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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL JANAINA KELLY PAIVA DO NASCIMENTO A (IN)ESPECIFICIDADE DO TRABALHO PROFISSIONAL: Reflexões acerca das atribuições e competências profissionais do/a Assistente Social no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel NATAL RN 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · Suas orientações de TCC fizeram com que, em algumas ocasiões, surgissem conversas de estímulo, me proporcionando, assim, momentos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

JANAINA KELLY PAIVA DO NASCIMENTO

A (IN)ESPECIFICIDADE DO TRABALHO PROFISSIONAL: Reflexões acerca das

atribuições e competências profissionais do/a Assistente Social no Complexo

Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

NATAL – RN

2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

JANAINA KELLY PAIVA DO NASCIMENTO

A (IN)ESPECIFICIDADE DO TRABALHO PROFISSIONAL: Reflexões acerca das

atribuições e competências profissionais do/a Assistente Social no Complexo

Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento às exigências legais, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientador: Prof. Me. Jodeylson Islony de Lima Sobrinho

NATAL – RN

2017

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3

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Dedico este trabalho primeiramente a

Deus, por ter sido meu guia durante toda

esta caminhada, por ter fortalecido a

minha fé nas horas de angústia em que

pensei que não iria conseguir. Aos meus

pais, irmão e a toda família que me

incentivou com palavras de carinho e

motivação para que eu concluísse mais

essa etapa da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, por ter me dado força e perseverança

durante toda a minha trajetória acadêmica. A fé no Senhor foi meu sustento nos

momentos de angústias, medos e barreiras durante a construção do Trabalho de

Conclusão de Curso - TCC.

Aos meus pais Vanúzia e Zezinho, por terem batalhado duro e abdicado de

tantas coisas para que eu pudesse ter uma boa educação e estar me formando hoje.

Vocês nunca mediram esforços para que eu chegasse até aqui, serei eternamente

grata por tamanho gesto de amor.

Agradeço também ao meu irmão Mateus; aos meus avós maternos e

paternos; tias, em especial Valdelice e Vera; tios; padrinho, primos e amigos por

terem contribuído com muito carinho e apoio durante esse percurso. A presença de

vocês significou segurança e plena certeza de que não estou sozinha nessa

caminhada.

À minha madrinha Lourdes (in memorian), que sempre esteve presente na

minha vida, sou grata pelo seu carinho e cuidado, sei que de seu lugar deve estar

rezando por mim, como sempre costumava fazer.

Agradeço aos amigos que a UFRN me presenteou, em especial Rylanneive,

Débora, Rafael, Andreza pelas alegrias compartilhadas e pelo incentivo e apoio

constante.

As minhas amigas do trabalho, em especial, Roneide, Denise e Verônica. Só

tenho a agradecê-las por tudo, por terem me incentivado a lutar pelos meus

objetivos e por terem tido paciência comigo nos momentos em que não pude estar

presente no trabalho em consequência das atividades da universidade.

Ao meu supervisor acadêmico de estágio, Tibério Lima, que teve muita

paciência comigo nos momentos em que eu não conseguia decidir qual tema

gostaria de desenvolver no Trabalho de Conclusão de Curso. Obrigada pelas suas

sugestões e pelas nossas conversas que contribuíram na escolha do meu tema da

monografia.

Ao meu orientador, Jodeylson Islony, que apesar do pouco tempo de convívio,

se tornou exemplo de profissional e ser humano. Agradeço, especialmente, os

momentos em que você me tranquilizou quando achei que não iria conseguir

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concluir a monografia. Suas orientações de TCC fizeram com que, em algumas

ocasiões, surgissem conversas de estímulo, me proporcionando, assim, momentos

ímpares que colaboraram para que eu chegasse até aqui.

Aos professores do Departamento de Serviço Social, os quais merecem meus

agradecimentos por todo o conhecimento que me repassaram no decorrer do curso

de graduação em Serviço Social. Eles, sem dúvida, me fizeram refletir acerca da

importância de analisar a realidade em suas contradições e buscar sempre as

mediações necessárias para a realização do meu exercício profissional de forma

ética e comprometida com os interesses da classe trabalhadora.

Agradeço também a equipe de assistentes sociais do Complexo Hospitalar

Monsenhor Walfredo Gurgel que contribuíram com o meu processo formativo

durante o período do estágio curricular obrigatório.

Por fim, agradeço a todos aqueles que participaram direta ou indiretamente

desse processo da graduação.

7

“[...] Que este tempo possa renovar a

alquimia de nossas conquistas de cada

dia. E que o tempo que nós vivemos traga

na sua outra face a sonoridade da

liberdade, um verde mais vicejante de

esperança. E que em todos os seus

versos tenha a emergência da luta e da

resistência, no tempo em que lutar é tão

necessário quanto viver, respirar...”

Tempo de luta e resistência...

Andréa Lima

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RESUMO

As transformações societárias influenciam e redimensionam os espaços sócio-ocupacionais integrados por assistentes sociais na área da saúde. Esses profissionais são requisitados para dar respostas rápidas e qualificadas às mais variadas expressões da questão social. Em vista disso, as atribuições e competências profissionais consistem em temáticas que ainda vêm sendo fortemente discutidas pela categoria de assistentes sociais na atualidade, na perspectiva de fomentar essa discussão como parte constituinte da instrumentalidade do Serviço Social. Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo geral: apreender o papel do/a assistente social no âmbito hospitalar, tendo como realidade o Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel. Para tanto, a metodologia segue as orientações de uma pesquisa com abordagem qualitativa, que contou com pesquisas bibliográficas e documental de temas relacionados ao Serviço Social na área da saúde, fez-se uso do método do materialismo histórico-dialético e, enquanto instrumento de coleta de dados, foram utilizados questionários. Em síntese, conclui-se esse estudo com a intencionalidade de contribuir com este debate por meio de reflexões sobre atribuições e competências profissionais, a fim incentivar entre a equipe de Serviço Social do hospital a ampliação da discussão sobre os desafios enfrentados pela categoria no âmbito da saúde e as possíveis mediações para tornar possível a articulação do exercício profissional com o Projeto Ético-Político no contexto hospitalar. Palavras-chave: Serviço Social; Saúde; Atribuições e competências;

Instrumentalidade; Exercício profissional.

9

ABSTRACT

The societal transformations influence and resize the socio-occupational spaces integrated by social assistants at health area. These professionals are solicited to give quick and qualified answers to various expressions of the social question. In view of this, the professional attributions and competences consist in thematics which still are strongly discussed as a component part of the Social Service’s instrumentality. In this sense, the present work has as main goal: apprehend the role of the social assistant in the hospital ambit, having as reality Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel. Therefore, the methodology follows the orientations of a research with an qualitative approach, which counted on bibliographic and documental research of themes related to Social Service at health area, it was made use of the method of historical-dialectic materialism and, while instrument of data collect, questionnaires were used. In summary, this study is concluded with the intentionality of contribute with this debate by means of reflections over professional attributions and competences, in order to incentive among the hospital’s Social Service team the enlargement of the discussion about the challenges faced by the category in the ambit of health and the possible mediations to make possible the articulation of the professional performance with the Ethical-Political Project in the hospital context. Keywords: Social Service; Health; Attributions and competences; Instrumentality;

Professional Performance.

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LISTA DE SIGLAS

ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

AVC - Acidente Vascular Cerebral

CAPs - Caixas de Aposentadorias e Pensões

CFESS - Conselho Federal de Serviço Social

CRESS - Conselho Regional de Serviço Social

HMWG - Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel

IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões

MEC - Ministério da Educação e Cultura

NAQH - Núcleo de Acesso e Qualidade Hospitalar

NEP - Núcleo de Educação Permanente

OPO - Organização de Procura de Órgãos

OS - Organizações Sociais

OSCIPS - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PAC - Programa de Aceleração do Crescimento

PL - Projeto de Lei

PSCS - Pronto Socorro Clóvis Sarinho

PT - Partido dos Trabalhadores

RN - Rio Grande do Norte

SESAP - Secretaria de Estado da Saúde Pública

SUS - Sistema Único de Saúde

UBS - Unidades Básicas de Saúde

UPA - Unidade de Pronto-Atendimento

UTI - Unidade de Terapia Intensiva

11

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11

2. O SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE: NOTAS SOBRE A HISTÓRIA DA

PROFISSÃO E SUA RELAÇÃO COM AS CLASSES SOCIAIS ......................................... 15

2.1. Discutindo as relações sociais e o Serviço Social na sociedade capitalista .......15

2.2 A reconfiguração dos espaços sócio-ocupacionais dos/as assistentes sociais:

Uma análise contemporânea à luz do Projeto Ético-Político Profissional....................21

2.3 A instrumentalidade do Serviço Social: uma análise das atribuições e

competências profissionais ...................................................................................................26

3. SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE: UMA MEDIAÇÃO NECESSÁRIA ................................ 34

3.1 A política de saúde no Brasil: dos elementos históricos aos desafios

contemporâneos ......................................................................................................................34

3.2 Atribuições privativas e competências profissionais do/a assistente social na

área da saúde ............................................................................................................................44

4. O SERVIÇO SOCIAL NO COMPLEXO HOSPITALAR MONSENHOR WALFREDO

GURGEL ............................................................................................................................. 52

4.1 Caracterização do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel .........................................52

4.2 A atuação do Serviço Social no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel .................56

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 72

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 76

APÊNDICES ........................................................................................................................ 80

APÊNDICE I – Questionário aplicado às assistentes sociais do Complexo Hospitalar

Monsenhor Walfredo Gurgel ............................................................................................. 80

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1. INTRODUÇÃO

A presente monografia enfoca algumas reflexões relacionadas às atribuições

privativas e competências profissionais do/a assistente social na área da saúde,

tendo como lócus o Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel (HMWG),

localizado na cidade do Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte (RN).

O Serviço Social no contexto contemporâneo, como pode ser observado

em Yazbek (2009), a partir da década de 1990 se vê confrontado por um conjunto de

transformações que estão ocorrendo na sociabilidade capitalista, que desafia a

categoria a compreender e intervir nas novas manifestações da questão social que

expressam a precarização do trabalho e o agravamento das desigualdades sociais

na atual conjuntura.

Essas transformações sócio-históricas influenciam diretamente os espaços de

trabalho ocupados pelos/as assistentes sociais e nas demandas que chegam cada

vez mais fragmentadas às instituições. Diante desse cenário os/as assistentes

sociais acabam tendo sua autonomia profissional, de certa forma, ameaçada pelos

interesses do capital traduzidos nas exigências institucionais, uma vez que, os

limites institucionais acabam restringindo as possibilidades do exercício profissional

desses sujeitos.

Nesse sentido, é imperativo que os/as profissionais do Serviço Social se

apropriem do que está disposto na lei que regulamenta a profissão para que não

ultrapassem os limites de sua atuação e tenham condições de fazer enfrentamentos

políticos no que diz respeito à absorção de atividades impostas pelas instituições

e/ou pela equipe de saúde como sendo de sua responsabilidade.

É lógico que neste percurso muitas mediações precisam ser feitas para que

esses normativos legais que respaldam a atuação profissional sejam respeitados e

incorporados na prática profissional desses sujeitos, por isso é tão importante

discutir a questão das competências e atribuições privativas como sendo parte

constituinte da instrumentalidade do Serviço Social.

As atribuições e competências consistem em temáticas que ainda vêm sendo

fortemente discutidas pela categoria de assistentes sociais na atualidade, embora já

apresente distintos debates em torno dessa questão. Esse debate se propaga de

diferentes formas entre a categoria profissional, por meio de ações afirmativas

desenvolvidas pelo conjunto CFESS-CRESS (Conselho Federal de Serviço Social/

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Conselho Regional de Serviço Social), juntamente com a Associação Brasileira de

Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) e a Executiva Nacional de

Estudantes em Serviço Social (ENESSO).

Nosso interesse em discutir atribuições e competências profissionais do/a

assistente social na saúde e os desafios enfrentados nesta área foi resultado

da nossa experiência no estágio curricular obrigatório no HMWG. A partir dessa

experiência de estágio, pudemos perceber as demandas e os desafios postos ao

Serviço Social naquele espaço sócio-ocupacional, bem como as respostas

profissionais frente à realidade caótica do Sistema Único de Saúde (SUS).

A partir dos resultados obtidos durante o projeto de intervenção no estágio,

após analisar as respostas dos questionários aplicados com as assistentes sociais

do hospital, foi identificado o não consenso por parte de algumas profissionais sobre

o que seria atribuição e competência dos/as assistentes sociais na área da saúde.

Em outras palavras, acerca das atividades e parâmetros propostos pelo coletivo

profissional que balizam a atuação nessa área. Também foi apontado por elas como

um desafio ao Serviço Social o desconhecimento da equipe multiprofissional sobre o

papel do/a assistente social na saúde.

Como consequência das análises dos questionários, sentimos a necessidade

de ampliar a discussão sobre as atribuições e competências profissionais

dos/as assistentes sociais com base na realidade vivida no hospital, especialmente

no contexto potiguar, com suas particularidades. Portanto, para introduzir a

temática, faz-se necessário afirmar que o Serviço Social é uma profissão que está

inscrita na divisão sócio-técnica do trabalho, regulamentada pela Lei n° 8.662/1993,

e balizada pelo Código de Ética, aprovado com a resolução CFESS n° 273/93.

Sendo assim, este trabalho tem contribuição acadêmica, ao passo que visa

fomentar a reflexão sobre atribuições e competências do Serviço Social na saúde

relacionando a importância da formação profissional permanente, os desafios

enfrentados pelas assistentes sociais no Complexo Hospitalar

Monsenhor Walfredo Gurgel e as estratégias de enfrentamento da categoria

profissional frente o cenário atual da saúde, utilizando-se de uma maior aproximação

do que está preconizado nos Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na

Saúde (publicizado pelo CFESS em 2010) e o Projeto Ético-Político do Serviço

Social.

13

Como objetivo geral, tem-se apreender o papel do/a assistente social no

âmbito hospitalar, tendo como realidade o Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel. No

intuito de fundamentar o objetivo geral, temos os específicos: I. Delimitar as

principais demandas realizadas pelo Serviço Social na Instituição HMWG e

compreender criticamente essas demandas à luz dos Parâmetros; II. Desvelar os

significados das atribuições privativas e competências profissionais por parte das

assistentes sociais1 inseridas no HMWG, a partir da análise das determinações

objetivas e subjetivas que entrelaçam esse processo na saúde; e III. Desenvolver

uma reflexão sobre atribuições e competências do Serviço Social na saúde

relacionando-as à importância da formação permanente.

Para tanto, a metodologia segue as orientações de uma pesquisa com

abordagem qualitativa, uma vez que se preocupa com um nível de realidade que

não pode ser quantificado. Em outras palavras, essa pesquisa busca desvelar o

universo dos significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes,

correspondendo a um aprofundamento maior das relações, dos processos e dos

fenômenos que não podem ser restringidos a operacionalização de variáveis

(MINAYO, 2001). Sendo assim, com o objetivo de tornar o objeto investigado mais

compreensível, apresenta caráter exploratório e descritivo.

O recorte territorial da pesquisa compreende o Complexo Hospitalar

Monsenhor Walfredo Gurgel; já o recorte temporal compreendido é o período entre

os anos de 2016.2 e 2017.1, período do estágio curricular obrigatório na instituição

supracitada.

Quanto ao método de pesquisa, empregou-se o método de análise dialético

que, segundo Gil (2008), oferece subsídios para uma interpretação da realidade de

forma dinâmica e totalizante, visto que esclarece que os fatos sociais não podem ser

entendidos isoladamente, deslocados de suas influências políticas, econômicas,

culturais etc.

Sobre o método do materialismo histórico-dialético, Lima Sobrinho (2006, p.

82), assinala que:

[...] propõe um processo de aproximações sucessivas da realidade, na perspectiva de desvelá-la a partir de uma análise crítica da realidade

1 Utilizamos o substantivo no feminino “das assistentes sociais” porque todos os profissionais do

HMWG da área de Serviço Social que responderam aos questionários cujos dados são apresentados nesta pesquisa eram mulheres.

14

contraditória, por meio da dialética. Para isso, afirmamos haver dois elementos imprescindíveis, dos quais não se pode abrir mão quando existe desejo de desvelar o real: a história e a dialética.

Com o objetivo de analisar a realidade em sua totalidade e contradições, nós

separamos as respostas dos questionários que mais convergiram e divergiram e,

concomitante a isso, analisamos essas respostas em suas dimensões objetivas e

subjetivas. A partir da nossa aproximação com a realidade concreta buscou-se

desvelar as contradições e mediações necessárias para compreender a temática

desenvolvida nessa monografia.

Inicialmente, realizamos um levantamento do referencial teórico-conceitual à

luz da literatura científica. Atrelado a isso, utilizamos a pesquisa documental,

realizada a partir de documentos construídos durante a experiência de campo de

estágio da autora, tais como diário de campo, relatório de estágio, cenário

institucional e questionários semiestruturados aplicados durante a elaboração do

projeto de intervenção. Estes questionários, enquanto instrumento de coleta de

dados, foram aplicados junto às assistentes sociais, para identificar os significados

das atribuições e competências profissionais.

Assim sendo, o trabalho aqui está disposto conjuntamente com a introdução e

as considerações finais, por três sessões. A primeira constitui o referencial teórico-

conceitual a ser utilizado como parâmetro de análise no desenvolvimento do campo

empírico reproduzido na terceira sessão; a segunda traz a trajetória da política de

saúde brasileira nas diferentes conjunturas desde o período que antecede as ações

estatais; e a terceira e última é composta pela apresentação e discussão dos

resultados obtidos com aplicação dos questionários no campo de estágio.

15

2. O SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE: NOTAS SOBRE A

HISTÓRIA DA PROFISSÃO E SUA RELAÇÃO COM AS CLASSES SOCIAIS

Neste capítulo buscaremos refletir sobre algumas questões que envolvem o

Serviço Social na contemporaneidade, apresentando as particularidades referentes

à profissão em seu processo histórico no âmbito da sociedade capitalista.

Iniciaremos a discussão pelo processo de institucionalização do Serviço Social no

Brasil, embora nossa intenção não seja datar nem explicar todo o processo histórico

da profissão, mas sim apontá-la de forma resumida e, com isso, indicar alguns

acontecimentos que julgamos mais relevantes para a compreensão dos processos

que envolvem a produção e reprodução das relações sociais nessa sociabilidade e a

inserção do Serviço Social nessa realidade.

Em seguida, iremos analisar o Serviço Social e sua relação com as classes

sociais, ressaltando o significado sócio-histórico da profissão; a reconfiguração dos

espaços sócio-ocupacionais; a articulação entre trabalho e a instrumentalidade do

Serviço Social, especificadamente, no que se trata da questão das atribuições e

competências associadas à discussão do Projeto Ético-Político Profissional e seu

direcionamento na defesa dos direitos da classe trabalhadora.

2.1. Discutindo as relações sociais e o Serviço Social na sociedade capitalista

A institucionalização do Serviço Social enquanto profissão na sociedade

capitalista está associada a um contexto contraditório que abrange um conjunto de

processos sociais, políticos e econômicos, que definem as relações entre as classes

sociais frente à consolidação do capitalismo monopolista (YAZBEK, 2009). No Brasil,

as particularidades desses processos apontam que a profissão só se institucionaliza

e legitima devido à estratégia do Estado e do empresariado, juntamente com o apoio

da igreja católica, de enfrentar a questão social2, a partir da década de 1930, quando

suas expressões adquirem visibilidade política.

2 “A Questão Social é expressão das desigualdades sociais constitutivas do capitalismo. Suas

diversas manifestações são indissociáveis das relações entre as classes sociais que estruturam esse sistema nesse sentido a Questão Social se expressa também na resistência e na disputa política” (YAZBEK, 2009, p.3).

16

Os trabalhadores que vivenciam as manifestações da questão social passam

a exigir respostas do Estado para a manutenção da própria vida, e o Estado em

resposta a essas demandas por serviços mais imediatos atende de forma mínima as

solicitações dessa parcela da população realizando ações de cunho assistencialista.

“Com isso, instaura-se um espaço determinado na divisão social e técnica do

trabalho para o Serviço Social (bem como para outras profissões)” (GUERRA, 2000,

p. 6), que passam a atuar nas expressões dessa questão social por meio de ações

orientadas diante da realidade de empobrecimento da classe operária a partir do

processo de industrialização que favoreceu a degradação do trabalho, além do

processo de urbanização das cidades.

Segundo Yazbek (2009), o processo de profissionalização do trabalho do/a

assistente social se dá de forma gradativa, sobretudo, a partir da expansão de seu

campo de trabalho dada a vinculação da profissão com as políticas sociais. Essas

políticas emergem com um caráter fragmentado, sem muita articulação com a

realidade social, assumindo um direcionamento pontual e focalizado, resultando em

mudanças pouco significativas na vida desses trabalhadores, movimento esse

direcionado à intervenção do/a assistente social.

É nesse contexto de transformações históricas que a profissão vai se

consolidando no âmbito da sociedade capitalista, nas quais “se gestam as condições

para que, no processo de divisão social e técnica do trabalho, o Serviço Social

constitua um espaço de profissionalização e assalariamento” (YAZBEK, 2009, p.11).

Entendemos que nessa condição de trabalhador assalariado os/as assistentes

sociais integram o mercado de trabalho como agentes executores das políticas

sociais buscando dar respostas mínimas às necessidades dos trabalhadores e às

múltiplas expressões da questão social. E que esse status de trabalhador

assalariado do/a assistente social, apreendido no movimento da história, é

determinante para o desvelamento dos limites e possibilidades de intervenção

profissional nos espaços sócio-ocupacionais.

“O Serviço Social foi regulamentado como uma ‘profissão liberal’ dela

decorrente os estatutos legais e éticos que prescrevem uma autonomia teórico-

metodológica, técnica e ético-política à condução do exercício profissional”

(IAMAMOTO, 2009, p.31). Embora o profissional de Serviço Social possua o status

de profissional liberal, enquanto trabalhador assalariado tem a sua autonomia de

certa forma ameaçada pelas exigências institucionais desses espaços de trabalho,

17

uma vez que, os limites institucionais acabam restringindo as possibilidades do

exercício profissional dos/as assistentes sociais.

Nessa lógica, as políticas sociais compõem um dos espaços sócio-

ocupacionais para os/as assistentes sociais, segundo Guerra (2000, p.7):

Com a complexificação da questão social e seu tratamento por parte do Estado, fragmentando-a e recortando-a em questões sociais a serem atendidas pelas políticas sociais, instituiu-se um espaço na divisão sócio-técnica do trabalho para um profissional que atuasse na fase terminal das políticas sociais [...]. É nesse sentido que as políticas sociais contribuem para a produção e reprodução material e ideológica da força de trabalho [...] e para a reprodução do capital.

São diversos os espaços ocupacionais que foram se consubstanciando para o

trabalho dos/as assistentes sociais, tais como, o Estado, empresas privadas,

organizações da sociedade civil sem fins lucrativos e na assessoria a organizações

e movimentos sociais. Cabe salientar, que esses espaços de atuação profissional

são dotados de racionalidades e finalidades distintas, voltados ou não à lucratividade

do capital, na divisão social e técnica do trabalho, implicando em relações sociais

conduzidas por diferentes sujeitos sociais (IAMAMOTO, 2009).

O exercício profissional do/a assistente social perpassa por elementos

complexos e contraditórios no que se refere ao movimento do real. Sua atuação ora

vai de encontro aos interesses do capital e, ao mesmo tempo, objetiva minimizar e

dar respostas significativas às demandas dos trabalhadores que necessitam de

mínimos sociais adquiridos através das políticas sociais. Iamamoto (2009) reafirma

que essas contradições presentes na sociabilidade capitalista, ao passo que

reforçam a ideologia de interesses do capital, também possibilitam a criação de

bases para a renovação do estatuto da profissão associada à intencionalidade

dos/as assistentes sociais, tendo em vista que o projeto profissional construído nos

anos de 1980 se favorece com a socialização política dos trabalhadores e dos

avanços de ordem teórico-metodológica, ética e política acumulados no interior do

Serviço Social.

Na busca por mudanças no estatuto da profissão e de uma identidade teórica

e prática adequada à realidade brasileira os/as assistentes sociais questionam os

referenciais teórico-metodológicos importados que norteiam a sua ação profissional.

Assim, emerge entre a categoria um movimento, denominado de Movimento de

Reconceituação, que significou uma tentativa de superação do Serviço Social

18

tradicional, da sua influência norte-americana que se caracterizou por ser

assistemática e fortemente amparada num processo técnico-científico voltado para a

correção das disfunções sociais. Esse movimento aponta para três tendências que

emergiram desse processo: a perspectiva modernizadora, a reatualização do

conservadorismo e a intenção de ruptura3.

O Movimento de Reconceituação objetivou transformar o Serviço Social em

um instrumento efetivo de mudança social, mediante a construção de um modelo de

prática voltada à realidade brasileira, e apta a responder aos desafios por ela

colocados, conduzindo a intencionalidade profissional a uma transformação social.

Em meio a essas transformações ocorridas no interior da profissão,

acrescenta-se a essa realidade, a partir das décadas de 1970, uma fase marcada

por crises do capital, que incidem em mudanças no campo da política social e no

papel do Estado frente às desigualdades sociais.

Salientamos que o ano de 1973 foi marcado por uma crise de superprodução

a nível mundial, que resultou na queda das taxas de lucros das principais potências

econômicas do mundo, tendo rebatimentos em vários países do globo, inclusive, no

Brasil. Diante desse cenário também podemos enfatizar a crise do Estado de Bem-

Estar Social como expressão dessa crise econômica, de modo que o capital

precisou traçar estratégias para combater a queda das taxas de acumulação, ou

seja, a queda da taxa de lucros. No âmbito brasileiro podemos destacar como

estratégias a reestruturação produtiva, a contrarreforma do Estado e a adoção de

políticas com orientação neoliberal, delineadas de acordo com as tendências

internacionais.

Para Iamamoto (2006, p. 2):

O caráter conservador do projeto neoliberal se expressa, de um lado, na naturalização do ordenamento capitalista e das desigualdades sociais a ele inerentes tidas como inevitáveis, obscurecendo a presença viva dos sujeitos sociais coletivos e suas lutas na construção da história; e, de outro lado, em um retrocesso histórico condensado no desmonte das conquistas sociais acumuladas, resultantes de embates históricos das classes trabalhadoras, consubstanciadas nos direitos sociais universais de cidadania, que tem no Estado a sua principal mediação fundamental.

Compreendemos que o cenário contemporâneo aponta para o retrocesso dos

direitos sociais conquistados historicamente através das lutas da classe trabalhadora

3 Para aprofundar a discussão do Movimento de Reconceituação, ver NETTO, José Paulo (2005).

19

por melhores condições de vida. O capital tem ampliado seus horizontes com a

contrarreforma do Estado e, com isso, tem expandido cada vez mais seus lucros em

decorrência da monopolização da riqueza produzida socialmente pelos

trabalhadores.

A reestruturação produtiva marca as novas exigências nos padrões da

reorganização dos mecanismos de acumulação do capitalismo globalizado, é

possível observar que essas foram negativas para as políticas sociais, dando

suporte para o avanço das políticas neoliberais e refletindo de forma desfavorável a

base do sistema de proteção social, redirecionando as intervenções estatais frente à

questão social. Nesse contexto, as políticas sociais foram subordinadas às políticas

de estabilização da economia, com forte apelo à filantropia e à solidariedade da

sociedade civil por meio de programas seletivos e focalizados no combate à pobreza

no âmbito do Estado, exemplos dessa opção de intervenção também podem ser

verificados em alguns países do Continente Latino-americano como no Chile e na

Argentina (YAZBEK, 2009).

Essa contrarreforma do Estado significou um conjunto de mudanças e ajustes

fiscais cujo direcionamento e estruturação não foram positivos no que diz respeito à

melhoria dos modos de vida da sociedade. O que houve foi um efeito reverso, a

partir de um processo de ampliação das dificuldades enfrentadas historicamente

pela classe trabalhadora. Em síntese, “uma contrarreforma conservadora e

regressiva, diferente do que postulam os que a projetaram entre as paredes dos

gabinetes tecnocráticos e inspirados nas orientações das agências multilaterais”

(BEHRING, 2008, p. 171). Essas agências também são conhecidas como

Organizações Internacionais criadas pelas principais potências mundiais com a

intencionalidade de promover o desenvolvimento das áreas referentes à política,

economia, saúde, segurança, entre outras.

Apesar da promulgação da Constituição Federal de 1988 ter significado uma

conquista histórica de fortalecimento democrático em decorrência da luta dos

trabalhadores, observamos que muitos dos direitos garantidos por lei na prática não

se efetivaram. Em outras palavras, foram retirados antes mesmo de se

concretizarem, isso porque as “reformas” estatais reforçaram a privatização, a

flexibilização das condições de trabalho, além das mudanças que impactaram

diretamente nos padrões de proteção social. Behring (2008) explica que os direitos

sociais presentes na Constituição Federal de 1988, fruto dessa organização dos

20

sujeitos coletivos articulada aos movimentos sociais, passam a habitar um terreno

complexo, uma vez que não conseguem garantir um padrão público universal da

seguridade social.

As contrarreformas apontadas anteriormente impõem à profissão novas

demandas e novos desafios frente à lógica do capitalismo contemporâneo, que

propicia as mudanças no mundo do trabalho e o desmonte das políticas sociais, e

com isso, acaba metamorfoseando as expressões da questão social, transferindo a

responsabilidade de combate à pobreza para a sociedade civil através de práticas

sociais pautadas na solidariedade. Para Yazbek (2009), o Serviço Social da década

de 90 se vê confrontado nesse conjunto de transformações que estão ocorrendo na

sociabilidade do capital, no qual é desafiado a compreender e intervir nessas novas

manifestações da questão social que expressam a precarização do trabalho e o

agravamento das desigualdades sociais na atual conjuntura.

O reconhecimento crítico dessa realidade requer do/a assistente social uma

análise teórico-metodológica do Serviço Social no processo de reprodução das

relações sociais. Tanto Yazbek (2009) quanto Iamamoto (2006) concordam que para

analisar a profissão como parte das transformações históricas da sociedade, é

preciso ultrapassar a análise endógena do Serviço Social, para situá-lo no contexto

de relações mais amplas que constituem a sociedade capitalista, principalmente, no

que diz respeito às respostas que a sociedade e o Estado estão dando às múltiplas

expressões da questão social. Melhor dizendo, o/a assistente social precisa

compreender a dinâmica macrossocial em sua totalidade articulando-a ao seu fazer

profissional utilizando-se de mediações teórico-metodológicas, ético-políticas e

técnico-operativas, pelas quais tendem a possibilitar uma intervenção crítica e que

vá ao encontro dos valores defendidos pelo Projeto Ético-Político da profissão.

Para compreender a profissão na sociedade capitalista é necessário apreender o

conceito de reprodução social que conforme a tradição marxista refere-se ao modo

como são produzidas e reproduzidas as relações sociais nessa sociedade (YAZBEK,

2009). A reprodução das relações sociais nessa sociabilidade, levando em

consideração seu movimento e suas contradições, não se reduz a reprodução da

força viva de trabalho e os meios materiais de produção. Engloba também a

reprodução das relações sociais de produção, junto aos sujeitos e suas lutas sociais,

as relações de poder e os antagonismos de classes (IAMAMOTO, 2009).

21

Ao indagar acerca do significado social de uma profissão, Guerra (2000) aponta

que essa utilidade social advém de necessidades sociais, que na ordem social na

qual estamos inseridos, tais necessidades, associadas ao capital e ao trabalho, não

são apenas diferentes, mas sim antagônicas. Afirma ainda, que a utilidade social do

Serviço Social está em responder às necessidades das classes sociais, que por

meio de variadas mediações, chegam em forma de demandas para a profissão.

“Analisar o Serviço Social nesta perspectiva permite, em primeiro lugar,

apreender as implicações políticas do exercício profissional que se desenvolve no

contexto de relações entre classes” (YAZBEK, 2009, p.4). De acordo com a autora,

compreender que a prática profissional do Serviço Social é polarizada por interesses

de classes sociais distintas, permite a apreensão das dimensões objetivas

(considerando os determinantes sócio-históricos) e subjetivas (como o profissional

incorpora em sua consciência, o significado do seu trabalho e a direção social do

seu fazer profissional) do trabalho do/a assistente social.

Iamamoto e Carvalho (2006) consideram que a existência e compreensão desse

movimento contraditório abrem a possibilidade para o/a assistente social inserir-se

em um projeto de classe alternativo, aquele para o qual é chamado a intervir. Foi a

partir dessas contradições que foi se gestando no âmbito da categoria profissional o

movimento de renovação da profissão que resultou a partir da década de 80 no

Projeto Ético-Político do Serviço Social, vinculado a uma concepção de

transformação societária e compromissada com a viabilização de direitos da classe

trabalhadora.

No contexto contemporâneo em que os espaços sócio-ocupacionais

ocupados pelos/as assistentes sociais passam por variadas transformações e

adquirem novos desafios decorrentes da conjuntura neoliberal, basilada numa

ofensiva aos direitos sociais, torna-se imperativo a discussão acerca da

reconfiguração desses espaços e das novas requisições feitas aos assistentes

sociais na atualidade, as quais analisaremos no próximo item.

2.2 A reconfiguração dos espaços sócio-ocupacionais dos/as assistentes

sociais: Uma análise contemporânea à luz do Projeto Ético-Político

Profissional

22

Para pensar o redimensionamento dos espaços sócio-ocupacionais e as

novas demandas que se colocam à profissão, temos como ponto de partida que a

reconfiguração desses espaços de trabalho do/a assistente social é resultado de

transformações históricas ocorridas na sociabilidade capitalista, reflexos das

mudanças nas relações entre o Estado e a sociedade, num quadro de recessão da

economia internacional, submetida à lógica mercantil do capital financeiro

(IAMAMOTO, 2012).

O Serviço Social está ligado intrinsecamente ao movimento da história, aliás,

seus espaços sócio-ocupacionais sofrem mudanças significativas provenientes da

reestruturação produtiva, da desregulamentação e da flexibilização do trabalho. A

reorganização do papel do Estado aponta para a perda de direitos conquistados

historicamente pelos trabalhadores, visando à estabilização da economia de acordo

com os interesses do mercado.

Para qualificar o exercício profissional faz-se necessário a análise e a

apropriação das dinâmicas desses espaços de trabalho, a partir de uma leitura

crítica da realidade, visando assim articular elementos teóricos, éticos e políticos que

objetivem a viabilidade de efetivação do Projeto Ético-Político da profissão no

cotidiano do trabalho do/a assistente social.

Segundo Iamamoto (2012), para analisar o projeto profissional é necessário

articular uma dupla dimensão, de um lado a dimensão macro da realidade social, e

como essas transformações chegam para a profissão impondo limites e

possibilidades a sua atuação profissional; de outro, como tem sido nesse contexto

adverso, as repostas técnico-profissionais e ético-políticas dos/as assistentes

sociais. Para compreender essa dupla dimensão é preciso ter clareza do significado

do projeto profissional do Serviço Social e sua articulação com os projetos

societários.

Assim sendo, os projetos profissionais:

[...] são infundados se não os remetemos aos projetos coletivos de maior abrangência: os projetos societários [...], que estão presentes na dinâmica de qualquer projeto coletivo, inclusive em nosso projeto ético-político (TEIXEIRA, BRAZ, 2009, p.5).

23

Em outras palavras, esses projetos profissionais estão relacionados a um

projeto mais amplo denominado de projetos societários, cujo significado representa

relações de poder entre as classes sociais.

De acordo com Netto (2009), os projetos societários apresentam uma imagem

de sociedade a ser construída, um projeto de sociedade que envolva os sujeitos

sociais, como um todo. Afirma, ainda, que na sociedade capitalista esses projetos

estão intrinsecamente relacionados a projetos de classes sociais distintas, mesmo

refletindo em menor ou maior grau questões associadas a determinações culturais,

de gênero, étnicas, entre outras.

Cabe salientar que para um projeto profissional se concretizar na sociedade é

necessário que a categoria profissional seja organizada coletivamente, assim

prospecta-se um reconhecimento e respeito diante de outras categorias

profissionais. Dessa maneira, os projetos profissionais conforme Netto (2009, p.4):

[...] apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e suas funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas (inclusive o Estado, a que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais).

A intervenção profissional do/a assistente social também se expressa em sua

dimensão política, que tanto pode contribuir para a manutenção do projeto societário

vigente, contributivo ao desenvolvimento desenfreado do capital, como também

pode filiar-se a estratégias de trabalho que vão de encontro a um projeto que vise à

transformação da sociedade. Para Teixeira e Braz (2009, p.5):

Não há dúvidas de que o projeto ético-político do Serviço Social brasileiro está vinculado a um projeto de transformação da sociedade. Essa vinculação se dá pela própria exigência que a dimensão política da intervenção profissional põe. Ao atuarmos no movimento contraditório das classes, acabamos por imprimir uma direção social às nossas ações profissionais que favorecem a um ou a outro projeto societário.

Assim, para pensar a relação entre projeto profissional e a sua efetivação na

prática profissional do/a assistente não podemos desconsiderar sua relação com as

mudanças ocorridas na sociedade provenientes da contrarreforma do Estado, que

acabou modificando as esferas sociais, econômicas e políticas incidindo diretamente

24

sobre as demandas e os espaços sócio-ocupacionais em que estão inseridos os/as

assistentes sociais.

Iamamoto (2012) aponta que o Serviço Social brasileiro passou por um

processo de renovação nas últimas décadas, redimensionando a sua interpretação

teórico-metodológica e ético-política, com o intuito de combater o conservadorismo

presente entre a categoria, adicionando uma perspectiva crítica à profissão e

qualificando-a academicamente.

Essa conjuntura impulsionou o processo de ruptura com o tradicionalismo

profissional e seu viés conservador. As novas exigências feitas a esses profissionais

“derivou em significativas alterações nos campos do ensino, da pesquisa, da

regulamentação da profissão e da organização político-corporativa dos assistentes

sociais” (IAMAMOTO, 2009, p. 4). De outro modo, o Serviço Social precisava se

renovar frente às novas demandas que estavam sendo colocadas aos assistentes

sociais. A tentativa de romper com o tradicionalismo significava mudanças de cunho

téorico-prático resultando em uma reorganização do exercício profissional.

O processo de consolidação da hegemonia desses novos referenciais teórico-

metodológicos e interventivos para a profissão, amparado na tradição marxista,

ocorre a partir de inúmeros debates entre a categoria profissional, através de fóruns

de natureza acadêmica e/ou organizativa. Esses fóruns traduzem um debate plural,

que resulta na convivência e no diálogo de variadas tendências, porém, que supõe

uma direção hegemônica (YASBEK, 2009).

Embora a profissão tenha passado por um processo de renovação crítica e

adotado novos referenciais teórico-metodológicos, nos espaços sócio-ocupacionais

sempre existirá muitos limites a serem enfrentados e um deles é a heterogeneidade

presente na categoria de assistentes sociais.

Acreditamos que essa heterogeneidade pode vir a ser influenciada, dentre

outros motivos, pelo fato que parte dos profissionais pesquisados se formou em

décadas anteriores às mudanças nas diretrizes curriculares do curso de Serviço

Social, em vista disso é importante evidenciar que as mudanças ocorridas nas

diretrizes curriculares em 1996 significaram o fortalecimento da profissão no que

corresponde a um Serviço Social crítico, vinculado à tradição marxista.

Por consequência é necessário estimular entre esses profissionais o debate

teórico acerca da sua prática profissional, junto às temáticas mais recentes

25

relacionadas à profissão, como forma de fortalecer a identidade profissional desses

assistentes sociais.

Essa discussão sobre o trabalho profissional não pode ser trabalhada

desarticulada do processo de formação profissional. Nessa lógica, Matos (2015)

indica que devemos considerar as seguintes constatações e inquietações: o quadro

do aligeiramento da formação profissional de assistentes sociais em todos os níveis

de formação, principalmente na graduação e no mestrado, limitando o campo da

pesquisa e extensão expresso nas diretrizes curriculares da ABEPSS; a formação

em Serviço Social ter se expandido de forma mercadológica, principalmente com

modalidade do ensino a distância enquanto expressão da precarização da

educação, impondo limites à formação profissional; e por fim, a expansão do ensino

superior público, que vem se reduzindo muitas vezes apenas ao ensino. Além disso,

essas inquietações não estão descoladas das mudanças estruturais, a exemplo a

contrarreforma do Estado.

Para o autor essas inquietações evidenciam que a conjuntura política

impactada pelas mudanças advindas das reformas estatais influenciam diretamente

nas condições de reprodução desse perfil profissional. Indicando que, embora o

quadro exercido pelo Serviço Social atualmente seja desafiador, o acúmulo teórico

acerca das atribuições e competências construídos em meio aos debates coletivos

constitui um importante acervo para encarar os desafios postos no cotidiano

profissional.

Em resposta a essas novas exigências profissionais, o Serviço Social

avançou na construção coletiva de seu projeto profissional crítico, direcionado a

classe trabalhadora, vinculado a valores humanistas e à teoria de Marx, levando em

consideração as particularidades da dinâmica brasileira e seus reflexos na

intervenção profissional dos/as assistentes sociais. Na profissão, em sua dimensão

primária, esse projeto se materializa através “do atual Código de Ética Profissional, a

Lei de Regulamentação da profissão (Lei 8662/93) e as Novas Diretrizes

Curriculares dos Cursos de Serviço Social [...] em 1996” (TEIXEIRA; BRAZ, 2009,

p.9).

Dessa forma, no próximo tópico discutiremos os parâmetros legais da

profissão, especificamente, o que diz respeito às atribuições e competências

profissionais previstas na Lei Nº 8.662/93, bem como o seu local no âmbito da

26

instrumentalidade profissional, compreendida como mediação no trabalho do/a

assistente social.

2.3 A instrumentalidade do Serviço Social: uma análise das atribuições e

competências profissionais

Se tratando dos normativos que regulamentam a profissão no Brasil temos

dois pilares principais: a Lei de Regulamentação da Profissão (8.662/1993) e o

Código de Ética dos/as Assistentes Sociais (1993). Aquela evidencia que o exercício

da profissão deve se dar por quem possuir diploma de graduação em Serviço Social,

reconhecido oficialmente e devidamente registrado no órgão competente (CRESS –

Conselho Regional de Serviço Social).

Na dimensão ética destacamos como ganho para a profissão o Código de

Ética de 1993, que estabelece para a categoria princípios e valores que norteiam a

prática profissional. Este código contém onze princípios fundamentais dentre os

quais destacamos:

I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; IV. Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; V. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; VIII. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero; X. Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional (CFESS, 2012, p.23 e 24).

De forma geral, estes princípios estabelecem à profissão balizas para que o

exercício profissional do/a assistente social seja pautado na luta pela defesa dos

direitos humanos; o fortalecimento da democracia, liberdade; garantia do pluralismo

profissional; a defesa de um serviço público de boa qualidade ofertado à classe

trabalhadora; a proteção da justiça social e da equidade, visando eliminar qualquer

forma de preconceito, incorporando uma nova concepção de atuação para o

27

profissional de Serviço Social; além de defender o projeto de construção de uma

nova ordem societária livre de exploração de uma classe sobre a outra.

A Lei 8.662, de 7 de junho de 1993, dispõe sobre a profissão de assistente

social e dá outras providências que dão suporte e visibilidade ao exercício

profissional. Trata ainda em seus artigos 4º e 5º das competências e das atribuições

privativas, respectivamente.

O artigo 4º da Lei 8.662/93 elenca como competências do/a assistente social:

I - elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares; II - elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil; III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; IV – (vetado); VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais; VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais; VIII - prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo; IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade; X - planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social; XI - realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades (CFESS, 2012, p. 44 e 45).

Essas competências profissionais indicam atividades que podem ser

realizadas pelos/as assistentes sociais nos variados espaços de trabalho, mas que

não são apenas responsabilidade do Serviço Social, podendo ser realizadas por

outros profissionais da equipe de saúde.

Já o artigo 5º da referida lei lista como atribuições privativas do/a assistente

social:

I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; II - planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social;

28

III - assessoria e consultoria e órgãos da Administração Pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, em matéria de Serviço Social; IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social; V - assumir, no magistério de Serviço Social tanto a nível de graduação como pós-graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de formação regular; VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social; VII - dirigir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de graduação e pós-graduação; VIII - dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa em Serviço Social; IX - elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assistentes Sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social; X - coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre assuntos de Serviço Social; XI - fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Federal e Regionais; XII - dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou privadas; XIII - ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira em órgãos e entidades representativas da categoria profissional (CFESS, 2012, p. 45 a 47).

Essas últimas, que consistem em 13 atribuições, vêm preservar o espaço

ocupacional trazendo as atividades que dizem respeito à área, unidade e matéria do

Serviço Social, contidas nos incisos do artigo 5º presentes na lei. Por ser uma

questão inerente e fundamental à categoria de assistentes sociais, a qual delimita a

atividade enquanto privativa do/a assistente social, é preciso que esses elementos

sejam analisados e compreendidos entre a categoria.

Buscamos o significado dessas palavras em seu sentido habitual no site da

infopédia (2017), descobrimos que um dos significados da palavra matéria está

relacionado a um “assunto; substância; tema; aquilo que pode ser objeto de

conhecimento ou de investigação”. Enquanto a área, no sentido figurado, consiste

num “campo onde se exerce determinada atividade”; já a unidade diz respeito ao

“caráter do que é uno, do que forma um todo orgânico”.

Buscando diferenciar estes elementos de forma aprofundada e voltada para o

Serviço Social Iamamoto consulta o dicionário de Caldas Aulete, do ano de 1958, e

interpreta que no sentido etimológico “a matéria diz respeito à substância ou objeto

ou assunto sobre o que particularmente se exerce a força de um agente”; a “área

refere-se ao campo delimitado ou âmbito de atuação do assistente social”; enquanto,

a unidade diz respeito a uma “ação simultânea de vários agentes que tendem ao

29

mesmo fim [...], a unidade de Serviço Social pode ser interpretada como um conjunto

de profissionais de uma unidade de trabalho” (IAMAMOTO, 2012, p.39).

No tocante aos parâmetros legais que balizam o exercício profissional do/a

assistente social, surgiu uma demanda por parte da categoria profissional4 em

relação à incompreensão acerca da diferenciação das atribuições e competências,

resultando na necessidade das entidades representativas da categoria trazerem

para o centro do debate discussões que invistam no aprimoramento e explicitação

dos artigos 4º e 5º da Lei 8.662/93, no que diz respeito às competências e

atribuições privativas respectivamente.

Sobre os questionamentos relacionados à interpretação legal da lei que

regulamenta a profissão, Sylvia Terra, na época assessora jurídica do CFESS, em

seu parecer jurídico datado em 1998, analisa e interpreta as contradições existentes

entre os incisos dos artigos 4° e 5° da Lei 8.662/1993, observando cuidadosamente

se os artigos referentes às competências profissionais estão contemplados no artigo

5° que diz respeito às atribuições privativas. Nesse parecer ela admite que haja

certa duplicidade nos incisos do artigo 4° em relação ao artigo 5° da referida lei,

entretanto, entende que:

[...] se existe a repetição da mesma atividade em competência, prevalece, sem dúvida na modalidade de ATRIBUIÇÃO PRIVATIVA, uma vez que a norma específica que regula o exercício profissional do assistente social deve ser superior à norma genérica que estabelece, simplesmente competências (CFESS, 1998, p. 06)

Desse modo, o parecer jurídico não aponta nenhuma inconstitucionalidade na

lei que regulamenta a profissão do/a assistente social, pois não fere o que está

preconizado na Constituição Federal, porém, cabe distinguir as competências

inseridas no artigo 4º e as atribuições privativas inseridas no artigo 5º de forma

cuidadosa. Assim, a primeira pode ser executada por qualquer profissional,

enquanto a segunda, é uma atribuição exclusiva de determinada profissão.

“No sentido etimológico, a competência diz respeito à capacidade de apreciar,

decidir ou fazer alguma coisa, enquanto a atribuição é uma prerrogativa, privilégio,

direito e poder de realizar algo” (IAMAMOTO, 2012, p.37).

4 Consultar texto de IAMAMOTO (2012) “Projeto profissional, espaços ocupacionais e trabalho do

assistente social na atualidade”, que trata sobre as balizas da política nacional de fiscalização do exercício profissional, enfatizando a importância da reflexão acerca das atribuições e competências profissionais do/a assistente social na conjuntura atual.

30

Para discutirmos a particularidade da intervenção profissional na divisão

social e técnica do trabalho, é importante refletirmos sobre as atribuições e

competências profissionais na atualidade. Além de discutir as atribuições privativas

do/a assistente social, é preciso trazer para o debate a questão das competências,

que consistem em atividades que podem ser desenvolvidas durante o exercício

profissional (MATOS, 2015).

Nesse sentido, é importante que os/as assistentes sociais se apropriem do

que está disposto na lei que regulamenta a profissão para que não ultrapassem o

limite de sua atuação e nem absorvam atividades impostas pelas instituições

empregadoras como sendo de sua responsabilidade. Neste percurso muitas

mediações precisam ser feitas para que esses artigos sejam respeitados e

incorporados na prática profissional desses sujeitos, por isso é tão importante

discutir a questão das competências e atribuições privativas como sendo parte

constituinte da instrumentalidade do Serviço Social.

Ressaltamos que a imediaticidade do cotidiano profissional e as instituições

que contratam o trabalho especializado do/a assistente social requerem desses

profissionais respostas rápidas, assim como por vezes acabam determinando o

desenvolvimento do trabalho profissional de acordo com os interesses institucionais,

que podem ou não reforçar a lógica do mercado em detrimento dos direitos dos

trabalhadores.

Em relação ao âmbito do trabalho do/a assistente social na esfera da saúde,

objeto da nossa pesquisa, identificamos que essa correlação de forças entre o que

está sendo exigido pelas instituições e a intencionalidade do/a profissional, pode ser

percebida, por exemplo, no tocante às normas do hospital, que muitas vezes,

colocam em xeque a autonomia relativa da profissão de Serviço Social, levando

os/as profissionais a subsumirem a elas, as quais muitas vezes não estão de acordo

com os valores e princípios defendidos pela profissão.

Esse contexto adverso gera desafios à profissão no que diz respeito à

efetivação real do Projeto Ético-Político. Segundo Iamamoto (2012, p.44), para que

esse projeto seja consolidado nos espaços ocupacionais em que os/as assistentes

sociais exercem sua prática profissional:

[...] é necessário articular as dimensões ético-políticas, acadêmicas e legais que lhe atribuem sustentação com a realidade do trabalho profissional em que se materializa. Requer uma análise acurada das reais condições e

31

relações sociais em que se efetiva a profissão, num radical esforço de integrar o dever ser com a objetivação desse projeto, sob o risco de se deslizar para uma proposta ideal, porque abstraída da realidade histórica, elidindo as particulares determinações e mediações que incidem no

processamento dessa operacionalização do trabalho coletivo.

No confronto entre as condições objetivas e subjetivas do trabalho profissional

tem sido colocada em risco a intencionalidade dos/as assistentes sociais, que vem

sendo incentivada pela lógica dos objetivos institucionais. A respeito disso,

destacamos a importância de compreender a instrumentalidade como uma

mediação para entender a determinação sócio-histórica da profissão, a fim de

resgatar entre a categoria profissional novas possibilidades a serem objetivadas no

seu exercício profissional.

Para Guerra (2000, p. 06), a instrumentalidade consiste em “uma determinada

capacidade ou propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no

processo sócio-histórico”. Melhor dizendo, a instrumentalidade não está resumida

apenas a instrumentos técnicos utilizados pelos/as assistentes sociais para

concretizar efetivamente seus objetivos profissionais. Diz respeito também à

capacidade do profissional em apreender “mediações objetivas e subjetivas (tais

como valores éticos, morais, civilizatórios, princípios e referências teóricas, práticas

e políticas) que se colocam na realidade da intervenção profissional” (GUERRA,

2000, p. 06).

A análise dessa instrumentalidade do Serviço Social requer o aprofundamento

da categoria trabalho, considerada uma questão central na discussão sobre o

exercício profissional do/a assistente social. Nesse sentido, o processo de trabalho é

entendido como “um conjunto de atividades prático-reflexivas voltada para o alcance

de finalidades, as quais dependem da existência, da adequação e da criação dos

meios e das condições objetivas e subjetivas” (GUERRA, 2000, p. 03).

O cenário contemporâneo, aliado as estratégias neoliberais de legitimação do

poder econômico, acaba alterando de forma contraditória essa dimensão prático-

reflexiva do trabalho, incentivando o individualismo e a competição entre os

trabalhadores resultando na alienação das relações sociais, evidenciando as

disputas de classes e o enfraquecimento da organização coletiva.

Nessa perspectiva, o trabalho acaba se reduzindo a uma mercadoria de muito

valor para o capitalista, tornando-se uma atividade muitas vezes desumana onde o

fruto do trabalho não é apropriado pelo seu produtor.

32

Apesar dos avanços neoliberais, partimos do pressuposto que o/a assistente

social precisa desvelar o trabalho na sua dimensão ética no intuito de atribuir

direcionamento político e crítico às ações desenvolvidas nos mais variados espaços

sócio-ocupacionais.

A título de exemplo, temos as instituições que requisitam dos/as assistentes

sociais respostas de cunho instrumental que atendam às necessidades mais

imediatas dos sujeitos sociais. Entretanto, torna-se necessário que o exercício

profissional no contraponto a essa direção neoliberal, reconheça a importância de

incorporar à prática profissional as dimensões técnicas, teóricas e ético-políticas,

que imprimem a intencionalidade do Projeto Ético-Político do Serviço Social.

Essas dimensões orientam a ação profissional uma vez que tratam a

instrumentalidade “como uma mediação que permite a passagem das ações

meramente instrumentais para o serviço social crítico e competente” (GUERRA,

2000, p. 8). A instrumentalidade permite aos assistentes sociais apreenderem de

forma crítica a totalidade social, bem como as particularidades da sua área de

atuação profissional, de forma a traçar estratégias de intervenção que qualifiquem as

atribuições privativas e competências desenvolvidas nesses espaços,

potencializando respostas qualificadas às demandas dos/as usuários/as que

chegam em busca de serviços.

Conforme Guerra (2013), essas dimensões do exercício profissional estão

interligadas umas às outras, embora a dimensão técnico-operativa seja a dimensão

que mais se destaca dando visibilidade social a profissão. A autora reforça que:

[...] a intervenção de natureza técnico-operativa não é neutra: ela está travejada pela dimensão ético-política e esta, por sua vez, encontra-se aportada em fundamentos teóricos, donde a capacidade de o profissional vir a compreender os limites e possibilidades não como algo interno ou inerente ao próprio exercício profissional, mas como parte do movimento contraditório constitutivo da realidade social (GUERRA, 2013, p. 46)

Segundo esta lógica, a defesa das prerrogativas profissionais não pode ser

pensada descolada da conjuntura histórica atual e dos seus rebatimentos no

exercício profissional do/as assistentes sociais, muito menos fora do contexto em

que esse exercício se materializa de fato, num cotidiano complexo, considerando-se

que “[...] esse contexto apresenta tanto demandas que podem potencializar o

trabalho profissional de assistentes sociais, como também [...], apresentar um

33

conjunto de requisições que visam descaracterizar a profissão” (MATOS, 2015, p.

696).

Por isso é tão importante que a categoria seja forte e comprometida com o

seu trabalho, com a viabilização dos direitos da classe trabalhadora,

consubstanciando aquilo que preconiza nosso Projeto Ético-Político, de forma a

conseguir articular a dimensão de caráter técnico-operativo com as demais

dimensões buscando uma unidade entre elas. Havendo essa articulação, as

respostas dadas pelos profissionais do Serviço Social serão muito mais qualificadas.

Após essa discussão sobre as atribuições e competências profissionais como

elementos constituintes da instrumentalidade profissional, abordaremos no terceiro

capítulo a temática do Serviço Social na esfera da saúde, a partir de apontamentos

sobre a Política Nacional de Saúde, os impactos neoliberais nessa política, além de

situar as atribuições e competências do/a assistente social nessa área de atuação.

34

3. SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE: UMA MEDIAÇÃO NECESSÁRIA

Este terceiro capítulo apresentará a trajetória da política de saúde brasileira

nas diferentes conjunturas, desde o período que antecede as ações estatais,

perpassando o período do regime militar, o processo de redemocratização do Brasil

até chegar à política de saúde nos anos 2000, enfatizando nessa fase alguns

elementos relacionados à saúde pública durante o governo de Luiz Inácio Lula da

Silva, mais conhecido como Lula, que foi o presidente do Brasil entre os anos de

2003 e 2010.

Também apresentaremos algumas reformas presentes nos governos de

Dilma Rousseff (2011 a agosto de 2016) e Michel Temer (atual presidente do Brasil),

que representam o aprofundamento dos cortes sociais em detrimento da

estabilização da economia e em favor do empresariado.

Posteriormente, discorreremos acerca do movimento pela Reforma Sanitária,

e de forma breve apontaremos as determinações que compõem o Serviço Social

nessa conjuntura de luta pela universalização da saúde pública.

Em seguida, traremos a discussão sobre as atribuições e competências do/a

assistente social na esfera da saúde, tendo como base de análise o que está

preconizado no documento intitulado “Parâmetros para Atuação de Assistentes

Sociais na Saúde”, produzido pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) em

2010.

3.1 A política de saúde no Brasil: dos elementos históricos aos desafios

contemporâneos

Para analisarmos a política de saúde no Brasil se faz necessário

compreendermos sua trajetória nas diferentes conjunturas sócio-históricas e seus

desdobramentos para a área de saúde, desde o período que antecede as ações

desenvolvidas pelo Estado até chegar ao cenário atual. Observamos que antes da

década de 1930 houve poucas ações do Estado voltadas para a organização dos

serviços de saúde, de forma que durante o século 20 a questão de saúde contou

apenas com algumas iniciativas de extensão desses serviços pelo país.

35

Conforme Bravo (2009), nessa época foram gestadas iniciativas relacionadas

à higiene e saúde dos trabalhadores, essas medidas significaram o início do sistema

previdenciário brasileiro, tendo como elemento principal a criação das Caixas de

Aposentadoria e Pensões (CAPs) no ano de 1923, com a publicação da Lei Éloi

Chaves5. Embora as CAPs tenham significado um elemento importante para a

implementação da previdência social no Brasil, só tinha acesso aos seus serviços

uma pequena parcela da população urbana que possuía carteira assinada, e

inicialmente, esses serviços foram direcionados apenas para algumas categorias

profissionais – como, por exemplo, os ferroviários e os marítimos.

Posteriormente, nos anos 30, a sociedade brasileira presenciou

transformações de cunho político, econômico e social. Podemos elencar como parte

dessas mudanças o processo de industrialização, o crescimento acelerado dos

centros urbanos, e a criação de políticas sociais para os trabalhadores com o intuito

de melhorar sua condição de vida e saúde. Além disso, o Estado precisava traçar

estratégias para dar respostas que minimizassem as múltiplas expressões da

questão social decorrentes dessas transformações societárias.

A partir da década de 1930 a política de saúde estava organizada em dois

subsetores: o de saúde pública e o da medicina previdenciária. O primeiro tinha

como objetivo a criação de condições sanitárias mínimas para a população urbana,

atendendo de forma reduzida as demandas do campo. Já o subsetor da medicina

previdenciária, com a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs),

objetivou ampliar o número de serviços e benefícios a um maior quantitativo de

categorias profissionais dos centros urbanos que tivessem a carteira assinada e

contribuíssem com a previdência (BRAVO, 2009).

Percebemos que embora o Brasil presenciasse algumas iniciativas de

ampliação dos serviços de saúde a partir da criação das CAPs e, posteriormente, a

criação dos IAPs, a situação de saúde da população brasileira ainda enfrentava

muitos entraves, tendo em vista que esses serviços não eram oferecidos as grandes

massas da população, restando àqueles que não possuíam carteira assinada e que

5 A Lei Elói Chaves foi significativa na consolidação do sistema previdenciário brasileiro, o

financiamento das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) era feito através da União, pelos empregadores e pelos empregados. Os benefícios ofertados aos trabalhadores variavam de acordo com as contribuições e contemplavam assistência médica e medicamentos, aposentadoria por tempo de serviço, velhice e invalidez, pensão para os dependentes e auxílio funeral (BRAVO, 2009).

36

não estavam associados a esses institutos recorrerem às ações de cunho

filantrópico.

Ainda nos anos de 1950, a situação da saúde pública dos brasileiros era

precária, embora essa década seja marcada por alguns avanços em relação às

condições sanitárias. Muitas doenças infecciosas ainda não haviam sido

erradicadas, contribuindo para a mortalidade da população. Concomitante a esse

cenário da saúde pública se fortalecia “a estrutura de atendimento hospitalar de

natureza privada, com fins lucrativos, [...] e apontava na direção da formação de

empresas médicas” (BRAVO, 2009, p.92).

Essas empresas médicas defendiam a privatização dos serviços de saúde e

pressionavam seu financiamento por parte do Estado, buscando ampliar a

privatização desses serviços e caminhando ao encontro dos interesses capitalistas

de aumentar cada vez mais seus lucros. Em contrapartida, a população mais pobre

continuaria sem acesso a uma saúde pública de qualidade.

Ainda na década de 1950, durante o segundo mandato do presidente Getúlio

Vargas, foi criado o Ministério da Saúde. Com a criação desse Ministério esperava-

se a elaboração de reformas fundamentais e/ou a organização de uma política de

saúde mais eficiente para atender as necessidades da população, entretanto,

inúmeros motivos influenciaram para que a atuação do Ministério da Saúde fosse

pouco eficiente, como por exemplo, a falta de recursos estatais para melhorar o

atendimento à saúde coletiva, a falta de funcionários especializados, equipamentos,

postos de atendimento e até mesmo a falta de motivação por parte dos servidores

públicos (FILHO, 2002).

Concordamos com a análise de Filho (2002) acerca da relação do Ministério

privilegiar a saúde como um elemento de caráter individual, dissociando a saúde de

seus determinantes sociais6 (condições econômicas e sociais), desarticulada da

totalidade e centrada no cuidado hospitalocêntrico no tratamento da saúde. Nesse

período, a saúde era tratada como responsabilidade individual dos sujeitos,

desintegrada das atividades relacionadas aos sistemas de tratamento de água e da

coleta de esgotos que incidiam diretamente na qualidade de vida e saúde da

população prevenindo contra várias doenças.

6 “São os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que

influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população” (Comissão Nacional Sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), disponível em: www.determinantes.fiocruz.br. Acesso em: 27 de dezembro de 2017).

37

Mais tarde, durante o período da ditadura militar (1964 a 1985), a saúde

pública passou por algumas transformações, dentre elas, o incentivo do governo

militar à assistência médica privada. Durante esse período ditatorial o governo

militar visou regular as ações desenvolvidas pela sociedade, investindo na

desmobilização dos movimentos sociais e na repressão para aqueles que

contestassem o atual regime.

Como resultante dessa conjuntura, Bravo (2009) afirma que a unificação da

Previdência Social, com a junção dos IAPs, ainda na década de 60, se deu devido

ao papel interventivo do Estado na sociedade e o afastamento dos trabalhadores do

cenário político, que antes podiam participar da gestão da previdência e após essa

unificação perderam o espaço de participação. Por conseguinte, a área da saúde

passava por transformações que visavam adequar o setor aos interesses

capitalistas, por isso as reformas que foram pensadas “não conseguiram reverter a

ênfase da política de saúde, caracterizada pela predominância da participação da

Previdência Social, através de ações curativas, comandadas pelo setor privado”

(BRAVO, 2009, p.95).

Embora durante o regime ditatorial o Brasil tenha melhorado seu

desenvolvimento econômico e realizado algumas ações que visaram o alargamento

dos serviços de assistência médica, com a Previdência Social essas ações não

foram suficientes para melhorar as condições de vida e saúde da maioria dos

brasileiros que ainda continuavam precárias, já que a população despossuída de

condições econômicas para ter acesso aos serviços de saúde ficava sem

atendimento médico.

Com a crise econômica que ocorreu nos anos de 1970, a nível internacional,

mas que assola os países de capitalismo periférico, a exemplo do Brasil, nos anos

de 1980-1990, o governo brasileiro precisou reconhecer que estava passando por

uma crise e que havia a necessidade de reavaliar o sistema de saúde, devido à

pressão da população que estava se organizando e lutando pela redemocratização

do país (BRASIL, 1998). Essa conjuntura adversa, atrelada à ineficiência dos

serviços de saúde, apontava para a emergência de um movimento por parte da

sociedade brasileira que reivindicasse a melhoria e ampliação desses serviços: a

conhecida Reforma Sanitária.

A Reforma Sanitária consiste numa proposta de democratização da saúde

pública para toda a população brasileira. Em outras palavras, a Reforma orienta:

38

que a saúde seja entendida como resultado das condições de vida das pessoas, isto é, que a saúde não é conseguida apenas com assistência médica, mas principalmente, pelo acesso das pessoas ao emprego, com salário justo, à educação, a uma boa condição de habitação e saneamento do meio ambiente, ao transporte adequado, a uma boa alimentação, à cultura e ao lazer; além, evidentemente do acesso a um sistema de saúde digno, de qualidade e que resolva os problemas de atendimento das pessoas quando necessitem (BRASIL, 1998, p. 11).

Entendemos que a partir do Movimento pela Reforma Sanitária a saúde passa

a ser compreendida para além da ausência de doença, visando ultrapassar o

atendimento médico relacionado às práticas curativas. Isso supõe a saúde como

resultante de determinantes sociais que estão intrinsecamente relacionados à

qualidade de vida da população. Além disso, essa reforma supõe também, a saúde

como “direito de todos e dever do Estado”, sendo preciso que o Estado possibilite os

meios necessários para que a população tenha acesso aos serviços de saúde.

Na década de 80, durante o processo de redemocratização do país, as

discussões tecidas a respeito das condições de vida da população brasileira e de

quais seriam as respostas pensadas pelo governo para o melhoramento da área da

saúde contaram com as participações de diversos sujeitos sociais. Em

consequência, a saúde assumiu uma dimensão política estando vinculada à

democracia, deixando de ser interesse apenas dos técnicos e passando também a

ser interesse de outros grupos sociais, como por exemplo, os profissionais da saúde,

o movimento sanitário, os partidos políticos de oposição e os movimentos sociais

urbanos (BRAVO, 2009).

Com o fim da ditadura militar em 1985, os movimentos sociais ganharam

espaço no cenário político intensificando suas lutas. Nesse sentido, houve a

ampliação do debate sobre as mudanças que deveriam ser feitas para melhorar o

sistema de saúde público brasileiro (BRASIL, 1998).

Em consequência desse cenário, tendo em vista os planos do novo governo e

a realização da Assembleia Nacional Constituinte – em que seria elaborada uma

nova Constituição Federal para o Brasil – foi convocada a 8ª Conferência Nacional

de Saúde (CNS) que visou "discutir a nova proposta de estrutura e política de saúde

para o país” (BRASIL, 1998, p.10).

Bravo (2009) salienta que nesse processo de visibilidade da saúde merece

destaque a realização da 8ª CNS, realizada em 1986, em Brasília. As temáticas

discutidas nessa conferência foram em relação à saúde como direito inerente à

39

personalidade e à cidadania, a reformulação do Sistema Nacional de Saúde e o

financiamento do setor. Segundo a autora, a 8ª Conferência contou com a

participação de mais de quatro mil pessoas organizadas em entidades

representativas da população, dentre elas: moradores, sindicatos, partidos políticos,

associações de profissionais e parlamento. Essa conferência representou um marco

para a saúde brasileira, à medida que ampliou a discussão da saúde para além dos

fóruns específicos – centros de estudos e associações de saúde –, introduzindo a

sociedade civil como um todo, propondo além de um Sistema Único de Saúde

(SUS), a Reforma Sanitária.

O SUS consistiu numa das propostas previstas pela Reforma Sanitária para a

democratização do acesso à saúde para todas as camadas sociais, tendo em vista

que as ações pensadas para a área de saúde em décadas anteriores praticamente

só beneficiavam os interesses privados em detrimento dos interesses daqueles que

realmente necessitavam dos serviços para sobreviver.

O processo Constituinte e a promulgação da Constituição Federal de 1988

representava uma promessa de afirmação dos direitos sociais defendidos pela

Reforma Sanitária. Entretanto, a Constituinte, no que diz respeito à temática da

saúde, passou a ser disputada numa arena política que envolveu interesses

variados entre os grupos de empresários do setor privado e as forças que defendiam

a Reforma Sanitária (BRAVO, 2009).

Mesmo em meio aos interesses desses grupos que defendiam a privatização

da saúde brasileira, a proposta feita pelo movimento da Reforma Sanitária foi

aprovada, significando “[...] uma grande vitória, que coloca a Constituição brasileira

entre as mais avançadas do mundo no campo do direito à saúde” (BRASIL, 1998, p.

13).

De acordo com o artigo 196, da Constituição Federal de 1988 a saúde é

entendida como:

[...] direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, p.118 e 119).

40

Nessa lógica, a saúde foi incluída no tripé da Seguridade Social7, que

representa um dos maiores avanços da Constituição Federal de 1988, cuja base foi

a construção de um Estado Democrático de Direito (CFESS, 2010).

A Carta Constitucional buscou estabelecer em sua composição uma série de

direitos sociais que antes não se tinha, e que só foi possível mediante processos

históricos de luta social. Assim, destaca-se como significativo na concepção de

Seguridade Social:

[...] a universalização, a concepção de direito social e dever do Estado, o estatuto de política pública à assistência social, a definição de fontes de financiamento e novas modalidades de gestão democrática e descentralizada com ênfase na participação social de novos sujeitos sociais com destaque para os conselhos e conferências (CFESS, 2010, p.17).

A saúde passa a ser compreendida enquanto direito social e também foi uma

das áreas que mais adquiriu avanços com a promulgação da Constituição Federal,

atendendo grande parte das reivindicações do movimento da Reforma Sanitária.

Apesar dos avanços no campo dos direitos sociais, temos em sequência um

conjunto de ações que irão consolidar a chamada contrarreforma do Estado, já que

muitos desses direitos foram reduzidos com o avanço do neoliberalismo, que no

contexto brasileiro, em 1990, se apresenta em cortes dos direitos sociais que haviam

sido conquistados recentemente com a Constituição de 88. Consequentemente,

foram criadas políticas de ajustes fiscal no governo Fernando de Collor de Mello nos

anos 90, e em seguida, intensificadas no governo de Fernando Henrique Cardoso,

prosseguidas pelos Governos do Partido dos Trabalhadores, e aprofundada ao

extremo no Governo de Michel Temer.

No Brasil, a hegemonia neoliberal tem contribuído significativamente para

redução dos direitos dos trabalhadores (sociais e trabalhistas), para o aumento do

desemprego estrutural, para o aumento da precarização do trabalho, para o

desmonte da previdência pública e para o sucateamento da saúde e educação

(BRAVO, 2009). As ações de saúde que haviam sido pensadas durante o

movimento da Reforma Sanitária têm perdido espaço nesse cenário em que a saúde

está muito mais vinculada ao mercado privatista do que à máquina pública.

7 A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos

e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. (Informação retirada da Constituição da República Federativa do Brasil, em junho de 2017).

41

Nos anos 2000, criou-se muita expectativa em torno da eleição de Luiz Inácio

Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), para a presidência do Brasil.

Bravo (2009), analisa que durante o governo de Lula os principais elementos da

política macroeconômica do antigo governo foram mantidos e as políticas sociais

continuaram a ter caráter fragmentado e subordinado aos interesses econômicos

dos capitalistas.

No que se refere à saúde, durante os governos petistas também houve

expectativa em torno do fortalecimento do projeto da Reforma Sanitária e do SUS

constitucional, entretanto, o que ficou evidenciado foi a polarização entre o projeto

privatista e projeto da Reforma Sanitária. Desse modo, em relação a esses dois

projetos em disputa, o governo manteve aspectos de inovação e continuidade.

Como afirma Bravo (2009, p. 102 e 103), em relação aos aspectos de inovação

podem ser destacados:

[...] o retorno da concepção de Reforma Sanitária que, nos anos 90, foi totalmente abandonada; a escolha de profissionais comprometidos com a luta pela Reforma Sanitária para ocupar o segundo escalão do Ministério; as alterações na estrutura organizativa do Ministério da Saúde, sendo criadas quatro secretarias e extintas três; a convocação extraordinária da 12ª Conferência Nacional de Saúde e a sua realização em dezembro de 2003; a participação do ministro da saúde nas reuniões do Conselho Nacional de Saúde e a escolha do representante da CUT para assumir a secretaria executiva do Conselho Nacional de Saúde.

Durante o governo Lula observou-se a preocupação em resgatar os

elementos defendidos pela Reforma Sanitária, entretanto, os princípios desse

projeto não foram efetivados, continuando o SUS deficiente e a saúde pública

submetida à lógica do setor privado.

Na atual conjuntura, o “Projeto da Reforma Sanitária está perdendo a disputa

para o Projeto voltado para o mercado” (BRAVO, 2009, p. 107), uma das ameaças

mais recentes em relação à saúde pública e ao SUS é que eles vêm sendo

destinados para aquela parcela pobre da população que não tem condições de ter

acesso ao sistema de saúde privado, esta segregação fere o princípio da

universalidade que está preconizado na legislação do SUS.

Para Bravo (2009), diante das desigualdades sociais enfrentadas pelo país, e

que foram aprofundadas em vários governos, incluindo-se aqui o governo de Lula, o

desafio posto na cena contemporânea é estimular o movimento das grandes massas

42

a lutar por estratégias de superação da crise avançando em propostas viáveis e que

possam ser efetivadas a partir de iniciativas governamentais.

Seguidamente, temos na presidência a petista Dilma Rousseff, que iniciou

seu mandato em janeiro de 2011 até 31 de agosto de 2016. Para Escorsim (2012, p.

10) os principais desafios colocados para esse governo em relação à efetivação dos

princípios do SUS foi:

[...] o crescimento de modelos de gestão privatizantes, tais como: as organizações sociais (OS), organização da sociedade civil de interesse público (OSCIPS) e a Fundações Estatais de Interesse Privado, modelos que já vinham sendo propostos nos governos anteriores com a subordinação desta política pública aos ditames macroeconômicos do capital.

Um exemplo desse processo de subordinação política foi o projeto de lei nº

1.749/2011 que autorizou a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

(EBSERH), que é uma empresa pública de direito privado, pensada para reestruturar

os hospitais universitários federais. A aprovação desse projeto reafirma a lógica do

mercado com a privatização dos serviços públicos.

Outra promessa do governo de Dilma em relação à saúde, foi o lançamento

da segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), que

objetivou a construção e reforma de Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidade de

Pronto-Atendimento (UPA) e ações voltadas ao saneamento básico nos munícipios.

Observou-se que embora o governo tenha pensado nessas iniciativas para o

melhoramento da Política de Saúde brasileira, a saúde ainda continuava sendo

tratada de forma pontual e seletiva, com ações voltadas à promoção da medicina

curativa de doenças, se afastando cada vez mais da proposta de universalização da

saúde presente nos princípios do SUS.

Diante dessa situação frustrante que assolava a saúde brasileira a população

foi às ruas protestar por melhores condições de saúde, e a resposta do governo

frente essa insatisfação popular foi a criação do Programa Mais Médicos, que foi

pensado para ampliar o atendimento na atenção básica e serem implantados

médicos nas regiões onde havia a carência ou inexistência dos mesmos.

Apesar da criação desse programa muitas vagas não foram preenchidas

pelos médicos brasileiros, então, foram trazidos médicos de Cuba e isso gerou muita

polêmica entre a categoria dos médicos brasileiros, que sob o argumento

43

corporativista justificavam que a falta de médicos brasileiros seria resultado do

pouco compromisso do governo com a saúde, em virtude da precarização do

trabalho, de insumos e de equipamentos nessas regiões mais carentes.

Após esse breve panorama do governo de Dilma Rousseff, em relação à área

da saúde, observou-se que os governos embasados em orientações neoliberais

estão cada vez mais abrindo espaço para a abertura ao capital estrangeiro. Essa

abertura pode ser vista nas reformas que o Governo Temer (que assumiu a

presidência em 31 de agosto de 2016) quer/tem emplacado no congresso nacional,

sobretudo, as que constituem o chamado ajuste fiscal, retirando ainda mais direitos

da população brasileira, aprofundando ao extremo as políticas neoliberais.

Michel Temer aposta nas reformas da Previdência e Trabalhista para

alavancar o seu governo, com a justificativa de que essas reformas políticas

contribuirão para que o país supere o atual momento de crise econômica e passe

por um processo de modernização. Essas reformas alteram os direitos dos

trabalhadores, aposentados e representam cortes para as áreas da saúde e

educação.

Essas reformas, ainda em andamento no atual governo e sua busca pelo

equilíbrio das contas públicas, apontam para um cenário de debates atuais e muitas

interrogações a respeito de quem realmente ganha caso sejam aprovadas. O que

precisa ser colocado em pauta é que essas reformas significam perdas de direitos

sociais conquistados historicamente através de muita luta pelos trabalhadores, bem

como o fato de que essas reformas visam estabilizar a economia em favor do

empresariado, destruindo os ganhos sociais da população em vez de aprimorá-los.

De acordo com matéria publicada no site BBC Brasil8, em 2016, sobre o

governo de Temer, indica que este que essa reforma da Previdência tem o intuito de

reduzir os gastos com aposentadoria, que pesa muito para os cofres públicos e deve

aumentar significativamente com o envelhecimento da população. Para muitos

especialistas em economia, com forte tendência neoliberal, essa mudança é

necessária para controlaras contas públicas, entretanto, a revisão da idade mínima

para se aposentar tem gerado muita resistência entre os grupos sindicais.

8 Notícia retirada do site BBC Brasil. Disponível em: //www.bbc.com/portuguese/brasil-37226796.

Acesso em: 20 de novembro de 2017.

44

Outro ponto importante dessas reformas é a polêmica reforma trabalhista.

Para o governo, é preciso flexibilizar garantias dadas hoje aos empregados para

dinamizar o mercado de trabalho, gerando mais empregos. Porém, essas reformas

visam mudanças nas jornadas de trabalho, de férias, induzindo à precarização e

flexibilização das contratações dos empregados pelas empregadoras.

Outra proposta somada às que foram elucidadas anteriormente é o projeto de

Lei da Terceirização (PL 4.302), que impacta diretamente os espaços de sócio-

ocupacionais desses trabalhadores e prevê a contratação do trabalhador por prazo

temporário. Ademais, seria o fim dos concursos públicos e da estabilidade financeira

dos trabalhadores em seus espaços de trabalho.

No quesito saúde, a Emenda 95 integra esse pacote de reformas perversas,

uma vez que limitou o teto de gastos públicos por 20 anos trazendo consequências

para a saúde, educação, ciência e tecnologia afetando diretamente os modos de

vida da classe trabalhadora. Dessa maneira, é nesse cenário de aprofundamento

desenfreado das desigualdades sociais e do desmonte dos direitos conquistados

historicamente, que se faz necessário o fortalecimento do SUS, a partir do Projeto

da Reforma Sanitária.

Após analisarmos de forma breve o panorama da saúde brasileira e alguns

dos desafios enfrentados pelo setor e que, consequentemente, influenciam na

reconfiguração dos espaços sócio-ocupacionais e recaem sobre as requisições

atuais feitas aos assistentes sociais, abordaremos no próximo item a questão das

atribuições e competências profissionais do/a assistente social na área da saúde.

3.2 Atribuições privativas e competências profissionais do/a assistente social

na área da saúde

Levando em consideração a discussão apontada no tópico anterior sobre a

trajetória da política de saúde durante o processo de redemocratização do Brasil,

gostaríamos de destacar algumas determinações que compõem o Serviço Social

nessa conjuntura de luta pela universalização da saúde pública.

O Serviço Social, nesse período de abertura democrática, foi influenciado pela

conjuntura da época, de crise do Estado brasileiro, de insuficiência da atenção à

saúde, e de luta pela Reforma Sanitária. Entretanto, a profissão passava por um

período de mudanças no interior da categoria e sua atenção estava voltada para a

45

intenção de romper com o Serviço Social tradicional, havendo, nesse sentido, uma

disputa entre a categoria pela direção que iria ser dada à profissão (BRAVO;

MATOS, 2009).

Diante disso, pudemos perceber que não houve grande participação da

categoria de assistentes sociais junto ao Movimento da Reforma Sanitária devido ao

processo de renovação experimentado no interior da profissão. Isso demonstra

alguns vestígios de uma visão ainda endógena da profissão naquele período, em

parte desarticulada dos movimentos macrossocietários. Ressaltamos que, embora

nesse período a categoria de assistentes sociais não tenha se mobilizado

diretamente em relação ao movimento sanitário, a profissão vivenciava um período

muito significativo no que diz respeito ao seu fortalecimento teórico que se vincula à

tradição marxista, bem como a proposta de ruptura com o Serviço Social tradicional

e conservador.

Na história da profissão o/a assistente social sempre esteve presente na área

da saúde, chegando a ser a saúde um dos espaços sócio-ocupacionais que mais

requisitou assistentes sociais. Essa demanda está amparada na própria legislação,

que a partir da Resolução 218, de 6 de março de 1997 do Conselho Nacional de

Saúde, reconhece a categoria de assistentes sociais como profissionais da saúde, e

a Resolução do CFESS nº 383, de 29 de março de 1999, que caracteriza o

assistente social como profissional da saúde. Essas resoluções foram projetadas a

partir dos resultados obtidos com a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde

que apontava a saúde “como um direito de todos e dever do Estado”, além de ter

ampliado o conceito de saúde para além da ausência de doença, associando-a à

esfera social a partir de determinantes como trabalho e renda, condições de vida,

alimentação, acesso a serviços entre outros.

Partindo dessa lógica, ao analisar a trajetória da Política de Saúde no Brasil e

a reconfiguração dos espaços sócio-ocupacionais dos/as assistentes sociais,

principalmente, a partir dos anos 90 com a contrarreforma do Estado,

compreendemos que novas demandas foram sendo colocadas para esses

profissionais nos diversos espaços, incluindo aqui a área da saúde. Nesse sentido,

com o intuito de evidenciar a relação entre as atribuições privativas e as

competências profissionais dos/as assistentes sociais, e também os desafios

enfrentados por esses profissionais na área da saúde cabe-nos a reflexão acerca de

um documento de grande relevância para a categoria, denominado “Parâmetros

46

para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde”, que tem como objetivo qualificar a

intervenção dos/as assistentes sociais na área da saúde (CFESS, 2010).

Diante das mudanças ocorridas nas instituições ocupadas pelos/as

profissionais do Serviço Social, estas orientadas pela lógica neoliberal, são cada vez

mais complexas as demandas que chegam a esses sujeitos, tendo em vista que as

políticas sociais não são pensadas para a totalidade da população e sim para aquela

camada mais pauperizada, a partir de uma visão mascarada e fragmentada da

realidade. As alterações ocorridas nas políticas sociais nessa conjuntura, além de

prejudicar os usuários dos serviços, também reflete no exercício profissional do/a

assistente social, cada vez mais cobrado a dar respostas imediatas e qualificadas às

expressões da questão social.

Nesse sentido, a categoria de assistentes sociais passou a reivindicar junto às

entidades representativas um documento que fundamentasse o seu exercício

profissional, de forma que esses sujeitos tivessem condições de intervir nas

particularidades das demandas da área da saúde, compreendendo as demandas

dos usuários e as demandas institucionais. Então, a partir de uma iniciativa do

conjunto CFESS/CRESS foi elaborado os Parâmetros para Atuação de Assistentes

Sociais na Política de Saúde que visa:

[...] responder um histórico pleito da categoria em torno de orientações gerais sobre as respostas profissionais a serem dadas pelos assistentes sociais às demandas identificadas no cotidiano do trabalho no setor saúde e aquelas que ora são requisitadas pelos usuários dos serviços ora pelos empregadores desses profissionais no setor de saúde (CFESS, 2010, p. 11).

Esse documento foi resultado das reivindicações históricas dos/as assistentes

sociais para a clarificação das atribuições e competências mais gerais do exercício

profissional, relacionando-as a realidade vivenciada por esses profissionais nas

instituições de saúde fornecendo subsídios éticos, políticos, teóricos para uma

atuação profissional comprometida com o Projeto Ético-Político da profissão.

Partindo desse pressuposto é possível identificar que:

O Assistente Social tem ampliado sua ação profissional, transcendendo a ação direta com os usuários e atuando também no planejamento, gestão, assessoria, investigação, formação de recursos humanos e nos mecanismos de controle (CFESS, 2010, p. 21).

47

Por isso, considerando que o profissional na saúde desenvolve suas ações

profissionais em várias dimensões, o CFESS (2010) aponta que os/as assistentes

sociais na área da saúde atuam em quatro grandes eixos centrais. Neste texto,

destacamos:

Atendimento direto aos usuários: as principais ações desenvolvidas nesse eixo

são de caráter socioassistencial, de articulação com a equipe de saúde e as ações

socioeducativas. Para que o/a assistente social desenvolva sua intervenção

profissional com qualidade, precisa ter se apropriado de suas atribuições e

competências profissionais para que possa analisar as demandas e estabelecer

estratégias de intervenção para as necessidades dos seus usuários. Embora essas

demandas cheguem ao profissional de forma fragmentada e emergente, o

profissional de Serviço Social precisa tentar ultrapassar esse caráter fragmentado

das múltiplas expressões da questão social.

No que se refere às ações de articulação com a equipe de saúde, se faz

necessário especificar e divulgar as atribuições do/a assistente social para os

demais profissionais, com o intuito de manter uma relação de interdisciplinaridade

entre a equipe.

O atual contexto no qual estamos inseridos caminha a passos largos no

desmonte das políticas de proteção social, através da focalização, fragmentação dos

serviços, e na submissão aos interesses das políticas econômicas. Nesse sentido,

muitas instituições estão requisitando assistentes sociais para a execução das

políticas sociais, além de que, essas instituições têm seus objetivos profissionais e

muitas vezes esses objetivos esbarram nos limites de atuação do trabalho dos/as

assistentes sociais. Frente a essa questão o CFESS (2010, p.47) pondera que:

O assistente social tem tido, muitas vezes, dificuldades de compreensão por parte da equipe de saúde das suas atribuições e competências face à dinâmica de trabalho imposta nas unidades de saúde determinadas pelas pressões com relação à demanda e à fragmentação do trabalho ainda existente.

Essa dificuldade em compreender os aparatos normativos que compõem a

intervenção profissional (Lei de Regulamentação, Código de Ética e a Lei das

Diretrizes Curriculares, além das resoluções profissionais) acaba interferindo

negativamente o exercício profissional do/a assistente social e até mesmo o

reconhecimento do papel desse profissional entre a equipe de saúde. Torres (2007),

48

afirma que o desconhecimento da lei que regulamenta a profissão pode não

somente comprometer o exercício profissional, mas, pode comprometer o lugar

ocupado pelo/a assistente social na divisão sociotécnica do trabalho. Para a autora a

Lei de Regulamentação representa um salto qualitativo para o Serviço Social uma

vez que:

[...] a regulamentação das competências e das atribuições e a clarificação do papel do conjunto CFESS/CRESS são os principais ganhos para a profissão. A lei permite não só a clarificação da competência para o próprio profissional como também serve de instrumento que baliza o exercício profissional para os profissionais de outras áreas, além de esclarecer o papel profissional do assistente social para os empregadores (TORRES, 2007, p. 51).

Nesse sentido, os profissionais que se apropriam do aparato jurídico que

baliza a profissão tem condições de defender ou se contrapor a situações

enfrentadas no cotidiano profissional no qual estão inseridos.

Em relação às ações de caráter socioeducativo, o conselho destaca que

“essas consistem em orientações reflexivas e socialização de informações

realizadas por meio de abordagens individuais, grupais ou coletivas ao usuário,

família e população de determinada área programática” (CFESS, 2010, p.54). Essas

ações devem fazer parte do cotidiano de trabalho do/a assistente social,

incentivando a educação em saúde e participação do usuário no controle social dos

serviços.

Mobilização, participação e controle social: as ações desenvolvidas por esse eixo

são voltadas para a mobilização e participação dos usuários dos serviços, seus

familiares, trabalhadores de saúde e movimentos sociais nos espaços destinados ao

controle social (fóruns, conselhos, conferências, entre outros). Tem como finalidade

contribuir com a organização política desses sujeitos sociais, já que através de

atividades de educação popular é possível organizá-los e incentivá-los para que

reivindiquem por melhorias nos serviços públicos.

A ouvidoria do SUS foi um espaço pensado pelo poder público para que haja

uma articulação e comunicação entre o usuário e a instituição. Essa ouvidoria

consiste num “[...] canal de articulação entre o cidadão e a gestão pública de saúde,

que tem por objetivo melhorar a qualidade dos serviços prestados” (CFESS, 2010,

p.57).

49

Esse espaço de controle social e participação tem atraído cada vez mais

assistentes sociais para trabalhar na implantação dos serviços de ouvidoria nas

unidades de saúde, entretanto, essa ação não integra uma das atribuições privativas

do/a assistente social podendo ser desenvolvida por qualquer outro profissional da

equipe de saúde.

Outro aspecto relevante nesse processo de mobilização e participação social

é em relação à importância de essas ações estarem articuladas aos movimentos

sociais, tendo em vista o fortalecimento dos debates relacionados às demandas nos

fóruns e/ou em outras entidades representativas, e também para contribuir com a

discussão sobre a política de saúde com o intuito de traçar alternativas e garantir os

direitos sociais da população usuária.

Investigação, Planejamento e Gestão: as ações desenvolvidas nesse eixo

objetivam o fortalecimento da gestão democrática e participativa que incentive a

intersetorialidade entre a equipe de saúde, com o intuito de efetivar a gestão em

benefício dos usuários e trabalhadores na garantia dos direitos sociais.

“O processo de descentralização das políticas sociais vem requisitando aos

profissionais de Serviço Social a atuação nos níveis de planejamento, gestão e

coordenação de equipes, programas e projetos” (CFESS, 2010, p. 60). Essa atuação

deve levar em consideração a análise da totalidade social por meio de pesquisas

que identifiquem as reais necessidades dos usuários dos serviços de saúde.

Diante das mudanças advindas a partir da adoção do neoliberalismo é

imprescindível que os/as assistentes sociais estejam presentes e atuantes nesses

espaços de gestão democrática, realizando assessoramento nos conselhos gestores

e incentivando o engajamento político da população usuária dos serviços e dos

trabalhadores da saúde. Com o objetivo de ampliar esses espaços de participação

coletiva e debates que estimulem a consciência política desses sujeitos,

encorajando-os a lutar pela ampliação de seus direitos e o direito de poder participar

desses espaços de tomada de decisão.

Assessoria, qualificação e formação profissional: as ações desenvolvidas nesse

eixo visam o aprimoramento da qualificação profissional, sempre objetivando

melhorar a qualidade dos serviços prestados aos usuários. Esse aprimoramento

perpassa pela educação permanente dos trabalhadores da área de saúde, na

50

gestão de conselheiros, a formação de estudantes da área de saúde, incluindo

também as ações de assessoria.

Entendemos que uma das estratégias de aprimoramento da qualificação

profissional é a educação permanente, no que diz respeito à reflexão da prática

profissional do/a assistente social com o objetivo de qualificar a sua intervenção nos

espaços de trabalho. O art. 1º da Política Nacional de Educação Permanente em

Saúde define que ela consiste em uma “[...] estratégia do Sistema Único de Saúde

para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor” (BRASIL, 2004,

p.2). Sinteticamente, a Educação Permanente em Saúde consiste numa proposta

para fomentar a educação em saúde de forma a incentivar a intersetorialidade na

área visando à qualificação dos serviços prestados à população usuária do SUS.

Convém salientar que, esses quatro eixos explicitados anteriormente

envolvem:

[...] um conjunto de ações a serem desenvolvidas pelos assistentes sociais, ressaltando a capacidade propositiva dos profissionais, com ênfase na investigação da realidade, nas ações socioeducativas, nas demandas reais e potenciais, na participação social, na ampliação da atuação profissional, mediando a ação direta com os usuários com as atividades de planejamento, gestão, mobilização e participação social, bem como com as ações voltadas para a assessoria, formação e educação permanente (CFESS, 2010, p. 65).

Com relação ao posicionamento dos/as assistentes sociais diante dessas

demandas que chegam à profissão, observamos que há uma aproximação entre o

Projeto Ético-Político profissional e o movimento pela Reforma Sanitária, uma vez

que ambos possuem uma afinidade de princípios e referenciais teóricos, bem como

a construção de ambos ocorreu durante o processo de redemocratização do Brasil

na década de 1980.

Não obstante a essa aproximação verificam-se como limites à prática

profissional de assistentes sociais na área da saúde as marcas de uma perspectiva

conservadora no que diz respeito ao conceito de saúde, há uma descrença na saúde

enquanto política pública universal, além da necessidade de construção de um saber

médico específico, na autorrepresentação de assistentes sociais enquanto

sanitaristas ao realizarem a formação em saúde pública, e na intervenção subjetiva

denominada de Serviço Social Clínico9 (CFESS, 2010).

9 Consiste em experiências profissionais voltadas as práticas terapêuticas (CFESS, 2008).

51

Observamos que para a prática profissional constituir-se de forma coerente e

articulada com a totalidade social deve levar em consideração o conceito ampliado

de saúde, que após o movimento da Reforma Sanitária passa a ser compreendida

não apenas enquanto ausência de doença, mas enquanto resultado das relações

sociais e condições de vida da classe trabalhadora. Assim, a perspectiva profissional

do/a assistente social deve distanciar-se das práticas curativas de saúde e ter uma

visão generalista que leve em consideração os determinantes sociais que analisem

o sujeito em sua totalidade.

Tendo em vista o disposto acima sobre os Parâmetros para Atuação de

Assistentes Sociais na Saúde, ressaltamos que não procuramos pontuar todas as

ações que os/as assistentes sociais podem desenvolver nesses eixos da esfera da

saúde, visto que, desvelaremos no próximo capítulo os significados das atribuições

privativas e competências profissionais por parte das assistentes sociais inseridas

no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, a partir da análise das

determinações objetivas e subjetivas que entrelaçam esse processo na saúde;

delimitaremos também as principais demandas realizadas pelo Serviço Social na

instituição à luz desses parâmetros; e, por fim, iremos refletir sobre atribuições e

competências do Serviço Social na saúde relacionando-as à importância da

formação permanente.

52

4. O SERVIÇO SOCIAL NO COMPLEXO HOSPITALAR MONSENHOR

WALFREDO GURGEL

Neste capítulo realizaremos uma breve caracterização do Complexo

Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, destacando elementos como: objetivos,

missão, principais demandas, entre outras particularidades. Em seguida,

discutiremos acerca da atuação do Serviço Social no hospital e, por último,

aprofundaremos a reflexão sobre atribuições privativas e competências profissionais

na saúde a partir da análise dos questionários respondidos pelas assistentes sociais

da instituição.

4.1 Caracterização do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel

O hospital foi inaugurado no ano de 1971, nessa época era conhecido como

Hospital Geral e Pronto Socorro de Natal. Após dois anos da sua inauguração, em

1973, recebeu o nome de Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel (HMWG) em

homenagem ao ex-governador do Estado do Rio Grande do Norte, somente em

março de 2001 foi inaugurado o Pronto Socorro Clóvis Sarinho (PSCS). E hoje é

chamado de Complexo Hospitalar por ser constituído por essas duas grandes

estruturas hospitalares, o PSCS e o HMWG respectivamente.

O complexo é sediado no bairro do Tirol na cidade de Natal, capital do estado

do Rio Grande do Norte. É considerado o maior hospital público para o atendimento

de trauma, sendo referência no atendimento de urgência pelo Sistema Único de

Saúde há mais de quatro décadas e é o único hospital público da região

metropolitana de Natal que conta com serviço especializado de queimados,

ortopedia, neurologia e neurocirurgia, entre outras especialidades. Ao todo, o

Complexo Hospitalar possui 284 (duzentos e oitenta e quatro) leitos, distribuídos

entre o HMWG e o Pronto Socorro, destinados ao atendimento em diversas

especialidades, como clínica médica, cirurgia geral, cardiologia, ortopedia.

Ainda destacamos alguns elementos que compõem a instituição, como a

53

missão, visão e objetivos. De acordo com o site10 do Hospital Monsenhor Walfredo

Gurgel (2014) sua missão é:

Oferecer um atendimento hospitalar de referência a crianças e adultos em situação de emergências clínicas, cirúrgicas e agravos de causas externas, em especial ao trauma e contribuir para a formação e qualificação de

recursos humanos em saúde à luz dos valores éticos e humanitários.

A visão da instituição prevê o que a população reconheça o hospital enquanto

prestador de serviços dotados de eficiência e qualidade, nas suas variadas

dimensões, além de destacar o campo da assistência hospitalar e o incentivo ao

ensino em saúde (HMWG, 2014).

Ainda de acordo com o site da instituição, os objetivos do Complexo

Hospitalar (2014) consistem em:

[...] fomentar a formação permanente dos profissionais em temas prioritários da instituição; garantir um clima organizacional propício para as práticas de ensino e pesquisa institucional; e promover os avanços tecnológicos de forma eficiente.

O hospital está vinculado ao SUS que consiste em um dos maiores sistemas

públicos de saúde do mundo. “O SUS abrange desde o simples atendimento

ambulatorial até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e

gratuito para toda a população do país” (BRASIL, 2006). Cabe salientar, que a

instituição estudada possui uma peculiaridade: é referência em urgência e

emergência, no atendimento de vítimas de traumas.

A natureza organizacional do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel é

subordinada à Secretaria de Estado da Saúde Pública (SESAP), cuja missão é:

[...] formular, coordenar e garantir a efetividade da Política Estadual de Saúde, promovendo o acesso integral e humanizado em todos os níveis de atenção, conforme os princípios e diretrizes do SUS (BRASIL, 2016).

10 Site do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel. Disponível em:

http://www.walfredogurgel.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=33384&ACT=&PAGE=0&PARM=&LBL=Institui%E7%E3o. Acesso em: 29 de maio de 2015.

54

Com a finalidade de garantir a efetividade da Política Nacional de Saúde o

hospital conta com uma equipe de 2.000 (dois mil) funcionários, dentre eles 26 (vinte

e seis) assistentes sociais11. A equipe também conta com 300 (trezentos)

profissionais de empresas terceirizadas que realizam a manutenção permanente dos

equipamentos, desde tomógrafos e aparelhos de raio-x a máquinas da lavanderia,

cozinha e elevadores.

Os principais procedimentos realizados no hospital são: ortopedia, clínica

médica, pediatria, cirurgia geral, Unidade de Terapia Intensiva (UTI), cirurgia buco-

maxilo-facial, anestesia, análises clínicas, fisioterapia, fonoaudiologia, oftalmologia,

otorrinolaringologia, entre outros.

O Complexo Hospitalar é voltado à formação educacional de profissionais de

medicina, odontologia, nutrição, farmácia, enfermagem, fisioterapia, dentre outras

áreas. Anualmente 4.000 (quatro mil) estudantes passam por suas dependências, a

unidade busca a certificação como Hospital de Ensino, ou seja, o reconhecimento de

hospital escola em parceria com as universidades do Estado. Em 2005 teve a

autorização para a implantação do programa de residência médica em cirurgia geral

pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). O hospital também é campo de

estágio para várias escolas de formação de técnicos em raio-x, segurança do

trabalho e enfermagem.

Já o Pronto Socorro Clóvis Sarinho, que também integra o Complexo

Hospitalar, é sede da Organização de Procura de Órgãos (OPO) e mantém uma

equipe de sobreaviso para captação de órgãos. A estrutura do Pronto Socorro Dr.

Clóvis Sarinho abrange o Centro Cirúrgico do Hospital Walfredo Gurgel, com 6 (seis)

salas cirúrgicas e o Centro de Esterilização de Materiais. O Clóvis Sarinho conta

com uma equipe de assistentes sociais, recepção informatizada para admissão de

pacientes e Classificação de Risco.

Já no que se refere ao quesito financiamento, de acordo com informações

obtidas no Núcleo de Educação Permanente do Hospital (NEP), sua principal fonte

de receita é oriunda de recursos públicos (Governo Federal e Governo Estadual).

Concomitante as receitas do hospital, destacamos também o Núcleo de Acesso e

Qualidade Hospitalar (NAQH), que é composto por gestores, chefes e gerentes. O

núcleo procura atuar junto aos servidores de cada setor do complexo, e tem por

11

Total de assistentes sociais no segundo semestre de 2016, informações obtidas no setor de Serviço

Social do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel.

55

finalidade integrar os funcionários da instituição a uma nova metodologia de

trabalho, e para tanto, busca em conjunto captar informações, avaliar os dados

obtidos e por fim aplicar as ações necessárias para a melhoria no atendimento,

elevando assim, o nível na qualidade do serviço prestado pela instituição.

O núcleo está em atividade há aproximadamente 2 (dois) anos, e já é possível

identificar as melhorias obtidas com sua contribuição. De fato, foi a partir do trabalho

do núcleo, que hoje o Complexo pode contar com a implantação do Kanban12, com

as oficinas de esclarecimento das políticas do Programa SOS Emergência13, com a

elaboração dos fluxos de atendimento por especialidade e com a adoção do

Protocolo de Manchester14. De forma articulada estas ações adotaram parâmetros

de atendimento e atribuíram uma nova imagem à forma de acolher e assistir os

usuários do SUS no Walfredo Gurgel.

Por fim, destacamos a importância do Núcleo de Educação Permanente

(NEP) como parte integrante do sistema de formação continuada dos profissionais

inseridos na lógica institucional. Esse núcleo foi criado em setembro de 2010, e se

consagrou como uma ferramenta de suma importância para a formação dos

servidores do Complexo Hospitalar. Como o próprio nome sugere, o trabalho

desenvolvido pelo núcleo visa à educação permanente dos servidores e atende a

uma demanda diária de profissionais que almejam novas capacitações e formações.

A equipe que integra o núcleo é composta por uma especialista em gestão do

trabalho e da educação, fisioterapeuta, enfermeira, psicóloga e técnicos em saúde.

Após descrevermos resumidamente a caracterização do Hospital Monsenhor

Walfredo Gurgel, destacando algumas de suas especificidades, explanaremos no

próximo item a atuação do Serviço Social na referida instituição.

12

Kanban é uma ferramenta complementar ao Protocolo de Manchester, adotado atualmente nas unidades de saúde em todo o mundo, que proporciona o maior controle e a melhor gestão dos leitos hospitalares. Esse sistema estava sendo usado na instituição no ano de 2016, período em que realizamos estágio obrigatório no HMWG. 13

O Programa SOS Emergência é uma ação estratégia prioritária para a implementação do Componente Hospitalar da RUE, realizada em conjunto com os Estados, Distrito Federal e Municípios para a qualificação da gestão e do atendimento de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) nas maiores e mais complexas Portas de Entrada Hospitalares de Urgência do SUS. 14

Protocolo de Manchester é basicamente um procedimento adotado para fazer a classificação de risco de cada paciente, a classificação por cores, após uma triagem baseada em sintomas, de forma a representar a gravidade do quadro e o tempo de espera para cada paciente.

56

4.2 A atuação do Serviço Social no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel

Segundo Costa (2000), a inserção de profissionais do Serviço Social nos

diversos serviços de saúde é mediatizada pela função social da profissão na

sociedade capitalista, e também por um conjunto de necessidades sociais definidas

e redefinidas a partir do movimento da história no qual a saúde pública se

desenvolveu no Brasil.

O Serviço Social está presente no HMWG desde a sua fundação. De meados

da década de 1970 até os dias atuais houve a ampliação do número de assistentes

sociais, entretanto, atualmente, muitas delas estão solicitando aposentadoria por

tempo de serviço e não está havendo a substituição dessas profissionais.

Acreditamos que isso é reflexo da conjuntura histórica atual, de crise econômica,

sobretudo no que diz respeito à contrarreforma do Estado e em relação à

precarização dos serviços de saúde. Exemplos disso são a escassez de concursos

públicos para assistentes sociais na área da saúde e a sobrecarga de trabalho

desses profissionais nesses e em outros espaços sócio-ocupacionais.

Para compreender a dinâmica do exercício profissional do/a assistente social

no cotidiano do hospital foi necessário lançar um olhar sobre a realidade vivenciada

pelos usuários que utilizam os serviços oferecidos na insitutição. Para tanto, fizemos

uso de informações obtidas por meio do sistema interno da instituição, conhecido

como "Kanban".

Com base na análise das informações contidas nesse sistema, pudemos

identificar que a grande maioria dos pacientes atendidos pelo complexo está com

idade entre 21 (vinte e um) e 30 (trinta) anos, e que a instituição concentra uma

parcela considerável de pacientes que vêm do interior do Rio Grande do Norte, visto

que o é o único hospital do Estado que é referência em atendimento de média e alta

complexidade. Entre os pacientes atendidos que residem em Natal foi possível

perceber que a maioria é representada pela população que mora nos bairros

periféricos da cidade, e que não possui poder aquisitivo suficiente para contratar um

serviço de saúde particular, portanto, acabam recorrendo ao serviço de saúde

pública independente da qualidade e da demora em receber o atendimento.

No que diz respeito aos motivos de internamento, ressaltamos que eles são

bem diversos, em sua maioria, se destacam os acidentes de trânsito (uma vez que o

complexo é referência em atendimento por trauma), em seguida vem o atendimento

57

por agressão física (ferimentos por arma de fogo ou por arma branca), acidentes

domésticos (a exemplo de queimaduras), vítimas de Acidente Vascular Cerebral

(AVC), entre outros agravos.

As informações socioeconômicas obtidas com a ficha social, ou com as

sucessivas escutas qualificadas por parte das assistentes sociais, apontam que em

relação ao grau de escolaridade da população usuária do hospital, em sua maioria, é

uma população com baixo nível de escolaridade, bem como não concluiu o ensino

médio, e os que concluíram não chegaram à universidade.

Após analisar a dinâmica institucional foi possível identificar uma gama de

demandas que chegam ao setor de Serviço Social, e que para responder essas

expressões mais imediatas e fragmentadas da questão social, diariamente, as

assistentes sociais utilizam os instrumentais técnico-operativos articulados às outras

dimensões (teórica, ética e política) da sua prática profissional.

Durante o nosso processo de estágio no Hospital Monsenhor Walfredo

Gurgel verificamos que as principais atividades desenvolvidas pelas assistentes

sociais são: emissão de declarações, encaminhamentos, solicitação de documentos,

orientações (sobre previdência social, Seguro DPVAT15, benefícios sociais),

solicitação de ambulâncias de outros munícipios em casos de alta de pacientes,

cadastros de acompanhantes, relatórios, pareceres sociais, entrevistas, e

principalmente, o preenchimento da ficha social.

O principal instrumento técnico-operativo utilizado na prática profissional do

Serviço Social no HMWG é a entrevista, juntamente com a elaboração da ficha

social. Fazendo uso da ficha, as assistentes sociais têm o primeiro contato com o

histórico social do/a paciente e sua família, podendo também registrar anotações

acerca da evolução do quadro desse paciente. A ficha social subsidia elementos

importantes sobre o paciente, como os dados pessoais (nome, endereço,

telefones); socioeconômicos (escolaridade, profissão); assistenciais (benefícios

sociais); e motivo da sua entrada na instituição. Neste último caso, observamos um

maior diálogo do profissional com o paciente e seus familiares mediante a

orientação e o acolhimento no momento da visita aos leitos.

Outra atividade importante realizada pelas assistentes sociais é a visita

individual ou interdisciplinar aos leitos dos pacientes. Durante essa visita os

15

Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres.

58

pacientes recebem orientações sobre seus direitos, é feita a socialização de

informações importantes favorecendo as ações de cunho socioeducativo na

instituição.

Nesse limiar, dentre as principais ações de caráter socioassistencial a serem

desenvolvidas pelo/a assistente social, vale destacar:

Construir o perfil socioeconômico dos usuários, evidenciando as condições determinantes e condicionantes de saúde, com vistas a possibilitar a formulação de estratégias de intervenção por meio da análise da situação socioeconômica (habitacional, trabalhista e previdenciária) e familiar dos usuários, bem como subsidiar a prática dos demais profissionais de saúde; Enfatizar os determinantes sociais da saúde dos usuários, familiares e acompanhantes por meio das abordagens individual e/ou grupal; Fortalecer os vínculos familiares, na perspectiva de incentivar o usuário e sua família a se tornarem sujeitos do processo de promoção, proteção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde; Organizar, normatizar e sistematizar o cotidiano do trabalho profissional por meio da criação e implementação de protocolos e rotinas de ação (CFESS, 2010, p. 45)

Essas ações contribuem para analisar as demandas dos usuários, com

ênfase em uma análise crítica e totalizante da realidade, contemplando os

determinantes e condicionantes sociais da saúde a fim de traçar os objetivos e a

escolha do melhor instrumental para responder essas questões.

Com a finalidade de consubstanciar a pesquisa realizada sobre o Complexo

Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel e a atuação do Serviço Social na referida

instituição, durante o nosso processo de Estágio Curricular Obrigatório aplicamos

questionários com 15 (quinze) assistentes sociais do hospital16. Esses

questionários continham perguntas a respeito do perfil pessoal, nível de

escolaridade, sobre a atuação profissional delas no HMWG, entre outras questões.

O quadro a seguir, referente às informações de identificação dos sujeitos

pesquisados, traz questões relacionadas ao sexo, gênero, faixa etária, tempo de

serviço no hospital e o regime de trabalho adotado na instituição.

16

Esses questionários fizeram parte do projeto de intervenção realizado durante o período de estágio obrigatório (2016-2017), juntamente com outros estudantes. O projeto tinha por objetivo discutir a identidade profissional das assistentes sociais do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel.

59

Quadro 1: Dados de identificação das assistentes sociais

SUJEITOS GÊNERO

ORIENTAÇÃO SEXUAL

FAIXA ETÁRIA

FAIXA SALARIAL

TEMPO DE SERVIÇO

REGIME DE TRABALHO

DA PESQUISA

NO HOSPITAL

A1 Feminino Heterossexual Mais de 50

anos

4 a 6 salários mínimos 02 anos Estatutário

A2 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

4 a 6 salários mínimos 10 anos Estatutário

A3 Feminino Heterossexual 41 a 50

anos

4 a 6 salários mínimos 07 anos Plantão

A4 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

4 a 6 salários mínimos 10 anos Plantão

A5 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

4 a 6 salários mínimos 02 anos Estatutário

A6 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

4 a 6 salários mínimos 20 anos Estatutário

A7 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

4 a 6 salários mínimos 10 anos Plantão

A8 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

4 a 6 salários mínimos 06 anos Estatutário

A9 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

4 a 6 salários mínimos 04 anos Estatutário

A10 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

7 a 10 salários mínimos 08 anos Plantão

A11 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

4 a 6 salários mínimos 22 anos Plantão

A12 Feminino Heterossexual 41 a 50

anos Sem

resposta Sem resposta Plantão

A13 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

4 a 6 salários mínimos 20 anos Plantão

A14 Feminino Heterossexual

Mais de 50 anos

4 a 6 salários mínimos 02 anos

CLT* (cedida por órgão da administraçã

o pública indireta)

A15 Feminino Heterossexual

31 a 40 anos

4 a 6 salários mínimos 07 anos Plantão

Fonte: Elaboração própria, 2017.

Por intermédio da análise desses dados, percebe-se que o quadro de

assistentes sociais no hospital é 100% feminino, o que marca ainda traços da

60

feminização da profissão desde a sua gênese. Em relação à identidade de gênero,

foi identificada uma incompreensão do que seria esse termo, isso sendo

confundido com orientação sexual, em seu sentido amoroso, afetivo e sexual.

Descolado da questão de gênero em sua complexidade, que envolve construção e

escolhas sociais além de disputas de poder, prevalecendo como tradicional as

relações binárias “homem” e “mulher”.

Em relação à faixa etária das entrevistadas, observou-se que 80% têm mais

de 50 (cinquenta) anos, 13% tem 41(quarenta e um) a 50 (cinquenta) anos e

apenas 7% tem faixa etária entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos. No tocante à

faixa salarial, 87% ganha de 4 (quatro) a 6 (seis) salários mínimos, apenas 6%

ganha entre 7 (sete) e 10 (dez) salários mínimos e 7% não respondeu. Nesse

sentido, presumimos que os honorários recebidos por quem ocupa o cargo de

assistente social pode variar de acordo com a instituição e a formação profissional.

Com relação ao tempo de serviço na instituição, 46% trabalha há 1 (um) - 5

(cinco) anos, 27% há 10 (dez) - 20 (vinte) anos e os outros 27% há 20 (vinte) - 30

(trinta) anos. Observamos que a maioria das assistentes sociais possuem um vasto

tempo de serviço na instituição, o que acreditamos vir a favorecer uma leitura

crítica desse espaço sócio-organizacional à luz da conjuntura atual e seus

rebatimentos na área da saúde.

Em referência ao questionamento sobre o regime de trabalho, presumimos

que a questão tenha ficado confusa, uma vez que, parte das assistentes sociais

entendeu que a questão fazia menção a qual vínculo de trabalho elas pertencem,

enquanto outras confundiram com a carga horária semanal de trabalho relacionada

a escala de plantão.

Através da aplicação desses questionários, foi realizada a seguinte pergunta

aos sujeitos da pesquisa: O que considera como avanço ou conquista no que se

refere à atuação profissional do Serviço Social no Complexo Hospitalar? As

respostas foram variadas, inclusive, algumas assistentes sociais não responderam

à pergunta ou apresentaram dificuldade em reconhecer quais as conquistas

alcançadas pelo setor.

Em contrapartida, a maioria das profissionais reconhece que houve avanços

e/ou conquistas referentes:

61

“A capacidade do setor em refletir sua prática a partir dos problemas que surgem.” (Sujeito 1) “Com o advento do SUS conseguimos muitas conquistas que impulsionou a nossa atuação junto ao usuário.” (Sujeito 5) “A participação do Serviço Social dentro dos projetos do SUS - Ministério da Saúde (visitas multidisciplinar, grupo gestor, acompanhamento dos acompanhantes e estudo social dos casos sociais).” (Sujeito 6) “A construção dos protocolos do setor, com discussão e revisão de nossas atribuições.” (Sujeito 8) “No momento estamos revendo o papel do Assistente Social no Complexo Hospitalar, considero oportunidade de grande importância para fortalecer a equipe.” (Sujeito 12)

As respostas apontaram para avanços a partir da implementação do Sistema

Único de Saúde, a saber: a participação integrada dos/as assistentes sociais na

equipe de Saúde; com destaque para o acolhimento humanizado. Além do

repensar profissional, que resultou na construção dos protocolos internos do

Serviço Social do hospital, também conhecidos como protocolos de atendimento,

os quais trouxeram para o debate a questão das atribuições privativas e

competências profissionais do/a assistente social na área da saúde.

Durante o processo de estágio pudemos identificar a preocupação de

algumas profissionais do Serviço Social em fundamentar a sua prática a partir dos

normativos da profissão, em destaque, o que está preconizado nos Parâmetros

para Atuação de Assistentes Sociais na Saúde (2010) e como articular o que está

recomendado nesse documento à realidade da prática na instituição.

As assistentes sociais, entendendo a importância de se apropriarem das

discussões propostas nesses parâmetros para melhorar a qualidade do seu

exercício profissional, resolveram discutir esse documento durante a semana do

Serviço Social no hospital, que ocorreu em maio de 2017. Consideramos que este

documento foi publicado com o intuito de fortalecer e qualificar o trabalho dos/as

assistentes sociais na saúde, a partir do que está disposto no Projeto da Reforma

Sanitária e o Projeto Ético-Político do Serviço Social, buscando melhorar a

qualidade do atendimento prestado aos usuários do serviço saúde em todo o país

(CFESS, 2010).

No decorrer da pesquisa solicitamos que as assistentes sociais destacassem

duas atribuições privativas do Serviço Social desenvolvidas no HMWG. E

identificamos que a maioria das profissionais ao serem questionadas acerca das

62

atribuições privativas pontuaram, principalmente, as competências dos/as

assistentes sociais:

“Acolhimento à vítima de violência; acolhimento a situações envolvendo crianças.” (Sujeito 5) “Estudo social de caso; encaminhamentos para instituições sociais e referenciar rede estadual e municipal; realizar entrevista social; acolher o usuário” (Sujeito 6) “Acolhimento e orientação dos direitos e deveres dos pacientes e seus familiares/acompanhantes, defesa dos direitos dos referidos.” (Sujeito 12)

Algumas das profissionais pesquisadas relacionam as atribuições privativas

aos instrumentais técnico-operativos do Serviço Social, como por exemplo, o

estudo social e a entrevista social. Sendo que estes não consistem em atribuições

privativas do/a assistente social, são instrumentos técnico-operativos e o que

diferencia a atuação do profissional de Serviço Social nesses instrumentais é o

direcionamento crítico e o olhar para além da demanda imediata, buscando fazer

as mediações necessárias para responder as necessidades dos usuários em sua

totalidade.

A maior parte das respostas apresentadas pode ser comparada ao que está

disposto no artigo 4º da Lei que regulamenta a profissão referente às competências

do/a assistente social, dentre os quais destacamos os seguintes incisos:

III – encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; V – orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; XI – realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades (CFESS, 2012, p. 44 e 45)

Essa confusão em relação à diferenciação do que é atribuição e

competência do assistente social pode decorrer de alguns aspectos: um deles,

sobre as repetições que ocorrem na Lei de Regulamentação da profissão nº

63

8.662/93, especificadamente, nos incisos do artigo 4º que também se encontram

contemplados nos incisos do artigo 5º referente às atribuições privativas17.

Outro aspecto que acreditamos influenciar nesse processo é que ainda há

certa indefinição do papel do/a assistente social no Complexo Hospitalar, o que

leva o profissional do Serviço Social a assumir demandas que por vezes não são

de sua atribuição. Em vista disso, acabam realizando e até mesmo naturalizando

algumas ações desenvolvidas na esfera da saúde como se fossem atribuição ou

competência apenas do/a assistente social. Temos como exemplo as respostas

dos sujeitos (7, 10, 11 e 14) que classificaram a entrega de declaração de óbito

como atribuição privativa do Serviço Social.

Para Torres (2007), na maioria das vezes o profissional do Serviço Social

ainda é visto como executor das atividades estabelecidas pelo gestor responsável

pelas políticas e programas das diversas esferas governamentais, e seu exercício

profissional se restringiria ao cumprimento dessas atividades estabelecidas

previamente pela instituição que contrata o/a assistente social. Essa afirmativa

demonstra que o conservadorismo institucional está presente nos espaços-

ocupacionais em que estão inseridos os/as assistentes sociais, colaborando para

que a sua autonomia profissional seja restrita e subordinada aos interesses da

instituição.

Concordamos com a autora em relação a esse conservadorismo profissional

ainda estar presente nos espaços de trabalho onde atuam os/as assistentes

sociais. Com base nas nossas observações registradas no diário de campo durante

o período do estágio ficou claro que o Serviço Social ainda é considerado uma

profissão subalterna pelas outras profissões, por não lidar diretamente com a

saúde, em relação às práticas curativas anteriores ao conceito ampliado de saúde,

como um médico ou enfermeiro lida.

Porém, cabe salientar que a partir do movimento pela Reforma Sanitária e

após a promulgação da Constituição Federal de 1988 a saúde passou a ser

compreendida de forma ampliada, não consistindo apenas na ausência e

17 Não iremos detalhar essas repetições, uma vez que dialogamos sobre essa questão no capítulo

dois da referida pesquisa.

64

tratamento de doenças, integrando a esfera social, de educação trabalho,

alimentação, qualidade de vida, cultura como fatores determinantes para a saúde.

Retomando a questão debatida anteriormente acerca das atribuições

privativas, ressaltamos que o sujeito 1 apontou como atribuição do/a assistente

social a elaboração de parecer social; e os sujeitos (1, 2 e 3) da pesquisa

apontaram a supervisão direta de estágio em Serviço Social como atribuição. A

nossa surpresa foi com a dificuldade que elas apresentaram em identificar tais

atribuições, menos de 30% das assistentes sociais participantes reconheceram as

atribuições descritas na lei que regulamenta a profissão.

Parece-nos que embora parte da equipe de assistentes sociais esteja

comprometida em se atualizar e apropriar-se dos normativos da profissão, ao

mesmo tempo, esses normativos ainda não são utilizados de fato como

instrumentos de qualificação profissional, por motivos que pretendemos tentar

desvelar no decorrer dessa discussão.

Outro ponto importante revelado durante a pesquisa foi em relação à quais

atividades são exercidas pelas assistentes sociais, mas que elas julgam que não

deveriam exercer. Podemos afirmar que 90% delas ressaltou a entrega da

Declaração de Óbito, o encaminhamento de exames de alta complexidade e a

comunicação de alta não assistida como atividades que as profissionais do Serviço

Social lutam para que não sejam exclusivamente responsabilidade da categoria. As

profissionais reconhecem que não são atribuições privativas do/a assistente social:

“Guardar Declarações de óbito e entregar na enfermagem; responsabilidade em anexar documentos dos pacientes as solicitações dos exames e entregar a Central de Marcação de Exames (atribuição burocrática que deveria ser suprida por uma secretária).” (Sujeito 3) “Guarda de declaração de óbito; comunicação de alta não assistida; resolução individual dos casos sem a integração da equipe (psicologia, enfermagem, médico).” (Sujeito 6) “Guarda e entrega de Dos

18 à enfermagem; fazer declaração de

atendimento realizado pelo médico; entrega de solicitação de exames na Central de Exames.” (Sujeito 10).

Sobre essas atividades relatadas pelas assistentes sociais, identificamos que

embora não sejam atribuições privativas, continuam a realizar tais funções dentro da

instituição. Presumimos que as correlações de forças articuladas ao modo de

18 Declarações de óbito.

65

produção vigente e que estão presentes no Complexo Hospitalar na redução do

Estado, corte de recursos na área da saúde, precarização do trabalho, por exemplo,

têm contribuído para as requisições feitas aos assistentes sociais pelos gestores e

pelos outros profissionais inseridos na instituição.

Como resultante dessa situação, pudemos observar algumas tensões e

conflitos entre o Serviço Social e os demais profissionais que atuam nesses setores,

sejam eles médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos.

Essa correlação de forças também pode ser percebida no que se refere às

normas do hospital, as quais muitas vezes colocam em xeque a autonomia relativa

da profissão de Serviço Social, que acaba reproduzindo essas normas e geralmente

vão de encontro aos valores defendidos pela profissão.

A partir de diálogos como a nossa orientadora de campo apreendemos que

uma importante estratégia para minimizar essa correlação de forças é o/a assistente

social compreender qual o seu papel dentro da instituição. E para que não realize

atividades que não são de sua competência, é de fundamental importância que

os/as assistentes sociais conheçam as políticas de saúde, o Projeto Ético-Político da

Profissão, o Código de Ética, a lei que regulamenta a profissão, as resoluções

criadas pelo CFESS, a fim reforçar o seu compromisso com a garantia de direitos da

classe trabalhadora.

Com relação a essas requisições feitas aos assistentes sociais nesses

espaços sócio-ocupacionais, os Parâmetros para atuação de Assistentes Sociais

na Saúde indicam que as instituições empregadoras e/ou a equipe de saúde pelo

desconhecimento das competências do/a assistente social e/ou pelas mudanças

nas condições de trabalho, têm solicitado a essas profissionais ações que não

consistem em atribuições do Serviço Social, a exemplo:

• marcação de consultas e exames, bem como solicitação de autorização para tais procedimentos aos setores competentes; • solicitação e regulação de ambulância para remoção e alta; • identificação de vagas em outras unidades nas situações de necessidade de transferência hospitalar; • convocação do responsável para informar sobre alta e óbito; • comunicação de óbitos; • emissão de declaração de comparecimento na unidade quando o atendimento for realizado por quaisquer outros profissionais que não o Assistente Social (CFESS, 2010, p. 46 e 47).

66

Além dessas ações, a alta hospitalar é outra demanda que precisa ser

refletida entre a equipe de saúde, a fim de estabelecer as atribuições de cada

profissional (CFESS, 2010).

Já em relação à notificação do óbito, as assistentes sociais do Walfredo

Gurgel durante a Semana de Serviço Social, realizada em 2016, teceram algumas

reflexões acerca dessa questão, enfatizando que até poderia ser viável a

realização tanto da notificação do óbito quanto a alta assistida, desde que estejam

presentes outros membros da equipe hospitalar (médicos e/ou enfermeiros).

De acordo com os Parâmetros:

Parte-se do pressuposto de que a participação do assistente social no acompanhamento dos usuários e/ou família é que vai indicar se há demanda para intervenção direta do profissional no processo de alta (CFESS, 2010, p. 48).

Essa reflexão da equipe de Serviço Social do hospital acerca de suas

atividades na instituição e sobre o que poderia ser realizado juntamente com outros

profissionais da saúde, circunscreve um momento de força e resistência da equipe

em defesa das suas atribuições e competências.

Quanto à questão dos principais desafios cotidianos com outros

profissionais, foi consenso entre as respostas das assistentes sociais: a garantia do

reconhecimento de suas atribuições privativas e competências pelos outros

profissionais; a garantia da efetividade do trabalho em equipe; e a propagação da

cultura de acolhimento entre os profissionais que integram a equipe de saúde.

Numa perspectiva sócio-histórica, o Serviço Social muitas vezes esteve diante

das outras profissões assumindo traços de subalternidade, sendo uma profissão que

esteve por muito tempo fortemente associada a uma imagem de caridade e

benemerência. Além é claro, da correlação de forças presente nos espaços de

trabalho multiprofissional que acaba interferindo negativamente na realização do

trabalho em equipe.

Sobre essas dificuldades enfrentadas pelas profissionais do Serviço Social,

os Parâmetros determinam que o trabalho em equipe deve ser refletido e as

atribuições privativas dos/as assistentes sociais precisam ficar claras para os

outros profissionais da equipe de saúde, para que disponha da interdisciplinaridade

como meta de trabalho a ser defendida na esfera da saúde (CFESS, 2010).

67

A importância da intervenção dos profissionais de Serviço Social na esfera

da saúde se consolida entre a equipe à medida que

O assistente social, ao participar de trabalho em equipe na saúde, dispõe de ângulos particulares de observação na interpretação das condições de saúde do usuário e uma competência também distinta para o encaminhamento das ações, que o diferencia do médico, do enfermeiro, do nutricionista e dos demais trabalhadores que atuam na saúde (CFESS, 2010, p. 46)

O/a assistente social possui conhecimentos que lhe permite analisar as

condições de vida e necessidades dos usuários dos serviços de saúde para além

daquela prioridade mais imediata, levando em consideração outras dimensões da

vida social, sua intervenção geralmente se dá através da orientação. Sendo assim,

“o profissional de Serviço Social pode ser um interlocutor entre os usuários e a

equipe de saúde com relação aos determinantes sociais [...]” (CFESS, 2010, p. 49).

Durante a pesquisa foi indagado no questionário: Em uma análise pessoal

qual o principal desafio enfrentado na sua atuação profissional no Complexo

Hospitalar? As respostas que mais se repetiram foram em relação ao caos na

saúde pública; o reconhecimento profissional; a dificuldade de trabalhar em equipe;

as condições objetivas de trabalho no setor (deficiência material e de pessoal); e a

construção de uma cultura de acolhimento.

Além disso, perguntamos se na concepção delas a estrutura do hospital dá

suporte para um bom atendimento, 93% respondeu que não e apenas 7% que sim.

Diante da nossa experiência de estágio curricular no hospital

compreendemos que os desafios apontados pelas profissionais são resultantes das

transformações societárias, que têm como uma das suas características as

medidas de ajustes neoliberais, que geram impactos socioprofissionais e viabilizam

a precarização do trabalho, a flexibilização nas relações de trabalho e os

constantes cortes em investimentos na área da saúde.

O campo da saúde tem sofrido muita influência a partir da adoção das

medidas de ajustes fiscais que visam à regulação da economia, como o corte de

gastos com as políticas de proteção social. Além disso, em relação à saúde o

projeto privatista tem ganhado cada vez mais espaço na cena contemporânea,

tornando-se cada vez mais difícil o cumprimento dos princípios do SUS

Constitucional previstos pela lei maior em 1988.

68

Essas mudanças de cunho estrutural acabam influenciando todos os setores

da vida social, inclusive, no que diz respeito à reconfiguração dos espaços de

trabalho dos/as assistentes sociais, os determinantes da cultura profissional, da

relativa autonomia profissional, das novas demandas que chegam ao Serviço

Social entre outras questões que foram sinalizadas mais fortemente nos capítulos

anteriores.

Essa falta de investimentos também pode ser percebida na Divisão do

Serviço Social do hospital onde a situação dos equipamentos é precária, pois

faltam birôs, ar condicionado, materiais de papelaria e uma infraestrutura adequada

que possibilite o atendimento individual dos usuários que buscam o Serviço Social.

Já para os usuários faltam leitos, medicamentos, condições mínimas de higiene e

conforto. Estes fatores associados a outros implicam negativamente no processo

de recuperação da saúde dos usuários.

Frente a esta realidade o Conselho Federal de Serviço Social (2010)

determina que a categoria profissional não pode ser passiva diante dos desafios

apresentados pela conjuntura atual, e nem desconsiderar os normativos legais e as

atividades que consistem em alternativas a serem desenvolvidas pelos/as

assistentes sociais.

Ao questionar se a atuação do Serviço Social precisa ser repensada em

algum aspecto, 93% das profissionais responderam que sim e 7% que não. A partir

da nossa observação e reflexão a respeito do campo de estágio identificamos uma

dificuldade enfrentada diariamente pelas assistentes sociais do setor: realizar uma

intervenção que ultrapasse a imediaticidade das demandas e a prática de ações de

caráter burocrático (emissão de documentos, pareceres, declarações, orientações,

solicitação de documentos, entrega de declaração de óbito), uma vez que a

dinâmica hospitalar requer respostas rápidas das profissionais, não sendo

favorável à reflexão e problematização de sua prática profissional sobre as

necessidades dos usuários dos serviços.

Admitimos que essa conjuntura adversa requer novas exigências a essas

profissionais, e que a grande rotatividade das demandas por serviços associada à

jornada de trabalho em regime de plantão, além de terem outros vínculos

empregatícios dificulta a sistematização da prática que utilize a produção do

conhecimento em sua área de atuação. Essa problemática ficou evidente quando

interrogamos se nos últimos cinco anos elas produziram conhecimento na sua área

69

de atuação: 60% não respondeu e apenas 40% conseguiu produzir conhecimentos

na área de Serviço Social.

Por fim, destacamos as questões relacionadas à formação das assistentes

sociais do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, verificamos que 60% possui pós-

graduação e/ou mestrado em saúde pública, gestão pública e/ou gestão em

educação; e 40% não possui nenhum curso de especialização. Em relação à

participação em simpósios, congressos e/ou seminários de Serviço Social 80%

respondeu que participa e apenas 20% não.

É possível constatar que a maioria das profissionais procura se atualizar e

qualificar o seu exercício profissional recorrendo à pós-graduação e participação

em simpósios e/ou congressos na sua área de atuação. O artigo 1º, da Portaria

198/ 2004, institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, e

compreende-a como “estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o

desenvolvimento de trabalhadores para o setor” (BRASIL, 2004, p. 02).

Nesse sentido, a educação permanente consiste em uma estratégia na

busca do fortalecimento do trabalho profissional desses sujeitos inseridos nos

espaços da saúde, com a promoção de cursos de “reciclagens” na sua área de

atuação ou até mesmo para se aproximar de novas temáticas relacionadas à sua

especialidade de trabalho.

Para Koike (2009), o exercício profissional do/a assistente social supõe uma

formação crítica, fundamentada em uma qualificada capacidade teórica, ético-

política e técnico-prática voltada ao conhecimento e transformação da realidade

social. Essa formação crítica apreendida durante o período da graduação precisa

ser estimulada durante o exercício profissional desses assistentes sociais para que

eles não recaiam em uma reflexão acrítica dos seus processos de trabalho.

De acordo com a Política de Educação Permanente do conjunto CFESS-

CRESS (2012, págs. 15 e 16) a educação permanente se constitui:

[...] em um importante instrumento para a construção e qualificação de ações cotidianas no exercício da profissão e na sua capacidade de organização política. Dessa forma, é necessário reconhecê-la também como instrumento fundamental de luta política e ideológica. Por esta razão, é que o Conjunto CFESS-CRESS vem privilegiando o espaço da formação, como uma das ferramentas que possibilita o fortalecimento do nosso projeto profissional.

70

A importância da formação profissional associada à educação permanente

possibilita à categoria de assistentes sociais a reflexão de forma crítica em torno do

seu exercício profissional, ultrapassando a imediaticidade das demandas que

chegam fragmentadas ao setor, mesmo em tempo dos retrocessos sociais

apontados no decorrer desta pesquisa.

Embora a conjuntura atual tenha se mostrado adversa para o exercício

profissional, a formação permanente consiste num dos caminhos à qualificação

dessas assistentes sociais. O intuito é possibilitar o aprimoramento dos

instrumentos utilizados no plantão social, a partir de uma análise crítica da

realidade; aprofundar a escuta qualificada que resulta na elaboração da ficha

social; trabalhar melhor as orientações aos usuários; mapear o perfil dessa

população; intensificar o diálogo com os acompanhantes, entre outras atividades.

Quando questionadas a respeito da vinculação em algum sindicato ou outra

organização política 53% respondeu que sim, 40% respondeu que não participa e

7% não respondeu. Já em relação à participação nas reuniões promovidas pelo

Conselho Regional de Serviço Social, apenas 13% respondeu que sim, 80% que

não participa e 7% não respondeu.

Acreditamos que essa baixa participação ocorre por dois motivos: o primeiro

em relação às condições objetivas e subjetivas que permeiam o exercício

profissional dificultando o acesso das assistentes sociais a esse espaço de

interlocução profissional; e em segundo lugar, a partir de um diálogo travado com

umas das assistentes sociais seu discurso deixou claro que o Conselho se

restringe apenas à questão do pagamento da anuidade e a uma fiscalização

punitiva do trabalho das assistentes sociais, não sendo visto como espaço de

aprimoramento e discussão da prática, muito menos apreendendo as verdadeiras

funções de um conselho de categoria profissional.

Esse elemento exposto por uma das profissionais do setor reproduz um

discurso conservador da origem dos conselhos do Serviço Social que não objetivava

a aproximação da categoria nem incentivava os debates coletivos. A falta de

compreensão acerca da importância do Conselho Regional, no que diz respeito à

orientação do exercício profissional, traz consequências à organização política da

categoria, até porque em tempos atuais esses espaços têm se esvaziado,

majoritariamente, por uma apatia dos sujeitos na arena das discussões políticas.

71

A partir dos apontamentos acima, percebemos que no discurso da maioria

das assistentes sociais do Hospital Walfredo Gurgel há consciência de que a

atuação do Serviço Social precisa ser constantemente repensada, tendo em vista

que as demandas estão em constante modificação.

Entretanto, as condições objetivas relacionadas à atual conjuntura, a

correlação de forças presentes na instituição e a relativa autonomia profissional

acabam refletindo nas condições subjetivas. Nesta perspectiva, se destacam

aquelas profissionais com viés mais progressistas e outras mais conservadoras, as

contradições profissionais, e tudo isso acaba recaindo em maior ou menor grau no

exercício profissional do/a assistente social nos diversos espaços de trabalho, com

ênfase aqui à área da saúde.

Outro aspecto importante é que apesar de a categoria ter avançado em

relação aos normativos que fundamentam a sua prática profissional, a exemplo da

Lei de Regulamentação, Código de Ética, Lei das Diretrizes Curriculares e os

Parâmetros Para Atuação de Assistentes Sociais na Saúde, ainda se percebe em

algumas falas o não avanço no que se refere à compreensão individual do Projeto

Ético-Político, e como esse direcionamento político se expressa no cotidiano do

trabalho.

É preciso que essas profissionais compreendam esses normativos para

além da teoria, tentando articular e sistematizar a sua prática profissional, a fim de

buscar estratégias para qualificar os serviços prestados à população usuária do

Sistema Único de Saúde.

72

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É a partir das transformações históricas ocorridas no âmbito da sociedade

capitalista que o Serviço Social vai se consolidando como uma profissão inserida na

divisão social e técnica do trabalho. Dessa forma, sabe-se, por meio da literatura

tomada como base, que é por meio desse movimento do real que vão se desvelando

os limites e as possibilidades de intervenção profissional do/a assistente social nos

espaços sócio-ocupacionais na área da saúde.

Nessa lógica, as mudanças macrossocietárias de cunho político e econômico

acabam incidindo contraditoriamente no campo da política social e no papel do

Estado frente às desigualdades sociais. O processo de contrarreforma do Estado

brasileiro e a adoção de políticas com orientação neoliberal, delineadas de acordo

com as tendências internacionais, impõem à profissão novas demandas e novos

desafios frente à lógica do capitalismo contemporâneo, que propicia as mudanças

no mundo do trabalho e o desmonte dos direitos sociais conquistados historicamente

pela classe trabalhadora.

A atual conjuntura, marcada por políticas de ajuste fiscal com o intuito de

equilibrar a economia, agravadas no governo do atual Presidente da

República Michel Temer, tem trazido rebatimentos negativos para a política de

saúde brasileira, representando o aprofundamento dos cortes sociais e uma ameaça

ao conceito ampliado de saúde defendido pelo movimento da Reforma Sanitária

durante a década de 1980.

Além de que, os espaços sócio-ocupacionais em que se inserem os/as

assistentes sociais também têm sofrido influência dessas reformas estatais,

passando por variadas transformações e adquirindo novos desafios decorrentes

dessa conjuntura. Nesse sentido, torna-se imperativo a discussão acerca da

reconfiguração desses espaços de trabalho e das novas requisições feitas a esses

profissionais na atualidade.

Sendo assim, para qualificar o exercício profissional fez-se necessário a

análise e a apropriação das dinâmicas desses espaços de trabalho pelos/as

assistentes sociais – nesse estudo, com enfoque na área da saúde, a partir de uma

leitura crítica da realidade, visando assim articular elementos teóricos, éticos e

políticos que objetivem a viabilidade de efetivação do Projeto Ético-Político da

profissão no cotidiano do trabalho.

73

Assim, para a discussão da particularidade da intervenção profissional do/a

assistente social na área da saúde, torna-se importante compreendermos as

atribuições e competências profissionais previstas na Lei Nº 8.662/93, bem como o

que está preconizado nos Parâmetros Para a Atuação de Assistentes Sociais na

Saúde.

Seguindo esta discussão, e tendo como referência nosso objetivo geral,

podemos afirmar que foi possível nos debruçarmos sobre a temática do Serviço

Social no âmbito hospitalar, tendo como realidade o HMWG, onde foi traçada, mais

precisamente, uma discussão sobre as atribuições privativas e as competências

profissionais como uma mediação da instrumentalidade do trabalho profissional.

No que se refere aos objetivos específicos traçados, podemos perceber que

as principais atividades desenvolvidas pelas assistentes sociais consistem na

emissão declarações, encaminhamentos, solicitação de documentos, orientações

(sobre previdência social, Seguro DPVAT, benefícios sociais), solicitação de

ambulâncias de outros munícipios em casos de alta de pacientes, cadastros de

acompanhantes, relatórios, pareceres sociais, entrevistas, e principalmente, o

preenchimento da ficha social.

A partir das análises dos questionários, observamos que historicamente o/a

assistente social ainda vem sendo reconhecido pelas instituições empregadoras

como o profissional executor das políticas sociais. E que diante da complexidade do

cotidiano do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel é difícil sistematizar o trabalho

desenvolvido e ultrapassar as demandas mais imediatas dessa realidade.

Finalizando a discussão realizada sobre o exercício profissional do/a

assistente social no HMWG, gostaríamos de explanar alguns elementos importantes,

dentre eles: que é imprescindível analisar as especificidades profissionais –

atribuições e competências do Serviço Social na saúde – a fim de estimular que as

assistentes sociais se aproximem dos normativos profissionais (Lei 8.662/93, Código

de Ética, resoluções, Parâmetros Para Atuação de Assistentes Sociais na Saúde) e

reconheçam qual o papel do/a assistente social no ambiente hospitalar para terem

respaldo jurídico para confrontar o que é de sua atribuição ou não.

Outro aspecto fundamental, é que as profissionais compreendam de forma

clara a diferença entre atribuições privativas e competências profissionais, para que

não confundam suas prerrogativas profissionais com os instrumentais técnico-

operativos realizados no hospital. Ficou claro que essas profissionais identificam as

74

atividades que não deveriam realizar, mas acabam realizando devido às exigências

institucionais. No entanto, não reconhecem quais atribuições privativas competem

ao cargo de assistente social.

Outro aspecto que merece destaque é em relação à equipe do Serviço Social

do hospital ter construído coletivamente o plano de trabalho que permite o

planejamento e sistematização das atividades desenvolvidas pelo setor. Tendo em

vista que o Walfredo Gurgel é um hospital de alta complexidade e suas demandas

são extremamente rotativas, a sistematização das ações desenvolvidas tem o intuito

de favorecer as reflexões profissionais de cunho teórico-metodológico, ético-político

e técnico-operativo de forma organizada.

Além disso, essa reflexão da equipe de Serviço Social do hospital, acerca das

atividades que realiza na instituição e o que poderia ser realizado juntamente com

outros profissionais da saúde, circunscreve um momento de força e resistência da

equipe em defesa do reconhecimento do/a assistente social como trabalhador da

saúde, enfatizando qual a importância de esse profissional integrar a equipe de

saúde.

Sobre a apreensão do Projeto Ético-Político do Serviço Social, ressaltamos a

importância de o/a assistente social compreendê-lo em sua totalidade e buscar

promover a sua materialidade nesse espaço sócio-organizacional. Sabemos que

essa articulação não se estabelece de forma linear, considerando a própria

conjuntura atual, os conflitos entre as classes sociais, a correlação de forças no

âmbito institucional e as exigências institucionais redimensionadas pelas requisições

neoliberais.

Em vista disso, é importante que a categoria seja forte politicamente e

comprometida com a viabilização dos direitos da classe trabalhadora, com o que

está preconizado no Projeto Ético-Político, além de qualificar a sua prática

profissional através da educação permanente em saúde, corroborando para a

disseminação do processo educativo que envolve o trabalho, nos variados espaços

sócio-organizacionais.

Por fim, valendo-se das considerações feitas, conclui-se, em síntese, que o

presente estudo é resultado da nossa aproximação com a realidade vivenciada na

saúde, sobretudo, no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel. E que esses resultados

demarcam um momento histórico adverso em relação ao desmonte dos direitos

75

sociais e seus rebatimentos na vida dos usuários, refletindo também na intervenção

profissional do/a assistente social.

Gostaríamos de salientar que não buscamos com esse estudo esgotar a

discussão sobre as atribuições e competências profissionais do/a assistente social, a

nossa pretensão foi contribuir com este debate tecendo reflexões sobre essa

temática, a fim de fomentar entre a equipe de Serviço Social do hospital a ampliação

do debate sobre alguns dos desafios enfrentados pela categoria no âmbito da saúde

e as eventuais mediações para tornar possível a articulação do exercício profissional

com o Projeto Ético-Político.

76

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80

APÊNDICES

APÊNDICE I – Questionário aplicado às assistentes sociais do Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel19

COMPLEXO HOSPITALAR MONSENHOR WALFREDO GURGEL UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

SERVIÇO SOCIAL

O PERFIL DO/A ASSISTENTE SOCIAL DO COMPLEXO HOSPITALAR MONSENHOR WALFREDO GURGEL/PRONTO SOCORRO CLÓVIS SARINHO

I DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

1. Sexo ( ) F ( ) M

Identidade de gênero:

___________________________________________________________________

2. Faixa etária:

( ) 20 a 30 anos

( ) 31 a 40 anos

( ) 41 a 50 anos

( ) mais de 50 anos

3. Faixa salarial:

( ) de 1 a 3 salários mínimos

( ) de 4 a 6 salários mínimos

( ) de 7 a10 salários mínimos

4. Além do vínculo com a SESAP, possui outro vínculo empregatício?

( ) sim ( ) não

Se sim, onde? E qual área?

19

Questionário aplicado com as assistentes sociais do HMWG durante o período do estágio, no primeiro semestre de 2017.

81

___________________________________________________________________

5. Há quanto tempo atua no Complexo Hospitalar?

___________________________________________________________________

6. Qual o regime de trabalho?

___________________________________________________________________

7. SOBRE A ESCOLARIDADE DO INFORMANTE

Possui curso de pós-graduação? ( )sim ( )não

Se sim, qual?

___________________________________________________________________

Atualmente, faz algum curso de capacitação ou aperfeiçoamento profissional? ( ) sim ( ) não

Se sim, qual(is)?_____________________________________________________________

Costuma participar de simpósios, congressos ou seminários de serviço social? ( )sim ( )não

Nos últimos 5 anos, produziu conhecimento na sua área de atuação? ( )sim ( )não

Se sim, qual(is)?_____________________________________________________________

8. Qual sua Religião:

( ) Católica ( ) Protestante ( ) Religiões de Matrizes Africanas ( ) Ateu/a ( ) Outras

9. Faz alguma atividade física? ( ) sim ( ) não

10. Tem momentos de lazer? ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Nunca

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11. O que considera como avanço ou conquista no que se refere à atuação profissional no Complexo hospitalar?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

12. Quais são os principais desafios cotidianos com outros profissionais?

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

13. Em uma análise pessoal qual o principal desafio enfrentado na sua atuação profissional no Complexo Hospitalar?

______________________________________________________________________________________________________________________________________

14. Você acha que a atuação do serviço social no Complexo Hospitalar precise ser repensada em algum aspecto? ( ) sim ( ) não

Se sim, cite algum

___________________________________________________________________

15. A estrutura física do Complexo Hospitalar (ambiência) dá suporte para que seja desenvolvido um bom atendimento aos usuários? ( ) sim não ( )

16 Destaque 2 atribuições privativas do Serviço Social desenvolvidas no Complexo Hospitalar.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

17. Quais atividades você exerce que não deveria exercer?

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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18. Você participa de alguma organização política? Sindicato? Associação? ( ) sim ( ) não

19. Participa das reuniões do CRESS? ( ) sim ( ) não

20. Você tem acompanhado as reformas políticas (previdência e trabalhista) que estão acontecendo?

( ) sim ( ) não

21. Você concorda com essas reformas? ( ) sim ( ) não