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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA Elmir Henrique Silva Andrade CONSTRUÇÃO DE VALORES NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA Natal/RN 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · fazem muita falta. A Francisco Gilberto, meu avô. Agradeço pela disponibilidade e vontade de ... Paulo César e Charles Alexandre,

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Elmir Henrique Silva Andrade

CONSTRUÇÃO DE VALORES NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

Natal/RN 2017

ELMIR HENRIQUE SILVA ANDRADE

CONSTRUÇÃO DE VALORES NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Central, como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Educação Física, sob a orientação da Profª. Drª. Priscilla Pinto Costa da Silva.

Natal/RN 2017

Andrade, Elmir Henrique Silva. Construção de valores na educação física escolar: uma revisãosistemática / Elmir Henrique Silva Andrade. - 2017. 30f.: il.

Trabalho de Conclusão de Curso - TCC (Graduação) -Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciênciasda Saúde, Departamento de Educação Física. Orientadora: Priscilla Pinto Costa da Silva.

1. Educação Física Escolar - TCC. 2. Construção de Valores -TCC. 3. Base Nacional Comum Curricular - TCC. I. Silva,Priscilla Pinto Costa da. II. Título.

RN/UF/BS-CCS CDU 796:37

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências da Saúde - CCS

ELMIR HENRIQUE SILVA ANDRADE

CONSTRUÇÃO DE VALORES NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Central, como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Educação Física, sob a orientação da Profª. Drª. Priscilla Pinto Costa da Silva.

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________ Profª. Drª. Priscilla Pinto Costa da Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Presidente da Comissão Examinadora

_______________________________________ Prof. Dr. Aguinaldo Cesar Surdi

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Examinador Interno

_______________________________________ Prof. Me. Rafael de Gois Tinôco

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Examinador Interno

Aprovado em ____/____/________

Natal/RN 2017

DEDICATÓRIA À Maria de Lourdes Silva (in memoriam),

minha avó, que mesmo não tendo sido

professora, mostrou-me a importância da

esperança, elemento essencial na arte de

educar.

AGRADECIMENTOS

Ainda que um elemento pré-textual de um Trabalho de Conclusão de Curso não

seja suficiente para expressar toda a gratidão às pessoas que contribuíram com as

minhas conquistas dos últimos quatro anos, eu não poderia deixar de registrar, de

maneira formal, o quão especiais elas são em minha vida. Desse modo, as minhas

gratulações são:

À Maria Aparecida e a Francisco Elme, meus pais. Agradeço-os não somente

pela vida, mas por um motivo ainda mais relevante: o dom de saber viver. Agradeço

por toda a dedicação que tiveram no sentido de me proporcionar as oportunidades

para ser uma pessoa melhor. Certamente a primeira grande sorte da minha vida foi

ser filho deles.

À Maria José, minha avó, pelos cafunés, abraços, confiança e por acreditar nos

meus sonhos. Com ela pude aprender o que é o amor verdadeiro.

À Elna Cristina, minha tia, minha segunda mãe. Abdicou de várias coisas

simplesmente para ver os sobrinhos felizes. Espero que um dia eu seja capaz de

retribuir pelo menos uma parte do que ela fez.

À Elisandra Inara e à Helena Mirela, minhas irmãs de sangue e de coração.

Sem elas, a vida não teria a menor graça. Foram, sem dúvidas, os maiores presentes

que meus pais me deram.

À Bruna Guimarães, minha irmã de coração. Eu não teria chegado tão longe

sem ela. Nos momentos em que nem eu mesmo acreditei em mim, foi ela quem me

apoiou e não me deixou cair. Cada objetivo que conquisto tem, indubitavelmente, uma

enorme contribuição dela.

À Elma Regina, minha tia. Foi a primeira pessoa da família a me pegar no colo,

antes mesmo da minha mãe. Agradeço por ser um dos meus referenciais, um exemplo

de empenho a ser seguido. Agradeço pelas conversas excelentes nos momentos em

que estamos juntos. Tais momentos são poucos, mas são inesquecíveis.

À Marcia Ferreira e à Sâmia Ferreira, minha tia e minha prima,

respectivamente. Agradeço pelas boas risadas dadas e pelas ótimas conversas no

final de tarde, regadas a leite com Toddy e alguns pães assados na manteiga, que me

fazem muita falta.

A Francisco Gilberto, meu avô. Agradeço pela disponibilidade e vontade de

ajudar sempre que preciso.

A Wesclen Lima, meu amigo. E já se vão quase oito anos de amizade e diversas

situações inusitadas em nossas vidas. Meu parceiro de aventuras automobilísticas

(viagem, pneus furados, pane seca, etc.). Agradeço por poder contar com ele em

todos os momentos.

À Júlia Robert. Agradeço pelas tardes no DE, pelos almoços no intervalo do

trabalho, pelas conversas antes do cursinho, pelos encontros incomuns nas paradas

de ônibus. Agradeço por cada conselho que me fez crescer e superar minhas

barreiras. Agradeço pela pessoa maravilhosa que ela é.

A Pablo Antônio, grande (literalmente) amigo e treinador. Agradeço pelas

conversas filosóficas e interessantíssimas. Uma pessoa boa com o coração puro, que

não mede esforços para ajudar os outros. Um exemplo ao qual procuro seguir.

A Diego Henrique. Pouquíssimas pessoas têm a sorte de ter seu ídolo esportivo

como um dos seus melhores amigos. Tenho tal sorte e agradeço a Diego por ser um

amigo disponível para todas as situações.

A Paulo Vitor. Ainda que os desígnios da vida tenham nos afastado, seria

injusto não agradecer a ele, afinal, durante muito tempo, foi meu melhor amigo, meu

irmão. Dividimos nossa “sofrência” por conta das desilusões amorosas; viramos

diversas noites acordados jogando videogame; compartilhamos o par de fones de

ouvido na volta para casa, após a aula; fomos parceiros inseparáveis das peladas.

A Albher Jhordão, meu parceiro do surf. Agradeço pelos momentos engraçados

e pelas conversas reflexivas nas cadeiras dos ônibus.

Aos integrantes da minha banda favorita, o Rosa de Saron. Sei que eles nunca

lerão essa homenagem, mas não poderia deixar de fazê-la, afinal, são uma banda

católica que consegue tocar o coração de um ateu com um jeito único e especial de

falar sobre o amor e sobre a vida.

À Maryana Pryscilla e à Ana Charline. Agradeço pelos conselhos, pela torcida

e pelo enorme carinho.

Aos meus amigos e minhas amigas do IFRN – Campus São Gonçalo do

Amarante, os quais tive o grande prazer de treinar para a disputa dos Jogos Intercampi

de 2017. O aprendizado que tive com eles supera enormemente o âmbito esportivo.

A Ailton Leal, Airton Afonso, Christoph Kalil, Daniel Henrique, Josewagner e

Roberto Nunes, grandes amigos que a Educação Física me deu. Não há resenha boa

sem esses caras.

A Félix Guedes, Paulo César e Charles Alexandre, outros membros da

Resenha do Contêiner. Os dois primeiros, meus parceiros inseparáveis nas pistas de

atletismo. O terceiro é o cara mais engraçado que alguém pode conhecer.

Aos professores Aguinaldo Surdi, Antônio de Pádua, Francisco Emílio, Jônatas

Barros, José Figueiredo, Mackson Luiz, Márcio Romeu, Patrick Ramon, Rafael de

Gois, Raimundo Nonato e Raphael Lacerda, os quais tiveram grande importância, de

um jeito ou de outro, no meu processo formativo dentro da UFRN.

À Priscilla Pinto, minha orientadora. Agradeço pela paciência no trabalho de

guiar-me na confecção deste trabalho. É uma mulher com bastante sabedoria e um

jeito meigo de menina.

E, como o ditado diz, por último, mas não menos importante, à Thalia Rafaelly,

o maior presente que a UFRN me deu. Agradeço pela cumplicidade, pelos momentos

de alegria, pelas situações difíceis que enfrentamos juntos e por tudo o que

compartilhamos em pouco mais de um ano. Agradeço por formar comigo, o melhor

casal que existe.

“Se a educação sozinha não transforma a

sociedade, sem ela tampouco a sociedade

muda”.

Paulo Freire

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi revisar na literatura a construção de valores nas aulas de Educação Física. Realizou-se a revisão a partir das seguintes bases de dados eletrônicas: LILACS, Scopus e SciELO. As palavras-chave e descritores utilizados foram: “educação física”, “valores sociais”, “construção de valores” e “moral”, de modo que 08 artigos foram escolhidos para compor este estudo. Estabeleceu-se duas categorias analíticas provenientes dos contextos evidenciados nos estudos. A primeira categoria abrange cinco artigos e foi denominada construção de valores a partir de intervenções previamente planejadas. Já na segunda categoria, que recebeu o nome buscando a construção de valores na Educação Física escolar, estão presentes os três artigos restantes. Os resultados encontrados nos artigos presentes nessa revisão sistemática demonstram que a Educação Física é um componente curricular propício para o desenvolvimento da construção de valores. Nota-se que o tema vem sendo abordado pelas pesquisas de várias maneiras, com metodologias diversificadas. PALAVRAS-CHAVE: Educação Física Escolar; Construção de Valores; Base Nacional Comum Curricular.

ABSTRACT

The aim of this work was to review in the literature the construction of values in Physical Education classes. The review was carried out from the following electronic databases: LILACS, Scopus e SciELO. The keywords and descriptors used were: "educação física", "valores sociais", "construção de valores" and "moral”, so that 08 articles were chosen to compose this study. Two analytical categories were established from the contexts evidenced in the studies. The first category comprises five articles and was denominated the construction of values based on previously planned interlocutions. In the second category, which received the name seeking the construction of values in the School Physical Education, the three remaining articles are present. The results show that Physical Education is a curricular component conducive to the development of values. It is noted that the topic has been approached by the researches in several ways, with diversified methodologies. KEYWORDS: School Physical Education; Construction of Values; Base Nacional Comum Curricular.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Estudos que investigaram a construção de valores na Educação Física

escolar ....................................................................................................................... 18

Quadro 2 – Valores trabalhados nos estudos da primeira categoria ......................... 23

LISTA DE SIGLAS

BNCC – Base Nacional Comum Curricular ............................................................... 13

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais.............................................................. 20

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13

1.1 PROBLEMÁTICA ............................................................................................. 14

1.2 JUSTIFICATIVA ............................................................................................... 15

1.3 OBJETIVOS ..................................................................................................... 15

1.3.1 Objetivo geral ........................................................................................... 15

1.3.2 Objetivos específicos .............................................................................. 16

2 METODOLOGIA .................................................................................................... 16

2.1 TIPO DE PESQUISA ....................................................................................... 16

2.2 BASES DE DADOS ......................................................................................... 16

2.3 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO .......................... 16

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 17

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 27

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 28

13

1 INTRODUÇÃO

A Educação Física escolar no Brasil proporciona ao indivíduo estímulos à sua

Cultura de Movimento, além da compreensão desta. Esse termo começou a ser

difundido por Elenor Kunz em sua abordagem crítico-emancipatória em meados dos

anos 1990 e pode ser compreendido como as atividades relacionadas ao movimento

humano, seja no âmbito esportivo ou não, pertencentes ao mundo do se movimentar

e as produções ou criações do ser humano a partir desse meio, com base em seu

comportamento e conduta (KUNZ, 2004).

Segundo Daolio (2004), a Cultura de Movimento se apropria de uma concepção

dialógica para considerar a relação entre o ser humano e o mundo e, desse modo,

compreende a Educação Física como prática social, já que esta deve emergir do

movimento vivido pelo estudante, proveniente de sua cultura, de modo a ampliar e

transformar seus significados.

Em vista disso, Mendes e Nóbrega (2009, p. 2) ainda acrescentam que a cultura

de movimento se refere às relações entre as “formas de se movimentar e a

compreensão de corpo de uma determinada sociedade, comunidade, de uma cultura”.

Essa percepção emerge após uma série de mudanças ocorridas no último

século (SIMÕES et al., 2015). A partir da concepção de Cultura de Movimento,

compreende-se que o desenvolvimento humano ocorre de maneira holística,

enfraquecendo a antiga dicotomia corpo/mente, de modo que uma ação gera reflexos

em todas as áreas que integram um sujeito e, a partir de um ponto de vista

fenomenológico, o ser humano sempre é presença corporal (DAOLIO, 2004).

Com base nessa perspectiva, a Educação Física é posta na terceira versão da

Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na área de linguagens. Por meio da

linguagem, segundo o próprio documento, “o homem se constitui sujeito social [...] e

por ela e com ela interage consigo mesmo e com os outros” (BRASIL, 2017, p. 59). A

BNCC coloca ainda, que a Educação Física pode ser dividida em oito dimensões de

conhecimento, dentre os quais está a construção de valores.

Segundo Torres, Schwartz e Nascimento (2016, p 341), os valores são os

“critérios que as pessoas usam para avaliar suas ações, outras pessoas e eventos”.

Dessa maneira, os valores são dos mais variados tipos: éticos, morais, políticos,

estéticos, vitais, ecológicos, econômicos, religiosos e espirituais (PEDRO, 2014).

14

A construção de valores consiste em proporcionar ao indivíduo um pleno

exercício da cidadania dentro de uma perspectiva holística, já que, segundo Spíndola

e Mousinho (2010, p. 140), é possível “observar que os valores, ao mesmo tempo que

estão relacionados intimamente à formação do indivíduo, também são eleitos e

emergentes da cultura e/ou da sociedade a que cada indivíduo pertence”. Isso

corrobora com Menin (2002, p. 93), quando a autora diz que os valores, vislumbrados

a partir de certos pontos de vista, “são determinados por culturas particulares e em

função de certos momentos históricos, variando, portanto, de acordo com cada

sociedade e período de sua existência”. Desse modo, “algo considerado um dia como

correto e justo poderia ser, em outra época, considerado errado ou injusto” (MENIN,

2002, p. 93).

No que tange à Educação Física, a terceira versão da BNCC explica que a

construção de valores:

Vincula-se aos conhecimentos originados em discussões e vivências no contexto da tematização das práticas corporais, que possibilitam a aprendizagem de valores e normas voltadas [...] ao respeito às diferenças e no combate aos preconceitos de qualquer natureza (BRASIL, 2017, p. 179).

Ainda de acordo com o documento, “essa dimensão está diretamente

associada ao ato intencional de ensino e de aprendizagem e, portanto, demanda

intervenção pedagógica orientada para tal fim” (BRASIL, 2017, p. 179). Dessa

maneira, é possível identificar a responsabilidade que o professor de Educação Física

tem no trabalho com valores, devendo essa dimensão estar inserida já no

planejamento das aulas.

1.1 PROBLEMÁTICA

A escola deve intentar bons resultados na construção de valores que

contribuirão com uma formação da identidade dos estudantes e no desenvolvimento

moral destes (WELCHEN; OLIVEIRA, 2013). Apesar disso, é constatado que o

trabalho escolar com os valores ocorre sem o vigor necessário, de maneira superficial

(PEREIRA, 2010). A fim de identificar se o trato com valores está presente na

Educação Física escolar e como ele ocorre, formulou-se a seguinte questão de

15

estudo: como a construção de valores vem sendo tratada nas pesquisas em Educação

Física escolar?

1.2 JUSTIFICATIVA

Justifica a escolha desse tema a preocupação que o autor tem de, após a sua

formação, não ser apenas um promotor de tecnicismo e congruente com os

pensamentos errôneos que colocam que a educação ética e moral se dá apenas no

seio familiar. A escola também tem um papel fundamental e deve ser um local no qual

o sujeito poderá se perceber dentro de sua realidade e, em seguida, transformá-la,

caso queira. O professor tem a responsabilidade de ser um mediador nesse processo,

levando os estudantes a perceberem que a vida é coletiva.

É fato que os profissionais da área de educação têm que estar se capacitando

constantemente. A cada dia, as mudanças que ocorrem na sociedade resultam em

novas formas de encará-la e o professor deve estar pronto para lidar da melhor forma

possível com tudo isso. Nesse sentido, foi criada a BNCC e, dentro dela, a dimensão

acerca da construção de valores foi estabelecida como uma das vertentes da

Educação Física escolar.

Na sociedade hodierna, na qual as pessoas agem cada vez mais de modo

egocêntrico, a discussão dentro da escola acerca dos valores humanos é essencial

para promover aos alunos uma responsabilidade social. A Educação Física escolar

tem um grande diferencial em relação às outras disciplinas porque seus conteúdos

permitem a vivência de situações que propiciam reflexões, o que a transforma em um

ambiente muito favorável a inserção do diálogo sobre a construção de valores.

É necessário verificar como isso vem sendo trabalhado nas pesquisas dentro

das escolas e averiguar se as estratégias estão alcançando seus objetivos para que,

no futuro, novas interlocuções sejam elaboradas.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Revisar na literatura a construção de valores nas aulas de Educação Física.

16

1.3.2 Objetivos Específicos

Sistematizar as pesquisas em Educação Física escolar que tratam da

construção de valores.

Identificar os valores elencados nos resultados das pesquisas.

Discutir como a construção de valores vem sendo apresentadas nas aulas de

Educação Física escolar, a partir da revisão na literatura.

2 METODOLOGIA

2.1 TIPO DE PESQUISA

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura, visto que esse tipo de

pesquisa pode “auxiliar na atualização e construção de novas diretrizes para atuação

profissional” (GOMES; CAMINHA, 2014, p. 297). Segundo Sampaio e Mancini (2007,

p. 84), os "métodos sistemáticos são usados para evitar viés e possibilitar uma análise

mais objetiva dos resultados, facilitando uma síntese conclusiva".

2.2 BASES DE DADOS

A busca por artigos que compuseram a pesquisa foi realizada por meio das

seguintes bases de dados eletrônicas: LILACS, Scopus e SciELO. As palavras-chave

e descritores utilizados foram: “educação física”, “valores sociais”, “construção de

valores” e “moral”, fazendo uso dos termos operantes lógicos and e or para combiná-

las.

2.3 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

Para fazer parte desta revisão, o artigo deveria ser original, ter sido publicado

entre 2007 e 2017, estar com o seu texto completo disponível e ser originário do Brasil.

Já os artigos em formato de revisão sistemática da literatura, os ensaios, as

monografias, as dissertações, as teses e as duplicatas foram excluídas da pesquisa.

17

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na primeira etapa da pesquisa se desenvolveu a busca nas bases de dados

eletrônicas e obteve como resultado o total de 816 artigos. Procedeu-se com a seleção

tendo como base os títulos dos estudos e os critérios de inclusão e critérios de

exclusão, eliminando-se duplicatas, ensaios e revisões, restando 08 artigos. O

refinamento foi finalizado com a leitura dos resumos e, dessa forma, 05 artigos foram

escolhidos. Após a seleção, necessitou-se realizar uma nova busca pelos nomes dos

autores dos artigos selecionados antes da última etapa do refinamento, de modo a

localizar outros trabalhos que estivessem dentro dos critérios de inclusão, para que

os achados não fossem escassos para o desenvolvimento da revisão. Assim sendo,

o número final de artigos para compor este estudo foi 08.

Os artigos que foram selecionados nesta revisão sistemática estão

apresentados no Quadro 1. Tal quadro também detalha as pesquisas quanto aos

objetivos, metodologia e principais resultados. Todos os textos foram publicados até

2015.

Nota-se que os participantes dos trabalhos foram tanto professores quanto

alunos. Isso demonstra a importância da relação entre esses dois atores sociais no

sistema pedagógico, sendo a aprendizagem do aluno como o foco do processo

educacional ideal (SANTOS, 2001) e o professor como ser responsável por estimular

competências e habilidades, tendo grande importância na formação do aluno/cidadão

(SILVA, 2014).

Quanto à classificação (Qualis - Capes1) dos periódicos nos quais os artigos

foram encontrados, não houve muita divergência, estando todas as revistas avaliadas

entre B1 e B3, de acordo com a classificação de periódicos do quadriênio 2013-2016.

Quadro 1 – Estudos que investigaram a construção de valores na Educação Física escolar.

1 O sistema Qualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) procura avaliar periódicos científicos. A classificação é realizada por área de avaliação e é dada em estratos, que se dividem em oito níveis: A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5 E C.

Autor (Ano)

Objetivos Periódico (Qualis)

Metodologia Resultados

Impolcetto e Darido (2007)

Verificar de que maneira o princípio da ética pode ser tratado

Motriz (B1)

Pesquisa-ação; 05 professores

;

As reuniões contribuíram para que os professores refletissem sobre a ética como conteúdo a

18

nas aulas de Educação Física Escolar, por meio de seus componentes (diálogo, respeito, justiça e solidariedade) empregando o conteúdo jogos.

Questionário inicial, encontros coletivos e entrevista semiestruturada.

ser desenvolvido intencionalmente nas aulas.

Sena e Lima (2009)

Investigar o jogo como precursor na socialização de valores, no contexto escolar.

Revista Brasileira de Educação Física e Esporte (B1)

Metodologia de intervenção; 10 crianças; Diagnóstico do desenvolvimento individual.

Houve uma sensível diminuição na incidência de agressões físicas e verbais; notou-se um maior uso do diálogo, frente à necessidade da resolução de conflitos gerados nas situações lúdicas; percebeu-se um maior respeito às decisões coletivas; e observou-se que foram reduzidas as atitudes de discriminação e exclusão.

Leitão et al. (2011)

Verificar se os jogos e atividades propostas, com base na concepção construtivista de aprendizagem, podem contribuir na construção da autonomia e melhoria das relações interpessoais das crianças estudadas.

Revista Brasileira de Ciência e Movimento (B2)

Pesquisa-ação; 21 crianças; Avaliação por meio de ficha individual contendo categorias relacionadas aos valores e conceitos atribuídos a cada categoria.

As novas práticas pedagógicas vivenciadas sinalizaram progressos e evoluções educacionais positivas na autonomia e nas relações interpessoais.

Cruz e Freire (2014)

Analisar o envolvimento dos alunos em projeto que utiliza os jogos cooperativos como estratégia para estimular a internalização de atitudes cooperativas.

Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte (B3)

Estudo descritivo com abordagem qualitativa; 30 crianças; Observação e diário de campo.

Ao final do período da aplicação do projeto foi possível observar que os alunos se envolveram nas atividades realizadas, entenderam o conceito de cooperação e sua importância dentro da escola e em sua vida social.

Molina, Freire e Miranda (2015)

Analisar a aplicação de uma proposta pedagógica para estimular a autonomia nas aulas de Educação Física e identificar a perspectiva de uma professora e de seus

Pensar a Prática (B2)

Estudo de caso; 01 professora e 56 estudantes; Observação participante, questionário e entrevista.

A proposta aplicada estimulou a reflexão, a compreensão crítica e a competência dialógica dos estudantes.

19

Analisou-se e interpretou-se os artigos escolhidos a partir do objetivo desta

revisão e, logo após, estabeleceu-se duas categorias analíticas provenientes dos

contextos evidenciados nos estudos.

A primeira categoria abrange cinco artigos, os quais buscaram verificar a

construção de valores a partir de intervenções previamente planejadas. Eles são:

Impolcetto e Darido (2007), Sena e Lima (2009), Leitão et al. (2011), Cruz e Freire

(2014) e Molina, Freire e Miranda (2015). Neste grupo, os textos projetaram suas

metodologias de modo a intervir em aulas do ensino básico ou no modo como os

professores trabalhavam a construção de valores nas turmas em que lecionavam.

Na segunda categoria estão presentes os três artigos restantes: Freire et al.

(2010), Santos e Matthiesen (2012) e Caetano (2014). Eles estiveram buscando a

construção de valores na Educação Física escolar, partindo da análise do discurso de

professores chegando até a observação de aulas.

estudantes sobre a proposta aplicada.

Freire et al. (2010)

Identificar os conteúdos atitudinais selecionados pelos professores e analisar as características dos conteúdos identificados.

Revista da Educação Física/UEM (B1)

Pesquisa qualitativa; 03 professores; Observação.

A partir das observações foi possível verificar que os professores selecionam inúmeras normas, atitudes e valores para ensinar em suas aulas e que esses conteúdos podem ser classificados em três categorias: reguladores do comportamento dos alunos, relacionados à convivência humana e específicos da Educação Física

Santos e Matthiesen (2012)

Investigar como os professores de Educação Física compreendem o papel deste componente curricular no trabalho de orientação sexual nos anos finais do Ensino Fundamental.

Revista da Educação Física/UEM (B1)

Pesquisa qualitativa e descritiva; 05 professores; Entrevista semiestruturada.

A Educação Física congrega elementos importantes ligados à sexualidade, sobretudo ao trabalhar diretamente “com o corpo” e “no corpo”, por meio de seus conteúdos.

Caetano (2014)

Investigar o jogo em aulas de Educação Física de 5° ano e sua relação com o desenvolvimento moral dos alunos.

Pensar a Prática (B2)

Estudo qualitativo; 03 professores; Diário de campo.

Mesmo o jogo sendo tratado nas aulas, as oportunidades oferecidas ao desenvolvimento moral dos alunos foram pouco aproveitadas.

20

A construção de valores a partir de intervenções previamente planejadas

Nesta categoria, quatro dos cinco artigos, Impolcetto e Darido (2007), Sena e

Lima (2009), Leitão et al. (2011) e Cruz e Freire (2014), com a exceção do trabalho

de Molina, Freire e Miranda (2015), compartilham, além da característica que os

puseram aqui, algo peculiar: utilizaram como objeto das intervenções o conteúdo

jogos. Trazendo para a realidade desta revisão sistemática, isso é equivalente à

unidade temática brincadeiras e jogos da BNCC (BRASIL, 2017). Tal unidade temática

pode ser encarada como uma ferramenta que consegue facilitar discussões acerca

da construção de valores. Isso pode ser constatado quando Brasil (2017, p. 172)

apresenta que:

A unidade temática Brincadeiras e jogos explora aquelas atividades voluntárias exercidas dentro de determinados limites de tempo e espaço, caracterizadas pela criação e alteração de regras, pela obediência de cada participante ao que foi combinado coletivamente, bem como pela apreciação do ato de brincar em si.

O estudo de Impolcetto e Darido (2007) se referencia nos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs), nos quais constam os temas transversais (BRASIL,

1998). No artigo dessas autoras, a construção de valores é trabalhada por meio do

tema transversal ética. Cinco professores de Educação Física responderam a um

questionário inicial e participaram de oito encontros semanais, nos quais havia leitura

de textos, debates, discussões e relatos de experiência. Ao final, cada professor

respondeu a uma entrevista semiestruturada que tinha o objetivo de compreender as

possíveis contribuições dos encontros. As autoras concluíram que tudo o que foi

discutido nos encontros permitiu aos professores vislumbrar várias possibilidades no

trato das questões éticas em aulas de Educação Física. A inserção intencional de tais

questões deu-se em vários tipos de jogos, como exemplificado pelos professores.

Dois dos jogos mencionados foram o “pique-bandeira” e o “base quatro”.

Nota-se que o resultado da pesquisa está em congruência com Perini et al.

(2015) que concluíram que é possível integrar o ensino da ética à prática pedagógica

de Educação Física, pois esta disciplina pode promover a vivência de algumas

situações que permitem intervenções, por parte do professor, fundamentadas em

valores éticos e virtudes.

21

A pesquisa de Sena e Lima (2009) dividiu-se em três etapas: diagnóstica;

intervenção 1; intervenção 2. A duração total foi de dez meses. Realizou-se

sondagens individuais ao final de cada etapa no intuito de compará-las no desfecho

do estudo. Investigou-se, como valores, o respeito mútuo, a cooperação, a

solidariedade e a perseverança. As “práticas foram planejadas, organizadas,

sistematizadas e eleitas a partir de propostas, sugestões e preferências da maior parte

dos protagonistas (professor e alunos) daquela realidade” (SENA; LIMA, 2009, p.

251).

Os resultados indicaram progresso, por parte dos estudantes, nas atitudes

relacionadas aos valores estudados na pesquisa. Constata-se, que o jogo cumpriu

sua função global, “possibilitando ao aluno conhecimentos que ampliam a consciência

de si e do mundo social” (SILVA et al., 2012, p. 145).

O estudo de Leitão et al. (2011) se propôs a adotar uma abordagem

construtivista por meio de uma pesquisa-ação. O trabalho desenvolveu-se em quatro

períodos distintos, com duração de um mês por período e com uma avaliação

individual ao final de cada um. Os valores tratados na pesquisa foram a autonomia e

alguns ligados às relações interpessoais, como respeito mútuo, companheirismo e

solidariedade. Os participantes, estudantes do ensino fundamental – anos iniciais,

tiveram a oportunidade de construir e modificar regras de jogos com ou sem a

utilização de materiais e vivenciar jogos que requeriam a resolução de problemas em

grupo.

Os resultados apontaram que houve progressos e evoluções na presença dos

valores estudados no comportamento dos alunos, sugerindo que o modelo

pedagógico adotado é adequado para este fim.

Molina (2010) indica que, quando se educa para a autonomia, é necessário

preocupar-se com processo e contexto. Desse modo, a construção de regras é

favorecida por levar a um processo de criação, reflexão e organização destas.

A construção de valores esteve presente na pesquisa de Cruz e Freire (2014)

por meio do valor cooperação. Planejou-se uma intervenção pedagógica que

compreendia dez aulas, desenvolvidas recorrendo-se aos jogos cooperativos e a partir

de seis objetivos: conhecer os jogos cooperativos; compreender as diferenças e

semelhanças entre os jogos cooperativos e os jogos competitivos; vivenciar jogos

competitivos e cooperativos; perceber como os colegas se envolvem em cada tipo de

22

jogo; perceber seu próprio envolvimento em cada tipo de jogo; e refletir sobre a

cooperação nos jogos e na sociedade.

As autoras concluíram que as crianças estiveram envolvidas com o projeto,

sendo participativas nas atividades desenvolvidas e tendo reflexões acerca da

relevância da cooperação dentro das aulas, dos jogos e em suas vidas. Desse modo,

os jogos cooperativos demonstram-se como uma possibilidade nos trabalhos com a

dimensão atitudinal dos conteúdos, de modo a não adotar modelos autoritários.

Os resultados do estudo reforçam o que é afirmado por Lovisolo, Borges e

Muniz (2013, p. 137), ao apontarem os jogos cooperativos como “uma possibilidade

de mudança a favor de um aprendizado cooperativo e solidário”.

A autonomia também esteve presente no artigo desenvolvido por Molina, Freire

e Miranda (2015). Uma das autoras do trabalho era, também, a professora das turmas

abordadas neste. Desse modo, construiu-se um projeto pedagógico que objetivou o

estímulo da autonomia dos estudantes de tais turmas.

Observou-se 17 aulas de duas classes distintas da professora. Inicialmente, foi

feita a confecção de um painel no qual estariam estabelecidas as regras que deveriam

ser seguidas por todos os membros de cada turma. Em seguida, construiu-se o Farol

da Educação Física, que foi colocado lateralmente à quadra e possuía espaços com

três cores diferentes: a verde, na qual os estudantes tinham a oportunidade de felicitar

seus colegas, a professora ou as aulas; a amarela, em que os mesmos poderiam

sugerir mudanças em atividades ou condutas; e a vermelha, em que seriam colocadas

as críticas. Prosseguindo, no decorrer das aulas a professora estimulou o diálogo

acerca de regras e valores, que era iniciado, principalmente, nos momentos

conflituosos entre os estudantes.

As autoras concluíram que “a metodologia de ensino adotada permitiu que os

estudantes exercitassem a tomada de decisão, o diálogo e a compreensão crítica,

elementos essências da autonomia” (MOLINA; FREIRE; MIRANDA, 2015, p. 670).

O quadro 02 indica os valores que foram trabalhados nos estudos dessa

categoria e a frequência com que estiveram presentes.

Quadro 2 – Valores trabalhados nos estudos da primeira categoria

Valor Frequência

Respeito Mútuo 02 estudos (SENA; LIMA, 2009; LEITÃO et

al., 2011)

Solidariedade 02 estudos (SENA; LIMA, 2009; LEITÃO et

al., 2011)

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Cooperação 02 estudos (SENA; LIMA, 2009; CRUZ;

FREIRE, 2014)

Autonomia 02 estudos (LEITÃO et al., 2011; MOLINA;

FREIRE; MIRANDA, 2015)

Ética 01 estudo (IMPOLCETTO; DARIDO, 2007)

Perseverança 01 estudo (SENA; LIMA, 2009)

Companheirismo 01 estudo (LEITÃO et al., 2011)

Observa-se que tanto Sena e Lima (2009) quanto Leitão et al. (2011)

trabalharam com os valores respeito mútuo e solidariedade. Segundo Pastro (2015,

p. 11), deve-se usar os jogos para desenvolver a construção de tais valores porque:

É jogando que se aprende o valor do grupo como força integradora pelo sentido [...] da colaboração consciente e espontânea, contribuindo assim na formação de um cidadão crítico e transformador do ambiente (sociedade) em que vive.

A cooperação esteve presente em dois artigos dessa categoria. Sua relevância

social é demonstrada por Correia (2006 p. 159), quando o mesmo diz que esse valor

inserido na Educação Física resulta em “aumento da colaboração, da solidariedade,

da amizade e do respeito entre” os estudantes.

A autonomia foi outro valor encontrado em mais de uma pesquisa analisada

nessa categoria. “Ela está atrelada à conquista do exercício pleno da cidadania”

(BOAVENTURA, 2007, p. 1). Desse modo, a importância de se trabalhar essa questão

dentro das aulas de Educação Física é vista, por exemplo, quando Boaventura (2007,

p. 2) diz que:

Por meio desta disciplina, o professor pode exercer uma prática pedagógica que tente superar tais problemas, realizando então a construção da autonomia dos alunos, quando, por exemplo, permite-lhes resolver problemas, encorajando-os a refletir, discutir e tomar decisões.

Por fim, uma análise dessa primeira categoria indica que intervenções podem

ser planejadas com a inserção de diversos valores, o que é de grande importância

para o desenvolvimento humano pleno dos estudantes e demonstra a necessidade da

dimensão do conhecimento construção de valores no planejamento das aulas de

Educação Física.

Buscando a construção de valores na Educação Física escolar

24

Nesta categoria são expostos três artigos: Freire et al. (2010), Santos e

Matthiesen (2012) e Caetano (2014). Dois deles, Freire et al. (2010) e Caetano (2014),

apresentam a observação como ferramenta metodológica. Segundo Belei et al. (2008)

essa técnica pode auxiliar numa visualização minuciosa por parte do pesquisador, de

modo que, durante a sua realização, registra-se dados visíveis que são de interesse

da pesquisa. Entretanto, é necessário haver preparação e planejamento correto por

parte do pesquisador, no sentido de controlar a observação e torná-la um instrumento

fidedigno (BELEI et al., 2008).

Os valores foram observados por Freire et al. (2010) por meio da dimensão

atitudinal do conteúdo, a qual, segundo Rodrigues e Darido (2008, p. 59), “abrange

valores, atitudes e normas, e sua aprendizagem varia desde disposições intuitivas até

atitudes reflexivas, fruto de uma clara consciência dos princípios que a regem”.

Utilizou-se a observação como instrumento de coleta e a técnica de análise de

conteúdo para interpretar os dados coletados.

Foram observadas 50 aulas de três professores diferentes (15 aulas do primeiro

professor, 15 aulas do segundo e 20 do terceiro), escolhidos de maneira proposital

por apresentarem intencionalidade no ensino de valores, a fim de identificar quais

eram os conteúdos atitudinais selecionados pelos estes. Tais conteúdos foram

divididos em normas, atitudes e valores. No que tange aos valores, foco desta revisão,

encontrou-se que a igualdade, a cooperação, a responsabilidade, o respeito e a

consciência crítica foram conteúdos atitudinais relacionados à convivência humana

comuns aos três professores.

Os autores concluíram que os professores selecionaram variadas atitudes,

normas e valores para serem trabalhados nas aulas. Além de por meio dos valores

trabalhados costumeiramente, a dimensão atitudinal do conteúdo pode aparecer

através de uma infinidade de outros conteúdos, mesmo de maneira inconsciente,

corroborando com os achados de Rodrigues e Darido (2008).

Os valores também foram tratados a partir de um tema transversal dos PCNs,

a orientação sexual, na pesquisa de Santos e Matthiesen (2012). A entrevista

semiestruturada elaborada pelos autores perguntava aos professores de Educação

Física se eles trabalhavam com a orientação sexual em suas aulas, se eles já tinham

se deparado com situações ligadas à sexualidade durante as aulas e qual o papel da

Educação Física na orientação sexual na escola. Registrou-se, descreveu-se,

analisou-se e interpretou-se os discursos dos participantes. Os resultados foram

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divididos em duas categorias. Na primeira foram colocadas as “manifestações da

sexualidade nas aulas de Educação Física” e, na segunda, verificou-se a “Educação

Física no trabalho de orientação sexual na escola”.

O estudo constatou que os professores entrevistados acreditam que a escola é

um importante local para se desenvolver a orientação sexual e que a Educação Física

assume uma posição relevante ao mediar ações pedagógicas referentes à orientação

sexual na escola como um todo.

Saito e Leal (2000, p. 44) colocam que o papel da orientação sexual na escola

é “no resgate do indivíduo enquanto sujeito de suas ações, o que favorece o

desenvolvimento da cidadania, do respeito, do compromisso, do autocuidado e do

cuidado com o outro”. Desse modo, os resultados da pesquisa convergem com os

objetivos da construção de valores na Educação Física.

No estudo de Caetano (2014) foram observadas seis aulas de três professoras,

sendo duas de cada. Tais observações foram registradas em um diário de campo e

analisadas posteriormente. A construção de valores foi tratada por meio do exame do

desenvolvimento da moralidade dos alunos através do jogo.

A autora constatou que as professoras davam pouca abertura aos alunos e

impunham o que deveria ser feito nos jogos. Além disso, verificou-se que os jogos

ofereceram diversas oportunidades para o desenvolvimento moral dos alunos, mas

não houve aproveitamento. Isso pôde ser notado em inúmeras situações que

necessitavam de um momento de reflexão, quando as professoras não mediaram e

nem auxiliaram os alunos nos conflitos. Deve-se levar em conta que “a escola precisa

oportunizar aos alunos a vivência de valores desabrochados nas relações de

convivência, o que significa desenvolver projetos em prol da educação moral”

(OLIVEIRA; CAMINHA; FREITAS, 2010, p. 267).

Os valores foram tratados nos textos dessa categoria de modos distintos, o que

a difere da primeira categoria e, desse modo, impossibilita a verificação da frequência

de ocorrência de cada valor. Apenas o estudo de Freire et al. (2010) apresentou

alguns dos valores tratados na categoria anterior: a cooperação e o respeito. A

presença desses dois valores em ambas as categorias reforça a importância deles

dentro da Educação Física. Entretanto, o fato de se encontrar valores diferentes nos

dois outros textos não pode ser encarado de maneira negativa, muito pelo contrário.

Observa-se que a Educação Física é um campo que permite discussões acerca dos

mais variados valores, o que é importantíssimo para o “exercício da cidadania em prol

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de uma sociedade democrática” (BRASIL, 2017, p. 179), estando em congruência com

os objetivos da dimensão de conhecimento construção de valores.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados encontrados nos artigos presentes nessa revisão sistemática

demonstram que a Educação Física é um componente curricular propício para o

desenvolvimento da construção de valores.

Buscando responder à problemática do estudo, nota-se que o tema vem sendo

abordado de várias maneiras, com metodologias diversificadas: desde trabalhos

observacionais, com foco de análise no professor, objetivando, em geral, identificar os

valores em suas aulas; chegando até às metodologias que olham para o estudante,

apontando os indícios da construção de valores em seu comportamento durante as

aulas.

Já no sentido de verificar se os objetivos foram alcançados, constata-se que a

literatura acerca da construção de valores na Educação Física escolar foi revisada no

estudo, de modo que as pesquisas foram sistematizadas, foi possível identificar os

valores tratados nelas e pôde-se discutir como a construção de valores vem sendo

apresentada.

Autonomia, companheirismo, consciência crítica, cooperação, ética, igualdade,

orientação sexual, perseverança, respeito mútuo, responsabilidade e solidariedade

são apenas alguns exemplos que devem estar presentes, de maneira intencional, no

planejamento das aulas de um professor de Educação Física. Isso proporcionará aos

estudantes reflexões acerca de uma vida cidadã, estimulando-os à busca por uma

sociedade cada vez mais democrática e, consequentemente, com menos injustiças.

Apesar de as aulas de Educação Física demonstrarem-se pertinentes para o

desenvolvimento da construção de valores, é necessário olhar com bastante atenção

e preocupação para os resultados de Caetano (2014). Essa autora retratou o que pode

ser a grande realidade da Educação Física escolar no Brasil. É necessário identificar

os motivos pelos quais os professores deixam de desenvolver a discussão sobre os

valores em suas aulas e procurar dar uma solução aos problemas existentes. No

momento em que a escola deixa de se preocupar com a formação cidadã dos seus

estudantes, deixa de cumprir o seu papel social.

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