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1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia MARIANA CELA O Fazer do Psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família NATAL 2014

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia

MARIANA CELA

O Fazer do Psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família

NATAL

2014

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MARIANA CELA

O Fazer do Psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família

Dissertação elaborada sob orientação da Prof. Dra. Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Natal 2014

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UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede.

Catalogação da Publicação na Fonte.

Cela, Mariana.

O fazer do psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família / Mariana Cela. – Natal, RN, 2014.

129 f.

Orientador: Profª. Drª. Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Psicologia.

1. NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família) – Dissertação. 2. Psicólogo – Prática profissional –

Dissertação. 3. Atenção básica em saúde – Dissertação. 4. Saúde pública – Dissertação. 5. Matriciamento – Dissertação. I. Oliveira, Isabel Maria Farias Fernandes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BCZM CDU 159.9:614.39

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação "O Fazer do Psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família", elaborada por Mariana Cela, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA

Natal, RN, 27 de janeiro 2014.

BANCA EXAMINADORA

Ana Alayde Werba Saldanha _________________________________ Cândida Maria Bezerra Dantas ________________________________ Isabel Fernandes de Oliveira _________________________________

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Para Neusa Glavina Cela,

Minha avó amada

Que estará sempre comigo.

In memoriam

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Agradecimentos

A Deus pela vida, e por me mostrar tantos motivos para ser grata. Agradeço,

sobretudo, aos belos encontros, que não poderiam ser obra do acaso.

À minha família, meu alicerce sem o qual eu não seria nada. Meus pais Cesar e

Vânia, que me deram uma vida de amor e me ensinaram a viver usando as próprias

vidas como exemplo, donos do meu amor incondicional. Às minhas irmãs Bia e Jéssica,

agradeço pela alegria de tê-las em minha vida, cuidado e amor que o tempo e a distância

jamais abalarão. Aos meus avós Olga, Marcílio e Neusa que sempre me ensinaram que

carinho nunca é demais! Exemplos de fé, amor, perseverança, caridade... exemplos de

vida que levo comigo por onde for.

Ao meu companheiro Fred, com quem compartilho meu amor e meus sonhos.

Agradeço por sua presença sublime em minha vida, por me acompanhar nessa aventura

que é viver, sempre com doçura e amor sincero. Agradeço por me levantar todas as

vezes que minhas pernas fraquejam, e por ter o poder de me fazer sorrir.

À Prof.ª Dra. Isabel Fernandes, por ter me doado tanto do seu tempo e do seu

carinho. Agradeço por ter compartilhado seu conhecimento comigo e por ter acolhido

minha ansiedade e angústia com tanto cuidado e sabedoria.

Às amigas com quem dividi as dores e delícias de fazer um mestrado, Ana

Cândida, Shênia, Suzany e Carol, que me deram as mãos e juntas resistimos com

bravura aos percalços deste caminho. E a todos os companheiros de turma que fizeram

as disciplinas mais leves e os seminários mais felizes, em especial Luciana, Alenuska e

Gorete que foram responsáveis por muitos dos meus sorrisos.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa Marxismo & Educação, companheiros de luta

e labuta. Em especial à Marília, Rafaela e Nívia que doaram bastante do seu tempo na

transcrição das entrevistas desta pesquisa, e Keyla Mafalda pelo incansável olhar atento

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nas revisões. E aos professores Dr. Oswaldo Yamamoto e Dra. Ilana Paiva, que nunca

deixaram faltar ternura na tarefa de transmitir conhecimento.

Aos amigos de toda a vida: Alana, Luis André, Aloma, Ramsés e Diogo,

presentes mesmo quando distantes, são em minha vida cumplicidade e amor.

A todos aqueles que com belas presenças, serviram de farol ajudando a me guiar

em meus caminhos. À Martha Traverso-Yépez, mestre e amiga, que me conduziu às

belezas e responsabilidades do mundo acadêmico; e à Doriana Setúbal que, com

sabedoria e amor, me levou pelas mãos numa viagem em busca de mim mesma.

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“Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais

trivial, na aparência singelo. E examinai,

sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos

expressamente: não aceiteis o que é de hábito como

coisa natural, pois em tempo de desordem

sangrenta, de confusão organizada, de

arbitrariedade consciente, de humanidade

desumanizada, nada deve parecer natural nada

deve parecer impossível de mudar.”

BERTOLD BRECHT

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Resumo O Ministério da Saúde regulamentou em 2008 o Núcleo de Apoio à Saúde da Família

(NASF) como um dispositivo de suporte e complementaridade da Estratégia Saúde da

Família. O NASF, por meio do apoio matricial, potencializa as equipes Saúde da

Família frente à grande variedade de demandas e atividades que se encontram sob seu

encargo. Estruturam-se em equipes com profissionais de diversas especialidades da

saúde, dentre as quais se encontra a saúde mental. Em estudos preliminares, observou-se

que os psicólogos têm sido os principais representantes da saúde mental nos NASF

instalados no Rio Grande do Norte. Diante deste quadro, este estudo se propõe a

problematizar a prática profissional dos psicólogos que atuam em equipes NASF no

RN, no que se refere aos modelos de atuação empregados, discutindo-as sob a ótica

proposta pela saúde coletiva e pelos direcionamentos do SUS para a atenção básica.

Objetiva-se ainda, de maneira mais específica: identificar as formas de inserção

profissional do psicólogo neste campo; caracterizar o trabalho exercido pelo psicólogo

no NASF (atividades desenvolvidas); e produzir uma análise das características e

limites dessa ação, a partir das referências teórico-metodológicas fundadas na ontologia

marxiana. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com psicólogos que atuam nas

equipes NASF mais antigas do RN. Realizou-se a análise do material seguindo os

blocos de informação: determinantes da entrada no psicólogo nos serviços; formação

para a prática atual; funcionamento do NASF; atividades realizadas pela equipe NASF e

pelo psicólogo; articulação de ações; e limites da atuação do psicólogo no NASF.

Destaca-se nos resultados obtidos a pouca articulação do trabalho do psicólogo com

outros profissionais e equipes, indicando ainda a prevalência do modelo clínico

tradicional (individual e ambulatorial) como orientação da sua atuação em detrimento

da lógica matricial que é fundamento da proposta de ação do NASF. Ressalta-se ainda o

potencial da ação dos psicólogos no NASF, em contribuir para a realização do cuidado

integral.

Palavras-Chave: NASF; atuação do psicólogo; atenção básica em saúde; saúde pública;

matriciamento.

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Abstract

The Brazilian Ministry of Health regulated in 2008 the Family Health Support Nucleus

(FHSN) as a device for support and complementarity to the Family Health Strategy. The

FHSN, through the matrix support, potentiates the Family Health teams on dealing with

a great variety of demands and activities that are under their responsibilities. It is

structured in teams of professionals from various health specialties, among which is the

mental health. In preliminary studies we noticed that the psychologists have been the

main representatives of mental health professionals at the FHSN from Rio Grande do

Norte (RN-Brazil). On this scenario, this study intends to problematize the professional

practice of the psychologists who work at the FHSN teams in RN, regarding how their

work is done, discussing it under the perspective of collective health and the directions

for the basic health care on Brazilian’s health system. Still as a goal, in more specific

ways: identify the forms of professional insertion of the psychologists in this field;

characterize the work done by the psychologist at the FHSN (developed activities); and

produce an analysis of the characteristics and limits of those actions, from theoretical

and methodological references based on Marxian ontology. Were performed

semistructured interviews with psychologists working in the oldest FHSN teams form

RN. We conducted the analysis of the material following the blocks of information:

determinants of the psychologist entry at the services, training for current practice;

operation of FHSN; activities performed by FHSN team and the psychologist; joint

actions; and limits of psychology practice in the FHSN. An important result, we

observed the little articulation of practicing between the psychology and other

professionals and teams, further indicating the prevalence of the traditional medical

model (individual and outpatient) as guidance of their performance instead of the matrix

logic that is the foundation of the proposed action for the FHSN. We also emphasize the

potential of psychologists’ actions at the FHSN on contributing to the achievement of

comprehensive care.

Keywords: family health support nucleus; psychologist practice; basic health care;

public health; matrix support

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Sumário

1. Introdução ..................................................................................................................... 11

2. SUS: Da concepção ao desenho atual ........................................................................... 14

2.1. Atenção Básica ........................................................................................................ 28

3. Núcleo de apoio à Saúde da Família ............................................................................. 35

4. Os caminhos da Psicologia no Brasil ............................................................................. 45

5. Procedimentos e Método .............................................................................................. 59

5.1. Campo e Participantes ............................................................................................ 62

5.2. Roteiro da Entrevista .............................................................................................. 63

5.3. Análise do material coletado .................................................................................. 63

6. Resultados e Análise ...................................................................................................... 65

6.1. Determinantes da entrada do psicólogo nos serviços............................................ 65

6.2. Formação para a prática atual ................................................................................ 66

6.3. Funcionamento do NASF ........................................................................................ 71

6.4. Atividades realizadas .............................................................................................. 73

6.4.1. Apoio Matricial ............................................................................................. 74

6.4.2. Acolhimento ................................................................................................. 77

6.4.3. Atendimento Ambulatorial – ação clínica direta.......................................... 79

6.4.4. Grupos informativos e terapêuticos............................................................. 83

6.4.5. Palestras ....................................................................................................... 87

6.4.6. Registro das atividades ................................................................................. 89

6.4.7. Visitas domiciliares ....................................................................................... 92

6.4.8. Capacitação .................................................................................................. 95

6.4.9. Mapeamento ................................................................................................ 97

6.5. Ações de articulação na rede de saúde e intersetoriais ....................................... 100

6.5.1. Articulação da equipe NASF ....................................................................... 100

6.5.2. Articulação entre ENASF e equipe SF ......................................................... 103

6.5.3. Articulação do NASF com outros dispositivos ............................................ 107

6.6. Desafios e limites da atuação do psicólogo no NASF ........................................... 109

Considerações Finais................................................................................................. 114

Referências .............................................................................................................. 120

Anexo ...................................................................................................................... 127

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Introdução

O presente estudo tem como objetivo problematizar a prática profissional dos

psicólogos que atuam em equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) no

Rio Grande do Norte, no que se refere aos modelos de atuação empregados, discutindo-

as sob a ótica proposta pela saúde coletiva e pelos direcionamentos do SUS para a

atenção básica. Além deste objetivo central, visou-se identificar as formas de inserção

profissional do psicólogo neste campo, caracterizar o trabalho exercido pelo psicólogo

no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir

uma análise das características e limites dessa ação.

O estudo foi desenvolvido em três etapas: a primeira delas foi a organização de

dados sobre os NASF do Rio Grande do Norte e os profissionais de psicologia que neles

atuam, com esses dados foram elaborados os delineamentos metodológicos, como a

escolha dos participantes que se caracterizam por serem psicólogos que atuam nas

equipes NASF mais antigas do RN (estabelecidas no ano de 2008); na segunda etapa da

pesquisa se deu a coleta de dados por meio de entrevistas semi-estruturadas realizadas

individualmente com os participantes, gravadas, transcritas e organizadas no software

QDA miner; na terceira etapa o material organizado foi analisado a partir das

referências teórico-metodológicas fundadas na ontologia marxiana.

A análise dos dados desta pesquisa toma como referência o construto teórico

desenvolvido ao longo dos três primeiros capítulos desta dissertação. No primeiro

capítulo buscamos retomar historicamente a formação e construção do Sistema Único

de Saúde como um percurso não linear, buscando abarcar alguns dos diversos conflitos

e divergências que compuseram o embate de forças políticas e sociais e seus reflexos no

desenho atual do SUS.

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No segundo capítulo focalizamos o Núcleo de Apoio à Saúde da Família com o

intuito de explanar seu surgimento, funcionamento e seu papel dentro da rede de

atenção. O NASF é um dispositivo da Atenção Básica em saúde que surge para

complementar e qualificar a Estratégia Saúde da Família, atuando prioritariamente no

apoio matricial às equipes Saúde da Família. Em uma composição multiprofissional

integrada, a equipe NASF se organiza em nove áreas estratégicas, dentre elas está a

saúde mental, para atender a esta organização é recomendado que cada equipe conte

com pelo menos um profissional de saúde mental, podendo este ser médico psiquiatra,

terapeuta ocupacional ou psicólogo.

Este estudo tem como foco a atuação do psicólogo no NASF, para possibilitar

uma análise de sua atuação é preciso compreender como a Psicologia se estabelece

historicamente no Brasil. No terceiro capítulo, portanto, tratamos sobre o

desenvolvimento da Psicologia no Brasil, como tradicionalmente a profissão se desenha

e sua aproximação com o campo do bem-estar social, mais especificamente da saúde

pública.

O SUS traz, em sua política, uma proposta inovadora de mudança do paradigma

de saúde para a sociedade brasileira. Este novo paradigma deve fazer-se presente no

cotidiano dos serviços de saúde, nas práticas realizadas nos mesmos pelos profissionais

que lá atuam e exercem um importante papel na consolidação de um novo modelo

descentralizado, equânime, integral e participativo. Os psicólogos, como trabalhadores

da saúde inseridos no contexto da saúde pública brasileira, devem atuar em consonância

com tais princípios, atuando de maneira ativa política e socialmente.

O NASF, por ser um dispositivo da Atenção Básica que surge como mais uma

estratégia reorganizativa do Sistema, abre-se como um campo de luta para a

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consolidação do SUS e seus princípios norteadores, e no Rio Grande do Norte se

caracteriza como o lócus de inserção da Psicologia no SUS. Criado em 2008, tendo tido

sua primeira equipe instalada no RN em junho do mesmo ano, o NASF é um serviço de

recente implantação no estado. Em 2009 o Rio Grande do Norte contava com 20

equipes NASF distribuídas em 16 municípios, passando em maio de 2012 para 55

equipes alocadas em 45 municípios do estado. Apesar da crescente presença do NASF

na rede de atenção à saúde, não há ainda um número significativo de estudos que

caracterizem esta consolidação.

Em levantamento preliminar realizado pela autora baseando-se nos bancos de

dados oficiais do SUS, foi observada a prevalência marcante do psicólogo como o

profissional de saúde mental nos NASF do Rio Grande do Norte. Dentre estes, há ainda

a predominância dos psicólogos cadastrados como clínicos, o que levanta

questionamentos acerca do modelo de atuação que a psicologia vem concretizando neste

novo campo. Conhecer a atuação do profissional de psicologia no NASF poderá

contribuir para a discussão acerca da Psicologia enquanto ciência e profissão, assim

como gerar importantes conhecimentos que auxiliem na capacitação de profissionais do

SUS, e na consolidação do NASF dentro dos princípios do novo paradigma de saúde

proposto.

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2. SUS: da concepção ao desenho atual

Falar sobre a saúde pública brasileira é trilhar um caminho de inúmeras e

complexas relações, é arriscar-se na escolha de um recorte didático que pode, de

maneira indesejada, conduzir o leitor a uma visão simplista de uma rica construção

histórica engendrada por determinações políticas e relações sociais. Falar sobre a saúde

brasileira é despertar um desejo militante de concretizar os avanços e denunciar os

retrocessos deste tumultuado processo de construção e consolidação do nosso sistema

de saúde. Diante dos riscos, do simplismo à militância, busca-se aqui reconstruir um

percurso histórico que seja simples, por não ir às profundas raízes de muitos dos seus

marcos, porém não isento de uma leitura crítica de seus determinantes.

A atenção à saúde no Brasil se transforma acompanhando as mudanças políticas,

econômicas e sociais que o país vivenciou ao longo de sua história. Grandes avanços e

conquistas na área da saúde pública se construíram neste percurso, assim como entraves

no seu desenvolvimento tornaram-se marcas que ainda hoje se perpetuam no Sistema

Único de Saúde (SUS).

No percurso histórico da saúde brasileira, da primeira república à proposta

inovadora do SUS, vimos ora o investimento em ações higienistas de natureza

regulatória, ora a focalização em ações de assistência de cunho individualizante e

privatizador. No período que antecede a formulação do SUS, com a estratégia de

reorganização econômica do governo civil militar, viu-se a expansão da indústria

farmacêutica e do sistema hospitalar privado. Esse crescimento foi estimulado por

subsídios de políticas do regime militar, por meio de isenção fiscal ou financiamentos

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diretos. Assim, ocorreu um acelerado processo de mercantilização da saúde, de forma

que na década de 1980 o sistema público de saúde contava prioritariamente com

instalações dos hospitais privados para realizar procedimentos de maior complexidade.

Somou-se aos estímulos diretos ao sistema privado de saúde, a restrição do acesso aos

serviços públicos de saúde àqueles que, na condição de trabalhadores, contribuíam para

os órgãos de previdência social. Grande parte da população estava fora do mercado de

trabalho formal, e desta forma, sem acesso aos benefícios e direitos vinculados ao

sistema previdenciário (Arretche, 2005; Escorel, Nascimento & Edler, 2005).

Denúncias sobre as precárias condições de saúde da população brasileira

somaram-se aos movimentos internacionais que clamavam por reformas e melhorias na

atenção à saúde, considerando-a como direto humano fundamental. Neste cenário

internacional, ocorre em 1978 a Conferência Internacional Sobre Cuidados de Saúde

Primários que convocou (por meio da Declaração de Alma Ata) a ação imediata por

parte de todos os governos, dos que trabalhavam nas áreas da saúde e do

desenvolvimento, e da comunidade em geral a assegurar os cuidados primários de saúde

como uma meta social mundial. A Declaração de Alma Ata trouxe a promoção e

proteção da saúde como essencial para o desenvolvimento econômico e social de todos

os países, e colocou os cuidados primários de saúde como estratégia central para, tendo

em vista os problemas de saúde que abatiam as comunidades, proporcionar serviços de

prevenção, cura e reabilitação de qualidade (Ministério da Saúde, 2002).

O ponto de recorte dessa reconstrução data dos anos 1980, ainda no processo de

consolidação democrática, momento em que criou forças no Brasil um movimento em

prol da reforma sanitária. Esse movimento se originou no país ainda no final da década

de 1960 em combate ao regime autoritário, num cenário de contradições e crises

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(Pereira, 1996). Fazendo eco às discussões que aconteciam no cenário internacional,

articulados ao redor de uma proposta de renovação da saúde brasileira, o projeto foi

gestado a partir de um conjunto de práticas que deveriam se concretizar no nível da

teoria, com a proposta de construção de novos saberes; da ideologia, ao transformar a

consciência da população; e da política, transformando as relações sociais.

As propostas de tal movimento se voltaram para uma grande reforma da saúde,

com bases em princípios redistributivos. Propôs o alargamento do acesso à saúde por

meio da universalização, a ampliação dos programas voltados à prevenção e atenção

básica, a diminuição da dependência da saúde pública dos provedores privados de

serviços de saúde, e a descentralização como estratégia de enfraquecimento do poder

privado sobre as esferas decisórias da política pública (Arretche, 2005).

Visando a concretização de tal projeto, uma importante linha tática adotada foi a

ocupação dos espaços institucionais, com a entrada de atores sociais comprometidos

com o movimento sanitário nas arenas de poder decisório do Estado. Tal estratégia foi

possibilitada devido ao grande déficit da Previdência Social no qual se encerra a década

de 1970, de forma que se fez urgente a necessidade de reformar o sistema de prestação

de serviços públicos. Assim, abriu-se espaço nos três níveis de governo para que se

concretizasse uma reforma da saúde vinda de dentro do aparelho estatal. Essa ocupação

estratégica do campo da burocracia executiva fez da transição democrática um grande

catalisador do movimento que viabilizou as reformas na saúde brasileira (Arretche,

2005; Pereira, 1996).

A crescente participação política do movimento sanitário fez com que este

deixasse de ser referência apenas dos setores sociais excluídos pelo sistema, havendo o

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reconhecimento da diversidade de interesses e projetos que estavam em disputa na

sociedade (Ministério da Saúde, 2006a).

A VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, foi um

momento de inflexão do movimento sanitário, com duração de três dias, contando com

135 grupos de trabalho e a participação de mais de 4.000 pessoas (VIII Conferência

Nacional de Saúde – CNS, 1986). Houve marcante representatividade dos usuários e

nenhuma participação do setor privado. O setor privado não se mobilizou para a

ocupação de espaços institucionais no período por imaginar que suas relações

clientelistas com a burocracia previdenciária manteriam seu espaço e benefícios

inalterados. O esvaziamento do setor privado na VIII CNS se deu sob as alegações deste

setor de que as decisões da Conferência já estavam definidas antes mesmo da sua

realização. A ausência do setor privados, que se posicionava contra a unificação do

Sistema de Saúde, possibilitou que na VIII CNS ocorresse a síntese de propostas que se

coadunavam entre si, sendo um momento de legitimação das mesmas e de construção

teórica (Pereira,1996).

As discussões da VIII Conferência foram marcadas pela fidelidade aos

conteúdos e definições tratados e, portanto, por um processo significativamente

participativo, democrático e representativo. Observa-se também o alto grau de consenso

e unidade no tocante aos encaminhamentos das principais questões levantadas, mesmo

contando com uma grande variedade de propostas para implantação daquilo que foi

decidido (Ministério da Saúde, 2006a).

Os principais temas enfocados no encontro foram: saúde como direito,

reformulação do Sistema Nacional de Saúde e Financiamento Setorial. Dos debates

sobre a natureza do novo sistema proposto, se este deveria ser estatizado ou não e como

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ocorreria esta migração, definiu-se enfaticamente que a participação do setor privado

teria caráter complementar e submisso às condições e concessões do serviço público,

como fica claro no trecho que segue do Relatório da VIII CNS:

A questão que talvez mais tenha mobilizado os participantes e delegados foi a

natureza do novo Sistema Nacional de Saúde: se estatizado ou não, de forma

imediata ou progressiva. A proposta de estatização imediata foi recusada,

havendo consenso sobre a necessidade de fortalecimento e expansão do setor

público. Em qualquer situação, porém, ficou claro que a participação do setor

privado deve se dar sob o caráter de serviço público “concedido” e o contrato

regido sob as normas do Direito Público (VIII Conferência Nacional de Saúde –

CNS, 1986).

Outro importante ponto discutido na VIII Conferência foi a separação do setor

da saúde e da previdência social. Em 1966, os Institutos de Aposentadorias e Pensões

foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), sendo

concentrado nele (e em sua única agência federal, o Instituto Nacional de Assistência

Médica e Previdência Social – Inamps) toda a contribuição previdenciária nacional

(Escorel, Nascimento & Edler, 2005). Tal centralização de recursos e poder decisório

possibilitou ao Inamps definir as prioridades das políticas de saúde, assim como

suprimir propostas de cunho descentralizador e universalista para o campo. Diante disto,

a 8ª CNS propôs a retração paulatina do setor da previdência que relocaria os recursos

gastos com o Inamps para um novo órgão, voltado exclusivamente para as ações de

seguridade social (aposentadorias, pensões e outros benefícios). Na mesma medida,

novas fontes orçamentárias à saúde (novos ou redirecionados impostos) se

formalizariam e aumentariam, possibilitando a independência do setor.

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A discussão fundamental que permeou todas as propostas de reformulação do

sistema de saúde, e a própria concepção da reforma sanitária, tratou da necessidade de

se pensar mudanças que vão além de reformas administrativas e financeiras,

reconhecendo a necessidade de intervenções estruturais. A base para essas mudanças foi

a ampliação do conceito de saúde e a consequente reestruturação das ações em

concordância com essa nova e mais abrangente compreensão.

Uma vertente contemporânea, latino-americana, de transformação no modo de

pensar e fazer saúde ocorreu concomitantemente ao movimento sanitário brasileiro. A

Saúde Coletiva traz em si uma proposta de superação da ótica biologicista, médico-

centrada, curativa e medicalizadora que era hegemônica no entendimento do cuidado à

saúde até então. Na tentativa de suplantar um modelo de atenção residual em que a vida

social e os processos históricos são naturalizados, logo subestimados no processo de

cuidado, a Saúde Coletiva enfoca as necessidades sociais da saúde, com a dimensão

sócio-política do cuidado, na qual se busca uma transformação na prática do cuidado à

saúde visando a construção e o fortalecimento da autonomia dos sujeitos (Cruz, 2009;

Paim & Almeida Filho, 1998).

Esta mudança de perspectiva faz com que o conceito de saúde saia da seara do

abstrato para um constructo concreto determinado em um contexto histórico, sendo

resultante de condições sociais diversas, como alimentação, habitação, renda, trabalho,

lazer e posse de terra (VIII Conferência Nacional de Saúde – CNS, 1987). Passa-se a

atentar para a relação da saúde com as formas de organização social da produção, e as

desigualdades geradas por ela. Abarcando aspectos sociais, a saúde deixa de ser vista

como uma responsabilidade individual pertencente ao campo do biológico, opondo-se

assim ao modelo biomédico tradicional (Minayo, 1986; Traverso-Yépez, 2008).

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Paralela e conjuntamente ao movimento sanitário, ocorre na sociedade brasileira

o desgaste do regime civil-militar, a instauração de um governo civil em 1985 com a

eleição indireta de Tancredo Neves e a instauração de uma Assembléia Constituinte em

1986. Em 1988 é promulgada a oitava Constituição Federal do Brasil, que se configura

como liberal, democrática e universalista (Ministério da Saúde, 2006a).

Conhecida como Constituição Cidadã, nela vê-se incorporado o novo conceito

de saúde e os princípios propostos na 8ª CNS para a organização de um novo sistema de

saúde nacional. Na Carta Magna de 1988, alguns monopólios estatais foram preservados

(por exemplo: o petróleo, as comunicações e os portos), deu-se destaque aos direitos das

mulheres, crianças e minorias, e foi assegurada a coexistência de políticas estatais com

políticas de mercado (Ministério da Saúde, 2006a).

Com uma longa trajetória de construção, o Sistema Único de Saúde (SUS) teve

suas bases legais referendadas na Constituição de 1988 e em 1990, com a Lei n. 8.080,

que define e regulamenta a implantação e operacionalização do SUS:

Art. 4º - O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e

instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e

indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único

de Saúde - SUS (Lei n.8.080, 1990).

Tem-se no nosso ordenamento jurídico e social o princípio da proibição de

retrocesso social, considerado uma norma adstrita à constituição, cuja função está em

impedir que sejam criados institutos tendentes a vulnerar as conquistas da sociedade no

tocante aos direitos humanos e fundamentais constantes na Constituição. Pode-se

afirmar, então, que a proibição de retrocesso social é princípio acionado para proteger a

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eficácia de todo bloco constitucional de direitos sociais e fundamentais, na promoção,

inclusive, do direito à saúde. Este é assim considerado cláusula pétrea de nossa

Constituição, norma intocável, que não pode ser eliminada (Netto, 2010).

Constitucionalizar o SUS implica, então, oficializar a reforma, dificultando qualquer

tentativa de reverter o que foi definido para o SUS, inibindo a margem de ação de

opositores (Arretche, 2005).

Dentre as definições do artigo 5º da Lei n. 8.080 (1990), sobre os objetivos do

Sistema Único de Saúde, tem-se que o mesmo deve prestar a assistência à população

através de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, preservando a

integração destas ações. Em concordância com o previsto na Constituição Federal, o

artigo 7º da Lei n. 8.080 determina que as ações desenvolvidas no SUS devem,

necessariamente, estar de acordo com treze princípios norteadores, dentre eles: a

universalidade, que prevê acesso universal a todos os níveis de assistência à saúde,

concretizando o coro da VIII CNS que buscou o reconhecimento da saúde como direito

de todos e de responsabilidade do Estado; a equidade, que trata da garantia de igualdade

de condições de acesso ao que é de direito; a integralidade, que prevê a integração das

ações e redes de serviços nos diversos níveis de complexidade e entre estes, para desta

forma garantir o acesso e a continuidade da assistência dos usuários em todo o sistema

de saúde; trata ainda da abordagem integral do indivíduo e suas dimensões

biopsicossociais; a participação da comunidade, garantindo o controle social por meio,

prioritariamente, dos conselhos de saúde; e a descentralização político-administrativa do

sistema, com ênfase na municipalização, buscando regionalizar e hierarquizar a rede

(Ministério da Saúde, 2006b; VIII Conferência Nacional de Saúde – CNS, 1986).

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Nascido do movimento sanitário, seguindo a lógica da Saúde Coletiva, o SUS se

configura na sociedade brasileira como uma reforma que vai além da reorganização

técnico-burocrática do campo, mas como um novo paradigma que modifica

radicalmente a compreensão de saúde, cuidado e doença em nossa sociedade. Mudanças

paradigmáticas não se concretizam em sua totalidade se ocorrerem apenas no nível de

formulação de novas práticas. Até os dias atuais, o novo paradigma carece de extensão

sobre as diversas camadas populacionais, o que dificulta (dentre outros obstáculos) a

consolidação do SUS.

Enquanto há ainda uma compreensão do cuidado como procedimentos e técnicas

executados por um detentor de conhecimento com o objetivo único de rescindir os

sintomas e chegar à cura (Cruz, 2009), no modelo proposto para o SUS as ações de

saúde devem ocorrer de maneira integral. Isto significa uma mudança de foco da técnica

que visa à cura, para a compreensão integral do sujeito, criando um novo e importante

lugar para o diálogo, a troca de saber entre profissionais e usuários (Braga, 2006).

Assim, a integralidade deve ser não só um princípio norteador das práticas em saúde,

mas de toda a organização da rede de atendimento e das políticas públicas.

No intento de alcançar a articulação necessária das ações de saúde para garantir

a integralidade da atenção, o sistema foi organizado em três níveis que atendem a

diferentes complexidades, que se comunicando entre si, seguem a lógica do novo

paradigma organizando os serviços e as ações em função das necessidades da

população. Tais níveis são:

• Atenção Básica, sendo este o primeiro nível de atenção e

constitui a porta de entrada preferencial dos usuários para o Sistema

Único de Saúde, desta forma é o nível de atenção que mais

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proximamente se relaciona com a realidade social dos usuários do

sistema, tornando-se peça fundamental para a reorganização estratégica

do modelo de atenção;

• Média Complexidade, que se propõe a atender aos

problemas de saúde da população que demandem a intervenção de

profissionais especializados, assim como a aplicação de recursos

tecnológicos; e

• Alta Complexidade, que desenvolve procedimentos

diagnósticos e tratamentos que requerem alta tecnologia e alto custo

(Heimann & Mendonça, 2005; Ministério da Saúde, 2005a).

Considerando a integração dos níveis de atenção, ainda são previstas no Art.6º

da Lei n. 8.080 como ações de responsabilidade do sistema de saúde: Vigilância

sanitária, sendo esta um conjunto e ações que visem à diminuição e eliminação de riscos

à saúde, assim como intervenções em problemas sanitários que decorram do ambiente, e

da produção e circulação de bens; vigilância epidemiológica, que são ações que

proporcionam a prevenção, detecção e conhecimento das mudanças nos determinantes

da saúde; saúde do trabalhador, através da vigilância sanitária e epidemiológica, volta-

se à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores; e; assistência terapêutica integral,

incluindo a assistência farmacêutica.

Todas as ações desenvolvidas no SUS estão de acordo com seus princípios

norteadores e pautadas na concepção ampliada de saúde; dentro desta perspectiva

compreende-se que fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos, psicológicos e

comportamentais afetam diretamente os processos de saúde-doença que atingem a

população. Os Determinantes Sociais da Saúde (DSS - como é denominado este

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conjunto de fatores) têm sido objeto de diversos estudos que visam, por meio da

identificação dos mecanismos de produção de iniquidades e da forma como a

estratificações econômica e social atingem a saúde da população, possibilitar e

aprofundar uma atuação efetiva do sistema de saúde (Buss & Pellegrini Filho, 2007).

Ao considerar a atuação sobre os DSS fundamental para a realização da atenção

integral ao usuário do sistema, o desenvolvimento de ações em rede intersetorial é cabal

para a concretização da integralidade do cuidado no SUS. É importante aqui observar

os desafios que há em colocar em prática esta compreensão de totalidade das políticas

por meio da intersetorialidade das ações de saúde.

É assunto recorrente nas Conferências Nacionais de Saúde o tema da

intersetorialidade na integração do cuidado à população, trazendo renda familiar,

emprego, habitação, segurança, saneamento, alimentação, educação, entre outros, como

fatores fundamentais para a garantia (ou ausência) de um cuidado à saúde equânime,

universal e integral (Ministério da Saúde, 2005b). De fato, como praticar um novo

paradigma em que a saúde e a doença são compreendidas em um processo social,

considerando o contexto, a comunidade, os limites e desigualdades deste meio, sem que

as forças que lutam por ele unam-se "à peleja pela distribuição de renda, por políticas de

recuperação de moradias e de espaços urbanos degradados, pela educação e segurança

pública"? (Campos, 2007a, p. 302). Ainda em processo de consolidar-se, o SUS

enfrenta em seus primeiros vinte anos de existência os limites e obstáculos impostos

pelo modelo socioeconômico neoliberal1 adotado no país.

1 A busca pela diminuição do papel do Estado por meio da reformatação do mesmo com foco nas

privatizações e o desprezo pelos avanços conquistados na Constituição de 1988 (em especial nos setores de seguridade social), promoveu a entrega de grande parte do patrimônio público ao capital estrangeiro. Como consequência desta nova estratégia tem-se o aumento dos níveis de desemprego no país e o agravamento geral das sequelas da “Questão Social” (Behring & Boschetti, 2011).

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As necessidades e demandas das classes subalternas têm atenção apenas na

medida em que podem se apresentar como entraves ao objetivo maior do sistema, que é

a maximização dos lucros, se caracterizando assim com a chamada “Questão Social”.

Nesta lógica, as sequelas da “Questão Social” podem tornar-se objeto de intervenção do

Estado, quando ameaçam este objetivo, no passo em que se desdobram em expressões

que atingem diretamente o ciclo de reprodução do capital (expressões como a falta de

condições de saúde, a violência que atinge todas as classes, e a própria pressão exercida

pelas classes trabalhadoras e movimentos sociais por melhores condições de vida e

trabalho). Como estratégia de contenção das consequências da “Questão Social” surgem

as políticas sociais, que decorrem da necessidade de atender a uma conjuntura de

demandas dentro do embate de classes no sistema capitalista. Neste cenário encontram-

se as necessidades funcionais do capitalismo (como os processos de preservação e

controle da força de trabalho), as demandas e pressões da sociedade civil organizada, e a

busca do Estado por mecanismos de legitimação. Desta forma, a política social no

capitalismo é pluralizada, convertida necessariamente em políticas sociais, que tratem

das seqüelas da questão social de forma fragmentada, evitando assim de remeter-se

concretamente à relação capital-trabalho (Netto, 2001).

Esta forma como Estado lida com as expressões da questão social, por meio de

políticas sociais, pode parecer contraditória à programática liberal que tem sua lógica

individualista ameaçada pela consolidação de direitos sociais. No entanto, o que ocorre

é a sobreposição do caráter público do enfrentamento das sequelas da questão social e o

individualismo liberal com a incorporação da lógica meritocrática. Esse fenômeno é

nítido no funcionamento das políticas públicas de saúde que precederam o SUS,

fragmentada, particularista e subordinada à contribuição previdenciária. A proposição e

regulamentação do SUS decorrem da tentativa do estabelecimento de um tardio Welfare

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State no Brasil, enquanto no cenário mundial avançava a agenda neoliberal

contrapondo-se ao Welfare State que se esgotava. No Brasil, com o Estado endividado

(diante da crise do milagre econômico) sendo incapaz de custear políticas universalistas

e sustentar o Estado de Bem-Estar Social, assumem o poder governos de direita que

trazem fortemente o ideário neoliberal para a agenda brasileira.

Apesar do acirramento das refrações da “Questão Social” no período de

reformas neoliberais, não há o investimento em políticas públicas sociais. O que

acontece é o estabelecimento de medidas provisórias e reformas constitucionais em

detrimento da promoção de arenas de debates acerca da formulação de políticas

públicas. Há ainda a refilantropização do trato das sequelas da “Questão Social” com o

Programa de Publicização, relegando o que seriam políticas sociais públicas à esfera da

solidariedade e voluntariado (Behring & Boschetti, 2011).

Neste cenário o SUS, como política pública, sofre para se erguer como

desenhado, e é mais uma comorbidade tal qual a falência dos sistemas educacionais, as

deformidades do sistema prisional, as deficiências da segurança pública, a miséria, a

violência e todos os males que de maneira virulenta nascem das entranhas de uma

sociedade regida pelo capital.

No caminho de sua consolidação, o SUS encontra inúmeros entraves, que se

unem à dificuldade de levar a sociedade a um novo paradigma, com toda a diversidade

de agendas, atores, e um paradigma dominante que preza pela fragmentação e visão

reducionista, totalmente opositora à integralidade desta nova proposta. Há problemas de

financiamento que surgem dos desacordos já na concepção do sistema, que constituem

desde o início um entrave a universalização, gerando um afastamento dos setores

médios da sociedade do setor público de saúde. Tal “privatização por afastamento”

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(Pereira, 1996) nasce ainda no governo civil-militar, no qual os trabalhadores

organizados e a classe média nacional se viam insatisfeitos com os programas de

seguros públicos, passando a aderir aos (priorizados pelo governo) seguros de saúde

privados. Com o deslocamento destes grupos, sua atenção e interesses são desviados

dos projetos de reforma da saúde pública que já desenhavam as propostas de criação do

Sistema Único de Saúde (Arretche, 2005). Tal desinvestimento no setor público é ainda

reforçado no enxugamento dos gastos sociais por parte do governo quando este assume

a agenda neoliberal. Esta retirada dos grupos de renda média e organizações de

trabalhadores da luta pelo SUS tornou-se uma marca indelével desde a sua criação. A

fuga dos grupos sociais que possuem maior capacidade de vocalização, somando-se à

ausência da mídia (que se reserva a criticar as expressões fragmentadas das deficiências

do sistema), representa também o enfraquecimento dos movimentos de reivindicação

por qualidade e eficiência e consolidação do Sistema Único de Saúde (Campos, 2007b;

Pereira, 1996).

O momento atual é ainda de transição para o SUS, que obteve grandes avanços,

sendo reconhecido internacionalmente pelos ganhos no tratamento de vários problemas

de saúde, a exemplo do cuidado integral aos portadores de AIDS, por seus programas de

Imunização, entre outras conquistas que ganham destaque na atuação do SUS. No

entanto, preserva fortes traços de um modelo centralizado nas especialidades e

hospitais, desarticuladamente com “a outra ponta do sistema” que, na prática, finda por

se restringir a ações de vigilância sanitária. A permanência de tais características é um

grande obstáculo ao desenvolvimento positivo do SUS, já que configuram um modelo

de ação e cuidado que não condiz com as necessidades sociais de saúde da população

brasileira e, desta forma, vão de encontro a toda a proposta da reforma sanitária e da

Saúde Coletiva (Campos, 2007c).

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Apesar dos desafios que se colocam à operacionalização de seus princípios

norteadores, vem se construindo historicamente estratégias e discussões que convirjam

para a consolidação do SUS. Nesta tentativa de reorganizar o sistema, somando ao

cuidado em saúde o ideal de igualdade e justiça social, a Atenção Básica deixa de ser

um nível de atenção que representa apenas baixos investimentos financeiros e torna-se

peça chave na reestruturação do cuidado em saúde. É sobre isso que trataremos a seguir.

2.1. Atenção Básica

O SUS adentra os paradigmas de direitos humanos e busca por igualdade social

(Peres, 2007), somando à meta central de otimizar a saúde da população o objetivo de

minimizar as disparidades entre os subgrupos populacionais. Para tanto2, os serviços de

Atenção Básica à Saúde têm sido priorizados na rede. Este enfoque apresenta uma visão

ampliada do contexto familiar e social do usuário, atuando junto ao meio pela melhoria

das condições de vida da população, assim como propiciando atenção continuada aos

mesmos (Starfield, 2002). Desta forma, além de apresentar, proporcionalmente,

menores custos ao SUS (embora exija uma ação intersetorial forte e constante), sendo

assim favorável à viabilidade do sistema, mostra-se mais eficaz na prevenção de

doenças e promoção de saúde de forma integral, atentando para os Determinantes

Sociais da Saúde.

A Política Nacional de Atenção Básica (Ministério da Saúde, 2006c) caracteriza-

se por ações de saúde individuais e coletivas com o objetivo de proteger e promover a

saúde, prevenir agravos, promover diagnósticos, tratamentos, reabilitações e

manutenção da saúde da população. Cabe a este nível de atendimento resolver

problemas de saúde de maior frequência e relevância no território em que atua, assim 2 Desde 1996 de forma global com a Carta de Lubliana e mais recentemente com enfoque nacional no

Pacto pela Saúde de 22 de fevereiro de 2006.

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como referenciar usuários que necessitem de atendimento mais especializado para os

demais níveis de atenção.

As ações e os serviços oferecidos pela atenção básica vão além da assistência

médica e têm como base as necessidades de determinada comunidade; para reconhecê-

las, é fundamental que se construa uma relação de proximidade e diálogo entre os

profissionais, com o território e com a população atendida. O diálogo surge como

instrumento fundamental de construção da atenção integral. Somente através de uma

relação dialógica de cuidado é possível avançar no novo paradigma que relaciona

finalidades e meios, a saúde ao mais amplo estado de bem estar social (Ayres, 2004;

Heimann & Mendonça, 2005).

Unindo-se a esse ideário, a Política Nacional de Humanização [PNH]

(Ministério da Saúde, 2004) lança uma nova visão sobre todo o sistema de saúde,

reforçando o afastamento da lógica anteriormente vigente e rompendo com a idéia

dicotômica de produtores e receptores de saber e saúde. A PNH estimula, assim, a

efetivação de práticas integradas, que criem um campo de produção coletiva de saberes,

negociação e gestão (Santos Filho, Barros, & Gomes, 2009). Dentre as estratégias e

diretrizes gerais presentes na PNH estão: a democratização da gestão dos serviços de

saúde, o protagonismo dos sujeitos envolvidos no processo de saúde, e a promoção de

intra e intersetorialidade na intenção de consolidar e ampliar a integralidade das ações

do sistema (Ministério da Saúde, 2004).

Para que a atenção à saúde ocorra de maneira integral há a necessidade da

promoção de práticas interdisciplinares, buscando a inter-relação entre áreas de

conhecimento, entre profissionais que atuam no sistema, e entre estes e a população

atendida. Tendo a integralidade como base norteadora, uma das diretrizes da PNH para

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a atenção básica é a corresponsabilidade no trabalho em equipe e com a rede de apoio

profissional disponível no sistema (Böing & Crepaldi, 2012; Ministério da Saúde,

2004).

Com quase vinte anos de existência do SUS, diante de seus avanços notáveis e

dos entraves que se colocam para sua consolidação, sentiu-se a necessidade de

estabelecer um compromisso público dos gestores em prol do desenvolvimento e

fortalecimento do SUS. Em uma tentativa de suplantar as reformas incrementais

realizadas por gestores de maneira isolada, feitas com o objetivo de avançar sobre as

dificuldades de atuação, mas que acabam por tornarem-se conteúdos normativos e

técnicos que não têm alcance como normas gerais por todo o país. Com isso cria-se em

2006 a Portaria nº 399/GM de 22 de fevereiro (Ministério da Saúde, 2006d) define o

“Pacto pela saúde 2006 – Consolidação do SUS”, e suas diretrizes operacionais em três

linhas: Pacto Pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão. No componente Pacto pela

Vida há o enfoque no combate e prevenção de doenças emergentes e endemias, na

diminuição da mortalidade infantil e materna, e em determinadas populações (saúde do

idoso, e câncer de colo de útero e de mama), e a afirmação da promoção da saúde e

atenção básica.

No tocante a promoção da saúde, o Pacto pela Vida propõe a elaboração e

implantação da Política Nacional de Promoção da Saúde, que é aprovada em março do

mesmo ano pela Portaria n º 687 (Ministério da Saúde, 2006e). Tal política recupera as

discussões do movimento sanitário, consolidadas na formulação do SUS,

compreendendo o processo saúde-doença como resultante do modo de organização da

produção, do trabalho e da sociedade como um todo contextualizado sócio

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historicamente. Desta forma, entende que o aparato biomédico não é suficiente para

intervir nos determinantes do processo de adoecimento.

Diante disto, a promoção da saúde torna-se central para esta concepção de

cuidado ampliado, com a proposta de aumentar a abrangência das ações de produção de

saúde, tendo em vista atender às necessidades sociais em saúde da população. Para isso,

é necessário operar de maneira que se articulem as políticas e as tecnologias disponíveis

no sistema de saúde (Ministério da Saúde, 2006f).

Outra linha de operação do Pacto pela Vida é a consolidação da Atenção Básica,

fazendo da Estratégia Saúde da Família (ESF)3 seu principal mecanismo de

operacionalização, assim como um modelo ordenador de toda a rede de saúde do

sistema (Ministério da Saúde, 2006d). Tem como tática fundamental o estabelecimento

de vínculos de corresponsabilidade entre os profissionais que compõem suas equipes e a

população de usuários, indo de encontro ao modelo biomédico tradicional, médico-

centrado e curativo (Ministério da Saúde, 1997). Em um contexto de reformas

neoliberais (que marca fortemente a década de 1990), a ESF surge como mais uma

iniciativa de resgate das propostas da reforma sanitária, fazendo frente ao modelo

hegemônico de atenção que se centrava na doença e na assistência médica individual. A

implantação da ESF objetiva aprofundar a municipalização da rede de saúde, de

maneira a ampliar o acesso universal aos serviços e o atendimento integral aos sujeitos

(Heimann & Mendonça, 2005).

Mudando o foco da atenção individualista e biologicista, para a família e o

ambiente em que vivem os usuários, a Estratégia Saúde da Família se propõe a trabalhar

3 Primeiramente concebida como Programa Saúde da Família, torna-se Estratégia a partir de 1994, quando passa a ser considerado como estratégia de reorientação do modelo assistencial de todo o Sistema Único de Saúde

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com o cuidado integral do sujeito reconhecendo a saúde como um direito dos cidadãos.

Ao eleger a família e seu espaço social como núcleo de sua abordagem, é facilitada a

identificação de riscos sociais e epidemiológicos, além do estreitamento das relações

dialógicas entre profissionais e comunidade. Desta forma, a ESF desenha bases sólidas

para que a Atenção Básica se erga como norteadora de todo o sistema se saúde

(Heimann & Mendonça, 2005).

A Atenção Básica tem entre suas funções realizar ações articuladas de

promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação; privilegiar o âmbito da

promoção de saúde; e executar mecanismos de referência entre os níveis mais elevados

de complexidade no sistema (mantendo a íntima articulação com vistas à integralidade

da atenção). Para tanto, a intersetorialidade, o trabalho em equipe, o diálogo como troca

de conhecimentos e o controle social (participação comunitária) devem ser estimulados

pelas práticas da Atenção Básica (Heimann &Mendonça, 2005).

A ESF se propõe a aplicar os princípios da Atenção Básica por meio de

atendimentos prestados nas Unidades Básicas de Saúde, no domicílio ou por meio da

mobilização da comunidade. Conta, para tanto, com equipes multiprofissionais

compostas essencialmente por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem,

odontólogos, assistentes de odontologia e agentes comunitários de saúde. As equipes

buscam atender aos ideais de democracia e participação através de práticas gerenciais e

sanitárias dirigidas à população de territórios delimitados (Ministério da Saúde, 2005c;

Traverso-Yépez, Morais, & Cela, 2009).

Com a intenção de oferecer cobertura de atenção básica à população, a ESF se

pauta por ações de prevenção de doenças, assistência ambulatorial básica e generalista,

e ações estratégicas que se fundamentam nas especificidades epidemiológicas da área

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atendida. Entretanto, tais práticas, baseadas no perfil epidemiológico da comunidade,

muitas vezes acabam por reproduzir o modelo preventivista4 na atuação em saúde. A

mudança efetiva no cuidado ofertado pela Atenção Básica somente ocorrerá quando

suas ações, mesmo que orientadas por perfis epidemiológicos, sejam fundamentadas na

determinação social da saúde e da doença, realizando ações intersetoriais que

rearticulem as diversas forças sociais para garantir a atenção integral à saúde dos

cidadãos como um direito que lhes cabe (Heimann & Mendonça, 2005).

Assim como na Política de Promoção de Saúde, a Estratégia Saúde da Família

traz em si a urgência de realizar intervenções nos Determinantes Sociais da Saúde,

buscando, por meio da atenção às famílias, atuar junto às relações intra e

extrafamiliares, nas quais tomam forma as lutas por melhores condições de vida

(Ministério da Saúde, 1997).

A ESF é a porta de entrada preferencial do SUS, oferecendo, além de ações de

promoção de saúde e prevenção de agravos, assistência médica ambulatorial básica por

profissionais em sua maioria generalistas. Heimann e Mendonça (2005) questionam: “É

possível superar o limite do pacote mínimo de ações e serviços do PSF (sic), quando se

chegar ao nível máximo de cobertura desejável pelo programa?” (p. 498). De fato, ainda

hoje, a cobertura da ESF não chega ao nível desejado, mesmo com os incentivos do

Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (Proesf) que duraram de

2003 a 2010 e ampliaram consideravelmente a expansão da estratégia. Na perspectiva

de consolidar uma atenção integral e de qualidade aos usuários a articulação com a rede

de serviços e níveis de atenção se faz fundamental. Nesta busca pela atenção integral,

4 A Medicina Preventivista (precursora das ideias de Saúde Coletiva na América Latina) atende a um ideal de normalização, incorporando a cultura higiênica e a organização liberal e médico-centrada no campo da saúde. Representa, assim, uma “simplificação do real” (Arouca, 2003, p. 178) por meio de um afastamento dos Determinantes Sociais de Saúde.

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surge em 2008 o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), que tem como

fundamento de sua atuação o apoio matricial, uma estratégia que visa um espaço de

construção coletiva de conhecimentos e práticas na saúde (Campos, 1999).

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3. Núcleo de Apoio à Saúde da Família

A história das políticas públicas de saúde no Brasil é marcada pela lógica

reformista, na qual novas instituições surgem para remediar falhas no planejamento ou

execução do que fora anteriormente instituído. Esperava-se que o SUS, por meio dos

hospitais e centros de referência oferecesse às equipes de atenção básica o suporte

especializado de que necessitassem. No entanto, por falta de recursos técnicos e

materiais, as equipes de Saúde da Família não encontravam um caminho na rede que

lhes permitissem o acesso a este apoio. É nesta lógica, no momento em que a

deficiência supracitada atravanca o funcionamento da rede, que surge o Núcleo de

Apoio à Saúde da Família (NASF). Instituído pela Portaria n. 154/2008 do Ministério da

Saúde (2008a), o NASF é criado como um dispositivo que integra o desenho

assistencial do SUS, com o objetivo de “ampliar a abrangência e o escopo das ações da

atenção básica, bem como sua resolubilidade, apoiando a inserção da estratégia de

Saúde da Família na rede de serviços” (Ministério da Saúde, 2008a, Art.1º).

Ainda de acordo com a Portaria que o regulamenta (Portaria n. 154/2008), o

NASF não deve se caracterizar como a porta de entrada do sistema, mas sim ter sua

atuação diretamente ligada ao apoio às Equipes Saúde da Família, atuando na

qualificação e complementaridade do trabalho das ESF.

A Portaria n. 2281/GM (Ministério da Saúde, 2009a), determina que os NASF

estejam classificados inicialmente em duas modalidades, tendo como critério de

implantação o número mínimo de equipes Saúde da Família as quais o NASF esteja

vinculado, sendo exigido (sob pena de suspensão do repasse para o município dos

incentivos financeiros referentes ao NASF) que o NASF1 esteja vinculado a, no

mínimo, seis equipes saúde da família, enquanto o NASF2 deve estar vinculado a, no

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mínimo, duas equipes. Tendo em vista o critério de classificação, as equipes de NASF1

devem ser compostas por, no mínimo, cinco profissionais de nível superior dentre

determinadas ocupações (Médico Acupunturista, Assistente Social, Profissional da

Educação Física, Farmacêutico, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Médico Ginecologista,

Médico Homeopata, Nutricionista, Médico Pediatra, Psicólogo, Médico Psiquiatra e

Terapeuta Ocupacional); e o NASF2 deve contar com o mínimo de três profissionais de

nível superior dentre determinadas ocupações (Assistente Social, Profissional da

Educação Física, Farmacêutico, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Nutricionista, Psicólogo

e Terapeuta Ocupacional).

No intento de ser funcional à reestruturação do sistema de atenção

(fundamentando-se na nova concepção de saúde e cuidado do SUS, no enfoque em

prevenção de agravos e promoção de saúde da Atenção Básica, tendo ainda a clínica

ampliada e o apoio matricial como norteadores de seu funcionamento), o NASF se

organiza em nove áreas estratégicas que têm como pressupostos diversas políticas

nacionais (Ministério da Saúde, 2009b). Tais áreas estratégicas são: saúde da criança/ do

adolescente e do jovem; reabilitação/ saúde integral da pessoa idosa; alimentação e

nutrição; serviço social; saúde da mulher; assistência farmacêutica; atividade física/

práticas corporais; práticas integrativas e complementares; e saúde mental. Aqui,

destacamos a área de Saúde Mental, já que nesta se inserem os profissionais de

Psicologia (objetos desta investigação).

Em 2008, ano de criação do NASF, o credenciamento e a instalação do

dispositivo pelo Brasil se iniciou e teve constante e rápida expansão (principalmente no

Nordeste). No entanto, a Portaria que institui o NASF (Portaria n. 154/GM, 2008) não

descreveu as ações dos profissionais que comporiam o Núcleo. Assim, eles iniciaram

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suas atuações no NASF sem orientação sobre sua função no dispositivo. Apenas em

2009, o Ministério da Saúde criou um caderno de diretrizes funcionais do NASF

(Ministério da Saúde, 2009b), que esclarece a posição do NASF na rede de atenção

básica e orienta a prática dos profissionais que compõem suas equipes.

Compõem a agenda de trabalho do NASF: a realização de atividades

pedagógicas, assistenciais diretas em caso de necessidade, ações realizadas no território

junto à equipe Saúde da Família, e disponibilidade para acesso direto pelos profissionais

da equipe de SF (Ministério da Saúde, 2009b). Assim, São atribuições da equipe NASF:

• identificar (junto com a equipe de SF e a comunidade)

atividades, ações e práticas a serem adotadas em cada território, assim

como o público prioritário de cada ação;

• atuar nas atividades desenvolvidas pela equipe Saúde da

Família; acolher os usuários que buscam os serviços; desenvolver ações

integradas a outras políticas sociais, tais quais a educação e a cultura;

• promover a participação dos usuários nos processos

decisórios, por meio dos Conselhos de Saúde e organizações

participativas;

• divulgar e avaliar as ações desenvolvidas;

• elaborar materiais educativos; e

• construir Projetos Terapêuticos Singulares (PTS)

juntamente com a equipe Saúde da Família, desenvolvendo a noção de

responsabilidade compartilhada (Ministério da Saúde, 2009b).

Como base para a atuação do NASF tem-se o Apoio Matricial que é a proposta

de um arranjo organizacional para o trabalho em saúde que visa diminuir a

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fragmentação que se estabelece no campo da saúde. Operacionaliza-se através da

constituição de uma equipe de especialistas diversos que oferece retaguarda assistencial

e suporte técnico-pedagógico às equipes de referência, que no caso da atenção básica do

SUS é a equipe Saúde da Família (Campos, 1999; Campos & Domitti, 2007).

O conceito de Apoio Matricial vem diversificar e aprofundar as formas de

relacionamento dentro da hierarquia do sistema de saúde. O termo matriz surge do

conceito matemático que designa um conjunto de números que conservam uma relação

entre si quando alinhados de qualquer maneira (horizontal, vertical ou transversal).

Partindo deste conceito, se compreende a ideia de matricialidade em saúde como o

estabelecimento de relações não apenas verticais (como preconizado nos princípios

organizativos do SUS), mas também horizontais, se remetendo ainda à transversalidade

dos conhecimentos. Desta forma, o conceito de Apoio Matricial surge como uma

proposta de operar a relação entre equipe apoiadora, equipe de referência e a população,

de maneira dialógica, horizontal, integrando os conhecimentos e ações (Campos &

Domitti, 2007).

O principal recurso utilizado na relação entre equipe matricial e equipe de

referência no cuidado do usuário é a elaboração de um Projeto Terapêutico Singular

(PTS). O PTS é o processo de elaboração de uma hipótese diagnóstica e um plano de

tratamento e acompanhamento de um caso, que pode ser um indivíduo, uma família, um

grupo ou um território. É importante ressaltar que o Projeto é elaborado na troca de

saberes entre a equipe de apoio matricial e a de referência, sendo a última responsável

pelo acompanhamento do caso e aplicação do projeto (Ministério da Saúde, 2011).

Para a elaboração, aplicação e necessária reavaliação do PTS, há diversas ações

colaborativas entre as equipes, dentre elas: a interconsulta que pode ocorrer como uma

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discussão de casos por parte ou por toda a equipe, consultas conjuntas e visitas

domiciliares conjuntas, de maneira a facilitar a troca de conhecimentos (sendo potente

no processo de educação permanente) e a visão integral do processo saúde-doença

(Ministério da Saúde, 2011).

O PTS é a articulação de propostas terapêuticas nascidas na discussão de casos

em um contexto multiprofissional (aqui se inclui a equipe NASF – apoiadora – e a

equipe Saúde da Família – referência), voltado para o cuidado de um indivíduo ou de

uma coletividade. Esta construção coletiva, que articula os diversos atores envolvidos

no caso, se faz fundamental para a efetivação do apoio matricial que é proposta central

de atuação do NASF (Ministério da Saúde, 2011).

Guiar-se pela lógica matricial, construindo relações de corresponsabilidade em

contraponto com as tradicionais relações verticalizadas (inter equipes, intra equipes e

entre equipes e usuários), possibilita superar velhos entraves nas relações de referência e

contra referência no Sistema, sendo um avanço em direção à integralidade do cuidado.

Quando um paciente se utiliza de um serviço matricial, ele nunca deixa de ser

cliente da equipe de referência. Neste sentido, não há encaminhamento, mas

desenhos de projetos terapêuticos que não são executados apenas pela equipe de

referência, mas por um conjunto mais amplo de trabalhadores. De qualquer

forma a responsabilidade principal pela condução do caso continua com a equipe

de referência. (Campos, 1999, p. 4)

Outro importante instrumento que vem corroborar com o novo paradigma

proposto à saúde pública brasileira, e embasar o funcionamento das equipes NASF, é a

chamada clínica ampliada. A clínica ampliada é uma diretriz de atuação para os

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profissionais de saúde, fundada no diálogo entre os diversos saberes que compõe o

cuidado integral no processo de saúde e doença dos usuários. Desta forma, a atenção em

saúde se dá, necessariamente, na articulação entre os profissionais que compõe os

serviços de saúde, entre os dispositivos da rede de saúde e demais redes de atenção

sócio-assistencial, sem subestimar ou negligenciar o conhecimento da própria

comunidade atendida (Sundfeld, 2010).

Clínica Ampliada é um compromisso com o sujeito visto de modo singular, com

as implicações concretas do cotidiano, suas relações afetivas, seu trabalho,

aspectos culturais, entre outros. É o reconhecendo dos limites do conhecimento

técnico em saúde e a necessidade de construções interdisciplinares e

intersetoriais. (Ministério da Saúde, 2009b, p.73)

A clínica ampliada busca na compreensão multifatorial do processo saúde-

doença contrapor-se às práticas que fragmentam a atenção ao usuário, seja ao adotar a

ótica biologicista no cuidado ou mesmo privilegiar o âmbito psicológico ou social em

detrimento da visão integral do caso (Ministério da Saúde, 2009b; Ministério da Saúde,

2009c). Desta forma, constitui-se como mais um recurso das diretrizes de

funcionamento do NASF que visa tornar a prática dos profissionais de saúde mais

coerentes com o paradigma de cuidado proposto como fundamento do SUS.

As diretrizes da clinica ampliada acompanham também as mudanças no modelo

de atenção em saúde mental que busca a reinserção familiar, social e cultural dos

usuários ao compreender a produção de saúde como uma produção conjunta com o

sujeito. Assim os princípios comuns entre a Estratégia Saúde da Família e a rede de

atenção em Saúde Mental devem se articular para ofertar à comunidade o cuidado

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integral com bases na corresponsabilidade, atuando a partir do contexto familiar e

comunitário, preservando a continuidade do cuidado e a organização articulada da rede.

A rede de cuidados em saúde mental se insere no nível básico de atenção à saúde

a partir das premissas da reforma psiquiátrica pautada na desinstitucionalização e

consolidação das bases territoriais do cuidado em saúde mental, considerando, assim,

que muitos problemas em saúde mental possam ser solucionados no nível básico de

assistência. Há ainda a ênfase no desenvolvimento de ações preventivas e que

promovam a saúde mental.

O trato a saúde mental no âmbito da atenção básica à saúde acompanha o SUS

desde os primórdios de sua elaboração. Nas décadas de 1970 e 1980, a Organização

Mundial de Saúde (OMS) recomenda a descentralização dos serviços psiquiátricos,

havendo então a integração destes serviços em unidades de cuidados gerais, a

capacitação de profissionais não especializados, e o incentivo a participação da

comunidade (Nunes, Jucá, & Valentim, 2007). Estas idéias foram incorporadas pelo

movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira, que se molda à Reforma Sanitária em

curso no país naquelas décadas (mantendo seus princípios norteadores, como

universalidade, integralidade e participação popular), tendo no período de

redemocratização seu mais marcante momento de estruturação e expressão.

O Apoio Matricial em Saúde Mental entra no sistema de saúde na tentativa de

estabelecer relações transversais dentro do sistema por meio da oferta de retaguarda

especializada às equipes e aos profissionais dos níveis básicos de atenção para que

possam ofertar o atendimento devido à crescente demanda em saúde mental que chega

ao SUS. Até o ano de 2007 os direcionamentos referentes à saúde mental na atenção

básica previam a realização do Apoio Matricial por parte das equipes de saúde mental

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dos Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), buscando oferecer o constante contato

matricial com as equipes saúde da família, capacitando-as para o atendimento às

demandas de “transtornos mentais leves ou moderados” (Ministério da Saúde, 2003,

p.2), assim como para diferenciar e encaminhar os casos que necessitavam de

atendimento nos níveis mais especializados.

Em pesquisa realizada em 2008 observou-se que diversos obstáculos se

colocavam diante da efetivação do Apoio Matricial nas equipes de saúde mental do

CAPS. A demanda excessiva sobre as equipes, a superlotação dos serviços e escassez

do quadro de funcionários, consequências de uma rede de atenção enfraquecida, são

apontados como principais entraves para a realização do matriciamento, acontecendo

um afastamento entre os CAPS e os serviços de Atenção Básica (Bezerra & Dimenstein,

2008).

Neste quadro (que se observava não só na área de saúde mental), considerando a

lógica reformista na qual se constroem historicamente as políticas de atenção à saúde no

Brasil, fez-se necessária a criação de uma interface entre estes níveis de atenção que

promovessem a integração da rede e a otimização do trabalho das equipes. Para tanto se

criou o NASF, como um dispositivo que tem o Apoio Matricial como fundamento de

sua atuação.

O NASF surge com a proposta de fortalecer a ESF, oferecendo apoio às equipes,

utilizando desde as estratégias de capacitação dos profissionais aos necessários

acompanhamentos de casos. A atuação prevista para a equipe de saúde mental, dos

NASF corresponde à identificação, acolhimento e atenção às demandas de saúde mental

que surgem no território inscrito, priorizando as situações de maior risco e

vulnerabilidade. Para tanto, realiza intervenções partindo do contexto familiar e

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comunitário dos usuários, por meio de ações de prevenção, promoção, tratamento e

reabilitação psicossocial. Cabe também à equipe NASF garantir que haja a continuidade

do cuidado pelas equipes de Saúde da Família (Ministério da Saúde, 2009b).

A responsabilidade pelo cuidado em saúde mental dos usuários deve ser

compartilhada entre as equipes de Saúde da Família, o NASF e os dispositivos de saúde

mental presentes no território. Cabe à equipe SF a coordenação deste cuidado, e ao

NASF um papel fundamental na articulação entre os serviços da Atenção Básica e os

centros de cuidado mais especializados, como Centros de Atenção Psicossociais. Desta

forma o NASF caracteriza-se hoje como importante ponto de inserção da saúde mental

na atenção básica.

Segundo o Ministério da Saúde, “Tendo em vista a magnitude epidemiológica

dos transtornos mentais, recomenda-se que cada Núcleo de Apoio a Saúde da Família

conte com pelo menos 1 (um) profissional da área de saúde mental” (Portaria n.154/GM

de 2008) . No estado do Rio Grande do Norte, a preferência dos projetos submetidos

para credenciamento do NASF é daqueles cuja equipe conta com um psicólogo como

profissional de Saúde Mental5, por considerar-se que a presença deste profissional (ao

invés do profissional médico psiquiatra) tende a reforçar a integralidade do atendimento,

na direção de construir diálogos interdisciplinares na equipe.

Em levantamento realizado, até fevereiro de 2012, no Cadastro Nacional de

Estabelecimentos de Saúde (disponível online em http://cnes.datasus.gov.br/),

constatou-se que o Rio Grande do Norte somava 48 equipes NASF, distribuídas por 39

municípios do estado. Do total, 40 tinham o psicólogo como profissional de saúde

mental.

5 Informações obtidas em coleta preliminar na Secretaria de Estado da Saúde Pública - SESAP

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De acordo com a Portaria 409, de 23 de julho de 2008 (Ministério da Saúde,

2008b), os profissionais de Psicologia atuantes no NASF, em qualquer das modalidades,

devem ser cadastrados, seguindo duas classificações reguladas pelo Cadastro Brasileiro

de Ocupações (CBO): como Psicólogo Clínico ou Psicólogo Social. No caso do RN, a

notória prevalência de psicólogos clínicos provoca questionamentos acerca de como a

Psicologia vem desenvolvendo sua atuação neste novo campo que são as equipes

NASF.

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4. Os caminhos da Psicologia no Brasil

Para conhecer a prática do psicólogo é fundamental entender como a Psicologia,

como ciência e profissão, se estabelece no Brasil ao longo dos anos. Ainda no final do

século XIX a Psicologia já era reconhecida como ciência na Europa e nos Estados

Unidos. As produções científicas realizadas nos países em que se desenvolvia,

chegaram ao Brasil e somaram-se à necessidade de desenvolvimento de novos

conhecimentos e modelos de ação que surgiam com as transformações em curso na

sociedade Brasileira.

Com a proclamação da República em 1889 dá-se início ao período conhecido

como Primeira República. Data daí o começo de um reordenamento das estruturas de

poder na sociedade brasileira. Ainda sob a hegemonia das oligarquias estaduais, começa

a figurar na sociedade o poder burguês e o ideário liberal (Fernandes, 1976). A

Psicologia no Brasil começa então a desenvolver-se vinculada a este projeto de

modernização da sociedade brasileira, tendo origem nas instituições educacionais e

médicas.

A aproximação da Psicologia com a Pedagogia é forte marca deste período para

a disciplina. No desenvolvimento sistemático das idéias escolanovistas, a Psicologia

traz os fundamentos para a compreensão do processo de desenvolvimento infantil,

buscando atender a um novo questionamento "que conhecimentos científicos são

necessários para desenvolver as crianças na direção desta sociedade moderna que

queremos?" (Bock, 1999, p.318).

Na busca por responder aos interesses da modernização na educação e na

indústria, inicia-se nos anos 1920 o movimento em defesa dos testes psicológicos no

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Brasil (sob forte influência das produções internacionais, em especial norte-

americanas). Nesta lógica, começou-se a produzir conhecimento em Psicologia em

laboratórios brasileiros (fundados desde o início da Primeira República), nos quais se

pesquisava questões psicológicas tais quais fadiga em jovens trabalhadores, seleção de

aviadores, psicometria, entre outros temas semelhantes.

Durante o processo que culminou com a Revolução de 1930 uniram-se forças

políticas e econômicas de diferentes naturezas e interesses. O modelo agrário-

exportador enfrentava uma crise de sua hegemonia, havendo a expansão da

industrialização no país (Lima, Fonseca & Hochman, 2005). Com a crescente

industrialização e as contradições oriundas dos avanços das novas relações de produção,

amplia-se a demanda por novos conhecimentos para embasar essa transição. A

Psicologia desenvolve-se neste cenário atuando no processo de adaptação do novo

trabalhador à realidade industrial. Assim a psicologia avança, na década de 1940, nos

campos de orientação e seleção profissional, e, mantendo-se articulada à área

educacional, destacam-se neste período as bases para o desenvolvimento da atuação

clínica na Psicologia, no atendimento individualizado a crianças com queixas escolares

(Antunes, 2012).

O reconhecimento do campo cresce conforme este atende às necessidades

geradas pelo projeto de desenvolvimento político, econômico e social da emergente

burguesia industrial. De forma que, em 1962, é promulgada a Lei 4119, que reconhece a

profissão do psicólogo no Brasil e prevê como objetivos da atuação deste profissional:

a) diagnóstico psicológico;

b) orientação e seleção profissional;

c) orientação psicopedagógica;

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d) solução de problemas de ajustamento.

A Lei que regulamenta a profissão ainda estabelece em seu parágrafo 2º que “É

da competência do Psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras

ciências” (Lei nº 4119, de 27 de agosto de 1962).

Tal proposta chegou a ser vetada, sendo considerada a necessidade de haver a

supervisão constante de um profissional médico sobre o trabalho do psicólogo

(reafirmando a lógica médico-centrada que conduzia o cenário da atenção e ensino em

saúde no país). No entanto, o veto foi revogado e a proposta inicial adotada. A prática

da Psicologia passa a ser aceita, então, como uma prática liberal, independente e tendo

como seu objetivo central o ajustamento dos indivíduos à sociedade (Pereira & Pereira

Neto, 2003).

Pouco tempo após o reconhecimento legal da Psicologia instaura-se no Brasil o

regime civil-militar, um período de suspensão dos direitos fundamentais, marcado pela

negligência às necessidades sociais da população (Yamamoto & Oliveira, 2010). Em

contraposição, o “milagre econômico” brasileiro (grande crescimento econômico

ocorrido no início da década de 1970 durante o regime civil-militar) disseminava a idéia

de que todos poderiam participar da divisão da crescente riqueza do país, sendo esta

possibilidade condicionada apenas por uma questão de mérito e esforço pessoal. Neste

contexto, a Psicologia se desenha com foco no controle e ajustamento de tudo que é

desviante da vigente lógica meritocrática e individualista, coerente com a idéia de busca

por ascensão individual.

Neste estado de exceção, ocorreu a Reforma Universitária de 1968 que promove

a proliferação de instituições privadas de ensino superior. Com o grande aumento dos

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48

cursos de Psicologia no decorrer da década de 1970, logo o número de profissionais

formados excedia a demanda de mercado para a área. Com isso expande-se a atuação

em clínicas privadas, e o interesse no campo reflete-se nos cursos de graduação que

passam a privilegiar esta área para atender ao interesse dos alunos (Antunes, 2012).

Mantém-se a valorização do que é tido como científico, técnico e positivista, visando

ainda ajustar os sujeitos às necessidades de uma sociedade autoritária e meritocrática

(Coimbra, 2004).

Em um contexto de ditadura civil-militar, apresentava-se ao Brasil uma

Psicologia privada, liberal, que reduzia tudo que se apresentava à sua análise em

questões de caráter individual e subjetivo, negando (ou negligenciando) seus

determinantes sociais, econômicos e políticos (Pereira & Pereira Neto, 2003). A prática

psicológica favorecia a governabilidade das ditaduras latinoamericanas, e se estendia até

fins da década de 1980 como um conjunto de técnicas de disciplina e ajustamento

(Spink, 2003; Zurba, 2011).

Na década de 1980, a falência do “milagre brasileiro” redundou em uma grande

crise econômica que abateu a população. A Psicologia vinha até então em crescimento

exponencial. Com as classes médias enriquecidas, o grande número de profissionais que

se formava encontrava nessa camada populacional um consumidor em potencial de seus

serviços. No entanto, com a crise da década de 1980, esse cenário começa a mudar. A

perda do poder de compra dos grupos com renda média se reflete na perda de mercado

para a atuação liberal da psicologia. Soma-se a este quadro, a necessidade de discutir os

novos rumos da profissão; há, então, neste período, uma forte mobilização da categoria

em Sindicatos e Conselhos para a produção de materiais sobre a atuação da Psicologia

(Bock, 1999; Yamamoto & Oliveira, 2010).

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Nesse mesmo período, tomam força novamente os movimentos sociais, que

clamam por uma reforma do Estado, na qual esse se responsabilizasse pelo brutal

empobrecimento da população e suas consequências. A Psicologia participa desse

movimento, não como classe, mas pela vinculação das entidades de representação aos

movimentos sociais. A profissão que vinha se delineando como liberal e distante das

problematizações de questões políticas, se depara com uma nova realidade social sobre

a qual passará a atuar. Na contramão da Psicologia que se formava, nas décadas de 1970

e 1980 se destaca um grupo de profissionais que se engajava de maneira militante nas

discussões do movimento sanitário. Tal grupo de profissionais advinha de uma camada

da categoria que, acompanhando as discussões internacionais, participava ativamente do

despontar da reforma psiquiátrica no Brasil, refletindo sobre a necessidade de modificar

o sistema de saúde no tocante ao cuidado em saúde mental. Essas vozes somaram-se ao

coro que demandava uma ampla Reforma Sanitária no Brasil.

A intensa mobilização popular marca o período da transição democrática

brasileira, com o término do regime civil-militar, em um processo de redefinição das

políticas na busca pela democratização do Estado, cidadania e justiça social. Este

cenário de crise financeira nacional e de aprofundamento das sequelas da Questão

Social (aumento das desigualdades, e dos movimentos populares que reivindicavam

mudanças), fazem com que sejam necessárias novas estratégias de legitimação política.

Para tanto, há uma expansão das políticas sociais públicas na tentativa (insuficiente) de

sanar a dívida social acumulada (Yamamoto e Oliveira, 2010).

Dentre os avanços advindos dos embates político-ideológicos alimentados neste

período, temos ganhos no campo das políticas de saúde que representaram uma abertura

de um campo de atuação para a Psicologia. Em 1983 são implementadas no Brasil as

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Ações Integradas de Saúde (AIS) que prevêem a criação de equipes mínimas de saúde

mental em unidades ambulatoriais, sendo este um marco da inserção do psicólogo no

campo da saúde pública, no SUS mantém-se essa formatação para as Unidades Básicas

de Saúde (Yamamoto e Oliveira, 2010).

Em um quadro de escassez do mercado para atuação liberal do psicólogo,

somado aos debates acadêmicos sobre sua relevância social, a Psicologia entra no

campo da saúde pública sem que haja definição de um novo modelo de trabalho para

essa atuação, havendo no período a transposição das ações mais tradicionais (a atuação

clínica e educacional, por exemplo) para o novo campo, “numa tentativa de levar

psicoterapia para os mais pobres” (Yamamoto e Oliveira, 2010, p.16).

Em que pese a visão hegemônica sobre o fazer da Psicologia, críticas ao racismo

presente nas elaborações da Psicologia brasileira da Primeira República, à generalização

e naturalização dos resultados obtidos com a psicometria nos anos 1930, são exemplo

de como debates sobre os modelos de ação e produção de conhecimento da Psicologia

sempre se apresentaram. No período de redemocratização, as críticas centravam-se,

principalmente, na crítica ao modelo médico que se reproduzia na atuação clínica da

Psicologia, que foi fortemente combatido pelo movimento sanitário e pela proposta de

ação SUS (Antunes, 2012; Yamamoto e Oliveira, 2010).

A Reforma Sanitária traz uma proposta de mudança paradigmática para o campo

do trabalho em saúde no Brasil. Para que se concretize essa transformação é essencial

que uma mudança do paradigma epistemológico da Psicologia a acompanhasse. No

entanto, o que vivenciamos foi a reafirmação dos moldes tradicionais de fazer

Psicologia, no aprofundamento da busca por aplicar a prática clínica aos novos

contextos (Carvalho & Yamamoto, 1997; Zurba, 2011).

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O ensino em Psicologia historicamente direciona suas determinações

curriculares ao modelo de atuação individual, liberal e autônomo, indicando como

principal orientação de atuação a psicoterapia clínica (Cruces, 2006; Silva, 1992). A

formação acadêmica segue, assim, inadequada à adaptação da prática psicológica aos

novos contextos, e incoerente com a realidade do mercado de trabalho da Psicologia que

não mais se sustenta unicamente na lógica liberal.

Acompanhamos a Psicologia se construir historicamente como uma prática

liberal voltada para os grupos de renda mais abastados, mantendo-se distante das

necessidades da maior parcela da população (Botomé, 1979). Com as dificuldades que o

modelo profissional autônomo se depara, somando-se a ampliação do campo

profissional nos avanços do setor de bem-estar social (destacando-se o campo da saúde

pública), a Psicologia segue uma tendência inercial: transpor o modelo teórico-

metodológico tradicional e elitista para o novo público (Boarini, 1996; Yamamoto,

2007). As técnicas, os instrumentos, as linguagens e os valores da Psicologia foram

forjados para atender as demandas de um grupo com renda média, abastada, e seriam

agora transpostas a uma parcela da população cuja realidade social é desconhecida dessa

Psicologia tradicional. “Temos, portanto, uma situação de endogamia social, na qual

terapeuta e paciente oriundos da mesma classe social permanecem cegos para as

determinações sociais de tal prática” (Ferreira Neto, 2010, p. 395).

Diversas pesquisas apontam para a recorrência histórica do distanciamento das

práticas psicológicas da realidade social da população atendida, observada

especialmente na inserção da Psicologia no sistema público de saúde, apontando ainda

para a pouca familiaridade dos profissionais de Psicologia com conceitos e princípios

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fundamentais do sistema de saúde (Dimenstein, 1998; Freitas, 1996; Oliveira, Silva, &

Yamamoto, 2007; Oliveira et al., 2004).

Tal distanciamento relaciona-se com a dicotomização que é marca da Psicologia

desde o princípio de suas formulações teórico-metodológicas. Nos início das teorizações

em Psicologia, com Wundt, já nascia a proposta fragmentária da compreensão dos

fenômenos como “individuais” ou “sociais”, de forma que para conhecê-los se

desenvolviam também dois métodos: o experimental, que se voltava aos estudos de

processos básicos e fisiológicos que ocorriam em nível individual; e outro que buscando

compreender os fenômenos coletivos conversa com outros saberes (ciências daquilo que

é “social”) como a Antropologia e a Filosofia (Lacerda Júnior, 2010). É marca então das

ciências psicológicas a concepção de existência em pólos distintos do que é “interno” ao

sujeito e o que lhe é “externo”, derivando daí uma compreensão dicotômica entre o

individual e o social (Bock, 1999).

A Psicologia, então, se enquadra em uma lógica de produção do conhecimento

setorializada, que se debruça sobre uma compreensão fragmentada da realidade,

tomando recortes isolados como objetos de suas especialidades. Neste formato, a

ciência de fato atinge os objetivos de colaboração à reprodução do capital, ao perder de

vista as relações determinantes para compreensão da vida social (Lacerda Júnior, 2010).

Faz-se, assim, uma Psicologia que, em nome da neutralidade, mostra-se num

movimento político alinhado com a direita conservadora, que tende a isolar-se em seu

trabalho clínico, voltado para o indivíduo e sua subjetividade (“interna”), considerando

este como apartado do que é político, social, coletivo e “externo” (Benevides, 2005).

A Psicologia consolida, assim, uma perspectiva ideológica que se afina ao

modelo médico-centrado curativo, que, por ver a realidade através destas dicotomias,

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tende a focar sua atenção no sujeito negligenciando a realidade social que o cerca, e que

é também produtora de sua subjetividade. Essa aproximação ideológica é incoerente

com a proposta societária alternativa defendida pelos movimentos sociais e,

posteriormente, pelo movimento sanitário, cuja proposta de cuidado integral à saúde,

requer, necessariamente, mudanças nas concepções de ciência vigentes, inclusive as da

ciência psicológica.

É possível ter idéia desse quadro ao se analisar os dados de Oliveira et. al.

(2004) que, ao estudarem a prática de psicólogos no nível básico de atenção do SUS,

indicam que formação acadêmica dos profissionais atuantes na área é

predominantemente voltada para a clínica (69% dos entrevistados) e apontam também a

prática da psicoterapia clínica como principal atividade realizada no trabalho em saúde.

Embora mudanças nas diretrizes curriculares dos cursos de Psicologia venham

acontecendo, estas não alteram efetivamente este modelo de formação. Bastos e

Gondim (2010) ratificam a atual configuração da Psicologia como um campo

multifacetado e distribuído em diversas áreas de atuação, indicando aumento do

assalariamento e o crescimento de áreas como a Psicologia Organizacional e do

Trabalho, e da Psicologia da Saúde. Destaca-se o crescimento dos setores de bem-estar,

como assistência social e a saúde pública, sendo o Estado o principal empregador dos

psicólogos assalariados (Seixas, 2009; Yamamoto, 2007). Apesar deste crescimento, a

clínica ainda se apresenta como a principal área de atuação do psicólogo (53%).

Com isso vê-se que, apesar do fato de que importantes mudanças no campo de

atuação da psicologia estivessem sendo gestados na década de 1990, resistem ainda os

modelos de ação tradicionalmente estabelecidos, e muitas vezes inadequados às

mudanças do campo. “O movimento histórico é, pois, heterogêneo, e há segmentos que

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tomam a dianteira do processo, outros que respondem mais tardiamente e outros que

resistem” (Antunes, 2012, p.62). Coexistindo com as concepções conservadoras da

Psicologia, nos anos 2000 discussões sobre o fazer do psicólogo, iniciadas ainda na

década de 1980, ganham corpo e começam a se refletir na prática dos profissionais,

fazendo emergir temas como a clínica ampliada, humanização da saúde e apoio

matricial que subsidiam seu trabalho e que se tornam importantes diretrizes para a

estruturação do SUS.

O SUS é construído em torno de uma nova e ampliada concepção de saúde, que

considera os diversos determinantes sociais da saúde como eixo fundamental de atuação

no cuidado e atenção integral dos usuários. A integralidade da atenção, desta forma, só é

garantida por meio de práticas interdisciplinares, da corresponsabilidade do cuidado

entre os profissionais das diversas especialidades que compõem as equipes e a rede de

atenção. O Apoio Matricial tem um importante papel na construção de relações de

corresponsabilidade, na busca por superar as relações verticalizadas tradicionalmente

estabelecidas no modelo biomédico de atenção. Assim, o conceito de Apoio Matricial

deixa de ser uma orientação voltada para a saúde mental, passando a ser uma importante

ferramenta para a potencialização da integralidade em todo o SUS.

Nesta perspectiva, em 2008, cria-se o NASF como um dispositivo que tem como

base de seu funcionamento o Apoio Matricial, e a saúde mental como uma área

estratégica de ação. Para que o NASF seja um campo fértil para a consolidação da

atenção integral e universal à saúde (em geral, e à saúde mental), é preciso que os

profissionais tenham sua atuação coerente à lógica de funcionamento desenhada para o

NASF que, centrado no Apoio Matricial e trabalho multidisciplinar, busca reunir equipe

matriciadora, equipe de referência, comunidade e usuários na construção de relações de

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corresponsabilidade, tendo a transversalidade dos conhecimentos como eixo central de

suas ações assistenciais e pedagógicas. Os manuais e diretrizes lançados para indicar ao

profissional o direcionamento técnico de suas atividades são insuficientes para guiar seu

exercício, além de se constituírem como regimentos verticais (partindo do Ministério da

Saúde) que pouco se adéquam às singularidades locais (Freire & Pichelli, 2010).

Se o que é proposto como ações do NASF são práticas adequadas às demandas

da comunidade atendida, que se desvinculem de uma alienação que dicotomiza o

subjetivo do social, a aproximação da realidade social atendida é primordial para a

orientação desta prática. Desde a década de 1970 já se estabelecem na Psicologia

críticas aos modelos de atuação elitizados e distantes da realidade social. Nos anos 1980

o debate sobre a função social do psicólogo se fortalece com a efervescência das arenas

de discussão sociais ligadas aos movimentos de reformas políticas e redemocratização

do país. Mais recentemente, o compromisso social do psicólogo tem sido tema ainda

mais recorrente em estudos e debates, na busca pela construção de uma prática

adequada às necessidades reais da população atendida, diante da crescente inserção da

Psicologia nas políticas públicas de saúde e assistência. Para a construção de um fazer

que seja coerente e comprometido socialmente é fundamental o avanço das discussões

sobre os campos de atuação e a própria prática, a inserção das instituições de ensino e

das produções científicas neste debate, assim como a educação permanente dos

profissionais na reflexão e esclarecimento sobre seu papel e posicionamento numa rede

de atenção que se constrói sobre uma inovadora e ampliada compreensão de cuidado.

Ao falar de “compromisso social” é importante esclarecer o termo. Bock (1999)

aponta alguns dos critérios para que seja considerada uma atuação comprometida com a

sociedade. O primeiro deles é que o trabalho do psicólogo vise, como objetivo final, a

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mudança na condição de vida da população brasileira; outro critério é realizar uma

prática que não se centre na doença e sim na promoção de saúde, a compreensão do

sujeito em seu contexto de maneira integral; e, por último, aponta a importância de

adequar as técnicas e saberes da Psicologia às demandas da população atendida,

partindo para isso de sua realidade social.

É preciso desconstruir a idéia de uma Psicologia pretensamente despolitizada e

encarar o fato de que toda ação é política em alguma medida. É preciso compreender

que o fazer da Psicologia e o conhecimento que dela deriva interferem na sociedade, e a

história da profissão não nega exemplos de como a Psicologia e seu saber serviram aos

interesses do sistema, de fortalecer seus ideais e encobrir suas perversidades (Bock,

1999).

Como dito no início dessa seção, a Psicologia se constrói no Brasil em uma

tradição elitizada, curativa e terapêutica, mas a aproximação com a realidade social vem

exigindo há décadas que esta forma de fazer Psicologia se transforme, superando o

limitador viés naturalizante dos fenômenos psicológicos. Temos visto avanços na

construção de um corpo teórico e de novas práticas no campo da Psicologia, em especial

na atuação na saúde pública, “ainda não superamos a dicotomia... mas estamos

caminhando” (Bock, 1999, p. 324).

Ao pensar a superação das dicotomias e a transformação da profissão por meio

da proximidade com a realidade social, não podemos deixar de pensar que há limites

que essa realidade política e econômica impõe à atuação do psicólogo. O novo campo

que se abre à construção de uma nova prática em Psicologia, que é o campo das

políticas sociais, já traz em si limitações reais à concretização de uma prática

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revolucionária6. É importante aqui fazer uma ressalva sobre as possibilidades

revolucionárias de uma prática profissional, não se pretende aqui imbuir uma categoria

profissional (no caso, a Psicologia) de um caráter messiânico, que se proponha sozinha

a transformar a ordem vigente das coisas. Faz-se esta ressalva para que esta

argumentação não se aproxime do que Lessa (2007) denomina “neo-socialismo utópico”

que concebe a possibilidade de construção de um projeto revolucionário a partir de

núcleos socialistas no interior da sociedade capitalista. No entanto, reforço a

necessidade de não corroborar com os ideais e interesses do capital, buscando traçar um

projeto ético-político que mire um horizonte de revolução societária.

Diante dos novos rumos que se abrem à Psicologia, em especial no campo da

Saúde Pública e sua atuação no NASF, vê-se que mudanças são demandadas à prática

dos psicólogos. Trabalhar com a concepção de saúde integral, considerando a saúde

mental intrínseca à saúde e ao cuidado, traz a imperativa necessidade do trabalho em

equipe multiprofissional, trazendo a perspectiva da corresponsabilidade em um contexto

interdisciplinar (Zurba, 2011). O psicólogo, habituado com uma atuação solitária, ao se

inserir no NASF depara-se com essa realidade de maneira ainda mais marcante, unindo-

se a uma equipe multidisciplinar para trabalhar o apoio matricial e a corresponsabilidade

entre profissionais, equipes e usuários, se faz necessário realizar seu trabalho de maneira

interdependente com outros profissionais e saberes, e sua formação (da maneira como

6 A política social no capitalismo é convertida em "políticas sociais", de forma que atentam às

sequelas da questão social de forma fragmentada, evitando a intervenção na origem concreta da questão

social: as condições estruturais que remontam à relação capital-trabalho. Aí residem os limites que a

realidade do campo impõem a qualquer prática que objetive transformações macroestruturais da

sociedade

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historicamente se constrói a Psicologia, em formação e prática) pouco contribui para

isso (Ferreira Neto, 2010).

Considerando que o NASF é um dispositivo de suporte, que deve operar com

uma dimensão técnico-pedagógica e uma dimensão assistencial, ambas pautadas pela

gestão compartilhada, pelo PTS e pelo apoio matricial; e que, por sua vez, o psicólogo,

tradicionalmente, trabalha a partir de um modelo não coletivo, contrapondo a proposta

do NASF, eminentemente coletiva questiona-se, então nesta pesquisa, o que muda em

termos qualitativos na prática do psicólogo com essa mudança de estratégia no campo

da saúde, que é o NASF?

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5. Procedimentos e Método

Antes de tratar dos procedimentos e instrumentos escolhidos para a realização

desta pesquisa, primeiramente, é preciso compreender a escolha filosófica que inspira

este estudo, no caso, o método do materialismo histórico dialético. Parte-se, assim, do

princípio de que a realidade não se mostra diretamente ao seu observador. Isto porque a

chamada “coisa em si” ou a essência do real difere, sendo por vezes ainda contraditória,

do fenômeno que é a parte que se mostra imediatamente aos homens (Kosik, 2002). A

realidade é, então, a unidade entre fenômeno e essência, sendo estes distintos entre si.

Através de sua separação podemos conhecer sua coerência interna. É por meio dos

fenômenos que podemos ter acesso à essência, mas, ao mesmo tempo, a visão do

fenômeno oculta a realidade em si. Na medida em que a essência se mostra de maneira

parcial e mediada pela ideologia dominante e por ontologias que falseiam

(deliberadamente ou não) a realidade, podemos dizer que o fenômeno a obscurece na

mesma medida em que indica o caminho para compreendê-la (Kosik, 2002).

Quando em nossa práxis cotidiana ignoramos a distinção entre fenômeno e

essência, tomando o fenômeno pela totalidade do real, adentramos o mundo da

pseudoconcreticidade. Esta é o conjunto de fenômenos com os quais nos deparamos no

cotidiano e que assumimos como independentes e naturais, tomando sua existência

como autônoma, apartada sua condição de produto histórico e social (Kosik, 2002). A

pseudoconcreticidade é composta pelos fenômenos que estão à superfície da essência;

pelos objetos fixados, compreendidos como naturais e independentes das atividades

humanas; e pelas representações comuns, que derivam da ideologia e da práxis

fetichizada, que é em si mais um componente da pseudoconcreticidade.

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Ao transpor a aparência das coisas para a consciência dos homens de forma que

haja a petrificação de condições historicamente construídas, mantendo-se a

compreensão dos fenômenos enquanto realidade total, tem-se a realização da práxis

fetichizada. Em oposição à práxis fetichizada, temos a práxis revolucionária da

humanidade. A práxis revolucionária se faz pela destruição da pseudoconcreticidade, e

se torna possível na medida em que abandonamos a compreensão imediata de uma

realidade estática e acabada (típica da pseudoconcreticidade) e assumimos a realidade

humano-social como produto do próprio homem (Kosik, 2002).

A superação da pseudoconcreticidade ocorre por meio da crítica revolucionária;

do pensamento dialético, que é o exercício de sair das aparências em direção à essência

das coisas em si; e da percepção da criação da realidade como processo ontogenético,

ou seja, a realidade do homem é produto de sua construção histórico-social. É só através

da destruição da pseudoconcreticidade que se faz possível caminhar na direção da

construção de conhecimentos acerca da realidade. “A destruição da

pseudoconcreticidade significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de

uma vez para sempre, mas que ela se faz; logo, se desenvolve e se realiza” (Kosik,

2002, p. 23).

Os conhecimentos que alcançamos são apenas aproximações da realidade em

sua totalidade, já que entendemos esta como em constante movimento e construção.

Apesar de realizarmos uma aproximação relativa da totalidade concreta, pois não é

possível nossa abstração esgotá-la, podemos dizer que há neste movimento também um

caráter absoluto, já que tratamos a realidade como objetiva e independente de nossa

consciência (Lukács, 1979).

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Conhecer a realidade (absoluta) não é um processo no qual buscamos referi-la a

algo diverso de si, mas sim a busca por entender os movimentos da própria realidade.

Para alcançar este objetivo é preciso fazer um caminho de investigação chamado por

Kosik (2002) de Detóur.

Detóur é um movimento investigativo que adentra o fenômeno na busca por seus

determinantes, como estes se relacionam e compõem a estrutura dinâmica da realidade.

Para tanto, partimos do fenômeno para a essência e retornamos da essência para o

fenômeno compreendido. É possível ao homem acessar a totalidade de maneira

imediata, no entanto, esta se apresenta de forma parcial e obscura. Realizando o detóur

partimos do fenômeno, de uma representação imediata e caótica do todo, para depois de

conhecer a composição e movimentos do real, reconstruir (na nossa abstração) essa

totalidade agora articulada, estruturada e compreendida (Netto, 2011). Isolar fatos, ou

partes da realidade, para conhecê-los é uma abstração que só se torna conhecimento e

verdade ao passo que é inserido na totalidade concreta do real. Da mesma forma, se

tomamos a totalidade sem diferenciar suas partes e determinantes, recaímos no mesmo

erro, a mesma visão vazia e naturalizante da pseudoconcreticidade.

Com isso, podemos afirmar que o método filosófico deste trabalho se realiza em

toda sua construção, partindo de uma revisão teórica que nos leva a compreender o

objeto da pesquisa na totalidade histórica, dando concreticidade a ele. Netto (2011)

destaca que na obra de Marx (inspiração para a formulação do método histórico

dialético) não há separação entre método e elaboração teórica. Tais concepções seguem

orientando esta pesquisa na busca por conhecer os determinantes e movimentos da

realidade concreta com a qual nos deparamos, respeitando a concepção de realidade

autônoma (que precede nossa consciência) preservando assim a fidelidade ao objeto nas

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escolhas dos procedimentos e instrumentos utilizados. “É a dinâmica do objeto que

comanda os procedimentos do pesquisador” (Netto, 2011, p. 53).

5.1. Campo e participantes

Para atingir os objetivos deste estudo foi realizada uma pesquisa de campo que

contou com três etapas: construção de um banco de dados sobre os NASF do RN, com

vistas à elaboração dos delineamentos metodológicos para as etapas seguintes;

entrevistas semiestruturadas; organização e análise dos dados obtidos.

Como uma primeira etapa da pesquisa, foi realizado um levantamento nos

bancos de dados oficiais do SUS (DataSUS), através do banco online do Cadastro

Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (Cnes)7, das equipes NASF cadastradas e em

operação no Rio Grande do Norte8.

Com as informações coletadas neste levantamento foi construído um banco de

dados (no software Microsoft Excel) no qual foram organizadas informações amplas

sobre os estabelecimentos de saúde existentes nos municípios que contam com equipes

NASF, a data de implantação destas equipes, o nome e ocupação (CBO) dos

profissionais que nelas atuam. Este banco de dados permitiu que se visualizasse a

distribuição temporal e geográfica dos NASF no RN. Assim foi optado como

delineamento metodológico para os objetivos propostos nesta pesquisa, por limitar o

campo baseando-se no critério de antiguidade das equipes NASF. Determinou-se assim

que seriam entrevistados os psicólogos atuantes nas equipes NASF que foram

implantadas ainda em 2008, compreendendo que a antiguidade das equipes pressupõe

7 http://cnes.datasus.gov.br/

8 A crescente inserção da Psicologia nas Políticas Públicas no Rio Grande do Norte destaca-se do cenário

nacional por mostrar-se ainda mais acentuada. Pesquisas apontam que, no ano de 2012, quase metade

dos psicólogos do RN atuavam no campo das políticas sociais (Seixas & Yamamoto, 2012).

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maior consolidação da mesma, por estar a mais tempo estabelecida na rede de atenção

do município e por vir tendo um mais longo processo de organização e apropriação das

diretrizes de funcionamento do núcleo.

Chegamos, assim, ao número de sete equipes NASF, distribuídas por seis

municípios do RN. Nestas equipes foram entrevistados os profissionais de Psicologia,

por ser esta escolha coerente com o objetivo desta pesquisa de conhecer a atuação dos

psicólogos nas equipes NASF do RN. Dos oito psicólogos distribuídos nas supracitadas

equipes, sete foram entrevistados, sendo que um dos psicólogos não se disponibilizou

para a participação na pesquisa.

5.2. Roteiro da entrevista

Após a escolha dos participantes, foram realizadas entrevistas individuais

semiestruturadas, registradas em áudio e transcritas.

O roteiro de entrevista, por meio de tópicos norteadores, contemplou blocos de

informações referentes aos determinantes da entrada do psicólogo nos serviços, à

formação para a prática atual, ao funcionamento do NASF, às atividades realizadas pela

equipe NASF e pelo psicólogo, à articulação de ações (entre os profissionais da equipe

NASF, entre equipe NASF e equipes de referência e, ainda, entre equipe NASF e outras

instituições da rede de sócio-assistencial), e aos desafios e possibilidades da atuação do

psicólogo no NASF.

5.3. Análise do material coletado

Todas as entrevistas realizadas foram transcritas e seu material organizado com a

ajuda do Software QDA miner. A análise do material se fundamenta primeiramente no

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materialismo histórico dialético, na busca por apreender as determinações históricas que

estruturam a realidade, por meio das relações sociais investigadas na prática dos

psicólogos atuantes no NASF.

Para operacionalizar a análise deste material foram realizados três passos

metodológicos para sua efetivação:

1) Ordenação dos dados: transcrever, reler e organizar o material coletado

nas entrevistas;

2) Classificação dos dados: baseando-se na fundamentação teórica realizada

na etapa de revisão de literatura, buscar as características e relações relevantes entre os

sujeitos, seu discurso e seu contexto, e elaborar, assim, categorias específicas; e

3) Análise final: responder aos objetivos iniciais da pesquisa, por meio da

relação entre o material teórico e a realidade apreendida (Minayo, 1992).

A partir desta estratégia metodológica a linha investigativa foi traçada de acordo

com os blocos de informações contemplados no roteiro, tendo como eixo central de

discussão em todos os tópicos de análise a atuação prática do psicólogo nas equipes

NASF.

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6. Resultados e Análise

6.1. Determinantes da entrada do psicólogo nos serviços

Todos os psicólogos entrevistados se inserem nos serviços por meio de contratos

de prestação de serviços. Sua chegada ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família se deu

por meio de seleção (em metade dos casos analisados aqui), ou por indicação. Nos casos

de indicação observamos que muitas vezes estes são indicados por já terem prestado

serviço em outro dispositivo do município, ou mesmo sendo convidados a um

remanejamento, vindo de outros dispositivos para o NASF. Quando a indicação não se

dá por esse motivo, ela ocorre por motivos pessoais, como podemos observar na fala da

Psicóloga 7:

Foi através do prefeito (...) como ele é médico, minha mãe também é médica,

eles são amigos, aí ela falou que eu estava precisando de emprego e ele disse

que estava precisando de uma psicóloga (Psicóloga 7)

Notamos aqui uma fragilidade do sistema denotando pouco cuidado e

profissionalismo no importante compromisso de formação de uma equipe

multiprofissional que constituirá o NASF. Por serem indicações pessoais (sem ligação

com questões de positiva avaliação profissional), não é assegurado que este profissional

tenha competência técnica e coerência em sua formação para a atuação no NASF.

Os profissionais entrevistados atuam sob um vínculo empregatício temporário e

frágil dentro de um contexto interiorano no qual o cenário político-partidário tem grande

força e influência nas ações desenvolvidas pelos serviços públicos. Isso indica a

possibilidade de ocorrer um engessamento da atuação destes profissionais por

determinantes que estão acima deles. Mesmo que haja a iniciativa pessoal do psicólogo

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para realizar ações diferenciadas dentro do serviço ele há de se submeter ao que foi

determinado por instâncias políticas superiores no município.

Busca-se no NASF, como em toda Atenção Básica, o ideal da saúde coletiva,

mantendo o foco na promoção e prevenção em saúde. Isto requer o contato com a

comunidade e um acompanhamento longitudinal, com medidas de longo prazo que

envolvam os profissionais e equipes. O vínculo contratual leva os profissionais de

psicologia que lá atuam a uma posição de insegurança quanto à manutenção de seu

emprego, que se soma à falta de perspectiva de ascensão profissional dentro do Núcleo.

Dessa forma é observada uma considerável rotatividade dos profissionais que atuam

nestas condições, no caso desta pesquisa 4 dos 7 psicólogos entrevistados estão atuando

na equipe NASF há cerca de um ano. Esta rotatividade pode refletir descontinuidade das

ações realizadas no Núcleo, e na fragilização das equipes que estão constantemente se

renovando.

6.2. Formação para a prática atual

Dos 7 psicólogos entrevistados apenas um não realizou seu estágio curricular na

área clínica, sendo este da área escolar. As pós-graduações também se enquadram em

linhas mais tradicionais da Psicologia, sendo que três dos entrevistados realizaram pós-

graduação em abordagens da Psicologia Clínica e dois em Avaliação Psicológica.

Apenas dois dos entrevistados fizeram pós-graduação na interface da Psicologia e

Saúde.

É notória a ausência de formação em outras áreas, mas, não podemos

desconsiderar que formações em outros campos da psicologia são escassas, portanto,

aquele profissional que percebe em sua atuação a necessidade de buscar algum preparo

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complementar, acaba recorrendo às especializações e cursos na área clínica, por estes

serem mais abundantes e acessíveis, além de serem mais familiares diante da formação

prévia na área clínica. É importante ressaltar aqui que a Psicologia Clínica (que

tradicionalmente se faz na psicologia um dos campos de atuação e formação

preferencial dentre os profissionais) não só se caracteriza como um campo de trabalho, a

clínica em consultórios privados, mas como grande norteador da atuação do psicólogo

nos diversos campos em que atua. O fato de que a formação dos entrevistados se dá,

prioritariamente, no campo da Psicologia Clínica se reflete em seu fazer cotidiano no

NASF, de forma que o modelo clínico (em sua abordagem tradicional centrada no

indivíduo) se torna a referência de sua atuação. A formação clínica dos profissionais

pode ser conciliada com a atuação na Atenção Básica, sendo uma referência em seus

princípios basais (como a escuta e o acolhimento)que se fazem presentes nas ações que

realize nesse campo que requer um modelo diferenciado do modelo liberal tradicional,

buscando assim afastar o viés individualizante da prática tradicional e considerar os

diversos determinantes sociais que estão envolvidos no processo de cuidado requerido

pela Atenção Básica.

Aqueles que entraram no NASF no momento de estruturação e implantação da

equipe passaram por treinamentos que seguiram três etapas principais: integração com a

equipe; estudo e discussão teórica sobre o NASF; e conhecimento do município e da

rede de atenção que lá atua. Quando a entrada do psicólogo não coincidiu com o

estabelecimento da ENASF a capacitação para o trabalho no núcleo se deu através de

estudos individuais das portarias e cadernos de diretrizes do NASF, e conversas

informais com outros membros da equipe, ambos ocorrendo por iniciativa do próprio

psicólogo, como vemos na fala do Psicólogo 7 quando questionada sobre como foi sua

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preparação para o trabalho no NASF: “foi com a cara e a coragem. Deram um...

Diretrizes do NASF, um livro. Pra gente ler e pronto”.

A participação em capacitações, reuniões e treinamentos oferecidos pela

Secretaria Estadual de Saúde, foi citada por todos os entrevistados, no entanto,

ressaltando a falta de regularidade e frequência destas atividades. O que é tido como

“educação continuada” são treinamentos e capacitações sobre temas específicos como,

por exemplo, “Mortalidade Infantil”, e que não se direcionam diretamente ao preparo

para o trabalho na ENASF. Alguns profissionais indicam desmotivação em relação a

essas capacitações. Essa desmotivação se dá em parte por serem capacitações escassas e

irregulares, no entanto, também é um indicativo de que os psicólogos não se percebem

como parte de muitas das discussões mais amplas da rede de saúde, como fica claro na

fala do Psicólogo 6 sobre os cursos oferecidos como capacitação para os profissionais

do NASF: “são muito amplos, não são específicos do NASF, muito menos pra

Psicologia em si”.

É válido ressaltar uma diferença que a trajetória profissional dos psicólogos

exerce no preparo para o trabalho no NASF. Por ser um dispositivo recente, e por

termos a predominância da formação destes profissionais em áreas que não se

relacionam diretamente à saúde pública, pouco ou nada é conhecido sobre o NASF

durante a formação acadêmica destes profissionais. O Psicólogo 6, que não teve

experiência profissional no campo da saúde pública, é um exemplo da situação da

maioria dos profissionais entrevistados que igualmente não tiveram trajetória na saúde:

“Então, eu assumi meio que perdida, eu caí de paraquedas mesmo, que eu não sabia, eu

não sabia nem da existência do NASF, quando eu entrei. Não sabia o que é que fazia...”.

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Aqueles psicólogos que não contam com experiência profissional prévia nas

áreas da saúde pública, apontaram o preparo para a atuação no NASF como tendo sido

de grande importância para o desenvolvimento de seu trabalho no núcleo, porém não

sendo suficiente para sanar dificuldades na compreensão do seu papel e das atividades

desenvolvidas no NASF. Aqueles que, sem experiência anterior, tiveram sua preparação

pautada na busca pessoal por conhecimento acerca do NASF e da atuação pretendida

(recorrendo às portarias e ao Caderno de Diretrizes do NASF), indicam a deficiência de

sua capacitação para atuar deparando-se com a realidade da equipe, da rede e da

comunidade.

mas me dá a impressão que está todo mundo meio que tentando se encontrar um

pouquinho, de como fazer, né? Porque a gente tem o documento que dá o norte,

mas na prática as coisas são um pouco diferente, né. (Psicólogo 2)

Por outro lado, aqueles psicólogos que tenham tido experiência profissional no

campo da saúde pública (apenas dois dos entrevistados) indicam a importância de sua

experiência para atuação no NASF: “Olhe, pra mim de uma certa forma foi [suficiente a

capacitação para o trabalho no NASF], porque como eu não sou tão nova já tenho toda

uma carga de experiência eu já carrego isso pro NASF” (Psicóloga 4).

Diante do preparo considerado incipiente pela maioria dos profissionais,

percebe-se que estes têm de construir um modelo de atuação no seu cotidiano de

trabalho. A troca de experiências com outros profissionais da equipe foi largamente

citada como uma das formas de preparo para atuação no NASF, neste caso, a integração

da equipe exerce um grande papel na construção da prática deste profissional. Se a

equipe é bastante integrada, o psicólogo troca conhecimentos e experiências com os

outros profissionais, absorvendo novos modos de fazer saúde no NASF. No caso de

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uma equipe esfacelada, o psicólogo trabalha com aquilo que já traz em sua bagagem de

conhecimento e experiência, preenchendo as lacunas da capacitação com experiências

de sua formação pessoal. Como pudemos observar, as formações destes profissionais

são, em sua maioria, voltadas para a prática clínica, sendo assim, tendo que recorrer

àquilo que já lhe é conhecido para realizar seu trabalho no NASF, o modelo clínico

tradicional9 passa a ser adotado como base para sua atuação. Isso implica dificuldades

para adequar o trabalho do psicólogo à realidade do trabalho no NASF, o que será

trabalhado mais adiante, quando nos depararemos com as atividades que são realizadas

por estes profissionais e os desafios que encontram na sua atuação.

A questão da falta de um preparo focalizado e eficiente para a atuação no NASF

não esta sozinha quando falamos de dificuldades para a realização de uma prática

compromissada e que esteja de acordo com os preceitos da Saúde Coletiva. No entanto,

por se refletir na falta de compreensão plena sobre o papel, o lugar e os objetivos da

equipe NASF (e de si próprio como psicólogo atuante nesta equipe), a capacitação

deficiente torna-se entrave na busca por sanar as dificuldades que se colocam à prática

do NASF. É nítido que ao ter um conhecimento mais avançado sobre os temas da saúde

pública destacam-se ao olhar do profissional as barreiras que precisam ser superadas

para a concretização do trabalho do NASF e contribuir para a concretização do SUS.

Podemos observar na fala do Psicólogo 5 (que tem experiência profissional e acadêmica

no campo da saúde pública, tendo estudado e trabalhado com a Política Nacional de

9 A Psicologia se constrói no Brasil nos moldes do trabalho liberal associado à prática clínica, que ainda hoje representa uma notável preferência dos psicólogos enquanto atuação. Dessa maneira tem-se uma Psicologia tradicional (que conserva o modelo de ação de suas origens, muito atrelado às profissões médicas e à ideologia médico-centrada) que apresenta entraves no desenvolvimento do trabalho na atenção básica, por ser centrada no indivíduo e se distanciar de considerações acerca dos determinantes sociais da saúde e de sua própria conduta (Yamamoto, 2007).

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Humanização), que, tendo clareza da proposta do dispositivo, reconhece que há outras

problemáticas se impõem à sua prática, que não apenas a capacitação insuficiente:

Eu acho que a questão do funcionamento do NASF, ela extrapola essa questão

da capacitação dos profissionais. Porque... É o que eu digo sempre pro pessoal:

‘nós sabemos o que é pra fazer, nós sabemos o que é apoio matricial, nós

sabemos o que é atenção, cuidado, nós sabemos do papel real que as equipes do

programa de saúde da família exercem, dos agentes comunitários de saúde... A

gente sabe. Mas é aquilo que eu te falei no início: nem a população ainda tá

sensibilizada (...) Eu acho que, assim, a capacitação, ela não é suficiente, mas

também não é... Acho que não é o X da questão, entendeu? (Psicólogo 5)

A deficiência no preparo dos psicólogos para a atuação no NASF se reflete em

muitos dos desafios que estes encontram em sua atuação, em especial em adaptar-se à

realidade (mutias vezes desconhecida) do trabalho em saúde pública. No entanto esta

não é a única gênese das problemáticas enfrentadas por estes profissionais, a rede de

saúde esfacelada, falta de profissionais e estrutura física adequada, e mesmo a difícil

transição para um novo paradigma de cuidado em saúde que ainda encontra resistência

entre os profissionais da saúde e a própria população, são exemplos de dificuldades que

se colam à atuação do psicólogo no NASF (tema melhor explorado na sessão “Desafios

e Limites da atuação do psicólogo no NASF”).

6.3. Funcionamento do NASF

Cada equipe NASF se responsabiliza pela cobertura de oito a vinte unidades de

saúde, sendo estas compreendidas na zona urbana e na zona rural dos municípios. Todos

Page 73: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

72

os psicólogos entrevistados apontam que as equipes em que atuam organizam suas

ações por meio da estruturação de um cronograma de ações, de forma a possibilitar que

a Equipe NASF realize uma visita por mês para cada unidade Saúde da Família. Este

cronograma vai organizar as atividades que a equipe NASF se propõe a realizar (o que

será melhor explorado quando falarmos das atividades realizadas).

A forma como a equipe Saúde da Família se envolve na realização destas

atividades começa a se delinear na própria elaboração do cronograma, onde observamos

que, na maioria dos casos, a equipe SF participa desta etapa de programação apenas

contribuindo com a viabilidade operacional (colocando suas possibilidades de datas e

locais) ou ainda com a organização da demanda por meio de encaminhamentos ao

NASF.

Sobre a composição da equipe, podemos observar que das 6 equipes

compreendidas nas entrevistas, apenas 3 contavam com médicos na sua composição.

Dois dos três psicólogos que trabalham em equipes NASF com médicos destacam o

afastamento destes profissionais dos trabalhos com a equipe. Interessante também foi o

fato de um entrevistado esquecer que há médicos na equipe (voltando atrás para

corrigir-se mais adiante na entrevista). Já o Psicólogo 5 fala explicitamente sobre como

se estabelece a relação do resto da equipe com os profissionais médicos e

farmacêuticos:

nossa equipe lá é formada por um psicólogo, terapeuta ocupacional,

fonoaudiólogo, nutricionista... Esses são os que atuam no apoio matricial . O

município também tem, no quadro do NASF, um médico pediatra e um

farmacêutico, mas eles não atuam em conjunto com a gente, eles trabalham...

Eles fazem a referência no município, o médico pediatra faz a referência e a

Page 74: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

73

farmacêutica, ela fica centralizada na distribuição de medicamento do

município, ela não está em conjunto com a gente nas ações. (Psicólogo 5)

Esse afastamento dos profissionais médicos das atividades da equipe, centrando-

se no atendimento ambulatorial sem integrar-se no planejamento e execução das demais

ações desenvolvidas, nos remete à forte presença do paradigma médico-centrado e

curativo. A reprodução desta mentalidade se mantem, apesar da proposta de ação do

NASF (centrada nos princípios do apoio matricial e do trabalho interdisciplinar) surgir

no bojo de esforços para a concretização da mudança de concepção dos processos de

atenção à saúde, priorizando-se a promoção de saúde e prevenção de agravos em

detrimento da lógica (ainda) dominante, médico-centrada, biologicista e curativa. O

NASF com a proposta de atuar junto às equipes Saúde da Família vem reforçar a ação

na e com a comunidade, buscando sempre o aprofundamento do olhar sobre os

determinantes sociais de saúde, para que a intervenção sobre estes promova a saúde da

população, trabalhando a prevenção de doenças em todo o território atendida. Desta

forma a atuação esperada para o NASF afasta-se do olhar individualizante, que através

de procedimentos estritamente médicos (prioritariamente ambulatoriais) enfoca-se na

cura de doenças já estabelecidas pouco considerando a diversidade de fatores que

compõe o processo de saúde e doença.

6.4. Atividades realizadas

Os psicólogos foram questionados em momentos distintos da entrevista sobre as

atividades que a equipe NASF realiza e as atividades que eles (psicólogos) realizam no

seu cotidiano de trabalho. No entanto, no processo de análise percebeu-se que estes

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blocos de informações se mesclam, havendo uma grande coincidência das atividades

relatadas em cada deles, assim como a participação do psicólogo nas atividades

descritas como da equipe. Portanto, será aqui exposto em um só tópico de análise as

atividades que foram descritas pelos psicólogos e sua participação nas mesmas.

6.4.1. Apoio Matricial

No decorrer de toda a análise falaremos de apoio matricial como uma estratégia

que permeia e direciona a proposta de ação do NASF como um todo. No entanto, nas

entrevistas apenas dois psicólogos citam nominalmente o apoio matricial como parte de

sua atuação. O fato de uma parcela tão pequena dos entrevistados falar sobre o apoio

matricial (que deveria ser central na concepção do trabalho no NASF) é preocupante,

mas mais alarmante é perceber que em apenas uma das entrevistas é percebida a real

presença do apoio matricial nas atividades relatadas.

Apenas o Psicólogo 5 fala com propriedade e coerência sobre o Apoio Matricial,

e indica este como base de sua atuação em todo seu relato. A equipe NASF em que atua

o Psicólogo 5 teve uma trajetória peculiar de desenvolvimento. O Psicólogo 5, vindo de

uma trajetória profissional ligada à Saúde Pública e ao estudo e implantação da Política

Nacional de Humanização, entrou na equipe NASF no momento em que esta se

estruturava, e sua experiência no campo teve importante influência no modelo de ação

que esta equipe NASF desenvolveria.

Em um primeiro momento foram organizadas oficinas de formação para a

equipe NASF que se estabelecia, nas quais o Psicólogo 5 assumiu um papel de liderança

direcionando a capacitação na busca por elaborar estratégias de atuação que fossem

coerentes e condizentes com os princípios da Atenção Básica, da PNH, e das diretrizes

Page 76: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

75

do NASF. Somando-se às oficinas a equipe entrou em contato com a comunidade

(construindo um diagnóstico da situação da mesma) observando as demandas e

necessidades e iniciando, a partir daí, um trabalho pautado no apoio matricial e

organizando-se enquanto equipe multiprofissional integrada.

Eu me lembro que a gente, durante a semana, a gente sentava duas ou três vezes

pra discutir casos. Todo mundo, inclusive o pediatra, a farmacêutica, todo

mundo. E a gente ia nas localidades, o pessoal falava dos casos (...) E os

profissionais, eles iam contribuindo, a gente ia meio que montando um plano

terapêutico compartilhado (Psicólogo 5)

Este modelo de atuação sofreu profundas mudanças quando houve o

estabelecimento de uma nova gestão, que não havia passado pelo processo de preparo

para a atuação que esta equipe NASF teve a oportunidade de construir e vivenciar. A

postura da nova gestão (não conhecendo o modelo de trabalho desenvolvido no NASF)

somou-se à pressão da comunidade que, sem compreender o papel do NASF e sofrendo

com o esfacelamento da rede de saúde, requeriam atendimentos ambulatoriais nas

especialidades.

A gente tinha noção do que é que era pra fazer, mas eles não estavam

preparados. É interessante isso, né? Teve uma barreira muito grande por causa

disso. Resumindo a história, eles pediram pra gente reestruturar tudo, né?

Desfazer o que a gente estava fazendo. “Não, porque vocês têm que estar

atendendo!”. Chegaram assim, né? E a gente tentou segurar a barra, mas não

conseguiu. Tentamos segurar no apoio, mas a gestão bateu o pé: “não, vocês

vão ter que atender, vai ter que ser assim”. E ai a gente teve que implantar o

ambulatório. (Psicólogo 5)

Page 77: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

76

Na tentativa de conciliar as pressões da gestão com o que entendiam como uma

atuação apropriada para o NASF, hoje organizam suas atividades de forma que realizam

atendimentos ambulatoriais em dois dias da semana e reservam os outros três dias para

trabalhar o apoio matricial nas diversas atividades que desenvolvidas.

Nos três dias dedicados ao apoio matricial realizam atividades de capacitação

direta às equipes, visitas domiciliares e grupos como apoiadores da equipe de referência,

além do constante trabalho pedagógico nas discussões de casos e atividades realizadas

sempre em conjunto com as equipes SF.

Então, as ações de apoio matricial, elas podem... Pode ser uma reunião, pra

discutir algum caso. Eu entendo isso como parte do apoio matricial. Com cada

profissional discutindo, dando a sua contribuição. Pode ser a participação do

NASF em alguma ação coletiva (...) Eu acho que também é apoio matricial a

gente cobrar deles, a iniciativa deles, das equipes de saúde da família

(Psicólogo 5)

O apoio matricial propõe uma relação horizontalizada entre as equipes na qual a

equipe apoiadora ofereça uma retaguarda especializada à equipe de referência,

buscando, por meio do constante exercício pedagógico permeando as atividades

matriciais, capacitar as equipes contribuindo com a autonomia da equipe SF na

efetivação do cuidado integral, universal e equânime à saúde. “Assim também acontece,

por exemplo, com o agente de saúde, enfermeiro, eu procuro muito passar pra eles que

eles são capazes de dar conta de algumas demandas” (Psicólogo 5).

A prática do apoio matricial pela equipe do Psicólogo 5 faz com que este caso se

diferencie dos dados das demais entrevistas na maioria dos tópicos de análise, pois o

Page 78: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

77

apoio é mais do que uma atividade pontualmente realizada em seu cotidiano, mas sim

um método de trabalho que permeia sua ação em tudo que realiza no trabalho no NASF.

Por ser o Apoio Matricial a estratégia primordial de orientação do trabalho no

NASF, este deveria ser igualmente imprescindível na prática dos profissionais que lá

atuam. No entanto o que vemos é a ausência de ações de apoio e mesmo de reflexões

sobre o tema nas entrevistas obtidas. Em detrimento da lógica apoiadora e suas bases no

trabalho em equipe com extensa troca de saberes, o que prevalece na prática dos

psicólogos entrevistados (e pode ser observado nos tópicos de atividades que se

seguem) é a orientação de suas ações preservando o viés clínico tradicional e individual,

priorizando as ações diretas ao usuário em lugar de ações dentro da equipe NASF e com

as equipes de referência.

6.4.2. Acolhimento

O conceito de acolhimento na Atenção Básica vem crescendo em termos de

importância em diretrizes e publicações na área, desde o estabelecimento do Pacto pela

Saúde (Ministério da Saúde, 2006d), mais especificamente por uma de suas linhas

principais, o pacto pela vida, que tem como uma diretriz o enfoque na promoção de

saúde no nível básico de atenção. No entanto, o conceito de acolhimento vem sendo

alvo de investigação e interesse para o campo da saúde pública há mais tempo, com a

priorização da Atenção Básica dentro do Sistema, e a consequente valorização das

tecnologias leves no cuidado à saúde. Franco, Bueno e Merhy (1999) em estudo sobre o

acolhimento na atenção básica revelam o importante papel desta atividade exercida em

três direções:

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78

a. Promover a acessibilidade universal aos serviços de saúde,

coerente com a Política Nacional de Humanização (Ministério da Saúde,

2004) que faz referência ao acolhimento enquanto ferramenta para inclusão

do usuário com vistas à otimização dos serviços, e a promoção do acesso aos

de mais níveis de atenção;

b. reorganizar o processo de trabalho, partindo da perspectiva

médico-centrada para a abordagem interdisciplinar em equipes

multiprofissionais; e

c. Realizar uma melhora qualitativa na relação trabalhador-usuário

com bases em parâmetros humanitários (solidariedade e cidadania).

Desta forma podemos afirmar que o acolhimento vai se configurar como mais

uma estratégia de consolidação do modelo de atenção com foco na Atenção Básica à

saúde, tornando-se mais do que uma técnica a ser aplicada (Gil, 2006).

Em nossa investigação pudemos observar primeiramente que apenas um

psicólogo citou o acolhimento como atividade realizada tanto pela equipe NASF quanto

por ele (psicólogo). Por sua vez, essa atividade relatada como acolhimento é na verdade

descrita de forma idêntica às atividades de plantão psicológico (citado por 2 dos

psicólogos entrevistados), se caracterizando pela escuta e aconselhamento em situações

específicas, como podemos observar na fala do Psicólogo 3: “O que mais chega é gente

dizendo que está estressada. Aí eu vou, converso, escuto o problema, dou algumas

orientações né, e as vezes eles conseguem colocar isso em prática no dia-a-dia”.

A aproximação do acolhimento com a prática de um plantão psicológico

demonstra a falta da compreensão do acolhimento enquanto estratégia de reorganização

do modelo de trabalho na Atenção Básica em saúde, tornando privado ao psicólogo a

Page 80: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

79

realização de tal atividade (já que esta irá se caracterizar por um atendimento

psicológico breve, com aconselhamento psicológico que subentende conhecimentos

específicos na área). Realizado nesta configuração, o acolhimento perde seu potencial

de avanço nos três níveis supracitados: no modelo de plantão psicológico e

aconselhamento não se alavanca a acessibilidade universal ao sistema, pois não se está

promovendo a integração com os outros níveis de atenção; tampouco colabora para a

reestruturação do trabalho em equipe, pois centraliza esta atividade em uma só

especialidade profissional; e por se caracterizar como uma atividade de um único

profissional perde-se a difusão capilar dos parâmetros de solidariedade e cidadania que

deve reger as relações entre usuários e todos os membros da equipe.

6.4.3. Atendimento ambulatorial - ação clínica direta

De acordo com o Caderno de Diretrizes do NASF (Ministério da Saúde, 2009b)

o trabalho da equipe NASF deve se articular de forma a atender a duas dimensões da

atenção: uma dimensão técnico-pedagógica, ofertando apoio matricial com caráter

educativo às equipes Saúde da Família; e uma dimensão assistencial, que se efetiva na

ação clínica direta aos usuários (ressaltando-se na pg.22 do Caderno de Diretrizes do

NASF: “atividades assistenciais diretas, quando for o caso”).

Considera-se que estas duas dimensões devem misturar-se, agindo de maneira

integrada para atender as demandas da comunidade atendida. Desta forma, o

atendimento clínico direto ao usuário surge como uma atividade a ser realizada diante

da necessidade de tal acompanhamento especializado, no entanto, sem desvincular-se da

dimensão técnico-pedagógica, relacionando os atendimentos ambulatoriais com a

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construção de saberes entre as equipes e mantendo a coordenação do caso na

responsabilidade da equipe Saúde da Família.

É explícito nas diretrizes para o processo de trabalho no NASF que deve-se

priorizar intervenções por meio de discussões de casos juntamente com os profissionais

da equipe Saúde da Família, de forma que o atendimento individual realizado pelo

NASF diretamente com o usuário seja reservado para “situações extremamente

necessárias” (Ministério da Saúde, 2009b) e, ainda assim, mantendo o contato estreito

com a equipe de referência que continua sendo a responsável pelo caso. Tal contato

possibilita que a equipe Saúde da Família reorganize a atenção àquele

usuário/família/comunidade de maneira a complementar de forma coerente o

atendimento específico oferecido.

A coordenação do cuidado, que se pretende pela ESF, deve manter-se mesmo

quando esta equipe não está executando diretamente algum procedimento pelo qual o

usuário tenha que passar. Para que assim se concretize é fundamental a manutenção do

diálogo e participação da equipe Saúde da Família no contato que a equipe NASF

estabeleça diretamente com o usuário. O NASF, sendo um dispositivo estritamente

vinculado às equipes Saúde da Família, deve em todo momento corroborar com a

resolutividade e a coordenação integrada do cuidado na Atenção Básica, sendo base

para tal compromisso o compartilhamento de responsabilidades e o apoio às equipes de

Saúde da Família (Ministério da Saúde, 2009b).

Nas entrevistas realizadas nesta investigação, observamos que todas as equipes

NASF (assim como todos os psicólogos) realizam atendimentos ambulatoriais

individuais diretamente com o usuário. Os psicólogos entrevistados indicam que

organizam suas atividades mensais reservando uma carga horária para o atendimento

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81

clínico direto. Tal carga horária pode representar um dia por semana dedicado

exclusivamente a esta modalidade de atendimento, uma semana por mês, ou mesmo a

carga horária total de trabalho do psicólogo no NASF – como observamos ocorrer de

maneira peculiar com o Psicologo 7 que dedica-se no NASF exclusivamente ao

atendimento clínico direto ao usuário.

Quando falamos do atendimento ambulatorial em psicologia nos referimos ao

atendimento individual (atendimento direto a um usuário, realizado por um profissional

– no caso o psicólogo) pautado pelas orientações da psicologia clínica tradicional e suas

abordagens, assim como avaliações psicológicas com base na psicometria. Desta forma,

um usuário é atendido regularmente (semanal, quinzenal ou mensalmente), por tempo

indeterminado, nos moldes da psicologia individual e privada.

Fazer uma transposição tão direta da atividade clínica liberal ao campo da saúde

pública implica primeiramente em profundas dificuldades operacionais em termos de

viabilidade em oferecer a uma comunidade este tipo de atenção (individual e de longo

prazo) sem cercear o acesso universal a atenção à Saúde.

Além da limitação operacional é notória a incompatibilidade da primazia pelo

atendimento clínico direto tradicional no contexto do NASF. Tal atendimento realizado

somente pelo psicólogo não proporciona a troca de conhecimento e a capacitação das

equipes. Por ser de grande importância o aspecto individual do atendimento para este

modelo de atuação, este finda por tornar-se (neste contexto) individualizante,

configurando-se como entrave para a gestão compartilhada do cuidado, desdobrando-se

em uma deficiência na integralidade da atenção. A lógica que rege o funcionamento do

SUS (e o NASF enquanto dispositivo que o compõe) concebe um conjunto de fatores

biológicos, sociais e econômicos, que determinam a saúde dos indivíduos e da

Page 83: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

82

comunidade, assim a atenção à saúde se realiza por meio de ações articuladas que

necessitam ir além do que diz respeito exclusivamente ao indivíduo, se remetendo assim

às suas condições de vida e saúde no território em que habita.

Pensar a atuação na equipe NASF é compreender-se em um modelo de trabalho

centrado no apoio matricial às equipes de referência (Saúde da Família), sendo assim

um potencializador e multiplicador do cuidado integral e de qualidade, não se trata de

uma ampliação da equipe de referência. Retomemos aqui dois dos quatro pontos de

síntese da missão do NASF:

- A equipe do NASF e as equipes de Saúde da Família criarão espaços de

discussões para gestão do cuidado: reuniões e atendimentos compartilhados

constituindo processo de aprendizado coletivo;

- O Nasf deve ter como eixos de trabalho a responsabilização, gestão

compartilhada e apoio à coordenação do cuidado que se pretende pela Saúde da

Família (Ministério da Saúde, 2009b, pg.16).

Vemos assim que toda a ação do NASF deve voltar-se para o apoio e

colaboração para/com as equipes Saúde da Família, possibilitando (em todas as ações

que desenvolve) a aprendizagem coletiva, o apoio, e a capacitação das equipes de

referência.

O fortalecimento da ESF se reflete diretamente no reforço aos princípios de

prevenção de agravos e promoção de saúde, contribuindo não só com a melhora na

qualidade de vida e saúde da população, como para facilitar o fluxo da rede. Nesta

perspectiva, o atendimento clínico tradicional que vem sendo transposto sem adequação

ao contexto do NASF - ignorando os ideais de apoio e corresponsabilização que devem

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83

reger as ações da equipe - atua de forma contraproducente à concretização do acesso

universal ao sistema, e da atenção integral ao usuário.

Constatamos também que muitas das outras atividades realizadas pelos

psicólogos se subordinam a este modelo clínico tradicional, tornando-se não mais que

uma nova roupagem para este atendimento, como iremos melhor observar quando

falarmos de Grupos Terapêuticos e Visitas Domiciliares.

6.4.4. Grupos informativos e terapêuticos

Recorrendo novamente às diretrizes do NASF, temos como uma das atividades a

serem desenvolvidas sob responsabilidade conjunta entre a equipe NASF e a equipe

ESF, a realização de grupos.

O trabalho com grupos, que conta com a participação do NASF, se divide em

duas modalidades: Grupos de Educação em Saúde, que se caracterizam por seu caráter

pedagógico e informativo; e os Grupos Terapêuticos, que aparecem pouco nas diretrizes

de atuação no NASF, nas quais subentende-se que os Grupos de Educação em Saúde

compreendem em si um caráter “terapeutizante” por meio da elaboração de estratégias

de enfrentamento, da ajuda mútua e do estímulo à cooperação, que transcendem o

repasse de informações.

Os grupos são realizados no âmbito da atenção básica com objetivos de realizar

"atendimento para escuta ativa de grupo de usuários que apresentam demanda comum,

para problematização, sensibilização, informação e/ou esclarecimento sobre legislação e

critérios de inclusão em projetos, programas e serviços sociais ou de saúde" (Ministério

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da Saúde, 2009b). Desta forma se torna uma ferramenta potente para a ampliação do

atendimento às demandas da população, o aprofundamento do contato com a

comunidade, e o fortalecimento da atuação da equipe de referência junto aos usuários.

Destaca-se aqui, novamente, a importância da articulação da ENASF com a

equipe SF, de forma coerente com a proposta de matriciamento. Diante da coordenação

do cuidado pela equipe Saúde da Família, cabe à equipe NASF apoiar as equipes SF em

um desenvolvimento integrado das atividades. É de responsabilidade conjunta das

equipes NASF e SF a elaboração, estruturação e execução dos grupos (Ministério da

Saúde, 2009b).

O que observamos nas entrevistas realizadas é a predominância de trabalhos

unilaterais da equipe NASF no tocante a realização de grupos informativos e

terapêuticos, nos quais o papel da equipe Saúde da Família se restringe à viabilização

operacional e logística (agendar horários e locais para a realização dos grupos, assim

como identificação da demanda e divulgação da atividade). Esta distribuição de

responsabilidades desigual e desconexa entre as equipes para a realização dos grupos

fica clara na fala do Psicólogo 6: “A atividade em si a gente planeja. Mas o cronograma,

o local, é mais por conta das equipes [SF], que eles que veem qual é o melhor jeito, o

melhor lugar”.

A desarticulação é marca na realização dos grupos, não só a falta de integração

entre equipe NASF e equipe Saúde da Família, mas também pela falta de interação

efetiva entre os profissionais da equipe NASF nesta atividade. Quando é dito que o

grupo conta com a participação de mais de um profissional, o que observamos é uma

divisão de tarefas entre as especialidades e não a discussão e planejamentos conjuntos

de uma ação coesa que corrobore com os princípios da atenção integral à comunidade.

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Novamente damos destaque ao caso do Psicólogo 5 que relata uma realização de

grupos que se aproxima dos princípios técnicos-pedagógicos do apoio matricial que

devem reger as atividades realizadas pelo NASF. No caso 5 nota-se que há a tentativa

constante de integrar as equipes Saúde da Família na atividade de grupo, indo além,

buscando (fiel ao caráter pedagógico da atuação do NASF) o estímulo à autonomia da

equipe SF.

A gente cobra deles a participação. E na verdade, assim, a gente cobra que eles

tenham iniciativa. A gente cobra que eles façam, que eles tenham a iniciativa, e

que a gente some. Mas a responsabilidade de identificar a demanda, de

trabalhar, de organizar, a gente cobra que seja deles. Quando a coisa não

acontece, a gente tenta fazer, e depois passar pra eles (Psicólogo 5)

Ainda que a tentativa desta equipe NASF seja de fato um avanço em direção à

atuação pretendida na missão do NASF, e potencializa a Atenção Básica pelo

fortalecimento e capacitação das equipes Saúde da Família, notamos que há ainda

empecilhos que se impõem a difusão deste modelo de atuação nas atividades dos

grupos. O Psicólogo 5 cita a dificuldade em realizar tal atividade com a integração e

corresponsabilização das equipes, diante da heterogeneidade das equipes SF. Assim

como a articulação dentro da equipe NASF exerce forte influência no modelo de

atuação que se constrói, a falta de articulação de algumas equipes Saúde da Família

inviabiliza ou dificulta a comunicação e articulação com a comunidade e com a equipe

NASF. Tal dificuldade será melhor explorada quando discutirmos os limites e desafios

para a atuação do Psicólogo no NASF.

Sobre o papel do psicólogo na realização dos grupos observamos a dificuldade

destes profissionais em compreenderem a si mesmos como parte de uma equipe

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multiprofissional que deverá planejar e realizar a atividade do grupo de forma a integrar

os conhecimentos, indo além da construção de palestras isoladas com conhecimentos

complementares. Destaco esta peculiaridade da ação do psicólogo (sendo esta

dificuldade não exclusiva deste profissional) pois notamos em suas falas a nítida baliza

que a psicologia clínica tradicional coloca na definição do que seria “papel do

psicólogo”, reproduzindo na atividade de grupos (aqui nomeados como Grupos

Terapêuticos) estes limites que se colocam como muros que impedem ao psicólogo

aproximar-se de tudo que não se enquadre em seus moldes pré-estabelecidos de atuação.

É evidente na fala do Psicólogo 3 a falta de integração entre as especialidades no

planejamento e execução dos grupos: “Porque assim, como psicóloga eu não vou falar

sobre doenças, vou falar sobre autoestima”.

É importante ressaltar que a Psicologia, enquanto participante do processo de

promoção de saúde, não pode manter-se indiferente às condições sociais, econômicas,

familiares e comunitárias nas quais estão imersos os sujeitos de suas ações. É preciso

incorporar à visão psicológica a compreensão de que “a experiência cotidiana de saúde

necessita considerar diferentes aspectos das relações humanas: a história, a política, a

economia, o preço do arroz, do feijão, da carne, ou mesmo como cozinhamos tudo

isso...” (Zurba, 2011, pg.07).

Seria possível realizar uma atuação integrada na realização de grupos sem perder

a preciosa contribuição das especialidades? O Psicólogo 5 exemplifica com sua atuação

a possibilidade concreta de se fazer grupos (terapêuticos e informativos) com a real

participação da equipe multidisciplinar. Ressaltando no decorrer de sua fala que busca

“dar um pouco do olhar da psicologia” em sua atuação, ele indica que a realização dos

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grupos ocorre de forma a articular e de fato integrar os conhecimentos das

especialidades:

É, grupo terapêutico, mas não era R., psicólogo, que tocava, entendeu? Tinha o

grupo de ansiedade, que o nutricionista ia, o terapeuta ocupacional ia,

entendeu? Assim, acabava articulando, fazendo o planejamento, mas os outros

profissionais participam o tempo todo, entendeu? (Psicólogo 5)

A participação do NASF na realização de grupos deve ocorrer sempre de forma

a integrar os conhecimentos dos profissionais da equipe NASF, trazendo a interação

entre as especialidades desde o planejamento à condução do grupo, e ainda manter a

equipe de referência (Saúde da Família) como na responsável pela condução da

atividade, sendo assim ainda uma ação de apoio matricial.

6.4.5. Palestras

A realização de palestras poderia enquadrar-se como uma atividade pedagógica

realizada pelo NASF, no entanto, a dimensão técnico-pedagógica do Núcleo não se

desvincula em nenhum momento da articulação no interior da equipe e entre equipes, da

corresponsabilização, e da fundamentação no apoio matricial às equipes Saúde da

Família, promovendo assim a atenção integral aos usuários.

O que constatamos, no entanto, é a palestra como mais uma reprodução de um

modelo de trabalho individual (no sentido agora de ser realizado por um único

profissional) e desarticulado, subutilizando espaços que oferecem grande potencial de

fortalecimento de vínculo com a comunidade e integralidade da atenção. Como

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podemos observar na fala do Psicólogo 1 “E cada um tem sua função, cada um

desenvolve seu trabalho, certo? Cada um com sua palestra”.

Um dos espaços predominantemente ocupados pela realização de palestras é o

Programa Saúde na Escola (PSE), que surge como uma proposta de “contribuir para a

formação integral dos estudantes da rede pública de educação básica por meio de ações

de prevenção, promoção e atenção à saúde” (Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de

2007). Isto além de articular a rede de educação e saúde, possibilitando a troca de

informações sobre condições de vida e saúde dos estudantes, com vistas a otimizar a

utilização de ambos os espaços.

O que foi evidente em nossas entrevistas é que a atividade do NASF no PSE se

limita a realização periódica de palestras informativas, que não só se fazem de forma

distante das equipes SF (que têm sua participação novamente limitada a questões

práticas de operacionalização) como também não articulam os saberes das diversas

especialidades que compõem o NASF. Desta forma a intervenção do NASF no PSE não

trabalha no fortalecimento do vínculo do sistema de saúde (através de sua porta de

entrada, a equipe SF) com a rede de educação e os usuários que lá participam desta

atividade.

Outro espaço que tem seu potencial tolhido, pela má alocação de palestras

pontuais e desarticuladas, são os grupos (citados no item anterior). Como já dito a

realização de grupos sem a preocupação em integrar as especialidades para sua

formulação e realização faz com que estes se tornem ciclos de palestras, como fica claro

na fala do Psicólogo 6:

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A gente tem os grupos que são mais educativos mesmo, que são exatamente

esses grupos específicos, e são grupos multiprofissionais, participam todos os

profissionais, entendeu? Tem um dia uma palestra com a psicóloga, sobre

determinado tema. Outro dia, uma palestra com a educadora física, sobre

determinado tema... (Psicólogo 6)

Este formato de realização de grupos como ciclo de palestras, as quais são

realizadas pelos profissionais isoladamente em suas especialidades, não proporciona a

troca transversal de conhecimentos (entre os profissionais da equipe NASF, e entre a

ENASF e as equipes Saúde da Família), fragmentando a compreensão do usuário e seu

processo saúde-doença e, consequentemente, enfraquecendo a integralidade da atenção.

6.4.6. Registro das atividades

Embora não possa ser considerado rigorosamente uma “atividade”, o registro

das ações realizadas pela equipe NASF é ferramenta importante para o

acompanhamento devido dos casos, a continuidade do cuidado e até mesmo na

articulação da rede de atenção (por meio da organização e troca de informações). Mas,

outra função se destaca fortemente nos dados obtidos nesta pesquisa: a utilização dos

registros como forma de cobrança e pressão por produtividade das equipes.

Remontando às exigências de agências financiadoras internacionais (BIRD e

FMI), que demandam o cumprimento de metas, vemos reverberar do Ministério da

Saúde às gestões estaduais e municipais a cobrança por indicadores de produtividade.

Nesta lógica as equipes (SF e NASF) devem registrar, por meio de relatórios a serem

repassados para níveis superiores de gestão, quantidades de procedimentos realizados.

Page 91: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

90

Tal cobrança vai de encontro aos esforços reestruturantes da atenção à saúde, ao

passo em que se é proposta uma atuação que integre conhecimentos, atuando com

prioridade na promoção de saúde, e contraditoriamente se cobra das equipes da Atenção

Básica números de procedimentos realizados, vendo-os de forma fragmentada, e

condicionando a contrapartida financeira a estes índices de produtividade. Constrói-se

no processo de consolidação do SUS uma incompatibilidade entre seus princípios

organizativos e a forma de aplicá-los. Os princípios do SUS são claramente políticos,

trazendo mudanças paradigmáticas que implicam em uma mudança de prática que seja

mais abrangente e integrada. Já a operacionalização dos princípios se dá de maneira

extremamente técnica, o que é ranço dos modelos anteriores de atenção que

remuneravam intervenções curativas, pautadas em diagnósticos nosológicos. Nestes

moldes, trabalhar com as alternativas que sejam coerentes com os princípios SUS, como

educação em saúde e promoção à saúde, aparece como algo vago e não “quantificável”.

Na realidade cotidiana do trabalho das equipes esta pressão tem um reflexo

imediato no modelo de atuação realizado. O NASF, com uma proposta de atuação

bastante diferenciada dos outros dispositivos de saúde, encontra-se em uma posição

ainda mais complicada em relatar procedimentos realizados, já que ações de apoio

visam a integração de ações e são difíceis de fragmentar em procedimentos (mesmo que

para uma explicação didática em relatórios). E da mesma forma a influência de tal

pressão sobre a atividade do NASF também ocorre de maneira diferenciada, pois mais

facilmente desvirtua o modelo de atuação da equipe, uma vez que este ainda é

fragilizado (por sua recentidade, e as já demonstradas dificuldades dos profissionais em

executar o modelo pautado na atuação multiprofissional em apoio matricial).

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91

Dito isto, vemos que a maioria dos psicólogos entrevistados (com exceção do

Psicólogo 5, explanado mais adiante) não demonstram perceber esta incoerência entre o

que lhes é cobrado pelos registros oficiais e o que seria de fato suas propostas de

atuação. Mas indicam, sem fazer esta relação, como registram sua produtividade:

Quantos atendimentos eu fui, quantas ações, quantos congressos, quantos

cursos, quais os cursos... tudo discriminadozinho, e as patologias, quais foram

as patologias e as quantidades que eu atendi durante o ano, se foi ansiedade, se

foi depressão, abuso sexual, se foi... (Psicólogo 3)

O caso do Psicólogo 5 se destaca novamente por ter ocorrido na equipe uma

pressão explícita pelo atendimento ambulatorial. Pela maneira peculiar em que a equipe

NASF na qual atua o Psicólogo 5 se estruturou, tendo de início construído uma atuação

totalmente voltada para o apoio matricial, foi notado, de imediato, pelos profissionais a

incompatibilidade da demanda que a gestão lhes impunha por atendimentos

ambulatoriais em contraposição aos preceitos que regem a ação e o papel do NASF na

rede de saúde.

A psicologia, além de enquadrar-se nesta pressão por produtividade, apresenta

ainda outra particularidade transparecendo em sua maneira de lidar com os registros de

suas atividades. Há entre os psicólogos entrevistados uma preocupação com o sigilo das

informações que surgem nas atividades que realizam. Quando falam sobre o registro de

suas atividades fazem a ressalva sobre como mantém um registro individual (só do

psicólogo) sobre o qual outros profissionais não têm acesso. É emblemática desta

situação a fala do Psicólogo 6: “(...) o da psicologia e o da psiquiatria são separados do

outro prontuário. Tem um armário só com os prontuários da psicologia, e outro só com

o da psiquiatria. E só quem tem acesso ao da psicologia sou eu”.

Page 93: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

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Sem negligenciar o cuidado com o respeito ao sigilo na relação entre psicólogo e

usuário, temos que ressaltar que esta preocupação denota que as atividades realizadas de

fato se subordinam à lógica clínica tradicional da psicologia e, como já discutido

anteriormente, não são compatíveis com um modelo de atuação centrado no apoio

matricial e atenção integral da população. Assim, sem negar ou mesmo criticar a

imposição do código de ética dos psicólogos que traz o sigilo como exigência

fundamental para a atuação do profissional de Psicologia, deve-se haver, na situação

peculiar em que se encontra o psicólogo que atua na equipe NASF, a busca por conciliar

o respeito à privacidade do usuário com a (igualmente indispensável) atuação

multidisciplinar. Uma alternativa bastante utilizada pelos psicólogos entrevistados é

manter um registro parcial das informações no prontuário geral e um registro mais

detalhado que fica de posse do psicólogo. Não podemos deixar de considerar (nesta e

em qualquer alternativa que possa surgir no fazer do psicólogo no NASF para

solucionar esta situação) que há outras ferramentas do trabalho multidisciplinar, como a

interconsulta e a elaboração do PTS, que se bem utilizadas são campo fértil para o

esclarecimento de questões relevantes no cuidado do usuário, prevalecendo assim (e só

assim) a troca de saberes necessária para a atenção integral com o cuidado que o

psicólogo traz no compartilhamento de informações.

6.4.7. Visitas Domiciliares

A visita domiciliar é um meio para aprofundar os conhecimentos acerca das

demandas dos usuários e da comunidade, apreendendo seu modo de vida, as relações

que estabelecem, buscando compreender sua experiência social para assim conhecer de

fato seu modo de vida (Ministério da Saúde, 2009b). É proposto que o NASF participe

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de visitas domiciliares diante da necessidade concreta, observada pela equipe SF,

sempre preservando o objetivo de conhecer o modo de vida da população e o apoio à

equipe Saúde da Família para a efetivação do cuidado.

O que predomina entre os psicólogos entrevistados é a realização de visitas com

os objetivos de atender às demandas específicas de adoecimento psíquico com

impossibilidade de locomoção do paciente à Unidade de Saúde; ou ainda, quando é

detectado durante um atendimento clínico direto a necessidade de conhecer o ambiente

familiar do paciente para aprofundar o processo terapêutico ou elaborar um laudo

psicológico como, por exemplo, observamos no relato do Psicólogo 7 “As vezes,

quando tem um paciente meu precisando de visita domiciliar, eu faço”. Em ambos os

casos, a visita ocorre com o intuito de possibilitar o início ou a manutenção do

acompanhamento clínico psicológico direto ao usuário.

Nas visitas a gente vai pra mostrar ao paciente a importância a dar ao

tratamento, pra escutar, porque as vezes so em você estar escutando, ele já sai,

parece assim que você fez mil coisas, mas só o fato de ter uma pessoa que não

seja de casa pra poder desabafar eles já concordam. Eu falo: olhe ta na hora de

ir na unidade... eles já aceitam, concordam. Porque aquele paciente que esta só

em casa, já é um estimulo pra ele ir na unidade, porque eu explico que a gente

vai ter mais conforto, vai ficar em uma sala reservada e assim, dentre os

profissionais, eles dizem: não a sala é sua, porque entende que a gente precisa

de mais privacidade . (Psicólogo 3)

Esta modalidade de visita domiciliar deve sim ocorrer (quando extremamente

necessário, da mesma forma que todas as ações de atendimento direto ao usuário,

realizadas no NASF), mas é marcante a ausência nas entrevistas, da visita domiciliar

Page 95: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

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que atende aos propósitos de mapear a situação da comunidade, conhecer as condições

de vida e saúde do território atendido.

A marcada presença da visita domiciliar exclusivamente como atendimento

direto ao usuário mostra, mais uma vez, a marcante presença do viés clínico tradicional

da psicologia nas atividades realizadas no NASF. O que é ainda reforçado pela maneira

como ocorrem as visitas, como uma intervenção direta e individual com o usuário, na

fala do Psicólogo 3 é possível compreender que por vezes as visitas são realizadas como

uma substituição ao atendimento ambulatorial na unidade de saúde:

às vezes tem paciente que está com um quadro de depressão e não quer sair de

casa, então se a gente não for na casa dele, ele nunca que vai ir na unidade,

então nesse dia eu não faço atendimento na unidade, eu até vou para a unidade,

mas para fazer visita. (Psicólogo 3)

Este entendimento é reforçado por relatos que demonstram a preocupação em

manter um ambiente na visita domiciliar que se aproxime do ideal para o atendimento

clínico individualizado:

No caso da Psicologia é ruim na visita, por exemplo, porque eu chego pra

conversar e com muita gente fica todo mundo escutando a conversa. Tenta as

vezes chamar pra um lugar mais reservado no quarto, ou ate mesmo pedir um

pouco de privacidade. (Psicólogo 3)

Não podemos aqui desconsiderar o respeito para com o usuário que demande o

atendimento direto e requeira privacidade para tal, como dito, quando necessário os

profissionais do NASF devem realizar ações diretamente aos usuários, o que se debate

aqui é a prevalência absoluta deste tipo de ação no que diz respeito à visita domiciliar.

Page 96: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

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Assim a visita se faz como uma reprodução do atendimento psicológico clínico

individual e perde seu potencial como ferramenta para o aprofundamento da relação das

equipes com a comunidade, do conhecimento da situação em que vivem, função

essencial para a concretização do cuidado integral ao usuário (como veremos mais

adiante na sessão “Mapeamento”).

Outra característica que chama atenção nas entrevistas realizadas no tocante às

visitas domiciliares, é que os profissionais da equipe Saúde da Família surgem mais

uma vez como um operador de logística para a realização da atividade, levando a

demanda ao profissional do NASF, apresentando o psicólogo à família, possibilitando

assim seu acesso ao domicílio.

As equipes, que inclui também os agentes de saúde, grande parte vem dos

agentes, que eles que tão direto na casa dos usuários, então eles vêm, percebem

a demanda, eles têm essa espontaneidade, eles vêm a demanda e procuram a

gente, a gente vai e faz as visitas. (Psicólogo 6)

Não há a participação dos profissionais da equipe de referência na visita em si,

desta forma, não ocorre ação de apoio matricial na relação estabelecida entre o

psicólogo da ENASF e o profissional da equipe SF (geralmente o agente de saúde ou o

enfermeiro). Mais uma vez subutilizando a visita domiciliar, não só minimizando seu

potencial em reconhecer para intervir nos determinantes sociais da saúde da

comunidade, como também limitando o caráter pedagógico (trazido no apoio matricial)

que visa a autonomia da equipe de referência na coordenação do cuidado.

6.4.8. Capacitação

Page 97: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

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A capacitação oferecida pela equipe NASF é uma importante atividade da esfera

técnico-pedagógica que é central no funcionamento do Núcleo. Está implícita em toda

atividade regida pelo apoio matricial uma dimensão formadora da equipe de referência.

Em que pese a importância de tal dimensão, neste tópico, tratamos da capacitação em

seu sentido formal, enquanto cursos e atividades que objetivem estritamente capacitar

determinada população em algum tema específico.

Nas entrevistas realizadas muito pouco surgiu sobre atividades de capacitação, o

que (somando-se aos demais aspectos observados nas entrevistas, em especial sobre as

atividades realizadas) demonstra o pouco investimento das equipes nas ações de apoio

matricial. Os relatos de capacitações realizados pelas equipes NASF mostram duas

vertentes dessa atividade. A primeira delas surge como uma abordagem alternativa da

dimensão assistencial, na qual foram realizadas capacitações de professores e pais nas

escolas para lidar com questões que são crescentes demandas ao sistema de saúde, como

dificuldades de aprendizagem. É assim uma atividade que trabalha no nível da

prevenção de agravos e promoção de saúde nas escolas, contribuindo também para o

melhor funcionamento do sistema. Um exemplo desta modalidade de capacitação temos

na fala do Psicólogo 6 :

Capacitar os educadores na questão dos transtornos de aprendizagem. Porque

as escolas querem encaminhar pra lá, porque também não têm um psicólogo

que atenda essa demanda escolar. Então, eles acabam encaminhando pra gente,

e a gente faz o que pode, né? Mas é por isso que a gente está querendo

capacitar os educadores, para eles fazerem não um diagnóstico, mas pra eles

saberem trabalhar. (Psicólogo 6)

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A outra vertente da capacitação relatada pelos psicólogos é, dentro da proposta

de apoio matricial, a oferta de capacitações para profissionais das equipes Saúde da

Família:

estou iniciando uma capacitação com os profissionais de saúde de lá, sobre

acolhimento. Então, a gente vai trabalhar Política Nacional de Humanização e

Acolhimento, pra médicos, enfermeiros, odontólogos, técnicos de enfermagem,

técnicos de odontologia, os auxiliares, e os recepcionistas das unidades de

saúde da família (Psicólogo 5)

Ambas as modalidades contribuem para a evolução do sistema, com melhorias

na qualidade do cuidado integral à população. É importante considerar que, da mesma

forma como observamos acontecer com os profissionais do NASF, as iniciativas de

capacitação oferecidas pelo SUS para as equipes que atuam na Atenção Básica não são

realizadas de maneira sistemática, sendo (mesmo que numerosas) insuficientes para

atender às demandas das equipes Saúde da Família. O NASF, que por definição deve

ser articulado às equipes Saúde da Família em contato direto e constante, tem potencial

para apreender mais precisamente a demanda de cada equipe e território, além de

realizar a capacitação constante por meio do caráter pedagógico presente em todas as

ações realizadas na lógica matricial.

6.4.9. Mapeamento

O trabalho da Atenção Básica por ser um trabalho realizado com a comunidade,

visando oferecer atenção integral aos usuários (abarcando os determinantes sociais de

saúde como fator central ao desenvolvimento do cuidado), deve ter suas ações

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elaboradas de acordo com o perfil, as demandas, e peculiaridades da comunidade

atendida. Para que isso ocorra, conhecer a comunidade é etapa fundamental das ações

realizadas nos serviços de atenção básica. O Sistema Único de Assistência Social (que

tem seu trabalho igualmente próximo à população e suas necessidades) denomina esta

ação de produção e sistematização de informações sobre a comunidade atendida, de

Vigilância Social e tem papel fundamental no planejamento de ações de prevenção e

promoção sociais (noções que se coadunam com os princípios de promoção e prevenção

na concepção de saúde).

Outro conceito trabalhado na Assistência Social que compõe a etapa de

mapeamento na ação junto à comunidade é a chamada Territorialização. A

Territorialização é o mapeamento das instituições que existem na comunidade. Na

Atenção Básica em saúde a Territorialização é ferramenta importante para a articulação

intersetorial, sem a qual não podemos conceber o cuidado integral ao usuário do

Sistema.

O NASF posiciona-se na rede de saúde como um dispositivo da Atenção Básica

que atua junto às equipes SF no planejamento e realização cuidado integral aos usuários,

por meio de ações assistenciais e de apoio matricial, e que realiza também o intermédio

com níveis mais elevados de Atenção. Assim, da mesma forma como é fundamental

para o trabalho das equipes Saúde da Família, as equipes NASF devem

imprescindivelmente realizar o reconhecimento e mapeamento do território e

comunidade, para que, desta forma, possam participar com propriedade do

planejamento e realização do cuidado juntos às equipes SF, desenvolvendo ações

coerentes com as necessidades da comunidade e efetivas na condução da atenção

integral (que no paradigma de saúde adotado pelo SUS, vai além de ações que se

Page 100: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de ... · no NASF (descrição das atividades desenvolvidas por tais profissionais), e produzir uma análise das características

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foquem na doença, considerando também os fatores sociais que são determinantes da

saúde). As intervenções no âmbito da promoção de saúde tornam-se efetivas quando

contextualizadas, potencializando-se no conhecimento da população atendida e dos

serviços e instituições que atendem à comunidade (Boing, Crepaldi, & Moré, 2009).

Destaca-se em nossa análise que apenas dois psicólogos entrevistados

mencionam a realização do mapeamento no relato das atividades realizadas pelo NASF.

Em ambos os casos a realização do mapeamento se deu no momento de instalação das

equipes NASF, no entanto cada um contempla uma dimensão do mapeamento.

Psicólogo 5 indica a realização da Vigilância Social como um passo importante

para o planejamento do trabalho da equipe, sendo realizado neste momento um

“diagnóstico da situação do município”, e aproximar-se da comunidade contribuindo

para a melhor efetividade das ações pretendidas.

Então, a gente decidiu se aproximar e conhecer cada comunidade, os agentes de

saúde, e montar um diagnóstico da situação, ver quais eram as necessidades,

quais eram as demandas, quais eram os casos que precisariam de uma

intervenção multidisciplinar. (Psicólogo 5)

Por outro lado, o Psicólogo 3 indica o mapeamento enquanto Territorialização,

como uma atividade que possibilitou conhecer a rede de atenção que compreende o

município possibilitando uma melhor relação de encaminhamentos dentro da rede: “a

gente saiu a campo para conhecer o município, as redes, para ter um centro de

referência, lá tem onze especialidades que a gente precisa tá encaminhando” (Psicólogo

3).

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Ambos os casos apresentam ações de mapeamento de grande importância para o

desenvolvimento das atividades do NASF, no entanto, o mapeamento é ainda

subutilizado na medida em que nas duas únicas entrevistas em que fora mencionado,

demonstra-se ainda que este não é realizado em sua completude, somando-se a

Vigilância Social à Territorialização.

6.5. Ações de articulação na rede de saúde e intersetoriais

No decorrer das entrevistas notamos na descrição das atividades e do modo de

funcionamento do NASF, indicativos de como se dá a relação entre os profissionais da

equipe NASF, entre estes e as equipes SF, e entre a ENASF e outros dispositivos

(CRAS, CREAS, CAPS e ONGs). Além da caracterização implícita para qual

atentamos, foi também perguntado diretamente aos entrevistados sobre estas

articulações.

6.5.1. Articulação da equipe NASF

Primeiramente, é importante ressaltar que em todas as entrevistas os

profissionais indicam que a equipe NASF é bem articulada (em alguns casos fazendo a

ressalva que os profissionais médicos se distanciam dessa integração). No entanto, o

que observamos é que nem sempre o que parece aos profissionais uma boa articulação

da equipe é de fato uma atuação interdisciplinar.

O conceito de interdisciplinaridade baseia-se na concepção do desenvolvimento

de relações de interação dinâmica dos saberes, partindo de uma atitude integrativa entre

e dentro das disciplinas. Diferencia-se assim de uma simples troca de saberes na qual

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cada especialidade ensina as outras o seu saber, “No projeto interdisciplinar não se

ensina, nem se aprende: vive-se, exerce-se” (Ministério da Saúde, 2009b, p.18).

O que notamos na fala dos psicólogos é que, na maioria dos casos (novamente

diferenciando-se o caso 5), o que ocorre como interação dos profissionais que compõem

a equipe se resume a encaminhamentos, organização conjunta de cronogramas (não

como planejamento de atividades, mas como planejamento logístico), e a troca de

informações sobre casos específicos. Essa troca de informações, por vezes nomeada de

“discussão de caso” pelos profissionais, ocorre por iniciativa do profissional que está

conduzindo algum procedimento ou acompanhamento de um caso, quando este sente a

necessidade de obter informações ou ajuda na condução do tratamento. Apesar de

nomearem assim, esta ação fica aquém do que de fato seria a discussão de casos.

Como parte do processo de interconsulta (dentro da lógica matricial), a

discussão de caso deve atender aos propósitos de construção de um Projeto Terapêutico

Singular; para tanto, se fundamenta na incorporação de diferentes saberes para abarcar

as diferentes dimensões da situação observada (Ministério da Saúde, 2011). A discussão

de caso está para o NASF como um importante pilar para o desenvolvimento de seu

processo de trabalho, ao passo que se configura como estratégia fundamental para a

construção do PTS, e requer verdadeira integração da equipe interdisciplinar.

A articulação dos saberes de forma interdisciplinar em uma equipe não

descaracteriza as especialidades, mantendo cada um seu olhar diferenciado aos sujeitos

de suas ações, mas constrói uma visão ampliada e integral dos casos e processos nos

quais se envolvem. Desta forma, amplia-se também a compreensão de seu papel na

equipe e no sistema de saúde, buscando romper com a fragmentação da atenção

direcionando-se a verdadeira integralidade do cuidado.

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Vemos que esse movimento interdisciplinar e integrativo se delineia na atuação

da equipe do Psicólogo 5, ao ponto que este começa a ver a si mesmo não mais como

um especialista em seu trabalho isolado, mas como um profissional da saúde,

ressaltando ainda assim, em diversos momentos de sua fala, que seu conhecimento da

Psicologia se faz presente e fundamental em todas as atividades desenvolvidas por ele.

Eu me penso, eu penso como um profissional de saúde, que tem que ter uma

visão integral da comunidade, das necessidades da comunidade, e que eu posso

contribuir de alguma forma com aquela realidade ali, que eu to inserido.

(Psicólogo 5)

O caso 3 aponta a realização de consultas conjuntas (nomeadas pelo psicólogo

de atendimento multidisciplinar). As consultas conjuntas, como um aprofundamento da

interconsulta, devem contar com a participação de pelo menos um membro da equipe de

matriciamento (ENASF) e um membro da equipe de referência (SF), e deve combinar

elementos de atenção assistencial com características pedagógicas para contemplar o

objetivo de apoio matricial na ação (Ministério da Saúde, 2011). O que o caso 3

descreve como uma consulta conjunta envolve os profissionais da ENASF, mas não

inclui a equipe Saúde da Família, sendo desta forma totalmente contraditório com a

lógica do apoio matricial pressuposto como eixo central das ações desenvolvidas pelo

NASF.

(...) a gente também trabalha juntos, a gente atende determinado paciente todos

juntos, a gente chama de atendimento multidisciplinar (...) o atendimento

multidisciplinar é mais com a gente do NASF mesmo (Psicólogo 3)

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A consulta conjunta nestes moldes traz ganhos para a visão mais integral do caso

(em relação à consulta direta em uma especialidade), no entanto, se perde a

possibilidade de promover uma atividade de grande potencial para a integralidade da

atenção e capacitação das equipes SF, além de enfraquecer a coordenação de caso sob a

responsabilidade da equipe Saúde da Família. Isso faz com que apenas os profissionais

do NASF tenham como acompanhar o caso, situação que não é a recomendada. A

equipe de referência do sujeito deve ser aquela presente em seu território, ou seja, a

equipe de SF. Se o NASF se apropria isoladamente do caso, há uma cronificação do

cuidado, uma abordagem sempre interventiva e pouso preventiva, além de diminuírem

consideravelmente as chances de um acompanhamento no território.

6.5.2. Articulação entre ENASF e equipe SF

O NASF é criado e elaborado em cima da proposta de oferecer à ESF uma

retaguarda especializada que contribui para a ampliação da abrangência e inserção da

ESF, e melhorar qualitativamente a atuação da Estratégia nas comunidades atendidas. O

NASF então é, por definição, vinculado à Estratégia Saúde da Família. A articulação

entre as equipes NASF e as equipes SF é então condição sine qua non para que se

cumpra o papel e missão do NASF.

Este vínculo entre NASF e ESF se faz seguindo a lógica da corresponsabilidade,

por meio de uma relação de apoio matricial. Sendo assim, se espera dessa articulação a

constante e permanente comunicação, prezando pelo caráter pedagógico e a manutenção

da coordenação do cuidado no âmbito da equipe SF. Isso significa pensar as atividades

do NASF em todo momento como retaguarda das ações da equipe Saúde da Família, ou

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seja, do planejamento das ações à execução das atividades, o caráter pedagógico e a

participação efetiva da equipe SF devem se fazer presentes. Como dito anteriormente, a

realização pela equipe NASF de ações assistenciais diretas à população também é parte

das ações pretendidas pelo NASF, no entanto, ainda são ações subordinadas à lógica

matricial e à corresponsabilidade das equipes, sendo fundamental promover a

participação da equipe SF nos direcionamentos destas atividades e na continuidade do

acompanhamento.

O que constatamos nos relatos é que na prática cotidiana das equipes NASF essa

articulação se dá prioritariamente por meio de encaminhamentos vindos das equipes

Saúde da Família para a ENASF, como se evidencia na fala do Psicólogo 7:

Não, eu não vejo isso de discussões. Eu só vejo os encaminhamentos e ponto

final. O paciente chega no PSF, o PSF, se não conseguir resolver, entra

enfermeira, médico, tudo, ai encaminha pro NASF. (Psicólogo 7)

Assim se reproduz uma lógica tradicional no Sistema de Saúde de estabelecer

relações verticalizadas de transferência de responsabilidade sobre o caso, por meio de

comunicação precária entre diferentes níveis hierárquicos. A proposta do NASF,

pautada no apoio matricial, é de estabelecer na rede de saúde relações horizontais que

integrem os diferentes saberes e promova uma melhor articulação nos diversos níveis de

assistência em saúde (Ministério da Saúde, 2011). A fala da Psicóloga 4 exemplifica

como a relação que se estabelece entre profissionais da equipe NASF e profissionais da

equipe Saúde da Família muitas vezes se limita à encaminhamentos de um para o outro,

sem discussão de caso ou qualquer outra ferramenta que o apoio matricial preconiza

(como a interconsulta e o PTS):

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ocorreu um caso de uma paciente que tava tendo dificuldade no decorrer da

gestação dela né, emocionais...mas, que também estavam pesando no próprio

desenrolar da gestação dela, tava sentindo dores e tal. Ai eu já articulei com a

enfermeira, porque ela não estava fazendo o pré-natal na unidade, tava fazendo

em outro canto, então eu já articulei com a enfermeira para que acompanhasse

ela e cuidasse dessa parte, pra ela acompanhar o pré-natal nessa unidade.

Como também a enfermeira pode também ter, como eu posso dizer, um paciente

que esta passando por algum problema mais de ordem emocional que ta

interferindo, né? E ela possa ta encaminhando pra mim, pra que eu possa fazer

essa escuta mais qualificada. (Psicóloga 4)

Observamos, ainda, que quando há alguma participação da equipe SF das ações

desenvolvidas pela ENASF essa participação se restringe a questões operacionais das

atividades. Ou seja, a equipe SF viabiliza (por meio de agendamento de local, horário e

divulgação da ação) a realização da atividade, mas não está presente na elaboração e

execução da mesma. Isso corrobora dados anteriores que apontam para a reprodução de

relações hierarquizadas, verticais e desarticuladas, planejadas e promovidas pelos

especialistas da equipe NASF (não se caracterizando aqui como uma equipe de

apoiadores).

Contrapondo-se a estas constatações temos a fala do Psicólogo 5, que destaca-se

pelo constante esforço que a equipe NASF realiza de aproximar-se das equipes SF, e da

permeabilidade da lógica matricial em todas as atividades desenvolvidas. No caso 5 é

notória a tentativa de romper com a verticalização dos encaminhamentos, buscando

manter a responsabilidade do caso na esfera da Saúde da Família, capacitando e

oferecendo a retaguarda necessária para a melhor resolutividade do mesmo. Prezando

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pelo caráter matricial, pedagógico e pela corresponsabilidade, vemos na fala do

Psicólogo 5 a aplicação prática da alternativa proposta à lógica verticalizada de

relacionamento com a Estratégia Saúde da Família: “Muitas vezes, eles mandam o caso

pra gente e a gente diz: ‘olhe, esse caso não é só da gente’. Entendeu? E a gente acaba

voltando nos postos de saúde pra conversar, muitas vezes.” (Psicólogo 5)

No relato das atividades realizadas pela ENASF do caso 5 também vemos a

diferente forma com que se articula com as equipes Saúde da Família. Enquanto nos

demais casos predomina a relação burocrática de operacionalização de atividades, no

relato do Psicólogo 5 vemos o estímulo à participação da equipe SF em todos os

momentos da ação, da elaboração da atividade à realização da mesma, buscando

incentivar a participação da equipe SF na dianteira das ações. Também constatamos em

sua fala que há ainda barreiras para a realização desta integração das equipes SF nas

atividades desenvolvidas, indicando que além da articulação entre os profissionais da

ENASF ser fundamental para o funcionamento neste modelo, é também fundamental a

coesão da equipe SF para que se adequem e aceitem o trabalho conjunto com a equipe

NASF.

Porque a gente sabe que o NASF é pra fazer apoio. Na verdade, quem é pra

tocar o grupo são as equipes de saúde da família (...) O que acontece, alguns

grupos que a equipe, elas são articuladas, são atuantes, esses grupos eles

conseguem... A equipe consegue conduzir (Psicólogo 5)

A articulação das atividades da equipe NASF com a equipe Saúde da Família é

essencial, de forma que se estabeleça como articulação entre equipe apoiadora e equipe

de referência. Para tanto a integração de suas ações, com a manutenção da equipe Saúde

da Família como responsável pelo acompanhamento integral do caso, deve sempre

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contar com um forte caráter pedagógico que vise a autonomia das equipes de referência

e a complementaridade dos saberes na oferta do cuidado integral ao usuário.

6.5.3. Articulação do NASF com outros dispositivos

O conceito ampliado de saúde, que é base para a reformulação da atenção

concretizada na proposição do SUS, reconhece os processos de saúde e de doença em

uma complexa rede de condicionantes sociais. Nesta perspectiva é impensável uma rede

de cuidado em saúde descolada da atenção aos demais determinantes que têm peso e

influência sobre a qualidade de vida da população atendida. Assim, a intersetorialidade

é cabal para a integralidade do cuidado na Atenção Básica à Saúde. Assim como a

interdisciplinaridade transcende a pura troca de informações, a intersetorialidade vai

além da construção de uma rede de encaminhamentos e tem também papel fundamental

no diagnóstico da situação das comunidades atendidas, e concretização do cuidado ao

usuário.

À exceção do caso 5, que descreve a discussão e acompanhamento conjunto de

casos com profissionais de outros dispositivos da rede (com trabalhadores do CRAS,

CREAS e conselhos tutelares), o que observamos é a inserção do NASF na rede

intersetorial sendo realizada, predominantemente, por meio de encaminhamentos e

solicitação de pareceres. Não há aqui a articulação de saberes para a promoção da

atenção integral aos sujeitos das ações realizadas pelo NASF e por toda a rede de

atenção.

O CREAS, a Casa da família, o centro de reabilitação – CRE, ai a gente vai

desafogando aqui, porque se a gente atende um paciente e vê que ele tem uma

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necessidade mais específica, precisa de um atendimento mais especial a gente

vai encaminha (Psicólogo 3)

Em alguns casos a realização de palestras solicitadas por outras instituições do

município é tida como uma atividade de troca de saberes dentro da rede de atenção; no

entanto, as palestras não se direcionam aos profissionais e funcionam como um serviço

“terceirizado” prestado pela equipe NASF ao público de outra instituição. Não sendo,

desta forma, uma contribuição para uma visão ampliada e conhecimento aprofundado da

situação da comunidade atendida, tampouco integra as ações para promover melhor

resolutividade e qualidade na atenção.

Os encaminhamentos vindos de outros dispositivos para o NASF ainda revela a

distorção do papel do NASF dentro da rede. Ao encaminhar casos para o NASF faz-se

desse dispositivo uma porta de entrada para o Sistema de Saúde, o que é incompatível

com o posicionamento do NASF na Atenção Básica, sendo a ESF responsável pela

coordenação dos casos e a entrada prioritária para o sistema. É assim reforçado o

desvirtuamento das atividades realizadas pelo NASF, sendo os encaminhamentos da

rede socioassistencial mais uma pressão para o atendimento ambulatorial direto ao

usuário do sistema.

E vinham também muitos encaminhamentos das escolas, com demandas

específicas, de transtorno de aprendizagem. E não é bem a proposta do NASF,

né? A proposta do NASF é dar um suporte às Estratégias, né? (Psicólogo 6)

Os desafios para a construção de uma articulação intersetorial, passam não

somente por dificuldades de profissionais e equipes em compreender a dimensão desta

interação, mas também pelas deficiências na constituição de uma rede atenção completa

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e qualificada, indo além, podemos afirmar que os desafios são ainda mais profundos,

nascem da própria estrutura e modo de funcionamento da sociedade capitalista. O SUS

se estrutura em seus princípios e delineamentos baseado em uma concepção de saúde

ampliada que a considera em seus determinantes históricos, sociais, familiares,

econômicos, trazendo ao cuidar da saúde a atenção à fatores como habitação, renda,

trabalho e lazer (VIII Conferência Nacional de Saúde – CNS, 1987). Muito do que se

apresenta à Atenção Básica como demanda são frutos das sequelas da questão social

que aflige a população alvo do SUS. Nesta perspectiva não é possível promover saúde

por meio de ações que se limitem ao campo do biológico, são necessárias ações que

propiciem aos usuários e suas comunidades o resgate de direitos sociais e combate à

exploração. Para isso a articulação intersetorial não deve ocorrer de modo esporádico,

em ações pontuais, mas sim ser essência da atuação do NASF em troca contínua e ações

sistemáticas para a promoção da saúde ampla e integral.

6.6. Desafios e limites da atuação do Psicólogo no NASF

Na análise do que é apontado como desafios e limitações que se colocam à

prática dos profissionais entrevistados na realização de seu trabalho no NASF,

percebemos que grande parte das complicações apresentadas se relaciona com a

dificuldade de realizar no NASF o atendimento direto ao usuário nos moldes da

psicologia clínica tradicional.

Trazem como empecilhos para a realização do seu trabalho limitações de

estrutura física: a ausência de salas reservadas à psicologia, considerando a privacidade

no atendimento ponto fundamental para a boa realização de sua prática; a falta de salas

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de ludoterapia para realizar atendimentos clínicos infantis; e a falta de testes

psicológicos para a realização de avaliações psicométricas. Estas limitações trazidas

pelos psicólogos denotam uma atuação pautada nos modelos tradicionais centrados no

indivíduo e que trazem um caráter alienante às suas ações (no sentido de considerar as

situações e demandas atendidas de forma alienada dos determinantes históricos e sociais

que nelas estão implicados).

Somando-se às queixas de estrutura física para a reprodução da clínica

tradicional no ambiente do NASF, temos as dificuldades de excesso de demanda.

Apontam para a impossibilidade concreta de realizar o atendimento clínico direto ao

usuário diante da enorme quantidade de atendimentos que seriam realizados. Assim, as

queixas se direcionam para a impossibilidade de manter o tempo regular da sessão

terapêutica (que seria 50 minutos), bem como a dificuldade de conduzir um processo

terapêutico com grandes intervalos entre as sessões.

Eu gostaria de poder atender todo mundo, toda a demanda espontânea que tem

(...) mas como a demanda é muito grande, e sou só eu e essa outra psicóloga

que tem o tempo menor e só atende ambulatório, não temos como (...) o ideal

seria que tivéssemos mais psicólogos pra poder... Pra gente conseguir atender.

(Psicólogo 6)

A predominância de queixas voltadas para a impossibilidade de transpor o

atendimento psicológico tradicional para o trabalho no NASF indica como a lógica

matricial e missão do NASF ainda não estão incorporados na visão destes profissionais

sobre sua própria atuação. Compreender o trabalho na lógica do apoio matricial é

incorporar o paradigma proposto pela saúde coletiva à sua atuação. Tal mudança

paradigmática não decorrerá de uma evolução natural e automática das práticas e

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ciências da saúde, mas sim requer um esforço longitudinal que perpassa desde a

formação dos profissionais que atuarão no campo, até a reprodução deste novo modelo

no seu contato cotidiano com a prática.

Exige-se para a prática dos profissionais de psicologia no NASF (considerando a

compreensão ampliada de saúde, os princípios norteadores da Atenção Básica, e o papel

de promotor de relações horizontalizadas de apoio ao qual o NASF se propõe) um novo

posicionamento, mais comprometido socialmente. A formação em Psicologia, ainda

muito voltada para um modelo tradicional de atuação, precisa ser complementada com o

preparo para a incorporação desta nova mentalidade coerente com este espaço de

atuação no qual estes profissionais estão se inserindo (Boing, Crepaldi & Moré, 2009).

Alguns psicólogos, no contato com a realidade do trabalho no NASF, percebem

que o pensamento tradicional que os acompanha desde a formação, se coloca como um

complicador para a adequação e viabilização de uma atuação integrada do psicólogo no

NASF.

A gente aprende um pouquinho na Universidade a questão da individualização

mesmo, das pessoas, e quando chega na prática não é isso! Eu acho que é um

desafio tentar aprender a trabalhar de uma maneira mais abrangente com as

pessoas mesmo, os grupos e tudo. (Psicólogo 2)

Como mudança paradigmática, esta reconstrução da visão sobre o cuidado em

saúde não deve ocorrer somente no âmbito da formação de uma especialidade

profissional, deve estender-se ao coletivo de profissionais da saúde, aos gestores

públicos que direta ou indiretamente influenciam na construção das práticas de saúde, e

também à população atendida.

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É desafio para a atuação do NASF a limitada ou distorcida compreensão dos

gestores e da população acerca do papel matriciador do NASF, havendo assim pressões

por uma atuação nos moldes tradicionais do paradigma médico-centrado e curativo.

Pelo fato da gestão ainda não estar sensibilizada, e até mesmo a comunidade,

porque o pessoal falava: ‘o município agora tem pediatra, o município agora

tem nutricionista, o município agora tem terapeuta ocupacional, ou tem

psicólogo...’ Era assim, entendeu? Na cabeça deles, era assim. A gente tinha

noção do que é que era pra fazer, mas eles não estavam preparados (...) eles

ainda alimentam aquela crença de que o problema deles vai ser resolvido

quando ele entrar numa sala e tiver alguém ali pra ouvir ele individualmente.

(Psicólogo 5)

Na fala acima, do Psicólogo 5, podemos observar outro empecilho que se coloca

para a atuação coerente com a nova concepção de cuidado em saúde, que é o

esfacelamento da rede de atenção que vêm aprofundar as dificuldades em difundir a

nova mentalidade. A rede de atenção enfraquecida se torna um grande complicador na

concretização da atenção integral aos usuários. Uma vez que a rede esteja defasada os

dispositivos disponíveis nela acabam por assumir funções e demandas que não lhes

cabiam, abarrotando os serviços que oferecem acesso ao sistema (as equipes Saúde da

Família) e pressionando outros espaços à suprirem necessidades das populações

atendidas sem precisamente se prestarem oficialmente a este papel.

O NASF é consequência, mas quem é diretamente afetado são as ESFs, as

equipes de saúde da família, que não têm espaço, estrutura, pra fazer o que é de

competência deles. E por isso, tem que dar conta de uma demanda que muitas

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vezes poderia estar sendo resolvida, abraçada, por uma rede mais completa.

(Psicólogo 5)

Como consequência da saturação da ESF, e a ausência de dispositivos

fundamentais para a funcionalidade do sistema (como Unidades de Pronto Atendimento

e atenção nos níveis mais especializados), o NASF sofre reflexamente com a

impossibilidade de focar-se no eixo técnico-pedagógico de sua atuação, sendo

pressionar a receber demanda incompatíveis com sua proposta, e encontrando barreiras

concretas para a viabilização do contato constante com as equipes Saúde da Família.

(...) é complicado você, pra você fazer apoio, quando a rede está extremamente

fragilizada, a rede de atenção da saúde, de uma forma geral, ela está

fragilizada. (...) então é complicado você poder fazer o apoio assim. Muito

complicado mesmo, é tanto que a gente corre atrás, a gente tem conseguido

avançar muito também, mas ainda tem muita necessidade no município. Os

municípios do interior, acho que eles precisam muito fortalecer a rede e atenção

a saúde, precisa ser fortalecida para que também desafogue as equipes de saúde

da família e cada um possa fazer seu papel de forma adequada. (Psicólogo 5)

São diversos os desafios que se colocam à atuação do psicólogo no NASF, desde

a incompreensão do modo de funcionamento proposto ao dispositivo, à profundas

deficiências na rede de atenção que dificultam a continuidade do cuidado e limitam

ações de cunho intersetorial e interdisciplinar que visem a intervenção nos múltiplos

determinantes da saúde na busca pelo cuidado integral que encontra no NASF uma

potente ferramenta para sua concretização.

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Considerações Finais

Conhecer como a Psicologia vem atuando no NASF é uma tarefa primordial e

urgente, já que este é um campo recente e crescente de atuação, e é no Rio Grande do

Norte o espaço de inserção do psicólogo na Atenção Básica. Neste campo, por seu

caráter preventivo que busca a promoção da saúde integral, o trabalho da Psicologia se

faz prioritário e, ao mesmo tempo, ainda bastante desconhecido, até mesmo para os

próprios psicólogos (Boing, Crepaldi & Moré, 2009).

Como podemos observar no delineamento histórico do SUS, este se constrói

sobre uma nova concepção paradigmática que tem suas bases na compreensão ampliada

de saúde. Entender a saúde como uma conjuntura de fatores diversos (biológicos,

sociais, ambientais, econômicos...) é alargar a idéia de cuidado em saúde para as mais

diversas esferas da vida da comunidade. Ao deixar de focar exclusivamente os fatores

biológicos que determinam a saúde de um indivíduo, e passar a olhar para as condições

de vida e saúde da comunidade, determinantes como qualidade de vida e saúde mental

ganham importância estratégica e organizativa do cuidado integral. A integralidade vai

além do conhecimento técnico das condições estruturais de uma comunidade, ou mesmo

da atuação isolada de profissionais de diferentes áreas, a integralidade se dá no contato

constante e indissociável entre os diferentes saberes que compõe a relação de cuidado:

os profissionais de diversas especialidades, as equipes que compõe a rede de saúde, os

dispositivos da rede de atenção, a comunidade atendida e os usuários.

O que vemos, no entanto, com os dados obtidos é a predominância de uma visão

fragmentada da saúde e do cuidado. A saúde mental, que deve ser um eixo central da

integralidade, aparece muitas vezes como práticas desarticuladas das outras ações de

atenção básica à saúde, reforçando uma dicotomia saúde/saúde mental que já era

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115

apontada em estudos sobre o campo (Boign, Crepaldi & Moré, 2009; Dimentein et al.,

2005). Os problemas de articulação apresentados nos resultados deste estudo, entre os

profissionais da equipe NASF e entre a equipe NASF e as equipes Saúde da Família,

assim como na articulação intersetorial, indicam a fragmentação e, muitas vezes, o

isolamento das ações do psicólogo no NASF.

O NASF enquanto dispositivo de apoio à Saúde da Família tem em sua

elaboração teórica a necessidade, por definição, da articulação integrada entre as

especialidades e entre as equipes, sendo indispensável a superação da lógica

fragmentada da saúde por meio da realização de suas ações abarcando o conjunto de

profissionais, equipes, dispositivos e comunidade. Não é possível conceber o apoio

matricial sem que as atividades do Núcleo contem com a articulação nos diversos

âmbitos, do planejamento à realização das ações, prezando pelo caráter pedagógico e

pelo cuidado integral aos usuários. O Psicólogo 5 destaca em sua fala a necessidade de

que a atuação dos profissionais sejam coerentes com a visão ampliada da saúde do

usuário, para que assim seja realizada a atenção de fato integral: “Ainda se tem uma

visão muito restrita da saúde dos pacientes (...) Eu acho que o maior desafio da gente é

esse.” (Psicólogo 5).

Como já dito, o modelo de cuidado proposto na Atenção Básica se configura

como uma mudança paradigmática, e para que tal transformação se concretize é cabal

que ela se difunda na elaboração das políticas e dispositivos, na atuação dos

profissionais e no pensamento comum da sociedade, para que a prática do cuidado

esteja coerente com os avanços que traz a proposta do SUS. Vemos nos dados desta

pesquisa que há ainda diversos desencontros e incoerências nas diferentes esferas de

relações que envolvem a atuação do psicólogo no NASF. Um exemplo disto são as

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cobranças por registros técnicos de atividades que não enquadram as ações propostas

como fundamento do trabalho do NASF (que devem estar difusas em todas as

atividades desenvolvidas), essa incoerência acaba por reforçar ações ambulatoriais e

individualizantes que fogem do que é proposto ao NASF, e o que faria deste dispositivo

um potencializador da ESF.

É também possível observar explicitamente na fala de alguns profissionais (os

que trazem uma trajetória na saúde pública e apresentam maior conscientização do

papel e lógica de funcionamento do NASF) que estes sentem a incongruência que há

entre o que lhes é proposto pela elaboração teórica do NASF, e o que lhes é cobrado

pela gestão e população atendida. Em contraponto à proposta de um trabalho preventivo

que promova a saúde e atue sobre os diversos determinantes desta (especialmente os

determinante sociais), há ainda a cobrança por uma atenção biologicista, médico-

centrada e curativa.

Para a Psicologia essa incoerência abre espaço para velhos hábitos, reforça a

predominância de uma atuação tradicional da Psicologia que se faz centrada no

indivíduo, no atendimento ambulatorial e que segue uma compreensão dicotomizada

dos sujeitos alvos de seu trabalho, diferenciando os processos internos (subjetivos) e

externos (sociais) aos indivíduos atendidos. A transposição literal da Psicologia nestes

moldes para o campo da Atenção Básica faz desta prática profissional

descontextualizada e se coloca como uma barreira para a atuação no cuidado integral e

no trabalho em equipe matricial.

Atuar na Atenção Básica, e especificamente no NASF que traz um campo que se

configura de forma inovadora para a Psicologia, exige uma nova mentalidade

profissional dos psicólogos, que só acontecerá na superação e complementaridade da

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formação técnica em Psicologia, de forma a contextualizar sua prática e adequar o seu

fazer aos novos cenários de atuação. É peculiar neste estudo o fato de um dos

psicólogos entrevistados, o Psicólogo 5, ter tido uma trajetória diferenciada que se

reflete em uma prática igualmente diferente do que é observado nas demais entrevistas.

É notório que a diferenciação do preparo do Psicólogo 5 para o trabalho na Atenção

Básica se dá na sua busca por complementar sua formação acadêmica, redefinindo sua

prática por meio da conscientização e conhecimento da realidade complexa na qual, e

sobre a qual, vem atuar. O próprio psicólogo destaca em sua fala a importância de

formar-se para atuar na Atenção Básica, sobre os determinantes sociais da saúde, na

busca constante pelo cuidado integral:

A gente soma no momento em que a gente tem a formação pra tá junto da

comunidade. A minha passagem no CRAS me fez ter um pouco dessa noção, lá

no passado, e a própria pós-graduação me fez ter essa noção (...) A formação

preparou a gente pra viver isso. E pra que a gente possa contagiar as outras

pessoas com essa necessidade de quebrar esses paradigmas. (Psicólogo 5)

Em diversos momentos de sua fala ele destaca a dificuldade de atuar de maneira

coerente com os pressupostos do NASF e da Atenção Básica, seja por deficiências na

rede de atenção ou mesmo pela atuação dos outros profissionais e equipes que não se

coadunam distanciando-se da visão proposta para suas práticas. O que mostra que,

apesar de fundamental, a busca por complementar a formação não se faz suficiente para

(sozinha) concretizar a atuação idealizada, já que há outros entraves para essa

realização. Entre as dificuldades que cita, o Psicólogo 5 destaca como o maior desafio

que enfrenta é a tentativa de superar o paradigma ainda hegemônico do modelo médico

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(biologicista e assitencialista), assim como a atuação tradicional da Psicologia

(individualista e descontextualizada).

Quebrar esse paradigma do imediatismo, do assistencialismo, de que o

profissional tem que ta dentro de uma sala, atendendo um por um, acho que esse

é o meu maior desafio, da gente. (Psicólogo 5)

É importante ressaltar que nesse movimento inercial da Psicologia, de manter-se

em seu modelo mais tradicional (individual e dicotômico) ela ainda carece de um

projeto coletivo da categoria que considere o compromisso social da profissão, e elabore

para si um projeto de atuação na sociedade. O aumento da inserção da Psicologia nas

políticas sociais é notável e se abre como um campo de luta contra-hegemônica,

possibilitando à Psicologia contribuir para a transformação social na busca por

condições mais dignas e igualitárias de vida para a população. No entanto, é preciso que

a profissão se articule em torno de um projeto de intervenção na sociedade, que se

flexibilizem e ampliem suas práticas, buscando conhecer a realidade social na qual atua

e assim realizar seu potencial no seu fazer. Mais uma vez, não é nossa intenção vestir a

Psicologia (nem mesmo o NASF) com uma capa de herói que solucionará os inúmeros

problemas enfrentados pela população e pelo sistema de saúde, para isso seriam

necessárias mudanças estruturais que requerem uma mobilização que vai além da

competência de uma categoria profissional isolada ou de um dispositivo do Sistema.

Diante disto não podemos assumir um postura fatalista, mas sim lutar para que mais

espaços de luta e transformação social sejam conquistados, e para que os espaços

estabelecidos sejam bem aproveitados.

Hoje o que vemos em nossos resultados é que os NASF do Rio Grande do Norte

são ainda um campo pouco conhecido (apesar de bastante povoado) pela Psicologia.

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Encontramos no fazer dos psicólogos que lá atuam a marca predominante de um modelo

médico tradicional que minimiza o olhar para o social como parte componente dos

indivíduos, e tolhe a oportunidade da realização de ações transformadoras para a

sociedade. Vemos também o potencial da atuação do psicólogo no NASF, nas falas de

profissionais comprometidos que lutam diariamente por uma prática integradora e

social, e ainda na fala de profissionais que, mesmo sem alimentarem a consciência sobre

as deficiências de sua prática, têm nos seus discursos um incômodo, que cresce

indesejado sem localizar-se bem de onde vem, mas que aos poucos leva o olhar desses

profissionais à sua prática e a difícil realidade na qual atuam.

Construir uma atuação da Psicologia comprometida socialmente, coerente com a

realidade social na qual atua, inserindo-se adequadamente no cuidado integral aos

usuários do Sistema de Saúde, não é um movimento natural que ocorrerá sem esforço. É

necessário que estejamos atentos às práticas que estão sendo feitas, e como elas

acontecem, é necessário pensarmos sobre elas, questionarmos e lutarmos para

construirmos juntos (enquanto categoria, e cidadãos) um fazer da Psicologia que some à

igualdade, à dignidade, à qualidade de vida e saúde de toda a sociedade.

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Anexo

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Roteiro

Nome:_________________________________________________________________

Sexo:_______________ Idade:____________ Estado Civil:______________________

Renda Familiar: ___________________ Renda Individual:_______________________

Remuneração atual no NASF:________________________

Ano de Conclusão da graduação:____________ Instituição:______________________

Área de estágio (formação):________________________________________________

Formações Complementares (pós-graduação):_________________________________

Tem outra graduação? Qual? Atua?__________________________________________

Tem algum trabalho paralelo? Quantos? Qual carga horária em cada um?____________

Qual a carga horária no NASF?_____________________________________________

Fale um pouco de sua trajetória profissional. (Que outros trabalhos realizou?)

Como ocorreu sua inserção no NASF?

Já trabalhou em outro NASF?

Tipo de Vínculo no NASF:_______________ Tempo de Trabalho:_________________

Como foi quando você começou a trabalhar no NASF? Houve alguma discussão sobre

como deveria ser o trabalho?

Houve algum treinamento ou preparação para o trabalho no NASF?

• Esse treinamento aconteceu antes de você começar? Em que momento

aconteceu?

• Como foi, foi suficiente, como avalia em termos de capacitação para o

trabalho no NASF? E quem preparou/ofereceu o treinamento?

• Se não houve, como então você soube o que deveria fazer?

Como se caracteriza a demanda no NASF (espontânea/pró-ativa)?

Como os usuários chegam ao psicólogo?

Quais as atividades que acontecem no NASF?

Fale detalhadamente sobre o trabalho que você realiza no NASF:

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� Quais as atividades que realiza no seu cotidiano de trabalho no NASF?

Com que frequência você realiza essas atividades?

� Como realiza essas ações (detalhamento)

� Para quem se volta sua atividade?

• Objetivos das ações

• Referencial teórico

• Recursos

• Dificuldades e pontos positivos

• Como avalia essa ação

• Como se dá o planejamento das atividades do psicólogo no NASF? (Se

há planejamento)

• Há registro destas atividades? Como se dá esse registro?

• Seu trabalho se articula com o trabalho de outros profissionais?

• Quais? De quais instituições?

• E profissionais especificamente do NASF?

• E os do PSF?

• Como se dá tal articulação? Como esse trabalho em conjunto é

feito?

• Quais os desafios para esta articulação?

Fale sobre os principais desafios de sua atuação.

O NASF (instituição) desenvolve algum trabalho com outras instituições (de saúde ou

não)? Há participação de psicólogos nessas ações?

• Se sim, que ações são essas? Como são realizadas? Como ocorre a

articulação?

• Há participação de psicólogos nessas ações?

Como você avalia a atuação do psicólogo nesses serviços? E a sua?