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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTABÉIS E TURISMO CURSO DE TURISMO DEPARTAMENTO DE TURISMO O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA COMO ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DE CURUÇÁ PARÁ. LIANA SOUZA FREIRE NITERÓI 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTABÉIS E

TURISMO

CURSO DE TURISMO

DEPARTAMENTO DE TURISMO

O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA COMO ALTERNATIVA DE

DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DE CURUÇÁ – PARÁ.

LIANA SOUZA FREIRE

NITERÓI

2013

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LIANA SOUZA FREIRE

O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA COMO ALTERNATIVA DE

DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DE CURUÇÁ – PARÁ.

Trabalho de conclusão do curso apresentada ao curso de graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a

obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

Orientadora: Prof. Dra. Helena Catão H. Ferreira

NITERÓI

2013

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F866 Freire, Liana Souza. O turismo de base comunitária como alternativa de desenvolvimento local: o caso de Curuçá - Pará./ Liana Souza Freire – Niterói: UFF, 2013. 112p. Monografia (Graduação em Turismo) Orientador: Helena Catão Henriques Ferreira, D.Sc. 1. Turismo 2. Comunidade 3. Desenvolvimento 4. Curuçá (PA) CDD. 338.4791

O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA COMO ALTERNATIVA DE

DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DE CURUÇÁ – PARÁ.

por

LIANA SOUZA FREIRE

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Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Turismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Turismo. Orientadora: Prof. Dra. Helena H. Ferreira

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Prof. Dra. Helena Catão H. Ferreira - orientadora

__________________________________________ Prof. Dr. Marcello de Barro Tomé Machado

Departamento de Turismo - UFF

__________________________________________ Prof. Dra. Teresa Cristina de Miranda Mendonça

Convidada - UFRRJ

Aprovada em: ________________________

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Dedico este trabalho a Seu Cristóvão Cardoso, pescador vivido, guerreiro, eterno menino

e legítimo representante do homem amazônida e do povo

de Curuçá.

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AGRADECIMENTOS

A construção deste trabalho me trouxe uma gratificação que vai além do

sentido de estar fechando mais um ciclo da minha vida, pois permitiu

descobertas a respeito do papel que quero cumprir nesse mundo que até antes

do processo de sua elaboração eu desconhecia.

Especialmente e, sobretudo, agradeço à minha orientadora Helena

Catão, não só por ter cumprido seu trabalho com tamanha dedicação e

cuidado, mas por ter cedido bibliografia que me deu maior consciência política

e me permitiu uma visão mais real e humana sobre a sociedade em que

vivemos. Também agradeço a todos os momentos em que ultrapassou seu

papel de professora, se disponibilizando sempre a ouvir todas as minhas

aflições e me transmitindo serenidade e paciência. São infinitos os motivos

para sentir gratidão, mas não posso esquecer um em especial: sua

responsabilidade em ter me feito descobrir a importância e a beleza da

aproximação com o objeto de estudo. Impossível traduzir em palavras o quanto

amadureci e aprendi com essa experiência.

À minha família, agradeço pelo amor que me dedicaram ao longo de

todos esses anos, sem o qual não seria possível concluir este estudo. À minha

mãe, em especial, por me dar força, pelo interesse em ajudar, por acreditar em

mim e sonhar junto comigo sobre o meu futuro. Tudo o que sou, tudo que

construí e conquistei, devo a eles.

Impossível mencionar todos os amigos que me ajudaram direta e

indiretamente a concluir este trabalho. Porém, alguns nomes não podem de

nenhuma maneira, deixar de ser lembrados: Thaís Corrêa, Ana Carolina Gram,

Mayara Oliveira, Rafael Diaz, Thais Poubel, Thaís Cardoso, Amanda Coutinho,

Lorena Ramos, Marcelo Nunes, Caroline Castro, Ednez Gomes... Pelas

discussões sobre o tema, pelas sugestões, pelos que me acompanharam em

alguma das idas a campo, pelas correções, pelas ajudas nas pesquisas, pelo

auxílio na elaboração dos quadros, pelos livros emprestados e, acima de tudo,

por serem meus amigos, obrigada.

Por último, agradeço a todos os curuçaenses que concederam um pouco

do seu tempo para a realização das entrevistas, que foram fundamentais para

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a construção deste trabalho. Em especial, dedico minha gratidão a Charles

Cardoso e sua família, por terem me acolhido todas as vezes que fui ao

município, me ajudando com a pesquisa e me apresentando às infinitas e

inesquecíveis belezas de Curuçá.

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Nada está totalmente organizado em compêndios na cultura amazônica. É preciso errar pelos rios, tatear pelo escuro das noites nas florestas, (...),

vagar pelas ruas das cidades ribeirinhas, enfim, procurar na vertigem de um momento que se evapora em banalidades,

a rara experiência do numinoso. (...) Flanar pela cultura amazônica, deter-se aqui e ali, recorrer ao passado, reenviar-se ao presente (...)

Um mundo em que os deuses ainda não estão ausentes, as pessoas são capazes de prodígios diante da natureza e da vida.

Um mundo no qual as significações não desapareceram (...) Enfim, uma vida cultural em que o “ainda” é uma palavra chave,

seja de pesar, seja de esperança. Paes Loureiro

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RESUMO Como as outras atividades inseridas no sistema capitalista, o turismo,

quando voltado apenas aos benefícios econômicos, tem se apresentado como gerador de desequilíbrio ambiental, injustiça e exclusão social. Por esta razão, começam a surgir esforços para buscar caminhos alternativos que causem menos impactos negativos à natureza e às comunidades locais dos destinos visitados. Assim, o turismo de base comunitária nasce como instrumento de desenvolvimento local que preocupa-se em incluir os nativos nos processos de planejamento e execução da atividade, associando-se às suas dimensões culturais e ambientais. Graças a estas características, este modelo vem sendo adotado na região amazônica como subsídio para ajudar as comunidades “tradicionais” que habitam áreas com alto potencial ecológico a preservar sua natureza e melhorar suas condições de vida. O município de Curuçá foi escolhido para esta pesquisa por abrigar um projeto de ecoturismo de base comunitária financiado pelo Ministério do Turismo. O presente trabalho objetivou verificar na prática como ocorre esta experiência, analisar se mudou as condições de vida das pessoas envolvidas com a atividade, e em caso positivo, de que maneira; mostrar como ocorria os passeios e quais as principais dificuldades encontradas para implementação do turismo no município. Foram utilizadas como ferramenta metodológica as entrevistas em profundidade (auxiliadas pela observação direta) com gestores municipais do turismo; funcionários da Organização Não Governamental (ONG) Instituto Peabiru, responsável por dar assistência técnica à comunidade; e nativos de Curuçá.

Palavras-chaves: Turismo de base comunitária. Turismo. Desenvolvimento. Desenvolvimento local. Curuçá. Comunidade.

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RESÚMEN Así como otras actividades inseridas en el sistema capitalista, el turismo,

cuando se vuelta a penas a los beneficios económicos, presenta-se como generador de desequilibrio ambiental, injusticia y exclusión social. Por esta razón, empiezan a surgir esfuerzos que buscan caminos alternativos que generen impactos negativos más pequeños a la naturaleza y a las comunidades locales de los destinos visitados. Así, el turismo de base comunitaria nace como instrumento de desarrollo local preocupándose en incluir los nativos en los procesos de planificación y ejecución de la actividad, asociándose a sus dimensiones culturales y ambientales. Gracias a estas características, esto modelo está siendo adoptado en la región amazónica como subsidio para ayudar a las comunidades “tradicionales” que viven en áreas con alto potencial ecológico, a preservar su naturaleza y mejorar sus condiciones de vida. El municipio de Curuçá fue elegido para esta pesquisa por tener un proyecto de ecoturismo de base comunitaria que es financiado por el Ministerio de Turismo. El presente trabajo objetivou verificar en práctica como ocurre esta experiência, analizar si cambió las condiciones de vida de las personas envueltas con la actividad y, en caso positivo, de cual manera; y cuales las principales dificultades para la implementación del turismo en el municipio. Fueron utilizadas como herramienta metodológica, entrevistas en profundidad (auxiliadas por la observación directa) con gestores municipales del turismo; funcionarios de la Organización No Gubernamental (ONG) Instituto Peabiru, responsable pela asistencia técnica a la comunidad; y los nativos de Curuçá. Palavras-clave: Turismo de base comunitaria. Turismo. Desarollo. Desarollo local. Curuçá. Comunidad.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 Amazônia Legal 20

Mapa 2 Curuçá e seus municípios vizinhos 23

Mapa 3 Curuçá e suas comunidades. 24

Mapa 4 Distância entre Belém e Curuçá. 25

Quadro 5 Patrimônios naturais mais expressivos de Curuçá 27

Mapa 6 Resex Marinha Mãe Grande de Curuçá 33

Quadro 7 Deficiência da oferta de turismo comunitário 63

Mapa 8 Pará e seus polos turísticos 65

Quadro 9 Etapas do projeto de TBC de Curuçá 73

Mapa 10 Localização de Recreio, Pedras Grandes e Muriá 76

Mapa 11 Mapa com a localização da Praia da Romana 76

Quadro 12 Características dos membros do Instituto Tapiaim 83

Quadro 13 Estima de benefícios financeiros para o Instituto Tapiaim 84

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LISTA DE SIGLAS

ASMELC Associação de Meliponicultores de Curuçá

AUREMAG Associação dos Usuários da Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá

CCR Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá

COOPRENA Consórcio Operativo de Rede Ecoturística Nacional

ENTBL Encontro Nacional de Turismo de Base Local

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMBIO Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IEB Instituto de Ecoturismo do Brasil

IVT Instituto Virtual do Turismo

Mtur Ministério do Turismo

ONU Organização das Nações Unidas

PARATUR Órgão Oficial de Turismo do Pará

PIB Produto Interno Bruto

PEPTCE Federação Plurinacional de Turismo de Base Comunitária

PNDU Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento

PRODETUR-NE Programa de Ação para Desenvolvimento do Turismo no Nordeste Brasileiro

PROECOTUR Programa para o Desenvolvimento do Turismo na Amazônia Legal.

RESEX Reserva Extrativista

RESEX MGC Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande de Curuçá

TBC Turismo de Base Comunitária

TRC Turismo Rural Comunitário

SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação

SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

UCs Unidades de Conservação

UFPA Universidade Federal do Pará

WWF Wourld Wild Found

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

1 CURUÇÁ: TERRA DOS MANGUES E IGARAPÉS 18

1.1 A CRIAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS NA AMAZÔNIA

18

1.2 O MUNICÍPIO DE CURUÇÁ 23

1.2.1 Aspectos geográficos e culturais 26

1.2.2 Aspectos socioeconômicos e ambientais 29

1.2.3 A Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá 32

2 DESENVOLVIMENTO ALTERNATIVO, TURISMO ALTERNATIVO

37

2.1 UMA REFLEXÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO: DO PARADIGMA PREDOMINANTE AO LOCAL

37

2.1.2 Sobre o desenvolvimento predominante 38

2.1.3 Sobre o desenvolvimento local 41

2.2 O TURISMO COMO ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL

46

2.3 O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA 50

2.3.1 O surgimento do Turismo de Base Comunitária 50

2.3.2 Refletindo sobre a sua diversidade de conceitos 52

2.3.3 A nova relação entre visitante e visitado 57

2.3.4 Obstáculos para desenvolver o turismo em comunidades 60

3 O CASO DE CURUÇÁ 64

3.1 O TURISMO NO PARÁ

64

3.2 O TURISMO NA AMAZÔNIA ATLÂNTICA E EM CURUÇÁ 67

3.3 O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA DE CURUÇÁ 70

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3.3.1 Os primeiros passos 70

3.3.2 Sobre os passeios e as comunidades visitadas 74

3.3.3 As pedras no caminho 81

3.3.4 Os aprendizados e os novos caminhos 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS 101

APÊNDICES 107

ANEXOS 111

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INTRODUÇÃO O turismo contemporâneo apresenta-se como uma atividade

socioeconômica capaz de gerar divisas, oportunidades de trabalho e trazer

mais visibilidade para determinadas regiões. Na prática, contudo, estas

possibilidades nem sempre são alcançadas. Em muitos locais, o turismo se

desenvolveu de forma desenfreada, atentando principalmente aos benefícios

econômicos e acarretando desequilíbrios ambientais e injustiças sociais.

Por esta razão, começam a surgir esforços para buscar caminhos

alternativos que gerem menos impactos à natureza e às comunidades locais.

Assim, o Turismo de Base Comunitária (TBC) nasce como uma resposta que

se complementa e contrapõe ao principal modelo vigente: o denominado

“turismo de massa”. Diferencia-se dele, porque se baseia no desenvolvimento

local e na experiência entre turistas e anfitriões, e faz das comunidades

visitadas, as protagonistas reais da atividade, além de se preocupar em impor

limites ambientais ao seu desenvolvimento.

Os estudos sobre TBC defendem a ideia de que aliar a realidade de

determinada região a este tipo de turismo constitui uma maneira sustentável de

incitar o desenvolvimento local, podendo servir de subsídio para a mudança

das condições de vida de uma grande parcela da sociedade que tem sido

excluída ao longo dos anos dos benefícios gerados pela atividade. Neste

sentido, o turismo, quando bem intencionado e planejado, poderia promover a

diminuição de desigualdades e injustiças sociais.

A Amazônia, historicamente, não vem ocupando as preocupações

centrais do Estado, que muitas vezes posiciona-se de forma indiferente e

omissa em relação ao seu ambiente e a sua população. Assim, a região vem

enfrentando uma diversidade de problemas sociais causados pela falta de

acesso e conhecimento aos direitos básicos, pela má distribuição de renda,

pelo baixo acesso à educação e aos serviços públicos, pela subserviência aos

ditames dos interesses globais, que trazem índices recordistas de queimadas e

desmatamento, doenças (malária, dengue, desnutrição), violência, prostituição,

baixos salários e desemprego (MEIRELLES, 2006).

Diante deste cenário em que mudanças sucedem de maneira muito

rápida e com dimensões inesperadas, causando sérios desequilíbrios

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ambientais, disparidades e conflitos sociais, é notória a necessidade de

substituir modelos e criar atividades sustentáveis para ajudar a garantir os

direitos básicos aos cidadãos da Amazônia, além de assegurar que suas

florestas, com sua rica biodiversidade, sejam preservadas (MEIRELLES, 2006).

Com base nesses dados, não é de se estranhar que apesar de inúmeras

comunidades amazônicas habitarem localidades com potencial para as práticas

turísticas, continuam à margem dos processos e práticas do setor. E mesmo

que a região seja considerada como exuberante e exótica, são poucos os que

se dispõem a deslocar-se para visitar o local, seja pela falta de informações e

divulgação, seja pela escassez de infraestrutura turística (TAVARES, 2009).

O turismo de base comunitária foi uma alternativa econômica

considerada sustentável encontrada por alguns setores do movimento

ambientalista para se desenvolver nos territórios protegidos da Amazônia, já

que se trata de uma atividade diferenciada, de baixo impacto ambiental, e

assim sendo, uma possível ferramenta de geração de renda associada à

proteção da natureza e cultura local (SANSOLO, 2009).

Atualmente, já existem diversos programas deste tipo de turismo sendo

praticados na região com intuito principal de ajudar as comunidades

“tradicionais” que habitam áreas com alto potencial de ecoturismo a preservar

seu meio ambiente e melhorar suas condições de vida.

Por ter morado dezesseis anos no Pará e me interessado pela filosofia

do turismo de base comunitária, resolvi investigar o que estava sendo

desenvolvido no estado relacionado ao assunto. Assim, por meio da leitura do

livro “Turismo de base comunitária: uma diversidade de olhares e experiências

brasileiras”, descobri que o Ministério do Turismo (Mtur) havia lançando um

edital para financiamento de projetos e que dentre as cinquenta selecionadas

pelo Ministério, cinco eram de localidades da Região. No Pará, três destinos

foram contemplados: Vila do Pesqueiro na Ilha do Marajó, Santarém e Curuçá.

Em abril de 2004, a Rede Globo apresentou um vídeo no programa

“Ação”, que mostrava o ecoturismo de base comunitária que estava

acontecendo na cidade de Curuçá. Ao ver as belezas naturais locais e a

maneira como estava aparentemente bem organizado o projeto, o meu

interesse em estudar o lugar aumentou. Além disso, em razão da proximidade

com a capital Belém e da facilidade de deslocamento em comparação com

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outros destinos, e ainda por possuir uma reserva extrativista de mangue, palco

dos diversos conflitos comuns a outras localidades da região amazônica, o

município de Curuçá me pareceu ideal para a pesquisa de campo.

Dessa forma, enfocar este objeto de estudo foi uma maneira encontrada

de compreender melhor a região e de olhar sob o ponto de vista da teoria para

a realidade amazônica, além de entender como funciona o turismo de base

comunitária, já que estava sendo desenvolvido na região um projeto de

ecoturismo de base comunitária desde 2007, organizado por membros da

comunidade local, com auxílio técnico do Instituo Peabiru, uma ONG que

objetiva incentivar o ecoturismo e a educação ambiental na região amazônica.

Além disso, o fato de abordar um assunto contemporâneo, sobre o qual

ainda há carência de estudos, pode contribuir com a reflexão acadêmica,

relacionando a atividade às dimensões econômica, social, cultural e ambiental

de uma região com sérias carências em relação ao resto do país. Ademais, a

pesquisa de campo em Curuçá acarretou análises que podem ajudar a

fomentar este tipo de turismo na cidade, trazendo sugestões de acordo com as

percepções alcançadas por meio do estudo.

Assim, no início do mês de julho de 2012, fui a campo pela primeira vez

para conhecer um pouco do que estava sendo desenvolvido de turismo de

base comunitária na cidade. Logo de início, a hospedagem tornou-se um

entrave, pois ao averiguar os hotéis da região, percebi que as opções não só

eram escassas, mas caras para o baixo padrão oferecido. Porém, na segunda

quinzena de julho, o Instituto Peabiru concedeu a sua sede, facilitando meu

tempo de permanência na cidade, totalizando um período de oito dias.

Passada a primeira etapa, ao retornar a cidade de Niterói e começar a

escrever o trabalho, averiguei a necessidade de complementação das

informações obtidas em campo. Entretanto, surgiram dificuldades ocasionadas

pela distância, pois além dos entrevistados não responderem os meus e-mails,

o serviço telefônico municipal não era eficiente. Por isso, resolvi retornar a

campo no mês de janeiro de 2013. Desta vez, um dos pescadores locais,

Charles Cardoso, conseguiu que eu me hospedasse na casa de uma amiga

curuçaense, Noemi Cunha, que gentilmente me cedeu um dos quartos de sua

casa durante uma semana. Deste modo, o período da pesquisa de campo

totalizou quinze dias.

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O trabalho teve uma abordagem qualitativa, em que foram utilizadas

ferramentas da etnografia, como as entrevistas em profundidade e a

observação direta. Na etnografia, a representatividade numérica não é

relevante, o mais importante é o aprofundamento da compreensão de um

grupo social (ou organização, instituição, trajetória...). O mergulho no universo

estudado permite um aprendizado intenso do conteúdo em questão

(GOLDENBERG, 2003). Da Matta (1981) ressalta a importância de o estudioso

ter contato direto com os seus pesquisados, obrigando-o a entrar num

processo profundamente relativizador de todo o conjunto de modos de vida,

crenças e valores do grupo social em foco.

Para a realização da pesquisa de campo foram entrevistadas quinze

pessoas, das quais, duas eram funcionários do Instituto Peabiru responsáveis

por auxiliar a comunidade na organização da atividade turística, dois

funcionários da Secretaria de Turismo do município, quatro locais que

trabalhavam com o turismo de base comunitária, cinco moradores do município

e dois moradores locais da comunidade do Candeua, onde está sendo

organizado um novo projeto de turismo de base comunitária com auxílio da

prefeitura local em parceria com o Peabiru. A maior parte das entrevistas foi

gravada em vídeo, à exceção das cinco pessoas que não quiseram ser

filmadas. Durante o trabalho, algumas identidades foram omitidas, a pedido dos

entrevistados.

Inicialmente, os objetivos da pesquisa eram: descobrir como ocorria o

turismo de base comunitária na prática, analisar se a atividade havia mudado

as condições de vida dos moradores locais, e em caso positivo, de que

maneira; mostrar como eram organizados os passeios e, por fim, discutir como

acontecia a interação entre turistas e anfitriões, já que um dos diferenciais

deste tipo de turismo é a proximidade entre visitantes e visitados. Porém, ao

chegar a campo, percebi que a realidade estava bastante distante do esperado,

pois o destino não possui ainda uma demanda efetiva e o Instituto Tapiaim1

está inativo.

Deste modo, como o Instituto não estava mais operando os passeios

regularmente, não foi possível fazer a análise da experiência relacional entre

1 Instituição formada por nativos, responsável por promover o ecoturismo de base comunitária

no município de Curuçá.

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nativos e turistas, fazendo com que um dos objetivos fosse alterado. Assim,

optei por manter apenas os três primeiros objetivos citados no parágrafo acima,

porém adicionei outro objetivo: discutir sobre as dificuldades encontradas para

se implementar a atividade turística em comunidades, pois foi a questão que

mais se destacou na minha ida a campo.

Além das entrevistas feitas no município de Curuçá, utilizei pesquisas

bibliográficas que serviram para contextualizar e conceituar o turismo de base

comunitária dentro do debate teórico existente, além de confrontar estas ideias

com as entrevistas, de modo que o embasamento teórico pudesse auxiliar na

compreensão do meu universo empírico. É importante destacar que usei como

fontes de consulta as teses de Neleman (2010) e Queiroz (2011), uma vez que

foram escritas quando o Instituto ainda estava ativo, servindo como

complemento para descrição dos roteiros que eram operados pelos

comunitários e para obtenção de dados dos membros que compunham a

instituição.

O presente trabalho se estrutura em três capítulos. O primeiro capítulo

aborda a caracterização e contextualização da área de estudo. Primeiramente

discute a criação das reservas extrativistas na Amazônia. Em seguida, são

enfocados os aspectos geográficos, culturais, socioeconômicos e ambientais

do município, para no fim refletir sobre a criação da Reserva Extrativista Mãe

Grande de Curuçá.

No Capítulo 2, faço uma reflexão sobre o caminho da criação de novos

padrões de desenvolvimento, em resposta ao atual modelo vigente.

Posteriormente, são debatidos os motivos pelos quais o turismo de massa está

entrando em decadência e de que maneira a atividade turística pode servir

como ferramenta de desenvolvimento local. Por último, faço uma discussão

sobre a variedade de conceitos do turismo de base comunitária e sobre a

concepção de que é possível mudar a relação entre nativos e turistas, e suas

dificuldades e deficiências.

No Capítulo 3, descrevo o turismo do estado do Pará, de Curuçá e do

polo turístico em que o município está inserido. Por fim, apresento como foi

percebido por meio da pesquisa de campo o turismo de base comunitária da

cidade, mostrando seu surgimento, como eram operados os passeios, as

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dificuldades no processo de sua construção, os seus benefícios, e os caminhos

encontrados pelos comunitários para dar prosseguimento à atividade.

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1 CURUÇÁ: TERRA DOS MANGUES E IGARAPÉS2 Este capítulo visa informar o leitor sobre a localidade da pesquisa.

Primeiramente, fala-se da criação das reservas extrativistas na Amazônia, visto

que a área de estudo possui uma reserva extrativista, o que influencia

cotidianamente a vida de sua população. Posteriormente, são abordados seus

aspectos socioeconômicos, ambientais e culturais e por fim, a criação da

Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande de Curuçá (RESEX MGC), bem

como suas implicações para o meio ambiente e a sociedade locais. A escolha

de não delimitar uma área específica dentro do município, justifica-se em razão

de que o turismo de base comunitária tratado neste trabalho envolve membros

de diversas comunidades espalhadas por sua grande extensão territorial. E,

também, porque independente da comunidade que vivem e de suas diferenças,

todos se consideram “filhos de Curuçá”.

1.1 A CRIAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS NA AMAZÔNIA

A Amazônia Continental3 ocupa 50% da superfície da América do Sul.

Estima-se que a região corresponda a mais de 90% das florestas tropicais da

América Latina, equivalendo a mais da metade do que resta desse

ecossistema no planeta, cerca de 6,5 milhões de km2. Em 5% da sua superfície

terrestre, detém mais de um terço da biodiversidade global. Sua hidrografia é a

maior do planeta, concentrando cerca de 15% das águas doces em forma

líquida superficiais da Terra. Em termos demográficos, a Amazônia Legal4

2 Igarapé é um termo amazônico que vem do nheengatu, língua originária do tupi-guarani. Na

língua tupi, significa “caminho de canoa”. São “braços estreitos de rios pequenos, médios ou grandes, onde a maioria possui águas escuras e navegáveis por pequenas embarcações, caracterizados por pouca profundidade e por correrem no interior das matas que os recobrem como túneis vegetais.” Disponível em: <www.colegioweb.com.br/geografia/a-bacia-amazonica.html> e <ademirhelenorocha.blogspot.com.br/2010/03/ilhas-rios-igarapes-furos-de.html>. 3 A Amazônia Continental abrange os países que possuem o domínio ecológico amazônico,

com 3,64 milhões de km2, representando 5% de terra firme do globo e abrangendo o território

de 8 países: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Peru, Suriname, Venezuela e Brasil. (MEIRELLES, 2006) 4 Conceito criado pela Constituição Federal do Brasil que abrange além dos sete Estados da

Região Norte (Acre, Roraima, Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá), parte do norte do Estado do Mato Grosso e parte do oeste do Estado do Maranhão, totalizando uma área que representa cerca de 60% do território brasileiro. (MEIRELLES, 2006)

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(Mapa 1) possui uma das menores populações do mundo (24 milhões), onde

10% são considerados “tradicionais” – índios, quilombolas e caboclos; estes

últimos divididos em ribeirinhos, seringueiros, pescadores artesanais,

quebradeiras de coco, pequenos agricultores, etc; além de mais de 220 mil

índios de 180 Nações (MEIRELLES, 2006).

Mapa 1: Amazônia Legal. Fonte: Imazon

5, 2012.

Na década 1940 e 1950, com a instalação da Superintendência de

Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o governo federal elaborou uma

proposta para desenvolver a região, formando “uma nova região dentro da

região amazônica” (TAVARES, 2009, p. 251). Essa proposta, todavia,

supervalorizava o viés econômico, no sentido de planejar o desenvolvimento

apenas por meio de construção de infraestrutura e instalação de indústrias.

Promoveu-se, assim, “a criação de rodovias, o estímulo à emigração, a

liberação de incentivos fiscais e a instalação de grandes projetos agrícolas,

minerais e hidroelétricos que interligaram a região ao centro-sul e ao capital

multinacional” (TAVARES, 2009, p. 251).

Segundo Tavares (2009):

5 Disponível em: <http://www.imazon.org.br/mapas/amazonia-legal/image_view_fullscreen>.

Acesso em: 25 jul. 2012.

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Essa intervenção estatal na região provocou uma nova dinâmica sócio-espacial. A região-planejamento ao se sobrepor à região natural promoveu um processo dinâmico e contraditório no contexto da relação sociedade natureza; a natureza já não se apresentava intocável e nem em equilíbrio perfeito com o homem e o homem não se encontrava em equilíbrio perfeito com os outros homens. (p. 251)

Dessa forma, houve uma justaposição da degradação da natureza que

trouxe desigualdades sociais, além de territorialidades diferenciadas e

contraditórias no espaço amazônico (TAVARES, 2010). A antiga unidade

regional, voltada para natureza, tornou-se obsoleta com a dinâmica dos

processos de apropriação que passaram a ocorrer na Amazônia (TAVARES,

2010).

Por isso, facilita-se a compreensão de que ainda que abrigue a maior

biodiversidade, metade das espécies terrestres do planeta e populações

tradicionais com uma imensurável herança cultural, a região enfrenta diversos

problemas ambientais e sociais, que incluem baixa escolaridade, carência de

infraestrutura básica, má distribuição de renda, conflitos de terra, além de um

legado de campeão mundial em queimadas e desmatamentos6 (MEIRELLES,

2006).

Neste sentido, importantes iniciativas entram em curso, na busca de

alternativas para a superação dos problemas identificados na região. Em 2000,

o governo brasileiro trouxe uma proposta de ampliar o Sistema Nacional de

Unidades de Conservação - SNUC (Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000) - na

Amazônia. E dentro dessa proposta, um novo conceito de área protegida: as

Reservas Extrativistas (RESEX), originárias do movimento seringueiro7 – na

busca da superação pelos conflitos de posse de terra – e concebidas sob a

6 Em menos de meio século a Amazônia brasileira perdeu próximo a 17% de sua cobertura

vegetal. Esta área equivale a 70 milhões de hectares, correspondendo a uma superfície igual à soma das áreas dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. (MEIRELLES, 2006) 7Na década de 80, diante de um modelo de desenvolvimento predatório e concentrador de

riquezas adotado pelo Estado brasileiro que ameaçavam os territórios tradicionais das comunidades que viviam no entorno das florestas, a Reserva Extrativista origina-se como crítica aos desmatamentos crescentes ocorridos na Amazônia que transformaram imensas áreas de florestas, ricas em biodiversidade, em campos de pastagens. As reivindicações do Movimento Seringueiro objetivavam o fim da colonização nas áreas dos seringais e a concessão destas áreas às populações locais, para que pudesse ser mantida a atividade

extrativista, a exemplo do que já acontecia nas terras indígenas (NELEMAN, 2010; MORAES, 2009).

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lógica de integração entre a sociedade e a natureza (MEIRELLES, 2006;

MORAES, 2009).

Segundo Chaves (2010, p. 45):

Esses movimentos originaram-se da parceria de populações locais em defesa dos recursos naturais fundamentais para a sua sobrevivência, proliferação de organizações não governamentais que atuam na luta pelo meio ambiente e que agora, sob uma outra concepção buscava proteger os meios de vida e cultura de populações envolvidas.

O SNUC divide as categorias de Unidades de Conservação (UCs) em

dois grandes grupos: proteção integral e de uso sustentável. As reservas

extrativistas estão dentro do segundo grupo e são menos restritivas, admitindo

a presença do homem e a realização de suas atividades extrativistas, desde

que seja de forma sustentável. (MEIRELLES, 2006; MORAES, 2009).

Segundo o SNUC este tipo de unidade de conservação é utilizado pelas

populações tradicionais que habitam essas áreas, cujo sustento baseia-se no

próprio extrativismo, na agricultura e na criação de animais de pequeno porte, e

tem como objetivos básicos proteger os seus meios de vida e a sua cultura,

além de assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. Para

Moraes (2009), este modelo vem sendo defendido por vários segmentos da

sociedade civil organizada, como uma das alternativas para o desenvolvimento

social, econômico, cultural e ecológico da Amazônia.

No entanto, embora tenha surgido na tentativa de solucionar problemas

das comunidades que vivem no entorno dessas áreas, muitas críticas são

feitas a respeito do modelo RESEX. Primeiro, porque a questão da

manutenção do extrativismo está diretamente vinculada ao tradicionalismo, que

para Allegretti (1994 apud Souza, 2010) carrega o peso do “convencional” e

não permite alternativas econômicas e sociais que contemplem a

especificidade destes grupos sociais. Dentro dessa perspectiva, a ideia de

conservação do extrativismo poderia tirar a liberdade dessas comunidades de

escolher novos caminhos para se desenvolver e melhorar suas qualidades de

vida.

Além disso, o processo de implementação de uma RESEX depende de

organização social e política e deve estar associado a garantias de implantação

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de serviços básicos e essenciais, ainda precários em grande parte das áreas

amazônicas, como saúde e educação básica. Por fim, nota-se que ainda são

limitados os financiamentos que apoiem cadeias produtivas extrativistas.

(CNPT, 2006; ALLEGRETTI, 1987 apud MORAES, 2009).

1.2 O MUNICÍPIO DE CURUÇÁ

Curuçá possui uma extensão territorial de 673,30km2 e pertence à

mesorregião do nordeste paraense e a microrregião do Salgado. Ao norte,

limita-se com o Oceano Atlântico, a leste com o Município de Marapanim, ao

sul com o de Terra Alta e a oeste com os Municípios de São Caetano de

Odivelas e São João da Ponta (Mapa 2). A cidade possui 34.294 habitantes

divididos em cinquenta e duas comunidades (Mapa 3) que são distribuídas em

oito distritos, sendo eles as vilas Lauro Sodré, Ponta de Ramos, Araquaim,

Murajá, Mutucal, Boa Vista do Iririteua, Nazaré do Mocajuba e a Povoação São

João do Abade. Contanto, também, com mais sessenta e duas localidades

rurais distribuídas ao longo desses distritos, das quais 23 localizam-se nas

regiões dos rios e várzeas, e trinta e nove estão na zona do planalto (ESTADO

DO PARÁ, 2011; IBGE, 2010).

Mapa 2: Curuçá e seus municípios vizinhos Fonte: Instituto Virtual do Turismo (IVT), 2009

8.

8 Disponível em: <http://www.ivt-

rj.net/ivt/indice.aspx?pag=n&id=10513&cat=NORTE%20.%20Par%C3%A1&ws=0> Acesso em: 04 ago. 2012

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Mapa 3: Curuçá e suas comunidades. Fonte: Queiroz, 2007.

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A origem do município está diretamente relacionada com a chegada dos

missionários da Companhia de Jesus na localidade atualmente conhecida

como Abade (Mapa 3, APÊNDICE G), no século XVII. Como a região não lhes

provia as condições básicas de sobrevivência, principalmente pelo fato de que

a água dos arredores era salgada, partiram em busca de outro lugar para se

instalar. Encontraram, às margens do rio Curuçá, uma feitoria de pesca e ali

mesmo fundaram uma fazenda, com o mesmo nome do Rio, que na língua tupi

significa “cruz”9. A fazenda, erguida sob a devoção de Nossa Senhora do

Rosário, posteriormente, deu origem à atual cidade de Curuçá. (ESTADO DO

PARÁ, 2011; FIGUEIREDO, 2007)

Partindo da capital Belém, seu acesso é feito pela Rodovia BR-010 até o

município de Castanhal, de onde se segue pela Rodovia PA-136 (Mapa 4),

totalizando um percurso de cerca de duas horas. Os aeroportos mais próximos

localizam-se na capital, o Aeroporto Internacional de Belém e o Aeroporto Júlio

César. Também é possível chegar a Curuçá por via fluvial e embarcações

fretadas. (MARTINS, 2010; INVENTÁRIO, 2012). Em Curuçá, conta-se com

associação de barqueiros, taxistas e mototaxistas para o transporte dentro do

município.

Mapa 4: Distância entre Belém e Curuçá. Fonte: Elaboração própria com auxílio do Google Maps

10, 2013.

9 Existe também a versão de Ferreira (2006 apud SOUZA, 2010) que curu significa “seixos e

cascalhos” e ça (na verdade, “çaba”) “em que”, logo, de acordo com este autor, Curuçá significaria “lugar em que há seixos e cascalhos”. 10

Disponível em: <https://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&tab=wl&authuser=0> Acesso em: 05 dez. 2013

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1.2.1 Aspectos geográficos e culturais

O clima do município é equatorial amazônico, caracterizando-se pelas

temperaturas elevadas (em média 27°C), sendo os meses mais chuvosos de

janeiro a junho, e menos chuvosos, de julho a dezembro. A cobertura florestal

original, Floresta Tropical Amazônica, foi praticamente removida na totalidade,

em consequência dos desmatamentos ocorridos extensiva e intensivamente,

para o plantio de espécies de subsistência, ocasionando o predomínio de

florestas secundárias. De cobertura vegetal virgem, há as florestas de mangue,

que ocupam regiões litorâneas e semi-litorâneas, sendo influenciadas pela

salinidade do mar. (ESTADO DO PARÁ, 2011)

Entretanto, a pobreza morfológica do relevo é compensada pela rica

hidrografia, formada por igarapés, furos11 e rios onde os mais importantes são

o Mocajuba e Curuçá. Existem ainda diversas ilhas de considerável extensão e

formação recente que se comunicam por furos e apresentam praias atlânticas

(ESTADO DO PARÁ, 2011).

Curuçá possui uma riqueza de atrativos naturais, possibilitando

caminhadas por diferentes ecossistemas (manguezal, campos savanóides,

floresta de terra firme, bacurizal e umirizal) com observação de pássaros da

região. Dentre os patrimônios naturais, destacam-se a praia da Romana12

, de

Mariteua e do Sino; os furos Muriá e Grande, as ilhas Ipomonga e Mutucal,

assim como os recantos Arapironga de Dentro, Bosque da Igualdade e Bosque

Centenário (ESTADO PARÁ, 2011; BATISTA, 2010). Segundo Figueiredo

(2007), os patrimônios naturais mais expressivos de Curuçá podem ser

resumidos no quadro a seguir:

11

“Furo” é um termo genuinamente amazônico que denota um pequeno canal estreito de grande profundidade que serve como caminho natural entre dois rios ou entre um rio e uma lagoa de várzea (lagoa formada na época da cheia do rio), servindo como espécie de atalho. Disponível em: <www.colegioweb.com.br/geografia/a-bacia-amazonica.html> e <ademirhelenorocha.blogspot.com.br/2010/03/ilhas-rios-igarapes-furos-de.html>. Acesso em: 20 out. 2012. 12

Segundo relatos ouvidos em campo, um dos atrativos naturais de maior destaque é a Praia da Romana, a mais popular do município. Com mais de 14 km de extensão, a praia é rodeada de dunas, com grandes chances de revoadas de guarás e garças.

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Patrimônios naturais mais expressivos de Curuçá

Praias Mariteua, Sino, Romana, Cipoteua, Guarás, Praia do Furo, Prego, Areua, Praia Grande, Sacaiteua, Varador e Lombo

Furos Furo Muriá ou Maripanema, Furo Grande, Praia do Furo, Araguain, Cajutuba e Moacajuba

Ilhas Ipomonga, Mutucal, Pacamorema, Santa Rosa, Cipoteua, João Lopes, Bagre, Tucumandeua, Guarás e Varador

Igarapés Cachoeira, São José, Salomão, Andiroba, Da Prata, Braço Grande, Pau Amarelo, Tucumã, Santa Maria, Pau Grande, Igarapé dos Falcos, Guará, Maripanema, Mutucal, Riozinho, Poção, Repartimento e Pimenta

Quadro 5: Patrimônios naturais mais expressivos de Curuçá. Fonte: Elaboração própria baseada na tabela feita por Figueiredo (2007).

Em relação a sua cultura, o município se destaca pelo seu povo

receptivo e pelas suas manifestações religiosas. No dia 29 de junho, acontece

a festa em homenagem a São Pedro, típica de pescadores. No segundo

domingo do mês de setembro, é festejada Nossa Senhora do Rosário

(padroeira da cidade), quando há uma transladação da sua imagem, saindo da

Igreja Matriz até a capela Nossa Senhora do Rosário, em um percurso de cerca

de 3 km, reunindo milhares de pessoas. Em dezembro, no terceiro domingo,

ocorre a Festa em Louvor a São Benedito. Nessas ocasiões festivas, é comum

a realização de procissões, ladainhas, arraial, leilões, derrubada de mastros de

flores e apresentação de danças típicas da região (ESTADO DO PARÁ, 2011,

FIGUEIREDO, 2007).

Outros eventos e festas também marcam o calendário do município. Na

última semana do mês de julho, há o Festival do Folclore, quando são

apresentadas quadrilhas juninas e manifestações culturais com boi-bumbás,

dança Lundu e grupos de Carimbó13. A cidade é bastante procurada no

carnaval, período em que um dos blocos mais tradicionais do Pará, o

“Pretinhos do Mangue”, traz como tema assuntos relacionados ao meio

ambiente e se apresenta nas ruas curuçaenses repleto de seguidores de todo o

13 O Carimbó é uma dança tradicional de Curuçá, considerado um dos municípios responsáveis

pelo surgimento deste ritmo regional paraense.

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estado que, como requisito para participar da festa, tem de espalhar o barro

dos manguezais pelo corpo (ESTADO DO PARÁ, 2011; AGÊNCIA PARÁ, [s.d])

A cidade conta com escolas centenárias; Palacete “Barbosa de Lima”

(1895); Palacete dos Andirás (séc. XVIII), onde se localizava o colégio para os

padres jesuítas. Curuçá também possui uma diversidade de igrejas e capelas

no seu acervo de arquitetura religiosa, com destaque à Igreja Nossa Senhora

do Rosário, cuja construção teve início no ano de 1727. Há ainda o Cemitério

São Bonifácio, fundado em 1925, com sua fachada secular ainda conservada.

(INVENTÁRIO, 2012)

Em relação ao artesanato, é possível conhecê-lo por meio de visitas às

comunidades. A Associação de Artesãos de Marauá trabalha com cerâmica

para jardinagem. Através da argila, desenvolveram uma linha de produção de

animais silvestres que representam a selva amazônica. Há ainda uma linha de

produtos à base de mel desenvolvida pela Associação dos Melipolicultores de

Curuçá, tais como esfoliantes, cremes, sabonetes, hidratantes, xampus, etc.

Ademais, existem artesãos que trabalham com madeira, pinturas em telhas,

maquetes de talo de açaí, cosméticos, além de material decorativo com

sementes, galhos e conchas (INVENTÁRIO, 2012).

Para conhecer a gastronomia, tanto no Mercado Municipal do Abade,

como no Mercado Alcindino Ferreiro de Campos, é possível encontrar recursos

pesqueiros como caranguejos, mexilhões e peixes, que norteiam a alimentação

local. Na cidade, também se pode ver com facilidade comidas típicas do Pará,

em barraquinhas de vendedoras nativas, como a maniçoba, o vatapá e o

tacacá (INVENTÁRIO, 2012).

Entretanto, segundo Figueiredo (2007), apesar de sua diversidade de

manifestações tradicionais, o município ainda é carente de lugares e atividades

voltados para atividades culturais, o que revelaria o desinteresse dos dirigentes

municipais em fomentar e incentivar a cultura por meio de espaços e ações

voltados para este fim.

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1.2.2 Aspectos socioeconômicos e ambientais

Segundo Souza (2010, p. 96) o município de Curuçá assemelha-se a

diversas localidades ribeirinhas da Amazônia, no qual “as relações são um

produto de um cotidiano marcado pela apropriação da natureza pelo homem,

principalmente o rio”. Neste sentido, a relação da população curuçaense com o

meio ambiente local adquire diversos significados, que englobam trabalho,

sustento e lazer. Conforme o mesmo autor, a delimitação dos territórios

produtivos do local se deu pela ocupação secular de grupos comunitários

nesses espaços, fazendo com que conhecimento empírico sobre o ambiente

ribeirinho tenha se cultivado por muitas gerações.

Por esta razão, a localização geográfica de Curuçá no estuário

amazônico, próximo à costa atlântica, a torna propícia às atividades ligadas à

pesca14 e à extração de mariscos. A pesca é utilizada para o consumo

doméstico, porém, também visa o abastecimento do mercado local, nacional e

internacional. A prática da agricultura também é importante (BATISTA, 2010).

Por possuir estas características, a economia do município gira em torno

da pesca, da extração de mariscos como caranguejos e mexilhões, e da

pequena agricultura familiar com predomínio da lavoura da mandioca, cultivo

de hortaliças e frutas variadas, geralmente para consumo familiar e/ou

comercializadas na própria comunidade. Em pequena escala, tem-se criação

de gado bovino, suíno e ovino, galinhas, produção de ovos e mel de abelha

(BATISTA, 2010). Segundo Batista (2010), as características geográficas de

cada localidade é que determinam as atividades exercidas pelas comunidades.

Além das atividades ligadas à natureza, a economia do município

atualmente conta com um comércio já consolidado que envolve cybers,

borracharias, farmácias, lanchonetes, lojas, sapatarias, perfumarias,

mercenárias, óticas, padarias, postos de combustíveis, supermercados,

restaurantes, entre outros (INVENTÁRIO, 2012). Porém, a sua grande maioria

localiza-se na sede de Curuçá e no Abade, partes urbanas do município.

14 Os mangues, rios, estuário com bastante diversidade para pesca, atendiam aos interesses da

Coroa Portuguesa de penetração e fixação da região. Esse passado, ligado à atividade pesqueira, foi determinante para os jesuítas estabelecerem uma feitoria de pesca, pois a disponibilidade de alimentos era essencial para permitir a fixação e a interiorização da colonização. O peixe, rica fonte de proteínas, abundante em todo estuário, conservado pelo sal, permitia que houvesse seu transporte durante longas viagens. (BATISTA, 2010)

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Curuçá é um município predominante rural, onde 65% dos seus

habitantes vivem em áreas rurais e 50% da população têm como ocupação

principal atividades ligadas à natureza (IBGE, 2010). Trata-se de uma região

onde 74% da população é considerada pobre, com Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH) de 0,53 e IDH renda de 0,56 (MEIRELLES; SÁ; CARVALHO,

2009), onde seus habitantes constantemente se veem enfrentando problemas

sociais, ligados à falta de fossa séptica e redes de esgoto, à ausência de coleta

de lixo que leva as comunidades a enterrarem e queimarem seus detritos, a

altos índices de analfabetismo, à ausência de bons postos de saúde, bem

como carência de escolas (a cidade só possui uma escola de ensino médio na

sua sede) (MEIRELLES; SÁ, 2009).

Devido às distâncias geográficas entre as vilas e povoados da cidade

(Mapa 3), as comunidades curuçaenses vêm tentando se organizar por meio

de associações e cooperativas, com intuito de alcançar a otimização do uso

dos recursos naturais disponíveis na RESEX MGC, bem como servir de ponte

para uma melhor qualidade de vida (MARTINS, 2010). A cidade conta com

cinquenta e uma associações, das quais quarenta e oito são registradas na

prefeitura (INVENTÁRIO, 2012).

De acordo com Figueiredo (2007) quando surgem ameaças ao ambiente

que as comunidades vivem, alterações irreversíveis passam a existir na

estabilidade dos recursos naturais e consequentemente, nas relações sociais.

Segundo Martins (2010), novas concepções sobre a relação sociedade x

natureza demonstram que o meio ambiente como natureza é o próprio homem

e que ação do segundo sobre o primeiro está levando à ampla destruição de

ambos.

Nesse sentido, a população curuçaense vive o temor de que a chegada

do progresso possa acabar com a sua principal fonte de renda (KOTSCHO,

2008). Essas ameaças configuram-se em situações que poderão ser

vivenciadas futuramente, com a aprovação de um dos projetos de

megaempreendimentos portuários, o porto flutuante da Anglo-American ou

porto off-shore do Espardate, na região da Ponta da Tijoca, situada na Praia da

Romana15 (ANEXO D) (CHAVES, 2010). No aspecto ambiental, a construção

15

O interesse pelo local advém principalmente, de suas águas calmas, com profundidade de 25 metros, sem precisar de dragagem. (MEIRELLES; SÁ; CARVALHO, 2009).

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dessas estruturas traria a possibilidade de derramamento de óleo e de outros

produtos que poderiam causar poluição. No aspecto social, acarretaria

impactos como aumento da população, riscos para comunidades mais

vulneráveis, bem como formação de bairros irregulares, desestruturação social

e conflitos por acesso aos recursos naturais em razão da exaustão dos

manguezais (MEIRELLES; SÁ; CARVALHO, 2009).

Todavia, ameaças ambientais também se relacionam a situações

cotidianas, a exemplo dos grandes currais de pesca (ANEXO A) instalados por

pescadores advindos de diversos estados nordestinos que vem provocando

assoreamento dos rios e colocando em risco de extinção uma diversidade de

espécies marinhas (KOTSCHO, 2008). Segundo Kotscho (2008, p. 58), estas

realidades:

São um drama secular das regiões remotas do Brasil, desde Pedro Álvares Cabral, invadidas de uma hora para outra por forasteiros em busca de suas riquezas naturais, colocando em risco a cultura de subsistência das populações nativas, que se organizam para resistir às mazelas do chamado progresso.

A parte dessas ameaças, Souza (2010) também atenta sobre o

desinteresse das novas gerações em relação às atividades consideradas

tradicionais e uma possível consequência de perda de identidade destas

comunidades, levando a uma alteração de realidade social e cultural. Segundo

Martins (2010), um dos atritos mais graves que ocorre na área da RESEX

MGC, justifica-se na subjugação da pesca artesanal pela pesca industrial,

levando os jovens de Curuçá a se sentirem desestimulados a continuar com o

modo de vida dos pais e saírem em busca de novas oportunidades de trabalho

ou estudo em Belém ou Castanhal, acabando por morar na periferia destes

municípios.

Conforme Gonçalves16 (2009 apud Martins 2010):

Na medida em que os jovens percebem a luta inglória de seus pais, não desejam repetir a mesma trajetória de seus antecessores. O próprio arsenal precário que cerca o esforço de pesca fragiliza a saúde do pescador exposto extensivamente ao sol e intempéries sem

16

Sandra Gonçalves, então presidente da AUREMAG do ano de 2009, foi entrevistada por Martins em 30 de novembro de 2009.

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a proteção adequada, contraem enfermidades no sistema ósseo e urinário, alem de outras mazelas. (p.116)

Além disso, as oportunidades de emprego tem uma estreita dependência

com a política do município. Durante as eleições, a cidade se divide em dois

lados e só consegue emprego quem se alia a algum candidato. Porém, no caso

do candidato apoiado perder, as chances de arrumar trabalho tornam-se

ínfimas, só se mantendo nos cargos públicos, por exemplo, quem é

concursado. Este fator impulsiona ainda mais o êxodo da população17.

Outra questão preocupante diz respeito à especulação do uso do solo

neste território. Como já ocorrido em outras localidades amazônicas, também

existe a preocupação de que haja uma contínua desapropriação de terrenos de

moradores locais no futuro, haja vista que alguns pescadores vêm vendendo

terrenos dentro da Reserva para servir de casa de veraneio para turistas e para

pessoas de estados vizinhos que se mudam para o município (SOUZA, 2010).

Este fator só tende a aumentar com a construção do porto na Praia da

Romana.

Com base nas informações abordadas nesse item, é possível inferir que

Curuçá necessita encontrar soluções urgentes para o manejo racional dos seus

recursos naturais e meios de desenvolvimento local capazes de trazer mais

oportunidades para sua população. Uma das propostas para estes objetivos

será abordada no item seguinte, com a criação da RESEX MGC.

1.2.3 A Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande de Curuçá

Entre Belém, no Pará, e São Luís, no Maranhão, localizam-se “os mais

extensos, complexos e biodiversos manguezais do planeta” (MEIRELLES; SÁ,

2009, p. 8). Segundo os mesmos autores, na Costa Norte brasileira (AM, PA e

AP), concentra-se 85% dos manguezais do país, dos quais 270 mil hectares no

litoral nordeste do Pará, onde aproximadamente 37 mil hectares de estuário18

fazem parte da Resex Marinha Mãe Grande de Curuçá .

17

Informação obtida em campo de acordo com a percepção da autora e de relatos de entrevistados. 18

Região onde as águas dos rios interagem com as do oceano (FIGUEIREDO, 2007)

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33

A RESEX MGC está inserida no município de Curuçá (Mapa 6) e foi

criada no Decreto de 13 de dezembro de 2002 “com os objetivos de assegurar

o uso sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis,

protegendo os meios de vida e a cultura da população extrativista local”

(BRASIL, 2002). De acordo com Souza (2010) seu nome foi escolhido pela

própria comunidade, pois a Mãe (Gaia) passaria a ideia de origem comum dos

pescadores e extrativistas em relação ao território da Reserva. Rocha (2010

apud QUEIROZ, 2011, p. 32) também acrescenta que este nome traz a ideia

de sustento, no sentido de que a floresta seria uma espécie de mãe que dá

alimento para seus filhos, concedendo seus peixes, caranguejos e siris.

Mapa 6: RESEX Marinha Mãe Grande de Curuçá. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE [s.d], apud CHAVES, 2010).

Por ser uma RESEX marinha, Mãe Grande é constituída por famílias de

pescadores, agricultores e extrativistas que vivem nos arredores da maré e por

uma área urbana que se configura pela sede do município de Curuçá

(APÊNDICE F) com o distrito de São João do Abade, ambos possuindo

também influência do mar (Mapa 3). Os recursos naturais da RESEX estão

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relacionados à atividade pesqueira artesanal e industrial, baseada no

ecossistema manguezal (CHAVES, 2010).

Segundo Meirelles e Sá (2009), o mangue é a fonte de alimentação e de

renda para mais de 30 mil famílias de pescadores do Salgado19, distribuídos

em centenas de comunidades tradicionais. Porém, por se tratar de ambientes

de menor resiliência20 e suscetíveis à ação do homem, estão entre as áreas

mais frágeis e ameaçadas. Igualmente, é possível que mais de dois terços das

espécies marinhas dependam de alguma forma desses ecossistemas

(MEIRELLES; SÁ, 2009).

Conforme os mesmos autores, a RESEX MGC seria responsável por

proteger igarapés, manguezais e baías, principal fonte de sobrevivência e

renda de cerca de 6 mil famílias de pescadores e pequenos agricultores de

Curuçá. Porém, a extração de mariscos, camarões, caranguejos e peixes na

região se intensificam rapidamente em consequência do esgotamento desses

recursos em outras partes do país. Por isso, a importância do papel da

Reserva, pois esta passaria a ter a função de proteção de recursos pesqueiros

e dos próprios manguezais, que representam a atividade econômica ali

predominante (CHAVES, 2010).

Segundo Furtado (2009 apud CHAVES, 2010), os principais impactos

antrópicos na Reserva relacionam-se a técnicas não adequadas para a captura

de caranguejos, além de lixo doméstico colocado em lugares não apropriados,

configurando-se como uma séria ameaça aos mangues. Outra razão para a

intensificação desta devastação explica-se na localização de residências,

barracas de pescadores e criadouros de camarão (CHAVES, 2010). Muitas das

pessoas que vêm de lugares vizinhos atrás de oportunidade de trabalho vão

morar no Abade, distrito de Curuçá, próximos às ares de manguezais. Para

construir suas casas, desmatam áreas contíguas de mangue que lhes facilita

19 A zona do Salgado é constituída pela Zona Costeira do Estado do Pará, situada a leste da

desembocadura do Rio Amazonas. Esta micro região possui 225km de extensão, sendo limitada a leste pelo Oceano Atlântico, ao leste e ao sul pela zona Bragantina e a oeste pela Bahia do Marajó, destacando-se pelas suas formas recortadas com ilhas, penínsulas e baías situadas nas desembocaduras de rios de curto percurso (BASTOS, 1995 apud BATISTA, 2010). 20 Por resiliência ambiental entende-se “a capacidade de um sistema ambiental resistir a agressões sem perder suas características essenciais, podendo, contudo, reorganizar-se de modo dinâmico” (BEGOSSI, 1999 apud SOUZA, 2007).

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35

acesso ao trabalho, bem como evita roubo dos apetrechos de embarcações

(FURTADO, 2009 apud CHAVES, 2010).

A criação de unidades de conservação de uso sustentável na Amazônia

insere-se na problemática da sustentabilidade do desenvolvimento (BATISTA,

2010). Conforme Rocha (2007 apud BATISTA, 2010), a criação da RESEX

Marinha Mãe Grande foi precedida de um processo de mobilização, debates e

embates, alimentados pela percepção da exaustão dos recursos naturais do

litoral paraense. Inicialmente, as assembleias de discussão acerca desta

temática tinham pouca participação da população local. Posteriormente, com a

incorporação de novos parceiros, conseguiu-se envolver vinte e oito

comunidades estuarinas e interiores (BATISTA, 2010).

Em 2008, O Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade

(ICMBio) substituiu o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis (IBAMA). A partir de então, passa a ser sua função gerir

UCs brasileiras com base no SNUC. Atualmente, além do ICMBio, o Conselho

Deliberativo da Reserva Mãe Grande de Curuçá (CCR) também auxilia nesta

função. Este conselho é composto pelas 52 comunidades de Curuçá que foram

divididas em oito polos e representadas por meio de oito associações, onde a

Associação dos Usuários da Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá

(AUREMAG) tem a função cogestora de promover a interlocução das oito

associações com os órgãos públicos (CHAVES, 2010) e de “proporcionar aos

seus membros uma forma de participação comunitária ativa, e a representá-los

e defendê-los em seus interesses políticos socioculturais e ambientais”

(RESERVAS...2003 apud BATISTA, 2010, p. 125). A partir da instalação do

Conselho Deliberativo da Resex, em 2005, esta associação passou a

representar formal e institucionalmente, todos os usuários desta UC.

(BATISTA, 2010)

O grupo de UCs que a RESEX Mãe Grande está inserida (UC de uso

sustentável) tem como objetivo básico “compatibilizar a conservação da

natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais”

(UNIDADES...; apud BATISTA, 2010, p.120). Neste sentido, “a considerar o

quadro de insustentabilidade no manejo dos recursos existentes do litoral,

exemplarmente no município de Curuçá,” (BATISTA, 2010, p.121) concluiu-se

que este modelo se encaixaria perfeitamente para a resolução deste problema.

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36

Entretanto, de acordo com o estudo21 de BATISTA (2010), a Reserva

enfrenta diversas entraves que envolveram todo seu processo de

implementação, algumas ainda em curso. Dentre os problemas tratados na sua

pesquisa, destacam-se: a descrença em relação à efetiva viabilidade do projeto

em razão da sua tradicional falta de participação nos processos políticos locais,

a descrença das comunidades de que a RESEX iria defender seus interesses,

a resistência na esfera política municipal e na direção de órgãos de assistência

técnica ao trabalhador rural, falta de apoio de gestores municipais, a

desproporcionalidade entre o número de representantes e o número de

representados22 AUREMAG e as práticas pouco democráticas23 no processo

eleitoral, a ineficiência e/ou insuficiência dos CCR para assegurar a

participação efetiva dos usuários na gestão da RESEX, a baixa disponibilidade

de participação dos moradores em razão de falta de tempo disponível, falta de

conhecimento e informação acerca das próprias atribuições do do CCR, além

de falta de clareza por parte dos membros destes comitês sobre os objetivos e

competência da UC que representam e a ausência e ineficiência da

comunicação entre a comunidade e as lideranças representantes da UCs,

entre outras dificuldades

21

A tese de mestrado da autora teve como tema “Participação, organização social e desenvolvimento sustentável no contexto da RESEX Mãe Grande de Curuçá”, com a problemática central de analisar a participação dos usuários da Resex Mãe Grande de Curuçá nos processos de discussão, formulação, implementação e gestão desta unidade de conservação. 22

1/3 dos membros da AUREMAG residem na sede do município, configurando-se uma subrepresentação das comunidades no interior. (BATISTA, 2010) 23

Apenas os sócio-fundadores da Associação têm direito a voto. Essa questão é um dado relevante a ser considerado, haja vista que a população usuária da RESEX é composta por cerca de 6.000 famílias. (BATISTA, 2010)

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37

2 DESENVOLVIMENTO ALTERNATIVO, TURISMO ALTERNATIVO

O turismo contemporâneo apresenta-se como uma atividade

socioeconômica capaz de gerar divisas, oportunidades de trabalho e trazer

mais visibilidade para determinadas regiões. Na prática, contudo, estas

possibilidades nem sempre são alcançadas. Com o desenvolvimento da cultura

global e da massificação do consumo, em muitos locais o turismo se

desenvolveu de forma desenfreada, atentando principalmente aos benefícios

econômicos e acarretando desequilíbrios ambientais e injustiças sociais.

Em contrapartida ao movimento de massificação do consumo, surgem

propostas para um novo padrão de turismo, concebendo esta atividade sob

uma nova ótica: uma viagem pautada na experiência, onde os protagonistas

passam a ser as comunidades residentes das regiões visitadas. Este capítulo

objetiva explicar este novo eixo de turismo, denominado Turismo de Base

Comunitária, dentro da perspectiva do desenvolvimento local que surgiu como

uma resposta ao atual modelo vigente.

2.1 UMA REFLEXÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO: DO PARADIGMA

PREDOMINANTE AO LOCAL

De acordo com CRUZ (2009, p. 98), o conceito de desenvolvimento está

“entre os mais imprecisos do vocabulário comum e acadêmico-científico.”

Segundo a mesma autora, este conceito pode equivaler a crescimento,

crescimento econômico e progresso, e tem transitado entre leituras mais e

menos economicistas e ganho novas denominações (tais como “sustentável” e

“local”), motivadas pelo nascimento de novos paradigmas.

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2.1.1 Sobre o desenvolvimento predominante

Sachs (1995) analisa que as consequências da descolonização e do

desmoronamento do socialismo real, constituíram duas rupturas históricas

irreversíveis, cujas consequências têm efeitos significativos sobre o nosso

presente. Dentro dessa perspectiva, pode-se falar de uma “involução” ou

processo de “subdesenvolvimento generalizado”, simultâneos aos fenômenos

de mundialização, cujos impactos econômicos e sociais exigem profunda

avaliação (SACHS, 1995).

Na visão de Bursztyn, Bartholo e Delamaro (2009), a ideia de

desenvolvimento, desde os anos 1950, marcou a discussão sobre estratégias

políticas e econômicas, carregando um significado positivo de superação da

miséria pelos países menos favorecidos. Para Ferreira (2008), diversas

correntes do pensamento econômico fundamentavam-se na teoria de que após

a maturação do crescimento econômico, seria possível espalhar seus

benefícios por toda a sociedade, difundindo-se em todas as camadas da

população.

Assim, a expansão da ideia de desenvolvimento com base no

crescimento da economia se inicia no período pós Segunda Guerra Mundial,

quando os Estados Unidos lançaram o Plano Marshall com intuito de recuperar

a Europa para construir uma sociedade internacional aberta para o mercado

americano (LAYRAGUES, 1998). Paralelamente, na década de 60, com o

mesmo objetivo de expansão de mercado, a Organização das Nações Unidas

(ONU) dedicou-se a modernizar as sociedades consideradas tradicionais ou

atrasadas (LAYRAGUES, 1998).

Segundo Layragues (1998), esta política representou o darwinismo

social na prática, pois concebeu o modelo norte americano e europeu como um

mecanismo evolutivo simplista, onde diferenças culturais eram percebidas

como “uma consequência dos retardamentos em relação à modernização,

entendida como sinônimo de evolução, e não as diferentes formas de se

apropriar e interagir com o ambiente” (LAYRAGUES, 1998, p. 127). Deste

modo, expandiu-se a crença de que prosperidade está estritamente vinculada

ao processo de produção de riquezas e crescimento econômico das nações

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(BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009, p. 78) e que “a verdadeira

cultura seria representada pela civilização ocidental industrializada de

consumo” (LAYRAGUES, 1998, p. 127).

Além disso, Mézaros (2002 apud BURSZTYN; BARTHOLO;

DELAMARO, 2009) adverte que estas correntes hegemônicas tiveram visões

reducionistas ao atribuir um modelo único a ser seguido por países com uma

dinâmica social, econômica e cultural diferente, cujas consequências reais o

contradizem (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009). Nas visões

destes autores estas correntes

pretendem ignorar a existência de vínculos causais entre as condições de dominação neocolonial e a miséria de imensos contingentes populacionais do planeta. Ao que se agrega o uso predatório dos recursos naturais como padrão histórico de desenvolvimento dos países de capitalismo avançado e a inviabilidade de uma universalização de tais cursos de ação para toda humanidade. (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009, p. 78)

Acrescenta-se a isso, o fato de que essa ideia de desenvolvimento levou

a um crescimento sem precedente do poder tecnológico, do volume de bens,

dos serviços produzidos e das trocas comerciais, além de transformar o estilo

de consumo e modo de viver para uma maioria de habitantes dos países

industrializados e uma minoria de países do “Terceiro Mundo”, sem que os

progressos materiais tivessem sido generalizados (SACHS, 1995). Para

elucidar a distribuição desigual dos benefícios deste modelo de

desenvolvimento, o autor dá o exemplo da França e da minoria privilegiada dos

países subdesenvolvidos, comprovando que a antiga divisão econômica entre

Norte (ricos) e Sul (pobres) tornou-se antiquada, já que a exclusão e

desigualdade existem nos dois mundos.

Num país tão rico como é a França, uma ruptura social separa hoje os dois terços dos ganhadores, do terço dos perdedores, cada vez mais excluídos da sociedade de consumo e privados do exercício de seu direito – que, porém, é fundamental – ao trabalho. Em outras palavras, a França, também, possui seu Quarto Mundo e o Sul está presente no Norte. A minoria privilegiada nos países do Terceiro Mundo constitui, em contrapartida, um Norte no Sul, sem que se possa falar de encraves territorialmente defendidos. O Norte e o Sul vivem lado a lado e se interpenetram, especialmente nas grandes cidades. (SACHS, 1995, p. 30)

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Sachs (1995) analisa que nas sociedades modernas, a exclusão, passou

a liderar, superando a antiga exploração. Para ele, “os ricos já não precisam

dos pobres” e “é provavelmente por essa razão que tentam esquecê-los”

(SACHS, 1995, p. 31). Além disso, segundo o mesmo autor, a distribuição

desigual dos frutos do progresso tecnológico advém da má organização social

e política e não da escassez de bens, ainda que o seu poder tenha a

capacidade de oferecer a cada um dos homens um conforto material razoável.

Desta forma, esta corrente tem se mostrado ineficiente, “tendo em vista

que países com altas taxas de crescimento econômico são também recordistas

em desigualdades sociais” (FERREIRA, 2008, p. 2). Esta afirmação pode ser

comprovada avaliando o Índice Produto Interno Bruto (PIB) per capta utilizado

como base para medir o crescimento econômico das nações. Quando

comparado ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), se faz evidente que

muitos países que estão em boas colocações no PIB, despencam quando

avaliados pelo IDH. Nosso país é um exemplo que se encaixa neste caso:

segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD)24 de 2011, o Brasil ocupa a sexta economia mundial, enquanto em

relação ao IDH, despenca para 84ª posição, evidenciando seu

desenvolvimento desigual, baixa distribuição de renda e provando que o

crescimento da sua economia não trouxe soluções para seus problemas

sociais.

Para Sachs (1995), o crescimento da economia é compatível com a

noção de “maldesenvolvimento”. Porém, o crescimento e desenvolvimento não

seriam sinônimos, pois pensar apenas em crescimento econômico, faz com

que disparidades sociais persistam, além de aceitar que exorbitantes custos

sociais e ecológicos se justifiquem como “danos inelutáveis do progresso”

(SACHS, 1995, p. 31). Seria a partir de 1940 que economistas estruturalistas

começariam a colocar uma distinção entre desenvolvimento e crescimento, ou

seja, quando o crescimento passa a ter uma denominação de mudança

quantitativa, enquanto desenvolvimento diria respeito a uma transformação

qualitativa de uma estrutura econômica e social (CRUZ, 2009).

24

Referência disponível em: <http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2011_PT_Tables.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2013

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Deste modo, como forma de reavaliar este modelo vigente a partir da

percepção das dificuldades produzidas nos aspectos sociais, culturais e

ambientais das nações e da necessidade de incluir condicionantes qualitativas

na sua construção, foram construídas novas paradigmas de desenvolvimento

(FERREIRA, 2008).

2.1.2 Sobre o desenvolvimento local

Segundo Layragues (1998), em razão dos conflitos de interesses, o

mundo passou a viver uma disputa ideológica que o autor determina como um

“embate entre as forças conservadoras da civilização ocidental predatória-

perdulária e as forças opostas que apontam para uma civilização social e

ecologicamente equilibrada” (LAYRAGUES, 1998, p. 36). Assim, como

resposta à racionalidade econômica vigente, surge a racionalidade ecológica,

onde a última analisa que a crise vivenciada pelo mundo não seria somente

ambiental, mas civilizacional, pois a racionalidade econômica “vem dando

sinais de esgotamento, contradições internas que transbordam em crises

constantes do capital” (LAYRAGUES, 1998, p. 44).

Além de considerar as questões ambientais, o autor argumenta que a

racionalidade ecológica propôs uma mudança de valores, que na visão de

Carvalho (1992 apud LAYRAGUES, 1998) seria um resgate do exercício da

diversidade no sentido do reconhecimento do outro por meio da alteridade e do

respeito à diferença, e da autonomia em relação aos condicionamentos

impostos pelo mercado como único espaço de troca possível. Para Layragues

(1998) trata-se de um conteúdo ideário mais rigoroso que o apresentado pelo

senso comum ambientalista que não reivindica de forma intransigente que a

natureza regule integralmente a vida em sociedade.

Admitindo-se que o desenvolvimento econômico é apenas uma das

facetas do desenvolvimento, e não um fim em si mesmo, que não garante

qualidade de vida e não deve ser encarado sempre como positivo

(MINISTÉRIO DO TURISMO, 2007), bem como modernidade não se traduz em

bem estar para a população e que o terceiro mundo só irá se desenvolver se

evitar o caminho percorrido pelos países industrializados e levar em conta suas

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especificidades (LAYRAGUES, 1998), novos padrões de desenvolvimento

passam a ser discutidos.

Atualmente, é possível observar uma confusão na utilização de

conceitos como ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável,

autosustentável, local, endógeno, integrado, comunitário, entre outros (BARRO,

SILVA, SPINOLA, 2006). Segundo Barros, Silva e Spinola (2006), estes

conceitos comportam diferentes definições e, portanto, não podem ser tratados

como uma simples questão de hermenêutica, mas de um problema

metodológico que pode comprometer o rigor científico, além de poder distorcer,

confundir e dificultar em termos universais, o sentido de políticas públicas

adotadas sob o rótulo dessas denominações. Este trabalho irá abordar um dos

novos paradigmas que nasceram como resposta ao modelo vigente, a

ideologia do desenvolvimento local entendendo que este corresponde ao

mesmo que as denominações de endógeno e situado (BARRO; SILVA;

SPINOLA, 2006; CRUZ, 2009, ZAOUAL, 2009).

Segundo Layragues (1998), uma das expressões que procura descrever

o desenvolvimento endógeno foi formulada por Hô, entendendo que este deve

partir da “premissa da integração das culturas como fundamento, dimensão e

finalidade essenciais do desenvolvimento”, abandonando a ideia do modelo

convencional de que “as diversidades culturais são entendidas como um

obstáculo ao desenvolvimento e que, portanto, devem ser eliminadas”

(LAYRAGUES, 1998, p. 137). Assim, o quadro cultural local anteriormente

ignorado ganha relevância, porém entende que “a identidade cultural de cada

nação pode viver sua própria modernidade e transformar-se sem perder sua

configuração original” (LAYRAGUES, 1998, p. 137).

Para CRUZ (2009), além de uma resposta ao desenvolvimento desigual

intensificado do atual modelo econômico vigente, o desenvolvimento local

passa a demarcar uma escala geográfica, a escala local (CRUZ, 2009).

Segundo Coriolano (2009), a retomada da escala local justifica-se na conclusão

de que qualquer intervenção que almeje a melhoria de vida das comunidades

deve partir de um modelo endógeno, capaz de promover mudança estrutural e

buscar eficiência na produção, porém, levando em conta o uso racional dos

recursos naturais e a implementação de uma justa distribuição de emprego e

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renda. Na visão de Carestiano (2000 apud CRUZ, 2009), o desenvolvimento

local seria:

Um modelo de desenvolvimento que permite a construção de poder endógeno para que uma dada comunidade possa autogerir-se, desenvolvendo seu potencial sócio-econômico, preservando o seu patrimônio ambiental e superando suas limitações na busca contínua da qualidade de vida de seus indivíduos (CARESTIANO, 2000 apud CRUZ, 2009, p. 100).

CRUZ (2009) acrescenta que a ideia de poder endógeno relaciona-se

diretamente com a ideia de “empoderamento”, derivado do inglês

“empowerment”, assimilado por cientistas sociais de uma linha mais

humanitária, conforme se pode concluir a partir da definição que segue:

Definimos empowerment como um processo de reconhecimento criação e utilização de recursos e instrumentos pelos indivíduos, grupos e comunidades, em si mesmas e no meio envolvente, que se traduz num acréscimo de poder – psicológico, sócio-cultural, político e econômico- que permite a estes sujeitos aumentar a eficácia do exercício da sua cidadania. (PINTO, 1998 apud CRUZ, 2009, p.101).

Assim, o local teria surgido como uma tendência oposta ao

desenvolvimento global, por existir um temor de que a hegemonia do último

cause a perda de identidade de certas localidades, através da “massificação de

individualidades” (TREVIZAN; SIMÕES, 2006). Além disso, a globalização, com

a sua ideologia de livre mercado imposto em escala planetária, foi um

fenômeno que produziu e ainda está produzido alarmantes e negativos

impactos sociais (ALVES, 2000).

Sobre a globalização e seus efeitos, Santos (2000 apud CRUZ, 2009, p.

100) traz uma importante reflexão:

De fato, para a grande maior parte da humanidade, a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. (...) A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como egoísmos, os cinismos, a corrupção

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Deste modo, o desenvolvimento local seria uma reação a este processo,

numa dinâmica de proteção contra essas forças globalizantes, de forma a

garantir a afirmação local (TREVIZAN; SIMÕES, 2006). Segundo MARCON

(2007, p. 344), “uma política de desenvolvimento local está associada a uma

dinâmica ‘de baixo para cima’, na qual os atores locais desempenham um

papel central na sua definição”.

Seguindo esta lógica, entende-se que o desenvolvimento local exige a

inclusão de iniciativas locais, onde a mobilização comunitária deve partir do

reconhecimento de seus entraves e potencialidades, utilizando estas

informações para um planejamento que objetive a melhoria das suas condições

de vida (RODRIGUES, [s.d]).

Bursztyn, Bartholo e Delamaro (2009) ratificam a importância da

participação comunitária, ao afirmar que os cidadãos devem ser atores e

sujeitos do processo enquanto Zaoual (2003 apud BURSZTYN; BARTHOLO;

DELAMARO, 2009, p. 80) argumenta que o desenvolvimento situado “tem uma

racionalidade cuja construção social transformável se ajusta continuamente aos

dados do lugar, da situação, em sua dinâmica.”, sendo impossível tratar o tema

de forma homogênea. Segundo o mesmo autor (2006 apud BURSZTYN;

BARTHOLO; DELAMARO, 2009, p. 81) “exige-se uma capacidade de

adaptação à imensa variedade dos campos e o respeito à liberdade das

populações para elas formularem e executarem seus projetos de futuro com

base em uma estreita relação entre suas crenças e práticas”. Isto implicaria,

portanto, em pensar em uma política de desenvolvimento mais ampla, cujo foco

deve estar na inclusão social por meio da afirmação da identidade cultural e da

cidadania (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009).

A partir da abordagem dos autores ora mencionados, conclui-se que ao

tratar sobre desenvolvimento local, diversos termos como “inclusão social”,

“participação”, “autogestão”, “cidadania”, “melhoria de vida da população” se

repetem. Leva-se a crer que este processo não se vincula necessariamente a

um grande crescimento econômico, porém visa que a população local seja

atuante nas decisões, de modo a ter liberdade de escolher o que é melhor para

si. Trata-se, portanto, de uma proposta que paradoxalmente se contrapõe e

complementa ao processo de globalização da economia, esta última

caracterizada pelo poder hegemônico em escala transnacional e pelo

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desenvolvimento desigual das nações (CRUZ, 2009; RODRIGUES, [s.d]).

Burszty, Bartholo e Delamaro (2009, p.78) complementam que

Isto implica em fazer com que as atenções se voltem, primordialmente, para o incremento da capacidade das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorizam, enfatizando-lhe a condição de agentes políticos num processo de superação de liberdades que limitam escolhas e oportunidades pessoais e comunitárias.

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2.2 O TURISMO COMO ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL.

Assim como as outras atividades econômicas inseridas na sociedade

capitalista contemporânea, o turismo, para desenvolver-se, na maioria das

vezes é orientado pelo mercado e pelos interesses dos grandes capitais

nacionais e internacionais, apresentando as mesmas contradições deste

modelo, que expropria, segrega, degrada, destrói, acumula, exclui e inclui.

(BARRETO, 2000 apud MENDONÇA, 2004; FERREIRA, 2008; CORIOLANO25,

2012). Portanto, a atividade turística também deve ser questionada “à luz de

todas as ponderações e debates feitos sobre desenvolvimento” no que diz

respeito “a inclusão e exclusão, e responsabilidade social” (FERREIRA, 2008,

p. 10).

Faz-se necessário refletir que “o turismo é uma prática social e uma

atividade econômica que, no mais das vezes, se impõe aos lugares, mas ela

não se dá sobre uma tabula rasa, sobre espaços vazios e sem donos” (CRUZ,

2009, p. 98). Por isso, ao viabilizar a sua expansão dentro do processo de

internacionalização da economia mundial (MENDONÇA, 2004), torna-se

evidente a necessidade de pensar no seu desenvolvimento de forma que seja

considerado e priorizado tanto o ambiente de onde o turismo se apropria, como

as comunidades residentes dessas regiões.

Para Bursztyn, Bartholo e Delamaro (2009), o principal vetor da

turistificação dos lugares é o mercado globalizado. O turismo seguiria a sua

lógica, copiando o seu padrão de produção industrial que visa maximização da

programação e minimização de riscos e perdas, além do lucro imediato e a

grande escala (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO; 2009, ZAOUAL, 2009).

Seguindo este padrão, em diversos territórios do globo, o turismo se

desenvolveu de maneira desordenada por meio de multinacionais que se

instalaram através de grandes complexos hoteleiros e outros serviços,

considerando vantagens de localização representadas pela dotação de

riquezas naturais e valores no quesito patrimonial, cultural e histórico, além de

mão-de-obra barata e isenção de impostos (CORIOLANO, 2009).

25

Esta referência foi retirada da palestra proferida por Luiza Neide Coriolano no Encontro Nacional de Turismo de Base Local (ENTBL), em novembro de 2012.

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De acordo com Coriolano (2009), esse mecanismo avança forjando-se

no discurso da perda da soberania dos Estados nacionais para o mercado,

dificultando, deste modo, a aplicação de leis que coloquem limites nesses

avanços e protejam as economias nacionais. Acentuam-se, assim,

desigualdades espaciais e segregações sociais (CORIOLANO, 2009), pois na

maioria das vezes as comunidades receptoras não se beneficiam deste

processo e poucos destes benefícios são realmente comprometidos com o

desenvolvimento local (IRVINING, 2000 apud MENDONÇA; IRVINING, 2006).

No Brasil, temos um grande exemplo desta “turistificação” convencional

na região Nordeste. Lá, o governo brasileiro assumiu o desafio de promover o

desenvolvimento socioeconômico a partir do aumento do fluxo de turistas.

Através do Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no

Nordeste Brasileiro (Prodetur-NE), investiu-se em infraestrutura básica

(construção e reforma de rodovias, fornecimento de energia elétrica,

abastecimento de água e saneamento) e projeto de infraestrutura de

sustentação do turismo (reforma e ampliação de aeroportos e rodoviárias)

(BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009).

Porém, os governos nordestinos articularam essas ações com uma

política que favoreceu grandes grupos transnacionais. Abriram-se, assim, as

portas da Região para megacomplexos hoteleiros e seguiu-se um modelo de

gestão internacionalmente padronizado que, ignorando os anseios das

comunidades locais, transformou a região de acordo com os padrões das

demandas turísticas de massa. Deste modo, houve uma supervalorização dos

territórios e a população que vivia no litoral se viu pressionada por forte

especulação imobiliária e terminou “por vender suas terras a preços irrisórios,

passando a viver de subempregos vinculados ao turismo ou a residências

secundárias” (BURSZTYN, BARTHOLO e DELAMARO, 2009, p. 83). As

comunidades, abruptamente, se viram expulsas de seus lugares e “invadidas

por interesses exógenos” (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009, p.

84).

Em contrapartida ao turismo convencional globalizado, Zaoual (2009)

analisa que novas dinâmicas estão surgindo. Segundo o autor, os produtos

que cobrem o turismo dito de massa, que antes marcavam o progresso, trazem

uma sufocação progressiva deste tipo de demanda turística de tal modo que

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“este tipo de modelo de evolução de serviço turístico não está mais totalmente

em uso com a evolução das necessidades que o mercado exprime” (ZAOUAL,

2009, p. 57). A demanda, por ser tornar mais “exigente, variada e variável”

(ZAOUAL, 2009, p. 57), procura por “verdadeiros sítios que combinam

autenticidade e a profundidade do intercâmbio intercultural de uma parte e a

harmonia com a natureza e a memória dos lugares visitados” (ZAOUAL, 2009,

p. 57). Para o autor, novas tendências de consumação turística surgem,

fazendo com que a crise do reinado da quantidade abra a porta para a

qualidade.

Dentro desta realidade, encontra-se também a falência do mega turismo.

Seguindo a teoria do ciclo de vida dos produtos e sendo vítima do próprio

sucesso, os lugares que constituem o objeto de turismo de massa, perdem

progressivamente o seu atrativo, fazendo com que a oferta se veja na

obrigação de inovar para atender às novas necessidades (ZAOUAL, 2009). Ao

mesmo tempo, Zaoual (2009) põe em evidência a questão do esgotamento dos

ecossistemas causado pela atividade e, entrando em uma análise mais

profunda, avalia que o turismo precisa das dotações naturais e culturais do sítio

turístico e que uma exploração sem limite e sem respeito impulsiona a um

esgotamento e, em consequência, a uma repulsa da demanda. Para o autor,

“a procura da rentabilidade máxima destrói, a longo prazo, as bases dessa

mesma rentabilidade” (ZAOUAL, 2009, p. 58). Isso significa que, ao seguir

fielmente a dinâmica capitalista, mesmo dentro da perspectiva econômica, o

turismo pode se autoprejudicar e até mesmo se autodestruir. É quando se

chega ao limite de “o capital ser seu próprio coveiro ou a barreira de si mesmo”

(KARL MARX, [s.d] apud ZAOUAL, 2009, p. 58).

A parte de todas essas abordagens, Bursztyn, Bartholo e Delamaro

(2009) investigam o viés da experiência turística. Segundo os autores, as

práticas turísticas convencionais de massa também comprometem a vivência

do encontro com alteridades, reduzindo o turismo “à busca do fotogênico e o

turista a um consumidor de cenas, emoções e prazeres projetados pelo

marketing” (URRY, 2002 apud BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009),

diluindo, assim, a profundidade do que poderia ser uma real proximidade com o

outro, a o que ele define como “pseudo-eventos desprovidos de

espontaneidade”. Para Zaoual (2009), as variáveis da viagem se veem

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imobilizadas de seus objetivos profundos, dando lugar a uma ilusão, a uma

artificialidade, tornando-se, assim, “uma jaula e passando a impressão de que

a mobilidade espacial é culturalmente imóvel, à medida que tudo é organizado

de tal forma que o encontro com o outro aparenta um simulacro” (ZAOUAL,

2009, p. 59).

Sem negar estas visões, admite-se a possibilidade de outra dimensão na

relação entre global e local no contexto do turismo. Trevizan e Simões (2006)

afirmam que ao invés de entrarem em conflito, essas duas facetas podem se

complementar. Quando se descobre e se dá vida às especificidades do local,

cria-se uma relação em que o global se seduz pelo local. Nesse sentido, o

primeiro pode funcionar como ferramenta para dar visibilidade ao segundo.

Assim, a globalização, ao contrário de massacrar o local, também pode

reanimá-lo e fortalecê-lo, pois “o global sem o local é vazio” (TREVIZAN;

SIMÕES, 2006, p. 10).

De acordo com a visão de Trevizan e Simões (2006), o local se globaliza

na medida em que os significados construídos e a ele anexados despertam

curiosidade, criam interesse e se tornam fascinantes. Sendo assim, o turismo

pode contribuir para construir lugares com significações tais que possam

tornar-se objetos de desejo para serem consumidos, exigindo, entretanto,

algumas regras para que haja um equilíbrio neste consumo, de forma que o

local tenha qualidade para atrair e força para resistir à massificação cultural

(TREVIZAN; SIMÕES, 2006). Como já mencionado, a má condução das

relações que envolvem o turismo, sobretudo em áreas de forte apelo ambiental,

constitui ameaças que podem causar riscos não somente ambientais, mas

acima de tudo sociais (MIELKE, 2006).

O desenvolvimento local aliado a esse tipo de turismo seria, portanto,

uma alternativa de resistência à racionalidade hegemônica do capital e um

estilo contraposto às tendências e aos padrões dominantes (CRUZ, 2009). No

local, se encontram a origem da diversidade e a inspiração para alternativas de

um desenvolvimento sólido, orientado pelos princípios da participação e do

poder endógeno e para o bem estar da comunidade (CRUZ, 2009, TREVIZAN,

2006, CORIOLANO, 2009).

Seguindo a lógica do desenvolvimento local, percebe-se que há

possibilidade de criar uma nova concepção de turismo, pautada em uma

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mudança de valores. Pelo lado da demanda, uma prática em que os turistas

seriam atores reais do processo, com uma noção mais ampla de

responsabilidade e solidariedade, exprimindo uma procura de sentidos obtida

no diálogo entre os “visitantes” e os “visitados” (ZAOUAL, 2009). Pelo lado da

oferta, um turismo socialmente mais justo, cujo foco seja o bem estar e a

geração de benefícios para a comunidade receptora, de forma que a coloquem

como protagonistas e participantes do processo e não descaracterize suas

heranças culturais (BURSZTYN, BARTHOLO; DELAMARO, 2009). Por fim,

então, surge a ideia de um turismo ambientalmente responsável, que preze

pela qualidade ambiental do destino, sem causar o seu esgotamento ou a sua

destruição.

2.3 O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA

Após refletir sobre os motivos que estão levando o turismo de massa ao

declínio e de mostrar que a atividade pode tomar rumos diferentes quando é

baseada em outros princípios, é necessário pensar em meios para se chegar

ao escopo desejado. Diversos estudiosos defendem que um dos caminhos

possíveis é por meio de turismo de base comunitária. Aqui, será discutido o seu

surgimento, a sua variedade de conceitos, a sua concepção como fenômeno

social e, por último, seus obstáculos e dificuldades.

2.3.1 O surgimento do Turismo de Base Comunitária

Como visto nas abordagens anteriores, as críticas construídas sobre o

fenômeno turístico geralmente partem dos conflitos e impactos gerados ao

meio ambiente e às sociedades onde a atividade é desenvolvida, pois o turismo

também vem seguindo o padrão vigente de desenvolvimento das outras

atividades econômicas inseridas no sistema capitalista. Assim, começam a

surgir esforços para buscar caminhos alternativos de desenvolvimento turístico

que gerem menos impactos à natureza e às comunidades locais (HENRÍQUEZ;

PILQUIMÁN; SKEWES, 2011).

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Segundo Irving (2009), para encontrar um horizonte desejável, não se

faz mais necessário discutir sobre incompatibilidades ou riscos, mas encontrar

alternativas que internalizem a variável local e as identidades envolvidas para

construir um planejamento turístico adequado. Dentro desse contexto, surge o

Turismo de Base Comunitária.

De acordo com Irving (2009), no Brasil, o Turismo de Base Comunitária

era inicialmente visto como romântico e distante da realidade, diante das

perspectivas de um mercado globalizado e ávido por estatísticas e receitas. Foi

apenas na década de 1990 que um movimento coletivo de pesquisadores de

diferentes regiões do país, passou a desenvolver discussões sobre este tema,

no âmbito dos Encontros de Turismo de Base Local (ENTBL). Porém, seus

trabalhos tinham alcance limitado nas pesquisas de turismo que até então eram

centradas na visão de mercado. Assim, a produção acadêmica só teria saído

dos “bastidores” recentemente, “quando o turismo passou a ser interpretado,

no país, como alternativa possível para inclusão social, e a discussão para

participação social e governança democrática se tornou prioritária no âmbito

internacional” (IRVING, 2009, p.109).

Segundo Maldonado (2009), o turismo de base comunitária é um

fenômeno recente na América Latina e tem sido observado em ascensão em

todos os ecossistemas do continente, a partir da década de 80, por meio do

Turismo Rural Comunitário (TRC). Para o autor, diversos fatores de ordem

econômico, social, cultural e político explicam a sua origem.

O primeiro refere-se às pressões mundiais do mercado turístico que têm

interesse em consumir patrimônios naturais e culturais de comunidades

indígenas e rurais, seguindo as tendências do ecoturismo e turismo cultural. O

segundo vetor explicativo deriva-se da tentativa de alterar a realidade social

das comunidades que buscam superar uma situação de pobreza crônica,

levando-as a buscar alternativas de renda frente aos limitados resultados da

economia de sobrevivência. O terceiro, explica-se no papel desempenhado

pelas pequenas e microempresas no desenvolvimento econômico local e na

diversificação da oferta turística nacional. Finalmente, o quarto fator do

surgimento do TRC estaria ligado às estratégias políticas do movimento

indígena e rural para se incorporar no processo de globalização, preservando

sua identidade e seus territórios ancestrais (MALDONADO, 2009).

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Conforme Sansolo e Bursztyn (2009), em 2004, o Ministério do Turismo

apontava o turismo rural como um fator indutor ao desenvolvimento regional,

tendo o território como ponto de partida para análise de investimentos em

infraestrutura. Contudo, o território ainda era avaliado segundo sua perspectiva

econômica, deixando atributos naturais, culturais e políticos em segundo plano.

Seria apenas em 2008, que o Mtur reconheceria institucionalmente a existência

do turismo de base comunitária, ao publicar um edital voltado para o fomento

da atividade (SANSOLO; BURSZTYN, 2009).

Deste modo, o TBC surge dentro de uma discussão que não interpreta a

prática turística apenas pela sua vertente de mercado, mas, principalmente,

como “fenômeno social complexo da contemporaneidade” (IRVING, 2009). Por

isso, ao se pensar no lugar turístico dentro desse contexto, deve-se

compreendê-lo como “ponto focal da transformação social, como lócus

preferencial das identidades, contradições, sonhos e desejos” (IRVINING,

2009, p. 110), envolvendo identidades e tramas complexas das relações

sociais (IRVINING, 2009). Dessa forma, o TBC só poderá ser desenvolvido

quando as comunidades deixarem de ser objetos e se tornarem sujeitos do

processo (IRVING, 2009) e quando houver “respeito à diversidade, à identidade

e se dê condições para que as comunidades apresentem suas demandas, suas

limitações” (SANSOLO, BURSZTYN, p. 158, 2009).

2.3.2 Refletindo sobre a sua diversidade de conceitos

No artigo “Turismo de Base Comunitária: potencialidade no espaço rural

brasileiro”, Sansolo e Bursztyn (2009) analisam que as publicações

acadêmicas evidenciam uma grande diversidade de conceitos de turismo de

base comunitária, já que as iniciativas deste tipo de turismo envolvem um

grande número de experiências e uma diversidade de realidades que podem

abranger municípios, áreas urbanas, áreas rurais, vilas, unidades de

conservação, aldeias indígenas, entre outras escalas territoriais, tornando

impossível uma generalização (BARTHOLO; SANSOLO; BURSZTYN, 2009).

Neste item serão apresentados alguns conceitos nacionais e internacionais,

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expostos no artigo destes autores e em outras literaturas, a fim de mostrar a

diversidade de olhares que este tema abrange.

O governo boliviano entende o TBC como:

Um modelo alternativo de gestão turística, endógena e autônoma, dirigido pelas organizações comunitárias, rurais e indígenas, no marco da diversificação econômica de seus sistemas produtivos e da administração integral do desenvolvimento em seus territórios originários (BOLIVIA, 2006 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p.146).

Na Costa Rica, segundo o Consórcio Operativo de Rede Ecoturística

Nacional (COOPRENA), o TRC:

Se trata de uma oferta de turismo alternativo no meio rural, administrado diretamente por e para o benefício das comunidades organizadas, baseado na conservação e no aproveitamento dos recursos locais, tanto naturais, como culturais (2008 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 146).

No Equador, a Federação Plurinacional de Turismo de Base Comunitária

(FEPTCE), utiliza o seguinte conceito:

O turismo comunitário é uma atividade econômica solidária que relaciona a comunidade com os visitantes, desde uma perspectiva intercultural, com participação consensual de seus membros, tendendo á gestão adequada de seus recursos naturais e valorização do patrimônio cultural, baseados em um princípio de equidade na distribuição dos benefícios gerados (FEPTICE, 2008 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 146).

A ONG World Wild Found (WWF – Internacional) compreende o TBC

como sendo: “Uma forma de ecoturismo onde a comunidade local tem controle

substancial e envolvimento no seu desenvolvimento e gestão, e a proporção

maior dos benefícios permanecem na comunidade” (ONG WWF – International,

2001 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 146).

Segundo Sansolo e Bursztyn (2009), a partir destes conceitos pode-se

inferir que componentes como conservação ambiental, valorização da

identidade cultural e geração de benefícios para a comunidade são

características em comum das definições ora mencionadas. Nota-se também a

importância da participação comunitária na prática deste turismo.

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No Brasil, a Rede Turisol, a Rede Tucum e o Ministério do Turismo

utilizaram os seguintes conceitos, respectivamente:

“Toda forma de organização empresarial sustentada na propriedade do território e da autogestão dos recursos comunitários e particulares com práticas democráticas e solidárias no trabalho e na distribuição dos benefícios gerados através da prestação de serviços visando o encontro cultural com os visitantes” (TURISOL, 2008 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 147). “O turismo de base comunitária é aquele no qual as populações locais possuem o controle efetivo sobre o seu desenvolvimento e gestão, e está baseado na gestão comunitária ou familiar das infraestruturas e serviços turísticos, no respeito ao meio ambiente, na valorização da cultura local e na economia solidária” (TUCUM, 2008 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 147). “O turismo de base comunitária é compreendido como um modelo de desenvolvimento turístico, orientado pelos princípios da economia solidária, associativismo, valorização da cultura local e, principalmente, protagonizado pelas comunidades locais, visando a apropriação por parte dessas dos benefícios advindos da atividade turística” (Mtur, 2008 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 145).

Nas definições acima, acrescenta-se a noção de empreendimentos

comunitários, intercâmbio intercultural, bem como a distribuição equitativa dos

benefícios gerados pela atividade por meio da economia solidária (SANSOLO;

BURSZTYN, 2009).

As definições subsequentes foram retiradas de autores renomados de

diferentes áreas que vem estudando o assunto ao longo destes anos e tiveram

seus trabalhos publicados no livro “Turismo de Base Comunitária: diversidade

de olhares e experiências brasileiras”.

Maldonado (2009), no seu artigo “O turismo rural comunitário na América

Latina: gêneses, características e políticas” adotou a seguinte definição:

Por turismo comunitário entende-se toda forma de organização empresarial sustentada na propriedade e na autogestão sustentável dos recursos patrimoniais comunitários, de acordo com as práticas de cooperação e equidade no trabalho e na distribuição dos benefícios gerados pela prestação dos serviços turísticos. A característica distinta do turismo comunitário é a sua dimensão humana e cultural, vale dizer antropológica, com objetivo de incentivar o diálogo entre iguais e encontros interculturais de qualidade com nossos visitantes, na perspectiva de conhecer e aprender com seus respectivos modos de vida (MALDONADO, 2009, p. 31).

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Cruz (2009), no trabalho “Turismo, produção do espaço e

desenvolvimento desigual” compreende turismo comunitário como “uma forma

de turismo em que comunidades locais assumem o comando do turismo em

seus territórios” (CRUZ, 2009, p. 104).

Irving (2009) na sua pesquisa “Reinventando a reflexão sobre turismo de

base comunitária: inovar é possível?” entende que

turismo de base comunitária tende a ser aquele tipo de turismo que, em tese favorece a coesão e o laço social e o sentido coletivo de vida em sociedade, e que, por esta via, promove a qualidade de vida, o sentido de inclusão, a valorização da cultura local e o sentimento de pertencimento. (IRVING, 2009, p. 111)

Na pesquisa “Praia do Aventureiro: um caso sui generis de gestão local

do turismo” Costa, Catão e Prado (2009) adotam o seguinte conceito:

‘Turismo de base comunitária’ ou de ‘base local’ é entendido como aquele que, além de ser organizado de maneira peculiar e própria à comunidade onde ocorre, produz ganhos para ela mesma e não para pessoas de fora que lá estejam para explorar a atividade. (COSTA; CATÃO; PRADO, 2009)

Logo, contata-se que os conceitos acima mencionados possuem em seu

cerne algumas ou todas as premissas que Irving (2009) coloca como centrais

na conceituação do TBC, sendo elas:

Base endógena da iniciativa e desenvolvimento local: embora atores

externos possam funcionar como indutores do processo, o turismo deve

ter motivação endógena e expressar os desejos dos grupos locais, por

meio de alternativas que considerem as diferentes variáveis associados

aos recursos e demandas do local em que a comunidade reside

(IRVING, 2009).

Participação e protagonismo social no planejamento, implementação e

avaliação de projetos turísticos: a participação norteia-se pelo saber

compartilhado da problemática local e da identificação de necessidades

essenciais a serem incorporadas nos projetos de TBC, de forma que

norteie o tempo adequado para o seu desenvolvimento e engaje os

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diversos atores envolvidos sob a ótica da co-responsabilidade. (IRVING,

1998 apud IRVING, 2009)

Escala limitada e impactos sociais e ambientais controlados: por se

tratar de uma proposta que segue uma nova filosofia de se fazer e de se

pensar o turismo, não se pode achar que terá a mesma geração de

receitas ocorridas no turismo de massa. Estando atrelada diretamente a

compromissos de sustentabilidade, objetiva prioritariamente a qualidade

ambiental e social do destino, já que entende que não havendo

mantimento dessas qualidades, irá se fragilizar como tempo e tender a

perda da sua atratividade. (IRVING, 2009)

Geração de benefícios diretos à comunidade: este seria o requisito

fundamental para o turismo de base comunitária, já que diversas

práticas turísticas tem sido criticadas em razão da exclusão social.

Iniciativas de base comunitária devem assegurar que recursos advindos

do turismo sejam aplicados em projetos que objetivem a melhoria da

qualidade de vida das comunidades, a partir de demandas locais e de

alcance coletivo. (IRVING, 2009)

Afirmação cultural e interculturalidade: a valorização cultural constitui um

parâmetro essencial no turismo de base comunitária, não no sentido de

sua importância mercadológica, mas com o objetivo de afirmação de

identidades e de pertencimento. (IRVING, 2009)

O “encontro” como condição essencial: o sentido de compartilhamento e

aprendizagem mútua também é uma característica ativa, onde acontece

uma troca intensa entre os ‘que recebem’ e os que ‘são recebidos’ e um

respeito destes com o ambiente no qual interagem. (IRVING, 2009)

Coriolano (2009) no livro “Arranjos produtivos locais do Turismo

Comunitário: atores e cenários em mudança” também coloca alguns princípios

como norteadores do desenvolvimento do turismo comunitário. Além do

protagonismo social e participação, a autora acrescenta que também deve

existir uma cooperação por meio de parcerias entre setor público e privado, no

sentido de capacitar e preparar a comunidade para o turismo, além de prestar

um auxílio financeiro para o seu desenvolvimento. Trevizan e Simões (2006)

defendem que patrimônio natural, patrimônio cultural e identidade (material e

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imaterial) devem ser as bases de atração para o desenvolvimento local

sustentável nos projetos de turismo de base comunitária.

Ainda que discussões teóricas evidenciem a diversidade de realidades

de projetos de TBC, e, portanto, uma diversidade de olhares e ideias que

baseiam a sua conceituação, constata-se que estas discussões tem em comum

a visão de que o turismo de base comunitária deve “constituir vínculos, tecer

redes de relações, reafirmar identidades” sem que seja necessário se fechar

para o mundo (BARTHOLO; SANSOLO; BURSZTYN, 2009). Para Bursztyn,

Sansolo e Delamaro (2009), existem dois elementos comuns a serem

destacados: a afirmação identitária de comunidades em sítios simbólicos de

pertencimento e o movimento de resistência ativa contra as mais usuais formas

de desenvolvimento turístico. Estas características devem ter em seu cerne, o

intuito de melhorar as condições de vida de comunidades que, na maior parte

das vezes são excluídas e, sobretudo, prejudicadas, pelo processo de

desenvolvimento turístico.

Trata-se, portanto, de um turismo que “as relações econômicas são

enriquecidas por outras relações que ultrapassam a racionalidade do lucro

imediato” (SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p.150), além de nem sempre ser a

atividade mais importante enquanto renda principal das famílias das

populações locais, mas que “serve de apoio à autoestima dessas comunidades

e se torna um meio de apoio às lutas sociais dos moradores” (SANSOLO;

BURSZTYN, 2009, p. 158).

2.3.3 A nova relação entre visitante e visitado

No seu trabalho “Sobre o sentido da proximidade: implicações para um

turismo situado de base comunitária”, Bartholo (2009) interpreta que “o lugar da

proximidade é o encontro face a face, um acontecimento que habita dimensões

meta-espaço-temporais”, em outras palavras, para se vivenciar a proximidade

faz-se necessário abandonar a “redutível métrica do cálculo aplicada ao espaço

(metros) e ao tempo (horas)” (BARTHOLO, 2009, p. 46). Deste modo,

atualmente, segundo a lógica mercantil-industrial, está ocorrendo uma recusa

da proximidade. Para explicar esta tendência, o autor menciona os dois tipos

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de caráter relacionais humanos, a relação “Eu-Tu” e a relação “Eu-Isso”,

proposta por Buber (2001).

Seguindo este pensamento, entende-se que o turismo convencional

identifica-se com a relação “Eu-Isso”, pois segundo Bartholo (2009, p. 48):

O mundo do Isso abrange todo o espaço da experiência humana com objetos de conhecimento objetivo, manejo operativo prático e apropriação utilitária. (...) Ao ente issificado se imputa o papel de servir como um anônimo artigo de troca, que se pode experienciar, analisar e instrumentalizar, mas como quem não recebe uma verdadeira relação vinculante.

Essa relação difere-se intensamente da relação “Eu-Tu”, pois a segunda

pressupõe uma confrontação imediata, face a face (BARTHOLO, 2009).

Segundo Burber (2001 apud BARTHOLO, 2009) o acesso à alteridade do outro

não é uma percepção, mas uma interlocução, instaurada numa realidade

relacional. Lévinas ([s.d] apud BARTHOLO, 2009) reflete que o ente que é

invocado nesta relação é inefável porque o Eu fala com ele, não fala dele. Na

visão de Lévinas ([s.d] apud BARTHOLO, 2009), Burber baseia a experiência

humana no encontro, onde o Eu não pode construir uma representação do Tu,

mas sim o encontrar.

Por isso, Buber acredita que a verdade se encontra dentro de um “modo

relacional de ser”, onde se acolhe percepções de acordo com o que o outro me

revela e não como um saber em razão de certezas produzidas ou projetadas

(BARTHOLO, 2009). Sendo assim, excluir-se da “vida vivida”, seria arriscar-se

a “negligenciar a memória, a pretender julgar antes de pensar, e ao perigo

maior de identificar no lido a ilusão do já sabido” (PLATÃO apud BARTHOLO,

2009).

Aprofundando-se nesta questão, Bartholo (2009) analisa que nas

sociedades contemporâneas, as relações do tipo “Eu-Isso” estão cada vez

mais propícias, comparando-se com as do tipo “Eu-Tu”. Para o autor, o “nexo

do dinheiro” da mercantilização invade os espaços relacionais, colonizando a

“vida vivida” como produtoras de experiências de segunda mão que a

“espetacularizam” e mercantilizam. Dessa forma, a experiência humana reduz-

se ao uso de indivíduos como objetos de conhecimento, instrumentalização e

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controle, excluindo qualquer hipótese de proximidades vinculantes

(BARTHOLO, 2009).

Porém, ao tentar afastar a espontaneidade e colocar intenção nos

diálogos, torna-se impossível estabelecer autênticas práticas relacionais

interpessoais, como coloca Bartholo (2009):

Uma intencionalidade dialógica implica o reconhecimento de uma impossibilidade: fazer do encontro face a face objeto ou produto. Desconhecer que ele é um acontecimento. Negar ao encontro autêntico o atributo de ser um acontecimento enraizado em radical indeterminação é a pretensão de transformar o Tu buberiano num Isso. Essa pretensão instaura pseudo-conversações, que tomam o lugar dos diálogos. Em suma, o desenraizamento tem como contrapartida a vigência de monólogos técnicos, a serviço de poderes desenraizados do sítio.

Segundo Bartholo, na realidade do turismo de base comunitária, tem-se

como característica fundamental a preponderância de valores relacionais nos

serviços turísticos ali implementados, possuindo como elementos chave o

acolhimento e a hospitalidade. Dentro dessa perspectiva, pode-se enxergar em

uma viagem, a oportunidade de compartilhar na relação entre o visitante e o

visitado a experiência de sentido que se dá dentro da comunidade

(BARTHOLO, 2009). Conforme o autor, “isto implica e requer uma atitude

dialógica, o que significa falar com alguém, não de alguém, ou de alguma

coisa” (BARTHOLO, 2009, p. 52). Pensar neste tipo de relação na prática

turística, significa se dispor a “imaginar-se no outro, ampliando o senso de

comunidade de um outro que podia ser eu” e receber “novas descrições da

realidade que podem alterar nossas verdades provisórias” (BARTHOLO, 2009,

p. 52), livrando-se, desta maneira, de agarras conceituais pré-concebidas

(BARTHOLO, 2009).

Irving (2009) reflete a relação entre visitantes e visitados sob a ótica do

“encontro” como condição essencial do TBC, ao que se refere ao sentido de

“dádiva”, o que ela acredita ser a troca entre “quem chega” e “quem está” no

lugar turístico (IRVING, 2008 apud IRVING, 2009). Neste sentido, a dádiva teria

como objetivo produzir um sentimento de amizade entre as pessoas

envolvidas, superando o significado de hospitalidade, “uma vez que este

ultrapassa a noção clássica vinculada apenas ao ato de receber” (IRVING

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2009, p. 117). Para Denker (2003 e 2004 apud IRVING 2009, p. 117) o

“encontro” se alimenta de uma dinâmica em que “a qualidade da vivência do

visitante está relacionada à qualidade de vida do anfitrião”.

Além disso, ao se pensar no turismo de base comunitária como um

fenômeno predominantemente social, onde a experiência do turista com a

comunidade é uma premissa essencial do planejamento, chega-se a reflexão

em relação a que perfil de turista se deseja e melhor se encaixa nesta prática

de turismo (IRVING, 2009). Este perfil certamente exclui o turista convencional,

uma vez que “no encontro ele é também protagonista, o que implica como

condição para que o processo aconteça, a sua permeabilidade à diferença, sua

postura ativa em busca de conhecimento da realidade local e o seu

compromisso com o que pode gerar de novo e ético nesta relação” (IRVING,

2009, p. 117).

Portanto, o TBC pode ser visto como uma oportunidade de se praticar

turismo de forma diferente, já que as relações são o seu princípio fundamental

(SANSOLO; BURSZTYN, 2009). Neste modelo, há a possibilidade de um

encontro com o visitado num sentido mais profundo, expressado na relação de

proximidade “Eu-Tu”, proposta por Buber, abrindo espaço, assim, para “a

presença irredutível da alteridade do outro” (CARNEIRO; BARTHOLO, 2009).

Dessa forma, as relações econômicas são enriquecidas por outras relações

que ultrapassam a racionalidade do lucro imediato (SANSOLO, BURSZTYN,

2009), e vencem a concepção do “Eu-Isso” de conhecer o mundo e

“transformá-lo em objeto de posse, uso e experiência” (CARNEIRO;

BARTHOLO, 2009), reduzindo o encontro entre visitantes e visitados a

relações superficiais.

2.3.4 Obstáculos para desenvolver o turismo em comunidades

Ainda que o turismo exerça um importante estímulo às comunidades e

uma possibilidade de melhora efetiva de suas condições de vida, estas ainda

enfrentam graves restrições que dificultam a sua estabilidade no mercado

(MALDONADO, 2009; MIELKE, 2009). Por se tratar de comunidades que

muitas vezes estão inseridas em realidades com altos índices de pobreza e

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baixo índice de desenvolvimento humano, estas restrições estão diretamente

ligadas a problemas sociais, como déficit na educação, formação profissional,

serviços básicos de saúde e carência de infraestrutura (MALDONADO, 2009).

Segundo Maldonado (2009), grande parte das deficiências constatadas

nos casos de turismo de base comunitária no Brasil também é derivado da

incursão das comunidades em situações de improviso, ausência de

profissionalismo, desconhecimento do mercado e dos instrumentos de gestão

dos negócios. Mielke (2009) acrescenta barreiras como falta de economia de

escala, capital financeiro, atitudes empreendedoras, inovações tecnológicas,

bem como a dependência de mercados emissores, já que grande parte dos

destinos ainda não possui uma procura efetiva, e por isso, a obtenção de

resultados demanda tempo.

Em relação ao tempo, Mielke (2009) adiciona que a consolidação desses

projetos deve ser planejada a médio ou longo prazo. Primeiro, porque não se

pode colocar decisões antecipadas para as comunidades sem que elas

estejam preparadas para isso. Segundo, porque isso requer apoio externo que,

muitas vezes, pode tornar-se uma dependência, pois há o risco de os projetos

serem conduzidos ao fracasso, caso se retirem esses apoios. Irving (2009)

também destaca essa questão da necessidade de se pensar em iniciativas de

longo prazo em realidades comunitárias baseando-se em outros argumentos:

Os processos participativos são lentos, envolvem custos adicionais nem sempre considerados nos orçamentos em planejamento turístico, e exigem um elevado investimento em formação de recursos humanos e construção de arcabouços metodológicos capazes de lidar com as especificidades locais e gerar respostas. Sendo assim, não se pode imaginar iniciativas de curto prazo com objetivo de mobilização dos atores locais para o turismo de base comunitária. (IRVING, 2009, p.114 e 115)

Além disso, exige-se tempo para que ocorra amadurecimento de forma

que interesses divergentes não impeçam que o desenvolvimento de turismo de

base comunitária ocorra de forma duradoura e justa (MIELKE, 2009). Mielke

(2009) ressalta a importância de encontrar líderes dentro da comunidade

capazes de resolver conflitos decorrentes dessa incompatibilidade de

interesses que muitas vezes advém de processos anteriores ao turismo, bem

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como superar por meio da educação cooperativa possíveis disputas que

normalmente surgem entre membros da comunidade.

Agrega-se a isso o fato de que muitos acordos e assuntos complexos de

interesse coletivo, principalmente os relacionados a dinheiro, demandam

maturidade (MIELKE, 2009). Segundo o autor, quando a comunidade já se

apresenta organizada politicamente e possui um avançado estágio de

cooperação, o processo de inserção e estruturação estratégica do turismo

torna-se mais fácil. Ademais, deve-se atentar para que a organização

comunitária não se torne excludente, bem como o seu processo seja

democrático e transparente (MIELKE, 2009).

Outro entrave em relação à necessidade de prazos de médio ou longo

prazo para implementação do TBC, diz respeito à cobrança de resultados

imediatos do governo. Muitas vezes, ao apoiar financeiramente projetos de

TBC, os governos exigem respostas imediatas já que na realidade política

brasileira eleições acontecem a cada quatro anos (MIELKE, 2009).

Da mesma forma, também muitas vezes a distância geográfica entre as

residências de grupos comunitários, além de suas obrigações rotineiras torna-

se um problema. Segundo o autor, isto pode dificultar a criação de uma agenda

efetiva, já que muitas vezes na hora que reuniões estão acontecendo, muitos

deles estão deixando de trabalhar ou atender em seu próprio negócio (MIELKE,

2009).

Igualmente, é evidente a complexidade de inserção de comunidades

indígenas e campestres no turismo (MALDONADO, 2009). Primeiro, em razão

dos impactos negativos que podem ser gerados por se tratar de uma atividade

competitiva e internacionalizada que se desenvolve em comunidades que

muitas vezes são “dedicadas às atividades tradicionais de sobrevivência, com

poucas fontes alternativas de rendimento” (MALDONADO, 2009, p. 26).

Segundo, “em função do caráter ambivalente do turismo que embora

represente uma oportunidade para melhorar o bem-estar das comunidades,

não obstante, sempre traz consigo ‘efeitos do pacote’, muitos destes

irreversíveis, como alterações nos padrões de produção e consumo, e as

ameaças à cultura” (MALDONADO, 2009, p. 26).

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Por fim, Maldonado (2009) coloca algumas deficiências na oferta de

turismo de base comunitária que costumam se repetir e podem ser resumidas e

organizadas em um quadro com oito itens:

Deficiência da oferta de turismo comunitário

1.

Oferta dispersa e fragmentada, carente de estruturas e mecanismos regulares de cooperação interna para organizá-la e externa para potencializá-la. Apesar das vantagens das parcerias serem percebidas, os esforços empreendidos ainda são insipientes e pouco sistemáticos.

2. Escassa diversificação dos produtos turísticos cujos componentes são baseados exclusivamente em fatores naturais e herdados, ainda que exista potencial e vontade para empreender inovações que superem o mimetismo predominante.

3.

Gestão profissional limitada, tanto operacional como gerencial dos negócios; as tendências e o funcionamento da indústria do turismo são desconhecidos. As aspirações das comunidades de acesso a serviços de informação e capacitação permanecem amplamente insatisfatórios.

4. Qualidade heterogênea dos serviços, com predominância de qualidade média e baixa. A competência aguda com outras empresas tende a resolver-se somente a curto prazo e através da baixa de preços.

5. Posicionamento incerto e imagem pouco divulgada do turismo comunitário em mercados e segmentos dinâmicos: a promoção e comercialização são realizadas, geralmente, por meios rudimentares, individuais e diretos.

6. Participação marginal ou subordinada de mulheres e suas associações na concepção e condução de projetos turísticos e, consequentemente, na capitação de benefícios.

7.

Deficiência de mecanismos de informação, comunicação e organização comercial: a fraca representação e capacidade para negociação com outros agentes da cadeia turística não permite a tomada de decisões estratégicas, além do horizonte diário.

8.

Déficit notável de serviços públicos: rodovias, eletricidade, água potável, saneamento ambiental e esgoto, comunicação e sinalização turística. As comunidades não são capazes de conduzir estes custos; isto é responsabilidade dos governos locais ou nacionais.

Quadro 7: Deficiência da oferta do turismo comunitário Fonte: NETCOM, 2006 apud Maldonado (2009)

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3 O CASO DE CURUÇÁ

Passada a etapa da caracterização da área de estudo e do debate

teórico existente sobre TBC, chega-se, enfim, na pesquisa de campo.

Primeiramente, o capítulo irá abordar o turismo no estado do Pará, no polo

turístico da Amazônia Atlântica e no município de Curuçá, com intuito de que

se tenha uma visão geral das características das práticas turísticas nestas

regiões. A pesquisa de campo é trabalhada a partir do ítem 3.3, objetivando

refletir sobre esta nova alternativa de turismo de acordo com a realidade de

Curuçá. Assim, a pesquisa de campo apresenta o surgimento da ideia da

implantação da atividade no município, como eram operados os passeios, as

dificuldades encontradas no processo de sua construção, os benefícios

percebidos pela pesquisadora e os caminhos encontrados pelos comunitários

para dar prosseguimento à atividade.

3.1 O TURISMO NO PARÁ

Ainda que possua potencial para a sua prática, o turismo ainda está

dando os seus primeiros passos e possui um caráter amador na Amazônia

brasileira (NELEMAN, 2010). Mesmo com o reconhecimento e, por vezes,

denominações como exuberante e exótica (TAVARES, 2009), são poucas as

pessoas que se dispõem a deslocar-se até a região. A atividade está

concentrada principalmente nos Estados do Amazonas e do Pará,

considerados os mais desenvolvidos da Região Norte (NELEMAN, 2010).

Atualmente, o Pará é reconhecido principalmente pelas suas

atratividades naturais, servindo como porta de entrada da Floresta Amazônica,

e por desperta curiosidade no imaginário do turista em relação aos saberes e

fazeres amazônicos, no que diz respeito ao seu modo de vida e à maneira

como as populações tradicionais se relacionam com a floresta e seus recursos

(PARATUR, 2012).

Diversas manifestações da cultura popular também são consideradas

atrativos turísticos do Pará. Entre elas, destacam-se o Círio de Nazaré e a

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Marujada, festas populares seculares que envolvem fé, religiosidade e rituais

profanos; ritmos tradicionais presentes no cotidiano da população como o

carimbó, xote bragantino, siriá e o lundu marajoara; sua gastronomia

considerada exótica por possuir pratos típicos com herança da colonização

portuguesa, africana e indígena, esta última mais influente; além do açaí e de

outros ingredientes naturais presentes nos sorvetes de frutas regionais

(PARATUR, 2012).

Porém, a região é percebida como destino de baixa qualidade e

credibilidade (PARATUR, 2012). Segundo o Relatório Executivo elaborado pela

PARATUR (2012), fatores como falta de divulgação, falta de opções de voos,

preços elevados de passagens aéreas e de hotéis, carência de informação

disponível, bem como falta de estrutura local são algumas das dificuldades que

o estado enfrenta para trazer mais turistas até o destino e, consequentemente,

fomentar a atividade.

Atualmente, o Pará foi dividido pela PARATUR em seis polos turísticos:

o Polo Belém, o Polo Amazônia Atlântica, o Polo Araguaia Tocantins, o Polo

Marajó, o Polo Tapajós e o Polo Xingu, conforme ilustrado no mapa a seguir:

Mapa 8: Pará conforme seus polos turísticos Fonte: PARATUR, 2011.

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Ao visitar o site do Órgão Oficial de Turismo do Pará (PARATUR), é

perceptível que todas estas regiões são divulgadas pela sua culinária. Nota-se,

portanto, um forte potencial no turismo gastronômico. Outro fator a ser

destacado é que o único destino que vende atrativos turísticos urbanos é a

capital Belém, com sua arquitetura e seus museus. Todavia, como na maior

parte do Brasil, os atrativos mais procurados são os de turismo de praia pelos

próprios moradores do estado, concentrados em Mosqueiro (distrito de Belém

com praias de rio), na Ilha do Marajó, e na Amazônia Atlântica dentro dos

municípios de Salinópoles, Algodoal e Marudá. Estes últimos encontram-se

sempre superlotados no mês de julho (verão da Amazônia) e mês de janeiro,

configurando-se, portanto, como turismo de massa. Além de Belém, todas as

outras regiões turísticas são divulgadas pela Paratur predominantemente pelos

seus atrativos naturais. Porém, na realidade, a maioria destes destinos é de

difícil acesso, não possuem uma boa infraestrutura e demandam tempo de

deslocamento que varia de acordo com a realidade de seus rios, que são os

caminhos naturais da região (PARATUR, 2012). Isso significa que, por mais

que as pessoas se sintam interessadas em visitar estes lugares, vão encontrar

inúmeras dificuldades para acessá-los. O transporte aéreo seria a alternativa

mais eficiente para o problema de tempo de deslocamento. No entanto, embora

possua sete aeroportos com operação de voos regulares internacionais,

nacionais e regionais, o estado possui uma oferta ainda considerada ineficiente

e com valor de bilhetes aéreos superiores à média nacional (PARATUR, 2011).

Por fim, uma questão que merece destaque para este trabalho é que,

apesar de possuir três destinos que tiveram projetos de turismo de base

comunitária aprovados e financiados pelo Ministério do Turismo (Praia do

Pesqueiro na Ilha do Marajó, Santarém e Curuçá) esta prática não é divulgada

pelo site da Paratur, o que pode significar falta de apoio ou desconhecimento

por parte do governo estadual do desenvolvimento deste tipo de turismo nestas

localidades.

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3.2 O TURISMO NA AMAZÔNIA ATLÂNTICA E NO MUNICÍPIO DE CURUÇÁ

Conforme Nascimento (2009 apud AMARAL, 2010), o polo turístico em

que o município de Curuçá está localizado possui um expressivo potencial

turístico e se destaca essencialmente pelo seu patrimônio natural. Entretanto,

como já mencionado no item anterior, o tipo de turismo encontrado na

Amazônia Atlântica, é predominantemente turismo de praia e de massa.

Segundo Neleman (2010) este tipo de turismo vem superlotando os destinos

costeiros do estado, principalmente Salinópoles, Ilha de Algodoal e Marudá, e

mudando a organização espacial e social destes destinos, por meio da

construção de casas de veraneio, novos hotéis, restaurantes e outras

instalações.

Em Salinas, por exemplo, pescadores venderam seus terrenos próximos

ao litoral para pessoas de fora e construíram suas residências na periferia da

cidade. Deste modo, áreas de mangue vêm sendo ocupadas, causando sérios

problemas ambientais, além de trazer especulação imobiliária por meio do

turismo. Ademais, antigos pescadores e pequenos agricultores abandonaram

seus “tradicionais” meios de sobrevivência para trabalhar como caseiros para

donos de casas de veraneio (NELEMAN, 2010). Como resultado, “o sistema de

troca e solidariedade das comunidades de pescadores foi transformado”, os

preços do mercado local aumentam substancialmente em época de alta

temporada, além das praias passarem a reunir uma imensa quantidade de lixo

nesta época (NELEMAN, 2010, p. 29).

Na Ilha de Algodoal26, há menos de uma década, não havia eletricidade.

Neste sentido, a vinda de turistas trouxe benefícios para a população, pois em

sua decorrência foi implementado o sistema de energia elétrica na localidade.

Por outro lado, como o turismo instalou-se de forma desenfreada e

desordenada, diversos problemas antes inexistentes, começaram a aparecer.

Problemas como superlotação, violência, uso de drogas e, em época de alta

temporada, chega-se ao limite de não ter comida e água suficiente para as

pessoas que estão na ilha. Dessa forma, a atividade vem descaracterizando e

fazendo o lugar perder o que possuía de mais atrativo: a paz, as pessoas, a

26

Análise da própria pesquisadora, visto que morou no Pará 16 anos e visitou a ilha diversas vezes, acompanhando estas mudanças.

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cultura e a natureza. Assim como ocorreu em Salinas, muitos nativos venderam

seus terrenos e foram morar em áreas de mangues. Como visto no capítulo

anterior, estes riscos são inerentes ao turismo, quando não é implantado de

forma organizada e responsável e comprometido com o desenvolvimento local.

Processos como esse ainda não ocorreram em Curuçá em razão da

dificuldade de acesso até as praias e por não possuir infraestrutura adequada

para receber turistas. Segundo estudo feito pela Secretaria de Turismo de

Curuçá em 2005 (apud NELEMAN, 2010), a maioria dos turistas que visitam a

cidade vem do Estado do Pará (98,5%), onde o principal emissor é a cidade de

Belém (76,2%), seguidos de Castanhal (9%), Ananindeua (4,8%), Santa Izabel

(0,7%), e outras cidades vizinhas (7,8%). Apenas 0,3% vieram do Amapá, 0,3%

do Ceará, 0,3% do Rio de Janeiro e 0,6% da França e Alemanha. Conforme o

mesmo estudo, a maioria destes turistas tem por objetivo a visita a familiares, o

que foi confirmado em campo ao ouvir relatos de que a sua maior parte são

“filhos de Curuçá” que vão tentar a vida na capital, mas que retornam nas

férias.

De acordo com observações feitas em campo, um dos maiores

problemas em relação à infraestrutura de turismo é a carência de hospedagem

e restaurantes, e a necessidade de profissionalismo no atendimento dos

mesmos. De acordo com o Inventário (2012), Curuçá conta apenas com 5

hotéis, 3 pousadas, 2 dormitórios e 1 motel, totalizando 123 unidades

habitacionais, das quais duas indicadas por moradores para a pesquisadora,

são de baixa qualidade27. Em relação aos restaurantes, são 15 no total, porém

a pesquisadora constatou que sua grande maioria funciona por meio de

situações de improviso, havendo necessidade de capacitação e

profissionalismo. Todavia, averiguou-se que os donos destes restaurantes são

“pessoas mais humildes” e vem tentando se organizar de acordo com os

recursos que possuem.

27 A pesquisadora, ao ir a campo, se hospedou no Hotel Glória, indicado pelo Secretário de

Turismo da época e por alguns locais que teve primeiro contato. Por mais que quesitos como toalha e água quente estivessem inclusos no preço, ambos não foram ofertados no serviço. Além disso, em diversos horários, não havia funcionários no hotel, nem mesmo na recepção. Quando houve o problema da toalha, não havia com quem fazer esta solicitação. A diária do quarto era de R$120, o que indica que o preço não condiz com a qualidade do hotel nem com o público potencial para o município. A pesquisadora também se hospedou na Pousada Espardarte e no primeiro dia faltou luz durante um período de mais de duas horas.

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Outra problemática local são os resíduos de lixo tanto na periferia, como

nas áreas naturais (praias, igarapés e bosques do município), além da falta de

saneamento básico principalmente nas áreas rurais. De acordo com Charles

Cardoso, pescador e guia de ecoturismo do município, a falta de policiamento e

de iluminação pública também são entraves para o desenvolvimento do turismo

na cidade.

Entretanto, esta realidade pode mudar com a construção dos portos na

Praia da Romana. Segundo Neleman (2010), no caso da aprovação efetiva dos

projetos, a Ilha da Romana não fará mais parte da Resex e abrirá suas portas

para investimentos de agentes imobiliários e de turismo. Por um lado, isto

poderia trazer benefícios para a cidade, visto que permitiria o acesso à Praia28

por preços mais acessíveis, já que o projeto construiria quatro pontes que

interligariam o Porto do Abade, Ilha de Fora, Ilha de Ipomonga até a Ponta da

Tijoca29. Porém, poderá trazer também danos ambientais, pois permitiria a

entrada de carros até uma localidade frágil, bem como transformaria um

turismo de pequena escala e baixo impacto, em turismo de praia, trazendo os

mesmos impactos do turismo de massa já vivenciados em outras localidades

da Amazônia Atlântica (NELEMAN, 2010).

Embora tenha diversos desafios a superar, a cidade já está evoluindo

em relação ao fomento da organização do turismo. Atualmente, Curuçá conta

com uma Secretaria de Turismo já estruturada, situada no píer município, onde

funciona um posto de informações turísticas com três funcionários que além de

auxiliar os visitantes, armazenam dados sobre o receptivo local para entender o

seu perfil e fazer futuros planejamentos. Além disso, Curuçá está incluso entre

os 26 municípios contemplados pelo Programa de Desenvolvimento do

Ecoturismo Legal – PROECTOUR, além de ter sido inserido entre os 40

municípios paraenses no Mapa de Regionalização do Turismo, do Ministério do

Turismo, em 2009, e adquiriu o Certificado de Município Turístico concedido

pela PARATUR, em 2010. Ademais, a cidade conta com uma diversidade de

recursos naturais e um calendário festivo municipal já consolidado, que pode

28

Atualmente, para atravessar até a Ilha da Romana é cobrado o valor de R$250, podendo ser dividido até 20 pessoas. 29

Informação obtida em campo.

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facilitar o desenvolvimento do turismo na área de pesca, aventura, sol e praia,

ecologia, religião, agricultura (turismo rural) e cultura (INVENTÁRIO, 2012).

3.3 O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA DE CURUÇÁ

Ao se pensar nas oportunidades econômicas para Curuçá,

primeiramente o que se tem em vista é um caminho “tradicional” orientado pela

lógica da RESEX que visa preservar e proteger as atividades de pesca,

extrativismo e agricultura das populações ribeirinhas do município. A segunda,

seria por meio das propostas de emprego que viriam com a construção dos

portos e com os investimentos para o município que chegariam em função

dessas construções. Entretanto, os dois caminhos parecem inadequados, visto

que o primeiro oferece oportunidades limitadas que não levam à melhoria das

condições de vida da população e a segunda tem grandes chances de trazer

impactos negativos para o município, tanto no nível ambiental, como no social

(NELEMAN, 2010). Sendo assim, surge uma alternativa de se pensar no

desenvolvimento para a população de Curuçá, o ecoturismo de base

comunitária. Este item visa discutir como ocorreu e quais foram as dificuldades

e benefícios deste processo para comunidade, além de discutir se o TBC

serviu como alternativa econômica e para o desenvolvimento local.

3.2.1 Os primeiros passos O turismo de base comunitária passou a ser pensando no município com

a chegada do Instituto Peabiru30 em 200631. Primeiramente, o Instituto visava

30 O Instituto Peabiru é uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), com

sede na capital do Estado do Pará, Belém. Foi criado em 1998, em São Paulo (SP), onde inicialmente ambientalistas, cientistas, empresários e educadores se reuniam para incentivar o ecoturismo e a educação ambiental. Após sua transferência para Belém, houve uma ampliação na sua área de atuação e o foco voltou-se para a Amazônia. Atualmente, a ONG tem como missão valorizar a diversidade cultural e ambiental e apoiar processos de transformação social na região, atuando como facilitador de processos de mobilização social que garantam o direito à cidadania de populações rurais e tradicionais, comunidades quilombolas e indígenas, com ênfase na inclusão de mulheres e jovens. (MEIRELES; SÁ, 2009)

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entender a realidade local e conhecer o perfil da cidade para montar os seus

projetos sociais. Inicialmente, se aproximou de uma articulação já organizada

dentro da comunidade, o grupo pastoral da juventude, que não trabalhava

apenas com religião, mas também com cidadania. Então, foram organizadas

diversas reuniões que tiveram como tema o que a comunidade desejava para

seu futuro e o que gostaria que fosse desenvolvido no município. Como relata

um dos funcionários do Peabiru entrevistados, descrevendo o processo:

“Então, abriu-se pra eles no que eles queriam ser apoiados, o que interessavam a eles... Todo mundo viajou... Queriam escola de música, oficina disso ou daquilo... Ninguém decidia que queria levar alguém pra Romana ou pra Ilha de Fora... Pra eles é tão normal aquilo que eles não viam isso como um potencial.”

O outro funcionário do Peabiru, acrescentou: “É porque o que eles veem

na televisão é aquele tipo de turismo com grandes hotéis, com pacotes

bonitinhos”. Desta forma, desenvolveu-se uma proposta de projetos sociais

com a chamada “Escola Casa do Mangue”. Posteriormente, houve uma reunião

com a AUREMAG e os membros da comunidade resolveram mudar o nome

para “Escola Casa da Virada”32. O objetivo inicial era oferecer capacitação e

trocar conhecimentos com a população local. O projeto trabalhava com cinco

áreas temáticas: educação ambiental, clínica de ONGs, museu do mangue,

oficinas comunitárias e agenda 21 local.

O ecoturismo de base comunitária surgiu paralelamente ao curso de

agentes ambientais, responsável por formar filhos de pescadores, professores

e agricultores. No curso de agentes ambientais, foi ensinado sobre a

conservação e manejo de manguezais e recursos hídricos, tanto na teoria

como na prática. Como já havia diversas pessoas que sabiam da importância

dos recursos naturais da Reserva Extrativista em que estavam inseridas, além

de conhecer os potenciais locais, a ideia de implementar o ecoturismo na

região tornou-se simples. Além disso, o fato do Instituto Peabiru já ter

31

As informações deste item inteiro foram relatadas pelos dois funcionários entrevistados do Instituto Peabiru. 32

Segundo Xavier Cardoso, o termo “virada” refere-se à virada da maré e é usado pelos pescadores quando querem dizer que estão saindo para pescar, para buscar o seu sustento. Tem conexão também com o sentido de que “virada” é um termo que busca mudança para melhorias, como o utilizado no futebol (“gol da virada”) e em ano novo (“ano da virada”), data para renovar esperanças.

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experiência com ecoturismo, também foi outro facilitador. Como o diretor da

instituição, João Meirelles, já havia sido presidente do Instituto de Ecoturismo

do Brasil (IEB) e foi fundador do S.O.S Mata Atlântica, já possuía experiência

em levantamento do potencial de ecoturismo em diversas regiões do país

(MEIRELLES; SÁ, 2009).

Assim, foram realizadas oficinas de turismo de base comunitária com

intuito de apresentar o tema para a população. O primeiro curso foi o de

formadores de turismo de base comunitária, ministrado por profissionais de

Turismo da Universidade Federal do Pará – UFPA, em seguida, foram

ofertados cursos promovidos por Gabriela Carvalho33 e também os da

prefeitura municipal. Todos os cursos objetivavam explicar esta nova

modalidade de turismo para a população, como explicitado na fala do

funcionário do Peabiru:

“O ecoturismo veio como um curso só, que não tava inscrito no programa da Casa da Virada. (...) As oficinas de ecoturismo de base comunitária vinham falar dessa nova modalidade do turismo que era voltado pra população local... Pro agricultor, pescador, gerando uma renda complementar pra eles. (...) Aí o grupo foi se formando e se fortalecendo.... E aí chegou-se no Instituto Tapiaim

34.”

O processo aconteceu da seguinte maneira: a Casa da Virada formou 25

monitores que se uniram e formaram um grupo de ecoturismo. Contudo, muitos

foram desistindo ao longo do tempo em razão das expectativas frustradas em

relação a emprego, sobrando apenas 5 jovens. Ao final, novos agentes

ambientais foram formados e convidados a participar, totalizando um grupo de

17 pessoas. Em 2008, a Estação Gabiraba aderiu ao projeto e os primeiros

ecoturistas visitaram Curuçá. No mesmo ano, o Instituto Peabiru submeteu um

projeto para ser financiado pelo Ministério do Turismo com a finalidade de

organizar cursos de capacitação empresarial e assim montar uma cooperativa

e uma agência comunitária. Enquanto aguardavam a chegada dos recursos,

que só vieram cerca de dois anos depois, o grupo se organizou e formou o

Instituto Tapiaim, legalmente reconhecido apenas em 2010 (NELEMAN, 2010).

33

Dona da Estação Gabiraba, agência de turismo que enviava turistas para Curuçá. 34

Conforme informação obtida em campo, “Tapiaim”é o nome de uma formiga grande e preta da região. Segundo a crença popular, se matarem a formiga, chove o dia inteiro.

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A seguir, uma linha do tempo foi montada para facilitar o entendimento das

etapas do projeto:

Quadro 9: Etapas do projeto de TBC de Curuçá. Fonte: Elaboração própria com base na de Neleman (2010).

Segundo relatos dos funcionários do Instituto Peabiru, a partir do

momento que os membros do grupo observaram que o lugar onde moram tem

potencial e que eles podiam obter uma renda extra por meio do turismo, foi

criada uma nova consciência em relação ao ambiente em que vivem e por isso

a instituição foi se fortalecendo dentro da temática de ecoturismo de base

comunitária, pois a comunidade passou a enxergar um potencial local antes

desconhecido que poderia ser trabalhado e gerar uma renda complementar.

Para eles, era novidade pensar que suas vivências de pesca e de roça e o

ambiente que viviam, pudessem atrair turistas.

Assim, o projeto foi se desenvolvendo com intuito de incluir as

comunidades “tradicionais” e servir como uma nova fonte de renda para os

moradores do município. A ideia era a de criar empregos locais e capacitar os

jovens na atividade do ecoturismo. Objetivava-se também que estes jovens

aumentassem a sua autoconfiança e cidadania e que passassem a se

preocupar com o ambiente que viviam, estimulando a conservação das áreas

degradadas da Resex por meio da filosofia do ecoturismo (NELEMAN, 2010).

Com base nessas informações, é possível destacar que o início do

projeto foi de acordo com algumas premissas abordadas por Irving (2009),

como base endógena na iniciativa que abra espaço para a comunidade

expressar seus desejos, a preocupação com a participação e protagonismo

social através do saber compartilhado, a importância desta prática estar

atrelada a compromissos de sustentabilidade que almejem a qualidade

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ambiental e social do destino, bem como sua valorização cultural. Além disso,

Mendonça e Irving (2004) analisam que o desenvolvimento local deve passar

por um processo decisório que demanda a mobilização e participação das

lideranças locais em todas as suas fases, o que também aconteceu no caso de

Curuçá. Ademais, Coriolano (2009) coloca como um dos princípios norteadores

deste tipo de turismo a importância de parceria externas que auxiliem a

comunidade no desenvolvimento do TBC, papel esse conferido ao Instituto

Peabiru.

3.3.2 Sobre os passeios e as comunidades visitadas

Inicialmente, a ideia deste item era descrever os passeios, relatando os

roteiros e a relação observada entre turista e anfitrião, conforme a experiência

pessoal da pesquisadora. Porém, em razão do turismo de base comunitária do

município estar passando por uma fase de transição, esta abordagem não

pôde ser concretizada, pois os passeios não estavam mais acontecendo

regularmente. O único passeio que ainda era possível de se operar com guia

de ecoturismo, embora de forma improvisada, era até a Praia da Romana.

Entretanto, além de depender dos horários da maré35, era necessário conseguir

um grupo para que pudesse ser pago o preço da viagem (R$250). Além disso,

o tempo da pesquisadora em campo não permitiu entrevistar membros das

comunidades onde ocorriam os passeios, limitando-se a relatos de membros

do Instituto Tapiaim e do Peabiru. Por isso, a pesquisa de Neleman (2010) e de

Queiroz (2011) serviram como recurso para complementar esta abordagem, já

que ambas realizaram entrevistas com os moradores das comunidades. Deste

modo, objetiva-se aqui caracterizar resumidamente as comunidades incluídas

no roteiro, mostrar como os passeios aconteciam e fazer algumas observações

relacionadas a premissas de TBC abordadas na teoria, articulando com o que

acontecia na prática no caso de Curuçá.

35

Para acessar a Praia da Romana, é necessário pegar barco do Abade, num percurso que dura de uma hora e meia a duas horas.

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75

A operação de receber turistas funcionava em parceria com a agência

Estação Gabiraba36, de Belém, e a Turismo Consciente, de São Paulo, onde

normalmente a segunda fazia contato com a primeira, informando que um

grupo queria fazer um dos roteiros em Curuçá e, posteriormente, a Estação

Gabiraba informava ao Instituto Tapiaim que se organizava para receber os

visitantes. O turista escolhia o roteiro antecipadamente37. O Instituto Tapiaim

operava com quatro dos 52 povoados nos seus roteiros: Pedras Grandes e

Recreio, localizadas na Ilha de Fora (Mapa 10), Praia da Romana situada na

Ilha da Romana (Mapa 11) e Muriazinho (Mapa 10), localizada próxima ao

centro da cidade, como ilustrado nos mapas a seguir:

36

Criada em 2007, comprometida com os princípios do ecoturismo de base comunitária e do comércio justo. 37

Informações obtidas em campo.

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76

Mapa 10: Localização das comunidades de Recreio, Pedras Grandes e Muriá. Fonte: Neleman, 2007.

Mapa 11: Localização da Praia da Romana. Fonte: NELEMAN, 2010.

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Pedras Grandes está localizada no lado oposto do porto do distrito de

São João do Abade, separada pelo Rio Muriá (Mapa. 10). Por isso, é a porta de

acesso da Ilha de Fora. Para acessar o povoado, é necessário fazer travessia

de barco que dura cerca de 10 minutos e com o custo de R$1,00 por pessoa. A

comunidade consiste em 326 habitantes, dividida em 30 famílias que habitam

80 casas, cujas atividades são associadas à agricultura e à pesca (NELEMAN,

2010; QUEIROZ, 2011). O povoado conta com duas associações: a

Associação do Povoado de Pedras Grandes e Associação Comunitária de

Pedras Grandes, a primeira com 20 anos de existência e a segunda com 4

anos (QUEIROZ, 2011). Pedras Grandes teria entrado no roteiro em razão de

um membro do Instituto Tapiaim morar ali e já ter um conhecimento sobre o

potencial natural da região, permitindo caminhada em trilhas, banhos de

igarapés e visita às casas de farinha. Quando os participantes permaneciam no

local, era uma das famílias que ali residiam que preparavam a alimentação

(QUEIROZ, 2011).

Recreio também é localizado na Ilha de Fora, em frente à comunidade

Boa Vista de Muriá, esta última situada no outro lado do Rio Muriá. A

comunidade é composta por 200 residentes divididos em aproximadamente 30

famílias de quilombolas38 (NELEMAN, 2010). A melhor maneira de acessar a

região, é passando por uma estrada de barro (vicinal 22.4) que liga o centro de

Curuçá até Boa vista de Muriá, e de lá fazer travessia de barco ou canoa até o

povoado (NELEMAN, 2010). Segundo Queiroz (2011), o fato de não haver

travessias regulares de barcos, dificulta a chegada dos moradores até o local,

fazendo com que a comunidade dependa do barco escolar para este fim. Assim

como Pedras Grandes, o povoado do Recreio teria sido incluído nos roteiros

em razão de um dos integrantes do Tapiaim morar ali e sua família poder

preparar alimentação para os turistas. Além disso, o lugar também oferece

caminhadas em trilhas e banhos em lagos e igarapés, além de acesso ao Rio

Muriá.

Muriazinho ou Muriá fica cerca de 4km da sede de Curuçá, onde seu

acesso pode ser feito por transportes rodoviários. Segundo Queiroz (2011), o

nome do povoado deve-se à sua proximidade com o Rio Muriá. A comunidade

38

De acordo com a pesquisa de Queiroz (2011), a comunidade tem 125 moradores divididos em 33 famílias.

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tem 314 habitantes que vivem basicamente da agricultura, com destaque para

o cultivo da mandioca, e possui uma associação criada há vinte anos, a

“Associação Comunitária Nossa Senhora do Livramento”. Muriazinho teria

entrado no roteiro primeiramente em uma situação de improviso, em um dia

que não pôde ser feito o passeio até a Ilha de Fora. Como alguns integrantes

do Tapiaim conheciam a região, levaram o grupo para conhecer os igarapés,

caminhar na trilha e conhecer as casas de farinha39 (QUEIROZ, 2011).

Segundo Queiroz (2011), o passeio incluía demonstração do processo de

produção de farinha, uma trilha de 2,2km de extensão e banho nos igarapés

dos arredores.

A Praia da Romana40 (ANEXO D) fica situada em uma ilha fora da costa

de Curuçá, sendo a primeira praia em mar aberto depois da foz do rio

Amazonas, com 14 km de extensão. Para acessá-la é necessário ir até o Porto

do Abade e contratar o serviço de um dos barqueiros locais que cobram um

preço mínimo de R$200 pela travessia, num percurso que varia de uma hora e

meia a duas horas. Atualmente, a comunidade é constituída por 15-20

pescadores que ali residem de forma semipermanente durante a safra de

pesca, entre dezembro e julho, ou que ficam lá cerca de um ano e depois se

mudam para outras praias vizinhas (NELEMAN, 2010, QUEIROZ, 2011). Não

há energia elétrica na ilha, porém um dos seus moradores tem duas placas

solares que servem para acender as lâmpadas (QUEIROZ, 2011). A Praia da

Romana entrou para o roteiro do Tapiaim por ser a mais bela e mais famosa

praia do município. Dois moradores locais cozinhavam o peixe e conversavam

sobre o ofício da pesca aos visitantes.

Assim, o objetivo dos passeios era de apresentar aos turistas as belezas

naturais da região e situações vividas cotidianamente pelas comunidades

tradicionais: a pesca artesanal, a catação de caranguejos, a agricultura familiar,

39

Segundo Queiroz (2011), Muriazinho teria entrado no roteiro do Tapiaim em razão de Pedras Grandes, lugar que seria levado o grupo de turistas, não poderia ser visitado na data determinada. 40 Segundo a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (2010 apud QUEIROZ, 2011), o nome

da ilha advém de uma lenda contada pelos antigos pescadores que dizia que no local onde hoje se encontra o “Morro da Princesa”, havia várias dunas de areias que, vistas de longe, se assemelhavam ao Coliseu Romano.

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a criação de abelhas41 e a preparação de comida típicas da região. De acordo

com o estudo de Queiroz (2011) e de relatos obtidos em campo, algumas

ressalvas podem ser destacadas a respeito desses roteiros:

A condução dos passeios nas comunidades ia contra uma das mais

destacadas premissas de TBC abordados por diversos autores que

estudam o tema: a participação. Nos casos dos roteiros montados pelo

Tapiaim, havia sempre um guia da cidade explicando sobre o

ecossistema local, contudo, segundo estudo de Queiroz (2010), estes

guias não eram da comunidade visitada. A premissa da participação

pode ser conferida na conceituação de Cruz (2009, p. 104) que entende

TBC como sendo “uma forma de turismo em que comunidades locais

assumem o comando do turismo em seus territórios” e nas premissas de

Irving (2009) e Coriolano (2009) que colocam a participação e

protagonismo social como condutoras deste tipo da atividade.

No estudo de Queiroz (2011) foi relatado que no caso de Muriazinho,

cada turista deixava um valor de R$5 pela visita que era entregue para a

associação local e investido na comunidade. Porém, não existia uma

aproximação entre visitantes e membros da comunidade visitada, nem

conhecimento do modo de vida local, pois segundo Queiroz (2011), os

passeios que ocorriam ali só incluíam visita às áreas naturais. Segundo

Irving (2009), o “encontro” é uma condição essencial do TBC, onde o

sentido de compartilhamento e aprendizagem mútua deve ser uma

característica ativa entre os que “recebem” e os que “são recebidos”.

Assim, ainda que houvesse uma relação de proximidade entre os guias

que conduziam os passeios e os turistas, esses guias não faziam parte

da comunidade visitada.

Na comunidade de Recreio, por exemplo, foi o Tapiaim que decidiu

sobre o preço dos almoços para os visitantes e não a comunidade local

(QUEIROZ, 2011), o que mais uma vez reflete falta de autonomia das

comunidades e deficiência na integração destas com o Tapiaim.

41

A visita aos quintais que haviam criação de abelhas não estavam incluídos nos roteiros formalmente, todavia, esporadicamente ocorriam estas visitas. A comunidade visita era a Km57.

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Uma das premissas consideradas essenciais na construção do TBC é

afirmação cultural. Segundo Irving (2009), a valorização cultural constitui

um parâmetro essencial no turismo de base comunitária, não no sentido

mercadológico, mas com objetivo de afirmação de identidades e de

pertencimento. Ainda que não houvesse em Muriazinho, Pedras

Grandes e Recreio programações que facilitassem a relação mais

próxima entre visitantes e visitados, isso ocorria na Praia da Romana.

Segundo Charles, nas visitas até o local, todo conhecimento que os

pescadores e caranguejeiros locais possuíam sobre pesca e extração de

caranguejos (“como se monta uma tarrafada, uma linha de pesca, uma

“estacada”, como retiram os caranguejos dos mangues”), era

compartilhado com os turistas. Para isso, os pescadores recebiam um

valor que variava entre R$2 a R$3 por turista, batizado de moeda verde.

A distribuição equitativa dos benefícios gerados pela atividade por meio

da economia solidária é uma das premissas colocadas pela Rede

TURISOL e TUCUM (apud SANSOLO; BURSTYN, 2009) na

conceituação do TBC. Esta divisão era trabalhada no ecoturismo de

Curuçá. No caso da Praia da Romana, como existe a necessidade de

aluguel de barco, o valor pago pela travessia (valor mínimo de R$200)

era dividido entre os barqueiros. Quando havia visita até o quintal de

uma das integrantes da Associação de Meliponicultoras, o valor era

dividido por toda a associação.

Segundo a COOPRENA, o TBC deve organizar esta atividade

baseando-se na conservação e aproveitamento dos recursos locais,

tanto naturais, quanto culturais. No caso de Curuçá, durante o passeio

até a Romana, os recursos locais e os modos de vida da comunidade

eram valorizados, pois os guias davam aulas de mangue e os

caranguejeiros e pescadores faziam demonstrações de como pescavam

e colhiam seus caranguejos para os turistas.

De acordo com Irving (2009), a escala limitada e o controle de impactos

sociais e ambientais devem nortear os passeios de TBC. Na Praia da

Romana, a educação ambiental era trabalhada pelos guias. Segundo

Charles, cada turista recebia um saco de lixo e era responsável pelo lixo

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81

que produzia. Além disso, existia o número máximo de 20 pessoas por

grupo.

3.3.3 As pedras no caminho

Em razão da pesquisa de campo ter ocorrido num período em que o

Instituto Tapiaim estava inativo, sem um grupo organizado e solidificado por

motivos que serão explicados mais adiante, alguns dados e informações

abordados a seguir serão baseados no estudo feito por Neleman (2010)42

,

quando a instituição ainda estava ativa, como uma complementação do

trabalho. Deste modo, pretende-se que o leitor compreenda como funcionava o

Instituto e quais foram as dificuldades para implementar o TBC que

determinaram sua inatividade. Também serão abordados os aprendizados que

vieram com o Ecoturismo e a maneira que eles vêm tentando reorganizar a

atividade.

No ano de 2010, o Instituto Tapiaim reunia dezessete membros, no

entanto, apenas catorze deles estavam ativos43. Segundo o estudo de Neleman

(2010), dez destes membros habitavam as áreas urbanas do município, sendo

oito da sede de Curuçá e dois do Abade, com apenas dois integrantes das

comunidades rurais, dos quais apenas um habitava uma das comunidades que

eram visitadas no roteiro de ecoturismo. Na visão de Neleman (2010), o grupo

não poderia ser considerado como representativo, visto que apenas um

membro residia em uma das comunidades visitadas durante os passeios.

Entretanto, deve ser considerado que outros agentes tinham benefícios diretos

e indiretos com a atividade, por mais que não fizessem parte do Instituto,

Segundo Charles Cardoso, artesãos, pescadores e agricultores estavam

ligados à cadeia, por meio da produção de artesanatos, alimentos e bebidas,

ou falando de seus ofícios para os turistas.

42

O estudo da autora enfocou as percepções dos membros do grupo sobre a influência, benefícios e expectativas do projeto, assim como questões relacionadas à dinâmica interna do grupo, como participação, conflitos; e teve como objetivo analisar as possibilidades que a atividade proporcionava para os jovens adultos de Curuçá, usando o Tapiaim como exemplo (NELEMAN, 2010).

43 Três membros estavam inativos desde que se mudaram para Castanhal e Belém, em razão

de trabalho ou estudo e, por isso não foram incluídos no trabalho de Neleman (2010).

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Além desses agentes, também foi citada a venda de produtos à base de

mel produzidos pela Associação de Meliponicultoras de Curuçá44 (ASMELC).

Segundo Charles Cardoso, o TBC também deu mais oportunidades para as

comunidades vinculadas a esta associação, no sentido de que a venda de seus

produtos estavam incluídos no pacote, mesmo que os turistas não visitassem

alguma das produtoras de mel. Na visão de Graça Glins, agricultora e

integrante da associação, a venda deste mel não tem grandes ganhos, mas é

uma renda alternativa, conforme seu depoimento:

“É pouco, mas é uma fonte de renda que a gente tem. Quando a gente consegue coletar o mel, a gente vende e não é um mel tão barato. Então a gente consegue fazer alguma coisa. (...) Não é uma renda que você diga assim de todo mês você ter. Mas é uma terapia. É porque devido ser uma abelha difícil, a produção dela é só uma vez por ano, só dá pra coletar mel dela no verão, de outubro a novembro. O máximo são três coletas no ano que dá mais ou menos 12 litros. É um mel caro. 40 reais o litro. Nós somos 5 comunidades. Vendemos pra amigos, pro pessoal que vem visitar a gente... Porque a gente tem muita visita de fora... Jornalistas, estudantes...”

Autores como Burstyn, Bartholo e Delamaro (2009) ratificam a

importância da participação comunitária, ao afirmar que os cidadãos devem ser

sujeitos e atores do processo. Além disso, alguns conceitos também priorizam

a questão da solidariedade e da equidade na distribuição de benefícios, como o

abordado pela FEPTCE (apud SANSOLO, BURSTYN, 2009, p. 146): “o turismo

comunitário é uma atividade econômica solidária (...) baseada em um princípio

de equidade na distribuição de renda”. No caso de Curuçá, observa-se que

havia um esforço comunitário para que esses benefícios, que não eram muitos,

fossem distribuídos igualmente. Entretanto, esta é uma questão polêmica, pois

algumas pessoas mais engajadas na atividade não se sentem satisfeitas pelo

fato de que outras não tão envolvidas recebessem o mesmo benefício.

Na visão de Liliane45, diretora da ASMELC, por exemplo, o lucro poderia

ser melhor, pois mesmo que a presença de turistas ajude na venda dos

produtos, muitas vezes as pessoas deixam de fazer suas obrigações para

recebê-los. Como tudo o que é vendido é partilhado igualmente por todos, na

44 Esta associação produz um mel raro de abelhas nativas e fazem produtos à base de mel

(sabonetes, shampoos, pasta esfoliante e hidratante) - depoimento de Dona Graça, dona de casa e integrante da associação. 45 A autora não anotou o sobrenome da entrevistada.

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sua opinião, o ganho não era justo. Para ela, só ajudaria de verdade se

existisse uma taxa proporcional em relação à dedicação da atividade na

divisão, já que algumas pessoas se dedicavam mais à atividade que outras.

Abaixo, está o quadro com o perfil dos integrantes do Tapiaim:

Característica dos membros do Instituto Tapiaim

Idade 20 – 30 12

> 30 2

Habitação Comunidades urbanas 10

Comunidades rurais 4

Mora Com os pais 12

Sozinho 2

Estado civil Solteiro 12

Casado 2

Educação

Ensino fundamental 1

Ensino médio 10

Ensino superior 3

Quadro 12: Características dos membros do Instituto Tapiaim Fonte: Elaboração própria baseada na tabela de Neleman (2010)

É possível notar que a maior parte dos membros possuía um bom nível

de escolaridade, pois apenas um deles não havia concluído o ensino médio, e

três membros já cursavam a faculdade. Em relação às suas ocupações, a

maior parte dos componentes do Instituto estava desempregada, oito deles

trabalhavam em ofícios não regulamentados, três tinham emprego fixo e três

trabalhavam como empregados domésticos46. Segundo a mesma autora, onze

indicaram que o ecoturismo não era sua única fonte de renda e relataram

trabalhar com diversos ofícios. Outra questão a ser destacada é que o grupo

possuía predominantemente pais pescadores e mães que trabalhavam com

agricultura para consumo familiar (NELEMAN, 2010).

Em seguida, será mostrada uma adaptação do quadro elaborado por

Neleman (2010) para que posteriormente se faça uma análise dos dados

46

A autora não define o sexo dos integrantes nem especificou o período considerado.

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obtidos na tabela acima em relação aos benefícios econômicos da atividade.

Os benefícios financeiros do projeto foram estimados, considerando quantas

vezes os membros do Instituto trabalharam como guias e as comunidades que

foram visitadas (NELEMAN, 2010) (Quadro 13), ou seja, o lucro obtido por guia

de acordo com o passeio conduzido.

Estima dos benefícios financeiros para os membros do Instituto Tapiaim

Visitas a Muriazinho, Recreio e Pedras Grandes (por visita) R$30,00 a R$40,00

Visitas a Praia da Romana (por visita) R$60,00

City tour (por visita) R$15,00

Lucro total durante 2 anos R$1390,00

Lucro por membro durante dois anos (quando distribuído) R$99,30

Lucro por membro por mês R$4,15

Quadro13: Estima dos benefícios financeiros para os membros do Instituto Tapiaim. Fonte: Elaboração própria baseada no quadro de Neleman (2010)

De acordo com Maldonado (2009), um dos fatores que deram origem ao

TBC foi a tentativa de transformação da realidade social das comunidades na

busca de superação de uma situação de pobreza crônica. É importante

destacar que a atividade deve ter como base condutora o desenvolvimento

local que segundo Coriolano (2009) deve almejar a melhora das condições de

vida da comunidade a partir de um modelo endógeno.

Entretanto, no caso de Curuçá a renda obtida ainda era pouca para este

objetivo. Ao observar o quadro acima (Quadro 13), nota-se que os benefícios

relacionados à renda eram praticamente insignificantes, já que em dois anos o

lucro por integrante foi de apenas R$99,30. Assim sendo, não era capaz de

suprir as necessidades dos membros do Instituto, onde a maioria encontrava-

se desempregada, além de 5 possuírem filhos para sustentar. Porém, conforme

Maldonado (2009), esta atividade é concebida como um complemento à renda

e também para potencializar e dinamizar as atividades tradicionais que as

comunidades controlam com imensa sabedoria e maestria. Por isso, ainda que

os recursos fossem poucos para a comunidade, uma das questões tratadas

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pelo Instituto Peabiru é que o lucro obtido pelo ecoturismo de TBC serviria

como renda complementar. Entretanto, mesmo como renda complementar, era

insuficiente para investir de forma coletiva. Segundo o Instituto Tapiaim, os

recursos limitados dificultavam visitas até a comunidade, o desenho de novos

itinerários e a divulgação do projeto para outras comunidades de Curuçá

(NELEMAN, 2010)

Outra premissa a ser destacada é a questão da administração dos

recursos advindos do TBC. Como visto anteriormente, na visão do governo

boliviano, da COOPRENA e da ONG WWF – Internetional, o TBC deve ser

gerido pelas comunidades. Porém, Maldonado (2009) coloca que dentro das

diferentes práticas do TBC podem existir diferentes formas e graus de

participação. No caso de Curuçá, o Instituto Tapiaim não era responsável pela

administração dos recursos do Ecoturismo, ocupando-se apenas das

atividades locais, no que diz respeito aos custos que seriam gastos no

município (valores de barco, refeições, despesas de hotel), pois negociavam o

preço com os prestadores de serviços nas próprias comunidades (Neleman,

2010). O Instituto informava esses valores para a agência Estação Gabiraba

que fazia o orçamento total e enviava de volta para o grupo47. Assim, os

turistas adquiriam o pacote da agência de viagens e posteriormente, recebiam

as faturas locais.

Ainda que a questão da autogestão seja uma das condicionantes do

TBC para alguns autores, Mielke (2009) chama atenção para que muitos

assuntos complexos de interesse coletivo, principalmente os relacionados a

dinheiro demandam maturidade, exigindo que a comunidade já se encontre

organizada politicamente e possua um estágio avançado de cooperação.

Contudo, em campo, foi possível inferir que esta tinha dificuldades em relação

a este “senso de cooperação”, e não possuía capacitação para administração

de recursos.

No capítulo anterior, no item em que são discutidos os obstáculos do

turismo praticado em comunidades, Maldonado (2009) argumenta que muitas

47 Segundo a pesquisa de Neleman (2010), alguns membros mencionaram a não transparência

deste processo, apontando para um acesso restrito apenas à direção do Instituto. Esta informação foi confirmada em campo, por um dos ex-integrantes do Tapiaim, assim como um dos funcionários do Peabiru, sendo que o último relatou não ter recebido diversas prestações de conta que deveria ter recebido.

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vezes a população local enfrenta restrições que dificultam a atividade no

mercado devido a problemas sociais relacionados a déficit na educação,

formação profissional, serviços básicos de saúde e carência de infraestrutura,

além de alto índice de pobreza e baixo índice de desenvolvimento humano.

Além disso, grande parte das deficiências constatadas nos casos de TBC no

Brasil é derivada da incursão das comunidades em situações de improviso,

ausência de profissionalismo, desconhecimento do mercado e de instrumentos

de gestão de negócios (MALDONADO, 2009).

Em Curuçá, todas estas questões fazem parte da realidade do município

e influenciavam negativamente o desenvolvimento da atividade turística de

base comunitária. O fato de se tratar de uma cidade com baixo índice de

escolaridade e formação profissional influenciava diretamente na baixa

qualidade do atendimento dos seus poucos hotéis e restaurantes. Como já

abordado neste trabalho, os serviços oferecidos estavam sempre sujeitos a

situações de improviso. Além disso, foi relatado que os membros do Tapiaim

não estavam devidamente organizados. No caso de turistas chegarem sem

aviso prévio, a comunidade não teria como conduzi-los, pois não possuía uma

parceria concreta com operadores de transporte, como será visto no discurso

de um dos entrevistados mais adiante.

Outra dificuldade tratada por Mielke (2009) para o desenvolvimento da

atividade diz respeito a fatores exógenos, pois, segundo o autor, em muitos

casos os destinos ainda não possuem uma procura efetiva e, por isso, a

obtenção de resultados demanda tempo.

No caso de Curuçá, apenas 12 grupos visitaram o município no período

de 2008 a 2010. Neleman (2010) relatou que mesmo no verão de 2010,

nenhum grupo apareceu para fazer passeios. No caso da pesquisadora deste

trabalho, que foi a campo em julho de 2012 e em janeiro de 2013, houve dois

passeios apenas no período de julho e um passeio no período de janeiro. O

primeiro grupo, porém, era diretamente ligado ao Peabiru, pois eram

moradores de Moju e Tailândia, municípios paraenses em que o Instituto

também opera com projetos sociais, e estavam fazendo um intercâmbio. O

outro grupo era do Projeto RONDOM48 que foi ao município com outros

48 “O Projeto Rondon, coordenado pelo Ministério da Defesa, é um projeto de integração social

que envolve a participação voluntária de estudantes universitários na busca de soluções que

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objetivos e não fez solicitação prévia de passeio. Na visão de Charles Cardoso,

pescador e guia de ecoturismo do município, essa falta de demanda, também

pode ser justificada pela falta de oferta, pois segundo ele, é preciso que haja

uma estruturação capaz de receber esses turistas, estrutura essa que o

município não possui.

Mielke (2009) também coloca como barreiras ao desenvolvimento do

TBC a falta de preparo e de iniciativas dos membros comunitários. Estas

afirmações confirmam relatos obtidos em campo. Segundo funcionários do

Peabiru, existia uma relação de dependência do Instituto Tapiaim em relação

ao Instituto Peabiru. Conforme depoimento de um dos funcionários do Peabiru,

muitas pessoas do grupo queriam apenas se beneficiar com a parte financeira

e não queriam se capacitar para operar os passeios de forma independente e

procurar parceiros para desenvolver as ações, acabando sempre em situações

de improviso:

“Porque assim, era isso que a gente questionava com eles. Porque eles já queriam trabalhar, já queriam ganhar dinheiro sem estar devidamente organizados. Ainda não se tinha um roteiro todo detalhado, ainda não se tinha um guia local. Todo tempo era improviso... Aí vinha um grupo (dando exemplo de situações recorrentes) e eles chegavam com a gente e pediam: ‘dá pro carro de vocês levar as nossas coisas, a alimentação lá no Abade?’ Quer dizer, ainda existe essa dependência. E a gente tava querendo cortar isso... Por isso a gente coloca, agora é com vocês... Vocês tem que se organizar, vocês tem que procurar a associação dos taxistas, do mototaxista. Agora, a associação dos barqueiros foi organizada. Tem a associação dos caranguejeiros... Então, pega o contato de todo esse pessoal, cria uma matriz lógica para ter o contato deles e vai e conversa... E se possível, capacita eles dentro do conhecimento que vocês têm... Por que? Para vocês não ficarem dependendo da gente (‘a gente’ seria o Instituto Peabiru), para não ficar o tempo todo improvisando.”

Agrega-se a isso o fato de que alguns membros do grupo estariam ali

obrigados, para fazer a vontade dos outros. E por isso, a maioria parte não

tinha postura pró-ativa, ficando a mercê do que os outros decidiam, talvez por

não levarem a sério o trabalho49. Também foi exposto que uma parte dos

membros pensava ter direitos sobre os recursos que o Peabiru captava e que

contribuam para o desenvolvimento sustentável de comunidades carentes e ampliem o bem-estar da população.” Disponível em :< http://projetorondon.pagina-oficial.com/portal/index/pagina/id/343/area/C/module/default>

49 Informação obtida em campo em entrevista com funcionário do Peabiru.

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poderiam utilizá-los sozinhos, sem auxílio externo. Entretanto, membros do

Peabiru argumentam que a ONG tem função de assistência técnica e não

assistencialista, só podendo investir os recursos que capta por meio de cursos

de capacitação.

Segundo relato obtido em campo, pessoas renomadas que eram

referência no Brasil por trabalharem com montagem de cooperativa, teriam sido

trazidas para ministrar os cursos, porém a maioria dos integrantes não

comparecia às aulas. Um dos funcionários do Peabiru que trabalha com

projetos sociais no município de Curuçá, explicou que vários dos integrantes

não queriam se capacitar para se organizar, além de fazer críticas no sentido

de que houve uma mudança de foco: “porque antes, havia preocupação com o

meio ambiente, de envolver outras ações na comunidade mesmo. Havia

preocupação de não se resumir a um grupo que só receberia turistas”.

Assim, segundo os funcionários do Peabiru, o Instituto Tapiaim acabou

se dividindo em dois grupos, sendo dito que uma parte não queria mais os

cursos de capacitação e a outra queria. Em razão da divergência de interesses

que havia dividido o Instituto, foi feita uma eleição para decidir a nova chapa

que formaria a presidência e direção do Tapiaim. Foi relatado que um dos

fatores que levou a esta divisão foi o fato de que dois dos membros mais

influentes das chapas opostas acabaram transferindo as suas desavenças

pessoais para a Instituição50. Depois da votação, a chapa a favor da

capacitação, perdeu. Após o ocorrido, uma parte do grupo teria decidido

desligar-se da instituição. Conforme o relato de um dos funcionários do

Tapiaim, este fato já indicava que a Instituição estava fugindo de seu propósito,

pois o seu objetivo inicial era que as decisões ocorressem na base do diálogo,

até se chegar a um consenso.

Após o desligamento de uma parte do grupo, o Instituto teria ficado

inativo. Os funcionários do Peabiru relataram que não foram mais procurados

para promover os cursos de capacitação, nem para qualquer tipo de auxílio

técnico e que na última oficina que tiveram, os membros que permaneceram no

Tapiaim não mostraram estar interessados em mais cursos de capacitação.

50

Informação obtida em campo em entrevista com funcionários do Instituto Peabiru que trabalhavam diretamente na parceria com o Instituto Tapiaim.

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Assim, ao ouvir as razões do grupo favorável à capacitação têm-se a

impressão de que o lado “oposto” passou a ter valores diferentes do esperado

pela filosofia do ecoturismo de base comunitária, interessando-se apenas pela

parte financeira. Além disso, foi informado que havia uma sobrecarga de

tarefas para alguns integrantes, pois só uma parte estaria realmente se

empenhando em desenvolver o ecoturismo e trabalhar em prol do crescimento

da instituição. Para eles, era injusto que mesmo os que não participavam

ativamente do processo, tivessem poder igual de decisão. Foi relatado que se

chegou ao ponto de um projeto grande que poderia trazer recursos importantes

para o turismo não ter sido autorizado, em razão de não ter ocorrido uma

consulta prévia ao grupo inteiro.

Entretanto, o outro grupo alega ter ocorrido falta de companheirismo,

pelo fato de que alguns membros queriam tomar decisões individuais, além de

supervalorizar o próprio trabalho e menosprezar o trabalho dos companheiros.

Além disso, argumentou-se que muitos desistiram dos cursos alegando que

eles eram repetitivos. Segundo um dos membros do Tapiaim, grande parte dos

componentes se envolveu na atividade porque acreditava que no futuro seria

uma boa fonte de renda. Assim, este fato teria sido crucial para a desistência,

pois a maioria continuava sem emprego, ainda que tivessem passado quatro

anos seguindo os cursos do Peabiru. Além disso, foi discutido que não só o

desligamento do outro grupo levou à inatividade do Instituto, mas

principalmente o fato de que alguns membros teriam se desligado para cursar a

faculdade em outros municípios.

Foi feita também uma crítica em relação ao Istituto Peabiru. Segundo um

dos membros do Tapiaim, muitas vezes os funcionários do Peabiru não lhes

davam possibilidade de escolha, impondo a sua decisão aos curuçaenses

envolvidos com a atividade turística.

Com base nessas informações, é possível notar que todos tinham as

suas justificativas e razões para tais conflitos, não existindo certo ou errado,

apenas pessoas com interesses e objetivos divergentes. No seu livro

“Comunidade: a busca por segurança no mundo atual”, Bauman (2003) faz

importantes considerações a respeito da visão romântica que a maioria das

pessoas “de fora” tem em relação ao sentido de comunidade. Alguns trechos

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90

do livro serão citados para que posteriormente haja uma discussão a respeito

do que ocorreu em Curuçá:

Para nós em particular – que vivemos em tempos implacáveis, tempos de competição e de desprezo pelos mais fracos (...), a palavra ‘comunidade’ soa como música aos nossos ouvidos. O que essa palavra evoca é tudo aquilo que sentimos falta e que precisamos para viver seguros e confiantes. (...) Não se trata de um paraíso que habitemos e nem de um paraíso que conheçamos a partir da nossa própria experiência. Talvez seja um paraíso precisamente por essa razão. (...) Podemos “soltar” a imaginação, e o que fazemos com total impunidade – porque não teremos grandes chances de submeter o que imaginamos ao teste da realidade. (...) O que cria um problema para essa clara imagem é outra diferença: a diferença que existe entre a comunidade de nossos sonhos e a ‘comunidade realmente existente’: uma coletividade que pretende ser a comunidade encarnada, o sonho realizado, e (...) exige lealdade incondicional e trata tudo o que fica aquém de tal lealdade como um ato de imperdoável traição. (...) Há um preço a pagar pelo privilégio de ‘viver em comunidade’ – e ele é pequeno e até invisível só enquanto a comunidade for um sonho. O preço é pago em forma de liberdade, também chamada de ‘autonomia’, ‘direito à autoafirmação’, e à ‘identidade’. (...) Não ter comunidade significa não ter proteção; alcançar a comunidade, se isto ocorrer, pode significar em breve perder a liberdade (...) Não podemos ser humanos sem segurança ou sem liberdade; mas não podemos ter as duas coisas ao mesmo tempo e ambas na quantidade que quisermos. (BAUMAN, 2003, p. 8,9 e 10)

Atualmente, o que se nota por parte de defensores deste tipo de turismo

(aqui se inclui meio acadêmico, ONGs, empresas privadas e públicas), é a

crença de que a implantação do TBC em localidades comunitárias pode ser

uma espécie de “salvação” capaz de resolver grande parte dos problemas ali

vividos. Dessa forma, cria-se a expectativa de que a comunidade inteira seja

coerente com todas as características que este tipo de projeto possui. Bauman

(2003) discute que a ideia de comunidade para pessoas exógenas, evoca um

sentido de homogeneidade e uma certa ingenuidade no sentido de se fazer

pensar que é possível encontrar dentro dela tudo aquilo que o ser humano

sente falta no seu dia-a-dia: lealdade, acolhimento, segurança, senso de

coletividade. No entanto, o que se deve refletir é que integrantes de

comunidade também estão inseridos na sociedade e no sistema que vivemos e

por isso mesmo, apresentam todas as suas contradições e dificuldades. Por

isso, pensar em comunidade sem conflito, é criar uma realidade utópica.

(BAUMAN, 2003).

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É possível compreender, portanto, a complexidade tratada por

Maldonado (2009) na inserção de comunidades no turismo, que destaca que se

trata de uma atividade competitiva e internacionalizada que se desenvolve em

lugares que muitas vezes possuem poucas fontes alternativas de rendimento.

Este foi um dos problemas visíveis em campo, pois Curuçá possui uma

população em que 74% são consideradas pobres, com baixo índice de

desenvolvimento humano e que constantemente se vê impedida de exercer

seu direito à cidadania, em razão de problemas sociais que incluem faltas de

oportunidade de trabalho, educação e saúde. Além disso, Curuçá vivencia um

grande êxodo de jovens que deixam a cidade para procurar oportunidades de

estudo e trabalho em Belém e na região metropolitana.

Assim, é presumível que, com tantas necessidades a serem supridas, a

comunidade crie expectativas diferentes em relação à atividade turística.

Esperar que todos os integrantes dediquem-se à atividade nesta situação, sem

esperança de renda, quando muitas vezes isto é uma necessidade urgente

para eles, seria entender comunidade no mesmo sentido utópico abordado por

Bauman. O mais coerente seria refletir não apenas a respeito dos “novos

valores” adquiridos pelos curuçaenses tratados pelos funcionários do Instituto

Peabiru, ao falarem do interesse financeiro de alguns membros do Tapiaim;

mas acima de tudo em relação à frustração que a inserção desta atividade

pode causar, por se tratar de pessoas que anseiam por uma melhora de

qualidade de vida que o Estado por si só não consegue suprir.

Além disso, outra questão que merece discussão, diz respeito à

implantação da economia solidária e capital social tão ressaltado por empresas

que se responsabilizam por auxiliar o TBC em comunidades. Mendonça e

Irving (2004, p. 15) definem o último como sendo um “atributo da estrutura

social que não é propriedade particular de nenhuma das pessoas que deles se

beneficiam”, colocando que seus estoques levam equilíbrios sociais, com

elevado níveis de cooperação, confiança e reciprocidade, civismo e bem estar

coletivo que ajudam na construção de uma “comunidade cívica”.

Entretanto, o que se vê na realidade de Curuçá, é que dividir igualmente

os benefícios é uma questão polêmica dentro da comunidade, onde muitos se

sentem prejudicados por essa política, pois alegam ser injusta uma divisão

paritária, onde a dedicação não é paritária. Por isso, é importante refletir se a

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decisão de dividir igualmente é endógena ou exógena. Adotar essa política,

sem levar em consideração estas questões, seria mais uma vez impor à

comunidade o tal senso de coletividade e tirar destas pessoas a liberdade de

escolher o seu próprio caminho e seus direitos a autonomia e afirmação

(BAUMAN, 2003).

3.3.4 Os aprendizados e os novos caminhos Ainda que a maneira como estava sendo trabalhado o TBC em Curuçá

tenha sido considerada pouco participativa e com resultado financeiro irrisório,

foi possível inferir que houveram outros tipos de benefícios que envolvem

questões mais profundas, como consciência ambiental, senso de

responsabilidade com o lugar e com as pessoas. Ao perceber que muitos

turistas têm interesse em conhecer seus modos de vida e o meio ambiente que

envolve a Reserva Extrativista MGC, os envolvidos com o TBC passaram a

preocupar-se mais em cuidar da Reserva e a enxergar um valor que vai além

da questão econômica, envolvendo suas identidades com aquele espaço.

Estas mudanças puderam ser sentidas nas falas de dois comunitários

entrevistados, como na de Charles Cardoso: “passei a olhar o meio ambiente

do qual sempre vivi com mais cuidado”, e na de Whellers da Silva, professor e

atual diretor do Tapiaim:

“Pra mim essa questão do ecoturismo na verdade é mais pra aprendizagem, pra tentar resgatar algumas coisas, valorizar essa questão das belezas naturais (...) A gente quer chamar a atenção pra isso, que se preserve esse patrimônio, que ele não é só da gente. Pra mim essa é a visão, o ecoturismo é um resgate da cultura, um respeito ao meio ambiente, um respeito aos povos tradicionais e a maneira como eles vivem.”

Liliane, diretora da Associação de Meliponicultoras, relata que, em sua

visão, o contato com os turistas foi importante porque as pessoas que vivem na

sua comunidade são muito fechadas, em razão do seu isolamento. Deste

modo, por meio da relação com os visitantes, muitos deles que antes tinham

dificuldade de se expressar, principalmente por timidez, desenvolveram esta

habilidade.

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Charles Cardoso percebeu uma oportunidade no turismo. Ao notar que

não havia restaurantes servindo comidas típicas na cidade, o pescador teve a

ideia de abrir com sua irmã o “Lá no Mangue”, restaurante com pratos que

envolvem espécies que ele pode retirar do seu próprio quintal. Além disso, o

TBC trouxe o interesse de especialização na área ambiental. Atualmente,

Charles está estudando “Gestão Ambiental” na faculdade e pretende cursar

Biologia no futuro. Ele também passou a trabalhar nas escolas com crianças,

pois julga ser mais fácil conseguir mudanças nos hábitos.

Segundo Whellers, sua vontade é de levar para a comunidade alguns

dos benefícios que ele absorveu com os cursos ministrados pelo Peabiru, no

sentido de fazer projetos que envolvam conscientização em relação ao meio

ambiente, além de “resgate” cultural, porém, em um trabalho sem fins

lucrativos.

Assim, o que se percebe é que o turismo de base comunitária de Curuçá

está em uma fase de transição, onde membros da comunidade estão tentando

se reorganizar para desenvolvê-lo, tomando como base os aprendizados das

experiências passadas, tanto as que deram certo, como as que fracassaram.

O então secretário de turismo do antigo mandato (2009 – 2012),

Henrique Alves de Campos, já observando as experiências de TBC que

estavam ocorrendo no município, criou um projeto local na comunidade do

Candeua com a parceria do Instituto Peabiru. Como Curuçá tem grande

extensão geográfica e envolve uma diversidade de comunidades, foi decidido

trabalhar pontualmente em uma que já possui uma associação organizada,

diferente das experiências passadas. Segundo ele, o objetivo é que haja uma

troca de experiências entre turistas e agricultores e que os próprios moradores

do lugar, e não de comunidades vizinhas, trabalhem na condução dos

passeios. Deste modo, esta experiência servirá de piloto para outras.

O projeto ainda está em fase embrionária, mas algumas ações já foram

feitas: uma oficina para explicar como seria desenvolvido o turismo ali, e,

posteriormente, outra oficina para levantamento do potencial local. Eliane da

Conceição, professora e moradora do Candeua, disse gostar da ideia de

turistas os visitarem para aprender seus modos de vida: “a gente pensou que

seria bom que as pessoas virem pra cá e aprenderem como a gente vive, o que

a gente faz, como e quando a gente planta...”. Por outro lado, também relatou

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que muitos membros estão desconfiados em relação aos reais benefícios da

atividade.

Charles Cardoso decidiu acrescentar ao seu restaurante o serviço de

agência, atuando como receptivo. Além de estar investindo neste serviço, o

pescador foi contratado pelo Instituto Peabiru para capacitar pessoas que

vivem nos povoados com potencial de ecoturismo de TBC. A seguir, o seu

discurso:

“O que eu achei bacana... Fiz um curso de agentes ambientais em 2007, de lá pra cá eu empreendi, o Peabiru me deu uma formação, eu trabalhei com ecoturismo, e hoje ele me dá a oportunidade de dividir essa formação que ele me capacitou de volta para a comunidade. (...) Não tem necessidade de o Charles (referindo-se a si mesmo) sair daqui e fazer o trabalho para as comunidas, porque é importante que se faça a inserção da comunidade local. A agência pode pegar o ecoturista, levar para a comunidade e deixar o turista lá com a comunidade.”

Para concluir este trabalho, o que se pode avaliar no caso Curuçá é que

o ecoturismo de base comunitária ali vivido está seguindo a linha que mais

diferencia este tipo de turismo dos convencionais: a base endógena de

desenvolvimento. Marcon (2007) entende que esta política deve estar

associada a uma dinâmica “de baixo para cima”, na qual os atores locais

desempenham papel central na sua função. Por outro lado, Layragues (1998)

destaca que o desenvolvimento endógeno deve levar em consideração a

identidade cultural de cada nação para viver sua própria modernidade. Na

visão de Carestiano (2000 apud CRUZ, 2009) este modelo deve permitir que a

população possa auto-gerir-se, desenvolvendo seu potencial socioeconômico,

preservando seu patrimônio ambiental e superando suas limitações na busca

continua de sua qualidade de vida. Bursztyn coloca a importância da

participação, no sentido de que os cidadãos devem ser atores e sujeitos do

processo. Todos estes autores, portanto, destacam a importância de que

atores endógenos devem escolher o próprio caminho de desenvolvimento.

Entretanto, isto não significa estar isento de dificuldades e desafios ou

que a base do desenvolvimento local irá trazer a milagrosa “equidade” tão

tratada nas premissas levantadas por estudiosos que abordam o TBC e pouco

compatíveis com o sistema em que vivemos. Como visto nos conceitos acima,

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este modelo de desenvolvimento sugere, sobretudo, que os membros da

própria comunidade tomem as decisões, e não pessoas exógenas. Porém,

almejar que todos tenham senso de coletividade no sentido de compartilhar

benefícios igualmente, e que não priorizem o lado econômico dentro de uma

realidade como a de Curuçá parece ilusório. O desafio maior não é impedir que

uns se destaquem mais que outros ou que não queiram partilhar os lucros, mas

sim estruturar o turismo em um lugar desestruturado, com problemas que

afetam diretamente o seu desenvolvimento.

Porém, como diz Bauman (2003),

Isso não é razão para que deixemos de tentar (não deixaríamos nem se fosse uma boa razão). Mas serve para lembrar que nunca devemos acreditar que qualquer das sucessivas soluções transitórias não merecia mais ponderação nem se beneficiaria de alguma correção. O melhor pode ser inimigo do bom, mas certamente o “perfeito” é um inimigo mortal dos dois. (2003, p. 11)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo de desenvolvimento vigente está sendo cada vez mais

criticado por se mostrar ineficiente em suprir as reais necessidades humanas,

pois o progresso e a modernidade também têm gerado exclusão e distribuição

desigual de riquezas. A Amazônia foi uma das regiões profundamente afetadas

por esta visão e pode comprovar com sua realidade de desigualdades e

contradições sociais que desenvolvimento não pode ser embasado apenas no

viés econômico.

O Estado brasileiro, desconsiderando os reais anseios daquela

população, adotou uma política de desenvolvimento que entendia que por meio

da industrialização, da construção de rodovias e instalação de mineradoras, a

Amazônia iria se desenvolver. Entretanto, esta política trouxe não só profundos

impactos à natureza, mas à população daquela região, que sofre suas

consequências até os dias atuais.

Neste sentido, uma das alternativas pensadas para solucionar os

problemas da região amazônica foi a criação de reservas extrativistas, com o

objetivo de proteger a natureza, permitindo o uso sustentável dos recursos, e

assegurando os meios de vida das populações “tradicionais”. No caso de

Curuçá, foi criada a RESEX Mãe Grande com intuito de proteger seus

manguezais ameaçados, principal fonte de sustento do povo curuçaense.

Entretanto, o que se nota é que esta alternativa tem se mostrado ineficiente

para suprir os anseios daquela população que continua com poucas opções de

trabalho.

Assim, com a chegada do Instituto Peabiru no município, projetos sociais

passaram a ser desenvolvidos na região objetivando a melhora das condições

de vida do povo de Curuçá. Um dos projetos desenvolvidos foi o turismo de

base comunitária. Por ser uma atividade que tem como cerne o

desenvolvimento local, e que respeita a cultura, o meio ambiente e a sua

dinâmica social, o TBC foi considerado uma alternativa econômica apropriada

para aquele ambiente.

O primeiro aprendizado em relação a este trabalho diz respeito à

importância da imersão endógena no objeto de estudo. Minha experiência com

a pesquisa de campo confirmou que, nem sempre o que é divulgado ou o que

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está nos discursos de ONGs, ministérios e inclusive na literatura acadêmica,

retrata a realidade empírica deste tipo de projeto. Antes de conhecer de perto o

ecoturismo de base comunitária de Curuçá, pensava que iria encontrar ali

exatamente o que assisti no vídeo divulgado pela Rede Globo: um turismo

impecavelmente organizado, em sincronia com as necessidades da região,

onde as pessoas envolvidas estariam em perfeita harmonia com as decisões

tomadas a respeito do desenvolvimento da atividade.

Ir a Curuçá me trouxe uma visão menos romântica, mais realista e diria

até mais humana em relação a este tipo de projeto. Cheguei ao município e

encontrei tudo exatamente ao contrário do que idealizei: uma instituição inativa,

pessoas se acusando pelo insucesso da atividade e uma infinidade de

problemas sociais que afetavam diretamente o desenvolvimento do turismo.

Assim, minha expectativa de que o turismo estaria mudando economicamente

a vida da comunidade foi eliminada. Porém, esta “desilusão” serviu para me

tirar da superfície da fantasia e me trazer reflexões mais profundas.

Uma das premissas mais importantes do turismo de base comunitária

diz respeito à ideia de que a atividade deve ser construída se pautando no

desenvolvimento local. Esta filosofia, sem sombra de dúvidas, é mais justa por

conceder às comunidades liberdade para escolher o caminho que querem

seguir, porém não torna este processo menos complexo. Trabalhar com

comunidades significa lidar com valores, interesses, necessidades e sonhos

diferentes e, por isso mesmo, ter de arcar com conflitos que nem sempre são

fáceis de resolver.

Logo, é importante mudar esta expectativa de que a comunidade seja

coesa com todas as características que este tipo de projeto possui e abandonar

a ideia de que lá é possível encontrar homogeneidade e um senso de

coletividade que não se encontram mais em outros lugares. Deve-se refletir

que a tal comunidade idealizada também está inserida na sociedade e no

sistema que vivemos e, por isso mesmo, apresenta todas as suas

contradições.

Atualmente, Curuçá está passando por profundas mudanças, onde antes

a maior parte da sua população que trabalhava com atividades ligadas à

natureza (pesca, extração de caranguejos e agricultura), hoje vive uma

realidade de um intenso êxodo de jovens à procura de oportunidades de

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trabalho na capital e região metropolitana. Os que decidem permanecer no

local, muitas vezes têm de encarar o desemprego e uma infinidade de

problemas sociais e ambientais que assolam a cidade. Deste modo, não é de

se estranhar que a vinda do Instituto Peabiru com o projeto de turismo de base

comunitária, tenha significado para alguns dos que se envolveram com a

atividade, um sonho de mudança de suas condições de vida. Entretanto, a não

correspondência desses sonhos acabou levando muitos à desistência ou à falta

de compromisso com a atividade.

É importante refletir também sobre o papel do Instituto Peabiru em

relação ao TBC de Curuçá, já que sua função seria dar assistência técnica para

a comunidade para desenvolver a atividade no município. Porém, seria correto

esperar somente que a população caminhasse com pernas próprias? Ou tentar

de alguma forma intervir para que o processo desse continuidade? Qual seria,

afinal, o papel deste agente quando o plano não vai de acordo com o

esperado?

Assim, pensar no desenvolvimento do turismo de base comunitária para

Curuçá demanda longo prazo, pois ainda que este tipo de turismo seja

considerado alternativo, exige infraestrutura e organização. Por isso, existe a

necessidade urgente de investimentos que sirvam não somente para

possibilitar o desenvolvimento de uma oferta minimamente capaz de receber

turistas, mas acima de tudo, para atender a comunidade. Uma cidade só será

boa para o turista se for também para os seus moradores. Deste modo, só será

possível encontrar pessoas que se engajem na organização e fomento da

atividade, quando suas necessidades mais urgentes forem sanadas.

Uma questão que notei ao longo da minha pesquisa de campo foi que

não havia uma interação dos comunitários com os outros nativos que

trabalham com turismo de base comunitária no estado do Pará. A criação de

encontros que objetivassem esse intercâmbio de experiências e aprendizados

poderia trazer mudanças de caminhos e novas ações que levariam ao fomento

da atividade. Normalmente, o que se vê de discussão a respeito de turismo de

base comunitária, não apenas no Pará, mas no Brasil, são encontros entre

estudiosos do tema e não entre nativos que moram nos destinos.

Outra sugestão que poderia trazer benefício econômico para os

envolvidos com o turismo de Curuçá e que tem ajudado outros projetos de

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TBC, seria a implantação de hospedagem domiciliar e construção de campings.

Primeiro porque não demanda grandes investimentos e porque as pessoas

locais poderiam oferecer estes serviços. Depois porque se pressupõe que

grande parte dos visitantes que fazem este tipo de viagem, não buscam luxo e

sim envolvimento com a cultura local. Por último, porque poderia contribuir para

suprir a carência de hospedagem no município e assim estimular a chegada de

turistas na localidade.

Não ignorar a existência das dificuldades para a implementação deste

tipo de turismo é indispensável. Porém, não se deve negar que ele também

pode trazer muitos aprendizados para a comunidade. No caso de Curuçá, o

TBC tocou questões mais profundas que envolvem senso de responsabilidade

com o meio ambiente e com as pessoas que dividem o mesmo território. Todos

os entrevistados se mostraram interessados em difundir o novo olhar que

adquiriram sobre o município para o resto da população.

É importante falar também das novas ideias que vieram com as

experiências passadas. Aqui, destaco o novo projeto de TBC que está

começando a se desenvolver no Candeua. Ao invés de trabalhar com uma

instituição em que seus integrantes vão para outras comunidades conduzir os

passeios, adotou-se uma nova estratégia: capacitar os membros da própria

comunidade visitada para planejar e conduzir o turismo que ali será

desenvolvido.

Assim, ainda que esteja em fase de transição e que sejam muitos

desafios a superar, o que deve ser destacado aqui é que os curuçaenses

envolvidos na atividade estão tendo liberdade de escolher os caminhos para

desenvolver o turismo, o que seria, afinal, a principal diferença em relação ao

turismo convencional praticado na maior parte do país, onde a população local

normalmente é excluída e prejudicada pelo processo do desenvolvimento da

atividade.

Entretanto, este trabalho deixou algumas questões a serem respondidas:

Como desenvolver o TBC em comunidades onde não há uma demanda

efetiva? Será o turismo de base comunitária adequado para comunidades que

possuem necessidades mais urgentes a suprir? Será o TBC capaz de se

estruturar em localidades sem estrutura? Qual o papel e relevância do Instituto

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Peabiru para o TBC de Curuçá? Tais indagações podem servir de base para

pesquisas futuras na busca de possíveis caminhos.

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APÊNDICE

Apêndice A: Visita ao quintal de dona Graça Glins, produtora de mel e agricultora. Fonte: Acervo próprio, 2012.

Apêndice B: Revoada de guarás em frente à sede do município. Fonte: Acervo próprio, 2012.

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APÊNDICE

Apêndice C: Manguezais de Curuçá Fonte: Acervo próprio, por Charles Cardoso, 2012.

Apêndice D: Entrevista com Charles Cardoso, pescador e ex membro do Instituto Tapiaim. Fonte: Acervo próprio, 2012.

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APÊNDICE

Apêndice E: Passeio de canoa com seu Cristóvão Cardoso na RESEX Mãe Grande. Fonte: Acervo próprio, 2013.

Apêndice F: Sede de Curuçá Fonte: Acervo próprio, 2012.

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APÊNDICE

Apêndice G: Porto do Abade. Fonte: Acervo próprio, por Thaís Corrêa, 2012.

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ANEXO

Anexo A: Currais de pesca em Curuçá. Fonte: Revista “Brasileiros”, 2008.

Anexo B: Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá. Fonte: Revista “Brasileiros”, 2008.

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ANEXO

Anexo C: Seu Cristóvão Cardoso, pescador mais famoso de Curuçá. Fonte: Revista “Brasileiros”, 2008.

Anexo D: O pescador Seu José na Praia da Romana. Fonte: Revista Pororoca, (s.d).