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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CCSA DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL PPGSS LILLIANE DE LIMA ANDRADE DO NASCIMENTO FORMAÇÃO SUPERIOR E INSERÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO: da brevidade de sonhar em tempos de precarização estrutural do trabalho NATAL-RN 2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UFRN …...institucional e do ensino superior no Brasil, de precarização estrutural do trabalho e de adensamento do precariado. A pesquisa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS

LILLIANE DE LIMA ANDRADE DO NASCIMENTO

FORMAÇÃO SUPERIOR E INSERÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO: da

brevidade de sonhar em tempos de precarização estrutural do trabalho

NATAL-RN 2016

LILLIANE DE LIMA ANDRADE DO NASCIMENTO

FORMAÇÃO SUPERIOR E INSERÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO: da

brevidade de sonhar em tempos de precarização estrutural do trabalho

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Eliana Costa Guerra. Linha de Pesquisa: Serviço Social, Trabalho e Questão Social.

NATAL-RN 2016

AGRADECIMENTOS

“O que eu sou, eu sou em par. Não cheguei sozinho”

Lenine

Elaborei o mestrado dentro do meu projeto de vida e fui extremamente feliz por

encontrar, em meu percurso, verdadeiros anjos, mestres e amigos, que a mim uniram

forças na concretização de todo o aprendizado e aprofundamento até aqui

alcançados. Muitos foram os que contribuíram para a realização desta pesquisa e

muitas foram as mãos a segurar a minha, a me apoiar quando o caminho parecia

pedregoso e de difícil continuidade.

Agradeço ao IFRN por abrir as portas e os arquivos à minha pesquisa,

oportunizar sua realização, respondendo sempre tão prontamente às minhas

solicitações e fornecendo os dados necessários. Também sou grata a esta instituição

por ter atendido minha solicitação de afastamento das atividades de trabalho,

demonstrando-se compreensiva à relevância desse processo formativo em meu

desenvolvimento pessoal e profissional. Aproveito para agradecer aos colegas

parceiros no exercício profissional pelo apoio e por assumir, em minha ausência, as

muitas demandas de trabalho.

Agradeço aos sujeitos da pesquisa, cuja participação foi essencial para o

estudo e seus resultados. Cada um, a cada contato, conferiu a riqueza apresentada

nestas páginas, mas também uma riqueza que está para além do que posso registrar

aqui. Conhecer suas histórias de vida e percepções sobre a formação profissional e a

inserção no mundo do trabalho preencheu de maior sentido as análises e conclusões.

Obrigada por terem sido tão solícitos!

Expresso também minha profunda gratidão aos professores do Programa de

Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN pela importante contribuição ao meu

amadurecimento e aprofundamento acadêmico.

Agradeço, em especial, à Eliana Guerra, mais que minha orientadora, uma

amiga querida; mestre essencial ao longo desta densa edificação, por estar junto a

mim numa condução humana, cuidadosa e tranquila dos trabalhos; por partilhar

comigo seus conhecimentos; por orientar e demandar, na correta medida, aquilo que

poderia realizar; por confiar no meu trabalho e a ele conferir autonomia. Grata pela

compreensão e pelo carinho de sempre. Desejo que esta parceria firmada se perpetue

e amplie cada vez mais. Gratidão, Eliana!

Aos colegas de turma, também meu agradecimento. Foi especial compartilhar

tantos momentos de aprendizado com tão bons profissionais. Dividir os espaços de

formação, atuação e luta com vocês será sempre uma enorme satisfação.

Agradeço aos amigos mais próximos e familiares, por compreender a ausência

em meio ao processo de imersão vivenciado, por, ainda assim, estar junto, apoiando

e dando forças até o último momento deste ciclo (e, certamente, nos que virão a

seguir).

De forma particular, à minha mãe, Ernestina, orientadora de minha existência,

a mostrar-me o valor do conhecimento desde meus primeiros passos; mãe que tanto

esforço empreendeu para me oportunizar a educação formal, mas, sobretudo, aquela

que me prepararia para a vida.

Manifesto também de maneira especial minha gratidão ao meu esposo e

companheiro de vida, Moreno Nascimento, pela compreensão, pelo respeito, pelo

estímulo e por sempre me fazer acreditar... só nós sabemos a vitória que significa esta

jornada.

Por fim, sendo este também meu reconhecimento primordial, expresso minha

gratidão aos Deuses, fonte de coragem e inspiração de meu espírito guerreiro. A

Ogma pelo entusiasmo criador e domínio da linguagem. A Brigit por seu acalanto e

força.

“Dê asas pr'eu aterrissar no céu. Dê paraquedas pr'eu saltar do chão pro céu. Para uma estrela acender na minha mão” (Luiz Felipe Leprevost, Thiago Menegassi e Troy Rossilho)

Resumo

Este estudo objetivou conhecer e analisar a inserção, no mercado de trabalho, assim como as condições e relações laborais dos egressos dos cursos superiores de tecnologia do Campus Natal-Central do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), no contexto contemporâneo de expansão institucional e do ensino superior no Brasil, de precarização estrutural do trabalho e de adensamento do precariado. A pesquisa fundamentou-se em uma perspectiva crítica, visando apreender o objeto de pesquisa mediante as determinações sócio históricas da sociedade do capital, em tempos de crise. Do ponto de vista metodológico, constituiu-se uma pesquisa quali-quantitativa trabalhando com dados secundários e primários; estes últimos oriundos de entrevistas semiestruturadas. As análises dos resultados nos permitiram identificar, nos relatos dos egressos, seus perfis, explicitando características inerentes à categoria “precariado” e desvelar os limites da ação do IFRN, que, apesar das pretensões institucionais em contrário, tem atuado como vetor de adensamento dessa parcela da classe trabalhadora no atual tempo histórico. O estudo revelou igualmente elementos importantes do processo formativo e de pós-diplomação que podem ser considerados pelo Instituto na adequação dos currículos, na organização e articulação dos estudantes/profissionais e no processo de acompanhamento dos egressos, a fim de favorecer melhores condições de inserção profissional a seus formandos/egressos.

Palavras-chave: Precarização do trabalho; Expansão do ensino superior; Precariado,

Educação profissional e tecnológica.

Abstract

This study aimed to know and analyze the insertion in the labor market, as well as the conditions and labor relations of graduates from higher education in technology of Campus Natal-Central of the Federal Institute of Education, Science and Technology of Rio Grande do Norte (IFRN) in the contemporary context of institutional expansion and higher education in Brazil, structural work precariousness and densification of the precariat. The research was based on a critical perspective that aims to grasp the research subject by social-historical determinations of the society of capital in times of crisis. From a methodological point of view, it constitutes a qualitative and quantitative research working with secondary and primary data; the latter coming from semi-structured interviews. The analysis of the results allowed us to identify the reports of the graduates their profiles, explaining inherent characteristics of the category "precariat" and revealing the IFRN action limits, that despite institutional claims to the contrary, has acted as a densification vector of this portion of the working class in the present historical time. The study also revealed important elements of both the training and post-graduation processes that may be considered by the Institute in the adaptation of curricula, organization and articulation of students / professionals and monitoring process of graduates in order to promote better conditions for its students/graduates employability. Keywords: Precarious work; Expansion of higher education; Precariat, professional and technological education.

Lista de Abreviaturas

ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa e Serviço Social

BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BM - Banco Mundial

CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CE - Ceará

CEE - Coordenação de Estágios e Egressos

CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica

CFESS - Conselho Federal de Serviço Social

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

CONSUP - Conselho Superior

CRA - Coordenação de Registro Acadêmico

DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

EAD -Educação a Distância

FHC - Fernando Henrique Cardoso

FIES - Fundo de Financiamento Estudantil

FIES - Fundo de Financiamento Estudantil

FMI - Fundo Monetário Internacional

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IES - Instituição de ensino superior

IF - Instituto Federal

IFCE - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará

IFRN - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC - Ministério da Educação

MP - Ministério Público

OIT - Organização Internacional do Trabalho

OMC - Organização Mundial do Comércio

ONU - Organização das Nações Unidas

OVEP - Observatório da Vida do Estudante da Educação Profissional

PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PPP – Projeto Pedagógico

PROEN - Pró-Reitoria de Ensino

PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

PROUNI - Programa Universidade Para Todos

REUNI - Programa de Apoio a Planos de Estruturação e Expansão das

Universidades Federais

RN -Rio Grande do Norte

SERES - Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior

SETEC - Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação

UFERSA - Universidade Federal do Semi-Árido

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura

Lista de Figuras

Figura 1 – Marcos históricos do processo de mudanças na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica Figura 2 – Distribuição dos Campi do IFRN, por cidade, no estado do Rio Grande do Norte Figura 3 – Organograma da estrutura acadêmica vinculada aos cursos superiores de tecnologia no Campus Natal-Central Figura 4 – Fluxo das mudanças de nomenclatura do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental Figura 5 – Fluxo das mudanças de nomenclatura do curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas

Lista de Tabelas

Tabela 1-Cursos superiores de tecnologia por eixo tecnológico e ano de início das ofertas Tabela 2: Perfil profissional por curso superior de tecnologia, modalidade presencial, do Campus Natal-Central do IFRN Tabela 3 - Quantitativo de discentes aptos a colar grau nos cursos superiores de tecnologia atualmente ofertados pelo IFRN Campus Natal-Central, referente aos anos de 2013 e 2014 Tabela 4 – Cursos de formação dos egressos entrevistados

Lista de Gráficos

Gráfico1 - Evolução do número de IES universitárias e não universitárias no Brasil – 1994-2014 Gráfico2 – Evolução, em números absolutos, de IES por categoria administrativa no Brasil – 1994-2014 Gráfico 3 - Evolução do número de matrículas no ensino superior no Brasil – 1994-2014 Gráfico 4 - Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica - Em unidades. Gráfico 5 - Quantidade de Municípios atendidos com a expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15

2 O IFRN NO CONTEXTO DA EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR E

TECNOLÓGICO NO BRASIL EM TEMPOS DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

E CRISE DO CAPITAL ............................................................................................. 35

2.1 A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no contexto de

expansão do ensino superior no Brasil e de mutações no mundo do trabalho ...... 35

2.2 Crise e precarização do trabalho e as novas demandas de formação dos

trabalhadores ......................................................................................................... 41

2.2.1 Brasil: inserção tardia, dependente e subordinada ao capitalismo

financeirizado e repercussões sobre o trabalho .................................................. 49

2.3 Precarização estrutural do trabalho e emergência do precariado: novas

configurações do trabalho e permanência de “velhas” estruturas e relações de

exploração ............................................................................................................. 61

2.4 Estado e expansão da educação superior no Brasil em tempos de

reestruturação produtiva, de emergência e ampliação do precariado.................... 77

3 REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA:

CONTRADIÇÕES E PERSPECTIVAS NO PROVIMENTO DE FORÇA DE

TRABALHO NA ÁREA TECNOLÓGICA ................................................................ 106

3.1 Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo em tempos de

crise do capital e de reconfiguração do Estado.................................................... 106

3.2 A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica expande-se no Rio

Grande do Norte e na Grande Natal .................................................................... 117

3.2.1 Cursos de Superiores de Tecnologia do IFRN: o dito e o não dito nas

propostas oficiais e na operacionalização dos novos cursos da área tecnológica

.......................................................................................................................... 125

3.3 Formação técnica e tecnológica de nível superior no IFRN e a inserção

profissional dos egressos no mundo do trabalho ................................................. 141

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 173

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 179

APÊNDICE A .......................................................................................................... 192

APÊNDICE B .......................................................................................................... 198

15

1 INTRODUÇÃO

O estudo ora apresentado teve como ponto de partida inquietações

profissionais e pessoais fomentadas ao longo de alguns anos de inserção

profissional em Campi do IFRN. Desde agosto de 2010, integrando o quadro efetivo

de servidores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio

Grande do Norte (IFRN), no cargo de assistente social, acumulamos experiências

no exercício laboral em mais de um campus, o que tornou possível perceber

distintas realidades no processo de interiorização do IFRN no estado. Além da

atuação na condução das ações do Serviço Social dos campi nos quais estivemos

lotados1, tivemos também a oportunidade de assumir funções de gestão2, que nos

proporcionaram contato mais direto com documentos e atos da gestão local e do

nível central3.

Intrigava-nos, inicialmente, o processo expansionista por que, notadamente,

vem passando o Instituto nos últimos anos e, com ele, toda uma gama de

interferências sobre a organização institucional, percebidas nas constantes

adequações e mudanças processadas em seu interior. Interpelávamo-nos ainda

acerca dos resultados efetivamente alcançados com a ampliação da Rede Federal

de Educação Profissional e Tecnológica, com destaque para o IFRN.

Assim, os estudos empreendidos nos fizeram demarcar uma questão inicial

– e que se tornou central com relação à mencionada realidade: Como tem se dado

a inserção dos estudantes egressos do IFRN no mundo do trabalho? Isso porque

a elevação quantitativa da oferta de vagas nos cursos oferecidos pelos Institutos

1 Campus Caicó, Santa Cruz e São Gonçalo do Amarante, todos localizados em cidades de mesmo nome. 2 As funções ocupadas foram a de Coordenadora de Atividades Estudantis, em que geria serviços de assistência aos estudantes, e de Coordenadora do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas, sendo responsável pela implantação e gestão do núcleo no Campus Caicó. 3 Refere-se à hierarquia prevista na estrutura administrativa interna do IFRN, tal como descrita em

seu Estatuto. Faz-se menção ao nível local, em que se inserem os gestores de cada campus, tendo por responsabilidade planejar, coordenar, executar e avaliar os projetos e as atividades das suas áreas de atuação no âmbito de cada unidade acadêmica, e ao nível sistêmico, composto pelas diretorias ligadas diretamente às Pró-reitoras e à Reitoria e incumbidas de planejar, coordenar, executar e avaliar os projetos e as atividades das suas áreas de atuação no âmbito no Instituto em sua esfera macro.

16

significa, ao menos em princípio, por uma conexão lógica, um maior número de

diplomados, isto é, um quantum de trabalhadores formados, dotados de

conhecimento e certificação em busca de emprego. Não obstante, o crescimento

significativo em oferta de vagas nos cursos de nível superior pelo IFRN, ou a

expansão do ensino superior, não se restringe a esta IES. De fato, o número de

diplomados é adensado por aqueles oriundos das universidades públicas, de

instituições privadas e de outras organizações que surgem via diversificação

institucional4.

Contraditoriamente, Ricardo Antunes (2011a) revela-nos um contexto

socioeconômico e político mundial de reestruturação do trabalho, no qual se

intensifica o processo de flexibilização e de precarização do trabalho, compondo

uma nova morfologia do trabalho, em que se regulamentam iniciativas de interesse

dos capitalistas, tornando o mercado impermeável para muitos e impositivo de uma

exploração cada vez maior do trabalhador. Um quadro manifesto em todo o mundo

e também no Brasil, com caráter incongruente, dado que emerge da própria

contradição do capital e conflito/exploração do trabalho; tanto é assim que Antunes

(2006, 2013) sintetiza na expressão “riqueza e miséria do trabalho no Brasil”.

Consoante com os constructos analíticos de estudiosos como David Harvey

(2011), François Chesnais (2006) e István Mészáros (2002, 2008, 2006, 2016),

vivenciamos tempos em que, ganha corpo mais um episódio a expor a crise

estrutural do sistema do capital, demarcado pelo rentismo global e por suas

implicações sobre o mundo do trabalho. Por ora, cabe-nos destacar que um dos

motes da engrenagem da referida ampliação, é o fato de os Institutos Federais (IF)

funcionarem, para o Estado, como instrumento para a expansão do ensino superior

no Brasil, via diversificação institucional e de áreas de formação, ou mesmo como

maneira de responder às requisições do mercado de trabalho no processo de

substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, nos termos utilizados por Marx

(1978, 2013). Contraditoriamente, verificamos demandas em níveis cada vez mais

elevados de formação profissional em um contexto de precarização estrutural do

trabalho. A formação de nível superior tem sido reiteradamente assinalada no

discurso corrente como indispensável à qualificação dos sujeitos em tempos atuais,

4 Centros universitários, CEFET/IF e faculdades.

17

como forma de garantir a chamada empregabilidade e assegurar competitividade

no mercado.

Motivamo-nos, assim, a nos debruçar sobre a realidade dos egressos desse

nível de ensino, cuja oferta aparece recentemente nos IF, por meio da criação de

cursos de tecnologia e de licenciaturas. Ambas as áreas surgem no âmbito dos

Institutos como forma de responder às demandas e carências por mão de obra

qualificada, de um mercado de trabalho contemporâneo cada vez mais exigente.

Tendo em conta todo esse contexto e seu mosaico de determinações, que

tão logo aprofundaremos, ganha forma, em esfera mundial, uma parcela da classe

trabalhadora com recortes muito bem definidos, o precariado. Para nós, Giovanni

Alves (2012, 2014b) formula teoricamente, ou define com maestria, esse grupo. À

luz deste autor, traçamos o perfil de tais sujeitos como sendo pertencentes às

juventudes que têm buscado elevar o grau de escolaridade e qualificação

profissional, atingindo alto patamar, a enfrentar, porém, contexto adverso para sua

inserção no mundo do trabalho, transitando de um emprego ou ocupação, nos

setores formal ou informal, desenvolvendo atividades temporárias, de modo geral,

em relações e condições de trabalho precárias.

Trata-se, pois, de uma parcela jovem, altamente qualificada, repleta de

conhecimentos e expectativas, pronta para a atuação profissional, a deparar-se

com atividades que não condizem com sua qualificação profissional, com salários

insatisfatórios para os níveis de formação, com parca ou nenhuma segurança ou

proteção trabalhista, em contratos flexíveis; condições cujo resultado é, além do

exercício precário do trabalho, frustração, desmotivação e/ou perda da qualidade

de vida. Significa, nos termos de Giovanni Alves (2011), um processo de

precarização existencial, a atingir aqueles cuja busca pela qualificação profissional

representava uma perspectiva de melhoria das condições de vida, promessa que

paira no senso comum, propalada pelo mercado e pelo próprio Estado.

Nesse estudo, tomamos o precariado como categoria de análise e

indagamos acerca da contribuição ou não, por parte do IFRN e de sua nova oferta

de cursos de nível superior, para o adensamento dessa parcela da classe

trabalhadora.

Dentre as áreas de formação assumidas pela instituição, a área tecnológica

destaca-se como aquela que, supostamente, teria o carimbo ou símbolo do

18

progresso no seio do sistema capitalista. Na contemporaneidade, tal significado

social atribuído a esta área a torna mais atrativa a incentivos estatais destinados à

formação profissional. No âmbito do IFRN, distingue-se como a área que tem

passado por maior diversificação, com introdução de novos cursos e reconfiguração

dos existentes, concentrando, atualmente, a maior oferta de vagas da instituição5,

além de ser aquela mais procurada.

Atualmente, O IFRN conta com 31 cursos de nível superior, dos quais 1

curso de engenharia, 10 cursos de licenciatura e 20 cursos de tecnologia. Conforme

os Editais nº 01 e nº 16/2015 – PROEN/IFRN, através do Sisu6, em 2015 foram

ofertadas 668 vagas para os cursos da área de tecnologia na instituição, quando

416 vagas foram disponibilizadas para as licenciaturas. Para o primeiro semestre

de 2016, por meio do Edital nº 36/2015-PROEN/IFRN, o IFRN ofertou um total de

408 vagas para os cursos superiores de tecnologia, 302 para as licenciaturas e

apenas 40 vagas para o único curso de engenharia que abriga.

Conforme o Relatório de Gestão do Exercício de 2015 do IFRN (2016), em

2015 foram realizadas 2.595 matrículas ordinárias nos cursos superiores de

tecnologia, enquanto que as licenciaturas registraram 2.080 matrículas ordinárias.

Do total de matriculados nos cursos da área tecnológica, 1.367 situam-se ao

Campus Natal-Central, o maior número apresentado dentre todos os campi. Para

termos ideia da dimensão do referido campus, os dados apontam que a maior

aproximação quantitativa é do Campus Natal Cidade Alta, cujo número de

matrículas foi de 298, em 2015.

Tomando em conta a expansão supramencionada, a pesquisa tece uma

análise do processo de inserção dos sujeitos egressos do ensino superior dos

cursos de tecnologia do IFRN no mundo do trabalho, no atual contexto de expansão

deste nível de ensino no Brasil e no Rio Grande do Norte, inscrevendo tal

problemática no cerne da dinâmica do mercado e da realidade laboral em tempos

de reestruturação produtiva e de expansão do precariado.

Com efeito, em cenário de precarização do trabalho, de informalização da

economia7, de elevada rotatividade nos postos de emprego, torna-se importante

5 Veremos, mais adiante, dados que atestam essa afirmação. 6 Sistema de Seleção Unificado do Ministério da Educação. 7 A informalidade na economia capitalista e, em particular, no desenvolvimento do capitalismo no Brasil, data de longo tempo. Podemos identificar autores que abordaram a temática, nos anos

19

indagarmo-nos sobre as possibilidades de inserção no mundo do trabalho de jovens

egressos do IFRN, sobre as modalidades de contrato que estabelecem,

considerando os tipos de formação recebidos, com destaque para a área

tecnológica, além de conhecer melhor seus percursos de vida e as condições de

trabalho com as quais se defrontam.

O objeto de estudo assim delineado parte das sucessivas aproximações

realizadas, as quais nos possibilitaram maior amadurecimento e o estabelecimento

de algumas interconexões teóricas e analíticas imprescindíveis à compreensão da

vinculação entre a expansão dos IF - em especial, neste caso, do IFRN – e a

ampliação do ensino superior no País e, além disto, a sua imbricação com a

realidade complexa de crise estrutural do capital e as novas determinações que

movem e conformam o mundo do trabalho.

Assim, o encontro com a temática e, sobretudo, com o objeto estabelecido

nos indicou a relevância da pesquisa encampada, ora por entender, mediante o

contato com os alunos, proporcionado pela função exercida, as angústias e o receio

diante do inesperado “novo mundo”, que se abre após a conclusão do curso,

quando não o sentimento de despreparo para enfrentar de tal situação; ora por

compreender, pela aproximação com setores das áreas específicas de formação e

acompanhamento de egressos, as perspectivas e os desafios da instituição para

monitorar e/ou permanecer em contato ou mesmo assegurar orientação mínima

aos diplomados de seus cursos.

Assim, a pertinência deste estudo relaciona-se à sua potencial contribuição

ao IFRN e demais instituições que ofertam cursos de nível superior, no sentido de

ampliar as discussões acerca da importância de tal acompanhamento, mas não

apenas, posto que a perspectiva crítica a que se vincula a pesquisa, certamente,

revelará, lacunas, inconsistências, dificuldades e desafios que perpassam a

realidade da formação profissional técnica e tecnológica, além das contradições

entre necessidades reveladas pelos sujeitos sociais e as possibilidades concretas

1950/60 e, de modo mais amplo, nos anos 1970/80 quando se vislumbrava que o desenvolvimento, com a expansão da grande indústria levaria, progressivamente à inserção do conjunto dos trabalhadores no mercado formal de trabalho. A informalidade era, portanto, tida como provisória. Mais recentemente, com o aprofundamento da crise do capital e as decorrentes medidas ajustadoras e de reestruturação produtiva, a informalidade assume espaço central, integrando a própria dinâmica de reprodução ampliada do capital (ANTUNES, 2011b)

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da instituição realizar, além da formação, o acompanhamento e a orientação com

vistas à inserção no mercado de trabalho.

A análise construída neste estudo, por seu embasamento teórico e por

extrair da realidade seus principais elementos, pode subsidiar as diversas

instituições a construção de uma relação que se estabeleça seguindo uma tônica

não apenas quantitativa sobre a inserção profissional, mas dando especial atenção

aos aspectos qualitativos do exercício laboral de tais profissionais, considerando

inclusive a prestação de serviço de assistência com o apoio e a orientação

necessários antes - com a reformulação de currículos e elaboração de atividades

complementares - e após a diplomação. Pode fomentar ainda a mobilização dos

egressos para, em contrapartida, manter contato permanente com as instituições,

de maneira a contribuir com os processos de avaliação e desenvolvimento dos

currículos dos cursos, em consonância com a realidade, tornando visível a

receptividade ou não de suas experiências formativas pelo mercado, expressando

suas dúvidas, facilidades, dificuldades e anseios quanto ao processo de inserção

no mundo do trabalho.

Referimo-nos a esse aspecto porque o IFRN possui em sua estrutura

administrativa, isto é, na estrutura administrativa dos campi, a Coordenação de

Estágios e Egressos (CEE), a quem é atribuída a responsabilidade de manter e

sistematizar as informações referentes ao controle dos egressos, apresentando

relatório anual; a ela também compete promover estudos acerca da situação dos

diplomados, com vistas à atualização contínua dos currículos dos cursos.

Tendo em conta a densidade de questões que envolvem em tempos atuais,

torna-se relevante situar no cerne do debate institucional sobre os egressos dos

cursos superiores - com relevo para os procedentes dos cursos de tecnologia – as

análise que apontamos com referência às dificuldades de inserção no mundo do

trabalho, às relações e condições de trabalho com que se defrontam concludentes,

assim como à precarização existencial a que estejam submetidos, a isso que

evidenciamos como alargamento qualitativo do intento de acompanhamento de tais

profissionais.

Cabe ainda ressaltar que o objeto da pesquisa responde também a uma

perspectiva recente do próprio IFRN, a criação do Observatório da Vida do

Estudante da Educação Profissional (OVEP), cuja implementação visa mapear

21

informações da vida do estudante e desenvolver ações de intervenção para

garantia do acesso, da permanência, do êxito e da conclusão do curso, referindo-

se igualmente ao acompanhamento de egressos e de sua inserção no mercado de

trabalho, dimensão a constituir um desafio para a instituição. Assim, o material

produzido pela pesquisa poderá contribuir para o debate interno acerca dos

egressos e para o encaminhamento do próprio trabalho das comissões8 espraiadas

pelos campi do IFRN, com a missão de acompanhar a vida de tais estudantes. Para

além da percepção da efetiva empregabilidade dos estudantes que concluem

cursos no IFRN, a presente pesquisa pode contribuir com análises acerca das

condições de trabalho e de vida/existência, da articulação e/ou organização, assim

como da alocação e do reconhecimento profissional, diante da complexidade que

envolve a inserção dos tecnólogos no mundo do trabalho, especialmente no estado

do Rio Grande do Norte.

Entendemos que a abordagem de tais aspectos de forma crítica é pertinente,

senão indispensável, para a manutenção do desvelo da instituição formadora com

aqueles que a ela estiveram vinculados, ou seja, profissionais oriundos da formação

ofertada. Assim, cremos que a instituição disporá de mais ferramentas para

construir um acompanhamento mais completo e aproximado da realidade de seus

egressos e, sobretudo, para os trabalhadores aí graduados, para que não se vejam

simplesmente expelidos e dispersos em um mundo do trabalho, a lhes parecer

hostil, sem organização política, sem articulação com profissionais de outros

estados.

Não obstante isso, as análises propostas nesta pesquisa podem contribuir,

inclusive, para o Serviço Social do IFRN e da Rede Federal de Educação

Profissional e Tecnológica como um todo, uma vez que se referem diretamente ao

público com que trabalhamos, seus anseios e as determinações que envolvem seus

processos formativos e de inserção no trabalho. Os assistentes sociais,

profissionais que ocupam os quadros de servidores efetivos em todos os campi,

possuem grande potencial no que diz às suas competências e habilidades,

especialmente na atuação em equipe, na problematização interna sobre o trabalho

8 O OVEP foi estruturado sob a Coordenação da Pró-Reitoria de Ensino do IFRN, de modo que cada campus conta com uma comissão local, formada por profissionais do próprio campus (equipe técnica pedagógica, diretor acadêmico, coordenadores de curso, assistente social, psicólogo, dentre outros) para pensar as estratégias de acompanhamento a partir da sua realidade peculiar.

22

na contemporaneidade, podendo contribuir com o acompanhamento dos egressos

e com análises das informações obtidas pelos setores e/ou projetos da

organização, sempre numa perspectiva crítica. A participação desses profissionais

nas atividades do OVEP em alguns campi, a exemplo do campus Caicó, já denota

esse olhar por parte da instituição e do conjunto de assistentes sociais inseridos

nesse espaço sócio ocupacional.

Essa investigação e seus resultados significam um esforço no sentindo de

desvelar as implicações das iniciativas de expansão do ensino superior por parte

do Estado no contexto de crise do capital e de acentuação da precarização do

trabalho, tendo o pioneirismo de por, no centro do debate, a realidade norte-rio-

grandense. O estudo, portanto, pode contribuir academicamente ao expor questões

bastante atuais, em relação direta com distintas áreas, sendo as principais a

sociologia do trabalho, a educação, e o serviço social; temas que se põem a definir

o presente e o futuro das juventudes, no entanto, ainda carentes, especialmente

em nível local, de maior problematização que resultem construção de alternativas

institucionais e de luta.

Para dar conta dos objetivos propostos, um percurso metodológico foi sendo

desenhado desde o início do mestrado, ao longo da pesquisa até a definição do

objeto. Tal percurso foi revelador das inúmeras determinações, a circunscrever

nosso objeto de estudo, num contexto histórico permeado por conformações

econômicas, políticas, sociais, e culturais com as marcas da contemporaneidade.

A perspectiva investigativa adotada nos impulsiona a apreender o objeto em sua

essência e contraditoriedade. Diante da requisição que nos temos feito,

entendemos ser primordial amparar nossas análises em um método capaz de

apreender o real em sua dinâmica e complexidade, em busca de dar conta da

totalidade concreta e da conexão existente entre as distintas totalidades que a

compõem.

Substancialmente, por estarmos tratando do universo que envolve o mundo

do trabalho em tempos atuais, com forte determinação do conflito capital-trabalho

e das contradições que emergem do sistema de produção capitalista, na relação

que estrutura com a Política de Educação, isto nos reclama a opção por um método

que alcance seus meandros mais íntimos, indo para além da forma como se

23

apresenta na exterioridade. Dito de outro modo, em uma perspectiva de totalidade,

procuramos inscrever a relação entre formação profissional e tecnológica de nível

superior e empregabilidade nos atuais tempos históricos, na complexa teia de

relações sociais, como particularidade/totalidade de menor complexidade.

Assim, ao buscarmos dar conta de compreender – no seio das inflexões da

expansão do ensino superior através da Rede Federal de Educação Profissional e

Tecnológica na esfera local – como tem se dado a absorção (ou não) dos

estudantes egressos dos cursos superiores de tecnologia do IFRN, em face do

processo de reestruturação produtiva e da conformação do precariado,

entendemos ser importante lançar mão de um método que torne possível apreender

as múltiplas, amplas e complexas determinações postas no capitalismo

contemporâneo em torno da categoria “trabalho”. A incidirem sobre nosso objeto

de pesquisa.

Assim, vinculamos nossa perspectiva investigativa ao método crítico-

dialético, o método em Marx, a partir do qual realizamos aproximações sucessivas

com o objeto, tendo por intuito problematizá-lo e compreendê-lo em seus arranjos

e contradições.

Em Marx, as relações materiais dos homens formam/edificam todas as suas

relações, de sorte que as relações sociais estão dialeticamente imbricadas às

forças produtivas. No seio da sociedade capitalista, cuja complexidade das relações

que engendra atinge patamares tão elevados, jamais vistos antes na história, o

trabalho (assalariado) assume centralidade no processo de valorização do capital,

sendo alvo de transformações impostas pelo sistema produtivo.

A formação profissional, elemento de relevo nos modelos produtivos

instaurados nas últimas décadas, é progressivamente afetada por mudanças, uma

vez que se estrutura a todo o momento como forma de atender também às

requisições do mercado em intensa rápida transformação. A formação profissional,

tal como as relações e condições de trabalho no interior da sociedade burguesa,

desta feita, está intimamente ligada à produção das condições materiais de vida

social e às reconfigurações processadas em seu interior, donde nos toca buscar

em Marx os subsídios para desvelar essa realidade.

Tendo em conta as referidas transformações estarem fincadas nas relações

sociais estabelecidas como resultado da complexificação das forças produtivas,

24

destacamos existência de crises associadas à própria estrutura do sistema do

capital como uma acepção marxiana de elevada relevância analítica. O capitalismo,

marcado pela contradição, gera as condições econômicas de sua própria

eliminação, desde que as relações de produção mesmas se tornem obstáculos ao

desenvolvimento (DUMÉNIL, 2011) e, engendra novas contradições que, ao se

desenvolverem, se expressam em crises.

Torna-se, portanto, imperativo para a sobrevivência e perpetuação desse

modo produtivo (sua estrutura e “formas ideológicas”) que se reinvente, isto é,

encontre alternativas para vencer as crises, mantendo o processo de valorização

do capital. Mas a teoria marxiana nos aponta, e a prática social e histórica nos

permite verificar, que a burguesia (classe dominante detentora dos meios de

produção) somente encontra saídas para driblar as crises, por meio da ampliação

de sua dominação, o que significa maior exploração da classe subalternizada, com

subsequente aumento da barbárie social.

Conforme aponta Carvalho (2014, p. 13)

Tomando de modo específico o “novo (e precário) mundo do trabalho no século XXI”, nesta nova temporalidade histórica, ao longo dos “trinta anos perversos do capitalismo global (ALVES, 2013), impõe-se a exigência de uma reflexão teórico-metodológica, mobilizando a imaginação dialética, no desvendamento crítico das novas condições de expansão ilimitada do capital, em novas conexões de tempo e espaço. É esta uma tarefa epistemológica-política do presente, a circunscrever uma agenda de estudos e investigações. [...] Para tanto, a lógica analítica de Marx no desvendamento do sistema do capital e as vias do método marxiano se fazem decisivas, configurando a necessidade premente de trabalhar o “marxismo em movimento” nos circuitos da História. (grifos da autora)

Partilhando do mesmo entendimento, construímos nossa pesquisa no

universo de categorias marxianas, referenciando-nos em constructos de Marx e de

outros estudiosos que o sucederam para pensar o objeto pesquisado no interior da

sociabilidade do capital em atuais tempos históricos. Assim, guiamos nossos

estudos, no movimento do abstrato ao concreto, para, em seguida, concebermos o

concreto no nível do pensamento, como “concreto pensado”, pelas categorias da

25

totalidade, da contradição e da mediação9, entendendo que estamos mergulhando

em um objeto inscrito numa totalidade concreta, complexa e dinâmica, cuja

existência guarda uma série de relações entre processos diversos, parte dessa

totalidade; relações estas mediadas por níveis distintos de complexidade e pela

estrutura peculiar de cada processo ou totalidade que compõe a totalidade mais

geral (NETTO, 2009).

As sucessivas aproximações foram sendo costuradas no curso da

investigação à medida que as estruturas em torno do objeto foram se revelando

aos nossos olhos. Partimos do real, da aparência com que se apresentava o objeto

de pesquisa de maneira imediata, para o aprofundamento teórico por meio do

Estado da Arte - na fase mais incipiente do estudo -, das pesquisas bibliográfica,

documental e empírica, fazendo as articulações necessárias ao entendimento da

complexidade sobre a qual nos debruçamos.

Os procedimentos analíticos e as sínteses feitas - abstraindo os elementos

e mediados por uma análise “concreta”10-, possibilitaram atingir as determinações

mais simples da estrutura do objeto, as quais foram resinificadas, ou melhor,

percebidas com as reaproximações, isto é, os retornos em sentido inverso, como

propõe Marx, a essa totalidade. Esse caminho analítico-investigativo fomentou a

reprodução da realidade estudada no plano ideal (do pensamento), proporcionando

apanhar, o mais possível, a essência do objeto.

Todo o curso da investigação teve na pesquisa bibliográfica o alicerce teórico

necessário à análise crítico-reflexiva, a orientar todos os momentos e caminhos

trilhados. Artigos científicos e obras literárias em que imergimos nos renderam

valiosas reflexões (e conexões) acerca do funcionamento da lógica que movimenta

o sistema do capital, das configurações mundiais e locais do capitalismo, da Política

de Educação brasileira e das políticas relacionadas ao ensino superior (sua

expansão e a formação profissional em tempos atuais), assim como das questões

relativas ao mundo do trabalho na contemporaneidade.

9 A essas categorias metodológicas a conduzir a lógica analítica e, portanto, tomadas em nível mais elevado de abstração, somam-se outras categorias teóricas importantes que iluminam as análises construídas ao longo do estudo, tais como crise, precarização estrutural do trabalho, expansão do ensino superior, dentre outras. 10 Combinação de múltiplos valores explicativos que possibilitem proceder uma análise conforme os múltiplos aspectos da realidade. (DUMÉNIL, 2011)

26

Travamos, assim, profícuo diálogo não apenas com Karl Marx (1859,

2013)/Karl Marx e Friedrich Engels (1894) – em cuja elaboração teórico-

metodológica referenciamos nossa pesquisa -, mas também com as construções

teóricas de autores como István Mézáros (2002, 2006, 2008, 2011), François

Chesnais (1996), David Harvey (2011, 2012), Ricardo Antunes (2006, 2011a,

2011b, 2013), Giovanni Alves (2007, 2011, 2012, 2014a, 2014b, 2015a, 2015b),

Ruy Braga (2012), Márcio Pochmann (2006, 2013), André Singer (2012),

Gaudêncio Frigotto (2010), Roberto Leher (1999, 2016), Lúcia Neves e Marcela

Pronko (2008), Demerval Saviani (2010), Kátia Lima (2011, 2012), dentre outros,

possibilitando ampliar o repertório teórico, com base no qual edificamos a

investigação e as análises procedidas.

Esse foi um alicerce imprescindível para a realização da pesquisa

documental, em especial porque nos instrumentalizou e ampliou nosso olhar para

identificar a dinâmica do real, entendendo as relações entre os fatos de maneira

crítica e aprofundada, inquirindo, a todo o momento, os elementos de sua

configuração. Desta maneira, nos debruçamos sobre os documentos referentes à

expansão do ensino superior e da Rede Federal de Educação Profissional e

Tecnológica, com destaque para o Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Rio Grande do Norte, visando compreendê-los no contexto

institucional e local, mas também, além deles, no contexto nacional e mundial do

sistema do capital e das exigências do mundo do trabalho em termos da formação

profissional.

O estudo documental – realizado por meio do acesso a sites oficiais do

Ministério da Educação e Ciência e Tecnologia, assim como dos Institutos Federais

- possibilitou desnudar, por via de uma análise mais acurada, os direcionamentos

políticos da expansão do ensino superior e do IFRN explorando, inclusive as

intencionalidades de alinhamento aos ditames do mercado e das agências

internacionais determinadoras de metas ao Estado brasileiro, aproximando a

pesquisa da melhor compreensão das contradições pressupostas.

A etapa de pesquisa documental, no entanto, não se deu em separado, isto

é, não corresponde a um momento estanque da pesquisa, uma vez que foi sendo

suscitada ao longo do percurso investigativo no contato com as informações

27

fornecidas pela instituição, nas muitas aproximações realizadas e com as sínteses

de leituras teóricas.

Antes de especificar os caminhos da pesquisa de campo é válido ressaltar

que esta etapa da pesquisa esteve direcionada especialmente aos egressos do

Campus Natal Central do IFRN11, escolhido como lócus da investigação por ser,

dentre os campi do IFRN, a unidade mais antiga, aquela que primeiro ofertou cursos

de nível superior, aquela com maior quantidade e diversidade de programas no

referido grau de ensino, e aquela com maior tradição de formação na área

tecnológica no estado do Rio Grande do Norte.

A entrada a campo ocorreu por intermédio do setor denominado

Coordenação de Registro Acadêmico (CRA) do Campus Natal-Central do IFRN12,

responsável pela emissão dos diplomas para todos os cursos operados no

Campus. Buscamos o setor na intenção de obtermos dados que contribuíssem para

o delineamento dos caminhos da pesquisa. Naquele momento, foi importante a sua

contribuição em disponibilizar o demonstrativo de diplomados do Campus Natal-

Central - por ano e por curso superior, entre os anos 2001 e 201413 -, posto que as

análises empreendidas a partir dele nos conduziram a interpelar aspectos

determinantes do objeto, de onde emergiu o imperativo de investigar, por exemplo,

a dinâmica de criação de cursos e de oferta de vagas.

Simultaneamente, a Coordenação de Estágios e Egressos (CEE) do

Campus, não apenas pelas informações que conjuga, mas também pela relevância

de suas atribuições, estando diretamente ligada aos egressos do IFRN, possibilitou

o acesso aos profissionais formados pelo Instituto, fornecendo os dados pessoais

para contato e captação dos egressos a serem entrevistados e ainda nos

mobilizando a compreender a lógica de acompanhamento desses estudantes,

desde o momento da consolidação de sua formação (demarcada pela realização

de estágios) até os passos iniciais para ingresso no mundo do trabalho, naquilo que

concerne à instituição formadora.

Nesta fase da pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas,

envolvendo egressos inseridos em atividades de trabalho – em sua área de

11 Localizado à Avenida Salgado Filho, nº 1559, Tirol, Natal-RN. 12 Ligado à Diretoria de Ensino do Campus. 13 As informações foram fornecidas ainda em 2015, de maneira que não havia levantamento de

dados referentes àquele ano.

28

formação ou não -, egressos em busca de trabalho e/ou ainda empreendendo

novos processos de formação superior. Conforme o que assertivamente nos aponta

Minayo (2006a), o uso de tal instrumento propiciou conhecer, de modo mais

próximo, a realidade em estudo, haja vista que penetramos nas experiências de

tais indivíduos e pudemos descortinar os aspectos cuja expressão constitui reflexo

da totalidade do real, na contemporaneidade. A partir das reflexões dos próprios

indivíduos pesquisados sobre suas vivências, captamos também aspectos

subjetivos, que evidenciam dimensões da representação de sua realidade.

Considerando a abrangência da investigação pretendida – cursos superiores

de tecnologia em funcionamento no Rio Grande do Norte, estado onde o IF tem

destaque como uma das principais instituições a ofertar formação nessa área e a

vivenciar mudanças progressivas a partir de 1999, com a introdução dos cursos de

graduação na área tecnológica - buscamos identificar e captar os principais sujeitos

da pesquisa, ou seja, os egressos de cursos desta área.

Apesar da oferta de cursos superiores de corte tecnológico ocorrer há mais

de uma década na instituição, estabelecemos como delimitação temporal, em

nosso estudo, trabalhar com sujeitos diplomados nos anos de 2013 e 2014, por

serem os anos mais recentes de conclusão - dentre aqueles que compõem o

período de expansão da educação superior no País -, tornando o acesso a esses

egressos potencialmente mais tangível. Isso porque o contato se deu a partir de

dados institucionais, sendo os diplomados mais recentes aqueles com maior

probabilidade de estarem com seus dados atualizados na instituição.

Conforme os dados fornecidos pelas coordenações de curso do Campus

Natal-Central, o quantitativo de discentes aptos a colar grau nos anos de 2013 e

2014 atingiu o total de 145 estudantes, entre o 6 cursos superiores de tecnologia

ativamente ofertados pela unidade acadêmica, quais sejam: Tecnologia em Gestão

Ambiental; Tecnologia em Construção de Edifícios; Tecnologia em Comércio

Exterior; Tecnologia em Gestão Pública; Tecnologia em Redes de Computadores;

e Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

Por se tratar de uma pesquisa de mestrado, o tempo disponível para a

realização das entrevistas e análise das informações coletadas, não permitiu

abranger uma amostra muito extensa. Todavia, considerando estarmos realizando

investigação qualitativa, entendemos ser cabível a definição de uma amostra

29

aleatória reduzida, porém capaz de abarcar todos os cursos superiores de

tecnologia do Campus Natal-Central, produzindo um material que nos possibilitasse

a análise geral da realidade de inserção profissional dos egressos desta área de

formação. Incialmente, estabelecemos o total de 12 egressos como amostra geral

dos cursos de tecnologia, definindo o número de 2 discentes por curso, a fim de

entrevistar diplomados em ambos os anos – 2013 e 2014 – para todos os cursos

de formação. Intencionávamos, assim, alcançar a representatividade de todos os

programas formativos da área e experiências de temporalidades distintas.

Empreendemos uma busca ativa, mediante os dados de contato fornecidos

pelo Instituto via coordenações de curso. O convite para participação como sujeito

de pesquisa foi realizado por meio de telefone e e-mail, de maneira que nos

deparamos com inúmeras situações de desatualização de dados ou de negativa

dos egressos, na maior parte das vezes alegando indisponibilidade de tempo. Tais

dificuldades fizeram com que o prazo para a realização dessa etapa da pesquisa

fosse estendido. Não foi possível, entretanto, obter representação de todos os

cursos e anos de diplomação considerados na pesquisa, por insuficiência ou

desatualização de dados no sistema de gestão acadêmica.

Assim, não pudemos contar com egressos do curso de Tecnologia em

Análise e Desenvolvimento de Sistemas em 2013, porque os poucos identificados

não aceitaram participar da pesquisa. O curso de Tecnologia em Comércio Exterior

não apresentou formandos em 2013 e, dentre aqueles cujo contato estava

atualizado, apenas uma pessoa aceitou participar da pesquisa. O curso de

Tecnologia em Gestão Pública, por sua vez, possui a peculiaridade por ter, dentre

os diplomados, uma parcela significativa de servidores públicos, especialmente do

quadro funcional do próprio IFRN. Em razão desse achado inicial da fase de

captação de entrevistados para a pesquisa, optamos por tentar abranger as

distintas realidades dos egressos deste curso, entrevistando um tecnólogo servidor

e outro não servidor. Deste modo, a entrevista precisou ser efetuada com dois

egressos do mesmo ano, 2014.

Procedidas tais adequações, as entrevistas foram sendo realizadas à

medida que os contatos resultavam em respostas afirmativas dos egressos para a

participação. Deste modo, alcançamos o total de 10 egressos entrevistados. Para

tanto, elaboramos e aplicamos roteiro de entrevista composto por perguntas

30

abertas e fechadas, cuja tematização abrangeu o percurso formativo, a inserção

profissional e as experiências de trabalho dos sujeitos, além de distintas dimensões

capazes de denotar a existência de condições dignas ou de precarização do

trabalho – quais sejam: garantias de reprodução de

habilidade/capacidades/competências; segurança do trabalho; garantia de

representação; precarização existencial (STANDING, 2014; ALVES, 2011, 2014b).

O roteiro foi elaborado com a perspectiva de atender aos objetivos

investigativos, tendo como fio condutor as formas de garantia e segurança de

trabalho nos termos da cidadania industrial apontadas por Guy Standing (2014), e

presentes nas formulações de Giovanni Alves (2012, 2014b, 2015a, 2015b), em

diversas obras, no que se refere à conformação da precariedade do trabalho e à

constituição do precariado. Aqui, cabe uma distinção entre dimensões circunscritas

nas relações de trabalho, marcadas pela precariedade e nas condições de exercício

do labor, com destaque para os trabalhos realizados em diversos ambientes, em

alguns casos inadequados, com sistemas de controle do tempo que resultam em

estresses e mesmo adoecimento de trabalhadores. O precariado vivencia relações

de trabalho marcadas pela precariedade dos vínculos salariais e por condições

muitas vezes indignas e insalubres de trabalho, por situações que reduzem e

desconsideram a formação, as competências e habilidades adquiridas durante o

processo de realização do curso superior, conformando o que Aécio Oliveira (2002),

inspirado em Marx, designou por “qualificação desqualificante”14. Interrogar nossos

informantes sobre os saberes e aprendizados decorrentes de sua formação de nível

superiores mobilizados de fato em seus processos de trabalho, além de explorar

características deles para apreendermos a dinâmica real da atividade.

Apesar da incongruência entre os autores supracitados quanto à definição

de precariado, ambos apontam, em termos próprios, ideias semelhantes que dão

luz a elementos capazes de caracterizar essa parcela da classe trabalhadora.

14 Esta designação é utilizada por Marques (2009) para caracterizar a realidade da formação e da

atuação profissional dos egressos do Centro Federal de Educação de Educação Tecnológica do Ceará (CEFETCE) – atualmente denominado Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Os resultados da pesquisa de Marques (2009), realizada com tecnólogos, identificou contradições no centro do sistema de produção, uma vez que a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto associadas às novas exigências de perfil profissional, ocasionam um descompasso entre a formação profissional e as competências e habilidades verdadeiramente demandadas pelos postos de trabalho ocupados.

31

De maneira bastante didática, Guy Standing (2014) expõe sete formas de

garantias das quais o precariado é desprovido total ou parcialmente. São elas:

Garantia de mercado de trabalho; Garantia de vínculo empregatício; Segurança no

emprego; Segurança do trabalho; Garantia de reprodução de habilidade;

Segurança de renda e Garantia de representação. Compreende-se que (a ausência

ou deficiência de) tais garantias convergem com as categorias precariedade no

emprego e precariedade do trabalho, usadas por Alves (2012) para se referir tanto

à inserção profissional em atividades atípicas de contratação salarial quanto às

questões que envolvem a subjetividade do homem-que-trabalha.

Além disso, acrescemos à investigação a dimensão da precarização

existencial discutida por Alves (2011), que considera o espraiamento da

precariedade para além no espaço restrito de trabalho em tempos atuais,

alcançando a existência mesma do trabalhador.

Esses são os elementos que deram norte ao nosso guia de entrevista, por

meio do qual buscamos identificar como tem se dado a inserção dos discentes

egressos dos cursos superiores da área tecnológica do IFRN no mercado de

trabalho.

Todos os entrevistados assinaram Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido, concordando em participar da pesquisa e com o registro da entrevista

em áudio para transcrição e análise.

Além de compreender as entrevistas realizadas com os egressos, a

pesquisa nos incitou a interpelar os Coordenadores de Curso, uma vez que nos

tocou compreender a estruturação, adequações e organização dos cursos, as

percepções daqueles que os conduzem acerca do processo de formação e

inserção profissional na atualidade. Para tanto, aplicamos questionário composto

por perguntas abertas. Tal instrumento foi utilizado a fim de que os coordenadores

de curso pudessem ter maior tranquilidade para responder, buscando, inclusive,

informações, a perguntas acerca de assuntos sobre os quais não tinham,

necessariamente, domínio. Isso porque, a função de coordenador é de exercício

temporário, assumido mediante eleições, de sorte que questionamentos de cunho

histórico, por exemplo – tal como as mudanças para a adequação ao Catálogo

Nacional de Cursos de Tecnologia –, poderiam gerar dificuldades de resposta em

entrevista para quem assumiu há pouco uma coordenação de curso. A necessidade

32

por respostas mais precisas, neste caso, nos fez optar pelo uso de questionário.

Importante destacar que os referidos coordenadores são também docentes

atuantes nos cursos que coordenam, de maneira que suas percepções também se

assentam na sua vivência de sala de aula junto aos discentes. Todavia, apesar dos

contatos feitos na tentativa de mobilizá-los para a relevância da pesquisa e de suas

contribuições, poucos foram os coordenadores que enviaram suas respostas.

Ainda em campo, para subsidiar o processo de análise, buscamos

informações junto à Pró-reitora de Ensino do IFRN, solicitando informações e

indicações dos documentos relativos à criação e encerramento de curso e suas

motivações, bem como às mudanças de estrutura e nomenclatura dos programas.

Fomos orientadas a pesquisar no site oficial da instituição, sob alegação de que

todos os dados existentes estão disponíveis on line.

Entretanto, a busca não resultou na obtenção de todas as informações

requeridas, uma vez que há deficiências de dados no site, frente ao grau de

detalhamento necessário às análises intencionadas. Todavia, a ausência de tais

documentos, não significaram maiores prejuízos à investigação; revelando-nos,

porém, lacunas no trato institucional dos registros e disponibilização de seus

processos, relevantes não apenas para a pesquisa acadêmica, mas também para

o conhecimento e para as próprias avaliações institucionais, dadas as frequentes

mudanças vivenciadas e o número sempre crescente de estudantes e servidores

que abriga.

Partindo para a análise das entrevistas, empreendemos uma primeira leitura

flutuante às transcrições dos registros de áudios, na busca por destacar palavras e

expressões recorrentes nos discursos e a nos despertasse a atenção. Em seguida,

numa segunda leitura, evidenciamos as ideias centrais expostas nos depoimentos,

já traçando e registrando análises sobre elas, a partir da pesquisa bibliográfica e

documental feita ao longo de todo o processo de investigação e estudo. Com isso,

pudemos elaborar um quadro síntese contendo as dimensões indicadas (formas de

garantia para o trabalhador) quando da elaboração das entrevistas, a partir das

quais as perguntas foram elaboradas. Ainda, para compor o referido quadro,

estabelecemos aspectos-chave a partir das perguntas para direcionar a análise,

destacamos as falas mais representativas e marcantes acerca de tais aspectos a

fim de, sobre elas, construir a análise a compor o terceiro capítulo deste estudo. As

33

análises sobre os questionários aplicados aos coordenadores de curso seguiram a

mesma perspectiva, só que, em quantidade bem menor, compôs um quadro com

parcas contribuições e, consequentemente, análises menos densas.

Na sistematização dos dados e na exposição ora realizada, utilizamos

nomes fictícios para os entrevistados e para o coordenador de curso. Para os

primeiros, optamos por nomes próprios os mais comuns, tendo vista considerar que

nossos entrevistados são representativos de tantos outros jovens a vivenciar igual

realidade em nosso estado ou mesmo em nosso País. O coordenador de curso foi

indicado como Coordenador Diogo, pelo significado do nome “aquele que ensina”,

com referência à função de professor também exercida por ele, isto é, sua

participação na construção do conhecimento e da formação dos egressos.

A pesquisa ora apresentada abrange conteúdos e debates circunscritos a

áreas distintas, em virtude, inclusive, da perspectiva de totalidade adotada.

Trazemos reflexões mais intensamente trabalhadas pela Educação e pelas

Ciências Sociais/Sociologia do Trabalho, para o campo do Serviço Social. Sob os

referenciais destas áreas, empreendemos uma investigação de fronteira, situada

no limiar entre as ciências, mas, sobretudo, estabelecendo o diálogo entre elas para

a compreensão da realidade em sua essência e, logo, das expressões da questão

social aí engendradas. Esta é uma relação historicamente estabelecida pela

categoria profissional, a qual tem possibilitado seu amadurecimento teórico-

metodológico e ético-político e lhe permitido elaborar e impulsionar a autonomia na

construção de seus próprios quadros analíticos.

A presente dissertação compreende 4 partes centrais, dentre as quais

destaca-se o Capítulo 1, ou introdução, contendo problemática, processo de

construção do objeto de estudo, além da perspectiva teórico-metodológica e do

delineamento das estratégias da pesquisa de campo. O Capítulo 2 deste estudo

trata, de maneira mais aprofundada, da crise estrutural do capital, em tempos de

economia financeirizada, e das suas inflexões sobre o trabalho e seu processo de

precarização estrutural. Além disso, discute, a partir dessa perspectiva, a

Educação, posta num novo contexto de exigências formadoras, especialmente em

se tratando de formação profissional, para o trabalho. Debate a expansão do ensino

superior e a expansão do precariado, tendo como foco a realidade brasileira. O

Capítulo 3 apresenta a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, em

34

seu crescimento e expansão no Rio Grande do Norte e em Natal, juntamente com

o ensino superior, tomando em conta o processo de diferenciação institucional

então concretizado. Evidencia análises ainda sobre a experiência de oferta de

cursos superiores de tecnologia no IFRN e os depoimentos dos egressos acerca

do processo formativo e de inserção profissional no mundo do trabalho. Nas

considerações finais, tecemos uma análise sintética acerca dos principais

elementos apanhados na pesquisa, com o que expomos as conclusões alcançadas

sobre a relação entre a inserção dos egressos desses cursos no mundo do trabalho

e o adensamento do precariado.

35

2 O IFRN NO CONTEXTO DA EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR E

TECNOLÓGICO NO BRASIL EM TEMPOS DE REESTRUTURAÇÃO

PRODUTIVA E CRISE DO CAPITAL

Problematiza a expansão do IFRN nos tempos contemporâneos marcados

por intensas mutações no mundo do trabalho, em meio aos seus processos de

reestruturação para enfrentar mais uma de suas crises, eis o objetivo desta seção.

Este debate nos permitirá discutir com mais profundidade a formação técnica e

tecnológica e o ingresso no mundo do trabalho dos jovens egressos, em tempos de

crescimento do precariado no Brasil.

2.1 A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no contexto de

expansão do ensino superior no Brasil e de mutações no mundo do trabalho

Especialmente nas últimas duas décadas, a educação superior no Brasil tem

passado por um processo de mudanças, com a ampliação, via programas

governamentais, do quantitativo de instituições ofertantes e do número e das áreas

de abrangência dos cursos oferecidos. Em um contexto mundial e nacional de

reorganização próprio do sistema do capital perante as crises cíclicas, este nível de

ensino passou a ser apontado como um fator de relevância para o

desenvolvimento, crescimento e mesmo competitividade dos países periféricos

ante os demais, no âmbito do processo de mundialização.

Com isso, a formação para o trabalho entra na ordem do dia com vistas à

manutenção do capitalismo contemporâneo e se observa, conforme as orientações

ou determinações dos organismos multilaterais para os países periféricos, um

esforço do Estado brasileiro em adequar a força de trabalho às demandas e

requisições do mercado em suas conformações atuais, sejam elas de ordem

concreta ou ideológicas, o que se põe sob o discurso da elevação do grau de

escolaridade dos seus cidadãos e da competitividade do país inserido no mercado

mundial.

36

A reestruturação produtiva, no conjunto da reestruturação do sistema do

capital, operada como elemento de manutenção do modo de produção e de

retomada do crescimento das taxas de lucro, após a crise instaurada mundialmente

em 1970, transformou o padrão produtivo e, logo, o perfil profissional exigido dos

trabalhadores. A partir de então, o mercado passa a requerer habilidades e

competências adequadas ao novo padrão de produção implementado, tais como a

multifuncionalidade e a polivalência. Ademais, assentado que está na automação e

no desenvolvimento tecnológico-informacional, o mundo do trabalho exige do

trabalhador conhecimento e domínio de avançadas tecnologias, ainda que a função

a ser exercida seja apenas auxiliar ao sistema de máquinas.

Sobre isso, Marques (2016, p. 126) aponta a subsunção do trabalhador ao

metabolismo do capital, tomando em conta que tais habilidades e competências

deixam de ser concernentes ao produtor imediato, dissolvendo-se em sua atuação

no sistema de máquinas, cujo lugar que lhe é reservado passa a ser o de um mero

“apêndice de um órgão mecânico que trabalha”. Ao retomar o conceito de Aécio

Oliveira e as ideias de Marx, Marques (2016), evidencia o processo de

“qualificação-desqualificante”, encerrado numa estratégia capitalista para exercer o

pleno controle sobre o trabalho, ao retirar das mãos dos trabalhadores ação

baseada em seu conhecimento específico, sua virtuose e competência pessoal e

profissional e, por fim, sua autonomia, à medida que o crescente desenvolvimento

tecnológico transfere para as máquinas o conteúdo do trabalho para o qual o

trabalhador é capacitado.

Assim sua participação fica reduzida, apesar das elevadas requisições de

qualificação apresentadas pelo mundo do trabalho. Isso nos remete diretamente a

uma ideologia da qualificação, a um discurso apologético a contemplar o capital,

não sendo, porém, reflexo da realidade de verdadeiras requisições para inserção

de trabalhadores em ambientes produtivos. O discurso da qualificação se reveste

mesmo de um caráter ideológico precioso ao sistema do capital. Vivenciamos a

valorização do conhecimento na contemporaneidade, mas Marques (2016) nos

lembra que, na sociabilidade atual, considerando os interesses capitalistas, a

qualificação está a seu serviço, refletindo a exata medida do consumo da força de

trabalho pelo capital.

37

Deste modo, qualificar-desqualificando é uma tendência conformada pelo

próprio caminhar lógico-contraditório inerente ao desenvolvimento do valor. A

incorporação de tecnologias cada vez mais avançadas e, por seu turno, os

processos formativos, orientados pela lógica do capital, são mais uma espécie de

instrumentalização para o trabalho, para a valorização, a promoverem uma

verdadeira desqualificação da força de trabalho. A despeito disto, o discurso e as

exigências do mundo do trabalho assinalam demandas por trabalhadores com

habilidades e competências cada vez mais amplas e elevadas.

Desse modo, o mercado demanda uma foça de trabalho altamente

qualificada, dotada de elevado e amplo conhecimento nas especificidades de um

determinado âmbito de formação, mas também na multiplicidade de áreas que o

circunscreve. A ideia de que, na contemporaneidade, vivenciamos a sociedade do

conhecimento se insere nesse contexto, na perspectiva de apologeticamente

condicionar as possibilidades de sucesso à obtenção progressiva de mais e mais

conhecimentos, ou de mais e mais diplomas e certificados, cuja reponsabilidade

recai sobre cada indivíduo em particular.

Com isso, os sujeitos são impelidos a buscar qualificações profissionais e/ou

títulos que as atestem, na expectativa de alcançar a colocação no mundo do

trabalho, em condições dignas, de se manterem nele, de ter estabilidade. Nesse

contexto, ganham destaque os cursos da área técnica e tecnológica, implicando,

de modo especial, as instituições de educação que se ocupam da formação de

trabalhadores para atuar em tal campo. Tais organizações educacionais,

especialmente as de nível superior, vivenciam, assim, nítido crescimento,

justificado pela atenção às demandas do mundo do trabalho e por seu papel na

promoção de empregabilidade e de condições de competitividade dos sujeitos.

No Brasil, a expansão do ensino superior ganha corpo e densidade a partir

do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e

continua até o primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff (2011-2014)15,

elevando o quantitativo de instituições; agenciando melhorias e ampliações nos

15 O segundo mandato da presidenta, ainda em curso, tem sido imposta uma política marcada pelos ajustes fiscais e cortes nos orçamentos do Executivo Federal, inclusive na Política de Educação, que em 2015 somou um montante de 10,5 bilhões de reais cortados do orçamento, um impacto da ordem de 10% dos recursos planejados para o ano. Ver: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/01/02/educacao-perde-r-105-bi-em-2015.htm

38

campus universitários já existentes; promovendo, pela via das organizações

privadas de ensino e da modalidade de educação à distância, o crescimento do

número de vagas disponíveis aos brasileiros.

Tal expansão resulta em maior acesso das massas ao nível superior de

ensino, mas encerra em si inúmeras contradições, entre as quais figuram as

questões que envolvem, numa ponta, os interesses e vieses ideológicos da

formação para o trabalho, hoje e, na outra, a inserção (ou não) dos indivíduos

formados, no mundo do trabalho, consideradas as relações e condições de trabalho

e de vida, dada a realidade contemporânea de constante acentuação da

precarização do trabalho, informalização da economia e de elevada rotatividade

nos postos de emprego.

Ao analisar os números da rotatividade do trabalho no Brasil, o DIEESE

(2014) apontou que 12,9% dos trabalhadores que se mantiveram ativos, isto é,

ocupando seus postos de trabalho em 31 de dezembro de 2013, no Brasil, eram

profissionais de nível superior, quantitativo mais elevado que o de 2008, de 10,7%.

No entanto, o mesmo estudo afirmou que 7,8% dos trabalhadores desligados de

seus postos de emprego em 31 de dezembro de 2013, correspondiam àqueles com

ensino superior completo, percentual que em 2008 era de 6,3%. Notamos, pois,

uma elevação da participação dos trabalhadores com maior nível de escolaridade

no mundo do trabalho, havendo elevação de sua permanência, mas também de

sua desocupação. São dados representativos de uma rotatividade expressa,

sobretudo, a partir da desregulamentação e da flexibilização das relações de

trabalho, afluentes da reestruturação produtiva e dos interesses do mercado, a

tornar o trabalho mais e mais precário, inclusive para aqueles dotados de títulos de

altos níveis deformação profissional.

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED,

2016a) de janeiro de 2016 indicam uma retração de 3,86% no número total de

empregos formais existentes no país em comparação ao mesmo período de 2015,

evidenciando uma perda de 1.590,822 empregos. Conforme o Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (2016b), no trimestre entre novembro de 2015 e janeiro

de 2016, o número de pessoas, acima de 14 (quatorze) anos, desocupadas,

alcançava 9.623 mil pessoas, quantitativo que, entre novembro de 2012 e janeiro

de 2013, correspondia a 6.998 mil pessoas.

39

Tais números evidenciam elementos pertinentes ao agravamento da

precarização do trabalho no País, com crescimento do desemprego e da

rotatividade nos últimos anos. Não obstante isso, os dados do Ministério da

Educação, via Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira, constantes no Censo da Educação Superior 2014 (BRASIL, MEC/INEP,

2015), revelam o crescimento das matrículas nos cursos de nível superior em todo

o Brasil. Com efeito, entre os anos 2003 e 2014 houve elevação de 96,5% nesse

número, com acentuado acréscimo16 nos cursos da área tecnológica, que cresceu

de 115.000 para 1.029.767 matriculados. O mesmo levantamento indica que mais

de um milhão de estudantes concluíram o ensino superior em 2014, número que

em 2003 não alcançava a marca dos 600.000, tendo o total de concluintes para a

área tecnológica, entre 2003 e 2014, aumentado dez vezes17.

Há, portanto, uma progressiva ascensão do contingente de pessoas

possuidoras de título de escolarização de nível superior sendo postas à disposição

de um mercado de trabalho precário. Destacamos aqui as juventudes que

compõem esse grupo de sujeitos, apologeticamente incentivados a buscar tais

títulos, a fim de garantir a sonhada inserção profissional estável.

Os mais jovens são conduzidos à realização de um curso de nível superior

como percurso natural de sua formação e como forma de atender/se adequar as

exigências de mercado, especialmente em termo da apreensão de conhecimentos

postos como essenciais à sua colocação profissional, respondendo irrefletidamente

ao discurso de que há postos de trabalho disponíveis e suficientes e que, em

contrapartida, não há pessoas apropriadamente qualificadas. São esses os sujeitos

que conformam o precariado, categoria central de análise de nosso estudo.

Segundo o Censo da Educação Superior 2014 (BRASIL, MEC/INEP, 2015),

a Região Nordeste do País apresentou 1.378.920 matrículas em cursos presenciais

de nível superior, ficando atrás somente da Região Sudeste, com 3.048.811

matrículas. O Rio Grande do Norte, embora não seja o de maior representatividade

numérica em termos de estudantes de nível superior matriculados, possui

16 Os documentos sob consulta na base de dados do MEC/INEP não permitem identificar o aumento em números, uma vez que as sínteses publicadas pelo órgão em 2003 não identificam os cursos superiores de tecnologia separadamente. A informação em tela foi retira de nota estatística analítica do MEC/INEP. 17 Ibdem 18

40

quantitativo significativo entre os demais estados da região, compondo com

110.523 matrículas o total já referido. Destacamos a relevância dos números

anteriormente apontados, considerando, especialmente, sua população - estimada

pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2014 em 3.408.510

pessoas - e o percentual de jovens, entre 15 e 29 anos - de 26,7%, conforme a

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) (2014).

Em 2014, ainda consoante o documento supracitado, todas as instituições

ofertantes de cursos de nível superior presencial, juntas, somaram 15.786

concluintes. Entretanto, o mercado de trabalho local não oferece condições

diferentes daquelas estabelecidas estrutural e conjunturalmente em nível nacional.

O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED, 2016b) de janeiro

de 2016 aponta, para o estado do Rio Grande do Norte, a eliminação de 14.201

postos de empregos formais, no acumulado dos doze meses anteriores, o que nos

dá pistas das dificuldades de inserção profissional por parte dos sujeitos dotados

de diplomas de nível superior no estado.

No contexto de expansão do ensino superior no Brasil, a Rede Federal de

Educação Profissional e Tecnológica tem assumido papel estratégico,

especialmente na oferta de cursos da área tecnológica. Dentre as instituições que

a compõem, o IFRN tem se expandido e interiorizado, incorporando cursos

superiores de licenciatura e de tecnologia, sendo estes últimos seu espectro de

atuação vocacional, dadas suas próprias características históricas de formação

profissional. Os diversos cursos superiores em funcionamento na instituição têm

sua oferta justificada pelas características e demandas do mundo do trabalho em

suas configurações atuais e, mais especificamente, dos mercados locais.

Essa expansão do IFRN resultou, em 2014, conforme o Censo da Educação

Superior 2014 (BRASIL, MEC/INEP, 2015), em um contingente de 365 concluintes,

entre cursos superiores presenciais e à distância. Os dados fornecidos pela

Instituição dão conta de que, no mesmo ano, 100 discentes estavam aptos a colar

grau nos cursos superiores de tecnologia. Os quantitativos de números de vagas e

de concluintes de cursos superiores para as demais instituições federais18 do Rio

Grande do Norte são bem mais elevados; ainda assim permanece numericamente

18 Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Universidade Federal do Semiárido

(UFERSA).

41

significativo o somatório de profissionais formados pelo IFRN, especialmente em

se considerando a curva ascendente de crescimento. Ademais, sua participação na

oferta de força de trabalho ao mundo do trabalho tem relevância em face da

referência de qualidade formativa que lhe é atribuída no estado.

Contudo, em tempos de crise do capital, de aprofundamento da

reestruturação produtiva, da desregulamentação e flexibilização das relações e

condições de trabalho e mesmo dos crescentes índices de desemprego, os

obstáculos à inserção profissional dos egressos ou sua inserção precária no mundo

do trabalho não devem ser negligenciados. Assim, na contemporaneidade, a

formação desses sujeitos está condicionada às determinações dos interesses do

mercado capitalista, bem como sua colocação profissional está condicionada a tais

interesses e, logo, submetida às contradições do sistema do capital.

2.2 Crise e precarização do trabalho e as novas demandas de formação dos

trabalhadores

Tal como nos esclarece Marx (1984), o sistema do capital se configura

mediante crises periódicas, cíclicas, dadas as contradições que lhe são intrínsecas.

Desse modo, vivencia, ao longo da história, crises cíclicas e estruturais. A análise

da queda tendencial da taxa de lucro, em Marx, dá conta do processo pelo qual o

próprio desenvolvimento do capitalismo lhe cria barreiras, cuja superação abre

espaço para novos ciclos expansivos.

O autor demonstra a tendência ao decréscimo da taxa de lucro analisando o

incremento do capital constante (meios de produção, matéria prima, energia, etc.)

na produção - a fim de expandi-la e de aumentar a produtividade do trabalho -,

mantendo “constante” a taxa de mais-valia19, o que ocorre porque o capital global

cresce. Ademais, no processo produtivo, a força de trabalho consome uma massa

19 Ressalvamos que Marx (1984) mantem constante a taxa de mais-valia como recurso metodológico

para facilitar a exposição e o entendimento de sua análise sobre o decréscimo da taxa de lucro. Não significa afirmar sua ocorrência no sistema do capital; ao contrário, os capitalistas buscam elevar a taxa de mais-valia, caminho para obtenção de maior lucratividade neste sistema.

42

sempre crescente de meios de trabalho, maquinaria, capital fixo, matéria prima e

auxiliares. Assim,

[...] o progressivo decréscimo relativo do capital variável em relação ao capital constante, gera uma composição orgânica crescentemente superior do capital global, cuja consequência [sic] imediata é que a taxa de mais-valia, com grau constate e até mesmo crescente de exploração do trabalho, se expressa numa taxa geral de lucro em queda contínua. (Marx, 1984, p. 164)

Marx (1984) também ressalta que a competitividade impulsiona o capitalista

a introduzir fatores (de capital constante) para reduzir o tempo médio de produção

e, assim, diminuir o valor mercadoria, diante da média do mercado, a um ponto em

que ainda lhe seja possível extrair mais-valia, ganhando, assim, na concorrência

com outros capitalistas.

Como a produção capitalista se presta a gerar lucro e não a satisfazer

necessidades, esse é um mecanismo densamente utilizado. No entanto, a

introdução de capital constante na forma de máquinas reduz, na produção, o uso

do único elemento capaz de gerar valor: a força de trabalho. Esse processo de

substituição de trabalho vivo por trabalho morto é mais um elemento de contradição

no seio do sistema do capital, a relacionar-se intrinsecamente com as crises gerais

apontadas por Marx (1984), porque se coloca na contramão do próprio processo

de valorização do capital. Eis uma das explicações para suas crises.

Destaca-se também, em face do objetivo principal da produção capitalista,

que sua intensiva ampliação promove a chamada superprodução de mercadorias,

saturando os mercados, dadas as limitações de consumo. A partir desse conflito

entre a produção sem limites, não acompanhada da absorção do que é produzido,

ocorrem as denominadas crises de superprodução. Tal conflito se dá exatamente

em razão de uma contradição central e fundamental no seio do modo de produção

capitalista, qual seja o aprofundamento da socialização da produção da riqueza, ao

mesmo tempo em que a massa lucrativa dos donos dos meios de produção se

expande pela apropriação privada da riqueza. Assim, o poder de compra dos

trabalhadores explorados não se amplia na mesma proporção que o ritmo

produtivo. Desta forma, a própria estrutura do sistema, aliada à busca incessante e

desmedida dos capitalistas por mais lucro, gera colapsos sistêmicos periódicos,

43

ocasionando, para os que aderem à manutenção do capitalismo, a necessidade de

criar novas estratégias para elevar a taxa de lucro. Aponta Marx (1984, p. 194)

Caindo a taxa de lucro, então, por um lado, o capital é posto em ação para que o capitalista individual, mediante métodos melhores etc., reduza o valor individual de suas mercadorias isoladas abaixo de seu valor social médio e, assim, como dado preço de mercado, faça um lucro extra; por outro lado, fraude e favorecimento geral da fraude mediante tentativas apaixonadas com novos métodos de produção, novos investimentos de capital, novas aventuras, para assegurar algum lucro-extra, que seja independente da média geral e esteja acima dela. (grifos nossos)

As crises são sucedidas por alterações capazes de minimizar seus impactos

e de fazer retomar a lucratividade capitalista pela forma e não por qualquer

mudança estrutural, de modo que se mantêm as contradições na base sistêmica,

revertendo, portanto, apenas temporariamente cada crise, até alcançar novamente

a insustentabilidade econômica. Segundo Mota (2009, p. 3)

As crises não ocasionam, mecanicamente, um colapso do capitalismo. Elas deflagram um período histórico de acirramento das contradições fundamentais do modo de produção que afetam sobremaneira o ambiente político e as relações de força entre as classes. Por ocasião das crises, deflagra-se um processo no qual mudanças significativas ocorrem, sejam elas no interior da ordem, sejam em direção a um processo revolucionário, dependendo das condições objetivas e das forças sociais em confronto.

Das palavras da referida autora, podemos inferir que, apesar das crises

possuírem determinantes estruturais e de serem organicamente próprias ao

capitalismo, evidenciadas nesses momentos, seus desdobramentos não estão

dados a priori, isto é, não estão condicionalmente postos ou pré-definidos, de sorte

que as mudanças resultantes desse processo são fruto da conformação do cenário

sócio-político e da correlação de forças em disputa.

O curso da história da sociedade do capital nos permite reconhecer um

processo cíclico de crises e de retomadas, com a dinâmica da realidade e de seus

diversos determinantes confluindo neste sentido. Assim, considerando que as

crises fazem parte da natureza mesma do sistema do capital, seria possível superá-

las, ainda que provisoriamente, sem a supressão da ordem capitalista. De fato,

44

crises são resolvidas no interior do próprio sistema sócio-metabólico do capital,

gestando-se novas contradições.

Ao longo de seu desenvolvimento, o capitalismo vivenciou diversas crises,

sucedidas por períodos de crescimento. Esta última, a contemporânea, tal qual as

demais, é movida pela natureza contraditória do desenvolvimento do capitalismo,

no qual a ampliação de sua própria acumulação reproduz exponencialmente as

contradições a acionar crises, cada vez mais duradouras e profundas, intercaladas

por períodos de crescimento cada vez menores. O capitalismo vive, assim, ciclos

de crescimento, auge, crise, recessão/depressão, retomada, sendo que os

momentos de ascensão são espasmódicos, enquanto os de depressão são longos

e cada vez mais reiterados. Em verdade, o sistema capitalista tem, na conjugação

entre a produção social com apropriação privada – a contradição que lhe é central

- e na produção desenfreada, a mola mestra das crises a se expressar na tendencial

queda da taxa média de lucro e/ou na relação superprodução de mercadorias e

subconsumo. Não obstante, são conjugados o enxugamento do trabalho vivo na

produção – a ampliação da população sobrante – com uma massa de capital

excedente, cuja valorização encontra limites no âmbito produtivo stricto sensu,

conduzindo seus possuidores a buscarem novos espaços de acumulação e

valorização do valor (BRAZ, 2012). Parte dessa massa de capital excedente vai

financiar o consumo, via empréstimos, cartões de crédito e outras formas de ação

dos usurários (agiotagem)20.

Para além das crises cíclicas meramente perturbadoras do desenvolvimento

do capital, expressam-se ainda crises estruturais de maior vulto, a estabelecer

laços profundos com os próprios alicerces do sistema, ou seja, o modo como se

estrutura. Tais crises se processam com uma dimensão muito maior, com longa

temporalidade e profundidade e refletem a exaustão de um dado período histórico

de acumulação do capital.

A crise de 1970, de espectro global, deu impulso à chamada “mundialização

do capital” (CHESNAIS, 1996), marcando uma nova fase de desenvolvimento

capitalista. Ora, em resposta à crise de superprodução desta década, o sistema do

20 No caso brasileiro, consideradas as elevadas taxas de juros, a atividade de especulação financeira

e de empréstimo direto ao consumidor tem sido bastante atrativa levando trabalhadores a ficarem reféns de empresas de crédito, de agiotas, de bancos etc.

45

capital intensificou a financeirização da riqueza capitalista, criando as bases para

sua própria imersão numa forte instabilidade (CORSI e ALVES, 2009). Neste

cenário, o neoliberalismo, com a abertura e desregulamentação do mercado assim

como com a reestruturação produtiva promovidas pelo capital aparecem como

estratégia para retomar os níveis almejados de taxa de lucro, então em queda,

chancelando a partir daí um processo que conduziu a mais crises, cujo ápice ocorre

em 2008, com desdobramentos até os dias atuais. Portanto, trata-se de “[...] uma

crise endêmica, cumulativa, crônica e permanente, intrínseca ao modo de

funcionamento do sistema do capital na contemporaneidade. É uma longa crise

estrutural, iniciada nos anos 70, crise em desenvolvimento e cada vez mais

profunda” CARVALHO et al (2011, p. 10).

Segundo Harvey (2011), a crise de 1970 resultou em excedentes de capital,

os quais foram aplicados em finanças, sendo reciclados na economia mundial por

bancos de investimento de Nova York, responsáveis por operar empréstimos a

países em desenvolvimento. Seguia-se, assim, o discurso do FMI, para quem havia

excesso de liquidez, isto é, volume crescente de dinheiro disponível a ser investido

de maneira rentável. Com isso, a financeirização da economia foi aprofundada,

como dito, retirando-se capital da esfera da produção, para a esfera da

finaceirização (HARVEY, 2011).

O baixo retorno dos investimentos na produção stricto sensu conduzem à

fuga de capital para a esfera financeira, para agir de modo especulativo

(SALVADOR, 2010). O capitalista visa, com isso, dinamizar o processo de

valorização do valor, agindo por outras vias que não a valorização por meio do ciclo

produtivo, considerado longo e custoso para o tamanho de suas ambições. A

financeirização, entendida pelos donos do capital como estratégia, a potencializar

o processo de acumulação, expande-se geograficamente.

A mundialização, com expansão global da economia financeirizada,

incumbiu-se de alastrar a crise, que, após forte recessão entre 2000-2001, começa

a dar sinais mais consistentes, em 2007, localizados particularmente no mercado

imobiliário dos Estados Unidos da América, espraiando-se celeremente pelo mundo

através da rede financeira e comercial (HARVEY, 2011).

Netto (2012) ressalta, em consonância com Braz (2012), o fato de que as

crises são parte da natureza deste sistema e se expressam ciclicamente. Mas,

46

adenda que a crise contemporânea é do tipo sistêmica, pois sua manifestação não

está condicionada à obstacularização ou ao impedimento da acumulação produtiva,

sendo antes uma crise, a envolver toda a estrutura da ordem do capital.

Conforme Lohoff (2013), Marx mostra que a tendência do capitalismo à crise

geral e, igualmente, à crise vivenciada na atualidade, em particular, pode ser

explicada pela contradição básica imbricada na própria mercadoria. Aquele autor

faz referência às duas formas de riqueza configuradas no capitalismo, a saber, a

material, expressa na produção de bens, e a abstrata, representada como valor e

reificada na forma dinheiro. Ora,

Sob as condições da produção moderna de mercadorias, ou seja, em uma sociedade capitalista, a riqueza material somente é produzida na medida em que ela também possa ser representada como valor, ou seja, na medida em que contribui para a valorização do capital. Portanto, a produção de bens é sempre um meio para um fim externo: o fim em si mesmo de transformar dinheiro em mais dinheiro. Sempre que este fim não pode ser atingido porque a valorização do capital foi interrompida, a riqueza material também pára [sic] de ser produzida. (LOHOFF, 2013, s/p)

Embora o valor seja fruto da produção de bens, a predominância financeira

global tem promovido a expansão ilimitada da riqueza abstrata. Nesse contexto de

economia financeirizada, o capital parece ter autonomia e se autovalorizar, o que

não é possível sem sua aplicação em bases produtivas reais, resultando num

movimento ilusório de valorização.

Esta é, também, uma crise de realização do valor (CORSI e ALVES, 2009;

CARVALHO et al, 2011; LOHOFF, 2013). De fato, a acumulação rentista do capital

é, como aponta Carvalho et al (2011), instável e insustentável, pois a valorização

do capital que não parte do trabalho não é real, é fictícia, fetichizada. No entanto,

está generalizada mundialmente e se expande formando, no mercado, as

chamadas bolhas financeiras, até o ponto máximo de explodir em crise, ou melhor,

na atual crise financeira do capital mundial, ou, nos termos de Dumésnil e Lévy

(2014)21, crise de hegemonia financeira.

21 Para Dumésnil e Lévy (2014, p. 29), o capitalismo vivenciou dos tipos de crise, as (estruturais) de

lucratividade - ocorridas em 1890 e a de 1970 –, resultado das tendências de queda de lucros, e as (estruturais) de hegemonia financeira – ocorridas em 1929 e nos dias atuais, a que denominam crise do neoliberalismo – a marcar o fim de um período de dominação financeira. “Ambas foram consequência do exercício da hegemonia, a expressão irrestrita das exigências das classes altas

47

Para Lohoff (2013), a crise tem aparência de “crise financeira”, mas, na

realidade, o fracasso reside no mecanismo que possibilitou aprazar, por décadas,

a crise estrutural de valorização. Com isso, o autor não se contrapõe às avaliações

até aqui apresentadas, tão somente nos remete ao cerne da questão da crise

contemporânea e à sua mais genuína origem, qual seja, as contradições estruturais

do sistema capitalista de produção de riqueza, ainda que, na atualidade, as crises

se expressem pela financeirização. Em defesa dessa mesma ideia, Mészáros

(2011) é categórico ao afirmar que, para ser compreendida de fato, a crise

vivenciada atualmente deve ser remetida à estrutura social no seu todo, ou seja,

para entender a natureza desta crise, cada vez mais grave e duradoura, de

espectro mundial, há que se considerar essencialmente a crise do sistema

capitalista na sua totalidade.

Coadunando com a ideia de Carvalho et al (2011) e na esteira de Marx,

Lohoff (2013), ainda pontua a distinção marxiana entre crises gerais e crises

específicas22 para afirmar que a crise contemporânea merece, como nenhuma

outra, ser chamada de crise geral. Segundo o autor, ela consiste em um sistema

de crises parciais, as quais disparam umas às outras, se sobrepõem e se acumulam

mutuamente. Assim,

Na temporalidade histórica da crise estrutural do capital, a economia mundial torna-se bastante instável, marcada por crises financeiras e estouros de bolhas especulativas, como a de 1987 [crise da Bolsa de Nova York] e 1997 [crise financeira asiática]. Em 2008, parece cumprir-se um ciclo ampliado de crises financeiras, com a crise atual assumindo dimensão inédita por conta do acúmulo de contradições do regime de acumulação predominantemente financeirizado. (CORSI e ALVES, 2009, p. 17)

Desde a década de 1990, portanto, as crises financeiras vêm sendo

registradas em todos os continentes, apresentando suas expressões localizadas

no interior da dinâmica do sistema do capital ao redor do mundo. Estas crises,

comumente consideradas de maneira isolada, especialmente pela grande mídia,

que forçaram os mecanismos econômicos até os limites da sustentabilidade, extrapolando-os por fim”. 22 “Marx faz uma distinção entre crises gerais e específicas, dizendo que ‘em crises do mercado mundial, todas as contradições da produção burguesa emergem coletivamente; em crises específicas (específicas em seu conteúdo e extensão) as emergências são mais esporádicas, isoladas e unilaterais’” (LOHOFF, 2013, s/p)

48

são, na verdade, notáveis indicadores de uma única crise, de uma nova crise

sistêmica no sistema capitalista (NETTO, 2012).

Ao longo do tempo, gesta-se essa crise de amplas proporções, que assume

cumulativamente a dimensão de um cataclismo financeiro global, atingindo,

sobremaneira, o dito núcleo orgânico do sistema mundial do capital. Para Corsi e

Alves (2009), “[...] a crise nasce no centro do sistema e sua intensidade e amplitude

decorre da crise estrutural da valorização no amago do ‘núcleo orgânico’.” (CORSI

e ALVES, 2009, p. 17).

Em síntese, duas camadas principais da crise contemporânea precisam ser

postas em análise para o seu desvelar. Inicialmente, há uma crise estrutural de

produção de valor real, como já referenciado. Uma crise em ocorrência desde a

década de 1970, a partir de quando a produtividade tem se elevado tanto, ao ponto

de não manter em funcionamento o processo de valorização do capital. Isso

porque, a competição, especialmente após a chamada terceira revolução industrial,

tem aprofundado e tornado permanente a substituição da força humana de trabalho

por capital imobilizado, ou seja, de trabalho vivo por trabalho morto, tal qual nos

apontam as ideias de Marx. Assim, o capital, que precisa se reproduzir, tem

reduzido a utilização de força de trabalho, de modo crescente, na produção de

mercadorias. A produtividade se torna tão elevada que converte grandes massas

de força de trabalho em elemento supérfluo. Trata-se da contradição interna

fundamental do modo de produção capitalista, a comprometer sua própria base de

valorização (LOHOFF, 2013).

A outra camada da crise diz respeito à própria finaceirização, geradora do

inchaço dos mercados financeiros, notadamente, a partir da década de 1970 e de

um crescimento econômico não baseado na produção real, como aponta Trenkle:

Como a indústria financeira colocou cada vez mais títulos de propriedade em circulação (dívidas, ações, derivativos), ela conseguiu colocar em prática o truque de transformar valor futuro, isto é, valor que ainda não foi produzido e talvez nunca seja produzido, em riqueza abstrata. (TRENKLE, 2013, s/p)

Este modo de reprodução do capital, como capital meramente especulativo,

fictício, entrou em crise, alastrado de tal maneira que assumiu predominância no

49

sistema capitalista; seus abalos têm impactos globais e são capazes de

desestruturar toda a economia mundial. Por isso, os Estados têm se endividado e

os bancos centrais assegurado crédito ou mesmo se inserido no mercado

financeiro, a fim de tentar sustentar o mercado. Todavia, os limites deste processo

estão sendo lentamente atingidos (TRENKLE, 2013).

Essa é assim também uma crise civilizacional, expressa nos âmbitos

ambiental, climático, alimentar, energético, social e do trabalho, em decorrência do

funcionamento do próprio sistema, insustentável, por sua expansão sem limites e

predatória (CARVALHO et al, 2011). Suas inflexões sobre o trabalho se expressam

na redução ou mesmo na eliminação da força de trabalho da produção, tornando

os trabalhadores refugo. Além disso, à medida que o crescimento da riqueza

abstrata dificulta, inclusive, sua própria “valorização”, os capitalistas são impelidos

à reorganização da produção, redimensionada para promover uma nova onda de

exploração da força de trabalho, como forma de conferir bases para valorização de

capital-dinheiro e, deste modo, possibilitar a obtenção de mais-valor (CORSI e

ALVES, 2009).

Para HARVEY (2011) tanto os impactos como as respostas de cada país a

esta crise variaram, na medida das distinções da natureza e profundidade das suas

expressões locais, bem como em razão de escolhas ideológicas, interpretações

das causas, arranjos institucionais, costumes e/ou disponibilidade de recursos.

Além disso, considera a própria conformação geopolítica e a dinâmica econômica

global, com seus deslocamentos e relações entre países, suas interconexões

produtivas e de mercados. Assim, no Brasil, teremos particularidades próprias de

nossa formação econômica e social e do jogo de forças em presença, com

configurações e repercussões singulares sobre o trabalho.

2.2.1 Brasil: inserção tardia, dependente e subordinada ao capitalismo

financeirizado e repercussões sobre o trabalho

O Brasil, país de inserção tardia – 1990 -, porém intensiva, nos circuitos da

mundialização e da acumulação rentista, permeada pelas discussões e pela

50

experiência da redemocratização formal, assume posição ativa, porém dependente

no capitalismo financeirizado. Marcada, inicialmente, por uma agenda de ajuste

ortodoxo do Estado, atende à agenda do Consenso de Washington e aos ditames

do neoliberalismo, executando privatizações, liberalização e desregulamentação do

mercado, além da abertura ao capital estrangeiro. Passamos a viver a experiência

brasileira de ajuste estrutural, em que figura a financeirização como processo de

acumulação, havendo forte intervenção do Estado, ajustando e se ajustando à

expansão do capital. O ajuste estatal brasileiro fragiliza o Estado democrático, cuja

atuação para efetivar os direitos garantidos constitucionalmente é obstacularizada

ou mesmo impedida (CARVALHO e GUERRA, 2015, 2016). Carvalho e Guerra

(2015; 2016)23, delimitam este como sendo o segundo momento histórico ou o

primeiro ciclo de ajuste do Estado brasileiro contemporâneo.

Com a entrada dos anos 2000, mais precisamente entre 2003 e 2010, o País

passa a se guiar por um governo de viés mais progressista, período em que Lula

assume a presidência. Por essa razão mesma, o Estado é objeto de intensa

disputa, com dominância das forças do capital, interessadas na implementação do

ajuste, em seu benefício e em detrimento da classe trabalhadora. Neste período, a

economia mundial experimenta crescimento, especialmente o mercado de

commodities, algo favorável ao mercado brasileiro, que aprimora a política

macroeconômica de ajuste, mantendo a lógica dominante do capital financeiro e

fortalecendo os setores exportadores, com destaque para os produtos primários –

modelo rentista-extrativista (CARVALHO e GUERRA, 2016).

Ao mesmo tempo, ocorre o que Oliveira (2010) caracteriza como a despolitização

da pobreza e da desigualdade, tornando-a questão administrativa, operando o

chamado consenso de classes e, por conseguinte, o apassivamento das massas.

Isso, em larga medida, é feito por meio das iniciativas de enfrentamento à pobreza,

promotoras da adesão das massas e assumidas pelo governo brasileiro

(CARVALHO e GUERRA, 2016). Amparando-se em Gramsci, mas numa inversão

dos termos deste autor, Oliveira (2010) aponta para a existência de uma

“hegemonia às avessas”, neste período, uma vez que representantes da classe

23 Carvalho e Guerra (2015; 2016) apresentam uma periodização histórica ao se debruçar e analisar

o Estado brasileiro contemporâneo, destacando suas fases em momentos históricos ou ciclos de ajuste. Importante destacar que tal periodização não está posta como modelo analítico universal, mas como uma via de apreciação.

51

subalternizada parecem estar hegemonicamente a direcionar as ações do governo,

quando, em termos efetivos, predominam interesses das classes dominantes, das

forças do capital.

Este é o terceiro momento histórico destacado por Carvalho e Guerra (2016),

período que retardou os efeitos mais nefastos da crise do capital no Brasil, apesar

da manutenção dos ajustes por parte do governo e, conjuntamente, da

recomposição do mercado interno, pela via do incentivo e da facilitação do consumo

de massa24. Entretanto, Salvador (2010b), evidencia que, em meio a esse momento

histórico, prevendo os efeitos da crise a abalar o mundo, o governo brasileiro

articula iniciativas a fim de liberar mais recursos para os bancos e lança medida

provisória (MP n. 442, de 6 de outubro de 200825), a qual propõe

[...] uma espécie de ‘cheque em branco’ para autoridades monetárias assegurarem níveis adequados de liquidez no sistema financeiro, [...] aceitando como pagamento ativos das instituições financeiras, sendo os possíveis prejuízos apropriados pelo Banco Central. (SALVADOR, 2010b, p. 110-111)

No Brasil, o remédio para sanar a crise foi lançar mão de recursos do fundo

público, em socorro ao mercado financeiro, um artifício que permite aos bancos a

apropriação dos ganhos e a socialização dos prejuízos. Eis o poder das instituições

bancárias e do mercado financeiro no Brasil e no Mundo. Eis o esfacelamento do

discurso da eficiência dos mercados (SALVADOR, 2010b). Mesmo o quarto momento

histórico destacado por Carvalho e Guerra (2016), referenciado entre 2011 e 2014,

primeiro governo Dilma, em que o Brasil se afirma como potência na economia

mundial e o governo intenta adotar medidas de uma cartilha neoliberal mais

“heterodoxa”, apostando no desenvolvimento, a força dos interesses dos

capitalistas financeiros se impõe, fazendo recuar o governo.

Conquanto o Estado brasileiro tenha tentado estruturar uma reação à crise,

os remédios ofertados foram insuficientes para impedir que o País fosse por ela

atingido, notadamente, porque esta é uma crise de caráter estrutural e porque o

24 Nesse período, a política econômica brasileira foi marcada por iniciativas como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), facilitação do crédito, ampliação do consumo, limite temporário às demissões. 25 “Dispõe sobre operações de redesconto pelo Banco Central do Brasil e autoriza a emissão da Letra de Arrendamento Mercantil LAM e dá outras providências” (BRASIL, 2008b)

52

modelo de crescimento econômico brasileiro está imerso em contradições e

conciliações insustentáveis em médio e longo prazo. Assim, tal cenário é agravado

pelo esgotamento do padrão econômico e político brasileiro, refletido

especialmente no descontentamento das classes dominantes, em função do

afastamento do Estado da ortodoxia neoliberal. A propulsão desenvolvimentista

ambicionada pelo governo vigente é, então, obstaculizada pela não adesão de

segmentos do setor financeiro, contrariado pela política econômica e social de

então (CARVALHO e GUERRA, 2016).

Assim, o País chega ao quinto momento histórico, expresso por Carvalho e

Guerra (2016) como aquele iniciado e encerrado em 201526, portanto, segundo

mandato do governo Dilma. Nele, vivenciamos verdadeiramente o estouro da crise

brasileira. Assistimos à retomada da cartilha neoliberal mais ortodoxa, em um

contexto de grande instabilidade econômica e, ainda, de forte reedição do

conservadorismo e de ataque aos direitos e às políticas sociais, sob o discurso da

crise e da necessidade de contingenciamento orçamentário (CARVALHO e

GUERRA, 2015, 2016).

Assim como no caso brasileiro, a saída encontrada pela maioria dos Estados

em crise foi retomar o intervencionismo estatal, contrariando os arautos neoliberais

e defensores do livre mercado. Este neointervencionismo funciona como elemento

decisivo para a manutenção do sistema nos processos de acumulação e

valorização do capital no seio da mundialização capitalista. Na verdade, um “falso

regresso”, nas palavras de Carvalho et al (2011), visto que o Estado se pôs e se

põe como agente interventor submetido às exigências do sistema do capital. Age,

pois, para apoiar e salvar o sistema e, portanto, de forma funcional à acumulação

capitalista e à valorização do capital em face da economia mundializada

(CARVALHO et al, 2011).

Cabe, entretanto, uma ressalva acerca das respostas à crise. Sendo ela

sistêmica, estrutural, não é possível solucioná-la com a mera administração das

problemáticas, com autorregulação ou medidas anticíclicas (BRAZ, 2012). Como

26 A temporalidade expressa pelas autoras estabelece o início desse momento histórico em 2015 e

situa sua continuidade considerando-a “até os dias atuais”. Todavia, em meados de 2016 - período não abarcado pela elaboração das autoras em suas análises -, o processo de impeachment de Dilma, altera o quadro a partir das implicações impressas na configuração dos aspectos políticos e econômicos em questão.

53

assertivamente evidencia Mészáros (2011) uma “[...] crise estrutural exige

mudanças estruturais”. A solução, desta feita, não pode ser uma aposta no controle

e na administração das consequências do sistema do capital. São equivocadas as

análises que apontam para a chamada “Terceira via”27 ou num neokeynesianismo

– o que no Brasil assume feições de um neodesenvolvimentismo, embora haja

discordâncias a respeito28 - como uma saída para a crise. Tanto que tais iniciativas

implementadas pelo capitalismo têm se mostrado inúteis (BRAZ, 2012).

Assim aponta Carvalho et al (2011, p. 14-15):

A questão decisiva em pauta é a incapacidade deste neokeynesianismo, via intervenção financeira maciça do Estado e das instituições globais, para resolver a crise. A rigor, novas regulações do capital [...] não constituem alternativa de solução para essa crise global do sistema do capital na condição de uma crise sistêmica. Não atende nem mesmo às demandas da crise financeira global. [...] as enormes quantias empregadas pelas autoridades políticas e financeiras apenas atendem, numa extensão muito limitada [...] a liquidez dos bancos e companhias de seguro [...]

A intervenção do Estado é operada pela injeção financeira maciça (dinheiro

advindo dos contribuintes ou do endividamento estatal) e pela via da

regulamentação da flexibilização do mercado de trabalho (condições e relações

trabalhistas), com interferência sobre as vantagens e a lucratividade dos

27 Para Martins (2009), a “Terceira via” se alicerça no entendimento de parte dos capitalistas de que as medidas neoliberais foram incapazes de criar uma base estável em termos econômicos, gerando, em sentido oposto, complicações políticas e sociais em função das estratégias adotadas. O encolhimento do Estado para as políticas sociais e a visão de nocividade em torno da participação social, são elementos identificados pelos propositores desse programa como desconexos da realidade de ocidentalização das sociedades modernas, e sua consequente organização, e do potencial de mobilização por proteção social, em função da experiência vivenciada ulteriormente (keynesianismo-fordismo). Em sua superficialidade, distante das contradições inerentes ao capitalismo e a suas crises estruturais, os capitalistas que defendem esta “via” propõem remédios ilusórios, que visam conciliar o inconciliável, ao propor crescimento econômico com desenvolvimento social, numa tentativa de “humanizar” o capitalismo. 28 “O suposto neodesenvolvimentismo, quando comparado aos traços gerais das políticas [...] está muito longe do modelo original. Segundo especialistas, quando comparado ao paradigma desenvolvimentista que se conheceu no século passado, a hipótese neodesenvolvimentista “se desmancha no ar”, e as razões são claríssimas, seja porque: “a) apresenta taxas de crescimento bem mais modestas; b) confere importância menor ao mercado interno, isto é, ao consumo das massas trabalhadoras; c) dispõe de menor capacidade de distribuir renda; d) aceita a antiga divisão internacional do trabalho, promovendo uma reativação, em condições históricas novas, da função

primário‑exportadora do capitalismo brasileiro; e) é dirigida politicamente por uma fração burguesa,

a qual denominamos burguesia interna, que perdeu toda a veleidade de agir como força anti-imperialista”.” (BRAZ, 2012, p. 413, grifos do autor).

54

capitalistas. Assim, temos uma forte disputa pelo fundo público, num embate de

interesses entre a classe trabalhadora e os capitalistas, em especial, a parcela

rentista (CARVALHO et al, 2011; HARVEY, 2011; SALVADOR, 2010a).

Salvador (2010a) destaca que o recurso ao fundo público por instituições

bancárias falidas constitui característica comum, em tempos de crises financeiras.

Assim, para sobreviver, estas findam por se beneficiar dos impostos pagos pelos

cidadãos. O direcionamento de recursos públicos para a iniciativa privada por si só

já é gerador de impactos negativos nas políticas sociais, posto que reduz,

sobremaneira, o volume de investimentos a serem feitos nestas últimas. Mas

igualmente grave, denuncia Salvador (2010a), a seguridade social torna-se nicho

dos produtos financeiros, o que implica na configuração de uma forte pressão dos

capitalistas rentistas sobre as políticas que atendem a classe trabalhadora,

especialmente as da seguridade social.

Existe uma miríade de formas de gastos sociais e de financiamento, incluindo a questão da manutenção e da valorização dos capitais pela via da dívida pública. A formação do capitalismo seria impensável sem o uso de recursos públicos, que, muitas vezes, funcionam como uma “acumulação primitiva”. Como se mostra na [fase] atual da crise do capitalismo. (SALVADOR, 2010a, p. 608)

Assim, a minimização do Estado apregoada pela corrente neoliberal,

assenta-se tão somente nas desregulamentações de mercado e do seu recuo nas

políticas sociais, abrindo margem para subsidiar o mercado financeiro ilimitado, por

um lado, e abrindo espaço para a atuação dos capitalistas financeiros no âmbito

das políticas sociais, por outro. Uma atuação estatal com drásticas implicações

sobre a classe trabalhadora, que, finda por sustentar o mercado financeiro. Em

contrapartida, os trabalhadores, em especial, sofrem com o desmonte de políticas

como as de educação, saúde e previdência social, sendo substancialmente

impelidos a consumir serviços sucateados, na esfera pública, ou ofertados como

mercadoria, na esfera privada.

Com relação ao espaço mais específico da produção e das relações e

condições de trabalho, a crise e o mercado financeiro deflagram efeitos indeléveis.

Sendo a produção a esfera por excelência de valorização do capital, sobre esta

recaem os desdobramentos de decisões dos capitalistas rentistas, no sentido de

55

estruturar a produção de modo a ampliar os recursos a serem investidos na esfera

financeira, aliás, mais uma estratégia para evitar seu desmoronamento.

Afirma Salvador (2010a, p. 611) que

A pressão dos mercados sobre os grupos industriais impõe novas normas de rentabilidade e exigências de redução de custos salariais, aumento de produtividade e flexibilidade nas relações de trabalho. O corolário da liberalização financeira é a ressurreição de ciclos econômicos, que são intensamente influenciados pelos preços dos ativos financeiros.

Assim, temos, por um lado, a inserção cada vez maior de empresas não

financeiras no mercado financeiro - pela via das operações com derivativos -, e, por

outro, o aprofundamento daquilo que caracteriza a reestruturação produtiva e a

flexibilização do trabalho. Com efeito, a participação de organizações produtivas

nas atividades financeiras é marcada por pressões inclusive dos acionistas por

resultados de curto prazo, favorecendo as realizações de operações de crédito

altamente arriscadas, em detrimento do investimento real. Tal iniciativa expõe a

empresa às instabilidades do mercado financeiro e pode levar à posição

desfavorável, com possibilidades de prejuízos que afetem a sua parte real, ou seja,

a real produção do valor (COSTA e SOUZA-SANTOS, 2012).

São emblemáticas as medidas em discussão nas esferas do executivo e do

legislativo federal, diante da recente proposta29 de reforma trabalhista discutida

pelo Palácio do Planalto, visando flexibilizar a Consolidação das Leis Trabalhistas

(CLT) e levar os direitos dos trabalhadores da esfera da legalidade para a esfera

da negociação entre empregadores e empregados. Direitos como férias, 13º

salário, adicional noturno e de insalubridade, salário mínimo, licença-paternidade,

auxílio-creche, descanso semanal remunerado e FGTS, são alvos do governo em

exercício. Além dessas previsões, já estão em trâmite Projetos de Emenda à

Constituição (PEC) e Medidas Provisórias (MP) que atingem diretamente a classe

trabalhadora. Exemplos disso são a PEC 241, cuja proposta é limitar,

permanentemente, por 20 anos, o crescimento do gasto público; e a MP 739, de 7

29 O País passa por momentos de incertezas políticas com o processo de impeachment instaurado

contra a presidenta Dilma, em meados de 2016. Com o afastamento de Dilma, seu vice assume interinamente o governo do Brasil e, a despeito de o processo estar inconcluso, promove mudanças drásticas com sérios impactos sobre a classe trabalhadora, como as propostas em tela.

56

de julho de 2016, relativa à Previdência Social e editada com o objetivo de extinguir

30% dos benefícios referentes ao auxílio-doença e aposentadorias por invalidez30

(CARVALHO, 2016; DOCA, 2016; TODESCHINI, 2016).

A reestruturação produtiva que se processa desde meados de 1970, como

já referido, tem seu aprofundamento orientado pelas novas e contínuas

conformações da sociabilidade do capital e por toda essa nova conjuntura política

e econômica, em um contexto de acirramento de crise. Parte do pacote capitalista

para resolver a crise vivenciada a partir daquela década, a reestruturação produtiva

possui como marca o enxugamento e a descentralização da produção, com base

nas tecnologias – com destaque para as tecnologias da informação e da

comunicação -, em conformidade com os propósitos da mundialização do capital

(BEHRING, 2003).

O processo de reestruturação, pelo reiterado e rápido avanço tecnológico,

vai se demarcando com constantes alterações na produção, na organização e na

gestão. A múltipla tessitura que deu forma à reestruturação produtiva, desde o

período de sua introdução até os tempos atuais, nos permite falar em um complexo

de reestruturação. Isso porque, “[...] a ofensiva do capital [...] não se limita ao

mundo produtivo e à relação capital versus trabalho” (BATISTA, 2011, p. 16), ao

contrário se expande para todas as esferas que estruturam nossa sociabilidade.

Nos idos da década de 1970 era preciso legitimar o novo regime de

acumulação de capital e de regulação social, de modo que foram reestruturadas

também as esferas política e ideológica, com a introdução do Estado neoliberal.

Assim, o desenvolvimento das empresas nos moldes toytotistas, lançou nexos e

princípios organizacionais, como forma de produzir uma inter-relação psicofísica

para a classe trabalhadora (BATISTA, 2011).

Desse modo, Batista (2011) destaca que os princípios toyotistas de

organização e de gestão da produção e do trabalho estão também disseminados

na legislação, especialmente a educacional. Para Frigotto (2010), com a

reestruturação produtiva, os donos do capital (homens de negócios, como

denomina o autor) passam a defender uma educação básica para a formação

30 Quando da última correção realizada neste estudo o que era um projeto tornou-se uma normativa

concreta. A PEC 241, denominada PEC 55 ao ser encaminhada para votação no Congresso Nacional, foi promulgada como Emenda Constitucional 95, em 15 de dezembro de 2016, limitando efetivamente por 20 anos os gastos públicos.

57

abstrata e polivalente de trabalhadores, a atender suas demandas, advindas da

base tecnológico-material do processo produtivo, com a perspectiva de elevar a

taxa de lucro e possibilitar competitividade diante da concorrência intercapitalista.

O contexto da reestruturação produtiva é marcado por conceitos como

globalização, integração, flexibilidade, competitividade, qualidade total,

participação, pedagogia da qualidade e formação polivalente como injunções da

sociabilidade pretendida e desejada pelos capitalistas. É a tecnologia e seus

constantes avanços que justificam o discurso dos ditos homens de negócio e

condicionam a exigência de obtenção de novos e diversificados conhecimentos por

parte dos trabalhadores. O conhecimento passa, então, a figurar como recurso

essencial nessa sociabilidade, operando, de maneira profundamente ideológica e

apologética, como elemento ilimitado e acessível a todos, o que, notadamente,

constitui uma falácia (FRIGOTTO, 2010).

Neves e Pronko (2008) nos indicam que o capital físico perde importância

como fonte de riqueza, mediante incorporação das teorias que apontam a

existência, hoje, de uma sociedade pós-industrial (sociedade do conhecimento).

Segundo as autoras, a riqueza em tempos atuais passa a ser impulsionada pelas

inovações tecnológicas.

Neste ponto, apresentamos ponto de discordância com Trenkle (2013), ao

afirmar que o processo de valorização, posto em xeque pela reestruturação do

processo de produção se baseia na introdução crescente de novas tecnologias,

devido à transferência da força produtiva para o nível do conhecimento, resultando

em absoluto deslocamento de força de trabalho da esfera da produção real mais

direta em todos os setores para a o setor do conhecimento. Compreendemos não

ser este o ponto chave da questão, pois mesmo neste nível produtivo, o intelectual,

o trabalho desenvolvido contribui para o processo valorização do valor, à medida

que é explorado, tal qual o trabalho manual, dele também se extrai mais-valia.

Entretanto, reconhecemos que, a depender da área de inserção, este pode

contribuir para o aprofundamento da substituição de trabalho vivo por trabalho

morto, ao criar e empregar tecnologia à produção stricto sensu.

Não obstante isso, as políticas educacionais passam a se basear num

discurso que considera a educação formal como uma das condições de integração

competitiva no seio da economia global. E o faz retomando a teoria do capital

58

humano. Tais políticas passam a ser construídas sob a inspiração dos organismos

internacionais - como o Fundo Monetário Internacional (FMI); o Banco Internacional

para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD); o Banco Mundial; a Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) –,

definidores de currículo, práticas pedagógicas, financiamento, padrões

organizacionais, formação de professores e avaliação.

Exemplo disso é o texto comum aos Projetos Pedagógicos dos cursos de

Tecnologia do IFRN, ao apresentar a justificativa para as ofertas. Nele, o discurso

ampara-se nas mudanças perpetradas em face da mundialização do capital e das

suas reestruturações. Assim, destaca aspectos como “[...] a nova ordem no padrão

de relacionamento econômico entre as nações, [...] [e] a busca de eficiência e de

competitividade industrial, através do uso intensivo de tecnologias de informação e

de novas formas de gestão do trabalho [...]” (BRASIL, IFRN, 2012a, p. 8) como

demandas geradoras de novas exigências às instituições de educação, na

formação de profissionais e de cidadãos. Segundo os PPP, tais mudanças

evidenciam as transformações estruturais, a alterar os modos de vida, as relações

sociais e do mundo do trabalho, de maneira que

[...] amplia-se a necessidade e a possibilidade de formar cidadãos capazes de lidar com o avanço da ciência e da tecnologia, prepará-los para se situar no mundo contemporâneo e dele participar de forma proativa na sociedade e no mundo do trabalho. (BRASIL, IFRN, 2012a, p. 8)

É evidente, portanto, a perspectiva de ajustamento da instituição – análise

extensiva a outras organizações de educação – à lógica conduzida pelo sistema do

capital e difundida via orientação dos organismos multilaterais, seja no sentido de

atende-las tão somente, como demanda posta pelo próprio Estado brasileiro, mas

também pela incorporação do discurso corrente como válido.

Com isso, o ajuste neoliberal encontra manifestação no campo educativo e

da qualificação, justamente, na reedição da teoria do capital humano, formulada

originalmente na década de 1960 e ora reapresentada sob aparência mais social

(FRIGOTTO, 2010). Uma teoria adotada para justificar as disparidades econômicas

entre os países e explicar as razões da extrema miséria daqueles ditos periféricos,

por meio da vinculação entre educação e crescimento econômico. Resulta da teoria

59

do capital humano a noção de que o investimento na formação de trabalhadores é

necessário para atender às demandas de mercado e, por conseguinte, assegurar

o desenvolvimento econômico.

Segundo Batista (2011), o conceito (de capital humano) foi apropriado pelos

neoliberais a partir de 1980/90, sofrendo adaptações ao contexto então vivenciado,

passando a dar suporte a reformas educacionais. Essa apropriação do conceito

deslocou a função da educação formal para formação para o emprego e criou o

consenso social, a tornar possível a coexistência e relação entre educação e

desemprego e educação e pobreza, cujos conflitos, conquanto existam, são

funcionais ao desenvolvimento e à modernização econômica.

Ficam, pois, acentuados o individualismo e a meritocracia embutidos nas

acepções de capital humano e de sociedade do conhecimento. Valorizam-se as

tecnologias e o saber politécnico, exigindo cada vez mais conhecimento e grau

elevado de qualificação formal, de modo a transferir para os sujeitos a

responsabilidade pelo investimento em sua formação e ainda sobre seu sucesso

ou fracasso no mundo do trabalho.

Outra questão relevante diz respeito à concepção adaptada de capital

humano. De fato, além do desenvolvimento de habilidade técnica, há uma exigência

de competências relativas à lógica de produção capitalista que se gesta na

contemporaneidade, isto é, as chamadas habilidades cognitivas e habilidades

comportamentais. Para Alves (2007), essas novas qualificações compõem a nova

subsunção real do trabalho ao capital. São conhecimentos práticos e teóricos;

capacidade de abstração, decisão e comunicação; e qualidades relativas à

responsabilidade, atenção e interesse pelo trabalho (ALVES, 2007 apud TEIXEIRA,

1998)

Nos depoimentos dos nossos sujeitos de pesquisa, esta dimensão é

recorrente. Alegoricamente apontamos a fala de um dos egressos entrevistados,

em que trata da relação entre os conhecimentos adquiridos no curso superior e o

seu exercício profissional:

A questão do saber fazer na hora certa, a tomada de decisões no dia a dia, saber administrar situações, resolver problemas.

Você sai com base nas questões de administração, que você tem que aprender a mais ter postura, a mais ter mais coerência, saber

60

lidar com tantos desafios que se tem aqui, que se passa aqui [...]

(André, informação verbal)

Além dos conhecimentos de ordem técnica, são ressaltadas também as

questões comportamentais relativas a conhecimentos teóricos direcionados a

solução de conflitos, negociação, tomada de decisões, dentre outros, na direção

dos interesses de mercado.

Dada à competitividade em tempos de mundialização do capital, a essa

perspectiva formativa correspondem adequações da formação técnica e

tecnológica, levando Estados e instituições de ensino a produzir respostas

“pertinentes”. Nessa direção, o Brasil contempla os interesses e requisições do

sistema financeiro e do mercado interno, especialmente em tempos de crise;

igualmente, atende às orientações multilaterais, assegurando as condições de

competitividade e as relações internacionais, e cumpre a preparação dos sujeitos

para inserção profissional no mundo do trabalho contemporâneo,

independentemente de a que custo para os indivíduos e para a sociedade, isto é,

não importando se estão de acordo com o direcionamento social ansiado pela

classe trabalhadora, desde que estejam alinhados aos interesses de mercado.

Neste contexto de crise e de rearranjos, o elo mais frágil da corrente – os

trabalhadores – sofrem as mais graves consequências das medidas adotadas. No

Brasil e, em particular, no Rio Grande do Norte, onde os direitos sociais e

trabalhistas sequer cobriram a metade dos trabalhadores, em que a flexibilização

das relações de trabalho data do período ditatorial (1964-1985) e onde as

organizações de trabalhadores de maior relevância estavam circunscritas às

regiões Sul e Sudeste, a precarização encontra terreno fértil para se instaurar e se

aprofundar e menores resistências. As novas formas de exploração e de subsunção

do trabalho ao capital expandem em proporções geométricas.

61

2.3 Precarização estrutural do trabalho e emergência do precariado: novas

configurações do trabalho e permanência de “velhas” estruturas e relações de

exploração

O modo de produção capitalista possui como traço estrutural a precarização

do trabalho (ALVES, 2014). A análise marxiana acerca do processo de produção

do valor, no capitalismo nos possibilita também compreender o caminho pelo qual

o trabalhador é explorado pelos donos dos meios de produção para obtenção de

mais-valia e como, de modo contraditório, o trabalhador é deduzido da produção.

O assalariamento engendra a liberdade para a venda da força de trabalho, porém

a condiciona ao jugo do mercado e dos interesses do capital.

As transformações societárias ocorridas desde 1970, a delinear novas

configurações para o capitalismo contemporâneo, estão intimamente ligadas às

mudanças do mundo do trabalho, cujos impactos se puderam sentir nos circuitos

produtivos, profundamente alterados pela revolução técnico-científica, instada a

partir do século XX. O capital mesmo se restaura e expande para a totalidade social

e suas transformações, conformando uma sociedade tardo-burguesa, nos termos

de Netto (2012), gerida pelo projeto do neoliberalismo, marcado pela flexibilização

da produção e das relações de trabalho; pela desregulamentação dos mercados; e

pelas privatizações do patrimônio estatal (NETTO, 2012).

Conforme Alves (2014b), entre os anos 1980 e 2010, período denominado

“trinta anos perversos”, são explicitadas duas determinações fundamentais e

fundantes da nova temporalidade histórica do capitalismo, a saber, a chamada

maquinofatura - definida como uma nova forma de produção do capital mediante

as revoluções tecnológicas (revolução informática e revolução informacional) – e a

crise estrutural de valorização do valor – manifesta destacadamente na

finaceirização da riqueza e hegemonia do capital financeiro na dinâmica de

acumulação capitalista. Para o autor, estas transformações estruturais modificam

no tempo histórico atual a forma de ser da precarização do trabalho, expandindo-

se para além do mundo do trabalho, alcançando a totalidade da vida do homem-

que-trabalha.

62

Assim, junto à reestruturação produtiva e ao neoliberalismo, a mundialização

do capital e a crise contemporânea, são determinantes conjunturais e estruturais,

amplificadores da exploração sobre o labor, precarizando relações e condições de

trabalho e, ademais, a própria existência da classe trabalhadora. As modificações

sofridas a partir de então no mundo do trabalho foram demasiado intensas. Antunes

(2011a) afirma ter sido a mais aguda crise que a classe trabalhadora experienciou

neste século, com repercussões profundas na sua materialidade e na subjetividade.

Desde então, vivemos tempos de aprofundamento das formas de precarização

objetiva e subjetiva do trabalho, a conformar, nos termos deste autor, a nova

morfologia do trabalho.

Essa denominação utilizada por Antunes (2011a) aponta para a

configuração de um novo modo de ser da classe trabalhadora, com o redesenho

da composição das ocupações no mundo do trabalho, de que resultam a retração

do operariado industrial e, concomitantemente, a ampliação de formas flexibilizadas

de relações trabalhistas como as terceirizações, subcontratações, contratos

temporários, etc., além de elevação das novas ocupações com feições flexíveis

como as trabalhadoras de telemarketing e call center, oficeboys, motoboys, e

outros. Ademias, a informalidade também tem parte nessa nova morfologia e,

desde a década de 1990, tem se ampliado significativamente.

O mundo do trabalho hoje enfrenta, sobremaneira, o desemprego. De fato,

as contradições do capital engendradas no processo de valorização do valor - em

termos da substituição de trabalho vivo por trabalho morto, especialmente nos

tempos atuais de acelerado avanço tecnológico – fazem crescer o contingente de

sujeitos excluídos do mundo do trabalho. Assim, segundo Antunes (2013, p. 14),

[...] as formas vigentes da valorização do valor trazem embutidos novos mecanismos geradores de trabalho excedente, ao mesmo tempo que expulsam da produção uma infinidade de trabalhadores que se tornam sobrantes, descartáveis e desempregados.

Conforme Mészáros (2006), o desemprego emerge como característica

dominante no momento atual do desenvolvimento histórico do capitalismo e, assim

como o sistema que o agrava, também se globaliza.

Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que o

número final de desempregados, em todo o mundo, para o ano de 2015 foi estimado

63

em 197,1 milhões, significando uma elevação de 27 milhões se comparado ao

quantitativo experimentado antes do estouro da crise, em 2007. As previsões

apontadas no relatório intitulado “Perspectivas Sociais e do Emprego no Mundo:

Tendências 2016” apontam para um acréscimo, até o final de 2016, de 2,3 milhões

de desempregados, o que resultaria no montante de 199,4 milhões para o ano. Os

dados, em sua soma global, referem-se aos países periféricos ou ditos em

desenvolvimento, mas, cada vez mais, refletem também a realidade dos países

centrais. Apesar da redução da taxa de desemprego de 2014, 7,1%, para 2015,

6,7%, nos países desenvolvidos, não houve, na maioria dos casos, melhorias

suficientes para eliminar os problemas causados pelo desemprego, agravado pela

crise mundial (ONU, 2016).

Nos países periféricos, as inflexões desse quadro se impõem em maior

medida. Os números revelam que o emprego vulnerável alcança altos índices nos

países designados pela OIT como emergentes e em desenvolvimento. O emprego

vulnerável atinge 46% do emprego total no mundo e abrange entre metade e três

quartos da população nos referidos grupos de países, respectivamente. São 74%

no sul da Ásia e 70% na África Subsaariana. A perspectiva de emprego fica

enfraquecida nos países periféricos ditos emergentes, tal como Brasil e China

(ONU, 2016).

Conforme Raymond Torres, diretor do Departamento de Pesquisa da OIT, “o

ambiente econômico instável, associado a fluxos de capital voláteis, a mercados

financeiros ainda disfuncionais e à escassez de demanda global continuam a afetar

as empresas e a desencorajar o investimento e a criação de empregos”. Por seu

turno, Guy Ryder, diretor-geral da OIT afirma que “a significativa desaceleração das

economias emergentes, aliada a um declínio acentuado nos preços das

commodities, está tendo um efeito dramático sobre o mundo do trabalho” (ONU,

2016).

Os dados apontados no relatório e os depoimentos dos representantes da

OIT são pistas que evidenciam a configuração atual do mundo do trabalho em

tempos de crise do capital. Reforçam a acertada análise de Mészáros (2006),

demonstrando ainda de que modo o desemprego e a precarização do trabalho têm

se alastrado pelo mundo tomado pela acumulação rentista. A crise que agrava a

realidade do trabalho atinge todos os países, inclusive aqueles de maiores índices

64

de industrialização e de riqueza acumulada, mas se faz sentir, sobretudo, nos

países periféricos. Entretanto, destaca o autor que

Ironicamente, nesse caso, o desenvolvimento daquele que é de longe o mais dinâmico sistema produtivo da história culmina por proporcionar um número cada vez maior de seres humanos supérfluos para o seu mecanismo de produção, embora – de acordo com o caráter incorrigivelmente contraditório do sistema – estejam longe de ser supérfluo como consumidores. A novidade histórica desse tipo de desemprego do sistema globalmente integrado é que as contradições ocorridas em qualquer uma de suas partes específicas complicam e agravam os problemas de outras partes e, consequentemente, da sua totalidade (MÉSZÁROS, 2006, p.32)

Portanto, dadas as características da mundialização do capital e da

reestruturação produtiva, como a produção desconcentrada e localizada, muitas

vezes, em territórios diversos daqueles que originam o investimento financeiro, os

circuitos das interconexões entre os países, produzem em todos eles, em maior ou

menor medida, os efeitos do desemprego e da precarização do trabalho.

Em que pese a rede econômica existente, nesse contexto de transformações

ocorridas mundialmente, os países periféricos se situam em uma posição de

inferioridade econômica, dado o menor grau de desenvolvimento de suas forças

produtivas e sua inserção subordinada na economia mundial, o que resulta na

intensificação da exploração da força de trabalho pela burguesia, como uma

espécie de compensação (PARANHOS, 2010).

Conforme Rosso (2013), das crises socioeconômicas resultam duas fases

distintas, por um lado, impactos destruidores, por outro, tentativas de reorganizar o

trabalho. Para a autora, “os impactos desestruturados preparam o movimento

seguinte de recomposição do trabalho” (ROSSO, 2013, 49). Assim, o desemprego

e as ameaças de desemprego são mecanismos funcionais ao capital, por inibirem

reivindicações salariais, de vantagens ou direitos trabalhistas. A destruição dos

postos de trabalho e a contenção de salários são manifestações da crise, a nos

remeterem à fase desestruturante. A reboque, a reorganização do trabalho sinaliza

um processo marcado pela intensificação do trabalho31, pela via da cooperação. A

31 “A intensidade do trabalho é consequência da ação organizativa, da forma como é acertada a

cooperação entre os trabalhadores. Se o trabalho for organizado de forma a produzir mais resultados, exercerá impactos sobre o grau de esforço físico, intelectual e emocional exigido do

65

reorganização do trabalho se orienta no sentido de retomar a acumulação em

decréscimo em face da crise.

Além da intensificação, que, por si só, torna o trabalho precário, a

flexibilidade e a desregulamentação são estratégias contemporâneas do

capitalismo, a reforçarem e ampliarem a exploração ou, como aponta Mészáros

(2006), a obstaculizarem a atividade laboral. Naquilo que os capitalistas apontam

como modernização de práticas de trabalho, a flexibilidade, é facilitada pela

desregulamentação dos vínculos e direitos laborais, conduzindo, à precarização da

força de trabalho. A flexibilidade produtiva, projetada pelo toyotismo, vincula-se à

flexibilização do trabalho, apologeticamente empreendida como uma “necessária

modernização” do mercado de trabalho. Consolida-se, assim, pelos caminhos

legais, geralmente ligada, nos termos de Mészáros (2006, p. 34), à “autoritária

legislação antitrabalho”.

O processo que confere precariedade ao trabalho não se vale apenas da

desregulamentação dos direitos e vínculos, mas também pela regulamentação de

formas flexíveis da relação trabalhista, a possibilitarem o estabelecimento de

relações formais de trabalho com parcas garantias e pouca, ou nenhuma, proteção

social. As chamadas formas atípicas de relações trabalhistas (VASAPOLLO, 2006),

legalmente respaldadas, multiplicam-se no mundo do trabalho, uma vez que

apresentam maiores vantagens para o empregador, especialmente em função das

oscilações do mercado. Pouco a pouco, vão se tornando cada vez mais típicas,

mais comuns.

As metamorfoses do mundo trabalho, tal qual assinala Antunes (2011a),

resultam na subproletarização acentuada, expressa na expansão do trabalho

parcial, temporário, precário, subcontratado, terceirizado. O desemprego

crescente, outro fruto das transformações do mundo do trabalho, não é senão o

mais brutal de todos eles. É parte do contraditório processo que, por um lado, reduz

o operariado na indústria e na fábrica e, por outro, aumenta o subproletariado no

setor de serviços (ANTUNES, 2011a). Um processo, no entanto, não dotado de

linearidade, visto que o desemprego, cada vez mais, ganha corpo também no setor

trabalhador, consumirá mais energia dele e produzirá mais resultados, mais valores. Elevando-se a intensidade do trabalho, aumenta-se a produção de mais-valor [...] A intensificação do processo de trabalho resulta em mais trabalho, na mesma duração de jornada, com o mesmo número de trabalhadores e o mesmo padrão tecnológico.” (ROSSO, 2013, p.48)

66

de serviços pelas mutações organizacionais, tecnológicas e de gestão por que

passa, mas também pelos efeitos da crise da qual nenhum setor está imune

(ANTUNES e ALVES, 2004).

Desse modo, a força de trabalho, desvinculada dos postos formais e dotados

de proteção, é tornada supérflua ao ambiente produtivo, tornando-se força de

trabalho disponível e suscetível às incursões do mercado formal flexível ou mesmo

da informalidade, sendo submetida à precariedade do emprego, da remuneração,

à desproteção trabalhista e social.

Retomando e ratificando a ideia delineada por Antunes (2011a, 2013), a

nova morfologia do trabalho é emblemática dos tempos atuais, dado o

aprofundamento de novas conformações do mundo do trabalho, a emergir com a

reestruturação do capital entre as décadas de 1970 e 1980, notadamente, com a

reestruturação produtiva, acentuando-se pelos avanços informacionais e da

flexibilização das relações trabalhistas, que afetam o modo de ser da classe

trabalhadora.

Vasapollo (2006) refere-se ao que vivencia a classe trabalhadora como “mal-

estar do trabalho”. Segundo ele, a organização contemporânea do trabalho tem

cada vez mais se caracterizado pela precarização do trabalho, pela flexibilização e

pela desregulamentação. Um processo sem precedentes para os assalariados, a

gerar uma atmosfera de incertezas que promovem

[...] o medo de perder o próprio posto, de não poder mais ter vida social e de viver apenas para o trabalho, com a angústia vinculada à consciência de um avanço tecnológico que não resolve as necessidades sociais. É o processo que precariza a totalidade do viver social. (VASAPOLLO, 2006, p.45)

Na contemporaneidade, a precariedade do/no trabalho não se restringe ao

mundo do trabalho; ao contrário, amplia-se e envolve o cotidiano da vida social do

homem-que-trabalha, precarizando sua própria existência. De fato, na atualidade,

a forma de ser histórica da precarização estrutural engendra três dimensões: a nova

precarização salarial - característica do modo de produção capitalista, aprofundada

pelas suas transformações –, a precarização existencial e a precarização do

homem-que-trabalha – dadas pela incorporação dos traços do sociometabolismo

do trabalho, que marcam o século XXI (ALVES, 2014b).

67

Neste início de século, a precarização salarial, inerente ao modo de

produção capitalista como resultado da exploração da força de trabalho, ganha

novos ares. O trabalho flexível e sua lógica conformam uma nova precarização

salarial, ao promoverem mudanças nas condições de regulação do estatuto salarial

– contratação, remuneração e jornadas de trabalho flexíveis -, na organização do

trabalho - gestão toyotista - e na base técnica produtiva – introdução de novas

tecnologias. A precarização existencial é fruto do modo de vida presente, delineado

por uma sociabilidade assentada na produção toyotista, nas relações sociais que

produz. É o modo de vida just-in-time, ou modo como se arranja a produção,

reverberando na totalidade social e determinando a vida social. Para Alves,

O modo de vida just-in-time significa maior carga de pressão no plano psíquico do homem-que-trabalha, implicando no fenômeno que denominamos vida reduzida. Na media em que a produção

toyotista torna-se totalidade social, o espírito do toyotismo como ideologia orgânica do metabolismo social da produção do valor [...] impregna a vida social com elementos valorativos do produtivismo capitalista. (ALVES, 2014, p. 22, grifos do autor)

Com a expressão “vida reduzida” o autor nos remete à redução do tempo de

“vida plena de sentido”, tal como tomada por Lukács em sua obra. Segundo Alves

(2014b), o tempo de vida disponível dos sujeitos é consumido pela lógica do

trabalho estranhado e pelo consumismo desenfreado, resultando em homens e

mulheres com atitudes e comportamentos individualistas, formados e incentivados

pelas instituições com base nos valores sociais vigentes, o que exacerba o

estranhamento nesta sociedade.

Este autor evidencia que a vida reduzida, precarizada existencialmente, é

veloz, pois o processo de produção como totalidade social é intensificado. A vida

reduzida é sinalizada, avaliada e qualificada, posto que “[...] a nova tessitura da

ideologia da comunicação e [...] a comunicação da ideologia como sinais/marcas

manipulam a subjetividade do trabalho vivo, não apenas no plano da produção, mas

principalmente no plano da vida cotidiana” (ALVES, 2014b, p. 23-24).

Caracterizada por se constituir em vida “capturada”, pela introjeção de

valores-fetiches do capital, a transformarem o homem-que-trabalha em

colaborador; enxuta, com o tempo de vida de que dispõem os sujeitos sendo

ocupado com trabalho e o consumo estranhados e invertida, uma vez que o tempo

68

se resume ao momento presente, sendo alteradas as concepções acerca das

configurações geracionais, a exemplo das juventudes que sofrem um alongamento

cronológico como forma de ocultar a incapacidade do mundo do trabalho de

absorver essa parte dos trabalhadores, especialmente aquela altamente

escolarizada, no sistema produtivo (ALVES, 2014b).

A vida reduzida é perpassada por carecimentos radicais, formados na

sociedade capitalista - estruturada sobre relações de subordinação e domínio -, que

não podem ser satisfeitos em seu interior, algo possível somente em face da

superação do sistema capitalista. O sentido da vida humana, por exemplo, é um

carecimento radical de nossos tempos (ALVES, 2014b). Todavia, vale ressaltar que

se trata de um carecimento permanentemente desvirtuado pelo capitalismo – e

agudizado pelo modo de vida just-in-time -, o qual nega o sentido ontológico do

trabalho e da realização do ser social (trabalho estranhado), substituindo-o pelos

sentidos do sistema do capital, de viver no/do/para o trabalho – sentir-se produtivo,

agente colaborador do progresso - a fim de garantir sua subsistência, que, por sua

vez, passa a significar consumir. Esse ciclo, todo estranhado e perenemente

realizado pelo homem-que-trabalha, ao contrário do que espera, não confere

verdadeiro sentido a sua vida, de sorte que este se mantém como carecimento

radical.

Para Alves (2014b), nas condições históricas da barbárie social

contemporânea, as pessoas enfrentam dificuldades para encontrar tal sentido,

porque se trata de um traço antropológico fundamental e constitutivo do ser

genérico do homem, deformado no âmbito do capitalismo, obstaculizando a

percepção da realidade efetiva do mundo social dos homens e produzindo

personalidades ensimesmadas.

O modo de vida just-in-time conduz ao adoecimento laboral pela pressão

psicológica e emocional vivenciada no mundo do trabalho e à crise de percepção

do sentido pela desefetivação humano-genérica/estranhamento social dos sujeitos,

derivando-se na precarização do homem-que-trabalha. Assim,

Indo além do estresse ideológico provocado pela precarização do homem como ser humano-genérico, a precarização existencial diz respeito à degradação das condições de existência do trabalho vivo [...] isto é, as condições da reprodução social como circulação, territorialidade, consumo e lazer. (ALVES, 2014b, p. 27)

69

Ao tratar da relação entre trabalho e subjetividade, a atravessar, em

especial, a forma de precariedade existencial, Alves (2011) ressalta que, no

capitalismo global, o processo que precariza o trabalho atinge a objetividade, mas

também, a subjetividade dos trabalhadores assalariados, por meio de sua captura,

impondo a lógica que lhe é inerente, já referenciada como uma das características

da vida reduzida. Nesse sentido, afirma o autor que o padrão toyotista de produção

criou um novo nexo psicofísico a fim de adestrar pensamento e ação dos

trabalhadores em sintonia com a racionalização da produção. Isso é feito por meio

de dispositivos organizacionais e gerenciais, cuja estratégia é o envolvimento ou a

captura da subjetividade do homem-que-trabalha. Aqui “[...] o que se busca

‘capturar’ não é apenas o ‘fazer’ e o ‘saber’ dos trabalhadores, mas a sua disposição

intelectual-afetiva, construída para cooperar com a lógica da valorização” (ALVES,

2011, p. 111). Eis o núcleo ideológico do modelo toyotista, pautado na mobilização

e estímulo à participação e ao engajamento do trabalhador tendo como pano de

fundo a afetividade e o envolvimento subjetivo.

Em que pesem a disposição e a doação do trabalhador, ainda que cooptado,

não é parte comum no mundo do trabalho o resguardo de seus interesses, a

exemplo da manutenção de relações e condições dignas de trabalho e de vida.

Toda e qualquer garantia neste sentido estão à mercê das configurações do

mercado e dos interesses dos capitalistas. Entretanto, as atitudes condicionadas

pela captura da subjetividade do trabalhador assalariado constituem exigência para

a permanência do seu vínculo com a organização que o emprega.

Os impactos sobre a subjetividade no mundo do trabalho contemporâneo,

isto é, a precariedade subjetiva, nos termos de Linhart (2014), alcançam inclusive

os trabalhadores sob contrato de emprego de duração indeterminada, ou melhor,

pessoas que trabalham em grandes empresas e mesmo funcionários públicos,

dotados de certa estabilidade, situações que não geram o mesmo risco ou ameaça

de desemprego quanto as relações de trabalho flexibilizadas.

Linhart (2014, p. 45-46) destaca que essas pessoas se defrontam com o

sentimento de não estar “em casa” no trabalho, de ausência de confiança em suas

rotinas profissionais ou mesmo nas redes, nos saberes e habilidades reunidos ao

longo de sua trajetória de formação e de exercício profissional. Trata-se, portanto,

de um “[...] sentimento de não dominar seu trabalho e precisar esforçar-se

70

permanentemente para adaptar-se, cumprir os objetivos fixados, não se arriscar

física e moralmente [...]. É o sentimento de isolamento e abandono. É também a

perda da autoestima, que está ligada ao sentimento [...] de não estar à altura”.

Assim, se processa a precarização subjetiva, a partir das formas modernas

de gestão, a impor aos assalariados a administração das disfunções da

organização falha do trabalho, sob a capa do envolvimento e da concessão de

autonomia e responsabilidade diante do trabalho que desenvolvem. Daí resultam

adoecimento, requisições de afastamento das atividades laborais e inúmeros

pedidos de demissão, motivados pela hiperpersonalização do trabalho moderno e

por um modelo de gestão que, presumidamente, mobiliza inteira e

permanentemente os sujeitos à realização de um trabalho, no qual o próprio

trabalhador precisa encontrar soluções que lhe permitam conciliar objetivos de

produtividade e qualidade nem sempre compatíveis (LINHART, 2014).

O processo de mudanças, promovido no contexto da produção, em escala

global, foi seguido no Brasil com a inserção de novos padrões organizacionais e

tecnológicos e novas formas de organização social do trabalho (ANTUNES, 2006).

O nosso fordismo, já marcado por uma industrialização que não eliminou muitos

dos traços coloniais históricos e limitadores de abertura para a institucionalização

de direitos democráticos, foi mesclado às formas de acumulação flexível. Os

influxos toyotistas no País coincidiram com um momento de recuperação da nossa

economia e de ampliação das inovações tecnológicas, confluindo para requisição

de novos padrões de qualificação profissional à classe trabalhadora, a ser

remunerada em patamar inferior ao praticado nos países centrais. Tais

características têm contribuído para aumentar os níveis de exploração da força de

trabalho em nosso País (ANTUNES, 2006; PARANHOS, 2010).

Com economia globalizada, os influxos de investimento de empresas

estrangeiras no Brasil - país periférico, porém tido como em desenvolvimento – são

atraídos pela própria conformação do mercado de trabalho historicamente

delineado. Aqui, os capitalistas internos e externos encontram mão de obra a baixo

custo e facilidades para acentuar a flexibilização já existente, contando para tal com

a pressão exercida sobre o Estado. Em verdade, na atualidade, uma vez

combinada com as baixas remunerações, a qualificação profissional requisitada

71

aos trabalhadores destaca-se como fator de elevação da superexploração da força

de trabalho no Brasil (ANTUNES, 2006).

Assim, em nosso território igualmente se configura uma nova morfologia do

trabalho engendrada pela reestruturação do capital e seu sociometabolismo,

apresentando, todavia, traços que nos marcam como um País periférico, de

industrialização tardia e de baixa valorização da educação e da formação

profissional, além da histórica dificuldade de organização política por parte da

classe trabalhadora. A situação se agrava com as respostas do Estado, ao

favorecer o mercado, via edição de leis trabalhistas que facilitam demissões e

vínculos laborais instáveis, por exemplo.

Em que pese o fato de os trabalhadores no Brasil serem submetidos desde

há muitos anos – mas não sem intensos processos de luta e resistência a essa

realidade -, nas duas últimas décadas, a precarização do trabalho tem se

constituído como um fenômeno inédito no País, dadas suas características,

modalidades e dimensões. Consubstancia-se uma nova precarização social do

trabalho pela institucionalização da flexibilização e da precarização modernas,

instalada econômica, social e politicamente, a reestruturar a precarização histórica

e estrutural do País. A precariedade é hegemônica e apologeticamente explicada

nacionalmente pelas necessidades de adaptação à nova temporalidade global - o

que inclui o contexto de crise – no qual se torna inevitável a precarização do

trabalho mundialmente. Isso é, apresenta-se a ideia de que as adequações internas

seguem tão somente a lógica e as exigências do mercado global e suas condições

(DRUK, 2013), sem as quais as elevadas taxas de desemprego atingiriam

patamares estratosféricos.

Alves (2014, p. 73), para quem a realidade do trabalho instaurada na década

de 2000, no Brasil configura uma nova precariedade salarial, demarca que

vivenciamos “[...] uma nova morfologia social da exploração do trabalho assalariado

nos locais de trabalho reestruturados”, cujo traço principal é a flexibilização. As

novas determinações sobre o trabalho resultaram na ampliação de modalidades de

contrato flexível no País, com inscrição na CLT. E mesmo tentativas de intervenção

ou negação deste conjunto de leis trabalhistas, haja vista as medidas do Estado

brasileiro, sob o governo atual, objetivando flexibilizá-las e, assim, ampliar as vias

72

de precarização daqueles trabalhadores até então beneficiados por algumas

formas de segurança e garantia.

Portanto, no Brasil, a degradação do trabalho foi reforçada e expandida pela

nova precariedade salarial, ao agregar à flexibilidade a que historicamente é

submetida a força de trabalho em âmbito nacional as formas modernas de

flexibilidade do trabalho características da precarização estrutural do trabalho em

contexto mundial (ALVES, 2014).

Como características da nova morfologia do trabalho no Brasil, impressas

pela nova precariedade salarial, destacam-se a presença de novas máquinas

informacionais – nos locais de trabalho e na vida cotidiana das pessoas -, a

transparecer as mudanças no perfil educacional, isto é, de qualificação profissional

dos trabalhadores, com exigências de novas habilidades técnicas e

comportamentais; novo método de gestão – toyotista -, com a adaptação a novas

rotinas de trabalho e a um novo modo de ser, por meio do qual o trabalhador se

torna colaborador; reestruturação geracional dos coletivos de trabalho, com o

incentivo à saída dos empregados da “velha cultura organizacional” e entrada de

sujeitos formados com base na nova lógica do mercado; diversificação das formas

e relações contratuais no interior das empresas e instituições, complexificando

ainda mais, o mundo do trabalho e, mesmo no âmbito do mercado local de trabalho,

os tipos de vínculos trabalhistas (ALVES, 2014).

Importante ressalvar que a nova precarização social de que trata Druk

(2013), passa pela precarização salarial discutida por Alves (2014), mas amplia-se

para além dela, desde que se refere não apenas ao vínculo empregatício ou

relações de trabalho, como também às relações de sociabilidade dentro e fora do

espaço estrito da empresa ou organização.

No Brasil, às novas relações flexíveis de trabalho - emprego subcontratado,

trabalho autônomo, trabalho terceirizado, por contrato temporário – somam-se

outras situações de trabalho que marcam os tempos atuais, tais como a

informalidade, em ascensão, e o agravamento do desemprego.

A crise do emprego no Brasil e o processo de desassalariamento32, tal qual

denominado por Pochmann (2006), foram uma realidade marcante no Brasil entre

32 Termo utilizado por Pochmann (2006) para se referir à perda da participação do emprego

assalariado no total de ocupações.

73

as duas últimas décadas do século XX e os anos iniciais do século seguinte.

Pochmann (2006), a partir desta demarcação histórica, assinala que o modelo

econômico vigente no Brasil, com baixa expansão da economia, não contribuiu para

gerar empregos. Em contrapartida, as políticas empreendidas pelos governos Lula

e Dilma no sentido de promover a formalização do trabalho, resultam na redução

progressiva das taxas de desempregados, entre 2005, 10,7%, e 2014, 5,1%,

quando, em razão das inflexões da crise, os índices de desocupação começam se

elevar novamente, alcançando, em 2016, a taxa de 8,2% (IBGE, 2016).

Aquela redução do desemprego experimentada entre 2005 e 2014 e o

proporcional aumento do emprego formal no País, ocultam as configurações dos

novos postos de trabalho formalizados, conformadores de um novo e precário

mundo do trabalho. Isso porque, o crescimento da formalização do emprego foi

acompanhado da ascensão da regulamentação das formas flexíveis de trabalho, a

que tem se submetido a classe trabalhadora em território nacional (ALVES, 2014).

Ademais, merece destaque o fato de que o País, imerso na crise estrutural

do capital alastrada mundialmente, tem voltado a elevar seus níveis de

desemprego, embora sejam mantidas as formas flexibilizadas de contratação que

hoje marcam o mundo do trabalho brasileiro. Significa dizer que, em tempos de

agudização da crise estrutural do capital, o homem-que-trabalha tem sido

submetido à extrema precarização salarial e existencial, quando nem mesmo as

formas flexibilizadas (precárias em si mesmas) absorvem sua força de trabalho. O

desemprego e o desassalariamento permanecem, assim, presentes de modo

marcante, na atualidade, com significativa regressão dos postos de trabalho

formais.

Diante desta realidade, cresce a informalização. No Brasil, os modos de ser

da informalidade possuem distintas manifestações, algumas já existentes desde

antes da reestruturação do capital e outras conformadas e expressas pelas

mudanças decorrentes dela. São, por exemplo, os trabalhadores informais

tradicionais – exercendo atividades que exigem baixa capitalização e servem ao

consumo individual e familiar; trabalhadores informais assalariados sem registro –

postos à margem da legislação trabalhista, logo, desprovidos de direitos e de

segurança no trabalho; e trabalhadores informais por conta própria – definidos

como segmento de produtores simples de mercadoria ou ainda pequenos

74

comerciantes. Ressalvamos que a informalidade não é um equivalente direto de

condição de precariedade laboral, contudo a realidade brasileira aponta para uma

informalidade caracterizada pela ruptura com os elos formais de contratação e

regulação do trabalho, expressando, sobremaneira, situações de trabalho

substancialmente precárias (ANTUNES, 2013).

Se o mundo do trabalho contemporâneo empreende essa ofensiva sobre o

contingente assalariado, resultando em diversas formas e dimensões de

precariedade, suas exigências para aqueles em processo formativo, com

pretensões de adentrar o mercado, são igualmente perversas e crescentes.

Nesse contexto, há definição de uma parcela da classe trabalhadora com

novas características de precariedade nas relações de trabalho, as quais passam

a ser fomentadas e regulamentadas com a reestruturação produtiva e todo o

arcabouço ideológico que a acompanha. As políticas de flexibilização das relações

de trabalho fizeram emergir uma camada social do proletariado denominada por

Giovanni Alves (2012, 2014) precariado. Trata-se de uma significativa fração

constituída hoje

[...] por jovens empregados e desempregados do novo mundo do trabalho, recém-graduados e com alto nível de escolaridade, mas que não conseguem inserir-se em relações laborais estáveis [...] Uma de suas características candentes é a invisibilidade social, tendo em vista que estão incorporados em formas atípicas e instáveis de contratação, que disfarçam as relações empregatícias. Além disso, não possuem representação sindical, o que os coloca à margem da camada estável do proletariado organizado. (ALVES, 2012, p. 11)

Todo o processo de modificação do mundo do trabalho, em atendimento às

demandas do capital, tornou os vínculos de trabalho mais frágeis e instáveis, de

modo que a possibilidade de construção de uma carreira profissional sólida por

parte do trabalhador, ainda que qualificado, torna-se cada vez mais incerta, para

não dizer, que raras são as exceções e, em muitos casos, isto se apresenta como

um sonho irrealizável33. Tendo em conta que vivemos uma crise estrutural, com

33 Fazemos referência à obra de Giovanni Alves intitulada “A derrelição de Ícaro: Sonhos,

expectativas e aspirações de jovens empregados do novo (e precário) mundo do trabalho no Brasil (2003-2013)”. Como o próprio título aponta, refere-se às expectativas das juventudes - geradas, especialmente, pelo sistema educacional –, porém confrontadas ao precário mundo do trabalho no Brasil, resultando na frustração de sonhos. Alves, faz analogia à lenda de Dadalus e Ícaro da

75

contrarreformas a buscarem minimizar os impactos desta crise para o capital, as

medidas estabelecidas em resposta somente aumentam o contingente de

indivíduos integrantes deste segmento da classe trabalhadora.

Elementos como as novas formas de organização e administração laborais,

a reestruturação objetiva do trabalho – com a inserção de máquinas e sistemas

informacionais –, bem como os resultantes requisitos de perfil técnico-

comportamentais para os sujeitos, exigem da classe trabalhadora que se prepare

em termos formativos, isto é, que se qualifique e desenvolva as competências

necessárias para ingresso no “novo” - e em permanente mutação - mundo do

trabalho.

Em contrapartida, e contraditoriamente, o próprio mercado prepara

condições nada favoráveis à incorporação dessa força de trabalho e sua satisfação

como direito social, promovendo o incremento da produção por meio de máquinas

inteligentes, em substituição ao homem, estabelecendo relações de trabalho

efêmeras e/ou pouco substantivas, por meio da “captação subjetiva” dos próprios

trabalhadores, os quais passam a absorver e corporificar as ideias proferidas pelo

capital e travestidas pela concepção do novo, da modernidade, tais como, mérito,

eficiência, competitividade e colaboração.

A busca da qualificação profissional nos moldes ora postos pelo capital, nada

mais representa do que a tentativa da classe trabalhadora de se adequar ao

momento de reestruturação por que passa o mundo do trabalho. Expande-se assim

uma massa significativa de profissionais qualificados – e em constante formação -

lançados à própria sorte no mercado, sujeitos a condições precárias de trabalho e

à fragilização dos vínculos (de luta) com seus iguais – a classe trabalhadora

fragmentada.

Como vimos, pela mesma via (respostas à crise), o capital dá liberdade ao

homem de vender sua força de trabalho, limita as possibilidades de sua venda e de

satisfação pela práxis laborativa e reduz por todos os lados as condições objetivas

de sua sobrevivência. Todavia, em geral, pela ação ideológica, estas nuances não

se tornam explícitas aos olhos do trabalhador, que tem dificuldades para somar-se

mitologia grega, destacando, na figura do labirinto, a condição de proletariedade a condicionar as juventudes; a alta escolaridade o sonho para a construção das asas e, logo para emancipação e realização, mas fadado a ser, quando muito, um voo breve dada a precarização que derrete asas

76

à luta coletiva ou que, simplesmente, tende a aceitar e incorporar o novo modo de

ser do homem imposto pelo capital.

As necessárias condições objetivas de subsistência empurram os sujeitos à

busca de inserção social, participação, sentido de pertencimento, o que, se dá pela

via do trabalho. Para tanto, os indivíduos precisam estar alinhados às imposições

feitas pelo sistema capitalista contemporâneo, sendo a formação profissional um

dos aspectos primordiais nos dias de hoje.

O Estado passa a ser requisitado a contribuir com o mercado na formação

de mão de obra adequada às necessidades do capital. As políticas educacionais

para a expansão do ensino, nos moldes neoliberais, seguem a lógica do projeto

societário a que se associa, de sorte que se fundamentam em princípios e

estratégias da chamada “Terceira via”, difundindo uma nova cultura cívica, na qual

não se deve ir além dos limites dos interesses econômicos do capital e de sua

proposição de justiça social (NEVES e PRONKO, 2008).

Antunes (2013) nos mostra que o mundo produtivo contemporâneo tem se

apresentado claramente multiforme. De um lado existem tendências mundiais à

informalização da força de trabalho e ao crescimento dos níveis de precarização;

do outro lado, visualizam-se outras tendências como a maior intelectualização do

trabalho, principalmente nas áreas tecnológico-informacional-digital, cujo impacto

produtivo é maior no atual tempo histórico. O mercado de trabalho tem elevado os

padrões de exigência de formação profissional, direcionando apologeticamente a

classe trabalhadora, em especial os mais jovens, a buscarem elevação do nível de

escolaridade e áreas de atuação ditas promissoras na atualidade.

É neste contraditório contexto de precarização estrutural do trabalho e de

crescentes exigências formativas, que se situa a expansão do ensino superior e,

em particular do ensino tecnológico e técnico e a busca crescente por “diplomas” e

certificados, para compor um currículo atrativo para o mercado.

77

2.4 Estado e expansão da educação superior no Brasil em tempos de

reestruturação produtiva, de emergência e ampliação do precariado

O modelo de acumulação flexível introduzido após a crise de 1970

caracteriza-se pelo ingresso de novos elementos no processo de produção.

Surgem novos setores produtivos/novas áreas de atuação de capital (a

mecatrônica, a biotecnologia, tecnologia de energias renováveis, dentre outros),

flexibiliza-se a produção e acentua-se o processo constante de inovação comercial,

científica tecnológica e organizacional (PINO, 2011).

Assim, todo o processo de reestruturação produtiva e de intervenções

neoliberais vem introduzindo novas demandas para a educação formal. Os

neoliberais consideram que está em curso a chamada era do conhecimento, na

qual a informação e a qualificação profissional se tornaram essenciais ao

desenvolvimento dos Estados e à sua participação no “mundo globalizado”.

O Brasil, apesar da significativa evolução ocorrida no século XX, em que

passou de uma produção predominantemente agrário-exportadora para uma

economia com industrialização, na transição do século XX para o século XXI, opta

por um padrão de desenvolvimento (ou, para melhor dizer, de ajuste) que promove

a produção de bens e serviços de baixo valor agregado e parco conteúdo

tecnológico, redefinindo sua pauta de exportação, ora composta majoritariamente

por produtos primários e oriundos do extrativismo. Paradoxalmente, segue a lógica

de incentivo à qualificação posta globalmente e nas últimas duas décadas promove

a expansão do ensino superior.

De fato, a análise comparativa do número de instituições ofertantes de

cursos superiores no País - entre universidades, faculdades, centros universitários,

institutos federais e centros federais de educação - desde a década de 1980 até os

dias atuais, apresenta uma curva quantitativa ascendente. Naquela década, o Brasil

registrava 882 Instituições de Ensino Superior (IES), crescendo em 1990 para 918

e em 2000 para 1.980 IES. Chegamos a 2014 com o total de 2.368 IES. Significa

um acréscimo, só nesses últimos 14 anos, de 1.270 IES, crescimento maior que o

verificado nos vinte anos anteriores, cujo registro de 1.098 IES (BRASIL,

MEC/INEP, s/a, 2015).

78

Neves e Pronko (2008), ao analisarem a ideologia da sociedade do

conhecimento, dão conta de que a revolução tecnológica tem sido um elemento

essencial da dinâmica do capitalismo ao longo de sua história, significando,

inclusive, um recurso para a superação das crises sistêmicas, ao mobilizar os

sujeitos para uma apropriação cultural dos avanços tecnológicos e estruturação de

um “novo” arquétipo de sociabilidade, fortemente atreladas à dinâmica da

economia. Consoante às autoras supracitadas, na atualidade, o conhecimento

(científico) e o desenvolvimento tecnológico assumem relevância no

estabelecimento de novos padrões de produtividade e competitividade mundial;

ademais, o caráter diretamente produtivo das inovações estrategicamente acelera

o processo de valorização do capital.

Fica patente, portanto, o movimento feito pelos que advogam a manutenção

do sistema do capital, no sentido de sistematicamente considerar o

desenvolvimento científico e tecnológico como objeto de políticas governamentais

visando impulsioná-las. Conforme Cabral Neto e Castro (2014, p. 257)

[...] as economias em desenvolvimento tiveram que se adaptar às novas tendências globais, o que afetou a forma como elas operacionalizavam os seus sistemas educacionais considerando que a acumulação do conhecimento e sua aplicação têm-se convertido em fatores preponderantes do desenvolvimento econômico e determinam cada vez mais a vantagem competitiva de um país na economia mundial.

Assim, a Educação passa a ocupar papel central no desenvolvimento da

economia dos países, especialmente as áreas relativas à ciência e tecnologia,

pelas próprias características desse momento econômico, em que a tecnologia

integra a sociabilidade do capital de forma mesmo assombrosa.

O paradigma da competitividade desponta como elemento-chave na relação

entre Estados Nacionais (e mesmo entre os indivíduos), com impactos econômicos

e ideológicos, a assumir importância estratégica, face à interdependência das

economias ora mundializadas e interconectadas. A produção de novas tecnologias

e conhecimentos constitui, assim, ferramenta de peso nas disputas por mercado,

no nível global.

É sob essa perspectiva que os Estados ao redor do mundo direcionaram

seus esforços às políticas de competitividade, visando à inovação tecnológica e à

79

reestruturação administrativa dos espaços formais de educação. Observa-se assim

que os governos assumem, em certa medida, a intervenção direta no apoio ao

desenvolvimento tecnológico e na preparação de recursos humanos, conforme

requerido pelo mercado. Desse modo, o Estado deixa de atuar meramente na

administração e regulação do comércio, passando a intervir no fomento e edificação

das condições para a sustentação mais ampla do mercado, mediante suas novas

configurações e exigências.

Como bem assinalam Cabral Neto e Castro (2014), o novo paradigma de

competitividade não elimina, pela via da interdependência dos Estados na

economia global, a existência de relações assimétricas entre eles. Na verdade, tal

modelo as reforça. Isso porque, em última instância, fortalece padrões de

dominação resultantes de um processo historicamente determinado.

Exemplo disso é o Brasil, país tido como “em desenvolvimento”, que guarda

em sua formação social, histórica e político-econômica elementos de

subalternidade e dependência com relação às grandes potências mundiais. Assim,

[...] a inserção do país na Divisão Internacional de Trabalho acontece de forma periférica, caracterizada por relações internacionais articuladas por laços de dominação e dependência, o que possibilita, para algumas nações, a imposição de seus próprios interesses. Por outro lado, fatores endógenos também são apontados como responsáveis por essa situação, entre eles: a articulação das elites nacionais no favorecimento de seu próprio interesse e o estágio de desenvolvimento das estruturas produtivas internas. Esses fatores associados determinam a forma como os países se inserem na dinâmica do capitalismo globalizado. (CABRAL NETO e CASTRO, 2014, p.260)

A ideia de competitividade no âmbito dos mercados internacionais revela,

portanto, da parte dos Estados, não se tratar meramente de uma busca pelo êxito

nacional, como se qualificar profissionais para o crescimento e desenvolvimento do

país, gerando bons resultados para os que nele vivem consistisse em interesse

premente. No que se refere ao Estado brasileiro, apesar da posição de

subalternidade que lhe é constitutiva, revela-se uma posição de (minimamente)

confluência com as elites nacionais, uma vez que a pretensão por um maior grau

de competitividade responde, sobremaneira, aos interesses de segmentos desta

classe, em detrimento, muitas vezes, dos interesses da classe trabalhadora.

80

Para Neves e Pronko (2008, p. 143), o conceito de “sociedade da

informação”

[...] constitui um reforço de uma visão meritocrática e segmentada da sociedade, entendida como um conjunto complexo, indeterminado, imprevisível e marcado pela interação (livre e racional) de uma diversidade de agentes individuais (indivíduo, empresa, organização). Assim, as quatro grandes virtudes da chamada ‘sociedade informacional’ se colocam como nova panacéia [sic] para a humanidade: descentralizar, globalizar, harmonizar e dar pleno poder para fazer. Com base nessa receita, a ideologia da ‘sociedade da informação/conhecimento se firma na ocultação das relações sociais concretas nas quais esse conhecimento/informação se produz, se processa [sic] e se distribui, dissimulando a verdadeira natureza do modelo idealizado e proposto. (grifos nossos)

Essa noção de sociedade obscurece, assim, as relações de dominação

impressas na sociabilidade do capital, no atual tempo histórico, bem como os

interesses a que servem as diretrizes norteadoras das políticas de incentivo à

ciência e à produção tecnológica. E é uma concepção de sociedade facilmente

absorvida pelas distintas camadas sociais, inclusive porque todo o contexto social

a materializa muito rapidamente, a partir do próprio poder ideológico do mercado e

das classes dominantes. Ilusoriamente, aponta-se para a meritocracia, concebendo

na informação/conhecimento a solução para problemáticas cuja origem remonta às

contradições estruturais do sistema. Ao fazê-lo, as condições objetivas e subjetivas

de produção e socialização do conhecimento – dimensões essenciais - são

desconsideradas.

Ao se manter, a relação assimétrica de poder já mencionada, deixa sob o

domínio das nações ricas e dos oligopólios nacionais da elaboração e o controle

das regras, dos recursos e as políticas a serem desenvolvias, em nível global

(PINO, 2011). Assim, as desigualdades de poder existentes entre os Estados

conferem aos países periféricos uma situação de dependência com relação aos

países centrais.

Cria-se, então, uma forte abertura para acentuar as interferências dos

organismos multilaterais na consecução, especialmente, das políticas sociais nos

países periféricos. Tais organismos, de que são exemplos o FMI, o Banco Mundial,

o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Organização das Nações

81

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), na renegociação de

dívidas, apresentam o seu receituário aos Estados nacionais como condição para

a efetivação de crédito, às políticas sociais.

Evidencia-se, assim, a existência de influências no campo do financiamento,

mas se verifica de modo ainda mais forte a presença de interferências ideológicas,

as quais se expressam nas concepções que permeiam as propostas para a

construção das políticas. São concepções impregnadas por interesses de mercado

e, logo, por anseios neoliberais. A despeito disso, não se pode avaliar o

direcionamento das intervenções de agentes externos somente pela ótica da tão

propalada necessidade do mercado por indivíduos qualificados. Antes, é importante

perceber outras nuances que determinam o interesse e a presença marcante dos

organismos internacionais, com suas diretrizes, principalmente nos países

periféricos como os da América Latina e Caribe.

Um desses matizes diz respeito à busca da manutenção pela retração e

desmobilização da classe trabalhadora. Assim, numa perspectiva de verdadeiro

alinhamento com as ambições da classe dominante, os Estados nacionais,

referenciados nos organismos internacionais, têm se preocupado com a

preservação do status quo e dos níveis considerados admissíveis para os

movimentos da classe subalternizada na luta por direitos e por melhores condições

de vida. Isso porque a contrarreforma do Estado e a reestruturação produtiva

intensificam os quadros de pobreza e exclusão social, a tal ponto que torna propício

o questionamento por parte da classe subalternizada das condições de vida e de

trabalho a que é submetida, ainda que, por essa mesma via – pelos rearranjos

político-econômicos e ideológicos empreendidos pelo capital –, a organização da

classe trabalhadora esteja dificultada.

Além disso, na concepção da classe dominante, embora as disparidades

político-econômicas entre as classes sejam desejadas para garantir a manutenção

de sua situação de dominação, o agravamento da pobreza implica empecilhos à

própria manutenção do capital, por obstaculizar o estabelecimento de padrões de

consumo e rentabilidade desejados. Pino (2011) expõe que

Já existem investimentos para combater as conseqüências [sic] de uma exploração que reduz as condições de vida abaixo da sociabilidade que o processo civilizatório conseguiu até o momento.

82

Um rebaixamento das condições de vida até níveis inferiores aos aceitáveis pode levar ao reaquecimento das lutas de classe a patamares difíceis de governar. Esse receio tem feito com que o Banco Mundial recomende aos governos dos países da América Latina e do Caribe que prestem atenção a cinco áreas políticas críticas. Entre elas, destaca-se 'a melhoria do desenvolvimento social e humano’.

De fato, o modelo neoliberal ortodoxo disseminado até meados dos anos

1990, agravaram as desigualdades sociais em todo o mundo, com destaque para

os países periféricos, e as mudanças de estratégia levadas a cabo pelos neoliberais

da “Terceira via” sinalizam a adoção de medidas sob o discurso da melhoria das

condições de vida da classe subalternizada.

Em fins da última década do século XX, Leher (1999) já destacava a

inquietação dos organismos multilaterais com a relação pobreza-segurança nos

países periféricos. O autor defendeu a tese de que a redefinição dos sistemas

educacionais, no âmbito das reformas estruturais orientadas pelo Banco Mundial,

delineada naquele momento, estava diretamente vinculada ao par governabilidade-

segurança. Para Leher (1999), a educação escolar passa a ser entendida por tais

organismos como peça-chave no combate à pobreza e, em consequência, na

promoção da segurança.

Nos termos de Neves e Pronko (2008, p. 93), a eleição do binômio pobreza-

segurança fora tomada como norteadora da manutenção da paz universal

capitalista, uma diretriz política que permanece até os fins da década de 1990. As

referidas autoras assinalam ainda que

[...] nos anos iniciais deste século [XXI], quando a internacionalização do capital e da educação atinge seu ápice, as diretrizes político-pedagógicas do BM [Banco Mundial] para os países periféricos se constituíram em materialização setorial do ‘novo’ binômio alívio da pobreza-coesão social, evidenciando com isso que, do ponto de vista do capital, determinações técnicas e ético-políticas, de modo inseparável, impulsionam o desenvolvimento das políticas especificamente voltadas para a

formação para o trabalho. (NEVES e PRONKO, 2008, p. 95,

grifos nossos)

As autoras, em consonância com os apontamentos de Leher (1999),

enfatizam que a análise das diretrizes do Banco Mundial deve se dar para além da

dimensão técnico-instrumental da educação, frente aos movimentos do capital. Tais

83

diretrizes necessitam ser inscritas no marco das relações sociais concretas - uma

vez que delas são expressão -, e das possibilidades históricas de efetivação dos

projetos societários em disputa. Com isso, apontam para questões de ordem

político-econômica que determinam as estratégias do capitalismo para se manter

dominante, perpassando o campo mais objetivo de materialização de seus

artifícios, mas também muito fortemente o campo da sociabilidade, ideologicamente

organizada para a reprodução e validação do modelo neoliberal ora proposto, o que

não passa ao largo dos embates políticos e das disputas de interesse que estão

postos nessa sociedade de classes.

Segundo Leher (1999), o binômio pobreza-segurança ganha centralidade

nas preocupações dos organismos multilaterais e passa a conduzir as suas

determinações, notadamente, após a Guerra Fria, a partir de quando se reafirma o

propósito de proteger a estabilidade do mundo ocidental. O autor afirma que “[...] é

neste contexto que a instituição [Banco Mundial] passa a atuar verdadeiramente na

educação: a sua ação torna-se direta e específica” (LEHER, 1999, p. 22) e destaca

que, naquele momento, o direcionamento do Banco se deu no sentido de combater

as possibilidades de adesão ao “comunismo” por países considerados sensíveis a

ele. Diante do que considerava ser um perigo à segurança, voltou-se aos países

periféricos.

A partir daí, o Banco Mundial se impõe como o maior captador de recursos

financeiros no mundo e, com isso, definidor da direção política dos países

periféricos. Torna-se, nos termos de Leher (1999), o Novo Senhor da educação.

É determinada, dessa forma, a intervenção dos bancos, em especial do

Banco Mundial e organizações internacionais nas políticas sociais dos países por

eles denominados em desenvolvimento. A Política de Educação está estabelecida

assim por todos esses elementos, sem deixar de considerar as peculiaridades de

cada Estado nacional.

O receituário neoliberal para Educação originou um processo de

contrarreformas no âmbito da educação formal, como já apontado, com impactos

sobre os diversos níveis que a compõe. Conforme o que preconizam seus

normativos, as reformas educacionais se prestam a formar trabalhadores para a

economia moderna e para o novo mundo do trabalho, modernizar a gestão e, ainda,

melhorar a qualidade, a eficiência e a equidade no que envolve o acesso e a

84

permanência na escola, tal como a inserção dos sujeitos formados no mundo do

trabalho.

As orientações do Banco Mundial são justificadas pela concepção de que é

preciso ampliar a educação e o mercado para que haja desenvolvimento. Isso

porque associa a defasagem de conhecimento à defasagem na capacidade de

produzir conhecimento, seja em termos infraestruturas (condições materiais) seja

de “recursos humanos qualificados”. Desse modo a educação representa um fator-

chave para o desenvolvimento, haja vista que é a base para a valorização do capital

em tempos atuais. (NEVES e PRONKO, 2008)

Lima (2011, p, 88) discute os elementos de continuidade e as novas

expressões nesse processo, evidenciando a abertura do “setor educacional” para

investimentos de grupos privados. Com isso, ressalta que “[...] o elemento de

continuidade é garantido pelo reforço à concepção de educação como instrumento

de preparação da força de trabalho para o mercado e também de dominação

ideológica através da visão burguesa de mundo”, ao passo que o elemento de

novidade é o ascendente empresariamento da educação superior, empreendido

pelo Banco Mundial, ao lado da Organização Mundial do Comércio (OMC).

No que se refere à educação superior, o projeto neoliberal volta-se para a

formação para o trabalho complexo, na perspectiva de adequação da mão de obra

ao mercado em transformação. Paralelamente, se dedica à constituição de um

corpo de profissionais com base nas ideias e no discurso dominante. Tais sujeitos,

em processo de formação, uma vez habilitados ao exercício profissional, são/serão

propagadores desse projeto nos espaços ocupacionais em que se inserirem ou no

contexto social mais amplo, produzindo e reproduzindo os interesses do capital e

da classe que o comanda.

Esse aspecto ideológico reforça a busca de consenso ou de aceitação por

parte das camadas subalternizadas com relação às reformas operadas na periferia

do capitalismo, sob a batuta dos organismos multilaterais, em consonância com os

Estado a partir dos interesses classistas que a compõe. Daí a ativação renovada

da teoria do capital humano, juntamente com as ideias de competitividade e

individualismo, mobilizados também e muito fortemente, nos espaços educacionais

no sentido de orientar a construção de uma nova sociabilidade imposta pelo capital.

Posto isso, vemos todo um projeto de sociedade pensado e fomentado para os

85

interesses dominantes, à medida que se instaura por meio de elementos práticos e

subjetivos nos processos de formação dos sujeitos e nas relações sociais que

vivenciam.

Assim, é por meio da educação que os neoliberais agenciam o

favorecimento da produtividade capitalista (valorização do valor), por um lado, e

incorporam elementos de caráter ideológico sob a égide do consenso e da

reprodução de valores/sociabilidade por meio da formação de intelectuais

orgânicos, por outro (NEVES e PRONKO, 2008).

As reformas no Brasil têm sido construídas com base em acordos e

recomendações internacionais, com vistas às prioridades e estratégias para a

modernização do ensino. Os programas e as ações governamentais são assim

alicerçados em consensos nacionais e compromissos financeiros para o

desenvolvimento (GAJARDO, 1999). São as orientações das agências

internacionais que norteiam e referenciam o desenho assumido pelos diversos

programas, ainda que, noutro polo, as demandas sociais internas avancem no

embate pela democratização do ensino, por uma educação realmente universal e

com qualidade, dentre outras questões concernentes ao direito à educação.

Ao longo da década de 1990, foi promovida pelos organismos multilaterais

uma série de eventos a fim de discutir e firmar acordos, especialmente com os

países da periferia do capitalismo. Exemplos disso foram a Conferência Mundial de

Educação para Todos, em 1990; o Encontro de Nova Delhi, em 1993; a Reunião

de Kingston na Jamaica, em 1996; a Conferência Mundial sobre Ensino Superior,

em 1998, 2009; e a Declaração de Bolonha, 1999.

Além disso, em 1994, o Banco Mundial inicia um conjunto de “publicações-

chave”, como denomina a própria instituição, como forma de difundir e agenciar a

aplicação de seu discurso, além de situar, nos termos de Barreto e Leher (2008, p.

424), “[...] as condicionalidades funcionais aos interesses geopolíticos (dos países

centrais) e econômicos (de suas corporações e financeiras)”, de modo a persuadir

e impor na condição - ilusória - de única alternativa para solucionar os problemas

identificados.

Em 1994, é editado pelo Banco Mundial o documento “Educação superior:

as lições da experiência”. Nele, é feita uma relação direta entre pobreza e educação

superior, cuja apresentação é reduzida ao mero treinamento. Já nesse período,

86

igualmente, apontam para estratégias de disseminação e barateamento do ensino

superior, a educação à distância e os programas de aprendizagem aberta. Desse

modo, destacam-se três pressupostos que conformam essa publicação, a saber: a

promoção de educação superior através de treinamento de baixo custo para os

grupos desprivilegiados; todos os países estariam aptos a competir no mercado

global; a responsabilidade sobre o alcance desse patamar era dos próprios países

(BARRETO e LEHER, 2008).

Ao principiar a década de 2000, outro documento foi publicado pelo Banco

Mundial em conjunto com a Unesco. Por meio deste novo “receituário”, as duas

entidades perseguiam o aprofundamento das orientações postas na publicação

anterior. Não obstante isso, o texto de “Educação superior nos países em

desenvolvimento: perigo e promessa” apresenta elementos que demarcam,

sobremodo, a compreensão das duas instituições acerca da realidade da época.

Assim, ganham destaque a expansão resultante da significativa elevação do

quantitativo de alunos; a ascensão da diferencia entre os tipos de instituição e

empresas envolvidas no processo; o alargamento do acesso ao conhecimento por

meio da revolução tecnológica (BARRETO e LEHER, 2008). Sobre tal documento,

Borges (2010, p. 372) assinala que

A temática referente ao papel da educação superior e da universidade no processo de desenvolvimento econômico e social constitui o foco central do discurso do Banco no documento conjunto Banco Mundial-Unesco. Nessa ‘nova’ visão, a educação superior assume a responsabilidade de formação de competências necessárias ao mercado de trabalho e de produzir conhecimento e socializá-lo. Segundo essa concepção, a educação superior, sobretudo a universidade, constitui o lugar, por excelência, de produção de conhecimento avançado e onde são formados indivíduos altamente capacitados.

Entretanto, na publicação de 2000, o papel proposto para o ensino superior

nos países periféricos não é mais tomado com capacidade suficiente para modificar

a condição de pobreza, em face da nova realidade já referenciada. Assim, há uma

alteração no discurso professado pelo Banco Mundial-Unesco, quando observamos

sua tônica a partir do texto ulteriormente citado. Segundo Barreto e Leher (2008),

as instituições evocam uma lacuna que nem mesmo será minimizada e transferem

87

o foco para o desenvolvimento da capacidade de acessar e assimilar novos

conhecimentos.

Esse mesmo documento propõe um sistema híbrido de educação superior,

na perspectiva de comportar, no mesmo sistema educacional, instituições com

objetivos diferenciados, conciliando excelência e educação de massas. Este

aspecto é analisado por Borges (2010, 372), nos seguintes termos:

Nesse sistema, as universidades são consideradas instituições que têm como foco central a investigação, ocupando o topo da pirâmide educacional e com o objetivo de alcançar a excelência em matéria de pesquisa. As instituições de educação superior não universitárias vinculam-se mais às necessidades do mundo do trabalho, onde existe uma demanda pela formação de determinadas competências.

Assim, nas orientações do Banco Mundial-Unesco vislumbra-se a

flexibilização institucional no seio do sistema de educação superior no conjunto de

países da periferia do capitalismo, sob um viés que aponta para a limitação de uma

formação profissional qualificada, à medida que abre espaço para proliferação de

ofertantes sob o signo de instituições não universitárias. Estas se desobrigam de

manter o tripé ensino, pesquisa e extensão, podendo centrar-se unicamente no

ensino, sobretudo, aquele constituído para atender as demandas do mercado por

mão de obra.

Os interesses do mercado são também satisfeitos pela via da privatização

do ensino, a qual se instaura por meio da pulverização de instituições (e das

modalidades de ensino), dadas as facilidades que os empresários encontram em

ofertar educação superior, uma vez que os requisitos são menos restritos e

propõem-se maiores incentivos e retornos econômicos. As medidas privatizantes

alcançam, todavia, também as universidades, que, apesar da maior autonomia de

que gozam, são impelidas a cobranças de taxas, à oferta de cursos pagos e ainda

a "associações" com empresas (Parceria Público-Privado), que subsidiem,

principalmente, projetos de pesquisa, tornando-se passíveis de suas interferências

diretas (LIMA, 2011).

É o que Neves e Pronko (2008, p. 103) classificam como dois tipos

articulados de privatização da educação superior. De um lado “a privatização pelo

empresariamento desse nível de ensino, por meio da criação da nova burguesia de

88

serviços educacionais”. De outro lado, “a privatização da educação pública, por

intermédio do financiamento empresarial dos projetos educacionais e pela

disseminação do seu modo de ser no desenvolvimento de suas atividades

curriculares”.

Ganha relevo, pois, a interação entre a universidade e a indústria, numa

relação em que é atribuída a tarefa de realizar, fundamentalmente, pesquisa com

base em investigação aplicada àquela e à esta última a responsabilidade por parte

do financiamento. Assim, a parceria com o setor produtivo reduz a participação do

Estado no financiamento da educação superior. Ao estabelecer este tipo de

relação, amplia-se cada vez mais a participação do setor privado nesse segmento

educacional, sendo que os investimentos resultam em benefícios para o setor

produtivo que, em contrapartida, passar a dispor do direito ao exercício de poder

sobre os processos decisórios e resultados das pesquisas.

Nesse sentido, o setor produtivo “[...] passa a pressionar a universidade por

mais produtividade [e esta] [...] passa a ser entendida como a capacidade de

inovação, possibilitada por processos de investigação orientados para as

necessidades de competitividade do setor produtivo.” (BORGES, 2010, p. 373).

Uma iniciativa, portanto, que não retira a natureza pública e aparente da

universidade, mas privatiza “por dentro”, reformulando sua autonomia e reduzindo

seu papel e sua função social (BORGES, 2010).

No documento intitulado “Construindo sociedades do conhecimento: novos

desafios para a educação terciária”, editado em 2002, o Banco Mundial apresenta

muito claramente a questão da mercantilização do ensino superior. A elaboração,

como posto no próprio título, apresenta de forma clara um conceito que já estava

presente nas formulações anteriores, o de educação superior terciária, e explicita a

ação do mercado sobre essa estrutura educacional e a ‘emergência de um mercado

global para o capital humano avançado’ (em seus próprios termos).

Com isso, tem-se a responsabilização dos países ditos em desenvolvimento

em operar a reforma prescrita, agora evocada como um desafio, diante do contexto

da economia mundial, sem perder de vista sua imbricação com o conhecimento e

lugar que assume na sociabilidade atual, e ainda a centralidade da liberalização do

comércio e dos serviços. O documento aponta, ademais, para a existência de um

mercado internacional de educação terciária, mediante a formação do que

89

denomina ambiente educacional sem fronteiras, e para um quadro de verdadeira

competição entre universidades privadas (BARRETO e LEHER, 2008).

Segundo Lima (2011), o deslocamento da concepção de ‘ensino superior’

para o de ‘educação terciária’, assenta-se no discurso de que vivenciamos a

chamada sociedade do conhecimento, cuja produção e difusão são base para o

bom desenvolvimento da economia mundial. Em face disso, o Banco Mundial

preceitua o aprofundamento da diversificação das instituições de ensino superior,

agora com nova racionalidade, haja vista que o nível terciário passa a abranger

toda sorte de cursos “pós-médio”, além das certificações e aproveitamentos que

podem ser fornecidos pelas diversas organizações ofertantes desse nível de

ensino.

A quarta publicação do Banco Mundial data de 2003 e leva o título de

“Educação permanente na economia global do conhecimento: desafios para os

países em desenvolvimento”. Nesse documento evidencia-se, sobremaneira, a

dimensão do acesso e expansão das oportunidades e aprendizagem. Outrossim,

são apontadas novas emergências para aquele contexto, entre as quais são

destacadas como palavra-chave da nova formulação, os ‘novos instrumentos para

a competência intercultural’ (BARRETO e LEHER, 2008). Sobre o assunto, Barreto

e Leher (2008, p. 427) destacam que

Competência, como noção ou princípio de organização curricular, não constitui novidade. Entretanto, ao ser recontextualizada na conexão dos discursos da ‘globalização’ e da ‘economia do conhecimento’, adquire feições diferenciadas: alia à suposta revolução tecnológica os novos imperativos econômicos [...]

Para os autores referenciados, a revolução tecnológica apregoada pelos

organismos multilaterais encontra seus fundamentos, não nas relações sociais

concretas, mas na tessitura do mercado, sob o signo de “forças do mercado”, isto

é, abstraído de qualquer agente identificável, de modo a esconder e legitimar suas

intervenções e fazer imperar mudanças passivas por parte dos Estados nacionais.

O discurso difundido valida, ideologicamente, a abordagem técnico-cientifica

das desigualdades entre os países, nele situadas como meras lacunas digitais; o

imperativo de intervenção em assistência aos países periféricos, no sentido de

superar tal lacuna; a sustentação do rearranjo geoeconômico em um verdadeiro

90

apartheid tecnológico e educacional. As noções postas são inclusive funcionais ao

“descentramento” da categoria trabalho, haja vista autenticar a insurgência de uma

nova sociedade, dotada de outros elementos centrais (BARRETO e LEHER, 2008).

Ilustrativo dessa compreensão é o que apontam Neves e Pronko (2008, p.

105) quando afirmam que

De acordo com esses organismos, e com parte significativa das teorias que procuram explicar as mudanças atuais em processo nas sociedades contemporâneas, as sociedades do conhecimento substituem as sociedades industriais porque o capital físico vem perdendo importância como fonte de riqueza depois que esta começou a ser impulsionada pelas inovações tecnológicas. A riqueza mundial deixa de estar ‘concentrada nas fábricas, na terra, nas ferramentas e maquinarias’, e o ‘conhecimento, as habilidades e o engenho dos indivíduos’ passam [a] ser decisivos para o desenvolvimento da economia mundial. (grifos nossos)

Fica ainda evidente a importância dada à ciência e à informação no discurso

do capital e de seus representantes. Considerando que, nessa alocução, o

conhecimento assume a centralidade no processo de produção da riqueza, torna-

se um elemento também fetichizado e potencial para o usufruto do capitalista.

Tomando como ponto de partida a análise feita por Neves e Pronko (2008)

ao tratar da publicação do Banco Mundial ainda na década de 1990, importante

recuperar que a privatização e a fragmentação da educação superior fazem parte

do rol de imposições feitas pelos organismos multilaterais aos governos nacionais

para, priorizando a educação (ou adestramento) das massas trabalhadoras, operar

reformas, na perspectiva de reduzir as desigualdades sociais, fruto das reformas

estruturais implementadas e ainda responder às pressões populares por acesso a

uma formação de nível superior.

No Brasil, as reformas educacionais seguiram as mesmas orientações do

neoliberalismo da “Terceira via” - condutores que são das políticas atuais dos

organismos multilaterais. Dessa maneira, as reformas brasileiras têm por finalidade

estratégica contribuir, decisivamente, para um novo projeto de desenvolvimento

nacional capaz de compatibilizar crescimento sustentável com equidade e justiça

social (NEVES e PRONKO, 2008).

91

Tais mudanças para o ensino superior inseriram na agenda da Política de

Educação no Brasil discussões acerca de elementos diversos de sua conformação

no presente. Um novo modelo de gestão (gerencialismo) incorpora o modo de gerir

da administração privada na contemporaneidade, apontando para um Estado

realinhado, cuja ação gira somente em torno do “necessário” – não seria, portanto,

máximo nem mínimo – e cuja organização está pautada em um formato mais

flexível com base em parâmetros de qualidade e eficiência empresariais

(MARTINS, 2012).

Além disso, há a requisição interna e externa por uma intervenção estatal

para assegurar a democratização do ensino, aspecto contraditório quando pensado

a partir da ótica neoliberalizante e mesmo quando percebida em face do que

preconiza o dito neodesenvolvimentismo, cujas diretrizes, embora apontem para o

chamado “novo Estado democrático” e para a ampliação da participação social,

como indica Martins (2012), expressa uma participação limitada, dada meramente

à administração de conflitos/diferenças, visando alcançar a colaboração. A

existência de um novo padrão de formação dos sujeitos, fortemente direcionado

para as necessidades do mercado e da inserção dos sujeitos no circuito do

consumo, bem como da garantia de sua manutenção objetiva constitui elemento

primordial a ser considerado.

Deste modo, os programas e projetos se distinguem e caracterizam por se

situarem no âmbito administrativo-institucional, no financeiro e/ou no pedagógico

(GAJARDO, 1999). Borges (2010), tomando em conta elementos do diagnóstico do

Banco Mundial advoga sobre a “crise da educação superior” e da instituição

universitária no mundo, evidencia que nos países periféricos – incluído aí o Brasil -

a crise se apresenta com maior gravidade, devido a presença de ajustes fiscais e

de mobilização e luta pela ampliação do quantitativo de matrículas. A autora

assinala que o Banco tem “recomendado”, para a educação superior, “[...]

diferenciação institucional; diversificação das fontes de financiamento; redefinição

do papel do Estado e as questões referentes à autonomia e à responsabilidade

institucional e políticas voltadas para a qualidade e equidade”. (p. 369).

No ensino superior brasileiro, tais modificações podem ser claramente

identificadas a partir da gama de leis, decretos e medidas provisórias impetradas,

92

principalmente desde o governo Fernando Henrique Cardoso, adentrando os

governos que o seguiram.

Podem ser citados como marco: a Lei nº 10.861/2004, a qual aprova o

Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes); o Decreto nº

5.205/2004, que regulamenta as parcerias das universidades federais com as

fundações de direito privado; a Lei nº 10.973/2004 ou Lei de Inovação Tecnológica,

referente às parcerias entre universidades públicas e empresas; dentre outros,

inclusive mais recentes como a Medida Provisória nº 520/2010, que autoriza a

criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, vinculada ao MEC, mas

com personalidade jurídica de direito privado (LIMA, 2011).

O Estado brasileiro, portanto, tem papel histórico fundamental na condução

da política de expansão do ensino superior no País, visto ser ele o criador do

arcabouço jurídico a conferir possibilidade de operá-la, autorizando e credenciando

IES privadas, legalizando privatizações internas às instituições públicas e

estimulando o produtivismo e a perspectiva mercantilista de pesquisa e de

produção do conhecimento (LIMA, 2012).

A reforma operada no Brasil, conquanto não faça menção oficialmente às

orientações dos organismos multilaterais, direciona-se no sentido de suas

proposições, dado que o Estado e as elites político-econômicas nacionais partilham

das mesmas concepções e interesses que aqueles (LIMA, 2011). Como Borges

(2010, p. 89) afirma,

Nos marcos do ‘alargamento/intensificação’ da política de diversificação das IES e dos cursos e das fontes de financiamento da educação superior, operada pela concepção de “educação terciária”, defendida e difundida pelo BM, é que será implementada, no Brasil, uma intensa reformulação da educação superior.

Lima (2011, p. 90) agrupa o conjunto de ações desenvolvidas pelo Estado

brasileiro em quatro nucleações, as quais expressam elementos que permeiam a

construção legal e que caracterizam fortemente o processo de reforma da

educação superior no País. Destaca assim “[...] o fortalecimento do

empresariamento da educação superior” – que ocorre pelo aumento do número de

instituições de ensino privadas a ofertar formação de nível superior e pela

privatização que se processa no interior das universidades públicas; a viabilização

93

das “parcerias público-privadas na educação superior”; “a operacionalização dos

contratos de gestão”; “a garantia da coesão social em torno das reformas

estruturais” executadas nos governos FHC e Lula.

Em face do processo de diversificação das instituições de ensino superior

que já se processavam mundialmente à época de seu governo, FHC, ao longo dos

oito anos de mandato, o processo de expansão das universidades públicas foi

retraído, ao mesmo passo em que se estimulava a propagação das instituições

privadas (SAVIANI, 2010). Além disso, este governo fez profundas mudanças no

ordenamento interno das universidades públicas, principalmente as federais,

possibilitando a venda de alguns serviços (cursos pagos), o estabelecimento de

parcerias e empresas privadas; criação de mestrados profissionalizantes em

associação com empresas públicas e privadas, dentre outros. Assim, há evidências

de o governo ter seguido, sobremaneira, a lógica privatizante, inclusive no que

concerne à gestão da educação superior pública (LIMA, 2011).

Essa lógica se mantém no governo Lula, o qual, desde 2003, fomenta,

subsidiando e regulamentando, a reformulação da educação superior. Opera uma

expansão dada pelo estímulo à mercantilização e privatização nesse nível de

ensino, mantendo a lógica do Banco Mundial – diversificação das instituições de

ensino superior, cursos e fontes de financiamento -, ainda que se possa identificar,

quantitativamente, um incremento de instituições de públicas (LIMA, 2011).

Em síntese, Lima (2012) evidencia que a expansão da educação, com

destaque para a educação superior, se dá a partir de três necessidades do capital.

A primeira delas aponta para a subordinação da ciência à lógica mercantil, a incidir,

em países periféricos como o Brasil, em especial, sobre a área de ciência,

tecnologia e inovação e a materializar-se pela venda de “serviços educacionais”

(cursos pagos em instituições públicas, parcerias entre universidades e empresas

privadas) e pelo incentivo à competitividade, ao empreendedorismo e ao

produtivismo acadêmico. A segunda necessidade atendida é a constituição de

novos campos de lucratividade, dada por meio do crescimento quantitativo de IES

privadas, afirmando a educação como negócio lucrativo para a burguesia nacional

e internacional. A terceira demanda do capital, atendida pela expansão da

educação, conforme a autora, consiste na construção de estratégias para o

estabelecimento do consenso em torno do projeto burguês de sociabilidade em

94

tempos atuais, face ao denominado neoliberalismo reformado. A educação terciária

é funcional a esta última requisição do sistema capitalista, uma vez que coaduna

com a nova racionalidade defendida pelos organismos multilaterais para a

educação e difunde a ideia da diversificação – pois qualquer curso pós-médio é

considerado educação terciária – sob a aparência da democratização do acesso à

educação.

Em nossos dias, vivenciamos a terceira fase de expansão34 do ensino

superior no Brasil, a congregar um conjunto de ações que, para Lima (2012), podem

ser identificadas por meio de dois grandes eixos, quais sejam: o empresariamento

da educação – dimensão que inclui a privatização e a mercantilização da educação

superior – e a certificação em larga escala - identificada por ações como o ensino

na modalidade à distância e as propostas de reestruturação das universidades, a

resultar na intensificação do trabalho docente, na massificação da formação

profissional desacompanhada de uma dimensão qualitativa, além da

reconfiguração do papel das universidades públicas.

Cabral Neto e Castro (2014) apontam que a expansão do ensino superior do

país ocorreu mediante três vias, quais sejam: a via da privatização, a via da

expansão do ensino superior público pela racionalização dos recursos e a via da

educação à distância.

Pela via da privatização foram criados o Fundo de Financiamento Estudantil

(FIES)35 e o Programa Universidade para Todos (ProUni)36, cuja acepção propõe a

democratização do acesso ao ensino superior com a intervenção do Estado em sua

garantia. Ambos resultam na ampliação do número de vagas e diversificação de

34 Lima (2012) delineia uma primeira fase da expansão do ensino superior no Brasil, ocorrida ainda na ditadura militar e marcada pela formação de letrados para aptidões gerais e pela perspectiva de controle de professores e estudantes que lutavam contra o padrão dependente de desenvolvimento e de educação. A segunda fase, ocorre no período do governo FHC, sendo caracterizada pelo empresariamento da educação superior e consequente crescimento do número de IES privadas e privatização por dentro das públicas, em consonância com o projeto neoliberal. Segundo a autora, a partir do governo Lula, a expansão do ensino superior alcança uma nova fase, a terceira, embora ainda parte do programa de contrarreforma do Estado brasileiro. 35 Instituído pela lei Lei nº 10.260/2001, está destinado à concessão de financiamento de cursos superiores não gratuitos a estudantes matriculados em instituições de ensino superior não gratuitas e desde que haja avaliação positiva do curso. A Lei nº 12.513/2011 ampliou a abrangência, passando o FIES a atender também os estudantes da educação profissional e tecnológica e os discentes vinculados aos programas de mestrado e doutorados com avaliação positiva, desde que haja disponibilidade de recurso. Por ser financiamento, o estudante precisa fazer o pagamento do valor e dos juros cobrados pelo empréstimo. 36 Criado pela Lei nº 11.096/2005, concede bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de educação superior a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior.

95

cursos na rede privada de ensino, mas são acompanhadas de algumas

problemáticas importantes de serem pontuadas. Isso porque implicam na

transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, no endividamento dos

sujeitos, na maior parte das vezes, em limitadas condições de permanência –, e no

fortalecimento da lógica empresarial – e mercantilização do ensino.

Pela via da expansão do ensino superior público, por meio da racionalização

dos recursos, o principal representante é o Programa de Apoio a Planos de

Estruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o qual propõe a

ampliação do acesso e da permanência na educação superior, aproveitando a

estrutura física e de recursos humanos já existentes nas universidades federais.

Para tanto, submete as instituições, autarquias, a uma gestão pública mediada pela

lógica gerencial de administração por resultados; condiciona o recebimento de

recursos à adesão ao Programa por meio de um plano de reestruturação, em que

conste, inclusive, o estabelecimento de metas; e submete as instituições a

avaliações contínuas para análise de resultados e metas, o que é feito, grosso

modo, sob a lógica gerencial.

Quanto à via da educação à distância, temos inicialmente37 no Brasil, um

quadro de desregulamentação, instado pela inexistência de balizadores normativos

em função de se tratar de uma nova ferramenta educacional não pensada quando

da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)38, por exemplo.

Temos, ainda, nesse âmbito uma forte inserção da iniciativa privada, apesar de

haver um movimento também do setor público, de fazer uso da educação à

distância para empreender a interiorização do ensino superior, algo não

proporcionado de forma maciça pelo REUNI.

No entanto, há grande preocupação com relação ao modo como a formação

ocorre na modalidade à distância, sendo a manutenção da qualidade um dos

desafios, em razão da efemeridade característica de alguns cursos. São cursos que

apresentam uma formação simplificada e/ou aligeirada e/ou com pouca vivência

acadêmica. Cursos pautados na quase ausência do tripé ensino, pesquisa e

37 A partir de 2005 alguns decretos foram regulando a educação à distância no Brasil (Decreto nº 5.622/2005, Decreto nº 5.773/2006, Decreto nº 6.303/2007). 38 Lei nº 9.394/1996.

96

extensão e fortemente cooptados pela lógica empresarial em que se observa, em

boa medida, a mera mercantilização do ensino superior.

Assim, especialmente nas primeiras décadas do século XXI, o governo

brasileiro optou pela expansão do ensino superior substancialmente através da

diversificação, isto é, pela criação de novos cursos em novas áreas de formação

contemporâneas e, principalmente, por meio da oferta de cursos a partir de

instituições não universitárias e incremento do sistema de educação terciária. Em

termos absolutos, na atualidade o número de instituições não universitárias supera

o quantitativo de universitárias. Em 2014, o Censo da Educação Superior (BRASIL,

MEC/INEP, 2015) registrou 195 universidades em todo o Brasil e 2.173 instituições

não universitárias. Em termos percentuais, significa que apenas 8% IES eram

universidades.

No ano em que o Banco Mundial materializou pela primeira vez o seu

discurso, publicando o primeiro documento contendo recomendações para a

educação superior nos países periféricos, qual seja, 1994, o número de

universidades era de 127 e o de instituições não universitárias era de 724. Desde

então ocorre uma progressiva evolução quantitativa de IES no Brasil, a qual pode

ser visualizada no gráfico a seguir.

Gráfico1 - Evolução do número de IES universitárias e não universitárias no Brasil – 1994-2014

Fonte: Brasil. MEC/INEP. Elaborado pela autora

0

500

1000

1500

2000

2500

IES Universitárias IES NãoUniversitárias

1994

2004

2014

97

Dentre as 2.173 IES não universitárias contabilizadas em 2014, a maior

parcela era formada por faculdades, sendo 1.986 em todo o Brasil. Das faculdades,

1.315 possuíam localização no interior do País e 671 nas capitais. Além disso,

aproximadamente 93% do total de faculdades eram privadas e, destas, quase 65%

estavam fixadas no interior. Tais dados revelam que a expansão com interiorização,

tem sido empreendida a partir da absorção pelo empresariado de mais essa fatia

de mercado, passando a ofertar formação de nível superior privada a localidades,

muitas vezes, não atendidas pelas instituições públicas.

Segundo os dados, em 2014, havia 298 unidades das IES caracterizadas

administrativamente como públicas. De outro lado, 2.070 eram unidades privadas,

o equivalente a 87,4% do total. As IES privadas são assim preponderantes,

conformando 92,5% dos Centros Universitários e 93,2% das faculdades.

Destacamos ainda que dos 12,6% de IES públicas, 4,5% são federais, sendo quase

3/5 delas universidades e 37,4% são Institutos Federais e CEFET.

Gráfico2 – Evolução, em números absolutos, de IES por categoria administrativa no Brasil – 1994-2014

Fonte: Brasil. MEC/INEP. Elaborado pela autora

0

500

1000

1500

2000

2500

IES Públicas IES Privadas

1994

2004

2014

98

Como visto, o ensino superior tem sua expansão vertiginosamente

assinalada pela via da privatização, ficando evidente a mercadorização da

educação superior, vendida pelo sistema do capital na forma de serviços. É

indubitável a ampla expansão da iniciativa privada ante a expansão fomentada no

setor público, o que não significa, no entanto, que haja retração do Estado na oferta

de vagas na educação superior. Além das iniciativas realizadas a partir de IES

públicas, é relevante considerar que muitas das vagas disponibilizadas pelas IES

particulares são ocupadas mediante o despendimento de recursos públicos, por

meio de programas governamentais como o FIES e o PROUNI. Portanto, pode-se

denotar a existência de mais vagas movidas/criadas pela administração pública do

que a soma apresentada pelo Censo. Referimo-nos, assim, ao maciço investimento

de recursos públicos na iniciativa privada nos últimos anos, cuja aplicação deixa de

ser investida para assegurar a abertura permanente de vagas no setor público ou

mesmo para melhorar sua qualidade.

O mercado formado em torno da educação superior pública no Brasil tornou-

se, como afirma Leher (2015), um grande negócio. Segundo ele, há uma articulação

(e fusão) de grandes grupos econômicos de áreas distintas – bancos, empreiteiras,

setores do agronegócio e da mineração, meios de comunicação – a investir em

negócios na educação. A mercantilização em curso no tempo histórico atual é

processada por organizações de natureza financeira, em especial os chamados

fundos de investimento. É a financeirização da educação, a desvirtuar seu propósito

ampliado, invertendo valores, de modo que o primordial deixa de ser a educação

em si e a formação dos sujeitos, passando a ser a busca por lucros elevadíssimos.

Leher (2015) ratifica ainda um de nossos apontamentos anteriores. Para ele

é através dessa articulação entre grandes grupos econômicos que as classes

dominantes se organizam e definem um projeto e concepções claras de formação

a seu contento. Com isso, convertem jovens em capital humano, isto é, educam as

juventudes para o dito novo espírito do capitalismo, sem muitas possibilidades de

vislumbrar outro modo de vida que não aquele em que serão apenas força de

trabalho, um mero fator de produção.

Não obstante isso, temos no número de vagas a evidência da expansão do

ensino superior brasileiro. Conforme o INEP, em 2014, nos 32.878 cursos

existentes em toda a rede (entre bacharelados, licenciaturas, tecnólogos e outros),

99

foram registradas 7.828.013 matrículas. O País contabilizou um incremento da

ordem de 61.669.079 matrículas desde 1994 e de 36.642.80 matrículas desde

2004.

Gráfico 3 - Evolução do número de matrículas no ensino superior no Brasil – 1994-2014

Fonte: Brasil. MEC/INEP. Elaborado pela autora

O Brasil registrou o maior percentual de matrículas em IES privadas dos

últimos tempos, segundo o INEP, um percentual de 74,9%. Mas, além da via da

privatização, a expansão da educação superior também está sendo promovida

através da Educação à Distância. A presença das novas tecnologias na produção,

assim como o progresso tecnológico, rearranja a sociabilidade capitalista,

adentrando o cotidiano de vida das pessoas e os processos de ensino-

aprendizagem em tempos atuais. Assim, a formação de nível superior impulsionada

no País é fortemente perpassada e, por vezes, determinada pelos novos padrões

tecnológicos. Os organismos multilaterais e o Ministério da Educação (MEC), no

Brasil, respaldam e disseminam as Tecnologias da Informação e Comunicação

(TIC) como instrumentos potencializadores do acesso à formação e nível superior

(universalizando e conferindo equidade). O fazem sob a anunciada ideia

apologética de tornar mais abrangente a formação dos sujeitos e de melhorar a

qualidade do ensino.

Os dados revelam a abrangência dessa modalidade na educação superior.

Em 2014, mais da metade das matrículas realizadas em cursos de graduação

0

1000000

2000000

3000000

4000000

5000000

6000000

7000000

8000000

9000000

1994 2004 2014

Matrículas

100

presencial (2.633.527 matrículas) foram em cursos de graduação à distância,

1.341.842 matrículas. No mesmo ano, 10% dos cursos eram ofertados na

modalidade EAD, em que pese a diferença do percentual referente à modalidade

presencial, essa é uma parcela significativa quando consideramos sua implantação

relativamente recente no País. Ademais, consoante o INEP, o número de alunos

nessa modalidade tem crescido continuamente, de modo que de 2013 para 2014

houve acréscimo de 16,3%, sendo que as matrículas nos cursos EAD são

predominantes na rede privada.

Destacamos assim, que:

Ao longo do governo Lula se por um lado se retomou certo nível de investimento nas universidades federais promovendo a expansão de vagas, a criação de novas instituições e a abertura de novos campi no âmbito do Programa ‘REUNI’, por outro lado deu-se continuidade ao estímulo à iniciativa privada que acelerou o processo de expansão de vagas e de instituições recebendo alento adicional com o programa ‘Universidade para todos’, o PROUNI, um programa destinado à compra de vagas em instituições superiores privadas [...] (SAVIANI, 2010, p. 14).

A expansão da educação superior no Brasil tem sido, desta forma, operada

com base em uma democratização enviesada. Ao ampliar o quantitativo de vagas,

oportunizando o ingresso de um maior número de pessoas, favorece o mercado

com a injeção de recursos públicos, isenção de impostos, legalização de modelos

de formação desqualificados, formação de profissionais conforme os requisitos do

capital. O Estado brasileiro, que segue as orientações internacionais – desde o

governo FHC, mas principalmente com os governos Lula e Dilma –, formula um

sistema complexo e contraditório de expansão do ensino superior. Posiciona-se de

forma alinhada a toda a lógica de mercado (privatização), mas também investe nas

instituições públicas e responde às demandas sociais por formação profissional.

Investe na preparação de uma mão de obra apta – nos moldes neoliberais – para

o trabalho e para positivar o País na sua participação competitiva no cenário

internacional de mundialização do capital.

A ideia de competitividade entre os Estados nacionais, porque relativa aos

mercados, é também incorporada pelas propostas de formação de trabalhadores.

Assim, são formulados novos padrões de competência profissional, e, é importante

101

enfatizar, não apenas em razão da valorização do desenvolvimento tecnológico em

termos econômicos, mas também como forma de substituir a ideia da qualificação

profissional – associada a uma formação escolarizada e promotora de uma carreira

solidamente construída – pelas concepções de competência e empregabilidade –

descoladas das instituições formais e de experiências adquiridas no processo de

formação e voltada à consideração de aspectos pessoais e subjetivos.

O discurso da competência e da empregabilidade alardeado como condição

sine qua non e mesmo como único determinante para a inserção no mundo do

trabalho, na realidade, é ilusório e utilizado como forma de adequar a força de

trabalho às exigências de mercado e de, estabelecendo o individualismo e a

competitividade entre os sujeitos, enfraquecer sua articulação contra os ditames

desse mesmo mercado. Ademais, constituem justificativas que camuflam mais uma

das contradições do próprio sistema capitalista, especialmente em seu momento

maduro, que é ter no trabalho sua única fonte de geração de valor, sendo este

central para o seu desenvolvimento, e, ao mesmo tempo, promover o crescimento

de exército de reserva de trabalhadores, seja pela substituição do homem pela

máquina (elevação do capital constante) ou pelas adequações administrativo-

gerenciais implementadas.

Os mesmos avanços tecnológicos que hoje têm aberto espaços e novas

áreas de formação profissional, juntamente com as transformações organizacionais

e transformações da estrutura do mercado de trabalho, têm possibilitado e

acentuado a conjugação de uma população marginalizada ou sobrante/excluída do

mercado de trabalho.

A empregabilidade deve ser compreendida, assim, como uma simples

expectativa de inserção nesse mercado de trabalho, haja vista a impossibilidade de

o capitalismo satisfazer plenamente as demandas da população por emprego. Não

há no mercado condições para atender toda a população, ainda que qualificada,

empregável e dotada das mais subjetivas competências propagandeadas pelo

capital.

Ainda assim, a lógica de formação vai sendo impregnada pelo discurso

neoliberal e fomentando a competitividade, o desenvolvimento de competências

subjetivas, o individualismo, o produtivismo, a meritocracia, dentre tantos outros

elementos que retiram do âmbito do direito social o acesso ao emprego e ao

102

trabalho e transferem para o próprio indivíduo o sucesso ou fracasso em se inserir

socialmente.

Em se tratando de ensino superior, do qual devem resultar profissionais bem

qualificados e competentes – não sob a perspectiva neoliberal – e, considerando a

expansão ocorrida nas últimas décadas, os impactos de toda essa conformação do

mercado e do Estado para atendê-lo, promove uma verdadeira inclusão

marginalizada de muitos sujeitos – parte significativa do precariado – que não

conseguem acessar o mercado de trabalho ou, quando conseguem, se inserem de

maneira precarizada.

Forma-se e incentiva-se a formação de um enorme contingente de

indivíduos que serão submetidos à desregulamentação ou a uma nova

regulamentação do trabalho que o flexibiliza cada vez mais. São, em sua maioria,

jovens conduzidos pela promessa de acessarem o mundo do trabalho por seus

méritos individuais e pela construção de um percurso acadêmico que lhes garanta

estabilidade e amplie as possibilidades de melhorar suas condições de vida.

Inclusive porque um dos elementos que dão forma à nova morfologia do trabalho

na contemporaneidade diz respeito ao que Alves (2012) aponta como “a vigência

do espírito do toyotismo”, dada pela presença de novos métodos de gestão e

organização da produção, mediante os quais a classe-que-vive-do-trabalho passa

a estar imersa em um ambiente ideológico esvaziado do discurso das lutas de

classe e, ao mesmo tempo, preenchido por valores, sonhos, expectativas e

aspirações que motivam as juventudes39, ainda assim, ao trabalho flexível.

O ingresso das juventudes no mundo do trabalho tem ocorrido, pois, com o

seu consentimento ativo. Isso porque o modelo flexível ante o precariado age na

“captura” da sua subjetividade, levando as escolhas dessa parcela do proletariado

ao limite do medo da exclusão, do desemprego (ALVES, 2012, ALMADA, 2012).

O trabalhador precisa das condições objetivas de subsistência e, mesmo

ciente do processo de intensificação da exploração a que é submetido, é impelido

à inserção no precário mundo do trabalho. Cardoso (2012), ao analisar a inserção

das juventudes no contexto da dinâmica do mercado de trabalho brasileiro, cita,

39 Utilizaremos ao longo do texto o termo “juventudes”, assim no plural, para nos reportar à parcela

jovem da população. Fazemos essa opção por compreender que a expressão posta no singular, “juventude”, é restritiva e não permite indicar toda a complexidade e heterogeneidade que envolve os sujeitos que a compõem.

103

dentre as questões que levanta, um aspecto essencial: apesar de estarmos

vivenciando um crescimento do mercado formal, tal processo é insuficiente para

absorver as novas gerações de trabalhadores. Some-se a isso o fato de que mesmo

os empregos formais estão construídos sobre bases flexibilizadas, com novas

formas de contratação, remuneração salarial e jornada de trabalho, o que os torna

cada vez mais vulneráveis aos interesses do mercado (ALVES, 2012).

Em face disso, as juventudes intercalam períodos de relações formais de

trabalho com períodos de relações informais e desemprego. Seu ingresso no

mercado de trabalho, costumeiramente, se dá via ocupações informais, nas quais

tendem a permanecer até que sejam considerados “aptos” a assumir uma

ocupação formal (CARDOSO, 2012).

A realidade atual aponta para a elevação das exigências por competências

laborais e para a ampliação da expectativa de vida dos sujeitos, o que, no contexto

da economia do conhecimento, significa mudanças nas concepções de formação

educacional/profissional, a qual passa a se dar ao longo de toda a vida dos sujeitos.

Sendo o conhecimento requisito necessário para que os jovens adentrem e se

mantenham no mercado de trabalho e considerando que o nível de qualificação

para tanto se elevou significativamente na sociedade pós-industrial, a lógica posta

para as juventudes tem sido a de postergar sua inserção laboral, priorizando a

conclusão do ensino superior (POCHMANN, 2013). Todavia, ao fazê-lo,

apresentam-se para o trabalho sem ou com pouca experiência da prática

profissional, algo que, paradoxalmente, lhes é exigido, sendo esse mais um

elemento do discurso do mercado usado para submeter as juventudes ao trabalho

precário e flexível (SANTOS, 2013).

As ideias de Alves (2014b) aproximam-se das ideias de Pochmann (2013),

ao apontar que, no Brasil contemporâneo, o padrão político-econômico

desenvolvimentista gera inflexões a contribuírem para a conformação do

precariado nacional. São três os vetores indicados pelo autor em referência como

os principais elementos potencializadores desse processo, a saber, o adiamento

da entrada dos jovens no mercado de trabalho; o desemprego no início das

trajetórias de vida; e o consequente aumento da competição pelas posições de

mercado.

104

Tomando o contexto brasileiro, há que fazer referência também à dívida

histórica do Estado para com essa parcela da população, não reconhecida em suas

especificidades, ao longo do tempo, especialmente nas décadas de estagnação

econômica do País. Na história do Brasil, as juventudes ignoradas como tal

vivenciaram uma realidade econômica de baixa qualificação profissional e,

ademais, tiveram suas problemáticas e demandas negligenciadas pelas políticas

públicas do Estado. Esse acúmulo histórico só agrava para as juventudes os

impactos das mudanças ocorridas no mundo trabalho nos últimos vinte anos,

afetando-os de modo mais intenso quanto às oportunidades de renda e de trabalho.

(CARDOSO, 2012; SANTOS, 2013)

Não obstante, o discurso de que “vence o melhor” no mercado de trabalho

permanece impulsionando os indivíduos ao ajustamento e, logo, à busca por uma

formação profissional que assegure a venda da sua força de trabalho. Isso tem se

dado, principalmente, por meio de cursos de graduação e pós-graduação que

resultam no crescimento quantitativo de indivíduos altamente qualificados, mas

com poucas perspectivas de inserção laborativas ou com perspectiva de inserção

precária. Essa é, portanto, uma via de emergência, adensamento e expansão do

precariado, a exigir que as políticas públicas para as juventudes sejam repensadas,

conforme aponta Pochmann (2013).

Assim, a expansão do ensino superior, sobretudo no Brasil, tem sido

marcada pelo processo de privatização e diversificação40, elementos que

propiciaram a celeridade do crescimento de instituições, a expansão de vagas e de

profissionais diplomados rumo ao mercado de trabalho. No Brasil, como visto, a

privatização tem se dado com o mote da recuperação da iniciativa privada que

mostrava até 2005 sinais de queda, havendo um elevado número de vagas ociosas.

Estratégias como o ProUni e FIES foram implementadas para impedir o fechamento

de instituições privadas de ensino superior, o que teria sérios impactos no mercado

e significaria o desemprego para muitos.

40 Cabral Neto e Castro (2014) apontam que a expansão do ensino superior no Brasil se deu por três vias: a da privatização, a da expansão do ensino superior público pela racionalização dos recursos e a da educação à distância. Mas as análises apontam ser marcantes nesse processo a privatização da oferta e a diversificação das instituições de ensino. (CABRAL NETO E CASTRO, 2014)

105

A diversificação no País ocorre por meio do surgimento de novas áreas do

conhecimento, áreas que até então não estavam postas como demanda de

formação. Além disso, trata-se de uma diversificação que ocorre pela criação e/ou

crescimento de modelos institucionais diferentes, muitos dos quais se distanciam

do padrão universitário. Nesse processo, as universidades perdem prestígio e

passam a ser valorizadas as instituições que atuam somente com o ensino –

desconsiderando o tripé ensino, pesquisa e extensão. Tanto que Lima (2011, p.

92), ao tratar das iniciativas governamentais como o REUNI, evidencia a existência

de outro tripé, a saber,

[...] aligeiramento da formação profissional (cursos de curta duração, ciclos, exame de proficiência, cursos à distância); aprofundamento da intensificação do trabalho docente (relação

professor/aluno, ênfase das atividades acadêmicas no ensino de graduação) e pavimentação do caminho para a transformação das universidades federais em ‘instituições de ensino terciário’,

quebrando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e decretando [...] o fim da autonomia universitária [...]. (grifos nossos)

O sistema de ensino terciário, conforme referido, abrange uma gama de

instituições universitárias e não universitárias; dentre estas últimas estão os

Institutos Federais, que mesmo antes de passarem à condição de instituto,

mediante as determinações impressas a partir do governo Lula, isto é, quando

ainda operavam como Centros Federais de Educação Tecnológica, foram inseridos

no processo de reformas por possuir traços característicos de interesse do

mercado. São instituições cuja ênfase é a vertente de educação tecnológica e que

mantêm estreita relação com o setor produtivo de diversas áreas (NEVES, 2003).

Segundo Cabral Neto e Castro (2014), em termos dos tipos de organização

acadêmica, houve um crescimento de 111% dos IF em todo o País, entre os anos

de 1996 e 201241, que se coloca então em segundo lugar no ranking de expansão

do ensino superior, por meio da diversificação institucional provida pelo Estado

brasileiro. É sobre essa expansão que trataremos no próximo item dessa

explanação.

41 A análise dos autores é feita com base em dados da publicação “Censo da Educação Superior: sinopse da educação superior 2012” do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

106

3 REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA:

CONTRADIÇÕES E PERSPECTIVAS NO PROVIMENTO DE FORÇA DE

TRABALHO NA ÁREA TECNOLÓGICA

Entender a dinâmica contraditória de retração e de ampliação do Estado em

meio à complexa crise do capital e, neste cenário, a expansão do ensino superior

e, mais especificamente, do ensino técnico e tecnológico constitui o desafio maior

desta sessão. O objetivo é a apreensão da inserção do mundo do trabalho dos

jovens egressos de cursos da área tecnológica, em tempos de crescimento do

precariado e de precarização do trabalho.

3.1 Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo em tempos de

crise do capital e de reconfiguração do Estado

As repercussões dos ajustes neoliberais sobre a Política de Educação têm

sido bastante significativas, com especificidades no campo da educação

profissional e tecnológica e da educação superior da rede pública, em geral. Com

efeito, nesses espaços, os ditames do capital assumem a determinação de toda a

lógica de organização das instituições, em termos dos recursos disponibilizados,

do quadro de ofertas de vagas para estudantes, do quadro de profissionais, das

políticas e serviços que devem/podem ser compostos para assegurar o acesso e a

permanência dos discentes, dentre outros.

Do período demarcado pela entrada das políticas neoliberais no País até os

dias atuais, o governo FHC foi o que mais diretamente e mais negativamente

empregou os ajustes neoliberais na educação profissional e tecnológica brasileira.

Objetivando claramente a redução dos gastos públicos e o favorecimento da rede

privada de educação, provocou uma série de mudanças na legislação que regia a

rede pública de ensino profissionalizante. O referido governo fez opção por uma

educação profissional guiada por um tom tecnicista, ao invés da perspectiva de

formação integral dos sujeitos; separou o ensino médio (propedêutico) do ensino

107

técnico42 e passou ao Ministério do Trabalho a responsabilidade sobre os cursos

de formação do trabalhador (SILVA, 2012).

Assim, não atendeu a necessidade de fomento e consolidação de uma

política capaz de garantir o acesso à educação e a elevação da escolaridade dos

brasileiros. Nesse período, o financiamento da Política de Educação – com

destaque aqui para a educação profissional e tecnológica e a educação de nível

superior – esteve sucateada e o País se tornou palco de inúmeras e prolongadas

greves pela educação.

O governo FHC foi responsável ainda pela edição do Decreto nº 9.649, de

27 de maio de 1998, cujo texto proibia, nas entrelinhas, a expansão das escolas

técnicas com recursos unicamente federais, passando a vincular, de forma direta,

a expansão física (criação de unidades) da educação profissional à articulação da

União com estados e municípios ou à iniciativa privada e organizações não-

governamentais. Tem-se, por um lado, uma descentralização enviesada, na

medida em que transfere a responsabilidade administrativa e financeira para as

esferas estadual e municipal, e, por outro, o claro direcionamento à valorização e

incentivo à mercantilização da educação, por meio da sua venda como serviço

ofertado no mercado.

O governo Lula, iniciado em 2003, foi responsável pela revogação do decreto

que separou ensino propedêutico do técnico e pela retomada da elevação da

escolaridade. Contudo, lança programas que ora visam a formação integral e com

qualidade, ora se revestem de uma pretensa inclusão da classe subalternizada no

sistema educacional, em modalidades de ensino consideradas de baixa qualidade

e restritas, a despeito de algumas avaliações positivas do Programa Nacional de

Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec)43. Esse governo, apesar de

responder, mesmo superficialmente, por meio das estratégias pautadas, no ideário

da chamada da “Terceira via” às demandas da classe trabalhadora no âmbito dos

direitos sociais e das políticas sociais – notadamente a Política de Assistência

Social e de Educação de nível técnico e superior –, não superou o modelo

socioeconômico neoliberal; pelo contrário, estreitou seus laços com o grande

42 Conferir decreto Nº 2.208/97. 43 Criado pela Lei 12.513/2011 objetivando a expansão, interiorização e democratização da oferta

de cursos de educação profissional e tecnológica no País. Ver: http://portal.mec.gov.br/pronatec

108

capital internacional e manteve, ainda que menos drasticamente, em algumas

áreas, o desmonte das políticas sociais.

Conforme Frigotto et al (2005, p. 1095), o Decreto Nº 5.154/2004, que

estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,

[...] dá continuidade à política curricular do governo anterior, marcada pela ênfase no individualismo e na formação por competências voltadas para a empregabilidade. Reforça-se, ainda, o viés adequacionista da educação aos princípios neoliberais. Neste particular, reafirma-se um dos fetiches ou uma das vulgatas, insistentemente afirmada nos oito anos de Governo Fernando Henrique Cardoso, de que no Brasil não havia falta de empregos, mas de “empregáveis”.

Não obstante, este governo lançou um olhar mais atento às potencialidades

das instituições públicas de educação profissional do País; a partir dele, a Rede

Federal de Educação Profissional e Tecnológica foi implementada e ampliada, ou

melhor, expandida em território nacional e interiorizada. Em 2005, publicada a Lei

11.195, o governo Lula lança o primeiro Plano de Expansão da Rede Federal de

Educação Profissional e Tecnológica, mediante o que os Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia (IF) foram criados, como uma espécie de

atualização dos Centros Federais de Educação Tecnológica.

Figura 1 – Marcos históricos do processo de mudanças na Rede Federal de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica

Fonte: BRASIL, MEC. Elaboração: BRASIL, MEC

109

Sob essa lógica, foi anunciado o processo expansionista dos IF, apontando

para interiorização da educação profissional e tecnológica como forma de

oportunizar formação com qualidade às populações distantes dos grandes centros

urbanos, de acordo com os documentos que definem a expansão (BRASIL, 2007,

2008a).

Nesse âmbito, os incentivos apontam para configuração de uma Rede a ser

difundida por todo o território nacional, com a pretensão de se firmar não apenas

como um grande formador de mão de obra para o mundo do trabalho – em termos

quantitativos e qualitativos –, mas, sobretudo, como um dos agentes promotores

de desenvolvimento econômico e social das diversas regiões do País, por meio da

tríade ensino, pesquisa e extensão.

Essa perspectiva está claramente posta no Decreto nº 6.095 de 2007, que

estabelece as diretrizes para a constituição dos Institutos Federais de Educação,

Ciência e Tecnologia, e na Lei nº 11.892 de 2008, a qual institui a Rede Federal de

Educação Profissional e Tecnológica e implanta os Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia. Em seu art. 6º, cujo texto trata das finalidades, a

referida lei aponta aspectos como formação profissional com ênfase no

desenvolvimento da economia local, regional e nacional; produção de soluções

técnicas e tecnológicas às demandas sociais; otimização de estrutura física

(infraestrutura e recursos), pela integração dos ensinos básico, profissional e

superior; fortalecimento dos arranjos produtivos sociais e culturais locais;

constituição como centro de excelência na oferta de ensino; estímulo à pesquisa

aplicada, a produção cultural, ao empreendedorismo, ao cooperativismo e ao

desenvolvimento científico e tecnológico; dentre outras.

Em análise, depreendemos que, naquele momento, a proposta do governo

foi emplacar os Institutos Federais (IF) de forma estratégica, política, econômica e

socialmente, alinhando-se, inclusive com suas propostas de crescimento

econômico e “progresso”. Tal perspectiva foi ratificada ao longo dos chamados

governos petistas, com pequenas diferenças, segundo as conjunturas e os ciclos

de ajuste.

Antes de tudo, é preciso apontar o papel estratégico dos IF no provimento

de mão de obra para compor o mercado, com a qualidade exigida e também na

oferta de tecnologia e conhecimento para o desenvolvimento, além da formação de

110

empreendedores capazes de movimentar o mercado, inserindo aqueles tidos,

anteriormente, como excluídos ou marginalizados na sociedade. A isso se associa

o caráter de desenvolvimento social pretendido, respaldado nos diversos

documentos da constituição dos Institutos. À medida que cumprem esse papel,

atuando na formação profissional e na elevação da escolaridade, os IF atendem às

demandas e valorizam as potencialidades das localidades em que se inserem,

conforme preconizado na legislação, visando ainda à redução das desigualdades

sociais.

Aqui, podemos observar a existência concomitante de duas concepções

bem distintas de desenvolvimento. Por um lado, uma concepção comprometida

com o mercado, atendendo a campos demandantes de indivíduos capacitados para

o trabalho, assim como com os meios necessários à manutenção desse mercado,

contribuindo com pesquisas desenvolvidas. Por outro lado, uma concepção

orientada para geração de oportunidades que visem elevar a renda familiar dos

estratos mais pobres da sociedade, pela via de sua preparação e inserção no

mundo do trabalho. Apesar da coexistência dessas duas concepções, percebe-se

que a primeira possui maior prevalência nas ações e programas no âmbito dos

IF (ERBER, 2011). O papel de difusão e reprodução ideológica cumprido não pode

ser minimizado. Tanto é assim que o processo expansionista dos Institutos teve

como elementos essenciais a incorporação massiva do ensino superior e a

valorização de áreas específicas. Conforme Ignácio et al (2012, p. 4229)

[...] Há, claramente, uma orientação político-educacional que busca fazer com que essa expansão se desenvolva na direção de áreas de conhecimento em que a ciência e a tecnologia são componentes determinantes, como na área das engenharias, assim como a área voltada à formação de professores, sobretudo de ciências da natureza e matemática, e para a educação profissional.

Isso se deve, em grande medida, ao fato de que o Estado brasileiro, norteado

pela política desenvolvida, em especial, nos governos Lula e Dilma, atende aos

requisitos e ordenamentos de organizações multilaterais, a fim de manter “boas

relações” exteriores e possibilitar a contração de empréstimos, além de manter

certo dinamismo econômico. Pelo resultado de sua ação, a aceitação e execução

das proposições de tais organizações responde ainda às necessidades do próprio

111

sistema capitalista em âmbito global, além de corresponder aos anseios da classe

trabalhadora. Assim, observam-se dissensos e consensos, sendo muito forte a

busca por parte do conjunto dominante - a classe e os organismos que a

representam - da manutenção do capital.

Especialmente no que concerne à educação superior, introduzidas nos neste

governo, ao longo da década de 1990, uma série de eventos44 internacionais e

acordos tiveram desdobramentos nas décadas seguintes e forte influência sobre as

políticas públicas do Brasil, em particular, sobre o setor da educação superior. As

discussões e acordos firmados tinham como elemento central a “inadequação da

estrutura e funcionamento” da universidade em face do mundo globalizado e em

processo de reestruturação econômica, de modo que passou a constar das

proposições a nova missão e função da universidade para o século XXI. As ideias

e medidas discutidas nestes eventos também repercutiram sobre os Institutos

Federais. Segundo Lima (2013, p. 86),

A leitura desse quadro solicitava aos países signatários esforços para a erradicação da pobreza, da elevação de maior acervo cultural dos países periféricos, das reorientações das políticas educacionais como suporte técnico de organizações multilaterais e da dimensão da justiça social, da universalização e democratização do acesso ao ensino superior, por meio de políticas de inclusão social, dentre outras.

Tratou-se, portanto, de uma agenda internacional com rebatimentos

internos, a partir de que se estruturou a expansão territorial das instituições federais

de ensino para as áreas mais remotas do País, visando, como aponta o Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE), de 2007, o “desenvolvimento econômico e

social, fazendo [com que a] educação superior, seja [...] formadora de recursos

humanos altamente qualificados”. Estes deveriam atuar como “peça imprescindível

na produção científico-tecnológica”, constituindo-se em “elemento-chave da

integração e da formação da Nação” (BRASIL, s/a).

Ainda conforme Lima (2013, p.93),

Há que se pensar em investimentos para educação [...], entretanto, existem questões de fundo que precisam ser reelaboradas pela

44 Cf. Capítulo 2.

112

sociedade brasileira e que passam pelo questionamento e a vontade de superação do imperativo capitalista [...] há que se constituir uma dimensão de democracia em que o direito de educação de qualidade desde a infância seja alcançado pela totalidade, ao ponto de que haja dignificação para todos os cidadãos e com isso a própria sociedade seja dignificada.

Esta mudança estrutural, não se dará por meio de concessão, mas sim de

reivindicação política. Não reside aí uma tarefa fácil para a maioria da população

brasileira, sendo este um de seus principais desafios da atualidade (LIMA, 2013).

Assim, a expansão da educação profissional e tecnológica, por si só, não promove

a transformação social, não assegura que interesses da classe trabalhadora sejam

priorizados, se mantidas as perspectivas norteadoras defendidas pelo Estado

brasileiro.

De fato, a expansão da Rede Federal de Educação profissional tem sido

largamente empreendida sob um discurso, que busca lhe consagrar como

instrumento para a eliminação das desigualdades sociais e da democratização das

oportunidades.

Segundo informações constantes no site do Ministério da Educação, foram

concretizadas a construção de mais de 500 unidades, referentes ao Plano de

Expansão Rede Federal de Educação Profissional, entre 2003 e 2016, totalizando

644 campi em funcionamento. Conforme as informações do MEC, 38 Institutos

Federais estão presentes em todos os estados brasileiros, a ofertar cursos

integrados de ensino médio, cursos técnicos e superiores de tecnologia e

licenciatura45.

Não restam dúvidas de que houve uma expansão considerável em termos

de quantidade de unidades abertas e denúmero de matrículas efetivadas. Contudo,

aspectos relacionados à infraestrutura necessária, ao quadro de pessoal

indispensável, ao acréscimo orçamentário para ações de apoio aos discentes e à

promoção ampliada de políticas de assistência estudantil não acompanharam em

igual medida a propagação e complexificação dos Institutos Federais, de maneira

a não atender na totalidade as demandas por eles absorvidas.

45 No momento da revisão, estes dados permaneciam iguais aos apresentados em 2016 pelo MEC. Depreende-se, pois, não ter havido continuidade da expansão até então promovida na Rede, o que se dá como um reflexo das mudanças políticas ocorridas no País, especialmente a partir de meados de 2016, quando efetivado o impeachment de Dilma Rouseff da presidência do Brasil.

113

Ademais, o processo de expansão, não sendo homogêneo, isto é, não se

processando em todos os estados brasileiros da mesma maneira, com as mesmas

características administrativas - dada a autonomia conferida a cada um deles -,

guarda diferenças qualitativas e quantitativas para cada ente da federação, o que

inclui elementos melhores ou piores numa análise comparativa, mas muito

dificilmente encontrando-se as condições ideais.

Gráfico 4 - Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica - Em

unidades.

Fonte: BRASIL, MEC. Elaboração: BRASIL, MEC

A Rede conta, além dos Institutos Federais, com instituições que não

aderiram a eles, mas que também são ofertantes de educação profissional em

todos os níveis: dois CEFET, 25 escolas vinculadas a Universidades, o Colégio

Pedro II e uma Universidade Tecnológica. Muitos municípios abrigam as

instituições da Rede em todo o País.

114

Gráfico 5 - Quantidade de Municípios atendidos com a expansão da Rede Federal de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica

Fonte: BRASIL, MEC. Elaboração: BRASIL, MEC

O acesso ao ensino técnico e tecnológico foi significativamente favorecido

com o incremento de unidades de IF pelo Brasil, especialmente, se considerado o

processo de interiorização e aproximação com as famílias de menores

rendimentos, cujos filhos não podiam afastar-se de seu convívio social cotidiano e

enfrentar uma série de mudanças, a fim de obter a formação desejada. Ademais,

nesse processo, as regiões mais afastadas de tais centros urbanos não contavam

com essa perspectiva de desenvolvimento local em suas especificidades,

capilarizadas, na interface com instituições de ensino, capazes de desenvolver

ações de pesquisa e extensão.

No entanto, ainda que a expansão pareça positiva para as camadas

subalternas da sociedade e, em grande medida o é, há que se questionar os

interesses postos nesse cenário, uma vez que o plano político da sociedade do

capital, ainda mais em tempos de finaceirização da economia, de neoliberalismo e

de ajuste, é marcado por conflitos e disputas de interesses, sendo estes ou aqueles

atendidos mediante a correlação de forças entre classes.

115

A investigação em torno da expansão real, qualitativa e quantitativa, e não

somente a meramente numérica, nos possibilitou maiores condições de avaliar o

que está para além do aparente. Todavia, a empreitada expansionista da Rede

Federal de Educação Profissional e Tecnológica, inserida em uma realidade

complexa e a todo momento ainda mais complexificada, possui inúmeras

determinações e razões de ser, que merecem análise, para além das metas

internas de elevação da escolaridade e de profissionalização e dos objetivos de

inserção no mercado de trabalho e de obtenção de rendimentos. De fato, esta

expansão tem atendido a requisitos impostos por organismos internacionais,

visando inserir e/ou manter o País no circuito mundial das relações entre os países

ditos desenvolvidos e em desenvolvimento.

Para tanto, faz-se necessário adentrar a lógica do ideário neoliberal de

(re)organização do Estado no Brasil e no mundo, para apreender seus rebatimentos

nas respostas ofertadas ou não à sociedade, como garantia de direitos sociais e,

assim, entender as intencionalidades e contrassensos que marcam a Política de

Educação no País, notadamente, no que se refere à educação profissional e

tecnológica, em especial de nível superior.

O contexto de globalização da economia e de ascensão e valorização do

mercado, inclusive financeiro/rentista, pelas áreas relacionadas ao

desenvolvimento de ciência e tecnologia, bem como, a busca do Estado brasileiro

pelo cumprimento das orientações dos organismos internacionais, são aspectos

que dão o tom e impulsionam o largo investimento nesse campo da Política de

Educação. Some-se a isso, a presença marcante de um governo com

direcionamento neodesenvolvimentista expresso e, portanto, fomentador de

abertura estratégica às demandas sociais, à minimização dos índices de

desemprego, de pobreza e das disparidades inter-regionais.

Enfim, uma conjuntura propícia a investimentos na educação profissional e

tecnológica, favorecendo, na tensão entre as classes, também o alcance dos

interesses da classe trabalhadora, carente de formação profissional em nível

técnico e superior, de forma integral, com ampliação do acesso e políticas de

permanência previstas. Ademais, há a busca da classe subalternizada pela

propalada empregabilidade, com formação supostamente capaz de elevar o valor

116

da força de trabalho e, com isso, o valor da renda das famílias brasileiras em

situação de pobreza, dimensão a exigir problematização.

A ideia de empregabilidade pela via da formação profissional substitui aquela

anunciada na década de 1960, nos países onde se desenvolveu plenamente o

Estado de Bem-Estar Social – com especificidades em cada caso – de que a

qualificação massiva levaria ao pleno emprego. Agora, além da qualificação

profissional, generalizadamente posta, o discurso dominante aponta para a

necessidade de desenvolver competências e habilidades para, então, ingressar no

mundo do trabalho. Todavia, não existe mais o discurso do pleno emprego,

impensável, em tempos de informalização da economia; em seu lugar, instaurou-

se o discurso da competitividade, mediante o qual somente os mais aptos terão as

melhores condições de trabalho ou, ao menos, terão seu emprego garantido,

mesmo que em condições laborais precarizadas.

Assim, conquanto os Institutos Federais se proponham a uma formação

integral para a vida e para o desenvolvimento social dos indivíduos e da

coletividade, conforme consta em seus documentos balizadores, em seu interior

conforma uma série de subjetivações do capital, que favorecem o ajuste da mão de

obra a seus interesses e necessidades. Nesses espaços, há uma grande

preocupação com a formação de uma força de trabalho adequada aos requisitos

capitalistas neoliberais e com o desenvolvimento de tecnologia, não apenas na

perspectiva de contribuir para o desenvolvimento local, mas também para a

manutenção da competitividade do Estado brasileiro frente aos demais.

O próprio Ministério da Educação aponta tais características à medida que

afirma, ao apresentar o histórico da educação profissional no Brasil que “[...] a

Educação Profissional e Tecnológica está sendo convocada não só para atender

às novas configurações do mundo do trabalho, mas, igualmente, a contribuir para

a elevação da escolaridade dos trabalhadores” (BRASIL, 2009, p. 7). O MEC

considera “extremamente favorável” a conjuntura histórica do final da primeira

década deste novo milênio, para a

[...] transformação da Educação Profissional e Tecnológica em importante ator da produção científica e tecnológica nacional, especialmente porque o espaço social das práticas de ensino, pesquisa e inovação desenvolvidas nessa área possui

117

características diferenciadas daquelas desenvolvidas no espaço do mundo acadêmico. (BRASIL, 2009, p. 7)

O caráter diferencial apontado, sobretudo, para o ensino superior, tem

fundamentação nas possibilidades de vínculos entre educação, território e

desenvolvimento, articulação proposta pela própria lei que institui a Rede Federal

de Educação Profissional e Tecnológica. A finalidade é gerar, pela expansão

territorial e, mediante ações de pesquisa e extensão – aliadas ao ensino –,

condições favoráveis ao progresso das diversas localidades em que os campi

estejam instalados, mas também preparar a força de trabalho local para contribuir

com desenvolvimento das regiões do interior do Brasil.

Sob esta última perspectiva, há uma expectativa de que a mão de obra aí

formada seja absolvida pelo mercado local. Tanto que os cursos criados nos IF

passam antes por um processo de consulta popular e precisam ter relação direta

com a economia local. Importante ressaltar que, desde a década de 1990, no

contexto da reestruturação produtiva, em curso no Brasil, há uma grande

movimentação de empresas que se deslocam das regiões Sul e Sudeste, em

especial, para o Nordeste, em busca de redução dos custos de produção. Neste

sentido, mão de obra mais barata e com formação, menores níveis de

conscientização e de organização política, além de vantagens fiscais figuraram

como moeda de troca utilizada por governantes locais para a atração destas

empresas para seus territórios. Em alguma medida, este processo ainda continua,

em menor intensidade.

3.2 A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica expande-se no Rio

Grande do Norte e na Grande Natal

A instituição hoje denominada Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Rio Grande do Norte segue o mesmo processo de mudanças

organizacionais promovidas nos demais Institutos Federais de todo o Brasil.

Importante destacar que sua adequação às configurações de nível nacional esteve

118

também sujeita as determinações locais e internas, não observando o mesmo ritmo

e as mesmas temporalidades previstas pelo MEC.

A escola foi fundada em 23 de dezembro de 1909, quando, por um decreto,

o Presidente Nilo Peçanha, foram criadas dezenove (19) Escolas de Aprendizes

Artífices no País. No entanto, somente em 1910, a escola do município de Natal foi

instalada, oferecendo curso primário de desenho e oficinas de trabalhos manuais.

A partir de então, ao longo de sua trajetória, várias mudanças foram operadas46.

Mais, tarde, nos anos 1990, mais precisamente em 1994, a organização

começou o chamado processo de “cefetização”47 e, em 1999, transforma-se em

Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET-RN).

Com a mudança, a escola passa a ofertar educação profissional nos níveis básico,

técnico e tecnológico, além do ensino médio. A oferta de ensino de 3º grau tem

início com cursos de graduação tecnológica, sendo, posteriormente, ampliada com

a abertura de vagas também em cursos de formação de professores

(licenciaturas)48.

A instituição passa, assim, a ser ofertante de um nível de formação

inexistente em sua cartela de cursos, o nível superior, e, consequentemente, torna-

se difusora de um novo patamar de formação para o trabalho complexo no ramo

tecnológico da educação escolar. Afigura, já naquele momento, o direcionamento

a ser dado à formação profissional e ao próprio trabalho complexo (NEVES e

PRONKO, 2008). Ainda em 1994, a organização pôde experimentar a

interiorização, ao inaugurar a Unidade de Ensino Descentralizada de Mossoró.

46 A Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, do então Ministério da Educação e Saúde, promoveu a mudança de denominação para Liceu Industrial de Natal. Novas mudanças de nomenclatura ocorrem em 1942, quando passou a ser denominada Escola Industrial de Natal; em 1965, quando foi nomeado por Escola Industrial Federal, já atuava há cerca de três anos com a oferta de cursos técnicos e de nível médio; em 1968, quando foi denominada Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN) e são extintos os cursos industriais básicos. 47 Em 08 de dezembro de 1994, pela promulgação da Lei nº 8.948, o então presidente Fernando

Henrique Cardoso instituiu o Sistema Nacional de Educação Tecnológica, composto pelas instituições de educação tecnológica. Nesse momento, as Escolas de Técnicas Federais foram transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica. Tal mudança foi regulamentada três anos depois através do Decreto nº 2.406/97. (NEVES e PRONKO, 2008) 48 A oferta de licenciaturas está posta desde o documento de criação do Institutos Federais, Lei nº 11.892/2008, figurando entre seus objetivos, na perspectiva de atender à necessidade por formação de professores para a educação básica. Atualmente o IFRN oferece os cursos de Licenciatura em Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Profissional; Licenciatura em Biologia, Licenciatura em Ciências da Natureza e Matemática; Licenciatura em Espanhol; Licenciatura em Física; Licenciatura em Geografia; Licenciatura em Informática; Licenciatura em Letras Espanhol (EAD); Licenciatura em Química e Licenciatura em Matemática.

119

No período posterior, em princípios do governo Lula, no início dos anos 2000,

a educação passa por reformas49, com diretrizes políticas governamentais

apontando aspectos destinados à reestruturação da formação para o trabalho

complexo, numa perspectiva de formar intelectuais urbanos de novo tipo, tendo em

conta o ensino superior e áreas tecnológicas. Isto coincide com as políticas dos

organismos internacionais em sintonia com a chamada sociedade do conhecimento

(NEVES e PRONKO, 2008).

Marcos relevantes da oferta de vagas no ensino superior na instituição em

tela foram os Decretos nº 5.224/2004 e nº 5.225/2004. O primeiro definiu os CEFET

como instituições especializadas na oferta de educação tecnológica, estabelecendo

entre suas atribuições a realização de pesquisa aplicada e a promoção do

desenvolvimento tecnológico, por meio de cursos superiores de graduação e pós-

graduação. O segundo decreto classificou, dentro do Sistema Federal de Ensino,

as instituições de ensino superior por organização acadêmica. Passaram então a

existir três tipos distintos de instituição: universidades; centro federais de educação

tecnológica e centros universitários; faculdades integradas, faculdades de

tecnologia, faculdades, institutos e escolas superiores.

Para Neves e Pronko (2008, p. 75), o Decreto nº 5.224/2004 mostra “(...) a

importância dos CEFET como centros de referência para o ensino e a pesquisa na

área tecnológica”. Contudo, o decreto uma vez editado, logo depois, minimiza seu

nível de abrangência em termos de atribuições, dada a dualidade de fins

estabelecida entre as universidades e os centros tecnológicos ou ainda a

introdução de patamar superior de outros tipos de instituição, na hierarquia do

sistema. Todavia, este documento define os Centros Federais como instituições de

ensino pluricurriculares, cuja especialidade é a oferta de educação tecnológica,

área de atuação prioritária. Assim, evidencia-se a predominância do ensino voltado

à formação para o mercado de trabalho (NEVES e PRONKO, 2008).

As reformas seguiram um processo de massificação da educação

tecnológica em todo o país. No Rio Grande do Norte, em 2006, houve nova

ampliação com a criação da Unidade de Ensino da Zona Norte de Natal e das

Unidades de Ipanguaçu e de Currais Novos, como primeira etapa do Plano de

49 Neves e Pronko (2008) elencam duas reformas empreendidas no primeiro governo Lula: a reforma da educação superior e a reforma da educação tecnológica.

120

Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no estado do

Rio Grande do Norte (RN). Nos anos seguintes, o Plano de Expansão, empreende

sua segunda etapa. Em 2007, são aprovadas seis novas unidades - inauguradas

em 2009 -, quais sejam, Apodi, Pau dos Ferros, Macau, João Câmara, Santa Cruz

e Caicó. Em 2009, a instituição passa por mais uma transformação, adquirindo nova

configuração, tornando-se Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do

Rio Grande do Norte. Com a mudança, a instituição processa novas fases de

crescimento e interiorização, expandindo significativamente o número de campus e

de servidores e, com isso, tornando sua estrutura administrativa ainda mais

complexa. Esse é um processo ainda em curso.

Figura 2 – Distribuição dos Campi do IFRN, por cidade, no estado do Rio Grande do Norte

Fonte: Elaborado pela autora

Dessa forma, no Rio Grande do Norte, a expansão ocorre de modo

significativamente acelerado, passando, de 2 campi50 e 3 Unidades de Ensino

50 Natal-Central e Mossoró.

121

Descentralizadas, em 200651, a 21 campi52, ao final de 201353. Dois, dentre estes

são Campi Avançados54, isto é, a extensão de uma unidade já em funcionamento,

com a possibilidade de oferta dos mesmos cursos ou de cursos distintos dos

ofertados pelo campus a que se vincula, com a perspectiva de transformar-se,

posteriormente, em uma nova unidade. O quantitativo de campus foi sendo

progressivamente aumentado, e o IFRN vivenciou diversas fases da mesma

expansão.

Assim, os campi possuem idade e níveis de desenvolvimento diferentes. Os

de inauguração mais recente, da chamada fase III (datada de 2013), não

compreendem cursos de nível superior. Isso porque, conforme o modus operandi

da gestão do IFRN, cursos de nível superior somente são instituídos quando do

alcance da estabilidade do campus e da adequação do corpo de servidores

(docentes e técnico-administrativo), tornando exequível a implantação dos cursos

superiores com qualidade. Deste modo, a tentativa de manter a qualidade do ensino

prestado pela instituição é percebida, em tempos de um

espraiamento/interiorização, fator que pode, contraditoriamente, se tornar

empecilho à boa gestão administrativa e do ensino no IFRN.

Apesar disso, o IFRN conta em 201655 com um total de 60 ofertas de cursos56

de nível superior, sendo 18 ofertas de cursos de licenciatura (divididas entre

química, física, matemática, informática, geografia, espanhol e ciências da natureza

e matemática); 20 ofertas de cursos de formação tecnológica (como Tecnólogo de

Gestão Ambiental, Tecnologia de Gestão Cultural, Tecnologia de Análise e

Desenvolvimento de Sistemas, dentre outros); 1 oferta de Formação Pedagógica

de Docentes para Educação Profissional e 20 ofertas de cursos de pós-graduação

stricto e lato sensu (de modo mais geral na área tecnológica, de educação/ensino

51 Currais Novos; Ipanguaçu e Natal- Zona Norte. 52 Além da Reitoria, localizada em Natal, mas em prédio próprio. 53 Apodi; Caicó; Canguaretama; Ceará-Mirim; Currais Novos; de Educação à Distância (localizado em Natal); Ipanguaçu; João Câmara; Lajes; Macau; Mossoró; Natal-Central; Natal-Cidade Alta; Natal-Zona Norte; Nova Cruz; Pau dos Ferros; Santa Cruz; Parelhas; Parnamirim e São Gonçalo do Amarante; São Paulo do Potengi. 54 Campus Avançado Lajes e Campus Avançado Parelhas. 55 Segundo consulta feita à página oficial do IFRN na internet (www.ifrn.edu.br) em 22 de ago. de

2016. 56 Consideramos aqui como ofertas de curso o total de ofertas com repetição do tipo de curso/ formação, uma vez contabilizado o mesmo curso em campi distintos. A licenciatura em física, por exemplo, está presente em cinco campi diferentes (Caicó, Ipanguaçu, João Câmara, Natal-Central e Santa Cruz) de modo que conta como um total de cinco ofertas de curso.

122

e de gestão pública) e, mais recentemente, 1 oferta de Bacharelado em

Engenharia. E se vislumbra ainda ampliar esse quantitativo com novos cursos,

especialmente, nos campi mais afastados da região metropolitana de Natal, mas

nela também. Importante destacar que, em termos de cursos de graduação, o IFRN

possui 20 cursos de tecnologia, 10 de licenciatura e 1 de engenharia, de modo que

aqueles representam o maior quantitativo dentre os cursos propostos pela

instituição.

Dentre os 21 campi destaca-se o Campus de Educação à Distância, cuja

inserção mais maciça acontece nos últimos quatro anos, a partir da aprovação da

resolução57 que estabeleceu sua estrutura de funcionamento. Sua atuação abrange

cursos técnicos subsequentes, mas também cursos de nível superior de graduação

e pós-graduação, usando, para tal a estrutura dos campi ora interiorizados a fim de

atender à demanda dos estudantes. O destaque se faz como forma de apontar o

uso das tecnologias para a expansão do ensino superior também em esfera local,

sendo que, minimamente, há uma vinculação mais direta (física) do estudante com

a instituição, não no formato da educação presencial. Não há, todavia, a

generalização de ações de pesquisa e extensão, com a participação de tais

estudantes, mas são oferecidas as condições estruturais e de apoio profissional,

minimamente necessárias, à formação. Não se pode com isso afirmar não haver

precariedade no processo de construção do conhecimento nos cursos da

modalidade EAD, do IFRN.

Podemos afirmar se tratar de uma expansão que está dada e ainda em

curso, em termos de infraestrutura – pois já existem novos campi a serem

instalados no RN58 e outros em negociação com o governo federal, além da

expansão/reestruturação daqueles já existentes – em termos da diferenciação de

cursos e acréscimos no número de vagas.

57 Resolução nº 16/2010 CONSUP/IFRN, de 01 de março de 2012. 58 As indicações até o ano de 2014, conforme as entrevistas concedidas pelo então Ministro da Educação, José Henrique Paim, eram de estar em negociação a implantação de Campus do IFRN nos municípios de Alexandria, Jucurutu, São José de Mipibu, São Miguel e Umarizal. Entretanto, ressalvamos que, devido às incertezas políticas vivenciadas pelo País entre os anos de 2015 e 2016, a continuidade dos acordos firmados até então converte-se ainda mais indefinida. Deste modo, os referidos campi permanecem figurando como possibilidades. Ver: http://blogdolevanyjunior.com/ministro-da-educacao-anuncia-construcao-ifrn-de-touros-e-mais-um-em-mossoro/

123

O contingente de profissionais egressos dos diversos curso direciona-se

essencialmente para o mercado local. Importante frisar que, no estado do Rio

Grande do Norte, a economia está voltada mais fortemente para os setores de

“Comércio e Serviços”, que representam 72,6% do valor agregado bruto do estado.

O segmento de “Serviços” abrange 30,7% do total, seguido, em percentual, da

“Administração Pública” e do “Comércio”, com 28,3% e 13,5% respectivamente. A

“Indústria” possui 23,7% da agregação de valor potiguar, enquanto a

“Agropecuária” responde por 3,7%. É a “Administração Pública” que lidera os

índices de empregos formais no estado, alcançando aproximadamente 32% do

total59. Ao longo dos anos, isto é, entre 2000 e 2010, os setores de “Serviços”,

“Comércio”, “Construção Civil” e “Indústria Extrativa Mineral” tiveram crescimento

quanto à formalização dos empregos, mostrando-se mais atrativos. Todavia, não

existem dados que evidenciem a capacidade de absorção de mão de obra destes

setores, em relação ao quantitativo de profissionais formados.

No que se refere à escolarização, entre 2001 e 2010, o estado do Rio Grande

do Norte contabilizou uma elevação de 171% no total de matrículas no ensino

superior, um salto que significou a superação da média nacional e que se deve,

sobremaneira, ao aumento na oferta de vagas na rede privada60. Apesar do

crescimento abrupto, dentre os estados da Região Nordeste do País, Rio Grande

do Norte é aquele que apresenta maior número de pessoas ocupadas com ensino

superior completo. Porém, os 10,69% - dados de 201061 – ocupados62

correspondem ainda a um número bastante abaixo do potencial do estado63.

Na distribuição territorial, em termos de economia e população, o estado

possui dois polos: Natal, a capital, e Mossoró. A zona que compõe o Litoral Oriental

(região de Natal) concentra o percentual de 48,2% da população potiguar e mais

59 Dados de 2011, retirados do site www.maisrn.org.br. 60 Ibidem 59 61 Ibidem 59 62 Retomando a discussão já realizada ao longo do texto, o “status” de ocupado não permite identificar as condições e relações de trabalho que tais sujeitos vivenciam, de modo que tais dados não revelam com profundidade a realidade do mercado de trabalho Norte Rio-grandense para os diplomados de nível superior. 63 Após a última revisão feita neste estudo, verificamos não ter havido alteração significativa deste percentual até 2013. O Plano Estratégico de Desenvolvimento Econômico para o Rio Grande do Norte 2016-2035, construído e publicado pela FIERN através do portal www.maisrn.org.br - de onde havíamos coletado os dados de 2010 -, indica que 10,7% da população ocupada no estado do RN possui ensino superior completo, taxa que se mantem acima da apresentada pelos demais estados do Nordeste.

124

de 56% do Produto Interno Bruto (PIB) do RN. Natal pertence à faixa do território

Norte Rio-grandense caracterizada por intensa urbanização. Conforme delimitação

do IBGE, em 1970, o município situa-se ainda na chamada Microrregião Natal,

compondo a parte do espaço mais habitado e no qual são concentradas as mais

significativas atividades econômicas do estado (NATAL, 2013). Por ser capital,

Natal assume a posição histórica de centro político-econômico e ganha evidência

na formação para o trabalho, irradiando profissionais para os mercados de todo o

Rio Grande do Norte.

Desse modo, mesmo havendo a expansão física em número de campi do

Instituto Federal para outros municípios do estado, o Campus Natal-Central

constitui a referência estadual para organização dos demais e aquele que

concentra a maior diversidade de cursos de formação de nível superior. Diversidade

essa que reflete as vocações econômicas do Município64 – e também as demandas

do mercado em nível estadual – conciliadas com os interesses do mercado global

e dos organismos multilaterais, assim como, em conformidade com o discurso

apresentado oficialmente e as requisições da classe trabalhadora.

Considerando que o estado do Rio Grande do Norte e, logo, sua capital,

conquanto apresentem peculiaridades, não podem ser subtraídos da conjuntura

nacional e internacional de crise estrutural do capital, do avanço do neoliberalismo,

e da dilatação do precariado, persistem questionamentos e indagações acerca da

inserção dos egressos do IFRN no mercado de trabalho, em tempos de tão larga

expansão institucional e, sobretudo, da expansão do ensino superior ocorrida por

dentro da instituição. É Importante, pois, conhecer melhor o adensamento do

precariado no estado ou, mais precisamente, em Natal, tomando os percentuais

que indicam ascensão do número de matriculados e diplomados em nível superior,

assim como o vasto leque de cursos ofertados pelo Instituto - principalmente na

área tecnológica -, quando o mercado de trabalho local não dá margem ao ingresso

maciço dessa parcela jovem da classe trabalhadora, a buscar qualificação

64 Alimentos, Aquicultura, Aves, Bebidas, Borracha e Plástico, Bovinos, Café Moído, Carne e Pescado, Eletrônicos, Fármacos, Leite e Derivados, Máquinas e Equipamentos, Materiais Elétricos, Metalurgia, Móveis, Óleo e Gás, Pesca, Produtos de Couro, Produtos de Madeira, Produtos de Metal, Produtos de Minerais Não Metálicos, Produtos de Papel, Produtos Químicos, Suínos, Têxtil, Turismo, Veículos e Carrocerias, Vestuário. (Ibidem 59)

125

profissional e a construção do conhecimento, como meios indispensáveis ao

ingresso e permanência nesse mercado.

3.2.1 Cursos de Superiores de Tecnologia do IFRN: o dito e o não dito nas

propostas oficiais e na operacionalização dos novos cursos da área tecnológica

Atualmente, o Campus Natal-Central do IFRN oferta um total de seis (6)

cursos da área tecnológica, na modalidade presencial, os quais foram

implementados em períodos distintos. Alguns foram criados e tiveram suas

atividades encerradas, ao passo que outros sofreram, ao longo do tempo,

mudanças curriculares e de nomenclatura, adequando-se ao Catálogo Nacional de

Cursos Superiores de Tecnologia65 (BRASIL, MEC, 2010), por determinação do

Ministério da Educação.

Assim, apesar das distinções entre os cursos, eles apresentam, muitas

vezes, uma temporalidade coincidente em tais transformações, as quais passam

não apenas por questões internas (de ordem acadêmica ou administrativa), mas,

sobretudo, por definições advindas das instâncias superiores, que se ajustam as

especificidades locais.

As atualizações curriculares e de nomenclatura dos cursos se processam no

IFRN em todos os campi, de sorte que os Projetos Pedagógicos são elaborados

como minuta por comissões em nível sistêmico, socializados e construídos

coletivamente, por meio das discussões e contribuições de cada campus, visando

abranger o mais possível, as distintas realidades existentes na diversidade que

compõe o Instituto, na atualidade. É emblemático o caso do curso, atualmente

designado “Tecnologia em Gestão Ambiental”, ofertado, em sua primeira edição,

65 Com primeira edição lançada em 2006, o Catálogo Nacional de Curso Superiores de Tecnologia, tem o intuito de homogeneizar a formação dos cursos nessa área - recomendando, por exemplo a infraestrutura mínima para cada programa - e oferecer esclarecimentos sobre a configuração dos cursos, configurando-se num guia de informações sobre o perfil de competências do tecnólogo. O Catálogo teve nova edição publicada em 2010, mas passou por recente processo de atualização. No portal do MEC na internet (www.mec.gov.br) já está disponível nova versão do Catálogo. Ressalvamos que, devido sua publicação ao tempo em que finalizávamos o estudo, não o incorporamos às análises.

126

em 2002, como curso “Tecnologia em Meio Ambiente” e, em um segundo

momento66, como “Tecnologia em Controle Ambiental”.

Os cursos superiores da área tecnológica ofertados, hoje, pelo Campus

Natal-Central do IFRN são os de Tecnologia em Gestão Pública; Tecnologia e

Análise e Desenvolvimento de Sistemas; Tecnologia em Comercio Exterior;

Tecnologia em Construção de Edifícios; Tecnologia em Gestão Ambiental e

Tecnologia em Redes de Computadores. Entretanto, a instituição já operou os

cursos de Tecnologia em Automação Industrial, Tecnologia da Fabricação

Mecânica, Tecnologia em Lazer e Qualidade de Vida, Tecnologia em Materiais e

Tecnologia em Estradas.

A seguir, o organograma apresenta a estrutura interna dos cursos ofertados,

por Diretoria Acadêmica do IFRN, no Campus Natal-Central, para situá-los na

estrutura institucional. Indicamos apenas os cursos, visto que, na estrutura

administrativa, não há Coordenações de cursos, embora exista a figura dos

Coordenadores, os quais se inserem funcionalmente nas diretorias a que cada

curso está vinculado.

66 A informação acerca da temporalidade exata das adequações realizadas pelos cursos não nos foi prestada pelo IFRN. Apesar da busca a diversos setores da instituição, para além do Campus Natal-Central inclusive, em nível de Reitoria, não encontramos informações sistematizadas e não nos foi oportunizada a pesquisa aos documentos institucionais, apesar de nossas solicitações.

127

Figura 3 – Organograma da estrutura acadêmica vinculada aos cursos superiores de tecnologia no

Campus Natal-Central

Fonte: IFRN. Elaboração da autora

A Diretoria Acadêmica de Gestão da Informação e Comunicação concentra

um número significativo de cursos superiores, bem mais elevado que as demais.

Isso ocorre em função da grande possibilidade de diferenciação de cursos em seu

interior, haja vista abranger os eixos relativos à Gestão e Negócios, abarcar

também os eixos de Informação e Comunicação, cujo domínio inclui inúmeras

especialidades.

A tabela a seguir contém o eixo tecnológico a que pertencem os cursos

ofertados atualmente pelo Campus Natal-Central, bem como os anos de início das

atividades dos programas67.

67 As informações acerca dos cursos que deixaram de ser oferecidos pelo Campus Natal-Central não nos foram prestadas pelo IFRN (Ibdem 64)

Pró-Reitoria de Ensino (Reitoria)

Diretoria de Ensino (Campus

Natal-Central)

Diretoria Acadêmica de

Gestão da Informação e Comunicação

Tecnologia em Gestão pública

Tecnologia em Análise e

Desenvolvimento de Sistemas

Tecnologia em Comércio Exterior

Tecnologia em Redes de

Computadores

Diretoria Acadêmica de

Construção Civil

Tecnologia em Construção Civil

Diretoria Acadêmica de

Recursos Naturais

Tecnologia em Gestão

Ambiental

128

Tabela 1-Cursos superiores de tecnologia por eixo tecnológico e ano de início das ofertas

Cursos Eixo Tecnológico Início da oferta

de vagas

Tecnologia em Gestão Pública

Gestão e Negócios 2010

Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas

Informação e Comunicação

1998

Tecnologia em Comércio Exterior

Negócios 2003

Tecnologia em Construção de Edifícios

Infraestrutura 2006

Tecnologia em Gestão Ambiental

Ambiente e Saúde 2002

Tecnologia em Redes de Computadores

Informação e Comunicação

2008

Fonte: IFRN. Elaboração da autora

Os cursos entraram em funcionamento em momentos diferentes, porém com

uma concentração maior de abertura a partir dos anos 2000, quando observamos

a expansão mais nítida do ensino superior. Além disso, os eixos estão relacionados

a áreas econômicas em destaque no Rio Grande do Norte, a saber, os setores de

serviços, de comércio e a administração pública. Entretanto, entendemos, ao longo

da pesquisa, que os cursos de formação de tecnólogo são marcados por

dificuldades na aceitação, reconhecimento e absolvição dos profissionais egressos.

De fato, alguns dos cursos em atividade no Campus Natal-Central do IFRN

sofreram adequações, seguindo as orientações do MEC. A seguir, figura o quadro

das mudanças de nomenclatura, por ano, processadas a partir das atualizações

dos Projetos Pedagógicos de cada curso.

129

Figura 4 – Fluxo das mudanças de nomenclatura do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental

Fonte: IFRN. Elaboração da autora

Figura 5 – Fluxo das mudanças de nomenclatura do curso de Tecnologia em Análise e

Desenvolvimento de Sistemas

Fonte: IFRN. Elaboração da autora

As alterações não implicam apenas na mudança de nome dos cursos, mas

também nas matrizes curriculares, em face de mudanças compreendidas como

necessárias para acompanhar o desenvolvimento de cada área de atuação

profissional, em consonância com as mudanças da realidade. A última atualização

realizada nos Projetos Pedagógicos dos cursos superiores do IFRN aconteceu em

2012, seguindo, como já apontado, a partir de um processo de construção coletiva.

Antes, as mudanças foram referenciadas pela última publicação do Catálogo

Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia, de 2010, cuja inspiração foram as

Diretrizes Nacionais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico (BRASIL,

CNE, 2002), estando em sintonia, segundo o MEC, com a dinâmica do setor

produtivo e os requerimentos da sociedade atual (BRASIL, MEC, 2010).

• Tecnologia em Meio Ambiente

• Tecnologia em Controle Ambiental

• Tecnologia em Gestão Ambiental

• Tecnologia em Processamento de Dados

• Tecnologia em Informática

• Tecnologia em Desenvolvimento de Software

• Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas

130

Os Projetos Pedagógicos então aprovados pelo Conselho Superior

(CONSUP)68, órgão colegiado máximo do IFRN, passaram a definir as diretrizes

pedagógicas para a organização e o funcionamento dos cursos. Os referidos

projetos compreendem identificação do curso, justificativa para sua oferta,

objetivos, perfil profissional, dentre outros. Todos eles são justificados pelas

mudanças societárias ocorridas nas últimas décadas, apontando, diante de cada

especialidade, ora a mundialização do capital, ora a necessidade de modernizar a

administração pública, ora a existência da sociedade da informação, ora o

imperativo de proteção do meio ambiente, etc.

Texto comum nos PPP de todos os cursos, assinala “evidências de

transformações estruturais” que têm incidido sobre os modos de vida, as relações

sociais e o mundo do trabalho, em geral, a exigir tomada de posição e ações

específicas das instituições responsáveis pela formação profissional dos cidadãos.

Dentre as mudanças são destacados:

[...] avanço dos conhecimentos científicos e tecnológicos, a nova ordem no padrão de relacionamento econômico entre as nações, o deslocamento da produção para outros mercados, a diversidade e multiplicação de produtos e de serviços, a tendência à conglomeração das empresas, a crescente quebra de barreiras comerciais entre as nações e a formação de blocos econômicos regionais, a busca de eficiência e de competitividade industrial, através do uso intensivo de tecnologias de informação e de novas formas de gestão do trabalho (IFRN, 2012a, p. 8 )

Notamos, pois, que a oferta dos cursos é reiteradamente justificada por uma

demanda de qualificação profissional advinda das transformações reais ocorridas

nas sociedades (brasileira e norte rio-grandense), originadas nas conformações

assumidas, promovidas e afirmadas pelo sistema do capital em nível mundial, como

elementos de uma nova sociabilidade, a exigir formação específica de mão de obra.

Assim, a partir do discurso expresso nos PPP, identificamos a formação dos

sujeitos sendo justificada pela necessidade de oferta de profissionais qualificados

para o mercado, bem como do estabelecimento de posicionamento competitivo do

Estado brasileiro no mercado mundial. Ao mesmo tempo, as diversas modalidades

68 Instituído pela Lei nº 11.892/2008, que criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

131

de formação propostas apresentam-se como meio potencial de preparação dos

sujeitos sob a ideologia do capitalismo (formação de ideólogos do capitalismo),

conquanto oficialmente se pretenda o inverso. Além disso, fica expressa a

imposição de ajustamento da instituição ao processo de mudanças que ocorrem

socialmente, a exigir novos perfis profissionais. Acerca de tais perfis, consta como

texto comum da apresentação dos cursos nos PPP que:

A formação tecnológica proposta no modelo curricular deve propiciar ao aluno condições de: assimilar, integrar e produzir conhecimentos científicos e tecnológicos na área específica de sua formação; analisar criticamente a dinâmica da sociedade brasileira e as diferentes formas de participação do cidadão-tecnólogo nesse contexto; e desenvolver as capacidades necessárias ao desempenho das atividades profissionais. (IFRN, 2012a, p. 12)

É evidente a vinculação que a instituição intenta fazer entre a

formação/atuação profissional e participação dos indivíduos em sociedade, ao

estabelecer um elo ou uma associação entre o papel do cidadão e do profissional,

expresso no uso do termo “cidadão-tecnólogo”. A instituição defende uma formação

direcionada para a edificação de trabalhadores cuja atuação não esteja descolada

da realidade, mas que, ao contrário, seja capaz de mobilizar conhecimentos para

uma compreensão crítica dela, articulando a isso os saberes técnicos/tecnológicos

necessários à sua atuação profissional.

Tal relação é primordial, dada a imperatividade tecnológica na sociabilidade

contemporânea, que emerge marcada por um contexto notadamente individualista

e competitivo, muito pouco (ou nada) propenso à compreensão da totalidade do

real, dos determinantes políticos, econômicos, sociais e culturais, a influir no

exercício profissional. A afirmação de tal perspectiva denota a premência da

responsabilidade social do IFRN, ao qualificar e disponibilizar, para a sociedade,

profissionais formados em áreas que tanto têm a contribuir com o desenvolvimento,

em termos da coletividade em sentido amplo/integral e não na perspectiva de

interesses meramente individuais e econômicos. Não se pode deixar de explicitar

o caráter contraditório entre o discurso oficial e a realidade material.

132

A apreciação dos perfis profissionais revela importantes elementos para

análise. Com esse intuito, sintetizamos os perfis retirados da página oficial do

IFRN69, dispostos no quadro a seguir:

Tabela 2 - Perfil profissional por curso superior de tecnologia, modalidade presencial, do Campus Natal-Central do IFRN

Curso Perfil Profissional

Tecnologia em Gestão Pública

Processar informações, ter senso crítico e ser capaz de impulsionar o desenvolvimento econômico da região, integrando formação técnica à cidadania, estando apto, principalmente, para: familiarizar-se com as práticas e procedimentos comuns em ambientes organizacionais; atuar nas esferas de governos (federal estadual e municipal), entidades parceiras do setor público, estatais e empresas públicas; desenvolver atividades de planejamento e gestão nos diversos órgãos públicos; planejar e executar projetos de gerenciamento no setor público; posicionar-se crítica e eticamente frente às inovações tecnológicas, avaliando seu impacto no desenvolvimento e na construção da sociedade.

Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas

Produzir e aplicar os conhecimentos científicos e tecnológicos voltados para codificar, documentar, testar e implantar sistemas de informação; compreender e especificar os requisitos e as funcionalidades de um sistema; conceber e organizar sistemas em partes relacionadas; definir o modelo orientado a objetos que será implementado para responder aos requisitos do sistema, aplicando padrões de projeto; definir o modelo de dados que será implementado para responder aos requisitos do sistema; aplicar conceitos de engenharia de usabilidade no desenvolvimento de sistemas de software; utilizar processos de software, adequando-os, quando necessário, a situações específicas; e, administrar bancos de dados, sistemas operacionais e servidores de aplicação.

Tecnologia em Comércio Exterior

Processar informações, ter senso crítico e ser capaz de impulsionar o desenvolvimento econômico da região, integrando formação técnica à cidadania. Além de: Articular e inter-relacionar teoria e prática; Utilizar adequadamente a linguagem oral e escrita como instrumento de comunicação e interação social; Realizar a investigação científica e a pesquisa aplicada; Resolver situações-problema que exijam raciocínio abstrato, percepção espacial, memória auditiva, memória visual, atenção concentrada, operações numéricas e criatividade; Dominar conhecimentos científicos e tecnológicos na área específica de sua formação; Aplicar normas técnicas nas atividades específicas da sua área de formação profissional; Familiarizar-se com as práticas e procedimentos comuns em ambientes organizacionais; Empreender negócios; Posicionar-se criticamente frente às inovações tecnológicas; Conhecer e

69 Informações retiradas da página oficial do IFRN na internet (www.ifrn.edu.br), em 04 de fevereiro

de 2016.

133

aplicar normas de sustentabilidade ambiental, respeitando o meio ambiente e entendendo a sociedade como uma construção humana dotada de tempo, espaço e história; Ter atitude ética no trabalho e no convívio social, compreender os processos de socialização humana em âmbito coletivo e perceber-se como agente social que intervém na realidade.

Tecnologia em Construção de Edifícios

Voltado para o gerenciamento de obras e possui habilidades para atuar como cidadão crítico, participativo e agente econômico, podendo operar na indústria da construção civil, de acordo com a legislação vigente do país.

Tecnologia em Gestão Ambiental

Produzir e aplicar conhecimentos científicos e tecnológicos na área ambiental sendo capaz de lidar, analisar e avaliar as variáveis ambientais com vistas à produção e aplicação de alternativas tecnológicas de prevenção, mitigação e/ou recuperação ambiental; e atuar junto aos setores privado e público na gestão, monitoramento e fiscalização do meio ambiente.

Tecnologia em Redes de Computadores

Compreender os processos de construção e reconstrução de redes de computadores e, dessa forma, realizar atividades de concepção, especificação, projeto, implantação, avaliação, suporte e manutenção de redes de computadores. Atuarão na área de redes de comunicação de dados, podendo exercer atividades de implantação de redes metálicas, redes ópticas, redes sem fio, redes locais, redes WAN, além de gerência destes sistemas.

Fonte: www.ifrn.edu.br

Os perfis profissionais estabelecidos pela instituição refletem o intento do

IFRN em direcionar ao mundo do trabalho profissionais preparados, cada um em

sua área de atuação, para atender às requisições postas pela sociedade no atual

tempo histórico e tendo em conta o desenvolvimento das forças produtivas, em

nível local. São perfis que pretendem conjugar as perspectivas de formação técnica

e crítica, que se justificam pelas novas exigências do mundo do trabalho, mas que

não são construídos, conforme consta do PPP, para atender meramente os

interesses do mercado. Identifica-se, pois, um desafio para os cursos de tecnologia

de superar a lógica imposta pelo sistema do capital, a qual ideologicamente conduz

à adequação dos cursos, de sua estrutura pedagógica e curricular e dos

profissionais aí formados ao que lhe convém.

Grosso modo, os projetos seguem o mesmo padrão de condução

pedagógica e formativa, a buscar aliar função social do Instituto, que visa formação

cidadã crítica e formação profissional em consonância com as demandas locais.

Os PPP, assim, contêm proposta curricular pautada num prisma progressista e

134

transformador na perspectiva histórico-crítica. Ademais, vislumbram a possibilidade

do resgate da formação em que a profissionalização não seja uma finalidade em si

mesma, tampouco seja orientada pelos interesses do mercado de trabalho,

constituindo-se, em vez disso, numa oportunidade para a construção dos projetos

de vida dos discentes. Assim aponta, por exemplo, o projeto pedagógico do curso

de Tecnologia em Redes de Computadores:

A organização curricular busca possibilitar a compreensão crítica e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais resultantes da interferência do homem na natureza, em virtude dos processos de produção e de acumulação de bens. (IFRN,

2012a, p.6, grifos nossos)

Identificamos na proposta de organização do currículo a relevância dada a

compreensão dos sujeitos sobre a totalidade social e sua inserção nela e as

consequências de sua atuação para o movimento do real. Tal proposição aponta

para uma formação, sob os aspectos profissional e individual, de uma ótica

ampliada, disposta a contemplar a complexidade que envolve a inserção

profissional no mundo do trabalho. Com isso, intenta-se possibilitar aos

trabalhadores oriundos desta formação, assimilar a função social de seu trabalho e

contribuir com ele para a promoção do bem comum, para além dos valores que

orientam o mercado de trabalho sob a lógica capitalista. Senão vejamos:

A forma de atuar da educação profissional tecnológica possibilita resgatar o princípio da formação humana em sua totalidade, superar a visão dicotômica entre o pensar e o fazer a partir do princípio da politecnia, assim como visa propiciar uma formação humana e integral em que a formação profissional não tenha uma finalidade em si, nem seja orientada pelos interesses do mercado de trabalho, mas se constitui em uma possibilidade para

a construção dos projetos de vida dos estudantes. (IFRN, 2012a, p.6, grifos nossos)

Essa é a intenção exposta nos documentos oficiais. Todavia, os conteúdos

dos projetos pedagógicos apontam desconexão entre a proposta de formação

integral e aquilo que verdadeiramente se expressa na estrutura curricular dos

cursos de tecnologia ofertados pelo IFRN.

As constantes mudanças e adequações estabelecidas por instâncias

governamentais superiores, em um contexto macro de mutações geopolíticas e

135

sociais do sistema do capital e, ademais, do mundo do trabalho podem ser

entendidas com necessárias. Todavia, não têm sido asseguradas condições de

aprofundamento e maturação das modificações realizadas nas propostas

formativas da instituição, fazendo com que, muitas vezes, alterem-se a forma

(nomenclaturas, objetivos, perspectivas formativas) sem, necessariamente, mudar

o conteúdo da formação e os métodos de ensino-aprendizagem. Assim, adota-se

uma perspectiva histórico-crítica, na teoria, mas se mantem, na essência prática,

uma formação predominantemente tecnicista e voltada para atender o mercado e

as mudanças do mundo do trabalho.

Aspecto que também merece relevo é o fato de tudo isso ocorrer sob um

contexto de autonomia limitada, no que concerne a tais alterações, tendo em vista

se tratarem de respostas da instituição para dar conta de decisões oriundas das

esferas superiores. Sobre isso, é importante destacar que à autonomia limitada

corresponde a um significativo grau de letargia por parte da instituição no processo,

denotada na aceitação e legitimação das imposições governamentais e do mercado

à conformação dos cursos, o que vai de encontro à própria perspectiva crítica

proposta pelos PPP institucionais para formação dos sujeitos.

A análise mais acurada das matrizes e das ementas dos componentes

curriculares revela, salvo poucas exceções, um conjunto de disciplinas dedicadas

apenas à formação técnica, a partir de que entendemos ser possível entremear

conteúdos e discussões capazes de promover a proposta formativa indicada.

Todavia, a densidade de conteúdos técnicos e o próprio direcionamento identificado

nas propostas das disciplinas, indica baixo potencial para que se materialize a

formação crítica e cidadã. De fato, em sua maioria, as ementas dos componentes

curriculares apontam para uma formação promotora de aprendizado técnico e da

adequação dos profissionais às competências e habilidades requisitadas pelo

mercado. Há pouco ou nenhum espaço às problematizações que envolvam o

contexto social, político, econômico, enfim, determinações e noção de totalidade

requeridas pela formação pretendida, com vistas a uma posterior inserção

profissional.

Os cursos de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas,

Tecnologia em Construção de Edifícios, Redes de Computadores e Tecnologia em

Gestão Pública não possuem em sua grade de disciplinas componentes que

136

contemplem especificamente as questões contemporâneas do mundo do trabalho,

a compreensão da sociedade e da realidade social em que se inserirão os

profissionais formados, ou mesmo, conforme versa os PPP, que promovam “[...] a

compreensão crítica e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais

resultantes da interferência do homem na natureza, em virtude dos processos de

produção e de acumulação de bens.”(IFRN, 2012a, p. 7)

Em Tecnologia de Gestão Pública, por exemplo, verifica-se a existência de

disciplinas como "Comportamento organizacional", sem outro componente

curricular que a complemente em uma perspectiva mais crítica e de totalidade

analítica, especialmente acerca das questões relativas ao mundo do trabalho na

contemporaneidade. Assim, torna-se tarefa difícil para os egressos atingir aquilo

que está proposto no PPP e pode, inclusive, fomentar a formação em sentido

contrário, de mera conformação e/ou adequação dos sujeitos, assumindo a ideia

de promoção da modernização da administração pública de modo acrítico.

No curso Tecnologia em Construção de Edifícios, cuja proposta se assenta

na ideia de que os profissionais formados assumirão funções de gestão, existem

disciplinas como "Higiene e segurança no trabalho", "Legislação previdenciária e

trabalhista", e "Ergonomia", que contribuem para a formação destes enquanto

trabalhadores, dando suporte à ação do tecnólogo no exercício profissional,

especialmente, na gestão da equipe. Todavia, a perspectiva é adequar, ou adaptar

as funções e os trabalhadores à legislação e às normas de segurança. Disciplinas

"Relações Humanas no trabalho" e "Gestão de recursos humanos" estão centradas

na compreensão do indivíduo isoladamente e no interior da equipe de trabalho,

contendo a administração de conflitos interpessoais como elemento de preparação

do tecnólogo para lidar com possíveis problemas apresentados pelos sujeitos que

coordenará. Tal perspectiva está desconexa com a ideia de totalidade e criticidade

propostas, uma vez que localiza unicamente nos veios psicológico e emocional as

problemáticas insurgentes no âmbito do trabalho. É preciso reconhecer a

importância das disciplinas, porém entender que elas sozinhas, sem a presença de

outros suportes analíticos, no sentido de construir a referida percepção da

totalidade, são insuficientes.

Encontramos especificidades ainda maiores nos programas de cursos de

Tecnologia em Gestão Ambiental e Tecnologia em Comércio Exterior, os quais,

137

apesar de inseridos nessa área de formação - a tecnológica - guardam em si, pela

natureza do trabalho a ser desenvolvido pelos futuros profissionais, uma relação

bastante próxima com as humanidades.

Em Tecnologia em Gestão Ambiental há destaque para a disciplina

"Segurança, meio ambiente e saúde", a qual proporcionaria uma boa compreensão

sobre segurança no trabalho e o sobre as competências do trabalhador e aos

órgãos específicos da área. A disciplina "Cidadania, ética e meio ambiente¨ possui

uma abordagem da relação entre o meio ambiente (objeto de trabalho desse

profissional) e a sociabilidade do capital. Ainda assim, não são encontrados

elementos que indiquem a promoção de discussões mais aprofundadas acerca do

trabalho na realidade hodierna.

O programa de Tecnologia em Comércio Exterior é aquele que mais se

aproxima da proposta formativa apontada pelo PPP. Nele, a disciplina de

"Sociologia" propõe, de maneira evidente, discutir as questões relativas ao trabalho

na sociabilidade capitalista e as transformações no mundo do trabalho70. Outra

disciplina, intitulada "Direito da cidadania" indica ter boas contribuições na formação

integral e crítica dos sujeitos, por sua proposta e bibliografia básica.

Em parte significativa dos cursos, disciplinas como “Qualidade de Vida no

Trabalho” e “Psicologia das relações de Trabalho”, as quais possuem elevado

potencial para trabalhar questões relevantes acerca do mundo do trabalho, são

ofertadas como componente optativo, de maneira que nem todos os discentes

inscritos no curso as cumprem. A análise da ementa da primeira disciplina

evidenciou haver relação entre a qualidade de vida e o trabalho, não dando conta

de questões referentes, por exemplo, à precarização existencial e das condições

de trabalho dos sujeitos. De certo modo, a ementa conduz os discentes a

construírem uma visão que individualiza a responsabilidade sobre a promoção e

manutenção da qualidade de vida no trabalho.

De forma semelhante, o componente curricular "Psicologia das relações de

trabalho" promove uma espécie de psicologização das relações de trabalho, além

da individualização das responsabilidades sobre o clima organizacional. A

70 O referido componente curricular apresenta uma boa proposta expressa em sua ementa, embora

haja dubiedade em alguns conteúdos programáticos (não nos permitindo compreender qual a análise a ser feita sobre alguns temas) e ainda uma bibliografia que precisa ser ampliada, inserindo importantes discussões atuais como o acirramento da precarização do trabalho.

138

expressão "administração de conflitos", que aparece na ementa como conteúdo a

ser ministrado, pode assumir um teor bastante nocivo à classe trabalhadora, se

tratada, sob uma capa ideológica, a fortalecer a resignação dos trabalhadores

diante de condições e relações de trabalho precárias e/ou em face de ações que

desarticulem sua organização enquanto classe.

Elementos muito presentes nos PPP e nos componentes curriculares que

estruturam os cursos são a noção e os conteúdos que dizem respeito ao

“empreendedorismo”. Apresentados como necessária competência e habilidade a

ser desenvolvida pelos profissionais formados pelo IFRN, e ademais, como uma

virtude capaz de tornar os egressos capazes de exercer seus ofícios com

independência e obter sucesso, podem criar a ilusão de que essa é a alternativa

para o alcance de melhores condições diante do desemprego ou da precarização

do trabalho. Deste modo, passa a impressão de aí residir uma solução capaz de

fazer superar as adversidades para inserção profissional, quando, na realidade,

pode significar a manutenção da situação de precariedade (até mesmo existencial)

do trabalhador, inclusive porque guarda em si o isolamento dos sujeitos, dificulta o

desenvolvimento da consciência de classe e da luta coletiva.

Identifica-se, portanto, contradição entre a proposta formativa e o

mecanismos e instrumentos postos para sua materialização. Uma contradição

determinada por aspectos diversos. Inicialmente é preciso considerar apesar de

sua vocação tecnológica e do diferencial na formação cidadã, reconhecido

socialmente ao longo de sua história, a oferta de cursos superiores no IFRN é ainda

uma experiência recente. Até pouco tempo as propostas pedagógicas centravam-

se basicamente na qualificação técnica. Podemos afirmar que a instituição ainda

carece de maturidade e aprofundamento de seus Projetos Pedagógicos.

Ademais, os cursos seguem as diretrizes do Ministério da Educação,

apresentando para a sociedade uma oferta correspondente ao que se

homogeneizou em todo o país, a partir do Catálogo Nacional de Cursos. Assim, até

mesmo o tempo estabelecido para a conclusão do curso (3 anos) não torna simples

a tarefa de entrelaçar disciplinas que, além de preparar tecnicamente os discentes,

também os formem com competência para identificar e compreender criticamente

a realidade em que se inserem.

139

Não se pode menosprezar o poder da ideologia do capital que permeia a

Educação na atualidade, a criar barreiras para que os propósitos e resultados

esperados com o processo de ensino-aprendizagem alcancem o interior das

instituições, especialmente por meio do corpo de profissionais responsáveis por

promover a formação de tais discentes (docentes e demais trabalhadores da

educação). Estes podem reforçar, na academia, os interesses do mercado, seja

nas contribuições manifestas nas atualizações dos PPP, seja na maneira como

trabalham os conteúdos em sala de aula, seja na reprodução da concepção

alienada dos cursos, da formação e da inserção profissional.

Deste modo, ainda que se expressem perspectivas formativas críticas nos

documentos oficiais, elas não alcançam concretude, uma vez que, na realidade, o

conjunto de competência e habilidades requeridas no mundo do trabalho, que

interessa ao mercado, impõe-se de modo proeminente na formação.

Em verdade, as demandas de mercado se mostram tão velozes e

imperativas que um ano após a última publicação do Catálogo Nacional de Cursos

Superiores de Tecnologia (BRASIL, MEC, 2010), o Ministério da Educação inicia

procedimentos para a sua atualização. Com a coordenação da Secretaria de

Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES) e apoio da Secretaria de

Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), entre 2011 e 2013, foram recebidas

propostas de atualização, contemplando inclusive as denominações dos cursos

autorizados em caráter experimental na base de dados do sistema e-MEC71 e de

cursos já constantes no catálogo de 2010.

Em 2014, já havia a versão preliminar de um novo catálogo para consulta

pública72. Segundo versa o documento

O trabalho de atualização do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia - CNCST, que pesquisadores, instituições de ensino superior, entidades contou com a participação de professores, especialistas e de representação profissional, dentre outros, resultou na revisão dos descritores

71 Sistema informacional do Ministério da Educação, em funcionamento desde 2007, destina-se à tramitação eletrônica de processo de regulamentação de cursos superiores (credenciamento; recredenciamento; busca por autorização, reconhecimento e renovação). <http://emec.mec.gov.br> 72 Acabado o processo de consulta e análise, a versão 2016 do Catálogo já foi publicada. Segundo o documento houve revisão dos descritores dos 113 cursos já constantes do catálogo anterior, e o acréscimo de 21 novas denominações. Ao todo são atualmente 134 denominações de Cursos Superiores de Tecnologia a integrarem o novo Catálogo (BRASIL, MEC, 2016).

140

dos 113 cursos já constantes do catálogo anterior, e no acréscimo de 31 novas denominações, totalizando assim 144 denominações de Cursos Superiores de Tecnologia a integrarem o novo catálogo. (BRASIL, MEC, 2014, grifos nossos)

A indicação da participação de distintos atores constitui elemento relevante,

embora o fato de não estarem definidos/nominados no documento nos impeça de

compreender que dimensões da formação estão sendo consideradas pelos

interesses em jogo. Ainda assim, é importante ressaltar, que a versão preliminar da

nova edição do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia ficou

disponível na internet, via página da SERES/MEC na web, para consulta pública

com formulário aberto a toda a sociedade, podendo inclusive participar estudantes

e entidades de representação profissional (novembro/dezembro de 2014).

A abertura para a ampla participação, especialmente, em se tratando dos

cursos já existentes no catálogo de 2010 e ofertados pelas IES brasileiras, é

positiva, uma vez que possibilita acomodar as propostas às realidades vivenciadas

nas instituições de ensino por gestores, docentes e estudantes. Mas, sua realização

unicamente via internet e sem ampla divulgação/mobilização para as contribuições

dos estudantes/profissionais tecnólogos, docentes e coordenadores de cursos

pode ter desfavorecido a mais ampla participação.

Finalmente, na análise de documentos oficiais, PPP de cursos e no

desenvolvimento do IFRN podemos identificar elementos de contradição

expressando interesses em jogo, em uma disputa na qual, determinados sujeitos

diretamente envolvidos não parecem ter a real compreensão de que projetos de

formação e de sociedade estão a reforçar, nos marcos da formação tecnológica e

técnica de nível superior. As contradições parecem mais contundentes e pouco

apreendidas pelos sujeitos diretamente envolvidos no processo de ensino e

aprendizagem.

141

3.3 Formação técnica e tecnológica de nível superior no IFRN e a inserção

profissional dos egressos no mundo do trabalho

Tendo como ponto de partida os quantitativos e contatos de estudantes dos

cursos superiores de tecnologia, do Campus Natal-Central do IFRN, aptos a colar

grau nos anos de 2013 e 2014, recorte temporal desta pesquisa, a busca ativa para

a realização das entrevistas resultou no quantitativo de 10 egressos, os quais

aceitaram participar da pesquisa de campo.

Tabela 3 - Quantitativo de discentes aptos a colar grau nos cursos superiores de tecnologia

atualmente ofertados pelo IFRN-campus natal central-referente aos anos de 2013 e 2014

Curso 2013 2014 Total

Tecnologia em Gestão Ambiental 6 27 33

Tecnologia em Construção de Edifícios 17 19 36

Tenologia em Comércio Exterior 0 7 7

Tenologia em Gestão Pública 9 15 24

Tecnologia em Redes de Computadores 5 16 21

Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas

8 16 24

TOTAL 145 Fonte: Diretorias Acadêmicas/IFRN

A distribuição entre os cursos, conforme apontado no Capítulo 1, expressa

a nossa busca de trabalhar de modo abrangente dentro do recorte empreendido

em termos temporais e de área, abarcando os 6 cursos superiores de tecnologia

ativos na atualidade no Campus Natal-Central do IFRN.

Tabela 4 – Cursos de formação dos egressos entrevistados

Curso Quantitativo de egressos

Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas 1

Tecnologia em Comércio Exterior 1

Tecnologia em Construção de Edifícios 2

Tecnologia em Gestão Ambiental 2

Tecnologia em Gestão Pública 2

142

Tecnologia em Redes de Computadores 2

TOTAL 10

Fonte: Dados da pesquisa/ Elaboração da autora

Nossos entrevistados, egressos de cursos superiores de tecnologia, são

majoritariamente jovens, na faixa etária de 15 a 29 anos73. Um grupo de idade,

portanto, dentro da esperada para o ensino médio, conforme o padrão para a

educação formal em seus ciclos formativos. Trata-se, portanto, do momento

geracional a caracterizar as juventudes, que estão comumente em busca de

definição de um ofício a seguir e planejando sua carreira profissional. É, por fim,

aquela propensa a compor o precariado, em tempos atuais.

A maior parte é formada por pessoas do sexo masculino, algo que tem

relação com o próprio perfil da área tecnológica, notadamente, ocupada por

homens. Não obstante, há que se registrar a participação de quase metade de

mulheres, em diferentes cursos.

Com relação ao tempo empreendido para conclusão dos cursos, entre os

entrevistados, encontramos a média de 4,4 anos. Todos eles, portanto,

ultrapassaram o tempo mínimo previsto nos documentos institucionais, de 3 anos

para conclusão. Esse decurso temporal pode ser fruto de diversos fatores, não

apreendidos pela pesquisa. Ousamos indicar a possibilidade de relação com a

realidade peculiar da maior parte dos sujeitos entrevistados, os quais estiveram

envolvidos em outras atividades acadêmicas e de apoio estudantil, como bolsas,

pesquisas e estágios. Ademais, compreendemos que o breve tempo previsto para

a integralização do currículo acadêmico seja insuficiente diante da realidade dos

discentes e do seu processo de amadurecimento acadêmico, além da premente

necessidade de crescentes parcelas de estudantes de aliarem estudo e atividade

de trabalho ou estágio remunerado. Fazemos referência a isso, porque

significativos foram os relatos a destacar o tempo destinado à conclusão dos cursos

como curto.

No intuito de identificar elementos das origens de vida dos diplomados com

que trabalhamos ao longo da pesquisa, compilamos dados acerca da escolaridade

73 “[...] compreende-se cada vez mais como juventude o estrato social de 15 a 29 anos ou até mais

(14 anos no mínimo)” (POCHMANN, 2013, p. 39).

143

dos pais ou adultos que que assumiram essa função. Com relação aos pais,

identificamos igual quantidade entre aqueles com ensino médio completo e com

ensino fundamental completo, 4 entre 10, e 2 alfabetizados. As mães em maioria,

5 entre 10, possuem ensino fundamental completo; 3, cumpriram o ensino

fundamental, 1 é alfabetizada e 1 apresenta ensino superior.

Em face disso, evidenciamos que a maior parte dos nossos entrevistados

podem ser identificada como pertencente a núcleos familiares em que a elevada

escolarização formal não é uma realidade comum, isto é, não faz parte das suas

experiências de vida anteriores à sua própria formação. No entanto, denotamos das

próprias falas dos entrevistados a relevância que a educação formal assume no

discurso e atitudes de seus pais, ao longo da vida, no incentivo e na busca por

oportunizar acesso a uma formação de nível superior. O desejo dos pais passa a

ser, então, partilhado por seus filhos, tornando-se seu sonho pessoal, conforme o

ideário corrente, de se qualificar, ter uma formação de nível superior, que lhes

assegure realização pessoal e melhores condições de vida que as de seus

mantenedores. A fala a seguir é emblemática, nesse sentido.

Minha mãe e meu pai só têm o ensino fundamental incompleto. Meu irmão mais velho tem duas graduações - ele é dentista e naturólogo -, meu irmão do meio se formou agora em ciências agrárias, na Paraíba. Então, assim, lá em casa, quanto à questão da educação familiar, nesse sentido de incentivo, a gente nunca teve problema... questão financeira sim, mas de incentivo, não. Minha mãe e meu pai sempre foram os braços fortes da gente. Hoje, nós somos três irmãos, por enquanto são quatro graduações, ano que vem [...] vai ser a quinta, porque eu vou me formar no curso de engenharia civil [...] (Felipe, informação verbal)

No relato já é possível identificar questões relativas à renda familiar dos pais.

Para além de ser uma realidade particular do egresso, é parte da configuração

socioeconômica prevalecente entre as famílias dos entrevistados, situadas, a maior

parte (8 entre 10 egressos), em faixa de renda abaixo de três salários mínimos e

meio.

Tratar de aspectos socioeconômicos como escolaridade e renda e,

destacadamente, diante dos dados obtidos, remete-nos às parcas condições

familiares para possibilitar acesso a bens e serviços básicos não ofertados por meio

de políticas públicas à população. Ademais, evidencia o menor favorecimento na

144

busca por alternativas em âmbito privado diante das falhas, lacunas ou mesmo

negação de direitos, referentes à disponibilidade e qualidade de serviços públicos

de responsabilidade estatal, como educação. Exemplo disso é que os sujeitos de

pesquisa são majoritariamente advindos de escola pública - 7 deles, tendo um

vivenciado ao menos uma parte da vida escolar, o ensino médio, em escola pública.

Apesar disso, alguns dos egressos estiveram vinculados a instituições

ofertantes de cursos de nível técnico, que lhes possibilitou um primeiro nível de

diplomação. Estes traçaram como interesse a realização de uma graduação, como

forma de ampliar a abrangência da atuação profissional ou como continuidade na

área de formação ou afim. Para estes e para os demais, a realização de um curso

de nível superior significava uma possibilidade de ampliar condições de inserção

no mundo do trabalho e de sucesso profissional, a se impor como requisição de um

mercado, a exigir constantes adequações e atualizações por parte dos

trabalhadores. Assim, absorver conteúdos e desenvolver competências e

habilidades complexas, demarcadas pelo título conferido por instituição de ensino

formal e reconhecida pelo Ministério da Educação aparece ainda como uma via de

grande interesse, ampla em possibilidades. Os relatos indicam como motivação a

dificuldade de inserção profissional no mundo do trabalho para alguém que

dispõem apenas de diploma de nível técnico e, logo, explicita-se o desejo por

eliminar as limitações oferecidas pelo curso técnico:

[...] eu decidi fazer porque eu fiz um curso técnico e senti dificuldade de ingressar no mercado de trabalho, aí procurei um

outro curso que fosse parecido com o que eu já estava exercendo [...] (Maria, informação verbal, grifos nossos)

Ou ainda as exigências do mercado de trabalho, àqueles já atuantes, de

certificação de nível superior, a fim de alcançar maior reconhecimento e valorização

profissional, bem como melhor posicionamento no mundo do trabalho:

Colocação profissional no mercado. Eu já trabalhava na área, [...] mas foi passando os anos, mas eu via que, sem o diploma de nível superior, eu não conseguia progredir dentro da carreira, [...] aí fui e fiz o curso (José, informação verbal, grifos meus)

145

Ou, tão somente, a preocupação em estar adequado às requisições de

mercado, a fim de assegurar a própria competitividade, em tempos de expansão do

ensino superior e de crescimento quantitativo de diplomados:

[...] pra me qualificar, primeiramente, [...] o mercado de trabalho

está ficando bastante difícil de ingressar, hoje em dia já não é tão fácil com ensino superior, não garante nada. Então eu não poderia ficar pra trás do restante da população. (André, informação verbal,

grifos meus)

A área de tecnologia apresenta-se, ao mesmo tempo, como uma novidade

e como uma demanda do mercado a ser atendida pelos trabalhadores em

formação. Destaca-se assim, apologeticamente, como possibilidade, enquanto

área ainda não saturada e constituída por oportunidades ofertadas pelo mercado

carente de mão de obra qualificada. Entretanto, os cursos com formação de

tecnólogos, não estavam entre as primeiras opções de parte significativa dos

entrevistados, que já haviam tentado ingresso em outras áreas de formação, e que,

por não terem obtido sucesso, encaminharam-se para aquela em que houve

disponibilidade de vagas, em face de sua pontuação no Exame Nacional do Ensino

Médio (ENEM) ou de vestibular simplificado realizado pelo Instituto. O exposto pode

ser observado no relato em destaque:

Foi em função da necessidade e da oportunidade. Eu nunca gostei de tecnologia, mas depois que comecei a fazer o curso, eu passei a gostar (Paulo, informação verbal)

Um dos professores coordenadores de curso superior de tecnologia do

IFRN, questionado sobre o curso, sua relação com a economia local e o

desenvolvimento profissional dos discentes, assevera: “O curso interage

diretamente com o mercado da construção civil, porém muitos alunos ainda buscam

a conclusão deste curso como atalho para cursar o curso de engenharia” (Diogo,

informação escrita). Destaca, assim, o interesse real dos estudantes em curso

distinto do realizado no IFRN, no qual se matriculam para aproveitar a oportunidade

e ter, posteriormente, maiores condições de ingressar no curso desejado.

Assim, existem aqueles que pouco ou nada sabem a respeito da área, dos

cursos e/ou do mundo do trabalho para as profissões em que estão inseridos e,

146

segundo os relatos, as informações, mesmo dentro da instituição, são ainda

dispersas e pouco debatidas com os jovens em formação. Isso faz com que se

aproximem da conclusão do curso sem a real ideia das discussões acerca da

regulamentação profissional ou da realidade que se delineia no mundo do trabalho

na contemporaneidade para os tecnólogos de cada curso. Senão vejamos:

Eu não conhecia o termo 'tecnológica', pra mim era nível superior e acabou. Quando eu cheguei no curso, depois de alguns semestres, já no curso, eu comecei a ver o contexto do curso tecnológico, a questão do curto tempo [...], que não valeu esse curto tempo aqui e a proposta dele, principalmente o curso de gestão ambiental, que a gente não tem a profissão regulamentada. Então foi pra lá do meio do curso que eu descobri que eu ia terminar o curso e provavelmente não conseguisse me encaixar em algum momento no mercado. (Joana, informação verbal)

Aqui já se evidenciam aspectos reiteradamente apresentados pelos

egressos com relação aos cursos de tecnologia, o aligeiramento da formação e a

ausência de regulamentação. Demarcamos que são importantes os debates a

serem feitos junto à comunidade acadêmica, especialmente com os discentes,

principais interessados, desde o início do curso e que, segundo os entrevistados,

não são propostos pela instituição. Assim, se torna possível alcançar períodos

avançados do programa sem ter qualquer noção a respeito da área e dos desafios

postos aos profissionais para o exercício profissional.

Em termos das expectativas, quando da conclusão dos cursos, os

entrevistados consideram que a inserção profissional na área de formação, seja na

função de tecnólogo seja em ocupação mobiliza os conhecimentos adquiridos na

formação pelo IFRN. Alguns ainda indicaram a busca pela continuidade da

formação em áreas associadas às de suas formações, no sentido de ampliar as

possibilidades de inserção no mundo do trabalho.

Salientamos que essa opção pela continuidade dos estudos - quando em

outras áreas de formação -, já ao final do curso, denota o retorno à busca pela

formação realmente desejada e/ou a quebra das expectativas iniciais com relação

ao curso e à profissão de tecnólogo - ainda que haja interesse e afeição pela área

-, em razão dos contatos iniciais com o mundo do trabalho. Assim expõe o André:

147

Quando eu concluí eu já tinha um pensamento diferente, que eu já estava vendo que ia ser bastante difícil conseguir algo na área, assim, sem ser por meio de concurso [...] E o próprio concurso [...] da área de Gestão Pública é difícil de ter [...] (André, informação verbal)

Entretanto, alguns, ainda nesse momento, alimentam expectativas positivas

de inserção no mundo do trabalho. Nos casos encontrados, isso ocorre em razão

de já desenvolver atividades laborais asseguradas por convenção de estágio, com

possibilidades de contratação.

Aqueles que procuram dar sequência à formação por meio de mestrado,

estando na área de informática, enveredaram aí por dimensões consideradas

promissoras e inovadoras, como a Engenharia de Software e a Bioinformática. Isso

pode indicar que, para além da formação de graduação, a pós-graduação em área

de tecnologia apresenta-se como uma aposta de diversificação a ser analisada pelo

IFRN, com criação de novos cursos, no sentido de atender às ditas requisições de

mercado, o que resulta na criação de novas profissões e ainda, como visto, de

novas especializações no interior daquelas existentes.

Dentre os entrevistados, 6 estão realizando outra graduação em área distinta

ou afim. Em termos de mudanças de área, encontramos duas alterações radicais:

uma, em que o egresso do curso de Tecnologia em Desenvolvimento de Software

migrou para a Licenciatura em Letras Libras e trabalha na condição de servidora

pública, como intérprete de libras; e outra, na qual o egresso concluiu o curso de

Gestão Pública e ora cursa Marketing, também no IFRN.

Os demais mudaram para área afim, recorrentemente, para as engenharias

- civil e agrônoma - ou para área distinta, porém com perspectiva de associar as

duas formações, a exemplo do egresso diplomado em Tecnologia em Gestão

Ambiental, que agora cursa Pedagogia. Houve ainda um depoimento que

expressou desejo por mudança de área, indicando interesse também pelas

engenharias.

Evidenciamos, pois, que tais diplomados procuraram uma nova profissão a

fim ampliar as possibilidades de atuação, bem como as condições inserção ou

permanência no mundo do trabalho. Este dado nos revelam os graus de

instabilidade com que se deparam os egressos, ainda que estejam qualificados em

nível já elevado - superior -, mas numa área de abrangência profissional com baixa

148

aceitação e reconhecimento por parte do mercado. Esta é uma das características

definidoras do precariado, a inserção instável e a busca por mais títulos que

incrementem a apologética empregabilidade.

Ao dizermos de tais dificuldades de inserção e da posição ocupada por

profissões de tecnólogo no mundo do trabalho, estamos nos remetendo ao fato de

que, embora a formação pelo IFRN possibilite aos estudantes conhecimentos,

habilidades e competências técnicas para o bom desempenho conforme propõe o

PPP do curso - com previsão no Catálogo Nacional de Cursos de Tecnologia -, de

um modo geral, os tecnólogos não contam com regulamentação a respaldar a

atuação, que considere atribuições, competências e prerrogativas.

O Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), é um dos

conselhos profissionais que abrange determinadas formações cuja estrutura

curricular tem relação com as engenharias, a exemplo dos cursos de Tecnologia

em Gestão Ambiental e Tecnologia em Construção de Edifícios. Contudo, segundo

os relatos, restam confusas e limitadas as possibilidades de exercício profissional

dos tecnólogos. Estes são compreendidos como tendo mais competências que os

técnicos, a despeito de possuírem formação de nível superior, mas tidos como

profissionais com competências mais restritas que os engenheiros. Desse modo,

são socialmente relegados a uma espécie de limbo, no qual ocupam um "meio

termo", entre um e outro, ou um “não-lugar”. Deles são exigidas competências e

habilidades profissionais do mesmo nível dos demais engenheiros, apesar dos

limites impostos e, contraditoriamente, seus contratos e remunerações

assemelham-se àqueles dos níveis técnicos.

Assim, a elevação da escolaridade via cursos de tecnologia têm significado,

para muitos, possuir um status de nível superior não reconhecido e compreendido

socialmente, nem mesmo pelo mercado; este mesmo mercado que,

paradoxalmente, requer tais perfis profissionais às instituições formadoras.

Essa relação contraditória de uma soma que não possui resultados positivos,

a não ser para o próprio mercado, é responsável por um processo de precarização

objetiva do trabalho, na medida em que profissionais são submetidos a uma

dinâmica complexa (dada a polivalência requisitada) e à sobrecarga de trabalho,

sem receber sequer, em contrapartida, o reconhecimento ou a valorização que lhes

são devidos. A precarização objetiva das relações e condições de trabalho acarreta

149

o sofrimento de tão jovens trabalhadores, a vivenciarem já em suas primeiras

experiências no mundo do trabalho a precarização existencial.

Por isso, quando questionamos se o egresso considera que o curso lhe deu

condições de inserção e sucesso profissional no mundo do trabalho, recebemos

relatos como o de Maria, em destaque a seguir:

[...] o que eu vejo é que deu muitas condições, porque o IFRN é [...] a escola que mais prepara os alunos para níveis técnicos, né? Mas, assim, o curso de tecnólogo, como tecnólogo de construção de edifícios, pelo menos aqui no estado, ainda não é reconhecido como os outros cursos [...] questões de atribuições eles não definem, inclusive o CREA também não define [...], eles definem o do técnico e o do engenheiro, mas o tecnólogo ainda fica no meio termo, aí eu vejo muita dificuldade (Maria, informação verbal, grifos

nossos)

Portanto, dada à ausência de regulamentação e de reconhecimento social

do curso, é frequente, para os tecnólogos, a submissão à contratação para o cargo

de técnico – o que seria o correspondente técnico em sua área –, a gerar baixos

salários e vínculos precarizados, ou desconsideração/desconfiança acerca de suas

capacidades para o exercício de cargo de nível superior e de atribuições referentes

a esse nível de ensino. Vejamos:

[...] por ser tecnológico, a gente tem aquela coisa que fica... Nem é superior, nem é técnico. E eles, ou te pagam o valor de técnico, ou acham que você não é capaz de fazer um trabalho; no caso ambiental, ou você é engenheiro ambiental ou você é técnico ambiental. Então, eles te pagam contratado como... ou não é capaz de fazer algo, porque não é engenheiro, ou você pode se submeter a fazer qualquer trabalho que venha [apareça] de gestor ambiental como técnico. Então, em alguns momentos, o curso de tecnologia não te dá segurança de curso superior, porque você tem que explicar que o curso de tecnologia é curso de nível superior. Todas as vezes isso. (Joana, informação verbal)

A insegurança relatada não passa por questões já conhecidas relacionadas

com a segurança no emprego, no tocante ao vínculo empregatício e aos direitos

trabalhistas ou à integridade física, de saúde, etc., mas sim pela ausência de

credibilidade conferida ao tecnólogo, que goza de título de nível superior, não sendo

reconhecido como tal, confrontando-se à frustração de status e/ou remuneração,

ao tempo em que contribui para maior lucratividade dos empregadores.

150

É marca do precariado, como vimos, o elevado nível de escolaridade e a

inserção precária ou não inserção no mundo do trabalho. No caso dos tecnólogos,

encontramos, para essa mesma realidade, o agravante de os cursos terem sido

chancelados pelo MEC e ofertados pelas instituições de ensino, sem alcançar o

devido referendo do mercado e dos empregadores, tornando ainda mais difícil a

inserção profissional em condições minimamente satisfatórias. Algo reconhecido

por Coordenador Diogo (coordenador de curso), que, em resposta ao

questionamento sobre o cumprimento dos objetivos postos no PPP quanto à

preparação dos sujeitos para a inserção profissional, afirma: “o mercado não

assimilou a necessidade deste profissional, pois o classifica como caro para o ramo

da construção” (Coordenador Diogo, informação escrita). Este depoimento reflete

a não assimilação pelo mercado e a desvalorização do profissional, como já

mencionadas. Talvez, estes profissionais sejam absorvidos, mas não para função

e com o salário correspondentes. Coordenador Diogo acrescenta: “O mercado não

absorve e a maioria dos alunos migra para outro curso de graduação ou pós-

graduação” (Coordenador Diogo, informação escrita).

As considerações dos egressos sobre as condições e possibilidades

decorrentes da realização do curso para inserção e sucesso profissional,

evidenciam que o ambiente acadêmico é dotado de possibilidades, com relação à

construção do conhecimento e ao aprendizado; destacam a dedicação e a

qualificação dos docentes, assim como as experiências decorrentes da formação

para a inserção mesma no mundo do trabalho. Estes são aspectos relevantes na

promoção das boas condições de formação profissional, na consecução de

competências e habilidades que os tornam verdadeiramente aptos a atuar e em

boas condições, portanto, de se inserir no mundo do trabalho. Esses são elementos

peculiares ao IFRN, especialmente, no que se refere à relação estabelecida entre

os professores e os estudantes e entre os professores e o próprio mercado

profissional, a possibilitar a experiência do exercício profissional, explicitando uma

real interação entre a formação e os processos de trabalho. Em termos da formação

técnica, para o trabalho, é notadamente, um aspecto que favorece a reconhecida

qualidade formativa do IFRN.

Não obstante isso, alguns entrevistados destacaram a existência de

elementos requeridos pelo mercado e não contemplados pelas propostas

151

curriculares e ações complementares dos cursos. A ausência de experiência,

reiteradamente citada pelos egressos, constitui exigência que pode significar a

exclusão dos sujeitos de processos seletivos das empresas ou levá-los a situações

de maior precariedade, ao aceitarem condições salariais e de trabalho para obter

registros de atuação profissional, a qualquer custo e, assim, garantir que o

currículo, aos poucos, possa ser preenchido e estar a contento dos empregadores.

Em um dos relatos o egresso afirma: "Tenho amigos que terminaram há dois

anos e não arrumaram emprego até hoje porque eles não têm um mínimo de seis

meses de experiência, porque durante o curso não conseguiram estágio" (João,

informação verbal). Isso indica a importância dada pelos contratantes a este

quesito. Depois relata:

Eu tenho um caso de um amigo específico que, para ele se inserir na área, ele teve que deixar o emprego que tinha [...] fazer um estágio que, de certa forma, não era legal, mas que servia no papel

pra provar que ele tinha experiência. O estágio foi gratuito, ele chegou a conversar com o pessoal da empresa, mostrou que tinha interesse e conhecimento, mas a política da empresa era de não contratar ninguém sem experiência. Ficou oito meses trabalhando de graça e depois conseguiu entrar como funcionário mesmo (João, informação verbal, grifos meus).

Ainda que esta não tenha sido a realidade vivenciada pelo entrevistado,

trata-se de uma vivência que lhe é próxima, tendo sido destacada por mais de um

entrevistado como uma possibilidade a se submeter, vislumbrando um emprego na

área de formação pelo IFRN.

À medida que significa para os empregadores uma estratégia para assegurar

força de trabalho com certo grau de maturidade no exercício profissional, atende

também seus interesses por mão de obra qualificada e barata ou a custo zero,

justificado por uma conduta empresarial de apenas contratar profissionais

minimamente experientes. Muitos trabalhadores, pelo compreensível anseio de

trabalhar exercendo sua profissão, se submetem a essa lógica e terminam por

referendá-la, ainda mais, quando não contam com a regulamentação e a

organização da categoria profissional para fazer frente às imposições do capital.

Há ainda as exigências do mercado de trabalho para que os egressos

apresentem conhecimentos específicos, apesar de a formação ser genérica e

152

aligeirada. Os indivíduos são levados a se especializar e são, via de regra,

responsabilizados por isso. Não bastasse, ainda precisam estar atentos e de

acordo com as mudanças e sazonalidades do mercado. Sobre isso afirma uma das

entrevistadas:

[...] eu trabalhei com gestão ambiental, mas, quando você vai pro mercado de trabalho, ele quer sistema de gestão ambiental, licenciamento... são coisas que quando você tá envolvido numa base de pesquisa que trabalhe isso... a gente sai com esse déficit (Joana, informação verbal)

De fato, as requisições dos empregadores por mais amplos e específicos

conhecimentos se elevam cada vez mais, e, para muitos, o título de nível superior

torna-se essencial, mas não suficiente para o ingresso no mundo do trabalho. As

falas de nossos sujeitos de pesquisa manifestam claramente esta compreensão.

Ao vincularem o imperativo da titularização à seletividade do mercado, trazem à

tona o discurso apologético do mercado que vigora nos dias de hoje, construído a

partir de valores como individualização, responsabilização e competitividade. Tanto

é que a chamada “peneira” do mercado leva à busca por títulos cada vez mais

elevados. Isso pode ser notado no seguinte relato:

[...] mas hoje eu penso que só o nível superior é muito pouco,

que tem que ter mais, no mínimo especialização, na verdade, mas o bom mesmo é ter um mestrado ou doutorado pra você

conseguir se garantir no mercado de trabalho." (Ana, informação verbal, grifos nossos)

Porém, o título, muitas vezes, é tomado em si mesmo como referência

profissional. Possuir diploma de nível superior, embora já não figure como uma

ideia de garantia de emprego, é considerado como requisito básico para uma boa

colocação na competitividade posta no mundo do trabalho. Assim aponta Paulo:

“[...] Acho que quando você é selecionado par um cargo e você apresenta seu título,

certamente, só o fato de você apresentar o título isso já conta a seu favor” (Paulo,

informação verbal).

A respeito do percurso no mundo do trabalho, poucos egressos haviam

trabalhado antes da realização do curso no IFRN. Isto indica um percurso de

escolarização e de formação mais amplo. Mas, entre os que tiveram experiências

de trabalho anteriores, um é servidor público federal, no cargo de técnico

153

administrativo há 32 anos, não havendo mudanças no posicionamento institucional

em razão da conclusão do curso de Tecnologia em Gestão Pública; outro atuava

com vínculo formal, sendo autodidata na área de informática, trabalhando com

desenvolvimento web, ao longo do curso, teve um longo histórico de vínculos

trabalhistas e de participação em programa de apoio estudantil e de realização de

estágios, além de realizar serviços sem contrato.

Aqueles que trabalhavam durante o curso, apresentam situações bastante

distintas: um trabalhou nos períodos iniciais do curso, com registro em carteira de

trabalho, na ocupação de auxiliar administrativo, mas optou por pedir dispensa por

dificuldades de conciliar o trabalho com as atividades acadêmicas; outro prestou

concurso para técnico de informática e, desde então, atua como tal.

Nos relatados dos egressos acerca do percurso no mundo do trabalho,

merece destaque o papel assumido pela Instituição, no sentido de ampliar

horizontes e dar condições mínimas à permanência dos estudantes e ao bom

desempenho acadêmico, oportunizando a realização de estágios e a participação

em programas de apoio ao estudante. Parte significativa, 6 dos entrevistados,

participou de algum programa de apoio estudantil, seja de apoio técnico - em

parceria com a UFRN -, de Iniciação Profissional ou de Pesquisa. Esse aspecto

reflete a preocupação com a construção, pelo IFRN, de possibilidades diversas de

assistência ao estudante e de desenvolvimento acadêmico, os quais se efetivem

no plano real, sendo acessíveis aos discentes.

Ainda assim, destacamos as limitações orçamentárias dos referidos

programas institucionais para empreender uma abrangência verdadeiramente

satisfatória. Em face disso, as reduzidas vagas oportunizam a participação de uma

parcela dos estudantes, a partir de critérios de rendimento acadêmico, aprovação

em processo de seleção com demonstração de habilidades ou com base em

análise de situação socioeconômica. Mesmo neste último caso, há um

afunilamento/focalização para inserção de estudantes, a excluir alguns deles.

Apesar de estar à disposição dos discentes, em dimensão limitada, nem sempre

será acessada de fato.

Além disso, 7 dos egressos informaram ter realizado estágio, que para

alguns – 3 entre 10 - resultou na contratação, com registro em carteira de trabalho,

embora o tenha sido feita para a função de técnico e não de tecnólogo ou para

154

ocupação totalmente distinta da área de formação. Essa é, aliás, uma das lacunas

observáveis: notadamente, mesmo as vagas de estágio ocupadas pelos

profissionais tecnólogos em formação, são destinadas a estudantes do nível técnico

de ensino ou se destinam a funções genéricas, que pouco ou nada têm de relação

com o curso que fazem. Deste modo, o contato inicial dos estudantes com o mundo

do trabalho já ocorre de maneira enviesada, a partir da ausência de reconhecimento

profissional e da baixa valorização de seu trabalho. Assim, conquanto, os estágios

possam significar a experiência tão desejada pelos discentes e requisitada pelo

mercado, além de uma pertinente promessa de contratação, os termos em que

ocorrem e as relações e condições de trabalho que geram são, evidentemente,

precárias.

Observando os percursos, de modo geral, constatamos que os ingressantes

no mundo do trabalho via concurso público gozam de um elemento bastante

valorizado em tempos atuais de aprofundamento e ampliação da precarização do

trabalho, qual seja a estabilidade. Entretanto, trata-se de situação vivenciada por

poucos e vinculada a processos seletivos bastante concorridos e, cada vez mais

exigentes, havendo inclusive, em muitos casos, fase classificatória com prova de

títulos. Ademais, entre os entrevistados, dos ocupantes de cargos públicos,

nenhum atua como tecnólogo ou ocupa cargo de nível superior, encontrando-se em

funções técnicas (um em área afim, para a qual tem formação anterior ao curso de

graduação e o outro em área genérica, cuja exigência é apenas o ensino médio).

No primeiro caso, destacamos, mais uma vez, o aproveitamento de conhecimentos

e competências de nível superior em ocupações de nível técnico, que aqui aparece

inclusive no serviço público, a submeter o trabalhador a um espectro maior de

atribuições do que está previsto em sua contratação/vinculação.

Importante também se faz dar relevo à realidade expressa por um dos

entrevistados acerca da instabilidade e da rotatividade de vinculações laborativas,

bastante emblemáticas da dinâmica do mundo do trabalho na atualidade, em que

a flexibilização e precariedade das relações e condições de trabalho conduzem os

sujeitos à reiteradas entradas e saídas de seus empregos, a submissão a baixos

salários e condições de trabalho. Quando não os leva à realização de trabalhos

temporários e de prestação de serviço informais, a fim de garantir as condições

objetivas de vida. Em seu relato, José expõe:

155

[...] eu tive que pular de uma empresa pra outra durante algum tempo. Eu fiz estágio de um ano na UFRN; teve outra empresa que eu trabalhei 6 ou 7 meses, que era imobiliária; teve outra que passei um ano e meio, mais ou menos, e sempre fazendo freelance

também. Teve dez meses que eu passei penando [...] (José, informação verbal)

Ao avaliar o processo de inserção profissional, os entrevistados ressaltaram

as possibilidades e as dificuldades encontradas ao longo do processo de pós-

diplomação e inserção - ou tentativa de inserção - profissional. Há avaliações

positivas, referenciadas na qualidade formativa, na orientação recebida dos

profissionais que fazem a instituição acerca do mundo do trabalho e no

aproveitamento de oportunidades.

Tais avaliações são, contudo, críticas no sentido da reflexão que agregam

quanto à complexidade do mundo do trabalho em tempos atuais. Ainda assim,

encontramos falas carregadas de relativização das dificuldades de inserção

profissional no mundo trabalho e de individualização do sucesso/fracasso dos

sujeitos nesse processo, a demonstrar a captura da subjetividade evidenciada por

Giovanni Alves (2011). Vejamos:

Eu, olhando o meu lado, eu acho que eu soube aproveitar as oportunidades. Tem um colega meu que, se você for conversar com ele, ele vai dizer exatamente o contrário [...] Mas é complicado, porque, assim, é uma pessoa de perfil diferente do meu. É uma pessoa que até hoje tá na casa dos pais, uma pessoa que fica reclamando porque não tem um emprego [...] (José, informação verbal)

Outros testemunhos mostraram as dificuldades com relação ao

reconhecimento e as limitações profissionais como obstáculos, além das exigências

dos empregadores em torno de experiência e posse de certificados. Estes últimos

expressam a marcante requisição do mercado, que direciona os sujeitos, num

verdadeiro efeito manada, ao acúmulo, muitas vezes indiscriminado, de títulos e

certificações, numa busca produtivista, pouco ou nada reflexiva, e até

desqualificante.

Fica evidente, nesse contexto, também a responsabilização dos indivíduos

sobre a sua diferenciação entre tantos outros formados e possuidores de leques de

156

certificados. O ingresso e a permanência no mundo do trabalho acabam por estar

condicionados a conhecimentos, habilidades e competências e mesmo

comportamentos, que distingam as pessoas e, ao mesmo tempo, as encaixem nos

interesses do mercado. A formação em si, ou o título obtido, são, por vezes,

secundarizados.

Aspecto também destacado foram as questões referentes à crise e à

conjuntura política do Brasil, a aparecer como justificativa para a impermeabilidade

do mundo do trabalho na contemporaneidade. É notório que os egressos não

possuem a exata dimensão da crise estrutural do capital, tal qual discutimos em

capítulo anterior e suas drásticas implicações para a política de educação e para o

mundo do trabalho. Isso porque apresentam o discurso corrente, ou seja, do senso

comum, largamente difundido pelo próprio capital, de que vivenciamos uma crise

conjuntural, a atingir temporariamente o mercado e, consequentemente, o mundo

do trabalho. Alimentando um “sonho” com dias melhores, sempre reportados para

mais tarde.

Tais concepções são reflexo de uma formação profissional que não constrói

espaços de debate acerca da estrutura do sistema que rege nossa sociabilidade,

das (re)configurações postas e das inflexões produzidas sobre a classe

trabalhadora. Nesse ponto da análise mesmo, surge uma questão bastante

pertinente, especialmente em se tratando do âmbito de formação tecnológica, qual

seja, a questão de gênero. Esteve presente em dois dos relatos a dificuldade de

aceitação/ingresso em empregos, para os quais existia a qualificação requisitada,

apenas pelo fato de ser mulher. Um dos relatos nos apontou a recusa na busca por

emprego em razão disso e expressou ser comum em sua área e conduta de

determinadas empresas, tal como minas e parques eólicos, não contratar mulheres.

Assim relatou Joana:

[...] você não pode ir desesperado, só com o curso de gestão... Acho que pra conseguir se inserir, você vai ter que ter o seu diferencial. [...] E se você não tiver no local certo, com a pessoa certa, em determinada situação, você não consegue. [...] não só por motivos acadêmicos, né? Tem a questão agora de toda a política e crise [...], que fizeram com que se fechassem portas, mas, no entanto, outras se abriram. E, acredite se quiser, um fator também que influencia muito na inserção no mercado é o fato de você ser mulher. Infelizmente, eu coloquei alguns currículos e a recusa foi 'A gente não trabalha com mulheres' [...] (Joana, informação verbal)

157

Evidenciamos o percentual de 7 dos entrevistados que não atua

profissionalmente na área de formação, contabilizados aqui os que vivenciam

situação de desemprego e os que atuam em áreas diferentes daquela de formação

pelo IFRN. Os 3 restantes são aqueles que estão empregados na área como

técnicos ou docentes. Temos a seguinte distribuição: 2 empregados/as em outra

área; 2 Empregados/as como técnico/a; 1 Empregado/a como técnico/a

administrativo; 1 Empregado/a como docente; 1 Não está trabalhando por opção; 3

Desempregado/a.

Em face das especificidades elencadas, ratificamos a inexistência de

contratação de profissionais, entre os egressos, para o cargo de tecnólogo.

Ademais, identificamos haver 6 empregados e 3 desempregados, ambos

compostos por casos diversos. As situações de trabalho em termos de

detalhamento de vínculo são as que seguem: 3 Servidores públicos efetivo; 1

Servidor público em contrato temporário; 2 Trabalho com vínculo e registro em

Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS); 4 Não estão trabalhando.

Verifica-se a parcela que está em exercício profissional, 6 dos egressos,

estabelece, majoritariamente, relações de trabalho que oferecem segurança de

vínculo empregatício. Apenas um dos egressos está em situação de contrato

temporário com o serviço público. Além disso, aqueles que declararam já ter atuado

na área de formação, ainda que não estejam mais trabalhando ou tenham mudado

de área e de vínculo, informaram ter sido contratado com assinatura em CTPS.

Em termos salariais, considerando, para os que já atuaram na área, o valor

percebido à época e não em seus empregos atuais, identificamos 4 com renda

entre 1 e 3 salários mínimos; e 2 recebendo entre 4 e 4,5 salários mínimos.

Evidenciamos a preponderância das faixas salariais mais baixas e ainda que

a faixa de salário mais elevada é recebida por egresso em situação de vínculo como

servidor público, enquanto que aqueles contratados com vínculo via CTPS ou em

contrato temporário são, inversamente, demarcados pelas menores

remunerações74.

74 A respeito da segurança de remuneração, as informações apontam haver, entre os 7 egressos

que trabalham ou já trabalharam após a realização do curso, apenas 1 possuía remuneração variável, a qual ocorria com base na produção. Para os demais a remuneração é/era estável.

158

Consideramos, pois, que além do contrato temporário em si já ser

representativo da flexibilização e precarização do trabalho em tempos atuais,

aqueles cujo vínculo empregatício supostamente confere segurança - carteira de

trabalho assinada e direitos trabalhistas assegurados legalmente – estão imersos

em outro tipo de insegurança, a de mercado de trabalho, visto que não lhes são

asseguradas boas condições de salário-renda e de ocupação de posto de trabalho

correspondente ao de sua formação profissional – ocupam, todavia, os cargos de

técnico ou cargo genérico.

Assim, identificamos a precariedade até mesmo onde aparentemente há

segurança e garantias trabalhistas, posto que reside nas minúcias das relações e

condições de trabalho e, por isso mesmo, não está posta na aparência de que se

reveste o trabalho em tempos atuais, sendo preciso um olhar atento.

Dentre aqueles que já trabalharam ou que atualmente trabalham na área de

formação, as avaliações relativas à remuneração recebida são significativamente

negativas, isto é, apontam para o descontentamento com os salários que possuem.

Houve somente uma avaliação positiva, feita, porém, pelo egresso em contrato de

trabalho temporário firmado via concurso público, do que depreendemos, como já

referido, estar situado em relação de vínculo precário, mas ainda assim dotado de

melhores condições de trabalho que os demais entrevistados nas situações

referidas, os quais estão/estiveram vinculados a empresas privadas.

Foram significativas as manifestações de desagrado aliadas, entretanto, a

certo conformismo, num discurso articulado pelo próprio sistema do capital de que

há uma justificativa alheia à vontade dos empregadores, a crise mundial e nacional

vivenciada, como se aí não residissem interesses em disputa e a crise não fosse

de ordem estrutural. Junto ao discurso do baixo salário justificável pela crise, está

o discurso do desemprego, o qual se põe, numa espécie de pedagogia do medo,

contribuindo para manter a ordem e impedir manifestações contrárias por parte dos

trabalhadores. Consubstanciamos o exposto na fala que segue:

Não, infelizmente não. Eu só sou um pouco realista, porque a gente tá num período de crise, então eu não posso escolher. Mas se eu tivesse outra opção, em outra empresa, que eu ganhasse um pouco mais, eu iria. [...] eu sou insatisfeito com meu salário, bem insatisfeito, mas eu também não posso reclamar tanto, porque eu conheço muita gente que tá desempregado, muita gente

159

qualificada, vários profissionais bons que tão desempregados. Então, por uma parte eu até agradeço, mas, eu repudio o baixo salário. (Felipe, informação verbal)

O tempo de permanência nos empregos, ainda para aqueles que já

trabalharam ou que atualmente trabalharam na área de formação pelo IFRN, varia,

do menor para o maior período indicados, entre 12 e 42 meses, implicando a média

de 23,4 meses de tempo decorrido de vínculo empregatício. Ao considerar os anos

de conclusão dos cursos, entre 36 e 24 meses, entendemos que os sujeitos têm se

mantido em duração relativamente boa, sem a passagem de um emprego a outros

(ou ao desemprego) com muita brevidade, o que é propiciado pelo tipo de vínculo

laboral que possuem. Não vivenciam, assim, a rotatividade tão presente no mundo

do trabalho marcado pela flexibilidade.

Dos 4 entrevistados que não estão trabalhando, 3 estão em busca de

emprego. O que não está procurando ingressar no mercado de trabalho, optou por

dar continuidade aos estudos, para realizar seu sonho de se formar e atuar como

engenheiro agrônomo. Segue participando de programa de apoio estudantil da

instituição a que está vinculado, tal qual no período em que fazia seu curso no

IFRN.

Daqueles que almejam e estão à procura de emprego, 2 buscam desde a

conclusão do curso, há aproximadamente um ano e meio, e o outro há cerca de um

mês, quando ficou desempregado. Os egressos o fazem por meio da entrega de

currículos em empresas e, quando selecionados, realização de entrevista; ou

através de editais de licitação para contratação temporária de serviço de pessoa

jurídica a prefeituras; ou por meio de concursos público, sendo este último aquele

que mais representa para eles o enquadramento profissional seguro e estável, mas

também aquele dotado do mais elevado nível de dificuldade, em razão da alta

concorrência nos dias de hoje, em que parcela significativa da população encontra-

se em situações precárias de emprego. Sobre isso, vejamos a fala de Maria:

[...] tá cada dia pior, porque, assim, quando eu me formei [...] toda minha turma, na verdade, ninguém ficou desempregado e hoje são poucos os que estão empregados. Os que tinham conseguido pararam definitivamente de trabalhar, foi uma decisão deles e da família... pararam pra estudar pra passar num concurso, porque, hoje em dia, tá numa situação que emprego privado é hoje, não é

160

amanhã, então tá todo mundo recorrendo a voltar pra estudar [...] pra ter estabilidade. (Maria, informação verbal)

Todos esperam e preferem encontrar trabalho na área de formação pelo

IFRN, haja vista a aptidão e o investimento já realizado ao longo do curso, contudo,

estão abertos a outras possibilidades. Outro fator é não estarem dispostos a aceitar

qualquer proposta de trabalho, que os desvalorize profissionalmente ou atrapalhe

seus planos de conclusão da nova graduação. Todos estes voltaram a academia

para cursar outra graduação e, inclusive, por isso, só há interesse de trabalhar em

Natal, onde estão situadas as instituições de ensino a que estão atualmente

vinculados.

Há forte expressão em seus relatos de características do precariado, em face

da já referida busca por mais qualificação, tais sujeitos têm sua saída da casa (ou

da dependência) dos responsáveis protelada, pelo retardamento do seu ingresso

no mundo do trabalho. O tempo de "preparação" é alargado e se estende por boa

parte da fase adulta, mantendo por mais tempo a responsabilidade dos pais ou

daqueles que cumprem esse papel em sua vida sobre eles.

Esse é um fator que, muitas vezes lhes causam frustração e mesmo

sofrimento por ainda não ter alcançado a estabilidade e a independência

minimamente necessárias à construção de sua autonomia, desejos e realizações

pessoais e profissionais, comumente vendidos no mesmo pacote de ofertas dos

cursos de nível superior de ensino.

A respeito de como tais sujeitos percebem suas potencialidades para se

inserir no mundo do trabalho, as respostas demonstraram compreensões

diferentes, mas que, em seu conjunto, evidenciam um quadro emblemático da

relação situação de desemprego-busca por emprego-exigências do mercado de

trabalho. Os egressos destacaram o sentimento de ter muito a contribuir, de ter

potencial para se desempenhar bem no mundo do trabalho, bastando apenas a

oferta de oportunidade; expressaram a ideia de que as potencialidades já não

significam possibilidades reais de inserção profissional, uma vez que essas

oportunidades, ao menos em âmbito local, são parcas; e ainda apontaram o

entendimento de não possuir as competências que deveriam ter sido construídas

ao longo da graduação, como forma de atender às exigências dos empregadores.

161

Observamos, no discurso apresentado pelos egressos, a percepção de suas

potencialidades e disposição para o bom desempenho das atividades para as quais

foram qualificados. Todavia, as requisições do mercado, por um lado,

responsabilizam os sujeitos pela adequação imposta e, consequentemente, por seu

sucesso ou fracasso; e, por outro lado, obstacularizam o ingresso e o

desenvolvimento desses profissionais no mundo do trabalho. O resultado, além do

desemprego, é o sentimento de culpa e de incapacidade para atender aos

requisitos esperados pelas empresas e a compreensão de que suas

potencialidades não têm valor diante do mercado, pois as poucas oportunidades

existentes traçam um perfil inatingível aos candidatos. Vejamos a afirmação de

Joana:

Eu acho que em questão de competências, eu deixei faltar,

enquanto estudante, que é algo fundamental para você se inserir no mercado. Então eu acho que [...] eu tenho que me preparar muito mais. Com o que foi aprendido até o momento, até o momento da minha graduação, não foi o suficiente para eu tá

inserida e talvez esse seja o motivo de eu não ter conseguido ainda, por essas falhas, a dedicação em algumas áreas específicas do

curso que a gente vai vendo no geral, acha que o geral vai dar certo e no final você vê que tem as áreas específicas daquele seus curso que realmente vão te dar emprego [...] (Joana, informação verbal)

O depoimento anteriormente evidenciado é simbólico e expressa o sentido

conferido por uma juventude – ou melhor, por juventudes – a quem o sonho da

qualificação e das condições de inserção profissional é vendido por meio de um

discurso construído pelo capital, especialmente no que tange a área das

tecnologias, a despeito dos direcionamentos de mercado adotados pela educação,

do processo de substituição de trabalho vivo por trabalho morto, a precarizar o

trabalho na contemporaneidade. Essas juventudes, acabam por assumir

individualmente encargos formulados pelo próprio sistema e internalizam

cobranças a si próprios, frustrações e sofrimento por não se perceberem

adequados, suficientemente hábeis e competentes para o mercado de trabalho.

Assim, a partir de suas acepções e do modo como pensam a situação de

desemprego e a relação que estabelecem com o mundo do trabalho, ficam

evidentes o processo de captura da subjetividade dos sujeitos pelo sistema do

162

capital, a desembocar em fatores determinantes da precarização existencial desses

trabalhadores.

A seguir reproduziremos extensa fala de um dos entrevistados, bastante

característica da discussão que traçamos aqui:

[...] às vezes o mercado te impõe uma qualificação que você não tem e acaba te colocando à margem e você acaba ficando desempregado [...] Às vezes é você que não consegue se adequar ao que o mercado tá querendo, apesar de você ter a formação que o mercado exige. E, de repente, talvez, não seja culpa do mercado. Não tô dizendo que o mercado seja uma coisa bonita e legal. Não é. [...] pelo sim e pelo não, a gente tem outras formas de trabalho hoje também, questão de start up, empreendedorismo, trabalho off site, por exemplo, você tá em

casa trabalhando para uma empresa lá não sei onde. Tem essas possibilidades também. [...] Então, será que é o mercado que tá exigente demais? Ou será que são as pessoas que estão se autovalorizando mais do que deveriam? [...] Porque, quando a

gente vai olhar as pesquisas, o que diz é 'falta profissional'. Aí você vai pras pessoas, as pessoas dizem o quê? 'falta emprego'. Não, espera aí.... [...] tem uma constante aí que não está sendo resolvida, que é preparar o profissional para a aquela necessidade que as empresas têm. Aí vai e 'Não, mas o IF, ele prepara de olho no mercado'. Então o que tá havendo? [...] o que eu acho é que, a pessoa é preparada tecnicamente [...] é técnica e treinamento.

A parte psicológica, não. (José, informação verbal, grifos nossos)

É certo que a fala expressa ciência da realidade do mundo do trabalho.

Contudo, seu conteúdo é também marcado pela responsabilização dos sujeitos

frente às intempéries do mercado, havendo que buscar as mais diversas

alternativas, muitas vezes revestidas de uma espécie de modernização de

precariedade, configuradas como novas formas de inserção profissional. Nelas não

há qualquer segurança ou garantia para o trabalhador, tampouco significam seu

sucesso profissional, pois submetida à mesma lógica de mercado que os vínculos

ditos tradicionais, só que de maneira ainda mais incerta e insegura. A riqueza do

relato, ainda nos direciona à análise da formação pelo IFRN, expressamente

apontada como técnica, como treinamento. O egresso, afirma que, aliada a ela, os

profissionais em formação não têm a “parte psicológica” trabalhada ao longo do

curso, o que prejudica o ingresso no mercado de trabalho e o sucesso profissional.

163

Para nós, como já ressaltado, a lacuna existente, não reside tão somente em

uma preparação psicológica, que, seguindo a lógica de mercado, em certa medida,

já está presente em alguns cursos superiores de tecnologia. A lacuna na formação

reside, sobretudo, na construção junto aos estudantes de amplas discussões

acerca do mundo do trabalho, das reais condições de “empregabilidade” e dos

desafios postos a classe trabalhadora, inclusive na perspectiva de possibilitar

consciência e mobilização aos sujeitos enquanto classe trabalhadora. Ademais, a

maior lacuna está situada para além da formação estrita, a ofertada pelo IFRN, mas

na própria estrutura do sistema do capital que avança em suas contradições e tolhe

as possibilidades de satisfação das necessidades e interesses da classe

trabalhadora.

Uma realidade na qual até mesmo os sujeitos inseridos com vínculo

empregatício capaz de minimamente lhe assegurar garantias, vivencia situações

de ameaça às condições objetivas de sobrevivência. Senão vejamos:

Eu também tô com medo [...], a empresa tá demitindo muita gente, muita mão de obra. Recentemente foram 28 de uma vez só, aí depois, 15, e, o que era 200 funcionários, hoje tá se resumindo a 60, por aí. Eu fico com medo, porque a crise tá afetando todos os setores, então, como eu vejo, vários colegas, os colaboradores sendo demitidos, eu fico com medo também, eu me sinto ameaçado. [...] (Felipe, informação verbal)

Os números crescentes de desemprego e a sua observação cotidiana nos

locais de trabalho são elementos a contribuir com a precarização subjetiva dos

sujeitos diante da incerteza de manutenção de seus empregos. Ainda mais

problemático é o discurso da crise, como observado, apreendida como meramente

conjuntural, servir como única justificativa/explicação por parte dos empregadores,

tomando o senso comum e alcançando nível de consenso por sobre o conflito

capital-trabalho.

Acerca da garantia de reprodução de habilidade, capacidade e

competências, damos relevo à relação entre a formação de nível superior e a

atividade de trabalho desenvolvida pelos egressos. A relação estabelecida pelos

egressos entrevistados entre sua formação profissional e as atividades de trabalho

que desempenham ou desempenharam enquanto estavam trabalhando, evidencia

164

pontos de convergência, mas também elementos específicos da experiência de

alguns.

Podemos considerar, de modo geral, que aqueles a ocupar o cargo de

técnico em sua área - e não de tecnólogo - acabaram por assumir as atribuições

referentes ao cargo ocupado, agregando afazeres característicos de cargo de nível

superior. Assim, destacaram a existência da relação mencionada, porém

significando sobrecarga de trabalho e o aproveitamento de conhecimentos e

competências não recompensadas pelo empregador, isto é, correspondem ao que

se identifica em termos de precarização do trabalho como mão de obra qualificada

e barata. Mais uma vez frisamos não ser esta uma relação estabelecida tão

somente nas contratações em âmbito privado, estando postas também na esfera

pública, com profissionais concursados.

Entre esses casos, há o de uma das entrevistadas que além dessa realidade,

assumiu ainda as atribuições de área completamente distinta da sua área de

formação pelo IFRN, ao ser contratada para substituir um professor/pedagogo em

uma instituição de ensino, embora contratada como técnica, para trabalhar com os

sistemas informacionais, mas na orientação a professores, aplicação de

questionários avaliativos junto aos discentes, aplicação de provas simuladas online,

acompanhamento aos alunos em laboratório de informática, organização de

horários dos professores, dentre outros. A contratação ocorreu, portanto para o

cargo de técnico, porém para assumir atribuições totalmente estranhas à sua

formação, apesar da interface com a área de informática. Seu relato versa sobre a

baixa valorização profissional e sobre o acúmulo de tarefas para além daquelas

inerentes à competência do profissional e até mesmo à área de formação dos

sujeitos, com vistas a ampliação de lucratividade das empresas.

Os egressos que trabalham em área diversa daquela para a qual se

formaram empreenderam, notadamente, algum esforço para estabelecer a relação

apontada. Expuseram relações genéricas acerca de questões de ordem

administrativa que cabem aos dois cursos - Tecnologia em Gestão Pública e

Tecnologia em Comércio Exterior - sem, contudo, conseguirem apontar elementos

mais específicos da formação em seu cotidiano profissional.

165

[...] A minha formação profissional com o que eu faço aqui [...] Porque é uma forma de você ser eclético, ter jogo de cintura para resolver as situações. Tem situações aqui que às vezes preenche o dia todo, uma só coisa; reuniões infinitas e a gente fica discutindo o mesmo assunto várias vezes e, com o conhecimento que a gente tem, a formação que a gente tem, a gente acaba convencendo. (Paulo, informação verbal)

Desse modo, revela-se que nem todos os egressos mobilizam os

conhecimentos adquiridos no curso de graduação feito no IFRN. Aqueles que

atuam na área o fazem com limitações, dado estarem vinculados como técnico e

pela fragilidade no reconhecimento profissional. Mas, aqueles inseridos

profissionalmente em área distinta e em atividades alheias ao curso fazem uso tão

somente de elementos universais, ou melhor, comuns à grande parte das

graduações, quais sejam: tomada de decisão, negociação, administração de

conflitos, dentre outros, de modo que os conhecimentos, habilidades e

competências específicas da formação não são incorporados ao cotidiano

profissional pela distância mesma existente entre um e outro. Para todos os

egressos, portanto, é negado o pleno exercício das atribuições academicamente

postas como de sua competência profissional.

Analisando a realização de cursos de formação complementares na área de

atuação/ formação continuada dos egressos em relação à empresa em que

trabalham, verificamos que os cursos ofertados pelos empregadores visam a

capacitação técnica dos funcionários nas especificidades da ocupação e das

atividades que desempenham. Além disso, estão também direcionados a áreas

genéricas e que atendam suas requisições de adequação dos trabalhadores à

lógica de mercado, aprofundando a captura de sua subjetividade em favor próprio.

Aqueles que procuram dar sequência à formação por meio de mestrado,

estando na área de informática, enveredaram por dimensões consideradas

promissoras e inovadoras, como a Engenharia de Software e a Bioinformática.

Observamos que, para além da formação de graduação, a pós-graduação em área

de tecnologia aposta na diversificação, com criação de novos cursos, no sentido de

atender as ditas requisições de mercado, resultando na criação de novas profissões

e ainda, como visto, de novas especializações em seu interior. Ademais, esta tem

sido uma aposta dos egressos a cursar tais pós-graduações para qualificação

pautada nas novas tendências para sua área de formação pelo IFRN.

166

As motivações para a realização de uma segunda graduação passam pelo

descontentamento com as condições de trabalho existentes na área de formação e

aliada a uma experiência distinta em outra área, que, apesar dos "vínculos"

precários - via contrato para prestação de serviço - apresenta maior remuneração

em menor carga horário de trabalho. A percepção da dimensão da precariedade

vivenciada e avaliação distinta sobre a área ficam evidentes na fala da Ana, em

realce a seguir:

Além de ter começado a gostar [da área de Libras], eu percebi havia que falta de profissionais na área e o dinheiro que eu ganhava nos contratos, contrato pra trabalhar 20 horas semanais, eu ganhava a mesma coisa que trabalhando 44 horas semanais com carteira assinada. Eu fiquei assim... 'Meu Deus, isso não está certo! Eu não estou sendo bem recompensada, eu estudei tanto pra ganhar um salário mínimo? Não vale a pena.' (Ana, informação verbal)

Além disso, observamos a perspectiva de ampliação das possibilidades para

atuar, com base em uma profissão que dê condições de se inserir e manter no

mundo do trabalho, sem perder de vista a área de formação inicial.

[...] eu tenho o maior orgulho de ser tecnólogo, mas eu vou ser um pouco realista. Nossa região, o Nordeste, é bem complicado de trabalhar como tecnólogo mesmo e o curso de tecnólogo ele tem certas limitações quanto às suas atribuições no CREA. O CREA restringe muito, o que eu acho injusto... como se o tecnólogo não tivesse capacidade de fazer várias coisas. [...] acho que o tecnólogo tem uma visão, tem o conhecimento suficiente para assinar, para projetar... até porque, nós fazemos projetos por fora, mas quem assina é um engenheiro. [...] Eu vejo o curso de engenharia civil não como outra graduação, mas como se fosse uma expansão do conhecimento [...] Então, foi questão de ampliação do conhecimento e questão de limite profissional." (Felipe, informação verbal)

A fala anterior é representativa da existência de apreço pela formação

realizada no IFRN - para todos os entrevistados sua primeira graduação - e o

despertar para uma afinidade com a área - independente do aspecto tecnológico.

No entanto, parecem evidentes as dificuldades de inserção e de exercício

profissional, especialmente se considerarmos, o sentido pleno das expressões, ou

seja, condições requeridas para a ocupação do cargo para o qual foi diplomado, o

167

reconhecimento profissional, definição e validação de atribuições, regulamentação,

representatividade, dentre outros.

É, dedutivamente, a busca por reconhecimento em uma categoria menos

dispersa, socialmente respaldada, com espaço mais claramente definido no mundo

do trabalho, com uma organização normativa e/ou uma orientação definida.

Também constatamos intenção em conferir maior abrangência às competências e

prerrogativas profissionais.

Importante destacar que os candidatos reconhecem a qualidade da

formação recebida no IFRN, havendo algumas críticas relacionadas à oferta de

oportunidades para desenvolver maior experiência prática e no que se refere à

inexistência de foco por parte do curso para as principais demandas do mercado.

O que, todavia, é fruto da compreensão de que a formação profissional deve

atender integralmente às requisições dos empregadores, meramente adequando

os estudantes a elas. Notadamente, apesar de expressar perspectiva contrária nos

PPP dos cursos, o IFRN tem, em larga medida, atendido o mercado através da

formação de mão de obra com o perfil determinado pelo mercado, de modo que as

críticas se voltam no sentido de requerer mais adequação.

Passando a analisar a dimensão da segurança do trabalho, considerando os

entrevistados que trabalham, na área de formação ou não, 5 possuem carga horária

de trabalho de 40 horas semanais, 1 cumpre 44 horas semanais e 1 perfaz 45 horas

semanais. A realização de horas extras aparece nos relatos, ora como exigências

das empresas, ora como um acordo firmado em razão das demandas a serem

finalizadas. Mesmo quando exigências, as horas extras foram indicadas como

negociáveis e pagas, mas sempre no interesse da empresa empregadora.

Sobre as necessidades dos funcionários de se ausentar por questões

pessoais, a negociação apontada foi no sentido da compensação das horas não

trabalhadas, podendo ser inclusive no sábado, em caso do funcionário não ter

disponibilidade ao longo da semana. Houve também relato de situação de acúmulo

excessivo de horas extras, em razão das muitas atribuições assumidas, sem o

devido planejamento de impactos na carga horária, e não ter qualquer tipo de

remuneração ou folga, apesar das tentativas de negociação feitas pelo egresso e

de sua necessidade por horário especial por ser estudante.

168

Feitas essas ressalvas, os demais declararam haver flexibilidade e facilidade

de negociação quanto ao cumprimento da carga horária, embora sejam requeridas

as compensações. Ademais, de um modo geral a ultrapassagem de horários ocorre

em função da satisfação das demandas e dos prazos. Entre os egressos

entrevistados, há uma trabalhadora que relatou exercer atividades noturnas,

justamente aquela a vivenciar dificuldades de negociação de carga horária e horas

extras.

Apesar da abertura para negociação com os empregadores, evidenciada nas

falas registradas, é notório ser, a efetivação de horas, além de sua carga horária,

habitual. Esta é uma realidade de parte significativa dos entrevistados. Ocorre sob

a justificativa do atendimento às demandas da empresa, sendo preciso, entretanto,

refletir acerca das dificuldades de executar as tarefas no tempo previsto, ou seja,

dentro dos prazos estabelecidos. Isto, para que seja possível perceber a

sobrecarga de trabalho ou a sujeição dos trabalhadores a um tempo muito curto

para o desempenho de suas atividades de trabalho. A relação sobrecarga de

trabalho-encurtamento de prazos para realização de tarefas é marcante no

processo de precarização do trabalho, especialmente em tempos de alargamento

da substituição do trabalho vivo por trabalho morto.

A análise da dimensão referente à garantia de representação revelou que

entre os 10 entrevistados, apenas dois são sindicalizados em sua área de

formação, tendo apenas um tomado conhecimento disso no momento da rescisão

do contrato de trabalho com a empresa. O outro tem informações de que o sindicato

é bastante atuante e relevante para a conquista de direitos da categoria, mas não

participa ativamente. Os demais não são sindicalizados por opção, em razão do

descontentamento com a entidade ou da compreensão de que o sindicato não tem

relevância para sua categoria profissional, ou ainda por desconhecimento.

Alguns egressos não sabem informar sobre a existência de sindicato e

mesmo os que possuem ciência, em sua maioria, não participam ativamente e têm

pouca ou nenhuma informação sobre a participação da categoria e as negociações

entre empregadores e trabalhadores.

Um dos entrevistados ressaltou, apesar da inexistência de sindicato

específico, a presença de organizações regionais a debater e traçar lutas em

169

defesa da regulamentação da profissão e dos direitos da categoria, porém ainda

com atuação bem fragmentada no Brasil.

No processo formativo, a partir das estruturas do currículo acadêmico dos

cursos, observamos a ausência ou tímida presença de componentes curriculares

cujas propostas estejam inscritas na perspectiva do debate e compreensão do

mundo do trabalho, da reflexão acerca da precarização estrutural do trabalho na

contemporaneidade e do imperativo de organizar, articular e fortalecer a classe

trabalhadora.

De fato, a fragmentação desta classe resulta também da reestruturação e

reorganização do próprio processo produtivo, bem como da nova divisão do

trabalho, cada vez mais, compostas por maior diferenciação e especialização

profissional, a fragmentar e contribuir para a perda da identidade/consciência de

classe. Nesse sentido, chamou-nos especial atenção as falas referentes a

entidades representativas de trabalhadores das profissões da área de informática.

Reproduzimos trecho da referida fala:

Na minha área de formação a gente tá com um abaixo-assinado agora pra proibir, por que tão querendo criar sindicato. Porque não faz sentido. 'Ah, eu quero que um profissional de informática seja: um aluno de info, um aluno de TADS [Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Software], ou um aluno de redes, ou um aluno de jogos?' Você não tem como definir. Qualquer um deles pode atuar na área de computação [...] você pode garantir isso [as questões trabalhistas] sem precisar de sindicato. A auto-organização profissional [...] funciona em algumas áreas. Por exemplo, médicos, eles têm o Conselho Regional e eles têm o sindicato, eles funcionam muito bem assim, mas não resolve o problema da Saúde. Então, se você não tem conselho nem sindicato, mas você consegue resolver os problemas da computação, da necessidade de comunicação das pessoas, não tem pra quê criar isso aí [...]" (José, informação verbal)

A informática, bem como os frequentes avanços tecnológicos, destaca-se

como uma área em constante evolução e definição de ramos específicos do

conhecimento. O relato dá conta de que, nesta área, há a proposta de construção

de entidade representativa, mas rejeitada por parte significativa da categoria,

inclusive por profissionais ocupantes de posição de referência entre os demais. A

partir da fala, é possível verificar uma compreensão enviesada sobre as lutas da

classe trabalhadora por direitos e sobre o papel dos sindicatos junto às categorias

170

profissionais. Ademais, a lacuna, como dito, da formação na construção da

percepção ampliada acerca do mundo do trabalho e da relevância da organização

da classe trabalhadora, ainda que os desafios - a exemplo da fragmentação -,

perpetrados pelo próprio sistema capitalista, apresentem- se em quantidade e

profundidade ameaçadores da mobilização, organização e da luta.

As falas evidenciaram a identificação e realização por parte daqueles que

trabalham na área ou não. Portanto, apesar da existência de algumas insatisfações

- de ordem remuneratória e de negociações, por exemplo - os egressos

expressaram contentamento no desempenho de seus trabalhos atuais. Atribuímos

isso, em parte significativa das situações, ao fato de estarem contratados para o

exercício da função de tecnólogos, isto é, em posição no mercado que lhes

possibilite, em certa medida, contato com a área de formação e a execução de

algumas atribuições pertinentes à profissão que carregam. O Felipe afirma "Sim eu

me sinto feliz quando coloco o capacete branco na minha cabeça e saio pra obra"

(Felipe, informação verbal)

Desse modo, compreendemos haver uma realização condicionada, na

verdade, à realidade imposta pelo mercado ao profissional tecnólogo, cuja atuação,

conquanto precária em termos das relações e condições laborativas, ainda permite,

àqueles que conseguem ingressar no mundo do trabalho, sentirem-se

minimamente tecnólogos. Todos os entrevistados indicaram vivenciar boas e

tranquilas relações de trabalho.

O tempo de deslocamento dos entrevistados para realizar o percurso de sua

casa até o local de trabalho varia entre 20 minutos e uma 1h e 30 minutos, sendo

que a maior parte, quatro (04) deles, faz uso de transporte público. Um dos

egressos declarou deslocar-se para mais de um local, por trabalhar com obras

situadas em locais distintos. Tais deslocamentos são feitos através de transporte

público, custeados pela empresa contratante. Outro entrevistado informou ser

necessário o uso de três ônibus para cumprir o percurso necessário.

Destacamos esse aspecto por considerarmos relevante para análise das

condições de existências dos sujeitos, posto que expressa o desgaste - ou não- em

função do trabalho, para além de seu espaço mais restrito. Como já mencionado, o

tempo de deslocamento, segundo a compilação feita, é bastante variável, sendo

possível observar situações em que se verifica proximidade entre o local de

171

residência e o de trabalho, mas também situações de significativa distância,

obrigando os sujeitos a difíceis e onerosas condições de locomoção. Essa é uma

realidade a interferir na vida dos trabalhadores dentro e fora do local de trabalho,

contribuindo para o adensamento dos casos de doenças/transtornos psicológicos

e emocionais relacionadas ao trabalho, pelo desgaste gerado, mas também pela

redução ainda maior do tempo de vida livre ou "tempo disponível", nos termos

utilizados por Mészáros (2006).

Em razão disso, o tempo disponível para a realização de atividades de lazer

e para o convívio social se torna mais estreito, de modo a se encaixar nos finais de

semana, ainda assim, muitas vezes, com a tentativa de conciliar com atividades de

estudo para aqueles que fazem outra graduação ou mestrado, uma vez que sua

realização ao longo dos dias trabalhados fica prejudicada. Assim, observamos que

há uma verdadeira imersão dos sujeitos no mundo do trabalho, ao qual destinam a

maior parcela de seu tempo diário, consumidos que são por seus empregos e

demandas de trabalho - com prazos, horas extras, tempo extenso de deslocamento,

valores e comportamentos introjetados e incorporados ao cotidiano profissional - e

a interferência disso nas condições de existência dos sujeitos, a precarizar-se cada

vez mais.

Os relatos dos alunos sobre o acompanhamento realizado pelo IFRN,

indicam que acontece anualmente por meio de um questionário encaminhado via

e-mail, ao qual todos disseram responder quando possível. Nenhum contato

pessoal, presencial ou por telefone, foi realizado, nem por parte da instituição, nem

por parte dos egressos.

Nos depoimentos encontramos certo descontentamento com a relação

estabelecida com a instituição após a diplomação, mas também nenhuma

mobilização por parte dos concludentes em manter contato com a instituição,

atualizando dados, buscando informações, sugerindo melhorias para os cursos em

face de suas experiências no mundo do trabalho, reivindicando cursos de

atualização e aprofundamento ou ampliação da formação.

Entretanto, há que se ressaltar a boa relação evidenciada por muitos

egressos com o corpo docente, com o qual mantêm contato permanente. Outro

aspecto relevante é o carinho com que os diplomados se referem ao IFRN, seja

pelo apoio recebido dos profissionais, seja pela formação recebida, seja pelas

172

oportunidades que entendem terem sido criadas a partir de seu ingresso na

instituição. Esse apreço está refletido em falas como "Eu costumo dizer sempre [...]

que tudo que eu conseguir fazer pelo IFRN, eu ainda acho pouco em relação ao

que o IFRN me proporcionou. Eu costumo dizer também que tenho uma dívida

moral com a instituição. Eu sempre vou tá à disposição do IFRN, no que eu puder,

não vou hesitar em retribuir" (Lucas, informação verbal) e "[...] pra mim, além da

minha família e meus amigos, o IF - por isso que eu gosto do IF - me deu uma mão

que eu nunca vou esquecer [...]" (Felipe, informação verbal).

173

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A expansão da educação superior no Brasil, principalmente a processada

pelo interior dos Institutos Federais, está intimamente conectada com a lógica do

sistema do capital. Por meio dela, os interesses de mercado são assegurados pela

via da privatização, do acesso das classes dominantes ao fundo público, do ganho

de mercado consumidor para serviços educacionais e da preparação de força de

trabalho imbuída de seus valores.

A despeito disso, a valorização/fetichização do conhecimento na

sociabilidade do capital pós-reestruturação produtiva tem justificado as iniciativas

estatais e do mercado para ampliação da oferta. Ora, sob o discurso apologético

da necessária titularização em níveis elevados de formação para assegurar

competitividade individual e nacional nos circuitos do mercado globalizado e tendo

em conta os níveis crescentes de desemprego e o interesse do capital por a fatia

de mercado representada pelo setor educação, é compreensível a expansão do

ensino superior no País, em ritmos tão acelerados. O discurso corrente aponta para

a elevação da escolaridade como meio para minimizar ou mesmo superar as

injustiças sociais que marcam a sociedade brasileira.

Entretanto, apesar dos arranjos feitos para promover a “massificação” da

educação, principalmente por meio da expansão da educação profissional e

tecnológica, ela por si só não torna possível a eliminação das desigualdades sociais

ou a plena democratização de oportunidades. Antes, porque somente mudanças

estruturais seriam capazes de promovê-las, depois, porque muitos dos

determinantes micro e macro de tal “massificação” estão fortemente alinhados aos

interesses do capital.

Mas, o Estado tende a se orientar pela busca do consenso. A larga

publicidade realizada pelo governo acerca da expansão dos IF demonstra bem isso,

na medida em que apresentam os ganhos sociais e os avanços da Política de

Educação no País, sempre evidenciando o crescimento quantitativo de escolas

como ampliadores do acesso à formação profissional e um dos pontos chave na

busca pela inclusão social, “inserção produtiva” dos sujeitos no mundo do trabalho,

elemento gerador de “desenvolvimento”.

174

Todavia, o contingente de indivíduos com diplomas, ainda que adequados

aos interesses de mercado, se depara com um mundo do trabalho marcado pelo

aprofundamento da flexibilização de direitos, das inseguranças, da rotatividade, da

precarização. Os sujeitos com formação de nível superior, potencialmente, parte

das juventudes, são colocados à disposição de um mundo do trabalho inóspito, por

vezes impermeável e impróprio para os elevados voos desejados/sonhados

quando da realização de uma graduação, consensualmente tida como o passaporte

para a inserção profissional estável e para o sucesso profissional. Tal realização

não alcançada, tem sua reponsabilidade transferida da esfera inscrita na

problemática das contradições estruturais do capital, para a esfera da

responsabilidade individual dos sujeitos. As juventudes passam adensar,

crescentemente, o precariado, em seus recortes etário, de escolaridade, e de

submissão à relações e condições precárias de trabalho.

Nessa engrenagem, as áreas tecnológicas figuram como formações

modernas, inovadoras e sintonizadas com as perspectivas de futuro no mundo do

trabalho. Os cursos de formação de tecnólogo, com destaque aqui para aqueles

ofertados pelo IFRN, são anunciados como resposta a demandas de mercado por

profissionais diante das transformações fruto das reestruturações do capital e das

mudanças no mundo do trabalho, a exigir profissionais polivalentes, dotados de

conhecimentos, competências e habilidades, a reeditar a teoria do capital humano.

A vocação para formação em área de tecnologia, conferiu ao IFRN, em

nosso estado, o perfil para a implantação dos cursos de formação de tecnólogo,

largamente operados na instituição, na contemporaneidade. Como visto, os PPP

dos cursos lançam intenções por uma formação crítica e reflexiva, face aos

contextos mundial e local do mundo do trabalho. Segundo os registros documentais

da instituição, os cursos, assim, baseiam-se nas características do mercado local,

encontrando-se “aptos” a atender demandas por profissionais qualificados.

Contudo, vimos ser construído um descompasso entre as demandas do

mercado e a oferta de força de trabalho formada pelo IFRN, a obstaculizar o

ingresso dos tecnólogos egressos desta instituição no mundo do trabalho ou a

possibilitar sua inserção de maneira precarizada. Ainda mais, se considerarmos o

nível de desenvolvimento do mercado local para a absorção, a contento, de tais

profissionais. Mas, os obstáculos à inserção profissional segura e dotada de

175

garantias residem também em aspectos de arranjo da própria proposta de

formativa, de nível superior, porém situada em espectro intermediário de formação,

que finda por capacitar profissionais tidos no mercado como de uma categoria

menos complexa, localizada no “entre deux”, não são engenheiros e nem

simplesmente técnicos. O mercado encarrega-se de rebaixá-los. Assim,

depreendemos a ausência de reconhecimento da profissão como ocupação de

nível superior e de seus conhecimentos, competências e habilidades pelo mercado.

Aliada a isso, há a previsão de uma curta duração para a formação desejada,

a dificultar o amadurecimento de diversas questões e a elaboração de vínculos e

debates profissionais, da ordem da organização e mobilização dos trabalhadores.

Tais dimensões, não estão previstas nos PPP, em que pesem as orientações

emancipatórias e de formação integral asseveradas nos textos.

Fica favorecida a captura da subjetividade desses sujeitos pelo capital.

Estes, na condição de vulneráveis, aceitam e incorporam demandas do mercado

como se fossem suas. São potencialmente envolvidos pela máquina do mercado,

assumindo, como seus, o discurso dos empregadores; entendendo situações

precárias de trabalho como alternativas concedidas pelo capital, a partir da

modernização/flexibilização do mundo do trabalho contemporâneo; e, ainda mais

grave, fragmentados e desmobilizados, têm dificuldades para se perceber em suas

especificidades/especialidades, desconectando-se da perspectiva de consciência

de classe, tão importante para os trabalhadores.

Desse modo, dos resultados da pesquisa, depreendemos haver uma maioria

jovem a vivenciar um processo de inserção no mundo do trabalho, marcado pelas

limitações oriundas da própria formação e regulamentação do exercício profissional

do tecnólogo hoje e das características e condições postas pelo mercado. São

indivíduos que apostaram na formação de nível superior, numa dita área

promissora, a experienciar, no mercado local, a ausência, ou quase inexistência,

de postos de emprego para a categoria profissional. Essa realidade conduz os

egressos, ora à mudança de área ora à aceitação de situações precárias de

trabalho, ao que se alia, muitas vezes, a busca pela ampliação da titularização e de

experiências profissionais, sob a promessa de melhores condições de inserção no

mundo do trabalho, retroagindo, muitas vezes, à condição de estagiário.

176

Em face dos relatos dos egressos, seus contornos explicitaram

características inerentes à categoria “precariado” e desvelaram os limites da ação

do IFRN, mesmo percebendo e identificando as pretensões institucionais em

contrário. O IFRN tem atuado como vetor de adensamento dessa parcela da classe

trabalhadora no atual tempo histórico, havendo sobre isso sua responsabilidade

enquanto instituição de ensino, destinada, sobretudo, à formação de força de

trabalho. Um encargo, entretanto, partilhado com as instâncias superiores da

estrutura do Estado Brasileiro, a exemplo do Ministério da Educação, órgão

orientador e com importante papel na determinação das ofertas de cursos

superiores de ensino no País.

A reedição do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia, em

intervalo reduzido de tempo – 2006, 2010, 2016 –, com acréscimo de novos cursos,

é representativo da adequação ensejada pelo Estado, conforme os ditames do

capital e as orientações dos organismos multilaterais, ao mercado e suas

requisições, a diferenciar cada vez mais as profissões nesta área. Assim,

apresentam-se para o mundo do trabalho um número sempre maior de sujeitos

altamente qualificados em profissões inovadoras, sob a promessa de sucesso

profissional. Esses ajustes são recebidos e processados por instituições de ensino,

com destaque aqui para o IFRN, sem haver amplo debate acerca das suas reais

necessidades, especialmente no que concerne aos interesses dos seus

profissionais/trabalhadores em formação.

De fato, os IF não estão contribuindo efetivamente para a construção de

processos formativos com vistas ao desenvolvimento crítico e emancipatório.

Tampouco têm sido capazes de desvelar e trazer para o centro do debate dessas

profissões e de seus sujeitos, as questões centrais a envolver o mundo do trabalho

e as especificidades dos tecnólogos (regulamentação, reconhecimento,

valorização, atribuições, etc). A mera aceitação das atualizações no catalogo de

cursos apenas, mesmo que essa não seja sua intenção, contribui para a

manutenção ou mesmo o aprofundamento da realidade de inseguranças,

incertezas e precarização existencial das juventudes, que apostam na formação

oferecida pelo IFRN para melhoria de suas condições de vida.

Nesta parcela do precariado egressa do IFRN, apreendemos o apreço por

suas áreas de formação, a identificação construída com o Instituto e seus

177

servidores e a relevância das vivências pessoais e profissionais proporcionadas ao

longo do curso. Para nós, o IFRN é uma instituição que verdadeiramente se

aproxima dos discentes que abriga, tendo com eles uma relação de familiaridade e

apoio. Todavia, consideramos a premência de que caminhe para além disto, em

seu processo de amadurecimento na oferta de cursos de nível superior, ainda

recente. Questões como a revisão do processo de acompanhamento dos egressos

e, antes, de preparação para a inserção no mundo do trabalho podem ser melhor

desenvolvidas, atentando para os elementos que apontamos ao longo do estudo.

Eis uma lacuna percebida com base nos depoimentos dos egressos e

observada no decurso das aproximações que fizemos com a Coordenação de

Estágios e Egressos. Compreendemos que responder a ela é importante, inclusive,

para revisão de outros processos, como a ocorrência de estágios geradores de

vínculos sem garantia de desempenho dos aprendizados construídos nos cursos,

porque destinados a profissionais técnicos em formação ou a áreas alheias às de

formação dos estudantes; e também para contribuir com apoio, orientação e

assistência aos egressos, ao mesmo tempo em que se permite acompanhar e

avaliar os resultados da formação profissional de tecnólogos.

Não obstante, em termos gerais destacamos o preocupante quadro com que

nos deparamos, porque o precariado é uma parcela da classe trabalhadora com

tendências de crescimento, em especial pelo discurso apologético de fetichização

do conhecimento e do desenvolvimento tecnológico, incutido nos sujeitos,

notadamente os mais jovens. Nesse contexto, a profissão de tecnólogo produz

elementos a nos interpelar profundamente sobre o futuro das juventudes no mundo

do trabalho, pelas tantas inseguranças que possui e produz para os profissionais.

Não vislumbramos possibilidades de alterações desse quadro para a área, sem

que, por dentro dela, os sujeitos promovam mudanças em suas estruturas, na

direção, não dos interesses de mercado, mas da classe trabalhadora.

Assim, o sonho de voo das juventudes, que têm, na formação de nível

superior, asas construídas de material tão frágil, tal como Ícaro na mitologia grega,

gera, frente à precarização no/do mundo do trabalho, à quebra de expectativas, ao

sofrimento subjetivo, a culpabilização de si mesmo e, por vezes, o adoecimento.

Falamos da precarização que é salarial, mas também existencial, a derreter asas e

fazer cair ou aterrissar em solo árido as juventudes. É a brevidade de sonhar em

178

tempos de precarização estrutural do trabalho, conduzida pelo capital, em pleno

avanço sobre as juventudes, no adensamento do precariado.

179

REFERÊNCIAS

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versão preliminar para consulta pública. 2014 Disponível em < http://docplayer.com.br/8339781-Catalogo-nacional-de-cursos-superiores-de-tecnologia-2014.html> Acesso em: 22 de mai. 2016. BRASIL, MEC/INEP. Censo da educação superior 2014: notas estatísticas. 2015 Disponível em <download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2015/notas_sobre_o_censo_da_educacao_superior_2014.pdf > Acesso em abril de 2016. ______. Evolução 1980-1998. Disponível em http://portal.inep.gov.br/web/censo-

da-educacao-superior/evolucao- 1980-a-2007 Acesso em 15 de abril de 2016. CAGED. Síntese do comportamento do mercado de trabalho formal: Brasil -fevereiro de 2016. 2016a.Disponível em <http://acesso.mte.gov.br/data/files/FF8080814FF112E801531E74B80B451D/BRASIL%20janeiro%2016.pdf>Acesso em abril de 2016. CAGED. Síntese do comportamento do mercado de trabalho formal: Rio

Grande do Norte - fevereiro de 2016. 2016b. Disponível em

190

<http://acesso.mte.gov.br/caged_mensal/dados-estaduais-58.htm> Acesso em abril de 2016. DIEESE. Os números da rotatividade no Brasil: um olhar sobre os dados da Rais 2002 -2013. 2014. Disponível em < http://www.dieese.org.br/notaaimprensa/2014/numerosRotatividadeBrasil.pdf> Acesso em março de 2015. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa mensal de emprego: Janeiro 2015. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/default.shtm>. Acesso em: 15 mar. 2015. ______. Pesquisa mensal de emprego: Fevereiro 2016. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Mensal_de_Emprego/fasciculo_indicadores_ibge/2016/pme_201602pubCompleta.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2016a. ______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Janeiro de 2016: Fevereiro 2016. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Mensal/Comentarios/pnadc_201601_comentarios.pdf >. Acesso em: 24 abr. 2016b. IFRN. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em análise e desenvolvimento de sistemas. 2012a. Disponível em <http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-de-graduacao/tecnologia/tecnologia-em-analise-e-desenvolvimento-de-sistemas/view> Acesso em: 4 de fev. 2016. ______. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em comércio Exterior. 2012b. Disponível em http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-de-

graduacao/tecnologia/tecnologia-em-comercio-exterior/view Acesso em: 4 de fev. 2016. ______. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em construção de edifícios. 2012c. Disponível em http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-de-graduacao/tecnologia/tecnologia-em-construcao-de-edificios/view Acesso em: 4 de fev. 2016. ______. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental. 2012d. Disponível em < http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-

de-graduacao/tecnologia/tecnologia-em-gestao-ambiental/view> Acesso em: 4 de fev. 2016. ______. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em Gestão Pública. 2012e. Disponível em http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-de-graduacao/tecnologia/tecnologia-em-gestao-publica/view Acesso em: 4 de fev. 2016.

191

______. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em redes de computadores. 2012f. Disponível em <

http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-de-graduacao/tecnologia/tecnologia-em-redes-de-computadores/view> Acesso em: 4 de fev. 2016. ______. Relatório de Gestão 2014. 2014. Disponível em http://portal.ifrn.edu.br/acessoainformacao/auditorias/relatorios-de-gestao/2014-relatorio-de-gestao-1/view Acesso em junho de 2015. ______. Relatório de Gestão do Exercício de 2015. 2016. Disponível em <http://portal.ifrn.edu.br/acessoainformacao/auditorias/relatorios-de-gestao/2015-relatorio-de-gestao/view> Acesso em 20 de julho de 2016. NATAL. Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA). Perfil do seu município 2013. Natal, 2013.

RIO GRANDE DO NORTE. Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA). Perfil do Rio Grande do Norte. Natal, 2013.

192

APÊNDICE A

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS

Roteiro de Entrevista - Egressos

Objetivo do presente instrumento: elaborar um quadro síntese sobre o percurso formativo, a inserção e as experiências de trabalho de egressos do IFRN no mercado de trabalho.

1. Identificação do/a entrevistado/a

Nº do Questionário:...........

1.1. Nome:

1.2. E-mail:

1.3. Idade:

1.4 . Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino

1.5 Curso de formação no IFRN:

1.6 Ano de ingresso no curso/Ano de colação de grau:

1.7 Nível de Instrução dos pais ou do/s adulto/s que assumiu/ram esse papel em

sua vida:

1.7.1 Pai ou outro:____________

( ) Não alfabetizado

( ) Alfabetizado

( ) Ensino fundamental incompleto

( ) Ensino fundamental completo

( ) Ensino médio incompleto

(...) Ensino médio completo

( ) Ensino superior

(...) Pós-graduação

1.7.2 Mãe ou outro:_____________

193

( ) Não alfabetizada

( ) Alfabetizada

( ) Ensino fundamental incompleto

( ) Ensino fundamental completo

( ) Ensino médio incompleto

(...) Ensino médio completo

( ) Ensino superior

(...) Pós-graduação

1.8 Renda familiar dos pais ou do/s adulto/s que assumiu/ram esse papel em

sua vida:

( ) Até ½ SM ( ) Entre ½ SM e 1 SM ( ) Entre 1 SM e 1 e ½ SM ( ) Entre 1 e ½ SM e 2 SM ( ) Entre 2 SM e 2 e ½ SM ( ) Entre 2 e ½ SM e 3 SM ( ) Entre 3 SM e 3 e ½ SM ( ) Entre 3 e ½ SM e 4 SM ( ) Entre 4 SM e 4 e ½ SM ( ) Entre 4 e ½ SM e 5 SM ( ) Maior que 5 SM

2 Histórico de vida e de formação

2.4 Tipo de escola (pública ou privada) em que estudou a maior parte do tempo:

( ) Pública ( ) Privada

2.5 Por que decidiu fazer um curso de nível superior?

2.6 Fale sobre sua opção pela área tecnológica.

2.7 Fale sobre suas expectativas quando concluiu o curso.

2.8 Realizou ou está realizando algum curso de formação complementar na sua

área de formação pelo IFRN? Se sim, qual e o que o/a motivou para fazê-

lo?

2.9 Você tem mantido contato com a instituição (o IFRN) após a conclusão do

curso? Existe algum acompanhamento realizado pelo Instituto? Discorra

sobre isto.

3 Concepções acerca da relação formação/mundo do trabalho, inserção no

mundo do trabalho e remuneração (Garantia de mercado de trabalho,

Segurança de emprego, Segurança de renda, Segurança de vínculo

empregatício)

3.1 . Você considera que o curso lhe deu condições de inserção no mercado

de trabalho e de sucesso profissional? Por quê? (em termos de

habilidades e competências).

3.2 Na sua compreensão, existe relação entre formação profissional de nível

superior e a inserção profissional, nos dias de hoje? Fale um pouco sobre

isto.

194

3.3 Fale como era sua situação de trabalho antes da conclusão do curso e

como vem se dando sua inserção no mundo do trabalho desde que o

concluiu. (Quanto tempo foi necessário para inserção profissional após a

conclusão do curso? Quantos empregos ou atividades diferentes você já

desempenhou ao longo da sua trajetória profissional? Quanto tempo

esteve vinculado a cada um deles?)

3.4 Como você avalia esse processo de inserção profissional?

3.5 Atua profissionalmente na sua área de formação pelo IFRN?

(...) Sim ( ) Não

Caso não, o que o/a levou a mudar de área? Antes havia buscado

emprego ou havia trabalhado na área de formação pelo IFRN? Fale sobre

isso.

3.6 Qual sua situação de trabalho atual:

( ) Não está trabalhando

( ) Autônomo

( ) Atividade informal

( ) Trabalho temporário/por tempo determinado sem contrato

( ) Trabalho temporário/por tempo determinado com contrato

( ) Trabalho com registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social

( ) Microempreendedor individual sem registro

( ) Microempreendedor individual com registro

( ) Servidor Público em contrato temporário

( ) Servidor Público efetivo

( ) Outra __________________________________________

3.6.1 Caso não esteja trabalhando na área de formação pelo IFRN, mas

já o tenha feito: Qual a situação de trabalho no último “emprego”?

( ) Autônomo

( ) Atividade informal

( ) Trabalho temporário/por tempo determinado sem contrato

( ) Trabalho temporário/por tempo determinado com contrato

( ) Trabalho com registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social

( ) Microempreendedor individual sem registro

( ) Microempreendedor individual com registro

( ) Servidor Público em contrato temporário

( ) Servidor Público efetivo

( ) Outra __________________________________________

3.7 Qual a média salarial atual recebida mensalmente? (Ou, caso tenha

trabalhado na área de formação pelo IFRN, qual a média salarial recebida

no último “emprego”) Em que faixa de renda você se situa?

( ) Até ½ SM ( ) Entre ½ SM e 1 SM

195

( ) Entre 1 SM e 1 e ½ SM ( ) Entre 1 e ½ SM e 2 SM

( ) Entre 2 SM e 2 e ½ SM ( ) Entre 2 e ½ SM e 3 SM

( ) Entre 3 SM e 3 e ½ SM ( ) Entre 3 e ½ SM e 4 SM

( ) Entre 4 SM e 4 e ½ SM ( ) Entre 4 e ½ SM e 5 SM

( ) Maior que 5 SM

3.7.1 Sua remuneração é/era:

( ) Estável ( ) Variável - De acordo com

______________________________

3.8 Você considera que o salário recebido é/era condizente com as

perspectivas alimentadas em torno da área profissional?

3.9 Há quanto tempo mantem o “vínculo” atual? Por quanto tempo manteve

o último vínculo que teve na área de formação pelo IFRN_______

3.10 Como se deu seu ingresso no emprego atual? Como se deu seu

ingresso no último “emprego” na área de formação pelo IFRN?

3.11 Em caso de não estar desenvolvendo qualquer atividade remunerada:

3.11.1 Está procurando emprego?

3.11.2 Há quanto tempo procura emprego? Relate sobre a/s

tentativa/s de se inserir no mercado de trabalho?

3.11.3 Tem exigência ou preferência de que seja em sua área de

formação profissional?

3.11.4 Como você percebe suas possibilidades e potenciais para

inserção no mundo do trabalho?

3.12 O desemprego tem voltado a alcançar números significativos no Brasil

e no RN. Muitos são os trabalhadores que vivenciam constantes

“ameaças” de desemprego. Fale sobre essas questões relacionando-as

ao seu local de trabalho (ou à sua área de formação, para os que não

estejam trabalhando).

3.13 Que atitudes você incorpora ao seu exercício profissional para garantir

sua permanência na empresa onde trabalha ou para assegurar o sucesso

do próprio negócio?

4 Garantia de reprodução de habilidade/capacidades/competências

4.1 Fale sobre a relação existente entre a sua qualificação profissional e a

função que exerce ou que exercia no último “emprego” na área de

formação.

4.2 Mobiliza/mobilizava os conhecimentos adquiridos no curso superior

realizado para seu exercício profissional? De que modo?

4.3 Fale sobre a formação continuada com relação à empresa em que

trabalha/ que trabalhava.

196

5 Segurança do trabalho

5.1 Qual (era) a carga-horária de trabalho semanal?

( )20h ( ) 40h ( ) Mais que 44h

( ) 30h ( ) 44h

5.2 É comum em muitas empresas a realização de horas extras,

remuneradas ou não, pelos funcionários. Em outras, os horários são

cumpridos, raramente ultrapassando o estabelecido. Como isso ocorre

na em empresa em que trabalha? Ou ocorria na empresa em que

trabalhava?

5.3 Você exerce/exercia suas atividades em horário noturno?

( ) Sim ( ) Não

5.4 Gostaria de acrescentar algo sobre suas atuais condições de trabalho?

(em termos de infraestrutura, segurança, etc)

6 Garantia de representação

6.1 Você é/era sindicalizado ou participa/participava de algum grupo, dentro

ou fora do seu espaço profissional, que discuta ‘condições de trabalho’?

( ) Sim ( ) Não

6.2 Fale sobre a presença do sindicato na sua área de atuação/formação e

sobre a participação dos trabalhadores.

6.3 Como tem se dado as relações e negociações entre os interesses da sua

categoria profissional e o/s empregador/es?

7 Precarização Existencial

7.1 Você se identifica/identificava com as atividades que desenvolve/

desenvolvia no trabalho? Considera que o seu trabalho lhe traz/trazia

satisfação pessoal e profissional?

7.2 Como são/eram as relações de trabalho no seu ambiente de trabalho?

Fale sobre o clima organizacional e se/como ele interfere/interferia na

sua vida fora do trabalho.

7.3 Qual o tempo de seu deslocamento entre sua casa e o trabalho?

7.4 Possui/possuía alguma atividade de lazer periódica ou não? Se sim,

qual?

7.5 Fale sobre o tempo disponível para o convívio familiar e/ou com amigos.

7.6 Já enfrentou algum problema de saúde psicológico, emocional ou mesmo

físico em função de questões relativas ao trabalho? Fale sobre isso.

197

198

APÊNDICE B

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS

Questionário nº: _____ [Preenchido pelo/a pesquisador/a]

Questionário Coordenador/a de Curso

Nome:

Curso(s):

1. Há quanto tempo trabalha no IFRN e há quanto está Coordenador/a de Curso?

2. Fale sobre o curso que coordena, destacando a relação com a economia local e com o desenvolvimento profissional dos discentes.

3. Houve mudança de nomenclatura do curso e adequação ao Catálogo Nacional de Cursos de Tecnologia? Considera que as mudanças significaram melhoria para o curso. Fale sobre isso.

4. Quais as motivações para a criação do curso? Ou para mudanças

na estrutura e nomenclatura?

5. Considera que o curso cumpre os objetivos que estão postos no

PPP quanto à preparação para a inserção profissional?

6. Considera que o mercado local tem capacidade para absorver a mão de obra qualificada pelo IFRN? Fale sobre o mercado local e as

perspectivas de absorção dos egressos do curso que coordena.

7. Identifica preocupação por parte dos discentes, especialmente aqueles dos últimos períodos quanto à futura inserção profissional?

Fale sobre isso.

7.1 Ao longo do curso, existe algum tipo de preparação para a passagem do mundo acadêmico ao mundo do trabalho? Em que consiste? Que ações são desenvolvidas? Há adesão por

parte dos estudantes?

199

7.2 No decorrer do curso, existe contato entre o meio acadêmico

e o setor profissional para o qual se destinam os formandos?

7.3 O estágio constitui atividade obrigatória no PPP do curso? Qual a carga horária? Que dificuldades são enfrentadas para sua

realização?

7.3.1Em caso negativo: Os estudantes, por iniciativa própria, costumam realizar estágios? Se sim, o fazem na área de formação? Em áreas afins? Em outras áreas? Neste último caso, qual a motivação?

8. Qual a relação estabelecida com os egressos por parte da Diretoria Acadêmica e Coordenação de Curso? Existe algum

acompanhamento? Fale sobre isso.

9. Fale sobre o perfil dos estudantes recebidos nos últimos 4 anos.

10. Em poucas palavras, como analisa a política de assistência ao

estudante do Campus Natal-Central do IFRN?

11. A profissão para a qual o curso forma já se encontra classificada no Cadastro Brasileiro de Ocupações?

12. Há mais alguma consideração que queira fazer?