de sua totalidade e de sua

heterogeneidade epsitemológica. Portanto, e na medida em que se pretende um exame crítico,

convém que evitemos julgar a conveniência ou a validade de tal ou qual compreensão

particular da atividade científica, e que nos detenhamos unicamente em descrevê-las nos seus

traços fundamentais.

3.3.1. A inspiração positivista

Dentre o grande número de propostas filosóficas a que se dá o nome positivismo, uma das

mais difundidas foi aquela derivada da doutrina político-filosófica nascida em meados do

século XIX a partir das reflexões do francês Augusto Comte (1798-1857). Essa doutrina,

inspirada pelo progressivo avanço das ciências empíricas da natureza (Newton, na Física;

Lavoisier, na Química; Bichat, na Biologia), desenvolveu-se como reação direta à relativa

anomia social vivida pela França nos anos seguintes à Revolução. De acordo com Wolf

Lepenies,

diferentemente das disciplinas históricas que, sobretudo na Alemanha, contrabalançam metodologicamente com sua orientação ideográfica a pretensão nomotética das ciências exatas, as ciências sociais –principalmente na França e na Inglaterra – apóiam sua luta por reconhecimento acadêmico numa imitação das ciências naturais (1996, p. 17).

Mas o positivismo importa-nos aqui apenas na medida em que contribuiu para a manifestação

de uma Psicologia Social bastante particular. Afinal, essa doutrina determinou, em grande

medida, a maneira como as ciências humanas compreenderam o seu valor e orientaram a sua

47

história, desempenhando um papel crucial na história e na historiografia das ciências

humanas, em geral, e da Psicologia Social, em particular. Dá-nos testemunha disso a

afirmação de Theodore Newcomb, para quem, “no credo do cientista, o primeiro artigo de fé é

sua convicção de que, sabendo arguir sobre a realidade empírica, poderá enunciar leis

segundo as quais ela se manifesta” (in FESTINGER & KATZ, 1972, p. 1).

Segundo Farr, “muitos dos erros e vieses nas histórias da psicologia e da psicologia social são

uma consequência direta de se aceitar uma filosofia positivista de ciência” (2004, p. 193).

O positivismo, tal como ele foi defendido por Comte, comporta uma teoria do conhecimento,

em geral, e, particularmente, uma teoria do conhecimento científico – isso que chamamos

aqui, vagamente, de epistemologia. A epistemologia positivista assenta-se em três postulados

fundamentais:

1) ele postula a superioridade da ciência quantos aos demais saberes ou quanto às demais

formas simbólicas (mito, religião etc..);

2) à ciência é destinada a tarefa de enunciar as leis imanentes à realidade empírica, à

apreensão de sua ordem;

3) o progresso social decorre do conhecimento dessa ordem imanente aos próprios

fenômenos.

Para o positivismo, conhecer é, primeira e fundamentalmente, experimentar. Sua teoria do

conhecimento científico sustenta que apenas à experiência devemos conceder o papel de

reguladora de nossos conhecimentos, sendo que a ela apenas caberia a função de permitir o

enunciado das leis imanentes aos fenômenos. Segundo Comte, o método científico resume-se

48

à observação e à indução. Essa caracterização do conhecimento científico decorre, no entanto,

de uma teoria geral da evolução do conhecimento, na qual Comte lança mão de sua conhecida

lei dos três estágios. Segundo esta teoria, a humanidade, ao longo de sua longa história e ao

curso de seus esforços de compreensão do mundo, teriam passaram por três estágios

sucessivos (BOUTHOUL, 1966):

1º) um estágio teológico, em que os homens buscam explicar os fenômenos por causas

primeiras, geralmente personificadas em deuses;

2º) um estágio metafísico, em que se procura alcançar concepções menos antropomórficas,

substituindo as causas primeiras por causas mais gerais, mas ainda sobrenaturais;

3º) o estágio positivo, no qual os homens explicam os fenômenos a partir de causas segundas,

amparados exclusivamente na observação do que é dado imediatamente à sensibilidade.

Não é difícil notar que, por essas características, o Positivismo vincula-se àquela tradição

filosófica denominada empirismo. Mas as semelhanças entre positivismo e empirismo

terminam na importância concedida à experiência na formação de nossos conhecimentos.

Pois, afinal, o empirismo, levado às suas últimas consequências, não admite a necessidade

dos juízos de experiência, e não atribui validade senão restrita às leis que explicam, em termos

de causa e efeito, as regularidades dos fenômenos naturais (BOUTHOUL, 1966). O

positivismo, pelo contrário, dá um passo além e culmina numa verdadeira ontologia. E essa

ontologia caracteriza-se pela indistinção, no plano dos fenômenos, entre aqueles que dizem

respeito ao homem e aqueles que concernem aos demais objetos. É por essa razão que os seus

49

opositores insistirão em afirmar que a Psicologia Social experimental “objetifica”,

“substancializa” ou, ainda, “coisifica” o homem (GERGEN, 1985; IÑIGUEZ, 2004).

No capítulo seguinte, veremos como a Psicologia Social ganhou espaço institucional e

reconhecimento acadêmico quando propôs abandonar o âmbito da pura especulação

admitindo os princípios epistemológicos do positivismo.

3.3.2. A inspiração fenomenológica

Uma parcela considerável da Psicologia Social contemporânea tem se caracterizado pela

insistência em afirmar que toda ciência humana não pode prescindir da referência à

intencionalidade imanente aos seus fenômenos. Ou, mais exatamente, ao significado que lhes

é subjacente. Segundo essa variante da Psicologia Social, a omissão dessa “dimensão”, assim

alegam seus representantes, faria com qu perdêssemos a sua especificidade mesma, o seu

caráter propriamente “humano”, levando-nos a reduzir os fenômenos humanos a meros dados

físicos.

Esse movimento não é, certamente, uma especificidade da Psicologia Social. Pelo contrário,

nas demais ciências sociais é igualmente corrente a admissão do pressuposto segundo o qual

existe um dinamismo de constituição mútua entre psiquismo e cultura, e que os processos

psicológicos individuais não devem ser considerados independentemente dos significados e

das práticas culturais que lhes são correlativos, pressuposto que decorre, mais ou menos

diretamente, da fenomenologia de Alfred Schütz (1899-1959) e de sua ideia de que o

psiquismo individual só pode ser compreendido se for interpretado à luz dos contextos

sociais, culturais e históricos que lhe dão sentido. Com essa postura, essa variante da

Psicologia Social vincula-se, com maior ou menor consciência, a uma filosofia bastante

particular: a saber, à Fenomenologia. Trata-se, em todo caso, de um movimento geral a que se

50

deu o nome alhures de tournant interprétatif das ciências sociais (GRONDIN, 2003, p. 7)

Como, no entanto, essa variante parece compor uma grande parte da Psicologia Social

contemporânea, e como ela parece dizer respeito à grande parte daqueles que se opõem a

Psicologia Social de inspiração positivista, achamos que talvez fosse conveniente dedicar um

espaço maior ao exame de seus principais postulados.

A importância da Fenomenologia para a consolidação das ciências humanas

Não é fácil saber a quem devemos atribuir o nascimento da Fenomenologia. De Kant a

Husserl, passando por Hegel, Dilthey, Brentano22 e Schütz, muitos foram os que contribuíram

para o desenvolvimento dessa nova filosofia, considerada por alguns como uma das mais

importantes matrizes filosóficas das ciências humanas no século XX (LYOTARD, 1967; SÁ

in JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2005, p. 319). Conforme Roberto Novaes de

Sá, “a influência da fenomenologia no campo das ciências humanas é bastante vasta e

heterogênea” (2005, p. 321). Ainda segundo as palavras de Sá,

de um modo geral, a grande contribuição da fenomenologia é a de fornecer um modelo de descrição e compreensão de sentido próprio para a abordagem dos fenômenos que dizem respeito ao espírito, ao contrário do modelo de ‘explicação causal’ empregado pelas ciências da natureza (p. 321).

Tem-se, no entanto, relativa clareza de que essa filosofia tomou em Edmund Husserl (1859-

1938) a forma de uma reação contra o logicismo e, sobretudo, contra o positivismo ou

objetivismo vigentes ao fim do século XIX. Como assinalou André Dartigues,

22 Conforme Dartigues, “a grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em seguida, em afirmar que esses fenômenos podem ser percebidos e que o modo de percepção original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental” (2005, p. 15).

51

a partir de 1880, a bela segurança do pensamento positivista começa a ser abalada, pois cada vez mais os fundamentos e o alcance da ciência tornam-se objeto de interrogação: terão as leis que ela descobre uma validez universal? Qual é o sentido da objetividade? Não serão elas apenas convenções e não dependerão do psiquismo, cujas leis a psicologia por sua vez descobre? (2005, p. 15).

Como veremos no capítulo seguinte, no final do século XIX, as ciências empíricas do homem

desenvolveram-se e conquistaram um importante espaço nas instituições de ensino alemãs.

Tornava-se, aos seus porta-vozes, cada vez mais urgente a tarefa de enumerar os seus

princípios, esclarecer os seus fundamentos, tanto quanto maior a necessidade de marcar a sua

especificidade e a sua autonomia ante as já consagradas “ciências da natureza”. Segundo Sá,

na medida em que as ciências do espírito e, particularmente, a psicologia científica, nascida no século XIX a partir do modelo das ciências naturais, começam a questionar a adequação de tal modelo ao seu objeto próprio, a fenomenologia mostra-se uma fértil alternativa para a estruturação de uma abordagem mais apropriada ao estudo do homem (2005, p. 321).

Mas a aproximação mais explícita de parte da Psicologia Social em direção à Fenomenologia

deu-se muito recentemente. Data, conforme veremos, do período subsequente à sua difusão

institucional, do período que se convencionou chamar de “crise de identidade da Psicologia

Social” (RODRIGUES, 1979, p. 30-38). Essa aproximação, porém, desenvolveu-se sob a

forma de uma simpatia difusa. Pois ela visava, em primeiro lugar, munir a Psicologia Social

de bons argumentos contra o positivismo (há algumas décadas, seu modelo hegemônico de

conhecimento). Pois, assim como para uma parte considerável daqueles psicólogos sociais,

para a fenomenologia a questão também sempre foi a de saber o que dizer do “sujeito

concreto, em sua vida psíquica imediata e em seu engajamento histórico” (DARTIGUES,

2005, p. 15), anulado pelo pensamento objetivista.

Uma primeira aproximação da Psicologia Social em direção à Fenomenologia é dada pela

simpatia de grande parte de seus representantes por um dos princípios mais fundamentais

52

dessa filosofia: a saber, o princípio da intencionalidade. Esse princípio, contam-nos os

fenomenólogos, caracteriza-se pela afirmação de uma correlação indissolúvel e originária

entre os objetos de conhecimento e o pensamento mesmo de quem os pensa. Conforme

Dartigues,

o princípio da intencionalidade é que a consciência é sempre ‘consciência de alguma coisa’, que ela só é consciência estando dirigida a um objeto (sentido de intentio). Por sua vez, o objeto só pode ser definido em sua relação à consciência, ele é sempre objeto-para-um-sujeito” (Ibidem, p. 22).

Quando os psicólogos sociais sugerem que atentemos para essa correlação entre sujeito e

objeto, visam, fundamentalmente, que ambas essas noções, que, frequentemente, são

concebidas como existentes em-si, sejam desubstancializadas, desnaturalizadas ou

desessencializadas.

Além disso, conforme Dartigues, para a Fenomenologia, “o erro de Descartes é ter concebido

o eu do cogito como uma alma-substância, por conseguinte, como uma coisa (res)

independente, da qual restava saber como poderia entrar em relação às outras coisas,

colocadas por definição como exteriores” (2005, p. 25). Ainda segundo esse autor, para a

Fenomenologia, “consciência e objeto não são, com efeito, duas entidades separadas na

natureza que se trataria, em seguida, de pôr em relação, mas consciência e objeto se definem

respectivamente a partir dessa correlação que lhes é, de alguma maneira, co-original” (2005,

p. 23)

Mas é preciso que nós façamos aqui uma pequena observação. Pois convém salientar que essa

inspiração fenomenológica não faz com que uma parte da Psicologia Social seja,

propriamente, uma Fenomenologia. Pois, embora possa amparar-se em alguns de seus

princípios e que retome recorrentemente alguns de seus temas fundamentais, a Psicologia

Social inspirada pela Fenomenologia contenta-se em supor ou em indicar uma correlação

original entre sujeito e objeto (ou, ainda, entre o psiquismo e o mundo, seja ele natural ou

53

social). Ela não volta os seus esforços, como é o caso para a Fenomenologia, na direção de

elucidar essa correlação. E, como assinala Dartigues, “assim se encontra delimitado o campo

de análise da fenomenologia: ela deve elucidar a essência dessa correlação na qual não

somente aparece tal ou qual objeto, mas se estende o mundo inteiro” (Ibidem, p. 23).

Assim, o mais correto seria afirmarmos que a Psicologia Social de inspiração fenomenológica

constitui uma fenomenologia regional, em que os seus representantes empenham-se em

descrever os modos particulares pelos quais se manifestam os pensamentos e seus objetos

correlativos.

Mas essa recusa de parte da Psicologia Social ao “paradigma cartesiano” pode ser também

interpretada como uma crítica ao conhecimento como representação. E esse tema, também

ele, é mais um dos temas caros à Fenomenologia. Em Moura, lemos que “o objeto intencional

da representação é o mesmo que seu objeto exterior” (MOURA, 1989, p. 95), e que, mesmo

em Husserl, “não existe diferença entre o objeto imanente e o objeto efetivo” (p. 95). Ainda

conforme Moura,

se a análise fenomenológica deve limitar-se à consideração dos componentes reais da consciência, a determinação do objeto intencional como transcendente prescreve, inevitavelmente que a fenomenologia não possa adiantar nada sobre ele já que, estando no exterior da consciência, ele estará fora do campo das afirmações fenomenologicamente legitimáveis (p. 97-98).

Além disso, outro tema recorrente na Fenomenologia e que repercute em parte da Psicologia

Social diz respeito ao caráter constituinte do homem, à sua capacidade de pôr o mundo em

que se orienta. O que, novamente, aproxima parte da Psicologia Social da Fenomenologia.

Pois, segundo Dartigues, uma das preocupações da Fenomenologia consiste justamente na

“análise do dinamismo do espírito que dá aos objetos do mundo seu sentido” (2005, p. 22).

54

Afirmando, assim, o caráter constituinte do homem, a Psicologia Social de inspiração

fenomenológica desejaria “romper com a familiaridade cotidiana” (SÁ, 2005, p. 328), visando

o “estranhamento” e o despertar da “responsabilidade” (p. 321).

Mas, ainda que admitam esse caráter constituinte, os psicólogos sociais tendem a recusar o

recurso ao conceito de consciência transcendental, tão caro à Fenomenologia.

Segundo a Fenomenologia, por consciência transcendental devemos entender a condição de

aparição desse mundo e doadora de seu sentido. Esse conceito, porém, os psicólogos sociais

julgam-no demasiado metafísico, preferindo substituí-lo por algumas outras noções, como as

de “processo”, “interação” etc.. Afirmam, assim, que é no processo de interação social que os

homens criam ou constituem a si mesmo e ao outro.

Em todo caso, os psicólogos sociais parecem ignorar que o verdadeiro resíduo da redução

fenomenológica não é o sujeito puro, destituído de todo vivido, mas unicamente aquela

correlação que faz com que apreendamos todo objeto como um objeto para nós

(DARTIGUES, 2005, p. 29).

Mas poderíamos nos perguntar: se o psicólogo social de orientação fenomenológica admite

que a realidade comporta significação, que o mundo é, em todo caso, “estrutura de sentido,

contexto de significação” (SÁ, 2005, p. 326), e que, além disso, enquanto ser de linguagem, o

homem vive imerso nela e apreende essas significações imediatamente, de onde proviria a

necessidade de sua interpretação? Ou seja: que sentido poderia haver numa pesquisa do

significado se esses nos fossem dados imediatamente?

Conforme Jean Grondin, “a virada hermenêutica da fenomenologia é então o nome de uma

radicalização do programa e do olhar fenomenológico que se mostra atento à condição de

linguagem (langagière) do sentido, e que se abre, daí então, à história (ao invés de se desviar

dela)” (2003, p. 5). Ela não seria nada mais do que a radicalização do princípio descoberto

pela Fenomenologia. Assim, segundo ele, “a necessidade da virada hermenêutica decorre, a

55

princípio, da grande descoberta da fenomenologia, que é, segundo opinião quase unânime,

aquela da intencionalidade” (p. 7).

Para Gergen, a linguagem é uma condição prévia do que chamamos pensamento, seja ele

individual ou social” (apud IÑIGUEZ, 2004, p. 22). O que parece concordar com o projeto

hermenêutico, já que, segundo Grondin, “a virada hermenêutica da fenomenologia descobrirá

que as coisas não são tão simples: desde que há sentido ou intenção, há já orientação em

direção à palavra, em direção a uma presença significativa que se situa sempre no elemento da

linguagem” (2003, p. 8). Ela partiria, assim, da “descoberta da linguagem como a condição

imemorial de todo pensamento” (p. 10).

Ainda segundo Grondin, “a virada hermenêutica da fenomenologia busca pensar este

elemento, inquietante, desconcertante, da linguagem, que é a condição de toda

intencionalidade, de toda visada de sentido e de toda consciência” (p. 11).

Assim, o psicólogo social de inspiração fenomenológica, quando ele rejeita como único

recurso a experimentação, ele deseja unicamente atentar para o fato de que, com isso, perde-se

inevitavelmente a dimensão simbólica dos fenômenos, a sua intencionalidade. Apaga-se,

assim, o fato de que os fenômenos humanos, diferentemente dos fenômenos físicos,

comportam significado.

3.3.3. A inspiração pragmática

Como dissemos anteriormente, tem sido frequente entre os psicólogos sociais a referência à

Fenomenologia. Vimos que essa aproximação deveu-se à recusa, explícita naquela filosofia,

em subordinar todo conhecimento ao modelo epistemológico das ciências matemáticas e

experimentais da natureza.

56

Igualmente comum, porém, tem sido a referência, entre os psicólogos sociais, ao

Pragmatismo. Particularmente, ao pragmatismo linguístico, tal como foi desenvolvido, na

Inglaterra, a partir das considerações de Ludwig Wittgenstein23 (1889-1951). E isso porque o

pragmatismo linguístico modificou profundamente as ciências humanas como um todo, e a

Psicologia Social não passou indiferente a esse movimento. Ainda assim, a sua importância

permanece largamente ignorada por grande parte dos psicólogos sociais. Como desejaremos

demonstrar nas linhas seguintes, essa aproximação é consequencia não apenas da crítica aos

fundamentos epistemológicos e ontológicos do Positivismo comteano, como também da

progressiva crítica, presente nessa filosofia, à concepção representacional da linguagem

(concepção esta que se encontrava presente tanto no Positivismo quanto numa determinada

interpretação da Fenomenologia). Além disso, essa aproximação é consequencia do fato de o

pragmatismo ter permitido às ciências sociais, em geral, e à Psicologia Social, em particular,

superar uma série de problemas teórico-metodológicos decorrentes dos impasses

epistemológicos da filosofia continental – ao acentuar o caráter de atividade da linguagem e

ao por o acento sobre o seu estatuto de acontecimento24.

23 Mais precisamente, à segunda fase de sua filosofia, quando, a partir das críticas de Ramsey e da admissão de alguns aspectos teóricos do pragmatismo americano, o filósofo austríaco iniciou uma completa reordenação de sua posição teórica (MELO, 1991, p. 65).24 Segundo a pesquisadora Inês Lacerda Araújo, “esse modo de ver o conhecimento, a verdade, a essência, como produto do comportamento linguístico, caracteriza uma filosofia pós-metafísica, antifundacionista, cujo pano de fundo é a ação [...], para o qual não tem sentido o dualismo empírico/transcendental” (2008, p. 106). Quanto ao caráter antifundacionista do pragmatismo wittgensteiniano, são esclarecedoras as palavras de Adélio Melo. Segundo este autor, para Wittgenstein “a Filosofia não pode fundamentar os jogos de linguagem, e muito menos insurgir-se contra o ‘uso real da linguagem’ que neles é feito. Só pode consistir ainda numa atividade, mas não numa atividade propriamente crítica. Antes, numa atividade de função exclusivamente terapêutica. Visará evitar confusões e perplexidades com origem no interior dos jogos de linguagem – ou entre eles -, introduzindo clareza lá onde existe obscuridade, ou iluminando o ponto em que as regras que deveriam servir a um suposto objetivo, realmente não servem. Visará, mais genericamente, remediar as várias patologias que se manifestam no domínio heterogêneo das linguagens” (1991, p. 80).

57

O papel da linguagem

De modo geral, ao “pragmatismo linguístico” têm recorrido, direta e indiretamente, todos os

psicólogos sociais interessados em tomar a linguagem (ou, ainda, o discurso) como objeto de

suas considerações (IBÁÑEZ, 2004, p. 19-49). Sob este aspecto, porém, esses psicólogos

sociais em nada difeririam dos psicólogos sociais de inspiração fenomenológica – o que, aliás,

tem contribuído para diminuir ou ocultar sua importância e especificidade. Afinal, como

vimos acima, a Fenomenologia concede também especial atenção à linguagem, insistindo

sobre o caráter simbólico (ou intencional) dos fenômenos humanos e afirmando, assim como

os pragmatistas, o papel constituinte da linguagem – ou melhor, a sua capacidade de construir

ou instituir realidades, associando-a, assim, a uma forma de transcendentalismo.

Acontece que há uma diferença fundamental entre essas duas filosofias. Uma diferença que se

inscreve, enfim, na maneira mesma pelas quais ambas compreenderão a própria linguagem.

Afinal, o pragmatismo linguístico parte de outra concepção de linguagem, onde:

a) a linguagem passa a ser não mais concebida como mero instrumento de representação,

a não mais ser restringido o seu uso àquele da descrição. Conforme as palavras de

Ibáñez, “a linguagem não só nos diz como é o mundo, ela também o institui; e não se

limita a refletir as coisas do mundo, também atua sobre elas, participando de sua

constituição” (2004, p. 39). Não se ignorará o seu uso descritivo. Entretanto, embora

esse seja, de fato, um uso possível da linguagem, os filósofos analíticos insistirão em

afirmar que ela pode ser empregada com inúmeras outras finalidades. Insistir-se-á,

assim, sobre a necessidade de tomar como centro de suas preocupações “as

pragmáticas reais dos homens, na sua multiplicidade e diversidade” (MELO, p. 59).

Conforme as palavras de Melo, “tem de se ‘rodar o eixo’ em torno do qual se

58

processara a investigação de outrora, reconhecendo-se que não há nem uma forma

geral da proposição, nem uma unidade da linguagem, nem, concomitantemente, a

exclusiva função descritiva” (MELO, p. 69). Além disso, segundo Araújo,

a representação não é o modelo epistemológico privilegiado, portanto, conhecer deixa de ser uma relação entre sujeito e objeto, e o modo de representar algo depende do jogo de linguagem, no qual cabe afirmar algo a respeito de uma situação ou estado de coisa, para alguém, num contexto (2008, p. 105).

b) a linguagem passa a ser concebida como “um conjunto heterogêneo, sem fronteiras

definíveis a priori, com distintos domínios regidos por regras impermutáveis”

(MELO, 1991, p. 65). Recusar-se-á, assim, a suposição da existência de uma forma

geral da proposição, constatando-se a existência de enunciados com estatutos e

funções não unificáveis: enunciados descritivos, performáticos 25 , prescritivos,

conjecturais etc. (p. 64);

c) criticar-se-á e recusar-se-á não apenas a idéia de que existe apenas uma forma lógica,

como também se recusará a tomar a linguagem por um “espelho da arquitetónica duma

realidade monística” (p. 65);

d) recusa-se que às palavras estejam afixados significados unívocos ou essencialistas,

passando a admitir-se que, na maioria dos casos, o sentido de uma palavra é o seu uso

real neste ou naquele agenciamento linguístico.

25 “Com efeito, certos enunciados constituem literalmente ‘atos de linguagem’ à medida que sua enunciação é inseparável da modificação ou da criação de um estado de coisas que não poderia surgir independentemente dessa enunciação” (IBÁÑEZ, 2004, 33-34).

59

A noção de jogo de linguagem

Uma noção fundamental dentro dessa filosofia é aquela dos jogos de linguagem. Da teoria da

linguagem de Wittgenstein, podemos enumerar as seguintes características dos jogos de

linguagem:

a) “os jogos de linguagem são maneiras de usar os signos” (KENNY, 1984, p. 140).

b) “um jogo de linguagem é uma unidade estrutural constituída por signos linguísticos,

atividades humanas e objetos” (MELO, 1991, p. 74)

c) “cada jogo de linguagem é dotado de regras peculiares de uma ‘pragmática lógica’

própria, de tipos de enunciados dominantes em função do objetivo genérico em vista”.

d) a cada jogo de linguagem está de fato associada uma particular atividade ou forma de

vida (p. 70).

Isso significa dizer que, para o Pragmatismo linguístico, é um equívoco supor que

organização ou, mais exatamente, o manejo dos signos dá-se em abstrato, no vazio. Para ele,

muito pelo contrário, é preciso nunca deixar de considerar os contextos particulares e os fins

visados correlativos ao exercício da linguagem. Segundo o ponto de vista pragmático, a

linguagem não será inteligível “sem íntima coligação a um contexto individual ou

institucional de objetivos a realizar” (p. 65). Isso, aliás, explicaria em larga medida a

aproximação da Psicologia Social com os trabalhos de Michel Foucault, embora a simpatia

60

que a promovera possa melhor ser atribuída ao seu caráter combativo do que propriamente à

solução que apresenta a alguns velhos impasses teórico-metodológicos.

Linguagem e transcendentalismo

Segundo Iñiguez, “as pessoas e o mundo social somos o resultado, o produto, de processos

sociais específicos. Em Iñiguez, lemos ainda que “não existem objetos naturais, os objetos são

o que são porque os fazemos, e nós somos tão dependentes deles, como eles de nós” (2004, p.

18), e que “a realidade constrói-se socialmente e os instrumentos com os quais se constrói são

discursivos” (2004, p. 21). Essa posição parece assentar-se perfeitamente na ideia de que “um

jogo de linguagem é uma espécie de paradigma transcendental” (MELO, 1991, p. 76), “uma

forma singularíssima de modelo a priori” (p. 75). Mesmo porque, segundo o pragmatismo, “o

que existe, de fato, é a pluralidade de jogos de linguagem com as suas múltiplas

funcionalidades impermutáveis – com as suas diferentes regras e as suas diferentes estratégias

vitais” (p. 73). “Implica-se agora que não existe nem a essência da linguagem nem algo que

possamos chamar a essência do mundo. O que há são jogos de linguagem irredutíveis uns aos

outros, bem como, a eles correlacionados, irredutíveis mundos fenomênicos” (p. 69). Ainda

segunda as palavras de Melo,

os objetos basilares de qualquer jogo de linguagem, por conseguinte, são como que imanentes à arquitetônica do próprio jogo. São ‘constituídos’ em função do seu escopo ‘pragmático’. Donde: diferentes jogos de linguagem constituirão ‘mundos de objetos’ diferenciados, materializarão distintos paradigmas de recorte da onticidade em geral (empírica e trans-empírica). Pragmatismo e pluralismo ontológicos, portanto (p. 74-75).

61

O significado do resgate da Psicologia Social de George Herbert Mead

Podemos dizer, além disso, que essa “virada pragmática’ é o que responde pela progressiva

importância concedida à Psicologia Social do americano George Herbert Mead. Isso porque,

enquanto a Psicologia Social norte-americana do início do século XX voltava a quase

totalidade de seus esforços na direção de adequar-se ao modelo epistemológico das ciências

matemáticas e experimentais da natureza, Mead oferecia, diferentemente, uma concepção em

que a linguagem obtinha lugar de destaque. Segundo Adélio Melo, “G. Herbert Mead e John

Dewey [...] tinham vincado a inserção comunitária da linguagem, e a sua íntima associação a

contextos pragmáticos (a situações humanas e a objetivos a realizar)” (p. 65).

3.4. A Psicologia Social e suas formas

Que a Psicologia Social congregue conceitos, métodos e práticas bastante diversas, isso não

nos impede de tentar compreendê-la em sua inteireza. A sua diversidade não impede, em todo

caso, que nos esforcemos por fazer algumas distinções, e que dentre as suas (quase) infinitas

variações possamos enumerar algumas formas bem definidas. Mesmo porque, como veremos

logo abaixo, foi justamente isso o que fez Robert Farr, ao dividir a Psicologia Social em suas

formas psicológica e sociológica, segundo a diferença de sua proveniência institucional.

Acontece, no entanto, que essa divisão não é evidentemente a única possível. Pois, que ela

parta do critério da proveniência institucional é uma escolha do próprio autor. Afinal, em um

determinado momento de seu livro, lemos:

Compartilho a crença de Allport e de Jones de que a era moderna da psicologia social iniciou no fim da segunda guerra mundial. Meu ponto de vista, diferentemente do deles, não está fundamentado em nenhuma filosofia especial de ciência. Minha explicação está muito mais próxima da história apresentada por Jones, do que aquela apresentada por Allport. Isto porque

62

meu interesse liga-se à história das instituições, e não à história das idéias(2004, p. 36, itálico nosso).

3.4.1. As formas psicológica e sociológica da Psicologia Social

Como dissemos, a pergunta pela unidade de um determinado âmbito do saber não resulta

necessariamente em sua homogeneização. Tomemos como exemplo a obra do psicólogo

social inglês Robert Farr (2004) e veremos que, muito pelo contrário, a história da disciplina

pode muito bem se revelar a luta de contrários, a Psicologia Social oscilando entre uma

orientação psicológica e sociológica. Em As raízes da Psicologia Social Moderna, Farr deu-

nos prova suficiente da possibilidade de um tal projeto, ao reduzir o extenso domínio da

Psicologia Social em duas formas perfeitamente compreensíveis. Segundo Farr, toda e

qualquer Psicologia Social encontrar-se-ia, mais ou menos evidentemente, mais ou menos

assumidamente, situada em uma forma psicológica ou sociológica, em duas formas distintas

de pesquisa (2004, p. 151-165). Dependendo de sua proveniência institucional, dependendo

da ocasião de a Psicologia Social ter-se originado como um setor ou um departamento da

Psicologia ou como um setor ou um departamento da Sociologia, a Psicologia Social poderia

assumir (e, de fato, teria assumido) uma forma psicológica ou uma forma sociológica.

Conforme Farr, essas formas da Psicologia Social teriam sido profundamente influenciadas

pelas características da “disciplina-mãe” (p. 154). Sobre essas características, no entanto, o

autor pouco nos fala. O que não deve, porém, ser entendido como um erro, já que, por essa

via, o autor permanece nos limites de sua proposta, nos limites, enfim, do exame histórico do

processo pelo qual a Psicologia Social ter-se-ia individualizado (p. 135-160).

Esse exame histórico, entretanto, pouco nos informa sobre aquilo que nos convém examinar, e

que é, enfim, a diferença referente às suas orientações epistemológicas, ou seja, a diferença

referente à maneira como cada uma delas compreende e realiza a atividade científica. Para

63

isso, portanto, é preciso que, ao lado da distinção proposta por Robert Farr, ponhamos uma

outra, em certa medida complementar àquela. Uma distinção que diga respeito, não à sua

divergência institucional e histórica, mas uma distinção que traga alguma luz sobre a

divergência epistemológica que a constitui.

3.4.2. As formas experimental e não-experimental da Psicologia Social

A Psicologia Social pode ser dividida em duas outras formas que, embora não sejam

necessariamente antagônicas em sua natureza26, participam de uma verdadeira disputa pela

hegemonia do discurso psicossociológico. Pois ela pode assumir, como veremos, uma forma

experimental e uma forma não-experimental. Essa distinção é, aliás, semelhante àquela

apresentada por Gustav Jahoda em sua recente história da psicologia social (2007), onde

distingue as três principais orientações constitutivas da Psicologia Social contemporânea. Na

conclusão de seu livro, Jahoda afirma que a Psicologia Social contemporânea encontrar-se-ia

dividida em:

a) uma psicologia social crítica, refratária à subordinação da Psicologia Social ao

modelo epistemológico das ciências experimentais e matemáticas da natureza e

ocupada em tomar como seus todos os fenômenos relativos ao discurso ou à

linguagem. Segundo Jahoda, os psicólogos sociais críticos considerariam o discurso e

o texto como “cruciais para a compreensão da vida social” (p. 217);

26 Gergen argumenta que a Psicologia Social experimental é mais um exame das regras históricas de comportamento do que propriamente a ciência de suas leis imutáveis. O autor, no entanto, não a condena de todo. Pois, ao fim de seu artigo, afirma que ela pode ser útil, por exemplo, ao fornecer informações à sociedade sobre hábitos por ela desconhecidos, “desenvolvendo indicadores de disposições psicossociais” e auxiliando na promoção de uma sociedade menos manipulada e manipulável (2008, p. 482).

64

b) uma psicologia social evolucionista, preocupada em distinguir, experimentalmente,

todas aquelas determinações filogenéticas que poderiam contribuir para manifestação,

hoje, de tal ou qual comportamento social. Desenvolvida a partir do avanço da

genética, essa Psicologia Social, segundo Jahoda, caracterizar-se-ia pela formulação e

pelo teste de hipóteses sobre o modo como as mudanças enfrentadas pelos primeiros

seres humanos resultaram em uma arquitetura neural que ainda influencia nosso

comportamento social (p. 218);

c) uma neuropsicologia social, ocupada em elaborar desenhos experimentais explicativos

para os fenômenos neuronais (ou para a arquitetura neural) subjacentes ao

comportamento social atual (p. 220). Essa variante, por sua vez, teria se desenvolvido

a partir dos avanços de algumas tecnologias27.

3.4.2.1.A Psicologia Social experimental

A Psicologia Social experimental é, hoje, alvo de uma série de críticas. Segundo Eugène

Enriquez,

na psicologia social experimental, como se sabe, tenta-se controlar o conjunto de variáveis e os indivíduos são colocados em uma situação experimental na qual se sabe exatamente aonde se quer chegar, mesmo que os resultados possam ser diferentes como, por exemplo, na famosa experiência da submissão à autoridade. De toda maneira, os indivíduos são tratados como elementos totalmente instrumentais (ENRIQUEZ & CASTILHO, 2006, p. 264).

27 Jahoda refere-se, particularmente, ao desenvolvimento da tecnologia de ressonância magnética. Conforme sua palavras, “um avanço crucial foi tornado possível pelo advento do Imageamento por Ressonância Magnética (MRI), fornecendo insights sobre o cérebro vivo” (Op. cit., p. 221).

65

Segundo a célebre definição de Gordon Allport, a Psicologia Social é uma tentativa para

compreender e explicar a maneira como o pensamento, o sentimento e o comportamento dos

indivíduos são influenciados pela presença real, imaginada ou implícita dos outros (1954).

Algo muito próximo ao que ela veio a se tornar futuramente, quando enfim se converteu

quase inteiramente numa ciência do “comportamento social” (ZAJONC, 1969, p. 11),

preocupada exclusivamente com o estabelecimento das leis segundo as quais variariam os

comportamentos dos indivíduos na presença de outros indivíduos.

A experimentalização da Psicologia Social costuma ser apresentada como um fenômeno

caracteristicamente americano (FARR, 2004). E, conforme veremos no capítulo seguinte, a

Psicologia Social experimental encontrou mesmo seu momento de maior desenvolvimento e

expansão institucional após a Segunda Guerra Mundial, a partir da migração para os Estados

Unidos da América de vários psicólogos europeus28.

Com efeito, antes da Segunda Guerra Mundial a Psicologia Social européia não conhecia

qualquer coisa como o experimento, resumindo-se a um conjunto de ensaios sobre o

fenômeno das multidões e a pesquisas de caráter comparativo. Entretanto, após a Segunda

Guerra Mundial, a Psicologia Social assistiu a um processo de expansão que veio a torná-la

uma ciência internacional.

Esse desenvolvimento, porém, não se deu de maneira gratuita. Pois a Psicologia Social, nos

Estados Unidos da América, para conquistar o espaço institucional que alcançara e para obter

o prestígio que chegara a obter, teve de ceder quanto aos valores vigentes, tanto quanto à

filosofia positivo-pragmática que, à época, ocupava o interior das universidades norte-

americanas.

A Psicologia Social experimental caracteriza-se, fundamentalmente, pela defesa e pela

utilização da experimentação como método de conhecimento. Os seus representantes julgam-

28 Essa contingência histórica permitiu que Cartwright viesse a afirmar, curiosamente, ter sido Hitler a mais importante personagem da história da Psicologia Social (FARR, 2004, p. 183).

66

no o único procedimento capaz de estabelecer um conhecimento verdadeiro – e, por ventura,

útil – sobre parcela supostamente bem delimitada dos fenômenos vivos.

Entretanto, é preciso lembrar que, “nos anos de 1920, os psicólogos não estavam em pleno

acordo quanto à definição de ‘experimento’” (MacMARTIN & WINSTON, 2000, p. 349).

Conforme Clare MacMartin e Andrew Winston, muitos psicólogos sociais usavam o termo

apenas com o intuito de marcar uma diferença entre pesquisas empíricas e não-empíricas (p.

349). Segundo eles, “a maioria dos primeiros textos psicossociológicos [...] não contém uma

definição do experimento e qualquer discussão do lugar do experimento em contraposição a

outro método em psicologia social” (p. 350). Assim, “a dominação de uma definição restrita

da experimentação e a promoção da experimentação como método dominante da psicologia

social foram ocorrências graduais” (p. 350). Segundo eles,

entre os anos de 1930 e 1960, a Psicologia Social norte-americana sofreu uma profunda mudança metodológica. A experimentação, definida em termos de uma explícita manipulação de variáveis independentes, foi elevada à forma primeira de geração de conhecimento. A heterogeneidade metodológica dos anos de 1930 foi substituída por uma notável homogeneidade, e desacordos em relação ao papel do experimento foram substituídos pelo consenso relativo aos valores epistemológicos e práticos da experimentação (p. 349, itálico nosso).

Como fenômenos, a Psicologia Social experimental toma, de modo geral, os comportamentos

sociais. Define-os da seguinte maneira: os comportamentos sociais são todos aqueles

comportamentos de um organismo, humano ou não-humano, suscitados ou eliciados pelo

comportamento ou pela expectativa de comportamento de outro organismo.

Esses comportamentos, o psicólogo social experimental manipula-os e observa-os, a fim de

apreender-lhes sua lei imanente. É, dessa forma, um conhecimento das leis segundo as quais

variam os fenômenos (BÉNEZÉ, 1967).

Uma das formas mais contemporâneas e proeminentes de Psicologia Social experimental é

aquela que se tem desenvolvido sob o nome de Neurociência Social. Essa variante da

67

Psicologia Social, conforme seus próprios representantes, nasceu da conjunção de duas

disciplinas vizinhas: a psicobiologia e as neurociências. Afinal, segundo Berntson e Cacioppo,

“a psicologia social e a psicobiologia compartilham uma história amplamente entrelaçada,

embora nem sempre harmônica” (2000, p. 3). Ainda segundo esses autores, a Neurociência

Social encontrar-se-ia intimamente vinculada ao desenvolvimento de novas tecnologias, tais

como as técnicas de imageamento (imaging) cerebral e o progresso das técnicas de aferições

de medidas fisiológicas. Isso teria possibilitado à Psicologia Social experimental ultrapassar o

domínio exclusivo e limitado do comportamento29.

A partir desse momento, deu-se início ao processo que se convencionou chamar de

“individualização da Psicologia Social” (FARR, 2004, p. 135-150). Inspirados pela posição

de Floyd Allport, que foi, a princípio, quem fortemente contribuiu para que a sociedade

passasse a ser concebida como uma soma de indivíduos, a individualização da Psicologia

Social caracterizou-se pelo rechaço a toda espécie de reflexão que parecesse mantê-la sob a

égide da filosofia européia. Conceitos como os de mente grupal (group mind), do inglês

William McDougall, começavam a ser vistos como metafísicos. A esse processo de

individualização, Danziger deu o nome de “repúdio positivista de Wundt” (FARR, 2004, p.

47).

3.4.2.2.A Psicologia Social não-experimental

O experimentalismo, contrariamente ao que nos informa parte da historiografia da Psicologia

Social, é um movimento relativamente recente na história dessa ciência. Data do imediato

pós-guerra, quando, na década de 1940, um número considerável de psicólogos europeus teve

de abandonar seus países de origem, refugiando-se da ameaça imposta pelo nazismo (FARR,

29 Essa é, aliás, a grande diferença, ignorada por muitos psicólogos sociais contrários ao experimentalismo, entre essa forma de Psicologia Social e aquela desenvolvida décadas atrás.

68

2004, p. 183). Nessa época, os Estados Unidos da América e União Soviética, as duas grandes

potências político-econômicas, ditavam as diretrizes do pensamento psicológico. Como

assinala o psicólogo social cubano Fernando González Rey, formado na tradição soviética,

“se analisarmos a produção da psicologia soviética nas décadas de 1950 e 1960, vamos

observar um predomínio do estudo das funções psicofisiológicas, sensoriais e cognitivas, em

que predomina, também, uma aproximação metodológica totalmente experimental” (2004, p.

27)

A Psicologia Social não-experimental, por sua vez, é mais antiga, tendo se originado

conjuntamente ao desenvolvimento, ainda na Europa, das ciências sociais. Ilustraremos essa

forma de Psicologia tomando, arbitrariamente, algumas de seus representantes. Exporemos,

assim, alguns pontos referentes à Psicologia Social construcionista, inspirada na sociologia do

conhecimento de Berger e Luckmann, a Psicologia Social genética, amparada na Teoria das

Representações Sociais de Serge Moscovici, e a Psicologia Social crítica, decorrente da

aproximação da Psicologia Social com os princípios do materialismo-dialético30.

A Psicologia Social construcionista

Conforme dissemos logo de início, em 1973, o psicólogo social Kenneth J. Gergen publicou

um artigo intitulado A Psicologia Social como história. Neste artigo, Gergen dizia-nos que

“uma análise da teoria e da pesquisa em psicologia social revela que, enquanto os métodos de

30 Há, sem dúvida alguma, muitas outras variantes dessa forma de Psicologia Social. Ainda porque, de certo modo, a Psicologia Social não-experimental é um domínio quase ilimitado, variando conforme os compromissos políticos firmados por seus representantes. Como exemplo, poderíamos citar a Psicossociologia Clínica.Notamos, porém, que essa variante repete, ela também, os mesmos argumentos e ampara-se nos mesmos princípios que as variantes de que nos ocuparemos, definindo-se, de modo geral, negativamente, por oposição ao experimentalismo. Segundo Eugène Enriquez, “a psicossociologia clínica, como se sabe, tenta o contrário, ver o indivíduo em sua totalidade, com seu psiquismo, suas interações com os outros, em um conjunto em que há normas sociais e maneiras de reagir a essas normas, de ver como elas são interiorizadas, como podem ser transgredidas, reorganizadas, com a idéia fundamental de fazer, ao contrário, com que os indivíduos, compreendendo bem a situação em que se encontram, possam efetivamente se tornar mais autônomos, em relação às determinações sociais nas quais se encontram” (2006, p. 264-265).

69

pesquisa são científicos em aparência, as teorias do comportamento social são reflexões

primárias de história contemporânea” (2008, p.475). Ainda segundo as palavras de Gergen, “o

construcionismo social vê o discurso sobre o mundo não como um reflexo ou um mapa do

mundo, mas como um artefato do intercâmbio comum” (1985, p. 266).

O Construcionismo Social, no entanto, não nasceu na Psicologia Social. Pois esta doutrina, a

meio caminho da epistemologia e da sociologia, desenvolveu-se a partir do trabalho dos

sociólogos Peter Berger e Thomas Luckmann (A Construção Social da realidade, 1966). Sua

publicação representou, no entanto, para a Psicologia Social, um sopro de renovação

epistemológica na medida em que se opunha explicitamente ao modelo experimental que

dominava os seus representantes desde o momento de sua americanização (FARR, 2004).

Conforme nos conta Lupicínio Iñíguez, “nos anos oitenta, este tipo de perspectiva penetra no

conjunto das Ciências sociais e, especificamente, na Psicologia social e se converte em um

redemoinho num contexto disciplinar marcado por uma ortodoxia herdeira do positivismo”

(2004, p. 29). Ainda segundo este autor,

com efeito, sobre o que não cabe a menor dúvida é que em apenas duas décadas este movimento deixou de ser um marginal nas ciências sociais e na Psicologia Social, para passar a ser uma perspectiva reconhecível e reconhecida, com seus próprios meios de comunicação e difusão, recursos públicos para investigação etc. (p. 29).

No que tange à Psicologia Social, os princípios subjacentes ao Construcionismo Social

encontram-se presentes em grande parte de seus trabalhos, número que, ao que tudo indica,

tende a aumentar. Segundo Iñiguez, “se há 20 anos defender uma tese de doutoramento neste

tipo de perspectiva era um ato heróico, hoje é, em alguns âmbitos, uma marca de distinção e

uma garantia de promoção profissional e acadêmica” (2004, p. 29).

70

A Psicologia Social “genética”

Outra forma não-experimental de Psicologia Social, hoje bastante difundida, é aquela

amparada pela Teoria das Representações Sociais. Essa teoria, desenvolvida, originalmente,

na França, a partir da publicação de A Psicanálise, sua imagem, seu publico, conquistou a

simpatia de um grande número de psicólogos sociais insatisfeitos com as limitações e os

problemas (tanto epistemológicos quanto políticos) do método experimental. Conforme o

psicólogo social Celso Sá, “o termo representações sociais entrou, decisivamente, no decorrer

da década de 80, para o vocabulário dos estudiosos das ciências sociais. Não se pode,

entretanto, estar certo de que, ao usarem essa expressão, estarão todos falando da mesma

coisa” (1992, p. 45). Ainda segundo o autor, “os métodos empregados variam muito - da

experimentação á observação anedótica – na ausência de critérios de construção dos objetos

de pesquisa que se mostrem compatíveis com a ambição da teoria” (p. 48)

Em sua obra seminal, Serge Moscovici desejava mostrar que a ciência pode ser apreendida

como um “fato social” (1978, p. 20). Inspirava-se, assim, na Sociologia de Émile Durkheim,

lançando mão de seu conceito-chave de representações coletivas, visando tornar a Psicologia

Social capaz de compreender alguns fenômenos que antes permaneciam à margem da

Psicologia, em geral, e da Psicologia Social, em particular. Afinal, conforme a definição de

Gordon Allport, a Psicologia Social deveria ter como única preocupação tentar compreender e

explicar como o pensamento, o sentimento e o comportamento dos indivíduos são

influenciados pela presença imaginária, implícita ou explícita dos outros. Para Moscovici, no

entanto, não parecia suficiente que a Psicologia Social tivesse de se ocupar exclusivamente

das cognições tomadas individualmente. E foi assim que, concebendo a Psicologia Social

como “a ciência do conflito entre o indivíduo e a sociedade” (1984, p. 6-7), propôs que ela

deveria ocupar-se “dos fenômenos de ideologia (cognições e representações sociais) e dos

71

fenômenos de comunicação”, “ordenados no plano da sua gênese, da sua estrutura e da sua

função” (1984, p. 6-7). Dizia ele, à época:

o que se quer é que examinemos o aspecto simbólico dos nossos relacionamentos e dos universos consensuais em que nós habitamos. Porque toda ‘cognição’, toda ‘motivação’ e todo ‘comportamento’ somente existem e têm repercussões uma vez que eles signifiquem algo e significar implica, por definição, que pelo menos duas pessoas compartilhem uma linguagem comum, valores comuns e memórias comuns. É isto que distingue o social do individual, o cultural do físico e o histórico do estático” (2004).

Afinal, conforme assinalara, as ciências “inventam a maior parte dos objetos, conceitos e

formas lógicas” (1978, p. 20), de modo que “o surgimento de uma ciência ‘perturba’ a relação

com o real, a hierarquia dos valores, o peso relativo dos comportamentos” (1978, p. 22).

Assim, segundo Moscovici, caberia ao psicólogo social examinar e descrever esse “fenômeno

de penetração da ciência” (1978, p. 21), no decorrer do qual as descobertas científicas seriam

socializadas (1978, p. 24). Pois, em primeiro lugar, a formação de representações sociais não

é, segundo Moscovici, uma vulgarização, uma simplificação ou uma distorção do saber. Tal

interpretação, aliás, privilegiaria a ciência em relação a outras modalidades de saber. E essa

distinção visaria, em todo caso, garantir o privilégio social de um determinado grupo.

Concedendo grande importância ao caráter simbólico dos fenômenos humanos, essa variante

da Psicologia Social concebe a linguagem como “espelho do imaginário” (1978, p. 20), e o

imaginário, por sua vez, como o lugar, o espaço virtual em que se compreendem as

representações sociais. Conforme Moscovici, “no que concerne aos fenômenos de

comunicação social, eles designam trocas de mensagens linguísticas (imagens, gestos etc.)

entre indivíduos e grupos. Trata-se dos meios utilizados para transmitir uma certa informação

e influenciar o outro” (MOSCOVICI, 1984, p. 6-7).

Serge Moscovici teve papel importante no ataque à deificação do método experimental

(ARRUDA, 2002). Tendo sido formado na tradição experimental da Psicologia Social,

realizou alguns importantes experimentos sobre o papel das minorias ativas, em que

72

contrariava a opinião comum (“confirmada”, aliás, por muitos outros experimentos) de que os

indivíduos tendem sempre a modificar sua opinião em direção a conciliação com a opinião da

maioria 31 . Chegou, inclusive, a ser diretor do European Journal of Social Psychology,

principal veículo de difusão da Psicologia Social experimental na Europa.

A Psicologia Social Crítica

Em verdade, Psicologia Crítica não é um nome que diga respeito a um domínio bem

delimitado na Psicologia Social. Aliás, segundo as palavras de Peter Spink e Mary Jane

Spink,

‘Psicologia crítica’ é um termo de uso corrente que pode ser encontrado com múltiplos usos: para falar de posturas construcionistas ou pós-construcionistas; para afirmar o caráter histórico dos fenômenos sociais; para sinalizar um compromisso com a transformação social e uma sociedade mais equânime; para assumir posturas holistas e transdisciplinares; para argüircontra o paradigma positivista; para apontar o caráter político das práticas e para focalizar os aspectos éticos das práticas profissionais. [Assim,] A ‘psicologia crítica’ é muito mais uma frente de luta ampla do que um movimento articulado; uma aliança de argumentos e práticas em vez de uma escola. O termo é utilizado por porta-vozes diversos provenientes de matrizes teóricas distintas e atuantes em contextos sociais distintos. Na Europa, tem claras afinidades com a Psicologia Política e com a Psicologia Discursiva; nos Estados Unidos, com a psicologia feminista e com a psicologia social da saúde (in JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2005, p. 575-576).

Na América Latina, porém, a Psicologia Social Crítica tomou feições bastante particulares. De

modo geral, desenvolveu-se a partir da aproximação de alguns psicólogos sociais aos

trabalhos da psicologia soviética, pretendendo-se uma “nova abordagem da psicologia social”

(LANE apud STREY et al., p. 7). Essa aproximação tornou-se possível em razão não apenas

dos impasses epistemológicos apresentados pela Psicologia Social experimental, mas muito

31 Moscovici propõe, diferentemente, que há uma influência recíproca entre os grupos minoritários e majoritários (Cf. MOSCOVICI, S. Psychologie des minorités actives. Paris: Quadrige/P.U.F., 1976).

73

em função da conjuntura política, da presença, cada vez mais forte no continente, do

marxismo.

No Brasil, em particular, a Psicologia Social Crítica desenvolveu-se a partir dos trabalhos de

Silvia Lane 32 . Amparada, declaradamente, no materialismo-dialético, essa variante da

Psicologia Social afirmava ter como principal preocupação “redefinir o campo da Psicologia

Social, descobrir novos recursos metodológicos, propor práticas sociais e construir um

referencial teórico inserido em princípios epistemológicos diferentes dos até então vigentes”

(STREY et al., p. 14), visando instalar “um questionamento sobre o conhecimento e a prática

produzidos pela Psicologia Social, principalmente a Psicologia Social de origem

estadunidense” (p. 14).

Em livro intitulado Psicologia Social contemporânea: livro texto (2003), editado pela

primeira vez em 1998, os seus representantes estabelecem que:

a) como objeto, a Psicologia Social Crítica toma os “aspectos de relevância e

aplicabilidade ao contexto brasileiro e que possam responder às questões sociais

específicos de sua população” (STREY et al., 2003, p. 15). Assim, a tarefa da

Psicologia Social consistiria em promover relações igualitárias a partir do poder que

lhes é socialmente outorgado (LANE apud STREY et al., 2003, p. 7), concentrando-se

em tentar solucionar, segundo Ana Bock e Odair Furtado, “os problemas sociais e

políticos enfrentados pelos diversos segmentos das camadas populares” (in JACÓ-

VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2005, p. 510). Ainda segundo esses autores, “a

questão central da proposta estava na definição de uma nova dimensão para apreender

o indivíduo como ser concreto, como manifestação de totalidade histórico-social” (p.

510).

32 A Psicologia Social Crítica, tal como ela é defendida pela “Escola de São Paulo”, também responde pelos nomes de Psicologia sócio-crítica ou Psicologia histórico-crítica (SAWAIA, 1995).

74

b) como método, ela recusa o experimentalismo e lança mão de todos aqueles “recursos

metodológicos” que rompem com o “modelo de redução do complexo ao simples, do

global ao elementar, da organização à ordem e da qualidade à quantidade” (STREY et

al., 2003, p. 15).

Assim, primando pela “pluralidade teórico-metodológica” (p. 15) como forma de subtrair-se

aos impasses provenientes de uma filosofia positivista da ciência, essa variante da Psicologia

Social revela a sua ligação com a crítica, realizada pela Fenomenologia, ao esforço das

ciências humanas em adequarem-se ao modelo epistemológico das ciências da natureza. Pois

ela deseja, entre outras coisas, “superar a contradição enfrentada pela psicologia tradicional

entre subjetividade e objetividade”33. Por essa via, portanto, ela notadamente reatualiza o tema

fenomenológico da anterioridade da existência sobre a essência, ou melhor, retoma o

argumento fenomenológico da artificialidade e posterioridade da distinção entre sujeito e

objeto, da anterioridade do vivido. Ao defender uma “concepção do ser humano como um

produto histórico-social” (STREY et al., 2003, p. 14), resgata o tema da intencionalidade,

visando dessubstancializá-lo, desnaturalizá-lo ou desessencializá-lo. Aliás, conforme lemos

em Jahoda,

A perspectiva epistemológica da maioria da psicologia social crítica vincula-se grosseiramente a Vico, que sustentou, contrariamente à grande parte das personagens do Iluminismo, que a ciência newtoniana não é aplicável aos assuntos humanos. Uma visão um pouco parecida foi levada adiante por Dilthey, embora ele não negasse a legitimidade da psicologia científica, como a maioria da psicologia social crítica costuma fazer. Não há provavelmente relação direta entre a posição de Dilthey e aquela da psicologia social crítica, a qual constitui um ‘pós-modernismo’ em sua

33 De acordo com Lane, “hoje temos clareza de que o objeto de nossa ciência é a relação dialética unívoca entre objetividade e subjetividade na constituição do psiquismo humano” (apud STREY et al., 2003, p. 7).

75

roupagem psicológica (há várias outras), e começou a florescer em torno dos anos setenta (2007, p. 217).

76

4. HISTÓRIA E PSICOLOGIA SOCIAL

A história da Psicologia social, como uma investigação do passado conduzindo a uma compreensão melhor do presente, ainda está para ser escrita.

SAMELSON, 1974, p. 229.

É preciso admitir que a Psicologia Social vive hoje à sombra das grandes doutrinas do homem, formuladas muito antes de seu aparecimento, tendo retirado, das regiões próximas do pensamento científico e das filosofias sociais do período moderno, as suas idéias fundamentais.

ASCH, 1971, p. 4.

Neste quarto capítulo, ocupar-nos-emos exclusivamente dos problemas relativos à história e,

em especial, à historiografia da Psicologia Social. Tentaremos, aqui, tanto quanto nos for

possível, esboçar algumas das principais etapas pelas quais passou essa ciência a partir de um

critério de periodização diferente dos critérios adotados até então, seja pela sua historiografia

positivista, seja pela sua historiografia institucional (ou alternativa). Veremos, assim, que a

história da Psicologia Social não é indiferente à história das demais ciências morais – o que

responde, em certa medida, pela constante rivalidade entre seus representantes, pela notável

semelhança entre seus temas de pesquisa e pela quase identidade dos problemas que

enfrentam.

No que tange à sua historiografia, nossa intenção será a de mostrar que os seus representantes

lançaram mão desse recurso, muitas vezes, com a única intenção de conferir identidade

epistemológica à sua ciência, à diversidade de suas pesquisas e à variedade de suas práticas;

com a intenção, enfim, de responder à pergunta que nos colocamos de início pela supressão de

sua heterogeneidade epistemológica.

77

4.1. A Psicologia Social como fato cultural

Seguramente, a heterogeneidade da Psicologia Social pode ser atribuída às diferenças nas

condições de seu nascimento, às vicissitudes do surgimento de cada uma de suas partes, à

especificidade dos acontecimentos que lhes serviram de motivação histórica, à particularidade

dos problemas e das demandas a que vieram responder. Aliás, segundo as palavras dos

psicólogos sociais Regina Helena de Freitas Campos e Pedrinho Guareschi,

na Psicologia Social, é cada vez mais clara para os historiadores da área essa correspondência entre determinadas visões de mundo, as questões colocadas para a pesquisa e as respostas elaboradas pela prática científica. Ao longo do século XX, três momentos contribuíram para definir sua presente configuração: o modelo da psicologia das multidões, nascido na Europa do início do século como uma resposta específica às questões colocadas pelo advento dos movimentos sociais urbanos nas sociedades capitalistas modernas; o modelo da psicologia da opinião pública, derivado das democracias modernas baseadas na síntese de milhares de pontos de vista individuais; e, finalmente, o modelo da psicologia social comunitária, baseado no pluralismo cultural e na ética igualitarista que se impõem neste fim de século (2000, p. 8).

Portanto, à diferença do que já se pôde pensar, a Psicologia Social não paira incólume e

soberana sobre a ganga dos acontecimentos, apenas enunciando, segundo procedimentos

específicos, as causas ou as razões que subjazem aos “comportamentos sociais”

(RODRIGUES, 1979; ZAJONC, 1969). Pelo contrário, é cada vez mais unânime a opinião de

que a Psicologia Social deve ser concebida, antes de mais nada, como um acontecimento. O

que quer dizer que, independentemente de quaisquer considerações sobre sua consistência

epistemológica, independentemente de qualquer avaliação relativa à sua cientificidade; a

despeito, enfim, do direito que a Psicologia Social possui de dizer o que diz ou de fazer o que

faz, a Psicologia Social parece ser um “fato cultural”34.

34 Quanto a esse ponto, nós pouco divergimos das considerações já consagradas na medida em que consideramos, assim como elas, “que a recente literatura psicossocial e as preocupações dos psicólogos sociais

78

Aliás, tem sido cada vez mais frequente o reconhecimento de que a Psicologia Social é uma

invenção moderna (SILVA, 2005). Afinal, a não ser que se deseje adotar o agora corrente

ponto de vista da historiografia institucional, que situa o início de seu período moderno só a

partir do começo de sua difusão institucional e que faz dela “um fenômeno

caracteristicamente americano” (FARR, 2004; KALAMPALIKIS; DELOUVÉE; PÉTARD,

2006), é inevitável reconhecermos que a Psicologia Social é inteiramente moderna. Isso

porque, quando se lhe investiga a genealogia, verifica-se que ela é filha das Revoluções

Industrial e Francesa, da nova ordem social e, mais exatamente, da desordem urbana que estes

acontecimentos inauguram35. Contemporânea ao nascimento da sociologia (aliás, vigorosa

concorrente à paternidade dessa nova ordem social e econômica), ela buscará, em primeiro

lugar, explicar esse novo fenômeno das “multidões” que, embora não seja uma novidade do

século XIX, só agora lhe aparecerá como um possível objeto de conhecimento (SILVA, 2005,

p. 26)36.

4.2. Considerações historiográficas

Todavia, a bem da verdade, há não muito tempo, o estado da historiografia da Psicologia

Social era outro. De certo modo, até pouco tempo a asserção de Franz Samelson permanecia

verdadeira. Dizia ele que “os psicólogos sociais não têm se interessado particularmente pela

que lhe deram origem constituem um fato cultural; e [que] é esse fato cultural que define objetivamente a Psicologia Social” (STOETZEL, 1972, p. xviii). Ainda segundo o psicólogo social Jean Stoetzel, “toda ciência considerada em seu estado presente mergulha suas raízes na totalidade da tradição” (1972, p. 3). Além dele, Moscovici e Marková afirmaram, recentemente, que “[quando] uma ciência é trazida à existência por novos problemas, é também construída sobre tradições existentes” (2006, p. 28). E o mesmo parece valer para Robert Farr, para quem a Psicologia Social finca suas raízes no conjunto da “tradição intelectual ocidental” (2000, p. 12).35 Ainda que, dessa nova ordem, ela queira ser como que o pai, a um só tempo austero e benevolente, a prescrever as regras e a orientar segundo o que julga ser o melhor (BARROS; JOSEPHSON, 2005, p. 443-445).36 Conforme Silva, “o fenômeno das multidões não foi uma novidade do século XIX. No entanto, é nesse momento que tal fenômeno se torna o objeto de um estudo específico em função da ameaça crescente de ruptura dos equilíbrios sociais, desencadeada pelas contradições inerentes às novas normas da sociedade industrial” (2005, p. 26)

79

história de seu campo – nem mesmo pensado que sua presente busca de identidade possa se

beneficiar da consideração da questão de como e porque a disciplina tornou-se o que é hoje”

(1974, p. 217).

Hoje, porém, assistimos a um crescente interesse pela historiografia da Psicologia Social.

Cada vez mais, os psicólogos sociais apercebem-se de que ela, a historiografia, constitui um

proveitoso empreendimento, fundamental para uma justa compreensão do que é a Psicologia

Social. De modo que esse esforço historiográfico testemunha o desejo de seus representantes

em encontrar, se não uma origem, ao menos começos que lhe confiram, a ela e ao múltiplo

que lhe constitui, um mínimo de inteligibilidade.

Mas a historiografia da Psicologia Social parece ser sempre escrita com a finalidade de

favorecer determinada imagem da Psicologia Social. E esta imagem, por sua vez, parece

sempre ser solidária a determinadas concepções sobre o homem, a sociedade e a própria

atividade científica. Essa finalidade, no entanto, não necessita ser consciente. Pelo contrário,

acontece frequentemente de os psicólogos sociais portarem convicções epistemológicas,

antropológicas e sociológicas. Essas convicções, no entanto, não devem ser tratadas como

enganos, dos quais os psicólogos sociais deveriam livrar-se. Isso porque elas encontram sua

necessidade, por assim dizer, nas práticas que autorizam ou que tornam legítimas.

Assim é que, de início, nos veremos a historiografia da Psicologia Social optar por uma

filosofia positivista da ciência, concebendo o homem como um ser entre outros, submetido às

mesmas leis (ou a leis da mesma ordem) que aquelas verificadas na física ou na química. Num

tempo em que o reordenamento social impunha-se aos governantes de todos os países, dada a

desordem provocada pelas guerras, essa imagem do homem favorecia a institucionalização de

inúmeras práticas disciplinares.

Hoje, porém, é comum encontrarmos psicólogos sociais contrários a esse tipo de

historiografia de orientação positivista. Mas, aí também, o que vemos é uma defesa de uma

80

determinada concepção do homem, da sociedade e da atividade científica. O homem passa a

ser considerado não mais um ente “natural”, regido pelas mesmas leis que regem os

fenômenos físicos (LANE, 1984). Em outros casos, sequer é concebido como um ser regido

por leis (SILVA, 2005). Afirma-se, a todo custo, a sua liberdade, a sua capacidade de inventar

o próprio mundo que habita e que, antes, era tomado como o determinante máximo de sua

conduta. Afirma-se, assim, a “historicidade”, a historicidade do homem, da sociedade e,

inclusive, da atividade científica (GERGEN, 1973).

Ao que parece, os historiadores da Psicologia Social raramente conseguem limitar-se ao

exame histórico. Isso talvez se deva ao fato de que esses historiadores frequentemente são,

eles mesmos, psicólogos sociais.

4.2.1. O problema do critério de periodização

Qualquer psicólogo social que já tenha recorrido aos livros dedicados à história de sua ciência

deverá ter notado que seu passado, tanto quanto seu presente, é recheado de projetos mal

sucedidos, desejos frustrados e, sobretudo, definições contraditórias. Deverá ter percebido,

além disso, que essas definições sempre estiveram mais ou menos vinculadas aos projetos

sociais, políticos e econômicos em voga. Afinal, elevada, declaradamente, à suspeita condição

de último recurso do homem de Estado contra o ímpeto destrutivo das multidões irracionais, a

Psicologia Social desejou-se o braço direito da Terceira República francesa, celebrando a mão

forte das ditaduras européias37. Definida, numa Alemanha recém-unificada, como ciência dos

37 Na opinião de Gustave Le Bon (1841-1931), considerado por muitos historiadores um dos primeiros psicólogos sociais, “as multidões são talvez tão perigosas por sua influência conservadora quanto por sua ação revolucionária. [...] Se todos aqueles rebeldes triunfassem, a França cairia rapidamente num estado de baixa anarquia, ou haveria sucumbido a Itália, quando a mão enérgica de um ditador veio salvá-la de uma catástrofe final ” (LE BON, 1931). Em outro texto, afirma ainda que “o conhecimento da psicologia da multidões é hoje o último recurso do homem de Estado que quer, não as governar – a coisa tornou-se muito difícil – mas ao menos não ser muito governado por elas ” (LE BON, 1895).

81

povos e de suas formas simbólicas, quis contribuir para a solução dos inúmeros “problemas

da comunicação linguística e da interinfluência dos povos” (PARIGUIN, 1972, p. 20), tanto

quanto limitar, sem muito êxito, o alcance e as pretensões da psicologia individual e

experimental (WUNDT apud FARR, 2004, p. 47). Na extinta União Soviética, em vista das

reviravoltas sociais decorrentes da Revolução, pretendeu ocupar-se, entre outros fenômenos,

das “consequências psicossociais do culto à personalidade”, bem como promover “a ativação

da energia criadora do povo para cumprir o programa da edificação do comunismo”

(PARIGUIN, Ibidem, p. 8). Décadas mais tarde, nos Estados Unidos, ao fazer do indivíduo

sua verdadeira unidade de análise e da observação experimental o seu único método, opôs-se

a todo holismo, reputado especulativo 38 , e apoiou-se na guerra e em suas funestas

consequências para, daí em diante, assistir a um progressivo e entusiasmado desenvolvimento

institucional39 (FARR, Ibidem, p. 183).

Mas se toda Psicologia Social é, como dissemos, um subproduto das transformações sociais

concomitantes às revoluções Francesa e Industrial; se toda ela é consequente às modificações

políticas e econômicas características dos séculos XVIII e XIX (o advento do liberalismo

político e o recrudescimento do capitalismo); se, enfim, como afirma Silva, ela nasceu para

atender aos problemas específicos de uma nova configuração social que é, como bem definiu,

o resultado de “uma fratura entre uma ordem jurídico-política fundada sobre a igual soberania

de todos, e uma ordem econômica que acarreta um aumento da miséria (SILVA, 2005, p. 23),

Para um exame mais detalhado desse aspecto da obra de Le Bon, cf. CONSOLIM, M. C. (2004) Gustave Le Bon e a reação conservadora às multidões. In: XVII Encontro Regional de História (ANPUH), Campinas - SP. XVII Encontro Regional de História (ANPUH). Campinas - SP: Anais do XVII Encontro Regional de História, 2004. v. 1. p. 161-169.38 “Em primeiro lugar, como a noção de consciência, aquela de sociedade era um entrave para uma psicologia objetiva behaviorista – pois a sociedade e as relações complexas que os indivíduos entretém com ela dificilmente se deixam reduzir apenas ao nível de comportamentos individuais, concebidos em termo de estímulos-respostas ” (PAICHELER, 1992, p. 617).39 A partir desse momento, a Psicologia social passará a ser definida, de modo geral, como uma ciência experimental e comportamental da “interação” (GERGEN, K. J. & GERGEN, M., 1984, p. 4). Esse consenso, no entanto, não durará muito. Como veremos adiante, a partir da década de 60 ela começará cada vez mais a dedicar-se a outros fenômenos e a ensaiar novas orientações metodológicas.

82

não faz sentido afirmarmos, como é de praxe nos manuais, que “questões sócio-psicológicas”

existem, entre nós, desde a Antiguidade (FESTINGER & KATZ, 1974; STOETZEL, 1972;

ZAJONC, 1969)40.

Pois afirmar que a Psicologia Social é, ela toda, uma invenção moderna não é, certamente,

sem consequências historiográficas. Pelo contrário, essa afirmação põe imediatamente em

jogo a questão referente ao critério de periodização que deverá ser adotado para organizar a

sua história.

E, de fato, quando afirmarmos que a Psicologia Social como um todo é uma ciência moderna,

nós queremos com isso rejeitar deliberadamente a distinção corrente que separa uma

Psicologia Social antiga de uma Psicologia Social moderna, separação esta que costuma ser

feita

a) segundo a maior ou menor adequação aos parâmetros de objetividade inaugurados pela

física moderna, como no caso das historiografias de orientação positivista;

b) segundo a sua proveniência institucional ou segundo a sua maior ou menor

representatividade institucional, segundo a sua maior ou menor presença no interior das

instituições de ensino e pesquisa, a existência de livros-texto, periódicos específicos etc.,

como parece ser o caso das recentes historiografias institucionais41.

40 Seguramente, essa historiografia, que insiste em ver por toda parte fenômenos psicossociais antes mesmo do surgimento da Psicologia e da Sociologia, que chega mesmo ao absurdo de afirmar que entre os egípcios antigos já poderíamos perceber a existência problemas psicossociológicos, ela se ampara, como bem notou Silva (2005), numa concepção restrita da realidade social, identificando-a à noção de sociabilidade.41 Esse critério de periodização nós o encontramos em Robert Farr. Farr divide a totalidade da Psicologia Social entre as formas psicológicas e formas sociológicas. Esclarece, a partir dessa distinção, que a diferença entre as muitas orientações se deve a diferença relativa à sua proveniência institucional, à maior ou menor proximidade à Psicologia ou à Sociologia.

83

4.2.2. As historiografias da Psicologia Social

Embora os historiadores da Psicologia Social (na sua grande maioria, psicólogos sociais)

julguem possível conferir à sua ciência uma unidade a partir do exame de sua história, esse

empreendimento não parece sempre obter o êxito esperado. Isso porque a unidade pela

história parece sempre esbarrar na divergência entre as próprias historiografias – e essas, por

sua vez, na diferença entre as filosofias a que os seus representantes encontram-se vinculados.

Com efeito, a história da Psicologia Social tem sido sempre orientada, mais ou menos

conscientemente, por compromissos filosóficos firmados por seus historiadores. Aliás,

conforme artigo recente, dedicado à historiografia institucional da Psicologia Social,

a história da psicologia social, ou ainda a história de qualquer disciplina, não é imune a diferenças epistemológicas do presente ou às variáveis econômicas que influenciaram seu desenvolvimento no contexto geográfico de seu nascimento e emergência (KALAMPALIKIS, DELOUVÉE & PÉTARD, 2006, p. 29).

Assim, ora a historiografia da Psicologia Social é a narrativa do seu progresso científico ou

uma história “positivista”, dedicada a descrever o momento exato em que ela teria

abandonado seu passado especulativo; ora ela é uma história de caráter biográfico ou uma

história das grandes personalidades, ora uma história das ideias científicas ou uma história das

escolas psicossociológicas, ora, ainda, uma história das instituições. Abaixo, descreveremos

sumariamente as principais características das suas principais historiografias (a historiografia

positivista e a historiografia institucional, também chamada historiografia alternativa).

A historiografia positivista

A historiografia positivista da Psicologia Social tem Gordon Allport como seu primeiro e

principal representante. Allport, ao escrever sobre a história da Psicologia Social, atribuiu a

84

Auguste Comte o papel de ancestral da Psicologia Social. Sua intenção era clara: tratava-se de

retraçar o longo caminho percorrido por essa ciência, desde sua origem na Europa até seu

estágio positivo, a partir da adoção do método experimental. Dividira a história da Psicologia

Social, assim, em apenas dois períodos:

a) em primeiro lugar, um período metafísico e especulativo, tributário dos impasses do

pensamento filosófico europeu. Perdida entre o logicismo racionalista e o ceticismo empirista,

a Psicologia Social jamais teria alcançado qualquer conhecimento verdadeiramente científico.

Segundo Allport, isso teria sido devido também à falta de recursos metodológicos de seus

antepassados (como, por exemplo, a estatística);

b) em segundo lugar, um período positivo e, enfim, científico, caracterizado pelo rigor

metodológico conferido pelo controle experimental e pela observação sistemática que este

possibilitaria.

A historiografia institucional

Há, no entanto, outra maneira de escrever a história da Psicologia Social. Essa maneira, que se

tem difundido bastante, é a chamada historiografia institucional.

A historiografia institucional opõe-se veementemente à historiografia positivista. De maneira

geral, ela almeja situar a Psicologia Social, revelando os laços que as une à vida social e às

demandas sociais a que vem responder.

Segundo alguns de seus representantes, “a história da psicologia social é em sua essência a

história dos cientistas (scholars), que estão frequentemente desconectados de seus lugares de

trabalho, de seus colegas, das condições sócio-políticas nas quais trabalham, publicam e

85

teorizam o psicológico e o social” (KALAMPALIKIS; DELOUVÉE; PÉTARD, 2006, p. 39).

Ainda segundo esses autores,

isso envolve a topografia da convergência de instituições, personalidades carismáticas, grupos e redes de pesquisa, ou seja, a estrutura humana e institucional, mas também uma estrutura nocional, uma vez que nem todas as psicologias sociais têm as mesmas fundações epistemológicas ou os mesmos objetivos práticos, e, além disso, a mesma história em termos de loci de emergência (p. 24).

Ela é, portanto, uma historiografia simpática à Sociologia do conhecimento, na medida em

que se interessa, assim como esta, em descrever o tecido de relações sociais que determinam,

em maior ou menor grau, o curso de determinado âmbito do saber42.

4.3. A Psicologia Social a partir do estado de sua reflexão epistemológica

Certa vez, o filósofo e historiador Ernest Cassirer disse que “a simpatia do verdadeiro

historiador é de um tipo específico. Não implica amizade ou parcialidade, mas abarca amigos

e oponentes” (2005, p. 307). Na Psicologia Social, porém, é frequente vermos seus

historiadores omitirem determinados acontecimentos, ou, ainda, modificarem a importância

de alguns outros, na intenção de dar a Psicologia Social o perfil que lhes convém. Pois, como

vimos há pouco, foi exatamente isso o que se deu no primeiro esforço historiográfico de que

se tem registro em Psicologia Social. Como dissemos, Gordon Allport foi o primeiro a

escrever uma história da Psicologia Social. Sua historiografia, porém, foi inteiramente

orientada (ou melhor, enviesada) por uma filosofia bastante difundida no pensamento norte-

americano do início do século XIX: a saber, o positivismo.

42 Sobre a Sociologia do conhecimento, conferir o capítulo seguinte.

86

Assim é que, em razão dessa opção filosófica, Allport atribuíra à adoção do experimento

como método de conhecimento o fato de a Psicologia Social ter tornado-se uma ciência

propriamente dita, em oposição ao seu passado europeu e ainda especulativo e metafísico.

Contudo, não será o caso aqui de criticarmos ainda mais essa historiografia. Ainda porque

isso já foi feito por Robert Farr, que soube, como ninguém, indicar a filiação dessa forma de

historiografia ao positivismo (2004, p. 193-206).

Gostaríamos, diferentemente, de sugerir outra organização, ainda bastante imprecisa, mas que

julgamos contribuir para o esclarecimento da heterogeneidade epistemológica da Psicologia

Social.

Nesta nossa organização historiográfica, a história da Psicologia Social pode ser dividida em

quatro períodos, distintos segundo o estado de sua reflexão epistemológica. Assim, a partir

desse critério de periodização, podemos discernir:

1) um período acrítico original, antiespeculativo, vinculado ao desenvolvimento na Europa

das ciências morais, tendo início no segundo terço do século XIX e estendendo-se até meados

da Segunda Guerra Mundial. Relativamente pobre em reflexão epistemológica, esse período é

marcado pela crença de seus representantes de que o mero recurso à observação, à

comparação e à indução bastaria para que as suas conclusões ultrapassassem o âmbito da

pura especulação e se tornassem, por esse motivo, científicas.

Constam, nesse período, a Psicologia dos Povos de Wundt, a Psicologia das Massas de Freud,

a Psicologia das Multidões de Le Bon e Tarde, assim como a Psicologia da Mente Grupal de

McDougall, entre outras obras43.

43 Além disso, nesse período, como a diferença entre os literatos e os cientistas sociais não era ainda muito clara; como essa separação não havia ainda sido bem estabelecida no interior dos espaços acadêmicos (LEPENIES, 1996), os seus trabalhos assumem, muito frequentemente, a forma de ensaios.

87

2) um período dogmático, hegemonicamente positivista e, sobretudo, experimentalista, de

crescimento e dispersão institucional. Inicia-se na década de 1940, perto do fim da Segunda

Guerra Mundial, estendendo-se à década de 1960. Nele, a Psicologia norte-americana

desempenha um papel fundamental. É dela que os demais países tomarão o modelo

metodológico. A partir daí, o comportamento individual figurará como unidade mínima de

análise, e o experimento passará a ser tomado como método privilegiado para a formação de

enunciados legítimos sobre os fenômenos sociais.

3) um período crítico, de intensa reflexão epistemológica, decorrente dos insucessos diante

das promessas e expectativas geradas em torno dessa ciência e de suas possíveis aplicações44.

É o período da “crise de identidade da Psicologia Social”, da derrocada de uma forma

específica de Psicologia Social: a saber, da Psicologia Social experimental, tal como se viu

florescer em solo norte-americano.

Data desse período o “giro linguístico”, assim denominado o movimento a partir do qual as

ciências humanas passam a considerar a dimensão simbólica como a sua realidade por

excelência, muito em razão dos progressos da linguística estrutural.

4) um período de radicalização crítica, visando integrar as reflexões pragmáticas ao corpo da

Psicologia Social. Costuma-se atribuir essa mudança a um “giro linguístico-pragmático”,

caracterizado por uma reformulação no modo de se conceber a linguagem. Essa modificação

acarretará, sem dúvida alguma, numa reformulação da tarefa do cientista social. A partir daí,

44 Referimo-nos à querela sobre a possibilidade da criação de uma “tecnologia social”, capaz, entre outras coisas, de preparar líderes democráticos. Gordon Allport escreveu, numa introdução à obra de Kurt Lewin, que “o processo democrático é complexo e é preciso preparar tanto os líderes quanto os membros do grupo para nele desempenhar os respectivos papéis”. Ainda segundo ele, a psicologia de Lewin estaria toda apoiada na convicção de que “a democracia não consegue se estabelecer sem o conhecimento das leis da natureza humana em contextos sociais e sem a obediência a essas leis” (in LEWIN, 1970, p. 7-14).

88

ele não mais buscará interpretar os fenômenos sociais, visando compreender os significados

que lhe são imanentes, mas apenas descrever os diversos usos dos signos ou os diferentes

jogos de linguagem, bem como averiguar as suas possíveis e reais consequências e a sua

ligação com tal ou qual exercício do poder.

4.4. Observações preliminares a uma história epistemológica da Psicologia Social

Nesta seção, dedicaremos algum espaço ao esboço de um projeto historiográfico que nos tem

parecido necessário para melhor situarmos a invenção da Psicologia Social e para melhor

compreendermos as relações que essa ciência entreteve com as demais ciências morais.

4.4.1. O advento das ciências morais

Segundo nos parece, o acontecimento que deve marcar o início do primeiro período da

história da Psicologia Social é o advento das ciências morais. Gestadas, durante todo o século

XIX, no interior das universidades alemãs, essas ciências desenvolveram-se à sombra do

progressivo descrédito do pensamento especulativo, em geral, e do declínio de uma particular

filosofia da história. Aliás, conforme as palavras de Raymond Aron (1905-1983),

o colapso da filosofia hegeliana marca na ordem do pensamento especulativo uma data capital do século XIX alemão. A filosofia de Hegel prolonga-se, de um lado, pelo marxismo, e do outro lado pelos historiadores, economistas, juristas e filólogos que edificam isso que Dilthey chama as ciências do espírito (1969, p. 11).

Ao final do século XIX, essas ciências encontravam-se diante de problemas comparáveis

àqueles enfrentados por Kant em face do advento da nova física experimental (a física de

Kepler e Galileu, matemática e positiva). Parecia urgente, à época, como assinalou Aron,

89

“analisar os caracteres próprios das ciências históricas, remontar às formas, às categorias do

espírito, destacar as consequências que comportam os novos conhecimentos para a própria

maneira de pensar” (1969, p. 15). Nas palavras do sociólogo Wolf Lepenies,

já no final do século XVIII, mas também como consequência de uma desilusão geral resultante dos excessos da Revolução Francesa, a imitação das ciências naturais pelas ciências sociais [ou morais] passava a ser vista como algo problemático – ganhava força a idéia de que as moral sciencesvisam a uma cientifização diferente dos objetos da natureza (1996, p. 18).

Expandindo-se e incorporando-se às modernas instituições de ensino, o problema passava a

ser o de estabelecer um acordo mínimo entre seus representantes no que diz respeito ao tema

de suas considerações, ao método que lhes convinha e à validade de suas conclusões45. Seja

pelo argumento da especificidade de seu objeto, seja pela defesa da particularidade de seu

método (seja, ainda, por uma combinação de um e outro46), todas essas ciências tiveram que

justificar, num passado não muito distante, sua autonomia e sua legitimidade ao lado daquela

alcançada pelas “ciências propriamente ditas” (aí compreendidas, exclusivamente, as ciências

matemáticas e experimentais da natureza).

45 Com exceção, talvez, da História, mas por razões que certamente nos levariam muito longe do cerne de nosso trabalho. Pois, segundo Michel Foucault, a História, “embora ela seja a primeira e como que a mãe de todas as ciências do homem, embora ela seja talvez tão velha como a memória humana, [...] Talvez, com efeito, não tenha ela lugar entre as ciências humanas nem ao lado delas: é provável que mantenha com todas elas uma relação estranha, indefinida, indelével e mais fundamental do que o seria uma relação de vizinhança num espaço comum” (1966.). Para um exame mais aprofundado desse projeto de fundamentação das ciências morais, cf. ARON, R. La philosophie critique de l’histoire. Essai sur une theorie allemande de l’histoire. Paris: Vrin, 1969.46 De acordo com as palavras de Georges Canguilhem, “procurou-se, durante muito tempo, a unidade característica do conceito de uma ciência na direção de seu objeto. O objeto ditaria o método utilizado para o estudo de suas propriedades” (Cf. CANGUILHEM, 1992).

90

A consolidação acadêmica das ciências morais

Em todo caso, o início do século XX sacramenta o advento das ciências humanas. Porque, a

despeito de sua indeterminação e a despeito de sua incapacidade em estabelecer,

definitivamente, o limite de seus domínios e a validade de suas conclusões, essas ciências

desenvolveram-se e difundiram-se. E elas impuseram-se de tal maneira no âmbito daquelas

instituições que toda reflexão ulterior sobre sua legitimidade e consistência epistemológica

parecia não ser mais do que a resistência da Filosofia em aceitar perder parte de seu extenso

domínio. Afinal, se já na metade do século XIX a Filosofia na Alemanha parece esgotada e as

ciências sociais desenvolvem-se (ARON, 1969, p. 11), “desde o primeiro terço do séc. XIX,

as ciências sociais estão se formando e se empenham em conquistar seu lugar nas academias e

universidades, comprovando sua autonomia enquanto disciplina” (LEPENIES, 1996, p. 14).

A nova ordem do saber: o nascimento do homem

Mas, quando se lhes segue o rastro, verifica-se que tanto a Psicologia Social quanto as demais

ciências sociais são o resíduo, a um só tempo, do progressivo declínio do pensamento

especulativo (e, mais particularmente, de uma filosofia da história de tipo hegeliana) e da

irrefreável escalada do cientificismo, guardando, por isso mesmo, suas diretrizes principais,

suas estratégias de difusão e seus incontornáveis embaraços.

Mais do que isso, o exame de sua genealogia mostra-nos que a Psicologia Social, assim como

a Sociologia, nasceu das revoluções, tendo feito das inúmeras transformações sociais por que

91

passou a Europa seu objeto privilegiado – seja na França, em primeiro lugar, seja na Rússia e

na Alemanha, em seguida47. Aliás, segundo as palavras de Michel Foucault,

não resta dúvida que a emergência histórica de cada uma das ciências humanas se deu por ocasião de um problema, de uma exigência, de um obstáculo de ordem teórica e prática; certamente foram necessárias as novas normas que a sociedade industrial impôs aos indivíduos para que, lentamente, durante o século XIX, a psicologia se constituísse como ciência; não há dúvida também que foram necessárias as ameaças que desde a Revolução pesaram sobre os equilíbrios sociais, e sobre aquele particularmente que havia instaurado a burguesia, para que aparecesse uma reflexão de tipo sociológica (1966, p. 356).

Entretanto, o projeto de uma ciência do homem só pôde ser concebido quando o próprio

homem passou a ser pensado efetivamente como um objeto para o saber. Quanto a esse ponto,

Foucault novamente nos esclarece. Segundo ele,

se estas referências [a saber, ‘as novas normas que a sociedade industrial impôs aos indivíduos’ e ‘as ameaças que desde a Revolução pesaram sobre os equilíbrios sociais’] podem explicar por que é que foi em tal circunstância determinada e para responder a tal questão precisa que estas ciências se articularam, a sua possibilidade intrínseca, o fato de pela primeira vez desde que existem seres humanos e que vivem em sociedade, o homem, isolado ou em grupo, se ter tornado objeto de ciência – isso não pode ser considerado nem tratado como um fenômeno de opinião: é um acontecimento da ordem do saber (1966, p. 356).

Conforme Dreyfus e Rabinow, nessa nova ordem do saber, o homem passará a ser concebido

como um ente paradoxal, ao mesmo tempo empírico e transcendental. Ou seja, o homem será

tomado, daí em diante, como um fenômeno entre outros (ainda que regulado por leis próprias)

e, ao mesmo tempo, como portador daquilo da condição de possibilidade de todo fenômeno48.

Ele aparecerá, a partir daí,

47 Conforme disse Silva, “foi pelo viés do fenômeno das multidões que a psicologia moderna efetuou uma de suas primeiras aproximações na direção do social” (2005, p. 26).48 Isso significa dizer que essas transformações não se deram, enfim, apenas no modo como os homens passam a relacionar-se consigo mesmos e com seus semelhantes, mas que elas estão vinculadas a uma verdadeira modificação operada na ordem do saber e nas condições de possibilidade dos objetos a conhecer.

92

(1) como um fato entre outros fatos, para ser estudado empiricamente e, além disso, como a condição transcendental de possibilidade de todo conhecimento, (2) como cercado por aquilo que não pode se esclarecer (o impensado) e, além disso, como um cogito potencialmente lúcido, fonte de toda inteligibilidade; e (3) como o produto de uma longa história cujo início nunca poderá alcançar e, além disso, paradoxalmente, como a fonte desta mesma história49 (1995, p. 35)

Já a Psicologia Social, em particular, ela só se tornará possível quando as massas, a família e

o grupo passarem a ser tomados como objetos de um conhecimento possível (SILVA, 2005,

p. 10).

Wilhelm Dilthey e o projeto de fundamentação das ciências morais

Quando tomamos como referência a obra do filósofo alemão Wilhelm Dilthey (1833-1911),

não é difícil encontrarmos nela os principais temas com que hoje se preocupam uma parcela

considerável dos psicólogos sociais. Crítica do conhecimento histórico, relativismo deste

conhecimento, característica histórica de todo os valores, absoluto do devir e relativismo da

verdade e, finalmente, do início ao fim, filosofia do homem enquanto ser histórico (ARON,

1969, p. 25): eis aí, afinal, temas comuns a todo âmbito do saber que não deseje deixar-se

subordinar ao modelo epistemológico da bem-aventuradas ciências matemáticas da

natureza50.

Além disso, como assinalou Aron, o projeto de Dilthey era reintroduzir o homem concreto e

total como sujeito e objeto da meditação filosófica (1969, p. 12). Ele teria, assim, sido o

49 Aliás, quanto a este último ponto, o historiador François Châtelet afirmara que, a partir do século XIX, “o homem compreende-se doravante como ser histórico. Ele sabe – ao menos praticamente – que seus gestos, suas decisões, suas palavras são os elementos de uma totalidade dinâmica irreversível e significativa; que cada momento de sua existência resulta de seu passado e desenha seu futuro; que o ‘curso do tempo’ não é o simples quadro vazio de sua presença, mas o lugar imposto onde se desenrola dramaticamente seu ser” (1974, p. 7). Essa descrição parece consoante às palavras de Raymond Aron, quando este afirma que “desde o começo do século XIX, as ciências morais alemãs estavam penetradas de sentido histórico” (1969, p. 9).50 E esse é, sem sombra de dúvida, o desejo de grande parte da psicologia social contemporânea (STREY et al., 2003).

93

primeiro a recusar-se a transpor os procedimentos das ciências físicas para as ciências do

homem (ARON, 1969, p. 12).

A referência a Dilthey não é, evidentemente, gratuita. Afinal, foi ele, primeiramente ou de

maneira mais explícita, quem se dedicou a refletir sobre o conjunto das ciências morais, além

de ser dele a distinção entre ciências da natureza (Naturwissenschaften) e ciências do espírito

(Geistenwissenschaften). Conforme lemos em Farr, “na Alemanha, Dilthey (1883) colocou os

fundamentos das Geistenwissenschaften. A disciplina central desse projeto era a história, e a

mente humana era concebida em termos históricos” (2004, p. 43).

4.4.2. A experimentalização da Psicologia Social

O período de relativo dogmatismo epistemológico na Psicologia Social diz respeito ao

período compreendido entre as décadas de 1940 e 1960, aproximadamente, quando, com a

migração de inúmeros psicólogos europeus para os Estados Unidos da América, a Psicologia

Social transformou-se quase que inteiramente numa ciência comportamental e experimental.

Em artigo publicado em 1937, Steuart Henderson Britt dedicou-se a observar que a Psicologia

Social sociológica, aquela que teria nascido no interior dos departamentos de Sociologia,

continha tantos representantes quanto a Psicologia Social psicológica.

Entretanto, a Psicologia Social psicológica, essa variante da Psicologia Social que “floresceu”

nos Estados Unidos, segundo a metáfora utilizada por Gordon W. Allport (apud FARR,

2004, p. 19) não viu problema algum em alinhar-se diretamente ao modelo epistemológico

hegemônico, ou, mais precisamente, a uma filosofia da ciência de caráter positivista.

Essa filosofia, ao fazer da Psicologia Social uma parte da Psicologia Geral (FARR, 2004, p.

138; JAHODA, 2007, p. 175), transformou essa ciência numa espécie de física ou química

94

social, dais quais os indivíduos, tais como forças ou átomos, seriam para ela como que

unidades elementares (FARR, 2004, p. 35; MOSCOVICI, 2004, p. 147).

Hoje, porém, sabemos melhor das exceções a esse movimento geral. Cada vez mais tem

ganhado destaque a Escola de Chicago, com sua orientação marcadamente sociológica, e o

trabalho realizado por George H. Mead (1863-1931) (PORTUGAL in JACÓ-VILELA;

FERREIRA; PORTUGAL, 2005, p. 463-472) e pela Psicologia Social do sociólogo Edward

A. Ross (1866-1951). Segundo o psicólogo social Fernando González Rey,

a psicologia experimental no contexto norte-americano, sobretudo aquela que foi desenvolvida sob a influência de Titchener, antes do surgimento do behaviorismo, nunca desenvolveu a especificidade que Wundt tinha definido com relação ao estudo das funções psíquicas superiores. Para Wundt, essas funções não podiam ser estudadas com o mesmo método utilizado para as investigações experimentais sobre as funções sensoriais (2004, p. 9)

Ainda segundo esse autor, “a dimensão simbólica e cultural era totalmente ignorada por uma

psicologia que se concentrava nos indivíduos como seres naturais e que via a realidade como

conjunto de eventos e estímulos objetivos (p. 8).

Reorientação epistemológica

Costuma-se atribuir essa reorientação epistemológica ao pragmatismo e ao positivismo que

compunham o cenário filosófico das recentes universidades norte-americanas. Segundo

Carlos Cançado, Paulo Soares e Sérgio Cirino, “nos Estados Unidos do final do século XIX,

dois pontos de vista se mostravam fortes na psicologia: o funcionalismo de William James e o

estruturalismo de Edward Titchener” (in JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2005,

p. 179). Com efeito, essa reorientação deveu-se em larga medida à grande importância

concedida à psicologia comportamentalista, que, desde 1913, com o manifesto de John

95

Broadus Watson (1878-1958), impunha-se como modelo epistemológico51. Afinal, a partir

desse momento, a Psicologia Social tornava-se quase que completamente uma ciência

experimental52.

Os irmãos Allport: a individualização da Psicologia Social

Conhece-se a declaração do psicólogo social norte-americano Floyd Henry Allport (1890-

1978), responsável direto, segundo Farr, pela americanização e individualização da Psicologia

Social, segundo a qual “não há psicologia dos grupos que não seja essencialmente e

inteiramente uma psicologia dos indivíduos” (apud FARR, 2003, p. 43).

Allport foi categórico ao afirmar que a “a psicologia social não deve ser colocada como se

contrapondo à psicologia do indivíduo; ela é parte da psicologia do indivíduo, cujo

comportamento ela estuda, em relação àquele setor de seu ambiente composto por seus

companheiros” (Ibidem, p. 43).

Seus esforços, assim, dirigiam-se todos para a tarefa de dar à Psicologia Social um critério

adequado e um amparo na realidade física, uma vez que Floyd Allport julgava-os ausentes na

Psicologia Social dos “instintos” do seu contemporâneo, o inglês William McDougall (1871-

1938).

Mas, ainda que se possa atribuir a Floyd Allport a redefinição da Psicologia Social em solo

americano, foi o seu irmão, Gordon Allport, quem cumpriu o papel mais importante nessa

tarefa, ao escrever a sua historiografia. Nela, Allport elegeu ninguém menos que Auguste

Comte como fundador da Psicologia Social. Conforme Farr,

51 Lembremos que, em 1915, Watson era presidente da American Psychological Association.52 Notável, além disso, é a importância dos livros-texto na hegemonização da Psicologia Social experimental. Conforme Ian Lubek, “[os] livros-texto servem a um grupo profissional como um compêndio legitimador ou referência ou uma ferramenta de aconselhamento e são por essa razão inevitavelmente presentistas e frequentemente comemorativos (2000, p. 321).

96

ao identificar Comte como seu fundador, Allport estava defendendo que a psicologia social era agora uma ciência. Para Allport (1954) ela é uma ciência social. Para Jones (1985), ela é uma ciência experimental. Ambos os autores, contudo, fundamentam suas explicações históricas em termos de uma filosofia positivista da ciência. É a mesma filosofia geral de ciência defendida pelos editores do volume em que seus trabalhos aparecem (2004, p. 35).

A Segunda Guerra Mundial

Mas, além disso, conforme assinalou Robert Farr em As raízes da Psicologia Social Moderna

(2004), é imprescindível notar que o desenvolvimento da Psicologia Social como uma ciência

nos Estados Unidos da América esteve intimamente vinculado ao fenômeno da Segunda

Guerra Mundial. E isso na mesma medida em que os testes psicométricos tiveram o

desenvolvimento que tiveram em função das demandas provenientes dos problemas militares

inerentes à Primeira Guerra Mundial (STREY et al., 2003, p. 25). Segundo recente

comentário de Nikolas Rose,

no período de antes e durante a Segunda Guerra Mundial e logo depois dela, a psicologia deveria direcionar-se para os processos inerentes às coletividades humanas, grandes e pequenas. Deveria procurar pensá-las e conceituá-las a fim de administrar indivíduos e organizações. Nesse sentido ampliado, então, a psicologia se transformaria em uma verdadeira ciência social (2008, p. 159).

Como prova dessa ligação entre a Psicologia Social e as novas demandas provocadas pela

reestruturação social imediata ao pós-guerra, é costume entre os psicólogos sociais a citação

da série de quatro volumes intitulado The American Soldier (FARR, 2004; FONSECA in

STREY et al., 2003). Esse manual, afinal de contas, publicado logo após a Segunda Guerra

Mundial sob a editoração geral do sociólogo Samuel Stouffer (1900-1960), versava sobre

temas explicitamente vinculados a problemas militares, como adequação de soldados à vida

97

no exército, avaliação da eficácia nas instruções no exército, mudança de atitudes e

comunicação de massa (FARR, 2004, p. 183).

Isso tudo contribui para que não imaginemos que a reorientação epistemológica pode ser

desligada dos projetos políticos em voga. Mesmo porque, conforme Silva,

mesmo antes dessa virada da psicologia experimental para o estudo do comportamento observável, a psicologia social americana procurava se constituir como um campo de investigação autônomo a partir de uma problemática distinta da psicologia social européia: em vez de uma psicologia centrada no estudo da alma coletiva de uma multidão ou das manifestações culturais de um povo, a orientação dessa nova ciência na América era no sentido de privilegiar o estudo das relações interindividuais nos pequenos grupos (2005, p. 89).

Esse fenômeno de experimentalização tem sido apresentado como um fenômeno

exclusivamente americano. Mas a transformação epistemológica da Psicologia Social não se

restringiu aos Estados Unidos da América. Afinal, segundo González Rey, “se analisarmos a

produção da psicologia soviética nas décadas de 1950 e 1960, vamos observar um predomínio

do estudo das funções psicofisiológicas, sensoriais e cognitivas, em que predomina, também,

uma aproximação metodológica totalmente experimental” (2004, p. 27).

A consolidação institucional da Psicologia Social

Mas certo é que, a despeito das motivações históricas que responderam pela migração dessa

ciência para os Estados Unidos da América, sempre questionáveis, foi ali que a Psicologia

Social modificou profundamente a maneira de conceber a formulação de seus problemas e os

fenômenos que deveria dedicar-se ao exame. E mesmo que a sua institucionalização tenha

sido relativamente tardia quando comparada à institucionalização da Psicologia e da

Sociologia (PAICHELER, 1992, p. 617), ela certamente desenvolveu-se e conseguiu um

espaço, hoje consolidado, no interior das instituições de ensino.

98

Essa institucionalização da Psicologia Social, aliás, foi cuidadosamente examinada por Robert

Farr (2004). Em sua historiografia, mostrou-nos como essa ciência, a princípio européia,

ocupou progressivamente a atenção dos cientistas sociais e psicólogos norte-americanos,

muito preocupados em resolver os conflitos e diminuir as tensões constitutivas da desordem

social do pós-guerra.

4.4.3. A crise de identidade da Psicologia Social

Ao período de maior reflexão epistemológica na Psicologia Social deu-se o nome de “crise de

identidade da Psicologia Social”. Assim os seus historiadores nomearam o momento em que a

confiança no modelo epistemológico vigente começara a ruir. Esse nome, porém, não é

indiferente ou sem relação com uma determinada filosofia da história da ciência, com uma

determinada interpretação do movimento pelo qual as ciências desenvolvem seus conceitos e

seus métodos53.

Há cerca de três décadas, Aroldo Rodrigues dizia-nos, em face da crise que se abateu sobre o

significado da Psicologia Social, que

ou se verificam sérias mudanças nas atitudes da maioria dos psicólogos e um esforço redobrado no sentido de clarificação epistemológica em psicologia, nos próximos 15 anos, ou este setor converter-se-á numa atividade lúdica a entreter os que se comprazem com as especulações acerca do comportamento humano (1979, p. 28)54

53 Essa interpretação, como vimos anteriormente, é aquela de Thomas Kuhn.54 A posição de Rodrigues a respeito desse tema é, no entanto, conhecida. Apesar de sua inegável preocupação com respeito ao futuro da Psicologia Social, a sua opção filosófica e, sobretudo, epistemológica, levava-o a considerar que a Psicologia Social só poderia recuperar o seu prestígio e trilhar o caminho seguro de uma ciência quando seus representantes abandonassem toda pretensão política e dirigissem toda sua atenção e seus esforços na direção do conhecimento “desinteressado” e “objetivo” do comportamento humano, pelo controle e precisão proporcionados pelo método experimental.

99

Isso porque, a partir das décadas de 60 e 70, após um breve período de intensa expansão

institucional (com a criação de centros de pesquisa, periódicos especializados e uma

participação cada vez maior nos currículos das instituições de ensino), a Psicologia Social

sofreu uma série de críticas.

O declínio do experimentalismo

Seja pela falta de êxito em solucionar os problemas a que até então tivera se dedicado, seja em

função da própria filosofia da ciência em que se achava apoiada; seja, ainda, por consequência

de divergências no plano político, a “crise de identidade”, assim denominada, opôs

“experimentalistas” a toda uma classe de psicólogos sociais insatisfeitos com o rumo adotado

pela sua ciência. Segundo Silvia Lane, a crise de identidade “é a crítica ao positivismo, que

em nome da objetividade perde o ser humano” (1999, p. 11).

Assim, em 1947, Jean Stoetzel dizia-nos que

a dificuldade residia na simultânea aparência de magnitude e dispersão do campo de estudos: os diversos autores abordavam problemas quase sempre diferentíssimos, uns pretendendo traçar a obra de conjunto, outros mal deixando ver os pontos de articulação dos tópicos traçados; e, entretanto, sentia-se que lavravam a mesma lavra, inspiravam-se no mesmo espírito, preparavam os caminhos para uma ciência que, conservando evidentemente laços íntimos com as vizinhas, sobretudo com a Psicologia, a Sociologia e a Etnologia, faria em breves dias reconhecer sua originalidade, assim como, digamos, a Física, perante a Mecânica e a Química (1972, p. xvi).

No entanto, apesar dos problemas levantados à época e sem negar a incontestável boa

intenção dos psicólogos sociais, muito preocupados em sanar os evidentes conflitos sociais

resultantes do pós-guerra, tudo se passava como se a confusão do campo fosse apenas um

capítulo, e um mau capítulo, da gloriosa história do triunfo de uma ciência sobre os seus

próprios demônios. Segundo o psicólogo social Aroldo Rodrigues,

100

no final da década de 60, testemunhamos o aparecimento meteórico de forte oposição ao status quo em psicologia social. Trata-se do anseio por uma psicologia social relevante, isto significando uma psicologia social destinada à solução dos inúmeros e cada vez maiores problemas sociais do mundo contemporâneo (1979, p. 19).

Nesse período, uma divergência entre experimentalistas e não-experimentalistas começava a

se desenvolver. Aos primeiros coubera atribuir a sua diversidade ao movimento natural que

conduz todo saber de um estágio provisório de especulação e desordem à ordem e ao rigor do

pensamento científico. Aos seus opositores, por sua vez, coubera a tarefa de mostrar-lhes (ou,

mais ainda, de vigorosamente denunciar-lhes) as condições históricas precisas sob a qual sua

posição tornou-se possível.

O advento do Construcionismo Social

Talvez o acontecimento mais importante desse período tenha sido o aparecimento e o

desenvolvimento do Construcionismo Social. A partir da década de 1970, essa teoria

sociológica do conhecimento inspirou muitos psicólogos sociais, promovendo uma verdadeira

reformulação das bases teóricas da Psicologia Social. Segundo a psicóloga social Mary Jane

Spink,

na Psicologia, um dos autores mais antigos nessa discussão é Kenneth Gergen. Já em 1985 Gergen havia publicado um texto intitulado O Movimento Construcionista na Psicologia Moderna que, publicado no American Psychologist, se tornou clássico como texto introdutório à postura construcionista na Psicologia. Se Gergen se referia, em 1985, ao movimento construcionista, é evidente que a reflexão construcionista já estava em pleno andamento (2004, p. 20).

101

4.4.4. O pós-construcionismo e o giro pragmático

O pós-construcionismo compreende o período mais recente da história da Psicologia Social,

onde, após uma longa jornada de crítica dirigidas exclusivamente ao positivismo – ou, mais

exatamente, ao experimentalismo e à sua tentação de subordinar as “ciências sociais” à

maneira de proceder das “ciências da natureza” –, o movimento construcionista viu-se diante

da necessidade de pensar os seus próprios fundamentos filosóficos (aí compreendidos os seus

princípios epistemológicos e ontológicos).

As reflexões compreendidas nesse período teriam contribuído para fazer com que a Psicologia

Social não-experimental deixasse de definir-se apenas negativamente, pela mera oposição ao

positivismo ou ao experimentalismo.

Seria essa, portanto, a razão para que a Psicologia Social não-experimental venha sentindo,

mais ou menos declaradamente, mais ou menos conscientemente, a necessidade de pensar os

fundamentos do conhecimento histórico, que ela tanto reclamara para si no período anterior.

Pois esse modo de conhecimento, não se tratará mais de defendê-lo, como antes, de justificá-

lo, mas de compreendê-lo ou fundamentá-lo.

Essa reflexão sobre o conhecimento histórico não poderá deixar de ser uma reflexão sobre o

estatuto do conhecimento e, mais exatamente, sobre o estatuto da linguagem. Com efeito, é

essa a posição de Gergen, principal expoente do movimento em Psicologia Social, para quem

uma justa compreensão da natureza e das funções da linguagem poderia contribuir para a

solução de muitos problemas filosóficos e psicológicos (GERGEN, 1985, p. 267).

102

5. O ESTADO DA PSICOLOGIA SOCIAL CONTEMPORÂNEA

No terceiro capítulo, enumeramos e descrevemos as principais orientações epistemológicas

presentes no interior da Psicologia Social contemporânea. Baseados naquela descrição

sumária, estabelecemos uma distinção entre duas formas de Psicologia Social. Distinguimos,

àquela altura, uma Psicologia Social experimental, de inspiração inequivocamente positivista,

onde a linguagem não desempenha qualquer papel relevante, de uma Psicologia Social não-

experimental, na qual, por sua vez, dissemos imiscuírem-se duas inspirações epistemológicas

distintas – separadas, sobretudo, pela maneira como concebem a linguagem.

No capítulo seguinte, mostramos como a história da Psicologia Social caracterizou-se, em

certa medida, pela multiplicação dessas orientações epistemológicas. Mostramos também que

essa multiplicação deveu-se, sem dúvida, às vicissitudes de sua institucionalização e ao

movimento incessante de crítica epistemológica, mas também como consequência dos novos

compromissos sociais, políticos e econômicos firmados por alguns de seus representantes.

Agora, porém, na parte final de nossa dissertação, nós nos dedicaremos exclusivamente ao

exame daquilo que consideramos ser o estado atual da Psicologia Social. Isso porque, nas

duas últimas décadas, dois acontecimentos alteraram-lhe significativamente o perfil. De um

lado, o desenvolvimento e a consolidação institucional do Construcionismo Social

contribuíram para que muitos psicólogos sociais, insatisfeitos com os impasses e as

consequências da metodologia experimental, modificassem seus conceitos, seus métodos e

seus objetivos. Por outro lado, o advento da Neurociência, advinda, por sua vez, da conjunção

da Psicobiologia e das ciências cognitivas, levantou novamente a questão referente à

obsolescência da inspiração positivista, que parecia a muitos de seus representantes poder

facilmente ser delegada ao passado acrítico ou dogmático da Psicologia Social.

103

5.1. História recente da Psicologia Social

A história e, principalmente, a historiografia da Psicologia Social mudaram

consideravelmente desde o “texto fundador” de Gordon Allport. A crítica historiográfica

francesa do início do século XX contribuiu para pôr abaixo, ao menos nos países de língua

latina, a hegemonia da filosofia positivista da história e sua compreensão linear e progressista

do desenvolvimento científico. Os psicólogos sociais passaram a considerar indispensável à

justa compreensão de seu objeto a remissão aos determinantes culturais de suas pesquisas, ou,

dito de outro modo, às condições existenciais ou concretas que, antes, julgavam controladas

pela cega obediência aos ditames do método.

De acordo com a pesquisadora Marisela Hernández, o final do século XX teria assistido a um

intenso questionamento dos fundamentos do conhecimento científico. Para a autora, “as

noções de realidade, verdade, objetividade e racionalidade encontram-se sob o escrutínio não

apenas da filosofia, como também das ciências, das artes e até mesmo da vida cotidiana. A

filosofia da ciência transformou-se numa sociologia do conhecimento” (p. 91-92).

Ainda segundo Hernández, “a psicologia social, em particular, e talvez mais claramente a

européia e a latino-americana, ‘oficializaram’ correntes teóricas que por longas décadas

mantiveram-se marginalizadas: o marxismo, a fenomenologia, a teoria crítica” (p. 92). Ela

seguia, assim, um movimento comum às demais ciências humanas, das quais o pós-

construcionismo representa uma de suas facetas.

104

5.1.1. O pós-construcionismo

Antes, porém, de traçarmos qualquer consideração sobre o estado atual do Construcionismo

Social, sobre esse período a que alguns autores dão, hoje, o nome de pós-construcionismo,

convém que façamos uma breve exposição dos princípios gerais dessa doutrina.

A Sociologia do Conhecimento

Embora o Construcionismo Social tenha nascido, de fato, apenas na década de 1960, a partir

do trabalho dos sociólogos Peter Berger e Thomas Luckmann (A Construção Social da

Realidade, 1967), ele remonta, por sua inspiração, aos trabalhos do alemão Max Scheler

(1874-1928), que cunhou, na década de 1920, a expressão “sociologia do conhecimento”.

De maneira geral, a sociologia do conhecimento caracteriza-se por afirmar a não-autonomia

do saber científico em relação à estrutura social na qual este se dá. Insiste, assim, em apontar

e descrever as inúmeras relações que subjazem à prática aparentemente desinteressada dos

cientistas: a rede de relações em que se encontram, os papéis que desempenham frente aos

seus pares e à sociedade, os interesses macroeconômicos e macropolíticos que a alimentam ou

que freiam o desenvolvimento de suas pesquisas etc.. Dedica-se, dessa maneira, a pensar os

limites sociológicos da atividade científica.

O Construcionismo Social na Psicologia Social

No entanto, apesar desse âmbito de investigação ter sido concebido já no início do século XX,

será apenas na década de 1970 que essa teoria desempenhará um papel relevante na renovação

epistemológica de parte da Psicologia Social.

105

Em 1973, o psicólogo social norte-americano Kenneth J. Gergen propôs em um artigo que os

psicólogos sociais passassem a considerar a Psicologia Social não mais como uma ciência

experimental do comportamento social, mas como uma ciência histórica (2008, p. 475, 483).

Neste artigo, intitulado “A Psicologia Social como história” (Social Psychology as history,

1973), Gergen sugeria aos psicólogos sociais que eles abandonassem toda pretensão de

reduzir sua ciência ao modelo epistemológico das ciências da natureza (segundo ele,

preocupadas, exclusivamente, com a enunciação das leis eternas e universais do

comportamento humano) e passassem a se dedicar exclusivamente ao “exame sistemático da

história contemporânea” (2008, p. 475).

Daí que, para Gergen, a tarefa do psicólogo social, assim como de todo cientista social,

deveria ser mais modesta. O psicólogo social deveria contentar-se em enunciar (ou denunciar)

os padrões de comportamento vigentes, como forma, quem sabe, de proporcionar à sociedade

alguns meios para escapar de possíveis manipulações.

Renovação epistemológica

Mas o aspecto propriamente epistemológico do Construcionismo Social não passou

despercebido a Gergen. Segundo ele, em artigo posterior, dedicado a “clarificar os contornos

e as origens do movimento sócio-construcionista”, “o estudo do processo social poderia

tornar-se padrão para compreender a natureza do próprio conhecimento” (1985, p. 266).

Ainda segundo Gergen, “a crescente crítica da concepção positivista-empiricista do

conhecimento danificou profundamente a visão tradicional de que a teoria científica serve

para refletir ou mapear a realidade” (1985, p. 266, itálico nosso). Isso teria permitido que a

Psicologia Social movimentasse-se “de uma epistemologia empirista para uma epistemologia

social” (1985, p. 268).

106

De acordo com essa visão tradicional, o conhecimento deve ser concebido como um

espelhamento mais ou menos adequado do mundo. Gergen dá o nome de “perspectiva

exogênica” (1985, p. 269) a essa suposição de que o conhecimento é derivado de uma indução

daquilo que nos é dado imediatamente à sensibilidade.

Contrariamente a essa perspectiva exogênica, Gergen dá o nome de “perspectiva endogênica”

(Ibidem, p. 269) a essa outra maneira de conceber o conhecimento, na qual se atribui um papel

fundamental ao homem no conhecimento do mundo. O mundo tal como o conhecemos,

segundo essa perspectiva, dependeria da própria estrutura ou do próprio modo de ser do

homem.

Mas, para Gergen, a tarefa do Construcionismo Social estaria em tentar superar essa antiga

dicotomia – que remontaria, segundo ele, à antiga disputa da filosofia européia entre os

partidários do racionalismo e do empirismo (1985, p. 270). Segundo ele, o desafio estaria em

tentar “transcender o dualismo tradicional entre sujeito e objeto” (p. 270), em superar a

“contínua e não-resolvida disputa entre pensadores exogênicos (ou, nesse contexto,

empiricistas) e pensadores endogênicos (racionalistas, idealistas, fenomenológicos).

Principais características do Construcionismo Social

Segundo o psicólogo social Lupicínio Iñiguez, da Universidade Autônoma de Barcelona, as

principais características do Construcionismo Social são: 1) antiessencialismo, 2) antirealismo

(ou relativismo), 3) crítica permanente das verdades geralmente aceitas, 4) afirmação da

determinação cultural e do caráter histórico do conhecimento, 5) antirepresentacionismo e 6)

afirmação do caráter performativo da linguagem (2004, p. 18-23). Abaixo, enumararemos e

descreveremos cada uma dessas seis características.

107

1) antiessencialismo: o Construcionismo Social sugere que deixemos de considerar o homem

e a sociedade como entidades ontologicamente distintas – e, sobretudo, exteriores à

linguagem. Isto é, sugere que deixemos de supor que o homem e a sociedade dizem respeito a

duas classes de “coisas”, a duas classes separadas de realidades, existentes em-si mesmas (ou,

segundo seus termos, “naturais”). Segundo as palavras de Kenneth Gergen, “os termos nos

quais o mundo é compreendido são artefatos, produtos de intercâmbios entre pessoas

historicamente situados” (1985, p. 267).

Além disso, essa característica está vinculada à insistência do Construcionismo Social na

necessidade de corrigirmos a convicção comum, de ratificarmos essa atitude muitas vezes

natural no homem moderno, que faz com que tanto o homem (e seu “psiquismo”) quanto os

objetos com que trava conhecimento (seja teórico ou prático) deixem de ser considerados

como correlativos. Conforme assinalou o psicólogo social Tomás Ibáñez Gracia, da

Universidade Autônoma de Barcelona,

o construcionismo dissolve a dicotomia sujeito-objeto afirmando que nenhuma destas entidades existe propriamente com independência da outra, e que não é possível pensá-las como entidades separadas, questionando assim o próprio conceito de objetividade. Com efeito, o construcionismo apresenta-se como uma postura fortemente desreificante, desnaturalizante e desessencializante, que radicaliza ao máximo tanto a natureza social de nosso mundo, como a historicidade de nossas práticas e de nossa existência. Dessa perspectiva, o sujeito, o objeto e o conhecimento esgotam-se plenamente em sua existência sem remeter a nenhuma essência da qual a dita existência constituiria uma manifestação particular, como tampouco remetem a nenhuma estabilidade subjacente da qual constituiriam uma simples expressão particular. Por fim, o caráter literalmente construído do sujeito, do objeto e do conhecimento arrancam estas entidades fora de um suposto mundo de objetos naturais que viriam dados de uma vez por todas(apud IÑÍGUEZ, 2004, p. 15).

2) antirealismo: o Construcionismo Social sugere igualmente que deixemos de considerar o

conhecimento como uma atividade de desvelamento. Ou melhor, ele insiste sobre a

necessidade de ratificarmos essa convicção comum que faz com que os objetos de nossas

considerações sejam tomados como anteriores a todo e qualquer ato de conhecimento.

108

Segundo Iñíguez, “a ‘Realidade’ não existe com independência do conhecimento que

produzimos sobre ela ou com independência de qualquer descrição que façamos dela” (2004,

p. 19).

3) crítica permanente das verdades geralmente aceitas: essa característica responde pelo

caráter combativo e, digamos, desconstrutor do discurso sócio-construcionista. É ela,

inclusive, que responde pela simpatia de grande parte de seus representantes aos trabalhos de

Michel Foucault.

4) afirmação da determinação cultural e do caráter histórico do conhecimento: para o

Construcionismo Social, é um erro (ou, ainda, um artifício malicioso) a redução da realidade

social à realidade física. Para os seus representantes, mesmo à realidade física devemos

reconhecer determinações sociais. Daí decorre, em certa medida, a simpatia de seus

representantes pelo trabalho de Bruno Latour (particularmente, ao sua teoria ator-rede

(IÑÍGUEZ, 2004, p. 34-36). Segundo Iñíguez, “afirmar que “o social” é histórico significa

que as práticas sociais produzem conhecimento e constroem a realidade social” (p. 20).

5) antirepresentacionismo: essa característica diz respeito à recusa do Construcionismo Social

em tratar a linguagem ou o conhecimento como mero espelhamento ou mapeamento do

mundo. Assim, para o Construcionismo Social, o conhecimento deve ser tratado como o

produto de um empreendimento coletivo (GERGEN, 1985, p. 267). Considera-o, portanto,

capaz não apenas de informar-nos sobre determinados estados de coisa, mas também de

modificar e até mesmo produzir estados de coisas.

Daí, portanto, a importância concedida ao caráter performativo da linguagem, ao “uso

performativo da linguagem nos assuntos humanos” (GERGEN, 1985, p. 270). Afinal,

109

conforme Kenneth Gergen, “descrições e explicações do mundo constituem elas próprias

formas de ação social” (p. 268).

De acordo com as últimas análises de Wittgenstein, deixamos de ver os predicados mentais como possuindo uma relação sintática com um mundo de eventos mentais; em vez disso, como Austin e outros pós-wittgensteinianos propuseram, tais termos são convertidos nos termos das práticas sociais nas quais operam (p. 271).

6) afirmação do caráter performativo da linguagem: essa característica é solidária à

característica anterior, ao antirepresentacionismo. Pois o Construcionismo Social, ao não

reconhecer a linguagem como mero meio ou instrumento de representação (através da qual

supostamente nos seriam fornecidos a imagem dos seres que compõem o mundo ao nosso

redor), aponta imediatamente para os outros usos possíveis da linguagem.

O desenvolvimento do Construcionismo Social

De acordo com Iñíguez, “um dos perigos da perspectiva construcionista é converter a noção

de ‘construção social’ em algo de caráter estático e reificante, ou seja, algo permanente,

produzindo o mesmo tipo de efeito que produzem as coisas” (2004, p. 23). Com efeito, o

Construcionismo Social desenvolveu-se rapidamente em Psicologia Social, tendo angariado

inúmeros adeptos, todos insatisfeitos com as limitações e as consequências sociais da

utilização do método experimental. Entretanto, talvez por sua própria natureza, a recorrente

crítica de seus próprios fundamentos tem levado alguns de seus principais porta-vozes a dizer

que ele vive hoje um momento delicado, onde cada vez mais parece evidente a necessidade de

sua superação, dado o risco dele vir a transformar-se numa nova ortodoxia.

Segundo as palavras de Iñiguez, “a questão agora é, depois de mais de vinte anos: o

construcionismo ainda mantém a mesma carga de rebeldia? Ou, ao contrário, estamos diante

110

de uma nova forma de ortodoxia? E, se for o caso, comportará a execução de políticas

similares de exclusão dos dissidentes?” (p. 29).

Em livro intitulado Construção Social de quê?55, o canadense Ian Hacking dedicou-se ao

exame do conceito de “construção social”. Através de uma extensa pesquisa bibliográfica,

Hacking desejou convencer-nos de que, talvez pelo seu emprego excessivo e variado, o

conceito de construção social tenha perdido seu valor, tornando-se confuso e, acima de tudo,

progressivamente inútil.

De acordo com Hacking, o valor de um discurso construcionista deve ser medido pelo seu

maior ou menor efeito “libertador”, pela sua capacidade de questionar e de pôr abaixo

algumas convenções sociais. Todo discurso construcionista dedicar-se-ia a demonstrar que

algo não é inevitável, segundo Hacking, “mostrando como se originou (o processo histórico) e

assinalando os determinantes históricos puramente contingentes desse processo” (p. 33).

Além disso, argumenta que seria sem efeitos e mesmo “redundante” afirmarmos, ao menos no

que diz respeito às ideias e aos objetos da esfera humana, que algo é construído socialmente,

não cumprisse essa afirmação o papel de a) indicar-lhe a sua contingência, b) julgar-lhe

moralmente mal e/ou c) imputar-lhe a censura parcial ou total.

Hacking verá a decadência do conceito de “construção social” como o efeito da falta de

clareza quanto ao algo de que se fala e das ambiguidades relativas ao conceito de construção.

Daí a sua necessidade de indicar o caráter complexo daquilo de que falam os construcionistas,

daí a urgência em distinguir os diferentes alvos de seus discursos e em estabelecer as

condições sob as quais um discurso deve ser assim considerado.

55 HACKING, I. (2001) ¿La construcción social de qué? Barcelona: Paidós.

111

5.1.2. O neo-experimentalismo

Além do pós-construcionismo, porém, outro movimento vem ganhando força na Psicologia

Social contemporânea. Afinal, a confiar nas palavras de Berntson e Cacioppo (2000), “uma

fênix está erguendo-se [...] das cinzas da histórica biologia comportamental.” Pois o

progressivo crescimento ou a irrefreável consolidação institucional da Neurociência Social,

sua difusão e a sua presença cada vez maior nos meios de comunicação de massa, tudo isso

dá-nos testemunho de que a inspiração positivista vigora ainda em parte não desprezível da

Psicologia Social. Esse movimento, além disso, mostra-nos que essa orientação

epistemológica não pertence, de maneira nenhuma, ao passado dessa ciência – como, afinal,

gostaria de crer parte considerável de seus representantes.

Indiferente às críticas dirigidas ao experimentalismo, as Neurociências arrogam-se hoje,

dogmaticamente, o nobilíssimo título de chave para a compreensão dos comportamentos

sociais (EHRENBERG, 2004, p. 130). Conforme as palavras de Gerald Edelman, “as

neurociências são a chave dos processos de aprendizagem, dos comportamentos sociais, das

disfunções neurológicas e mentais” (apud EHRENBERG, 2004, p. 130).

A Neurociência Social

Segundo Jean Decety e Julian Keenan, dois dos mais respeitados neurocientistas, “a

neurociência social pode ser vagamente definida como a exploração dos processos

neurológicos subjacentes aos processos tradicionalmente examinados pela psicologia social”

(2006, p. 1).

Nascida, segundo seus próprios representantes, a partir do desenvolvimento da psicobiologia e

das neurociências, a Neurociência Social nutriu-se do progressivo avanço das técnicas de

112

imageamento cerebral (imaging) e da sofisticação das técnicas de aferição fisiológica.

Segundo eles,

desenvolvimentos em registros eletrofisiológicos, imageamento cerebral e técnicas neuroquímicas dentro das neurociências têm cada vez mais tornado possível investigar o papel das estruturas e processos neurais do pensamento normal e desordenado em humanos (CACIOPPO et al., 2004, p. 385).

No que diz respeito ao seu objeto, a Neurociência Social pretende ocupar-se de todos aqueles

objetos ou fenômenos que, outrora, ocupavam os psicólogos sociais experimentais. De acordo

com John Cacioppo, Tyler Lorig, Howard Nusbaum e Gary Berntson,

os psicólogos sociais estudam uma série diversa e apaixonante de tópicos, indo dos processos intrapessoais modelados por ou em resposta a outros (tais como self, atitudes, emoções, identidade social, crenças normativas, percepção social, cognição social e atração interpessoal) aos processos interpessoais (tais como persuasão e influência social, comunicação verbal e não-verbal, relacionamentos interpessoais, altruísmo e agressão) e aos processos grupais (tais como facilitação, cooperação e competição, equidade, liderança, vieses extragrupais, tomada de decisão de grupo e comportamento organizacional) (2004, p. 383-384).

É importante notarmos, porém, que há uma diferença, ainda que mínima, entre a Psicologia

Social experimental do passado e esta outra, contemporânea. Pois a Psicologia Social

experimental do passado era, na sua quase totalidade, como vimos, uma psicologia

comportamental 56 . Já a Psicologia Social experimental contemporânea é uma ciência

56 Apesar das inúmeras críticas levantadas à concepção estreita de comportamento sustentada pelos behavioristas, os psicólogos da Gestalt ampararam-se também no conceito de comportamento, repudiando, tanto quanto os behavioristas, a introspecção ou todo recurso metodológico que visasse fenômenos que não fossem diretamente observáveis. Além disso, nada se encontra mais distante do Cognitivismo, tal como ele se desenvolveu nos Estados Unidos a partir na década de 1940, do que o denominado “cognitivismo” dos Gestaltistas. De fato, eles se autodenominaram cognitivistas, e isso cumpria um papel de afirmar a diferença em relação aos comportamentalistas. Mas, se nos detivermos à ideia de cada doutrina (Cognitivismo e Gestaltismo), é evidente a diferença que os separa. Pois, para o Cognitivismo, o mundo que nos é dado psiquicamente é o resultado do processamento ou da organização das informações que nos são dadas pelos sentidos. Já para o Gestaltismo, ao contrário, aquilo que nos é dado à sensibilidade (ou melhor, à percepção) encontra-se já organizado. Não se deve esquecer que a tese do isomorfismo estende as leis da boa forma aos fenômenos físicos, aí incluídos os fenômenos biológicos (DARTIGUES, 2005, p. 44-46).

113

cognitivista, uma vez que suas pesquisas sustentam-se sobre as seguintes convicções ou sobre

as duas seguintes hipóteses:

1ª) É imprescindível que busquemos compreender o modo como as informações, os estímulos

ou os inputs são processados pelo organismo. Portanto, o mero recurso à observação do

comportamento, ainda que ela permaneça importante para determinar ou indicar a relação

entre tais ou quais fenômenos, deverá dar lugar a desenhos experimentais mais sofisticados,

em que deverão comparecer outras variáveis que não comportamentais – fisiológicas e, mais

exatamente, neurofisiológicas. De acordo com Cacioppo, Lorig, Nusbaum e Berntson,

com o advento da cognição social, décadas atrás, medidas cronométricas, masking e técnicas foram adicionadas ao armamento metodológico, e, mais importante, essa abordagem trouxe consigo uma rede conceitual para responder a perguntas sobre a representação do fenômeno sócio-psicológico e sobre os componentes do processamento de informação subjacentes ao fenômeno sócio-psicológico (2004, p. 384).

2ª) É necessário admitir a existência de uma base física ou, mais exatamente, neurofisiológica

para o processamento dessas informações. Segundo seus representantes, “a última década têm

assistido a uma aproximação entre os níveis biológicos e sociais de análise, em parte porque

regiões localizadas do cérebro têm sido associadas com construtos e processos psicossociais”

(CACIOPPO et al., 2004, p. 384). Assim, seus esforços vão todos na direção de reduzir os

“fenômenos sociais”, por assim dizer, aos seus mecanismos neurológicos subjacentes.

Segundo dois de seus fiéis representantes, “na última década, um novo e excitante domínio

acadêmico lançou-se na direção de explorar cientificamente os mecanismos biológicos da

interação social” (DECETY & KEENAN, 2006, p. 1).

114

Os princípios da Neurociência Social

Conforme o sociólogo francês Alain Ehrenberg, as Neurociências dividem-se em três âmbitos

de preocupações: teórico, prático e social. Segundo esse autor,

a perspectiva teórica é a explicação do espírito sobre uma base exclusivamente materialista a partir do postulado de que o cérebro é o ‘fundamento’ do espírito. Essa perspectiva não é nova, mas o contexto de progresso científico e de intensa preocupação com o sofrimento psíquico e com a saúde mental faz dela, hoje em dia, uma perspectiva prática(profissional e terapêutica) [...] A perspectiva social se situa, ao mesmo tempo, nestas questões terapêuticas e além delas: em que medida a referência ao cérebro para descrever e compreender os comportamentos sociais é suscetível de entrar na linguagem comum? (2004, p. 132-133).

No entanto, em sua tentativa de descrever e compreender os comportamentos sociais, ela

admite três princípios básicos. Estes princípios, sem sombra de dúvidas, ainda a mantém sob

o domínio da mesma opção epistemológica que predominou na Psicologia Social

experimental comportamental. Segundo Cacioppo, Lorig, Nusbaum e Berntson, “as

abordagens metodológicas utilizadas historicamente pelos psicólogos sociais (…) têm sido

bastante limitadas”. Daí, para eles, a necessidade de apoiarem-se numa concepção não-linear

e não-simplista da causalidade física, o que faria com que estivessem, hoje, em melhores

condições do que seus antepassados.

Os três a que nos referimos são: 1) o determinismo múltiplo, 2) o determinismo não-aditivo e

3) o determinismo recíproco. Segue, abaixo, a descrição de cada um desses princípios.

1) determinismo múltiplo: para os neurocientistas, “o princípio do determinismo múltiplo (…)

especifica que um evento-alvo em um nível de organização [...] pode ter múltiplos

antecedentes em ou entre outros níveis de organização” (2004, p. 385). Isso significa que

115

fenômenos de diversos outros sistemas (biológicos, em sua maioria) devem ser levados

igualmente em consideração no momento da observação dos fenômenos neurofisiológicos.

2) determinismo não-aditivo: segundo esse princípio, o todo é mais do que a soma das

partes57. De acordo com as palavras de Cacioppo e outros pesquisadores, “este princípio

especifica que as propriedades do todo não são sempre e imediatamente predizíveis da

propriedade das partes” (2004, p. 385).

3) determinismo recíproco: esse princípio determina que pode haver influências mútuas entre

fatores microscópicos e macroscópicos na determinação do comportamento social. Por fatores

microscópicos, os neurocientistas sociais compreendem todos os fenômenos fisiológicos cuja

observação foi possibilitada pelas novas tecnologias a que há pouco nos referimos

(CACIOPPO et al., 2004, p. 386). Quanto aos fenômenos macroscópicos, aí compreendem os

fenômenos sociais há pouco listados, e que, segundo eles, reduzir-se-iam, em última instância,

aos fenômenos microscópicos.

O desenvolvimento da Neurociência Social

Por último, gostaríamos de ressaltar que a Neurociência Social conta já com periódicos

específicos e centros de pesquisa (bastante bem financiados) em diversos países. E que, além

disso, seus representantes têm dedicado algum esforço para, pouco a pouco, ainda que

timidamente, reescrever por sua própria conta a história da Psicologia Social. O que nos dá

novamente prova de que, hoje como ontem, a Psicologia Social vive a luta de uma de suas

57 Curiosamente, muitos psicólogos sociais não-experimentais costumam fazer uso desse mesmo princípio. E mais: acusam a Psicologia Social experimental de desrespeitá-lo em sua postura individualista (e não-holista). Vemos, porém, que não se trata de respeitar ou não respeitar esse princípio, mas da interpretação que se lhe dá.

116

partes pelo domínio de seu todo. Prova, enfim, de que a luta pela hegemonia do discurso

psicossociológico, a que nos referimos há pouco, é ainda realidade.

5.2. Curiosidades relativas ao estado atual da Psicologia Social

A Escola de Chicago

A história não deixou de reservar à Psicologia Social algumas curiosidades. Uma dessas

curiosidades diz respeito ao destino da famosa Escola de Chicago, instituição que, como se

sabe, foi uma das poucas responsáveis pelo aparecimento, no início do século XX, de formas

sociológicas da disciplina em solo norte-americano. Conforme lemos em Robert Farr,

se existe uma instituição que figura de maneira mais proeminente do que qualquer outra nesta abordagem histórica das raízes da psicologia social moderna, esta instituição é a Universidade de Chicago. Quase certamente, isto se deve à excelência de sua Faculdade de Ciências Sociais. Muitas formas diferentes de psicologia social tiveram sua origem ali: o behaviorismo social de G. H. Mead; o estudo científico de Thomas sobre as atitudes sociais; as técnicas de Thurstone para a mensuração de valores sociais; o interacionismo simbólico de Blumer e, na era moderna, a sociologia das relações interpessoais de Goffman (2004, p. 161).

Curiosamente, porém, a Universidade de Chicago abriga hoje nada mais nada menos do que o

Centro de Neurociência Cognitiva e Social, dirigido pelo neurocientista social John T.

Cacioppo, principal representante da orientação experimental da Psicologia Social

contemporânea.

Psicologia Social e criminologia

Uma segunda curiosidade diz respeito ao destino de algumas das pesquisas contemporâneas

em Psicologia Social. Particularmente, a pesquisa proposta por neurocientistas brasileiros,

117

visando investigar os mecanismos neuronais subjacentes ao comportamento criminoso58. Essa

pesquisa mobilizou recentemente a atenção de grande parte da comunidade científica

brasileira, tendo levantado inúmeras questões referentes a sua moralidade.

À parte essa polêmica, porém, sabe-se do esforço contemporâneo em recuperar a memória da

Psicologia Social. Como consequencia desse esforço, o nome do pensador francês Gabriel

Tarde tem figurado dentre essas memórias. Com efeito, segundo a psicóloga social Anne-

Marie Rocheblave-Spenlé,

após um período de criação intelectual e de expansão, um retorno sobre si se torna frequentemente possível e fecundo. Ele pode tomar a forma de um exame histórico e crítica dos novos conceitos ou das teorias recentemente elaboradas. É assim que se é levado a buscar as origens, os precursores nos quais as idéias novas fizeram sua primeira aparição sem lograr ainda se impor verdadeiramente (1973, p. 21).

Mas o recente valor de Tarde (ou melhor, aquilo que justifica o retorno à sua obra

sociológica) advém precisamente da crítica que este autor empreende à sociologia

representacionalista de Émile Durkheim, ao “desafio à teoria social no rumo de desconcertar o

‘consenso epistemológico’ intrínseco ao processo de consolidação das Escolas Sociológicas,

no momento de institucionalização das ciências sociais, no campo acadêmico do século XIX e

início do século XX” (VARGAS, 2000, p. 329).

O curioso é que Gabriel Tarde, espécie de precursor da Psicologia Social, interessava-se

igualmente por criminologia, tendo escrito, em 1890, La criminalité comparée e La

philosophie pénale, e em 1892, seus Études pénales et sociales. E isso no momento mesmo

em que escrevia suas principais obras de Psicologia Social (Les lois de l'imitation, de 1890 e

L'opinion et la foule, em 1901). O que não é, certamente, uma surpresa. Afinal, conforme as

58 Essa pesquisa diz respeito ao projeto de pesquisa de um grupo de cientistas brasileiros da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), interessados em testar a hipótese de que fenômenos neurofisiológicos e a anatomia cerebral respondem pelo comportamento agressivo. Para tanto, sugeriram examinar, através de um aparelho de ressonância magnética, o cérebro de 50 adolescentes homicidas.

118

palavras de Rosane Silva, essa preocupação era, de fato, uma preocupação comum à época

dos escritos de Tarde. Segundo a autora,

antes de Le Bon, o comportamento das multidões havia sido tomado como objeto de investigação. Segundo Moscovici, (1981), na Itália, Lombroso e posteriormente Sighele estabeleceram uma relação entre as multidões e a criminalidade. A análise de tal fenômeno se limitava a um domínio estritamente jurídico: esses dois autores procuravam mostrar que havia uma tendência à criminalidade em toda forma de aglomeração de indivíduos. Essa idéia de uma criminalidade imanente às multidões era um dos principais argumentos para justificar, junto à opinião pública e aos homens políticos, a instalação de um aparelho repressivo para penalizar os atos coletivos contrários à lei (2005, p. 59).

119

6. CONCLUSÃO

Falar da Psicologia Social contemporânea é, sem dúvida, engajar-se num espaço polêmico e

conflituoso, haja vista o fato de que, hoje, sob este título, apresentam-se trabalhos que,

frequentemente, nada têm em comum. Afinal, da Psicologia Social sabemos muito pouco. Seu

estatuto está longe de poder ser bem definido e os limites de seu domínio, tanto quanto

pudemos averiguar, são muito flutuantes, variando de autor a autor e de país a país segundo

critérios raramente explicitados.

Como mostramos nas páginas anteriores, não existe sequer um acordo entre os psicólogos

sociais quanto à natureza dos problemas a tratar. Filha de revoluções sociais que modificaram

de uma vez por todas a imagem do homem e do mundo e tributária dos modelos

epistemológicos conseqüentes à derrocada de um determinado tipo de pensamento filosófico,

a Psicologia Social oscila desde então entre uma exigência de inteligibilidade e urgências de

ordenação social.

Esse estado de coisas não nos impediu, entretanto, de tentar traçar algumas linhas gerais.

Tomando como meta a enumeração de suas partes componentes e respeitando, tanto quanto

possível, suas devidas particularidades, nosso exame pouco divergiu das muitas considerações

já consagradas ao tema (FARR, 2004; IBÁÑEZ, 2004; IÑÍGUEZ, 2004), seguindo a mesma

direção do movimento historiográfico contemporâneo – este “movimento” que visa, tanto

quanto possível, ressaltar a não homogeneidade da Psicologia Social pela ênfase concedida

aos seus conflitos e às dissidências que, aqui e acolá, marcaram o seu desenvolvimento

institucional e a sua difusão social (APFELBAUM, 1992; FARR, 2004; GOOD, 1992, 2000;

HAINES & VAUGHAN, 1979; LUBEK, 2000; KALAMPALIKIS, DELOUVÉE &

PÉTARD, 2006; MacMARTIN & WINSTON, 2000; PAICHELER, 1992; BRITT, 1937;

SILVA, 2005).

120

Dada a extensão da Psicologia Social contemporânea, esse exame certamente teve de deixar

de lado algumas das diversas variantes que compõem a Psicologia Social contemporânea.

Isso, porém, não nos pareceu suficiente para abandonarmos a pretensão inicial de falarmos da

Psicologia Social como um todo. Pois, embora seja evidente que a Psicologia Social seja um

domínio marcado por uma pluralidade de orientações, é também verdade que muitas delas

participam de princípios epistemológicos e ontológicos comuns (DOISE, 2002; FONSECA in

STREY et al., 2003; IBÁÑEZ, 2004; IÑIGUEZ in GUARESCHI, 2004).

Primeiramente, houve a necessidade de esclarecermos o problema que nos propusemos.

Esclarecer, acima de tudo, que a recolocação do problema da unidade da Psicologia Social

não visava, como se poderia apressadamente supor, recuperar uma unidade da qual ela haveria

se distanciado, e isso pela eleição ou pela “descoberta” de um insuspeito e, enfim, adequado

critério de identidade.

No segundo capítulo, ocupamo-nos em apresentar a indefinição da Psicologia Social a partir

do testemunho dos próprios psicólogos sociais, a fim de melhor estabelecermos o fato de sua

heterogeneidade. Dedicamos, além disso, um considerável espaço às justificativas

apresentadas pelos próprios psicólogos sociais à relativa incapacidade de definirem o seu

próprio domínio de pesquisa e de decidirem quanto ao procedimento adequado para o

conhecimento de seu objeto.

No terceiro capítulo, voltamos a afirmar que a Psicologia Social não é homogênea, sugerindo,

além disso, ser essa uma das principais razões para a dificuldade enfrentada por alguns

psicólogos sociais em encontrar-lhe uma definição satisfatória. Vimos, ali, o quanto os

psicólogos sociais obedecem a princípios epistemológicos e ontológicos bastante

discordantes, quando não contraditórios. Que eles se amparam, enfim, em filosofias bastante

diferentes umas das outras, o que contribui para que suas práticas ora visem, por exemplo, o

controle social (pela redução de conflitos interpessoais e grupais (LEWIN, 1970)), ora, ao

121

contrário, a promoção da liberdade e o desenvolvimento da consciência de classe (pela via da

desconstrução das ideologias (LANE, 1984)).

Dissemos, portanto, que a sua heterogeneidade epistemológica (e ontológica) é igualmente

responsável pela considerável diferença verificada entre os seus objetos. Que toda Psicologia

Social comporta, com maior ou menor clareza, uma determinada imagem do homem – e de

seu “psiquismo” – e do “social” – aí podendo compreender-se tanto o conjunto dos homens

quanto o sistema das relações que estabelecem entre si. Mostramos, com isso, que a

Psicologia Social não é, como se poderia supor, um “domínio específico” ou “autônomo”,

tanto no que se refere ao âmbito de sua teoria quanto ao que diz respeito às práticas realizadas

em seu nome. Que ela não é (e mais, que ela nunca chegou a ser) delimitada por conceitos,

métodos, técnicas e instrumentos próprios. E que ela, assim, não se distingue (hoje mais do

que nunca) de qualquer outra ciência social, receosa, tanto quanto estas, de que suas

considerações estejam sempre apoiadas em observações mais ou menos rigorosas.

Mas, além de afirmar essa obviedade, que em si mesma não acrescenta nada ao exame de sua

já constatada heterogeneidade, fizemos mais. Porque, além de termos afirmado que a

Psicologia Social é composta por diferentes partes, separadas umas das outras, entre outros

aspectos, por diferentes orientações ou inspirações epistemológicas, nós nos ocupamos de

enumerar as suas principais inspirações epistemológicas e de descrevê-las em suas linhas

gerais.

A partir daí, listamos o Positivismo, a Fenomenologia e o Pragmatismo, e ressaltamos que a

vinculação dos psicólogos sociais a cada uma dessas filosofias determina, entre eles, uma

verdadeira batalha pela hegemonia do discurso psicossociológico.

No quarto capítulo, descreveremos, ainda que de maneira bastante breve, a relação que a

Psicologia Social estabelece com o surgimento de uma nova ordem social, decorrente das

Revoluções e da reordenação social que esses acontecimentos provocaram, e com o

122

aparecimento e o desenvolvimento das ciências morais, descrevendo em linhas gerais a sua

gênese e os seus problemas fundamentais.

Por fim, dedicamos um pequeno espaço à apresentação e ao exame dos princípios de dois

importantes movimentos que, nas últimas décadas, tem ocupado grande parte dos esforços da

maioria dos psicólogos sociais. Apresentamos, assim, o Construcionismo Social e a

Neurociência Social, na esperança de conseguir demonstrar que, longe de ser um domínio

pacífico, a Psicologia Social contemporânea permanece sob a disputa de pesquisadores de

orientações filosóficas bastantes distintas.

Por fim, esse nosso exame permitiu-nos constatar que:

a) a Psicologia Social contemporânea divide seu âmbito de preocupações em duas partes:

uma teórica, outra prática. Essas duas partes, porém, não se encontram desvinculadas.

Muito pelo contrário, o esforço de renovação epistemológica verificado nas últimas

duas ou três décadas guarda íntima relação com o projeto de fazer valer a dimensão

política da disciplina, e de torná-la cada vez mais capaz de servir de instrumento de

reordenação e de mudança social (TASSARA & DAMERGIAN, 1996; GUARESCHI,

2004). Esse esforço é, com maior ou menor consciência, mais ou menos

explicitamente, o testemunho de uma “preocupação ética em relação aos seus

compromissos sociais e políticos” (STREY et al., 2003, p. 15);

b) o embaraço ou o mal-estar verificado em parte dos psicólogos sociais parece advir da

incompreensão relativa à heterogeneidade epistemológica da Psicologia Social, em

particular, e as ciências humanas como um todo. Pois acontece frequentemente

acreditarem que a simples oposição ao Positivismo é suficiente para evadirem-se de

toda e qualquer disputa epistemológica;

123

c) a historiografia da Psicologia Social costuma ser orientada por determinados

compromissos filosóficos nem sempre explicitados, o que contribui para a má

compreensão da heterogeneidade dessa ciência;

d) longe de constituir um sistema, as partes constituintes da Psicologia Social vivem uma

luta pela hegemonia do discurso psicossociológico. Essa luta expressa-se hoje, ainda

que timidamente, pela contraposição entre os partidários do Construcionismo Social e

os defensores da Neurociência Social.

Em um artigo dedicado à reflexão sobre o estado atual da Psicologia Social contemporânea, a

psicóloga social Maritza Montero apresentou-nos o seguinte quadro:

Quadro 1. Comparação de quatro paradigmas científicos

Paradigmas Ontologia Epistemologia MetodologiaPositivista Realista

Generalizações atemporais e não-contextuais

Dualista-objetivistaInvestigador distanteExclusão de valores e da subjetividade

Experimental-manipulativaPergunta e hipóteses a priori

Pós-positivista Realista críticaReconhece a imperfeição de mecanismos sensoriais e intelectivos

Objetividade modificada“Ideal regulador” indica intençãoApoio na tradição críticaComunidade crítica

Experimental-manipulativa modificadaIdentificação e correção de desequilíbrios

Teoria crítica Realista crítica SubjetivistaDá valor à investigação imediata

Dialógica-transformativaEliminação da falsa consciênciaEnergizaçãoConscientização

Construcionista RelativistaMúltiplas realidades

SubjetivistaInvestigador e objeto investigado são uma só entidade monista

Hermenêutica-dialéticaProdução e refinamento hermenêutico e comparação e contraste dialéticosGeração de construções com consenso substancial

Base: Egon Guba, The alternative Paradigm Dialog. Sage, 1991.

124

Acreditamos que nossa pesquisa tenha permitido simplificar este quadro. No quadro abaixo

(Quadro 2), sugerimos como devemos representar aquilo que hoje constitui o campo

heterogêneo da Psicologia Social contemporânea:

Quadro 2. Esboço da configuração atual da Psicologia Social

Formas Fenômeno Método Objetivo

Psicologia Social experimental

Comportamento social

Manipulação e subsequente observação das variações do

comportamento do organismo

Calcular a lei de variação do fenômeno, obtida estatisticamente e expressa sob a forma de uma correlação ou sob a forma de uma relação de causalidade

Interpretação

Compreender o significado imanente aos fenômenos humanos, definidos previamente como signos

Psicologia Social não-experimental

Signo(Linguagem,

discurso)Descrição

Determinar as regras particulares de articulação e uso dos diversos discursos, bem como seus efeitos reais ou, ainda, suas consequências possíveis e/ou imagináveis

Por último, gostaríamos de dizer que o quanto é grande a nossa convicção de que qualquer

conclusão que se possa tomar a respeito do que dissemos necessitará, antes, da contrapartida

dos próprios psicólogos sociais, sem a qual as linhas seguintes não teriam sentido. Afinal, se é

verdade que a Psicologia Social não sabe bem o que ela é, ela deve ao menos saber que não

pode deixar de ser a disciplina cujo estudo interessa àqueles que se denominam psicólogos

sociais (de acordo com uma jocosa definição que lhe deram outrora dois de seus

representantes, sem talvez mesmo suspeitar o quanto de verdade ela podia comportar)59.

59 “With tongue in cheek we can define social psychology as that discipline which people who call themselves social psychologists are interested in study” (INSKO & SCHOPLER, 1972, p. xiii-xiv).

125

REFERÊNCIAS

ALLPORT, G. W. (1968). The Historical Background of Modern Social Psychology. In: G. LINDZEY, G.; ARONSON, E. (Eds.) The Handbook of Social Psychology. 2ª ed.. California: Addsin-Wesley, Menlon Park, v. 1., p. 21-80.

APFELBAUM, E. (1992). Some teachings from the History of Social Psychology. Canadian Psychology/Psychologie canadienne. v. 33, n. 3, jul., p. 529-539.

ARAÚJO, I. L. (2008). Foucault e Wittgenstein: um encontro (im)possível. In: FERREIRA, A. L. F. (org). (Org.) Pragmatismo e questões contemporâneas. 1ª ed.. Rio de Janeiro: Arquimedes, v. 1, p. 101-113.

ARENDT, R. J. J. (2004). Investigações em torno do objeto da psicologia. In: JACÓ-VILELA, A. M.; MANCEBO, D. (Orgs.). Psicologia Social: abordagens sócio-históricas e desafios contemporâneos. Rio de Janeiro: Editora UERJ, p. 17-32.

ARON, R. (1969). La philosophie critique de l’histoire: essai sur une théorie allemande de l’histoire. Paris: Vrin.

ARRUDA, A. (Org.) (2002). Representando a alteridade. 2ª. ed. Petrópolis: Vozes.

ASCH, S. E. (1971). Psicologia social. Trad. de Dante Moreira Leite e Mirian Moreira Leite. 3ª ed.. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

BARROS, R. D. B. de.; JOSEPHSON, S. C. (2005). A invenção das massas: a Psicologia entre o controle e a resistência. In: JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. (Orgs.) História da Psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau Editora, p. 44-62.

BÉNEZÉ, G. (1967). La méthode expérimentale. 3ª ed.. Paris: P.U.F..

BERNSTON, G. G.; CACIOPPO, J. T. (2000). Psychobiology and Social Psychology: past, present, and future. Personality and Social Psychology Review. v. 4. n. 1, p. 3-15.

BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. (1985). A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes.

BLONDEL, C. (1960). Introdução à Psicologia Coletiva. Trad. de Frederico Lourenço Gomes. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura.

BOURDIEU, P. (1983). O Campo Científico. In: ORTIZ, R. (Org.) Bourdieu. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, p. 122-155.

BOUTHOUL, G. (1966). História da Sociologia. Trad. de J. Guinsburg. 3ª ed.. São Paulo: Difusão Européia do Livro.

BRITT, S. H. (1937). Social psychologists or psychological sociologists – which?. Journal of Abnormal and Social Psychology, v. 32, p. 314-318.

126

BURMESTER, R. Z. (1988). Racionalidad cientifica y Psicologia Social. In: LOPEZ, M. M.; BURMESTER, R. Z. (Orgs.) Perspectivas Críticas de la Psicología Social. Porto. Rico: Editorial de la Universidad de Puerto Rico.

CACIOPPO, J. T. et al. (2002). Foundations in Social Neuroscience. Massachusetts: MIT Press.

CACIOPPO, J. T.; LORIG, T. S.; NUSBAUM, H. C.; BERNTSON, G. G. (2004). Social Neuroscience - Bridging Social and Biological Systems. In: SANSONE, C.; MORF, C. C.; PANTER, A. T. The Sage handbook of methods in social psychology. California: Sage Publications, Inc..

CAMPOS, R. H. de F. (Org.) (2006). Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. 11ª ed.. Petrópolis: Vozes.

CAMPOS, R. H. de F.; GUARESCHI, P. A. (Orgs.) (2007). Paradigmas em psicologia social: a perspectiva latino-americana. 3ª ed.. Petrópolis: Vozes.

CANÇADO, C. R. X.; SOARES, P. G.; CIRINO, S. D. (2005). O Behaviorismo: uma proposta de estudo do comportamento. In: JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. (Orgs.) História da Psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: NAU Editora, p. 179-194.

CANGUILHEM, G. (1972). O que é a Psicologia? Revista Tempo Brasileiro, v. 30/31, p. 104-123.

CHÂTELET, F. (1974). La Naissance de l'histoire: la formation de la pensée historienne en Grèce.

DARTIGUES, A. (2005). O que é a fenomenologia? 10ª. ed.. Trad. de Maria José J. G. de Almeida. São Paulo: Centauro.

DAVAL, R, BOURRICAUD, F. & DELAMOTTE, D. (1967). Traité de psychologie sociale. Paris: P.U.F..

DECETY, J.; KEENAN, J. P. (2006). Social Neuroscience: A new journal. Social neuroscience. v. 1, n. 1, p. 1-4.

DOISE, W. (2002). Da Psicologia Social à Psicologia Societal. Psic.: Teor. e Pesq.. v. 18, n. 1. Brasília, jan.-abr., p. 27-35.

DREYFUS, H.; RABINOW, P. (1995). Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Trad. de Vera Porto Carrero. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

DUPUY, J.-P. (1996). Nas origens das ciências cognitivas. São Paulo: UNESP.

EHRENBERG, A. (2004). Le sujet cerebral. Ésprit, 309, nov., p. 130-155.

127

ENRIQUEZ, E; CASTILHO, P. T. (2006). Acerca da psicologia social, da análise institucional, da psicossociologia e da esquizoanálise. Psicol. rev. (Belo Horizonte), v.12, n. 20, dez., p.263-272.

FARR, R. M. (2004). As Raízes da Psicologia Social Moderna. 6ª ed. Rio de Janeiro: Vozes.

FESTINGER, L.; KATZ, D. (1974). A pesquisa na psicologia social. Rio de Janeiro: FGV.

FOUCAULT, M. (1966). As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes.

______________. (2002). A ordem do discurso. Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 8ª ed.. Trad. de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola.

FREEDMAN, J. L.; CARLSMITH, J. M.; SEARS, D. O. (1977). Psicologia Social. Trad. de Álvaro Cabral. 3ª ed.. São Paulo: Cultrix.

GARDNER, H. (1995). A nova ciência da mente. São Paulo: UNESP.

GERGEN, K. J. (1973). Social Psychology as History. Journal of Personality and Social Psychology. v. 26, n. 2, p. 309-320.

____________. (1985). The Social Constructionist movement in Modern Psychology. American Psychologist. v. 40, n. 3, p. 266-275.

____________. (2008). A psicologia social como história. Psicol. Soc., v. 20, n. 3, p. 475-484.

GERGEN, K. J.; GERGEN, M. (1984). Psychologie sociale. Laval: Études Vivantes.

GOOD, J. M. M.; STILL, A. W. (1992). The idea of an Interdisciplinary Social Psychology: an historical and rhetorical analysis. Canadian Psychology/Psychologie canadienne. v. 33, n. 3, jul., p. 563-568.

GOOD, J. M. M. (2000). Disciplining Social Psychology: a case study of boundary relations in the history of human sciences. Journal of the History of the Behavioral Sciences. v. 36, n. 4, p. 383-403.

GONZÁLEZ REY, F. L. (2004). O Social na Psicologia e a Psicologia Social: a emergência do sujeito. Trad. de Vera Lúcia Mello Joscelyne. Petrópolis: Vozes.

GRONDIN, J. (2003). Le tournant herméneutique de la phénoménologie. Paris: P.U.F..

GUIMOND, S. (2002). Serge Guimond. Entrevista concedida a Michaël Dambrun em agosto de 2002. Disponível em: http://www.psychologie-sociale.org/pdfEntretiens/Guimond_2002.pdf.

HABERMAS, J. (1988). On the logic of the social sciences. Cambridge: MIT Press.

128

HACKING, I. (2001). ¿La construcción social de qué? Barcelona: Paidós.

HAINES, H.; VAUGHAN, G. M. (1979). Was 1898 a ‘great date’ in the history of experimental social psychology?. Journal of the History of the Behavioral Sciences. v. 15, p. 323-332.

HARRÉ, R. (1999). The rediscovery of the human mind: the discursive approach. Asian Journal of Social Psychology, v. 2, n. 4, p. 43-62.

HERNÁNDEZ, M. (1997). Apariciones del Espiritu de la Posmodernidad en la Psicologia Social contemporanea. Psic. Soc., v. 9, n. 1/2, jan.-dez., p. 91-112.

IBÁÑEZ, T. (2004). O “giro lingüístico”. In: IÑIGUEZ, L. (Ed.) Manual de análise do discurso em Ciências Sociais. Petrópolis: Vozes, p. 19-49.

IÑIGUEZ, L. (2004). La Psicología Social en la encrucijada postconstruccionista: historicidad, subjetividad, performatividad, acción. In: GUARESCHI, N. M. de F. (Org.) Estratégias de Invenção do Presente: a Psicologia Social no contemporâneo. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 15-53.

INSKO, C. & SCHOPLER, J. (1972). Experimental social psychology. New York: Academic Press.

JAHODA, G. (2007). A history of Social Psychology: from Eighteenth-Century Enlightenment to the Second World War. Cambridge: Cambridge University Press.

KALAMPALIKIS, N.; DELOUVÉE, S.; PÉTARD, J.-P. (2006). Historical spaces of social psychology. History of Human Sciences, v. 19, n. 2, p. 23-43.

KENNY, A. (1984). Wittgenstein. Trad. de Alfredo Deãno. 2ª ed.. Madrid: Alianza Editorial.

KUHN, T. (1989). A Estrutura das Revoluções Científicas. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva.

LANE, S. (1981). O que é Psicologia Social?. São Paulo, Brasiliense.

LANE, S. T. M.; CODO, W. (Orgs.) (1984). Psicologia Social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense.

LE BON, G. (1931). Bases scientifiques d’une Philosophie de l’Histoire. Paris: Ernest Flammarion.

__________. (1895). Psychologie des foules. Paris: Félix Alcan.

LEWIN, K. (1970). Problemas de dinâmica de grupo. Organizado por Gertrude Weiss Lewin. Trad. de Dante Moreira Leite. São Paulo: Cultrix.

LEYENS, J.P. (1979). Psicologia social. Lisboa: Edições 70.

LUBEK, I. (2000). Understanding and using the History of Social Psychology. Journal of the History of the Behavioral Sciences, v. 36, n. 4, p. 319-328.

129

LYOTARD, J. F. (1967). A Fenomenologia. Trad. de Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Difusão Européia do Livro.

MACMARTIN, C.; WINSTON, A. S. (2000). The rhetoric of experimental social psychology, 1930-1960: from caution to enthusiasm. Journal of the History of the Behavioral Sciences. v. 36, n. 4, p. 349-364.

MAISONNEUVE, J. (1977). Introdução à psicossociologia. São Paulo: Cia. Ed. Nacional.

MANCEBO, D.; JACÓ-VILELA, A. M. (Orgs.) (2004). Psicologia social: abordagens sócio-históricas e desafios contemporâneos. 2ª ed.. Rio de Janeiro: EdUERJ.

MELLO NETO, G. (2000). A Psicologia Social nos tempos de Freud. In: Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, v. 16, n. 2, mai-ago., p. 145-152.

MELO, A. (1991). Pragmatismo, pluralismo e 'jogos de linguagem' em Wittgenstein. Revista da Faculdade de Letras, Série de Filosofia, U. do Porto, n. 8, p. 57-84.

MONTERO, M. (1996). Paradigmas, corrientes y tendencias de la Psicologia Social finisecular. Psic. Soc., v. 8, n. 1, jan.-jun., p. 102-119.

MOSCOVICI, S. (1976). Psychologie des minorités actives. Paris: P.U.F..

______________. (1961). La Psychanalyse, son image et son public. Paris: P.U.F..

______________. (1978). A representação social da psicanálise. Trad. por Álvaro Cabral.Rio de Janeiro: Zahar.

______________. (1984). Psychologie Sociale. Paris: P.U.F..

______________. (1992). Quelles histoires?. Canadian Psychology/Psychologie canadienne. v. 33, n. 3, jul., p. 540-547.

______________. (2004). Representações Sociais: investigações em psicologia social. Editado do inglês por Gerard Duveen. Trad. do inglês por Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes.

MOSCOVICI, S.; MARKOVÁ, I. (2006). The Making of Modern Social Psychology: the hidden story of how an international social science was created. Cambridge: Polity.

MOURA, C. A. R. de. (1989). Crítica da Razão na Fenomenologia. São Paulo: Nova Stella e Editora da Universidade de São Paulo.

PAICHELER, G. (1992). Avait-on besoin de psychologie sociale? Quelques hypothèses sur la mise en place de la psychologie sociale aux États-Unis avant 1925. Canadian Psychology/Psychologie canadienne, v. 33, n. 3, jul., p. 614-619.

PARIGUIN, B. D. (1972). A Psicologia Social como ciência. Rio de Janeiro: Zahar Editores.

130

RODRIGUES, A. (1979). Estudos em Psicologia Social. Petrópolis: Vozes.

ROSE, N. (2008). A Psicologia como uma ciência social. Psic. Soc., v. 20, n. 2, p. 155-164.

ROUQUETTE, M.-L. (2001). Michel-Louis Rouquette. Entrevista concedida a Sylvain Delouvée em dezembro de 2001. Disponível em: http.://www.psychologie-sociale.org/pdfEntretiens/Rouquette_2001.pdf.

SÁ, C. P. de. (1988). A construção do objeto de pesquisa em Representações Sociais. Riode Janeiro: EdUERJ.

___________. (1992). Representações Sociais: modismo ou teoria psicossocial consistente?. Psic. Soc., v. 7, n. 10, p. 45-49.

SÁ, R. N. (2005). As influências da Fenomenologia e do Existencialismo na Psicologia. In: JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. (Org.). História da Psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: NAU Editora, p. 319-338.

SAMELSON, F. (1974). History, origin myth, and ideology: Comte’s “Discovery” of social psychology. Journal of the Theory of Social Behavior, v. 4, p. 217-231.

SAWAIA, B. B. (1995). Psicologia Social: aspectos epistemológicos e éticos. In: LANE, S. T.; SAWAIA, B. B. (Orgs.) Novas Veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense: EDUC.

SILVA, R. N. da. (2005). A invenção da Psicologia Social. Petrópolis: Vozes.

SPINK, M. J. (2004). Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Porto Alegre: EDIPUCRS.

SPINK, M. J. P.; SPINK, P. K. (2005). A Psicologia Social na atualidade. In: JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. (Org.). História da Psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: NAU Ed., p. 595-622.

STOETZEL, J. (1972). Psicologia social. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

STREY, H. G. C. N. et. al.. (2003). Psicologia Social contemporânea: livro-texto. 8ª ed.. Petrópolis: Vozes.

TARDE, G. (1973). Écrits de psychologie sociale, choisis et présentés par A. M. Rocheblave-Spenlé et J. Milet. Toulouse: Édouard Privat.

TASSARA, E. T. de O.; DAMERGIAN, S. (1996). Para um novo humanismo: contribuições da Psicologia Social. Estudos Avançados. v. 10, n. 28.

WHELDALL, K. (1976). Comportamento Social. Rio de Janeiro: Zahar.

WITTGENSTEIN, L. (1953). Philosophical investigations. Oxford: Blackwell.

131

WERTZ, F. (1998). The Role of the Humanistic Movement in the History of Psychology. Journal of Humanistic Psychology, v. 38, n. 1, p. 42-70.

VARGAS, E. V. (2000). Antes Tarde do que Nunca: Gabriel Tarde e a emergência das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria.

VEYNE, P. (1998). Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. Trad. de Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp. 4ª ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília.

YAMAMOTO, O. H. (2007). A produção científica nos Programas de Pós-Graduação da Área da Psicologia. In: A produção científica nos Programas de Pós-Graduação da Área da Psicologia. Anais do XIV Encontro Nacional da Abrapso - Resumo (CD). Rio de Janeiro: ABRAPSO. v. 1. p. 1-1.

ZAJONC, R. (1969). Psicologia Social do Ponto de Vista Experimental. Trad. de Carolina Martuscelli Bori. São Paulo: Herder.

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo