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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS NAS VARIEDADES URBANAS
EUROPEIA, BRASILEIRA E SÃO-TOMENSE: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA
DO PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI
Maria de Fatima Vieira
2016
2
A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS NAS VARIEDADES URBANAS
EUROPEIA, BRASILEIRA E SÃO-TOMENSE: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA
DO PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI
Maria de Fatima Vieira
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
3
A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS NAS VARIEDADES URBANAS
EUROPEIA, BRASILEIRA E SÃO-TOMENSE: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA
DO PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI
Maria de Fatima Vieira
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
_______________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ
____________________________________________________________________
Professora Doutora Izete Lehmkuhl Coelho – UFSC
____________________________________________________________________
Professor Doutor Gilson Costa Freire – UFRRJ
____________________________________________________________________
Professora Doutora Beatriz Protti Christino – UFRJ
____________________________________________________________________
Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão – UFRJ
____________________________________________________________________
Professora Doutora Marcia dos Santos Machado Vieira – UFRJ, Suplente
____________________________________________________________________
Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
4
VIEIRA, Maria de Fatima.
A ordem dos clíticos pronominais nas variedades urbanas europeia, brasileira e
são-tomense: uma análise Sociolinguística do Português no início do século XXI / Maria
de Fatima Vieira. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2016.
xvii, 238f.:il.; 35cm.
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Tese (Doutorado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa), 2016.
Referências Bibliográficas: f. 232-238.
1. Clíticos Pronominais. 2. Ordem. 3. Sociolinguística. 4. Variedades do
Português. I. VIEIRA, Silvia Rodrigues. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa). III. A ordem dos clíticos pronominais nas variedades urbanas europeia,
brasileira e são-tomense: uma análise Sociolinguística do Português no início do século
XXI.
5
À Maria Eduarda, minha pequena,
que me mostrou o lado bom da vida!
“Não sei quanto o mundo é bom
Mas ele está melhor
Porque você chegou
E explicou
O mundo pra mim”
(Espatódia – Nando Reis)
6
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, quero agradecer a Deus por tudo! Especialmente, por essa
oportunidade de fazer o doutorado; sou a primeira pessoa da família que está cursando o
doutorado, muito obrigada, Senhor! Agradecer a Deus por ter me dado os dois empregos – um
no Rio e outro em Angra –, agradecer por cada dia me dar mais forças para continuar nessa
caminhada e por toda a minha família, em especial a que eu estou começando a formar com o
Maurício e a Maria Eduarda! Só tenho a agradecer muito a esse Deus que é tão maravilhoso e
misericordioso!
Agradeço também a Nossa Senhora por toda a intercessão em todos esses anos de
doutorado. Que Nossa Senhora continue me protegendo e me guiando sempre para o caminho
certo.
Quero agradecer a todos os membros da minha família por sempre acreditarem em
mim e estarem ao meu lado. Meus irmãos: Ana Lúcia, Tuninho, Beto e João; minhas
cunhadas e cunhados: Damiana, Vera, Renata, Márcia, Tainá, Tuninho, Adriano e Júnior; meu
sogro, Manoel, minha sogra, Maria; e todos os meus sobrinhos, que não são poucos: Aninha,
Cristiane, João Vitor, Felipe, Maria Caroline, Luiz Fernando, Fabiana, Luiz Henrique,
Gabriel, Maria Luiza, Emanuelle, Yuri, Ana Julia e Luiz Antônio. Além das minhas tias
Conceição e Cecília, que não entendem porque eu ainda estou estudando, mas, mesmo assim,
me incentivam.
De modo especial, quero agradecer ao meu pai Antônio Vieira, in memoriam, que
não está ao meu lado para ver tantas conquistas que Deus tem realizado na minha vida, mas,
com certeza, está lá de cima olhando tudo e pedindo a Deus que nos proteja e nos ajude nessa
caminhada. Sempre me incentivou muito a estudar e ficou muito orgulhoso quando eu
consegui dois empregos por causa do estudo! Pai, muito obrigada por tudo!
Agora é a vez da minha mãe, um anjo que Deus colocou na minha vida. A pessoa
que mais me ajudou até hoje, em especial nessa reta final da tese, olhando minha princesa e
sempre me dando forças para nunca desistir dos meus sonhos! Mãe, obrigada por tudo! Você
é maravilhosa! Quero ser uma mãe igual a senhora é para mim! Tudo o que tenho e sou hoje,
eu agradeço à senhora.
Não posso esquecer do Mauricio, meu maridão! Sempre me dando forças para
estudar e me ajudando a decidir que caminho seguir. Desde o vestibular até agora no
doutorado, já se foram treze anos juntos, de muito amor e conquistas, graças a Deus! Que
Deus continue nos abençoando e nos protegendo hoje e sempre. Obrigada por tudo, amor!
7
Maria Eduarda! Um anjo que Deus me deu para alegrar todos os meus dias. Sempre
com um beijinho e um carinho bem gostoso, inclusive depois de várias noites não dormidas.
Sempre acorda de manhã toda feliz por ver a mamãe! Filha, você é a alegria do meu viver!
Desculpa pela falta de tempo e, principalmente, pela distância e ausência desses dias. Saiba
que te amo muito e sempre vou te amar, minha pequena!
Falando em anjo... Deus me abençoou profundamente quando colocou na minha vida
uma orientadora muito importante, uma pessoa com quem posso contar sempre. Dos 30 anos
que tenho de vida, já estamos juntas há 10! Um terço da minha vida com uma orientadora
maravilhosa, juntando iniciação científica, mestrado e doutorado... Graças a Deus, sou uma
pessoa bem orientada! Vieira orientando Vieira! Saiba que sigo seu exemplo para sempre ser
uma professora boa, competente e amiga como você é. Muito obrigada por tudo e espero que
tenhamos mais oportunidades de trabalharmos juntas, que não seja o fim, mas o começo de
mais e mais trabalhos juntas! E... “Vamos que vamos!”
Quero também agradecer às diretoras do município do Rio, Fatinha Guerreira e Si
Mizael, mais dois anjos que entraram na minha vida. Obrigada pelo carinho e compreensão de
um ano bem complicado para mim. Também aos diretores de Angra dos Reis, Iná e
Emmanuel, que sempre compreenderam minha ausência em vários momentos. Agradeço
também aos colegas de trabalho que sempre estavam me dando forças para seguir: Miguel,
Sandra, Herculano, Kátia, Carla e Cristiane. Além de todos os colegas e amigos da F-310, em
especial minhas amigas Adriana e Giselle, que, mesmo distantes, sempre estão me ajudando
com suas palavras amigas.
De forma muito especial, quero agradecer às professoras que participaram da minha
banca da qualificação, Izete Lehmkuhl Coelho e Silvia Figueiredo Brandão, por terem me
dado várias dicas e orientações para a continuação da tese. Agradeço também à professora
Beatriz Protti Christino e ao professor Gilson Costa Freire, por terem aceitado gentilmente o
convite de participar da minha banca de doutorado, bem como Christina Abreu Gomes e
Marcia dos Santos Machado Vieira, que aceitaram ser suplentes da minha banca.
Enfim, quero agradecer a todos que, direta ou indiretamente, me ajudaram nessa
caminhada e acreditaram em mim, sabendo que, com a graça de Deus, JÁ DEU TUDO
CERTO!!!
8
“Pode se alegrar e a Deus louvar
Que já deu tudo certo!”
(Padre Marcelo Rossi)
9
SINOPSE
Estudo da ordem dos clíticos pronominais em
estruturas com lexias verbais simples e com
complexos verbais. Análise contrastiva das
normas de uso das variedades europeia,
brasileira e são-tomense no século XXI, a
partir da Sociolinguística Variacionista.
Interpretação do estatuto da ordem em função
de restrições linguísticas e extralinguísticas e
da situação de contato linguístico nos países
colonizados.
10
RESUMO
A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS NAS VARIEDADES URBANAS
EUROPEIA, BRASILEIRA E SÃO-TOMENSE: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA
DO PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI
Maria de Fatima Vieira
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de pós-graduação em Letras
Vernáculas, área de concentração Língua Portuguesa, Faculdade de Letras, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Doutora em Língua Portuguesa.
Com o objetivo de investigar a colocação dos clíticos pronominais na modalidade oral
da Língua Portuguesa, a presente tese utiliza dados do Português Europeu (PE), do Português
Brasileiro (PB) e do Português de São Tomé (PST). A pesquisa tem como base (i) a
Sociolinguística Variacionista (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968); (ii) o tratamento
dado aos temas gramaticais, como a colocação pronominal, a noção de complexos verbais, em
estudos anteriores; e (iii) questões relacionadas a situação de contato linguístico. Pretende,
assim, verificar se a regra de colocação pronominal nas três variedades é categórica,
semicategórica ou variável (LABOV, 2003), além de mostrar, com base em análise
comparativa dos dados, as semelhanças e diferenças entre os padrões verificados na língua do
país colonizador (PE) e na dos países colonizados (PB e PST).
Para tanto, foram analisadas as estruturas com um constituinte verbal – lexias verbais
simples – e com mais de um – complexos verbais. O corpus pertence ao banco de dados do
projeto “Estudo comparado dos padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras
e europeias”. Todos os dados são de variedades urbanas do início do século XXI e podem
ocupar, em relação às lexias verbais simples, as posições: proclítica (Não se senta), enclítica
(Senta-se) ou mesoclítica (Sentar-se-á). Nos complexos verbais, os dados poderão aparecer
antes do complexo verbal (Não se pode sentar), no interior, em ênclise a v1 ou em próclise a
v2 (Pode(-)se sentar / Pode-se sempre sentar / Pode sempre se sentar) ou depois (Pode
sentar-se).
Com o auxílio computacional do GOLDVARB-X, determinam-se as variáveis
linguísticas e extralinguísticas importantes, em caso de regra variável. Foi possível, verificar
que, no PB, a regra é semicategórica– variante pré-verbal/próclise a v2. No PE e no PST, há
ênclise categórica em início absoluto de oração. Nos demais contextos, há variação nessas
duas variedades, com preferência pela próclise em contextos com atratores; no PST, essa
preferência ocorre em meio a maior oscilação nos mesmos contextos sintáticos – típica de
uma língua em formação sobretudo em situação de intenso contato linguístico. Mesmo com a
presença de proclisadores clássicos, a próclise não ocorreu de forma categórica no PE nem no
PST e, nesta variedade, ocorreram alguns dados semelhantes aos brasileiros, como a próclise
com sujeitos e conjunções coordenativas. Nos complexos verbais, a colocação pronominal nas
duas variedades é sensível à forma do verbo principal: com gerúndio e particípio, ocorre a
próclise ou a ênclise a v1; com infinitivo, há variação sensível ao tipo de complexo, ao tipo de
clítico e ao elemento antecedente ao complexo.
Palavras-chave: Clíticos pronominais; Ordem; Sociolinguística; Variedades do Português.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
11
ABSTRACT
CLITIC PRONOUN ORDER IN URBAN EUROPEAN, BRAZILIAN AND SÃO-TOMÉ
VARIETIES OF PORTUGUESE: A SOCIOLINGUISTIC ANALYSIS OF EARLY 21ST
-
CENTURY PORTUGUESE
Maria de Fatima Vieira
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de pós-graduação em Letras
Vernáculas, área de concentração Língua Portuguesa, Faculdade de Letras, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Doutora em Língua Portuguesa.
This thesis uses data from European Portuguese (EP), Brazilian Portuguese (BP) and
São Tomé Portuguese (STP) to ascertain the placement of clitic pronouns in oral Portuguese.
The study is grounded in (i) Variationist Sociolinguistics (WEINREICH, LABOV &
HERZOG, 1968); (ii) the treatment given to grammatical topics, such as pronoun placement
and the notion of verbal complexes, in previous studies; and (iii) issues deriving from
situations of linguistic contact. The purpose is thus to determine whether pronoun placement
rules in the three varieties are categorical, semi-categorical or variable (LABOV, 2003) and,
by comparative data analysis, to show whether there are similarities or differences between
the patterns found in the language of the colonising country (EP) and of those colonised (BP
and STP).
To that end, structures with one verbal constituent – single-word verbs – and with
more than one – verbal complexes – were examined. The corpus belongs to the data base of
the project “Estudo comparado dos padrões de concordância em variedades africanas,
brasileiras e europeias” [Comparative study of concordance patterns in African, Brazilian
and European varieties]. All data are from the early 21st century and, in single-word verbs,
can occupy the positions: proclitic (Não se senta), enclitic (Senta-se) or mesoclitic (Sentar-
se-á). In verbal complexes, the data can appear before the verbal complex (Não se pode
sentar), within it, in V1 enclisis or V2 proclisis (Pode(-)se sentar / Pode-se sempre sentar/
Pode sempre se sentar) or after it (Pode sentar-se).
In cases of variable rules, the relevant linguistic and extra-linguistic variables were
determined with the assistance of GOLDVARB-X software. It was found that, in BP, the rule
is semi-categorical: proclisis in single-word verbs and V2 proclisis in verbal complexes. In
EP and STP, enclisis is categorical at the absolute sentence initial position. In other contexts,
there is variation in these two varieties. In EP, preference is for proclisis in contexts with
attractors, while in STP, as is typical of a language in formation, there are oscillations in these
same syntactic contexts. In both varieties, pronoun placement is sensitive to the main verb in
verbal complexes: with the gerund and participle, proclisis or V1 enclisis occurs, while with
the infinitive, placement varies among three positions sensitive to the clitic type and to the
element preceding the complex.
Keywords: Clitic pronouns; Order; Sociolinguistics; Varieties of Portuguese
Rio de Janeiro
February 2016
12
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................18
2. CLITICIZAÇÃO E A ORDEM DOS CLÍTICOS NO PORTUGUÊS..........................23
2.1. Cliticização e padrões de colocação pronominal...............................................................23
2.2. Revisão da literatura: a ordem dos clíticos pronominais...................................................30
2.2.1. A colocação pronominal segundo compêndios gramaticais....................................30
2.2.2. A colocação pronominal segundo as pesquisas linguísticas....................................36
2.2.2.1. A colocação pronominal no Português: estudos diacrônicos.................37
2.2.2.2. A colocação pronominal no Português: estudos sincrônicos..................47
2.2.2.3. Síntese das principais tendências dos estudos........................................60
3. TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA: PRESSUPOSTOS BÁSICOS...................64
4. FORMAÇÃO HISTÓRICA E LINGUÍSTICA DAS VARIEDADES BRASILEIRA E
SÃO-TOMENSE.....................................................................................................................71
4.1. Conceitos básicos ..............................................................................................................71
4.2. Um pouco da história dos países colonizados....................................................................75
4.2.1. Breve história de colonização no Brasil ...............................................................75
4.2.2. Breve história de colonização em São Tomé ........................................................80
4.2.3. Descrição do Forro e a colocação pronominal......................................................86
4.2.4. Semelhanças na história linguística dos países colonizados (PB e PST)..............93
5. ASPECTOS METODOLÓGICOS....................................................................................96
5.1. Justificativa, problemas e hipóteses...................................................................................96
5.2. Procedimentos para a análise dos dados e descrição do corpus......................................100
5.3. Descrição das variáveis....................................................................................................104
5.3.1. Variável dependente.............................................................................................104
5.3.2. Variáveis independentes......................................................................................105
13
5.3.2.1. Variáveis extralinguísticas....................................................................105
5.3.2.2. Variáveis linguísticas............................................................................107
6. ANÁLISE DOS DADOS...................................................................................................120
6.1. Lexias verbais simples.....................................................................................................121
6.1.1. Distribuição geral dos dados pela variável dependente.......................................121
6.1.2. Distribuição dos dados pelas variáveis extralinguísticas.....................................124
6.1.3. Variáveis relevantes para o fenômeno.................................................................126
6.1.3.1. Português do Brasil........................................................................................126
6.1.3.2. Português Europeu.........................................................................................138
6.1.3.3. Português de São Tomé..................................................................................155
6.1.4. Sistematização dos resultados das lexias verbais simples.................................171
6.2. Complexos Verbais..........................................................................................................176
6.2.1. Distribuição geral dos dados pela variável dependente e pela forma do verbo
principal..................................................................................................................................178
6.2.1.1. Português do Brasil........................................................................................178
6.2.1.1. 1. Complexos verbais do PB com o verbo principal no infinitivo.....179
6.2.1.1. 2. Complexos verbais do PB com o verbo principal no gerúndio......184
6.2.1.1. 3. Complexos verbais do PB com o verbo principal no particípio.....186
6.2.1.2. Português Europeu.........................................................................................187
6.2.1.2. 1. Complexos verbais do PE com o verbo principal no infinitivo.....188
6.2.1.2. 2. Complexos verbais do PE com o verbo principal no gerúndio......199
6.2.1.2. 3. Complexos verbais do PE com o verbo principal no particípio.....200
6.2.1.3. Português de São Tomé..................................................................................203
6.2.1.3. 1. Complexos verbais do PST com o verbo principal no infinitivo...203
6.2.1.3. 2. Complexos verbais do PST com o verbo principal no gerúndio...209
6.2.1.3. 3. Complexos verbais do PST com o verbo principal no particípio...210
14
6.2.2. Sistematização dos resultados dos complexos verbais........................................211
6.2.2.1. Os resultados dos complexos com infinitivo.....................................213
6.2.2.2. Os resultados dos complexos com gerúndio.....................................215
6.2.2.3. Os resultados dos complexos com particípio....................................216
6.3. O estatuto da ordem dos clíticos nas três variedades da Língua Portuguesa: para a
definição dos parâmetros de colocação...................................................................................217
7. CONCLUSÃO ..................................................................................................................225
8. BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................232
15
LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E QUADROS
TABELAS:
1. Distribuição das variantes relativas à ordem dos clíticos em lexias verbais simples no
“corpus” oral das três variedades do Português segundo Vieira (2002)......................49
2. Índices de frequência da próclise por “presença de operador de próclise na oração” e
variedade do Português nas lexias verbais simples do “corpus” oral segundo Vieira
(2002)...........................................................................................................................50
3. Distribuição das variantes pré-CV, pós-CV e intra-CV no “corpus” oral das três
variedades do Português segundo Vieira (2002)..........................................................52
4. Dados sobre as línguas faladas – censos de 1991 e de 2001– da população com mais de
5 anos segundo Hagemeijer (2009)..............................................................................82
5. Dados sobre as línguas faladas – censos de 1991, de 2001 e de 2012 segundo censo de
2012..............................................................................................................................82
6. Perfil dos informantes do PE e PB segundo o Projeto Concordância...........................102
7. Distribuição do número total de dados encontrados nas lexias verbais simples e nos
complexos verbais no PB, PE e PST..........................................................................120
8. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais pelas variáveis extralinguísticas
nas lexias verbais simples no PB, PE e PST..............................................................124
9. Distribuição dos dados da variante proclítica nas lexias verbais simples pelas três faixas
etárias do PB..............................................................................................................132
10. Distribuição dos dados da variante enclítica nas lexias verbais simples do PB pelo tipo
de clítico.....................................................................................................................133
11. Distribuição dos dados da variante proclítica nas lexias verbais simples do PB por tipo
de clítico.....................................................................................................................134
12. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o elemento antecedente
nas lexias verbais simples do PB................................................................................136
13. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o elemento antecedente
nas lexias verbais simples do PE................................................................................138
14. Distribuição dos dados de próclise e ênclise de acordo com o cruzamento entre
Localidade dos informantes e Elementos antecedentes nas lexias verbais simples do
PE...............................................................................................................................149
15. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o tempo/modo verbal nas
lexias verbais simples do PE......................................................................................151
16. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a distância entre o clítico
e um elemento antecedente nas lexias verbais simples do PE...................................153
17. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o sexo dos informantes
nas lexias verbais simples do PST..............................................................................155
18. Distribuição dos dados de próclise e ênclise de acordo com o cruzamento entre Sexo
dos informantes e Elementos antecedentes nas lexias verbais simples do PST.........156
19. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a presença e natureza do
elemento antecedente nas lexias verbais simples do PST..........................................158
16
20. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o tempo/modo verbal nas
lexias verbais simples do PST....................................................................................165
21. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a distância entre o clítico
e um elemento antecedente nas lexias verbais simples do PST.................................166
22. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a tonicidade das formas
verbais nas lexias verbais simples do PST.................................................................168
23. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a frequência de uso de um
crioulo nas lexias verbais simples do PST.................................................................170
24. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB,
PE e PST.....................................................................................................................176
25. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a
forma do verbo principal no PB.................................................................................178
26. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a
forma do verbo principal no PE.................................................................................187
27. Elementos integrantes e intervenientes aos complexos verbais no PB e PE e a ordem
dos clíticos em complexos verbais.............................................................................191
28. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo
o elemento antecedente com a forma do verbo principal no infinitivo no PE...........197
29. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a
forma do verbo principal no PST...............................................................................203
GRÁFICOS:
1. Aplicação da próclise (peso relativo) segundo o elemento antecedente ao clítico
segundo Vieira (2011)................................................................................................58
2. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nas lexias verbais simples no PB,
PE e PST...................................................................................................................122
3. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nas lexias verbais simples no
PB..............................................................................................................................127
4. Aplicação da próclise nas lexias verbais simples do PB de acordo como a faixa
etária..........................................................................................................................132
5. Aplicação da próclise nas lexias verbais simples do PB de acordo com o tipo de
clítico........................................................................................................................135
6. Aplicação da próclise de acordo com o elemento antecedente nas lexias verbais
simples do PB...........................................................................................................136
7. Aplicação da próclise de acordo com o elemento antecedente nas lexias verbais
simples do PE............................................................................................................139
8. Aplicação da próclise de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias verbais simples
do PE.........................................................................................................................151
9. Aplicação da próclise de acordo com a distância entre o clítico e um elemento
antecedente nas lexias verbais simples do PE..........................................................154
17
10. Aplicação da próclise de acordo com o sexo dos informantes nas lexias verbais
simples do PST.........................................................................................................155
11. Distribuição dos clíticos pronominais encontrados na variante proclítica de acordo
com a presença e natureza do elemento antecedente nas lexias verbais simples do
PST............................................................................................................................159
12. Aplicação da próclise de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias verbais simples
do PST.......................................................................................................................165
13. Aplicação da próclise de acordo com a distância entre o clítico e um elemento
antecedente nas lexias verbais simples do PST........................................................167
14. Aplicação da próclise de acordo com a tonicidade das formas verbais nas lexias
verbais simples do PST.............................................................................................168
15. Aplicação da próclise de acordo com a frequência de uso de um crioulo nas lexias
verbais simples do PST.............................................................................................170
16. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB,
PE e PST...................................................................................................................176
17. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB:
variável ternária........................................................................................................181
18. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do
PE..............................................................................................................................193
19. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do
PST............................................................................................................................205
20. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB,
PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)..............................................................212
21. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no
infinitivo do PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)...................................213
22. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no
gerúndio do PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)...................................215
23. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no
particípio do PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)..................................216
QUADRO:
1. Perfil dos informantes do PE e do PB segundo o Projeto Concordância.................102
2. Sistematização da ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais simples nas três
variedades.................................................................................................................171
FIGURAS:
1. Mapa do Brasil...............................................................................................................79
2. Mapa de São Tomé e Príncipe.......................................................................................86
18
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo investigar a colocação dos clíticos
pronominais na modalidade oral do Português Europeu (PE), do Português do Brasil (PB) e
do Português de São Tomé (PST), doravante PE (Português da Europa – Lisboa/Oeiras,
Cacém e Funchal), PB (Português do Brasil – Copacabana e Nova Iguaçu) e PST (Português
de São Tomé ). Pretende-se verificar se a regra de colocação dos pronomes oblíquos átonos
nas três variedades admite comportamento de uma regra categórica, semicategórica ou
variável (LABOV, 2003). Com base na análise comparativa dos dados, será possível verificar
semelhanças ou divergências do fenômeno nessas três variedades da língua portuguesa e
mostrar se o tipo de cliticização dos pronomes no país colonizador (PE) se manteve ou foi
alterado nos países colonizados (PB e PST). Por hipótese, haveria motivação sintática – como
o favorecimento da variante pré-verbal na presença de elementos proclisadores – para a
ordem dos clíticos no PE (país colonizador), mas no PB e no PST (países colonizados), se
houver variação, essa motivação não seria sistemática, sobretudo por razões relacionadas ao
fato de se tratar de ambientes de intenso contato linguístico. Dessa forma, acredita-se que
haverá particularidades ou parâmetros diferenciados por variedade, havendo, assim, três
possíveis normas de colocação na Língua Portuguesa.
Para o desenvolvimento do tema, investiga-se a ordem dos clíticos, considerando-se
lexias verbais simples – estruturas com apenas um constituinte verbal – e complexos verbais1
– estruturas com mais de um constituinte verbal – produzidos no início do século XXI, com
base no banco de dados construído recentemente pelo Projeto “Estudo comparado dos padrões
de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias do Português” (cf.
www.concordancia.letras.ufrj.br).
Em relação às lexias verbais simples, os dados analisados poderão estar em próclise
(Não se senta melhor aqui 2 ), ênclise (Senta-se melhor aqui) ou mesóclise (Sentar-se-á
1 Nesta pesquisa, serão consideradas todas as estruturas em que há mais de uma forma verbal desde que haja
certo grau de integração sintático-semântica e que seja possível a alternância do clítico pronominal, sendo
mantido o mesmo conteúdo básico em questão. Sendo assim, são considerados não só os complexos verbais
formados por auxiliares de uso mais frequente, como ter, haver, ser e estar (CUNHA & CINTRA, 2007), mas
também os chamados semiauxiliares e outros que atendem a poucos requisitos de auxiliaridade (MACHADO
VIEIRA, 2004). Mais detalhes serão apresentados na descrição da variável tipo de complexo verbal. 2 Os exemplos apresentados na introdução foram criados com os mesmos verbos para que o leitor pudesse
visualizar a variação da ordem e compreender cada uma das colocações possíveis, facilitando, assim, a
comparabilidade das posições dos clíticos. No decorrer do trabalho, haverá diversos exemplos dos dados
estudados na presente pesquisa.
19
melhor aqui). No que tange aos complexos verbais3, os dados poderão estar nas seguintes
posições: cl v1 v2 ou pré-complexo verbal (Não se pode sentar melhor aqui); no interior do
complexo verbal (Pode(-)se sentar melhor aqui), que pode configurar uma variante do tipo
v1-cl v2 / ênclise a v1 (Pode-se sempre sentar melhor aqui) ou um caso do tipo v1 cl-v2 /
próclise a v2 (Pode sempre se sentar melhor aqui); e pós-complexo verbal ou v1 v2-cl (Pode
sentar-se melhor aqui).
A pesquisa tem como base (i) a Teoria da Variação e Mudança, de orientação
laboviana (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1994, 2003), para o
tratamento da variabilidade no tema em questão; (ii) os pressupostos para o tratamento da
cliticização e dos temas gramaticais: parâmetros de cliticização segundo Klavans (1985),
abordagem tradicional (ROCHA LIMA, 2001; CUNHA & CINTRA, 2007) e linguística
(PERINI, 2007; CASTILHO, 2010; MATEUS et alii, 2003; RAPOSO et alii, 2013) para a
colocação pronominal e a noção de complexo verbal, além da consulta de diversos estudos
científicos anteriores; (iii) as bases para a interpretação das variedades: país colonizador (PE)
e países colonizados (PB e PST), a história de implantação da Língua Portuguesa nos países
colonizados, o contato linguístico e o multilinguismo (HAGEMEIJER, 2009; LUCCHESI,
2004; LUCCHESI et alii, 2009).
Dessa forma, pretende-se, com a presente pesquisa, verificar os elementos
motivadores da ordem dos clíticos pronominais nas três variedades do Português,
reconhecendo suas convergências e divergências, e debater a gênese e as possíveis
explicações para a divergência de comportamento entre as variedades, quando for o caso.
Além disso, será possível fornecer dados sobre as três variedades linguísticas, principalmente
sobre as duas menos exploradas (PE e PST) em termos sociolinguísticos, e expandir
conhecimentos acerca da norma de colocação dos clíticos pronominais, referentes a um e a
mais de um constituinte verbal, na modalidade oral do PE, PB e PST, demonstrando a opção
preferencial em cada caso.
Para tanto, com o auxílio do Programa Goldvarb-X, será possível (i) descrever, em
dados orais contemporâneos, a variante mais produtiva no PE, PB e PST (próclise, ênclise ou
mesóclise; cl-v1 v2, v1(-)cl v2 ou v1 v2-cl), em diversos ambientes em que o clítico se
encontra, para que se possa verificar quais seriam as opções preferenciais quanto à colocação
dos clíticos pronominais nas três variedades em questão; (ii) averiguar o estatuto da colocação
3 Destaca-se que serão coletados todos os complexos com infinitivo, gerúndio e particípio, mas cada uma dessas
estruturas será tratada separadamente.
20
em cada variedade nas lexias verbais simples e nos complexos verbais, verificando, consoante
Labov (2003), se se trata realmente de uma regra variável, semicategórica ou categórica; (iii)
em caso de regra variável, identificar as variáveis linguísticas e extralinguísticas que atuam no
comportamento do fenômeno, apontando os elementos que funcionam, de fato, como
favorecedores da próclise e observando se tais elementos atuam igualmente nos contextos de
complexos verbais; (iv) comparar os padrões de colocação pronominal na fala dos indivíduos
pertencentes ao país colonizador (PE) e na fala dos informantes dos países colonizados, além
de verificar se na fala dos informantes dos dois países colonizados há semelhanças ou
diferenças, para propor um debate acerca da origem das diferenças ou semelhanças detectadas
e, caso haja diferenças, analisar se elas são quantitativa e qualitativamente suficientes para
que se postule a concretização de parâmetros diferenciados por variedade; e (v) com base nos
resultados obtidos para o PST, discutir questões atinentes a situações de contato linguístico e
a uma possível influência quanto aos parâmetros de cliticização pronominal.
Para tanto, pretende-se apresentar os elementos linguísticos e extralinguísticos que,
efetivamente, determinam a ordem de colocação dos clíticos pronominais no Português
Europeu e no Português de São Tomé no âmbito das lexias verbais simples e dos complexos
verbais, em que se verificaria, por hipótese, uma regra variável, em contraste com a análise do
fenômeno no PB. Com o estudo comparativo das variedades, será possível estabelecer as
características da gramática do Português utilizado em dados contemporâneos.
Sabe-se que apenas os trabalhos de Vieira (2002), Gonçalves (2009), Vieira, M. F.
(2011) e Corrêa (2012), até onde vai nosso conhecimento, contemplam dados da Língua
Portuguesa falada, que, segundo a orientação laboviana, seriam os mais indicados para o
estudo efetivo da língua. Além de Vieira (2002), ainda não há descrição/análise
sociolinguística contrastiva de dados da língua falada em lexias verbais simples e complexos
verbais em variedades do Português. Este trabalho investiga dados do século XXI valendo-se
de amostras com os mesmos perfis de informantes, para verificar a implementação de
determinadas estruturas, se motivada por fatores internos ou externos à língua, bem como a
possível influência da situação de intenso contato linguístico.
Dessa forma, a investigação variacionista ora proposta pretende contribuir para a
expansão dos conhecimentos acerca da ordem dos clíticos pronominais na modalidade oral
das variedades brasileira e europeia. Além disso, de forma original, o presente trabalho irá
contribuir para o conhecimento da variedade de são-tomense e da localidade de Funchal, nas
quais o tema ainda não foi descrito e estudado em termos sociolinguísticos. Dessa forma, a
parca exploração do tema nas duas localidades, especialmente considerando a língua falada,
21
confere, por si só, a necessária originalidade e justificativa da pesquisa. Ademais, a pesquisa
almeja alcançar a desejável relevância em termos explicativos, ao conjugar a descrição dos
dados às reflexões concernentes ao estatuto variável ou semicategórico de cada variedade e à
interpretação da formação da Língua Portuguesa nos dois países colonizados, considerando
sobretudo a situação de contato linguístico. Assim, propõe-se a análise contrastiva das três
variedades em conjunto e, especialmente com a análise dos dados do PST, propicia-se um
conhecimento mais amplo de uma variedade africana de Língua Portuguesa: o Português de
São Tomé.
A presente tese, em termos de estruturação do texto, subdivide-se em oito capítulos,
incluindo este primeiro de introdução. O segundo capítulo mostra que o presente trabalho se
baseia em pressupostos relativos ao tema da cliticização pronominal, dos padrões de
colocação e em ampla revisão bibliográfica. Assim, há a descrição do tema abordado em
compêndios gramaticais diversos, passando por diversos estudos sobre a ordem dos pronomes
na diacronia e na sincronia, havendo, no final desse capítulo, uma síntese com os principais
resultados sobre as lexias verbais simples e os complexos verbais.
O capítulo terceiro apresenta os pressupostos básicos da Teoria da Variação e
Mudança, a Sociolinguística Laboviana, que embasam a presente pesquisa em termos de
fundamentação teórico-metodológica.
Logo após, no quarto capítulo, são apresentados os pressupostos relacionados à
influência de ambientes de intenso contato linguístico, como é o caso de São Tomé
atualmente. Há um breve panorama da formação linguística dos dois países colonizados (PB e
PST), mostrando algumas semelhanças socio-históricas a eles relacionadas. Além disso, nesse
capítulo também há a descrição da colocação pronominal do crioulo mais utilizado em São
Tomé, o Forro, com base em Ferraz (1979) e Hagemeijer (2007).
No quinto capítulo, toda a metodologia utilizada na elaboração da presente tese é
descrita, desde a justificativa, problemas e hipóteses até os procedimentos de análise dos
dados, que contemplam a coleta das ocorrências, passando pela codificação das variáveis
linguísticas e extralinguísticas, até chegar às decisões de codificação e recodificação dos
dados. Além disso, no âmbito da descrição das variáveis, apresenta-se a definição do que se
concebe como um complexo verbal e os tipos de complexos que serão analisados.
No capítulo sexto, é apresentada toda a análise das lexias verbais simples e dos
complexos verbais, com a separação por variedade da Língua Portuguesa e, nos complexos
verbais, por forma do verbo principal também, fazendo, sempre que possível, o debate sobre
22
as semelhanças e diferenças na colocação dos clíticos pronominais nas três variedades. No
final de cada análise – lexias verbais simples e complexos verbais –, há uma breve
sistematização dos principais resultados encontrados e, logo após, a interpretação do perfil de
cada variedade, mostrando o estatuto da ordem dos pronomes no PB, PE e PST com o
objetivo de definir os parâmetros de colocação.
A conclusão do trabalho encontra-se no sétimo capítulo, em que há a retomada das
hipóteses mostradas na metodologia e as contribuições que foram possíveis com a elaboração
da presente pesquisa e, por último, no capítulo oitavo, referente à bibliografia, estão todas as
fontes consultadas para que esta pesquisa se concretizasse.
23
2. CLITICIZAÇÃO E A ORDEM DOS CLÍTICOS NO PORTUGUÊS
Diversos estudos variacionistas sobre a colocação pronominal, em especial no
Português do Brasil, já foram desenvolvidos. Entretanto, em relação ao Português Europeu e
ao Português de São Tomé, especialmente na modalidade oral, praticamente não se dispõe de
pesquisas sobre o tema com base no arcabouço teórico-metodológico sociolinguístico. Esta
seção busca apresentar um panorama dos trabalhos variacionistas já desenvolvidos sobre o
tema nas referidas variedades, as quais constituem objeto da presente investigação. Assim,
não haverá um levantamento e uma descrição exaustiva dos trabalhos, mas uma visão geral
dos resultados que serviram de fundamentação para a presente pesquisa. Antes, porém, haverá
a definição do que seria um clítico e os padrões de colocação pronominal da Língua
Portuguesa.
2.1. Cliticização e padrões de colocação pronominal
O clítico corresponde a toda partícula átona que se liga a um vocábulo tônico. Os
clíticos podem aparecer antes ou depois desse vocábulo. Como a presente tese trata da
cliticização pronominal, a seguir serão mostradas algumas definições de clítico que serviram
de base ao tratamento dos dados e à interpretação dos resultados.
Segundo Houaiss (2001, p. 741), clítico seria todo “vocábulo átono que, num
enunciado, se integra fonologicamente à palavra anterior ou posterior, formando uma sílaba
da mesma (pronomes oblíquos, preposições, conjunções, artigos etc.)”.
O vocábulo clítico, de acordo com o Dicionário Aurélio (1986, p. 418), seria de
origem grega, e designaria “qualquer monossílabo átono subordinado, por meio de elemento
prosódico, ao vocábulo que o precede, ou que o segue, ou no qual se acha inserido”. Para
David Crystal (1997, p. 49-50), como propõe em seu Dicionário de Linguística, um clítico
seria parecido com uma palavra, mas não poderia ser colocado sozinho em uma frase, pois ele
seria “estruturalmente dependente da palavra vizinha na construção. (O termo clítico vem do
grego “inclinado”) (...)”.
De acordo com as definições anteriores, fica clara a dependência dos clíticos em
relação às palavras próximas, mostrando sua necessidade de “inclinar-se” a outro termo.
Constata-se, assim, que, além dos pronomes átonos, a categoria abrange outros termos como
as preposições, os artigos, as conjunções, entre outros.
24
Na mais recente gramática do Português Europeu (RAPOSO et alii, 2013), também
se verifica a definição do que seria um clítico. No capítulo sobre o tema, escrito por Ana
Maria Martins (2013, p. 2231), a autora destaca que:
(...) os itens lexicais se organizam numa tipologia morfológica contendo três
categorias: palavra, afixo e clítico (o último, designado tradicionalmente por
“palavra átona”). Um clítico foi definido como um item lexical sem acento
prosódico atribuído no léxico (tal como os afixos e contrariamente às palavras; cf.
Caps. 11 e 14), mas com uma certa liberdade posicional (tal como as palavras, mas
contrariamente aos afixos).
A ausência de acento de palavra faz com que o clítico dependa necessariamente de
uma palavra adjacente acentuada. A esta palavra à qual o clítico se liga chama-se
palavra hospedeira ou, simplesmente, hospedeiro do clítico. Ao processo de
ligação do clítico ao seu hospedeiro, chama-se cliticização. Embora prosodicamente
dependente (de uma palavra acentuada), o clítico goza de autonomia no plano
morfológico (por oposição aos afixos, presos a uma base).
A autora – assim como faz detalhadamente Vieira (2002) – compara os clíticos com
as palavras e os afixos, mostrando que os clíticos possuem uma mobilidade posicional, como
as palavras, mas não possuem acento prosódico, como os afixos. Por isso, eles sempre
dependem de um hospedeiro para se ligar prosodicamente, havendo, assim, a cliticização.
No que tange ao tema da colocação dos pronomes oblíquos átonos, verifica-se que os
clíticos pronominais possuem como palavras hospedeiras, em termos sintáticos, os verbos.
Dessa forma, os clíticos, dependendo de sua colocação em relação à forma verbal, nas lexias
verbais simples, podem aparecer:
Proclíticos: Não se vive bem aqui.
Enclíticos: Vive-se bem aqui.
Mesoclíticos: Viver-se-á bem aqui.
Já nos complexos verbais, há mais possibilidades de ligação, pois há mais de uma
forma verbal para que os clíticos pronominais se conectem. Abaixo, podem-se observar
posições superficiais do clítico em termos de adjacência aos elementos circunvizinhos:
Pré-cv: Não se pode viver bem aqui.
V1-cl x v2: Pode-se agora viver bem aqui.
V1 (-) cl v2: Pode (-)4 se viver bem aqui.
V1 x cl v2: Pode agora se viver bem aqui.
4 O hífen, nessa variante, está entre parênteses porque o clítico, dependendo da variedade do Português, pode se
ligar ao verbo auxiliar (como no PE) ou ao verbo principal (como no PB). Vale ressaltar que os exemplos foram
retirados exatamente de como estavam nas transcrições feitas; por isso, ora os hífens estão presentes em alguns
dados e ora não estão.
25
Pós-cv: Pode viver-se bem aqui.
Em relação à ligação fonológica do clítico pronominal com seu hospedeiro, a
presente pesquisa também se baseou nos parâmetros defendidos por Klavans (1985), para que
se possam sistematizar os parâmetros que efetivamente definem a ordem dos pronomes
átonos. Baseando-se nas realizações dos parâmetros de cliticização, a autora pretende mostrar
as opções preferenciais das línguas do mundo, categorizando-as segundo a produção de certas
estruturas gramaticais.
Embora não constitua interesse específico do presente estudo o debate acerca da
noção de parâmetro, o tema constitui aspecto relevante para a investigação, o que pode ser
verificado no artigo de Kato (2002). A autora, no referido trabalho, demonstra que, na teoria
de Princípios e Parâmetros, no início, o conceito de "parâmetro" procurava definir a língua
“através do conjunto de propriedades correlatas, mas, com a guinada conceitual de atribuir a
variação linguística a propriedades das categorias funcionais, parâmetros passam a ser
definidos cada vez mais como construções específicas e não como "macro-parâmetros".”
(KATO, 2002, p. 330).
Dessa forma, a autora mostra que
Os estudos sobre Parâmetros que partiram de fenômenos empíricos de variação têm
sua trajetória marcada pela preocupação de procurar correlações entre propriedades.
Poderíamos dizer que tais estudos buscam não Parâmetros associados a Princípios,
mas "princípios" associados a Parâmetros. Assim, uma propriedade singular de uma
língua não constitui um Parâmetro, mas sim a manifestação substantiva de alguma
propriedade formal abstrata da qual decorrem outras propriedades substantivas na
língua. Esses "princípios" são similares aos universais de variação perseguidos
desde Greenberg. (KATO, 2002, p. 325)
Em relação ao “Parâmetro pro-drop”, a autora utiliza como exemplo as línguas de
sujeito nulo. Ressalta, dentre outros exemplos, o fato de o PB ser considerado como uma
língua pro-drop parcial, ou seja, aceita sujeitos nulos na terceira pessoa, mas não na primeira
e na segunda pessoas. Assim, considerando a variação presente nas línguas de sujeito nulo, a
autora afirma que o Parâmetro pro-drop não é algo uniforme, havendo, por isso, possíveis
subparametrizações.
Klavans (1985) propõe 8 possibilidades para enquadrar as opções de determinada
língua em relação aos 3 parâmetros de cliticização propostos. De um lado, verifica-se a
preocupação com a tipologia linguística; de outro, atesta-se o propósito em descrever as
línguas em relação a uma construção específica. É nesse sentido que o presente trabalho
26
aborda o tema da colocação pronominal nas variedades do Português. Vale-se de uma
construção específica para observar o comportamento das variedades em estudo.
Após estudar os clíticos em várias línguas, Klavans verificou que eles possuem
características que se aproximariam às vezes de palavras, às vezes de afixos, como já se
evidenciou nesta seção. Por isso, os clíticos parecem ser palavras independentes, no plano da
sintaxe e, ao mesmo tempo, parecem ser partes de palavras, no plano morfológico e/ou
fonológico. Dessa forma, a autora mostrou que existe uma independência entre a sintaxe e a
fonologia, ou seja, o hospedeiro sintático do clítico não precisaria ser, obrigatoriamente, seu
hospedeiro fonológico. Em relação aos clíticos pronominais, eles podem estar sintaticamente
ligado a um hospedeiro verbal e fonologicamente ligado a outro.
Com base nessas dependências fonológicas e sintáticas do clítico em relação a seu
hospedeiro, Klavans propõe três parâmetros para analisar a cliticização, sendo o primeiro e o
segundo de natureza sintática, enquanto o terceiro seria de natureza fonológica (KLAVANS,
1985, p. 97-98)5:
O P1 ou parâmetro da dominância (inicial / final). Verifica o hospedeiro
sintático do clítico, mostrando se o clítico se ligará ao constituinte inicial ou
final de um sintagma específico. Com os clíticos pronominais do Português, a
palavra hospedeira sempre será o verbo.
O P2 ou parâmetro da precedência (antes / depois). Determina as colocações
em que o clítico pode aparecer em relação a seu hospedeiro sintático que foi
selecionado pelo P1, podendo aparecer antes ou depois dele. Esse parâmetro
será o utilizado para verificar a colocação pronominal, se antes ou depois do
verbo / complexo verbal.
O P3 ou parâmetro da ligação fonológica (proclítico / enclítico). Mostra se o
clítico se ligará fonologicamente à palavra da direita (proclítico) ou da
esquerda (enclítico). Essa palavra será o hospedeiro fonológico do clítico que
não precisa ser, necessariamente, o hospedeiro sintático. Com os pronomes
5 Parameter 1 (also referred to as P1) expresses the possibility that a clític attaches to the initial or final
constituent dominated by a specified phrase.
(…) The second parameter, P2, encodes the other part of configurational information, i.e. PRECEDENCE: it
specifies whether a clitic occurs BEFORE or AFTER the host chosen by P1.
(…) The third parameter (P3) gives the direction of phonological attachment; it is a property of the clitic itself.
(KLAVANS, 1985, p. 97-98)
27
clíticos, a ligação sintática pode ser a uma palavra, mas o clítico pode ligar-se
fonologicamente a outra palavra.
Constata-se, assim, que o primeiro parâmetro se refere à forma verbal, pois a palavra
hospedeira do clítico pronominal na Língua Portuguesa é o verbo.
Em relação ao terceiro parâmetro, não se pretende fazer, na presente pesquisa, uma
análise de natureza fonético-fonológica, mesmo sabendo que os dados são oriundos da
oralidade, porque o estudo desse parâmetro requer a realização de uma pesquisa específica
com corpus especialmente preparado para a análise prosódica, como mostram os trabalhos de
Vieira (2002) e Corrêa (2012), o que foge ao escopo do trabalho.
A presente investigação, portanto, vale-se, especificamente, do segundo parâmetro,
que se refere à posição dos pronomes oblíquos átonos: se ele aparece antes ou depois de seu
hospedeiro verbal. Assim, pretende-se verificar, em relação às lexias verbais simples, se o
pronome oblíquo átono aparece proclítico (cl v) ou enclítico (v-cl); e, em relação aos
complexos verbais, na posição pré-cv (cl v1 v2), intra-cv (v1(-) cl v2, ligado à primeira forma
verbal, como em v1-cl (X) v2 ou à segunda forma verbal, como em v1 (X) cl v2), ou pós-cv
(v1 v2-cl) na modalidade oral das variedades europeia, brasileira e são-tomense do Português.
Ao descrever a variante mais produtiva e os contextos em que a variação efetivamente ocorre,
o estudo pode delinear as opções gramaticais que configuram o perfil de cada variedade em
termos preferenciais, “paramétricos”, por assim dizer. De um lado, tais resultados poderão
confirmar e/ou ampliar o conhecimento que se tem das tendências que serão sistematizadas
posteriormente (cf. Capítulo 2.2.2.2) nos poucos estudos com dados da fala, sobretudo
brasileira e europeia, e, de outro, prover descrição e interpretação da ordem dos clíticos
pronominais no Português de São Tomé, considerando os diversos contextos sintáticos (e não
apenas os controlados por GONÇALVES, 2009).
Embora não se tenha por objetivo específico a investigação de natureza fonético-
fonológica, proposta no terceiro parâmetro, é importante sistematizar, aqui, as poucas
evidências empíricas que se tem para o postulado de que PB e PE adotam diferentes opções
paramétricas nesse caso. Como o trabalho de Corrêa (2012) trata alguns dados do PB que
também serão verificados neste trabalho, cabe sintetizar, aqui, os principais resultados da
análise fonética-fonológica da referida pesquisa. A autora verificou as características
prosódicas dos pronomes oblíquos átonos e a direção da ligação do clítico com o hospedeiro
fonológico, ou seja, se há próclise – ligação para a direita – ou ênclise fonológica – ligação
para a esquerda.
28
Corrêa (2012), em sua dissertação de mestrado, verificou a análise variacionista dos
clíticos pronominais (cf. Capítulo 2.2.2.2) e também fez um estudo fonético-fonológico para
verificar a cliticização fonológica. Para tanto, baseou-se na Fonética Acústica e Fonologia
Experimental de modo a investigar quais seriam as ligações fonológicas possíveis.
A autora fez experimentos acústicos para verificar quais seriam as características
prosódicas dos clíticos pronominais e analisar a direção da ligação com sua palavra
hospedeira, se seria em próclise fonológica (pode me-dar), para a direita, ou ênclise
fonológica (pode-me dar), para a esquerda.
Para a análise fonético-fonológica, Corrêa utilizou enunciados lidos e gravados em
laboratórios. Dessa forma, as frases obtidas permitiram a realização de três experimentos: (i)
comparar as sílabas clíticas (me, te e se) com as sílabas vocabulares, (ii) verificar a ligação
fonológica dos pronomes se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador presentes
entre dois verbos, e (iii) perceber a ligação fonológica dos clíticos pronominais.
Assim, com essa análise, a autora verificou que os pronomes me, te e se
(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador), nas lexias verbais simples, se aproximam
das sílabas átonas vocabulares/lexicais. Quando esses pronomes estavam antepostos, sua
vogal aproximava-se da pretônica alta derivada ou da pretônica alta subjacente. Quando
estavam pospostos, assemelhavam-se, geralmente, à vogal postônica.
Nos contextos com complexos verbais, a autora verificou a duração, intensidade
média, F1 e F2 da vogal dos pronomes átonos. Em relação à duração, Corrêa (2012) verificou
que:
observando a duração por si só, isolada do parâmetro intensidade, não se
conseguiu distinguir, com segurança, vogal pretônica de postônica, nem
vogal de pronome anteposto de posposto, comprometendo qualquer
paralelismo entre esses fragmentos. Dessa forma, o controle da duração
permitiu opor termos com segmentos vocálicos nitidamente distintos (vogal
média e vogal alta); não se conseguiu, entretanto, atestar diferenças
estatisticamente significativas e sistemáticas entre vogais a priori com
diferentes graus acentuais. (CORRÊA, 2012, p. 174)
No que diz respeito à intensidade, a autora também não verificou diferenças
significantes quando o pronome mudava de posição. Somente a intensidade da vogal do
clítico “te” sofreu algum tipo de alteração. Segundo a autora, os outros clíticos “parecem se
comportar de forma constante; mesmo quando a intensidade da vogal muda, não é algo
regular.” (CORRÊA, 2012, p. 188).
29
A autora ressalta que, embora a duração e a intensidade, vistas separadamente, não
tenham mostrado resultados significativos para o fenômeno em estudo, esses parâmetros,
quando atuam de forma conjunta, podem ser responsáveis pelas diferenças perceptuais.
No que se refere à frequência fundamental, Corrêa verificou, quanto ao primeiro
formante, que há diferenças entre a vogal média e a alta. Além disso, ressaltou que “o se
indeterminador/apassivador foi o único a ter alterado realmente o formante a depender da sua
posição sintática e, provavelmente, em função do tipo de ligação fonológica” (CORRÊA,
2012, p. 200).
Em relação ao segundo formante, a análise não se mostrou variável nos contrastes
das sílabas com o pronome “me”. No entanto, quando contrastadas com os pronomes “te” e
“se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), verificaram-se diferenças entre as
vogais médias e altas.
Dessa forma, no experimento 1, que verifica os parâmetros acústicos da vogal dos
pronomes (me, te e se) de uma sílaba átona vocabular, a autora constatou que a análise de
forma isolada dos parâmetros não se mostrou esclarecedora, mas que, mesmo que
indiretamente, há um certo paralelismo entre o pronome e a sílaba átona.
No experimento 2, que analisa a ligação fonológica das vogais do pronome se
(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador), esses clíticos pronominais foram
confrontados entre si e em relação a uma vogal pretônica vocabular correspondente.
Verificou-se que a intensidade e F1 foram relevantes, ou seja, esses dois parâmetros definiram
se o pronome seria enclítico ao verbo auxiliar ou ao verbo principal. Sendo assim, apresentam
comportamento semelhante do ponto de vista prosódico, as estruturas do tipo: pode se dirigir
(reflexivo) e pode se dirigir (indeterminador). Nem sempre, entretanto, o pronome
reflexivo/inerente possui comportamento proclítico ou o indeterminador/apassivador
apresenta somente comportamento enclítico. Essas são as ligações mais usuais, mas há
diversos fatores que podem impedir essa realização, fazendo com que o clítico se
fonologicamente se ligue tanto ao verbo auxiliar como ao verbo principal, havendo, assim, ora
uma ligação proclítica, ora uma ligação enclítica.
Por último, no experimento 3, foi feito um teste de percepção com ressíntese de fala,
e verificou-se que, na posição intra-cv, o pronome “se” indeterminador/apassivador se ligaria
fonologicamente ao verbo auxiliar, havendo uma ênclise fonológica, enquanto o “se”
reflexivo/inerente se ligaria ao verbo principal, formando uma próclise fonológica.
30
Depois das principais definições e considerações sobre a natureza dos clíticos e os
parâmetros de cliticização em questão, verificam-se, a seguir, o que dizem os diversos
compêndios gramaticais estudados, assim como os vários trabalhos que tratam o tema, tanto
na diacronia quanto na sincronia da Língua Portuguesa.
2.2. Revisão da literatura: a ordem dos clíticos pronominais
Nesta seção, apresenta-se uma breve descrição do que algumas gramáticas falam
sobre o tema em estudo, com uma visão mais tradicional e mais descritiva (2.2.1.), além da
síntese dos resultados de trabalhos acadêmicos sobre o tema estudado (2.2.2.) divididos em
trabalhos diacrônicos (2.2.2.1.) e trabalhos sincrônicos (2.2.2.2.).
2.2.1. A colocação pronominal segundo compêndios gramaticais
A gramática de Cunha e Cintra (2007), feita em parceria por filólogo brasileiro e
português, foi escolhida como melhor representante do pensamento tradicional que, em certa
medida, visa a unificar o modelo de norma padrão para Brasil e Portugal, embora, ao final,
particularize o Português do Brasil. Complementarmente, apresenta-se a gramática de Rocha
Lima, que também segue essa tendência. Não se localizaram, até o momento, gramáticas
tradicionais para o Português de São Tomé, o qual toma como modelo, em contexto escolar, a
orientação europeia.
Na gramática de Cunha e Cintra (2007), intitulada Nova Gramática do Português
Contemporâneo, os autores explicam em que posições os pronomes podem aparecer (próclise,
ênclise e mesóclise) e depois ressaltam que a colocação mais habitual é a ênclise.
A próclise ocorreria nas orações: a) com palavras negativas (sem pausa); b) com
pronomes e advérbios interrogativos; c) com palavras exclamativas e em orações optativas; d)
nas orações subordinadas desenvolvidas (mesmo com a conjunção oculta); e) com o gerúndio
antecedido pela preposição “em”; f) com certos advérbios (bem, mal, ainda, só, já etc.); g)
com pronomes indefinidos (tudo, todo, alguém etc.); e h) com orações alternativas.
Segundo os autores, pode ocorrer a próclise ou a ênclise com os infinitivos, mesmo
que haja um elemento proclisador na frase.
Já com as locuções verbais, os autores mostram que há três posições possíveis:
ênclise ao verbo principal (infinitivo ou gerúndio), próclise ao verbo auxiliar ou ênclise ao
verbo auxiliar.
31
A ênclise ao verbo principal só poderá ocorrer com os verbos principais no infinitivo
e no gerúndio. Com o particípio, só poderá ocorrer a próclise ou a ênclise ao verbo auxiliar.
A próclise ao verbo auxiliar acontecerá quando os elementos antecedentes forem: a)
uma palavra negativa; b) pronomes ou advérbio interrogativo; c) palavra exclamativa e oração
optativa; e d) subordinada desenvolvida (mesmo que não apareça a conjunção). A ênclise ao
verbo auxiliar ocorrerá quando não aparecer nenhum desses elementos antecedentes.
No final dessa seção, os autores abordam “A colocação dos pronomes átonos no
Brasil” (p. 330) e destacam algumas características particulares do PB, como: a) a próclise em
início de frases; b) a próclise nas orações absolutas, principais e coordenadas; e c) a próclise
ao verbo principal nas locuções verbais.
Na gramática de Rocha Lima (2001), Gramática Normativa da Língua Portuguesa, o
autor mostra que, com as formas verbais finitas, a posição “normal” dos clíticos pronominais
é depois do verbo, em ênclise, e isso deve ocorrer quando: a) o verbo iniciar período ou
oração; b) o sujeito estiver antes do verbo; c) se tratar de orações coordenadas sindéticas.
Entretanto, Rocha Lima ressalta, no final dessa parte, que a próclise pode ocorrer “por puro
arbítrio, ou gosto” (p. 451), menos no início de período.
Já a próclise, segundo o autor, seria obrigatória: a) nas orações negativas (sem
pausa); nas orações exclamativas (com palavras exclamativas) e optativas; c) nas orações
interrogativas (com pronomes ou advérbios interrogativos); d) nas orações subordinadas; e e)
com advérbios e pronomes indefinidos (sem pausa; se houver pausa, ocorrerá a ênclise).
Com o infinitivo, o que ocorrerá será a ênclise, mas, se for infinitivo não-flexionado
e houver uma preposição ou palavra negativa antes dele, a colocação é facultativa. Se o
infinitivo estiver flexionado, prefere-se a próclise. Com o gerúndio, a ênclise também é a
regra, mas a próclise será obrigatória quando antes do gerúndio estiver: a) a preposição “em”
ou b) um advérbio que o modifique.
Nas locuções verbais com infinitivo, pode ocorrer, segundo o autor: a) ênclise ao
infinitivo, b) ênclise ou próclise ao auxiliar e c) próclise ou ênclise ao infinitivo precedido de
preposição (ex. “deixei de te ajudar ou deixei de ajudar-te”). Com o gerúndio, pode acontecer
a ênclise ao verbo principal e a ênclise ou a próclise ao auxiliar. Já com o particípio só pode
ocorrer ênclise ou próclise ao auxiliar.
Ainda em relação às locuções verbais, o autor destaca que
A interposição do pronome átono nas locuções verbais, sem se ligar por hífen ao
auxiliar, é sintaxe brasileira que se consagrou na língua literária, a partir (ao que
32
parece) do Romantismo (...) “Vivia sozinho, não queria se casar.” (José Lins do
Rego). Tal construção não tem agasalho com o pronome o (a, os, as), em razão,
decerto, do volume fonético dele, mais reduzido do que o das demais partículas
pronominais átonas. De fato, não se usa „estou o esperando’, etc. (p. 455)
Dessa forma, verifica-se que a sintaxe brasileira é contemplada, em certa medida, nas
gramáticas normativas do Português.
Curiosamente, nas duas gramáticas do PB e, como se verá adiante, na de Mateus et
alii (2003), há a abordagem de peculiaridades que ocorrem no Português do Brasil. Verifica-
se, assim, que, mesmo no modelo normativo de colocação para o PE e PB, está descrita a
tendência particular de cada variedade, de modo que o PB assume comportamento diferente
do tradicionalmente proposto e o PE não apresenta dados categóricos consoante esse modelo,
como seria o esperado e será visto nos resultados mais adiante.
Em relação às gramáticas de cunho mais descritivo, no que se refere ao PB, pode-se
observar o fenômeno no tratamento descritivo das gramáticas de Perini (2007) e Castilho
(2010).
Perini (2007), na seção referente ao posicionamento dos clíticos, deixa claro que
mostrará o que “parece ser o mais amplamente aceito pelos usuários do padrão brasileiro” (p.
229). O autor define as restrições à próclise e à ênclise, mostrando que a colocação proclítica
não deveria ocorrer “no início de estrutura oracional não-subordinada ou logo após elemento
topicalizado.” (PERINI, p. 229) e a ênclise não poderia ocorrer quando o verbo estivesse no
gerúndio precedido da preposição “em”; quando estivesse no particípio e quando a oração
fosse precedida de elemento “atrator”. O autor deixa claro que
A ênclise está desaparecendo do português brasileiro; essa tendência, dominante na
modalidade falada, já deixou marcas muito profundas no próprio padrão escrito.
Conseqüentemente, as duas restrições tendem a desaparecer, para serem substituídas
por um princípio mais simples, que estabelece apenas que os clíticos se colocam
sempre antes do NdP. A análise acima cobre uma forma muito conservadora da
língua, conforme se verá na exemplificação. É necessário atualizá-la, mas isso
deverá ser precedido de um levantamento do uso dos clíticos no padrão brasileiro
moderno (PERINI, p. 230)
Logo após, Perini mostra que não há consenso no que é dito em todas as gramáticas,
mas que os contextos em que haveria “atração” seriam os que possuíssem: (i) os relativos e
interrogativos; (ii) as partículas não, nunca, só, até, mesmo, também, tudo, nada, alguém,
ninguém e o complementizador que. Segundo o autor, nas demais gramáticas, às vezes, são
33
mencionados também: (i) SNs acompanhados de predeterminante (todos, ambos); (ii) SNs
iniciados por qualquer, nenhum; e (iii) itens como: bem, mal, ainda, já, sempre.
Após os elementos “atratores”, o autor, mais uma vez, mostra a necessidade da
pesquisa: “A única maneira de decidir quais desses itens realmente exercem atração é fazer
levantamentos nos textos (...). Na falta de estudos detalhados sobre o assunto, teremos de
deixar a lista em aberto; fica a sugestão de pesquisa” (PERINI, p. 232).
Com os complexos verbais, ele ressalta que pode haver ênclise ao auxiliar ou ao
verbo principal, desde que não haja as referidas restrições à ênclise, e mostra que, no PB, a
próclise pode ocorrer com o verbo auxiliar ou principal (ex.: “Minhas primas se estão
portando bem” ou “Minhas primas estão se portando bem”). Perini também deixa claro que
essa segunda colocação seria a mais utilizada no padrão brasileiro atual “de modo que se pode
dizer que a posição natural do clítico, quando o predicado é complexo, é a próclise ao NdP:
precisamente a construção antigamente considerada incorreta.” (p. 231).
Vale ressaltar que, com a presente tese, haverá, de certa forma, a atualização dos
contextos em que ocorrem a ênclise e a próclise nas estruturas com um ou mais verbos na
modalidade oral do Português do Brasil e de mais duas variedades do Português (PE e PST).
Castilho (2010) cita que os clíticos pronominais podem aparecer “antes ou depois de
um verbo no PE, e predominantemente antes no PB” (p. 483). O autor faz um resumo do que
é descrito na gramática normativa: (1) a ênclise seria a posição básica dos clíticos; (2) a
próclise ocorre quando há: (i) conjunção integrante ou pronome relativo, (ii) advérbios
(negação, tempo e focalização) e (iii) sujeito quantificado; (3) não se começa sentença com
um clítico: (i) nas perífrases com gerúndio e particípio, o clítico poderá posicionar-se antes ou
depois do verbo auxiliar e (ii) nas perífrases com infinitivo, o pronome estará sempre enclítico
ao verbo no infinitivo, mesmo na presença de atratores.
Logo após mostrar o que a gramática tradicional descreve, o autor retorna à história
dos clíticos no Português e mostra que havia a oscilação entre a próclise e a ênclise nos
mesmos contextos, mas com certo predomínio da ênclise, até o século XIV; depois, passou-se
a utilizar preferencialmente a próclise até o século XVI. O autor mostra vários dados de
estudos diacrônicos de diversos autores (SALVI, 1994; MARTINS, 1994; PAGOTO, 1992
entre outros) e deixa a hipótese de que o predomínio da próclise brasileira pode ter tido suas
origens no início do século XVI, quando o Brasil foi colonizado.
Segundo Castilho “Focalizando os tempos modernos, vê-se que o português europeu
é predominantemente enclítico, ao passo que o PB é predominantemente proclítico. Nas
34
perífrases e nos tempos compostos, o PB favorece a colocação do pronome antes do verbo
pleno na forma nominal” (p. 484).
Ainda com uma agordagem mais descritiva, para o PE, será brevemente abordado o
tratamento do tema nas gramáticas de Mateus et alii (2003) e Raposo et alii (2013).
Mateus et alii (2003), na Gramática da Língua Portuguesa, destacam que vão
mostrar a colocação da variedade do PE moderno, segundo a qual o clítico pode aparecer
proclítico ou enclítico a seu hospedeiro verbal. No entanto, em diversos contextos, a variação
das duas posições não é livre, em especial no início absoluto, pois, segundo a “Lei de Tobler-
Moussafia, as formas clíticas não podem ocupar a posição inicial absoluta de frase”
(MATEUS et alii, 2003, p. 849). Em nota, as autoras ressaltam que essa generalização não se
concretiza em outras línguas românicas nem no PB.
Após a análise de diversos exemplos, concluem que “a ênclise é o padrão básico de
colocação dos pronomes clíticos na variedade europeia do português moderno” (MATEUS
et alii, 2003, p. 852) e a posição antes do verbo só ocorrerá quando houver a presença dos
“atractores de próclise” ou proclisadores antes do hospedeiro verbal do pronome.
Logo após, são elencados os elementos que seriam proclisadores: partículas de
negação (não, ninguém), palavras qu- (que, quem), conjunções subordinativas e preposições
(que, para), advérbios de focalização (só, apenas, já, também), alguns quantificadores (todos,
ambos, qualquer, alguém, algo), algumas conjunções correlativas (não só... mas, ou ... ou, ora
...ora) e alguns constituintes locativos ou dêiticos demonstrativos (aqui, isso).
Depois, as autoras abordam o tema da subida de clítico, que ocorre quando há duas
formas verbais e o clítico deixa de se ligar ao seu hospedeiro verbal para juntar-se ao verbo
auxiliar. Isso ocorre, especialmente, quando: (i) os verbos principais estiverem no gerúndio ou
particípio (em que a subida de clítico seria obrigatória e o clítico deve aparecer antes ou
depois do verbo auxiliar, dependendo da presença ou ausência de elementos proclisadores) e
(ii) com os verbos semiauxiliares aspectuais que selecionam complementos com as
preposições “a”, “de” e “por”. A subida de clítico ocorre não só quando há um elemento
proclisador, mas também quando a preposição no meio dos dois verbos for “a” ou “de”, nunca
com “por”. Quando os complementos não são preposicionados, mesmo que haja um elemento
proclisador antes, pode ocorrer a subida de clítico (“O João não a vai provavelmente
convidar”) ou não (“O João não vai provavelmente convidá-la.”).
Para as frases não finitas, com infinitivo não flexionado, as autoras destacam que há
casos particulares de colocação e pode haver: “(a) ocorrência de ênclise na presença de um
35
constituinte negativo; (b) ocorrência de ênclise em construções-Q (interrogativas
independentes e encaixadas, relativas livres e relativas finais); e (c) oscilação entre ênclise e
próclise com preposições” (MATEUS et alii, 2003, p. 861).
Recentemente, Raposo et alii (2013) publicaram a Gramática do Português, em que
Ana Maria Martins, no capítulo sobre a colocação dos clíticos pronominais, descreve,
detalhadamente, todos os contextos de realização das variantes proclítica e enclítica. Nesta
parte, buscando dar destaque às informações mais relevantes para o presente trabalho, será
apresentada uma visão panorâmica da colocação abordada na obra referida.
A próclise, segundo a autora, ocorre:
(i) nas orações principais negativas (não, nem, nunca, ninguém, jamais, nenhum,
nada);
(ii) nas orações principais afirmativas em que há a presença de: alguns quantificadores
pronominais ou adjetivais que sejam não referenciais, ou seja, aqueles que não se
referem a indivíduos identificados pelo interlocutor (alguém, algum, pouco(s),
ambos, bastante, todo(s), tudo, vários etc); certos advérbios focalizadores e
locativos enfáticos (apenas, só, também, até, logo, já, ainda, aqui, lá, aí, cá etc.);
outros focos contrastivos antepostos (não adverbiais - ex.: “de pequeno se torce o
pepino”); orações declarativas afirmativas enfáticas (ex.: “Devagar se vai ao
longe”); palavras qu- (pronomes ou advérbios: que, quem, onde, como, quando
etc);
(iii) nas orações subordinadas finitas (ex.: “Se me descuido, estou-lhe no papo”) ;
(iv) nas orações subordinadas de infinitivo simples com proclisadores (ex.: “Pode até
pouco te importar, mas a mim preocupa-me muito”);
(v) nas orações subordinadas de infinitivo flexionado sem preposição e com
proclisadores (ex.: “Eles não tinham onde se esconderem”); e
(vi) nas orações subordinadas de infinitivo flexionado com as preposições “de”, “por”,
“para”, “em” e “sem” (“Para o impressionarem, diziam-lhe sempre isso.”).
Resumidamente, a autora ressalta que, apesar de parecer que há diversos contextos
favorecedores da variante proclítica nas orações principais, “a próclise está aí associada aos
processos gramaticais da negação, da quantificação, da focalização e da ênfase, tomados
singularmente ou não” (MARTINS in RAPOSO et alii, 2013, p. 2241).
Já a ênclise acontece: nas orações principais afirmativas sem proclisadores, na
presença de alguns quantificadores pronominais ou adjetivais que se referem a indivíduos
36
identificados pelo interlocutor (alguns, muitos etc.), com alguns advérbios topicalizados
(logo, assim, aqui, aí, lá etc.), nas orações subordinadas de infinitivo simples sem
proclisadores (ex.: “Dizer-lhe o que íamos fazer parecia-me ainda mais absurdo”); nas
orações subordinadas de infinitivo simples sem proclisadores e com as preposições “a” e
“com” (ex.: “Não ficávamos nada contentes com reprová-lo”); e nas orações subordinadas de
infinitivo flexionado sem proclisadores e sem preposição (ou com as preposições “a” e “com”
– ex.: “Basta olharem-lhe para a cara”).
A próclise e a ênclise são facultativas: com a palavra próprio; nas orações
subordinadas finitas (em algumas orações completivas com verbo no indicativo, em orações
consecutivas, em algumas estruturas clivadas); nas orações subordinadas de infinitivo simples
negativas sem preposição somente com a palavra proclisadora “não”; nas orações
subordinadas de infinitivo simples sem proclisadores e com as preposições “de”, “por”,
“para”, “em” e “sem”; nas orações infinitivas simples subordinadas a haver que, ter que (ex.:
“Tenho que confessar-lhe” / “Tenho que lhe confessar”); nas orações infinitivas simples
introduzidas por que, quem e palavras afins sem elementos proclisadores; e nas orações
subordinadas de infinitivo flexionado sem proclisadores e com a preposição “em”.
A subida de clítico será facultativa (i) nas frases com infinitivo em que os clíticos
possuem a função de complemento (ex.: “Vai arranjar-lhe uns ovos!” ou “Vai-lhe arranjar
uns ovos!”); (ii) nas orações gerundivas sem preposição e sem proclisador, deverá ocorrer a
ênclise (ex.: “Bocejava, coçando-se todo de preguiça e de sono”), mas se houver preposição
ou proclisador, acontecerá a próclise (ex.: Os pais sabiam que era muito independente, só lhes
pedindo ajuda em ocasiões raras”); e (iii) com os complexos verbais com gerúndio e
particípio, a subida do clítico é obrigatória (ex.: “Ia-me atrasando, mas cá estou”. A ênclise ao
gerúndio só pode ocorrer se houver a anteposição dele – ex.: “Atrasando-me ia eu!”).
2.2.2. A colocação pronominal segundo as pesquisas linguísticas
Embora o presente trabalho trate de corpus da sincronia atual, serão apresentados,
primeiramente, alguns trabalhos com dados diacrônicos que abordam o tema, para que se
observem tendências mais gerais verificadas na evolução do fenômeno em cada variedade.
Dessa forma, serão apresentados, separadamente, os trabalhos descritivos com dados
diacrônicos (2.2.2.1) e com dados sincrônicos mais recentes (2.2.2.2). Os estudos tratam do
tema em lexias verbais simples e/ou complexos verbais, e serão descritos em ordem
cronológica de publicação.
37
2.2.2.1. A colocação pronominal no Português: estudos diacrônicos
Em sua dissertação de mestrado, cujo título é A colocação dos clíticos em Português:
duas sincronias em confronto, Lobo (1992) baseou-se no arcabouço teórico-metodológico da
Sociolinguística Laboviana para o tratamento e a análise dos dados, e utilizou, como corpus
do Português Quinhentista, os documentos da corte de Dom João III – cartas representativas
da variedade culta da língua e, para o Português do Brasil, os inquéritos do Projeto NURC.
A autora fez uma comparação do PB com o PE contemporâneo, baseando-se em
pesquisas de outros estudiosos, além de ter analisado a posição dos clíticos pronominais, em
estruturas com apenas um verbo, na norma culta do Português Quinhentista, fazendo uma
comparação com o PB atual.
O estudo verificou as seguintes variáveis linguísticas: (i) tipo de oração, (ii) elemento
que antecede imediatamente o verbo, (iii) tempo e modo do verbo, (iv) tipo de clítico e (v)
tonicidade das formas verbais. As variáveis extralinguísticas verificadas foram: (i) faixa
etária, (ii) local de origem dos informantes, (iii) (des)obediência à norma-padrão – para o
Português do século XX. Para o século XVI, (i) a natureza estilística do texto (prosa epistolar
ou prosa legal) e (ii) os diferentes remetentes e destinatários da prova epistolar. Vale ressaltar
que, segundo a autora, as variáveis extralinguísticas controladas não se mostraram relevantes,
uma vez que o condicionamento do fenômeno estudado é de natureza estrutural.
Após a detalhada apresentação dos resultados em cada corpus, a autora propôs uma
breve comparação entre o Português do Brasil e o Português Europeu e verificou que há uma
variabilidade da posição dos clíticos no PB na maioria dos contextos, enquanto no PE a opção
por uma das variantes em um determinado contexto sintático quase que implicaria a exclusão
de outra variante. Os padrões da colocação pronominal com os verbos nas formas finitas e
não-finitas para o PB e para o PE são sintetizados a seguir:
Quanto às formas finitas:
(a) nas orações subordinadas desenvolvidas, tanto no PB quanto no PE, tem-se a
colocação pré-verbal;
(b) nas orações principais / absolutas:
– possibilidade no PB e impossibilidade no PE (em qualquer das suas variantes) de
ser o clítico o primeiro elemento da oração;
– verbo em posição não-inicial, antecedido por: (i) Sadv de negação: colocação pré-
verbal no PB e no PE; (ii) SN sujeito nominal ou pronome pessoal: no PE,
colocação pós-verbal, e no PB, colocação pré-verbal categórica (pron. pessoal) ou
quase categórica (sintagma nominal); (iii) Sadvs ou Spreps circunstanciais: tanto no
PE quanto no PB, Sadvs que apresentam uma relação mais estreita com o verbo,
colocação pré-verbal; os demais, colocação variável;
(c) nas orações coordenadas: no PE, é marcante a posição pós-verbal; no PB,
variabilidade posicional, com preferência pela colocação pré-verbal. (LOBO, 1992,
p. 205-207)
38
Quanto às formas não-finitas:
(a) nas orações subordinadas reduzidas de infinitivo: no PE, colocação pós-verbal,
quando não regida por preposição, e colocação variável, quando regida; no PB,
preferência pela colocação pré-verbal, em ambos os casos.
(b) nas orações subordinadas reduzidas de gerúndio não regidas por prep.: no PE,
colocação pós-verbal; no PB, preferência pela colocação pós-verbal (único contexto
em que se dá tal preferência). (LOBO, 1992, p. 207-208)
A autora confirmou a diferença existente entre o PE e o PB, destacando que, no PE,
o ambiente sintático em que o clítico se encontra influenciaria na colocação pronominal,
enquanto que, no PB, a próclise se daria de forma generalizada:
O Português Europeu contemporâneo conserva um sistema de colocação dos clíticos
que se define a partir dos condicionamentos sintáticos. Já no Português do Brasil,
esses condicionamentos sintáticos praticamente desapareceram, em função do uso
generalizado da colocação pré-verbal. (LOBO, 1992, p. 228)
Martins (1994), em sua tese de doutorado Clíticos na história do Português, analisou
a ordem dos clíticos pronominais em dois períodos: (i) do século XIII ao XVI e (ii) do século
XVI aos dias atuais. Martins partiu do princípio de que a mudança na ordem dos pronomes
oblíquos átonos, nas línguas românicas, estivesse diretamente relacionada à natureza
categorial funcional Sigma. Dessa forma, a autora verificou a colocação pronominal no
Português Medieval e Português Clássico, baseando-se na Teoria de Princípios e Parâmetros.
A autora destacou que, atualmente, no PE, os clíticos aparecem, geralmente,
adjacentes ao verbo, embora ainda existam alguns contextos em que há a possibilidade de
ocorrência de elemento entre o pronome e seu hospedeiro verbal, o que se chama de
interpolação. Entre os séculos XIII e XVI, houve a possibilidade de interpolação de diferentes
tipos de elementos. Contudo, a partir do século XVII, houve a perda da interpolação de
elementos entre o clítico e o verbo, exceto o não, que continuou a ser “interpolado” em alguns
contextos.
Em relação ao desenvolvimento do estudo, com base na descrição de documentos
não literários (notariais) e na descrição de documentos literários portugueses, houve a
descrição detalhada do comportamento linguístico nos dois períodos; mostrou-se, nessa parte,
a apresentação de todos os dados sob análise. A autora verificou que, nas lexias verbais
simples – com orações não dependentes afirmativas e não introduzidas por quantificadores,
advérbios, sintagmas qu- ou focalizadores – do Português Medieval e Clássico, os clíticos
apareciam proclíticos ou enclíticos ao verbo, menos no início absoluto de oração. No entanto,
no PE atual, verifica-se que o clítico aparece em ênclise nos contextos acima.
39
Martins fez um resumo da trajetória da posição dos pronomes oblíquos átonos
durante os séculos e constatou que, no século XIII, havia a preferência pela ênclise e esta foi
dando espaço, progressivamente, para a próclise, no século XVI, nos ambientes sem
proclisadores. Destacou-se que essa mudança ocorreu de forma lenta, gradual e ao longo de
séculos de alterações. No entanto, depois do século XVI, a posição proclítica foi tendo um
enfraquecimento, pois era utilizada em 70% e 100% dos contextos e passou a ser concretizada
em apenas 30% dos dados, mostrando que a colocação enclítica se tornou a mais utilizada nos
séculos XVII e XVIII, em contextos sem proclisadores. Essa última mudança já ocorreu de
forma mais rápida, diferente da anteriormente citada. Percebe-se, assim, que, a partir do
século XVII, houve a mudança sintática da ordem dos pronomes átonos da próclise para a
ênclise, sobretudo nos contextos sem proclisador.
No que diz respeito aos complexos verbais, a autora não verificou as estruturas com
o verbo principal no particípio nem no gerúndio, pois, segundo ela, não haveria variação na
ordem dos pronomes oblíquos átonos, tendo em vista que a colocação pós-complexo verbal
não foi utilizada nesses contextos. Desse modo, houve apenas a análise das construções com o
verbo principal no infinitivo. As estruturas verificadas foram as dos modais (dever a/de,
poder, haver a/de), aspectuais (começar a/de, tornar a, soer a/de) e temporais (ir, vir a, haver
de).
Na trajetória dos complexos verbais, Martins destacou que os clíticos se ligavam,
preferencialmente, ao verbo auxiliar, entre os séculos XIII e XVI, e não ao infinitivo. O
clítico ligava-se ao verbo principal no infinitivo apenas quando o verbo auxiliar se encontrava
elíptico. A colocação dos clíticos, nos complexos verbais, em relação ao verbo auxiliar,
mostrou-se bem parecida com a das lexias verbais simples, sendo a colocação pré-verbal a
mais utilizada no período referido acima. Destaca-se que a próclise era obrigatória nas
orações subordinadas finitas, nas orações negativas, depois de algumas preposições (“pera”,
de e sem) e do advérbio “asy”.
Assim, no século XIII, houve o predomínio da ênclise ao verbo auxiliar, passando
por uma distribuição equilibrada entre a próclise e ênclise ao verbo auxiliar no século XIV.
Nos séculos XV e XVI, houve o predomínio da colocação proclítica. Como não houve
qualquer apontamento em relação às estruturas em complexos verbais durante os séculos XVI
e XX, supõe-se que não houve a análise dessas estruturas durante o referido período.
Houve algumas estruturas em que o verbo auxiliar era precedido pelo verbo
principal, fazendo com que houvesse uma inversão das posições dos verbos, e o clítico
pronominal apareceria, em geral, à esquerda dos dois verbos (cl Vp. V aux.). A autora
40
destacou, também, que, dos 106 dados analisados, apenas 5 aparecem enclítico ao verbo
principal no infinitivo – este em posição habitual, ou seja, depois do auxiliar e não sozinho
com o auxiliar elíptico (v1 v2-cl). A ênclise ao verbo auxiliar ocorreu apenas em 16 dados em
que havia preposição e advérbios intervenientes ao complexo verbal, fazendo com que
houvesse a separação do clítico e do infinitivo; ou quando havia a contração entre os clíticos
acusativos o(s), a(s) e uma forma verbal terminada em –s ou vogal nasal, gerando “uma
cliticização fonologicamente visível ao auxiliar.” (MARTINS, 1994, p. 152).
Dessa forma, sintetizando os resultados referentes aos complexos verbais produzidos
entre os séculos XIII e XVI, na tese de Martins (1994), observou-se que a ligação a v2 foi
muito pouco produtiva, inclusive nos dados em que o infinitivo estava antes do verbo auxiliar,
pois os clíticos ficaram, preferencialmente, adjacentes a v1, mostrando que a colocação
adjacente ao verbo auxiliar foi a mais utilizada no corpus analisado.
Galves, Britto e Paixão de Souza (2005), em seu trabalho intitulado The Change in
Clitic Placement from Classical to Modern European Portuguese: Results from the Tycho
Brahe Corpus, fizeram uma análise diacrônica dos clíticos pronominais na história da Língua
Portuguesa, de 1500 a 1850, a fim de verificar os indícios da provável competição de
gramáticas. As autoras estudaram a ordem dos pronomes nas lexias verbais simples
encontradas em 20 textos literários escritos por autores portugueses nascidos da metade do
século XVI até início do século XIX.
As autoras verificaram dois momentos na variação das colocações proclítica e
enclítica: (1) a ênclise não era muito produtiva, variando entre 0% a 20%, nos textos dos
autores que nasceram até o final do século XVII – exceto o texto de Vieira, Os Sermões, em
que 45% dos clíticos estavam enclíticos, tendo em vista as razões estilísticas do Barroco; e (2)
o aumento progressivo e significativo da ênclise, chegando a quase 90% dos casos, nos textos
dos autores nascidos no início do século XVIII.
As pesquisadoras descreveram esses dois momentos como duas fases diferentes da
gramática. No primeiro período, a posição proclítica seria a opção preferencial, não-marcada,
sendo o reflexo do Português Clássico, mas haveria também a utilização da ênclise. Já no
segundo momento, a próclise passou a ser considerada como um resquício da gramática
antiga na escrita, tendo em vista uma mudança gramatical segundo a qual a ênclise seria a
única opção possível, havendo, assim, a inversão dos dados proclíticos pelos enclíticos.
Os resultados mostraram a instabilidade da colocação pronominal – oscilações entre
o uso da próclise e da ênclise – até o início do século XVIII. A partir daí, houve um aumento
41
considerável da colocação enclítica até o século XIX. As autoras mostraram que a ênclise
aumentou progressivamente ao longo dos séculos. Galves, Britto e Paixão de Souza
interpretaram os períodos em que houve grande variação e verificaram como um processo de
competição de gramáticas no uso dos pronomes oblíquos átonos, havendo uma gramática
inovadora dividindo o mesmo espaço com uma gramática conservadora.
Os dados foram divididos em três contextos: (1) verbo antecedido por um sujeito
referencial não focalizado, alguns advérbios ou um sintagma preposicional com função de
advérbio; (2) orações antecedidas por uma conjunção coordenativa ou oração independente;
(3) contextos em que a variação não foi verificada.
As autoras observaram que os contextos em que o elemento antecedente do verbo era
uma conjunção coordenativa ou uma oração independente apresentaram uma variação muito
importante desde o século XVI. No entanto, nos contextos em que o verbo era antecedido por
um sujeito referencial não focalizado, alguns tipos de advérbios ou por um sintagma
preposicional com função adverbial, haveria certa uniformidade entre os autores e poucos
dados na posição enclítica durante os séculos XVI e XVII.
As pesquisadoras verificaram, também, que a próclise se tornou categórica nos
contextos de: orações negativas, orações subordinadas, orações em que o verbo é antecedido
por um quantificador, um operador QU, um sintagma focalizado ou alguns advérbios e a
ênclise era categórica quando o verbo se encontrava em início absoluto de oração. As autoras
destacaram, assim, que os escritores nascidos no século XVIII modificaram a posição dos
clíticos pronominais por causa de uma mudança gramatical verificada na base do Português
Europeu.
Martins (2009), em sua tese de doutorado intitulada Competições de gramáticas do
português na escrita catarinense dos séculos XIX e XX, verificou os padrões empíricos da
colocação dos pronomes átonos na escrita de Santa Catarina, no PB, e de Lisboa, no PE. O
autor objetivou verificar se houve indícios de competição de gramáticas e, para tanto, analisou
dados de orações finitas não-dependentes, tanto com um como com mais verbos. Os dados
foram retirados de vinte e quatro peças teatrais de autores catarinenses (na escrita do PB) e
vinte e uma peças de autores lisboetas (na escrita do PE) nascidos durante os séculos XIX e
XX.
Martins defendeu que os padrões empíricos de colocação dos pronomes oblíquos
átonos verificados nos textos escritos refletiam características de três gramáticas do
Português: PB, PC e PE. Segundo o autor, haveria, portanto, uma competição de gramáticas,
42
seguindo as propostas da Teoria Gerativa e baseando-se no trabalho de Galves, Britto e
Paixão de Souza (2005). O autor, em sua análise, utilizou dois quadros teóricos: os
pressupostos da Teoria de Princípios e Parâmetros, em sua versão minimalista, e os
pressupostos da Teoria da Variação e Mudança.
A pesquisa de Martins, baseando-se em trabalhos anteriores, mostrou que, em toda a
história do português, em especial, na escrita dos séculos XIII a XX, a próclise foi a
colocação padrão em orações com operadores de negação predicativa, em orações iniciadas
por quantificadores, por determinados advérbios ou por constituintes focalizados, enquanto a
ênclise foi a ordem padrão em contextos em que o verbo se encontrava em início absoluto de
oração. A próclise, nesse último contexto, não foi encontrada na diacronia do Português,
exceto em textos brasileiros dos séculos XIX e XX, mostrando que essa posição é uma
inovação da gramática brasileira.
Nos contextos de orações iniciadas por sujeitos não focalizados, advérbios não-
modais e sintagmas preposicionais, houve variação das colocações proclíticas e ênclíticas.
Nos textos dos séculos XIII a XVI, a ênclise foi a posição mais utilizada e houve um aumento
progressivo da próclise, enquanto, nos textos dos séculos XVI a XVIII, a próclise foi
amplamente utilizada. Nos textos do PE dos séculos XVIII e XIX, houve variação da próclise
e da ênclise, mas houve um aumento significativo da ênclise e esta tornou-se a colocação
padrão nesses contextos. Nos textos do PB dos séculos XVIII a XX, ocorreu o inverso, a
próclise tornou-se a variante mais utilizada; no entanto, houve ainda casos de ênclise nos
textos escritos supostamente por influência do padrão de colocação do PE.
Com os resultados estatísticos, o autor mostrou que, nas lexias verbais simples do
PB, houve um aumento progressivo da próclise, em especial, nos contextos antecedidos por
um sujeito, um advérbio não-modal ou um sintagma preposicional, de tal forma que, no
século XX, a colocação proclítica em orações com sujeitos antes do verbo chegou a ser
categórica. No século XIX, a variante pré-verbal estava correlacionada à natureza dos
sujeitos.
Nas estruturas compostas por mais de um verbo, o autor encontrou, no PB, a próclise
ao verbo auxiliar e ao verbo principal, nos textos de autores nascidos no século XIX, e houve
seu aumento gradativo nos textos dos autores nascidos no século XX. Em relação a esses dois
contextos, a variante proclítica ao verbo principal seria a forma inovadora da gramática do
PB, uma vez que não é encontrada em outros estágios do Português. Destacou-se que a
colocação enclítica a v2 nos textos do PB também se mostrou produtiva, tendo em vista,
segundo o autor, a influência da gramática do PE.
43
Sendo assim, Martins defendeu a tese de que a ordem dos clíticos pronominais é
resultado de um caso específico de competição de três gramáticas do Português: o Português
Clássico, o Português do Brasil e o Português Europeu, apoiando-se nos resultados empíricos
descritos e analisados em seu trabalho.
Nunes (2009), em sua dissertação de mestrado: Um estudo sociolinguístico sobre a
ordem dos clíticos em complexos verbais no PB e no PE, utilizando textos jornalísticos e
publicitários (anúncios, editoriais e notícias) do Brasil e de Portugal produzidos nos séculos
XIX e XX, procedeu a uma investigação sociolinguística da ordem dos pronomes átonos em
construções com complexos verbais em dados do Português do Brasil e do Português
Europeu, apresentando as semelhanças e diferenças entre as duas variedades durante todo o
período analisado
A pesquisadora encontrou 300 ocorrências no PB e 449 no PE, totalizando 749 dados
com os clíticos em complexos verbais. Verificou a produtividade das três variantes
encontradas no corpus: pré-complexo verbal “Não se pode fazer”; intra-complexo verbal
“Pode(-)se fazer” e pós-complexo verbal “Pode fazer-se”. Para a análise dos dados, foi
utilizado o aporte teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista de orientação
Laboviana.
Destacou-se que não houve a variante proclítica ao complexo verbal em início
absoluto de oração. Embora, nos demais contextos, a colocação pré-complexo verbal tivesse
sido a mais utilizada no século XIX, tanto no PB quanto no PE, seguida pela variante pós-
complexo verbal. Já no século XX, houve diferenças entre as variedades do Português, uma
vez que o PE continuou com a produtividade da variante pré-complexo verbal e não possuiu
alto índice da variante intra-complexo verbal. O PB, no entanto, aumentou significativamente
o uso da variante intra-complexo verbal, com o registro de uma variante inovadora, a próclise
a v2, e realizou equilibradamente as colocações pré e pós complexo verbal.
O que favoreceu uma determinada variante no PE foi o contexto linguístico em que o
clítico se encontrava, ou seja, havia uma sistematicidade na colocação de acordo com os
aspectos estruturais dos contextos. No PB, tal sistematicidade não foi encontrada; o que se
encontrou foi, possivelmente, um início de mudança no padrão da escrita brasileira, uma vez
que houve o declínio da variante proclítica ao complexo e um aumento significativo da
colocação intra-complexo verbal. A autora destacou que, no século XIX e XX, a próclise a v2
– inovação do PB – foi a colocação mais utilizada, inclusive em textos jornalísticos,
confirmando a mudança de colocação nos complexos verbais.
44
Nunes analisou contextos linguísticos e extralinguísticos que poderiam favorecer, ou
não, uma determinada variante na colocação pronominal e verificou que foram relevantes
para a pesquisa as seguintes variáveis: presença de um possível elemento proclisador, forma
do verbo principal e tipo de clítico.
A próclise ao complexo verbal foi a mais favorecida nas duas variedades e nos dois
séculos quando havia algum elemento proclisador antes do clítico. A autora destacou o fato de
os índices, nesses contextos, não serem categóricos nem próximos ao categórico em nenhuma
das variedades e séculos. No entanto, o PE realizou mais a variante próclítica do que o PB, já
que nos dados do século XX do PB a variante pré-complexo verbal foi menos utilizada do que
no século XIX. No século XX, o PB utilizou mais a variante proclítica ao verbo principal,
mesmo em contextos em que havia a presença de elementos proclisadores, mostrando que a
escrita jornalística brasileira estivesse assumindo seu padrão vernacular de próclise a v2.
Em relação à forma do verbo principal, verificou-se que não houve dado com a
variante pós-complexo verbal com o verbo principal no particípio, mas o uso
majoritariamente da pré-complexo verbal nas duas variedades e nos dois séculos. Com o
gerúndio, houve um equilíbrio na distribuição dos dados no PB e PE, em especial, no século
XX. Já com o verbo principal no infinitivo, o elemento proclisador favorecia a variante pré-
complexo verbal no século XIX, mas, no século XX, mesmo na presença desses contextos, a
variante mais utilizada foi a ênclise a v2, em especial no PB.
Com relação ao tipo de clítico, o “se” indeterminador ligou-se mais ao verbo auxiliar
e o “se” reflexivo/inerente mais ao verbo principal. O clítico acusativo “o/a (s)”, no século
XIX e em ambas as variedades, estava condicionado à presença de um elemento proclisador.
Já no século XX, os dados do PB mostraram o aumento significativo da colocação pós-
complexo verbal.
Quanto ao condicionamento extralinguístico, apenas o PB sofreu influência da época
de publicação e dos gêneros textuais. A época de publicação, ou seja, o século em que o texto
foi produzido, como já foi dito anteriormente, fez com que a realização das variantes fosse
bem distinta, havendo um aumento significativo da variante intra-complexo verbal no século
XX. Em relação aos gêneros textuais, os anúncios – por serem mais próximos à oralidade –
utilizaram mais a colocação intra-complexo, enquanto, nos editoriais, houve uma influência
maior da atração dos elementos proclisadores, sendo a colocação pré-complexo verbal a mais
utilizada.
45
Santos (2010) analisou sociolinguisticamente a colocação dos pronomes átonos em
lexias verbais simples e em complexos verbais nas variedades brasileira e europeia no
percurso dos séculos XIX e XX em sua dissertação denominada Análise diacrônica da
colocação pronominal nas variedades brasileira e europeia do português literário: um estudo
segundo o conjugado “variação-mudança & cliticização”. Para tanto, utilizou romances
compostos por escritores da literatura brasileira e portuguesa, de modo a aferir a proximidade
ou o distanciamento das normas de uso verificadas em relação às normas idealizadas em
compêndios normativos.
Para a análise, a autora contou com 1427 dados do PB e 1538 do PE, em relação às
lexias verbais simples. Já para os complexos verbais, foram coletadas 431 ocorrências, sendo
194 do PB e 237 do PE. Constatou-se que há uma distribuição equilibrada entre próclise e
ênclise nas lexias verbais simples, provavelmente, por causa do ambiente sintático em que se
encontrava o pronome e a forma verbal. A posição mesoclítica não foi relevante e ocorreu,
majoritariamente, no PE. Em relação ao início absoluto de oração, a ênclise foi categórica no
PE, nos dois séculos; já no PB, a alta produtividade da ênclise cedeu ao uso da próclise no
final do século XX. Nos demais contextos, a próclise foi bem produtiva quando havia a
presença de elementos proclisadores clássicos tanto no PE quanto no PB e nos dois séculos,
em especial no PE, em que a variante proclítica ocorreu de forma quase categórica.
Santos separou os complexos verbais segundo a forma do v2 (particípio, gerúndio e
infinitivo) e verificou que a colocação proclítica a v1 não foi efetivamente favorecida nos
complexos verbais como ocorreu com as lexias verbais simples. Somente os complexos
verbais com o verbo principal no particípio tiveram o favorecimento dessa variante, tendo em
vista a impossibilidade da realização da colocação pós-complexo verbal com o particípio.
Segundo a autora, a forma mais utilizada com o infinitivo foi a pós-complexo verbal.
Com o gerúndio, a posição mais produtiva, no século XIX, foi a proclítica ao complexo
verbal e, no século XX, foi a intra-complexo verbal com hífen. Já com o verbo principal no
particípio, houve o favorecimento da variante pré-complexo verbal – talvez, segundo a autora,
por causa da presença de elementos proclisadores no contexto – e não houve a utilização da
colocação pós-complexo verbal.
Nunes (2014), em sua tese de doutorado, intitulada A ordenação do clítico “se” em
complexos verbais nas produções escritas do Brasil e de Portugal nos séculos XIX e XX
segundo a perspectiva sociolinguística, investigou a colocação do pronome átono “se” em
estruturas com mais de uma forma verbal nas variedades brasileira e europeia. O corpus foi da
46
modalidade escrita e retirado de editoriais, notícias e anúncios dos jornais dos séculos XIX e
XX. A autora mostrou as diferenças e semelhanças na utilização do clítico “se” em estruturas
verbais complexas nas duas variedades.
O trabalho adotou uma abordagem diacrônica e utilizou como fundamentação a
Teoria da Variação e Mudança Laboviana. A autora verificou o comportamento das normas
de uso brasileiras e europeias ao longo dos dois séculos.
Com a análise dos dados, verificou-se que, durante toda a trajetória, houve uma
aproximação, no século XIX, da escrita brasileira à europeia, com o uso mais frequente da
variante proclítica a v1 ou enclítica a v2; e, no século XX, foi aumentando paulatinamente o
distanciamento das duas variedades, havendo, no PB, o início do uso da variante proclítica a
v2. Já no PE, a ordem dos pronomes estaria quase sempre relacionada com as motivações
estruturais, como o uso da próclise ao complexo verbal quando houvesse a presença de algum
elemento proclisador. Entretanto, vale ressaltar que, quando havia algum elemento que
favorecesse a variante proclítica, a próclise não se deu de maneira categórica, mas foi muito
produtiva.
Em relação ao tipo de clítico, vale ressaltar especificamente a diferença no
comportamento dos tipos de “se”. O “se” indeterminador ligou-se, em especial, a v1, e o
reflexivo/inerente ligou-se predominantemente a v2. A autora verificou que haveria
comportamento diferente de acordo com o tipo de “se” e segundo a variedade em questão –
brasileira ou europeia. Sendo assim, no PB, o pronome “se” reflexivo/inerente apareceria
mais proclítico a v2, que é o verbo que lhe dá papel semântico. Na última fase do século XX,
a ênclise a v1 chegou a desaparecer na amostra brasileira e a próclise a v1 apresentou forte
declínio. O “se” indeterminador/apassivador estaria mais ligado a v1. Já no PE, a diferença
entre os tipos de clítico seria menos evidente – embora o “se” indeterminador/apassivador
estivesse mais ligado a v1 –, pois o que atuaria fortemente seria o ambiente sintático em que o
clítico aparece.
NUNES destacou algumas semelhanças entre as variedades brasileira e europeia
quanto à colocação do clítico se em complexos verbais, como pode ser verificado abaixo:
(i) Em contexto de início absoluto de período/oração, não houve registros de
próclise a v1;
(ii) não houve dados de ênclise a v2 com a forma participial do verbo principal;
(iii) a próclise a v1 é a variante preferencial com o indeterminador, enquanto a
ênclise a v2 é a variante preferencial com o reflexivo;
(iv) o “se” indeterminador parece mais sensível à atuação do elemento
“proclisador” do que o “se” reflexivo. (NUNES, 2014, p. 264)
47
A autora ressaltou também que, em relação ao PB, a utilização da próclise do se
reflexivo a v2 foi considerada uma inovação brasileira, tendo em vista o fato de não ser
encontrada na amostra europeia nem em outras línguas românicas. A colocação v1 (x) cl v2
foi utilizada, no PE, somente nas frases em que o complexo verbal era formado por uma
preposição ou conector interveniente com uma função proclisadora no interior da construção;
assim, o que haveria seria a ênclise ao elemento interveniente e não próclise a v2.
Além disso, também destacou o fato de a modalidade escrita ser bem diferente da
modalidade oral, uma vez que os resultados encontrados do PB escrito, embora sugiram as
transformações ocorridas na fala, estariam muito distantes dos verificados na norma
vernacular brasileira. Sendo assim, a partir da análise do corpus, verificou-se que a
modalidade escrita é completamente diferente da oral. Maior evidência disso foi o fato de não
ter ocorrido próclise a v1 em início de período ou oração, em nenhum período analisado.
Dessa forma, verifica-se que a tese de Nunes demonstra que a história do clítico “se”
se particulariza em relação à história dos clíticos em geral. Com o pronome “se”
indeterminador, não houve mudança nem diferença entre PB e PE; com “se” reflexivo, no
entanto, há uma aproximação da história geral da colocação, havendo, assim, a efetiva
alteração para a variante proclítica a v2.
Para atestar o que efetivamente acontece em dados sincrônicos do Português do
Brasil, do Português Europeu e do Português de São Tomé, serão resumidamente descritos,
no próximo tópico, os principais trabalhos que tratam o tema na sincronia mais
contemporânea.
2.2.2.2. A colocação pronominal no Português: estudos sincrônicos
Nesta seção, serão apresentados os trabalhos de Vieira (2002), Magro (2004),
Gonçalves (2009), Vieira, M. F. (2011) e Corrêa (2012), que estudam o tema em variedades
da Língua Portuguesa, com dados recolhidos entre os anos 70 e 90 do século passado e, no
caso do último trabalho citado, dados do século XXI.
Vieira (2002), em sua tese de doutorado, nomeada Colocação pronominal nas
variedades europeia, brasileira e moçambicana: para a definição da natureza do clítico em
português, mostrou resultados comparativos da ordem dos clíticos pronominais entre as
48
variedades europeia, brasileira e moçambicana, com base na análise sociolinguística dos
dados da fala e da escrita do Português no século XX.
A autora analisou um total de 5196 dados de clíticos pronominais em lexias verbais
simples e complexos verbais, distribuídos pelas modalidades oral e escrita das três variedades
do Português. As lexias verbais simples compreenderam o total de 4167 dados e os
complexos verbais, 1029 casos.
Considerando exclusivamente os dados das lexias verbais simples e dos complexos
verbais na escrita, a pesquisa contou com o total de 722 ocorrências das primeiras e 137
ocorrências dos últimos, no conjunto das três variedades. Na modalidade escrita, os grupos de
fatores mais relevantes foram:
para o Português Europeu: operador de próclise, distância operador-clítico e
tempo e modo verbais;
para o Português Moçambicano: operador de próclise, distância operador-
clítico, tipo de oração e tipo de clítico;
para o Português do Brasil: operador de próclise, tipo de clítico / valor de “se”,
tipo de oração e distância operador-clítico.
Constatou-se que, de forma geral, a ênclise foi a variante não-marcada no PE e PM,
mas no PB foi a próclise. Em relação ao PE, verificou-se que, nas lexias verbais simples, há
um condicionamento estrutural sistemático na modalidade escrita, ou seja, quando havia um
elemento proclisador, ocorria a variante pré-verbal, mas, quando não havia, o que se dava era
a ênclise. Destacou-se, assim, a grande atuação dos elementos proclisadores no PE. A autora
também verificou que o número das duas variantes – próclise e ênclise – ficou equilibrado por
causa dos contextos subordinados, havendo, assim, elementos que favorecem a variante pré-
verbal. Nos complexos verbais da modalidade escrita, a colocação pré-complexo verbal
também foi a mais utilizada quando havia algum elemento proclisador.
No Português Moçambicano, o condicionamento não se mostrou sistemático como
no PE; o que há é uma instabilidade da “operação de próclise”, uma vez que a ênclise é uma
variante produtivamente utilizada nas lexias verbais simples, mesmo em contextos em que se
esperaria a realização da variante pré-verbal. Nos complexos verbais, a colocação pré-
complexo verbal também foi a mais encontrada, especialmente com o elemento proclisador
“não”.
Em relação ao Português do Brasil, houve um comportamento bem diferente em cada
modalidade. Nas lexias verbais simples da modalidade escrita, a posição enclítica ocorreu, em
49
geral, quando não havia a presença de elementos proclisadores, mas, quando havia, verificou-
se mais a próclise. Nos complexos verbais, a variante mais encontrada foi a intra-complexo
verbal, com o clítico ligado ao verbo principal, configurando a chamada próclise a v2.
Para os dados orais do PE, a autora utilizou inquéritos de informantes com diferentes
faixas etárias e níveis de escolaridade, retirados do “Corpus de Referência do Português
Contemporâneo” (CRPC) – pertencentes ao Português Fundamental. Para investigar o
Português Moçambicano, os dados foram retirados do corpus do Projeto “Panorama do
Português Oral de Maputo” (PPOM), organizado por Perpétua Gonçalves, da Universidade
Eduardo Mondlane, considerado como os únicos dados de língua oral de Moçambique
disponíveis para estudo no momento da investigação. Para o estudo do PB, foram utilizadas
as entrevistas coletadas de três Projetos de Pesquisa: o Projeto NURC/Rio (Norma Linguística
Urbana Culta do Rio de Janeiro), o Projeto PEUL (Programa de Estudos do Uso da
Linguagem) e o Projeto APERJ (Atlas Etnolinguístico dos Pescadores do Estado do Rio de
Janeiro).
Vieira obteve, para as lexias verbais simples na modalidade oral, um total de 3445
dados, bem mais elevado do que o da modalidade escrita, que correspondeu a apenas 722
dados. Os complexos verbais na amostra de fala apresentaram 892 ocorrências, também um
número bem maior que o da escrita, representada apenas por 137 casos nas três variedades.
Em relação às lexias verbais simples, semelhantemente ao que ocorreu na escrita, a
ênclise, na modalidade oral, também foi a variante não-marcada no Português Moçambicano,
enquanto no Português do Brasil foi a próclise. No Português Europeu, a próclise ocorreu um
pouco mais que a ênclise, provavelmente por causa da presença de elementos proclisadores.
Na tabela retirada da tese de Vieira (2002, p. 85), pode-se observar a ocorrência das variantes
nas três variedades:
Lexias verbais simples – Modalidade Oral
Português Europeu Português Moçambicano Português do Brasil
Freqüência Percentual Freqüência Percentual Freqüência Percentual
Próclise 383/729 53% 651/1347 48% 1221/1369 89%
Ênclise 346/729 47% 696/1347 52% 148/1369 11%
Mesóclise 0/729 0% 0/1347 0% 0/1369 0%
Tabela 1: Distribuição das variantes relativas à ordem dos clíticos em lexias verbais simples
no “corpus” oral das três variedades do Português segundo Vieira (2002)
50
De acordo com a tabela, verifica-se que, no PE, houve mais dados proclíticos (53%),
enquanto, no PM, ocorreram mais dados enclíticos (52%). No entanto, nas duas variedades, as
duas variantes estão bem próximas da metade (50%). O resultado mais diferente está no PB
em que os índices da variante proclítica foram bem elevados (89%).
Os grupos de fatores mais relevantes para o condicionamento do fenômeno foram os
seguintes:
para o Português Europeu: operador de próclise, distância operador-clítico,
tempo e modo verbais e tipo de clítico;
para o Português Moçambicano: operador de próclise, distância operador-
clítico, tempo e modo verbais, tipo de clítico e tipo de oração;
para o Português do Brasil: operador de próclise, tipo de clítico, valor de “se”
e faixa etária.
Além do operador de próclise, que foi relevante para as três variedades e será
detalhado a seguir, no PE e no PM, a distância operador-clítico, tempo e modo verbais e tipo
de clítico também se mostraram importantes para a efetivação do fenômeno, além do tipo de
oração para o PM. Verifica-se, assim, que até os elementos importantes no condicionamento
do fenômeno são parecidos no PE e no PM.
A forte atuação dos elementos proclisadores nas lexias verbais simples do PE na
modalidade escrita também foi verificada nos dados orais, fazendo com que a próclise fosse a
mais utilizada nesses contextos, mas nem sempre de forma categórica, como se pode verificar
na tabela a seguir retirada de Vieira (2002, p. 103):
Lexias verbais simples – Modalidade oral
OPERADOR DE
PRÓCLISE
Português Europeu Português Moçambicano Português do Brasil
Freqüência Percentual Freqüência Percentual Freqüência Percentual
Nenhum 2/174 1% 8/285 3% 166/250 66%
SN sujeito nominal 3/26 12% 10/55 18% 57/62 92%
SN sujeito pronome
pessoal
3/20 15% 6/45 13% 140/143 98%
SN sujeito pronome
indefinido
– – 1/5 20% 3/3 100%
SN suj. pronome
demonstrativo
0/5 0% 0/5 0% 13/14 93%
Conj. coord. aditiva 0/31 0% 2/62 3% 41/55 75%
Conj. coord. altern. 1/5 20% 1/8 13% 0/1 0%
51
Conj. coord. advers. 1/9 11% 1/18 6% 16/20 80%
Conj. coord. concl. 0/1 0% 0/7 0% – –
Conj. coord. explic. 4/17 24% 8/30 27% 19/21 90%
SAdv – aqui 20/25 80% 16/28 57% 44/55 82%
SAdv – sempre 3/17 18% 9/31 29% 20/22 91%
Sadv em –mente 0/4 0% 1/3 33% 3/3 100%
Locuções adverbiais 2/21 10% 0/12 0% 9/12 75%
Elem. “denotativo” 20/23 87% 6/20 30% 24/25 96%
Prep. A 2/6 33% 3/17 18% 3/3 100%
Prep. Para 18/19 95% 63/74 85% 45/47 96%
Prep. De 26/32 81% 45/59 76% 25/28 89%
Prep. Por – – 2/4 50% 1/1 100%
Prep. sem 3/3 100% 5/5 100% 2/2 100%
Prep. Em 2/4 50% 0/3 0% 3/3 100%
Part. de negação 96/96 100% 177/179 99% 210/211 100%
Conj. Subordinativa 31/35 89% 52/74 70% 55/57 96%
Conj. integrante se – – 4/5 80% 2/3 67%
Conj. integrante que 27/28 96% 25/52 48% 33/36 92%
Pron. relativo que 94/95 99% 144/183 79% 155/159 97%
Loc. Conj. em que 11/16 69% 12/14 86% 15/16 94%
Est. clivada em que 11/12 92% 26/32 81% 78/79 99%
Pal. QU- inter. pron. – – 5/5 100% 1/1 100%
Pal. QU- inter. adv. – – 6/7 86% 21/21 100%
Pron. / adv. Relativo 2/2 100% 15/20 75% 11/11 100%
Tabela 2: Índices de frequência da próclise por “presença de operador de próclise na oração” e
variedade do Português nas lexias verbais simples do “corpus” oral segundo Vieira (2002)
Somente com as partículas de negação e com os pronomes e advérbios relativos, a
próclise se deu de forma categórica no PE. Com os outros elementos proclisadores, como as
conjunções subordinativas (89%), conjunções integrantes (96%) e pronome relativo “que”
(99%), os índices foram bem altos, mas nenhum categórico.
Para o PM, a modalidade oral teve os resultados bem parecidos com os da escrita,
apresentando produtivamente a variante pós-verbal para as lexias verbais simples, mesmo nos
contextos favorecedores da próclise, mostrando a assistematicidade da colocação pronominal
no PM, como pode ser verificado na tabela acima, em que os elementos como as conjunções
subordinativas (70%), conjunções integrantes (48%) e pronome relativo “que” (79%) tiveram
52
os índices bem abaixo do que ocorreu no PE. Dessa forma, no PE, apesar de não ser
categórica, a próclise, nesses contextos, ocorre com bem mais frequência que no PM.
Diferentemente do que ocorreu para as demais variedades do Português, a colocação
dos clíticos no PB, em relação às lexias verbais simples, deu-se de forma bem peculiar,
dependendo da modalidade em que se inseria. Como se viu, na escrita, houve produtiva
realização da variante enclítica (93/201 – 46%), em comparação com a modalidade oral, em
que a colocação proclítica foi a mais utilizada (1221/1369 – 89%), independente da presença
de um elemento proclisador. Dessa forma, a próclise foi a que prevaleceu de modo
generalizado nos contextos de lexias verbais simples. Isso mostrou que, na escola, se aprende
uma norma bem diferente da que é utilizada naturalmente pelos falantes, o que configuraria,
segundo a autora, uma nítida situação de “diglossia”. Ressalta-se que os 11% dos dados de
ênclises ocorridos no PB eram de tipo estrutural específico.
Em relação aos complexos verbais, pode ser observada a distribuição das três
variantes em cada modalidade do português na tabela abaixo retirada de Vieira (2002, p. 262):
Tabela 3: Distribuição das variantes pré-CV, pós-CV e intra-CV no “corpus” oral das três
variedades do Português segundo Vieira (2002)
No PE oral, a colocação mais utilizada foi a intra-complexo verbal (46%) e o clítico
estava enclítico a v1. A variante pré-complexo verbal foi a segunda mais utilizada (35%) e,
assim como nas lexias verbais simples, foi favorecida pela presença de elementos
proclisadores no contexto em que o clítico se inseria, embora o registro dessa variante não
tenha sido categórico, como não o foi nas lexias verbais simples. Por último, foi a realização
da pós-cv com 19% das ocorrências.
No PM, a maior ocorrência da colocação foi a intra-complexo verbal (64%), estando
o clítico pronominal ligado ao verbo auxiliar, como ocorreu no PE. Depois houve a maior
realização da pré-CV (20%) seguida pela pós-CV (16%).
Complexos verbais – Modalidade Oral
Português Europeu Português Moçambicano Português do Brasil
Freqüência Percentual Freqüência Percentual Freqüência Percentual
cl V1 V2 70/201 35% 86/437 20% 18/254 7%
V1 cl V2 92/201 46% 282/437 64% 229/254 90%
V1 V2 cl 39/201 19% 69/437 16% 7/254 3%
53
Com os complexos verbais, na modalidade oral, a variante mais utilizada, no PB,
também foi a intra-complexo verbal. Vale ressaltar que essa variante foi utilizada em 90% dos
dados, independentemente da atuação de qualquer elemento proclisador. O clítico, nesses
casos, ao que parece, não se ligaria ao verbo auxiliar – como ênclise a v1 –, mas estaria ligado
ao verbo principal – como próclise a v2. Essa é uma particularidade do PB, segundo apontam
diversos estudos sobre o tema.
A autora também realizou uma análise prosódica da ligação dos clíticos aos
vocábulos circunvizinhos, além de apresentar condicionamentos linguísticos e sociais
referentes às lexias verbais simples e aos complexos verbais. Assim sendo, a tese levou em
consideração a interface morfologia-sintaxe-fonologia e utilizou o aporte teórico-
metodológico da Sociolinguística Variacionista Laboviana, com o objetivo de estabelecer os
condicionamentos linguísticos e extralinguísticos que determinam os parâmetros de colocação
dos pronomes oblíquos átonos.
Quanto à análise dos dados pela base acústica, Vieira fez uso do Programa CLS
(Computerized Speech Lab), utilizando dois procedimentos metodológicos: a medição dos
parâmetros acústicos de acento e a síntese de fala associada a testes de percepção auditiva.
Com base na análise prosódica, Vieira constatou que o pronome oblíquo átono no
PE, no que diz respeito à duração e à intensidade, possuía as mesmas características de uma
sílaba postônica vocabular e que a ligação fonológica do clítico pronominal no PE assumia o
parâmetro de ligação fonológica para a esquerda, o que confirmaria, também no plano da
pronúncia, o padrão enclítico dessa variedade. No PM, assim como o PE, supôs-se que o
padrão de cliticização fonológica também seria à esquerda.
Diferentemente das outras duas variedades, a análise acústica mostrou que o clítico,
no PB, possui, quanto à duração e à intensidade, as mesmas características de uma sílaba
pretônica vocabular. O estudo sobre a cliticização fonológica também mostrou que,
diferentemente das demais variedades, o padrão da ligação fonológica do PB é à direita,
inversa das demais variedades em estudo.
Os resultados de Vieira (2002) e de outros estudiosos que analisam a(s) norma(s)
brasileira(s) mostram a distância entre a língua que se aprenderia na escola no caso de alguns
fenômenos, como se fosse um código estranho ao usuário, e a fala natural, que revelaria a
língua vernacular. Confirma-se com clareza, assim, o pressuposto da afirmativa de Sartre
(apud VIEIRA): “falamos em nossa própria língua e escrevemos em língua estrangeira”.
54
Considerando exclusivamente dados do Português Europeu, Magro (2004), em seu
trabalho intitulado O fenómeno da subida de clítico a luz de dados não-standard6 do PE,
apresentou os contextos em que há a possibilidade de um clítico, que é argumento do verbo
principal (v2), “subir” e ligar-se ao verbo auxiliar (v1), antes ou depois deste.
No decorrer do trabalho, a autora mostrou algumas propostas para analisar a subida
do clítico no PE standard e em outras línguas românicas, como o italiano e o espanhol. A
pesquisadora analisou 824 estruturas – em que fosse possível a subida do clítico – coletadas
de dados dialetais do PE contemporâneo encontrados no corpus CORDIAL-SIN – Corpus
Dialectal para o estudo da Sintaxe. Esse corpus é composto por dados orais de dezenove
localidades de Portugal, recolhidos entre os anos 70 e os anos 90. Das 824 estruturas, 245
delas cliticizaram-se ao verbo principal e 579 ligaram-se ao verbo auxiliar, mostrando a
grande quantidade da subida de clítico nos dados analisados.
Ressaltou-se que, no PE standard, a subida de clítico, nos contextos em que havia
mais de um verbo, sempre ocorre quando o verbo principal é formado por gerúndio ou
particípio. Contudo, quando o verbo principal está no infinitivo não-flexionado, a subida do
clítico poderia acontecer ou não.
A autora destacou o fato de os dados analisados, por serem extraídos de corpus
chamado “dialetal”, serem mais propícios à subida de clítico do que os das gramáticas
consideradas standard. Verificou, também, que os contextos que eram introduzidos por que e
com infinitivos preposicionados por de, em e para não eram favorecedores da subida de
clítico no Português Europeu dialetal e que havia uma preferência pela subida dos clíticos nas
estruturas em que os infinitivos não estavam preposicionados (“A minha mãe adora-me ver
com estas calças”) ou estavam preposicionados por a (ex.: “Eu já me aprendi a controlar”).
Gonçalves (2009), em sua dissertação de mestrado denominada A colocação dos
pronomes clíticos no português oral de São Tomé: análise e discussão de contextos numa
perspectiva comparativa, ocupou-se, como evidencia o título, da colocação dos clíticos
pronominais em corpus oral de São Tomé. A autora ressaltou a falta de trabalhos do
Português Africano e destacou que, quando há algum trabalho, geralmente é do Português de
Moçambique ou de Angola.
6 Vale ressaltar que o chamado Português não-standard ou dialectal se refere aos dados dos falantes considerados
analfabetos ou com pouca escolaridade de diversas regiões de Portugal.
55
A pesquisadora teve como objetivo principal analisar e discutir os contextos em que
os clíticos pronominais apareceriam nos dados empíricos recolhidos nas entrevistas de São
Tomé e, para isso, baseou-se nos trabalhos que tratam do tema no Português nas variedades
padrão e dialetais, bem como os trabalhos sobre o Português do Brasil, Moçambicano e o de
Afonso (2008), que trata do Português em São Tomé. O corpus utilizado pertence ao Projeto
VAPOR – Variedades Africanas do Português7.
Inicialmente, a autora pretendia verificar todos os contextos relacionados ao
fenômeno; no entanto, como havia muitos dados, optou por analisar apenas dois tópicos: a) a
colocação dos clíticos em frases finitas e b) as estratégias de realização do clítico acusativo e
dativo de terceira pessoa. Além disso, a autora não utilizou as entrevistas de todos os
informantes do corpus, mas apenas as dez que já possuíam a transcrição dos dados orais até o
momento de sua dissertação, sendo seis do sexo masculino e quatro do sexo feminino.
No início de seu trabalho, a autora contextualizou o Português de São Tomé e
Príncipe como um espaço plurilinguístico. No entanto, ressaltou o fato de a maior parte da
população dizer que falava como língua materna o Português, e utilizava o crioulo apenas
quando não queriam ser compreendidos ou com pessoas mais velhas. As crianças, em geral,
não sabiam falar crioulo. A autora fez a apresentação e descrição detalhada de todos os dados
nos contextos de (i) orações principais finitas e em orações subordinadas e (ii) estratégias de
realização do pronome acusativo e dativo de 3ª pessoa.
Nas orações principais finitas, houve a análise dos clíticos pronominais nas frases
simples, nas orações principais de frases complexas (períodos compostos) e nas orações
coordenadas aditivas e adversativas em oposição às orações subordinadas. Todos os dados
foram analisados separando os dados proclíticos dos enclíticos nos contextos em que havia (i)
negação, (ii) advérbios focalizadores, (iii) advérbios focalizados, (iv) declarativas enfáticas e
(v) contextos ambíguos (quando houve a interpolação). Nas orações subordinadas, foram
analisadas as colocações dos clíticos em todos os contextos das diversas orações: relativas,
completivas, adverbiais, comparativas e construções de clivagem.
Com a análise detalhada de cada exemplo encontrado em cada contexto, a autora
verificou que havia variação entre próclise e ênclise nos mesmos ambientes sintáticos –
semelhantemente ao que, em certa medida, se atesta nos resultados de Vieira (2002) para o
7 Parte da amostra da presente tese é comum ao conjunto de dados verificados por Gonçalves (2009). No entanto,
diferentemente do ocorrido no trabalho da autora, que usou apenas parte dos dados produzidos por dez
informantes cujas entrevistas estavam transcritas, será analisada a totalidade das ocorrências produzidas por
esses informantes, além de todas as estruturas com clíticos verificadas em outros sete inquéritos não analisados
por Gonçalves (2009).
56
Português Moçambicano – e isso era muito frequente no Português de São Tomé e Príncipe.
A pesquisadora ressaltou que essa era uma característica bem comum de uma variedade
linguística que estava começando a firmar o Português como língua materna. Ressaltou,
ainda, que:
Aquilo que os dados dos clíticos nos mostram é que, muito provavelmente, o
português de S. Tomé constitui uma interlíngua ainda não fossilizada pelo que a
variação nas mesmas estruturas não nos permite caracterizar o sistema de colocação
dos clíticos, mas tão-somente descrevê-lo o mais pormenorizadamente possível
procurando entrever aquilo que pode vir a constituir uma idiossincrasia do seu
sistema linguístico. (Gonçalves, 2009, p. 22)
Na segunda parte de seu trabalho, Gonçalves verificou as estratégias de realização do
clítico acusativo e dativo de terceira pessoa. Em relação ao caso acusativo, analisou o uso das
formas acusativas, nominativas e outras formas de realização. No que diz respeito ao caso
dativo, averiguou seu uso nas formas dativa, oblíqua, nominativa, com as preposições “a” e
“para”.
Com os resultados das análises, foi possível verificar que o corpus tende a evitar a
realização do pronome acusativo e dativo de 3ª pessoa, fazendo o uso de outras formas em seu
lugar. Nos dados, havia variação entre as formas átonas e tônicas dos pronomes. Em relação à
utilização do clítico acusativo e outras estratégias de realização do pronome, há variação entre
as duas. No que diz respeito ao pronome dativo, a variação ocorreu com a forma dativa e as
formas nominais divididas em: forma oblíqua com complemento preposicionado e o uso do
pronome sujeito. Os clíticos dativos, assim como os acusativos, estavam bem próximos da
variação.
No final de seu trabalho, os dados foram mostrados em uma perspectiva comparativa
entre as variedades nacionais e dialetais do Português em relação à norma padrão do
Português Europeu. A autora ressaltou o fato de seu trabalho ser um dos poucos que
abordavam o Português de São Tomé e enfatizou que ainda havia muita coisa para se observar
e discutir nessa variedade. Além disso, informou o que ainda poderia ser trabalhado com os
clíticos pronominais, mas que ainda não foi feito, como verificar os contextos de omissão dos
pronomes clíticos – e verificar se é uma estratégia recorrente como ocorre no PB – e analisar
se os “dados das orações subordinadas infinitivas seria fundamental para a criação do quadro
geral de colocação dos pronomes clíticos no Português Oral de S. Tomé” (p. 41).
Com a presente tese, a análise de todas as orações com clíticos no Corpus VARPOR
será feita, colaborando para a ampliação do conhecimento da ordem dos clíticos pronominais
no Português de São Tomé.
57
Vieira, M. F. (2011), em sua dissertação de mestrado intitulada A cliticização
pronominal em lexias verbais simples e em complexos verbais no Português Europeu oral
contemporâneo: uma investigação sociolinguística, verificou a cliticização pronominal em
entrevistas produzidas no final do século XX por informantes entre 40 e 80 anos, analfabetos
ou com pouca escolaridade, do Português Europeu. Foram coletados os dados de dezesseis
localidades, utilizando, para tanto, o CORDIAL-SIN – corpus dialetal para o estudo da
sintaxe do Português Europeu, o mesmo material que foi usado no trabalho de MAGRO
(2004).
A autora analisou dados em lexias verbais simples e em complexos verbais,
mostrando os principais condicionamentos linguísticos e extralinguísticos atuantes na referida
variedade, tendo como arcabouço teórico-metodológico a Sociolinguística Variacionista
Laboviana e a proposta de parâmetros de cliticização.
Com a coleta de dados, obteve-se o total de 2.953 ocorrências de lexias verbais
simples, sendo 1.033 em início de oração e/ou período e 1920 nos demais contextos com
algum elemento antecedente. Nos complexos verbais, foram encontrados 450 dados; 6
referiam-se a estruturas com dois verbos auxiliares e foram analisadas separadamente,
sobrando, assim, 444 ocorrências. Nos complexos verbais, a estrutura mais produtiva foi com
o verbo principal no infinitivo (384 dados), seguida das estruturas com gerúndio (51 dados) e
particípio (11 dados).
No que diz respeito às lexias verbais simples, destacou-se que, confirmando a
variante prototípica em estruturas não marcadas no PE, não houve dado proclítico em início
absoluto de oração nem de período; por isso, esses contextos foram separados dos demais em
que o pronome aparecia e havia a presença de algum elemento antecedente. As variáveis
linguísticas selecionadas pelo programa GOLDVARB-X como estatisticamente relevantes,
para os demais contextos, foram: (i) elemento antecedente ao clítico, (ii) forma verbal, (iii)
tipo de oração, e (iv) distância entre o clítico e um elemento antecedente. Não houve a seleção
de variáveis extralinguísticas pelo Programa, mostrando que, no PE dialetal, o
condicionamento da colocação pronominal era eminentemente linguístico. A variante mais
utilizada nas lexias verbais simples foi a ênclise, com 52% dos dados, seguida pela próclise,
com 48% das ocorrências, evidenciando distribuição geral equilibrada entre as duas variantes,
com cerca de metade dos dados para cada uma delas. Vale ressaltar que não houve qualquer
dado de mesóclise em todo o corpus analisado.
58
Observando o gráfico, a seguir, retirado da dissertação de Vieira (2011, p. 89), pode-
se constatar o favorecimento da próclise com os elementos proclisadores. No entanto, cabe
observar que não há dados categóricos em nenhum dos contextos controlados.
Gráfico 1: Aplicação da próclise (peso relativo) segundo o elemento antecedente ao clítico
segundo Vieira (2011)
As partículas de negação (.98), as preposições “para”, “de”, “por” e “sem” (.97), os
elementos de foco (.95), as estruturas clivadas (.94) e os elementos subordinativos (.76) são
nitidamente favorecedores da variante proclítica.
Em relação aos complexos verbais, a interpretação dos resultados foi feita pelos
percentuais das seguintes variáveis linguísticas: (i) elemento antecedente ao clítico, (ii) tipo
de clítico, (iii) tipo de complexo verbal, (iv) presença/ausência de elementos intervenientes no
complexo verbal e (v) forma verbal auxiliar. A variante mais utilizada foi a ênclise a v1 com
58% dos resultados. A colocação pré-complexo verbal (28% dos dados) foi favorecida pela
presença de algum elemento proclisador, tendo em vista que no PE, inclusive no chamado
dialetal, os contextos descritos como tipicamente “atratores” realmente favoreciam a
colocação do clítico pronominal antes do complexo. No entanto, assim como ocorreu nas
lexias verbais simples, a variante proclítica, nesse caso ao complexo verbal, não foi categórica
nesses contextos, mas ocorreu, principalmente, quando o elemento antecedente era um dos
seguintes tipos: partícula de negação, conjunção subordinativa, estrutura clivada ou
preposição “para” / “de”. A variante pós-complexo verbal (14% das ocorrências) foi a menos
produtiva em todo o corpus, tendo em vista que não houve nenhum dado com o particípio e
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1.98 .97 .95 .94
.76
.53
.18.10 .08.04 .01
Peso
Rela
tiv
o
Partículas de negação
Prep. 'para', 'de', 'por' e 'sem'
Elementos de foco
Estruturas clivadas
Elementos subordinativos
Advérbios
Preposições 'a' e 'em'
SN sujeito
SPrep
Elementos discursivos
Conjunções coordenativas
59
apenas dois dados com o gerúndio; essa variante foi utilizada, em geral, com o infinitivo.
Conforme já se esperava, não houve qualquer dado de próclise ao complexo verbal em início
de oração e período, resultado igual ao das lexias verbais simples.
Em sua dissertação de mestrado denominada Cliticização pronominal na região
metropolitana do Rio de Janeiro: a interface sintaxe-fonologia, Corrêa (2012) fez o estudo da
colocação pronominal em complexos verbais de dados orais, do presente século, de falantes
de três faixas etárias e com três níveis de instrução da região metropolitana do Rio de Janeiro,
sendo consideradas as regiões de Nova Iguaçu e de Copacabana (e adjacências). Os dados
foram retirados do corpus do Projeto “Estudo comparado dos padrões de concordância em
variedades africanas, brasileiras e europeias”8.
A autora dividiu seu trabalho em duas partes: a primeira tratava da variação e a
segunda da cliticização pronominal no âmbito fonético-fonológico. Sendo assim, verificaram-
se, em especial, os níveis sintático – a variação posicional dos pronomes – e fonético-
fonológico – a cliticização pronominal propriamente dita, ou seja, a autora verificou se os
pronomes átonos se inclinariam para a direita (próclise fonológica) ou para a esquerda
(ênclise fonológica), com o apoio da Fonologia Experimental.
Como a presente tese trata apenas do plano sintático, será feito, aqui, um pequeno
resumo sobre os resultados variacionistas do trabalho de Corrêa – a colocação sintática
propriamente dita. No entanto, na seção “2.1. Cliticização e padrões de colocação
pronominal”, já houve a abordagem dos resultados referentes aos planos fonético-fonológico,
mostrando a cliticização fonológica dos pronomes.
Corrêa (2012) analisou, considerando as duas comunidades de fala, 258 dados de
lexias complexas. Desse total, 5 (2%) dados ocuparam a posição antes do complexo, 247
(96%) ocorrências foram realizadas no interior do complexo e 6 (2%) ocuparam a posição
posterior ao complexo verbal. Dessa forma, como já se esperava, observou-se que, de 258
dados, há somente 11 ocorrências que não ocuparam a variante interna ao complexo verbal.
Assim, para a análise dos resultados, a pesquisadora utilizou duas estratégias: (i) a descrição
dos dados em termos qualitativos e (ii) a observação de cada variante.
Em Vieira (2002) também se verificou que a posição intra-complexo verbal foi a
mais utilizada no corpus analisado, sendo um total de 90% dos dados, enquanto a posição
8 Ressalta-se que a amostra de onde se extraíram os dados estudados por Corrêa (2012) também será analisada na
presente tese. No entanto, além das ocorrências com duas formas verbais, os dados com apenas uma também
serão analisados.
60
proclítica ao complexo verbal teve 7% das ocorrências e 3% foi da variante enclítica ao
complexo verbal. Trata-se de resultados com tendências bem parecidas com as verificadas em
Corrêa (2012).
Corrêa (2012) mostrou que, nos dados sob análise, a colocação intra-complexo
verbal estava presente em 96% dos dados. A colocação funcionaria, então, como uma regra
semicategórica (LABOV, 2003), sendo a posição dos clíticos entre as duas formas verbais a
ordem não-marcada. Os poucos dados diferentes seriam de natureza específica, pois a posição
pré-cv ocorreu somente com o pronome “se” indeterminador/apassivador e a pós-cv somente
com o acusativo “o/a (s)”.
Destacou-se que, em termos extralinguísticos, as colocações dos clíticos antes e
depois dos complexos verbais ocorreram praticamente nos dados de nível superior.
Considerando os falantes de ensino fundamental e médio, eles produziram apenas 1% dos
dados que não ocupassem a posição intra-complexo verbal. O caráter semicategórico ficou
mais expressivo ainda quando se abordou o nível de escolaridade; assim, os falantes com
baixo ou intermediário nível de escolaridade produziram em 99% de seus dados a variante
entre as duas formas verbais. Esta também foi a preferida em todos os contextos controlados
das variedades como “localidade”, “faixa etária” e “sexo”. Houve um pouco mais de variação
apenas em Copacabana e nos indivíduos homens com mais de 56 anos. Assim, foi possível
supor que as variantes proclítica e enclítica ao complexo verbal, em geral, não fazem parte do
padrão de colocação pronominal dos indivíduos jovens e de pouca escolaridade.
De modo geral, a autora constatou que a cliticização pronominal, nos complexos
verbais, não configuraria efetivamente um fenômeno variável, mas um processo de mudança
concluído – excetuando-se os dados com “se” indeterminador/apassivador –, tendo em vista o
elevado número de dados intra-complexo verbal e a especificidade das estruturas com a
variante pré-complexo verbal.
2.2.2.3. Síntese das principais tendências dos estudos
No caso das lexias verbais simples, os trabalhos que tratam do fenômeno numa
perspectiva diacrônica mostraram que, no século XVI, a colocação mais utilizada em
construções com uma só forma verbal, exceto em início absoluto de oração, era a proclítica.
No entanto, a partir do século XVII, a posição enclítica foi ganhando espaço, de modo que o
PE a adotou como posição não-marcada, ficando a próclise relegada a condicionamentos
específicos, o que se perpetua até os dias atuais ao menos como tendência geral (embora não
61
se registrem dados categóricos ou próximo disso). No Português do Brasil, além da
continuidade da próclise nos contextos em que ela já ocorria, houve sua extensão para os
demais, como o do início absoluto de oração.
No que se refere aos complexos verbais, os resultados diacrônicos mostraram que no
PE, tanto no século XIX quanto no XX, não ocorreu a próclise a v2. O pronome apareceu à
esquerda de v2 apenas quando havia uma preposição que integrava o complexo verbal, como
em tem de fazer. Além disso, com a presença de elementos proclisadores ocorreu
preferencialmente a próclise a v1, embora a ênclise a v2 também fosse verificada. No PB do
século XIX, registraram-se alguns dados com a variante inovadora, a próclise a v2, e, no
século XX, a ocorrência dessa posição aumentou, em especial com o reflexivo (cf. NUNES,
2014). Nunes (2014) demonstrou que o clítico se em contextos de indeterminação apresentou
comportamento diferenciado do verificado para os demais clíticos. Assim, a mudança que fez
diferenciar PB e PE não foi efetivamente observável no caso desse pronome, que, por ser
nominativo, apresentou preferencialmente a posição adjacente a v1 nas duas variedades.
Para sintetizar as principais tendências verificadas nos trabalhos sincrônicos escritos,
pode-se afirmar que, em contextos de uma só forma verbal, a colocação dos clíticos no PE
contemporâneo – escrito ou oral – teve forte condicionamento sintático, especialmente no que
concerne à presença de elementos proclisadores, contexto que favorece a variante pré-verbal.
No entanto, vale destacar que, nos contextos em que há elementos que favorecem a variante
pré-verbal, a próclise não se dá de forma categórica, como mostraram os estudos de Vieira
(2002) e Vieira, M. F. (2011). Na ausência de determinados elementos e, em especial, no
início absoluto de frase, ocorreu a ênclise9.
Na modalidade oral das lexias verbais simples, nos contextos de início absoluto de
oração e de período, a variante enclítica ocorreu de forma categórica no PE (VIEIRA, 2002;
VIEIRA, 2011). Já nos demais contextos, o ambiente sintático indicaria se a maior ocorrência
seria de próclise ou de ênclise no PE, embora de forma menos rigorosa se comparada com a
escrita. A variante preferencial no PB foi a pré-verbal, ficando a pós-verbal circunscrita a
contextos muito específicos relacionados ao tipo de clítico, sobretudo o acusativo de terceira
pessoa, pouco produtivo de modo geral, e o se como estratégia de indeterminação. Ficou
claro, também, pela observação dos resultados, que as diferenças entre PB e PE foram
9 Na gramática do Raposo et alii (2013), Ana Maria Martins sistematiza detalhadamente os elementos que
licenciariam a próclise e a ênclise.
62
fortemente atenuadas na modalidade escrita, por força do ideal de norma postulado, que se
inspira fundamentalmente no modelo europeu. No entanto, na modalidade oral a diferença é
bem significativa, em especial, dentro do próprio PB, nos quais os resultados da escrita não
são comparáveis com os da oralidade, tendo em vista que os índices de próclise nos dados
orais são quase categóricos nas lexias verbais simples.
Embora praticamente não se verifiquem resultados sobre variedades africanas do
Português, Vieira (2002) aponta que, em Moçambique, a colocação mais expressiva é a pós-
verbal, ocorrendo, inclusive, em contextos em que se costuma esperar – consoante o padrão
de uso europeu – a próclise ao verbo, o que sinalizaria certa instabilidade na opção
preferencial da variedade, típica da situação de formação inicial de uma variedade linguística.
Gonçalves (2009) verificou que, nos dados estudados em São Tomé, ocorreu a variação entre
próclise e ênclise nos mesmos contextos sintáticos. Segundo a autora, isso se justificaria pelo
fato de o Português em São Tomé ser uma variedade “que, embora actualmente comece a
afirmar-se como língua materna, foi adquirida como língua segunda” (GONÇALVES, 2009,
p. 22). Assim, segundo a autora, o Português em São Tomé “constitui uma interlíngua ainda
não fossilizada pelo que a variação nas mesmas estruturas não nos permite caracterizar o
sistema de colocação dos clíticos mas tão somente descrevê-lo o mais pormenorizadamente
possível.” (GONÇALVES, 2009, p. 22), ou seja, a próclise e a ênclise ocorreriam, muitas
vezes, nos mesmos contextos, fazendo com que nem sempre fosse possível definir uma
preferência por determinada colocação. Sendo assim, Gonçalves não conseguiu caracterizar
todo o sistema de colocação dos pronomes átonos, mas o descreveu o mais minuciosamente
possível, para verificar o que poderia ser uma idiossincrasia do sistema linguístico da
variedade em formação.
Quanto à colocação dos pronomes átonos nos complexos verbais, ressalta-se que há
apenas cinco trabalhos de natureza variacionista, dentre os pesquisados que trataram dessas
estruturas na modalidade oral da Língua Portuguesa – Vieira (2002), Magro (2004),
Gonçalves (2009), Vieira, M. F. (2011) e Corrêa (2012) – e, dentre eles, apenas três
abordaram o tema no PE – Vieira (2002), Magro (2004) e Vieira, M. F. (2011). Estes
trabalhos sugeriram, em geral, que, no Português Europeu, os clíticos apareceriam mais na
posição intra-complexo verbal e, aparentemente, estariam ligados, preferencialmente, ao
verbo auxiliar (v1-cl v2). A pré-cv ocorreria principalmente na presença de elementos
proclisadores e com o pronome “se” indeterminador/apassivador; a pós-cv seria desfavorecida
com verbos no gerúndio, não ocorreria com verbos no particípio e seria favorecida pelos
63
pronomes acusativos “o/a (s)”. Em relação ao conjunto de mudanças sintáticas por que passou
a Língua Portuguesa, os estudos advertiram, também no caso dos complexos verbais, para a
diferenciação entre o Português da Europa e o Português do Brasil. No PB, a regra foi
semicategórica, uma vez que a colocação interna ao complexo verbal foi a mais utilizada,
independentemente da presença de qualquer tipo de elemento condicionador, com o pronome
ligado ao verbo posterior, configurando um caso de próclise a V2. Nessa variedade, os
contextos enclíticos a v2 ocorreram somente com os pronomes acusativos (“o (s)” e “a (s)”) e
os proclíticos a v1, somente com os pronomes “se”, em especial o indeterminador. Em
Moçambique, Vieira (2002) observou que o clítico, quando localizado entre as duas formas
verbais, preferencialmente se ligaria a V1. Em relação aos resultados do PST, não foi possível
propor qualquer sistematização, porque Gonçalves (2009) não estudou as estruturas com mais
de uma forma verbal.
Como se pode observar, a análise comparativa entre as três variedades do Português
proposta na presente pesquisa poderá preencher, ao menos em parte, a lacuna que existe em
descrições científicas, sobretudo as de natureza variacionista, em relação ao fenômeno em
pauta. Ademais, procura verificar se a colocação, em cada uma dessas regiões, possui
características diferentes ou semelhantes e, em que medida, pode ser aproximada a língua do
colonizador (PE) e dos colonizados (PB e PST), além de discutir se, de alguma forma, haveria
motivações, diretas ou indiretas, relacionadas à situação de contato linguístico envolvendo os
países colonizados.
64
3. TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA: PRESSUPOSTOS BÁSICOS
Neste capítulo, serão apresentados os pressupostos básicos da Teoria da Variação e
Mudança de orientação laboviana, destacando os principais conceitos e os cinco problemas da
mudança linguística.
Para a Sociolinguística Laboviana, a variação faz parte da língua e não ocorre
aleatoriamente, ou seja, a variação encontrada na língua ocorre de forma regular e
sistemática, havendo, assim, uma heterogeneidade ordenada (WEINREICH, LABOV &
HERZOG, 1968; LABOV, 1972; 1994; 2003). Dessa forma, pode-se dizer que a variação
e/ou mudança ocorre de maneira ordenada, influenciada por condicionadores internos e
externos da língua, contrapondo-se à tradição estruturalista de Saussure, que privilegiava o
caráter homogêneo da língua.
A análise da cliticização dos pronomes oblíquos átonos, como um fenômeno
variável, baseia-se, então, na Teoria da Variação e Mudança Linguística, referida acima. Para
tanto, verifica se a variação, ou seja, o fato de duas ou mais formas de colocação pronominal
transmitirem, em um determinado contexto, o mesmo significado, foi influenciada pelos
fatores línguísticos e/ou extralinguísticos sob análise.
Interessada fundamentalmente pela variação e mudança linguística, a análise
sociolinguística prioriza o estudo da língua utilizada dentro da sociedade, em situações reais
de fala. Para Labov (2008 [1972], p. 215), “este tipo de pesquisa tem sido às vezes rotulado
de „sociolinguística‟, embora este seja um uso um tanto enganoso de um termo estranhamente
redundante. A língua é uma forma de comportamento social (...)”. Sendo assim, o objetivo
principal da Sociolinguística é verificar a relação entre língua e sociedade e estudar a variação
e/ou mudança linguísticas dentro do contexto social de uma comunidade de fala.
Na Teoria da Variação e Mudança, o importante é estudar a estrutura e a evolução da
língua, tendo em vista sua interação com a sociedade. O lugar para verificar a variação e/ou
mudança linguística chama-se comunidade de fala. Para Labov (2008 [1972], p. 287), “as
atitudes sociais para com a língua são extremamente uniformes dentro de uma comunidade de
fala”, ou seja, os indivíduos não precisam usar as mesmas formas da língua, mas devem
acreditar nas mesmas normas de uso da língua para estarem dentro de uma comunidade de
fala. Guy (2000, p. 18) resume as características de uma comunidade de fala da seguinte
forma:
65
(1) Definição de comunidade de fala
- características lingüísticas compartilhadas; isto é, palavras, sons ou construções
gramaticais que são usados na comunidade, mas não o são fora dela.
- densidade de comunicação interna relativamente alta; isto é, as pessoas
normalmente falam com mais freqüência com outras que estão dentro do grupo do
que com aquelas que estão fora dele.
- normas compartilhadas; isto é, atitudes em comum sobre o uso da língua, normas
em comum sobre a direção da variação estilística, avaliações sociais em comum
sobre variáveis lingüísticas.
Dessa forma, para a Sociolinguística, para que seja possível estudar a língua, deve-se
verificar a comunidade de fala e não o indivíduo isoladamente, mas os falantes em seu
ambiente social. Dessa forma, os indivíduos que pertencem à mesma comunidade de fala não
precisam compartilhar idênticas formas linguísticas, mas precisam ter as mesmas tendências
de uso e as mesmas normas de avaliação.
Na presente tese, serão analisadas as ocorrências de clíticos pronominais produzidas
nas diferentes comunidades de fala em estudo e, além da análise qualitativa das estruturas
gramaticais encontradas, serão observadas as tendências/frequências de uso de cada
comunidade, com base nos valores absolutos e percentuais, além dos pesos relativos, quando
possível, obtidos para cada fator controlado nas amostras de cada uma das variedades.
Segundo Labov, o vernáculo da língua seria “o estilo em que se presta o mínimo de
atenção ao monitoramento da fala. A observação do vernáculo nos oferece os dados mais
sistemáticos para a análise da estrutura linguística.” (2008 [1972], p. 244). Constata-se, assim,
que, para as pesquisas sociolinguísticas, o tratamento dos dados linguísticos deve considerar,
em especial, a modalidade oral da língua, tendo em vista que esta representaria o perfil
vernacular da comunidade de fala em estudo, sendo, portanto, fonte certa para o estudo da
mudança linguística. Por isso, o presente estudo, que se ocupa da variação linguística no
âmbito do Português da Europa, do Brasil e de São Tomé, utiliza a fala dos informantes
dessas três variedades do Português supracitadas, entendendo que as entrevistas
sociolinguísticas podem revelar as configurações preferenciais que caracterizam cada
amostra.
Contudo, não se pode deixar de considerar o que Labov aponta como o paradoxo do
observador (LABOV, 2008 [1972], p. 244), mostrando que “o objetivo da pesquisa
lingüística na comunidade deve ser descobrir como as pessoas falam quando não estão sendo
sistematicamente observadas – no entanto, só podemos obter tais dados por meio da
observação sistemática.”. Dessa forma, acredita-se que, mesmo que o corpus analisado não
seja o mais espontâneo possível, tendo em vista a necessidade da presença de um
66
entrevistador, ele seria o que mais chegaria próximo ao vernáculo da língua, mostrando quais
seriam as tendências utilizadas pelos entrevistados nas três variedades analisadas.
Sabe-se, como propõe Labov (2003), que o falante não possui um estilo único, mas
pode alterá-lo constantemente. Essas mudanças se revelam nos diversos níveis gramaticais,
dependendo do contexto em que se encontram. As mudanças estilísticas podem ocorrer de
acordo com: (i) o grau de intimidade/familiaridade com o receptor, (ii) o contexto social e (iii)
o assunto.
Não obstante o caráter estilístico que sempre afeta o plano linguístico, Labov ressalta
que os fenômenos podem assumir comportamentos que configuram três tipos de regras: a
categórica, a semicategórica e a variável. A primeira regra, a categórica, equivale a 100% de
aplicação, ou seja, haveria apenas uma maneira de utilização, pois o outro uso não seria
empregado e, portanto, não ocorreria efetivamente variação. A segunda regra, a
semicategórica, ocorre quando há variação entre duas formas alternantes, mas uma delas é
utilizada em 95% a 99% dos casos; assim, uma das variantes é praticamente a única forma
utilizada na língua, embora as demais formas também sejam reconhecidas pelos falantes e
possivelmente empregadas em estruturas e contextos particulares. A terceira regra denomina-
se variável e dá-se quando as formas alternantes são utilizadas pelos falantes de forma
produtiva, ocorrendo entre 5% a 95% dos casos, restringida efetivamente por fatores
linguísticos e extralinguísticos, havendo, portanto, a variação10
.
Levando em consideração que a cliticização pronominal admite formas alternantes,
como os exemplos já oferecidos ao longo do trabalho permitem observar, supõe-se que ela
venha a se enquadrar no segundo ou no terceiro tipo de regras proposto por Labov (2003). No
entanto, somente com a análise dos dados, será possível verificar se o fenômeno é realmente
variável em cada variedade estudada e qual regra se aplicaria ao tema estudado com os dados
sob análise.
Assim, para verificar em que tipo de regra variável os clíticos estudados se
encaixam, utilizou-se o pacote de programas GOLDVARB-X, que é de suma importância,
uma vez que mostra a produtividade do fenômeno no corpus estudado, além de definir as
condições que estatisticamente favorecem ou restringem as variações e/ou mudanças e
verificar se realmente ocorre a variação nos dados analisados.
10
“I – 100% = none in natural speech / II – 95-99% = rare and reportable / 5-95% = none by definition and
unreportable” (LABOV, 2003, p. 243)
67
Embora a presente pesquisa focalize a regra variável em estudo numa dada sincronia,
é importante salientar que, na Sociolinguística Laboviana, é concebida estreita relação entre
variação e mudança linguística, tendo em vista o pressuposto de que toda mudança linguística
advém de uma competição de formas alternantes. Por isso, a mudança não ocorre de maneira
uniforme e instantânea, mas influenciada por fatores linguísticos e sociais. Assim, as formas
que estão variando continuam em competição durante algum tempo e, depois de um período,
uma dessas formas alternantes pode se tornar a nova variante a ser utilizada pelos falantes –
mudança linguística – ou ambas permanecerem alternando, sem que nenhuma seja escolhida
em detrimento de outra – variação estável.
Desse modo, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968], p. 126) constatam que “nem
toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística implica mudança, mas toda
mudança implica variabilidade e heterogeneidade.”, ou seja, as formas podem variar e, depois
de algum tempo, ocorrer a mudança, ou apenas permanecerem em variação sem que a
mudança efetivamente se concretize. Verifica-se que, nas duas opções, a variação e a
mudança se relacionam, mas a variação está presente nos dois casos, enquanto a mudança se
encontra apenas no primeiro caso.
Essa relação entre a variação e a mudança é importante para mostrar que os dados
que se encontram em variação no presente podem refletir algum tipo de mudança que ocorreu
no passado, pois, de acordo com o princípio do uniformitarismo (2008 [1972], p. 317), “as
forças que operam para produzir a mudança lingüística hoje são do mesmo tipo e ordem de
grandeza das que operaram no passado, há cinco ou dez mil anos”. Desse modo, a análise da
variação da colocação dos clíticos pronominais nos dados sincrônicos das três variedades do
Português em estudo poderá, mesmo que indiretamente, refletir algum tipo de mudança que
possa ter ocorrido no passado.
Segundo Labov (2008 [1972]), a mudança em progresso pode ser estudada em tempo
real ou em tempo aparente. A mudança em tempo real pode ser feita pelo estudo de painel ou
pelo estudo de tendência. O primeiro consiste em fazer o recontato dos mesmos informantes
em um período posterior, enquanto o segundo se vale da constituição de uma nova amostra
que seja representativa do mesmo perfil de informantes. O estudo em tempo aparente – que se
baseia na observação do comportamento de diversos informantes com diferentes idades num
dado espaço de tempo – pode sinalizar a dinamicidade da mudança em progresso, uma vez
que permite analisar as tendências de várias gerações de falantes, que adquiriram a língua em
épocas diferentes. Destaca-se que, na presente investigação, só se desenvolve a observação da
68
mudança em tempo aparente, tendo em vista que se trata de informantes de diversas faixas
etárias de uma mesma sincronia.
Sendo assim, pretende-se verificar se o fenômeno ocorre da mesma maneira com os
jovens e os idosos de cada continente. Acredita-se que, no PE e no PB, não haja muita
diferença entre esses dois grupos, visto se tratar de fenômeno aparentemente bastante
estabilizado nessas variedades. No entanto, com o PST, essa diferença pode ser significativa,
tendo em vista que o contato linguístico com o Forro, pelo que indicam os resultados do
último censo em São Tomé a que se teve acesso, vem diminuindo significativamente; assim,
os jovens usariam bem menos o Forro, se comparados aos idosos.
Ao analisar as diferenças e/ou as semelhanças entre os diferentes grupos etários num
determinado momento do tempo, será possível perceber se está ocorrendo uma tendência a
mudança linguística em progresso ou não. Segundo Labov (2008 [1972], p. 318), a
combinação de evidências no tempo aparente e no tempo real é o método básico para o estudo
da mudança em progresso.
Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) buscam responder a questão de como a
língua continua bem estruturada enquanto as mudanças estão ocorrendo. Assim, chegam à
conclusão de que a heterogeneidade da língua é ordenada, como já foi dito anteriormente, e
formulam cinco problemas (questões) para a investigação da mudança linguística, tornando
possível, assim, relacionar os dados variáveis aos pressupostos teóricos. A seguir, os cinco
problemas da mudança serão sinteticamente apresentados:
(i) O problema dos fatores condicionantes ou das restrições – para verificar a
variação e a mudança linguística, é necessário tomar como base as variáveis
linguísticas e extralínguísticas que possivelmente influenciariam /
condicionariam a variação do fenômeno. Verifica-se, com essa questão,
quais são as condições que poderiam favorecer ou restringir as mudanças e
constatar quais são as possíveis mudanças. Estas seguiriam princípios
universais e levariam à simplificação e à generalização das regras, tendo
como base a estrutura social da língua. Por isso, o problema dos
condicionantes – que buscaria generalizações, tendências gerais,
regularidades – deve estar ligado ao problema do encaixamento – que seria
mais específico.
(ii) O problema do encaixamento – está ligado à estrutura linguística e social da
comunidade de fala e seria mais específico que o problema anterior. Assim,
há duas vertentes complementares: a) o encaixamento na estrutura
69
linguística – que verifica a variação linguística dos membros da
comunidade de fala, considerando o grupo todo e não um indivíduo apenas,
tendo em vista que uma mudança ocorre sempre em conjunto dentro de
uma comunidade de fala; e b) o encaixamento na estrutura social – que
constata os elementos sociais que são importantes para a mudança
linguística. Dessa forma, as mudanças vão acontecendo durante um período
de tempo sem que cause prejuízo à comunicação dos indivíduos, fazendo
com que eles continuem se comunicando muito bem, e, ao mesmo tempo,
os fenômenos em mudança, vão se encaixando no sistema linguístico,
sendo influenciados pelas estruturas linguísticas e sociais que estão
encaixadas entre si. A junção das duas estruturas dá uma visão mais
adequada do processo histórico da formação de uma língua.
(iii) O problema da transição – mostra como as mudanças passam de um
momento para o outro e demonstra se seus estágios são discretos ou se são
um continuum. Verifica, em especial, a transmissão de um fenômeno novo,
mostrando como a mudança ocorreu ao longo do tempo, com as diferentes
gerações desse período e com os distintos grupos sociais. Fica evidente,
com o problema da transição, que a mudança não ocorre de maneira
abrupta, mas de forma lenta e gradual a partir de um continuum ininterrupto
de variação em que as formas variantes se alternam (formas conservadoras
e inovadoras) e, depois de um certo período, uma variante se sobrepõe a
outra, ocasionando, efetivamente, a mudança linguística.
(iv) O problema da avaliação – verifica como o falante avalia as mudanças,
refere-se a sua avaliação subjetiva e consciente do fenômeno linguístico
que está em variação/mudança. Há dois tipos de avaliação: a linguística e a
social. Esta refere-se à atribuição de valores sociais a um determinado
fenômeno linguístico, qualificando-o como algo positivo ou não,
dependendo da avaliação que a sociedade possui dessas variantes,
considerando-as como de prestígio ou estigmatizadas; aquela verifica a
funcionalidade do fenômeno em variação e mostra sua eficiência, ou não,
na língua. Determina-se, assim, em que medida a avaliação dos indivíduos
pode influenciar no processo da mudança linguística.
(v) O problema da implementação – mostra por que ocorreu a implementação
da mudança em uma determinada língua e em um determinado período.
70
Investiga os estímulos e as restrições da comunidade de fala e da estrutura
da língua para verificar o que realmente favoreceu a implementação da
mudança e por que houve sua implementação em um determinado lugar e
período e não em outro. Dessa forma, é possível compreender como se deu
o processo, durante o tempo, de um certo fenômeno línguístico que estava
em variação e passou a uma mudança, em determinada comunidade
linguística.
A partir dos cinco problemas investigados acima, cabe ressaltar que, apesar de terem
sido analisados separadamente, eles sempre estão inter-relacionados, para que se possa ter
uma análise mais efetiva da mudança linguística. No presente estudo, de todos os problemas
citados, serão investigados, em especial, o problema das restrições ou fatores condicionantes
e, consequentemente, o encaixamento, verificando quais as condições – linguísticas e sociais
– que podem favorecer ou restringir a variação, de modo que se possa postular a opção
preferencial em cada variedade em questão; e o problema da implementação, tendo em vista
que se busca interpretar o que está ocorrendo na variedade são-tomense, ainda em formação,
e, pelo princípio do uniformitarismo, algumas reflexões poderão ser feitas acerca do que teria
acontecido na formação da variedade brasileira também. Dessa forma, com a interpretação
dos resultados, relacionados em maior ou menor graus às questões das restrições, do
encaixamento e da implementação, acredita-se que os objetivos mais originais da presente
investigação poderão ser alcançados.
71
4. FORMAÇÃO HISTÓRICA E LINGUÍSTICA DAS VARIEDADES BRASILEIRA E
SÃO-TOMENSE
Dê-me um cigarro, diz a gramática
do professor e do aluno
e do mulato sabido
mas o bom negro e o bom branco
da nação brasileira
dizem todos os dias
deixa disso, camarada
me dá um cigarro
(Oswald de Andrade, 1922)
Antes de abordar a formação histórica e linguística dos países colonizados, propõe-se
a apresentação de alguns conceitos básicos referentes ao tratamento de situações de
multilinguismo, que serão utilizados neste capítulo. Logo após, propõe-se uma breve
exposição de fatos relativos à colonização no Brasil e em São Tomé, seguida pela descrição
do Forro, principal crioulo utilizado em São Tomé; para finalizar, destacam-se algumas
semelhanças na história linguística do PB e do PST.
4.1. Conceitos básicos
Nesta parte, serão apresentadas algumas noções que serão utilizadas nos próximos
capítulos, relativas a contato linguístico, crioulo, crioulização, transmissão linguística
irregular, tese da deriva, entre outras. Antes de mostrar tais definições, é interessante
compreender em quais ambientes elas, geralmente, ocorrem e, para tanto, o PB servirá como
base para exemplificação. Destaca-se que não é o objetivo, da presente seção, defender uma
ou outra tese relativa à formação do PB, mas abordar propostas teóricas sobre o assunto.
Em diversos espaços territoriais, e muito comumente em países colonizados, há o
que se chama multilinguismo, situação que envolve uma complexidade de situações e que
ocorre pelo fato de diversos povos de diferentes regiões estarem em contato direto em uma
determinada região. Desse modo, com esses diversos povos, há a convivência das diversas
culturas, fazendo com que haja um ambiente em que muitas línguas são utilizadas.
Assim, mediante a diversidade linguística que acomete o contato entres os povos e a
necessidade de intercompreensão, pode nascer daí, dentre várias possibilidades, uma língua
franca, um pidgin ou um crioulo. Língua franca é uma língua geral utilizada por um grupo
multilíngue de pessoas de uma mesma região para se comunicarem. O Pidgin nasce quando
vocábulos de uma ou mais línguas são utilizados na comunicação de diversas dessas pessoas,
mas ele não é considerado língua porque não possui uma gramática estruturada e não se torna
língua materna de ninguém. Quando esse pidgin se torna uma língua materna, com estruturas
72
e vocabulários consolidados, passa a ser um crioulo. Segundo Pereira (2006, p. 117-118),
pode-se observar uma abordagem mais detalhada:
Crioulos – Os crioulos são línguas novas que emergem em comunidades onde
previamente se desenvolveu um pidgin para a comunicação entre os falantes das
diferentes línguas maternas em presença. Devido ao seu uso continuado, num
número cada vez maior de situações, esse pidgin acaba por se reestruturar,
complexificar e sistematizar, com a ajuda das novas gerações de crianças que o
adoptam como língua materna, dando assim origem aos crioulos.
Pidgin – forma de linguagem criada por falantes de diferentes línguas maternas,
convivendo em comunidades relativamente estáveis, quando se sentem obrigados,
por razões de sobrevivência, a comunicar entre si, embora num conjunto restrito de
situações. Para tanto, recorrem inicialmente a um léxico reduzido, em geral da
língua do grupo dominante, que estruturam de forma idêntica à dos falantes adultos
em fase inicial de aprendizagem de uma língua não materna, em contexto natural. Se
os falantes acabam por adquirir plenamente a língua do grupo dominante, ou se
deixam de ter necessidade de comunicar entre si, o pidgin desaparece. Se o pidgin é
adoptado como língua materna da comunidade, complexifica-se, expande o seu
léxico, torna-se mais sistemático e transforma-se num crioulo.
Holm (2000, p. 6) também oferece esclarecimentos sobre a relação entre línguas
crioulas e a pidginização, bem como sobre as condições que geralmente envolvem sociedades
nessa situação de multilinguismo:
Um crioulo tem um jargão ou um pidgin em sua ascendência; é falado nativamente
por uma comunidade de fala inteira, comunidade cujos antepassados frequentemente
foram deslocados geograficamente, de modo que seus laços com sua língua original
e identidade sociocultural foram parcialmente quebrados. Tais condições sociais
foram muitas vezes o resultado de escravidão. 11
Verifica-se, assim, que o crioulo nasce em um ambiente multilíngue e “a expansão
gramatical dessa variedade linguística [crioulo] que se forma na situação de contato
decorrente principalmente dos processos de reestruturação original da gramática e da
transferência de estruturas provenientes das línguas do substrato” (LUCCHESI et alii, 2009,
p. 107). Línguas do substrato referem-se às línguas dos povos dominados e, portanto, seria
baseado nelas que o crioulo se formaria.
Holm (2000, p. 8) também faz uma discussão acerca da relação entre pidgins e
crioulos, chamando a atenção para a prudência que se deve ter quanto às considerações –
muitas vezes incipientes – acerca desses estágios de formação linguística. Segundo o autor,
Alguns linguistas fazem uma distinção entre a crioulização de um pidgin estendido,
que é ao mesmo tempo social e linguisticamente gradual, e a crioulização de um
pidgin jovem ou mesmo um jargão instável, chamado crioulização precoce
11
A creole has a jargon or a pidgin in its ancestry; it is spoken natively by an entire speech community, often
one whose ancestors were displaced geographically so that their ties with their original language and
sociocultural identity were partly broken. Such social conditions were often the result of slavery.
73
(Bickerton in Bickerton et alii, 1984) ou crioulização abrupta (Thomason and
Kaufmann, 1988). Se crioulos caribenhos e outros tivessem crescido de fato a partir
de variedades nativizadas ou de jargões pré-pidgin instáveis, então a definição
clássica de um crioulo como "qualquer língua com um pidgin em sua ascendência"
estaria tecnicamente errada. [...] No entanto, nosso conhecimento das fases iniciais
de crioulos particulares normalmente é bastante modesto e baseado em especulação
mais do que em evidência direta. Pode ser prudente certa reserva de juízo sobre essa
questão.12
Há duas interpretações que costumam ser muito debatidas sobre o nascimento de
uma nova língua, com feições próprias, em situações de dominação político-econômica: uma
que aposta na continuidade das características da língua do colonizador, que transferiria os
padrões com adaptações; e outra que propõe que a nova língua sofreria processos de
adaptações advindos sobretudo da situação de multilinguismo. No caso do PB, que se usa
aqui como ilustração, já se propôs que houve uma língua crioula de base portuguesa no Brasil
e, depois, poderia ter havido um processo de descrioulização, fazendo com que esse crioulo
desse origem ao Português Brasileiro. Por isso, este teria algumas diferenças cruciais em
relação ao Português Europeu. Uma segunda tese não proporia uma origem crioula, mas
apostaria nas mudanças internas da língua; o PB seria, assim, o resultado de uma continuação
da mudança que vem ocorrendo desde o latim vulgar. Desse modo, o PB seria diferente do PE
porque “o português carrega em si diversas possibilidades de mudanças estruturais; algumas
delas se desenvolveram no Brasil e outras não; o mesmo vale, mutatis mutandis, para
Portugal.” (BASSO e GONÇALVES, 2014, p. 289).
De acordo com Tarallo (apud BASSO e GONÇALVES, 2014), no Brasil, não teria
ocorrido a descrioulização. Segundo o autor,
essa ideia é problemática porque com o passar do tempo a distância entre as
estruturas do PB e do PE só aumenta: se uma descrioulização estivesse em
andamento, deveríamos esperar que o PB se aproximasse cada vez mais do PE, que
afinal é o “alvo” da descrioulização, a gramática para a qual a língua crioula estaria
rumando. Porém, tanto na língua escrita – notadamente mais conservadora – quanto
na fala vernacular, o PB e PE vão se afastando. Sem essa aproximação entre o PB e
PE, a ideia de descrioulização fica bastante enfraquecida e, por consequência,
também a ideia de que houve um crioulo na base do português (p. 293).
No que se refere à formação do PB, por exemplo, existem duas teses, mais
difundidas, que abordam esse assunto: a tese da “deriva” e a tese da “transmissão linguística
12
Some linguists distinguish between the creolization of an extended pidgin, which is both socially and
linguistically gradual, and the creolization of an early pidgin or even an unstable jargon, called early creolization
(Bickerton in Bickerton et alii, 1984) or abrupt creolization (Thomason and Kaufmann, 1988). If Caribbean and
other creoles did indeed grow out of nativized varieties of unstable pre-pidgin jargons, then the classical
definition of a creole as „any language with a pidgin in its ancestry‟ is technically wrong. […] However, our
knowledge of the earlier stages of particular creoles is usually quite sketchy and based on speculation rather than
direct evidence. It may be prudent to reserve judgement on this issue. (HOLM, 2000, p. 8).
74
irregular”. Esta subdivide-se em duas: uma versão mais forte, que consistiria num processo de
crioulização/descrioulização (GUY, 1981, 1989; HOLM, 2003), e uma versão mais leve
(LUCCHESI et alii, 2009).
A primeira defende que a aquisição da língua em situação de contato linguístico,
originaria uma aquisição imperfeita. Assim, a “transmissão linguística irregular” designaria
amplamente os processos históricos de contato maciço entre povos falantes de
línguas tipologicamente diferenciadas, entre os séculos XVI e XIX, em decorrência
da ação do colonialismo europeu na África, Ásia, América e Oceania. Nas diversas
situações de dominação que se constituíram nesse contexto histórico, a língua do
grupo dominante, denominada língua de superstrato ou língua-alvo, se impõe, de
modo que os falantes de outras línguas, em sua maioria adultos, são forçados a
adquiri-la em condições bastante adversas de aprendizado, em função de sua
sujeitação e marginalização. As variedades de segunda língua que se formam nessas
condições, mais ou menos defectivas consoante as especificidades de cada contexto
histórico, acabam por fornecer os modelos para aquisição da língua materna para as
novas gerações de falantes, na medida em que os grupos dominados vão
abandonando as suas línguas nativas. (LUCCHESI et alii, 2009, p. 101)
Essa transmissão ocorreria de maneira irregular e poderia formar uma língua crioula,
que se designaria como um processo do tipo “radical” ou poderia dar origem a outra
variedade da língua do povo dominante, que seria denominada de “leve”. Lucchesi, que é um
dos defensores dessa tese, acredita que no Brasil a transmissão línguística que ocorreu foi do
tipo “leve”, havendo, assim, “a formação de uma variedade da língua-alvo afetada por
mudanças induzidas pelo contato.” (LUCCHESI et alii, 2009, p. 517).
De acordo com Roberts (apud LUCCHESI et alii, 2009, p. 147), na “transmissão
linguística irregular”, existem três propriedades dos sistemas linguísticos que seriam
importantes:
(i) as evidências para certos parâmetros parecem instáveis (como é o caso do
parâmetro do sujeito nulo no PB culto e popular);
(ii) a tendência a não realizar a morfologia flexional (como é o caso da variação de
concordância no PB);
(iii) as alterações em diversas estruturas da língua-alvo (como é o caso das estruturas
relativas do PB, bem como algumas partículas gramaticais, como o artigo, as
preposições e os clíticos).
A tese da “deriva” é defendida por Naro e Scherre (2007), que acreditam na
existência de “confluência de motivos” que levariam à “deriva”. Segundo os autores, no
Brasil, os contextos sociais e linguísticos favoreceram a deriva, ou seja, essa “confluência de
motivos” fizeram com que o PB acelerasse ou freasse a deriva linguística, mas de qualquer
forma, se distanciasse do PE.
75
De acordo com Naro e Scherre (2007, p. 31), “parece então improvável que tenha
existido no Brasil uma língua pidgin ou crioula de base lexical portuguesa associada
predominantemente com a etnia afro-brasileira ou ameríndia”. Os autores destacam que
Para dar conta da mudança que ocorreu no português brasileiro é o da
CONFLUÊNCIA DE MOTIVAÇÕES, SEM CRIOULIZAÇÃO PRÉVIA do
português, mas levando em conta a existência da língua geral (ou das línguas
gerais) e da língua de preto prévias. (...) o português moderno brasileiro é o
resultado natural da deriva secular inerente na língua trazida de Portugal,
indubitavelmente exagerada no Brasil pela exuberância do contato de adultos,
falantes de línguas das mais diversas origens, e da nativização desta língua pelas
comunidades formadas por esses falantes e seus descendentes. (p. 85)
Vale destacar que, independentemente da defesa de uma das duas teses, é inegável
que o contato linguístico nas duas propostas é fator muito importante para as feições
características do Português do Brasil. No próximo capítulo, será mostrada brevemente a
história desse contato linguístico que foi muito importante no Brasil e também é em São
Tomé, uma vez que o contato com diversas línguas interferiria diretamente nas feições das
variedades em formação, fazendo com que nascesse uma variedade nos países colonizados
que não possuiria, exatamente, as mesmas características da variedade do país colonizador.
4.2. Um pouco da história dos países colonizados
4.2.1. Breve história de colonização no Brasil13
Com a expansão marítimo-comercial, os portugueses, representados por Pedro
Álvares Cabral, chegaram ao “Novo Mundo” (América), no território que hoje se chama
brasileiro, no século XVI. O Brasil era habitado por variados povos indígenas, que viviam,
especialmente, da caça e da pesca e utilizavam diversas línguas para se comunicarem. De
acordo com Basso e Gonçalves (2014, p. 189-190):
estima-se que a população indígena, por volta de 1500, girava em torno de 2 a 6
milhões de pessoas. Essa população, apesar da unidade tupi-guarani no litoral e em
parte do interior, era bastante diversificada em termos culturais e linguísticos, e
alguns pesquisadores creem que havia aqui nada menos que mil línguas indígenas
no tempo do descobrimento.
Sobretudo para a catequização por parte dos jesuítas, os portugueses valeram-se da
chamada “língua geral”, utilizada nas missões pelos povos indígenas, em especial os da costa.
Essa língua geral, mais tarde denominada de língua geral paulista, perdurou até o início do
13
Ressalta-se que o panorama histórico sobre o PB se baseou, além dos diversos textos sobre o assunto,
principalmente, em Lucchesi et alii (2009).
76
século XVIII. Vale ressaltar que, também ao norte do país, havia a chamada Língua Geral
Amazônica (LGA); essa língua, “de base tupinambá, e atualmente chamada de nheengatu (“a
língua/fala boa”), sobrevive em vários pontos da Região Amazônica e é, como dissemos,
ainda hoje a língua oficial do município de São Gabriel da Cachoeira.” (BASSO e
GONÇALVES, 2014, p. 278).
Com a colonização do território brasileiro pelos portugueses, em especial a partir de
1530, período em que surgiram as primeiras plantações de cana-de-açúcar, a mão de obra
indígena foi utilizada abundantemente; contudo, com a maior facilidade dos povos indígenas
de fugirem por conhecerem geograficamente o território e, principalmente, pelo lucro que o
tráfico de escravos concedia aos colonizadores, a mão de obra indígena foi sendo substituída
pela africana. O tráfico de escravos tornou-se mais uma fonte de lucros, além da produção de
açúcar, para o governo e para os colonizadores portugueses. Dessa forma, vieram ao Brasil
vários negros escravizados e, com eles, suas línguas e culturas.
Nesse período, segundo Lobo & Oliveira (2009, p. 7), “dá-se início ao tráfico de
escravos que para aqui [Brasil] trará falantes de, aproximadamente, 200 a 300 línguas”. De
acordo com Raimundo (apud LUCCHESI et alii, 2009 p. 45), era permitido “aos donos de
engenho do Brasil o resgate de escravos da Costa da Guiné e da Ilha de São Tomé, por sua
própria conta, até o limite de cento e vinte „peças‟ para cada engenho montado.” No século
XVIII, destaca-se, ainda, no Brasil, o ciclo da mineração. Assim, houve um deslocamento de
grande contingente escravo do nordeste para o sudeste para trabalhar nas minerações, visto
que a atividade açucareira no nordeste entra em declínio. Além disso, vários portugueses
vieram para o Brasil, buscando o enriquecimento fácil.
No que se refere às línguas de intercomunicação entre esses diversos grupos
conviventes no país, cabe destacar que, na década de 1750, uma Provisão Real proibiu a
utilização do tupi, consoante a “reforma pombalina e a expulsão dos jesuítas do Brasil”
(LUCCHESI et alii, 2009, p. 48), fazendo com que o Português se tornasse, definitivamente,
a língua oficial. Quando a família real veio para o Brasil, entre 1808 e 1821, o uso da Língua
Portuguesa intensificou-se consideravelmente.
Ao longo desse processo de intenso convívio entre línguas, diversos povos, para se
aproximarem da cultura do branco, utilizavam a norma que fosse mais parecida com a língua
do dominador. Assim, Lucchesi et alii (2009, p. 69) citam o exemplo dos mestiços, que
possuíam mais facilidade de integração cultural e ascensão social, e mostram que:
Os reflexos, no plano linguístico, desse esforço do mestiço em se integrar aos
padrões culturais da sociedade branca são inegáveis; como atestado na observação
77
perspicaz (posto que um tanto quanto romântica) do conhecido poema de Oswald de
Andrade, em que o negro e o bom brasileiro dizem „me dá um cigarro‟, enquanto o
mulato, mais realista que o rei, diz „dá-me um cigarro‟.
Após a independência, em 1822, inicia-se o período da Monarquia com Dom Pedro I
e depois com seu sucessor Dom Pedro II. Somente em 1888 houve a abolição da escravidão e
foi intensificada a vinda de mão de obra imigrante. Com isso, pessoas de diversos países
trouxeram suas línguas e culturas para o Brasil. Segundo Lucchesi et alii (2009), “o português
que esses imigrantes – italianos, japoneses, alemães, etc. – aprenderam, ao chegar ao Brasil,
era o português popular, com as mais profundas mudanças decorrentes do processo de
transmissão linguística irregular por que este havia passado.” (p. 55).
O fim do período Monárquico, com o início da industrialização, chegou junto com a
República em 1889. Esse período é marcado por uma urbanização crescente do território
brasileiro, fazendo com que povos de diferentes nacionalidades convivessem muito mais
proximamente. Em 1930, teve início a era Vargas, que durou até 1945. Logo depois, tem-se
um período nacional desenvolvimentista, no qual se pode destacar o governo de Juscelino
Kubitschek (JK) e a construção de Brasília para ser a capital do país. Nesse período, houve
grande migração para o Planalto Central de diversas populações para a realização das obras da
capital. Diversas estradas foram construídas ligando pontos distantes do país e levando ao
contato mais intenso de diversas regiões. Dessa forma, houve a intensa migração nacional
entre as regiões brasileiras e a vinda de diversos imigrantes ao Brasil.
Com o intenso contato linguístico, que caracterizou toda a história de formação do
Português do Brasil, diversas palavras indígenas, estruturas lexicais, expressões e a cultura
dos povos africanos, além de expressões utilizadas pelos imigrantes foram incorporados à
Língua Portuguesa do Brasil. Assim, o contato com os indígenas, africanos e imigrantes de
diversas regiões favoreceu o chamado multilinguismo que contribuiu para a formação da
identidade do Português Brasileiro. De acordo com Basso e Gonçalves (2014, p. 220),
o multilinguismo parece ser a situação mais comum nos primeiros séculos da
América Portuguesa. Línguas indígenas, línguas gerais, línguas africanas, línguas de
imigrantes europeus e o português conviveram em solo brasileiro e, à sua maneira,
contribuíram para a formação, constituição e fixação do que chamamos de
“português brasileiro” (ou PB).
Sabe-se que, no Brasil, por causa de sua grande extensão territorial (cf. Figura 1:
Mapa do Brasil), é mais do que esperada certa variação regional. Esta pode estar relacionada
ao grande fluxo migratório e ao tamanho geográfico desse país; pode-se entender melhor,
78
assim, por que o Brasil é um território pluridialetal e com certas diferenças linguísticas em
diversas regiões.
O contato linguístico, decorrente do processo de formação de sua nacionalidade, com
diversos povos, fez com que a variação da língua aumentasse significativamente no território
brasileiro e possivelmente trouxesse feições próprias. Essa é a proposta de alguns estudiosos
do Português, como se observa em Basso e Gonçalves (2014), que afirmam que o PB é
diferente do PE porque
sofreu, ao longo de séculos, influências de outras línguas que não o português –
línguas indígenas, africanas, de outros imigrantes – e por isso o PB mudou tanto em
relação ao PE, que, por sua vez, não teve um contato tão próximo e constante com
outras línguas. (p. 190).
Conforme já se observou, no que se refere à formação do Português do Brasil, há
duas teses diferentes e não compatíveis, que mostram que o PB teria nascido: (i) de uma
transmissão linguística irregular ou (ii) de uma deriva (cf. Capítulo 4.1). Mesmo em se
tratando de teses diferentes, nas duas o contato linguístico existente no Brasil é inegável e
muito importante para a caracterização do PB.
A primeira tese, da “transmissão linguística irregular”, é defendida por vários
estudiosos que apresentam evidências de que o PB teria nascido e se formado a partir dessa
transmissão defeituosa entre falantes de diferentes gerações. Segundo Lucchesi et alii (2009,
p. 53)
a língua portuguesa passava por drásticas alterações, sobretudo em função do
processo de transmissão linguística irregular, desencadeado nas situações de
contato entre línguas abrupto, massivo e radical, compreendendo a aquisição
precária do português por parte dos índios e africanos, a sua socialização entre esses
segmentos e a sua nativização, a partir desses modelos defectivos, entre os
descendentes endógamos e mestiços desses índios aculturados e africanos
escravizados.
Basso e Gonçalves (2014) corroboram essa afirmação concluindo que no Brasil
“podemos supor que a transmissão lingüística se deu entre falantes, em sua imensa maioria
adultos, distante de condições mínimas de aprendizado formal, sem esquecer o fato de que
esses falantes provavelmente falavam outras línguas, como as indígenas e as africanas.” (p.
298).
A segunda tese, que seria da deriva, é defendida por Naro e Scherre (2007). Os
autores reforçam que no Brasil as variações linguísticas ocorreram com mais vigor por causa
do ambiente de intenso contato linguístico daqui, pois
79
(...) temos que levar em conta a dimensão tempo, ao longo da qual chegaram ao
Brasil ondas de populações de diversas origens étnicas. Esses movimentos
demográficos tiveram o efeito de reforçar certas forças arroladas acima e de inibir
outras. (...) segundo nossa visão, o impulso motor do desenvolvimento do Português
do Brasil veio já embutido na deriva secular da língua de Portugal. Se as sementes
trazidas de lá germinaram mais rápido e cresceram mais fortes, é que as condições,
aqui, mostraram-se mais propícias devido a uma CONFLUÊNCIA DE MOTIVOS.
(p. 47-48)
Assim, os autores defendem que as variações linguísticas e as modificações ocorridas
na Língua Portuguesa do Brasil já estavam presentes em Portugal, ou seja, derivam do PE. E,
na variedade brasileira, por causa do ambiente de intenso contato linguístico, houve uma
expansão das mudanças com mais facilidade e rapidez que no continente europeu. Dessa
forma, eles destacam que:
O português brasileiro não é o português simplificado ou o português com influência
africana; é o português com as suas raízes originais, rurais e populares,
transplantado para uma terra mais fértil e conseqüentemente com um
desenvolvimento mais intenso. Longe de ser um português crioulizado, o português
do Brasil é o português radicalizado. (p. 186)
Figura 1: Mapa do Brasil14
14
Mapa retirado do site: www.todamateria.com.br/capitais-do-brasil
80
4.2.2. Breve história de colonização em São Tomé
São Tomé e Príncipe é o menor estado da África ocidental, está situado no Golfo da
Guiné, no oceano Atlântico, e é um arquipélogo constituído de duas ilhas principais – São
Tomé e Príncipe – mais 20 ilhéus e rochedos. Segundo Basso e Gonçalves (2014), as ilhas
estiveram desabitadas até 1470, quando os navegadores portugueses João de Santarém e Pêro
Escobar as descobriram, no final do século XV, e elas foram povoadas e colonizadas pelos
portugueses. Estes trouxeram habitantes de outras partes do continente africano que eram
utilizados como escravos na produção de cana-de-açúcar. A África passou a ser o maior
exportador desse alimento na época; além disso, a ilha também servia como ponto de escala
nas rotas de navegação, sendo um ponto estratégico, para o comércio de escravos. As
circunstâncias em que se deu a origem de São Tomé e Príncipe foram propícias à
crioulização, pois havia uma grande necessidade de os portugueses e de os escravos se
comunicarem, havendo, sobretudo, um número maior de africanos.
No século XIX, as plantações de café e cacau substituíram a cana-de-açúcar. São
Tomé e Príncipe tornaram-se grandes produtores de cacau mundialmente conhecidos e esta
continua sendo a cultura mais importante do país – juntamente com o turismo e a exploração
de petróleo a partir de 1990.
Mesmo após a abolição da escravidão, em 1876, muitos habitantes continuavam
trabalhando de forma escrava, e isso fez com que ocorresse uma rebelião em 1953 chamada
de o “Massacre de Batepa”, na qual muitos foram mortos nos confrontos.
Em 1975, houve a independência de São Tomé e Príncipe, logo após a queda do
ditador Português Marcelo Caetano, na Revolução dos Cravos em 1974. No entanto, a
primeira eleição democrática ocorreu apenas em 1991.
Em São Tomé e Príncipe, há cerca de 165.000 habitantes, incluindo vários
imigrantes que vieram ao país desde 1485. São identificados sete grupos15
:
Mestiços, ou os chamados mulatos, descendentes de colonos e escravos
Africanos trazidos para as ilhas durante os primeiros anos de assentamento do
Benim, Gabão e Congo (essas pessoas também são conhecidos como Filhos da
Terra).
Angolares, supostamente descendentes de escravos angolanos que
sobreviveram a um naufrágio 1540 e agora ganham a pesca de subsistência;
Forros, descendentes de escravos libertos quando a escravidão foi abolida;
Serviçais, trabalhadores contratados de Angola, Moçambique e Cabo Verde,
que vivem temporariamente nas ilhas;
Tongas, filhos de serviçais nascidos nas ilhas;
15
Dados retirados do site: www.saotomeprincipe.st/pt/historia.html
81
Europeus, principalmente portugueses;
Asiáticos, incluindo pessoas de ascendência macaense e chinesa Português
misto de Macau.
Verifica-se, assim, com a mistura de tantos povos, em um espaço tão pequeno de
terra16
, que a riqueza cultural das ilhas se origina dessa miscigenação entre os portugueses e
nativos que vieram da costa do Golfo da Guiné, Angola, Cabo Verde e Moçambique. Além
das duas principais ilhas – São Tomé e Príncipe –, há outros ilhéus menores que fazem parte
do território, num total de aproximadamente 1000 km² de extensão, fazendo de São Tomé e
Príncipe o segundo menor país africano em território.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), quase metade da população vive
abaixo da linha da pobreza. O idioma oficial é o Português, mas também há diversas línguas
regionais que convivem com a Língua Portuguesa, configurando o multilinguismo presente
no país. Sendo assim, o Português é a língua oficial, mas o Forro (ou são-tomense) também é
utilizado pela população e o Crioulo (cabo-verdiano) – usado pelos carboverdianos e seus
descendentes – é a terceira língua mais falada nas ilhas. Além dessas línguas, também são
utilizadas: o angolar, o tonga e o monco (ou principense) que são faladas pelos habitantes17
:
O Forro (ou são-tomense) é um crioulo de origem portuguesa, que se originou
da mistura da antiga língua utilizada pela população livre e mestiça das cidades.
O angolar é um outro crioulo de base portuguesa, mas com mais termos de
origem bantu e chegou às ilhas no século XVI depois do naufrágio de um barco de
escravos angolanos perto da região e muitos desses escravos conseguiram nadar até o
território e formaram um grupo étnico a parte. No entanto, há muita semelhança –
cerca de 78% – entre o Forro e o angolar.
O tonga é um crioulo formado com base no português e em outras línguas da
África, e é utilizado pela comunidade descendente dos trabalhadores oriundos de
outros países africanos (como Angola, Moçambique e Cabo-Verde).
O cabo-verdiano é o crioulo trazido por milhares de cabo-verdianos que vieram
para o país para trabalharem na agricultura no século XX.
O monco (Lung‟ie ou principense) é utilizado na Ilha de Príncipe e originou-se
da Língua Portuguesa com acréscimos de outras línguas indo-européias.
Verifica-se, assim, a intensa diversidade linguística presente em São Tomé e
Príncipe. Segundo Hagemeijer (2009, p. 1), “apesar do espaço geográfico limitado e do
reduzido número de habitantes, as ilhas de S. Tomé e Príncipe são autênticas ilhas de Babel”.
Essa diversidade linguística está diretamente relacionada aos dois ciclos presentes na história
das ilhas, já mencionados anteriormente: o ciclo da cana-de-açúcar – no século XVII – e o
ciclo do café e do cacau – nos séculos XIX e XX. De acordo com o autor: “é fácil perceber
16
Ver Figura 2: Mapa de São Tomé e Príncipe. 17
Dados retirados de Hagemeijer (2009) e do site: www.linguaportuguesa.ufrn.br/pt_3.4.e.php
82
que as ilhas vivem actualmente uma situação de multilinguismo. Basta analisar os dados
estatísticos para perceber que a maioria da população sabe falar duas línguas ou até mais
línguas” (p. 18), como se pode verificar na tabela abaixo retirada de Hagemeijer (2009, p. 18):
Pessoas > 5 anos Português Santomé Lung‟ie Outras línguas
1991 __ 99,8% 73,5% 1,6% 13,4%
2001 137,599 98,9% 72,4% 2,4% 12,8%
Tabela 4: Dados sobre as línguas faladas – censos de 1991 e de 2001– da população com mais de 5 anos
segundo Hagemeijer (2009)
Constata-se, assim, que o Português é a língua mais falada e isso, segundo
Hagemeijer (2009), está se intensificando em relação às línguas crioulas da região:
A maior mobilidade social, à qual não é alheio o fenómeno da emigração, o acesso
generalizado ao ensino e aos meios de comunicação na língua oficial, a ausência de
políticas orientadas para as línguas crioulas, assim remetidas à informalidade e à
oralidade, são factores que têm desfavorecido cada vez mais as línguas minoritárias
das ilhas. O censo de 2001 referente à língua falada por grupo etário mostra, por
exemplo, que entre os jovens com menos de 20 anos há uma quebra acentuada do
número de falantes que alega falar o Santomé. (p. 19).
De acordo com o CENSO de 201218
, a tabela anterior poderá ser ampliada com
informações mais atuais sobre a realidade populacional e linguística de São Tomé, como se
pode verificar abaixo:
Pessoas > 5 anos Português Santomé
(Forro)
Lung‟ie Outras línguas
1991 __ 99,8% 73,5% 1,6% 13,4%
2001 137,599 98,9% 72,4% 2,4% 12,8%
2012 187,356 98,4% 36,2% 1,0% 26,9%
Tabela 5: Dados sobre as línguas faladas – censos de 1991, de 2001 e de 2012 segundo censo de 2012
18
Dados retirados do site:
www.ine.st/Documentacao/Recenseamentos/2012/TemasRGPH2012/11CARACTERISTICAS%20EDUCACIO
NAIS%20%20DA%20POPULACAO%20Recenseamento%202012.pdf
83
No site Central Intelligence Agency (CIA)19
, em que há informações mais
atualizadas, verificou-se que, em julho de 2015, havia 194,006 habitantes no total
populacional.
De acordo com as informações do Censo oferecidas na Tabela 5, a Língua
Portuguesa continuaria sendo a mais utilizada em São Tomé, com o passar dos anos, e,
curiosamente, ocorreria grande diminuição, em níveis percentuais, da utilização do Forro,
tendo em vista que em 2001 ele seria falado por 72,4% dos habitantes e, em 2012, passaria a
ser utilizado por apenas 36,2% dos falantes. Além do Forro, o Lung‟ie também teria
diminuido consideravelmente seu emprego, de 2,4% para 1%. Como se pode observar,
segundo o Censo, está havendo uma drástica redução do uso das línguas locais e um aumento
muito expressivo do Português. A esse respeito, é importante apontar que não se teve acesso
às perguntas e aos critérios de recolhas de informações linguísticas utilizados pelos
organizadores do Censo, o que certamente influencia os resultados obtidos nesse tipo de
pesquisa. De todo modo, embora não se possa avaliar a efetiva representatividade dos índices
apresentados, entende-se ser essa uma fonte relevante no que se refere à indicação de clara
tendência ao aumento do uso do Português e à diminuição do uso das línguas locais,
sobretudo do Forro.
Vale ressaltar que se manteve a categoria denominada “outras línguas” da tabela
anterior com os dados oferecidos por Hagemeijer (2009, p. 18), para que pudesse ser feita
uma comparação depois de tantos anos. No entanto, quando se fala em outras línguas, a
comparação não poderia ser tão fiel, tendo em vista que não se sabe quais seriam as outras
línguas a que Hagemeijer faz referência. A parte referente às demais línguas, no CENSO de
2012, refere-se às seguintes: Cabo Verdiano: 8,5%, Francês: 6,8%, Angolar: 6,6%, Inglês:
5%.
Assim, apesar de o Forro, como já foi mencionado anteriormente, ser conhecido e
utilizado pela maioria da população, a Língua Portuguesa está cada vez mais sendo utilizada
pelos são-tomenses. Segundo Petter & Fiorin (2008, p. 68),
para alguns, falar português bem pode ter sido um objetivo que permitiria atingir
funções mais gratificantes; geralmente as mulheres falam uma língua mais afastada
do português padrão. A escolarização recente das crianças tem um impacto não
somente sobre o português que elas falam mas também sobre o de seus pais, o que
introduz novas variações no seio da comunidade.
19
Dados retirados do site: www.cia.gov/library/publications/resources/the-world-factbook/geos/tp.html
84
Segundo Hagemeijer (2009), São Tomé e Príncipe é o único país de Língua
Portuguesa da África em que a maioria de seus habitantes tem o Português como L1. No
entanto, na prática, é preciso atentar para o fato de que há diversos registros do Português, ou
seja, um mais próximo do PE e outro em que há certo grau de influência dos crioulos,
dependendo do nível de escolaridade, social e econômico. Segundo Mata (2009, p. 14),
As interferências das línguas crioulas, sobretudo do crioulo do Forro, fazem-se
perceptíveis na sintaxe, na fonologia, na semântica e na prosódia do português oral,
criando uma grande distância entre a língua falada ao nível informal e a língua
falada em situações formais (no discurso político, na comunicação social, na Igreja,
na Escola). E a distância é ainda maior quando se trata da língua escrita, que é a
língua de estudo e do Estado.
De acordo com o CENSO 2012, “os dados revelam que em S. Tomé e Príncipe o
Português é a língua mais falada ao nível nacional e igualmente no meio urbano e rural.” (p.
12). Além disso, seria a língua mais utilizada pela população jovem – que não utilizaria muito
o Forro –, enquanto as pessoas com mais de 50 anos usariam um pouco menos o Português e
um pouco mais o Forro.
De acordo com Pontífice (apud MATA, 2009, p. 16-17), com base em um dos
trabalhos de Pontífice em 1991, a autora verificou que as crianças:
Geralmente provenientes das camadas económicas e socialmente mais
desfavorecidas e de famílias com baixo grau de instrução, [as crianças] encontram-
se numa das seguintes situações: a) no seio da família exprimem-se única e
exclusivamente em português (deturpado); b) o meio familiar é bilingue, todavia as
crianças não são bilingues na medida em que não são falantes activos de duas
línguas. Atentemos no caso do Forro em que podemos falar com relativa segurança:
as crianças entendem-no mas não o falam. Aprendem, por imersão total no meio
familiar, as suas estruturas, adquirindo uma certa “performance” mas não atingem a
competência, isto é, não são capazes de o falar. É frequente assistirmos à cena em
que, numa conversa bem longa entre um adulto e uma criança, aquele fala em Forro
e esta português, mesmo que deturpado. (PONTÍFICE, 1991, p. 89)
De acordo com Pereira (2006, p. 62), “Em S. Tomé há muitas famílias que evitam o
uso do Forro e procuram que os seus filhos adquiram Português desde a infância.” Dessa
forma, acredita-se que os crioulos que hoje existem, tendem a desaparecer, pois os jovens e as
crianças não se interessam em aprendê-los, havendo sua utilização bem reduzida (cf. CENSO
2012). Além disso, as famílias estão, cada vez mais, influenciando, em geral, o uso da Língua
Portuguesa para que seus filhos possam ascender socialmente (PETTER & FIORIN, 2008).
Os próprios informantes do corpus utilizados na presente pesquisa relatam que o
Português é a língua materna e que, na infância, os pais ficavam irritados ou proibiam que
85
eles falassem outra língua que não fosse o Português, como se pode verificar nos depoimentos
abaixo:
I: não sei, bom naquela altura a gente, por exemplo, eu vejo a casa que, por
exemplo, se estiveres a falar dialecto mãe zanga, diz não precisa falar essa língua
não, a gente tem que aprender a falar português, não sei quê… mas eu acho que
aprender dialecto também é bom, porque o dialecto também é… eu nasci e ouvi
dizer que dialecto é nossa língua mas apesar que nasci a gente fala mais português
que… mas…
T: Sempre falou mais português?
I: Sim, (...)
T: E e achas que ago& hoje, não é, comparando com o passado, achas que hoje há
menos pessoas que falam essa língua ou está está igual?
I: Eu acho que está há menos, né, porque antigamente pessoa falava mais dialecto
nossas avós usavam mais o di&, mais dialecto mas com… cada vez com a evolução
de escola, então jovens, estamos a crescer mas a falar a aproximar para português do
que dialecto. [ST-A-1-M]
S – quer dizer a mãe não, mas pronto a mãe gostava, era uma ideologia que nós
tínhamos que estudar depois, essas coisas todas, ela não queria que nós voltássemos
para para para o Forro e depois perder o feed-back do desenvolvimento e então ela
falava mais português mas com a minha avó, os meus tios falavam sempre Forro.
[ST-A-2-H]
S: entender eu entendo mas não sei falar muito bem o crioulo porque muitas vezes
eu tenho às vezes posso misturar o crioulo com o português e não fica muito bem
correcto. [ST-A-2-M]
G: Eu acho que a língua Forro está a ficar um pouco mais aportuguesada, não é o
português que está a ficar Forro, nada disso, porquê? Porque a influência do
português está cada vez mais dominante, está cada vez mais dominante. [ST-A-3-H]
D: de casa quando era pequeno... falava português?
L: sempre português
D: sempre português
L: porque nós sabemos/ nós vivemos a educação colonial portanto era proibido falar
na escola os meus pais não queriam que eu na escola não tivesse dificuldade na
aprendizagem então eu tinha que falar português em casa para ser meu hábito falar
português ouvir e perceber bem os Meus professores... portanto mas todavia como
eu tinha por exemplo avó que era analfabeta portanto tinha que falar a língua
nacional portanto aí portanto fui ouvindo e ouvir todos os dias claro que a gente
aprende portanto foi aí que eu aprendi. [ST-B-3-H]
Assim, as línguas crioulas das ilhas – por não serem o idioma oficial, não possuírem
uma ortografia própria e divulgada para a população (cf. HAGEMEIJER, 2009), serem
utilizadas apenas nos registros sobretudo de fala informal, e não serem muito utilizadas pelos
jovens – tendem a desaparecer, uma vez que o número de pessoas que utilizam e sabem o
Forro diminuiu pela metade, conforme confirma o CENSO de 2012. Destaca-se, também, que
ainda não há tentativas oficiais que identifiquem a ortografia das línguas locais. Assim,
acredita-se que elas podem mesmo se extinguir, se não houver uma política linguística que
contribua para sua manutenção.
86
Figura 2: Mapa de São Tomé e Príncipe20
4.2.3. Descrição do Forro e a colocação pronominal
De acordo com Petter & Fiorin (2008), “A ilha de São Tomé foi descoberta pelos
portugueses no fim do século XV e efetivamente povoada a partir do início do século XVI.
Nesse primeiro povoamento, dois crioulos, que são ainda falados, nasceram: a lungwa
santomé ou o Forro e lunga ngola ou angolar” (p. 63-64). Segundo Holm (2000, p.72):
Angolar, chamado ngola por seus falantes, é um crioulo de base portuguesa falado
pelos Angolares, na ilha de São Tomé. Eles constituem um grupo etnolinguístico
minoritário, configurando menos de 10% da população da ilha. Mantiveram-se
distintos da população geral de Forro (literalmente 'libertos'), i. e. dos crioulos da
mesma ilha que falam São-tomense. 21
20
Mapa retirado do site: pt.mapsofworld.com/sao-tome-principe/
21 Angolar, called ngola by its speakers, is a Portuguese-based creole spoken by the Angolares on the island of
São Tomé. They constitute an ethnolinguistic minority group making up under 10% of the island‟s population.
They have remained distinct from the general population of Forro (literally „freedmen‟), i. e. the creoles of the
same island who speak São Tomense.
87
O Forro das ilhas de São Tomé e Príncipe derivou de um crioulo com base no
Português. Pereira (2006) mostra que, para que uma língua seja considerada um crioulo, os
falantes ou os pesquisadores da língua devem denominá-la como tal. No entanto,
por vezes, não existe coincidência entre falantes e linguistas. Os santomenses, por
exemplo, dizem que falam Lungwa Santomé (Língua Santomé) ou Forro, ou mesmo
dialecto, mas nunca chamam à sua língua crioulo. No entanto, para os linguistas, o
Forro de São Tomé é um crioulo, tal como o Principense (da ilha de Príncipe) ou o
cabo-verdiano. Esta classificação tem por base um conjunto de critérios que
assentam, sobretudo, no processo de formação destas línguas, em contextos
sociolinguísticos excepcionais. (p. 22)
De acordo com o CENSO de 2012, o português é a língua oficial que conviveria com
as línguas locais:
Efectivamente, o português é, além da língua oficial de trabalho, e portanto,
utilizada nos documentos oficiais, a língua de comunicação mais utilizada e
considerada por grande parte da população como língua materna. As línguas locais,
utilizadas em paralelo com o português, são apelidadas de “crioulo”, por terem
fortes raízes na língua portuguesa, e, geralmente não são escritas. Dessas línguas
destacam-se o “Fôrro”, o “Angolar” e o “Lunguié”. (p. 74)
Basso e Gonçalves (2014) explicam um pouco sobre os crioulos afro-portugueses de
São Tomé e confirmam que “a língua oficial de São Tomé e Príncipe é o Português; porém,
ao lado do Português há o Forro ou São-tomense, um crioulo de base portuguesa, com
influência de línguas do grupo Kwa, falado por praticamente toda a população do país” (p.
182-183).
Para que se possa conhecer um pouco mais sobre o Forro, serão mostradas algumas
contribuições do trabalho de Ferraz (1979), que estudou e descreveu, cuidadosamente, esse
crioulo durante sua estadia nas ilhas, fazendo comparações com outras línguas locais e
mostrando várias características elementares do Forro. Não se tem conhecimento de outro
trabalho que tenha feito um panorama tão detalhado sobre o São-tomense22
.
Ferraz (1979) destaca que há quatro línguas faladas no Golfo da Guiné, sendo três
em São Tomé, e todas possuem como base o Português. Trata-se, na realidade, de três ilhas: a
de São Tomé, onde se falaria o São-tomense (mais ao norte) e o angolar (mais ao sul); a ilha
de Príncipe, na qual se falaria o principense; e a ilha do Anno Bom, onde se falaria o
annobonense. Apesar de serem quatro tipos de crioulos, o autor destaca o fato de os quatro
possuírem muitas palavras do léxico em comum e com base no Português. Em relação à
22
Nessa descrição do crioulo de São Tomé mais falado, serão utilizados como sinônimos os vocábulos crioulo,
Forro e São-tomense.
88
fonologia, as diferenças são significativas e, do ponto de vista gramatical, as diferenças já não
seriam tão grandes.
Em seu texto, Ferraz mostra diversas características importantes sobre o crioulo São-
tomense, que é falado pela maioria dos habitantes de São Tomé, e mostra diversos aspectos
relevantes que estão presentes na fonologia, morfologia e sintaxe dessa língua.
O autor destaca que a maioria do léxico do Forro veio do Português, mas esse crioulo
possui muita influência africana também, principalmente na fonologia e na sintaxe, que são
bem parecidas com as do Bantu e Kwa, que são grupos linguísticos da Costa Oeste Africana.
Além disso, ele destaca que o crioulo demorou, aproximadamente, 80 anos para a formação e
consolidação, e possuiria, então, mais ou menos 400 anos.
Em relação à utilização dos pronomes pessoais sujeitos, Ferraz destaca o fato de o
crioulo ter mais de uma forma de expressar os pronomes pessoais, diferentemente do que
ocorre com o Português; por exemplo, a primeira pessoa do singular, em Português, sempre
será “eu”, mas, no Forro, teria diversas formas para expressar o mesmo pronome.
Observe, abaixo, o quadro, retirado de Ferraz (1979, p. 62), que mostra os pronomes
sujeitos e objetos:
Os pronomes pessoais objetos seriam mais simples no Forro que em Português,
tendo em vista que este idioma possui diversas formas e regras que não existem no crioulo. O
89
autor cita algumas dessas construções que existem no Português e não são encontradas no
Forro (FERRAZ, 1979, p. 61-62)23
:
(a) Diferentemente do Português, São-tomense não possui conjuntos de pronomes objetos
acentuados e não acentuados para distinguir respectivamente objetos de preposições
dos objetos de verbos, como ocorre nos seguintes exemplos do Português:
Ptg dá-me “give me” (átono)
Para mim “for me” (tônico)
Comigo “with me” (tônico)
(b) São-tomense não tem pronomes objetos infixais como encontrados nos tempos futuros
e condicionais do Português, como pode ser ilustrado pelos seguintes exemplos :
Ptg dá-lo-ei “I Will give it” da-lo-ia “I would give it”
cf. ST nga da e I-ka give it “I will give it”
(c) Os objetos pronomes de São-tomense não mudam a posição na sentença, como ocorre
em Português. Eles sempre seguem o verbo ou a preposição de que são objetos,
diferentemente do Português, em que transformações diversas acarretam uma
mudança na posição do pronome objeto. Se por exemplo, a transformação negativa é
aplicada em Português, o pronome objeto muda da posição pós-verbal para a pré-
verbal, como em:
23
(a) Unlike Portuguese, ST does not have sets of stressed and unstressed object pronouns to distinguish
respectively objects of prepositions from objects of verbs, such as occur in the following Portuguese examples:
Ptg dá-me “give me” (unstressed)
Para mim “for me” (stressed)
Comigo “with me” (stressed)
(b) ST does not have the infixal object pronouns found in the Portuguese future and conditional tenses, as may
be illustrated by the following exemples:
Ptg dá-lo-ei “I Will give it” da-lo-ia “I would give it”
cf. ST nga da e I-ka give it “I will give it”
(c) The object pronouns of ST do not change position in the sentence, as occurs in Portuguese. They always
follow the verb or the preposition of which they are objects, unlike Portuguese, where several transformations
entail a change in the position of the object pronoun. If, for instance, the negative transformation is applied in
Portuguese, the object pronoun changes from post verbal to pre verbal position, as in:
Ptg dei-o "I gave it", ndo o dei "I did not give it”
(d) There is no equivalent category in ST for the Portuguese sets of possessives (meu, teu, seu, etc.). In ST the
object pronouns are used to indicate genitive relationships, as in:
ST e be mu "He sees me."
lu’mõ mu (brother me) "my brother".
90
Ptg dei-o "I gave it", não o dei "I did not give it”
(d) Não existe uma categoria equivalente em São-tomense para a série de possessivos do
Português (meu, teu, seu etc.). Em São-tomense, os pronomes objetos são usados para
expressar relações genitivas, como em:
ST e be mu "He sees me."
lu’mõ mu (brother me) "my brother"
Além dessas informações, o autor ressalta que não há pronomes reflexivos no Forro
(FERRAZ, 1979, p. 110).
Com base no quadro pronominal apresentado e nos quatro tópicos acima, algumas
informações sobre o Forro interessam particularmente ao presente trabalho: (i) primeiramente,
as formas pronominais sujeito e complementos, bem como complementos verbais e
preposicionais podem ser as mesmas ou semelhantes; (ii) não ocorre a mesóclise; (iii) o
pronome objeto sempre se encontra na posição depois do verbo ou da preposição, não
havendo efeitos de partículas proclisadoras.
Num trabalho comparativo entre o crioulo utilizado na Alta Guiné e no Golfo da
Guiné, Hagemeijer & Alexandre (2012) também verificaram que o sistema pronominal, nas
línguas das duas regiões, apresentaria formas parecidas para as posições sujeito e objeto, e
mostraram os seguintes exemplos (HAGEMEIJER & ALEXANDRE, 2012, p. 243):
91
Ao que parece, em relação à colocação pronominal, os pronomes objetos fracos
parecem estar sempre depois do verbo, confirmando os resultados de Ferraz (1979).
Além disso, os autores propõem uma diferença importante entre o comportamento
dos pronomes fracos dos crioulos da Alta Guiné e o dos pronomes dos crioulos do Golfo da
Guiné, onde se inclui o Forro: enquanto os primeiros seriam sintáticos, os últimos assumiriam
o estatudo de clíticos fonológicos:
O funcionamento do sistema pronominal dos CAG e dos CGG é, no entanto,
bastante distinto. Tem-se argumentado que os pronomes fracos dos CAG se
comportam como clíticos sintácticos (Baptista 2002; Pratas 2004), enquanto os
mesmos pronomes nos CGG têm o estatuto de clíticos fonológicos (Hagemeijer
2007). Além disso, a oposição entre pronomes fortes e fracos abrange apenas uma
parte do paradigma pronominal nos CGG e o paradigma no seu todo nos CAG. (p.
244)
Propõe-se, assim, que, no Golfo da Guiné, provavelmente, haveria clíticos
fonológicos. Ao consultar a tese de doutorado do referido autor (HAGEMEIJER, 2007),
verificou-se que haveria, em São-tomense, uma ligação do pronome para a esquerda, como se
confirma a seguir:
Um dos argumentos usados por Deprez (1994) em sua argumentação contra os
clíticos sintáticos no Haitiano é o comportamento dos clíticos objetos nessa língua.
As posições dos objetos corroboram que pronomes podem cliticizar-se à esquerda,
mas sem estarem relacionados com o movimento do verbo. A esse respeito, um
paralelo pode ser estabelecido entre Santome e o Haitiano. Note-se, em primeiro
lugar, que o paradigma de sujeito e objeto são virtualmente idênticos em suas
formas. 24
(HAGEMEIJER, 2007, p. 38)
O autor compara os pronomes fracos do Haitiano com os de São-tomense, mostrando
que, nos dois, haveria a realização de clíticos fonológicos. Para confirmar sua constatação, o
autor ressalta (HAGEMEIJER, 2007, p. 38-39) que as “formas fortes não podem ocorrer na
posição do objecto, como mostram os exemplos que se seguem” 25
:
24
One of the arguments used by Déprez (1994) in her argumentation against syntactic clitics in Haitian is the
behavior of object clitics in that language. Object positions corroborate that pronouns may cliticize to the left but
without being related to verb movement. In this respect, a parallel can be established between Santome and
Haitian. Note in the first place that the subject and object paradigm are virtually identical in form. 25
Strong forms cannot occur in object position, as shown by the following examples.
92
Verifica-se, assim, que, na realidade, “a cliticização fonológica é sensível ao
fraseamento fonológico, que, por sua vez, é sensível ao “bracketing” sintático. Foi mostrado
que o pronome sujeito n se cliticiza para a direita, enquanto os pronomes objetos se cliticizam
para a esquerda” 26
(grifo nosso) (HAGEMEIJER, 2007, p. 40). O autor mostra que a
cliticização para a esquerda fica claramente explícita com os pronomes fracos da 3SG, que
sofrem diversos processos fonológicos (harmonização vocálica, semivocalização e
contrações), como mostram os exemplos a seguir (HAGEMEIJER, 2007, p. 40):
Logo após, o autor reafirma que “os pronomes objetos confirmam a importância da
cliticização fonológica em São Tomé” 27
. Dessa forma, de acordo com todo o exposto acima,
baseado em Ferraz (1979) e Hagemeijer (2007), os pronomes objetos fracos no Forro serão
considerados como possíveis clíticos fonológicos que ocorreriam em posição pós-verbal.
Para finalizar essa parte sobre a descrição do Forro, a título de curiosidade quanto a
como se escreveria nas línguas acima mencionadas, retirou-se de Pereira (2006, p. 39) uma
26
In fact, phonological cliticization is sensitive to phonological phrasing, which on its turn is sensitive to
syntactic bracketing. It was shown that subject pronoun n cliticizes rightwards, whereas object pronouns cliticize
leftwards. 27
Hence, object pronouns confirm the importance of phonological cliticization in Santome, but also confirm that
the behavior of subject 1sg n cannot be explained by phonology alone.
93
parte do poema clássico de Camões com uma tentativa de representar graficamente tais
línguas: o Forro de São Tomé e o Lung‟ie do Príncipe:
Amor é fogo que arde sem se ver;
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente
é dor que desatina sem doer.
(Luís de Camões)
Amuêlê sá ua Fôgô cu cá lêdê sê pá abê;
ê sá flida cucá dá dôlô, magi ê Sá mó fingui – lóló;
ê sua contentamento sê contento,
ê sá dôlô cucá fé – a tlapaiá sê pá a sêbê.
(Tradução, para Forro de São Tomé, de Guslário de Almeida)
Amoê fôgô ua kiçá rêdê kia sa vê-fá;
ê flida ua kça dá dô maji açá chintchi-fá;
ê contentamento ua xi contento,
ê ká dá dô kia tapaia xi pá sêbê.
(Tradução, para o Lung‟ie do Príncipe, de Lucília Lavres)
4.2.4. Semelhanças na história linguística dos países colonizados (PB e PST)
Depois desse breve panorama histórico e linguístico, referente à formação do
Português do Brasil e de São Tomé, pode-se perceber que a história de colonização e do
contato com diversos povos e culturas constitui fator fundamental na diferenciação entre a
história de formação dessas variedades do Português.
Esse contato com os diferentes povos fez com que a língua do colonizador fosse
influenciada pelas línguas dos povos que habitavam ou vieram para o Brasil, na época da
colonização e nos séculos seguintes, fazendo com que esse contato influenciasse diretamente
o PB em formação. Em São Tomé, o contato com diversos povos que foram levados para as
ilhas também influenciaria diretamente a formação do PST.
Essa influência, que ocorreu nos dois países durante muitos séculos, faz com que o
Português utilizado nos países colonizados não seja exatamente igual ao do país colonizador.
No PB, em que a Língua Portuguesa já está edificada, verifica-se essa diferença muito
claramente, principalmente na modalidade oral. No PST, país em que a Língua Portuguesa
ainda está em formação, também se verificam algumas diferenças em relação à língua do país
colonizador.
94
Vários linguistas verificaram algum tipo de aproximação da história da língua no
Brasil e em São Tomé. Segundo Lucchesi et alii (2009), no PB e no PST, não ocorreu a perda
de morfologia flexional porque
nos casos de uma transmissão linguística irregular mais leve (a exemplo do crioulo
francês da Ilha de Reunião, o inglês de Singapura, o português de Maputo, em
Moçambique, e o português dos tongas de São Tomé), não se configura um quadro
de eliminação em níveis tão categóricos, mas um quadro de variação mais ou menos
intenso conforme o caso. (p. 124)
Holm (apud NARO e SCHERRE, 2007, p. 184) ressalta que “„parece provável que a
alternância (ente [l] e [r]) do PPB [português popular do Brasil] seja TAMBÉM o resultado de
influência crioula‟, alegando a existência do mesmo fenômeno em diversas línguas de
substrato africano, em especial na língua crioula de São Tomé”
Ferraz (1979) também compara o PB e o PST, mostrando que a dupla negação que
ocorre no Português do Brasil, também ocorre nos crioulos de São Tomé e, provavelmente,
ocorra nos dois países por causa da influência da língua africana utilizada em diversos séculos
nos dois continentes.
De acordo com Baxter et alii (1998, p. 98), o Português do Brasil teve um contexo
sociolinguístico caracterizado por três fatores principais: “(i) por situação de contato entre
diversas variedades do Português e as línguas ameríndias e africanas, (ii) pelo bilinguismo, e
(iii) pelo domínio do Português e o gradual abandono das outras línguas.” O autor ressalta que
esses não são os únicos parâmetros, mas são os mais relevantes para a construção do PB. Ele
destaca que o terceiro deles, no Brasil, implicaria três fatores:
(i) a mudança de língua criou uma considerável população de falantes africanos e
indígenas de variedades L2 do português;
(ii) estas variedades L2 do português teriam construído um modelo estímulo potencial
para a aquisição L1 do português por descendentes de africanos e índios;
(iii) As variedades L1 e L2 do português faladas por africanos e índios ou pelos seus
descendentes teriam fornecido um modelo-estímulo potencial para fases posteriores
da aquisição do português como L2 e L1 dentro destes dois grupos. (BAXTER et
alii, 1998, p. 98)
Com base nos argumentos acima, acredita-se que o que ocorreu com o PB poderá
ocorrer com o PST, ou seja, supõe-se que, daqui a alguns anos ou séculos, o Português poderá
ser o idioma utilizado por todos em São Tomé e os crioulos, existentes hoje, deixariam de
existir como língua, mas permanecerão de forma indireta dentro da Língua Portuguesa que se
formará, como afirma Hagemeijer (2009, p. 19-20):
muito mais significativo é, no entanto, o impacto do Santome no Português porque,
além de influência lexical, a gramática do crioulo penetra a língua oficial a todos os
níveis (e. g. Afonso, 2008). Em vez de existir uma diglossia „exemplar‟ entre os
95
crioulos, por um lado, e o português, por outro, esta parece estar a fundir-se no
Português local.
Por isso, de acordo com Hagemeijer & Gonçalves (2015, p. 9), o Português de São
Tomé e Príncipe estaria passando de L2 para L1:
São Tomé e Príncipe sofreu uma transformação linguística e sociolinguística a partir
do último quartel do século XIX que se traduz atualmente na hegemonia do
português em detrimento das línguas crioulas autóctones. Esta transição histórica de
português L2 para português L1 reflete-se nas características que hoje constituem o
português de São Tomé.
96
5. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo, serão apresentados os problemas e as hipóteses, além da justificativa,
que norteiam a presente pesquisa. Os procedimentos para a análise dos dados, assim como a
descrição do corpus também serão expostos nesta parte, com a apresentação detalhada das
variáveis em estudo – tanto a dependente como as independentes (extralinguísticas e
linguísticas).
5.1. Justificativa, problemas e hipóteses
Com o levantamento dos resultados das pesquisas sobre o fenômeno (cf. Capítulo
2.2.2. A colocação pronominal segundo as pesquisas linguísticas), foi possível verificar que
apenas os trabalhos de Vieira (2002), Magro (2004), Gonçalves (2009), Vieira, M. F. (2011) e
Corrêa (2012), até onde vai nosso conhecimento, contemplam dados da Língua Portuguesa
falada nos séculos XX e XXI28
. Desse modo, é flagrante a falta de descrição sociolinguística
de dados espontâneos contemporâneos, principalmente do PST (variedade mais recente e
ainda em formação).
Além disso, constatou-se que não é proposta uma análise contrastiva das ocorrências
sob as mesmas bases e a partir de amostras com os mesmos perfis, para, acima de tudo, buscar
respostas para o debate sobre a implementação de determinadas estruturas, se motivada por
fatores internos ou externos à língua, como aqueles decorrentes da situação de intenso contato
linguístico. A pesquisa pretende descrever o fenômeno com base em dados da ordem dos
clíticos em lexias verbais simples e em complexos verbais, estratificados
sociolinguisticamente e coletados da fala de portugueses, brasileiros e africanos de São Tomé
no período de 2008 a 2011. Dessa forma, pretende-se realizar uma análise contrastiva do
fenômeno de cliticização nas três variedades, com base no emprego efetivo e empiricamente
atestado dessa estrutura nos dias atuais.
Segundo orientação laboviana, os dados orais seriam os mais indicados para o estudo
real da língua, uma vez que apresentariam a maneira como a língua está sendo efetivamente
usada com naturalidade e espontaneidade. Assim sendo, justifica-se, aqui, também a escolha
da modalidade oral para o cumprimento dos objetivos postulados.
Pretende-se, com a presente pesquisa, verificar os fatores linguísticos e
extralinguísticos que favorecem e desfavorecem cada variante e fazer uma descrição
28
Como foi visto no capítulo 2, a maioria dos trabalhos variacionistas usa dados de escrita. Somente os trabalhos
aqui citados tratam de dados retirados da fala.
97
detalhada das três variedades linguísticas. Será possível, assim, ampliar o conhecimento que
já se tem do PB e do PE e conhecer o que ocorre na localidade de Funchal e na variedade de
São Tomé que não foram ainda exploradas, em especial no que diz respeito aos estudos
sociolinguísticos. Ademais, a conjugação dos resultados oriundos da descrição dos dados às
reflexões concernentes ao estatuto variável ou semicategórico da colocação pronominal
permitirá apresentar as opções preferenciais de cada variedade em análise.
Para investigar a posição preferencial do pronome átono na modalidade oral, busca-
se responder a algumas questões referentes ao fenômeno, tais como:
(i) a ordem dos clíticos manifesta-se, tanto nas lexias verbais simples quanto
nos complexos verbais, como efetivamente variável nas três variedades em
estudo?;
(ii) caso a regra em questão seja variável, que variáveis linguísticas,
efetivamente, determinam a colocação dos clíticos pronominais na
modalidade oral do PE, PB e PST nos contextos de lexias verbais simples e
de complexos verbais?;
(iii) quais são os elementos que funcionam como proclisadores nos contextos
com um e mais de um verbo?;
(iv) as variáveis extralinguísticas interferem na preferência por determinada
variante, quanto à ordem dos pronomes oblíquos átonos?;
(v) quais são as diferenças significativas entre PE (variedade do país
colonizador), PB e PST (variedades dos países colonizados)?;
(vi) essas diferenças são quantitativa e qualitativamente suficientes para que se
postule a concretização de parâmetros diferenciados por variedade?;
(vii) a história das variedades colonizadas (PB e PST), ou seja, a implementação
da Língua Portuguesa já formada (PB) ou sendo formada (PST) em um
contexto com flagrante e intenso contato linguístico aproximam ou
distanciam as duas variedades dos países colonizados?
Para tais questionamentos, tem-se algumas hipóteses:
(i) no PE, a colocação seria efetivamente variável em determinados contextos
sintáticos, nos ambientes de lexias verbais simples e nos complexos verbais.
No PB, não haveria efetiva variação nas lexias verbais simples nem nos
98
complexos verbais, o que configuraria um caso de regra semicategórica29
. Já
no PST, a variação ocorreria nas lexias verbais simples e nos complexos
verbais, mas não haveria a atuação dos condicionamentos de forma
sistemática, como ocorreria na língua do colonizador.
(ii) nas lexias verbais simples, o elemento que antecede o clítico seria o
determinador da colocação no PE, o que não ocorreria de forma expressiva
no PST nem no PB. Nos complexos verbais do PE, com a presença de um
elemento proclisador, haveria o favorecimento da variante pré-CV, mas
ocorreriam também, nesses contextos, dados da ênclise a v2 e ênclise a v1.
No PST, haveria também a colocação pré-CV, mas não seria com um
número expressivo de dados. Já o PB seria uma variedade em que não se
teria efetivamente uma regra variável, mas uma regra semicategórica para os
CVs, com ampla realização da próclise a v2;
(iii) nas variedades em que se verifica o efeito proclisador, as partículas de
negação, os elementos subordinativos e as palavras QU- seriam os
favorecedores da posição pré-verbal e pré-CV, em especial no PE;
(iv) existiria certa diferença na colocação dos clíticos pronominais, de acordo
com o nível de escolaridade do informante, no PB, mas essa variável não se
mostraria relevante para as outras variedades;
(v) haveria motivação sintática – como a presença de elementos proclisadores –
para a ordem dos clíticos pronominais no PE, variedade do país colonizador,
mas no PST essa motivação não seria sistemática;
(vi) as diferenças seriam quantitativa e qualitativamente suficientes para que se
postule que haveria uma norma/gramática da colocação pronominal
diferente para cada variedade; e
(vii) a análise contrastiva entre o PB e o PST mostraria que a colocação dos
pronomes átonos ocorreria de forma distinta entre as duas variedades
colonizadas.
Ressalta-se que essa última hipótese se baseia no processo da implantação da Língua
Portuguesa no PB e no PST, tendo em consideração sua história de colonização. Esse
29
Vale ressaltar que Corrêa (2012), em sua dissertação de mestrado, verificou que o comportamento da
colocação pronominal em complexos verbais em dados coletados do PB seria semicategórico, e não
efetivamente variável.
99
enfraquecimento dos padrões regulares de motivação sintática seria reflexo da existência de
uma situação típica de intenso contato linguístico que foi presente no Brasil e ainda ocorre em
São Tomé. Seriam importantes, segundo Lucchesi (2009, p. 101),
os processos históricos de contato maciço entre povos falantes de línguas
tipologicamente diferenciadas, entre os séculos XVI e XIX, em decorrência da ação
do colonialismo europeu na África, Ásia, América e Oceania. Nas diversas situações
de dominação que se constituíram nesse contexto histórico, a língua do grupo
dominante, denominada língua de superstrato ou língua-alvo, se impõe, de modo
que os falantes das outras línguas, em sua maioria adultos, são forçados a adquiri-la
em condições bastante adversas de aprendizado, em função de sua sujeição e
marginalização. As variedades de segunda língua que se formam nessas condições,
mais ou menos defectivas consoante as especificidades de cada contexto histórico,
acabam por fornecer os modelos para aquisição da língua materna para as novas
gerações de falantes, na medida em que os grupos dominados vão abandonando as
suas línguas nativas.
O autor ressalta que, dessa forma, o processo de nativização da língua do colonizador
ocorre de maneira irregular, uma vez que os dados linguísticos primários ensinados às
crianças que nascem nessas situações provêm, em geral, de versões de segunda língua
desenvolvidas entre os falantes adultos das outras línguas, apresentando, assim, lacunas e
reanálises em relação aos seus mecanismos gramaticais. Desse modo, não surpreende que o
PST, embora tenha por modelo de aprendizagem do Português o PE, possa apresentar usos
diferentes desse modelo, em função da intensa situação de contato linguístico e, hoje, da
aquisição de Português como L1 com gerações que nem sempre tiveram o Português como
L1.
Destaca-se que, nas duas variedades dos países colonizados, o intenso contato
linguístico teria influenciado diretamente na formação da Língua Portuguesa; no entanto, esta
pode não ter ocorrido da mesma maneira nos dois continentes, pois a história de colonização e
os povos que conviveram em cada localidade não foram os mesmos. No PB, antes da chegada
dos portugueses, já havia a presença de povos indígenas no Brasil e vieram povos de
diferentes países no decorrer do processo de colonização (cf. Capítulo 4). Já no PST, não
havia, segundo mostram os estudiosos, habitantes em São Tomé e Príncipe e os portugueses o
habitaram com diversos escravos de diferentes regiões, fazendo com que o ambiente social
propiciasse a formação de diversos crioulos que existem até hoje e são utilizados por uma
parte da população, como o Forro.
No PB, a Língua Portuguesa já está formada e é utilizada pela maioria dos
habitantes, mas ela não é igual à do país colonizador. Em relação aos clíticos pronominais,
por exemplo, no Brasil a colocação é basicamente proclítica, enquanto no PE é enclítica com
diversos contextos favorecedores da próclise.
100
Dessa forma, acredita-se que, em São Tomé – país em que a variedade local da
Língua Portuguesa ainda está em formação –, o Português assumirá possivelmente feições
semelhantes às do PE, mas terá suas peculiaridades resultantes, dentre outros motivos, da
história da colonização e do contato linguístico existente durante todo esse período de
formação.
Segundo o estudo da ordem dos clíticos pronominais desenvolvido por
GONÇALVES (2009), o Português possuiria um comportamento oscilante em São Tomé, o
que seria típico de línguas em situação de intenso contato linguístico, como é o caso dessa
variedade. Na realidade, a complexidade da situação de multilinguismo em São Tomé
colaboraria para essa suposta instabilidade na fixação dos padrões linguísticos: de um lado,
acredita-se que o Forro, ainda utilizado sobretudo pelos indivíduos mais velhos, pode deixar
alguma influência sobre a variedade do Português em formação; de outro, tem-se por hipótese
que esse processo de consolidação da Língua Portuguesa em São Tomé também seja
influenciado diretamente pela língua do colonizador, uma vez que há um forte decréscimo da
utilização do Forro (CENSO, 2012), fazendo com que, cada vez mais, o PST possa adotar
padrões compatíveis com os praticados no PE.
Supõe-se, assim, que a colocação dos clíticos pronominais – daqui a alguns anos ou,
provavelmente, séculos – poderá ser até mesmo o inverso do que ocorre no Brasil hoje, ou
seja, pode ser praticamente toda enclítica, pois o PE tem como ordem não marcada a ênclise e
os pronomes objetos fracos no Forro encontram-se sempre depois dos verbos, segundo Ferraz
(1979) e Hagemeijer (2007), e provavelmente em ligação fonológica para a esquerda. De
outro lado, a admissão do efeito proclisador, advindo do modelo do PE, pode vir a ser
parcialmente adotada, o que geraria certa instabilidade no comportamento do PST, como
proposto por Gonçalves (2009). Sendo esta apenas uma suposição, para verificar se ela
ocorrerá ou não, somente os estudos, como o presente e os que venham a ser desenvolvidos
por futuros pesquisadores, poderão desvendar se isso será uma afirmativa ou não.
5.2. Procedimentos para a análise dos dados e descrição do corpus
Baseando-se na metodologia utilizada nos trabalhos de orientação sociolinguística, a
presente investigação desenvolve os seguintes procedimentos: 1º) coleta de dados em todo o
corpus; 2º) estabelecimento das variáveis linguísticas e extralinguísticas a serem investigadas;
3º) codificação dos dados segundo tais variáveis; 4º) tratamento dos dados segundo o
instrumental técnico-computacional do pacote de programas GOLDVARB-X; e 5º) análise e
101
interpretação dos resultados, à luz do perfil de cada variável linguística e extralinguística
controlada e, ainda, da situação de formação socio-histórica em questão.
Como já mencionado, serão analisados os dados produzidos nas variedades do
Português praticadas na Europa, no Brasil e em São Tomé, em amostras estratificadas
segundo variáveis sociolinguísticas. Recorre-se ao corpus do Projeto “Estudo comparado dos
padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias”30
, a fim de
descrever os inquéritos selecionados a partir de critérios extralinguísticos.
Trata-se de um banco de dados com entrevistas produzidas no século XXI. Os dados
pertencentes a esse corpus – coletado de 2008 a 2011 – obedecem ao método dos estudos de
variação e mudança linguística, havendo, portanto, a constituição de amostra estratificada,
consoante o mesmo número de informantes para cada variável extralinguística controlada.
No site www.concordancia.letras.ufrj.br, verifica-se que o corpus faz parte do
referido projeto de cooperação internacional Brasil-Portugal coordenado pelas professoras
doutoras Silvia Rodrigues Vieira – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – e Maria
Antónia Ramos Coelho da Mota – Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL),
hoje Projeto ALFAL 21.
Há três pontos de inquérito em Portugal, dois no Brasil e um em São Tomé e
Príncipe. No total, são 107 entrevistas, sendo, no PE, 18 de Lisboa/Oeiras, 18 de Cacém e 18
de Funchal, na Ilha da Madeira. No PB, são 18 de Copacabana e 18 da cidade de Nova
Iguaçu. No PST, são somente 17 gravações, pois falta um informante feminino com nível
superior da faixa etária C, perfil raro na sociedade são-tomense, que não foi encontrado
quando da formação da amostra.
Por que a utilização da subamostra recolhida em Funchal? Esta pergunta deve ser
respondida para esclarecer a introdução dessa localidade extra apenas no caso do PE.
Como se sabe, a história de formação da Língua Portuguesa em Funchal, que é um
território insular, é bem diferente da que ocorreu com o Português continental. No entanto,
como não há efetivo conhecimento do que ocorre na variedade portuguesa madeirense e como
já estavam disponíveis todos os inquéritos para a análise, optou-se por averiguar o que
realmente se efetiva na colocação pronominal, mesmo sabendo que, além das características
potencialmente particulares dessa subamostra, haveria uma assimetria em relação às
localidades e à quantidade de informantes por variedades.
30 www.concordancia.letras.ufrj.br
102
Sabe-se que a realidade social, cultural e histórica de Funchal é bem diferente
daquela que se encontra em Lisboa e Cacém. Guy e Zilles (2007) deixam claro que o ideal é
garantir que a amostra represente o mais fidedignamente possível a comunidade de fala, ou,
nos casos em que isso não seja possível, que o pesquisador assuma explicitamente que seus
resultados se aplicam a amostras diferentes. Assim, em caso de comparações, os autores
ressaltam que se deve ter cuidado ao comparar resultados obtidos em diferentes amostras, já
que elas devem apresentar os mesmos parâmetros de constituição.
Todas as amostras tiveram os mesmos parâmetros em sua constituição – como se
mostrará a seguir – e, na análise dos dados, será possível decidir se a localidade de Funchal
poderá integrar os demais dados do PE ou se deverá ser feita uma análise em separado dessa
localidade.
Os critérios utilizados para a construção da amostra respeitam, além da região, três
variáveis extralinguísticas – sexo, nível de instrução e faixa etária –, como se pode observar
na tabela a seguir, extraída do site www.concordancia.letras.ufrj.br:
Faixa etária Nível de escolaridade Gênero
A = 18 a 35 anos 1 = Fundamental – 2º segmento
(6º ao 9º ano)
Masculino
B = 36 a 55 anos 2 = Médio (10º ao 12º ano) Feminino
C = 56 a 75 anos 3 = Superior
3 células x 3 células x 2 células =18 informantes (naturais das localidades em estudo)
Quadro 1: Perfil dos informantes do PE e do PB segundo o Projeto Concordância31
Para investigar o Português de São Tomé, a pesquisa contará com uma das amostras
do corpus VAPOR, construída pelo pesquisador Tjerk Hagemeijer, do Centro de Linguística
da Universidade de Lisboa (CLUL). Ressalta-se que todos os informantes desse corpus
31
Todos os dados do corpus serão identificados da seguinte forma: localização (COP – Copacabana, NIG –
Nova Iguaçu, OEI – Oeiras/Lisboa, CAC – Cacém, FNC – Funchal e ST – São Tomé), faixa etária (A, B e C),
nível de instrução (1, 2 e 3) e sexo dos informantes (H – homem e M – mulher), respectivamente. Ressalta-se
que essa identificação foi retirada do site www.concordancia.letras.ufrj.br.
103
possuem, segundo o pesquisador, a Língua Portuguesa como L1, embora os informantes
declarem ter graus de domínio linguístico bastante diferenciado32
.
Segundo Hagemeijer (2009, p. 19), em São Tomé e Príncipe, “o Português é a língua
mais falada, uma tendência que actualmente parece estar a intensificar-se em detrimento das
línguas crioulas autóctones”. O autor ressalta que, além do Português, são faladas três línguas
crioulas autóctones: o Santomé ou Forro, o Lung‟ie e o Angolar. Ainda coexistem com elas o
crioulo de Cabo Verde e o Português dos Tongas, além dos resquícios de línguas do grupo
Bantu.
Com a análise dos dados de todo o corpus, pretende-se comparar as variedades do
Português usadas nas três regiões (Europa, Brasil e São Tomé), e, para tanto, foi utilizado o
programa GOLDVARB-X, para que fosse possível fazer a análise estatística e quantitativa
das ocorrências. Ele fornece a aplicabilidade da regra, as frequências, os percentuais e os
pesos relativos de cada uma das variantes verificadas na ordem dos clíticos. Além disso,
verifica quais as variáveis – sejam de ordem linguística ou extralinguística – que favorecem o
uso das variantes em questão, por ordem de seleção e mostra a influência de cada fator no
condicionamento do fenômeno.
Com os resultados obtidos a partir das rodadas feitas pelo Programa, pode-se
confirmar (ou não) as hipóteses iniciais e: (i) verificar, em dados orais contemporâneos, a
variante mais produtiva no PE, PB e PST (próclise, ênclise ou mesóclise; cl v1 v2, v1(-) cl v2
ou v1 v2-cl), nos diversos contextos sintáticos, para que se possam estabelecer os padrões da
cliticização pronominal da modalidade oral das três variedades; e (ii) identificar as variáveis
linguísticas e extralinguísticas que determinam a opção pela variante pré-verbal, no caso de
rodadas multivariadas, verificando os elementos que funcionam, de fato, como elementos
favorecedores dessas variantes, se houver efetivamente uma regra variável.
Assim, o estudo detalhado de cada uma das variedades permitirá esboçar, em síntese,
o panorama da colocação dos clíticos pronominais da modalidade oral nas variedades
portuguesa, brasileira e são-tomense do século XXI, permitindo a análise contrastiva dos
resultados e a interpretação da formação dessas variedades quanto ao fenômeno estudado.
32
Brandão (2011) verificou a possibilidade de interferência de outras línguas faladas e sua frequência, e propôs
uma variável, em seu trabalho, que controlou se os falantes de São Tomé se consideravam falantes apenas da
Língua Portuguesa ou do crioulo também (cf. Item 5.3.2.1). No presente trabalho, esse controle também foi feito,
seguindo os critérios propostos por Brandão (2011).
104
5.3. Descrição das variáveis
5.3.1. Variável dependente
As variantes da variável dependente da presente pesquisa são as já citadas
anteriormente: nas lexias verbais simples, próclise (ex.: Não se senta muito), ênclise (ex.:
Senta-se muito) ou mesóclise (ex.: Sentar-se-á muito).
Acredita-se que a mesóclise não ocorrerá em nenhuma das variedades da Língua
Portuguesa em estudo. No PE, supõe-se que a variante enclítica será a mais utilizada e a
proclítica ocorrerá somente quando houver algum tipo de elemento proclisador na frase. No
PST, espera-se que ocorra mais a variante enclítica; no entanto, como ainda está em formação
a Língua Portuguesa e pelo intenso contato linguístico com o Português do país colonizador,
também haveria dados proclíticos, devido ao modelo europeu, mesmo que de forma oscilante
nos mesmos contextos sintáticos. Já no PB, acredita-se que a variante proclítica ocorrerá de
forma generalizada, independentemente do elemento que vier antes do verbo, mas a ênclise
também ocorrerá com tipos específicos de clíticos (como os acusativos), em poucos dados,
provavelmente.
Em relação aos complexos verbais, os clíticos podem aparecer nas posições: próclise
a v1 ou cl v1 v2 (ex.: Não se pode sentar) – pré-complexo verbal; ênclise a v1 ou v1-cl v2
(ex.: Pode-se depois sentar muito) – intra-complexo verbal; próclise a v2 ou v1 cl-v2 (ex.:
Pode depois se-sentar muito) – intra-complexo verbal; ou ênclise a v2 ou v1 v2-cl (ex.: Pode
sentar-se muito) – pós-complexo verbal.
A próclise a v1 (cl v1 v2 – pré-complexo verbal) e a ênclise a v2 (v1 v2-cl – pós
complexo verbal) não deixam dúvidas quanto à ligação do clítico ao verbo. No entanto,
quando o pronome átono aparece no meio do complexo verbal, pode-se ter ênclise a v1 (v1-cl
v2) ou próclise a v2 (v1 cl-v2). Como se trata de dados orais, não se pode garantir, apenas
pela audição dos enunciados, qual seria a ligação fonológica do clítico, ou seja, há a
impossibilidade de definir se houve ênclise a v1 ou próclise a v2 em termos fonético-
fonológicos. Nos dados em que há algum elemento interveniente, fica clara a ligação do
clítico ao verbo; estes dados serão descritos separadamente dos demais, a fim de fundamentar
a interpretação geral que se faz dos dados de clítico na posição intra-complexo verbal.
Ainda em relação aos complexos verbais, destaca-se que a análise de cada variedade
será dividida em três grupos, a depender do verbo principal: (a) infinitivo, (b) gerúndio e (c)
particípio. Essa análise separada de cada tipo de verbo principal ocorrerá pelo fato de os
105
clíticos não se comportarem da mesma forma em cada uma delas. Com o v2 no infinitivo, a
posição pós-cv poderá ocorrer; entretanto, se estiver no particípio ou no gerúndio, resultados
de estudos anteriores fazem supor que ela provavelmente não ocorrerá. Com os verbos no
particípio, acredita-se que a colocação pré-cv será a mais produtiva e, com os complexos
gerundivos, a intra-cv (seja v1-cl x v2 ou v1 x cl v2). Isso provavelmente ocorrerá com o PE e
PST; no entanto, com o PB, acredita-se que a colocação no interior do complexo verbal será a
mais utilizada, independentemente da forma do verbo principal.
5.3.2. Variáveis independentes
Considerando-se que cada variedade do Português pode apresentar distintas normas
de uso da ordem dos clíticos pronominais, as três amostras (PB, PE e PST) serão discutidas
separadamente. Assim, para a análise dos dados, haverá o tratamento das variáveis
extralinguísticas e linguísticas a seguir:
5.3.2.1. Variáveis extralinguísticas
Na qualidade de variáveis extralinguísticas, foram considerados quatro grupos de
fatores relativos ao perfil do informante na estratificação proposta para o banco de dados
utilizado: sexo, faixa etária, nível de escolaridade e a localidade de cada informante.
Sexo: homem ou mulher
No que diz respeito ao sexo dos informantes, acredita-se que as mulheres se mostrem
mais conservadoras no que se refere ao atendimento ao que se considera padrão do que os
homens, o que se sustenta na proposta laboviana (LABOV, 1972). No entanto, isso só
ocorreria, provavelmente, nas variedades do PE e PST, nas quais haveria certa motivação
sintática na colocação pronominal, vinculada sobretudo ao efeito de partículas proclisadoras.
No entanto, para o PB, em que a colocação pronominal teria um comportamento mais
uniforme, supõe-se que a regra não seria influenciada pela diferença entre homens ou
mulheres.
Faixa etária: A = 18 a 35 anos, B = 36 a 55 anos e C = 57 a 75 anos
Como esclarecem Coelho et alii (2015), “a mudança linguística na sincronia,
conhecida como mudança em tempo aparente, cada pessoa preserva durante a vida o
106
sistema vernacular que foi adquirido durante seus primeiros anos de formação até a puberdade
(de 5 a 15 anos, aproximadamente)” (p. 85). Sendo assim, o idoso teria em sua língua
vernacular o que ele aprendeu nessa faixa etária e conserva até hoje, ou seja, sua fala refletiria
o vernáculo de seus anos iniciais.
Com a análise da variável extralinguística referente à faixa etária dos informantes,
será possível verificar se há uma mudança linguística em tempo aparente, ao considerar se há
ou não alteração do comportamento linguístico em uma determinada sincronia. Desse modo,
pode-se verificar se há uma mudança em progresso ou uma variação estável da língua num
determinado período de tempo.
Acredita-se que, no PE, a faixa etária dos informantes não faça diferença. No PB e
no PST, parece que ela será importante. Talvez a variante enclítica seja mais produzida por
falantes com mais idade nessas duas variedades.
Nível de escolaridade: nível 1 = fundamental, nível 2 = médio e nível 3 =
superior
Acredita-se que quanto mais escolarizado for o indivíduo, mais formas cultas da
língua ele produzirá. Supõe-se que essa variável afete as três variedades em estudo, em
especial o PB, visto que, nessa variedade, é pela influência do contato com práticas letradas
que se tem acesso a normas de colocação segundo o contexto morfossintático e o efeito
proclisador. Segundo Teyssier (1997, p. 98)
as divisões “dialetais” no Brasil são menos geográficas que socioculturais. As
diferenças na maneira de falar são maiores, num determinado lugar, entre um
homem culto e o vizinho analfabeto que entre dois brasileiros do mesmo nível
cultural originários de duas regiões distintas uma da outra.
Localidade: Lisboa/Oeiras, Cacém, Funchal, Nova Iguaçu, Copacabana e São
Tomé
Supõe-se que haja uma regra relativamente igual para todas as localidades de uma
mesma variedade do Português. Sendo assim, a localidade de que se origina o informante não
influenciaria na ordem dos pronomes oblíquos átonos em cada país. Acredita-se, com base na
observação impressionística das ocorrências, que isso também ocorrerá com a localidade de
Funchal e que não será necessária sua separação das demais, mas isso só será confirmado na
análise dos dados.
107
Para São Tomé, verificou-se, também, segundo o próprio depoimento dos
informantes, se os falantes utilizavam outras línguas locais (ou não) e com que frequência eles
o faziam. Para isso, utilizou-se a variável relativa à frequência de uso de um crioulo proposta
por Brandão (2011):
− zero/baixa, os indivíduos que se expressam fundamentalmente em Português;
− média, os indivíduos que se expressam em Português, mas dominam um crioulo
e dele fazem uso eventualmente;
− alta, os indivíduos que, embora falem o Português, se expressam, regularmente, num
crioulo.
Supõe-se, para essa variedade da língua, que quanto mais contato o indivíduo tiver
com o Forro, mais formas pós-verbais ele produzirá, ou, pelo menos, haverá mais oscilações
na posição dos pronomes.
5.3.2.2. Variáveis linguísticas
Para as lexias verbais simples e para os complexos verbais, foram consideradas as
seguintes variáveis linguísticas:
1) Tipo de clítico
Foram coletados e codificados separadamente os pronomes oblíquos átonos: me, te,
se reflexivo / inerente, se indeterminador, se apassivador, o(s)/a(s), nos,vos e lhe(s). Ressalta-
se que, nas rodadas para a análise, foram feitas algumas amalgamações para que fosse
possível verificar o que acontecia com um grupo de pronomes, como os de primeira pessoa,
segunda pessoa etc.
Como já foi verificado em trabalhos anteriores (VIEIRA, 2002; VIEIRA, M. F.
2011; CORRÊA, 2012; NUNES, 2014; dentre outros), o tipo de clítico favorece ou
desfavorece as formas de colocação pronominal. Dessa forma, verificou-se que os acusativos,
por exemplo, em geral, ocorrem na posição pós-verbal e pós-cv por causa de sua fragilidade
fonética. Corrêa (2012) só encontrou a colocação pós-cv com esses tipos de clítico no PB.
Abaixo, seguem os exemplos com esse tipo de pronome:
Ex. [LVS]: o que eu faria assim... expandia a rede de abrigos e torná-los centros de
formação... realmente do indivíduo e naqueles locais as pessoas terem [COP-A-2-H]
108
Ex. [CV]: a educação do índio era... permanente coletiva se um garoto indígena fosse
pra: caçada... ele ia encontrar lá um mais velho que ia orientá-lo ia ensinar etc
[NIG-C-3-H]
Em relação ao clítico “se”, ele apresentaria mais mobilidade nas lexias verbais
simples e nos complexos verbais, consoante o tipo de função que exerce. No entanto, com os
dados em que há mais de uma forma verbal, o pronome “se” indeterminador/apassivador
estariam, em geral, mais próximos de v1 e o “se” reflexivo/inerente se ligariam mais a v2, que
seria o verbo que lhe dá papel temático.
2) Tipo de oração
Foram analisadas separadamente as orações principal ou absoluta, coordenada
assindética, coordenada sindética, subordinada desenvolvida, subordinada reduzida de
infinitivo, subordinada reduzida de gerúndio, subordinada reduzida de particípio e estruturas
clivadas. No entanto, para que os resultados fossem mais bem analisados, as orações
coordenadas foram amalgamadas, assim como as subordinadas desenvolvidas.
No PB, independentemente do tipo de oração, acredita-se que as colocações
proclíticas ao verbo das lexias verbais simples e ao verbo principal dos complexos seriam as
mais utilizadas. Já no PE e PST, supõe-se que o tipo de oração influenciaria diretamente na
ordem dos clíticos pronominais, uma vez que as orações subordinadas desenvolvidas
favoreceriam a colocação pré-verbal e pré-cv. Já com as coordenadas, não ocorreriam a
colocação proclítica ao verbo e ao complexo verbal; ela só aconteceria se houvesse um
elemento proclisador antes (como a partícula “não”, por exemplo); se não houvesse nenhum
elemento atrator antecedendo, ocorreria a ênclise, para as lexias verbais simples, e a
colocação interna ou pós-cv, para os complexos verbais, como se pode verificar nos exemplos
a seguir:
Ex. [LVS]: L – sei lá já muitas vezes já me ligaram e depois disseram que me ligaram
e eu não vi nada [CAC-B-1-H]
Ex. [CV]: é que vieram para… outros pescadores tomaram canoa lá e vieram buscar-
me [ST-A-1-H]
109
3) Presença e natureza do elemento antecedente ao verbo (ou complexo
verbal)33
:
Vale ressaltar que foram considerados diversos elementos que apareceram antes do
verbo. Assim, além da posição inicial absoluta de oração/período, foram investigados,
também, os elementos considerados como “atratores” do clítico pronominal e vários outros
que apareceram antes dele, para que se pudesse verificar quais podem favorecer, em alguma
medida, a variante proclítica ao verbo/complexo verbal.
Entende-se que, quando há um elemento antes do clítico que seja considerado
tradicionalmente uma palavra atratora, a variante antes do verbo e do complexo verbal seria a
mais utilizada, em especial no PE e no PST. No entanto, quando a ocorrência fosse de um
elemento sem o efeito proclisador, a colocação mais frequente seria a pós-verbal/cv ou intra-
cv. No entanto, essa regra não seria efetiva nos dados do PB, uma vez que,
independentemente de o elemento antecedente ser ou não considerado como um proclisador
clássico, a variante mais utilizada seria a proclítica, nas lexias vebais simples, e a próclítica a
v2, nos complexos verbais.
Para verificar quais elementos seriam os favorecedores de cada variante e em cada
variedade em estudo, os elementos analisados foram os seguintes: a) posição inicial absoluta
de oração ou período, b) sintagmas nominais sujeito, c) complementos preposicionados
antepostos/focalizados, d) partículas de negação, e) adjuntos adverbiais (advérbios simples,
advérbios em –mente ou locuções adverbiais), f) preposições, g) conjunções coordenativas, h)
elementos subordinativas, i) operadores de foco, j) elementos discursivos/fáticos e k)
hesitações, interjeições e truncamentos.
Tendo como base os argumentos acima, seguem os exemplos de cada elemento
antecedente controlado. Vale relembrar que cada elemento encontrado entre parênteses foi
codificado separadamente; no entanto, tendo em vista a mesma natureza funcional de cada
um, eles foram amalgamados para que a análise e a interpretação dos resultados fosse o mais
clara e objetiva:
33
Vale ressaltar que cada elemento citado a seguir foi codificado separadamente. No entanto, para melhor
verificação e interpretação dos resultados, houve a necessidade de amalgamá-los, para melhor compreendê-los.
Os dados que foram codificados separadamente estão entre parênteses.
110
a) Posição inicial absoluta de oração ou posição inicial absoluta de período34
Ex. [LVS]: não aceitei de ir então o meu pai foi. Deixou-me aqui com minha avó [ST-
A-1-M]
Ex. [CV]: muita juventude morreu a defender o quê e quem? Começaram-se a
aperceber disto e depois- tinham os estudos [OEI-C-1-H]
b) Sintagmas nominais sujeito (SN sujeito nominal / SN sujeito mais constituinte
adjunto, SN sujeito pronome pessoal, SN sujeito pronome indefinido – exceto ninguém –, SN
sujeito pronome demonstrativo)
Ex. [LVS]: L: a minha sogra telefonou-nos a dizer que tava no hospital com ela...
[CAC-B-3-H]
Ex. [CV]: É culpa de quem? Ele é que é culpado. O indivíduo pode até se exprimir
assim, abertamente [ST-A-3-H]
c) Complementos preposicionados (objeto indireto...)
Ex. [LVS]: então qualquer bairro que não seja... zona norte zona sul zona leste oeste
que não seja perto de praia a mim me incomoda eu fico meia... ah tá faltando
alguma coisa... [COP-B-3-M]
Ex. [CV]: não é só no Brasil não é só no Rio cá vai acontecer também em segurança
começa-se a notar está bem? [OEI-A-3-M]
34
Destaca-se que o início absoluto de oração e o início absoluto de período foram codificados separadamente,
mas, como não houve nenhuma diferença significativa entre eles, foram amalgamados. Os contextos em que
havia hesitações (eh: ah:), interjeições e truncamentos também receberam um código diferente, mas esses
contextos foram amalgamados ao início absoluto, entendendo que haveria uma pausa e depois que se retomaria a
frase nesses contextos, havendo, portanto, um início absoluto.
111
d) Partículas de negação (nenhum, não, nunca)
Ex. [LVS]: Quando uma dívida já estava soldada saldada com a xx duplicou mas
sinceramente onde é que nós estamos, não se faz nada, não se ouve nada sobre isso
[ST-A-2-H]
Ex. [CV]: nesse aspecto pouco ou nada tenho mais que dizer porque eu quero não não
posso ensinar-lhe nada [OEI-C-1-H]
e) Adjuntos adverbiais (advérbios simples, advérbios em –mente ou locuções adverbiais)
Ex. [LVS]: L: eu aqui dedico-me exclusivamente aos trabalhos que eles têm da
escola...ao ajudá-los na escola... [CAC-B-2-M]
Ex. [CV]: os pais têm um papel fundamental fundamental porque infelizmente veio-se
a provar pela experiência [CAC-B-2-H]
Ex. [LVS]: LF: às vezes às vezes nota-se: é mais o caso da indisciplina...[ST-B-3-M]
f) Preposições (para, a, de, por, sem, em)
Ex. [LVS]: L: eu acho que: eu não queria ter filho fui quase que meu marido levou
cinco anos para me convencer a ter um filho aí eu disse que só teria um e acabei
tendo dois ((risos)) [COP-C-3-M]
Ex. [CV]: então eu tomei um pedaço de tábua, de canoa, daquelas canoa já já partida e
que dava muito bem para se ir remar um bocado[ST-A-1-H]
g) Conjunções coordenativas (aditiva, alternativa, adversativa, conclusiva, explicativa)
Ex. [LVS]: O país tem condições, apesar de não ser tão grande né, mas vê-se mesmo
que o estado lá está a fazer alguma coisa [ST-A-3-M]
112
Ex. [CV]: e a gente as raparigas e punha-se a dizer qual era a que cortava uã [FNC-
C-1-M]
h) Conjunções subordinativas (quando, se, embora, enquanto etc; pronome relativo
“que”; outros pronomes/ advérbios relativos (cujo, o qual, onde, quem); conjunções
integrantes “que” e “se”; partícula “que” em estruturas clivadas e “que” em locução
conjuntiva (para que...); palavra QU interrogativa do tipo pronominal (quem, qual...) e do tipo
adverbial (quando, como, onde, por que))
Ex. [LVS]: depois de conhecer o pessoal ehh fiquei aceitei ir e foi uma das coisas que
me também marcou a universidade [FNC-A-3-H]35
Ex. [CV]: D: porque quando ia levantar-me às vezes não me conseguia levantar
[CAC-C-1-M]
i) Operadores de foco “apenas”, “só”, “até”, “mesmo”, “ainda”, “inclusive” e “também”
(inclusão)
Ex. [LVS]: porque que ele trabalha em Angra né... a gente não se vê... a gente só se vê
finais de semana... [NIG-A-2-M]
Ex. [CV]: eu não digo que é devido quer dizer… isso também depende da pessoa, a
pessoa também tem que dedicar-se, é assim nosso país [ST-B-2-M]
j) Elementos discursivos / fáticos (quer dizer... por favor... então tá)
Ex. [LVS]: mas uma forma geral vende todas as coisas que o outro também vende,
quer dizer não há, quer dizer vê-se tanto [ST-B-2-M]
Ex. [CV]: a partir de aí assim então é que realmente quer dizer comecei a sentir-me
mais integrado em igreja [OEI-C-3-H]
35
Curiosamente, neste dado, o efeito de atração do pronome relativo “que” mostrou-se tão atuante que houve a
interpolação da palavra “também”. Segundo Mateus et alii (2003), não ocorreria, no PE contemporâneo,
interpolação com palavras diferentes do advérbio de negação “não”.
113
k) Hesitações (eh: ah:), interjeições, truncamentos
Ex. [LVS]: INF: ehh a gente joga-se à bola vole [voleiy] a gente corre ehh joga-se às
escondidas [FNC-A-1-M]
Ex. [CV]: D: acha que fala assim fala... ele consegue se expressar?
L: ah...consegue se expressar bem [NIG-C-1-M]
4) Distância entre V-Cl ou CL-V e um possível elemento antecedente
Verificou-se a distância existente entre o verbo e o clítico com um elemento
antecedente (zero sílaba, uma sílaba, duas sílabas, três sílabas, quatro sílabas, cinco sílabas,
seis sílabas, sete a 10 sílabas, 11 sílabas em diante, ausência de elemento).
Ex. [LVS]: e você saiba usar esse dinheiro de forma direita... e não se torne um
escravo do dinheiro...excelente. [NIG-B-1-H]
Ex. [CV]: gestos quotidianos que são muito específicos daquela daquela cultura e que
aos poucos vão-se perdendo vão-se perdendo [CAC-B-2-H]
5) Tempo/modo verbal
Os tempos verbais verificados foram amalgamados segundo o modo verbal e/ou a
forma nominal e houve a seguinte separação: (i) indicativo (presente, pretérito imperfeito,
pretérito perfeito, pretérito mais-que-perfeito, futuro do presente, futuro do pretérito), (ii)
subjuntivo (presente, pretérito imperfeito, futuro), (iii) imperativo, (iv) infinitivo e (v)
gerúndio36
.
Cabe esclarecer, aqui, que a variável tempo e modo verbal nos complexos verbais foi
controlada em relação à forma do verbo auxiliar, aquela que carrega as informações flexionais
da construção.
Supõe-se que o tempo e o modo verbal sejam importantes na ordem dos clíticos
pronominais, uma vez que o modo subjuntivo favoreceria a posição proclítica e, no modo
36
Nesta parte, o particípio não foi investigado tendo em vista a não ocorrência de formas do tipo: “Encontrado-
o” – reduzida de particípio (LVS) e “Tido encontrado-o” – verbo auxiliar no particípio (CV).
114
indicativo, essa posição só ocorreria quando houvesse um elemento proclisador antecedendo,
como se pode verificar nos exemplos abaixo:
Ex. [LVS]: eu por exemplo sou católico pedir a Deus que nos ajude de forma a nós
ultrapassarmos esta fase [ST-B-3-H]
Ex. [CV]: não faço assim actividades com com elas ah no entanto quer dizer a única
coisa que eu lhe posso dizer neste momento[OEI-C-3-H]
Com as formas não finitas – excetuando o particípio, que não aceitaria a ênclise – e
o imperativo, haveria o favorecimento à ênclise.
Ex. [LVS]: já todas dizem “oh senhor Guimarães dê-me lá mais dois quilos como os
da semana passada” pronto [CAC-B-1-H]
Ex. [CV]: L: então andava lá na escola e a mãe coitada ia para o trabalho e às vezes ia
a avó para o ir buscar mas a avó tinha que tirar o o passe [CAC-C-1-M]
6) Tonicidade das formas verbais
O controle da tonicidade das formas verbais em oxítonas, paroxítonas ou
proparoxítonas pode ser importante, tendo em vista que ela poderia influenciar a colocação
dos clíticos por motivos de natureza rítmica. Dessa forma, seria importante sua análise para
verificar que tipo de tonicidade verbal favoreceria uma variante em detrimento de outra.
Assim, quando o hospedeiro verbal possuir a tonicidade de uma palavra paroxítona ou
proparoxítona, provavelmente, a colocação pós-verbal será desfavorecida, pois não é habitual,
na Língua Portuguesa, a formação de palavras proparoxítonas. Com isso, mesmo sem um
elemento proclisador clássico, a variante proclítica poderá ser favorecida, como pode ser
observado no exemplo a seguir:
Ex. [LVS]: foi uma mais-valia e e e ainda mais por ser um trabalho de voluntariado
porque nós nos esforçávamos [FNC-A-3-H]
Como se pôde observar, todas as variáveis acima foram codificadas nos contextos de
lexias verbais simples e de complexos verbais, exceto a última – tonicidade –, que não foi
controlada no caso do complexos. Como se trata de duas formas verbais presentes na
115
estrutura, só seria viável considerá-la como um todo; desse modo, eleger o elemento a que se
ligaria o pronome a priori e prever o vocábulo fonológico resultante com a adjunção do
clítico seria uma tarefa por demais subjetiva.
Para o controle da ordem em complexos verbais, também foi acrescentada a seguinte
variável:
7) Tipo de complexo
A fim de fundamentar a coleta de dados da presente pesquisa no que se refere aos
complexos verbais, fez-se um levantamento dos diversos tipos contemplados em trabalhos
referentes ao tema, em especial no artigo de Machado Vieira (2004), que detalha e aprofunda
o tema de forma particular. Em seu trabalho, a autora estuda diversas perífrases verbais e
mostra que a auxiliaridade verbal constitui tema de alta complexidade, de modo que, diversas
vezes, estruturas diversas (como querer + infinitivo, tentar + infinitivo, poder + infinitivo,
entre outras) oferecem dificuldade quanto às propriedades de auxiliarização e consequente
classificação quanto ao tema abordado.
A autora demostra que a tradição gramatical mostra apenas a diferença dos verbos
auxiliares (não nocionais/lexicais) e principais (nocionais/lexicais), como se houvesse apenas
essas duas grandes classes verbais. Assim, não abordaria os verbos que seriam semiauxiliares,
ou seja, os verbos que estariam entre os verbos auxiliares e os verbos principais, no que se
configura, na realidade, como um continuum de auxiliarização.
Em seu trabalho, Machado Vieira apresenta várias propriedades que permitiriam a
definição dos verbos auxiliares (com caráter gramatical) e semiauxiliares (com caráter
semigramatical), em oposição aos plenos. Antes, porém, ela apresenta diversos pressupostos
que encaminham o tratamento proposto para a categorização dos verbos. Entre eles, estão:
(i) A relação entre sintaxe e semântica – (a semântica influenciando na escolha do
verbo), (ii) a categorização escalar (a proposta da classificação dos verbos em um continuum),
(iii) A multifuncionalidade dos verbos (o mesmo verbo, dependendo do contexto, pode se
localizar em mais de um ponto do continuum), (iv) o que significa auxiliaridade (a definição
de auxiliaridade e auxiliarização), (v) a noção de perífrase verbal (os diferentes graus de
integração entre dois verbos) e (vi) a identificação da auxiliarização (os parâmetros que
distinguem o elemento auxiliar do elemento auxiliado).
Machado Vieira (2004), com base em tais pressupostos, apresenta, então, na seção
referente aos tipos e subtipos de verbos, os critérios que são utilizados para definir a
116
auxiliaridade. Esclarece, então, que todos os critérios podem ser observados nas formas
verbais temporais “ter” e “haver” + particípio, ou seja, quando utilizados como verbos
auxiliares: “(1) Operação/atuação sobre outro(s) verbo(s) num domínio predicativo; (2)
alteração/perda semântica; (3) desligamento semântico entre Vauxiliar e sujeito gramatical;
(4) unidade significativa/fusão semântica com um Vpredicador numa única predicação; (5)
impossibilidade de co-ocorrência da parte da sequência introduzida por Vpredicador com
oração completiva finita; (6) uma só posição sintática de sujeito com um só referente-sujeito
para as formas verbais da unidade complexa; (7) impossibilidade de substituição da estrutura
sintagmática introduzida pelo Vpredicador por uma forma pronominal demonstrativa; (8)
ocorrência de complementos clíticos em adjacência ao Vauxiliar; (9) impossibilidade de
incidência de operador de negação sobre o domínio do Vpredicador; (10) impossibilidade de
circunstante temporal que afete apenas o domínio do Vpredicador; (11) comportamento em
bloco do Vauxiliar e do Vauxiliado diante das transformações passiva e interrogativa.” (p. 72-
80).
A autora sugere que haja uma categorização escalar das perífrases estudadas e
propõe 5 graus de afastamento do pólo da auxiliaridade, formando, assim, o continuum que
vai do polo com verbo mais auxiliar para o menos auxiliar/mais lexicalizado. Segundo
Machado Vieira (2004, p. 80),
Os elementos que não revelam todas essas características são considerados semi-
auxiliares (...), classe que, por sua vez, abrange membros com diferentes
comportamentos, visto que engloba casos de verbos que se apresentam em
diferentes estágios de gramaticalização: alguns sofreram um processo de semi-
auxiliarização mais completo, outros, menos completo.
Dos cinco graus propostos para a classificação das formas verbais
auxiliares/semiauxiliares no trabalho de Machado Vieira, foram feitas adaptações (amálgama
do terceiro e quarto graus, e reorganização dos graus 2, 3 e 4) para o tratamento das
ocorrências analisadas na presente tese, obtendo-se, assim, quatro grandes grupos de
complexos verbais, como se pode verificar abaixo:
(1) Passiva de ser: ser + particípio;
(2) perífrases temporais e aspectuais: ter + particípio; haver + particípio; ir +
infinitivo; estar + gerúndio; estar + a + infinitivo; vir + infinitivo; ir + gerúndio; vir +
gerúndio; acabar + gerúndio; acabar + de/por + infinitivo; chegar + a + infinitivo;
começar / passar / voltar / pôr-se / tornar-se + a + infinitivo; continuar / ficar /
117
habituar / andar + a + infinitivo; costumar + infinitivo; continuar / ficar / andar +
gerúndio;
(3) perífrases modais: haver + de / que + infinitivo; ter + de / que + infinitivo;
poder + infinitivo; dever + infinitivo; precisar + infinitivo; dar + pra + infinitivo;
(4) complexos bi-oracionais com mesmo referente sujeito (verbos
volitivos/optativos ou declarativos): querer / evitar / prometer / resolver / decidir /
pretender / preferir + infinitivo; saber + infinitivo; tentar / procurar / conseguir /
ousar + infinitivo.
Cabe destacar que cada estrutura encontrada no corpus foi codificada
individualmente e, depois, as ocorrências foram amalgamadas em um dos grupos referidos
acima por terem propriedades sintáticas e semânticas parecidas, em relação ao nível de
auxiliaridade do v1.
Vale destacar que os verbos causativos (mandar, fazer, deixar) e sensitivos (ver,
olhar, ouvir), além dos verbos bi-oracionais com referente sujeito diferente, não foram
considerados como complexos verbais, tendo em vista que o clítico não configuraria em todas
as posições da mesma forma, ou seja, não transmitiriam o mesmo significado, como ocorre
nos verbos citados acima. Como exemplo, observe a sentença a seguir: “Deixei João vender o
livro” “Deixei-o vender” “Deixei vendê-lo”. Nas duas últimas frases, não há uma
correspondência semântica, uma vez que o clítico da última frase corresponderia à palavra
“livro” e o pronome do exemplo anterior retomaria o nome “João”.
Ressalta-se, assim, que, para a presente tese, foram consideradas como complexos
verbais as estruturas com duas formas verbais – sendo a segunda um particípio, gerúndio ou
infinitivo – entre as quais se registra, de certa forma, algum grau de integração sintático-
semântica e nas quais os clíticos pronominais possam ocupar as quatro posições em análise:
próclise a v1, ênclise a v1, próclise a v2 e ênclise a v2.
Destaca-se que a codificação inicial foi feita pelas formas verbais
auxiliares/semiauxiliares verificadas no corpus, consideradas individualmente. Sem dúvida, é
importante que se proceda à análise dos tipos de complexos verbais, tendo em vista que a
colocação pronominal, dependendo da natureza do complexo, não seria a mesma.
Assim, nos complexos com particípio e gerúndio, por hipótese a colocação pós-cv
não ocorreria, ao menos de forma produtiva, em nenhuma das variedades do Português. No
entanto, quando o verbo principal estivesse no infinitivo, todas as posições poderiam ocorrer,
dependendo da presença ou ausência de um elemento proclisador antes do complexo. Caso
118
haja a presença de tal elemento, a colocação pré-cv seria a mais utilizada no PE e PST, mas,
se não houver nenhum elemento favorecedor da variante proclítica, o pronome poderia
ocorrer enclítico a v1 ou a v2. Entretanto, no PB, independentemente do elemento antecedente
do clítico e do tipo do complexo verbal, a colocação predominantemente seria a intra-cv com
próclise a v2.
Ressalta-se que cada tipo de complexo verbal referente a v1 foi coletado e codificado
individualmente. No entanto, para melhor análise dos resultados, fez-se necessária a junção de
acordo com as semelhanças presentes em cada estrutura. Abaixo, segue a lista dos vários
complexos verbais encontrados já reunidos em subgrupos, nos quais se detectou, a partir dos
dados, a possibilidade de o clítico figurar nas várias posições possíveis.
a) Passiva de ser: ser + particípio
Ex. [CV]: pra todo povo de forma social para os estudantes como nós não tínhamos
educação e saúde era-nos garantido a cem por cento [ST-B-3-H]
b) Perífrases temporais e aspectuais: ter + particípio; haver + particípio; ir +
infinitivo; estar + gerúndio; estar + a + infinitivo; vir + infinitivo; ir + gerúndio; vir +
gerúndio; acabar + gerúndio; acabar + de/por + infinitivo; chegar + a + infinitivo; começar /
passar / voltar / pôr-se / tornar-se + a + infinitivo; continuar / ficar / habituar / andar + a +
infinitivo; costumar + infinitivo; continuar / ficar / andar + gerúndio
Ex. [CV]: L: olha eu acho que como tem menos saúde... as pessoas estão se
preocupando mais acredito... [COP-C-1-M]
c) Perífrases modais: haver + de / que+ infinitivo; ter + de / que + infinitivo; poder +
infinitivo; dever + infinitivo; precisar + infinitivo; dar + pra + infinitivo
Ex. [CV]: I – é - eles utilizam mais essa essa linguagem hum como é que te hei-de
explicar? [OEI-A-3-H]
119
d) Complexos bi-oracionais com mesmo referente sujeito (verbos volitivos/optativos
ou declarativos): querer / evitar / prometer / resolver / decidir / pretender / preferir +
infinitivo; saber + infinitivo; tentar / procurar / conseguir / ousar + infinitivo
Ex. [CV]: muito poucas pessoas querendo estudar... querendo realmente levar a sério
a escola... a pessoa quer se formar.... não quero me formar... [NIG-B-1-H]
120
6. ANÁLISE DOS DADOS
Por vários anos, resisti ao termo Sociolinguística, já que
ele implica que pode haver uma teoria ou prática
linguística bem-sucedida que não é social. (Labov, 2008
[1972])
Neste capítulo, serão apresentados os resultados da ordem dos clíticos tanto no
contexto das lexias verbais simples, quanto no dos complexos verbais.
No que se refere aos dados com apenas um constituinte verbal, estes serão
analisados de acordo com os resultados da rodada variacionista multivariada. Assim, será
considerado, em cada variedade do Português, o peso relativo de cada fator das variáveis
selecionadas pelo programa Goldvarb-x, quando se tratar de uma regra variável. Quando a
regra não for considerada efetivamente variável, mas semicategórica, serão analisados
qualitativamente todos os dados que apresentem a ordem do clítico pouco produzida, para
verificar em que contexto essa estrutura ocorre; adicionalmente, qualquer índice relativo
extraído de uma experiência adicional que se realizou com rodada multivariada no Goldvarb-
X será apresentado para justificativas e esclarecimentos que se julguem necessários.
Para os complexos verbais, como se conta com uma regra em geral ternária, optou-
se por apresentar as frequências absolutas e percentuais obtidas para cada variedade do
Português, considerando separadamente as subamostras por tipo de verbo principal, ou seja,
os resultados dos complexos com infinitivo, gerúndio e particípio serão mostrados
individualmente.
Na tabela a seguir, pode-se verificar a quantidade de dados encontrados em cada uma
das variedades do Português, tanto nas lexias verbais simples como nos complexos verbais:
Total de dados encontrados nas LVS e nos CVS no PB, PE e PST
Variedades Lexias verbais simples Complexos verbais
Português do Brasil 1.088 369
Português Europeu 2.664 642
Português de São Tomé 525 120
121
Tabela 7: Distribuição do número total de dados encontrados nas lexias verbais simples e nos complexos verbais
no PB, PE e PST37
A seguir, serão mostrados os resultados das lexias verbais simples e, logo após, dos
complexos verbais.
6.1. Lexias verbais simples
Quanto às ocorrências de clíticos em lexias verbais simples, registrou-se o total de
4.277 dados, em relação aos quais foi possível obter a distribuição absoluta e percentual dos
dados e, depois de fazer algumas recodificações, o peso relativo dos fatores relevantes para o
favorecimento da próclise, e o valor de aplicação escolhido. No gráfico abaixo, serão
mostrados os percentuais de próclise, ênclise e mesóclise verificados em cada variedade do
Português em estudo.
6.1.1. Distribuição geral dos dados pela variável dependente
No gráfico a seguir, encontra-se a realização das variantes da ordem dos clíticos em
cada uma das variedades em estudo:
37
O número de dados por variedade deve ser relativizado pelo fato de no PE se tratar de três localidades (Oeiras,
Cacém e Funchal), no PB duas (Copacabana e Nova Iguaçu) e no PST uma (área urbana de São Tomé) (cf. 5.
Metodologia). Além disso, no PST, as entrevistas são mais curtas do que nas outras variedades. Além dessas
características das amostras, vale destacar as particularidades de cada variedade; no PB, além de serem apenas
duas localidades, há o fato de haver outras estratégias para substituir o clítico pronominal, ou seja, nem sempre o
objeto é retomado com a forma átona, sendo, em alguns casos, a retomada feita pela forma tônica ou nula.
Total de dados 4.277 1.131
122
Gráfico 2: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nas lexias verbais simples
no PB, PE e PST
Na amostra brasileira, foram encontrados 1.088 dados com lexias verbais simples e a
próclise foi a opção preferencial, pela maioria dos informantes, tendo um percentual muito
alto de realização (1.053/1088; 97%) em relação à ênclise (35/1088; 3%), pouco produtiva no
corpus. Segundo Labov (2003 – cf. Capítulo 3), quando há mais de 95% da realização de uma
das supostas formas alternantes, a regra não seria variável, mas semicategórica. Destaca-se,
também, que não houve a ocorrência da variante mesoclítica no PB.
Comparando os resultados desta pesquisa à de Vieira (2002), verifica-se que a
expressividade dos presentes resultados é ainda maior: enquanto em Vieira (2002) se
encontraram 11% de dados da variante pós-verbal, o presente estudo encontrou apenas 3%,
passados cerca de 30 anos entre uma amostra e outra. Esses dados também confirmam o que
Castilho (2010, p. 484) mostra sobre o PB em sua gramática, confirmando que “o PB é
predominantemente proclítico”. Abaixo, pode-se observar um exemplo da posição pré-verbal
do clítico, prototípica no PB, e um da posição pós-verbal, em uma das estruturas particulares
em que se encontra essa forma na variedade brasileira:
Ex.1: L: vê com LF onde é que tira meu amor... e quando você descobrir me fala
porque eu também que precisa tirar [COP-B-2-M] - Próclise
Ex.2: sorvete na mão falou “ah segura aí meu sorvete” ((risos)) ai ganhou-lhe um
TApa pela mão né o sorvete foi parar longe ... [NIG-B-3-M] - Ênclise
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PB PE PST
97%
55%
40%
0% 0% 1%3%
45%
59%
Variável dependente PB, PE e PST
Próclise
Mesóclise
Ênclise
123
No PE, obteve-se um total de 2.664 dados com um constituinte verbal e verificou-se
que há uma distribuição equilibrada entre as duas variantes da variável dependente, tendo a
próclise (1.453/2664; 55%) ocorrido um pouco mais do que a ênclise (1.211/2664; 45%).
Esse resultado está bem parecido com o de Vieira (2002), no qual a próclise (53%) também
ocorreu um pouco mais que a ênclise (47%). Não se registrou qualquer dado em mesóclise.
Assim, diferentemente do PB, a regra seria variável, ao menos em termos quantitativos, tendo
sido as variantes proclítica e enclítica bem produtivas. Por meio da análise variacionista, será
possível estabelecer os condicionamentos que atuam quanto ao uso de cada variante. Seguem
os exemplos no PE:
Ex.3: é que era sempre meio traquinas e dei cabo da cabeça dos meus pais mas por
acaso em relação à educação que os meus pais me deram foi excelente [FNC-A-1-
H] - Próclise
Ex.4: L: somos um povo envelhecido por algum motivo é não é? e depois as pessoas
queixam-se muito que isto não tá bom de finanças pa ter filhos. [CAC-A-1-M] -
Ênclise
No PST, encontraram-se 525 dados com uma forma verbal. Em relação aos
resultados percentuais, essa variedade apresentou comportamento semelhante ao do PE, tendo
a ênclise (310/525; 59%) ocorrido um pouco mais do que a próclise (215/525; 40%). A
distribuição dos dados – com maior produtividade da variante enclítica – no PST pode estar
relacionada não só ao modelo europeu de colocação, mas também à situação de contato
linguístico na sociedade são-tomense, o que será observado melhor com o levantamento dos
condicionamentos da regra variável. A regra nessa variedade também apresenta
comportamento quantitativo variável, como no PE, como mostram os exemplos a seguir.
Ex.5: fui trabalhar na casa de pessoa porque salário era muito baixo, também com a
ajuda de minha avó sempre ela apoiou-me porque hoje em dia mesmo há mais [ST-
A-1-M] - Ênclise
Ex.6: eu tento lutar também porque a gente não pode sentar só esperar o que Deus
vai dar né Deus, bíblia diz, Deus disse põe tua mão que eu te ajudo então eu ponho
mão [ST-A-1-M] - Próclise
Diferentemente das outras variedades, houve a realização da mesóclise (1/525; 1%),
embora em apenas um dado, como se pode observar no exemplo abaixo:
Ex.7: MAS é preciso que haja motivação por parte dos governantes e essa motivação
tornar-se-ia mais extensiva aos professores [ST-C-3-H] - Mesóclise
124
Com base no descrito anteriormente, os dados do PB serão analisados de forma
diferente das outras variedades. Como a regra é semicategórica, será feita a análise dos dados
enclíticos e, adicionalmente, haverá uma demonstração das variáveis selecionadas pelo
programa em uma rodada experimental, de modo a confirmar estatisticamente os contextos
específicos em que se registra a posição pós-verbal. Já com o PE e com o PST, realiza-se um
efetivo tratamento de regra variável e serão mostradas as variáveis selecionadas pelo
programa, acompanhadas de exemplificação adequada. Antes, porém, observa-se a
distribuição das ocorrências pelas variáveis extralinguísticas.
6.1.2. Distribuição dos dados pelas variáveis extralinguísticas
Serão apresentados os resultados obtidos quanto às três variáveis extralinguísticas
codificadas – sexo, faixa etária e nível de instrução – para a verificação do que ocorreu na
fala dos indivíduos de cada sexo, das três faixas etárias e dos três níveis de instrução. Vale
destacar que nem todas as variáveis foram selecionadas pelo Programa para o fenômeno;
somente o sexo no caso do PST foi selecionado. No entanto, acredita-se ser importante sua
análise para que se possa construir um panorama do comportamento de cada variedade.
Variáveis extralinguísticas nas três variedades
Próclise Sexo Faixa etária Nível de instrução
Homem Mulher Faixa A Faixa B Faixa C Nível 1 Nível 2 Nível 3
PB 536/558
(96%)
517/530
(98%)
290/300
(97%)
374/382
(98%)
389/406
(96%)
365/371
(98%)
325/336
(97%)
363/381
(95%)
PE 659/1.215
(54%)
794/1.449
(55%)
360/657
(55%)
503/926
(54%)
590/1.081
(55%)
503/991
(51%)
476/833
(57%)
474/840
(56%)
PST 137/260
(53%)
78/265
(29%)
82/154
(53%)
60/180
(33%)
73/191
(38%)
44/126
(35%)
59/169
(35%)
112/230
(49%)
Tabela 8: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais pelas variáveis extralinguísticas nas lexias
verbais simples no PB, PE e PST
No PB, verifica-se que os índices são muito próximos (todos a partir de 95%), não
havendo, portanto, diferença expressiva pelos percentuais. Confirma-se, assim, que a regra é
realmente semicategórica na variedade como um todo, não se tratando mais de fenômeno
sensível a condicionamentos sociais.
125
No PE, conforme já foi dito anteriormente, nenhuma das variáveis extralinguísticas
foi selecionada. Essa não seleção realmente se justifica pelo fato de os índices estarem bem
próximos (entre 51% - 57%). Com isso, os resultados demonstram que o fenômeno não é
sensível ao perfil do informante quanto ao sexo e à faixa etária (54% - 55%) nem ao nível de
instrução (51% - 57%). Confirmam, assim, que a colocação dos clíticos pronominais depende,
de forma geral, dos contextos sintáticos em que o pronome se encontra, contextos que serão
descritos na próxima seção.
Vale ressaltar que, no PE, a distribuição das variantes em relação a cada uma das três
localidades controladas não foi efetivamente distinta, obtendo-se a variante proclítica em 57%
dos dados em Cacém, 54% em Lisboa e 52% em Funchal. Além da distribuição geral dos
dados, fez-se um cruzamento das três localidades com os elementos antecedentes (que será
devidamente explorado na análise dos dados do PE) para verificar se haveria alguma
diferença significativa nessa localidade, diferença que também não foi detectada. Pelo fato de
não haver qualquer diferença significativa entre as três localidades do PE em termos
percentuais e, ainda, de nenhuma variável extralinguística ter sido selecionada pelo Programa
Goldvarb-x, não se separou a localidade de Funchal das demais.
Com relação à atuação das variáveis extralinguísticas na amostra do PST, há uma
perceptível diferença de comportamento entre os dados produzidos por indivíduos do sexo
masculino (53%) e os do sexo feminino (29%), uma vez que os homens utilizam mais de 50%
de próclise enquanto as mulheres utilizam apenas 29%. A faixa B (33%) e a faixa C (38%)
estão bem próximas no que diz respeito à utilização da próclise, enquanto diferentemente a
faixa A foi a que mais utilizou essa variante (53%). Quanto aos graus de instrução, também
houve um equilíbrio nos níveis 1 e 2, tendo ambos 35% dos dados na posição proclítica, e o
nível 3 foi o que mais realizou essa colocação (49%). Além de haver certa diferença
percentual entre os fatores, a análise multivariada revelou condicionamento da variável sexo,
que foi selecionada pelo programa Goldvarb-x e será mais bem analisada em subseção a
seguir (cf. 6.1.3.3. Português de São Tomé).
Com base na descrição ora apresentada, verifica-se que a distribuição quase idêntica
quanto aos fatores sociais no PB e no PE sugere que o fenômeno está com o comportamento
totalmente estável, pois, no PB, a próclise realmente seria quase categórica para todas as
variáveis extralinguísticas e, no PE, elas não se mostrariam relevantes, pois o contexto
estrutural em que o clítico se encontra seria o que realmente condicionaria cada variante em
questão. No caso do PST, diferentemente das duas anteriores, não há uma estabilidade no
condicionamento social do fenômeno, uma vez que a variável sexo (29% - 53%) foi
126
selecionada pelo programa, mostrando sua importância, e há níveis de realização bem
diferentes na faixa etária (33% - 53%) bem como no nível de instrução dos informantes (35%
- 49%). Assim, no PST, estaria ocorrendo uma instabilidade também no encaixamento social
do fenômeno, que ainda está em via de se estabelecer como um tendência efetiva geral são-
tomense.
6.1.3. Variáveis relevantes para o fenômeno
O Programa selecionou, para o PE e PST, de todas as variáveis linguísticas
codificadas para este estudo, as variáveis presença e natureza do elemento antecedente,
tempo/modo verbal e distância entre o clítico e um elemento antecedente. Para o PST, além
dessas variáveis, o programa também selecionou o sexo dos informantes e a tonicidade das
formas verbais.
Vale ressaltar que foram feitas várias rodadas com junções diferentes e foram
escolhidas as rodadas multivariadas em que se pudesse observar o efeito das referidas
variáveis sempre selecionadas e nas quais a significância fosse considerada muito boa para o
tratamento das três variedades do Português: PB (0.04), PE (0,00) e PST (0,03). Destaca-se
que, para o PB, como já foi dito anteriormente, a análise qualitativa será dos dados enclíticos,
mas a rodada mais relevante será mostrada a título de curiosidade e informação adicional. Por
isso, a partir daqui, os resultados apresentados das lexias verbais simples – não só os valores
absolutos e percentuais (nas tabelas/gráficos), mas também os pesos relativos (nos gráficos) –
referem-se às variáveis selecionadas pelo programa.
6.1.3.1. Português do Brasil
Para analisar as lexias verbais simples do PB, observe-se o gráfico apresentado
abaixo, que mostra a expressiva ocorrência da próclise em todos os contextos (início absoluto
de oração/período e demais contextos):
127
Gráfico 3: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nas lexias verbais simples no PB
Como os índices gerais de próclise no PB alcançaram exatamente 97% dos casos, o
que configuraria uma regra semicategórica nos termos de Labov (2003), e como nos contextos
com elementos antecedentes à forma verbal, a maioria passou de 95%, é preciso investigar a
natureza dos dados de ênclise para testar a hipótese de que eles não configurem efetivamente
uma situação de variação. Por isso, diferentemente da análise do PE e do PST, em que a
ênfase será dada à variante proclítica, para o PB, a análise será baseada nos dados enclíticos.
Vale ressaltar que, quando possível e necessário, serão utilizados os resultados da
rodada multivariada para confirmar o que estiver sendo analisado. Destaca-se que foram feitas
diversas rodadas: com todas as variáveis linguísticas, retirando da rodada os dados
categóricos com o pronome “te” e as partículas de negação, retirando o pronome “te” e todos
os elementos antecedentes e, por último, retirando tudo o que fosse categórico (pronome “te”,
partículas de negação, orações subordinativas e modo verbal no subjuntivo). Esta última
rodada será utilizada na análise, pois foi a que mostrou os resultados de forma mais
esclarecedora. A significância foi de .04 e o input, ou seja, a tendência da aplicação da
próclise, foi de .98, mostrando que a tendência do PB é a colocação proclítica e confirmando
que o estatuto da regra de colocação pronominal no PB é semicategórico.
Dessa forma, dos 1.088 dados em lexias verbais simples encontrados no PB, 1053
dados estão proclíticos, confirmando que a próclise em diversos contextos é comum na
variedade brasileira (CUNHA & CINTRA, 2007; CASTILHO, 2010; VIEIRA, 2002)38
,
inclusive em início absoluto de frase, sendo uma inovação brasileira, segundo Martins (2009).
38
Em contextos da escrita (LOBO, 1992; VIEIRA, 2002; MARTINS, 2009), embora também se registrem, a
depender sobretudo do gênero textual, a próclise em diversos contextos, a distribuição dos dados é bastante
diferente da fala brasileira, visto haver o uso produtivo da ênclise.
Ênclise3%
Próclise97%
Mesóclise0%
Português do Brasil
128
Descumpre-se, assim, a chamada Lei de Tobler-Moussafia, segundo a qual as formas clíticas
não podem ocupar a posição inicial absoluta de frase; de acordo com Mateus et alii (2003, p.
849), “esta generalização não é válida para (...) o português brasileiro (...) „Me conta essa
história direitinho‟”.
Foram encontrados somente 35 exemplos de ênclise em todo o corpus, confirmando
o que Perini (2007, p. 2030) diz em sua gramática: “a ênclise está desaparecendo do
português brasileiro”. Dessa forma, foram analisados tais dados, listados a seguir, para
verificar em quais contextos ela ainda ocorre.
Ex.8: outros não outros estão ali de repente... alguns frustrados porque não
alcançaram o que desejavam na vida e restou-lhes apenas lecionar na rede pública
[COP-A-2-H]
Ex.9: se por exemplo no caso hipoteticamente eu sou o prefeito do Rio de Janeiro... o
que eu faria assim... expandia a rede de abrigos e torná-los centros de formação...
[COP-A-2-H]
Ex.10: àquelas pessoas dar cidadania dar... horizontes pra ela você formá-la se a
família não teve a competência de formar aquela/ aquele indivíduo NE [COP-A-2-H]
Ex.11: as armas só só trazem/ o que elas podem trazer? eh morte apenas né eu acho
que deveria estar restrita a quem é capaz e competente para usá-la pra manuseá-la...
[COP-A-2-H]
Ex.12: as armas só só trazem/ o que elas podem trazer? eh morte apenas né eu acho
que deveria estar restrita a quem é capaz e competente para usá-la pra manuseá-la...
reformar a polícia [COP-A-2-H]
Ex.13: então eh: então eles vêm aqui justamente com essa intenção (que) as pessoas
aqui têm como eh provê-las essas pessoas nesse sentido né [COP-A-2-H]
Ex.14: você moldar você controlar se torna muito mais complicado né então se
houvesse um preparação de pais de ensiná-los a ser pais o que é ser pai? [COP-A-2-
H]
Ex.15: eu tenho uma relação de respeito com o meu pai que: assim nunca precisou
bater em mim pra... eu temê-lo pra que eu (o) respeitasse... [COP-A-3-H]
Ex.16: uns Erros griTANtes assim... nunca ví... falam BEM... são duas pessoas que
discursam bem eu já tive oportunidade de/ de vê-los de PERto e tudo... eh:: e são
pessoas que falam bem [COP-A-3-H]
Ex.17: L: “que i::sso ca:ra como é que tu pode deixar um negócio desse acontecer na
tua ca::sa rapaz:”... que falta de (sabe)
D1: é
L: perdeu-se a questão (do sentar-me) à me:sa [COP-B-1-H]
129
Ex.18: L: “que i::sso ca:ra como é que tu pode deixar um negócio desse acontecer na
tua ca::sa rapaz:”... que falta de (sabe)
D1: é
L: perdeu-se a questão (do sentar-me) à me:sa [COP-B-1-H]
Ex.19: Maria e José que acompanhavam Jesus onde ele ia: entendeu Jesus que
respeitava os seus pais... perdeu-se hoje isso... e (tal) não tem mais respeito né
[COP-B-1-H]
Ex.20: L: então perdeu-se muito isso... (já do meu outro irmão) é uma zo:na
D2: ((risos)) [COP-B-1-H]
Ex.21: L: eu tenho... não quando eu me aposentar eu provavelmente vou-me embora
pra Maceió e vou vir ao Rio apenas pra passear [COP-B-2-M]
Ex.22: L: então o quê que você tem que fazer daqui pra frente na sua vida?... tudo
que você quiser ou acontecer você diz “envolvo-me... na força da imensidão do amor
de Deus”... [COP-C-1-M]
Ex.23: ajudar a fazer currículo... ensinavam como a gente deveria proceder... nas
entrevistas... foi muito bom e acabou-se... [COP-C-2-M]
Ex.24: a mulher é mulher e homem é homem... hoje em dia em dia eu sou amiga do
meu marido... eu sou de deixá-lo... eu acho que ele vai ficar sozinho [COP-C-2-M]
Ex.25: L: lá nos Estados Unidos... quando ele tirou o:... o PHD... e: o orientador
dele... até hoje... convida-o... para dar aulas no lugar dele [COP-C-3-H]
Ex.26: L: é batalhão (Suez)... chama-se batalhão Suez um batalhão do segundo
regimento de infantaria... aqui do Rio [COP-C-3-H]
Ex.27: L: com coisinhas para os/... mandavam goiabada (mandavam isso mandavam
aquilo)... e na volta... o avião levava... coisas que o pessoal de lá comprava
D: uhn
L: mandava-se... e/ essas coisas raras (que tem por aí) [COP-C-3-H]
Ex.28: L: eh fui receber a LF no Cairo
D: uhn
L: e levei-a para um ( )... lá ela ficou hospedada na pensão que havia justamente pra
isso [COP-C-3-H]
Ex.29: a LF foi pra (uma ilha) no Cairo... passamos uns dias lá e depois ela foi pra
Faixa de Gaza... eu levei-a pra pensão [COP-C-3-H]
Ex.30: L: mas ganhavam tudo... no meu batalhão... no/ na minha metade/ no meu
batalhão que é o décimo primeiro... foi o campeão brasileiro de tiro... chamava-se
Major LM... [COP-C-3-H]
130
Ex.31: L: é as pessoas
L: percebe... percebe-se muito aí fora [NIG-A-2-M]
Ex.32: Pai Rico Pai Pobre... chama-se criar um portefólio... você tem que criar teu
portefólio... [NIG-B-3-H]
Ex.33: sorvete na mão falou “ah segura aí meu sorvete” ((risos)) ai ganhou-lhe um
TApa pela mão né o sorvete foi parar longe ... [NIG-B-3-M]
Ex.34: aí você imagina ... eu: já tou aqui ... eu NASCI:: no K onze ... então o K onze
pra mim tornou-se realmente assim ... [NIG-B-3-M]
Ex.35: “ah não peraí tá entrando lama na caixa econômica” se é um banco do Brasil
“ah não tem que f/ fechar”... que se dane-se Guanabara se fosse uma polícia
federal... [NIG-C-1-H] 39
Ex.36: deram o nome de Bahia de todos os santos por que dia primeiro é dia de todos
os santos então usa-se esse costume de dar nomes aos locais para identificar... [NIG-
C-3-H]
Ex.37: as crianças estão muito sol:tas muito não/ não tem assim uma re:gra a seguir:
e isso parece-me que é voz geral em to:das as escolas ... entendeu? [NIG-C-3-M]
Ex.38: por exemplo quando é as pessoas que moram lá dentro de Iguaçu Ve:lho por
exemplo ... parece-me que é até às dez horas da noite que o ônibus chega [NIG-C-3-
M]
Ex.39: o projeto é do Bournier ... agora parece-me que vai se estender a/ o projeto o
/ oficial é que ele/ a: Via Light se estenda até o porto de Sepetiba né ... [NIG-C-3-M]
Ex.40: a Via Li:ght é o cartão de visitas deve-se ao Bournier ... aí fica naquela /
naquele jogo de empurra ... [NIG-C-3-M]
Ex.41: L: só não vale é botar um monte de criança no mundo e não ter como fazer
para / para faze-lo ge / gente grande gente descente ... [NIG-C-3-M]
Ex.42: L: ele simplesmente tirou ZERO ... o professor de ciências deu-lhe ZERO ...
isso palav / coisas contadas por ele [NIG-C-3-M]
Analisando os 35 exemplos supracitados, verifica-se que a ênclise ocorre em
contexto com ou sem proclisador, embora a grande maioria desses dados tenha ocorrido sem
elemento proclisador clássico: como no início absoluto, depois de sujeitos, de conjunções
coordenativas etc.
39
Verifica-se que o clítico apareceu duplicado nesse exemplo, mostrando a dúvida do falante, se utilizaria a
colocação proclítica ou enclítica. Embora não seja objetivo específico do presente estudo observar essas
estruturas, comportamentos como esse são relevantes para sinalizar o processo de aquisição de variantes pouco
familiares a usuários de normas vernaculares distintas das que se tem como modelares.
131
Cabe observar, ainda, que, dos 36 informantes brasileiros investigados no presente
estudo, os dados de ênclise ocorreram na fala de apenas 13, sendo que 4 deles foram os que
mais produziram a variante enclítica – os quatro em conjunto concretizaram 23 das 35
ocorrências. São três homens de Copacabana: COP-A-2-H com 7 dados, COP-B-1-H com 4
dados e COP-C-3-H com 6 dados; e uma mulher de Nova Iguaçu: NIG-C-3-M com 6 dados.
Vale destacar que os dois últimos informantes são da faixa etária C e do nível de instrução 3.
Além disso, dos 35 dados enclíticos, 25 são de Copacabana e somente 10 de Nova Iguaçu.
Provavelmente, essa diferença pode estar relacionada ao fato de os informantes de
Copacabana terem mais acesso a uma variedade de práticas socioculturais e consequentes
experiências de letramentos múltiplos, típicas da região de prestígio em uma sociedade, se
comparados aos indivíduos de Nova Iguaçu. Obviamente, essa hipótese só poderá ser
confirmada mediante um estudo sociológico aprofundado dessas comunidades, bem como do
impacto de suas características em relação a vários fenômenos linguísticos.
No que diz respeito, ainda, às variáveis extralinguísticas, os falantes do sexo
masculino produziram maior número de dados: foram 22 ocorrências encontradas na fala dos
informantes do sexo masculino e apenas 13 na do sexo feminino.
O controle do nível de instrução demonstrou que mais da metade dos dados foi
concretizada por informantes com nível 3 (superior) de escolaridade, indivíduos que
estudaram mais, o que confirmaria o pressuposto de o clítico na posição pós-verbal ser um
aprendizado da escola. Interessante é a escala que se formou nessa variável, tendo em vista
que, depois do nível 3 (com 18 dados de ênclise), vem o nível 2 (com 11 dados) e, por último,
o nível 1 (com apenas 6 dados), mostrando que, na subamostra de dados de colocação pós-
verbal, quanto mais instruído é o indivíduo, maior é o número de ênclises por ele produzida.
Em relação à faixa etária, verificou-se certa diferença, tendo em vista que quase a
metade dos dados foi produzida pela faixa etária C (17 dados), ou seja, por falantes mais
velhos. Na rodada experimental, em que, mesmo assumindo não haver um caso de efetiva
regra variável, se testou o tratamento estatístico, a faixa etária foi selecionada pelo programa e
teve o seguinte resultado:
132
Faixa etária no PB
LVS - PB Próclise
Faixa A 290/300 - 97%
Faixa B 374/382 - 98%
Faixa C 389/406 - 96%
Tabela 9: Distribuição dos dados da variante proclítica
nas lexias verbais simples pelas três faixas etárias do PB
Gráfico 4: Aplicação da próclise nas lexias verbais simples do PB de acordo como a faixa etária40
Analisando os resultados acima, embora se reafirme que percentualmente não há
praticamente diferença entre as faixas etárias (A = 97%, B = 98% e C = 96%), os pesos
relativos indicam tendência à implementação genérica da próclise, de modo que, quanto mais
jovem, maior se mostra a realização da próclise nas lexias verbais simples; assim, a faixa
etária A (0,7) favorece a posição proclítica, seguida da faixa B (0,52) com favorecimento
mais discreto, visto estar próximo ao ponto neutro (0,50), e a faixa C (0,32) desfavoreceria a
posição antes do verbo, como se pode observar nos exemplos a seguir:
Ex.43: L: então eu pa/ passava o dia inteiro com a minha vó entendeu... a minha avó
o meu avô me levavam pra escola de manhã... fazia almoço [COP-A-2-M] – Faixa
A
40
Constata-se que houve certa assimetria entre os percentuais e os pesos relativos no caso da variável faixa
etária. No entanto, vale destacar que, percentualmente, a distribuição da próclise por faixa etária se mostrou
praticamente idêntica nos três fatores controlados; desse modo, coube à análise estatística desenvolvida pelo
Programa ponderar os diversos fatores em coatuação e prover os pesos relativos dispostos no gráfico, que
sinalizam o efetivo efeito condicionador em questão.
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
Faixa A Faixa B Faixa C
0,7
0,52
0,32
Faixa Etária - PB
Próclise
133
Ex.44: L: as minhas noras me chamam de você [NIG-B-1-M] – Faixa B
Ex.45: as crianças estão muito sol:tas muito não/ não tem assim uma re:gra a seguir:
e isso parece-me que é voz geral em to:das as escolas ... entendeu? [NIG-C-3-M] –
Faixa C
Em relação às variáveis linguísticas, no que tange ao tempo verbal, há onze
exemplos com o verbo no infinitivo e vinte e quatro com o verbo no indicativo. Dos verbos
no indicativo, doze estão no passado e doze no presente; esse uso expressivo de formas
infinitivas sugere um comportamento particular dessas estruturas, o que, como se observa a
seguir, se associa ao tipo de pronome em questão.
No que diz respeito ao tipo de clítico, dos 35 dados de ênclise, 13 são com os clíticos
acusativos, mostrando que a posição pós-verbal é verificada com as formas “o(s)” e “a(s)”,
principalmente quando o verbo está no infinitivo.
Na tabela a seguir, registra-se a distribuição percentual do total de dados de ênclise
quanto ao tipo de clítico:
Tipo de clítico
Clíticos Ênclise
O (s), a (s) 13/35 = 37%
Se 13/35 = 37%
Me 6/35 = 17%
Lhe 3/35 = 9%
Tabela 10: Distribuição dos dados da variante enclítica nas lexias verbais simples
do PB pelo tipo de clítico
No que se refere exclusivamente aos 35 dados de ênclise e ainda ao tipo de clítico, os
exemplos ocorrem com o acusativo (13 dados), com a forma dativa “lhe” (3 dados), como se
mostrou anteriormente, ou com o “se” (13 dados), além de 6 ocorrências com o pronome
“me”, o que pode estar relacionado ao que o indivíduo aprendeu na escola. Estudos anteriores,
como os de Rodrigues-Coelho (2011), demonstram que, no contexto escolar, os brasileiros
acabam por utilizar, até o fim do ensino médio, as formas acusativa e dativa, além do clítico
se sobretudo em estruturas indeterminadoras – clíticos pouco utilizados na fala vernacular,
espontânea e não monitorada – em ênclise nas redações escolares.
Além disso, há que se atentar para a presença de construções como se fossem formas
“fixas” com o “se”, como nos dados de “chama-se”, “dane-se”, ou, ainda, “deve-se”. Quanto
às três ocorrências de “lhe”, sobretudo duas, elas também podem, ao que parece, estar
associadas a um tipo de construção mais ou menos fixa, uma com o verbo dar (“deu-lhe
134
zero”) e outra com o verbo ganhar (“ganhou-lhe uma tapa”), além da ocorrência com o verbo
restar (“restou-lhe”). Dos seis dados com o “me”, o exemplo 22 é uma citação; há dois dados
com o pronome inerente ligados o verbo ir (vou-me) e sentar (sentar-me); e os outros três
dados são com o verbo parecer – o que também se associa a certo grau de fixidez na
construção “parece-me que...” – e são do mesmo informante: uma mulher de Nova Iguaçu da
faixa etária C e com o nível 3 de instrução.
Para confirmar a análise feita sobre os pronomes enclíticos, observe-se a tabela, a
seguir, que apresenta os índices percentuais de próclise na totalidade dos dados do PB,
considerando a variável tipo de clítico:
Tipo de pronome
LVS – PB Próclise
te 41
104/104 - 100%
me, nos 479/485 - 99%
se reflexivo 304/308 - 99%
se indeterminador/apassivador 157/166 - 95%
o (s), a (s), lhe (s)42
9/25 - 36%
Tabela 11: Distribuição dos dados da variante proclítica
nas lexias verbais simples do PB por tipo de clítico
A tabela mostra que, percentualmente, os clíticos “o(s)”, “a(s) e “lhe(s)” realizariam
efetivamente mais a ênclise, sendo a próclise registrada em apenas 36% dos dados. Tal
resultado pode estar diretamente relacionado ao fato de esses pronomes serem adquiridos por
intermédio da escola, da leitura de textos mais formais, conforme já se apresentou. Nos
exemplos a seguir, verifica-se o comportamento preferencial dos clíticos acusativo e dativo de
terceira pessoa.
Ex.46: L: primeiramente quanto aquele problema que a gente falou inicialmente os
moradores de rua ter na/ eh se por exemplo no caso hipoteticamente eu sou o prefeito
do Rio de Janeiro... o que eu faria assim... expandia a rede de abrigos e torná-los
centros de formação... realmente do indivíduo e naqueles locais as pessoas terem
[COP-A-2-H]
41
Vale ressaltar que todos os dados com o pronome “te” apareceram proclíticos; por isso, no gráfico a seguir
apresentado só figura o percentual, e não o peso relativo. 42
Como já foi visto anteriormente, houve somente seis dados com o “lhe (s)”, motivo pelo qual se optou, para a
rodada multivariada experimental, fazer a junção dos referidos clíticos de terceira pessoa e os acusativos.
135
Ex.47: àquelas pessoas dar cidadania dar... horizontes pra ela você formá-la se a
família não teve a competência de formar aquela/ aquele indivíduo né então o Estado
assume a responsabilidade de formar aquele indivíduo dar educação [COP-A-2-H]
Ex.48: L: mas muito bonzinho... pra nós que estávamos ( )... e:... a LF foi pra (uma
ilha) no Cairo... passamos uns dias lá e depois ela foi pra Faixa de Gaza... eu levei-a
pra pensão [COP-C-3-H]
Ex.49: sorvete na mão falou “ah segura aí meu sorvete” ((risos)) ai ganhou-lhe um
TApa pela mão né o sorvete foi parar longe ... [NIG-B-3-M]
Na rodada multivariada experimental adicional, o programa indicou o
desfavorecimento da próclise com os pronomes acusativos, o “lhe(s)” e o “se”
indeterminador/ apassivador, como pode ser visto no gráfico a seguir 43
:
Gráfico 5: Aplicação da próclise
nas lexias verbais simples do PB de acordo com o tipo de clítico
Em relação aos tipos de clíticos, verifica-se que os pronomes “te” (100% de
próclise), os de primeira pessoa – “me”, “nos” – (0,63) e o “se” reflexivo (0,59) favorecem a
próclise, enquanto os clíticos “se” indeterminador e apassivador (0,21) e os pronomes
acusativo e dativo de terceira pessoa – “o (s)”, “a (s)” e “lhe (s)” – (0,00) desfavorecem a
referida variante.
43
Quando os índices foram categóricos, seja para a próclise (100%) ou para a ênclise (0%), o resultado foi
adaptado para a representação em peso relativo, como mostra o Gráfico 5, no qual a próclise se deu, por
exemplo, em 100% dos dados com o pronome “te”.
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1
0,63 0,59
0,21
0
Tipo de Clítico - PB
Próclise
136
Apenas para confirmar que a variante proclítica assume caráter geral na variedade
brasileira, apresentam-se, aqui, os resultados quantitativos referentes à presença e à natureza
do elemento antecedente, como se pode observar na tabela e no gráfico a seguir:
Elementos antecedentes
LVS – PB Próclise
Partículas de negação 177/177- 100%
Conjunções subordinativas 266/268 - 99%
Sujeitos 286/291 - 98%
Adjuntos adverbiais 60/64 - 94%
Preposições 101/108 - 93%
Complementos preposicionados 14/15 - 93%
Início absoluto 116/128 - 91%
Conjunções coordenativas 33/37- 89%
Tabela 12: Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o elemento antecedente
nas lexias verbais simples do PB
Gráfico 6: Aplicação da próclise de acordo com o elemento antecedente
nas lexias verbais simples do PB
No Português do Brasil, quando se analisam os percentuais dos elementos
antecedentes, confirma-se não haver qualquer efeito proclisador, visto que, mesmo em início
absoluto de oração, a próclise chega a alcançar 91% das ocorrências. Os resultados apontam,
0%
20%
40%
60%
80%
100%
100% 99% 98%94% 93% 93% 91% 89%
Elementos Antecedentes - PB
Próclise
137
ainda, a próclise categórica com as partículas de negação (100%) e quase categórica com as
conjunções subordinativas (99%), consideradas tradicionalmente atratoras, mas também após
sujeitos (98%), contexto que obrigaria a ênclise na visão tradicional. Além disso, vale
destacar que os demais contextos analisados se mostraram com um percentual bem relevante,
sendo a maioria acima de 91%, somente as conjunções coordenativas tiveram um percentual
um pouco menor (89%).
Embora haja certa oscilação dos índices percentuais, verifica-se a confirmação do
input geral da regra, mostrando que a próclise é a colocação geral, de modo que os valores
percentuais registram essa opção preferencial em todos os contextos, considerados “atratores”
tradicionais ou não, o que invalida a possibilidade de interpretação de efeito proclisador no
PB.
Esse resultado demonstra que não há, efetivamente, o tradicional efeito proclisador,
mas um comportamento particular no PB, como pode ser verificado nos exemplos a seguir:
Ex.50: L: é eu trabalhei no Humaitá... antes... porque eu trabalhei num órgão da
prefeitura... eh:: e trabalhar no Centro é muito melhor por tudo por transporte que é
mais fácil porque o metrô te leva até lá... coisa que/ no Humaitá já não tem metrô...
né... eh [COP-A-3-H]
Ex.51: eh justamente isso você... embora... eh você pode conse/ muitos claro que não
são não tem essa/ esse instinto não tem essa caráter delinqüente assim não são
bandidos mas você se sente inseguro [COP-A-2-H]
Ex.52: D: e você acha que em matéria de segurança o seu bairro é um bom bairro?
você se sente seguro?
L: me sinto eu nunca fui assaltado só você andar na rua que tá tranqüilo... [COP-A-
1-H]
Assim, após a análise qualitativa dos 35 dados enclíticos encontrados em 1.088
ocorrências coletadas para o PB, complementada pela rodada multivariada que se
experimentou fazer e pela análise de alguns grupos de fatores costumeiramente relevantes ao
fenômeno, pode-se mostrar que as ênclises encontradas são muito específicas, pois ocorrem,
em geral, com determinadas formas verbais (infinitivo (11), além do presente e passado do
indicativo) e determinadas formas pronominais (destacando-se “o(s)”, “a(s)”), além de em
alguns casos parecerem expressões com algum grau de fixação lexical, como em “deu-lhe”,
“parece-me” e “chama-se”.
Dessa forma, confirma-se o estatuto semicategórico da colocação pronominal no PB
também em termos qualitativos. Em relação à realização da variante pós-verbal, a maioria dos
138
casos é, de fato, de construções particulares e está longe de representar mobilidade geral dos
clíticos no PB. Trata-se de pronomes normalmente adquiridos por letramento, de frases
prontas, não configurando ser a ênclise uma construção sintática natural. Ao que parece,
seriam construções mais fixas, cristalizadas ou, mais raramente, adquiridas através de
experiências de letramento, na escola ou por meio da leitura de textos.
6.1.3.2. Português Europeu
Tendo sido atestada a variação quantitativa na colocação pronominal do PE, serão
mostradas as variáveis relevantes selecionadas pelo programa, considerando como valor de
aplicação a variante pré-verbal, quais sejam: presença e natureza do elemento antecedente,
modos verbais e distância entre o clítico e um elemento antecedente. Sendo a ordem dos
clíticos pronominais no PE um fenômeno controlado estruturalmente, os grupos de fatores
relacionados limitam-se ao efeito exercido pela presença e natureza do elemento antecedente
ao verbo e à própria forma verbal em questão.
a) Presença e natureza do elemento antecedente
Presença e natureza do elemento antecedente
LVS – PE Próclise
Partículas de negação 387/398 - 97%
Conjunções subordinativas 702/770 - 91%
Prep. „para‟, „de‟ „por‟ e „sem‟ 145/155 - 93%
Operadores de foco 130/151 - 86%
Adjuntos adverbiais 15/96 - 15%
Complementos preposicionados 6/42 - 14%
Preposições „a‟ e „em‟ 5/34 - 14%
Sujeitos 39/348 - 11%
Conjunções coordenativas 20/186 - 10%
Início absoluto 0/484 - 0%
Tabela 13: Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o elemento antecedente nas lexias
verbais simples do PE
139
Gráfico 7: Aplicação da próclise de acordo com o elemento antecedente
nas lexias verbais simples do PE
Na tabela e no gráfico acima, verifica-se que, em início de sentença (oração e
período), não houve nenhum dado em próclise, como se esperava, motivo pelo qual foram
desconsiderados (excluídos da amostra) os dados em início absoluto de oração e de período.
Esse resultado categórico – que confirma o que foi atestado nos poucos estudos que tratam da
fala portuguesa, como Vieira (2002), Vieira, M. F. (2011) – é fundamental para o
estabelecimento do perfil de cada variedade do Português, sobretudo porque se configura uma
diferença radical entre o parâmetro adotado no PB (com 91% de próclise nesse contexto) e o
adotado no PE, com ausência de variação no início de sentença.
Quanto aos demais contextos, constata-se a atuação de dois grupos em direção
contrária: o dos elementos que exerceram efeito proclisador e o dos elementos sem esse
efeito. As partículas de negação (0,91) e as conjunções subordinativas (0,81) são os elementos
que mais favorecem a realização da próclise. Além dos dois fatores já referidos, as
preposições “para”, “de”, “por” e “sem” (0,77) e os operadores de foco (0,66) também
favoreceram a variante proclítica.
Ex.53:INF: porquê porque as pessaoas [pessoas] não se respeitam agora as melheres
[mulheres] já não se se submetem aos homens [FNC-A-1-M]
Ex.54: o momento mais marcante se calhar vai ser (XX) provavelmente foi quando
me disseram a nota do do projecto final [FNC-A-3-H]
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1 0,910,81 0,77
0,66
0,04 0,04 0,03 0,03 0,02 0
Elementos Antecedentes - PE
Próclise
140
Ex.55: L: os meus pais são capazes de se sentar comigo e com o meu irmão e termos
ali uma conversa... [CAC-A-2-H]
Ex.56: L:...aqui onde eu estou por exemplo acontece muito isso a gente temos
pessoas mais do Norte também se vê muitos alentejanos acho engraçado... [CAC-A-
1-M]
No entanto, é importante destacar que essa realização proclítica não registra nem se
aproxima de índices categóricos (cf. exemplos a seguir), ou seja, a realização da próclise não
se deu em 100% dos dados que tinham esses elementos antes do clítico. Com as partículas de
negação, por exemplo, registrou-se o percentual de 3% da variante pós-verbal e o peso
relativo de 0,09 em relação à ênclise. Esse resultado não confirma a suposta parametrização
radical em relação ao efeito proclisador no PE. Nos trabalhos de Vieira (2002) e Vieira, M. F.
(2011), esse efeito proclisador categórico também não foi confirmado. Em Vieira (2002), só
as partículas de negação obtiveram 100% dos dados enclíticos; nos demais contextos
proclisadores, isso não ocorreu (conjunção subordinativa (89%), conjunção integrante (96%)
e pronome relativo “que” (99%), por exemplo). Essa variação em tais contextos foi
confirmada, quase dez anos depois, com o trabalho de Vieira, M. F. (2011), que verificou a
colocação no chamado Português Dialetal e mostrou que não houve nenhum dado com
atração categórica (partículas de negação (.98), preposições “para”, “de”, “por” e “sem” (.97),
elementos de foco (.95), estruturas clivadas (.94) e elementos subordinativos (.76)). De
acordo com a mais recente gramática de Raposo et alii (2013)44
, Martins propõe que “os
pronomes clíticos são sempre proclíticos nas orações principais negativas, até mesmo nos
casos em que ocorre a chamada „negação expletiva‟ (grifo nosso)” (p. 2242). Além disso,
destaca que as “palavras nenhum, nada, ninguém se encontram associadas ao valor negativo e
à natureza quantificacional, o que permitiria juntá-las ao grupo dos quantificadores, que são
também desencadeadores de próclise” (p. 2243).
Com as conjunções subordinativas, o percentual de ênclise foi ainda maior, de 9% e
0,19. Entretanto, segundo Martins (in Raposo et alii, 2013), “os pronomes clíticos ocorrem
em posição proclítica em todos os tipos de orações subordinadas finitas.” (p. 2274). Na página
seguinte, “a fim de ilustrar a universalidade da próclise nos domínios de subordinação finita
(grifo nosso)” (p. 2275), apresenta-se um conjunto de exemplos em que a colocação proclítica
ocorre, mesmo quando o elemento subordinativo não está adjacente ao verbo. No entanto,
44
Escolheu-se essa gramática por ser a mais recente, mas, em Mateus et alii (2003), as considerações sobre a
colocação nesses contextos são bem parecidas.
141
como se pode observar, os dados da presente pesquisa com negativas não se revelaram
“sempre proclíticos” (há 11 contra-exemplos) e os subordinativos não mostraram “a
universalidade da próclise” (há 68 contra-exemplos), como se pode observar nas ocorrências a
seguir:
Ex.57: I- o que é que me agrada em Lisboa eu amo muito eu acho que eu acho que
agrada-me quase quase tudo eu gosto muito de viver em Lisboa [OEI-B-2-H]
Ex.58: comia e aproveitava e ía visitar e isso parece que não dava-me um sentido ah
moral e psicológico que parece que não a ajuda-me o dia-a-dia ficava preenchido
[OEI-C-2-H]
Ex.59: as mercearias na altura fechava às onze às nove da noite a gente só
tomava-se banho pois ia-se pá [para a] mercearia enquanto ia-se pá mercearia
[FNC-B-1-M]
Ex.60: eu também trabalhei no bes no bes foi uma experiência do meu primeiro ano
de curso que eu candidatei-me [FNC-A-3-M]
Ex.61: mas é que quando ela foi pa lá disse tu vais gostar tu vais gostar diana que ela
chama-se Diana [FNC-B-3-M]
Ex.62: e então isto era chamado a gaiola representava o figorífico mas era chamado a
gaiola e era que cozia-se o comer [FNC-C-1-H]
Ex.63: todas essas aritméticas é um fascínio que eu sempre tive ehh é evidente que
uma pessoa sente-se bem [FNC-C-2-H]
Ex.64: era tudo pronto tudo à mão tudo eram pronto eram foram tempos
espectaculares que eu recordo me iss/isso tendo em vista talvez hoje [CAC-C-2-H]
Ex.65: não podia comer aquilo houve uma vez que o miúdo a sentiu-se à solta [OEI-
C-2-M]
Ex.66: portanto eu era a mais pequena ah batiam-me não é mas depois havia uns que
eles protegiam-me não é? [OEI-C-3-M]
Ex.67: já tenho estado em países que aquilo depois é um odor inesquecível que eu às
vezes lembro-me daquele país [OEI-C-3-M]
Ex.68: e então meu pai eeh eles era ele era ele ele dormia num quarto sozinho e a
minha mãe à [é] que dava-lhe o almoço [FNC-B-1-M]
Ex.69: é assim eu adoro todos os miúdos que tenho aqui...e o engraçado é que eles
sentem-se aqui bem... [CAC-B-2-M]
Ex.70: a palavra é a MESMA coisa portanto não vejo diferença tanto que eu sinto
me bem tanto numa como noutra [CAC-C-2-H]
142
Ex.71: como se tem ouvido ultimamente que não tenha ido ao conhecimento dele só
que ele faz-se ingénuo e ignorante [CAC-C-2-H]
Ex.72: INF: eh é assim ele eu quero que ele estude e que concretize-se
profissionalmente [FNC-A-3-M]
Ex.73: não há nenhuma criança que não seja um pouco distraída porque acho que as
crianças distraem-se com facilidade [FNC-B-2-H]
Ex.74: oxalá que eu teja [esteja] enganado e que eu diga que esta selecção
surpreendeu-me pela positiva [FNC-B-2-H]
Ex.75: porque a matriz é a mesma agora é evidente que a partir daí abre-se um
campo de possibilidades [FNC-B-3-H]
Ex.76: a: portanto a: era o suficiente para eu ficar com medo não fiquei não fiquei
muito assustada a: acho que pensei que aconteceu-me a mim e já aconteceu a tanta
gente [CAC-A-2-M]
Ex.77: agora mora mais em cima noutro noutro noutro bloco de de prédio a: mas
estão ali todos três juntos e se eu disser que passa-se mês meses que a gente não se
vê… [CAC-C-1-M]
Ex.78: abriu de repente abriu a ferida e: eu estava em casa a fazer repouso entretanto
vejo através da televisão que as pessoas encaminhavam-se prá/prá Itália [CAC-C-2-
M]
Ex.79: bem como a identidade e a cultura própria e é evidente que isso traz-nos
alguns problemas [CAC-C-3-H]
Ex.80: I- se eu vejo-me casado e com filhos? a eu sou a favor do casamento a sou a
favor de ter filhos também acho que sim que vejo-me casado e com filhos [OEI-B-2-
H]
Ex.81: gosto muito de estar sossegada até mesmo se estiver sozinha não me importo
nada que eu distraio-me sempre [OEI-C-2-M]
Nos exemplos acima, a colocação proclítica não ocorreu. Na gramática de Raposo et
alii (2013), Martins não abre nenhuma exceção em relação às partículas negativas, como seria
o exemplo 58. No entanto, em relação às orações subordinadas finitas, ela ressalta que
“embora a próclise seja o padrão dominante de colocação dos pronomes clíticos em todos os
tipos de orações subordinadas, a ênclise é permitida (sendo uma opção de expressão pouco
frequente) nas seguintes situações” (p. 2276) e mostra que nas orações com os verbos
declarativos (afirmar, concluir, declarar), apresentativos (ocorrer, acontecer), de crença e de
conhecimentos (achar, acreditar, pensar, saber), de percepção (ouvir, sentir) e pelo verbo
143
parecer, além das orações consecutivas e algumas estruturas clivadas. Com a quantidade e a
variedade dos exemplos acima, pode-se constatar que, ao contrário do que diz a gramática,
não seria pouco frequente a ênclise nesses contextos; além de essa variante ser registrada com
as partículas de negação, diversos casos não se encaixam nos contextos particulares citados
pela gramática.
Os operadores de foco são favorecedores da variante proclítica e apresentaram
muitas ocorrências proclíticas, uma vez que, de 151 dados, 130 concretizaram essa variante.
Ressalta-se que esses elementos ocorreram com uma frequência considerável, tendo em vista
que se trata de dados orais e são muito comuns nessa modalidade. Os dados que estão nesse
grupo são, como já foi visto na metodologia, apenas, só, até, mesmo, ainda, inclusive,
também, já entre outros, como se pode observar nos exemplos a seguir:
Ex.82: para o supremo tribunal o seguinte e um processo muito vasto agora ehh a
maior parte das questões até se resolvem normalmente por negociação [FNC-C-3-H]
Ex.83: a casa de minha mãe bordar e a gente também se bordava quando a minha tia
vinha [FNC-B-1-M]
Ex.84: L:...aqui onde eu estou por exemplo acontece muito isso a gente temos
pessoas mais do Norte também se vê muitos alentejanos acho engraçado... [CAC-A-
1-M]
Ex.85: são coisas que faci resolve-se facilmente porque as pessoas que já lá estão já
se conhecem muito bem [FNC-A-3-H]
Ex.86: INF: a gente trab ah lá a gente trabalha ganhamos mas a gente trabalha não é
coma [como a] aqui isto aqui também ganha-se pouco [FNC-C-2-M]
Ex.87: e depois a na as mercearias na altura fechava às onze às nove da noite a
gente só tomava-se banho [FNC-B-1-M]
Na gramática de Raposo et alii (2013), Martins destaca que “os advérbios
focalizadores, tanto os de inclusão como os de exclusão, determinam próclise obrigatória
quando precedem o verbo” (p. 2255). Analisando os exemplos acima, verifica-se que a
maioria ocorreu com a variante proclítica. No entanto, nos dois últimos, a ênclise foi
realizada. Assim, destaca-se que, apesar de ser bem produtiva a próclise depois desses
operadores de foco, como determina a gramática portuguesa, há alguns exemplos que não
seguem essa tendência.
144
Os adjuntos adverbiais (0,04), os complementos preposicionados (0,04), as
preposições “a” e “em” (0,03), os sujeitos (0,03) e as conjunções coordenativas (0,03)
desfavoreceram a próclise.
Em relação aos adjuntos adverbiais, como já foi dito na metodologia, foram
considerados os advérbios simples, os advérbios em –mente e as locuções adverbiais. Na
realidade, dos 96 dados com esses advérbios, 15, com os advérbios simples (mais curtos como
o aqui), concretizaram a colocação proclítica, enquanto os advérbios mais longos (em –
mente) e as locuções adverbiais favoreceram a colocação enclítica, como se pode verificar nos
exemplos abaixo:
Ex.88: L: pronto eu nasci numa aldeia pequenina... mesmo a minha aldeia tem uma
festinha anual... pronto lá lhe dão um nome... [CAC-B-2-M]
Ex.89: os meus amigos da rua depois os meus pais lá me chamavam à razão para ir
para casa [CAC-A-3-H]
Ex.90: estava com atenção e isso parece que não mas por aqui se vê na realidade a
diferença [OEI-C-2-H]
Ex.91: quande antigamente antigamente ia-se comia-se mais verduras coisas naturais
[FNC-C-1-M]
Ex.92: INF: antigamente arranjava-se um noivo [FNC-C-1-M]
Ex.93: L: não ando a pé na rua portanto logo também ah.. estas questões me podem
passar um bocadinho mais despercebidas ah mas realmente nota-se que é uma zona
mais desfavorecida [CAC-A-3-M]
Ex.94: parece que não a ajuda-me o dia-a-dia ficava preenchido até depois às vezes
discutia-se com horários [OEI-C-2-H]
Ex.95: aquele barulho muito grande de volta dos ouvidos já não não ah tenho aí
filmes por vezes esqueço-me de os passar porquê? [OEI-C-2-H]
Ex.96: D: o principal era a sopa e então pronto todos os dias se variava não é todos
os dias [CAC-C-1-M]
Ex.97: L: pó alto mar pá pesca e é assim a vida e assim se passa... num instante se
passa o ano [CAC-C-1-H]
Destaca-se que, nos dois últimos exemplos, há dois tipos de adjuntos adverbiais do
tipo locução e, mesmo sendo um adjunto longo, que, geralmente, não favorece a próclise, esta
variante foi a que ocorreu. Isso pode ter ocorrido por ter havido, ao que parece, uma
145
focalização do constituinte adverbial, que estaria fora de sua posição normal após o verbo. Na
gramática de Raposo et alii (2013), Martins afirma que “os advérbios focalizados ocorrem em
posição pré-verbal e induzem a colocação proclítica dos pronomes átonos.” (p. 2261).
No que diz respeito ao sujeito, foram encontradas 348 ocorrências e 39 com a
variante proclítica. Destaca-se que a maioria dessas ocorrências antes do verbo ocorreu com
sujeitos em que havia algum tipo de quantificador ou demonstrativo, e, por vezes, com
pronomes pessoais, como mostra a maior parte dos exemplos a seguir:
Ex.98: L: se tivermos acompanhados pouca gente se metem connosco... [CAC-A-2-
H]
Ex.99: L: toda gente se conhece... toda gente se fala... toda gente sabe das vidas uns
dos outros digamos assim... [CAC-B-2-M]
Ex.100: mas infelizmente foi desviado dinheiro pá aqui pá acolá toda gente se
governou todos todos... os que lá passaram todos os governos todos eles se
governaram... nenhum criou uma lei a favorecer o povo [CAC-C-1-H]
Ex.101: infelizmente foi desviado dinheiro pá aqui pá acolá toda gente se governou
todos todos... os que lá passaram todos os governos todos eles se governaram...
nenhum criou uma lei a favorecer o povo [CAC-C-1-H]
Ex.102: eles vinham cá e nós íamos muito a casa deles e até ia a França e então e eu
recusava-me a falar e toda a gente me dizia “qualquer dia não sabes falar” [CAC-B-
3-M]
Ex.103: o que é que foram surpresas agradáveis a muita coisa agradável me
aconteceu mas assim surpresas mesmo [OEI-B-3-H]
Ex.104: é mais pequeno ainda não percebi esta esta lotação mas efectivamente eu
constato que é e toda a gente e toda a gente o diz [FNC-B-3-M]
Ex.105: a selecção nacional bem deve pensar que o povo suportará suportará melhor
os sacrifícios que tem tido tudo se liga com tudo [FNC-B-3-H]
Ex.106: como diz a canção uma bola que rebola e e é uma constante da vida como
tudo muda tudo tudo se anticipa [OEI-C-1-H]
Ex.107: com brasileiro falo à brasileiro com o português falo à português e nós todos
nos entendemos não tem problema nenhum [OEI-A-3-M]
Ex.108: no lugar de mandares pra casa na direcção de casa ia pa ilma a na na
direcção da ilma a depois aquilo me fazia uã confusão [FNC-B-1-M]
146
Ex.109: são capazes de fazer tão mal a seres tão tão inocentes tão pequeninos mas
pronto em todo mundo isso se faz pronto isso era uma das coisas que e nem é só o
trabalho infantil [OEI-B-2-M]
Ex.110: todas as semanas e é quase tude a a todas principalmente todas as semanas
eu falo com eles ou eles me tilfonam [telefonam] [FNC-C-1-M] – conjunção
correlativa
Ex.111: mas não dá “olha Rui a tua mãe deu-me estas ordens assim ou tu te portas
como deve ser…” “pronto pronto [CAC-C-1-M] – conjunção correlativa
Ex.112: a directora de turma sabia... que não era a de português... mas ela sabia e o
miúdo lhe disse ( ) filho... quando ela/eu recebo a caderneta [CAC-B-1-M]
Ex.113: a minha mais velha fez o exame do nono ano notou-se nos testes que foram
fáceis ela me disse ah isso foi uma perna às costas [OEI-B-1-H]
Ex.114: eu tinha que ensinar um colega meu que tinha estudado comigo era
complicado mas o chefe lhe indicou que eu tinha mais conhecimentos do que ele
[FNC-A-3-M]
Ex.115: L: então eu pronto eu conforme as atitudes que eu tinha com os alunos os
pais me conheciam [CAC-C-1-M]
Ex.116: ah casamento isso ah isso para mim o que interessa é a pessoa se dar bem o
casal se dar bem sim tudo bem concordo mas pronto acho que se deviam manter
certas tradições [OEI-A-2-M]
Ex.117: INF: ah eu me lidava bem [FNC-C-2-M]
Ex.118: ao terxeiro [terceiro] pontapé apareceu uã uã rapariga à frente dele e ele
disse ele à rapariga o que fazes aqui? ela disse ah eeh tu me deste um pontapé vais
ter que me pôr a casa [FNC-B-1-M]
De acordo com os exemplos acima, verifica-se que a maioria dos dados ocorre com
os sujeitos que possuem algum tipo de quantificador (“pouca”, “toda”, “muita”, “tudo”,
“todos”), demonstrativo (“aquilo”, “isso”), ou conjunções correlativas (“ou”). A próclise
nesses contextos é agasalhada tanto pela gramática de Mateus et alii (2003) quanto pela de
Raposo et alii (2013), como se pode ver nos exemplos de 98 até 111. “A próclise está aí
associada aos processos gramaticais da negação, da quantificação, da focalização e da
ênfase, tomados singularmente ou não” (MARTINS in RAPOSO et alii, 2013, p. 2241).
No entanto, curiosamente, a colocação proclítica também ocorreu com sujeitos sem
quantificadores e depois de pronomes pessoais, como nos exemplos de 112 até 118, um tipo
de sujeito que não é abordado nas gramáticas portuguesas como contexto de próclise. De todo
147
modo, não se pode negar a possibilidade de esses dados, que são em número reduzido,
representarem um caso de ênfase nas referidas situações em que foram empregados.
Os complementos preposicionados e as preposições “a” e “em” também se
mostraram desfavorecedoras da variante proclítica, como pode ser observado nos exemplos
abaixo:
Ex.119: se te oferecerem cigarros tu nunca aceites... nem nada que te dêem tu não
aceites nem os trates mal... nem te dês mal com eles mas também não te acompanhes
com eles não te aproximes... trata essas pessoas assim com indiferença pra ti é-te
indiferente se eles tiverem se eles não tiverem [CAC-B-1-M]
Ex.120: escrever com giz e mapas que andávamos com eles mapas enormes a
transportá-los de de casa pra escola [FNC-B-2-M]
Ex.121: se calhar até ajudam um uma pessoa velhota a entar dentro do autocarro ou a
levantarem-se para dar a uma pessoa para dar lugar [OEI-A-1-H]
Ex.122: nós temos prazos pra cumprir e não conseguimos às vezes lidar lidar
conseguimos temos é alguma dificuldade em resolvê-los todos [OEI-B-3-M]
No que se refere ao comportamento da preposição “a”, embora a variante mais
frequente tenha sido a enclítica, também se realizou ocasionalmente a variante proclítica.
Ex.123: INF: nã [nã] eu pensava qu‟era [que era] um fantasma pensava que era
alguém a se mexer [FNC-B-1-H]
Ex.124: quando ele portanto ele foi pa o qua ele foi po ultramar ele mandou uma
carta à mãe a me pedir namoro [FNC-B-1-M]
Ressalta-se o fato de, na gramática de Raposo et alii (2013), Martins não mostrar
nenhum exemplo como os da preposição “a” proclítica acima, uma vez que, segundo a autora:
a variação entre ênclise e próclise em infinitivas preposicionadas é independente da
distinção entre orações infinitivas completivas e orações infinitivas adverbiais e
quase abrange a generalidade das preposições. Ficam, contudo, fora do padrão de
variação as preposições “a” e “com”, que se associam sempre à ênclise. (p. 2280)
Desse modo, há que se registrar alguns contraexemplos a essa generalização, o que
carece de maior número de dados para qualquer interpretação segura.
No que tange ao contexto de verbo antecedido de conjunções coordenativas, das 186
estruturas encontradas, 20 apareceram proclíticas ao verbo, como se pode verificar nos
exemplos a seguir:
148
Ex.125: é normal que a seguir prevaleça e os corrija de com maior cuidado [FNC-A-
3-M]
Ex.126: silos que permitissem que as pessoas a preços acessíveis que as pessoas
pudessem deixar os carros aí e se deslocarem ao centro do Funchal [FNC-B-3-M]
Ex.127: Com os outros ele só querem o deles e se acabou [FNC-C-2-M]
Ex.128: vou pró Estádio Nacional ou pró Estádio Universitário mas é assim quem
tem hipóteses de pegar nas coisas e se afastar não usufrui ali... [CAC-B-3-M]
Ex.129: L: variaçõ/ sim por mais variedade de coisas... no entanto eu acho quando
uma família dedica o tempo... dedica um tempo suficiente a estar/a estar junta com
os filhos e se constitui o pai e mãe e até outros familiares como modelo não é?
[CAC-C-3-M]
Ex.130: há muitas que vêm do Alentejo e que se vê que são aletenjanas... que vêm do
Norte e se vê claramente em termos de linguagem mesmo [CAC-C-3-M]
Ex.131: ver ou discutir futebol é um excelente como gosto muito é uma excelente
forma de sair deste quadrado e pensar noutras coisas e me descontrair e a leitura de
jornais eu uso isso [FNC-B-3-H]
Ex.132: INF: mas não quer dizer que ainda não vá ehh saber ou me informar come é
[FNC-B-2-M]
Ex.133: alimento mínimo seja o que for essas pessoas não fazem sequer pela vida é
normal que se fale em subsídio ou se fale nisto ou se fale há pobreza claro [OEI-A-3-
M]
Ex.134: Pra estrada antiga porque se vê a aquelas casas com as varandas [FNC-C-1-
M]
Ex.135: o tradicional almoço de domingo acho que já não é tão sólido como era
antigamente as pessoas porque se desculpam porque tão muito cansadas [CAC-A-1-
M]
Ex.136: L: eles sabem... eles sabem... eles practicam o sexo porque se lembram que
é assim [CAC-B-1-M]
Ex.137: estou lá quase como ( ) estou como professor e isso é é bom porque na te
sentes bem em ajudar as pessoas [OEI-A-3-H]
Nos exemplos acima, verifica-se que alguns estão em frases subordinadas
coordenadas entre si ou possuem conjunção alternativa e esses dois casos são descritos nas
gramáticas portuguesas. Destaca-se que, no exemplo 131, haveria um “de” elíptico em
coordenação à estrutura anterior, o que provavelmente justifique a variante proclítica. No
entanto, há outros em que nenhuma das situações anteriores ocorre e, mesmo assim, a variante
149
proclítica se concretizou. Nesses, ao que tudo indica, é a presença da conjunção “porque” a
motivação para a próclise. Considerando seu valor semântico entre explicação e causalidade,
acredita-se ser o efeito proclisador nesse caso uma possibilidade.
Vale destacar, mais uma vez, que nenhuma variável extralinguística foi selecionada
no tratamento dos dados do PE, mostrando que o fenômeno é apenas condicionado
estruturalmente. Sendo assim, não se viu a necessidade da separação da localidade de
Funchal, mesmo sabendo que se trata de um Português insular com uma história bem
diferente da do Português continental.
O tratamento das variáveis na análise multivariada também sustenta esse tratamento
conjunto das três subamostras do PE, visto que a localidade também não foi selecionada. De
todo modo, sabendo das diferenças sócio-históricas e até linguísticas que existem entre as três
localidades e para assegurar que não haveria a necessidade da separação dos resultados de
Funchal, procedeu-se a um cruzamento de dados entre as localidades e os elementos
antecedentes, para verificar se haveria alguma peculiaridade em Funchal. Esse cruzamento
forneceu os resultados expostos na tabela a seguir:
Cruzamento: Localidade dos informantes versus Elementos antecedentes
Elementos antecedentes Funchal Cacém Lisboa Total
Início absoluto
Próclise
Ênclise
100% enclítico
100% enclítico
100% enclítico
100% enclítico
Partículas de negação
Próclise
Ênclise
126 (98%)
2 (2%)
155 (97%)
5 (3%)
106 (96%)
4 (4%)
387 (97%)
11 (3%)
Conjunções subordinativas
Próclise
Ênclise
209 (89%)
25 (11%)
248 (94%)
16 (6%)
245 (90%)
27 (10%)
702 (91%)
68 (9%)
Preposições para, de, por e sem
Próclise
Ênclise
40 (95%)
2 (5%)
60 (95%)
3 (5%)
45 (90%)
5 (10%)
145 (94%)
10 (6%)
Operadores de foco
Próclise
Ênclise
36 (82%)
8 (18%)
54 (90%)
6 (10%)
40 (85%)
7 (15%)
130 (86%)
21 (14%)
Adjuntos adverbiais
Próclise
Ênclise
2 (6%)
30 (94%)
5 (15%)
28 (85%)
8 (26%)
23 (74%)
15 (16%)
81 (84%)
Complementos preposicionados
Próclise
Ênclise
2 (18%)
9 (82%)
3 (14%)
18 (86%)
1 (10%)
9 (90%)
6 (14%)
36 (86%)
Preposições a e em
Próclise
Ênclise
4 (50%)
4 (50%)
0 (0%)
15 (100%)
1 (9%)
10 (91%)
5 (15%)
29 (85%)
Sujeitos
Próclise
12 (10%)
14 (12%)
13 (12%)
39 (11%)
150
Ênclise 111 (90%) 100 (88%) 98 (88%) 309 (89%)
Conjunções coordenativas
Próclise
Ênclise
9 (14%)
56 (86%)
7 (11%)
58 (89%)
4 (7%)
52 (93%)
20 (11%)
166 (89%)
Total
Próclise
Ênclise
Total
440 (64%)
247 (36%)
687
546 (69%)
249 (31%)
795
463 (66%)
235 (34%)
698
1449 (66%)
731 (34%)
2180
Tabela 14: Distribuição dos dados de próclise e ênclise de acordo com o cruzamento entre Localidade
dos informantes e Elementos antecedentes nas lexias verbais simples do PE
Destaca-se que os dados em início absoluto de oração e de período apareceram
sempre enclíticos nas três localidades, não havendo diferenças entre elas quando a frase ou o
período se encontravam em início absoluto.
De acordo com a tabela acima, constata-se, ainda, que a distribuição dos dados de
próclise em relação aos elementos atratores nos dados de cada localidade é bem parecida. Os
proclisadores tradicionais obtiveram índices bem altos tanto em Funchal quanto no
continente, como se pode observar com as partículas de negação (98% - Funchal, 97% -
Cacém e 96% - Lisboa), as conjunções subordinativas (89% - Funchal, 94% - Cacém e 90% -
Lisboa), as preposições para, de, por e sem (95% - Funchal, 95% - Cacém e 90% - Lisboa) e
os operadores de foco (82% - Funchal, 90% - Cacém e 85% - Lisboa).
Os elementos antecedentes que não são atratores tradicionais, obtiveram percentuais
bem baixos, como mostram os adjuntos adverbiais (6% - Funchal, 15% - Cacém e 26% -
Lisboa), os complementos preposicionados (18% - Funchal, 14% - Cacém e 10% - Lisboa), as
preposições a e em (50% - Funchal, 0% - Cacém e 9% - Lisboa), os sujeitos (10% - Funchal,
12% - Cacém e 12% - Lisboa) e as conjunções coordenativas (14% - Funchal, 11% - Cacém e
7% - Lisboa). De todos esses elementos, somente as preposições a e em destoaram das
demais, mas isso pode ser explicado pela pouca quantidade de dados: em Funchal, ocorreram
somente oito dados com esses elementos antecedentes, sendo quatro proclíticos e quatro
enclíticos, enquanto nas demais localidades houve um pouco mais de dados (15 em Cacém e
11 em Lisboa).
Até mesmo os dados que fogem à regra concretizaram-se de maneira semelhante nas
três localidades. A título de exemplificação, podem-se citar as partículas de negação que
seriam atratores clássicos. Ocorreram onze dados enclíticos, sendo 2 em Funchal, 5 em
Cacém e 4 em Lisboa. Verifica-se, assim, que Funchal foi a localidade que mais seguiu a
regra da atração gramatical, mas que, mesmo assim, também realizou dados enclíticos, apesar
de ter sido em menor quantidade.
151
Pelo fato de a variável localidade não ter sido selecionada pelo Programa, pelo fato
de a distribuição percentual nas três localidades ter sido bem parecida e por tudo que foi
exposto acima, mostrando a semelhança na utilização dos clíticos pronominais nas três
localidades, optou-se por não separar a localidade de Funchal das demais, havendo, assim, a
análise do PE englobando sempre as três.
b) Tempo/modo verbal
Tempo/modo verbal
LVS - PE Próclise
Subjuntivo 120/129 - 93%
Infinitivo 199/295 - 67%
Indicativo 1.129/2.213 - 51%
Imperativo / gerúndio 5/27 - 18%
Tabela 15: Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias
verbais simples do PE
Gráfico 8: Aplicação da próclise de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias verbais simples do PE
Verifica-se, de acordo com o gráfico e a tabela acima, que o modo subjuntivo
favorece consideravelmente a próclise (0,86), o que se associa, principalmente, à presença de
elementos antecedentes que são subordinativos (cf. Exemplo 138). No entanto, cabe
mencionar que também se encontraram dados de ênclise nesse contexto, como se pode
verificar no exemplo de subjuntivo em 139, a seguir.
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1 0,86
0,560,46
0,12
Tempo/modo Verbal - PE
Próclise
152
Ex.138: se te oferecerem cigarros tu nunca aceites...nem nada que te dêem tu não
aceites nem os trates mal... nem te dês mal com eles mas também não te
acompanhes com eles não te aproximes... [CAC-B-1-M]- subjuntivo
Ex.139: INF: eh é assim ele eu quero que ele estude e que concretize-se
profissionalmente [FNC-A-3-M] - subjuntivo
Conforme evidenciam os exemplos a seguir, com o infinitivo ocorreram vários
exemplos com a preposição “para” antecedendo a forma verbal; observou-se que o índice de
favorecimento da próclise (0,56), ao que tudo indica, se relaciona a esse contexto (cf.
Exemplo 140), mas, quando a preposição não estava presente, a variante enclítica era a que
mais se concretizava. Assim, com o infinitivo, a próclise ou a ênclise estaria diretamente
relacionada com o ambiente sintático em que se encontra o clítico e o verbo no infinitivo. O
indicativo, comparativamente aos demais fatores, apresentaria leve desfavorecimento à
variante proclítica, embora com peso relativo muito próximo ao ponto de neutralidade (0,46).
O imperativo e o gerúndio (0,12) também desfavorecem a utilização dessa variante, como
pode ser observado nos exemplos a seguir.
Ex.140: I - a eu acho que que eles sabem que quando precisam eu estou lá para os
ajudar em tudo se que eu puder [OEI-A-1-H] - Infinitivo
Ex.141: está-se a tornar uma uma geração fác de facilitismos os pais facilitam-lhes a
vida a escola facilita-lhes a vida [OEI-B-1-H]- Indicativo
Ex.142: L: fazendo uma... ou as pessoas sujeitando-se mais ou menos portanto...
[CAC-A-1-M]- Gerúndio
Conforme já se observou, não houve qualquer ocorrência da mesóclise em 2.664
dados do PE. Isto pode estar relacionado à baixa frequência de verbos no futuro. De todos os
dados, apenas cinco estão no futuro e, nessas ocorrências, os clíticos apareceram na posição
proclítica, como se pode verificar a seguir:
Ex.143: não se pensa só nem pensa nem neles próprios pensa a a o dia-a-dia amanhã
logo se verá ah um para aqui outro para acolá nem se vê então não há comer [OEI-
C-1-H]
Ex.144: por questão de de alguns tipos de comportamentos que para para eles são são
normais e fazem parte do seu dia-a-dia e que para mim não os faria é um pouco por
aí [CAC-B-2-H]
153
Ex.145: I - hum eu acho que tive um bom ensino sempre hum tudo depende do
professor com que se calha posso-lhe dizer a nível do meu filho eu não o colocaria
no público neste momento [OEI-A-3-M]
Ex.146: houve oportunidades se calhar quem sabe daqui a alg mais algum tempo se
verá se verá com com melhor [FNC-B-3-M]
Ex.147: houve oportunidades se calhar quem sabe daqui a alg mais algum tempo se
verá se verá com com melhor [FNC-B-3-M]
A variante pré-verbal tem nesses exemplos alguma motivação estrutural, de modo
que não se pode afirmar a inexistência da mesóclise no PE falado. No exemplo 143, houve
próclise por causa do atrator “logo”. Nos exemplos 144 e 145, a próclise ocorreu pela
presença do atrator “não”. Já nos exemplos 146 e 147, a posição proclítica pode estar
relacionada à construção QU- constitutiva do sujeito oracional e/ou, ainda, ao adjunto
adverbial intercalado. Na realidade, apenas com dados de futuro mais clíticos em situações
que não favoreçam a próclise, seria possível avaliar a vitalidade ou não da mesóclise na fala
europeia.
b) Distância entre o clítico e um elemento antecedente
Distância entre o clítico e um elemento antecedente
LVS – PE Próclise
Zero 1.255/2.000 - 63%
1 ou 2 91/124 - 73%
3 ou mais 107/140 - 76%
Tabela 16: Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a distância entre o clítico e um
elemento antecedente nas lexias verbais simples do PE
154
Gráfico 9: Aplicação da próclise de acordo com a distância entre o clítico e um elemento antecedente
nas lexias verbais simples do PE45
A seleção desta variável confirma a relevância do efeito proclisador na variedade
europeia, que apenas se atenuaria mediante o fator distância. Pode-se constatar que a
adjacência do clítico ao elemento que o antecede favorece a próclise, ao contrário dos demais
contextos – com alguma distância entre tais elementos – que a desfavorecem. Fato curioso é
que, quando há três ou mais sílabas, o efeito de atração é um pouco maior (0,23) do que
quando há apenas uma ou duas sílabas (0,19). Porém, a diferença entre esses dois fatores não
parece muito significativa, distando apenas 4 pontos relativos.
Ex.148: L – penso que há mais violência há e há mais perigos não é que não os
houvesse quando eu estudei não é isso [CAC-A-2-M] – zero sílaba
Ex.149: é assim eu adoro todos os miúdos que tenho aqui... e o engraçado é que eles
sentem-se aqui bem... [CAC-B-2-M] – duas sílabas
Ex.150: I – eu por exemplo se neste momento dissessem-me que se tivesse e pudesse
pôr as minhas filhas numa escola particular não não punha [OEI-B-1-H] – cinco
sílabas
45
Verifica-se que, também na variável distância, houve uma inversão entre os percentuais e os pesos relativos.
Novamente, parte-se do pressuposto de que a análise estatística realizada obriga a considerar, com segurança, os
índices relativos como mais confiáveis, tendo em vista já terem sido filtradas as possíveis influências de outras
variáveis. Uma observação impressionística dos dados leva a crer que o maior índice percentual de próclise em
contextos com a partícula atratora mais distante, contrariando a tendência esperada para a variável, estaria
relacionado à presença de determinadas formas verbais e de certas construções sintáticas intervenientes.
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
Zero 1 ou 2 3 ou mais
0,54
0,19 0,23
Distância entre o clítico e um elemento antecedente - PE
Próclise
155
6.1.3.3. Português de São Tomé
Em relação à amostra referente ao PST, esta foi a variedade do Português em relação
à qual o Programa selecionou mais variáveis como estatisticamente relevantes para o
fenômeno. A primeira variável que foi selecionada foi a extralinguística, sexo, seguida pelas
variáveis linguísticas: presença e natureza do elemento antecedente, tempo/modo verbal,
distância entre o clítico e um elemento antecedente e a tonicidade das formas verbais.
a) Sexo do informante
Sexo do informante
LVS - PST Próclise
Homem 137/260 - 53%
Mulher 78/265 - 29%
Tabela 17: Distribuição dos dados da variante proclítica
de acordo com o sexo dos informantes nas lexias verbais simples do PST
Gráfico 10: Aplicação da próclise
de acordo com o sexo dos informantes nas lexias verbais simples do PST
De acordo com a tabela e o gráfico acima, pode-se constatar a diferença na utilização
da próclise entre os homens (0,57) e as mulheres (0,40). Enquanto a fala de indivíduos do
sexo masculino favorece a utilização da próclise, a do sexo feminino tende a favorecer a
ênclise, como se pode observar nos exemplos abaixo:
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
Homem Mulher
0,57
0,4
Sexo do informante - PST
Próclise
156
Ex.151: eu gosto de casas de madeira, é por isso que agora que, desde que essa
história de abate de árvore é ilegal então as coisas se tornam mais difícil [ST-A-1-H]
- homem
Ex.152: o meu pai quando foi para San Catarina e achei, sim, achei que tinha os dois
anos, mas des em quando dá-me assim [ST-A-1-M] – mulher
Para a seleção dessa variável, tem-se a seguinte hipótese: a diferença entre os dois
sexos poderia estar vinculada ao fato de as mulheres, para se enquadrarem melhor na
sociedade, utilizarem, ao máximo possível, as regras presentes na gramática do PE. Assim,
nos contextos favorecedores da variante proclítica, elas utilizariam mais essa variante e,
efetivamente quando não houvesse contexto favorecedor da posição pré-verbal, realizariam
mais a ênclise. Já os homens apresentariam uma colocação pronominal mais variável e
apresentariam em suas falas maior mobilidade do clítico, embora não dominassem exatamente
os contextos em que se utilizaria a próclise, segundo a norma do PE. Assim, eles utilizariam
tanto a próclise quanto a ênclise nos mesmos contextos. Dessa forma, nos ambientes em que
há o favorecimento da variante proclítica, eles utilizariam as duas variantes, mas com mais
produtividade a proclítica. No entanto, nos contextos em que há o favorecimento da ênclise, a
variante proclítica também seria utilizada em larga escala.
Acredita-se que a diferença existente entre os sexos só pode ser interpretada
mediante o conhecimento dos contextos sintáticos em que essa diferença se expressa.
Conforme já informado, o modelo para a L1 dos informantes da amostra em estudo, o
Português Europeu, apresenta colocações diferentes, de acordo com o ambiente sintático em
que o clítico se encontra.
Para verificar, ao menos, os contextos de realização de próclise e ênclise consoante a
variável sexo do informante, foi verificado o cruzamento feito entre esse grupo de fatores e a
natureza do elemento antecedente, obtendo-se os seguintes resultados:
Cruzamento: Sexo dos informantes versus Elementos antecedentes
Sexo x Elemento antecedente Homens Mulheres Total
Partículas de negação
Próclise
Ênclise
39 (93%)
3 (7%)
24 (92%)
2 (8%)
63 (93%)
5 (7%)
Elementos subordinativos
Próclise
Ênclise
56 (77%)
17 (23%)
36 (78%)
10 (22%)
92 (77%)
27 (23%)
157
Preposições
Próclise
Ênclise
10 (71%)
4 (29%)
6 (60%)
4 (40%)
16 (67%)
8 (33%)
Operadores de foco
Próclise
Ênclise
11 (73%)
4 (27%)
3 (30%)
7 (70%)
14 (56%)
11 (44%)
Conjunções coordenativas
Próclise
Ênclise
3 (43%)
4 (57%)
1 (9%)
10 (91%)
4 (22%)
14 (78%)
Adjuntos adverbiais
Próclise
Ênclise
4 (67%)
2 (33%)
1 (6%)
17 (94%)
5 (21%)
19 (79%)
Sujeitos
Próclise
Ênclise
12 (25%)
36 (75%)
5 (14%)
30 (86%)
17 (20%)
66 (80%)
Complementos preposicionados
Próclise
Ênclise
2 (25%)
6 (75%)
0 (0%)
3 (100%)
2 (18%)
9 (82%)
Total
Próclise
Ênclise
213
137 (64%)
76 (36%)
159
76 (48%)
83 (52%)
372
213 (57%)
159 (43%)
Tabela 18: Distribuição dos dados de próclise e ênclise de acordo com o cruzamento entre Sexo dos
informantes e Elementos antecedentes nas lexias verbais simples do PST
Destaca-se o fato de os dados em início absoluto de oração e de período (todos em
ênclise) não entrarem na contagem dos dados nesse cruzamento, tendo em vista que eles
foram retirados da rodada para que fosse possível obter os pesos relativos.
Nos demais contextos, verifica-se que, com os elementos considerados como
proclisadores, como as partículas de negação (H – 93% / M – 92%), conjunções
subordinativas (H – 77% / M – 78%) e preposições (H – 71% / M – 60%), os percentuais da
próclise são bem parecidos. Somente com os operadores de foco, o resultado foi oposto entre
os dois sexos, pois os homens realizariam mais a próclise (73%) que as mulheres (30%), de
modo que, nesse caso, estas se afastam do modelo europeu, demonstrando um domínio
parcial do Português, e efetivamente generalizando o uso da variante enclítica. Ocorre que,
com o pequeno número de dados desse contexto, não se pode assegurar a generalidade dessa
interpretação.
158
A grande diferença no comportamento linguístico relativo aos dois sexos parece que
está nos elementos que não são considerados tradicionais atratores, pois os homens, nesses
contextos, utilizam mais a variante proclítica do que as mulheres, como nas conjunções
coordenativas (H – 43% / M – 9%), adjuntos adverbiais (H – 67% / M – 6%), sujeitos (H –
25% / M – 14%) e complementos preposicionados (H – 25% / M – 0%).
Dessa forma, de acordo com esses resultados, os homens tenderiam buscar a imitar a
alternância que há no Português Europeu e isso faria com que houvesse maior mobilidade dos
clíticos. Assim, os homens utilizariam os clíticos nas duas posições, aplicando o padrão
enclítico e proclítico, mas sem seguir as regras da gramática do PE por falta de domínio. Já as
mulheres utilizariam mais a colocação enclítica de modo geral (e, assim, utilizariam mais a
ênclise em contextos efetivamente enclíticos); de outro lado, sendo mais conservadoras,
utilizariam mais a próclise nos contextos padrão. Caso tal hipótese seja confirmada em maior
número de dados e com outros materiais, pode-se supor que os homens seriam os
responsáveis por dar ao PST as feições que mais o diferenciam do PE, havendo, dessa forma,
mais oscilações nos mesmos ambientes sintáticos, principalmente motivadas por informantes
do sexo masculino.
b) Presença e natureza do elemento antecedente
Presença e natureza do elemento antecedente
LVS - PST Próclise
Partículas de negação 63/68 - 93%
Conjunções subordinativas 92/119 - 77%
Preposições 16/24 - 67%
Operadores de foco 14/25 - 56%
Conjunções coordenativas 4/18 - 22%
Adjuntos adverbiais 5/24 - 21%
Sujeitos 17/83 - 20%
Complementos preposicionados 2/11 - 18%
Início absoluto 0/153 - 0%
Tabela 19: Distribuição dos dados da variante proclítica
de acordo com a presença e natureza do elemento antecedente nas lexias verbais simples do PST
159
Gráfico 11: Distribuição dos clíticos pronominais encontrados na variante proclítica
de acordo com a presença e natureza do elemento antecedente nas lexias verbais simples do PST
Ressalta-se que, como ocorreu no PE, não houve nenhum dado na posição proclítica
em início de oração ou absoluto de período, o que é bem diferente do que ocorre com os
dados do PB, que registram produtivamente a variante pré-verbal nesse contexto. Em relação
a esse contexto de início de sentença, pode-se postular que os dados aproximam radicalmente
PE e PST versus PB, ao assumirem parâmetros muito diferentes.
Quanto aos demais contextos, os elementos que favorecem a próclise são as
partículas de negação (0,88), as conjunções subordinativas (0,71) e as preposições (0,59). Os
operadores de foco (0,42), apesar de não apresentarem índice acima de 0,50, também atuaram
no maior uso da próclise se comparados aos demais contextos, nitidamente desfavorecedores
dessa variante. Os demais elementos, como as conjunções coordenativas (0,17), os adjuntos
adverbiais (0,15), os sujeitos (0,12) e os complementos preposicionados (0,1) desfavoreceram
a posição proclítica.
De modo geral, os elementos antecedentes que atuaram como proclisadores no PST
são bem parecidos com os do PE, como se verá mais detalhadamente quando comparados os
ranges (índices que medem as distâncias entre fatores) nas duas variedades, o que mostrará
que a atuação dos elementos antecedentes pode ser diferenciada, mas todos eles apontam para
uma mesma direção. Dessa forma, verifica-se que há, nas duas variedades, a clara atuação das
partículas de negação (0,88 – PST e 0,91 – PE), das conjunções subordinativas (0,71 – PST e
0,81 – PE) e das preposições (0,59 – PST e 0,77 – PE). Os únicos elementos que favoreceram
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1 0,88
0,710,59
0,42
0,17 0,15 0,12 0,10
Elementos Antecedentes - PST
Próclise
160
nitidamente a próclise no PE e atuaram de forma mais discreta no PST foram os os operadores
de foco (0,42 – PST e 0,66 – PE).
De acordo com os exemplos abaixo, percebe-se uma correlação possível entre a
variável Operadores de foco e a variável Sexo do informante, uma vez que os exemplos
enclíticos com os operadores de foco do PST sempre ocorreram com o elemento “também” na
fala de indivíduos do sexo masculino e com os elementos “já”, “até” e “também” na fala dos
indivíduos do sexo feminino, como mostram os exemplos a seguir:
Ex.153: não vê porque também há determinadas pessoas ocupando funções de
responsabilidade também não sabe também banalizou-se [ST-C-2-H]
Ex.154: esse pra mim e as filhas que eu tenho lá também deram-me grande grande
grande grande apoio [ST-C-3-H]
Ex.155: I: é… nunca… até já tinha… meus tios já convidaram-nos para ir, eu e
minha avó, para ir passear [ST-A-1-M]
Ex.156: O meu filho que é pequenino, como ele vive lá com avó paterno, passa mais
tempo com avó paterno, ela gosta mais é de utilizar o crioulo cabo-verdiano. Ele até
fala-me umas palavras em crioulo [ST-A-3-M]
Ex.157: depois fica a coser... depois de coser é que se põe também põe-se
quiabo...[ST-C-1-M]
Ex.158: Eu fui obrigada agora a concluir essas essas três que me faltavam e já
conclui-las e vim agora [ST-B-2-M]
Ex.159: LF: e ent:ao... depois então eu já formei-me [ST-C-2-M]
Nos exemplos acima, verifica-se que as mulheres utilizam mais a variante enclítica
com elementos diferentes, enquanto os homens a utilizam somente com o “também”.
Em relação às preposições, vale destacar que não houve sua separação, como ocorreu
no PE, tendo em vista o pequeno número de dados. Foram encontrados somente 24 dados
com a preposição e em 16 deles a variante proclítica ocorreu.
Ex.160: a cobra veio, parou mesmo de frente a mim, parou mesmo também a ver-me
[ST-A-1-H]
Ex.161: eu creio que: Deus é misericordioso e ele será o primeiro a perdoar-me a
perdoar quem sabe né? [ST-B-3-M]
161
Ex.162: eu posso dizer que veio em boa hora mas veio se calhar de uma forma se
calha não muito convincente porque no meu entender, antes quase de se pensar na
reforma [ST-A-2-H]
Ex.163: era um contexto de luta, era um contexto de rivalidade, portanto havia toda
essa necessidade de se desenvolver a capacidade nesse sentido, [ST-A-3-H]
Ex.164: um preparação muito boa muito boa razoavelmente boa... mas ele não foi
capaz de me ajuda:r não fo:i...[ST-B-3-M]
Ex.165: Mas também os homens devem compreender que elas às vezes fazem isso
como forma de sentirem-se, de mostrarem que elas estão aí presentes [ST-A-3-M]
Ex.166: desculpa no próximo ano não, no ano passado é que tive a iniciativa de
conclui-las e pronto [ST-B-1-M]
Ex.167: Portanto, há todo um exercício que eu tenho estado a fazer para me
preparar para poder ser um pouco mais do que esse Genisvaldo do Nascimento [ST-
A-3-H]
Ex.168: Cada um tem seu jeito, eu procuro sempre integrar no jeito deles, falar como
eles falam, procurar fazer tudo do jeito que eles fazem que seja para me enquadrar
neles [ST-A-3-M]
Ex.169: hoje não digo porque não tenho poder de mobilidade... estão sempre
disponíveis para Me ensinar eh falar mesmo[ST-C-3-H]
Ex.170: pode ser sim, na rádio que tal, mensagem passa melhor, sobretudo para
piada porque habituou-se muito a utilizar a nossa língua para fazer-se piada [ST-A-
3-H]
Ex.171: D: havia castigos?
L: não isso era só pra alertar-me depois eu consegui [ST-C-1-H]
Nos exemplos com as preposições, verificou-se que, em todas as estruturas com a
preposição“a”, a única variante utilizada foi a enclítica; com a preposição “de”, houve
oscilação entre a próclise e a ênclise; com a preposição “para”, ocorreram somente os dois
últimos dados (exemplos 170 e 171) com a variante enclítica, enquanto os demais apareceram
em próclise. Na gramática de Raposo et alii (2013), Martins mostra que essa alternância entre
próclise e ênclise com as preposições “de” e “para” é habitual e com a preposição “a” deveria
ocorrer a variante enclítica, como confirmam os dados do PST.
Embora haja quase coincidência total dos contextos apontados como proclisadores e
não proclisadores no PE e no PST (o que nos faz aproximar, mais uma vez, as duas
variedades), percebe-se uma diferença na atuação desse condicionamento. Vale destacar que a
forma de “atração” no PST ocorre de uma maneira bem peculiar, tendo em vista que o efeito
162
proclisador representado no gráfico vai nitidamente decrescendo, de forma gradual. Para
efeito de comparação, observem-se, novamente, os gráficos das duas variedades a seguir:
Comparando os ranges de fatores não proclisadores em relação a cada fator
proclisador em cada uma das variedades – o que permite mostrar a diferença entre um fator e
outro na própria variável –, verifica-se que, no PE, a distância dos adjuntos adverbiais
(primeiro elemento com atuação não proclisadora) para os operadores de foco (0,62), as
preposições para, de, por e sem (0,73), para as conjunções subordinativas (0,77) e para as
partículas de negação (0,87) é bem maior do que a que ocorre no PST, apresentada a seguir.
Quando se observam os ranges referentes aos primeiro fator não proclisador e os
demais para o PST, verifica-se que a distância das conjunções coordenativas para os
operadores de foco (0,25), para as preposições para, de, por e sem (0,42), para as conjunções
subordinativas (0,54) e para as partículas de negação (0,71) é nitidamente menor do que a que
ocorreu no PE.
0
0,2
0,4
0,6
0,8
10,88
0,710,59
0,42
0,17 0,15 0,12 0,10
Elementos Antecedentes - PST
0
0,2
0,4
0,6
0,8
10,91
0,81 0,770,66
0,04 0,04 0,03 0,03 0,02 0
Elementos Antecedentes - PE
163
Tendo como base, além do aspecto visualmente mais gradual da ação dos elementos
controlados no PST do que no PE, os ranges calculados acima, verifica-se que não há uma
delimitação tão precisa dos elementos que favorecem a próclise em oposição aos outros, que
não a favorecem no PST, como ocorreu no PE, em que o menor range foi de 0,62. Em outras
palavras, não se verifica um efeito indubitavelmente proclisador, de um lado, contra outro
nada ou quase nada proclisador, de outro, como no PE, mas o que ocorre no PST é um
declínio gradual do efeito de atração, que teve o menor range de 0,25, passando por 0,42, 0,54
e 0,71. Fica, então, evidenciada a concretização do que se tem identificado como certo efeito
oscilante, como mostram os exemplos a seguir:
Ex.172: por exemplo, um professor ou um médico, por exemplo. Por exemplo, se
formos para médico, eu já fui para para para para hospital hhh naquilo que chama-se
de urgência [ST-A-2-H]
Ex.173: posso apoiar também qualquer amigo qualquer amigo que me peça, vamos
lá [ST-A-1-H]
Ex.174: mas continuamos sempre a movimentar. E se for sentido contrário ao tecto,
pior um pouco, mas se perguntarem-nos: estão a movimentar? [ST-B-2-H]
Ex.175: Eu admirava porque a forma como a minha mãe nos criou era totalmente
diferente [ST-A-2-H]
Ex.176: em termos de política (como que) oposição aí tinha problemas era mais no
sentido/ ( ) não era porque o povo tava oprimido que não Se podia nada não falava-
se fazia-se tudo (normal) [ST-C-2-H]
Ex.177: A: Não, lá não, não se paga nada. hhh todo o mundo é bem-vindo [ST-A-1-
H]
Ex.178: pode ser sim, na rádio que tal, mensagem passa melhor, sobretudo para
piada porque habituou-se muito a utilizar a nossa língua para fazer-se piada [ST-A-
3-H]
Ex.179: Cada um tem seu jeito, eu procuro sempre integrar no jeito deles, falar como
eles falam, procurar fazer tudo do jeito que eles fazem que é para me enquadrar
neles [ST-A-3-M]
Ex.180: dos dois um de química: e um de biologia ((risos)) Eu lembro-me é [ST-B-
3-M]
Ex.181: foi cubano... o de biologia no décimo primerio também foi cubano... eu me
lembro do/ dos dois professores que tive [ST-B-3-M]
164
Nos exemplos acima, pode-se verificar que não há uma regra clara para cada tipo de
elemento que antecede o clítico pronominal, mas o que há, realmente, é uma oscilação no
comportamento do clítico dentro do mesmo ambiente sintático. Ocorre tanto a próclise como
a ênclise em elementos subordinativos, com o advérbio de negação, com a preposição “para”
e até com elementos que não são proclisadores, como o pronome pessoal, nos dois últimos
exemplos. Embora os dados europeus não apresentem efeito categórico, as tendências são
claramente definidas entre proclisadores e não proclisadores, enquanto os dados são-tomenses
apresentam uma tendência geral de efeito proclisador, produtivamente contrariada do ponto
de vista quantitativo e qualitativo.
Ainda em relação aos elementos antecedentes, destaca-se que houve próclise no PST
em contextos com vários itens que não são considerados atratores clássicos, segundo a norma
europeia, como depois de conjunções coordenativas e SN sujeito.
Ex.182: lá naquelas tascas, não os altos restaurantes mas lá onde os pobres comem,
viver e sentir o calor da cozinha, ver as panelas, enfim, cheias de tisna de de forno e
de carvão mas me senti como se tivesse sido em casa [ST-A-3-H]
Ex.183: LF: português ... e a língua do Príncipe praticamente vim aprender aqui em
São Tomé porque me casei muito cedo... [ST-C-2-M]
Ex.184: Eu consegui conviver com a população, consegui mergulhar onde há
pobreza em Nigéria, as pessoas me olhavam com bons olhos, consegui comer com
os nigerianos [ST-A-3-H]
Essa certa oscilação no comportamento por contexto sintático e exemplos como os
três registrados aqui – em que se verifica a próclise em contextos interpretados usualmente
como brasileiros (e não europeus), como após sujeito e conjunção coordenativa – aproximam
curiosamente certos dados do PST aos do PB. Assim, apesar de a próclise não ocorrer em
início absoluto, como ocorre no PE, o comportamento oscilante em determinadas ocorrências
– embora não sejam quantitativamente expressivas – pode mostrar que há certa aproximação
com os dados brasileiros ou, simplesmente, que os falantes não dominam rigorosamente os
contextos que exigem a colocação proclítica.
Vale destacar que essa oscilação foi proposta por Gonçalves (2009). Segundo a
autora, isso é típico de uma língua que ainda não está completamente formada, em especial
em um contexto de plurilinguismo como o que existe em São Tomé (cf. Capítulo 4). Os dados
de Vieira (2002), referentes ao Português de Moçambique, também mostraram a variação da
próclise e da ênclise nos mesmos ambientes sintáticos, confirmando essa instabilidade.
165
c) Tempo/Modo verbal
Tempo/Modo verbal
LVS - PST Próclise
Subjuntivo 17/17 - 100%
Indicativo 174/464 - 37%
Infinitivo 24/42 - 57%
Imperativo 0/2 - 0%
Tabela 20: Distribuição dos dados da variante proclítica
de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias verbais simples do PST
Gráfico 12: Aplicação da próclise
de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias verbais simples do PST46
Analisando o gráfico e a tabela, fica claro que o elemento nitidamente favorecedor da
próclise é o subjuntivo (100%), ambiente em que ela ocorreu de forma categórica, o que não
ocorreu nem com o PE.
Ex.185: A: Forro, Caustrino que me ajude, hhh Caustrino é que é bom nisto [ST-A-
3-M]
O Indicativo (0,51) seria “neutro”, ou seja, dependendo do elemento que o antecede,
poderia ocorrer a próclise ou a ênclise.
46
Com a variável Tempo/modo verbal, assim como ocorreu com a variável distância, no Gráfico 9, houve certa
inversão entre os percentuais e os pesos relativos. Uma vez mais, postula-se a confiabilidade dos índices
relativos e pondera-se que o maior índice percentual de próclise como infinitivos, contrariando a tendência
esperada para a variável, estaria relacionado à presença de preposições, influência que fora devidamente
“filtrada” pela análise estatística.
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1
0,510,36
0
Tempo/modo Verbal - PST
Próclise
166
Ex.186: não vejo isso como um dever mas faço isso por uma maneira de ajudar a
igreja, eh… é isso, mas o resto não tem, não se obriga ninguém a fazer nada [ST-A-
1-H]
Ex.187: a gente tem que ter um pouco de coragem pra: ultrapassar se não o que nos
resta só é fugir né? [ST-B-3-M]
Ex.188: é isso a fazer consultas aos doentes... depois colocou-se o sapateiro no lugar
do agricultor ... [ST-B-3-M]
O infinitivo (0,36) e o imperativo (0,0 em apenas duas ocorrências) seriam contextos
desfavorecedores da variante proclítica.
Ex.189: D: havia castigos?
L: não isso era só pra alertar-me depois eu consegui [ST-C-1-H]
Ex.190: Se o senhor hoje, um professor, qualquer funcionário, vai xx olhe dê-me tal
produto no dia vinte cinco eu venho-te pagar [ST-A-2-H]
Nos exemplos acima, verifica-se a próclise no modo subjuntivo e no modo indicativo
quando há a presença de um elemento proclisador clássico (o pronome “que”). No entanto, no
modo indicativo com um elemento antecedente que não é um “atrator”, o que ocorre é a
ênclise. A variante enclítica também acontece com o infinitivo, mesmo tendo uma preposição
antecedendo o clítico (“para”), e com o imperativo.
d) Distância entre o clítico e um elemento antecedente
Tabela 21: Distribuição dos dados da variante proclítica
de acordo com a distância entre o clítico e um elemento antecedente nas lexias verbais simples do PST
Distância entre o clítico e um elemento antecedente
LVS - PST Próclise
Zero 194/376 - 52%
1 ou 2 7/12 - 58%
3 ou mais 14/26 - 54%
167
Gráfico 13: Aplicação da próclise de acordo com a distância entre o clítico e um elemento antecedente
nas lexias verbais simples do PST
Em relação à distância entre o clítico e seu elemento antecedente, verifica-se que,
quando não há distância entre eles, ocorre discreto favorecimento da próclise (0,52). No
entanto, quando a distância aumenta para uma ou duas sílabas (0,29) e três ou mais sílabas
(0,27), há o desfavorecimento da variante proclisadora.
Ex.191: é um conjunto de situação que faz com que a nossa educação não está nós
deveríamos, quer dizer, como nós alvejamos que estivesse, ela não está, é melhor, é
preciso que se faça mais [ST-A-2-H]
Ex.192: já não se pode dizer os da roça porque às vezes há alunos que até tem pais
com nome de deputados... com nomes disse e às vezes são piores... por que? por
que? eu creio que isso deve-se a degradação dos valores [ST-B-3-M]
Ex.193: com essa um pouco de:... desse clima de:... conturbação... Eu creio que
muitos portugueses foram-se embora, não é? [ST-B-3-M]
Nos exemplos supracitados, verifica-se que os elementos que antecedem o clítico são
casos de proclisador tradicional, pois trata-se de conjunções integrantes nos três exemplos.
Embora se registre a tendência à próclise quando não há elemento entre o clítico e o
proclisador, a instabilidade da colocação pronominal no PST mesmo diante de elementos
proclisadores se acentua, fazendo acontecer ainda mais a ênclise quando há duas ou mais
sílabas entre o clítico e os referidos elementos.
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
Zero 1 ou 2 3 ou mais
0,52
0,29 0,27
Distância entre o clítico e um elemento antecedente - PST
Próclise
168
e) Tonicidade das formas verbais
Tonicidade das formas verbais
LVS – PST Próclise
Oxítona 109/231 - 47%
Paroxítona/proparoxítona 106/294 - 36%
Tabela 22: Distribuição dos dados da variante proclítica
de acordo com a tonicidade das formas verbais nas lexias verbais simples do PST
Gráfico 14: Aplicação da próclise de acordo com a tonicidade das formas verbais nas lexias verbais
simples do PST
Com relação à tonicidade das formas verbais, constata-se que as formas oxítonas
(0,59) favorecem a próclise e as formas paroxítonas ou proparoxítonas (apenas 3 dados desta
última na amostra, em ênclise) a desfavorecem, como se pode observar nos exemplos abaixo:
Ex.194: um pouco:... é:... como posso explicar? Eu não senti/ eu não me senti be:m...
[ST-B-3-M]
Ex.195: porque o ministério conhece sabe que eu eu tenho uma segunda profissão
que eu pratico de vez em quando eu acho que foi nessa base que mandaram-me pra
aqui [ST-B-3-H]
Ex.196: também naquela altura eu lembro-me do velho Costa Alegre o ( ) Aguiar e:
muitos outros muitos outros (enfim) ajudávamo-nos muito no conhecimento da
língua [ST-C-3-H]
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
Oxítona Parox./propar.
0,59
0,41
Tonicidade das formas verbais -PST
Próclise
169
Verifica-se que esse resultado pode estar relacionado com o fato de a ligação
fonológica do clítico no PST também ser para a esquerda, como supostamente ocorre com o
PE, formando, assim, vocábulos fonológicos com o que vem antes (ênclise fonológica) e não
depois (próclise fonológica), como ocorre no PB. Dessa forma, acredita-se que essa variável
no PST, tendo como base a ênclise, favoreceria essa variante até com as formas paroxítonas e
proparoxítonas, formando casos de formas proparoxítonas (“mandaram-me”) e até esdrúxulas
(“ajudávamo-nos”).
Assim, esse resultado vai ao encontro do que propõe Hagemeijer, ao advogar em
favor da existência de clíticos fonológicos no Forro. Além de os pronomes objetos do Forro
figurarem sempre na posição pós-verbal – como confirmam os trabalhos de Ferraz (1979) e
Hagemeijer (2007) –, a possibilidade da existências de clíticos fonológicos no PST está
plenamente corroborada pelos resultados da variável ora em análise.
Ademais, isso pode justificar o fato de não haver clíticos em início absoluto de
oração e de período, pois a ligação fonológica do clítico no PST seria para a esquerda – como
no PE –, ao contrário do PB, em que a ligação fonológica seria para a direita, como mostram
os trabalhos de Vieira (2002) e Corrêa (2012).
Para finalizar a análise dos dados do PST, vale a pena destacar o comportamento
obtido com o controle do grupo de fatores relativo à frequência de uso do crioulo
(BRANDÃO, 2011). Embora esse grupo tenha sido retirado da rodada multivariada básica
para a análise da amostra são-tomense – visto que não se trata de uma relação causa-efeito
sobre a colocação pronominal, mas um grupo de controle que permite observar se a
frequência de uso do Forro pode estar correlacionada ao uso da ênclise em geral ou da
oscilação de comportamento quanto à colocação pronominal –, apresentam-se aqui os
resultados obtidos na rodada em que esse grupo de fatores estava contemplado e foi
selecionado47
:
47
Vale relembrar que os dados foram codificados segundo a proposta de Brandão (2011):
− zero/baixa, os indivíduos que se expressam fundamentalmente em Português;
− média, os indivíduos que se expressam em Português, mas dominam um crioulo e dele fazem uso
eventualmente;
− alta, os indivíduos que, embora falem o Português, se expressam, regularmente, num crioulo
170
Frequência de uso de um Crioulo
PST Próclise
Zero/baixa 110/223 - 49%
Média 87/275 - 32%
Alta48
17/22 - 77%
Tabela 23: Distribuição dos dados da variante proclítica
de acordo com a frequência de uso de um crioulo nas lexias verbais simples do PST
Gráfico 15: Aplicação da próclise de acordo com a frequência de uso de um crioulo nas lexias verbais
simples do PST
O comportamento desse grupo de fatores quanto à colocação pronominal mostrou
que o falante que se considera uma pessoa que usa frequentemente o crioulo seria o que mais
produziria a variante proclítica (0,89) – o que só pode sinalizar uma tendência a generalizar a
próclise por desconhecimento do efeito proclisador; em segundo lugar no que se refere ao uso
da próclise, viriam os que supostamente não utilizariam o crioulo (0,58) e, por último, os
falantes que só o utilizam às vezes, mostrando que a próclise seria desfavorecida nesse caso
(0,39).
Retirando o único informante que se declara como um falante do crioulo com alta
frequência, verifica-se que os que afirmam utilizar basicamente o Português teriam uma
48
Destaca-se o fato de somente um informante (do sexo masculino) se considerar como um falante regular do
crioulo, o que justifica o menor número de dados.
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
Zero/Baixa Média Alta
0,58
0,39
0,89
Frequência de uso de um Crioulo
Próclise
171
preferência pela variante proclítica (possivelmente por dominar os contextos europeus de
próclise), e os que conhecem e utilizam o Forro, mesmo que eventualmente, prefeririam a
colocação enclítica, o que talvez possa sinalizar a influência da colocação pós-verbal dos
pronomes objetos do crioulo, segundo Ferraz (1979) e Hagemeijer (2007).
Efetivamente, qualquer interpretação das interinfluências do uso do Forro dependeria
de pesquisa específica com amostra que controlasse efetivamente esse efeito, além de
pesquisa etnográfica a respeito dos informantes e de sua relação com o uso da Língua
Portuguesa e da língua local. De todo modo, é interessante perceber que, ainda que não se
tenha uma interpretação segura acerca desse efeito considerando os limites metodológicos do
presente trabalho, os resultados sugerem a interrelação entre a colocação pronominal e a
frequência de uso de um crioulo.
6.1.4. Sistematização dos resultados das lexias verbais simples
A seguir, segue um quadro resumitivo com os principais resultados de cada
variedade em estudo. Destaca-se que, para a análise do PB, essa sistematização toma por base
os comentários qualitativos dos 35 dados enclíticos encontrados, enquanto, para o PE e o
PST, considera o comportamento das variáveis selecionadas pelo programa.
Quadro 2
Sistematização da ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais simples nas três
variedades
LVS PB PE PST
Início absoluto de oração Próclise = 91%
Ênclise = 100% Ênclise = 100%
Próclise em início absoluto Sim
Não Não
Distribuição das variantes
nos demais contextos
Próclise = 97%
Ênclise = 3%
Mesóclise = 0%
Próclise = 55%
Ênclise = 45%
Mesóclise =0%
Próclise = 40%
Ênclise = 59%
Mesóclise = 1%
Estatuto da regra segundo
Labov (2003)
Semicategórica
Variável Variável
172
Variáveis extralinguísticas –
condicionamento externo
Não49
Obs.: Os
informantes com
mais instrução e
idade foram os que
mais utilizaram a
variante enclítica.
Não Atuação da
variável sexo e,
em plano
secundário, do
grupo de controle
Frequência de uso
de um crioulo
Variáveis linguísticas Não
A ênclise é
registrada
sobretudo com
acusativos de 3ª
pessoa
(frequentemente
combinados com
infinitivos), alguns
casos de “lhe” e de
“se”, em estratégia
de indeterminação.
Presença de
expressões fixas.
- Presença e
natureza do
elemento
antecedente
-Tempo/modo
verbal
- Distância entre o
clítico e um
elemento
antecedente
- Presença e
natureza do
elemento
antecedente
-Tempo/modo
verbal
- Distância entre o
clítico e um
elemento
antecedente
- Tonicidade das
formas verbais
Efeito proclisador
Não Sim – embora o
efeito não seja
categórico, dois
grupos –
proclisadores
versus não
proclisadores –
podem ser
claramente
delimitados.
Sim – com certa
instabilidade; e
distância de
comportamento
entre
proclisadores e
não proclisadores
menor.
Favorecem a próclise em
maior ou menor medida:
Partículas de negação
Conjunções subordinativas
Preposições
Operadores de foco
Não se aplica!
Em qualquer
contexto, inclusive
em início absoluto,
a próclise acontece
com alta frequência
Sim
Sim
Sim (para, de)
Sim (também,já,
até)
Sim
Sim
Sim
Não
Favorecem a próclise:
Conjunções coordenativas
Embora haja, entre
os dados de ênclise,
maior incidência de
Não
Não
49
Por princípio, não se pode falar em condicionamentos linguísticos e extralinguísticos, já que não se concebe
uma regra variável no caso do PB, mas uma regra semicategórica. Apenas se observam as tendências verificadas
nos poucos dados da variante pós-verbal.
173
Sujeitos
Adjuntos adverbiais
Compl. preposicionados
ambientes sem
tradicionais
atratores, nenhuma
generalização
segura pode ser
proposta, visto não
haver, em geral,
efeito proclisador.
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Quadro 2 - Sistematização da ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais simples nas três
variedades
De acordo com o quadro acima, constata-se que, no PB, ocorre próclise em início
absoluto e com grande frequência (91%). Essa frequência seria também produtiva nos demais
contextos (97%), mostrando que não há variação nas lexias verbais simples, sendo a regra,
então, semicategórica, segundo Labov (2003). Assim, o parâmetro de colocação do PB seria
bem diferente do praticado na língua do país colonizador e do outro país colonizado em
estudo, o PST, como se verá mais adiante.
No PB, o perfil do informante que produziu os poucos dados de ênclise correlaciona-
se, possivelmente, a maior idade e, secundariamente, a maior nível de instrução. Como são
restritos os dados de ênclise quantitativa (apenas 3%) e qualitativamente (estruturas
particulares), qualquer conclusão nesse sentido é, sem dúvida, prematura. Hipoteticamente, os
resultados fazem supor que, possivelmente, quanto mais instruído e idoso for o informante,
maior será a probabilidade de uso da posição pós-verbal, sugerindo que os mais velhos,
possivelmente, teriam recebido mais esse suposto efeito do letramento. Nas variáveis
linguísticas, os clíticos acusativos, principalmente com o verbo no infinitivo, e o pronome
“se” seriam os contextos em que a posição enclítica mais ocorreria. Além disso, houve
exemplos de construções cristalizadas (como “chama-se”, “deu-lhe”, “ganhou-lhe” e “parece-
me”) que concretizaram a colocação enclítica.
Em relação ao país colonizador, verifica-se que, no PE, em início absoluto, a
colocação é categoricamente enclítica, nos contextos de LVS. Nos demais contextos, há
variação nas lexias verbais simples, o que se configura uma diferença paramétrica
fundamental. Não houve seleção de nenhuma variável extralinguística, mostrando que o
ambiente sintático é o que realmente influencia na posição dos clíticos pronominais.
As variáveis linguísticas selecionadas foram presença de um elemento antecedente,
tempo/modo verbal e distância entre o clítico e um elemento antecedente. No entanto, não há
174
efeito categórico dos proclisadores, pois os contextos antecedentes com as partículas de
negação, as conjunções subordinativas, as preposições “para”, “de”, “por” e “sem” e os
operadores de foco mais determinados advérbios favoreceram a próclise, mas também
apresentam a ênclise em número expressivo de dados. Em relação à distância entre o pronome
clítico e o elemento antecedente proclisador, verificou-se que a adjacência do clítico a esse
elemento favorece a realização da próclise e, quando ocorre distância entre tais elementos,
não se registra o referido favorecimento.
De toda forma, é nítida a atuação diferenciada do grupo dos elementos que atuaram
como proclisadores versus o grupo dos elementos que não atuaram como proclisadores, o que
valida a interpretação de que o PE, embora em todos os casos registre variação entre as
variantes pré e pós-verbal, permite a generalização de que existem contextos de (i) ênclise
categórica (início absoluto de oração e de período); (ii) próclise altamente favorecida
(partículas de negação, elementos subordinativos, preposições – para, de, por e sem – e
operadores de foco); e (iii) próclise altamente desfavorecida (adjuntos adverbiais,
complementos preposicionados, preposições – a e em –, sujeitos e conjunções coordenativas).
O PST, de acordo com a análise, segue tendências gerais equivalentes às verificadas
para o PE, quais sejam: (i) o fenômeno também se mostra variável; (ii) ocorre ênclise
categórica em início absoluto de oração e de período (diferenciando-se ambas do PB
radicalmente nesse contexto) e (iii) apresenta algumas variáveis linguísticas como
condicionamentos favorecedores da próclise consoante as mesmas tendências gerais.
No que se refere aos condicionamentos linguísticos relevantes para os contextos de
um verbo, além de o elemento antecedente, tempo/modo verbal e a distância entre o clítico e
o elemento antecedente terem sido selecionados, a tonicidade das formas verbais também se
mostrou relevante para o fenômeno. Constatou-se que, em relação ao elemento antecedente, a
ação dos elementos proclisadores não é dicotômica como no PE, ou seja, as diferenças entre
os elementos proclisadores e não proclisadores não são tão bem delimitadas como o são no
PE, uma vez que o que se verifica, no PST, é uma queda de influência gradual dos elementos,
como distâncias mais curtas entre tais elementos conforme demonstrou a análise dos ranges.
As tendências quanto ao favorecimento da variante pré-verbal por parte desses elementos,
entretanto, são bem parecidas, tendo em vista que somente a atuação dos operadores de foco,
em termos de efeito relativo, diverge um pouco entre eles.
Além da presença de um elemento antecedente, tempo/modo verbal e da distância
entre o clítico e um elemento antecedente, o que também aproxima PST do PE, houve
175
também na amostra são-tomense a seleção do grupo de fatores Tonicidade da forma verbal,
segundo a qual as formas paroxítonas favoreceriam a ênclise. Desse modo, assim como se
afirma na literatura ocorrer no PE, a tendência rítmica do PST favoreceria a ligação de formas
átonas a vocábulos precedentes. Esse comportamento foneticamente enclítico parece justificar
o fato de, em início de absoluto de oração/período, a ênclise ter sido categórica, mostrando
uma ligação fonológica para a esquerda, também como no PE.
Embora não se encontre a variante proclítica em início absoluto de oração/período e
os condicionamentos relativos ao efeito de partículas proclisadoras sejam semelhantes –
aproximando o PST ao PE –, é preciso registrar que ocorre no PST efetivamente a próclise em
contextos considerados tipicamente brasileiros, como depois do sujeito (SN com núcleo
substantivo e sem quantificadores etc.) e das conjunções coordenativas (sem subordinação
coordenada), por exemplo. Dessa forma, o PST se particulariza – e, em termos qualitativos,
até se aproxima do PB – no que se refere à oscilação da colocação em determinados
ambientes sintáticos, os quais assumem um comportamento fixo ou muito rígido no PE.
Assim, esse país colonizado não segue rigorosamente as normas de colocação do país
colonizador quanto à efetiva ação dos elementos proclisadores, embora adote a ênclise como
ordem não marcada, e siga condicionamentos sintáticos semelhantes aos europeus como
tendência geral. Essa particularização do PST em relação ao PE fica ainda mais evidente,
quando se verificam alguns dados considerados na literatura inovações do Português do Brasil
na amostra são-tomense.
De acordo com o princípio do uniformitarismo, dados do presente podem indicar o
que aconteceu no passado; assim, comportamentos que ocorrem exclusivamente no PB e no
PST, em contraste com o PE, merecem destacada atenção. Por ora, salienta-se que pode haver
explicações internas e/ou externas para essas semelhanças/diferenças, que serão brevemente
discutidas após a análise dos complexos verbais.
176
6.2. Complexos verbais
No que se refere aos complexos verbais, apresentam-se, inicialmente, os valores
absolutos e percentuais de todas as variantes controladas separadamente, para proporcionar
uma visão geral da colocação no total de 1.131 dados de complexos verbais nas três
variedades.
Para uma visualização panorâmica da colocação dos pronomes nos complexos
verbais, a tabela e o gráfico abaixo mostram a produtividade das variantes da variável
dependente – em seu maior grau de detalhamento, controlando a posição superficial e a
presença ou não de material interveniente – em cada variedade do Português:
Distribuição da variável dependente no PB, PE e PST
Variedades cl v1 v2 v1-cl x v2 v1 (-)50
cl v2 v1 x cl v2 v1 v2 cl Total
PB 8 2% 0 0% 289 78% 66 18% 6 2% 369
PE 246 37% 68 11% 172 27% 75 12% 81 13% 642
PST 26 22% 12 10% 45 38% 14 12% 23 18% 120
Tabela 24: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB, PE e PST
Gráfico 16: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB, PE e PST
50
Cabe relembrar que há dados que aparecem com hífen e outros não, mas, em todos os exemplos dados na
presente tese, as estruturas foram retiradas exatamente como se encontravam na transcrição do Corpus
Concordância.
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PB PE PST
2%
37
%
22
%
0%
11
%
10
%
78
%
27
%
38
%
18
%
12
%
12
%
2%
13
% 18
%
A variável dependente: PB, PE e PST
cl v1 v2
v1-cl x v2
v1 (-) cl v2
v1 x cl v2
v1 v2-cl
177
De modo geral, a visualização do gráfico faz aproximar PE e PST e separar PB, com
um comportamento nitidamente particular quanto à colocação pronominal em complexos
verbais.
No PB, a variante mais produzida foi a v1 (-) cl v2 (78%) e não ocorreu a colocação
do clítico antes de um elemento interveniente, posição esta que asseguraria a interpretação da
presença de ênclise a v1 na variedade em questão (como em ele pode-me hoje dar). Destaca-
se que, se forem amalgadas as variantes v1 (-) cl v2 (78%) e v1 x cl v2 (18%), ambas no
interior do complexo verbal, o percentual registrado passa a ser de 96% dos dados, mostrando
que a próclise a v2 (interpretação feita em função de haver muitos casos de clítico antes de
V2 e após o elemento interveniente, como em pode hoje me dar, e de não ter sido registrada
qualquer ocorrência de ênclise a v1)51
é quase categórica, seguida pela colocação proclítica a
v1 e pós-cv que obtiveram, cada uma, o mesmo percentual (2%).
Diversas gramáticas confirmam a colocação proclítica a v2, desde a tradição
gramatical, com
(i) Cunha & Cintra (2007) – “a próclise ao verbo principal nas locuções verbais”
(p. 331) –; e
(ii) Rocha Lima (2001) – “A interposição do pronome átono nas locuções verbais,
sem se ligar por hífen ao auxiliar, é sintaxe brasileira” (p. 455);
passando pela tradição linguística brasileira
(i) Perini (2007) – “No padrão brasileiro atual, (...) a posição natural do clítico,
quando o predicado é complexo, é a próclise ao NdP” (p. 231); e
(ii) Castilho – “Focalizando os tempos modernos, (...) nas perífrases e nos tempos
compostos, o PB favorece a colocação do pronome antes do verbo pleno na
forma nominal” (p. 484).
Essa tendência é confirmada em diversos estudos que abordam o tema tanto na
modalidade escrita (MARTINS, 2009; NUNES, 2009; VIEIRA, 2002; dentre outros), como
na modalidade oral (VIEIRA, 2002 e CORRÊA, 2012).
No PE, a variante proclítica a v1 foi a mais utilizada (37%), seguida pela v1 (-) cl v2
(27%) e pós-cv (13%). A colocação antes de algum elemento interveniente – v1 (-) cl x v2 –,
que não foi encontrada na amostra brasileira, ocorreu em 68 dados do PE, o que equivale a
11% dos dados. A variante v1 x cl v2 (12%) ocorreu, em geral, com os complexos verbais
51
Vale destacar que, como já foi dito nos capítulos anteriores, a ligação que se fala em toda a análise dos
complexos verbais não é a fonético-fonológica, mas a sintática. Assim, serão verificadas as variantes: proclítica a
v1, enclítica a v1, proclítica a v2 e enclítica a v2 no contexto sintático apenas.
178
que já possuem algum elemento integrante em seu interior – o “que” e o “de” (ter que/de), por
exemplo –, mostrando que, diferentemente do PB, não ocorreria uma próclise a v2, mas uma
ênclise ao elemento que atua como proclisador interno ao complexo, como em “tem que se
fazer” (VIEIRA, 2002; VIEIRA, M. F., 2011). Na realidade, como será analisado na próxima
seção, nesses casos não ocorreu propriamente um elemento interveniente, como um advérbio,
por exemplo, mas sim um proclisador integrante do tipo de complexo verbal específico.
No PST, a variante v1-cl v2 foi a mais produtiva (38%), seguida pela próclise a v1
(22%) e pela pós-cv (20%); as colocações antes de um elemento interveniente (10%) e depois
do elemento (12%) foram as menos utilizadas. Em relação a esta última posição (14 dados),
serão mostrados os contextos em que ela ocorre; com a análise, será possível verificar se
ocorreu uma ênclise ao elemento que/de integrante do tipo de complexo verbal – como no PE
– ou uma próclise a v2 – como no PB –, mostrando, assim, se o PST seria mais parecido com
a língua do país colonizador ou do outro país colonizado.
6.2.1. Distribuição geral dos dados pela variável dependente e pela forma do verbo
principal
6.2.1.1. Português do Brasil
A ordem dos clíticos nos Complexos Verbais pela forma de V2: PB
V2 cl v1 v2 v1-cl x v2 v1 (-) cl v2 v1 x cl v2 v1 v2 cl Total
Infinitivo 8 3% 0 0% 188 72% 58 22% 6 3% 260 71%
Gerúndio 0 0% 0 0% 90 92% 8 8% 0 0% 98 26%
Particípio 0 0% 0 0% 11 100% 0 0% 0 0% 11 3%
Total 8 2% 0 0% 289 78% 66 18% 6 2% 369 100%
Tabela 25: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a
forma do verbo principal no PB
Verifica-se que a colocação pronominal varia dependendo da forma do verbo
principal (v2). Com v2 no particípio, a regra observada no total de 11 dados registrou
comportamento categórico, com todos eles no interior do complexo, o qual, por sua vez, não
registrou qualquer elemento interveniente (como em tem me dado). Com o gerúndio, a
colocação ocorreu no interior do complexo verbal também, mas nos ambientes sem elementos
intervenientes (como em está me vendo) e depois de algum elemento (como em está sempre
179
me vendo). Já com a forma verbal no infinitivo, foram quatro colocações possíveis: x v1 v2,
v1 (-) cl v2, v1 x cl v2 ou v1 v2 cl. Destaca-se que não houve qualquer dado enclítico a v1,
que seria representado por v1 cl x v2.
Na amostra brasileira como um todo, encontraram-se 369 dados de complexos
verbais com clíticos. O infinitivo (71%) foi o verbo principal com mais ocorrências, sendo
seguido pelo gerúndio (26%) e, por último, pelo particípio (3%). Somando todas as variantes
intra-cv – com e sem elementos intervenientes –, pode-se constatar que a tendência geral da
variedade é a chamada próclise a v2, tendo em vista que não há dados de ênclise a v1,
ocorrem só oito dados de próclise a v1 e seis de ênclise a v2. Assim, independente da forma
nominal utilizada como verbo principal, a posição mais utilizada é a interna ao complexo
tanto no infinitivo (72% + 22%), quanto no gerúndio (92% + 8%) e particípio (100% - apenas
onze dados).
A colocação no interior do complexo verbal na totalidade dos dados foi a mais
encontrada, com 78% dos dados sem elemento interveniente e 18% com elemento
interveniente, o que perfaz um total de 96% das ocorrências. Assim, pode-se dizer que a
colocação nos complexos verbais, assim como nas lexias verbais simples, também é
semicategórica, segundo Labov (2003). Confirmam-se, assim, os resultados de Vieira (2002)
– retomados em Vieira; Corrêa (2012), em que as autoras interpretaram a regra de colocação
pronominal na fala brasileira, sobretudo em complexos verbais, como semicategórica, em
termos quantitativos e qualitativos –, tendo em vista o alto percentual de utilização da variante
que pode ser aqui interpretada como proclítica a v2, pelas razões já apresentadas e pelo
respaldo dado por diversas gramáticas e trabalhos sobre o tema.
A colocação pós-cv e a proclítica a v1 foram registradas em apenas 2% dos dados,
cada uma. Vale ressaltar que, nos dados brasileiros, a colocação v1 cl x v2 não foi empregada
pelos informantes, confirmando que não se efetiva a ênclise a v1.
6.2.1.1.1. Complexos verbais do PB com o verbo principal no infinitivo
Em relação aos elementos intervenientes no complexo verbal, verificou-se que a
posição v1 x cl v2 ocorreu em 66 dados e, na metade deles, com complexos do tipo “ter que +
infinitivo” (31 dados). No entanto, essa posição do clítico ocorreu também com outros tipos
de construções verbais, como os que possuem os verbos auxiliares, muitos deles sem qualquer
preposição/conector integrante da construção verbal, como estar, ir, dar, saber, poder,
180
acabar, voltar, ficar, começar, querer e vir, mostrando que essa variante pode ocorrer com
diversos tipos de complexos verbais.
O tipo de clítico parece também influenciar o comportamento dessa variante, uma
vez que, das 66 ocorrências, 45 foram com a forma pronominal “se”, seguida pelos pronomes
“me” (13 dados) e “te” (8 dados). Mais da metade dos dados foi com o pronome “se”, o que
demonstra que esse pronome é bastante utilizado na posição v1 x cl v2. A seguir, serão
mostrados alguns exemplos em que há um elemento interveniente, diferente das conjunções e
preposições que geralmente integram o próprio complexo:
Ex.197: D: = em educação física e vai ser um profissional da área
L: ( ) é vai ver ele ia até se dar muito melhor na educação física [COP-A-2-M]
Ex.198: comecei a trabalhar com do:ze a:no ... meus pais nunca pôde me dar: ... o
que eu queria sempre TER né ... para mim poder... me VESTIR: ... eu tinha que
trabalhar na casa dos ou:tro ... para poder ao menos me manter né ... com rou:pa
calça:do ... [NIG-A-1-M]
Ex.199: e foi uma coisa até que talvez ... pela minha inexperiência... foi tranquilo...
eu não me apavorei eles queriam até me levar... e eu tive até uma atitude que não se
deve ter né? [NIG-B-1-H]
Ex.200: O Brasil nunca foi tão respeitado lá fora... e por incrível que pareça... eu vou
falar uma coisa aqui agora... que outras pessoas podem até me recriminar:.. isso já
começou lá com seu Fernando Henrique... [NIG-B-1-H]
Ex.201: D2: [uhn uhn
L: não custa nada... só vai só te beneficiar... tá entendendo? [NIG-C-1-H]
Ex.202: L: Deus ouviu as preces até falei isso no trem né falei todo mundo depois o
pessoal veio até me comprimentar pô meus parabéns tal pô você tem um filho
formado em engenheiro naval” aí todo mundo veio me comprimentar então eu vi a
importância né [NIG-C-2-H]
Com os exemplos acima, pode-se confirmar que realmente existe a próclise a v2 no
PB, como já foi mostrado em estudos anteriores. A posição do clítico adjacente à segunda
forma verbal e após uma diversidade dos elementos intervenientes – muitos deles
considerados tradicionalmente proclisadores, mas não exclusivamente desse tipo (até, sempre,
nem, lá, não, ao menos, quase, só e assim) – mostraria que a próclise a v2 realmente se
confirma como uma variante brasileira.
Por isso, com base na análise dos resultados e dos exemplos aqui apresentados, a
partir daqui serão juntadas, para o PB, as variantes v1 (-) cl v2 e v1 x cl v2 – internas ao
complexo verbal –, entendendo que nos dois tipos de colocação ocorreria o que se concebe
181
como próclise a v2. Dessa forma, será possível ter uma demonstração ternária do que ocorre
no PB, o que facilitará a interpretação dos resultados. Desse modo, observe-se o gráfico a
seguir:
Gráfico 17: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB:
variável ternária
Com base no gráfico acima, pode-se constatar a expressiva produtividade da variante
proclítica a v2, tendo um total de 94% dos dados, o que equivale a 246/260 ocorrências.
Verifica-se, assim, que, realmente, a regra no PB estaria nos limites do que Labov
consideraria semicategórico (a partir de 95%) no contexto dos complexos verbais também,
tendo em vista a pouca ocorrência das variantes pré e pós-CV. A colocação proclítica a v1
ocorreu em somente oito dados e a pós-cv em seis dados, o que merece uma análise
qualitativa, como será feito a seguir.
Em relação à próclise a v1, os oito dados encontrados na amostra brasileira podem
ser observados nos exemplos abaixo:
Ex.203: Ex.: mas eu acho que essa história... violenta de negócio que se possa
contar... nunca teve não... ((ruído)) como você tinha falado [COP-B-3-H]
Ex.204: mas também é função daquilo que a gente QUER ter né e pode ter então
acho que ele é menor em função... das coisas que eu posso colocar ( ) que se pode
colocar dentro de casa (como a) grande maioria não pra todo mundo [COP-B-3-M]
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PB
3%
94%
3%
A variável dependente do PB
Próclise a v1
Próclise a v2
Ênclise a v2
182
Ex.205: você ficar muito tempo... ahn numa situação em que você precise pensar
ponderar e falar depois de um certo tempo você se habitua a fazer isso pensando e
refletindo pouco [COP-B-3-M]
Ex.206: L2: você poderia ter tido os mesmos filhos filhos que você teve mas de
repente com outra situação né?
L: isso nunca se vai saber [COP-C-3-M]
Ex.207: botaram as portas novas ... destruíram as portas ... então ... eu acho que isso
é vandalismo ... que não se deve aprender dentro do colégio e sim dentro de casa ...
[NIG-A-3-H]
Ex.208: eu não me apavorei eles queriam até me levar... e eu tive até uma atitude que
não se deve ter né?... eu quando eles tavam tentando me jogar dentro do carro... eu
me abaixei e saí... eles entraram dentro do carro... [NIG-B-1-H]
Ex.209: o que que acontece... então eu acho que ele criou isso e depois ele começou
a acertar esses troços... então já se começou a ter emprego... e o Lula.. [NIG-B-1-H]
Ex.210: tem que ter responsabilidade com aquela criança de educar:... de
conversar:... entendeu de dar amor... independente de tá separado ou não então se
pode ver fizeram uma pesquisa outro dia eu escutei na televisão [NIG-C-1-M]
Verifica-se que a próclise a v1 ocorre praticamente com o “se” indeterminador,
conforme demonstram os estudos anteriores, como Pagotto (1998), Vieira (2002), Martins
(2009) e Nunes (2014). Esta última autora, em especial, fez um traçado histórico dos tipos de
“se” e sua colocação, demonstrando que, embora a colocação brasileira tenha assumido a
variante proclítica a v2 a partir do século XVII/XVIII, essa mudança não teria se processado
igualmente nas construções de indeterminação do sujeito, uma vez que a maioria dos dados
com próclise a v1 se refere a essa construção. No que se refere aos exemplos da amostra
brasileira, vale, ainda, destacar que, apesar de a maioria ser formada com “se”
indeterminador, há um exemplo de “se” reflexivo/inerente (“se habitua a fazer”), mas este se
ligaria exclusivamente a v1 mesmo, o que, na verdade, poderia justificar a exclusão dessa
ocorrência do conjunto de dados estudados como complexo verbal.
No que se relaciona aos tipos de complexos verbais, observa-se que três dados são
com “poder + infinitivo”, dois com “ dever + infinitivo”, um com “começar a + infinitivo” e
um com “ir + infinitivo”. Com isso, constata-se que a maioria dos complexos (seis dados) é
composta de perífrases verbais modais, e somente um dado é de construção temporal.
183
A seguir, serão analisados os seis exemplos de ênclise a v2:
Ex.211: L: tirou o mestrado no Canadá... e depois foi tirar o:... doutorado... nos
Estados Unidos
D: uhn uhn
L: ( ) nós fomos visitá-lo umas três/ três vezes ( ) [COP-C-3-H]
Ex.212: a educação do índio era... permanente coletiva se um garoto indígena fosse
pra: caçada... ele ia encontrar lá um mais velho que ia orientá-lo ia ensinar etc
[NIG-C-3-H]
Ex.213: L: até que eu consegui... levá-la pra lá.. e ela viajou pro exterior/ primeira
vez que ela ia para o exterior viajou sozinha [COP-C-3-H]
Ex.214: L: era um general CERTO garantido ( )... passou pra reserva nós fizemos
várias... demonstrações de solidariedade a ele... e nós (diríamos) que quem devia
julgá-lo... seriam oficiais que já tivessem estado [COP-C-3-H]
Ex.215: porque uma vez eu... encontrei com ele no mercado... ou eu precisei de um
favor dele aí eu passei a conhecê-lo... aí ficou meu amigo... [COP-B-2-M]
Ex.216: os alunos têm medo “professora ... libera a gente porque tá ruim:” sabe ... o
que que você entende? ... você não pode deixá-los até ... as tan:tas porque eles tão
correndo risco [NIG-B-3-M]
Vale destacar que os seis exemplos da variante pós-cv são com os clítico “o (s)” ou
“a (s)”, mostrando que, assim como nas lexias verbais simples, o clítico acusativo ocorre, em
especial, na posição pós-cv. Em relação ao tipo de complexo verbal, foram encontrados dois
dados com “ir + infinitivo”, e um dado com cada um dos complexos a seguir: “conseguir +
infinitivo”, “dever + infinitivo”, “passar a + infinitivo” e “poder + infinitivo”.
Em relação ao perfil dos falantes que empregaram essa variante, nota-se que quatro,
dos seis dados, foram produzidos por informantes do sexo masculino e da faixa etária C,
mostrando, que, talvez, para os complexos verbais, esses fatores também podem exercer
algum tipo de influência sobre o fenômeno. Quanto ao nível de instrução, o nível superior
também parece que influencia em alguma medida, tendo em vista que cinco dos seis
exemplos foram de informantes desse grau de escolaridade, ou seja, indivíduos com mais
instrução. Além disso, deve-se observar que três dados são do mesmo informante: COP-C-3-
H.
Por todo o descrito, mesmo em complexos verbais com infinitivo, com maior
aparente variabilidade no comportamento da ordem dos clíticos, verifica-se que as supostas
184
formas alternantes na realidade são absolutamente restritas não só quantitativamente, mas
também qualitativamente.
6.2.1.1. 2. Complexos verbais do PB com o verbo principal no gerúndio
Nos complexos verbais com o verbo principal no gerúndio, a posição pós-cv não foi
encontrada, nem a próclise a v1. As únicas posições encontradas foram internas ao complexo
verbal – v1 cl v2 e v1 x cl v2.
Em relação aos dados com gerúndio, o complexo verbal mais encontrado foi o “estar +
gerúndio” com 65 ocorrências, seguido por “acabar + gerúndio” (14 dados), “ir + gerúndio”
(10 dados), “ficar + gerúndio” (7 dados), “vir + gerúndio” (1 dado) e “continuar + gerúndio”
(1 dado). Verifica-se, assim, que o tipo de complexo verbal mais utilizado foi o dos tempos
compostos (estar, ir e vir) com um total de 76 ocorrências, em especial o complexo verbal do
tipo “estar + gerúndio”, tendo em vista que mais da metade dos dados foram realizados com
esse tipo de complexo. O outro tipo utilizado foi o das perífrases verbais (acabar, ficar e
continuar) com 22 dados.
No que diz respeito ao tipo de clítico, foram encontradas somente três formas
pronominais: “se” (47 dados), “me” (35 dados) e “te” (16 dados). O tipo de clítico “se”
mostrou-se muito produtivo, pois quase a metade dos dados foi produzida com esse pronome.
O pronome “me” também foi bem utilizado, tendo em vista a quantidade de dados (35
ocorrências).
Com o verbo principal no gerúndio, houve a realização de somente duas posições: v1
cl v2 (90 dados) e v1 x cl v2 (8 dados). Para o verbo principal no gerúndio, assim como se
procedeu com o infinitivo, também serão amalgamadas as duas posições que ocorreram no
interior dos complexos – v1 cl v2 e v1 x cl v2 –, considerando que as duas seriam proclíticas
a v2, obtendo-se, assim, um total de 98 dados e 100% proclíticos a v2. Isso pode ser
confirmado com a análise dos oito dados em que há algum elemento interveniente no interior
do complexo, como se pode ver abaixo:
Ex.217: na parte da política ... principalmente porque a maioria das pessoas ... assim
... minha tia é candida:ta ... o amigo do meu pai é candidato ... então a gente acaba
que se envolvendo .... mas eu acho que a política aqui ... [NIG-A-3-H]
Ex.218: L: [eu achava irritante às vezes... eu achava irritante... e eles também assim
até pelo fato deles... tarem sempre me sacaneando mesmo por causa do meu
sotaque... eu chagava pra pessoa oi/ conhecia alguém oi prazer tudo bom... mal eu
185
me apresentava “prazer: e aí beleza?” assim sabe... já me sacaneando de cara nem me
conhece [COP-A-2-M]
Ex.219: L: = isso não: pra mim não sair “não façam isso que vocês tão eh até me
prejudicando” se eles chegarem lá e comentar alguma coisa que gostariam que eu
ficasse... devido ao meu serviço até... acho bom agora... [COP-B-3-H]
Ex.220: “olha as senhoras não se assustam não... mas eu acho tá tendo um assalto
aqui”... as mulher ficaram me olhando acho que elas tavam pensando que eu tava
querendo assaltar elas foi até meio estranho que elas tudo se afastaram de mim eu
falei “olha... a senhora não se assusta porque eu acho que tá tendo um assalto” (elas
foram tudo pro canto ficaram tudo me olhando) de repente veio um rapaz... [COP-
B-3-H]
Ex.221: você tem Deu/ você tem duas posições ou você está com Deus ou você está
sem Ele... Ele estará sempre te querendo... porém você tem que dizer “sim”... daí
o amor verdadeiro... né... então a importância de você... optar por Deus... então
[COP-C-1-M]
Ex.222: eu estava com dificuldade de conversar com uma pessoa... ela não me dava
chance... aí eu disse “Senhor... eu gostaria tanto de ter um diálogo... mas eu não
tenho chance... é difícil... a gente acaba não se entendendo direito”... aí Ele disse
assim “envia amor”... [COP-C-1-M]
Ex.223: mais os planos de saúde são atendidos... só que infelizmente... os nossos
planos de saúde já estão quase se transformando... um... uma saúde pública [NIG-
B-1-H]
Ex.224: mas não é MESMO... que ele gostaria que o pai dele estivesse brincando
com ele de bola na rua... se sujando todo com ele:... [NIG-B-1-H]
Com base nos exemplos acima, somente o primeiro deles (“a gente acaba que se
envolvendo”), em que há uma construção particular (com a presença de um “que” que pode
ter sido utilizado em comparação com a perífrase “acabar que X”, como em “acaba que eu me
envolvi”), os demais possuem elementos variados. Pode-se verificar que os elementos
intervenientes encontrados são sempre, até, tudo, não e quase. Ressalta-se que, no último
exemplo, curiosamente, houve a elipse do verbo auxiliar (“estivesse”) e a variante proclítica
permaneceu, confirmando, assim, que os dados com o gerúndio também confirmam o estatuto
proclítico a v2 no PB de forma categórica no gerúndio – assim como no particípio, como se
verá a seguir.
186
6.2.1.1. 3. Complexos verbais do PB com o verbo principal no particípio
Nos exemplos abaixo, podem-se observar os onze dados com particípio:
Ex.225: porque eu dou uma coisa muito chata que é número pro arquiteto que não
gosta... né... mas ah: mas certamente alguém teria me... me recolocado às vezes
pessoas não tão entendendo... [COP-B-3-M]
Ex.226: a gente já aprendia que ela tinha que ser mais técnica... ahn:... eu não/
provavelmente se eu tivesse me tornado professora... tendo feito pedagogia eu teria
levado grandes reprovações mas eu me tornei professora pelo mérito técnico... por
ter feito [COP-B-3-M]
Ex.227: L: eu estudava aqui pedi transferência pra lá... pelo fato/ por isso mesmo por
eu ter me mudado... eu tava estudando aqui eu tomei uma carreira do rapaz ali à
noite... [NIG-A-2-M]
Ex.228: L: por exemplo da minha linguagem o rapaz/... o amigo dele percebeu como
eu não sei ele não falou... que eu não tinha o estudo que eu não tinha me formado
[NIG-A-2-M]
Ex.229: deixa eu provar isso ver se é bom” provei tou até hoje ((risos)) não que ela
tenha ME oferecido eu pedi então a mim ninguém influenciou [NIG-B-1-M]
Ex.230: apesar que eu venho de uma família de fumantes na minha casa todos são
fumantes entendeu mas eu não sei não vou dizer para você... que:: minha mãe e meu
pai tenha me influenciado não [NIG-B-1-M]
Ex.231: ele fugiu quando eu cheguei na calçada tremendo chorava ai que eu fui
sentir aquela dorzinha tinha me dado um arranhão dois arranhões [NIG-B-1-M]
Ex.232: têm pessoas que diz que não mas a maioria das pessoas são hipócritas
porque assim... eu penso assim... não é: se Deus tivesse me dado um filho gay [NIG-
B-1-M]
Ex.233: L: então eu/ eu sempre/ às vezes quando eu vejo certas pessoas que eu vejo
que não... não têm certa preocupação com os filhos eu falo assim “Senhor muito
obrigado por ter me dado os meus filhos... e eu me preocupei com todos os
problemas que eles sempre tiveram...” entendeu então... eu sou muito agradecida a
Deus por tudo [NIG-C-1-M]
Ex.234: são muito GROssas entendeu... acha que pelo fato de você ter um estudo
você ter se formado você tem que arrumar uma pessoa do seu nível... [NIG-A-2-M]
Ex.235: L: ah: eu acho que foi muito bom... não tenho o que reclamar:... era:/...
vamos dizer... acho é que nem nego:/ como que eu tinha te falado acho que é
metade um do outro se encaixou perfeito... [COP-B-3-H]
187
Verificando os dados citados, percebe-se que, de 369 dados produzidos no PB,
somente onze estão com o verbo principal no particípio. Não houve a ocorrência da colocação
proclítica a v1 nem pós-cv e todos os exemplos são do complexo verbal do tipo “ter +
particípio”. Além disso, nove estão com o pronome “me”; somente os dois últimos não o
apresentam, sendo um com o pronome “se” reflexivo/inerente e um com o pronome “te”.
Ressalta-se que esses clíticos são argumentos de v2, mostrando que o que estaria se
efetivando seria a próclise a v2 e confirmando, em especial, o trabalho de Nunes (2014).
Não houve estruturas do tipo “não me é dado” e “não se tinha pensado em X” que
são casos específicos de próclise a v1 – com voz passiva de ser e com pronome “se” em
estrutura de indeterminação do sujeito – já registrados no PB e que serão encontrados na
análise do PE (cf. 6.2.1.2.3. Complexos verbais do PE com o verbo principal no particípio).
Dessa forma, verifica-se que a variante efetivamente brasileira e mais produtiva na
amostra do PB é a próclise a v2. Essa variante foi a mais produzida no infinitivo (94%) e foi a
que ocorreu de forma categórica com o verbo principal no gerúndio e no particípio,
confirmando o que é dito em diversas gramáticas e trabalhos anteriores.
6.2.1.2. Português Europeu
A ordem dos clíticos nos Complexos Verbais pela forma de V2: PE
V2 cl v1 v2 v1-cl x v2 v1 (-) cl v2 v1 x cl v2 v1 v2 cl Total
Infinitivo 208 38% 68 12% 113 21% 75 14% 81 15% 545 84%
Gerúndio 10 22% 0 0% 38 78% 0 0% 0 0% 48 8%
Particípio 28 56% 0 0% 21 44% 0 0% 0 0% 49 8%
Total 247 37% 68 11% 172 27% 75 12% 81 13% 642 100%
Tabela 26: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a
forma do verbo principal no PE
No PE, as regras de colocação são diferentes dependendo da forma do verbo
principal. Em caso de v2 no gerúndio ou no particípio, não ocorreu a colocação enclítica a v2
possivelmente por serem formas mais nominais (cf. VIEIRA, 2002; VIEIRA, M. F., 2011;
NUNES, 2014). Dessa forma, a regra apresentou-se como binária e o pronome apareceu, na
amostra analisada, apenas antes ou depois de v1. De acordo com Mateus et alii (2003, p. 830),
“os complementos participiais e gerundivos de verbos auxiliares (...) representam os casos
188
extremos de defectividade funcional, com Subida do Clítico obrigatória para todos os
pronomes clíticos”. Assim, os dados em análise, realmente seguiram essa regra e houve a
subida dos pronomes que apareceram apenas antes ou depois de v1. Quando o verbo principal
se encontra no infinitivo, as cinco posições foram realizadas.
No total de 642 dados com mais de uma forma verbal na amostra europeia, a variante
mais utilizada foi a pré-complexo verbal, tendo um percentual de 37%. A preferência pela
utilização da variante próclise a v1 pode ter ocorrido por causa do contexto em que os
complexos estavam, ou seja, provavelmente por causa da presença de algum elemento
proclisador. A segunda mais utilizada foi a v1 (-) cl v2, com 27%. A variante v1-cl x v2 teve
11% (68 dados) de produtividade, comportamento que, vale ressaltar, diferencia a variedade
europeia da brasileira, em cuja amostra não se verificou essa posição. A variante v1 x cl v2
ocorreu em 12% dos dados e, como se verá adiante, está restrita ao tipo de complexo verbal;
na realidade, ela foi realizada quando havia algum tipo de elemento integrante do complexo
verbal, como um “que” ou um “de”, por exemplo, e não efetivamente um elemento que se
colocou entre os constituintes do complexo verbal. A variante v1 v2-cl ocorreu em 13% dos
dados.
6.2.1.2.1. Complexos verbais do PE com o verbo principal no infinitivo
Conforme já se observou, com os complexos com infinitivo, as diversas posições
superficialmente controladas ocorreram na amostra europeia. Para definir melhor o estatuto
dessas formas alternantes, é preciso observar o comportamento dos dados sobretudo na
posição interna ao complexo verbal.
Quanto à variante interna ao complexo, o controle do contexto com material
interveniente antes do clítico (v1 x cl v2) permitiu verificar que se trata de complexos que
contêm em sua própria formação os elementos “por” (14 dados), “a” (6 dados) ou “de” (5
dados). Das construções encontradas, ocorreu, principalmente, a do tipo de complexo “ter
que/de + infinitivo” com um total de 48 dos 75 dados. Os outros dados são formados pelos
complexos “acabar por/de + infinitivo” (16 dados), “estar a + infinitivo” (3 dados), “começar
a + infinitivo” (3 dados), “poder + infinitivo” (2 dados), “dever de + infinitivo” (2 dados) e
“haver de + infinitivo” (1 dado), como se pode ver nos exemplos dessa forma alternantes
dispostos a seguir:
189
Ex.236: a última a fase em que acabei por ser membro da direcção do núcleo e aí sim
ehh acabou por me marcar [FNC-A-3-H]
Ex.237: e de alguma forma acabou por se revelar uma certa experiência [FNC-A-3-
H]
Ex.238: e o mais certo é que a coisa comece ali a se baralhar toda e acabe por por
desabar [FNC-A-3-H]
Ex.239: em casa ela ao passar plum plum serrado tinha cana viera ela tirou apanha
uma cana vieira e começou a me dar a me bater [FNC-B-1-M]
Ex.240: em casa ela ao passar plum plum serrado tinha cana viera ela tirou apanha
uma cana vieira e começou a me dar a me bater [FNC-B-1-M]
Ex.241: a bota de ouro eu não sei sinceramente se é bota d‟ouro se é bola de bola
de prata ehh eu penso que tá a se referir ao melhor marcador de Portugal
[FNC-B-2-H]
Ex.242: dalgum [de algum] tou a me lembrar dum que [FNC-B-2-M]
Ex.243: já tive em paris também canárias também tou a me lembrar devagarinho
mas tou tive em canárias [FNC-B-2-M]
Ex.244: INF: mais nobres não há carros e portanto a pessoa devia devia de se
caminhar praí [para aí] [FNC-B-3-M]
Ex.245: e essas tradições deviam de se manter e as pessoas é certo que é um falar
diferente [FNC-B-3-M]
Ex.246: o resto das semilhas qu‟era batatas já não tinha a quase batatas pa ceia e
muitas vezes acabavam por lhe apanhar porque já não havia comer pa todas [FNC-
C-1-M]
Ex.247: L: só a minha amiga ela soltou a mala e ele acabou por se satisfazer só com
a mala [CAC-A-1-M]
Ex.248: L – não há não há tempo para se estar com os filhos acaba por se comprar
um jogo acaba por se comprar uma série de coisas para lhes ocupar o tempo…
[CAC-A-2-M]
Ex.249: L – não há não há tempo para se estar com os filhos acaba por se comprar
um jogo acaba por se comprar uma série de coisas para lhes ocupar o tempo…
[CAC-A-2-M]
Ex.250: L – sim sim sim sim sim acho que sim porque acaba por se estar menos
tempo com as crianças [CAC-A-2-M]
Ex.251: L: ah… portanto também acabamos por nos identificar… nalgumas
nalguns pontos [CAC-A-3-M]
190
Ex.252: L: exactamente mais fácil até porque deixamos de ser um país fechado
portanto é obvio que isto também acaba por nos trazer algumas facilidades…
[CAC-A-3-M]
Ex.253: quando entramos na União Europeia nos acabámos por nos adaptar mais
facilmente que as pessoas mais velhas [CAC-A-3-M]
Ex.254: L: é é porque não se chegam a conhecer quando acabam de se conhecer
também já acabou o casamento [CAC-B-1-M]
Ex.255: gestos quotidianos que são muito específicos daquela daquela cultura e que
aos poucos vão-se perdendo vão-se perdendo as pessoas acabam por por se
adaptar adaptar a um modelo que a sociedade criou televisão internet [CAC-B-2-H]
Ex.256: deixou várias zonas do nosso território praticamente despovoadas e o
despovoamento de dessas regiões acabam por se perder hábitos antigos e tradições
[CAC-B-2-H]
Ex.257: D: ah e o pai pensa que vai a mãe e acabam por se esquecer [CAC-C-1-M]
Ex.258: as pessoas acabam por se lembrar de mais coisas eu lembro-me de uma
maneira geral [OEI-B-3-M]
Ex.259: mesmo o pai de uma criança hoje em dia hum dá esses exemplos à criança
depois como é que a criança há há de se ir por aí mas isso falta [OEI-A-3-H]
Ex.260: por não haver tanta proximidade com os pais... no contacto... e pronto e se
calhar o :o... a pô/a presença dos pais não ser tão efectiva e acaba por eles se
tornarem tão autónomos [CAC-B-3-H]
Ex.261: uma coisa quase que quase que indissolúvel as pessoas podiam não se
entender ficavam ficavam fechadinhas em casa [OEI-C-A-H]
Ex.262: parece que não tem vontade própria dizem pra fazer não sei quê ele vai
fazer... pode não lhe apetecer mas ele vai vai atrás [CAC-B-3-M]
Dos exemplos aqui apresentados, verifica-se que há somente dois dados em que
ocorre um elemento efetivamente no meio do complexo verbal, o qual não integra o complexo
como um conector interno/preposição; trata-se da presença de “não” interveniente (cf.
exemplos 261 e 262), que atuaria como um proclisador entre as duas formas verbais e
justificaria a posição do clítico superficialmente adjacente a V2 no PE. Ocorre, ainda, um
dado com o pronome pessoal “eles”, mas este se encontra após a preposição “por” integrante
do complexo (cf. exemplos 260), construção que justifica a posição do clítico antes de v2.
191
Por que não se trataria de uma efetiva próclise a v2 no caso do PE, mas o que se teria
em geral seria genericamente ênclise a v1, mesmo havendo a aparente colocação v1 x cl v2?
Sem se valer das evidências fonéticas que confirmariam que se trata de ênclise ao
elemento anterior no PE, pode-se fazer, em termos morfossintáticos, uma comparação com a
variedade brasileira e constatar que, de todos os dados de complexos verbais no PB, não
houve nenhum dado com a posição v1-cl x v2. Além disso, o elemento interveniente na
posição v1 x cl v2 não se limitava a conectores integrantes dos complexos verbais, mas
diversos elementos que não ocorreram no PE. Na tabela a seguir, há uma comparação dos
elementos integrantes e intervenientes presentes nas variedades brasileira e europeia:
Elementos integrantes e intervenientes nos complexos verbais do PB e PE
CV – PB x PE PB PE
Elementos v1-cl x v2 v1 x cl v2 v1-cl x v2 v1 x cl v2
Preposição a Não 100 % 36% a 57% 3% a 10%
Preposições de e por Não 100% 6% a 13% 72% a 75%
Presença de advérbios Não Até, sempre,
nem, lá, não,
ao menos,
quase, só e
assim
Lá, sempre e
também
Não e eles
(precedido pela
preposição por)
Tabela 27: Elementos integrantes e intervenientes nos complexos verbais no PB e PE e a ordem dos
clíticos em complexos verbais
De acordo com a tabela acima, no PE, verifica-se que há uma preferência pela
colocação v1 x cl v2 quando as preposições não são apenas uma vogal – como a preposição a
–, mas são constituídas de consoantes e vogais – como as preposições de e por. Nos exemplos
acima, verificou-se que com os advérbios lá, sempre e também ocorreu sempre a colocação
v1-cl x v2, bem diferentemente do que ocorreu no PB, no qual essa posição não foi
encontrada e realizou-se sempre próclise a v2, como já foi exposto anteriormente.
Propor que os dados do PE que ocorreram na posição v1 x cl v2 fossem casos
efetivamente proclíticos a v2 não só não se sustenta na presente análise, dada a natureza
particular das ocorrências encontradas no corpus, mas também contrariaria resultados de
todos os trabalhos anteriores. Estes mostram que essa posição é típica do PB, que não realiza
a ênclise a v1, e, munidos de evidências morfossintáticas e/ou prosódicas, também
192
evidenciam que no PE essa posição do clítico adjacente a v2 é limitada a determinados tipos
de complexos.
Na tabela anterior, como se pode observar, em quase todos os dados o elemento que
se encontra no interior do complexo verbal não é um elemento interveniente do tipo adjunto
adverbial, mas constitui elemento integrantes do complexo, ou seja, trata-se de elementos que
fazem parte do complexo verbal (“de”, “por” e “a”). Assim, embora o clítico não esteja
adjacente a v1, ele está acolhido por esses elementos que funcionariam como proclisadores
nessa variedade e, no caso da colocação v1 x cl v2, integrariam um todo do complexo verbal
(verbo + elemento preposição/conector a ele integrante), sendo considerado, a partir daqui, da
mesma forma como se identificam os casos de ênclise a v1. Desse modo, não se propõe,
efetivamente, uma próclise ao verbo principal na variedade europeia.
Essa interpretação da variedade europeia, a de que ela não realiza a próclise a V2,
também pode ser confirmada com os dois últimos dados particulares já comentados, aqueles
que não possuem os elementos “que”, “de” ou “a” integrantes do complexo, mas apresentam
como elemento realmente interveniente a partícula “não”. Acredita-se que, nesses dados – “as
pessoas podiam não se entender” e “pode não lhe apetecer” –, o pronome apareceu no interior
do complexo depois do vocábulo “não” por exigência semântica, uma vez que, se as frases
fossem “as pessoas não podiam se entender” e “não pode lhe apetecer” não possuiriam
exatamente o mesmo significado que expressam as produzidas pelos informantes. Então,
acredita-se que o “não” foi colocado no interior do complexo para que o sentido desejado pelo
falante fosse transmitido, o de negar o conteúdo especificamente de v2. Assim, até nesses dois
casos não haveria próclise a v2, efetivamente revelada em construções com elementos
intervenientes no PB, mas poderia ser concebida a anteposição do clítico por exigência do
vocábulo “não”, de efeito proclisador já comprovado no PE.
Feitos esses esclarecimentos, concebem-se, a partir daqui, para a análise dos dados
do PE, diferentemente do que se propôs para o PB, as seguintes variantes: próclise a v1 (pré-
cv), ênclise a v1 (que abrange as posições superficiais v1 cl x v2, v1 x cl v2 e v1 (-) cl v2) e
ênclise a v2 (pós-cv), para facilitar a interpretação dos resultados, como se pode observar no
gráfico a seguir:
193
Gráfico 18: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais
nos complexos verbais do PE
Com a junção das variantes tomadas como enclíticas a v1, verifica-se que essa
posição foi a mais produzida com o total de 256 dados (47%), seguida pela próclise a v1 com
208 dados (38%) e pela ênclise a v2 com 81 dados (15%). Nessa junção, como já foi dito,
além das variantes que não possuem nenhum elemento interveniente e as que possuem o
clítico depois de um elemento integrante, há também os exemplos em que o clítico ocorre
antes de algum elemento, como se verá a seguir.
Assim, ainda em relação à colocação com a presença de algum elemento
interveniente, a posição v1 (-) cl x v2 ocorreu em 68 dados com infinitivo, sendo a maioria
com o complexo “estar a + infinitivo” (31 dados) e com “começar a + infinitivo” (11 dados).
Os outros complexos apareceram da seguinte forma: “por a + infinitivo” (6 dados), “ter
que/de + infinitivo” (4 dados), “ir x + infinitivo” (4 dados), “habituar a + infinitivo” (4
dados), “chegar a + infinitivo” (2 dados), “dar de + infinitivo” (2 dados), “acabar a +
infinitivo” (1 dado), “procurar a + infinitivo” (1 dado), “tentar x + infinitivo” (1 dado) e
“poder x + infinitivo” (1 dado). Abaixo, segue um exemplo de cada tipo de complexo,
respectivamente:
Ex.263: há até algumas regiões do pa do do do país cujo centro ninguém anda de
carro tou-me a lembrar por exemplo d‟óbidos [FNC-B-3-M]
Ex.264: com azeite e vinagre e e sal pôs uma massa depois começou-me a esfregar
os braços e as pernas [FNC-B-1-M]
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PE
38%47%
15%
A variável dependente do PE
Próclise a v1
Ênclise a v1
Ênclise a v2
194
Ex.265: e a gente as raparigas e punha-se a dizer qual era a que cortava uã [FNC-C-
1-M]
Ex.266: depois tinha-se sessenta minutos depois ia-se assim por ai abaixo depois
tinha-se que pedir uma hora emprestada [FNC-B-1-M]
Ex.267: que Ela tinha um um pomare e de as laranjas caia no chão a gente ia-se lá
pedir e ela deixava a gente apanh ajuntar [FNC-B-1-M]
Ex.268: eu gostava gostava de brincar também a: prontos prontos depois isso a
pessoa com o tempo habitua-se a fazer outras coisas [CAC-B-1-H]
Ex.269: no fundo aquilo era acompanhar os estudos sempre que eu tinha alguma
dificuldade me... chegaram-me a colocar nalguns explicadores [CAC-B-3-H]
Ex.270: I - é bom ajuda a ter responsabilidades por exemplo dar-lhe de comer ir
com ele à rua acho que sim [OEI-A-1-H]
Ex.271: o casal acho que entram naquela rotina na mesma acabam-se a cansar por
isso é que hoje se vê um casamento dura meia dúzia de anos... [CAC-B-1-M]
Ex.272: I - a tentaram-me sempre mostrar qual era a melhor forma de estar na vida
[OEI-B-2-H]
Ex.273: a partir dai faço a minha vida não como digo não sou de andar muito lá fora
porque se eu pode-se também andar bem [CAC-C-1-M]
Verifica-se, de acordo com os exemplos acima, que a subida de clítico efetivamente
ocorre no PE, tendo em vista os diversos tipos de complexos e de pronomes que apareceram
na posição v1-cl x v2, além da grande quantidade de dados nessa posição (68 ocorrências),
que se somam aos 208 de infinitivo com outros clíticos na adjacência de v1, mas na posição
anterior.
Vale ressaltar que, nos exemplos apresentados, além dos elementos que são
efetivamente integrantes do complexo verbal (a, de e que), há alguns elementos que realmente
são intervenientes, como “lá”, “sempre” e “também”. Nesses exemplos, o clítico ligou-se a
v1 e não apareceu depois desses elementos, como aparece usualmente no PB, confirmando a
proposta de que o clítico no PE se liga efetivamente em ênclise a v1.
Dos 208 dados de infinitivo do PE na posição cl v1 v2, 201 ocorreram com algum
tipo de elemento proclisador e 7 sem esses elementos, sendo um em início absoluto de oração,
como pode ser observado nos exemplos a seguir:
195
Ex.274: quis a independência bem também foi comprar umas calças de catorze
contos na altura os meus pais não me iam comprar eu também quis para poder
comprar roupa de marca [FNC-A-1-H]
Ex.275: mas não sei talvez sinceramente talvez para o ano voltar a estudar e vamos lá
ver o que se vai dar [FNC-A-1-H]
Ex.176: e por isso aí olho mas eles já se tão a rir porque eles tavam a falar [FNC-B-
3-H]
Ex.277: por ser isse furados à moda antiga porque hoje em dia é túneles [túneis]
porque quando se ia dar um passeio [FNC-C-1-M]
Curiosamente, houve um dado com a variante pré-complexo verbal em início
absoluto de oração e um dado com a variante mesoclítica no verbo auxiliar do complexo
verbal, como se pode verificar abaixo, respectivamente:
Ex.278: INF: em vez de abrirem tantas estradas se deviam abrir era sim creches
para as pessoas mais necessitadas e um lar de idosos [FNC-A-1-H]
Ex.279: L: não eu estou convencido não é assim poder-se-á mudar pode se mas só
se a outra pessoa tiver numa situação que precise de ajuda [CAC-C-2-H]
Provavelmente a colocação em início absoluto de oração se deu por causa do adjunto
adverbial topicalizado, o que, de certa forma, favoreceria a próclise a v1. Além desses
contextos em início absoluto, há mais seis estruturas em que a colocação proclítica a v1
ocorreu, que se encontram a seguir:
Ex.280: o acesso à educação no Brasil ainda não é aquele que seria desejável e que
encontramos na Europa não é? portanto tudo isso se vai reflectir nos
comportamentos [CAC-C-3-H] - Sujeito
Ex.281: I – claro a geração dos meus pais prima-se ainda pela família
independentemente daquilo que se faz fora atenção não são santos nenhuns as
pessoas dessa geração pelo contrário mas hum nessa geração tudo se tem que aturar
não são muitos os casais a divorciarem-se dessa geração [OEI-A-3-M] - Sujeito
Ex.282: L: ou de alguma maneira se consigam juntar é impossível fazer uma
situação dessas calha de vez em quando né [CAC-B-2-M] – Adjunto adverbial
Ex.283: L: não ando a pé na rua portanto logo também ah.. estas questões me podem
passar um bocadinho mais despercebidas [CAC-A-3-M] - Sujeito
196
Ex.284: fui pa cama ela quando ia já ela já já tava já tinha passado ui [os] nervos ela
me veio ver que tava isto tudo negro inchado [FNC-B-1-M] – Sujeito
Ex.285: a nível curricular poderia haver outras disciplinas de de civismo acho que
falta muito civismo e cada vez se vem a perder mais o civismo [OEI-A-3-H] –
Adjunto adverbial
Nos dois primeiros exemplos, ocorreu a colocação proclítica, provavelmente por
causa de presença do elemento quantificador tudo e no exemplo 282 por causa da conjunção
ou. No exemplo 283, registra-se a presença de elemento demonstrativo no sujeito; no
penúltimo exemplo, um pronome pessoal no contexto imediatamente anterior ao clítico; no
último exemplo, há orações subordinadas coordenadas entre si. Como se pode observar, em
praticamente todos os casos, há um contexto possível de próclise em questão.
Vale ressaltar, também, que houve dados em que havia a presença de um elemento
proclisador, mas a variante próclise a v1 não foi realizada, como pode ser verificado nos
exemplos abaixo:
Ex.286: INF: como é que é ehh mal eu mehh mehhh êêê nem sequer sei lhe explicar
[FNC-A-1-M]
Ex.287: até estagiar ao millennium bcp e na altura não gostou muito porque eh
simplesmente não gostava que eu fosse lhe ensinar [FNC-A-3-M]
Ex.288: eu disse e eu vou levar uã malha tá cá nada tu tens os joelhos todos esfolados
tua mãe não vai te bater [FNC-B-1-M]
Ex.289: minha mãe foi assim ah rapa lo lugar de me ver a rapariga o que tu foste me
fazer [FNC-B-1-M]
Ex.290: a gente passava era a fazer o nosso enxovalho a bordare a fazeno pon a fazer
ponte cruz e porque tamém ia-se deitar cedo [FNC-C-1-M]
Ex.291: L: eu eu acho que devia-me corrigir em relação a isso [CAC-B-3-M]
Ex.292: mas não há assim nada que me tenha ah traumatizado assim de uma maneira
assim que que possa me lembrar há coisas bem das coisas ( ) sim lembro-me de
muitas coisas [OEI-B-3-M]
Ex.293: eu tenho que pensa nisso mas se eu começo a pensar nisso vou-me embora
querem-me mandar embora vou-me embora dou em louco [OEI-C-1-H]
Ex.294: eu não aproveitava e só e só maçava os outros a dizer ah quero me ir embora
quero me ir embora e eles fartaram-se não é? [OEI-C-3-M]
197
É interessante perceber que há variação nos contextos com elementos proclisadores,
de modo que o clítico pode ocorrer antes de v1, depois de v1 e depois de v2 (ainda a ser
descrito). Na tabela a seguir, estão todos os elementos antecedentes que ocorreram com os
complexos verbais no infinitivo do PE:
Elementos antecedentes no infinitivo do PE
CV - PE Próclise a v1 Ênclise a v1 Ênclise a v2
Partículas de negação 73/88 - 83% 9/88 – 10% 6/88 - 7%
Conjunções subordinativas 97/141 - 69% 31/141 - 22% 13/141 - 9%
Preposições 9/12 - 75% 2/12 - 17% 1/12 - 8%
Operadores de foco 17/24 - 71% 6/24 - 25% 1/24 - 4%
Adjuntos adverbiais 2/23 - 9% 17/23 - 74% 4/23 - 17%
Sujeitos 4/86 - 7% 65/86 - 73% 17/86 - 20%
Início absoluto 1/111 – 1% 86/111 – 77% 24/111 – 22%
Complementos preposicionados 0/14 - 0% 12/14 - 83% 2/14 - 17%
Conjunções coordenativas 0/46- 0% 33/46 - 72% 13/46 - 28%
Tabela 28: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo o elemento
antecedente com a forma do verbo principal no infinitivo no PE
Essa posição – enclítica a v1, mas com um elemento proclisador antes do complexo
– não seria uma possível realização de acordo com a gramática de Raposo et alii (2013), pois,
segundo Martins, “Em estruturas completivas infinitivas nas quais a oração infinitiva é
selecionada por certos verbos, e nas perífrases verbais em geral, um pronome átono
complemento do verbo infinitivo pode cliticizar-se, opcionalmente, ao verbo finito” (p. 2288).
Logo após, os autores mostram, dentre vários exemplos, alguns em que há um elemento
proclisador clássico, como a partícula de negação “não”, e mostram que o clítico pode
aparecer antes do complexo (em posição pré-cv) ou depois dele (em posição pós-cv). No
entanto, não há nenhum exemplo como os que foram realizados nos dados da amostra acima,
com ênclise a v1.
A colocação pós-cv ocorreu em 81 dados e somente com o infinitivo. A maioria
deles ocorreu com o complexo verbal “ir + infinitivo” (26 dados), seguido pelo complexo
“estar a + infinitivo” (13 dados), “tentar + infinitivo” (8 dados) e “conseguir + infinitivo” (6
dados). Além desses complexos, também ocorreu a posição pós-complexo verbal com as
seguintes formas de v1: saber, ter (que/de), vir, começar (a), poder, decidir, dever, andar (a),
acabar (por), costumar, continuar (a) e procurar, mas em pouca quantidade, com menos de
três dados em cada caso, na maioria. Assim, ao que parece, o tipo de complexo em si não
198
determinaria a colocação pós-complexo verbal, tendo em vista a variabilidade de estruturas
verbais com que essa posição se realizou.
Já em relação ao tipo de clítico, este, sim, influenciaria diretamente a colocação
depois do verbo, uma vez que, dos 81 dados, 47 foram com o clítico acusativo (o (s), a (s)),
seguido pelos pronomes “me” (12 dados), “se” (10 dados), “lhe(s)” (9 dados) e, por último,
“nos” (3 dados). Verifica-se, assim, que o clítico acusativo de terceira pessoa é altamente
produtivo na posição pós-verbal, como se verificou também nas lexias verbais simples. O
comportamento particular desse pronome, ao que tudo indica, relaciona-se à fragilidade
fonética de sua constituição, de apenas uma vogal, o que lhe atribuiria maior grau de
atonicidade. Assim, sua posição enclítica ao infinitivo gera a constituição de uma sílaba CV,
reduzindo sua debilidade fônica.
A seguir, há um exemplo de cada tipo de pronome encontrado na posição enclítica ao
complexo:
Ex.295: eu não vou aos meus filhos fazer não sei quê... e eu vou deixá-los não vou
obrigá-los a ir prá cama e eles vão brincar até quando quiserem [CAC-B-3-M]
Ex.296: D: porque quando ia levantar-me às vezes não me conseguia levantar
[CAC-C-1-M]
Ex.297: até que pronto apareceu o caminho neocatecumenal umas catequisações a
haver lá no bairro depois entraram para comunidade do caminho e e decidiram
casar-se pela igreja [OEI-A-2-H]
Ex.298: L: aquelas tretas todas aquilo é horrível mas é assim eles não têm:m não sei
escapa-lhes as coisas não é? [CAC-B-3-M]
Ex.299: I - fáceis totalmente fáceis mas neste momento há um eu acho também ( )
que o Brasil tem uma força muito grande entre rico e pobre a gente aqui estamos a
aproximar-nos totalmente [OEI-B-1-H]
De acordo com os exemplos acima, verifica-se que, dos cinco exemplos, três
possuem um elemento proclisador clássico antes do complexo, mas, mesmo assim, o que
ocorreu foi a posição pós-cv (exemplos 295, 296 e 298), variação já assumida por Martins (in
Raposo et alii, 2013). Esse caso de variação nos complexos do PE com infinitivo,
independentemente da presença de um proclisador, já foi atestado em outros trabalhos com
dados europeus, como os de Vieira (2011) e Nunes (2014), em outros corpora.
199
6.2.1.2.2. Complexos verbais do PE com o verbo principal no gerúndio
Em relação aos complexos com v2 no gerúndio, ocorreram 48 dados, sendo 38 na
posição v1-cl v2 (78%) e dez antes do complexo (22% - cl v1 v2). Assim, em complexos com
o gerúndio, diferentemente do PB, em que só ocorre a próclise a v2, haveria duas posições
possíveis nos dados europeus: a pré-cv, com elementos proclisadores, ou a enclítica a v1, sem
elementos proclisadores e, por vezes, até com eles, configurando mais um contexto de
variação no PE.
Houve somente dois tipos de complexos: “ir + gerúndio” (42 dados) e “estar +
gerúndio” (6 dados). No que diz respeito ao tipo de clítico, somente foram encontrados quatro
tipos: “se” (33 dados), “me” (12 dados), “nos” (2 dados) e “lhe” (1 dado). Dessa forma,
constata-se que o tipo de complexo (“ir + gerúndio”) e de pronome (“se” ou “me”) são os
mais produtivos na colocação com os complexos com gerúndio.
Seguem os dez exemplos que estão na posição pré-cv:
Ex.300: eu estimei tanto a minha bonequinha e em dois dias ela tava desfeita sim
tamém me tá lembrando [me lembrando] d‟outra [FNC-C-1-M]
Ex.301: antão fui ter com mê filho à áfrica de sul co mê marido agora ina [ainda] me
tou lembrande de um pormenor [FNC-C-1-M]
Ex.302: nunca faltou ( ) emprego a ninguém... havia emprego com fartura... as
pessoas ainda se ia produzindo ainda se ia criando postos de trabalho [CAC-C-1-H]
Ex.303: nunca faltou ( ) emprego a ninguém... havia emprego com fartura... as
pessoas ainda se ia produzindo ainda se ia criando postos de trabalho [CAC-C-1-H]
Ex.304: o meu marido ia buscar o tapete dos pés da cama que é maior não é punha-o
aqui no chão e eu la ia me e eu la me ia ajoelhando com forme [CAC-C-1-M]
Ex.305: jovens não sabem o que é isso uma folha de: papel selado a: que isso pronto
são coisas que se vão perdendo outras evoluíram [CAC-C-2-H]
Ex.306: estes blocos de tempo de que vão que vão alterando em que as mentalidades
se vão alterando mas dentro do dentro do que era hoje [OEI-A-2-H]
Ex.307: grande parte de de das pessoas que sim pelo menos o núcleo das minhas
amizades acho ah acho que se mantém assim não é? mas o que se ouve falar e – por
outras pessoas que se conhece que se vai conhecendo – acho que cada vez mais as
pessoas [OEI-A-2-M]
200
Ex.308: há coisas que noto que leva muito tempo para se conseguir uma consulta
hum hum mas também já se vai dizendo que que tem um seguro é que se safa [OEI-
B-2-M]
Ex.309: I- não é? e que nos vai abrindo os horizontes não é? [OEI-C-3-M]
De acordo com os exemplos acima, verifica-se que, nos dados em que ocorreu a
posição pré-cv, havia um elemento proclisador (também, ainda, lá, que e já), o que favoreceu
essa colocação. Nos demais dados, a posição seria sempre no meio do complexo verbal e sem
nenhum elemento interveniente. Abaixo, seguem, curiosamente, três dados em que há a
presença de um elemento proclisador, mas a variante pré-cv não foi realizada:
Ex.310: eu falei que me disseram a mesma coisa... ela a partir daí o que ela me quis
dizer que já ia-se marimbando mais pró Francis/ do Francisco [CAC-B-1-M]
Ex.311: gestos quotidianos que são muito específicos daquela daquela cultura e que
aos poucos vão-se perdendo vão-se perdendo [CAC-B-2-H]
Ex.312: I - há fases a é engraçado eu eu acho que a a história vai-se repetindo
embora de formas diferentes não é? [OEI-B-3-H]
Verifica-se que, na maioria dos dados em que há um elemento proclisador, a variante
pré-cv foi realizada. No entanto, há os três exemplos acima que fogem à regra.
Os dados analisados com o gerúndio confirmam o que Martins (in RAPOSO et alii,
2013) propõe para esse verbo principal, pois, segundo a autora, “nos complexos verbais com
gerúndio (...) os pronomes átonos cliticizam ao verbo finito. Há, portanto, subida do clítico,
diferentemente do que acontece nas estruturas infinitivas, nas quais a subida do clítico
(quando permitida) é opcional” (p. 2291-2292). No entanto, em nenhum momento, a
gramática trata da ênclise a v1 em contextos com atratores e não há nenhum exemplo, dentre
os vários citados pela autora, que se aproxime dos dados acima.
6.2.1.2.3. Complexos verbais do PE com o verbo principal no particípio
Nos complexos com o verbo principal no particípio, houve 49 dados, sendo 28 na
posição cl v1 v2 (56%) e 21 na posição v1-cl v2 (42%), mostrando que, assim como no
gerúndio, há uma colocação binária com as estruturas de v2 no particípio. De todas as
ocorrências, houve somente dois tipos de complexos verbais: “ter + particípio” (41 dados) e
“ser + particípio” (8 dados). Pode-se observar que o tipo de complexo “ter + particípio” é bem
201
produtivo, pois a grande maioria ocorreu com esse verbo auxiliar. No que diz respeito ao tipo
de clítico, grande parte das ocorrências ocorreu com o pronome “me” (23 dados), seguido
pelo “se” (14 dados), “lhe” (7 dados), “o(s)” (4 dados) e “nos” (1 dado).
Os exemplos a seguir apresentam os clíticos na posição pré-cv, com os pronomes “o
(s)” e “nos” e os complexos do tipo “ser + particípio”, que foram os menos utilizados:
Ex.313: há alteração nos comportamentos nas atitudes nos valores… o que nos tem
colocado questões [CAC-C-3-H]
Ex.314: INF: é evidente que quando as pessoas acordavam e que não os viam lá
ficavam aparafusa ehh apavoradas se alguém os tinha roubado [FNC-C-2-H]
Ex.315: em oração pedi abrandasse as dores e eu pudesse por de pé e ir e ir lá porque
eu nunca o tinha visto [CAC-C-2-M]
Ex.316: já o têm em conta e depois ficavam e repetiam e tal enfim ah mas já alguns o
têm encontrado depois disso [OEI-C-3-M]
Ex.317: a primeira classe é que foi mais complicado porque a professora esteve
doente mas agora tem sido sempre a mesma e é uma excelente professora e graças a
Deus tem-no ajudado imenso [OEI-A-1-M]
Ex.318: que não esteja formado ainda não nomeadamente qualquer criança a-
adquire e e absorve tudo aquilo que lhe foi lhe foi ensinado a quando era miúdo
[OEI-B-2-H]
Ex.319: no meu caso no meu horário tinha no horário horas tinha direcção de turma
não é foi-me imposto não não foi eu que escolhi [CAC-A-3-H]
Ex.320: eu tenho sobre a vida devo muito aos meus pais e a perspectiva também que
tenho da vida em sociedade devo muito a essa educação que me foi dada não só com
os meus pais [CAC-B-2-H]
Ex.321: nunca tive oportunidade de/de partilhar com eles as brincadeiras deles
porque pronto era me vedado esse acesso [CAC-C-2-H]
Ex.322: L: vamos pronto eu/eu por aquilo que eu tenho por aquilo que me é dado
[CAC-C-2-H]
Ex.323: um grupo de pessoas o quão díficil pode ser ehh para responsabilizar as
pessoas para que façam aquilo que lhes é incubido [FNC-A-3-H]
Ex.324: tinha que pedir autorização a mê pai mê pai tava pá [para a] venezuela e
então quande foi falado s‟eu qu‟ria namorar com ele foi-me dito só se mê pai
autorizasse [FNC-C-1-M]
202
Ex.325: INF: vantagens da profissão uma profissão liberal digamos que eu não tenho
um horário que me é imposto [FNC-C-3-H]
Verifica-se, assim, que, com o particípio, houve mais a colocação pré-cv (28 dados)
por causa da presença de elementos proclisadores. No entanto, quando não há a presença de
nenhum elemento que favoreça essa variante, o que ocorre é a colocação v1-cl v2, como se
pode verificar nos exemplos aqui apresentados. Dessa forma, foram 32 dados com elementos
proclisadores e em 28 houve a ocorrência da colocação proclítica. Vale ressaltar que, somente
nos quatro exemplos abaixo, havia a presença de algum desses elementos proclisadores e a
variante proclítica a v1 não foi realizada.
Ex.326: D: mas pronto acho que tem tem-se degradado aqui a zona do Cacém e
arredores aqui em Sintra [CAC-A-3-H]
Ex.327: pensei que tinha sid [sido] eu que tinha lhe dado um chupuro [FNC-B-1-H]
Ex.328: ao nível do direito do trabalho já tinha algum conhecimento e uma relação
com as leis que tinham me impulsionado para isso [FNC-C-3-H]
Ex.329: também deixou de lá ir abaixo porque a as coisas cá em cima também têm-
se complicado [OEI-C-2-H]
Martins (in RAPOSO et alii, 2013, p. 2293) ressalta que, na colocação dos pronomes
átonos nos complexos com o particípio, haveria a subida de clítico obrigatória, como o disse
para o gerúndio na citação anteriormente apresentada, e isso foi confirmado no presente
trabalho tanto para o gerúndio quanto para o particípio.
Não há na referida gramática, entretanto, qualquer referência ou exemplo que
confirme como natural no PE a colocação dos dados acima, em que o clítico aparece posposto
a v1 mesmo diante de elemento proclisador.
Dessa forma, assim como no gerúndio, haveria duas colocações possíveis com os
verbos principais no particípio: a próclise e a ênclise a v1, sendo aquela favorecida pela
presença de elemento proclisador antes do complexo verbal.
203
6.2.1.3. Português de São Tomé
A ordem dos clíticos nos Complexos Verbais pela forma de V2: PST
V2 cl v1 v2 v1-cl x v2 v1 (-) cl v2 v1 x cl v2 v1 v2 cl Total
Infinitivo 22 21% 12 11% 33 33% 14 13% 23 22% 104 87%
Gerúndio 2 18% 0 0% 9 82% 0 0% 0 0% 11 9%
Particípio 2 40% 0 0% 3 60% 0 0% 0 0% 5 4%
Total 26 22% 12 10% 45 38% 14 12% 23 18% 120 100%
Tabela 29: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a
forma do verbo principal no PST
Em São Tomé, foram encontrados 120 dados e a variante mais utilizada foi a interna
ao complexo verbal com 60% dos dados, sendo 38% do tipo v1(-) cl v2, 12% de v1 x cl v2 e
10% de v1-cl x v2. A segunda colocação mais utilizada foi a pré-cv (22%), seguida pela pós-
cv (18%).
Os complexos com v2 no infinitivo (87%) são também os de maior ocorrência no
PST, seguidos pelos formados com gerúndio (9%) e com particípio (4%).
Com o verbo principal no infinitivo, a posição interna ao complexo foi a mais
utilizada, com 33% dos dados sem elemento interveniente; com elemento interveniente,
verificou-se a seguinte distribuição: v1 x cl v2 com 13% e v1-cl x v2 com 11%; aquela
ocorreu, na maioria das vezes, com elementos integrantes no interior do complexo verbal –
como ocorreu no PE – e não com elementos interpostos às formas verbais. A variante pós-cv
ocorreu em 22% das ocorrências e a colocação pré-cv em 21% das ocorrências. O verbo
principal no gerúndio teve apenas onze dados, sendo dois na posição pré-cv (18%) e nove na
posição v1(-) cl v2 (82%). O particípio teve apenas cinco dados, sendo dois na posição pré-cv
(40%) e três na posição v1(-) cl v2 (60%).
6.2.1.3.1. Complexos verbais do PST com o verbo principal no infinitivo
Ressalta-se que, dos quatorze dados com a variante v1 x cl v2, dez são do tipo “ter
que + infinitivo”; quanto aos demais dados, a seguir listados, são três do mesmo informante e
um de uma mulher da mesma faixa etária e do mesmo nível de instrução do indivíduo
anterior.
204
Ex.330: não sei o que é que estava por detrás das coisas mas, infelizmente, essas
pessoas lá não estavam a se revelar muito simpáticas [ST-A-3-H]
Ex.331: não é que eu não tenha mais para dar, mas eu acho que eu dei o meu
contributo, eu dei o meu contributo, eu estou a me licenciar agora para poder aplicar
[ST-A-3-H]
Ex.332: depois estava a dar entrevista ontem a dizer não sei quê não sei quê que é
culpa de não sei quê. É culpa de quem? Ele é que é culpado. O indivíduo pode até se
exprimir assim, abertamente [ST-A-3-H]
Ex.333: Os mais velhos, esses infelizmente estão a morrer, né, eles que têm mais
conhecimento disso, estão a morrer e não estão a… os jovens hoje em dia não estão
a se interessar que é para aprender essa língua [ST-A-3-M]
Pelos exemplos acima, e tendo em conta que os outros dez dados são com o tipo de
complexo verbal “ter que + infinitivo”, verifica-se que haveria de modo geral, também em
São Tomé, a variante enclítica a v1, como se interpretou para o comportamento do PE, uma
vez que a distribuição das posições é bem parecida com a do PE. No PST, a colocação v1 cl x
v2 ocorreu, principalmente, com a preposição a (33% - 55%) e a posição v1 x cl v2 foi mais
realizada quando os elementos integrantes do complexo verbal eram as preposições de e por
(66% - 70%).
Apenas em uma ocorrência, no exemplo 332, em que o elemento interveniente é o
“até” e não um conector/preposição integrante do complexo, ocorre, de forma particular, o
pronome adjacente a v2, configurando uma construção costumeiramente considerada uma
inovação brasileira, a chamada próclise a v2. Com apenas uma ocorrência desse tipo e sem
um estudo específico do comportamento de grande número de dados com o vocábulo “até”
interveniente aos complexos em diversas variedades do Português, seria prematuro afirmar
que o PST se alinha ao PB nesse tipo de construção. No entanto, é digno de nota o registro
dessa ocorrência na amostra são-tomense, em termos qualitativos, mesmo sendo apenas um
dado. Em última análise, essa ocorrência pode sugerir que os informantes são-tomenses
admitam, ainda que raramente, o pronome proclítico a v2, a variante considerada uma
inovação brasileira, sendo, assim, uma particularidade do PST, não verificada na amostra do
presente trabalho em relação ao PE (nem em trabalhos anteriores como os de Vieira (2002) e
Vieira, M. F. (2011)). Caso realmente se confirme ser esse dado natural no PST, aumenta a
confiabilidade da hipótese de que a instabilidade advinda da situação de multilinguismo que
envolve a implementação da Língua Portuguesa em São Tomé, por causa da intensa situação
205
de contato linguístico, possa explicar as feições diferenciadas de uma língua transplantada em
relação à língua do colonizador, como também aconteceu no caso do PB.
Dessa forma, tendo como base os exemplos acima e considerando apenas um
exemplo de uma possível próclise a v2, a partir desse momento, também serão consideradas
três variantes para o PST, como ocorreu no PE, sendo próclise a v1, ênclise a v1 e ênclise a
v2, como se pode verificar no gráfico a seguir:
Gráfico 19: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais
nos complexos verbais do PST
Com base no gráfico acima, constata-se que, assim como no PE, a variante enclítica
a v1 foi a mais produtiva nos dados do PST com 59 dados, seguida pela pós-cv, com 23
dados, e pré-cv, com 22 ocorrências.
Em relação à posição específica v1-cl x v2, ainda com a presença de elementos
intervenientes, dos doze dados encontrados, quatro são do complexo verbal “estar a +
infinitivo”, três “ ir a + infinitivo”, dois “por a + infinitivo”, e um de “habituar + infinitivo”,
de “começar a + infinitivo” e de “ter que + infinitivo”. O pronome encontrado nas estruturas
foi somente o “se”, como pode ser observado a seguir:
Ex.334: o estado não deve parar com essa política de pulverização intradomiciliária,
utilização dos mosquiteiros impregnados, porque quando, repare, quando há, está-se
a decorrer esse processo de pulverização intradomiciliária [ST-A-3-M]
Ex.335: o paludismo, o mosquito causador de paludismo quase que não se vê. Depois
de terminar as pulverizações, dois, três, quatro meses começa-se a sentir novamente
o ressurgir dos mosquitos [ST-A-3-M]
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PST
21%
57%
22%
A variável dependente do PST
Próclise a v1
Ênclise a v1
Ênclise a v2
206
Ex.336: A: nem por isso. Nem por isso. Está-se a complicar cada dia [ST-A-3-M]
Ex.337: A: É, não tem qualquer estatuto. Tal como estão-se a fazer em cabo verde
[ST-A-3-M]
Ex.338: Eu quando estudei no novo sistema, para a xx existir não pode ser uma coisa
de momento. Teria-se52
que educar as pessoas para estarem preparadas [ST-B-2-H]
Ex.339: nosso calulu, vai a cozer, descasca-se crua, descasca-se, vai-se juntamente
com essas folhas xxxx todo, vai-se a cozer [ST-B-2-M]
Ex.340: os meus filhos não entendem nada, assim na brincadeira às vezes eu queria
divertir com eles é que falo, até meus filhos põem-se a rir comigo [ST-B-2-M]
Ex.341: mandou me chamar automaticamente disse ah que eu tinha que trabalhar na
escola porque tava-se a procura de um quadro com capacidade [ST-B-3-H]
Ex.342: depois deita-se isso tudo no peixe depois fica a coser depois vai se a
engrossar com a farinha mandioca... [ST-C-1-M]
Ex.343: L: põe-se na comida... põe-se a refogar muito bem... [ST-C-1-M]
Ex.344: D: e que que se faz para tratar?
L: vai-se A picar [ST-C-1-M]
Ex.345: pode ser sim, na rádio que tal, mensagem passa melhor, sobretudo para
piada porque habituou-se muito a utilizar a nossa língua para fazer-se piada [ST-A-
3-H]
Diferentemente do que ocorreu com o PB – em que o clítico fica usualmente
proclítico a v2 e, no caso do se indeterminador, costumeiramente antes de v1 –, no PST esse
fenômeno, à semelhança do que ocorre na língua do país colonizador, ocorre com alguns tipos
de complexos verbais, tendo sido verificado apenas com o pronome “se”, como os exemplos
acima mostraram.
Em relação aos elementos intervenientes, verifica-se que, assim como no PE, a
maioria é de elementos integrantes do complexo verbal. No entanto, no último exemplo,
haveria um elemento interveniente que é a palavra “muito” e o pronome ocorreu antes dele,
havendo uma ênclise a v1, e não depois, como, provavelmente, ocorreria no PB.
A posição pré-cv ocorreu em 22 dados com o infinitivo. Em relação ao tipo de
complexo verbal, ocorreram 12 com o complexo verbal “poder + infinitivo”, o mais utilizado
com essa posição, seguido pelo “conseguir + infinitivo” (3 dados), “dever + infinitivo” (3
52
Neste exemplo, a variante realizada foi a ênclise ao futuro do pretério e não a mesóclise, confirmando que os
são-tomenses preferem dados enclíticos.
207
dados), “ir + infinitivo” (1 dado), “começar + infinitivo” (1 dado), “estar + infinitivo” (1
dado) e “vir + infinitivo” (1 dado). O pronome “se” foi o mais utilizado com 17 ocorrências,
seguido pelo “me” (4 dados) e “nos” (1 dado). Vejam-se alguns exemplos dessa posição
abaixo:
Ex.346: estão a ter muita ambição para as coisas que eles acham que eles não
conseguem ter porque quando se não consegue ter uma coisa você ambiciona
demais [ST-A-1-H] – Dado com interpolação.
Ex.347: as roças estão a conhecer um novo dinamismo, algumas delas, não todas,
né? Não se pode abraçar tudo ao mesmo tempo [ST-A-3-H]
Ex.348: o ano que eu comecei a trabalhar as coisas, talvez as dificuldades, o próprio
professor já se começava a sentir então é uma relação [ST-A-2-H]
Ex.349: por exemplo agora há área a, área b, tem um xis de disciplinas na altura
quando eu estudei, estudava-se dez disciplinas e só se podia passar com duas
deficiências [ST-B-2-M]
Ex.350: então eu tomei um pedaço de tábua, de canoa, daquelas canoa já já partida e
que dava muito bem para se ir remar um bocado [ST-A-1-H]
Vale destacar que a colocação pré-cv não ocorreu em início absoluto e sempre havia
algum elemento proclisador antecedente, como se pode verificar nos exemplos anteriores. No
entanto, assim como no PE, também houve variação com três dos elementos proclisadores
mais habituais: elementos subordinativos (próclise a v1 7/25 – 28%; ênclise a v1 15/25 – 60%
e ênclise a v2 3/25 – 12%), partículas de negação (próclise a v1 10/17 – 59%; ênclise a v1
5/17 – 29% e ênclise a v2 2/17 – 12%) e operadores de foco (próclise a v1 2/7 – 29%; ênclise
a v1 2/7 – 29% e ênclise a v2 3/7 – 42%). Com os demais proclisadores, a colocação
proclítica a v1 foi categórica. Assim, houve contextos em que havia um elemento proclisador,
mas a variante proclítica a v1 não foi realizada, como se pode verificar nos exemplos a seguir:
Ex.351: Eu se estiver a precisar de dois mil dólares para, pronto, só um exemplo,
para editar um disco, o mínimo que possam me dar [ST-A-3-H]
Ex.352: às vezes chega a ser uns cem dólares, eu procuro um apoio e que tal, quem
pode me dar é boa iniciativa [ST-A-3-H]
Ex.353: A: É por isso que maioria parte de pessoas de roça estão a deslocar para
cidade, que aqui consegue-se trabalhar doméstica [ST-B-1-M]
Ex.354: A: Eles não vão me perseguir porque eu não tenho dinheiro. [ST-B-1-M]
208
Ex.355: A: é, hhh, eu não vejo agora mas não é pilão, pilão já é para milho, isso tem
outro nome, porque há uma coisa pilão que costuma-se pisar o milho [ST-B-2-M]
Ex.356: LF: às vezes às vezes nota-se: é mais o caso da indisciplina... mmh isso eu
acho que tem um pouco a ver com a casa não é? é que costuma-se dizer que a a a a
dis(x)iplina começa-se/ começa do berço... [ST-B-3-M]
Ex.357: sinta bem é na minha casa origem... é: eu fico fico mesmo antes que venha
me fazer mais confusão a cabeça [ST-B-3-M]
Ex.358: eu gosto da língua mas eu não sei porque mas eu não consegui me
desenvolver muito... [ST-B-3-M]
Ex.359: é frustrante mas pro:ntos é: eu volto um pouco/ eu volto à parte espiritual
como custuma-se dize:r... quando se te:m fé é:... nós com fé nós conseguimos força
[ST-B-3-M]
Ex.360: L: é é... vai-se la/ depois de/ é um fruto depois de ( ) é que vai se lavar...
[ST-C-1-M]
Ex.361: L: muito pouco (vim) naquela altura e ainda fiz quarta classe com meus onze
doze anos (Ainda com classificação de) muito bom naquela altura mas só que não
prossegui na altura porque pai não podia me levar [ST-C-2-H]
Dessa forma, assim como ocorre no PE, a presença de elementos proclisadores
favorece a variante pré-cv, mas, nesses contextos, também ocorreu a colocação pós-cv, como
é atestado em Raposo et alii (2013), e a posição enclítica a v1. Ressalta-se que esta colocação
não foi citada nos exemplos citados por Raposo et alii (2013) com nenhuma das formas do
verbo principal.
A colocação depois do complexo verbal ocorreu em 23 dados com o infinitivo. O
complexo “poder + infinitivo” (6 dados) foi o mais utilizado, mas além dele também ocorreu
essa variante com os verbos “estar + infinitivo” (4 dados), “conseguir + infinitivo” (4 dados),
“ter que + infinitivo” (4 dados), “vir + infinitivo” (2 dados), “dever + infinitivo” (1 dado),
“ficar + infinitivo” (1 dado) e “vir + infinitivo” (1 dado). O pronome mais utilizado foi o
“me” (12 dados), seguido pelos pronomes: “se” (6 dados), “o (s)” (4 dados) e “lhe” (1 dado),
como se pode observar nos exemplos a seguir:
Ex.362: eu não digo que é devido quer dizer… isso também depende da pessoa, a
pessoa também tem que dedicar-se, é assim nosso país [ST-B-2-M]
Ex.363: um líquido porque não havia anestesia nem nada foi desse líquido que
misturaram com qualquer outra coisa que conseguiram anestesiar-me aqui... [ST-C-
3-H]
209
Ex.364: eu julgo que… para pessoa… do do meu cariz, a pessoa do meu próprio tipo,
eu acho que devo voltar-me mais para a sociedade [ST-A-3-H]
Ex.365: teve uma audiência, marco mais importante que seja essa audiência eu não
consigo satisfazer-me enquanto ser humano [ST-A-3-H]
Ex.366: se não te:m é claro que não /(ela) não pode manifestar-se né? [ST-B-3-M]
Ex.367: aprendem com muita facilidade... desde que a gente consiga:... a:... dar/ a:/
consiga dar-lhes... dar-lhes a eles uma preparação... [ST-B-3-M]
A posição pós-cv ocorreu com diversos tipos de complexos verbais e com quatro
tipos de pronomes (“me”, “se”, “o(s)” e “lhe”), diferentemente do PB que só registrou a
variante com o pronome acusativo de 3ª pessoa. Além disso, verifica-se que há elementos
proclisadores em diversos dados que realizaram essa posição, como ocorreu no PE, mostrando
que o PST, nessa posição, também é bem parecido com a língua do colonizador e
confirmando o que se diz sobre a colocação dos clíticos pronominais em complexos verbais
na gramática de Raposo et alii (2013): o clítico com o infinitivo pode ocorrer, quando houver
um elemento proclisador, antes do complexo ou depois dele.
6.2.1.3.2. Complexos verbais do PST com o verbo principal no gerúndio
Houve somente 11 dados com o verbo principal no gerúndio (11 dados) e eles serão
apresentados a seguir, para que seja feita uma análise dessas construções. Há duas ocorrências
com a variante pré-cv (18%) e nove com a variante enclítica a v1 (82%), respectivamente:
Ex.368: nós temos que: tentar fazer de conta eh olhando um pouco também pra: pra
transformações que se foram dando que se foram dando que é o caso perca de
valores não é? [ST-B-3-M]
Ex.369: nós temos que: tentar fazer de conta eh olhando um pouco também pra: pra
transformações que se foram dando que se foram dando que é o caso perca de
valores não é? [ST-B-3-M]
Ex.370: como as empresas ainda estavam nessa fase ainda de mando, estado
mandava, não sei quê, ainda tinham pequenas condições, mais tarde foram-se
degradando [ST-A-3-M]
Ex.371: então depois disso, de estar refogado acrescenta-se água quente, aquela água
fervida, então com fogo vai-se deixando, vai vendo [ST-B-2-M]
Ex.372: até que as coisas hhh tiverem bem cozidas e daí vai-se vendo o ponto [ST-
B-2-M]
210
Ex.373: eu conheci minha mãe com uma coisa assim de madeira, tipo de uma bacia
mas é de madeira, depois com um pau assim vai… uma madeira assim própria vai-se
pisando, então é para acompanhar calulu [ST-B-2-M]
Ex.374: uma vez que fazem aquilo que entendem não trabalham e se não trabalham
não há produção e assim a pobreza vai se agravando portanto [ST-B-3-H]
Ex.375: L: (prepara-se) por no fogo... água ou lume... descasca as bananas e põe...
deixa-se dar um fervidura.... depois tira-se... vai se pisar (no do) pisa-se muito bem...
depois vai se fazendo as bolinhas [ST-C-1-M]
Ex.376: L: é... passa-se a ( ) compra-se o comprimido e vá-se tomando as doses que
mandarem... [ST-C-1-M]
Ex.377: É verdade que em tempos atrás, no período… no período, antes, né hhh,eu
acho que já estou me perdendo um pouco [ST-A-3-H]
Ex.378: a gente ouve um monte de besteira porque não estamos, não está a entender
o que é que está se passando, cada um fala aquilo que ele imagina [ST-A-1-M]
De acordo com os exemplos acima, pode-se observar que só há um exemplo com o
pronome “me” e que todos os outros são com o pronome “se”. Além disso, em relação ao tipo
de complexo verbal, há apenas dois dados com o verbo auxiliar “estar”; os outros nove são
com o verbo “ir”.
Em relação à posição do clítico, verifica-se que há somente dois proclíticos ao
complexo verbal (cf. Exemplos 368 e 369) e nesses dois dados há um elemento proclisador
que é o pronome relativo “que”. No entanto, há outros exemplos com a presença de partícula
proclisadora “que”, mas a posição pré-cv não foi concretizada, mostrando a variação da
colocação dos clíticos pronominais entre próclise ou ênclise a v1 nos complexos verbais
também como se verificou no PE.
6.2.1.3.3. Complexos verbais do PST com o verbo principal no particípio
Ocorreram apenas duas variantes com o particípio também, a proclítica a v1 (40%) e
a enclítica a v1 (60%), como se pode verificar nos cinco dados com o particípio a seguir:
Ex.379: a vida tem sempre altos e baixos momentos, bons e maus momentos, e
falando sobre reportagem eu não estou a ver aqui muitas que me tenham marcado
de forma chocante [ST-A-3-H]
211
Ex.380: lá ficava oito dias portanto ia assim e como normalmente em missão oficial
de serviço não nos é permitido eh desviar muito [ST-B-3-H]
Ex.381: pra todo povo de forma social para os estudantes como nós não tínhamos
educação e saúde era-nos garantido a cem por cento [ST-B-3-H]
Ex.382: G: Exactamente, tem-se feito algum esforço através da música [ST-A-3-H]
Ex.383: eu acho que tem entrado muitos nigerianos e que não há controlo, eu não
acredito que tem-se feito uma avaliação [ST-B-2-M]
Das cinco ocorrências, três são com o verbo auxiliar “ter” e duas com “ser”. No que
diz respeito aos clíticos, verifica-se que há um exemplo com o pronome “me”, dois com “nos”
e dois com “se”. Há somente dois dados com a variante pré-cv e os dois com elementos
proclisadores clássicos (“que” e “não”), como se pode verificar nos exemplos 379 e 380, mas,
assim como ocorreu com o gerúndio, há um dado em que essa variante poderia ter ocorrido,
mas não foi concretizada, como se pode observar no último exemplo citado.
Acredita-se que esses dados em que há um elemento proclisador e que não ocorre a
variante pré-cv, mas a ênclise a v1, sugerem que a oscilação, que ocorreu nas estruturas de
lexias verbais simples, também ocorre com os pronomes nos complexos verbais, em especial
com os que possuem o verbo principal no gerúndio e particípio.
Constata-se, assim, que a colocação dos clíticos pronominais no PST seria muito
parecida com a língua do colonizador, embora haja um dado que pode ser interpretado como
uma possível próclise a v2 e alguns dados em que não ocorre a posição pré-cv em ambientes
em que há a presença de elemento proclisador. No entanto, nesses casos, apesar de a variante
pré-cv não ter ocorrido, a variante enclítica a v1 está claramente representada, variação cuja
produtividade ainda não se pode medir e ocorre no PE também.
6.2.2. Sistematização dos resultados dos complexos verbais
No gráfico a seguir, será mostrada a variável dependente de cada variedade em
estudo, tendo como base as quatro colocações possíveis e amalgamadas, conforme
justificadas no corpo da análise: próclise a v1, ênclise a v1, próclise a v2 e ênclise a v2:
212
Gráfico 20: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais
nos complexos verbais do PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)
De acordo com os resultados acima, verifica-se que, assim como nas lexias verbais
simples, a regra de colocação nos complexos verbais do PB não é variável, e sim,
semicategórica (LABOV, 2003), tendo em vista o alto percentual da realização da variante
proclítica a v2 (96%) e a especificidade das construções que não a realizam (sobretudo quanto
ao tipo de clítico: “se” indeterminador para a próclise a v1 e clítico acusativo de 3ª pessoa
para a ênclise a v2). Essa variante pode ser confirmada, conforme se buscou demonstrar em
todo o detalhamento feito nas seções específicas precedentes, pelo fato de não ter ocorrido
nenhum dado com a variante enclítica a v1, o que pode ser atestado nos contextos em que
ocorreu algum elemento no complexo além das formas efetivamente verbais.
No PE, diferentemente do PB, a colocação mais utilizada seria a enclítica a v1, com
50% dos dados, seguida pela proclítica a v1 (37%) e enclítica a v2 (13%). Ressalta-se que a
colocação proclítica a v2 não foi encontrada, como já se discutiu anteriormente. A colocação
pré-cv foi favorecida pela presença de algum elemento proclisador; no entanto, vale ressaltar
que, mesmo com a presença desses elementos, outras posições foram verificadas: a enclítica a
v1 no caso dos complexos com gerúndio e particípio; e a enclítica a v1 ou a v2 no caso dos
complexos com infinitivo.
Quanto à variedade do PST, pode-se constatar, pela similaridade do comportamento
geral demonstrada no gráfico, que ela seria uma variedade bem parecida com a do país
colonizador, uma vez que a variante enclítica a v1 também foi a mais realizada (60%),
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PB PE PST
2%
37
%
22
%
0%
50
%
60
%
96
%
0%
0%2%
13
% 18
%
A variável dependente amalgamada: PB, PE e PST
Próclise a v1
Ênclise a v1
Próclise a v2
Ênclise a v2
213
seguida pela pré-cv (22%) e pós-cv (18%). Constata-se que até o que não é tendência – como
a variante enclítica a v1 em contextos com proclisadores – também se efetivou nos dados são-
tomenses e, nesse caso, de forma mais produtiva.
Constata-se, assim, que, na amostra referente ao PB, não se verifica variação e a
regra é do tipo semicategórico (Labov, 2003), dado seu perfil quantitativo e qualitativo.
Quanto ao PE e ao PST, verificou-se o comportamento de uma regra variável, mas com
comportamentos particulares a depender da forma de v2. A seguir, serão sistematizadas as
análises segundo a forma do verbo principal.
6.2.2.1. Os resultados dos complexos com infinitivo
Gráfico 21: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no infinitivo do
PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)
De acordo com o gráfico acima, verifica-se que, no PE e no PST, há variação com os
complexos verbais que possuem o verbo principal no infinitivo, uma vez que ocorreram três
variantes nessas variedades do Português, relacionadas aos contextos sintáticos em que se
encontram.
Com o PB, a regra, assim como nas lexias verbais simples e na totalidade dos
complexos verbais, seria semicategórica, pois a grande maioria dos dados ocorreu no interior
dos complexos verbais, totalizando 94% das ocorrências no infinitivo. Na amostra brasileira,
houve somente oito dados na posição pré-cv e, em todos eles, o pronome encontrado foi o
“se” indeterminador. Os tipos de complexos mais utilizados foram: “poder + infinitivo” e
“dever + infinitivo”. Na posição pós-cv, houve somente seis dados e todos com os clíticos
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PB PE PST
3%
38
%
21
%
0%
47
%
57
%
94
%
0%
0%3
% 15
%
22
%
A variável dependente no infinitivo: PB, PE e PST
Próclise a v1
Ênclise a v1
Próclise a v2
Ênclise a v2
214
acusativos (“o(s)” e “a(s)”). Já a variante proclítica a v2, a maior parte das ocorrências, foi
utilizada, principalmente, com o complexo “ter que + infinitivo” e com os pronomes “se” e
“me”.
Com o PE, a variante próclise a v1 ocorreu sempre quando havia algum elemento
proclisador. No entanto, houve dados em que esses elementos estavam presentes e a
colocação enclítica a v1 e a v2 (esta somente com o v2 no infinitivo) também foram
verificadas. Curiosamente, em início absoluto ocorreu um dado da variante pré-cv nos dados
do PE, ao que tudo indica justificada pelo adjunto adverbial focalizado, o que constitui um
contexto para a próclise. A pós-cv ocorreu, principalmente, com os complexos: “ir +
infinitivo” e “estar a + infinitivo”. Os clíticos utilizados nessa posição foram os acusativos
“o(s)” e “a(s)”, “me” e “se”. Já a variante mais utilizada, que seria a enclítica a v1, foi
produzida em diversos contextos sintáticos, inclusive em complexos que possuíam um
conector interno como “ter que + infinitivo”, “estar a + infinitivo” e “começar a + infinitivo”,
além de se realizarem com os complexos sem nenhum elemento no interior e com diversos
tipos de pronomes e até em contextos com proclisadores antecedentes ao verbo auxiliar.
Na variedade são-tomense, a colocação antes do complexo verbal ocorreu,
preferencialmente, com o complexo “poder + infinitivo” e o pronome “se”. Em todos os
dados havia um elemento proclisador, mas também houve dados em que, mesmo com a
presença desses elementos, o que ocorreu foram as variantes enclíticas a v1 e a v2 (esta
somente com o v2 no infinitivo), como também se concretizou no PE. A posição pós-cv
ocorreu, em especial, com os complexos “poder + infinitivo” e “estar + infinitivo” e os
pronomes “se” e “me”. A variante enclítica a v1 foi utilizada, principalmente, com os
complexos “ter que + infinitivo” e “estar a + infinitivo”, além de também ser bem produtivo o
pronome “se”.
215
6.2.2.2. Os resultados dos complexos com gerúndio
Gráfico 22: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no gerúndio do
PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)
Com base nos resultados sistematizados no gráfico, verifica-se que, no PB, em
complexos com o verbo principal no gerúndio, a regra não seria variável, nem semicategórica,
mas categórica, uma vez que todos os dados são proclíticos a v2. A variação ocorreria
somente nas variedades do PE e do PST e, curiosamente, com os resultados percentuais bem
parecidos e com a concretização de apenas duas variantes.
Na variedade brasileira, a única variante que se realizou foi a proclítica ao verbo
principal e ocorreu, preferencialmente, com os complexos “estar + gerúndio” e “ficar +
gerúndio” e com os pronomes “se”, “me” e “te”.
Com o PE, não ocorreu a colocação pós-cv, como já era esperado, havendo a subida
obrigatória do clítico. A variante pré-cv ocorreu, em geral, com o complexo “ir + gerúndio” e
o pronome “se”. Em todos os dados havia um elemento proclisador, mas, da mesma forma
que ocorreu com o infinitivo, houve três dados em que, mesmo com a presença desses
elementos, houve a realização da ênclise a v1. Na colocação enclítica ao verbo auxiliar, o
complexo “ir + gerúndio” também foi bem produtivo e os pronomes “se” e “me”.
No PST, como ocorreu no PE, a colocação enclítica ao verbo principal no gerúndio
também não foi realizada. Houve somente onze dados dessa construção; dois ocorreram na
posição antes do complexo verbal e nove depois de v1. Nas duas variantes, o tipo de
complexo mais utilizado foi o “ir + gerúndio” e o pronome “se”. A variante pré-cv ocorreu
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PB PE PST
0%
22
%
18
%
0%
78
%
82
%
10
0%
0%
0%0%
0%
0%
A variável dependente no gerúndio: PB, PE e PST
Próclise a v1
Ênclise a v1
Próclise a v2
Ênclise a v2
216
quando havia algum elemento proclisador, mas, assim como ocorreu no PE, em alguns dados
em que estavam presentes esses elementos, a colocação realizada foi a enclítica a v1.
6.2.2.3. Os resultados dos complexos com particípio
Gráfico 23: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no particípio do
PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)
Assim como ocorreu nos complexos verbais com o gerúndio, no PB, também não há
variação e a regra é categórica, pois 100% dos dados ocorreram proclíticos a v2. No PE e no
PST, no entanto, houve a variação entre duas variantes ligadas a v1.
Com o PB, os onze dados com o particípio como verbo principal ocorreram com o
complexo “ter + particípio” e a maioria com o pronome “me”.
Já na variedade europeia, houve maior realização da variante pré-cv, seguida pela
enclítica a v1. O tipo de complexo mais utilizado foi o “ter + particípio” e os clíticos “me” e
“se”. Na variante pré-cv, todas as estruturas possuíam algum elemento proclisador antes, mas
também havia estruturas em que, mesmo na presença desses elementos, ocorreu a colocação
enclítica a v1.
No PST, inversamente ao que ocorreu no PE, a variante mais utilizada foi a enclítica
a v1, seguida pela proclítica. No entanto, só ocorreram cinco dados, sendo dois antes e três
depois do verbo auxiliar. Nas duas posições, os complexos utilizados foram: “ter + particípio”
e “ser + particípio”. Na colocação enclítica a v1, os pronomes utilizados foram o “se” e o
“nos”. Já na pré-cv, houve um dado com o pronome “me” e um com o “nos” e nos dois casos
havia um elemento proclisador antes, mas, da mesma forma que ocorreu no PE, havia dados
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PB PE PST
0%
56
%
40
%
0%
42
%
60
%
10
0%
0%
0%0%
0%
0%
A variável dependente no particípio: PB, PE e PST
Próclise a v1
Ênclise a v1
Próclise a v2
Ênclise a v2
217
em que esses elementos antecediam o complexo verbal e a variante utilizada pelo falante foi a
enclítica a v1.
6.3. O estatuto da ordem dos clíticos nas três variedades da Língua Portuguesa: para a
definição dos parâmetros de colocação
Com base em todos os trabalhos que tratam sobre o tema da colocação pronominal e
nos resultados das lexias verbais simples e dos complexos verbais da presente tese, é possível
refletir sobre a possível interpretação dos resultados quanto ao perfil gramatical de cada
variedade do Português sob análise.
(i) Em relação às lexias verbais simples
O PE apresenta a preferência pela variante enclítica em contextos não marcados, mas
a próclise é a variante mais produtiva nos contextos em há elementos proclisadores, apesar de
essa variante não se concretizar de forma categórica nesses contextos. Não houve nenhum
dado proclítico em início absoluto de oração e de período.
Na língua dos países colonizados, verificam-se dois parâmetros diferentes entre si no
que diz respeito à colocação dos clíticos pronominais nas estruturas com apenas um verbo.
No PB, não há variação e a regra é semicategórica, uma vez que a colocação foi
predominantemente proclítica, independente do ambiente sintático em que o clítico se
encontra. Os poucos dados de ênclise ocorreram só com determinados clíticos e com
estruturas específicas.
Já no PST, a análise mostrou que essa variedade utiliza mais a variante enclítica do
que a proclítica. Destaca-se que a colocação no início absoluto de oração e de período foi
categoricamente enclítica, igual ao PE. Os resultados seguem, em geral, a tendência do PE,
mas não exatamente seguindo as mesmas regras. Assim, não há uma nítida dicotomia entre
elementos proclisadores versus elementos não proclisadores, como ocorre no PE (com certa
variação), mas há forte oscilação na colocação nos mesmos contextos sintáticos. Dessa forma,
no mesmo ambiente, as duas posições são concretizadas. Além disso, a colocação proclítica
ocorreu, por vezes, com elementos antecedentes não considerados proclisadores (como
tipicamente ocorre no PB), como sujeitos e conjunções coordenativas, por exemplo.
218
(ii) No que diz respeito aos complexos verbais
Nos dados europeus, a próclise a v2 não ocorreu e houve variação nos complexos
formados pelas três formas de verbo principal. Em complexos com infinitivo, ocorreram as
posições: proclítica a v1, ênclítica a v1 e a v2, enquanto, no gerúndio e no particípio, a
variação ocorreu somente com as duas primeiras (próclise ou ênclise a v1).
Em relação à língua dos países colonizados, há tipos de regra específicos para cada
variedade em estudo.
Na amostra brasileira, a colocação enclítica a v1 não foi realizada e, assim como nas
lexias verbais simples, não houve variação, tendo em vista que a próclise a v2 foi categórica
com o gerúndio e o particípio e semicategórica com o infinitivo. Ocorreram poucos dados
com a colocação proclítica a v1 e enclítica a v2, nos complexos com infinitivo, e foram casos
bem específicos com determinados pronomes e estruturas.
No PST, ocorreram as mesmas posições realizadas na língua do colonizador com os
verbos no infinitivo (próclise ou ênclise a v1 e ênclise a v2), gerúndio e particípio (proclítico
ou enclítico a v1), mostrando que nessa variedade também há variação com os três tipos de
verbos principais. O único dado que se mostrou de difícil interpretação, dada sua
particularidade, foi o que contou com a presença do “até” interveniente seguido de clítico,
estrutura cuja explicação merece ser aprofundada em estudos futuros que permitam observar
maior número de dados com complexos verbais em maior diversidade de estruturas.
A partir das particularidades de cada variedade ora apontadas, há que se refletir sobre
a formação da língua nos dois países colonizados:
(i) O Português do Brasil
Na variedade brasileira, país em que os padrões gramaticais já estão sedimentados ou
fixados, verificou-se que, durante todo esse processo de edificação da língua, houve diversos
momentos de variação, como foi possível verificar nos trabalhos de natureza diacrônica (cf.
MARTINS, 1994; PAGOTTO, 1998; MARTINS, 2009; e NUNES, 2014). Assim, no século
XVI, época em que os portugueses chegaram ao Brasil, haveria a realização da variante
proclítica (em todos os contextos, exceto em início absoluto de oração); no século XVII, teria
começado uma mudança nos padrões de colocação pronominal, de modo que PE e PB teriam
tomado rumos diferenciados. Enquanto o PE passou a restringir a variante proclítica aos
contextos com proclisador, o PB continuou utilizando a variante proclítica e até generalizou
seu uso, empregando-a inclusive em início absoluto de oração.
219
Muito debate já se empreendeu a respeito das motivações para essa alteração
gramatical, dentre as quais avulta a hipótese relacionada aos padrões rítmicos brasileiros, em
oposição aos portugueses, de modo que o clítico pronominal, fonologicamente, seria uma
partícula que se apoiaria, em termos de ligação fonológica, a enunciados tônicos à direita,
enquanto no PE o padrão ocorreria em direção à esquerda (cf. VIEIRA, 2002; CORRÊA,
2012). Essa suposta ligação do PB para a direita fica bem nítida em dois aspectos: (i) no fato
de haver próclise em início absoluto na variedade brasileira e após elementos não
proclisadores; (ii) no caso dos complexos verbais, no fato de haver a próclise a v2.
Dessa forma, de acordo com diversos estudos sobre o tema, o PB teria se
diferenciado do PE porque houve uma redução das vogais átonas no PE (século XVII) e isso
teria feito com que seu ritmo mudasse. Assim, as partículas átonas ficaram mais átonas ainda
e ocorreu a cliticização à esquerda, fazendo com que a ênclise fosse a colocação mais geral e
a próclise ocorresse apenas em contextos com elementos proclisadores53
. No PB, no entanto,
essa redução das vogais átonas não ocorreu e seu ritmo ficou, dessa forma, diferente do
europeu, fazendo com que a cliticização também se diferenciasse e se fortalecesse no padrão à
direita, ao contrário do que ocorreu no continente europeu. Dessa forma, com a cliticização à
direita, a próclise foi generalizada e passou a ocorrer inclusive em início absoluto.
O parâmetro de colocação pronominal brasileiro resultante de todo esse processo
pode ser verificado claramente nos resultados do presente trabalho, que mostrou que não há
variação na modalidade oral, uma vez que a regra se mostrou semicategórica com a
preferência proclítica em todos os contextos na amostra do PB54
.
(ii) O Português de São Tomé
No que se refere à variedade são-tomense, fica claro que os padrões locais da Língua
Portuguesa ainda não estão consolidados. Apesar de muitas pessoas, como os informantes do
presente trabalho, utilizarem o Português como L1 – como se observa nos censos realizados
53
Segundo Martins (1994), essa alteração paramétrica no PE estaria relacionada à chamada categoria sigma.
Nesse nível sintático, haveria inicialmente a regulação da modalidade frasal, negativa ou afirmativa, o que se
correlacionaria a alterações relacionadas a outras opções gramaticais, segundo o aporte da teoria gerativa, e, em
última análise, afetaria a ordem dos clíticos. 54
Sabe-se (cf. MARTINS, 2009; NUNES, 2009; VIEIRA, 2002; MARTINS, 2009; NUNES, 2014 dentre
outros) que, na escrita, porém, há variação, pois a ênclise ainda existe em vários contextos, tendo em vista que
ela ainda segue, apesar de não rigorosamente, os padrões previstos no modelo das gramáticas tradicionais (cf .
Capítulo 2).
220
no referido país –, há, todavia, o intenso contato com diversas línguas, em especial com um
dos crioulos de base portuguesa, o Forro, que é utilizado pela maioria da população.
Verificou-se que a colocação é basicamente enclítica nessa variedade. Embora a
colocação seja sensível à ação de elementos no contexto antecedente ao clítico, não há a
efetiva polaridade entre elementos proclisadores versus não proclisadores; o que há é uma
tendência à próclise nos contextos com elementos proclisadores (no PE), mas forte oscilação
com a realização das duas variantes nos mesmos contextos sintáticos. Curiosamente, talvez
por essa instabilidade da atuação dos elementos proclisadores, há alguns dados que são bem
parecidos com os brasileiros, pois houve próclise depois de sujeito e de conjunções
coordenativas, por exemplo, mas não ocorreu essa variante em início absoluto de oração e de
período, aproximando o PST do PE e confirmando, dessa forma, a grande instabilidade da
colocação pronominal nas lexias verbias simples (cf. Seção 6.1).
Com os complexos verbais, essa oscilação também ocorre, apesar de ter tido somente
um dado que poderia levar a crer que seria uma colocação proclítica a v2. As posições que
ocorreram na variedade são-tomense foram as mesmas do PE; até os exemplos são parecidos,
uma vez que a colocação pré-cv, embora favorecida pela presença de atratores, nem sempre
se deu nesse contexto, quando o que ocorreu foi a ênclise a v1 (posição não encontrada nem
exemplificada nas gramáticas portuguesas para os contextos com proclisadores).
Essa tendência do PST, em especial nas lexias verbias simples, de seguir o padrão
geral do PE, mas apresentar dados parecidos com os do PB, mostra que o padrão são-tomense
de cliticização ainda não está fixado totalmente, havendo, portanto, oscilações nos mesmos
ambientes sintáticos. Com os complexos verbais, essa variedade já se mostrou mais parecida
com a língua do colonizador, mesmo tendo um único exemplo que pode ser interpretado
como próclise a v2, colocação brasileira.
Busca-se, então, responder à seguinte questão: De onde vêm essas particularidades
do PST?
Tem-se três hipóteses que poderiam responder a essa questão.
Primeira hipótese: seria com base em motivação de natureza rítmica. Dessa
forma, haveria uma tendência para se cliticizar à direita, assim como no PB, e
isso justificaria o único caso de uma possível próclise a v2 e os dados de próclise
em contextos típicos do PB, como com os sujeitos e conjunções coordenativas,
por exemplo.
221
Esta não parece ser uma boa hipótese, porque o PST possuiria uma base, no próprio
Forro, que utilizaria os pronomes objetos na posição pós-verbal, como mostrou o trabalho de
Ferraz (1979) e Hagemeijer (2007), teria clíticos fonológicos à esquerda, como propõe o
último autor, e admitiria um ritmo de fala, ao que tudo indica, bem parecido com o do
Português Europeu. Além disso, os resultados da presente pesquisa mostraram que a
tonicidade seria relevante no PST e haveria a tendência de formação de vocábulos
proparoxítonos. Dessa forma, o PST, ao formar vocábulos fonológicos, seguiria a tendência
do PE e preferiria o parâmetro de ligação à esquerda, à palavra anterior, e formaria mais
vocábulos paroxítonos e até proparoxítonos, como foi analisado nas lexias verbais simples e
corroborado pelos complexos verbais, tendo em vista que os dados de São Tomé, de forma
geral, produzem as mesmas colocações que ocorreram no PE, sendo a ênclise a v1 a mais
utilizada.
Vale ressaltar, ainda, o fato de tanto o PE como o PST não terem produzido nenhum
dado proclítico em início absoluto de oração, confirmando, assim, que realmente a ligação
fonológica do PST seria para a esquerda, como no PE. Supõe-se, assim, que o PST teria como
base a colocação enclítica e faria com que ela ocorresse até com as formas paroxítonas e
proparoxítonas, havendo ocorrências de proparoxítonos (“mandaram-me”) e até esdrúxulos
(“ajudávamo-nos”).
Segunda hipótese: todos os tipos de colocações pronominais viriam da influência
direta de um substrato.
Essa também não parece ser uma hipótese, se utilizada individualmente, irrefutável,
tendo em vista que o crioulo mais utilizado em São Tomé é o Forro e, de acordo com Ferraz
(1979) e Hagemeijer (2007), esse crioulo utilizaria os pronomes objetos, geralmente, na
posição pós-verbal. Dessa forma, essa hipótese não se sustentaria, pois há diversas
ocorrências da variante proclítica no PST, inclusive com dados bem parecidos com o PB, que
é predominantemente proclítico.
Terceira hipótese: a oscilação verificada no PST decorre da situação de intenso
contato linguístico causado pelo multilinguismo encontrado em São Tomé.
Acredita-se, de acordo com diversos trabalhos que tratam o tema nesses ambientes
de contato (LUCCHESI et alii, 2009, por exemplo) e na análise feita na presente tese (além da
222
de Gonçalves, 2009, que – recorde-se – usa parte da amostra estudada no presente trabalho),
que esta seria a hipótese mais plausível. Haveria no PST uma oscilação no comportamento
dos clíticos pronominais motivada possivelmente, em certa medida, pela situação de intenso
contato com diversas línguas. Segundo Gonçalves (2009, p. 22):
a variação entre próclise e ênclise nos mesmos contextos sintácticos é frequente no
Português Oral de S. Tomé. Este facto é típico de uma variedade de língua que,
embora actualmente comece a afirmar-se como língua materna, foi adquirida como
língua segunda. (...) Aquilo que os dados dos clíticos nos mostram é que, muito
provavelmente, o português de S. Tomé constitui uma interlíngua ainda não
fossilizada pelo que a variação nas mesmas estruturas não nos permite caracterizar o
sistema de colocação dos clíticos mas tão-somente descrevê-lo o mais
pormenorizadamente possível procurando entrever aquilo que pode vir a constituir
uma idiossincrasia do seu sistema linguístico.
Assim, essa oscilação presente nos mesmos ambientes sintáticos seria favorecida por
dois fatores: (i) de um lado, as influências para a constituição do PST favoreceriam a opção
pós-verbal, seja pelo contato com o Forro, direta ou indiretamente, seja pelo modelo europeu
de colocação, que apresenta a ênclise como ordem não marcada; e (ii) de outro lado, pelo fato
de ainda não se ter uma variedade são-tomense consolidada, a aquisição do modelo com
efeito proclisador ainda não estaria estabelecida plenamente, de modo que ocorreria ora
próclise, ora ênclise nos mesmos contextos sintáticos.
Acredita-se que, no PST, os dois fatos acima influenciam na posição dos clíticos
pronominais. E, possivelmente, o que ocorreu e está ocorrendo com o PST teria se originado
por causa do intenso contato linguístico ainda existente na região, fazendo com que ela não
seja idêntica à do país colonizador nem à língua do outro país colonizado (PB), pois teria
particularmente, ao lado da influência do Forro e de outras línguas presentes no país, a língua
do colonizador.
Como costuma ocorrer em caso de intenso contato linguístico, o PST adotaria a
ênclise como ordem não marcada e seguiria a maioria dos condicionamentos sintáticos (além
de ritmo possivelmente semelhante) do PE, mas não se submeteria plenamente às mesmas
regras, havendo, assim, uma oscilação, uma instabilidade na utilização dos clíticos
pronominais, típica da influência de situação de multilinguismo. Desse modo, pode-se
conceber que, ao mesmo tempo em que há uma aproximação com o PE, se encontrem
algumas ocorrências consideradas bem típicas do Português do Brasil nos dados são-
tomenses.
Dessa forma, embora as tendências do PST sejam bem próximas ao modelo europeu
de aprendizagem, inclusive nos dados que vão contra a tendência costumeiramente apontada
em gramáticas (como a ênclise a v1 nos dados com proclisadores), há alguns dados bem
223
próximos aos brasileiros. Ao que parece, a influência da tendência da utilização dos pronomes
objetos fracos na posição pós-verbal no Forro aliada ao ritmo bem parecido com o europeu
(que favorece até ênclises em vocábulos proparoxítonos) não favorece, ao menos no presente
momento de formação do PST, que os usos proclíticos se ampliem a ponto de atingir o
contexto de início absoluto de oração, em que a ênclise é categórica, como no PE.
Acreditando nessa terceira hipótese do PST, surgiria mais um questionamento:
Considerando o Princípio do Uniformitarismo, o que a história do PST poderia
revelar sobre a formação do PB?
Como no Português do Brasil, na época da formação de suas particularidades, havia
também diversas línguas em contato (cf. Capítulo 4), acredita-se que as características,
sobretudo as relacionadas à instabilidade da formação da nova língua, eram semelhantes às
verificadas na realidade são-tomense. Assim, a formação e a aprendizagem do Português
também podem ter ocorrido em um ambiente de intenso contato linguístico, que, em alguma
medida, teria afetado a ordem dos clíticos. Fica, então, a pergunta: por que o resultado no PB
não foi o mesmo que parece se configurar no PST?
Ao que parece, a situação de multilinguismo no Brasil, poderia, também, ter alguma
influência no que aconteceu com a colocação pronominal no Brasil, ajudando, assim, na
explicação das diferenças entre PB e PE. A próclise, recebida na colonização, teria se fixado
como tendência, seja por possíveis padrões das línguas Bantas aqui faladas – o que o presente
trabalho não pode assegurar, visto que não teve essa influência como objeto de estudo –, seja
pela oscilação natural do comportamento de situações de contato linguístico. Entretanto, as
influências de natureza prosódica, com ritmo para a direita (diferentemente do PST), já
propostas em outros estudos, acarretariam a definição de um parâmetro geral proclítico, até
mesmo para os contextos de início absoluto.
Acredita-se, então, que além das mudanças ocorridas no quadro vocálico, afetando o
ritmo e a cliticização do PE, diferentemente do PB, o fato de ter se generalizado a próclise
para todos os contextos, inclusive em início absoluto de oração, pode ter se iniciado pela
produtiva situação de multilinguismo que havia no Brasil e consequente instabilidade
linguística, como hoje ocorre no PST.
Dessa forma, seguindo o Princípio do Uniformitarismo (LABOV, 2008 [1972]),
como o PST parece ser influenciado pelo multilinguismo existente em São Tomé,
provavelmente, o contato com as diversas línguas na época da implantação do Português no
224
Brasil pode ter influenciado a colocação eminentemente proclítica até atingir inclusive o
início absoluto. Assim, a situação de intenso contato linguístico teria influenciado nas
diferenças de utilização dos clíticos em relação ao país colonizador, fazendo com que, assim
como parece que está ocorrendo em São Tomé, no Brasil esse contato com diversas línguas
tivesse influenciado de alguma maneira na colocação dos pronomes. Em diferentes medidas e
direções, motivações sócio-históricas semelhantes podem estar relacionadas ao fato de que os
dois países colonizados se distanciem e utilizem parâmetros de colocação diferentes do país
colonizador.
Para que essa interpretação seja seguramente confirmada, ou não, entende-se ser
necessária uma investigação específica e detalhada, como o fez Ferraz (1979) para o Forro,
das línguas Bantas e outras línguas que existiam no Brasil e que conviveram durante muitos
séculos com a Língua Portuguesa. Assim como ressalta Perini (2007): fica a sugestão de
pesquisa!
Outro caminho para ampliar a reflexão sobre a formação do PB, que se afigura como
de extrema importância, é o estudo do tema em diversas variedades da Língua Portuguesa, em
especial, as que ainda estão em constituição como o Português de São Tomé, de Moçambique,
de Angola, entre outras que podem, direta ou indiretamente, ajudar na compreensão do que
ocorreu no Português utilizado no Brasil.
225
7. CONCLUSÃO
Após a análise de dados da modalidade oral encontrados nas lexias verbais simples
(4.277 ocorrências) e nos complexos verbais (1.131 ocorrências) do Português Brasileiro,
Português Europeu e Português de São Tomé, foi possível verificar que cada variedade do
Português analisada apresenta particularidades quanto ao parâmetro de colocação pronominal.
Nas lexias verbais simples, o PB mostrou-se semicategórico, tendo a maioria de seus
dados em contexto proclítico. Os poucos dados de ênclise encontrados foram realizados com
pronomes específicos, com predominância do infinitivo (no caso da ligação com o acusativo
de terceira pessoa), além de constituírem, por vezes, estruturas fixas. Além disso, apenas
alguns informantes empregaram a variante pós-verbal e boa parte dos dados foi produzida por
indivíduos mais velhos e com mais escolaridade.
No PE, a regra foi efetivamente variável e ocorreram as colocações proclítica e
enclítica. A preferência foi pela variante proclítica em ambientes com elementos
proclisadores, mostrando que eles foram bem atuantes nessa variedade; embora seu efeito não
tenha ocorrido de forma categórica, dois grupos de dados foram claramente delimitados: o
referente aos contextos de próclise; outro referente aos contextos de ênclise. Em início
absoluto de oração e de período, a ênclise ocorreu de forma categórica.
Na variedade são-tomense, a posição enclítica em início absoluto de oração/período
também foi categórica, como no PE. Nos demais contextos, a regra foi variável e houve certa
preferência pela colocação enclítica. Entretanto, verificou-se uma oscilação nos mesmos
ambientes sintáticos, o que costuma ser típico de uma língua com intenso contato linguístico e
que ainda não se fossilizou, fazendo com que a próclise e a ênclise se realizassem nos
mesmos contextos.
No que diz respeito aos complexos verbais, mais uma vez o PB mostrou-se
semicategórico com o infinitivo, com a preferência pela variante proclítica a v2, uma
inovação brasileira, de acordo com diversos estudos. Já com os verbos principais no gerúndio
e no particípio, a regra foi categórica com a realização da próclise a v2.
O Português Europeu, em complexos com v2 no infinitivo, realizou uma regra
ternária (próclise ou ênclise a v1 e ênclise a v2), enquanto em complexos com gerúndio e
particípio, a colocação foi binária, ocorrendo o pronome átono antes ou depois de v1.
No PST, a colocação pronominal também se mostrou sensível à forma de v2, uma
vez que, quando o verbo principal estava no infinitivo, a regra foi ternária (proclítica ou
226
enclítica a v1 e enclítica a v2) e, com particípio e gerúndio, seria binária (próclise ou ênclise
a v1).
A seguir, as hipóteses primárias da presente investigação serão retomadas e será
verificado se elas se realizaram ou não:
(i) No PE, a colocação seria efetivamente variável em determinados contextos
sintáticos, nos ambientes de lexias verbais simples e nos complexos verbais.
No PB, não há variação nas lexias verbais simples nem nos complexos
verbais, o que configuraria um caso de regra semicategórica. Já no PST, a
variação ocorreria nas lexias verbais simples e nos complexos verbais, mas
não haveria a atuação dos condicionamentos de forma sistemática, como
ocorreria na língua do colonizador.
Essa primeira hipótese geral foi confirmada, pois houve a realização da regra
semicategórica no PB e a regra foi variável no PE e no PST. A investigação revelou,
entretanto, particularidades para além da hipótese geral, visto ter demonstrado em detalhe os
contextos em que efetivamente se dá o efeito proclisador no PE e, ainda, ter revelado que a
colocação pronominal no PST ser bem instável, ocorrendo variação em mesmos ambientes
sintáticos.
(ii) Nas lexias verbais simples, o elemento que antecede o clítico seria o
determinador da colocação no PE, o que não ocorreria de forma expressiva no
PST nem no PB. Nos complexos verbais do PE, com a presença de um
elemento proclisador, haveria o favorecimento da variante pré-CV, mas
ocorreriam também, nesses contextos, dados da ênclise a v2 e ênclise a v1. No
PST, haveria também a colocação pré-CV, mas não seria com um número
expressivo de dados. Já o PB seria uma variedade em que não se teria
efetivamente uma regra variável, mas uma regra semicategórica para os CVs,
com ampla realização da próclise a v2.
A segunda hipótese também se confirmou na amostra analisada, uma vez que o PB
confirmou o estatuto categórico ou semicategórico, a depender do contexto em questão, e os
elementos proclisadores favoreceram a colocação proclítica a v1 tanto no PE como no PST,
sendo que as outras colocações também ococrreram nas duas variedades, e o efeito
proclisador no PST não foi tão forte como o foi no PE.
227
(iii) Nas variedades em que se verifica o efeito proclisador, as partículas de
negação, os elementos subordinativos e as palavras QU- seriam os
favorecedores da posição pré-verbal e pré-CV, em especial no PE.
O efeito proclisador dessas partículas foi confirmado no PE, tanto para as lexias
verbais simples como para os complexos verbais. No entanto, houve dados em número
expressivo, nas duas estruturas, em que a colocação proclítica não se realizou. Além disso,
vale destacar o fato de ocorrer ênclise a v1 com a presença desses elementos e essa colocação
não estar descrita nas gramáticas do PE.
(iv) Existiria certa diferença na colocação dos clíticos pronominais, de acordo com
o nível de escolaridade do informante, no PB, mas essa variável não se
mostraria relevante para as outras variedades.
No PB, dado o estatuto não efetivamente variável da regra de colocação pronominal,
não se pôde efetivamente confirmar a hipótese relativa ao peso da escolaridade. Mesmo na
rodada multivariada experimental que se propôs, a ponderação estatística não apontou o efeito
da escolaridade como relevante. Ocorre que o número reduzidíssimo de ênclises não
permitiria aferir com segurança o comportamento por nível de instrução. Com base,
entretanto, na análise qualitativa das ocorrências e na observação do perfil dos informantes
que produziram os dados de colocação pós-verbal, verificou-se ser a faixa etária o grupo de
fatores mais importante: quanto mais idade possuía o informante, mais dados enclíticos ele
produzia. Associado ao grupo de informantes mais velhos, ao que tudo indica, o alto contato
com escolaridade e possíveis experiências de letramento parece reforçar o domínio de
estruturas como a ênclise, o que, sem dúvida, merece aprofundamento em estudos futuros.
Quanto às demais variedades em estudo, a escolaridade realmente não se mostrou
relevante. No caso do PE, entende-se que o não condicionamento de natureza extralinguística
está plenamente justificado pela sistematicidade das regras de colocação pronominal em uso.
No caso do PST, entretanto, repensando a hipótese inicial, deve-se esperar, na realidade, que
escolaridade possa ter efeito sobre o fenômeno, partindo do pressuposto de que, quanto maior
o nível de instrução, maior o uso da Língua Portuguesa e, por conseguinte, maior seria o
domínio do modelo europeu de colocação. Na presente pesquisa, esse efeito poderia ser
indiretamente percebido pela frequência do uso do crioulo. Na realidade, declaram não usar o
Forro exatamente os indivíduos com curso superior.
228
(v) Haveria motivação sintática – como a presença de elementos proclisadores –
para a ordem dos clíticos pronominais no PE, variedade do país colonizador,
mas no PST essa motivação não seria sistemática.
No PE, a colocação proclítica foi realizada até um pouco mais que a enclítica por
causa da presença desses elementos proclisadores, mostrando sua importância, mesmo que
não tenha havido efeito categórico. No PST, esses elementos também foram importantes, mas
a atração realmente não foi sistemática, como ocorreu no PE, pois houve a realização das duas
variantes em mesmos contextos, como já se detalhou.
(vi) As diferenças seriam quantitativa e qualitativamente suficientes para que se
postule que haveria uma norma/gramática da colocação pronominal diferente
para cada variedade.
As diferenças entre as três variedades são incontestáveis. Primeiramente, a oposição
mais evidente é a do PB contra PE e PST em conjunto, diferença quantitativa e
qualitativamente comprovada. Nesse sentido, particularizam o primeiro os contextos de início
absoluto de oração – com próclise – e de complexos verbais – com próclise a v2, permitindo
estabelecer a adoção de um parâmetro absolutamente particular para a variedade brasileira.
Em segundo plano, o PST se particulariza das demais variedades por, de um lado, se
assemelhar ao PE, adotando as mesmas variantes nos contextos aqui destacados e aplicando
tendências de uso consoante o efeito proclisador; de outro lado, entretanto, apresenta
quantitativamente uma escala gradual desse efeito e não uma efetiva delimitação dos
contextos de próclise e de ênclise. Ademais, qualitativamente, verificam-se dados de próclise
em contextos que seriam de ênclise na variedade europeia.
Por isso, pode-se afirmar que há evidências para o estabelecimento de
parâmetros/padrões diferentes de colocação dos clíticos pronominais particulares para cada
variedade em estudo.
(vii) A análise contrastiva entre o PB e o PST mostraria que a colocação dos
pronomes átonos ocorreria de forma distinta entre as duas variedades
colonizadas.
Com a análise dos dados, foi possível verificar que o PB é a variedade mais diferente
em relação às outras duas. Além disso, parece que os parâmetros de colocação pronominal
entre as variedades dos países colonizados estão seguindo tendências contrárias. Assim, o PB
generalizou o uso da próclise e o PST, que teria por opção não marcada a ênclise, oscila em
229
seu comportamento, adotando-a por variante preferencial mas sem ter ainda fixado esse
parâmetro. Essa diferença, ao que parece, pode ser explicada, de um lado, pela instabilidade
típica da situação de contato linguístico; de outro, pelas tendências locais, em especial as
advindas do Forro, em termos sintáticos e possivelmente fonéticos. Além disso, com base no
Princípio do Uniformitarismo, propõe-se que o que ocorre atualmente com o PST pode ter
ocorrido com o PB (cf. 6.3. O estatuto da ordem dos clíticos nas três variedades da Língua
Portuguesa: para a definição dos parâmetros de colocação), de modo que a mesma
instabilidade teria favorecido a expansão da próclise no PB, a qual atingiu até o contexto de
início absoluto por influências de natureza rítmica.
Logo após a retomada dos principais resultados encontrados e das hipóteses gerais
propostas para a análise das lexias verbais simples e dos complexos verbais das três
variedades da Língua Portuguesa em estudo, podem-se destacar, a título de conclusão,
algumas contribuições que a presente pesquisa ofereceu para a descrição das variedades na
modalidade oral. Dessa forma, com a presente tese, foi possível:
(i) fazer uma análise variacionista, com controle sociolinguístico, na modalidade
oral, pouco explorada nas três variedades em estudo e praticamente não
utilizada nas pesquisas sobre colocação pronominal em PE e PST;
(ii) conhecer um pouco a realidade são-tomense na fala de indivíduos que possuem
como língua materna o Português, cujas feições ainda não apresentam uma
consolidação dessa variedade, tendo em vista o multilinguismo presente na
região;
(iii) expandir conhecimentos acerca da norma de colocação dos clíticos
pronominais referentes às lexias verbais simples e complexos verbais na
modalidade oral do PB, PE e PST;
(iv) verificar que, nas lexias verbais simples e nos complexos verbais, há variação
da ordem no PE e no PST, enquanto no PB a regra se mostra (semi)categórica
tanto nas lexias verbais simples, com preferência pela próclise, quanto nos
complexos verbais, com a grande utilização da colocação proclítica a v2, com
o infinitivo, e a colocação categórica dessa variante com o gerúndio e
particípio;
230
(v) descrever, em dados orais contemporâneos, a distribuição das variantes
(próclise, ênclise e mesóclise / proclítica a v1, enclítica a v1/proclítica a v2,
enclítica a v2) nas três variedades;
(vi) identificar, quando a regra se mostrou variável, as variáveis linguísticas e
extralinguísticas que se mostraram relevantes para o condicionamento do
fenômeno, nas lexias verbais simples, e observar se tais elementos também
influenciaram a ordem nos complexos verbais;
(vii) demonstrar que no início absoluto de oração/período não ocorreu a colocação
proclítica, nas lexias verbais simples, do PE e PST, ocorrendo a colocação
enclítica de forma categórica nas estruturas com uma forma verbal e nos
complexos verbais das duas variedades. No PB, em que a regra é
semicategórica, houve índices altíssimos da colocação proclítica em todos os
contextos;
(viii) mostrar o inequívoco efeito proclisador no PE – mesmo que não tenha se
mostrado categórico – e a oscilação com os mesmos elementos no PST,
havendo próclise e ênclise nos mesmos ambientes sintáticos;
(ix) destacar, ainda em relação aos elementos antecedentes, que a variante
proclítica ocorreu, sem dúvida quanto à interpretação estrutural, no PST, nas
lexias verbais simples, com elementos não proclisadores, como sujeitos e
conjunções coordenativas, por exemplo, à semelhança do que ocorre
tipicamente com dados brasileiros;
(x) encontrar, nos complexos verbais, mesmo sendo a colocação proclítica a v1 a
mais utilizada com elementos proclisadores, dados em que, não obstante a
presença desses elementos, a posição realizada foi a enclítica a v1, contexto
não contemplado na descrição do português europeu padrão (MATEUS et alii,
2003 e RAPOSO et alii, 2013);
(xi) demonstrar, ainda com os complexos verbais, que a colocação se deu
diferentemente de acordo com a forma do verbo principal. Com os verbos no
particípio e no gerúndio, houve a realização categórica da próclise a v2 no PB
e a colocação binária no PE e PST, ocorrendo sempre a subida de clítico com
esses verbos principais (próclise ou ênclise a v1). Já com o infinitivo, houve a
regra semicategórica no PB, com a maioria proclítica a v2, e uma regra ternária
para o PE e PST (próclise ou ênclise a v1 e ênclise a v2);
231
(xii) discutir quais são as diferenças mais relevantes entre o país colonizador (PE) e
os países colonizados (PB e PST);
(xiii) analisar se essas diferenças são tanto quantitativa quanto qualitativamente
suficientes para que se considere a existência de parâmetros diferenciados por
variedade;
(xiv) com base nos resultados verificados para o PST, discutir questões referentes à
utilização da Língua Portuguesa em ambientes com intenso contato linguístico
e a possibilidade de essa situação influenciar na realização dos parâmetros da
colocação pronominal; e
(xv) de acordo com o Princípio do Uniformitarismo, levantar a hipótese de que,
assim como provavelmente ocorreu no PST, no PB, o contato com diversas
línguas, teria influenciado na colocação pronominal, ajudando a torná-lo
proeminentemente proclítico, o que se estendeu a todos os contextos por
motivos, ao que tudo indica, relacionados ao terceiro parâmetro estabelecido
por Klavans (1985), o da ligação fonológica.
Por fim, acredita-se que, além de ter contribuído para a ampliação do conhecimento
sobre a colocação pronominal em localidades com pouco estudo sociolinguístico (Funchal e
PST), foi possível, com a presente tese, detalhar os padrões da cliticização pronominal na
modalidade oral do PB, PE e PST e mostrar que há particularidades na ligação sintática do
clítico pronominal – parâmetros, por assim dizer – por variedade, havendo, dessa forma, em
termos variacionistas, três normas em relação à ordem dos clíticos pronominais.
232
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