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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL GISELLY NADINE BENEVIDES DE OLIVEIRA POLÍTICAS HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL E DESENVOLVIMENTO URBANO: uma análise sobre Natal/RN NATAL/RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

GISELLY NADINE BENEVIDES DE OLIVEIRA

POLÍTICAS HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL E DESENVOLVIMENTO

URBANO: uma análise sobre Natal/RN

NATAL/RN

2017

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GISELLY NADINE BENEVIDES DE OLIVEIRA

POLÍTICAS HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL E DESENVOLVIMENTO

URBANO: uma análise sobre Natal/RN

Monografia apresentada ao curso de Serviço Social

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito para obtenção do título de bacharel

em Serviço Social.

Orientadora: Profa. Dra. Iris Maria de Oliveira

NATAL/RN

2017

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Oliveira, Giselly Nadine Benevides de.

Políticas habitacionais de interesse social e desenvolvimento urbano: uma

análise sobre Natal/RN/ Giselly Nadine Benevides de Oliveira. - Natal, RN,

2017.

49 f.

Orientadora: Profa. Dra. Iris Maria de Oliveira.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de

Serviço Social.

1. Habitação de Interesse Social - Monografia. 2. Programas Habitacionais -

Monografia. 3. Segregação socioespacial - Monografia. 4. Desenvolvimento

urbano - Monografia. I. Oliveira, Iris Maria de. II. Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 351.778.532

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Aos meus pais, com muito amor, minha

família é minha base e minha maior

motivação.

A todos/as que, de alguma forma, me

incentivaram a chegar até aqui em especial,

Ana Karla, minha prima.

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RESUMO

O trabalho busca apreender a política de habitação de interesse social no Brasil, com foco em

ações desenvolvidas na cidade do Natal, para tanto comparamos especialmente dois

programas com grandes efeitos sobre o desenvolvimento urbano da capital: o Banco Nacional

de Habitação (BNH) e o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). O objetivo foi

analisar comparativamente os programas de habitação urbana de interesse social

desenvolvidos em Natal-RN com vistas a identificar o que há de continuidade entre tais

experiências de habitação social. Como também, caracterizar e analisar os dois programas e identificar em que medida eles têm contribuído para continuidade ou minimização da

segregação social em Natal, considerando o acesso dos beneficiários a serviços públicos

efetivos na garantia de direitos sociais, bens de consumo coletivo e o seu local de moradia. A

metodologia utilizada foi baseada em pesquisa de cunho bibliográfica e documental,

analisando teses e dissertações de alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

sobre a temática e documentos relativos a política de habitação no Brasil, particularmente,

aqueles sobre os programas em questão no trabalho. Os resultados demonstram a submissão

do Estado aos interesses do mercado, de forma que os dois programas apresentam uma visão

bancária e financeirista da política habitacional. Além do que, a construção dos conjuntos

habitacionais em lugares afastados da malha urbana, assim como a falta bens e equipamentos

públicos de uso coletivo em suas proximidades, também são aspectos que favorecem o

fenômeno da segregação na formação e desenvolvimento da cidade do Natal.

Palavras-chave: Habitação de Interesse Social; Programas Habitacionais; Segregação

socioespacial.

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ABSTRACT

The study seeks to understand the policy of housing of social interest in Brazil, focusing on

actions developed in the city of Natal, so we can compare two programs with great effects on

the urban development of the capital: the National Housing Bank (BNH) and My Home, My

Life Program (PMCMV). The objective was to comparatively analyze the urban housing

programs of social interest developed in Natal-RN in order to identify the continuity between

such experiences of social housing. As well, to characterize and analyze the two programs and

to identify the extent to which they have contributed to the continuity or minimization of

social segregation in Natal, considering the beneficiaries' access to effective public services in

guaranteeing social rights, collective consumer goods and their place Of housing. The

methodology used was based on bibliographical and documentary research, analyzing theses

and dissertations of students of the Federal University of Rio Grande do Norte on the thematic

and documents related to housing policy in Brazil, particularly those on the programs in

question at work . The results demonstrate the State's submission to market interests, so that

both programs present a banking and financial vision of housing policy. Moreover, the

construction of housing complexes in places far from the urban network, as well as the lack of

public goods and equipment of collective use in their vicinity, are also aspects that favor the

phenomenon of segregation in the formation and development of the city of Natal.

Keywords: Housing of social interest; Housing programs; Socio-spatial segregation.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO......................................................................................................... 08

2.ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA CIDADE NO CAPITALISMO............. 14

2.1. A produção capitalista da cidade......................................................................... 15

2.2. A teoria da renda da terra no espaço urbano..................................................... 19

2.3. Segregação no espaço urbano............................................................................... 21

3. DESENVOLVIMENTO URBANO E POLÍTICAS HABITACIONAIS EM

NATAL..........................................................................................................................

24

3.1. Questão habitacional brasileira............................................................................ 24

3.2. O crescimento e a produção do espaço urbano em Natal.................................. 29

3.2.1. O Banco Nacional De Habitação.......................................................................... 32

3.2.2. Cenário pós-BNH e o Programa Minha Casa Minha Vida................................... 39

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 45

REFERÊNCIAS............................................................................................................ 47

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1. INTRODUÇÃO

Diante da mundialização do capital, com seus impactos destrutivos no emprego, nos

salários e nos sistemas de proteção social e, dada as formas particulares de crise do

capitalismo no contexto brasileiro, um dos mais importantes desafios de assistentes sociais é

analisar e buscar explicações acerca da realidade social, numa perspectiva de totalidade,

identificando suas variadas determinações e reconhecendo as contradições em tempos de

concentração da riqueza e intensa desigualdade social, para um agir profissional com ética,

comprometido com as necessidades dos trabalhadores.

Considerando isso e a temática em análise, observemos o que está posto no estudo de

Raichelis (2006) sobre como se projeta a questão social no cenário urbano, partindo da

conceituação desde sua gênese, utilizada para determinar um fenômeno novo fruto da

primeira industrialização na Europa Ocidental, o pauperismo (NETTO, 2001 apud

RAICHELIS, 2006). Desde então, a questão social não sucumbiu, mas ganhou novas formas e

definições particulares em cada sociedade, em cada cultura. As lutas sociais a transformaram

em uma questão pública, política, transitando do universo privado da relação capital e

trabalho para a esfera pública, exigindo intervenção do Estado.

Nesses termos, a questão social, tal como a entendemos, é a expressão das

desigualdades sociais produzidas e reproduzidas na dinâmica contraditória das

relações sociais, e, na particularidade atual, a partir das configurações assumidas

pelo trabalho e pelo Estado, no atual estágio mundializado do capitalismo

contemporâneo. (RAICHELIS, 2006, p. 17)

A questão social está na base dos movimentos sociais da sociedade brasileira e remete

à luta pelo acesso à riqueza socialmente produzida. São essas lutas que se encontram na

criação das políticas públicas e que mobilizam o Estado na elaboração de respostas às

demandas de saúde, trabalho, educação, habitação, como também são elas que incentivam o

movimento político das classes populares na conquista da cidadania.

A motivação para a realização do presente estudo teve como ponto de partida a

experiência vivenciada como estagiária em Serviço Social de um Projeto de Trabalho Técnico

Social no “Condomínio VI” do Complexo Residencial Ruy Pereira, empreendimento do

Programa Minha Casa, Minha Vida, localizado no município de São Gonçalo do Amarante,

região metropolitana de Natal.

O trabalho desenvolvido no referido estágio consiste no apoio às ações da equipe

social do projeto (psicólogos e assistentes sociais) e mobilização social. O projeto elaborado

pela Prefeitura Municipal de São Gonçalo do Amarante passou por processo licitatório para

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contratação de uma empresa para executa-lo, ganhando a START CONSULTORIA, empresa

a qual estou contratada. A avaliação das ações é feita mensalmente pela Caixa Econômica

Federal, a partir de relatórios produzidos pela equipe de trabalho executora.

O complexo residencial Ruy Pereira é empreendimento da modalidade faixa 1 do

“Minha casa, minha vida” contemplando famílias com uma renda mensal bruta de até R$

1.600,00. Sua estrutura apresenta seis condomínios, cada um com 300 apartamentos

distribuídos em 19 blocos. Nesse caso em particular, as atividades do projeto de trabalho

técnico social começaram a serem realizadas seis meses após a entrega dos dois primeiros

condomínios (I e VI), os únicos entregues até o momento.

Até esse momento de estágio pude observar algumas questões que despertaram meu

interesse pela temática de habitação urbana. O empreendimento em São Gonçalo do Amarante

se localiza em uma área afastada da zona urbana da cidade, consequentemente, as famílias

que moram ali tem uma deficiência de acesso a serviços básicos como saúde, educação,

assistência social e mobilidade urbana, uma vez que escolas e postos de saúde são em locais

de difícil acesso para essa população e o transporte público, que se resumem atualmente em

“kombis”, existe também o transporte informal feito por carros de lotação, ambos fazem o

trajeto até o centro do Igapó, zona norte natalense.

Diagnósticos realizados sobre a situação habitacional no Brasil, a partir de dados do

Censo Demográfico de 2000 e da Pesquisa de Informações Municipais de 2001, do Instituto

Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE) apresentados na Política Nacional de Habitação

(PNH), demonstram que:

No Brasil, milhões de famílias estão excluídas do acesso à moradia digna. A

necessidade quantitativa corresponde a 7,2 milhões de novas moradias, das quais 5,5

milhões nas áreas urbanas e 1,7 milhões nas áreas rurais.” (CARDENOS

MCIDADES, 2004, p. 17).

No entanto, o site da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) mostra

que numa análise feita pelo Departamento da Indústria da Construção da Fiesp (Deconcic) em

2014 o déficit habitacional, calculado com base na metodologia da Fundação João Pinheiro

(FJP), era de 6,198 milhões de famílias, contra 6,941 milhões em 2010. No período, a queda

do déficit habitacional foi de 2,8% ao ano. O portal online do Governo Federal “Portal Brasil”

considera o trabalho do programa minha casa, minha vida como decisivo nessa redução.

Ainda aponta que 89,0% do déficit habitacional brasileiro, ou 5,514 milhões de famílias,

referia-se à área urbana em 2014.

A primeira iniciativa de política pública nacional de habitação é a Fundação Casa

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Popular, em 1946, que se mostrou ineficaz devido à falta de recursos e ao seu sistema de

financiamento gerando uma produção de unidades pouco considerável. No entanto, em 1964,

o modelo implementado pela criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) constituiu

mudanças significativas na estrutura institucional e na concepção dominante de política

habitacional nos anos seguintes. Porém também se mostrou ineficiente naquilo que propôs ser

seu principal objetivo de criação: atender a população de mais baixa renda. (ARRUDA;

CUNHA; MEDEIROS, 2007).

O Banco Nacional de Habitação acabou por se tornar uma das mais potentes

iniciativas da política de habitação brasileira. Quanto a literatura a acerca dele há três tipos de

caracterização recorrentes. A primeira dá conta de que o órgão, da época da ditadura militar

teve como função dinamizar a economia e conquistar o apoio das massas populares ao

governo. Segunda, foi o segundo órgão responsável exclusivamente por uma política nacional

de habitação. E por último, produziu e modificou intensamente cenários urbanos em todo

país, através do seu investimento em habitação e desenvolvimento urbano (MEDEIROS,

2015).

Concomitante a luta pelo fim da ditadura militar, a década de 1980 é marcada por

intensa mobilização popular, sendo assim a Constituição de 1988 é resultado de um exercício

político coletivo pela defesa dos espaços democráticos para expressão das necessidades

sociais e políticas do conjunto da sociedade (CFESS, 2016). E foi nesse contexto que a

Emenda Popular da Reforma Urbana, de iniciativa popular, tomou corpo a partir das

mobilizações populares de luta pela reforma urbana unificados no Fórum Nacional de

Reforma Urbana e ganhou concretude nos artigos 182 e 183 da referida constituição que

tratam da Política Urbana, incorporando os princípios da função social da cidade e da

propriedade; direito a cidade a cidadania; e a gestão democrática das cidades. Expressa no

Estatuto da Cidade - Lei nº 10.257/2001, que traduz no seu conteúdo o reconhecimento à

função social da cidade e da propriedade imobiliária, oferecendo oportunidades para que os

governos locais possam combater a espoliação urbana através do reconhecimento das

necessidades das camadas mais expropriadas da sociedade (SAULE JR; UZZO, 2009).

Entre 1990 e inicio dos anos 2000, a atuação governamental em programas urbanos

para população de baixa renda sofreu diversas interferências, como os critérios clientelistas ou

mesmo a restrição de gastos (sob recomendação do FMI) para produção de moradias em

programas Habitar e Morar Município, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Outros programas foram criados no governo FHC, como o PRÓ-MORADIA e Programa de

Arrendamento Residencial (PAR) que não apresentaram bons desempenhos quantitativos

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principalmente no atendimento aos segmentos da classe trabalhadora. (CFESS, 2016)

A partir de 2003, no governo de Luis Inácio Lula da Silva, essa desarticulação

governamental sofre mudanças com a criação do Ministério das Cidades, cuja criação foi

reivindicação dos movimentos que lutam por um espaço de interlocução junto ao poder

público com o objetivo de discutir e aprovar uma política de desenvolvimento urbano para o

Brasil, incorporando e articulando as políticas de habitação, saneamento ambiental, transporte

e mobilidade.

Em 2004, a Secretária Nacional de Habitação (SNH) promoveu uma série de estudos

técnicos que deram origem a Política Nacional de Habitação – aprimorada em 2007 – que faz

um diagnóstico da situação habitacional brasileira e aponta orientações para o planejamento

de ações públicas que visem atender as necessidades habitacionais do Brasil. Na PNH fica

evidente, através do diagnóstico da situação habitacional, dos princípios, diretrizes e objetivos

gerais da política a defesa da concepção de desenvolvimento urbano integrado: "habitação não

se restringe a casa, incorpora o direito à infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade e

transporte coletivo, equipamentos e serviços urbanos e sociais, buscando garantir o direito à

cidade" (CADERNOS MCIDADES, 2004, p.12)

Considerando isto, o então presidente Luis Inácio implanta a Medida Provisória nº459

em 25 de março de 2009, mais tarde convertida na Lei 11.977 datada em 07 de julho do

mesmo ano. A lei dispõe sobre a criação e organização do Programa Minha Casa, Minha

Vida, iniciativa fundamentada nos princípios da PNH, como mais uma política pública de

enfrentamento ao déficit habitacional brasileiro.

O Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – é um programa habitacional do

governo federal em parcerias com os estados e municípios, gerido pelo Ministério das

Cidades e operacionalizado pela caixa econômica federal. O objetivo do programa é a

produção de unidades habitacionais, que após concluídas são vendidas sem arrendamento

prévio as famílias.

O programa foi subdividido por padrões de renda onde as famílias com renda entre 0 e

3 salários mínimos são caracterizado como Faixa 1 (até R$ 1.600,00 ao mês), as famílias entre

3 a 6 salários mínimos compõe a Faixa 2 (entre R$ 1.600,00 e R$ 3.100,00 ao mês) e as

famílias de 6 até 10 salários mínimos estão na Faixa 3 (entre R$ 3.100,00 até R$ 5.000,00 ao

mês) do programa (CAIXA ECONOMICA FEDERAL, 2012). Essa seleção de renda já

caracteriza uma forma de segregação social.

Ainda que o PMCMV tenha trazido significativo aumento de recursos na produção

habitacional, estabelecendo mecanismos de subsídios diretos e explícitos, tem pouca adesão

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as estratégias de enfretamento ao déficit habitacional, apresentando indícios de não se

contrapor ao processo de urbanização brasileiro de estabelecer os mais pobres em periferias

distantes dos centros urbanos, com a responsabilidade individual de conseguir os demais

meios de reprodução de vida, ou seja, oportunidades de trabalho, lazer, equipamentos

públicos, etc (CFESS, 2016).

Conforme exposto, a trajetória da política de habitacional no País é marcada pelas

mudanças na concepção e no modelo da intervenção pública no atendimento as demandas

relacionadas à moradia, que ainda tem muito a ser feito na perspectiva de minimização de

uma dívida social acumulada especialmente junto à população mais pobre, uma vez que é a

mais atingida pelo histórico de forte concentração de renda, desigualdade social e segregação

urbana.

Segundo entrevista concedida pelo então Secretário de Habitação da Prefeitura de

Natal ao jornal local “Tribuna do Norte” em 2014, o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) pesquisas realizadas para elaboração do Plano de Habitação de Interesse

Social (PLHIS) no município de Natal revelam que déficit habitacional na população situada

na faixa de renda de zero a três salários mínimos é superior a 46 mil moradias, considerando

as famílias residentes em assentamentos precários, favelas, cortiços coabitação e de aluguel.

Na batalha contra esse déficit as ações mais eficazes que estão sendo promovidas referem-se

aos convênios firmados com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil para utilização

dos recursos do Programa Minha casa, Minha vida, no financiamento de projetos

apresentados pela iniciativa privada.

Quanto a Região Metropolitana de Natal, sua expansão é constante. Composta

atualmente por 11 municípios, distribuídos numa área de aproximadamente 2.950 km²,

abrigando uma população de 1.351.004 habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística, em 2012 (IBGE, 2012 apud MOURA, 2013). Foi formada, em 1997,

com 5 municípios, e, com o passar dos anos, vem se estruturando e se readequando às novas

dinâmicas impostas no território.

Em face do exposto, o presente analisa a política de habitação urbana de interesse

social, considerando os avanços e/ou limitações resultante do mais relevante programa nessa

área dos últimos anos: o “Minha Casa, Minha vida”, contrapondo o Banco Nacional de

Habitação, responsável pela produção de moradias para classes populares entre os anos de

1964 e 1986. Ambos têm ou tiveram grande relevância no desenvolvimento urbano de varias

cidades brasileiras, entre elas, a capital do Rio Grande do Norte, Natal.

Diante disso, o estudo teve como questão central: “o que há de continuidade entre os

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programas de habitação popular: Banco Nacional de Habitação, desenvolvido entre os anos de

de 1964-1986 e o PMCMV, criado em 2009, na cidade do Natal?” a partir da qual foram

formuladas as seguintes questões norteadoras para pesquisa:

1. Como estão caracterizados esses programas de habitação urbana de interesse social

desenvolvidos em Natal/RN: BNH e PMCMV?

2. Considerando o local de construção das unidades habitacionais bem como o acesso

dos beneficiários desses programas a bens de consumo coletivo e serviços públicos

efetivos na garantia de direitos sociais básicos, tais programas têm contribuído para

segregação urbana?

Sendo assim, o trabalho teve como objetivo geral analisar comparativamente os

programas de habitação urbana de interesse social desenvolvidos em Natal-RN pelo Banco

Nacional de Habitação e o Programa Minha Casa Minha Vida com vistas a identificar o que

há de continuidade entre tais experiências de habitação urbana. Em conexão com esse

objetivo geral os objetivos específicos foram assim definidos: a) caracterizar e analisar os

programas de habitação urbana de interesse social desenvolvidos pelo Banco Nacional de

Habitação e Programa Minha Casa, Minha Vida; b) identificar em que medida esses

programas têm contribuído para continuidade ou minimização da segregação social em Natal,

considerando o acesso dos beneficiários a serviços públicos efetivos na garantia de direitos

sociais, a bens de consumo coletivo e seu local de moradia.

Do ponto de vista metodológico foi priorizada a pesquisa bibliográfica e documental.

Iniciando com um levantamento bibliográfico, busquei especialistas na discussão sobre a

questão urbana, sobretudo, no Brasil. Encontrei textos de Ermínia Maricato para

entendimento da formação das cidades brasileiras e a problemática urbana. Quanto ao direito

a cidade também consultei a obra de Lefevbre e David Harvey. Debrucei-me também a

pesquisar sobre a política habitacional brasileira ao longo da história e utilizei como fontes

documentais publicações do Ministério das Cidades. No contexto da cidade do Natal, busquei

em monografias, dissertações e teses da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

especificamente dos cursos e programa de pós graduação em Arquitetura e Urbanismo.

Assim, para exposição das reflexões feitas através dos dados presentes nessas análises

documentais e bibliográficas organizamos dois capítulos. O primeiro capítulo remete aos

elementos que constituem a cidade no contexto do capital, mostrando o processo de formação

e ocupação do mundo urbano, relacionando o processo de industrialização a urbanização das

cidades. Em seguida, para tentar compreender o fato de o crescimento dessas cidades se dá de

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forma desigual, apresentamos alguns elementos da teoria da renda da terra, que explana a

valorização e desvalorização de determinados espaços. Finalizamos esse capítulo falando

sobre o fenômeno da segregação social, colocando as suas variações e tipologias dentro do

contexto urbano.

No segundo capítulo, o principal ponto é a caracterização e análise das políticas

habitacionais no Brasil. Começa por uma análise histórica da formação do país,

contextualizando como se apresenta a política habitacional de interesse social em cada época

e que de que forma contribui para o desenvolvimento urbano. Em seguida, fazemos o mesmo

com foco sobre a cidade do Natal e assim destacamos dois programas em especial, o Banco

Nacional de Habitação (BNH) e o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV),

compreendendo como fundamental até hoje a ação dos dois programas na estruturação da

cidade. Por último, no tópico destinado as considerações finais compararam os aspectos de

continuidade entre eles e o efeito disso no processo de segregação da classe mais pobre.

2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA CIDADE NO CAPITALISMO

No contexto da sociedade capitalista, o espaço urbano é construído e regulamentado

via ação de mercado, quem da terra necessita deve pagar por ela. Para iniciar o

aprofundamento na temática proposta, apresentamos a estruturação do mundo urbano ao

longo do tempo, caracterizando o seu modo de vida de acordo com a época, destacando a

atuação do capital na formação das cidades.

Um dos principais aspectos dessa parte do estudo é a ligação da urbanização a

industrialização, processo esse que é verificado e apresentado aqui também na formação das

cidades brasileiras. Conforme desenha a teoria marxista, a divisão dessa sociedade em classes

influencia também na dinâmica de composição dos ambientes urbanos, de forma que grandes

centros urbanos se colocam como terra de habitação das classes mais abastadas, detentoras

dos meios de produção, e fica para a classe trabalhadora o acesso precário a vida na cidade.

Como elucidação do processo de aquisição da terra, da moradia via mercado

apresentamos alguns elementos da teoria de renda da terra. Com objetivos de tratar sobre

como ocorre a valorização e desvalorização de determinados espaços, segundo a

racionalidade capitalista, e como tudo isso contribui para o acirramento do fenômeno da

segregação socioespacial. Por fim, delineamos o processo de segregação, dentro da lógica

capitalista, aprofundando como é a atuação do Estado frente esse fenômeno.

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2.1. A Produção Capitalista da Cidade

Nas últimas décadas do século XX, frente ao seu esgotamento o capitalismo busca na

compra e venda do espaço um escape, gerando uma dependência do sistema a produção e

consumo do solo (LEFEBVRE, 1999 apud CARPANELLI, 2015). Assim, nos propomos a

seguir a compreender como se dá esse processo de ocupação do solo urbano pela perspectiva

do capital.

Historicamente, o homem busca formas de legitimar seu domínio sobre a natureza e

seus semelhantes e isso é o que traça as bases de organização da vida e sociabilidade, em seus

aspectos econômicos, políticos e culturais. Abordaremos esse movimento nas linhas adiante,

com vistas a compreender como o modo de produzir e garantir sobrevivência delineiam a

estrutura das sociedades e suas formas de habitar e viver a cidade ao longo do tempo.

Seguindo análise de Carpanelli (2015, p. 25), os povos nômades, na pré-história,

faziam uso da terra de forma a alcançar a satisfação apenas de suas necessidades diárias, o

excedente era dispensável. Por isso, não havia preocupação em se fixar por muito tempo em

determinado lugar. Já por volta de 10 mil anos (A.C.) é que os grupos iniciam uma pretensão

de manterem-se em lugares, sempre seguindo o curso dos rios, para poderem assegurar terras

férteis para o cultivo da agricultura (CARPANELLI, 2015).

O trabalho com a terra, as atividades coletivas de caça e pesca, possibilitaram, então,

o surgimento das primeiras aldeias e propiciaram as primeiras experiências da

construção de uma sociabilidade compartilhada num mesmo espaço físico por longo

período. (CARPANELLI, 2015, p. 25).

Maricato (2013, p.139) afirma “a existência das cidades precede o capitalismo, no

entanto, com ele, as cidades mudam”. Considerando isto, a sociedade do capital no

surgimento da propriedade privada e do Estado, relacionado com a sua estrutura patriarcal

traz ao homem e seu grupo social novos sentidos, interesses e contradições na forma de

habitar. As relações sociais ganham complexidade com a intervenção social de novas

instituições como igreja, família, influentes e determinantes até hoje no modo de vida e

trabalho (CARPANELLI, 2015).

Engels (s/d apud Carpanelli, 2015) apresenta que esse modo de produção traz o

desenvolvimento de todos os ramos de produção existentes, tornando a força de trabalho

humana capaz de produzir além das necessidades imediatas o que, consequentemente,

aumenta o tempo e intensidade do trabalho. Com isso, é preciso aumentar o número de

trabalhadores e se apresenta como alternativa a escravidão. “Da primeira grande divisão social

do trabalho, nasceu a primeira grande divisão da sociedade em duas classes: senhores e

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escravos, exploradores e explorados” (ENGELS, s/d, p.128 apud CARPANELLI, 2015).

Atualmente, apresentando sinteticamente, a divisão está posta entre a burguesia que detêm a

propriedade dos meios de produção e o proletariado, que por necessitar fazer uso dos meios

de produção, vende sua força de trabalho e é explorado pela burguesia.

A condição de subalternidade vivida pela classe trabalhadora no contexto da ordem do

capital é demonstrada na obra de Engels A situação da classe trabalhadora na Inglaterra

(apud CARPANELLI, 2015), com um panorama da situação degradante e sub-humana de

vida e moradia dos operários e suas famílias, durante a revolução industrial, na cidade de

Manchester. Tal obra traz importantes elucidações ao pensamento crítico sobre o mundo

urbano ao absorver dessa experiência a cidade como sede do capital industrial

(CARPANELLI, 2015).

Lefebvre em O direito a cidade (2001) conecta o processo de urbanização ao processo

de industrialização próprio da sociedade capitalista, ao dizer que para compreensão do que

intitula “problemática urbana” se faz necessário ter como ponto de partida o processo de

industrialização. “A industrialização caracteriza a sociedade moderna” (LEFEBVRE, 2001, p.

11).

Os registros de Engels expõe cidade a ser regulada pelo processo de modernização,

com a sociedade industrial determinando o lugar de cada classe. Em diversas passagens da

citada obra, o autor demonstra o processo de segregação planejada, a especulação imobiliária

e as dificuldades colocadas à classe trabalhadora para acesso a terra, sendo então relegados a

locais de extrema miséria.

Maricato (2013, p. 139) diz que “Especificidades no processo de urbanização

acompanham as diferentes fases do capitalismo colonial-industrial, ou global financeiro, nos

países centrais ou periféricos”. Considerando isto, observamos no final do século XX o

processo de reestruturação produtiva do capitalismo internacional que produziu um conjunto

de transformações no homem e na sociedade, através de intensas modificações no papel do

Estado, nos mercados, nos processos de trabalho, nos produtos, nos hábitos, nos valores, na

cultura, na ocupação do território, na produção do ambiente construído e na relação com a

natureza (MARICATO, 2003).

A hegemonia do fordismo acarretou mudanças sociais ao estabelecer um ritmo de

trabalho mecanizado e repetitivo na grande indústria, o que distanciou ainda mais um aspecto

de vida rural, condicionada pela agir da natureza. Com a inserção da mulher no mercado de

trabalho, dos eletrodomésticos na vivência familiar, a popularização do uso do automóvel,

tudo isso acarretaram mudanças na vida urbana. A sua combinação ao keynesianismo,

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apresenta um Estado como regulamentador da vida social, política e econômica, o Estado de

Bem-estar social desenvolve sua ação como agente de promoção do social e organizar da

economia.

Contudo, cabe a nós salientar que, de acordo com Maricato (2007), o Welfare State se

manifestou de forma diferente nos países periféricos do capitalismo, chamados também países

subdesenvolvidos. Em tais lugares, inicialmente, o foco era fortalecer o mercado interno, com

a transferência de grandes indústrias para centros metropolitanos, que foram se

desenvolvendo cercados de ocupações ilegais, como favelas e cortiços, fugindo aos padrões

de urbanismo moderno.

Contraditoriamente, rigidez é palavra que marca esse período de bem-estar social: nos

investimentos em capital fixo, larga escala e longo tempo; no mercado, regimentos e direitos

trabalhistas; e na estruturação e ação do Estado. Ao longo da década de 70, visando à

aceleração do capital de giro a flexibilização é a marca das mudanças que se sucedem e

atingem os setores antes mencionados. Essa flexibilização alcança também o Estado e o

liberalismo renasce (MARICATO, 2007).

Carpanelli (2015, p. 37) se apoia em Harvey (2008) para compreender o

neoliberalismo ao defini-lo como:

uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano

pode ser melhor promovido se liberadas as liberdades e capacidades

empreendedoras individuais, no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada

por sólidos direitos à propriedade privada, aos livres mercados e livres comércios.

Os seus conceitos alcançam hegemonia de discurso e afetam o modo de pensar o mundo e o

cotidiano das pessoas, a mídia influência bastante nesse processo, de forma que a velocidade

da informação, do conhecimento ganha importância em um mundo marcado pela valorização

do efêmero (CARPANELLI, 2015).

Esse processo de globalização trouxe o desmonte do Estado provedor e consagrou a

primazia do mercado. O descaso com os problemas sociais na agenda pública e

consequentemente, com as políticas públicas resultou em uma grave degradação do padrão de

vida urbano (MARICATO, 2007).

A cidade alcança aspectos de transformações que objetivam garantir, sobretudo, a

movimentação do capital imobiliário. Nesse modelo de desenvolvimento, a cidade é moldada

de acordo com os interesses capitalistas que ganha com a sua produção e exploração e age em

função do seu valor de troca. A terra urbana é um monopólio, não há outro trecho ou terreno

igual ou reproduzível, sendo assim, é uma mercadoria especial que permite ganhos através da

forma de renda. A cidade torna-se mercadoria, um grande negócio que tem em sua principal

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fonte a renda imobiliária (MARICATO, 2013).

Sobre a configuração da terra urbana no contexto da sociabilidade capitalista,

Caparnelli vai dizer:

[...] as terras são concentradas, e adquiridas como forma de investimento, que

objetiva a ampliação de lucros, apesar de o preço da terra urbana resultar sempre de

um trabalho social público, ou privado, que é incorporado no valor dos terrenos

ociosos. Essa é uma dificuldade há muito tempo conhecida: o processo de

especulação imobiliária inviabiliza, principalmente para a classe trabalhadora, o

acesso à terra, e, por consequência à moradia bem localizada. (CARPANELLI,

2015, p. 35).

Com a especulação imobiliária, a terra se transforma em mercadoria gerando um modelo de

segregação social onde aqueles que não podem concorrer, no mercado, a compra de um

terreno equipado de uma infraestrutura adequada e de fácil acesso a serviços urbanos,

alcançam piores condições de vida. Além do acesso a uma melhor distribuição de renda, boas

condições de vida dependem da garantia de acesso a políticas públicas urbanas em todas as

áreas do espaço urbano.

Concordamos com Harvey (in Maricato, 2013) ao afirmar que o direito à cidade não é

apenas um direito condicional de acesso àquilo que já existe, mas sim um direito ativo de

fazer a cidade diferente, de formá-la mais de acordo com nossas necessidades coletivas.

Portanto, para nós, isso é também o que caracteriza o direito a moradia. A habitação e a

cidade precisam ser vistas de forma articuladas, por um prisma de totalidade, para tanto é

necessário que a política pública de habitação se paute pelas necessidades sociais colocadas

no cotidiano das famílias brasileiras, e esteja além da produção de unidades e conjuntos

habitacionais padronizados que não contemplam as demandas sociais e especificidades dos

grupos populacionais que atendem.

As cidades são de extrema importância na reprodução do capitalismo por serem o

principal local onde se dá a reprodução da força de trabalho. Para tanto, são necessárias boas

condições de vida para classe trabalhadora, no entanto, nem toda melhoria das condições de

vida é acessível com melhores salários ou com melhor distribuição de renda. Boas condições

de vida dependem, frequentemente, de políticas públicas urbanas – moradia, saneamento,

educação, saúde, lazer, iluminação pública, transporte, coleta de lixo, segurança. São muitos

os mecanismos pelos quais a cidade reproduz a desigualdade social, explicitando a ausência

do direito à cidade, na apropriação desigual dos espaços (MARICATO, 2013).

Considerando isto, podemos dizer que a produção do espaço urbano, é o processo no

qual a cidade vai sofrendo transformações a partir da interferência de agentes políticos,

sociais e econômicos. Nesse contexto, o espaço urbano funciona como suporte para realização

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da mercadoria habitação, sua produção e seu preço estão, consequentemente, condicionados

ao sistema a qual fazem parte. O crescimento desordenado e desigual das cidades pode ser

atribuído a como está esquematizada a dinâmica de valorização e desvalorização de

determinados locais, a ser analisada, no presente trabalho, a luz da teoria da renda da terra,

seguindo análise de Siqueira, (2006) e Medeiros (2015).

2.2. A Teoria da Renda da Terra e o Espaço Urbano

O estudo da teoria da renda da terra é importante para o objeto de estudo do presente

trabalho, porque elucida a valorização de um espaço em detrimento de outro, segundo a lógica

das relações capitalistas de produção. Conforme Medeiros (2015) existem três autores que se

destacam no estudo da teoria da renda da terra: Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx.

Aquele que se dedicou em descobrir a origem da riqueza das nações, Adam Smith, é um dos

primeiros a trazer a renda da terra como componente do preço da mercadoria. Ele afirma que

a renda da terra está atribuída ao direito de usufruir de seus recursos, sua fertilidade

(MEDEIROS, 2015).

Contemporâneo a Smith, David Ricardo irá contrariá-lo ao conceber a renda como

associada apenas a própria terra. “Os recursos extras da terra geram outros ganhos capitalistas,

na forma de juros e lucro.” (MEDEIROS, 2015, p. 27). Aprofunda a sua conceituação ao dizer

que as diferenciações e limitações da terra geram rendas diferenciadas. Além disso, defende

que a oferta das terras ocorre de forma que as melhores são ofertadas primeiro, e ao ofertar as

terras menos férteis, as mais férteis ganham maior valoração.

Quanto às contribuições de Marx sobre a renda fundiária podemos destacar a

classificação da terra como produto (mais exatamente enquanto coisa) e não como

mercadoria, por não haver utilidade realizada mediante trabalho em si, não tendo assim valor

nenhum. Com isso, Medeiros (2015, p. 27) destaca que “o preço da terra advém do seu

monopólio e da possibilidade de transferir seu domínio a outrem”. Baltrusis (2011, p. 32 apud

MEDEIROS, 2015), à luz da teoria marxista, afirma: “o mercado fundiário não é, portanto,

um mercado de mercadorias comuns, ele é um mercado de direitos”.

Segundo Medeiros (2015) as diferenciações entre Marx e Ricardo estão postas de

maneira que para Marx, a renda da terra não é definida a partir da melhor, uma vez que até a

pior terra tem seu potencial de renda. As diferenciações dos tipos de renda da terra, para

Ricardo, estão essencialmente ligadas à fertilidade, quanto para o socialista, além da

fertilidade estão os atributos que proporcionam maior produtividade e ganhos diferenciados.

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A concordância de Marx com Ricardo está na compreensão da renda está associada

unicamente a terra e os investimentos nela realizados são aditivos ao seu preço. No entanto, a

seguir ainda apresentaremos no texto como se dá no contexto urbano essa questão dos

componentes da renda da terra (MEDEIROS, 2015).

Para o presente trabalho entendemos que, no contexto do mundo urbano, a propriedade

da terra em si gera uma renda, chamada renda absoluta que lhe garante um preço,

independente de sua qualidade. O que determinará a variação desses preços serão aspectos

externos da localização, esses fatores trarão a composição da diferenciação das rendas em:

diferencial e de monopólio. De acordo com Siqueira (2006) a renda diferencial ocorre de

acordo com a capacidade do proprietário de aumentar o lucro, que vai se dá em função da

menor ou maior facilidade de acesso aos bens de consumo coletivos, serviços públicos, ou

seja, as suas externalidades. A segunda, renda de monopólio, pode se dar em função de

condições singulares, como uma localização que faz com que o preço da terra esteja de acordo

com o interesse de seu proprietário, independente do mercado. O que a limita é o desejo e

poder de pagamento do comprador (SIQUEIRA, 2006).

Ao se tratar da produção capitalista da habitação, é preciso compreender que é um

processo complexo, uma vez que, enquanto mercadoria, a habitação tem uma série de

características que tornam dispendiosa sua realização, como por exemplo, o seu alto custo

financeiro e de tempo que também elevam o seu o preço final. Outro ponto importante está

relacionado à questão dos valores de uso e valores de troca. Siqueira (2006, p. 30) esclarece

que “a habitação não e definida apenas por sua constituição interna, o valor de uso da

habitação é determinado por sua articulação com os objetos imobiliários que compõe o valor

de uso da cidade”. Conforme afirma Ribeiro (1997, p. 81 apud SIQUEIRA, 2006, p. 30): “O

que é vendido não são apenas ‘quatro muros’, mas também um ticket para o uso deste sistema

de objetos e de ‘appartenance’ à estratificação social representada pela divisão social e

simbólica do espaço”. Portanto, a variação no preço da terra urbana será definida conforme os

equipamentos urbanos oferecidos em suas proximidades.

Considerando estes elementos, para análise da política de habitação brasileira no

contexto urbano, Siqueira (2006) com base em Lojkine (1997) apresenta que “Marx concebia

a renda da terra como um produto das relações capitalistas de produção, especialmente com

relação à propriedade privada, constituindo um meio de adquirir riqueza” (SIQUEIRA, 2006,

p. 25). Os interesses vinculados à propriedade são produzidos pelo setor do mercado da

habitação, por isso os segmentos do setor imobiliário com estreitas relações com o setor

financeiro, são beneficiados com a aquisição das áreas mais valorizadas das cidades, com

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melhor infraestrutura. De forma que a parcela da população menos favorecida no acesso ao

capital financeiro, são relegadas as áreas periféricas, aprofundando o processo de segregação

espacial e fragmentação do espaço urbano (SIQUEIRA, 2006).

De acordo com Siqueira (2006), a posição do Estado brasileiro, ao mesmo tempo em

que está inserido nessa lógica de mercado, prima pelo cumprimento de suas obrigações na

garantia dos direitos estabelecidos pela constituição federal, nesse caso, o da moradia. Para

tanto, promove os programas de construção e aquisição de unidades habitacionais para

famílias, preferencialmente, de baixa renda, porém essas edificações são feitas em locais

afastados dos centros urbanos e não tem uma infraestrutura adequada reproduzindo a lógica

capitalista. Percebida somente sobre a perspectiva econômica, a moradia é, essencialmente,

uma mercadoria a escoar, em que a preocupação social é posta como secundária. “O espaço é

considerado apenas como circuito de troca sendo apropriado privativamente e utilizado de

forma a garantir a reprodução do capital” (SIQUEIRA, 2006, p. 26). Assim sendo, a terra é

compreendida como suporte para os objetivos imobiliários do capital, uma vez que sustenta as

relações de produção e circulação de mercadorias (SIQUEIRA, 2006).

A Política Habitacional Brasileira, bem como os programas nela inseridos,

representam o jogo capitalista ao qual o Estado se sujeita ao realizar as construções de

unidades habitacionais em lugares poucos acessíveis e deixar para os capitalistas os espaços

com melhores dotações de equipamentos urbanos, garantindo-lhe retorno fiscal. Assim, ao

invés de optar pela garantia do direito a moradia, opta pelo mercado. Esta é a lógica

instaurada no país, na habitação social e que tem resultado em um formato de política

habitacional que fomenta a segregação social do espaço, comentada no item seguinte.

2.3. Segregação no Espaço Urbano

Para conceituar a segregação apresentaremos a visão de alguns autores sobre como se

estrutura essa categoria, colocando como ela se põe no processo de construção da cidade. A

investigação da atuação do Estado e sua contribuição ou não no processo de segregação na

sociedade brasileira é ponto de analise nesse trabalho, posto que o sistema a ser estudado aqui

é desenvolvido por meio de políticas habitacionais do governo, implementadas com regras do

mercado.

A primeira conceituação de segregação é feita pela Escola de Chicago em 1920, que

tinha uma visão organicista da sociedade, segundo Medeiros (2015), nesse sentindo a autora

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apresenta ideia de Parker que reflete o pensamento da Escola: “gostos e conveniência

pessoais, interesses vocacionais e econômicos tendem infalivelmente a segregar e, assim,

classificar as populações das grandes cidades” (PARKER, 1967, p. 5 apud MEDEIROS,

2015, p. 49). Considerando isto, a segregação era tida como natural e inevitável (MEDEIROS,

2015). Outros elementos vão ser adicionados a análise sobre a segregação a partir dos anos

70. Agora sob o ponto de vista do desenvolvimento capitalista na cidade, existem mais do que

gostos e interesses individuais envolvidos.

Para os autores que trabalham a segregação sob a ótica de urbanização capitalista,

segundo desenvolve Sara Medeiros (2015) em sua tese, a segregação pode ser divida em duas

tipificações:

[...] ]voluntariamente – quando se tem condições de optar por onde se localizar na

cidade – e involuntariamente – quando as condições do mercado impõem, ou via

preço da terra, o acesso diferenciado, não permitindo que os que detêm menos

recursos ocupem uma determinada área da cidade, ou por via das políticas adotadas

(expropriação e classificação do uso do solo) (MEDEIROS, 2015, p. 50).

Vale salientar que concebido como um processo dialético, a segregação voluntária tende a

gerar segregação involuntária, pois ao privilegiarem certos espaços na cidade aqueles que

detêm maior poder econômico, logo determinam também o espaço das populações menos

solváveis nas áreas menos valorizadas pelo mercado (VILLAÇA, 2001 apud MEDEIROS,

2015).

Outro autor que contribui para diferenciar esses dois tipos de segregação é Marcuse

(2004, p. 22), discutido também em Medeiros (2015). Para ele, “as origens dos aglomerados e

das segregações ocorrem por divisões culturais, por papel funcional e diferença no status

hierárquico. Essas divisões sofrem influência de diversos fatores, e são conflitantes e

complementares ao mesmo tempo” (MEDEIROS, 2015, p. 50). Apresenta como segregação

voluntária as que ocorrem apenas por divisões culturais e papeis funcionais, considerando que

a questão do status não é uma escolha, mas uma imposição social, sendo por tanto de ordem

involuntária.

A segregação também pode ser dividia por “três aspectos, simultâneos ou sucessivos:

espontâneo (proveniente das rendas e das ideologias) – voluntário (estabelecendo espaços

separados) – programado (sob o pretexto de arrumação e de planos)” (LEFEBVRE, 2006, p.

94 apud MEDEIROS, 2015, p. 50). Sendo que, a segregação involuntária é apresentada tanto

na espontânea como na programada, pois é involuntária para o agente passivo do processo.

Ainda em Medeiros (2015), a atuação do Estado nesse contexto é percebida como

dentro da segregação programada. Sendo o Estado ao mesmo tempo produtor e consumidor

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do espaço, é o agente que define os usos possíveis do solo, através da regulamentação desse

uso, do incentivo e implantação de infraestruturas e da criação de mecanismos de

investimentos e financiamentos à habitação (SIQUEIRA, 2006). Marcuse (in Medeiros, 2014)

é categórico ao afirmar que em qualquer sociedade a segregação ocorre com sanção por parte

do Estado, seja ela explicita ou implícita.

No ordenamento e composição da cidade é imprescindível a intervenção do orgão, no

entanto, considerando suas características já elencadas, sua atuação é marcada por conflito de

interesses entre os membros das classes envolvidas, tentando privilegiar quem detém maior

poder econômico (SIQUEIRA, 2006). Em seu esforço de observação e interpretação da

realidade brasileira, Villaça (1997 apud SIQUEIRA, 2006) denuncia uma estreita relação das

classes dominantes com a esfera estatal, evidenciada em aspectos como: a localização das

principais infraestruturas urbanas, dos aparelhos de administração do Estado e a legislação

urbanística que está estruturada de modo a privilegiar o atendimento dos requisitos almejados

pelas classes de mais alta renda. O referido autor destaca também a segregação como

elemento para dominação da produção e consumo do espaço pela classe dominante, assim

determinam a direção de crescimento das cidades.

A conclusão sobre o efeito do espaço sobre o social – a nosso ver importante, é que

é necessária uma certa geografia, uma certa configuração espacial (a segregação)

para viabilizar aquela dominação. Sem essa configuração, seria talvez impossível –

ou seria extremamente difícil – a dominação através do espaço e aquela desigual

apropriação (VILLAÇA, 1997, p. 2 apud MEDEIROS, 2015, p. 52).

O estudo da ação do Estado na política habitacional é fundamental para entender o

conceito de segregação. Trata-se de uma política elaborada dentro de um contexto de

desenvolvimento urbano integrado e fundamentada nos princípios norteadores da Constituição

Federal de 1988 e do Estatuto da Cidade, ou seja, da função social da propriedade e da cidade.

Contudo, o que percebemos na Política Nacional de Habitação (PNH) é que seus programas

obedecem a uma lógica que restringem seus beneficiários a um padrão econômico, atuando a

partir de diferentes faixas de rendimentos, caracterizando também uma segregação. “Não por

coincidência, os estratos de rendimentos filtram automaticamente as ocupações e repercutem

nos níveis de escolaridade e de acesso à cultura. Dessa forma, a segregação econômica remete

quase que automaticamente a uma segregação social” (MEDEIROS, 2015, p. 56). Aqueles

que estão fora desse padrão acabam por ser automaticamente excluídos, do programa e da

garantia de um direito respaldado constitucionalmente.

É importante também afirmar que se defende aqui a ideia de que o problema da

segregação reside para além da divisão da cidade entre grupos sociais, mas no acesso desigual

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as cidades e as suas benfeitorias. Ao consumir a habitação, o morador não usufrui apenas da

moradia, mas também das suas externalidades. Assim, considerando o acesso à cidade sendo

via mercado, nem todos terão acesso a certos investimentos e equipamentos urbanos.

Na perspectiva de compreender o papel do Estado como garantidor do direito à

moradia será discutido, apresentando historicamente a sua intervenção através das políticas

públicas inserida nesta lógica de mercado, com destaque a realidade da cidade do Natal. É

sob este formato que os programas habitacionais serão caracterizados adiante, colocando sua

estruturação e seu papel na urbanização brasileira, buscando verificar se são adequados para

garantir ou facilitar o acesso à moradia e em que medida contribuem para o acirramento ou

minimização da segregação socioespacial.

3. DESENVOLVIMENTO URBANO E POLÍTICAS HABITACIONAIS EM NATAL

A fim de compreender a interferência das políticas habitacionais no desenvolvimento e

crescimento da cidade do Natal, faremos um breve resgate histórico da questão da moradia no

contexto brasileiro e de formação da capital do Rio Grande do Norte. Com destaque para a

ação dos dois principais programas de grande relevância no desenvolvimento urbano da

cidade, o Banco Nacional de Habitação e o Minha Casa, Minha Vida.

3.1. Questão habitacional brasileira

Ao longo dos anos, a produção de moradias para classes populares no Brasil, chamada

política de habitação de interesse social, se submeteu às diretrizes do regime de acumulação

capitalista para o espaço urbano. A cidade, expressão da opressão e miséria da classe

trabalhadora, na teoria marxista, é também o lugar de produção e reprodução do capital

(SILVA, 2014).

A moradia pode ser considerada um bem de consumo que, conforme já denotado no

presente trabalho, a classe de baixa renda sempre foi prejudicada no processo de aquisição da

casa própria, necessitando da ação governamental para lhe assegurar competir no mercado por

esse bem.

Valladares (1996, p. apud Silva, 2014) apresenta o Estado como responsável pela

garantia do bem estar social da classe trabalhadora, através de políticas sociais e econômicas.

E a habitação está dentre os elementos desse estado de bem estar social, que articulada a um

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conjunto de outras políticas sociais pode desenvolver grande influência na garantia de um

sistema urbano equilibrado (SILVA, 2014).

Ao tecer sobre a habitação de interesse social em Natal, se faz necessário trazer a

estruturação da política habitacional no país ao longo do tempo, para melhor introduzir as

reflexões sobre o tema. Posto em Carpanelli (2015, p. 29) que em meados de 1880, nas

cidades em que o complexo cafeeiro e as outras atividades urbanas começaram a se

desenvolver, as autoridades governamentais começam a atentar-se para as condições

precarizadas das habitações brasileiras. Isso se deu pelo crescimento das cidades urbanas que

trouxe consigo surtos epidêmicos decorrentes das condições insalubres das moradias. Na

época, as únicas informações que se tinham sobre a situação das habitações populares eram de

relatos de sanitaristas, Bonduki (2011) traz ainda que tais locais não teriam nenhuma

relevância se suas condições higiênicas degradantes não houvessem acarretados perigos para a

saúde da população (CARPANELLI, 2015, p. 30).

Trazendo ainda a percepção de Bonduki (1998, p. 21-22 apud Silva, 2015, p. 29),

durante o período da República Velha (1889-1930) nas ações de provisão a moradia para a

classe trabalhadora o governo privilegiou a produção privada, se recusando a intervir

diretamente, exercendo ações pontuais no caso de extrema insalubridade das moradias. Até a

década de 30, as tipologias de moradia para alojar a nascente classe operária brasileira se

deram, majoritariamente pela iniciativa privada, entre os modelos mais produzidos estão os o

cortiço-corredor, o cortiço-casa de cômodos, os vários tipos de vilas e corredores de casas

geminadas.

O ano de 1930 é considerado um marco da urbanização/industrialização no Brasil. O

período do Estado Novo traz momentos significativos para a habitação de interesse social ao

colocar a habitação social em tema no cenário econômico, político e cultural como nunca

visto antes.

O surgimento da questão sanitária já não era o problema central, mas sim outros dois

aspectos, muito mais identificados com o projeto nacional desenvolvimentista, quais

sejam; (i) a habitação como condição básica para reprodução da força de trabalho -

fator econômico estratégico para a industrialização do País e (ii) como elemento nas

formações ideológica, política e moral do trabalhador. (CARPANELLI, 2015, p.

31).

De acordo com Maricato (1997, p. 36 apud Carpanelli, 2015, p. 31) pela primeira vez

é reconhecida que não cabia ao mercado privado, e sim ao Estado a resolução dos problemas

atrelados à moradia. No entanto, a ação governamental não se deu exatamente pelo

reconhecimento da responsabilidade junto à população trabalhadora, mas pela necessidade de

conquistar o apoio da massa urbana, buscando a sua legitimação e perpetuação no poder.

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Um dos marcos desse período é a promulgação do decreto-lei do inquilinato em 1942

que congelava o preço dos alugueis. Tal iniciativa foi muito bem aceita pela população, pois

segundo Silva (2015, p. 31) o trabalhador destinava 20% do seu salário para o aluguel, ao

mesmo tempo em que o negócio do aluguel movimentava o capital, trazia prejuízo aos

trabalhadores e a indústria que perdia potenciais investidores. Assim, o efeito causado pela

medida levou aqueles que viram seu lucro cair passaram a investir na indústria e quem

permaneceu no negócio dos alugueis tinha a rotatividade como essencial na obtenção de

lucros, logo se utilizava de qualquer justificativa para o despejo dos inquilinos (SILVA,

2014).

No entanto, o que inicialmente se apresentou como solução para diminuir os gastos da

classe trabalhadora, resultou em maiores dilemas, dado que os grandes investidores reduziram

a construção de casas de aluguel aumentando a falta de moradias nos grandes centros, esse

período ficou conhecido como “crise de habitação de 1940” (SILVA, 2014, p. 31).

Diante dessa crise, surgem estratégias de combate que marcam a política de habitação

de interesse social, tais como a criação das carteiras prediais nos Institutos de Aposentadoria e

Pensões (IAP’s) e Fundação Casa Popular (FCP). Segundo Silva (2014, p. 32), as carteiras

prediais não podem ser consideradas exatamente uma política habitacional, pois está dentro de

órgãos previdenciários. Mas, a criação da Fundação Casa Popular, em 1º de maio de 1946,

considerada base antecessora do Banco Nacional de Habitação, é tida como embrião da

política habitacional por ser o primeiro orgão nacional destinado exclusivamente à construção

de moradias para a população de baixa renda (SILVA, 2014).

A autora explica que o FCP era subordinado ao Ministério do Trabalho, Indústria e

Comércio (MTIC) e tinha por finalidade conceder moradia ao trabalhador brasileiro ou

estrangeiro residente há 10 anos no Brasil em zona rural ou urbana, visando atender aos que

estavam fora do mercado de trabalho formal e não tinham acesso aos IAP’s. Para tanto, eram

oferecidas opções de financiamento na aquisição ou construção da casa própria;

financiamento às prefeituras na construção de residências ou em serviços de melhoramentos

urbanos ligados à habitação popular; e financiamento de indústrias de matérias primas de

construção (SILVA, 2014).

O governo utilizou a política do FCP com fins eleitorais, o clientelismo moveu o

processo de distribuição das moradias não obtendo o retorno esperado, tornando o programa

inviável (SILVA, 2014). Então, compreendendo a problemática habitacional como

socialmente relevante e como uma oportunidade de desenvolver ações populistas, o governo

da ditadura militar, cria em 1964, o Banco Nacional de Habitação, que durou por 22 anos e

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gerou um total de 4,3 milhões de moradia, inaugurando uma nova fase para a política de

habitação social (CARPANELLI, 2015) (SILVA, 2014).

O BNH tinha seus princípios balizados pelo do regime militar, por isso, conforme

aponta Bonduki (2008, p. 74), a sua postura de gestão era caracterizada da seguinte forma:

[...] administração autoritária; inexistência de participação na concepção dos

programas e projetos; falta de controle social na gestão dos recursos; adoção da casa

própria como única forma de acesso à moradia; ausência de estratégias para

incorporar a processos alternativos de produção da moradia, como a autoconstrução,

nos programas públicos. (apud CARPANELLI, 2015, p. 32)

O governo militar alcançou um país com forte crescimento populacional, o fenômeno da

migração campo-cidade foi acentuado com o processo de industrialização e modernização das

cidades. Com isso, o estoque habitacional ficou ainda mais defasado sendo necessária uma

solução de massa, o Estado autoritário precisava de legitimação e as empresas nacionais de

alguma forma de capitalização, a instituição do BNH veio para atender a tudo isso (SILVA,

2014).

Para concretizar as ações do programa, o governo criou o Sistema de Financiamento

da Habitação (SFH) para garantir maior aporte de recursos. Junto ao SFH também foram

criados o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e o Fundo de Garantia por

Tempo de Trabalho. Centralizando praticamente todos os recursos disponíveis para

investimento na habitação e parte dos destinados ao saneamento urbano, o BNH apresentou

um modelo de intervenção difundido em quase todo território nacional, substituindo as

iniciativas anteriores dos IAP’s e FCP.

As políticas implementadas a partir daí ajudaram a expandir sobremaneira os limites

urbanos das principais cidades brasileiras. Grandes conjuntos foram construídos,

quase sempre na periferia das cidades, deixando, entre estes e aquelas, grandes

extensões de terras para posterior utilização, fomentando a especulação imobiliária e

marcando um padrão de expansão urbana esparso, difuso, confuso e cheio de

grandes vazios urbanos. Quase sempre, também, esses conjuntos careciam de

infraestruturas e serviços, que foram, aos poucos e com demora, sendo providos pelo

Estado, muitas vezes segundo o calendário eleitoral, em movimentos clientelistas, e

de forma bastante desigual e com pouca coordenação. (VALENÇA, 2013 apud

SILVA, 2014, p. 32).

A partir dos anos 1980, a década “perdida” economicamente no Brasil, a forte

recessão econômica colocou como pauta a reflexão sobre a capacidade de intervenção do

Estado na provisão de moradias para classes populares, uma vez que o BNH passava

dificuldades para atender as companhias habitacionais do país (COHAB) ocorrendo uma

redução nas obras. Tudo isso culminou na extinção do programa em 1986, levando a

desestruturação da política habitacional que só voltou a tomar consistência com a criação do

Ministério das Cidades, em 2003 (CARPANELLI, 2015). Relatando sobre a política

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habitacional após a extinção do Banco, o autor diz:

Entre a extinção do BNH (1986) e a criação do Ministério das Cidades (2003), o

setor do governo federal responsável pela gestão da política esteve subordinado a

sete ministérios e estruturas administrativas diferentes; um espaço de tempo bastante

prejudicial, pela descontinuidade e ausência de estratégias durante os 17 anos

decorridos. (CARPANELLI, 2015, p. 33)

Durante esse período a regulamentação do crédito habitacional passa a ser controlado pelo

Conselho Monetário Nacional, colocando ainda a política habitacional como um instrumento

da política monetária e o sistema de financiamento centrado sob a responsabilidade da Caixa

Econômica Federal, “ratificando a visão bancária e financeirista assumida no processo de

gestão da política” (CARPANELLI, 2015, p. 34).

Considerando análise de Silva (2014), em 2003, o governo do presidente Lula cria o

Ministério das Cidades que passa a ser responsável pela Política Nacional de

Desenvolvimento Urbano, onde está inserida a Política de Habitação. A autora ainda afirma

que o caminho de criação do Ministério é marcado por intensas lutas sociais. Um significativo

número de documentos, projetos de lei, plataformas, programas foi desenvolvido pelo Fórum

Nacional de Reforma Urbana, por cada uma das entidades que dele fizeram parte, e

apresentados em fóruns internacionais, nacionais e locais.

O Ministério é traçado de uma concepção de desenvolvimento urbano integrado, no

qual a habitação não se restringe a concessão de moradia, mas incorpora o direito a

infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade, transportes coletivos, equipamentos e

serviços urbanos e sociais, buscando a garantia do direito a cidade. Considerando isso está

estruturado em três principais aspectos das problemáticas urbanas nas cidades brasileiras:

saneamento ambiental, as questões do transporte e moradia (SILVA, 2014).

Como uma das primeiras ações governamentais, fundamental na retomada da

habitação de interesse social para dentro da agenda pública, está o lançamento do programa de

urbanização de favelas, uma das propostas do Programa de Aceleração do Crescimento

(PAC), em 2007. Buscando garantir moradia digna a população de baixa renda, evitando

deslocar os moradores dessas favelas para áreas distantes. “Pesquisadores como Valença

(2013) observam que tanto o PAC quanto o PMCMV, carros-chefes da política urbana do

governo federal, foram medidas anticíclicas de combate à crise financeira internacional”

(SILVA, 2014, p.34).

A fim de demonstrar a real intenção do viés capitalista da criação do Programa Minha

Casa, Minha Vida temos a análise de Bonduki (2009 apud SILVA, 2014) quanto a esse

processo. Frente a um intenso processo de participação social, a Secretária Nacional de

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Habitação (SNH) coordenou e elaborou o Plano Nacional de Habitação (PLANHAB),

pensado para ser aplicado em longo prazo e ser estrategicamente efetivado na diminuição do

problema habitacional brasileiro. Formado por metas e estratégias a serem desenvolvidas em

quatro eixos principais, a saber: financiamentos e subsídios; arranjos institucionais; cadeia

produtiva da construção civil; estratégias urbano-fundiárias.

No entanto, antes mesmo do lançamento do PLANHAB, a Casa Civil apresenta o

Programa Minha Casa, Minha Vida, frente a um contexto de crise do capitalismo. O PMCMV

desconsidera avanços institucionais recentes na política urbana do Brasil quando sua proposta

é elaborada não pelo MCidades e sim pela Casa Civil e pelo Ministério da Fazenda, em

dialogo com representantes da construção civil e setores imobiliários (CARPANELLI, 2015).

O programa trouxe para o campo das ações práticas o tema da habitação ao vislumbrar,

principalmente, para a população com renda até três salários mínimos, responsável por 90%

do déficit habitacional brasileiro, formas até então inéditas de concessão da casa própria por

parte do Estado, contudo sem considerar aspectos da questão habitacional brasileira e suas

especificidades regionais trazidas pelo PLANHAB (SILVA, 2014).

A seguir, traçaremos alguns elementos da formação da cidade do Natal, apresentando

os rebatimentos locais das situações aqui apresentadas num contexto nacional. Em seguida,

tentaremos aprofundar o debate sobre a atuação de dois programas, marcantes no histórico no

desenho histórico da política habitacional de interesse social, com foco na realidade da capital

do Rio Grande do Norte.

3.2. O crescimento e a produção do espaço urbano em Natal

A fim de compreender a complexidade do crescimento urbano na cidade do Natal

traçaremos aqui um breve perfil do processo de urbanização da cidade ao longo da história.

Ainda no primeiro século da colonização do Brasil pelos europeus, Costa (2000 apud

Queiroz, 2010) ressalta o total abandono da capitania do Rio Grande do Norte, só em 1598,

com a construção do forte e a fundação da cidade do Natal em 1599 é que tem inicio a

ocupação da capitania e da cidade.

“Ao longo dos séculos XVII, XVIII até XIX a cidade teve um crescimento lento”

(QUEIROZ, 2010, p. 4). Localizado no bairro da Ribeira, o cais Tavares de Lira, ponto de

escoamento do algodão vindo do interior, foi o primeiro núcleo urbano da cidade, sua

construção aconteceu em 1869. Junto com o bairro Cidade Alta, constitui-se o centro

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comercial da cidade, onde o comércio presente no bairro da Ribeira era direcionado as classes

populares e o da Cidade Alta para as classes de alta renda (QUEIROZ, 2010).

Segundo apresentado por Queiroz (2010), ao final do século XIX, a cidade do Natal

tinha seu crescimento ainda em fase inicial e contava com um número de 16.056 habitantes.

Ainda nas duas primeiras décadas do século XX, o seu crescimento econômico não era

diversificado, sustentado pelo intercâmbio entre os mercados nacional e internacional no

porto (MEDEIROS, 2013). No entanto, a partir desse século que a estrutura colonial da cidade

começa a sofrer modificação, buscando desenvolvimento a fim de torna-se uma cidade

comercial e não apenas um centro administrativo do poder público (QUEIROZ, 2010).

A Segunda Guerra Mundial, na década de 1940, traz um marco para urbanização da

cidade do Natal. A cidade considerada ponto estratégico, tornou-se base de suporte para as

forças armadas aliadas, lideradas pelos Estados Unidos (MEDEIROS, 2015). Com a

construção da aérea em 1940, localizada na então comunidade de Parnamirim e em 1941, a

Base Naval em 1941, a intervenção militar definiu a malha urbana da cidade. Para ligar Natal

a Parnamirim foi construída a Av. Senador Salgado Filho/Hermes da Fonseca, eixo de

valorização em Natal (MEDEIROS, 2015). Clementino (1995 apud MEDEIROS, 2015)

aponta que mesmo terminada a 2ª guerra o número de militares na cidade foi mantido e até

ampliado.

“O grande êxodo rural grande êxodo rural motivado pela mobilização militar e a seca

no ano de 1942 contribuiu para a forte urbanização da cidade” (MEDEIROS, 2015, p. 95). Os

dados apresentados pela autora Sara Medeiros (2015) apontam que entre os anos de 1940 e

1950 a população da quase cidade dobrou – passou de 54.836 para 103.215 – e o perímetro

urbano de apenas 4,2km² começou a ser ampliado. Além do mais, o que é constatado é que a

partir do inicio do século XX até a década de 1980 o número de habitantes em Natal foi

sendo, praticamente, duplicada a cada duas décadas apresentando um crescimento de quase

50% a cada dez anos (IBGE apud MEDEIROS, 2013).

O aumento populacional intenso em uma pequena escala de tempo trouxe alterações

significativas na produção do espaço urbano. Apresentou pontos positivos para economia

local, tais como: o crescimento e fortalecimento do setor da construção civil (principalmente

para atender as demandas das forças armadas); e o desenvolvimento do comercio devido aos

novos hábitos de consumo e o surgimento de novos espaços voltados para o lazer da

população, como bares e casas noturnas (CLEMENTINO, 1995; FERREIRA, 1996 apud

MEDEIROS, 2013). No entanto entre os efeitos colaterais desse crescimento está o

surgimento de novos problemas e necessidades urbanas, ligadas à falta de serviços de

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infraestrutura e equipamentos e bens de consumo coletivo, tal contexto impulsiona a

intervenção do poder público na problemática. O que se pode perceber na realidade de Natal é

que a cidade não estava apta para receber esse contingente populacional, de modo que não

tinha condições de absorver a demanda por serviços públicos, empregos e locais de moradia,

“que gerou diversos problemas, indo desde a falta de água e alimentos até o número restrito

de habitações, escolas, hospitais, entre outros” (MEDEIROS, 2013, p. 63).

A demanda por moradia ganha evidência em uma capital com um reduzido parque

habitacional e crescente contingente populacional, provocando o aumento das rendas

fundiárias. Para Ferreira, (1996 apud MEDEIROS, 2013) é a partir desse período que tem

inicio o interesse do mercado imobiliário nos espaços da cidade. Da década de 40 é que se

têm os primeiros registros de loteamentos em Natal e o incremento da atividade da construção

civil que foi intensificado. Segundo Medeiros (2013) e como já apresentado no trabalho o

Estado tem duas perspectivas de intervenção para resolução de problemáticas urbanas: a

oferta de infraestrutura e serviços urbanos e medidas de controle e ordenamento do solo. É

nesse período que as primeiras ações do Estado no enfrentamento a questão da moradia

começam a ser delineadas, tanto na produção imobiliária para suprir a demanda dos militares,

como nos projetos vinculados a Fundação Casa Popular (ATAÍDE, 1997 apud MEDEIROS,

2013). Devido à falta de legislação e planos de controle do espaço urbano, o crescimento

urbano em Natal é direcionado de acordo com os interesses do capital imobiliário, livre de

controle estatal. De modo que seguindo a dinâmica do mercado de terras, os terrenos menos

valorizados no mercado foram relegados ao Estado para expansão de sua política habitacional,

geralmente, com uma localização periférica e com uma estrutura urbana precária

(MEDEIROS, 2013).

Assim sendo, durante as décadas de 1950 e 1960 a expansão da cidade do Natal é

encabeçada pela ação da iniciativa privada. Os órgãos promotores de políticas habitacionais

presentes ali até então (IAP’s, CEF, FCP, IPASE, FUNDHAP e a construção de vilas pelas

forças armadas) não tiveram grande expressividade na garantia do direito a moradia e a

cidade, pois a lógica do mercado de terras se consolida, intensificando a segregação

socioespacial (MEDEIROS, 2015). “Cada vez mais a cidade vai se tornando da burguesia, as

classes de maior poder aquisitivo vão tomando conta das melhores áreas da cidade, das mais

bem localizadas e principalmente das áreas com melhor infraestrutura urbana (MEDEIROS,

2013, p. 63)”.

Esse processo de intensa concentração populacional em um cenário restrito de oferta

habitacional, junto à fragilidade da legislação urbana e mão de obra abundante proporcionou

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um quadro de atuação ampla ao BNH em Natal, tornando a cidade um laboratório das

intervenções desse orgão (MEDEIROS, 2015).

3.2.1 – O Banco Nacional de Habitação e sua atuação em Natal

Em um contexto de intensas mudanças políticas e estruturais, conforme aponta

MEDEIROS (2013), o governo militar buscava dar respostas imediatas às problemáticas

sociais acentuadas pelo acelerado processo de urbanização brasileiro. Também em busca de

garantir sobrevivência política e econômica, com a garantia de uma boa relação com as

massas populares, é criado em 1964 o Banco Nacional de Habitação.

O Banco substituiu a Fundação Casa Popular, então em desenvolvimento

(MEDEIROS, 2015). Promulgado pela Lei nº 4380 de 21 de agosto de 1964, o BNH, “fazia

parte da política nacional de habitação e planejamento territorial, formulado pelo governo

federal, através do Ministério de Planejamento” (MEDEIROS, 2015, p. 70) e objetivava a

coordenação das ações “dos órgãos públicos e orientando a iniciativa privada no sentido de

estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da

casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda” (BRASIL, 1964 apud

MEDEIROS, 2015. P. 70). De acordo com Medeiros (2015, p. 70), com base na Resolução nº

43/65 do Conselho Administrativo do BNH, estão entre as suas finalidades:

a gestão do Sistema Financeiro de Habitação; o financiamento o financiamento,

elaboração e execução de projetos de conjuntos habitacionais, obras e serviços

correlatos; as operações das sociedades de crédito imobiliário; a instalação e

desenvolvimento das indústrias de materiais de construção e pesquisas tecnológicas,

necessárias à melhoria das condições habitacionais do Brasil.

O Sistema Financeiro de Habitação (SFH) foi criado para auxiliar empresarialmente

ao BNH, constituindo um dos elementos do sistema financeiro brasileiro, e possibilitando a

intermediação de crédito e realização de financiamentos a médio e longo prazo (ARRETCHE,

1990 apud MEDEIROS, 2015). Em 1967, o Banco passou, através do SFH, a gerir os o

recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e criou o Sistema Brasileiro de

Poupança e Empréstimo (SBPE), órgãos fundamentais para torná-lo uma das maiores

potências financeiras, voltada diretamente para questões habitacionais, a nível nacional e

internacional, conforme apresenta Medeiros (2013). O montante de recursos do FGTS era

destinado ao financiamento das obras para a população de menores rendimentos e o SBPE

financiaria as obras para população de rendimentos médios e altos (MEDEIROS, 2015).

Em sua tese de doutorado Sara Medeiros (2015) afirma que a cidade do Natal pode ser

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caracterizada com um “laboratório” da política, não só pela intensidade das ações como pelo

pioneirismo de alguns projetos, como, por exemplo, o Promorar e o Projeto Especial de

Cidades de Porte Médio, a serem detalhados mais a frente. Consta que o BNH iniciou suas

atividades na capital no final dos anos 60 com a conclusão do conjunto Cidade da Esperança,

iniciado pela FUNDHAP em 1967, no entanto, sua expansão acontece a partir da segunda

metade dos anos 70 (MEDEIROS, 2013). De acordo com Medeiros (2015) o programa marca

a consolidação da política nacional de habitação com produção em larga escala no país.

Os trabalhos estudados apontam que estrutura operacional do Banco era organizada

por dois agentes principais: as Companhias Habitacionais Estaduais (COHAB’s) e os

Institutos de Orientação as Cooperativas Habitacionais (INCOOP’s). As COHAB’s

configuram-se como empresas mistas controladas pelos governos estaduais e municipais que,

inicialmente atendiam a população entre 1 e 3 salários mínimos, mas em meados de 1975

estendeu o teto de renda para até 5 salários mínimos. Já as INCOOP’s tinham como função

prestar orientação e assistência técnica completa às cooperativas de categorias profissionais

em sua constituição e funcionamento. Atendiam aos que estavam numa faixa salarial de 6 a

10 salários mínimos. Em geral, construíam habitações melhores, maiores e mais bem

localizadas que as COHAB’s, uma vez que colocavam as cooperativas habitacionais em

condições de receberem melhores financiamentos do BNH (MEDEIROS, 2013).

Considerando isto, na realidade da cidade do Natal, segundo descreve Medeiros

(2015), temos que os conjuntos promovidos sob a orientação da INCOOP/RN, composto

principalmente para profissionais liberais e organizados em cooperativas, concentraram-se na

zona sul da capital. Suas primeiras construções foram os conjuntos: Boa Vista e depois o

Neópolis, organizados pela Cooperativa Habitacional de Servidores da Marinha e Cooperativa

Habitacional dos Trabalhadores de Natal, respectivamente, e inauguram o modelo de

apartamentos na região sul da cidade. Com maior número de unidades habitacionais, sendo

predominante o modelo de casas, a COHAB/RN priorizava sua ação ao benefício da

população operária, tendo como eixo principal de intervenções a zona norte de Natal, área

mais próxima de onde foi proposta a criação do Distrito Industrial de Natal pelo Plano Diretor

de 1974, mas também registram construções na zona oeste (MEDEIROS, 2015).

Amanda Medeiros (2013) traz em sua dissertação de mestrado que a falta de legislação

urbana específica para orientação desse processo contribuiu para propagação de uma

ocupação dispersa e fragmentada do solo urbano, visto a formação de enormes “vazios

urbanos”, áreas desconexas e incomuns as demais da cidade. Segundo a referida autora, tal

pode demonstrar a submissão do Estado às necessidades do mercado imobiliário, uma vez que

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a escolha de localização dos conjuntos foi determinada de acordo com as ações e condições

do mercado, mediante o valor do solo também determinado por ele. A autora apurou então

que nas áreas mais valorizadas da cidade, próximas das vias principais com uma maior

ocupação, consequentemente, melhor infraestrutura ocorre a implantação dos conjuntos

promovidos através INCOOP/RN, enquanto em áreas mais distantes, menos valorizadas com

baixa ocupação e difícil acesso, apresentando menos oportunidades de emprego e renda,

foram destinadas aos conjuntos da COHAB/RN. Portanto, essa prática consolida ainda mais o

quadro de segregação na cidade entre os anos de 1960 e 1980, não só pela localização das

habitações, mas pelas favelas que iam surgindo configuradas como única opção para as

famílias que não possuíam renda mínima para acessarem a COHAB (MEDEIROS, 2013).

Ao final dos anos 70, os textos pesquisados apontam que após a ampliação do teto de

renda para atendimento da COHAB em 1975, o BNH passou a receber críticas a nível

nacional dando conta que “a população com rendimento até 3 salários mínimos ficou

totalmente desatendida acabando por se juntar aqueles que viviam em favelas e periferias das

cidades” (CARRION, 1991, p.294 apud MEDEIROS, 2015). Em resposta a isso, o Banco

criou novas linhas de financiamentos alternativas para o atendimento as demandas de

habitação popular, que, teoricamente, era sua prioridade. Para tanto, a resolução número 1 de

1973 do Conselho Administrativo do BNH (apud MEDEIROS, 2015, p.75) “aprova as

diretrizes básicas do Plano Nacional da Habitação Popular (PLANHAP), institui o Sistema

Financeiro da Habitação Popular (SIFHAP) e autoriza a criação de Fundações Estaduais de

Habitação Popular (FUNDHAPs)”. Sara Medeiros (2015) descreve o funcionamento dessas

três iniciativas da seguinte forma: o PLANHAP destinava-se a “promover a ascensão social

de famílias com renda regular entre um e três salários mínimos” (BNH, Resolução do

Conselho de Administração, n.1/1973 apud MEDEIROS, 2015, p. 75), devendo ser formulado

também em níveis estaduais e municipais; ao SIHAP coube a coordenação das entidades

atuantes no PLANHAP e seu funcionamento se dava através de recursos advindos do BNH,

de doações orçamentárias e empréstimos internos e externos; e as constituições das

FUNDHAP’s ficaram a cargos dos Estados a fim de prover recursos suficientes para o

atendimento da questão habitacional (MEDEIROS, 2015).

Assim sendo, podemos perceber, que o envolvimento do BNH no atendimento a

população de faixas de renda menores se deu através da criação de três programas: Programa

de Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB), Programa de Erradicação da Sub-

habitação (PROMORAR) e João-de-Barro. Ambos, no entanto, representaram apenas 7% da

produção de moradias (285 mil unidades) (MEDEIROS, 2015). O Banco Nacional de

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Habitação dispunha ainda de alternativas para habitação popular, o FICAM (Programa de

Financiamento da Construção, Conclusão, Ampliação ou Melhoria da Habitação de Interesse

Social) cujos objetivos estão bem expressos no título; e o Programa de Desfavelamento,

visando proporcionar melhores condições de moradia à população residente em favelas

(MEDEIROS, 2015). Mesmo que ainda insuficiente, com esses programas a área de interesse

social apresentou uma elevação de 65 mil para 125 mil financiamentos em 1976 (BNH, 1977

apud MEDEIROS, 2015).

Dessas iniciativas estiveram presentes na cidade do Natal, conforme pesquisa de

Medeiros (2013), o PROFILURB e o PROMORAR. O PROFILURB, instituído em 1975,

objetivava atender, primordialmente, a população imigrante com a urbanização de área livres

e de aglomerados de sub-habitações nas capitais. Em nossa capital, o modelo adotado foi o

embrião que previa o financiamento do terreno, construção de uma unidade de saúde,

instalação elétrica e hidráulica (NATAL, 1986 apud MEDEIROS, 2015).

O PROMORAR se propunha a recuperar ou eliminar favelas e outros tipos de

moradias precárias, através do saneamento e urbanização da área, para construção de

moradias de qualidade. O programa desenvolvido pelas COHAB’s teve a sua primeira

experiência em Natal com a construção do conjunto Santa Esmeralda em 1980. Orientações

do programa foram desrespeitadas em casos como nos conjuntos de Felipe Camarão em que

população que antes já ocupava a área não foi mantida; e Panatis onde a população não era

oriunda de favelas (MEDEIROS, 2015). “De modo geral, a falta de equipamentos coletivos

(segurança, saúde, escolas e outros) figura como uma das críticas feitas ao programa Promorar

em Natal” (NATAL, 1986 apud MEDEIROS, 2015, p. 101).

É demonstrado que a atuação do BNH trouxe modificações intensas no quadro

habitacional brasileiro, nos dados colhidos e apresentados em MEDEIROS (2013) que

consiste em um saldo final de 4,5 milhões de unidades habitacionais durante o período de

vigência do órgão. Consequentemente, Natal também apresenta mudanças. “A cidade passou

de parte rural para totalmente urbana, criando assim uma nova dinâmica imobiliária, abrindo

caminhos para novos investimentos, tanto nos setores públicos quanto privados”

(MEDEIROS, 2013, p. 68).

Os apontamentos de Medeiros (2013) dão conta de que havia uma desigualdade entre

os tipos de conjuntos, de forma que existiam diferenças quanto à localização na infraestrutura,

na qualidade urbana e habitacional, sendo privilegiados nesse processo aqueles que

dispunham de melhores condições financeiras. Considerando isto, vemos que os conjuntos

gerenciados pela INCOOP/RN estavam localizados em áreas mais próximas dos centros

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urbanos, onde havia uma maior ocupação populacional e, consequentemente, dispunha de

uma melhor infraestrutura, enquanto que aos demais conjuntos, gerenciados pela

COHAB/RN, restaram terras com pouca atividade populacional, em áreas distantes e de

difícil acesso. Assim, confirmando o que diz a autora, percebemos a segregação espacial

daquela população que tinham uma menor renda. Quanto a isso, ela irá dizer:

Esse processo que caracteriza a segregação espacial da cidade, baseada na

especulação da terra, criou bairros totalmente isolados da malha urbana existente, o

que gerou uma ocupação totalmente separada da cidade, não só fisicamente, mas

gerando assim espaços excluídos socialmente. (MEDEIROS, 2013, p. 67)

Ainda afirma que a falta de infraestrutura, transporte público e equipamentos coletivos como

escolas, hospitais próximos área dos referidos conjuntos demonstra que a preocupação da

representação estatal estava em mostrar bons resultados quantitativos no atendimento às

demandas da habitação, de forma que a entrega das casas e/ou apartamentos se mostravam

suficiente. No entanto, para a população ao tempo que “resolvia” o problema da moradia,

outros surgiam como a distância dos locais de trabalho, das escolas e de demais facilidades

até então presentes apenas na malha urbana da cidade (MEDEIROS, 2013).

Considerando isto, temos Medeiros (2015, p.73) que afirma: “além da habitação, as

atuações em desenvolvimento urbano (urbanização, saneamento, transportes, equipamentos

comunitários e outros) estiveram presentes nas ações do BNH no ambiente construído”.

Nos relatórios do BNH, fica evidente a visão sobre o desenvolvimento urbano (Ver

BANCO NACIONAL DA HABITAÇÃO1976, 1977, 1978, 1982, 1984, 1985). Para

o BNH, ele engloba urbanização, saneamento, transportes e equipamentos

comunitários. Ao longo da trajetória do órgão, houve um direcionamento dos

investimentos para o desenvolvimento urbano, chegando, em 1985, a atingir 51,05%

dos recursos. (MEDEIROS, 2015, p. 78)

Ela atribui tal definição a uma mudança de atores e ideologias no Banco ao longo dos anos.

Assim, com a política de desenvolvimento urbano, o PLANHAP (1975 apud

MEDEIROS, 2015) apresentou que as construções dos conjuntos habitacionais deviam

agregar, além de infraestrutura (rede de água, esgotos, energia elétrica, pavimentação, meio-

fio, galerias de águas pluviais etc), um conjunto de equipamentos de modo a incentivar a

integração comunitária, tais como centro comunitário, áreas de recreação, centro comercial e

unidades escolares e de saúde. Para prover os órgãos municipais no atendimento dessas

requisições, o BNH criou linhas de financiamentos como a Carteira de Desenvolvimento

Urbano, Programas para Cidades de Porte Médio, Projeto CURA (Comunidade Urbana para

Recuperação Acelerada), PROFILURB, entre outros.

Dados trazidos por MEDEIROS (2015) registram a deficiência da infraestrutura

urbana natalense, na medida em que 40% da extensão da cidade era sem revestimento, o

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abastecimento de água atendia a apenas 8% dos imóveis da cidade e o saneamento

contemplava 11% da população. A fim de trazer resultados que pudessem melhor qualificar a

vida urbana o BNH trouxe algumas dessas medidas: o Projeto Especial de Cidades Médias e o

Projeto CURA.

O Projeto Especial Cidades de Porte Médio tinha o apoio do Banco Internacional para

Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) integrante do Banco Mundial, executado com

recursos da União, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano – FNDU

(MEDEIROS, 2015). A intervenção do projeto em Natal está registrada no documento

elaborado pela Secretaria de Planejamento em 1980, o qual percebia a criação de favelas

como resultado de um intenso processo de migração, visto o baixo nível de renda dos

imigrantes (NATAL, 1980 apud MEDEIROS, 2015). “Foram destinados recursos para

diversas áreas, entre elas a promoção de infraestrutura urbana e comunitária” (BNH, 1985

apud MEDEIROS, 2015, p. 102).

Considerado a linha de financiamento mais importante para execução de obras urbanas

integradas , o CURA também foi executado em Natal (BNH 1985, p. 18 apud MEDEIROS,

2015). O que podemos destacar de seus objetivos é:

Oferecer aos municípios recursos financeiros para programas de governo, relativos à

urbanização, em adequação às diretrizes locais de desenvolvimento, contribuindo

para a ordenação do uso do solo urbano e a promoção de uma condizente oferta de

equipamentos e serviços; (BANCO NACIONAL DA HABITAÇÃO, 1985, p. 18

apud MEDEIROS, 2015, p. ).

Assim, a expectativa era de que esses programas fortalecessem e beneficiassem os conjuntos

habitacionais e os equipamentos já aqui construídos.

Devido a sua grandiosidade os conjuntos habitacionais construídos, formaram “novas

cidades ou super bairros” (MEDEIROS, 2015, p. 103) dentro da cidade, prova disso é que

“em 1978, somando-se apenas as unidades construídas pelo INOCOOP/RN, essas poderiam

ser equivalentes à terceira maior cidade do Estado do Rio Grande do Norte; ficariam atrás

apenas de Natal e Mossoró” (MEDEIROS, 2015, p. 99). “O número de moradores em

conjuntos habitacionais é motivo de espanto em 1981 quando a imprensa noticia que um dos

conjuntos financiados pelo INOCOOP, o Candelária com 2.140 casas e 10.700 moradores, é

maior do que 125 municípios do Rio Grande do Norte.” (ANDRADE et al, 1987 apud

MEDEIROS, 2015, p. 103). Portanto, o BNH mostrava entender a necessidade de dotar de

infraestrutura essas moradias, no entanto, seguindo o que também é apontado por Medeiros

(2013) sua intervenção sempre esteve atrelada a iniciativa privada, relegando funções e

responsabilidades a agentes privados, quando não a própria comunidade de moradores. A

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cidade do Natal é um exemplo disso uma vez que os relatórios do BNH em 1977, descritos na

tese de Sara Medeiros (2015), mostram que os conjuntos da INCOOP/RN dispunham de uma

qualificada infraestrutura de abastecimento de água, energia elétrica, calçamento e áreas

reservadas para a construção de equipamentos e espaços de integração comunitária e lazer, no

entanto a então diretora do órgão em 1970, Severina Porpino, divulgou “que em muitos casos

os equipamentos não eram providenciados pelos órgãos públicos” (MEDEIROS, 2015, p.

104). Ela destacou a atuação da iniciativa privada na complementação dos conjuntos com

centros comerciais, mercados, farmácias, açougues, etc., e a motivação e execução vindo da

própria população em construir espaços religiosos e clubes sociais, aumentando o custo da

habitação (RN-RN-ECONÔMICO, 1978c apud MEDEIROS, 2015). Tal medida de

intervenção dos próprios moradores na provisão dos bens de consumo coletivo se tornava

inviável nos conjuntos realizados pela COHAB/RN, cuja população era menos solvável, então

o órgão passou a requerer empréstimos juntos as linhas de financiamentos existentes na

cidade para construção desses locais (MEDEIROS, 2015).

Mesmo não havendo registros disso em relatórios do Banco Nacional de Habitação,

mas Medeiros (2015) defende a ideia de que:

Apesar de não ter sido identificada nos relatórios

a atuação do BNH em estradas e pontes na cidade de Natal, a combinação habitação

e equipamentos coletivos, somada a obras de drenagem e saneamento, viabilizaram

não apenas a provisão de moradia para as famílias, mas a dinâmica da construção

civil e do mercado imobiliário. (MEDEIROS, 2015, p. 107).

Portanto, na análise da autora merece destaque a informação de que o investimento trazido a

partir da percepção da importância do desenvolvimento urbano, com a construção desses bens

de consumo coletivos e na garantia de uma boa infraestrutura dentro e no entorno dos

conjuntos habitacionais, permitiu uma estruturação do espaço urbano da capital norte-rio-

grandense.

Em 1986, o Banco vivenciava um processo de remodelação, buscando dar maior

prioridade à ação no desenvolvimento urbano das cidades brasileiras. Segundo a Associação

de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (1986 apud MEDEIROS, 2015) uma das

propostas era a de sua transformação em Banco Nacional do Desenvolvimento Urbano. Frente

a esse cenário de mudanças a decisão do então presidente José Sarney publicada pelo

Decreto-lei nº 2.291, de 21 de novembro de 1986 de extinguir o Banco Nacional de Habitação

gerou surpresa na sociedade brasileira (MEDEIROS, 2015).

Durante seu período de atuação estima-se que o BNH foi responsável por 25% das

produções habitacionais, ressaltando que também estiveram em suas ações o investimento em

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saneamento, eletricidade e pavimentação e estradas (BONDUKI; ROSSETO, 2010;

ANDRADE; AZEVEDO, 1982 apud MEDEIROS, 2015). De 1964 a 1986 foi o cerne da

política habitacional no Brasil, atuando como financiador, regulador ou promotor de diversos

programas, medidas e projetos (LAMPARELLI, 1982, p. 25 apud MEDEIROS, 2015).

Ainda segundo análise de Medeiros (2015), ocorreu o que ela classifica como um

processo de desmoralização do Banco, na tentativa de minar qualquer marca da ditadura

militar. Também destaca que o cenário econômico não era favorável, pois comprometia os

recursos do Sistema Financeiro de Habitação. O desemprego latente e a consequente

diminuição das rendas afeta diretamente o Sistema que precisava do retorno das prestações do

financiamento das moradias, além de que a correção das prestações não correspondia a taxa

de inflação vigente (MEDEIROS, 2015).

De 1964 a 1986, anos de vigência do Banco Nacional de Habitação foram construídas

cerca de 4,5 milhões de unidades, contanto que dessas apenas 1,5 milhão de unidades eram

destinadas as classes populares com renda entre 1-3 salários mínimos, sendo 250 mil

produzidas apenas por programas alternativos (MEDEIROS, 2013). Considerando estes

dados, o programa foge do seu intuito inicial de atingir principalmente a essa população.

Em Natal, através do BNH entre 1974 e 1986, foram construídas um total de 41.217

unidades, concentradas em 63 conjuntos, e que chegaram a abrigar em 1985 uma população

de aproximadamente 230.000 pessoas, de uma população de 510.106 habitantes em toda a

cidade (FERREIRA, 1996 apud MEDEIROS, 2013). Após a sua extinção, aqueles que

detinham menos poder econômico foram comprimidos, segundo Medeiros (2015), em locais

de infraestrutura habitacional e urbanas precárias como “loteamentos informais

(principalmente, na periferia), nas favelas e nas vilas que se propagaram ainda mais pela

cidade” (MEDEIROS, 2015, p. 122).

No entanto é fato que o programa, assim como nas demais capitais em que atuou,

produziu profundas mudanças no cenário urbano da cidade, como mostra os 172 km² de

extensão do município que foram considerados oficialmente de área urbana, no Plano Diretor

de 1984 (MEDEIROS, 2015). O diagnóstico habitacional do Nordeste elaborado pela

SUDENE em 1989 (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) apresenta Natal

como uma das três capitais com o menor número de favelas e menor déficit habitacional

(MEDEIROS, 2015).

3.2.2 – Cenário pós-BNH e o Programa Minha Casa, Minha Vida

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O fim do BNH acarretou um período de “apatia e confusão” na política habitacional

brasileira (VALENÇA, 2001 apud MEDEIROS, 2015). Até o governo de Fernando Henrique

Cardoso em 1995, o tema foi posto de lado na agenda pública e quando executada alguma

ação era feita de forma confusa “com ausência de uma intervenção estatal e com a proposição

de um mercado aberto” (MEDEIROS, 2015, p. 86). A proposta de estabilização da economia

e reforma do Estado com ênfase em privatizações são marcas do governo FHC e

influenciaram que a questão habitacional e urbana fosse posta em segundo plano. No entanto,

foram criados alguns programas, ainda que de forma embrionária, com vistas a alcançar as

classes populares.

Com a operacionalização de recursos do FGTS e SBPE foram criados os seguintes

programas: Carta de Crédito (aquisição de qualquer mercado no mercado, novo ou

usado); Programa e Fundo de Arrendamento Residencial (construção para

arrendamento e/ou aquisição de imóvel); e Programa de Subsidio Habitacional

(produção de empreendimentos habitacionais para populações de baixa renda)

(MEDEIROS, 2015, p. 86).

O governo de Luís Inácio Lula da Silva operou tais programas propondo

reformulações com perspectiva de aprofundar o acesso das populações de menores

rendimentos a benefícios na aquisição de um imóvel. Ainda durante a campanha apresentou o

Projeto Moradia, cuja formulação contou com a participação de grandes personalidades

acadêmicas e de militância política pela habitação, como Ermínia Maricato, Nadil Bonduki e

Lúcio Kowarick, além da participação popular, iniciativa inovadora. Este influenciou o

processo de criação do Ministério das Cidades e foi incorporado ao PLANHAB, no entanto,

exerceu pouca influência sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida, contribuindo apenas

nos eixos que tratavam da parte financeira do Programa (MEDEIROS, 2015).

O lançamento do Programa Minha Casa, Minha Vida em 2009, pela Lei nº 11.977 de

7 de julho do referente ano, quebra o hiato da falta de um programa direcionado especifico

para habitação de interesse social em nível nacional. O cenário que embasa a criação do

programa é formado por marcos importantes e um aparato normativo integrado inédito no que

diz respeito ao enfrentamento a questão habitacional no país. O Estatuto da Cidade, de 2001, a

criação do Ministério das Cidades em 2003, a implantação da Política Nacional de Habitação

em 2004, a criação do Sistema Nacional de Habitação e Sistema Nacional de Habitação de

Interesse Social em 2005, do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social em 2006 e o

Plano Nacional de Habitação de 2009 condicionam e norteiam o surgimento e a ação do

PMCMV (MOURA, 2013).

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Apontamentos trazidos por Moura (2013, p.31) sobre a Lei 12.424/11 que dispõe

sobre modificações na Lei 11.977/09 têm por fim demonstrar a relação do PMCMV com os

princípios trazidos pelos normativos mencionados no parágrafo anterior:

[...] especificamente, no artigo 5º, observam-se alguns aspectos para a implantação

de empreendimentos no âmbito do PMCMV, a destacar a necessidade localização do

terreno na malha urbana ou em área de expansão; a existência de adequação

ambiental do projeto, bem como de uma infraestrutura básica que inclua vias de

acesso, iluminação pública e solução de esgotamento sanitário e de drenagem de

águas pluviais e que permita ligações domiciliares de abastecimento de água e

energia elétrica.

Também apresenta como ponto recorrente e fundamental nos normativos a exigência de

atuação do poder público local na garantia de serviços e equipamentos relacionados a

educação, saúde, transporte e lazer.

O principal programa de habitação de interesse social dos últimos anos tem como

objetivo principal promover emprego e renda e o acesso à moradia em áreas urbanas e rurais,

através da construção, reforma e aquisição de um milhão de imóveis, oferecidos a famílias

com renda entre 0 a 7 mil reais em áreas urbanas, das quais com renda até 4 mil reais

garantem subsídios e para famílias com renda anual de até 60 mil reais em áreas rurais.

Para a habitação urbana, segundo consulta no site da CAIXA, são contempladas

quatro faixas renda: a FAIXA 1 é destinada a famílias com renda mensal em até R$ 1.800 que

podem financiar em até 120 meses a aquisição de um imóvel, com prestações mensais que

variam de R$ 80,00 a R$ 270,00, de acordo com a renda; a FAIXA 1,5 é para famílias com

renda até R$ 2.600 que podem adquirir um imóvel novo com taxas de juros de 5% ao ano e

subsídios de até 47,5 mil reais para pagar em até 30 anos; a FAIXA 2 para famílias com até 4

mil reais de renda que podem alcançar subsídios de até R$ 29.000,00; e na FAIXA 3 para

famílias com renda de até 7 mil reais são oferecidos juros diferenciados em relação ao

mercado. Nas faixas 2 e 3 o público beneficiário pode comprar um imóvel novo ou na planta,

comprar um terreno para construção ou construir a casa em um terreno que já lhe pertencia,

tendo até 30 anos para quitar. Está presente em capitais e regiões metropolitanas de com mais

de 100 mil habitantes, em condições especiais, também para municípios de 50 a 100 mil

habitantes. Publicação produzida pelo Ministério da Cidade (2010 apud MACHADO, 2012),

considera que os municípios aptos a receber o programa são aqueles que buscam combater o

déficit habitacional e implementar políticas setoriais, que elaborassem Planos que

contemplassem as temáticas da habitação de interesse social e regulação fundiária e

apresentassem diretrizes para infraestrutura.

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Cabe ao Ministério das Cidades a gestão do programa, enquanto os municípios são

responsáveis por realizar a doação do terreno, inscrição dos interessados e enviar a Caixa

Econômica Federal a declaração dos candidatos de não possuírem casa própria. A CEF, no

caso dos empreendimentos faixa 1, fica responsável por todo processo de contratação,

atuando o recebimento das propostas de aquisição de terreno e produção das unidades,

recebimento e análise das documentações necessárias e sorteio dos beneficiários (SILVA,

2014). O financiamento de recursos para construção de moradias para população na faixa de

renda até três salários mínimos é através do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR),

PMCMV entidades, do PNHR e do PMCMV oferta pública. No caso das famílias com renda

entre 3 a 6 salários mínimos teriam suas unidades financiadas pelo Programa Nacional de

Habitação Urbano – PNHU e do Programa Nacional de Habitação Rural – PNHR. E as

famílias com renda de 6 a 10 salários mínimos pelo FGTS.

Mesmo frente aos avanços proporcionados pelo MCMV no que diz respeito a

habitação social, ainda sim acumula críticas de especialistas na questão urbana brasileira,

com um legado teórico e prático nas discussões a cerca do cenário habitacional, entre eles

Machado (2012) apresenta a visão de Ermínia Maricato, arquiteta e ex-ministra adjunta do

MCidades e Raquel Rolnik, relatora da ONU para questões habitacionais. Maricato (2009: p.

63 apud Machado, 2012) afirma que mesmo com um Plano Nacional de Habitação que

projeta um cenário para daqui há 20 anos, falta ao MCMV algo que é desconsiderado na

maioria dos programas habitacionais ao longo dos anos, que é a uma análise mais estrutural

acerca do déficit habitacional e suas formas de enfrentamento. Segundo ela diz, o combate ao

déficit é tratada meramente de forma quantitativa de forma que o sucesso ou fracasso está

atrelado ao número de unidades e conjuntos construídos, no entanto, ressalta a relevância de

outros fatores como a integração com outras políticas urbanas e sociais.

O modelo de política habitacional traçado através do PMCMV desconsidera elementos

de marcos jurídicos construídos junto ao Movimento pela Reforma Urbana, inclusive o

PLANHAB (MACHADO, 2012; MOURA, 2013). E Rolnik (2009 apud MACHADO, 2012)

compreende esse processo diante da perspectiva de que um cenário de crise econômica, o

programa foi elaborado como “plano de salvação da construção civil [...] sem conexão com

qualquer estratégia urbanística ou fundiária, confundindo política habitacional com política de

geração de empregos na indústria da construção...” (ROLNIK, 2009, p. 04 apud MACHADO,

2012, p. 68).

O trabalho de Moura (2013) indica dois principais entraves que limitam a ação do

programa. O primeiro diz respeito à falta de integração entre políticas para possibilitar um

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equilíbrio no espaço urbano e assegurar a sociedade a garantia do direito a cidade. Em

segundo lugar, relacionado com o interior está a falta de consideração as diferenças entre os

municípios brasileiros que apresentam diversas formas de aplicação das políticas

habitacionais e de controle do uso e ocupação do solo. É necessário trabalhar com vistas a

superação disso, buscando a negação de uma política habitacional urbana que leve a

segregação da população.

Para destacar a ação desenvolvida pelo programa na cidade de Natal, cabem algumas

reflexões introdutórias. Um importante fato a ser relatado é que a Região Metropolitana da

capital começou a se expandir a partir de 1990, em dois sentidos:

a) expansão da mancha urbana, nas regiões Sul e Norte, como decorrência do

processo de esgotamento das áreas de ocupação nos bairros mais externos e

contíguos à RMNatal; b) distensão do filamento litorâneo, isto é, uma urbanização

da orla marítima nas direções norte e sul. (SOBRINHA et all, 2015, p. 331).

Por isso, compreendemos uma maior ação do referido programa habitacional na RMNatal se

comparado a programas anteriores, como o BNH.

Atualmente, a Região Metropolitana de Natal é composta por 11 municípios,

oficializado em 1997 pela Lei Complementar nº 125, são eles: Natal, Parnamirim, São

Gonçalo do Amarante, Extremoz, Macaíba, Ceará-Mirim, São Jose de Mipibu,

Maxaranguape, Monte Alegre, Nísia Floresta e Vera Cruz. Juntos compõe 43% da população

do RN, com 1.361.445 habitantes. Logo, tem papel central no desenvolvimento

socioeconômico do estado, pois é onde estão localizados os principais equipamentos urbanos

(SOBRINHA et all, 2015).

De acordo com SOBRINHA et all (2015), segundo dados da Fundação João Pinheiro,

apresentados em pesquisa do Observatório das Metrópoles, o déficit habitacional de 53.501

unidades na RMNatal, sendo Natal responsável por 65% desse total. Assim sendo o processo

de implementação do PMCMV abrange nessas cidades vêm na perspectiva de enfrentamento

ao déficit habitacional e de reassentamento de populações de favelas. Ainda de acordo com a

referida pesquisa, em toda RMNatal foram construídos 11.887 unidades na primeira fase do

programa financiado pela caixa e na segunda, 16.397, acorrendo uma variação de 46,25%,

totalizando 28.284 unidades habitacionais. “Verifica-se que a maior quantidade de

empreendimentos (55,82%) encontra-se localizada nos municípios de maior déficit

habitacional da RMNatal, ou seja, Natal e Parnamirim, cujos déficits totais são

respectivamente 34.721 e 7.805 unidades” (SOBRINHA et all, 2015, p. 333).

Ainda com base no estudo de SOBRINHA et all (2015) analisando especificamente a

faixa 1, a pesquisa revelou que nas duas fases o total de unidades habitacionais construídas foi

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de 10.752, esse número corresponde a 31,90% do déficit nessa faixa. As informações

mostram que os municípios pesquisados conseguiram produzir um número de moradias

superior ao necessário segundo o déficit habitacional na faixa 2, quanto a isso, os autores

afirmam:

Uma análise da produção do PMCMV na RMNatal revela que, nos municípios que

possuem maior nível de integração (Parnamirim, São Gonçalo do Amarante e

Extremoz), com a cidade-polo (Natal), o processo de inserção urbana, dos

empreendimentos das Faixas 1 e 2, é facilitado, especialmente, em porções do

território parcialmente consolidados e em expansão, nas quais se verifica a

existência de vazios urbanos, com potencial para ampliação do parque habitacional e

para a construção de equipamentos; áreas já providas de certa infraestrutura e de

serviços, com fluxos historicamente construídos (SOBRINHA et all, 2015, p. 335).

Quando a faixa 1, o estudo revela apenas os municípios de Extremoz, Macaíba e

Parnamirim conseguiram produzir mais unidades habitacionais que o verificado no déficit

para essa faixa. No entanto, a situação mais grave apresenta-se na capital, Natal conseguiu

corresponder a apenas 4,8% da sua necessidade de moradia (SOBRINHA et all, 2015).

A produção do “Minha Casa, Minha Vida” em Natal é delineada no Residencial

Vivendas do Planalto I, II, III e IV (MOURA, 2013; SILVA, 2014; SOBRINHA et all, 2015)

Os quatros empreendimentos possuem 224 apartamentos cada, totalizando 896 apartamentos

com sala, quarto, cozinha, banheiro e área de serviço, localizado em área entre os bairros

Planalto e Guarapes. a Região Administrativa Oeste onde estão localizados os quatros

empreendimentos é conhecida pelos piores indicadores sociais e possui a maior quantidade de

assentamentos precários da cidade, 31 dos 70 reconhecidos oficialmente (MOURA, 2013).

Distante 8,5 km do centro, foram erguidos em uma área que está em constante

expansão, no entanto já acumula problemas antigos. Vizinho ao conjunto Leningrado, uma

ex-favela urbanizada pela prefeitura de Natal, conhecida por lutas em busca de uma maior

assistência pelo poder público, principalmente reivindicações por unidades de saúde e

transporte (MOURA, 2013). No setor onde foi construído o Vivendas Planalto, dados do

IBGE (2010 apud SOBRINHA et all, 2015) revelam a carência de infraestrutura básicas:

esgotamento sanitário (96,06%), coleta de lixo (17,03%) e abastecimento de água (13,62%).

Portanto, o Residencial é um diferencial na região, pois é 100% dotado dessa infraestrutura.

Segundo Silva (2014), o normativo do PMCMV estabelece que em uma área onde se

pretende construir um empreendimento se não houver oferta desses equipamentos num raio de

até 2,5 km, o ente beneficiado deve ser comprometer a prove-los. Foi o caso de Natal,

conforme afirma a autora, que no contrato firmado entre a Prefeitura do Natal, as construtoras

e a Caixa Econômica Federal, o poder público municipal se compromete a abastecer a região

do entorno do empreendimento com os equipamentos públicos de uso coletivo. Contudo, a

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falta de equipamentos públicos de uso coletivo constitui um dos principais problemas para os

moradores do Vivendas:

Na percepção dos 78 moradores entrevistados, o acesso aos equipamentos sociais e

serviços, aos locais de trabalho, de comércio e à escola piorou em média 58,01%. Os

índices mais expressivos foram relativos ao acesso à escola (64,1%) e aos locais de

trabalho (61,54%), indicando piora nestes quesitos (SOBRINHA et all, 2015, p.

344).

Andrade (2011 apud MOURA, 2013) aponta que o PMCMV tem uma produção significativa

de habitações em áreas periféricas, devido o seu valor mais baixo no mercado, então os preços

são compatíveis com aos recursos destinados a população com renda mais baixa. Mas o

resultado disso é a construção de unidades habitacionais em locais com pouca ou nenhuma

infraestrutura, desconectados da malha urbana.

No caso do empreendimento em questão,

[...] a escola de ensino fundamental existente no entorno imediato (Assentamento

Leningrado) não consegue atender à demanda existente, colocando a necessidade do

deslocamento para outras unidades escolares, o que acarreta maior tempo e custo no

deslocamento. Esse quadro, por sua vez, se agrava mais ainda em razão da precária

oferta de transporte para os moradores que residem tanto no Residencial Vivendas

do Planalto quanto no Leningrado. Embora o ponto de ônibus esteja há menos de

quinze minutos a pé, o tempo de espera pelo transporte é longo. Um percentual de

52,56% dos entrevistados espera uma hora ou mais pelo transporte. Em se tratando

de acesso aos locais de comércio e serviços, 47,43% dos entrevistados afirmaram

acessar tais locais no bairro onde residem (SOBRINHA et all, 2015, p. 344).

Considerando isto, o maior desafio do Programa é garantir “habitabilidade urbana”, ou seja, a

obtenção de terrenos com preços compatíveis com o programa, mas com a disponibilidade de

serviços de educação, saúde, transporte público e lazer, além de uma boa infraestrutura viária.

Assim sendo, o PMCMV em sua atuação em Natal e Região Metropolitana apresenta

aspectos de fortalecimento a segregação no espaço urbano, ao limitar o acesso dos

beneficiários a esses serviços básicos. O grau de satisfação do público atingindo por essa

política quando questionados sobre a moradia, para maioria, é positivo, mas quando

questionados acerca da qualidade da vida urbana, o nível de satisfação é negativo

(SOBRINHA et all, 2015). Os dados demonstram que por mais que se apresente como

aspecto positivo do programa a recolocação do tema da moradia social na agenda pública

nacional e municipal, não se pode pensar habitação fora do contexto da cidade, de forma que

seja assegurado o acesso da população a infraestruturas urbanas e equipamentos públicos de

uso coletivo para não serem prejudicados com o processo de segregação social.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de formação e desenvolvimento urbano do Brasil é marcado por uma

ação estatal que privilegia os interesses da classe dominante também no provimento de

habitação, trazendo como legado a segregação socioespacial da população das classes

populares. A ação e o investimento do mercado imobiliário na modificação do espaço urbano

determina a variação na renda da terra, fazendo diferenciação entre os espaços mais e menos

valorizados, logo os detentores de maior poder econômico ao acessarem os terrenos mais

valorizados determinam o espaço daqueles de menor renda.

O Estado desenvolve um papel contraditório ao buscar atender as demandas do

mercado e da sociedade, por sua necessidade de legitimação. Frente a isso, a trajetória da

política habitacional no País é marcada por algumas mudanças na concepção e no modelo da

intervenção pública, mas todo o processo aqui descrito apresenta semelhanças entre eles.

Portanto, buscamos destacar aspectos de continuidade entre dois programas habitacionais com

grande relevância na habitação de interesse social em Natal e todo Brasil.

Tendo em vista a relevância do Banco Nacional de Habitação na formação e ocupação

da área urbana da cidade do Natal e o destaque do PMCMV na produção de unidade

habitacionais, considerando estes os dois principais programas habitacionais brasileiros,

optamos por compará-los, utilizando monografias, dissertações e livros que já avaliaram suas

ações na cidade anteriormente.

A principal semelhança entre os dois programas é a gestão financeira por parte de um

banco. Entendendo que o principal objetivo de uma organização como essa é o lucro, é

compreensível que busque rentabilidade, no entanto essa lógica se contrapõe a uma lógica

social no atendimento a demanda por moradia, se submetendo as regras do mercado.

A instituição tanto do BNH quanto do PMCMV apresentavam motivações de reverter

um cenário econômico desfavorável ao capital. Frente a um processo intenso de modernização

e aumento populacional, o acesso habitação ficou ainda mais precário, o governo militar

necessitava de legitimação junto à sociedade e as empresas nacionais de capitalização. Como

forma de dinamizar a economia, é lançado o BNH. Já o PMCMV surge diante de um contexto

de crise econômica desencadeada em 2008, as estratégias de aumento do volume de crédito

para aquisição e produção de habitações, a redução dos juros, provam que buscava manter o

setor da construção civil.

Apesar dos avanços percebidos na temática da moradia social, com criação de

legislações e normativos de combate ao déficit habitacional e a relevante produção de

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moradias, ainda falta, numa perspectiva prática, uma maior intervenção na infraestrutura

urbana. É perceptível durante todo o trabalho, que tanto nos conjuntos habitacionais

construídos pelo BNH, quanto nos empreendimentos do PMCMV em Natal, a maior

problemática é a falta de investimento direto dos programas para facilitar o acesso dos

moradores a equipamentos públicos, que garantam o direito a cidade. Acabam por se

restringirem apenas a concessão da casa, o que devido a localização periférica da maioria

dessas unidades habitacionais, isolam a população.

Embora a construção dessas novas moradias represente o avanço na luta pelo direito a

moradia, ainda há muito a ser alcançado para superação da segregação socioespacial ao qual

foram relegados ao longo da história a população de menor renda, sendo necessária a

implementação intervenções no campo do planejamento territorial que compreenda o espaço

urbano para além da moradia.

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