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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO JOHNATAN RAFAEL SANTANA DE BRITO FINANÇAS PÚBLICAS E FEDERALISMO FISCAL: Uma análise da efetividade fiscal dos municípios brasileiros. Natal/RN, 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO …€¦ · federalism. The purpose of this thesis is to present an analysis of the Brazilian fiscal-federative model in the light

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

    DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

    JOHNATAN RAFAEL SANTANA DE BRITO

    FINANÇAS PÚBLICAS E FEDERALISMO FISCAL:

    Uma análise da efetividade fiscal dos municípios brasileiros.

    Natal/RN,

    2017

  • JOHNATAN RAFAEL SANTANA DE BRITO

    FINANÇAS PÚBLICAS E FEDERALISMO FISCAL:

    Uma análise da efetividade fiscal dos municípios brasileiros.

    Tese apresentada ao Programa de Pós-

    Graduação em Administração da Universidade

    Federal do Rio Grande do Norte para obtenção

    do título de Doutor em Administração na Área

    de Política e Gestão Públicas.

    Orientador: Prof. Dr. Hironobu Sano

    Natal/RN,

    2017

  • Catalogação da Publicação na Fonte.

    UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

    Brito, Johnatan Rafael Santana de.

    Finanças públicas e federalismo fiscal: uma análise da efetividade fiscal dos

    municípios brasileiros / Johnatan Rafael Santana de Brito. - Natal, 2017.

    887f.: il.

    Orientador: Prof. Dr. Hironobu Sano.

    Tese (Doutorado em Administração) - Universidade Federal do Rio Grande do

    Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Ciências

    Administrativas. Programa de Pós-graduação em Administração.

    1. Administração - Tese. 2. Finanças públicas. 3. Federalismo fiscal - Tese. 4.

    Municípios brasileiros - Tese. I. Sano, Hironobu. II. Universidade Federal do Rio

    Grande do Norte. III. Título.

    RN/BS/CCSA CDU 336.1(81)

  • JOHNATAN RAFAEL SANTANA DE BRITO

    FINANÇAS PÚBLICAS E FEDERALISMO FISCAL:

    Uma análise da efetividade fiscal dos municípios brasileiros.

    Tese apresentada ao Programa de Pós-

    Graduação em Administração da Universidade

    Federal do Rio Grande do Norte para obtenção

    do título de Doutor em Administração na Área

    de Política e Gestão Públicas.

    Aprovada em: 21 / 08 / 2017.

    BANCA EXAMINADORA

    ______________________________________________

    Orientador: Prof. Dr. Hironobu Sano

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

    ______________________________________________

    Profa. Dra. Maria Arlete Duarte de Araújo

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

    ______________________________________________

    Prof. Dr. Thiago Ferreira Dias

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

    ______________________________________________

    Prof. Dr. Ítalo Fittipaldi

    Universidade Federal da Paraíba – UFPB.

    ______________________________________________

    Prof. Dr. Luiz Antônio Abrantes

    Universidade Federal de Viçosa – UFV.

  • DEDICATÓRIA

    Esta tese é dedicada à minha esposa, Jéssica,

    pelo apoio incondicional dispensado no

    processo de construção deste trabalho.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao longo desta jornada para se obter o título de doutor, iniciada ainda durante o processo

    de seleção do PPGA, algumas pessoas foram fundamentais para que tudo isso se consolidasse

    e fosse possível atingir esse objetivo. Primeiramente agradeço ao Professor e amigo João Matos

    Filho, o principal responsável por me inserir no instigante (as vezes frustrante) mundo das

    finanças públicas, desde a graduação no curso de Economia da UFRN e principalmente durante

    o mestrado, também em Economia, quando brilhantemente me conduziu no processo de

    orientação que culminou na construção e publicação de um trabalho premiado.

    Agradeço ainda aos professores Edward Costa, pelo incentivo à minha entrada no

    PPGA, Luciano Sampaio, pelo acolhimento nos meses iniciais do Doutorado, Maria Arlete pelo

    apoio, incentivo e confiança dispensada a mim, um aluno egresso da Economia, mas muito bem

    acolhido por seus ensinamentos e orientações, à professora Dinah e ao professor Ítalo Fittipaldi

    por suas contribuições ao longo da construção do trabalho, à professora Jomária pela

    compreensão e sensibilidade no trato com os alunos e ao professor Manoel Veras, coordenador

    do PPGA, sempre resolutivo e disposto a contribuir.

    Sou muito grato também à Universidade Federal de Campina Grande, organização à

    qual tive a honra de ser admitido como docente durante o segundo semestre do doutorado e que

    me permitiu sair em afastamento nesse último ano para concluir minha tese. Destaco os nomes

    de Camilo Allyson, Paulo Pamplona, Érica Cristine, Roberto Queiroga, Daniel Casimiro e

    Mônica Tejo, colegas de trabalho e amigos que me deram total apoio e incentivo ao longo

    desses anos de estrada entre o Sertão Paraibano e a capital Potiguar.

    É necessário ainda deixar palavras de gratidão à minha família, que, com algumas

    exceções, não compreendem bem o que é esse negócio de doutorado, que as vezes me

    perguntam quando vou parar com esse negócio de viver estudando, sempre me respeitando e

    apoiando. Não me cansarei de repetir e jamais esquecerei de agradecer ao Professor George

    França, meu tio, a peça fundamental que deu o impulso necessário na minha carreira acadêmica.

    Uma jornada tão longa e desgastante não seria possível de ser vencida sem a

    cumplicidade de amigos. Assim, agradeço em especial aos meus grandes parceiros e também

    doutores Patrick Reinecke e Marcos Adller. Vocês foram fundamentais nessa caminhada. A

    Alemanha nos espera, amigos!

    Apesar de grandes alegrias vividas ao longo de todo o doutorado, também houve

    momentos de desânimo e preocupações, coisas tais que fizeram surgir o meu maior aliado na

  • empreitada de conclusão do doutorado que foi meu inestimável orientador, Hiro. Obrigado por

    ter me acolhido num momento tão importante, por ter me auxiliado a reencontrar meu caminho,

    pelo nível de exigência com que corrigia meus manuscritos, pelas críticas ao material e por todo

    incentivo e apoio dado, nunca duvidando da minha competência e capacidade. Muitíssimo

    obrigado mesmo, sem sua essencial ajuda a história teria sido outra.

    Por fim, agradeço à Jéssica, minha fiel escudeira, a quem dedico este trabalho.

    Companheira que me deu incondicional apoio nas horas que quase passei a desacreditar que

    conseguiria, que cobrava ação nos dias de morosidade, que era implacável na revisão do

    material, mas que estava sempre ao meu lado, me ouvindo, me ajudando, me incentivando e me

    oferecendo seu ombro para que eu pudesse descansar e me reenergizar. Sou grato por sua

    compreensão quando não foi possível ver os episódios das séries que gostamos, por sua

    dedicação e abnegação quando tivemos que ir morar tão longe por causa do meu trabalho e

    viajar tantas vezes por causa do meu doutorado. São tantos “meus” e “eus” aos quais você se

    dedicou, as vezes deixando de lado suas vontades e seus desejos... por isso, dedico não só esta

    tese como meu título de Doutor a você, quem deu toda a base para que iniciássemos o processo

    de conquista de nossos sonhos. Esse é mais um passo e você foi a peça chave disso tudo.

    Obrigado.

    Nenhuma dessas pessoas e nenhuma dessas coisas haveria acontecido senão pela

    providencia soberana de Deus, cuidando em cada momento para que tudo ocorresse de forma

    perfeita, me apresentando às pessoas certas nas horas certas e me dando as condições

    necessárias para o crescimento intelectual, debaixo de sua graça. Soli Deo Gloria.

  • “Todavia, não é nossa função controlar todas as

    marés do mundo, mas sim fazer o que pudermos

    para socorrer os tempos em que estamos

    inseridos, erradicando o mal dos campos que

    conhecemos, para que aqueles que viverem depois

    tenham terra limpa para cultivar. Que tempo

    encontrarão não é nossa função determinar”.

    (J. R. R. TOLKIEN, O Senhor dos Anéis: O

    retorno do Rei.)

    “- O que teme, senhora? - Uma gaiola, disse ela.

    - Ficar atrás das grades, até que o hábito e a

    velhice as aceitem e todas as oportunidades de

    realizar grandes feitos estejam além da lembrança

    e do desejo”.

    ibid.

  • RESUMO

    A estrutura fiscal-federativa brasileira apresenta algumas peculiaridades que a torna distinta,

    sobretudo no que diz respeito às competências relativas aos governos locais. O modelo de

    transferências e a ocorrência de fenômenos tais como o flypaper effect e a ilusão fiscal, lançam

    questões acerca do comportamento da gestão fiscal dos municípios brasileiros. O caráter

    autônomo dessas esferas de governo é questionado do ponto de vista orçamentário, tendo em

    vista a dependência existente dos recursos oriundo de transferências, tanto verticais como

    horizontais. Além disso, o caráter descentralizado do modelo acentua o nível de desequilíbrio

    fiscal nos municípios, gerando dúvidas quanto a efetividade fiscal desses entes. Diante desse

    contexto, questiona-se qual o padrão funcional do comportamento fiscal derivado da estrutura

    organizacional do federalismo fiscal brasileiro. O objetivo desta tese é apresentar uma análise

    acerca do modelo fiscal-federativo brasileiro à luz da perspectiva dos municípios, considerando

    a autonomia orçamentária e o desequilíbrio fiscal efetivo, de maneira a compreender as

    diferenças no que diz respeito aos níveis de efetividade fiscal obtido pelos governos locais e

    assim observar qual o padrão da gestão fiscal dos municípios em face à estrutura do modelo

    brasileiro. A hipótese levantada é que os aspectos intrínsecos ao modelo fiscal-federativo

    praticado no Brasil, tais como o sistema de transferências e o flypaper effect, não apenas afetam

    a gestão fiscal dos municípios como são fatores preponderantes para o funcionamento do

    próprio modelo, gerando, por consequência, um padrão de comportamento quase compulsório

    e pouco autônomo. Para observar essas questões, foi construído um Coeficiente que

    desempenha a função de parâmetro gerencial para identificar do nível de efetividade fiscal da

    menor esfera de governo (Coeficiente de Efetividade Fiscal dos Municípios – CEFM), sendo

    este uma proxy analítica da estrutura do federalismo fiscal brasileiro. Além das variáveis

    orçamentárias, considerou-se algumas características socioeconômicas dos municípios a

    aplicou-se uma análise de cluster afim de agrupá-los em função de suas semelhanças e assim

    poder observar, posteriormente, as mudanças nos agrupamentos ocasionadas pela inclusão do

    parâmetro fiscal. Como resultados, verificou-se a ocorrência de níveis distintos de efetividade

    fiscal dos municípios e a verificação do referido padrão de comportamento ao qual os

    municípios se enquadram em função dos aspectos que o modelo fiscal-federativo impõe a estes.

    Palavras-chave: Federalismo Fiscal; Autonomia Orçamentária; Desequilíbrio Fiscal Efetivo;

    Efetividade Fiscal; Municípios.

  • ABSTRACT

    The Brazilian fiscal-federative structure presents some peculiarities that make it distinct,

    especially with regard to the competences related to local governments. The transfer model and

    the occurrence of the flypaper effect and fiscal illusion raise questions about the fiscal

    management behavior of Brazilian municipalities. The autonomous nature of these spheres of

    government is questioned from a budgetary perspective, given the existing reliance on resources

    from both vertical and horizontal transfers. In addition, the decentralized nature of the model

    accentuates the level of fiscal imbalance in the municipalities, generating doubts as to the fiscal

    effectiveness of these entities. Given this context, the research question is: what is the functional

    pattern of fiscal behavior derived from the organizational structure of Brazilian fiscal

    federalism. The purpose of this thesis is to present an analysis of the Brazilian fiscal-federative

    model in the light of the municipalities' perspective, considering the budgetary autonomy and

    the effective fiscal imbalance, in order to understand the differences in the levels of fiscal

    effectiveness obtained by the governments localities and thus to observe the standard of the

    fiscal management of the municipalities in face of the structure of the Brazilian model. The

    hypothesis raised is that the aspects intrinsic to the fiscal-federative model practiced in Brazil,

    such as the transfer system and the flypaper effect, not only affect the fiscal management of the

    municipalities, but are also preponderant factors for the functioning of the model itself,

    consequence, a pattern of almost compulsory and not autonomous behavior. In order to observe

    these questions, a Coefficient was constructed that performs the function of managerial

    parameter to identify the level of fiscal effectiveness of the smallest sphere of government

    (Fiscal Effectiveness Coefficient of municipalities - CEFM), which is an analytical proxy of

    the structure of Brazilian fiscal federalism. In addition to the budgetary variables, we considered

    some socioeconomic characteristics of the municipalities, a cluster analysis was applied in order

    to group them according to their similarities and thus to be able to later observe the changes in

    the clusters caused by the inclusion of the fiscal parameter. As results, it was verified the

    occurrence of distinct levels of fiscal effectiveness of the municipalities and the verification of

    the mentioned pattern of behavior to which the municipalities are classified according to the

    aspects that the fiscal-federative model imposes on them.

    Keywords: Fiscal Federalism; Budgetary Autonomy; Effective Fiscal Imbalance; Fiscal

    Effectiveness; Municipalities.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Estrutura analítica ........................................................................................................ 82

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Participação das transferências no orçamento dos municípios brasileiros. ............. 48 Tabela 2 - Resumo quanto ao número e percentual de municípios observados. ....................... 84

    Tabela 3 - Sumário estatístico de clusters em 1º momento referente ao ano de 2001. ............. 85 Tabela 4 - Sumário estatístico de clusters em 1º momento referente ao ano de 2012. ............. 85 Tabela 5 - Percentual de participação das Receitas Tributárias e de Transferências no total do

    orçamento municipal (2001 e 2012). ........................................................................................... 87 Tabela 6 - Síntese dos resultados dos níveis de efetividade dos municípios (2001 e 2012). ... 94 Tabela 7 - Sumário estatístico de clusters em 2º momento referente ao ano de 2001. ............. 94

    Tabela 8 - Sumário estatístico de clusters em 2º momento referente ao ano de 2012. ............. 94 Tabela 9 - Variação da quantidade dos municípios na composição dos clusters 1º momento (1º

    M) e 2º momento (2º M). .............................................................................................................. 97

    Tabela 10 - Variações dos componentes dos clusters entre momentos por ano. ...................... 98 Tabela 11 - Variações dos componentes dos clusters do ano inicial para o final em 1º e 2º

    momentos. ...................................................................................................................................... 98

  • LISTA DE GRÁFICOS

    Gráfico 1: Participação na receita total disponível (2001 - 2012).............................................. 47

    Gráfico 2: Participação na despesa efetuada (2001 – 2012) ....................................................... 47 Gráfico 3: Comportamento das despesas orçamentárias dos municípios (2001 – 2010) ........ 49 Gráfico 4: Distribuição percentual dos municípios observados por região ............................... 84

    Gráfico 5: Dendrograma – Clusters em 1º momento (2001). ..................................................... 87 Gráfico 6: Dendrograma – Clusters em 1º momento (2012). ..................................................... 88 Gráfico 7: Comportamento do FPM por Cluster (2001 e 2012) ................................................ 89

    Gráfico 8: Comportamento do ITR por Cluster (2001 e 2012) .................................................. 89 Gráfico 9: Comportamento da Cota-Parte do ICMS por Cluster (2001 e 2012)....................... 89 Gráfico 10: Comportamento da Cota-Parte do IPVA por Cluster (2001 e 2012) ..................... 90

    Gráfico 11: Comportamento da LC 87/96 por Cluster (2001 e 2012) ....................................... 90 Gráfico 12: Comportamento das Transferências Voluntárias por Cluster (2001 e 2012) ........ 90 Gráfico 13: Comportamento do Investimento por Cluster (2001 e 2012) ................................. 91

    Gráfico 14: Comportamento das Despesas Correntes por Cluster (2001 e 2012) .................... 91 Gráfico 15: Relação entre o Crescimento das Transferências e da Despesa Corrente ............. 93 Gráfico 16: Dendrograma – Clusters em 2º momento (2001). ................................................... 95

    Gráfico 17: Dendrograma – Clusters em 2º momento (2012). ................................................... 96

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Publicações, foco da análise, métodos e aspectos que afetam as decisões no âmbito

    da gestão fiscal. ............................................................................................................................. 66 Quadro 2 - Situações para Determinação do IAO e do IDFE. ................................................. 101

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    Art Artigo

    CEFM Coeficiente de Efetividade Fiscal dos Municípios

    CF Constituição Federal

    DC Despesa Corrente

    DFE Desequilíbrio Fiscal Efetivo

    FEP Fundo Especial do Petróleo

    FF Federalismo Fiscal

    FFEB Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros

    FINBRA Finanças do Brasil

    FIRJAN Federação das Indústrias do Rio de Janeiro

    FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

    FPM Fundo de Participação dos Municípios

    FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

    Valorização dos Profissionais da Educação

    FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental

    I Investimento

    IAF Indicador de Autonomia Financeira

    IAO Indicador de Autonomia Fiscal Orçamentária

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

    ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

    IDFE Indicador de Desequilíbrio Fiscal Efetivo

    IDFM Índice de Desempenho Fiscal dos Municípios

    IDH Índice de Desenvolvimento Humano

    IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

    IE Imposto sobre Exportação

    IEF Indicador de Esforço Fiscal

    IFGF Índice Firjan de Gestão Fiscal

    IGF Imposto sobre grandes fortunas

    II Imposto sobre Importação

    IOF Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro.

    IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo

    IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

    IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

    IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano

    IPVA Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores

    IQGP Índice de Qualidade de Gasto Público

    IR Imposto de Renda

    IRF-QG Índice de Responsabilidade Fiscal e Qualidade da Gestão

    ISS Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza

    ITBI Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis Inter vivos

    ITCMD Imposto sobre transmissão causa mortis e doação

  • ITR Imposto Territorial Rural

    LC Lei Complementar

    LRF Lei de Responsabilidade Fiscal

    MANOVA Análise Multivariada da Variância

    MQO Mínimos Quadrados Ordinários

    ORCorr Outras Receitas Correntes

    PIB Produto Interno Bruto

    PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

    PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

    RBS Revisão Bibliográfica Sistemática

    ROrc Receita Orçamentária

    RTransf Receita de Transferência

    RTrib Receita Tributária

    STN Secretaria do Tesouro Nacional

    UF Unidade Federativa

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 17

    2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO FEDERALISMO BRASILEIRO. ................... 29

    2.1 Aspectos Gerais Sobre o Federalismo: Um enfoque no modelo brasileiro. ............. 29

    2.2 Caracterização do Modelo Fiscal-Federativo e seus Desequilíbrios ......................... 33

    2.2.1 A perspectiva da descentralização, das competências tributárias e das transferências... 33

    2.2.2 Flypaper Effect e Ilusão Fiscal ........................................................................................... 40

    3 FEDERALISMO NO BRASIL: Alguns Aspectos Empíricos. ................................... 46

    3.1 Análise Geral das Questões Fiscais................................................................................. 46

    3.2 Base Econômica Municipal e seus Reflexos no Contexto Fiscal ................................ 54

    4 ASPECTO GERENCIAL E O COMPORTAMENTO DOS MUNICÍPIOS. ......... 58

    5 ASPECTOS METODOLÓGICOS: Modelo de análise e manejo de dados............. 63

    6 ANÁLISE DA EFETIVIDADE FISCAL DOS MUNICÍPIOS E SUAS INTERPRETAÇÕES TEÓRICO-EMPÍRICAS.......................................................... 83

    6.1 Aspectos Gerais.................................................................................................................. 83

    6.2 Modelo de Cluster em Primeiro Momento .................................................................... 85

    6.3 Apresentação e análise do Coeficiente de Efetividade Fiscal dos Municípios (CEFM) e apresentação dos clusters em segundo momento. ..................................................... 92

    6.4 Análise comparativa entre os momentos. ...................................................................... 97

    7 REFLEXÕES FINAIS .................................................................................................... 104

    REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 110

    APÊNDICE A – Competências dos Municípios em Termos de Prestação de Serviços . 130

    APÊNDICE B – Aspectos Tributários do Brasil .................................................................. 131

    APÊNDICE C – Principais Características das Transferências destinadas aos municípios.

    ...................................................................................................................................................... 133

  • APÊNDICE D – Outputs dos testes para validação dos Clusters (1º momento) – Utilização

    do pacote Stata (Statistics Data Analysis 11.0). .................................................................... 135

    APÊNDICE E – Outputs dos testes para validação dos Clusters (2º momento) – Utilização

    do pacote Stata (Statistics Data Analysis 11.0). .................................................................... 138

    APÊNDICE F – Outputs do modelo para o teste do IDFE por meio da substituição da

    Receita Tributária pela Receita Orçamentária como variável do referido Indicador... 139

    ANEXOS ..................................................................................................................................... 140

  • 17

    1 INTRODUÇÃO

    Os aspectos fiscais do federalismo brasileiro continuam se apresentado como um tema

    de importantes debates acadêmicos e da agenda política. Desde a Constituição Federal de 1988,

    e mais profundamente após a vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000,

    diversos estudos foram publicados1 dando enfoque às questões relativas à descentralização e

    equalização fiscal, às transferências verticais e, fundamentalmente, às características e

    competências dos municípios nesse cenário federativo, posto que, no modelo brasileiro, estes

    passaram a ser entes autônomos com funções específicas e poder de decisão política,

    administrativa e orçamentária.

    Assim, o contexto ora apresentado está circunscrito dentro de uma perspectiva

    federativa pactuada na Constituição Federal de 1988, cujas premissas descentralizadoras

    culminaram na implantação de um modelo no qual o município passa a ser um ente federado

    autônomo. Vale salientar que, apesar de existirem outras experiências de modelos federativos

    com três níveis de governo (como por exemplo na Alemanha e na Austrália), esse poder

    autônomo, nos termos prescritos na CF/1988, é uma peculiaridade exclusiva do modelo de

    federalismo brasileiro (FFEB, 2009)2.

    Ficou estabelecido, conforme os princípios definidos na CF/1988, que cada esfera de

    governo detém competências específicas de arrecadação tributária, o que fez com que o

    município também passasse a possuir autonomia orçamentária, ou seja capacidade de arrecadar

    e gerir suas próprias receitas de maneira independente. Todavia, segundo Amaral et al (2003)

    e Giroldo e Kempfer (2012), o que ocorreu na verdade foi o surgimento de uma nova

    perturbação quanto à equalização fiscal: o município entra no bojo dessa disputa por uma maior

    fatia na redistribuição de recursos (antes o debate era apenas entre a União e os estados),

    sustentando-se no argumento das necessidades orçamentárias locais e com base no princípio da

    equidade (GONDAR, 2012).

    De maneira sucinta, a arrecadação da maior parte dos impostos, inclusive daqueles de

    maior magnitude, dentre os quais destacam-se o Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre

    Produtos Industrializados (IPI), são da União – atingindo cerca de 70%3 do total arrecadado no

    1 FFEB (2009); REZENDE (1995) e (2006); PRADO (2008); GIROLDO e KEMPFER (2012), dentre outros. 2 Programa de estudos que busca debater e apresentar análises de temas de interesse dos estados cujo foco está

    centrado na área fiscal e tributária. Surgiu em 2004 e foi coordenado pela FGV até o ano de 2009, quando a

    ESAF passou a dirigir. 3 Ver Apêndice B.

  • 18

    país. Aos estados e municípios compete uma parcela diminuta do montante da arrecadação,

    25% e 5%, respectivamente (AMARAL et al, 2013).

    Prado (2008), bem como o estudo desenvolvido pelo Fórum Fiscal dos Estados

    Brasileiros (FFEB, 2009), demonstram que o volume de recursos necessários aos municípios é

    maior que a capacidade de arrecadação que estes dispõem. Essa situação é caracterizada como

    um desequilíbrio fiscal que Rezende (1995; 2006) chama de “brecha vertical”, definindo-a

    como sendo a diferença entre as competências designadas aos municípios pelo pacto federativo

    em termos de gasto e a base tributária estabelecida para estes. É importante ressaltar que tal

    definição não diz respeito apenas à diferença entre a arrecadação própria e as despesas

    orçamentárias, mas considera os aspectos normativos das competências tributárias, ou seja, leva

    em conta aquilo que o município deveria arrecadar, conforme estabelecido no pacto federativo.

    Ainda de forma conceitual, verifica-se que, para a Secretaria de Política Econômica, do

    Ministério da Fazenda, brecha vertical é a insuficiência de receita em função do desequilíbrio

    entre os tributos próprios auferidos e a necessidade de gasto, enquanto que desequilíbrio fiscal

    é a diferença ente receita e despesa orçamentária4. Assim, a brecha vertical se configura como

    um desequilíbrio fiscal vertical, todavia nem todo o desequilíbrio é causado pela brecha,

    podendo ser resultado de outros problemas de composição orçamentária e/ou de distúrbios na

    estrutura de gasto.

    Diante dos conceitos apresentados, verificou-se que há uma lacuna no que diz respeito

    à analise quanto a atividade arrecadatória e o equilíbrio fiscal dos municípios. Considerando as

    despesas correntes e os investimentos como gastos prioritários dos governos locais, ou seja, os

    gastos mínimos que são exigidos para que esses entes possam cumprir com suas prerrogativas,

    as definições ora apresentadas não discutem a relação entre essas despesas e as receitas

    tributárias. Acreditando ser esse um assunto de significativa importância em função das

    atividades hodiernas desenvolvidas na esfera municipal.

    Analisando o cenário de insuficiência das receitas tributárias para o cumprimento das

    despesas dos governos locais, Rezende (1995; 2006), Loureiro e Abrúcio (2004) e Prado (2008)

    estabelecem que a brecha vertical é originada dentro da própria dinâmica do federalismo.

    Segundo os autores, ocorre nos municípios simultaneamente a insuficiência de arrecadação e

    um elevado gasto público. Assim, diante desse contexto, admite-se que a dinâmica de gastos,

    4 Ver em http://www.spe.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/auditorias /arquivos/acesso-a-informacao/auditor

    ias/arquivos/relatorio-de-gestao-7.

  • 19

    ou seja, a forma de como o município desembolsa seus recursos5, é tão importante quanto o

    perfil de composição de suas receitas, tendo em vista que a relação inversa entre eles denota o

    tamanho do desequilíbrio (AFONSO e ARAÚJO, 2000; ARRETCHE, 2005).

    Assim, nesta tese será considerado o conceito de Desequilíbrio Fiscal Efetivo, que se

    configura como sendo o resultado da diferença entre a arrecadação tributária municipal e

    os gastos em despesas correntes e investimento, diferenciando-se do conceito de brecha

    vertical que apresenta um aspecto conceitual e mais normativo. Apesar dessa distinção, é a

    definição de brecha vertical que serve de base para construção desse novo conceito e para

    estruturação teórica desenvolvida ao longo deste estudo.

    Dando continuidade à discussão da análise acerca das questões fiscais dos governos

    locais apresentadas por Rezende (1995), Garson (2009), Giroldo e Kempfer (2012), Gondar

    (2012), dentre outros, é possível destacar dois dos principais aspectos que dificultam a

    formulação de uma teoria que generalize e verse sobre os municípios de maneira uniforme: a

    assimetria de características entre os diversos municípios brasileiros e a variabilidade das

    características da composição orçamentária, cuja semelhança está na elevada demanda de

    recursos para realização de suas competências.

    Em síntese, ao conduzir a esfera municipal ao patamar de ente federativo, com

    atribuições e autonomia administrativa, política e financeira, que legitimam a execução de suas

    ações, não se ofereceu as condições necessárias para a constituição de receitas próprias6 que

    sejam suficientes para atender toda a demanda orçamentária dessa esfera. Em outros termos, “a

    autonomia financeira foi confundida com a liberdade para gastar sem a equivalente

    responsabilidade de tributar” (REZENDE, 1995), ou seja, as obrigações de gasto quase sempre

    são superiores à capacidade de arrecadação tributária.

    Nesse contexto se insere um conceito importante que é o de gestão fiscal. A CF/1988

    estabelece em seu Título VI os aspectos relativos às questões fiscais, à tributação e ao

    orçamento dos entes federados, definindo ainda a necessidade de Lei Complementar para o

    ordenamento da gestão fiscal dos municípios. Em função disso, foi estabelecida a Lei de

    Responsabilidade Fiscal – LC 101/2000, que define responsabilidade fiscal como:

    5 Por mais importante que o tema seja, não é foco de análise desta tese a observação quanto à eficiência do gasto

    público municipal. A ideia neste trabalho, que justifica o uso dos dados de gasto público, é analisar os aspectos

    relativos ao seu volume e sua relação com o montante da arrecadação tributária dos municípios, afim de

    identificar o comportamento fiscal dos municípios com base nessas variáveis. 6 De acordo com a LRF, todos os entes possuem competências tributárias distintas e não é permitida a renúncia

    tributária. Pode-se trabalhar com a perspectiva de isenção fiscal em algumas situações.

  • 20

    (...) a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios

    capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas

    de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que

    tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e

    outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por

    antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar (LC/101,

    art. 1º, §1º, 2000).

    Uma revisão bibliográfica realizada à luz da literatura relativa ao tema apontou para um

    conceito que foi sintetizado por Peters e Pierr (2010), definindo Gestão Fiscal como a parte da

    administração pública que tem como foco os aspectos relativos à tributação, ao orçamento

    público e à destinação dos recursos financeiros disponíveis. Diante desses conceitos, assume-

    se como Gestão Fiscal, o conjunto de ações planejadas cujo foco está centrado na administração

    das receitas e dos gastos, necessários ao atendimento dos objetivos de determinado ente público.

    A importância desse conceito está ligada ao comportamento apresentado pelos

    municípios brasileiros em função de sua condição de ente autônomo da federação, cujas

    escolhas quanto à prestação de serviços depende das escolhas admitidas do ponto de vista

    orçamentário, portanto, diz respeito às questões relativas às receitas e despesas realizadas pelos

    municípios.

    Em função de algumas prerrogativas imputadas à Gestão Fiscal dos entes federados via

    LRF, as despesas municipais passaram a ser alvo de constante análise do ponto de vista do

    controle fiscal (ASAZU e ABRUCIO, 2003; ARRETCHE, 2005; FIORAVANTE et al, 2006;

    2008). Ainda assim, consoante Fioravante et al (2008), o quadro não apresentou mudanças

    significativas e os resultados apresentados pelos municípios, embora demonstrem alguma

    melhoria com relação ao controle de suas despesas, não sugerem uma possibilidade de se atingir

    o equilíbrio entre receitas e despesas.

    Ao mesmo tempo que o pacto federativo estabelece as competências dos entes

    federados, tanto em termos de oferta de serviços como acerca das responsabilidades tributárias,

    ele identifica a existência da brecha vertical e oferece soluções para tal. O sistema fiscal-

    federativo prevê um mecanismo de ajuste orçamentário que são as transferências, que podem

    ser verticais (intergovernamentais)7, ou horizontais – entre entes da mesma esfera de governo.

    A lógica das transferências é compensar a diferença entre o arrecadado e o necessário para o

    cumprimento das despesas (BAIÃO, 2013; COSTA e CASTELAR, 2013; 2015), sendo um dos

    pilares de sustentação do modelo, mas que no caso brasileiro proporciona desdobramentos na

    forma de como se executa o sistema federativo, sobretudo no que diz respeito à autonomia local.

    7 Baseadas no repasse de recursos captados por outras esferas para os municípios

  • 21

    Guedes e Gasparini (2007) consideram que as transferências devem ser entendidas como

    uma variável de ajuste, por meio da qual o desequilíbrio da brecha vertical deve ser transposto.

    Todavia, eles apontam que essa relação é uma espécie de fórmula indutora da ineficiência8 do

    modelo brasileiro, em função do tamanho da diferença entre as obrigações dos municípios e os

    recursos que estes podem obter por meio de sua arrecadação tributária. Assim, admite-se como

    pressuposto que a análise realizada a partir da inclusão das transferências no bojo das receitas

    orçamentárias municipais encobre um problema central dos municípios, qual seja: o tamanho

    da brecha vertical. Tal perspectiva aponta para uma significativa dependência de recursos

    oriundos de transferências, numa proporção tal que os tornam menos autônomos, seguindo o

    contra fluxo do que fora previsto no pacto federativo. Além dos argumentos teóricos, dados

    empíricos também dão subsídios para a utilização desse pressuposto.

    Ao analisar os resultados fiscais a partir da receita orçamentária9 ou das receitas

    correntes10, não se consegue perceber quão distante do equilíbrio fiscal, ou seja, da paridade

    entre os valores das receitas tributárias e das despesas orçamentárias, os governos locais se

    encontram, já que, observando a média dos municípios brasileiros a partir dos dados publicados

    pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), suas receitas tributárias correspondem a apenas

    20% das despesas orçamentárias e não atingem sequer 30% das despesas correntes .

    Verificando ainda os dados publicados pela STN11, entre 2001 e 2012 a média da

    participação relativa das transferências no total das despesas correntes variou entre 79%, no

    primeiro ano da série, e 75%, no último ano, revelando que tais recursos financiam a maior

    parcela dos gastos realizados pelos municípios na execução de suas funções mais básicas, em

    outras palavras, até mesmo as despesas para a manutenção das atividades dos órgãos

    administrativos dos governos locais dependem de recursos que não são gerados no próprio

    município (FINBRA, 2001 a 2012).

    Esse panorama retrata uma conjuntura de vulnerabilidade orçamentária e fiscal por parte

    dos munícipios, ou seja, um cenário de dependência no qual a grande parcela dos recursos

    orçamentários destes é definida de forma exógena, não controlada pela administração

    municipal, o que implica em uma situação na qual uma mínima redução nas receitas de

    8 Os autores apontam como eficiência o bom uso dos recursos públicos, ou seja, a aplicação mais adequada dos

    recursos considerando a correspondência entre os valores de receita tributária e despesa. 9 Conforme a STN, seguindo as definições estabelecidas pela lei 4.320/64, as receitas orçamentárias

    correspondem ao volume total de recursos do orçamento municipal, sendo a soma das receitas correntes com as

    receitas de capital (disponível em: http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/servicos/glossario/glossario_r.asp). 10 Receitas correntes são aquelas destinadas a atender apenas as despesas correntes, conforme Lei 4.320/64. 11 Os dados da STN se referem às publicações dos dados contábeis dos municípios Finanças do Brasil – FINBRA.

  • 22

    transferências resulta no descumprimento de suas obrigações de pagamento e,

    consequentemente, no seu nível de endividamento, o que ocorreu, por exemplo, entre os anos

    de 2008 e 2009 e que reverbera até os dias atuais (CUNHA e GARCIA, 2012). Na ocasião, em

    função de uma severa crise econômica mundial, houve uma desoneração (e em alguns casos

    total renúncia de receita) da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, que é

    base de constituição do Fundo de Participação dos Municípios, o principal recurso de formação

    do orçamento dos governos subnacionais locais brasileiros, fazendo com que estes tivessem

    uma redução real de suas receitas orçamentárias e tivessem seus problemas fiscais mais

    aprofundados (ASSUNÇÃO et al, 2012).

    Observando a capacidade arrecadatória dos governos locais, verifica-se que eles captam

    tributos preponderantemente por meio do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do

    Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza (ISS). Em função disso, compreende-se que para

    se arrecadar recursos dessa natureza numa quantidade representativa é necessário que haja uma

    população relativamente elevada, uma atividade econômica pujante, baseada no setor de

    serviços, e um controle eficiente da arrecadação (COSTA e CASTELAR, 2013). Acontece que

    aproximadamente 60% dos municípios brasileiros têm menos que 15 mil habitantes (IBGE,

    2010), do que se infere que para a maioria deles torna-se difícil obter valores significativos

    desses tributos, o que se coaduna com os argumentos apresentados por Costa e Castelar (2013)

    que apontaram para a baixa capacidade de arrecadação dos governos locais. Além disso,

    conforme Oliveira et al (2009), Oliveira e Silva (2012) e Silva et al (2013), existe uma relação

    causal entre os resultados fiscais12 obtidos pelos municípios dentro desse paradigma federalista

    brasileiro e o desempenho econômico local, ou seja, que o desequilíbrio fiscal é, em parte,

    causado pelo baixo poder de geração de riqueza, já que a arrecadação de ISS depende do volume

    de serviço produzidos endogenamente no município.

    Retomando a caracterização do objeto em estudo sob a ótica das transferências e seus

    desdobramentos, Gomes e Mac Dowell (2000) destacam que aquelas apresentam uma

    correlação negativa com o nível de desenvolvimento e renda gerado nos municípios. Ainda

    segundo os autores, quanto maior o volume de transferências, menor o poder de se produzir

    desenvolvimento endógeno no município13 (que se refletiria também na menor capacidade

    12 Equilíbrio ou desequilíbrio fiscal obtido por meio da diferença entre receitas auferidas e despesas

    orçamentárias. 13 De acordo com Sachs, (2000), o desenvolvimento endógeno se refere àquele que é produzido a partir da

    realização e fortalecimento das atividades econômicas no ambiente local. A ideia de potencializar a capacidade

    de desenvolvimento endógeno do município ocorre por meio do crescimento econômico (PIB) proporcionado

    pelas atividades econômicas locais, ou seja, pela geração de riqueza em âmbito municipal, melhorando o nível

  • 23

    técnica de tributação já discutida), tendo em vista que este não estará potencializando sua base

    econômica, mas subsistindo de recursos recebidos de outros níveis de governo (CHALFUN,

    2005). Em consequência desse cenário, a dependência das transferências limita a geração de

    fluxos distributivos que ampliaria o poder de gasto e promoveria uma melhora nos níveis de

    investimento próprio. Assim, o município que pouco tributa é “desincentivado” a tributar (pela

    própria lógica do sistema) e não cria alternativas para elevar suas receitas, nem tampouco

    potencializa sua capacidade técnica de tributação, tendo em vista que o modelo lhe garante o

    recebimento de recursos (REZENDE, 2006).

    Diante desses aspectos relativos ao orçamento dos municípios, compreende-se a

    necessidade de se estabelecer um termo apropriado para análise da capacidade orçamentária

    dos municípios. Doravante, será chamado de Autonomia Orçamentária a capacidade

    autônoma de um município definir seu orçamento com base na sua arrecadação

    tributária, ou ainda, o nível de participação relativa das receitas tributárias na

    composição orçamentária municipal.

    Todas essas características observadas na atuação dos municípios sintetizam o retrato

    atual da esfera municipal brasileira, principalmente nos pequenos municípios, em termos

    orçamentários: alta dependência das transferências, vulnerabilidade orçamentária em função do

    baixo volume de receitas tributárias que tem como causas a preguiça fiscal e a falta de

    capacidade de tributar (CHALFUN, 2005; COSTA e CASTELAR, 2013; VARSANO, 1997).

    Esse conjunto de argumentos teóricos contribuem para a reafirmação do pressuposto assumido

    e alicerça a inferência de que as transferências intergovernamentais brasileiras se configuram

    como a redenção dos municípios e ao mesmo tempo como seu algoz, já que ao passo que tende

    a mitigar os desequilíbrios, fortalece a trajetória de dependência e oculta o desequilíbrio fiscal,

    ou seja, suprime a discrepância existente entre os valores arrecadados via tributação e a

    necessidade de recursos para cobrir as despesas municipais.

    Ainda com relação às questões relativas às transferências, ao analisar os aspectos fiscais

    dos municípios, considerando estas como uma variável de composição orçamentária, a

    literatura identifica a ocorrência de dois fenômenos. O primeiro é o flypaper effect, que diz

    respeito a uma tendência apresentada pelos governos locais de elevar suas despesas em função

    de um aumento do volume de recursos por meio das transferências intergovernamentais, não

    ocorrendo a mesma tendência de aumento do gasto caso haja um aumento da arrecadação

    de renda da população (PIB per capita), sendo essa renda pouco concentrada (GINI) e com melhoramento dos

    serviços básicos e da qualidade de vida da população (IDHM).

  • 24

    própria em função da elevação da renda da população local, ainda que este seja da mesma

    magnitude da elevação das transferências (ACOSTA, 2010; COURANT et al, 1979). No caso

    brasileiro, tal efeito já foi observado por alguns trabalhos, tais como Cossio e Carvalho (2001),

    Cossio (2002), Mendes (2002), Schettini (2012), que demonstram sua relação com as

    transferências e os gastos municipais.

    O segundo fenômeno observado é o da ilusão fiscal. Empoli (2002) demonstra que a

    população local, composta por eleitores médios14, é incapaz de perceber o real custo marginal15

    do gasto público. Partindo dessa ideia, admite-se que uma elevação das despesas que produza

    um benefício social é analisada pela sociedade apenas do ponto de vista do produto gerado,

    obliterando-se de avaliar o ônus fiscal produzido. É, portanto, uma relação entre os gastos

    públicos e os benefícios gerados por estes que não são percebidos de maneira adequada pela

    sociedade, desencadeando uma visão deturpada dos fatos fiscais, tornando inverossímil

    qualquer avaliação precisa dos efeitos das escolhas das finanças públicas (EMPOLI, 2002;

    GUEDES e GASPARINI, 2007).

    Esses dois efeitos estão presentes no modelo de gestão fiscal dos municípios brasileiros

    em função dos aspectos socioeconômicos e da estrutura orçamentária e fiscal prevista no pacto

    federativo vigente, conforme indicam Costa e Castelar (2015) e Nojosa e Linhares (2015). Além

    disso, tais fenômenos apontam para questões relativas à capacidade dos governos locais

    atenderem às prerrogativas estabelecidas a eles pela CF/1988, o que retoma o debate relativo à

    autonomia obtida por eles com o advento na própria Constituição.

    Seguindo a análise verifica-se que tanto o flypaper effect como a ilusão fiscal causam

    impacto na gestão fiscal quando observados os aspectos da autonomia orçamentária e do

    desequilíbrio fiscal efetivo. Tendo em vista que a principal fonte originária dos recursos não

    está na competência tributária municipal, verifica-se que o fato de um governo local elevar seus

    gastos em função de receitas recebidas sem esforço ou contrapartida não confere ao município

    a capacidade do pleno exercício de sua autonomia orçamentária, nos termos anteriormente

    estabelecidos e, portanto, não há garantias da execução do planejamento estabelecido (GRIN,

    2014). Além disso, as transferências, que fazem com que o orçamento municipal seja – ao

    menos – suficiente para cumprir com suas obrigações, camuflam um desequilíbrio fiscal

    efetivo, aspecto ignorado pela visão corrente acerca dos aspectos fiscais dos municípios.

    14 São considerados eleitores-médios aqueles indivíduos que escolherão sempre a cesta de consumo que represente

    a mediana das quantidades demandadas pela sociedade que ele compõe (ver Courant et al, (1979)). 15 Na Economia, o conceito diz respeito ao acréscimo gerado ao custo total de produção quando o produto varia

    por meio do acréscimo de uma unidade produzida. Assim, nos termos aplicados a esta tese, o conceito refere-

    se ao acréscimo de recursos despendido para se obter o efeito do benefício produzido.

  • 25

    Assim, considerando os argumentos apresentados, o problema fundamental que se

    busca discutir nesta tese é: Qual o padrão funcional do comportamento fiscal dos

    municípios, derivado da estrutura organizacional do Federalismo Fiscal brasileiro? Para

    se discutir tais aspectos, definiu-se como premissa de análise a perspectiva da efetividade da

    estrutura fiscal-federativa do Brasil, aplicada aos governos municipais, analisada por meio da

    verificação quanto à autonomia do ponto de vista orçamentário e do desequilíbrio fiscal.

    Para compreender melhor o mecanismo de análise do problema apresentado, é

    necessário admitir algumas questões. A primeira delas é assumir por efetividade fiscal a

    capacidade de produzir efeitos positivos, ou seja, benefícios oportunizados à gestão fiscal

    dos municípios, tais como a qualidade na gestão dos recursos disponíveis, de maneira que

    quanto maior o nível de efetividade fiscal, melhor a qualidade da gestão fiscal dos municípios.

    Assim, o parâmetro analítico em destaque torna-se um elemento capaz de oferecer uma

    interpretação dos aspectos fundamentais relativos aos aspectos fiscais dos municípios

    brasileiros.

    Em síntese, analisa-se aquilo que os municípios arrecadam por meio de sua base

    tributária própria (excetuando-se da observação as demais receitas que são de direito, mas não

    de competência arrecadatória dos governos locais) e o que eles precisam gastar com suas

    despesas correntes e com investimento, sendo a relação entre autonomia orçamentária e

    desequilíbrio fiscal efetivo a medida da efetividade fiscal.

    Nesse sentido, são observadas as características dos municípios que se enquadram

    dentro de um mesmo perfil em termos de volume orçamentário, tamanho populacional e

    geração de riqueza, bem como comparados os seus resultados fiscais, ou seja, o volume de

    recursos destinados às despesas correntes e ao investimento e sua diferença em relação às

    receitas tributárias, para identificação dos seus níveis de efetividade fiscal.

    Diante de tal perspectiva, o objetivo dessa tese é apresentar uma análise acerca do

    modelo fiscal-federativo brasileiro à luz da perspectiva dos municípios, considerando a

    autonomia orçamentária e o desequilíbrio fiscal (ao qual se chamou de efetivo), de

    maneira a compreender as diferenças no que diz respeito aos níveis de efetividade fiscal

    obtido pelos governos locais e assim identificar o padrão de comportamento da gestão

    fiscal dos municípios. Foram observados ainda a semelhança entre os municípios, em termos

    socioeconômico e orçamentário, e a relação entre as receitas tributárias e o gasto público

    relativo às despesas correntes e aos investimentos realizados por estes. Ao longo da análise

  • 26

    buscou-se ainda classificar os municípios brasileiros quanto a sua efetividade fiscal por meio

    da autonomia orçamentária e do desequilíbrio fiscal, nos termos anteriormente estabelecidos.

    Após a categorização dos municípios brasileiros conforme similaridade de

    características socioeconômicas e orçamentárias ao longo do período e a definição do perfil de

    cada agrupamento, busca-se estabelecer um indicador de efetividade fiscal compatível com os

    pressupostos assumidos nesta tese, ou seja, que considere como variável de análise as receitas

    tributárias e sua relação com a composição de gastos, de maneira a não incorrer nos problemas

    analíticos relativos à subestimação do desequilíbrio em função do uso das receitas

    orçamentárias, conforme apresentado anteriormente. Outro objetivo específico é realizar uma

    análise quanto às variações dos componentes dos agrupamentos, identificando a mudança de

    perfil em função da variável fiscal. Os últimos passos são traçar os perfis das variações

    ocorridas nos grupos de municípios e observar à luz dos pressupostos teóricos qual a relação de

    tais mudanças com os aspectos constitutivos do modelo fiscal-federativo do Brasil.

    Ressalta-se que, ao se construir o indicador de efetividade fiscal, nos moldes

    estabelecidos, aponta-se para uma nova perspectiva acerca da estrutura fiscal-federativa no

    Brasil. A definição dos agrupamentos e caracterização dos perfis dos municípios por meio do

    uso desse indicador estabelece como foco a apresentação de uma situação fiscal que melhor

    equaciona o tamanho do desequilíbrio, indicando o padrão operacional do comportamento

    fiscal dos municípios brasileiros.

    A importância de tal debate encontra-se em alguns aspectos. O primeiro é a necessidade

    de se reproduzir a situação vigente nos municípios em termos de capacidade fiscal e

    orçamentária. Por meio desse primeiro aspecto é possível estabelecer argumentos relativos ao

    comportamento fiscal dos municípios.

    O segundo aspecto é que ao assumir as receitas tributárias como variável, inibe-se a

    ocorrência do que este tese considera como equívocos analíticos de subestimação do

    desequilíbrio e superestimação da efetividade fiscal, além de não se sujeitar de forma direta aos

    efeitos de choques exógenos, tendo em vista que a vulnerabilidade é observada já na base

    orçamentária, possibilitando a formulação de soluções efetivas ao desequilíbrio, cujo foco seja

    conduzir o governo local a um patamar de maior autonomia orçamentária. Além destes, um

    terceiro aspecto diz respeito à transparência quanto ao contexto do desequilíbrio fiscal à

    sociedade, aos gestores da administração pública e aos analistas das finanças públicas, fazendo

    com que o flypaper effect e a ilusão fiscal não sobrepujem a situação fiscal.

  • 27

    No bojo dessa discussão, esta tese considera ainda como aspecto fundamental de análise

    a diversidade de características dos municípios e a adequação do federalismo fiscal às suas

    idiossincrasias. Tal perspectiva é importante pois verificou-se que parte da literatura publicada

    acerca do tema defende que o sistema federativo não atende necessariamente às questões

    municipais, pois leva em conta apenas alguns fatores mais globais, sem considerar de maneira

    apropriada as diferenças quanto ao comportamento fiscal dos municípios16 (MENDES, 2002;

    OLIVEIRA, 2007; SANTOS e GOUVÊA, 2014).

    A partir de tal arranjo de informações relativas à caracterização do objeto de pesquisa,

    levanta-se como hipótese deste trabalho a ideia de que, os aspectos intrínsecos ao modelo

    fiscal-federativo praticado no Brasil, tais como o sistema de transferências e o flypaper

    effect, não apenas afetam o comportamento fiscal dos municípios como são fatores

    preponderantes para o funcionamento do próprio modelo, gerando, por consequência, um

    padrão quase compulsório e pouco autônomo.

    É diante dessa conjuntura apresentada que se destaca a lacuna quanto à análise da

    efetividade fiscal dos municípios frente às agendas que lhes são imputadas pelo pacto federativo

    e a definição quanto à oferta de mecanismos por parte do federalismo fiscal que possibilitem a

    análise da autonomia aos municípios, sobretudo em função de sua composição orçamentária.

    Assim, construiu-se o Coeficiente de Efetividade Fiscal dos Municípios (CEFM) com o

    objetivo de medir o nível de efetividade fiscal dos governos locais, considerando as questões

    teóricas ora apresentadas e tendo como base o Indicador de Autonomia Orçamentária (IAO) e

    o Indicador de Desequilíbrio Fiscal Efetivo (IDFE), parâmetros construídos por meio da

    associação das variáveis orçamentárias que considerem os argumentos lógicos apresentados,

    conforme apresentado nos aspectos metodológicos desta tese.

    Para alcançar os objetivos propostos, esta tese apresenta uma estrutura composta por

    outros cinco capítulos, além desta Introdução (Capítulo 1) e das Reflexões Finais (Capítulo 7).

    No capítulo 2, apresenta-se a discussão teórica do trabalho, subdividida em duas seções: na

    primeira discute-se a estrutura do sistema federativo e as questões específicas do federalismo

    brasileiro, tendo como marco a CF/1988; na segunda seção apresenta-se as principais

    características do modelo fiscal-federativo e alguns argumentos teóricos para compreensão dos

    fenômenos que ocorrem no âmbito dos municípios.

    16 Refere-se ao potencial apresentado pelo município para arrecadação. Tal potencial pode ser entendido tanto

    pela capacidade técnica de arrecadação, quanto pelo volume potencial de arrecadação oferecido ao município

    pelo pacto federativo.

  • 28

    O terceiro capítulo traz como ponto principal a apresentação de argumentos empíricos

    e suas interpretações, relacionados às teorias apresentadas no capítulo anterior e aplicados ao

    caso brasileiro. Este também está dividido em duas seções que tratam, respectivamente, da

    observação geral das questões fiscais e da maneira como a estrutura econômica dos municípios

    influenciam em seus resultados fiscais. O capítulo seguinte apresenta uma discussão teórico-

    empírica acerca do comportamento dos municípios no que diz respeito aos seus aspectos

    gerenciais. Consiste em uma síntese da interpretação teórica e da verificação das práticas

    vigentes nos municípios quanto à gestão fiscal. Posteriormente, caracteriza os aspectos

    metodológicos e o modelo de análise desenvolvido, com foco nas definições dos métodos de

    coleta e organização das informações, a estruturação do modelo de cluster e sua contribuição

    para a compreensão do problema de pesquisa, a construção de um índice de efetividade fiscal

    e sua utilização na análise de dados como elemento de análise gerencial dos governos

    subnacionais.

    Em seguida, no capítulo 6, procede-se com a análise a partir da apresentação dos dados

    produzidos. Esse capítulo apresenta três subdivisões: na primeira parte discutem-se os

    resultados obtidos por meio da estimação do modelo de análise de cluster, com os agrupamentos

    de municípios e a descrição do perfil de cada agrupamento; em seguida procede-se com a

    análise do Índice criado para mensurar a efetividade fiscal dos municípios e sua inclusão como

    input do modelo de cluster, posteriormente a verificação das variações de comportamento dos

    municípios em função do Índice; na última parte são analisados os resultados e apresentadas as

    conjecturas e interpretações quanto aos fatores que definem o comportamento e a efetividade

    fiscal dos municípios. Por fim, apresentam-se as reflexões finais indicando os principais

    resultados obtidos, as limitações da pesquisa e a perspectiva futura quanto a evolução do tema

    trabalhado.

  • 29

    2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO FEDERALISMO BRASILEIRO.

    Preâmbulo do capítulo

    Para a elaboração desta etapa do trabalho e o cumprimento com o rigor metodológico

    necessário, definiu-se inicialmente a estrutura a ser adotada e a técnica de construção. Em

    função das características e peculiaridades que favorecem a estruturação do referencial, aplicou-

    se o modelo de Revisão Bibliográfica Sistemática (RBS), cuja premissa básica é a elaboração

    de uma síntese das informações existentes acerca do tema em questão e de assuntos que

    apresentam uma relação direta com o objeto em estudo.

    Decidiu-se pela utilização dessa abordagem em função de sua exigência quanto à

    exaustão na análise de estudos afins ao objeto, o que proporciona ao pesquisador a capacidade

    de definir com maior precisão a base analítica de sua pesquisa e identificar possíveis lacunas

    no conhecimento existente. Além disso, a RBS oferece uma sistematização das informações

    prioritárias sobre a temática, de maneira a auxiliar na construção de trajetórias a partir da

    compreensão mais profunda do que versa as teorias e o estado da arte do tema pesquisado.

    (GALVÃO, et al, 2004; CONFORTO et al, 2011).

    Admite-se, portanto, que essa metodologia de elaboração de revisão bibliográfica se

    alinha ao propósito do trabalho, de consolidar em uma síntese as teorias que estão relacionadas

    com a temática do federalismo brasileiro, com sua perspectiva fiscal aplicada à unidade

    municipal, sobretudo no tocante a compreensão teórica da descentralização, das transferências

    intergovernamentais verticais e, finalmente, da gestão fiscal por meio dos aspectos relativos aos

    desequilíbrios fiscais e à autonomia orçamentária. Apresenta-se ainda as principais teorias que

    versam sobre a relação entre os aspectos fiscais e a capacidade econômica dos municípios, ou

    seja, seu potencial de geração de riqueza.

    2.1 Aspectos Gerais Sobre o Federalismo: Um enfoque no modelo brasileiro.

    O modelo de federalismo praticado no Brasil apresenta-se bastante particular, sobretudo

    quando se observa os desdobramentos ocorridos ao longo de sua história, marcada por muitas

    inconstâncias e oscilações. Segundo Arretche (2001a), desde a origem da federação brasileira,

    houve diversas modificações institucionais até se chegar ao modelo de federalismo vigente. A

    autora destaca a ocorrência de conjunturas nevrálgicas que foram marcos históricos da

  • 30

    organização do Estado brasileiro, tais como a instauração do governo federalista republicano

    em 1891, o Estado Novo, o regime militar e a Constituição de 1988, os quais acarretaram em

    mudanças significativas às relações federativas.

    Apesar de se reconhecer a importância dos fatos históricos e dos aspectos políticos que

    construíram a trajetória federativa do Brasil, esta tese concentrar-se-á nos aspectos federativos

    a partir da vigência da CF/1988, tendo em vista que este é o marco fundamental da construção

    das relações atuais no sistema brasileiro. E também porque, observando o fenômeno do

    município, Tomio (2005) evidencia que na história da federação brasileira, com exceção da

    Carta Magna de 1937, o município sempre foi observado como ente federativo, mas só na

    CF/1988 é que se atribuiu “autonomia plena e prerrogativas invioláveis” a esta esfera de

    governo (TOMIO, p. 123, 2005).

    Significa dizer que o novo pacto tornou o município, em termos normativos, um ente

    autônomo com liberdade para execução financeira e autogestão. Isso ocorreu sobretudo em

    função das demandas oriundas da sociedade relativas ao avanço de escala e de escopo das

    políticas públicas (CAMARGO, 1994; OLIVEIRA, 2007). Afonso et al. (1998) destacam que

    essa pressão da sociedade que impulsionou a perspectiva descentralizadora da CF/1988 foi

    motivada principalmente em virtude das intensas disparidades culturais, políticas e econômicas

    do Brasil, do profundo processo de estagflação17 ocorrida ao longo da segunda metade dos anos

    de 1980 e do sucateamento dos serviços públicos.

    Segundo Arretche (2005), a descentralização implantada no modelo federativo da

    CF/1988 se contrapõe à perspectiva centralizadora do período militar. Segundo a autora, a

    centralização havia instalado um cenário de “ineficiência, corrupção e ausência de participação

    no processo decisório”, de maneira que a centralização era sinônimo de autoritarismo e ambos

    eram tidos como “filhos da ditadura”. A partir disso, o Brasil passou por um processo de

    “reformas das instituições políticas” – ao longo dos anos de 1980 e que culminou com o novo

    pacto federativo – e posteriormente implantou-se um “programa de descentralização”, cujo foco

    estava principalmente nas políticas sociais (ARRETCHE, 2005). Esse processo de

    redemocratização elevou o poder político dos governos locais, tornando-os os principais

    executores de políticas sociais (ARRETCHE, 2004; SOUZA, 2004).

    Observando a diversidade social e econômica entre os seus entes, o Estado brasileiro

    passou a buscar certa uniformidade de desenvolvimento entre os entes federados (BRANDÃO,

    2013). Como componentes autônomos de um todo, tais entes apresentam características e níveis

    17 Estagnação econômica acompanhada de um forte processo inflacionário.

  • 31

    de desenvolvimento distintos. Assim, prezando pela lógica da defesa dos direitos da

    coletividade, uma nação sob o regime federativo deve arregimentar que estados e municípios

    mais desenvolvidos auxiliem aos demais para que estes possam atingir o mesmo nível

    econômico, social e de oportunidades (BRANDÃO, 2013).

    Nesse sentido, a promulgação da CF/1988 instituiu o pacto federativo cujo foco seria

    conciliar o aumento da arrecadação, no sentido de dar dinamismo ao sistema econômico fiscal

    do país, a garantia da autonomia dos entes federados, sobretudo estados e municípios e a

    redistribuição dos recursos de transferências18 (TOMIO, 2002; BRANDT, 2010).

    Analisando a perspectiva federativa a partir da CF/1988, Horta (1995) aponta que se

    assumiu no país um federalismo cooperativo e de equilíbrio, que distribui competências

    legislativas, de forma a não agrupar todas elas no portfólio da União, atribuindo a esta a

    autoridade para legislar sobre as regras gerais da federação, e em termos políticos, de atuar para

    diminuição das discrepâncias de desenvolvimento das diferentes regiões. Cunha (2006)

    apresenta que a cooperação do modelo brasileiro é evidenciada por meio da atuação

    compartilhada entre os entes para se atingir os objetivos propostos na Constituição Federal.

    Observando os textos ora citados, que compõem parte da literatura do tema em tela,

    percebe-se a defesa da existência de um modelo descentralizado e cooperativo no federalismo

    brasileiro. Todavia, as características relativas à definição dos modelos federalistas indicam

    que, ao se estabelecer um processo de descentralização, cria-se uma perspectiva concorrencial

    e não cooperativa entre os entes federados (DYE, 1990; AFFONSO, 2000). Essa linha de

    pensamento é desenvolvida por outra parte da teoria do federalismo fiscal brasileiro.

    Franzese (2010) afirma que a diretriz decentralizadora assumida pela CF/1988 no

    tocante à distribuição de recursos instala na federação brasileira uma lógica concorrencial entre

    os entes na busca pelos recursos, isso tanto entre entes da mesma esfera quanto nas diferentes

    esferas de governo subnacional. Essa compreensão é defendida e comparada com a perspectiva

    cooperativa por diversos outros autores. Rezende (1995), Kugelmas e Sola (2000), Abrucio

    (2005b) e Sano (2008), argumentam que o modelo brasileiro não apresenta mecanismos de

    cooperação eficazes, o que resulta em um cenário mais competitivo do que cooperativo. Souza

    (2005) é ainda mais incisiva ao afirmar que o federalismo brasileiro é altamente competitivo e

    que a cooperação se encontra longe de ser atingida em função tanto da inexistência dos

    mecanismos indicados pelos autores citados anteriormente, como também de aspectos

    18 Tais questões serão melhor apresentadas na seção que apresentará os aspectos fiscais do federalismo

    brasileiro.

  • 32

    específicos dos governos subnacionais que os fazem diferir entre si em termos de capacidades

    técnicas, financeiras e de gestão.

    Observando o texto constitucional, verifica-se que ao mesmo tempo que se identifica a

    defesa e a tentativa de promoção de um viés cooperativo é possível destacar o oferecimento de

    condições propícias à concorrência entre tais entes. Na medida que se dá autonomia legislativa,

    possibilita a elaboração de leis que incite o desencadeamento de uma disputa horizontal entre

    os entes na busca por investimentos, tanto públicos como privados. Isso interfere diretamente

    nas questões políticas e fiscais, com a implantação de disputas políticas e a partir de incentivos

    fiscais (CUNHA, 2006; CABRAL, 2015).

    No contexto municipal, a materialização da concorrência em busca de recursos pode ser

    observada por meio do movimento de surgimento de novos municípios, conforme apresentado

    anteriormente. De forma global, o crescimento do número de municípios elevou as despesas do

    governo Federal e gerou desequilíbrio na estrutura fiscal (TOMIO, 2002; BRANDT, 2010).

    Atualmente, a disputa atinge até a busca por aumentar a quantidade de seus habitantes para

    mudança de coeficiente do FPM (TOMIO, 2005). Já nos estados, a disputa é ainda mais patente

    e está prioritariamente relacionada à tributação do ICMS na origem ou no destino (SANO,

    2008; FRANZESE, 2010).

    Observando as diferentes perspectivas teóricas, Cunha (2006) expõe que de fato existe

    um incentivo natural ao processo concorrencial entre os entes da federação brasileira, todavia

    tal aspecto não se caracteriza como sendo algo conflitante com o caráter cooperativo das ações

    conjuntas entre os diferentes níveis de governo, ao menos em termos normativos, tendo em

    vista que a concorrência tem como finalidade gerar capacidades competitivas internas, algo

    interessante para a gestão pública, mas que não afeta a necessidades de colaboração nas ações

    públicas que exigem a participação conjunta da União, dos estados e dos municípios.

    A ideia da ocorrência efetiva e simultânea de situações cooperativas e concorrenciais na

    estrutura brasileira – indicando a existência de uma linha tênue entre a cooperação e competição

    – é também argumentada por Abrucio (2005a). Essa perspectiva, que se estabelece por meio da

    atuação de uma coordenação federativa mais ou menos efetiva, pode conduzir a um

    desenvolvimento do pacto federativo e seu aprimoramento. Todavia, o mesmo autor alerta para

    o perigo em potencial desse arranjo reconduzir o Brasil ao processo observado no período da

    redemocratização, quando cada esfera de governo buscava encontrar seu papel específico e

    atender seus anseios, sem ao menos haver incentivos para uma atuação consorciada.

  • 33

    O que se percebe é que, no que diz respeito ao texto constitucional e às prerrogativas do

    federalismo brasileiro, se faz necessário a implantação de mecanismos eficazes para se evitar

    problemas cruciais do sistema, como a superposição de ações, a concorrência ineficiente e as

    omissões. Contudo, é neste domínio onde a CF/1988 não versa de forma precisa sobre critérios

    de coordenação (SILVA, 2010).

    Observando os aspectos federativo e a perspectiva brasileira relativa a este sistema de

    governo, o estado da arte não define de maneira consensual qual o tipo de federalismo

    brasileiro. Ao que parece na verdade é que o modelo federalista praticado neste país não é único

    apenas no que diz respeito ao poder outorgado à esfera municipal, mas também ao formato de

    seu posicionamento quanto a (des)centralização do poder entre os níveis de governo,

    comportando-se ora como mais cooperativo, ora como mais concorrencial.

    Assim, admite-se que, tanto em termos positivos como normativos, a caracterização

    teórica do modelo brasileiro pressupõe um arranjo alternativo aos modelos existentes (de

    cooperação e competição, ou ainda centralização e descentralização), tendo em vista que

    apresenta atributos de cada um deles num modelo que se adequa em face às necessidades

    vigentes e às diferentes situações que se apresentam (OLIVEIRA, 2007).

    Em síntese, no que diz respeito ao caráter descentralizado do pacto federativo, a

    premissa fundamental é a distribuição de competências entre as esferas de governo, inclusive

    em termos municipais (TOMIO, 2002; AFONSO, 1994; AFONSO e LOBO, 2009; ABRÚCIO,

    1993; 2000; AFFONSO, 2000; BRANDT, 2010). É diante desse contexto idiossincrático do

    federalismo brasileiro que se estabelece as normas da estrutura fiscal, as competências

    tributárias e, por conseguinte, a base orçamentária dos entes federados. Com fito nos

    municípios, a seção seguinte evidencia essa conjuntura específica e seus desdobramentos,

    dentre os quais o surgimento dos desequilíbrios fiscais dos governos locais.

    2.2 Caracterização do Modelo Fiscal-Federativo e seus Desequilíbrios

    2.2.1 A perspectiva da descentralização, das competências tributárias e das transferências.

    A discussão acerca do federalismo fiscal (FF) também parte da compreensão quanto à

    característica da descentralização presente no modelo federativo. Segundo Almeida (1995), a

    distribuição de competências entre os entes federados, o modelo tributário e a equalização fiscal

    são as variáveis fundamentais que definem todos os demais aspectos do arranjo federativo.

  • 34

    Mais uma vez é necessário observar o estado da arte, agora dando um enfoque específico

    às questões fiscais. O ponto de partida da literatura é a análise clássica discorrida por Samuelson

    (1954; 1955), Tibout (1956), Musgrave (1969) e Oates (1972; 1999). Estes apresentam

    conceitos, funções e instrumentos de controle fiscal distribuídos entre os níveis de governo e

    coordenado pelo governo central. Essa teoria clássica adota o chamado teorema da

    descentralização que postula que, admitindo um determinado bem público consumido pela

    população em suas respectivas jurisdições, considerando ainda que o custo marginal de oferta

    desse bem para cada jurisdição é constante e equivalente, tanto para o governo central como

    para cada governo local, a oferta de bens e serviços pelo governo local é pelo menos tão

    eficiente quanto no caso da oferta destes produtos serem realizadas pelo governo central

    (MUSGRAVE, 1969; OATES, 1972; SHAH, 1991).

    Shah (1991) explica que o princípio desse teorema é que os serviços públicos devem ser

    oferecidos pela jurisdição específica que detém o controle de determinada área geográfica e a

    partir disso internalize os seus benefícios e custos. Observa-se, pois, que tal teorema está

    baseado numa lógica econômica neoclássica, a partir da qual pode-se definir que o nível do

    bem-estar social, sendo este o produto da utilidade obtido pelo consumidor a partir da demanda

    dos bens e serviços, será uma representação da eficiência de Pareto19.

    Nesses termos, a descentralização fiscal, ou seja, a distribuição de funções dentro do FF,

    tanto em termos de arrecadação como de obrigações de despesas, justifica-se pelo fato de que

    os governos subnacionais se apresentam em condições idênticas entre si no tocante à oferta de

    serviços, e com pelo menos o mesmo nível de eficiência do governo central (OATES, 1972).

    Assim, se cada localidade apresenta sua cesta de consumo – com taxas marginais de

    substituição equivalentes – cada indivíduo da população escolherá fixar residência naquela que

    oferecer o pacote fiscal (cesta de consumo) que lhe proporcione maior utilidade20 (TIBOUT,

    1956).

    Destarte, a descentralização, nos termos apresentados pelo arranjo teórico clássico do

    FF, é justificada pelo fato de que cada localidade apresenta características específicas que

    demandam um determinado pacote fiscal que, embora sejam equivalentes em termos de custo,

    representam as preferências de seu agrupamento de indivíduos (consumidores). Os pacotes

    fiscais caracterizam-se ainda por serem complementares e, por isso, o conjunto de todos eles

    19 Situação em que nenhum agente pode melhorar sua utilidade sem que cause prejuízo da utilidade de outro agente.

    Nesses termos, as interações entre os agentes devem considerar sempre a equivalência da taxa marginal de

    substituição, a capacidade de produção deve estar sobre a fronteira de possibilidades de produção e os bens

    produzidos (ofertados) devem refletir as preferências dos consumidores (MUSGRAVE, 1969). 20 Modelo de Tibout.

  • 35

    configura-se como sendo a estrutura do próprio modelo descentralizado (MUSGRAVE, 1969;

    SHAH, 1991; OATES, 1999).

    Um fato importante indicado por Afonso e Lobo (2009) é que a questão preponderante

    que incentiva a adoção da descentralização fiscal é na verdade a busca por uma situação fiscal

    de maior eficiência e eficácia no que diz respeito à alocação de recursos públicos, o que faz

    com que tal perspectiva seja um importante mecanismo de política econômica.

    Nesses termos, é possível afirmar que o mainstream do federalismo fiscal aborda a

    descentralização como sendo uma característica endógena ao modelo cuja premissa

    fundamental é a transferência natural e estruturada de autonomia do governo central para os

    governos subnacionais (PANIZZA, 1999; GARRETT e RODDEN, 2003).

    Em suma, conforme aponta Rodden (2005), a maior parte dos trabalhos publicados

    apresentam versões positivas quanto aos benefícios associados à descentralização, sobretudo

    no que diz respeito ao accountability, à mobilidade e à adequação da população local quanto às

    suas preferências fiscais, à eficiência e aos resultados mais pujantes em termos de

    desenvolvimento econômico local. Todavia, o mesmo autor indica que é crescente o desencanto

    com relação à descentralização em função de evidências empíricas21 apresentadas em trabalhos

    que se opõem à teoria vigente.

    Mendes (2002), mediante uma reflexão sobre a evolução da teoria da descentralização

    fiscal, aponta que existem alguns problemas relacionados à adoção de um modelo fiscal

    descentralizado. Dentre os fatores ele destaca: i) a exportação de tributos, situação na qual, em

    função da criação de tributos sobre não residentes, haveria a busca excessiva e indiscriminada

    de se arrecadar por meio destes; ii) spillover effect, ou efeito transbordamento, que consiste na

    busca de serviços pelos não residentes; iii) not in my backyard effect, que é a preferência pela

    não oferta de determinados serviços em função de seu potencial risco local, como por exemplo

    a implantação de depósitos de lixo, penitenciárias, dentre outros; iv) competição por base

    tributária e guerra fiscal, originária pelo fato da existência de mobilidade indivíduos e empresas,

    e potencializada pela existência da autonomia de criação de tributos por parte dos governos

    locais; e v) regressividade tributária e do perfil dos gastos, oriunda também do efeito da

    mobilidade de agentes que migram de uma localidade para outra em busca de melhores

    benefícios fiscais.

    Assim como nos aspectos políticos e normativos do sistema federativo, os aspectos

    fiscais buscam uma maneira para melhor distribuir as competências tributárias e as

    21 Algumas dessas são apresentadas no capítulo seguinte.

  • 36

    responsabilidades relativas à oferta de bens públicos. Em outros termos, o federalismo fiscal

    busca definir quem tributa o quê e de quem é a responsabilidade de promover as diferentes

    ações públicas (MENDES, 2002). É a partir de então que se estabelece o nível de participação

    dos governos locais nos componentes fiscais, definindo-se quão descentralizado é o poder de

    decisão e execução fiscal.

    Desse modo, observando a construção do pensamento teórico acerca dos aspectos fiscais

    do federalismo, percebe-se que, assim como no que diz respeito às premissas relativas ao

    arranjo político, o elemento da descentralização é ponto central do debate. Concentrando-se

    fundamentalmente no caso dos municípios, a literatura apresenta que, de modo semelhante às

    características gerais do federalismo, o principal aspecto fiscal apresentado pela menor esfera

    de governo diz respeito à distribuição de competências, neste caso tributárias, por meio das

    quais aos municípios foi outorgado o direito de instituir e arrecadar tributos específicos, o que

    lhe oferece a possibilidade de um melhor equilíbrio entre necessidade de gasto e a capacidade

    de arrecadação a partir da base tributária dos próprios governos subnacionais22.

    No Apêndice B desta tese, pode-se verificar os princípios tributários e a competência

    tributária dos municípios baseada em três impostos, o ISS que tem base de incidência sobre os

    serviços prestados no âmbito municipal, o IPTU que é taxado sobre a propriedade territorial

    urbana, e o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis inter-vivos), que incide sobre a

    transferência de bens imóveis. Além destes impostos, ficou estabelecida a possibilidade de

    criação de taxas e contribuições para melhoria, conforme necessidade local.

    Ainda no que diz respeito à perspectiva descentralizada dos aspectos fiscais, Rodden

    (2006) expõe que o Brasil é o país com maior grau de descentralização entre os países em

    desenvolvimento. Segundo ele, ao longo das últimas duas décadas, mais de um terço da

    arrecadação tributária nacional foi realizada pelos governos subnacionais. Todavia, Andrade

    (2012) apresenta que periodicamente o país se depara com crises fiscais, prioritariamente nas

    esferas de governo estadual e municipal. Isso ocorre porque, embora o FF ofereça aos

    municípios competências tributárias e os níveis de arrecadação tenham crescido23, em termos

    médios, o volume de recursos é insuficiente para atender suas necessidades orçamentárias. Tal

    cenário decorre do fato de que, no âmbito da descentralização, atribuiu-se mais

    responsabilidades que capacidade de geração de receita própria aos municípios, o que de modo

    geral não coaduna com a perspectiva descentralizada (MENDES, 2002).

    22 O Apêndice B desta tese apresenta de forma sintética os aspectos gerais da estrutura fiscal e tributária do Brasil. 23 Ver gráfico 1.

  • 37

    Analisando a autoridade tributária dos municípios brasileiros, Arretche (2005) destaca

    que a descentralização fiscal consolidou a separação de fontes tributárias entre as esferas de

    governo, de maneira que a União concentrou a maior parte da arrecadação e distribuiu mais

    funções aos governos subnacionais, de modo que tal processo, ao contrário do que a própria

    Constituição prega, não promoveu uma efetiva autonomia municipal.

    Mesmo havendo a elevação da arrecadação municipal24, Afonso e Araújo (2001)

    demonstram que a baixa capacidade de arrecadação própria dos municípios prejudica o avanço

    na autonomia financeira destes entes e isso se deve fundamentalmente pela estreiteza da base

    econômica e por problemas relacionados à falta de capacidade institucional e de uma gestão

    tributária eficaz, gerando problemas planejamento, execução e controle na gestão fiscal dos

    municípios.

    Souza (p.37, 2004) aponta que a descentralização não implicou na transferência de

    capacidades, apenas de responsabilidades, instalando um “sistema lubrificado por recompensas

    e sanções” que restringiu a autonomia fiscal e de gasto dos governos locais. Tal constatação é

    também observada por Arretche (2004) que aponta a existência de um problema fundamental

    no modelo brasileiro no que diz respeito à coordenação e autonomia fiscal dos municípios.

    Assim, ao passo que se instala um modelo descentralizado e se estabelece as

    competências arrecadatórias, o modelo brasileiro cria um fator de desequilíbrio fiscal que é o

    fenômeno da brecha vertical, que se caracteriza por ser a diferença entre as atribuições e

    responsabilidades assumidas pelos