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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO VICENTE ELÍSIO DE OLIVEIRA NETO O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO E O (DES)EMPREGO DA PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: uma investigação orientada pelas regras alexyanas de justificação racional das decisões jurídicas Natal/RN 2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · uma investigação orientada pelas regras alexyanas de justificação racional das ... devedor de encargos de grande monta

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

VICENTE ELÍSIO DE OLIVEIRA NETO

O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO E O (DES)EMPREGO DA PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA NO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: uma investigação orientada pelas regras alexyanas de justificação

racional das decisões jurídicas

Natal/RN 2016

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VICENTE ELÍSIO DE OLIVEIRA NETO O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO E O

(DES)EMPREGO DA PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: uma investigação orientada pelas

regras alexyanas de justificação racional das decisões jurídicas

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD – do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientadora: Profa. Dra. Patrícia Borba Vilar Guimarães

Natal/RN 2016

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Oliveira Neto, Vicente Elísio de.

O direito (das pessoas com deficiência) à educação e o (des)emprego da

perspectiva desenvolvimentista no Supremo Tribunal Federal: uma investigação

orientada pelas regras alexyanas de justificação racional das decisões jurídicas

/ Vicente Elísio de Oliveira Neto. - Natal, 2016.

218f.

Orientador: Profa. Dra. Patrícia Borba Vilar Guimarães.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em

Direito.

1. Direito fundamental social - Educação - Dissertação. 2. Pessoa com

deficiência - Dissertação. 3. Supremo Tribunal Federal - Dissertação. 4.

Argumentação jurídica alexyana - Dissertação. I. Guimarães, Patrícia Borba Vilar.

II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 342.7:37-056

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Dedico esta pesquisa àquelas pessoas que na trajetória das sociedades humanas

em geral estiveram, e ainda continuam, agregadas aos segmentos mais vulneráveis

dentre os grupos discriminados, excluídos e marginalizados social, econômica e

politicamente: as pessoas com deficiência.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais João Elísio de Oliveira (in memorian) e Gilza Maria de

Carvalho Oliveira, fontes perenes da vida e das minhas inspirações.

À minha irmã Rosângela, aos meus sobrinhos Vitor Rudá e Mateus Elísio,

bem como aos parentes paternos e maternos, pelo convívio, estímulo e apoio que,

em grande medida, determinaram a minha trajetória e o meu modo de ser até o

presente.

Aos meus amados filhos Pedro Jorge Varela Barca Oliveira e João Pedro

Medeiros de Oliveira, sinais incontestes da minha convicção na viabilidade da

edificação de um mundo novo, orientado pelas aspirações de prosperidade,

felicidade e paz, perpétuas e universais.

A Áldena Fernandes de Melo, companheira de todas as horas e

circunstâncias nos últimos treze anos, pelos conselhos e pela inquebrantável firmeza

de propósitos.

Aos amigos Afonso de Ligório Bezerra Júnior, Antônio Felipe de Paula Júnior,

Eduardo Medeiros Cavalcanti, Jean Soares Moreira, José Aranha Sobrinho, Jovino

Pereira da Costa Sobrinho, Luiz Antônio Tomaz do Nascimento e Sildilon Maia

Tomaz do Nascimento, pela habilidade fraterna com que sempre findam por me

convencer de que é preciso e possível seguir adiante na persecução de projetos

quase abandonados.

Aos Mestres e Mestras que contribuíram decisivamente ao longo do percurso

formativo que possibilitou meu ingresso no Mestrado, impondo-se registrar

especialmente as Professoras Tuzinha e Dona Joana (alfabetização em Nísia

Floresta-RN), Tatiana Mendes Cunha (Direito/UFRN) e Sara Andrade (curso

preparatório à seleção do mestrado).

Ao Ministério Público Potiguar e à Universidade Federal do Rio Grande do

Norte-UFRN, instituições as quais ,voluntariamente, confesso a minha condição de

devedor de encargos de grande monta que tenho buscado amortizar, de modo

parcelado e pontual, desde a década de noventa do século vinte, sem qualquer

previsão quanto ao dies ad quem.

À Professora Patrícia Borba Vilar Guimarães, pela maestria, domínio,

competência, segurança, serenidade, firmeza e dedicação que marcaram o

desempenho das funções próprias da orientação da pesquisa. Não posso aqui

deixar de consignar com admiração e encantamento respeitosos a invulgar

capacidade demonstrada pela preceptora, ao corrigir e reorientar com simpatia e

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elegância a ponto de o pupilo somente compreender as sutis repreensões e adotá-

las integralmente muitas horas após a finalização dos encontros.

À Coordenação (Yanko Marcius de Alencar Xavier e Maria dos Remédios

Fontes Silva), aos professores e servidores que integram os quadros do Programa

de Pós-Graduação em Direito da UFRN.

Aos colegas da turma de Mestrado pelo harmônico e proveitoso convívio

acadêmico que permitiu o compartilhamento, o debate e a propagação de um rico

acervo de conhecimentos e ideias que não poderia ser, em tão reduzido lapso de

tempo, apropriado por um mestrando isoladamente. Em atenção a dimensão

substancial da isonomia, é preciso distinguir a colega Naide Maria Pinheiro com

quem empreendi uma longa jornada que teve início no curso de Direito da UFRN,

passou pela Seção Judiciária da JFRN, seguiu pelo ingresso no parquet norte-rio-

grandense, chegando no presente à conclusão do Curso de Mestrado, assim como o

colega Diogo Padre, que tive o prazer de conhecer na pós-graduação e a honra de

tê-lo como único companheiro de linha de pesquisa e parceiro de incontáveis

seminários.

Por fim, mas não menos importante, aos professores que compuseram a

banca de qualificação: Patrícia Borba Vilar Guimarães, José Orlando Ribeiro Rosário

e Leonardo Oliveira Freire; e a banca de defesa da dissertação: Patrícia Borba Vilar

Guimarães, José Orlando Ribeiro Rosário e Robson Antão de Medeiros, pelas

valiosas apreciações críticas e contribuições.

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RESUMO O estudo dedica-se à investigação da imbricação do direito (das pessoas com deficiência) à educação com a pretensão desenvolvimentista constitucionalmente instituída na justificação das decisões do Supremo Tribunal Federal que enfrentaram as múltiplas questões envolvidas na concretização do direito fundamental titularizado pela minoria historicamente excluída, confrontando-se as premissas fundantes do decisum com as regras alexyanas de justificação racional das decisões jurídicas. A pesquisa emprega o método de abordagem dedutivo, foi executada no nível descritivo e utilizou os procedimentos técnicos, bibliográfico e documental. No estudo, o (processo de) desenvolvimento é pluridimensional, o que permite seu entrelaçamento com a íntegra do catálogo aberto dos direitos fundamentais em uma relação instrumental/substancial. Define-se o direito à educação enquanto direito fundamental, destaca-se sua gênese no contexto do reconhecimento das liberdades positivas, suas dimensões humanas, política e econômica e sua universalização progressiva viabilizada no processo de política pública que conjuga e potencializa os esforços estatais, as iniciativas econômicas e as atividades do terceiro setor. Tendo por pano de fundo a enunciação dos modelos de compreensão e tratamento das deficiências e das pessoas com deficiência no curso da história das sociedades humanas, descrevem-se especificamente os reflexos de uma história de exclusão desse segmento social no subsistema educacional, efeitos cuja superação vem sendo paulatinamente afirmada no plano normativo. O estudo dos casos apreciados no âmbito do Supremo Tribunal Federal evidenciou que parte das decisões assentam-se em premissas que entrelaçam o direito (das pessoas com deficiência) à educação ao desenvolvimento, liame que se constituiu com o recurso exclusivo à uma interpretação sistemática do texto constitucional, nele incluído a Convenção de Nova York. A submissão da fundamentação dos provimentos jurisdicionais ao crivo das regras de justificação formuladas pela teoria do discurso jurídico, inspiradoras e em grande medida positivadas com o Novo Código de Processo Civil, parece apontar que a inobservância de regras atinentes ao emprego de precedentes, dos cânones de interpretação e de enunciados dogmáticos em alguns casos pode resultar em déficit de racionalidade do decisum, na não satisfação da pretensão de correção da decisão, problemas de relevo em se cuidando do equacionamento de “casos difíceis” que impõem a realização de escolhas que, por sua vez, alcançam intensa repercussão social e efeitos econômicos de monta cuja aceitação social se sujeita à adesão majoritária em favor de um juízo positivo sobre a consistência e legitimidade da solução encampada pelo Poder Judiciário em face de uma sociedade aberta, complexa e plural em permanente dissenso na arena pública. Palavras-Chave: Direito fundamental social à educação. Pessoa com deficiência. Desenvolvimento. Supremo Tribunal Federal. Teoria da argumentação jurídica alexyana.

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ABSTRACT

The study is dedicated to the investigation of intertwining of the right (of disabled people) to education with the constitutionally established developmentist pretension in justification of the decisions of the Supreme Court who faced multiple issues involved in the implementation of the fundamental right of the historically excluded minority confronting the founding premises of decisum with the alexy´s rules of rational justification of legal decisions. The research uses the deductive method of approach, it was performed at the descriptive level and used the technical, bibliographic and documentary procedures. In the study, the (process of) development is multi-dimensional, which allows its relationship with the entirety of the open catalog of fundamental rights in an instrumental/substantial. It defines the right to education as a fundamental right, highlighting its genesis in the recognition of positive freedoms context, its human, political and economic dimensions and its progressive universalization, made possible in the public policy process which combines and enhances state efforts, economic initiatives and activities of the third sector. Having as background the enunciation of the understanding models and treatment of disabilities and people with disabilities throughout the history of human societies, it describes specifically the consequences of a history of exclusion experienced by this social segment in educational subsystem, effects whose overcoming has been gradually affirmed in normative level. The study cases examined in the context of Supreme Court revealed that some of the decisions are based on the assumptions that intertwine the right (of people with disabilities) to education with the development, connection that was constituted with the exclusive recourse to a systematic interpretation of the constitutional text, in it included the New York Convention. The submission of the foundation of jurisdiction measures to the scrutiny of justification rules formulated by the theory of legal speech, inspiring and largely positivated with the New Civil Procedure Code, seems to point that the non-compliance with rules relating to the use of precedents, the canons of interpretation and statements dogmatic in some cases may result in decisum rationality deficit, and not satisfaction of the decision correction pretension, major problem when dealing of equating "hard cases" that impose the realization of choices that, in turn, achieves strong social impact and economic effects of amounts whose social acceptance is subject to the majority support in favor of a positive judgment about the consistency and legitimacy of the solution adopted by the judiciary in face of an open, complex and plural society in permanent dissension in the public arena.

Keywords: Social Fundamental Right to Education. Person with Disabilities. Development. Federal Supreme Court. Alexy´s Theory of Legal Argument.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 11

2 O IDEAL DO PROGRESSO, A AFIRMAÇÃO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NA ORDEM INTERNACIONAL E A PLATAFORMA DESENVOLVIMENTISTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO.......................................

16

2.1 A IDEIA DE PROGRESSO NO PROCESSO DE GESTAÇÃO E PARTO DA MODERNIDADE.................................................................

16

2.2 A COMPREENSÃO DO DESENVOLVIMENTO COMO CRESCIMENTO ECONÔMICO.............................................................

19

2.3 DESENVOLVIMENTO COMO PROCESSO MULTIDIMENSIONAL …. 21

2.4 UMA PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL …... 22

2.5 UMA PECULIAR APROXIMAÇÃO ENTRE DIREITO E DESENVOLVIMENTO...........................................................................

24

2.6 A CONSTRUÇÃO E O RECONHECIMENTO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO INTERNACIONAL ….............

29

2.7 A AGENDA 2030 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 33

2.8 A PRETENSÃO DESENVOLVIMENTISTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO........................................

35

3 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, O DIREITO À EDUCAÇÃO E SUA EFETIVAÇÃO PROGRESSIVA: ESTADO, TERCEIRO SETOR E POLÍTICAS PÚBLICAS NA ORDEM SOCIAL.

44

3.1 PERSPECTIVAS PARA UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS...................................................................................

44

3.2 AS GERAÇÕES/DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...... 46

3.3 ALGUNS PRINCÍPIOS QUE CONTRIBUEM PARA A COMPREENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS...........

52

3.4 O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO.......................... 54

3.4.1 O direito à educação na Constituição de 1988................................ 56

3.4.1.1 O titular do direito, os coobrigados e os colaboradores....................... 56

3.4.1.2 Os compromissos teleológicos da educação......................................... 60

3.4.1.3 Os princípios, as competências e o planejamento educacionais.......... 61

3.5 A EFETIVAÇÃO PROGRESSIVA DOS DIREITOS SOCIAIS VIA POLÍTICAS PÚBLICAS: ESTADO E TERCEIRO SETOR NA ORDEM SOCIAL..................................................................................................

67

3.5.1 A noção de serviço público............................................................... 68

3.5.2 A atividade de fomento público......................................................... 70

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3.5.3 Políticas públicas................................................................................. 74

3.5.4 O terceiro setor e sua configuração no ordenamento brasileiro..............................................................................................

78

4 DEFICIÊNCIA, EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, NORMATIVIDADE E POLÍTICAS.........................................................

84

4.1 DEFICIÊNCIA........................................................................................ 84

4.1.1 A explicação mística........................................................................... 85

4.1.2 A abordagem biológica....................................................................... 86

4.1.3 O modelo social.................................................................................. 87

4.2 A EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E OS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS.....................................................

89 90

4.2.1 A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes....................... 90

4.2.2 O Programa de Ação Mundial para as pessoas deficientes e a educação..............................................................................................

91

4.2.3 A Convenção sobre os Direitos da Criança...................................... 94

4.2.4 As normas para equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência....................................................................................

96

4.2.5 A Declaração de Salamanca............................................................... 99

4.2.6 A Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência...........................................................................................

101

4.2.7 A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência............................................................................................

103

4.3 O ACERVO HISTÓRICO DA NORMATIVIDADE E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL...........................

106

4.3.1 A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva.............................................................................

111

4.3.2 O direito à educação do jovem com deficiência na Lei nº 12.852/13 – Estatuto da Juventude...................................................

119

4.3.3 O direito à educação no Estatuto da Pessoa com Deficiência........ 120

4.4 UMA APRECIAÇÃO CRÍTICA DA ATUAL POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL........................................................................

124

5 O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO E A PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA NO STF: UMA APRECIAÇÃO A PARTIR DAS REGRAS ALEXYANAS DE JUSTIFICAÇÃO....................................................................................

136

5.1 A FUNDAMENTAÇÃO DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS SOB O PRISMA DA DOGMÁTICA PROCESSUAL........................................

136

5.2 A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS À LUZ DA DOUTRINA CONSTITUCIONAL E DA JURISPRUDÊNCIA DO STF........................

138

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5.3 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT ALEXY...... 141

5.4 A JUSTIFICAÇÃO INTERNA E EXTERNA DAS DECISÕES JURÍDICAS............................................................................................

144

5.5 O CONTROLE DA RACIONALIDADE DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A CONTRIBUIÇÃO ALEXYANA................................................................

152

5.6 O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO NO STF..................................................................................................

158

5.6.1 Implementação de reformas e adequações dos prédios escolares a fim de torná-los acessíveis às pessoas com deficiência............................................................................................

160

5.6.2 Demanda por profissionais especializados e pessoal de apoio.... 167

5.6.3 Aquisição de equipamentos para atendimento de necessidades educacionais especiais.......................................................................

170

5.6.4 O falso dilema escola comum versus escola especial.................... 171

5.6.5 O comprometimento das instituições privadas do ensino regular com a garantia de amplo acesso não discriminatório às pessoas com deficiência....................................................................................

176

5.6.6 A injustificada desconsideração do precedente desenvolvimentista.............................................................................

180

5.6.7 Conclusão parcial................................................................................ 182

6 CONCLUSÕES..................................................................................... 187

REFERÊNCIAS..................................................................................... 200

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11

1 INTRODUÇÃO

Parece ser induvidoso que haja no meio social um intuitivo sentimento de

reconhecimento da importância da educação, percebida especialmente como

processo ou instrumento facilitador ou indutor da ascensão social, para os que se

encontram na base da pirâmide, ou de estabilização do status socioeconômico, para

os que se encontram no topo ou muito próximos dele.

A assertiva que sustenta a valorização social da educação não pode ser

apressadamente infirmada com a invocação de resultados de pesquisas de opinião

constantemente divulgadas e que, em geral, indicam os temas da corrupção, saúde

e segurança, não necessariamente nessa ordem, como as maiores preocupações do

povo brasileiro nos dias que aceleradamente se sucedem.

Com efeito, é possível refutar, por exemplo, no plano do senso comum,

sustentando que a pauta diária da grande mídia previamente reserva espaço para a

divulgação de tais temas, assim como o faz para o noticiário esportivo e o

internacional, o mesmo não se dando quanto aos assuntos educacionais, daí

podendo decorrer uma relação entre a reiterada divulgação e as escolhas do

público-alvo das enquetes.

Cientes da difusa percepção positiva alcançada pela educação no ambiente

social, distintas e díspares correntes de pensamento filosófico, político, econômico,

sociológico etc., costumam convergir, quando o assunto é a educação e sua

relevância, mesmo que as razões invocadas continuem sendo mais ou menos

prestigiadas pelos diferentes grupos ideológicos.

A aparente unanimidade quanto à capital importância da educação, enquanto

direito humano e/ou fundamental social, também se apresenta no meio dos que

integram a sociedade fechada do discurso jurídico, de que fala Foucault (2014).

Basta aqui lembrar que, na dogmática constitucional brasileira, a garantia do acesso

universal ao ensino fundamental é alçada à condição de componente essencial do

mínimo existencial, o que significa alojá-la no núcleo duro do princípio da dignidade

humana (BARROSO; BARCELLOS, 2003).

O texto constitucional vigente dispõe ser a educação direito reconhecido a

todos indistintamente, cabendo ao Estado e à família, com a colaboração da

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sociedade, promovê-la e incentivá-la, acentuando que é por meio do processo

educacional institucionalizado que se viabilizam o pleno desenvolvimento da pessoa,

seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (CF/88,

art. 205), ressaltando assim a força impactante do processo de ensino e

aprendizagem, universalmente acessível e ofertado com qualidade, que produzirá

seus efeitos sobre as dimensões individual, política e econômica.

O Estado e a sociedade brasileira estão igualmente comprometidos com a

garantia do direito à educação, em razão da vinculação da comunidade política

nacional a documentos internacionais revestidos de força cogente.

Apesar de assim ser, os esperados e pretendidos efeitos irradiantes do

consenso e da força normativa aparentemente dissipam-se quando se põe in

concreto o interesse de pessoa com deficiência ingressar em instituições de ensino

do sistema regular, pública ou privada, até o presente inadequadas material e

culturalmente, em sua grande maioria, ao acolhimento de alunos com demandas

peculiares em seu processo educativo.

Aqui e alhures, o contingente social com deficiência foi e é alvo de

preconceitos que justificam discriminação, segregação e exclusão que levaram à

própria negação da condição humana e, por corolário, ao não reconhecimento ou ao

impedimento do exercício e gozo dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e

culturais em detrimento das pessoas com deficiência1.

No cenário brasileiro, o último recenseamento empreendido pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2010, apurou que a parcela

da população brasileira com deficiência, nas cinco regiões do país, em sua grande

1 Chama-se a atenção do leitor neste ponto. Na realidade de um país em desenvolvimento,

subdesenvolvido ou periférico como o Brasil, quando se trata do tema da violação de direitos de uma minoria socialmente escanteada, costuma-se logo pensar na corriqueira violação de direitos econômicos, sociais e culturais. No entanto, no que diz respeito ao segmento social com deficiência, são comuns as objeções familiares, comunitárias e estatais ao exercício dos direitos civis e políticos, em sua maioria afirmados no plano infraconstitucional com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Destaca-se apenas o singelo reconhecimento da capacidade de uma pessoa com deficiência de qualquer natureza ser inquirida como testemunha em processo judicial (art. 80, da Lei 13.146/15), por lembrarmos que Foucault (2014) denunciava a interdição da palavra do louco e por isso se indaga: será que somente uma pessoa com deficiência mental desconhece a verdade ou é com ela descomprometido? À luz da experiência adquirida com a participação em incontável número de audiências na condição de Promotor de Justiça, se é levado a supor que não há qualquer relação entre loucura e mentira. Se de outro modo fosse, não se teria, tantas vezes, constatado de maneira segura e fundamentada o insuperável divórcio entre as circunstâncias fáticas apuradas e a correspondente e incongruente versão proferida por testemunhas normais.

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maioria encontra-se incorporada à legião de analfabetos historicamente constituída

em ambiente social marcado por desigualdades abissais.

No que se refere à escolarização de alunos com necessidades educacionais

especiais – terminologia oficial que compreende os estudantes com deficiência – em

nossos dias, não há certeza quanto a percentuais de atendimento nem sobre a

quantificação do universo dos que hoje se encontram na faixa etária da

escolarização constitucionalmente obrigatória. Todavia, sérios são os indícios

sinalizando que ainda são ínfimas as estimativas de efetiva inclusão de pessoas

com deficiência nas escolas do ensino regular, públicas ou privadas.

Quanto às instituições privadas de ensino, registre-se que recentemente foi

ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI nº 5357-DF), pretendendo a Confederação Nacional dos

Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) o reconhecimento da

inconstitucionalidade de dispositivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência que

exigem de tais empreendimentos educacionais que adequem suas estruturas físicas,

materiais e seus recursos humanos para permitir o ingresso, a permanência e o

sucesso dos alunos com deficiência, vedando a cobrança de valores diferenciados

de quaisquer natureza em desfavor da clientela com deficiência.

Ao que parece à primeira vista, pretendia a entidade representativa do

empresariado que se dedica à exploração da prestação de serviços educacionais a

chancela pela Corte constitucional brasileira a uma tese inovadora que apagaria de

vez as fronteiras já tênues que hodiernamente distinguem direito público e privado: a

viabilidade de estipulação contratual de cláusula de sobrepreço para o desfrute de

direito fundamental ou, mais sucintamente, tese da cláusula remuneratória pela não

discriminação.

O trabalho pretende superar os desafios, trilhando um percurso teórico que

busque um consenso racionalmente fundado em uma sociedade democrática,

complexa e plural, nos moldes da proposta habermasiana, conforme se encontra em

Habermas (2007; 2012) e posteriormente em Alexy (2013), viabilizando assim a

aceitação e a adesão social ao projeto de inclusão educacional das pessoas com

deficiência.

Tendo por norte a formulação de Amarthya Sen (2010) sobre a interação

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instrumental/substancial que associa as liberdades ao (processo de)

desenvolvimento, as contribuições das pesquisas na área de direito e

desenvolvimento, procura-se especificar tal nexo de maneira que findem atrelados o

direito (das pessoas com deficiência) à educação e ao desenvolvimento,

incrementando a probabilidade de legitimação social da proposta includente com a

articulação de mais uma linha argumentativa.

A teoria de Alexy (2013) assenta que o discurso jurídico especializa-se a partir

de sua vinculação ao direito vigente, afirmando-se a racionalidade da argumentação

jurídica em decorrência da sua conformidade com a racionalidade que se desvela na

ordem jurídica. Por isso, Alexy (2013) formula regras de justificação racional das

decisões jurídicas que serão empregadas na tarefa de análise e crítica das decisões

do STF.

O principal objetivo da pesquisa é resgatar a contribuição que pode ser

extraída da fundamentação das decisões do STF relativas ao direito (das pessoas

com deficiência) à educação, submetê-la à sistematização e crítica para, em

seguida, expor os resultados da investigação e sujeitá-los à apreciação acadêmica e

ao confronto de ideias travado na arena pública.

Com o fim de levar a efeito o empreendimento dogmático, o trabalho foi

estruturado em quatro capítulos, consoante a descrição que se passará a averbar.

Inicialmente, busca-se acentuar a contribuição da ideia-luz do progresso no

contexto dos acontecimentos que antecedem e envolvem a caracterização da fase

da história humana que se designa por Modernidade.

Fixado o ponto de partida, cuida-se de esboçar a trajetória pela qual a

esperança em um futuro de bem-estar geral passou a ser identificada pelo termo

desenvolvimento, assumiu novas feições e incorporou novas razões, assumiu o

status de metadireito, findando por se afirmar como pretensão guiada por uma

racionalidade social no Estado Democrático de Direito brasileiro.

No segundo capítulo, dedica-se atenção ao direito à educação. Articula-se o

texto com o posicionamento do direito na teoria dos direitos humanos fundamentais,

projetando-o logo após no texto constitucional com um perfil e conteúdo bem

definidos, habilitando-o, assim, para enfrentar os conflitos de uma sociedade plural e

influir nos destinos que se constroem na ordem social, impulsionado pela dinâmica

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acionada pelo mecanismo das políticas públicas.

No terceiro capítulo, aborda-se a temática da deficiência a partir da exposição

dos seus principais modelos de explicação, o que se faz com o explícito propósito de

oportunizar ao leitor a identificação das seculares raízes dos preconceitos e das

visões distorcidas que levam à discriminação, segregação e apartação das pessoas

com impedimentos de ordem física, mental, intelectual ou sensorial.

Passa-se à análise dos textos internacionais, da legislação e das políticas

nacionais atinentes à educação das pessoas com deficiência, salientando-se que a

incorporação da Convenção de Nova York (ONU, 2006) ao ordenamento jurídico

brasileiro, com o status de Emenda Constitucional, implicou a constitucionalização

das premissas do modelo social de compreensão da deficiência, do que decorre

uma imperativa opção pela inclusão social plena do contingente com deficiência,

inclusive nas instituições públicas e privadas que compõem o sistema de ensino

regular.

O quarto, último e mais importante capítulo da obra, encontra-se constituído

por duas partes, dedicando-se a primeira à descrição do instrumental teórico que

será empregado para a consecução das tarefas da segunda parte, consistentes

precisamente na análise, crítica e síntese do conteúdo da fundamentação das

decisões do STF acerca do direito (das pessoas com deficiência) à educação,

encerrando-se com uma conclusão parcial que pretende identificar as teses centrais

da Corte na matéria e seus reflexos.

Por fim, pretende o trabalho consubstanciar uma proposição dogmática que,

ao articular o conhecimento e a consideração das decisões proferidas pelo STF,

atinentes aos múltiplos aspectos envolvidos na concretização do direito (das

pessoas com deficiência) à educação, venha a contribuir e orientar à compreensão

da matéria não só entre os operadores do direito mas também, e precipuamente, no

meio social como um todo, agregando ao debate, já em curso, uma nova perspectiva

argumentativa visando a incrementar a formação de consenso racionalmente

fundada em torno da questão.

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2 O IDEAL DO PROGRESSO, A AFIRMAÇÃO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NA ORDEM INTERNACIONAL E A PLATAFORMA DESENVOLVIMENTISTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO

Os mitos têm exercido uma inegável influência sobre a mente dos homens que se empenham em compreender a realidade social. Do bon sauvage, com que sonhou Rosseau, a idéia milenar do desaparecimento do Estado, em Marx, do “princípio populacional” de Malthus à concepção walsariana do equilíbrio geral, os cientistas sociais têm sempre buscado apoio em algum postulado enraizado num sistema de valores que raramente chegam a explicitar. O mito congrega um conjunto de hipóteses que não podem ser testadas.

Celso Furtado

(1996, p. 7)

2.1 A IDEIA DE PROGRESSO NO PROCESSO DE GESTAÇÃO E PARTO DA MODERNIDADE

A noção de progresso, resgatada da gramática latina (progressus), ganha

força nas sociedades do Ocidente no processo histórico renascentista (séculos XV a

XVII) e afirma-se no Iluminismo revolucionário e vitorioso do século XVIII. Assim, o

progresso estético2 renascentista inspira e prenuncia a arquitetura da nova fase da

história do mundo ocidental não aleatoriamente denominada Modernidade, a grande

obra da Ilustração e matriz das sucessivas gerações de direitos humanos de que

trataremos mais adiante.

A ideia-luz do progresso incide sobre o pensamento e orienta a ação das

forças sociais mudancistas. Reformar, transformar, revolucionar e superar as

estruturas socioeconômicas e políticas da decadente conformação do modo de

produção feudal e da sua organização social são as tarefas que mobilizam e

empolgam os arautos da nova ordem liberal-capitalista em uma luta que se trava

inicialmente nos altiplanos da filosofia, da literatura, da ciência e da religião,

2 A estética renascentista retoma e reconstrói o estilo clássico de inspiração greco-romana e

implica rompimento e superação da arte religiosa medieval. No pensar hegeliano, a arte não é outra coisa senão o mais subjetivo desenvolvimento do espírito a partir do real, e suas formas históricas representam, cada uma a seu modo, momentos desse desenvolvimento. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 96 e 239).

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descambando em seguida para o chão da disputa política concreta, do confronto

ideológico sustentado pelo potencial lesivo e persuasivo do povo armado que

investe, destrói e derrota símbolos e representantes das forças conservadoras e

avessas às mudanças.

O movimento Iluminista do século XVIII repercute com intensidade na França,

Alemanha e Inglaterra. Assentado em uma filosofia antropocêntrica que exalta o

atributo humano da razão que tudo pode compreender, transformar e dominar com o

emprego de instrumental científico e, em consequência, investe contra a fé, a

superstição e o dogma religioso que legitimam e dão sustentação à formação

socioeconômica que se pretende ver suprimida. Tal formulação irá se propagar,

angariar adeptos e influir irresistivelmente nas esferas literárias, artísticas, científicas

e políticas, destacando-se como corolário do seu viés transformador a hegemônica

ascensão da ideologia do progresso3.

Já no início do século XVII, Francis Bacon (1561/1626), para quem saber é

poder, conferia aos homens da ciência o encargo de lutar contra a ignorância, o

sofrimento e a miséria e, com isso, realizar o bem-estar da humanidade (JAPIASSÚ;

MARCONDES, 2006, p. 256).

No contexto da política, o ideário liberal que pretende instituir a nova ordem,

igualmente, invoca a noção de progresso4 para justificar a plataforma mudancista

consubstanciada na trilogia liberdade/igualdade/fraternidade e que se direciona

especialmente à erradicação da estrutura estamental, seus privilégios e

discriminações, e à supressão do arcabouço feudal que emperra e oprime as

atividades produtivas e mercantis.

Ciente das duras investidas da filosofia iluminista contra a religião, a Igreja

Católica viu o seu poder temporal ser circunscrito à cidade-estado do Vaticano,

assim como perdeu parcela do seu rebanho em favor de outras denominações

religiosas como resultado de contestações promovidas por Lutero (1483-1546) e

Calvino (1509-1564), dentre tantos outros.

3 Segundo Japiassú e Marcondes (2006, p. 227), a ideologia do progresso é típica do século XVIII.

Para ela, a filosofia das luzes teria descoberto, na noção de uma marcha contínua para a verdade, a figura na qual melhor exprimia-se seu otimismo histórico.

4 Não se olvide que na linguagem política contemporânea o termo progressista é corriqueiramente empregado para designar grupos ou proposições direcionadas à transformação sociopolítica em contraposição ao termo conservador.

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Coube a Max Weber destacar, em obra clássica A ética protestante e o

espírito do capitalismo, a contribuição do pensamento protestante na legitimação do

modo de produção capitalista. Por seu turno, Furtado (2002, p. 45), sustenta que a

noção de progresso encontra suporte espiritual. Sob tal prisma, a ideia de progresso

vincula

[...] a conquista de bem-estar a ações meritórias que assumiam a forma de sacrifícios realizados no presente (poupança e investimentos) em troca de recompensas futuras. Esses sacrifícios, legitimaram a dominação social graças à qual se viabiliza a acumulação de riquezas, abrindo o caminho para a divisão social do trabalho e o aumento da produtividade deste.

Nos séculos XVIII e XIX, a noção de progresso encontra apoio e respaldo na

concepção de evolução empregada no campo das ciências da natureza,

destacando-se a obra de Charles Darwin (1859), Origem das Espécies, na filosofia

romântica, que a tomou por bandeira, assim como no pensamento socialista

marxista que afirmava a crença na marcha transformadora e inexorável da história

da humanidade (DUPAS, 2007; HEIDEMANN, 2014; GUERREIRO RAMOS, 2014).

Furtado (2002, p. 45), esclarece que nessa fase, “dava-se como evidente que o

homem sempre aspira a ascender melhores condições de vida”.

Assim, o original otimismo iluminista permanece incorporado às novas

perspectivas que enfrentam o tema, sendo o progresso compreendido como o

resultado inafastável de um processo social gradual e linear de mudança para

melhor sob qualquer ângulo de análise (moral, político, econômico, social, científico

etc.). Ademais, parece que se tem aqui exposta a raiz da teoria do caminho único a

ser percorrido por todo e qualquer país rumo ao desenvolvimento, sustentada por

Rostow e Marx5, conforme Guerreiro Ramos (2014) ainda que cada um a partir de

prismas, fundamentos e objetivos próprios: o caminho dos países que lideraram a

Revolução Industrial6.

A ideologia, ideia, noção ou o mito do progresso passou a sofrer abalos

5 Guerreiro Ramos (2014) critica o etnocentrismo e o determinismo marxianos que findam por

desconsiderar as peculiaridades históricas e estruturais que apartam as realidades e possibilidades de países cêntricos e periféricos.

6 Furtado (1996, p. 09) pondera: “A tese de que o desenvolvimento econômico, tal qual vem sendo praticado pelos países que lideraram a Revolução Industrial, pode ser universalizado, não representa nada que vá além de um prolongamento do mito do progresso”.

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produzidos por questionamentos precipuamente a respeito de quem se apropria dos

seus frutos e dos objetivos que persegue. A crise da noção de progresso é imputada

à superação do receituário liberal clássico, desafiado pela eclosão de conflitos e

tensões sociais, aos dois confrontos bélicos mundiais e às crises cíclicas que

sacodem, desestabilizam e inquietam o sistema capitalista.

Tais circunstâncias de grande relevo histórico e social terminaram por abrir

espaços nos quais brilha com maior intensidade a noção de desenvolvimento, ainda

que o ideal de progresso, sob nova roupagem, preserve sua majestade e influência

em aparições isoladas ou em parceria com a noção afim que lhe relegou a segundo

plano na literatura e no debate público, conforme passaremos a expor.

2.2 A COMPREENSÃO DO DESENVOLVIMENTO COMO CRESCIMENTO ECONÔMICO

Não há consenso em torno do conceito de desenvolvimento. Explica-se a

plurivocidade conceitual como expressão das múltiplas tendências de pensamento

que disputam a primazia no universo do saber socioeconômico (PFEIFFER, 2011).

Certo é, entretanto, que o pensamento clássico na matéria concebe o fenômeno do

desenvolvimento como processo identificado ao crescimento econômico. Assim, o

desenvolvimento seria fenômeno circunscrito ao campo de especulações dos

economistas, e a aferição de sua magnitude podia ser dimensionada a partir da

acumulação da riqueza verificada em dado espaço temporal.

Nessa perspectiva, a constatação da situação econômica de um país

(desenvolvimento, crescimento, estagnação ou recessão) em um intervalo de tempo

(em regra, anual) seria aferida tendo em vista a expressão monetária de toda a

riqueza produzida, denominado Produto Interno Bruto (PIB). O quociente obtido

com a divisão de toda a produção nacional monetariamente avaliada pelo

contingente populacional expressaria o PIB per capita.

O enfoque exclusivamente econômico do desenvolvimento teleologicamente

destinado ao incremento da produção e consequente, em tese, aumento da riqueza,

orientou estudos visando a estabelecer um caminho universal para o

desenvolvimento econômico, destacando-se a formulação de Rostow (PFEIFFER,

2011; ZANATTA, 2011).

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Segundo Rostow (1974), o processo de desenvolvimento/crescimento

econômico desdobra-se em cinco etapas consecutivas que deveriam ser vencidas

pelos países que pretendiam alcançá-lo e desfrutar de suas benesses, assim

sintetizadas: a) sociedade tradicional; b) atendimento das pré-condições para a

decolagem; c) a efetiva decolagem; d) a chegada à maturidade; e) o desfrute da

elevação do consumo de massa proporcionado pelo novo patamar econômico.

O modelo rostowniano, assim como outras proposições que aprisionam o

processo de desenvolvimento às apertadas cadeias do crescimento econômico, vem

sendo alvo de contestações. Inicialmente, afirma-se que um modelo universal para o

desenvolvimento de todo e qualquer país, máxime, quando exclusivamente centrado

na faceta econômica de um processo polifacético, desconsidera peculiaridades

históricas, políticas, sociais, geográficas e de outras ordens presentes em distintos

contextos nacionais e regionais.

Enfatiza-se que a acumulação de riquezas deve ser compreendida como

condição necessária, mas não suficiente à deflagração do processo de

desenvolvimento. Ademais, no que diz respeito especificamente ao modelo de

Rostow (1974), as condições alinhadas para o take-off eram aquelas

circunstancialmente verificadas na conjuntura dos países desenvolvidos na fase que

antecedeu o segundo conflito mundial.

Em sendo assim, a duvidosa e pouco provável reprodução dos requisitos

indutores do take-off, em um momento posterior do processo histórico, põe em

xeque a viabilidade do percurso desenvolvimentista de Rostow.

Embora ainda goze de prestígio e influência, as abordagens centradas na

dimensão econômica do desenvolvimento estão cada vez mais cedendo espaço

para a emergência de teorizações interdisciplinares que destacam outras dimensões

e implicações no processo de desenvolvimento, registrando-se de pronto as

formulações da nova economia institucional e da Inovação schumpeteriana

(PFEIFFER, 2011).

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2.3 DESENVOLVIMENTO COMO PROCESSO MULTIDIMENSIONAL

Contrapondo-se às análises exclusivamente econômicas do

desenvolvimento, ao pensamento político-econômico liberal, ao determinismo

econômico marxista e demais proposições unilaterais e reducionistas do processo

social ao mesmo tempo condição e ameaça à sobrevivência humana (o processo

econômico em sua dinâmica), outras vertentes de pensamento propõem visões mais

alargadas do fenômeno do desenvolvimento de modo a compreender aspectos

políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, axiológicos e jurídicos, dentre

outros, que se imbricam e mesmo se complementam em um jogo de conexões e

influências recíprocas.

Ainda que conscientes do alto grau probabilístico da incompletude e

considerando que o todo é muito mais do que a adição das partes que o integram,

mesmo assim arriscamo-nos a pontuar algumas questões mais salientes em cada

uma das dimensões ora explicitadas, ressalvando mais uma vez suas interconexões:

1) em sua dimensão política, debatem-se particularmente o papel e os

limites da atuação estatal no processo de desenvolvimento, bem como a

viabilidade de um projeto nacional em tempos de interdependência

sistêmica ou de globalização da economia;

2) em sua dimensão nuclear, o processo de desenvolvimento sofre os

influxos das questões, relativas ao destino da produção (mercado

interno/externo), à disciplina da ordem econômica e à forma de

apropriação e distribuição das rendas;

3) a dimensão social do desenvolvimento atrela-se às temáticas do bem-

estar geral e ao nível de desfrute dos diretos sociais, precipuamente;

4) na perspectiva cultural, questiona-se em que medida a participação de

minorias discriminadas no processo de desenvolvimento e o acesso aos

bens produzidos contribuem para a superação de estigmas e preconceitos

historicamente consolidados;

5) a dimensão axiológica insere a consideração da dignidade humana, da

justiça social, dos valores do trabalho e da liberdade de iniciativa e dos

fundamentos da ética dos negócios no contexto do desenvolvimento;

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6) a dimensão ambiental especialmente compromete o desenvolvimento

com a ponderação das relações ser humano/natureza com a

responsabilidade em face das presentes e futuras gerações e

consequente emprego equilibrado, eficiente e sustentável dos recursos

naturais renováveis;

7) por fim, na dimensão jurídica, o entrelaçamento em que se enredam

direito e desenvolvimento pode ser demonstrado ao menos a partir de três

perspectivas, a saber:

a) o direito pode ser instrumento que permite ou obstaculiza o

desenvolvimento;

b) o desenvolvimento pode ser compreendido como processo

comprometido com a apropriação dos direitos humanos;

c) por último, de acordo com a mais radical das óticas aqui elencadas,

ao processo de desenvolvimento é conferido o ingresso no catálogo

dos direitos humanos: o desenvolvimento é reconhecido como direito

titularizado por toda a espécie humana.

Ainda que se tenham sido fixados tão somente os contornos de uma

compreensão multidimensional, do que foi assentado, é admissível inferir que, para

além do crescimento econômico, o desenvolvimento implica mobilidade social, mais

precisamente transformações estruturais profundas no plano social, consequências

geralmente não decorrentes do exclusivo processo de crescimento econômico, de

modo que se afiguram mais Lapropriadas à percepção do problema

desenvolvimentista as visões que imediatamente serão apresentadas.

2.4 UMA PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Sachs (2009) dedica-se a indicar o trajeto histórico no qual as questões do

desenvolvimento (crescimento econômico), dos direitos humanos e do meio

ambiente entrelaçaram-se no âmbito dos debates promovidos pelo sistema das

Nações Unidas dando ensejo à afirmação da abordagem conhecida como

desenvolvimento sustentável (ou ecodesenvolvimento).

Em meados do século XX, desenvolvimento e direitos humanos assumem

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posição de relevo

[...] como duas ideias-força destinadas a exorcizar as lembranças da grande depressão e dos horrores da Segunda Guerra Mundial fornecer os fundamentos para o sistema das Nações Unidas e impulsionar os processos de descolonização. (SACHS, 2009, p. 47).

A adição da temática ambiental somente ocorreria posteriormente. A chegada

do homem à lua, por ter paradoxalmente despertado a consciência humana para a

finitude do planeta Terra, viria a ser o evento histórico deflagrador do incremento da

importância dos problemas ambientais. A partir de então, “a opinião pública tornou-

se cada vez mais consciente tanto da limitação do capital da natureza quanto dos

perigos decorrentes das agressões ao meio ambiente, usado como depósito”.

(SACHS, 2009, p. 48)

O ingresso da dimensão ambiental, na agenda internacional, resultou das

discussões travadas no Encontro de Founex (1971) e na Conferência das Nações

Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo (1972). No curso dos debates que

apartavam os que defendiam o crescimento econômico desatento às implicações

nocivas do processo sobre o meio ambiente (economicismo arrogante) dos que, em

posição diametralmente oposta, propunham crescimento zero como única forma de

preservação ambiental (fundamentalismo ecológico), acabou se consolidando uma

nova formulação intermédia (o paradigma do caminho do meio), preconizando a

adoção de um modelo de desenvolvimento pautado no aproveitamento racional e

ecologicamente sustentável dos recursos naturais (SACHS, 2009, p. 48; 53).

A perspectiva desenvolvimentista abraçada na Conferência de Estocolmo veio

a inspirar o Relatório What Now (1975) propondo um

[...] desenvolvimento endógeno (em oposição à transposição mimética de paradigmas alienígenas), auto-suficiente (em vez de dependente), orientado para as necessidades (em lugar de direcionado pelo mercado), em harmonia com a natureza e aberto às mudanças institucionais. (SACHS, 2009, p. 53; 54).

A concepção de desenvolvimento sustentável elaborada por Sachs (2009)

pode ser sintetizada nas seguintes proposições:

1) a relevância social, a prudência ecológica e a viabilidade econômica são

os três pilares do modelo;

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2) consequentemente, só o desenvolvimento impacta positiva e

simultaneamente as dimensões social, ambiental e econômica;

3) por assim ser, o desenvolvimento sustentável é mais abrangente e

superior quando confrontado ao crescimento econômico;

4) o desenvolvimento sustentável inadmite o jogo sem restrições das forças

do mercado, o que demanda algum tipo de atuação corretiva estatal –

intervenção e planejamento;

5) o modelo propõe a superação das desigualdades regionais, ao buscar

efetivar a apropriação por todos do catálogo integral de direitos humanos7.

Assim como o desenvolvimento, compreendido à luz de uma abordagem

holística e multidisciplinar, não mais se ajusta ao estreito figurino da economia, de

igual modo, o conceito de sustentabilidade extrapolou os marcos da ecologia, ao

incorporar novas dimensões – social, cultural, ambiental, demográfica, econômica,

política e institucional.

2.5 UMA PECULIAR APROXIMAÇÃO ENTRE DIREITO E DESENVOLVIMENTO

A narrativa de Sen (2010) tem por fio condutor a suposição de que a

viabilidade funcional e a legitimidade do modelo estruturado a partir dos eixos do

regime democrático e participativo, da afirmação dos direitos humanos e da

globalização, demandam o enfrentamento das atuais, sensíveis e instabilizadoras

questões da pobreza, das privações, das agressões ao meio ambiente e das

violações de direitos em geral que se verificam, em maior ou menor grau, nos países

pobres e ricos8, sendo a superação de tais problemas o desafio maior com que se

defronta o processo de desenvolvimento.

A atenta consideração dos elementos constitutivos do modelo e da

7 Sachs (2009, p. 65; 66), reportando a Bobbio (1990) e Lafer (1994) assevera: “A centralidade do

meu argumento baseia-se no entendimento que o desenvolvimento é o processo histórico de apropriação universal pelos povos da totalidade dos direitos humanos individuais e coletivos, negativos (liberdade contra) e positivos (liberdade a favor), significando três gerações de direitos: políticos, cívicos e civis; sociais, econômicos e culturais; e os direitos coletivos ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à cidade”.

8 Sob outro prisma, o do desequilíbrio entre os países, Guimarães (2013, p. 13) averba sobre a teorização seniana: “As contribuições fundamentais de Sen para a discussão de D&D podem ser relacionadas aos modelos contra-majoritários de desenvolvimento, resgatando a centralidade das discussões das forças Norte-Sul, tratadas igualmente em Dezalay e Garth (2005) e em Rodrik (1996)”.

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problemática a ser equacionada, ao menos em nosso pensar, parece suportar

inferência que aponte uma indissociável conexão simultaneamente instrumental e

substancial que atrela o direito ao desenvolvimento. Nessa perspectiva, o direito não

é mero instrumento9 que se molda exclusivamente para conferir fluidez, certeza e

segurança às atividades e a empreendimentos próprios da esfera econômica. Antes

e para além desse papel, a ordem jurídica insere de modo imperativo nos horizontes

da ordem econômica uma constelação de valores (liberdades) que passam a

coexistir e disputar espaços com os que lá já se encontravam.

Em corolário, o processo de desenvolvimento não pode mais ser direcionado

tão somente à acumulação de riquezas (crescimento econômico) nem pode ser

aferido exclusivamente pelo critério do nível de renda. Ao contrário, deverá perseguir

a expansão das liberdades substanciais/instrumentais (políticas, facilidades

econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança

protetora). Assim, a sua avaliação há de ser feita de modo a captar os níveis de

alargamento das liberdades, a própria eficácia do processo (GUIMARÃES, 2013).

A nova e revolucionária abordagem do processo de desenvolvimento coloca

em xeque e condena ao exílio a racionalidade que até então o presidia: a

racionalidade economicista pautada no mandamento único e absoluto da eficiência

(maximização dos ganhos e minimização dos custos), expressão máxima da lógica

do individualismo egoísta e da lógica do sistema de produção capitalista,

mandamento instituído pelo Deus que se materializa em cifras – o Deus dinheiro

conforme denunciava Marx (2005).

A desconstrução da racionalidade econômica e a sua substituição por uma

racionalidade social (ou ambiental) é tarefa que atrai a atenção e compromete parte

dos autores pesquisados, a exemplo de Furtado (2002); Leff (2004); Sachs (2009); e

Sen (2010). Para Leff (2004), que compreende a sociedade como um subsistema de

9 Rodriguez (2011, p. 142; 143) que se insurge contra as concepções etnocêntrica do “rule of law” e

instrumentalista do direito sustentadas pelo direito e desenvolvimento inspirado na teoria da modernização, assim se posiciona quanto à formulação de Sen: “A visão de desenvolvimento de Amartya Sen, que nasceu no campo da economia, rompe com os pressupostos neoclássicos vigentes e abre espaço para pensar o problema do direito em novos termos, mais próximos ao ponto de vista dos juristas, que vêem nessa obra a legitimação de seu ponto de vista sobre a realidade. […]. Ao conceber o desenvolvimento como liberdade, ou seja, como a possibilidade de realizar os fins que uma sociedade colocou para si mesma, o autor amplia o conceito de desenvolvimento para além do economicismo dominante e o descentra da perspectiva ocidental. O desenvolvimento passa a ser avaliado a partir de fatores jurídicos, políticos, sociais e econômicos e não mais por um viés exclusivamente econômico”.

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um ecossistema global e a crise ambiental como o efeito da racionalidade

econômica,

[...] a racionalidade ambiental coloca em jogo o valor da teoria, da ética, das significações culturais e dos movimentos sociais na invenção de uma nova racionalidade social, na qual prevalecem os valores da sustentabilidade, da diversidade e da diferença perante a homogeneização do mundo, ao ganho econômico, ao interesse prático e à submissão dos meios aos fins traçados de antemão pela visão utilitarista do mundo. O saber ambiental orienta uma nova racionalidade para os fins da sustentabilidade, da equidade, da democracia.

Sobre tal base é que uma vertente teórica ingressa no debate projetando o

discurso que pretende orientar a práxis, ao mesmo tempo justificando e legitimando

o processo desenvolvimentista que não mais esconde seus compromissos10

axiológicos, políticos, jurídicos, sociais, culturais, ambientais e econômicos que a

nova racionalidade propõe-se a ponderar e harmonizar em sociedades marcadas

pela heterogeneidade, diversidade e pelo pluralismo emergentes na pós-

modernidade que, num processo caótico, muito desvela e ao mesmo tempo dissipa

ou oculta.

A consideração que Sen (2010) empresta à heterogeneidade, à diversidade e

ao pluralismo, precipuamente quanto às suas repercussões sociais, econômicas e

políticas, parece restar evidenciada em sua incursão na seara das concepções de

justiça. Com efeito, após criticar a insuficiência e o descompromisso com a realidade

socioeconômica das teorias que sustentam a primazia das liberdades formais e de

alguns direitos individuais, o autor assenta que sua proposição teórica de

desenvolvimento como processo expansionista e universalizador vai bem mais além

de uma tese formal, genérica e abstrata ou de uma simples quimera.

Se, como já foi visto, desenvolvimento é transformação, urge que previamente

se conheça o que deverá ser transformado. Por isso, afirma o autor ser

imprescindível que se leve em conta os relevantes indicadores da heterogeneidade

social, tais como as variações de natureza pessoal (características físicas,

10 Tendo em conta a maior complexidade que a noção de desenvolvimento vem assumindo, adverte

Rodriguez (2011, p. 145): “Objetivos econômicos de justiça social e interesses políticos entram em conflito constantemente, o que exige do analista grande capacidade analítica ao refletir sobre os problemas do desenvolvimento”.

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desvantagens, incapacidades), ambiental, social, cultural e econômica (nível de

consumo, distribuição de renda da família, etc.).

A aproximação com a realidade completa-se e verticaliza-se por meio de

comparações interpessoais que permitem aferir as capacidades de cada indivíduo

em confronto com outros representantes do universo social. Assim, a capacidade

pode ser entendida como a medida da liberdade disponibilizada em concreto a um

indivíduo singular, ao menos em nosso pensar.

Esquadrinhada a realidade em sua completude e complexidade, Sen (2010)

indica o próximo passo: a decisão política a respeito das políticas públicas de

desenvolvimento, indutoras da expansão das capacidades (liberdades) humanas.

Atentando ao componente democrático do modelo e ao pluralismo de

expectativas, valores e interesses que se manifestam na esfera pública, o autor

enfatiza ser imperioso assegurar a participação social na formulação das políticas e

a busca de consenso na eleição das prioridades.

Frise-se que o autor acentua ser necessário fomentar a participação em todas

as fases do processo, sendo o seu objetivo maior criar as condições para que os

cidadãos sejam agentes das mudanças à proporção que suas capacidades são

ampliadas. Por outro lado, a verificação da expansão das capacidades será

parâmetro para atualização e, quando preciso, correção de rota das políticas.

A multiplicação e universalização das oportunidades sociais decorrem, no

pensar de Sen (2010), de uma equilibrada ponderação das contribuições do atuar

estatal e da dinâmica do mecanismo de mercado, assentada nas seguintes

premissas:

é preciso reconhecer as virtudes e imperfeições da economia de

mercado;

o funcionamento adequado dos mercados pode demandar a

participação governamental e de outras instituições políticas e sociais;

a prudência financeira, o controle da inflação e o equilíbrio das contas

públicas são metas necessariamente fixadas no médio e longo prazo,

sob pena de acarretarem elevados custos sociais quando perseguidas

no curto prazo;

a redução dos gastos públicos não pode mirar os incentivos sociais,

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tendo em conta a imprescindibilidade da performance estatal como

indutora do desenvolvimento direcionado à expansão das liberdades

(capacidades).

A viabilidade da proposta de Sen (2010) pressupõe a afirmação e o

reconhecimento universais dos direitos humanos em estreita conexão com o

fenômeno da globalização. Inicialmente, trata o autor de ressaltar que, apesar da

influência crescente da retórica dos direitos humanos, fruição e violação dos direitos

do homem caminham juntas na contemporaneidade.

Ademais, a afirmação universalista dos direitos humanos enfrenta ferrenha

contraposição que Sen (2010) articula em três grupos: (a) a crítica da legitimidade,

que une Marx e Bentham, sustenta que os direitos humanos são exclusivamente os

direitos positivados; (b) a crítica da coerência, propugnando que só há direitos

humanos correspondentes a deveres; (c) a crítica cultural, que indaga sobre a

existência de direitos humanos universais.

À primeira crítica, rebate Sen (2010), sugerindo que se deve conceber os

direitos humanos como um conjunto de pretensões éticas, as quais não devem ser

identificadas com direitos positivados. No que se refere à critica da coerência, o

autor assevera que não há efetivamente correspondência entre direito e dever, pois

os direitos humanos seriam pretensões gerais que não obrigam direta e

especificamente um sujeito passivo.

Sen (2010) dedica redobrada atenção à critica cultural. Minar as bases da

contraposição da diversidade cultural é condição sine qua non para a viabilidade do

modelo de desenvolvimento preconizado pelo autor. Tal intento é o que justifica a

opção seniana pela versão fraca dos direitos humanos como pretensões éticas que

se legitimam pela força própria dos valores que lhes são imanentes e não em

decorrência do reconhecimento estatal via legislação, conforme se interpreta.

Estribado em tal premissa, Sen (2010) dedica-se a assinalar na história, na

religião, na política e na cultura das sociedades asiáticas a manifestação e o

reconhecimento de valores como tolerância, igualdade e liberdade (ainda que não

em todos os aspectos e nem para todos os indivíduos) para, com isso, afirmar os

pontos de aproximação, sem embargo da diversidade, entre Oriente e Ocidente.

Estabelecido o elo axiológico, o autor reforça sua tese invocando a

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disseminação do intercâmbio cultural e da interdependência entre os povos

enquanto frutos da globalização.

Em arremate, a original compreensão de Sen (2010) do desenvolvimento

como liberdade parece endossar asserção no sentido de que no intercâmbio que

envolvem direito e desenvolvimento o primeiro não é mero servo ou caixa de

ferramentas do segundo; não há na relação subordinação, mas sim colaboração

mútua: o direito contribui na orientação do processo de desenvolvimento, ao lhe

ofertar os fins que serão perseguidos; o desenvolvimento, ao cumprir as fase da

dinâmica transformadora, pretende contribuir para a materialização da ordem jurídica

na realidade social ou, em outras palavras, permitir que se opere a tão desejada

harmonia entre ser e dever ser.

2.6 A CONSTRUÇÃO E O RECONHECIMENTO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO INTERNACIONAL

A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento foi proclamada pela

Assembleia Geral das Nações Unidas por intermédio da Resolução nº 41/128, de 04

de dezembro de 198611. Essa Declaração reconhece que dados eventos presentes

na história dos povos e das nações – colonialismo, racismo e discriminação racial,

dominação e ocupação estrangeira, conflitos bélicos, agressões e ameaças à

soberania, à unidade nacional e à integridade territorial – implicam violações de

direitos humanos dos povos e indivíduos e, igualmente, constituem-se obstáculos

que retardam ou impedem o desenvolvimento.

Na seara planetária, incumbe à comunidade internacional dos Estados a

implementação, promoção e proteção do direito humano ao desenvolvimento, por

meio da cooperação e da garantia das condições essenciais da paz e da segurança

11 Sobre o tema, sumaria com precisão Monteiro (2003, p. 775): O direito ao desenvolvimento

estava implícito na Declaração universal dos direitos do homem, como é amplamente reconhecido, mas a expressão só aparece, pela primeira vez, no quadro das Nações Unidas, na Resolução 4 (XXXIII) de 21 de fevereiro de 1977 da Comissão dos Direitos do Homem. A 4 de dezembro de 1986, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou uma Declaração sobre o direito ao desenvolvimento. O seu Artigo 2.1 proclama: “O ser humano é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser, pois, participante activo e beneficiário do direito ao desenvolvimento”. A Conferência mundial sobre os direitos do homem (Viena, 1993), no seu documento final reafirmou o direito ao desenvolvimento como “direito universal e inalienável” (ponto 10), reconhecendo: “A democracia, o desenvolvimento e o respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais são interdependentes e reforçam-se mutuamente” (ponto 8).

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internacionais, ao passo que no plano interno é responsabilidade primária do

respectivo ente estatal cumprir papel protagonista do processo desenvolvimentista

pluridimensional – político, econômico, social e cultural – no qual a pessoa humana

ocupa posição central: titular dos direitos de participação e gozo dos resultados

auferidos no processo.

Avançando ainda mais na compreensão acerca do direito dos povos e de

cada um dos membros da família humana ao desenvolvimento, cumpre deixar

consignado que, na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento,

1) o processo de desenvolvimento, multidimensional e includente, sob os

prismas coletivo e individual, deve viabilizar a plena realização de todos

os direitos humanos e liberdades fundamentais (art. 1º, § 1º);

2) o direito humano ao desenvolvimento compreende o direito dos povos à

autodeterminação, tendo por corolário a soberania plena sobre as suas

riquezas e recursos naturais (art. 1º, § 2º);

3) os Estados têm o direito-dever de formular políticas adequadas ao

desenvolvimento, direcionadas à efetivação do nível de bem-estar da

população e de todos os indivíduos sem discriminação, equalizando

oportunidades de participação no processo e no rateio dos seus

resultados (art. 2º, § 3º);

4) no plano internacional, a responsabilidade primária na criação das

condições favoráveis ao desenvolvimento exige a cooperação mútua

visando a superação dos obstáculos ao desenvolvimento, a observância

dos princípios, compromissos e obrigações internacionais de modo a

promover uma nova ordem econômica internacional, fundada na

igualdade, interdependência, interesse mútuo e cooperação entre todos

os países (art. 3º, §§ 1º a 3º);

5) os Estados têm o dever de participar na formulação e implementação de

políticas internacionais de desenvolvimento que deverão considerar as

condições peculiares dos países em desenvolvimento (art. 4º);

6) os Estados devem atuar de modo a fazer cessar as grandes violações de

direitos humanos, cooperando com vistas a promover, encorajar e

fortalecer o respeito universal pela observância de todos os direitos

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humanos e liberdades fundamentais – civis, políticos, econômicos, sociais

e culturais – indivisíveis e interdependentes (arts. 5º e 6º);

7) os Estados devem promover o fortalecimento e a consolidação da paz e

da segurança internacionais, essenciais ao desenvolvimento (art. 7º);

8) no plano interno, os Estados devem adotar medidas destinadas a

assegurar, particularmente, igualdade de oportunidades para todos quanto

ao acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde,

alimentação, habitação, emprego e distribuição equitativa da renda,

implementar medidas que possibilitem às mulheres o protagonismo no

processo de desenvolvimento, promovam a erradicação das injustiças

sociais e a participação popular na dinâmica do desenvolvimento (art. 8º);

9) os Estados devem tomar medidas endereçadas ao pleno exercício e

fortalecimento progressivo do direito ao desenvolvimento, especialmente

a formulação, adoção e implementação de políticas, medidas legislativas

e outras no âmbito interno e internacional (art. 10).

O direito ao desenvolvimento deve ser compreendido como um metadireito.

Assim, o reconhecimento e a inserção do direito ao desenvolvimento no catálogo do

Direito Internacional dos Direitos Humanos implica afirmar o direito a um processo

(de desenvolvimento) que possibilite a fruição de todos os demais direitos humanos

até então proclamados (MONTEIRO, 2003).

A afirmação do desenvolvimento como direito do ser humano e da

humanidade (de todos os povos) contribuiu decisivamente para fortalecer uma

tendência que compreendia o processo de desenvolvimento como fenômeno

multidimensional, contrapondo-se a uma clássica e consolidada acepção

estritamente economicista e, consequentemente, redutora do processo12. Com

efeito, ao ser integrado ao elenco dos direitos humanos, reforça-se o

desenvolvimento com os caracteres da universalidade, indivisibilidade,

interdependência e indisponibilidade, fixando-se, desde então, inquebrantável

correlação entre o noviço direito e os que lhe antecederam na conquista do status.

12 Nesse sentido, afirma Monteiro (2003, p. 775): “Até ao meio dos anos de 1960, desenvolvimento

era sinónimo de crescimento económico, tendo como indicador principal o PIB/PNB. Era uma concepção do desenvolvimento social redutora, instrumentalizadora da pessoa humana, socialmente injusta e ecologicamente insustentável”.

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Saliente-se aqui que, ao menos quanto ao que se pensa, em 1986 teve-se

tão-somente o reconhecimento formal da imprescindibilidade e do protagonismo de

há muito desempenhado pelo desenvolvimento na concretização dos direitos

fundamentais do homem. De qualquer modo, a proclamação da Organização das

Nações Unidas (ONU) reveste-se de grande importância, ao apontar o caminho do

desenvolvimento como um percurso a ser cumprido na efetivação dos direitos civis,

políticos, econômicos, sociais e culturais.

Assim, cada vez mais se abandona a acepção redutora do desenvolvimento

em favor de concepções abrangentes e integradoras que destacam as múltiplas

nuances do processo de desenvolvimento de caráter político, econômico,

social/inclusivo, sustentável, cultural, humano, científico, tecnológico, dentre

outros13.

2.7 A AGENDA 2030 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A agenda universal para o desenvolvimento foi estabelecida pela

Declaração da Organização das Nações Unidas, em 27 de setembro de 2015, no

curso das comemorações alusivas aos 70 anos da entidade. A agenda internacional

compreende um catálogo de 17 (dezessete) objetivos de desenvolvimento

sustentável, a partir dos quais são instituídas 169 (cento e sessenta e nove) metas

que devem ser perseguidas e adimplidas até 2030.

Ciente de buscar a sustentabilidade da espécie humana e do planeta, o

integral adimplemento dos objetivos e das metas pretende tornar efetiva e concreta a

fruição universalizada e sem discriminação dos direitos humanos em toda a esfera

planetária. Nos termos da Declaração Internacional, o desenvolvimento sustentável

é processo que se constitui a partir de três dimensões fundamentais: a ambiental, a

social e a econômica. Assim, o crescimento que dele resulta deverá

concomitantemente ser ambientalmente sustentável, socialmente inclusivo e

economicamente equilibrado.

13 Faz-se mister destacar do extenso rol a noção do desenvolvimento sustentável, neste momento

apenas para assinalar que a ideia-chave de sustentabilidade poderá futuramente elevar-se à condição de indissociável à compreensão do desenvolvimento, por ter se afastado da original ênfase ambientalista.

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A agenda mundial para o desenvolvimento sustentável invoca o respaldo dos

documentos constitutivos do sistema das Nações Unidas, inclusive da Declaração

sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, assim como convoca a experiência e

o legado dos objetivos de desenvolvimento do milênio, de 2000, reafirmando

compromissos com a paz mundial, segurança, justiça, inclusão social,

interculturalismo, respeito e tolerância à diversidade humana.

A implementação do programa desenvolvimentista no plano internacional será

levada a cabo pela parceria global revitalizada, fundada na cooperação e

solidariedade, particularmente com o emprego dos meios e recursos do sistema das

Nações Unidas para a promoção do desenvolvimento prioritariamente em favor dos

países menos desenvolvidos.

No âmbito de cada país, caberá ao poder público articular e coordenar a

participação e a colaboração do setor privado, da sociedade civil e de outros atores

no alinhamento do planejamento e das políticas públicas às estratégias e metas de

desenvolvimento sustentável consubstanciadas na Agenda 2030, salvaguardadas

sempre a autonomia política, as peculiaridades e as prioridades nacionais.

Sobre o acompanhamento e a revisão dos objetivos e das metas encartados

na agenda mundial para o desenvolvimento sustentável nos próximos 15 (quinze)

anos, a Declaração estabelece princípios, prevê o emprego de indicadores globais,

regionais e nacionais, devendo ser instituído o quadro de indicadores global pela

ONU, o encaminhamento de relatórios anuais pelos países membros, assim como

reuniões quadrienais a partir de 2019, do fórum político de alto nível.

Apresenta-se, a seguir, o rol de objetivos de desenvolvimento sustentável,

asseverando de antemão que todos, sem exceção, afiguram-se como compatíveis e

sintonizados com os parâmetros desenvolvimentistas dispostos na Constituição de

1988, a saber:

1) acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;

2) acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição

e promover a agricultura sustentável;

3) assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas

as idades;

4) assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover

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oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;

5) alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas;

6) assegurar disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para

todos;

7) assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à

energia para todos;

8) promover o crescimento econômico equilibrado, inclusivo e sustentável,

emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos;

9) construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e

sustentável e fomentar a inovação;

10) reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles;

11) tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros,

resilientes e sustentáveis;

12) assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis;

13) tomar medidas urgentes para enfrentar a mudança climática e seus

impactos;

14) conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos

marinhos para o desenvolvimento sustentável;

15) proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas

terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a

desertificação, deter e reverter a degradação do solo e deter a perda de

biodiversidade;

16) promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento

sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir

instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis;

17) fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o

desenvolvimento.

Percebe-se, sem muito esforço, que, em geral, cada um dos objetivos está

conectado com as dimensões do desenvolvimento sustentável, ainda que em um ou

outro esta ou aquela dimensão assuma certa proeminência ou destaque em

contraste com as demais que com elas se imbricam.

De igual modo, é possível afirmar uma estreita vinculação que associa o

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programa de desenvolvimento sustentável inicialmente com os direitos que

consubstanciam o núcleo duro do primado da dignidade da pessoa humana (o

mínimo existencial), e, em desdobramentos consequenciais, logo em seguida, com

todo o catálogo de direito humanos, continente que abriga inclusive o direito ao

desenvolvimento, circunstância que não pode ser olvidada.

Assim, a assertiva parece reforçar o posicionamento daqueles que sustentam

ser instrumental/teleológico o liame que se verifica entre o processo de

desenvolvimento e os direitos humanos e liberdades fundamentais

contemporaneamente afirmados e sustentados no âmbito do sistema das Nações

Unidas.

2.8 A PRETENSÃO DESENVOLVIMENTISTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO

O compromisso desenvolvimentista do Estado não é inovação advinda do

texto constitucional vigente. Ao contrário, tem suas raízes solidamente fincadas na

história nacional e foi textualmente estampado no lema expresso na bandeira do

Brasil14. O ideal do progresso, muito em voga naquela época, veio a ser sucedido15

pela noção de desenvolvimento no pensamento e na literatura do Ocidente.

Sem solução de continuidade, ainda que com direcionamentos e ênfases

setoriais distintos, a perspectiva do desenvolvimento sempre esteve presente na

pauta programática dos mais altos interesses estatais no Brasil, cabendo lembrar,

exemplificativamente, os esforços para a industrialização do país e o pensamento

14 Sobre o tema assinala Heidemann (2014, p. 24): “No século 19, o conceito de progresso atingiu

seu auge, tornando-se bandeira do romantismo e assumindo caráter de necessidade. Em um contexto de busca e luta por democracia, a realização material propiciada pelo progresso econômico seria uma condição necessária para que as pessoas comuns pudessem superar seu destino de danação social. Quem não fosse nobre ou clérigo poderia, enfim, sonhar com a redenção social. O mito do progresso dominou todas as manifestações da cultura ocidental durante aquele século. Não foi, portanto, por mero acaso que o lema do progresso acabou sendo estampado então na bandeira do Brasil (Ordem e “Progresso”)”.

15 A crise da ideia de progresso é concomitante às dúvidas e críticas direcionadas ao ideário liberal e ao seu modelo de Estado absenteísta (Estado de Direito Liberal). Sob tal perspectiva o conceito de desenvolvimento e a assunção de novos papeis pelo Estado são historicamente contemporâneos. Nas primeiras décadas do século XX, afirma-se o protagonismo estatal no processo de desenvolvimento (Estado intervencionista nos domínios econômico e social). O incremento das atividades estatais se expressa particularmente via regulação, prestação de serviços públicos, exploração de empreendimentos econômicos e formulação de políticas governamentais. Nesse sentido, Heidemann (2014).

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nacional desenvolvimentista. Ademais, lembre-se ainda, aqui, da mobilização de

expressiva parcela da opinião pública brasileira pela campanha “o petróleo é

nosso”16 que resultou na criação da Petrobras por intermédio da Lei nº 2.004, de 03

de outubro de 1953.

É certo que as referências ora mencionadas prendem-se a uma fase histórica

já ultrapassada na qual o desenvolvimento era compreendido como sinônimo de

industrialização, de crescimento econômico, o que já não mais se dá na atualidade.

De igual modo, o intervencionismo estatal na esfera econômica por meio da

exploração direta de atividades próprias do mercado e do fomento econômico

excessivo e exauriente dos recursos públicos já não mais se sustentam em face do

incremento de demandas coletivas na ordem social e que a estrutura estatal vem

sendo incapaz de eficazmente atender.

Ademais tende a se reforçar a compreensão no sentido de que as

expectativas, os interesses e reclamos de uma sociedade complexa e plural exigem,

de um lado, a redefinição dos papéis do Estado e do mercado, ambos socialmente

responsáveis; e, de outro, a compreensão de que Estado e a sociedade civil devem

assumir os encargos afetos à concretização dos direitos fundamentais sociais

(coprodução do bem público).

Dessarte, para a pacificação social, o desenvolvimento impõe-se como um

dos fins primordiais e justificadores do Estado brasileiro, consoante impresso no

mais importante dos seus símbolos17, e, no Estado Democrático de Direito, a

plataforma desenvolvimentista é correlacionada aos fins do Welfare State,

agregados no modelo desenhado pelo texto constitucional de 1988.

É preciso deixar aqui assentado que a dogmática constitucional não costuma

16 “A campanha do petróleo movimentou o Brasil a partir de 1947, com o fim da II Guerra Mundial e

a derrubada da ditadura do Estado Novo. A ela se opunham setores liberais, chamados de "entreguistas" pelos grupos nacionalistas. À frente da campanha, o escritor Monteiro Lobato e os generais Leônidas Cardoso (pai do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) e Júlio Caetano Horta Barbosa, entre outras figuras ilustres da época. [...] Na época, o país vivia um boom de desenvolvimento econômico e a indústria do petróleo precisava acompanhar esse boom. Em 1950, o consumo do combustível praticamente triplicara, passando de 34 mil barris para 100 mil. No ano seguinte, o presidente Getúlio Vargas lança um projeto de lei para a criação da Petrobras. Depois de quase dois anos de batalhas no Congresso, a lei é aprovada no Senado e sancionada pelo presidente em outubro de 1953.” Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/campanha-petroleo-nosso-mobilizou-brasil-no-final-da-decada-de-40-1040179#ixzz3fsD4urO>

17 São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais. (CF-88, art. 13, § 1º).

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acentuar o compromisso desenvolvimentista do Estado Democrático de Direito,

consoante se percebe, exemplificativamente, na clássica obra de José Afonso da

Silva (2008). Nesse diapasão, averbam Vieira e Dimoulis18 (2011, p. 45) que

[…] os constitucionalistas consideram a questão do desenvolvimento como um tema de pouca relevância, isto é, como tópico específico do direito econômico e não como elemento relevante no estudo do direito constitucional.

Contudo, uma hermenêutica constitucional sistemática desvenda o projeto

desenvolvimentista. Com efeito, identifica-se no conteúdo versado no art. 3º da

Constituição Federal o ponto de partida mais geral que permite a indicação das

tarefas fundantes atreladas à República, sintetizadas na construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, na garantia do desenvolvimento nacional, no

estabelecimento de um padrão mínimo de vida digna, na redução das desigualdades

sociais e regionais e na promoção do bem de todos sem discriminação19.

O programa a ser concretizado pela atividade estatal mantém estreita

coerência com a soberania popular instituidora da comunidade política, com a

cidadania, a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o

pluralismo político, todos qualificados com o status de fundamentos da comunidade

estatal. Assente-se, desde logo, que premissas de tamanha magnitude não podem

ser escamoteadas por quem pretenda empreender uma interpretação sustentável do

texto constitucional.

Não é despiciendo lembrar que tais cláusulas foram firmadas pela

representação democrática e plural da sociedade como frutos do consenso

estabelecido no processo constituinte que trouxe a lume um projeto a ser

perseguido, um dever-ser prospectivo que pretende progressivamente vir-a-ser.

18 Segundo os autores, as múltiplas relações entre Constituição e desenvolvimento são, em geral,

ignoradas. Por um lado, como já assinalado, os estudos constitucionais são excludentes no tocante ao desenvolvimento; por outro, “[...] economistas, cientistas e teóricos do Direito que escrevem sobre a relação entre direito e desenvolvimento costumam analisar o sistema jurídico como um todo, com ênfase na atuação decisória concreta do Executivo e do Judiciário, não dedicando análises específicas às Constituições.” (VIEIRA; DIMOULIS, p 45).

19 MOREIRA NETO (1994, p. 401): “O Estado contemporâneo não se esgota como garantidor da convivência harmoniosa, como prestador de serviços públicos e como preservador de valores econômicos e culturais. Cabe-lhe ainda, […] estimular a sociedade a desenvolver-se, isto é, auxiliar a cada indivíduo e às suas multiformes expressões gregárias a utilizar o máximo de sua potencialidade em todos os campos da vida humana, propiciando-lhes todas as possíveis condições e instrumentos para o progresso.”

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Ademais, a apreensão sistemática das disposições constitucionais20 permite

inferir que os objetivos fundamentais republicanos devem ser entendidos como

metas que orientam as atividades estatais, do mercado e do terceiro setor em uma

interação politicamente coordenada e fomentada pelo poder público, conforme se

buscará demonstrar mais adiante.

Os que relacionam o modelo do Estado Democrático de Direito com a pós-

modernidade21 justificam um enfático realce dos compromissos diretamente

vinculados à efetivação dos direitos sociais do protótipo em países periféricos, de

modernidade tardia ou emergentes, como o Brasil, em virtude do imprescindível

resgate das promessas da modernidade.

Por enquanto, basta averbar que as mudanças sociais e regionais pretendidas

e teleologicamente direcionadas à promoção universalizante do bem comum rumo a

uma sociedade livre, justa, solidária e promotora da dignidade da pessoa humana

pressupõem e se inter-relacionam com o processo dinâmico do desenvolvimento22

nas suas múltiplas acepções, como imediatamente pretende-se explicitar.

Acentue-se, aqui, ainda que de passagem, que a importância e o relevo da

temática restam sobremodo evidenciados quando se leva em conta que, no plano

internacional, o direito da humanidade ao desenvolvimento foi proclamado por

20 Empreendendo uma análise sistemática do texto constitucional, propõe Grau (2010, p. 174): “Que

a nossa Constituição de 1988 é uma constituição dirigente, isso é inquestionável. O conjunto de diretrizes, programas e fins que enuncia, a serem pelo Estado e pela sociedade realizados, a ela confere o caráter de plano global normativo, do Estado e da sociedade.”

21 Streck e Bolzan (2014, p. 149): O atendimento a esses fins sociais e econômicos é condição de possibilidade da própria inserção do Estado Nacional na seara da pós-modernidade globalizante. Portanto, há que se ter presente que os objetivos constantes no art. 3º não são conceitos desvinculados da contemporaneidade que cerca a noção de Estado Nacional; na verdade, o art. 3º da Constituição do Brasil conecta-se com a própria noção de Estado Democrático de Direito constante do art. 1º.

22 A pretensão constitucional não pode ser alcançada se se confundir “desenvolvimento” com “crescimento econômico”, equívoco em que muitos incorrem, intencionalmente ou não. É certo, todavia, que se aproximam, sendo possível assentar que a expressão “crescimento econômico” constitui uma importante dimensão do que se compreende por “desenvolvimento” em sentido lato. Grau (2010, p. 217-8) constrói a seguinte diferenciação: “[...] a ideia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e importa em que se esteja a realizar, na sociedade por ela abrangida, um processo de mobilidade social contínuo e intermitente. O processo de desenvolvimento deve levar a um salto, de uma estrutura social para outra, acompanhado da elevação do nível econômico e do nível cultural-intelectual comunitário. Daí porque, importando a consumação de mudanças de ordem não apenas quantitativa, mas também qualitativa, não pode o desenvolvimento ser confundido com a ideia de crescimento. Este, meramente quantitativo, compreende uma parcela da noção de desenvolvimento”. Assim, a confusão ou sinonímia se dá, em verdade, entre “crescimento econômico” e “desenvolvimento” em seu sentido mais estrito, atualmente superado pelas concepções pluridimensionais do desenvolvimento (sentido lato).

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declaração aprovada no dia 04 de dezembro de 1986 pela Assembleia Geral das

Nações Unidas.

Uma perspectiva que permite compreender as conexões possíveis entre

(direito ao) desenvolvimento e direitos fundamentais é a sustentada por Sen (2010)

em obra de referência. Defende o autor que, na contemporaneidade, a superação da

pobreza, das privações enfrentadas por significativa parcela da comunidade

humana, das agressões ao meio ambiente e as demais violações de direitos

constituem a questão central do processo de desenvolvimento em todo o planeta,

inclusive nos chamados países desenvolvidos que devem equacionar as distorções

do processo.

O modelo proposto por Sen (2010) associa em uma só plataforma os dois

catálogos de direitos humanos que no passado demarcaram a divisão do mundo em

dois blocos. Assim, os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais são

agregados sob a categoria geral da liberdade em cinco espécies a saber: políticas;

facilidades econômicas; oportunidades sociais; garantias de transparência; e

segurança protetora.

A expansão de tais liberdades, que se entrelaçam e não se excluem na

dinâmica social, é apontada como fim e meio do desenvolvimento, entendendo o

autor que tal formulação é uma alternativa adequada à superação da tradicional

abordagem que sempre enfatizou exclusivamente a renda (crescimento econômico,

renda per capita, produto interno bruto, etc.) como parâmetro do desenvolvimento.

A mudança de foco operada claramente abandona a concepção economicista

do fenômeno desenvolvimentista sem, todavia, desconhecer ou reduzir o peso do

componente estritamente econômico do processo. A teoria evidencia a necessidade

de que a avaliação e o planejamento levem em consideração as múltiplas

dimensões e implicações envolvidas no processo.

O desenvolvimento não é tarefa exclusiva do Estado ou do mercado. Para

Sen (2010), ao lado de espaços próprios de atuação, o poder público, o sistema de

mercado e a sociedade civil são partícipes indispensáveis do processo que busca

maximizar as capacidades humanas individuais. Nesse sentido, sopesa a

heterogeneidade presente no meio social, viabiliza o protagonismo individual do

cidadão quer na condução da sua vida, quer na participação nos debates em torno

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das decisões afetas às questões de interesse coletivo, o que só é possível com a

garantia efetiva das liberdades instrumentais/substanciais.

A estruturada teorização do desenvolvimento como processo vocacionado à

expansão dos direitos é inegavelmente compatível com o modelo constitucionalizado

do Estado Democrático de Direito brasileiro23. Igualmente é útil ao desate das

questões relativas ao atingimento dos seus fins e à deliberação sobre as soluções

mais apropriadas para alcançá-los via planejamento estatal e adoção de políticas

públicas que deverão inexoravelmente assegurar a participação da sociedade civil e

dos agentes econômicos em todas as fases dos procedimentos atinentes aos temas

de interesse geral ou setorial.

Uma apreciação sistemática do desenvolvimento no texto constitucional

vigente deve partir da sua inserção dentre os objetivos fundamentais republicanos.

Estabelece-se assim uma íntima interação entre a promoção inclusiva do bem

comum, a erradicação da pobreza e da marginalização, o propósito direcionado à

redução das desigualdades sociais e regionais24, o desenvolvimento enquanto

processo simultaneamente instrumental/substancial e a construção da sociedade

com os valores da liberdade, justiça e igualdade, inexistindo, o que se supõe,

parâmetro consensualmente fundado ou racionalmente aceito para hierarquizá-los.

Tais são os fins de uma comunidade (soberana) que se universaliza no plano

político pela cidadania e no moral pela afirmação da dignidade humana, mas que no

plano estrito da vida social admite as tensões que envolvem o trabalho e a livre

iniciativa.

Ao que parece, o emprego da noção de pluralismo25 é que permite justificar o

23 Segundo Guimarães (2013, p. 36) “o pensamento teórico de Sen (2000), portanto, pode ser

transportado, no contexto brasileiro, para o debate constitucional da promoção dos direitos sociais e das políticas públicas de inclusão, delineadas e asseguradas no Estado Social de Direito brasileiro […].”

24 Segundo Grau (2010, p. 220): ”O enunciado do princípio expressa, de uma banda, o reconhecimento explícito de marcas que caracterizam a realidade nacional: pobreza, marginalização e desigualdade, sociais e regionais. Eis um quadro de subdesenvolvimento incontestado, que, todavia, se pretende reverter. Essa reversão nada tem, porém, em relação aos padrões do capitalismo, de subversiva. É revolucionária apenas enquanto voltada à modernização do próprio capitalismo […]”.

25 Segundo Paes e Santana (2014, p. 180-1): “A teoria constitucional do tempo presente deve levar em conta dois fatores sociais: a complexidade da sociedade e o pluralismo. Há, portanto, sistemas diferenciados para situações específicas o que não viabiliza a regulamentação por uma via unitária (Streck, 2002, p110-1). Seria uma função não dirigente, mas coordenada para que diversos sistemas coabitassem de forma autônoma e maximizando uma racionalidade interna. A

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estabelecimento do programa teleológico abertamente social desenvolvimentista

como uma aposta viabilizadora de um respeitoso convívio com a heterogeneidade

social sem, todavia, abrir mão de que no convívio social um padrão mínimo seja a

todos assegurado (mínimo existencial, garantia do núcleo essencial dos direitos,

renda básica ou similares).

Certamente, a pretensão desenvolvimentista descortina-se com a

enumeração dos direitos à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer,

segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência

aos necessitados (art. 6º).

Cumpre ainda levar em consideração que:

a) compete à União elaborar e executar planos nacionais e regionais de

ordenação do território e do desenvolvimento econômico e social (21, IX);

b) é de competência comum de todos os entes da federação proporcionar os

meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa

e à inovação (23, V, redação da EC 85/15);

c) para efeitos administrativos a União poderá articular sua ação em um

mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento

e à redução das desigualdades regionais (43, caput);

d) aos entes da federação é vedado instituir impostos sobre o patrimônio,

renda ou serviços das instituições de educação e de assistência social,

sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da Lei (150, VI, c);

e) o comprometimento da ordem econômica26 com o programa

desenvolvimentista econômico e social delineado no texto constitucional é

aquilatado pela indicação da valorização do trabalho humano e da livre

iniciativa como seus fundamentos, pelo seu fim precípuo de assegurar a

todos existência digna conforme os ditames da Justiça Social, bem como à

luz dos princípios da função social da propriedade, defesa do consumidor,

Constituição seria um fio condutor para uma reflexão acerca dos efeitos sociais de suas decisões e atuação, tendo por princípios a responsabilidade social e a consciência global”.

26 A submissão da ordem econômica a uma racionalidade juridicamente instituída, que extrapola as fronteiras da racionalidade econômica do pensamento liberal, foi obra dos textos constitucionais filiados ao paradigma do Estado Social. Sobre a constitucionalização da ordem econômica, assenta Silva (2008, p. 786): “A ordem econômica adquiriu dimensão jurídica a partir do momento em que as constituições passaram a discipliná-la sistematicamente, o que teve início com a Constituição mexicana de 1917. No Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira a consignar princípios e normas sobre a ordem econômica, sob a influência da Constituição alemã de Weimar.

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defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais,

busca do pleno emprego e do tratamento favorecido às empresas de

pequeno porte (170, caput, III, V, VI, VII e IX);

f) como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado

exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e

planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo

para o setor privado (174, caput);

g) o desenvolvimento nacional equilibrado deve se pautar por diretrizes e

bases e incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de

desenvolvimento, nos termos da lei (174, §1º);

h) a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o

bem-estar e a justiça social (art. 193).

Empreendida tal incursão introdutória e retrospectiva, cumpre reafirmar que

no Estado Democrático de Direito modelado pelo texto constitucional as funções e

os fins do aparato estatal, as atividades próprias do mercado e as relevantes

contribuições do terceiro setor encontram-se precisamente estipuladas27.

Essa constatação vai de encontro ao que supõem os intérpretes que se

dedicam à hermenêutica constitucional sem se apartarem das lentes refratárias do

(neo)liberalismo, do (neo)marxismo, de um estatismo conservador ou de outros

prismas ideológicos. Esses intérpretes formulam teorizações em grande medida

inviáveis ou pouco consistentes por não contarem com o respaldo de sólidos

precedentes jurisprudenciais e dogmáticos e ao arrepio de todos os parâmetros de

controle intersubjetivo da racionalidade da argumentação atualmente postos à

disposição de todos pelas teorias da argumentação jurídica.

Isso posto, cumpre ainda deixar averbado que interessa, neste estudo,

especificamente, salientar que o Estado brasileiro encontra-se comprometido com a

27 Ávila (2014, p. 43 e ss) que entende que a norma jurídica é resultante do labor construtivo e

reconstrutivo do intérprete/aplicador empreendido a partir dos textos legais, ao mesmo tempo em que eleva para além do positivismo clássico o status do hermeneuta, trata imediatamente de asseverar que não se cuida de atividade levada a efeito de modo arbitrário ou caprichoso: […]. O ordenamento jurídico estabelece a realização de fins, a preservação de valores e a manutenção ou a busca de determinados bens jurídicos essenciais à realização daqueles fins e à preservação desses valores. O intérprete não pode desprezar esses pontos de partida. Exatamente por isso a atividade de interpretação traduz melhor uma atividade de reconstrução: o intérprete deve interpretar os dispositivos constitucionais de modo a explicitar suas versões de significado de acordo com os fins e os valores entremostrados na linguagem constitucional.

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concretização progressiva dos direitos sociais visando ao atingimento dos seus fins,

no cumprimento das tarefas desenvolvimentistas próprias da ordem social28. As

funções estatais de planejamento e de formulação de políticas sociais não podem

desconsiderar nem subtrair o papel constitucionalmente conferido à sociedade civil

na coprodução do bem público, ainda que sob coordenação estatal, quando atuarem

em conjunto, conforme será visto adiante.

28 Cuida-se aqui de uma solução de compromisso enquanto condição de possibilidade, no pensar

autêntica e irrefutável, da permanência e funcionalidade do sistema socioeconômico que se extrai dos elementos sócio-ideológicos do contexto constitucional, de que nos fala Silva (2008, p. 787): “[…] os elementos sócio-ideológicos são o conjunto de normas que revela o caráter de compromisso das constituições modernas entre o Estado liberal e o Estado social intervencionista. O primeiro firmou a restrição dos fins estatais, consagrando uma declaração de direitos do homem, como estatuto negativo, com a finalidade de proteger o indivíduo contra a usurpação e abusos do poder; o segundo busca suavizar as injustiças e opressões econômicas e sociais que se desenvolveram à sombra do liberalismo”.

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3 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, O DIREITO À EDUCAÇÃO E SUA EFETIVAÇÃO PROGRESSIVA: ESTADO, TERCEIRO SETOR E POLÍTICAS PÚBLICAS NA ORDEM SOCIAL

O direito à educação encontra-se no foco central das atenções deste capítulo.

Sua abordagem é precedida por uma expedição investigatória no campo das ideias

que empolgaram e continuam a empolgar os homens nas marchas e contramarchas

da história social, findando a incursão com a constatação da descoberta dos direitos

fundamentais, fato registrado pela Filosofia, pela Política e, logo após, pelo Direito.

Em seguida, cuida-se de estabelecer os contornos do seu perfil e dissecar o

seu conteúdo no plano constitucional vigente para, de imediato, captar a dinâmica

concretizadora dos direitos fundamentais sociais, dentre eles o direito à educação,

impulsionada pelas ações estatais e do terceiro setor, conjugadas e promovidas por

intermédio das políticas públicas.

3.1 PERSPECTIVAS PARA UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Uma compreensão ampla e verticalizada atinente aos direitos fundamentais

(ou direitos do homem, direitos humanos ou ainda direitos humanos e liberdades

fundamentais) pode ser levada a cabo a partir de perspectivas distintas que, todavia,

ao invés de se excluírem, findam por se complementarem no esquadrinhamento das

múltiplas facetas do objeto de estudo.

No entender de Vieira de Andrade (2004, p. 15; 50), sob quatro prismas é

possível enfrentar o tema, a saber: uma perspectiva filosófica (ou jusnaturalista);

uma perspectiva estadual (ou constitucional); sob o ângulo universalista (ou

internacionalista); e, por fim, focando uma dimensão constitucional positiva.

Em um primeiro enfoque, filosófico ou jusnaturalista, lembre-se que o

reconhecimento e a afirmação dos direitos do homem ocorreu inicialmente no campo

das especulações filosóficas e só posteriormente encontrou guarida e amparo na

seara jurídica.

Traça o autor um percurso que tem início na Antiguidade clássica (Grécia e

Roma), sofre os influxos do cristianismo, reforça-se com o racionalismo até se

expressar política e juridicamente nas revoluções liberais do século XVIII (norte-

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americana e francesa):

Afirma-se, então, a primazia do indivíduo sobre o Estado e a sociedade constituídos estes “contratualmente” com base nas liberdades políticas e nas liberdades individuais e assim se define a “possibilidade de realização jurídica” dos direitos do homem […]. (VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 18).

A perspectiva estadual ou constitucional emerge historicamente da

experiência inglesa (Magna Carta de 1215, limitadora do poder real; Lei de Habeas

Corpus, 1679; e Declaração de Direitos – Bill of Rights, de 1689) assimilada e

instrumentalizada pelos colonos da América do Norte sob os influxos da filosofia

liberal. Conforme Vieira de Andrade (2004, p. 21),

[...] estes “direitos dos ingleses” são transplantados para os territórios coloniais e vão aí frutificar na Revolução Americana como “direitos dos homens”. As Declarações de Direitos dos Estados – as principais são de Virgínia, Pensilvânia e Maryland, todas de 1776 – e, mais tarde, a Constituição Federal (1787) e seus primeiros nove aditamentos […] recorrem já a fórmulas universais, juntando o racionalismo próprio da época ao tradicional pragmatismo anglo-saxônico (os “costumes” transformam-se em “princípios”).

A perspectiva universalista ou internacionalista refere-se ao processo de

reconhecimento e institucionalização dos direitos humanos e liberdades

fundamentais no plano internacional, assinalado particularmente pela Carta das

Nações Unidas (1945), Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH, 1948) e

pelos Pactos Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos e sobre os Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, sem prejuízo da importância de

outros documentos que compõem o Direito Internacional dos Direitos Humanos

(DIDH).

A Segunda Guerra Mundial é a circunstância histórica que inseriu

definitivamente a proteção da dignidade humana e o correlato catálogo aberto de

direitos fundamentais na pauta da política internacional e da opinião pública mundial.

Desde então, articulou-se um sistema internacional de proteção de direitos

humanos, inclusive em âmbitos regionais, impondo-se salientar que o acelerado

incremento na confecção de documentos internacionais relacionados ao tema

parece conferir razão aos que apontam a internacionalização dos direitos humanos e

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liberdades fundamentais como uma dimensão do processo rotulado por

globalização.

Nessa ordem de ideias, fácil é perceber que a perspectiva universalista vem

hodiernamente crescendo em importância máxime quando se tem em mira as

potenciais consequências do comprometimento total ou parcial dos Estados,

concernente aos deveres de respeito, proteção e garantia dos direitos humanos

pactuados na esfera das Nações Unidas ou no plano regional.

O quarto prisma busca identificar a peculiar conformação dos direitos

fundamentais instituída no contexto do direito constitucional positivado por um

determinado Estado. Acentue-se que a ordem constitucional, além de estabelecer o

rol e o perfil dos direitos fundamentais, deve igualmente dispor sobre o modo pelo

qual serão internalizados os ajustes internacionais de direitos humanos, bem como a

posição que assumirão na pirâmide da normatividade configuradora do ordenamento

jurídico interno.

Não obstante sua importância, a dimensão constitucional dos direitos

fundamentais não prescinde do aporte ofertado pelas outras abordagens pois a

constituição incorpora à ordem jurídica interna princípios e regras do direito

internacional dos direitos humanos assim como, por outro lado, “o conjunto dos

direitos fundamentais está referido às ideias de 'dignidade da pessoa humana'

inscrita na consciência jurídica geral”, assevera Vieira de Andrade (2004, p. 50).

Tais perspectivas foram encampadas e podem ser contempladas em diversas

passagens do presente estudo direcionadas à temática dos direitos fundamentais a

ser igualmente referida no próximo item.

3.2 AS GERAÇÕES/DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A exposição das perspectivas que se acaba de levar a efeito já permite

antever a historicidade que enreda a compreensão dos direitos fundamentais. Assim,

a literatura que enfrenta o assunto costuma dedicar atenção ao tracejo de um

percurso histórico durante o qual a teorização dos direitos humanos em aparente

paradoxo se afirma em incessante atividade de construção/desconstrução/

reconstrução, se (re)afirma em processo de mutação que lhe resguarda a essência.

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Por isso, assenta-se que a evolução histórica dos direitos fundamentais é

marcada pela ideias de acumulação, variedade e abertura mas que, ainda assim, é

possível enxergar um momento comum, um signo do começo ou recomeço

precisamente na “proteção da 'dignidade da pessoa' contra os perigos que resultam

das estruturas de 'poder' na sociedade” (VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 68; 69).

Costumeiramente, mas não sem objeções, busca-se fixar cronologicamente

gerações ou dimensões de direitos fundamentais que se acumulam, sem superação

ou exclusão, que se complementam e dão ensejo a um novo elenco e uma nova

conformação dos direitos humanos e liberdades fundamentais.

Sem se deter às controvérsias, é forte uma tendência no sentido de associar

as gerações/dimensões às ideias-força que compõem a trilogia revolucionária do

liberalismo francês do século XVIII.

Nesse sentido, “liberdade, igualdade e fraternidade são os princípios cardeais

que expressam todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais antecipando

inclusive a sequencia histórica de sua gradativa institucionalização” (BONAVIDES,

2012, p. 580-1).

A concepção, no ano de 1979, da fórmula geracional é, de regra, atribuída a

Karel Vasak e é defendida como adequada à apreensão das nuances de um

processo de mudanças quantitativas e qualitativas que se inicia como uma

proposição de universalidade abstrata e metafísica e chega à contemporaneidade

propugnando um universalismo material e concreto dos direitos do homem e da

humanidade enquanto condições inarredáveis para o convívio pacífico e a própria

sobrevivência da espécie (BONAVIDES, 2012).

Em grande medida, o desenvolvimento e a influência da teoria geracional ou

multidimensional dos direitos fundamentais, no Brasil, são tributários dos esforços

intelectuais e da produção doutrinária de Paulo Bonavides. De acordo com o

constitucionalista, é possível distinguir cinco gerações de direitos que se

constituíram agregadas aos ideais de liberdade (a primeira), igualdade (a segunda) e

fraternidade (as três últimas).

A primeira geração compreende os direitos civis e políticos titularizados pelo

indivíduo e oponíveis ao Leviatã. Os direitos de liberdade são vistos como atributos

ou faculdades da pessoa e constituem uma esfera (individual/privada) que ao Estado

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descabe de qualquer modo ameaçar ou violar, daí se falar em direitos de defesa,

resistência, oposição ou escudo contra ou perante o Estado.

Averbe-se que a valorização do homem singular é o produto final das

doutrinas contratualistas, segundo as quais sociedade e Estado são criaturas da

vontade livre dos indivíduos que salvaguardaram suas esferas de autonomia,

quando instituíram o contrato social.

No contexto da primeira geração dos direitos humanos encontram-se bem

definidas a esfera da autonomia individual (liberdade), a esfera social (propriedade

privada) e a esfera pública (segurança), razão pela qual se exige do Estado que se

abstenha de interferir quer na vida pessoal, quer no ambiente socioeconômico.

A segunda geração de direitos congrega direitos em torno da pretensão

principiológica da isonomia. Cuidam-se dos direitos econômicos, sociais e culturais

na terminologia empregada no âmbito do sistema das Nações Unidas, tradicional e

fortemente assinalados na doutrina brasileira pela expressão direitos sociais,

destacando-se, nessa categoria, os de natureza prestacional, que se diferenciam

das liberdades

[...] porque representam exigências de comportamentos estaduais positivos – embora a contraposição indivíduo-Estado não desapareça, esbate-se na medida em que os direitos não são, em si, direitos “contra” o Estado (contra a lógica estadual), mas sim direitos “através” do Estado. (VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 59).

A segunda geração demanda ao Estado o desempenho de papel positivo na

libertação material do homem, impondo-se modificações de forma e de fundo na

estrutura estatal, metamorfose a que se costuma aludir com a expressão modelo de

Estado social29.

Representativa da justificação/contextualização histórica da afirmação dos

direitos sociais enquanto direitos humanos é a proposta elaborada por Gotti (2012, p.

46; 47):

Os direitos sociais foram incorporados à gramática dos direitos após crescentes reivindicações da classe trabalhadora que, em um

29 Anota Bonavides (2012, p. 582), que os direitos fundamentais da segunda geração foram

“introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX”.

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cenário de miséria, condições desumanas de trabalho e total exclusão da vida social e política buscava o amparo estatal para as necessidades relacionadas às condições de trabalho, a educação, a saúde e a moradia, que tinham como fundamento central a proteção da dignidade humana.

Impende ainda registrar que a segunda dimensão dos direitos fundamentais

incorpora novas questões à pauta temática, particularmente:

a) mesmo tendo uma dimensão subjetiva, os direitos fundamentais

apresentam outra de caráter objetivo30, de modo que o homem e seus

direitos são agora situados no contexto social: é na sociedade que o

indivíduo realiza e expressa a sua dignidade humana e exercita os direitos

que titulariza, indissociáveis da condição humana, tem reconhecida uma

função social;

b) o Estado, além do imperativo do respeito (de cunho negativo), tem o dever

de atuar positivamente visando a assegurar o desfrute dos direitos

fundamentais;

c) a igualdade genérica e abstrata do contratualismo, que impunha ao Estado

comportamento absenteísta, é substituída pelo dever estatal de tratar

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais (igualdade

substancial);

d) os direitos fundamentais não sofrem riscos exclusivamente em razão do

arbítrio estatal. Com efeito, devem ser eles postos a salvo dos abusos do

poder econômico tão danoso quanto os provenientes dos desmandos do

Leviatã (eficácia irradiante e horizontal dos direitos fundamentais nas

relações privadas).

As três mais recentes gerações de direitos fundamentais, consoante a

formulação de Bonavides (2012) emergem no fim do século XX, sendo que a quarta

e a quinta são, em verdade, desdobramentos da terceira geração de direitos

humanos. Além disso articulam-se todas sob a bandeira da fraternidade, assim como

os direitos que as representam e lhes conferem forma e conteúdo próprios são

titularizados pelo gênero humano, independentemente de qualquer outro

30 Assevera Bonavides (2012) que a objetivação dos direitos fundamentais passa pelo

reconhecimento de que são eles dotados de carga axiológica cuja concretização é viabilizada por garantias institucionais estabelecidas constitucionalmente.

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pressuposto fático ou jurídico, daí porque Bonavides (2012, p. 588) acentua que se

tratam de direitos “dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade”, ao

passo que Bedin31 (2003) propõe qualificá-los como “direitos sobre o Estado”.

A terceira geração de direitos humanos compreende os direitos ao

desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade32 e ao meio ambiente. Tal

dimensão afirma-se buscando equacionar as consequências deletérias da divisão do

mundo em grupos de países desenvolvidos e subdesenvolvidos (ou em

desenvolvimento), distinção também efetuada sob as denominações países

cêntricos e periféricos.

Parte-se da premissa que a interdependência econômica entre os países é

um processo que, embora não dissolva as peculiaridade históricas e estruturais de

cada país nem imponha um modelo único rumo à modernização, aponta uma

tendência para a emergência de uma sociedade planetária, cuja consolidação e

estabilidade dependerá da superação da pobreza (afrontada pelo padrão de vida dos

países hegemônicos) e das relações assimétricas que contrapõem economias

cêntricas e periféricas no intercâmbio internacional (GUERREIRO RAMOS, 2014)33.

Aliada a isso, a compreensão de que o crescimento econômico não pode

desconsiderar seus efeitos nocivos sobre o meio ambiente foi cada vez mais

31 Bedin (2003) distingue quatro gerações de direitos humanos tendo em conta como se articulam

os direitos nas relações Estado/sociedade (ou esfera pública/esfera privada) a saber: 1ª geração: Direitos civis. Direitos negativos face ao Estado. Impõem abstenção estatal; 2ª geração: Direitos políticos ou liberdades políticas. Direitos de participar da esfera pública (sufrágio universal, constituição de agremiações partidárias, plebiscito, referendo e iniciativa popular); 3ª geração: Direitos sociais e econômicos (prestacionais). Direitos por meio do Estado; 4ª geração: direitos de solidariedade destinados ao gênero humano. Direitos sobre o Estado (autodeterminação dos povos, paz, patrimônio comum da humanidade, meio ambiente sadio e direito ao desenvolvimento).

32 Pode-se conceber uma noção geral do patrimônio ou herança comum da humanidade como um vasto e diversificado acervo de bens materiais e imateriais, naturais e culturais, de significativa relevância e valor para o gênero humano que, qualificados formalmente como tais a partir da edição de atos normativos internacionais de caráter universal, sujeitam-se a regimes ou estatutos jurídicos especiais de proteção, utilização e exploração disciplinados pelo Direito Internacional Público, que prescreve limitações ao campo de ação dos Estados-Partes, das empresas, dos indivíduos, dentre outros, em prol dos interesses gerais da humanidade incluindo as futuras gerações. (DIAS NETO; REBOUÇAS, 2012).

33 Frise-se que as ponderações de Guerreiro Ramos, recentemente publicadas no Brasil, foram produzidas e divulgadas nos EUA entre 1967 e 1970. Desde então, a consciência de que estamos todos “no mesmo barco” consolidou-se universalmente. A fase atual do que se denomina “globalização” confirma de modo cabal a antevisão do autor quanto a instabilidade de um supersistema mundial caso não fossem superadas as desigualdades que apartam países e regiões do globo, bastando aqui lembrar o quanto os “refugiados econômicos” e os “refugiados de guerra” vem inquietando as sociedades e os círculos políticos da Europa e dos Estados Unidos da América.

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ganhando força na opinião pública mundial, com tal intensidade que hodiernamente

o processo de desenvolvimento só se legitima com a saliência de suas dimensões

de comprometimento social e sustentabilidade ambiental, não se podendo aqui

negar a contribuição decorrente da afirmação da terceira geração dos direitos

humanos.

A quarta geração pretende instituir os fundamentos da globalização política,

as bases para a concretização da sociedade aberta do futuro que já se descortina

(BONAVIDES, 2012). A nova dimensão afirma os direitos à democracia (direta), à

informação e ao pluralismo conjugando-se a fraternidade à participação nos âmbitos

políticos de cada povo, país, região e do sistema das Nações Unidas.

A quinta geração dos direitos do homem e da humanidade, tendo ainda a

fraternidade/solidariedade por inspiração, propõe conferir juridicidade à paz. Assim,

“a concepção da paz no âmbito da normatividade jurídica configura um dos mais

notáveis progressos já alcançados pela teoria dos direitos fundamentais”

(BONAVIDES, 2012, p. 598).

Sustenta o autor que o direito à paz encontra-se suficientemente conformado

a partir de diretrizes traçadas em diversos documentos expedidos no plano do

sistema das Nações Unidas, na doutrina e na jurisprudência, assim como no direito

constitucional positivo brasileiro, justificando-se o deslocamento da terceira para

uma quinta dimensão em face da necessidade, em tempos de aceleração da

globalização, de incrementar a visibilidade do direito. Ademais, “a dignidade jurídica

da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto

qualitativo da convivência humana, elemento de conservação da espécie, reino de

segurança dos direitos” (BONAVIDES, 2012, p. 602).

Do que se acaba de expor, é possível assentar conclusivamente que a

explicação geracional, ainda que não imune a críticas e enredada em controvérsias,

não só viabiliza o aprofundamento da compreensão dos direitos fundamentais mas

também, principalmente, contribui na percepção do caráter dinâmico desses direitos

que vem viabilizando uma perene atualização/adequação/modificação da teoria dos

direitos fundamentais às contingências e demandas da proteção da dignidade

humana nas distintas fases da história do convívio social global.

Urge que se ingresse especificamente na seara dos direitos sociais para em

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tal contexto captar-se com pormenores o direito humano fundamental social à

educação.

3.3 ALGUNS PRINCÍPIOS QUE CONTRIBUEM PARA A COMPREENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

O confronto aberto ou latente de forças que se contrapõem e/ou se

antagonizam em uma sociedade fragmentada e complexa deflagra tensões que se

expressam em avanços e recuos circunstanciais na peleja sem tréguas que apartam

contingentes favoráveis e contrários à materialização dos direitos fundamentais

sociais.

A disputa teórica emprega farto arsenal argumentativo que, de regra, busca

atingir preferencialmente determinados alvos, tais como a natureza e a viabilidade

dos direitos sociais, a superação ou permanência do modelo de Estado Social, a

destinação dos recursos públicos, a relação entre liberdade e igualdade (primazia,

inferioridade ou equivalência), o (des)equilíbrio entre igualdade e diversidade e as

concepções formais e materiais de liberdade, igualdade e dignidade da pessoa

humana.

Embora se cuide de conflito generalizado que não respeita fronteiras

(globalizado), seus efeitos assumem maior potencialidade lesiva e dramaticidade

nos países marcados por desigualdades e exclusão sociais de maior proporção,

onde as vitórias dos que se batem contra a efetivação dos direitos sociais, ainda que

parciais e transitórias, podem acarretar até mesmo a desagregação social e a ruína

do sistema político, quadro provavelmente considerado por Bonavides (2012, p.

608), ao consignar: “A meu parecer, em termos de legitimidade e democracia, jamais

há de prosperar em países periféricos, Estado de Direito sem Estado Social.”

Entretanto, apesar do que se vem descrevendo, é preciso aqui pontuar que

habemus legem. Com efeito, o Estado brasileiro acha-se inapelavelmente

comprometido com a efetivação dos direitos sociais tanto no âmbito da ordem

jurídica mundial como em face do ordenamento jurídico interno.

No âmbito internacional, acentua Piovesan (2009), os direitos ao bem-estar

(econômicos, sociais e culturais), a que o respectivo pacto internacional de 1966

conferiu status de preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes e não mais

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simples recomendações como se dava com as disposições da Declaração Universal

de 1948, devem ser progressivamente disponibilizados sem discriminação pelo

Estado. Trata-se de obrigações internacionais cujo inadimplemento por Estado-parte,

como o Brasil, enseja sua responsabilização perante o sistema das Nações Unidas.

Sustenta a autora que o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,

instituído pelo Conselho Econômico e Social da ONU, tem reiterado o dever

cometido a cada Estado-parte de assegurar, ao menos, o núcleo essencial mínimo

(minimum core obligation) de todos e de cada um dos direitos catalogados no Pacto

de 1966, sendo o dever estatal na matéria associado às ideias de respeito, proteção

e implementação (PIOVESAN, 2009).34

No que se refere especificamente ao comprometimento estatal com a

concretização dos direitos sociais no ordenamento jurídico nacional afigura-se,

despiciendo qualquer esforço de monta. Basta aqui lembrar com Bonavides (2012, p.

596) que a previsão em sede constitucional dos direitos sociais remonta à

Constituição de 1934. Ademais, à luz das disposições constantes dos arts. 1º, 3º, 6º,

170, 193 e ss da Constituição de 1988, aquilatando-se em particular o estabelecido

no art. 60, § 4º, IV, inviabiliza-se qualquer projeto hermenêutico tendente a negar

que os direitos sociais encontram-se previstos e blindados na altíssima condição de

integrantes do núcleo duro e intangível do texto constitucional brasileiro ora vigente.

Diga-se ainda, antes de ferir diretamente o ponto, que os direitos sociais têm

por fundamento a dignidade humana, que pretendem ver concretizada no plano da

convivência social, o que justifica a associação desses direitos aos ideais de

igualdade, liberdade, democracia e paz (GOTTI, 2012).

A identificação e sistematização de princípios por meio dos quais se

compreende o sentido, o alcance e a dinâmica dos direitos fundamentais sociais é

tarefa a que Gotti (2012) dedicou especial atenção. Propõe a autora a incidência de

duas ordens de princípios, a saber:

a) uma principiologia geral aplicável a todos os direitos fundamentais; e

b) uma principiologia peculiar, própria dos direitos fundamentais sociais.

34 Conforme esclarece a autora (2009, p. 181), a obrigação de respeitar obsta ao Estado que viole

tais direitos, ao passo que a obrigação de proteger impõe ao Estado atuar visando evitar e impedir que terceiros (atores não-estatais) exponham a risco ou malfiram, os direitos, enquanto a obrigação de implementar demanda do aparelho estatal a adoção de medidas destinadas à materialização dos direitos econômicos, sociais e culturais.

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54

De início, tem-se um regime jurídico dos direitos fundamentais,

compreendendo os que se classificam como civis, políticos, econômicos, sociais e

culturais, conformado a partir dos seguintes princípios: a) o princípio da dignidade da

pessoa humana (art. 1º, CF-88); b) o princípio da aplicação imediata (art. 5º, §1º da

CF-88); c) o princípio da intangibilidade, resultante da cláusula de inserção dos

direitos fundamentais no núcleo imodificável da constituição (art. 60, §4º, IV, CF-88).

Em seguida, constitui-se um regime jurídico especializado, ainda que aberto

aos influxos do regime geral já identificado, direcionado aos direitos sociais

prestacionais35, instituído e estruturado com base nos seguintes parâmetros: a)

princípio da observância do núcleo essencial dos direitos sociais (minimum core

obligation); b) princípio da utilização do máximo de recursos disponíveis; c) princípio

da implementação progressiva; d) princípio da proibição do retrocesso social; e)

princípio hermenêutico in dubio pro justitia socialis. (GOTTI, 2012).

Fixados tais princípios norteadores da compreensão/aplicação dos direitos

fundamentais sociais prestacionais, deve-se dedicar exclusivamente à apreciação do

direito à educação em razão dos objetivos próprios da pesquisa ora levada a efeito.

3.4 O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO

A educação já não está centrada na terra dos adultos, nem no sol da infância, mas projectada no universo do ser humano, onde não há maiores e menores, pais e filhos, professores e alunos, mas sim sujeitos iguais em dignidade e direitos. (MONTEIRO, 2003, p. 787).

À primeira vista o direito à educação reveste-se de tamanha

fundamentalidade que só não rivalizaria com o direito à vida (fonte de todos os

direitos) numa peleja travada exclusivamente no espaço das abstrações.

Entretanto, nos domínios das concretas relações sociais, verifica-se uma

articulação simbiótica entre os direitos à medida que não se há que falar em

afirmação do direito humano à vida digna em sua essência dissociado do direito à

35 Segundo Gotti (2012, p. 50), os direitos sociais prestacionais são, sobretudo, endereçados ao

Estado, para quem surge, na maioria das vezes, deveres de prestações positivas visando à melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade material.

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educação, sendo este uma das condições inafastáveis à plenitude daquele.

Dito isso, afirma-se o primado da educação sob as óticas antropológica,

psicológica, moral, econômica36, política e jurídica (MONTEIRO, 2002, p. 764; 767).

Sob o ângulo jurídico, assinale-se que o direito à educação integra a composição do

núcleo duro dos direitos do ser humano, uma vez que encartado no art. 2637 da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo reafirmado especialmente no

Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU, 1966,

arts. 13 e 14), e na Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989, arts. 28 e

29), a par de expressivo número de tratados e outros documentos internacionais.

O mencionado art. 26, do documento matriz do Direito Internacional dos

Direitos Humanos proporciona a identificação das linhas mestras, as diretrizes

estruturais do direito humano à educação que, em nosso pensar, podem ser assim

apontadas:

sua titularidade é reconhecida a todos e a cada um dos membros da família

humana;

a instrução elementar é obrigatória e ofertada gratuitamente, ao passo que

a educação profissionalizante será progressivamente universalizada;

o mérito pessoal será o parâmetro para o acesso ao ensino superior;

o processo de ensino e aprendizagem orienta-se na busca do pleno

desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito

aos direitos humanos;

a educação deve promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre

todos os povos, nações e religiões, contribuindo, assim, com os esforços

das Nações Unidas para a coexistência pacífica universal; e, por fim, mas

não menos importante,

36 Lessa (2000) critica as abordagens economicistas da educação ressaltando a importância da

compreensão da educação enquanto direito fundamental. 37 Art. 26. 1- Todo homem tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos nos

graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será generalizada; o acesso aos estudos superiores será igual para todos, em função dos méritos respectivos. 2 - A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos nacionais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das nações unidas em prol da manutenção da paz. 3 - Os pais tem prioridade de direitos na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

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incumbe aos pais a prerrogativa de escolher o gênero de instrução que

será ministrada a seus filhos.

Ademais a doutrina jurídica vem salientando cada vez mais que a temática da

educação deve ser enfrentada a partir das suas imbricações com a dignidade da

pessoa humana, dos fins perseguidos pelo Estado, com o processo de

desenvolvimento e suas múltiplas dimensões e ainda, com o perfil e o conteúdo do

direito fundamental social à educação no Estado Democrático de Direito brasileiro38

(TEIXEIRA, 2008; BARCELLOS, 2009).

Fixadas tais premissas, cumpre agora esquadrinhar o texto constitucional

para nele apartar e enfatizar os dispositivos que permitem a apreensão do

continente e do conteúdo do direito fundamental social à educação no Brasil.

3.4.1 O direito à educação na Constituição de 1988

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

(Art. 205, CF/88)

3.4.1.1 O titular do direito, os coobrigados e os colaboradores

A educação é um direito fundamental social, nos termos do art. 6º da CF/88.

Representativo da segunda geração dos direitos fundamentais é titularizado por

todos (art. 205). Inexiste na Constituição qualquer ressalva expressa ou velada a

respeito. Assim, cuida-se de um

[…] direito de toda pessoa, sem discriminação e sem limites de tempo ou espaços exclusivos para o seu exercício. É direito da criança e do adulto, da mulher e do homem, seja qual for a sua capacidade física ou mental, sua condição e situação. (MONTEIRO, 2003, p. 769).

38 Segundo Barcellos (2009, p. 01) parece correto afirmar que existe um amplo consenso na

sociedade brasileira – teórico ao menos – no sentido da importância central da educação para a dignidade e o desenvolvimento pessoal de cada indivíduo, para o desenvolvimento econômico e social do país e, igualmente, para a consolidação do regime democrático.

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O direito de todos à educação exige do Estado atuar, inclusive com prioridade,

para disponibilizar a sua fruição indiscriminada (arts. 205, 208, 227 da CF/88

particularmente). Assim, incumbe ao Estado efetivamente assegurar a educação

básica obrigatória e gratuita dos 04 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,

compreendendo tal dever o oferecimento desse nível de educação escolar a todos

os que a ele não tiveram acesso na idade própria (art. 208, I). A educação básica é

composta pela educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio (art. 21, I

da Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)).

A educação infantil atende as crianças que se encontram na faixa etária entre

0 (zero) e 05 (cinco) anos de idade. Para crianças de até 03 (três) anos de idade o

serviço educacional será prestado em creches ou entidade equivalentes, ao passo

que para as crianças de 04 (quatro) a 05 (cinco) anos de idade o atendimento

educativo será efetuado em pré-escolas. Frise-se que a obrigatoriedade e

gratuidade limitam-se ao ensino pré-escolar das crianças entre 04 (quatro) a 05

(cinco) anos de idade (art. 208, I e IV, da CF/88 c/c os arts. 29 e 30 da LDB).

O ensino fundamental com duração de 09 (nove) anos é obrigatório, inicia-se

em regra aos 06 (seis) anos de idade e deve ser disponibilizado gratuitamente nas

instituições públicas de ensino (art. 32, caput, LDB). A fim de assegurar

concretamente sua universalização e eficácia, deve o poder público recensear os

educandos, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela

frequência escolar (art. 208, § 3º).

Quanto ao ensino médio, última etapa da educação básica, com duração

mínima de 03 (três) anos, é obrigatório, e a universalização progressiva de sua

oferta gratuita é meta imposta ao Estado (art. 35 da LDB e 208, II, da CF/88).

Deve o Estado oferecer o ensino noturno regular adequado às condições do

educando (art. 208, VI). Incumbe ainda ao poder público, em todas as etapas da

educação básica, atender aos estudantes por meio de programas suplementares de

material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (art. 208,

VII).

Averbe-se por fim, que o acesso à educação básica constitui-se direito

subjetivo público e o seu não-oferecimento pelo poder público, ou sua oferta

irregular, importa responsabilidade da autoridade omissa ou desidiosa (art. 208, §§

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1º e 2º).

No que se refere ao ensino superior, cabe ao Estado assegurar o acesso aos

níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística em razão do

mérito individual dos que pretendem o ingresso ou, ainda, por meio do atendimento

pelo interessado dos critérios fixados nas políticas de cotas (art. 208, V).

Cumpre aqui destacar, por se relacionar aos dois níveis de ensino (básico e

superior), em quaisquer das suas etapas e modalidades, o direito das pessoas com

deficiência à educação. Em função do direito que assiste a todos (art. 205), aos

alunos com deficiência deve ainda o poder público garantir o atendimento

educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208,

III). Tal particularização do conteúdo do direito à educação que se afigura como

verdadeiro plus de modo algum significa privilégio ou diferenciação arbitrária,

discriminatória ou odiosa. Cuida-se de garantia direcionada a viabilizar ao educando

com deficiência a equalização de oportunidades em face dos alunos não deficientes.

Assim, o atendimento educacional especializado proporciona a satisfação das

necessidades peculiares (necessidades educacionais especiais) e que, caso

desconsideradas, na maioria das vezes, implicaria a negação aos que integram a

coletividade com deficiência do pleno gozo do direito humano/fundamental à

educação.

Entretanto, o direito de todos à educação impõe não só a atuação estatal no

sentido de disponibilizá-lo. Com efeito, sua magna importância cobra da instituição

familiar imprescindível protagonismo no processo educativo, que, na sociedade

contemporânea, desdobra-se ao longo da vida e demanda formação e reciclagem

contínuas.

O significativo papel da família na educação das novas gerações, referido

especialmente nos arts. 205, 208, § 3º, 227 e 229 do texto constitucional, sempre foi

reconhecido e aquilatado na literatura universal e no cotidiano convívio social, dentre

as múltiplas funções da instituição constitutiva da base da sociedade.

Considere-se que “a educação abrange os processos formativos que se

desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições

de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e

nas manifestações culturais” (art. 1º, caput da LDB).

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Os esforços do Estado e da família empreendidos para promover e incentivar

a educação não prescindem da colaboração da sociedade como um todo,

precipuamente das instituições privadas com e sem finalidade lucrativa. De início,

acentue-se que a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino assume

o status de princípio setorial nos termos do art. 206, III, CF/88, devendo ser

lembrado que a livre iniciativa é um dos valores sociais que alicerçam o Estado

Democrático de Direito, conforme dispõe o art. 1º, IV, do texto constitucional vigente.

Conforme será visto mais adiante, os serviços educacionais são encartados

dentre os serviços públicos não privativos do Estado, o que possibilita ao particular

empreendê-los independentemente de concessão ou permissão do poder público.

Todavia, ainda que livre à iniciativa privada, o interessado deve atender exigências

constitucionalmente fixadas, a saber: o cumprimento das normas gerais da

educação nacional; ser autorizado; e, por fim, submeter-se à avaliação de qualidade

a cargo do poder público (art. 209, I e II, CF/88).

As instituições privadas que atuam na prestação de serviços educacionais

desprovidas de animus lucrandi integram o terceiro setor. São tradicionais parceiras

do poder público nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal e, por

isso, são incentivadas pelos entes federativos por meio do fomento social no

contexto das políticas públicas educacionais.

Nos termos da Constituição (art. 213) e da LDB (art. 20) tais organizações

não-governamentais são referenciadas com as denominações pelas quais são

(re)conhecidas no meio social: escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas.

Consoante o já mencionado art. 213, as escolas do setor parceiro serão

incentivadas com recursos públicos (financeiros, materiais e humanos) a fim de que

incrementem suas atividades tendentes à concretização do direito fundamental

social à educação, caso preencham os seguintes requisitos:

a) comprovem não perseguir o lucro e invistam seus excedentes financeiros

na educação;

b) assegurem que, na hipótese de eventual encerramento de suas atividades,

o patrimônio institucional será carreado a outra escola comunitária

confessional, filantrópica ou será incorporado ao patrimônio público.

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3.4.1.2 Os compromissos teleológicos da educação

O desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho são os mais altos compromissos teleológicos da

educação enquanto direito de todos. Associada a educação a tão elevados fins

exsurge com particular clareza as íntimas conexões dos processos educativos com a

dignidade humana e a cidadania. Conforme Zockun (2009, p. 62),

[…] a educação tem importância máxima, mesmo porque sem educação não há cidadania. Sem educação também inexiste consciência crítica sobre o que acontece no mundo em que se vive; e, desta forma, sem educação não há existência digna.

A educação é imperativo para a libertação, autonomia, o desenvolvimento, a

cultura, não podendo ser reduzida e encarada apenas como setor regulador, um

subsistema social (AMBRÓSIO, 2001, p. 14).

Ainda que hoje a condição de cidadão não mais seja adstrita à titularidade e

ao exercício dos direitos políticos, importa lembrar que, durante largo período da

história nacional, a capacidade eleitoral foi negada aos não alfabetizados, aos

excluídos dos processos educativos formais e informais.

Feito o registro histórico, anote-se que a conexão educação/cidadania é

consensualmente afirmada na bibliografia pesquisada. Assim, o acesso ao direito à

educação é visto como condição ao exercício dos demais direitos. Todavia, faz-se

mister ampliar essa formulação asseverando que a noção de cidadania é

compreensiva de direitos, deveres e responsabilidades. Em corolário, a educação é

condição necessária para que o cidadão possa exercer seus direitos, cumprir seus

deveres e compreender e assumir suas responsabilidades.

A qualificação para o trabalho completa a tríade finalística educacional

indicada no texto constitucional. A sociedade inclusiva que o modelo do Estado

Democrático de Direito propõe-se a edificar somente pode vir a ser com a

disponibilização de oportunidades de acesso dos cidadãos no domínio econômico

por meio da sua qualificação no processo educacional.

Interessa aqui ressaltar que o foco não deve ser o atendimento das

ocasionais demandas do mercado. Ao contrário, o que se propõe é a atenção

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61

direcionada à satisfação das demandas humanas habilitadoras à participação no

processo de desenvolvimento sustentável.

Na contemporaneidade, vem se fortalecendo uma tendência que sustenta ser

necessária a superação do enfoque utilitarista39 da educação e suas exigências

imediatistas, como a profissionalização no ensino médio e a consequente inserção

precoce no mercado laboral.

Argumenta-se que o vertiginoso processo de aceleradas mudanças que

caracterizam a pós-modernidade (fim do pleno emprego, dúvidas fundadas sobre a

perenidade do valor de diplomas e carreiras, as manifestações de intolerância e

extremismo, a alteração da organização produtiva com a introdução de novas

tecnologias, a desconfiança na Administração Pública e no rigor da Justiça) exigem

que a educação na sociedade do conhecimento supere a razão iluminista e busque

a contribuição de outros saberes, abandone a hiperespecialização científica e

profissional, escape da instrumentalidade economicista e promova e reafirme os

valores da cidadania, participação, responsabilidade, justiça e solidariedade

(AMBRÓSIO, 2001).

3.4.1.3 Os princípios, as competências e o planejamento educacionais

As atividades que compõem o processo formativo de ensino em ambiente

institucional encontram-se constitucionalmente atreladas a uma principiologia que

articula e conforma um sistema de educação escolar constituído por dois

subsistemas: público e privado.

À luz das disposições consignadas no art. 206, I a VIII, é possível identificar

duas ordens de princípios referentes uma delas ao sistema geral, enquanto a outra

incide especificamente ao subsistema público. No tocante ao subsistema privado

39 Consoante Figueiredo (2009, p. 837), por utilitarismo deve ser compreendido um “Conjunto de

teorias (morais, jurídicas, políticas, sociais e econômicas) que, em geral, advoga que nada, entre os seres humanos, é (ou pode ser) mais desejado em si mesmo do que o próprio prazer. Por conseguinte, as construções teóricas relativas à convivência social devem supor que as pessoas têm como finalidade a obtenção do prazer e consequente diminuição (ou eliminação) da dor. […] No campo do Direito, em especial, o utilitarismo manteve, desde o seu nascedouro, vínculos profundos com o sistema de pensamento liberal. A jurisprudência utilitarista assentava-se, em geral, e em última hipótese, na satisfação das aspirações da personalidade dos indivíduos sustentando a proposição segundo a qual os governos existem para proteger e realizar os direitos inalienáveis do homem.”

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anote-se mais uma vez que tem por fundamento a liberdade de iniciativa, com os

condicionamentos do art. 209, I e II, e deve pautar o seu atuar nas premissas que

consubstanciam o sistema geral.

Todas as instituições de ensino devem no seu atuar atender aos princípios da

isonomia, liberdade, do pluralismo, da valorização dos profissionais da educação e

da garantia de padrão de qualidade (art. 206, I, II, III, V – primeira parte,

respectivamente).

O princípio da igualdade, enquanto proposição geral, assume aqui a feição

própria da igualdade fática, substancial, pois diretamente dirige-se a propiciar a

todos os educandos as condições para o acesso e a permanência na escola.

As liberdades compreendem o respeito, a proteção e à garantia das

atividades de aprendizagem, ensino, pesquisa e divulgação do pensamento, da arte

e do saber.

A afirmação principiológica do pluralismo permite o respeito e o convívio da

multiplicidade de ideias e de concepções pedagógicas, assim como a coexistência

de instituições públicas e privadas de ensino.

A valorização dos profissionais da educação e a garantia de padrão de

qualidade do ensino ofertado são mandamentos norteadores dos serviços de ensino

pelas instituições educativas. É preciso deixar aqui salientado que a referência

constitucional à garantia do padrão de qualidade merece compreensão abrangente e

aprofundada. Assim, de acordo com Monteiro (2003, p. 786-7),

[...] direito à educação não é direito apenas à disponibilidade e acessibilidade de uma educação qualquer, avaliada por indicadores meramente utilitários e quantitativos. É, por definição, direito a uma bem determinada qualidade de educação, a uma educação com qualidade ético-jurídica de direito do ser humano, isto é, cujas condições materiais institucionais e pessoais respeitem todo o conteúdo normativo, devidamente interpretado do direito à educação.

No âmbito das instituições que integram o setor público de ensino em todos

os níveis da federação, considerando os princípios gerais ora elencados, são

erigidas à categoria de princípios a regra geral da gratuidade do serviço público

social educacional, quando prestado diretamente por ente público; as garantias de

planos de carreira, ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos

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e do piso salarial profissional nacional dos profissionais da educação escolar pública

(art. 206, IV, V – segunda parte – e VIII, respectivamente.

A concretização do direito universal à educação impõe ao Estado que o

disponibilize, torne-o acessível e prime por sua qualidade40, ofertando-o diretamente,

prestando o serviço público educacional; ou indiretamente, particularmente por meio

do fomento às iniciativas do terceiro setor e, ainda, diligenciando com desembaraço

a regulação, o funcionamento e a avaliação das instituições privadas de ensino.

Considerando a pluralidade de esferas públicas característica de um estado

federativo, cuida o texto constitucional de dispor a respeito das competências dos

entes federativos e das relações que entre eles serão estabelecidas na persecução

da universalização do ensino.

Acentue-se que a temática exige realce por força de uma hipótese e de uma

constatação. A primeira emerge da história das constituições brasileiras: a não

definição ou a forma imprecisa como os nossos primeiros textos constitucionais

cuidaram das competências das esferas central e local (Constituição do Império) e

da repartição entre as pessoas políticas (nas primeiras constituições da república)

em alguma medida parece ter contribuído para o nosso deficit educacional

contemporâneo41. A segunda, uma constatação que parece reforçar a especulação

formulada resulta de pesquisa empreendida por Barcellos (2009) acerca das

decisões do Supremo Tribunal Federal nas quais a temática da educação foi

enfrentada. Segundo a autora, chama a atenção o número de questões que giram

em torno das atribuições dos entes federativos.

Feito o registro, cumpre efetuar a exposição das disposições que fixam as

competências da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em tema

de educação. Registre-se, inicialmente, competir a todos os entes que integram a

federação proporcionar os meios de acesso à educação (competência material

comum, art. 23, V). O comprometimento comum impõe a articulação e a cooperação

40 Consoante Monteiro (2003, p. 767), “a especificidade de cada direito reside principalmente no teor

normativo do seu objecto, cujo respeito pode ser avaliado segundo três critérios: disponibilidade, acessibilidade e qualidade. A disponibilidade significa a existência dos recursos materiais, técnicos e pessoais exigíveis. A acessibilidade implica não-discriminação, não-dificuldade de acesso físico e econômico, bem como o acesso à informação pertinente. A qualidade consiste na aceitabilidade ética, cultural e individual, assim como na competência profissional”.

41 Ver Teixeira (2008), sobre as previsões atinentes ao direito à educação nas Constituições do Brasil.

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entre as pessoas políticas de modo a viabilizar o adimplemento das obrigações

educacionais.

Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar

concorrentemente sobre educação (art. 24, IX), enquanto aos Municípios é

assegurada a competência legislativa supletiva na matéria (art. 30, II). Cada um dos

entes organiza e mantém um sistema de ensino próprio, porém a atuação na área se

dá em regime de mútua colaboração perseguindo precipuamente a universalização

da educação básica (art. 211, caput e § 4º).

À União são cometidos os seguintes encargos:

dispor sobre normas gerais da educação nacional (art. 24, IX e § 1º);

intervir nos Estados ou no Distrito Federal para assegurar a aplicação do

mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida

a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do

ensino (art. 34, VII, e);

organizar o sistema federal de ensino e o dos territórios (art. 211, § 1º);

financiar as instituições federais de ensino (art. 211, § 1º);

exercer função redistributiva e supletiva, de modo a garantir equalização de

oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino

mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios (art. 211, § 1º);

aplicar anualmente ao menos 18% (dezoito por cento) da receita

proveniente de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino (art.

212, caput);

dispor sobre planos nacionais de educação, de duração decenal (art. 214,

caput);

complementar os recursos do Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento

da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação-

FUNDEB sempre que, no Distrito Federal e em cada Estado, o valor por

aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente, sob pena de

caracterização de crime de responsabilidade (art. 60, I, V, VII e XI do

ADCT);

assegurar, no financiamento da educação básica, a melhoria da qualidade

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de ensino, de forma a garantir padrão mínimo fixado nacionalmente (art.

60, § 1º do ADCT).

Aos Estados são conferidas as seguintes atribuições:

legislar sobre educação, inclusive suplementando a legislação federal

relativa a normas gerais (art. 24, IX e § 2º);

intervir em seus municípios quando não tiver sido aplicado o mínimo

exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino

(art. 35, III);

organizar o sistema estadual de ensino (art. 211, § 4º);

atuar prioritariamente no ensino fundamental e médio (art. 211, § 3º);

aplicar anualmente nunca menos de 25% (vinte e cinco por cento) da

receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de

transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212,

caput);

criar o fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de

valorização dos profissionais da educação – FUNDEB (art. 60, I, do

ADCT);

assegurar, no financiamento da educação básica, a melhoria da qualidade

de ensino de forma a garantir padrão mínimo fixado nacionalmente (art.

60, § 1º do ADCT).

Com exceção da atribuição de intervir em seus municípios quando não tiver

sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e

desenvolvimento do ensino (art. 35, III), todos os demais encargos educacionais são

igualmente confiados ao Distrito Federal.

No que se refere aos Municípios, o texto constitucional expressamente

consigna como atribuições suas:

manter com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,

programas de educação infantil e de ensino fundamental (art. 30, VI);

organizar o sistema municipal de ensino (art. 211, caput);

atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (art.

211, § 2º);

aplicar anualmente no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) da receita

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decorrente de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na

manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212, caput);

assegurar, no financiamento da educação básica, a melhoria da qualidade

de ensino, de modo a garantir padrão mínimo estipulado em âmbito

nacional (art. 60, § 1º do ADCT).

Cumpre ainda deixar aqui averbada a previsão constitucional do plano

nacional de educação, de duração decenal, direcionado a articular o sistema

nacional de educação, em regime de colaboração, e definir diretrizes, objetivos,

metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e o

desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio

de ações integradas dos poderes públicos das distintas esferas federativas (art. 214,

caput).

A planificação da atuação estatal no setor educacional persegue a progressiva

efetivação do direito de todos à educação pautada nos seguintes eixos

estruturantes: erradicação do analfabetismo; universalização do atendimento

institucional; elevação da qualidade do ensino prestado; formação para o trabalho;

promoção humanística, científica e tecnológica do país; e, por fim, fixação de meta

de inversão de recursos públicos em educação como proporção do produto interno

bruto (art. 214, I a VI, da CF/88).

Do que se vem expondo, é possível inferir que a implementação progressiva

do direito fundamental social à educação exige do Estado o planejamento das

atividades necessárias à materialização de um fim constitucionalmente imposto e

cujo alcance pressupõe transformação da realidade.

Assim, o planejamento há de ser lastreado em abrangente e profundo

diagnóstico da realidade que se pretende ver alterada. deve viabilizar a participação

social na definição das prioridades, na alocação racional dos recursos públicos no

contexto do processo orçamentário; e, por fim, a definição de políticas públicas que

irão proporcionar as condições materiais indispensáveis ao desfrute do direito. Tudo

isso permite a visualização de íntimas correlações entre os processos de

planejamento, orçamento e políticas públicas, consoante percebido por Gotti (2012).

Nessa ordem de ideias, faz-se mister que se avance na exposição para focar

a atenção sobre aspectos relevantes do processo de políticas públicas, enfatizando

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67

sobremodo como se estrutura constitucionalmente a atuação do Estado e do terceiro

setor na ordem social.

3.5 A EFETIVAÇÃO PROGRESSIVA DOS DIREITOS SOCIAIS VIA POLÍTICAS PÚBLICAS: ESTADO E TERCEIRO SETOR NA ORDEM SOCIAL

O protagonismo estatal na ordem social, ainda hoje abordado por muitos sob

a designação de intervenção do Estado e similares42, tradicionalmente é associado

ao desempenho das atividades estatais de prestação de serviços públicos e de

fomento à atuação de entes estatais diversos e de entidades privadas que objetivam

a realização de interesses da(s) coletividade(s).

O agir estatal na esfera social no paradigma do Estado Democrático de Direito

prende-se inelutavelmente aos fundamentos e fins da comunidade política que se

realizam especialmente nessa seara, por intermédio de ações focadas na

progressiva concretização dos direitos sociais no contexto das políticas públicas43.

Dessarte, a compreensão da política social constitucionalmente traçada como

projeto a ser implementado pelo Estado e pela sociedade exige que se dedique

atenção às noções de serviço público, fomento público e política pública, enquanto

expressões dos esforços do poder público no cumprimento dos seus deveres.

Impõe-se em seguida evidenciar que o chamado terceiro setor cumpre

destacado e reconhecido papel, conforme assentado no ordenamento jurídico

brasileiro, na condição de colaborador inafastável na materialização do programa

social perseguido impositivamente, o que se passará a demonstrar.

42 É curioso notar que autores abertamente contrários ao ideário neoliberal não se desapegam da

terminologia de origem indiscutivelmente liberal. Bandeira de Melo (2015, p. 836 e ss) denominou o capítulo de “Intervenção do Estado no domínio social”; Zockun (2009) intitulou sua obra como “Da intervenção do Estado no domínio social”; Streck e Bolzan (2013) referem-se à “intervencionismo estatal”.

43 Asseveram Santana e Santana Filho (2009, p 602) que “As políticas públicas dizem respeito à implementação do conjunto de garantias sociais sob o ponto de vista econômico, cultural, político e jurídico, que deve ser consolidado por meio de ações articuladas do Estado com a interveniência da Sociedade Civil. Tais políticas correspondem às respostas do Estado perante as demandas sociais de interesse da coletividade. Caso esse não as cumpra, incumbe ao Ministério Público, na qualidade de instituição legitimada, fazer valer os direitos assegurados na Magna Carta e nas Leis, visando a garantir sua efetiva implementação”.

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68

3.5.1 A noção de serviço público

A noção de serviço público já foi considerada a pedra angular do Direito

Administrativo na época em que a Escola francesa do serviço público hegemonizava

o pensamento dos publicistas, destacando-se dentre outros Duguit, Jèze, Bonnard e

Rolland como principais representantes de tal corrente do pensamento jurídico.

Atribui-se à Escola do serviço público ter deslocado a ênfase até então conferida à

ideia de poder como caracterizador do agir estatal para realçar a ideia de dever

implícita na definição de serviço público (BANDEIRA DE MELLO, 2015).

Hoje, predomina no Brasil entendimento no sentido de que a expressão

serviço público é útil para definir uma parcela das múltiplas e distintas atividades

estatais assim qualificadas em dado momento histórico porque consideradas de

grande relevância e interesse social pelo ordenamento jurídico, decorrendo de tal

reconhecimento a submissão dessas atividades a uma peculiar disciplina de direito

público, ao regime jurídico administrativo principiologicamente conformado44,

construindo a doutrina noções de serviço público a partir da integração de elementos

de ordem subjetiva (titularidade), material (relativo a atividade) e formal (regime

jurídico).

Nessa linha de raciocínio, é de Bandeira de Mello (2015, p. 695) uma das

mais acatadas e referenciadas definições de serviço público na doutrina

administrativista brasileira, vazada nos seguintes termos:

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.

44 Bandeira de Mello (2015, p. 702-3) indica como sendo dez os princípios que integrariam o regime

jurídico do serviço público, assim sintetizados: 1- dever inescusável do Estado de promover-lhe a prestação (princípio da obrigatoriedade); 2- princípio da supremacia do interesse público; 3- princípio da adaptabilidade (atualização e modernização); 4- princípio da universalidade; 5- princípio da impessoalidade (não discriminação entre usuários); 6- princípio da continuidade; 7- princípio da transparência; 8- princípio da motivação; 9- princípio da modicidade das tarifas; 10- princípio do controle (interno e externo) sobre as condições de sua prestação.

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Para os fins que orientam a presente pesquisa, interessa destacar que a

doutrina distingue as atividades qualificadas na ordem jurídica brasileira como

serviços públicos, dentre outras classificações em dois grupos a saber:

a) serviços públicos privativos do Estado, que só podem ser prestados pelo

Estado ou por quem for por ele credenciado;

b) serviços públicos não privativos do Estado, que compreendem as

atividades que os entes estatais prestam sob regime especial, o regime

jurídico-administrativo45, e por isso, e só por isso, são essas atividades

alçadas ao plano do serviço público, mas podem ser prestadas por

pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos,

independentemente de concessão ou permissão estatal.

Os serviços públicos não exclusivos também chamados serviços públicos

sociais46, compõem o grupo das atividades que se desenrolam na ordem social,

particularmente nas áreas da educação, saúde, previdência e assistência social que,

45 Contrapondo-se ao entendimento predominante, em artigo intitulado “Transferências de execução

de atividades estatais a entes da sociedade”, defende Moreira Neto (2007, pp119-42), ser atualmente inadequada a definição corrente de serviço público estribada fundamentalmente no critério formal (regime jurídico de direito público) precipuamente por excluir, exemplificativamente, “os cometimentos legais a entes privados sem a intermediação da administração”, propondo uma definição que, ao menos provisoriamente, afigura-se como consentânea à contemporaneidade: “serviços públicos seriam, nesse conceito proposto como transicional e provisório, as atividades pelas quais o Estado, direta ou indiretamente, promove ou assegura a satisfação de interesses públicos, assim por lei considerados, sob regime jurídico próprio a elas aplicável, ainda que não necessariamente de direito público.”

46 Acerca dos serviços públicos sociais assevera França (2006, p. 09-11): “Igualmente é possível observar no texto constitucional a existência de um conjunto de serviços públicos – os serviços públicos sociais – que se destinam justamente à concretização do elenco de direitos sociais, constante de seu art. 6º: […] Os direitos sociais são direitos fundamentais que compreendem prestações positivas proporcionadas direta ou indiretamente pelo Estado, que se destinam à concretização do princípio da igualdade. Consoante a lição de José Afonso da Silva: '(…) Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade'. […] Nos serviços públicos sociais, o princípio da subsidiariedade apresenta-se como fundamental. O Estado deve se abster de prestá-los diretamente, quando os mesmos puderem ser fornecidos satisfatoriamente pelos particulares sob regime de fomento. Entretanto, quando a Constituição Federal assim determina […], compete-lhe fornecê-los sob a égide dos mesmo princípios incidentes sobre os serviços públicos. Por fim, convém anotar que o serviço público social é incompatível com a finalidade lucrativa. Na medida em que o particular realiza uma atividade vinculada à ordem social […] com intuito de auferir lucro, estar-se-á diante de atividade econômica e, por conseguinte, um serviço que deverá ficar sob a incidência dos princípios do direito privado. Todavia, o ente do terceiro setor poderá cobrar pelas utilidades ou comodidades materiais que coloca à disposição do cidadão, desde que os recursos arrecadados se limitem à remuneração do seu quadro de pessoal e às necessidades de investimento na expansão e melhoria desses serviços, sem qualquer prejuízo à sua inclusão nas políticas de fomento público”.

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historicamente, passaram a ser empreendidas pelo Estado com a instituição do

modelo do Estado Social de Direito, permanecendo como dever estatal no Estado

Democrático de Direito vigente.

O que se afigura indiscutível à luz de uma interpretação consistente do texto

constitucional é que o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, deve, em regra,

desincumbir-se dos seus encargos atinentes à efetivação dos direitos sociais, por

meio da execução direta de serviços públicos, assim como pelo manejo da atividade

de fomento público aos colaboradores dos setores privados e com a cooperação

intergovernamental, devendo a articulação dessa gama de ações, a cargo dos seus

diversos responsáveis, ser promovida e assegurada instrumentalmente pelas

políticas públicas, cujas particularidades serão abordadas logo em seguida ao

fomento público.

3.5.2 A atividade de fomento público

O fomento alinha-se ao lado do serviço público e do poder de polícia como

integrante da tríade clássica na qual se enfeixariam as atividades da administração

pública de acordo com tradicional lição doutrinária. Em uma aproximação inicial, o

fomento constitui técnica empregada por ente estatal, buscando promover e

estimular as iniciativas da sociedade desenganadamente vinculadas à satisfação de

interesses públicos47, despido o atuar estatal do signo da compulsoriedade e sem

que dele resulte a prestação de serviço público, o que extrema a atividade

fomentadora, respectivamente, das atividades inerentes ao exercício do poder de

polícia e da execução de serviços públicos48. Por outro lado, tais atividades

avizinham-se porquanto são deveres endereçados juridicamente ao alcance dos fins

47 Segundo Rocha (2006, p. 33) a atividade pública de fomento é exercitada sob a égide dos

princípios do regime de direito público, assim como de princípios específicos, dentre os quais se destaca o “princípio da repartição de riscos ou do risco compartido impede considerar a atividade de fomento como mero ato de liberalidade administrativa, que exonere o beneficiário de todo o risco ou da obrigatoriedade de aportar recursos próprios para a atividade fomentada. Logo a atividade promocional empreendida pela administração pública não pode prescindir do investimento de recursos pelos particulares em favor da atividade que se quer incentivar ou promover”.

48 Rocha (2006, p. 24): “A atividade administrativa de fomento pode ser definida como a ação da administração com vista a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades públicas ou consideradas de utilidade coletiva, sem o uso da coação e sem a prestação dos serviços públicos”.

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últimos da comunidade política.

Diga-se ademais que a técnica promocional do fomento público, igualmente,

dirige-se à articulação da cooperação intergovernamental e intersetorial,

pretendendo otimizar recursos materiais e humanos e maximizar os resultados

almejados pela atividade pública. O encargo estatal de fomento49, nos moldes do

texto constitucional vigente, exige estímulos à cooperação no âmbito do setor

público, a oferta de incentivos à iniciativa privada e o apoio às entidades do terceiro

setor a fim de que se traduzam em realidade os objetivos da atividade de fomento

público estabelecidos no planejamento do desenvolvimento nacional e regional, na

realização da ordem social (fomento social) e da ordem econômica (fomento

econômico), sendo certo que em dadas circunstâncias tais fins restarão

entrecruzados.

Os incentivos, apoios ou estímulos materializam-se de formas e meios

diversos, tais como aportes pecuniários (subvenções, auxílios, contribuições),

cooperação e colaboração técnica, incentivos fiscais e creditícios, doação ou cessão

de bens, custeio de projetos e programas, constituição de fundos, outorga de títulos

honoríficos e vantagens a cidadãos e pessoas jurídicas, reconhecimento e

qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, tudo isso viabilizado por leis,

regulamentos, convênios, consórcios, termos de cooperação, contratos e parcerias.

Da bibliografia pesquisada, extrai-se à colação o conceito de fomento público

que pareceu mais apropriado e compatível com as ideias que se acaba de deixar

averbadas. Consoante Moreira Neto (1994, p. 402),

Podemos conceituar o fomento público como a atividade administrativa através da qual o Estado ou seus delegados estimulam ou incentivam a iniciativa dos administrados ou de outras entidades públicas e privadas para que desempenhem ou estimulem, por seu turno, atividades que a lei considere de interesse para o desenvolvimento integral e harmonioso da sociedade.

49 Registro que a maior parte da doutrina pesquisada diverge da compreensão de fomento como

dever estatal que ora defendemos. O pensamento majoritário é bem representado pelo que averba a respeito Costa (2015, p. 87): “Ao contrário das atividades qualificadas como serviço público ou poder de polícia, o fomento tem traço diferenciador, pois se trata de uma ferramenta à disposição do poder público. Em outras palavras, inexiste obrigatoriedade quanto à adoção da medida de fomento por parte do Estado, diferentemente do dever de prestação de serviços públicos em regime de continuidade ou a indelegabilidade do poder de polícia estatal”.

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Conforme amplamente demonstrado nas linhas anteriores, vastos são os

campos nos quais a presença da atividade de fomento público manifesta-se de

modo claro e inequívoco. Ainda que se volte a atenção tão somente ao texto

constitucional, dedicado à ordem social, buscando verificar nos seus dispositivos as

referências à cooperação, colaboração, aos incentivos, estímulos e ao apoio, à

subvenção e ao auxílio, dentre outras indicativas de ações fomentadoras, ainda

assim o material garimpado certamente superaria em muito as necessidades e

pretensões do estudo ora empreendido.

Por assim ser, opta-se por apartar e identificar exclusivamente as referências

literais que parecem poder ser enfeixadas como indiciárias de fomento direcionado

às atividades educacionais, como dispositivos que permitem fundamentar e

estruturar o direito social à educação. À guiza de resultado da pesquisa colaciona-

se, conforme a CF/88:

a) é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios proporcionar os meios de acesso à educação (art. 23, V);

b) compete aos Municípios manter, com a cooperação técnica e financeira

da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino

fundamental (art. 30, VI);

c) é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios

instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços das instituições de

educação sem fins lucrativos atendidos os requisitos da lei (art. 150,

VI, c);

d) A educação, direito de todos e dever do Estado e da família será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao

pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205);

e) a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em

regime de colaboração seus sistemas de ensino (art. 211, caput);

f) a União exercerá em matéria educacional função redistributiva e supletiva

de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão

mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (art. 211, § 1º);

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g) na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo

a assegurar a universalização do ensino obrigatório (art. 211, § 4º);

h) os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser

dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas

em lei, que comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus

excedentes financeiros em educação, assim como assegurem a

destinação de seu patrimônio a outra instituição congênere ou ao poder

público, caso encerrem suas atividades (art. 213, caput, I e II);

i) os recursos públicos poderão ser destinados a bolsas de estudo para o

ensino fundamental e médio para os que demonstrarem insuficiência de

recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede

pública na localidade da residência do educando (art. 213, § 1º);

j) As atividades de pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à

inovação realizadas por universidades e/ou por instituições de educação

profissional e tecnológica poderão receber apoio financeiro do poder

público (art. 213, § 2º);

k) o Plano Nacional de Educação, de duração decenal, articulará o sistema

nacional em regime de colaboração devendo definir diretrizes, objetivos,

metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e

desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e

modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das

diferentes esferas federativas (art. 214, caput);

l) é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao

adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à educação

(art. 227, caput).

As disposições constitucionais que se acaba de arrolar parecem autorizar

supor que a efetivação do direito social à educação é incumbência compartilhada

pelo Estado, pela sociedade, pela família e mesmo por cada cidadão, razão pela

qual não se permite desconsiderar a imprescindibilidade da mútua colaboração entre

os responsáveis, sob a coordenação do poder público.

Tal raciocínio viabiliza explicar o porquê de caber ao Estado,

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concomitantemente, ofertar o serviço público social educacional e fomentar as

iniciativas voluntárias da sociedade objetivando a prestação educativa, não se

podendo igualmente olvidar a regulação estatal da atividade de educação e a

fiscalização de sua exploração pela iniciativa privada. Isso ocorre por se encontrar

pressuposto na disciplina constitucional ser a efetivação do direito fundamental

social à educação encargo de tal monta que só pode ser alcançado com a

conjugação de esforços das três esferas da vida comunitária.

Ademais disso, não é desarrazoado inferir do que se vem explicitando até o

momento que o emprego equilibrado das atividades de serviço público e de fomento

exige planejamento50 estatal e o manejo de políticas públicas, instrumentos

adequados à formatação da coprodução dos interesses coletivos.

3.5.3 Políticas públicas

O direcionamento político (regulação) e a atuação direta do Estado nas

searas econômica e social têm por marco histórico a implementação do New Deal

(Novo Pacto) após a crise de 1929, nos Estados Unidos da América. O mercado, até

então autorregulado e único responsável pela condução do desenvolvimento, é

chamado a coadjuvar o Estado que atrai para si as tarefas de coordenação e

promoção do processo de desenvolvimento.

A novel desembaraçada e deliberada performance estatal, qualificada sob o

influxo da ideologia liberal como intervencionismo estatal, trouxe à luz a noção de

políticas de governo, enquanto ideia que se encontra na essência do conceito de

políticas públicas. Buscando uma aproximação inicial é importante assentar que:

as políticas públicas são instrumentos do desenvolvimento em sentido

amplo, pois em geral pretendem levar a efeito ações e modificações no

plano sobre o qual incidem;

as políticas públicas envolvem as noções de planejamento, plano,

diretrizes, programa, metas, objetivos e valores, dentre outras, salientando-

50 Para Moreira Neto (1994, p. 403): Na verdade, será fundamentalmente no planejamento que os

instrumentos e mecanismos administrativos do fomento público poderão produzir os melhores resultados, exatamente pela imbricação e integração, que se logra alcançar, entre as atividades governamentais e as atividades privadas.

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se que toda a atividade de planejamento deve ser pautada pelos

parâmetros constitucionalmente estipulados51;

é política a decisão sobre a adoção da política pública e governamental a

sua gestão, é estatal a responsabilidade última por sua implementação mas

deve ser assegurada a participação e a cooperação do terceiro setor e da

iniciativa privada em todas as fases que integram o processo político-

administrativo da política pública em face do reconhecimento de que não

cabe exclusivamente ao poder público a satisfação dos interesses das

coletividades em uma sociedade aberta, complexa e plural, sendo possível

e necessário a conjugação de esforços;

no plano da administração pública deslocou-se o foco da atenção voltada à

aparelhagem burocrática estatal para iluminar o teatro de operações no

qual se desenrola a gestão das políticas públicas.

Dentre as inúmeras definições pesquisadas, elege-se a compreensão

formulada por Maria Paula Dallari Bucci apud Gotti (2012) sobre o que se deve

entender por política pública, deixando aqui averbado que o critério que presidiu a

escolha foi unicamente a adequação da definição às ideias que até aqui foram

sustentadas. Segundo Bucci apud Gotti (2012, p. 234-5)a política pública é

O programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados […] visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento de resultados.

A ciência da política pública (multidisciplinar, pragmática e normativa) fornece

um modelo do processo de política pública no qual se identificam cinco estágios ou

51 Nesse sentido, Streck e Bolzan (2014, p. 149): “O que há em comum em todas as políticas

públicas é o processo politico de escolha de prioridades para o governo, tanto em termos de finalidades como em termos de procedimentos, e tal já vem condicionado pelos objetivos constitucionais postos ao Estado Democrático de Direito. As funções públicas estão, todas elas, condicionadas pelo cumprimento desses objetivos, ficando sua discricionariedade desenhada por tais conteúdos. Ou seja, a formulação e execução das políticas públicas vêm não apenas sujeitas ao controle de sua regularidade formal, como também de sua destinação adequada ao cumprimento dos fins do Estado”.

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ciclos que não necessariamente se sucederão numa ordem linear, a saber:

1) montagem da agenda política: o ingresso do problema na pauta pública

implica o reconhecimento de que ele se reveste de importância que

demanda apreciação e desate por poder estatal (legislativo, em regra; na

maioria das vezes por provocação do executivo);

2) formulação da política pública: compreende a diagnose do problema e de

suas implicações e repercussões setoriais e/ou gerais, prognose, assim

como a indicação provisória das soluções profiláticas ou terapêuticas;

3) tomada de decisão política: definição por órgão ou órgãos politicamente

legitimados sobre a adoção ou não de uma política pública, questionando

os estudiosos sobre o predomínio neste estágio da racionalidade ou das

injunções políticas;

4) a implementação da política pública: o estágio compreende a alocação

dos recursos materiais e humanos, a articulação e mobilização

intersetorial e intergovernamental, a coordenação da cooperação da

iniciativa privada e da sociedade civil visando traduzir em ações a decisão

política expedida por lei ou ato infralegal instituidor da política pública;

5) avaliação da política pública: o ciclo envolve a mensuração dos meios

empregados, a apreciação do grau de atingimento dos objetivos

perseguidos, a consideração precisa da eficácia da política pública de

modo a viabilizar julgamentos acerca da sua continuidade, ampliação,

desaceleração ou correção de rota. A avaliação pode ser administrativa

(efetivada pelos seus gestores ou outros órgãos da administração

pública), jurisdicional52 (mediante provocação do judiciário pelos

interessados legitimados), ou política (por agentes políticos, órgãos

públicos ou pessoas jurídicas de direito público, organizações do terceiro

setor, entidades representativas ou empresas da iniciativa privada ou

52 Bandeira de Mello (2015, p. 838) assim se posiciona sobre política pública e a viabilidade do seu

controle jurisdicional: “Política pública é um conjunto de atos unificados por um fio condutor que os une ao objetivo comum de empreender ou prosseguir um dado projeto governamental para o país. Estamos em que é inequívoco que se pode controlar juridicamente políticas públicas. Com efeito, se é possível controlar cada ato estatal, deve ser também possível controlar o todo e a movimentação rumo ao todo. Assim como agredir um princípio é mais grave que transgredir uma norma, empreender uma política – que é um plexo de atos – que seja em si mesma injurídica é mais grave que praticar um simples ato contraposto ao Direito. Logo, se é possível atacar o menos grave, certamente será possível atacar o mais grave. [...]”.

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ainda, mas não menos importante, pelos cidadãos em geral)53.

O modelo que destaca as fases ou os estágios do processo da política pública

permite que se identifique uma variação do universo de participantes no curso dos

ciclos que compõem o procedimento político-administrativo preponderantemente

aberto à consideração das contribuições dos interessados que se propõem a influir

na solução de questões de expressão coletiva. Sobre o tema afirma Heidemann

(2014, p. 45-6):

[…] De acordo com essa visão, a montagem da agenda é um estágio em que praticamente todos os atores políticos poderiam se envolver na deploração de um problema e na demanda por ação governamental. Em qualquer número em que se apresentem e participem, esses atores políticos podem ser considerados o universo da política pública. Já no estágio da formulação, apenas um subconjunto do universo da política pública (o subsistema da política em foco) participa na discussão das opções indicadas para lidar com os problemas reconhecidos como alvos de ação governamental. O subsistema é composto somente por aqueles atores que têm suficiente conhecimento de uma area temática-alvo ou o domínio sobre os recursos necessários para dar-lhes condições de participar no processo de desenvolvimento dos cursos alternativos de ação a serem definidos para enfrentar as questões (issues) levantadas no estágio da montagem da agenda. Quando se toma as opções propostas a implementar, o número de atores se reduz ainda mais; ele se limita aos membros do subsistema político-administrativo composto pelos deliberadores governamentais oficiais, isto é, apenas aos funcionários eleitos, juízes ou burocratas. Tão logo se dá início à implementação, porém, o número dos atores aumenta de novo ao nível relevante para o subsistema e, em seguida, finalmente, com a avaliação dos resultados da implementação, ele se expande mais uma vez, até abarcar todo o universo da política pública.

Assim, ainda que se verifique uma variação no grau de participação em cada

um dos estágios ou fases que constituem o processo das políticas públicas, parece

restar induvidoso que a participação dos agentes econômicos, do terceiro setor e da

sociedade em geral, sob a coordenação política estatal, integra a essência do

procedimento político-administrativo, daí decorrendo sua afinidade e adequação

instrumental às premissas fundantes do Estado Democrático de Direito insertas no

texto constitucional em vigor.

53 Adotamos aqui a classificação das fases apresentadas por Heidemann (2014, p. 37-45).

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78

3.5.4 O terceiro setor e sua configuração no ordenamento brasileiro

É facilmente detectável nas abordagens em torno do terceiro setor

divergências profundas quanto ao papel desempenhado pelos grupos juridicamente

personificados que compõem essa parte delimitada da sociedade civil. Tais

controvérsias parecem resultar particularmente de visões ideológicas díspares

acerca das delicadas e conflitivas relações entre indivíduo/sociedade/estado

adotadas pelos autores, questão cujo equacionamento talvez termine por exigir o

sacrifício da liberdade de manifestação do pensamento, o que seria impensável no

Estado Democrático de Direito. Contudo, a atuação, a relevância social e mesmo o

crescimento do terceiro setor não podem ser escamoteados.

De regra, boa parte da literatura pesquisada indica a doutrina social da Igreja

Católica como fundamento teórico da afirmação da existência e necessidade de

grupos intermediários (terceiros), enquanto elos da relação indivíduo/estado (família,

associações, sindicatos). Nessa perspectiva, a intermediação cumpriria função de

salvaguarda da autonomia, da liberdade e da dignidade humanas em face do Estado

a ser contido (princípio da subsidiariedade54).

Sob outro ponto de vista, o terceiro setor afirma-se e interpõe-se entre Estado

e mercado no processo histórico de redefinição (ou superação, para alguns) das

esferas pública e privada, expressando-se no universo jurídico pelo reconhecimento

dos direito difusos e coletivos que teria fragilizado a clássica e milenar dicotomia

direito público/direito privado.

Essa compreensão sugere com mais consistência e precisão a instituição de

uma terceira via no plano social, já dotada de assento de nascimento e patrimônio

(direitos difusos e coletivos) juridicamente conferidos.

Outra interpretação estabelece o reconhecimento do terceiro setor

enfatizando seus fundamentos no processo de complexificação da sociedade na

54 Segundo Costa (2015, p. 06), “O princípio da subsidiariedade não significa dizer que o Estado

deverá abster-se de sua missão de prestar serviços à população. A adoção de medidas para a política pública de um Estado subsidiário não enseja a diminuição do seu papel constitucionalmente traçado. Não há o afastamento do chamado compromisso constitucional com atividades essenciais, tais como os serviços de saúde e de ensino. O que se propõe é a existência de parcerias que possibilitem uma atuação direta por parte do setor privado, até porque ‘fomentar’ é buscar uma participação complementar de instituições particulares, o que é bastante salutar e pode ser campo de intercâmbio de expertise entre os segmentos público e privado”.

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modernidade. Assim, a fragmentação pluralística do meio social seria o caldo de

cultura em que proliferam os entes que pretendem expressar a multiplicidade de

segmentos e suas reivindicações específicas e setorializadas, e por isso

desprovidos de qualquer pretensão hegemonista quer em face da sociedade, quer

diante do Estado. Isso parece explicar porque para a sociedade o terceiro setor é

percebido por seu viés solidário, ao passo que sob o prisma estatal o terceiro setor é

essencialmente parceiro a ser incentivado, apoiado em suas iniciativas.

Nessa linha de entendimento, pressupondo, como mantidas na

contemporaneidade, as condições que facultaram a erupção do terceiro setor no

tecido social, o contexto de intensa diferenciação e fragmentação em curso, temos

por suficientemente esclarecidos os fundamentos e as circunstâncias que envolvem

o surgimento do terceiro setor. Cumpre agora defini-lo, identificar as entidades que

nele encontram-se compreendidas e suas relações com o Estado na ordem jurídica

brasileira.

Em geral, a doutrina constrói o conceito de terceiro setor salientando sua

posição intermédia em contraste com os setores estatal e econômico (mercado) e

atribui como de sua essência o desempenho de atividades de interesse(s) coletivo(s)

sem perseguir a obtenção de lucro no seu atuar. Sob tal ótica, pontifica Rocha (2006,

p. 15):

O nome terceiro setor indica os entes que estão situados entre os setores estatal e empresarial. Os entes que o integram são entes privados, não vinculados à organização centralizada ou descentralizada da administração pública, mas que não almejam, entretanto, entre os seus objetivos sociais, o lucro, e que prestam serviços em áreas de relevante interesse social e público.

Segundo Boaventura de Souza Santos (apud PAES; SANTANA, 2014, p.

183) o terceiro setor compreende as

[…] instituições que tentam realizar o compromisso prático entre a eficiência e a equidade em atividades sociais, adotando a flexibilidade operacional típica de pessoas privadas sem prejuízo da busca da equidade social inerente a qualquer instituição pública.

Acentue-se que a indissociabilidade que atrela umbilicalmente terceiro setor e

direitos coletivos é, hodiernamente, ressaltada na doutrina dos direitos fundamentais

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sociais que propõe ao Estado os deveres de prestar serviços públicos e formular

políticas públicas que contemplem a colaboração decisiva do setor parceiro de modo

a criar as condições indispensáveis à realização progressiva do projeto social

desenvolvimentista que tem em seu núcleo os direitos sociais. Nesse rumo,

asseveram Paes e Santana (2014, p. 181):

Sabe-se que os direitos fundamentais sociais priorizam o coletivo em detrimento do individual. São direitos concebidos para atenuar desigualdades, para efetivar uma liberdade que crie condições propícias para a plenitude da dignidade da pessoa humana. O objeto dos direitos fundamentais sociais está em uma utilidade concreta pelo Estado, adotando medidas e políticas que se prestem à sociedade, à coletividade, para o qual se demonstra o relevante papel da sociedade civil organizada em coordenação com o terceiro setor na busca da efetividade de tais direitos.

No âmbito das relações Estado/terceiro setor, o maior relevo é geralmente

destinado à via de mão dupla pavimentada pelo fomento público: em um sentindo o

Estado suplementa com recursos públicos os investimentos privados carreados à

satisfação de interesses da(s) coletividade(s), enquanto que, no sentido inverso, o

setor parceiro complementa no seu atuar os esforços estatais que perseguem o

alcance de fins sociais (colaboração mútua sob a coordenação política do ente

estatal).

Não se pode olvidar que o Estado relaciona-se com o terceiro setor quando

fiscaliza e regula a esfera pública não-estatal nos termos da Constituição e da

legislação infraconstitucional55.

Nesse passo, interessa, aqui, gizar os contornos de alguns dos moldes

previstos no ordenamento jurídico brasileiro para o enquadramento e a definição das

organizações não governamentais que serão admitidas como colaboradoras, ao lado

do Estado na concretização do programa social constitucional, e, por isso, aptas à

fruição dos estímulos e incentivos do poder público56.

55 Após assentar que o sistema constitucional brasileiro admite a exploração de serviços públicos

econômicos pela iniciativa privada e a prestação de serviços públicos sociais por entidades do terceiro setor sob regime de fomento, arremata França (2006, p. 16) que “[...] em ambas as hipóteses, o Estado encontra-se investido no papel de agente regulador e fiscalizador, sendo atributo seu estimular o particular a assumir o exercício dos serviços públicos que podem ser prestados de forma mais eficiente e menos onerosa por entes privados”.

56 Sobre o tema esclarece Zockun (2009, p. 190): “A concessão de títulos não representa, de per si, a outorga de qualquer benefício direto à atividade de fomento. Com efeito, é por meio deles

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Saliente-se que o texto constitucional e a regulação infraconstitucional

direcionam o fomento público social às pessoas jurídicas de direito privado

(associações e fundações) compreendidas no universo do setor parceiro que não

pretendam auferir lucros em decorrência do desempenho de suas atividades,

devendo, ainda, tais entidades destinarem seus esforços e ações à realização

universal de fins específicos de natureza social e de interesse da(s) coletividade(s),

sob quaisquer dos seguintes figurinos jurídicos traçados pela legislação federal.

a) Entidades de utilidade pública

A Lei nº 91/35, disciplina o reconhecimento de pessoas jurídicas de direito

privado constituídas no país com o fim exclusivo de servir desinteressadamente à

coletividade, desde que:

adquiriram personalidade jurídica;

estejam em efetivo funcionamento e não persigam escopo lucrativo;

os cargos de sua diretoria, conselhos fiscais, deliberativos ou consultivos

não sejam remunerados, exceto no caso de associações assistenciais ou

fundações, sem fins lucrativos, cujos dirigentes poderão ser remunerados,

desde que atuem efetivamente na gestão executiva, respeitados como

limites máximos os valores praticados pelo mercado na região

correspondente à sua área de atuação (art. 1º e alíneas, com as

modificações introduzidas pela Lei 13.151/15).

Vem salientando a doutrina que o ato de outorga do título de utilidade pública

foi delegado para o ministro de Estado da Justiça, por intermédio do Decreto Federal

3.415/00 (COSTA, 2015, p. 88), viabilizando-se a partir de então o desfrute dos

incentivos próprios da atividade de fomento social pela pessoa jurídica agraciada.

(títulos) que o Estado declara que determinada pessoa jurídica goza de específicos atributos e que, por tal razão, haverá possibilidade de ela pleitear e, eventualmente, usufruir determinado plexo de benefícios estatais”.

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b) Organizações Sociais (OS)

A Lei nº 9637/98 trouxe a lume, no ordenamento jurídico brasileiro, um título

jurídico especial definindo nova forma de parceria entre os setores público e privado

via contrato de gestão de serviços em determinadas áreas de interesse da

coletividade. Assim, o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais

pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam

dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à

proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde (art. 1º da Lei das

OS).

c) Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)

A Lei nº 9.790/99 trata da qualificação pelo Estado de pessoas jurídicas de

direito privado sem fins lucrativos como Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público (OSCIP)57. A partir do reconhecimento, o ente do terceiro setor

poderá estabelecer relação de colaboração com o Estado por meio do ajuste de

termo de parceria.

d) Entidades beneficentes de assistência social

Nos termos da Lei nº 12.101/09 a certificação das entidades beneficentes de

assistência social e a isenção de contribuições para a seguridade social serão

concedidas às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas

como entidades beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de

serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação (art. 1º). Tais entidades

deverão obedecer ao princípio da universalidade do atendimento, sendo vedado

57 Nos termos do art. 3º e seus incisos serão qualificadas com o título de OSCIP os entes do terceiro

setor que direcionam suas atividades às seguintes áreas: promoção da assistência social, da cultura, da defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, de educação ou da saúde gratuita, da segurança alimentar e nutricional, defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável, promoção do voluntariado, promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza, experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito, promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar, promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais e/ou estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos relativos às mencionadas áreas.

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dirigir suas atividades exclusivamente a seus associados ou a categoria profissional

(art. 2º).

Disciplina a lei os procedimentos que deverão ser observados para a outorga

do novel título de entidades beneficentes de assistência social para a fruição de

incentivos fiscais, assim como fixa as regras atinentes à fiscalização dos entes do

terceiro setor assinalados com o certificado. Aponta-se, ainda, que o reconhecimento

possibilita às entidades o desfrute de outros incentivos e apoios inerentes à atividade

fomentadora estatal.

Frisa-se, nesse passo, que as referências constitucionais e legais a pessoas

jurídicas compreendidas no setor parceiro por intermédio de outras designações

(confessionais, comunitárias, filantrópicas58, assistenciais etc.) não devem levar a

supor titulações diversas das aqui arroladas. As mencionadas pessoas jurídicas de

direito privado, em geral, amoldam-se à perfeição aos figurinos traçados na

legislação infraconstitucional indicadas nas letras “a” a “d” supra.

Concluído este capítulo, passaremos a contextualizar sob as perspectivas

histórica, sociológica, política e jurídica os modelos de compreensão e tratamento

das pessoas com deficiência nas sociedades humanas, desde os primórdios até a

contemporaneidade, verticalizando e direcionando a abordagem especificamente ao

tema do direito à educação desse particular segmento social historicamente

discriminado e excluído.

58 As referências a entidades confessionais, comunitárias e filantrópicas são tradicionais na área

educacional e indicam com precisão entes do terceiro setor que se dedicam a prestação de serviço público social educacional. Com efeito o art. 20, da Lei nº 9.394/96 (LDB) aparta com precisão as instituições privadas de ensino com ou sem fins lucrativos, in verbis: “As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias: I - particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo; II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade; III - confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior; IV - filantrópicas, na forma da lei”.

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4 DEFICIÊNCIA, EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, NORMATIVIDADE E POLÍTICAS

A ignorância, a negligência, a superstição e o medo constituem fatores sociais que, ao longo da história, têm vindo a isolar as pessoas com deficiências e atrasar o seu desenvolvimento.

(Parágrafo 3 da Introdução às Regras Gerais sobre Igualdade de oportunidades para pessoas portadoras

de deficiência, proclamada pela Organização das Nações Unidas-ONU, no ano de 1993).

4.1 DEFICIÊNCIA

No transcorrer da história humana registra-se que o fenômeno da deficiência

foi e ainda o é visualizado, percebido, vivenciado e explicado sob perspectivas

diversas. Piovesan (2009) sustenta que a história das pessoas com deficiência no

contexto universal, sob uma perspectiva de afirmação dos direitos desse peculiar

segmento social, pode ser delineada a partir da indicação de quatro fases marcadas

respectivamente pela intolerância, invisibilidade, assistência e, finalmente, pela

inclusão social.

Há também quem distinga, na história da humanidade, modelos de

compreensão e modelos de tratamento do fenômeno da deficiência (CARVALHO,

ROCHA; SILVA, 2006, p. 07 e ss). Os modelos de tratamento seriam os da

eliminação ou abandono, da institucionalização, da integração e o da inclusão, que

podem ser associados, nessa ordem, às fases, propostas por Piovesan ora

mencionadas. Por outro lado, as compreensões relativas ao fenômeno da deficiência

humana deram ensejo à constituição de, pelo menos, três abordagens distintas: a

mística, a biológica e a social.

Frise-se que tais arquétipos de tratamento e de compreensão da temática da

deficiência, em regra, coexistem, associados ou extremados no meio social de modo

que não se afigura recomendável falar em superação absoluta ou primazia deste ou

daquele modelo no espaço social.

Acentue-se, ainda, que uma visão panorâmica e superficial dos registros

históricos é suficiente para justificar assertiva no sentido de que, sem solução de

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continuidade, as pessoas com deficiência sempre estiveram e estão agregadas aos

contingentes vulneráveis das sociedades humanas, dentre os grupos discriminados,

excluídos e marginalizados social, econômica e politicamente, sendo uma ou outra

exceção circunstancial ou acidental mera confirmação da regra.

4.1.1 A explicação mística

Durante expressivo lapso, a visão social da deficiência, e do indivíduo que a

vivenciava, esteve associada a fatores sobrenaturais59. Assim, a percepção de

diferenças estéticas ou comportamentais (defeitos, imperfeições, anormalidades

etc.) seriam resultantes da ação divina (castigo ou graça) ou da interferência de

forças demoníacas60.

Apartado do seu grupo pelo Todo Poderoso da ocasião, a infortunada pessoa

com deficiência era despojada de sua condição humana passando a ser instrumento

do assombroso e irresistível arbítrio sobrenatural, provavelmente em consequência

de alguma afronta ou pecado por ela cometido ou por seus familiares61. Parece que

foi assim pela primeira vez pavimentado o caminho da exclusão social, desde então

trilhado pelos que são deficientes.

Com efeito, a compreensão mística da deficiência está na base das práticas

de abandono de recém-nascidos defeituosos, na eliminação física (afogamento,

asfixia, arremesso do alto de montanhas etc.), segregação no espaço doméstico ou

institucional (asilos, abrigos, hospitais, hospícios), mendicância, escravização,

violência sexual, emprego em espetáculos públicos e congêneres.

59 Segundo Mazzotta (2011, p. 16): […] até o século XVIII, as noções a respeito da deficiência eram

basicamente ligadas a misticismo e ocultismo, não havendo base científica para o desenvolvimento de noções realisticas […]. A própria religião, com toda sua força cultural, ao colocar o homem como “imagem e semelhança de Deus”, Ser perfeito, inculcava a ideia da condição humana como incluindo perfeição física e mental. E não sendo “parecidos com Deus”, os portadores de deficiências (ou imperfeições) eram postos à margem da condição humana.

60 Conforme Carvalho, Rocha e Silva (2006, p.11), até o final da Idade Média, a pessoa com deficiência era vista somente sob o aspecto místico. Nesta abordagem, ela poderia ser considerada como o resultado da ação de forças demoníacas, como um castigo para pagamento de pecados seus ou de ancestrais e ainda como um instrumento para que se manifestassem as obras de Deus.

61 De acordo com Carvalho, Rocha e Silva (2006, p. 15) a abordagem mística, por atribuir a causa das deficiências as forças metafísicas, torna o indivíduo e a sociedade impotentes diante da situação e gera uma visão fatalista a respeito da existência das pessoas que as possui. Esse entendimento ainda hoje se encontra presente no imaginário social, principalmente devido às influências do pensamento religioso.

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86

O modelo místico, com o advento dos tempos modernos e suas perspectivas

humanistas, antropocêntricas e racionalistas, passou a ser alvo de contestação.

4.1.2 A abordagem biológica

O intenso processo de transformações políticas, econômicas, sociais e

culturais, no continente europeu, assinala o começo do fim das estruturas, do modo

de vida e de pensamento característicos do mundo medieval e, simultaneamente,

descortina os horizontes da Idade Moderna no Ocidente. Basta aqui lembrar que a

superação do modo de produção feudal pelo capitalista associa-se à fragmentação

da instituição religiosa (Reforma Protestante); ao abandono do teocentrismo e à

afirmação do antropocentrismo; às descobertas geográficas e seus corolários

comerciais e industriais; ao progresso científico; à primazia da burguesia em face da

nobreza e do clero; dentre tantos outros eventos significativos da nova Era.

Com as armas da razão, o homem habilita-se para compreender e explicar a

si mesmo, a sociedade e o mundo da natureza. O estudo científico e a

experimentação são as luzes que dissipam as trevas da ignorância, do saber pré-

científico e dos dogmas sustentados pela religião. Surge assim uma nova crença: a

inquebrantável fé no homem dotado de razão.

Assim, o novo modo de pensar renega a explicação mística do fenômeno da

deficiência e propõe sua substituição por um novo modelo de compreensão: o

modelo científico biológico de compreensão da deficiência enquanto anormalidade

(patologia física ou mental) deflagradora de condutas desviantes dos padrões sociais

vigentes. Ao revés, a normalidade “é entendida ora como uma expectativa biomédica

de padrão de funcionamento da espécie, ora como um preceito moral de

produtividade e adequação às normas sociais” (DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009,

p. 65).

A perspectiva biológica ou biomédica, ao captar a deficiência como uma

doença a ser curada termina por focar exclusivamente o indivíduo portador da

enfermidade, dissociando-o do meio social (PIOVESAN, 2009). Sob tal modelo

teórico, o incremento da institucionalização é respaldado cientificamente.

A criação e operacionalização de instituições especializadas no atendimento

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87

de pessoas com deficiências, particularmente nas áreas da assistência social, saúde

e educação, viabiliza a normalização do indivíduo (via habilitação/reabilitação e

consequente ingresso em processo produtivo) e/ou do ambiente social (via

segregação dos que permaneceram inabilitados para o convívio social).

A superação parcial da institucionalização é buscada, já no século XX, com a

formulação do paradigma da integração. Em regra, as pessoas com deficiência

devem ter acesso aos serviços sociais postos à disposição da coletividade como um

todo, salvo se em razão da conformação de suas deficiências o serviço não puder

atendê-los a contento por inadequação, insuficiência ou ineficiência. Nessa hipótese,

restará à pessoa com deficiência buscar assistência nas instituições especializadas.

Assim “em conformidade com este modelo, o principal problema para a inserção

social do indivíduo com deficiência sensorial, física ou mental é o defeito que ele

possui”. (CARVALHO; ROCHA; SILVA, 2006, p. 17).

Conforme se verá a seguir, o arquétipo biológico vem, na contemporaneidade,

perdendo espaço para o modelo social de compreensão da deficiência. No sistema

das Nações Unidas, foi com base no novel protótipo que se deu a confecção da

Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, ratificada pelo Estado

brasileiro e internalizada com o status de Emenda Constitucional.

Todavia, o modelo biomédico ainda fundamenta, no Brasil, as pesquisas

demográficas, assim como muito influencia as ações e os programas direcionados

às pessoas com deficiência nos setores da assistência, saúde e educação62 (DINIZ,

BARBOSA; SANTOS, 2009).

4.1.3 O modelo social

O novo paradigma contrapõe-se radicalmente aos modelos antecedentes de

compreensão, explicação e tratamento da deficiência e do segmento social que a

vivencia. Propõe-se a empreender esforços tendentes à desmistificação e à

desnaturalização da deficiência e a consequente superação da exclusão social que

62 Conforme Mazzotta (2011, p. 11 e 15) a educação especial no Brasil sempre foi compreendida

mais como assistência do que como educação de alunos com necessidades educacionais especiais. Mais adiante acentua o autor que a defesa da cidadania e do direito à educação das pessoas com deficiência é atitude recente.

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88

subjuga a minoria humana estigmatizada.

A nova teorização assenta que não há uma relação de causa e efeito entre

deficiência e exclusão social. Diversamente, a exclusão das pessoas com deficiência

decorre, em verdade, da inadequação dos ambientes físico e social que inviabiliza a

participação desse singular coletivo humano em condições de igualdade com as

pessoas não deficientes, o que implicaria na violação dos seus direitos humanos.

A sociedade excludente, ao impossibilitar o desfrute dos direitos humanos de

parcela da comunidade, finda por despojar a pessoa com deficiência da própria

dignidade humana, pressuposto e razão dos direitos e das liberdades fundamentais

que não podem, em qualquer hipótese, ser circunscritos nos reduzidos limites do

assistencialismo biomédico63.

Assim, a proposta é a transformação da sociedade a partir da eliminação das

barreiras ambientais e atitudinais (sociais e culturais), de modo a proporcionar o

desfrute dos direitos humanos e a inclusão social plena dos indivíduos com

deficiência conforme Piovesan (2009); Carvalho; Rocha e Silva (2006).

Com as proposições do paradigma social formuladas na década de 70 do

século XX, na Europa, inspiradas no pensamento marxista, nas teorias feministas e

nas abordagens multiculturalistas dos direitos humanos, a deficiência passa a ser

percebida não mais como questão da órbita individual, familiar, mas sim como

encartada na pauta dos temas de interesse da sociedade, a quem incumbe o seu

equacionamento.

Nesse sentido, assevera Nussbaum (2007) apud Diniz, Barbosa e Santos

(2009, p. 69) que “A tese central do modelo social permitiu o deslocamento do tema

da deficiência dos espaços domésticos para a vida pública. A deficiência não é

matéria de vida privada ou de cuidados familiares, mas uma questão de Justiça”.

Diniz, Barbosa e Santos (2009, p. 69), continua, citando Diniz e Medeiros (2004):

Essa passagem simbólica da casa para a rua abalou vários pressupostos biomédicos sobre a deficiência. Afirmou-se, por exemplo, que deficiência não é anormalidade, não se resumindo ao estigma ou à vergonha pela diferença. A crítica ao modelo biomédico

63 Assentam Diniz, Barbosa e Santos (2009, p.74) que assegurar a vida digna não se resume mais à

oferta de bens e serviços médicos, mas exige também a eliminação de barreiras e a garantia de um ambiente social acessível ao corpos com impedimentos físicos, intelectuais ou sensoriais.

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89

não significa ignorar o quanto os avanços nessa área garantem bem estar às pessoas.

A adoção pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no ano de 2001, da

Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), ao

extremar as deficiências das doenças (essas encartadas na classificação estatística

internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID-10) é apontada

como um marco na legitimação do modelo social (DINIZ; BARBOSA; SANTOS,

2009, p. 71). Entretanto, a primazia do recente modelo é reconhecida no Plano

Internacional com a aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no ano

de 2006, da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. Com efeito, a

Convenção de Nova York abraça integralmente as premissas fundamentais do

modelo.

No que se refere ao Brasil, embora não se possam desconsiderar os influxos

do modelo clínico na sociedade, certo é que em 2008 a Convenção sobre os Direitos

da Pessoa com Deficiência (CDPD) foi ratificada com status de Emenda

Constitucional, passando a vigorar no plano interno aos 25 de agosto de 2009.

Registre-se ainda a inserção no ordenamento jurídico brasileiro da Lei nº

13.146/15, lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da Pessoa

com Deficiência), que expressamente consignou basear-se na CDPD64 (art. 1º,

parágrafo único).

Dessarte, desde o ano de 2009, o Estado e a sociedade brasileira encontram-

se comprometidos juridicamente com o respeito, a proteção e garantia dos direitos

humanos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, impondo-se a

implementação das transformações necessárias à edificação da sociedade

includente.

64 A vinculação do novel diploma legislativo à compreensão social da deficiência pode ser bem

aquilatada pelo conteúdo dos dispositivos atinentes à definição de pessoa com deficiência (art. 2º, caput) e à avaliação da deficiência (art. 2º, §1º, I a IV), in verbis: Art. 2º. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1o A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação”.

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90

4.2 A EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E OS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS

Negar educação à pessoa com deficiência não é humano, rompe com o direito e emperra o

progresso65.

4.2.1 A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes

Aos 09 de dezembro de 1975, a Assembleia Geral das Nações Unidas

proclamou a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, por intermédio da

Resolução 3477/1975. Trata-se de documento que, no âmbito das Nações Unidas,

pela primeira vez reconhece as especificidades da coletividade humana que compõe

a minoria, bem como a magnitude das desvantagens sociais e econômicas que, de

regra, incidem sobre seus membros em todo o globo. Por essas razões, declara que

tais indivíduos titularizam todos os direitos reconhecidos ao ser humano no plano

internacional pelos Estados que integram a ONU.

É necessário acentuar que, não obstante sua importância histórica decorrente

do pioneirismo do documento, muitos dos seus conceitos e ideias estruturantes

(pessoa deficiente, normalidade, vida normal, por exemplo) foram superados desde

então, tanto no plano das ciências sociais como no das ciências da saúde. Com

efeito, à época, ainda não se havia estabelecido o consenso no sentido de que os

impedimentos à plena inserção social da pessoa com deficiência não resultam

exclusivamente de sua condição pessoal, mas sim da interação da deficiência

(física, mental, intelectual ou sensorial) com as barreiras ambientais, sociais ou

culturais.

Assim, a Declaração estabelecia que pessoa deficiente era expressão

empregada para designar qualquer pessoa incapaz de satisfazer por si própria, total

ou parcialmente, as necessidades de uma vida normal na esfera individual e/ou

social, em consequência da deficiência congênita ou não, nas suas faculdades

físicas ou mentais (Parágrafo 1).

65 Parafraseando asserção proferida pelo Senador Cristovam Buarque em entrevista a Roberto

D'Ávila, veiculada pela Globo News, em 21 de abril de 2016, precisamente: “Negar educação à uma criança não é humano, rompe com o direito e emperra o progresso”.

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91

Entretanto, há que se reconhecer que o documento fixou diretrizes que

contemporaneamente perduram, ainda que modificadas na forma, conteúdo e

alcance, devendo ser destacados:

1) a afirmação da igualdade de direitos entre as pessoas deficientes e não

deficientes (parágrafo 4);

2) o direito a medidas que maximizem a autonomia das pessoas deficientes

(parágrafo 5);

3) o direito das pessoas com deficiência à educação, formação e reabilitação

profissional compreende a oferta de serviços de apoio destinados ao

máximo desenvolvimento das suas capacidades e aptidões, assim como

favoreçam o processo de integração social (parágrafo 6);

4) o planejamento econômico e social deve contemplar medidas endereçadas

ao atendimento das necessidades específicas das pessoas deficientes

(parágrafo 8);

5) é reconhecida a importância da consulta às organizações de pessoas

deficientes nas matérias relativas aos direitos desta coletividade (parágrafo

12).

4.2.2 O Programa de Ação Mundial para as pessoas deficientes e a educação

No ano de 1982, a ONU formulou e aprovou, por meio da Resolução da

Assembleia Geral nº 37/52, de 03 de dezembro de 1982, o documento intitulado

Programa de Ação Mundial para as Pessoas Deficientes, tendo em conta que tal

minoria humana representava, à época, a cifra de 500.000.000 (quinhentos milhões)

de seres humanos sobrevivendo, em regra, em condições de segregação e

degradação. O documento constitui-se de amplo e profundo diagnóstico, a partir do

qual propõe uma série de medidas que devem ser implementadas por todos os

países membros com a cooperação técnica e financeira internacional.

Cuida-se do mais importante resultado do Ano Internacional das Pessoas

Deficientes (1981) e cumpriu papel de documento-guia dos esforços empreendidos

durante a Década das Nações Unidas para as Pessoas Deficientes (1983-92). O

Programa de Ação Mundial propõe-se a promover a adoção de medidas eficazes

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92

para a prevenção das deficiências, reabilitação das pessoas deficientes e a

viabilização dos objetivos de igualdade e participação plena dessa parcela da

população mundial na vida social e no processo de desenvolvimento (Tópico 1).

É possível daí inferir que a perspectiva preponderante do desenvolvimento

deve ser alargada, de modo que o processo inclua as pessoas deficientes como

partícipes da dinâmica socioeconômica e beneficiárias dos seus resultados. Acentua

o texto a responsabilidade dos governos no enfrentamento das causas e

consequências das deficiências sem, contudo, deixar de aquilatar a responsabilidade

da sociedade em geral, dos indivíduos e das organizações não-governamentais.

Destaca, quanto a essas parceiras dos entes estatais, que podem muito contribuir na

identificação das demandas, na busca de soluções adequadas e no fornecimento de

serviços complementares aqueles prestados diretamente pelos governos (Tópico 3).

No que diz respeito à realidade da maior parte dos países em

desenvolvimento, ressalta o documento que o alcance dos objetivos do programa

pressupõe o incremento do desenvolvimento econômico e social; a universalização

dos serviços públicos; a redistribuição de renda; a melhoria dos níveis de vida da

população; assim como a opção pela solução pacífica dos conflitos e consequente

redução dos efeitos deletérios das guerras (deficiências, dentre eles) e a inversão

dos recursos nacionais disponíveis na persecução de fins pacíficos e socialmente

relevantes.

Entretanto, os governos não podem permanecer inertes, enquanto as

mencionadas condições não se materializarem, sob pena de agravamento da

questão da deficiência nos países periféricos. Ao contrário, as medidas destinadas à

prevenção das deficiências, à reabilitação, à igualdade de oportunidades e à

participação plena devem imediatamente ser incorporadas aos planos nacionais de

desenvolvimento (tópico 5).

Partindo da premissa, segundo a qual é o meio que determina o efeito de uma

deficiência ou de uma incapacidade sobre a vida contidiana da pessoa, o documento

fixa com precisão e objetividade o significado de igualdade de oportunidades como

sendo

[...] o processo mediante o qual o sistema geral da sociedade – o meio físico e cultural, a habitação, o transporte, os serviços sociais e

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de saúde, as oportunidades de educação e de trabalho, a vida cultural e social, inclusive as instalações esportivas e de lazer – torna-se acessível a todos. (PROGRAMA..., 1982, tópicos 12 e 21).

Por seu turno, o princípio da igualdade de direitos entre pessoas com e sem

deficiência indica que as necessidades de todo e qualquer indivíduo são de igual

relevo e que essas necessidades devem ser ponderadas e atendidas no

planejamento da área social, devendo os recursos ser empregados de modo a

garantir a todos iguais oportunidades de participação. Assim, todas as políticas

relacionadas à deficiência precisam ser aptas a garantir o acesso das pessoas

deficientes a todos os serviços disponibilizados à comunidade na qual se encontram

inseridas (tópico 25).

O êxito do programa de ação exigiria, ainda, que se altere, no plano social, a

imagem estereotipada, preconceituosa e redutora da pessoa deficiente. Desse

modo, urge realçar as capacidades das pessoas deficientes, e não as suas

limitações (tópico 27). Nesse ponto, o documento assevera que as barreiras de

cunho social e cultural são entrelaçadas com as de natureza material, os principais

obstáculos à igualdade e à participação plena e consequente inclusão da minoria no

todo social. Salienta o texto que o Programa de Ação Mundial inspira-se e pretende

tornar efetivos os princípios gerais da paz, dos direitos humanos e liberdades

fundamentais, da dignidade da pessoa humana e da justiça social, todos

consignados expressa e destacadamente na Carta das Nações Unidas (tópico 31).

Quanto à garantia do acesso à educação pelas pessoas deficientes, o

Programa de Ação Mundial propõe diretrizes que devem pautar as políticas de

integração direcionadas a viabilizar a igualdade de oportunidades e a participação do

público-alvo que podem ser assim sintetizadas:

1) a educação das pessoas portadoras66 de deficiência deve ser ministrada,

na medida do possível, no âmbito do Sistema Escolar Geral, cuidando-se

de responsabilidade das autoridades educacionais, devendo a legislação

66 O termo “portador de deficiência” foi modificado para “pessoa com deficiência”, mudança que se

deu com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - Convenção de Nova York (2007) (item 4.2.7). No Brasil, até o momento, a Constituição Federal e parte da legislação infraconstitucional ainda empregam a expressão anterior, motivo pelo qual, nesta dissertação, aparecem as duas nomenclaturas, dependendo do documento que ao que se refere o texto.

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atinente ao ensino obrigatório incluir as crianças portadoras de todo tipo de

deficiência, inclusive as mais incapacitantes (tópico 120);

2) flexibilização dos regulamentos que tratem da idade de admissão, da

promoção de uma classe para outra e, quando cabível, dos procedimentos

de exame, em favor das pessoas portadoras de deficiência (tópico 121);

3) os serviços de educação para crianças e/ou adultos portadores de

deficiência devem atender aos critérios de individualização do atendimento,

instalação em local acessível ao público-alvo e universalidade (tópico 122).

4) a integração das crianças portadoras de deficiência no sistema regular de

ensino pressupõe planejamento com a participação de todos os

interessados (tópico 123);

5) a participação dos pais é de fundamental importância em todos os níveis do

processo educativo e, por isso, os genitores de crianças portadoras de

deficiência devem contar com a colaboração de pessoal formado para

assisti-los na educação dos filhos (tópico 125);

6) os programas de educação de adultos devem incluir as pessoas portadoras

de deficiência (tópico 126) ;

7) o acesso ao ensino superior deve ser assegurado às pessoas portadoras

de deficiência (tópico 127, segunda parte);

8) enquanto não se adequam as instalações de ensino do sistema geral,

devem ser assegurados aos alunos portadores de deficiência o serviço

educacional em instalações especiais (tópicos 124 e 127, primeira parte).

4.2.3 A Convenção sobre os Direitos da Criança

A atual Convenção sobre os Direitos da Criança foi proclamada pela

Assembleia Geral das Nações Unidas, aos 20 de novembro de 1989, por intermédio

da resolução nº 44 (XLIV), sucedendo a Declaração de Genebra sobre os direitos da

criança de 1924, e a Declaração sobre os direitos da criança, de 1959.

Para os fins da proteção especial estabelecida na Convenção em favor da

criança, a titularidade dos direitos que consubstanciam a proteção especial é

conferida a todo ser humano menor de 18 (dezoito) anos de idade, salvo se, nos

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termos da lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes (art. 1º).

O Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança em

20 de setembro de 1990. Por isso, o Estado brasileiro encontra-se obrigado a

assegurar e promover os direitos previstos na Convenção a toda criança sujeita à

sua jurisdição sem discriminação de qualquer natureza e independentemente de

quaisquer condição pessoal, inclusive deficiência, ou de seus pais ou representantes

legais (art. 2º).

Toda e qualquer medida ou questão relativa à criança deve ser equacionada

tendo por norte o superior interesse da criança (art. 3º, § 1º), princípio inspirador e

fundamental da proteção integral (expressão usualmente empregada na doutrina

brasileira para designar o sistema de proteção especial instituído em favor da

criança pela Convenção, assim como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente –

Lei 8069/90 – no plano interno). Cumpre destacar que, na implementação dos

direitos econômicos, sociais e culturais, os Estados-partes, dentre eles o brasileiro,

deverão adotar medidas adequadas à efetivação dos sobreditos direitos “no alcance

máximo de seus recursos disponíveis e, quando necessário, no âmbito da

cooperação internacional” (art. 4º).

O texto convencional cuida de agregar à proteção especial, conferida a todas

as crianças, um plus destinado a contemplar as necessidades e peculiaridades

próprias das crianças com deficiência. Assim, incumbem aos Estados-partes garantir

em favor das mencionadas crianças:

1) o desfrute de vida plena e decente, em condições de dignidade, máxima

autonomia e participação ativa na vida comunitária (art. 23, § 1º);

2) o direito de receber cuidados especiais (art. 23, § 2º);

3) acesso à educação, à capacitação, aos serviços de saúde, de reabilitação,

preparação para o trabalho e às oportunidades de lazer visando a

integração social e o mais amplo desenvolvimento cultural e espiritual (art.

23, § 3º);

4) no plano da cooperação internacional, intercambiar, informações e

experiências particularmente relativas à prevenção e tratamentos médicos,

atendimento psicológico, reabilitação, educação e formação profissional

(art. 23, § 4º).

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4.2.4 As normas para equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência

As regras gerais sobre igualdade de oportunidades para pessoas portadoras

de deficiência foram aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas aos 20

de dezembro de 1993, por meio da Resolução nº 48/96. Em sua parte introdutória, o

documento assevera ter sua base pragmática assentada na experiência acumulada

no curso da “Década das Nações Unidas para pessoas com deficiência” (1983-

1992).

Quanto ao fundamento político e moral, as regras gerais têm suas raízes bem

fincadas na carta internacional dos direitos humanos (Declaração Universal dos

Direitos do Homem, Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos), na Convenção

sobre os direitos da criança, na Convenção sobre a eliminação de todas as formas

de discriminação contra as mulheres, no Programa de Ação Mundial para as

Pessoas Deficientes (parágrafo 13).

A instituição das normas para equiparação de oportunidades almeja

estabelecer condições isonômicas para a fruição dos direitos humanos e as

liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência em relação à população em

geral, salientando simultaneamente por imprescindível as particularidades e

heterogeneidades das pessoas com deficiência, especialmente mulheres, crianças,

idosos, pobres, trabalhadores migrantes, pessoas com deficiências múltiplas,

populações autóctones, minorias étnicas e refugiados. A realização da igualdade de

oportunidades para pessoas com deficiência representa uma contribuição

fundamental para o esforço geral e mundial de mobilização dos recursos humanos

(parágrafo 15).

O documento cuida de precisar alguns conceitos-chave na temática da

deficiência. Assim, incapacidade compreende expressivo número de distintas

limitações funcionais em decorrência de uma deficiência de natureza física,

intelectual ou sensorial, de um estado que demanda intervenção médica ou de

doenças mentais, transitórios ou permanentes (parágrafo 17). Alerte-se que a ênfase

exacerbada na verificação de uma dada limitação incapacitante pode terminar por

ocultar as capacidades de dado indivíduo, além de desconsiderar que o resultado de

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uma limitação em muito deriva das condições sociais e ambientais nas quais se

encontra a pessoa inserida.

Desvantagem indica a redução total ou parcial, enfrentada pela pessoa com

deficiência, das possibilidades de participação integral na vida da comunidade em

igualdade de oportunidades com os demais cidadãos. O conceito busca evidenciar

os defeitos de concepção do meio físico circundante e das atividades socialmente

organizadas e ofertadas ao desfrute aparentemente universal (educação, serviços

de saúde, dentre outros) que impedem a participação/fruição pelas pessoas com

deficiência em condições isonômicas com as demais pessoas (Parágrafo 18).

Aqui se volta o foco para as inadequações dos meios físico e social que

inviabilizam a inserção indistinta de todos e, por conseguinte, in concreto a

universalização dos direitos humanos. Em arremate, a desvantagem é resultante das

interações ser/ambiente e, mais precisamente das conexões que se estabelecem

entre as limitações da pessoa com deficiência e as inadequações de um ambiente

concebido e utilizado sem preocupações includentes.

A expressão realização da igualdade de oportunidades é empregada para

designar o processo por intermédio do qual o meio físico e os múltiplos sistemas

sociais (serviços, atividades, informação e documentação, exemplificativamente) são

disponibilizados a todos, particularmente às pessoas com deficiência (parágrafo 24).

As necessidades peculiares das pessoas com deficiência devem merecer a

mesma atenção conferida às necessidades de qualquer pessoa em face do princípio

da isonomia, matriz da igualdade de oportunidades de participação social (parágrafo

25).

Verticalizando ainda mais o raciocínio, afirma o documento internacional que

do direito ao convívio comunitário extrai-se igualmente a exigência de que o

atendimento das demandas das pessoas com deficiência ocorra no âmbito das

estruturas regulares de educação, saúde, emprego e demais serviços comunitários

(parágrafo 26).

Há ainda que se ponderar que a realização da igualdade de oportunidades de

plena e ativa participação social das pessoas com deficiência é condição sine qua

non para que assumam as responsabilidades conferidas a todos e a cada um dos

membros de uma sociedade (parágrafo 27).

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Fixadas tais premissas, cumpre destacar dentre as regras gerais as que

interessam mais diretamente aos objetivos perseguidos na presente pesquisa.

1) Quanto à educação

A norma geral na matéria assinala o dever estatal de assegurar a

igualdade de oportunidades em todos os níveis do sistema geral de

ensino, em ambientes integrados para as crianças, os jovens e os

adultos com deficiência (Regra nº 6, caput). O ensino nas escolas

comuns pressupõe a oferta de serviços de apoio adequados em função

das necessidades de alunos com distintos tipos de deficiências (Regra

6, § 2º);

os grupos ou as associações de pais e as organizações de pessoas

com deficiência devem participar do processo educacional em

quaisquer dos seus níveis (Regra 6, §3º);

a integração das pessoas com deficiência no sistema geral de ensino

exige a formulação de uma política clara, compreendida e aceita na

comunidade escolar e na comunidade em geral, a flexibilização e

adaptação dos planos curriculares, a oferta de materiais didáticos

adequados e a formação continuada de professores e pessoal de apoio

(Regra 6, § 6º);

a educação integral e os programas comunitários devem ser encarados

como abordagens complementares, endereçados a propiciar às

pessoas com deficiência uma educação e uma formação

economicamente viáveis (Regra 6, § 7º);

a integração dos serviços de ensino especial ao sistema educacional

deve ser progressiva, reconhecendo-se que, em alguns casos, o

ensino especial pode se consubstanciar na forma mais apropriada de

oferta educacional a alguns alunos com deficiência (Regra 6, § 8º).

em face das peculiares necessidades de comunicação dos alunos

surdos e surdos e cegos, a sua educação pode, eventualmente, ser

assegurada em escolas ou turmas especiais (Regra 6, § 9º).

Consoante se infere da Regra 14, o ente estatal deve garantir a inserção das

questões atinentes à deficiência em todas as políticas e atividades de planejamento

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a nível nacional, estimular e fomentar a adoção de medidas nos âmbitos regional e

local, bem como promover a participação dos interessados e seus representantes no

processo de planejamento.

O documento sublinha que o Estado deve arcar com a responsabilidade

financeira pelo custeio dos programas e medidas de abrangência nacional

direcionados à promoção da igualdade de oportunidades das pessoas com

deficiência, buscar a conjugação de esforços com o terceiro setor e a iniciativa

privada, assim como aferir a conveniência da instituição de um fundo de

desenvolvimento para as questões relativas à deficiência (Regra 16).

4.2.5 A Declaração de Salamanca

A Declaração de Salamanca foi aprovada no dia 10 de junho de 1994, pela

Conferência Mundial de Educação Especial organizada pelo governo da Espanha

em cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência

e a Cultura (UNESCO), evento que contou com a participação de representantes de

88 Estados e de 25 organizações internacionais. Versando sobre princípios, políticas

e práticas na área das necessidades educacionais especiais, a Declaração de

Salamanca, que agrega ao seu texto a estrutura de ação em educação especial,

pretende expressamente se constituir um guia geral para o planejamento de ações

em educação especial.

Invocando as normas gerais sobre igualdade de oportunidades para pessoas

portadoras de deficiência, assim como outros textos proclamados pelo sistema das

Nações Unidas, o documento assevera ser necessária e urgente a adoção de

medidas visando à garantia de educação para crianças, jovens e adultos com

necessidades educacionais especiais no âmbito do sistema regular de ensino.

Sustenta o documento que as premissas da igualdade de direitos e da

garantia de oportunidades de participação social integral, assentadas em favor das

pessoas portadoras de deficiência pelas normas gerais, vedam a exclusão dessa

minoria humana ao acesso a qualquer sistema social. Por assim ser, o sistema

regular de ensino há de ser inclusivo e acessível a todos, ainda que se cuidem de

pessoas que demandam necessidades especiais para o êxito do seu processo

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educativo, particularmente alunos com deficiência.

Nesse sentido, os Estados são instados a atribuir a mais alta prioridade

política e financeira ao aperfeiçoamento de seus sistemas educacionais a fim de que

se tornem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas

diferenças ou dificuldades individuais, assim como instituam o princípio da educação

inclusiva, matriculando as crianças em escolas regulares, salvo se existam fortes

razões em sentido contrário (§ 3º da Declaração de Salamanca).

Dentre as recomendações aos Estados consignadas na Estrutura de ação em

educação especial, interessa-nos especialmente destacar:

1) a ordem jurídica interna deve proclamar o princípio da igualdade de

oportunidades para crianças, jovens e adultos com deficiências na

educação primária, secundária e superior, sempre que possível em

ambientes integrados (§ 14);

2) políticas educacionais em todos os níveis devem estipular que a criança

portadora de deficiência frequentará a escola de sua vizinhança,

ressalvados os casos individualmente apreciados nos quais a educação

será ofertada em instituição especial (§ 16);

3) as politicas educacionais deverão ter em conta as diferenças e situações

individuais. Assim, em face das necessidades peculiares da comunicação

dos surdos e das pessoas surdas/cegas, por exemplo, é admissível que o

ensino de tais alunos seja ministrado em escolas especiais ou em classes

especiais instituídas em escolas regulares (§ 19);

4) crianças com necessidades especiais devem contar com apoio

educacional adicional no contexto do currículo regular. O princípio deve

ser ofertar a mesma educação a todas as crianças, assegurando o apoio

adicional àquelas que dele necessitam (§ 27);

5) tendo em vista que o sucesso de escolas inclusivas em muito depende de

identificação precoce, avaliação e estimulação de crianças com

necessidades educacionais especiais, a assistência infantil e a educação

pré-escolar de crianças com idade inferior a 06 (seis) anos devem ser

desenvolvidos e/ou reorientados visando à promoção do desenvolvimento

físico, intelectual e social e à prontidão para a escolarização (§ 51);

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6) jovens com necessidades educacionais especiais devem ser auxiliados

para que empreendam uma transição efetiva da escola para o trabalho (§

53);

7) os pais, parceiros privilegiados no processo educacional, devem ter a

chance de poder escolher o tipo de provisão educacional que eles

aspiram para seus filhos (§ 58);

8) o desenvolvimento de escolas inclusivas, como o meio mais eficaz para

atingir a universalização da educação, deve ser tido como uma política

estratégica na pauta do desenvolvimento nacional (§ 68);

9) a inversão privilegiada de recursos nas escolas comprometidas com a

inclusão deve ser uma das estratégias direcionadas à progressiva

expansão e generalização da educação inclusiva (§ 69).

4.2.6 A Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência

A Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de

discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência, a Convenção da

Guatemala, de 1999, foi aprovada pelo congresso nacional brasileiro por meio do

Decreto legislativo nº 198, de 13 de junho de 2001, entrou em vigor no plano interno

com a publicação do Decreto nº 3956/01, aos 09 de outubro de 2001.

Consoante o texto convencional, o termo deficiência refere-se a uma restrição

física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a

capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou

agravada pelo ambiente econômico ou social (art. 1º, § 1º).

Por seu turno, a expressão discriminação contra as pessoas portadoras de

deficiência compreende toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em

deficiência ou de qualquer modo a ela relacionada, que tenha o efeito ou propósito

de impedir ou anular o reconhecimento, o exercício ou o desfrute dos direitos

humanos e liberdades fundamentais por pessoas portadoras de deficiência,

conforme se infere do disposto no art. 1º, § 2º, “a”, da Convenção da Guatemala.

Ressalva o documento que não constitui discriminação a diferenciação ou

preferência encampada pelo estado no contexto de ações ou políticas afirmativas

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(medidas adequadas à aceleração da igualdade de oportunidades, na terminologia

contemporânea) em prol das pessoas portadoras de deficiência, contanto que a

diferenciação ou preferência adotada não implique, por si mesma, limitação ao

direito à igualdade titularizado pelo grupo social já referenciado, assim como que os

cidadãos diferenciados ou preferidos não sejam compelidos a aceitar o figurino que

lhes foi reservado pela medida estatal, segundo se depreende do consignado no art.

1º, § 2º, “b”.

A prevenção e a eliminação progressiva de todas as formas de discriminação

contra as pessoas portadoras de deficiência constituem-se nos objetivos nucleares

da Convenção que devem ser alcançados para que se viabilize a integração social

plena da minoria protegida (art. 2º). Na persecução de tais objetivos, incumbem aos

Estados-partes:

1) eliminar a discriminação na prestação ou no fornecimento de bens,

serviços, instalações, programas e atividades, inclusive emprego,

transportes, comunicações, habitação, educação e acesso à Justiça (art.

3º, § 1º, “a”);

2) a adoção de medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações

que venham a ser construídos ou fabricados sejam acessíveis às pessoas

portadoras de deficiência (art. 3º, § 1º, “b”);

3) medidas destinadas à eliminação dos obstáculos arquitetônicos, de

transportes e comunicações atualmente existentes, de modo a possibilitar o

acesso e uso pelas pessoas portadoras de deficiência (art. 3º, § 1º, “c”);

4) capacitar os responsáveis pela aplicação da Convenção e da legislação

interna afeta à matéria da proteção dos direitos das pessoas portadoras de

deficiência (art. 3º, § 1º, “d”);

5) priorizar a atuação nas áreas da prevenção, detecção e intervenção

precoce, reabilitação, educação, sensibilização da população, dentre outros

(art. 3º, § 2º);

6) promover a participação de pessoas portadoras de deficiência, seus

representantes e entidades, bem como de organizações não-

governamentais com atuação na área da deficiência, no processo de

formulação, execução e avaliação de medidas e políticas voltadas à

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implementação da Convenção da Guatemala (art. 5º, § 1º).

4.2.7 A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de

Nova York, 2007), primeira convenção internacional de direitos humanos do terceiro

milênio, foi ratificada pelo Congresso Nacional por intermédio do decreto legislativo

nº 186, de 09 de julho de 2008, com a observância do procedimento estabelecido no

§ 3º, do art. 5º, da CF/88, tendo sua vigência no plano jurídico interno assinalada

pelo Decreto nº 6949, de 25 de agosto de 2009.

Em suas considerações preambulares, invocando expressivo legado

documental, produzido no curso do tempo pelo sistema das Nações Unidas sobre a

temática da proteção das pessoas com deficiência, o novel texto anuncia mudanças

terminológicas e conceituais, reconhece a perversa relação entre deficiência,

pobreza e marginalização social, aponta a necessidade de enfrentar à questão da

deficiência inserida no processo de desenvolvimento geral da sociedade como

alternativa viável ao equacionamento da demanda que diz respeito a todos e a cada

um dos membros da família humana. Assim, é pertinente destacar:

1) a deficiência resulta da interação que se trava entre as pessoas com

deficiência e as barreiras atitudinais e ambientais que impedem a plena

participação social dessas pessoas em igualdade de oportunidades com

as demais (preâmbulo, e);

2) as questões atinentes à deficiência devem ser inseridas na pauta das

estratégias de desenvolvimento sustentável (preâmbulo, g);

3) A discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência,

configura violação da dignidade e do valor inerente ao ser humano

(preâmbulo, h).

4) A promoção do pleno exercício pelas pessoas com deficiência de seus

direitos humanos e liberdades fundamentais e de sua plena participação

na sociedade resulta no fortalecimento de seu senso de pertencimento à

coletividade humana e no significativo avanço do desenvolvimento

humano, social e econômico de toda a sociedade, bem como na

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erradicação da pobreza (preâmbulo, m).

5) A maioria das pessoas com deficiência vive em condições de pobreza e,

nesse sentido, é imperiosa a necessidade de considerar e enfrentar o

impacto negativo da hipossuficiência socioeconômica sobre as pessoas

com deficiência (preâmbulo, t).

6) A acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural; à saúde, à

educação e à informação e comunicação constitui-se pressuposto ao

pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais pelas

pessoas com deficiência (preâmbulo, v).

7) Uma convenção internacional geral e integral, teleologicamente,

direcionada à promoção e à proteção dos direitos e da dignidade das

pessoas com deficiência consubstancia aquilatada contribuição para

corrigir as profundas desvantagens sociais e elevar a novo e superior

nível de participação das pessoas com deficiência na vida econômica,

social e cultural, em igualdade de oportunidades, quer nos países em

desenvolvimento quer nos desenvolvidos (preâmbulo, y).

No texto, encontra-se expressamente assentada a principiologia que deverá

nortear o intérprete/aplicador no processo de decodificação/construção da

normatividade endereçada à promoção e à garantia dos direitos das pessoas com

deficiência. Sem embargo da viabilidade de outra sistematização ampliativa ou

restritiva em sede doutrinária. Segue-se aqui o catálogo que se desdobra na

seguinte ordem textual: o princípio do respeito pela dignidade inerente, autonomia

individual (compreendida a liberdade de fazer as próprias escolhas); bem como pela

liberdade das pessoas; o princípio da não-discriminação; o princípio da plena e

efetiva participação e inclusão na sociedade; o princípio do respeito pela diferença e

pela aceitação das pessoas com deficiência como parcela da diversidade humana e

da humanidade; o princípio da igualdade de oportunidades; o princípio da

acessibilidade; o princípio da igualdade entre o homem e a mulher; o princípio do

respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e ao

direito dessas crianças de preservar sua identidade (art. 3º, alíneas “a” a “h”).

Interessa aqui deixar salientado que dentre as obrigações gerais consta

estipulado que, em se tratando de direitos econômicos, sociais e culturais, aí incluso

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105

o direito à educação, o Estado-parte compromete-se a adotar medidas tanto quanto

permitirem os recursos disponíveis e, quando necessário, no âmbito da cooperação

internacional, a fim de assegurar progressivamente o pleno exercício desses direitos

(art. 4º, § 2º).

No que se refere ao direito à educação, titularizado pelas pessoas com

deficiência, o texto convencional estipula diretrizes da política pública a serem

formuladas e implementadas pelo Estado na persecução da meta da inclusão plena

das pessoas com deficiência no sistema regular de ensino. Assim, para efetivar esse

direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados-

partes assegurarão sistema educacional, inclusivo em todos os níveis, bem como o

aprendizado ao longo de toda a vida (art. 24, § 1º).

Para a efetivação e universalização progressivas do direito à educação das

pessoas com deficiência, incumbe ao Estado assegurar particularmente que:

1) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional

geral sob alegação da deficiência;

2) As crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário

gratuito obrigatório ou ensino secundário, sob alegação de deficiência;

3) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário

inclusivo, de qualidade e gratuito e ao ensino secundário, em igualdade de

condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem;

4) Sejam ultimadas adaptações razoáveis de acordo com as necessidades

individuais;

5) As pessoas com deficiência recebam apoio necessário, no âmbito do

Sistema Educacional Geral, com vistas à facilitar sua efetiva educação;

6) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em

ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de

acordo com a meta de inclusão plena (art. 24, § 2º).

Comprometem-se, ainda, os Estados-Partes a garantir que as pessoas com

deficiência possam ter acesso ao ensino superior em geral, treinamento profissional

de acordo com sua vocação, educação para adultos e formação continuada, sem

discriminação e em igualdade de condições, devendo ser providenciadas

adaptações razoáveis (art. 24, § 5º).

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106

Por fim, deve ser garantido que a educação de pessoas, em especial

crianças cegas, surdas e surdo-cegas, seja ministrada nas línguas e nos modos e

meios de comunicação mais adequados ao indivíduo e em ambientes que

favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social (art. 24, § 3º, “c”).

4.3 O ACERVO HISTÓRICO DA NORMATIVIDADE E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL

Um retrospecto histórico da educação das pessoas com deficiência no Brasil

deve assinalar em sua origem as influências europeia e norte-americana

(MAZZOTA, 2011). Quanto à primeira, assinala-se que a partir do século XVIII se

deu início à construção de um modelo de atendimento educacional baseado na

implantação de instituições especialmente dedicadas à instrução de grupos

específicos de alunos com deficiência (cegos, surdos, deficientes mentais e

deficientes físicos).

Destacamos, ilustrativamente, que no ano de 1770, em Paris, estabeleceu-se

a primeira instituição especializada para a educação de surdos-mudos; no ano de

1784, na capital francesa, o início das atividades do instituto nacional dos jovens

cegos; em 1832, em Munique-Alemanha, houve a criação de uma instituição para

educar os coxos, os manetas e os paralíticos.

Em grande medida, tais instituições representam uma significativa ruptura

com as explicações místicas das deficiências, fundamentam-se em conhecimentos

científicos, cuja validade pretendem aferir em suas prática institucionais. O modelo

europeu veio a ser adotado nos Estados Unidos a partir de 1817. No período

compreendido entre os anos de 1817 e 1850, foram inauguradas instituições

especializadas para a educação de cegos, surdos e retardados mentais.

Contudo, a maior contribuição da experiência norte-americana que em muito

influenciou o processo político, social e histórico da educação especial, no Brasil, diz

respeito à mobilização e articulação de pais de pessoas com deficiência em

associações de reivindicação e defesa de direitos, na primeira metade do século XX,

nos EUA, e segunda metade no Brasil (MAZZOTA, 2011).

No Brasil, o começo da história da educação de pessoas com deficiência é

sinalizado pela instalação e pelo início das atividades institucionais do Imperial

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Instituto dos Meninos Cegos e do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos,

respectivamente, nos anos de 1854 e 1857, ambos sediados no Rio de Janeiro.

Fixado o termo inicial, é possível distinguir dois períodos no processo histórico

da educação das pessoas com deficiência. O primeiro caracteriza-se pela

implementação de iniciativas oficiais e particulares isoladas (1854-1956); o segundo,

tem sua especificidade assentada na adoção de iniciativas oficiais de âmbito

nacional encampadas pelo Governo Federal a partir de 1957 (MAZZOTA, 2011, p. 27

e ss).

A respeito do período inaugural, cumpre destacar a criação de instituições

públicas e privadas para o atendimento assistencial, educacional segmentado de

pessoas com deficiência, bem como o surgimento das primeiras entidades

filantrópicas e associações, dentre elas a primeira Associação de Pais e Amigos dos

Excepcionais (APAE) – Rio de Janeiro, 1954.

A segunda fase histórica é deflagrada pela instituição de campanhas

nacionais de educação especialmente endereçadas às pessoas com deficiência: a

Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro (CESB), instituída pelo Decreto nº

42.728, de 03 de dezembro de 1957; a Campanha Nacional de Educação e

Reabilitação de Deficientes da Visão (Decreto nº 44.236/58); e, a Campanha

Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais (CADEME), instituída

pelo Decreto nº 48.961, de 22 de setembro de 1960.

As campanhas nacionais sofreram a influência e contaram com a participação

direta de entidades da sociedade civil. Assim, da atuação estatal direta dos diversos

entes da federação, repasses e convênios fomentaram a colaboração de entidades

privadas. Registre-se que, a nível nacional, o primeiro diploma legislativo que

disciplinou a educação dos excepcionais foi a Lei nº 4024, de 20 de dezembro de

1961. Ao fixar as diretrizes e bases da educação, esse instrumento normativo

incumbiu ao sistema geral de ensino a incorporação da educação de excepcionais,

no que for possível, visando assim a integrá-los à comunidade (art. 88). Ao mesmo

tempo, estabeleceu que os poderes públicos deveriam conferir tratamento especial

consubstanciado na disponibilização de bolsas de estudos, empréstimos e

subvenções a toda inciativa privada relacionada à instrução dos excepcionais

avaliada como eficiente pelos Conselhos Estaduais de Educação (art. 89).

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108

A Constituição de 1967, inalterada no ponto pela EC nº 1, de 17 de outubro de

1969, estipulava que cada sistema de ensino teria, obrigatoriamente, serviços de

assistência que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar

(art. 177, § 2º).

A Lei nº 5.692/71 (bases para o ensino de 1º e 2º graus), cuidou apenas de

prescrever que os alunos que apresentassem deficiências físicas ou mentais

deveriam receber tratamento especial de acordo com as normas estabelecidas pelos

respectivos conselhos de educação (art. 9º).

O primeiro Plano Nacional de Educação Especial (PNEE) foi instituído em

1977 para ser executado no triênio 1977/9. Considerado projeto prioritário pelo plano

setorial de educação e cultura, o PNEE enfatizou a assistência técnica e financeira

às instituições privadas com atuação na área da educação especial e priorizou a

formação de técnicos do nível central em detrimento da formação, capacitação do

pessoal docente (MAZZOTA, 2011).

Por intermédio do Decreto nº 84.914, de 16 de agosto de 1980, foi instituído o

Plano de Ação da Comissão do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD).

Dentre as ações do plano, inspirado nas tendências de integração e normalização

das pessoas deficientes, destacam-se o apoio técnico-financeiro da União aos

demais entes da Federação e às entidades da sociedade civil, assim como o

atendimento direto dessas entidades pelo Centro Nacional de Educação Especial

(CENESP).

No ano de 1985, um novo plano de educação especial vem a lume. Em

documento confeccionado pelo Cenesp-MEC, intitulado Educação Especial – Nova

Proposta, é fixada como meta primordial da educação especial a universalização,

por meio da democratização do ensino, propugnando ao plano a necessidade de

investimentos da ordem de 10% (dez por cento) das verbas da educação na

educação especial.

Com a redemocratização do país, o Plano Nacional de Desenvolvimento

(PND, 1986/9) da Nova República, explicitava grande preocupação com o

desenvolvimento social. Na seara da educação, agora compreendida como direito

social, fixa-se a educação básica como prioridade, asseverando-se a necessidade

de redimensionamento das modalidades supletiva e especial de ensino como

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estratégia para o resgate da dívida social educacional.

A partir de 1990, sob os influxos da Declaração Mundial de Educação para

Todos, começa a ganhar espaço a proposta de inserção da educação especial no

contexto geral da educação. No plano geral, a Coordenadoria para Integração das

Pessoas Portadoras de Deficiência (CORDE) formula, em 1992, a Política Nacional

de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, fundamentada nos princípios da

Normalização, Integração, Individualização, Simplificação, Interiorização e

Intervenção do Estado e da sociedade na política social.

No ano subsequente, o Ministério da Educação confecciona o Plano Decenal

de Educação para todos, propondo universalização com qualidade e erradicação do

analfabetismo, sob manifesta inspiração das tendências esposadas pela já

mencionada Declaração Mundial.

Ainda no ano de 1993, a Secretaria de Educação Especial (SEESP) formula a

Política Nacional de Educação Especial (PNEE), invocando por fundamentos a

Constituição Federal de 1988, a Lei nº 5.692/71 – LDB, o Plano Decenal de

Educação para todos e a Lei nº 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente –,

firma a pretensão da inclusão dos alunos com necessidades especiais no sistema

regular de ensino. Registre-se que o documento assevera que naquela oportunidade

(1993) somente 1% (um por cento) do público-alvo da educação especial estaria

sendo atendido por serviços educacionais.

A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB, dedicou à educação

especial o Capítulo V, do Título V (Dos níveis e das modalidades de educação e

ensino). Em sua redação original, a educação especial era definida como “a

modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de

ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (art. 58, caput). A fim

de atender as peculiaridades da clientela de educação especial, assenta o texto que,

quando necessário, os estabelecimentos da rede regular deverão contar com

serviços de apoio especializado (art. 58, § 1º). Quando não for possível a integração

do aluno com necessidades especiais nas classes comuns de ensino regular, seu

atendimento educacional será proporcionado através de sua inserção em classes,

escolas ou serviços especializados (art. 58, § 2º).

Restou ainda disposto que o dever constitucional do Estado relativo à oferta

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de educação especial tem por marco inicial a prestação da educação infantil à

clientela na faixa etária de zero a seis anos (art. 58, § 3º), disposição

inequivocamente inspirada no princípio da intervenção precoce.

A nova LDB tratou igualmente de comprometer os sistemas de ensino com os

encargos de assegurar aos alunos com necessidades especiais: currículos,

métodos, técnicas, recursos educacionais e organização específicos, adequados ao

atendimento de suas condições peculiares; terminalidade específica para os que não

possam atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, enquanto

que para os superdotados deve ser viabilizada a aceleração para concluir em menor

tempo o programa escolar; profissionais com formação adequada ao atendimento da

clientela; educação especial para o trabalho, inclusive trabalho protegido; acesso

igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares em igualdade de

condições com os demais alunos (art. 59, I a V).

No que se refere ao fomento da atuação dos entes do terceiro setor, fixou a

LDB que “os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de

caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com

atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo

Poder Público” (art. 60, caput).

Por fim, e em seguida, cuidou o legislador de consignar que, ciente do apoio

aos entes do setor parceiro, o poder público envidará esforços preferencialmente

direcionados à ampliação do atendimento dos alunos com necessidades especiais

na rede pública regular de ensino (art. 60, parágrafo único). Sobre a contribuição das

ONGs na área da educação especial, anota Carneiro (1998, p. 130):

A educação especial no Brasil desenvolveu-se, primeiramente, em instituições privadas sem fins lucrativos. Só depois mercê de grandes pressões sociais, o Estado passou a se ocupar do assunto. Neste sentido não se pode esquecer da grande contribuição que instituições como as APAEs, PESTALLOZI, FEBIEX e tantas outras ofereceram e continuam a oferecer para o desenvolvimento da Educação Especial no Brasil.

Cumpre agora destacar em tópicos apartados desse resgate histórico a atual

Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva, o

Estatuto da Juventude e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, todos fortemente

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111

inspirados no paradigma da inclusão plena das pessoas com deficiência em todos os

níveis do sistema regular de ensino institucionalizado pela Convenção Internacional

sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.

4.3.1 A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva

Perseguindo a inclusão dos educandos com deficiência, transtornos globais

do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, nas classes comuns da rede

regular de ensino, e a oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos

que dele necessitam para complementação ou suplementação do processo

educacional, a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação

Inclusiva (2008) pretende romper em definitivo com a trajetória de exclusão e/ou

segregação dos alunos, público-alvo da educação especial do/no sistema social

geral de educação.

É certo que os dois alvos principais da nova política já se encontravam

suficientemente delineados no texto constitucional de 1988, especialmente nas

disposições consubstanciadas nos arts. 205; 206, I; e 208, III, respectivamente.

Entretanto, não se há de desconsiderar o quanto pesou a confluência e co-

incidência da atuação de forças exógenas e endógenas no processo que busca

suplantar os óbices que se interpõem entre as dimensões formal e material do direito

humano/fundamental à educação das pessoas com deficiência e de outras minorias

socialmente escanteadas.

No campo internacional, cabem referências aos documentos elencados no

Tópico 4.2, aos movimentos globais da educação para todos e da educação

inclusiva, da compreensão muito difundida da igualdade e da diversidade como duas

facetas indissociáveis da dignidade e da própria natureza humana, impondo-se

também uma menção honrosa à Convenção sobre os Direitos da Pessoa com

Deficiência (CDPD), em face da repercussão planetária que rapidamente alcançou

tão logo foi urdida e ultimada com significativa participação social.

No âmbito interno, muitas foram as mudanças ocorridas desde o advento da

Constituição Cidadã em 1988. A inovação institucional do Ministério Público e do

Judiciário para adequá-los ao Estado Democrático de Direito constitucionalmente

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edificado; os novos atores e as forças sociais que disputam espaços na sociedade

civil brasileira e que, na área da educação e no ambiente específico das demandas

das pessoas com deficiência, rivalizam e contrapõem às tradicionais entidades que

atuam na educação especial e na prestação de serviços assistenciais a esse

segmento social minoritário; a ocupação de parte do aparelho burocrático estatal por

forças políticas orientadas por concepções ideológicas distintas das que lhes

antecederam no exercício do poder político central; e, por fim a ressonância das

proposições afirmadas no plano internacional em matéria de direitos humanos

podem ser arrolados como indicadores de um contexto mudancista que engendrou a

nova política nacional de educação inclusiva.

A nova política começa a adquirir forma e conteúdo com a confecção de

documento basilar elaborado por grupo de trabalho nomeado pela Portaria

Ministerial nº 555, de 05 de junho de 2007, estruturado em seis partes, assim

designadas: introdução, marcos históricos e normativos, diagnóstico da educação

especial, objetivo da PNEE, alunos atendidos pela educação especial e diretrizes da

PNEE na perspectiva da educação inclusiva.

Em sua introdução, o documento cuida de filiar a política pública que se

pretende constituir e implementar ao movimento mundial por educação inclusiva,

assinalando que o paradigma universalizador dos direitos humanos na matéria

aspira conjugar igualdade e diferença de modo que se reflita no ambiente escolar a

heterogeneidade própria do meio social.

A contextualização histórica ressalta que a educação especial, no Brasil,

desenvolveu-se preponderantemente assentada na compreensão biomédica da

deficiência que se propunha a tratar (reabilitar, habilitar) e prestar assistência às

pessoas com deficiência, empregando os conceitos-chave de normalização e

integração, por intermédio de instituições especializadas, escolas e classes

especiais privadas e públicas excludentes e segregadoras.

É contra tal modelo que a PNEE irá investir ao sustentar sua decadência

histórica e substituição, no plano das ideias, pelo modelo da inclusão social do

segmento com deficiência, a quem se afirma e confere o catálogo de direitos

humanos.

No plano jurídico, o encadeamento de instrumentos normativos legais,

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113

infralegais, constitucionais e convencionais, igualmente, sinalizam que o novel

protótipo assume a primazia com relação ao modelo precedente. O documento

expressamente invoca: a Lei 4.024/61; a Lei 5.692/71; a criação do Centro Nacional

de Educação Especial (CENESP), em 1973; a Constituição de 1988; a Lei nº

8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); a Declaração Mundial de

Educação para Todos (ONU- 1990); a Declaração de Salamanca (Conferência de

1994); a Política Nacional de Educação Especial antecedente (1993/4); a Lei nº

9.394/96 – LDB; ao Decreto nº 3298/99 – Regulamenta a Lei nº 7.853/89; a

Resolução nº 02/01 – CNE/CEB – Diretrizes nacionais para a educação especial na

educação básica; a Lei nº 10.172/01 – Plano Nacional da Educação (PNE); A

Convenção de Guatemala (ONU – 1999; Decreto nº 3956/01); a Resolução nº 1/02-

CNE/CP – Diretrizes nacionais para formação de profissionais da educação básica;

a Lei nº 10.433/02 – Lei da LIBRAS; o Programa Educação Inclusiva (MEC, 2003); o

documento do Ministério Público Federal O acesso de alunos com deficiência às

escolas e classes comuns da rede regular (MPF, 2004); o Decreto nº 5296/04

(regulamentou as Leis nºs 10.048/00 e 10.098/00); o Decreto nº 5626/05

(regulamenta a Lei nº 10436/02 – LIBRAS); a Convenção de Nova York (ONU, 2006)

e o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE (MEC, 2007).

O documento aponta que a avaliação da educação especial brasileira vem se

sofisticando e qualificando no curso do tempo, destacando a formatação e o

emprego dos seguintes indicadores da educação especial:

1) acesso à educação básica;

2) matrícula na rede pública;

3) ingresso nas classes comuns;

4) oferta do atendimento educacional especializado;

5) acessibilidade nos prédios escolares;

6) municípios com matrícula de alunos com necessidades educacionais

especiais;

7) escola com acesso ao ensino regular;

8) formação docente para o atendimento às necessidades educacionais dos

alunos.

O diagnóstico traceja um quadro que enfatiza os avanços da educação

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especial, demonstrados com base nos dados coletados no lapso compreendido

entre os anos de 1998 a 2006, sendo relevante aqui averbar: o incremento constante

do número de matrículas de alunos público-alvo da educação especial; a expansão

do quantitativo de escolas dos sistemas de ensino que atendem estudantes com

necessidades educacionais especiais nas turmas comuns (escolas inclusivas); a

redução dos percentuais de matrículas nas escolas e classes especiais, públicas e

privadas; e a melhoria, ainda que insuficiente, das condições de acessibilidade no

ambiente escolar e no seu entorno.

A PNEE objetiva viabilizar o acesso, a participação e a aprendizagem dos

educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

habilidades/superdotação nas escolas comuns dos sistemas de ensino, garantindo:

transversalidade da educação especial em todos os níveis e modalidades de ensino,

atendimento educacional especializado, continuidade da escolarização nos níveis

mais elevados do ensino, formação de professores para o AEE e demais

profissionais da educação para a inclusão escolar, participação da família e da

comunidade, acessibilidade urbanística, arquitetônica nos mobiliários e

equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação, e articulação

intersetorial na implementação das políticas públicas.

A caracterização dos educandos público-alvo da educação especial, clientela

heterogênea que se agrega em torno do conceito de necessidades educacionais

especiais difundido amplamente a partir da Declaração de Salamanca (1994), é

precedida de uma contextualização da nova perspectiva de educação especial que o

documento matriz da PNEE pretende ver adotada.

Assim, pelo novo formato, a educação especial deixa de ser organizada como

paralela em face da educação comum constituindo-se, desde então, um novo todo

que põe fim à dicotomia educação comum/educação especial.

A nova concepção da educação como um sistema social geral apto a

incorporar toda a clientela afigura-se como essencialmente includente. Todavia isso

não implica apagar a diversidade do alunado, homogeneizá-lo como o fazia o

sistema educacional de viés positivista que terminava por excluir expressiva parcela

dos estudantes que se não enquadrava ao perfil e não desempenhava o papel de

aluno submisso à hierarquia e à disciplina e, por isso, findava expelida do sistema

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via reprovação, abandono ou expulsão compulsória, evidenciando a

disfuncionalidade e a ineficiência sistêmica (AMBRÓSIO, 2000).

Ao contrário, a PNEE inclusiva postula a reestruturação das escolas do

ensino regular, que devem incorporar a educação especial ao seu projeto político

pedagógico, articulando educação especial e ensino comum, demanda conferir

importância à heterogeneidade do corpo discente, exige reconhecer as

potencialidades que emergem do processo de convivência com as diferenças, assim

como considera a imprescindibilidade da identificação das condições particulares de

cada um dos que compõem o contingente público-alvo da educação especial.

Por fim, antes de propor uma caracterização da clientela, salienta o

documento a provisoriedade da classificação dos alunos em qualquer dos subgrupos

do universo estudantil com necessidades educacionais especiais, precipuamente em

razão da variedade própria da espécie humana, bem como das múltiplas

possibilidades propiciadas pela dinâmica do processo educacional, cujos resultados

podem ser tão distintos quanto diferentes, são cada um dos que no processo foram

inseridos com o status de agentes e não mais de pacientes da dinâmica escolar.

Efetuadas tais ressalvas, cumpre consignar que, para o documento, pessoa

com deficiência é aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física,

mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida

sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade.

Alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que

apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na

comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e

repetitivo. Nesse grupo, estão inseridos alunos com autismo, síndromes do espectro

do autismo e psicose infantil.

Os alunos com altas habilidades/superdotação caracterizam-se por

demonstrar potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou

combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de

apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de

tarefas em áreas de seu interesse.

Quanto às diretrizes da PNEE na perspectiva da educação inclusiva, cumpre

aqui deixar averbado:

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1) a educação especial é modalidade de ensino que perpassa todos os níveis,

etapas e modalidades, realiza o Atendimento Educacional Especializado

(AEE), disponibiliza os recursos e serviços e orienta sobre a sua utilização

no processo educacional nas turmas comuns de ensino regular;

2) o AEE dirige-se à identificação, elaboração e organização dos recursos

pedagógicos e de acessibilidade que permitam a superação das barreiras

para a plena participação dos alunos, tendo em mira suas necessidades

específicas. As atividades do AEE distinguem-se daquelas que se realizam

na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. O AEE

complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à

autonomia e independência na escola e no meio social;

3) a avaliação pedagógica deve considerar tanto o conhecimento prévio e o

nível atual de desenvolvimento do educando quanto às possibilidades de

aprendizagem futura, configurando uma ação pedagógica processual e

formativa que considera o desempenho do estudante em relação ao seu

progresso individual, priorizando na avaliação os aspectos qualitativos que

indiquem as intervenções pedagógicas do docente;

4) devem os sistema de ensino disponibilizar as funções de instrutor, tradutor,

tradutor/intérprete de Libras e guia-intérprete, bem como de monitor ou

cuidador dos educandos com necessidade de apoio nas atividades de

higiene, alimentação, locomoção, entre outras que exijam auxílio constante

no ambiente escolar;

5) Para atuar na educação especial, o professor tem como base da sua

formação (inicial e continuada) conhecimentos gerais para o exercício da

docência e conhecimentos específicos da área.

Aos 17 de setembro de 2008, veio a ser expedido o Decreto nº 6.571/08

dispondo sobre o AEE, regulamentando o parágrafo único do art. 60 da Lei nº

9.394/96-LDB, e acrescentando dispositivo ao Decreto nº 6.253/07.

O instrumento normativo cuida de assegurar o apoio técnico e financeiro da

União para a ampliação da oferta do AEE aos alunos matriculados na rede regular

(art. 1º), cometendo ao Ministério da Educação a regulamentação relativa à

operacionalização do correspondente repasse de verbas e recursos materiais (art.

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117

4º). O Decreto condiciona qualquer repasse de recursos federais, inclusive do

Fundeb, à matrícula dos alunos público-alvo da educação especial em escolas da

rede regular de ensino. A partir de então, a clientela da educação especial deveria

ser duplamente matriculada: em instituição de ensino regular, como todos os demais

alunos e matriculados como educando do AEE, que poderia ser ofertado na mesma

escola, em outra unidade do sistema regular ou ainda em instituição especializada

em educação especial pública ou privada (art. 6º).

Frise-se, ainda, que o apoio técnico e financeiro da União, na sistemática do

Decreto, destina-se exclusivamente aos sistemas públicos de ensino dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios (art. 1º).

No entender das entidades do terceiro setor, que tradicionalmente atuavam na

oferta de educação exclusivamente a estudantes com deficiência, em instituições,

escolas ou classes especiais, o caminho, então, adotado a nível federal inviabilizava

a continuidade da prestação dos seus serviços assistenciais, educacionais ou, em

outras palavras, implicava exclusão do setor parceiro da área da educação especial,

questão a que dedicaremos atenção mais adiante.

O Decreto nº 6.571/08 veio a ser revogado com o advento do Decreto nº

7.611, de 17 de novembro de 2011 (Dispõe sobre a educação especial, o AEE e dá

outras providências). Consoante o novo Decreto (art. 1º, I a VIII), o dever do Estado

com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado em

conformidade com as diretrizes que seguem:

1) garantia de sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem

discriminação e com base na igualdade de oportunidades;

2) aprendizado ao longo de toda a vida;

3) não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência;

4) garantia de ensino fundamental gratuito e compulsório, asseguradas

adaptações razoáveis que contemplem as necessidades individuais;

5) oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema geral, com vistas a

facilitar sua efetiva educação;

6) adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que

maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta

de inclusão plena;

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118

7) oferta de educação especial preferencialmente na rede regular de ensino;

8) apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem

fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação

especial.

Ciente de manter o sistema de dupla matrícula (art. 4º), o Decreto

estabeleceu de maneira inovadora que o apoio técnico e financeiro da União aos

sistemas públicos de ensino também se destina às instituições comunitárias,

confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com a finalidade de ampliar a

oferta do AEE à clientela da educação especial matriculados na rede pública de

ensino regular, exigindo das entidades do setor parceiro que mantenham convênios

com o poder executivo do ente federativo competente (art. 5º e § 1º).

Confrontando-se o conteúdo dos dois decretos é de fácil constatação que a

atual disciplina normativa favorece mais as organizações do terceiro setor,

reconhecendo a imprescindibilidade de sua atuação na prestação do AEE, razão

pela qual, expressamente, prevê, em favor dessas entidades, o fomento federal às

suas atividades na seara da educação especial.

Entretanto, permaneceram os entes do setor parceiro impedidos de

assumirem isoladamente a escolarização de educandos com necessidades

educacionais especiais como anteriormente faziam, o que deu ensejo à deflagração

de um conflito até o momento não equacionado entre o Estado e o terceiro setor,

conforme será visto mais adiante.

4.3.2 O direito à educação do jovem com deficiência na Lei nº 12.852/13 – Estatuto da Juventude

A Lei nº 12.852/13 institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos

dos jovens – pessoas que se encontram entre os 15 (quinze) e os 29 (vinte e nove)

anos de idade – os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o

Sistema Nacional de Juventude (SINAJUVE) – (art. 1º e § 1º).

Frise-se que o novel instrumento normativo estabelece, dentre suas diretrizes

gerais, que os agentes públicos ou privados envolvidos com políticas públicas de

juventude devem incentivar a ampla participação juvenil nas fases do processo de

política pública (art. 3º, II), dispondo ainda mais adiante que tal participação constitui-

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119

se direito conferido à população jovem (art. 4º, caput). Cuida igualmente o Estatuto

de conferir ao jovem o direito à diversidade e à igualdade de direitos e

oportunidades, não podendo ser discriminado, dentre outros, por motivo de

deficiência (art. 17, III).

A atuação do poder público na efetivação do direito do jovem à diversidade e

à igualdade deve compreender: a) a capacitação dos professores dos ensinos

fundamental e médio para o enfrentamento de todas as formas de discriminação; b)

a inclusão do tema da deficiência na formação dos profissionais de educação,

saúde, segurança pública, bem como dos operadores do Direito (art. 18, II e III).

Debruçando-se especialmente sobre a conformação do Direito à educação do

jovem com deficiência, impõe-se de plano registrar que o texto estatutário

indisputavelmente inspira-se na principiologia e terminologia hauridas na Convenção

de Nova York, no tocante ao direito à educação das pessoas com deficiência,

salientando-se, por outro lado, o modo assistemático e fragmentário como os

dispositivos encontram-se insertos na seção dedicada ao direito dos jovens à

educação (arts. 7º ao 13).

Assim, deixando de lado a ordem dos dispositivos no texto do Estatuto Juvenil

e tendo em conta o maior grau de universalismo e abrangência dos conteúdos

normativos, torna-se imperioso assentar que o direito à educação titularizado por

jovens com deficiência exsurge estruturado nos seguintes termos:

1) inclusão assegurada no ensino regular em todos os níveis e modalidades

educacionais, observada à acessibilidade a edificações, transportes,

espaços mobiliários, equipamentos, sistemas e meios de comunicação,

garantindo-se os recursos de tecnologia assistiva e adaptações

necessárias a cada pessoa (art. 7º, § 4º);

2) é dever do Estado assegurar o Atendimento Educacional Especializado-

AEE gratuito, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 10);

3) em todas as etapas e modalidades educacionais são assegurados aos

jovens com surdez o uso e o ensino da Língua Brasileira de Sinais

(LIBRAS) – (art. 7º, § 3º);

4) o poder público promoverá programas de financiamento educacional e de

bolsas de estudo nas instituições privadas de ensino superior, em especial

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120

para jovens com deficiência, negros, indígenas e alunos oriundos da escola

pública (art. 8º, § 2º);

5) por fim, ressalte-se que não assiste ao jovem com deficiência pleitear, em

razão da deficiência, o ingresso às instituições públicas de ensino superior

nas vagas destinadas a políticas de cotas direcionadas a outras minorias, o

que se infere a contrário sensu do disposto no art. 8º, § 1º.

4.3.3 O direito à educação no Estatuto da Pessoa com Deficiência

Cumpre ainda dedicar atenção ao diploma legislativo nº 13.146, de 06 de

julho de 2015, que inseriu no ordenamento jurídico nacional a Lei Brasileira de

Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em

virtude do estabelecimento de vacatio legis de 180 dias (art. 127), o recentíssimo

instrumento normativo somente passou a vigorar em 02 de janeiro de 2016.

O microssistema normativo estatutário objetiva assegurar e promover o

exercício dos direitos e das liberdades fundamentais titularizados por pessoas com

deficiência, em condições de igualdade com as demais pessoas, viabilizando assim

a pretensão de inclusão social e efetiva cidadania dessa coletividade (art. 1º, caput).

Embasado expressa e inequivocamente na Convenção de Nova York (art. 1º,

parágrafo único), o noviço instrumento legal impõe deveres ao Estado, à família e à

sociedade, cujo adimplemento necessariamente implica mobilidade social e uma

nova contextura da sociedade brasileira, a partir de então mais aberta, participativa,

democrática e includente, ao menos no plano formal.

Na esteira da Convenção de Nova York, assevera o texto ser pessoa com

deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,

intelectual ou sensorial, a qual, em interação com uma ou mais barreiras, impede

sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as

demais pessoas (art. 2º, caput).

De tal definição, é possível inferir que a lei brasileira adota uma compreensão

da deficiência vinculada ao modelo social de explicação do fenômeno. A inferência

ganha mais reforço quando se tem em mira que a avaliação da deficiência, quando

necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e

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121

interdisciplinar [...] (art. 2º, § 1º). Aqui o texto busca afastar o, hoje, superado modelo

clínico da deficiência.

A educação de qualidade integra o rol dos direitos que devem ser garantidos,

com prioridade à pessoa com deficiência pelo Estado, pela sociedade e por sua

família. Para tanto, urge que se institucionalize sistema educacional inclusivo em

todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de modo a tonar possível à

pessoa com deficiência alcançar o máximo desenvolvimento de seus talentos e

habilidades, segundo suas caraterísticas, interesses e necessidades de

aprendizagem (arts. 8º e 27).

Para a efetivação do direito à educação de qualidade às pessoas com

deficiência, compete ao poder público, nos termos do art. 28 e seus incisos, a

adoção de providências tendentes a assegurar, criar, desenvolver, implementar,

incentivar, acompanhar e avaliar:

1) o sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades;

2) o aprendizado ao longo de toda a vida;

3) o aprimoramento dos sistemas educacionais a fim de assegurar

condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por

intermédio do oferecimento de serviços e recursos de acessibilidade que

eliminem as barreiras e propiciem a inclusão plena;

4) projeto pedagógico que contemple o atendimento educacional

especializado, bem como outros serviços e adaptações razoáveis, para

atender as especificidades dos alunos com deficiência e garantir-lhes

pleno acesso ao currículo em condições de igualdade com os demais

alunos;

5) oferta de educação bilíngue (Libras/Língua Portuguesa), em escolas e

classes bilíngues e em escolas inclusivas;

6) adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que

maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com

deficiência, proporcionando o acesso, a permanência, a participação e a

aprendizagem em instituições de ensino;

7) pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas

pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de

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122

teconologia assistiva;

8) planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano ou atendimento

educacional especializado de organização de recursos e serviços de

acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos

e de tecnologia assistiva;

9) participação ativa dos estudantes com deficiência e de suas famílias na

comunidade escolar;

10) adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos

aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em

conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante

com deficiência;

11) inserção nos programas de formação de professores de práticas

pedagógicas inclusivas;

12) oferta de formação continuada de professores para o atendimento

educacional especializado;

13) inclusão em conteúdos curriculares, em curso de nível superior e de

educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à

pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento;

14) acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e

a atividades recreativas, esportivas, e de lazer, no sistema escolar;

15) formação e disponibilização de professores especializados, de tradutores

e intérpretes da Libras, de guias e intérpretes e de pessoal de apoio;

16) oferta de ensino da Libras, do sistema braille e de uso de recursos de

tecnologia assistiva, ampliando as habilidades funcionais e promovendo a

autonomia dos educandos;

17) acesso ao ensino superior, à educação profissional e tecnológica em

igualdade de oportunidades com os outros interessados;

18) acessibilidade para todos que compõem a comunidade escolar às

edificações, aos ambientes e às atividades concernentes a todas as

modalidades, etapas e níveis de ensino;

19) oferta de profissionais de apoio escolar;

20) articulação intersetorial na implementação de políticas públicas.

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123

Todos esses encargos cometidos aos poderes públicos são igualmente

atribuídos às instituições privadas de qualquer nível e modalidade de ensino,

excetuadas apenas as obrigações de oferta de educação bilíngue e de implementar

pesquisas voltadas ao desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas,

de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva (art.

28, § 1º), sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em

suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações.

A pretensão de assegurar o amplo acesso das pessoas com deficiência aos

níveis mais elevados do ensino fundamenta o estabelecimento de regramento

preciso das providências que devem ser adotadas nos processos seletivos para

ingresso e permanência nos cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior

e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas (art. 30, I a VII).

Assim, nos mencionados certames devem ser assegurados aos interessados

com deficiência:

1) atendimento preferencial nas dependências e nos serviços das

instituições de ensino superior (IES);

2) disponibilidade de formulário de inscrição com campos específicos para

que o candidato informe os recursos de acessibilidade e de tecnologia

assistiva necessários para sua participação;

3) disponibilização de provas em formatos acessíveis para atendimento às

necessidades específicas do candidato;

4) disponibilização de recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva

adequados, previamente solicitados e escolhidos pelo candidato;

5) dilatação de tempo, conforme demanda apresentada pelo candidato, tanto

na realização de exame para seleção quanto nas atividades acadêmicas,

mediante prévia solicitação e comprovação da necessidade;

6) adoção de critérios de avaliação das provas escritas, discursivas ou de

redação que considerem a singularidade linguística do interessado, no

domínio da modalidade escrita da língua portuguesa;

7) tradução completa do edital e de suas retificações em libras.

Por fim, importante chamar a atenção para a tutela penal do direito da pessoa

com deficiência à educação que a Lei nº 13.146/15 busca proteger de modo mais

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abrangente. Com efeito, o art. 98 do Estatuto conferiu nova redação ao art. 8º, I da

Lei nº 7.853/89 que passou a dispor, in verbis:

Constitui crime punível com reclusão de 02 (dois) a 05 (cinco) anos e multa: I - recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de

sua deficiência.

Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (4.3.1) ainda que formulada a

partir de 2007, mantém relação de compatibilidade e adequação com o Estatuto da

Pessoa com Deficiência, pois adotam ambos o paradigma do sistema educacional

inclusivo, instituído no texto constitucional originário (arts. 205, 206, I e 208, III da

CF/88) e reafirmado e atualizado à luz do ideário e da experiência internacional com

a inserção da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) em

nosso bloco de constitucionalidade.

Todavia, a PNEE na perspectiva da Educação Inclusiva motivou a instauração

de uma controvérsia que envolve particularmente o poder público federal em

contraste com os entes do terceiro setor principalmente em função do modo eleito

pelo primeiro para implementar a sobredita política social e que parece implicar a

exclusão ou redução da atuação dos segundos. É o que será abordado,

imediatamente.

4.4 UMA APRECIAÇÃO CRÍTICA DA ATUAL POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

No dia 1º de julho de 2015, a Comissão de Educação da Câmara dos

Deputados aprovou o Projeto de Decreto Legislativo nº 2846/10, que susta os efeitos

do disposto no § 1º do art. 29 da Resolução nº 04/10-CNE/CEB, por entender que o

ato do executivo exorbita do poder regulamentar nos termos do art. 49, V da CF/88

por se encontrar em descompasso com preceitos constitucionais e

infraconstitucionais aplicáveis à espécie.

A divulgação da deliberação parlamentar67, no curso de procedimento

67 “Comissão muda resolução de conselho para garantir acesso a educação especial”. Disponível

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legislativo, ainda em tramitação, trouxe a questão ao debate público deflagrado no

mundo virtual, sendo certo que ao menos um grupo de internautas vem buscando

captar adeptos em torno de uma petição68 on line contrária ao sobredito projeto por

entendê-lo, por sua vez, discriminatório às pessoas com deficiência, exercitando,

assim, a saudável e constitucional liberdade de pensamento e expressão.

Como sói acontecer em uma sociedade plural, o posicionamento não

conclusivo da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados indiscutivelmente

entusiasmou as entidades do terceiro setor que se dedicam há décadas à prestação

de serviços de interesse coletivo de educação especial às pessoas com deficiência

no Brasil e que nos últimos anos são encaradas por setores ligados ao aparelho

estatal articulados à parcelas da sociedade civil, como representantes de um

paradigma da integração das pessoas com deficiência, superado historicamente.

Assim, a celeuma contrapõe especialmente duas das mais expressivas

correntes de opinião na matéria: de um lado, parte do terceiro setor que invoca em

seu favor um compromisso de defesa e assistência às pessoas com deficiência,

sustentado em épocas nas quais o poder público pouco ou nada teria feito em prol

desse segmento da população nacional; de outro, entrincheiram-se setores do

aparelho burocrático estatal e representantes da sociedade civil que apregoam ser a

atuação estatal na área (a única) adequada e suficiente ao atendimento do universo

das pessoas com deficiência e, por conseguinte, a modalidade de educação

especial não mais deve subsistir em nossa ordem jurídica, impondo-se o imediato

encerramento das atividades das entidades que a desenvolvem com o caráter de

atividade exclusiva.

Feita essa brevíssima contextualização, faz-se mister verificar o conteúdo do

dispositivo impugnado, inserto na Resolução nº 04/10 do Conselho Nacional da

Educação, in verbis:

Os sistemas de ensino devem matricular os estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), complementar ou suplementar à escolarização, ofertado em salas de recursos

em <http//www2.camara.leg.br/camaranoticias> Acesso em: 06 jul. 2015.

68 “Petição online contra o Projeto de Decreto que ameaça a inclusão escolar”. Disponível em <http//inclusaoja.com.br> Acesso em: 16 jul. 2015.

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multifuncionais ou em centro de AEE da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.

Nessa perspectiva, o dispositivo sugere interpretação no sentido de que as

organizações não-governamentais que se dedicam a prestar serviço de educação

especial a alunos com deficiência não mais poderiam continuar atuando

exclusivamente na educação especial. Poderiam tão somente prestar o atendimento

educacional especializado, complementar ou suplementar, em colaboração com o

setor público, mas seus alunos necessariamente deveriam ser matriculados no

sistema regular de ensino público.

Cumpre agora levar a efeito o confronto da prescrição normativa acima

epigrafada com o texto constitucional e a legislação infraconstitucional que com ele

se correlaciona em nosso entender, buscando assim a formulação de um

posicionamento refletido e minimamente consistente sobre o tema.

O direito à educação, na Constituição de 1988, deve ser compreendido em

sua plenitude, associado aos fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa

humana (art. 1º), aos objetivos perseguidos pelo Estado Democrático de Direito (art.

3º), assim como ao seu status de direito fundamental social (art. 6º).

Nessa abordagem mais alargada, a doutrina contemporânea reconhece um

vínculo inafastável entre o direito à educação e o princípio constitucional

fundamental da dignidade da pessoa humana. Consoante Barroso e Barcellos

(2003), todo princípio dispõe de um núcleo em cujo âmbito opera como regra, sendo

o mínimo existencial precisamente o núcleo do princípio da dignidade humana. O

direito ao ensino fundamental (atualmente, à educação básica) constitui parte

saliente do mínimo existencial. Logo, a universalização da educação básica é

imperativo que tem assento constitucional.

Cuida-se de direito reconhecido a todos cujo adimplemento incumbe ao

Estado e à família, com a colaboração da sociedade, uma vez que a universalização

do direito pretende assegurar a cada um o pleno desenvolvimento de sua

personalidade, prepará-lo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho (art. 205). Ademais, expressamente, encontra-se disposto que o acesso ao

ensino obrigatório e gratuito constitui direito público subjetivo (§ 1º do art. 208).

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127

Tais premissas seguramente autorizam conclusão que assevere ter a

Constituição brasileira reconhecido às pessoas com deficiência, enquanto parcela

constitutiva da comunidade humana, o direito fundamental social à educação visto

cuidar-se de componente essencial do mínimo existencial.

Tendo em consideração que o processo educacional das pessoas com

deficiência é caracterizado por peculiaridades, decorrentes dos impedimentos

próprios do fenômeno da deficiência e da interação de tais fatores com obstáculos

atitudinais e ambientais presentes na maioria das escolas, cuidou o constituinte

originário de assinalar o dever estatal e da sociedade de assegurar o atendimento

educacional especializado preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208, III,

da CF/88).

Assim, é possível concluir que o Estado brasileiro, a partir de 05 de outubro

de 1988, encontra-se juridicamente comprometido com o acesso das pessoas com

deficiência às instituições que compõem o sistema regular de ensino, públicas ou

privadas.

Por outro lado, ainda em razão do estabelecido nos arts. 205 e 208, III, e

relembrando as ponderações assentadas nos capítulos 2 e 3 deste estudo – quanto

ao dever estatal de fomentar as iniciativas do terceiro setor direcionadas a colaborar

com o Estado na efetivação dos direitos fundamentais sociais – não se há de negar

que a ordem constitucional admite e prestigia a efetiva contribuição das entidades

que prestam serviços de educação especial em razão de tal atividade assegurar a

escolarização básica de crianças e jovens que não frequentam as escolas comuns

por não se encontrarem estas em condições de recebê-los, nem de prestar-lhes

educação de qualidade.

A partir dos parâmetros constitucionais atinentes à matéria, foram expedidos

diplomas legislativos que versam sobre o direito das pessoas com deficiência à

educação. Cumpre aqui destacar que:

1) a Lei nº 7.853/89 estabeleceu caber ao poder público assegurar às

pessoas portadoras de deficiência o pleno desfrute do direito à educação,

devendo ser dispensado tratamento prioritário e adequado à viabilização de

medidas efetivas para: a inclusão da educação especial em todos os níveis

do sistema educacional; a inserção das escolas especiais, privadas e

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públicas, no sistema educacional; a oferta obrigatória e gratuita da

educação especial na rede pública; oferta obrigatória de educação especial

pré-escolar para educandos portadores de deficiência internados em

instituições hospitalares; garantia aos alunos com deficiência de todos os

benefícios concedidos aos demais alunos; matrícula compulsória em

cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas

portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de

ensino (art. 2º, parágrafo único, I, alíneas “a” a “f”);

2) a LDB – Lei nº 9.394/96 –, em seu art. 58, com a redação dada pela Lei nº

12.796/13, define a educação especial como a modalidade de educação

escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para

educandos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas

habilidades ou superdotação;

3) a LDB, em seu art. 60 e parágrafo único (redação da Lei nº 12.796/13),

dispõe sobre o apoio técnico e financeiro estatal às instituições privadas

sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva na educação

especial, ao mesmo tempo em que reafirma o compromisso maior, ainda

não cumprido pelo poder público, de levar a cabo todas as adequações das

escolas da rede regular de modo a assegurar o direito ao acesso e à

inclusão plena dos educandos com deficiência no sistema geral;

4) a Lei nº 10.845/04, objetivando garantir a universalização do atendimento

especializado e a progressiva inserção dos educandos portadores de

deficiência nas classes comuns do ensino regular (art. 1º), instituiu o

repasse de assistência financeira pela União às entidades privadas sem

fins lucrativos que prestem serviços gratuitos na modalidade de educação

especial, proporcional ao número de alunos apurado no censo escolar,

determinando que a atividade de fomento será implementada

automaticamente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

(FNDE), sem necessidade de convênio, ajuste, acordo ou contrato,

mediante depósito em conta corrente específica (art. 2º e parágrafos);

5) a Lei 10.845/04, em seu art. 3º ainda faculta aos demais entes da

federação fomentar as iniciativas das instituições do terceiro setor na oferta

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129

da educação especial por meio da cessão de recursos materiais e

humanos, repasse de recursos financeiros e oferta de transporte escolar

aos alunos matriculados nas ONGs;

6) o PNE, instituído pela Lei nº 13.005, de 24 de junho de 2014, a ser

executado no prazo de 10 (dez) anos, fixa dentre suas diretrizes a

erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a

superação das desigualdades educacionais e a erradicação de todas as

formas de discriminação e a melhoria da qualidade do ensino;

7) a Meta nº 04 do PNE pretende, em uma década, universalizar o acesso à

educação básica e ao atendimento educacional especializado

preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema

educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes,

escolas ou serviços especializados públicos ou privados, para a população

de 04 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais

do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação;

8) para o alcance da aludida meta, o PNE traça 19 (dezenove) estratégias.

Interessa aqui salientar que as estratégias 17, 18 e 19 cuidam das

parcerias que o poder público deverá firmar com ONGs, a fim de viabilizar

a implementação da Meta 04. Quanto às demais (1 a 16), além de fixarem

as tarefas estatais direcionadas à universalização do direito à educação do

público-alvo da educação especial, evidenciam que a rede pública regular

de ensino encontra-se muito distante de assegurar a inclusão plena e o

ensino de qualidade às pessoas com deficiência, em igualdade de

oportunidades com os demais estudantes.

Dessarte, o disposto no § 1º, do art. 29, da Resolução 04/10-CNE/CEB,

inspirado na PNEE na perspectiva da educação inclusiva, formulada pelo Ministério

da Educação no ano de 2008, acha-se em descompasso, quer na forma, quer no

conteúdo, com o texto constitucional e a legislação ordinária. Sem ingressar no

debate sobre a competência69 para o delineamento de políticas públicas, tem-se por

induvidoso que uma política pública não pode, no Estado Democrático de Direito, ser

instituída por autoridade administrativa em aberta desarmonia e afronta ao princípio

69 A formulação e avaliação da Política Nacional de Educação é encargo cometido ao Ministério da

Educação nos termos do art. 6º da Lei nº 4024/61, com a redação da Lei nº 9.131/95.

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130

da legalidade administrativa70.

Ocorre que os que entendem não ser atualmente viável o desempenho das

atividades próprias da educação especial pelas ONGs que tradicionalmente

atendem educandos com deficiência, asseveram que o texto constitucional brasileiro

após a incorporação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência (CDPD) inadmite outro espaço educacional que não aquele inserto no

sistema regular e universal de ensino.

É certo que o direito fundamental (das pessoas com deficiência) à educação

passa a ter disciplina mais minudente com a inserção no bloco de

constitucionalidade da CDPD ratificada pelo Congresso Nacional, com a observância

do procedimento previsto no § 3º, do art. 5º, da Carta Republicana de 1988, cuja

vigência no plano interno é assinalada pelo Decreto Presidencial nº 6949/09.

O propósito da Convenção é a universalização dos direitos humanos em face

das pessoas com deficiência, minoria que enfrenta uma série de barreiras atitudinais

e ambientais ao desfrute dos mencionados direitos em igualdade de condições com

as demais pessoas, conforme se infere de todo o texto do Tratado e de seu artigo

inaugural em particular.

No que se refere à educação, a Convenção de Nova York impõe ao Estado

que a ratificou que assegure às Pessoas com Deficiência (PCD) o direito ao ingresso

no sistema regular de ensino em quaisquer dos seus níveis, de modo a fazer cessar

as exclusões fundadas na deficiência (art. 24, II, “a”). Além disso, outras

providências devem ser adotadas visando ao alcance da meta de inclusão plena (art.

24, “b”, “c”, “d”, “e”, III, IV e V).

Não estabeleceu o texto convencional qualquer proibição imediata ou futura

de funcionamento, para além do sistema educacional geral, de escolas ou classes

especiais. O que indiscutivelmente não se pode admitir é a negação da matrícula de

PCD em instituição de ensino pública ou privada em decorrência exclusiva de sua(s)

deficiência(s).

A grande mudança que se vem operando nos últimos anos não se deu no

70 A situação se reveste de maior gravidade, e por isso mesmo exige o aprofundamento da reflexão

e do debate, quando se tem em mira que a sobredita política nacional foi chancelada por dois decretos (Decreto nº 6.571/08 e Decreto 7.611/11), e recentemente foi respaldada pelo Conselho Nacional do Ministério Público-CNMP, que expediu guia de atuação ministerial em 2014, no qual se orienta os membros do parquet a contribuir na implementação da política ora questionada.

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plano jurídico, mas sim na esfera administrativa, não obstante o quão paradoxal tal

afirmação aparente ser à primeira vista, quando não se olvida o princípio da

legalidade administrativa. Com efeito, tudo parece indicar que o executivo federal

vem atuando sob inspiração de compreensão equivocada e juridicamente

insustentável.

Ao invés de buscar a conjugação de esforços para concretizar o direito à

educação das PCD, passou o Ministério da Educação a atuar objetivando efetivar a

migração compulsória dos alunos público-alvo da educação especial das escolas

especiais mantida pelo terceiro setor para as escolas das redes públicas e privadas

de ensino a toque de caixa, sem maiores cautelas nem providências imprescindíveis

à adequação das instituições de ensino receptoras da nova clientela.

É evidente que o direito de não ser excluído do sistema geral de ensino não

pode ser convertido por autoridades administrativas em dever imposto às PCD e

suas famílias. Há que se ter em mira que igualmente são reconhecidos às PCD a

condição humana, o respeito à identidade, à autonomia, à independência e à

liberdade de fazer as próprias escolhas.

Assim, em tese, impõe-se admitir a faculdade de uma pessoa com deficiência

(e/ou sua família) decidir adquirir conhecimentos e formação em instituição

educativa não necessariamente inserta no molde próprio das entidades educacionais

do sistema regular de ensino.

Acentue-se ainda que a CDPD, assim como os documentos internacionais

que a antecederam e inspiram o seu conteúdo71, empresta grande destaque a

atuação das organizações da sociedade civil e da sociedade em geral, enquanto

partícipes e parceiras do Estado no processo que objetiva a universalização dos

direitos das pessoas com deficiência, inclusive na formulação, execução,

monitoramento e avaliação das politicas públicas que perseguem a inclusão plena.

Na pesquisa que ora se empreende restou assentado que no Brasil o terceiro

setor foi pioneiro e o maior protagonista da educação especial, ao passo que o poder

71 Particularmente a “Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes”, proclamada por resolução

da Assembleia Geral das Nações Unidas em 1975; “Programa de Ação Mundial para as Pessoas Deficientes”, 1982 – ONU; “Normas para equiparação de oportunidades para Pessoas com Deficiência”, 1993-ONU; “Declaração de Salamanca”, aprovada pela Conferência Mundial de Educação Especial, em 10 de junho de 1994; “Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência” (Convenção da Guatemala), 1999-OEA.

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público apenas promoveu na área iniciativas isoladas ou muito restritas (Carneiro,

1998). Tal assertiva é igualmente referendada pelas estatísticas, levantadas e

divulgadas pelo MEC/INEP. Assim, a migração forçada dos alunos das escolas

especiais para as classes comuns da rede regular levanta dúvidas quanto aos

resultados atuais e futuros da política ora implementada.

Tal circunstância histórica peculiar – e os documentos internacionais orientam

considerar as especificidades nacionais – permite inferir conclusão no sentido de

que no Brasil as escolas especiais não podem, sem maiores reflexões, ser

encaradas como segregacionistas (à semelhança das arcaicas, degradantes e

superadas colônias de leprosos) nem discriminatórias (em equiparação injustificada

com o igualmente superado apartheid educacional norte americano).

A oferta da educação especial pelas organizações não-governamentais deve

ser entendida à luz da ideia de discriminação positiva que se encontra na base das

ações afirmativas72 e é aceita internacionalmente, não se confundindo com as

discriminações negativas, estas vedadas pelo princípio da não-discriminação.

Ademais, uma atenta leitura das resoluções da ONU que precederam a CDPD

permite inferir que os documentos partem da constatação de que na maioria dos

países a educação prestada por entidades especializadas às pessoas com

deficiência era, em geral, de qualidade inferior à escolarização assegurada pelo

sistema geral de ensino. Dessarte, a incorporação dos alunos com deficiência ao

sistema regular, previamente adaptado para tanto, implicaria a prestação de serviço

educacional de melhor qualidade aos estudantes com deficiência em igualdade de

oportunidades com o alunado nacional.

No que diz respeito à rede pública de ensino brasileira para onde migraram,

em sua maioria, os alunos cooptados das escolas do terceiro setor (segundo o

Censo da Educação Básica-2013), fatos públicos e notórios, dados oficiais e notícias

rotineiramente veiculadas pela mídia por todo o território do país, colocam em xeque

as virtudes da transferência compulsória e precipitada dos estudantes, assim como a

própria capacidade da rede pública para recebê-los.

Assim é porque os sistemas públicos de ensino municipais e estaduais,

principais responsáveis pela prestação de serviços educacionais no âmbito da

72 Os documentos internacionais costumam indicar ações afirmativas com o emprego da expressão

medidas adequadas à aceleração da igualdade de oportunidades (MADRUGA, 2013).

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educação básica no Brasil, salvo honrosas exceções, encontram-se enredados em

gravíssimos impasses perenes e de tal monta que suscitam dúvidas acerca da

funcionalidade e eficiência destes sistemas, particularmente:

1) o déficit de vagas na educação infantil, que impossibilitará in concreto a

observância da diretriz da intervenção precoce em matéria de deficiência

(princípio internacionalmente reconhecido e de capital importância nas

áreas da saúde, habilitação/reabilitação e educação);

2) a ausência ou insuficiência da capacitação dos professores em educação

especial;

3) a inexistência, em regra, de quadro permanente de profissionais de apoio

(mobilidade, higiene, alimentação etc.) aos alunos com deficiência nas

escolas públicas;

4) os sistemas de ensino municipais e estaduais não dispõem de quadros de

especialistas para orientação e acompanhamento dos profissionais da

educação e da comunidade escolar como um todo;

5) as unidades escolares não sofreram intervenções direcionadas a torná-las

acessíveis (espaço físico, comunicação e informação, material didático,

transporte etc.);

6) a baixa qualidade do ensino público obrigatório e gratuito evidenciada em

pesquisas e avaliações;

7) as interrupções do ano letivo por movimentos grevistas dos profissionais

da educação e os consequentes prejuízos no processo de ensino,

aprendizagem;

8) os salientes índices de evasão escolar;

9) o assustador incremento de comportamentos agressivos nas escolas

públicas e a resultante vitimização dos que integram a comunidade

escolar;

10) as insuficientes provisões de recursos materiais e humanos;

11) o comprometimento dos orçamentos públicos na área da educação com a

remuneração do pessoal e a insuficiente destinação de recursos para

manutenção dos equipamentos e melhoria da qualidade do ensino;

12) o tradicional desprestígio da atividade de planejamento que impede

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inversões eficientes, redimensionamento e redirecionamento das

instituições de ensino dos sistemas, de modo a atender as reais

demandas da população.

A endêmica manifestação dos problemas acima elencados não pode ser

desconsiderada em uma detida análise da realidade do ensino obrigatório público e

gratuito no Brasil. Aqui interessa apenas chamar a atenção para os entraves que

devem ser equacionados para que se tenha por possível e viável o alcance da

inclusão plena dos alunos com deficiência no(s) sistema(s) regular(es) de ensino.

Não se olvide que o analfabetismo no Brasil, talvez o maior óbice à cidadania

plena, inquestionável confirmação de violação de direitos fundamentais decorrente

de histórica omissão estatal, atinge com mais intensidade a parcela da população

com deficiência em todas as faixas etárias e nas cinco regiões do país, segundo o

Censo Demográfico de 2010. Se assim o é, certamente, pior seria caso a sociedade

civil tivesse permanecido alheia à educação das pessoas com deficiência.

Definitivamente, é descabido atribuir às escolas especiais instituídas por

organizações não-governamentais qualificações negativas (segregadoras,

excludentes e discriminatórias).

Ficou evidenciada na pesquisa uma forte tendência no sentido de rejeitar as

escolas especiais porque elas seriam representativas do denominado paradigma da

integração. Tal modelo de compreensão das relações pessoa com

deficiência/sociedade passou a ser superado, na área da educação, pelo advento do

paradigma da inclusão, formulado pela Declaração de Salamanca, em 1994.

Enquanto, no anterior, a pessoa com deficiência deveria dispor de condições para

ser escolarizada em instituição de ensino regular, sob pena de ser encaminhada à

classe ou escola especial, no atual modelo, é a escola quem deve adequar-se às

necessidades próprias de cada aluno com deficiência.

Ocorre uma distância abissal entre a superação teórica de um modelo e a

implantação efetiva do novel protótipo, conforme demonstra a realidade brasileira.

Dessarte, embora muitos não percebam, apagar as luzes e cerrar as portas das

escolas especiais, logo em seguida à evacuação acelerada do prédio (política da

migração compulsória), ao mesmo tempo em que aparentemente resolve um velho

problema, imediatamente faz surgir um novo: alunos são incluídos em uma

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instituição de ensino inadequada, desprovida das condições materiais e humanas

para escolarizá-los com qualidade, precipuamente, quando se cuidam de educandos

com deficiências severas.

Não se discute que o texto constitucional de 1988 (arts. 205, 206, I e 208, III),

hoje, reforçado particularmente em face do que dispõe o art. 24 da Convenção de

Nova York, adota o paradigma do sistema educacional inclusivo em todos os níveis.

Entretanto, a afirmação do paradigma pretende assegurar o acesso de todas as

pessoas com deficiência a toda e qualquer instituição de ensino pública, privada ou

do terceiro setor. Em nenhum momento a leitura do texto convencional pode ser

ponto de partida para exegese no sentido de excluir qualquer forma ou modalidade

educacional.

Ademais, a interpretação esposada pelos que se opõem sem maiores

reflexões à atuação dos entes do terceiro setor na área da educação de pessoas

com deficiência afigura-se como extremamente perigosa e inviável. Lembre-se, aqui,

de que, em sede de Direito Internacional dos Direitos Humanos, impera o princípio

da vedação ao retrocesso social.

Sob esse prisma, tendo em vista que governo e sociedade reconhecem que,

no Brasil, expressivo percentual das pessoas com deficiência não desfruta

atualmente do direito à educação, bem como que a rede pública de ensino em

quaisquer dos seus níveis não se encontra adequada às normas que disciplinam a

prestação do serviço educacional a esta parcela da população, impedir a atuação

das entidades do terceiro setor irremediavelmente acarretará retrocesso social.

Pelo que se acabou de expor, assim como à luz das premissas anteriormente

estabelecidas, parece ser razoável afirmar que a efetivação progressiva do direito

fundamental social das pessoas com deficiência à educação no Brasil é encargo que

exige a atuação simultânea e parceira do poder público e das entidades que

integram o terceiro setor, sem olvidar o papel cometido às instituições privadas de

ensino em geral, conforme as balizas fixadas em sede constitucional e

infraconstitucional.

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5 O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO E A PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA NO STF: UMA APRECIAÇÃO A PARTIR DAS REGRAS ALEXYANAS DE JUSTIFICAÇÃO

[…] suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.

Foucault (2014, p. 8-9)

5.1 A FUNDAMENTAÇÃO DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS SOB O PRISMA DA DOGMÁTICA PROCESSUAL

O tema da motivação das decisões judiciais no direito processual lusitano e

brasileiro remonta ao século XVII, mais precisamente à promulgação da Ordenação

Filipina73 no ano de 1603. Desde então, sem solução de continuidade, o encargo

cometido ao órgão judiciário, monocrático ou colegiado, passou a ser

expressamente estabelecido na legislação brasileira sendo atualmente encartado no

art. 93, IX do texto constitucional vigente desde 05 de outubro de 198874.

Nossa doutrina processual há muito cuida de destacar, entre os princípios

gerais do direito processual, o princípio da persuasão racional do juiz ou do livre75

convencimento motivado. Por tal princípio, assenta-se que o juiz, ao decidir a

questão posta em juízo, avalia com liberdade as provas produzidas na instrução do

feito, segundo critérios práticos e racionais, devendo fundamentar o seu

convencimento expondo as razões que estribam a sua decisão (CINTRA;

GRINOVER; DINAMARCO, 2012, p. 76-77).

Nesse passo, cumpre precisar com arrimo em Nery Júnior (1992, p. 156) a

noção de fundamentação para os estudiosos do processo civil, in verbis:

73 Segundo Castro (2011, p. 280): “[...] o mais duradouro documento jurídico tanto da história de

Portugal quanto do Brasil.” 74 O ponto é tratado com minúcias por Nery Júnior (1992, p.154-155). 75 O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15), vigente desde 18 de março de 2016, adotou

o sistema da “persuasão racional” ou “convencimento motivado” suprimindo o adjetivo “livre”, alvo de críticas de parte da doutrina (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 105-10)

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Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão.

No tratamento clássico, a obrigação judicial de explicitação da fundamentação

das decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos era compreendida como uma

garantia legal conferida às partes diretamente interessadas na lide equacionada pelo

provimento jurisdicional. Cientes da motivação que alicerçou a decisão, os

interessados poderiam aferir a observância da imparcialidade e da legalidade/justiça

do decisum, podendo, ainda, caso insatisfeitos, postular a órgão judicial superior a

reforma ou anulação do provimento impugnado.

Sob outro ângulo, a exigência de motivação das decisões judiciais associa-se

ao ideário próprio do Estado de Direito76, particularmente ao princípio da legalidade

e à garantia fundamental do due process of law enquanto balizas limitadoras do

exercício da função jurisdicional estatal.

Na contemporaneidade, sob o influxo da Constituição Federal de 1988 que

instituiu o Estado Democrático de Direito, que tem dentre seus fundamentos a

cidadania e como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a

compreensão da exigência de motivação das decisões proferidas no exercício da

jurisdição, inserta no art. 93, IX do corpus constitucional, vem sendo alargada.

Assim, agrega em seu contexto a percepção de que o dever de motivar cumpre uma

relevante função política77, quando assegura a qualquer cidadão indistintamente a

possibilidade de avaliar a imparcialidade e a legalidade das decisões prolatadas

pelos órgãos do Poder Judiciário78.

Anote-se, aqui, que os influxos do fenômeno da constitucionalização do

ordenamento jurídico, fruto do neoconstitucionalismo ou pós-positivismo a que a

doutrina e a jurisprudência brasileiras dedicam atenção e tratamento particularmente

76 Sobre o tema averba Dinamarco (2002, p. 1075): “No Estado-de-Direito, em que o poder se

autolimita e seu exercício só se considera legítimo quando fiel a regras procedimentais adequadas (Niklas Luhmann, Elio Fazzalari), é natural que a liberdade de formar livremente seu convencimento no processo corresponda, para o juiz, o dever de motivar suas decisões.”

77 Acerca da função política do dever de motivar ver Cintra, Grinover e Dinamarco (2012, p. 77). 78 Não podem ser olvidadas aqui as restrições à publicidade previstas nos arts. 93, IX e 5º, LX da

CF/88. A respeito, o novo CPC dispõe no parágrafo único do seu art. 11 que “Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público”.

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após a promulgação da Constituição de 1988, foi expressamente reconhecido e

referendado pelo novo CPC logo em seu primeiro dispositivo79. Essa circunstância

afasta qualquer receio ou objeção quanto às imbricações das temáticas processual e

constitucional, até mesmo por parte dos que se aferram a posturas de extremada e

arcaica defesa intransigente da autonomia e da especialidade de uma dogmática

processual divorciada ou órfã dos valores entremostrados no texto constitucional

positivo.

Dessarte, restando assentado no retrospecto panorâmico ora delineado que a

doutrina relativa ao dever imposto ao Judiciário de motivar suas decisões sofreu

substanciais modificações, dentre as quais se destaca que atualmente o direito que

com ele se conexiona é conferido aos cidadãos em geral e não apenas aos

diretamente interessados na controvérsia levada a juízo, impõe-se mirar novos

horizontes descortinados no plano do Direito Constitucional.

5.2 A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS À LUZ DA DOUTRINA CONSTITUCIONAL E DA JURISPRUDÊNCIA DO STF

Ao destinar o Título IV à organização dos poderes, dedicou o constituinte

originário o Capítulo III ao Poder Judiciário, averbando, dentre as disposições gerais

do referenciado capítulo, a imperativa necessidade de fundamentação das decisões

judiciais, sob pena de nulidade80, nos precisos termos do art. 93, IX: “todos os

julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas

as decisões, sob pena de nulidade [...]”.

Inicialmente, deve ser salientado que parte da doutrina enfrenta a questão da

justificação das decisões judiciais quando se debruça sobre o tema dos direitos e

garantias fundamentais. Em outras palavras, reconhece-se um direito fundamental

79 Com efeito, estabelece o art. 1º da Lei nº 13.105/15, in verbis: “O processo civil será ordenado,

disciplinado e interpretado conforme os valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.”

80 A relevância da obrigação de motivar pode ser bem aquilatada pela observação levada a efeito por Nery Júnior (1992, p. 157): “Interessante observar que normalmente a Constituição Federal não contém norma sancionadora, sendo simplesmente descritiva e principiológica, afirmando direitos e impondo deveres. Mas a falta de motivação é vício de tamanha gravidade, que o legislador constituinte abandonando a técnica de elaboração da constituição, cominou no próprio texto constitucional a pena de nulidade.”

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do cidadão81 contraposto ao dever que deve ser suportado pelo órgão jurisdicional.

Assim procede, por exemplo, Gilmar Ferreira Mendes que, ao versar sobre direitos

fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais do processo, destaca a

necessidade de motivação das decisões judiciais, asseverando que:

A garantia da proteção judicial efetiva impõe que tais decisões possam ser submetidas a um processo de controle, permitindo, inclusive, a eventual impugnação. Daí a necessidade de que as decisões judiciais sejam devidamente motivadas (CF, art. 93, IX). E motivar significa dar as razões pelas quais determinada decisão há de ser adotada, expor as suas justificações e motivos fático-jurídicos determinantes. A racionalidade e, dessa forma, a legitimidade da decisão perante os jurisdicionados decorrem da adequada fundamentação por meio das razões apropriadas. (MENDES; BRANCO, 2014, p. 419).

O direito fundamental a um provimento jurisdicional devidamente

fundamentado constitui intransponível limitação que deve ser observada pelos que

são encarregados pelo exercício da função estatal de mediação e solução de

conflitos, sendo certo que o seu desatendimento implica a prolação de decisões

arbitrárias irremediavelmente nulas nos termos da Constituição Federal. Diga-se,

ainda, que uma adequada fundamentação não se compatibiliza com subjetivismos

divorciados das regras e princípios extraídos do ordenamento jurídico.

Ressalte-se ainda que Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Streck (2013)

estabelecem a relação entre o dever de fundamentação das decisões judiciais e o

republicano Estado Democrático de Direito sustentando que o disposto no art. 93, IX

há de ser compreendido em um contexto em que o direito goza de um grau

acentuado de autonomia em face da política, da economia e da moral, destacando

ainda, com arrimo em Dworking, a profunda responsabilidade política nas decisões.

As ideias até aqui expostas não discrepam dos pronunciamentos do Supremo

Tribunal Federal, guardião e intérprete último da Constituição da República

Federativa do Brasil. Com efeito, de pesquisa que empreendemos no site oficial do

Pretório Excelso, tendo por critério a referência expressa ao art. 93, IX da CF/88,

81 Em nosso pensar a opção doutrinária encontra firme suporte em texto expresso na Constituição.

Como é sabido, não é exaustivo o rol estabelecido no art. 5º, consoante estabelece literalmente o seu §2º “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

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destacam-se, Aqui, três julgados que bem representam a posição da Corte na

matéria.

No julgamento do HC 68.422, Rel. Min. Celso de Mello aos 19/02/1991, a

Primeira Turma anulou sentença penal condenatória que não motivou

pronunciamento quanto à concessão ou denegação do benefício da suspensão

condicional da pena, destacando que a exigência de motivação dos atos

jurisdicionais constitui limitação do poder estatal82.

No julgamento do HC 69.419, Rel. Min. Sepúlveda Pertence aos 23/06/1992,

a Primeira Turma anulou sentença penal condenatória asseverando que a

fundamentação há de explicitar a sua base empírica e essa, por sua vez, há de

guardar relação de pertinência, legalmente adequada, com a exasperação da

sanção penal, destacando ainda não ser admissível a motivação eivada de

subjetivismos83.

No julgamento do RE 540.995, Rel. Min. Menezes Direito aos 19/02/2008, a

Primeira Turma, anulou acórdão do STM destacando que a decisão judicial não é um

ato autoritário, um ato que nasce do arbítrio do julgador, daí a necessidade da sua

82 EMENTA: Habeas Corpus. Sursis. Período de prova. Fixação acima do mínimo legal.

Necessidade de fundamentação. Constituição Federal (art. 93, IX). Inobservância. Ordem concedida. 1. O órgão judiciário sentenciante tem o dever de motivar o seu pronunciamento quanto à concessão ou denegação do benefício da suspensão condicional da pena. A exigência de motivação dos atos jurisdicionais constitui, hoje, postulado constitucional inafastável que traduz, em sua concepção básica, poderoso fator de limitação do próprio poder estatal, alem de constituir instrumento essencial de respeito e proteção às liberdades públicas. Atos jurisdicionais, que descumpram a obrigação constitucional de adequada motivação decisória, são atos estatais nulos. 2. A estipulação, no sursis, do período de prova, em limites superiores ao mínimo legal, não pode ser arbitrariamente fixadas pelos Juízes ou Tribunais, que deverão, para esse efeito, indicar, necessariamente, os motivos de sua decisão, sob pena de caracterização de injusto constrangimento ao estado de liberdade dos réus condenados. Magistério da doutrina e da jurisprudência.

83 EMENTA: ‘Habeas-Corpus’: inidoneidade, segundo a jurisprudência atual, para corrigir quaisquer ilegalidade de sentença penal condenatória que não impliquem coação ou iminência direita de coação à liberdade de ir e vir: aplicação ‘a fortiori’ à hipótese do caso, quando a perda de bens já apreendidos operou-se ‘ipso jure’ com o trânsito em julgado da condenação, sem que caiba, por tanto, cogitar de quaisquer eventuais reflexos sobre a liberdade pessoal do paciente, que pudessem advir da execução do confisco. II-Sentença condenatória: individualização da pena: coerência lógico-jurídica entre a fundamentação e o dispositivo. 1.A exigência de motivação da individualização da pena – hoje, garantia constitucional do condenado (CF, arts. 5º, XLVI, e 93, IX) –, não se satisfaz com a existência na sentença de frases ou palavras quaisquer, a pretexto de cumpri-la: a fundamentação há de explicitar a sua base empírica e essa, de sua vez, há de guardar relação de pertinência, legalmente adequada, com a exasperação da sanção penal, que visou a justificar. 2.É nula, no ponto, a sentença na qual o juiz, explicitando os dados de fato em que assentou a exacerbação da pena – no caso, ao ponto de quadruplicar o mínimo da cominação legal –, desvela o subjetivismo dos critérios utilizados, de todo distanciados dos parâmetros legais.

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apropriada fundamentação84.

Da incursão doutrinária e jurisprudencial até o momento empreendida é

possível inferir que a relevância do tema da fundamentação dos provimentos

jurisdicionais resulta do seu entrelaçamento com as questões atinentes aos direitos

e garantias fundamentais à limitação e à legitimidade do exercício do poder em uma

sociedade democrática.

Nesse contexto, ganham importância e destaque o debate e o conhecimento

a respeito de uma formulação teórica elaborada com o propósito de estabelecer

regras e formas aptas à aferição da fundamentação racional das decisões judiciais: a

teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy. Tal é a tarefa que se buscará levar

a efeito no próximo tópico.

5.3 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT ALEXY

No ano de 1976, o Professor de Direito Público e de Filosofia do Direito

Robert Alexy apresentou obra jusfilosófica à apreciação do meio acadêmico alemão

traduzida para o português sob o título “Teoria da argumentação jurídica: a teoria do

discurso racional como teoria da fundamentação jurídica”.

A teoria da argumentação jurídica alexyana insere-se no contexto do pós-

positivismo, corrente do pensamento jurídico que, como sua denominação de pronto

indica, é formulação doutrinária que propõe a superação do paradigma positivista,

preconizando a reinserção dos valores na esfera do direito, dentre outros corolários.

Isso se deu porque a teorização pós-positivista surge na Europa logo em

seguida ao fim da Segunda Guerra Mundial, abalada com os horrores

protagonizados pelo nazismo, particularmente, contra o povo judeu, impondo-se

entre os juristas o urgente estabelecimento de uma formulação que fixasse um

mínimo moral inatacável e intransponível nos ordenamentos jurídicos nacionais, bem

84 EMENTA: Recurso Extraordinário. Garantia constitucional de fundamentação das decisões

judiciais. Art. 118, § 3º, do Regimento Interno do STM. 1.A garantia constitucional estatuída no art. 93, IX, da CF, segundo a qual todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, é exigência inerente ao Estado Democrático de Direito e, por outro, é instrumento para viabilizar o controle das decisões judiciais e assegurar o exercício do direito de defesa. 2.A decisão judicial não é um ato autoritário, um ato que nasce do arbítrio do julgador, daí a necessidade da sua apropriada fundamentação. 3.A lavratura do acórdão dá consequência à garantia constitucional da motivação dos julgados. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido.

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como na Declaração Universal dos Direitos Humanos no plano internacional.

Com o novo paradigma, os fundamentos devem ser buscados no texto e no

contexto da Constituição do Estado Democrático de Direito, edificado a partir do

consenso estabelecido entre as forças políticas majoritárias e minoritárias da

sociedade. O recente arquétipo jurídico, além de criar demandas até então não

formuladas ou inadmissíveis no modelo anterior, exige novas respostas para

recentes e velhas questões, dentre as quais interessa aqui o equacionamento do

problema da aplicação de uma ordem jurídica que contempla princípios que

exprimem valores ou fins que devem ser ponderados in concreto. Tal é o pano de

fundo diante do qual exsurgem, a partir de meados do século XX, as teorias da

argumentação jurídica cujas afinidades podem ser indicadas nos seguintes termos:

1) opõem-se ao positivismo metodológico85 (BUSTAMANTE; MAIA, 2009;

ATIENZA, 2014);

2) estão insertas no contexto da guinada interpretativa que girou o eixo central

da reflexão jurídica da legislação para a decisão/aplicação, de forma que o

modelo do bom intérprete superou o do bom legislador (JUST, 2009);

3) reconhecem à jurisprudência uma função de desenvolvimento do direito

(BUSTAMANTE; MAIA, 2009), na esteira de Bentham (1748/1832), que

cometia à jurisprudência uma função crítica ou censora destinada ao

aperfeiçoamento dos sistemas legais (FIGUEIREDO, 2009);

4) preocupam-se com a prática/aplicação judicial ou administrativa do Direito

e com a correção racional dos argumentos manejados na justificação das

decisões jurídicas86 (BUSTAMANTE; MAIA, 2009);

85 “As teorias da argumentação jurídica partem do fato de que as decisões jurídicas devem e podem

ser justificadas, e nesse sentido se opõem tanto ao determinismo metodológico – as decisões jurídicas não precisam ser justificadas porque procedem de uma autoridade legítima e/ou são o resultado de simples aplicações de normas gerais – quanto ao decisionismo metodológico – as decisões jurídicas não podem ser justificadas porque são puros atos de vontade” (ATIENZA, 2014, p.08).

86 “Quando se fala em teoria da argumentação jurídica, a palavra teoria aparece num sentido bem diverso daquele que se define por oposição à prática, principalmente quando se está diante de questões normativas. Toda teoria da argumentação juridica – qualquer que seja o seu referencial teórico dominante, desde as que se alicerçam sobre a retórica aristotélica e a tópica, como a de Perelman, aparecida no início da década de 1950, até as que se fundam em regras argumentativo-discursivas influenciadas tanto pelo universalismo kantiano quanto pela teoria do discurso de Habermas, como a de Alexy, do final dos anos 1970 – revela uma indisfarçável preocupação com a prática, e em especial com a aplicação judicial ou administrativa do Direito e com a correção racional dos argumentos empregados nos discursos de justificação dessas

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5) são teorias da justificação das decisões jurídicas em geral, entendendo-se

justificação em contraposição à explicação ou descoberta (BUSTAMANTE;

MAIA, 2009);

6) dedicam maior importância e atenção ao aspecto externo da justificação

das decisões jurídicas que extrapola os limites da lógica formal ou

dedutiva, em virtude de enfrentar a questão da justificação de juízos de

valor e juízos de dever insolúvel com o emprego do instrumental

disponibilizado pela lógica formal (ATIENZA, 2014);

7) conferem particular atenção às peculiaridades do raciocínio jurídico nos

casos difíceis do Direito (STRUCHINER, 2009; ATIENZA, 2014).

A teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy formula regras e formas

destinadas à aferição da correção das decisões judiciais que devem ser

racionalmente fundamentadas87, buscando, assim, o jusfilósofo por à disposição dos

operadores do Direito, dos jurisdicionados e da cidadania um instrumental apto ao

reconhecimento de decisões judiciais arbitrárias (irracionais, subjetivistas,

decisionistas), pois a necessidade de valorações empreendidas pelo aplicador não

lhe permite optar por convicções morais subjetivas ao arrepio das normas do

ordenamento jurídico constitucionalizado (princípios e regras).

É preciso aquilatar que em sua obra Robert Alexy (2013) revisitou as ideias

naturalistas, intuicionistas e emotivistas, as formulações de Wittgenstein, Austin,

Hare, Toulmin e Baier, a teoria do discurso habermasiana88 e sua compreensão de

verdade como produto do consenso fundado, racionalmente, que se contrapõe à

concepção clássica aristotélica da verdade, o pensamento da Escola de Erlangen e

a teoria da argumentação de Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, colhendo

valiosas contribuições especialmente do pensamento de Habermas, não se podendo

decisões jurídicas”. (BUSTAMANTE; MAIA, 2009, p. 64-5)

87 “Não se pretende que o enunciado jurídico normativo afirmado, proposto ou ditado como sentença seja só racional, mas também que no contexto de um ordenamento jurídico vigente possa ser racionalmente fundamentado”. (ALEXY, 2013, p. 212).

88 “A pretensão introduzida pela teoria discursiva, ainda que mantida a defesa clara e explícita do primado do justo sobre o bem e do conceito universalista de moral, é a da incorporação de motivos críticos bem fundados do consequencialismo moderno e do eudaimonismo clássico no âmbito de uma concepção ampla da racionalidade que, ainda na esteira de Kant, permita distinguir as dimensões ética (que diz respeito ao que é bom para mim ou para nós), pragmática (que se refere a meios apropriados para determinados fins práticos) e moral (que tem a ver com o que é válido para todos, na acepção kantiana de um dever universal) da razão prática”. (ARAÚJO, 2009, p. 298-299).

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olvidar nesse passo a análise e crítica de vasta bibliografia jurídica.

5.4 A JUSTIFICAÇÃO INTERNA E EXTERNA DAS DECISÕES JURÍDICAS

No que tange especificamente à decisão jurídica, há que se perquirir sua

racionalidade, cotejando sua fundamentação sob os ângulos interno e externo.

Sobre o tema propõe Alexy (2013, p. 219):

Nos discursos jurídicos, trata-se da justificação de um caso especial de proposições normativas, as decisões jurídicas. Podem distinguir-se dois aspectos da justificação: a justificação interna (internal justification) e a justificação externa (external justification). Na justificação interna, verifica-se se a decisão se segue logicamente das premissas que se expõem como fundamentação; o objeto da justificação externa é a correção destas premissas.

Para examinar se o decisum prolatado decorre logicamente das premissas

expressas como fundamentação, faz-se mister a consideração de cinco regras

relativas à justificação interna apontadas na teoria da argumentação alexyana, a

saber:

R. 1. Para a fundamentação de uma decisão jurídica deve-se apresentar pelo

menos uma norma universal.

R. 2. A decisão jurídica deve seguir-se logicamente ao menos de uma norma

universal, junto a outras proposições.

R.3. Sempre que houver dúvida sobre se A é um T ou M¹, deve-se apresentar

uma regra que decida a questão.

R. 4. São necessárias as etapas de desenvolvimento que permitam formular

expressões cuja aplicação ao caso em questão não seja discutível.

R.5. Deve-se articular o maior número possível de etapas de

desenvolvimento.

Quando as regras de justificação interna são empregadas pelo órgão julgador

os pressupostos que de outra maneira ficariam ocultados passam a ser formulados

explicitamente. “Isso aumenta a possibilidade de reconhecer e criticar erros.

Acrescentar ou apresentar regras universais facilita a consistência da decisão e

contribui, por isso, para a justiça e para a segurança jurídica.” (ALEXY, 2013, p. 228)

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Saliente-se, ainda, que as cinco regras de justificação interna permitem aferir

certa medida de racionalidade. “A racionalidade que garante é certamente relativa à

racionalidade das premissas. O juízo sobre a racionalidade de uma decisão

pertence, pois, ao campo da justificação externa.” (ALEXY, 2013, p. 228).

No que se refere à justificação externa, interessa aqui aclarar que tem ela por

objeto o esquadrinhamento das premissas empregadas na justificação interna da

decisão ou deliberação jurisdicional. Na teoria alexyana, tais premissas agrupam-se

em três classes (ALEXY, 2013, p. 228), a saber: normas de direito positivo;

enunciados empíricos e, premissas que não são nem enunciados empíricos nem

regras do direito vigente. Esclarece em seguida o autor que a cada um dos três tipos

de premissas correspondem distintos métodos de fundamentação, in verbis:

A fundamentação de uma regra de direito positivo consiste em mostrar sua conformidade com os critérios de validade do ordenamento jurídico. Na fundamentação de premissas empíricas pode recorrer-se a uma escala completa de formas de proceder que vão desde os métodos das ciências empíricas, passando pelas máximas da presunção racional, até as regras de ônus da prova no processo. Finalmente, para a fundamentação das premissas que não são enunciados empíricos nem regras de direito positivo aplica-se o

que se pode designar de ‘argumentação jurídica’.

Assim, é precisamente para a fundamentação das premissas, que não

são enunciados empíricos nem regras de direito posto, que Alexy (2013, p. 229-278)

formula as regras de justificação externa. Embora reconheça que os três tipos

distintos de fundamentação de enunciados operem de maneira interativa,

cooperativa e/ou complementar na práxis decisória jurídica, ainda assim remanesce

para Alexy (2013) a possibilidade e a necessidade de regulação específica do caso

especial do discurso prático geral: o discurso jurídico (argumentação jurídica), cuja

racionalidade constitui-se a partir da sua vinculação às normas do direito positivo, do

que igualmente resulta a pretensão de correção da argumentação jurídica ser

precisamente sua aspiração de conformidade aos imperativos do ordenamento

jurídico vigente.

Dito isso, assevere-se que a teorização argumentativa alexyana estrutura e

normatiza a justificação externa das decisões jurídicas sobre questões práticas por

meio da identificação de seis grupos e da formulação das suas correspondentes

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prescrições consoante se refiram: à interpretação da lei; à argumentação produzida

institucionalmente pela dogmática jurídica; aos precedentes; à argumentação prática

geral (razão); à argumentação teórica (científico-experimental) e, por fim, às formas

especiais de argumentos jurídicos.

Os tradicionais cânones de interpretação são articulados por Alexy (2013),

em seis grupos de argumentos interpretativos: semânticos; genéticos; históricos;

comparativos; sistemáticos e teleológicos. Após destacar a permanência do dissenso

em torno de aspectos terminológicos, quantitativos e qualitativos na matéria,

sustenta Alexy (2013), ser viável fixar certa precedência ou primazia, mas não

hierarquia entre os cânones, passando em seguida à exposição das seguintes

regras:

R.6. Deve ser saturada toda forma de argumento que houver entre os

cânones da interpretação.

R. 7. Os argumentos que expressam uma vinculação ao teor literal da lei ou à

vontade do legislador histórico prevalecem sobre outros argumentos, a

não ser que se possam apresentar motivos racionais que dêem

prioridade a outros argumentos.

R.8. A determinação do peso de argumentos de diferentes formas deve

ocorrer segundo regras de ponderação.

R. 9. Devem-se levar em consideração todos os argumentos possíveis e que

possam ser incluídos por sua forma entre os cânones da interpretação.

A dogmática jurídica é descrita por Alexy (2013) como disciplina tridimensional

(empírico-descritiva; analítico-lógica e prático-normativa) responsável por uma

mescla de atividades distintas, mas não dissociadas, e que correspondem as já

mencionadas dimensões atinentes à descrição do direito vigente, à análise

sistemática e conceitual da ordem jurídica e/ou dos seus elementos constitutivos,

assim como à elaboração de propostas de solução dos casos jurídicos

problemáticos. Em seguida, cuida o teórico de defini-la asseverando que

[…] uma dogmática do Direito é (1) uma série de enunciados que (2) se referem à legislação e à aplicação do Direito, mas que não se podem identificar com sua descrição, (3) estão entre si numa relação de coerência mútua, (4) formam-se e discutem dentro de uma Ciência do Direito que funciona institucionalmente e (5) têm conteúdo

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normativo. (ALEXY, 2013, p. 252).

Interessa ainda aqui chamar a atenção para as funções cumpridas pela

dogmática jurídica, consoante a compreensão alexyana:

estabilização;

progresso;

descarga;

técnica;

controle; e

heurística.

A função de estabilização da dogmática jurídica decorre da formação no curso

do tempo de um acervo de enunciados dogmáticos – que se distinguem de outras

espécies de enunciados pelo fato de poderem ser comprovados sistematicamente –

que permite a fixação e a reprodução de determinadas soluções a questões práticas.

Assim, o abandono de um enunciado dogmático exige justificação, de modo que

quem postula nova solução deve, necessariamente, suportar o ônus da

argumentação. Alerta o autor, todavia, que o efeito de estabilização da dogmática

não deve ser supervalorizado, advertência que parece ser corriqueiramente olvidada

por muitos.

A função desenvolvimentista do direito encampada pela Ciência Jurídica não

é, entretanto, decorrência exclusiva do labor do dogmático. Na opinião de Alexy

(2013), o efeito transformador em muito resulta da atividade de produção legislativa

e das mutações das ideias valorativas no meio social, sustenta ele que

A institucionalização da dogmática, isto é, ampliação da discussão jurídica na dimensão temporal, objetiva e pessoal, torna possível oferecer comprovações e diferenciar os enunciados dogmáticos numa medida consideravelmente maior do que seria possível em discussões que se desenvolvem de forma pontual. Isso possibilita um progresso da dogmática. (ALEXY, 2013, p. 262).

A função de descarga proporciona, em certa medida, a otimização da

produtividade dos debates e pesquisas jurídicas que não precisam a todo tempo

demandar a comprovação de um enunciado dogmático incorporado ao catálogo

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estabilizado, salvo se uma razão especial torne necessária sua confirmação. À

evidência, tal função sofrerá variações em virtude particularmente de circunstâncias

tais como a simplicidade/complexidade, precisão/imprecisão e/ou consenso/dissenso

em torno do conteúdo ou da incidência do enunciado dogmático.

A dogmática jurídica desempenha uma função técnica de transmissão de

informação e conhecimento relativo à matéria jurídica, promovendo assim o ensino e

a aprendizagem, fomentando as discussões, institucionalizadas ou não, sobre

problemas jurídicos.

A dogmática igualmente empreende uma função de controle da consistência e

legitimidade das decisões jurídicas. Segundo Alexy (2013, p. 265) “A dogmática

permite decidir casos não de maneira isolada, mas relacionados com uma série de

casos já decididos e ainda por decidir”.

Por fim, identifica-se uma função heurística de descoberta cometida à

dogmática jurídica tendo por base o acervo constituído ao longo do tempo e sua

reconstrução constante – correspondentes, respectivamente, às funções de

estabilização e de progresso. A dogmática do direito implementa sua função

heurística como representativa da síntese alcançada em um processo dialético, no

qual a tese é fornecida pela função de estabilização e a antítese emerge da

dinâmica deflagrada pela função de progresso. Assim, em nosso pensar, é por força

de uma imbricação funcional que se opera na seara da Ciência do Direito que se

verifica a “descoberta de novos conhecimentos a partir de modelos de solução,

distinções e pontos de vista que não apareceriam se se tivesse de começar sempre

novamente” (ALEXY, 2013, p. 265).

Por fim, cumpre aqui averbar as regras que devem pautar o emprego dos

argumentos dogmáticos e sua avaliação no âmbito da justificação externa das

decisões jurídicas:

R.10. Todo enunciado dogmático, se é posto em dúvida, deve ser

fundamentado mediante o emprego, pelo menos, de um argumento

prático de tipo geral.

R.11. Todo enunciado dogmático deve enfrentar uma comprovação

sistemática, tanto em sentido estrito como em sentido amplo.

R. 12. Se são possíveis, argumentos dogmáticos devem ser usados.

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O instituto do precedente é produto originário do sistema da common law, em

que tem o status de fonte do direito. Sua difusão e seu crescimento de importância

no direito europeu continental já eram anotadas por Alexy em 1976. Desde então, a

propagação do emprego vinculante dos precedentes em todos os quadrantes do

globo nos países filiados ao sistema da civil law parece estar associado ao processo

de disseminação de um modelo de rule of law homogeneizante do ambiente jurídico-

institucional, fundamentalmente, interessado em assegurar previsibilidade e

segurança jurídica enquanto sustentáculos dos mercados transfronteiriços.

Sob o prisma de teorização alexyana, o uso dos precedentes no discurso

jurídico, ou mais precisamente a aplicação da norma subjacente à decisão do (caso)

precedente ao caso semelhante, cujo equacionamento jurídico ora se demanda,

funda-se no princípio da universalidade (PU) e seus corolários de isonomia, justiça

formal, segurança jurídica e proteção da confiança. Dessarte, o enunciado normativo

que se extrai da decisão do(s) precedente(s) é, em princípio, vinculante na solução

dos casos semelhantes daí em diante apreciados89.

Alexy (2013) não oculta o problema de que em verdade nunca há dois casos

exatamente iguais. O que em regra se tem são casos que podem ser assemelhados

a partir da verificação da presença de uma série de circunstâncias relevantes nos

casos em contraste, o que justifica o emprego vinculante da solução precedente ao

novo caso. Entretanto, ainda que positivamente se reconheça a repetição das

circunstâncias relevantes, mesmo assim poderá ocorrer a superação do precedente,

ou seja, a decisão anterior não mais será adotada nos casos similares. Tal se dá

quando, no interstício que medeia a apreciação dos casos, opera-se uma mudança

na valoração das circunstâncias.

A partir de tais considerações, pode-se inferir a necessidade de comparações

de casos buscando aferir se se assemelham ou se diferenciam quanto às

circunstâncias tidas por relevantes ou, ainda, em se cuidando de casos similares, se

no curso do tempo verificou-se substancial mudança na consideração axiológica das

89 Atienza (2014, p. 211) é sobremodo esclarecedor no ponto: “O uso do precedente justifica-se, do

ponto de vista da teoria do discurso, porque o campo do discursivamente possível não poderia ser preenchido com decisões mutáveis e incompatíveis entre si; o uso do precedente significa aplicar uma norma e, nesse sentido, é mais uma extensão do princípio da universalidade. Por outro lado, a obrigação de seguir o precedente não é absoluta, pois isso contraria as regras do discurso […], mas quem se afasta do precedente fica com a carga da argumentação”.

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circunstâncias de maior relevo.

Tal demanda é atendida pelas técnicas de divergência manejadas e

desenvolvidas pela Ciência do Direito anglo-saxônica: a técnica do distinguishing,

que permite o afastamento do precedente; e a técnica do overruling, que viabiliza a

superação ou rejeição do enunciado normativo adotado pela decisão do precedente.

Por fim, cumpre consignar as regras alexyanas acerca do emprego no

discurso jurídico dos enunciados normativos em que se baseiam os precedentes:

R. 13. Quando se puder citar um precedente a favor ou contra uma decisão,

deve-se fazê-lo.

R.14. Quem quiser se afastar de um precedente, assume a carga da

argumentação90.

A consideração e o manuseio dos precedentes na confecção de petições,

requerimentos, pareceres, manifestações e decisões pelos operadores do Direito no

Brasil é prática corriqueira e tradicional. O que se tem de novidade é a disciplina

legislativa da atividade por meio do novo Código de Processo Civil (Lei nº

13.105/15). O que aqui interessa é tão somente demonstrar que o uso vinculativo

dos precedentes instituído pelo sobredito instrumento normativo não se afasta sob

qualquer ângulo da formulação alexyana, conforme facilmente extrai-se da

consideração das seguinte asserções:

1) a decisão judicial que se limitar a invocar precedente ou enunciado de

súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar

que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos, será

considerada não fundamentada e, consequentemente, nula (art. 489, § 1º,

V, CPC);

2) será igualmente não fundamentada e nula a decisão que deixar de seguir

enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte,

sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a

superação do entendimento (art. 489, § 1º, VI, CPC);

3) os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável,

íntegra e coerente (art. 926, caput, CPC);

90 Alexy (2013, p. 268), funda a regra do ônus argumentativo no “princípio de inércia perelmaniano

que exige que uma decisão só pode ser mudada se se puder apresentar razões suficientes para isso”.

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4) a modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de

tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a

necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os

princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia

(art. 927, § 4º, CPC);

5) os tribunais darão publicidade a seus precedentes, preferencialmente na

rede de comunicação mundial (art. 927, § 5º, CPC).

Consoante a tese central da teoria alexyana, o discurso jurídico

(argumentação jurídica) é um caso especial do discurso prático geral de quem se

diferencia por se vincular ao direito vigente. Assim o é porque, seja na práxis jurídica

ou na Ciência do Direito, o objeto da atividade do operador e do cientista é

precisamente a discussão e o equacionamento de questões práticas por meio de

uma decisão jurídica que sustenta uma pretensão de correção – de fundamentação

racional – no contexto do ordenamento jurídico, ou melhor, dos valores agasalhados

no interior do sistema jurídico; ao passo que no discurso prático geral a pretensão de

correção se põe e é aferida em contraste com a constelação axiológica que sinaliza

o universo da moral, sendo aqui irrelevante que tais valores sejam ou não

juridicizados.

Alexy (2013) não estabelece regras quanto ao emprego dos argumentos

práticos gerais na justificação das decisões jurídicas. Contudo, trata de pontuar

circunstâncias nas quais podem ser empregados argumentos práticos gerais no

discurso jurídico, in verbis:

A argumentação prática geral pode ser necessária (1) na fundamentação das premissas normativas requeridas para a saturação das diferentes formas de argumentos, (2) na fundamentação da eleição de diferentes formas de argumentos que levam à diferentes resultados, (3) na fundamentação e comprovação de enunciados dogmáticos, (4) na fundamentação dos distinguishing e overruling e (5) diretamente na fundamentação dos enunciados a serem utilizados na justificação interna. (ALEXY, 2013, p. 276).

De igual modo, não há regra especial para o uso no discurso jurídico dos

argumentos buscados com o recurso à cooperação científica, aos argumentos

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próprios do discurso teórico (científico-experimental)91, sendo no entanto tal

procedimento admitido por uma regra geral que dispõe: para qualquer falante é, em

qualquer momento, possível passar a um discurso teórico (empírico).

Quanto às formas especiais de argumentos jurídicos, formas de inferência

logicamente válidas, esclarece Alexy (2013, p. 272) que se cuidam das “[...] formas

de argumentos que se usam especialmente na metodologia jurídica, como a

analogia, o argumentum a contrario, o argumentum a fortiori e o argumentum ad

absurdum”. O emprego de tais argumentos deve observar a seguinte regra:

R. 15. As formas de argumentos jurídicos especiais devem ser saturadas.

A teoria do discurso jurídico de Alexy, a mais estruturada e sistemática dentre

as teorias da argumentação jurídica (ATIENZA, 2014), essencialmente consiste em

um modelo procedimental, de caráter democrático, pois tem por pressupostos a

liberdade e a igualdade em relação a todos os participantes do discurso, tendo por

objeto a justificação racional das decisões jurídicas, por meio do estabelecimento de

regras de justificação interna e de justificação externa cuja observância pretende

conferir consistência e legitimidade a tais decisões.

Parece evidente que tal modelo somente se viabiliza e faz sentido em um

Estado Democrático de Direito92, no ambiente da esfera pública de uma sociedade

aberta, complexa e plural e, por isso mesmo, conflituosa, questão que melhor será

explicitada logo em seguida.

5.5 O CONTROLE DA RACIONALIDADE DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A CONTRIBUIÇÃO ALEXYANA

Em uma perspectiva viabilizada pelas teorizações pós-positivistas, cumpre

delinear alguns dos traços caracterizadores do paradigma do Estado Democrático de

Direito que se alinham direta e imediatamente à questão que cabe ao final elucidar.

91 Considerando exclusivamente a procura do reforço de argumentos científicos no âmbito do Direito

Penal, Focault (2014, p. 18) sustenta que a partir do século XIX o aplicador da lei penal passou a incorporar fundamentos científicos em suas justificativas “como se a palavra da lei necessitasse de suporte em um discurso de verdade (científico) extrajurídico”.

92 Dentre as críticas assacadas contra a teoria discursiva alexyana, assinala Atienza (2014) que lhe é atribuída uma função ideológica de justificar o modelo de Estado Democrático e Constitucional de Direito. Tendo em conta que em nossa pesquisa a teoria alexyana cumpre papel de “instrumento” para a análise e crítica de soluções jurídicas emanadas do poder judiciário de um Estado Democrático de Direito, a ferramenta teórica finda por se qualificar, em nosso entender, como insuspeita, adequada, útil e, quiçá, virtuosa.

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Sob tal prisma, a doutrina destaca a supremacia, a rigidez e a força normativa

vinculante da Constituição; o estabelecimento em sede constitucional de um

catálogo de direitos fundamentais que aspira máxima efetividade; a garantia

jurisdicional da Constituição; o comprometimento axiológico das normas

constitucionais (regras e princípios, expressos ou implícitos); a força irradiante das

normas constitucionais sobre todo o ordenamento jurídico nacional, o que exige a

interpretação das leis conforme a Constituição, sem embargo de outros

consectários. Assim, tanto no plano da ciência do direito quanto no nível da práxis

jurídica, impõem-se novas formas de compreender, abordar e de agir em face das

questões jurídicas.

No tocante à ênfase conferida aos direitos e garantias fundamentais é preciso

inicialmente acentuar que o catálogo incorpora os direitos associados às sucessivas

gerações (ou dimensões) de direitos fundamentais. Ademais, em uma sociedade

complexa e pluralista, os direitos de liberdade93 (civis e políticos) assumem feições

procedimentais visando a possibilitar a todos a presença ativa no confronto das

distintas e antitéticas visões de mundo travado na esfera pública habermasiana.

Os princípios constitucionais passam a integrar, ao lado das regras, a tipologia

das normas constitucionais. Tais princípios expressam valores ou fins e se projetam

com sua carga axiológica ou teleológica sobre todo o ordenamento jurídico, assim

como incidem e simultaneamente orientam a interpretação e a aplicação do

ordenamento94.

É preciso ainda deixar aqui assentado que a aplicação dos princípios

constitucionais exige o manejo da ponderação, técnica peculiar que não se amolda

ao esquema da subsunção. Costuma-se afirmar que a aplicação de uma regra exclui

necessariamente a incidência de outra regra do sistema (lógica do tudo ou nada) o

que não se dá quando se cuida da aplicação de princípios que podem, com maior ou

menor peso, concomitantemente, fundamentar a decisão de um determinado caso

93 Nesse sentido afirma Carvalho Netto (1998, p. 244): "[...] Os direitos de primeira e segunda

geração ganham novo significado. Os de primeira são retomados como direitos (agora revestidos de uma conotação sobretudo processual) de participação no debate público que informa e conforma a soberania democrática de um novo paradigma, o paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito e seu direito participativo, pluralista e aberto’’.

94 Nesse sentido assevera Figueroa (2012, p. 517): “Os princípios constitucionais permitem por sua particular estrutura expandir imensamente seu âmbito de influência. Alexy fala nesse sentido de uma 'onipresença da Constituição' (Allgegenwart der Verfassung) que incide sobre o ordenamento e sobre a aplicação do ordenamento.’’

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concreto.

Do que se acaba de expor, decorre inexoravelmente uma complexificação do

raciocínio jurídico que vai além do silogismo jurídico tradicional, agregando novas

exigências e consequentemente elevando o nível de sofisticação do trabalho do

intérprete/aplicador do direito que passa a empreender maior esforço na

fundamentação de suas decisões.

Saliente-se que isso não implica o abandono do esquema subsuntivo pois

continuará ele sendo útil e suficiente ao deslinde dos casos fáceis. O incremento da

tarefa da interpretação/aplicação com o manuseio da ponderação dirige-se

particularmente ao equacionamento dos casos difíceis’.

De outro lado, no paradigma do Estado Democrático de Direito, a decisão

judicial deve ao mesmo tempo atender às condições de consistência (coerência

sistêmica, enquanto garantia da segurança jurídica) e legitimidade (alcançada pela

racionalidade dos seus fundamentos). A respeito do tema, estabelece Habermas

(2012, p. 245-246):

[...] O direito vigente garante, de um lado, a implementação de expectativas de comportamento sancionadas pelo Estado e, com isso, segurança jurídica; de outro lado, os processos racionais da normatização e da aplicação do direito prometem a legitimidade das expectativas de comportamento assim estabilizadas – as normas merecem obediência jurídica e devem poder ser seguidas a qualquer momento, inclusive por respeito à lei. No nível da prática da decisão judicial, as duas garantias precisam ser resgatadas simultaneamente. Não basta transformar as pretensões conflitantes em pretensões jurídicas e decidi-las obrigatoriamente perante o tribunal, pelo caminho da ação. Para preencher a função socialmente integradora da ordem jurídica e da pretensão de legitimidade do direito, os juízos emitidos têm que satisfazer simultaneamente às condições da aceitabilidade racional e da decisão consistente. E, uma vez que ambas nem sempre estão de acordo, é necessário introduzir duas séries de critérios na prática da decisão judicial. De um lado, o princípio da segurança jurídica exige decisões tomadas consistentemente, no quadro da ordem jurídica estabelecida. E aí o direito vigente aparece como um emaranhado intransparente de decisões pretéritas do legislador e da justiça ou de tradições do direito consuetudinário. E essa história institucional do direito forma o pano de fundo de toda a prática de decisão atual. Na positividade do direito refletem-se também as contingências desse contexto de surgimento. De outro lado, a pretensão à legitimidade da ordem jurídica implica decisões, as quais não podem limitar-se a concordar com o tratamento de casos semelhantes no passado e com o

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sistema jurídico vigente, pois devem ser fundamentadas racionalmente, a fim de que possam ser aceitas como decisões racionais pelos membros do direito. Os julgamentos dos juízes, que decidem um caso atual, levando em conta também o horizonte de um futuro presente, pretendem validade à luz de regras e princípios legítimos. Nesta medida, as fundamentações têm que emancipar-se das contingências do contexto de surgimento. E a passagem da perspectiva histórica para a sistemática acontece explicitamente, quando a justificação interna de um juízo, apoiada em premissas dadas preliminarmente, cede o lugar à justificação externa das próprias premissas.

O que interessa a Habermas (2012) é precisamente definir os parâmetros que

devem pautar o procedimento judicial de produção de julgados necessariamente

legítimos e consistentes. Para o filósofo, a democracia, a liberdade e a igualdade

são pré-requisitos à legitimidade do direito no Estado Democrático de Direito, não

sendo possível, em tal contexto, um provimento estatal (jurisdicional, no particular)

que não se justifique a partir de fundamentos racionais que devem ser explicitados a

fim de permitir o confronto com a régua fundamental de um estado

constitucionalizado: a Constituição.

Dessarte, exsurge a imperiosa necessidade de se aferir se a escolha adotada

pela decisão judicial é compatível ou não com o ordenamento constitucionalizado, ou

mesmo se havia margem para escolhas no caso judicialmente definido. Em outras

palavras: a fundamentação permite a todos os cidadãos a investigação e a tomada

de posição sobre a racionalidade ou a arbitrariedade (irracionalismo, subjetivismo,

decisionismo) do julgamento, pois o controle intersubjetivo da argumentação é um

antídoto contra o decisionismo (ÁVILA, 2014).

A proposta alexyana compreende o esquadrinhamento da certeza e da

coerência lógica, no plano do ordenamento jurídico, da decisão judicial, cuja

racionalidade será avaliada pelos ângulos da justificação interna e da justificação

externa, tendo em conta a observância das regras já descritas no tópico precedente.

Assim, entende-se que a teoria da argumentação jurídica de Alexy contribui à

satisfação das condições alinhadas por Habermas da consistência e da legitimidade.

Sobre a importância e o destacado papel que desempenha a teoria da

argumentação jurídica erigida por Alexy (2013), assim se posiciona o professor

espanhol Figueroa (2012, p. 536), autoridade reconhecida internacionalmente nos

temas da teoria do Direito e da teoria da argumentação jurídica, quando tratou dos

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aspectos políticos emergentes no neoconstitucionalismo, precipuamente sobre as

relações de forças dos poderes do Estado e a discricionariedade judicial:

[...] A teoria da argumentação jurídica constitui assim um elemento indispensável para a legitimação do discurso jurídico e político nas sociedades pós-metafísicas, porém além do mais é um elemento essencial para a reconciliação do princípio democrático e a tutela dos direitos fundamentais na institucionalização dos direitos humanos do Estado constitucional democrático95.

Conforme já pontuamos de passagem, a proposta engendrada por Alexy96

direcionava-se a atender a uma demanda que se apresentava tanto na seara

doutrinária quanto na esfera da práxis judiciária alemã. Discorrendo acerca da

necessidade de uma teoria da argumentação jurídica racional, averbou Alexy (2013,

p. 39):

A teoria da argumentação jurídica aqui proposta pode ser entendida como a continuação de uma série de referências que podem ser encontradas na literatura sobre metodologia jurídica. Não é só Viehweg quem considera necessária a elaboração de uma teoria retórica da argumentação contemporânea amplamente desenvolvida. [...] Rodig assevera que o o juiz não [pode] decidir...somente com base na capacidade de extrair logicamente conclusões válidas. Ele deve poder argumentar racionalmente também quando não há os pressupostos da demonstração lógica. É claro que tais situações existem, porém, não é claro o método de argumentar ‘racionalmente’ nelas. Também algumas considerações do Tribunal Constitucional Federal em uma decisão recente evidenciam como desejável uma clareza do que deve ser entendido por argumentação racional. O Tribunal constata, primeiro, que em relação ao art. 20, § 3º da Lei Fundamental, ‘o Direito [...] não se identifica com o conjunto de leis escritas’. O juiz não está, portanto, ‘constrangido pela Lei Fundamental a aplicar ao caso concreto as indicações do legislador dentro dos limites do sentido literal possível’. A tarefa da aplicação do Direito pode ‘exigir, em especial, evidenciar e realizar valorações em decisões mediante um ato de conhecimento valorativo em que não faltam elementos volitivos. Tais valores são imanentes à ordem

95 Mais adiante, em suas considerações finais, o mestre hispânico propõe: “O positivista haveria de

acompanhar sua teoria descritiva do Direito com uma teoria normativa da argumentação jurídica, que guie ao operador jurídico no exercício de sua discricionariedade nos casos difíceis”. (FIGUEROA, 2012, p. 536)

96 Como oportunamente anota Mendes (2014, p. 419-20) ao tratar do dever de motivação das decisões judiciais a par de Alexy outros teóricos igualmente enfrentaram a temática: “Daí a relevância das teorias da argumentação jurídica: a ‘tópica’ de Viehweg, a ‘nova retórica’ de Perelman, a ‘lógica do razoável’ de Recaséns Siches, as teorias da argumentação jurídica de MacCormick e Alexy. [...].”

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jurídica constitucional, mas não chegaram a ser expressas nos textos das leis ou o foram apenas parcialmente. O juiz deve atuar sem arbitrariedades; sua decisão deve ser fundamentada em uma argumentação racional.

Destaque-se por relevante a compreensão alargada e democrática do filósofo

do direito germânico, sobremodo, realçada no ponto em que se dedica a estabelecer

uma tipologia dos discursos jurídicos (ALEXY, 2013) proferidos, não

necessariamente por juristas, nos mais diversos espaços sociais de uma sociedade

democrática e pluralista, em sintonia fina com concepções sustentadas,

exemplificativamente, por Habermas (2012) e Haberle (2002).

Com efeito, indica Alexy (2013) os discursos que se desenvolvem no âmbito

da dogmática, os discursos jurídicos que consubstanciam as decisões e

deliberações dos órgãos jurisdicionais, os debates forenses que versam sobre temas

jurídicos sob apreciação dos órgãos do Poder Legislativo, os que introduzem

questões jurídicas controversas entre estudantes e/ou profissionais do Direito, assim

como os que expõem polêmicas jurídicas debatidas nos meios de comunicação em

razão do grande interesse público que despertam.

Segundo Alexy (2013), nessas situações, sempre se depara com a

argumentação jurídica que, por sua vez, vincula-se ao direito vigente. Nessa

perspectiva, pode-se ainda inferir que a matéria jurídica não é mais de exclusivo

interesse de bacharéis e bacharelandos em Direito. Ao revés, igualmente, diz

respeito ao cidadão que na condição de titular do poder e por isso mesmo

mandante, dispõe do direito para exigir prestação de contas e controlar o proceder

dos seus mandatários, uma vez que jamais podemos esquecer que no Estado

Democrático de Direito encontra-se averbada no texto constitucional a mais

significativa e relevantíssima máxima: Todo o poder emana do povo.

Do que se vem expondo no presente capítulo, interessa aqui e agora retomar

e pontuar que:

1) as regras metódicas traçadas por Alexy (2013) atinentes à justificação

interna e à justificação externa das decisões jurídicas em geral podem,

segundo se pensa, ser empregadas para a análise e crítica da

fundamentação exposta nas decisões judiciais sobre um determinado

tema, mediante o confronto de suas justificações, com as argumentações

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em torno da mesma questão, levadas a efeito nos âmbitos da

hermenêutica do ordenamento jurídico nacional ou supranacional (que

atualmente cada vez mais se aproximam e/ou se interpenetram) da(s)

dogmática(s) jurídica(s), do discurso teórico (empírico) ou do discurso

prático geral;

2) a teoria da argumentação jurídica alexyana pretende atender à demanda

pelo controle da racionalidade dos provimentos jurisdicionais, posta no

paradigma do Estado Democrático de Direito e, por assim ser, apresenta-

se como formulação adequada para referenciar uma pesquisa que

pretende auditar a atividade do poder judiciário na solução de especifica

questão prática em um Estado Democrático de Direito.

Avaliando tais proposições como conclusões passíveis de aceitação à luz da

exposição anteriormente empreendida, busca-se, aqui, equacionar o problema que

anima a pesquisa: ao deliberar/decidir sobre demandas que têm por objeto

controvérsia a respeito do direito (das pessoas com deficiência) à educação, o

Supremo Tribunal Federal-STF emprega, enfrenta ou desconsidera na justificação

das suas decisões (monocráticas ou colegiadas) argumentos que associam o direito

fundamental social sub judicie à perspectiva desenvolvimentista, entrelaçamento

efetuado com ênfase na hermenêutica do texto constitucional de 1988, na

interpretação do Direito Internacional dos Direitos Humanos-DIDH, assim como em

parte da produção doutrinária nacional?

5.6 O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO NO STF

A pesquisa empreendida no repositório oficial da jurisprudência do STF97

empregou, na busca, os parâmetros “educação e pessoa com deficiência”, “aluno

especial”, “estudante especial”, “estudante com necessidades especiais”, “aluno

portador de deficiência”, “política nacional de educação especial”, “necessidades

educacionais especiais” e “convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência”.

Na seleção dos casos, foram levados em consideração os marcos temporais

da pesquisa, de modo que somente poderiam compor o acervo de estudo dos casos

97 Fonte: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp

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apreciados no âmbito do STF no período compreendido entre 25 de agosto de 2009

e 15 de junho de 2016 – correspondentes, respectivamente, ao início da vigência da

Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, no plano interno, e ao

limite para a conclusão do levantamento de casos.

Após a análise preliminar do material colhido, restaram 25 (vinte e cinco)

decisões que versam sobre questões atinentes a aspectos do direito à educação

titularizado por pessoas com deficiência e que serão objeto de análise e apreciação

crítica.

As 25 decisões (18 monocráticas e 07 colegiadas) foram prolatadas no

equacionamento de questões levadas ao STF em face da irresignação do Poder

Público (executivos estaduais e municipais), buscando exonerar-se de obrigações

direcionadas à efetivação do direito à educação de alunos com deficiência em 20

casos (80% do total). Nos demais casos, as questões foram submetidas ao crivo do

STF por provocação: do Ministério Público (2); de pessoa com deficiência (1); de

instituição de ensino superior privada (1); da Confederação Nacional dos

Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) (1).

Os casos giram em torno de questões que se põem como obstáculos à

garantia do efetivo acesso às pessoas com deficiência, em igualdade de

oportunidades com as demais pessoas, aos serviços educacionais e que podem ser

agrupadas com a indicação dos seguintes temas:

1) implementação de reformas e adequações dos prédios escolares a fim de

torna-los acessíveis às pessoas com deficiência (8 casos);

2) demanda por profissionais especializados e pessoal de apoio para

viabilizar o acesso, a permanência e o sucesso da inclusão educacional de

estudantes com deficiência, particularmente: monitores (8 casos); intérprete

da Libras (1 caso); professor de Libras (1 caso); cuidador (1 caso);

3) aquisição de equipamentos para atender necessidades educacionais

especiais (1 caso);

4) escola comum, escola especial e Atendimento Educacional Especializado:

negação de matrícula em estabelecimento público de ensino em razão de

cuidar-se de interessado com deficiência (1 caso); garantia de vaga para

criança com deficiência em estabelecimento público especial (1 caso);

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matrícula e frequência de estudante com deficiência em estabelecimento

apropriado (1 caso); inclusão de aluno com deficiência no atendimento

educacional especializado (1 caso);

5) acesso de pessoas com deficiência às instituições privadas de ensino em

igualdade de condições com os demais alunos (1 caso).

5.6.1 Implementação de reformas e adequações dos prédios escolares a fim de

torná-los acessíveis às pessoas com deficiência

A questão da imposição pelo Judiciário ao Poder Executivo de ente federativo

de execução de obras destinadas à adequação de prédios escolares a fim de torná-

los acessíveis às pessoas com deficiência foi submetida ao STF em sete

oportunidades.

1ª) Aos 16 de dezembro de 2003, o Ministério Público paulista interpôs

Recurso Extraordinário (RE), cadastrado sob o nº 440.028/SP contra acórdão do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que não acolheu sua pretensão de

compelir a administração pública estadual a empreender reformas visando tornar

acessível às pessoas com deficiência o prédio que sedia a Escola Estadual Vicente

Teodoro de Souza, sustentando no extraordinário a violação aos arts. 227, § 2º e

244 da Constituição Federal de 1988.

Aos 29 de outubro de 2013, a Primeira Turma do STF, por unanimidade, deu

provimento ao recurso por meio de acórdão98 da lavra do Ministro Marco Aurélio.

Cuida-se da primeira decisão do STF que enfrentou o tema da supressão das

barreiras arquitetônicas presentes nos prédios que sediam instituições educacionais

públicas e que, por isso, constituem entraves materiais ao desfrute do direito à

educação por pessoas com deficiência.

A decisão paradigma na matéria foi construída tendo por norte a identificação

na jurisprudência do tribunal dos requisitos do controle jurisdicional de políticas

98 PRÉDIO PÚBLICO – PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL – ACESSO. A Constituição de

1988, a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e as Leis nº 7.853/89 – federal –, nº 5.500/86 e nº 9.086/95 – estas duas do Estado de São Paulo – asseguram o direito dos portadores de necessidades especiais ao acesso a prédios públicos, devendo a Administração adotar providências que o viabilizem.

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públicas e da verificação da presença de tais pressupostos no caso em apreciação.

Tais requisitos podem ser formulados, conforme se vê a seguir.

1.1) A política pública cuja implementação se pretende impor à administração

pública por meio de provimento jurisdicional deve ser contemplada em

sede constitucional. Sobre a verificação desse pressuposto, assenta a

decisão:

[…] Colho da Constituição Federal que a lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência física – artigo 227, § 2º. Mais do que isso, consoante dispõe o artigo 244, a lei versará a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente disponíveis, para garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme preceituado no referido § 2º do artigo 227. A esse arcabouço, provido pelo constituinte originário, devem-se somar as disposições da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o respectivo Protocolo Facultativo, promulgada por meio do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. [...] A questão que se coloca é saber se, diante da inércia legislativa, há preceitos sem eficácia. A resposta é desenganadamente negativa. Ao remeter à lei a disciplina da matéria, a Carta da República não obstaculiza a atuação do Judiciário. Existem razões para assim concluir. A primeira delas está no rol dos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, surgindo o envolvimento da dignidade da pessoa humana e da busca de uma sociedade justa e solidária – artigos 1º, inciso III, e 3º, inciso I, do Diploma Maior. A segunda a ser levada em conta diz respeito ao fato de as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais terem aplicação imediata, sendo que os direitos e garantias expressos na Carta de 1988 não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte – § 1º e § 2º do artigo 5º. Há uma terceira premissa. O acesso ao Judiciário para reclamar contra lesão ou ameaça de lesão a direito é cláusula pétrea. Assentada a natureza constitucional da política pública de acessibilidade, necessariamente a ser implementada pelos demais Poderes Públicos, decorre do conjunto normativo a existência do direito subjetivo público de adequação dos edifícios e áreas públicas visando possibilitar a livre locomoção de portadores de necessidades especiais. É ele qualificado, quando se trata de escola pública, cujo acesso surge primordial ao pleno desenvolvimento da pessoa, consoante proclama o artigo 205 da Carta Federal. O artigo 206, inciso I, dela constante assegura a igualdade de condições para a permanência na escola. Barreiras arquitetônicas que impeçam a locomoção de pessoas acarretam inobservância a regra

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constitucional, colocando cidadãos em desavantagem no tocante à coletividade.

1.2) Há que se verificar uma relação de causalidade entre a política pública

pretendida e a concretização de direito fundamental. Sobre a incidência do requisito

no caso então examinado, trazemos à colação o seguinte excerto:

Em deferência ao princípio da separação de Poderes, que funciona não apenas como uma técnica de contenção do arbítrio, consoante sustentou o Barão de Montesquieu na clássica obra O Espírito das Leis, mas também como instrumento de racionalização e eficiência no exercício das funções públicas, mostra-se indispensável reconhecer que a intervenção judicial em políticas públicas deve ser realizada pelo meio menos gravoso possível. Explico. Em regra, princípios constitucionais obrigam a Administração Pública a colocar em prática uma política pública abrangente que esteja voltada à concretização deles, sem, contudo, especificar qual é. Não se encontrando o Poder Judiciário aparelhado a tomar decisões quanto à eficácia das inúmeras políticas disponíveis para concretizá-los, há de reconhecer a prerrogativa do administrador em selecioná-las. Essa situação, contudo, revela-se diferente se estão em causa prestações relacionadas ao mínimo existencial ou obrigações que, por força dos próprios enunciados adotados pela Constituição e leis aplicáveis, restringem as opções da Administração, exatamente o que ocorre na situação em análise, pelos motivos já veiculados. A doutrina chama a atenção para o fato, muitas vezes despercebido, de ser despiciendo evocar princípios constitucionais – como separação de Poderes ou democracia – quando o direito à prestação positiva vem expressamente estampado na legislação ordinária. É a situação que Ingo Wolfgang Sarlet denominou “direitos derivados a prestações” (A eficácia dos direitos fundamentais, 2005, p. 302). Como afirmado, o direito buscado neste processo decorre diretamente dos princípios e regras constitucionais, o que é, até mesmo, requisito para o acesso ao Supremo na afunilada via do recurso extraordinário. Ainda que assim não fosse, há lei a dar respaldo à pretensão inicial.

1.3) Há que restar provado o injustificado inadimplemento total ou parcial por

parte da administração pública quanto a execução da política pública demandada. A

análise quanto a verificação da presença de tal requisito encontra-se assim

assentada:

[…] O recorrido – Estado de São Paulo –, em momento algum, apontou políticas públicas alternativas à satisfação do encargo constitucional. Arguiu, simplesmente, poder discricionário, o qual certamente não se estende a ponto de permitir ao administrador

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público escolher qual preceito da Lei Maior deseja observar. A simples ausência de portadores de necessidades especiais matriculados na escola estadual não consubstancia desculpa cabível. O quadro pode resultar da própria ausência de opções de acessibilidade. A lógica é circular: o Estado não as fornece, nenhum portador de necessidades especiais consegue frequentar o edifício público, logo, o Estado afirma que não tem o dever de criar formas de acesso porque não há matriculados. Descura do fato de que a escola pública não atende apenas aos estudantes nela matriculados, mas a toda a comunidade.

2ª) Aos 14 de novembro de 2012, foi protocolado no STF o Recurso

Extraordinário (RE) nº 722.778-MG interposto pelo Estado de Minas Gerais contra

acórdão do Tribunal de Justiça mineiro que confirmara sentença que deu provimento

a pleito objeto de ação civil pública e impôs à Administração Pública Estadual a

realização de obras visando tornar acessível às pessoas com necessidades

especiais prédio sede de escola pública, fundando o extraordinário em alegada

violação aos comandos constitucionais previstos nos arts. 5º, II, 224, caput e 227, §

2º.

A decisão monocrática99 proferida em 20 de janeiro de 2014, da lavra da

Ministra Cármen Lúcia negou seguimento ao recurso invocando especial e

especificamente o precedente firmado no Acórdão proferido no RE nº 440.028-SP.

Inconformado o recorrente interpôs agravo regimental da decisão que negou

seguimento ao RE, aos 17 de fevereiro de 2014. Submetido o caso à apreciação da

Segunda Turma, aos 25 de março de 2014, foi prolatado Acórdão que negou

provimento ao AgR.

3ª) No dia 21 de maio de 2014, foi protocolado perante o STF o Agravo em

Recurso Extraordinário (ARE) cadastrado sob o nº 814.345/RN, impetrado pelo

Estado do Rio Grande do Norte contra decisão da Corte Estadual potiguar que

inadmitiu o recurso. A questão que deu origem à irresignação foi a confirmação pelo

Tribunal de sentença de 1º grau que determinou o bloqueio de valores da Fazenda

Estadual necessários e suficientes à execução de obras de acessibilidade em escola

99 EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. POLÍTICAS PÚBLICAS. ACESSO

DE PESSOA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS À ESCOLA PÚBLICA. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES. PRAZO PARA REALIZAÇÃO DA OBRA. LEI N. 10.098/2000 E DECRETO N 5.296/2004: AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

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pública do sistema estadual, implementando compulsoriamente obrigação firmada

em termo de ajustamento de conduta tomado pelo parquet potiguar em face do

Secretário da Educação do ente federativo.

A decisão monocrática que apreciou o agravo e negou seguimento ao RE da

lavra do Min. Roberto Barroso, proferida aos 28 de maio de 2015, enfrenta toda a

argumentação articulada pela irresignada Administração Pública Estadual,

sustentando a conformidade dos provimentos jurisdicionais de 1º e 2º grau do

Judiciário norte-rio-grandense com o entendimento adotado na Corte Suprema,

fazendo-se mister ressaltar excertos das considerações articuladas a respeito da

possibilidade de controle jurisdicional de políticas públicas sem ofensa ao primado

da separação de poderes e da viabilidade do bloqueio de verbas públicas dos cofres

do ente estatal omisso ou desidioso para a efetivação compulsória de obrigação

definida em compromisso de ajustamento de conduta:

O recurso extraordinário não pode ser provido. Em primeiro lugar, porque o acórdão recorrido se alinha à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que já assentou a possibilidade, em casos emergenciais, de implementação de políticas públicas pelo Poder Judiciário, ante a inércia ou morosidade da Administração, como medida assecuratória de direitos fundamentais. Não se trata, aqui, de interferir na competência do Poder Executivo quanto à conveniência e oportunidade para a realização de políticas públicas – e a consequente disposição de recursos para tal fim – mas, sim, de assegurar a proteção do direito fundamental à educação. [...] Em terceiro lugar, a determinação de bloqueio dos valores para a implementação da reforma no estabelecimento de ensino não configura violação ao art. 100 da Constituição. Em verdade, trata-se de medida necessária à garantia e à eficácia do provimento jurisdicional, nos termos do art. 461, § 5º, CPC. Com efeito, referida discussão está no âmbito infraconstitucional, que não enseja a abertura da via extraordinária.

4ª) Ao 12 de junho de 2015 o Estado de Minas Gerais protocolou Agravo

Regimental contra decisão monocrática que negou seguimento a Recurso

Extraordinário nº 891.418-MG. A questão que deu ensejo ao manejo do RE foi

provimento jurisdicional compelindo o ente federativo a empreender adequações de

prédio de instituição de ensino público de modo a torná-lo acessível às pessoas com

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deficiência. Aos 30 de junho de 2015, por Acórdão100 da Primeira Turma, em votação

unânime, foi conhecido e negado provimento ao AgR.

5ª) Aos 30 de julho de 2015, foi protocolado perante o STF o Agravo em

Recurso Extraordinário nº 903.565-ES interposto pelo Município de Aracruz-

ES contra decisão do Tribunal de Justiça capixaba que inadmitiu o RE. A questão

que deflagrou a irresignação foi o acolhimento de pedido objeto de ação civil pública,

que tramitou em Vara da Infância e Juventude, compelindo o ente federativo a

adaptar os prédios que sediam as instituições da sua rede de ensino de modo a

torná-las acessíveis às pessoas com deficiência.

Aos 17 de agosto de 2015, por decisão monocrática de autoria da Min.

Cármen Lúcia, foi negado seguimento ao agravo devendo ser destacado o seguinte

excerto:

[…] O acórdão recorrido harmoniza-se com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que assentou a possibilidade de intervenção excepcional do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas, máxime quando se cuida, como na espécie, de adoção de providências específicas, garantidoras do direito constitucional fundamental à educação: […]

6ª) Aos 18 de dezembro de 2014, foi protocolado perante o STF o Agravo em

Recurso Extraordinário nº 859.351-RN, interposto pelo Estado do Rio Grande do

Norte contra decisão do Tribunal de Justiça potiguar que inadmitiu o RE. A questão

de fundo do inconformismo foi o provimento jurisdicional de primeiro grau que

implementou a execução de termo de ajustamento de conduta tomado pelo Parquet

norte-rio-grandense em face de Secretário de Estado, por meio do qual a

Administração Pública Estadual se comprometeu a executar obra de reforma de

prédio que sedia escola pública da rede estadual de modo a adequá-la às normas de

acessibilidade.

A decisão monocrática que negou seguimento ao Recurso da lavra do Min.

100 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO.

POLÍTICAS PÚBLICAS. ACESSIBILIDADE. PORTADORES DE NECESSIDADES FÍSICAS ESPECIAIS. PRAZO PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS. LEI N. 10.098/2000 E DECRETO N. 5.296/2004: AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

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Gilmar Mendes, foi proferida em 1º de abril de 2016, destacando-se em sua

fundamentação que o Acórdão recorrido encontra lastro na jurisprudência do STF, a

inocorrência de violação ao princípio da separação de poderes e a possibilidade de

bloqueio judicial de verbas necessárias à implementação das reformas, cabendo

aqui trazer à colação os seguintes excertos:

Sendo assim, o acórdão recorrido não diverge da jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual o óbice imposto pelo princípio da separação dos poderes não inviabiliza, por si só, a atuação do Poder Judiciário, quando diante do inadimplemento pelo Estado de políticas públicas constitucionalmente previstas. Incabível, portanto, falar em interferência do Judiciário em matéria orçamentário-financeira, quando a obrigação decorre de mandamento legal, com prazo de conclusão e previsão de despesas. […] Do mesmo modo, a jurisprudência desta Corte admite, em casos excepcionais, o bloqueio de verbas públicas como meio coercitivo para a efetividade de determinação judicial, sendo inaplicável a sistemática dos precatórios.

7ª) Aos 18 de fevereiro de 2016, foi protocolado no STF o Recurso

Extraordinário nº 948.791-MG impetrado pelo Estado de Minas Gerais contra

Acórdão do Tribunal de Justiça mineiro que confirmou sentença que condenou a

Administração Pública Estadual a executar obra de reforma de sede de escola de

modo a torná-la acessível às pessoas com deficiência.

A decisão monocrática101 que desproveu o RE, do Min. Luiz Fux, foi prolatada

em 31 de maio de 2016, destacando-se que em sua fundamentação ficou assentada

a conformidade do Acórdão vergastado com o entendimento do STF na matéria e a

invocação dos precedentes consubstanciados no RE 440.028-SP e no ARE 891.418-

AgR.

101 EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. DIREITO À EDUCAÇÃO. ALUNOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. GARANTIA DE ACESSIBILIDADE. DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE REFORMA DE ESCOLA. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

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167

5.6.2 Demanda por profissionais especializados e pessoal de apoio

A inclusão de alunos com deficiência nas escolas e classes comuns dos

sistemas de ensino regular pressupõe e exige mudanças na área de recursos

humanos das instituições de ensino públicas e privadas. É que, em geral, grande

parte do segmento de pessoas com deficiência necessita no ambiente escolar, no

desenrolar do processo de ensino-aprendizagem, de diversas formas de apoio de

terceiros (locomoção, higiene, alimentação etc.), assim como de profissionais da

educação com formação e conhecimentos especializados para o atendimento de

demandas específicas que variam em função da natureza da deficiência e mesmo

das condições próprias de cada aluno, integrante de um dado grupo de estudantes

com deficiência da mesma espécie (surdez, cegueira, paralisia cerebral etc.).

Parece ser que por força de tais circunstâncias é que a pesquisa apurou que

11 dos 25 casos que chegaram ao Supremo Tribunal Federal tinham por objeto

precisamente o reforço dos recursos humanos das instituições de ensino com a

incorporação de monitores (8 casos), professor de libras (1 caso), intérprete de

Libras (1 caso) e cuidador (1 caso). A demanda pela garantia de monitor para apoio

a estudantes com deficiência foi objeto de apreciação nos seguintes processos:

a) ARE 838.816 AgR/RS, Agte. Estado do Rio Grande do Sul, Agvo. G. T.,

representado por A. L. C. T. – Acórdão102 da 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, em

03/02/15, negou seguimento ao agravo regimental por unanimidade. Destaco o

seguinte excerto:

No caso em tela, o que restou assentado pela decisão agravada foi a possibilidade de o Poder Judiciário, em situações excepcionais, determinar à Administração Pública a adoção de medidas assecuratórias de direitos constitucionais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes, conforme jurisprudência desta Corte.

b) ARE 850.154 AgR/RS, Agte. Estado do Rio Grande do Sul, Agvo. P. D. O.

102 Ementa: Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito da Criança e do

Adolescente. 3. Monitor de atendimento especial. Necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência do Enunciado 279 da Súmula do STF. 4. Alegada ofensa ao princípio da separação dos poderes. Improcedência. 5. Violação ao art. 37, II e XXI, da CF/88. Razões recursais dissociadas dos fundamentos do acórdão recorrido. Enunciado 284 da Súmula do STF. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.

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168

Representada por Márcia Liane R. Quethemann – Acórdão103 da 2ª Turma, Rel. Min.

Cármen Lúcia, em 24/02/15, negou provimento ao agravo regimental por

unanimidade;

c) ARE 863.187 AgR/RS, Agte. Estado do Rio Grande do Sul, Agvo. Ministério

Público do Estado do Rio Grande do Sul – Acórdão da 1ª Turma, Rel. Min. Rosa

Weber, em 14/04/15, negou provimento por unanimidade;

d) ARE 884.402/RS, Recte. Estado do Rio Grande do Sul, Recdo. M. H. R. F

– Decisão monocrática, Min. Gilmar Mendes, em 29/04/15, negou provimento ao RE;

e) ARE 878.040/RS, Recte. Estado do Rio Grande do Sul, Recdo. G.B.C.M,

representada por S.R.N.C. – Decisão monocrática, Min. Dias Toffoli, em 05/10/15,

negou seguimento ao RE;

f) ARE 863.596 AgR/RS, Agte. Estado do Rio Grande do Sul, Agdo. G. de M.

H representada por C. L. O de M, Acórdão104 da 1ª turma, Rel. Min. Rosa Weber,

12/05/15, votação unânime negando provimento ao AgR;

g) RE 909.983/DF, Recte. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios,

Recdo. Distrito Federal – Decisão monocrática, Min. Cármen Lúcia, em 17/09/15,

negou seguimento ao RE;

h) ARE 882.512/RS, Recte. Estado do Rio Grande do Sul, Recdo. R.S.

representado por I. V. S – Decisão monocrática, Min. Dias Toffoli, em 09/03/16,

negou seguimento ao RE.

103 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.

ADMINISTRATIVO. DIREITO À EDUCAÇÃO. PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. CONTRATAÇÃO DE MONITOR PARA AUXÍLIO NAS ATIVIDADES ESCOLARES. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E DO REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

104 EMENTA DIREITO À EDUCAÇÃO. ASSEGURAR MONITOR PARA ACOMPANHAMENTO DE MENOR PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. LEIS Nº 9.394/96 (LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO) E Nº 7.853/89 (LEI DE APOIO ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA). FUNDAMENTO INFRACONSTITUCIONAL SUFICIENTE PARA MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 283/STF. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O MANEJO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 03.6.2014. 1. A suposta afronta aos preceitos constitucionais indicados nas razões recursais dependeria da análise de legislação infraconstitucional, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário, considerada a disposição do art. 102, III, “a”, da Lei Maior. 2. A jurisprudência desta Corte não admite recurso extraordinário contra acórdão que contém fundamento infraconstitucional suficiente e este se torna imodificável. Aplicação da Súmula 283/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.” Precedentes. 3. Agravo regimental conhecido e não provido.

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169

É certo que nos casos acima arrolados as decisões monocráticas ou

colegiadas não empreenderam abrangente análise de mérito em torno do direito das

pessoas com deficiência à educação. Com efeito, em face das limitações próprias do

RE a apreciação ampla e verticalizada da temática foi inviabilizada em face de

obstáculos técnico-procedimentais de filtragem das demandas levadas à apreciação

da Corte Constitucional brasileira, particularmente: a necessidade de ter sido pré-

questionada a matéria constitucional; exigência de manejo de recurso especial para

o desate de indagações infraconstitucionais e a demonstração/ reconhecimento da

relevância do tema constitucional para além do caso individual – repercussão geral.

Entretanto, a justificação de tais decisões não se restringe exclusivamente a

ponderações de natureza procedimentalista. Em geral, é possível extrair excertos

que integram a fundamentação destes provimentos monocráticos ou colegiados que

assentam premissas relativas a compreensão do Ministro, da Turma ou do Tribunal a

respeito da temática do direito fundamental social titularizado por pessoas com

deficiência.

Em 12 de janeiro de 2015, foi protocolado no STF o ARE 860.979/DF,

interposto pelo Distrito Federal contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito

Federal e Territórios que inadmitiu o RE. A questão de fundo que deflagrou a

irresignação do ente federativo foi a imposição por provimento jurisdicional de 1º

grau da contratação de professores especializados em Libras para atender as

peculiares necessidades de estudantes deficientes auditivos na rede pública do ente

federativo. Em decisão monocrática de 04 de fevereiro de 2015, o Min. Gilmar

Mendes conheceu do agravo para negar provimento ao RE, asseverando em sua

decisão a conformidade do Acórdão do Tribunal de Justiça com a jurisprudência do

STF, invocando precedentes a respeito. Destaque-se o seguinte excerto:

A irresignação não merece prosperar. Inicialmente, constato que o acórdão recorrido não diverge da jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual o óbice imposto pelo princípio da separação dos poderes não inviabiliza, por si só, a atuação do Poder Judiciário, quando diante do inadimplemento pelo Estado de políticas públicas constitucionalmente previstas. Incabível, portanto, falar interferência do Judiciário em matéria orçamentário-financeira, quando a obrigação decorre de mandamento constitucional. Igualmente, mostra-se inviável a oposição da cláusula da reserva do possível nessas hipóteses, tendo em conta o núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais tutelados.

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Aos 15 de setembro de 2015, foi protocolado no STF o RE 915.665/DF,

impetrado pelo Instituto Euro-Americano de Educação, Ciência e Tecnologia,

instituição privada de ensino superior, contra Acórdão do Tribunal de Justiça do

Distrito Federal que confirmou sentença de 1º grau que impôs ao recorrente a

obrigação de contratar intérprete de Libras em favor de aluno com deficiência

auditiva, bem como à indenização por danos morais. Em decisão monocrática de

28/09/15, o Min. Gilmar Mendes negou seguimento ao recurso sob os fundamentos

de que o Acórdão hostilizado encontra lastro na jurisprudência do STF, fixou

entendimento sobre os limites da autonomia universitária e da liberdade de iniciativa

em se cuidando de empreendimentos direcionados à prestação de serviços

educativos, invocando precedentes da Corte.

Aos 16 de março de 2013 foi protocolado perante o STF o ARE 750.715/SP

impetrado pelo Estado de São Paulo em face de Acórdão do Tribunal de Justiça

paulista que chancelou provimento jurisdicional que em sede de Ação Civil Pública

impôs ao recorrente a obrigação de contratar cuidador para atender aluno com

necessidades especiais durante o desenvolvimento das atividades escolares,

sustentando que o provimento jurisdicional teria afrontado a Constituição da

República, especialmente, o princípio da separação de poderes. Em decisão

monocrática de 1º de julho de 2014, o Min. Teori Zavascki negou provimento ao

agravo, sustentando a inocorrência de violação ao mencionado princípio

constitucional e a conformidade do acórdão hostilizado com a jurisprudência do STF,

consoante se verifica do contido no seguinte fragmento: “[...] Esta Corte possui

entendimento pacífico no sentido de que não viola o princípio da separação dos

Poderes a intervenção excepcional do Poder Judiciário nas políticas públicas do

Poder Executivo, com vistas à garantia de direitos constitucionalmente previstos.”

5.6.3 Aquisição de equipamentos para atendimento de necessidades educacionais especiais

Aos 18 de agosto de 2011, foi protocolado no STF o Agravo de Instrumento nº

851.190-MG, impetrado pelo Estado de Minas Gerais contra decisão que inadmitiu

Recurso Extraordinário. A questão que deflagrou a irresignação foi provimento

jurisdicional de 1º grau, confirmado pelo Tribunal Estadual, impondo ao ente

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federativo a aquisição de equipamentos essenciais à efetivação da educação a

portadores de deficiência visual.

A decisão monocrática que negou seguimento ao Agravo, da lavra da Min.

Cármen Lúcia, prolatada em 1º de setembro de 2011, sustentou a legitimidade do

Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública atinente à matéria, e a

conformidade da decisão impugnada à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

5.6.4 O falso dilema escola comum versus escola especial105

O pano de fundo do cenário no qual são postos os casos aqui agrupados é

resultante da história dos modos de compreender e tratar a questão da deficiência

no curso do tempo pelas sociedades humanas, durante a qual se justificaram

práticas excludentes, segregacionistas, posteriormente “aprimoradas” como

tratamento “científico” especializado e de inclusão social das pessoas com

deficiência, sendo certo que tais práticas que se antagonizam não se sucedem, mas

sim convivem conflituosamente no tempo e no espaço social.

Daí emerge o debate, em certa medida ideologizado, que na maioria das

vezes finda por contrapor como inconciliáveis e incompatíveis as instituições de

ensino do sistema regular em face das instituições especializadas de assistência e

educação às pessoas com deficiência. Ou seja, a controvérsia sobre os meios

termina por olvidar o fim que, no caso, é precisamente a efetiva garantia do direito

fundamental social à educação às pessoas com deficiência. Mais grave ainda: a

peleja no plano teórico desconsidera que em muitos casos concretos ao interessado

não é dada oportunidade para fazer sua escolha, pois não tem diante de si opções

mas tão somente uma alternativa, conforme parecem confirmar os casos a seguir

descritos.

É preciso ainda de saída reiterar (ver capítulo 3) os tópicos antecedentes

deste capítulo que o direito das pessoas com deficiência (à educação) não se

restringe no ordenamento jurídico brasileiro ao Atendimento Educacional

Especializado (art. 208, III, CF/88), mas sim compreende todas as facetas da sua

conformação constitucional assentada a partir de uma premissa universalista (direito

105 Para uma compreensão alargada do problema remetemos às considerações insertas no capítulo

4 supra.

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de todos) e universalizante (deve perseguir a concretização do paradigma do

sistema educacional inclusivo).

a) Aos 07 de abril de 2011 foi autuado no STF o RE 638.660/SP, interposto

pelo Município de São Paulo-SP contra Acórdão do Tribunal de Justiça paulista que

chancelou sentença de 1º grau que acolheu pretensão exposta em ação civil pública

manejada pelo Ministério Público e por consequência impôs ao ente federativo

assegurar a menor portador de necessidades especiais a matrícula e frequência em

estabelecimento apropriado ao atendimento de sua condição peculiar, fixando multa

em desfavor da Fazenda Pública na hipótese de inadimplemento da obrigação

objeto do provimento jurisdicional.

Aos 16 de abril de 2012 decisão monocrática confeccionada pelo Min. Ayres

Britto negou seguimento ao RE justificando sua decisão com as assertivas de

inocorrência de violação ao princípio constitucional da separação de poderes, a

plena eficácia das disposições constitucionais atinentes ao direito fundamental social

à educação, a relação que se estabelece entre a concretização do direito e o

desenvolvimento individual e social, com a cidadania e com dignidade humana, e

ainda relativa à viabilidade da cominação de astreintes contra a Fazenda Pública por

descumprimento de obrigação de fazer. Registro que uma investigação

pormenorizada da fundamentação da decisão será empreendida no tópico 5.6.6

infra.

b) Aos 14 de março de 2012, foi protocolado no STF o RE tombado sob o nº

676.794/SP interposto pelo Município de São Paulo/SP contra Acórdão do TJSP que

confirmara sentença que acolheu pleito objeto de ação civil pública para impor ao

recorrente a garantia de atendimento educacional especializado em favor de menor

com deficiência, cominando multa em caso de descumprimento.

Aos 21 de outubro de 2015, decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes

negou seguimento ao RE assentando a inocorrência de violação ao princípio da

separação de poderes, a inviabilidade da oposição da cláusula da reserva do

possível em face da proteção do núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais

tutelados e a possibilidade de imposição de multa em detrimento da Fazenda

Pública.

c) Aos 27 de abril de 2016, foi protocolado no STF o ARE sob nº 966.316/MG

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173

manejado pelo Estado de Minas Gerais contra Acórdão do Tribunal de Justiça

Estadual que confirmou provimento jurisdicional de 1º grau que impôs ao recorrente

assegurar vaga em instituição de ensino especial, integrante da rede pública

estadual de educação, de menor com necessidades educacionais especiais,

considerando as especificidades da deficiência do interessado e a inadequação das

escolas comuns da rede pública estadual para atendê-lo, sustentando o irresignado

ente federativo violação à regra geral da inserção de alunos com deficiência nas

escolas da rede regular de ensino que teria sido inserta em nossa ordem

constitucional pela Convenção de Nova York.

Aos 30 de maio de 2016 foi proferida decisão monocrática da lavra do Min.

Marco Aurélio que, ao desprover o agravo enfrentou diretamente o falso dilema

escola comum versus escola especial assentando que o que deve nortear o

equacionamento de casos concretos na matéria é precisamente a consideração do

melhor interesse do individualizado titular do direito fundamental social à educação,

sendo importante trazer à colação o seguinte fragmento:

[…], conquanto não se olvide acerca da relevância da argumentação veiculada pelo Estado de Minas Gerais no sentido de que a educação, objetivando maior inclusão, deve, como regra, ser prestada junto ao sistema regular de ensino, necessário adentrar às particularidades do quadro clínico do menor e averiguar a medida se afigura mais proveitosa, ou seja, qual vai ao encontro do seu melhor interesse. Segundo relatório médico acostado a f. 19 dos autos o menor J.W.R.O. tem perda auditiva profunda e bilateral, tendo o próprio médico filiado ao SUS sugerido a inclusão em escola especial. Diante do referido quadro, necessário destacar a regra que com tanto afinco se apega o Estado de Minas Gerais, segundo a qual "Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais", (art. 58, Caput, da Lei 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação). Diante do texto normativo aduzido cumpre destacar que semanticamente e, principalmente, juridicamente, ao termo "preferencialmente", só pode ser emprestado um sentido, qual seja, aquele de indicar que a medida será adotada quando se mostrar consoante ao melhor interesse do menor e não para facultar ao ente público, na seara dos direitos fundamentais sociais, prestações positivas menos onerosas, em escancarada violação à proibição do retrocesso social no que diz respeito aos direitos fundamentais. [...] Ora, na escola especial, decerto, referida diretriz será observada. Por isto, o pleito autoral apenas perderia força acaso demonstrado que a educação regular, nos moldes que se propõe a oferecer o Estado de

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Minas Gerais, viabilizaria a alfabetização na linguagem adequada às suas limitações, tal qual a existência de professor de língua de sinais, (art. 24, 4, da Convenção das Pessoas com Deficiência), providência nem de longe demonstrada pelo Estado de Minas Gerais que prefere, levianamente, adulterar o conteúdo semântico da expressão preferencialmente utilizada pelo legislador federal, para emprestar-lhe o sentido de óbice legal à existência de escolas especiais. As razões do extraordinário partem de pressupostos fáticos estranhos à decisão atacada, buscando-se, em última análise, o reexame dos elementos probatórios para, com fundamento em quadro diverso, assentar a viabilidade do recurso. 3. Conheço do agravo e o desprovejo.

d) Aos 18 de maio de 2016 foi protocolado no STF o ARE 971.265/RJ

interposto por J. S. de A. E. contra Acórdão da Quinta Turma Especializada do TRF

da 2ª Região que ao prover parcialmente apelação e remessa necessária acolheu

em parte pretensão indenizatória relativa a danos materiais e desacolheu

integralmente pleito de indenização por danos morais pretendidos pelo irresignado

cidadão em face de autarquia federal (Colégio Pedro II), instituição integrante do

sistema federal de ensino, que lhe havia negado matrícula por motivo de sua

condição de pessoa com deficiência.

Aos 30 de maio de 2016 foi negado seguimento ao recurso por decisão

monocrática da lavra do Min. Dias Toffoli em razão da inviabilidade do reexame dos

fatos e provas constantes dos autos nos termos do enunciado nº 279 da Súmula do

STF. Interessa colacionar fragmento da decisão que invocou considerações

expostas no voto condutor do acórdão da 5ª T do TRF-2ª Região:

Concernente ao dano moral, em que pese constatado o ato discriminatório perpetrado pela instituição educacional, evidenciando falha na prestação do serviço público, assim como as tristes consequencias que a doença trouxe a vida do Autor, não verifico a configuração do mesmo na hipótese vertente. […] Ressalte-se, contudo, que a negativa de matrícula narrada, por si só, não é apta a gerar a pretendida indenização por danos morais ao Autor; necessário seria a ocorrência de algum fato em concreto que pudesse vir a macular sua honra, situação que não restou configurada, mormente porque inexistem nos autos elementos que caracterizem situação vexatória e humilhante ao Autor. O dano extrapatrimonial não pode ser confundido com os aborrecimentos próprio da complexidades das relações sociais, mas, apenas, caracterizado quando há o constrangimento ilegal ou abusivo do indivíduo, capaz de interferir de forma intensa em seu bem-estar, causando desequilíbrio psicológico e emocional. Veja-se que,

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embora a inicial relate ter o Autor passado por trauma psíquico em razão da discriminação sofrida, nenhuma prova a respeito veio aos autos, sequer ficou demonstrado que o Autor tinha ciência da negativa do Colégio Pedro II, na época, quando contava com dez anos de idade; muito pelo contrário, o Autor demonstrou ótima adaptação no novo colégio (Santa Rita), tendo avaliação cima da média, não havendo repercussão aparente em sua vida social. Desse modo, a míngua de elementos de prova a embasar o dano alegado, não é conseqüência, a indenização vindicada.

Por fim, interessa ainda salientar da narrativa fática esboçada na decisão do

ARE nº 971.265/RJ a circunstância de que, quando a autarquia federal educacional

negou-se a matricular a então criança com deficiência, por considerar que em razão

de sua deficiência não lhe seria possível dar conta das demandas próprias do

processo de ensino-aprendizagem, esta veio a ser matriculada em uma escola

privada comum – ou seja, não especializada no atendimento de alunos com

deficiência – onde conseguiu dar seguimento aos seus estudos com reconhecido

aproveitamento.

Assim, parece ser razoável supor que a discriminatória negação de matrícula

resultou exclusivamente de uma avaliação preconceituosa106 por parte dos gestores

da autarquia federal sobre as condições pessoais do interessado e da própria

estrutura material e humana do Colégio Pedro II.

Em outras palavras, o ato discriminatório verificado no caso concreto decorreu

direta e principalmente dos obstáculos atitudinais, ao passo que as ponderações

respeitantes às barreiras ambientais funcionaram apenas como “justificativas” para a

decisão administrativa excludente e, por isso, violadora do direito de amplo acesso

não discriminatório às instituições educacionais componentes do(s) sistema(s) –

federal, estaduais ou municipais – de ensino regular conferido constitucionalmente

às pessoas com deficiência.

106 Consoante Castilho (2006, p. 56): “O preconceito fundamenta a discriminação, isto é, o

tratamento desigual de indivíduos que pertencem a um grupo ou categoria particular. O preconceito, portanto, fundamenta-se em crenças estereotipadas sobre diferenças individuais e coletivas, sejam empiricamente observáveis ou apenas construções imaginárias. Muitas vezes, diferenças são construídas ao longo da história, nas relações sociais e de poder, de modo que o outro possa ser tratado como inimigo, justificando-se desse modo o esforço em dominá-lo. Por isso Gomes (1999) conclui acertadamente que respeitar a diversidade cultural não diz respeito apenas ao reconhecimento do outro que é diferente, mas também à relação entre eu e o outro”.

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5.6.5 O comprometimento das instituições privadas do ensino regular com a garantia de amplo acesso não discriminatório às pessoas com deficiência

Aos 04 de agosto de 2015 a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de

Ensino (CONFENEN) protocolou, perante o Supremo Tribunal Federal, Ação Direta

de Inconstitucionalidade (ADI), tombada sob o nº 5357-DF sustentando a

inconstitucionalidade das disposições constantes do § 1º do art. 28 e 30, caput, da

Lei nº 13.146/15 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da

Pessoa com Deficiência), requerendo na oportunidade o deferimento de medida

cautelar para suspender a eficácia dos mencionados textos normativos107.

Em síntese, sustentou a Confenen que os dispositivos impugnados

afrontavam os preceitos constitucionais insertos nos arts. 5º, caput, incisos XXII,

XXIII, LIV, 170, incisos II e III, 205, 206, caput, incisos II e III, 208, caput, inciso III,

209, 227, caput, § 1º, inciso II, defendendo a necessidade imperiosa da concessão

da medida cautelar suspensiva da eficácia das disposições tidas por

inconstitucionais, sob pena de inviabilização de empreendimentos com fins

lucrativos por parte de significativo número de instituições privadas de ensino.

Assim, a pretensão objetivava isentar as instituições privadas de ensino da

obrigação de assegurar o amplo acesso não-discriminatório das pessoas com

deficiência em igualdade de condições, inclusive financeiras, com as demais

pessoas, conforme estipulado na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com

Deficiência.

A decisão108 que indeferiu a medida cautelar pleiteada, da lavra do Ministro

107 Lei nº 13.146/15: “Art. 28 [...] § 1o Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de

ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações” e “Art. 30. Nos processos seletivos para ingresso e permanência nos cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, devem ser adotadas as seguintes medidas: [...]”. Ver a respeito do Estatuto da Pessoa com Deficiência e suas disposições relativas ao direito à educação o item 4.3.3 supra.

108 “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI 13.146/2015. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO. 1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de uma sociedade democrática que respeita a dignidade humana. 2. À luz da Convenção e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico

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Edson Fachin foi proferida aos 18 de novembro de 2015, assentada em três

premissas fundamentais que podem ser assim sintetizadas:

1) A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada

ao nosso bloco de constitucionalidade com o status de Emenda Constitucional

institui a igualdade como princípio em uma sociedade democrática e plural

respeitosa da dignidade da pessoa humana visando conferir às pessoas com

deficiência a titularidade e o integral desfrute de todos os direitos humanos e

liberdades fundamentais, reforçando no particular o texto constitucional originário, de

05 de outubro de 1988. O raciocínio é desenvolvido no seguinte trecho da decisão:

A atuação do Estado na inclusão das pessoas com deficiência, quer mediante o seu braço Executivo ou Legislativo, pressupõe a maturação do entendimento de que se trata de ação positiva em uma dupla via. Explico: essa atuação não apenas diz respeito à inclusão das pessoas com deficiência, mas também, em perspectiva inversa, refere-se ao direito de todos os demais cidadãos ao acesso a uma arena democrática plural. A pluralidade - de pessoas, credos, ideologias, etc. - é elemento essencial da democracia e da vida democrática em comunidade. Nessa toada, a Constituição Federal prevê em diversos dispositivos a proteção da pessoa com deficiência, conforme se verifica nos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 40, § 4º, I, 201, § 1º, 203, IV e V, 208, III, 27, § 1º, II, e § 2º, e 244. Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma moeda. O respeito à pluralidade não prescinde do respeito ao princípio da igualdade. E na atual quadra histórica, uma leitura focada tão somente em seu aspecto formal não satisfaz a completude que exige o princípio. Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso igualitário a bens jurídicos, mas engloba também a previsão normativa de medidas que efetivamente possibilitem tal acesso e sua efetivação concreta. Posta a questão nestes termos, foi promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009 a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, dotada do propósito de promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, promovendo o respeito pela sua inerente dignidade (art. 1º).

2) O paradigma da inclusão plena das pessoas com deficiência às instituições

pátrio, mas sim imperativo que se põe mediante regra explícita. 3. A Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática, adotados pela Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV. 4. Medida cautelar indeferida”.

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(públicas e privadas) que integram os sistemas educacionais regulares (federal,

estaduais e municipais) é imperativo constitucionalmente estabelecido no

ordenamento jurídico brasileiro109. O tema é desenvolvido com precisão no

seguinte excerto da decisão:

Ou seja, à luz da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com eficiência, e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio. Ao contrário, é imperativo que se põe mediante regra explícita. Mais do que isso, dispositivos de status constitucional estabelecem a meta de inclusão plena, ao mesmo tempo em que se veda a exclusão das pessoas com deficiência do sistema educacional geral sob o pretexto de sua deficiência. Se é certo que se prevê como dever do Estado facilitar às pessoas com deficiência sua plena e igual participação no sistema de ensino e na vida em comunidade, bem como, de outro lado, a necessária disponibilização do ensino primário gratuito e compulsório, é igualmente certo inexistir qualquer limitação da educação das pessoas com deficiência a estabelecimentos públicos ou privados que prestem o serviço público educacional.

3) A Lei nº 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) ao impor às

instituições educacionais privadas a efetivação do direito fundamental social à

educação titularizado pelas pessoas com deficiência em todas as suas dimensões,

nada mais faz do que desdobrar e precisar o compromisso ético de acolhimento e

pluralidade democrática, adotados pelo texto constitucional. Cumpre aqui trazer à

colação fragmento importante sobre a questão:

A Lei nº 13.146/2015 estabelece a obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção das pessoas com deficiência no ensino regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem que o ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas. [...] Ressalte-se que, não obstante o serviço público de educação ser livre à iniciativa privada, ou seja, independentemente de concessão ou permissão, isso não significa que os agentes econômicos que o prestam o possam fazê-lo ilimitadamente ou sem responsabilidade. É necessária, a um só tempo, a sua autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, bem como o cumprimento das normas gerais de educação nacional - as que se incluem não somente na Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB), como

109 Ver especialmente os itens 3.4, 4.2, 4.3 e 4.4.

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pretende a Requerente, mas também aquelas previstas pela própria Constituição em sua inteireza e aquelas previstas pela lei impugnada em seu Capítulo IV -, ambas condicionantes previstas no art. 209 da Constituição. [...] A Lei nº 13.146/2015 parece justamente assumir esse compromisso ético de acolhimento quando exige que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV.

Por outro lado, é relevantíssimo destacar, pois se trata do objeto desta

pesquisa, que a decisão fundamenta-se em argumentação que assenta as relações

instrumentais/substanciais que entrelaçam a efetivação do direito fundamental social

(das pessoas com deficiência) à educação – assim como dos demais direitos

fundamentais – e o desenvolvimento110, precipuamente nas suas dimensões social e

econômica, tendo por ponto de partida as disposições constitucionais afetas aos

objetivos fundamentais da República, conforme se infere do conteúdo inserto na

parte a seguir transcrita:

Para além de vivificar importante compromisso da narrativa constitucional pátria - recorde-se uma vez mais a incorporação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pelo procedimento previsto no art. 5º, §3º, CRFB - o ensino inclusivo milita em favor da dialógica implementação dos objetivos esquadrinhados pela Constituição da República. É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB). Esse foi inclusive um dos consideranda (sic) da celebração da Convenção: “m) Reconhecendo as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com deficiência ao bem-estar comum e à diversidade de suas comunidades, e que a promoção do pleno exercício, pelas pessoas com deficiência, de seus direitos humanos e liberdades fundamentais e de sua plena participação na sociedade resultará no fortalecimento de seu senso de pertencimento à sociedade e no significativo avanço do desenvolvimento humano, social e econômico da sociedade, bem como na erradicação da pobreza,”(sic) (Grifos do autor).

Por fim, registre-se que aos 09 de junho de 2016, o Tribunal Pleno, por

110 Ver especialmente o capítulo 2 supra.

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unanimidade, converteu o julgamento do referendo da cautelar em julgamento de

mérito e, por maioria, vencido o Min. Marco Aurélio, julgou improcedente o pleito

objeto da ADI nº 5357-DF.

5.6.6 A injustificada desconsideração do precedente desenvolvimentista

O Município de São Paulo-SP interpôs RE cadastrado sob o nº 638.660,

contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que confirmou

sentença que deu provimento a pleito formulado em Ação Civil Pública manejada

pelo Parquet paulista e, em consequência, impôs ao ente federativo mirim a garantia

de matrícula e frequência de aluno portador de necessidades especiais em

estabelecimento apropriado ao atendimento de sua condição peculiar, de modo a

assegurar-lhe prioritariamente a implementação dos direitos à saúde e à educação.

Em seu RE, sustentou o Município de São Paulo que o acórdão violaria direta

e expressamente as disposições constitucionais insertas nos arts. 1º, 2º e 18

(princípio da separação dos poderes).

A decisão monocrática que negou seguimento ao extraordinário, de autoria do

Ministro Ayres Britto, proferida em 16 de abri de 2012, assenta-se em três premissas

que podem ser indicadas, conforme se vê a seguir.

1) A obrigação imposta concretamente ao recorrente pelo Poder Judiciário não

transbordou os limites do regular exercício da função jurisdicional

constitucionalmente parametrizada:

[…] 4. Tenho que a insurgência não merece acolhida. De saída, anoto que não há falar em violação ao princípio da separação de poderes. Isso porque é firme no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que ‘o regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes’ (MS 23.452, da relatoria do ministro Celso de Mello).

2) As disposições constitucionais que cuidam do direito fundamental à

educação lhe confere condição de primazia dentre os direitos sociais, tratando-se de

norma de eficácia plena e não de caráter programático. A respeito, asseverou:

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[…] 5. Avanço para averbar que o aresto impugnado afina com a jurisprudência desta nossa Corte, que me parece juridicamente correta, no sentido de considerar como norma de eficácia plena o direito à educação previsto no inciso IV do art. 208 do Magno Texto. É que cabeça do citado artigo contém uma redação caracteristicamente impositiva, que revela a natureza mandamental expressa da norma, a qual assegura que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de”; ou seja, a norma é enfática ao afirmar o direito à educação como um dever a ser efetivado pelo Estado. 6. Ora, o comando constitucional não comporta a afirmativa de que esse é um direito pró-futuro, de eficácia diferida no tempo, ou seja, uma norma programática, especialmente no tocante ao atendimento de crianças em fase pré-escolar. Tal interpretação não atende à realidade desejada pela Constituição, que dispôs sobre o direito à educação, literalmente, em primazia, isto é, em primeiro lugar, na organização normativa dos direitos sociais (art. 6º). Não poderia, nessa contextura, ser tomado como norma programática.

3) A efetivação do direito fundamental social à educação ao mesmo tempo em

que permite o desenvolvimento da personalidade, a formação para a cidadania e a

preparação para o trabalho de cada um de seus titulares viabiliza, no plano coletivo,

o desenvolvimento em suas múltiplas dimensões, construindo-se tal linha

argumentativa a partir de uma hermenêutica sistemática do texto constitucional. A

respeito, destaca-se o seguinte excerto:

[…] 11. Nesse particular, portanto, a Constituição se faz digna de toda a nossa admiração, porque não se pode falar de reforma, de transformação, de arejamento, de modernidade, sem começar pelo campo da educação; e ainda mais nas idades iniciais, nas quais se fixam o caráter e a personalidade dos cidadãos. 12. Por outra volta, no que tange especificamente à educação infantil, a jurisprudência deste nosso Tribunal reconheceu, de forma pacífica, a legitimidade da atuação judicial para assegurar a imediata implementação desse direito pelos órgãos públicos e, como dito, a natureza de plena eficácia da norma. 13. De mais a mais, impende ressaltar que a Constituição Federal elegeu a cidadania como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. E, aqui, proponho a reflexão no sentido de aquilatar se há melhor caminho para o desenvolvimento e exercício da cidadania do que o trilhado pela educação. 14. Entendo que a educação é essencial para o progresso e desenvolvimento da pessoa humana, representando fator de igualação entre os indivíduos na busca de condições mais elevadas de vida. Refiro-me à possibilidade de acesso a um sistema educacional mais

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democrático e uniforme, ao alcance de todos, de forma a proporcionar, muitas vezes por via única, o crescimento intelectual, profissional e material da pessoa. 15. Em um segundo espaço de tempo, é certo que os reflexos de um sistema educacional eficiente, qualificado por abrangente e não discriminatório, repercutem diretamente no grau de desenvolvimento social, econômico, político e cultural de um País. 16. Não foi à toa que a Constituição Republicana, em seu art. 205, esboçou os objetivos visados com a educação, destacando o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Tais fins, não é exagero dizer, vão ao encontro dos objetivos fundamentais estabelecidos no art. 3º da Constituição Federal, para os quais, não obstante conhecidos por todos, chamo novamente à atenção nessa oportunidade: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação.” 17. Pelo que, sob este último prisma, se revela como instrumento de concretização da dignidade da pessoa humana (inciso II do art. 1º da CF/88). O que faz de tal acesso um direito que se desfruta às expensas do Estado, em ordem a se postar (o direito a essa educação inicial) como um luminoso ponto de interseção do constitucionalismo liberal com o social. Vale dizer, faz com que um clássico direito individual se mescle com um moderno direito social.

Considerando que a decisão transitou em julgado em 18 de maio de 2012,

chama a atenção que desde então nenhuma das decisões monocráticas ou

colegiadas que lhe sucederam no equacionamento de casos semelhantes a ela

tenham feito referência e emprego na condição de precedente que em sua ratio

decidendi adota fundamentação que atrela o direito fundamental à educação ao

processo de desenvolvimento, circunstância que se verifica até mesmo com relação

a decisão da medida cautelar na ADI 5357-DF, não obstante tenha firmado em sua

justificação idêntica motivação decisória.

5.6.7 Conclusão parcial

Da análise dos casos pesquisados resulta que a adequação das escolas

vinculadas ao sistema de ensino regular é o grande desafio a ser superado para que

se propicie, progressivamente, o alcance da meta de inclusão educacional plena das

pessoas com deficiência.

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O caráter necessariamente progressivo do processo includente decorre da

exigência inarredável de remoção das inadequações ambientais e atitudinais – as

condições objetivas e subjetivas do quadro atual de exclusão – que, por sua vez,

demanda inversões públicas e privadas e mudanças de mentalidades e práticas

sociais enraizadas.

Os recortes da realidade considerados nas decisões do Supremo Tribunal

Federal, segundo nossa avaliação, aparentam ir ao encontro do ponto de vista que

sustenta como necessária a continuidade do funcionamento de escolas e classes

especiais enquanto as escolas comuns não estejam habilitadas a assegurar o

atendimento universal da coletividade com deficiência, em face do risco de

retrocesso social na hipótese de opção por solução inversa.

Ficou evidenciado que as violações do direito à educação das pessoas com

deficiência são provenientes tanto de comportamentos comissivos e omissivos

estatais quanto da atuação dos agentes econômicos prestadores de serviços no

setor educacional, em absoluto descompasso com os deveres constitucionalmente

estabelecidos de respeito, proteção e garantia desse direito.

Tais violações vem sendo equacionadas pelo STF, respectivamente com as

construções jurisprudenciais da possibilidade de controle jurisdicional de políticas

públicas afetas à implementação de direitos fundamentais e da subordinação da

liberdade de iniciativa no setor educacional aos parâmetros constitucionais e às

normas gerais da educação nacional extraídas da disciplina infraconstitucional.

O entendimento adotado em grande número de casos pelo STF, no sentido de

que a fundamentação infraconstitucional das decisões impugnadas é, por si só,

suficiente para justificar o provimento jurisdicional definido nas instâncias inferiores

ordinárias, parece sinalizar um reforço do princípio da legalidade, nos casos que

envolvem a Administração Pública, e do tradicionalíssimo enunciado dogmático da

inafastabilidade por disposição contratual de prescrições de ordem pública, nas

demandas que relacionadas aos entes privados.

Registre-se que todas as pretensões de abrangência coletiva direcionadas à

efetivação do direito (das pessoas com deficiência) à educação chegaram ao

Judiciário por iniciativa do Ministério Público, que igualmente formulou pleitos

direcionados ao equacionamento de questões de cunho individual ou, melhor

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dizendo, que diziam respeito diretamente a determinadas pessoas com deficiência,

não se podendo olvidar os casos submetidos ao crivo jurisdicional diretamente por

cidadãos.

A consideração sistemática dos precedentes do STF permite a identificação

de balizas para uma compreensão alargada do direito fundamental social à

educação titularizado por pessoas com deficiência consentânea com sua

conformação constitucional e infraconstitucional, contribuindo assim para

afastamento de interpretações restritivas que se prendem exclusivamente à

disposição inserida no art. 208, III da CF-88, compreensões equivocadas e

insustentáveis em nossa ordem jurídica.

É preciso aqui que se retome um ponto: os casos trazidos à apreciação do

STF abrangem múltiplos aspectos envolvidos na inclusão escolar plena, geral e

irrestrita, o que permite assentar que a inclusão educacional de estudantes com

deficiência, tal qual a inclusão social em geral, exige a superação das barreiras

ambientais (estrutura física, recursos materiais e humanos) e atitudinais

(preconceitos que “justificam” a discriminação) que constituem as condições da

exclusão.

Assim, a inclusão só se viabiliza por meio de um processo de mudança, de

transformação, de desenvolvimento. Fazendo o percurso inverso, tendo em conta

que a educação impulsiona o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para

exercitar a cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205, CF-88), e

admitindo-se que mutações quantitativas contribuem para alterações qualitativas no

meio social, a inclusão escolar de uma parcela da população até então alijada do

sistema social educacional potencializa, em alto grau de probabilidade, o incremento

do desenvolvimento em suas múltiplas dimensões111.

A perspectiva que conecta direitos fundamentais ao processo de

desenvolvimento orientado por uma racionalidade socioeconômica, sustentada por

111 O raciocínio também é válido, segundo nos parece, mesmo para quem restringe o

“desenvolvimento” ao crescimento econômico. Contudo, nessa perspectiva unidimensional, o processo educacional seria percebido como teleologicamente comprometido apenas com a formação da mão-de-obra, como fornecedor de insumo indispensável à produção, apartado dos seus comprometimentos humano e político. Não se olvide aqui que o texto constitucional adota perspectiva oposta: as finalidades humana e política precedem o objetivo da formação do “capital humano”. Variações menos ortodoxas de tal compreensão não conseguem, entretanto, disfarçar a matriz economicista que tudo pretende controlar e homogeneizar em detrimento da racionalidade social que anima nossa ordem jurídica do seu ápice até a base.

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autores como Furtado, Guerreiro Ramos, Sen, Sachs e Leff, entre outros (ver

capítulo 2), igualmente se afirma a partir de uma interpretação sistemática da

Constituição Federal e da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência –

CDPD112. Pontifique-se, nesse passo, que a internalização da convenção

internacional no ordenamento jurídico brasileiro amplia as possibilidades

hermenêuticas em tema de inclusão das pessoas com deficiência quer no sistema

social geral quer em seus subsistemas particularizados teleologicamente, como o

educacional.

A imbricação substancial e instrumental que se estabelece entre o processo

de desenvolvimento e o direito (das pessoas com deficiência) à educação foi

identificada, com intensidade e desdobramentos diferenciados, na justificação das

decisões lançadas nos seguintes casos: RE 638.660/SP (16/04/12); RE 440.028/SP

(29/10/13); e ADI 5.357/DF (18/11/15).

Não desconsiderando a importância destes precedentes, até porque o

problema a ser dirimido ao fim da investigação exige precisamente concluir se

estavam presentes ou ausentes na justificação das decisões do STF a imbricação

direito (das pessoas com deficiência) à educação/desenvolvimento, é preciso

assentar que os casos pesquisados evidenciam a inobservância no âmbito do STF

das regras de justificação sobre o emprego dos precedentes113 quando da

apreciação dos casos semelhantes e posteriores ao julgamento do RE 638.660/SP,

ocorrido em 2012.

A ausência da interpretação sistemática da Constituição Federal e da CDPD

na fundamentação da maior parte das decisões analisadas, a par de inviabilizar o

desvelamento da racionalidade socioeconômica impregnada no texto constitucional,

implica na inobservância da regra114 de justificação que impõe o emprego dos

cânones da hermenêutica tradicional.

Nas decisões submetidas à análise nesta pesquisa, o desemprego da

argumentação dogmática no processo de justificação por pouco não alcançou a

112 Sobre a perspectiva do desenvolvimento como condição para a pretendida inclusão social das

pessoas com deficiência na CDPD, confira-se Madruga (2013). 113 R.13. Quando se puder citar um precedente a favor ou contra uma decisão, deve-se fazê-lo e,

R.14. Quem quiser se afastar de um precedente, assume a carga da argumentação. 114 R.6. Deve ser saturada toda forma de argumento que houver entre os cânones da interpretação.

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unanimidade, daí decorrendo a desconsideração da regra115 que estabelece seu uso

na justificação do decisum.

Os casos que envolvem a determinação concreta do conteúdo e dos efeitos

diretos e indiretos do direito (das pessoas com deficiência) à educação, direito de

uma minoria historicamente discriminada e excluída, enquadram-se na categoria dos

“casos difíceis”, que impõem a realização de escolhas. Em tais casos, a decisão

implementada jurisdicionalmente, na maioria das vezes, somente põe fim ao litígio

objetivamente circunscrito nos limites da relação processual.

Por outro lado, a pacificação do conflito deflagrado pelo tema na esfera

pública dependerá e muito da maior ou menor aceitação social da solução

encampada pelo Poder Judiciário em função da consideração majoritária ou

minoritária de um juízo positivo sobre a consistência e legitimidade da decisão.

Lembre-se aqui que as regras alexyanas de justificação racional das decisões

jurídicas inspiraram e foram positivadas no Novo Código de Processo Civil que por

sua vez se alinha a formulação geral sobre a demanda pelo controle intersubjetivo

da racionalidade das decisões judiciais no Estado Democrático de Direito, o que não

pode deixar de ecoar na esfera de nossa Corte Constitucional.

115 R.12. Se são possíveis argumentos dogmáticos devem ser usados.

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6 CONCLUSÕES

O mito do progresso afirma-se como ideia-força do pensamento iluminista do

século XVIII, tendo se propagado de modo impactante a partir de então nas

sociedades que compõem o chamado mundo ocidental.

Em seu contexto de surgimento, a noção de progresso assume a condição de

poderosa arma no confronto ideológico, político, social e econômico que culminou

com o desmantelamento das bases estruturantes do sistema feudal e consequente

instituição do sistema socioeconômico capitalista, processo revolucionário embalado

pela trilogia liberdade/igualdade/fraternidade.

Ainda que afirmadas sob os signos da generalidade e da abstração, as ideias

matrizes dos direitos humanos/fundamentais apresentam-se como pretensões, cujo

adimplemento necessariamente decorreria da ação transformadora do homem

guiado pela razão sobre o meio social e o mundo da natureza ou, em síntese, do

progresso.

As expectativas de um porvir de bem-estar geral da humanidade, capaz de

erradicar as mazelas da ignorância, do sofrimento e da miséria, foram rearticuladas

e alimentadas por diversas e distintas concepções filosóficas, políticas, econômicas

e sociais conservadoras, reformadoras ou revolucionárias, desde o século XIX aos

nossos dias.

Na contemporaneidade, é forte a tendência pelo emprego do termo

desenvolvimento como substitutivo de progresso, em parte para exorcizar as

históricas vinculações ideológicas do progresso com o projeto liberal e individualista

da burguesia vitoriosa do século XVIII.

Entretanto, sendo o novel conceito igualmente problemático em razão da sua

plurivocidade, seu emprego pressupõe posicionamento quanto à opção por uma

concepção estrita ou unidimensional – desenvolvimento como crescimento

econômico – ou ampla ou pluridimensional – desenvolvimento enquanto processo

comprometido política, econômica, social, cultural, axiológica, ambiental e

juridicamente. Ainda que ambas convivam conflituosamente e em permanente peleja

visando à hegemonia no plano social, sustenta-se que o Estado e a sociedade

brasileira estão juridicamente compelidos à concretização de um projeto

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desenvolvimentista multidimensional esboçado no texto constitucional vigente e em

documentos internacionais dotados de força cogente e que, por isso mesmo, não

pode ser desconsiderado, ameaçado ou afrontado por projetos de governos de

ocasião (interino ou eleito) ou reclamos de supostas maiorias acidental ou

artificialmente formadas, sob pena de ruptura da ordem jurídica democrática.

A viabilização do projeto transformador exige a conjugação da atuação dos

poderes públicos, dos empreendimentos econômicos e das atividades do terceiro

setor, sob a coordenação política estatal, por intermédio de políticas públicas

orientadas a fomentar e/ou deflagrar o processo de desenvolvimento que se associa

instrumental e substancialmente à universalização dos direitos fundamentais.

Como corolário que não se afasta ou transpõe por arbítrio ou capricho,

sucede que a racionalidade da ordem jurídica no Estado Democrático de Direito

termina por romper com os apertados recortes do figurino traçado pela razão

economicista liberal-utilitarista.

Intentando possibilitar a funcionalidade e a legitimidade sistêmicas, o

ordenamento jurídico constitucionalizado submete a própria esfera econômica a uma

racionalidade social que pretende ponderar e harmonizar em uma sociedade

marcada pela heterogeneidade e pluralismo de expectativas, valores e interesses

que se (contra)põem na esfera pública.

Assim, o processo de desenvolvimento, racionalmente redirecionado, é

convertido em metadireito, em ponto de interseção e projeção da universalização

concreta dos direitos fundamentais o que, na concepção de Sen (2010), implica na

expansão inclusiva e sem discriminação das liberdades/capacidades de todos e de

cada um dos membros de uma sociedade essencialmente heterogênea.

Sob tal enfoque, adotou-se uma interpretação da conformação do direito

fundamental social à educação no texto constitucional de 1988, sem desconsiderar

os aportes e as influências das teorizações atinentes aos direitos fundamentais e do

Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Nessa perspectiva, o direito à educação, parte saliente do núcleo duro dos

direitos do ser humano no contexto das Nações Unidas, tem sua primazia destacada

no Estado Democrático de Direito com a identificação das suas interfaces com os

fundamentos da dignidade da pessoa humana e da cidadania, e com os fins

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norteadores da performance estatal e da sociedade, aí incluídos os esforços

necessários e adequados a alavancar o processo pluridimensional de

desenvolvimento e à edificação da sociedade livre, justa, solidária, includente e

avessa a discriminações resultantes de preconceitos ou arbitrariedades.

O direito fundamental social é titularizado por todos indiscriminadamente,

cuidando-se de dever solidariamente cometido ao Estado e à família promover e

incentivar o acesso universal aos processos educacionais institucionalizados com a

colaboração da sociedade em geral.

A disciplina constitucional justifica a essencialidade do acesso universal ao

estipular que o processo educativo objetiva concomitantemente satisfazer demandas

de ordem individual, política e econômica, o que somente é possível com a garantia

de padrão mínimo de qualidade.

Assim, somente o indivíduo educado pode, efetivamente e com autonomia,

desenvolver ao máximo as suas potencialidades e exercer seus direitos, cumprir

seus deveres e compreender e assumir suas responsabilidades sociais, políticas e

econômicas.

Em face de tamanha relevância é que o acesso à educação básica (pré-

escolar, ensino fundamental e médio) constitui-se direito público subjetivo, cujo

desatendimento pelos poderes públicos ou seu irregular oferecimento acarreta

responsabilização da autoridade pública inadimplente ou desidiosa.

Perseguindo a concretização do direito à educação, impõe-se ao Estado

tornar acessível, disponibilizar e velar pela qualidade do serviço social educacional

quando prestá-lo diretamente. Cuidando-se de serviço público não privativo do

Estado, incide igualmente o encargo estatal de fomentar as iniciativas das entidades

do terceiro setor que se dedicam à educação (escolas comunitárias, confessionais

ou filantrópicas), por força de parametrização constitucional.

Por seu turno, os empreendimentos educacionais explorados pela iniciativa

privada estão constitucionalmente submetidos ao cumprimento das normas gerais

da educação nacional, que não se restringem às disposições insertas na Lei nº

9.394/96-LDB, devendo ser autorizados e avaliados pelo poder público competente

dentre as distintas esferas da federação.

Ao mesmo tempo em que estabelecem sistema de ensino próprio para cada

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ente federativo, as disposições constitucionais igualmente sinalizam que a atuação

estatal na área deverá ser desenvolvida em regime de mútua colaboração, visando,

especialmente, à universalização progressiva da educação básica.

A assertiva é endossada pela previsão de plano nacional de educação, de

duração decenal, direcionado a articular o sistema nacional de educação, em regime

de colaboração intergovernamental, e definir diretrizes, objetivos, metas e

estratégias de manutenção e desenvolvimento do ensino.

Ressalte-se que a perspectiva constitucional da progressiva universalização

do direito se justifica quando se consideram os desafios que o planejamento da

atuação estatal deve vencer: erradicação do analfabetismo; universalização do

atendimento institucional; elevação da qualidade do ensino; formação para o

trabalho; promoção humanística, científica e tecnológica do país; e fixação de meta

de inversão de recursos públicos em educação como proporção do PIB.

A conformação constitucional do direito fundamental de segunda geração (ou

dimensão) admite e fornece subsídios a empreendimento hermenêutico que

pretenda assentar seu reconhecimento em prol da parcela social com deficiência.

Assim, infere-se a partir das disposições averbadas nos arts. 205, 206, I e 208, III da

Constituição Federal de 1988, o direito (das pessoas com deficiência) à educação.

Confunde-se, inicialmente, com a formulação geral que universaliza a

titularidade – direito de todos – pois a condição humana é sistematicamente

afirmada no texto constitucional com relação às pessoas com deficiência. Ademais,

permanece aproximado ao gênero em razão da incidência do princípio da igualdade

de condições para o acesso e permanência na escola em todos os níveis de ensino

(básico e superior), em quaisquer das suas etapas e modalidades.

O que o especifica, sem apartá-lo do gênero, é a garantia às pessoas com

deficiência de AEE, preferencialmente na rede regular de ensino. Tal particularização

constitui-se um plus, em nenhuma hipótese representando privilégio ou

discriminação negativa. Trata-se de garantia destinada a permitir ao aluno com

deficiência a equalização de oportunidades no processo educacional

institucionalizado em face dos educandos não deficientes.

Logo, o atendimento educacional especializado viabiliza a satisfação das

demandas peculiares – necessidades educacionais especiais, na tradicional

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terminologia empregada no Brasil – que, caso desatendidas ou desprezadas, em

regra, configuram sério entrave ao pleno e efetivo desfrute do direito por pessoa com

deficiência.

Ciente dos desafios ainda não equacionados à universalização do acesso aos

sistemas de ensino regular pela parcela da população brasileira que se encontra na

faixa etária da escolarização obrigatória, assim como do contingente não

escolarizado na idade própria, obstáculos específicos extremam direito e realidade,

quando se põe concretamente a questão do ingresso em instituição pública ou

privada de ensino de interessado com deficiência.

A pesquisa revela as raízes do problema, ao identificar, na trajetória das

sociedades humanas, uma tendência geral e constante no sentido de que as

pessoas com deficiência estiveram, e ainda continuam, agregadas aos segmentos

mais vulneráveis, dentre os grupos discriminados, excluídos e marginalizados social,

econômica e politicamente.

Tal circunstância histórica não poderia deixar de repercutir negativa e

intensamente na particular esfera da efetivação do direito à educação no cenário de

uma sociedade profundamente marcada por desigualdades e exclusão social como

a brasileira, que parece jamais ter enfrentado, de modo sério e contínuo, a

gravíssima violação de direitos humanos representada pelo analfabetismo, que não

por acaso atinge com redobrada força o contingente social com deficiência.

Para dimensionar com maior precisão a permanência e a força nos dias

atuais de uma arraigada cultura da exclusão, a pesquisa dedicou atenção aos

modelos de explicação da deficiência: místico – a deficiência seria resultado da ação

de forças divinas ou demoníacas; biológico – deficiência compreendida como

anormalidade ou patologia física ou mental que deveriam ser, respectivamente,

normalizada ou curada; social – a deficiência resulta da interação do ser humano

com impedimentos com o ambiente social material e culturalmente excludentes e

que, por assim ser, deve ser transformado.

Embora oriundos de distintos períodos históricos, tais modelos não podem ser

tratados como sucessivos, pois coexistem conflituosamente sendo vulgarizados e

mesclados nos amplos domínios do senso comum no ambiente social.

Todavia, é inequívoco que no plano estritamente formal dos ordenamentos

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jurídicos nacional e internacional adotou-se recentemente o paradigma da

compreensão social da deficiência, afirmando-se em consequência a titularidade de

todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em favor das pessoas com

deficiência, impondo-se ao Estado e à sociedade a imprescindível supressão das

barreiras ambientais e atitudinais que impedem in concreto o exercício e o desfrute

de todo o catálogo dos direitos fundamentais.

No círculo das Nações Unidas, a Declaração dos Direitos das Pessoas

Deficientes (ONU – 1975) é o marco inicial de uma sequência ininterrupta de

documentos internacionais que tem em comum o reconhecimento das

particularidades que caracterizam a minoria humana com deficiência e que na

interação com o meio circundante findam por estabelecer em desfavor das pessoas

com deficiência uma condição de franca desvantagem – entendida como redução

das possibilidades de participação – em comparação com as demais pessoas, todos

em harmonia ao enfatizar a importância do reconhecimento de direitos e da

universalização do acesso aos serviços sociais, conferindo especial realce à

educação.

Coroando e concluindo o ciclo histórico, ao menos provisoriamente, vem à luz

no ano de 2006 a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – CDPD,

abertamente animada em sua essência pelo ideário sustentado pelo arquétipo da

compreensão social da deficiência, pontuando as perversas conexões entre

deficiência, pobreza e exclusão social, estabelecendo como solução a inserção da

temática da deficiência no processo de desenvolvimento global da sociedade,

impondo ao Estado, às forças do mercado e ao terceiro setor, às famílias, às

organizações das pessoas com deficiência e à sociedade como um todo os deveres

de respeito, proteção e garantia dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e

culturais do segmento social com deficiência.

No tocante ao direito à educação, a também denominada Convenção de Nova

York fixa a inclusão plena das pessoas com deficiência no sistema regular de ensino

enquanto meta a ser progressivamente alcançada.

Sob o prisma histórico, a meta se justifica porque em geral a oferta do serviço

social educacional às pessoas com deficiência foi inicialmente assegurada por meio

de instituições públicas e privadas especializadas exclusivamente no atendimento de

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estudantes com deficiência ou por intermédio de turmas formadas tão somente por

alunos com deficiência, ainda que tais classes especiais estivessem vinculadas a

uma instituição de ensino do sistema regular.

A experiência da inclusão de todos os alunos em uma mesma instituição de

ensino – escola comum – tem início em alguns países na década de 70 do século

passado, sendo estimulada internacionalmente com maior ênfase com a edição da

Declaração de Salamanca, em 1994.

Por outro ângulo de visão, para o incremento da meta da inclusão plena faz-

se necessário que as instituições de ensino do sistema regular estejam

transformadas material e culturalmente, o que exige tempo e investimentos de certo

vulto em recursos materiais e humanos, criando-se as condições objetivas e

subjetivas no ambiente institucional e no sistema social geral.

Acentue-se que a incorporação da Convenção de Nova York e do seu

Protocolo Facultativo ao ordenamento jurídico brasileiro com o status de Emenda

Constitucional, no que diz diretamente respeito ao direito à educação, constitui-se

em evento de grande repercussão em face dos desdobramentos que suas

disposições conferem ao já disposto pelo constituinte originário sobre o direito (das

pessoas com deficiência) à educação, precipuamente quanto ao planejamento da

atuação estatal e à formulação de políticas públicas tendentes a sua efetiva,

concreta e progressiva universalização.

Consoante levantado na pesquisa, a educação das pessoas com deficiência

no Brasil se inicia, influenciada pela experiência europeia, tão somente na segunda

metade do século XIX, com a implantação de duas instituições públicas, uma

destinada aos “meninos cegos” e a outra aos “surdos-mudos”, ambas na capital do

império.

Até a segunda metade do século XX, a educação das pessoas com

deficiência caracteriza-se por ser disponibilizada mediante iniciativas oficiais e

particulares isoladas e bastante limitadas, inexistindo nesta fase uma pretensão

universalizadora.

A etapa seguinte tem por marco inicial a execução de campanhas nacionais

de educação de segmentos específicos da parcela populacional com deficiência

(surdos, deficientes da visão e deficientes mentais). Tais campanhas governamentais

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contaram com ativa participação de organizações da sociedade civil, implantadas no

Brasil sob inspiração da experiência norte-americana de proliferação de entidades

de assistência e defesa constituídas por pais, amigos e simpatizantes da causa das

pessoas com deficiência.

Tais entidades assistenciais e de defesa implantaram uma rede nacional de

instituições especializadas destinadas principalmente à prestação de serviços nas

áreas de educação, saúde e assistência social, contando para tanto com o fomento

dos poderes públicos nas distintas esferas da federação brasileira, ao passo que a

prestação direta pelo Estado da escolarização dos alunos com deficiência em

escolas ou classes especiais públicas não registrou o mesmo ritmo expansionista.

A partir dos anos 90 do século passado, inicia-se uma fase superior e

diferenciada da história da educação das pessoas com deficiência no Brasil sob os

influxos da Constituição de 1988, da Lei nº 7.853/89 e da Lei nº 9.394/96 – LDB,

interpretadas à luz do modelo de tratamento da integração das pessoas com

deficiência e das declarações sobre “educação para todos” (1990) e de Salamanca

(1994).

Reforça-se a compreensão de que as pessoas com deficiência titularizam

direitos que devem ser assegurados pelo poder público e pela sociedade aos que

individualmente estejam habilitados a desfrutá-los nas mesmas condições ofertadas

às pessoas não deficientes, remanescendo aos que não se encontrem nas

condições ideais a garantia de tais direitos por meio das instituições especializadas.

Frise-se que o reconhecimento formal de direitos eleva o nível dos debates e

incentivam a postulação de novas reivindicações em face do Estado e da sociedade.

Nessa fase, a Secretaria de Educação Especial-SEESP formula a primeira

Política Nacional de Educação Especial-PNEE (1993) estabelecendo a adoção de

medidas tendentes ao atendimento no âmbito das escolas do sistema regular de

ensino das necessidades especiais da clientela com deficiência, sem afastar a

atuação das organizações do terceiro setor na área.

O estágio presente da educação das pessoas com deficiência, no Brasil,

fundamenta-se teoricamente articulado ao modelo de explicação social da

deficiência e ao correspondente modelo de tratamento da inclusão social das

pessoas com deficiência.

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Tal conformação se põe com a Convenção de Nova York (ONU, 2006), pela

formulação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação

Inclusiva-PNEE/MEC-2008, destacando-se ainda as disposições sobre o direito (das

pessoas com deficiência) à educação insertas no Estatuto da Juventude (Lei nº

12.852/73), no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15) e no atual

Plano Nacional de Educação-PNE (Lei nº 13.005/14).

A mudança substancial e paradigmática que se opera em comparação com o

momento anterior – orientado pelo modelo da integração – é que agora o ambiente

das instituições de ensino do sistema regular, públicas ou privadas, é que deve ser

readequado para proporcionar a plena inclusão institucional das pessoas com

deficiência, invertendo-se por corolário os polos da questão.

Entretanto, o estudo sustenta que na implementação em sede administrativa

do novo arquétipo mudancista foi eleita via inadequada, jurídica e materialmente,

precisamente ao se impor a imediata matrícula dos alunos com deficiência das

escolas e classes especiais, mantidas em sua quase totalidade pelo terceiro setor,

nas escolas do ensino regular, não obstante o reconhecimento estatal da

inadequação material/cultural destas para o acolhimento da nova clientela.

O Estado brasileiro, em todas as suas esferas, deve, em regra, desincumbir-

se dos seus encargos atinentes à efetivação dos direitos fundamentais sociais tanto

por meio da prestação direta de serviços públicos, quanto pelo manejo do

instrumento de fomento às atividades do setor parceiro e com a cooperação

intergovernamental.

A atividade político-administrativa de formulação de políticas públicas sociais

não pode desconsiderar nem desprestigiar o papel constitucionalmente reconhecido

ao terceiro setor, na satisfação dos interesses da coletividade, sob a coordenação

política estatal quando atuarem em conjunto perseguindo a realização progressiva

dos direitos da ordem social.

A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação

Inclusiva traçada e encampada pelo Ministério da Educação desde 2008,

chancelada pela chefia do Executivo Federal e apoiada pelo Conselho Nacional do

Ministério Público-CNMP, a par de desconsiderar princípios constitucionais

fundamentais, vai de encontro a inúmeros dispositivos da legislação ordinária em

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vigor, assim como não obtém respaldo na Convenção sobre os Direitos da Pessoa

com Deficiência - CDPD.

A mudança de rota empreendida por autoridades administrativas federais não

se justifica sob a perspectiva da juridicidade e enseja fundadas dúvidas e

preocupações no plano pragmático em face das conhecidas mazelas do sistema

público regular de ensino.

Nessa ordem de ideias, a política de migração compulsória e acelerada dos

alunos das escolas mantidas pelo terceiro setor para as instituições educacionais da

rede regular pública pode implicar em resultados diversos dos pretendidos, pode

acarretar (ou ter acarretado) retardo no processo de universalização do direito,

queda da qualidade do ensino ofertado às pessoas com deficiência, submissão dos

alunos cooptados à discriminação e exclusão em ambientes escolares objetivamente

inadequados e subjetivamente avessos à inclusão, dentre outras consequências

graves.

Assim, a frenagem brusca e sub-reptícia levada a cabo pelo Executivo

Federal – não antecedida de amplo e amadurecido diálogo com os demais poderes

e instituições estatais, com os tradicionais parceiros ora desincentivados e

escanteados, com os interessados diretamente atingidos (pessoas com deficiência e

suas famílias e organizações), profissionais da educação, especialistas e com a

sociedade em geral – afigura-se como medida estatal incompatível com o Estado

Democrático de Direito constitucionalmente delineado no texto vigente.

Considerando que o Projeto de Decreto Legislativo nº 2846/10 limita-se a

investir contra um aspecto da questão, urge que o Poder Legislativo, ao invés de

aguardar o Judiciário, insira em sua pauta a política ora implementada, tendo em

conta a fundamentalidade do direito das pessoas com deficiência à educação,

integrante do mínimo existencial, salvaguardado igualmente pelo princípio da

vedação ao retrocesso social.

Os estados que se vincularam à Convenção de Nova York estão por isso

obrigados a diligenciarem visando a conscientização da sociedade e a capacitação

das autoridades e agentes públicos acerca dos deveres de respeito, proteção e

garantia dos direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com

deficiência, difundindo uma imagem positiva associada à condição humana, às

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potencialidades, capacidades, habilidades, contribuições e méritos dos que integram

o contingente com deficiência no processo de convencimento e aceitação social e

institucional do novo paradigma.

Segundo levantado na pesquisa, a legislação editada após a

constitucionalização das premissas do modelo de compreensão social da deficiência

– o Estatuto da Juventude e o Estatuto da Pessoa com Deficiência – assevera a

necessidade da inserção da temática nos processos de formação de determinados

profissionais, dentre eles os operadores do Direito.

Portanto, parece ser possível concluir que a efetivação do modelo pressupõe

sua legitimação em um processo de convencimento racional nas esferas pública e

privada como meio mais adequado e eficaz à superação das barreiras

comportamentais e materiais, uma clara aposta na força dos argumentos em

detrimento do argumento da força.

A pesquisa buscou resgatar a contribuição que pode ser extraída da

fundamentação das decisões do Supremo Tribunal Federal-STF relativas ao direito

(das pessoas com deficiência) à educação, submetê-la à sistematização e crítica

para, em seguida, expor os resultados da investigação e sujeitá-los à apreciação

acadêmica e ao confronto de ideias travado na arena pública.

Procurava-se especialmente aferir o emprego, o enfrentamento ou a

desconsideração na justificação das decisões relativas a controvérsias em torno do

referenciado direito fundamental social de argumentação que, de qualquer maneira,

o vincule ao desenvolvimento, enquanto processo pluridimensional ou metadireito.

A força positiva resultante da interação dos termos direito e desenvolvimento

se propaga e repercute difusa e profundamente no debate público, o que

potencializa a probabilidade de aceitação social e consequente legitimação do

provimento jurisdicional que se estriba em tal linha argumentativa, mesmo em se

tratando de decisão contramajoritária concretizadora de direito em favor de minoria

historicamente discriminada e socialmente apartada.

Porém, o liame que se fixa entre direito e desenvolvimento não é uma mera

opção retórica subjetivamente afirmada. Trata-se, consoante demonstrado na

pesquisa, de um nexo juridicamente instituído e, por assim ser, há que ser

considerado quando se impõe o equacionamento pelo Judiciário de questão

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envolvendo o direito (das pessoas com deficiência) à educação, afastando-se com

tal proceder os riscos de déficit de consistência e de legitimidade do decisum,

exigências que são atendidas pela coerência sistêmica e pela racionalidade dos

fundamentos da solução judicial.

Dado que, pela teoria da argumentação jurídica de Alexy, a racionalidade do

discurso jurídico constitui-se por sua vinculação às normas do direito posto, a

racionalidade da justificação de uma decisão judicial que se objetiva ver reconhecida

pelo atendimento das condições atinentes à sua consistência e legitimidade

(pretensão de correção), outra não é e não pode ser que a própria racionalidade

sistêmica do ordenamento jurídico.

Logo, sendo social a racionalidade do ordenamento jurídico brasileiro e da

inclusão social o modelo de tratamento da deficiência incorporado pelo mesmo

ordenamento, resta evidente que as simbióticas e circulares interações que acoplam

o direito fundamental social (das pessoas com deficiência) à educação ao (processo

de) desenvolvimento em sua versão multidimensional não podem ser olvidadas na

motivação dos provimentos jurisdicionais direcionados à composição de litígios que

podem ser encartados na categoria dos casos difíceis.

Conquanto as regras alexyanas da justificação racional das decisões jurídicas

não definam o conteúdo da fundamentação da decisão judicial de cada caso sob

apreciação, cumprem no entanto importante papel instrumental pois, ao normatizar o

manuseio dos cânones da interpretação, dos enunciados dogmáticos, dos

precedentes, da argumentação prática geral, da argumentação científico-

experimental e das formas especiais de argumentos jurídicos, permitem o exercício

do controle intersubjetivo da racionalidade da motivação justificadora da decisão do

caso singular ao confrontá-la com a racionalidade que inspira e articula o sistema

jurídico.

Assim, o conhecimento e a consideração das decisões proferidas pelo STF

atinentes a múltiplos aspectos envolvidos na concretização do direito (das pessoas

com deficiência) à educação podem contribuir e orientar à compreensão da temática

entre os operadores do direito e na sociedade como um todo, de modo a colaborar

em certa medida para a superação de cosmovisões preconceituosas historicamente

decantadas que justificam as discriminações e exclusões da minoria heterogênea

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com deficiência.

Afigura-se recomendável, em nosso pensar, o incremento de pesquisas

focadas na efetivação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais

das pessoas com deficiência na realidade brasileira que se descortina com a

constitucionalização das premissas estruturantes do paradigma de explicação da

deficiência e do correspondente modelo de tratamento da inclusão social, assinalada

pela incorporação ao nosso bloco de constitucionalidade, com o status de Emenda

Constitucional, da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.

Em uma projeção mais abrangente, e quiçá ousada, parece ser recomendável

igualmente um empreendimento investigatório tendo por objeto averiguar a

viabilidade dogmática da afirmação de um direito fundamental (ou metadireito) ao

desenvolvimento nos quadrantes do ordenamento jurídico nacional.

Tal projeto seria animado pelo inescondível fim de contribuir para o debate em

curso na sociedade brasileira, contrapondo-se às argumentações, sustentadas

inclusive por autoridades governamentais, que pretendem restabelecer a

ultrapassada noção de desenvolvimento circunscrita à dimensão econômica do

processo, o que paradoxalmente a empobrece, ao mesmo tempo em que asfixia

corações e mentes ainda embalados por aquela esperança de um porvir de bem-

estar geral e para todos que cumpriu de maneira brilhante o histórico papel de

parteira da Modernidade.

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