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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA
GISLÂNE CRUZ DO NASCIMENTO
DANÇA E INTERDISCIPLINARIDADE: EXPERIÊNCIAS NO NÚCLEO DE
EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA (NEI/CAp/UFRN)
NATAL/RN
2013
GISLÂNE CRUZ DO NASCIMENTO
DANÇA E INTERDISCIPLINARIDADE: EXPERIÊNCIAS NO NÚCLEO DE
EDUCAÇÃO DA
INFÂNCIA (NEI/CAp/UFRN)
Artigo Científico apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso,
de Licenciatura em Dança do Centro de Ciências Humanas Letras e
Artes, Departamento de Artes, da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de
Graduação em Licenciatura em Dança.
Orientadora: Profª. Dra. Karenine de Oliveira Porpino.
NATAL/RN
2013
GISLÂNE CRUZ DO NASCIMENTO
DANÇA E INTERDISCIPLINARIDADE: EXPERIÊNCIAS NO NÚCLEO DE
EDUCAÇÃO DA
INFÂNCIA (NEI/CAp/UFRN)
Artigo Científico apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso
de Licenciatura em Dança, do Centro de Ciências Humanas Letras e
Artes, Departamento de Artes, da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de
Graduação em Licenciatura em Dança.
Aprovada em: ____/____/_____
____________________________
Prof ª. Dra. Karenine de Oliveira Porpino
DEART/UFRN
Orientadora
____________________________
Prof ª. Dra. Analice Cordeiro dos Santos Victor
NEI/CAp/UFRN
____________________________
Prof. Dr. Marcílio de Souza Vieira
DEART/UFRN
AGRADECIMENTOS
A consciência de que a construção dos saberes é um trabalho coletivo, faz-
nos agradecer aos que contribuíram para a execução desta tarefa.
A Deus primeiramente por ter me dado a graça de ingressar e a força para
concluir o curso de Licenciatura em Dança na Universidade Federal do Rio Grande
do Norte.
Karenine de Oliveira Porpino, minha sábia orientadora.
Aos professores, Analice Cordeiro e Marcílo Vieira, que compuseram a minha
banca e acrescentaram ricas, minuciosas e atenciosas contribuições ao meu
trabalho.
Ao NEI por ter aberto suas portas de uma forma tão acolhedora para que não
só o Estágio Obrigatório fosse concluído como também este Trabalho de Conclusão
de Curso.
Aos colegas de curso pelas trocas intelectuais ao longo desses 4 anos de
curso.
Ao meu namorado Marcelo pela paciência e por sempre me manter calma
com palavras acolhedoras e de incentivo naqueles dias mais estressantes.
“Como o instinto, o sentimento e o pensamento estão ligados ao movimento”.
Moshe Feldenkrais
RESUMO
Este artigo tem como objetivo discutir a relação entre Dança e
Interdisciplinaridade tendo como foco o contexto do Núcleo de Educação da Infância
(NEI), escola de aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Para a produção do texto consideramos três ações que se articulam: a leitura de
autores que fazem referência à Interdisciplinaridade e a dança, o relato de uma
experiência com o Estágio Supervisionado Obrigatório realizado naquela instituição,
na turma do 2º ano “A”, no semestre 2013.1, e a leitura dos relatórios de professores
do NEI acerca dos trabalhos desenvolvidos com a dança numa perspectiva
interdisciplinar. Tomamos como critério os relatórios de ensino dos últimos três anos
e meio (de 2010 ao 1º semestre de 2013) como também publicações dos
professores da instituição referentes às suas práticas pedagógicas. A partir das
experiências vividas como estagiária no NEI, e da leitura de seus documentos e
produções, percebemos que a dança pode ser pensada como um conteúdo numa
perspectiva interdisciplinar e de formação de um indivíduo em sua complexidade,
capaz de transitarem por diversas áreas do conhecimento. O contato com essa
instituição de ensino fomentou nossa busca pessoal pela pesquisa e pela reflexão
sobre a dança em um contexto mais amplo de ensino e produção acadêmica, como
conteúdo integrado a outras áreas do conhecimento. No entanto, faz-se importante
também observar que, embora a Dança esteja integrada de forma interdisciplinar na
instituição, ainda há muito a ser ampliado com relação a esse conteúdo,
principalmente no que se refere a diversificação das abordagens metodológicas dos
conhecimentos específicos da dança tendo em vista a produção específica da área
na atualidade.
Palavras-chave: Dança, Interdisciplinaridade, Ensino.
ABSTRACT
This article aims to discuss the relation between dance and Interdisciplinarity
focusing on the context of the Núcleo de Educação da Infância - Childhood Core
Education - (NEI), school of implementation of the Federal University of Rio Grande
do Norte (UFRN). To produce the text we consider three actions that are articulated:
reading authors who refer to the Interdisciplinarity and dance, the report of an
experience with Required Supervised Practice held at that institution in the class of
2nd year "A" in the first semestre of 2013, and reading the reports of NEI teachers
about the work developed with dance in an interdisciplinary perspective. We take as
a criterion the reporting of education for the last three and a half years (from 2010 to
the 1st half of 2013) as well as publications of lecturers regarding their teaching
practices. From the experiences as an intern at NEI, and reading their documents
and productions, we realized that dancing can be thought of as a content from an
interdisciplinary perspective and training of an individual in its complexity, able to
transit through various areas of knowledge. Contact with this educational institution
fostered our personal quest for research and reflection on dance in a broader context
of teaching and academic research, as integrated with other areas of knowledge
content. However, it is also important to note that although the dance is integrated
across disciplines in the institution, there is still much to be extended regarding such
content, especially as regards the diversification of methodological approaches for
specific knowledge of dance bearing in mind the nowadays specific area production.
Keywords : Dance , Interdisciplinary, Education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1- Representação em desenho ...................................................................... 29
Figura 2– Alunos dançam livremente ........................................................................ 30
Figura 3 – Crianças criam seus próprio movimentos ................................................ 30
Figura 4 – Desenho dos movimentos ........................................................................ 31
Figura 5– Dando nome aos movimentos ................................................................... 32
Figura 6– Rede Temática .......................................................................................... 33
Figura 7– Questões iniciais das crianças .................................................................. 34
Figura 8- Tabela ........................................................................................................ 35
Figura 9– Organização dos conteúdos pelas professoras ........................................ 38
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 A INTERDISCIPLINARIDADE E A DANÇA NA ESCOLA ...................................... 14
3 CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA NO
NÚCLEO DE ENSINO DA INFÂNCIA (NEI/CAP/UFRN)........................................... 17
4 RELATOS INTERDISCIPLINARES ........................................................................ 24
5 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 46
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 49
ANEXOS ................................................................................................................... 51
10
1 INTRODUÇÃO
O termo interdisciplinaridade não possui ainda um sentido único e estável.
Embora as distinções terminológicas sejam muitas, todas elas obedecem a um único
princípio: a intensidade da troca entre os especialistas e a integração das disciplinas
num mesmo projeto de pesquisa (FAZENDA, 2003).
A discussão sobre uma aproximação entre disciplinas não é recente, termos como pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade representam, durante o século XX, movimentos em torno de conceitos que se estabelecem por via da coordenação e cooperação entre as disciplinas. Ao dizermos pluri ou multi, imaginamos uma justaposição de conteúdos pertencentes a disciplinas heterogêneas, podemos também pensar na integração de conteúdos dentro de uma mesma disciplina. Ao tratarmos da inter, teríamos algo mais, uma relação de reciprocidade, de interação que pode propiciar o diálogo entre os diferentes conteúdos desde que haja uma subjetividade presente nos sujeitos (FAZENDA, 2003, p. 48).
Dentre os autores que estudam e publicam sobre o tema da
Interdisciplinaridade, no Brasil, destacamos nesse texto, o trabalho da autora citada
no parágrafo anterior, à professora e pesquisadora Ivani Fazenda, coordenadora do
GEPI – Grupo de Estudos e Pesquisas em Interdisciplinaridade, filiado ao CNPQ e
outras instituições internacionais. A autora tem experiência na área de Educação,
com ênfase em Ensino Aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas:
interdisciplinaridade, educação, pesquisa, currículo e formação. Também podem ser
lembrados outros autores como: Hilton Japiassu que possui diversas publicações na
área de educação e ciência e Olga Pombo que pesquisa as manifestações do tema
no Brasil e em Portugal e já esteve no país ministrando várias palestras sobre o
assunto.
Propomos nesse artigo uma discussão sobre a Interdisciplinaridade com
enfoque na Dança no contexto escolar. A dança na escola pode e é reconhecida
como um conteúdo que permite promover um avanço na produção do conhecimento
sobre o corpo e possui conhecimentos específicos a ela relacionados. A partir da
dança é possível perceber o indivíduo como corpo, como ser biológico, histórico,
11
dançante, pensante, total. Nesse contexto compreendemos nesse texto a dança
como uma área de conhecimento específica e como um dos conteúdos do
componente curricular Arte no ensino fundamental. Os PCNs indicam alguns
objetivos concernentes à dança que estão atrelados a esse nível de ensino como:
Construir uma relação de cooperação, respeito, diálogo e valorização das diversas escolhas e possibilidades de interpretação e de criação em dança que ocorrem em sala de aula e na sociedade;
Situar e compreender as relações entre corpo, dança e sociedade, principalmente no que diz respeito ao diálogo entre a tradição e a sociedade contemporânea; (BRASIL, 1998. p.74).
No campo das discursões sobre a dança no contexto escolar, além dos PCN
de Artes (BRASIL, 1998), destacamos também o trabalho de Marques1 (2012).
Aprender a arte de dançar envolve não só a produção artística, mas também
o entendimento e a percepção acerca do mundo, essa ideia está presente nos
trabalhos da autora citada anteriormente. Desenvolvemos a consciência do dançar
através da percepção estética. A dança, assim como qualquer outro conteúdo, tem
seu propósito no contexto escolar, não significa só lazer, mas uma produção do
conhecimento específico em dança.
Todo o conhecimento matemático que temos e utilizamos em nossos cotidianos provém da escola e sobre isso o meio de convívio social é bastante consciente, a ponto de, se alguém errar uma conta simples, provavelmente receberá como chacota: “opa, fugiu da escola?”. E essa chacota traduz exatamente o que todos sabem e pensam – é papel da escola ensinar matemática básica e a escola cumpre satisfatoriamente esse papel. Afinal, se alguém erra contas elementares, conforme reza o senso comum, é porque “fugiu da escola”. Já com a arte, a mesma relação não acontece. Porque será?
Ninguém diz que o outro “fugiu da escola” quando escuta barbaridades sobre artes visuais, ignomínias sobre dança, estultices sobre poesia, bobagens sobre música e ignorâncias sobre teatro (MARQUES, 2012, p.19).
1 Diretora do Caleidos Arte e Ensino e foi assessora da SME-SP na área de Arte (dança), gestão
Paulo Freire, tendo orientado a introdução da dança no currículo escolar, além de assessorar o MEC na redação dos PCN de Arte e nos Referenciais de Arte para EJA.
12
Isabel Marques faz citações sobre a arte na escola que fomentam muitas
reflexões sobre o ensino. Através do trecho citado anteriormente a autora nos
convida a entender o porquê da realidade da Arte na escola ser assim e nos mostra
que esse vácuo que existe entre o que se aprende na escola e a realidade é
causado pela forma com que seus professores trataram a arte e como a
apresentaram aos seus alunos, como os alunos a conheceram e o que conheceram.
Quando o aluno pratica o fazer e o conhecer, não só da dança mais das artes
em geral, desenvolve potencialidades (percepção, observação, imaginação e
sensibilidade) e conhecimentos acerca do mundo e de outras áreas do currículo
escolar. O que se dança não só no Brasil, mas no mundo é parte de uma historia
social, que modificou e modifica corpos e linguagens (PORPINO, 2006). A dança
modifica e é modificada pela nossa história, assim como outros conhecimentos do
ensino, isso faz com que a interdisciplinaridade seja necessária para articular
conhecimentos, avançar para um futuro que não seja fragmentado, pois o mundo no
qual vivemos é integrado, interligado. Ressaltamos a importância da dança dialogar
com outras áreas para a formação do indivíduo e para dar vez e voz aos mais
diversos conhecimentos que formam a sociedade e contribuem para o
desenvolvimento do país e do mundo.
Neste artigo iremos situar a relação entre Dança e Interdisciplinaridade no
contexto do Núcleo de Educação da Infância (NEI), escola de aplicação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que possui mais de 34 anos
de existência. Reconhecemos essa escola como um exemplo quando se trata de
ensino-aprendizagem na perspectiva interdisciplinar.
O NEI foi fundado, primeiramente, com o objetivo de ser uma creche, para
atender aos alunos, professores e funcionários da UFRN. Hoje é vinculado ao
Centro de Educação e além da Educação Infantil, atende também ao Ensino
Fundamental I (anos iniciais, do 1º ao 3º ano). Iremos relatar e discutir experiências
realizadas no NEI a partir das quais é possível reconhecer como o conteúdo da
dança se integra a uma proposta interdisciplinar.
13
Para a criação deste artigo três ações foram consideradas; a primeira foi a
leitura de autores que fazem referência à Interdisciplinaridade como Ivani Fazenda,
e a dança, como Isabel Marques; a segunda foi a leitura dos relatórios de
professores do NEI acerca dos trabalhos desenvolvidos com a dança numa
perspectiva interdisciplinar. Tomamos como critério os relatórios de ensino dos
últimos três anos e meio (de 2010 ao 1º semestre de 2013) como também
publicações dos professores da instituição referentes as suas práticas pedagógicas,
a exemplo da dissertação da Professora Mestre em Educação Ruth Regina Melo de
Lima. Por último também relatamos nossa experiência no Estágio Supervisionado
Obrigatório realizado no NEI, na turma do 2º ano “A”, no semestre 2013.1. Neste
estágio foi realizado um projeto para desenvolver a dança, juntamente com os
alunos da instituição, buscando abordar os conteúdos desta área de conhecimento
de forma interdisciplinar dando foco central a estratégia de ensino, como se deu a
construção dos objetivos, metodologia e dinâmicas corporais que embasaram o
desenvolvimento da prática no estágio.
Para o desenvolvimento desta pesquisa foi necessário primeiramente ir até a
instituição e solicitar à direção da escola autorização através de um documento para
que o estudo fosse realizado. Com acesso aos relatórios ou relatos da prática de
ensino e através da leitura, seleção e análise atreladas às reflexões obtidas por meio
do Estágio Supervisionado Obrigatório, foram apontadas observações acerca da
exploração dos conteúdos da dança na escola de forma interdisciplinar.
Com esse artigo pretendemos contribuir com a discussão sobre o ensino da
dança numa perspectiva interdisciplinar, pois entendemos que tal ação pode
favorecer a formação de um aluno articulado ao seu mundo, capaz de realizar
conexões entre os vários conhecimentos. A discussão se justifica no campo da
formação do professor, no intuito de fazer com que o profissional que trabalha com a
dança possa refletir acerca de questões metodológicas em sua prática docente.
A partir dessas ações dividimos o artigo em três partes; inicialmente
abordamos o conceito de interdisciplinaridade e sua relação com a dança; em
seguida apontamos perspectivas e ponderações acerca dessa alternativa curricular
no NEI, relatando a experiência desenvolvida no Estágio Supervisionado Obrigatório
14
e o trabalho dissertativo da Profa. Ruth Regina do NEI. Na terceira parte fazemos
uma análise dos relatórios de ensino da escola que trazem a dança como conteúdo.
2 A INTERDISCIPLINARIDADE E A DANÇA NA ESCOLA
Os estudos sobre a Interdisciplinaridade tiveram início no Brasil no final da
década de 60. Com a inauguração desses estudos, vários teóricos buscavam um
sentido mais humano para a educação, que não se opusesse ao racional, ao
cartesiano, mais diferentes formas de entender o homem (FAZENDA, 2003).
O conceito de interdisciplinaridade esta ligado ao aprender e para aprender
temos como referência escolar as disciplinas, que devem ser entendidas como
"divisões". Assim como uma pizza tem suas fatias os estudos científicos e as
disciplinas escolares também possuem suas divisões que são disciplinares, como
matemática, biologia, ciências naturais, história, etc. A interdisciplinaridade tem
como objetivo superar esse conceito de disciplina. Sendo assim, ela pertence a um
movimento que busca a superação da disciplinaridade, é uma forma de fazer com
que esse conhecimento seja único, relacionado ao social, ao real, aos problemas da
vida pessoal (FAZENDA, 2003).
A interdisciplinaridade proporciona mudanças diante do conhecimento, do
contexto onde se encontra o ser humano e na formação do conhecimento global,
ultrapassando a disciplinaridade, sendo necessário para que isso aconteça segundo
Hamze (s.d.) que lembra Ivani Fazenda, ‘uma postura interdisciplinar’, ou seja, a
mudança começa naquele que sente a necessidade de proporcionar essas
mudanças, o professor, e este é encarregado de organizar e construir diálogos entre
conhecimentos e visões de mundo.
O estabelecimento de relações, em busca de respostas para os desafios da realidade, nos coloca diante de visões de mundo diferentes e, nesse sentido, estaremos lidando, ao mesmo tempo com o conhecimento disciplinar e com o conhecimento não formalmente estabelecido. Portanto, a interdisciplinaridade se dá num projeto de trabalho em que você tenta construir diálogos o tempo inteiro. Diálogo entre áreas de conhecimento diferentes e diálogos entre visões de mundo diversas. Nessa perspectiva cabe ao professor papel de destaque na organização e estruturação escolar. O professor precisa
15
ter acesso ás produções das diversas áreas de conhecimento e tomar as decisões relacionadas à mediação entre educando e cultura (PONTES; CAPISTRANO, 2005. p.14).
Nesse projeto, no qual a interdisciplinaridade tenta construir diferentes
diálogos entre as áreas do conhecimento e diferentes visões de mundo, entra a
dança. Na perspectiva da escola o trabalho com o corpo, seja em ensinos formais ou
não formais, propicia ao homem trabalhar as relações sociais, a cultura, a história, o
corpo como ser biológico, ser pensante, que interpreta e cria. Processos esses
citados no PCN de Artes que podem ser articulados as outras áreas do
conhecimento, possibilitando transformação em relação à educação, aprendizado e
problematização de forma crítica das relações entre corpo, dança e sociedade. A
esse respeito, os Parâmetros Curriculares Nacionais exclarecem que:
Encarregada não de reproduzir, mas de instrumentalizar e de construir conhecimento em dança e por meio da dança com seus alunos, a escola pode proporcionar parâmetros para a apropriação crítica, consciente e transformadora dos seus conteúdos específicos. Com isso, poderá trabalhá-la como forma de conhecimento e elemento essencial para a educação do ser social que vive em uma cultura plural e multifacetada como a nossa. A escola tem a possibilidade de fornecer subsídios práticos e teóricos para que as danças que são criadas e aprendidas possam contribuir na formação de indivíduos mais conscientes de seu papel social e cultural na construção de uma sociedade democrática (BRASIL, 1998.p. 71).
A dança também entra na escola como elemento modificador de certos
costumes a respeito da função desta que se adquiriu com o tempo na escola regular,
um deles seria o da dança como ponto de apoio para datas comemorativas. Em dias
de comemoração a determinadas datas, feriados e festividades na escola, a dança
quase sempre ou sempre foi utilizada como suporte para demonstração de alunos,
demostrando ou não, a afetividade por essas comemorações, mais não, ou pouco,
se observa que o potencial desses alunos mal é explorado e que nenhum
conhecimento a respeito dessa prática na escola é apreendido, pois muitas vezes
eles “dançam” ou reproduzem movimentos que não foram criados por eles próprios,
pesquisados ou estudados. Não podemos culpá-los, pois quem proporciona esse
tipo de experiência na escola na maioria das vezes são os próprios professores ou
pessoas que não possuem conhecimento específico na área da dança. Dessa forma
16
os alunos não produzem o conhecimento específico a respeito da dança devido à
problemática da realidade da educação. Essa situação tende a se modificar com a
implantação dos cursos de Licenciatura em dança em várias universidades
brasileiras, formando indivíduos capacitados para atuarem na área, seja no âmbito
do ensino regular, formal ou academias/escolas da dança (MARQUES, 2012). Como
a autora menciona: “Faltam vivências significativas, faltam olhares críticos, faltam
leituras consistentes” (MARQUES, 2012, p.21).
Só através do estudo e da análise dos conteúdos da dança é que
verdadeiramente se apreenderá a dança de forma crítica e construtiva.
[...] Com os conteúdos específicos da Dança (habilidades de movimento, elementos do movimento, princípios estéticos, história, processos da dança), os alunos jovens poderão articular, relacionar e criar significados próprios sobre seus corpos em suas danças no mundo contemporâneo, exercendo, assim, plena e responsavelmente sua cidadania (BRASIL, 1998.p. 71).
A apreciação estudada em dança pelo estudo da Coreologia, por exemplo,
pode ser uma das formas de trabalho com a dança na escola. Essa referência
estuda o que move, como se move e com o que se movimentam as pessoas. Além
disso, estuda as variações de movimento que levam ao conhecimento das partes do
corpo, das dinâmicas, do espaço, das ações e dos relacionamentos, seja esses
ligados à sociedade, códigos socioculturais ou afetivos, objetivando a criação de
movimentações em um processo significativo para o indivíduo (BRASIL, 1998).
Reconhecer significados do movimento na sociedade a qual o aluno vive pode
ser uma rica experiência na dança, como o porquê de uma determinada forma de
caminhar, seja esse caminhar leve ou rápido que aconteça num espaço ou grupo
social, o porquê do uso ou ocupação de um determinado espaço e o que isso gera
na sociedade. Com o estudo da kinesfera (espaço pessoal), por exemplo, poderiam
ser compreendidas ações como abraçar, beijar ou cumprimentar algum indivíduo e o
porquê de em alguns lugares do mundo essas ocupações do espaço pessoal serem
entendidas como atos agressivos ou violentos (BRASIL, 1998).
A improvisação, a composição coreográfica, a interpretação de repertórios de
diferentes épocas e locais, a história da dança, as formas e estilos de dança (jazz,
dança moderna, balé clássico, dança contemporânea etc.) possibilitam ao aluno
compreender, diferenciar e fazer relações entre épocas, estilos e locais relacionando
17
ainda as dimensões sociopolíticas e culturais da dança levando em consideração:
corpo dança e sociedade, além de estimular nos alunos a apreciação de diferentes
danças e culturas que dependem das vivências de cada ser, sua religiosidade,
gênero, classe social e etc (BRASIL, 1998).
Além disso a Arte/Dança pode ser pensada em sua relação interdisciplinar
com outros componentes curriculares. No âmbito do NEI, a perspectiva
interdisciplinar se delineia a partir da ideia de que as atividades pedagógicas só
devem ser propostas a partir das necessidades e questionamentos dos alunos que
vão surgindo no contato com os objetos de estudo. A integração entre as áreas só
surge a partir do que esta sendo vivenciado pelos alunos e professores e não só
pelo que propõe o professor (RÊGO, 1999). A dança se insere nesse contexto como
um conhecimento que se põe em diálogo com outros conhecimentos de variados
componentes curriculares e é fruto das relações de troca estabelecidas em sala de
aula.
3 CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA NO
NÚCLEO DE ENSINO DA INFÂNCIA (NEI/CAP/UFRN).
O NEI – Núcleo de Educação da Infância Cap/UFRN está localizado no
Campus universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Norte no bairro de
Lagoa Nova em Natal-RN, CEP 59072-970, Cx.P.: 1524 e possui clientela de
classes sociais variadas. A respeito de sua origem,
O Núcleo de Educação da Infância foi criado como Unidade Suplementar pela Resolução 55/79 – COSUNI, de 17 de maio de 1979. Tendo como objetivo a educação de crianças, o NEI/CAp desenvolve ações de ensino, pesquisa e extensão, contribuindo para o processo de formação inicial e continuada de professores.
O Núcleo de Educação da Infância – NEI/CAp-UFRN parte do pressuposto de que a formação, aprendizado e desenvolvimento da criança no contexto escolar e social vincula-se ao papel político e pedagógico assumido pela instituição como mediadora-dinamizadora das relações entre as experiências e conhecimentos da criança e os conhecimentos acumulados socialmente pela humanidade; e da participação e apoio da família na gestão política e pedagógica da escola. Para assumir este papel, define um conjunto de princípios teóricos a partir dos quais são estruturadas as atividades curriculares.
Em seus 34 anos de existência construiu uma educação de qualidade, ampliou a oferta de ensino para a educação básica, com a implementação do
18
Ensino Fundamental no ano de 2010; iniciou o seu percurso na Pesquisa, e na Extensão investido em ações de formação docente (Cursos de Aperfeiçoamento, Cursos de Especialização e organização de Seminários e Encontros de Educação). (APRESENTAÇÃO, [20_ _?], Disponível em: < http://www.uadesigner.com/novo_nei/canal.php?codigo=41>).
Para a equipe do NEI, a educação está ligada a atitude do professor de fazer
com que as crianças reflitam a respeito da sociedade desde cedo, a partir de
questionamentos, problematizações e convites para que as crianças vivam,
observem, imaginem e escutem. Deste modo,
A ação pedagógica se dá via Tema de Pesquisa que articula três eixos: o contexto sócio-cultural, a estrutura dos conhecimentos de área e os processos de construção de conhecimentos nas crianças. Cada um desses eixos utilizados articula-se em uma metodologia de trabalho, que tem como base os conhecimentos já produzidos em diferentes perspectivas, o que traz à tona uma reflexão sobre os limites e possibilidades para os conteúdos das diversas áreas na educação infantil.) (PROPOSTA PEDAGÓGICA, [20_ _?]).
O tema de pesquisa é a forma que o NEI escolheu para viabilizar a proposta
interdisciplinar pensando nas crianças como cidadãs que desempenharão papéis na
sociedade. Toma como base as “propostas de MADALENA FREIRE (1983), em A
paixão de conhecer o mundo e SÔNIA KRAMER (1989), em Com a pré-escola nas
mãos” (RÊGO, 1999). A autora Carmem Rêgo explica que a partir da ideia de tema
gerador de Sônia Kramer, o NEI definiu o trabalho com o Tema de Pesquisa, o qual
articula o conhecimento das áreas de conteúdo, o contexto social das crianças, ou
suas inquietações imediatas, além de aspectos ligados à aprendizagem.
Segundo a autora, o Tema de Pesquisa deve se definir a partir das
curiosidades, questionamentos, assuntos levantados pelos alunos e envolvimento do
grupo. Na busca de respostas para seus questionamentos os alunos apreendem
conhecimento de diferentes áreas. Muitos assuntos abordados surgem de conversas
entre os alunos ou do interesse de algumas crianças que se estende as demais.
Mais é importante salientar que nem todo assunto se torna tema de pesquisa, pois
muitos assuntos levantados são momentaneamente comentados e não geram uma
ampla discussão. Os temas de pesquisa só são estudados se tiverem ligação com a
realidade, valores e a cultura dos alunos e ainda sim são contextualizados, como é o
caso da Festa de São João, um tema bastante abordado no contexto do NEI pelo
forte significado na cultura do Nordeste.
19
Em consonância com os levantamentos feitos acima sobre a proposta do
ensino interdisciplinar no NEI, retomamos as ideias de Ivani Fazenda quando cita
que:
Se há interdisciplinaridade, há encontro, e a educação só tem sentido no encontro. A educação só tem sentido na “mutualidade”, numa relação educador-educando em que haja reciprocidade, amizade e respeito mútuo (FAZENDA, 2003, p. 64).
Em respeito a essa mutualidade e imbuídos de uma visão interdisciplinar do
ensino, desde a década de 1980, o NEI adotou o Tema de Pesquisa na Educação
Infantil como recurso metodológico para abordar os conteúdos das diversas áreas
de conhecimento e, posteriormente, o adaptou para o Ensino Fundamental com
respaldo no contexto de vida das crianças, na inclusão dos processos de
aprendizagem através de diálogos, na discussão de valores, habilidades, normas e
etc., que devem ser ensinados, segundo os PCNs. Nos respaldamos aqui nas
palavras de Analice Vitor, professora do NEI:
Consideramos que ao tentarmos definir previamente o tema a ser estudado descaracterizamos o princípio de que o tema de pesquisa parte da curiosidade e necessidades das crianças e consequente envolvimento do grupo.
A nossa proposta para essa situação é que o tema seja definido juntamente com as crianças nas primeiras semanas de aula. A partir dessa escolha, tomando como referencia os saberes e os não saberes da turma sobre o tema, a professora poderá montar uma rede temática que contemple as orientações apresentadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) que orientam o ensino em nosso país e o interesse e curiosidade do grupo.
Desse modo, pensamos que no Ensino Fundamental o tema de pesquisa tenha duração mínima de um semestre. Tempo hábil para que as professoras possam possibilitar o diálogo do tema com as diversas áreas do conhecimento que compõe a base curricular dessa etapa da Educação (VICTOR, 2012, p. 21/22).
No que se refere ao trabalho com a dança, nesse contexto, destacamos a
dissertação da professora Ruth Regina, professora efetiva do NEI. Conforme esse
trabalho a dança começou a ser trabalhada na escola com o foco nas festividades
20
escolares ou datas comemorativas, mais especificamente no São João. Logo em
seguida passou a ser trabalhada como tema de pesquisa, mais ainda com foco nas
datas comemorativas, a partir das quais os professores conversavam e levantavam
os conhecimentos das crianças, dúvidas ou questionamentos a respeito do tema.
Assim os professores propiciavam as crianças acesso aos conhecimentos históricos
destas festividades, além de apreciarem as características do tema que englobava
música, instrumentos sonoros, ritmo, dança etc. Essa situação de ensino nos leva ao
pensamento de Isabel Marques, defensora da presença da arte na escola. No seu
livro “Arte em questões” cita a importância da Arte no contexto escolar: “Então, eis aí
um primeiro bom motivo inicial para a presença da arte na escola: acesso. Arte é
conhecimento universal, ao qual todos têm direito.”(MARQUES, 2012, p. 26)
Em sua dissertação, Lima (2009) discute também a proposição da vivência da
dança no NEI fora das datas comemorativas ou festividades, como também no
contexto do tema de pesquisa. Relata o estudo de uma dança popular, com foco na
apresentação, tendo como objetivo trabalhar a percepção, que também era
praticada com a observação de vídeos. Após a apreciação os alunos falavam o que
tinham percebido, liam sobre a história da Ciranda e através da imitação de passos
demonstravam e realizavam a dança. Como processo final existiam ensaios, e tudo
isso culminava na apresentação da dança, que segundo registros da Professora
pesquisadora, aconteceu em 2002. Outro processo desenvolvido e relatado por
Lima (2009) foi a inserção da dança no contexto do Tema de Pesquisa, de músicas
e danças que retratassem o assunto estudado. Esses procedimentos tiveram
também como base a “abordagem triangular2”, de Ana Mae Barbosa, a partir da qual
o fazer, o ler e o contextualizar se desenvolvia como processos do ensino de Arte.
Entretanto, a professora continua refletindo que, durante a inserção,
sistematização e apropriação da dança como linguagem, aconteceram
desentendimentos devido a ausência da formação específica e vivência dos
2 A partir dos anos 90 surge no Brasil a Proposta Triangular do Ensino de Arte- Ana Mae Barbosa,
segundo essa proposta a construção do conhecimento na área de Artes acontece na interligação entre o experimentar, o codificar e o informar, propondo um ensino elaborado partindo de três ações: - Ler obras de arte, baseado na ideia de poder crítico dos alunos, a partir do próposito de que a Arte não esta ligada só ao erro e ao acerto, mais ao esclarecimento. - Fazer Arte baseado em estimular o fazer da arte, a releitura, não cópia e sim interpretação, transformação e criação. - Contextualizar partindo do princípio de inter-relacionar a história da Arte com outras áreas do conhecimento (RIZZI, [20_ _ ?])
21
professores na área da Dança. Havia uma carência formativa que justificava a
existência de várias dúvidas a respeito das metodologias e conteúdos da dança.
A falta de orientação gerou inquietações, curiosidades e desejo de busca pelo
conhecimento da área pela Prof.ª Ruth Regina, que investiu na sua formação no
nível de mestrado, apresentando após dois anos uma dissertação sobre a dança
como linguagem a ser ensinada na escola, tendo como foco uma reflexão sobre
como o NEI desenvolvia, até então, o trabalho com a dança e como esse trabalho
poderia ser ampliado a partir dos estudos de Laban e Merleau-Ponty, Marques e
Porpino, dentre outros (LIMA, 2009).
Além dessa pesquisa a equipe pedagógica do NEI, como é de praxe desde
1995, vem realizando outros trabalhos nas diversas áreas do conhecimento para
aprofundamento, dentre elas a Arte, e mais especificamente o conteúdo da Dança. E
o reflexo desse entendimento é a entrada da Dança na proposta pedagógica da
escola como conteúdo das áreas de Educação Física e Artes. Com a reestruturação
da proposta curricular, veio o reconhecimento da Arte e da Educação Física como
áreas do conhecimento que possuem conteúdos, objetivos e metodologias próprias,
além de cursos de aperfeiçoamento para melhor trabalhar as áreas de conhecimento
(LIMA, 2009)
O interesse na proposta curricular de ensino interdisciplinar no NEI e o acesso
ao conhecimento construído e adquirido no curso de Graduação em Dança da
UFRN, nos mobilizou a procurar o NEI como campo de estágio. Tínhamos a
curiosidade de conhecer o processo de desenvolvimento das aulas desta instituição
tão elogiada por seu ensino interdisciplinar, com trabalhos ricos, como o da
professora Ruth Regina, relacionados a dança. Buscávamos poder aplicar os
conhecimentos adquiridos na graduação, para quem sabe buscar formas de
transportar essa metodologia de ensino interdisciplinar para o ensino regular de
dança na escola, além de fomentar reflexões para a construção do trabalho de
conclusão do curso de Licenciatura em Dança na UFRN.
O Estágio Supervisionado Obrigatório foi realizado numa turma de 2º ano do
Ensino Fundamental do NEI, através da observação das aulas e da co-participação
sob a supervisão das professoras Maria José Campos Ferreira e Rutilene Santos de
Souza. Nessa ocasião elaboramos e desenvolvemos um Projeto de Ensino com o
objetivo de proporcionar aos alunos o conhecimento do corpo através do que esse
22
corpo poderia fazer. Naquele momento já perspectivava a utilização do projeto para
fomentar a discussão sobre dança para a produção deste artigo.
Utilizamos à percepção, a observação, a imaginação e a sensibilização como
forma de conscientizar e fazer os alunos compreenderem alguns conteúdos de
dança e através da interdisciplinaridade buscamos relacionar a dança a outros
conteúdos do ensino como a história, por exemplo. Abordamos alguns conteúdos da
Dança como a história da dança, noções de tempo, espaço, ação e limites.
Contextualizamos e situamos a dança de forma lúdica.
Com a observação das aulas seria praticamente impossível não saber o tema
de pesquisa da turma do 2º ano, pois nas paredes da sala de aula estavam
estampados os trabalhos e informações relacionados ao mesmo, para que as
crianças pudessem sempre revisitar conhecimentos e estarem sempre vendo o que
por elas foi desenvolvido. A intensão era também expor, para os que visitam a sala
de aula, as produções dos alunos.
Devido o tema de pesquisa ter sido "corpo" e por ser um tema vasto em
termos de conhecimento, tive mais liberdade na escolha dos conteúdos a serem
trabalhados, pelo fato de que dança é corpo, mais também contemplei algumas
sugestões feitas pelas professoras que me orientaram. Pensando nisso, busquei
inicialmente elaborar os planos de aula utilizando como método de trabalho o
registro da auto-imagem, a partir do qual através da experimentação corporal feita
num primeiro momento através de dinâmicas e depois através da produção de
desenhos dos alunos ao final de algumas práticas pude trabalhar a percepção e a
ação.
Em seguida, através da história da dança no período da pré-história, pude
trabalhar a contextualização de forma interdisciplinar agregando a pré-história,
conteúdo da área história, à história da dança e também através desse estudo
pudemos trabalhar a composição com a reconstrução dessa história através de uma
releitura corporal feita pelos alunos.
Como forma de avaliação, os alunos foram divididos em grupos de trabalho e
todos tiveram a possibilidade de explorar o que tinha sido vivenciado por eles nas
aulas, e como exigência era necessário relacionar as partes do corpo com o
23
movimento das articulações e as dinâmicas de movimento como, o lento, o rápido, a
pausa e etc. de forma improvisada, conforme os estudos de Laban3 (RENGEL,
2003).
O andamento do projeto foi muito bom para a minha formação, pois pude
aprender consertando meus erros, ou pelo menos tentando, pois uma das primeiras
dificuldades encontradas foi a questão das professoras que orientaram o estágio
obrigatório não terem formação em Arte e consequentemente em Dança. Mas,
apesar de não terem como me auxiliar em relação à área da Dança, elas se
mostraram abertas a proposições, ideias e sugestões nos planejamentos.
Encontrei-me numa situação propícia em termos de troca, pois as professoras
detinham os conhecimentos das outras áreas de ensino, além da ampla experiência
com o ensino, e eu tinha a especificidade da Dança para ser aplicada. No entanto,
se eu fizesse alguma proposta que não coubesse ao estudo do tema, no que se
refere a dança, elas não me chamariam a minha atenção, não por falta de vontade,
mais sim por existir uma carência na formação delas com relação a essa área
específica da dança.
Apesar disso sempre busquei na preparação das aulas pensar de forma
interdisciplinar me concentrando em textos dispostos aos estagiários ao darem
entrada no estágio dentro da instituição. Esses textos falavam sobre a proposta da
escola e como ela se desenvolvia, a leitura dos mesmos era acompanhada da
observação das aulas, e desse modo foi como pude compreender a forma das
professoras utilizarem a interdisciplinaridade para abordar as outras áreas do
ensino. Sobre essa atitude, Marques (2012) fala da importância do interesse do
professor:
Entendemos que toda a potencialidade do ensino de Arte só se concretiza nas práticas pedagógicas se o professor de Arte acreditar que pode atuar como um articulador de transformações: suas, dos estudantes e, consequentemente, da sociedade em que vivem; e que esse é – ou deveria
3 Rudolf Von Laban, Dançarino, coreógrafo e teórico da dança, dedicou sua vida ao estudo
e sistematização da linguagem do movimento em seus diversos aspectos: criação,
notação, apreciação e educação. Ele atribuiu o nome de Eukinética o estudo das
qualidades expressivas do movimento (como seu ritmo e dinâmica).
24
ser – um dos focos principais do exercício da sua profissão docente e artística. (MARQUES, 2012, p. 28)
Mesmo abordando os conteúdos da Dança, na hora de construir os planos de
aula me perguntava sempre: com esse conteúdo ou aquele, os alunos podem
aprender o quê? Quais áreas de conteúdo podem ser exploradas com essa
proposição? E após a elaboração do plano de aula sempre era consultada a opinião
das professoras e elas lembravam sempre da necessidade de trabalhar a
contextualização e a prática.
Todo esse contexto e o exercício do estágio nos leva a refletir acerca do
papel do professor, de metodologias de ensino-aprendizagem, de soluções a
problemas da realidade da educação e da importância da reflexão sobre projeto o
político pedagógico da escola. Também através do estágio surgiu à motivação em
buscar mais sobre essas reflexões, conhecimentos, experiências, erros, dúvidas e
observações que foram adquiridas durante sua execução e de como isso poderia ser
melhor desenvolvido como forma de agregar conhecimentos e respeitar as
especificidades das áreas de ensino para a construção de uma educação menos
fragmentada, já que tudo ao nosso redor possui uma inter-relação. Tudo no mundo
depende de algo para existir.
Sendo assim buscamos os registros da prática desenvolvida por outros
professores do NEI a partir dos relatórios bimestrais, neles procurei a
fundamentação das aulas e a metodologia utilizada para o ensino da dança como
forma de compreender como esse conteúdo estava sendo trabalhado de forma
interdisciplinar e como suas especificidades estavam sendo tratadas.
4 RELATOS INTERDISCIPLINARES
A pesquisa dentro do NEI é um fator que auxilia na investigação sobre suas
práticas de ensino e está diretamente relacionada a produção dos relatórios
25
elaborados por alguns professores da escola. Através deles são compartilhados de
forma crítica o resultado de seus processos de ensino/aprendizagem. As palavras de
Vítor (2004) apresentam essa relação entre a pesquisa e a prática pedagógica.
A compreensão da pesquisa como um componente do meu trabalho e da minha formação profissional estimulou-me a tomar a sistematização do meu fazer pedagógico como objeto de investigação, buscando teorizar sobre minhas ações e refletir sobre minha prática. Igualmente impulsionou a reflexão e a organização da experiência por mim vivida e o maior interesse em compreender o processo em que e como o vivido se deu, do que o produto desse vivido em si (VICTOR, 2004, p. 18).
Ao fazer a análise dos relatórios elaborados por alguns professores da escola
e através do diálogo com a coordenação, mais exatamente com a professora
Analice Cordeiro dos Santos Victor, que assumiu o cargo de coordenadora
juntamente com a professora Adele Guimarães Ubarana Santos, foi esclarecido que
os relatórios do NEI são feitos bimestralmente e em dois formatos: relatório, caderno
e portfólio. Quando feitos em formato de relatório possuem uma fundamentação
teórica para analisar a prática, e são realizados no 1º e 4º bimestre. No 1º bimestre é
apresentado com a turma, no início do ano letivo e no 4º bimestre informa como a
turma terminou. No formato de caderno, o relato é rico em imagens e descrição da
prática, a diferença de um formato para o outro é de que no caderno
necessariamente não precisa de uma fundamentação teórica, é mais solicitada a
descrição. O portfólio é rico em imagens da prática e relata com breve descrição
essas imagens que tanto podem ser em fotos c/ou atividades das crianças. Um
aspecto que caracteriza o portfólio, diferenciando-o do caderno, é que o professor
procura comunicar a poética por meio de imagens e texturas num formato bem
artesanal. Ambos são feitos pelos professores, mas quando concluídos são
avaliados pela coordenação da escola e liberados para a impressão, durante esse
trajeto é socializado com os pais nas reuniões pedagógicas bimestrais e por fim é
arquivado na escola.
De um total de 45 relatórios, produzidos no período de 2010 a 2013, lemos
um total de 11, que citavam a dança no contexto de um trabalho interdisciplinar. No
entanto, consideramos apenas quatro relatórios para a produção deste texto, por
considerar que os mesmos apresentavam uma descrição mais detalhada sobre o
26
trabalho com a dança, portanto, seriam mais significativos para o nosso trabalho, por
oferecerem mais elementos para análise.
A seguir faremos uma análise de cada relatório delineando o processo de
construção do conhecimento na dança no que diz respeito a sua especificidade e em
conjunto mostraremos a relação, nestes relatórios, da dança com a
interdisciplinaridade.
Nos relatórios aqui considerados existem diferenciados processos de
condução, ensino e aprendizagem da Dança, que geralmente vão da pesquisa ao
fazer artístico e entre esses existem processos de contextualização e exploração do
movimento. A respeito dessa contextualização, Isabel Marques, aponta que a
preocupação do professor de Arte deve ser o de criar Arte. Se esse for seu foco,
desvios serão evitados, o que se fará presente em sala será o
fazer/fluir/contextualizar (MARQUES, 2012).
O primeiro relatório analisado é intitulado: “Ela só quer, só pensa em namorar:
dançando e aprendendo sobre o xote” elaborado pelos professores Cibele Lucena
de Almeida e Sandro da Silva Cordeiro, no período Junino de 2011, sobre a turma
do 4º “B”. Apresenta o estudo sobre o São João como uma manifestação cultural,
conforme mencionado na introdução do texto, “Possibilidades de acesso das
crianças aos bens culturais brasileiros, valorizando e celebrando essa manifestação
popular”. (ALMEIDA ; CORDEIRO, 2011, p. 3)
Também na introdução é mencionado o porquê da escolha do tema, que
naquele ano foi uma mobilização da escola para o estudo sobre o “São João do
Nordeste”. Cita sobre o que a turma ficou encarregada de pesquisar, que eles se
aprofundaram sobre a festa junina em Campina Grande, PB; explica também o
porquê do foco na cidade, que foi devido a investigação sobre as férias das crianças.
Descobriu-se que um aluno tinha os pais nascidos na cidade e com isso foi
despertado nos alunos questionamentos e curiosidades sobre a festa no local; as
crianças viram vídeos sobre o tema, fotos e fizeram até uma entrevista com a mãe
do aluno e desta entrevista surgiu a ideia de montar uma maquete sobre o tema.
Para a maquete foi planejado o estudo da escolha e coleta dos materiais recicláveis,
além de uma planta baixa para a confecção da maquete, trabalhando-se aqui de
forma interdisciplinar.
27
A interdisciplinaridade pode ser observada na forma como se agregaram as
atividades de diferentes áreas do conhecimento, através do diálogo sobre as férias e
a entrevista realizada e a segunda através da coleta e seleção dos materiais para a
confecção da maquete. Segundo Fazenda,
As diferentes formas pelas quais um pensamento pode ser expresso não são de fundamental importância; variarão de acordo com as condições e exigências que se fizeram presentes. O importante será o porquê da relação com o outro, que cria a palavra pela qual ela se define plenamente como ato. (FAZENDA, 2003, p.31)
Na interdisciplinaridade a palavra se define como ato através da importância
das relações, é necessário que exista relação entre os conteúdos estudados na
escola para que isso vire um ato pleno do real e dentro do trabalho com esse tema
de pesquisa. No relatório a questão da dança entrou de forma plena como uma das
representações do real.
Com a proximidade da festa junina da escola, os professores sentiram a
necessidade de pensar uma dança na qual as crianças se apresentassem, pois ao
observarem as crianças durante uma brincadeira nos momentos do “Faz de conta”,
perceberam a experiência de uma cerimônia de casamento, o fato de uma criança
ter sido dama de honra em um casamento refletiu nas brincadeiras das crianças que
encenavam e escolhiam os papéis dos participantes como: o noivo, a noiva e o
padre. Essa brincadeira não só motivou a coreografia, mas também a escolha da
música e do figurino. Foi possível observar também que uma parte da letra da
música intitulava o relatório: “O xote das meninas”, houve uma relação com o xote.
Cito novamente Fazenda,
O homem vai atingindo o conhecimento de si, à medida que conhece o outro; é um “ser a ser”. Assim sendo, o encontro só tem sentido na distância. O homem é um ser que se retira da situação para se fazer presente. (FAZENDA, 2003, p.33)
Assim fizeram os professores através da percepção, fora da situação de
encenação ou brincadeira vivida pelas crianças os docentes puderam trazer a
realidade para dentro da sala de aula, trabalhando assim o estudo da realidade das
28
crianças e fazendo uma interligação do que estava sendo estudado com o ato pleno
da realidade, da universalização. Segundo alega Fazenda (2003): “se há encontro,
se há revelação de sentido, o homem se antropomorfiza, se realiza, se universaliza.”
Isso dá sentido a interdisciplinaridade.
A escolha do xote como dança que apresentaríamos na festa junina não foi feita pelas crianças, mas sim durante o planejamento coletivo do tema. Nesse planejamento, após assistirmos vídeos sobre o são João do Nordeste, cada professora definiu a dança da sua turma (ALMEIDA e CORDEIRO, 2013, p.4).
Através da escolha do xote a montagem da dança das crianças da turma do
4º B foi construída em 11 etapas:
- Apreciação de vídeos com a movimentação característica do xote. Poderia ter sido
explorada a possibilidade de uma visitação a um grupo de xote ou a visitação de
algum grupo à escola para demonstração e apreciação plena dessa dança.
- Com a realização de pesquisa a respeito do xote, foi esclarecida a origem tanto da
palavra quanto da dança e finalizaram a contextualização destacando o que as
chamou mais atenção no vídeo. Fazendo relação com os conteúdos da história da
dança.
29
Figura 1- Representação em desenho
Fonte: Gislâne Cruz (2013).
- Conheceram a música e fizeram uma atividade de interpretação da letra que
depois foi retratada em desenhos. Trabalhando Arte e linguagem. Correspondente a
figura 1.
- As crianças ouviram, sentiram e dançaram a música livremente (sem intervenções).
Explorando a improvisação, conteúdo da área de Dança, conforme se pode ver na
Figura 2.
30
Figura 2– Alunos dançam livremente
Fonte: Gislâne Cruz (2013)
- Foram pedidas às crianças que criassem passos, seguindo o ritmo e através de
uma votação foram eleitos seis passos que comporião a coreografia, como pode ser
observado na Figura 3.
Figura 3 – Crianças criam seus próprios movimentos
Fonte: Gislâne Cruz (2013)
31
- Decidiram a ordem dos passos e através de uma atividade as crianças
representaram em desenho alguns movimentos que foram escolhidos para compor a
dança, como ressaltado na figura 4.
Figura 4 – Desenho dos movimentos
Fonte: Gislâne Cruz (2013)
- Sugeriram nomes para os passos e em uma votação foi decididos os nomes. Em
uma ultima atividade fizeram o registro da dança destacando os movimentos dos
passos, apenas como forma de memorização, como pode ser observado na figura 5,
sem uma análise de movimento. Aqui poderiam ter sido estudados os fatores e
dinâmicas de movimento e a organização espacial da composição. Conteúdo de
composição coreográfica que poderia ter sido aprofundado com o estudo do espaço.
32
Figura 5 – Dando nome aos movimentos
Fonte: Gislâne Cruz (2013)
- Depois foi só ensaiar e apresentar.
O relatório analisado a seguir é intitulado: “Luiz Gonzaga Canta, conta e
encanta o Nordeste” de criação das professoras Ruth Regina Melo de Lima e
Marianne da Cruz Moura. Teve como objetivo apresentar o desenvolvimento do 2º
bimestre (que se iniciou em maio de 2012). O foco principal foi a festa junina
(mesmo foco do relatório anterior devido a escola ter adotado esse tema como
comum a todas as turmas, tendo em vista a festa da escola, atividade já esperada
pelas crianças).
O tema de pesquisa da turma foi: “Luiz Gonzaga canta, conta e encanta o
Nordeste”, levando em consideração o centenário de Luiz Gonzaga ocorrido no
mesmo ano do desenvolvimento desse tema. Através das atividades desenvolvidas
em sala e por meio da interpretação de letras de músicas de Luiz Gonzaga que
falam da cultura do Nordeste, as crianças aprofundaram seus estudos (modo de vida
das pessoas, vestuário, culinária, região, clima e ainda aspectos (conteúdos) da
história e da geografia (LIMA; MOURA, 2012). Nesse caso percebemos a
transformação de um contexto real em um conteúdo educacional assim como
propõe Fazenda (2003).
33
Na figura a seguir, vemos a rede temática 4 (Figura 7), na qual tudo que foi
estudado pelas crianças está interligado, atuando assim de forma interdisciplinar:
Figura 6 – Rede Temática
Fonte: Gislâne Cruz (2013)
A rede temática foi desenvolvida relacionando as áreas a serem estudadas,
como visto na Figura 7, imagem ilustrativa retirada do relatório. Para a construção
desta as professoras tiveram como base os questionamentos das crianças a
respeito do tema, “festa junina”, além de questões sobre Luiz Gonzaga.
Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma impossibilização - um conjunto de informes a ser depositado nos educandos – mas, a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma inestruturada (FREIRE 1974, apud FAZENDA 2003, p.98).
4 Após o estudo da realidade dos alunos e a definição dos objetivos de estudo se organiza a rede
temática, que nada mais é que representações gráficas de questões levantadas pelos alunos, que podem ser alteradas a cada situação vivenciada ou o surgimento de novos questionamentos, interesses e necessidades dos alunos.
34
A partir da rede temática, da sistematização, da sua relação com as áreas de
estudo e de questões iniciais das crianças (Figura 8) é possível falar do papel do
professor, cuja atitude de ensino é interdisciplinar. O professor organiza e transforma
os elementos propostos em conhecimento. No caso deste relatório, foram devolvidos
os elementos da história e da geografia através de uma pesquisa do vestuário, da
culinária, da região e do clima e a partir desse processo foi proposta a composição
de uma Dança, essa que é um dos acontecimentos da festa junina.
Figura 7– Questões iniciais das crianças
Fonte: Gislâne Cruz (2013)
A turma do 2º ano da tarde pesquisou o tema “festas juninas” e sobre esse
tema e a partir dos questionamentos das crianças foi estudado os santos mais
populares reverenciados nesta época como: João, Pedro e Antônio; Foi elaborado
um texto coletivo escrito pelas crianças com o tema: “São João do Nordeste”.
Continuaram pesquisando e passaram a estudar as danças características deste
período, como a quadrilha, ciranda, coco de roda, mazurca e forró; assim como a
35
música tocada e os instrumentos do forró. Assistiram aos vídeos dos diferentes
ritmos e movimentos do forró, do xote, xaxado e baião, como forma de perceber a
realidade e por uma decisão da turma a música que eles decidiram dançar no
evento da escola foi a música “numa sala de reboco”. Esta escolha se deu devido
aos momentos da rotina escolar nos quais os alunos apreciavam músicas de Luiz
Gonzaga.
Como forma de conhecer melhor o forró, pesquisaram a origem e a história
deste ritmo no país, integrando a Arte à história da dança; descobriram seus passos
tradicionais e daí começaram a construção dos movimentos para a coreografia.
(LIMA; MOURA, 2012).
Inicialmente, a professora da turma expôs no quadro da sala de aula a tabela
mostrada na Figura 9, para reflexão dos alunos contendo o “como”, o “pra que” e por
último a referência por meio da palavra de como se executa os movimentos do ritmo
do forró. Aqui como no outro relatório poderiam ter sido explorados os fatores
dessas movimentações características da Dança, trabalhando o estudo do
movimento, trabalhando um conteúdo específico da Dança, além de agregar
apreciação, ação e contextualização.
Figura 8 - Tabela
Fonte: Gislâne Cruz (2013)
Através da leitura de textos sobre a história do forró fizeram atividades sobre
essa história, desenharam, ensaiaram e dançaram na festa de São João da escola o
resultado do que foi estudado em sala e após a festa foi feita uma atividade de
36
registro, onde as crianças exercitaram a escrita e relataram o que acharam, fizeram
e o que viram na festa.
Em “Vem dançar, vem requebrar, vem fazer o corpo se mexer e acordar”, o
terceiro relatório lido e escrito pelas professoras Ruth Regina de Lima e Uiliete
Márcia Silva de Mendonça, foi desenvolvido em formato de artigo, no quarto
bimestre do ano de 2010, na turma 4, e teve como objetivo abrir a reflexão sobre o
ensino e aprendizagem da dança na escola além de compartilhar o trabalho e o
conhecimento com os pais das crianças e professores de outras instituições. (LIMA;
MENDONÇA, 2010)
O relato trata a dança como conteúdo, linguagem e cultura e ainda nos
reporta a entender o verdadeiro sentido da dança na escola, que não é o da
reprodução de passos, mais sim o incentivo à improvisação, à criação própria do
aluno e as diferentes possibilidades do movimento. Com o intuito de trabalhar e
respeitar a especificidade da Dança e modificar o conceito desta, como sendo
apenas um lazer, uma distração, este relatório difere dos anteriores, pois apresenta
um estudo mais aprofundado e integrado da dança com outras áreas como:
Linguagem oral e escrita, Matemática, Ciências naturais, Artes e Educação Física.
Marques (2012) a respeito da criação de novos sentidos para a Dança e demais
seguimentos artísticos cita que:
Se a dança foi trabalhada como linguagem e construção de arte, o corpo e o movimento serão vividos de outras formas pelos estudantes; se a música foi trabalhada como linguagem e construção de arte, os sons e as músicas ofertadas no meio social serão compreendidos de outras formas; se as artes visuais foram apresentadas como linguagem e construção de arte, a profusão de imagens que nos rodeiam serão assimiladas e lidas de outras formas; se o teatro foi trabalhado como linguagem e construção de artes, as personagens e as cenas cotidianas serão vivenciadas de outras formas; se a poesia foi trabalhada como linguagem e construção de arte, as palavras terão novos significados e valores (MARQUES, 2012, p. 35).
Segundo Lima e Mendonça (2010) o tema dessa turma surgiu de uma aula na
qual as crianças ouviram a música “Ciranda das bailarinas”, e a partir da mùsica
começaram a fazer movimentações no espaço que lembravam o ballet. Após as
professoras notarem o interesse e saberem da importância da dança como
conhecimento os objetivos foram organizados em torno da dialética da compreensão
37
e vivência da dança, transformando mais uma vez a realidade em objeto de estudo
para só assim trabalhar a interdisciplinaridade, a relação, a mutualidade, foram eles:
Compreender os diferentes sentidos atribuídos às danças;
Apreciar alguns espetáculos de danças;
Vivenciar diferentes possibilidades de criação e expressão dos movimentos com e sem uso de instrumentos;
Observar e perceber o tipo de roupa (figurino), o cenário, o tema, ritmo, os dançarinos, os movimentos realizados e os espaços onde a dança é realizada;
Estabelecer relações de diferenças e de semelhanças entre as danças observadas e conhecidas e participar do processo de improvisação, composição e alegria de dançar;
Ampliar o repertório de expressão cultural das crianças;
Apreciar o balé e emitir suas impressões, sentimentos, emoções e conhecimentos sobre seus elementos (dançarino/corpo e movimento, espaço, som) e do movimento;
Vivenciar/dançar o balé (MELO; MENDONÇA, 2010, p. 6).
A partir daí foram desenvolvendo e conhecendo as danças brasileiras que
compunham a nossa diversidade por meio de vídeos. Através de um diálogo as
professoras perguntaram aos alunos quais as danças que conheciam, quais já
tinham visto ou dançado e como sempre através do diálogo conversaram com as
crianças, sobre semelhanças e diferenças. A partir desse registro lembramos a
relação que Fazenda (2003) faz a Paulo Freire:
A educação para Paulo Freire é ação cultural para a liberdade, ou seja, é um ato de conhecimento no qual o aluno assume o papel do sujeito do conhecimento, através do diálogo com o educador (FAZENDA, 2003, p.37).
A partir do relatório e da citação anterior enfatizamos que, cabe ao professor
decifrar juntamente com os alunos os conteúdos mergulhados na mescla
interdisciplinar do tema proposto, cada descoberta gera uma nova relação, um novo
fio condutor, como podemos perceber nas falas das crianças, citadas no relatório em
questão:
‘Existem muitas danças: samba, forró e baião’.
‘As crianças da outra turma 4 dançaram o frevo’. ‘No balé usa-se muito a ponta dos pés e movimentos com os braços para equilibrar’. ‘Tinha bailarinas e bailarinos fazendo passos de balé’. ‘Os dançarinos estavam dançando no palco’. ‘Tinha moças, rapazes e crianças dançando’
38
(MELO; MENDONÇA, 2010, p. 6 e 7).
As professoras desta turma consideraram as vivências das crianças como
saberes e estimularam-nas a expressar o que conheciam sobre a dança fazendo
perguntas como: O que sabemos sobre a dança? Para que agente dança? O que é
preciso para ter dança?E assim as crianças foram trazendo a realidade e os seus
pensamentos particulares como respostas, que ao longo do tempo se tornaram
conhecimentos (MELO; MENDONÇA, 2010).
‘DANÇA É UMA COISA QUE FAZ O CORPO MEXER’ ‘É UMA COISA ESPORTIVA ‘QUANDO CRIARAM A MÚSICA, PENSARAM NESSA COISA, O RITMO, A DANÇA’ ‘NO BALÉ DANÇA HOMEM E MULHER’ ‘PARA SE SENTIR MARAVILHOSO, SAUDÁVEL’. ‘PARA SE DIVERTIR’ ‘PARA GANHAR UM DINHEIRINHO’ ‘PRECISA DE MOVIMENTO’ ‘TEM QUE PRESTAR ATENÇÃO NO RITMO DA MÚSICA... TEM HORAS QUE É TRANQUILA, TEM HORAS QUE É MAIS RÁPIDO’ (MELO e MENDONÇA, 2010, p. 7 e 8).
A partir dessas respostas foram pensados e organizados os conteúdos com
as áreas do conhecimento e depois foram estruturados num quadro-guia para
nortear as atividades, conforme a Figura 10:
Figura 9 – Organização dos conteúdos pelas professoras
Fonte: Gislâne Cruz (2013)
39
A primeira atividade desenvolvida com as crianças foi a de dançar pela sala
de aula dando atenção às diferentes partes do corpo, podendo movimentá-lo em
diferentes direções, sob as sugestões da professora, trabalhando a improvisação;
logo após, as professoras propuseram aos alunos dançar com diferentes objetos em
diferentes ritmos, utilizando as dinâmicas de movimento, fazendo com que cada um
percebesse o seu limite; em seguida formaram duplas e demonstraram a toda a
turma o que experimentaram, expressando diferentes movimentações e diferentes
situações de dança. Ao final de cada proposição as crianças registravam suas
impressões através da fala, do papel, do desenho ou da escrita.
Para ampliação do conhecimento segundo Melo e Mendonça (2010) as
crianças foram à biblioteca pesquisar em livros, enciclopédias e etc. sobre a
temática que estava sendo estudada para que depois esse material pudesse ser
exposto na escola para outras crianças.
Um discurso se complementa no outro, pois a linguagem não é de um mais de vários. Ela está entre. Isto quer dizer que não existe opinião só de um; toda a subjetividade está inserida numa intersubjetividade, toda disciplina requer interdisciplinaridade (FAZENDA, 2003, p.41).
O balé foi escolhido como foco de estudo, pois este se mostrou ser o maior
interesse das crianças como relatado pelas professoras. O livro “Ritmo e Dança” foi
utilizado para um diálogo com as crianças a respeito da história do balé;
conversaram com as crianças e em seguida construíram um texto coletivo que
continha as falas das crianças em registro. Para desenvolver a criatividade e a
imaginação foram utilizadas várias técnicas de artes, materiais de acordo com a
“Proposta Triangular” da professora Ana Mae Barbosa, que possui três eixos
básicos: contextualização/leitura da obra, apreciação e a ação artística.
Leram a obra de arte “A Dança” de Matisse, que se refere a uma escultura de
bailarinos (as) com canudos de jornal; apreciaram a obra e refletiram sobre diversos
elementos como: cores, formas, linhas, pontos, movimento e etc. trabalhando, Artes
Visuais, Dança e Matemática, de uma forma quase imperceptível. Além da vida e
obra de Matisse. (MELO; MENDONÇA, 2010, p.13). Primeiro fizeram a leitura da
obra com o corpo para perceber os movimentos, em seguida cada grupo de crianças
40
desenhou a obra estudada com um giz no chão e só então passaram para a releitura
sobre os elementos da obra.
Ao apreciarem a obra de Matisse, a qual o nome foi modificado pelas crianças
para: “Os Índios Dançantes”, criaram uma história para expressar a leitura que
fizeram da obra e as relações que fizeram do quadro com os conhecimentos de
cada um e o que a obra despertou neles.
A composição que foi feita através da improvisação de movimentos teve
inicialmente um aluno da turma que não se sentiu a vontade para participar da
dança, alegando que nunca tinha visto seus pais dançarem e achava que era coisa
de menina, mais isso foi solucionado pela equipe da escola. Quando chegou a
semana da criança a escola organizou um espaço para que os pais também se
expressassem, e ocorreu de um dos pais se apresentar dançando sapateado. Como
comum após a apreciação da dança, conversaram com o grupo de crianças da
turma 4 sobre o que viram, sentiram e ouviram e daí despertou naquela criança que
não queria dançar, uma vontade de praticar essa dança.
Com o estudo sobre o balé foi questionado: por que não levar as crianças a
um teatro para assistirem a um espetáculo de dança?(especificamente o balé) E
assim se fez, assistiram ao espetáculo “La Fille Mal Gardeé” da Escola de Dança do
Teatro Alberto Maranhão (EDTAM) que estava em cartaz no teatro. No dia seguinte,
conversaram sobre a apreciação e as professoras ouviram afirmações como: “Foi
muito lindo o Balé”, “os bailarinos giravam e saltavam”, “Eles faziam muitos
movimentos com os braços, as pernas e a ponta do pé”, “As bailarinas dançavam
como se estivessem nas nuvens”. Essas afirmações expressam mais uma vez o
pensamento de Fazenda:
E o homem, só pelo fato de existir, de ter um corpo, já faz parte de uma realidade. Ele não cria nada, pois tudo já está no mundo. Ao educador-educando, num processo interdisciplinar, cabe a tarefa de readmirar o mundo (FAZENDA, 2003, p.41).
O sentido de readmirar o mundo, proposto pela autora, seria o de após
estudar especificamente os conteúdos de forma agregada, perceber as coisas ao
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seu redor de forma diferente, crítica. Como disse Isabel Marques em um de seus
escritos:
[...] A arte e o conhecimento na área de arte, assim, têm o potencial não somente de ampliar e diversificar relações e relacionamentos, mas, sobretudo, de aprofundar e eventualmente transformar a visão monocórdica do consumo descabido, da ganância sem ética, de fins que justificam meios vexatórios, escandalosos e desrespeitosos (MARQUES, 2012, p. 35).
Para ajudar a turma a compor uma dança as professoras convidaram duas
alunas da turma que faziam balé na EDTAM para falarem da sua experiência com o
ballet na instituição e as demais crianças da turma fizeram questionamentos acerca
da roupa que se veste, dos passos, do que se precisa para dançar balé e de outros
assuntos. Elas responderam as perguntas e logo após mostraram alguns passos de
balé, nomearam os movimentos e por fim apresentaram uma coreografia que todas
as crianças dançaram. No outro dia as professoras conversaram com as crianças
sobre a vivência com o ballet e fizeram um texto registrando suas falas.
Melo e Mendonça (2010) citam no relatório que durante esse estudo sobre o
balé os alunos criaram movimentos para construir a coreografia “Ciranda dos
bailarinos e bailarinas”, onde também construíram e reconstruíram, experimentaram
possibilidades de movimento que poderiam ser transformados em dança e para
fechar o estudo apresentaram a coreografia para os pais e para a comunidade
escolar e levantaram os pontos que eram mais significativos organizando a fala das
crianças em uma pequena redação de um texto, trabalhando o registro e a escrita do
que se faz fechando assim o estudo sobre o tema.
No relatório feito pelas professoras Analice Cordeiro dos Santos Victor e Leila
Araújo de Lima (bolsista) no período de abril e junho do ano de 2012 sobre a turma
do 3º ano da tarde e sobre a preparação das crianças para o São João a partir do
tema "Tradições Juninas do Nordeste", as professoras aproveitaram essa ocasião
para continuar seus estudos juntamente aos alunos sobre as manifestações culturais
do Nordeste, tema que foi iniciado no bimestre anterior com o estudo sobre o teatro
de mamulengos. Foi proposto ao grupo conhecer mais sobre as manifestações
culturais de nossa região: as festas juninas. Iniciaram o estudo como os demais
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relatórios já citados acima, identificando com as crianças o que já conheciam sobre
as festas e a partir de então decidir quais questões seriam estudadas trabalhando o
diálogo, muito importante no processo inicial de integração. Na busca de respostas
para os questionamentos feitos às crianças as professoras organizaram a rede
temática do estudo e das questões e também organizaram várias situações
didáticas:
Leitura e interpretação de texto sobre a origem das festas juninas;
Entrevista com familiares sobre a tradição das simpatias;
Pesquisa na internet sobre as tradições de acender fogueiras;
Produção individual de texto sobre a tradição de acender fogueiras;
Leitura e interpretação de texto sobre a origem da quadrilha;
Produção de texto coletivo sobre a quadrilha;
Produção de texto coletivo sobre o casamento matuto (VICTOR; LIMA, 2012, p. 3).
Podemos perceber nesse relatório processos semelhantes aos trabalhados
nos relatórios anteriores a partir dos quais se pode notar uma unidade metodológica,
com algumas variações. Às vezes a proposta está ligada a uma data comemorativa
devido esta data ser definida com o Estudo da Realidade (ER) onde surge uma
identificação, curiosidade ou interesse do grupo que gera a definição de um tema de
pesquisa através da Organização do Conhecimento (OC) para ampliação da visão
de mundo das crianças e integração dos conceitos de diferentes áreas do
conhecimento e por fim, através da Aplicação do Conhecimento (AC), colocam em
prática toda essa estruturação (RÊGO, 1999).
A cada prática que era vivenciada em sala de aula novos fios iam se traçando
na rede temática, novas questões surgiam, assim como novas respostas e assim foi
feito o estudo da realidade. Os professores analisaram as respostas e
questionamentos, estabeleceram objetivos como:
Narrar fatos relacionados às histórias da quadrilha, mantendo o
encadeamento dos fatos e sua sequência cronológica, discernindo o
passado, o presente e o futuro, trabalhando o campo da história;
Conhecer a história e as transformações sofridas pela Quadrilha, [...]
[...] Construir movimentos para compor a coreografia da quadrilha, trabalhando a criatividade e a composição coreográfica, conteúdo da área de dança; [...]
[...] Realizar movimentos corporais dentro do ritmo da quadrilha e etc (VICTOR E LIMA, 2012, p. 5).
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Definidos os objetivos, deu-se inicio à organização do conhecimento, a qual
se iniciou com um trabalho de leitura, explorando a área das linguagens e da história
através da leitura, interpretação de textos e atividades sobre as origens da quadrilha,
além da produção de um texto coletivo sobre o casamento matuto e sua reescrita,
ainda trabalhando a história e a linguagem em conjunto entrelaçando as áreas do
conhecimento. Em seguida, deram início à construção e aos ensaios conhecendo os
mais diversos movimentos característicos da quadrilha como: o “anarriê”, “balancê”,
“túnel do amor”, “X a galope”, “carrossel”, dentre outros. Se mais explorado o
conteúdo da dança, poderia ter sido trabalhada a improvisação, a criatividade dos
alunos e até resignificação dos movimentos, alterando os níveis dos movimentos,
por exemplo, onde tudo que fosse no nível alto (de pé) tivesse sido executado no
nível baixo, estimulando os alunos á criação, não ligada à repetição, mais na ideia
de identidade, de originalidade.
Após ter trabalhado a Organização do conhecimento (OC), a construção e os
ensaios da quadrilha as professoras Analice e Leila trabalharam com a Aplicação do
conhecimento (AP) construindo um texto com os alunos que continha escritos sobre
o que foi trabalhado, as características do que estava sendo estudado, como e onde,
a historicidade do tema. Finalizaram o estudo das tradições juninas do nordeste com
a apresentação dos alunos como uma forma de mostrar o resultado do que foi
estudado em sala de aula para os pais e demais alunos da escola.
Após leitura dos relatórios é possível fazer algumas observações com base
nas leituras de referência sobre o ensino da dança. A primeira delas é que no NEI a
dança é realmente tratada como um dos conteúdos e da área de Arte por esse
motivo assegura a sua especificidade num contexto de uma educação
interdisciplinar, no entanto, como em todo trabalho, há limites e lacunas que podem
ser discutidas.
De acordo com os relatórios analisados e com Lima (2009) as professoras
conferem à dança diferentes sentidos e variam nos métodos de aplicação desse
conhecimento. Reconhecem a dança como expressão cultural, dando prioridade ao
trabalho com as danças folclóricas e as datas comemorativas, alguns detém um
conhecimento mais específico em Dança, procurando explorá-lo em sua
especificidade e trabalham com a exploração da criatividade da criança e não com a
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reprodução de passos, como é o caso do relatório “Vem dançar, vem requebrar,
vem fazer o corpo se mexer e acordar” (MELO; MENDONÇA, 2010).
A relação com a interdisciplinaridade foi observada nos relatórios analisados
acerca da ação do professor, que escuta primeiro o aluno e propõe formas de
abordagem dos conteúdos a partir de seus questionamentos, observa e aprecia
juntamente aos alunos para só então desenvolver práticas, desenvolvendo um
diálogo, uma troca, a universalização, ou seja, um ato interdisciplinar.
No entanto, observamos que há experiências que abordam a dança de forma
muito livre ou muito conduzida, não se detendo na contextualização ou em
processos de criação mais elaborados, mas sim no livre fazer e/ou na reprodução do
movimento. Embora uma abordagem não exclua a outra, e todas possam ser
consideradas em um trabalho com a dança, é importante considerar que o
conhecimento produzido na área aponta uma maior diversidade de fazeres
pedagógicos e que, por vezes, o desconhecimento destes, deve-se à falta de uma
formação específica na área que faz surgir lacunas no trabalho realizado, como já
observado por Lima (2009) em momento anterior.
Outro ponto para comentar é o fato da escola ter adotado o tema junino como
comum a todas as turmas, é um fator que propicia o trabalho com a dança, nesse
período, uma vez que a dança está presente de forma significativa como um
conteúdo a ser abordado em vários relatórios lidos. Esse contexto nos faz lembrar o
trabalho de Marques (2003) e Porpino (2006) que afirmam a dança estar ainda na
escola atrelada somente às festividades. Compreendemos que isso por si só não se
constitui um problema, dependendo da forma como a dança for abordada e se a
escola trabalha numa perspectiva da dança como conteúdo, não a restringindo
somente a uma função recreativa. No contexto do NEI esse comentário também faz
lembrar as observações da Profa. Ruth Regina sobre o ensino da dança na citada
escola, em período anterior a 2009, e sua necessidade de redimensionamento, o
que motivou a realização de sua pesquisa.
Os poucos registros encontrados vieram confirmar que a dança, no NEI, em relação a outros conhecimentos, não acontece sistematicamente e que, quando ocorre, está quase sempre associada às danças tradicionais que são apresentadas em festas da escola (LIMA, 2009, P.13).
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Entendemos que o tema das festas juninas é bastante pertinente em termos
de conhecimento sobre a identidade cultural, e que muitas vezes abre-se uma
oportunidade de trabalho do conteúdo da dança, no entanto, nesse contexto, o
conhecimento específico da dança pode ser mais explorado. Nesse caso aprofundar
os conteúdos da Dança é importante para que ela não seja vista apenas como lazer,
ou ponto de apoio para outras áreas ou ainda esteja presente na escola somente em
decorrência de festa.
Então o que pode se observar no contexto dos relatórios analisados é que
pedagogicamente os relatórios introduzem a dança de forma interdisciplinar e a
associam a outras áreas de conhecimento, mais em alguns momentos esse
conhecimento ainda é pouco explorado ou utilizado como um ponto de apoio para o
desenvolvimento de outras áreas ou temas de pesquisa. Não podemos considerar
isso um ponto negativo, pois a dança também pode ser introduzida dessa forma na
instituição além do que nos relatos, os professores descrevem um recorte do que foi
vivenciado nas práticas durante apenas um bimestre. Podemos afirmar, sim, que tal
formato pode ser redimensionado e que o NEI tem competência para ampliar
abordagens da dança em diálogo com outras áreas a partir de seus próprios
conteúdos. Seguindo a lógica do NEI, os professores podem escolher o que relatar
nos relatórios, como o tema de pesquisa, a produção de texto, o trabalho como um
eixo de ensino/aprendizagem, da matemática, a linguagem teatral, o trabalho com a
construção de regras/limites, etc. Reconheço que às vezes o trabalho com a dança
não é o recorte escolhido e como foi solicitado para a pesquisa um recorte de tempo
(2010 a 2013) e de tema (relatos com dança) ressaltar o contexto de produção dos
relatos é importante. Mais também vale considerar que muitos professores têm o 2º
bimestre ainda como o momento letivo propício ao trabalho com a dança. Tomamos
como exemplo o relatório analisado; “Ela só quer, só pensa em namorar: dançando
e aprendendo sobre o xote”, no qual a partir de uma brincadeira dos alunos sobre o
casamento, surgiu a necessidade da construção da dança, mas a ideia poderia ter
sido mais explorada a partir do conteúdo de composição em dança. Poderia ter sido
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estudado juntamente com os alunos os princípios de movimento5, as dinâmicas, o
espaço 6 entre outros conteúdos da dança, por exemplo.
Vimos na experiência de estágio e nos relatórios analisados que, numa
proposta interdisciplinar, a abordagem dos conteúdos na escola requer sensibilidade
e diálogo do professor com os alunos para que se conheça a realidade de ensino e
só então se proponha o estudo dos conhecimentos específicos de uma área em
articulação com outras. No caso da dança, o conhecimento específico está ligado à
vivência do dançar, que inclui uma diversidade de possibilidades de movimentar-se
que vão para além do aprendizado dos passos de dança, por imitação ou
reprodução. Outros mecanismos para a composição de uma dança podem ser
explorados na escola como o estudo da movimentação através da Coreologia7 (o
que move como move e com o que se movimentam as pessoas, o estudo das
variações de movimento que levam ao conhecimento das partes do corpo, das
dinâmicas, do espaço, das ações e relacionamento; o estudo da kinesfera), da
Improvisão, da leitura crítica de uma obra, dentre outros (BRASIL, 1998).
5 CONCLUSÃO
A partir das experiências vividas como estagiária no NEI, assim como a leitura
de seus documentos e produções, percebemos que a dança pode ser pensada
como um conteúdo numa perspectiva interdisciplinar e de formação de um indivíduo
em sua complexidade, capaz de transitar por diversas áreas do conhecimento.
O contato com essa instituição de ensino nos levou não somente à realização
do Estágio Supervisionado Obrigatório e do desenvolvimento desse Trabalho de
Conclusão de Curso, mas possibilitou nossa inserção em um ambiente educacional
5 Por Laban são identificados como Fluência, Espaço, Peso e Tempo, em relação ao movimento.
Como estes fatores dependem do fato de existir, o agente com eles se relaciona, de uma forma integral. Esta relação aparece no movimento. Este, portanto, é ativado e expresso com gradações de qualidades do esforço por meio da capacidade de múltiplas atitudes internas, como as capacidades racionais, físicas e emocionais que se tem perante os fatores de movimento. (RENGEL, 2003) 6 Por meio da locomoção para objetos e pessoas, começa a experiência com o fator espaço, que
acontecem de forma direta (um único foco no espaço) ou flexível (multifoco). A tarefa do fator espaço é a comunicação, que faz o nós nos relacionarmos com o outro e com o mundo à sua volta. Dando foco do movimento. (RENGEL, 2003) 7 'é a "teoria das leis dos eventos de dança manifestadas numa síntese de experiência espaço
temporal... uma espécie de gramática e síntese da linguagem do movimento lidando não só com a forma exterior do movimento mas também com seu conteúdo mental e emocional'(FERNANDES, 2006, p.46)
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interdisciplinar, que fomentou nossa busca pessoal pela pesquisa e pela reflexão
sobre a dança em um contexto mais amplo de ensino e produção acadêmica, como
conteúdo integrado a outras áreas do conhecimento.
No entanto, faz-se importante também observar que, embora a Dança esteja
integrada de forma interdisciplinar na instituição, ainda há muito a ser ampliado
nessa perspectiva com relação a esse conteúdo, principalmente no que se refere a
diversificação de abordagem dos conhecimentos que caracterizam a dança, uma
vez que os mesmos ainda não estão suficientemente explorados no Projeto
Pedagógico da escola, nem presente de forma mais evidente nas experiências
descritas nos relatórios, tanto quanto outros conteúdos. Esse ponto é importante
para que a dança seja incluída mais amplamente no processo interdisciplinar e
possa realmente manter um diálogo com outras áreas de conhecimento.
Vemos, como um limite, nesse contexto, a falta de formação específica de
professores para o ensino da dança na escola, mas entendemos que isso pode ser
modificado ou atenuado a partir da realização de Cursos de Especialização na área
de dança, palestras, oficinas a respeito da metodologia da dança, bem como outros
projetos institucionais para a formação continuada dos professores. Nesse ponto,
salientamos que o NEI tem buscado, ao longo dos últimos anos, minimizar as
lacunas no que se refere à falta de formação específica dos seus professores com
relação ao conteúdo dança, esse ponto é abordado no trabalho dissertativo da
Profa. Ruth Regina, citado nesse texto, como também seu próprio trabalho é fruto
dessa busca por ampliar o trabalho com a dança na escola.
Outra situação que contribui para esse desenvolvimento do trabalho com a
Dança na escola é o estágio supervisionado, pois este possibilita um intercâmbio
entre a escola de Educação Básica e as instituições que formam os professores
para nela atuar. Em nosso caso destacamos a relação entre o NEI e o Curso de
Dança da UFRN, que vem se ampliando nos últimos anos no sentido de realização
de uma troca de experiências entre a formação docente e o ensino da dança. Nesse
sentido o NEI contribui com a formação dos alunos de dança em estágio,
promovendo a inserção e a abordagem da dança como conteúdo inserido num
ambiente interdisciplinar e o Curso de Dança pode contribuir para ampliar esse
trabalho na medida em que produz um conhecimento específico sobre esse
conteúdo.
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A experiência no Nei nos mostra que para haver interdisciplinaridade é
necessária a universalização do conhecimento, a interligação das áreas, como
também a atitude do professor para a tomada de uma postura interdisciplinar. Além
de tudo isso é necessário o respeito pela especificidade das áreas de conhecimento,
mais também é muito importante a difusão dessa prática de ensino pelos diversos
níveis e instituições.
A difusão da interdisciplinaridade no âmbito escolar, fará com que o ser
humano aprenda de forma interligada os conteúdos das mais diversas áreas,
refletindo e aprendendo o conhecimento do real, não da dicotomia proposta pelas
disciplinas, que segrega o ensino escolar com o objetivo de atingir um único
propósito: a realização de uma prova de vestibular ao final do ensino médio e não o
de formar um cidadão que reconhece e reflete de forma crítica sobre sua realidade.
Compreendemos que uma mudança nas instituições educacionais para
atender a uma perspectiva de trabalho interdisciplinar em que a dança esteja
inserida não é nada fácil, pois mexe com todo um sistema escolar, que possui um
passado e um presente, muitas vezes diferente daquele que idealizamos. Para que
seja possível uma mudança da pedagogia e da prática escolar, se faz necessária,
inicialmente, uma reeducação dos profissionais que atuam na escola, isso pode ser
feito através da formação continuada dos profissionais que atuam na área de ensino,
a exemplo do que faz o NEI, e concomitantemente, a formação de novos
professores que sejam capazes de trabalhar de forma mais articulada o
conhecimento da dança, frente a outros conhecimentos e a uma visão mais
abrangente do ensino. Essas ações são imprescindíveis para que haja alterações
nos projetos pedagógicos das escolas, como fruto de reflexões na prática diária do
ensino.
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REFERÊNCIAS
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50
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ANEXOS