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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA
MARIA MARCELA FREIRE
A TRADIÇÃO ORAL AFRICANA E AFRODESCENDENTE NA ESCOLA:
POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS EM POEMAS DE ODETE SEMEDO E
CONCEIÇÃO EVARISTO
CAICÓ
2016
.
MARIA MARCELA FREIRE
A TRADIÇÃO ORAL AFRICANA E AFRODESCENDENTE NA ESCOLA:
POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS EM POEMAS DE ODETE SEMEDO E
CONCEIÇÃO EVARISTO
Trabalho de Conclusão de Curso, na
modalidade Artigo, apresentado ao Curso de
Especialização em História e Cultura Africana
e Afro-Brasileira, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Centro de Ensino
Superior do Seridó, Campus de Caicó,
Departamento de História, como requisito
parcial para obtenção do grau de Especialista,
sob orientação da Profa. Dra. Ana Santana
Souza.
CAICÓ
2016
.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 03
2 AS ORIGENS DA TRADIÇÃO ORAL NA CULTURA AFRICANA E O PAPEL
HOJE DESSA TRADIÇÃO NA LITERATURA AFRICANA E AFRODESCENDENTE
.................................................................................................................................................. 07
3 A POESIA CONTADA DE SEMEDO E EVARISTO ..................................................... 10
4 O QUE SEMEDO DIZ, EVARISTO REAFIRMA – Uma ponte literária entre Guiné-
Bissau e Brasil ......................................................................................................................... 13
5 HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA EM SALA DE
AULA: POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO MÉDIO .............................. 24
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 29
FONTES .................................................................................................................................. 33
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 33
APÊNDICE A – Plano de Aula ............................................................................................. 36
3
.
A TRADIÇÃO ORAL AFRICANA E AFRODESCENDENTE NA ESCOLA:
POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS EM POEMAS DE ODETE SEMEDO E
CONCEIÇÃO EVARISTO
Maria Marcela Freire*
Ana Santana Souza– Orientadora†
RESUMO
O presente artigo resulta de uma investigação sobre algumas possibilidades pedagógicas de
abordar a cultura africana e afrodescendente na escola, focando a tradição oral, de natureza
narrativa, difundida pela poesia. O estudo teve como objeto poemas de Odete Semedo, de
Guiné Bissau e Conceição Evaristo, do Brasil. O artigo partiu de uma motivação pessoal, mas
também se deu pela compreensão de que é de fundamental importância que o aluno seja
conhecedor das Literaturas não apenas canônicas, isto é, aquelas eleitas como as mais
importantes, bem como das Literaturas Africanas em Língua Portuguesa e Afro-brasileiras,
tomando como ponto de partida a premissa de que a Literatura é um recurso importante para
evidenciar a identidade de uma sociedade por meio de sua história e cultura. A pesquisa foi
bibliográfica, visto que foram utilizados poemas já publicados da autora africana e afro-
brasileira, tendo, portanto, abordagem qualitativa, isto é, os poemas selecionados foram
utilizados como fonte de dados, interpretação e atribuição de significados. Os resultados
mostraram que o elemento narrativo e com ele o papel da tradição oral é bastante presente nos
poemas que foram analisados, evidenciando a tradição viva nos poemas de Odete Semedo e a
continuação desta, de maneira atual e transformadora, nos poemas de Conceição Evaristo. A
análise dos poemas, subsidiada por autores como CASCUDO (1984); BENJAMIN (1994),
VANSINA (2010); BONVINI (2001), HALL (2006), entre outros, evidenciou elementos
pedagógicos para uso da literatura em sala de aula como instrumento de conhecimento da
história e da cultura africana e afro-brasileira.
PALAVRAS-CHAVE
Tradição oral. Literatura africana e afro-brasileira. Ensino.
1 INTRODUÇÃO
No Brasil depressa a velha indígena foi substituída pela velha negra, talvez
mais resignada a ver entregue ao seu cuidado a ninhada branca do
colonizador. (...) Os ouvidos brasileiros habituaram-se às entonações doces
das mães-pretas e sabiam que o mundo resplandecente só abria suas portas
de bronze ao imperativo daquela voz mansa, dizendo o abre-te, sésamo
irresistível: era uma vez... (CASCUDO, 1984, p.153)
* Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó,
Departamento de História (DHC). Graduada em Letras pela UFRN, CERES, Campus de Currais Novos.
Especialista em Literatura e Ensino (IFRN). Coordenadora do grupo de poesia Flores de Cactus e ministrante de
oficina de poesia. E-mail: [email protected] † Professora da UFRN. E-mail: [email protected]
4
.
O presente artigo visa estudar o elemento narrativo presente em alguns poemas de
Odete Semedo e Conceição Evaristo, bem como evidenciar através de tais poemas um aspecto
em comum às culturas africanas e afro-brasileiras: a contação de histórias e sua importância
no que se refere à conservação de conhecimentos e de valores, e à reinvenção de costumes e
vivências de sujeitos africanos e afrodescendentes.
Motivados pelo gosto poético e pela arte de contar histórias - bastante comum em todos os
povos e, em especial, nos povos africanos, como uma maneira de retransmitir seus costumes,
tradições e culturas - ao lermos alguns poemas da guiné bissauense Odete Semedo e da
brasileira Conceição Evaristo notamos um estilo em comum em suas maneiras de fazerem
poesia: a narração e/ou o desejo de revelar para crianças e jovens, o poder da contação de
histórias e o poder que esta atividade exerce no que diz respeito à importância da tradição
oral, à herança africana, à mudança e transformação de uma cultura que, apesar de revelar a
todo instante questões relacionadas à tradição, a algo supostamente fixo, se mostra flexível,
mutável e em constante movimento. Com base nisso, escolhemos alguns desses poemas
narrativos para melhor ilustrar a arte de contar, em específico, seus costumes, suas tradições,
sua cultura – a exemplo dos Griôs‡.
A prática da contação de histórias vem, paulatinamente, sendo lembrada como algo do
passado e muitas vezes esquecida, pelo menos no mundo ocidental. Nesse sentido, portanto,
os poemas de Semedo e Evaristo narram acontecimentos passados e vivências que lembram
tal prática narrativa, servindo como uma espécie de resgate de costumes de um determinado
povo, bem como uma espécie de retorno às origens, uma maneira de transmitir a cultura oral e
os ensinamentos dos mais velhos, valorizando seus ancestrais, bem como incitando mudanças,
transformações quanto à maneira de “enxergar” o mundo ao seu redor através da voz do
tradicional “mensageiro”, da junção das vozes do “cantor da alma” à do tchintchor (pássaro
que anuncia a chuva/ a boa nova) e a do velho e do jovem, além das “vozes-mulheres” que
ecoam vestígios de um passado que denota clausura, mas que encaminham para um presente
de transformação e mudança, cujo foco será a tão sonhada liberdade.
Essa compreensão inicial se ampliou a partir das aulas do curso de Especialização em
História e Cultura Africana e Afro-brasileira, em específico, pela disciplina “Literaturas
‡ “Contadores de histórias (...) considerados sábios muito respeitados na comunidade onde vivem. Através de
suas narrativas, passam de geração a geração as tradições de seus povos” (OLIVEIRA, 2015)
5
.
Africanas em Língua Portuguesa§”, que teve como produto final a elaboração de um plano de
aula. Na ocasião, inserimos no plano uma proposta de trabalho com poemas das duas autoras,
a saber: “O teu mensageiro”; “Então, o cantor da alma juntou a sua voz ao do
tchintchor”, de Odete Semedo presentes na obra: No fundo do canto (2007) e “Vozes-
mulheres” e “Do velho ao jovem”, de Conceição Evaristo presentes na obra: Poemas da
recordação e outros movimentos (2008).
A pesquisa foi bibliográfica, visto que foram utilizados poemas já publicados da
autora africana e afro-brasileira, tendo, portanto, abordagem qualitativa, isto é, os poemas
selecionados foram utilizados como fonte de dados, interpretação e atribuição de significados.
Deste modo, esse trabalho promoveu uma maior inserção na temática e incitou
questionamentos que foram discutidos no tópico: As origens da tradição oral na cultura
africana e o papel hoje dessa tradição na literatura africana e afrodescendente
respondendo à pergunta: quais as origens da tradição oral na cultura africana e qual o papel
hoje dessa tradição na literatura africana e afrodescendente? Nos tópicos A poesia contada de
Semedo e Evaristo e O que Semedo diz, Evaristo reafirma – Uma ponte literária entre
Guiné-Bissau e Brasil discutimos que pontos de convergência e divergência é possível traçar
sobre a poesia e o contexto de escrita das autoras, ambas mulheres negras e de países pós-
coloniais (Brasil e Guiné-Bissau). Por fim, no último tópico intitulado História e cultura
africana e afro-brasileira em sala de aula: possibilidades pedagógicas no ensino médio
vimos como os poemas em estudo poderão ser explorados na educação básica.
Portanto, o artigo A tradição oral africana e afrodescendente na escola:
possibilidades pedagógicas em poemas de Odete Semedo e Conceição Evaristo teve uma
motivação pessoal, mas também se deu pela compreensão de que é de fundamental
importância que o aluno seja conhecedor das Literaturas não apenas canônicas, isto é, aquelas
eleitas como as mais importantes. É preciso que o aluno conheça também as Literaturas
Africanas em Língua Portuguesa e Afro-brasileiras, tomando como ponto de partida a
premissa de que a Literatura é uma arte e que metaforicamente age como uma lente de
aumento e, muitas vezes, serve como uma espécie de fotografia de uma sociedade,
evidenciando através desta seus lugares, suas cores, seu povo, sua história, seus hábitos e
costumes, enfim, sua cultura.
§ Há alguns autores que preferem nomear essa literatura africana de outras formas como, por exemplo, Manuel
Ferreira (1987), que usa o termo “Literaturas africanas de expressão portuguesa”, ou de Alfredo Margarido
(1980), que prefere “Literaturas das nações africanas de língua portuguesa”, ou ainda de termos como
“Literaturas Africanas lusófonas”, de Russel Hamilton (1975).
6
.
A Literatura também cumpre outras funções sociais. No caso da poesia, conforme
Fonseca e Moreira (2015) “tem como função primordial sugerir. Ela é um compromisso entre
a palavra e o silêncio. Outra função é a de relatar as formas culturais africanas [no caso da
literatura desse continente] e a vivência do autor.” (p.18-19).
Ademais, é também importante que nossos alunos sejam contemplados em aulas de
História, Sociologia, Língua Portuguesa/Literatura e Artes, com momentos de discussão
acerca do que a Literatura oferece, de maneira geral, para o aluno em formação histórica,
social e cultural. Neste sentido, o aspecto a ser trabalhado - através de textos literários e/ou de
outra natureza – a contação de história e, com ela, a permanência da tradição oral, bem como
a transmissão de conhecimentos de avós para pais e de pais para filhos, será tido como algo
que não deve ser negado a esse aluno em processo de construção de identidade, familiar,
social e histórica.
Desta forma, este artigo não é apenas um estudo da literatura africana, o que por si só
já era justificável. Ele também procura uma consonância com as propostas das Diretrizes
curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e
Cultura Afro-brasileira e Africana (2004), como também com aquelas em discussão a
propósito da construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no que se refere à Área
de Linguagens no Ensino Médio, ao se trabalhar o Componente Curricular Língua
Portuguesa. Um dos objetivos da área apontados no referido documento é justamente
“Valorizar diferentes identidades sociais, lendo e apreciando a literatura das culturas
tradicional, popular, afro-brasileira, africana, indígena e de outros povos e culturas”
(BRASIL, 2015,**
).
Portanto, a análise dos poemas, subsidiada por autores como CASCUDO (1984);
BENJAMIN (1994), VANSINA (2010); BONVINI (2001), HALL (2006), entre outros,
evidenciou elementos pedagógicos para uso da literatura em sala de aula como instrumento de
conhecimento da história e da cultura africana e afro-brasileira. Ao nos apoiarmos em
Cascudo (1984) entenderemos o cerne da origem da contação de histórias no Brasil praticada,
mesmo que inconscientemente, pelas negras amas-de-leite; Benjamin (1994) nos explicará e
alertará por que o narrador está em vias de extinção em nossas sociedades; Vansina (2010) e
Bonvini (2001) traçarão um percurso histórico e cultural da tradição oral na África e no
Brasil, respectivamente. Por fim, Hall (2006) servirá para entendermos quão dinâmica,
**
O documento não está paginado numericamente. A citação está disponível na página eletrônica
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/conhecaDisciplina?disciplina=AC_LIN&tipoEnsino=TE_EF>
7
.
orgânica e mutável é e pode ser a cultura no que diz respeito à identidade cultural das
sociedades.
2 AS ORIGENS DA TRADIÇÃO ORAL NA CULTURA AFRICANA E O PAPEL
HOJE DESSA TRADIÇÃO NA LITERATURA AFRICANA E AFRODESCENDENTE
Quando falamos de tradição em relação à história africana, referimo-nos à
tradição oral, e nenhuma tentativa de penetrar a história e o espírito dos
povos africanos terá validade a menos que se apoie nessa herança de
conhecimentos de toda espécie, pacientemente transmitidos de boca a
ouvido, de mestre a discípulo, ao longo dos séculos. Essa herança ainda não
se perdeu e reside na memória da última geração de grandes depositários, de
quem se pode dizer são a memória viva da África. (A. HAMPATÉ BÁ,
2010, p.167)
No que diz respeito às origens da tradição oral na cultura africana, principalmente no
que tange à sua natureza e metodologia, Jan Vansina (2010, p.139) nos dirá que mesmo com a
existência da escrita no século XVI, na África Ocidental, algumas civilizações africanas do
Saara e ao Sul do deserto tinham como principal ferramenta de comunicação ainda a palavra
falada. Deste modo, tal preferência pela palavra falada vinha constituindo uma civilização
oral, uma espécie de sociedade oral que “reconhece a fala não apenas como um meio de
comunicação diária, mas também como um meio de preservação da sabedoria dos ancestrais,
venerada no que poderíamos chamar elocuções-chave, isto é, a tradição oral.” (VANSINA,
2010, p.139-140). Para aqueles que pensam que a oralidade é sinônimo de inabilidade com a
escrita, vemos aí que se trata de um posicionamento consciente diante da realidade, tornando
complexo o seu estudo, uma vez que é necessário alguns retornos à sua fonte. Para tanto, Fu
Kiau (apud J. VANSINA, 2010, p.140) diz que o texto oral “deve ser escutado, decorado,
digerido internamente, como um poema, e cuidadosamente examinado para que se possam
apreender seus muitos significados - ao menos no caso de se tratar de uma elocução
importante.”.
Emilio Bonvini (2001) também tece considerações a respeito da importância da
tradição oral africana ao invocar um dos nomes mais significativos concernente ao estudo de
recolhimento e registro de depoimentos e da cultura de parte do continente africano (da África
negra), Amadou Hampaté Bá. Segundo este “na África, quando um velho morre, é uma
biblioteca que queima”. Bonvini (2001) diz que “a tradição só pode ser um ato de
comunidade. Ela faz corpo com ela. Graças a ela, uma comunidade se recria por si mesma.
8
.
Ela faz ser de novo aquilo que ela foi e aquilo que ela quer ser. Assim nos parece ser a
profunda dinâmica da tradição oral na África negra”. (p.39)
Bonvini (2001) revela que, no Brasil, o termo “tradição oral” durante a escravidão não
possuía o mesmo significado que na África, visto que naquele momento os possíveis
reprodutores de tal tradição estavam preocupados em sobreviver às condições desumanas que
lhes eram impostas. Mas Bonvini deixa claro que
existiu e existe ainda hoje no Brasil uma tradição oral bastante viva, de
origens francamente africanas e que constitui uma verdadeira herança de
conhecimentos de todas as ordens, transmitidos de boca em boca através dos
séculos, apesar de um contexto particularmente hostil e de um
desenraizamento brutal devidos à escravidão. (BONVINI, 2001, p.40)
Bonvini segue dizendo que a identidade real da tradição oral afro-brasileira estaria
relacionada à atribuição valorativa da noção de Palavra e do Sagrado, bem como por possuir a
capacidade de evoluir tanto no que diz respeito à manutenção do passado e à inovação do
presente. (p.42). De modo que há um entre lugar em que a inovação do presente não significa
uma ruptura com o passado, com as tradições culturais, mas essas se renovam no presente sem
deixarem de existir. É, pois, mais uma vez, o velho e o novo coexistindo e produzindo algo
novo.
Nesse contexto de contínua transformação, os vocábulos Palavra e Sagrado possuem
valor místico uma vez que à palavra é dada uma origem divina, conforme A. Hampaté Bá
(2010). Este autor testemunha que
Nas tradições africanas – pelo menos nas que conheço e que dizem respeito a
toda a região de savana ao sul do Saara -, a palavra falada se empossava,
além de um valor moral fundamental, de um caráter sagrado vinculado à sua
origem divina e às forças ocultas nela depositadas. Agente mágico por
excelência, grande vetor de “forças etéreas”, não era utilizada sem
prudência. (p.169)
Por fim, Bonvini (2001) nos revela uma informação pontual acerca das origens da
tradição oral afro-brasileira:
Muito provavelmente, os primeiros textos orais foram introduzidos e
memorizados por amas-de-leite negras. Estas, segundo de(sic) G. Freyre,
desempenharam um papel incomparável na difusão da tradição oral africana
no Brasil: é com a ajuda dos contos africanos que os pequenos brancos,
filhos de senhores de escravos, adormeciam à noite. „As negras, ele escreve,
foram as grandes contadoras de história aqui. (BONVINI, 2001, p.46)
9
.
Nesse sentido, Bonvini (2001) comunga com o que Cascudo (1984) revelou na obra
Literatura oral no Brasil. Nesta obra, capítulo IV, subtítulo 2: Gêneros na literatura oral negra;
os narradores: - akpalôs, griotes e a mãe-negra brasileira, Cascudo informa a gênese da
contação de histórias no Brasil revelando e exaltando a participação da mulher, das amas-de-
leite como protagonistas na “ propagação, fixação e desdobramento dos contos africanos e
portugueses, uma tarefa inconsciente e poderosa de acomodação à mentalidade do menino
brasileiro e uma formação vocabulária curiosa, prosódia ameigada”. (p.153)
Contar histórias, no ocidente, diferentemente no oriente, tornou-se uma prática
direcionada às crianças em um momento bem específico do dia: na hora de ir dormir, como
uma espécie de hipnotismo que as leva ao profundo sono e /ou que as leva a manter um nível
de afetividade mais próxima com os seus pais ou com aqueles que leem para elas. Nesse
contexto, foram as mulheres que assumiram o papel de contadoras de histórias.
No oriente, especificamente falando de alguns países africanos, a prática da contação
de histórias é direcionada a todos. Homens, mulheres, jovens, crianças e velhos, sua intenção
está além do lúdico, cumprindo várias funções. Uma delas, sobretudo, diz respeito à função
que tem o ancião perante sua tribo, sua família. O ancião é a pessoa mais experiente e sábia e,
por isso, mais apta a repassar o que a vida lhe ensinou àqueles que estão, supostamente,
começando a viver naquele momento. Portanto, o respeito aos mais velhos é uma prática tão
antiga quanto à de contar histórias, porque eis, ali, a história viva, materializada/representada
na pessoa do ancião, geralmente homem porque sua experiência de vida ultrapassava os
muros domésticos.
Mas a prática de contar história está fadada ao esquecimento, ao desuso, pelo menos
nas sociedades modernas, em função das novas tecnologias. Conforme Walter Benjamin
(1994, p.1-2), “quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se
generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e
inalienável: a faculdade de intercambiar experiências”. De acordo com o autor, “a arte de
narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção”.
(p.4). Emílio Bonvini (2001) também nos atenta para isso ao dizer que a coleta de dados é
urgente. Porém, escritoras e poetisas como Odete Semedo e Conceição Evaristo tem agido
para que a falta da prática da tradição oral, seja ela através de contos e/ou poemas pelo menos
em Guiné-Bissau e no Brasil, respectivamente, não represente um perigo iminente de perda de
identidade, da conservação da história e/ou dos costumes de seus povos.
10
.
3 A POESIA CONTADA DE SEMEDO E EVARISTO
Das primitivas e rudimentares formas de manifestação cultural – voz,
palavra, não mais -, a atividade poética tem evoluído ao longo do tempo,
adaptando-se às circunstâncias, mas parece conservar ainda hoje muito do
impulso de origem: presença e representação, por meio da palavra, de uma
voz humana quase sempre individual, por vezes coletiva ou anônima, que
para sobreviver ou até para existir precisa encontrar ouvidos humanos que a
propaguem e multipliquem, integrando-a ao cotidiano da vida comum.
(MOISÉS, 2007, p.12).
Imagem 1 – Maria Odete da Costa Soares Semedo††
Imagem 2 – Mª da Conceição Evaristo de Brito
Fonte: Página da Carta Maior‡‡
Fonte: Página Vermelho§§
O que há em comum entre esses dois seres: Odete Semedo e Conceições Evaristo,
respectivamente representadas nas imagens acima? Escritoras genuinamente negras,
femininas e engajadas, a africana Semedo e a sul-americana Evaristo
são Doutoras em Letras e escrevem com bastante propriedade a dor de quem um dia já passou
pelo processo de colonização ou sofreu seus efeitos.
As autoras se utilizam de artifícios como a narrativa, ou o elemento narrativo, através
do gênero poético, para (re)contarem suas histórias - através da tradição oral, isto é, a tradição
manifestada através da palavra que, neste caso, será apresentada sob a forma escrita,
materializada nos poemas de Semedo e Evaristo - e cultivarem e repassarem, a exemplo dos
††
Odete Semedo nasceu em Bissau, capital da Guiné-Bissau em 07 de novembro de 1959. É Doutora em Letras
pela PUC Minas e possui várias obras publicadas, como: Entre o Ser e o Mar (1996); SONÉÁ histórias e
passadas que ouvi contar I (2000) e DJÊNI histórias e passada que ouvi contar II (2000); No Fundo do Canto
(2003).
‡‡
Disponível em: < http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Maria-Odete-da-Costa-Semedo-uma-alma-
inquieta-da-Guine-Bissau/12/11301> Acesso em jan. 2016 §§
Disponível em: < http://www.vermelho.org.br/prosapoesia/noticia/141994-133> Acesso em jan. 2016
11
.
griots, a memória coletiva, bem como testemunharem os diversos tipos de opressões
existentes na sociedade.
Moema Parente Augel, em posfácio da obra No fundo do canto (SEMEDO, 2007),
obra esta de onde foram extraídos os poemas analisados no presente artigo, nos revela que
neste livro
a autora [Odete Semedo] pôs em relevo a natureza mítica de suas origens,
reinscreveu e reinventou símbolos e conteúdos apreendidos do imaginário
social da coletividade a que pertence, acionando estratégias
representacionais de dignidade e esperança para construir novos sentidos
com os quais pudesse identificar-se e remapear experiências partilhadas.
(p.197)
Em apresentação da obra Poemas da recordação e outros movimentos (EVARISTO,
2008) Iris Maria da Costa Amâncio diz que ali Evaristo tece “os fios de suas vivências
pessoais e coletivas”, e convida o leitor
a mergulhar em profundas „águas-lembranças‟, espelho hídrico do qual
emergem imagens e vozes femininas a revelar uma tessitura poética inscrita
na ancestralidade, „nova velha seiva‟ que „borda tempos do viver‟. Assim,
avó, tia, mãe e filha performatizam a „letra-desenho‟ de vidas traçadas em
sonhos e esperanças, apesar da dor, do banzo, da fome e do frio que habitam
o cotidiano de sujeitos negros em exclusão social. (p.5)
É, pois, desta maneira que a poesia de Conceição Evaristo se configura como uma
espécie de poesia contada. Pois, sabemos que em um conto, o narrador ao contar uma história
pode, além de se permitir contar a sua própria história, servir de intérprete para a história do
outro. E nessa história revisitar o passado de seus ancestrais e acrescentar ao presente uma
boa dose de reflexão acerca do que foi vivido e do que se está vivendo, em vista de um futuro
não utópico, mas, sobretudo, consciente.
Essas duas mulheres atuam nos dias atuais como uma espécie de griots. Mas não
utilizando os gêneros convencionais próprios da narração, como: crônicas, contos ou fábulas.
Elas utilizam o poema para narrarem a história do seu povo, para narrarem a sua história e,
consequentemente, retransmitirem a arte de contar história de uma maneira atualizada,
prática, objetiva e bem pontual. Conforme Walter Benjamin
o narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não
para alguns casos, como o provérbio, mas para muitos casos, como o sábio.
Pois pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida que não inclui
apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia. O
narrador assimila à sua substância mais intima aquilo que sabe por ouvir
12
.
dizer). Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é conta-la inteira. O
narrador é o homem que poderia deixar a luz tênue de sua narração consumir
completamente a mecha de sua vida. (BENJAMIN, 1994, p.19)
Deste modo, Semedo e Evaristo, em suas escritas, atentam aos seus leitores para a
sabedoria dos mais velhos. Elas, de certo modo, estão representando tal sabedoria ao incluir
em seus poemas a imagem e/ou representação do mensageiro, do Tchintchor (pássaro que
anuncia chuva/a boa nova), a junção do velho com o jovem, e inovando ao dar voz às
mulheres, mostrando que elas também podem re(contar) sua vida, sua história em busca de
liberdade.
Vansina diz que “as tradições são também obras literárias e deveriam ser estudadas
como tal, assim como é necessário estudar o meio social que as cria e transmite e a visão de
mundo que sustenta o conteúdo de qualquer expressão de uma determinada cultura” (2010,
p.142). Desde modo, faz-se necessário contextualizar os poemas escolhidos de Semedo e
Evaristo, considerando que as autoras são mulheres negras e de países pós-coloniais.
A literatura de autoria feminina parece estar em evidência nos dias atuais. O mesmo
podemos dizer no que concerne a essa literatura produzida por mulheres negras. Com muitas
lutas oriundas de movimentos feministas e negros, e mesmo apesar da resistência da crítica
literária, da academia em torná-las cânones, seja por um aspecto ou outro, ou ambos (ser
mulher e/ou negra), mas, sobretudo, pela importância significativa e relevância literária,
histórica e cultural de suas escritas, tais mulheres vêm se destacando pelo seu engajamento
social, pela maneira como contam sua história, a história do seu povo, a história de suas
mulheres, culminando em um recado implícito e explícito ao mesmo tempo. A tais mulheres,
aplicamos as palavras de Job (2015): “a arte literária permite a seu criador inúmeras maneiras
de se manifestar discursivamente. (...) os vínculos históricos ou culturais nem sempre poderão
estar presentes em um discurso literário de forma explícita”. (JOB, 2015, p.66).
Ao contarem poeticamente suas histórias estão revivendo suas memórias, repensando-
as e reconstruindo-as através da palavra, da tradição oral por meio da metalinguagem. Desta
forma, concordamos com Duarte (apud JOB, 2015, p.65) ao dizer que “uma pesquisa não
deve se restringir a verificar a cor da pele do escritor (a), ela deve também investigar nos
textos desses (as) escritores (as) as marcas discursivas que indiquem (ou não) os possíveis
aspectos de ligação com a história e cultura de sua raça”.
Semedo e Evaristo são mulheres e poetisas contemporâneas do século XX e, suas
obras, do século XXI. A primeira presenciou onze meses de guerra, que assolou Guiné-Bissau
de 7 de julho de 1998 a 7 de maio de 1999. Mas, conforme Moema Augel (2007, p.186)
13
.
“Odete Semedo apresenta poeticamente uma história que ainda está se fazendo. Não trata
somente do passado, seu texto não é só memória ou lembrança; é também projeção e
indagação do futuro”. Conceição Evaristo não presenciou uma guerra em específico, mas
vivencia assim como Semedo, uma guerra social fria que perpassa os tempos da escravidão e
atua em nossa sociedade até hoje. É a guerra do preconceito em suas várias instâncias. Ambas
as autoras residem em países pós-coloniais e trazem consigo marcas indeléveis no que diz
respeito à condição não humana imposta a seus antepassados e ao valor do negro hoje nas
sociedades ditas modernas que ainda acreditam no mito da democracia racial, que consiste em
dizer que no Brasil todas as “raças” convivem harmoniosamente, que no Brasil não há
preconceito nesse sentido.
Cascudo (1984) menciona a participação inegável da mulher na tradição oral ao dizer
que “as mulheres possuem o arquivo mental em desenvolvida extensão. Cícero dizia-as
sabedoras de arcaísmos porque tinham menos contato com a multidão e falavam com menos
gente. Porque são as narradoras de estórias para os filhos e netos, (...)” (p.165).
Na modernidade, com o acesso da mulher aos bancos escolares e universitários, como
é o caso das autoras em estudo, a mulher ocupa novos espaços e agora já não é mais tarefa
exclusiva do ancião narrar as experiências do seu povo. Sendo assim, é de suma importância o
papel da escrita dessas duas autoras, uma vez que a força da palavra utilizada em seus poemas
narrativos sugere e expressa reflexão acerca de um povo em um determinado tempo e espaço,
projetando também reflexões futuras.
4 O QUE SEMEDO DIZ, EVARISTO REAFIRMA – Uma ponte literária entre Guiné-
Bissau e Brasil
A forma da mensagem utilizada por Semedo e Evaristo é literalmente o poema.
Falamos literalmente poema, pois nos estudos estruturais literários, o “termo „poema‟ é
apenas um rótulo para todo o material decorado e dotado de uma estrutura específica,
incluindo canções” (VANSINA, 2010, p. 143). Não estamos também falando aqui de
epopeias, mas de poemas contemporâneos, de estrutura relativamente simples, mas que
revelam certo teor narrativo e, por conseguinte, a tradição oral representativa na África negra
e, respectivamente, no Brasil negro. Os poemas que serão, a seguir, apresentados foram
retirados das respectivas obras: No fundo do canto (2007) – Odete Semedo e Poemas da
recordação e outros movimentos (2008) – Conceição Evaristo.
14
.
No artigo de Fonseca e Moreira (2015) Panorama das literaturas africanas de
língua portuguesa, as autoras fazem um apanhado geral acerca da produção literária de
países como Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e, por fim, Guiné-
Bissau. Apesar de muito significativas as informações ali apresentadas, a produção literária de
Guiné-Bissau ficou restrita a apenas dois autores: Abdulai Sila e Filinto de Barros.
Representando, pois, o cânone masculino e a escrita em prosa, apenas. Desta forma, faz-se
necessário apresentar a relevância da poesia de uma guine-bissauense: Odete Semedo, pois
acreditamos que tal poesia corrobora e representa o que Moema Augel (apud FONSECA;
MOREIRA, 2015) nos diz:
a literatura da Guiné-Bissau reflete os caminhos da emancipação bem como
o estado emocional dos guineenses ante o que se considera traição dos ideais
revolucionários por parte dos dirigentes. A produção literária contemporânea
faz eco, na sua variedade, aos anseios e às preocupações da elite intelectual
urbana, inconformada com a situação política e social do país no momento
presente. Dada a quase inexistência de fontes escritas de informação, travar
conhecimento com as obras que se produzem na Guiné-Bissau desde a
independência é uma das melhores maneiras de compreender e apreender
essa literatura***
.
O primeiro poema a ser analisado sob a perspectiva da tradição oral e/ou do elemento
narrativo que o constitui é intitulado O teu mensageiro (p.22), inserto na obra No fundo do
canto (2008). Tal poema ajuda ao leitor - que não possui o mínimo de conhecimento acerca da
história e da cultura africana, suas lutas milenares resultantes da ganância e injustiça dos
brancos - a conhecer o que se passou durante o período de colonização e pós-independência
de Guiné-Bissau. Este poema-narrativa é, pois, constituído de cinco estrofes que pretendem
contar o percurso histórico não apenas do país Guiné-Bissau, mas, sobretudo, servir também
como uma espécie de documento que registra a tradição milenar de contar história do povo
africano, bem como a importância do ancião – o mensageiro – para as pessoas de uma aldeia.
Na primeira estrofe, o mensageiro prevendo e/ou sentindo o afastamento do seu povo,
no que concerne à tradição milenar de ouvir a sabedoria dos mais velhos, faz uma espécie de
chamamento, pedindo para que não se afaste, se aproxime e traga a esteira para sentar-se,
acomodar-se, como forma de preparação para ouvir o que a história cristalizou no tempo e
que precisa ser revelado.
Não te afastes
aproxima-te de mim
traz a tua esteira e senta-te
***
O documento não está paginado numericamente.
15
.
Na segunda estrofe, percebe-se toda a sabedoria do mensageiro, do ancião, ao olhar,
enxergar a aflição e o desespero no olhar daqueles que são seus, assim como o desespero
evidente por meio do seu andar.
Vejo tremenda aflição no teu rosto
mostrando desespero
andas
e os teus passos são incertos
Na terceira estrofe, o mensageiro pede mais uma vez que aquele que está prestes a
escutar-lhe – quem sabe não apenas o povo guineense, mas também parte do mundo – que se
aproxime, chegue mais perto para, enfim, ele, o mensageiro começar a contar onde mora o
dissabor, o caminho do sofrimento pelo qual todo o povo daquela região passara por longos
anos. Nesta estrofe, o mensageiro se revela como tal: uma espécie de Griot†††
que nasceu para
um propósito maior que foi o de comunicar, através da palavra, não apenas a boa-nova, mas
também as crônicas de um povo, entre tantas outras funções.
Aproxima-te de mim
pergunta-me e eu contar-te-ei
pergunta-me onde mora o dissabor
pede-me que te mostre
o caminho do sofrimento
porque sou eu o teu mensageiro
Na quarta estrofe, o mensageiro pede que não o subestime. Que se aproxime mais uma
vez dele e não olhe com desdém seu pranto sentido, muito menos sua voz, a voz da
experiência, por sinal, impertinente; aquela que ecoa e não quer calar. Temos, portanto, aí a
voz também da poetisa, do poeta que não cala diante das mazelas de seu país, de sua
sociedade.
Não me subestimes
aproxima-te de mim
não olhes estas lágrimas
descendo pelo meu rosto
nem desdenhes as minhas palavras
por esta minha voz trémula
†††
Conforme Luís da Câmara Cascudo (1984) “Toda África ainda mantém seus escritores verbais, oradores das
crônicas antigas, cantores das glórias guerreiras e sociais, antigas e modernas, proclamadores das genealogias
ilustres. São os akpalôKpatita, ologbo, griotes. Constituem castas, com regras, direitos, deveres, interditos,
privilégios. De geração em geração, mudando de lábios, persiste a voz evocadora, ressuscitando o que não deve
morrer no esquecimento”. (p.152)
16
.
de velhice impertinente
Por fim, na quinta estrofe, o mensageiro faz uma inversão de versos em relação aos
primeiros versos da primeira estrofe. O mensageiro diz agora para aproximar-se dele e não se
afastar. Ou seja, uma vez retomada, renascida a tradição, é entendido que não se afaste mais
dela, por motivo algum. Mais uma vez, percebemos um forte chamamento: “vem”, senta-te
mais uma vez, pois a história que ele – o mensageiro – e/ou a poetisa – Odete Semedo – está
prestes a contar, por sinal, não é curta; é tão longa e desgastante como é uma guerra, uma luta
por dignidade, por independência.
Aproxima-te de mim
não te afastes
vem...
senta-te que a história não é curta
Portanto, quando o eu-lírico diz “Não te afastes”, nos dá a ideia de: - Não te esqueças
de quem tu és e de onde viestes. Ao dizer: “Aproxima-te de mim”, o eu-lírico parece nos
dizer: - Toma o que é teu; aproxima-te do que faz parte de ti: teu lugar, teu povo, tua tradição,
tua cultura, tua essência, teus ancestrais, tua origem.
A aflição e o desespero, assim como a incerteza dos passos são indícios do mal da
colonização que assolou e assola todo aquele país, assim como todo o continente africano que
foi e continua sendo explorado indiscriminadamente.
O mensageiro é o poeta, “antena da sociedade” como afirma Ezra Pound em ABC da
literatura (2006), aquele que consegue captar, absorver todas as dores e angústias de seu povo
e consegue denunciá-las poeticamente, convocando, fazendo um chamamento ao seu povo e
ao mundo a fazer uma breve e/ou longa reflexão sobre sua existência no mundo.
Quando o eu-lírico diz “Não me subestimes”, ele está revelando a compreensão que
ele tem do outro, esse outro que é ele mesmo, como assinalou o poeta norte-americano Walt
Whitman em Folhas de relva (2005). Deste modo, havendo profunda empatia ao perceber a
dor do outro, pois o mensageiro possui experiência, sabedoria, já viveu, viu e convive com a
dor e a injustiça do seu povo.
A ação de trazer a esteira, elemento também bastante simbólico da cultura africana,
demonstra um sujeito aberto, apto a escutar, ouvir, compreender o que está se passando
naquele país, naquele continente, naquele mundo, no mundo dentro dele mesmo.
Por fim, quando o eu-lírico finaliza a sua narrativa dizendo que a história não é curta,
na verdade, ele está dando indícios que aquilo é apenas o começo. A história que ele está
17
.
prestes a contar é não curta porque é regada de lutas, de sofrimento e quando há sofrimento o
tempo não passa, se arrasta e é vivenciado; não é curta porque há a necessidade de um
repasse, de uma transmissão não apenas do que aconteceu de ruim, mas, sobretudo, do que
constituiu e constitui uma sociedade.
Vimos, portanto, neste poema analisado, uma mulher escritora cujo sujeito lírico é
masculino. O motivo pelo qual a poetisa guiné-bissauense tenha escolhido o sujeito lírico
masculino e não o feminino possivelmente tenha a ver com os papeis sociais que homens e
mulheres cumprem na cultura africana. O que nos leva a refletir se a mensagem, através da
palavra é ou pode ser transmitida apenas por homens.
No segundo poema de Odete Semedo a ser analisado Então, o cantor da alma juntou
a sua voz ao do tchintchor (p.161), percebe-se mais uma vez a voz marcante e orientadora
do Griot por meio do conhecimento empírico, isto é, uma vez vivenciado e apto para o
repasse de ensinamentos. Tal narrativa no presente poema não se refere às famosas “histórias
para boi dormir”. Pelo contrário, tratam-se de histórias que contribuem e contribuirão para a
formação do indivíduo, como um ser social, histórico e cultural. Revelando assim, a
importância da memória coletiva que se mostra enraizada na cultura africana.
Os meus filhos
hão-de perguntar um dia
porque tudo isto
porque a terra se fechou
olhando o próprio umbigo
Nada omitirei
nem uma sílaba
Não esconderei a verdade
Responderei
aos meninos da minha terra
cantando a história dos bichos
Ao dizer que a história será contada e revelada, principalmente e inicialmente às
crianças, como podemos inferir, o eu-lírico utiliza-se de artifícios, como bichos, animais da
fauna de uma determinada região: centopeia, sanguessuga, camaleão, bem como de
personagens que fizeram história em um determinado espaço e tempo: Viviano Presentino e
nhara Conveniência.
Que a centopéia
não tem dois pés
mas cem pés
veneno em cada um
18
.
Está em toda a parte
tão igual ao homem
A sanguessuga
duas bocas
uma que suga
e outra que sopra
para amainar a dor
e sugar melhor
Contarei às crianças da minha terra
que as centopéias são engenhosas
irmanam com a terra e com a lama
As sanguessugas mais astuciosas
tudo sugam?
Na estrofe que segue percebemos que, metaforicamente, não há uma indicação de
perpetuação de uma cultura, mas sim de mudança, de transformação e até mesmo de
adaptação, não no sentido de conformação, de aceitação pura e simples da cultura do
colonizador, mas antes no sentido do camaleão que, quando em seu habitat natural, muda de
cor como uma espécie de defesa ou de ataque.
Não esconderei aos meninos
da minha terra
o segredo das cores do camaleão
animal ligeiro
e matreiro
que astutamente caminha
tomando as cores
e os propósitos da ocasião
Nas estrofes que seguirão percebemos indícios da mesma ideia impressa na estrofe
anterior através de outra figura de linguagem, a prosopopéia, personificando os dois
momentos do dia “Matutino” e “Vespertino”, isto é, dando-lhes vida e outros significados
além do amanhecer e do entardecer convencional.
Não mudarei de assunto
enquanto não saciar a sede
dos meninos da minha terra
Vou contar-lhes
a história do Matutino
sempre que lhe dava jeito
virava Vespertino
Os meninos terão notícias do Viviano Presentino
neto de nhu Prudêncio
enhara Conveniência
19
.
Percebe-se no poema a explicação para um certo tipo de procedimento. O que na terra
colonizada pode parecer assimilação, rendimento à imposição cultural, transplantada do
colonizador, na verdade é uma estratégia de resistência do colonizado, uma forma de evitar o
aniquilamento.
Além disso, Odete Semedo utiliza outros recursos, próprios do trabalho pedagógico
com a criança no que se refere à ludicidade de jogos tradicionais da Guiné-Bissau utilizando
as mãos, como as rodas e outros sentados na esteira.
Hei-de cantar às crianças
a versão inventada
de kumandja-kumandja
de ndulé-ndulé
em passos de nhenku-nhenku
No poema, a autora conjuga duas línguas: português e crioulo. Nesta estrofe, a
brincadeira\jogo - kumandja-kumandja - é apresentada sob forma de uma “versão inventada”,
diria que de uma versão reinventada, que fora recontada. Deste modo, a contação de histórias
aí pode ser recriada, uma vez que fora recontada. Tal brincadeira/jogo faz referência, aqui no
Brasil, a uma tradicional brincadeira de infância, conhecida por “Chicote queimado”.
Na antepenúltima estrofe outra brincadeira\jogo infantil tradicional brasileira é
lembrada: a cabra cega. Ficando evidente, portanto, a ponte entre Guiné Bissau e Brasil no
que se refere à contação de histórias, bem como à ideia de reinvenção e\ou de adaptação
dessas histórias.
(...)
Os meninos da minha terra
vão acompanhar-me no coro
de silimbique-nbique
juntaremos os nosso risos
as nossas vozes
perguntando à cabra cega
aonde vais(nundekubu na bai)
- vou buscar leite
para os meus meninos
A imagem da cabra cega que poderia sugerir, como na brincadeira, desnorteamento, já
que os olhos da criança são vendados, adquire outro sentido, pois ao responder à pergunta
“para onde vais”, ela informa que vai buscar leite para seus meninos. O sentido do leite não é
de um alimento qualquer, é a de um alimento indispensável às crianças. Desse modo, a
20
.
brincadeira, o jogo, enfim, o lúdico é também uma estratégia de sobrevivência da cultura,
pois, ao misturar-se ao que vem de fora garante que a tradição não seja aniquilada, já que se
reinventa. É assim que as crianças, isto é, o futuro da África é alimentado. Deste modo, tal
fragmento do poema de Odete Semedo possui caráter de texto auto-etnográfico, uma vez que
esta autora se apropria do léxico do outro – do colonizador português – e nesse texto auto-
etnográfico inscreve a própria cultura, como uma espécie de resistência, como assinala Pratt
(1999):
Se os textos etnográficos são o meio pelo qual os europeus representam para
si os (usualmente subjugados) outros, textos auto-etnográficos são aqueles
que os demais constroem em resposta àqueles, ou no diálogo com as
representações metropolitanas. Assim sendo, textos auto-etnográficos não
são o que usualmente se denomina como formas „autênticas‟ ou autóctones
de autorepresentação (...). Na verdade, a auto-etnografia envolve
colaboração parcial com a apropriação do léxico do conquistador. (PRATT,
1999, p. 52 apud SOUZA, 2011).
A última estrofe do segundo e último poema de Odete Semedo a ser analisada é
constituída por apenas um verso e este por apenas uma palavra: “Construindo”. O verbo
construir indicando uma ação contínua, na forma nominal denominada de gerúndio. Tal forma
nominal sugere ao leitor, mais uma vez, a mudança, a transformação, a mutabilidade das
coisas.
Deste modo, tal poema ao falar de centopeia, de camaleão, de Matutino que vira
Vespertino, de versão inventada, culminando com a ação “construindo” encaminha seu leitor
para uma concepção de identidade que não é fixa, como assinala Stuart Hall (2006) ao
discorrer sobre as três concepções de identidade: a do sujeito do Iluminismo, a do sujeito
sociológico e, por último, o sujeito pós-moderno. Quanto a este último, Hall o conceitua como
aquele que não possui uma “identidade fixa, essencial ou permanente”. Tal identidade para ele
é “definida historicamente, e não biologicamente”. O sujeito assume identidades que não são
unificadas ao redor de um “eu” coerente. (HALL, 2006, p.13)
A respeito da escrita de Conceição Evaristo, Constância Lima Duarte em nota para
posfácio da obra já mencionada revela que
Ao assumir que sua escrita seja em prosa ou poesia [Evaristo] está
definitivamente comprometida com sua existência, ela nos brinda com uma
obra contaminada pela angústia coletiva, testemunha da opressão de classe,
gênero e raça, mas porta-voz da esperança de novos tempos. Esta literatura
de autoria assumidamente negra ao mesmo tempo projeto político e social,
testemunho e ficção inscreve-se de forma definitivamente na literatura
21
.
contemporânea, e contém as marcas identitárias das mulheres que
reescrevem a história literária brasileira‡‡‡
. (2008)
Os dois poemas de Conceição Evaristo, sobre os quais apresentaremos, em seguida,
algumas considerações pontuais, são poemas que nos revelam a história dos seus
antepassados; a luta de um povo durante o período colonial e pós-colonial, bem como a
necessidade de evidenciar o papel da palavra, do dizer, do contar para fins não apenas de
afirmação de uma identidade, mas também para denunciar e combater as atrocidades
vivenciadas em tais períodos. Ademais, a exemplo dos dois poemas de Odete
Semedo há pouco analisados, os dois poemas de Conceição Evaristo também servem para
representar a transmissão e continuidade da tradição oral, da transmissão de conhecimentos e,
sobretudo, para evidenciar a mudança e adaptação - adaptação não no sentido estático,
conformista, mas no sentido de nova versão, ou “versão inventada”, como assinalou Semedo -
através da maneira pela qual ela expressa isso em palavras, em narrativas bem pontuais.
O primeiro poema analisado de Conceição Evaristo Vozes-mulheres (p.10) inserto na
obra Poemas da recordação e outros movimentos (2008) nos revela um aspecto importante a
ser observado: a voz da mulher africana e/ou afrodescendente representada através do tempo,
a partir dos laços familiares e/ou da herança genética feminina – bisavó, avó, mãe, a própria
voz do sujeito lírico que, no caso, é feminina e, por fim, da sua filha, como uma espécie de
ressonância, como assinala o próprio sujeito lírico. O que seria essa ressonância senão o
próprio ato de contar história, revelar por meio da narrativa o que aconteceu no passado e o
que ainda acontece no presente? Portanto, vemos aí a tradição oral representada a partir do
que cada uma dessas personagens tem a dizer, revelar por meio da voz, da palavra falada e/ou
de comportamentos, ações e até mesmo silêncios.
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
‡‡‡
O posfácio não se encontra paginado.
22
.
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recorre todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
Neste poema, o sujeito feminino de Evaristo testemunha os lamentos dos porões do
navio negreiro, o silêncio da obediência escrava, o ruído baixinho da revolta do que
chamamos hoje de diarista, materializa a voz de toda uma geração de mulheres acometidas
pelo seu “defeito de cor”, mas evoca “o eco da vida-liberdade” fazendo a reunião\junção do
ontem, do hoje, do agora através da última geração no momento atual: na voz da sua filha.
O segundo poema de Conceição Evaristo a ser analisado Do velho ao jovem (p.51) já
nos revela, em seu próprio título, como se dá o papel da transmissão e continuidade da
história e da tradição, quer seja africana ou afro-brasileira. A certeza está no velho, enquanto
que a dúvida ainda está no jovem. Porém, a junção dos dois dará vazão às palavras ditas,
faladas, contadas antes amordaçadas pelo silêncio, pois “é preciso eternizar as palavras da
liberdade ainda e agora”. É preciso, portanto, tal repasse para que se dê continuidade à
história.
Na face do velho
as rugas são letras,
palavras escritas na carne,
abecedário do viver.
Na face do jovem
o frescor da pele
e o brilho dos olhos
são dúvidas.
23
.
Nas mãos entrelaçadas
de ambos,
o velho tempo
funde-se ao novo,
e as falas silenciadas
explodem.
Nessa terceira estrofe o velho funde-se ao novo indicando uma visão que não é
meramente perpetuação e\ou transmissão de conhecimentos. As falas silenciadas explodem
quando se fundem ao novo. Percebemos, portanto, que é no entrelaçamento com o novo que o
passado vive. Ou seja, é na coexistência do velho e do novo que a cultura se torna orgânica,
flexível, mutável, ressignificada. Deste modo, a ideia de “construindo” no último poema
analisado de Semedo faz uma ponte com este primeiro poema de Evaristo que está sendo
analisado. Uma vez que neste podemos inferir uma espécie de construção da identidade a
partir da coexistência do velho e do novo ou, como preferir, do velho e do jovem.
Nessa estrofe que segue, há um ponto de comunhão com uma estrofe do primeiro
poema de Evaristo analisado. A voz de minha filha\recorre todas as nossas vozes\recolhe em
si\as vozes mudas caladas\engasgadas nas gargantas. A voz dessa filha não mais obedece aos
ditames da sociedade escravocrata, da sociedade repleta de preconceitos, da sociedade que
segrega. Esta voz é das “palavras ditas” que libertam. E deste, modo, não há quem extermine
tal tradição, não há quem ponha um ponto final. No máximo, reticências.
O que os livros escondem,
as palavras ditas libertam.
E não há quem ponha
um ponto final na história
Na penúltima estrofe, o sujeito lírico nos sugere uma ponte entre as histórias que, por
sua vez, são contadas e, muitas vezes, pelos mais velhos, e o rap - cantado, de maneira
contada, em sua maioria, pelos mais jovens. Vemos aí a mistura, a mestiçagem, o velho e o
novo, o velho e o jovem dialogando a fim de promoverem a mudança, uma nova leitura da
tradição oral através da palavra, quer seja oral, escrita, contada, cantada ou todas ao mesmo
tempo.
Infinitas são as personagens...
Vovó Kalinda, Tia Mambene,
Primo Sendó, YaTapuli,
Menina Meká, Menino Kambi,
Neide do Brás, Cíntia da Lapa,
Piter do Estácio, Cris de Acarí,
24
.
Mabel do Pelô, Sil de Manaíra,
E também de Santana e de Belô
e mais e mais, outras e outros...
Nos olhos do jovem
também o brilho de muitas histórias,
E não há quem ponha
um ponto final no rap
Nesta última estrofe é evidente a relação estreita que este poema estabelece com o
primeiro poema de Evaristo analisado. A palavra liberdade os aproxima de tal maneira que a
única coisa que precisa realmente perpetuar, preservar e eternizar é ela: a palavra liberdade.
Pois se há liberdade, não é preciso prisão a um tempo, a uma época.
É preciso eternizar as palavras
da liberdade ainda e agora...
A análise, portanto, dos quatro poemas acima apresentados mostrou que o elemento
narrativo e com ele o papel da tradição oral é bastante presente nos poemas da guiné-
bissauense Odete Semedo e da brasileira Conceição Evaristo, evidenciando a tradição viva
nos poemas da primeira e a continuação desta, de maneira atual e transformadora, nos poemas
da segunda. Sendo possível, a partir do título de suas respectivas obras, inferir o conteúdo
temático, político e social que ambas trabalharam em seus poemas como: No fundo do canto,
isto é, no cerne da tradição guine-bissauense e Poemas da recordação e outros movimentos,
demonstrando aí a força motriz que advém do ato de recordar, como uma espécie de refacção
do passado, de tirá-lo de uma suposta e “atávica” inércia. De modo que, quando se recorda
algo, este algo surge não de forma fixa, tal qual era no passado, mas, sobretudo, mesclado
com fatos do presente e, deste modo, ressignificados.
5 HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA EM SALA DE
AULA: POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO MÉDIO
A leitura das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, por um lado,
contribui para que se fragmente a noção equivocada de que em África é tudo
igual ou a de que o africano não demonstrou resistência formal ao processo
colonizatório; por outro lado, dá visibilidade a um fazer estético-ideológico
que se realiza via escrita, o que pode parecer novidade para quem ainda
acredita que africano não escreve ou não tem produção intelectual.
(AMÂNCIO, 2008, p.84)
25
.
No que diz respeito aos conhecimentos didáticos e pedagógicos, a LDB Lei Federal nº
9.394/96, Art.26, parágrafo 4º diz que “o ensino da história do Brasil levará em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígena, africana e europeia”. (p.30) No Brasil, por muitos anos e
até mesmo hoje, tem se levado em consideração apenas a contribuição da cultura europeia.
Isto é, a cultura do colonizador, deixando à margem e/ou marginalizado a contribuição
daqueles que também fizeram e fazem história em nosso país. Tal contribuição se revela
principalmente nos estudos literários e, sobretudo, nos livros didáticos quando estes se
resumem apenas “lembrar” a existência de tais contribuintes sociais e culturais.
Em 2003, essa lei foi alterada pela Lei 10.639§§§
, que no Art.26-A, torna obrigatório o
estudo da história e cultura africana e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino
fundamental e de ensino médio, quer sejam públicos ou privados. De maneira efetiva tal
obrigatoriedade não se cumpre, uma vez que o que percebemos e até notificamos que, na
prática, pelo menos no ensino público, o estudo de história e cultura afro-brasileira e indígena
se restringe a apenas algumas menções realizadas em datas específicas: dia da consciência
negra e dia do índio. Quando um profissional da educação consegue ultrapassar tal visão de
estudo limitada, ele o faz por meio de projetos e/ou planos de aula específicos.
Depois, em 2008, a Lei 11.645, inclui a cultura indígena. Na nova redação do Art.26-
A nos é informado que
O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos no Brasil, a cultura
negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2010, p.30)
Nesse sentido há de se refletir, mais uma vez, a superficialidade com a qual tal
conteúdo programático é selecionado e desenvolvido em sala de aula. Muitas vezes há apenas
uma breve menção ao processo de formação de algumas palavras advindas da África, bem
como a contribuição dos africanos e indígenas no que diz respeito à gastronomia, à música, à
dança, esquecendo-se de se aprofundar em contribuições no que concerne às religiosidades, às
áreas sociais, econômicas e políticas dessas minorias, como bem o parágrafo 1º assinala.
§§§
Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 altera a Lei 9,394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “ História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
26
.
No 2º parágrafo do artigo 26-A consta que “os conteúdos referentes à história e cultura
afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e histórias
brasileiras”. (p.30). Ao dizer que tais conteúdos serão ministrados, em especial, nas áreas de
educação artísticas e de literatura, bem como de histórias brasileiras não estaríamos reduzindo
o nível de responsabilidade social e cultural a apenas tais áreas? E por serem assim, já tão
reduzidas a áreas e profissionais responsáveis por tal estudo/ensino é que se mostra difícil a
obrigatoriedade do trabalho a ser realizado referente ao estudo da história e cultura afro-
brasileira e indígena.
O termo “obrigatório” já é um indício de quão difícil é a realização desse estudo.
Desde a implementação da Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003 até o momento atual o termo
“obrigatoriedade” tem se tornado um esforço, muitas vezes, solitário do professor e de sua
sala de aula, uma vez que ainda se encontra muita resistência em trabalhar com a temática
africana e afro-brasileira em sala de aula, seja pela falta de conhecimento do professor – o que
não é justificativa, tendo em vista os cursos de qualificação e/ou de aperfeiçoamento
oferecidos aos profissionais da educação – seja pela falta de apoio da comunidade escolar, em
específico do corpo gestor da escola.
Deste modo, constata-se a necessidade de um estudo mais aprofundado no que diz
respeito à temática africana e afro-brasileira, principalmente no ensino médio, uma vez que é
constatado que esta é “uma das etapas de ensino da Educação Básica com menor cobertura e
maior desigualdade entre negros e brancos” e por acreditar que “a Educação das Relações
Étnico-Raciais pode contribuir para a ampliação do acesso e permanência de jovens negros e
negras no ensino médio e possibilitar o diálogo com os saberes e valores da diversidade”.
(BRASIL, 2013, p.51).
No que diz respeito às Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, no
que tange às Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (BRASIL, 2008) o desenvolvimento
dos conhecimentos de Literatura e Arte, em específico, irá contribuir na formação do leitor
crítico na escola e fora desta. O ensino de Literatura é indispensável, mas antes disso faz-se
necessário pôr em exercício as possibilidades de mediação do professor no que concerne a
seleção dos textos:
Pensamos que se deve privilegiar como conteúdo de base no ensino médio a
Literatura brasileira, porém não só com obras da tradição literária, mas
incluindo outras, contemporâneas significativas. Nada impede, e é desejável,
que obras de outras nacionalidades, se isso responder à necessidade do
27
.
currículo de sua escola, sejam também selecionadas. Também é desejável
adotar uma perspectiva multicultural, em que a Literatura obtenha a parceira
de outras áreas, sobretudo artes plásticas e cinema. (BRASIL, p. 73-74)
Nesse sentido é possível pensar em atividades pedagógicas no Ensino Médio
contemplando, literaturas de língua portuguesa, obras contemporâneas significativas como a
de Conceição Evaristo e de outra nacionalidade, como a da guiné-bissauense Odete Semedo.
Na educação artística percebemos também tal flexibilidade, principalmente no que diz
respeito à diversidade e pluralidade cultural:
O ideário sobre o Ensino da Arte contempla as diferenças de raça, etnia,
religião, classe social, gênero, opções sexuais e uma olhar mais sistemático
sobre outras culturas. Denuncia, ainda, a ausência das mulheres na história
da arte e nos seus circuitos de difusão, circulação e prestígio. (BRASIL,
2008, p.177)
Deste modo, pensamos ser a arte e a literatura (como uma das extensões da arte) duas
áreas que poderiam dar conta de discussões importantíssimas como as diferenças de raça e,
deste modo, da diversidade cultural em nosso país. Além disso, ajudar em discussões sobre
gênero e, neste caso específico, sobre o gênero feminino e seu papel na sociedade brasileira
no mundo das letras.
Dando atenção ao gênero literário, poema, há de se refletir também acerca da leitura
poética que é bastante significativa e singular, entretanto, pouco exercitada nas salas de aula
do ensino médio. Sendo assim faz-se necessário atentar ao fato de que
A exploração dos efeitos de sentido produzidos pelos recursos fonológicos,
sintáticos, semânticos, na leitura e na releitura de poemas poderá abrir aos
leitores caminhos para novas investidas poéticas, para muito além desse
universo limitado – temporal e espacialmente – de formação. (BRASIL,
2008, p.74).
E é por meio dos poemas analisados das autoras Odete Semedo e Conceição Evaristo
que procuraremos mostrar algumas possibilidades pedagógicas, no Ensino Médio, a partir da
aplicação de um Plano de Aula não apenas em aulas de História, Educação Artística, mas, no
caso específico, de Literatura. Logo, como um meio de inserir estudos relacionados à história
e cultura africana e afro-brasileira em sala de aula, em específico, na educação básica,
disponibilizaremos - na seção Apêndice - um Plano de Aula produzido durante o curso de
Especialização em História e Cultura Africana e Afro-brasileira, no módulo “Literaturas
Africanas em Língua Portuguesa” ministrado pela professora Ana Santana Souza.
28
.
Infelizmente o plano não pôde ser executado em tempo hábil, restando apenas a possibilidade
de realizá-lo em outro momento oportuno.
Portanto, o profissional que conseguir executá-lo em sua sala de aula poderá fornecer
aos seus alunos uma breve, porém significativa introdução às literaturas africanas em língua
portuguesa por meio dos poemas e de seus respectivos autores, objetos de estudo do presente
artigo; promover discussões sobre o gênero discursivo de natureza oral e o papel hoje dessa
tradição na literatura africana e afro-brasileira, bem como a possibilidade de discussão acerca
do gênero feminino e sua importantíssima participação na literatura africana e afro-brasileira,
a partir das autoras apresentadas e estudadas.
Para tanto, o Plano de Aula é pautado no objetivo geral de compreender, de maneira
interdisciplinar, a importância do conhecimento acerca da história e da cultura africana e afro-
brasileira por meio da Literatura Africana em Língua Portuguesa e da Literatura Afro-
brasileira, sobretudo, por meio de um aspecto cultural bastante observado na ancestralidade
dos povos africanos: a arte de contar histórias – representando a importância da tradição oral –
apresentada aqui, por meio de um conto e de quatro poemas: dois de Odete Semedo e dois de
Conceição Evaristo.
Ademais o Plano de Aula é constituído de etapas – contendo atividades que
envolvam os processos de Introdução, Desenvolvimento e Conclusão da aula - nas quais os
objetivos específicos serão desenvolvidos, tais como: Compreender a importância da
implantação da Lei 10.639/2003; ativar conhecimentos prévios acerca do Continente africano;
analisar criticamente informações acerca da história e da cultura africana e afro-brasileira;
discutir acerca do que é/ ou do que pode ser Literatura; conhecer breve panorama das
Literaturas Africanas em Língua portuguesa por meio de dois países, em específico:
Moçambique****
e Guiné-Bissau; compreender a importância dos Griôs para a importância da
história e da tradição oral, ao passo em que os alunos fazem associações entre os
ensinamentos e as histórias contadas pelos seus avós; estabelecer breve comparação entre a
Literatura Africana e Afro-brasileira por meio de poemas de Odete Semedo e Conceição
Evaristo; discutir noções de gênero a partir dos poemas de Odete Semedo e Conceição
Evaristo e de outros trabalhos; compreender o lugar de fala de mulheres africanas e afro-
****
Moçambique, bem como um dos representantes de sua literatura: Luís Bernardo Honwana entrarão como
uma espécie de mote para dar início aos estudos sobre história e cultura africana e, principalmente, sobre a
importância da tradição oral materializada na contação de história e exemplificada através do gênero literário o
conto: “As mãos dos pretos”. Desde modo, os alunos serão estimulados a fazerem relações no que dizem respeito
à maneira como as histórias são contadas através de contos e, na sequência, como tais histórias são também
contadas através de outro gênero literário, os poemas.
29
.
brasileiras; realizar pesquisas acerca dos gêneros discursivos de natureza oral: relato e
entrevista, bem como produzir entrevistas e relatos; e, por fim, materializar a contação de
histórias através da escrita e, depois, reelaborá-las/reconta-las a partir da apresentação de uma
minipeça.
Para o desenvolvimento de tal Plano de Aula estão previstas 14h/a e alguns recursos
que aperfeiçoarão o repasse e a discussão dos conteúdos propostos, como: cópias dos textos
que serão utilizados, aparelho de data-show e caixa de som para exibição de vídeos, entre
outros que foram listados.
A avaliação contemplará os conhecimentos prévios dos alunos e, de maneira
processual, o desenvolvimento destes durante a materialização do Plano de Aula, bem como a
apresentação de algumas competências e habilidades, como: capacidade de observar/perceber
a narração de histórias através de contos e de poemas, bem como tenha exercitado
competências e habilidades referentes à oralidade e à escrita no que tange a discussão acerca
do tema Literaturas Africana em Língua Portuguesa, exercitando sua autonomia e
protagonismo; estabelecendo comparações e produzindo análises crítico-reflexivas acerca do
olhar do outro, quanto a aspectos históricos, físicos, sociais e culturais de determinados
grupos, povos, países em questão. E, a partir disso, que o aluno seja também capaz de
entender os aspectos que envolvem as noções de gêneros que circulam pelas sociedades.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No princípio era a palavra, e a palavra...
O fragmento acima faz referência não apenas a uma passagem bíblica, bastante
conhecida no mundo cristão: João 1, mas, sobretudo, e intencionalmente à intertextualidade
construída nos versos de Elio Ferreira (1997, p.9) em O contra-lei & outros poemas: “No
princípio era a palavra/ & a palavra estava junto ao poeta/ e a palavra era o poeta/ E o poeta
era Deus”. Evidenciando, portanto, a importância da palavra, a força significativa e criativa
que esta carrega ao longo dos anos ou, melhor dizendo, desde o início dos tempos, para toda a
humanidade. Mas esta palavra, desde o princípio se fez necessário encarnar, tomar forma. No
contexto das literaturas africanas de Língua Portuguesa e/ou da literatura africana e afro-
brasileira, tal palavra se encarnou uma vez que esta “é inseparável do corpo”, como assinala
Bonvini (2001) e está representada através dos griots, dos anciãos, das amas-de-leite, dos
avós, pais, tios, dos escritores e poetisas, a exemplo do que vimos nos poemas anteriormente
apresentados. Além da tradição oral revelar um misto de “religião, conhecimento, ciência
30
.
natural, iniciação à arte, história, divertimento e recreação”. Isto vai de encontro com o que A.
Hampaté Bà (2010) diz na introdução do seu artigo A tradição viva: “Contrariamente ao que
alguns possam pensar, a tradição oral africana, com efeito, não se limita a histórias e lendas,
ou mesmo a relatos mitológicos ou históricos, e os griots estão longe de ser seus únicos
guardiões e transmissores qualificados.” (p.169)
Vimos que, conforme Walter Benjamin, o narrador está em vias de extinção uma vez
que as pessoas, na sociedade atual, alegam não terem mais tempo para conversas face a face,
se estendendo, por conseguinte, à contação de histórias a exemplo do que avós, tios e pais
faziam em um tempo não tão longínquo. Deste modo, também interferindo na prática de
recontar fatos, estórias vistas e\ou vivenciadas no cotidiano.
Entretanto, a partir da leitura de alguns poemas das autoras Odete Semedo e
Conceição Evaristo, ficou evidente que tal exercício da palavra falada e da palavra ouvida é
possível, uma vez que ambas, em suas escritas, revelaram a importância da tradição oral a
partir de personagens como o Mensageiro, o cantor da alma junto à voz do tchintchor, a voz
do velho junto a do jovem, bem como a voz de uma geração de mulheres, convergindo para o
exercício pleno de liberdade, no instante em que tais mensagens, vozes, gritos são
materializados em transformações, em mobilidades e identidades culturais a exemplo do que
Stuart Hall discorre na obra A identidade cultural da pós-modernidade (2006). Uma
identidade, portanto, que não é fixa, que está sempre em construção.
Ademais, por meio do breve estudo de tais autoras e de seus respectivos poemas,
percebemos a necessidade de estudos mais aprofundados acerca de suas obras, bem como
acerca de outras obras de autoria feminina e negra como assinala Sandra Maria Job (2015) em
seu artigo Cânone, feminismo, literatura: relações e implicações ao constatar que
No que diz respeito à literatura de autoria feminina, o feminismo e a
proposta de revisão foi de suma relevância para o resgate de obras e autoras,
inclusive de autoras afro-brasileiras. Esse resgate permitiu, entre outros
aspectos, constatar que são muitas as autoras, partindo da consciência
histórica do que foi e é a vida no Brasil para as mulheres negras; mas é muito
pouco considerando os mais de 500 anos da presença maciça de mulheres
negras aqui. Pouca tem sido os estudos voltados para as autoras afro-
brasileiras. Consequência do pouco número de mulheres negras na academia
é que se pode concluir. (JOB, 2015, p.69-70)
Além disso, foi possível ver mais pontos de convergência do que de divergência na
poesia e no contexto histórico, político e social de Semedo e Evaristo. Ambas as autoras
31
.
possuem uma escrita compromissada com a história, com a cultura, com a tradição oral que é
sempre viva, mesmo através da modalidade escrita.
Sunday Adetunji Bamisile (2012) em Questões de género e da escrita no feminina na
literatura africana contemporânea e da diáspora africana, ao discorrer sobre “Escrita
feminina ou no feminino” lembra algumas concepções equivocadas de escrita feminina, a
partir do termo feminino que “por força da tradição patriarcal, associado a uma certa
conotação semântica que invariavelmente remete para algo delicado, romântico ou
sentimental, isto é, trivial, supercial”. (p.40). Com base nisso, percebemos que as escritas de
Odete Semedo e de Conceição Evaristo estão longe de serem escritas romantizadas, pueris,
domésticas, subalternas e superficiais, uma vez que demonstram as vivências de cada uma não
apenas de maneira individual, mas, sobretudo, sendo porta-voz de uma coletividade que urge
por esperança, por novos sentidos às experiências vividas.
O ponto-chave revelado nos poemas analisados, além do elemento narrativo e da
tradição oral, foi também a preocupação quanto à busca pela liberdade, pelo poder de voz
afirmado na “rebeldia” de Semedo ao dizer:
Nada omitirei
nem uma sílaba
Não esconderei a verdade
(...)
Não esconderei aos meninos
da minha terra
(...)
Não mudarei de assunto
enquanto não saciar a sede
dos meninos da minha terra
(...)
Vou contar aos meninos da
minha terra
(...)
Não vou me esquecer
da história do....
E também na “rebeldia” de Evaristo materializada nos versos:
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
E: O que os livros escondem,
as palavras ditas libertam.
E não há quem ponha
um ponto final na história
32
.
(...)
É preciso eternizar as palavras
da liberdade ainda e agora...
Como base nisto, resta-nos concluir que a tradição oral africana e afrodescendente
revelada em poemas de Odete Semedo e Conceição Evaristo tem contribuído muito para a
transmissão, reinvenção, adaptação e continuidade da cultura afro-brasileira através da
contação de histórias.
A partir de tais considerações foi possível pensar em um Plano de Aula, em cujo
desenvolvimento espera-se que o aluno, minimamente, durante todo o processo de
apresentação da história e cultura africana e afro-brasileira, apresente abertura quanto à
recepção das informações a eles repassadas, compreenda o porquê da apresentação de tal
temática, questione e aja com autonomia, enxergue a desvalorização do negro, bem como sua
valorização na construção de sociedades. Além disso, que os alunos contemplados com tal
Plano de Aula devam ter a capacidade de refletir e analisar criticamente, a partir de então, as
informações que eles já tinham acerca dos conteúdos expostos, assim como as informações
que chegarem a eles futuramente.
Deste modo, tal artigo possibilitou maior inserção na temática incitando
questionamentos como: quais as origens da tradição oral na cultura africana e qual o papel
hoje dessa tradição na literatura africana e afrodescendente; que pontos de convergência e
divergência foi possível traçar sobre a poesia e o contexto de escrita das autoras, ambas
mulheres negras e de países pós-coloniais (Brasil e Guiné-Bissau) e como os poemas em
estudo puderam ser explorados na educação básica.
ORAL TRADITION AFRICAN AND AFRODESCENDANT AT SCHOOL:
EDUCATIONAL POSSIBILITIES IN SEMEDO ODETE AND CONCEIÇÃO
EVARISTO POEMS
ABSTRACT
This article is the result of an investigation into some pedagogical possibilities of addressing
the African and Afro-descendant culture in school, focusing on the oral tradition of
storytelling nature broadcast by poetry. The study had as object poems Odete Semedo, Guinea
Bissau and Conceição Evaristo, Brazil. The research was literature, as poems were used
already published African and african-brazilian author, and therefore a qualitative approach,
ie, the selected poems were used as a source of data, interpretation and attribution of meaning.
The results showed that the narrative element and with it the role of oral tradition is very
present in the poems that were analyzed, showing the living tradition in the poems of Odete
Semedo and the continuation of this, current and transformative way, the poems of Conceição
33
.
Evaristo. The analysis of poems, supported by authors such as armored catfish (1984);
BENJAMIN (1994), Vansina (2010); BONVINI (2001), HALL (2006), among others,
showed pedagogical elements for use of literature in the classroom as an instrument of
knowledge of history and African culture and african-Brazilian.
KEY-WORDS
Oral tradition. African and african-brazilian literature. Teaching.
FONTES
Poema: “O teu mensageiro” – Odete Semedo
Poema: “Então, o cantor da alma juntou a sua voz ao do Tchintchor” – Odete Semedo
Poema: “Vozes-mulheres” – Conceição Evaristo
Poema: “Do velho ao jovem” – Conceição Evaristo
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VANSINA, JAN. A tradição oral e sua metodologia. In.________História Geral da África
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35
.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a Deus, em primeiro lugar, pela força, coragem, saúde e
sabedoria dadas ao longo desses meses de Especialização, bem como à minha família que
sempre apoiou-me, principalmente, quando o assunto foi estudo, ensino e aprendizagem; à
UFRN pela qualidade do curso, do material fornecido e, principalmente, pelos recursos
humanos disponibilizados, entre eles: coordenadores, professores, tutores e secretários; aos
meus colegas de curso que sempre demonstraram o mesmo apoio, perseverança,
companheirismo, compromisso e responsabilidade; à minha melhor amiga Ezilma, que
acompanhou sábado a sábado a minha trajetória neste curso de Especialização e, por fim,
porém não menos importante, agradeço a oportunidade de ter sido orientada pela Profª Drª
Ana Santana Souza, profissional da educação apaixonada pelo seu ofício e, por assim dizer,
comprometida com o ensino e aprendizagem dos seus alunos, fazendo “a” diferença em suas
orientações.
36
.
APÊNDICE A - Plano de Aula
1 DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Professor (a): Maria Marcela Freire
Escola: Escola Estadual “Tristão de Barros”
Endereço: Av. Bernadete Xavier, 115 – Centro – Currais Novos/RN
Nível: Ensino Médio Inovador
Modalidade: X
Série: 2ª “A”
Turno: Vespertino
Disciplina(s): História, Sociologia, Língua Portuguesa/Literatura e Artes
Carga horária: 14 h/a
2 TEMA
A contação de histórias e, com ela, a “preservação” da tradição oral em poemas de
Odete Semedo e Conceição Evaristo
3 JUSTIFICATIVA
Motivada a partir das aulas do curso de Especialização em História e Cultura Africana
e Afro-brasileira, em específico, pela disciplina “Literaturas Africanas em Língua
Portuguesa” e, sobretudo, a partir de minhas vivências pessoais no que se refere às Literaturas
Africanas e Afro-brasileiras, propus a elaboração e a execução (futuramente) deste Plano de
Aula com a temática A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E, COM ELA, A
“PRESERVAÇÃO” DA TRADIÇÃO ORAL EM POEMAS DE ODETE SEMEDO E
CONCEIÇÃO EVARISTO por entender que é de fundamental importância que o aluno seja
conhecedor das Literaturas não apenas locais, nacionais e ocidentais, mas também das
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa e Afro-brasileiras, tomando como ponto de
partida a premissa de que a Literatura é uma arte e que metaforicamente age como uma lente
de aumento e, muitas vezes, serve como uma espécie de fotografia de uma sociedade,
evidenciando através desta seus lugares, suas cores, seu povo, sua história , seus hábitos e
costumes, enfim, sua cultura.
A Literatura também cumpre outras funções sociais. No caso da poesia, conforme
Fonseca e Moreira (p.18-19) “tem como função primordial sugerir. Ela é um compromisso
37
.
entre a palavra e o silêncio. Uma outra função é a de relatar as formas culturais africanas e a
vivência do autor.” Arlindo Barbeiros(1977 , p.4) apud Fonseca e Moreira (p.19) acrescenta
que “Só é poesia se sugere, só tem expressão , só tem força, só é arte em forma de palavra, se
simultaneamente retém e transcende a palavra.”
Ademais, é também importantíssimo que nossos alunos sejam contemplados em aulas
de História, Sociologia, Língua Portuguesa/Literatura e artes, com momentos de discussão
acerca do que a Literatura oferece, de maneira geral, para o aluno em formação histórica,
social e cultural. Neste sentido, o aspecto a ser trabalhado - através de textos literários e/ou de
outra natureza – a contação de história e, com ela, a importância da tradição oral, bem como
da transmissão de conhecimentos de avós para pais e de pais para filhos, será tido como algo
que não deve ser negado a esse aluno em processo de construção de identidade, familiar,
social e histórico.
4 OBJETIVOS
4.1 – Geral
Compreender, de maneira interdisciplinar, a importância do conhecimento acerca da
história e da cultura africana e afro-brasileira por meio da Literatura Africana em Língua
portuguesa e da literatura afro-brasileira, sobretudo, por meio de um aspecto cultural bastante
observado na ancestralidade dos povos africanos: a arte de contar histórias – representando a
importância da tradição oral - apresentada, aqui por meio de um conto e de quatro poemas.
4.2 - Específicos
Compreender a importância da implantação da Lei 10.639/2003;
Ativar conhecimentos prévios acerca do Continente africano;
Analisar criticamente informações acerca da história e da cultura africana e afro-brasileira;
Discutir acerca do que é/ ou do que pode ser Literatura;
Conhecer breve panorama das Literaturas Africanas em Língua portuguesa por meio de
dois países, em específico: Moçambique e Guiné-Bissau;
Compreender a importância dos Griôs para a importância da história e da tradição oral, ao
passo em que os alunos fazem associações entre os ensinamentos e as histórias contadas pelos
seus avós;
Estabelecer breve comparação entre a Literatura Africana e Afro-brasileira por meio de
poemas de Odete Semedo e Conceição Evaristo;
38
.
Discutir noções de gênero a partir dos poemas de Odete Semedo e Conceição Evaristo e de
outros trabalhos;
Compreender o lugar de fala de mulheres africanas e afro-brasileiras;
Realizar pesquisas acerca dos gêneros discursivos de natureza oral: relato e entrevista, bem
como produzir entrevistas e relatos;
Materializar a contação de histórias através da escrita e, depois, reelaborá-las/reconta-las a
partir da apresentação de uma minipeça.
5 CONTEÚDOS
Lei 10.639/2003;
O que é ou pode ser Literatura?
Panorama das Literaturas Africanas em Língua portuguesa: Moçambique e Guiné-
Bissau;
Literatura Afro-brasileira;
“Griôs: preservando história e tradição”;
Autores Africanos e Afro-brasileiros e suas respectivas obras: Luís Bernardo
Honwana - “As mãos dos pretos”, Odete Semedo – “O teu mensageiro”; “Então, o
cantor da alma juntou a sua voz ao do tchintchor” e Conceição Evaristo - “Vozes-
mulheres” e “Do velho ao jovem”;
Noções de gênero a partir dos subtópicos “Do feminismo” e “Da literatura afro-
brasileira de autoria feminina” presente no artigo “Cânone, feminismo, literatura :
relações e implicações” de Sandra Maria Job;
O lugar de fala de uma afro-brasileira: “Carolina Maria de Jesus”;
Características estruturais dos gêneros discursivos de natureza oral: relato e entrevista.
6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para início de conversa (2 aulas de 50 min.)
Introdução
A aula terá início com a leitura do conto de Luís Bernardo Honwana - “As mãos dos
pretos”. Tal leitura será realizada pelo (a) professor (a). Para tanto, buscar-se-á organizar a
sala (carteiras e alunos) em um semicírculo onde, à sua frente será posta uma esteira e o (a)
professor (a) sentará, convidará os alunos a sentarem-se ao seu redor e a ouvir a história que
ele (a) tem a contar. Porém, antes disso, a turma será provocada a responder a seguinte
39
.
pergunta: - Por que as palmas das mãos dos pretos são mais claras do que o resto do corpo?.
Após a leitura, para ajudar na breve discussão que será proporcionada, alguns
questionamentos serão apresentados. Estes se encontram no APÊNDICE B.
Desenvolvimento
Durante as duas primeiras aulas, aos alunos será dada a oportunidade de realizarem
leituras (individuais, coletivas e compartilhadas) dos textos literários (poemas), previamente
selecionados (Odete Semedo – “O teu mensageiro”; “Então, o cantor da alma juntou a sua voz
ao do tchintchor” e Conceição Evaristo - “Vozes-mulheres” e “Do velho ao jovem”). A turma
será dividida em quatro grandes blocos e cada bloco ficará com um poema diferente.
A leitura antecipada de tais textos terá o intuito de fomentar nesses alunos a
curiosidade acerca do continente africano, dos autores em destaque, bem como de seus
respectivos países. Além disso, os alunos, desde já, através de breves discussões orais,
poderão estabelecer associações e relações de comparação entre uma literatura e outra
(africana e afro-brasileira), bem como entre um gênero literário e outro (conto e poema), além
de observarem o que há em comum entre todos os textos apresentados (a narração, a contação
de história e a importância da tradição oral).
Encerramento da aula
Outro aspecto que também deverá ser apontado e/ou levado em consideração é fazer
com que os alunos percebam, principalmente por meio dos poemas selecionados, a autoria
feminina de tais textos e a representação de mulheres na Literatura, de maneira geral.
1ª ETAPA – (2 aulas de 50 min.)
Introdução
A fim de continuar ativando os conhecimentos prévios dos alunos acerca do continente
africano, alguns alunos serão convidados a localizarem no Mapa Mundi o continente africano
bem como os 6 países que fazem parte do grupo dos PALOP. Mas antes eles terão que inferir
o significado de tal sigla, bem como os nomes desses países. Tendo feito isso, será sugerido
que os alunos desenhem em uma folha de papel ofício a silhueta do continente africano e,
dentro dele, o aluno insira palavras e imagens que possam caracterizá-lo.
Em seguida, será apresentado um vídeo motivador que aborda a importância da Lei
10.639/2003 para a História e cultura Afro-brasileira nas escolas, sejam elas públicas ou
privadas e ouvido a opinião dos alunos quanto à real importância de tal Lei para as vidas
destes.
Desenvolvimento
40
.
Após isso, faremos os alunos refletirem acerca do que é e/ou pode ser Literatura, além
de estimulá-los a fazerem conjecturas sobre possíveis diferenças entre Literatura Africana de
Língua Portuguesa e Literatura Afro-brasileira a partir de questionamentos/atividades
presentes no APÊNDICE C.
Além disso, discutiremos acerca das Literaturas Africanas em Língua Portuguesa a
partir de textos motivadores como: “Literatura africana em língua portuguesa (1)” – Carlos
Alberto Faraco e os subtópicos: “Moçambique” e “Guiné-Bissau” presentes no artigo
“Panorama das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa” – Maria Nazaré Soares Fonseca e
Terezinha Taborda Moreira.
Encerramento da aula
O encerramento da aula dar-se-á com a exibição do vídeo: “Como definir a literatura
africana?” (14min). A fim de retomar os textos apresentados, bem como realizar breve
explanação de textos que falam sobre a literatura de outros países africanos que não foram
contemplados neste Plano de Aula.
Tendo ativado os conhecimentos prévios dos alunos, de maneira genérica, acerca do
continente africano e de questões que envolvem a temática sobre as Literaturas Africanas em
Língua Portuguesa, é chegado o momento de executar as demais etapas previstas para a
continuação da materialização deste Plano de Aula.
2ª ETAPA – (2 aulas de 50 min.)
Introdução
Após retomar a leitura dos textos poéticos, os alunos serão questionados acerca do que
são os “Griôs”. Para tanto, eles serão questionados acerca de possíveis contadores de história
em suas famílias, em sua comunidade, etc. Desta forma, os alunos terão a oportunidade de
lembrar e de socializar as histórias, os “causos” que seus avós costumavam contar-lhes em sua
infância.
Os alunos serão também convidados a irem mais uma vez realizar pesquisa no
laboratório de informática da escola e fazerem anotações sobre a importância dos Griôs.
Desenvolvimento
Além disso, será solicitada dos alunos breve pesquisa acerca da biografia dos autores
em destaque: Luís Bernardo Honwana, Odete da Costa Semedo e Conceição Evaristo. Mas,
antes disso, os alunos deverão marcar/circular/grifar palavras e/ou trechos (em crioulo) dos
poemas que, por ventura, evidenciarão traços de oralidade ou que demonstre semelhança ao
41
.
que os griôs costumam fazer, isto é, interpretar fatos e contar a história oral dos povos
africanos.
Encerramento da aula
Após a discussão será apresentado o texto: “Griôs: preservando história e tradição” e o
texto “Avós e avôs em outras culturas”, sendo sugerido breve comparação entre o conto e os
poemas lidos, atentando-se aos aspectos narrativos e da tradição oral. Para tanto, alguns
questionamentos/atividades presentes no APÊNDICE D servirão como mote para uma breve
análise literária dos poemas em destaque (Odete Semedo – “O teu mensageiro”; “Então, o
cantor da alma juntou a sua voz ao do tchintchor” e Conceição Evaristo - “Vozes-mulheres” e
“Do velho ao jovem”).
3ª ETAPA – (2 aulas de 50 min.)
Introdução
Para iniciar a aula, será escrita no quadro branco a frase: “Ninguém nasce mulher,
torna-se mulher” (Simone de Beauvoir), a fim de conhecer os conhecimentos prévios dos
alunos a respeito da noção de gênero. Em seguida, será apresentada a música/vídeo de Pepeu
Gomes “Masculino e feminino”, a fim de fomentar nestes as distinções que a sociedade faz
entre ser homem e mulher, masculino e feminino, entre outras coisas.
Desenvolvimento
Os alunos serão estimulados a realizarem a leitura do que diz respeito às “relações de
gênero na perspectiva do feminismo, literaturas afrodescendentes e africanas de língua oficial
portuguesa”, a partir dos subtópicos “Do feminismo” e “Da literatura afro- brasileira de
autoria feminina” presente no artigo “Cânone, feminismo, literatura : relações e implicações”
de Sandra Maria Job , dando ênfase às autoras em destaque: Odete da Costa Semedo e
Conceição Evaristo.
Encerramento da aula
Para tanto, alguns questionamentos/atividades serão apresentados no APÊNDICE E, a
fim de que se evidencie o lugar de fala de tais mulheres. Para exemplificar o lugar de fala de
uma afro-brasileira, será exibido o vídeo “Carolina Maria de Jesus” (9min)
4ª ETAPA – (2 aulas de 50 min.)
Introdução
Parte da turma será estimulada a realizar uma atividade de pesquisa - extra sala de aula
(pesquisa de campo) - na qual os alunos participantes poderão visitar a casa de seus avós,
idosos de abrigos, idosos que trabalham na própria escola, em feiras-livres, idosos religiosos e
até mesmo aqueles idosos que costumam ficar à tardinha nas calçadas e realizarem uma
42
.
espécie de entrevista onde sejam coletados registros orais de tais pessoas acerca da cultura
popular local. Será, portanto, solicitado dos alunos levantamento histórico-cultural acerca
dessas pessoas através de suas falas, reflexos de suas memórias, particulares e coletivas.
Desenvolvimento
A turma, portanto, será dividida em dois grandes grupos. O primeiro grupo ficará
responsável pela execução da 4ª ETAPA e o segundo, pela execução da 5ª ETAPA. Ambos os
grupos farão registros escritos, em áudio e imagéticos e apresentarão o resultado da atividade
de pesquisa conforme a avaliação prevista.
Para tal levantamento histórico-cultural será necessário que o aluno exerça sua
autonomia no que diz respeito à elaboração de perguntas, a fim de que se estabeleça a
materialização do gênero textual/discursivo entrevista que, por sua vez, será utilizada como
recurso que ajudará na produção textual final, que será um relato. Os alunos deverão iniciar a
entrevista procurando fazer com que os entrevistados respondam às primeiras perguntas
elencadas no APÊNDICE F.
Encerramento da aula
A fim de que os alunos cumpram, de maneira satisfatória, tanto a atividade de entrevista
quanto à de elaboração de um relato, far-se-á necessário breve explanação acerca da estrutura
de ambos os gêneros discursivos de natureza oral. Para tanto, os alunos serão estimulados a
realizarem pesquisa, na internet (utilizando mais uma vez o laboratório de informática da
escola), acerca desses dois gêneros discursivos e, após isso, alguns questionamentos serão
levantados no que diz respeito às características de cada um.
5ª ETAPA – (2 aulas de 50 min.)
Introdução
Nesta última etapa os alunos deverão produzir e apresentar uma minipeça na qual sejam
contemplados, em seu roteiro, pelo menos a inserção de um dos poemas trabalhados na 1ª
ETAPA, bem como evidencie o(s) resultado(s) das pesquisas realizadas na 4ª ETAPA. Os
critérios avaliativos de tal atividade encontram-se no APÊNDICE G.
Desenvolvimento
O Desenvolvimento destas penúltimas aulas dar-se-á a partir da escolha de um (a)
diretor (a), de um produtor (a), de um roteirista, um figurinista, um sonoplasta, ator (es)/atriz
(es) , participações especiais ou não, além de figurantes, etc. Não esquecendo de organizar o
espaço/ambiente (cenário) onde as ações acontecerão.
Encerramento da aula
No final das aulas será exibido o vídeo: “A construção e preservação da história”
(5min. e 63seg). Desta forma os alunos serão estimulados a realizarem uma espécie de
43
.
reflexão e comparação entre os recursos utilizados para a construção e “preservação” da
história no passado, no presente e no futuro. Ademais, os alunos poderão socializar, numa
espécie de primeiro ensaio, o quê e como eles pretendem apresentar a partir da minipeça
intitulada: “Eu conto e você reconta”.
7 – RECURSOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS
Vídeo motivador – África na Escola lei 10.639;
Cópia da Lei Nº 10.639/2003;
Mapa Mundi;
Cópia dos subtópicos: “Moçambique” e “Guiné-Bissau” presentes no artigo
“Panorama das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa” – Maria Nazaré Soares
Fonseca e Terezinha Taborda Moreira;
Vídeo: “Como definir a literatura africana?;
Vídeo: “A construção e preservação da história”;
Cópia dos subtópicos: “Do feminismo” e “Da literatura afro-brasileira de autoria
feminina” presente no artigo “Cânone, feminismo, literatura: relações e implicações”
de Sandra Maria Job;
Breve biografia de: Luís Bernardo Honwana, Odete Semedo e Conceição
Evaristo;
Cópia do conto: “As mãos dos pretos” - Luís Bernardo Honwana;
Cópia dos poemas: “O teu mensageiro” e “Então, o cantor da alma juntou a sua
voz ao do tchintchor” – Odete Semedo e “Vozes – mulheres” e “ Do velho ao jovem”
– Conceição Evaristo;
Cópia do texto: “Griôs: preservando história e tradição”;
Cópia do texto: “Avós e avôs em outras culturas”;
Cópia do texto: Literatura africana em língua portuguesa (1) - Carlos Alberto
Faraco;
Folhas de papel ofício, tesoura e pinceis permanentes;
Datashow/caixa de som.
8 – COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
Ao final da execução do Plano de Aula, espera-se que o aluno tenha, minimamente,
adquirido a capacidade de observar/perceber a narração de histórias através de contos e de
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.
poemas, bem como tenha exercitado competências e habilidades referentes à oralidade e à
escrita no que tange a discussão acerca do tema Literaturas Africanas em Língua Portuguesa,
exercitando sua autonomia e protagonismo; estabelecendo comparações e produzindo análises
crítico-reflexivas acerca do olhar do outro, quanto a aspectos históricos, físicos, sociais e
culturais de determinados grupos, povos, países em questão. E, a partir disso, que o aluno seja
também capaz de entender os aspectos que envolvem as noções de gêneros que circulam pelas
sociedades.
9 – AVALIAÇÃO
O aluno será avaliado em cada aula, mediante as competências e habilidades adquiridas,
por meio da sua capacidade de percepção quanto aos conhecimentos da história e cultura
africana e afro-brasileira apresentados durante as aulas previstas, bem como sua
participação/colaboração e empenho em executar as solicitações de atividades em sala de aula
e extra-sala de aula. De modo que, durante todo o processo de apresentação da história e
cultura africana e afro-brasileira, o aluno deverá apresentar abertura quanto à recepção das
informações a eles repassadas, compreender o porquê da apresentação de tal temática, ser
questionador e agir com autonomia, enxergar a desvalorização do negro, bem como sua
valorização na construção de sociedades.
Além disso, os alunos deverão ter a capacidade de refletir e analisar criticamente, a
partir de então, as informações que eles já tinham acerca dos conteúdos expostos, assim como
as informações que chegarem a eles futuramente. Para tanto, como penúltima atividade
avaliativa, será sugerido que eles produzam um texto (gênero textual/discursivo: Relato)
tendo como fonte/base de pesquisa, as ETAPAS 4 e 5 realizadas neste Plano de Aula ( tal
atividade de produção textual passará pelo processo de reescrita).
O resultado, portanto, de tal produção textual será apresentado à comunidade escolar,
através de outra linguagem, a teatral, apresentada durante as comemorações que antecederão o
dia 20 de novembro, dia da consciência negra no Brasil, no auditório da escola. Além disso,
tal apresentação também poderá ser exibida durante a realização de algum evento científico-
cultural quer seja na escola ou fora dela. (2 aulas)
CRONOGRAMA††††
††††
É sugerido que se faça adaptações e atualizações quanto às datas da possível aplicação do Plano de Aula,
bem como da turma e alunos selecionados para a materialização do Plano.
45
.
MOMENTOS DIA MÊS HORA
Para início de conversa 28 Outubro/2015 Das 13h às 14h40min
1ª ETAPA 02 Novembro/2015 Das 13h às 14h40min
2ª ETAPA 04 Novembro/2015 Das 13h às 14h40min
3ª ETAPA 09 Novembro/2015 Das 13h às 14h40min
4ª ETAPA 11 Novembro/2015 Das 13h às 14h40min
5ª ETAPA 16 Novembro/2015 Das 13h às 14h40min
Avaliação Final 18 Novembro/2015 Das 13h às 14h40min
10 – REFERÊNCIAS
CASTILHO, Clara. As mãos dos pretos. Disponível em:
<http://estrolabio.blogs.sapo.pt/1028732.html> Acesso em: set.2015
DUARTE, Vânia Maria do Nascimento. Entrevista – um gênero basicamente oral.
Disponível em:< http://www.portugues.com.br/redacao/a-entrevista--um-genero-basicamente-
oral-.html. Acesso em: set.2015> Acesso em: set.2015
DUARTE,Vânia Maria do Nascimento. O Relato pessoal. Disponível em:<
http://www.portugues.com.br/redacao/o-relato-pessoal-.html> Acesso em: set.2015
EVARISTO, Conceição. Poemas de recordação e outros movimentos. Belo Horizonte:
Nandyala, 2008 (Coleção Vozes da Diáspora Negra, Volume 1)
FARACO, Carlos Alberto. Português – língua e cultura: língua portuguesa, 3º ano: ensino
médio: manual do professor. 3ª ed. Curitiba, PR: Base Editorial, 2013.
FONSECA, Maria N.S.F.; MOREIRA, Terezinha T. Panorama das literaturas africanas de
língua portuguesa. Disponível em: <
http://pucminas.br/imagedb/mestrado_doutorado/publicacoes/PUA_ARQ_ARQUI201210191
62329.pdf > Acesso em: 17 set 2015
GOMES, Pepeu. Vídeoclipe: Masculino e feminino. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=Pz2XmDVeGtU> Acesso em: 21 set.2015
JOB, Sandra Maria. Cânone, feminismo, literatura: relações e implicações. Revista
eletrônica Falas Breves, Literatura & Sociedade. Breves-PA, fev/2015, v.2. I Disponível em <
http://www.falasbreves.ufpa.br/artigos/segunda-edicao/sandra-maria-job.pdf >Acesso em: 21
ago 2015
LiteratusTV. Como definir a literatura africana? Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=ux_9DXk1sLo. Acesso em: 25 set.2015
MORAES, Marcos Vinícios. Tradição africana. Disponível em:<
http://www.youtube.com/watch?v=u6SUZWSf1r4> Acesso em: 25 set.2015
46
.
MORAES, Renato. A construção e preservação da história. Disponível em:<
http://www.youtube.com/watch?v=P0K08bzq12U> Acesso em: 25 set.2015
OLIVEIRA, Leunice Martins de. Griôs: preservando história e tradição. Jornal Mundo
Jovem. Jul/2015, v.1, n.3
SEMEDO, Odete Costa. No fundo do canto. Viana do Castelo, Portugal: Câmara Municipal,
2003.
SOUSA. Luísa de Andrade. África na escola lei 10.639. Disponível em:<
http://www.youtube.com/watch?v=9EgXH-GPgFE> Acesso em: 25 set.2015
APÊNDICES
APÊNDICE A – Lista frequência dos alunos da 2ª série “A”
# Matrícula Nome
1 201430053189 ALDAIZA RAYSSA SANTOS
2 201430054239 ALISON AZEVEDO DO NASCIMENTO
3 201331261380 AMANDA THALIA DA SILVA
4 201331261503 ANNE CAROLINY GARCIA DE ARAÚJO
5 201331261684 BRENDA THAYNÁ MEDEIROS SILVA
6 201331261610 BÁRBARA POLYANA SANTOS DE MEDEIROS
7 201331261835 CLARA MIKAELLY SANTOS DE ARAÚJO
8 201331261746 CÁSSIA GIOVANNA SILVA BARBOSA
9 201331262064 DAYANNY MAYARA DA SILVA LIMA
10 201430103843 DIEGO EMANUEL DE LIMA CIRILO
11 201331262270 FRANCISCO DAS CHAGAS FLORENTINO
12 201331262298 GABRIEL TCHYAKOWYKS DA SILVA SOUZA
47
.
13 201331262387 GUSTAVO WILLIAN DO NASCIMENTO
14 201530015636 IGOR DA SILVA GUERRA
15 201430197071 JESSICA MAYARA DE ARAUJO BATISTA
16 201331262799 JOSÉ MÁRIO DE MEDEIROS JÚNIOR
17 201331262529 JÉSSYCA VIVIANE SANTANA DE SOUZA
18 201331504218 JÚLIO MARTINS DANTAS
19 201331262841 LARYSSA VANESSA DE MEDEIROS SANTOS
20 201331281945 MADSON LUÍS GOMES JÚNIOR
21 201430904568 MARIA EDUARDA SILVA BRITO
22 201331262977 MARIA GABRIELLY DE SOUZA ANDRADE
23 201331281480 MARIA LAUREANY DE SOUZA
24 201331281515 MAYCON WILLAM DIAS SILVA
25 201331282030 MIDIÃ OLIVEIRA SILVA
26 201331534431 NATHÁLIA ANDRIELLY DANTAS DA SILVA
27 201331505592 NYCOLAS MATHEUS DE SOUZA BRITO
28 201331281542 PABLO AUGUSTO DE OLIVEIRA
29 201331281631 RANIEDYSON ELIABE SOUZA SANTOS
30 201331281687 SABRINA DE FÁTIMA ARAÚJO DA SILVA
31 201331506114 SANDNEY EDUARDO DE OLIVEIRA ARAÚJO
32 201331281847 WELLINGTON DOUGLAS DA SILVA
CONFESSOR
33 201331281892 YÚRI DE ARAÚJO CUNHA
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.
APÊNDICE B – Questões (retiradas do livro) que nortearão a discussão sobre o texto: “As
mãos dos pretos”
O autor, pela ingênua voz narrativa de uma criança, registra, com sutil ironia, os
discursos que circulavam no mundo do colonialismo e participavam de sua sustentação
simbólica.
1 - Como ficamos sabendo que o narrador não é preto?
2 - A grande questão do narrador é saber por que “os pretos têm as palmas das mãos
assim mais claras”. Recebe sete respostas diferentes antes de ouvir a mãe. De que modo a
resposta da mãe contrasta com todas as demais?
3 - Ao ouvir o resto das respostas anteriores, a mãe ri muito. Mas, depois de dar a sua
resposta, ela chora muito. Como poderíamos justificar o choro da mãe?
OBS.: Tais questionamentos deverão ser realizados individualmente, através da
modalidade escrita da Língua Portuguesa.
APÊNDICE C – Questões para ativar os conhecimentos prévios dos alunos acerca dos
estudos históricos e culturais africanos e afro-brasileiros
1 - Você considera importante o ensino e, por conseqüência, o estudo a história e cultura
africana e afro-brasileira? Justifique sua resposta.
2 - Quais elementos histórico-culturais africanos e afro-brasileiros você conhece e com quais
você mais se identifica?
3 - O que é Literatura?
4 - Pesquise, no laboratório de informática da escola, os principais nomes de autores (as)
africanos e afro-brasileiros, bem como de suas respectivas obras. Dê destaque aos países:
Moçambique, Guiné-Bissau e Brasil.
Obs.: Tais questionamentos deverão ser respondidos coletivamente (3 grupos com 10
participantes), por meio da modalidade escrita da Língua Portuguesa.
APÊNDICE D – Questões que orientarão a discussão acerca breve análise literária dos
poemas no que concerne ao estilo narrativo dos poemas, bem como à importância da tradição
oral.
1 - O que são os Griôs?
34 201331352840 JESSICA SILVA DE MOURA
49
.
2 - Qual a representação dos griôs no Brasil?
3 - Destaque, nos textos poéticos, palavras e /ou expressões que remetam o estilo narrativo,
bem como à importância da tradição oral.
4 - Quais as semelhanças entre os poemas de Odete Semedo e os de Conceição Evaristo?
5 - Quais as diferenças entre os poemas de Odete Semedo e os de Conceição Evaristo?
6 - No poema de Odete Semedo “Então, o cantor da alma juntou a sua voz ao do tchintchor” é
notório, desde o seu título, a presença de palavras de origem CRIOULA. Pesquise na internet
o significado de tais palavras.
OBS.: Tal atividade deverá ser realizada em grupo (6 grupos com 5 participantes). A priori
será realizada na modalidade escrita da Língua Portuguesa e, a posteriori, na modalidade oral
da Língua Portuguesa , de maneira que todos possam construir tais conhecimentos e
compartilha-los ao mesmo tempo.
APÊNDICE E – Questões para nortear as discussões acerca de relações de gênero na
Literatura africana e afro-brasileira
1 - O que é ser Mulher?
2 - Pesquise na internet o que é ser mulher. Apresente alguns conceitos.
3 - Pesquise na internet alguns significados de SEXO, GÊNERO e SEXUALIDADE.
4 - No poema de Conceição Evaristo “Vozes-mulheres” há a presença de cinco vozes, isto é,
lugares de fala de alguns personagens históricos, sociais e culturais. Destaque tais vozes e
realize breve análise literária com base no que fora trabalhado durante as aulas, mas,
principalmente, no que se refere às relações de gênero na Literatura.
OBS.: Tal atividade deverá ser realizada em grupo. Os três primeiros grupos corresponderão
às três primeiras atividades, cada uma com a participação de oito alunos. A última atividade
contará com a participação de dez alunos. Após a realização das atividades, montar-se-á uma
espécie de mesa-redonda onde todos os alunos irão participar e dar a sua colaboração quanto
ao tema proposto: “Lugar de mulher é...”.
APÊNDICE F – Roteiro de entrevista a ser realizada pelos alunos (com o intuito de fazer
levantamento histórico-cultural acerca de pessoas (idosas ou não) que costumam contar
histórias).
50
.
“Realizar pesquisas sobre a cultura popular local, por meio de registro de relatos orais dos
mestres e pessoas idosas que detêm os saberes e fazeres tradicionais, a fim de preservar e
difundir a cultura entre a população e a intermediação com gerações futuras.”
1-Nome completo do entrevistado
2- Idade
3 - Naturalidade
4 - Endereço completo
5 - Profissão
6 - (perguntas elaboradas pelos alunos)
7 - Data da entrevista
8 - Nome completo do entrevistador
APÊNDICE G - Critérios avaliativos concernentes à 5ª ETAPA:
1- Os alunos apreenderam de maneira satisfatória a noção de contação de histórias, bem como
a importância da tradição oral e transmissão de conhecimentos?
2 - Cumpriram o atendimento aos gêneros discursivos solicitados (entrevista e relato) em
consonância à outra linguagem utilizada, a teatral?
3 - Coerência e articulação com as informações obtidas em sala de aula e resultados da
pesquisa?
4 - Participação colaborativa de toda a turma envolvida?
5 - Compromisso, autonomia e criatividade.
51
.
ANEXOS
ANEXO A – Conto de Luís Bernardo Honwana
AS MÃOS DOS PRETOS
Já não sei a que propósito é que isto vinha, mas o senhor Professor disse um dia que as
palmas das mãos dos pretos são mais claras do que o resto do corpo porque ainda há poucos
séculos os avós deles andavam com elas apoiadas ao chão, como os bichos do mato, sem as
exporem ao sol, que lhes ia escurecendo o resto do corpo. Lembrei-me disso quando o Senhor
padre, depois de dizer na catequese que nós não prestávamos mesmo para nada e que até os
pretos eram melhores que nós, voltou a falar nisso de as mãos serem mais claras, dizendo que
isso era assim porque eles andavam com elas às escondidas, andavam sempre de mãos postas,
a rezar.
Eu achei um piadão tal a essa coisa de as mãos dos pretos serem mais claras que agora
é ver-me não largar seja quem for enquanto não me disser porque é que eles têm as mãos
assim tão claras. A Dona Dores, por exemplo, disse-me que Deus fez-lhes as mãos assim mais
claras para não sujarem a comida que fazem para os seus patrões ou qualquer outra coisa que
lhes mandem fazer e que não deve ficar senão limpa.
O Antunes da Coca-Cola, que só aparece na vila de vez em quando, quando as Coca-
Colas das cantinas já tenham sido vendidas, disse que o que me tinham contado era aldrabice.
Claro que não sei se realmente era, mas ele garantiu-me que era. Depois de lhe dizer que sim,
que era aldrabice, ele contou então o que sabia desta coisa das mãos dos pretos. Assim:
- Antigamente, há muitos anos, Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Virgem Maria, São Pedro,
muitos outros santos, todos os anjos que nessa altura estavam no céu e algumas pessoas que
tinham morrido e ido para o céu fizeram uma reunião e resolveram fazer pretos. Sabes como?
Pegaram em barro, enfiaram em moldes usados de cozer o barro das criaturas, levaram-nas
para os fornos celestes; como tinham pressa e não houvesse lugar nenhum ao pé do brasido,
penduraram-nas nas chaminés. Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos como carvões. E tu
agora queres saber porque é que as mãos deles ficaram brancas? Pois então se eles tiveram de
se agarrar enquanto o barro deles cozia?!
Depois de contar isto o Senhor Antunes e os outros Senhores que estavam à minha
volta desataram a rir, todos satisfeitos.
Nesse mesmo dia, o Senhor Frias chamou-me, depois de o Senhor Antunes se ter ido embora,
e disse-me que tudo o que eu tinha estado para ali a ouvir de boca aberta era uma
grandessíssima pêta. Coisa certa e certinha sobre isso das mãos dos pretos era o que ele sabia:
que Deus acabava de fazer os homens e mandava-os tomar banhai num lago do céu. Depois
do banho as pessoas estavam branquinhas. Os pretos, como foram feitos de madrugada e a
essa hora a água do lago estivesse muito fria, só tinham molhado as palmas das mãos e dos
pés, antes de se vestirem e virem para o mundo.
Mas eu li num livro que por acaso falava nisso, que os pretos têm as mãos assim mais
claras por viverem encurvados, sempre a apanhar o algodão branco da Virgínia e de mais não
sei onde. Já se vê que Dona Estefânia não concordou quando eu lhe disse isso. Para ela é só
por as mãos deles desbotarem à força de tão lavadas.
Bem, eu não sei o que vá pensar disso tudo, mas a verdade é que, ainda que calosas e
gretadas, as mãos dum preto são mais claras que todo o resto dele. Essa é que é essa!
A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão das mãos dos pretos
serem mais claras do que o resto do corpo. No outro dia em que falámos nisso, eu e ela,
estava-lhe eu ainda a contar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de rir. O que
achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis
52
.
saber, e só tivesse respondido depois de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir
sobre a coisa, e esmo até chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O
que ela disse foi mais sou menos isto:
- Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele
pensou que realmente tinha de os haver…. Depois arrependeu-se de os ter feito porque os
outros homens se riam deles e levavam-nos para casa deles para os pôr a servir de escravos ou
pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos, porque os que já se
tinham habituados a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles
ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que
foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para
mostrar que o que os homens fazem é apenas obra dos homens…Que o que os homens fazem
é efeito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tivessem juízo sabem que antes de serem
qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos
dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos.
Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.
Quando fui para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma
pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido.
ANEXO B – Poema de Odete da Costa Semedo
O TEU MENSAGEIRO
Não te afastes
aproxima-te de mim
traz a tua esteira e senta-te
Vejo tremenda aflição no teu rosto
mostrando desespero
andas
e os teus passos são incertos
Aproxima-te de mim
pergunta-me e eu contar-te-ei
pergunta-me onde mora o dissabor
pede-me que te mostre
o caminho do sofrimento
porque sou eu o teu mensageiro
Não me subestimes
aproxima-te de mim
não olhes estas lágrimas
descendo pelo meu rosto
nem desdenhes as minhas palavras
por esta minha voz trémula
de velhice impertinente
Aproxima-te de mim
não te afastes
vem...
senta-te que a história não é curta
53
.
ANEXO C – Poema de Odete da Costa Semedo
ENTÃO, O CANTOR DA ALMA JUNTOU A SUA VOZ AO DO TCHINTCHOR
Os meus filhos
os filhos dos meus filhos
hão-de perguntar um dia
porque tudo isto
porque a terra se fechou
olhando o próprio umbigo
Nada omitirei
nem uma sílaba
Não esconderei a verdade
Responderei
ao meninos da minha terra
cantando a história dos bichos
Que a centopéia
não tem dois pés
mas cem pés
veneno em cada um
Está em toda a parte
tão igual ao homem
A sanguessuga
duas bocas
uma que suga
e outra que sopra
para amainar a dor
e sugar melhor
Contarei às crianças da minha terra
que as centopéias são engenhosas
irmanam com a terra e com a lama
As sanguessugas mais astuciosas
tudo sugam?
Não esconderei aos meninos
da minha terra
o segredo das cores do camaleão
animal ligeiro
e matreiro
que astutamente caminha
tomando as cores
e os propósitos da ocasião
Não mudarei de assunto
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enquanto não saciar a sede
dos meninos da minha terra
Vou contar-lhes
a história do Matutino
sempre que lhe dava jeito
virava Vespertino
Os meninos terão notícias do Viviano Presentino
neto de nhu Prudêncio
e nhara Conveniência
Hei-de cantar às crianças
a versão inventada
de kumandja-kumandja
de ndulé-ndulé
em passos de nhenku-nhenku
Entre o contar e o cantar
sem perder fio
e de cor e salteado
vou contar aos meninos da minha terra
a história do carneiro
com a sua lã nasceu
e com ela pereceu
a história do limão
azedo veio ao mundo
e assim morreu
Vou contar aos meninos
da minha terra
do meu chão
a história do corpo sem cabeça
que sucumbiu
a espumar pelos pés
por não ter cara
Não me vou esquecer
da história do homem sem rosto
que se perdeu na multidão
e que um dia
cansado do aleijão
fez uma máscara
ajusta-lhe bem...
Os meninos da minha terra
vão acompanhar-me no coro
de silimbique-nbique
juntaremos os nosso risos
as nossas vozes
perguntando à cabra cega
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aonde vais(nunde ku bu na bai)
- vou buscar leite
para os meus meninos
As nossas mãos
jogando ori
ágeis e lépidas
caroço a caroço
Os nossos dedos buscando
as pedras de doli
nos montinhos de areia
Construindo
ANEXO D – Poema de Conceição Evaristo
VOZES-MULHERES
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recorre todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
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a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
ANEXO E – Poema de Conceição Evaristo
DO VELHO AO JOVEM
Na face do velho
as rugas são letras,
palavras escritas na carne,
abecedário do viver.
Na face do jovem
o frescor da pele
e o brilho dos olhos
são dúvidas.
Nas mãos entrelaçadas
de ambos,
o velho tempo
funde-se ao novo,
e as falas silenciadas
explodem.
O que os livros escondem,
as palavras ditas libertam.
E não há quem ponha
um ponto final na história
Infinitas são as personagens...
Vovó Kalinda, Tia Mambene,
Primo Sendó, Ya Tapuli,
Menina Meká, Menino Kambi,
Neide do Brás, Cíntia da Lapa,
Piter do Estácio, Cris de Acarí,
Mabel do Pelô, Sil de Manaíra,
E também de Santana e de Belô
e mais e mais, outras e outros...
Nos olhos do jovem
também o brilho de muitas histórias,
E não há quem ponha
um ponto final no rap
É preciso eternizar as palavras
da liberdade ainda e agora...
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ANEXO F – Sobre os Griôs e a importância da tradição oral
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ANEXO G – Sobre Avós e avôs em outras culturas
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ANEXO H – Sobre o gênero textual/discursivo: Entrevista – um gênero basicamente oral
Escrito por: Vânia Maria do Nascimento Duarte
O enfoque aplicado ao termo “basicamente” se refere a uma noção genérica de que estamos
acostumados a presenciar pessoas concedendo entrevistas aos veículos de comunicação, ora
representados pelo rádio ou televisão, de forma presencial, ou seja, ao vivo. No entanto, há
entrevistas que são transcritas para a linguagem escrita, como é o caso da ocorrência em
jornais impressos ou revistas.
O aspecto que incide na diferença entre a modalidade oral/escrita é justamente as marcas da
oralidade, visto que a linguagem corporal, como, por exemplo, gestos, interrupção e retomada
de pensamentos, também compõem o perfil do entrevistado.
Tal gênero possui uma finalidade em si mesmo – a informação. Trata-se da interação entre os
interlocutores, aqui representados na pessoa do entrevistador e do entrevistado, cujo objetivo
desse é relatar suas experiências e conhecimentos acerca de um determinado assunto de
acordo com os questionamentos previamente elaborados por aquele.
Referindo-nos à questão inerente ao preparo prévio, este se faz necessário em função da
credibilidade requisitada pelo gênero em foco. Mesmo sendo algo relacionado à fala, o
emprego de um certo formalismo e a adoção de uma postura adequada são imprescindíveis.
Analisemos de fato sobre a importância desse ato de proceder como tal. Ora, sabemos que há
diferentes tipos de entrevistas, entre elas: a entrevista de emprego, a entrevista médica, a
jornalística, dentre outras. A “imagem” que pretendemos passar fala muito a respeito de nós
mesmos, daí a importância de nos posicionarmos de maneira condizente com os fatos
circunstanciais.
Não podemos deixar de mencionar que aliado a esses requisitos também se encontra aquele a
que nos é primordial - a busca incessante pelo conhecimento com vistas à amplitude de nossa
visão de mundo. No caso do entrevistador, é elementar que, antes de tudo, ele tenha domínio
do assunto em referência de modo a elaborar um roteiro de perguntas consideradas plausíveis
e, assim, alcançar seus objetivos propostos.
Concluindo nossos conhecimentos com relação às particularidades da referida modalidade,
analisemos alguns de seus elementos constitutivos. Geralmente, a entrevista costuma compor-
se de:
* Manchete ou título – Como o objetivo é despertar o interesse no público expectador, essa
costuma vir acompanhada de uma frase de efeito, proferida de modo marcante por parte do
entrevistador.
* Apresentação - Nesse momento faz-se referência ao entrevistado, divulgando sua autoridade
em relação ao posicionamento social ou relevância no assunto em questão, como, por
exemplo, experiência profissional e conhecimentos relativos à situação em voga, como
também os pontos principais relativos à entrevista.
* Perguntas e respostas – Trata-se do discurso propriamente dito, em que perguntas e
respostas são proferidas consoante ao assunto abordado. Em meio a essa interação há um
controle por parte do entrevistador para demarcar o momento da atuação dos participantes.
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ANEXO I - Sobre o gênero textual/discursivo: O relato pessoal
Escrito por: Vânia Maria do Nascimento Duarte
Parece interessante... mas a verdade é que nós, enquanto seres eminentemente sociais, somos
contagiados pelo desejo de compartilhar fatos decorrentes da nossa vivência com alguém em
que podemos confiar, seja um parente próximo ou “aquele velho amigo”. Tais fatos tanto
podem ser alegres, tristes, trágicos, horripilantes ou cômicos, o fato é que a todo o momento
estamos relatando sobre algo, embora às vezes passe despercebido. Por se tratar de um
procedimento corriqueiro, nem sempre nos damos conta da referida atitude.
Tem-se assim uma ideia generalizada do assunto em questão. No entanto, nosso objetivo é dar
ênfase ao estudo do relato enquanto modalidade textual, levando-se em consideração suas
características de ordem linguística. Quando nos referimos ao ato de narrar, tão logo nos
remetemos à ideia de contar sobre algo, e como tal, todo e qualquer acontecimento se perfaz
de determinados elementos, entre os quais podemos mencionar: personagens, tempo,
narrador, espaço enredo. Aspectos esses que nos parecem bastante familiares, semelhantes a
algum tipo textual que já norteia nossos conhecimentos, não é verdade?
Pois bem, parecemos estar convictos de que se trata de uma narração. Portanto, partindo desta
prerrogativa, temos que o relato, por se tratar de um discurso condizente a experiências
pessoais, geralmente é narrado em 1ª pessoa, no qual os verbos se encontram no presente ou
no pretérito, e a linguagem pode variar, podendo adquirir um caráter tanto formal quanto
informal. Tudo dependerá do grau de intimidade existente entre narrador e seus respectivos
interlocutores.
Tendo como foco o estudo do relato como gênero, atentamos para o fato de que este pertence
à modalidade escrita da linguagem e, por assim dizer, o caracterizamos como sendo um
gênero no qual alguém conta fatos relacionados à sua vida, cuja função é registrar as
experiências pessoais no intento de que estas possam servir como fonte de consulta ou
aprendizado para outras pessoas.
Entretanto, o relato pode materializar-se pela oralidade, tendo como público expectador um
ou mais ouvintes. Comumente, ao participarmos de um evento, no qual temos a oportunidade
de assistirmos a palestras, seminários e conferências, percebemos que o palestrante em um
determinado momento alia ao seu discurso fatos que envolvem sua trajetória cotidiana, os
quais denotam verdadeiras lições de vida e ensinamento.
Sendo assim, para que o relato possa se tornar passível de constatação por várias pessoas, ele
poderá ser gravado, seja em áudio ou vídeo e, posteriormente, ser transcrito e publicado por
inúmeros meios de comunicação, dentre estes, jornais, revistas, livros, sites, entre outros,
passando a se caracterizar com documentos históricos de notável importância.
ANEXO J – Literatura africana em língua portuguesa(1) – Carlos Alberto Faraco
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ANEXO K – “Do feminismo” e “Da literatura afro-brasileira de autoria feminina” presentes
no artigo Cânone, feminismo, literatura: relações e implicações de Sandra Maria Job
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