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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL JORGIANE LOPES PINTO GRUPO REFLEXIVO DE HOMENS: SERVIÇO DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM NATAL-RN NATAL 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · que com muita dedicação me ajudaram a superar algumas dificuldades. Em especial minha ... “Eu poderia suportar, embora não

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE

CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

JORGIANE LOPES PINTO

GRUPO REFLEXIVO DE HOMENS: SERVIÇO DE ENFRENTAMENTO

À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM NATAL-RN

NATAL

2017

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JORGIANE LOPES PINTO

GRUPO REFLEXIVO DE HOMENS: SERVIÇO DE ENFRENTAMENTO À

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM NATAL-RN

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito

para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social.

Orientadora: Prof.ª Ilka de Lima Souza

NATAL

2017

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar gostaria de agradecer a Deus por ter estado comigo todos os dias

nas vitórias e dificuldades que tive ate aqui, agradecer também as pessoas que diretamente ou

não contribuirão para que alcançasse mais essa etapa na vida.

Em especial gostaria de homenagear meus pais Célio Alberto Pinto e Rosania Lopes

Pinto que me deram a oportunidade de estudar, que mesmo sem entenderem bem o que

significa graduar-se sempre me deram força para continuar, minha mãe por seus conselhos

deixados, e está comigo todos os dias mesmo em pensamento e meu Pai pela força,

companheirismo no dia a dia. Agradeço Dr. Marcelo Oliveira meu Neurologista, o qual me

encorajou a ingressar em uma graduação, mais que consultas me fez buscar outro olhar sobre

as oportunidades da vida. Agradeço também a meu amigo Luís Eduardo de Lima que me

ajudou a escolher essa grande área de atuação, o Serviço Social, bem como meus professores

que com muita dedicação me ajudaram a superar algumas dificuldades. Em especial minha

orientadora que desde estágio I sempre foi presente para tirar dúvidas e amenizar as

dificuldades encontradas, gostaria de agradecer também a equipe técnica do NAMVID pelo

acolhimento prestado para a elaboração desse trabalho.

Todos vocês foram muito importantes para que mais esse ciclo pudesse ser concluído

na minha vida, rogo a Deus pela vida de cada um, que a todos seja cheia de benção.

“Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores... mas enlouqueceria se morressem todos os

meus amigos!”

Vinícius de Moraes

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RESUMO

No decorrer da história evidencia-se que a violência contra as mulheres foi banalizada,

inexistindo intervenção do Estado, que deixava impunes autores dessa violência. A partir dos

anos 1970, com o movimento feminista, essa realidade começa a serem denunciadas, e

reivindicadas respostas concretas. As práticas de violência doméstica e familiar contra a

mulher passam a serem julgados pela Lei 9.099/1995, que era branda e sem muita

competência para julgá-los. Em meio aos clamores da sociedade civil, através do movimento

de mulheres e feministas, em 2006 conquistou-se o marco legal da Lei 11.340/06, conhecida

como Lei Maria da Penha, trazendo inovações no processo de punição à violência contra as

mulheres. O trabalho ora exposto tem como objetivo geral conhecer e analisar o trabalho

desenvolvido junto a homens autores de violência doméstica e familiar, pelo Ministério

Público Estadual do Rio Grande do Norte, através do Núcleo de Apoio à Mulher Vítima de

Violência Doméstica e Familiar (NAMVID) em Natal-RN, particularmente, no Grupo

Reflexivo de Homens por uma Atitude de Paz. Enquanto procedimentos metodológicos

realizou-se revisão de literatura, buscando-se aproximações com análises referentes ao

patriarcado e à violência de gênero contra mulheres. Efetivou-se pesquisa documental de

legislações relacionadas à violência contra mulheres, além de entrevistas com três

profissionais do “Grupo Reflexivo de Homens: Por uma Atitude de Paz”, sendo uma

Promotora de Justiça, a qual coordena as ações desenvolvidas; uma Assistente Social, uma

Psicóloga e uma estagiária de Psicologia, responsáveis pela execução das ações propostas no

âmbito do NAMVID. Enquanto resultados, constatou-se a inexistência de casos de

reincidência, considerando-se aqueles acompanhados pelo NAMVID. Verificou-se que se

trata de um serviço ainda limitado pelo nível de muita demanda de inserção de homens que

cometeram violência e pouca oferta de serviços. Embora seja um serviço integrante do que

propõe a Lei Maria da Penha, este não existe em nível estadual; consiste em ação voluntária

do Ministério Público do RN, em uma perspectiva de propor ações que contribuam com o

enfrentamento à violência contra mulheres e com a desconstrução de conceitos, discursos e

atitudes machistas, o que se entende como um fator que possui relação direta com a

ocorrência da violência de gênero contra mulheres. Trata-se, pois, de um serviço que vem

sendo colocado como instrumento a ser utilizado no enfrentamento contra a referida violência.

Palavra-chave: Patriarcado. Violência contra a mulher. Grupo Reflexivo de Homens.

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ABSTRACT

Throughout history, violence against women has been trivialized, and there has been no

intervention by the State, which left perpetrators of such violence unpunished. Since the 1970s,

with the feminist movement, this reality begins to be denounced, and concrete answers are

demanded. The practices of domestic and family violence against women are judged by Law

9.099 / 1995, which was bland and not very competent to judge them. In the midst of the cries of

civil society, through the women's and feminists' movement, in 2006 the legal framework of Law

11.340 / 06, known as the Maria da Penha Law, was achieved, bringing innovations in the

process of punishing violence against women. The objective of the present study is to know and

analyze the work done with men who are authors of domestic and family violence, by the State

Public Prosecutor of Rio Grande do Norte, through the Support Center for Women Victims of

Domestic and Family Violence (NAMVID) In Natal-RN, in particular, in the Reflective Group of

Men for an Attitude of Peace. As methodological procedures a literature review was carried out,

seeking approximations with analyzes referring to patriarchy and gender violence against women.

Documentary research on legislation related to violence against women was conducted, as well

as interviews with three professionals from the "Reflective Group of Men: For an Attitude of

Peace", being a Justice Promoter, which coordinates the actions developed; A Social Worker, a

Psychologist and a psychology trainee, responsible for carrying out the actions proposed under

the NAMVID. As a result, there were no cases of recurrence, considering those followed by

NAMVID. It has been found that this service is still limited by the level of high demand for

insertion of men who committed violence and little supply of services. Although it is a service

integral to what the Maria da Penha Law proposes, it does not exist at the state level; Consists of

a voluntary action of the Public Ministry of the RN, in a perspective of proposing actions that

contribute to the confrontation with violence against women and with the deconstruction of

concepts, discourses and macho attitudes, which is understood as a factor that has direct relation

with the Occurrence of gender violence against women. It is, therefore, a service that has been

placed as an instrument to be used in confronting the aforementioned violence.

Keyword: Patriarchate. Violence against women. Reflective Group of Men.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 REFLEXÕES EM TORNO DA IDEOLOGIA PATRIARCAL DE GÊNERO ............... 13

2.1 A HERANÇA DA IDEOLOGIA PATRIARCAL NAS RELAÇÕES DE GÊNERO NO

BRASIL. ...................................................................................................................................13

2.2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA AS MULHERES .................................................21

3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ENTRE A LEI Nº 9.099/1995 E A LEI MARIA DA

PENHA ............................................................................................................................................................ 28

3.1 O DEBATE EM TORNO DOS SERVIÇOS DE RESPONSABILIZAÇÃO E

CONSCIENTIZAÇÃO DE HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR CONTRA A MULHER ........................................................................................31

3.2 “GRUPO REFLEXIVO DE HOMENS: POR UMA ATITUDE DE PAZ” NO

MUNICÍPIO DE NATAL-RN .................................................................................................39

3.3 PROFISSIONAIS ATUANTES NO GRUPO REFLEXIVO E O DEBATE EM TORNO

DO SERVIÇO EXECUTADO. ................................................................................................43

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... ........51

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... ........53

APÊNDICE ........................................................................................................................................... .........58

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1 INTRODUÇÃO

Desde criança, questionava algumas situações de opressões contra nós, mulheres.

Ainda que não tivesse o entendimento sobre a violência patriarcal de gênero, incomodava a

autoridade de muitos homens do meu convívio. Outra questão que posteriormente passou a

nos chamar a atenção refere-se à culpabilização das vítimas da violência por parte da

sociedade, inclusive por outras mulheres, expressa, por exemplo, através das seguintes frases:

“Ele bateu nela porque ela mereceu, tinha que ter obedecido ele”; “Você tem que obedecer

ele, porque é seu marido”; “Ela apanhou, saiu de casa, mas voltou, é porque gosta de

apanhar!”; “Você é a mulher da casa, tem que servir seu marido”. Frases que sempre remetem

a culpabilizar a mulher ou responsabilizá-la por atos de opressão e de violência das quais ela é

a vítima.

Segundo a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006), “[…]

configura-se violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão

baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano

moral ou patrimonial” (BRASIL, 2012, p. 18). Tendo-se obtido aproximações sobre a

temática em torno do patriarcado, da violência de gênero contra as mulheres e sobre a

existência da rede de atendimento e enfrentamento a essa violência1, definiu-se o objeto de

pesquisa, pois entre as várias temáticas ligadas a gênero, a violência patriarcal sempre foi uma

categoria de pesquisa de interesse particular, pelo incômodo trazido desde criança, por

experiências vividas através de relações interpessoais, envolvendo amizades e, ainda, por

notícias divulgadas pela mídia sobre a questão da referida violência.

O conhecimento sobre a existência das políticas e da rede de enfrentamento à violência

contra as mulheres e o entendimento da importância do enfrentamento dessa violência fez

surgir o interesse em se obter maiores aproximações com os serviços que perpassam essa rede

de enfrentamento. Além disso, o fato de o Serviço Social se constituir uma profissão

compromissada com os direitos humanos, a qual defende a liberdade de escolha de todos os

indivíduos, bem como uma sociedade livre de dominação/exploração.

1 Essas aproximações ocorrem a partir de nossa inserção, enquanto Bolsista de Iniciação Científica, na pesquisa Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência em Natal/RN: Desafios para Ações Intersetoriais com Qualidade, coordenada pela Prof.ª Dra. Míriam de Oliveira Inácio, do Departamento de Serviço Social – UFRN.

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Nessa perspectiva, o documento “Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres” 2,

traz em seu Anexo II as “Diretrizes gerais dos serviços de responsabilização e educação dos

agressores”. Assim, o estudo realizado, cujos resultados são apresentados neste trabalho,

buscou conhecer e analisar esses serviços e como estão sendo desenvolvidos junto a sujeitos

autores de violência contra as mulheres em Natal/RN.

O interesse ocorreu pelo pouco entendimento sobre os serviços desenvolvidos com os

homens autores de violência contra as mulheres. Sabe-se que esses serviços são recentes, e

vinculados a iniciativas de políticas voltadas para as mulheres, mas nada consistente voltado

diretamente para os homens, no caso, homens que cometeram determinado tipo de violência

contra a mulher. Dessa forma, pretendeu-se conhecer as ações e resultados trazidos por tais

serviços, no que tange à reincidência ou não dos atos de violência. Ressalte-se que essas ações

estão previstas na Lei Maria da Penha em seus Artigos 35 e 45.

Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: V - centros de educação e de reabilitação para os agressores. Art. 45. Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. (BRASIL, 2006)

Esses artigos indicam uma possibilidade de serem desenvolvidas ações junto a autores

de violência contra a mulher, incorporando-os como sujeitos que precisam serem atingidos na

perspectiva de se desconstruir discursos e romper com práticas atreladas a essa violência.

Compreende-se que, para a efetiva desconstrução e enfrentamento da cultura de

dominação (o homem sobre a mulher) e atitudes machistas, que oprimem, matam, humilham e

subalternizam as mulheres, o envolvimento de profissionais que possuam entendimento sobre

o debate da violência patriarcal de gênero contra as mulheres é um aspecto fundamental. A

ciência da necessidade de desconstruir culturas machistas, que se apresentam como ponto

chave na luta por uma sociedade livre de violência doméstica e familiar agindo, também,

junto a homens que são parte integrante da relação da violência é olhar para a totalidade que

envolve esse ciclo de violência.

Assim, a instituição delimitada para a realização da pesquisa foi o Ministério Público

Estadual do RN, através do Núcleo de Apoio à Mulher Vítima de Violência Doméstica e

Familiar (NAMVID), a qual faz parte da Rede de Atendimento e de Enfrentamento à

2 Documento expedido no ano de 2011, pela Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e Secretaria de Políticas para as Mulheres.

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Violência contra as Mulheres no município de Natal-RN. Segundo o documento que

especifica essa Rede, os órgãos aos quais devem estar vinculado o desenvolvimento dos

serviços voltados para o enfrentamento dessa violência são os “tribunais de justiça estaduais e

do Distrito Federal ou executivo estadual e municipal (Secretarias de Justiça ou órgão

responsável pela administração penitenciária)” (BRASIL, 2011, p. 66).

A violência de gênero é um fenômeno social complexo e em muitos casos

naturalizada. Desconstruir certos modos de pensar e comportamentos, principalmente junto

aos homens, sobre a violência contra mulheres é uma maneira de buscar contribuir para a

desconstrução dessa cultura, mas, para isso, necessita-se de uma reflexão em torno das ações

desenvolvidas e do tempo da realização dessas ações junto a esses homens.

Nessa direção definiu-se como objetivo geral para a pesquisa realizada conhecer e

analisar o trabalho desenvolvido junto aos homens autores de violência doméstica e familiar,

pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do Norte, através do Núcleo de Apoio à

Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (NAMVID) em Natal-RN, para evidenciar

sua efetividade na desconstrução de práticas atreladas ao patriarcado ou cultura machista.

Enquanto objetivos específicos buscou-se identificar e analisar as atividades desenvolvidas no

âmbito do referido Serviço voltado para homens autores de violência contra mulher a fim de

verificar quais resultados vêm alcançando na perspectiva de prevenção e enfrentamento dessa

violência; verificar a apreensão da equipe profissional sobre as implicações do serviço

desenvolvido no NAMVID no enfrentamento à violência contra mulheres de modo a

evidenciar se tem havido mudanças na conduta e nos valores dos homens participantes quanto

à violência cometida contra as mulheres; apreender a compreensão sobre violência de gênero

por parte da equipe que está à frente desse serviço desenvolvido no NAMVID para buscar

identificar a apropriação do conhecimento em torno das temáticas em torno da violência de

gênero.

Em relação aos procedimentos metodológicos, foi realizada revisão de literatura, tendo

acesso a referências que abordassem pontos centrais neste trabalho como: gênero, patriarcado

e violência contra a mulher. Realizou-se, também, entrevistas guiadas por um roteiro

(APÊNDICE 1) com as profissionais que atuam no NAMVID, no município de Natal/RN. A

escolha da entrevista se deu pela possibilidade de conhecer diretamente a compreensão das

profissionais entrevistadas, permitindo, assim, fazer uma articulação entre o referencial

teórico e as informações obtidas. As entrevistas foram gravadas, com autorização das

entrevistadas e, posteriormente transcritas e analisadas. Assim, a pesquisa desenvolvida

apresentou uma abordagem qualitativa, pelo fato desta “trazer à tona o que os participantes

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pensam a respeito do que está sendo pesquisado”. Obtém-se não só a visão do pesquisador,

mas também “o que o sujeito tem a me dizer a respeito” (MARTINELLI, 1999, p. 20). Nessa

direção, procurou-se conhecer, a partir das entrevistadas, o serviço desenvolvido no âmbito do

NAMVID e sua eficácia enquanto instrumento de contenção da violência de gênero contra

mulheres.

Quanto à estrutura do trabalho exposto, este conta, além desta introdução, constituída

como capítulo um, com mais dois capítulos. O capítulo dois traz uma reflexão em torno da

ideologia patriarcal de gênero, destacando-se, inicialmente, aspectos sobre a herança da

ideologia patriarcal nas relações de gênero no Brasil e, em seguida, a violência de gênero

contra as mulheres. O terceiro capítulo apresenta uma reflexão sobre a violência doméstica

entre a lei nº 9.099/1995 e a lei Maria da Penha, e enfatiza elementos do debate em torno dos

serviços de responsabilização ou grupos reflexivos para homens, autores de violência contra

as mulheres. Também destaca o Grupo Reflexivo de Homens: por uma atitude de paz, com

atuação em Natal-RN e, por fim, traz uma reflexão acerca dos serviços voltados para a

responsabilização e educação do agressor, a partir de profissionais que atuam naquele Grupo.

As considerações finais também fazem parte da estrutura do trabalho, nas quais se apresenta

uma síntese de aspectos vistos como fundamentais mediante o estudo realizado.

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2 REFLEXÕES EM TORNO DA IDEOLOGIA PATRIARCAL DE GÊNERO

Para início desse capítulo se pretende descrever alguns entendimentos trazidos pela

literatura sobre patriarcado, como forma de situar o leitor sobre a temática aqui abordada,

bem como duas temáticas que se achou pertinente para o desenvolvimento desse

trabalho como, a herança da ideologia patriarcal nas relações de gênero no Brasil e violência

de gênero contra as mulheres, entende-se que é necessário contextualizar as relações de

gênero para melhor apreender as ideias que estão sendo aqui desenvolvidas para uma melhor

compressão do conteúdo.

2.1 A HERANÇA DA IDEOLOGIA PATRIARCAL NAS RELAÇÕES DE GÊNERO NO

BRASIL.

Sobre a etimologia da palavra, Cirata (2009, p. 174 apud SOUZA et al [2012?], p. 3)

afirma que “patriarcado vem da combinação das palavras gregas pater (pai) e arkhe (origem e

comando)”. É bom deixar claro que esse significado pode ter outros sentidos dependendo do

tempo histórico que for usado; na contemporaneidade seu significado se remete à autoridade e

dominação exercida pelo homem na família, referindo-se ao patriarcado como o poder do

homem exercido nas relações de gênero.

Saffioti (2015) observa que o patriarcado é um caso específico das relações de gênero,

sendo este parte de um conceito mais amplo, levando em conta que gênero se remete a uma

dada categoria, ou seja, tem significado ampliado de acordo com o estudo que se propõe.

Caracteriza-se por relações desiguais e hierárquicas, onde o homem é sempre o dominador e a

mulher a submissa. Para a autora, “a ordem patriarcal de gênero admitiria então a dominação

e exploração das mulheres pelos homens, configurando a opressão feminina”. Nessa

perspectiva, compreende-se o Patriarcado como;

[…] um sistema masculino de opressão das mulheres, caracterizado por uma

economia domesticamente organizada que o sustenta, na qual as mulheres

são objeto de satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, reprodutoras de trabalho e de novas reprodutoras. Patriarcado, então,

representa o somatório de dominação e exploração, que Saffioti (Id., p.6) entende como opressão e que, não obstante os avanços femininos, não teve

sua base material destruída. (OSTERNE, 2008 apud OSTERNE; SILVEIRA, 2012, p. 104).

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Segundo Castro e Lavinas (s/d apud MORGANTE E NADER 2014, p. 3). “[…]. O

uso de patriarcado enquanto um sistema de dominação dos homens sobre as mulheres permite

visualizar que a dominação não está presente somente na esfera familiar, tão pouco apenas no

âmbito trabalhista, ou na mídia ou na política”. Esse compõe a dinâmica social como um todo,

estando adormecido no inconsciente de homens e mulheres enquanto categorias sociais. O

patriarcado se constitui a gênese da totalidade da vida social, sendo uma característica

universal da sociedade humana, uma criação literária do governo do pai, e genérica de

patriarcado, se relacionando com a intenção das relações sociais patriarcais que se remetem à

família. Para o nível de interpretações, patriarcado seria entendido como “a gênese da família

(patriarcal) é frequentemente entendida como sinônimo da origem da vida social propriamente

dita, e tanto a origem do patriarcado quanto a da sociedade são tratadas como sendo o mesmo

processo” (PATEMAN, 1993 apud MORGANTE E NADER, 2014, p. 5).

Na análise de Oppen (2016) o conceito de patriarcado é relacionado com a direção de

expressar o poder, o controle e a dominação dos homens sobre as mulheres, como tudo aquilo

que oprime ou manifesta opressão às mulheres na sociedade, podendo esse termo ser

substituído por outros sinônimos no cotidiano, como machismo ou sexista. A referida autora

coloca, em outros termos, que se trata de uma sociedade em que as relações de poder estão

colocadas a serviço dos homens ou do sexo masculino, junto a seus interesses, que as relações

de poder são principalmente relações antagônicas de sexo ou gênero.

Sobre a dimensão do patriarcado na sociedade, Therborn (2006) avalia que este se faz

presente em todas as sociedades importantes no começo da história. Observa o autor, que

embora o cenário venha mudando em todo o mundo e mesmo com todas as marcantes

mudanças vistas no século XX – e também devemos dizer no século XXI – o patriarcado em

vastas áreas do mundo ainda não desapareceu.

Todas essas análises sobre o patriarcado nos permite uma aproximação das

problemáticas resultantes dessa ideologia, a qual perpassa gerações e culturas se recriando

pela ideologia da dominação. O patriarcado perpassa as gerações, se modificando de acordo

com o tempo, mas conservando sua base, que é a dominação e exploração de homens sobre

mulheres nas relações sociais de cunho público ou privado.

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O Brasil como a maioria dos países da América Latina e do Ocidente tem uma enorme

influência da ideologia patriarcal de gênero seja nas esferas públicas (referente a sociedade)

ou privada (espaço doméstico). Pinheiro (2008) cita que no início da formação colonial, o

Brasil detinha de condições locais favoráveis a uma estrutura econômica de base agrária,

latifundiária e escravocrata; associada a diversos fatores como: a descentralização

administrativa local, excessiva concentração fundiária e acentuada dispersão populacional

fazendo-se surgir uma sociedade do tipo paternalista. (SAMARA, 1998 apud PINHEIRO

2008, p. 1).

Segundo Freyre (1990 apud BRUSCHINI, 1993; PINHEIRO, 2008, p. 1), o

patriarcado consistia como a base da família colonial agrária, sendo o núcleo fundamental a

autoridade masculina na união conjugal, tendo o patriarca na pessoa dos chefes ou coronéis,

um papel de autoridade na família doméstica, tal como desenvolvido por Weber (1991 apud

REZENDE 2015, p. 6): “o chefe de família, o pai ou marido, se apresenta como detentor do

poder e sua autoridade é legitimada pelo costume, pela tradição, sua função é manter a paz, a

estabilidade e a ordem”. Tendo também influência na economia e no campo político, os

membros familiares, filhos ou esposas, estavam subordinados a essa figura do patriarca, como

os demais sujeitos sociais de condições inferiores. O patriarca detinha a “totalidade” de

dominação, assim, se suas condições, principalmente econômicas, fossem favoráveis, era o

senhor do comando.

Dele é que parte a determinação dos valores sociais. Nele é que se traçam as esferas de influência. [...] Em síntese: o grande domínio agrícola se erige, na sociedade vicentina, como a causa e a origem do poder social. Nele descansa o seu prestígio a nobreza da terra. É o único vieiro da fortuna. É a condição principal da autoridade e do mando (VIANNA, 1974 apud REZENDE, 2015, p.13).

Para manter esses atributos sociais, os homens desse sistema tradicional detinham

algumas características como: a frieza, insensibilidade, altivez, opressão, poder, força,

virilidade masculina, dentre outras. Esses aspectos moldavam esses sujeitos e, além disso,

detinham privilégios sociais como o ensino intelectual e a liberdade social, em contra posição

as mulheres. Desde crianças os homens são educados (mesmo pelas mulheres) para se

tornarem competitivos, provedores, agressivos e não manifestarem sentimentos e emoções

(SANTOS 2009, p. 62). Uma forma típica de modelar a soberania do homem, ainda que

inconscientemente, se fazia no comportamento de reproduzir esse modelo de homem como

ideal. Apresentando-se fora desse padrão, era considerado fraco e sem pudor social, ou seja,

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esse homem é alicerceado a ser superior e negar a si mesmo; em contraposição, a mulher

tinha que incorporar sentimentos dóceis e de obediência.

Pinheiros (2008) analisa que na família patriarcal a pessoa da mulher era totalmente

submissa ao homem, não tendo nenhuma autonomia em suas escolhas, sua sexualidade era

reprimida e controlada, sendo objeto de procriação para a permanência da filiação, herdeiros e

sucessão. Seria a mulher, segundo Freyre (1990 apud PINHEIRO, 2008, p. 1) um ser dócil,

submissa, ociosa e indolente, tendo um papel de cuidadora do lar e dos filhos. Desde muito

pequena são ensinadas a ter essas características como uma forma de manter a dominação

masculina. Nada de muito grandioso às mulheres é permitido, tudo que se volte a essas tem

um único intuito, beneficiar os sujeitos masculinos como uma forma de “manter a ordem”.

Por essas questões, nesse período era negado às mulheres o direito de frequentar escolas, pois

a educação formal ficava para os homens, as mulheres tinham um papel particular e uma vida

reclusa, compreendidas como pessoa sem muitos talentos a serem explorados; as que

detinham um pouco mais do saber, ainda assim era sob a permissão do Pai ou marido.

A sociedade é organizada verticalmente segundo o primado da

masculinidade. Logo os homens são instruídos aos “jogos de dominação” – lugar de privilégios dos homens reproduzirem sobre as mulheres a ideologia

dominante masculina. As mulheres, ao contrário, são educadas para serem

incapazes de compreender esses jogos masculinizados, voltados para a esfera pública, porque a elas é reservado o espaço privado (BOURDIEU, 1999

apud SANTOS, 2009, p. 3).

A sociedade parte do intuito de aclamar a virilidade do homem e resignar a mulher, a

mulher é anulada por ser mulher, suas capacidades são sempre vistas como inferiores quando

comparadas às dos homens, a essas é proposto um tipo ideal, as de bom caráter deviam manter

o recato em exemplo para sociedade e um dos principais atributos deveria ser a subserviência

masculina. Vale salientar que o papel da mulher é classificado em honrosas e desonrosas, já

que havia aquelas que não se enquadrava nos padrões de comportamentos aceitos

socialmente, muitas vezes por sua condição social, adentrando em espaços tidos de homens

como na política e trabalhos fora do lar por sua condição de muitas vezes serem provedoras

do lar e mães solteiras.

A única forma de serviço público aceito entre as mulheres honrosas eram os serviços

prestados a igreja como missa e novenas. Todos esses cuidados em torno da mulher tinham

como objetivo principal resguardar sua virgindade, fidelidade e a honra do homem, enquanto

solteira, do pai e dos irmãos e, quando casada, a honra do marido, como também a

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legitimidade da prole. À mulher era dada a responsabilidade de manter a honra da família

através de suas condutas. Aos homens, no entanto, era dado um leque de oportunidades, tanto

o ensino intelectual quanto a sexualidade eram algo amplos e permitidos, a esses era

propiciada a reflexão de temas diversos enquanto detentores do saber, da leitura e escrita, sua

vida sexual era precoce com as “mulheres da boemia” de modo a satisfazerem seus desejos

sexuais. O controle das mulheres se fazia desde sua infância nas diversas áreas de sua vida

como: o ensinamento do recato, do respeito, da submissão e humildade, em uma forma de

conservar os padrões tidos como corretos socialmente.

Ao analisar a educação voltada para as mulheres, Follador (2009) ressalta que esta era

limitada, se destinava a aprender ser senhora de bons costumes, logo cedo essas aprendiam os

atributos da costura, bordar, cozinhar e tocar alguns instrumentos assim fosse de gosto do Pai

dessa. A escrita e a leitura eram mínimas, e só desfrutava desse privilégio as que tinham

melhores condições sociais, mas ainda sob acordo do pai, as demais só desfrutavam da honra

da escrita só de forma marginal, pois como já citado, a educação formal não era algo voltado

para mulheres e sim tido como dote masculino. As mulheres pouco tinham instrução sobre a

vida, principalmente sobre a sexualidade, quando casavam eram vistas por seus maridos como

objetos de procriação, sendo negado a essas sentir prazer; as relações tinham um único intuito:

procriar. Enquanto o prazer sexual dos homens era muitas vezes satisfeito com as mulheres

negras escravizadas, mulheres que além de serem submetidas à dominação dos homens, eram

tidas como coisa sem valor, sendo constantemente violentadas fisicamente, sexualmente; eram

vistas como mercadoria.

Follador (2009, p. 10) analisa que há três classificações para as mulheres na era

colonial no Brasil: as honradas, que consistia naquelas que seguiam os padrões e normas

sociais; as desonradas, que perdiam a virgindade antes do casamento tendo casos extras

conjugais e não seguiam os padrões impostos socialmente; e as sem honra, que geralmente

eram as que se voltavam à prostituição e ao submundo das ruas, geralmente mulheres que não

tinham como se manterem, sendo quase sempre mulheres brancas pobres, negras alforriadas

ou não. Entretanto, observa Follador (2009), que as mulheres que se prostituíam eram aceitas

pela igreja e a sociedade rica, pois eram vistas como uma proteção à sexualidade das virgens

de família. Uma vez que os desejos masculinos podiam ser saciados, pois as senhoras do lar e

as virgens tinham uma imagem a zelar: de mulheres puras.

Sobre o cenário da sociedade moderna urbana-industrial, Santos (2009, p. 2) analisa

que o modelo patriarcal é mais amplamente questionado, em razão das transformações

políticas, econômicas e sociais.

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Ainda que com conquistas limitadas, as mulheres adquiriram mais instrução na vida

formal, como no que tange à escrita e à leitura. No século XIX eram produzidas literaturas

específicas para esse público, ainda que não tencionasse essas a uma reflexão intelectual.

Ela não mais permanece reclusa à casa-grande, frequentando festas, teatros e

indo à Igreja, o que possibilita um aumento em seus contatos sociais. Sua instrução geral, porém, permanece desvalorizada, uma vez que a sociedade

espera que ela seja educada e não instruída. À sua educação doméstica acrescenta-se o cuidado com a conversação, para torná-la mais agradável nos

eventos sociais (CERDEIRA, s/d apud FOLLADOR, 2009 p. 10).

À mulher era ensinado apenas aquilo que era considerado como necessário para esta

viver em sociedade como pessoa honrosa. Apesar das mudanças, essas continuavam limitadas,

pois dependiam da aprovação masculina seja do pai ou marido já que a sociedade tinha como

centro das decisões o homem.

Santana (2016) discorre que em meados do século XIX aos anos 1960 foram feitos

vários questionamentos em torno da dominação masculina e da submissão feminina nas várias

sociedades, e em tempos diferentes vários movimentos de mulheres buscavam problematizar

as atribuições sociais femininas de não naturalização dessas, mas historicamente delineadas.

Pinheiro (2008) observa que devido às diversas mudanças na organização social, com a

crescente urbanização e industrialização, de avanços tecnológicos, pela lógica do mercado de

culto ao consumo, pela entrada da mulher no mercado de trabalho, a sociedade requer uma

nova forma de referência valorativa; tanto as mulheres como os homens passam a exercer

novos papéis sociais.

Alves (2013) discorre que o movimento feminista se organiza nessa mesma época em

diversos países, seu maior berço foram os Estados Unidos e logo depois se alastrou aos países

do ocidente. O feminismo incorpora a luta das mulheres, tendo como principal

posicionamento a emancipação e a igualdade feminina na sociedade, em uma perspectiva de

valoração social da mulher como sujeito ativo e provedor de capacidades e força de trabalho.

As mulheres lutam por direitos na sociedade tanto no meio público como no privado, avança o

debate sobre o lugar da mulher nos espaços sociais, as bandeiras de lutas envolvem, por

exemplo, a participação das mulheres na política; a valoração dessas no mercado de trabalho;

a luta por um salário igualitário; a divisão sexual do trabalho. A década 1960 também

incorpora o debate pelo movimento feminista em torno da pílula anticoncepcional, do direito

reprodutivo, da violência doméstica do espaço privado, pois até então, as demandas no âmbito

privado não eram tidas como prioridades de debates, sem muito valor, principalmente para o

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Estado que não interferia nessas questões. Na verdade, o movimento feminista busca

incorporar lutas em favor das mulheres, que historicamente foram marginalizadas como

detentoras de direitos sociais.

Apesar dos avanços na luta por direitos através dos movimentos de mulheres, há uma

permanência dos traços típicos da família patriarcal, em que a mulher continua sendo

qualificada por determinadas condutas ou comportamentos, principalmente com relação à

sexualidade, tendo sua moral classificada enquanto mulheres puras e impuras, sendo limitadas

socialmente e intelectualmente. Por outro lado, aos homens abre-se um leque de

possibilidades para explorar suas capacidades e desejos, sendo a esse preservado o status de

provedor (BRUCHINI1993 apud PINHEIRO, 2008). Não obstante do desenvolvimento na

luta para a independência da mulher, “não há alteração profunda nos papéis de gênero e na

estrutura tradicional da família” (PINHEIRO, 2008, p.3).

Declara-se que o patriarcalismo se faz presente em todas as sociedades

contemporâneas, tendo os principais traços ligados aos relacionamentos interpessoais

marcados pela violência e dominação (CASTELLS, 2002 apud PINHEIRO, 2008, p.3). Nesse

mesmo sentido, Saffioti (1996 apud PINHEIRO, 2008) menciona que uma característica

desse sistema é estar em constante metamorfose. Assim, a autora exemplifica: “o caso da

Roma antiga, em que o pai detinha o poder de vida e morte sobre as esposas, enquanto nos

dias de hoje, o poder não existe legalmente. Porém, os homens continuam matando suas

esposas, violentando-as, de formas muitas vezes perversas e cruéis.” (ibidem, p.3).

Beauvoir (1967 apud PINHEIRO, 2008, p.4) analisa a consciência da mulher por uma

ausência de discernimento da existência de sua própria autonomia, em que esta é ensinada a

entender que o homem é algo absoluto. Dessa forma, pode-se analisar que sair do regime de

subserviência na era patriarcal mais tradicional era algo desafiador, pois os padrões impostos

restringiam severamente qualquer ato que se voltasse contra as normas estabelecidas. Ser

mulher nesse período consistia na ideia de não ter vez ou voz na sociedade e dentro da

família, era aceitar o dado sem uma consciência crítica sobre isto, até porque não tinha como

estimular isso já que pouca educação era propiciada àquela mulher.

O ponto básico a caracterizar a situação da mulher é que a ela é vetada a

ação: ela não pode fazer produzir, criar, ultrapassar-se em direção à totalidade do universo. Presa ao lar, ela é destinada a ser confinada à

imanência, suas atividades não têm um sentido em si, não se projetam para o futuro, mas apenas mantêm a vida. A transcendência lhe é permitida

unicamente através da intermediação do homem, o qual revestirá de um

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valor humano a contingente factilidade dela. (ARDAILLON; CALDEIRA, 1984 apud PINHEIRO, 2008, p. 4).

Pinheiro (2008) coloca que além do cotidiano trazer traços da cultura patriarcal nas

relações de gênero, o Estado através de suas instituições reforça esses costumes “as crenças

individuais são influenciadas por toda uma concepção social, que representa estas mesmas

crenças, o que não permite chance de uma oposição das mulheres a esta situação, e o uso da

violência, se ocorrer tal reação”. (OLIVEIRA; CAVALCANTI, 2007 apud PINHEIRO, p. 4).

Embora na realidade brasileira venha sendo observado avanços para conter as desigualdades

entre os gêneros e se amplia o debate e as ações em torno das demandas trazidas pelas

mulheres. Alguns exemplos disso foram à conquista do voto feminino; a entrada da mulher no

campo político; que dá essa voz para expor reivindicações; a conquista de políticas públicas,

que buscam suprir algumas desigualdades como a Secretaria de Políticas Públicas para as

Mulheres; a entrada da mulher em postos de trabalhos ocupados só por homens, a qual abre o

debate para a igualdade salarial entre tantos outros exemplos.

Santos (2009) observa que ao longo de nossa história os padrões de dominação

masculinos têm colaborado para os reflexos de estereótipos, a mulher é colocada sempre em

função secundária e suplementar na sociedade, a qual a essa sempre é colocada à margem da

subordinação e dominação desses homens. Como menciona Bourdieu (1999, apud SANTOS,

2009, p. 1), trata-se de “um processo por excelência de subordinação”, resultante daquilo que

Bourdieu denomina “violência simbólica”.

Relações que reproduzem padrões que reforçam a virilidade do homem e coloca a

mulher como ser frágil sem muitas capacidades em uma desvalorização do feminino. Com o

avanço histórico e a reorganização dos papéis sociais esse homem se sente ameaçado, pois a

mulher que nos tempos tradicionais via esse como soberano passa a buscar mais espaços na

sociedade, o homem tem que provar a sua masculinidade, o que se manifesta, principalmente,

por atos de violência cometidos por este. Não possuindo a virilidade do homem dominador,

busca se impor por outras vias.

A violência doméstica contra mulheres passa a ser questionada com maior ênfase

através do movimento feminista, que busca contribuir com a contraposição à identidade

dominante masculina, expressando a sua rejeição à coerção e ao controle proveniente da

sociedade patriarcal. Busca-se a reflexão em torno da não naturalização da opressão sobre as

mulheres, sendo uma forma de conseguir mais espaço na sociedade e atentar socialmente para

essa negação de direitos humanos, é pelo questionar que se avança na luta por conquistas de

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direitos. Na medida em que se avança em questionamentos sobre o controle masculino sobre

as mulheres se percebem reações masculinas, pois refutar esse padrão social desintegrando a

soberania desse grupo os deixam vulneráveis, provoca ainda mais o uso da força. Essa

vulnerabilidade acontece, pois a ideologia patriarcal não é alicerçada em pilares legítimos, ou

seja, sempre na sua constituição um grupo será oprimido e questionar essa formulação rompe

com os privilégios dos que estão mais favorecidos, e a violência é a forma de se manter

padrões impostos (SANTOS 2009, p. 4).

É exatamente o rompimento da determinação sexual da cultura em que o

homem exerce o seu poder hegemônico que se instaura a crise da

masculinidade ou a crise do poder do macho, como diz Trevisan (1998).

Pois, “sentindo-se culpado ante a crescente recusa dos valores masculinos

‘eternos’, aos quais estava acostumado, esse homem desestruturado sofre de

indolência, desamparo e abulia” (TREVISAN, 1998, p.25). Afinal, a

sociedade foi sempre dita e pensada no masculino. (SANTOS 2009, p.5).

O contexto da década de 1960 em diante é marcado por lutas do movimento feminista

e de mulheres, a qual coloca em debate as mulheres como sujeitos de direitos. Esse

movimento busca questionar problemáticas antes não tidas como demandas sociais,

quebrando o tabu de temáticas nunca antes questionadas politicamente, e a violência de

gênero contra a mulher é uma dessas demandas, principalmente pela via da violência

doméstica. Entende-se que a luta do movimento feminista configura-se enquanto atos

políticos, pois as pautas abordadas vão para além das demandas individuais, abrindo espaço

ao debate sobre as relações entre homens e mulheres no âmbito doméstico e na sociedade, a

fim de romper com a violência e desigualdades de gênero.

2.2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA AS MULHERES

Conforme se mencionou anteriormente, o tema violência de gênero contra as mulheres

é algo presente ao longo dos séculos permanecendo nos dias atuais. Segundo observa Cunha

(2014), as mulheres sempre foram consideradas seres frágeis, domesticáveis, fáceis de serem

dominadas, com uma característica de necessidade de proteção; nesse sentido, passível de

violência. No entanto, entende-se que a condição real da mulher é de um ser forte, que

executa várias funções ao mesmo tempo, que é capaz de dar conta de si e de outros sem

precisar da dependência em relação ao homem. Mas como vem sendo exposto ao longo deste

trabalho, a condição em que essa foi posta na sociedade muitas vezes a coloca em

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desvantagens em relação aos homens. À mulher foram impostos limites em suas ações, de

modo que lhes foi atribuído um papel subalterno na família e na sociedade.

O homem, por outro lado, sempre foi conceituado como um ser de qualidades

superiores, desde cedo educado a ser dominador, provedor, competitivo e alcançar seus

objetivos, para os quais pode fazer uso de atitudes machistas e opressoras. O uso da violência

é visto como algo natural, pois não é visto o olhar do outro (mulher), mas o objetivo a que se

quer chegar usa da violência para alcançar objetivos, violência que parte principalmente da

negação de escolhas, principalmente pela pessoa da mulher, vista como objeto de relações

impessoais estando sempre em um jogo de interesses principalmente o do ramo econômico.

Tudo isso, nos chega como heranças históricas das relações patriarcais de gênero, que

impõem papéis pré-estabelecidos para os sujeitos sociais, onde o homem deve ocupar o

espaço de dominador e a mulher de submissa.

Cunha (2014) afirma que a violência de gênero é um termo adotado como sinônimo

de violência contra as mulheres pelo movimento feminista nos anos 1970, pois as mulheres

são os maiores alvos da violência de gênero, levando em conta que gênero se remete tanto a

homens como mulheres, mas buscando refere-se aos papéis pré-estabelecidos socialmente

para cada um. “[...] gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as

diferenças percebidas entre os sexos, é um modo primordial de dar significado às relações de

poder [...]” (SCOTT, 1990, apud CÔRTES et al, 2012, p. 3). A temática relação de gênero foi

posta em evidência no Brasil a partir do debate acadêmico e movimentos sociais nos anos

1980, como uma forma de questionamento da posição social da mulher na sociedade. A partir

das reflexões em torno dessa temática, buscou-se expor mais as desigualdades sociais

vivenciadas entre homens e mulheres, como uma forma de denunciar essas práticas de

opressão, que é colocada principalmente para as mulheres como um caminho para anulá-las,

pelo simples fato de ser mulher.

Segundo a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

Contra a Mulher – ocorrida em 9 de junho de 1994 –, conhecida como “Convenção de Belém

do Pará:” violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause

morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público

como no privado, valendo enfatizar que esse mesmo conceito foi adotado na elaboração da lei

de 11.340/2006 quanto à formulação de seus objetivos. Em torno desse conceito, pode ser

feita uma análise de que a violência contra as mulheres ocorre pelo simples fato desta ser

mulher e possuir desvantagens sociais históricas, como desigualdades econômica, social e

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política. Esses atos são um reflexo da ideologia patriarcal, que tem na opressão o meio para

reproduzir a hegemonia da dominação.

Morera (et al, 2014) ressalta que a violência contra as mulheres aparece no cotidiano

como um fenômeno multifacetado seja nos espaços públicos ou privados, nas relações

institucionais, grupais ou interpessoais, a qual é influenciada pelas relações desiguais e

assimétricas entre homens e mulheres e pela cultura de dominação masculina, sendo um

produto social naturalizado, mas que precisa ser desconstruído na perspectiva de respeito aos

direitos humanos que cabe a esse grupo de sujeitos que é predominante na sociedade. É

necessário romper com a tipificação histórica, a qual coloca a mulher sempre em local

desvantajoso.

Segundo o autor, o tema violência contra as mulheres foi uma demanda trazida pelo

movimento de mulheres e feministas no início dos anos 1980 como preocupação com a

opressão sofrida pelas mulheres, vítimas de homicídios, da violência sexual, de torturas e,

principalmente, das violências ocorrentes no espaço doméstico. A partir dos debates

acadêmicos e dos movimentos de luta, passou-se a ter outro olhar social para os casos de

violências contra as mulheres, pois desnaturalizou-se esses atos tornando-os públicos e

qualificando esses como uma violação de direitos e um comportamento criminal, pois, até

então, o Estado não se detinha a coibir esses atos de violência, ficando somente nos espaços

domésticos, sem nenhuma punição. O debate trazido principalmente por esses movimento

trouxe a possibilidade de romper esse ciclo de violência em que se encontravam – e ainda se

encontram – inúmeras mulheres, pois a partir de então se buscou providências da esfera

estatal, com medidas punitivas e preventivas, como no cenário atual se procura efetivar no

Brasil através da lei 11.340/2006.

A violência de gênero contra as mulheres nos é apresentada de diversas formas, mas a

violência física é a mais visível, indo desde o espancamento, estupro, seja ele conjugal ou não,

até a forma mais gritante do estágio da violência, o feminicídio, ocorrendo principalmente nos

espaços domésticos. Ainda que a violência psicológica preceda a ocorrência da ação desses

atos, a violência física foi a que chamou mais atenção para o debate em torno dessa temática

na academia e nos movimentos sociais, pois é em torno desse ato que se chega ao debate da

negação dos direitos humanos. Morera, (2014) Traz em seus escritos, a qual não especificou o

ano, que de acordo com relatório da Anistia Internacional os dados a nível internacional

salientam que na França a cada ano, 25 mil mulheres são estupradas; nos EUA, a cada 15

segundos, uma mulher é espancada por seu marido ou parceiro e, a cada 90 segundos, uma é

estuprada. Na Inglaterra, por semana, duas mulheres são mortas pelos seus parceiros e na

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Costa Rica 67% das mulheres com mais de 15 anos já sofreram violência física ou sexual em

algum momento de suas vidas. (MORERA et al, 2014, p. 56).

Prestes e Oliveira (2005) registram que, na realidade brasileira não é diferente, estima-

se que a cada quatro minutos uma mulher é agredida em seu lar por um homem com o qual

esta mantém laços afetivos: pai, irmão, marido, namorado entre outros, portanto, alguém em

que essa mulher confia. De acordo com Nascimento (2002), dados mostram que 70% dos

agressores são maridos das vítimas e 52% destas são mulheres com afazeres do lar; 37%

exercem profissão considerada feminina; 82% dessas lesões são visíveis no corpo.

(PRESTES; OLIVEIRA 2005, p. 3). Conforme já mencionado neste trabalho, a mulher

conquistou vários espaços na sociedade como ocupação de cargos tidos como exclusivamente

masculinos autonomia financeira, enfim, conseguiu ser independente, mas todas essas

questões de certa forma inquietou parte dos homens, que buscam usar da força (violência) o

meio para mostrar a mulheres que fazem ou fizeram parte de sua vida que ele quer continuar

dominando.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, divulgadas em 2010, mostram

que a violência física, que compreende a lesão corporal leve, grave ou gravíssima, tentativa de

homicídio e homicídio, representavam 53,9% dos casos; a violência psicológica que envolve

ameaça; dano moral; perseguições e assédio moral no trabalho representavam 33,2%; a

violência moral que envolve difamação; calúnia e injúria 8,8%; a violência patrimonial 2,0%,

a violência sexual, estupro, exploração sexual e assédio no trabalho eram verificados em 1,4%

dos casos; e outros tipos de violência 0,8%. (IBGE, 2010 apud OLIVEIRA; PAES, 2014

p.1232).

A violência de gênero contras as mulheres acontece em todas as classes sociais, em

todas as idades, grupos étnico-raciais e grau de formação escolar. Essa violência tem como

principal motivação a cultura machista patriarcal, a partir da qual o homem se acha superior à

mulher, tomando essa como sua, usando da força física para expressar essa dominação e

alcançar seus objetivos. No cotidiano são usadas diversas justificativas relacionadas às

motivações para o ato de violência, entre essas estão: o ciúme, o alcoolismo, o amor, mas

tudo isso reflete a presença marcante da cultura machista e do patriarcado na sociedade, ainda

que com avanços políticos, culturais e sociais.

Dados do Mapa da Violência 2015 mostram que de 1980 a 2013, o aumento de

homicídio de mulheres foi de 152%, A taxa que em 1980 era de 2,3 vítimas por 100 mil, passa

para 4,8 em 2013, um aumento de 111,1%, no total de 106.093 mulheres, vítimas de

homicídio no Brasil. (BRASIL, 2015, p.11). Essa mesma fonte mostra que em nível regional,

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o Rio Grande do Norte teve um crescimento de 97,6% de 2006 a 2013, estando em 16º

posição entre as unidades da federação em homicídios de mulheres por cem mil habitantes e

uma taxa de 5,3. Em nível de capital, Natal ocupa a 12º posição entre as capitais, com índice

de crescimento de homicídio contra mulheres de 73,9% entre 2006 a 2013 e uma taxa de

6,6%.

Todos os anos milhares de mulheres morrem em decorrência da violência, em especial

a violência doméstica. Em meio ao apelo por medidas para coibir os atos de violências contra

as mulheres, essas puderam almejar algumas conquistas na luta contra a violência de gênero

contra as mulheres, e uma dessas principais conquistas foram à lei 11.340/ 2006, conhecida

como Lei Maria da Penha – que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica

e familiar contra a mulher e estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em

situação de violência doméstica e familiar –, tendo recebido esse nome em homenagem a

Maria da Penha, que por atos de violência de seu companheiro ficou paraplégica devido

sequelas de um tiro disparado por seu então companheiro, tendo sido, anteriormente, vítima

de outros atos de violência cometidos por este, e foi negligenciada em suas denúncias pelo

Estado brasileiro.

Essa lei tem como objetivo prevenir, coibir e erradicar a violência doméstica e familiar

tendo a mulher como a principal vítima. Essa lei adotou o mesmo conceito de violência

trazido pela “Convenção de Belém do Pará” um conceito ampliado, que foi anteriormente

mencionado.

Art. 5º I-no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio

permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II-no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (BRASIL, 2006).

Essa lei tem como marco “coibir e eliminar toda forma de discriminação contra as

mulheres […] não só no caráter repressivo, mas prevenir e dar assistência numa forma de

promover a mudança de valores sociais que naturaliza a violência contra as mulheres”

(PEREIRA 2012, p.33). Esse é seu diferencial das leis anteriores, não agir só após o ato

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consumado, mas buscar evitar que este aconteça. A referida lei tipifica os tipos de violências

em categorias3. sendo elas:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, [...]

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante

intimidação, ameaça coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar

qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao

aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e

reprodutivos;

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou

recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. BRASIL (2006, grifos nossos).

Outro mecanismo de enfrentamento e prevenção à violência contra a mulher, anterior

à referida Lei, é a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), criada em 2003,

no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que apresentou como objetivo.

[...] promover a igualdade entre homens e mulheres e combater todas as formas de preconceito e discriminação herdadas de uma sociedade patriarcal e excludente. […] vem lutando para a construção de um Brasil mais justo, igualitário e democrático, por meio da valorização da mulher e de sua inclusão no processo de desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País. (BRASIL, 2012).

Também deve ser mencionada a Política Nacional de Enfrentamento à Violência

contra a Mulher, criada em 2011, apresentando como finalidade:

[...] estabelecer conceitos, princípios, diretrizes e ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres, assim como de assistência e garantia

3 Sabe-se que existem os níveis de violência aprovados pela lei 9.099/95, que é pelo Código Penal e as adotadas pela lei 11.340/2006, que são mais abrangentes.

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de direitos às mulheres em situação de violência, conforme normas e

instrumentos internacionais de direitos humanos e legislação nacional. Além disso, está estruturada a partir do Plano Nacional de Políticas para as

Mulheres (PNOM), elaborado com base na I Conferência Nacional de

Políticas para as Mulheres, realizada em 2004 pela Secretaria de Políticas

para as Mulheres (SOM) e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

(CNDM). (BRASIL 2011, p. 10)

Ressalta-se, ainda, a Rede de Atendimento a mulheres em Situação de Violência

criada também em 2011, com os seguintes objetivos:

Efetivar os quatro eixos previstos na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres – combate, prevenção, assistência e garantia de direitos – e dar conta da complexidade do fenômeno da violência contra as mulheres.

Vale salientar que a partir do conhecimento desse documento – que dá indicação para

os serviços de reeducação e responsabilização dos homens que cometeram violência contra

mulheres – definiu-se a temática do presente trabalho.

Esses mecanismos legais, entre outros, se constituem instrumentos de grande

importância na luta contra a violência em que as vítimas são mulheres, pois como já citado,

essa violência aparece no cotidiano de múltiplas formas. A ideologia patriarcal que gera a

violência de gênero precisa ser desconstruída todos os dias, pois é responsável pela morte de

milhares de mulheres todos os anos. Sendo assim, precisamos desnaturalizar uma cultura que

é baseada em uma concepção da mulher como pessoa frágil, e que busca dominar e usar da

força na relação com as mulheres. Cultura esta que trata os sujeitos como coisas, como

propriedades, e que na negação de sua vontade oprime através da violência.

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3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ENTRE A LEI Nº 9.099/1995 E A LEI MARIA DA PENHA

Considerando-se o tema aqui discutido, considerou-se importante fazer uma

interligação entre a Lei 9.099/1995 – que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e

Criminais e dá outras providências – e a Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, a fim de

evidenciar as mudanças ocorridas com este último marco legal no enfrentamento à violência

contra mulheres. Considera-se importante apreender a visão do legislativo sobre os atos de

violência doméstica e familiar e o posicionamento deste sobre esses casos, pois até a vigência

da Lei Maria da Penha os casos relacionados à violência contra mulheres ou intra familiar

eram julgadas a partir dos princípios defendidos pela lei 9.099/1995.

Conforme observa Resende e Mello (2013) a Lei 9.099/1995 criou os Juizados

Especiais e Criminais (JECRIMs). Esses Juizados “tem competência para a conciliação, o

julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as

regras de conexão e continência”. Tem como característica a rapidez no desenrolar dos

processos, não necessitando de muitos trâmites legais para a execução processual, outra

característica se refere aos princípios da oralidade, celeridade e informalidade, possibilitando

maior ressocialização, bem como, a aplicação de medidas alternativas para resolver os

conflitos domésticos e familiares. Suas penas são no máximo de 02 (dois) anos e multa de

qualquer valor, de acordo com o juiz. As resoluções dos casos são feitas em uma só audiência

em um consenso criminal entre o juizado e o réu para se evitar um processo ordinário.

Criada para julgar os crimes de menor potencial ofensivo e tendo como

paradigma o comportamento individual violento masculino, a Lei 9.099/95

acabou por recepcionar não a ação violenta e esporádica (...), mas a violência

cotidiana, permanente e habitual (...). Assim, os crimes de ameaças e de

lesões corporais que passaram a ser julgados pela “nova” Lei são

majoritariamente cometidos contra as mulheres e respondem por cerca de

60% a 70% do volume processual dos Juizados. Comparando-se o novo

procedimento ao procedimento pré-processual anterior, sobretudo o histórico

e arcaico Inquérito Policial, poderia ser constatado que esse novo

procedimento, no qual há determinação de remessa obrigatória do Termo

Circunstanciado (TC) ao Poder Judiciário, permitiu a visibilidade (publicidade) da violência contra as mulheres (...) visto que anteriormente

essas condutas encontravam-se nas cifras ocultas da criminalidade.

(CAMPOS E CARVALHO, 2006, apud RESENDE E MELLO 2013, p. 5).

Rodrigues (2013) analisa que essa lei se estende apenas aos casos mais brandos, ou

seja, aos que não necessitam de extensão processual ou trâmites legais mais apurados. O

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questionamento em torno do julgamento dos casos de violência contra as mulheres acontecem

pelo fato de que esses não eram considerados merecedores de medidas mais rígidas e, com

isso, eram julgados como casos, sem necessidade do envolvimento de outros aparatos legais

como investigação, proteção à vítima entre outros, para se chegar à sentença. Não se tinha

uma análise em torno da violação de direitos humanos das vítimas nos atos de violência

doméstica e familiar. Entende-se isso como herança de um judiciário machista, onde os casos

ligados à mulher em geral são banalizados, o que pode ser notado por antigas leis sobre a

honra do homem nos casos do adultério e virgindade feminina.

Entre as lacunas observadas na Lei 9.099/1995 está a de que essa não apresentava

nenhum mecanismo de proteção à mulher, e os trâmites legais eram feitos somente entre o

autor da violência e o juizado, sem a presença da mulher na referência das decisões. Com a

vigência da Lei 11.340/2006, houve o veto através do Art. 41 da mesma lei, do exercício da

Lei 9.099/1995 quanto aos julgamentos dos casos de violência doméstica e familiar. Assim,

não é mais responsabilidade da aplicação da Lei 9.099/1995, excluindo os parâmetros usados

em seu Art. 61 de definição do que seja infração de menor potencial ofensivo nos casos que

envolvam a violência doméstica e familiar contra mulheres.

A lei 11.340/2006 marca uma nova etapa nas resoluções dos casos de violência

doméstica e familiar contra a mulher, através dos Juizados Especiais de Violência Doméstica

Contra a Mulher. O diferencial dessa lei está no maior rigor com os casos de violência

doméstica, afastando as medidas despenalizadoras4 e algumas penas alternativas. A Lei Maria

da Penha traz outras possibilidades de pena além da reclusão; traz a indicação da prevenção, a

adoção de medidas de responsabilização do autor/agressor – de cunho educativo/reflexivo,

destinadas aos autores de violência –; busca problematizar a discussão sobre a violência

baseada no gênero trazendo isso como necessidade, abrindo portas para mecanismos e

medidas tanto de proteção às vítimas como repreensão e conscientização dos autores de

violência contra as mulheres.

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a

mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência,

entre outras: I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

4 Medidas despenalizadoras são aquelas que buscam resolver os conflitos de menor gravidade de forma consensual, com medidas eficazes, rápidas e simples (TOZATTE, 2011).

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a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios. (BRASIL, 2006).

A Lei 11.340/2006 altera os tipos penais incriminadores possibilitando o aumento das

penalidades e sanções, ampliam as alternativas de proteção a vítimas e procura trazer um

outro olhar sobre a violência de gênero e com relação aos agressores na perspectiva de ir à

base das causalidades da violência doméstica, familiar e contra as mulheres.

Pereira (2012, p. 18) observa que a referida Lei é um avanço na luta contra a violência

doméstica e familiar contra as mulheres, colocando “novas discussões e desafios à sociedade

brasileira”. Para a autora, suas inovações se comprometem em coibir e eliminar toda forma de

violência e discriminação contra as mulheres,5 “além de prevenir, punir e erradicar a

violência contra elas, por intermédio de medidas não somente de caráter repressivo, mas

preventivo e assistencial” (ibidem). Um dos marcos da lei em tela é buscar evitar os casos de

violência através de mecanismos como políticas públicas de prevenção e trabalhar junto à

sociedade e aos homens autores de violência em uma promoção dos valores sociais

desnaturalizando a violência contra a mulher.

Outro avanço da Lei Maria da Penha, com relação à lei 9.099/1995, se refere ao fato

de os casos de violência doméstica e familiar deixarem de ser apenas um ato infracional,

passando a serem tratados “como um crime contra a vida e aos direitos humanos das

mulheres” (ANDRADE; BARBOSA, 2008 apud PEREIRA, 2012, p.19). Destaca-se, ainda, a

criação de políticas públicas voltadas para o enfrentamento da violência doméstica e

promoção ao apoio às vítimas, seus dependentes e aos próprios agressores. Além disso, é

registrada a necessidade de articulação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios

para a promoção de campanhas educativas e preventivas à violência contra a mulher.

(NASCIMENTO, 2008 apud PEREIRA, 2012, p. 19).

Em suma, avalia-se que a Lei 9.099/1995 não se mostrava adequada para os

julgamentos nos casos de violência doméstica e familiar contra mulheres. O fato desta não ver

os atos de violência contra mulheres como violação de direitos humanos, já demonstra o

5 É importante observar que a lei Maria da Penha também alcança as mulheres transexuais, incorporando a estas os mesmos direitos enquanto mulheres.

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descaso com o qual eram tratadas essas demandas pelos juizados; não se tinha uma análise

processual e da gravidade real desses atos. Em contrapartida, a Lei 11.340/2006 mostra um

avanço pelas propostas que incorpora que vão desde um julgamento mais severo, que inclui o

cárcere fechado, às medidas de prevenção aos atos de violência doméstica e familiar,

ampliando a necessidade de toda sociedade, junto aos poderes públicos, se comover e,

principalmente, se mobilizar contra atos de violência contra as mulheres e pela erradicação

destes.

Dentre as ações voltadas para medidas de prevenção e enfrentamento à violência

doméstica e familiar contra a mulher estão previstos aqueles que se direcionam para homens

autores dessa violência. Dentre esses, está o Serviço de Responsabilização e Educação do

Agressor, cujas Diretrizes Gerais estão apresentadas no Anexo II do Documento Rede de

Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, divulgado em 2011, pela então Secretaria de

Políticas para as Mulheres, à luz do que prevê os artigos 35 e 45 da Lei Maria da Penha. A

seguir, serão apresentados alguns aspectos referentes a tais serviços, inclusive sobre o

desenvolvimento destes no município de Natal-RN.

3.1 O DEBATE EM TORNO DOS SERVIÇOS DE RESPONSABILIZAÇÃO E

CONSCIENTIZAÇÃO DE HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR CONTRA A MULHER

Os serviços voltados para homens autores de violência contra a mulher é algo recente

como medida pública. Antes da Lei Maria da Penha não existiam serviços diretos para esse

público, incrementados como política pública, com a ressalva de alguns serviços voluntários,

desenvolvidos por algumas ONGs que se voltavam para a execução de atividades voltadas

para esse público. Anterior a essa lei existiam apenas algumas politicas voltadas para as

mulheres como as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e outras políticas que

tinham a função de coibir a violência. Medidas que buscavam proteger as mulheres das lesões

físicas dos atos de violência, o serviço prestado se voltava para enquadrar os agressores com

medidas brandas de cárcere. Posterior à referida Lei se avançou nas medidas de contenção à

violência em sua forma múltipla, como já citado, abrindo espaço para novos meios de

interdição a violência contra as mulheres.

Assim, foram criados através da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres: as

Casas Abrigo, que colaboram para romper com a permanência da mulher junto ao agressor; os

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Centros de Referências de Atendimento a Mulher, que acolhem a mulher vítima de violência

recebendo as demandas através de uma equipe multidisciplinar; a Defensoria/ Núcleo

Especializado da Mulher, estando à disposição de mulheres vítimas que necessitam de auxílio

jurídico; o Núcleo de Gênero do Ministério Público, que busca garantir os direitos humanos

das mulheres e contribuir no enfrentamento contra a desigualdade de gênero, as Delegacias

Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) são unidades especializadas da polícia

civil para o atendimento a mulher em situação de violência, com atividades de caráter

repressivo e preventivo, Serviço de Saúde Especializado para o Atendimento dos Casos de

Violência contra a Mulher e todos os órgãos que são trazidos no documento da rede de

enfrentamento à violência contra as mulheres, em um pacto contra a violência de gênero

contra as mulheres.

Em relação aos serviços diretamente voltados para o autor da violência contra a

mulher, antes as medidas tomadas nos casos de agressão eram conter o homem preso ou a

conversão da pena do agressor em doação de cestas básicas a entidades assistenciais. Ou seja,

não se trata de atos pautados na “realização de atividades educativas e pedagógicas que

tenham por base uma perspectiva feminista de gênero”, conforme está previsto para a

execução do mencionado Serviço de Responsabilização e Educação do Agressor (BRASIL,

2011).

Considera-se que o sistema penitenciário brasileiro é bastante precário e a chamada

ressocialização do homem agressor se constitui algo utópico, sem nenhuma contribuição para

a mudança de conduta perante sua ação de violência (no caso a violência contra a mulher)

voltando-se à reincidência desse ato e, consequentemente, à vitimização de mais mulheres e

não a superação da violência.

Além de algumas mudanças já citadas no tópico acima, o trabalho voltado para o

homem agressor é uma indicação trazida pela lei 11.340/2006, em seus artigos 35 e 45, mas

principalmente, pelo artigo 45: “Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a

mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de

recuperação e reeducação” (BRASIL, 2006). O termo “poderá” usado no art. 45 no legislativo

é entendido como “deverá”, ou seja, é pertinente encaminhar esse homem a esses serviços.

Abre-se uma possibilidade de inclusão do homem autor de violência em programas que

busquem refletir junto a estes sobre temáticas sociais e de gênero, pretendendo-se que o

produto final desse trabalho seja a mudança de comportamento de homens autores de

violência contra a mulher. Esses serviços têm um caráter preventivo, pois se entende e se

espera que na medida em que esses homens passem a ter outra visão em torno do ato

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cometido, haja mudanças em seu comportamento e, consequentemente, a não reincidência nos

atos de violência contra a mulher.

[...] os serviços de reflexão com homens autores de violência doméstica podem ser compreendidos não como uma ação destinada somente aos

homens, mas a eles, às suas ex e atuais companheiras, filhos e familiares e, de uma perspectiva mais ampla, a toda a sociedade, que pode reconhecer

nesses serviços um importante investimento no combate à violência doméstica e de outras formas de opressões de gênero. (LEITE; LOPES,

2013, apud VIOLÊNCIA..., 2016, p 10).

Conforme se afirmou antes, à luz da Lei Maria da Penha, outro documento que se

soma ao processo de implementação desses serviços, é a Rede de Enfrentamento a Violência

Contra as Mulheres, a qual traz em seu Anexo II as “Diretrizes Gerais dos Serviços de

Responsabilização e Educação do Agressor, como um norte para normatizar esses serviços

nas entidades que assim o tiverem”. Isto é “uma forma de implementar esses serviços e buscar

a padronização conceitual e metodológica é fundamental para garantir que se atinja o fim

social previsto na Lei Maria da Penha, de erradicar a violência baseada no gênero.”

(VIOLÊNCIA..., 2016. p 11)

Ainda que se possa perceber pelos materiais avaliados, que as iniciativas para a

implementação desses serviços geralmente são de ordem particular – vindas de um

determinado grupo que percebendo essas demandas com homens, buscaram por iniciativas

próprias criar alguns grupos reflexivos – já existem movimentos jurídicos para implementá-

los como serviço público através da implementação das Diretrizes Gerais antes citadas e de

outros instrumentos legais.

O Relatório da Pesquisa realizada pela ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação

e Ação sobre Violência contra as mulheres – os serviços de responsabilização dos homens

autores de violência. Violência... (2016) apresenta um conjunto de informações em nível

internacional e nacional sobre a efetividade desses serviços. Analisa que nas últimas décadas,

no contexto internacional e nacional, alguns grupos se debruçam sobre pesquisas em torno de

trabalhos juntos aos homens, numa construção social que busca refletir sobre a dominação

masculina sobre a mulher. Uma experiência desses serviços com homens foi na década de

1970 nos EUA, em resposta ao reconhecimento da precariedade de contenção dos casos de

violência contra as mulheres, como também a ineficácia do cárcere preventivo. Outro registro

é do Canadá, sobre o qual alguns autores colocam que na mesma década existiam mais de

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cem programas nessa linha (TONELI et al, 2010; VELOSO; NATIVIDADE, 2013 apud

VIOLÊNCIA..., 2016, p 20).

Ainda sobre os dados da Violência (2016) observa-se que a literatura traz como

revisão dos trabalhos voltados para homens autores de violência contra as mulheres, três

programas como principais experiências com esse público, sendo o mais antigo o que se

refere aos anos de 1977, o Roselincose And Education to Stop Domestic Violence

(EMERGE), o DULUTH (Domestic Abuse Education Program), de 1981 – e destacado como

o mais popular dentre as experiências existentes naquele país – e o The Amend Model. De

acordo com Toneli (et al 2010 apud VIOLÊNCIA, 2016, p. 20), “[...]. Esses primeiros

programas realizados se dedicavam principalmente ao controle da ira, usando técnicas

cognitivas”. Contudo, existem algumas diferenças entre as abordagens adotadas. Assim, o

primeiro programa teria sido criado por homens pró-feministas (VELOSO; NATIVIDADE,

2013), o segundo adotaria uma abordagem cognitivo comportamental, orientado para temas

como controle e poder, e o terceiro programa trabalharia com a responsabilização dos

participantes. (TONELI et al, 2010; VELOSO; NATIVIDADE, 2013 apud VIOLÊNCIA...,

2016, p. 20). Segundo Veloso e Natividade (2013 apud VIOLÊNCIA..., 2016), nos anos 2000

essas experiências chegaram a Europa tendo como destaque o programa UK Membership

Association for Domestic Violence Perpetrator Programmes and Associated Support Service

(RESPECT) e o Work with Perpetrators of Domestic Violence in Europe (DAPHNE). Ambos

possuindo em comum uma base conceitual pró-feminista, que tem como objetivo garantir

maior segurança às mulheres. (p. 47). Na América Latina, destaca-se que as primeiras

experiências ocorrem no México, na década de 1990 e, assim, se estendeu a outros países do

continente (VELOSO; NATIVIDADE, 2013 apud VIOLÊNCIA..., 2016).

Tonelli (et al, 2010 apud VIOLÊNCIA..., 2016) relata que a maioria dos programas

existentes segue uma estreita relação com o movimento feminista, abordando “questões

relacionadas à desigualdade de gênero e à construção de masculinidades tradicionais que

reforçam a violência como uma característica masculina.” (ibidem, p. 21). Também nos anos

1990 essas temáticas foram incorporadas nas Conferências Internacionais de Direitos

Humanos, particularmente Cairo (1994) e Beijing (1995), enfatizando a necessidade de

incorporar os homens como alvos de políticas públicas que incluíssem a implementação de

uma maior equidade entre os sexos, realçando a importância de ações políticas junto à

população masculina” (TONELI et al, 2010 apud VIOLÊNCIA..., 2016, p. 21).

No ano de 2015, a ONU Mulheres lançou o movimento internacional #HeforShe

[#ElesporElas] “que compromete os homens a lutarem por relações igualitárias de gênero”.

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Outras articulações internacionais vêm das redes sociais da sociedade civil, como a White

Ribbon Campaign (WRC), e a Campanha do Laço Branco. Esta última, considerada a maior

rede de homens trabalhando com educação e ações coletivas de enfrentamento à violência

contra as mulheres, foi criada em 1991. Possui

[...] ramificações “em todos os continentes e em mais de 55 países, sendo apontada pela ONU como a maior iniciativa mundial voltada para o

envolvimento dos homens com a temática da violência contra a mulher.” Seus objetivos são criar uma sociedade livre de violência contra as mulheres,

encorajar a reflexão e a discussão sobre como lidar com as ações coletivas e interpessoais entre homens e incitar os homens a assumirem a

responsabilidade de trabalhar junto com as mulheres para acabar com a

violência (VIOLÊNCIA..., 2016, p. 21).

Em nível de Brasil, como parte das ações da Campanha do Laço Branco, foi aprovada

a Lei 11489/2007, que institui o dia 6 de dezembro como Dia Nacional de Mobilização dos

Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Com relação às iniciativas em prol desse

trabalho, a maior parte vem de iniciativas de Organizações Não Governamentais. Para Toneli

(et al apud VIOLÊNCIA..., 2016, p. 23) “essa característica representa tanto a maturidade da

sociedade civil em buscar alternativas para o enfrentamento à violência contra as mulheres,

quanto à ausência de compromisso dos governos que não inserem esses programas em suas

políticas.”.

Em relação às iniciativas no Brasil, o Relatório de Pesquisa da VIOLÊNCIA... registra

como experiência pioneira o Instituto NOOS no Rio de Janeiro, não direcionando sua temática

central para a violência contra a mulher, mas para a “crise da identidade masculina” tendo

como resultados a melhoria dos relacionamentos afetivos entre homens e mulheres. No final

dos anos 1990 a metodologia desenvolvida pelo Instituto foi utilizada em projetos em parceria

com os Juizados Especiais Criminais e com o Centro de Orientação à Mulher Zuzu Angel, de

São Gonçalo, na Baixada Fluminense, o que foi favorecido pela convergência de fatores

políticos no executivo estadual do Rio de Janeiro (ACOSTA; BRONZ, 2014 apud

VIOLÊNCIA..., 2016, p. 24). Essa parceria gerou também a parceria com o instituto

PROMUNDO, a qual foi ampliada aos municípios fluminenses, e outros Estados como São

Paulo e Santa Catarina (LIMA; BÜCHELE, 2011 apud VIOLÊNCIA..., 2016). Outra

experiência considerada pioneira é a PRÓ-Mulher, Família e Cidadania, que na mesma década

desenvolvia mediação de famílias que, posteriormente, foi utilizada nos casos julgados no

âmbito da Lei 9.099/1995.

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Registra-se, ainda, o Núcleo de Atendimento à Família e Autores de Violência

Doméstica, criado em 2003, no Distrito Federal (DF), resultante da parceria entre a

Defensoria Pública e o Conselho dos Direitos das Mulheres do DF, tendo como objetivo

inicial atender mulheres egressas da casa abrigo, que voltavam para seus parceiros. O trabalho

nesse Núcleo “consistia em comprometer o casal a viver sem violência através de um termo

de ajustamento de conduta”, que consiste em “um documento jurídico com valor de um

contrato”, a partir do qual os homens se comprometiam, por exemplo, a não agredir, não

beber, e participar de reuniões em grupo de reflexão (OBSERVE, (2011) apud

VIOLÊNCIA..., 2016, p. 25). Em 2005, a Promotoria de Justiça de Samambaia aliou-se ao

projeto, encaminhando os homens autores de violência para esses grupos, como parte da pena

alternativa que era prevista na lei.

A Organização Não Governamental ALBAM representa uma experiência encontrada

em Belo Horizonte-MG, com o desenvolvimento de trabalhos que se voltavam para a saúde

metal e atividades com abordagem de gênero entre a população jovem. Essa experiência era

conveniada com o Tribunal de Justiça para atender os casos encaminhados pelo Juizado

Especial Criminal, envolvendo os casos de violência doméstica, como pena alternativa

(PASINATO, 2012, LATTANZIO; BARBOSA, 2013 apud VIOLÊNCIA..., 2016).

Outro exemplo a ser dado é o grupo reflexivo de homens da comarca da cidade de

Guimarães em Minas Gerais, a qual busca implementar a proposta feita pelo Art. 35 da então

lei 11.340/2006 em relação à instalação de Centros de Educação e Reabilitação de Agressores

para combater a violência doméstica e familiar. No ano de 2015, as principais motivações

foram pelo volume de processos sobre agressões físicas e psicológicas contra a mulher.

Estando em sua sexta edição, os grupos reflexivos são realizados um por vez, com duração de

seis encontros quinzenais; esse grupo conta com apoios voluntários de magistrados,

servidores, psicólogos, enfermeiros, pedagogos e líderes religiosos e uma assistente social, a

qual coordena o projeto, conta também com representantes do Ministério Público.·.

Outra ação nessa direção é realizada pelo 2º Juizado da Mulher em Goiânia, que no dia

22/09/2015 firmou compromisso para o encaminhamento de homens autores de violência

doméstica a grupos reflexivos, tendo o objetivo de promover a conscientização acerca dos

crimes de gênero; é realizada por meio de uma parceria da Coordenadoria da Mulher em

Situação de Violência Doméstica do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) com o

Governo do Estado e com a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). As

reuniões se realizam no Centro de Referência e Igualdade (Crei), na unidade da

Superintendência Estadual Executiva da Mulher e da Igualdade Racial. A primeira

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experiência no curso consiste em oficinas temáticas semanais, tendo a duração de 14 semanas,

ministrados por professores e alunos da instituição de ensino superior, porém a equipe

responsável se constitui de advogado da Secretaria Cidadã, psicólogas da Secretaria Cidadã e

da PUC-GO, assistente social da Secretaria Cidadã, professores e psicólogos da PUC-GO e

alunos de psicologia.·.

Um ponto de partida para o encaminhamento de homens autores de violência contra a

mulher aos denominados Grupos Reflexivos foi à lei 9.099/1995, quando buscava trabalhar,

na maioria dos casos, com penas alternativas. Os encaminhamentos eram feitos pelos

legisladores que tinham maior sensibilidade no que tange à adequação daqueles serviços para

aquela situação em vez de trabalhos comunitários, apesar de serem poucos os locais existentes

no desenvolvimento dessas ações. Outra observação importante é que a maior parte das

iniciativas desses serviços foram desenvolvidas por ONGs, que posteriormente firmaram

parceria com os governos locais ou poder judiciário, tendo o financiamento proveniente do

governo federal, principalmente por órgãos ligados ao Ministério da Justiça (VIOLÊNCIA...,

2016).

Em uma revisão de literatura pode-se notar que os grupos que trabalham com homens

autores de violência tinham linhas diferenciadas de abordagem em suas temáticas. Algumas

voltavam-se para uma abordagem cognitivo-comportamental, outras para a teoria de gênero.

Alguns autores classificaram essas linhas em psicológica e sociopolítica. A primeira, sendo

uma forma de buscar compreender as causas da violência, enquanto a segunda “[…] as

condições sociais que determinam as relações de poder e dominação de homens sobre as

mulheres.” (VIOLÊNCIA..., 2016, p. 28). Em linhas gerais, é notório que as temáticas sobre

as quais se busca refletir nos grupos para homens autores de violência têm como intuito

buscar fazer uma análise junto a esses sujeitos sobre seus atos a fim de, como já mencionado,

possibilitar através dessa reflexão uma mudança de comportamento considerando-se seus atos

de violência contra a mulher.

É importante abordar também que existe um conflito em torno desse serviço, sobre o

contra e a favor de sua eficácia, como de sua própria existência. Segundo analisa o Relatório

da Violência... (2016), trata-se de um debate ainda sem muita consistência, pelo fato desses

trabalhos serem ainda recentes. Principalmente nos órgãos públicos o debate em torno desses

serviços ainda é pouco discutido. Em 2006, marco da lei 11.340/2006, foi proposta uma

pesquisa de opinião com a temática “O que deveria acontecer com os homens que cometem

violência contra as mulheres”, o resultado foi de que apenas 33% das mulheres e 25% dos

homens entrevistados consideraram que autores de violência contra a mulher devem participar

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de serviços que os ajudem na mudança de comportamento como agressor. Por outro lado,

tanto para os homens quanto para as mulheres entrevistados, (65%) dos agressores deveriam

ser presos. (IBOPE / Instituto Patrícia Galvão, 2006). Nessa mesma linha, em 2013 foi

realizada outra pesquisa que mostrou que 50% das pessoas entrevistadas não considerou

eficaz a forma como a justiça brasileira pune a violência, para que venha a se ter redução

dessa prática no país. (DATA POPULAR/IPG, 2013).

Outra questão a ser destacada é que na maioria dos casos de denúncias de violência

doméstica e familiar as mulheres envolvidas não desejam que os autores da violência sejam

presos, mas que os profissionais conversem com estes para, quem sabe, haver uma mudança

de comportamento do homem que cometeu a violência. Outros grupos, como algumas

feministas e organizações da sociedade civil não acham cabível a precisão de centros de

reeducação para agressores. O argumento apresentado ressalta que as medidas de penas

alternativas e terapêuticas dividiriam recursos que deveriam ser destinados para as políticas

para as mulheres em situação de violência. Por outro lado, outros grupos pesam o oposto, e

defendem a ideia de “que essa questão (tratamento/reflexão para agressores) deve fazer parte

da política de enfrentamento à violência como forma de propiciar um espaço para os homens

refletirem sobre sua conduta, discutirem os papéis atribuídos aos homens e mulheres, evitando

a reincidência.” (MATTOS; CORTES, 2011 apud VIOLÊNCIA..., 2016, p. 10).

Em meio a essas discussões já existe uma tramitação no Senado um projeto de lei,

9/2016, proposto pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), do

Ministério Público do Rio Grande do Norte, que defende a obrigatoriedade da participação

dos acusados de violência doméstica e familiar como parte da pena. De certa forma, isto

também amplia a existência desses serviços nos órgão públicos para melhor acesso.

Entende-se que os serviços voltados aos homens se apresentam como mais um aliado

na luta contra a erradicação da violência contra a mulher. Essas ações/serviços traz em si uma

alternativa preventiva para evitar a reincidência ou até mesmo a prática da violência – se

forem realizadas ações junto aos homens, antes mesmo do ato se concretizar. Combater a

violência de gênero contra as mulheres, sem uma consciência pedagógica, é usar paliativos

para amenizar os danos, não indo de fato à base do problema. Penas convencionais aos

agressores da violência contra as mulheres, sem uma associação reflexiva e crítica do ato

cometido é apenas tardar um novo ato de violência. Uma consciência amadurecida por um

concreto pensado, ou seja, de uma consciência crítica dos atos cometidos, se constitui uma

alternativa para evitar novos atos de violência. As penas judiciais são importantes se estas se

associam a uma reflexão mais ampla e contínua sobre a ação gerada. Esses serviços trazem

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um diferencial proposto pela lei Maria da Penha ao apontar alternativas de penas, que sejam

céleres e eficientes como tentativa de solucionar os episódios de violência que surgem ainda

com índices alarmantes no cotidiano e na vida das mulheres.

3.2 “GRUPO REFLEXIVO DE HOMENS: POR UMA ATITUDE DE PAZ” NO

MUNICÍPIO DE NATAL-RN

Neste item do trabalho, são apresentadas informações sobre grupos reflexivos na

realidade de Natal-RN, no que se refere ao trabalho desenvolvido pelo Ministério Público.

Tendo exposto algumas temáticas que se considerou primordiais para se chegar à referida

discussão agora busca-se apresentar aspectos do trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Apoio

à Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (NAMVID), que é atrelado ao Ministério

Público do Rio Grande do Norte (MPRN), em especial o que vem sendo executado com

homens autores de violência contra a mulher, através do “Grupo Reflexivo de Homens: por

uma atitude de paz”.

Silva (2015) esclarece que o NAMVID funciona como suporte à 72ª Promotoria de

Justiça da Comarca de Natal. A criação desse órgão deu-se pelo convênio firmado entre o

Ministério Público do Rio Grande do Norte e a União, por intermédio do Ministério da Justiça

– Secretaria de Reforma do Judiciário, através da Resolução nº 188/2011 – PGJ. Com sede na

Rua dos Tororós, nº 1839, Lagoa Nova, Natal/RN, esse serviço gestou-se em agosto de 2011,

sendo sua inauguração no dia 08 de março de 2012, Dia Internacional da Mulher, em apoio às

mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, articulando medidas necessárias à

efetivação dos direitos internacionais, constitucionais e da Lei nº 11.340/06 através do

desenvolvimento de ações educativas e preventivas.

A equipe que compõe o referido serviço é multidisciplinar, constituída por uma

promotora de justiça – responsável pela coordenação –, uma assistente social, uma psicóloga e

uma estagiária do curso de Psicologia. Entre as atividades executadas pelo NAMVID, estão as

que se relacionam com a execução de políticas institucionais ligadas à questão de gênero e

implementação de projetos, onde são realizadas campanhas voltadas para esta temática. Além

disso, há o desenvolvimento de ações articuladas com outras instituições e entidades que

trabalham em defesa da mulher vítima de violência doméstica e familiar. O trabalho

desenvolvido busca promover encontros, cursos, palestras, seminários e projetos

interdisciplinares junto à rede de atendimento às mulheres em situação de risco e, ainda,

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realizar campanhas educativas e preventivas sobre o tema, estimulando a parceria com

entidades públicas e privadas. Entre os serviços possibilitados estão os grupos voltados para

homens autores de violência contra a mulher. São grupos temáticos voltados para o

acusado/autor de violência, com o propósito de alcançar uma cultura de paz e a equidade de

gênero. (SILVA, 2015).

No documento que expõe o Projeto piloto, de 2011, visando à execução do Grupo

Reflexivo de Homens: por uma cultura de paz, apresentado no âmbito do Ministério Público

do Estado do Rio Grande do Norte, destaca-se a observação, naquele contexto, sobre a

inexistência de intervenção/ação com foco nos agressores, principalmente no que se referia

“[...] a homens em contextos de violência doméstica e familiar”. Conforme relata o Projeto,

tal fato foi observado considerando-se as visitas institucionais realizadas na rede de

atendimento as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar (MINISTÉRIO PÚBLICO

DO RN, 2011). Como objetivo geral, o está previsto “Constituir um grupo com homens em processo

judicial, que estejam envolvidos em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, a fim

de despertar neles uma reflexão sobre suas atitudes.” (MINISTÉRIO PÚBLICO…., 2011, p. 4).

Enquanto objetivos específicos estão expostos no Projeto:

Proporcionar a reflexão sobre o papel masculino e feminino na sociedade

contemporânea; Promover um espaço de escuta compartilhada, através de troca de experiências; Discutir a Lei Maria da Penha no contexto de

violência doméstica e familiar na promoção de igualdade de gênero, considerando as realidades vivenciadas; e Promover alternativas para um

comportamento assertivo diante de situações deestresse. (MINISTÉRIO PÚBLICO..., 2011, p 4)

De acordo com Silva (2015), O Grupo Reflexivo de Homens: por uma atitude de paz,

é desenvolvido com norteadores da política de direitos humanos, bem como a Política

Nacional de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que estabelece

diretrizes para o enfrentamento a essa violência através de atuações pautadas na igualdade de

gênero. Para a execução desse Projeto foram acertadas algumas ações: a principal delas foi a

parceria firmada entre Ministério Público e Tribunal de Justiça, por uma Cooperação Técnica,

através de ações conjuntas que buscam uma consolidação de programas educacionais, visando

a disseminar valores éticos e de respeito à dignidade humana, conforme a Constituição

Federal de 1988 e a Lei Maria da Penha. O Grupo Reflexivo se efetiva a partir de

encaminhamentos do poder judiciário (Juizado de violência doméstica), nos casos de medidas

protetivas, previstas na Lei 11.340/2006, como complemento às referidas medidas, e também

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em outras condições em que haja a possibilidade de encaminhamento do acusado ao Grupo, O

encaminhamento a esse serviço se apresenta de diferentes maneiras;

[…] podendo ser parte da pena conferida ao autor, ou seja, soma-se a pena

determinada, mas a participação ao grupo reflexivo; podendo ser uma

alternativa anterior a uma sentença, onde esse homem pode participar do

grupo voluntariamente e isso ser um atenuante da sentença que seria

proferida pra esse; podendo também ser como medida protetiva de urgência

à mulher, na percepção do ciclo da violência, na tentativa de romper esse, pode ser encaminhado esse homem participar do grupo; pode ser ainda,

como suspensão condicional do processo uma das condições para que o

processo fique suspenso por dois anos (ENTREVISTADA 3).

Os homens encaminhados para o Grupo Reflexivo, em Natal-RN, deverão participar

de 10 (dez) encontros ministrados pelo NAMVID. Antes disso, o acusado deve passar por um

atendimento social, realizado por assistente social, bem como atendimento psicológico, para

se verificar as demandas socioassistenciais. No que se refere ao atendimento psicológico, é

uma forma de identificar possíveis dificuldades, motivações e demais fatores que possam

interferir na participação do acusado no Grupo, pois existem critérios que impossibilitam

esses homens de participarem desse espaço. Esses critérios estão citados no documento Rede

de Enfrentamento à Violência Contra as mulheres, em seu anexo II, que trata das Diretrizes

Gerais dos Serviços de Responsabilização e Educação do Agressor. A triagem é individual, e

em um desses encontros os homens também recebem as orientações iniciais sobre como será

sua participação no Grupo, como o número de sessões, o tempo de duração das reuniões entre

outras informações. Esta etapa acontece na própria sede do NAMVID, assim como a própria

execução das ações do Grupo.

Em Natal-RN, atualmente o Grupo é composto por 10 (dez) homens, com encontros

semanais que acontecem uma ou duas vezes por semana, dependendo da disponibilidade dos

participantes. Conforme mencionado anteriormente, é realizado um total de dez encontros,

tendo as reuniões uma duração de duas horas, contabilizando 20h total ao longo das dez

sessões, Ao final de cada encontro, os participantes e profissionais assinam uma lista de

frequência. As temáticas abordadas nos encontros se voltam para direitos humanos; uso

abusivo de álcool e outras drogas; questões de gênero; a importância da comunicação; saúde

do homem; reflexões sobre violência; controle da raiva e agressividade e demais temas que

sejam inseridos de acordo com a demanda do grupo. Busca-se fazer sempre uma dinâmica

específica a cada encontro, o primeiro encontro é mais direcionado para iniciar uma interação

das profissionais com os participantes, voltando-se para o esclarecimento de dúvidas, sendo,

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também, expostas as regras de convivência e a importância do sigilo nesse momento, entre

outros aspectos. Nas sessões seguintes inicia-se a abordagem das temáticas propostas.

O Grupo atua de acordo com as demandas trazidas pelos homens participantes, suas

abordagens busca alcançar as necessidades desses. (MINISTÉRIO PÚBLICO…, 2012). Ao

final dos dez encontros é enviado ao Poder Judiciário um Relatório Psicossocial da

participação dos homens, individualmente, com a lista de frequência anexada. No relatório

são observados aspectos como: assiduidade, participação, integração com os demais

participantes, potencialidades ou dificuldades na participação do grupo. Após essa etapa o

participante continua sendo acompanhado por seis meses pelo NAMVID. Acompanha-se este

e suas famílias, na perspectiva de verificar o impacto do Grupo Reflexivo na vida deles, e a

existência, ou não, de novos episódios de violência doméstica e familiar após a participação

no Grupo. A avaliação é feita através da aplicação de questionários e entrevistas de cunho

avaliativo/qualitativo a todos os envolvidos com fins de verificação da aceitação e do impacto

causado pelo Grupo no cotidiano dos participantes e de seus familiares. Ao final, é feito

relatório que será encaminhado à coordenação do NAMVID.

É importante ressaltar que a experiência vivenciada pelo “Grupo reflexivo de homens:

por uma atitude de paz”, em Natal-RN está sendo ampliada a outros municípios do estado,

como Parnamirim, São Gonçalo e Macaíba. A equipe do NAMVID capacita outros

profissionais para também viverem essa experiência. A execução dos Grupos nesses

municípios fica sob a responsabilidade dos Centros de Referência Especializado de

Assistência Social (CREAS).

Acredita-se que a experiência dos Grupos Reflexivos busca contribuir com a

sociedade na redução dos atos de violência doméstica e familiar. Segundo relatos das

entrevistadas, existe zero de reincidência nos atos de violência cometidos por homens que

foram participantes do referido Grupo em Natal, desde o seu início no ano de 2012. Diante

desse índice, percebe-se que há um impacto social positivo do Grupo, mas que é necessário

que a referida ação seja assumida pelo Estado com uma maior amplitude de pontos de acesso,

de modo a estabelecer maiores possibilidades de enfretamento à violência doméstica e

familiar contra a mulher. Considerando-se, também, a necessidade de ampliação de políticas

já existentes nessa direção.

Com relação a essa deficiência de serviços, outro agravante importante a ser citado é o

não comprometimento do atual Governo na execução das políticas já existente. Segundo Rede

Brasil Atual, o Governo Temer reduziu 61% comparando ano passado as verbas para

atendimento à mulher em situação de violência, passando de R$ 42,9 milhões para R$ 16,7

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milhões. Outro dado é que em março, mês que se comemora o dia internacional da mulher o

Governo Federal retirou verbas das políticas de incentivo de autonomia das mulheres com

uma redução de 54% no orçamento. Apenas R$ 5,3 milhões estão disponíveis para o setor.

Em 2016, R$ 11,5 milhões foram aplicados na política.

Como se percebe as medidas tomadas atingem diretamente a luta contra a violência em

relação à mulher, existe um retrocesso de conquistas de direitos, a qual torna mais grave o

processo de implementação de medidas, pois é necessário ter recursos para direcionar ações e

essa redução limita os trabalhos.

3.3 PROFISSIONAIS ATUANTES NO GRUPO REFLEXIVO E O DEBATE EM TORNO

DO SERVIÇO EXECUTADO.

Para a produção deste trabalho, além da aproximação com produções teóricas sobre a

temática tratada foram realizadas entrevistas semiestruturadas, com a equipe de profissionais

que está à frente do Grupo Reflexivo de Homens: por uma atitude de paz, no Ministério

Público do Estado do Rio Grande do Norte, bem como do trabalho desenvolvido pelo

NAMVID. As entrevistas foram realizadas a partir de um roteiro contendo questões centrais.

As profissionais responsáveis pelo desenvolvimento do Grupo se mostraram muito acessíveis,

tanto para participarem das entrevistas, assim como na disponibilidade de apoio para melhor

produzir esse trabalho. As questões direcionadas para a equipe profissional foram definidas no

sentido de se conhecer ou se obter aproximações sobre a concepção desta acerca da iniciativa

dos Grupos Reflexivos, bem como acerca do posicionamento das profissionais sobre a

questão de gênero. Um dado importante a ser mencionado é sobre a constituição da equipe

que planeja e executa as ações do Grupo, sendo todas três mulheres. Sendo algo proposital, ou

não, nos leva a refletir sobre o lugar ocupado por aquelas mulheres frente às questões de

violência contra outras mulheres, e os posicionamentos que devem construir enquanto

profissionais frente a um grupo no qual se busca desconstruir ideias machistas e reforçar a

valoração da mulher enquanto sujeito de direito, principalmente frente a um grupo com

homens menos instruídos.

Inicialmente questionou-se as entrevistadas sobre sua apreensão em torno do

desenvolvimento de ações junto aos homens autores de violência contra a mulher, para se

evitar a reincidência de atos de violência contra as vítimas, à luz dos artigos 35 e 45 da Lei

11.340/2006. Sobre esse aspecto, foi unânime nas falas das entrevistadas a afirmação sobre a

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importância desses serviços. Afirmaram entender que a inovação desse Grupo trazido como

proposta na referida lei é mais um instrumento na luta contra a violência contra a mulher, uma

das entrevistas diz:

[…] durante muito tempo havia a ideia que o trabalho, que as políticas

públicas deveriam ser voltadas só para as mulheres vítimas de violência, quando a gente fala de violência de gênero, violência contra a mulher à gente

tem que pensar no sentido mais macro, até porque uma das demandas principais que a gente ouvia dessa mulher e ate hoje, é que ela muitas vezes

não querer criminalizar esse homem, ela quer de fato uma mudança de fato de comportamento que ele venha realmente refletir sobre essa conduta e

deixe essa prática da violência […] (ENTREVISTADA 2).

Sinalizando o entendimento de que é importante existir também políticas que busquem

incorporar os homens autores de violência, foi nítido nos relatos a ciência sobre o marco

histórico concedido pela lei Maria da Penha presente naqueles dois artigos, pois coloca-se o

autor da violência não mais só como acusado, mas enquanto sujeitos que precisam de ajuda

para desconstruir certos conceitos que poderá ser o ponto chave dos casos de violência.

A lei Maria da Penha inovou, trazendo também essa perspectiva de também trabalhar o homem, não só como uma forma de conscientizá-lo e ser parte dessa pena, ouvir ele, ser trabalhado em questões de gênero, mas também como uma forma de prevenção, prevenção para não só aquele processo, para aquela mulher, mas as mulheres em geral, prevenção de uma conduta, através do processo reflexivo (ENTREVISTADA 3).

Sobre a temática refletiu-se sobre o patriarcado nesse trabalho, percebeu-se que a

ausência de medidas voltadas para homens que cometem violência contra mulheres é

histórica, e não era de interesse do Estado se posicionar sobre essas questões e com isso essa

deficiência de aparatos voltados a esse público enquanto política pública, de forma indireta as

entrevistadas trazem isso em suas falam quando diz:

[…] a gente precisa que o Estado assuma essa atividade e instale em todo Estado um centro de reeducação do agressor que é o que a lei Maria da Penha prevê […], [...] isso não é atividade própria do Ministério público, mas nós assumimos

diante dessa lacuna, a lacuna a inexistência do serviço público, o serviço público assumido pelo Estado como a lei Maria da Penha prevê […]. (ENTREVISTADA 3)

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Dessa forma, as falas são reforçadas para se constituir ações junto a esse homem,

estabelecendo um olhar macro sobre a violência contra a mulher, pois trabalhar com ações

voltadas para esse sujeito significaria prevenir não só as mulheres vítimas de violência, mas

todas as mulheres que podem estar próximas a ele. Este homem reproduz a violência em seu

ambiente de convívio e desconstruir certas condutas e discursos pode ser uma peça chave para

uma mudança. Acredita-se que a proposta trazida pela lei Maria da Penha possibilita isso.

Nesse sentido, a redução dos casos de violência seria, para as entrevistadas, uma

consequência, um reflexo, entendendo que a partir do ato reflexivo, o homem pode conseguir

repensar atos que muitas vezes são naturalizados pela cultura do machismo, que se apreende

na sociedade, algo que se entende possível de se alcançar pelo reflexo dos trabalhos com

homens.

[…] A diminuição dos casos de violência seria uma consequência um

reflexo, se intende que a partir que se tem uma reflexão se consegue repensar seus atos que muitas vezes é naturalizado pelo machismo que se aprende na

sociedade, algo que se entende que é reflexo desse trabalho. (ENTREVISTADA 1).

O segundo questionamento posto para as profissionais se referia à concepção da

equipe sobre os trabalhos desenvolvidos com os homens autores de violência, quais lacunas

entendiam existir nos Artigos 35-45 para o desenvolvimento das ações, bem como o seu grau

de importância na luta contra a violência de gênero. Os relatos das entrevistadas trazem o

entendimento de que a Lei Maria da Penha é abrangente, que esta traz possibilidades na

implementação de politicas públicas – sendo esses dois artigos um exemplo disso, mas se

colou na lacuna não na lei em se, mas na execução dessa lei.

[…] eu não diria que existem lacunas, existe de fato a necessidade da implementação das políticas públicas como um todo, de acesso à

informação, de acesso à garantia desses direitos, de acesso e garantia dessa proteção, então de fato aquilo que está imposto e colocado nesses artigos,

que de fato se viabilizem na prática. (ENTREVISTADA 2)

Há uma ausência do Estado em se posicionar como provedor dessas ações. Como

afirmado, essas lacunas existem por serem questões históricas, onde esse Estado não se

posicionava frente aos conflitos conjugais. São recentes as conquistas através do Estado frete

às questões de gênero contra a mulher. Em relação ao entendimento sobre as possibilidades

dos artigos 35 e 45 da Lei Maria da Penha, porém, é consenso a falta de viabilização no dia a

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dia, pela ausência do maior provedor. Exemplo disto, e que se pode analisar, é o próprio

grupo de homens: por uma atitude de paz, que é de ordem voluntária, ainda que em um

estabelecimento de servidores de instituição pública. Sobre essas questões, uma entrevistada

afirma:

[…] nós não temos centros de reeducação de agressor, a gente tem um trabalho com o Ministério público que é uma iniciativa própria […]. […] a lacuna é a inexistência do serviço público, o serviço público assumido pelo Estado como a lei Maria da Penha prevê […] (ENTREVISTADA 3).

Às entrevistadas perguntou-se ainda sobre o termo “poderá” citado no Art. 45,

expressando que se considerou o mesmo um tanto vago em relação ao encaminhamento para

o serviço aqui referido. Relembrando o conteúdo do Art. 45, este expressa:

Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz

poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas

de recuperação e reeducação. (NR). (BRASIL, 2016, grifo nosso).

Uma entrevistada esclarece que a referida expressão não dificulta a execução do

Grupo reflexivo, tendo em vista a existência de homens para serem encaminhados ao serviço.

[…] esse poderá, a gente entende como deverá, em todo processo funciona, já que existe um grupo de homens a gente encaminha, esse poderá vira um

deverá; se houvesse esse serviço oferecido eu não tenho nenhuma dúvida que isso iria atingir cem por cento. (ENTREVISTADA 3)

Ainda que haja esse entendimento de que deverá encaminhar, percebe-se que há

lacuna nesse termo “poderá”, pois a palavra deixa claro no seu termo uma abertura para outros

entendimentos como, por exemplo, que só será encaminhado esse homem se o juiz assim

definir e não algo estipulado como dever, o que abre o debate sobre até que ponto se entende a

importância do encaminhamento para esses serviços.

Com a terceira questão buscou-se apreender o entendimento das profissionais sobre a

violência de gênero, e quais motivações consideram que estão relacionadas à ocorrência da

violência contra as mulheres? Foi de comum acordo a referência à ideologia patriarcal, através

da cultura machista. Nas análises feitas ao longo desse trabalho pode-se perceber que mesmo

com avanços na luta contra a violência de gênero contra as mulheres, ainda é muito presente a

herança histórica do machismo, ainda é forte a imposição do homem como sujeito dominador

nas relações que constroem com as mulheres.

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Na verdade da dominação mesmo, a gente tem visto que a violência de gênero ela é histórica ela é fruto de uma sociedade patriarcal, que o homem é o dominante dessa relação […] (ENTREVISTADA 2).

A motivação única é a cultura machista, cultura que traz essa hegemonia no poder no homem, as relações são assimétricas, as relações de afetividade

dentro do lar, elas são assimétricas e há prevalência desse poder, é uma

relação de poder, uma nítida relação de poder, a motivação que se coloca como motivação, ciúmes e sentimento de posse, na verdade não é motivação,

isso é um subjaz, isso é uma consequência da própria cultura machista [...] (ENTREVISTADA 3).

A violência de gênero contra as mulheres é histórica, o homem sempre foi socializado

para ser dominador, a não falar dos seus sentimentos e do que lhe machuca, isso é um dado

trazidos nos estudos destacados neste trabalho e a consequência disse é a imposição de

comportamentos, negações de direitos que aparecem através de ciúmes, dominação e atos de

violência. Isto, pelo fato desses homens não terem uma construção pedagógica equilibrada

sobre gênero, direitos da mulher e outras temáticas; o seu ser rude acaba sendo refletido nas

suas relações afetivas. É notório ainda a naturalização nas relações afetivas do machismo

como modelo ideal, padronizando os lugares nas sociedades pertencentes a homens e a

mulheres.

Sobre aspectos que motivariam atos de violência, foi colocado nas entrevistas que o

álcool e as drogas não são motivadores para os atos de violência, mas potencializadores, em

um contexto no qual, culturalmente, esse homem já tem imbricado o machismo e se montra

através dos vícios.

[…] tem a questão de alcoolismo, mas ele é um potencializado e não é a causa da violência doméstica familiar, alguns transtornos mentais também acabam pegando também essa população. (ENTREVISTADA 1)

Também perguntou-se sobre as motivações que levaram as profissionais a se

envolverem com o trabalho do Grupo Reflexivo com homens, já que este tem caráter não

obrigatório, mas de recomendação, segundo a lei 11.340/2006. De diferentes formas relataram

que a ideia nasceu da inquietação deixada pelas mulheres atendidas em experiências passadas,

e que serviram como ponto de partida para a construção desse trabalho. As mulheres que

buscavam atendimento eram acolhidas com todo o aparato jurídico, mas, no desenrolar nos

trâmites, na maioria dos casos estas sempre expressavam o seguinte desejo: “Eu não quero

que ele seja preso, a minha intenção de ter vindo aqui não é tomar nenhuma medida contra

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ele, eu quero que a senhora converse com ele, porque eu quero que ele mude”

(ENTREVISTADA 2).

Assim, as profissionais entrevistadas sentiram a necessidade de atender a essa

demanda. Avaliaram que não adiantava apenas trabalhar com as mulheres vítimas, porque o

fato em questão não estava sendo trabalhado, que é esse homem; não se pode enfrentar a

violência sem olhar as partes do ciclo da violência, e esse homem também é atingido,

principalmente pela cultura machista, que o embrutece.

[…] cuidar ou às vezes um encaminhamento psicoterápico, ou cuidar do

processo dela e ele ser punido, porque eles acabariam voltando a viverem juntos ou mesmo, esse homem vai viver com outra mulher como eu posso

prevenir violência, como eu posso enfrentar a violência doméstica deixando de fora um dos seus autores, deixando talvez o principal autor, ator, ele

protagoniza um lugar nessa situação de violência, eu não posso enfrentar sem olhar esse homem que também é atingido pela cultura machista, que também

é colocado, é embrutecido […] (ENTREVISTADA 3).

Nesse sentido, houve uma reflexão em torno dessa questão pela mesma entrevistada

citada acima no sentido de que os acordos de conflitos não têm intenção nenhuma nem por

parte do Estado nem do Ministério público que esse casal se separe, pois se entende que não

se pode intervir na autonomia da mulher em aceitar o parceiro de volta. Mas, de acordo com o

serviço proposto na lei Maria da Penha é de importância olhar as demandas trazidas por esse

homem, sendo importante a implementação de centros de responsabilização e educação de

agressores nas comunidades para com as ações buscar desconstruir comportamentos que

interferem nas relações. Assim, as entrevistadas ao chegarem ao Ministério Público, trazendo

as experiências vividas em comum com outros profissionais, percebendo-se a necessidade da

construção de algum trabalho junto aos homens, foi sugerido pelo Ministério Público à

construção de um Projeto que tivesse os homens autores de violência como foco. Assim,

foram implementadas as estratégias das ações que seriam desenvolvidas para consolidar esse

trabalho.

Sobre a participação das profissionais em debates em torno da violência de gênero e

da compreensão sobre a formação continuada em torno dessa temática, relataram que é

fundamental estar sempre em atualização, porque é necessário constantemente dar respostas

aos usuários, se atualizar é uma forma de atendê-los com qualidade, sem a atualização o

debate e o repasse de informações estaria fragilizado.

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Sim, é importante ate porque a gente tem que estar sempre atualizada nessas

informações, não só enquanto profissional porque constantemente a gente tem que dá uma resposta para eles, eu digo essa atualização não é enquanto

conhecimento pra mim, mas a gente tem que estar atualizada nesses

conceitos para que a gente possa de fato todos os dias estar desmitificando

esse mito da violência, tá desfazendo todos os dias essa questão da violência

e dá um basta nela (ENTREVISTADA 2)

Foram destacadas as experiências do dia a dia, que tem seu grau de importância como

conhecimento, mas não substitui a apropriação teórica; estar sempre atualizada quanto às

informações e debates é fundamental. Sobre isso, é pertinente falar da importância do

aprimoramento profissional, é preciso acompanhar e estar atento às demandas trazidas pelo

seu usuário, governo e a sociedade civil. Sobre a temática abordada, possibilita alternativas no

enfrentamento à violência de gênero. A entrevistada 2 relata: “não tem como trabalhar a

violência doméstica com o mínimo de eficácia sem uma formação continuada.” Percebe-se

que as profissionais buscam ter compromisso com as ações a elas confiadas buscando se

qualificarem constantemente para melhor atender seus usuários, o que é muito importante,

pois sabe-se que os desafios profissionais constantemente estão em mudança e estar

qualificado é uma forma de dar melhores respostas aos desafios presentes.

Acerca da disponibilidade de recursos (humanos, físicos, materiais, dentre outro) para

o desenvolvimento do trabalho no Grupo Reflexivo, foi ressaltado que há recursos, ainda que

com algumas críticas. Entre essas, avalia-se a necessidade de uma equipe maior para

contribuir mais nos trabalhos, onde a produtividade seria melhor. As profissionais relataram

que o repasses de recursos é concedido pelo Ministério Público embora que esse serviço não

seja próprio desse órgão, mas de ação voluntária. Entende-se que isso deveria ser de

competência do Estado, ainda que o Ministério Público tenha integrado essas ações. Entre os

principais recursos que se têm as entrevistadas descreveram que dispõem de salas para

atendimento individual, para atendimento coletivo, no caso da execução do grupo, televisão,

data show, DVD6 e um carro para as visitas domiciliares. Sobre esse último recurso,

destacaram que devido o momento de crise, que atinge todos os postos de trabalhos, estavam

tendo que compartilhar esse transporte com outros setores, e, por vezes, isso também acabava

limitando alguns atendimentos.

É notório nas falas que há a uma apropriação e engajamento das profissionais em

fazer as ações propostas serem executadas, mas se percebeu que esse serviço alcança o

6 Pude comprovar isso na visita feita ao Ministério Público, tive a oportunidade de conhecer de perto o estabelecimento.

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número mínimo de sujeitos possíveis, há uma sobrecarga de procura através dos

encaminhamentos do Ministério da Justiça, não conseguindo atender a todos os casos de

forma imediata, isso se dá também pelo número de profissionais executando essas ações, são

três profissionais para centenas de processos. Caso o Estado honrasse com seu papel de

executor de políticas públicas e voltasse outro olhar para os centros de reeducação e

responsabilização dos autores de violência, essa contingência seria menor, percebendo-se a

negligência do Estado em torno desses serviços, há pouca valoração em torno desse serviço

por parte do Governo e isso dificulta o acesso.

O Grupo Reflexivo para realidade de Natal ou mesmo do RN é um ganho na luta

contra a violência voltada parta as mulheres. O comprometimento das profissionais à frente

desse serviço, antes mesmo da gestação do projeto, foi um marco em sua implementação. As

inquietações trazidas pelo cotidiano profissional bem como o comprometimento da equipe,

gestou mais um instrumento de enfrentamento à violência contra as mulheres.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo chegado ate aqui, buscando abordar temáticas em torno das causalidades da

ocorrência da violência de gênero contra as mulheres, principalmente sobre a violência

doméstica e familiar, se atentou também sobre um outro olhar para o homem, principal ator

na relação do ciclo da violência contra a mulher. Expôs-se aqui um pouco sobre como o lugar

deste sujeito é historicamente e culturalmente construído, podendo fortalecer condutas

pautadas na violência, no caso aqui tratado, na violência contra mulheres.

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Socialmente embrutecemos os homens desde que são crianças, quando não os

deixamos expor suas queixas, quando estes aprendem a negar seus sentimentos. Um dos

resultados, em muitos casos, são os atos de violência, como forma de emitir o que não sabe

ser dito, pois a esse não é ensinado a falar sobre suas emoções, gentilezas, serenidade, assim

como disse a entrevistada três, “O homem não nasce violento, esse não é violento por

natureza”. O homem não tem culpa de ser violento, mas do ato da violência, que vejo como

produto final da negação de um desejo que não foi ensinado a ser negado, do não saber

expressar o que sente, ao homem é negado o ensinamento sobre conversar e expor suas

inquietações, pois se naturalizou que isso é coisa de mulher, uma expressão do machismo,

necessitando assim de uma reflexão sobre esses atos sociais na busca de desconstruir tais

ações na luta por uma sociedade livre de violência doméstica, familiar e contra as mulheres.

Nesse sentido, Os Grupos Reflexivos de Homens é apresentado com um novo olhar

para esse homem, através de ações voltada a desconstruir padrões machistas e sexistas, em

uma tentativa de atenuar os danos deixados por uma cultura que deixam as relações de gênero

assimétricas e desiguais que padronizam papéis sociais, e que vitimiza os atores envolvidos

(homens e mulheres). O homem se torna vítima também quando é colocado a esse apenas o

papel da força, da soberania, e as abordagens desses trabalhos trazem um novo olhar social

para as relações de gênero, principalmente para o público-alvo, vendo-os como sujeitos que

necessitam de ajuda para mudarem de atitudes perante ensinamentos naturalizados como

ideias, mas que precisam ser desconstruídos.

Se entende ao longo das reflexões que a violência de gênero se constitui um fato

histórico, social e cultural, necessitando de um outro olhar para romper com esse tipo de

violência, e desconstruir padrões ideológicos se constitui um meio, quando se permite elucidar

com outro olhar as práticas cometidas, pensamentos incorporados, dar-se espaço para um

novo comportamento e ações, pois buscará incorporar através de um raciocínio crítico e

aberto a mudanças de posicionamento, essas ações contribuem para desconstruir certos

conceitos, abrindo espaços para mudanças de atitudes.

Nessa direção, as temáticas abordadas no espaço dos Grupos Reflexivos é uma tentativa

de contribuir com o debate em torno da violência de gênero e seu enfrentamento, como uma

forma de tencionar o ato da violência contra mulheres com aqueles que a cometem. Sabe-se que

apenas com algumas sessões de conversa não transforma atitudes sistematizadas durante décadas,

mas espera-se que ao longo de ações desenvolvidas junto a esses sujeitos, autores da violência,

seja propiciada uma nova direção nas relações de gênero, na luta por

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uma sociedade sem violência contra as mulheres, sem violência de qualquer natureza e contra

qualquer pessoa.

A lei Maria da Penha se faz um grande marco histórico quando amplia o leque de

possibilidade contra a violência de gênero com relação às mulheres. Dentre esses elementos

está a centralidade do poder público enquanto agente impulsionador da aplicação de

penalidades aos autores de violência doméstica e familiar, não só no formato tradicional como

a privação de liberdade, mas possibilitando outras vias, sendo uma delas o Serviço de

Responsabilização e Educação do Agressor. Conforme relatam profissionais do MPJ/RN que

atuam na execução do Grupo Reflexivo em Natal-RN, este espaço vem se mostrando um

mecanismo efetivo e preventivo na reincidência de novos atos de violência vindos dos

homens que participaram de ações desenvolvidas nesse espaço. Isto é afirmado tendo em vista

a inexistência, até o momento, de casos de reincidência entre os sujeitos acompanhados.

Entende-se que implementar políticas públicas sem ir à base do problema é idealizar

atenuantes, Considerar essa base significa olhar para a totalidade da realidade, na qual se gera

o ato de violência, e esse homem é parte dessa. Se necessita trabalhar esse homem para um

novo olhar social nas relações de gênero e as ações pedagógicas de configuram um meio

efetivo.

Não se defende aqui a negação das medidas punitivas convencionais Pretende-se

atentar para a importância de desconstruir o homem violento, em uma forma de se evitar os

casos de violência de gênero contra mulheres, sem dúvida, uma necessidade social, mas para

que sejam efetivadas iniciativas nessa direção precisa-se atentar para as causas da violência, e

a cultura machista é um importante elemento. É necessário punir esses atos não somente no

sentido repressor, mas de maneira que possibilite a prevenção, de modo que a violência não

aconteça. Os serviços de atenção a essas pessoas que tem excursionado a agressividade, num

processo que também são vítimas, se faz fundamental, Políticas que incorporem esse público,

pois como já dito, homens e mulheres são vítimas de uma cultura machista, se voltar somente

às vítimas diretas é abrandar uma questão bem mais ampla, sem ir à totalidade de um

problema social. (PRESTER; OLIVEIRA 2005. p. 7)

Percebe-se a necessidade de um Estado ativo na implementação desses serviços

voltados para o homem autor da violência, pois, como já dito, o serviço existente, ligado ao

Ministério Público, o grupo de homens: por uma atitude de paz, é de ordem voluntária.

Assim, ainda que seja um órgão público, para se obter maiores resultados seria necessário

ampliar o referido serviço. Hoje a demanda trazida pelo Ministério de Justiça ao Ministério

Público via encaminhamentos é intensa e a sobrecarga de trabalho pode interferir nos

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resultados. Periodicamente chegam processos que necessitam da intervenção do Grupo

Reflexivo, mas que infelizmente não podem ser atendidos de forma imediata.

Há muitos encaminhamentos chegando ao NAMVID para poucas possibilidades de

atender a essa demanda ou de ampliar a inserção de homens participantes, já que em Natal

existe só o serviço oferecido pelo Ministério Público e são três profissionais para milhares de

processos. São atendidos dez homens a cada dois meses e quinze dias, é a melhor forma de

atender esses usuários com qualidade, não excedendo o número de atendidos, entende-se que

se esse trabalho fosse estendido para outros órgãos da rede, mais homens poderiam ter acesso

e, talvez, com maior espaço de tempo no atendimento, porque o tempo de acompanhamento

falado anteriormente se torna curto para abordar as temáticas propostas, até porque são temas

complexos, e desconstruir ou construir novas realidades leva tempo.

Em suma, pretendeu-se atentar para a importância dos trabalhos pedagógicos como

instrumento no enfrentamento à violência contra a mulher como meio de atenuar essas

práticas de violência. Os grupos reflexivos aparecem somente como um desses meios, ainda

que se entenda que a violência precisa ser desconstruída desde o sujeito enquanto criança, ou

seja, por meio de um trabalho contínuo formar homens antiviolência, que colaborem no

enfrentamento e superação da violência contra as mulheres.

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APÊNDICE 1

Roteiro De Entrevista Com Profissionais Que Atuam No “GRUPO Reflexivo De Homens:

Por Uma Atitude De Paz, Natal/RN”.

1- Que apreensão se tem a luz do art. 35 e 45 da lei 11.340/2006, do desenvolvimento dessas

ações junto aos homens, para se evitar a reincidência dos atos de violência contra as vítimas? 2- De acordo com as concepções entendidas sobre os trabalhos desenvolvidos com os homens

autores de violência, quais lacunas se entendem ter trazidos pelos art. 35-45, para o

desenvolvimento dessas ações e seu gral de importância na luta contra a violência de gênero. 3- De acordo com o entendimento sobre a violência de gênero, que motivações se entendem para

a ocorrência dessa violência contra as mulheres? 4- Que motivações levaram a profissional a se debruçar em torno desses serviços, com homens,

já que esse tem caráter não obrigatório, mas de recomendação, segundo os artigos já citados

da lei 11.340/2006? 5- A profissional participa constantemente dos debates em torno da violência de gênero, e o que

acha sobre a formação continuada em torno dessa temática? 6- Acredita-se que se têm recursos (humanos, físicos, materiais etc.) para se desenvolver os

trabalhos proposto.

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APÊNDICE 2

Fotos da sala que ocorre as palestras com os homens que estão sendo acompanhados no NAMVID