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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI FACULDADE DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA O BADUANJIN E AS TÉCNICAS CORPORAIS CHINESAS Analiz Pergolizzi Gonçalves de Bragança Diamantina 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA … · saberes envolvidos, por quem eu era e quem eu sou, assim agradeço à todos, à todos vocês que fizeram e fazem parte deste

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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI

FACULDADE DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

O BADUANJIN E AS TÉCNICAS CORPORAIS CHINESAS

Analiz Pergolizzi Gonçalves de Bragança

Diamantina

2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI

FACULDADE DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

O BADUANJIN E AS TÉCNICAS CORPORAIS CHINESAS

Analiz Pergolizzi Gonçalves de Bragança

Orientador:

Gilbert de Oliveira Santos

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Educação Física, como requisito

parcial para a conclusão de curso de licenciatura

em Educação Física.

Diamantina

2017

O BADUANJIN E AS TÉCNICAS CORPORAIS CHINESAS

.

Analiz Pergolizzi Gonçalves de Bragança

Orientador:

Gilbert de Oliveira Santos

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Educação Física, como requisito

parcial para a conclusão de curso de licenciatura

em Educação Física.

APROVADO em 26 de Agosto de 2017.

_______________________________

Gilbert de Oliveira Santos

_______________________________

José Luiz de Castro Júnior

_______________________________

José Rafael Madureira

AGRADECIMENTOS

Se eu tentasse exprimir todo o meu sentimento de gratidão apenas neste texto, não

haveriam palavras suficientes a serem escritas. Então deixo aqui um simbólico agradecimento

à todos que fizeram e fazem parte da minha história na graduação.

Muito obrigada ao José Luiz de Castro Júnior e ao José Rafael Madureira por aceitarem

o convite em participar da banca deste trabalho. Agradeço ao professor Gilbert Santos por toda

paciência e dedicação como orientador em todos estes cinco anos de contato. Agradeço por toda

seriedade e compromisso nos trabalhos acadêmicos, além de toda atenção e cuidado

direcionados a mim como orientanda.

Gratidão a todos envolvidos no minicurso de Baduanjin, ao Jáliton Ferreira, por

fotografá-lo e aos alunos que estiveram presentes e fizeram acontecer a aplicação do processo

de ensino deste trabalho.

Agradeço também à todos os amigos e colegas da UFVJM que fizeram parte do meu

caminho até agora, pessoas que não tem como mensurar o quanto auxiliaram-me em meu

crescimento acadêmico e pessoal. Incluo neste quesito, os professores, que com toda a sua

generosidade propiciaram discussões e reflexões sobre os meus estudos e práticas durante a

graduação, fazendo com que despertasse em mim inquietações e curiosidades, subsídios para

futuros caminhos ainda a serem seguidos.

Gostaria de agradecer às pessoas que encontrei fora da UFVJM nestes sete anos de

graduação. Primeiro quando vim para Diamantina, mudei de estado e tive contato com

diferentes sotaques, outros pensamentos, novos hábitos. Depois na Dinamarca, no meu primeiro

intercâmbio, o explorar de um mundo surreal, a compreensão do inglês. Por fim na China, meu

segundo intercâmbio e segundo idioma a ser descoberto, a realização de um antigo sonho de

vida. Entre brasileiros e estrangeiros, ter contato com diferentes culturas, aprender novas formas

de me expressar e até novos idiomas, tudo me trouxe uma distinta visão de mundo e de mim

mesma. Então sou muito grata por ter tido a possibilidade de explorar lugares, culturas,

conhecer pessoas e de me nutrir de aprendizados impossíveis de serem ensinados dentro de uma

sala de aula.

Agradeço, por fim, à minha família pelo apoio em todos os meus movimentos, com o

seu amor e suporte pude alçar voos altos, que me impulsionaram a perseguir sonhos e à não

desistir do que acredito. Muito obrigada à Milena, minha mãe, e ao meu pai, Manoel Antônio,

por cultivarem em mim o meu melhor. Agradeço à Luana, minha madrasta, pois a sua presença

sempre fez diferença no meu caminho. Obrigada ao Matheus, Pedro, Junoele, Maria Luiza, Ana

Vitória e ao João Victor, ao Pedro Antônio e ao Jaden Jay, aos meus seis irmãos e dois

sobrinhos, que dão sentido a minha vida.

Gratidão é a palavra mais latente ao final deste ciclo da minha vida, sou grata por todos

saberes envolvidos, por quem eu era e quem eu sou, assim agradeço à todos, à todos vocês que

fizeram e fazem parte deste eterno processo de construção de mim mesma.

Você não pode falar do oceano a um sapo das fontes, porque

ele tem por limite o lugar onde mora.

Não pode falar de gelo a um inseto do verão, porque ele é

limitado pela vida curta que tem.

Não pode falar do caminho a um professor, porque é

limitado pelos os seus conhecimentos.

Porém agora que você emergiu da esfera estreita em que

vivia e já viu o grande oceano, reconhecendo a sua própria

pequenez, posso falar-lhe dos grandes princípios.

Zhuangzi, séc. IV a.C.

RESUMO

O foco deste estudo foram às técnicas corporais chinesas e seu processo pedagógico. Foi

realizada uma revisão bibliográfica e um relato de experiência tanto na perspectiva de educanda,

no período de intercâmbio na China, quanto de educadora, em projetos de extensão que tive

oportunidade de participar. O objetivo foi trazer elementos fundamentais das práticas chinesas

terapêuticas e sua relação cultural com o Ocidente. Por meio desta relação entre práticas

chinesas e Educação Física, percebemos o quão os conteúdos orientais são periféricos e não

reconhecidos no âmbito da cultura corporal de movimento no contexto acadêmico do ensino

superior no Brasil. Observamos também, que além da “acadêmica”, há a corrente “esotérica”,

que é representada por uma visão deturpada da cultura oriental, criando o estereótipo exótico

do Oriente. A Medicina Tradicional Chinesa é considerada um elemento chave para

compreendermos como ocorre o cultivo da saúde através das práticas corporais chinesas,

principalmente o Qigong. Deste modo, foi escolhida uma forma (sequência de movimentos)

dentre tantas existentes na cultura chinesa, nos aprofundamos nos gestos e efeitos do Baduanjin.

Concluímos que as práticas corporais terapêuticas chinesas são valiosas na formação do

educador físico, pois além de contribuir ao acervo de conhecimentos deste profissional também

traz benefícios comprovados aos praticantes.

Palavras-chaves: Baduanjin; Qigong; Técnicas Corporais Terapêuticas; Medicina Tradicional

Chinesa;

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - Classificação da natureza no Yin Yang.................................................................. 22

Imagem 2 – A relação entre os cinco elementos – geração e inibição. .................................... 23

Imagem 3 – Os oito movimentos do Baduanjin. ...................................................................... 29

Imagem 4 –Primeiro movimento do Baduanjin. ...................................................................... 30

Imagem 5 – Segundo movimento do Baduanjin. ..................................................................... 31

Imagem 6 – Terceiro movimento do Baduanjin. ...................................................................... 32

Imagem 7 – Quarto movimento do Baduanjin. ........................................................................ 32

Imagem 8 – Quinto movimento do Baduanjin. ........................................................................ 33

Imagem 9 – Sexto movimento do Baduanjin. .......................................................................... 34

Imagem 10 – Sétimo movimento do Baduanjin. ...................................................................... 35

Imagem 11 – Oitavo movimento do Baduanjin. ...................................................................... 35

Imagem 12 – Cumprimento inicial .......................................................................................... 43

Imagem 14 – Postura Abraçar a Árvore. .................................................................................. 43

Imagem 15 – Primeiro movimento do Baduanjin, “Sustentar o céu com as palmas das mãos à

cima para regular o Triplo Aquecedor”. ................................................................................... 44

Imagem 17 – Terceiro movimento de Baduanjin, “Manter uma mão no alto para regular as

funções do baço e do estômago”. ............................................................................................ 44

Imagem 21 – Sétimo movimento do Baduanjin: “Cerrar os punhos e projetar o olhar com

firmeza para aumentar o Qi”. ................................................................................................... 45

Imagem 22 – Oitavo e último movimento do Baduanjin, “Fazer vibrar as costas sete vezes

para eliminar as cem enfermidades”. ........................................................................................ 46

SUMÁRIO

1 – APRESENTAÇÃO ............................................................................................................. 10

2 – REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 15

2.1 – OS TEMAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ...................................................................... 15

2.2 – O ORIENTE PELO PRISMA DO OCIDENTE .......................................................... 17

2.3 – PRÁTICAS CORPORAIS CHINESAS NA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA ...... 19

2.4 – INTRODUÇÃO A MEDICINA TRADICIONAL CHINESA ................................... 21

2.5 – QIGONG – DAOYIN YANGSHENG GONG............................................................ 26

2.6 – TÉCNICA TERAPÊUTICA BADUANJIN ................................................................ 28

3 – PROCESSO PEDAGÓGICO DO ENSINO DO BADUANJIN ........................................ 37

3.1 – DESCRIÇÃO DO PROCESSO PEDAGÓGICO ........................................................ 37

3.2 – IMAGENS DO PROCESSO PEDAGÓGICO ............................................................ 42

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 49

ANEXOS .................................................................................................................................. 52

AUTORIZAÇÃO ..................................................................................................................... 55

10

1 – APRESENTAÇÃO

Durante a graduação em Educação Física, através de projetos de extensão e pesquisa,

relacionados às técnicas corporais chinesas, despertou-se em mim o interesse pela cultura

chinesa associada ao cultivo da saúde. Estes projetos ocorriam em Diamantina, na Vila

Educacional de Meninas (V.E.M)1, no bairro Palha, no qual trabalhávamos com o Wushu2 3; e

no posto de saúde Renascer, do bairro Rio Grande, em que praticávamos o Qigong4 junto à

população local.

Uma vez que em Diamantina são escassos os espaços para o meu desenvolvimento

profissional no campo das técnicas corporais terapêuticas, eu tinha uma grande motivação e

necessidade de ir em busca de novos aprendizados. Desta forma, além da participação nestes

projetos, também fui contemplada com o Programa Ciências sem Fronteiras (PCsF), no qual

tive a oportunidade de estudar na China por dois anos.

Esta experiência de residir na China proporcionou mudanças na minha forma de pensar

e agir. Mesmo que o olhar ocidental sobre a Ásia possa recair no que Said (1990) chamou de

orientalismo, ou seja, uma visão romântica do oriente construída à partir das referências

ocidentais, ter vivido por dois anos na China, foi muito transformador no meu processo de

formação.

Conviver com os chineses, andar pelas ruas, sentar nos restaurantes e experimentar da

sua culinária, seguir as suas regras e estudar o seu idioma me fez refletir sobre o quanto não

sabemos sobre esta cultura tão antiga e imensa. Estas pessoas se diferem muito culturalmente,

de nós brasileiros, porém foi na simplicidade das atitudes dos chineses que mais compreendi o

que é a China. Pude observar, por exemplo, que quase todos os chineses, jovens ou mais velhos,

1 A Vila Educacional de Meninas (V.E.M) é uma Organização Não Governamental (ONG) que desenvolve

projetos pedagógicos em período extraescolar para crianças e adolescentes. 2 Todos os termos em chinês deste texto foram traduzidos a partir de duas referências, o dicionário virtual

PLECO, chinês-inglês e inglês-chinês, e do livro etimológico do Hsuan-an (2006). 3 Wushu significa arte marcial em chinês, em pinyin (sistema oficial de romanização) Wŭshù, em caractere

simplificado 武术. 武 se refere a marcial/militar, se desmembrarmos este ideograma encontramos: seu radical Zhĭ

(止)que significa deter / parar como uma estaca, Yī (一) quer dizer um/sozinho, Yì (弋) é a representação de um

arco e flecha, um tiro. Shù (术) significa arte/habilidade especial/técnica, em ideograma tradicional era escrito術,

o qual, além de 术 é composto também por Xíng (行), formado por Chì (彳) passo com a perna esquerda e Chù (亍)

passo com a perna direita; que representa caminhar/comportamento/conduta/circundar. Ou seja 武术 significa arte

marcial que requer técnica e conduta especial. 4 Qigong ou Chi kung (sistema de romanização Wade Giles, oficial entre os anos de 1852 à 1912, atualmente

ainda usado com frequência, porém não é mais a forma oficial de transliteração do idioma mandarim) pode ser

traduzido como trabalho da energia vital. O ideograma Qì (气), em chinês tradicional Qì (氣), era escrito com o

ideograma Mĭ (米) que significa arroz, sendo então a representação gráfica do ar com três traços simulando o seu

movimento flutuante, como o vapor do arroz, dando a ideia de vapor, energia, sopro vital. Gōng (功) é composto

pela junção de dois ideogramas, sendo Gōng (工) o trabalho, artesanato ou obra realizada manualmente, bem feito,

meticuloso, habilitado, preparado e Lì (力) que expressa a ideia de efeito, situação ou ato produzido por força física

ou mental (HSUAN-AN, 2006).

11

carregam uma garrafa de chá quente para todos os lugares, como a postura deles é impecável

mesmo após longas horas de trabalho, como praticam exercícios todos os dias, como acordam

e dormem cedo e como os sorrisos dos trabalhadores das ruas, muitas vezes com a precariedade

da situação em que vivem, eram os mais alegres e motivacionais que pude receber nestes dois

anos em que lá residi. Todavia, também foi possível perceber a falta do desenvolvimento do

pensamento crítico dos chineses, como os jovens em busca dos novos caminhos acabam

negando princípios positivos do cuidado com a saúde e quão desigual é a sociedade chinesa nos

aspectos sociais e de gênero.

No primeiro ano, o estudo da língua local foi desafiador e urgente; neste país é essencial

aprender o mandarim; além de existirem certas peculiaridades quanto aos tons na pronúncia,

também há a dificuldade de não ser o alfabeto romano como o nosso. Contudo, não é de toda

estranheza o seu estudo, os traços são constituídos por muita beleza e por uma simbologia

impressionante.

Por um ano, me dediquei ao idioma chinês. Nestas aulas, de período integral, presenciei

a metodologia chinesa de ensino, que mais tarde pude presenciar também na Universidade de

Esportes de Beijing. A respeito deste método usado, é relevante citar YONG (2014) quando

discorre sobre educação e avaliação na China:

[...] existem diferentes definições e objetivos na educação. Se você acredita

que educação significa ter todos os seus estudantes dominando o mesmo

conteúdo prescrito e demonstrando esse domínio por meio de testes

focalizados, a China já demonstrou ser a melhor [...]. Mas, se você pensa que

educação significa ajudar a melhorar e desenvolver habilidades individuais,

produzir a diversidade, cultivar a criatividade e prover uma experiência

balanceada para o desenvolvimento [...] como um todo, talvez a China seja a

pior. (YONG, 2014, p. 01).

No segundo ano de China, já na Universidade de Esportes de Beijing, percebi que os

estudantes chineses são muito disciplinados e responsáveis com os estudos. Mas são silenciosos

em sala de aula, o professor dita um monólogo, as avaliações não valorizam a sua opinião

crítica, não existem muitas reflexões sobre os assuntos desenvolvidos.

Contudo, neste período, meu objetivo era poder vivenciar os conteúdos tradicionais da

cultura corporal chinesa, como o Taijiquan e o Qigong. Estas práticas são encontradas no

departamento de Esporte Tradicional Chinês da Beijing Sport University (BSU).

12

Este departamento possui quatro programas: Wushu Taolu5, boxe chinês (Sanda6),

práticas corporais terapêuticas (Daoyin Yangsheng Gong7) e dança do dragão e do leão (Wulong

Wushi8).

Escolhi o programa de Wushu Taolu, e Daoyin Yangsheng Gong para serem cursados.

O enfoque foi nas aulas práticas e, com isso, a linguagem corporal teve uma grande contribuição

para a melhor absorção do conhecimento aprendido nas aulas. Algumas das técnicas

vivenciadas no programa de Wushu Taolu foram: Baguaquan9, Taiji com Leque10, estilo Wu11,

Yang12 e Chen de Taijiquan. Já dentro de Daoyin Yangsheng Gong, algumas das práticas foram:

Baduanjin13, Ma Wangdui14, Shi Er Fa15 e Taiji Leque de cultivo da saúde16.

5 Tao Lu em chinês simplificado é 套路, em pinying Tàolù. É o nome que se dá às séries de movimentos do Wushu,

às técnicas básicas das artes marciais chinesas. Apenas Lù (路) significa caminho. O treino de Wushu Tao Lu

trabalha os fundamentos das artes marciais chinesas e suas sequências de movimento. 6 Sanda é a palavra em mandarim usada para Boxe Chinês, ou literalmente mistura de artes marciais. Em pinyin

sàndă, em caractere chinês 散打. Sàn (散) representa disperso/disseminar, Dă (打) bater/luta. 7 Daoyin Yangsheng Gong, em pinying Dǎoyǐn Yăng Shēng Gōng, em ideograma 导引养生功. Dǎo (导) é um

termo muito rico de significados, e pode significar guiar/liderar/conduzir e Yǐn (引 ) significa puxar/esticar

(LAZZARI, 2009). Yǎng (养) significa provir/manter, Shēng (生) nascer/vida/viver. 养生 simboliza manutenção

da saúde/conservar o poder vital/cultivo da saúde. 8 Em pinying Wŭlóng Wŭshī, em ideograma 舞龙舞狮. Wŭ (舞) se refere a dança, Lóng (龙) à dragão, Shī (狮) à

leão. Estas são danças típicas chinesas, realizadas em festivais e datas comemorativas como o ano novo chinês.

São executadas com grupos de artistas especializados nestas danças. É necessário ter a habilidade com a acrobacia,

dança e arte marcial para executar os movimentos exigidos nas performances. 9 Em piying Bāguàquán, em ideograma 八卦拳. Conhecido também como Baguazhang. Esta é considerada uma

escola interna de arte marcial. Bāguà (八卦) corresponde aos oito trigramas do famoso Livro das Mutações – Yìjīng

(易经). Quán (拳) é o mesmo ideograma de Taijiquan (太极拳), ou com o final Zhăng (掌) que significa palma,

ambos trazem a conotação marcial para o termo. São realizadas oito técnicas diferentes, que são intercaladas com

sequências de sete passos em círculo, efetua-se o movimento característico de cada trigrama e no oitavo muda-se

o sentido dos passos. Os passos são executados de forma específica do estilo, com a guarda e o olhar sempre

voltados ao centro. 10 Em pinyin Tàijì Shàn, em ideograma 太极扇. Tàijí (太极) é o mesmo Taiji de Taijiquan, Shàn (扇) leque. 11 Estilo de Taijiquan. Em pinyin Wúshì, em caractere chinês 吴式. Wú (吴) se refere ao nome da família que criou

o estilo, Shì (式) estilo/forma. 12 Estilo Yang de Taijiquan é conhecido por ser a forma de Taijiquan mais popular do mundo. Em pinyin Yángshì,

ideograma 杨式. Yáng (杨) é o nome da família que criou a forma. 13 O Baduanjin, em pinying Bāduànjǐn, em ideograma 八段锦. Bā (八) significa oito, Duàn (段) pode ser traduzido

como peças e Jĭn (锦) como brocado. Baduanjin significa oito peças do brocado ou oito exercícios preciosos, já

que brocado seria um tipo de tecido considerado precioso para a época do surgimento desta prática (LAZZARI,

2008). 14 Em pinying Mă Wángduī, em ideograma 马王堆, é referente a um sítio arqueológico (datado em 168 a. C.)

localizado em Changsha, província de Hunan onde foram encontradas escrituras da dinastia Han (206 a.C. - 220

d.C.). Estes manuscritos são associados a origem da MTC, e neles descobriu-se desenhos de práticas corporais.

Sendo esta forma de exercícios, com o nome completo em pinying Mă Wángduī Dăoyĭn Shù, em ideograma 马王

堆导引术 (JACQHES, 2005). 15 Shi Er Fa, 十二法, em pinying significa doze técnicas, é a execução de doze movimentos em uma sequência

extremamente lenta. 16 Existem diferentes formas de movimentação com o leque, tanto nas artes marciais como em outras práticas da

arte tradicional chinesa. Bebeu-se da fonte do Taijiquan para criar esta sequência de movimentos denominada Taiji

com leque de cultivo da saúde ou em mandarim Yangsheng Taijishan; em ideograma 养生太极扇, em pinying Yăng

Shēng Táijì Shàn; não sendo considerada uma sistematização marcial, como existe no Taijiquan, e sim apenas

terapêutica.

13

De fato, durante este período na BSU, muitas técnicas foram apresentadas e em todas as

aulas que frequentei, eu tinha a obrigação de aprender novas sequências de movimento, tanto

na prática de Wushu Taolu quanto na de Daoyin Yangsheng Gong.

A experiência de ter me tornado uma “atleta” em uma universidade chinesa, haja visto

a exigência requerida, foi difícil e necessitou de mim uma atitude de perseverança e humildade

para conseguir progredir nos treinamentos com os colegas e professores chineses. Percebi que

há uma perspectiva esportiva para estas práticas no âmbito do ensino superior na China. Mesmo

se tratando da cultura tradicional chinesa, existem diversas competições no país e, muitos

universitários tem o foco principal no treinamento de alta performance, o que levanta o

questionamento sobre o teor destes saberes no ensino superior chinês.

Realizar a prática de Taijiquan ou Qigong no ambiente acadêmico em alto nível de

performance é necessário? No que isto pode afetar no desenvolvimento destas artes? Tendo em

vista a cultura de cuidado com a saúde chinesa, será que o esporte não contradiz princípios do

cultivo da saúde ou será que a concepção de esporte desenvolvida na China é diferente da de

outros locais?

Mesmo sabendo dos danos de um treinamento físico muito rigoroso, aponto que é

preciso ter cautela ao julgar as artes marciais e terapêuticas neste contexto. Além do

aprimoramento do gesto poder trazer grandes contribuições para o praticante das artes orientais,

é relevante citar também, que apesar da possibilidade dos conceitos chineses de cuidados com

saúde serem deixados de lado em um cenário competitivo, estes não são ignorados pelos

professores da graduação e pós-graduação. Trata-se de uma escolha do discente de se dedicar

intensamente às práticas orientais com possíveis características esportivas ou não.

Apesar de também possuírem competições, as práticas do curso de Daoyin Yangsheng

Gong apresentam um maior distanciamento deste aspecto esportivo. Sendo no curso de Wushu

Taolu que esta tradição é mais disseminada. O Taijiquan é uma arte marcial considerada de alta

dificuldade pelos próprios chineses, com isso, na universidade, é frequentemente associada a

competições esportivas. Assim, as técnicas terapêuticas, encontradas no curso Daoyin

Yansheng Gong fizeram mais sentido para mim, pois se aproximaram do que eu esperava ver

na China, técnicas que me proporcionassem tranquilidade e autocuidado.

Após estes dois anos de experiência, aponto que o cotidiano chinês, apesar de rígido,

nos proporciona um outro olhar sobre o corpo. Provavelmente porque na China a cisão entre

mente e corpo não foi tão contundente quanto no ocidente, cisão esta que pode ser expressa no

pensamento do filósofo francês René Descartes “Cogito Ergo Sum”, ou seja, “Penso, logo

existo”. Na China, ainda persistem formas mais sensíveis e sutis de conhecimento que não

necessariamente se sustentam apenas pelo pensamento lógico e racional. Também por isso, o

14

cuidado com a saúde na China, perpassa a lógica da harmonização entre corpo, mente e

natureza, expressa nas bases teóricas das técnicas corporais terapêuticas e na Medicina

Tradicional Chinesa.

O meu maior objetivo ao ir à China foi de me dedicar a área da saúde, entretanto, após

este período, considero que não é possível fazer um recorte e sintetizar esta experiência em

apenas um campo de conhecimento. Logo, a importância da reflexão de onde vieram estas

técnicas terapêuticas e como transformá-las em realidade no meu meio profissional constitui

um dos meus desafios acadêmicos.

Assim, minha intenção neste trabalho é sintetizar e organizar estas possibilidades.

Início com a seção de Revisão da Literatura que foi dividido em seis subseções. Na subseção

2.1, são conceituadas as práticas corporais de movimento referentes à Educação Física e à

minha experiência na área, debatemos mais especificamente sobre a ginástica, dança, artes

marciais e práticas corporais terapêuticas.

Na subseção 2.2, defino e discuto algumas diferenças entre Ocidente e Oriente. São

expostas duas correntes, com diferentes visões ocidentais do que é ser oriental.

Na subseção 2.3, situo rapidamente as práticas corporais chinesas nas políticas públicas

brasileiras e suas possibilidades.

Para que tenhamos uma base conceitual na compreensão das práticas corporais

terapêuticas, na subseção 2.4, explico sucintamente o que é a Medicina Tradicional Chinesa

(MTC), a base dos seus conceitos e terapias.

A subseção 2.5 foi dedicada a explicar sobre a organização das práticas corporais

terapêuticas da cultura chinesa.

Na subseção 2.6, conceituo o que é o Baduanjin e sua origem. Detalho cada movimento

com seus nomes, explicações e efeitos terapêuticos.

Na seção 3, sobre o processo pedagógico do Baduanjin, escrevo sobre como ensinar as

técnicas corporais terapêuticas de origem chinesa, relatando como considero que deve ser uma

aula desta prática de forma adequada ao nosso contexto e conhecimento. Esta seção é dividida

em duas subseções, 3.1 com a descrição deste processo, e 3.2 com as imagens da aplicação

deste processo pedagógico.

Na seção 4, das Considerações Finais, apresento uma reflexão sobre nós educadores

físicos desenvolvermos um trabalho em diversos ambientes que integra as culturas ocidental e

oriental, afim de promover o cultivo da saúde.

Nos Anexos, adicionamos imagens que trazem uma noção básica dos meridianos e

colaterais dos corpo humano de acordo com a Medicina Tradicional Chinesa.

15

2 – REVISÃO DE LITERATURA

2.1 – OS TEMAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

A Educação Física (EF) possui como acervo de conhecimentos uma grande gama de

saberes, desde conteúdos teóricos como também a vivência de diversas práticas corporais. São

considerados os grandes temas da EF: o jogo, o esporte, a ginástica, atividades rítmicas e

expressivas e as lutas (BRASIL, 1997).

Quanto ao jogo, Huizinga (2000) afirma que é:

[...] uma atividade livre, conscientemente tomada como "não-séria" e exterior

à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira

intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material,

com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites

espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras.

Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de

segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio

de disfarces ou outros meios semelhantes.

Mesmo que o jogo possa ser classificado como um dos temas da EF, a partir do conceito

de Huizinga, pode-se afirmar que ele pode perpassar outras práticas corporais, tais como o

próprio esporte. Pelo fato do jogo ser uma abertura para o lúdico, se considerarmos o contexto

das técnicas corporais terapêuticas e as das artes marciais, inseri-lo neste âmbito é um desafio,

pois a concepção de saúde e/ou de combate não se harmoniza atualmente com os princípios da

alegria, fantasia ou imaginação.

Bracht (1993) caracteriza o esporte como um conjunto de regras de fácil entendimento

e que desperta no praticante uma fuga dos problemas, além de reproduzir aspectos importantes

da sociedade e da política local em que está inserido. Contudo, o aspecto crucial que caracteriza

o esporte é a comparação intrínseca de performance. Segundo Huizinga (2000), o que difere o

esporte do jogo é a espontaneidade do jogo.

Já a ginástica possui um conceito amplo, por isso, para objetivar a sua definição

citaremos quatro itens que a compõe, que são: os elementos corporais, os exercícios acrobáticos,

exercícios de condicionamento físico e o manejo de aparelhos (SOUZA, 1997). É relevante

delimitarmos também, que este termo é apenas corretamente empregado quando se refere às

práticas corporais ocidentais.

Sobre as atividades rítmicas e expressivas (ou a dança), é conceituada como uma

expressão estética do corpo que por meio do movimento cria formas, podendo assim refletir

infinitos signos; seu entendimento está atrelado intimamente a Arte (BARRETO, 2008).

16

As lutas, que neste texto serão referidas como artes marciais ou artes guerreiras,

possuem como principal característica a dimensão combativa do gesto (SANTOS, 2013).

Tive a oportunidade de atuar intensamente, tanto como professora quanto como aluna

em projetos de extensão com a dança, ginástica e cultura chinesa de movimento (técnica

corporal terapêutica e arte marcial). Desta forma, refletindo sobre o que estes conteúdos

possuem em comum, pode-se afirmar que seria a riqueza e disponibilidade de gestos que estas

práticas possuem, além da presença estética em suas execuções, recurso este fundamental nas

artes.

Barreto (2008, p.88) cita Nietzsche (1987) quanto ao conceito de arte: “é a expressão da

existência humana em todas as dimensões.” De acordo com a autora: “esta visão de arte acolhe

o contentamento e o desgosto, a dor e o prazer [...] e tudo mais que vive e existe humanamente.”

Compreensão esta que nos remete a Santos (2013, p.31), quando cita a relação entre

marcialidade e arte, existente nas artes marciais:

Se sem o princípio marcial descaracteriza-se o gesto guerreiro, como lidar com

um gesto que propõe a destruição? Penso que a dimensão poética do gesto

guerreiro pode contribuir na experiência em um universo tão paradoxal, ou

seja, se é para lidar com a destruição e a agressividade do gesto, que seja

simbolicamente através da arte [...].

Isto posto, é evidente que por mais que a especificidade das artes marciais seja a

“guerra”, a arte não está meramente inclusa na sua nomenclatura, mas sim incorporada na sua

prática através da sua plasticidade e complexidade de sentidos e intenções. Mesmo se

pensarmos na etimologia do termo “arte marcial”, arte nos remete a técnica e beleza, e marcial

a guerra, confirmando assim, a relação paradoxal entre beleza e guerra.

As artes marciais chinesas possuem aspectos que transitam facilmente em todas as

dimensões e temas corporais que a Educação Física brasileira assume e diferencia como práticas

importantes de serem inseridas tanto no âmbito escolar, como fora dele. Contudo, a sua prática

se modifica de acordo com o profissional que a conduz e do ambiente em que se encontra. Deste

modo, a arte marcial chinesa pode ser ginástica quando estabelecida de forma não

psicossomática com objetivos de condicionamento físico e socialização, jogo quando realizada

por razões lúdicas, dança quando utiliza da beleza dos seus gestos de forma rítmica sem a priori

da intenção marcial e esporte quando o seu propósito é a boa performance para atingir

resultados em competições, campeonatos etc.

Bizerril (2007) afirma que uma forte característica das práticas corporais chinesas é a

presença do gesto combativo, da estética, do pensamento oriental e dos efeitos terapêuticos. Ao

realizar o treino destas técnicas, são exercidos treinamentos de energia, meditação,

17

visualizações e técnicas de movimento. O autor ainda afirma que estes exercícios agregam

também outros saberes provenientes da Medicina Tradicional Chinesa, como a dietética, a

fitoterapia e a acupuntura.

O Taijiquan, por exemplo, conceituado como arte marcial, muitas vezes se modifica e

é praticado com todos os fundamentos integrativos das artes orientais, mas sem o caráter

intencional da combatividade, o aspecto marcial. E o Qigong representa uma possibilidade

pouco compreendida e explorada no campo da Educação Física, pois não está inserido na

tradição das lutas e nem na ginástica, entretanto, é uma prática corporal com elementos estéticos

e terapêuticos. O Qigong apresenta todas as características apontadas por Bizerril (2007)

quando descreve as artes marciais chinesas, mas sem possuir a sentido intrínseco do combate.

Isto posto, ao refletir sobre todo o meu percurso na EF e também a experiência adquirida

no âmbito das artes corporais chinesas, posso afirmar que os diferentes saberes se

complementaram na minha formação, favorecendo uma maior compreensão das possibilidades

da EF e além dela.

2.2 – O ORIENTE PELO PRISMA DO OCIDENTE

Desde o início histórico das instituições educacionais no Ocidente, os conhecimentos

orientais foram subestimados e não inclusos nos currículos acadêmicos. Hanania e Sproviero

(1998) destacam que o filósofo Leibniz (1646 – 1716) foi o primeiro intelectual a admitir que

a “Europa tinha algo a aprender com a China”. Seu discípulo e responsável pela sistematização

da sua filosofia17 racionalista, Christian Wolff (1679 – 1754), quase foi expulso da universidade

por tentar introduzir o pensamento chinês no ensino universitário, evidenciando assim, uma

grande resistência da academia ao Oriente – às culturas “estranhas” e “distantes” da realidade

eurocêntrica.

Para o historiador Bueno (2017):

Até o século 18, as civilizações mais desenvolvidas do mundo estavam na

Ásia. Todas contavam com tradições intelectuais milenares, que nunca

precisaram da Filosofia grega para existirem – e que continuam a existir hoje,

apesar da Filosofia [agora, Ocidental] ... Assim, precisamos nos perguntar, o

que estamos perdendo, não estudando, devidamente, o ‘Oriente’ (BUENO,

2017, p. 64).

17 A Filosofia de origem grega é a produção intelectual relativa ao pensamento através da razão. Em seus

primórdios, tinha como objetivo criar a história do pensamento ocidental, autônoma, original e imune de

influências externas; seu pressuposto era provar a dominância do pensamento europeu sobre o restante do mundo

(BUENO, 2017).

18

Para a tentativa ocidental de compreensão do oriental, Bueno (2012) aponta duas

correntes, a “acadêmica” e a “esotérica”, a primeira se relaciona com os estudos realizados pela

academia a fim de “saber o que os orientais haviam conseguido criar que fosse comparável à

história e ao pensamento ocidental”:

Alguns pesquisadores estavam realmente preocupados em provar a

superioridade de suas culturas; outros, porém, utilizavam as técnicas

acadêmicas da forma que acreditavam ser conveniente e, por conta disso, seus

estudos acabavam gerando erros involuntários. Uma questão clássica dessa

postura, por exemplo, foi o desenvolvimento da teoria de que o “berço da

humanidade” teria ocorrido na Mesopotâmia, negando a possibilidade de

antiguidade para China, Índia, África e Américas (BUENO, 2012, p. 18).

A segunda corrente surgiu num processo oposto ao anterior, supervalorizando as

culturas asiáticas por meio da frustração com a religião e a sociedade ocidental, buscando assim,

alternativas que pudessem suprir as carências da “civilização moderna”. Porém, esta vertente

perdeu sua credibilidade, pois:

Os esotéricos foram os principais responsáveis pela criação dos estereótipos

dos asiáticos, tais como de que todo chinês sabe lutar, que todo indiano é um

iogue oculto, de que a comida “oriental” é superior etc. Por fim, eles realizaram

associações irresponsáveis, tais como dos famosos “centros esotéricos”, que

juntam astrologia, tarô, Tai Chi Chuan, ikebana, ioga, enfim, técnicas de

tradições absolutamente diferentes como se fossem uma coisa só (BUENO,

2012, p. 19).

Rosenberg (1991) traz este debate, expondo uma tendência do Ocidente de fascínio pelo

exótico, apropriando-se do que é oriental de forma precipitada. Rosenberg cita ainda C. G.

Jung18 quando diz que: “A imitação do Oriente é um mal entendido trágico [...] é lamentável

que o europeu renuncie a si mesmo, para imitar e desnaturalizar o Oriente” (JUNG apud

ROSENBERG, 1991, p. 3).

Utilizar os termos Ocidente e Oriente pode ser arriscado quando se trata de tantos países

com culturas tão distintas, nosso foco, quanto ao Oriente, é a China, portanto, vale citar Jullien

(2010) quando explica o porquê de estudar as teorias de pensamento oriental deste país:

No início me interessei pelo pensamento grego, mas depois pela China porque

ela possui uma exterioridade marcante em relação à cultura européia.

Exterioridade de língua, já que o chinês não pertence à grande tradição indo-

européia; de história, já que os contatos da Europa com a China se tornaram

mais frequentes apenas a partir do século 16, na esteira das missões de

evangelização, e ganharam intensidade na segunda metade do século 19, como

desdobramento do processo colonial moderno. Apesar das diferenças, ambas,

Europa e China, são comparáveis. Não se trata de buscar o exotismo da China,

18 Carl Gustav Jung (1875 – 1961), foi um psiquiatra suíço que fundou a psicologia analítica, parte do seu trabalho

foi pesquisar a filosofia oriental e ocidental, alquimia, astrologia e sociologia.

19

mas de evidenciar quanto ela é um caso particularmente tipificado e com forte

exterioridade em relação à cultura européia (JULLIEN, 2010, p. 01).

O documentário coreano da EBS “The East and the West”, analisou diferenças entre as

formas de se relacionar e pensar o mundo de três países ocidentais e três orientais. Para o

Oriente – China, Japão e Coréia do Sul – tudo está conectado, o nosso estado emocional, as

nossas ações, o ambiente em que vivemos; sempre há uma interação, é necessário respeitar as

leis naturais para que não interfiramos nesta conexão. Já para o Ocidente – Estados Unidos,

Canadá e Inglaterra – o mundo é dividido em categorias, o corpo, a emoção, o conhecimento;

o homem é um ser superior à natureza (THE EAST, 2008). Um exemplo claro sobre estas

diversidades ideológicas, são as medicinas Ocidental e Tradicional Chinesa, haja visto que a

anatomia e a bioquímica são a base da medicina ocidental e para a medicina tradicional chinesa

seus fundamentos são a teoria dos cinco elementos e o Yin Yang.

Com isso, quando se trata da cultura corporal de movimento, nos questionamos: será

que esta distinção entre pensamentos e tradições, presentes tanto nos alunos quanto nos

professores ocidentais, afetam na execução das técnicas corporais chinesas? Isso influi em

como o Taijiquan ou Qigong são desenvolvidos aqui no Brasil? Estas perguntas são inerentes

a nós estudiosos destas artes corporais, desvendá-las é um desafio e uma condição ao

desenvolvimento legítimo destas técnicas no ambiente em que vivemos.

Desta forma, é relevante que mais pesquisas e estudos sejam realizados, afim de

desmistificar e popularizar os benefícios da cultura chinesa. Promovendo assim, o cultivo da

saúde e o autoconhecimento como ferramenta primordial para o autocuidado. Elementos estes,

que nem sempre fazem parte das concepções de corpo e saúde no contexto da Educação Física

Ocidental.

2.3 – PRÁTICAS CORPORAIS CHINESAS NA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

Uma vez que a saúde não é apenas uma questão de assistência médica e de acesso a

medicamentos, o Sistema Único de Saúde (SUS), considera estratégico a promoção de um estilo

de vida mais saudável (BRASIL, 1996). Deste modo, desde 2006, a Política Nacional de

Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) consolidou-se no SUS, a qual traz propostas

para a concepção de tratamento com o foco na saúde do cidadão, em uma perspectiva de

prevenção, utilizando-se técnicas de escuta acolhedora e vínculo terapêutico na integração do

ser humano ao meio ambiente e a sociedade (BRASÍLIA, 2015). Tal política trouxe alguns

20

princípios do pensamento oriental ao sistema de saúde brasileiro, sendo o Qigong e o Taijiquan,

duas técnicas corporais que corroboram com estes fundamentos (BRASÍLIA, 2015).

É conhecido que o envelhecimento populacional tem aumentado cada vez mais,

fenômeno este que ocorre na maior parte do mundo. De acordo com os dados do Banco Mundial

(2011) “a população idosa irá mais do que triplicar nas próximas quatro décadas, de menos de

20 milhões em 2010 para aproximadamente 65 milhões em 2050”. Sabendo-se que o Qigong e

o Taijiquan são considerados técnicas corporais de prevenção, pode-se reafirmar assim, a sua

importância como agentes estratégicos de cultivo da saúde.

Quando se trata de cultura corporal terapêutica, o Qigong apresenta características

importantes para a sua acessibilidade nos programas públicos de saúde. Esta é uma técnica que

não requer material de auxílio, não é necessário espaços muito amplos, pois quase não há

deslocamento na sua prática, geralmente é realizada em pé, precisando apenas de roupas e

calçados adequados. A sua complexidade perpassa por ser um exercício que integra elementos

da cultura oriental, tendo como principais teorias e preceitos a MTC.

Pensar em práticas corporais para a saúde em ambientes públicos nos remete a uma forte

cultura chinesa de realizar exercícios físicos em público, utilizando praças, calçadas e qualquer

terreno que ofereça esta disponibilidade. E quando nos referimos a saúde, não estão

relacionadas apenas as técnicas corporais terapêuticas, mas também a socialização e a atitude

de se movimentar em qualquer espaço, ocasião (independente do clima e do dia) e com as

condições que tiver (as roupas e calçados não recebem atenção).

Haja visto os apontamentos anteriores, constata-se que as tradições chinesas podem

contribuir tanto no campo da saúde, quanto por um ponto de vista cultural. Também afirmamos

que estas práticas chinesas podem ser cultivadas para além dos espaços direcionados ao SUS,

é possível do mesmo modo, ressignificar espaços públicos e privados, afim de propagar a

cultura chinesa e um estilo de vida mais saudável. Portanto, a cultura corporal chinesa, o Qigong

e o Taijiquan, se revelam não apenas como técnicas “alternativas” para a saúde, ou como

práticas com teor exótico19, mas sim, como potenciais agentes transformadores do modo de

viver.

19 Que é de país ou de clima diferente daquele em que vive ou em que se usa, estrangeiro, importado ou

extravagante, esquisito (DICIONÁRIO DO AURÉLIO, 2017).

21

2.4 – INTRODUÇÃO A MEDICINA TRADICIONAL CHINESA

A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) é milenar e sua origem é demarcada através de

um dos registros mais antigos da história, o livro médico do Imperador Amarelo (2697 a.C.),

considerado fundador da MTC (ZUO, 2011). Este é um sistema que surge à partir das

ferramentas e visão de mundo do seu tempo, da sua época. Assim, estar saudável depende da

conservação da harmonia das funções do corpo e entre o corpo e a natureza, só há o adoecimento

quando este equilíbrio é rompido. Então, para reestabelecer esta coesão, a MTC utiliza algumas

abordagens terapêuticas como a fitoterapia, terapia alimentar, Acupuntura20, Moxabustão21,

Ventosaterapia22, Tuina23 e técnicas corporais terapêuticas (LAO, 2001).

Pode-se dizer que a MTC é basicamente formada por duas teorias, o Yin Yang e a Teoria

dos Cinco Elementos. Entretanto, existem alguns conceitos que também são fundamentais para

a compreensão do funcionamento desta medicina: energia (Qi), órgãos e vísceras24 e canais

energéticos (meridianos e colaterais25).

O Yin Yang é uma teoria que está presente no pensamento ancestral chinês, em que o

homem é um componente da natureza e foi criado por duas forças essenciais o Yin e o Yang. O

Yin é caracterizado por ser um estado relativamente inerte, descendente, interno, frio, escuro; o

Yang já seria representado por ser ativo, ascendente, externo, quente, luminoso (YAN; ZHAO,

2012). Na Imagem 1 é possível perceber como identificar o Yin Yang na natureza, sendo as

cores quentes da imagem a representação do Yang, em azul (as cores frias) o Yin.

20 Acupuntura é uma técnica milenar da MTC, em chinês Zhēnjiŭ (针灸). Consiste em realizar estímulos exatos

nos pontos da acupuntura através de agulhas de metal. Na sua origem estes estímulos eram realizados com ossos.

Zhēn (针) se refere a agulha, Jiŭ (灸) se refere ao estímulo direcionado, o qual promove calor (ZUO, 2011). 21 Moxabustão é uma técnica que realiza estímulos exatos nos pontos da acupuntura através de calor proveniente

da combustão de ervas medicinais da MTC. Seu nome em chinês é Àijiiŭ (艾灸), Ài (艾) é o nome da erva utilizada,

artemísia argyyi. Jiŭ (灸)é o termo utilizado para a ação de estimular os pontos de acupuntura (ZUO, 2011). 22 Ventosaterapia é uma técnica que a partir da posição dos pontos e meridianos emprega ventosas na superfície

da pele. Existem diversos tamanhos e métodos. É caracterizada por deixar marcas no corpo em forma de círculos.

Seu nome em chinês é Báguàn (拔罐), Bá (拔) são os copos utilizados, Guàn (罐) é o efeito do vácuo realizado

com os copos sob a pele, a elevando (ZUO, 2011). 23 Em pinying Tuīná, ideograma 推拿, é uma forma de massagem chinesa frequentemente utilizada junto com

outras técnicas terapêuticas da MTC. Emprega técnicas de massagem para estimular ou sedar os pontos dos

meridianos do corpo, visando o equilíbrio do fluxo de energia por estes canais, portanto, não se trata de uma

massagem puramente de relaxamento, seu objetivo é terapêutico e baseado na teoria da MTC. 24 Na MTC uma forma mais fácil de identificar o que são os órgãos e o que são as vísceras é observando quais

tem espaços mais vazios, como reservatórios, sendo estes considerados vísceras e não órgãos. Em chinês Zàngfŭ

(脏腑), sendo Zàng (脏) as vísceras e Fŭ (腑) os órgãos. 25 No ocidente estes caminhos são conhecidos por meridianos e colaterais. Em chinês seus nomes são

respectivamente Jīngmài (经脉) e Luòmài(络脉) . São chamados de meridianos os caminhos na posição

longitudinal, seriam aqueles que conectam órgãos, vísceras, os colaterais são caminhos sem posição

especificamente longitudinal ou latitudinal, são caminhos que ligam os meridianos entre eles. Também é comum

usar o termo Meridiano para se referir à todos os canais energéticos de um modo geral, em chinês é Jīngluò (经络)

(ZUO, 2011). Uma das hipóteses para a descoberta destes canais está relacionada com a prática de exercícios

físicos.

22

Imagem 1 - Classificação da natureza no Yin Yang.

Fonte: Yan e Zhao (2012, p. 21)

Há mais de quatro mil anos atrás, os desenvolvedores das teorias da MTC não tinham

as mesmas ferramentas que nós temos hoje para identificar certos elementos da natureza, por

isso, os cinco elementos em que foi elaborada esta medicina são visíveis e não microcópicos.

Assim a Madeira, a Terra, Fogo, Metal e a Água, são considerados pela MTC, os elementos

fundamentais presentes em tudo, sendo a busca pelo equilíbrio deles o caminho para estar

saudável.

Na Figura 2 percebe-se essa interação entre os elementos. A Madeira alimenta Fogo; o

Fogo gera cinzas, a Terra; esta produz o Metal; o Metal sob calor vira líquido; a Água nutre a

Madeira; a Madeira por sua vez suga da Terra seus nutrientes e a inibe; a Terra represa a Água,

a absorve; a Água pode apagar o Fogo; que derrete o Metal; o Metal corta a Madeira, a inibindo

(CASTRO JUNIOR, 2007).

23

Imagem 2 – A relação entre os cinco elementos – geração e inibição.

Fonte: Yan e Zhao, (2012, p. 27).

Assim, somos parte de um todo, ou ainda, pensando nas relações entre cosmos: somos

um microcosmo (nosso corpo) e a natureza é um macrocosmo. Os cinco elementos estão

presentes no corpo humano (assim como na natureza), cada elemento tem uma representação

em diversas vertentes na vida dos seres vivos. Um ponto importante neste sentido são os nossos

órgãos e vísceras, respectivamente, considerados um Yin e o segundo Yang. A Figura 3

demonstra em diferentes perspectivas, aspectos que influenciam tanto na identificação dos

sintomas, quanto nas técnicas de tratamento (YAN; ZHAO, 2012, p. 26).

24

Quadro 1 – Relação entre os cinco elementos e os órgãos e vísceras, aos sentidos, estações do

ano, cores, sabores, as direções, emoções e aspectos naturais.

Elementos Madeiras Fogo Terra Metal Água

Órgãos

Fígado Coração Baço Pulmão Rins

Vísceras

Vesícula

biliar

Intestino

delgado

Estômago Intestino

grosso

Bexiga

Sentidos

Visão Paladar Tato Olfato Audição

Estações

Primavera Verão Verão

prolongado

Outono Inverno

Cores

Azul Vermelho Amarelo Branco Preto

Sabores

Ácido Amargo Doce Picante Salgado

Direções

Leste Sul Centro Oeste Norte

Emoções

Raiva Alegria Preocupação Tristeza Medo

Natureza Vento Calor Umidade Secura Frio

Fonte: Castro Junior (2007).

Desta forma, quando ocorre o excesso ou a escassez de um elemento sobre o outro, é

possível observar se há o desequilíbrio do Yin Yang, causando o adoecimento. Assim, de acordo

com os princípios da MTC, as emoções são conectadas aos elementos, por consequência estão

diretamente relacionadas ao funcionamento do organismo:

Assim sendo apreensão e ansiedade, pensamentos obsessivos e preocupações

prejudicam os espíritos. Prejudicados os espíritos, sob o efeito do medo e do

temor, algo escoa, algo transborda sem parar.

Em estado de tristeza e de aflição, nos comovemos no centro; algo seca e se

interrompe e a vida se perde.

Na alacridade e na alegria profunda, os espíritos se assustam e se dispersam;

portanto, não há mais entesouramento.

Na opressão e no pesar os sopros se fecham e se bloqueiam; portanto, não há

mais circulação.

Na cólera crescente, nós nos perturbamos e nos desviamos; portanto, nada mais

está sob controle.

25

No medo e no temor, os espíritos se agitam e se assustam; portanto, já não se

pode conter (ROCHAT DE LA VALLÉ, 2007, p.195).

Uma pesquisa realizada no Centro de Saúde Escola Samuel B. Pessoa/Butantã (CSEB),

entre os anos de 2008 e 2009, aferiu-se que os participantes (os quais utilizaram tratamentos da

MTC) perceberam como estas técnicas terapêuticas promoveram outra concepção de corpo,

experimentando relações de causa e efeito entre corpo/mente/emoção/sintomas (CINTRA;

PEREIRA, 2012). Neste trabalho, os praticantes citam a conexão entre o sentir-se feliz e obter

um corpo saudável. Por meio desta dinâmica emoção x saúde, observa-se então, esta visão

integrativa da MTC.

Ballone, Ortolani e Pereira Neto (2007), apontam a usual valorização da doença física e

o esquecimento das emoções e suas influências nas patologias apresentadas nos consultórios

médicos brasileiros. O pensamento chinês, por outro lado, possibilita uma ampliação da

concepção de corpo para aspectos mais sutis, tais como a emoção e a espiritualidade.

O entendimento do que é o Qi (气), considerado o sopro de vida ou energia vital, também

tem grande representatividade na MTC. Cheng (2008), aponta que o refinamento do Qi pode se

dá através do domínio da respiração, técnica corporal, meditação, disciplina sexual etc. Qi é um

conceito que surge desde as origens históricas e culturais chinesas:

A unidade procurada pelo pensamento chinês ao longo de toda a sua evolução

é a própria unidade do sopro (qi 氣), influxo ou energia vital que anima o

universo inteiro. [...]. Ao mesmo tempo espírito e matéria, o sopro assegura a

coerência orgânica da ordem dos viventes em todos os níveis. Enquanto influxo

vital, ele está em constante circulação entre sua fonte indeterminada e a

multiplicidade infinita de suas formas manifestadas. O homem não é apenas

animado pelo sopro em todos os seus aspectos, mas haure nele seus critérios

de valor, quer de ordem moral ou de ordem artística. Fonte da energia moral,

o qi, longe de representar uma noção abstrata, é sentido até no mais profundo

do indivíduo e de sua carne. Sendo embora eminentemente concreto, nem

sempre contudo ele é visível ou tangível: pode ser o temperamento de uma

pessoa ou a atmosfera de um lugar, a força expressiva de um poema ou a carga

emocional de uma obra de arte (CHENG, 2008, p.36-37).

O Qi percorre por canais energéticos no corpo humano, os meridianos e colaterais, que

no decorrer do seu percurso possuem pontos que funcionam como forma de fossas de energia;

estas cavidades invisíveis são denominadas de pontos da Acupuntura. Através das terapias

medicinais chinesas é possível realizar a mobilização do Qi pelo corpo, promovendo assim, a

sua fluidez.

Tendo em vista o que é considerado ser saudável pela MTC, percebo o vínculo entre

mente e corpo, que se difere dos conceitos da medicina ocidental. Por isso, a intenção destas

terapias é de promover algo que vai além disso, gerar a ligação entre o Céu/Universo – Homem

26

– Terra. Conexão esta, presente na teoria do Daoísmo26. Citamos assim Laozi27, “人法地,地法

天,天法道,道法自然”, que de acordo com Yan e Zhao (2012, p. 44) traduz-se como “Man

the follows earth, the earth follows the heaven, the heaven follows Dao, Dao follows the

nature”.

Yan e Zhao (2012) se referem ao Confucionismo28, ao Daoísmo e ao Budismo29 como

as três maiores escolas que influenciaram o desenvolvimento deste sistema de medicina, porém

afirmam que o Daoísmo, de um ponto de vista da sua origem, é o que mais se aproxima à teoria

da MTC. O grande nome da escola do Daoísmo é Laozi, com seu próprio sistema teórico, o

Dao, explanado no famoso Livro do Caminho e da Virtude.

Uma das formas mais acessíveis de manter este vínculo com a natureza, é por meio das

técnicas corporais que estimulam o cultivo do Qi. Os daoístas acreditavam que através da

combinação das técnicas corporais com as técnicas medicinais poderiam alcançar a

imortalidade, assim, no intuito de preservar a saúde, fizeram uma grande contribuição para o

desenvolvimento das práticas terapêuticas (YAN; ZHAO, 2012).

2.5 – QIGONG – DAOYIN YANGSHENG GONG

Devido a sua longa história, a China possui uma cultura riquíssima em diversos âmbitos;

no campo das práticas corporais não poderia ser diferente. Nas universidades de esportes da

China, os alunos podem se formar professores tanto em Educação Física, quanto em outras

áreas específicas, como dos esportes coletivos, individuais, esporte tradicional chinês etc. Neste

último campo, o curso eminentemente relacionado a saúde é o Daoyin Yangsheng Gong30, o

qual desenvolve o conhecimento das práticas corporais terapêuticas chinesas.

Daoyin Yangsheng Gong é um termo que uniu palavras com profundo significado e

representação nesta cultura. Daoyin se refere a “Um conjunto de exercícios físicos e

respiratórios com o objetivo de proporcionar harmonia entre o corpo e a mente” (Lazzari, 2009,

26 Em pinying Dàojiào, em ideograma 道教. 27 Em pinying Lăozĭ, em caractere chinês 老子. Considerado o fundador do Daoísmo, Laozi foi um pensador e

escritor chinês responsável pela produção de um dos livros mais importantes da cultura chinesa, Dao De Jing ou

conhecido também por “Tao Te Ching: O Livro do Caminho e da Virtude", em pinying se escreve Dào Dé Jīng,

em ideograma 道德经. (SANTOS, 2013). 28 Confúcio (551 – 479 a.C.) ou Kŏngzĭ (孔子) ou ainda também conhecido por Kŏngfūzĭ (孔夫子). Foi um dos

grandes sábios da China Antiga, considerado um dos mais importantes pesadores da história. Criou uma doutrina

religiosa e sociopolítica, o Confucionismo (SANTOS, 2013). 29 Há na cultura chinesa uma forte influência budista, cujas raízes remetem à Índia no período próximo ao século

V a.C. através de Sidarta Gautama igualmente conhecido por Shakyamuni ou Buda (SANTOS, 2013, p. 58). 30 O professor doutor da Beijing Sport University, Zhang Guangde (张广德), foi o principal responsável pela

organização deste conhecimento no ensino superior chinês.

27

p. 277). Existem centenas de sequências de movimentos terapêuticos e é um conhecimento de

extrema tradição na China. Segundo LEE (1997), o Daoyin teria sido a matéria prima básica

para o surgimento de tantas outras práticas corporais chinesas:

Para nutrir a própria vida e “conseguir o Tao” à maneira de Peng-tsu, que

logrou durar mais de setecentos anos, é preciso entregar-se a exercícios de

flexibilidade (tao yin), ou, melhor ainda, dançar e movimentar-se à maneira

dos animais. Zhuangzi e Huainanzi mencionam alguns dos temas dessa ascese

naturalista. Recomenda-se imitar a dança dos pássaros quando eles estendem

as asas, ou a dos ursos quando se balançam, esticando o pescoço para o Céu. É

com a ajuda dessa ginástica que os pássaros se exercitam em voar e os ursos

se tornam trepadores perfeitos. Também há muito que aprender com os mochos

e os tigres, hábeis em virar o pescoço para olhar para trás, e com os macacos,

que sabem pendurar-se de cabeça para baixo... (Granet, 1997, p.310).

Yang Sheng ao pé da letra significa “nutrir a vida” e em seu significado atrela-se ao

termo “Três Tesouros” (ou as “Três Energias”): a Essência (Jing), o Qi e o Espírito (Shen) – 精

气神. Os quais são elementos base para a compreensão deste “nutrir a vida”. E a palavra Gong,

também presente em Qigong, se localiza ao final de Daoyin Yangsheng Gong, para dar a ideia

de trabalho meticuloso da técnica corporal.

Externamente às universidades chinesas, a Associação Chinesa de Qigong para a Saúde

é o órgão que rege estas técnicas corporais terapêuticas, as quais são ensinadas no ensino

superior. Havendo assim, uma colaboração entre a Universidade e a Associação através de

pesquisas, formação de professores etc. Qigong para a Saúde ou Jianshen Qigong31 é um termo

mais utilizado neste contexto, já aqui no Brasil, é mais comum nos referirmos a estas práticas

corporais medicinais como simplesmente Qigong.

Na prática de exercícios do Daoyin Yangsheng Gong, ou simplesmente Qigong, os

movimentos são realizados lentamente de forma contínua, combinando suavidade e firmeza

(suavidade não significa ‘moleza’ e firmeza não significa ‘rigidez’). Estas qualidades de

movimento, permitem que o praticante não se lesione ao realizar a técnica e que consiga

mobilizar sua força interna em conquista do equilíbrio e da saúde.

Tais exercícios se baseiam na movimentação do Qi por meio do movimento integrado

de respiração, intenção da mente e forma do corpo. Essas práticas podem apresentar diferentes

objetivos, sempre passando pelas dimensões terapêuticas. Há centenas de escolas e técnicas de

exercícios, dentre as quais podemos apontar como exemplos as técnicas: de Ma Wangdui, as

doze técnicas (Shi Er Fa), exercício dos cinco animais (Wuqinxi), as oito peças do brocado

(Baduanjin), as técnicas que trabalham diretamente os meridianos do coração, pulmão,

estômago e baço, fígado etc.

31 Em pinying Jiànshēn, em ideograma 健身. Jiàn (健) significa saudável, Shēn (身) significa corpo.

28

Em alguns casos, aqui no Ocidente a prática de Qigong se confunde com a de Taijiquan,

além do seu repertório gestual se originar na cultura tradicional chinesa, ambas são práticas

com características semelhantes na plasticidade, porém se diferem quanto a sua principal

intenção. O Qigong é terapêutico, o Taijiquan além do cultivo da saúde é uma arte marcial.

O Qigong, muitas vezes pode ter objetivos bem definidos e específicos quanto ao efeito

medicinal das suas práticas, diferentemente do Taijiquan, que é um exercício benéfico para a

saúde sem tanta precisão do estímulo em que é realizado. Por exemplo, é possível praticar

Qigong direcionado a um órgão ou víscera, já o Taijiquan não possui esta especificidade.

Vale ressaltar que a prática de Qigong, não é em sua origem, uma preparação para outros

exercícios, e sim uma prática completa e com rica concepção teórica e técnica. O Qigong, por

tanto, são técnicas corporais que representam as teorias sobre o Qi, meridianos e colaterais,

órgãos e vísceras, dos cinco elementos e pontos da acupuntura através do movimento corpóreo.

2.6 – TÉCNICA TERAPÊUTICA BADUANJIN

Considero relevante citar o porquê de me aprofundar nos conhecimentos sobre esta

técnica corporal dentre tantas outras que vivenciei na China. O Baduanjin foi uma prática que

pude experienciar intensamente durante o período na Beijing Sport University, tive a

oportunidade então, de participar de uma competição internacional de Daoyin Yangsheng Gong,

alcançando o segundo lugar no evento nesta modalidade. Desta forma, o Baduanjin é uma

técnica a qual me envolvi por completo e estabeleci uma relação íntima na sua execução. Além

disso, dentre as práticas do Qigong para a Saúde, esta é uma das mais populares no mundo,

sendo considerada uma preciosidade da cultura do cultivo da saúde chinesa.

Esta sequência de movimentos apresentada no trabalho foi compilada e elaborada pela

Associação Chinesa de Qigong para a Saúde. Porém, há também outra forma de executar os

movimentos de Baduanjin. Esta sequência que apresentamos aqui foi escolhida por ser ensinada

na Beijing Sport University, a qual tive a vivência.

O Baduanjin ou Oito Peças do Brocado, é uma sequência de oito diferentes seções. Mas

também existe outra seqüência de gestos desta técnica, realizada sentada, que possui doze

movimentos, mudando o nome para Doze Peças do Brocado. O nome se torna, portanto, Shi Er

Duan Jin (十二段锦), as duas primeiras palavras, Shi Er, querem dizer doze. Trataremos aqui,

apenas da série em pé.

Apesar de haverem incertezas sobre a sua origem, há a teoria de que o Baduanjin foi

criado durante a dinastia Song (960 – 1279), com o objetivo de melhorar a saúde dos militares

29

e, posteriormente, teria sido adotada para a melhoria da saúde da população em geral

(LAZZARI, 2008). Por isso, alguns dos seus gestos, possuem fundamentos marciais, trazendo

desta forma uma estética característica à sua sequência.

Imagem 3 – Os oito movimentos do Baduanjin.

Fonte: Burns (2016)

Citaremos então, os seus movimentos e respectivos efeitos terapêuticos32. As imagens a

seguir são ilustrativas para a compreensão dos movimentos, porém, não representam uma

situação real de aula. Pois em uma aula, não seria exigido bases tão baixas e tamanha

flexibilidade e precisão aos alunos iniciantes. A aquisição destas capacidades físicas são

conquistadas em um processo que demanda tempo, dedicação e instrução de um educador.

Antes de dar início a sequência é realizada a postura Abraçar a Árvore, e para encerrar

os oito movimentos, faz-se a postura de Wuji.33

32 Estas informações são referentes ao livro de Baduanjin da coleção de livros de Qigong para a Saúde (Jiànshēn

Qìgōng) (ASOCIACIÓN CHINA DE QIGONG PARA LA SALUD, 2008, tradução nossa). 33 Estas posturas são explicadas na subseção 3.1 da Descrição do Processo Pedagógico.

30

1. “Sustentar o céu com as palmas das mãos à cima para regular o Triplo Aquecedor”

(Liăng shŏu Tuō Tiān lĭ Sān jiāo - 两手托天理三焦). Entrelaça-se os dedos das duas mãos e

eleva-se os braços estendidos à cima da cabeça, voltando ao início do movimento com os braços

abertos e flexionando os joelhos:

Imagem 4 –Primeiro movimento do Baduanjin.

Fonte: Liu, Gao e Xin (2016)

Efeitos terapêuticos:

Estimula o Triplo aquecedor34;

Alonga a coluna vertebral e todo o membro superior, as articulações, músculos,

ligamentos e tecidos mole, prevenindo lesões nos ombros e a espondilose cervical35.

Traz benefícios as articulações dos ombros e ao pescoço, prevenindo lesões.

2. “Postura em atitude de arqueiro disparando para a esquerda e a direita com a intenção

de atingir a águia” (Zuŏ Yòu Kāi Gōng Si Shè Diāo – 左右开弓似射雕). Abre para a base

afastada cruzando os antebraços a frente do tórax, simular o atirar de um arco e flecha e retornar

a posição inicial abrindo os braços:

34 Em mandarim Sān Jiāo, em ideograma 三焦. Este meridiano é de natureza Yang (WEN, 1985). A tradução

utilizada é Triplo Aquecedor. A ideia de três, vem das três regiões do Triplo Aquecedor; à cima do diafragma

(tórax), entre o diafragma e o umbigo (abdômen), e abaixo do umbigo (pelve). 35 É o processo de degeneração dos discos intervertebrais e das vértebras cervicais, que pressionam o canal

espinhal gerando como principal sintoma dor no pescoço e a dificuldade em realizar movimentos com o pescoço.

Suas causas ainda não estão bem estabelecidas, mas idade é o principal fator de risco (BRASIL, 2013).

31

Imagem 5 – Segundo movimento do Baduanjin.

Fonte: Liu, Gao e Xin (2016)

Efeitos terapêuticos:

Expande a postura abrindo os ombros, estimula diretamente os pontos de acupuntura

das costas, ao mesmo tempo em que atua nos três meridianos Yin e Yang das mãos e

ajusta o meridiano do pulmão fazendo fluir o Qi.

Pode ter melhora no desenvolvimento da musculatura dos membros inferiores

melhorando o equilíbrio e força; ao mesmo tempo em que trabalha a habilidade do

antebraço, mãos e dedos, proporcionando maior flexibilidade, elasticidade e mobilidade

nestas regiões.

Traz benefícios na correção da má postura, da hipercifose torácica 36 , causando a

projeção frontal dos ombros. Este exercício é muito bom, portanto, na prevenção de

lesões nos ombros e na região cervical da coluna vertebral.

3. “Manter uma mão no alto para regular as funções do baço e do estômago” (Tiáo lǐ Pi

wèi Xū Dān Jǔ- 调理脾胃须单举). Empurrar o céu com uma mão (com os dedos apontados a

linha media do corpo) e ao mesmo tempo empurrar a terra com a outra (apontando os dedos a

frente do corpo), com os dois braços de forma simultânea:

36 Trata-se do termo popularmente conhecido por “corcunda”. É um aumento da curvatura natural da coluna

vertebral no plano sagital, na região torácica.

32

Imagem 6 – Terceiro movimento do Baduanjin.

Fonte: Liu, Gao e Xin (2016)

Efeitos terapêuticos:

Elevar e abaixar as mãos tem o efeito de alongar a cavidade abdominal, de maneira que

massageia os órgãos internos, como o baço e o estômago. Estimula os meridianos,

colaterais e pontos da acupuntura ao redor das costelas, abdômen e coluna.

Trabalha a musculatura envolvida em cada articulação entre as vértebras da coluna

vertebral, realizando um tratamento de prevenção de lesões na coluna. Traz também,

benefícios nas articulações dos ombros e especificamente na região cervical da coluna.

4. “Olhar para trás para prevenir as cinco lesões e os sete enfraquecimentos” (Wŭ láo Qī

shāng Xiàng Hòu Qiáo- 五劳七伤向后瞧). O movimento é de torsão dos braços e pescoço; os

braços ao lado do corpo, abre-se as axilas e expande o tórax; olhar por cima dos ombros sem

girar o tronco:

Imagem 7 – Quarto movimento do Baduanjin.

Fonte: Liu, Gao e Xin(2016)

33

Efeitos terapêuticos:

Através de um movimento firme e tranquilo de torsão dos braços chegando até as pontas dos

dedos37, estimula-se os cinco órgãos internos e as sete emoções38.

Os movimentos de esticar ajudam a exercitar as cavidades peitoral e abdominal.

Promove o desenvolvimento e alongamento das musculaturas do pescoço e ao redor dos

olhos, estimula-se a circulação sanguínea e o sistema nervoso central, diminuindo a

sensação de cansaço.

5. “Balançar a cabeça e a calda para eliminar alterações patológicas” (Yáo Tóu Bǎi Wěi

Qù Xīn huǒ- 摇头摆尾去心火). Este movimento é o mais complexo da sequência, é realizado

na base afastada. Executa-se no nível médio e baixo. É feito um movimento como se estivesse

“passando por baixo de uma cerca”. Ao final, faz-se uma semirotação com a cabeça e quadril

simultaneamente, retornando a posição inicial, ainda na base afastada:

Imagem 8 – Quinto movimento do Baduanjin.

Fonte: Liu, Gao e Xin (2016)

Efeitos terapêuticos:

O estresse interno relacionado ao coração pode ser eliminado no movimento de

agachamento e rotação do quadril. Isto para estimular a coluna vertebral e os meridianos

que passam nesta área. A rotação da cabeça estimula pontos da acupuntura na nuca.

As rotações realizadas neste movimento contribuem a flexibilidade das articulações e a

musculatura envolvida.

37 Na MTC em cada ponta dos nossos dedos há a representação de um órgão e uma víscera através dos meridianos

das mãos, os Yin e os Yang (ZUO, 2011). 38 Segundo a Medicina Tradicional Chinesa os cinco órgãos são o coração, fígado, baço, pulmões e rins; e as sete

emoções são a alegria, raiva, melancolia, ansiedade, arrependimento, o medo e o pavor (ASOCIACIÓN CHINA

DE QIGONG PARA LA SALUD, 2008).

34

6. “Levantar e abaixar com as mãos nos calcanhares para fortalecer os rins” (Shuāng shŏu

Pan xī Gù Shèn Yāo - 双手盘膝固肾腰). Neste exercício, as mãos massageiam desde a altura

dos rins até os calcanhares, descendo pela lateral do corpo. Para subir, estende-se os braços a

frente, os alinhando ao lado da cabeça, exigindo flexibilidade do praticante:

Imagem 9 – Sexto movimento do Baduanjin.

Fonte: Liu, Go e Xin (2016)

Efeitos terapêuticos:

Com uma flexão e inclinação enérgica da parte superior do corpo, estimula-se a coluna

vertebral, os meridianos e pontos da acupuntura localizados nas costas. Estes

movimentos também ajudam a prevenir o tratamento de enfermidades crônicas do

sistema urogenital, fortalecendo os rins e a cintura.

A flexão e inclinação enérgica da coluna vertebral ajuda no desenvolvimento da força e

da flexibilidade dos grupos musculares do tronco, ao mesmo tempo que são

massageados os rins, a glândula adrenal e a uretra, melhorando assim as suas funções.

7. “Cerrar os punhos e projetar o olhar com firmeza para aumentar o Qi” (Zuàn Quán

Nu mu Zēng Qì lì - 攥拳怒目增气力). Na base afastada, é realizado um movimento de forte

influência marcial, a simulação de um golpe frontal, porém quando os punhos são cerrados

nota-se uma diferença, o polegar pressiona o ponto de acupuntura Laogong39, ficando por de

baixo dos demais dedos. Ao retorno do “soco”, faz-se um movimento circular com as mãos (e

levemente com a cintura escapular):

39Em pinying Láogōng, em ideograma 劳宫. No Ocidente estes pontos são conhecidos pelas iniciais dos órgãos

ou vísceras os quais representam, e um número sequencial, ou seja Laogong é o PC-8, meridiano do pericárdio.

35

Imagem 10 – Sétimo movimento do Baduanjin.

Fonte: Liu, Gao e Xin (2016)

Efeitos terapêuticos:

De acordo com a Medicina Tradicional Chinesa, acredita-se que o fígado controla os

tendões, que por sua vez se expressa através dos olhos. Projetar o olhar com foco, pode

estimular os canais do fígado. Melhora-se também, a circulação sanguínea e ajuda a

cultivar a energia vital.

Se agachar, apertar o chão com os dedos dos pés, cerrar os punhos, torcer as mãos e

manter as mãos com os dedos em posição de garras com força, pode estimular

meridianos e pontos da acupuntura das costas, dos pés e das mãos. Também ajuda a

relaxar os músculos, tendões e ligamentos.

8. “Fazer vibrar as costas sete vezes para eliminar as cem enfermidades” (Bèi hòu Qǐ diǎn

Zhū Bìng Xiāo - 背后起点诸病消). Para encerrar, são realizadas repetições do movimento de

se apoiar nos metatarsos, “ficar nas pontas dos pés”, e com total controle do movimento, descer

aos poucos até que os calcanhares se aproximem ao chão. Com suavidade deixar o corpo “cair”

nas bases dos calcanhares, apoiando o pé inteiro ao chão, causando uma vibração interna:

Imagem 11 – Oitavo movimento do Baduanjin.

Fonte: Liu, Gao e Xin (2016)

36

Efeitos terapêuticos:

Estes exercícios podem estimular os meridianos e colaterais dos pés e as funções dos

órgãos relacionados. Causar um leve impacto aos calcanhares pode estimular a coluna

vertebral e seus meridianos e colaterais, além de melhorar a circulação sanguínea e sua

energia interna para a aquisição de um maior equilíbrio interno.

Também ajuda a desenvolver os grupos musculares da “panturrilha”, ajuda a exercitar

os músculos e ligamentos dos pés, desenvolvendo a capacidade de equilíbrio.

Esta vibração que é causada no corpo, estimula as exterminadas inferiores e a coluna

vertebral, assim como também relaxa os músculos.

Esta prática corporal milenar tem sido foco de pesquisadores do mundo todo, na busca

da comprovação dos seus efeitos terapêuticos, demonstrando também, uma abertura da

academia a conhecimentos tradicionais chineses.

Em um estudo de revisão sistematizado e de meta-análise dos beneficios da prática de

Baduanjin, que foi realizado por universidades chinesas, brasileiras e estadunidenses, utilizou-

se 6 diferentes bases de dados e encontrou-se 274 trabalhos relevantes. Deste montante, foram

selecionados dezenove estudos, publicados entre 2008 e 2016, sendo quatorze em mandarim e

cinco em inglês. Foram analisados então, a qualidade de vida, a qualidade do sono, o equilíbrio

corporal, a força dos punhos, a flexibilidade dos troncos e quadris, a força dos membros

inferiores, resistência aeróbica, pressão sanguínea, capacidade respiratória e resistência

cardiorespiratória. Constatou-se então, que a prática de Baduanjin trouxe uma significante

melhora de todos os fatores citados anteriormente (ZOU et. al., 2017).

A sua prática foi considerada um sistema seguro que desenvolve o sistema respiratório,

trabalhando também a força dos membros, a flexibilidade das articulações e progredindo no

equilíbrio em geral. Esta técnica eleva o sistema imunológico do corpo humano, aumentando

também a capacidade de resistir ao envelhecimento, prolongando assim a vida dos seus

praticantes, além de funcionar positivamente na saúde mental (ASOCIACIÓN CHINA DE

QIGONG PARA LA SALUD, 2008).

37

3 – PROCESSO PEDAGÓGICO DO ENSINO DO BADUANJIN

3.1 – DESCRIÇÃO DO PROCESSO PEDAGÓGICO

Não poderia encerrar este trabalho, sem antes apresentar uma discussão pedagógica do

ensino de alguma técnica corporal chinesa. Escolhi o Baduanjin, pelo desafio que ele

proporciona à nós pesquisadores de transformá-lo em algo além de uma “ginástica chinesa”,

mas uma prática rica em sentidos e significados, fazendo com que a sua execução seja realizada

de forma independente de outras práticas corporais chinesas.

A proposta em questão é elaborar uma estrutura de ensino com base na minha

experiência empírica e teórica com os exercícios chineses e com as demais práticas que

desenvolvi ao longo dos meus estudos em Educação Física. Considerando, desta forma, a

dificuldade que é ensinar ao indivíduo que não possui nenhuma experiência com a cultura

corporal chinesa, mas também aproveitando do fato de ser uma prática ainda pouco explorada

no Brasil.

Apresento então, a seguinte organização: a Preparação, o Desenvolvimento da Técnica,

a Sequência Padrão e a finalização com Automassagem.

Desta forma, todos os movimentos executados são suaves e controlados, sendo assim,

do início ao fim, deve-se prestar atenção a velocidade e intensidade em que trabalhamos como

educadores, desde o tom da nossa voz até o ritmo do movimento que efetuamos. São valorizadas

a amplitude e a intenção dos gestos, sejam estes simples ou complexos, e os movimentos devem

ser realizados de forma consciente e presente.

No decorrer da aula, em todos os momentos em que estamos em uma postura ereta, ou

seja, com os dois pés apoiados ao chão e o topo da cabeça para o alto, indico que se mantenha

os ombros relaxados e perceba o alinhamento crânio-caudal. E para que isso ocorra, é

importante sentir toda a musculatura envolvida, para que seja possível durante a prática se

manter alinhado. É interessante observar também que, quando são feitas as bases mais afastadas

(com os pés além da distância dos ombros), os joelhos precisam estar alinhados com os pés, os

quais devem estar paralelos.

No princípio da prática, antes de todas as etapas, realiza-se uma saudação de respeito40,

guiada pelo professor.

40 Este cumprimento se refere a cultura do Qigong de saudação dos inícios das aulas. Existe outra forma de saudar

em práticas de Qigong – com as duas mãos apoiadas abaixo do umbigo. Para esta forma de saudar que antecede e

sucede a aula de Qigong, a mão esquerda se repousa a frente do Dantian (Dāntián – 丹田) ou conhecido também

como Shimen (Shímén- 石门) e a mão direita à frente do tórax, aberta, com os dedos apontando para o céu e a

palma para o lado esquerdo. As axilas devem estar abertas e com um espaço entre a mão direita e o corpo.

38

Dando início a Preparação, realizamos um círculo com o grupo de participantes, e com

a intenção de soltar o corpo e abrir espaço entre eles, abre-se os braços e faz-se movimentos

circulatórios, girando o corpo todo, tirando o calcanhar do pé oposto ao movimento do chão,

deixando levemente o peso apoiado no metatarso. Então, após este movimento e a organização

das pessoas no espaço, para que todos se concentrem e tragam o pensamento para o momento

presente, podendo encontrar assim a serenidade, fazemos três vezes uma respiração profunda e

lenta.

Inspira-se “tranquilidade” (Jìng - 静), e expira-se “relaxamento” (Sōng - 松). Isto ocorre

com a instrução verbal do professor. Inspirando com os braços abertos, os elevando até os

braços estarem semi-estendidos, com as palmas das mãos se tocando a cima da cabeça. Para

expirar, desce as mãos unidas até a direção do tórax, abaixo do queixo. Em todo momento os

ombros devem estar relaxados, não os elevando. A respiração deve acontecer em sincronia com

o movimento, de forma contínua, conectando os gestos as três vezes (HU; ZHUANG, 2013).

Utiliza-se o nariz para inspirar e expirar.

Trabalhamos então com movimentos circulares em todas as articulações do corpo,

começando na cabeça e seguindo até os pés. Para encerrar, realizamos uma postura de

meditação em pé.

Cabeça:

- Olhar sobre os ombros, para um lado e o outro, tentando cada vez mais olhar para trás (no

eixo longitudinal).

- Olhar para cima e para baixo, encostando o queixo no peito, fazer o movimento suave e

controlado.

- No plano frontal, levar os ouvidos, sem encostá-los, aos ombros, ombros relaxados

(movimento no plano frontal).

- Realizar o giro completo da cabeça em ambos os sentidos.

Ombros:

- Elevar os ombros o máximo que puder e soltá-los expirando, tendo como objetivo fazer o

contraste entre as sensações de tensão e de relaxamento.

- Em círculos amplos, girar os ombros à frente e à trás, intercalando os lados.

- Girar os braços também para frente e para trás, e depois intercalado. Realizar o mais amplo

possível no plano sagital.

- Girar os braços realizando um círculo no plano frontal. Eleva-se o braço com o cotovelo

flexionado pelo centro do corpo, desce com o braço estendido à lateral. Fazer algumas vezes de

cada um dos lados, depois com os dois juntos, primeiro com ambos os braços no sentido medial

39

(eleva pelas laterais e desce pelo centro) e depois no sentido das laterais (eleva os braços na

linha central do corpo, flexionando os cotovelos, e desce com os braços estendidos pela lateral).

Cintura escapular:

- Realizar o movimento de rotação no eixo longitudinal, sentindo a torsão da coluna vertebral.

Quadril:

- Apoiar as mãos na região da crista ilíaca de forma confortável. Fazer a rotação do quadril para

ambos os lados.

Joelhos:

- Aquecer as mãos, esfregando uma à outra, para então, fazer o mesmo movimento com as mãos

no joelho, com intuito de aquecê-lo. Para manter uma melhor postura, apoiar o metatarso do pé

do mesmo joelho em questão, realizar em ambos os lados.

- Com os dois pés unidos, apoiar as mãos nas “coxas” e fazer o movimento de rotação com

ambos os joelhos ao mesmo tempo, para ambos os lados.

Tornozelos, joelhos e articulação coxofemoral:

- Girar 45° um dos pés ao chão e elevar o outro, apenas com a intenção de tirá-lo do chão,

executar o movimento de rotação com o tornozelo da perna elevada, fazer para ambos os lados,

o mais amplo possível. Chegando a fletir a planta e o dorso do pé.

- Sem encostar o pé ao chão, conectá-lo ao movimento de elevar a perna flexionando o joelho

a frente do corpo e o estender descendo, realizar o gesto de “pedalar a bicicleta” a frente do

corpo, sem deixar o tronco ir para trás. Elevar flexionando e depois elevar estendendo.

- Ainda sem tocar o pé ao chão, continuar a se equilibrar e flexionar o joelho elevando a perna

a frente do corpo e abrir o gesto para a lateral, descendo a perna e estendendo-a. Realizar um

movimento circular no plano frontal. Quando terminar executar com a outra perna os três

processos.

Coluna vertebral e parte posterior das pernas:

- Iniciar o movimento desenrolando a coluna a frente, primeiro a cabeça, depois seguindo até a

base da coluna, relaxando o tronco, sentindo a força da gravidade agir. Mas sem perder a

continuidade do movimento, desenrolar a coluna de volta, sendo a cabeça a última a subir.

Apoia-se então as mãos na região lombar e olha-se para o alto afim de alongar a coluna no

sentido oposto. Cuidar para não deixar a cabeça demasiada para trás, tencionando a nuca.

Postura de Wuji (Vazio Primordial - 无极):

- Para que os praticantes adquiram mais consciência corporal, a inércia de movimento é um

auxílio para tranquilizar à mente e propiciar o olhar para dentro de si. Nesta postura, unimos os

pés, pernas estendidas. Manter o alinhamento do osso occipital do crânio com o sacro, a base

40

da coluna vertebral. Axilas abertas, arredondando os braços e repousando a mão direita sobre a

esquerda à frente do Dantian. Fechar os olhos e realizar a meditação em pé.

Esta postura serve para nos alinhar e organizar o corpo externamente para algo interno,

o corpo precisa estar em certo ponto de relaxamento, mas ao mesmo tempo, ativo, acordado,

em equilíbrio. Conseguindo atingir a total concentração através da técnica corporal e o

esvaziamento do pensamento, o praticante sente um calor interno, além de aumentar a

percepção interna e externa do seu corpo e do seu redor. Este termo em mandarim é formado

por duas palavras, Wú (无) que significa vazio, nada; e Jí (极) que é o mesmo Ji de Taijiquan,

os dois termos juntos dão a ideia de estado vazio, ou de um ponto sozinho no universo, é o

estado do universo antes de tudo, antes do Taiji, antes dos dois pólos Yin Yang. Esta postura é

realizada também ao término da sequência do Baduanjin.

No Desenvolvimento da Técnica realizamos movimentos recortados do Baduanjin de

forma cíclica (o mesmo movimento repetidamente, continuamente). Com isso, o praticante

realiza o movimento de forma natural, se apropriando da sua essência ainda desprovida de

exagerados princípios técnicos. No início, o professor faz repetições, dando instruções verbais.

Quando os praticantes decoram o movimento, tem-se a oportunidade de andar pelo grupo e

corrigi-los. São escolhidos dois ou três movimentos da sequência para que os praticantes os

incorporem. No caso do Baduanjin, se os movimentos 2, 5, 6 ou 7 forem escolhidos, talvez seja

necessário que apenas eles sejam exercitados, pois apresentam maior grau de complexidade na

sua execução. Nesta parte da aula, por uma questão didática, dispomos os praticantes em fileiras

e colunas de frente para o professor.

Depois é trabalhada a Sequência Padrão. Repetimos algumas vezes a sequência inteira

do Baduanjin, com o professor à frente dos praticantes, para guiá-los quanto ao ritmo e técnicas

que são efetuadas. Neste momento, não empregamos a instrução verbal, é um momento de

extremo silêncio. Mesmo que ainda não tenham sido ensinados, passo a passo, todos os gestos

da forma – na etapa do Desenvolvimento da Técnica – os praticantes podem seguir por

mimetização e intuição.

A postura Abraçar a Árvore faz parte da Sequência Padrão de Baduanjin, sendo efetuada

antes dos seus oito movimentos. Com o objetivo de tranquilizar o corpo e a mente para a

realização da prática. Esta postura se desenvolve com uma base afastada mantendo o

alinhamento crânio-caudal. Abre-se as axilas e arredonda-se os braços à frente do tórax,

deixando os dedos das mãos apontados uns para os outros, formando um círculo com os braços

e o tronco. Fechar os olhos e tranquilizar a mente. Nesta postura, do umbigo para cima do corpo,

é importante que esteja relaxado. Nos membros inferiores é preciso sentir a musculatura aquecer

e os pés devem estar “plantados” ao chão, com fortes “raízes”.

41

Para encerrarmos fazemos um trabalho de autocuidado com a Automassagem facial e

corporal. Com os dois pés afastados na distância dos ombros e com os praticantes dispostos em

roda.

Inicia-se pelo rosto e cabeça:

- Aquecer as mãos e apoiar as palmas nos olhos, realizar isto três vezes.

- Com as pontas dos dedos, massagear as sobrancelhas do centro para fora.

- Massagear do centro para fora o maxilar, iniciando na lateral do nariz.

- Massagear as têmporas em movimentos circulatórios.

- Dedilhar levemente o topo da cabeça com o movimento dos dedos das mãos.

- Com as palmas das mãos, pressionar levemente os ouvidos e soltar.

- Abrir os dedos das mãos e massagear de baixo para cima os ouvidos, os encaixando entre os

dedos.

Tronco, pernas e braços,

- Fazer “conchas” com as mãos e realizar leves e repetidas batidas nos braços, iniciar nas palmas

subindo pela parte interno do braço e descendo pela parte externa, realizar este movimento em

ambos os lados repetidas vezes.

- Com o mesmo formato das mãos e movimentos, realizar estas repetidas batidas na parte

anterior do tronco, e na parte posterior, na região lombar.

- Ainda com as mesmas batidas, descer para as pernas, seguindo pela parte externa das pernas

e subindo pela interna.

Fazer círculos com o quadril deixando as mãos apoiadas na região da crista ilíaca, deixar

que o giro do quadril reverbere no restante do corpo. Por fim, girar o corpo todo, assim como

no início da aula, com os braços “soltos” ao lado do corpo, tirando o calcanhar (do pé oposto

ao movimento) do chão, deixando levemente o peso apoiado no seu respectivo metatarso.

Concluímos então, realizando o cumprimento novamente.

É relevante citar que não menciono durante quase toda a aula sobre a respiração, quando

expirar ou quando inspirar. Uma fala do Grão-Mestre Chen Xiaowang, do estilo Chen de

Taijiquan, nos revela como a preocupação em sincronizar respiração com movimento, em

alguns momentos, pode ser um equívoco:

[...] se você tem a postura errada e a respiração correta, você tem dois erros;

se você tem a postura errada e a respiração errada, você tem somente um erro,

porque a respiração está de acordo com a postura (Chen apud Silberstorff,

2005)

42

Quando realizamos um exercício com a preocupação de fazê-lo corretamente, não

estamos conseguindo nos focar nas sensações que o movimento proporciona. Quando se trata

de técnicas corporais chinesas, há um certo grau de complexidade; efetuar esta cultura de

movimento em sincronia com a respiração requer prática e estudo. Isso nos traz o sentido de

que apenas a concentração e a vontade de realizar um movimento não é o suficiente, é

necessário se atentar as técnicas corporais, antes de introduzir um grau a mais de complexidade

ao gesto. Por isso, indicamos que para os praticantes iniciantes, manter uma respiração natural

é o mais adequado, pois depois de incorporar o movimento, naturalmente o momento de inspirar

e expirar surgirá.

A proposta de trabalhar movimento por movimento e depois a sequência inteira, é de

fazer com que os alunos estudem os gestos com seu corpo, se apropriando dos detalhes da

técnica e dos seus efeitos terapêuticos. Por mais que esta prática seja considerada uma

meditação em movimento, estes devem ser elaborados e precisos, a ação de meditar é facilitada

a partir da técnica corporal bem executada. Além também de haver estágios nesta prática. Os

níveis elevados de Qigong ocorrem quando há a combinação meticulosa da técnica corporal

com a concentração plena do seu corpo, no fluir do Qi.

Esta sequência pedagógica deve ser desenvolvida de forma que não existam rupturas

durante a aula, cada parte está relacionada com a outra. Se for possível que esta prática seja

realizada ao ar livre é melhor, pois contribui para a sensação de estar conectado com natureza,

assim como o praticante com ele mesmo. Mas de qualquer maneira, independentemente do

local onde a pratica ocorre, é imprescindível a introdução de conceitos do pensamento oriental,

como, por exemplo, o fluir do Qi, os princípios do Yin Yang, a importância das emoções na

saúde etc. Afinal, as palavras guiam os praticantes na busca dos efeitos e das sensações das

práticas corporais terapêuticas chinesas.

3.2 – IMAGENS DO PROCESSO PEDAGÓGICO

A seguir são expostas as imagens do minicurso de Baduanjin, realizado na Universidade

Federal dos Vales Jequitinhonha e Mucuri. Este curso teve duração de duas horas, com duas

seções de cinquenta minutos. Trata-se de um primeiro contato com a técnica do Baduanjin com

o intuito de proporcionar uma experiência prática aos alunos. Participaram deste curso: Michael

Harison, Mônica Lucinda, Kelly Cristina, Suelen Almeida, Paula Novaes e Aline Alves.

43

Imagem 12 – Cumprimento inicial

Foto: Jáliton Ferreira

Imagem 13 – Postura Abraçar a Árvore.

Foto: Jáliton Ferreira

44

Imagem 14 – Primeiro movimento do Baduanjin, “Sustentar o céu com as palmas das mãos à

cima para regular o Triplo Aquecedor”.

Foto: Jáliton Ferreira

Imagem 15 – Terceiro movimento de Baduanjin, “Manter uma mão no alto para

regular as funções do baço e do estômago”.

Foto: Jáliton Ferreira

45

Imagem 16 – Sétimo movimento do Baduanjin: “Cerrar os punhos e projetar o olhar com firmeza para aumentar o Qi”.

Foto: Jáliton Ferreira

46

Imagem 17 – Oitavo e último movimento do Baduanjin, “Fazer vibrar as costas sete vezes para eliminar as cem enfermidades”.

Foto: Jáliton Ferreira

47

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve o intuito de trazer os conhecimentos e técnicas corporais da cultura

chinesa. Através do desenvolvimento cultural do Ocidente, percebo uma tendência em

fragmentar o corpo e, por conseguinte, os efeitos e as relações das técnicas com o ser que a

pratica. Além disso, as técnicas corporais chinesas podem recair em opostos díspares, ou se

apresenta uma forte exaltação do pensamento ou uma forte ênfase na técnica corporal. Ou se

trata de praticantes “exotéricos” que buscam fórmulas mágicas ou pessoas demasiadamente

preocupadas com a forma física e a performance.

Porém, em ambos os casos, quando se trata da cultura tradicional chinesa de movimento

para a saúde, não convém estas disparidades, mas sim a busca da constatação prática de seus

benefícios e as verdades que estão na eloquência dos pensamentos, na exuberância dos gestos

e no prazer do movimento.

Refletindo, portanto, sobre a área da Educação Física (EF), o embasamento da sua

cultura corporal é a ginástica (europeia); as práticas orientais são pouco estimuladas e

desenvolvidas na tradição desta área do conhecimento. Com isso, nós pesquisadores temos o

compromisso de discutir o saber de forma crítica e contextualizada, para além das nossas

fronteiras culturais, Paulo Freire (2011, p. 62) contribui quando se referiu a pesquisa:

Não tenho dúvida do insucesso do cientista a quem falte a capacidade de

adivinhar, o sentido da desconfiança, a abertura à dúvida, a inquietação de

quem não se acha demasiado certo das certezas. Tenho pena e, às vezes, medo,

do cientista demasiado seguro da segurança, senhor da verdade e que não

suspeita sequer da historicidade do próprio saber.

Com isso, questiono-me: esta organização pedagógica proposta nos auxilia em

sistematizar o ensino de Qigong em detrimento de sua orientariedade?

Quando estive na competição Internacional de Daoyin Yangshen Gong na China, me

deparei pela primeira vez com vários profissionais ocidentais desta área. O que me fez observar,

aquilo que Bueno (2012) chama de “esoterismo” ou o que Said (1990) chama de orientalismo

ou então o mal entendido trágico que Jung nos chama atenção quando diz que é um erro o desejo

do homem europeu de se tornar oriental! Por não ser algo inerente a sua cultura, muitos

ocidentais se sentem com a missão de absorver as tradições orientais em todos os âmbitos,

através de uma visão romântica e estereotipada dessa cultura. Quando, no entanto, os chineses

lidam com as práticas corporais terapêuticas de forma mais pragmática e concisa.

Percebo também, que estas práticas terapêuticas, por se tratarem de técnicas de baixo

impacto e benéficas a saúde, geralmente são relacionadas apenas às pessoas idosas. O que é um

48

erro, pois tais práticas podem se adaptar as diferentes idades e não apenas ser direcionadas para

pessoas já com vícios posturais e questões físicas já agravadas pelo tempo.

Quando retornei do intercâmbio de dois anos na China, me deparei com práticas

chinesas distintas das que vivenciei neste país. Além da maior parte da minha experiência ter

sido em universidades, o que eleva o nível técnico de performance, existem também diferenças

na expressividade do gesto, não as tornando em práticas erradas, mas sim em um resultado de

todo o processo histórico e cultural a qual os praticantes ocidentais estão inseridos.

Desta forma, assim como Freire nos alerta, sendo educadora física e das artes corporais

chinesas, pensar em lecionar sem contextualizar os conteúdos e sem levar em consideração a

cultura dos indivíduos seria uma falha neste processo.

Então, certamente não é possível transpor a China para o Brasil, todos seus hábitos e

conceitos. Porém, entender a sua cultura é um caminho de enriquecimento. Por isso, a

relevância de trazer esta cultura para ambientes como o do ensino superior em EF, pois abrindo

espaço para este conhecimento na universidade brasileira, podemos cultivar a cultura chinesa

afim de inseri-la dentre as práticas corporais pesquisadas e ensinadas aos estudantes de práticas

corporais de movimento.

Existem estudos na área da EF que contribuem para uma educação mais democrática,

respeitando as individualidades e sua historicidade. E se pensarmos em como estas práticas são

ensinadas em seu berço, estes conceitos ocidentais rompem com tradições educacionais

estabelecidas na China. Não desejamos copiar modelos chineses de ensino de Qigong, mas sim

desenvolver um trabalho autônomo e que respeite os fundamentos do cultivo da saúde.

49

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52

ANEXOS

ANEXO A – Ilustração dos canais dos meridianos, de acordo com a Medicina Tradicional

Chinesa, na visão anterior do corpo humano.

Fonte: Yong (1987)

Estão representados os canais que passam nos pés: meridiano da Bexiga (Tài Yáng –

太阳), do Baço (Tài Yīn – 太阴), do Fígado (Jué Yīn – 厥阴), do Rim (Shăo Yīn – 少阴) e do

Estômago (Yáng Míng – 阳明). Vaso Governador (Dū Mài – 督脉) E os canais que passam nas

mãos: o meridiano do Pulmão (Tài Yīn – 太阴), do Pericárdio (Jué Yīn – 厥阴) e do Coração

(Shăo Yīn – 少阴).

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ANEXO B - Ilustração dos canais do meridianos, de acordo com a Medicina

Tradicional Chinesa, na visão posterior do corpo humano.

Fonte: Yong (1987)

Está representado o canal que passa pelos pés, o meridiano da Bexiga (Tài Yáng – 太

阳). O Vaso Governador (Dū Mài – 督脉). E os canais que passam pelas mãos: o meridiano do

Triplo Aquecedor (Shăo Yáng - 少阳) e do Intestino delgado (Tài Yáng – 太阳).

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ANEXO C - Ilustração dos canais do meridianos, de acordo com a Medicina Tradicional

Chinesa, na visão lateral do corpo humano.

Fonte: Yong (1987).

Estão representados os canais que passam pelos pés: o meridiano da Bexiga (Tài Yáng

– 太阳), da Vesícula Biliar (Shăo Yáng - 少阳) e do Baço (Tài Yīn – 太阴). O Vaso Governador

(Dū Mài – 督脉). E os canais que passam pelas mãos: o meridian do Triplo Aquecedor (Shăo

Yáng - 少阳), do Intestino delgado (Tài Yáng – 太阳) e do Intestino Grosso (Yáng Míng – 阳

明).

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AUTORIZAÇÃO

Autorizo a reprodução e/ou divulgação total ou parcial do presente trabalho, por

qualquer meio convencional ou eletrônico, desde que citada a fonte.

_________________________________

Analiz Pergolizzi Gonçalves de Bragança

[email protected]

UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES JEQUITINHONHA E MUCURI

http://www.ufvjm.edu.br