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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE DEPARTAMENTO DE FISIOLOGIA
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
A trapaça é rara, mas é bem lembrada: o efeito da cor da pele e do gênero na memória de faces
Tiago José Benedito Eugênio
NATAL
2010
TIAGO JOSÉ BENEDITO EUGÊNIO
A trapaça é rara, mas é bem lembrada: o efeito da cor da pele e do gênero na memória de faces
NATAL – RN
2010
Dissertação apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do título de Mestre em Psicobiologia.
Orientador: Maria Emília Yamamoto
Título: A TRAPAÇA É RARA, MAS É BEM LEMBRADA: O EFEITO DA COR DE PELE E DO GÊNERO NA MEMÓRIA DE FACES Autor: TIAGO JOSÉ BENEDITO EUGÊNIO Data da defesa: 19 de Agosto de 2010 Banca examinadora:
______________________________________
Prof. Charbel Niño El-Hani Universidade Federal da Bahia
______________________________________
Profa. Fívia de Araújo Lopes Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_____________________________________
Profa. Maria Emília Yamamoto Universidade Federal do Rio Grande do Norte
DEDICATÓRIA
Para a minha mãe, Rosária Lopes
de Souza Eugênio e meu pai,
Benedito Eugênio, que tanto me
ensinaram e me ninaram
AGRADECIMENTOS
Janelas são aberturas feitas em paredes, geralmente de uma
construção. São móveis, de madeira ou de metal, que possibilitam visibilidade
e ventilação. Por elas a luz pode penetrar, iluminando um cômodo sombrio,
temido e desconhecido.
Todos os dias eu aparto e fecho as janelas do meu quarto. Este hábito
foi imprescindível, pois garantiu conforto e inspiração na redação deste
trabalho. Contudo, aqui eu não me encontro para vos falar especificamente
sobre janelas. Estas se servem a uma metáfora, pela qual eu agradeço àqueles
que participaram da construção do meu “quarto acadêmico” durante esses dois
últimos anos.
Quase tudo aconteceu em Natal, no estado do Rio Grande do Norte,
mas eu não nasci e cresci na terra do Sol e da brisa constante. Acredito que
não conheceria tão cedo o encanto das dunas de Genipabu e o movimentado
centro financeiro do Alecrim sem as informações e os conselhos preciosos do
professor Gilson Volpato, o qual sempre me ouviu atentamente.
Trocar a cuesta do interior paulista pelo parque de dunas potiguar não
foi uma tarefa simples. E, neste momento de decisão, não posso esquecer o
apoio incondicional da minha querida e estimada amiga, Marcela de Freitas
Rodrigues, que me fez acreditar em coisas “doces” e trouxe novos significados
e luz para minha vida. Estas são as janelas de Botucatu.
Um pouco mais a Oeste, minha família recebeu com certa estranheza a
notícia de que eu iria morar no outro lado do país. Mas não houve qualquer
objeção à minha escolha. Eu sou eternamente grato a minha família,
especialmente aos meus pais, Benedito Eugênio e Rosária Lopes de Souza
Eugênio, pelo apoio e investimento na minha formação. Agradeço pela
generosidade e cadência parental para com o meu cuidado. Estas são as
janelas de Lençóis Paulista
Ao som de Coldplay, vi a terra da garoa, afastando-se sorrateiramente
até esvaecer da vista de minha janela. Agora, estava por minha conta. Não
conhecia ninguém, exceto aqueles que eu me comunicava por meio de janelas
virtuais. Permanecer em Natal e manter as amizades implicou em uma
verdadeira virtualização do meu mundo social, seja via MSN, Orkut, Gtalk e,
mais recentemente, via Twitter. Por isso, agradeço as janelas virtuais de
Rosária Lopes de Souza Eugênio, Renan Vericondo, Frederico Horie Silva,
Fábio Glanso, Danilo de Lima, Eduardo Domingues, Bruno Soares, Fábio
Sugano, Bruno Maranhão, Renata Vinhas Oliveira, Patrícia Hamada,
Juliana Torres de Amaral, Nathália Carvalho, Maurício Alexandre, Eduardo
Rizzi, Illana, Cláudia Pelizzon, Doutor Wall, Júnior (Garoto das Redes
Sociais), Felipe Nalon de Castro, Diego Macedo, Álvaro Guedes, Marcela
de Freitas Rodrigues, Diana Lunardi, Patrícia Cordeiro, Ana Karine,
Natália Camila Moreto, Maiara Palomari, Maria Cristina Eugênio, Patrícia
Negreiros, Sarah Negreiros, Sara de Recife, Sara Pimentel e Fernando
Souza de Recife, Caio Vilar, Aline Sardinha, Marcela Bernardes, Adolpho
Ramsés, Altay Souza, Tatiana Pereira, Victor Shiramizu, Prof. Álvaro Luís,
Dino, Marina Cruz, Priscilla Ferreira e muitos, muitos outros contatos virtuais.
Todos foram de suma importância para me animar nas horas difíceis, analisar a
minha metodologia, criticar minhas idéias, propor soluções para problemas,
oferecer links de vídeos engraçados e textos interessantes.
Por outro lado, algumas janelas foram desvirtualizadas e isso foi
essencial para a construção do meu “quarto” potiguar, além do
desenvolvimento e da concatenação de algumas idéias apresentadas neste
trabalho. Para ter acesso a qualquer quarto é necessário uma porta que se
comporta como um objeto anfitrião, o qual nos recebe. Em Natal, o meu
“quarto”, sem demoras, recebeu três nobres portas. A primeira, era uma janela
virtual, a segunda passou a me orientar e a terceira permitiu que eu me
sentisse a vontade e querido numa cidade desconhecida. Agradeço ao doutor
Walissen Tadashi Hattori, meu grande anfitrião na terra do sol que foi e é um
grande parceiro de MSN, um rapaz de fama mundial que cativa todos ao seu
redor com a sua simplicidade, generosidade, simpatia e, sobretudo pelo seu
sorriso contagiante. Agradeço à professora Maria Emília Yamamoto pela
orientação prestada, paciência e atenção comigo. Esta foi uma porta que me
deu liberdade para criar, propor novas idéias e me ensinou que a objetividade é
algo que deve ser primado. Agradeço ao meu querido, Álvaro Guedes que me
recebeu com tanto entusiasmo. Sempre pronto para me ensinar uma nova
expressão e contar uma boa história. Nunca vou esquecer daquela farofa de
sua mãe nem a preocupação e o cuidado típico de um irmão aprendiz mais
velho. Estas são as Portas de entrada.
Matricula feita e um passaporte para uma nova sala dentro da
universidade com inúmeras outras janelas. Algumas locais, outras importadas
do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Sergipe, Ceará, Pernambuco, Distrito
Federal, etc. Primeiro, alguns choques culturais, mas aos poucos, tudo foi se
homogeneizando. As diferenças foram se transformando em somas e um novo
ambiente de trabalho paulatinamente foi se consolidando. Foram inúmeras
discussões científicas, as quais transcendiam ao ambiente de sala de aula,
invadindo nossas tão cultivadas mesas de bar. Agradeço aos queridos:
Luciane Coletti, Cristiana Engelman, Luíza Cervenka, Ricardo Emídio,
Daniela Menezes, Álvaro Guedes, Maisa Lima, Pablo Marreco, Ana Karina,
André Pontes, Fábio Caixeta, Ronaldo Santos, Rovena Engelberth,
Samuel Limaverde, Breno Tercio, Aline Belísio, Jane Souza e Dalila Teles,
Todos vocês foram importantes para a partilha de conhecimento, risos, desejos
e sonhos.
A nutrição de um corpo discente é dada por um corpo docente e
decente. E essa necessidade básica foi atendida em todo o período acadêmico
devido à partilha de conhecimento, experiências e boas histórias para serem
lembradas e contadas. Por isso agradeço a todo corpo docente do programa
de Pós Graduação em Psicobiologia, em especial aos professores que eu tive
mais contato: as professoras Maria Emília Yamamoto, Fívia Lopes, Teresa
Mota, Maria de Fátima Arruda, Regina Helena, Maria Bernadete de Souza e
Renata Ferreira e aos professores Daniel Pessoa, Arrilton Araújo,
Jefferson Cavalcante e John Araújo. Tanto as nossas atividades de alunos
como as deles, de professores, seriam comprometidas caso não houvesse
funcionários responsáveis pela limpeza, bem como pela organização
burocrática e logística do programa. Por isso sou também grato aos
funcionários do programa de pós graduação em Psicobiologia.
Em uma pós não existe apenas uma turma, temos a felicidade de
conviver com veteranos e também com calouros. Esse contato é fundamental
para o fortalecimento de parceiras e o enriquecimento de idéias, bem como
para pleitear o aumento do tamanho dos nossos grupos sociais e de novos
parceiros para uma boa mesa de bar. Por isso eu agradeço aos queridos:
Felipe Nalon Castro, Monique Leitão, Rochele Castelo Branco, Anuska
Alencar, Diego Macedo Gonçalvez, Kathiana Santana, Rodrigo Pegado,
Marília Barros, Catiane Dantas, Nathália Dutra, Thiago Bortolini, Laila
Asth, Júlia Didonet, Pedro Moraes, Daniela Maria de Recife, Diana
Lunardi. Estas são as janelas da Psicobiologia da UFRN.
Antes de prosseguir, acredito é necessário destacar quatro janelas. As
duas primeiras foram de suma importância para a conclusão deste trabalho, a
terceira me ensinou principalmente remédios naturais que devem ser cultivados
e a quarta me ensinou que estudar requer paixão, trabalho e humildade.
Agradeço à Ana Karine, uma auxiliar nota 10. Sempre pronta para ajudar,
muito atenciosa e querida. Sou grato pelo auxílio na formatação dos
questionários, impressão e assistência na coleta de dados. Devo minha
gratidão também ao Felipe Nalon Castro pelas conversas produtivas, a
coerência e a sensatez no seu discurso, no desapego à vaidade e o cultivo de
muita paciência, simpatia e humildade. Agradeço à querida, Diana Lunardi que
em pouco tempo me instruiu tantas coisas bonitas e valiosas. Ensinou-me que
o sorriso, a paciência e a prática solidária são remédios naturais,
indispensáveis para a construção de janelas sábias e leais. Agradeço ao meu
grande e querido amigo, Ricardo Emídio, exemplo vivo de janela que se
entrega para cumprir sua função, isto é, iluminar àqueles que estão ao seu
redor bem como ventilá-los. Provido de uma sinceridade cativante, ele
resguarda uma paixão exemplar por aquilo que se faz. Agradeço pelos
inúmeros conselhos dados via MSN, pelas longas conversas nas mesas de bar
e pelos afagos e abraços que tanto me fez sentir querido. Estas são minhas
janelas laterais de auxílio
Conheci de forma mais íntima duas janelas da Psicobiologia da UFRN.
Foi com elas que eu dividi meu espaço, as contas, a panela, as sacolas de
supermercado, a carona para as festas e as tarefas domésticas. Agradeço a
Cristiana Engelman, a qual me confiou o poder de opinar e praticamente
decidir seu figurino. Uma parceira leal de festas e carnavais, mesmo embaixo
de chuvas e vendavais. Agradeço pela sua companhia, pela forma que confiou
seus segredos e me ensinou que o tempo é, em última instância, fugaz. Um
pouco depois chegou a Luciane Coletti provida de um sorriso tão espontâneo
e cativo. Agradeço a minha parceira de discussões metodológica de idas e
vindas e de muitos desabafos. Ensinou-me como é bom largar os livros de
divulgação científica e curtir um Gabriel Garcia Marquez ou então um Tolstoi ao
som de Bethovenn e Tchaikovsky. É um exemplo de lealdade, astúcia e de
força de vontade para enfrentar dificuldades e conquistar o mérito merecido.
Não posso me esquecer também de uma janela felina que me ocupou e me
estressou. O Pinker foi um gato travesso e muitas vezes chato. Mas em certas
circunstâncias aliviou minha solidão - não esqueço o seu olhar egocêntrico,
dissimulado e carente. Essas são as janelas de casa.
Um pouco mais adiante, duas janelas Paulistas e conhecidas de outros
carnavais chegaram em Natal. Não foi necessário muito tempo para que estas
transcendessem e assumissem funções de porta, batentes e paredes dentro,
agora, da nossa casa. Mais sintonizados e harmonizados do que uma canção
de Vivaldi, estas assumiram o papel de cozinheiros, abastecedores de
alimento, água, pagadores de contas e mestres no cultivo do bom humor e do
dom de ensinar. São janelas valiosas, dotadas de uma desmedida vontade de
contribuir para o bem comum, sempre animados pela oportunidade de fazer
uma criança a se questionar e pensar sobre o mundo. Um exemplo de
educadores, para os quais eu deixaria a cargo a alfabetização e o letramento
científico dos meus futuros filhos. Por isso agradeço ao Frederico Horie Silva
e ao Thiago Baptistella Cabral pela companhia, zelo, carinho e todo o
cuidado que tiveram comigo. Essas são as janelas e o esteio de casa
Devo agradecer também aos sujeitos experimentais que aceitaram
participar da minha pesquisa. Por isso agradeço a direção e aos alunos da
escola Estadual Floriano Peixoto, Overdose Colégio e Curso e, a
professora Anuska Irene Alencar da Facex, que me acolheram e me
disponibilizaram tudo o que eu necessitava para uma coleta de dados eficaz.
Essas são as minhas janelas experimentais. Não posso me esquecer também
dos colegas que auxiliaram na coleta de dados como o Rogério Souza,
Catiane Dantas, Priscilla França, João Felipe, Felipe Nalon e Nathália
Dutra. Muito obrigado!
São inúmeras as janelas que contribuíram tanto de forma direta com
indireta para a realização deste trabalho. Contudo, devo reconhecer que neste
período acadêmico minha janela mais próxima foi um computador que se
transformou na minha janela de interação com o mundo. Por isso eu sou grato
ao meu Microboard Intel Core 2 Due 1Gb, onde eu fiz toda a revisão
bibliográfica, montagem do design experimental, elaboração do material e uso
para a coleta de dados, testes estatísticos e redação do presente trabalho. Esta
é a minha janela de criação.
Neste volume eu apresento uma série de idéias, as quais foram obtidas
através da leitura de artigos e livros. Eu sou grato àqueles que se dispuseram a
produzir esses conhecimentos que formam a base do meu trabalho,
especialmente às contribuições de Charles Darwin, Leda Cosmides e John
Tooby, Robert Trivers, Richard Dawkins, Steven Pinker, Robert Wright,
Matt Ridley, Steven Mithen, autores dos capítulos do livro de Psicologia
Evolucionista cuja organização é de Emma Otta e Maria Emília Yamamoto,
Gilson Volpato, David Geary, Charbel El-Hani Nino, Linda Mealey e Pat
Barclay. Essas são as minhas janelas impressas.
Eu tive a oportunidade de conhecer alguns mentores, de fato, dessas
janelas impressas. Mas aqui destaco talvez a janela mais surpreendente, a
qual, nem nos meus sonhos mais desprendidos e ousados, imaginei assistir
uma palestra. Mais do que isso, nunca pude imaginar me sentando a mesa
com tal personalidade, ver meu relógio de pulso nos braços dele, tomar vinho,
caipirinha, comer queijo coalho, tirar foto e, sobretudo, ouvir histórias
fantásticas sobre a carreira de nada mais, nada menos, Robert Trivers. Um
exemplo de ser humano permeado pelo bom humor e humildade. Mesmo
limitado pela minha ignorância em não ter fluência na língua dele, não deixei de
agradecê-lo. Com os lhos cheios de lágrima e transbordando em emoção
agradeci às suas contribuições científicas, as quais mudaram a minha visão de
mundo conduzindo-me a compreender a natureza da relação entre eu e meus
amigos, pais, irmãos e irmãs. Esta é a minha janela de exemplo de vida.
Todas essas janelas foram importantes para iluminar os meus dias em
Natal e oxigenar o meu cérebro. Foi assim que eu construí meu “quarto
acadêmico”, tornando possível, por assim dizer, eu me acomodar na cadeira e
redigir esse trabalho. As recordações da redação desta dissertação serão
indissociáveis das lembranças de todo o carinho e preocupação dos meus pais
para comigo. Devo ainda dizer, que o som das gargalhadas e todas as histórias
contadas pelas pessoas com quem eu convivi realmente e virtualmente - pelas
inúmeras chamadas no MSN, um novo recado recebido no Orkut ou então uma
chamada de telefone - serviram como uma espécie de música de fundo com a
qual eu trabalhava e distraia – algo essencial para novas idéias surgirem.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO GERAL...................................................................................................... 01
A1. ARTIGO TEÓRICO....................................................................................................
03
Resumo.................................................................................................................................... 04
Introdução............................................................................................................................... 05
A ordem social sob a perspectiva sociológica e econômica................................................ 06
As contribuições da perspectiva evolucionista ..................................................................... 07
As relações sociais como um jogo......................................................................................... 15
Considerações finais................................................................................................................ 24
Referências Bibliográficas....................................................................................................... 28
A2. ARTIGO EMPÍRICO............................................................................................................
34
Resumo.................................................................................................................................... 34
Introdução............................................................................................................................... 35
Método.................................................................................................................................... 43
Resultado................................................................................................................................. 49
Discussão................................................................................................................................ 53
Referências Bibliográficas....................................................................................................... 60
CONCLUSÃO GERAL................................................................................................................ 64
Anexo 01................................................................................................................................. 66
Anexo 02................................................................................................................................. 68
Anexo 03................................................................................................................................. 72
RESUMO
Todas as sociedades apresentam uma ordem, esta caracterizada por um conjunto de normas sobre o que é permitido e o que deve ser coibido. A compreensão sobre a origem, fixação e evolução das normas de convivência é fundamental para entender a sociedade tal como ela é, bem como o real papel dos indivíduos que as compõem. Escrevemos um artigo teórico abordando essa idéia. Apresentamos a Teoria do Contrato Social como um modelo para o estudo da evolução dos mecanismos cognitivos que regulam as trocas sociais. Esta teoria postula a existência de um módulo específico de trapaça. Diversos trabalhos procuraram testar essa hipótese, inclusive relacionando essa adaptação com a melhor recordação de faces de trapaceiros. No entanto, observamos que estes apresentam resultados divergentes sobre a existência ou não de um suposto módulo para a detecção de trapaceiros. Além disso, foi possível constatar falhas metodológicas nos trabalhos anteriores e a negligência no estudo da relação entre a lembrança e variáveis inerentes a qualquer indivíduo como o sexo e diferenças quanto à tonalidade da cor da pele. Assim, se fez necessária uma nova investigação, descrita no artigo empírico. Para tanto, expusemos 190 alunos do ensino médio e universitário a oito vídeos de 30’’ cada, aonde era exibidas cenas de um sujeito estímulo (SE; 4 homens e 4 mulheres) com diferentes tonalidades de cor de pele. Fazendo uso de fones de ouvido os participantes ouviam uma narração, a qual identificava o SE como não confiável ou confiável. Depois de uma tarefa de distração, os participantes assistiam a uma sessão de fotos de fotos com 34 SE, incluindo os 8 SE vistos nos vídeos. Os participantes eram solicitados para apontar quais SE foram exibidos nos vídeos. Nossos resultados apontam uma memória diferencial para os SE identificados como não confiáveis. A priori poderíamos constatar e aceitar isso como evidência para a existência de um módulo específico para a detecção de trapaça, uma vez que se lembrar de indivíduos não confiáveis, de fato, é fundamental para amenizar ou evitar os custos das interações com os mesmos no futuro. Entretanto, as análises subseqüentes, incluindo variáveis inerentes a qualquer indivíduo como o sexo e a tonalidade da cor da pele dos SE mostram a influência da seleção sexual e dos fatores culturais na lembrança de faces. Por exemplo, os SE do sexo feminino são mais bem lembradas pelos sujeitos experimentais do mesmo sexo e os SE confiáveis e com cor de pele mais escura são mais bem lembrados tanto pelos homens como mulheres participantes. Além disso, observamos que existe uma tendência para lembrança de eventos ou características percebidas como raras ou menos salientes na população. Acreditamos que prestar atenção àquilo que é diferente confere uma vantagem adaptativa, pois se a maioria da população age de uma determinada forma é fácil ter uma estratégia de resposta às estratégias dos outros. Porém, quando o padrão é raro ou errático é preciso mudar o comportamento em resposta a esses eventos que saem do padrão. Assim sendo, prestar atenção àquilo que é diferente pode ter permitido os indivíduos a usarem estratégias condicionais de maneira mais eficiente. Palavras-chave: Trocas sociais, memória, faces, psicologia evolucionista.
1
APRESENTAÇÂO GERAL
O presente trabalho está dividido em quatro seções: a) artigo
teórico; b) artigo empírico; d) Discussão Geral; d) Anexos. Nesta
dissertação, apresentamos dois artigos: um teórico e outro empírico. O artigo
teórico “Origem, Evolução e Fixação da Ordem Social sob a Perspectiva
da Psicologia Evolucionista” oferece a base teórica ao trabalho empírico.
Procuramos discutir a origem, a fixação e a evolução das normas de
convivência que permeiam as relações sociais. Mostramos como a abordagem
econômica e a evolucionista compreendem o papel dos indivíduos em uma
sociedade. Em seguida, apresentamos a Teoria do Contrato Social como um
modelo para o estudo dos mecanismos, emocionais e cognitivos que regulam
as trocas sociais.
Na segunda seção, apresentamos o artigo empírico intitulado “Eu
me lembro de você? A memória para faces de indivíduos não confiáveis
depende de sua freqüência na população”, o qual foi realizado utilizando um
experimento com vídeos e fotografias. Os sujeitos experimentais assistiam oito
vídeos narrados, nos quais eram apresentados indivíduos de ambos os sexos e
com diferentes tonalidades de cor de pele. A narração continha informações
sobre os sujeitos estímulos (SE), como, por exemplo, nome, idade e histórico
profissional. Alguns SE eram caracterizados como confiáveis e outros, como
não confiáveis. Nossa análise se concentrou em saber quais eram os
indivíduos mais lembrados pelos sujeitos experimentais. A Teoria do Contrato
Social (discutida no artigo teórico) defende a existência de um módulo
específico para detecção de indivíduos trapaceiros. Assim sendo, esperamos
2
uma lembrança melhor para os SE não confiáveis. No entanto, a literatura é
ambígua sobre esse tópico. É possível detectar falhas metodológicas que, por
certo, comprometem a coleta dos dados. Além disso, os trabalhos até então
publicados não analisam a influência de variáveis como, por exemplo, o sexo e
a tonalidade da cor da pele – estas compreendidas como uma das principais
características a serem codificadas pela mente humana, numa situação de
primeiro encontro. Nossos resultados apontam que parece existir uma
predisposição para uma melhor lembrança para SE com características raras
na população e oferece evidências sobre a importância do sexo do indivíduo do
preconceito racial que permeia nossa sociedade.
Na terceira seção discutimos, sobretudo o artigo empírico e
formulamos conclusões gerais acerca dos achados no mesmo. Por fim, na
quarta seção se encontram 03 anexos. No primeiro anexo apresentamos o
modelo de termo de consentimento concedido para todos os sujeitos
experimentais. Todas as narrações usadas nos vídeos do artigo empírico se
encontram no segundo anexo e, por fim, no terceiro anexo, mostramos o
modelo de questionário usado para a coleta de dados.
3
A.1 – ORIGEM, EVOLUÇÃO E FIXAÇÃO DA ORDEM SOCIAL SOB A
PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA.
Artigo Teórico Título Abreviado: Evolução da ordem social Tiago José Benedito Eugênio
Programa de Pós Graduação em Psicobiologia, Departamento de Fisiologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
*Correspondência:
Tiago José Benedito Eugênio
Campus Universitário, Caixa Postal 1511
59078-970 – Natal- RN – Brasil
Email: [email protected]
4
RESUMO
Nas últimas décadas tem havido uma renovação profícua da literatura no que tange à origem e evolução do sistema de normas que permeiam as sociedades. Diversas áreas têm feito esforços para expandir o conhecimento sobre a cooperação e a cultura entre as sociedades humanas e das outras espécies, bem como os fundamentos cognitivos e neurais. Esta revisão procura discutir a origem, a fixação e a evolução das normas de convivência que sedimentam as nossas relações sociais. Brevemente, farei uma revisão de como ocorreu o desdobramento das idéias sociológicas sobre a natureza das sociedades. Mostramos como a abordagem econômica e evolucionista modificaram e propuseram novas maneiras de compreender o papel dos indivíduos em uma sociedade. Em seguida, apresentamos a Teoria do Contrato Social como um modelo para o estudo da evolução dos mecanismos emocionais e cognitivos que regulam as trocas sociais. Nesse ínterim, farei uma exposição sobre a evolução da cooperação nos seres vivos sociais. Palavras-chave: Sociedade, cooperação, psicologia evolucionista, Teoria do Contrato Social.
5
Introdução
Sociedade pode ser definida como um conjunto de indivíduos que
compartilham propósitos e que interagem entre si, constituindo uma
comunidade (Alcock, 1998; Wilson, 1975). É um sistema semi-aberto, no qual a
maior parte das interações é feita com outros indivíduos pertencentes ao
mesmo grupo, sejam eles familiares ou não (Hamilton, 1964). Todas as
sociedades apresentam uma ordem, esta caracterizada por um conjunto de
normas, acordadas formalmente ou não, sobre o que é permitido e o que deve
ser combatido, sobre o que deve ser recompensado e o que deve ser coibido
(Alexander, 1985; Pinker, 2004; Ridley, 2000; Yamamoto, 2009).
Seres humanos são seres essencialmente sociais. É mínima a chance
de um bebê humano sobreviver caso ele não receba atenção e cuidado de
seus co-específicos (Hyde, 2005; Poindron, 2005). Da mesma forma, é quase
nula a chance de um ser humano adulto sobreviver sem qualquer contato com
outro indivíduo da sua espécie, do que se conclui que a nossa espécie é
absolutamente dependente do convívio social (Trivers, 1971). Logo, é esperado
que, durante a evolução da nossa espécie, tenha também evoluído um sistema
de normas de convivência.
Nas últimas décadas, tem havido uma renovação fascinante da literatura
no que concerne à origem e à evolução desse sistema de normas nas
sociedades. Diversos avanços têm sido feitos, graças à colaboração entre
filósofos, economistas, psicólogos, biólogos, antropólogos e neurocientistas.
Todos parecem ter assumido a tarefa de expandir o conhecimento sobre a
cooperação e a cultura que permeiam as sociedades humanas e das outras
6
espécies, bem como seus fundamentos cognitivos e neurais (Fehr & Camerer,
2007).
O objetivo deste trabalho é discorrer sobre a origem, a evolução e a
fixação e das normas de convivência que sedimentam as nossas relações
sociais. Apresentamos a ordem social sob a perspectiva sociológica e
econômica e discutimos sobre a sustentabilidade da segunda perspectiva para
explicação da organização social de animais humanos e não humanos. Em
seguida, apresentarei a Teoria do Contrato Social (Cosmides & Tooby, 1992)
como um modelo para o estudo da evolução dos mecanismos emocionais e
cognitivos que regulam as trocas sociais.
A ordem social sob a perspectiva sociológica e econômica
Segundo Pinker (2004), existem duas vertentes principais que buscam
compreender a ordem social: a sociológica e a econômica. Para a primeira, a
sociedade é compreendida como uma entidade orgânica coesa, e seus
cidadãos, meras partes. Nesta vertente, a mente individual é negligenciada e a
mente que importa é aquela pertencente ao grupo. Essa idéia era usada em
meados do século XX para justificar, sobretudo, as diferenças entre os grupos
étnicos. Em outras palavras, a variação entre os grupos étnicos era explicada
com base nas diferenças culturais. Este argumento era comum entre os alunos
de Franz Boas, o pai da antropologia moderna. Dentre eles, Albert Kroeber
escreveu que a cultura é superorgânica, na qual a hereditariedade não tem
qualquer papel. Para ele, o indivíduo é moldado pelo absoluto condicionamento
de eventos históricos. Assim, para Kroeber, o comportamento social do ser
7
humano não pode ser explicado por mecanismos e propriedades inatas da
mente.
A negação da natureza humana e a autonomia da cultura com relação
às mentes individuais também foram articuladas pelo fundador da sociologia,
Emile Durkheim (1858 – 1917), que escreveu: “A causa determinante de um
fato social deve ser buscada entre os fatos sociais que o precederam, e não
entre os estados de consciência individual” (Pinker, 2004, p. 46)
Oposta a tradição sociológica, está a econômica ou a do contrato social.
Nesta, a sociedade é compreendida como um arranjo negociado por indivíduos
racionais e egoístas. Sob esta perspectiva, a sociedade emerge quando os
indivíduos concordam em sacrificar parte de sua autonomia em troca de
proteção contra espoliação de outros. Nesse caso, o funcionamento das
mentes individuais é quem produz a cultura, ou seja, a cultura é uma extensão
do fenótipo (Cosmides & Tooby, 1992; Pinker, 2004; Ridley, 2000).
As contribuições da perspectiva evolucionista
A Teoria da Evolução proposta por Charles Darwin encaixa-se na
vertente do contrato social. Darwin e Wallace, de maneira independente,
propuseram a seguinte ideia: o ambiente seleciona os indivíduos que detêm
características que trazem mais benefícios do que custos – concedendo-lhes
mais chances de sobrevivência e de reprodução –, e isso implica uma seleção
natural, a qual é responsável pela modificação das espécies ao longo do tempo
e do espaço. A seleção natural é o processo através do qual variantes
favorecidas em uma população sobrevivem e se reproduzem mais. Neste
processo, o ambiente seleciona os indivíduos–, passando esse conjunto de
8
traços para as gerações seguintes (Cronin, 1995; Meyer & El-Hani, 2005).
Dessa forma, a seleção natural é um processo que recompensa o auto-
interesse do indivíduo, o qual pode ser traduzido em maiores chances para a
sua própria sobrevivência e reprodução.
Interpretações modernas sobre a evolução das sociedades têm-se
centrado na evolução de estratégias, sobretudo, reprodutivas dos indivíduos,
as quais dependem do tamanho, estruturação dos grupos e nos padrões de
interação entre os membros do grupo (Cluton-Brock, 1991; Clutton-Brock,
2009). Essa perspectiva vislumbra a sociedade como um subproduto da
evolução das estratégias individuais. Nesse sentido, a sociedade é vista,
portanto, como produto e não causa das ações individuais.
Darwin nos mostrou com astúcia que a organização de indivíduos em
sociedades e a cooperação entre indivíduos não é uma idiossincrasia da nossa
espécie. A maior parte dos avanços sobre o entendimento da cooperação e o
funcionamento das sociedades ocorreu, sobretudo através de estudos
etológicos e comparativos com outras espécies discutidos com base na teoria
da evolução de Charles Darwin (Krebs e Davies, 1996).
Ações tais como a partilha de comida, proteção do grupo, traição e a
manipulação do outro para benefício próprio, não são exclusivas da espécie
humana (Alexander, 1985; Dawkins, 1999; Yamamoto, 2009). Franz de Waal
(2005) nos conta de forma brilhante e emocionante como é o incrível mundo
político dos chimpanzés. De Wall estudou, durante as décadas de 1970 e
1980, esses animais no Zoológico de Burger, em Arhem. Ele nos presenteia
com uma história de ambição, manipulação social, privilégios sexuais e tomada
de poder que deixariam constrangido qualquer aspirante a político e muito
9
motivado e inspirado qualquer escritor de teledramaturgia. O romance
waalsiano é protagonizado por dois machos mais velhos, Yeroen e Luit e tem
como enredo a guerra pelo poder e a dominância dentro do grupo. No começo,
Yeroen era o macho dominante que tinha acesso às fêmeas, enquanto Luit e
outro macho Nikkie eram machos subordinados. Diligentemente Luit
conquistou, aos poucos, o apoio das fêmeas do grupo, que no início
aprovavam Yeroen. Quando Yeroen estava por perto, Luit ignorava as fêmeas,
mas lhes dava muita atenção e brincava com seus filhotes quando esse macho
não estava por perto. Luit dedicou-se a desafiar diretamente Yeroen e a
conquista do trono por Luit ocorreu graças à aliança com outro macho, Nikkie.
Durante os conflitos com Yeroen, Luit dependia de Nikkie para impedir que as
fêmeas fossem socorrer Yeroen. Nikkie passou auxiliar Luit, pois com isso ele
tinha muito a ganhar. Nikkie ocupava uma posição social muito baixa no grupo,
sendo ignorado pelas fêmeas. Entretanto, com Luit no poder Nikkie passou a
ocupar o segundo cargo de comando no grupo, acima das fêmeas e de
Yeroen. Depois de alguns meses como o macho dominante, Luit perdeu sua
posição para Nikkie, o qual formou uma surpreendente aliança com ninguém
menos que Yeroen. Nikkie tinha conseguido manipular a relação com Yeroen
para conquistar o poder. Franz De Waal (2005) nos apresenta um complexo
jogo de alianças e interesses que remetem à nossa política partidária, seja ela
expressa no governo federal ou ainda em um círculo de amizades, nos quais
ora os indivíduos são retratados como solidários, bondosos, preocupados com
o próximo, ora como traidores, salafrários e egoístas.
Atos de cooperação podem ser encontrados em outros animais como os
morcegos vampiros (Denault & Macfarlane, 1995; Ridley, 2000), peixes
10
(Taborsky, 1985) e aves (Koenig, 1981). Podemos encontrar tais atos também
em outros níveis de organização biológica. Por exemplo, os genes cooperam e
competem uns com os outros em um genoma (Dawkins, 1986), organelas
cooperam para o funcionamento de uma célula eucariótica, células cooperam
para formar tecidos, bactérias são parasitas, mas cooperam para a defesa de
seus hospedeiros. (West et al., 2007).
Mas a vida social não é a regra no mundo animal. Existem cerca de
9000 espécies de aves conhecidas no mundo e somente 220 espécies (2%)
são consideradas cooperativas e sociais. Dentre os felinos, somente os leões
exibem características de organização social (Macedo, 2006). Poderíamos
descrever inúmeras razões, descritas na literatura, que explicam porque a
socialidade é rara, mas de forma geral podemos resumir essa questão
lembrando que a vida em sociedade tem custos para o indivíduo (para mais
detalhes ver Alcock, 1998; Macedo, 2006). Entretanto, quando os benefícios
superam os custos da socialidade, as interações sociais podem se intensificar
e a vida social se consolidar. Dentre os inúmeros benefícios da vida social,
podemos destacar o fenômeno da reprodução comunitária, na qual jovens
podem abdicar da reprodução própria e permanecerem em seus territórios de
origem e ajudam os pais a cuidar da prole, investindo na criação de irmãos; da
caça e forrageamento cooperativo em que vários indivíduos se unem para
capturar uma presa e a partilham com os membros do grupo; e, da cooperação
na proteção contra predadores. Esse tipo de organização reprodutiva traz
benefícios para os reprodutores, mas certamente traz custos aos jovens que
não podem se reproduzir, que só abrem mão da reprodução quando não tem
uma alternativa mais eficaz (Krebs & Davies, 1996; Macedo, 2006;)
11
Aceitar as proposições que mostram que tanto em invertebrados como
em vertebrados sociais possa existir ordem social ou ainda que, mais
especificamente, no grupo de chimpanzés de Franz de Waal exista um sistema
moral verdadeiro, assim como da nossa espécie (Alexander, 1985), é aceitar
que na evolução existe uma continuidade e que comportamentos de natureza
cognitiva, emocional e moral variam em grau e não em tipo, estando presentes
em outras espécies além da humana (Bekoff, 2004). Este é o cerne da
perspectiva evolucionista.
a) O problema da cooperação
Contudo, o próprio Darwin observava que as formigas operárias, por
exemplo, abdicavam do seu potencial reprodutivo em favor da reprodução da
rainha (Cronin, 1995). Isto de fato era um problema para uma teoria baseada
no extremo egoísmo dos indivíduos porque o altruísmo e a ordem social não
poderiam ser explicados assim pela ótica da seleção natural. Esta lacuna foi
preenchida principalmente pelos argumentos de Wynne-Edwards (Macedo,
2006), o qual mudou o foco do indivíduo para o grupo (populações, espécies).
Baseado na idéia da existência de mecanismos de auto-regulação populacional
foi proposto o conceito de seleção de grupo.
Esta idéia foi severamente criticada por Williams (1966), que defendia a
seleção individual como um processo mais intenso e eficiente nas mudanças
adaptativas do que o da seleção de grupo. George Williams é celebrado como
pioneiro na revolução conhecida como gene egoísta, embora esse termo tenha
sido cunhado por Richard Dawkins, em 1986. Williams percebeu que
12
fenômenos que não faziam bem para a sobrevivência do indivíduo (o salmão
que morre quando põe os ovos; o louva-deus, cujo macho serve de refeição
para a fêmea) tinham sido selecionados. Ele notou que, embora esses
comportamentos não fizessem sentido para o indivíduo - que morria em
decorrência de seus comportamentos altruístas -, faziam mais sentido se os
beneficiados fossem os genes.
Daí nasce a máxima: a sobrevivência não é do organismo, mas do gene
mais apto. Além disso, sob o ponto de vista genético, um alelo mutante
“egoísta” poderia facilmente se disseminar em uma população e substituir um
alelo “altruísta”, do que se conclui que, nesse caso, a manutenção da
cooperação nas diversas sociedades não poderia ser totalmente explicada
como um processo de seleção de grupo.
Entre 1963 e 1974, quatro biólogos – William Hamilton, George Williams,
Robert Trivers e John Maynard Smith – expuseram uma série de idéias que
aprofundaram radicalmente a compreensão dos biólogos evolucionistas sobre
o comportamento social dos animais, inclusive do homem. A aplicação da
lógica darwinista à espécie humana gerou uma porção de dados e resultados,
os quais forçaram os cientistas sociais a fazerem uma revisão geral sobre a
compreensão de comportamento, cultura e da sociedade (Pinker, 2004; Wright,
1996).
13
b) A cooperação entre parentes
Na década de 60, William Hamilton (1964) estava às voltas com o
problema da cooperação e da organização social entre as formigas. Hamilton
observou que essas têm um ciclo haplodiplobionte de reprodução, isto é, em
uma fase, o ciclo reprodutivo é assexuado, quando nascem fêmeas e em
outras é sexuado, nas poucas vezes em que machos são construídos. Este
pequeno detalhe do ciclo de vida faz com que as irmãs tenham mais material
genético em comum entre si, do que os filhos havidos no ciclo de vida
estritamente sexual.
De acordo com o postulado do gene egoísta, os indivíduos são
mandatários dos genes que estão no comando. Assim sendo, não fica difícil
entender porque a formiga operária, um veículo de seus genes, permanece
estéril e ajuda a rainha a lhe dar novas irmãs, ao invés de elas investirem em
filhos próprios. A formiga operária não age de maneira altruísta para o bem da
espécie, mas sim, indiretamente, para ela mesma. Ela age de forma altruística,
uma vez que a irmã tem mais genes em comum com suas irmãs do que com
seus supostos filhos. Este é um caso típico no qual os genes manipulam os
veículos em nome de seus interesses. Hamilton chamou de Seleção de
Parentesco a teoria que vincula o parentesco aos atos altruístas.
Foi observado que entre os habitantes das ilhas de Mer, Dauar e Wainer
da Austrália 80% da partilha do alimento ocorre entre indivíduos com algum
vínculo de parentesco (Bird et al., 2002). O mesmo parece ocorrer entre os
achés no Paraguai. Parece existir uma relação diretamente proporcional entre
partilha de alimento e relacionamento genético, uma vez que os achés
14
partilham mais alimentos com os parentes mais próximos (Gurven et al., 2004).
Segundo Johnson e Earle (2000), entre as sociedades de caçadores-coletora
modernas, existe um forte laço de parentesco entre os indivíduos do grupo, o
que sugere que as trocas sociais nestes ambientes são freqüentes e podem
favorecer a aptidão inclusiva dos indivíduos . O parentesco é um fator
importante na hora de partilhar algo que pode ser útil para a sobrevivência, tais
como alimento, instrumentos e informações (Trivers, 1972; Dunbar, 1999;
Markovits et al., 2003). Entretanto, em uma sociedade, compartilhamos os
recursos também com indivíduos não aparentados.
c) A cooperação entre indivíduos não aparentados
A Teoria da Seleção de Parentesco não explica o comportamento social
que envolve atos cooperativos fora do círculo familiar como, por exemplo, entre
os humanos e também outros animais. Em 1971, Robert Trivers ofereceu uma
explicação, com base exclusivamente em trabalho de campo de terceiros,
como pode evoluir o altruísmo entre indivíduos não aparentados e até entre
indivíduos de espécies diferentes. Trivers argumenta que a reciprocidade está
no centro do altruísmo. Justamente por isso, chamou seu artigo de “A Evolução
do Altruísmo Recíproco”. Os benefícios da reciprocidade dependem da
proporção desigual entre custos e benefícios do ato altruísta, isto é, a
reciprocidade é favorecida se o benefício para quem recebe o altruísmo é
maior do que o custo do ato para quem o pratica.
O altruísmo recíproco não está restrito à espécie humana. Estudos de
campo apontam que ele ocorre entre peixes de espécies diferentes, morcegos
15
vampiros, suricatas e nas mais diversas espécies de primatas não humanos
(Ridley, 2000; Alcoock, 1998; De Wall, 2007). Segundo Trivers (1971) o
altruísmo recíproco será mais frequente quando (1) houver muitas situações de
altruísmo durante o tempo de vida dos altruístas; (2) um indivíduo altruísta
interagir repetidamente com um pequeno número de indivíduos; e (3) se pares
de altruístas estão simetricamente expostos a situações de altruísmo, de tal
maneira que os dois são capazes de propiciar benefícios equivalentes um ao
outro, a um custo semelhante. Essas três condições existiam em nosso
ambiente ancestral, quando já tínhamos uma vida razoavelmente longa, baixa
dispersão populacional e grande dependência mútua entre os indivíduos, na
defesa contra predadores, por exemplo. Por isso, foi possível a consolidação
de uma ordem social e a evolução da cooperação e da reciprocidade nas
comunidades humanas (Izar, 2009).
A incorporação da perspectiva econômica ou de contrato social à
evolucionista permitiu vislumbrar a sociedade como um jogo imbuído de
objetivos e interesses. Na psicologia, a mente deixou de ser apenas um
produto da experiência. Nasceu assim a idéia de mente como uma herança dos
nossos antepassados, um produto evolutivo. Vejamos com mais detalhes
essas idéias.
As relações sociais como um jogo
A aplicação dos conceitos da Economia à Biologia foi de suma
importância para o estudo empírico do comportamento social, sobretudo da
cooperação (Alencar & Yamamoto, 2009). Há cerca de um século, os
16
fundadores da teoria dos jogos, John Von Newmann e Oskar Morgenstern
(1994), estabeleceram uma distinção fundamental entre jogos de “soma não-
zero” e “soma zero”. Como exemplo para os primeiros, citamos o tênis, o
xadrez e a sinuca, nos quais a vitória de um competidor é a derrota do outro.
Em jogos de soma não-zero, o fato de um jogador ganhar não
necessariamente é algo ruim para o(s) outro(s). Em jogos de soma não-zero,
os interesses dos jogadores sobrepõem-se (Wright, 1996).
No mundo real, as relações humanas não costumam ser tão definidas.
Dois sócios, proprietários de rede de supermercados ou ainda dois amigos de
infância, às vezes – mas não sempre – tem interesses sobrepostos. Na medida
em que os sócios tenham interesses comuns como, por exemplo, quando
ambos almejam uma maior receita mensal e a expansão da sua empresa, seu
relacionamento é um jogo de soma não-zero mais intenso. O resultado pode
ser ganha-ganha ou perde-perde, dependendo de como eles jogarem o jogo.
Entretanto, os interesses, ao longo do tempo, podem divergir e causar o início
de um novo jogo de soma-zero em que os sócios podem se tornar
concorrentes e, portanto, competir entre si. O mesmo raciocínio se aplica para
os jogos que envolvem outros animais.
Para conseguir os seus objetivos (sobrevivência e reprodução, sob o
ponto de vista da seleção natural) todos os indivíduos dispõem de estratégias,
por exemplo, comportamentais. John Maynard Smith (1982) chamou de
Estratégias Evolutivamente Estáveis (EEE) as estratégias que se perpetuam no
tempo e não se mostram vulneráveis a estratégias alternativas. A análise das
EEE é importante para o entendimento do comportamento animal, sobretudo
para o estudo da cooperação e das trocas sociais.
17
Alencar et al., (2008) estudaram ao longo de dois anos o comportamento
moral de crianças por meio do jogo de bens públicos, no qual a criança recebia
três chocolates e decidia quantos ela doaria para um fundo comum. Para cada
chocolate doado era acrescentado mais no dois no bem comum e, no final do
jogo, este era dividido igualmente entre todos os indivíduos. As crianças foram
separadas em grupos pequenos e grandes. Nos grupos menores a
generosidade foi maior, pois os indivíduos monitoravam o comportamento dos
colegas. Entretanto, nos grupos grandes, em que não é fácil perceber quem
doa, a cooperação caiu rapidamente, mostrando que o egoísmo prevalece
quando o indivíduo não percebe um ambiente propício para a cooperação.
Diversos são os jogos usados para estudar o comportamento humano,
entre eles: dilema do prisioneiro, tragédia dos comuns, bens públicos e
paradoxo do bancário (Alencar e Yamamoto, 2009). Por meio dessa
engenhosa teoria, procura-se compreender, por exemplo, quais as condições
necessárias para haver cooperação e em quais circunstâncias compensa
cooperar.
a) A mente como um produto evolutivo
Se entendermos a ordem social e, por conseqüência, a sociedade como
um produto do intrincado jogo de estratégias individuais, devemos, portanto,
investigar como a mente do indivíduo funciona, quais são suas funções e
partes. Se aceitamos os pressupostos da teoria da evolução e temos como
verdade que nossos membros, dentes e olhos são produtos da seleção natural,
por que não admitir que a nossa mente também é um produto do processo
18
evolutivo? Por isso vale investigar por que a mente foi moldada do modo como
é e ainda como se deu esse processo. Segundo Laland e Brown (2002)
existem pelo menos cinco abordagens que procuram, sob o ponto de vista
evolutivo, respostas para essas perguntas. Dentre elas, a Psicologia
Evolucionista (PE) se destaca. A PE procura compreender o funcionamento da
mente e também como os estímulos ambientais (input) interagem com a mente
(hardware) para produzir o comportamento observável (outputs) (Buss, 1999).
Nesse sentido, a perspectiva evolucionista amplia o estudo do comportamento
humano para alem da análise física, de suas causas próximas – mecanismos
fisiológicos evoluídos; e passa a considerar e investigar os mecanismos
psicológicos evoluídos. Para tanto, se debruça sobre o seu surgimento na
história da vida, adotando o método comparativo com outras espécies, entre
indivíduos e entre os sexos (Buss, 1999) e procura compreender a sua função
ou o valor para a sobrevivência e reprodução do individuo.
Para a PE nosso maquinário neurocognitivo funcionaria através de
estruturas físicas modulares. Os módulos teriam evoluído pelo processo de
seleção natural, principalmente visando à resolução de problemas específicos
enfrentados cotidianamente pelos nossos ancestrais como caçar animais,
coletar vegetais, fugir de predadores, interagir com amigos, lidar com
agressores, encontrar, e selecionar parceiros reprodutivos e criar os filhos
(Cosmides e Tooby, 1992; Buss, 1999; Izar, 2009). Esses módulos trabalham
coordenadamente, sem perder a independência neurofisiológica (Moura e
Oliva, 2009).
Não obstante, as condições ambientais, que selecionaram
características por meio das pressões seletivas exercidas sobre nossos
19
ancestrais, são muito diferentes das condições nas quais estamos imbuídos.
Bowlby (2002) denominou de Ambiente de Adaptação Evolutiva (AAE) a
composição estatística das propriedades adaptativas relevantes dos ambientes
encontrados por membros das populações ancestrais. Nesse ambiente, os
seres humanos estariam organizados em pequenos grupos e viveriam à base
da subsistência, caçando e coletando alimento (John & Earle, 2000).
Segundo Hutchinson (1970) todos os organismos transformam a
biosfera. Mas é indiscutivel que o Homo sapiens seja a espécie mais eficiente
no que tange a mudanças rápidas no ambiente. Takacs-Santa (2004) elenca e
considera o uso do fogo, linguagem, agricultura, implantação do estado,
revoluções cientificas e tecnológicas e a dominância dos combustíveis fósseis
como fontes primárias de energias, como as maiores transformações globais
da história da espécie humana – responsáveis pelo crescimento populacional e
pela modificação do núcleo tecnológico das sociedades. E válido lembrar que
essas rápidas mudanças não são acompanhadas por modificações nos
mecanismos anatômicos e mentais evoluídos para lidar com problemas
referentes a esse novo ambiente, pois a seleção natural pode levar milhões de
anos para produzir alterações relativamente simples nos organismos (Dawkins,
1986). Assim, podemos considerar o ser humano como um animal arcaico,
dentro de um contexto que ele mesmo criou, buscando soluções para
problemas que antes não existiam. Entre outras palavras, somos animais pré-
históricos vivendo em um ambiente moderno (Buss, 1999).
Em linhas gerais, a PE vislumbra a mente humana como um produto
evolutivo de milhões de anos, amplia e concentra seus estudos nos
mecanismos psicológicos evoluídos, nos apresenta uma idéia de descompasso
20
temporal entre o AAE e o ambiente moderno e nos oferece modelos para
explicar o funcionamento da mente e, por conseqüência, da sociedade e das
trocas sociais por meio dos módulos de domínio específico.
b) Teoria do Contrato Social
O arranjo entre os pressupostos da perspectiva econômica e evolucionista
no que tange à organização social permitiu, no final do século XX, os
psicólogos evolucionistas Leda Cosmides e John Tooby postularem a teoria do
contrato social, a qual procura explicar a evolução de mecanismos reguladores
das trocas socias e da cooperação na espécie humana. Para tanto, Cosmides
e Tooby levantaram a hipótese da existência de adaptações cognitivas
específicas para regular as trocas sociais, entre elas: capacidade de identificar
e reconhecer diferentes indivíduos; relembrar diversos aspectos históricos de
interações com os indivíduos; expressar e compreender os desejos e as
necessidades dos outros; representar os custos e benefícios nas trocas sociais
dos mais diversos itens (Cosmides e Tooby, 1992; Buss, 1999)
Para testar suas hipóteses, Cosmides e Tooby aplicaram em estudantes
universitários a tarefa de seleção de Wason. Este teste consiste na
apresentação de quatro cartões mostrando, por exemplo, os caracteres “A”,
“B”, “3” e “4; é explicado que cada carta possui, em uma face, uma letra e, na
outra, um número, e a hipótese em questão é: “se uma carta tem uma vogal de
um lado, tem um número par do outro. Nesse caso, o participante deveria dizer
quais cartas ele deveria virar, no mínimo, para confirmar a hipótese. As
primeiras constatações de Cosmides e Tooby foram de que em relações que
21
envolviam o raciocínio lógico e abstrato, a maioria dos estudantes não acertava
na escolha dos cartões. Entretanto, o desempenho dos estudantes mudava
quando a hipótese condicional se referia a uma regra social não abstrata.
Nessa versão, era solicitado para os estudantes se imaginarem como um
barman, o qual deveria cumprir uma lei que proíbe a venda de bebidas
alcoólicas para menores de 20 anos”. Dessa forma, as cartas representavam
os fregueses: “bebendo cerveja”, “bebendo refrigerante” (que equivaleriam às
letras “A’ e “B”, respectivamente), com “16 anos” e com “22 anos” (que
equivaleriam às “3” e “4”, respectivamente).
O desempenho superior dos participantes em tarefas não abstratas levou
os autores a outra pergunta: que aspectos das regras sociais estariam
determinando um melhor desempenho dos sujeitos na tarefa? Para responder
esta pergunta, foi apresentada para os estudantes uma situação não abstrata,
envolvendo apenas “permissões”. Nessa versão, os estudantes tinham que
verificar se, de fato, os estudantes da escola municipal residiam naquele
município. Era explicado para os alunos que esta regra garantiria a melhor
alocação de professores na rede municipal de ensino. Assim, nessa versão,
temos uma situação que não envolve a violação de contrato social, não há
benefícios em estudar nesta ou naquela escola.
Em outro teste, era dito para os participantes que os contribuintes do
município X pagam impostos mais altos para a educação, razão pela qual a
escola municipal de X é melhor do que as outras – o que poderia motivar
“aproveitadores” dos municípios vizinhos. Cosmides e Tooby observaram que
na primeira versão os estudantes tinham um desempenho fraco, comparado ao
da situação envolvendo relações que não envolvem contratos sociais.
22
Entretanto, na segunda versão, que havia a possibilidade de violação do
contrato social, o desempenho dos participantes era completamente diferente,
a maioria dos alunos escolhia os cartões corretamente – em uma tarefa
idêntica em todos os outros detalhes.
Nesse sentido, Cosmides e Tooby propuseram que os diferentes
problemas – formalmente semelhantes - estariam sendo processados por
estruturas neurais distintas, por módulos de domínios específicos
especializados na detecção de trapaceiros ou violadores de regras sociais.
Comunidades primitivas da América também foram analisadas como os
Shiwiar da Amazônia equatoriana. Sugiyama et al. (2001) investigaram a
presença de adaptações cognitivas para trocas sociais dessa sociedade
aplicando o teste de seleção de Wason. O desempenho dos Shiwiar não foi
diferente ao dos graduandos de Harvard – uma evidência de que existem
aspectos que são universais na espécie humana, que independem da cultura.
c) Detecção de trapaça
No ambiente ancestral da espécie humana, episódios litigiosos deveriam
existir apenas quando havia extrema escassez de recursos. A organização
social deveria ser igualitária, sem privilégios para alguns membros nem
ocorrência de trapaceiros (free riders), visto que o tamanho reduzido do grupo
proporcionava uma fiscalização mais rigorosa do comportamento de cada um
(Broom, 2006). A fiscalização era importante para coibir os free riders ou
trapaceiros; aqueles indivíduos que usufruem do benefício, mas não pagam o
custo devido pelo mesmo (Trivers, 1971). Com o tempo, entretanto, os grupos
23
foram crescendo e, por conseqüência, a identificação dos free rides se tornou
uma tarefa mais difícil. Os indivíduos que reconheciam e puniam os
trapaceiros, por exemplo, diminuíam suas chances de receber o ônus da
relação com um trapaceiro e, provavelmente, obtinham maiores chances de
sobrevivência e reprodução (Broom, 2006).
Cosmides e Tooby (1992) propuseram que o processo evolutivo tratou de
resolver o problema específico do risco de trapaça equipando os indivíduos
com funções cognitivas para detectar possíveis trapaceiros. Mealey, Daood e
Krage (1996) trataram de investigar a existência do módulo de detecção de
trapaceiros e seus resultados sugeriram que este módulo também podia
influenciar na recordação de faces. Em um experimento utilizando fotografias,
Mealey et al., (1996) forneceram evidências de que os humanos seriam
equipados com um módulo específico para detectar trapaceiros. Em uma
simulação de uma partida singular do jogo “dilema do prisioneiro” os
participantes se lembraram também das fotografias dos jogadores que não
cooperavam (Oda, 1997).
Entretanto, existem trabalhos que não dão suporte a existência de um
módulo específico para a detecção de trapaça (Barclay & Lalumiere, 2006;
Kiyonari et al., 2000; Evans & Chang, 1998). E outros que sugerem uma maior
facilidade na detecção de sujeitos cooperadores (Brown & Moore, 2003) e,
outros, que postulam a existência de dois módulos específicos: uma para
detectar trapaceiros e outro para detectar cooperadores (Brown & Moore,
2000). Dado que as populações podem diferir quanto à prevalência de
indivíduos não confiáveis, Barclay (2008) levantou a hipótese interessante de
que a proporção de indivíduos cooperadores e trapaceiros na população
24
poderia afetar a lembrança dos mesmos. Esta hipótese foi testada através de
um jogo de confiança informatizado, no qual eram vistos 40 fotos de rostos
masculinos de cooperadores e indivíduos que não cooperavam no jogo em
proporções (20%/80%, 50%/50% ou 80%/20%). Seus resultados apontaram
que os trapaceiros são mais bem lembrados quando são mais raros; o mesmo
ocorre com a lembrança dos cooperadores. Com isso, sugere que a memória
de faces simplesmente é um subproduto de um mecanismo geral de lembrança
de eventos raros e não um mecanismo psicológico evoluído.
Como podemos notar, existe uma falta de consenso na literatura sobre a
existência ou não de um módulo específico para detectar trapaça. Entretanto, é
um consenso que a sua coibição é fundamental para a consolidação e
manutenção das trocas sociais (Trivers, 1971; Ridley, 2000). Assim sendo, o
estudo sobre as adaptações cognitivas que regulam as trocas sociais mais
dependem da metodologia empregada e de quais variáveis e contextos estão
sendo estudados, do que, mais especificamente, da perspectiva que é adotada
para explicá-la.
Considerações finais
A perspectiva econômica ou do contrato social parece-nos a mais adequada
para explicar a origem, a fixação e a evolução das normas de convivência nas
sociedades. Isto é corroborado pelos achados, sobretudo da Biologia Evolutiva,
a qual forneceu contribuições teóricas preciosas - explicando por que alguns
indivíduos cooperaram. Além disso, a perspectiva evolucionista ampliou o
poder de aplicação do de contrato social para explicar a organização social de
animais não humanos e permitiu compreender nossa espécie como um produto
25
evolutivo, desdobramento da sobrevivência e de reprodução de outros
mamíferos não-humanos. Uma espécie que resguarda em sua essência
atributos primitivos – imprescindíveis para a resolução dos problemas
enfrentados por seus ancestrais. Dessa forma, a espécie humana passou a ser
vislumbrada como um ser biopsicossocial, que pode ser abordada e estudada
pela mesma perspectiva teórica aplicada aos demais animais. (Geary, 1998;
Cosmides & Tooby, 1992). O encontro profícuo entre a Economia e a Biologia
nos mostrou que o modelo sociológico é frágil para explicar as complexas
relações sociais, uma vez que este negligencia o agente criador e
transformador da sociedade, isto é, o indivíduo (Pinker, 2004).
Mas a refutação do modelo sociológico não significou, em nenhum
momento, a exclusão dos fatores culturais. Por exemplo, Dahaene et al.,
(2008), ao estudar os Mundurucus e estudantes norte-americanos, observaram
que a concepção de escala numérica logarítmica é uma intuição presente no
início do desenvolvimento tanto nos Mundurucus quando de adultos norte-
americanos, contudo a escola linear de contagem é uma herança cultural, que
não se desenvolve na ausência da educação formal.
Os trabalhos de Dahaene et al., (2008) e Sugiyama et al., (2001) com as
comunidades indígenas são evidências poderosas que nas espécies, mais
especificamente na humana, existem mecanismos psicológicos – adaptações
cognitivas para trocas sociais, por exemplo – que são herdados, portanto,
transmitidos de pais para filhos. Esses mecanismos podem ser universais e se
manifestam independentemente da cultura. Provavelmente foram preservados
pelo processo de seleção natural por conferirem aos seus portadores alguma
vantagem de sobrevivência e reprodução no ambiente ancestral. Entretanto,
26
esses mecanismos não são imutáveis e imunes aos fatores culturais. Pelo
contrário, o trabalho de Dehaene et al. (2008) mostra que os mecanismos
podem ser plásticos e modificados conforme o contexto.
Nossos ancestrais humanos estavam continuadamente inseridos em
jogos sociais, os quais eram mantidos com base na plasticidade dos
mecanismos psicológicos. Em alguns momentos poderia ser vantajoso confiar
em um parceiro social e se engajar em relações de troca. Mas em outros, nos
quais o parceiro não cumpra com os seus deveres ou ainda lhe cause danos,
talvez seja mais vantajoso romper a relação, retaliá-lo ou ainda disseminar pela
população os custos da interação com um trapaceiro. Esta plasticidade, por
certo, desempenha um papel adaptativo, no que consiste em oferecer uma
melhor probabilidade de sobrevivência e reprodução.
Talvez o desafio atual seja estudar com mais precisão e detalhes
justamente a plasticidade dos mecanismos psicológicos. A manutenção de uma
sociedade organizada, na qual os indivíduos se respeitam e cumprem com os
seus deveres depende, sobretudo, das escolhas tomadas pelos indivíduos. Os
indivíduos certamente tomam decisões levando em conta uma miríade de
fatores tais como o tamanho do grupo, sexo e idade dos indivíduos com quem
irá cooperar, e informações que temos sobre eles e ainda se confiamos ou não
em quem estamos ajudando. Assim sendo, é necessário focar no estudo do
contexto, pois estudar as variáveis e a dinâmica da escolha entre cooperar ou
desertar é fundamental para a formulação e implementação de políticas
públicas. É uma maneira diligente de criar formas mais sofisticadas para coibir
a trapaça e garantir as melhores circunstâncias que fomentam a cooperação,
harmonia, civilidade e zelo do bem comum.
27
Se por um lado o estudo do comportamento humano nos proporciona
uma gama de metodologias de baixo custo e de fácil realização, pelo outro ele
não elimina todas as variáveis que, por certo, influenciam o comportamento
observado. Nesse sentido, é mais do que necessário uma revisão constante da
literatura no intuito de detectar problemas metodológicos e, criatividade por
parte dos pesquisadores para saná-los. Além disso, são fundamentais testes
rigorosos, sobretudo sob o ponto de vista das causas próximas (fisiológicas do
indivíduo). Na realidade, se quisermos avançar no conhecimento da sociedade
e de aspectos básicos que a caracteriza como, por exemplo, a cooperação;
precisamos da agregação e cooperação de pesquisadores de diferentes áreas
e um intenso intercâmbio de conhecimento.
Se entre os pesquisadores existem pouco diálogo, felizmente, o diálogo
entre disciplinas e áreas diferentes do saber é notável – a interdisciplinaridade
parece ser atualmente uma das maiores molas propulsoras da Ciência. No
caso mais específico da ordem social e da cooperação, certamente a Biologia
não daria passos tão largos sem auxílio dos conceitos e ferramentas da
Economia e da Psicologia. Acreditamos que este diálogo se traduz para a
humanidade em um autoconhecimento de valor incomensurável. Entre outras
palavras, oferece algumas respostas incipientes para a pergunta “por que
somos como somos?”. Contudo, é evidente que para formular essa resposta
com crédito é necessário, antes de tudo, cautela. Não podemos nos deixar ser
seduzido pelo adaptacionismo, nem pelo biologismo radical, muito menos pela
falácia de acreditar que tudo o que é natural é necessariamente bom. Nesse
sentido, acreditamos que o estudo do contexto pode nos servir como um
mecanismo eficaz de prudência e uma ferramenta para estudar não apenas a
28
origem e a evolução das normas de convivência de uma sociedade, mas
também para construirmos um sistema moral contextualizado, ecológico e
próprio de cada comunidade.
Pode ser uma verdade que nossa moralidade é, em última análise, um
meio pelo qual os indivíduos induzem o moralismo no próximo para satisfazer
os seus próprios interesses (Cartwright, 2000) e que, por mais niilista que seja
isso, somos hospedeiros de genes egoístas usurpadores cujo objetivo maior é
sobreviver e se reproduzir (Dawkins, 1999). Mas assumir isso, não nos
inviabiliza o planejamento e a criação de contextos que burle os desígnios da
nossa essência genética e egocêntrica.
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34
A.2 – EU ME LEMBRO DE VOCÊ? A MEMÓRIA PARA FACES DE
INDIVÍDUOS NÃO CONFIÁVEIS DEPENDE DA SUA FREQUENCIA NA
POPULAÇÃO.
Artigo Empírico Título Abreviado: MEMÓRIA PARA FACES DEPENDE DA RARIDADE Tiago José Benedito Eugênio Maria Emília Yamamoto
Programa de Pós Graduação em Psicobiologia, Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
*Correspondência: Tiago José Benedito Eugênio Campus Universitário, Caixa Postal 1511 59078-970 – Natal- RN – Brasil Email: [email protected]
35
RESUMO
A Teoria do Contrato Social proposta por Ledas Cosmides e John Tooby postula a existência de adaptações cognitivas para a troca social, entre elas, a detecção de trapaceiros. São diversos os trabalhos que procuraram testar essa hipótese, inclusive relacionando esta adaptação cognitiva com a melhor recordação e faces de trapaceiros. Entretanto, a literatura se mostra carente de dados consensuais sobre isto. Além disso, é possível detectar alguns problemas metodológicos sutis. Assim, se fez necessária uma nova investigação que evite problemas metodológicos constatados em estudos anteriores e que simule de forma mais eficaz e fidedigna a nossa realidade. Para tanto, expusemos 190 alunos do ensino médio e universitário a oito vídeos de 30’’ cada, aonde era exibidas cenas de um sujeito estímulo (SE; 4 homens e 4 mulheres) com diferentes tonalidades de cor de pele. Fazendo uso de fones de ouvido os participantes ouviam uma narração, a qual identificava o SE como não confiável ou confiável. Depois de uma tarefa de distração, os participantes assistiam a uma sessão de fotos com 34 SE, incluindo os 8 SE vistos nos vídeos. Os participantes eram solicitados para apontar quais SE foram exibidos nos vídeos. Nossos resultados apontam uma memória diferencial para os SE identificados como não confiáveis, independente do sexo e da tonalidade da cor da pele do SE. A priori poderíamos constatar e aceitar isso como evidência para a existência de um módulo específico para a detecção de trapaça, uma vez que se lembrar de indivíduos não confiáveis, de fato, é fundamental para amenizar ou evitar os custos das interações com os mesmos no futuro. Entretanto as análises subseqüentes, incluindo variáveis inerentes a qualquer indivíduo como o sexo e a tonalidade da cor da pele dos SE mostram que os SE do sexo feminino são mais bem lembradas pelos sujeitos experimentais do mesmo sexo e que os SE escuros confiáveis são mais bem lembrados tanto pelos homens como mulheres participantes, sugerindo que a lembrança dos SE é influenciada pelas diferenças sexuais e freqüência e saliência dos indivíduos que compõem uma população.
Palavras-chave: memória de faces, sexo, cor de pele, psicologia
evolucionista, comportamento humano.
36
INTRODUÇÃO
A espécie humana é caracterizada por comportamentos que envolvem
cooperação, inclusive entre indivíduos não aparentados (Trivers, 1971). Por
exemplo, quando dois indivíduos cooperaram e retribuem atos generosos,
ambos podem usufruir de vantagens. Entretanto, caso um indivíduo coopere e
seu parceiro não, o não cooperador pode obter uma vantagem maior,
usufruindo das vantagens sozinho (Axelrod & Hamilton, 1981). Para que o
altruísmo recíproco seja sustentável são necessários mecanismos que
resolvam o problema do risco da trapaça, ou seja, é necessário que os
cooperadores evitem a exploração dos indivíduos que não cooperam. Isto
requer habilidades cognitivas para detectar os indivíduos que não cooperaram
e capacidade de memória para lembrar quais são os cooperadores e quais não
são (Trivers, 1971).
Com base nessas idéias, Cosmides e Tooby (1992, 2000) postularam a
existência de adaptações cognitivas para as trocas sociais, as quais incluiriam:
a capacidade de relembrar características de diferentes indivíduos, bem como
recordar aspectos históricos de interação social. Além disso, cogitaram a
hipótese dos seres humanos serem bons detectores de trapaça (Cosmides &
Tooby, 1992). Para testar esta hipótese, eles aplicaram em estudantes
universitários, a tarefa de seleção de Wason. Neste teste são apresentadas
aos sujeitos quatro cartas com números de um lado e uma letra de outro. A
tarefa proposta consistia em dizer quais catas precisam ser viradas para testar
a seguinte regra “Se existe uma vogal de um lado da carta, não existe um
número par do outro lado da carta”. As primeiras constatações foram de que
37
em relações que envolviam o raciocínio lógico e abstrato, como a exemplificada
a cima, a maioria dos estudantes não acertava na escolha dos cartões.
Entretanto, o desempenho dos estudantes mudava quando a hipótese
condicional se referia a uma regra social não abstrata como, por exemplo, “Se
for menor de idade não beba”. Com isso, os autores refutaram o modelo de
inteligência “generalista”, como o proposto por Piaget para explicar as
diferenças quanto aos desempenhos em tarefas idênticas quanto à lógica
formal subjacente. Assim, Cosmides e Tooby propuseram que os diferentes
problemas – formalmente semelhantes - estariam sendo processados por
estruturas neurais distintas, por módulos de domínios específicos
especializados na detecção de violadores de regras sociais.
Estudos Anteriores
Mealey, Daood e Krage (1996) trataram de investigar a existência do
módulo de detecção de trapaceiros e seus resultados sugeriram que este
módulo também podia influenciar na recordação de faces. Mealey et al. (1996)
expuseram estudantes universitários a 36 fotos, em preto e branco, de homens
caucasianos. A exibição das fotos era acompanhada de uma descrição retirada
de jornais, as quais informavam para o participante se aquele sujeito da foto
era confiável, trapaceiro ou “neutro” e se tinha uma profissão que indicava
“baixo status” ou “alto status”. Os estudantes avaliavam a atratividade física de
cada foto. Após uma semana os participantes participavam de uma nova
sessão com 72 fotos; nesta estava incluída as 36 fotos exibidas na semana
anterior e 36 fotos “novas”. Os participantes eram solicitados a se lembrar das
38
faces vistas na primeira sessão. Novamente era solicitado aos participantes
que avaliassem a atratividade de cada foto. Os participantes se lembraram com
maior facilidade das fotos cuja identificação era de um trapaceiro. Dessa forma,
os resultados sugerem que este módulo também podia influenciar na
recordação de faces. Farrelly e Turnbull (2008) encontraram também
evidências de que os trapaceiros são mais lembrados em uma situação de
troca social. Contudo, Mehl e Buchner (2008), ao replicar com maior controle o
trabalho de Mealey et al. (1996), encontraram resultados que não oferecem
suporte à hipótese de que humanos se lembram mais de indivíduos
trapaceiros.
Buchner et al. (2009) sugerem que, de fato, não existe uma melhor
lembrança para faces de trapaceiros, mas pode existir uma melhor memória
contextual para trapaceiros. Para testar esta hipótese, foram realizados quatro
experimentos, replicando a mesma metodologia descrita por Mealey et al.
(1996) e Mehl & Buchner (2008). No entanto, o participante era também
solicitado a indicar se aquela foto que ele havia lembrado era de um trapaceiro,
cooperador ou neutro. As análises subseqüentes apontaram que não houve
uma melhor lembrança para as fotos com descrições de trapaceiros,
entretanto, foi visto que, das fotos lembradas, houve um maior número de
acertos quando esta foto era de um trapaceiro. A partir disso, Buchner (2009)
sugeriu que a recordação de faces não é suficiente para evitar trapaceiros em
interações futuras, contudo, a memória contextual pode ser um mecanismo
psicológico evoluído para a detecção de trapaça.
Dado que as populações podem diferir quanto à prevalência de indivíduos
não confiáveis, Barclay (2008) levantou a hipótese interessante de que a
39
proporção de indivíduos cooperadores e trapaceiros na população poderia
afetar a lembrança dos mesmos. Esta hipótese foi testada através de um jogo
de confiança informatizado, no qual eram vistos 40 fotos de rostos masculinos
de cooperadores e indivíduos que não cooperavam no jogo em proporções
(20%/80%, 50%/50% ou 80%/20%). Seus resultados apontaram que os
trapaceiros são mais bem lembrados quando são mais raros; o mesmo ocorre
com a lembrança dos cooperadores. Com isso, sugere que a memória de faces
é simplesmente um sub-produto de um mecanismo geral de lembrança de
eventos raros, atípicos.
Problemas metodológicos anteriores
No que tange a detecção de trapaça e sua relação com lembrança de
faces, a literatura se mostra totalmente ambígua e carente de dados
consensuais sobre este assunto. Além disso, dentro das pesquisas até então
publicadas, é possível detectar falhas metodológicas sutis, as quais podem
comprometer a confiabilidade dos dados e das conclusões destes trabalhos.
Primeiro, a maioria dos trabalhos usam como estímulos fotografias
(Mealey et al. 1996; Oda, 1997; Yamagishi et al., 2003; Brown & Moore, 2003;
Barclay & Lalumiere, 2006; Barclay, 2008; Melh e Buchner, 2008; Farrelly &
Turnbull, 2008; Buchner et al., 2009), destituídas de movimentos e mudanças
de emoções. Barclay (2008), ao discutir os seus resultados, cogita a hipótese
de que as fotografias não seriam estímulos suficientes para a ativação do
módulo da detecção de trapaça.
40
Segundo, a maioria dos trabalhos solicitou para os participantes, os
mesmos que fizeram o teste de recordação das faces, que avaliassem
previamente a atratividade física dos sujeitos estímulos – fotografias (Mealey
et al. 1996; Oda, 1997; Yamagishi et al., 2003; Brown e Moore, 2003; Barclay e
Lalumiere, 2006; Barclay, 2008; Melh e Buchner, 2008; Farrelly & Turnbull,
2008; Buchner et al., 2009). Acreditamos que essa avaliação requer um
esforço cognitivo, o qual pode influenciar posteriormente a recordação das
faces (Yamagishi et al., 2003).
Terceiro, exceto o trabalho de Yamagishi et al. (2003), todos os outros
lançaram mão de descrições por escrito para identificar o perfil dos sujeitos
estímulos. Barclay & Lalumiere (2006) ao discutir os seus resultados, os quais
não dão suporte para a existência de um módulo específico de trapaça,
sugerem a possibilidade dos sujeitos experimentais não terem prestado
atenção suficiente nas descrições das fotografias.
Quarto, em diversos trabalhos o tempo de exposição das fotos não foi
controlado (Mealey, 1996; Oda, 1997; Yamagishi et al., 2003; Brown e Moore,
2003; Barclay, 2008; Farrelly & Turnbull, 2008).
Quinto, a maioria dos trabalhos expõe os participantes, durante o teste
de recordação, a uma situação com o mesmo número de sujeitos estímulo (SE)
conhecidos e não conhecidos (Mealey et al. 1996; Oda, 1997; Yamagishi et al.,
2003; Barclay e Lalumiere, 2006; Barclay, 2008; Melh e Buchner, 2008;
Buchner et al., 2009). Nesse sentido, é maior a probabilidade do participante
lembrar dos SE simplesmente por tentativa e erro, pois a probabilidade de
acerto ao acaso é de 50%.
41
Sexto, a exemplo de Mealey et al. (1996), a maioria dos trabalhos varia
apenas o perfil e o status do SE. Entretanto, a literatura sobre os processos
mentais de categorização social e formação das primeiras impressões sugere
que o sexo, bem como traços físicos, tais como a cor da pele, são as
categorias mais bem codificadas pelo cérebro humano (Acuri, 1982; Stangor et
al., 1992; Taylor et al., 1978; Sani et al., 2005), do que se conclui que a
investigação dos mecanismos psicológicos para coerção da trapaça devem
incluir, sobretudo, essas categorias.
O Presente estudo
O presente estudo testou se existem diferenças quanto à recordação de
faces de sujeitos estímulo identificados como confiáveis e não confiáveis.
Procuramos variar o sexo dos SE, bem como a tonalidade da cor da pele e
estudar a influência dessas variáveis no processo de lembrança das faces.
Nossa hipótese é de que existe uma memória diferencial para SE não
confiáveis quando eles estão em menor proporção, isto é, quando são
percebidos como raros. Nesse sentido, esperamos que a lembrança das faces
dos SE fosse mais eficaz para o sexo e as tonalidades de cor de pele
percebidas como mais raras e menos salientes na população. Assim, em uma
população composta em sua maioria por homens, as mulheres seriam as mais
bem lembradas e vice-versa. Enquanto em populações majoritariamente mais
claras, os indivíduos com tonalidade da cor da pele mais escura seriam os mais
lembrados e vice-versa.
42
Procuramos apresentar uma metodologia robusta, que simulasse de
forma mais eficaz e fidedigna a nossa realidade cotidiana. Para isso, exibimos
para os participantes uma série de estímulos em vídeos. Acreditamos que se
fez necessária esta investigação com estímulos dinâmicos por ser mais
legítima à realidade, uma vez que nossas relações sociais são constituídas por
encontros e mediados por contato visual. Estudos sugerem que as fotografias
seriam suficientes para ativar o módulo específico de detecção de trapaça
(Mealy et al., 1996; Oda, 1997). Entretanto, os resultados desses trabalhos
podem ter sido produtos de uma confusão quanto à memória para faces de
trapaceiros e o tempo que os participantes despenderam na observação dos
estímulos. A relação é simples: se os participantes despendem mais tempo
observando as fotos de indivíduos trapaceiros - como sugere o trabalho de
Chiappe et al., (2004) -, maior é a probabilidade dessas mesmas fotos serem
lembradas. Para evitar isso, neste estudo fizemos um controle rigoroso sobre o
tempo de exibição dos SE e não solicitamos para os participantes fazerem
avaliações prévias dos estímulos, uma vez que estas poderiam influenciar no
teste de recordação das faces (Yamagishi et al., 2003).
É sabido que as pessoas aprendem de formas diferentes, logo um único
meio de estímulo sensorial não é o bastante para desenvolver com eficiência a
aprendizagem. Existem sujeitos que respondem melhor aos estímulos visuais,
outros aos estímulos auditivos ou sinestésicos (Catania, 1998). Além disso,
sabe-se também que quando uma informação é carregada de várias
modalidades de estímulos ela é memorizada mais facilmente (Catania, 1998).
Devido a isso, procuramos identificar o perfil dos nossos SE como sendo não
confiável ou confiável através de narrações orais. Acreditamos que nosso
43
estímulo provido tanto de informação visual quanto auditiva é mais adequado,
para ativar de forma mais satisfatória supostos módulos mentais específicos -
por exemplo, o da detecção de trapaça -, do que um estímulo apenas visual.
Durante o teste de recordação das faces, a maioria dos trabalhos expõe
os participantes a uma situação com o mesmo número de SE conhecidos e não
conhecidos (Mealey et al. 1996; Oda, 1997; Yamagishi et al., 2003; Barclay e
Lalumiere, 2006; Barclay, 2007; Melh e Buchner, 2008; Buchner et al., 2009).
Em nosso estudo, expusemos os participantes a uma situação de maior
confusão, pois os mesmos conheciam 8 SE e depois era feito um teste de
lembrança das faces dos mesmos entre 34 fotos. Por certo, em nosso teste, a
probabilidade de erros é bem maior e o acerto por tentativa e erro é menos
provável.
Por fim, apresentamos nesse estudo uma correção matemática para
diminuir a influência da probabilidade de tentativa e erro na recordação das
faces. Isso é essencial para a obtenção de dados confiáveis, pois o
desempenho de um participante que se lembrasse de todos os SE (trapaceiros
e não trapaceiros) poderia ser facilmente confundido como idêntico ao de outro
que lembrasse apenas de todos os trapaceiros – o que obviamente não é.
2. MÉTODO 2.1. Participantes
Participaram desta pesquisa 190 estudantes (média de idade 18,9 ± 3,96
anos) do ensino médio e universitário, sendo 124 mulheres e 61 homens.
Entretanto, apenas 185 fizeram corretamente o teste e foram incluídos na
amostra. A coleta de dados foi realizada no Centro de Educação Potiguar, na
44
Escola Estadual Floriano Peixoto e na Faculdade de Ciências, Cultura e
Extensão do Rio Grande do Norte, todas localizadas no município de Natal,
Brasil.
2.2 Estímulo
Foram produzidos 16 vídeos com a duração de 30 segundos cada, os
quais exibiam imagens de pessoas, simulando uma entrevista de emprego. Em
oito dos vídeos os entrevistados eram mulheres e nos outros oito eram
homens. A gravação foi feita com atores profissionais com diversas tonalidade
de cor de pele, todos com idade entre 18-25 anos. Foi formado um júri com 20
estudantes universitários da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
sendo 11 mulheres e 9 homens, com variação de 17 até 24 anos (média ± DP
= 20,2 ± 1,96), para avaliar a confiabilidade (CONF), a tonalidade da cor de
pele (CP), e a atratividade física (AF) dos SE, exibidos nos vídeos. Esses
vídeos foram exibidos em cores e sem qualquer som. Foi solicitado ao
participante que atribuísse uma nota para CONF dos SE em uma escala de 7
pontos, variando de 0 (pouco confiável) a 6 (muito confiável). As médias para
os 16 SE variaram de 3,75 a 4,20. Assim, consideramos que, em nossa
amostra, predominava SE confiáveis. Aplicamos o teste de GLM de medidas
repetidas para verificar diferenças quanto a confiabilidade, entretanto os
resultados não apontaram diferença significativa quanto à confiabilidade dos 16
SE (F15, 285 = 0,13, p > 0,05). Solicitamos também para o participante avaliar a
tonalidade da cor da pele dos SE em uma escala com 7 pontos, variando de 0
(cor de pele muito clara) a 6 (cor de pele muito escura) a fim de observar se os
SE eram percebidos, de fato, como providos de cores de pele distintas. O teste
45
de GLM de medidas repetidas nos mostrou dois grupos (F15, 285 = 46,36, p <
0,001) dos 16 SE quanto à cor de pele. Após a avaliação, foi possível
categorizar esses vídeos em dois grupos: (i) “SE com cores de pele mais
clara” – vídeos com as menores médias e; (ii) “SE com cores de pele mais
escura” – vídeos com as maiores médias. Assim, foram formados 4 grupos de
SE: homens de pele clara (♂C), homens de pele escura (♂E), mulheres de pele
clara (♀C) e mulheres de pele escura (♀E). O mesmo procedimento foi
utilizado para a avaliação de AF dos SE, por meio de uma escala de 0 (nada
atraente) a 6 (muito atraente). O teste de GLM de medidas repetidas apontou
diferenças significativas quanto à AF dos SE (F15, 285 = 20,55, p < 0,001). A fim
de diminuir o efeito desta variável, optamos por selecionar vídeos com AF
semelhantes. Dessa forma, selecionamos os dois vídeos mais atrativos de
cada grupo (♂C, ♂E, ♀C e ♀E).
2.3. Narrações
Foram criadas oito narrações fictícias, quatro com perfil confiável e outras
quatro com perfil não confiável. Essas narrações eram narradas por um único
narrador, o qual citava o nome fictício (duas vezes) e a idade do SE;
apresentava-se uma qualidade positiva (ser pontual, comprometido com o
trabalho, etc) do SE e, em seguida, discorria-se sobre o passado profissional
dos SE – nessa parte as narrações diferiam em dois perfis: confiável e não
confiável.
46
2.3.1. Não Confiável
A construção dos perfis não confiáveis foi baseada nos Direitos Trabalhistas do
Brasil, uma vez que nossos vídeos simularam uma entrevista de emprego,
portanto, um ambiente profissional. O artigo 482 da Consolidação das Leis de
Trabalho (CLT) do Brasil elenca uma série de motivos para a rescisão do
contrato de trabalho pelo empregador. Entre esses motivos, o ato criminal e a
agressão no ambiente de trabalho - tanto física quanto moral - são citados. Em
outras palavras, esses seriam motivos legítimos para o empregador demitir por
justa causa um empregado. Assim, decidimos incluir nas narrações dos perfis
não confiáveis episódios de agressão e atos criminais, mais especificamente o
furto. Exemplo de uma narração: “Este jovem é Matheus, tem 24 anos e tem
experiência profissional como lojista. Ele nunca faltou em serviço, mesmo
quando era chamado para trabalhar nos finais de semana e feriados. Por outro
lado, existe muito receio em relação a sua pessoa. Sabe-se que Matheus foi
demitido do seu último emprego, uma vez que ele roubou o cartão de crédito
do seu patrão. Existe também a suspeita de que ele roubava mercadorias da
loja na qual ele trabalhava”. Todas as narrações utilizadas estão no Anexo II.
2.3.2. Confiável
Em um questionário a parte, solicitamos ao jure que avaliasse a AF e a CP
dos 16 vídeos e que escolhesse 4 SE que contratariam como empregados e
apontasse uma característica que definiria um bom profissional – que
merecesse uma promoção - e outra para um profissional confiável. A
característica mais citada para definir um bom profissional – que merecesse
47
uma promoção – foi criatividade enquanto honestidade foi a característica mais
citada para definir um profissional confiável. Nesse sentido, nas narrações com
perfil confiável foram realçadas a criatividade e honestidade do SE. Exemplo de
uma narração: “Paulo tem 24 anos. Já trabalhou em diversas empresas como
auxiliar de contabilidade. Tem paixão pela sua profissão e em seu tempo livre
procura melhorar cada vez mais o seu desempenho no trabalho. Recentemente
ele recusou um convite de alto valor para se envolver num esquema milionário
de lavagem de dinheiro. É um profissional honesto e todos admiram Paulo por
essa sua qualidade”.
Foi feito um pareamento desses episódios com o sexo do SE. Por exemplo,
alternávamos um SE do sexo masculino e outro do sexo feminino com
narrações que envolviam o mesmo episódio nas diferentes sessões.
2.4. Procedimento
Os vídeos foram organizados em uma apresentação interativa
informatizada. Foram preparados dois grupos de apresentações, nos quais
foram alteradas as narrações atribuídas aos SE. Por exemplo, no grupo 1 o SE
♂C era caracterizado como um profissional confiável, que propunha boas
idéias enquanto no grupo 2, ele era um profissional não confiável. Para evitar o
efeito de ordem, preparamos três versões para cada grupo – apenas mudando
a ordem de exibição dos SE –, totalizando seis versões diferentes da mesma
apresentação. Em todas as versões, a ordem de exibição de vídeos, bem como
o pareamento das narrações com os SE foi definido de forma aleatória.
48
Os participantes assistiam em micro-computadores, individualmente, oito
vídeos e faziam uso de um fone de ouvido para ouvir as narrações dos
mesmos. Em seguida, faziam uma tarefa de distração. Nesta tarefa, os
participantes eram instruídos a observar qualquer mudança entre os quadros
de uma mesma cena. Ao todo cada cena era apresentada seis vezes, ficando
exposta por um segundo de cada vez, intercalando-se entre as apresentações
slides em branco com duração de, também, um segundo. Durante esta tarefa
foram mostradas doze cenas diferentes, todas da mesma forma. Uma vez que
estudos anteriores sugerem não haver influência da latência (Chiappe et al.,
2004; Mehl & Buchner, 2009; Buchner et al., 2009), optamos pela realização do
teste de recordação logo após a tarefa de distração.
No teste de recordação, os participantes assistiam a uma sessão de 34
fotos (17 fotos de homens e 17 de mulheres), sendo cada foto exposta por
apenas três segundos. Nessa sessão, foram incluídas fotos (capturadas do
próprio vídeo) dos 8 SE e mais 26 fotos de indivíduos não conhecidos pelo
participante. Durante a sessão de fotos, era solicitado ao participante indicar
aqueles sujeitos que ele acreditava ter visto nos vídeos e, em seguida, era
solicitado ao participante que preenchesse um questionário sócio demográfico.
Antes das análises estatísticas, os dados foram submetidos a uma
correção matemática a fim de aumentar o poder de confiabilidade dos dados
coletados, pois quanto mais fotos o participante indicasse como familiares,
menor seria a confiabilidade do dado fornecido, uma vez que seria maior a
probabilidade do participante se lembrar do SE por tentativa e erro. A correção
matemática nos permitiu obter índices de lembranças dos SE. Esses foram
calculados através da fórmula: (número de SE lembrados de uma
49
categoria/total de SE de uma categoria)/total de SE lembrados. Por exemplo,
para o cálculo do índice de lembrança dos SE confiáveis: (X SE confiáveis
lembrados/4 (total de SE confiáveis)/total de SE lembrados pelo participante.
Para o cálculo do índice de lembrança dos SE masculinos e confiáveis: (X SE
do sexo masculino e confiáveis lembrados/2 (total de SE do sexo masculino e
confiável)/ total de SE lembrados pelo participante. Uma soma entre índices foi
utilizada para obtenção de 4 índices: ♀ = ♀cf + ♀tr; ♂ = ♂cf + ♂tr; C = Ccf + Ctr e
E = Ecf + Etr.
3. RESULTADOS
Analisamos o desempenho dos sujeitos quanto à lembrança dos SE
considerando os participantes do sexo masculino (n = 61) e os do feminino (n =
124) como grupos independentes. As hipóteses foram verificadas pelo teste de
Wilcoxon. Todas as análises foram feitas de forma independente para cada um
dos sexos do participante
3.1. Lembrança do Perfil
A comparação entre os índices cf e tr mostrou que tanto os participantes
homens (Z = -2,72, p < 0,05, r=0,34) como as mulheres (Z = 4,17, p<0,05, r=
0,37) se lembraram significativamente mais dos SE não confiáveis do que dos
confiáveis.
50
3.2. Perfil e sexo
A comparação dos índices ♀-tr e ♂-tr não apontou nenhuma diferença
significativa, sugerindo que os participante tanto do sexo masculino (Z = 1,51,
p>0,05, r = 0,19) como do sexo feminino (Z = 1,68, p>0,05, r = 0,15) se
lembram igualmente de SEtr do sexo masculino e feminino. Por outro lado, a
comparação entre os índices ♀-cf e ♂-cf nos mostrou que as mulheres
respondentes se lembraram com mais freqüência dos SE do sexo feminino (Z =
4,0, p < 0,05, r = 0,36) e confiáveis do que dos SE do sexo masculino e
confiáveis. Em contrapartida, os homens respondentes não se lembraram
melhor dos SE confiáveis de um determinado sexo (Z = 1,21, p > 0,05, r =
0,16).
Figura 1: Medianas, Médias* e Intervalos de confiança de 95% para o número de faces de SE confiáveis e não confiáveis recordadas pelos participantes do sexo feminino e masculino.
51
3.3. Perfil e tonalidade da cor da pele
Análises subseqüentes feitas com os índices C-tr e E-tr permitiram
constatar que não existem diferenças significativas quanto à lembrança de SE
não confiáveis de uma determinada tonalidade de cor de pele (mais claros/mais
escuros) tanto para o grupo de participante do sexo masculino (Z = 1,51, p >
0,05, r = 0,19) como do sexo feminino (Z = 1,68, p > 0,05, r = 0,15).
Entretanto, a comparação dos índices C-cf e E-cf nos mostra que os SE
confiáveis e de pele mais escura foram mais bem recordados do que os SE
confiáveis e mais claros, tanto pelo sexo masculino (Z = 2,08, p < 0,05, r =
0,26) como pelo sexo feminino (Z = 2,29, p < 0,05, r = 0,21)
Figura 2: Medianas, Médias* e Intervalos de confiança de 95% para o número de faces de SE confiáveis escuros e claros recordadas pelos participantes do sexo feminino e masculino.
52
3.4. Lembrança do sexo
A comparação entre os índices ♂ e ♀ apontou que os participantes do
sexo feminino se lembram mais dos SE do mesmo sexo, independente do perfil
(confiável/não confiável) e da tonalidade da cor da pele do SE (Z = 2,53, p <
0,05, r = 0,32). Em contrapartida, com relação ao grupo de participantes do
sexo masculino, não foi observada qualquer diferença significativa quanto à
lembrança dos SE de um determinado sexo (Z=0,80, p>0,05, r = 0,11)
3.5. Lembrança da tonalidade da cor da pele
A comparação entre os índices C e E nos mostra que para os
participantes do sexo feminino não há melhor lembrança dos SE de uma
Figura 3: Medianas, Médias* e Intervalos de confiança de 95% para o número de faces de SE homens e mulheres recordadas pelos participantes do sexo feminino e masculino.
53
determinada tonalidade de cor de pele, independente do sexo e do perfil do
mesmo (Z = 0,86, p > 0,05 r= 0,11). Por outro lado, com relação aos
participantes do sexo masculino, os SE mais escuros foram mais bem
lembrados do que os SE mais claros (Z = 2,71, p < 0,05, r= 0,34).
4. DISCUSSÃO
Nossos resultados apontam uma memória diferencial para os SE
identificados como não confiáveis, independente do sexo e da tonalidade da
cor da pele do SE. A priori poderíamos constatar e aceitar isso como evidência
para a existência de um módulo específico para a detecção de trapaça, uma
vez que lembrar de indivíduos não confiáveis, de fato, é fundamental para
amenizar ou evitar os custos das interações com os mesmos no futuro
(Cosmides e Tooby, 1992; Cosmides et al., 2010; Mealey, 1996). Entretanto as
análises subseqüentes, incluindo variáveis inerentes a qualquer indivíduo como
o sexo e a tonalidade da cor da pele dos SE sugerem uma influência
significativa da freqüência e da saliência dos indivíduos que compõem uma
população e da seleção sexual, no que diz respeito à lembrança dos SE.
Antes do experimento propriamente dito, quando expusemos apenas as
imagens dos SE, sem a identificação do perfil como confiável ou não confiável,
os participantes os perceberam como sujeitos confiáveis. Nesse sentido, em
nossa amostra, consideramos rara a percepção de SE não confiáveis. São
diversos os estudos em psicologia que corroboram a idéia sobre a existência
de uma melhor memória para eventos raros, com baixa freqüência e menos
salientes (MacDanial & Geraci, 2006; Hunt, 2006; Barclay, 2008). Isso pode
54
explicar por que nossos participantes se lembraram melhor dos SE não
confiáveis. Simplesmente por que os indivíduos não confiáveis são percebidos
como raros (crípticos e baixa freqüência) na população.
Por que os indivíduos não confiáveis são raros? Experiências em grupos
presenciais (Ellikson, 1991) confirmam a existências de mecanismos, como a
fofoca, para fiscalizar o cumprimento das normas do grupo e, por
conseqüência, coibir a trapaça quando os indivíduos não fazem jus às
expectativas do grupo. Assim, a manutenção na população de indivíduos não
confiáveis e de comportamentos que violam as regras sociais depende do
quanto esses indivíduos e comportamentos são crípticos.
Trivers (1971, 1985) discute a importância evolutiva da detecção de
trapaceiros “grosseiros” (aqueles que não retribuem atos altruístas) e “sutis”
(aqueles que retribuem, mas oferecem muito menos do que recebem) para a
evolução e manutenção da reciprocidade. Dentro de qualquer comunidade
cooperativa, a baixa freqüência de indivíduos não confiáveis é essencial para a
manutenção das relações de reciprocidade, uma vez que esse exercício é feito,
sobretudo, com base nos laços de confiança estabelecidos entre os indivíduos.
Isto porque, mais do que a ausência de vantagens de interagir com altruísta,
está o fato da dos indivíduos terem a necessidade de manter relações
recíprocas. A reciprocidade fica comprometida quando há trapaça ou ameaça
dela; caso contrário, os indivíduos continuam a se relacionar uns com os
outros.
Dessa forma, a capacidade de memória fica resguardada para os casos
nos quais há possibilidade de dano real, isto é, de trapaça. Mas essa memória
não é específica para os trapaceiros, mas sim para as características ou
55
eventos que estão em menor freqüência ou são menos salientes na população.
Barclay (2008) sugere que a memória para indivíduos não confiáveis poderia
ser um subproduto de uma tendência geral para a lembrança de eventos raros.
Essa tendência, posteriormente, teria sido cooptada para regular as trocas
sociais.
Mas isso não responde a seguinte questão: por que somos predispostos
a nos lembrar mais de eventos raros? Provavelmente, existiu uma vantagem
adaptativa para os indivíduos que se lembravam de eventos atípicos, pois se a
maioria da população age de uma determinada forma é fácil ter uma estratégia
padrão de resposta às estratégias dos outros. Porém, quando o padrão é raro
ou errático é preciso mudar as estratégias comportamentais em resposta a
esses eventos que saem do padrão. Assim sendo, prestar atenção àquilo que é
diferente permite usar estratégias condicionais de maneira mais eficiente.
O perfil dos internos penitenciários brasileiros mostra que eles são, em
sua grande maioria, homens. Mais especificamente, no estado do Rio Grande
do Norte, estado no qual foram coletados os dados, segundo o Ministério da
Justiça do Brasil (2007), 95,9% da população carcerária é constituída por
homens. Isso mostra o quão são raras as mulheres envolvidas em processos
penais e isso, por certo, pode refletir na percepção da população. Se alguém
lhe disser que alguém foi flagrado em uma situação de agressão ou furto, é
mais provável que a primeira imagem que venha na sua cabeça é de um
homem.
Assim, se a hipótese da memória para eventos raros fosse uma verdade
era sensato esperar que as mulheres não confiáveis fossem mais lembradas
do que os homens não confiáveis. Entretanto, em nossos resultados não
56
encontramos uma diferença significativa quanto à lembrança dos SE não
confiáveis do sexo masculino e feminino. Por outro lado, foi visto que as
mulheres respondentes se lembraram com mais freqüência dos SE do sexo
feminino. O mesmo efeito não foi observado para os homens respondentes, os
quais não se lembraram melhor dos SE confiáveis de um determinado sexo.
Isso ocorre por que a hipótese da memória para eventos raros se mantém para
algumas circunstâncias e contextos e não para outros, provavelmente porque
há outras variáveis interferindo.
Homens e mulheres apresentam inúmeras diferenças, entre elas
cognitivas e emocionais. Mulheres são geralmente mais sensíveis às pistas
sociais não verbais como, por exemplo, à expressão facial, do que os homens
(Geary, 1998) e tendem a ter uma maior precisão na hora de identificar as
pistas emocionais de outra mulher do que de outro homem (Wagner et al.,
1993). Essas competências sociais são vantagens femininas, as quais são
importantes para a manutenção da coesão sociais, além de serem mecanismos
eficientes para regular as pressões da dinâmica da seleção sexual.
Sob a perspectiva evolucionista, o sucesso reprodutivo das fêmeas é
limitado geralmente pelo acesso aos recursos, os quais podem ser cooptados
às outras possíveis competidoras. Mulheres competem pelo acesso aos
recursos e esta competição, por certo, influenciou o sucesso reprodutivo das
mesmas durante o a evolução da espécie humana (Pusey et al., 1997; Geary,
1998). É sob essa lógica que interpretamos nossos resultados, os quais
apontam que as mulheres respondentes tiveram uma melhor memória para SE
do mesmo sexo. Acreditamos que este melhor desempenho seja uma
conseqüência direta da competição sutil que existe entre as mulheres. Assim,
57
como produto das pressões de seleção do ambiente ancestral, as mulheres
foram dotadas de uma associação de competências cognitivas e sociais mais
refinadas do que os homens como, por exemplo, um domínio maior da
linguagem (Maccoby, 1990), atenção maior nas pistas sociais não verbais,
maior capacidade de inferir estados emocionais no próximo (Geary, 1998) e
melhor memória para indivíduos do mesmo sexo.
Mas não existe apenas a força da seleção sexual. Os resultados desse
trabalho mostram a também a influência dos fatores culturais. Isso foi
observado quando analisamos a lembrança dos SE com relação à tonalidade
da cor pele. Nossos resultados apontam que não existem diferenças quanto à
lembrança dos SE não confiáveis de uma determinada cor, tanto para os
homens como para as mulheres respondentes. No entanto, mulheres e homens
respondentes, se lembraram melhor dos SE confiáveis mais escuros. Levando
em consideração que prestar atenção àquilo que é raro permite usar
estratégias alternativas de maneira mais eficiente, podemos compreender esta
diferença encontrada como um sendo um indício de que indivíduos confiáveis e
mais escuros são considerados, ou pelo menos percebidos, tanto pelos
homens como pelas mulheres respondentes, como mais raros na população,
por isso são mais lembrados.
Há muitos anos o Brasil é visto como um “paraíso racial”, um país
miscigenado e festivo, de pessoas pacíficas entre as quais imperam relações
extremamente respeitosas e cordiais (Telles, 2004). Contudo, esta idéia é
totalmente discutível. Segundo pesquisas do Instituto de Pesquisas Econômica
Aplicadas (IPEA, 2008) o Brasil é um país marcado por desigualdades: sociais,
econômicas, regionais e educacionais. Permeando e potencializando os seus
58
mecanismos de exclusão, estão as desigualdades de gênero e de raça. No
interior das empresas, nas cidades, no campo, nas famílias, nas escolas e
universidades e em cada parte da nossa sociedade, indivíduos negros são
discriminados por sua cor/raça e mulheres, por seu sexo. No caso dos
diferenciais pela cor, pesquisas do IPEA (2008) mostram que os negros têm
menor acesso às escolas e as universidades, são minoria no mercado de
trabalho, apresentam menor poder aquisitivo, bem como menor expectativa de
vida quando comparados aos brancos.
Uma análise de processos criminais na cidade São Paulo constatou que
sujeitos negros eram presos em flagrante com mais freqüência do que os
brancos, 58% contra 46%, respectivamente. Constatou ainda que 27% dos
brancos respondem ao processo em liberdade, enquanto só 15% dos negros
conseguem esse benefício (Adorno, 1991). Isso sugere que os negros recebem
uma maior vigilância por parte da polícia e que a própria justiça brasileira
parece discriminar seus réus usando critérios como a cor da pele/origem
étnica.
Essa discriminação é produto da própria história do Brasil. O Brasil é um
país de cultura escravocrata e com grande miscigenação de raças, fatores
estes que contribuíram para a existência de diversidade de culturas, valores e
crenças. Somando-se a isso encontramos as desigualdades oriundas de
décadas de exploração econômica do proletariado, aos 350 anos de
escravidão negra e da subseqüente abolição sem a acolhida no mercado de
trabalho dos negros e sem que fossem propiciadas as condições mínimas para
eles subsistissem; além das desigualdades relativas às mulheres, aos idosos e
às crianças, que também foram oprimidos durante a longa conquista da
59
cidadania no país. Esses grupos, entre eles os negros, são rotulados e sempre
percebidos e tratados pela sociedade de acordo com o rótulo que recebem em
detrimento de suas verdadeiras qualidades (Telles, 2004).
A ciência nunca encontrou bases verdadeiramente científicas para ser
comprovado e/ou justificado o racismo (Gould, 1992). Nem o grande avanço da
genética provou a existência de diferentes raças humanas. Encontra-se maior
variação genética intragrupal (85-90%) do que entre os grupos (15-10%),
mostrando-nos que, geneticamente, indivíduos da mesma “raça” diferem tanto
quanto ou mais do que indivíduos de “raças” diferentes (Bamshad & Olson,
2003)
Este estudo pode ajudar na discussão sobre a origem e evolução das
adaptações cognitivas para as trocas sociais. Nossos resultados sugerem que
a lembrança de indivíduos trapaceiros pode não se dever a um módulo
específico para detecção de trapaceiros, mas pode ser influenciada por uma
adaptação cognitiva para lembrança de eventos raros. Ao contrário de Barclay
(2008), acreditamos que isto seja um mecanismo específico, que garante ao
indivíduo o uso de um número maior de estratégias comportamentais em
resposta a eventos raros ou erráticos; e não um subproduto de uma tendência
geral para a lembrança de eventos raros. Entretanto, observamos que a
lembrança do que é raro se mantém em algumas circunstâncias, pois outras
forças como a da seleção sexual pode influenciar aquilo que é recordado. Além
disso, o contexto no qual a população está inserida é importante, pois as
características histórias e culturais constroem o que chamamos de percepção
social, a qual orienta os sujeitos a entender determinado atributo ou
característica como rara na população.
60
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64
CONCLUSÃO GERAL
Antes do experimento propriamente dito, quando expusemos apenas
as imagens dos SE, sem a identificação do perfil como confiável ou não
confiável, os participantes os perceberam como sujeitos confiáveis. Nesse
sentido, em nossa amostra, consideramos rara a percepção de SE não
confiáveis.
� Observamos uma memória diferencial para os SE identificados como
não confiáveis, independente do sexo e da tonalidade da cor da pele dos
mesmos.
� Constatamos que essa memória poderia não ser específica para os
trapaceiros, mas sim para as características ou eventos que estão em
menor freqüência ou são menos salientes na população.
� A hipótese da memória para eventos raros pode se manter para
algumas circunstâncias e contextos e não para outros, provavelmente
porque há outras variáveis interferindo.
65
� Constatamos que variáveis inerentes a qualquer indivíduo como o sexo
e a tonalidade da cor da pele influência significativamente a lembrança
das faces dos SE.
� Os resultados desse trabalho mostram a influência das diferenças
sexuais entre homens e mulheres. Mulheres respondentes se lembraram
melhor de indivíduos do mesmo sexo e homens não apresentaram uma
lembrança diferencial para determinado sexo.
� Nossos resultados também apontam a influência dos fatores culturais.
Observamos que SE confiáveis mais escuros foram mais lembrados
tanto pelos homens como pelas mulheres respondentes. Assim,
concluímos que o contexto no qual a população está inserida é
importante, pois as características históricas e culturais constroem a
percepção social, que orienta os sujeitos a entender determinado
atributo ou característica como rara na população.
� A lembrança para eventos raros pode ter conferido aos indivíduos uma
vantagem adaptativa, pois se a maioria da população age de uma
determinada forma é fácil ter uma estratégia padrão de resposta às
estratégias dos outros. Porém, quando o padrão é raro ou errático é
preciso mudar as estratégias comportamentais em resposta a esses
eventos que saem do padrão. Assim sendo, prestar atenção àquilo que
é diferente pode permitir o uso de estratégias condicionais de maneira
mais eficiente.
66
ANEXO 01: TERMO DE CONSENTIMNETO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Como parte das atividades do projeto de mestrado do aluno Tiago José Benedito
Eugênio, será feita uma coleta de dados com alunos do Ensino Médio das escolas da rede
pública e privada de Natal. Levando em consideração a proximidade do FLOCA com a UFRN,
pensamos em uma retribuição tanto aos alunos quanto à escola. Para isso, ofereceremos a
esses alunos uma visita ao Museu de Anatomia Comparada e palestras sobre Evolução Biológica, tornando esta uma atividade educativa.
A coleta de dados faz parte um estudo que tem como principal objetivo investigar os
mecanismos e preferências subjacentes a uma análise das primeiras impressões e a escolha de
parceiros no mercado de trabalho. Para isso, vimos por meio desta pedir a sua autorização
para que o seu filho possa participar desta pesquisa que será desenvolvida pelo pesquisador
Tiago José Benedito Eugênio, aluno de mestrado do programa de pós graduação em
psicobiologia da UFRN.
PROCEDIMENTO
Procedimentos a serem realizados para aqueles que concordarem em participar do projeto:
Os jovens assistirão oito vídeos e, em seguida, será solicitado para os mesmos
preencherem um questionário sobre o perfil de escolha de parceiros no mercado de trabalho.
RISCOS
A coleta de dados consiste na apreciação de vídeos e o preenchimento de um
questionário, tarefa que, a princípio, não traz risco à integridade dos entrevistados. Para evitar
violação da privacidade e da individualidade dos sujeitos o questionário apresentará caráter
anônimo e deverá ser respondido individualmente. Todos os questionários, após serem
preenchidos, deverão ser depositados em um único envelope, tarefa que será realizada na
presença dos entrevistados.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE FISIOLOGIA CAIXA POSTAL, 1511 CEP-59078770 – Natal, RN, Brasil
Tel. (55) 84 – 215-3409
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PARTICIPAÇÂO VOLUNTÀRIA
Toda participação é voluntária. Não há penalidade para alguém que decida não participar
dessas atividades. Ninguém será penalizado se decidir desistir de participar, em qualquer
época.
PERGUNTAS
Estimulamos que vocês façam perguntas a respeito dessas atividades. Se houver alguma
pergunta, por favor, entre em contato com Tiago José Benedito Eugênio (84) 91685946 ou com
a Dra. Maria Emília Yamamoto 215-3409, professora titular do departamento de Fisiologia da
UFRN.
CONSENTIMENTO PARA PARTICIPAÇÂO
Estudo de acordo e autorizo a participação de meu filho. Fui devidamente esclarecido quanto
aos objetivos da pesquisa e das atividades desenvolvidas na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte e aos procedimentos aos quais seremos submetidos.
Foram garantidos esclarecimentos que venha a solicitar durante o curso da pesquisa e
o direito de desistir da participação em qualquer momento, sem que a desistência de meu
filho implique em qualquer prejuízo a ele ou a minha família.
A participação de meu filho nas atividades não implicará em custos ou prejuízos
adicionais, sejam esses custos ou prejuízos de caráter econômico, social, psicológico ou moral.
Nome do indivíduo (aluno (a)) letra de forma
Assinatura do responsável
COMPROMISSO DO INVESTIGADOR
Eu discutir as questões, acima apresentadas, com os indivíduos participantes e/ou com
o ser represente legalmente autorizado, esclarecendo-os sobre os riscos e benefícios da
participação nesse projeto.
Assinatura do pesquisador
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ANEXO 02: NARRAÇÕES USADAS NOS VÍDEOS
Rafael:
Perfil: confiável
Qualidade: Propõe boas idéias
Este é Rafael, com seus 23 anos. Ele é super comprometido com seus
afazeres. Em seu trabalho e também na vida pessoal sempre propõe boas
idéias. Rafael trabalhou como assistente administrativo numa importante
multinacional. No seu último emprego, ele foi responsável pela implementação
de um projeto que aumentou em 20% o lucro da empresa.
Manuela
Perfil: confiável
Qualidade: Propõe boas idéias
Esta é Manuela. Tem 25 anos e trabalhou como auxiliar de contabilidade em
diversos escritórios. Sempre foi muito esforçada para conseguir aquilo que
queria, apesar das dificuldades. No último emprego, ela teve a idéia de vender
seus produtos pela internet. O lucro da empresa aumentou, graças as boas
idéias de Manuela.
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Paulo
Perfil: confiável
Qualidade: Honestidade
Paulo tem 24 anos. Já trabalhou em diversas empresas como auxiliar de
contabilidade. Tem paixão pela sua profissão e em seu tempo livre procura
melhorar cada vez mais o seu desempenho no trabalho. Recentemente ele
recusou um convite de alto valor para se envolver num esquema milionário de
lavagem de dinheiro. É um profissional honesto e todos admiram Paulo por
essa sua qualidade.
Vanessa
Perfil: confiável
Qualidade: Honestidade
Esta é Vanessa. Tem 22 anos e sempre trabalhou como assistente
administrativa. Costuma sempre chegar ao local dos seus compromissos na
hora, ou mesmo antes. No último emprego, Vanessa foi uma das únicas
funcionárias que não se envolveu num crime financeiro, o qual desviou milhões
de reais de uma obra pública. É uma profissional honesta, que merece
confiança.
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Roberto
Perfil: não confiável
Qualidade: Agressão
Aos 23 anos, Roberto tem experiência como auxiliar de vendas. É um vendedor
profissional, que sabe como ninguém vender mercadorias. Entretanto, ele não
consegue se fixar em um emprego, pois freqüentemente é acusado de agredir
seus colegas de trabalho. Roberto está desempregado atualmente porque foi
demitido, depois de espancar um colega da empresa na qual ele trabalhava.
Carla
Perfil: não confiável
Qualidade: Agressão
Esta é Carla. Tem 24 anos. Trabalhou como secretária de uma importante
empresa. É extremamente profissional, leva jeito para a profissão. No entanto,
tem muita dificuldade de lidar com seus colegas, tratando-os de forma rude e
usando palavras de baixo calão. Ela foi demitida do seu ultimo emprego por
que agrediu verbalmente uma colega de trabalho. Carla tem a fama de ser
encrenqueira; de sempre disseminar a discórdia por onde passa.
71
Mateus
Perfil: não confiável
Qualidade: Furto
Este jovem é Matheus, tem 24 anos e tem experiência profissional como lojista.
Ele nunca faltou em serviço, mesmo quando era chamado para trabalhar nos
finais de semana e feriados. Por outro lado, existe muito receio em relação a
sua pessoa. Sabe-se que Matheus foi demitido do seu último emprego, uma
vez que ele roubou o cartão de crédito do seu patrão. Existe também a
suspeita de que ele roubava mercadorias da loja na qual ele trabalhava.
Silvia
Perfil: não confiável
Qualidade: Furto
Esta é Silvia, tem 25 anos. Trabalhou como auxiliar de contabilidade em uma
importante empresa. È extremamente profissional; sabe o que faz. Entretanto,
Silvia foi diversas vezes acusada de cometer atos criminais em serviço. Sabe-
se que ela foi demitida do seu último emprego, uma vez que ela foi flagrada
roubando uma jóia de alto valor de uma colega de trabalho.
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ANEXO 03: QUESTIONÁRIO APLICADO DURANTE O EXPERIMENTO
ATENÇÃO Antes de você começar a fazer esta tarefa assista aos vídeos. Não se preocupe com este caderno de resposta. Em seguida, você será informado como deve preenchê-lo
CENA 1
CENA 2
CENA 3
CENA 4
CENA 5
CENA 6
CENA 7
CENA 8
CENA 9
CENA 10
CENA 11
CENA 12
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Marque com um “X” os indivíduos que você acabou de
conhecer
ATENÇÃO: A sessão de fotos está programada, não use as teclas do teclado para interrompê-la
FOTO 1 FOTO 2 FOTO 3 FOTO 4
FOTO 5 FOTO 6 FOTO 7 FOTO 8
FOTO 9 FOTO 10 FOTO 11 FOTO 12
FOTO 13 FOTO 14 FOTO 15 FOTO 16
FOTO 17 FOTO 18 FOTO 19 FOTO 20
FOTO 21 FOTO 22 FOTO 23 FOTO 24
FOTO 25 FOTO 26 FOTO 27 FOTO 28
FOTO 29 FOTO 30 FOTO 31 FOTO 32
FOTO 33 FOTO 34
74
Você irá preencher algumas informações pessoais
Sexo: Masculino ( ) Feminino ( ) Idade ___
Atribua uma nota marcando um X para a sua cor de pele (0 muito branca a 6 muito escura) 0 1 2 3 4 5 6 X X X X
Marque com um “x” a opção de sua preferência
Qual a sua cor de pele? Branca ( ) Negra ( ) Amarela ( ) Indígena ( ) Parda ( )
Qual a sua origem étnica? Você pode marcar mais de uma opção.
Europeu ( ) Indígena ( ) Asiático ( ) Africano ( ) Outro (especificar )
Marque com um “x” o seu grau de escolaridade
Analfabeto / Ensino Fundamental I incompleto
Ensino Fundamental I completo / Ensino Fundamental II incompleto
Ensino Fundamental II completo / Ensino Médio incompleto
Ensino Médio completo / Superior incompleto
Superior completo
Marque com um “x” o número de eletrodomésticos/funcionário de sua residência
0 1 2 3 4 ou +
Televisão em cores
Rádio
Banheiro
Automóvel
Empregada mensalista
Máquina de lavar
Vídeo cassete e/ou DVD
Geladeira
Freezer
Marque com um “x” o grau de escolaridade do(a) chefe de sua família em sua casa
Analfabeto / Ensino Fundamental I incompleto
Ensino Fundamental I completo / Ensino Fundamental II incompleto
Ensino Fundamental II completo / Ensino Médio incompleto
Ensino Médio completo / Superior incompleto
Superior completo
Essa sessão terminou! Entregue este formulário à pessoa responsável e pode deixar a
sala. Muito obrigado por participar de nossa pesquisa! Uma vez que todos os dados
tenham sido coletados, no final de 2010, você poderá obter mais informações sobre
este estudo através do e-mail [email protected]