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Caminhadas de universitários de origem popular UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE

Universidade Federal Rural de Pernambuco · 2012-05-25 · Coleção Autores Adnna Paula da Silva Adriano José da Silva Adriano Sotero da Silva Alcione Lenita da Silva Alessandro

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Caminhadas de universitários de origem

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UFRPE

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C183

Caminhadas de universitários de origem popular : UFRPE / organizado por Ana Inês Souza,Jorge Luiz Barbosa, Jailson de Souza e Silva. — Rio de Janeiro : Universidade Federaldo Rio de Janeiro, Pró-Reitoria de Extensão, 2009.236 p. ; il. ; 24 cm. — (Coleção caminhadas de universitários de origem popular)

Ao alto do título: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade. Programa Conexões de Saberes : Diálogos entre a Universidade eas Comunidades Populares.

Parceria: Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.ISBN: 978-85-89669-44-3

1. Estudantes universitários — Programas de desenvolvimento — Brasil. 2. Integraçãouniversitária — Brasil. 3. Extensão universitária. 4. Comunidade e universidade — Brasil. I.Souza, Ana Inês, org. II. Barbosa, Jorge Luiz, org. III. Silva, Jailson de Souza e, org. VI.Programa Conexões de Saberes : Diálogos entre a Universidade e as Comunidades Populares.V. Universidade Federal Rural de Pernambuco. VI. Universidade Federal do Rio de Janeiro. VII.Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.

CDD: 378.81

Copyright © 2009 by Universidade Federal do Rio de Janeiro / Pró-Reitoria de Extensão.O conteúdo dos textos desta publicação é de inteira responsabilidade de seus autores.

Coordenação da Coleção: Jailson de Souza e SilvaJorge Luiz BarbosaAna Inês Sousa

Organização da Coleção: Monique Batista CarvalhoFrancisco Marcelo da SilvaDalcio Marinho GonçalvesAline Pacheco Santana

Programação Visual: Núcleo de Produção Editoria da Extensão – PR-5/UFRJ

Coordenação: Claudio BastosAnna Paula Felix anniniThiago Maioli Azevedo

I

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Ministério da Educação

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares

Organ i z ado resJailson de Souza e Silva

Jorge Luiz BarbosaAna Inês Sousa

UFRPE

Pró-Reitoria de Extensão - UFRJ

Rio de Janeiro - 2009

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Coleção

AutoresAdnna Paula da SilvaAdriano José da SilvaAdriano Sotero da SilvaAlcione Lenita da SilvaAlessandro Rodrigues de FariasAlexsandra Silva de LimaAline Maria Lima de SouzaAnalécia Quirino BarrosAndré Almeida da SilvaAndrea Avelino da SilvaAndréia Cibelly Marques FerreiraAndresa Priscila de Souza RamosJanaína S. SantanaAracelli Gomes da SilvaBárbara Tatiane da Silva VilelaCarlos André da Silva MendesCintia Maria da SilvaCláudia Ferreira Alexandre GomesCláudia Fidélis da SilvaCláudio de Araújo CastroCristiane Farias Brandão da CruzCristiane Rodrigues de AraújoDayane Cristina da CostaDebora Bezerra de SantanaDeise HaasDeyve André Silva de LiraEdjane Oliveira dos SantosElizabete Honório da SilvaEmmanuel Ramos de FreitasEricka Carneiro Leão de OliveiraEuclides Leonardo da Silva PedrosaFelipe Gomes da SilvaFernando Bruno Vieira da SilvaFernando Tiago N. MedeirosFrancisco Ernandes Braga de SouzaGabriel Soares SantosGutembergue Francisco da SilvaIsabelle Susan de Andrade PereiraJacilene dos Santos ClementeJanecleide de Oliveira SalesJoão Carlos Dias de AlmeidaJonata de Arruda FranciscoJosé Edson de Lima TorresJoseane Maria do NascimentoJoseane Maria dos SantosJosias Ferreira de MendonçaKarina Fabiana da SilvaLeidiana Lima dos SantosLeonardo Barbosa da RochaLinalva Maria de BarrosLuciano dos Santos da SilvaLuis Carlos CiprianoMagda Maria da Silva SantanaMalike ErikeManoel José da SilvaMarcio André MendesMaria Aparecida dos SantosMaria Cristina Balbino Ribeiro CabralMaria das Dores Soares da SilvaMaria do Socorro Fonseca Freire FilhaMaria Madalena Barbosa de LimaMarília Avelino da SilvaMitaliene de Deus S. SilvaNatália Josefa do NascimentoNatália Miranda BezerraNelma Maria Pereira RozaPollyanna Accioly de SouzaRafael da Veiga Pessoa PortelaRaffael Campos dos SantosRenata Shirley de Santana BarbosaRenato de Souza FreitasRoberta Cristina da SilvaRosangela Ferreira de MesquitaRosângela Lima da SilvaSelineide Bezerra da SilvaSílvia Carla de Assis AlexandreSuelâeny Aparecida de AndradeSuzanna Kelly da SilvaTaciana Silva de MirandaTânia Lúcia da CostaTássia de Sousa PinheiroThemistocles Alves de SouzaThiago da Silva BarbosaValéria Verônica dos SantosViviane Rodrigues de Araújo

Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

Ministério da EducaçãoFernando HaddadMinistro

Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade – SECAD

André Luiz de Figueiredo LázaroSecretário

Armênio Bello SchmidtDiretoria de Educação para a Diversidade - DEDI

Leonor Franco de AraújoCoordenação Geral de Diversidade – CGD

Programa Conexões de Saberes:diálogos entre a universidade eas comunidades populares

Jorge Luiz BarbosaJailson de Souza e SilvaCoordenação Geral

Alexandre Cardoso TenórioCoordenação Geral do Programa Conexões de Saberes/UFRPE

Heloisa Flora Brasil Nóbrega BastosCoordenação Pedagógica

Kilma da Silva LimaHugo Jose Guedes MouraLetícia Maciel de OliveiraCoordenação Pedagógica Adjunta

João Morais de SousaCoordenação de Ações Afirmativas

João Gilberto de Farias SilvaCoordenação de Pesquisa

Aldenise Chagas CurveloJoão Gonçalves Moreira NetoJoseana Genuíno DouradoCoordenação Adjunta Administrativa

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

Valmar Corrêa de AndradeReitor

Reginaldo BarrosVice-Reitor

Paulo Donizete SiepierskiPró–Reitor de Extensão

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Prefácio

A sociedade brasileira tem como seu maior desafio a construção de ações que permi-tam, sem abrir mão da democracia, o enfrentamento da secular desigualdade social e econô-mica que caracteriza o país. E, para isso, a educação é um elemento fundamental.

A possibilidade da educação contribuir de forma sistemática para esse processo impli-ca uma educação de qualidade para todos, portanto, uma educação que necessita ser efeti-vamente democratizada, em todos os níveis de ensino, e orientada, de forma continua, pelamelhoria de sua qualidade. No atual governo, o Ministério da Educação persegue de formaintensa e sistemática esses objetivos.

Conexões de Saberes é um dos programas do MEC que expressa de forma nítida a lutacontra a desigualdade, em particular no âmbito educacional. O Programa procura, por umlado, estreitar os vínculos entre as instituições acadêmicas e as comunidades populares e,por outro lado, melhorar as condições objetivas que contribuem para os estudantes univer-sitários de origem popular permanecerem e concluírem com êxito a graduação e pós-gradu-ação nas universidades públicas.

Criado pelo MEC em dezembro de 2004, o Programa é desenvolvido a partir daSecretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD-MEC) e repre-senta a evolução e expansão, para o cenário nacional, de uma iniciativa elaborada, nacidade do Rio de Janeiro no ano de 2002, pela Organização da Sociedade Civil de InteressePúblico Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. Na ocasião constitui-se uma Rede deUniversitários de Espaços Populares com núcleos de formação e produção de conhecimen-to em várias comunidades populares da cidade. O Programa Conexões de Saberes criou,inicialmente, uma rede de estudantes de graduação em cinco universidades federais, distri-buídas pelo país: UFF, UFMG, UFPA, UFPE e UFRJ. A partir de maio de 2005, ampliamoso Programa para mais nove universidades federais: UFAM, UFBA, UFC, UFES, UFMS,UFPB, UFPR, UFRGS e UnB. Em 2006, o Ministério da Educação assegurou, em todos osestados do país, 33 universidades federais integrantes do Programa, sendo incluídas: UFAC,UFAL, UFG, UFMA, UFMT, UFPI, UFRN, UFRR, UFRPE, UFRRJ, UFS, UFSC, UFSCar,UFT, UNIFAP, UNIR, UNIRIO, UNIVASF e UFRB.

Através do Programa Conexões de Saberes, essas universidades passam a ter, cada uma,ao menos 251 universitários que participam de um processo contínuo de qualificação comopesquisadores; construindo diagnósticos em suas instituições sobre as condições pedagógi-cas dos estudantes de origem popular e desenvolvendo diagnósticos e ações sociais emcomunidades populares. Dessa forma, busca-se a formulação de proposições e realização de

1 A partir da liberação dos recursos 2007/2008 cada universidade federal passou a ter, cada uma, aomenos 35 bolsistas.

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práticas voltadas para a melhoria das condições de permanência dos estudantes de origempopular na universidade pública e, também, aproximar os setores populares da instituição,ampliando as possibilidades de encontro dos saberes destas duas instâncias sociais.

Nesse sentido, o livro que tem nas mãos, caro(a) leitor(a), é um marco dos objetivos doPrograma: a coleção “Caminhadas” chega a 33 livros publicados, com o lançamento das 19publicações em 2009, reunindo as contribuições das universidades integrantes do Cone-xões de Saberes em 2006. Com essas publicações, busca-se conceder voz a esses estudantese ampliar sua visibilidade nas universidades públicas e em outros espaços sociais. Esseslivros trazem os relatos sobre as alegrias e lutas de centenas de jovens, rapazes e moças, quecontrariaram a forte estrutura desigual que ainda impede o pleno acesso dos estudantes dascamadas mais desfavorecidas às universidades de excelência do país ou só o permite para oscursos com menor prestígio social.

Que este livro contribua para sensibilizar, fazer pensar e estimular a luta pela constru-ção de uma universidade pública efetivamente democrática, um sociedade brasileira maisjusta e uma humanidade cada dia mais plena.

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e DiversidadeMinistério da Educação

Observatório de Favelas do Rio de Janeiro

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Sumário

MemorialAdnna Paula da Silva ....................................................................................... 13

Família: berço na infância e suporte na vidaAdriano José da Silva ....................................................................................... 15

MemorialAdriano Sotero da Silva ................................................................................... 18

Lições de casa e de vidaAlcione Lenita da Silva .................................................................................... 21

MemorialAlessandro Rodrigues de Farias ....................................................................... 23

Lutas e vitórias Alexsandra Silva de Lima .................................................................................. 25

Depois da queda...Aline Maria Lima de Souza .............................................................................. 28

Dificuldades: estímulos para vitória!Analécia Quirino Barros ................................................................................... 33

Minha caminhada estudantil...André Almeida da Silva .................................................................................... 35

MemorialAndrea Avelino da Silva ................................................................................... 39

Persistência = superaçãoAndréia Cibelly Marques Ferreira ................................................................... 44

MemorialAndresa Priscila de Souza Ramos .................................................................... 46

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MemorialJanaína S. Santana ........................................................................................... 49

O que ser quando eu crescer...Aracelli Gomes da Silva ................................................................................... 53

Desistir? Jamais!Bárbara Tatiane da Silva Vilela ....................................................................... 56

Escola e vida – exercício de perseverança e aprendizadoCarlos André da Silva Mendes ......................................................................... 57

História de uma longa caminhadaCintia Maria da Silva ....................................................................................... 60

O Conexões de Saberes facilitando minha permanência estudantilCláudia Ferreira Alexandre Gomes ................................................................. 65

De como cheguei onde estouCláudia Fidélis da Silva ................................................................................... 67

Uma história de determinaçãoCláudio de Araújo Castro ................................................................................ 69

O começo de tudo...Cristiane Farias Brandão da Cruz ................................................................... 71

Vitória sobre a vida Cristiane Rodrigues de Araújo ....................................................................... 74

A óptica de meu serDayane Cristina da Costa ................................................................................ 77

Medo. Que medo?Debora Bezerra de Santana ............................................................................. 79

MemorialDeise Haas ........................................................................................................ 82

Retroceder às vezes é preciso, mas nunca desistirDeyve André Silva de Lira ................................................................................ 84

Quem acredita sempre alcançaEdjane Oliveira dos Santos .............................................................................. 87

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MemorialElizabete Honório da Silva .............................................................................. 89

O caminho de pedras que...Emmanuel Ramos de Freitas ............................................................................. 91

MemorialEricka Carneiro Leão de Oliveira .................................................................... 94

Meus pais, minha vidaEuclides Leonardo da Silva Pedrosa ............................................................... 96

Assim é a vida...Felipe Gomes da Silva .................................................................................... 100

MemorialFernando Bruno Vieira da Silva .................................................................... 103

MemorialFernando Tiago N. Medeiros .......................................................................... 106

O caminho se faz caminhandoFrancisco Ernandes Braga de Souza ............................................................. 108

Como bom brasileiro, não desisto nuncaGabriel Soares Santos .................................................................................... 110

Sonhos: utopias possíveisGutembergue Francisco da Silva ................................................................... 113

Caminho sem fimIsabelle Susan de Andrade Pereira ................................................................ 115

MemorialJacilene dos Santos Clemente ........................................................................ 116

MemorialJanecleide de Oliveira Sales .......................................................................... 119

Ambiente familiar: um bom lugar para nascerJoão Carlos Dias de Almeida ......................................................................... 122

... as armas de Jorge ...Jonata de Arruda Francisco ........................................................................... 124

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Conquistas vividasJosé Edson de Lima Torres ............................................................................. 130

Partes da parte de um todoJoseane Maria do Nascimento ....................................................................... 133

Um pouco de mimJoseane Maria dos Santos .............................................................................. 136

Um sonho em andamentoJosias Ferreira de Mendonça ......................................................................... 140

Todo sonho é possível de concretizar-seKarina Fabiana da Silva ................................................................................ 143

Lutar contra as dificuldadesLeidiana Lima dos Santos .............................................................................. 146

Caminhos de esperançaLeonardo Barbosa da Rocha ......................................................................... 149

O sonho, o despertar, a vida e o desafioLinalva Maria de Barros ................................................................................. 152

Eu, “gostosinho”Luciano dos Santos da Silva .......................................................................... 154

Caminhadas: a história de minha vidaLuis Carlos Cipriano ...................................................................................... 157

Escrevendo uma história e modificando o convencionalMagda Maria da Silva Santana ..................................................................... 159

MemorialMalike Erike .................................................................................................... 162

Minha trajetóriaManoel José da Silva ...................................................................................... 164

Minha vidaMarcio André Mendes .................................................................................... 167

MemorialMaria Aparecida dos Santos .......................................................................... 170

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Acreditar que é possívelMaria Cristina Balbino Ribeiro Cabral ........................................................ 174

MemorialMaria das Dores Soares da Silva ................................................................... 176

Caminhadas: um novo olharMaria do Socorro Fonseca Freire Filha ......................................................... 178

Batalhas e vitórias, assim sou euMaria Madalena Barbosa de Lima ................................................................ 182

“Sem saltar fora da ponte e da vida”Marília Avelino da Silva ................................................................................. 184

Um pouquinho de mimMitaliene de Deus S. Silva .............................................................................. 187

PersistênciasNatália Josefa do Nascimento ....................................................................... 189

Tudo é possívelNatália Miranda Bezerra ............................................................................... 191

MemorialNelma Maria Pereira Roza ............................................................................. 193

MemorialPollyanna Accioly de Souza ........................................................................... 195

Meninos não choramRafael da Veiga Pessoa Portela ..................................................................... 196

Em busca da vitóriaRaffael Campos dos Santos ............................................................................ 198

MemorialRenata Shirley de Santana Barbosa .............................................................. 200

HorizontesRenato de Souza Freitas ................................................................................. 202

Uma luz no fim do túnelRoberta Cristina da Silva .............................................................................. 206

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MemorialRosangela Ferreira de Mesquita .................................................................... 208

Nunca desista de seus sonhosRosângela Lima da Silva ................................................................................ 210

EspelhoSelineide Bezerra da Silva ............................................................................. 212

Silvinha no País das MaravilhasSílvia Carla de Assis Alexandre ..................................................................... 214

Ninguém me seguraSuelâeny Aparecida de Andrade .................................................................... 216

A importância de aprender é recriarSuzanna Kelly da Silva ................................................................................... 218

Caminhadas Conexões de SaberesTaciana Silva de Miranda .............................................................................. 220

Caminhar sem fronteirasTânia Lúcia da Costa ..................................................................................... 222

Uma mensagem de incentivoTássia de Sousa Pinheiro ................................................................................ 225

MemorialThemistocles Alves de Souza .......................................................................... 228

MemorialThiago da Silva Barbosa ................................................................................ 230

MemorialValéria Verônica dos Santos .......................................................................... 232

Minha históriaViviane Rodrigues de Araújo ......................................................................... 234

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Universidade Federal Rural de Pernambuco 13

Adnna Paula da Silva*

Meu nome é Adnna Paula da Silva. Caçula de Paulo e Cícera, que tiveram, além demim, outros dois filhos: Ricardo e Ana Paula. Meus pais começaram a trabalhar muito cedoe por isso, não conseguiram concluir o Ensino Fundamental.

Desde o meu primário, sempre gostei de estudar. Os professores diziam que eu tinhapotencial e passaram a dedicar-se ao meu desenvolvimento. Aprendi a ler rápido e nunca fuireprovada. Sempre almejei ter uma profissão em que pudesse desempenhar minhas habilidadese que, ao mesmo tempo, pudesse dar-me um retorno financeiro. Só que não sabia comoproceder para conquistá-lo.

No terceiro ano do Ensino Médio, por meio do Programa “Rumo à Universidade”,surgiu a vontade de ingressar em uma universidade. Fiz a inscrição. Por ter sido meu primeirovestibular, estava muito ansiosa e esperançosa também. Só passei na primeira fase. No anoseguinte, inscrevi-me novamente, mas passei a ter dificuldades para estudar, devido aocansaço advindo do trabalho e apesar de trabalhar, às condições me impossibilitavam defreqüentar um pré-vestibular. Comecei, então, a assistir às aulas na escola em que haviaestudado e tirava minhas dúvidas com os professores. De vez em quando, ia a um cursinhoparticular, com uma colega, e assistia aos “aulões”, com revisão dos assuntos de prova dosvestibulares. Algumas pessoas me acusavam de “penetra”.

Já que não tinha condições de comprar livros, estudava na Biblioteca Pública PresidenteCastelo Branco e levava os livros para as leituras em minha casa. Enfrentei o desafio depassar noites, acordada, estudando; abdiquei de muitos entretenimentos, porque tinha aconsciência de que esses desafios só seriam vencidos com muita garra.

Chegou o momento decisivo: uma prova iria medir os conhecimentos obtidos durantetoda minha vida. Passei na primeira fase, mas fiz a prova da segunda fase um tanto temerosa.No dia em que saiu o resultado, eu não queria saber, pois tinha certeza da desclassificação.A ansiedade, porém, não me deixou dormir. Então, liguei para o Fera-online e escutei quehavia sido aprovada. Não acreditei. Achei que delirava por causa do sono e liguei mais trêsvezes. Meus pais ficaram super contentes. Minha mãe, em sua simplicidade, achou que euhavia conseguido um emprego. Esboço um sorriso, ainda hoje, quando me lembro da reaçãodela e de suas muitas perguntas. Só acreditei, quando fiz a matrícula no curso de Licenciaturaem Ciências Biológicas, no segundo semestre de 2005.

Ouso uma abordagem mais direta, meus caros leitores, para lhes dizer que, com palavras,fica difícil expressar a alegria e a imensa satisfação de saber que minha dura rotina de

Graduanda em Biologia

Memorial

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14 Caminhadas de universitários de origem popular

estudos valeu a pena e que minha origem - comunidade popular e escola pública - não melevou à estagnação, ao contrário, me estimulou a crescer ainda mais. Sinto-me feliz por estaraqui; sinto-me feliz por participar de um Programa, como o “Conexões de Saberes”, queutiliza como critério a origem de seus participantes, com o objetivo de auxiliá-los e incentivá-los a permanecerem na universidade e a integrarem-se tanto à comunidade acadêmica,quanto à comunidade popular.

Felizmente, eu e meus colegas, conseguimos contrariar as estatísticas e estamos aqui.Há muitos desafios a serem superados, mas nada que não possamos, com a mesma vontadede sempre, vencer!

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Universidade Federal Rural de Pernambuco 15

Família: berço na infância e suporte na vida

Adriano José da Silva*

Assim como muitos brasileiros, tenho um sobrenome comum: Silva. Considero queesse nome transmite a idéia de simplicidade, humildade, pobreza, mas também é sinônimode luta. Luta de muita gente que enfrenta a batalha da vida, em busca de melhorias em suarealidade e na realidade dos demais à sua volta.

Chamo-me Adriano José da Silva, tenho 20 anos, filho de Erasmo José da Silva,pedreiro, e de Maria de Fátima da Silva, dona de casa. Estudei todo o Ensino Fundamentale o Médio em escola pública, mais precisamente na Escola Dona Leonor Porto, no Municípiode São Lourenço da Mata-PE. Nasci em Paudalho-PE, mas São Lourenço é minha moradadesde os 7 anos. Sou um lutador, mas lutador que age sob pressão; são às circunstâncias queme levam a tomar decisões ou a executar qualquer tipo de ação.

Grande parte do que sou hoje devo aos meus pais, que sempre se esforçarambastante para me manter estudando, apesar de ambos terem origem muito humilde -são filhos de agricultores - e lamento por eles não terem concluído (meu pai) o EnsinoFundamental e (minha mãe) o Ensino Médio.

Quando tinha cerca de três anos e meio, meus pais decidiram colocar-me na escola,não me lembro se queria ir, mas fui. Na escola, quando criança, sempre estive entre os alunosmais aplicados, embora gostasse muito de brincar. Só conseguia conciliar brincadeiras eestudo, porque minha mãe (que chamo carinhosamente mainha) ficava no meu pé o tempointeiro. Só podia brincar, se fizesse as tarefas. Recordo-me de um episódio em que estava emuma casa de jogos, na época chamada de Play Time, e mainha chegou com um pedaço defio, dizendo que, se eu não fosse para casa, iria apanhar ali mesmo. Graças a Deus ocorreutudo bem e eu não sofri nenhum arranhão, embora merecesse.

Minha família tem uma base religiosa muito forte. Eu não fugi à regra e sempre meinteressei por assuntos religiosos. Creio que isso tenha influenciado a escolha do cursoque faço, pois, ao contrário do que muitos pensavam - que faria Filosofia ou Teologiapara tornar-me padre -, decidi por História. Não me tornei, porém, um ateu por ter feitoessa escolha.

Na adolescência, relaxei um pouco, apenas me interessavam a diversão e o passar deano, não queria nada mais do que isso. Quando cheguei ao terceiro ano do Ensino Médio,pouco sabia sobre o vestibular, que, também, até então, não me interessava. Isso começou amudar quando a diretora adjunta da escola em que estudava, a professora Emilia, avisouque haviam iniciado as inscrições para o Rumo à Universidade, pré-vestibular oferecido

Graduando em História.

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16 Caminhadas de universitários de origem popular

pelo governo do Estado para alunos de escola pública. Optei por fazer a prova e fui aprovado.Daí, então, comecei a interessar-me pelo vestibular. Nesse pré-vestibular, ocorreu um fatocurioso, que considero ter mudado o percurso de minha vida. Surgiu uma espécie depromoção: quem escolhesse um curso de licenciatura teria desconto de 50% na taxa deinscrição do vestibular. Mais uma vez, minha família teve grande participação, poisliguei para casa e perguntei à minha mãe se poderia fazer a inscrição, já que seriammeus pais que pagariam essa taxa. Minha mãe disse que por ela estaria bom e que eufizesse o que achasse melhor. A dúvida era: qual curso fazer? Não tinha afinidade coma área de exatas, não gostava nem de Letras nem de Geografia, então, lembrei-me dahistória da Igreja e das duas grandes guerras, assuntos dos quais gostava muito, e dissea mainha que iria fazer Licenciatura em História na Universidade Federal Rural dePernambuco - UFRPE. Ela concordou.

Infelizmente, não passei no primeiro vestibular, mas isso me serviu de lição. Agora, eujá sabia o que queria, tinha amadurecido em minhas escolhas.

No ano seguinte, meus pais decidiram pagar um cursinho para mim. Eu não queria,porque seria um gasto a mais, mas com a ajuda de alguns amigos, meus pais conseguirampagar, e eu fiz minha parte: estudei para passar. Nesse período, meu pai ficou desempregado,tendo que fazer bicos para manter os custos da casa e de meus estudos. Algumas vezes,quando eu podia, ia ajudá-lo (meu pai, apesar de sua simplicidade, nunca me forçou atrabalhar, sempre priorizando meus estudos e enfatizando para que eu estudasse e nãotivesse que trabalhar como ele). Com muita dificuldade, consegui cursar todo o pré-vestibular,e no final do ano de 2004, a recompensa: fui aprovado no, agora, tão sonhado vestibularpara o curso de Licenciatura Plena em História, da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Como pede a tradição, o primeiro passo a ser tomado, depois de saber da aprovação novestibular, no caso dos homens, é raspar a cabeça. Antes que me levassem à força, fui porvontade própria. Não fiquei mais bonito, mas a felicidade era intensa. Alguns amigos tambémpassaram, o que deu maior brilho à festa. Fui o primeiro da família a entrar em umauniversidade pública, pensem na alegria!

Depois das férias (tão merecidas), em 2005, é chegada a hora de encarar a Universidade.Lugar cheio de mitos e expectativas. No dia da matrícula, conheci alguns dos novosuniversitários e revi colegas de caminhada no pré-vestibular, inclusive alguns que estudariamcomigo, o que fez com que o nervosismo fosse aplacado.

No primeiro dia de aula, estava receoso, só conhecia três pessoas de toda uma turma dequarenta alunos, sem falar que estávamos sérios, tensos, com medo de cometer alguma gafee “pagar mico”. Pensava estar em uma turma chata, mas com o decorrer do período, pude verque era somente uma impressão inicial.

O caminho percorrido até aqui não foi fácil. Apesar da Universidade ser pública, nãose nota muito empenho em se manter os universitários de renda baixa. Tive sorte (fruto deminha competência) de entrar, ainda no primeiro período, em um Programa chamado Bolsade Incentivo Acadêmico (BIA), que tem como objetivo, alcançar alunos vindos de escolaspúblicas, que tenham tirado melhores notas no vestibular, e fazer com que voltem às suasescolas e nelas exerçam algum tipo de atividade, servindo de exemplo - de que é possívelser aprovado no vestibular de universidades públicas - para os demais alunos.

Com muita dificuldade, fui vencendo o primeiro, o segundo e o terceiro períodos,sendo um aluno regular e passando em todas as cadeiras - umas com mais facilidade, outras

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Universidade Federal Rural de Pernambuco 17

nem tanto. Antes de iniciar o quarto período, um susto. Meu pai, então provedor da família,sofreu um acidente grave e passou uma semana no hospital. Ao voltar para casa, ainda ficoualguns dias sem conseguir andar. Teve como principal conseqüência, a quebra de um braço,ou melhor, o esmagamento do punho. Tal fato me desestabilizou, pois, além de quase terperdido meu pai, ele ficou impossibilitado de executar seu trabalho de pedreiro.

Vi-me sem saída: estava desempregado e gastando muito. Pensei em trancar o curso,mas minha mãe não permitiu, dizendo que esta seria a única coisa que eu não faria. Muitopreocupado, fui à igreja. Lá, encontrei um amigo que estuda comigo e ele me disse queocorreria uma seleção para um Programa, chamado “Conexões de Saberes”, que beneficiavaos escolhidos nessa seleção, dentre outras coisas, com uma bolsa de trezentos reais. Nãoperguntei mais nada. Providenciei a documentação e me inscrevi. Tive a alegria de saberque nós dois tínhamos sido selecionados.

O “Conexões de Saberes” surgiu para mim como uma “válvula de escape”, auxiliando-me e proporcionando atividades que me reanimaram acadêmica e humanamente.

Não mencionei no início de meu texto, mas tenho uma irmã que, neste momento,passa pela seleção do vestibular. Acredito bastante nela; sei que é muito persistente econvicta de suas idéias e objetivos. Ela presta vestibular para Serviço Social.

Hoje, passando para o quinto período, vejo como foi difícil chegar onde estou. Tantoscaminhos, tantas escolhas e sempre com dúvidas sobre quais as melhores escolhas.Reconheço que minha família tem muita importância em minha vida: apóia-me em tudo,fazendo com que nunca desistisse. Sei que, um dia - e ele deve estar perto -, terei que “criarasas e voar”, seguir meu próprio rumo, deixando a família um pouco de lado. Tenho planose pretendo respeitá-los, alcançá-los, não esquecendo o cunho ético-religioso da formaçãoque recebi de minha família.

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18 Caminhadas de universitários de origem popular

Adriano Sotero da Silva*

Graduando em Normal Superior.

“Sonho que se sonha só é apenas umsonho, sonho que se sonha junto se tornarealidade”

Paulo Freire

Reportando-me ao pensamento expressado pelo grande educador Paulo Freire,relembro e até mesmo vivo esta metáfora durante a minha caminhada. Ingressei naUniversidade aos 26 anos de idade, passando por diversas aprovações que me fizeramseguir em frente.

Sempre morei em Caetés I, bairro de Abreu e Lima, onde dei meus primeiros passos naEscola Vila Sezamo, passando todo meu ensino fundamental beneficiado por uma bolsa deestudo, pois meu pai era funcionário da Hering Nordeste Indústria Têxtil, sua profissão eraestampador e tinha uma renda de um salário-mínimo. Nossa família era grande, juntamentecomigo, tenho mais três irmãs e minha mãe. Nossa situação econômica sempre foi muitolimitada. No ano de mil novecentos e noventa e seis, a fábrica entrou em crise e muitosfuncionários foram demitidos, inclusive meu pai.

Diante desta nova realidade, todos em casa tiveram que trabalhar, eu como irmão maisvelho sempre trabalhei, mas desta vez a situação era mais seria, não trabalhava mais para omeu sustento e sim para ajudar na renda familiar. Aos quatorze anos, vendia picolé a estudavana Escola Isaura de França, cursando a 6ª série, continuei vendendo picolé até os 16 anos erepetindo a mesma série, foi um momento muito difícil pois estava na adolescência e arealidade na qual eu convivia não me mostrava outra saída se não ir trabalhar de cobrador delotação de kombi. Saía as cinco horas da manhã de casa e chegava as cinco e meia da tarde,indo para a Escola João Barbalho que fica em Recife. Passei mais dois anos nesta profissão,convivendo com todo tipo de pessoa, tendo a oportunidade para vivenciar e presenciarexperiências da marginalidade ao do mundo das drogas, mas nunca me envolvi em nenhumdesses fatos.

Aos 18 anos de idade no primeiro ano do ensino médio, surgiu a oportunidade de serbolsista do Salesiano na qualidade de seminarista, onde vivenciei experiências riquíssimasde formação religiosa, moral e cidadã que me mostraram novas oportunidades e me fizeramcrer que eu poderia superar a minha própria realidade.

A experiência no Salesiano não passou mais de um ano, mais continuei participandodos trabalhos na comunidade Eclesiais de Base dos Caetés, onde permaneci estudando na

Memorial

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Escola Profª Isaura de França. Participei dentro da escola do movimento estudantil, ingresseina entidade dos estudantes de Abreu e Lima como secretário, promovendo diversas atividadesde mobilização estudantil. Concluí nessa escola o meu segundo grau, mas a luta pelasobrevivência sempre esteve presente em minha família, meu pai continuava desempregadoe eu não gostaria de voltar a ser cobrador de kombi. Desta forma, a solução foi arrumaremprego em fábricas perto de minha casa, nesta época, já tinha concluído o segundo grauno ano de dois mil e um.

Em dezessete de janeiro de dois mil e um, começo a trabalhar na empresa FibrasaNordeste do Brasil, como auxiliar de produção, recebendo um salário de duzentos e quarentareais, após seis meses, fui promovido a operador de máquina de serigrafia, nesta época, pareios estudos, pois o trabalho não me dava condições de estudar, começava às quatorze horase largava as vinte e duas horas. Passei dois anos e três meses trabalhando nesta empresaonde conquistei uma profissão, tornando-me serigrafista de artes plásticas, com essa profissão,trabalhei em outras empresas durante cinco anos, participei de vários cursos na área derecursos humanos e gestão social, que me ajudaram na minha formação profissional.

Todo este tempo de trabalho, não apagou o meu desejo de me tornar um professor, mas nãotinha base para passar no vestibular, entrei em diversos grupos de estudos mais eu sempredesistia no meio do caminho por diversos motivos, inclusive a falta de tempo por causa dotrabalho. Mais a minha luta não acabaria neste momento. Foi quando em dois mil e quatro,montamos um grupo de estudos entre amigos, onde todos se ajudavam, no intuito de ingressarnas Universidades Públicas, e neste ano não fiz o vestibular, sendo que quatro dos meus amigosdo grupo de estudos conseguiram ser aprovado nas Universidades Federais de Pernambuco.

Nesse momento, trabalhava como gazeteiro (vendendo jornal) nos sinais da Imbiribeirae Boa viagem bairros do Recife. Então, todos estavam na universidade e eu permanecialonge do meu sonho. Mas como diz o ditado popular, “ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA,TANTO BATE ATÉ QUE FURA”, eu não desisti, fiquei estudando em casa e ao mesmotempo trabalhando de vendedor de jornal e locutor de anúncios nas lojas do comércio doRecife. Saía para vender jornal às quatro da madrugada e ia até as dez da manhã e das trezehoras as dezessete e trinta como locutor.

No mês de agosto do ano de dois mil e cinco, estava sem saber o que fazer, não tinhadinheiro para inscrição do vestibular e não iria fazer mais uma vez. Quando consegui obteruma quantia que daria para pagar a minha inscrição, mas me faltava confiança, por nunca tertentado por falta de preparo. Sabendo que a inscrição tinha prorrogado, não gastei o dinheiro,mas fiquei em dúvida quanto a minha aprovação no vestibular, já que a quantia iria fazerfalta para outras prioridades.

Neste mesmo dia, encontro um grande amigo chamado Edílson que tinha participadodo grupo de estudo e já era universitário, na incerteza perguntei o que deveria fazer naquelemomento, ele como sempre não parou para pensar e respondeu:

- “Vou levar você para fazer a inscrição”. Me deu carona até o centro da cidade e fiz aminha inscrição através da internet. Desse dia em diante, comecei a estudar como nunca,sofrendo uma certa resistência por parte da minha família que não entendia o meu objetivode maneira clara. Alguns colegas me gozavam dizendo que não teria condições, porque tempessoas que passam o ano todo estudando e eu com apenas três meses não iria passar.

Esses meses foram decisivos entre estudar até altas horas da madrugada e trabalhardurante o dia como vendedor de jornal. E, finalmente, chegou o grande dia da primeira fase

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do vestibular, foi uma grande tensão, saí da prova completamente arrasado, pois física ematemática estavam muito difíceis, logo pensei que não passaria. Mas estava enganado,fiquei entre os classificados. Passado a primeira fase, senti que o sonho estava mais próximo,então as horas de estudo foram intensas, até o dia da prova.

Novamente estava com medo de não ter conseguido me sair bem na redação, dias deangústia foram vividos durante um mês. Mas finalmente, no dia dezoito de janeiro de doismil e seis, saiu o resultado. Fui à casa de amigos saber o resultado pela internet e vi o meunome como classificado no curso de licenciatura Normal Superior da Universidade FederalRural de Pernambuco, mesmo assim, não acreditava no que tinha visto. No outro dia quandofui vender jornal tive a felicidade de ver o meu nome no listão dos aprovados da COVEST.

Após a aprovação veio a luta para conseguir toda a documentação, pois não tinhadinheiro suficiente para tirar xérox e autenticar documentos e nem passagem para me deslocaraté a universidade, então, contei com ajuda de amigos da comunidade.

O meu primeiro grande dia foi cheio de emoção, finalmente, havia conseguido realizaro meu sonho, estava em frente a Universidade Federal Rural de Pernambuco, quando olheipara cima e disse obrigado SENHOR por estar aqui neste dia, e fiz uma promessa que iriaentrar com o pé direito e só sairia da Universidade como doutor em educação, para poderajudar muitos outros “ADRIANOS” da vida.

A minha história não se encerra por aqui ela continua...

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Quando nasci, no inverno de 1979, na cidade de Recife, meus pais decidiram mebatizar com o nome de Alcione Lenita da Silva. Meu pai, José Pereira da Silva, era comerciantee minha mãe, Lenita Regina da Conceição, era empregada doméstica e já tinha dois filhos:Aldo, de oito anos, e Aldenise, de seis anos.

Meu irmão ajudava meu pai e minha irmã. Não muito feliz com a união de nossa mãecom meu pai, fui embora de casa com menos de dez anos.

A união não muito estável de meus pais, provocou um enorme abalo não só em minhavida escolar, mas também, na vida escolar de meu irmão.

Recordo-me, de forma muito nítida, as milhares de vezes que meu pai batia em minha mãee nós tínhamos que ir embora, antes mesmo de chegar a conhecer todos os colegas de turma.

Mas foi no ano de 1987, que por motivos financeiros, fomos morar em uma favelachamada Roda de Fogo. Só no ano seguinte, já aos nove anos de idade, fui estudar noCentro Pré-escolar Creusa de Freitas Cavalcante, cursando a 1ª série do primeiro grau.Permaneci nessa escola por mais três anos, quando, em 1990, na 3ª série, engravidei e perdio ano letivo. No ano seguinte, mesmo grávida, fui para a Escola Estadual Diário dePernambuco. No mês de agosto de 1991, tive meu filho: Tiago Rocha.

Um ano mais tarde, quando meu filho fez seu primeiro aniversário, saí da casa de meuspais e fui morar com meu marido e filho em nossa própria casa.

Dessa época, lembro-me da importância de minha mãe - desde o nascimento de meufilho até bem depois de ter saído de casa -, porque foi ela quem tomou conta dele, enquantoeu estudava, e foi assim por longos anos.

Em 1996, fui estudar na Escola Municipal Arraial Novo do Bom Jesus, onde concluío Ensino Fundamental II. Foi lá também que percebi, de maneira muito clara, que algunsprofessores ajudavam alunos a construírem seus sonhos, e outros contribuíam em destruí-los na mesma proporção em que destruíam esses alunos.

Neste meio tempo, não posso deixar de perceber e reconhecer, talvez a figura maisimportante de minha trajetória de sucesso tenha sido meu marido. Ele sempre me forneceuapoio, inspiração e motivação para nunca pensar em desistir.

Em 1997, fui estudar no Colégio Municipal Pedro Augusto, onde fiz o segundo grau,Técnico em Contabilidade. Foi lá, que de novo, deparei-me com bons professores, quefaziam jovens, como eu, sonhar e transformar suas aspirações mais utópicas em verdades

Graduanda em Biologia.

Alcione Lenita da Silva*

Lições de casa e de vida

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concretas; já outros professores, não tão bons, se ocupavam em derrubar muralhas deesperanças de alunos, talvez não tão sonhadores quanto eu.

Concluí o curso Técnico em Contabilidade em 1999. Tomei conhecimento de umcursinho pré-vestibular na Universidade Federal de Pernambuco, chamado de Pré-acadêmico.

Em 2000, fiz a seleção e passei. Foi quando entrei em pânico, porque descobri que nãosabia praticamente nada. Enxerguei daí a necessidade real e imediata de estudar com dedicaçãopara superar as dificuldades de todos os dias. Dificuldades que, aos pouco, conseguia superar,quando, neste mesmo ano, passei na primeira fase do vestibular das federais para Biologia.Mesmo não passando na segunda fase, firmei a intenção de continuar tentando.

No ano seguinte (2001), passando pelo mesmo processo seletivo do Pré-acadêmico etravando antigas e novas batalhas em prol de minhas opções, fiz o vestibular do CentroFederal de Educação Tecnológica de Pernambuco, o CEFET-PE, onde fui aprovada nocurso Técnico de Segurança do Trabalho.

O CEFET, mais importante do que um curso técnico, foi para mim uma pré- universidade,onde percebi bem cedo que uma universidade que traz sonhos de uma boa vida, status, bomemprego e estabilidade financeira, pode muito bem se tornar uma selva de perigos e decepções.

Nesse mesmo ano, logrei aprovação na Universidade Federal Rural de Pernambuco –UFRPE - em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas. No terceiro período, inicie um estágiocomo professora de aulas práticas de Ciências e Biologia na Universidade Federal de Pernambuco.Foi quando passei a perceber que trabalhar e estudar estava exigindo muito de mim.

Já em 2004, iniciei um estágio, como professora do Ensino Fundamental II, em uma escolamunicipal nas disciplinas de Ciências, Matemática e até Religião. Paralelo a essas atividadesdocentes, também lecionava Ciências em uma escola particular. Nesse mesmo ano, separei-mede meu marido, reprovei três cadeiras na Universidade e passei a morar só com meu filho.

Em abril de 2006, saí das duas escolas em que lecionava, tendo, por isso, que voltar amorar com minha família. Hoje, no 9º período de Ciências Biológicas, leciono em umaescola estadual próxima ao bairro onde moro.

No início do segundo semestre, fui selecionada pelo Programa Conexões de Saberes.Ironicamente, o Programa me locou para as duas escolas onde vi professores brilhantes, construindosonhos, e outros, não tão brilhantes, construindo “pesadelos” e carimbando definitivamente a“incapacidade” de milhares de alunos, que anos após anos, têm passado por essas escolas.

Hoje, graças principalmente aos bons professores que tive, retorno às minhas escolas,onde fui aluna cheia de problemas, dilemas e sonhos, e lanço um novo olhar, talvez nãosobre as minhas escolas, mas sobre a vida, a vida de meus alunos, de meus amigos, cujashistórias são tão parecidas com a minha. Jamais vou querer destruir o sonho de uma viagemde descobertas pela vida.

Hoje, não vejo meu pai há quase dez anos; minha irmã nunca mais voltou para casa,porque agora ela já tem sua família; meu irmão, agora com trinta e cinco anos, talvez, pelasnegativas da vida nunca se alfabetizou; meu filho, com quinze anos, tem somente um metroe oitenta; meu ex-marido é meu amigo e um super-pai; minha mãe fabulosamente me ensinatodos os dias que desisti não é preciso nunca; e eu, com vinte e oito anos, sou feliz porreconhecer que: caminhos a gente escolhe, não importando as dificuldades.

Não termino, mas inicio uma nova fase de minha vida, que se inspira e se sustentanas fases passadas.

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“Eu nasci...” Charles Dinkens

Pode parecer uma frase curta, mas é onde tudo começa. Eu nasci em Guarulhos,Município do Estado de São Paulo, em 4 de março de 1973. Foi em uma terça-feira decarnaval - o mais estranho é que nem de Carnaval eu gosto. Meus pais são de Pernambuco.Meu pai foi um dos muitos que partiram do Nordeste para tentar uma vida melhor em SãoPaulo. Mas claro, isso era o começo da década de 50, muito emprego e pouca mão-de-obra.Meu pai empregou-se em uma firma de metalurgia e se profissionalizou nesse ramo. Algunsanos depois, ele voltou para Pernambuco e se casou com minha mãe. Então, eles foram paraSão Paulo. Mais alguns anos, e nasceu minha irmã, que é oito anos mais velha do que eu.

Nossa família passou um bom tempo lá, mas em 1975, devido a problemas de saúde demeu pai, voltamos para Pernambuco. Minha mãe, fala até hoje, que foi uma das viagensmais loucas que ela fez na vida, pois chegamos aqui depois de três mil quilômetros,percorridos em uma Kombi. Pode tamanha tortura?

Quando chegamos, meu pai estava aposentado, por causa de um acidente de trabalho,mas nada que o impedisse de fazer uns bicos. Moramos os primeiros anos na casa de meu avôpaterno. Tive bons amigos na infância. Pouco tempo depois, meu avô morreu. Não me lembrode ver meu pai chorar. Ele e meus tios eram bem durões para isso. Passado algum tempo, fomosmorar na casa de meus avós maternos. Lá, eu vivia com meus primos. Como era bom! Comcinco anos, entrei para a escola (Naquele tempo era o Jardim da Infância. Nome meio bobo).Mas aprender a ler mesmo só na primeira série, com sete anos. Eu estudava em um SESI, e apósseis meses, já estava alfabetizado. Em parte, pela vontade de ler revistas em quadrinhos, queminha mãe ou meus primos tinham de ler forçosamente para mim.

Depois disso, mudamos para a nossa casa, onde até hoje moro. Lá, comecei a 3ª série e amudar de escola (quatro diferentes escolas). Nunca fui um espetáculo de aluno, mas tambémnão fui uma mediocridade. Minha mãe sempre dizia: “Estuda, menino, pra ser alguém navida.” Ela estava certa o tempo todo. Ainda hoje moro com ela. É uma relação até pacífica.

Voltemos à história. Em 1990, terminei o segundo grau. Eu tinha dezessete anos e acabeça cheia (ou vazia) de sonhos. Fui rejeitado pelo Exército. Bem, o que fazer comdezessete anos? Vestibular, nem pensar. Falta de grana e o ensino público, que não deixavaa desejar, era simplesmente ridículo. Emprego? Anos noventa foram péssimos para isso.

Graduando em História.

Alessandro Rodrigues de Farias*

Memorial

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24 Caminhadas de universitários de origem popular

Fiquei no ócio por quatro anos. Situação financeira: uma droga; perspectivas de futuro:quase zero. Até que arrumei um emprego em uma fábrica de peças de carro. Fiquei dois anose onze meses nesse trabalho. Novamente, fiquei desempregado durante quatro anos.Empreguei-me em uma fábrica de refrigerantes, onde trabalhei por um ano e oito meses.Dizem que aprendemos onde trabalhamos. Têm razão: aprendi que fábrica não era a minhapraia! Ganha-se mal, trabalha-se muito e nada se lucra. Percebi que havia alguma coisaerrada em minha vida.

Adorava ter conhecimento, lia duas revistas científicas por mês, assistia até quatrojornais por dia. Algum benefício eu tinha de tirar disso. Em 2002, fiz o meu primeirovestibular - bacharelado em História. Não passei na segunda fase. Em 2003, fiz outra tentativa,e mais uma vez, não passei. Maldito cursinho mequetrefe. Em 2004, fiz sem freqüentarcursinho. Mudei de curso. Em vez de bacharelado, optei por licenciatura. E aqui estou.

Nossa, isto aqui é outro mundo, outra visão de vida, em que as probabilidadesparecem não ter fim. Em 33 anos de vida, foi a coisa mais inteligente que eu fiz. Entrarpara a Universidade.

Um dos bons aspectos de estudar em uma Universidade é o fato de poder participar dodia-a-dia acadêmico. Onde mais você poderia discutir um assunto pelo qual tem grandeinteresse e com um professor que é especialista nele?

Minha vida acadêmica é bastante proveitosa, pois tento tirar o máximo das aulas e dosprofessores. Há também o lado das amizades que eu fiz nesse tempo em que estou aqui:pensamentos diferentes, sonhos diferentes, mas também, sonhos como os meus. Isso é o quefaz as coisas funcionarem: as diferenças. Em minha turma de História, há de tudo: ateus,evangélicos, católicos, adoradores da Terra, pessoas que bebem, pessoas que não bebem,marxistas, capitalistas... tudo o que se puder imaginar. Nessa grande diversidade, por incrívelque possa parecer, fundou-se uma amizade sólida, com objetivos em comum.

Para falar a verdade, eu quero ser um grande historiador. Aquele cara que pode fazer adiferença em História. Pode ser meio infantil, mas é meu sonho e minha meta!

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Alexsandra Silva de Lima*

“Há tempo de chorar e tempo de rir; tempode prantear e tempo de saltar.”

Eclesiastes, 3:4

Chamo-me Alexsandra Silva de Lima, nasci em 18 de novembro de 1982, em Serinhaém -Pernambuco. Minha família é composta por quatro pessoas: pai - Edson Cabral de Lima;mãe - Josefa Sueli da Silva; irmão - José Alexandro da Silva; e eu. Eles são as pessoas maisimportantes da minha vida. É por eles e para eles que eu dedico todos os meus esforços, afim de retribuir tudo que eles me proporcionaram. Não conseguirei por completo, acredito,mas o que estiver ao meu alcance, farei. Isso podem acreditar.

Logo depois de meu nascimento - não sei se por capricho ou por superstição de minhamãe, que fez questão de que eu nascesse em sua terra natal, e da aceitação de meu pai, poislá não morávamos - voltamos a Recife, no bairro de Casa Amarela, onde morávamos em umacasa pequena e alugada. Apesar das dificuldades, principalmente as de ordem financeira,vivíamos bem. Permaneci nessa casa até os três anos de idade.

Naquela época, meu pai trabalhava como feirante; ele possuía uma banca de inhame,batata e macaxeira na feira de Casa Amarela. Não ganhava muito, mas não passávamosnecessidades. Minha mãe, por sua vez, trabalhava em uma confecção, para ajudar meu paicom o sustento da casa. Quando tinha aproximadamente três anos e meio, saímos de CasaAmarela e viemos morar em Prazeres - Jaboatão dos Guararapes. A casa foi relativamentebarata; ela era pequena, de tábuas e em uma área considerada bem perigosa, por seus altosíndices de criminalidade. Estamos lá até hoje e as coisas não mudaram muito, mas graças aDeus, nossa casa de alvenaria foi construída. Ainda continua pequena, isso é fato, porém,está bem mais confortável que a princípio. O bairro ainda continua violento, acho até quea violência aumentou, mas ainda não perdi a fé que esse quadro, que parece perpétuo, acabeou diminua um dia.

Comecei a estudar aos quatro anos de idade, graças à iniciativa de meus pais que,apesar do baixo grau de instrução - eles não concluíram o Ensino Fundamental -, tinhamconsciência da necessidade e da importância da educação. Fui matriculada na EscolaMunicipal Costa e Silva, onde passei dois anos. Lá aprendi muita coisa. Desde cedo, desperteiem mim o desejo de estudar, fazia sem reclamar minhas tarefas e tinha um gosto enorme pelaescola. Minha primeira professora, Maria do Carmo, sempre me elogiava, dando ótimas

Graduanda em Ciências Sociais.

Lutas e vitórias

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recomendações sobre mim à minha mãe, o que a deixava feliz e orgulhosa. Aos seis anos,passei a estudar na Escola Estadual Felipe Camarão, mais próxima de minha casa, permanecilá ate a 8ª série.

Minha infância foi tranqüila, porém ativa: muitas brincadeiras, festas e amigos. Gostavade estudar e tirava boas notas; nunca ficava em recuperação. No início de minha adolescência,as coisas começaram a mudar: o desempenho escolar continuou o mesmo, no entanto,minha família começou a se desequilibrar. Meu irmão tinha largado a escola e entrava emcaminhos perigosos, o que obrigou minha mãe a mandá-lo para o interior, onde ele ficoupor mais ou menos, quatro anos. Nesse período, meu pai deixou a feira e passou a venderpicolé, em casa e na rua - faz isso até hoje; minha mãe saiu da confecção e hoje é doméstica,em casa de família. Apesar de tudo isso, conseguimos nos manter firmes e unidos, nãopermitindo que as adversidades acabem com a nossa força de vontade para lutar.

Passados quatro anos, meu irmão voltou para casa totalmente mudado; não voltou maisa estudar - infelizmente -, mas conseguiu um trabalho, casou e hoje tem uma família linda.

Ao terminar a 8ª série, consegui passar para a escola técnica - ETEPAM -, onde fiz ocurso de saneamento básico por quatro anos - de 1998 a 2001. Como meus pais nãotinham como me bancar financeiramente, pois a escola era um pouco distante de minhacasa, tive que receber ajuda de minha tia, que me auxiliava com as passagens e acompra de materiais.

No ano de 2000, consegui meu primeiro estágio - na Companhia Pernambucana deSaneamento - e meses depois, consegui mais um - na Prefeitura da Cidade de Recife -,passando a estagiar nos períodos da manhã e da tarde e a estudar ‘a noite. Nesse momento,optei por não mais aceitar a ajuda de minha tia e por arcar com as minhas despesas, ajudandono sustento da família.

Nesse período de estudo e de trabalho, meu desempenho escolar caiu um pouco;comecei a faltar e até a fazer recuperações, mas nunca reprovei e consegui concluir o cursono tempo previsto. Ao terminar o curso, não sabia direito o que faria a seguir; foi quandopensei na possibilidade de tentar o vestibular. Meus pais hesitaram um pouco diante daidéia - posição efêmera -, pois diziam que faculdade era “coisa para ricos e não para pobres”.Decidi, então, fazer o vestibular.

Ainda estava estagiando nos períodos da manhã e da tarde e sem muito tempo paraestudar; mesmo assim, no ano seguinte (2002), fiz as provas, passando apenas na primeirafase. Fiquei decepcionada, mas prometi a mim mesma, que no próximo ano, passaria ecomecei a estudar.

Matriculei-me em um cursinho comunitário, pois não havia recursos para pagar umoutro. Em 2003, fiz novamente o vestibular para o curso de Ciências Sociais, na UniversidadeFederal Rural de Pernambuco - UFRPE - e felizmente, consegui passar. Foi uma festa. Muitochoro de alegria. Meus pais ficaram orgulhosos por terem uma filha universitária. A notíciase espalhou logo pela vizinhança, entre amigos e parentes.

Comecei a estudar no segundo semestre de 2004. Estava ansiosa e com um certomedo do que enfrentaria, mas permaneci firme. Durante o primeiro período, aindaestava estagiando e consegui manter-me sem a ajuda de ninguém. No segundo, o estágiohavia terminado, e novamente, fui obrigada a receber o auxílio de minha querida tiapara continuar estudando. Hoje, estou no quinto período. Ainda não trabalho, contudo

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isso não me faz desistir, ao contrário, considero-me uma guerreira. Não desisto nunca!Pretendo concluir meu curso e avançar: fazer o Mestrado e o Doutorado. Sou bolsista do

Programa Conexões de Saberes e minha relação com a instituição mudou substancialmente.Acredito que realmente consegui criar identidade com a Universidade e que encontrei meulugar. Por meio do Programa, minha participação nos movimentos sociais se ampliou, juntocom a noção de responsabilidade. Acredito poder contribuir para tornar minha comunidademais democrática, mais plural e mais humana.

Esta é a minha história. Construída mediante lutas e vitórias. Vida de páginas tristes ealegres. Agora, prossigo minha caminhada, acreditando sempre que a perseverança é aesperança de que dias melhores virão.

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28 Caminhadas de universitários de origem popular

Aline Maria Lima de Souza*

Olá caro leitor! Tudo bem? Vou contar um pouquinho de minha trajetória de vidaescolar para você. Me permite? Espero que a resposta seja sim, pois lá vou eu.

Nasci no Hospital Barão de Lucena - Iputinga-Recife, no ano de 1980. Sou filha deAdalberto Antonio Oliveira de Souza, um exemplar medalhado e reconhecido militar quenunca fez corpo mole para o trabalho. Tinha uma grande admiração pelo grupo inglês deLiverpool: The Beatles, já passou até pela minha mente que ele gostaria de ter sido opróprio George Harrison (o guitarrista da banda), mas nunca cheguei a confirmar isto. Meupai era meio durão, não sei se isso é seqüela de uma vida militar... contudo, no caso deleacredito que sim. Entretanto, creio que por trás daquela dureza ele sentia orgulho e admiraçãopelos filhos que tinha, embora não soubesse demonstrar de maneira afetuosa. E de MariaJosé Lima de Souza uma criatura nota 1000 na categoria mãe (me desculpe o ilustríssimoleitor, mas acho que ela não perde para nenhuma outra). Dona de casa altamente competente,excelente cozinheira, organizada, econômica, inteligente, criativa, bem humorada e muitíssimodedicada ao marido e aos filhos: eu e meu irmão Marcos, um ano e sete meses mais novo.Posso dizer sem hesitar que Dona Maria (mãinha) foi a minha primeira e mais significativaprofessora de meu currículo da vida.

Pois bem, mas agora voltemos para 1984, nesta época, eu tinha saído de Paulista eestava recentemente morando no Município de Cabo de Santo Agostinho. Este foi o anoque iniciei minha “vida acadêmica”, na verdade, meus pais já tinham feito outras tentativaspara que eu iniciasse um pouco mais cedo, porém, não era de meu interesse, só queriacomeçar a estudar quando meu irmão também começasse, já pensou? Então, deixaramMarquinho completar três anos, para que agora fôssemos, ele e eu juntos e munidos denossas lancheiras ao primeiro passo de uma realização.

Como eu já tinha quatro anos e meio de idade a diretora Gorette achou melhor mematricular direto no Jardim I, pulando o maternal I e o maternal II (que ótimo, me livrei dedois anos). O nome da escola era: Escola os Três Patinhos - da rede privada de ensino - erauma das melhores da área. Quando terminei o Jardim II, a diretora pediu para ter umaconversa com minha mãe, confesso que fiquei muito apreensiva, o que ela queria dizer aosmeus pais? E por que não diz logo? Nossa, que aflição passei! Até que chegou o grande diada conversa. Sabe o que ela queria dizer aos meus pais? Que eu não precisaria fazer aalfabetização, pois já sabia ler e escrever muito bem palavrinhas e palavrões - esta última nosentido saudável da palavra - Ela queria saber se eles concordariam em me matricular na 1ª

Graduanda em História.

Depois da queda...

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série sem precisar passar pela alfabetização. A sugestão foi aceita. Ufa! Que alívio! E euviajando em minhas imaginações... crianças!

Lá, estava eu na 1ª série, vendo meus ex-coleguinhas numa série anterior a minha,senti falta deles e me achei meio perdida na nova sala. Tive bastante dificuldade paracopiar do quadro, os demais alunos sabiam fazer isso muito bem porque adquiriram ahabilidade justamente na alfabetização que eu tinha pulado. Quando todos tinham acabadode copiar, lá estava eu, ainda na terceira linha do quadro, não foi fácil amigo leitor, não foifácil. A professora perguntava se podia apagar o quadro e todos respondiam que sim e eunão tinha copiado nem a metade, que lástima! Resolvi ficar calada e não mais dizer: nãotia, ainda tô copiando!

Pois, já estava servindo de piada pra sala. E sei que ela iria dizer a mesma coisa: peguecom o coleguinha do lado, não agüentava mais essa frase e chegava em casa com o cadernocheio de anotações incompletas e já estava lá minha valente mãe tentando decifrar os enigmas.Mas nem tudo são espinhos, fui a primeira da sala a terminar as lições, a professora até colocouuma mensagem de parabenização no livro, me congratulando pelo feito. Me lembro até hojeda observação que ela fez: olha gente! Aline foi a primeira da turma a terminar as leituras daslições do livro e ela não fez nem a alfabetização, tá vendo! Parabéns Aline!!!

Para reduzir, senão você não vai ter mais paciência de ler até o final, quero que saibamque só estudei nesta escola até a 2ª série e que dela trouxe muitas lembranças. Lembranças dasprimeiras lágrimas para não ficar na escola, lembranças da minha primeira professora TiaFátima, que chorei escondida quando fiquei sabendo que ela não seria mais minha “tia” nojardim II, lembranças de Tatianne, a minha amiguinha que eu gostava de verdade e sei que elasentia o mesmo por mim, nunca mais a vi ou se vi não reconheci, gostaria muito de ter aoportunidade de reencontrá-la.

Também tenho lembranças da minha falta de apetite na hora do lanche, minha mãepreparava um lanche tão saboroso e mesmo assim eu só comia a metade e quando comia, euera meio complicadinha pra comer (era/passado). Lembro-me de uma vez que ela só colocouum pacote de biscoito Wafer que continha apenas seis biscoitos e fiz a proeza de comer só três.Também não poderia esquecer de Washington - meu “amiguinho” mais que especial. O ditocujo foi responsável por despertar em mim sentimentos confusos (rs). Não era nenhum padrãode beleza, mas encheu minha vista e meu coração de uma forma até então nunca sentida.Grande Washington, ou melhor, pequeno Washington ele não passava da altura de meusombros, mas fez a diferença - tá vendo aí, que tamanho realmente não é documento - ele nuncasoube disso (eu acho), cultivei esse sentimento platônico até sair de lá. Também é outro quenunca mais vi, contudo gostaria de revê-lo.

Pronto, agora já me encontro em Jaboatão, morando em apartamentos da COHAB e foiaí que iniciei minhas aulas no Colégio Cenecista Padre Chromácio Leão. Meu pai nãoestava em condições financeiras mais favoráveis e tivemos que passar a estudar num ColégioCenecista, onde pagava na época apenas uma pequena taxa. Senti logo a diferença naqualidade de ensino. Cursei da 3ª à 8ª série, fiz algumas amizades, principalmente masculinas,pois as meninas só queriam falar de namoradinhos e eu me achava muito nova para meenquadrar nesse tipo de papo, sem falar que eu era naturalmente excluída, não me restandomuita opção. Então, os meninos me ofereciam o papo que gostaria de ter para minha faixaetária, entre outras coisas eles conversavam sobre o filme O Rei Leão e o álbum de figurinhasque estava sendo lançado por uma marca de goma de mascar famosa. Destas amizades

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destaco Alexsandro, o conheci na 6ª série, e permanecemos amigos até quando já estávamosestudando em escolas diferentes. Ele merece destaque pela bela pessoa que é e por umaatitude que tomou que me deixou bastante reflexiva, mas desta vez não vou dizer para vocêcaríssimo leitor do que se trata ok. Assim é querer saber demais!

Também destaco duas amizades: Andreza e Heidi onde até hoje mantemos contato,um tanto quanto esporádico, porém, ainda cultivamos o relacionamento. Andreza casou e játem um filhinho: Apolo, e Heidi hoje mora em São Paulo com seu pai e sua irmã.

Nesta escola, eu era meio taxada de “CDF”, mas quero que acredite em mim, nunca fui,simplesmente acho que o seguinte ditado popular diz tudo: “em terra de cego quem tem umolho é rei” e foi o que ocorreu.

Terminada a 8ª série, saí deste colégio e fui prestar prova para tentar entrar na EscolaSenador Paulo Pessoa Guerra, conhecida na década como uma das dez melhores do Estadode Pernambuco (doce ilusão!).

Estudei e fiz prova para o curso: técnico de laboratório em patologia clínica. Chegueiem casa muito decepcionada por achar que não havia me saído bem no exame seletivo. Mastamanha foi a minha surpresa, quando vi meu nome na lista de aprovados. Foi um total de105 selecionados para o curso citado e eu ocupei a sexta colocação. Quem diria!

Passei três anos nesta escola, 1995 a 1997, e pude constatar as deficiências do ensinopúblico estadual. Quase não tive aulas de Física, e muitas outras disciplinas eram dadas deforma precária e superficial. Tudo isso em nada me ajudou no que almejava fazer: prestarvestibular. Duas amizades tento cultivar até hoje da Escola Paulo Guerra: Renata, hojecasada e concluinte do curso de psicologia pela FACHO e Márcia, estudante do curso deBiologia na FUNESO. Terminei a minha trajetória até o nível médio sem reprovações ecomecei a trabalhar aos dezesseis anos de idade ainda cursando o 3º ano no turno da noite.

E agora chegou o momento de prestar vestibular! Tentei a primeira vez por experiênciaassim que estava concluindo o curso técnico, por ter conseguido a taxa de insenção. Nadafeito, também não esperava um resultado diferente, ainda consegui passar na 1ª fase, paramim serviu de grande estímulo. Fiz esse vestibular para Farmácia, no intuito de darcontinuidade ao curso que havia escolhido.

Para a minha segunda tentativa meu pai se esforçou e pagou um cursinho particular,queria muito ter passado, para fazer valer seu empenho, mas infelizmente não consegui.Cheguei mais uma vez a segunda fase, porém, não passei disso... foi uma pena! Queria muitoter dado essa alegria aos meus pais e a mim também, lógico.

Na terceira tentativa, meu irmão e eu recorremos a cursinho pré-vestibular popular,PRU (Projeto Rumo à Universidade), que funciona apenas aos sábados com aulas extras aosdomingos, cursinho este que hoje voltamos não mais como alunos, porém, comocontribuidores para continuidade do projeto.

Chegou o dia “D” e ainda não foi dessa vez. Tentava vestibular para o curso deHistória e já era a segunda tentativa para esse mesmo curso. Estava ficando cansada, masconfesso que nestes três anos de cursinho não havia me empenhado como deveria e aindanão tinha criado forças para abrir mão de umas coisas para conquistar outras. Foi então quedecidi: esse será o ano - estávamos em 2002, me empenharei de verdade na conquista demeu objetivo. E lá fomos nós, meu irmão e eu na conquista de uma vaga nas UniversidadesFederais do Estado, ele tentando para Licenciatura em Geografia na UFPE e eu paraLicenciatura em História na UFRPE.

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Estudamos de verdade, e estávamos nos sentindo mais preparados desta vez. Sai olistão da primeira fase: fomos aprovados! Meu irmão ocupava a 69ª posição de seu cursode 80 vagas e eu a 24ª posição do curso de história num total de 80 vagas. Rumo àsegunda fase.... Muitos de nossos colegas antes mesmo de sair o resultado já queriaparabenizar nossos pais por ter dois filhos aprovados nas Universidades Federais. Sai olistão (nunca tive coragem de ir ver o listão) preferia ver no Jornal, na internet ou peloserviço telefônico Fera on line. Viva!

Felicidade já garantida meu irmão consegue aprovação na UFPE e sobe sua colocaçãopara a 50ª posição. Hoje meu irmão Marcos Antonio Lima de Souza, conhecidoprofissionalmente como Marcos Lima já está concluindo o curso. E quer saber, não é porqueele é meu irmão não, mas o camarada se garante no que faz, altamente elogiado por onde passa.Não tô aumentando não, é simplesmente a verdade. Quando crescer quero ser assim! (rs).

Ok, mas ainda não disse meu resultado, só fui saber quando cheguei em casa e jápassava das 19h e o listão havia saído as 16h. Chegou o momento tão esperado, peguei otelefone, liguei para o FERA ON LINE. Gostaria que você arriscasse um resultado.Arriscou? Pois bem, eis que escuto a voz eletrônica do serviço alternativo oferecido pelaCOVEST dizendo: seu argumento de classificação NÂO FOI SUFICIENTE...

Meu nobre leitor essa voz ecoou por minha cabeça durante muito tempo, se é queainda não ecoa. Diante de tal resultado, prostrei-me deitada na cama afirmando quejamais tentaria vestibular para as universidades públicas novamente. Pois, se o ano quemais cheguei perto não consegui, então estava decidida, nada de vestibular parauniversidades públicas.

Grande foi minha surpresa quando ainda no mesmo ano iniciei os estudos, agora meencontrava mais que determinada. Renunciei muitas coisas, mas também não estudei paraenlouquecer não. Entretanto, o empenho foi bem maior. E vejam como as coisas são: se eutivesse sido aprovada, não teria talvez conhecido uma pessoa tão especial, que hoje fazparte de meu grupo seleto de amizades: Fábia Patrícia de Lima, eita criatura inteligente edesenrolada, acredito que você, digníssimo leitor, ainda vai ouvir falar muito neste nome...deixa o tempo passar e depois você me conta.

Chegou o dia, fiz as provas e fiquei no aguardo do resultado. Mais uma vez sai olistão - desta vez não tive mais coragem de ligar para o fera on line estava traumatizada,não nego. Deixei essa tarefa para o meu irmão, ele fez a busca pela internet e ligou paramim. Como de costume havia passado na 1ª fase (pasmem! Desta vez fui ainda melhor,ocupei a 8ª colocação). Mas desta colocação só quem ficou sabendo foi meu irmão,minha mãe e eu, não estávamos dispostas a maiores constrangimentos.

Rumo a 2ª fase, realizadas as avaliações, resta apenas o resultado e como demoroupara ser divulgado, foi um verdadeiro massacre. Contudo, chega o dia 17 de dezembro de2003, a COVEST libera o listão com o nome dos aprovados e? Deixo para você arriscar maisuma vez. Já lançou um palpite? Vou dizer então, lá vai: APROVADO. AMÉM!!!!!!!!!!! Já nãoagüentava mais e acho que vocês também não. Desculpe-me se tornei a leitura cansativa,mas tinha de ser fiel ao acontecido.

Hoje, estou no 7º período do curso de Licenciatura Plena em História e lá fiz algumasamizades tais como: Cleide (muito humana essa criatura e inteligente também), Karina (umexemplo de dedicação), Deise (possuidora de grande desenvoltura no falar) e Fábio (sedentopor conhecimento, show de bola!).

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A minha aprovação no vestibular pela UFRPE me trouxe outra grande oportunidade,o de fazer parte como bolsista de um projeto digno de reconhecimento: Conexões de Saberes.Agradeço a todos que compõe essa família de conexistas.

Quero deixar aqui meus sinceros e especiais agradecimentos a Deus - sem suapermissividade nada teria alcançado - aos meus queridos e amados pais - que hoje não maisse encontram entre nós - aos meus amigos e professores que muito contribuíram para arealização do percurso desta CAMINHADA.

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Analécia Quirino Barros*

Chamo-me Analécia Quirino Barros, nasci em Diadema - São Paulo e, no dia 26 deabril de 1981. Sou estudante da Universidade Federal Rural de Pernambuco, estou terminandoo 3° período do curso de Economia Doméstica.

Acho importante começar relatando minha história a partir desse momento, pois seique ela terá influências marcantes e decisivas no decorrer de minha vida, claro, também nãoposso deixar de relatar alguns fatos e acontecimentos de meu passado.

Na minha infância, tive alguns problemas de saúde. Meus pais sempre lutaram muitopara poder cuidar de mim, chegando ao ponto até de mudarem de cidade, pois onde morávamos,em Paulo Afonso (Bahia), não havia os devidos serviços médicos de que precisava.

Em 1990, meus pais, meus irmãos e eu, vinhemos então morar em Recife. Graças aDeus fiz meu tratamento e fiquei curada dos problemas que tinha. A vida em Recife não foifácil, mas o pior de tudo para mim naquela época, sem dúvida, foi a saudade que sentia demeus parentes que tinham ficado na Bahia (meus avós maternos e meu tio). Afinal de contas,sempre fomos todos muito apegados, e sempre moramos bem próximos.

Finalmente, em 1992, meus avós e meu tio vinheram também morar aqui em Recife.Para mim e minha família foi uma alegria muito grande. Também, não poderia deixar derelatar algo bastante triste que me aconteceu no ano de 2005, poderia dizer que foi a coisamais triste que me aconteceu em toda a minha vida até hoje, foi a perda do meu avô. MasDeus na sua infinita sabedoria, no ano que tive a maior decepção de minha vida, também foio ano que me concedeu a maior conquista, algo bastante esperado por mim, que era conseguirentrar em uma universidade.

Apesar de muitas dificuldades encontradas ao longo de minha vida, me sinto muitovitoriosa, pois apesar de tudo, consegui vencer todas as barreiras. E como já falei umexemplo de minhas vitórias, é a faculdade que hoje eu curso, pois, sabemos o quanto édifícil conseguir entrar em uma universidade pública. Principalmente, para pessoas que,assim como eu, sempre estudaram em escolas públicas. Mas não foi fácil conseguir estaraqui onde estou, foi necessário prestar seis vestibulares, e como eu sempre digo, eu prestariamais quantos fossem necessários, pois jamais desistiria de algum sonho. Hoje, me sintomuito feliz, pois graças a Deus, a cada dia que passa me sinto mais realizada profissionalmente,pois o curso que faço (Economia Doméstica) é bastante abrangente, e me deixa bem avontade para escolher a área que mais me identifico, e poder atuar nela.

Graduanda em Economia Doméstica.

Dificuldades: estímulos para vitória!

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Um fato curioso que também acho interessante relatar, é que, o mesmo motivo quedificultou a minha entrada na universidade (ser de origem popular), foi o mesmo que meajudou e permitiu estar hoje fazendo parte de um programa, o Programa Conexões deSaberes.

Em julho deste ano (2006), quando ainda estava de férias, me escrevi em um projeto,o qual não sabia muita coisa a respeito, ou melhor, não sabia nada. Sabia apenas que oprincipal requisito para seleção era que os escritos fossem de origem popular. Requisito noqual eu me enquadrava.

Enfim, fui selecionada, e hoje, depois de tantas dificuldades me sinto feliz porpoder estar fazendo parte desse projeto tão importante para as comunidades envolvidasnele. Devo toda as minhas conquistas a minha família e principalmente a Deus quesempre me deu força para que eu não desistisse, e nada me empediu de lutar por meusobjetivos, pelo contrário, sempre busquei cada vez mais correr atrás de meus objetivos.Sempre fiz e tento fazer de minhas dificuldades não empecilhos, mas sim, um estímulopara seguir em minha caminhada.

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André Almeida da Silva*

Chamo-me André Almeida da Silva. Nasci aos 11 dias de janeiro de 1979, na capitalpernambucana, Recife. Aos três anos de idade, meus pais foram morar no sítio dos meu avóspaternos, em Lagoa de Itaenga, cidade interiorana do estado, localizada a 90 km de Recife,onde vivi toda a minha infância, assim como boa parte da minha adolescência. Morei commeus pais até os seis anos, daí então passei a morar “ao lado de casa” - na casa de uma tia -uma das três casas que existem no sítio, sendo este o único bem que meus avós teriamdeixado por herança. Minha tia Luiza era professora do 1° grau menor, algo que praticamentenão influenciou nos meus estudos, pois já não exercia a profissão há um bom tempo.

Meus primos freqüentavam uma escola de excelente qualidade. Eles estudavam naescola da Usina Petribu S.A., porque meu tio era funcionário dela. A Usina é a única indústriade grande porte até hoje na cidade, sendo mais um empreendimento do Grupo Petribu, queatua em diversos setores da economia. Praticamente a cidade vive dela. Quando meusprimos iam para a escola, ficava aos prantos, não por saber que iriam passar o dia inteiro forade casa, mas por desejar, já nesta época, freqüentar a escola, uma vez que eles tinhamtransporte, atividades recreativas, culturais e esportivas, sem falar que achava as fardasmuito bacanas, e como não poderia ser incluso como dependente do meu tio, ficava apenascom a promessa de logo mais fazer parte desta escola.

Aos sete anos, minha tia me matriculou na 1ª série da Escola Municipal Santa Rita,onde prestava serviço como merendeira, mas mesmo tendo a companhia dela nas caminhadasaté a escola, não estava satisfeito, por não estar na escola “certa”, me sentindo o próprio“peixe fora d’água”. Apesar da imensa insatisfação e decepção com a minha primeira escola,aos poucos fui me adaptando, o que de fato me serviu de certa forma como injeção deânimo, pois meus primos já liam e eram um exemplo vivo de uma alfabetização sólida.

Minha empolgação era, no entanto, uma válvula de escape, visto que teria desenvolvidoaversão a escola, algo que ficou explícito durante os dois primeiros anos letivos do meuingresso aos sete anos de idade. Repeti a 1ª série por dois anos consecutivos, a professoraalegava que não estava apto a ir para uma série subseqüente, pois tinha “dificuldades” deaprendizagem. Na realidade, não estava feliz, e portanto, não tinha motivação. A paisagembucólica era algo tão comum do meu cotidiano que tinha até tédio de ir à escola, apenasaquele espaço me servia de refúgio nas manhãs de segunda à sexta-feira.

Graduando em Engenharia de Pesca.

Minha caminhada estudantil...

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Em 1988, aos nove anos, tia Luiza matriculou-me na Escola Estadual Tristão FerreiraBessa, ainda na 1ª série. Esta escola era situada no perímetro urbano, onde cursei o ensinofundamental menor sem mais repetir ano algum. Já no colegial, reprovei a 8ª série, emmatemática, desgostei-me do professor da disciplina. No ano seguinte, em 1996; cursei a 8ªsérie na Escola Estadual José de Lima Júnior, em Carpina-PE, cidade circunvizinha. A únicaforma de obter permanência na nova escola não era por estudar à noite, mas particularmente,pelo fato de ir no ônibus que a Prefeitura Municipal de Lagoa de Itaenga disponibilizava desegunda à sexta-feira aos universitários residentes na minha cidade, da FFPNM - Faculdadede Formação de Professores de Nazaré da Mata, da Universidade de Pernambuco, em Nazaréda Mata. Foi um ano bastante cansativo, uma vez que o ônibus não fazia percurso noperímetro rural, tendo que me deslocar a pé todos os dias à tardinha. Ao retornar de Nazaré,o motorista pegava estudantes secundaristas em Carpina, chegando em Lagoa de Itaengapor volta das 00h00.

Nessa época, dormia na cidade, num bar de uma prima, num quarto que mais pareciaum depósito de bebidas. Lá estava eu, num colchão no meio das pilhas de grades de cervejase refrigerantes. Mas estava feliz por ser um dos alunos mais aplicados na sala. Pela manhãfazia minha peregrinação até o sítio em que morava. Em dezembro de 1996, prestes a fazer18 anos, fiz seleção para a Escola Agrotécnica Federal da Vitória de Santo Antão-PE.Infelizmente não passei pelo processo seletivo. O resultado veio às vésperas do Ano Novo,imagine o quanto fiquei desapontado...

No ano seguinte, já em janeiro de 1997, uma prima que morava em São Lourenço daMata - cidade da região metropolitana de Recife, me falou a respeito do CODAI/UFRPE -Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas, vinculado à Universidade Federal Rural dePernambuco, que tinha aberto inscrições. Mesmo sem saber ao certo como faria para memanter no CODAI, localizado também em São Lourenço, fiz planos para estudar nestaescola. A única certeza que tinha era que moraria com minha prima. Das 50 vagas oferecidaspelo CODAI/UFRPE, em 1997, para o 2° grau técnico em agropecuária, conquistei o 30ºlugar sem praticamente ter estudado.

No Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas, cursei o 2º grau seqüencial, que equivaleao ensino médio atrelado ao 4º ano técnico, técnico em agropecuária. Entre 1997 a 2000,período em que estudei no CODAI, tive que viver e conviver em uma favela, na casa daminha prima, onde passei um pouco mais de oito meses. Morei também com familiares,amigos, e até num alojamento da EECAC - Estação Experimental de Cana-de-açúcar doCarpina, campus da UFRPE, em Carpina - mata norte pernambucana. A EECAC fica umpouco distante do Colégio Agrícola, onde, de fato, “valia” a pena estagiar, mesmo semremuneração, e ficar alojado. Isso reduziu significativamente as despesas com as passagens.Sou muito grato a Srª Suzana da EECAC (aposentada), que muitas e muitas vezes me forneceucestas básicas. Retornava à casa da minha família nas sextas-feiras à noite, e à tardinha dodomingo, já estava providenciando a volta a Carpina.

Em outubro de 1999, prestes a concluir o 3º ano do ensino médio, trabalhei na UsinaPetribu S.A., das 16 a 00h00 do dia seguinte. Trabalhava em pé, coletando amostra de cana-de-açúcar dos caminhões para serem analisados os teores de açúcar. Apesar de ter estudo ecredencial para trabalhar no laboratório industrial de sacarose, fazia parte da equipe braçal,a qual pegava pesado, na área externa do laboratório. Muitos dos que trabalhavam comigome criticavam por me submeter à função de servente, enquanto a maioria deles nem sequer

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sabia ler e escrever. Na verdade, eu próprio achava uma atividade árdua e bastantedesanimadora por se tratar também da minha primeira experiência de trabalho. Dormiaapenas quatro horas por noite. Levantava-me às 6h. Minhas aulas começavam às 8h. Foi umtanto sacrificante o período que fiquei na Usina, mas foi muitíssimo gratificante a experiência,pois aprendi a valorizar coisas que até então não dava a mínima. Pude ajudar a minha tia,não apenas com um “trocadinho”, durante a safra que passei trabalhando, mas sobretudo,por não depender financeiramente mais dela.

Em 2000, solicitei a taxa de isenção à COVEST/COPSET para me submeter ao processoseletivo do Vestibular 2001 da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Às vésperas dotérmino das inscrições, recebi o comunicado, via Correios, da COVEST, que me isentava dataxa total, por causa do meu perfil socieconômico. Prestei vestibular para Engenharia Florestal.

A escolha pelas ciências agrárias veio ainda na época do Colégio Agrícola. Na realidade,o que me fez optar por esse curso foi o fato de a concorrência ser baixa. Para a minhasurpresa, Florestal, neste ano, tinha batido Agronomia na relação candidato/vaga. Passei no“peneirão”, como é chamada a primeira etapa das federais aqui em Pernambuco. Não quisfazer a segunda etapa, tanto por não acreditar que poderia ingressar numa universidadepública e gratuita, quanto para não decepcionar as pessoas que criaram mais expectativasdo que eu. Era um sonho um tanto que “impossível” para quem estudou toda a sua vida emescolas públicas, e para quem não teve acesso a cursinho pré-acadêmico. Mas pedi aoSenhor Jesus que se fosse da vontade dele, eu passasse.

É um tanto comum entre vestibulandos usar dos artifícios dos “chutes” na prova dequímica, física, matemática... comigo isso não foi diferente, mas independentemente dos“chutes”, eu venci e passei na 2ª etapa. Eu creio, tenho fé que só temos o que merecemos e/ou acreditamos. Enfim, ingressei na Rural de Pernambuco no curso de Engenharia Florestal,na segunda entrada de 2001. Dias antes da matrícula, recebi um comunicado que teria sidoremanejado para a 1ª entrada de 2001. No dia em que me apresentei na universidade paraefetivar a matrícula, ao sair fui ao DAE - Departamento de Assistência Estudantil da UFRPE- obter maiores informações a respeito da residência universitária para aquele semestre. Paraa minha surpresa, as inscrições já tinham acabado no dia anterior, mas como fui remanejado,abriram uma exceção, visto que eu era do interior. As aulas começariam em fevereiro de2001, mas o resultado da seleção para a residência chegou quase dois meses depois. Nesseínterim, morei na casa de uma tia em Piedade, Jaboatão dos Guararapes-PE.

Há três Casas de Estudante masculina na UFRPE. Morei na residência estudantil nº 1durante um semestre, solicitando transferência para a casa nº 3, no semestre seguinte, poressa ser mais centralizada e bem localizada. Para muitos, a casa do estudante pode significarum espaço de “liberdade assistida”, por se tratar de um ambiente predominantementeestudantil, onde tudo é festa e algazarra. Eu encarava a casa como um lar; afinal passávamosmais tempo lá em companhia dos colegas que com os nossos entes. Encarava a casa comosendo um ambiente favorável para desenvolver meus estudos, e acreditava também que osoutros colegas residentes pensassem desta forma.

Isso, porém, foi frustrado. Após um ano e meio de convivência, os problemas eramcada vez mais aparentes, sendo impossível ignorá-los como antes. Fiz o possível para remediaras situações difíceis. Sem que eu soubesse, havia conspirações o tempo todo contra mim,simplesmente pelo fato de não partilhar das “idéias” de alguns companheiros ou de nãoser conivente com determinadas ações e brincadeiras que considerava de mau gosto.

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Tentava ter uma conduta neutra e omissa, para não criar nenhum tipo de atrito ou confusão.Muitas vezes, omitia situações que poderiam ser levadas a instância máxima, com o intuitode conseguir viver num “clima” melhor. Tudo foi em vão.

Em uma madrugada de novembro de 2003, eu estava dormindo em meu quarto quandoacordei com o barulho que vinha de fora: as camas eram de alvenarias chumbadas na parede,o que favorecia o eco. Ouvi um colega embriagado falando para um outro, também moradorda casa, que iria bater em mim. Permaneci na cama tentando adormecer, mas não consegui,pois ele estava agressivo e fora de si. Fiquei perplexo, uma vez que aparentemente nos dávamosbem, na medida do possível. Isso era algo, portanto, que bebida alguma explicava.

A partir disso, me encorajei em falar ao DAE, e contar o que teria se sucedido. Depoisdessa “denúncia”, o cerco fechou para mim na casa, a ponto de até receber ameaças demorte, não dessa pessoa, mas de seus amigos.

Nunca fui tão humilhado e massacrado como fui na minha experiência em residênciauniversitária. Eu fazia “vista grossa”, e passava situações completamente constrangedoras.Já não dormia com freqüência na casa, por temer coisa pior, tendo que buscar casas decolegas para ficar até que a “barra limpasse”. Quando dei por conta já estava morando comminha amiga Liliane Barros, que cursava Engenharia Florestal comigo. Ela desistiu docurso e um semestre depois foi tentar a sorte nos EUA. Passei definitivamente a morar nacasa da mãe dela. A partir daí, ganhei uma família. Lá, todos me acolheram, e até os diasatuais me acolhem como filho da casa. Minha gratidão a minha amiga e a toda a sua famíliaé indescritível por tudo o que fizeram e fazem por mim...

Coincidentemente ou não, também acabei desistindo de Engenharia Florestal no 6ºperíodo, prestes a ir para o 7º. Pleiteei então uma vaga no curso de Engenharia de Pescaatravés do processo de reopção – transferência interna de alunos da UFRPE para outro cursoafim a área de conhecimento do curso original.

Ingressei como acadêmico de Engenharia de Pesca em 2004.1, cursando disciplinasdo 1º e 2º períodos. Hoje, estou cursando o 8°. Em termos de condições de permanência nauniversidade, estou vivendo minha melhor fase, uma vez que, depois de ter sofrido umareprovação em matemática III (integrais), ainda em florestal, por causa do “carmamatemática”, consegui uma bolsa de auxílio. Ela chegou em boa hora, com aimplementação do Programa Conexões de Saberes na UFRPE, o que, de fato, está ajudandona minha permanência na universidade.

Venho de uma família de quatro irmãos, e até agora sou o único a concluir o ensinomédio e o primeiro de toda a família a ingressar numa Academia. Agradeço a Deus por tudoque Ele é e representa na minha vida, pelo seu infinito Amor e Misericórdia, por todas asvicissitudes que eu tive que enfrentar, nesta trajetória, até chegar à Universidade. Estar nauniversidade é uma vitória que consegui alcançar com esmo, determinação, luta e muita fé noDeus vivo. Agradeço a todos que até aqui acreditaram em mim, mesmo com minhas limitações.

Jesus, eu não sou merecedor da Tua misericórdia, mas Tu estás comigo sempre!

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“No final tudo dá certo, e se ainda não deucerto é porque não chegou o final”

Fernando Sabino

Sou Andrea Avelino da Silva, nasci no dia 29 de Fevereiro de 1984, no município doPaulista , localizado na Região Metropolitana de Recife. Porém, considero o Municípiode Igarassu minha terra natal, pois é nesse local onde vivo desde os meus primeiros diasde vida até hoje. Sou filha de Amaro Severino da Silva, motorista e comerciante e deMarlene Maria Avelino, dona de casa. Possuo ainda uma única irmã, Marilia, sendo eu afilha mais nova do casal.

Meu pai não teve tanta oportunidade para estudar. Filho de trabalhadores rurais noMunicípio de Escada, ele não possui ao menos a 4ª série do Ensino Fundamental. Já minhamãe, filha de uma dona de casa e de um funcionário da Usina Ipojuca, em Ipojuca-PEcompletou o Ensino Médio. Eles nunca exigiram que as filhas continuassem os estudos:esta foi uma decisão única e exclusivamente nossa.

Aos quatro anos, comecei a freqüentar a Escola Municipal João Leite Nogueira Paz,localizada próxima à residência de minha avó paterna. Eu ia para acompanhar minha irmã, quechorava de medo da professora, então eu ficava para “substituí-la”, até porque nessa época omeu ingresso na escola como matriculada não era permitido devido a minha pouca idade. Noano seguinte, iniciei de fato minha vida escolar nesta mesma instituição, onde permaneci até1992, aos oito anos, na 2ª série. Aos nove anos, na 3ª série ingressei na Escola Estadual BrasilinoJosé de Carvalho. Foi uma época um tanto conturbada, na qual encontrei dificuldades em todosos aspectos: tanto no emocional (pois estava no auge da adolescência) como no escolar, poishaviam disciplinas que não tiveram professores na escola para ensinar. No entanto, tambémcultivei amizades que existem até os dias atuais. Em meio a tantos conflitos, quando estava na7ª e na 8ª série tive um professor que pra mim foi essencial na caminhada rumo ao ensinosuperior: o professor Joel Alcântara, que lecionava Língua Portuguesa. Suas aulas eram magníficas,mas como era muito nova, não imaginava o quanto essas aulas seriam importantes para mim nofuturo. Em 1998, aos 14 anos concluí o ensino fundamental.

No ano seguinte, fui estudar na Escola Estadual João Pessoa Guerra, escola que sempretive muita vontade de ingressar, por ser uma das mais tradicionais da cidade. Este períodofoi decisivo em relação à minha vida acadêmica. Foi uma temporada de muitas descobertas,

Graduanda em Agronomia.

Andrea Avelino da Silva*

Memorial

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40 Caminhadas de universitários de origem popular

através das quais pude deparar-me com todos os tipos de pessoas e situações, passei a pagartransporte para ir à escola, e também, conheci pessoas com as quais tenho laços de amizadeaté hoje. Nesta escola, tive uma enorme dificuldade com diferentes disciplinas, entre elas ade química, pois quase não tive aula desta matéria . Não imaginava que num futuro próximoessas e outras disciplinas seriam essenciais para mim, mas fiquei feliz porque continuei como mesmo professor de português que concluí o ensino fundamental, o Joel, e com isso, estadisciplina para mim não era problema, pois já conhecia a metodologia dele e assim fui meaperfeiçoando, aprendendo e gostando mais de português, posso até dizer que sei um“pouquinho” da Língua Portuguesa.

Em 2001, aos 17 anos estava no 3º ano do Ensino Médio. Nesta época tinha uma idéiade prestar o vestibular, mas nada concreto, até porque na escola, até então, não exploravammuito a questão, mas o tão estimado professor de português sempre incentivava para quetentássemos uma vaga no ensino superior. Foi então que no mês de abril deste ano surgiu aoportunidade de um cursinho pré-vestibular, o “Rumo à Universidade” promovido peloGoverno do Estado. Este cursinho dava oportunidade aos alunos “terceiranistas” de teremaulas preparatórias nos finais de semana com uma ajuda de custo de R$ 50.00. Fiz a provae passei na seleção. Novamente tive a oportunidade de conhecer ainda mais pessoas oriundasde várias localidades (pois a escola era um pólo situado no Município de Olinda-PE). Asaulas eram em regime intensivo, e como não poderia ser diferente, houve bastante conteúdoque nunca tinha visto na escola.

Já que não havia mais tempo para aprender este conteúdo não visto, eu ia “empurrandocom a barriga” e levando desse jeito até as provas do vestibular, lembrando que aindatinham as aulas do 3º ano do Ensino Médio para assistir. Confesso até que deixei um poucode lado minhas obrigações com a escola por um tempo, ficando até em recuperação em umadisciplina (pois só queria estudar mais para o vestibular).

Chegada a época das inscrições, a comissão de vestibular abriu a oportunidade paraque os alunos de escolas públicas, por meio de um requerimento, solicitasse a isenção dataxa de inscrição. Eu e minha irmã resolvemos tentar esta isenção. Para o meu requerimentotive a ajuda do Professor Joel, que me orientou a redigi-lo. A comissão de vestibularinstituiu um prazo para a chegada das correspondências informando aos alunos de quantoseria a isenção e no último dia chegou a nossa informando que tínhamos conseguido umdesconto de 50% da taxa. Foi então que resolvi inscrever-me para o curso de EconomiaDoméstica na UFRPE, por sugestão de minha professora de química do 3º ano, mas naverdade, quando vi o manual do vestibular fiquei tentada em me inscrever para o curso deAgronomia (porque sempre me agradei da área rural). Mas por pensar que seria muitodifícil o meu ingresso por conta da “temida matemática 3”, disciplina específica para a 2ªetapa do concurso, resolvi seguir a sugestão da professora, enquanto minha irmã seinscreveu para o curso de Pedagogia na UFPE.

Fizemos a primeira etapa, eu totalmente insegura, mas para minha surpresa obtive umapontuação necessária para as provas da 2ª fase. Fiquei feliz também por minha irmã quetambém passou. Fizemos os exames da 2ª fase mas não tivemos aprovação. Porém, nãoficamos tristes, pois nos encontrávamos cantando vitória por termos passado em ao menosuma etapa. Valeu mais pela experiência.

No ano seguinte, em 2002, aos 18 anos e terminado o Ensino Médio, surgiu aoportunidade de um cursinho pré-vestibular nos finais de semana promovido por um grupo

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de universitários do Clube Rotary de Igarassu. Ingressei neste cursinho e quase na mesmaépoca houve mais uma chance de reingressar no “Rumo a Universidade”, onde novamente mesubmeti aos exames e tive aprovação. A diferença era porque dessa vez aconteceria no mesmobairro onde morava e não teria gastos com passagem, entre outras coisas. Nessa ocasião, comoera de se esperar, também fiz muitas amizades. Então, passei a freqüentar ambos os cursinhos,enquanto minha irmã durante a semana freqüentava um cursinho popular noturno.

Quando as inscrições começaram novamente, tive a isenção de 50% da taxa e meinscrevi outra vez para Economia Doméstica, pensando eu que seria mais fácil o meu ingressona universidade (mas sempre com a vontade contida de cursar Agronomia) e minha irmã,por incentivo meu, dessa vez se inscreveu para o curso de Ciências Sociais na UFRPE. Maisuma vez tivemos aprovação na 1ª etapa e na 2ª foi uma alegria porque minha irmã conseguiuser aprovada, mas fiquei triste por mim, porque ainda não tinha sido daquela vez. Na ocasião,uma prima nossa, a Elizangela também passou para o curso de Pedagogia na UFPE e ficamosmuito contentes pelas duas, no entanto, fiquei arrasada por mim.

No início de 2003, me submeti ao teste de seleção para a Escola Agrícola DomAgostinho Ikas (instituição vinculada a UFRPE), onde tentei o curso Técnico emAgropecuária. Obtive aprovação, mas fui impedida de matricular-me pois meu pai não medeu permissão de fazê-la. Fiquei arrasada por um certo tempo, ficando até desestimuladaem continuar os estudos. Foi então que, por incentivo de minha irmã, decidi inscrever-meno mesmo pré-vestibular que ela tinha feito no ano anterior, onde passei a freqüentar asaulas sem a mínima vontade. Lembro-me que o 1º dia de aula foi um “terror”, pois realmentenão queria mais estar naquele local.

Com um mês após o início e de tanto freqüentar o curso, decidi que tentaria o vestibular,e desta vez, para o que sempre desejei - Agronomia. Passei então a estudar com mais vontadee no decorrer do curso foi divulgado em um telejornal um curso pré-vestibular para alunosconcluintes ou egressos de escolas públicas: o Prevupe, que era promovido pela Universidadede Pernambuco. Fui para a reitoria da Universidade inscrever-me e fui selecionada. Daí, entãoengrenei com toda garra e empenho, acordando-me às 4:30 da manhã, tomando dois ônibus.Em meio a tudo isto ainda vieram “de brinde” alguns problemas de saúde, como o de alergia,que me acompanhou durante toda a caminhada rumo à Universidade, e também a cobrança demeus pais pelas obrigações de casa.

Durante esta última etapa a caminho da Universidade, convivi com duas pessoas quecaminharam junto comigo neste último cursinho que foram Íris (que já conhecia, poisfomos colegas de turma na 2ª parte do Ensino Fundamental) e Joceni, popularmente conhecidacomo Nina. Sempre tomávamos os ônibus juntas, já que moramos no mesmo bairro. Aconvivência com elas foi essencial pra mim, pois estudávamos juntas nos finais de semanae sempre nos ajudávamos no que fosse preciso. Também tive a oportunidade de conhecerminha amiga Cristiane, que fazia o curso de Engenharia da Computação na UPE - elatambém me incentivava e me ajudava demais.

Chegando a época das inscrições, pairava a dúvida de para que curso concorrer. Economizeia quantia suficiente para a inscrição, já que não tive possibilidade de isenção da taxa e na fila dobanco decidi enfrentar meu medo da matemática e me inscrevi para o que realmente desejavaque era Agronomia (na UFRPE) e na UPE me inscrevi para Engenharia da Computação. Apartirde então, passei a estudar com muito mais intensidade, freqüentando os aulões aos domingos àtarde e todas as revisões que o cursinho proporcionava, submetendo-me aos simulados.

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Então, o dia mais esperado para mim chegou: 1ª etapa do vestibular das Federais. Commuita fé me submeti às provas, mais segura de mim pela experiência de dois vestibulares,mas ao mesmo tempo temendo não passar. Mas estava tudo entregue nas mãos de Deus.

Enquanto estava aguardando o resultado das primeiras provas, realizei os exames daUPE e após o prazo estimado pela comissão do primeiro vestibular, obtive aprovação na 1ªfase, com uma melhora significativa na nota em relação aos outros anos.

Passei a revisar todo o conteúdo com empenho na esperança de que obteria sucesso na2ª fase. Enquanto isso, havia saído o listão da UPE, onde não tive sucesso, e com isso, temia possibilidade de não ser aprovada para Agronomia. Mas mesmo assim, continuei naesperança de passar, fiz os exames e passei a aguardar o resultado.

Exatamente no dia 17 de Dezembro de 2003, quando estou em casa aflita para saber seteria passado ou não, minha amiga Nina liga para minha casa e minha irmã atende (estavatão nervosa que não queria nem atender ao telefone). Ela pergunta meu nome à minha irmãe ela diz com todas as letras o que passei praticamente um ano todo esperando: que tinhapassado no vestibular. Foi uma dos melhores momentos de minha vida: gritei, chorei, rezeià beça, agradecendo a Deus por esta graça. Nina também tinha sido aprovada na UFPE e naUPE, porém, estava triste por Íris (e por mais alguns outros) por não ter conseguido ingressarem nenhuma das duas Universidades.

Meus pais não manifestaram alegria por eu ter passado (principalmente meu pai). Jáminha mãe dizia para os conhecidos e para meus familiares o acontecido. Minha irmãtambém ficou muito contente e orgulhosa por eu ter alcançado um objetivo tão esperadopor todos nós e também muitas pessoas me parabenizavam por minha conquista. Fui aprovadapara a 2ª entrada do ano de 2004, no turno da tarde.

Providenciei toda a documentação necessária e fiz minha matrícula no dia indicadopara os aprovados no curso de Agronomia. Durante os meses que aguardava para meuingresso às aulas fiz alguns cursos (para manter a mente ocupada) e no dia 14 de Setembroiniciaram-se as aulas na UFRPE.

O período como “pé de cadeira” foi muito bom: novo ambiente, novas pessoas, emuita expectativa com a graduação que estava só começando a cursar. Como era de seesperar tive muitas, mas muitas dificuldades, principalmente, com as “químicas” e as“matemáticas” da vida. Tinha momentos onde realmente sentia a dificuldade de ser egressade escola pública, pois muitas coisas que os professores julgavam “termos visto na escola”na verdade só aprendi ou vi pela 1ª vez na Universidade, mas conheci pessoas amigas que,na medida do possível, me ajudavam a superar esta deficiência.

Passado dois anos de meu ingresso na tão conhecida “Rural”, hoje, mais do que nuncasinto ainda na pele o que vem a ser um estudante de origem popular. Minhas notas não sãoaquelas notas altíssimas, pois só uns poucos privilegiados conseguem esta proeza (seja deorigem popular ou não). Por dificuldade e deficiência minha, fui reprovada ainda em 2disciplinas no 1º período, mas não desisti e continuo levando até hoje com vontade deaprender, e em meio a tantos obstáculos, lembro-me do grande número de pessoas quegostariam de estar em meu lugar. E agora, concluindo o 5º Período, tenho certeza de que seestivesse cursando outra graduação não estaria tão satisfeita como estou hoje. Apesar dasimensas dificuldades com os cálculos, cada vez mais estou certa de que se Deus quiser sereino futuro uma Engenheira Agrônoma.

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Quando tomei conhecimento das inscrições para o Programa Conexões de Saberesna Universidade e o objetivo deste, fiquei bastante contente, pois é muito lamentável asituação de alguns alunos, que como eu, são egressos de escolas públicas. O papel que oConexões traz para mim é o de uma maior valorização dos estudantes de origem popularna Universidade Pública em relação a todos os aspectos: desde o financeiro até o intelectual.Este é um tema que mesmo antes do programa ser instalado na universidade eu já levantavae agora passei a difundi-lo ainda com mais intensidade, pois, por mais incrível que pareça,ainda existem preconceitos com relação aos estudantes de origem popular nasUniversidades pelo Brasil afora.

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Andréia Cibelly Marques Ferreira*

Embora a vida não seja fácil, fui escolhida por Deus para participar deste mundo quepor diversas vezes se torna tão difícil e sacrificado, principalmente para pessoas como euque não têm poder aquisitivo considerável que permita uma vida tranqüila e confortável.Essa realidade é uma característica marcante e comum a nós bolsistas do Conexões.

Nascida em Recife, Pernambuco, em 1983, tendo pais de origem e vida popular, minhavida desde o início nunca teve tantas facilidades, mas graças a Deus as dificuldades eramcontrabalançadas e postas em equilíbrio com as alegrias que existiram quando criança um dia.

Meus estudos iniciaram-se e decorreram até a 8ª série numa escola particularfilantrópica, num colégio de freiras. Isso graças à generosidade e boa disposição da “Irmã”,no caso a diretora da instituição, que recebia as mensalidades com atrasos, atendendo aconstantes pedidos da minha mãe. Ainda hoje, continuo devendo 1 ano de mensalidade,pois a diretora disse a minha mãe em certa situação, que ela pagasse no dia em que elativesse o dinheiro, me deixando comovida com tal atitude.

Não posso deixar de falar das dificuldades citadas acima. Uma delas era a falta delivros, e na maioria das vezes, reaproveitava os usados por meu irmão ou por conhecidosque emprestavam, ou até mesmo do professor. Todo ano era assim que acontecia, minha lutaem prol dos estudos. Faltava também material escolar, dinheiro pra participar de outrasatividades extra-escolares, para comprar farda nova, tênis, mochila etc.

Ao chegar a 8ª série fiz vestibular para a prova do Cefet-PE, não passei. Mas com apersistência sempre se chega à vitória. E foi assim que pela segunda vez fiz, então passei eentrei no Cefet-PE, antes na época ETFPE. Fiz o ensino médio lá, onde adquiri muitoconhecimento, experiência e amizade que até hoje são as mais valiosas que eu possoconstatar em toda minha vida. Apesar de ser uma ótima escola, com muitos dos melhoresprofessores, uma parte do ensino era bem defasada, pois como era uma Escola Técnica, aparte de saúde e humanas, em especial biologia e geografia, ficavam em falta, e o pior detodos os obstáculos, eram as greves de 3 meses que tínhamos que enfrentar. Foi isso queaconteceu quando estava no 3º ano, daí veio a prorrogação em passar no vestibular. Nesteano fiz o vestibular para pra farmácia. Não passei, mas descobri que não era o que eu queria.

Reluziu, então, minha paixão por animais e conquistei a vitória passando em MedicinaVeterinária. Conquista, pois após ter feito cursinho gratuito no Prevup. Por sinal num localonde eu fazia um percurso longo no qual pegava duas conduções. Além dessa dificuldade,estagiava na área de telecomunicações, um curso no qual adquiri muita experiência e lucros

Graduanda em Medicina Veterinária.

Persistência = superação

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para minha vida profissional. Estagiei numa empresa pública, cuja remuneração era todautilizada na minha manutenção na Escola Técnica e num cursinho particular, abdicando,assim das diversões e de algo que quisesse comprar para mim. Acredito que para tudo que sequer são necessários sacrifícios e escolha de coisas em detrimento de outras. Enfim, conseguiconciliar escola, estágio e cursinho e foi nesse ano que eu passei na Universidade FederalRural de Pernambuco.

Hoje em dia, sou feliz por estar no curso que eu gosto, apesar das dificuldades, dentreelas a manutenção na faculdade e obstáculos impostos pelos professores, até muitas vezesinjustos. Dificuldades que eu vejo como incentivo, para me tornar melhor, superar e atravessa-las.

A melhor coisa para min agora em 2006, foi entrar para o Conexões, onde absorvi asmelhores experiências e aprendizagens a respeito de consciência e cooperação que obtivecom monitores, alunos e coordenadores. Pessoas que se mostraram muito amigas as quaispretendo conservar.

É a partir de discussões e reflexões como estas que nós estamos conseguindo progredire trabalhando para melhorar o projeto. Identifiquei-me muito com todos do projeto, deveser pelo fato de sermos de uma mesma raíz, enfrentar as mesmas dificuldades, e mesmoassim, sermos pessoas boas e divertidas que se preocupam e se empenham com os alunos doprojeto Escola Aberta, experiência a qual eu estou gostando muito, em razão de poder,como diz o lema do Programa, trocar saberes.

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Meu nome é Andresa Priscila de Souza Ramos. Nasci, na cidade de Jaboatão dosGuararapes - litoral de Pernambuco -, muito pequena e magrinha, com apenas dois quilos eduzentos gramas. Antes de completar um ano de vida, fui com meus pais morar em SãoMiguel dos Campos, município, naquela época, isolado de Alagoas. Fomos morar lá, porquemeu pai conseguiu emprego em uma fábrica de cimento. Morávamos na vila da fábrica.Minha mãe, muito apegada à família, não suportou a saudade, então, em menos de seismeses, voltamos para Jaboatão.

Em agosto de 1989, mudamos para um lugar chamado Bonança, que é distrito doMunicípio de Moreno. É um lugar pequeno, pacato, parado, mas é onde eu vivi a maiorparte da minha vida (e ainda vivo!). Viemos morar em Bonança pelo mesmo motivo quesaímos de Alagoas: saudade. Meus avós mudaram-se primeiro, e em seguida, nós fomostambém. Moramos um bom tempo num quartinho ao lado da casa de meus avós, e foinessa casa em que passei meus melhores anos. Foi ali também que comecei a estudar comminha tia Luciene (para nós, sobrinhos, era tia Tica, apelido que ela detestava, mas nãotinha jeito... até hoje, ela é chamada assim), que passava boa parte das manhãs ensinando-me as primeiras vogais.

Aos cinco anos, iniciei o pré-escolar na Escola Municipal 5 de Julho, e minha irmãAngélica, com três anos, que não queria ficar sozinha, ficou ao meu lado, como “assistente”,pois a escola era pública e o início dos estudos era permitido apenas a partir dos cinco anos.

Passei o Pré-escolar e a Alfabetização nessa escola. Foi uma época muito boa, mascomo era uma escola pública, pequena e com condições um pouco precárias, eu não conseguiaprender a ler. Cheguei a ficar na hora do recreio - hora sagrada para qualquer criança -copiando a tarefa que a professora havia colocado no quadro, mas sem entender uma letrasequer do que escrevia.

Observando isso, no ano seguinte, meus pais resolveram me colocar numa escolinhaparticular, em Bonança, chamada Educandário Santa Terezinha. Em vez de ir logo para a 1ªsérie, tive que refazer dois meses de alfabetização, e só assim, pude “pular” para a 1ª série.Chegando a essa escolinha, aprendi a ler e aprendi, também, a gostar de ler - mania que mepersegue até hoje. Só não leio mais, por falta de tempo.

Como nem tudo são flores, quando eu estava no fim da 3ª série, as coisas apertaram emeu pai teve que me tirar da escolinha, pois não podia mais pagar as mensalidades e omaterial escolar (que já era dividido entre mim e minha irmã).

Andresa Priscila de Souza Ramos*

Graduanda em Agronomia.

Memorial

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Então, na 4ª série, fui estudar na Escola Municipal Jornalista Édson Régis, no extintohorário intermediário: das onze horas às quinze horas e trinta minutos. Não me gabo, massempre fui uma aluna dedicada, ou melhor, esforçada e me destaquei nessa escola; por isso,minha mãe resolveu me colocar para estudar em um colégio em Vitória de Santo Antão,chamado Colégio Municipal três de Agosto, que, na época, era o colégio público com omelhor ensino da região. Para entrar nesse colégio, na 5ª série, era necessário fazer um testede seleção, ou seja, uma prova de conhecimentos. Minha mãe fez até promessa para eupassar. Resultado: estudei, passei no teste e fiquei devendo a promessa ao Santo... (vimpagá-la este ano!!). Esse foi só o primeiro teste.

Eu tenho um defeito nos joelhos que me tem causado problemas em minha coluna.Quando cursava a 8ª série, mais precisamente em janeiro de 2000, foi realizada uma operaçãopara tentar corrigir esse problema. No começo do ano letivo, perdi quase um mês de aulas,e quando apareci... lá vou eu de muletas para a escola. Foi uma das piores sensações que jáexperimentei. Todos olhando para mim. Não saberia nem explicar.

Ocorreu um problema no pós-operatório e eu não conseguia mais esticar a pernanormalmente; então, em junho, segui para mesa de operação de novo: dessa vez, paracorrigir o problema e colocar um parafuso. Perdi, mais uma vez, um mês de aula, e mesmoassim, consegui passar, sem ficar em recuperação.

Desde criança, sempre fui inclinada para a área das Ciências Naturais. Decidi tentar aEscola Agrotécnica Federal de Vitória de Santo Antão. Era necessário passar no teste deseleção. Mais um teste! Eu queria tentar Técnico em Agricultura, mas minha mãe, receosacom o problema de meu joelho, pediu-me que tentasse Técnico em Agroindústria: cursomuito mais concorrido que Agricultura.

Fiz a seleção, e felizmente, não passei, pois não era o que eu queria. Então, a secretáriapropôs meu remanejamento justamente para Agricultura, que era o que eu aspirava desde oinício. Agradeço a Deus até hoje por não ter passado em Agroindústria, pois no Agro,apelido carinhoso para o nome da escola, foi onde eu passei a melhor época de minha vida(que saudade da minha turma!) - depois da infância - e foi onde eu realmente tomei gostopela área de Ciências Agrárias: não é à toa que, hoje, faço o sexto período de Agronomia...mas isso não vem ao caso agora.

Entrei no Agro em 2001, e me formei em 2003, com o título de Técnico em Agropecuária,pois cursei Agricultura, e depois, Técnico em Zootecnia. 2003 foi bem marcante, pois, alémde ser o último ano no Agro, onde eu passava o dia todo, quando chegava em casa, ainda iaao cursinho à noite, e às vezes, aos finais de semana, quando havia os “aulões”.

Para entrar nesse cursinho, foi outro dilema. Meu pai não queria deixar que eu meinscrevesse. Era, no entanto, uma oportunidade única, visto que o cursinho era oferecidopela Prefeitura de Moreno, e além disso, ainda tinha o transporte para voltar. Como meu painão queria deixar, eu “meti a cara” e fui fazer a inscrição. Outro teste de seleção... passeinovamente, pulei mais um obstáculo, porém, o maior ainda estava por vir.

Passei um ano nessa dupla jornada, mesmo contra a vontade de meu pai, abdicando deminha vida social, que nunca foi lá grande coisa. Tudo valeu a pena, e eu provei que eracapaz e que, se realmente tivermos certeza do que queremos, mais cedo ou mais tarde, o quebuscamos se realizará. Mesmo que eu não tivesse passado de primeira, seria de segunda, deterceira, de quarta, mas passaria, nunca desistiria de tentar. É aí que entra o antigo ditado:“quem espera sempre alcança”; em meu caso: “quem luta sempre alcança.”

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48 Caminhadas de universitários de origem popular

Parecia mentira... ver que todos os meus esforços e minhas lágrimas tinham validoa pena, pois conseguira o que mais almejava, mesmo oriunda de uma escola pública ede um cursinho público. Ao mesmo tempo, foi triste ver os meus amigos, que fizeram ovestibular junto comigo, sendo reprovados.

Após o resultado do vestibular, guardei ansiosamente o início das aulas, que forammeio impactantes: já na Universidade percebi que minhas bases de Química, Física eMatemática eram fraquíssimas. E essas são disciplinas básicas no curso de Agronomia.Quase reprovei em Química, mas com esforço, estudo e ajuda dos colegas, como Hercylio eRenato (que estuda comigo desde o tempo do Agro), eu consegui passar. Outro grande sustofoi a quantidade de xérox que era, e ainda é, necessário tirar, o que, para um estudante deorigem popular, é um absurdo.

Comecei a estagiar logo no primeiro período, para ver se conseguia uma bolsa que meauxiliasse com as despesas da Universidade. Finalmente, quando apareceu uma oportunidade:voilà... reprovo em Matemática II e perco a bolsa. Nem tudo estava perdido: a pessoa queconseguiu a bolsa, minha amiga Zil, dividiu-a comigo, por mais ou menos três meses. Foiquando eu saí desse estágio e fui para outro, também voluntário, com esperança de bolsa.Tentei novamente, e apesar de meu esforço, não consegui. Até que, como uma luz, surgiu aoportunidade do “Conexões de Saberes”, e finalmente, consegui a tão desejada bolsa, queme vem auxiliando bastante.

Pude concluir que se manter na Universidade é mais difícil que passar no vestibular!Na verdade, percebi que sempre é necessário um esforço de nossa parte para que possamosrealizar nossos desejos e que os obstáculos do caminho garantem um gostinho bom navitória. Eu ainda continuo batalhando, pois tenho muito chão pela frente e as dificuldadessó tendem a aumentar. Então, é tentar ao máximo ultrapassar esses obstáculos, e se nãoconseguir na primeira, para quem tenta, sempre haverá uma nova chance.

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Sempre fui esforçada, desde o começo de minha vida escolar. Não apenas para passarde ano ou para ganhar um presente (já estava acostumada com essa promessa que nunca secumpria), mas principalmente, porque sempre fui curiosa e queria conhecer tudo. Narealidade, ainda sou assim.

Quando criança, nunca dei trabalho à minha mãe por causa da escola, e ela me disse,há poucos dias, que eu raramente chorava quando ela me deixava e ia para casa. Dos meusprimeiros anos na escola, tenho vagas lembranças.

Sempre estudei em escolas públicas, e a primeira delas foi a Professor José Eduardo deBrito, em Igarassu, em 1985. Lá, aprendi o básico: as primeiras letras e os números. Depois,vieram outras três escolas que seriam importantes e serviriam para aguçar ainda mais minhacuriosidade: Escola Santos Cosme e Damião, Dalila de Melo Fonseca e Eurico Pfisterer.Nessa última, entrei na 5ª série e só saí ao concluir o Ensino Médio.

Quando eu estava na 5ª série, ouvia-se muito a música Unchained Melody, tema dofilme Ghost, e uma vizinha, que estava na 7ª série, me mostrou a letra da música. Pela primeiravez, “encontrei-me” com a língua inglesa. Cismei de aprendê-la, mas como, se minha mãe nãopoderia pagar um curso? A teimosia às vezes pode ser uma virtude, e em meu caso, foi. Tinhauma raiva muito grande da escola pública, porque só teria inglês na 7ª série. Seriam doislongos anos de espera e não estava disposta a esperar. Fui estudando como podia, até que oano tão esperado chegou: 1993. Comecei a estudar inglês na escola, e com muito esforço,minha mãe comprou-me uma gramática da língua inglesa. Nessa matéria, nunca conheci onove; para mim, ele não bastava. Foi na 7ª série, aos treze anos, que descobri qual seria minhaprofissão: professora de línguas. E, assim, nasceu um sonho.

Se, por um lado, a professora de inglês era ótima, faltavam professores para Física,Química, Geografia e Biologia - eu nem fazia idéia de como isso me afetaria no futuro. AEscola Estadual Eurico Pfisterer, nesse ponto, não diferia muito das outras escolas públicasda cidade. Era muito ruim ir à escola, de baixo de sol ou de chuva, para ter apenas uma aula.Dava preguiça e acho que por isso, a cada mês, minha turma ficava menor. Quando haviagreve, era uma alegria geral: era como se fossem férias-bônus. Achava as férias uma chatice,por não ter os colegas e raramente sair de casa... imagine, então, com greves! Todos diziamque era bom, porque passávamos de ano sem fazer provas. Greve vai, greve vem e o meurendimento foi diminuindo, juntamente com minha vontade de estudar. Não havia estímulo.

O resultado desse desestímulo, veio na 8ª série: reprovação. Essa reprovação foiencarada numa boa... as piores viriam mais tarde. A única vantagem de repetir foi que, em

Graduanda em História.

Janaína S. Santana*

Memorial

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50 Caminhadas de universitários de origem popular

1995, chegaram duas estagiárias de Química e Física. Meus problemas com a velocidademédia e com os nêutrons começariam. Definitivamente, este foi um romance que não deucerto: Física, a Química e eu. Passei muito tempo achando que foi ótimo as ter encontradoapenas na 8ª série. Gigantesco engano!

Nessa época, já sabia que a faculdade que cursaria se chamava Letras e mal podiaesperar por ela. Quando estava prestes a concluir o Ensino Fundamental, todos meaconselhavam a fazer o magistério. Para mim, isso era algo fora de cogitação: não queriaensinar o “a, b, c”, queria ensinar “one, two, three... I am... congratulations!”. Ficar em umaescola cheia de crianças pequenas não era, nem de longe, o meu objetivo, meu sonho. E aí,fui fazer o Científico (atual Ensino Médio), porque os professores diziam que era um modode me preparar para o vestibular. Era 1996.

O ensino em nada havia mudado. Os professores eram os mesmos, as metodologiaseram as mesmas, a escola era a mesma. Apenas eu havia mudado (na realidade, me aprimorado).E, na medida em que melhorava meu inglês, perdia a vontade de ir à aula. Para piorar,comecei a trabalhar e quase perdi o segundo ano por ter faltado a muitas aulas. Vocês, meusleitores, poderão até pensar: muita gente trabalha e estuda e ninguém morre por isso. Euestava, no entanto, com dezesseis anos, e embora não fosse uma necessidade, minha mãeachava importantíssimo que eu trabalhasse para não ficar o dia todo em casa, ouvindo GunsN’Roses e Roling Stones. De certa forma, foi bom trabalhar, porque podia comprar o que euqueria e ainda dava uma força à minha mãe.

Foi um tempo difícil e cansativo. Eu acordava às seis horas da manhã para estar nocentro de Recife às oito horas. É, meus caros, Igarassu é longe (e muito). Eu tinha de sair deRecife por volta das dezessete horas e trinta minutos para chegar na escola às dezenove.Quando chegava, já sem paciência, geralmente estava com dor-de-cabeça, fome e sem dinheiropara comer. Raramente tinha aula e parecia proposital: quando eu ia à escola, não haviaaula, e quando eu faltava, havia! Achava que era marcação! No mês de maio, dava vontadede chorar só em pensar que ficaria uma hora e meia em pé, em um ônibus abafado (por causada chuva, as pessoas fechavam as janelas) e ter que andar um bocado, embaixo d’água, para,talvez, assistir às aulas. O terceiro ano em nada foi diferente. Era 1998.

A parte realmente complicada desta história, começa agora. Depois que concluí oEnsino Médio, cometi o pior erro de todos... dei um tempo de quatro anos. Meu negócio eratrabalhar e a idéia de fazer o vestibular ficava cada vez mais para depois (eu trabalhava ànoite). Entrei num dilema, quando saí do emprego: quando eu tinha tempo para estudar, nãotinha dinheiro para pagar um cursinho, e quando tinha dinheiro, faltava tempo. Finalmente,em 2002, consegui conciliar a pouca renda e os estudos graças a um cursinho bem mais emconta, que chegou em minha cidade (patrocinado por candidatos a cargos políticos). Naépoca, estava desempregada e minha renda era a pensão que meu pai pagava.

Meu primeiro vestibular foi um desastre! Para começar, apaixonei-me e não conseguiame dedicar por completo aos estudos. Não pensem que não estudava. Eu estudava pouco, masnão parava. No primeiro vestibular, a gente sempre pensa que Deus vai ajudar, que a sorte vaiestar do nosso lado e que vai dar tudo certo no final, mas nem sempre é assim. E, em meu caso,não foi. Quando dei de cara com a prova, percebi que teria que ter muita sorte para passar deprimeira, e infelizmente, não foi assim. O sonho de “Letras” ficou para o ano seguinte.

Em março de 2003, lá estava Janaina se preparando para o vestibular outra vez.Dessa vez, estudei muito mesmo. Não havia lugar em que alguém me encontrasse sem um

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livro na mão. Desde 2002, meu ideal havia mudado: já não queria mais ensinar línguainglesa, porque estava deslumbrada com o fantástico mundo da literatura, e perdidamenteapaixonada por José Lins do Rego, Jorge Amado e Graciliano Ramos. Esta foi minhasegunda e pior reprovação no vestibular, e dessa vez, a coisa foi séria, pois menos de meioponto afastou-me da UFPE.

Depois do resultado da segunda fase, entrei numa tristeza sem fim. Perdi o ânimo e ogosto por tudo. Já não saía com meus amigos e nada mais me interessava. Comecei a pensarque era o último dos seres humanos e que, talvez, meu destino não fosse a UFPE. Em uma coisaestava certa: aquela Universidade não me teria como aluna nunca. Depois de muito sofrimentopor causa dessa grande decepção, minha vida fugiu do controle e quase desisti de estudar parasempre. Só que a aprovação no vestibular virou uma questão de honra para mim!

Em meados de maio de 2004, comecei a me recuperar e voltei aos livros. Tornou-se umfato raro me encontrarem em festas, praias ou qualquer outro tipo de diversão que não fosseuma roda de amigos falando sobre a bomba de Hiroshima, a invasão holandesa, a chuvaácida, o tecido epitelial ou sobre Machado de Assis. Minha dedicação era absurda, fazia detudo para aproveitar o tempo: dormia tarde, acordava cedo, não saía (salvo raríssimasexceções), não namorava, e de vez em quando, tinha crises de choro, porque me sentiacansada e achava que o que estudava não era o suficiente. Enfim, não vivia. Finalmente,chegou o vestibular 2005, e adivinhem? Não passei! Ao contrário do que possam pensar,dessa vez não doeu nada. Já estava indiferente a toda e qualquer dor relacionada a isso.Mantinha a convicção de que, no ano seguinte, eu faria vestibular outra vez. Um diaconseguiria, disso tinha certeza.

Vocês devem ter pensado: por que ela não fez o PROUNI? Eu fiz e ganhei uma bolsaintegral pra fazer o curso de Publicidade. Lembrem-se: esse não era o meu objetivo. Assim,2004 se foi e veio 2005. Se conseguirem adivinhar o que fiz logo após o Carnaval, possoafirmar que já me conhecem bem.

Neste ano de 2005, tudo foi diferente. Meu lema foi: “ARRASE NAS PROVAS DEHUMANAS E LIVRE-SE DAS EXATAS!”. Bem, com Física, Química e Matemática nãotinha jeito... era na base do chute, pois, como vocês sabem, duas delas só vi uma vez naescola e no cursinho. Tive aversão às três. Com a Biologia era diferente, porque a achavamuito interessante. Eu já não estudava literatura, para quê? E o restante das matérias tiravade letra, exceto uma: História. Lembrar de todos os seus detalhes era complicado, mas ela éextremamente prazerosa, quando estudada com amor. Num dia, você acorda no meio daRevolução Russa, e no outro, na Itália Renascentista. Passa o fim de semana com gregos evolta para casa com a Princesa Isabel. É fantástico!

Como afirmei, esse ano foi diferente e eu deixei de ficar em casa o tempo todo. Passeia ir com freqüência para Olinda, dançar afoxé e samba no Alto da Sé. Lá, conheci muitosuniversitários de diversas instituições, mas foi o grupo de um lugar muito especial que mechamou a atenção. Manterei, ainda por instantes, o suspense sobre esse lugar.

O ano foi passando e chegou a hora da inscrição no vestibular 2006. Eu queria distânciado curso de Letras e da UFPE. E agora, fazer o quê? Devo adiantar que minha escolha foiuma das melhores coisas que já fiz na vida. Pois é, finalmente passei no vestibular! A cadadia que passa, eu me apaixono mais por meu curso, pelos professores, por meus novosamigos e até mesmo pelos três ônibus que pego todo dia para chegar à minha segunda casa.Cheguei à conclusão de que Letras não era mesmo para mim.

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Hoje, estou aqui, em uma das salas de minha nova casa, escrevendo a história daminha vida escolar, que começou lá em Igarassu, e agora, está em Recife. Lembrando daEscola Dalila de Melo Fonseca, onde aprendi a cantar “Aquarela”, de Toquinho, e o HinoNacional, em 1987 ou 1988. Lembrando dos amigos que conquistei nas escolas onde estudei.Estou aqui, numa cadeira de minha segunda casa, lembrando do quanto eu chorei, quandofui reprovada em um desses vestibulares e vi aquele comercial de TV que dizia: “Eu soubrasileiro e não desisto nunca!”. Eu não desisti.

Hoje, graças aos grandes homens e mulheres que encontrei em minha nova casa, vejoque o futuro se mostra com mais possibilidades e novos sonhos para realizar. Um dia, queroser como eles, grandes mestres e doutores.

Aqui, eu começo uma nova caminhada!Eu sou Janaina Silva de Santana, tenho vinte e seis anos e sou estudante do curso de

Licenciatura em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

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Luz, quero luz,Sei que além das cortinasSão palcos azuisE infinitas cortinasCom palcos atrásArranca, vidaEstufa, veiaE pulsa, pulsa, pulsaPulsa, pulsa maisMais, quero maisNem que todos os barcosRecolham ao caisQue os faróis da costeiraMe lancem sinaisArranca, vidaEstufa, velaMe leva, leva longeLonge, leva mais...

Vida, Chico Buarque

Eu não sabia. Eu já sabia, porém, o que não queria ser: professora - apesar de tercrescido vendo minha mãe e minha irmã tornando-se e sendo professoras, respectivamente.Não conseguia ter interesse no que via: montes de trabalhos e de provas corrigidos porminha mãe, durante boa parte de minha infância, o que a deixava sem tempo para mim.Confesso que não sei explicar o que me levou a escolher não ser professora. Sempre cresciouvindo meus pais dizendo que estudar para ser professora era a saída; talvez fosse a saída,para eles, porque minha mãe é professora e esta profissão proporcionou muitos sucessos atodos. Como filha dessa professora, aprendi que qualquer coisa que eu quisesse ser quandocrescesse, só conseguiria por meio dos estudos. Entre outras coisas, aprendi com a minhamãe que, mesmo vivendo numa sociedade patriarcal como esta, uma mulher pode sonhar eser, tudo o que quiser.

Aracelli Gomes da Silva*

Graduanda em Ciências Sociais.

O que ser quando eu crescer...

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Quando eu terminei a 8ª série, o cerco já se fechava contra mim, porque, afinal de contas,eu estava perto do vestibular. Eu adorava desenhar casas; ficava horas inventando modelos decasas. Com o passar do tempo, desenhar casas foi-se tornando algo muito relaxante e divertido.Então, decidi: vou estudar Arquitetura. Essa vontade de ser arquiteta perdurou durante todo omeu curso do Ensino Médio. Quando eu terminei o terceiro ano, confesso que o sonho de serarquiteta ainda estava aqui dentro, mas minha realidade não permitia que eu, com sucesso,tentasse o vestibular para Arquitetura. Eu morava no interior e lá não tinha Faculdade; paraque eu pudesse estudar, teria que me deslocar para a capital, Recife.

No colégio municipal em que estudei durante todo o Ensino Médio, principalmenteno último ano, não se via nenhuma preocupação por parte da direção em orientar os alunosa prestarem vestibular. Entre cursar Magistério e Contabilidade, já sabem a minha escolha?Contabilidade, eu tinha certeza, não queria ser professora. Creio que aprendi com a posturada direção a esquecer de ser arquiteta. Quando eu terminei o Ensino Médio, vagamente melembrava da Arquitetura.

Aceitei a sugestão de minha mãe, fui estudar Administração, numa faculdade particularque ficava na cidade vizinha a minha. Cursei até o terceiro ano. E mesmo já na faculdade, euainda não sabia o que queria ser quando crescesse. Durante todo o tempo, eu estudavaapenas para passar, não tinha consciência da importância do que é ter conhecimento. Queriaterminar meu curso e trabalhar. Eu vivia angustiada, porque, afinal de contas, uma mulherpode sonhar e ser o que quiser, no entanto, eu não tinha o que sonhar, não sabia o que sonhar,e o que seria quando crescesse.

De repente, joguei a Administração para o alto e resolvi prestar vestibular novamente;a escolha do curso ficou para o final. Eu decidi que tinha que, de uma vez por todas,escolher o que ser quando crescesse, e o fiz. Eu consegui vir a Recife para estudar. E, ao finaldo primeiro ano de pré-vestibular, eu já sabia o curso que estudaria. Na primeira tentativa,eu não consegui passar. Sabe como é: estudante de origem popular, vinda do interior. Mesmonão passando no primeiro vestibular, é sonho conseguir passar em uma universidade pública.

Eu resolvi começar estudando Ciências Sociais; entrei na Universidade super curiosa,com um certo receio do novo, da responsabilidade que assumi. Saibam todos que, agora, eujá sabia o que queria ser quando eu crescesse. Que felicidade, eu já tinha o que sonhar!

Acho que ter demorado dois anos para passar no vestibular foi essencial para que eupudesse desfrutar da felicidade que é estudar na Universidade Federal Rural de Pernambuco- UFRPE -, pois, quando fiz vestibular pela primeira vez, eu tentei em uma outra Universidade.Vim parar na UFRPE, porque o curso é noturno. Aqui, de fato, eu fui saber o que eu queriaser quando crescesse. Eu quero ser socióloga, e discordando do que já tenho afirmado,quero ser também uma professora.

Eu quero, sim, ser professora. Ver minha mãe e minha irmã sendo professoras me influenciou,sim, a querer ser professora. Só fui ter certeza disso, depois que conheci a Sociologia.

Fazer parte do Conexões de Saberes, para mim, é estar presente em um mundo mágico;aquele mundo com o qual sempre sonhei participar, quando ainda era estudante do pré-vestibular. Não posso deixar de expressar minha felicidade de estar presente nessePrograma, assim como, a influência dele recebida, tanto em minha disposição em serprofessora, como em minha vida de socióloga. O Programa mostrou-me diversas maneirasde trabalhar com a Sociologia para que a sociedade se torne mais sensível à presença do

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outro. Hoje, eu sei que foi preciso eu conhecer a Sociologia para entender que precisoensinar pedagogicamente o que é ser um indivíduo, qual o seu poder de transformaçãodentro dessa rede que é a sociedade.

Tentar ensinar que a vida cotidiana é a materialização do que a gente é ou será quandocrescer e que a construção da vida do ser humano é tão bonita, e é ela que contribuiintimamente com todas as mudanças sociais capazes de sustentar os sonhos dos indivíduos.

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Bárbara Tatiane da Silva Vilela*

Em 1988 iniciou-se minha vida escolar, com apenas dois anos de idade freqüenteipela primeira vez uma sala de aula. Cursei em escola particular do Jardim I a 5ª série doensino fundamental, sempre na mesma instituição, o Colégio Menino Jesus. Eu adorava aidéia de iniciar um ano letivo na mesma escola, já que havia criado um vínculo afetivomuito forte com os alunos, os professores e os demais funcionários.

Porém, após concluir a 5ª série recebi a triste notícia de que deixaria de estudar nocolégio que tanto gostava para começar a freqüentar uma escola da rede pública, pois aminha mãe não possuía mais condições de pagar o colégio. Então, iniciei a 6ª série naescola João Barbalho, que fica localizada no centro da cidade do recife.

Ao chegar à escola, tive que me adaptar a esta nova realidade: matérias que deveriamser ministradas, mas não havia professores para isto, professores que não lecionavam comvontade e faltavam bastante, material didático em péssimas condições de uso, falta delimpeza da escola, e principalmente o desnível intelectual entre os alunos.

Fiquei decepcionada, mas nunca senti vontade de desistir, pois já sabia onde queria chegar.Eu enfrentaria todas as dificuldades para ser alguém na vida e obter um futuro digno e honesto.

Após concluir o ensino fundamental, consegui se aprovada na seleção para estudar noLiceu de Artes e Ofícios, uma instituição gratuita que possuía melhores condições de ensinoque minha antiga escola. Cursei todo o ensino médio nesta instituição e mesmo sendo melhordo que a escola onde cursei o ensino fundamental eu sabia que enfrentaria bastantesdificuldades para conseguir uma vaga nas universidades federais, mesmo assim eu não desisti.

Em 2003, concluí o ensino médio, mas só consegui entrar em uma universidade gratuita em2006 após duas tentativas. Por não ter condições de arcar com os custos das universidades particulareseu passei por dois anos de cursinho pré-vestibular a fim de diminuir a diferença de conhecimentosentre uma aluna oriunda de escola pública para os demais alunos de escola particular.

Hoje, me considero uma vencedora, lutei pelo que quis e entre lágrimas e sorrisosalcancei meu espaço na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Agora, sei dos novosdesafios que encararei para concluir o curso de bacharelado em ciências biológicas, peloqual sou apaixonada.

Entretanto, projetos de afirmação como o Conexões de Saberes estão sendoimplementados para auxiliarem alunos como eu, vencedores que lutam pelos seus sonhos ehoje estão nas universidades federais pelo Brasil. Depois de todo este percurso, olho paratrás e penso: Desistir? Jamais!

Desistir? Jamais!

Graduanda em Biologia.

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Carlos André da Silva Mendes*

A trajetória da vida escolar não é fácil. E chegar até aqui, também não foi diferente.Porém, durante esse percurso muitas coisas aconteceram e tentar explicá-las, é sem dúvida,não esquecer as motivações geradas pela família, pela comunidade escolar, pelos professores,e por todo o processo que envolve a formação acadêmica dos indivíduos.

A vida está em constante mutação, requer a cada minuto uma nova atitude, um novogesto, um novo caminho a ser trilhado. Já imaginou um jogo em que as regras mudam a cadainstante e o principal objetivo seja manter-se na jogada? Pois é assim que tenho me sentidoao longo de todo este período como estudante.

Aluno da cidade de Limoeiro, interior da zona da mata do Estado de Pernambuco,durante toda minha vida, tive restrições em relação às condições financeiras. Meus pais sãode origem humilde. Ele, “José Mendes da Silva”, era vigilante e ela, Maria de Lourdes daSilva Mendes”, costureira, e sua única preocupação era a de não ter uma herança paradeixar, mas com muita sabedoria, ensinaram-me a necessidade de olhar para o outro,percebendo a difícil tarefa de dividir aquilo que já é pouco. Dividir esse “quase nada” éregra mais que necessária para continuar jogando.

E foram gestos como esses que me fizeram ser notado. Humildade leva à solidariedadee foi então que, mesmo sem as devidas condições, o filho de simples profissionais, ganhou,aos nove anos de idade, a oportunidade de estudar, com bolsa, em uma escola particularconsiderada, por muitos, como uma boa escola. Mas os mundos eram diferentes demais.Sem tantas “metáforas”, dizendo de forma nua e crua, considero que não tive as condiçõesnecessárias para viver como toda e qualquer criança sua escolaridade. Estudar gratuitamente,sabendo da generosidade das pessoas a seu redor, não é uma das melhores condições, mas sepercebermos bem, é mais um aprendizado. Meus colegas não precisavam, mas para mim,trabalhar e estudar ao mesmo tempo durante o ensino fundamental foi mais que preciso.

“Mas como pode esse garoto estar estudando aqui? É o filho do vigilante”, algunscolegas meus questionavam. Estudar com filhos de gente de posse foi difícil, pois,preconceito dói, mas ao mesmo tempo desafia, gera força, clama por justiça.

E lá fui eu trabalhar. A renda da família não dava conta dos cadernos, dos materiais,das condições básicas para os estudos. Vender pipoca não era bem o que eu queria, mas foiaos dez anos de idade o que a vida, em sua nova regra, reservou-me, e humildemente,adaptei-me a essa situação. Durante muito tempo trabalhei para poder estudar; com muitoorgulho, diga-se de passagem.

Escola e vida – exercício de perseverançae aprendizado

Graduando em Química.

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Era preciso buscar a tábua de salvação. Ir para a escola pública representaria o fato deme livrar do preconceito. Isso porque aprendi que generosidade e pena não eram atitudessuficientes para me livrar do estigma de ser conhecido entre os meus colegas como o filhodos pobres. Foi na Escola Pública que descobri a necessidade de continuar trabalhando, eassim, permaneci até a conclusão do ensino básico e do ensino médio.

Greves, faltas, economias, minha nossa! As restrições econômicas. Tudo era tão difícil dedecidir: uma sandália ou um caderno? A comida ou os livros? O sonho ou o fato de enfrentara realidade pela busca de uma vida melhor através da educação? Meus pais sempre deramimportância aos estudos. E foi isso que me estimulou a continuar estudando cada vez mais.

Veio a oportunidade de um vestibular conseguido com o auxílio da própria Universidade,que dava a oportunidade de fazer gratuitamente suas provas. Dei graças por isso, senão nãoteria realizado a seleção. Foi a primeira vez na vida que tive a oportunidade de ver que nãoestava sozinho. Quantos alunos, quantas histórias diferentes, talvez inseridas em um mesmocontexto, porém, cada uma com sua particularidade. Foi o que eu chamei de “a reunião dosfilhos dos pobres”, e eu estava lá. A essa altura já morávamos, na capital, Recife, e sentia ador da ausência de um ente querido. Eu havia me transformado no filho da costureira, poismeu pai morrera de câncer.

Aos dezenove anos, trabalhar e me desgastar, ser homem antes do tempo foi necessário.Compreendi que o treinamento como vendedor de pipocas na infância foi muito útil nahora em que minha família mais precisou. Nossa casa, nossa vida não era mais a mesma,porque as regras do jogo haviam mudado novamente; morávamos em um pequeno espaçoe era nele que descansava após anos levantando, muitas vezes, antes do sol nascer,trabalhando até mesmo depois dele se pôr e estudando até meu corpo tombar em umcolchão no cantinho de um quarto, ao qual eu e minha família chamávamos de “nossacasa”. O vigilante fazia tanta falta! Queria que ele tivesse visto o dia em que o “filho dospobres” tinha conseguido passar no vestibular. Seria químico, seria professor, como ovigilante e a costureira tanto queriam.

Imaginava que agora seria possível seguir em frente, seguir em paz. Seria possívelprosseguir. Era a hora de voar, voar cada vez mais alto, pois chegara a minha oportunidade.Mas minha nossa, a vida sempre muda as regras, e quando menos esperava, o desejo decontinuar a viver meus sonhos quase sucumbiu. Apesar de cansado, as regras do jogo nãosão passíveis de escolha, elas nos são impostas, cabendo a nós o poder de adaptação. Do diapara a noite me vi acometido de uma doença degenerativa. O “filho dos pobres” ironicamenteiria voar, não como havia desejado, mas para fora do Estado, iniciando um urgente, dolorosoe necessário tratamento - longe da Universidade, longe de meu sonho, longe de meu curso.E doeu muito quando o médico me falou: “seu problema é de origem desconhecida, fiquelonge de produtos químicos”.

Ironia?! Que regra difícil de ser cumprida, mas necessária de ser vivida. E continuei!E lutei, lutei para viver! Por mais de uma vez a adversidade me serviu de estímulo, poisviver era mais que uma obrigação. Viver se tornou a possibilidade de lutar para a realizaçãode um sonho do qual eu não desistiria: estudar numa universidade federal. Estou emtratamento clínico aguardando um transplante de medula óssea não aparentado, pois osmeus familiares não são compatíveis. Mesmo com restrições, voltei a estudar o curso deQuímica na UFRPE.

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Assim, estou aqui, agradecendo a oportunidade de lhes contar o quanto é possívelcaminhar, o quanto essa vida muda, o quanto os sonhos nos alimentam, mas muito maisimportante que isso é dizer que há uma força maior que nos move a buscar o conhecimentoe realizar trocas. Sonhos se fazem no coletivo, mas a concretização deles se faz também noindividual, com muita força de vontade, e pela simples necessidade de resgatar muitos“filhos de pobres” que existem espalhados por aí; aqueles que assim como eu precisam eterão a oportunidade de viver, mas principalmente de continuar jogando até obterem aquiloque hoje eu chamo de minha vitória.

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Cintia Maria da Silva*

Meus pais, Luciano Maurício e Eliane Maria, ambos nordestinos, se conheceram emuma viagem de ônibus com destino à cidade de São Paulo. Eles estavam retornando dasférias que passaram com a família em Pernambuco. Ao chegar em São Paulo, eles continuaramo namoro por carta, pois a minha mãe residia na capital e o meu pai em Cosmópolis, cercade 99 km de distância. Após um mês, entre cartas e encontros, minha mãe engravidou e meuspais casaram-se.

Nasci em São Paulo, capital, na maternidade do Braz, no ano de 1983. Minha mãe foiquem escolheu o meu nome, Cintia Maria da Silva.

Cheguei ao Recife ainda pequena, antes de completar dois anos de idade. Cresci emum dos bairros do Recife, Vasco da Gama, próximo ao de Casa Amarela, onde estudei partedo ensino fundamental. Iniciei meus estudos no Serviço Social da Indústria - SESI. Lá,cursei o Jardim I e II, no ano de 1986 a 1987. Isso só foi possível por causa de um convênio.

No início, para que eu pudesse chegar até o SESI, minha mãe necessitava da ajuda dosvizinhos, parentes e amigos, pois ela já se encontrava grávida, da minha “segunda” irmã, aLuciane, e não agüentava mais subir e descer duas vezes por dia as ladeiras do bairro. Narealidade, ela é a minha terceira irmã, a segunda, Cristiane, faleceu após 24 horas, no ano de1984, na cidade de São Paulo, devido a uma desnutrição e a falta de cuidados médicos.

Do pré-escolar à 2ª série do ensino fundamental, tive que estudar na escola MunicipalOtávio de Meira Lins, pois o convênio entre a transportadora, em que meu pai trabalhava eo SESI havia encerrado. Dessa escola municipal tenho ótimas recordações. Lembro dadedicação da professora Faraílde da 1ª série, do arroz com verduras e do macarrão comalmôndegas servidos na hora da merenda, e das amizades conquistadas que perduram atéhoje. Infelizmente, por causa das preocupações da minha mãe com a violência no local, tiveque ser transferida para a Escola Padre Nércio Rodrigues, situada no bairro de Linha doTiro. Que contradição! Na “Linha do Tiro”.

Lembro-me que nessa escola as professoras das disciplinas Português, Estudos Sociais,Matemática e Ciências, Severina e Lidinei, tiveram a preocupação em preparar a turma paraenfrentar as mudanças de carga horária e matérias que brevemente iram ocorrer quandoingressássemos na 5ª série. Graças a Deus, me adaptei sem dificuldades ao revezamento dehorários e matérias proposto pelas professoras.

Em 1993, com apenas 10 anos, eu fui estudar na Escola Cura D’Ares (Osca), no bairro deBeberibe, pois na escola anterior só havia 5ª série no turno da noite. Foi a professora Lidinei

História de uma longa caminhada

Graduanda em História.

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que indicou essa escola a minha mãe. Esta lutou muito para conseguir uma vaga para mim,pois na época o Osca, como também é chamada, tinha um excelente nível de ensino.

Modéstia à parte, sempre fui uma aluna muito dedicada. Passava de uma série paraoutra com excelentes notas e com pouquíssimas ou quase nenhuma falta. Era adiantada emum ano em relação à idade de série que cursava. Porém, problemas com a minha visão,miopia, a troca da professora de matemática e as dificuldades de aprendizagem nessa matériafizeram com que eu viesse a reprovar a 6ª série. Isso foi terrível para mim! Mas superei a fase.Penso que essa reprovação não foi por acaso.

Foi na 6ª série, no ano de 1995, que conheci o professor Ricardo. Ele me ensinoutemporariamente no Osca a disciplina de História. A sua passagem pela minha vida realmentefez a diferença. Seu método pedagógico totalmente diferente do Behaviorista, com o qualeu e a turma estávamos acostumados, modificou a forma como eu compreendia a História.Por esse motivo é que eu passava as noites estudando a matéria, pois sabia que o professornão pediria datas, nem tão pouco nomes decorados em sua prova, mas sim, a nossa opiniãosobre os textos lidos.

De toda a turma eu fui a primeira a tirar dez em sua matéria. Esse fato, além de medeixar muito feliz, me motivou a comprar o meu primeiro livro de história, solicitado peloprofessor, na 7ª série - “História Integrada”, de Cláudio Vicentino. Insisti muito para quemeu pai o comprasse. A argumentação foi: “Nunca possuí um livro nesses 13 anos de vida!”.No ano de 1997, estava concluindo a 8ª série, satisfeita, pois o ensino público que tive noCura D’Ares, em relação às outras escolas públicas, foi de excelente qualidade.

Parti do Osca para o curso de Edificações da Escola Técnica Professor AgamenonMagalhães - ETEPAM, localizada no bairro do Espinheiro, no Recife. Graças às boas notasque obtive, no ensino fundamental, fui aprovada no teste de seleção da ETEPAM. Alémdesse, passei também no teste para ingressar no curso de Patologia da Escola Soares Dutra,situada em Santo Amaro. Sim, mas o que estudaria em Patologia ou Edificações?

Difícil responder quando se tem 14 anos. Optei pelo curso da ETEPAM devido àlocalização da escola e também porque não me agradei do curso de Patologia, porqueestava ligado à área de saúde. Ano de 1998. Ano de Copa do Mundo, do filme “Titanic”e de muitas revoluções em minha vida.

Foi na ETEPAM que adquiri amizades sólidas, o primeiro namorado, e dei os primeirospassos em direção à responsabilidade. Paralela à vida escolar, mantive-me em outrasatividades, como na Catequese da Capela Imaculado Coração de Maria, de Linha do Tiro.Foi nessa capela que iniciei a minha caminha religiosa como catequista, após crismar-meem 1998. A catequese foi um passo muito importante em minha vida. Como catequistaensinei e aprendi muito por meio das formações religiosas que recebi. Além disso, passei aconhecer de perto a dura realidade das comunidades adjacentes ao meu bairro, por causadas reuniões mensais da capela da qual eu participava.

Da catequese, parti para o Movimento Eucarístico Jovem - MEJ, pertencente à ParóquiaNossa Senhora da Conceição, em Beberibe. Foi a minha experiência como catequista queme ajudou bastante a coordenar um dos grupos do MEJ, Liturgia e Acolhida. Esse ambientereligioso fez-me crescer muito espiritualmente e como pessoa. Foi graças a Deus e a esseamadurecimento que tive forças para enfrentar os problemas que começaram a surgir emmeu lar, a separação de meus pais.

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62 Caminhadas de universitários de origem popular

Ainda estava no MEJ e estudando na ETEPAM quando os conflitos agravaram-se emminha casa. As cobranças, por parte do meu pai, para que eu trabalhasse, começaram a surgir.Passei então a dar aulas de reforço para diminuir as despesas em casa, mas não era o suficiente.“São passagens, cursos, xérox, custos e mais custos e um emprego que é bom, nada!”, assimfalava o meu pai. Todavia, o que não sabíamos é que ele sustentava outra família, e por essemotivo, as despesas, para ele, eram sempre altas. Nessa época, pela primeira vez, senti medoem minha vida. Meus pais vão se separar? Como viveremos nós, minha mãe, irmã e eu?

Em 2001, com 18 anos, estava cursando o último ano, técnico, na ETEPAM. Foi nesseano que, depois de quatro testes e de quatro meses de espera, comecei a estagiar na área deedificações na Prefeitura da Cidade do Recife.

Esse foi um ano de muitas conquistas, porém, de muitas tristezas. Os conflitos que eramapenas verbais entre meus pais, passaram a ser físicos também. Minha irmã, Luciane, e eu, emcerto momento, acabamos nos envolvendo em um deles. Chegou o fim do ano e meu pai saiuda nossa casa, acabei não assistindo à cena, pois estava no estágio. Da família só restavam nóstrês, minha mãe sem trabalhar há 16 anos, minha irmã, com idade insuficiente para trabalhar eeu, com apenas um estágio remunerado de R$ 180 reais para sustentar a família.

Ainda no ano de 2001, eu havia feito planos para custear um cursinho no ano seguinte.Graças a Deus, pensei a tempo e juntei algumas economias.

Ano de 2002. Concluí o meu curso de Edificações e permaneci no estágio, que passoua ser curricular e se estendeu até o mês de dezembro daquele ano. Nessa época, para nós nosmantermos, recebíamos a ajuda de alguns amigos da igreja e familiares que nos forneciamcestas básicas. Além disso, minha mãe começou a fazer alguns serviços de limpeza paraganhar alguns trocados.

Mesmo diante de todas as dificuldades, nesse ano, encontrei um cursinho em conta ecom as minhas economias o custeei. Devido aos aumentos, só deu para pagá-lo até o mês desetembro, contudo, pelo fato de manter os pagamentos sempre em dia, cursei o mês deoutubro de graça.

Chegou o vestibular, passei na primeira fase, para o curso de Licenciatura em História, naUniversidade Federal Rural de Pernambuco, porém, na segunda fase, não obtive o mesmo êxito.

Ano de 2003, o abalo emocional era maior do que o financeiro em minha vida. Mascomo diz a canção: “Quem acredita sempre alcança”, eu acreditei nas mudanças.

Pela graça de Deus, o meu estágio foi aprovado mais uma vez até dezembro. Comonesse ano não havia mais nenhuma economia, minha amiga de fé, de escola e de estágio,Rosimary Costa, sabendo da minha situação, indicou-me o cursinho Pré-vestibular Portal,na época, recém-criado pelos alunos de medicina da Universidade Federal de Pernambuco- UFPE. Nós fizemos todos os testes, e no final, apenas eu fui aprovada. O curso era à noite,na Cidade Universitária, no Centro de Ciências da Saúde da UFPE. Isso significava paramim um local longe e perigoso. Aceitei o desafio, pois sem dinheiro, livros e bagagem, nãohavia outra opção. Nesse ano, tive que me afastar um pouco das atividades religiosas quevinha desenvolvendo no MEJ, para me dedicar mais aos estudos, já que meu objetivo erachegar à Universidade Pública.

Novo ambiente, novos amigos, muito incentivo e fé na vitória. Preparei-me muito aolongo do ano, estava realmente confiante que iria garantir uma vaga na Universidade FederalRural de Pernambuco - UFRPE.

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O problema financeiro persistia, mas Maria Santíssima, com sua intercessão, e Deus,com suas palavras confortantes, sempre me pediam paciência:

“Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, permanece firmena justiça e no temor, e prepara a tua alma para a provação:humilha o teu coração e espera com paciência, dá ouvidos eacolhe as palavras de sabedoria; não te perturbes no tempo dainfelicidade, sofre as demoras de Deus; dedica-te a Deus, esperacom paciência, a fim de que no derradeiro momento tua vida seenriqueça. Aceita tudo o que te acontecer. Na dor, permanecefirme; na humilhação tem paciência”.

Eclesiástico 2, 1 – 4

Estudei muito, fiquei entre as 80 vagas na primeira fase do vestibular, novamente parao curso de História, porém, não fui aprovada. Isso me desestimulou bastante. Contudo, osalunos de medicina, que lecionaram como professores no cursinho, me incentivaram a fazernovamente o teste de seleção do Portal. Fui aprovada. A luta começou outra vez.

Iniciei o ano de 2004 sem estágio e sem esperança de ser aprovada no vestibular. Noentanto, os alunos-professores do Portal tentaram me estimular, bem como, a turma docursinho, com essa canção: “Veja, não diga que a vitória está perdida, tenha fé em Deus,tenha fé na vida. Tente outra vez!”, dos compositores Raul Seixas, Paulo Coelho e MarceloMotta. O meu sonho foi sendo reconstruído aos poucos mais uma vez.

Ao longo do ano fui chamada para trabalhar na Prefeitura da Cidade do Recife-PCR,no local onde estagiei pela primeira vez. Além disso, minha mãe conseguiu um trabalhocomo empregada doméstica. Enfim, a situação financeira começou a melhorar.

Depois de muitas batalhas travadas ao longo do ano de 2004, chegou o dia de umabatalha final, o terceiro vestibular. Fui muito confiante fazer a primeira fase. Recordei detodas as minhas dificuldades e das pessoas que estavam orando e acreditando em minhavitória. Consegui ser aprovada em 33ª colocação das 80 vagas. Permaneci com a mesma fée confiança na segunda fase. Fiz a prova no CEGOE, prédio localizado na UFPE. Nesse diaeu tive a plena certeza da minha aprovação.

No dia em que saiu o listão, pedi permissão na PCR para ir até a COVEST ver o resultado.Fui com minha amiga Chaleny que tentou o vestibular para o curso de administração.Nos separamos no local. Achei a lista de História, porém, estava tão nervosa que não conseguienxergar o meu nome. Não pude crer, pois eu tinha a certeza que eu havia sido aprovada.Voltei e olhei novamente o listão. E lá achei o meu nome: CINTIA MARIA DA SILVA -APROVADA NA 34ª COLOCAÇÃO.

Fiquei muito feliz. Porém, uma felicidade incompleta. Primeiro, porque meus amigos,que lutaram tanto comigo ao longo do ano, não conseguiram a aprovação. E segundo,porque o meu pai não estava lá para ver a minha vitória: vitória no vestibular, vitóriaemocional, espiritual, financeira, enfim, na vida.

Sofri as demoras de Deus e esperei com paciência. Planejei para o ano de 2005 umnovo emprego, minha primeira Habilitação, uma especialização em Edificações, ensinar noPortal como voluntária, e a primeira aula na Universidade Federal Rural de Pernambuco.Enfim, tudo se concretizou.

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“Espera no Senhor, mesmo quando a vida pedir de ti mais do quepodes dar e o cansaço já fizer teu passo vacilar. Espera no Senhor,mesmo se a solidão teu peito machucar e te der vontade de irembora e tudo abandonar. Espera no Senhor! Há um Deus que teama, Ele tudo pode transformar, Seu amor te sustentará esperaNele e Ele tudo fará. [...] Espera no Senhor, mesmo que as suaspromessas demorem a se cumprir e a vontade Dele seja sacrifíciopara ti. Espera no Senhor!”

Eliana Ribeiro – CD Espera no Senhor

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Cláudia Ferreira Alexandre Gomes*

Comecei estudar muito cedo com a ajuda de uma tia e nos primeiros anos escolares(em escola pública), eu já sabia ler e escrever, sempre fui uma criança muito esforçada. Paradesenvolver as tarefas de casa passadas pela a escola, sempre tive facilidades e quandosurgia alguma dúvida, eu às tirava com minha tia.

Minha mãe sempre trabalhou, e portanto, não tinha tempo para me ajudar nas lições,e outro fator também a impedia, ela só havia feito o ensino fundamental 1 e portanto tinhadificuldades para me auxiliar nas lições.

Devido a fatores financeiros nunca tive acesso ao ensino particular, mesmo sendo esseum dos sonhos, tanto de minha mãe, como meu, pois ele poderia me oferecer melhorescondições de ensino e aprendizagem.

Minhas melhores notas eram voltadas para as disciplinas da área de humanas, assim,eu me desenvolvia com o sonho de tornar-me advogada.

Com o tempo este sonho ia ficando longe e eu me dava contas das dificuldades que mecercavam sempre, das privações e escolhas sempre presentes, das desigualdades e competiçõesdesleais e assim meu sonho ficava cada vez mais distante. Mesmo assim, eu persistia com osestudos, com a idéia fixa de poder um dia retribuir todo o esforço e dedicação que minhamãe me ofertava.

Já no Ensino Médio, eu senti uma mudança de identificação por determinadas áreas,antes eram as disciplinas de humanas, agora eu me envolvia mais e mais pelas de Exatas.Sentindo tanta objetividade nesta área, minha admiração crescia ainda mais, e no mesmoritmo minhas notas em física, matemática e química.

No 3o ano resolvi tentar vestibular para Engenharia Eletrônica na UFPE. O único votode confiança que recebi foi de minha família, pois os demais não acreditavam que eu fossepassar, mesmo sendo muito esforçada, mas eu era aluna de escola pública.

Na hora do vestibular eu senti na pele as deficiências do ensino público que haviarecebido e como resultado: não consegui ser aprovada.

No ano seguinte, tentei buscar um curso que não houvesse tantos cálculos e que aconcorrência fosse razoável. Optei então por Ciências Contábeis, também na UFPE, e maisuma vez não fui aprovada.

Eu já estava tão desmotivada, mas o fato de ter a meta de ajudar minha família me fezrelutar. Fiz uns testes para o cursinho preparatório do PREVUPE e fui aprovada. Passeientão a assistir aulas no sábado e no domingo.

Graduanda em Economia Doméstica.

O Conexões de Saberes facilitando minhapermanência estudantil

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Estando eu sem muitas perspectivas de aprovação e o medo de reprovar mais umavez, pesquisei um curso que a concorrência fosse mínima e a nota também, e dessa vezseria um curso da UFRPE. Daí então, escolhi Economia Doméstica e para minha satisfaçãofui aprovada.

Ingressando na Universidade minhas maiores dificuldades eram de custear meus gastos,porque minha família possui uma renda baixa e eu não trabalho.

Surge então o Programa do Conexões de Saberes, que oferece bolsa para alunos deescola pública desenvolverem oficinas em escolas. Mas eu não fui selecionada no primeiromomento, fiquei no remanejamento e depois me chamaram, para minha sorte.

Fazer parte de um projeto desses me ofereceu outras possibilidades, pois com a bolsapassei a custear meus gastos com passagem, lanches, xérox compra de livros, cursos. Enfim,tive a possibilidade de me capacitar ainda mais, além de viver uma nova experiência realizandooficinas e conhecendo novas pessoas.

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Cláudia Fidélis da Silva*

Meus pais se casaram em plena juventude. Desde o primeiro momento desejaram terum filho, sonhavam com um menino, até que um belo dia a minha mãe engravidou e deu aluz a uma menina a qual chamaram Cláudia. Esta sou eu.

Bem cedo comecei a estudar. Tinha uns quatro anos de idade quando entrei para ojardim da infância. A minha escola ficava no térreo da Associação de Moradores de BrasíliaTeimosa, no Recife, onde concluí todo o ensino fundamental.

Sempre fui uma aluna esforçada, que nunca deu dor de cabeça aos professores, emcompensação, um pouco desligada nas aulas, por ter facilidade com artes, gostava mais dedesenhar do que dos estudos que autrora, para mim, eram muito chatos. Na 1ª série fuiestudar na Escola Municipal Luís de Camões, nesse tempo eu tinha uns sete anos e aindanão sabia ler, alias, cheguei até a 3ª série do fundamental sem saber ou ao menos soletrarcorretamente. Foi a partir do meu mau desempenho na escola que os meus pais passaram ase dar conta do problema real. Eles ficaram furiosos, não imaginavam que “naquela alturada minha vida ainda não sabia ler”, Eles não cobravam muito da minha aprendizagem jáque eu era uma aluna ganhadora de concursos de arte na escola. Levei uma surra. E meu pairesolveu me ensinar da “maneira dele”, tive tanto medo que acabei aprendendo num piscarde olhos.

Depois que descobri a leitura o mundo se abriu pra mim. Passava horas e horas lendoe relendo seja lá o que fosse, e assim, fui aprendendo sobre história, geografia, português esobre sexo, que não se falava dentro de casa. Quando cheguei ao ensino médio, já tinha memudado do Recife para o município de Igarassu, lá, me matriculei no curso técnico decontabilidade da Escola Estadual João Pessoa Guerra. Nesse tempo eu já sonhava em fazerum curso superior, Jornalismo, mas fui esquecendo do sonho, em virtude das minhascondições financeiras e educacionais. A escola vivia sofrendo com greves, falta de recursose professores. Quase não tínhamos aulas. Tudo isso prejudicava o meu rendimento escolar.

Concluí o ensino médio em 1999, aos dezoito anos, ao término decidi parar de estudarpara procurar um emprego. Passei quatro anos a procura de trabalho sem nada conseguir, foientão que resolvi, depois de três anos, voltar a estudar e tentar o ensino superior, dessa vez,eu já sabia o que queria, iria tentar o vestibular para História, o curso que eu me identificavade verdade. Comecei a estudar sem parar. Como não tinha dinheiro para pagar um cursinhopré-vesibular tive que me virar sozinha, passei a visitar a biblioteca do Estado, dasuniversidades e “chatear” todos os meus amigos com pedidos de empréstimos de livros.

De como cheguei onde estou

Graduanda em História.

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Todo o esforço foi válido, pois na segunda tentativa do vestibular da COVEST passei nocurso de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco em 2005. Agora faltava aparte mais difícil: como conseguiria permanecer na universidade morando em Igarassu semestar trabalhando? Fui morar novamente no Recife, dessa vez com o meu namorado parabaratear os custos com passagem e alimentação.

Mesmo assim, não conseguia dar conta das despesas, pois ainda havia os gastos comlivros, xérox, viagens, material escolar, entre outras coisas. Foi então que apareceu o ProgramaConexões de Saberes, em conjunto com a pró-reitoria de extensão, que desenvolve atividadesde extensão universitária, pesquisa e permanência dos alunos de origem popular oriundode escolas públicas.

Participar do projeto Conexões de Saberes foi de grande importância, tanto para aminha vida pessoal, quanto acadêmica, pois tive a oportunidade de continuar estudando,de vivenciar a pesquisa de campo, de participar de capacitações que me ajudaram aperceber o outro, a minha comunidade, a escola pública e seu entorno por um outro olhar.Bem mais positivo.

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Cláudio de Araújo Castro*

Chamo-me Cláudio de Araújo Castro, minha história se iniciou no dia 28 de janeiro de1976, dia, mês e ano em que nasci. Este acontecimento se deu decorrente da bela união demeus pais, o Sr. Manoel Mendes de Castro e a Sra. Eunice Bezerra de Araújo Castro, as pessoasmais importantes da minha vida. Meu nascimento aconteceu na maternidade do bairro daEncruzilhada na cidade de Recife, cidade esta que eu amo, acho linda, porém, nunca morei.Toda a minha vida, até os dias de hoje, morei em Olinda, inicialmente no bairro de JardimBrasil I, posteriormente em Rio Doce até aos 6 anos e de lá pra cá em Ouro Preto.

Minha infância foi maravilhosa mesmo pobre. Meus pais sempre fizeram o possível paranos dá tudo o que queríamos, queríamos porque somos 5 filhos, eu o mais velho e o únicohomem, seguido por quatro mulheres, Jucélia, Vanessa, Flávia e Cláudia. Lembro de muitosmomentos bons, ruins e hilárias de quando criança. Desde pequenininho estudo em escolapública, a primeira delas foi em Rio Doce, o nome não me lembro mais, mas chamavam dePROAP, lá, eu detestava tudo, odiava aquela escola pois a merenda era horrível, todos os diaspão doce com leite quente eu achava péssimo. E o que fazia? Jogava tudo fora às escondidase ficava morrendo de fome. Era muito tímido e isso era motivo de chacota para os demais queapesar de bem mais velhos que eu, me batiam muito. O medo e a timidez eram tão grandes quenunca falei nada em casa, minha mãe só veio perceber que algo estava errado quando comeceia chegar cedo em casa, ou seja, estava fugindo do colégio. Aí ela procurou a direção quepassou junto com os professores a me observar melhor. O problema se agravou quando umgaroto de 14 anos quebrou o meu braço, eu com 5 anos e junto com o problema o trauma daescola. Resultado, o garoto foi expulso e eu transferido para outra escola, onde estes problemasjá não aconteciam mais, porém, o medo insistiu a me perseguir por vários anos.

Alguns outros episódios marcaram a minha infância. Lembrando de coisas boas, logovem meus avós à mente, tanto por parte de pai como por parte de mãe. Dos meus avóspaternos, tenho a maravilhosa lembrança do interior, era lá que eles moravam, masprecisamente em Glória do Goitá. A casa era simplíssima de taipa, luz só de candeeiro e águade rio e açude que transportávamos em cavalos de cangaia. Eram fins de semanasmaravilhosos, meu maior lazer andar a cavalo, soltar pipas gigantes feitas com armação debambu que eu mesmo confeccionava. Mas minha verdadeira paixão no interior era casa defarinha que meu avô tinha e funcionava a todo vapor. Eu passava horas vendo as pessoasfazendo farinha de mandioca, também, não posso deixar de registrar a excelente comidafeita por minha avó em fogão a lenha e panela de barro. Já dos meus avós maternos apesar

Uma história de determinação

Graduando em Engenharia Florestal.

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de também serem do interior as melhores lembranças são em sua residência no bairro deEngenho do Meio onde ocorria o encontro de toda a família no último dia de cada ano.

Os piores momentos da minha infância foi a perda dos meus 4 avós, sofri muito com apartida de cada um deles pois as minhas avós eram também como uma mãe para mim.

Na transição da infância para a adolescência também tenho muitas boas lembranças.Uma delas foi a participação nas bandas marciais das escolas, sempre tive uma queda paraa música e por isso adorava participar tocando instrumentos de percussão como, tarou,atabaque, surdo e surdão. Neste período, também pratiquei muitos esportes como futsal,futebol de campo e karatê, nesta época, também descobri meu lado responsável, íntegro,minha personalidade forte e marcante. Todas as manhãs meu pai levantava as 4:30h paratrabalhar e instintivamente eu também acordava, ficava chateado comigo mesmo por nãoestar trabalhando e ajudando no sustento da família, mas eu só tinha uns 12 ou 13 anos. Euachava que por ser homem tinha que ter essa responsabilidade, e isso foi ótimo na minhaformação como pessoa. Logo comecei a trabalhar, meu primeiro salário lembro como hoje,Cr$ 200,00 por semana que ganhei ajudando em uma marcenaria.

Comecei então a comprar minhas próprias roupas, sapatos e outros objetos, daínunca mais parei.

Aos 18 anos, após ter terminado o 2º grau, conheci uma garota com quem tive os meusfilhos, porém, o relacionamento não deu certo e os problemas de se criar os filhos separadamenteforam inevitáveis. Ergui a cabeça e continuei trabalhando em um desses empregos, meupatrão por tanto me ver estudando nas horas vagas se ofereceu a pagar minha faculdade casopassasse no vestibular, assim aconteceu. Comecei a realizar meu sonho de cursar uma faculdadena FUNESO fazendo licenciatura plena em matemática. Com a empolgação logo veio adecepção, meus patrões tiveram que mudar para o seu país de origem, a França e tive queabandonar meu sonho, pois não tinha como mais bancar o curso.

Continuei perseguindo o sonho do diploma sem muitos recursos, trabalhava de dia evarava as madrugadas estudando em minha própria casa com livros que tomava emprestado.Assim, passei meses e meses até que decidido por fazer engenharia florestal consegui aisenção da taxa de inscrição, tentei o vestibular e para a minha felicidade me deparei com oque eu mais queria, meu nome no listão, parecia um sonho, finalmente, poderia cursar onível superior sem problema algum, utopia! Logo quando começaram as aulas percebi queaqueles próximos 5 anos seriam os mais difícieis da minha vida. Sendo o curso diurno nãotinha mais como trabalhar e passei a me sustentar fazendo bicos como garçom nos finais desemana, tive ajuda de alguns amigos, horas com passagens, horas com alimentação, poismuitas vezes fez-se necessário passar o dia todo na universidade. Como se fosse pouco, pormuitas noites dormi nas bancadas de cimento dos defasados laboratórios da instituição,onde procurava me capacitar melhor estagiando gratuitamente.

Hoje, passados quase 5 anos completos estou próximo finalmente da realização daquelesonho, serei enfim engenheiro florestal, motivo de muito orgulho para mim e para todas aspessoas que me ajudaram, me apoiaram e sempre estiveram do meu lado, acreditando quetanto esforço não seria em vão, em especial os meus pais.

Espero servir de exemplo para os meus filhos e em condições melhores das que eu tivepoder ajuda-los em todos os sentidos.

Para os demais que lerem essa história finalizo dizendo que “a melhor forma de prevero futuro é construí-lo”.

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Cristiane Farias Brandão da Cruz*

Quem fui?Nascida em Recife, estudo em escola pública desde a adolescência. Conheço a árdua

realidade do ensino público no Brasil.A escola onde estudei, dentre muitas públicas, era sem dúvida, uma das mais

organizadas, mas ainda assim, era muito carente em verbas e em vontade de mudanças.Nessa escola, formei-me em 1999 como Auxiliar Técnica em Química, e em 2002,

Técnica em Química. Mas eu tinha grandes sonhos em minha vida desde criança, e um delesera o de ingressar numa universidade federal.

Tendo que trabalhar e estudar, adiei o sonho de ingressar na universidade por quatroanos. Tentei várias vezes passar no vestibular, mas não obtive êxito, somente após umadecisão radical, e que mudou completamente a minha vida, pude realizar o sonho de ingressarnuma universidade federal. Decidi pedir o desligamento da empresa onde trabalhava, nopropósito de me dedicar apenas aos estudos pré-vestibulares.

Não tinha dinheiro para pagar um cursinho, então, estudava em casa oito horas por diaou mais, inclusive de madrugada. Eu sabia que se me dedicasse, poderia, enfim, realizar esseprojeto de vida.

Quando chegou a hora da inscrição do vestibular, procurei um curso em que pudesseajudar pessoas como eu, então, decidi fazer Licenciatura Plena em Química. Tornar-me umaprofessora, era agora a minha meta, mas para isso, teria que ser aprovada no vestibular.

Foram vinte e cinco dias aproximadamente de desespero, entre a primeira e a segunda fasede provas, e então, por telefone soube da minha aprovação... ainda me emociono ao lembrar, foium momento de Glória, no qual pude agradecer a Deus por tudo o que Ele havia feito por mim,agradecer aos meus pais, que me apoiaram na decisão de desligamento da empresa...

Chorei muito, mas foi um choro de alegria e de sensação do dever cumprido, ao menos até ali.Em abril de 2004, iniciei o trajeto do meu sonho na Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Do sonho à realidade...Enfim, a Universidade...Quando ingressei na Universidade Rural de Pernambuco, senti o impacto da “falta de

base” nos estudos de ensino médio, percebi que teria que estudar muito mais do que outroscolegas, que tiveram uma boa base no ensino médio.

O começo de tudo...

Graduanda em Química.

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A minha turma a princípio era composta de 85% de estudantes provenientes de escolapública, e apenas 15% provenientes de escolas particulares.

A maior dificuldade, tem sido no estudo das ciências exatas (Física e Matemática),alguns professores não querem entender que devido à baixa qualidade de ensino de escolaspúblicas (infelizmente), a maioria dos alunos tem dificuldades de entender coisas simples...então, por falta de preparo de alunos e professores, o índice de reprovação nessas matérias(ao menos no meu curso) é altíssimo.

Apesar das dificuldades, a universidade oferece algumas poucas oportunidades deextensão (aprimoramento do ensino científico), e uma delas tem sido o Programa Conexõesde Saberes, do qual faço parte.

O Programa Conexões de Saberes...A proposta básica desse projeto maravilhoso é a de aproximar o ensino/conhecimento

científico (da universidade) do conhecimento popular. O projeto propõe o intercâmbio deconhecimentos, experiências e sonhos, entre a universidade, representada pelos estudantesuniversitários de origem popular, e a sociedade.

Através desse projeto, podemos incentivar e mostrar aos estudantes de origem popular,que é possível sim ingressar na universidade vindo de escolas públicas... também sãodesenvolvidas pesquisas de campo, a fim de identificar o perfil dos estudantes universitários,por exemplo etc.

Na Universidade Federal Rural de Pernambuco, o Programa Conexões de Saberes está“aliado” simultaneamente a outro excelente projeto, o Escola Aberta, que propõe a aberturadas escolas nos finais de semana, a fim de que os estudantes e a comunidade possam ter umaalternativa de diversão e aprendizagem lúdica nos finais de semana.

Conexões de Saberes e o Escola Aberta...Ajudando no desenvolvimento de sonhos e talentos...Através de oficinas, aulas pré-vestibulares, aulas de dança, teatro dentre outras

atividades, ajudamos a comunidade a entender e mudar a sua realidade. Estimulamos ossonhos e a realização dos mesmos através da educação.

A oficina que dinamizo, trata da Língua Portuguesa e de Técnicas de Redação. Noinício, percebi que os desenvolvimentos da língua e linguagem não eram estimulados nosjovens como deveriam, e os adultos da comunidade, não percebiam a real importância dosaber falar e escrever bem.

Nas oficinas, as noções de leiturização, cidadania, direitos humanos, e meio ambienteestão inseridas de um modo bastante lúdico e interessante. Por exemplo, nas proximidadesdas eleições do ano de 2006, juntos montamos urnas eletrônicas com caixas de papelão,criamos dois partidos políticos e alguns políticos que defendiam sua plataforma eleitoralperante eleitores indecisos... o objetivo era o de tornar a realidade do poder do voto visívelà comunidade, bem como, estimular a todos a participarem das decisões políticas. Foiimportante porque de fato todos compreenderam a importância do voto e da política, e osjovens puderam ter o contato com o “clima” de eleição pela primeira vez.

Hoje, perto do fim da primeira etapa do projeto, sinto-me gratificada porque sei queajudei e estimulei os jovens e adultos da minha comunidade a sonharem com um futuro

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melhor. Um futuro de menos ignorância e mais oportunidades. Percebi no decorrer do projetoque, felizmente, a escola ainda é a alternativa que muitos escolhem para ter um futuromelhor, e como futura educadora, só espero que continue assim e que de alguma forma oensino público de base passe a ser de qualidade para todos, para que do mesmo modo todostenham as oportunidades, independentemente de onde estudaram.

Esse é um resumo das minhas memórias, sinceramente, espero que quem as lê possasentir-se estimulado de algum modo, através do texto, a perseguir o seu sonho sempre!

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Cristiane Rodrigues de Araújo*

Todo mundo tem uma história de vida, seja fascinante, ou não. Alguns podem acharque sua história de vida é sem graça, mas se formos analisar, todos nós temos algo deimportante nas nossas vidas; momentos memoráveis, que ficam nas nossas lembranças,fazendo-nos voltar ao passado (em pensamento) , recordando tudo que foi de bom ou ruimnas nossas vidas.

Com isso, começo a pensar sobre a minha história, que para muitos não é uma superhistória, mas que para mim é uma vitória. Vitória sobre a morte e sobre as dificuldades.

Tudo começou no ano de 1982, no dia 13 de maio, com o meu nascimento. Nascimuito doente, abaixo do peso, não querendo ser dramática, mas quase a beira da morte.

E por motivos de desavenças, a minha mãe era brigada com a família dela por tercasado com meu pai, mas meu nascimento fez com que unisse de volta a família, deixandode lado as mágoas. Depois desse período, consegui me recuperar e cresci como qualqueroutra criança. Com o passar do tempo, ganhei mais dois irmãos (Viviane e Marcos) e crescina companhia deles e da minha mãe. Passei um pouco da minha infância com pai, pois eleseparou-se da minha mãe. Meus pais trabalhavam, e com isso, pude fazer minha alfabetizaçãonuma escolinha particular (Escolinha da Tia Zinha). Mas com o passar do tempo àsdificuldades financeiras foram aumentando, eu e meus irmãos ingressamos num colégiopúblico. Estudei da 1ª a 3ª série no colégio Nossas das Madres. Lá, foi tudo bem, o ensino,mesmo por ser um colégio público foi de qualidade, sempre tínhamos gincanas (revertidaspara abrigos) com a arrecadação de donativos. Era um colégio bom para estudar. Quandocheguei na 3ª série, acabei repetindo, daí minha mãe acabou me transferindo para outrocolégio também publico, o Dom Crisóstomo, onde lá o ensino era mais puxado, lá estudeia 3ª e 4ª série. Todos esses dois colégios tinham uma metodologia boa e eram bemestruturados para serem colégios públicos. Mesmo gostando do colégio Dom Crisóstomo,tive que ser transferida pois neste só ensinavam da 1ª a 4ª série. Nesse período meus pais sesepararam, eu e meus irmãos ficamos morando com nossa mãe.

Ao ser transferida desse colégio para o outro, ocorreu uma queda na qualidade deensino, pois o colégio que fui estudar não era bem estruturado. Os professores não tinhamaquele prazer em nos ensinar (por não serem valorizados pelos seus trabalhos, tanto pelaescola quanto pelos alunos). Vi-me no inferno, não pude absorver muita coisa. Semprequando tinha algum evento como gincana ou feira de ciências, eu participava. Era umaforma de aprender o que muitas vezes eu não aprendia nas aulas. Mas nem tudo era ruim,

Vitória sobre a vida

Graduando em Economia Doméstica.

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havia uma professora de História, era a única que realmente dava uma boa aula. Lá,estudei da 5ª a 8ª série, pois não pude terminar o ensino fundamental, pois minha famíliateve que se mudar. Morávamos em Olinda e mudamos para Barra de Jangada (Jaboatãodos Guararapes). Fui estudar num colégio que não era nada diferente do Lion, era damesma forma, eu não tinha estímulo nenhum para estudar, como dizem, estava empurrandocom a barriga os estudos.

Quando eu já tina passado de ano, eu e meus irmãos recebemos um convite do meu paipara morarmos com ele. Meu pai residia no Rio Grande do Norte, numa cidade chamada deAçu. Passamos um ano lá, estudamos num colégio em que o ensino era razoável exceto oensino da professora de matemática (Zazá) que era muito puxado. Daí, percebi minhadeficiência nesta matéria. Mas consegui passar, graças à ajuda dessa professora. Como oensino deixava a desejar e a cidade era pequena, não via um futuro para mim, lógico que ébom morar em cidade pequena, por ser mais tranqüila, mas não ocorreu uma adaptação, daívoltamos para Olinda (PE) e a morar com nossa mãe.

Como deu para perceber, eu era praticamente uma “cigana”. Vivia “pulando” de colégioem colégio. Mas isso foi bom de certa forma, pois tive uma fase boa e outra ruim nestescolégios, fazendo com que eu conhecesse os diversos tipos de ensino (metodologia)empregados nos colégios públicos.

Depois dessa “vida cigana”, terminei meus estudos num colégio só. Fiz o meu segundograu no colégio Estadual de Olinda. Entrei lá no ano de 1998. Além de estudar para terminaro meu segundo grau, procurava me ocupar com outras coisas: fazia curso de informática edepois de língua estrangeira. Todos eram públicos, oferecidos pela Agência do Trabalho,pois não tinha condições de pagá-los, mas eram de ótima qualidade, que até hoje uso o queaprendi. Além de me ocupar com estes cursos, procurava emprego para ajudar na rendafamiliar, pois minha mãe era quem sustentava a casa desde a separação com o meu pai nãorecebemos nenhuma ajuda financeira (pensão).

No colégio, o ensino não era lá aquelas coisas mas deu para aprender. Mesmo com adificuldade que teve durante o segundo grau, já pensava alto (fazer Pré-vestibular). O meuprimeiro ano foi tranqüilo, mas no segundo, começou a minha preocuparão, reprovei emmatemática (meu desafio), e fui para o terceiro ano, tendo que pagar esta disciplina. Foinesse período que perdi uma das pessoas que eu mais amava: minha vó Ilza, que me fazmuita falta. Fiquei totalmente desestimulada, não tinha nem vontade de ir para o colégio,mas eu sabia que se eu não fosse seria pior. Daí, continuei e consegui passar, tanto na matériareprovada, quanto no terceiro ano. Mas mesmo assim, não me sentia pronta para enfrentarum vestibular, mesmo minha mãe insistindo.

No ano seguinte, me matriculei no cursinho pré-vestibular, como a situação financeirada minha mãe havia melhorado, consegui estudar como bolsista no Radier. Daí, eu percebirealmente a diferença entre o ensino público e privado; a estrutura e o ensino erammaravilhosos. Por eu ter uma deficiência nas áreas de exatas, não consegui acompanhar oritmo. Por isso não passei no meu primeiro vestibular para publicidade na federal. Comonão passei, minha mãe não pagou mais cursinho pré-vestibular. Daí, tive que correr atrás decursinho pré-vestibular gratuito. Fiz a prova de seleção para o Prevupe (curso oferecidopela UPE), passei e fiz. Era bom, mais também não consegui passar.

Enfim, quando cheguei na minha terceira tentativa me matriculei no Líder (cursoparticular). Por ter uma mensalidade baixa, minha mãe conseguiu pagar. Fiz seleção para o

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curso de Economia Doméstica. No início eu sofri preconceito pela escolha do curso, mastive o apoio do meu namorado (Paulo Henrique) e posteriormente, da minha mãe e família.

Quando chegou próximo do vestibular, fiquei doente e não pude continuar ocursinho. Só me restou estudar em casa. Mas graças a Deus consegui passar e estou aquihoje estudando na UFRPE.

Eu passei minha vida ouvindo que o ensino público era ruim. E que o ensino superiorpúblico é o melhor. Por isso, que muitos alunos do colégio público não conseguem ingressarna universidade pública, enquanto os alunos do colégio particular conseguem obter esseêxito. Isso é injusto, deveria ter uma política pública para melhorar essa situação.

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Dayane Cristina da Costa*

Como é que se escreve? Que é que se diz? Como se diz? Como se começa? E se nãosoasse infantil a pergunta das mais sinceras, como disse Clarice Lispector? Restaria fazeralguns rabiscos de minha vida, que é com poucas personagens e sem grandes aventuras.

Meu nome é Dayane Cristina da Costa. Nasci em 22 de janeiro de 1988, na cidade deNatal, no Rio Grande do Norte. Meus pais são de Boa Saúde, interior pobre, como tantosoutros do sertão. Minha mãe, filha de agricultores, teve boas chances de estudar, porqueminha avó já foi professora, mas como nunca teve interesse, hoje mal assina o nome,como os demais irmãos. Meu pai chegou a fazer o primeiro grau. Casaram-se jovens,mudaram-se para Natal. Ele trabalhava como motorista de um supermercado. Meus avóstambém os ajudavam. Após quatro anos de casados, eu vim ao mundo, e para falar averdade, só tenho uma lembrança desse período de minha infância: quando tinha trêsanos, meu pai batia muito em minha mãe e eu o mordia, para que ele parasse. Logo emseguida, ele nos abandonou.

Passamos dois anos com meus avós auxiliando-nos, até que minha mãe se amasiou, seassim se pode dizer. Minha avó, então, me colocou numa “escolinha” particular, aos meuscinco anos, onde fiquei até a 3ª série e realmente fui criança. Em minhas primeiras leituras,aprendizados e brincadeiras, a tristeza está em recordar que mainha não sabia me ensinar astarefas e eu pedia aos vizinhos que me ajudassem.

Não posso deixar de escrever sobre a mangueira enorme que existia no quintal denossa casa; nela subia todos os dias para acariciar galhos e folhas. Fazendo-me de médica,cuidava de seus “machucados” – a seiva que escorria pelas frutas. Havia também os gatinhosque, abandonados, eram lançados no fundo desse quintal: tratava deles até que pudessemprosseguir sozinhos.

Meus dois irmãos nasceram, eu fui crescendo e os problemas familiares acentuando-se. Não me entendia com o marido de minha mãe; de alguma forma, ele sempre me assediava,quando não era com olhares, fazia gestos e proferia palavras que me torturavam. Sentia-mecercada e ameaçada. Em meio a esse terrorismo mudo, fiz a 4ª e 5ª série em escolas diferentes,mas com momentos bem aproveitados. No finalzinho da 5ª série, mudamo-nos para o interiorpor dificuldades financeiras. Passei a morar com meus avós, e como era num sítio, a escolaficava distante; o único meio de transporte era o caminhão pau-de-arara, que utilizei paraterminar a 5ª e fazer a 6ª série. Nessa época, descobri as paixões da adolescência e da leitura,

A óptica de meu ser

Graduanda em Economia.

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fazendo amizade com a professora de português, que me ajudou muitíssimo nas armadilhasda gramática. Também adorava mexer nos livros da mulher de meu tio, que era professora.

Voltando para Natal, no ano seguinte, mainha logo veio buscar-me, pois queria que aajudasse com uma pequena “venda” (também o seu companheiro era analfabeto), precisavade mim. Ele deixou de me assediar diretamente, mas interferia em horários, companhias, ouseja, demonstrava sentimento de posse, havendo brigas e mais brigas.

Com os meus catorze anos, consegui participar do Projeto “Agente Jovem”, realizadopela Prefeitura de Natal, que assistia os jovens em oficinas de cidadania, meio ambiente,artes, sendo uma ajuda complementar do Ensino Fundamental, que estava concluindo.Também tentava uma vaga no CEFET, para o Ensino Médio, participando de aulões nosfinais de semana. Infelizmente não consegui passar.

Comecei, então, a planejar metas, sabia que os meus estudos é que me fariam sair dedentro de casa e ter condições de lá tirar minha mãe e meus irmãos, pois sofríamos todoscom a brutalidade daquele homem.

O Ensino Médio foi mais angustiante do que as outras etapas de estudo: no primeiroano, não havia professor de Química nem de Português; no 2º ano, consegui, com dificuldade,uma vaga no Winston Churchill - uma escola estadual tradicionalista -, na qual tomei gostopela leitura. Acabara de receber livros de uma prima, e quando não estava ocupada com osafazeres de casa, estava sempre estudando.

Nesse ínterim, saí de casa, por não agüentar mais as agressões que o marido de minhamãe fazia contra ela. Passei, então, a morar com uma tia, onde fiquei por nove meses, atétomar conhecimento de que a irmã da viúva de meu tio, Regina, que morava em Olinda,queria uma menina para cuidar de seu bebê. Não pensei duas vezes, vim morar com eles ecuidar de Lícia, fazendo o terceiro ano à noite e logo também o Rumo à Universidade, nosfinais de semana.

Não sabia bem o que queria cursar, mas estudei, e estudei muito, para conseguir umavaga. Apenas na hora da inscrição, optei por Ciências Econômicas - a maior felicidade quejá tive até hoje: entrar numa Universidade Federal. Para mim, uma fada me transformou deGata Borralheira em Cinderela. Mesmo que a minha família não tenha dado tanto importância,foi um degrau que eu subi com muito esforço.

Hoje, terminei o primeiro período com notas razoáveis e com o “Conexões de Saberes”,que oferece a oportunidade de me apresentar e ser apresentada aqui na Federal Rural e nacomunidade onde moro atualmente, que é em Casa Amarela.

Sou uma pessoa um pouco solitária, mas perspicaz e esperançosa quanto à vida queainda tenho que construir e vou construir. Almejo dar continuidade, em outros níveis, aosmeus estudos; possuir um lar digno, para poder morar novamente com minha mãe; viver umgrande amor; e engajar-me em projetos sociais - o Conexões confirmou por meio do “EscolaAberta” a necessidade de pessoas que contribuam, com ações, e principalmente, com afeto,com as mudanças em sociedade.

Agradeço às pessoas que estiveram e a outras que estão comigo, que conheceram ospormenores da minha trajetória, em especial os recentes, que tanto me abalaram. Tenhoapenas dezoito e acredito que o homem não é produto das circunstâncias, mas que ascircunstâncias é que são produtos do homem.

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Debora Bezerra de Santana*

Meu nome é Debora Bezerra de Santana. Tenho vinte anos e uma história repleta deconquistas, se comparada com as possibilidades e impossibilidades presentes em toda minhavida. Nasci em São Lourenço da Mata-PE; cresci em um determinado bairro e vivo nele atéhoje. Foi nesse bairro pobre, com essa comunidade pobre, que aprendi riquíssimos valores:alguns deles adquiridos com exemplos de pessoas que tomaram parte de meu dia-a-dia eoutros aprendidos na escola do bairro, a Escola Estadual Professor Agamenon Magalhães,onde cursei até a 8ª série do Ensino Fundamental.

Tive bons professores, no entanto, a falta de comprometimento de parte deles inviabilizavamuitas coisas, principalmente para mim, que era uma menina cheia de sonhos, de desejos ede vontade de construir - qualidades raras de se perceber naquela escola e em muitas outrasescolas públicas, onde a vontade apenas de passar de ano parecia ser o mais constante. Eutinha outras ambições, mas me sentia perdida, sem saber por onde começar; então resolvicomeçar mudando de escola.

No término da 8ª série, no ano de 2000, surgiu a possibilidade de ir para o colégioDom Agostinho Ikas (CODAI), uma escola agrícola muito bem conceituada em minha cidade,uma das melhores, todos almejavam estudar lá. Para nela ingressar, era necessário fazer umteste de seleção, que até hoje é muito concorrido. Muitos de meus amigos queriam fazer oteste, mas desistiam, alguns por medo e outros por motivos financeiros, uma vez que ainscrição só era possibilitada mediante pagamento.

Eu não tinha medo, minha família também não possuía recursos, mas tinha confiançae apostava tudo em mim, pois eu era o espelho do que eles queriam e nunca fizeram, nuncapuderam ir além das possibilidades. Apesar das condições, conseguiram pagar a taxa deinscrição, eu fiz o teste, e para minha felicidade e mais ainda da minha família, fui aprovadae consegui ingressar nessa escola, o que me garantiu uma trajetória de vida totalmentediferente das minhas amigas que ficaram na outra escola e das meninas da minha comunidade.

Ano 2001, início de ano letivo, escola nova, pessoas novas e muitos sentimentosnovos em minha cabeça: eu não sabia como os coordenar. Meninas “patricinhas”, meninos“playboyzinhos”, a maioria oriunda de escola privada... o tempo ia passando e eu tentadocriar o pensamento de que ninguém ali era melhor que eu. Foi difícil, mas a convivência memostrou que todos eram iguais a mim, que o poder aquisitivo de cada um não nos tornavamelhor ou pior que ninguém.

Medo. Que medo?

Graduanda em Biologia.

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No segundo ano, em 2002, fiz o teste para o curso técnico em Agropecuária, no mesmocolégio. Passei e comecei o curso. Nessa época, ficava o dia inteiro no colégio, mas passeiapenas um semestre nesta rotina. Ao passar para o terceiro ano, a professora de Informáticame convidou para ser sua estagiária e monitorar a Sala de Informática da escola. Aceitei nahora, sem ao menos pensar: pensar que eu era tímida demais para monitorar uma sala que eramuito freqüentada pelos alunos e só vivia lotada; pensar que eu não sabia tanto deInformática, sabia apenas o que tinha aprendido nas aulas da própria professora; e pensarque seria difícil conviver com ela, pessoa muito rígida e exigente. Mas mais uma vez, nãotive medo, visto que seria muito bom para mim, principalmente porque o estágio eraremunerado e a confiança que a professora tinha em mim me deu forças para ir em frente.Tranquei o curso Técnico em Agropecuária sem nenhum remorso, pois, além de não ser aárea de que eu gostava, descobri que emprego nessa área estava cada dia mais escasso.

Passei todo o ano de 2003 como estagiária e fazendo o terceiro ano de meu curso; foium dos melhores anos de minha vida escolar. Como era o último, procurei fazer tudo que mefazia feliz e fui, realmente, muito feliz. Eu nunca tinha sido tão popular na escola; no finaldo ano, conhecia todos, sabia o nome da maioria dos alunos e falava com boa parte doalunado, tinha aprendido muito mais coisas sobre Informática, e sem perceber, a timidezque me perseguia no início já não era mais a mesma.

Concluí o Ensino Médio e passei de uma fase de minha vida para outra que me davamedo: medo do desconhecido, medo de fazer igual às meninas de minha comunidade.Embora eu tivesse medo do desconhecido, tinha coragem de me arriscar; então, arrisqueifazer vestibular, apesar de nunca ter pensado nisso, por me achar deficiente em muitasmatérias. Fiz a inscrição e o pagamento da taxa levou embora todo o dinheiro de um mêsinteiro da minha remuneração.

Para minha surpresa, consegui passar na primeira fase do vestibular da COVEST. Umcontentamento tomou conta de mim e o desejo de passar na próxima fase foi enorme. Eusabia que tinha chances - pouquíssimas chances, se comparadas às das pessoas que seprepararam o ano inteiro para aquele momento -, mas o entusiasmo foi tão grande, que medeu vontade de estudar, em dez dias (tempo que tinha até a segunda fase), o que eu não tinhaestudado uma vida inteira. E estudei, mas não foi o suficiente. Não consegui ser classificada.

Foi a desclassificação que me empurrou, no ano seguinte, a fazer um pré-vestibular etentar novamente. Participei de uma seleção para um pré-vestibular gratuito, o Pré-acadêmico,destinado a pessoas vindas de escolas públicas. Passei nessa seleção. Minha família, sempreme apoiando, enfrentou todas as dificuldades financeiras para que eu pudesse fazer o Pré-acadêmico, uma vez que era em outra cidade e eu teria que pagar passagem todos os dias.O medo de decepcioná-los me fazia tremer em alguns momentos.

Enquanto fazia o pré-vestibular, reabri minha matrícula no CODAI e voltei a fazer ocurso Técnico em Agropecuária. O curso tomava muito de meu tempo e fiz do vestibular omeu objetivo principal; pensando nisso, desisti, mais uma vez e definitivamente, do Técnico.

O Pré-acadêmico trouxe-me muitas coisas boas: novas experiências, novos amigos eum bom aprendizado, o que me deu boas chances de ingressar em uma universidade. Eletambém influenciou na escolha de meu curso, pois dava isenção na escolha de algum cursode Licenciatura em Exatas.

Final de 2004, época de vestibular, apesar da angústia e do receio que me perseguiam,fiz uma boa prova, passei nas duas fases, consegui aprovação e classificação. Uma alegria

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muito forte tomou conta de mim; de imediato, lembrei quem eu era, de onde eu vim, oque eu consegui, aonde eu cheguei, e principalmente, o que ainda posso fazer. Afelicidade também tomou conta de meus pais: minha aprovação foi motivo de choro ede emoção por vários dias.

Hoje, aluna do quarto período do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas naUniversidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE, já vivenciei muitas coisas, boas eruins, mas todas gratificantes por me oferecerem aprendizados inéditos. Os meus velhosconhecidos - os sentimentos de incapacidade, de deficiência, de inferioridade e de medo -não me perturbam mais, deixei-os para trás e esqueci-me de que, um dia, possuí algunsdeles. Por vezes, vejo esses sentimentos expostos no rosto de algumas pessoas e me sintomuito útil, quando uso meu próprio exemplo para mudar o pensamento deles, mostrar queé necessário não ter medo e arriscar-se sempre por seus ideais.

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82 Caminhadas de universitários de origem popular

A escola primária foi muito divertida, até porque conhecia as pessoas que estudavamcomigo desde o pré e continuei nessa mesma turma até a 4ª série, havia algumas meninasque eu não gostava, elas eram muito metidinhas e sempre faziam de tudo para chamar aatenção da tia. Sempre fui uma boa aluna, pelo menos era o que as professoras falavam paraminha mãe, tirava boas notas, porém não em todas as disciplinas, detestava a tal da matemática,tanto que devido a ela e minha falta de interesse em aprende-la acabei por reprovar a 3ª sériedo ensino fundamental.

A partir da 5ª série fui para uma escola mais longe de casa, estadual, pois além daescola em que eu estudava antes ser só de ensino fundamental, minha família não tinha maiscondições de me manter em uma escola particular. Foi difícil para mim, pois deixava paratrás todos os amigos feitos na infância. Na escola nova, fiquei muito triste, não conhecianinguém, me via perdida e insegura, sempre fui muito tímida e calada, o que dificultouainda mais o processo de aproximação das outras pessoas.

Até pouco tempo não entendia porque gostava tanto de trabalhos em grupo, eescrevendo o caminhadas agora, me dei conta de que essa era uma das formas mais fáceis deme aproximar das pessoas da minha sala. O tempo foi passando e finalmente terminei osegundo grau e junto com a conclusão vinha o grande desafio: passar no vestibular.

Por três vezes não consegui passar no vestibular que queria fazer, Odontologia ouMedicina Veterinária, mas como em João Pessoa, lugar onde mora minha família, não haviao curso de Veterinária, tentei Odontologia mesmo, mas não passei, foi quando resolvi quenão ia fazer vestibular mais coisa nenhuma, o que eu ia era arrumar um emprego. Mas nãoera tão fácil assim como eu pensei, e acabei voltando a pensar que fazer faculdade talvez medesse maiores chances de me inserir no mercado de trabalho.

Dessa vez estava decidida que tentaria vestibular onde tivesse provas no meio do ano eque seria para qualquer um dos dois cursos, veterinária ou odontologia, pois via meus amigostodos na faculdade e isso me angustiava, pensava que não era capaz, que era burra demais parapassar em qualquer vestibular, foi aí que assistindo televisão em casa, um programa quepassava todas as manhãs na Bandeirantes soube de um guia de faculdades brasileiras onde euencontraria todas as informações sobre as universidades brasileiras, estaduais, particulares efederais e que estava à venda em bancas de revistas, fui correndo comprar.

Quando comecei a ler, vi dentre outras tantas que havia uma faculdade em Mossoró-RN (ESAM) que realizava as provas semestralmente, era federal, e ainda oferecia residência

Graduanda em Veterinária.

Deise Haas*

Memorial

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para os alunos que fossem de outros estados, lendo isso, agradeci a Deus imediatamente,pois era tudo que eu poderia querer, vestibular no meio do ano, pra veterinária, curso emoradia de graça, corri pra casa e falei com minha mãe sobre essa oportunidade.

Aí começaram os problemas, não tinha o dinheiro da inscrição, nem tampouco odinheiro necessário pra viagem e hospedagem que seriam em Natal-RN e agora, como seria?Nessas horas sempre aparecem os amigos que conhecem outras pessoas que moramexatamente no lugar para onde você precisa ir. Alguns chamam isso de acaso ou coincidênciaeu, acredito que seja obra da providência Divina. O problema da hospedagem já estavaresolvido só faltavam as passagens.

Estávamos há uns três meses da data das provas e quando eu era pequena sempre viaminha mãe fazendo ovinhos e chocolate para nós, arregacei as mangas e mãos à obra, foi umperíodo muito cansativo, dormia tarde e acordava cedo, fazia pirulitos, bombons, gostosospor sinal, e vendia na padaria, numa locadora e em um mercadinho perto de casa, sem contaros amigos que compravam só pra ajudar, e assim consegui o dinheiro das passagens, minhamãe me ajudou com mais alguns trocados para outras despesas e lá fui eu para Natal. Foramtrês dias de provas, cansativo, mas valeu a pena. No dia 13 de junho de 2001 (sexta-feira)recebi o resultado, havia passado no vestibular, graças a Deus, mas para Agronomia. Não erao que eu queria, mas pelo menos estava fazendo faculdade e também havia chances deconseguir uma transferência para veterinária. Não agüentei por muito tempo, e no terceiroperíodo, voltei pra casa.

Houve então abertura de vagas para transferência na Esam, foi quando eu passei paraveterinária e voltei para lá, onde fiz até o quarto período, como Mossoró era muito longe deJoão Pessoa-PB cidade onde mora minha mãe, era muito difícil eu ir visitá-la.Vivia querendovoltar pra casa, ou pelo menos ir para um lugar que eu pudesse vê-la com mais freqüência,foi aí que entrei no site da UFRPE e vi que havia vagas para ingresso extra-vestibular naRural, e foi assim que eu vim parar aqui.

Em Recife, tudo era mais difícil, não havia vagas na residência universitária, tive queprocurar um lugar para morar e pagar aluguel, as coisas ficaram bem difíceis lá em casadepois da minha vinda para cá, mesmo tendo conseguido um lugar para morar, dividindoapartamento, próximo da Rural não tendo assim despesas com transporte.

Agora, estou no oitavo período de Medicina Veterinária na UFRPE e no ano passado,em 2006, entrei no Programa Conexões de Saberes e estou bastante feliz por estar aqui nauniversidade. Por estar fazendo um curso que me realiza profissionalmente, e pessoalmentepor ter tido a oportunidade de participar desse projeto social tão enriquecedor que, comcerteza, tem muito a acrescentar à minha vida pessoal e profissional.

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Graduando em Engenharia Florestal.

Deyve André Silva de Lira*

Ao longo da minha jornada, vejo a continuidade de uma história conjunta que vemsendo escrita por cada membro da minha família, tanto do presente como no passado aomigrarem no Brasil em busca de dias melhores, dias e memórias da minha família que meprojetaram para o que sou hoje. Me chamo Deyve André Silva de Lira, hoje tenho 28 anos,casado, pernambucano e recifense, filho de José Pessoa de Lira e Maria das Graças Silva deLira, estudante do 9º período de Engenharia Florestal e do 1º período de Licenciatura emCiências Agrárias da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

A minha infância foi repleta de alegrias, de amor, carinho, companheirismo e repreensões,pois eu era muito levado. Graças a estes eventos me tornei neste ser humano que sou hoje,como toda a família de origem popular brasileira meus pais passaram por grandes dificuldadesfinanceiras ao terem que formar uma família, dificuldades estas que foram vencidas poucoa pouco. Casaram-se no ano de 1976 e no ano de 1978 nasceu o primeiro filho que é este quevos escreve. Minha mãe teve complicações no parto e tive meus primeiros dias de vidacomplicados e que exigiam cuidados, pois nasci com um sério problema de saúde do qualfoi necessário uma transfusão de sangue, pois estava anêmico. Travada e vencida estabatalha passei um tempo na casa da minha avó materna, Edith, em Palmares onde minhamãe sempre contou com seu apoio. Lá, passei a minha infância até os 4 anos e era semprelevado e incentivado pela minha avó de ir à igreja com os meus primos. Passado este tempo,voltei para a região metropolitana do Recife e fui matriculado na minha primeira escola,Casinha Feliz, tenho boas lembranças de lá, o fato que mais me marcou e que lembro atéhoje foi a festinha da páscoa, pois pintaram o meu rosto e colocaram orelhas de coelho.

O ano de 1983 foi um ano marcante, pois no dia 17 de fevereiro nasceu a minha únicairmã, Deyze Andréa, ela nasceu na cidade de Palmares e graças a Deus ela tinha uma saúdeperfeita, me lembro bem que por ter apenas 5 anos naquela época era proibido entrar criançasno hospital e meu pai deu um jeito pra eu ver a minha irmã. Ela parecia uma beterraba de tãovermelhinha que era. Este ano também foi um marco na minha vida escolar pois estava indopara a 1ª série e meus pais me matricularam na Escola Estadual Professor Benedito CunhaMelo em Barra de Jangada, Jaboatão e lá convivi a uma nova experiência de aprendizagemcom os colegas, fiz boas amizades, tive também boas brigas, a minha professora foi ummarco pois até hoje me lembro do nome dela, Salveline, pois era uma pessoa paciente quetransmitia com muita clareza todas as disciplinas e que nos foi uma grande incentivadorano aprendizado, estudei também com ela a 2ª série. Já na 3ª série os professores estaduais

Retroceder às vezes é preciso,mas nunca desistir

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passaram por grande dificuldade e não houve outra alternativa a não ser a greve, greve estaque foi de longa duração, meu pai preocupado com a minha formação esforçou-se e mematriculou em escola particular chamada Educandário Cinderela também em Barra deJangada dos quais cursei a 3ª e 4ª séries.

O que marcou nesse período foi o fato de ter entrado nesta escola quase que no meiodo ano letivo por causa da espera do fim da greve do estado. Foi complicado pra mim ter queacompanhar os colegas que já estavam adiantados com as disciplinas mas foi nesta épocaque meu pai foi meu grande aliado nos estudos pois estudamos juntos todos os dias emritmo acelerado e graças a ele não perdi o ano.

No antigo ginásio do 1º grau, meu pai teve condições de me matricular em uma escolaparticular, pois o ensino público estava em ampla decadência e sendo assim fui estudar nocolégio Souza Leão de Candeias, foram imensas as dificuldades, pois o processo de educaçãopedagógico era bem mais elevado e exigia um esforço maior para passar de ano, mas graçasa ajuda de meu pai que me dava reforço esta dificuldade foi superada. Na 6ª série já“maiorzinho” tive um pouco mais de liberdade, tais como, ir só ao colégio. Fiz boas amizadese já acostumado com o ritmo da escola privada o ano letivo foi mais tranqüilo e assimpermaneceu até a 7ª série.

Quando finalmente cheguei a 8ª série meu pai se viu em situação financeira desfavorávelpara me manter no Souza Leão, pois a inflação ainda assolava esse país, e passei a estudar naescola pública Dom Carlos Coelho, onde foi um grande passo de retorno ao passado que mefez ver o presente e buscar por um futuro melhor.

Chegada a hora de fazer o 2º grau optei por fazer um curso técnico na escola DomCarlos Coelho onde não tive problemas e fui bem-sucedido com boas notas durante todoesse trajeto, mas veio a decepção e frustração de não conseguir vaga na área técnica e aomesmo tempo que o curso técnico não me deu suporte suficiente para fazer um vestibular.

No ano em que terminei, 1996, meu pai não teve condições de pagar o vestibular esendo assim no ano seguinte trabalhei para ajudar em casa como caixa em mercadinho pertode casa, passados o tempo de experiência no trabalho meu pai saiu da ruim condiçãofinanceira e pediu para que eu voltasse a estudar, e assim fiz, procurei fazer vários cursos deinformática, pois meu pai havia comprado com muito esforço um computador de segundamão para mim, e passei quase que todo o ano de 1997 me especializando na área. No finalde 97 as inscrições para o vestibular foram abertas e eu não havia me preparado para tal, masmesmo assim meu pai acreditou em mim e deu um “jeitinho” de pagar a minha inscrição.

Como não havia estudado o suficiente para o que eu queria, o curso de Direito, passeia procurar pelos cursos de menor concorrências nas federais e me deparei com os cursos deEngenharia de Pesca e Engenharia Florestal, que alguns colegas já estavam cursando, nadúvida, pedi a Deus que me orientasse pois eu passei a ser protestante da denominaçãoBatista e ouvi fortemente de Deus que deveria fazer florestal e assim foi feito, mesmo semestudar e apenas utilizando um pouco do aprendizado técnico numa escola pública, passeino vestibular, foi uma alegre surpresa pois eu mesmo não acreditava neste feito e a partirdesta conquista passei a enxergar novos horizontes.

Feito a matrícula na UFRPE deu-se início as aulas e logo vieram as dificuldades tantodentro da universidade como fora, estas eram algumas: eu era técnico em contabilidade epassei em um curso de engenharia, a matemática, a física e a química do básico mecastigavam, e a distância da minha casa eu levo (resido ainda no mesmo local) 3h por dia

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dentro de um ônibus para ir e voltar para minha casa, perdi algumas disciplinas eobrigatoriamente tive que refaze-las a tarde, pois os cursos diurnos na Rural são no sistemaseriado, portanto, passava o dia na universidade sem ter como me alimentar.

Foi daí que perdi o estímulo e o interesse e tentei achar outras “oportunidades” e atéque achei, colegas que moravam nos Estados Unidos me chamaram para morar lá e fui emagosto de 2000 como turista e fiquei trabalhando por lá um ano e meio, mas sempre mantiveo curso em aberto, pois deixei meu pai como procurador para fazer a matrícula por mim e euera reprovado por falta, pois na UFRPE não havia jubilamento. Ganhei muito em experiênciaresidindo em outro país, aprendi a ser persistente, a dizer “não”, a ter e fazer valer minhasopiniões, aprendi que o que me faz realmente feliz é está perto de meus pais e parentes e nãoo dinheiro, aprendi a valorizar meus país e meu nordeste, pois coisas regionais que eu nãodava valor outrora passei a sentir falta delas e pedindo mais uma vez a orientação de Deus,Ele me respondeu que era hora de retornar e assim fiz em fevereiro de 2002.

Procurei retornar o curso e assim foi, estudei um semestre, passei, mas quando foi nosemestre seguinte fui pego com uma péssima surpresa, havia sido jubilado e procurei omotivo e vi que havia um erro nesta decisão, procurei o coordenador do curso e o mesmo memandou procurar a pró-reitoria e me orientaram em entrar com um processo pelo qual me foinegada a reintegração. Todo este acontecimento ocorreu um pouco após da inscrição dovestibular de 2004 no qual graças a Deus me escrevi com o intuito de limpar o meu currículoe após estes fatos o que era apenas uma forma de limpar as reprovações passou a ser obrigaçãoe faltam menos de um mês para a primeira fase do vestibular.

Não tento tempo de estudar fiz a primeira fase e me classifiquei para a segunda na 70ªposição, no curso de engenharia florestal tem apenas 50 vagas e foi quando mais uma vezdeixei de acreditar em mim, mas Deus novamente foi bondoso comigo e passei no vestibularna 46º posição na 2ª entrada e a partir daí pedi dispensa das disciplinas que já havia pago ehoje estou no meu último ano, consciente e feliz com o meu curso, pois me identifiquei como mesmo e aconselho aos que me pedem informações que o façam.

Fico feliz de hoje participar do Conexões de Saberes programa este de extensãoonde as ferramentas são aquelas lapidadas pelas dificuldades sociais e econômicas destepaís e que têm como foco principal a permanência dos estudantes de origem populares daminha região e país, faço votos para que este incentivo cresça a cada ano, tentandosempre proporcionar integração dos que já alcançaram a universidade e aqueles queainda chegarão nela, pois isto é um começo de valor inestimável de inclusão social bem-sucedida e justa, certamente, assim poderemos cantar com orgulho que somos filhos destamãe gentil, pátria amada Brasil.

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Edjane Oliveira dos Santos*

Chamo-me Edjane Oliveira dos Santos. Nasci no dia 17 de agosto de 1985, e resido nomunicípio de Camaragibe, cidade da região metropolitana de Recife. Filha de AntônioCassimiro dos Santos, cozinheiro de uma indústria, e Maria Gertudes Oliveira dos Santos,dona de casa. Aos três anos e meio comecei a estudar na escola particular Menino Jesus, emCamaragibe, e adorava aprender coisas novas, apesar de ser um pouco introvertida. Com opassar dos anos, tive que ser matriculada em outra escola, já que nesta não havia a 1a sériedo Ensino Fundamental. Comecei a estudar em uma nova escola particular, chamada InstitutoSão Luiz, na mesma cidade, mas não gostava do ambiente, nem das minhas professoras.

Na 4a série, conheci uma professora chamada Luzinete. Ela me mostrou que eu poderiaser qualquer coisa, desde que primeiro eu pudesse acreditar nisso; foi assim que me interesseifortemente pelos estudos e inclusive pela vida. No final da 4a série, meus pais tiveram queme tirar dessa escola por motivos financeiros, e fui estudar na escola estadual ProfessorAntonio Carneiro Leão, também em Camaragibe. Logo de início, não me adaptei a essanova estrutura, tampouco aos meus novos amigos, mas aos poucos, fui gostando. Na 8a

série, conheci um professor chamado Nivaldo, que assim como Luzinete, minha antigaprofessora, ensinou-me a desenvolver algumas habilidades em matemática. Ele foi meuprofessor até o 3º ano do ensino Médio, ano que seria o mais difícil de toda a minha vida,pois seria um ano de decisões.

No começo do 3º ano, resolvi que iria prestar vestibular, e como não dispunha decondições para pagar um cursinho, inscrevi-me no pré-vestibular do Rumo à Universidade,oferecido pelo governo do estado. Com muito esforço, consegui passar. Não era fácil terque estudar para as matérias do 3º ano durante a semana, e no fim de semana, me prepararpara o vestibular. No primeiro simulado, atingi a média para não pagar a taxa de inscriçãono vestibular da UPE e UFRPE, mas percebi que havia muita gente inteligente e queminhas chances eram quase mínimas de passar. Fiquei pensando sobre este assunto durantesemanas, e sentia que meu sonho de torna-me uma matemática estava longe de serconcretizado. Foi assim que uma semana depois, ouvindo uma música de Renato Russo,Quem acredita sempre alcança, que, por sinal, era o “hino” do Rumo à Universidade,percebi que não podia desistir sem antes lutar. Sabia que não seria fácil, mas tambémsabia que não era impossível.

Comecei a estudar com tanta serenidade e força de vontade que nem percebia as horaspassarem. Acordava-me às 6h da manhã e estudava até às 12h; às vezes nem almoçava, pois

Quem acredita sempre alcança

Graduanda de Matemática.

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tinha que ir às pressas para a escola, porque tinha que me dedicar para passar de ano. No fimde semana, era muito mais cansativo pra mim, porém, era maravilhoso perceber que o Rumohavia tornado-se a minha segunda família.

Enfim, passei na Universidade Federal Rural de Pernambuco e na Universidade dePernambuco com boas notas, tanto que elas me fizeram ganhar uma bolsa, o que me ajudoumuito nos primeiros períodos da faculdade.

Hoje, estou no sétimo período de matemática, na Universidade Federal Rural dePernambuco, porque acreditei em mim, confiei em Deus e não deixei de sonhar. Futuramentepretendo cursar o mestrado em matemática pura, e talvez, um doutorado.

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Elizabete Honório da Silva*

Graduanda em Biologia.

Memorial

Foi no dia três de janeiro de 1984 que eu nasci, na cidade de Paulista, região metropolitanado Recife, em Pernambuco. Eu era o segundo filho da minha mãe, e do meu pai era o terceiro,pois ele já havia tido um filho em seu primeiro casamento.

Nasci numa família bastante simples, com pai mestre de obras, ou “pedreiro”, comoele gosta de ser chamado, mãe dona de casa, e dois irmãos mais velhos. Sempre moramos emcasa própria, pois em um dos trabalhos do meu pai, ele obteve como pagamento um terrenono qual ele construiu o seu projeto de casa, desenhado por ele mesmo, embora ainda nãotenha conseguido concluir. E foi no bairro de Maranguape Um, em Paulista, que eu passeitoda a minha vida. Também, foi neste bairro que eu tive os meus primeiros contatos com aescola, aos quatro anos de idade.

Bastou eu aprender o alfabeto, para sair lendo tudo o que eu visse pela frente.Quando fiz seis anos de idade, me pularam da alfabetização para a 1ª série, daí pordiante nada me segurava. Eu era aprovada todos os anos. Nem tudo, porém, era tão fácil,pois a danada da matemática me mandava para a recuperação sempre. Minha mãe medizia que pra eu aprender a trabalhar com os números, só abrindo minha cabeça ecolocando um livro dentro.

Aos quatorze anos eu estava no primeiro ano do ensino médio, que era misto, com ocurso profissionalizante em Patologia Clínica. Um pouco mais distante da minha casa, naEscola Soares Dutra, em Santo Amaro, na cidade de Recife.

Tive que interromper os estudos durante um período de um pouco mais de dois meses,por conta de uma equistossomose, a qual me deixou inválida, por ter atingido o meu sistemanervoso. Após a administração de algumas drogas, me livrei da doença, e com algumasseqüelas, retomei a minha vida estudantil.

Foi na escola que tive uma professora de bioquímica, admirável, por isso, almejeiestar no mesmo lugar que ela.

Ao término do ensino médio/técnico fui estagiar no laboratório de análises clínicasda Maternidade Barros Lima, em Recife. Surpresa, me deparei com a minha professora debioquímica, que exercia a função de bióloga analista do laboratório. Estreitamos nossoconvívio e ela me ensinou um pouco de tudo. Nesta mesma época, eu presenciava aagonia do meu irmão mais velho por causa de uma prova chamada vestibular, a qual elenunca conseguia aprovação.

Como eu já estava concluindo o ensino médio/técnico, eu me dei conta de que,para alcançar a posição da minha professora de bioquímica, eu tinha que prestar

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vestibular. No ano de 2000, aos 16 anos, eu prestei o meu primeiro vestibular, paralicenciatura em biologia.

Consegui classificar-me na primeira fase, todos se surpreenderam e me elogiarambastante, porém, na segunda fase, não consegui a classificação. Daí eu me dei conta de queera necessário estudar bastante para passar no vestibular.

Para isso, tive que penar por quatro anos, em cursinhos gratuitos, federais ou quecobravam taxas simbólicas. Durante esse período de pré-vestibular, deu pra arrumar umnamorado e notar o quanto eu era deficiente em química. Por causa disso, eu fiz químicaindustrial no CEFET-PE, no ano de 2003, e é claro, arrastei meu namorado comigo. Elefez edificações e assim iniciamos nossos cursos juntos. Esse novo curso foi a alavancapara a minha classificação no vestibular, pois, no ano de 2004, eu consegui uma dasoitenta vagas do curso de licenciatura em ciências biológicas na Universidade FederalRural de Pernambuco.

Hoje em dia me encontro atuando na área de química, graças ao meu curso técnico.Participo de um projeto de extensão da UFRPE “Conexões de Saberes”, no qual eu capacitoalunos de classes populares dos bairros de Paratibe e Maranguape Um, em Paulista,desenvolvendo um trabalho de artes plásticas muito bonito, no qual todos podem se expressaratravés da pintura e ler o mundo de uma nova forma. Além de fazer o que gosto, tambémestou sendo remunerada; isso faz com que eu me sinta valorizada e digna.

Eu me chamo Elizabete Honório da Silva. Sou estudante de origem popular, brasileira,universitária, artista e sonhadora, porém, com os pés no chão.

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Emmanuel Ramos de Freitas*

Eu, Emmanuel Ramos de Freitas, sou aluno do curso de licenciatura em química naUniversidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). E neste momento sinto-me desafiadoa romper o silêncio pálido do papel para mostrar as minhas pegadas que ficaram marcadasna minha longa jornada. Sei que ainda tenho muito a percorrer, mas por ser a caminhada tãolonga e o caminho ser tão pedregoso. Muitas vezes já pensei em desistir, mas ao olhar paraas pegadas que para trás ficaram, tomo fôlego e digo pra mim mesmo: “eu não posso desistir”.

Como já cantava Milton Nascimento “só estou na estrada... meu caminho é de pedra...”e como também dizia o poeta Carlos Drummond “tinha uma pedra no meio do caminho e nomeio do caminho tinha uma pedra”. No caminho encontrei pedras de todos os tipos estandoquase sempre sozinho.

No começo da estrada, lembro-me como se fosse hoje, como tudo aconteceu. Soufilho de pais separados como muitos que aqui chegaram. Para alguns a minha história nãopassa de mais uma história que compõe este livro, mas quero que saiba que a minhahistória é diferente, pois aos três anos de idade a primeira pedra apareceu-me, pois o fatode ter presenciado o meu pai jogar a minha mãe dentro do canal (rego) - que ficava emfrente de casa - consumando a separação. Depois disso tive, que ir morar na casa do meuavô, na qual já moravam dez pessoas, e com a minha chegada, o que já era difícil ficoumais ainda, pois a casa era mantida com dois salários e com o dinheiro das lavagens deroupas que minha tia fazia.

Recordo-me que pelo fato de ser o menor da casa, e por passarmos dificuldadesfinanceiras, as roupas do meu primo mais velho que não cabiam nele eram reaproveitadaspor mim e as roupas novas que ganhava era sempre no natal ou no dia do meu aniversário.

Quando tinha quatro anos, comecei a ir a uma escola da comunidade, que tinha afunção de preparar os alunos da comunidade para que no ano seguinte não enfrentassemtanta dificuldade ao ingressarem nos barracões - escola municipal, feita de madeira que sótinha uma sala, onde estudava os alunos da pré-escola, alfabetização e 1ª série. Mas parapoder estudar nessa escola a comunidade precisava ter o fardamento, bermuda, camisabranca e alpercata, mas pelo fato do meu primo não ter ido estudar nessa escola o meufardamento não estava garantido. Então, com muito esforço da família, a bermuda e aalpercata foram compradas e a camisa foi doada pela professora da escola.

Nessa escola, modéstia a parte, eu era tido como o aluno mais interessado e o maisaplicado da turma. Já no barracão outras pedras eu encontrei, pois para chegar até lá tínhamos

O caminho de pedras que...

Graduando em Química.

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que andar cerca de um quilômetro e meio em pleno sol da tarde. Mas as pedras que aquirelato são pedras que o tempo ajudou a lapidar.

Quando fui estudar na escola estadual Maciel Pinheiro aos pouco tudo foi melhorando.Deste período, me recordo dos cadernos encapados com o papel da sacola do supermercadoou do embrulho das compras feitas na barraca, do esforço para fazer o sapato não aparentarser tão velho, das pastas que tinha que durar por mais de dois anos, das tarefas de casa feitasà tarde, e da merenda da escola, que fazia questão de repetir.

Neste colégio, estudava pela manhã e quando chegava em casa, a minha tia dizialogo: só vai brincar depois de estudar. E muitas vezes tomava toda tarde, pois enquanto elaengomava as roupas em uma das pontas da mesa, do outro lado ficava eu e minha primaestudando, e quando dizíamos que tínhamos terminado a tarefa da escola ela sempre mandavaa gente ler algum livro ou uma história, sendo que essa leitura sempre resultava em umditado, e ai de quem errasse alguma palavra, porque cada palavra errada era reescrita nomínimo umas cinco vezes. Eu sempre errava mais que minha prima que logo era liberadapara brincar.

Pelo fato de estudar à tarde junto com minha prima, que era uma série a minha frente,a professora da 1ª série tentou me passar da 1ª série para a 3ª série, mas quando ela aplicouas provas da 2ª série a mesma verificou que realmente tinha condições de ir para a 3ª série,porém, eu iria ter muita dificuldade na leitura, optando por fazer a 2ª série.

Sempre fui um menino muito quieto e que gostava de evitar briga, lembro que parafugir de uma briga tive que convencer um colega, pra não me bater, com uma promessa depassar cola pra ele durante a prova, entretanto na hora da prova passava as resposta todaserradas, o que aumentava a vontade dele de me bater, e quando ele vinha me bater ou eu oconvencia novamente ou me escondia depois do toque de saída, até ter certeza que ele játinha ido para casa.

Quando estava para estudar na escola Martins Junior, a minha tia pegou algumaspernas de causas jeans velhas e as transformou em uma mochila pra mim, pois estavaindo para a 5ª série, além da mochila pude experimentar uma outra emoção a de estarusando o primeiro caderno de matéria, coisa que agora é tão normal, mas naquela ocasiãofoi a glória.

A minha primeira bolsa, que não tinha sido usada por ninguém ou feita por minha tia,foi adquirida por mim quando estava na 8ª série, com o dinheiro que ganhava por lavar ascadeiras e cuidar do jardim da igreja. Foi neste período também que uma das minhas tiasresolveu pagar um curso preparatório para a prova da escola técnica, esse curso funcionavana própria escola técnica. No dia da matricula, a minha tia, a mais nova, me levou pelaprimeira vez à escola técnica, e naquele momento ao entrar no prédio parecia que estavaentrando na esplanada dos ministérios para falar com o presidente, apesar de ter visitadoalguns museus e outros locais quando pequeno, devido às dificuldades a minha rotina eraescola, casa e igreja, e tudo ficava um perto do outro. Foi a partir desse dia que comecei aandar de ônibus sozinho.

Apesar de não ter sido aprovado na prova, esse curso foi de muita importância pramim, porque ajudou a superar as dificuldades do ensino da escola, referente aos conteúdosda 5ª a 8ª série. E para enfrentar o segundo grau, atual ensino médio, eu e alguns colegasformamos um grupo de estudo, que não limitava só em estudar os assuntos visto naescola, desse momento, lembro que resolvemos fazer um curso de eletrônica, e mesmo

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tendo feito a matricula não consegui concluir devido dificuldades financeiras queenfrentávamos naquela época.

Na escola enfrentamos o problema mais comum que é a falta de professores. E por issoretomo o ano em que fazia o primeiro ano científico, no início do primeiro semestre ficamossabendo que não tínhamos professores de química e nem de física e só quando terminou oprimeiro semestre foi enviado um professor de física para a escola, e para nossa surpresa oprofessor não sabia falar português direito, pois o professor tinha chegado ao Brasil a menosde um mês. As nossas aulas de física eram ministradas em francês ou em inglês, sendonecessário à tradução das professoras de inglês ou de francês. No segundo e terceiro anotivemos menos problemas, pois tínhamos professores em todas as disciplinas e o que émelhor em nosso idioma. Lembro-me das professoras de física e química que se esforçarampara dá todo o conteúdo da disciplina em um ano e meio, para ajudar quem ia prestar ovestibular naquele ano.

Quando terminei o terceiro ano, tive medo de enfrentar o vestibular sem um preparo,e foi nessa época que conheci o pré-vestibular da universidade, pré-acadêmico, que édestinado a alunos de ensino público que pretende ingressar nos cursos de licenciatura.Tendo sido aprovado na seleção para fazer o pré-acadêmico, e após um ano de preparação,prestei o primeiro vestibular para UFRPE, ficando pra remanejamento, e outro para afaculdade integrada de Vitória de Santo Antão (FAITVISA), tendo aprovação, mas optei pornão cursar devido o serviço militar. Após o serviço militar entrei no pré-vestibular perto decasa, e no meu segundo vestibular para UFRPE tive a aprovação.

No primeiro semestre encontrei muitas dificuldades, uma delas foi o dinheiro para aspassagens de ônibus, a falta de compreensão dos professores e a falta de contato com os textoscientíficos. Foram essas dificuldades que quase me fez reprovar as três cadeiras logo de cara.

Quando fiquei sabendo do Programa Conexões de Saberes, já no sétimo período, fuime escrever sem acreditar muito que poderia ser selecionado, pois tinha receio que um doscritérios de seleção fosse o de não ter reprovação no histórico, pois já contava com algumas.Mas pra minha surpresa tinha sido selecionado, mesmo sem saber muita coisa do projeto. Equando foi passado o que seria o projeto, senti-me desafiado a enfrentar os meus medos, e acada vez mais que tenho me envolvido no programa fico certo que posso fazer algo maispela minha escola e minha comunidade, sempre respeitando os seus saberes. Às conquistaspessoais que o Programa Conexões de Saberes me proporcionou foram a superação do medode enfrentar uma sala de aula para estabelecer a relação professor/aluno, vencer a dificuldadede expor minhas opiniões, e vencer as dificuldades de comunicação.

Na nossa caminhada sempre encontraremos pedras no meio do caminho que nos fazemtropeçar e nos machucam, mas o mais importante é que ao passar do tempo, e quandoolharmos essas pedras que para trás ficaram e ao avistá-la procurar a sua real beleza. Podeencontrar as mais belas pedras preciosas. Sei que todos têm a sua caminhada a percorrer eque nenhum de nós poderá deixar de fazer esse caminho de pedras, a todos uma boa jornada.

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Ericka Carneiro Leão de Oliveira*

Graduanda em Engenharia de Pesca.

Memorial

“Coragem, coragemSe o que você quer é aquiloque pensa e fazCoragem, coragemEu sei que você pode mais...”

Raul Seixas

Minha caminhada tem sido difícil. Sempre me valí, no entanto, de coragem e dedeterminação para alcançar meus objetivos, ainda que eles não estivessem tão claros paramim. Sempre pensei que não poderia continuar a realidade de meus pais, avós, tios... desdecedo, minha vida aponta para uma realidade mais justa e inclusiva.

Sinto-me vencedora por ser a única, de três gerações, que faz universidade, que éuniversitária. Esse nome é até considerado um mérito em minha família. Para mim, éapenas parte da busca.

Em 1987, já pensava em grandes realizações e agia, mesmo tendo apenas seis anos e cursandoa 1ª série, queria ser professora! Alimentei esse sonho por alguns anos e sua maior conseqüênciafoi perceber meu irmão de cinco anos, que aprendeu a ler e a escrever comigo, já na 1ª série.

No ginásio, da 5ª a 8ª série, “mudei de profissão”. Adquiri conhecimentos e afinidadescom o Português e a Literatura. Decidi que seria jornalista. Passava as tardes recortando fotose inventando os textos. Essa minha nova busca perdurou até o primeiro vestibular.

Filha de pais separados, estudei em algumas escolas diferentes, morando com meu pai,minha avó e até com minha madrinha. Mas nenhuma escola teve tanta influência sobre asminhas perspectivas quanto ao Ginásio Pernambucano. Como sempre estudei em escolas debairros, estudar no centro da cidade foi uma ascensão e tanto - por se tratar de um ensino nospadrões das melhores escolas particulares. Fiquei muito mais convencida de que alcançariao objetivo de ser jornalista quando conheci Géber Accyoli, professor de Literatura, comquem aprendi a gostar de João Cabral de Melo Neto e tantos outros escritores, em especialos de nossa região. Ele possuía uma maneira singular de ensinar e dialogar com seus alunos,nem sempre compreendida por todos, que me fez enveredar por novos caminhos, emboracontinuasse sendo jornalista...

As oportunidades começaram a aparecer e me inscrevi no primeiro cursinho pré-vestibular da Faculdade de Direito - gratuito para os alunos do Ginásio Pernambucano (GP).

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Esta nova empreitada fez-me acreditar na possibilidade de ser aprovada no vestibular paraJornalismo, cuja concorrência era alta demais, mas passível de ser suplantada. Então, estudavaincansavelmente. No período da manhã, no GP; à tarde, no cursinho; e à noite, em casa.Meus esforços, porém, não foram suficientes. Não fui aprovada. E minha vontade foi-seesvaindo, talvez pela frustração.

Resolvi, por conseqüência da não-aprovação, que faria um curso Técnico, para nãointerromper os estudos. Como diria minha avó, não iria “nadar, nadar e morrer na praia”.Então, no mesmo ano, prestei vestibular para Turismo no CEFET e passei. Cursei Turismopor um ano e meio, mas não estava satisfeita com alguns resultados. Estava perdida. O quemais me agradava no curso eram as aulas de línguas estrangeiras. Sabia, entretanto, que serturismóloga não implicava tão-somente conhecer línguas, e as demais práticas da profissãonão me convinham.

Até que, ainda no CEFET, Cybelle, uma amiga de sala, me falou que faria Engenhariade Pesca. Eu, até então, nem sabia do que se tratava no curso. Fizemos, Cybelle e eu, umapesquisa e senti-me encantada pela profissão. Tratar da natureza, das ciências do mar...fizemos, as duas, vestibular para Engenharia de Pesca, na Universidade Federal Rural dePernambuco - UFRPE -, e o resultado foi surpreendente: minha amiga, que havia meapresentado essa possibilidade, não passou e eu passei! Foi uma felicidade e tristeza, porcausa dela, ao mesmo tempo...

Após a entrada na Universidade, minha vida mudou radicalmente. Sofri bastante asagruras por proceder de escola pública e estar no meio da Engenharia. Nunca tive afinidadecom as ciências exatas, e para falar a verdade, estando no penúltimo período do curso, aindanão adquiri. Talvez por essa dificuldade, pensei várias vezes em trancar o curso, desistir ou atémesmo trocar de área, mas no fundo, tinha a certeza de que encontraria o que buscava aquimesmo. Afinal, estava em uma universidade pública e sabia que outras oportunidades surgiriam.

No oitavo período, comecei a ter aulas de Extensão Pesqueira, que chamou muitominha atenção por seu poder de transformar a realidade de muitos brasileiros e até aminha própria. Fiquei fascinada por interagir e trocar conhecimentos com as comunidadese por ter a chance de usar a ciência como forma de inclusão. Esse fato foi concomitantecom minha entrada no Programa Conexões de Saberes e se tornou a confirmação de quehavia encontrado o meu caminho.

Voltar às minhas origens, para ensinar e aprender a ser cidadão/cidadã, gerandoperspectivas às comunidades populares, propiciou que minha experiência acadêmica setornasse mais cheia de vida e de satisfação pelas escolhas feitas. Todas as incertezas foram-se esvaindo... ao final do curso, que está bem perto, cheguei à conclusão de que seriaprofessora “novamente”. Que ironia! Passei na seleção para Licenciatura em Ciências Agráriase sinto-me bem realizada, e agora, com objetivos muito maiores: de mudança não só deminha realidade, mas de toda uma sociedade, de todo um país.

Minha caminhada foi permeada por novos caminhos aos quais nunca me abstive deseguir, com o respaldo de minha mãe, que sempre compreendeu e apoiou minhas mudanças.Ela sempre soube, como eu também sei, que os nossos caminhos têm muitos percalços,obstáculos econômicos e sociais, mas que, de posse de muita coragem para nos lançarmosao novo, vamos encontrando nossos caminhos. O meu, nem é tão novo assim, aos seis anosjá queria isso, só demorei para entender. Todas as experiências que tive configuraram-sebagagem valiosíssima e me trouxeram até aqui.

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Euclides Leonardo da Silva Pedrosa*

Minha primeira escola foi uma creche, o Lar Fabiano de Cristo, na Várzea. Lembrovagamente da primeira menina que gostei: Gabriela, parecia uma princesa, morena clara decabelos longos, pretos, bem lisinhos, olhos castanhos vivos, uma maravilha. Também, tenhona memória a primeira professora, Tia Conceição. Eu, adorava a comida da escola (arroz comalmôndegas). O que toca profundamente meu coração é a maneira que meu pai levava a mime a meus irmãos àquela escola. Pois bem, éramos muito pobres, às vezes, painho - modocarinhoso como chamo meu pai - não tinha as passagens para levar-nos para a escola (creche).Às vezes tinha só uma, a ida. Dessa forma, íamos logo cedo de ônibus e ele voltava a pé.

Quando não tinha as duas passagens, íamos caminhando, o ruim era acordar maiscedo, calçávamos um sapatinho tipo conga azul, meias brancas, vestíamos uma camisetabranca, um calção azul e levávamos a tiracolo uma bolsa de pano azul. Meu pai juntava osquatro, eu, Ricardo, Eduardo e Andréa. Eu e Andréa ele levava de mãos dadas, do outro ladoele agarrava Ricardo em suas mãos, Eduardo como era o mais novo, ele levava-o na carcunda.Andávamos da Universidade Rural até a Praça da Várzea, cerca de uns sete quilômetros, issodava aproximadamente uma hora a pé. Minha mãe ficava em casa costurando. Às vezescosturava roupas para as mães dos meus colegas. Quando não estava costurando, lavava asroupas dos vizinhos e este trabalho ela trocava até por comida. Quanto mais lembro dasdificuldades que meus pais encontravam para nos manter na escola, mais aumenta o meuamor e admiração por eles.

No Lar Fabiano de Cristo, tive meu primeiro contato com a agricultura, adorava plantar,fazer os canteiros e ver os lindos pimentões, tomate e coentro que colhíamos e levávamospara casa. Mainha achava lindo esse trabalho. Quando entrei no primário, minha mãe mematriculou na Escola Mundo Esperança, no Sítio dos Pintos. Lá, tive minha segunda paixão,a professora, como era bonita: loira, magra, lábios carnudos e seus dentes era o que mais mechamavam atenção, bem feitinhos e branquinhos; o interessante é que me esforço e nãoconsigo lembrar seu nome.

No ano seguinte (1988), fui matriculado na Escola Lions de Parnamirim, lá, passeidois anos, 3ª e 4ª séries, em 1990, na eleição para presidente do Brasil. Lembro-me comgrande ênfase das leituras dos jornais que eu fazia para meu pai e meu avô, os dois sedeliciavam com minha leitura. No período ginasial, matricularam-me na escola MunicipalSociólogo Gilberto Freyre, esse foi o melhor período de nossas vidas até aquele momento,pois minha mãe passara num concurso para costureira de um hospital pelo governo do

Meus pais, minha vida

Graduando em Engenharia Agrônoma.

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estado. No ano de 1993, fomos morar no município de Petrolândia, no sertão, lá, a vida eradifícil, mais complicada, mãe perdeu alguns benefícios com essa transferência, tive quetrabalhar o ano seguinte com meu tio.

Esse meu tio era vendedor de carne de boi, o que no interior chamam de marchante,acordava as quatro horas da manhã e ia para a feira de Jatobá com ele, vender carne; perdi oano escolar. Em 1995, voltamos a morar no Recife, minha mãe pedira retorno para sualocação de trabalho, por motivo destas dificuldades, novamente voltei a estudar no GilbertoFreyre, onde concluí o ensino fundamental. Essa época foi uma das piores de minha vida,pois, era excluído por alguns colegas, tanto na sala de aula como na vizinhança, era loucopara namorar e as meninas não me aceitavam só aceitavam com alguma coisa em troca, seensinasse a elas para passar de ano.

Nós éramos muito pobres, mesmo com o salário minguado que minha mãe ganhava,não dava nem para comprar roupas, usávamos umas roupas velhas, essas roupas já eramdoadas por alguns estudantes da Universidade Rural amigos de meu pai, as vestimentaspassavam anos e anos, papai era desempregado.

Nesse período entre 1996 e 1997, conheci dois grandes amigos, que foram meusprofessores no Gilberto: Lívio Joaquim e Ísaias Mendonça. Eles me estimularam a fazerprovas no Colégio Agrícola de Vitória de Santo Antão, onde prestei os exames e passei.Esta foi a primeira conquista da minha vida, meu pai era só alegria, mãe achou ruim talêxito, pois, ela queria que eu seguisse carreira em medicina, é que sempre tive um bomrendimento escolar, era ótimo aluno, estudioso, atencioso, notas altas etc.

No dia da matrícula no colégio agrícola, fomos eu, minha mãe, meu pai e Livio, meuex-professor. No ato da matrícula, a secretária nos passou um boleto de pagamento de taxade manutenção no valor de cinqüenta reais e um carnê anual no valor de seiscentos reaisdividido em seis vezes. Vi logo a expressão de tristeza no semblante de minha mãe aopegar o boleto, ela com lágrimas nos olhos disse: “Deixe pra lá, ele ao menos é ummenino vitorioso, passar no exame de seleção sem experiência foi bom, mas... Deus égrande.” Nunca esqueci essas palavras.

A alegria que eu sentia se transformou numa angústia enorme, naquele momento eununca queria ter feito àquela prova. Lívio, ao ver o testemunho de minha mãe e as lágrimasde meu pai, olhou para a secretária e falou para ela não parar a matrícula, saiu feito loucopara a cidade e retirou a quantia que deveria ser paga no ato da matrícula, daí me matriculei.Os seiscentos reais restantes, minha família arranjava, meu pai fazia biscates, meus irmãosvendiam picolés e frutas na Rural, minha irmã trabalhava de doméstica para uma médicaamiga de mãe, e eu estudava o dia todo na agrotécnica.

Viajava na segunda e voltava na sexta-feira à tarde. Tinha dias de domingo quechegava já de noite para painho e pedia a passagem para viajar, ele saía, conseguia odinheiro emprestado e me dava. Nos outros dois anos, 1999 e 2000, meu pai conseguiuuma bolsa na escola, fiquei isento da taxa de alimentação. Os médicos davam suspeita decâncer no colo do útero em mamãe, a psicóloga da escola, professora Cantaluce, conseguiuesta bolsa de estudo, então, terminei o curso técnico e me formei no final do ano 2000. Fizvestibular para pesca e não passei.

Em 2002, consegui ficar num cursinho pré-vestibular oferecido por um deputado.Em maio deste mesmo ano, viajara para Itapiúna no Ceará, e lá fiquei até final dejulho estagiando como técnico agrícola de uma fazenda de piscicultura. No mês de

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agosto voltei a Recife, paguei minha inscrição no vestibular com o dinheiro quetinha recebido da fazenda.

Consegui outra bolsa de estudo num outro cursinho pré-vestibular intensivo e meupai arrumou um trabalho de auxiliar de serviços gerais na Universidade Rural. No fim doano, fiz a prova e passei para o curso de engenharia agrícola na UFRPE. Dessa vez eudormia e acordava, mas não acreditava que tinha conseguido passar no vestibular, issotodo dia, durante toda a semana, eu morria em sonhos e planos para o resto da vida. Minhafamília era uma alegria só, eu era motivo de orgulho para eles, para algumas pessoas dacomunidade e para meus amigos.

No ano de 2005, fui desligado da universidade, pois, tinha sido reprovado em física pelaquarta vez. Nesta época, caiu um dilúvio sobre minha cabeça. As pessoas me olhavam nas ruase achavam bom eu ter ficado fora da universidade, meu pai chorava o tempo todo; eu era oorgulho dele. Eu era taxado por pessoas que eu tinha como ícone dentro da instituição.

Ouvia gracinhas do tipo: “Ta vendo, já viu pobre na universidade”, “mas rapaz, tomevergonha na cara”, “outra chance desta você não terá nunca mais”; neste período, tambémrecebi apoio de muitos amigos. Dois professores da universidade, Prof. Gilberto Farias,junto com o Prof. Paulo Donizetti, arranjaram-me um trabalho de ajudante de pedreiro nareforma de um anfiteatro. Neste “trampo”, recebi muito estímulo de Senhor Correia, Baixa,Tony, Maciel Véio e Severino Biu.

Essas pessoas me apoiaram em tudo, palavras morais, sempre faziam algo para mostrar-me que a universidade era um grande avanço para minha carreira profissional, dentre outrascoisas boas. Considero estes homens, como grandes pessoas, verdadeiras pérolas de grandevalor, fizeram-me ressurgir das cinzas.

Resolvi então fazer novo vestibular, tentei isenção da taxa de inscrição, não foi possível,e o dinheiro que ganhava era todo para cobrir às necessidades minha e de meus familiares.

No último dia destinado ao pagamento da taxa, Maciel “Veio” chamou-me num canto,entregou-me um envelope. Quando abri o envelope, fiquei surpreso, nele continha a quantiade cem reais em espécie. Olhei para ele e disse que não seria necessário, pois, já tinharecebido o dinheiro da semana, ele voltou-se pra mim, e disse: - Guarde seu dinheirinho,servirá para você fazer sua feira. Com ênfase, o agradeci. Ele voltou-se para mim, e falou: -você me alegra passando no vestibular.

Foi um grande momento para mim. No fim do ano, prestei vestibular para agronomia,e hoje em 2006, curso o segundo período e pretendo terminar e me especializar na área defloricultura. Retomei a confiança e o orgulho de meus pais e meus irmãos, estou esperançosocom meu futuro.

Hoje, estou no Programa Conexões de Saberes, recebo uma bolsa, e este incentivo mefaz continuar na universidade. Este projeto é inigualável, mostra que a universidade é acessode todos, sem distinção de raça, gênero ou posição social, é maravilhoso. Estou muito feliz noConexões de Saberes. Continuo lutando e agradecendo a Deus o apoio de todos que acreditamna minha pessoa. A família, os amigos, os professores e minha linda esposa. Isto está mefazendo continuar a caminhada para uma formação de qualidade, em busca de meu legado.

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Caminhar

Queria poder lembrar-meSó dos momentos felizes,Mas gosto de lembrar osMomentos ruins;Ele ajuda-me a lutar.Aprender com meus erros,Correr atrás dos prejuízos,Trabalhar para crescer,É um prazer que traz felicidade.Assim aprendo a viver,Sem morrer como muitos,Perdidos na carcaça da preguiça,Invasora de suas imaginações,Onde esbarram em seus medos,Perecendo presos em seus destinos.Agradeço a Deus por ser feliz,Mesmo com minha face em lágrimas,Ainda assim tento sorrir.Ao menos sei que ela lava meu rosto,E em minutos volto a encarar a luzNo sentido de minha caminhada.

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Felipe Gomes da Silva*

Não foi em um 5 de março qualquer; foi em 5 de março de 1984, em Pernambuco, plenasegunda-feira de Carnaval, que o mundo se preparou para me receber. Creio, porém, que eunão estava preparado para receber o mundo. Talvez, naquela época, as coisas não fossem tãoruins como agora, mas como tudo na vida pode mudar, a minha própria vida mudou.

Da estabilidade de que tanto gostava e que tanto me proporcionava, sinto falta dosfinais de semana no parque, nas feirinhas, e principalmente, da situação financeira regular.

Comecei a estudar em uma escola particular, em São Paulo. Adorava as lições e asfestinhas. Os professores eram ótimos e eu adorava quando eles pintavam uns quadrinhosque deveriam ser entregues aos meus pais. Até chegar à alfabetização, nada mudou muito, anão ser o fato de que foi nessa época que meus pais decidiram voltar para Pernambuco.Ainda assim, não houve grandes mudanças: continuava a alfabetização em um colégioparticular em São Lourenço da Mata; o colégio, os professores, as festas, tudo muito parecido.A diferença estava nos novos colegas, mas logo me adaptei.

O tempo foi passando e tudo continuava praticamente na mesma. Algo aconteceu,porém, que mudou o rumo de minha vida. A minha avó ficou doente - câncer - e tudo ruiu:aquela vida certinha, com encontros felizes nas festas e ao longo do ano, na casa de praia emPonta de Pedra, tudo isso não tinha mais graça.

Diante da gravidade da doença de minha avó, todos os esforços da família foram paraa sua recuperação. Aquela estabilidade financeira já não existia mais. Eu estava na 8ª sériequando meu pai e toda a família gastaram tudo o que tinham no tratamento da doença deminha avó. Foi nessa época que ele me comunicou que eu deveria passar em uma escolafederal ou seguir para uma escola pública. Minha avó faleceu e tudo mudou.

Consegui passar no CODAI, da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE- foi, ao mesmo tempo, bom e ruim. Ruim, porque deixava todo o mundo que conhecia, oSanta Sofia, colégio em que estudei da 5ª a 8ª série. Bom, porque o colégio não era o queimaginava, as pessoas eram boas e eu estava gostando muito de lá. Foi quando algumacoisa em minha vida se revelou diferente: eu ficava esperando para saber, sem certeza doque aconteceria.

Com a morte de minha avó, nossa situação financeira mudou muito; foram feitasmuitas dívidas e isso nos obrigou a desfazermo-nos da casa de praia. Tudo concorriapara que eu e meus irmãos tivéssemos que deixar os colégios particulares e entrar emescolas públicas.

Assim é a vida...

Graduando em Engenharia Florestal.

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Agora, começava a minha caminhada: quando eu realmente tive que suar para vencer.Com todas as dificuldades que eu e minha família tivemos de enfrentar, fiquei meio semrumo. Tive que me esforçar mais nos estudos. Não era como nas escolas particulares, que osprofessores ficavam em cima dos alunos. Tinha de correr atrás. As novidades, no entanto,não eram todas boas: meu pai não conseguiu se recuperar do rombo financeiro. Tínhamosum negócio - uma granja -, que ele acabou fechando. As coisas, então, começaram a piorar;o que eu não achava que fosse possível acontecer: perdemos também a loja de bombons.Estávamos totalmente quebrados.

Isso começou a interferir diretamente em meus estudos. O primeiro ano correu bem,mas, apartir do segundo, as dificuldades foram muitas. Eu estava totalmente “enturmado”;tinha feito tantos amigos, como nunca o fizera antes; era conhecido; fundei, com os colegas,o primeiro Grêmio Estudantil do CODAI; estava me esforçando nos estudos; conseguiaboas notas, com muita luta... mas a falta de dinheiro tornou essa luta muito mais dura.

Em pleno meio dia, atravessava o viaduto, num “sol de rachar”, e guardava os poucosrecursos para lanchar, mas me sentia ainda aquele garoto de antes, de quando tudo era bom.Ainda não entendia a nossa situação e reclamava com meus pais por não me darem dinheiro.

Cheguei ao terceiro ano, era o último. Já era época de pensar no vestibular, mas nãodei muita importância para isso. Fui levando a minha vida normalmente, como se ainda nãoentendesse a minha condição. O ano passou e eu também. Meu pai fez um esforço tremendoe pagou três meses de aulas preparatórias para o vestibular. Não dei muita importância e oresultado foi “bomba” nas provas.

Mais um ano... teria de me reorganizar e tocar a vida em frente. Meus pais não mecobraram muito, mas falaram que eu deveria me esforçar e aproveitar as oportunidades,enquanto as tinha; diziam-me que, um dia, eu aprenderia a dar valor às conquistas,principalmente quando eu pagasse por isso, santas palavras do sr. Caio.

Apesar de ter concluído o Ensino Médio, continuava estudando no CODAI. Fazia ocurso Técnico em Agropecuária - gostava muito dele - e no tempo vago entre o curso e osestágios, estudava para o vestibular. Só que, ainda uma vez, sem dar muita importância aele. Tinha algumas incertezas dentro de mim: que curso fazer? Era isso que eu queria?Estava me preparando? Havia muitas perguntas sem respostas. Estava muito empolgadocom o curso Técnico; pensava em me formar e trabalhar.

Em casa, começaram as perguntas: “você já sabe que curso tentará no vestibular?” Eagora? Começaram as pressões, mas infelizmente, fui levando, levando... agora sim, cobrançase mais cobranças (e com toda razão): eu estava ficando mais velho, concluí o curso Técnico,comecei a entender a minha vida (eu já sabia dela) e briguei com meu pai, quando ele medava mais uma lição de moral, dizendo que passaria no vestibular com minhas forças erecursos.

Comecei a trabalhar em uma dessas lojas de fast food. Pagava-se pouco e trabalhava-se muito, muito mesmo. Ouvi a célebre frase: “Agora você vai saber o valor das coisas!”Acredito que, neste ano (2005), com o trabalho conciliado aos estudos, com o cansaço,com a revolta de trabalhar tanto e ganhar tão pouco e com outras coisas mais, encontreiforças sobre-humanas para seguir em frente, e mais forte do que nunca, passar por umaprova que não era escrita, a mais difícil de todas as provas: meu pai adoecia. Meu pai,aquele homem forte, alegre, cheio de vida, ficava sentado, com dores no estômago, napoltrona da sala.

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O tempo passava, o fim do ano se aproximava, o vestibular também. Meu pai foioperado... era o fim. Meu tio Paulo nos ajudou muito; ele próprio fez a cirurgia de meu paie descobriu que ele tinha câncer no estômago. Meu pai, aquele mesmo das brincadeiras edas brigas, dos gritos e sorrisos muito fáceis de se ver; aquele que eu amava e sabia o quantoamava, estava frágil, e cada vez mais fraco.

Chegou o dia: prova na Rural. Passei na primeira fase (não me lembro a nota). Erabom, mas havia passado nos dois anos anteriores... era só a primeira fase! Podia ver nosolhos de meu pai a satisfação por me ver realmente lutando; minha mãe, figura de importânciainfinita em minha vida, ficou alegre; e outra pessoa que me ajudou e apoiou nessa fase deminha vida foi Priscilla, minha namorada.

Continuei minha rotina: trabalhava, fazia o cursinho, voltava para casa e tudorecomeçava. Meu pai piorava e eu ficava preocupado, muito preocupado. Chegou o dia dasegunda fase. Eu estava pronto; agora, tinha uma meta e a cumpriria. Era o sonho de meupai. A prova foi boa... era só esperar. Comecei a ficar impaciente, queria saber se tinha sidoaprovado no vestibular. Paralelo à minha ansiedade, crescia minha preocupação: meu paificava pior. Não sabia o que fazer.

“Parabéns!”, todos diziam, havia passado no vestibular. Só queria chegar em casa,abraçar minha mãe, beijar minha namorada, receber abraços de meus irmãos e dizer: “Pai,consegui!”. E o fiz. Meu pai, no entanto, parecia não estar empolgado; a tristeza deleparecia entrar em mim. Eu também não estava feliz. Trocaria minha vitória por um sorrisodele, um amarelo mesmo, mas não ganhei. Meu pai era internado. Quanta dor... passava novestibular e estava perdendo uma das pessoas mais importantes para mim. Sentia-me triste,queria chorar, mas não podia. Alguém tinha de ficar firme e elegi a mim mesmo para isso.

Em 2006, fui morar nas Graças com Silvana, uma amiga da família. Ela me ajudoumuito. Passei todo o primeiro período com ela. Meu pai piorava muito; até que me ligaram,dizendo: “Felipe, vem pra cá, teu pai não vai agüentar mais”. Se houver dor maior do queaquela, que eu nunca sinta. Fui ao hospital. Larguei a apresentação de um seminário e fuificar com ele. Passamos as últimas horas de sua vida juntos, de mãos dadas, enquantoconversávamos sobre a vida, a Universidade, sobre tudo... foi quando a morte o levou.

Passei para o segundo período, mas não havia graça nem sentido. Eu amava meu pai(amo-o ainda), assim como amo toda minha família. Por eles, devo levantar e lutar. Assim éa vida: uma luta constante, com perdas e conquistas.

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Chamo-me Fernando Bruno Vieira da Silva. Nasci no dia 27 de novembro de 1986,num belo verão, em Maceió, capital alagoana. Sou filho de José Severino da Silva, um paique nunca conheci, não por força do destino, mas sim, por desprezo, pois ele abandonouminha mãe e eu, quando ainda era pequenino.

Minha mãe chama-se Jaquilene Vieira da Silva, empregada doméstica. Logo quandonasci fui abandonado também por minha mãe, traumatizada com o ato do meu pai. Diantedisso, minha avó materna, Benedita Vieira da Silva (aposentada, uma grande mulher,destemida em vencer na vida), e meu avô materno, José Ramos Marques (mecânico,trabalhador e um grande batalhador na vida), decidiram me criar. Minha avó tinha se casadopela segunda vez. Mãe de oito filhos, logo cedo ficou viúva, quando seu primeiro esposofaleceu, pai biológico da minha mãe. Quando com eles fui morar, todos os seus filhos játinham saído de casa, então com isso acabei sendo o primeiro filho do segundo casamentode minha avó. Minha mãe teve ainda mais dois filhos (um casal) e como eu, passaramtambém a ser criados pelos meus avós.

Em 1991, quando tinha cinco anos, entrei numa escolinha particular, para fazer JardimII; era uma escola bem humilde, chamada Circo Peráltas, no bairro da Pitanguinha, nacidade de Maceió.

Era difícil a vida financeira lá em casa, principalmente quando meu avô estavadesempregado, mas isso nunca foi motivo para atrapalhar os meus estudos, pois elessempre deram prioridade a nossa educação. Lembro que, na minha primeira escola, curseia alfabetização, pois nos mudamos para uma usina chamada Cucaú, na cidade de RioFormoso, Pernambuco. Isto ocorreu em 1993. Lá, ingressei numa escola pública e fiqueiaté a 3ª série e em 1995, tivemos que nos mudar de novo, agora para Caruaru. Comecei aestudar no colégio estadual Dom Vital, onde só fiz a 4ª série, pois o colégio era muitoviolento; nele, muitas vezes, fui roubado. Saindo do Dom Vital, fui para o colégiomunicipal Álvaro Lins, ainda em Caruaru, e de lá tenho, até hoje, boas lembranças. Estudeinesta escola da 5ª à 8ª série. Tive que sair de lá, porque outra vez precisamos nos mudar.O próximo destino foi uma cidade litorânea de Alagoas, chamada Barra de São Miguel.Ela é uma bela cidade coberta por perfeitos recursos naturais. Foi nesta cidade onde meusavós decidiram ser comerciantes.

Comecei a trabalhar e estudar à noite, era muito cansativo para mim, e por causadeste cansaço, acabei cedendo a tentação de parar os estudos. Minha avó ficou bastante

Fernando Bruno Vieira da Silva*

Graduando em Agronomia.

Memorial

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preocupada e logo me forçou a ir a escola à noite; neste tempo, estudei numa escolamunicipal da cidade; era horrível, pois só havia pessoas mais velhas do que eu.Consegui suportar esta fadiga durante três meses. Logo depois, acabei parando de vez.Continuei o resto do ano de 2000 só trabalhando de manhã até a noite no estabelecimentocomercial dos meus avós.

Este mesmo ano foi marcado por uma grande tristeza em casa: nossos recursos financeirosficaram escassos. Por causa disso, acabei ficando longe dos meus irmãos: minha irmã foimorar com uma tia minha, em Caruaru, e meu irmão mais novo foi embora para Roraima,morar com minha mãe, pois ela já tinha se casado de novo.

Eu continuei morando com meus avós, mas era triste toda vez que chegava em casa esentia falta deles. Tive, no entanto, que aceitar a perda. No outro ano, em 2001, meu avôcolocou uma pessoa para nos ajudar, daí voltei a estudar, agora no colégio municipal FloreanoPeixoto, em Maceió. Lá, estudei até o segundo do ensino médio. Neste mesmo ano fizdezessete anos. Tinha chegado a hora de me virar na vida. Foi aí que saí de casa paraconquistar o meu futuro. Aquele dia foi o segundo mais triste da minha vida. Chorei muito,pois sabia que iria sentir muita saudades daqueles que não eram meus pais biológicos,porém cuidaram de mim e me amaram como se fossem. O meu próximo destino foi Araçoiaba,uma pequena cidade da região metropolitana de Pernambuco.

Meu ano de chegada nesta cidade foi 2005. Fui morar com meus tios, juntamente commeus três primos filhos deles. Logo comecei a trabalhar com o meu tio nos finais de semana,no seu estabelecimento comercial, e durante a semana estudava no colégio Maria GayãoPessoa Guerra. Esta é uma escola estadual que se localiza no centro da cidade; nela estudavano período da tarde e durante o resto do dia, estudava para concursos públicos que surgiam.

Meus estudos foram intensos neste período, pois grande era a minha vontade de meestabelecer na vida, porém, de todos os concursos que fiz tive a infelicidade de não seraprovado em nenhum.

Chegando o final do ano de 2005, e como eu estava cursando o terceiro ano do ensinomédio na escola estadual, resolvi me inscrever para o vestibular no curso de agronomia. Deinício era como se fosse uma idéia sem sentido, pois antes nunca tinha me interessado emfazer um curso de nível superior.

Contudo a vontade veio e com muita força, me esforcei um pouco mais nos estudose no dia 27 de novembro de 2005, na data do meu aniversário, iniciei a primeira fasedo vestibular.

Quando saiu o resultado da primeira fase do vestibular e fiquei sabendo que tinha sidoaprovado, a minha vontade cresceu de forma extraordinária em relação a ser um universitário.Comecei então a estudar mais e a me preparar para a segunda fase. Confesso que, pra mim,a segunda fase foi mais tensa que a anterior, mas fiz e fiquei na espera do resultado.

Depois de vários dias, e isso já em janeiro de 2006, saiu o tão esperado resultado pramim, lembro que neste dia me reuní com colegas que também tinham prestado vestibularcomigo e que também estavam na mesma situação que eu - todos ansiosos pelo resultado.Então, fomos a uma loja na cidade em que havia internet e começamos a verificar oresultado de cada um. Era um grupo de quase oito pessoas, e entre elas, fiquei por último,para obter o resultado. A cada resultado negativo que saía era uma expressão de choro naface daquele que o recebia.

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Quando chegou a minha vez (nenhuma das pessoas antes de mim tinha sido aprovada),pra minha surpresa, eu tinha sido aprovado em engenharia agronômica na UniversidadeFederal Rural de Pernambuco. Aquela noite compensou todos os dias tristes da minhavida. Só queria saber de rir e dizer a toda população daquela cidade que eu tinha sidoaprovado no vestibular.

Daquele dia em diante, senti algo mudar dentro de mim, ou seja, senti-me capaz deconquistar tudo o que quero - tão-somente com a confiança em mim mesmo.

Hoje na universidade, indo para o terceiro período do curso, me vejo já como umgrande vitorioso por conseguir vencer muitas batalhas dentro e fora da academia. Diante detantos obstáculos, alcancei vitória, e até o fim serei vitorioso.

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Nunca gostei muito da escola, atrasei minha entrada no maternal por chorar muito,talvez saudades de minha mãe. Aprendi a ler cedo e tive várias oportunidades de adiantarmeus estudos, mas minha mãe não permitiu, pois estava numa idade aceitável dentro dospadrões, se não reprovasse nenhum ano, acabaria o ensino médio com 18 anos.

Minha formação primária aconteceu sem maiores problemas pois estudei em umaescola particular até a 2ª série do ensino fundamental, por motivos financeiros, passei aestudar em escola pública municipal e minha antiga escola deu para dar conta sem maioresproblemas até a 5ª série.

Nunca fui mal aluno, apesar de não gostar muito de estudar, mas a partir da 5ª série ascoisas mudaram. Ingressei na escola estadual Barão do Rio Branco, que mais tarde mudoude nome para Ariano Suassuna.

A 5ª série foi muito problemática para mim. Talvez não tenha me adaptado a tantosprofessores, mas naquele ano minha principal dificuldade foi matemática. Matéria na qualfui para recuperação final. Graças a Deus passei, por ironia, o destino apronta em minhaeducação de base, por ter me dado mal logo em matemática.

As coisas saíram bem na 6ª e 7ª série, pois passei por média sem dificuldades. Talvezagora sim eu tenha me adaptado a esse modelo de escola. Um fato importante que aconteciaaté então sem eu perceber, era que eu chegara na 8ª série com o mesmos colegas da 5ª ealguns ainda da 3ª série, que tiveram papel fundamental no incentivo de meus estudos.

Tive dificuldades ao chegar na 8ª série, não sei ao certo o que aconteceu. Talvez,tenha mudado minha atenção para diversões paralelas, meu interesse de fato tinha mudado,e como resultado fui para final novamente em matemática, passei nas últimas.

Ao entrar no ensino médio, tive uma imediata preocupação com meu futuroprofissional. Não iria entrar numa universidade pois minha família não tinha condições depagar. Uma universidade pública seria inviável, visto que nenhum de meus amigos e familiarestiveram acesso até então.

Nesse período, comecei a mexer com computadores desde o básico até manutenção,ao ganhar meu primeiro computador aprendi ainda mais coisa na área.

Meu foco mudou, agora, queria saber de garantir meu futuro profissional na área decomputação. Mesmo assim, não me dei mal no colégio. Este ano, ao final do 2º ano, já tinhauma visão melhor do que eu queria fazer, um curso superior em computação. Pois no ano

Fernando Tiago N. Medeiros*

Graduando em Matemática.

Memorial

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anterior o irmão de um de meus colegas foi o primeiro no colégio a conseguir uma vaga numauniversidade pública, logo após sair da escola. Ele cursa licenciatura em física na UFRPE.

Nesse período, conheci meu pai que até então não tinha participado de minha criação,ele me incentivou junto com minha mãe. Apesar de tudo eu continuava desacreditado, poisaté alguns familiares colocavam barreiras. Fiz minha inscrição em 2 pré-vestibulares o Pré-acadêmico e o Portal na própria Universidade Federal. Para mim, fazer parte de um pré-vestibular dentro da UFPE já era um sonho distante. No dia de fazer a prova do Portal nãolembrei, só no outro dia fui me dar conta que perdi a prova. Bem, acho que foi reflexo deminha baixa estima quanto à aprovação. Mesmo assim, com incentivo de meus amigos fiza outra prova no qual estava inscrito. E, por sorte, acabei passando. Bem, para escolha demeu curso no vestibular, foi até importante eu faltar a primeira prova, pois o pré-vestibularque eu tinha passado era de incentivo a licenciatura e a docência.

Durante o curso, minha perspectiva mudou. Talvez eu tivesse me dado bem com acomputação, mas o curso me envolveu com a matemática. No meio da greve dos colégiosestaduais, fizemos grupos de estudos onde cada um de nós “ensinava” uma matéria e eufiquei com a matemática, me identifiquei com o ofício.

Tínhamos uma competitividade muito grande, o que foi muito bom, pois nenhum denós queria ficar para trás. Conquistamos muitas coisas juntos para o colégio, aumentando,assim, nossa estima. Neste ano, fui o 13º colocado na etapa de Pernambuco da Olimpíada deMatemática. O colégio teve o primeiro lugar do Estado. Também, fiz o Rumo à Universidade,que ajudou ainda mais a aumentar minha confiança e fazer uma ótima prova de vestibular.

Hoje curso 2° período de Licenciatura em Matemática e tenho uma visão mais abertaquanto à meu futuro pessoal e profissional. Pois dou aula em cursos pré-vestibularcomunitários e fico muito feliz em saber que estou ajudando pessoas com o mesmo sonhoque eu. Além disso, tenho pessoas maravilhosas ao meu lado que tanto me incentivaram achegar aqui como me orientam a chegar mais longe.

Talvez, ate eu possa seguir para um mestrado em Biometria e ser professor de nívelsuperior, pois apesar de ser um sonho distante, hoje, sei que é possível. Na verdade, atépassar pelo Conexões de Saberes não tinha uma perspectiva de prosseguir na área deeducação, apenas pensava em matemática pura, hoje, me questiono se não seria bom seguirnesse ramo da educação. E ser professor de nível superior.

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108 Caminhadas de universitários de origem popular

Francisco Ernandes Braga de Souza*

A proposta do Memorial é uma idéia muito interessante: faz-nos rever nossa história eperceber toda a trajetória realizada até o presente. Confesso que essa proposta deixou-meinquieto. Relatar um pouco de minha história, ainda que suscintamente, tem me causadoemoções. Estou convencido de que contar um pouco dessa história me fará bem, e ao mesmotempo, permitirá que rememore tantas coisas que aconteceram - os muitos passos significativosque foram por mim dados.

Nasci aos quatorze dias do mês de outubro, no sertão do Ceará, no Município deAcopiara. Filho de pais agricultores e com uma irmã que se chama Elizângela.

O contato com os estudos deu-se muito cedo. Tivemos aulas particulares com umaprima lá em nossa casa. Quando chegamos à idade ideal, fomos matriculados na escolamunicipal da comunidade. Não senti dificuldades; logo aprendi a ler e a escrever, sendodesignado a escrever as cartas para nossa família em São Paulo. Lembro de que gostava deestudar e nunca fui “obrigado” a fazer as atividades propostas pela professora.

Minha mãe sempre nos ajudava nas tarefas que deveriam ser feitas em casa. Ela nosajudou até quando foi possível, pois só estudou até a 3ª série do Fundamental. Meu pai éanalfabeto e sempre foi muito compreensivo com o meu desejo de estudar. Nunca mediramesforços, sempre nos incentivando.

Recordo muito bem que, às vezes, ele lamentava, porque trabalhava sozinho. Semprefalava que, se a minha escolha era estudar, que estudasse! Proporcionou-me a oportunidade queele mesmo não pôde experimentar. Disso, jamais me esquecerei. Foi o melhor presente recebidode meus pais, já que, economicamente, eles não tinham condições de nos oferecer outros.

Estudei na escola da comunidade até a 2ª série. Hoje, essa escola, que se chamavaPedro Alves Feitosa, se encontra fechada, pois na comunidade não há número suficiente decrianças para o seu funcionamento.

A minha primeira professora do ensino regular foi Raimunda, conhecida por Mundica.Quando vou de férias à casa de meus pais, não a deixo de visitar. Tenho grande admiraçãopor ela. Como dizem: das primeiras experiências a gente nunca esquece.

A escola oferecia até a 2ª série. A partir daí, tínhamos que estudar na escola da vila,chamada Isidoro, que ficava razoavelmente distante. O percurso diário era feito a pé. Éramosuma turma numerosa. Fazíamos muitas brincadeiras pelo caminho. Muitas vezes eradivertido. Outras tantas vezes, “castigante”... pelo sol do meio-dia e o cansaço da ida e davolta. Mas o prazer de estudar nunca faltou.

Graduando em Normal Superior.

O caminho se faz caminhando

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Foram quatro anos de caminhada da minha casa, no sítio Riacho do Meio, à VilaIsidoro, onde cursei da 3ª a 6ª série. A opinião que tinha sobre o lugar onde morava não eralegal. Sempre reclamava, pois achava isolada, sem estrada e transporte e não tinha energiaelétrica. Quando precisava estudar à noite, tinha que usar a lamparina.

Há quase cinco anos, a comunidade foi beneficiada com a tão sonhada energia elétrica.Outra questão muito polêmica é a seca. Faltava água e muita gente também não tinhacomida. Lá em casa, passamos por muitas dificuldades, mas nunca ficamos sem comer.Graças a Deus e ao esforço de meus pais.

E a vida de estudante continuava... a partir da 7ª série, tínhamos que estudar na cidade.O caminho ficava mais comprido. O percurso de minha casa até a estrada onde o transporte“pau-de-arara” nos apanhava era muito distante. Muitos de meus amigos desistiram, outrosforam embora. Concluí a 8ª série sozinho, pelo mesmo caminho, pois os poucos persistentesmudaram de rota.

Esse caminho que fazia todos os dias era cheio de ladeiras, altos e baixos, buracos epedras. Sem falar do sol quente do sertão e da fome. Chorei tantas vezes porque não tinhadinheiro para fazer um lanche. Apesar de tudo isso, jamais pensei em desistir, mas muitas vezessenti-me desanimado e irritado. Reclamava muito da Prefeitura, pela falta de assistência maisdigna aos estudantes. Reclamava também do lugar onde morava, pois achava que, morandolá, as dificuldades eram maiores. Estudar era como se fosse um refúgio e a oportunidade deestudar seria a garantia de conquistar algo melhor na vida: superação daquela realidade.

Alguns anos se passaram. Estava no Ensino Médio, próximo de concluir os estudos. Odilema aumentou de proporção, tinha que estudar à noite. Todos os meus amigos, agorasim, já não estavam mais comigo. Restávamos apenas eu e minha vontade. Nunca planejeidesistir. Mas estava vendo uma alternativa. Ao mesmo tempo, surgiram as dúvidas se iria mematricular no Científico ou em Contabilidade. Por várias razões, fiz o Técnico emContabilidade; até hoje lamento a escolha mal-feita (sem comentar tanto a péssima qualidadedo curso e as sucessivas greves ocorridas).

Passei alguns anos após concluir o segundo grau, sem saber o que fazer de prático. Fuifuncionário público por dois anos, com aquele tipo de contrato conquistado por meio deapadrinhamento político. Neste período, comecei a fazer parte de grupos ligados a IgrejaCatólica. Militávamos apoiados à ideologia dos movimentos sociais. Foi uma fase muitointeressante em minha vida.

Decidi, depois, fazer uma experiência missionária na Congregação Redentorista. Nuncaacreditei que seria padre. De fato, esse não foi o meu objetivo. Queria ser missionárioconsagrado. Essa história durou cinco anos. Durante este período, cursei o Bacharelado emTeologia, na Universidade Católica de Pernambuco. Há um ano, desisti dessa idéia. Resolvipermanecer aqui em Recife. Não gostei do curso. Não foi tempo perdido, porém, não mevejo atuando como profissional dessa área.

Tracei alguns objetivos, entre eles, fazer uma outra graduação: uma licenciatura. Semprequis ser professor e quero ser professor. Fiz vestibular para Licenciatura em Normal Superiorna Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. Não acreditava que passaria, emfunção das dificuldades com as disciplinas de Exatas. Mas foi possível! Estou numauniversidade federal e pública, fazendo um curso do qual estou gostando. Tem sido difícilconciliar tudo - os estudos e a luta pela sobrevivência -, mas estou convencido de que só sefaz um caminho caminhando!

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Gabriel Soares Santos*

Caro leitor, quero iniciar este relato, informando-lhe que não desejo apenas falar doquão difícil foi chegar até a universidade pública e como é complicado garantir minhapermanência na mesma. Meu objetivo é que ao ler esse breve relato sobre minha vida, vocêque não é oriundo de comunidades populares possa ser sensibilizado. Mas não apenas isso.Que a partir desta leitura, você venha a ser estimulado a dar sua contribuição para construçãode uma sociedade mais justa. E você que vem de comunidades populares e viveu ou vivedificuldades comuns ou até piores que as minhas, sinta-se ainda mais forte para enfrentá-las.

Chamo-me Gabriel Soares Santos, nasci no dia 12 de outubro de 1981 na cidade doRecife. Não me lembro, mas minha mãe falou-me que nasci prematuro e fiquei por umtempo na incubadora do hospital. Tive pneumonia, quase morri, todavia, creio que aprendia vencer desafios a partir do meu complicado nascimento, pois, consegui ser mais forte quea morte e lutei pela vida.

Mas grandes dificuldades ainda estariam por vir. Fui o segundo de uma família dequatro filhos. Como toda família de origem popular, passamos por grandes dificuldadesfinanceiras, e por muitas vezes, faltou o leite para aquelas quatro crianças, e minha mãeficava desesperada. Aos oito anos de idade, iniciei a 1ª série em uma escola pública deensino fundamental-1, Escola Municipal do Jordão. Lembro-me que tive uma grandeadmiração pela minha professora da 1ª série, acho que foi uma daquelas paixões que algumascrianças têm pelos seus professores por estarem muito próximos a eles.

Durante minha infância, não saía muito de casa, brincava muito com meus irmãos, naescola era uma criança fechada no meu mundo particular. Em 1993, aos doze anos de idade,estava na 5ª série do ensino fundamental-2, na Escola Professor Fernando Mota, ondeterminaria o ensino médio em 2001. Ainda em 1993, vivíamos um grande drama familiar,pois meu pai estava no ápice do alcoolismo e quase todos os dias chegava bêbado em casa,e muitas vezes, chegou a bater na minha mãe. Tudo isso me machucava muito por dentro eeu ficava pelo colégio para não chegar em casa e ter que vivenciar tudo aquilo outra vez.Em 1999, aos dezessete anos de idade, cheguei ao primeiro ano do ensino médio. Nesteperíodo, meu pai estava desempregado e minha mãe teve que trabalhar. Neste ano, passei apreocupar-me mais com o meu futuro e comecei a estudar mais.

Em 2000, aos dezoito anos de idade, era ano de alistamento militar, mas decidi quenão queria passar um ano sendo humilhado e depois sair de um quartel com uma mão nafrente e outra atrás. Por isso, fui alistar-me depois dos dezoito anos na esperança de não ficar,

Como bom brasileiro, não desisto nunca

Graduando em Física.

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e como esperado, não fiquei. Em 2001, estava no terceiro ano do ensino médio e decidifazer vestibular para Física. Nesse mesmo ano o Governo de Pernambuco lançou um projetoo “Rumo à Universidade” . Era um curso pré-vestibular nos finais de semana. Escrevi-mepara a seleção, fiz a prova e passei. Nesse projeto, recebia uma bolsa de cinqüenta reais paraestudar nos finais de semana. Após um ano de muitos estudos, chegou o dia do vestibular.Não fiz uma boa prova na primeira etapa, mesmo assim consegui passar à segunda fase,porém, devido à nota muito baixa da etapa anterior não consegui passar, chorei muito, masdisse a mim mesmo: “não vou desistir”.

Em 2002, já com o ensino médio concluído, não queria ficar em casa sem estudar. Fiqueisabendo de uma seleção que iria ter para o curso de Técnico em Contabilidade. Fiz a prova epassei. Comecei a estudar Contabilidade, entretanto, não esqueci que meu sonho era estudarFísica. Sendo assim, mais uma vez, fiz a prova de seleção para o “Rumo à Universidade” emais uma vez passei. Então, além de estudar Contabilidade, estava estudando para o vestibular.Estudei por cima das dificuldades que tive no primeiro vestibular.

No meio do ano, consegui um estágio numa prestadora de serviços do Banco doBrasil. Foi meu primeiro “emprego”, fiquei feliz na hora, mas depois vi que não iria fazernada na área de Contabilidade e para o meu curso não era interessante. Apesar disso, gostavamuito do meu chefe e ele me incentivava a nunca desistir.

No final de 2002, fui fazer a prova de vestibular com mais confiança. Quando saiu oresultado, eram 40 vagas para o curso de Física, e eu fiquei entre os cinqüenta melhores.Não consegui a vaga, mas não desanimei, pois tinha melhorado consideravelmente emrelação ao vestibular anterior. Em 2003, estava no último ano do curso de Técnico emContabilidade, não podia mais fazer “Rumo à Universidade”. Escrevi-me então em outroprojeto do Governo de Pernambuco o “PREVUPE” - pré-vestibular da UPE. Passei na seleçãoe comecei a estudar para o meu terceiro vestibular. Nesse período, ainda estava no estágio eia para o “PREVUPE” pela manhã e quando largava, ia correndo para o estágio, saindo delá para o Liceu de Artes e Ofícios onde cursava Contabilidade. Quando tinha dinheiro,comprava “biscoito Treloso” para almoçar, quando não, esperava o lanche do estágio queera um pão com margarina e café. Esse lanche era o que ia segurar meu estômago até as onzeda noite quando chegava em casa.

No final de 2003, quando estava próximo da data do vestibular, passei a ter crises dechoro constantes, pois, o medo do fracasso começou a tomar conta de mim. Porém, o incentivode professores e amigos ajudou-me a superar meus medos. Enfim, chegou o dia do vestibular,fiz a prova da primeira etapa e passei à segunda etapa, fiz o exame intelectual e fiqueiesperando a lista dos aprovados. Quando saiu a lista, não acreditei, havia passado, conseguienfim ingressar no ensino público superior. No final de 2003, além de ter passado novestibular, concluí também o curso de Técnico em Contabilidade. Porém, apesar do diplomada Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), estava desempregado, pois, haviaacabado o meu contrato no estágio. Em 2004, entrei na UFRPE cheio de expectativas evontade de crescer. Quando comecei o curso, percebi que assim como foi difícil entrar nauniversidade, mais complicado ainda seria permanecer e concluir o curso de Física. Sentios reflexos da má qualidade do ensino que havia recebido na escola pública.

No primeiro período, tive dificuldades em quase todas as disciplinas. Na primeiraverificação de aprendizagem, 1ª VA, entrei em desespero, tirei 1,5 na prova de CalculoDiferencial Integral. Conheci as madrugadas, perdi e ainda perco parte do meu sono estudando

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para as provas da universidade. Na segunda verificação de aprendizagem, 2ª VA, tirei 9,5 nadisciplina que havia tirado 1,5. Quando terminou o período, fiquei com uma reprovação nohistórico escolar, reprovei a cadeira de química geral. No primeiro semestre de 2005, estavano segundo período do curso e o nível de dificuldades foi aumentando a cada período quepassava, mas apesar de toda dificuldade, consegui terminar o período sem reprovações. Nosegundo semestre de 2005, estava no terceiro período do curso, e para tentar melhorar o meurendimento, saía de casa pela manhã e ficava na sala de estudos da biblioteca até o horáriodas aulas, porém, tinha muitas dificuldades, porque não tinha dinheiro para comprar almoçoe passava o dia a base de biscoito.

Em 2006, estava no quarto período, e nesse período, consegui um estágio para daraulas numa escola estadual. Esse estágio ajudou-me muito financeiramente, pois, às vezesfaltava aulas por falta de passagem. Passei seis meses lecionando na Escola BrigadeiroEduardo Gomes, mas queria fazer algo dentro da universidade por achar que seria melhorpara o meu currículo, todavia, nunca tinha tido tal oportunidade.

Fiquei sabendo do “Projeto Conexões de Saberes”, realizado pela universidade emparceria com o programa Escola Aberta. Resolvi escrever-me e fui selecionado para participardo projeto. Saí do estágio e hoje estou realizando atividades dentro da universidade etambém ajudando pessoas em comunidades populares, que, como eu, também têmdificuldades para chegar à universidade.

Aqui, termino este breve relato. Sei que ainda vou encontrar muitas dificuldades,porém, tenho certeza que as adversidades que estão por vir não me farão desistir dosmeus sonhos. Hoje, estou no sexto período do curso de Física, faço parte do ProgramaConexões de Saberes e não vou desistir, pois, como bom brasileiro não desisto nunca.Nunca desista dos seus sonhos.

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Gutembergue Francisco da Silva*

Um de Outubro de mil novecentos e oitenta e oito. Ano da promulgação da ConstituiçãoFederal e de tantos outros acontecimentos importantes.

Num distante município do interior de Pernambuco, chamado Barra de Guabiraba,às duas horas da manhã, ouve-se um choro. Acaba de nascer Gutembergue Francisco daSilva. Filho de Maria Luciene da Conceição e Cloves Francisco da Silva, de quemherdou o sobrenome.

Maria, dona de casa e cheia de zelo, trata de mostrar ao marido, um jovem pedreiro,seu novo filho, o segundo do casal.

Assim, começa minha vida. Em meio àqueles fatos historicamente importantes, eunasci. Quis meu pai que me chamasse Gutembergue, mas não o grande inventor alemão cujainvenção revolucionou a história. Não sou tão ilustre, embora inventivo.

Meu pai, junto com minha mãe, foi em busca de melhores condições de vida para afamília humilde, e mudamo-nos (eu, meu pai, minha mãe e minha irmã, um pouco maisvelha que eu) para a capital do estado. Chegando ao Recife, meu pai tratou de achar umlocal, e depois disso, procedeu à construção de uma casa muito simples, mas que erameu novo lar.

Depois de estabelecido, fui a dor de cabeça e ao mesmo tempo a alegria de Dona MariaLuciene, minha mãe. Sempre curioso, estava eu mexendo em algo, pulando e brincando.Como era muito traquina, como qualquer criança, fui algo assaz cansativo conter-me, vistoque não parava quieto. Tanto que, mais ou menos aos quatro anos de idade, com aincumbência de proteger a casa do senhor Antônio nosso vizinho, assassinei à pauladas -é isto mesmo leitor - um pequeno felino negro, julgando que fosse um monstro que ofereciagrande perigo, não só àquela casa, mas a toda vizinhança.

Mas sem mais delongas acerca das travessuras que cometi, avancemos um pouco maisno tempo. Aos cinco anos, fui conduzido por minha mãe à escola Cecília Brandão, contudo,as brincadeiras eram mais interessantes que as aulas. Isto até chegar à alfabetização. Daí emdiante, dividia o tempo, entre brincadeiras e lições escolares, encarava com um pouco maisde seriedade os estudos.

Futebol, bolinhas-de-gude, pipa, esconde-esconde, eram algumas das diversões que me deleitavam. Não esquecendo que era o terror das lagartixas - estas sim, nãosimpatizavam comigo, nem eu com elas. Ressalto que não era tão sádico quanto pensam,mas isso não convém explicar.

Sonhos: utopias possíveis

Graduando em Biologia.

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Quando freqüentava o ginásio, passei e ler mais e planejar um futuro para os estudos.Foi quando saí da escola Simon Bolívar, onde cursava, e fui para uma outra escola chamada Escola Professor Moacyr de Albuquerque. Lá, busquei uma maior qualidade de ensino, fizamigos e comecei a jornada rumo ao vestibular. Defini-me entre tantos outros cursos. Já naescola tinha uma “inclinação” por Biologia, pronta e paulatinamente cativada por amigosque também se preparavam para o vestibular como eu.

No terceiro ano do ensino médio, eu fiz uma prova de seleção e fui aprovado num pré-vestibular público que oferecia aulas nos finais de semana e uma bolsa em dinheiro paradespesas com alimentação e transporte. Isso foi possível graças à iniciativa do governoestadual em reparar um mal que atinge um sem número de estudantes de origem popular,não só em Pernambuco, mas também no Brasil.

Não me abati pelas dificuldades, empenho e superação foram o lema até os últimosminutos antes do vestibular. Fiz os exames. Infelizmente não fui aprovado numa dasuniversidades, mas esperei o resultado da Universidade Federal Rural de Pernambucoe passei.

Concretizei um sonho, meu e de minha família, que me apoiou tanto, até o dia do listão.E o melhor: estava no curso que eu planejava. Na família, foi uma alegria só, todos meparabenizavam embora não estivesse eufórico, estava feliz. Aceitei com naturalidade o resultadoe fiz o que muitos que vieram de família humilde não tiveram chance de fazer , só de sonhar.Este pensamento, me vinha à mente com freqüência, depois que comecei a estudar na UFRPE.E foi lá que conheci o programa Conexões de Saberes, uma iniciativa interessante que quertrazer o estudante de origem popular para a universidade e mostrar que, assim como eu, épossível que muitos outros consigam ingressar no ensino superior e provar que eles sãocapazes de ingressar e permanecer numa instituição de ensino superior público e de qualidade.

Nesse projeto, fiz amigos e tive a oportunidade de trabalhar junto com pessoas quepensam do mesmo modo e ajudam a construir um novo cenário na educação nacional.

Agora, penso em vôos mais altos e preparo-me para terminar o curso pensando já naPós-graduação. Isto é outro sonho, mas creio que as limitações são criadas por nossa mente.

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Isabelle Susan de Andrade Pereira*

Nasci em oito de novembro de 1982, chamo-me Isabelle Susan de Andrade Pereira.Dois anos depois, nasceu meu irmão. Nós dois começamos a estudar em uma escola particularde bairro, chamada Nossa Senhora da Conceição. Quando cheguei a 3ª série, tive queencerrar meus estudos em colégio privado, e fui, junto com ele para uma escola de redepública, Argentina Castelo Branco, pois minha mãe tinha de fazer 3º grau e não tinhacondições de se preparar para o vestibular das Federais, então, deu entrada em uma Faculdadeprivada. Algo muito importante acontecia: a separação dos meus pais.

Lembro-me que os primeiros dias na escola do Estado foram horríveis, mas acabei porme adaptar; ao sair de lá, cinco anos depois, senti muitas saudades.

Acabando a 8ª série do Ensino Fundamental II, eu e meu irmão fomos para o GinásioPernambucano, uma escola pública que, naquela época, se encontrava na rua do Hospíciopor motivos de reforma do prédio original, na rua da Aurora.

Logo no primeiro ano do Ensino Médio, ganhei de presente de uma tia da minha mãeuma viagem a Roma para ficar hospedada na casa de minha tia, irmã de meu pai. Foi maravilhoso,meu melhor presente de quinze anos, mas mal sabia eu que estava por vir outro presente,muito importante, que mudaria minha vida, virando-a do avesso. Estava grávida!!!

Em 28 de maio de 1999, nascia Lara. Morei dois anos com o pai dela e nos separamos.Meu Ensino Médio não foi interrompido, me formei e prestei meu vestibular para Letras naFederal. Não passei nem na primeira fase.

Conheci o Pré-acadêmico e freqüentei-o por um ano. Prestei vestibular para LicenciaturaPlena em Ciências Biológicas e passei. Foi muita felicidade!

No primeiro período de Biologia, comecei o curso de recepcionista no SENAC, queviabilizou meu primeiro emprego em uma clínica, onde eu ganhava por dia de trabalho. Lá,ia uma ou duas vezes por semana. Meu segundo emprego, foi em uma escola particular debairro; a experiência foi inesquecível, mas infelizmente, o salário atrasava e tive que sair.

Passei quase um ano à procura de um emprego e esta fase de minha vida possibilitou-me dar mais atenção à minha filha e à minha avó, que precisa de ajuda para se locomover.

Continuo estudando. Estou no nono período e pretendo ingressar no Mestrado emEntomologia Agrícola. Agradeço a Deus por todas as experiências vividas e por toda força que Eleme tem dado. Agradeço muito ao meu noivo, por ele existir e estar do meu lado. Agradeço à minhafilha, por toda a compreensão diante de minhas ausências. Agradeço, por fim, à minha mãe por terme ajudado em minha formação profissional, mas principalmente, por ter forjado meu caráter.

Caminho sem fim

Graduanda em Biologia.

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Meu nome é Jacilene dos Santos Clemente, sou estudante do curso de História naUniversidade Federal Rural de Pernambuco, filha de José Rafael Clemente, motorista eGercina Francisca dos Santos Clemente, dona de casa. Nasci no dia 30 de maio de 1986 emRecife-PE, moro em Nova Descoberta, sou a mais velha entre meus dois irmãos, José RafaelClemente Júnior e Rafaela dos Santos Clemente, mas não fui à primeira filha dos meus pais.Antes tiveram uma menina chamada Jaqueline Francisca Clemente, que morreu aos oitomeses, nove meses antes do meu nascimento, o que marcou muito minha infância.

Aos 3 anos comecei (devido a influência dos irmãos de minha mãe, que eu via semprecheios de cadernos) a querer estudar, meu pai não gostou da idéia, devido ao meu tamanhoe ao fato de, na época, não ser hábito em nossa família, colocar crianças tão cedo na escola.Mas um ano depois, minha mãe se impacientou, e fazendo-se valer do convênio que aempresa onde o meu pai trabalhava tinha com o SESI, me matriculou no SESI CAD PresidenteDutra, localizado no Vasco da Gama, onde eu estudei do jardim I a alfabetização e onde euli aos 6 anos a minha primeira palavra sozinha: GARIMPEIRO.

O interessante sobre a primeira palavra que li, é que minha mãe não faz idéia daprimeira palavra que falei, mas ela nunca esqueceu a primeira que li. Esse foi o momentomáximo da minha infância, junto com o dia que meu irmão, muito pequeno, chegou anossa casa nos braços da minha avó, e o dia em que vi minha irmã, muito branca, deitadana cama da minha mãe.

Aos 7 anos, concluí a alfabetização e fui estudar na Escola Estadual Gilberto Freyre,localizada no Alto Treze de Maio, no Bairro do Vasco da Gama, onde estudei até a 3ª sériee tive três grandes professoras, Shely, ela me apresentou o primeiro livro que li; Mônica, quetinha um grande sorriso; e Rita, que tinha uma voz muito suave e um rosto muito tranqüiloe amável. Nessa escola tem uma pequena biblioteca, e foi nela que eu comecei a pegaremprestado e ler os primeiros livros da minha vida, e aprender palavras que deixavamminha mãe assustada e a família do meu pai tão preocupada, que fui parar em uma psicóloga,ninguém achava normal uma criança viver lendo.

Aos dez anos, fui transferida para a escola Clotilde de Oliveira, na Avenida Norte,Casa Amarela, onde cursei da 4ª série do Ensino Fundamental ao terceiro ano do EnsinoMédio. Lá, por falta de atenção das pessoas que efetuaram minha matricula, terminei emuma sala onde a maioria dos alunos tinha mais de quatorze anos, essa diferença de idadecausou um conflito, pois eu tirava notas maiores que eles e era muito menor e mais nova.

Jacilene dos Santos Clemente*

Graduanda em História.

Memorial

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Esse não foi um ano fácil, o melhor desse ano de 1997, foi à descoberta da biblioteca daescola, que me pareceu enorme, ensolarada e cheia de estantes repletas de livros dos maisdiversos tipos e tamanhos. Eu adorava a biblioteca, e toda semana pegava um livro emprestado,o que me valeu o apelido de “Mundo da Lua”.

Nesse ano, ainda ocorreram algumas coisa desagradáveis, meu pai ficou desempregadoe as minhas colegas de classe passaram a ficar agressivas comigo, minha mãe teve de intervirjunto à direção da escola. As coisas se resolveram e eu passei para a 5ª série e o ano de 1997havia acabado e eu não lamentei nem um pouco o seu fim.

O ano de 1998, foi infinitamente melhor. Meu pai conseguiu um novo emprego; euconheci minhas amigas mais queridas, Aline, Nataly Cristina, Natally Paiva e RafaelaDantas; conheci Monteiro Lobato, antes tarde do que nunca; fiz da biblioteca uma segundacasa, como quase não tinha aulas, passava a tarde toda lá; e li muitos livros maravilhosos,“A marca de uma lágrima” de Pedro Bandeira, “Momo e o senhor do tempo”, “Evanhoé”,“Entre a espada e a rosa”, “Flores para Cecília” e “Jardim secreto” são os que eu maisme recordo hoje.

A partir de 1998, nós cinco passamos a ficar praticamente a tarde toda lendo livrosjuntas na biblioteca, coletivamente interessava-mos pelos livros infantis cheios de figurasou poesias românticas. E individualmente líamos o que interessava a cada uma em particular,se nós gostávamos do livro fazia-mos todas as outras lerem também, para poder comentardepois, assim, todas acabamos lendo “A marca de uma lágrima” e “O jardim Secreto”. Atéhoje eu e Aline, minha amiga mais querida, quando lemos um livro e dele gostamos fazemosa outra ler, exatamente como nessa época; ainda víamos as enciclopédias Barça com umacuriosidade enorme e mexia-mos nos livros didáticos de todas as séries.

Mais no ano de 2001, o idílio viu seu fim, eu estava acabando a 8ª série, e a escola jáestava de tal modo sucateada, que uma reforma teve de ser inciada. A biblioteca foi fechada,ela ia mudar para um local melhor, ia ganhar novas estantes e aumentar seu acervo de livros.Além disso, algumas amigas começaram a se interessar, com mais afinco pelo sexo oposto,os interesses mudavam.

O ano letivo de 2002, começou tarde e foi de uma dificuldade sem igual. As aulascomeçaram no dia 21 de março e nós do Ensino Médio tivemos que ficar no anexo, umgalpão onde as salas eram divididas por maderitos e onde era possível ouvir a aula degeografia do 1º A, de história do 2º A, Inglês do 2º C e a nossa de física ao mesmo tempo. Foiaí que começou meu desespero, no tocante ao vestibular. No ano anterior eu tinha feito umcursinho no NUCE (Núcleo de Concursos Especial), para me preparar para o vestibular doCEFET-PE, não passei, mas percebi o quão defasado é o ensino público no Brasil e senti quese eu quisesse estudar em uma instituição federal teria que me esforçar muito e trabalharduro em cima dos livros.

Eu entrei em desespero, mas minha mãe estava por perto e me deu muito apoio, e Alinetambém. Eu sou cristã protestante e foi um porto seguro, pois a Bíblia sempre tinha umversículo para me estimular e me incentivar a continuar estudando. Nesse ano de 2002, euainda descobri uma outra biblioteca e de lá tirei os livros de literatura de que precisava,junto com o de diversos outros títulos das ciências humanas, eu não tinha professores deCiências Exatas, então não sabia por onde começar a estudar esses temas, logo, só estudavamatemática. Foi ainda no ano de 2002 que o professor de português, Inaldo, me apresentouFernando Pessoa, foi amor à primeira vista, até hoje o “Eu profundo e os outros eus” é um

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dos meus livros de cabeceira. No meio de 2002, voltamos ao prédio de nossa escola, quepermaneceu em reforma por meses.

O ano de 2003, não mostrou muitas novidades, a não ser a eleição escolar e a produçãode um jornal escolar apoiado em uma pesquisa de opinião que deu muito trabalho, maslevou meu amigo Espedito Lourenço a ir apresentar o nosso trabalho em São Paulo em umevento do IBGE.

No final do ano, uma amiga da minha família avisou a uma de minhas tias, MariaRafael, que estava havendo inscrição para um pré-vestibular na Área 2 da UFPE, eu fui lá edescobri que não se tratava de um pré-vestibular comum, mas sim do Pré-acadêmico. O Pré-acadêmico é um curso que tem por objetivo ajudar estudantes oriundos de escolas públicasinteressados em fazer uma licenciatura em alguma ciência exata, a entrarem nas universidadesfederais e concluírem o curso com sucesso, dando a eles uma boa base em matemática,biologia, física e química.

Estudei bastante, e no início de 2004, fiz a prova e comecei a esperar pelo resultadocom muita ansiedade. Na data marcada para a saída do resultado, meu pai foi na Área 2 e viumeu nome na lista dos aprovados para realizar o curso no Departamento de Matemática daUFRPE no horário da tarde, foi um dia de festa em minha casa.

Daí para frente, eu comecei a estudar matemática, química, biologia e em especial,física, foi muito difícil, o pré-acadêmico, passei por muitas dificuldades naquele ano,professores faltavam, não se tinha dinheiro para as xérox, livros nem pensar. Eu não entendiaos assuntos muito bem, tudo parecia muito complicado, eu me envolvi com um rapaz queestudava comigo e cometi alguns erros para com ele, tudo era horrível e quando eu chegueiao mês de julho, parecia que eu não ia conseguir mais nada da vida.

Mas as coisas começaram a mudar, as amigas e amigos do pré-acadêmico, Genilza eAdriana, Ivaldo Igor e os outros, começaram a me estimular a estudar, minha mãe também meincentivava e Aline me dava apoio na escola. As aulas do Rumo a Universidade começaram,eu havia passado na seleção, lá, conheci Ivone e Janayna, pessoas que foram cruciais nessemomento, assim, recomecei a ter ânimo e me reencontrei me dedicando aos estudos em tempointegral, de segunda a segunda, sem parar para desanimar ou pensar duas vezes.

No Rumo a Universidade eu conseguia boas notas nos simulados e graças a issoconsegui a inscrição para o vestibular das federais, pensei muito bem e optei pelo curso deHistória na UFRPE, lembro que eu preenchi o formulário em uma das salas do CEGOI juntocom Genilza. Daí, tudo ocorreu bem e graças a Deus consegui a tão esperada aprovação.

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Nasci em 5 de março de 1982, na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará. Meus paissão Raimundo Sales e Julia Claudino. Tive meu primeiro contato com a escola aos quatroanos de idade. Em princípio, só fazia chorar, por isso, quase sempre minha mãe tinha que mebuscar antes da aula acabar. Dessa fase, a lembrança maior que tenho é de um escorrega que,na minha recordação, era enorme. Nela me vejo subir uma escada muito grande, e nessaimagem, quando chego no topo, desisto e retorno pela mesma escada por onde subi. Todosos dias eu subia e o medo não me permitia escorregar.

Logo chegou a fase da alfabetização e recebi então “A Cartilha de Talita”, cheia de pequenostextos, ou melhor, pequenos versos (porque rimavam). Minha mãe me ajudava com as tarefas,sempre lia para mim, e eu os recitava na sala de aula quando a “tia” pedia que lêssemos.

Certa vez a professora impressionada com a perfeição da minha leitura, pediu para queeu lesse o texto posterior. Ocorreu então minha primeira decepção em sala de aula. Sabe, eunão lia na verdade, eu decorava-os quando minha mãe os lia em casa.

E o “chororô” começou e perdurou, até que minha mãe comprou um quadro negro euma caixa de giz colorido. Com esses recursos em mãos, ela me alfabetizou e logo eu jáestava lendo. A leitura não era perfeita, no início, mas era leitura e não um texto decorado.Ler logo virou vício; eu lia tudo o que passava diante dos meus olhos. Quando andava deônibus, pela janela, lia outdoor, anúncios, nomes de ruas, de escola, tudo mesmo.

Os livros, que antes eram lidos para mim desde antes de completar um ano de idade,naqueles dias, os dos meus 6 anos de idade, eram lidos por mim para as visitas, os vizinhos, ascrianças. Meus pais ouviam-me ler todo o tempo que estavam perto de mim e prestavam atenção.Nunca negligenciaram ou se calaram, sempre houve incentivo e estímulo da parte deles.

Seguiram-se os anos. Até a quinta série do ensino fundamental, eu troquei muito deescola. Foram exatamente oito escolas, neste espaço de tempo de 9 anos. Meu pai sempreera transferido, porque trabalhava em uma fábrica de refinamento de óleo e havia máquinasque só ele e poucos, na época, sabiam operar. Por causa disso, ele prestava cursos emrefinarias de várias cidades e estados. Eu não gostava muito, mas me acostumei, as mudançasjá eram parte da rotina.

Quando eu tinha nove anos, meu pai se desempregou e mudamos para Recife, pois asirmãs da minha mãe e ela própria eram naturais da capital pernambucana. Minha mãe sentiamuito a falta da sua família e sempre pedia para morarmos no Recife. Desempregado, meu

Janecleide de Oliveira Sales*

Graduanda em Biologia.

Memorial

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pai recebeu seis meses de seguro-desemprego. Quando terminou esse período, não conseguiuoutro emprego e ficou mais uns três anos sem renda alguma.

Eu era uma criança que tinha muita imaginação e vivia atravessando a ponte entresonho e realidade. Isso transformava a minha maneira de sentir e ver as mudanças. Nocomeço, não mudou nada para mim, porque meus pais cuidavam ao máximo para que nãome atingisse a fase difícil que estávamos passando.

Sem a bolsa de estudos que a fábrica oferecia ao meu pai, para os meus estudos, aescola particular parecia ter a cada mês as portas mais estreitas para mim. Nós insistíamosnela porque, no fundo, tínhamos preconceito com a escola pública. Eram muitos oscomentários negativos a respeito dessa instituição. Minha mãe sozinha costurando, todosos dias, conseguia pagar a casa, a água, a luz, a comida e a escola particular. Bem, a casa nãoera mais bem uma casa, e, sim, um quarto no fundo do quintal de uma casa semelhante a quemorávamos. Os gastos com água e luz eram incluídos no preço do quarto. Eram três quartosneste quintal, um só banheiro para todos e pias de prato e roupas também comuns.

Foi inevitável que eu fosse para a escola pública. Houve choro, mágoa, revolta e,após uma sincera conversa, compreensão e aceitação Quando comecei aos 10 anos naescola publica Monsenhor Fabrício, na cidade de Olinda, bairro de Peixinhos, as coisasnão eram exatamente iguais, as pessoas, principalmente, não eram como os comentáriosdescreviam. Retornando as lembranças, quando pus os pés na escola pública, na verdade,me senti leve e livre. Vou explicar o porquê: a rede privada priva do ensino àqueles queestão inadimplentes com o seu sistema.

A diretoria não entregava mais as provas, até que o pagamento fosse efetuado. Eulembro da professora chamando os nomes dos alunos para o recebimento das provas. No fimda chamada, ela dizia os nomes das crianças que não receberiam as provas, porque os paisdeveriam comparecer à secretaria para pôr em dia o pagamento. Eu passara a ficar semprenesta lista de três ou quatro crianças. Ela sempre chamava o meu nome e os de mais dois outrês colegas, que se alternavam.

Eu gostava de receber as provas para saber das notas, mas gostava principalmente dereceber as notas dos trabalhos de pintura e colagem. Eu sempre gostei de artes: semprecaprichava nos trabalhos, mas nunca os recebia depois que me tornei uma inadimplente.Tinha fardamento para a educação física, fardamento para as aulas em sala, materiais extraspara serem usados em aulas especiais. Qualquer falta, até a cor de tênis diferente do que anorma exigia, era motivo para não entrar na escola, ficar de fora de determinada aula. Poresses entre outros motivos, não me senti mal quando cheguei ao Monsenhor Fabrícioporque, naquele grupo, com menor poder aquisitivo, eu tinha a mesma condição financeirados meus colegas e podia me inserir.

De fato, a qualidade do ensino era “inferior”. Não tínhamos livros, materiais para aulaspráticas, a educação física, a artística eram quase inexistentes, professores faltavam, assuntoseram cortados, pulados; e essa situação se estendeu por todo o meu ensino fundamental e médio.

Fiz o ensino médio na Escola Dom Bosco, situada em Recife, no bairro de Casa Amarela.As condições de ensino eram as mesmas. Quando eu estava no terceiro ano, o vestibularcomeçou a ser assunto comum entre os alunos do terceiro ano. Sonhávamos e ao mesmotempo duvidávamos que pudéssemos estar, no ano seguinte, em uma Universidade.

Nesta época, meu pai já estava trabalhando e com sacrifício pagou um curso pré-vestibular intensivo numa escola particular do mesmo bairro. Esta escola estava

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começando na época, por isso era uma das mais famosas: o Colégio e Curso Base. Aescola tinha professores com nomes reconhecidos, porque também ensinavam no ColégioContato, entretanto nós não éramos os alunos do Contato. Nossa base educacionalera bem diferente.

Foi quase desesperador para mim. Era um de puxar da memória lembrança do ensinoque eu não tive. Resultado, passei na primeira fase, mas não na segunda, o que para mim nãopareceu derrota, mas, sim, esperança, porque a prova não me pareceu um monstro.

No ano seguinte, minha mãe conseguiu para mim uma vaga em um cursinho pré-vestibular gratuito, para alunos vindos de escola pública. Este era localizado na Faculdadede Direito da Universidade Federal de Pernambuco, no centro da cidade do Recife. Em2000, era o segundo ano do curso Vestibular para Todos. Essa experiência restringiu-se aosalunos oriundos do Ginásio Pernambucano, escola estadual de grande renome emPernambuco. Entretanto de tanto minha mãe insistir, eu acabei entrando. O curso eraministrado pelos alunos de Direito.

Neste cursinho, eles consideraram o fato de sermos alunos de escola pública. Dessaforma, os assuntos eram estudados do começo e as bases reforçadas sempre. Dos sessentaalunos que iniciaram o curso, apenas quinze estavam presentes na conclusão. Desses, oitopassaram, ou seja, mais de 50%, e eu estava neste grupo. Entrei no curso Bacharelado emCiências Biológicas da Universidade Federal Rural de Pernambuco, no ano de 2001.

Eu fiquei feliz com essa vitória, mas estranhei o status de estudante universitária. Noano anterior, eu tinha convivido com descrédito de alguns, porque muita gente não acreditana entrada de um estudante de escola pública na Universidade Pública. Essas mesmaspessoas agora davam, da sua forma, as congratulações a mais nova universitária.

Agora, sabe o escorrega do jardim de infância? Aquele que sempre tinha medo deescorregar? Guardada na memória também me vem, como última lembrança desse escorrega,alguém, que eu não lembro bem da fisionomia, me dando a mão e segurando-a para que euescorregasse finalmente. Depois disso, eu perdi o medo.

Na vida o que faz crescer realmente é esse entrelace de mãos que encontramos nonosso caminho. Mãos que seguram, soltam, empurram, dão carinho, apontam caminhos,ajudam, se estendem ou se fecham. Sejam mãos anônimas ou mãos de pessoas conhecidas,quando elas entrelaçam, não é mais um apenas: são dois, três, quatro... somos muitos, naverdade, não estamos sós.

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João Carlos Dias de Almeida*

Meu nome é João Carlos Dias de Almeida. Sou filho de Maria Guedes de Almeida eJoão Batista Dias de Almeida. Nasci em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, no dia 15 demaio de 1984. Tenho duas irmãs: Betânia, a mais velha, e Carla, a segunda mais velha. Alémdisso, tenho dois sobrinhos: João Mateus, filho de Carla, e Gabriel, filho de Betânia.

Atualmente moro com minha mãe, minha avó, Arlinda Guedes da Silva, Carla e meusobrinho João Mateus.

Durante a minha vida, e boa parte da minha adolescência, fui uma pessoa muitatímida, mas, ao longo dos anos, venho superando esta dificuldade.

Minha família, como tantas outras, sempre lutou por preservar um bom ambientefamiliar. Meu pai e minha mãe eram os que sustentavam financeiramente a casa. Além disso,eles sempre nos incentivaram a estudar (ambos tinham pouca escolaridade, entre 1ª e 4ªsérie do ensino fundamental).

A mudança de vida e de lugarAos seis anos de idade, no ano de 1990, me mudei para cidade de Olinda, onde moro

atualmente. Estudei na escola pública Raymundo Diniz até o 1° ano do ensino médio. Estecolégio fica em Águas Compridas, bairro olindense para o qual me mudei e no qual ainda moro.

Esta escola nunca me motivou a ingressar em uma universidade. Ela era muito precáriae o único objetivo que eu tinha, enquanto estava estudando nela, era o de concluir o ensinomédio. Porém, lá fiz muitos amigos. Foi por causa de alguns desses amigos que eu decidi ir,juntamente com eles, estudar na cidade do Recife, capital de Pernambuco. Foi com estepropósito que em 2000 fui estudar na escola pública Ginásio Pernambucano, na qual concluímeu ensino médio. Assim, durante esses dois anos da minha vida, 2000 e 2001, tive amotivação necessária para ingressar na universidade. E desta forma foi que começou aminha mudança de vida, cultural e acadêmica.

Tentei o vestibular por três vezes. A primeira vez foi para arquitetura e as duas últimaspara licenciatura em Física. Ainda mais, participei de cursinhos pré-vestibulares gratuitosdurante essas tentativas.

Uma dor familiarNasci em uma família pobre, que, como tantas outras, tinha suas dificuldades. Um

delas era o alcoolismo do meu pai. Por causa deste problema, haviam muitas brigas entre elee minha mãe. Estas brigas lá em casa foram a causa de um lar desestruturado.

Ambiente familiar:um bom lugar para nascer

Graduando em Física.

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Desta forma, depois de vários conflitos, veio a separação de meus pais, que foi maisuma dor a ser vivida. Infelizmente, após a separação deles, meu pai continuou bebendo eteve várias internações em hospitais. Desta maneira, em agosto de 1998, quando eu tinha 14anos, meu pai faleceu. Foi uma perda irreparável para todos nós. E, neste momento, osilêncio era a única coisa da qual era capaz.

Vivendo, sobrevivendo e seguindo em frente...No ano de 2004, ingressei na Universidade Federal Rural de Pernambuco, para o curso

de licenciatura em Física. Atualmente, ano de 2006, estou na metade do meu curso e pretendofazer mestrado e doutorado. Sempre tive dificuldades na vida. Uma delas foi “entrar” naUniversidade; uma outra é que, estando nela, tive e tenho dificuldades em assimilar osconteúdos das matérias lecionadas; sempre faço prova final e já reprovei uma cadeira.

Atualmente sou evangélico, desde 2001, e desta maneira venho superando essasdificuldades com muita fé. Além disso, sempre tenho contado com o apoio da minha famíliae dos meus amigos. Ainda mais, sou uma pessoa otimista e acredito que as pessoas, e a nossavida, podem ser transformadas a cada dia, tornando assim o nosso mundo um ambientemelhor e mais íntegro. Desta forma, continuo prosseguindo e tentando fazer a diferença.

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Jonata de Arruda Francisco*

Chamo-me Jonata de Arruda Francisco. Nascido em Paulista, litoral norte dePernambuco, e no dia 18 de maio comecei minha história nesse planeta. Filho exclusivo deminha mãe, Tatiana Galiza Arruda, ex-empregada doméstica e atualmente auxiliar de farmáciano Hospital público de Hanseníase do Estado de Pernambuco e minha avó, Edite GalizaArruda, paraibana ex-manicure e aposentada como auxiliar do laboratório de análises clínicasdo Hospital Central Privado de Paulista.

Minha mãe e minha avó criaram-me juntas. Elas sempre indicando o melhor caminho.Além dessa indicação, minha curiosidade de conhecer o mundo me levou a tomar gostopela escola. Sempre fui um aluno aplicado, mas também gostava de perturbar muito naescola. Em Maranguape II, bairro no qual resido desde criança, cresci e aprendi boa parte deminha malandragem, mas ainda assim continuava vidrado na escola, pois sabia que láhavia algo que me levaria longe.

Cursei minha alfabetização na escola Municipal Abigail Basto Russel. Na escolaMunicipal Maria Conceição da Paz, estudei até a quarta série. Prestei meu primeiro examede seleção para uma vaga na quinta série na Escola Municipal José Firmino da Veiga. Passeium mês trancado em casa estudando para conquistar essa vaga. Valeu! Era a realização deum desejo, estudar no centro de minha cidade.

Em minhas horas livres, dedicava-me a malandragem. A turma de minha rua sempreprocurava emoções. Ir para um pedaço de Mata Atlântica próxima de minha casa e lá tomarbanho de açude era uma das melhores coisas. Formávamos uma equipe com muita disposiçãopara “tirar onda” no bairro à noite. Mas, no fundo, não gostava muito da forma como era feito.Apesar de me sentir um membro do grupo, não havia um respeito mutuo. Quando alguém daturma era o centro das gozações, esse realmente ficava humilhado. E esse, geralmente, era eu!O menor e franzino da turma. Provar que era tão malandro tanto quanto eles era quase umameta. Carreguei tudo isso para minha vida escolar e tratei logo de me encaixar em uma equipelá também. Perturbar nas aulas e perturbar no pátio era o melhor, mas sempre corria pararecuperar minhas notas baixas, pois sabia que isso era muito importante.

Dinheiro, somente com algum tipo de trabalho e isso me frustrava, pois nunca eranada de concreto. Trabalhava no transporte coletivo clandestino. Vendia picolé nofinal de semana só pra ver como funcionava. Não havia emprego. Trabalhar e estudarnão era fácil, e eu descobri isso quando passei a trabalhar durante a madrugada comocobrador de Kombi. Isso foi durante a sétima série. Tive minhas piores notas durante

... as armas de Jorge ...

Graduando em Biologia.

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esse período. Na oitava série me envolvi realmente com o álcool, hábito que leveiaté a faculdade.

Durante o primeiro ano do segundo grau tomei realmente gosto pela ciência. Atravésdo professor Neônio da disciplina de Química. Ele foi minha referência. O cara foi demais.Com aquela energia toda para organizar a feira anual de Química. Tenho quase certeza deque não fui o único a despertar interesse pela ciência por influência dele. Preciso agradecermuitas coisas a ale. Aquelas aulas de Química estimulavam-me a investigar o mundo. Foidurante essa época também que mudei meu círculo de amizades no bairro, pois estavacansado das humilhações e da falta de conteúdo dos caras da minha rua, gostaria que elestambém mudassem, mas não mudaram. Infelizmente, perdi alguns deles para o mundo damalandragem. Foram assassinados ou estão presos.

Minha mudança de idéia exigia pessoas que me respeitassem por minhas idéias também,não que meus amigos de infância fossem inadequado para meus círculos de amizades, maseles realmente não respeitavam minhas idéias.

Deixei de ouvir o “funk carioca”, que tocava no programa Xuxa aos sábados e que erasucesso nos bailes “funks” do Recife gerando brigas entre as galeras e passei a ouvir “Rock’nRoll” nas fitas cassetes cedidas gentilmente pelos meus novos amigos. Essa foi minhaprimeira mudança de idéia. Deixei de ouvir músicas que falavam apenas sobre violência emulheres balançando a “bundinha” e passei a ouvir músicas de protesto em português,inglês e espanhol. O “funk” carioca também falava sobre desigualdades sociais, culturais eeconômicas, mas a turma gostava mesmo dos temas violentos e pornofônicos.

Sempre gostei da idéia de curtir a vida e manter a meta de pelo menos passar de ano naescola. É claro que com o mínimo de esforço já era o suficiente para uma aprovação pormédia. Na década de noventa, as escolas públicas já não eram mais as mesmas, os númerosdo Ministério da Educação não refletiam mais a realidade, se é que algum dia esses númerosrepresentaram alguma coisa. As escolas públicas já garantiam diplomas de analfabetos.Tenho certeza que se eu estivesse limitado minhas informações a minha escola do segundograu, provavelmente estaria estagnado até agora.

Concluído o segundo grau em 1999, passei então a ter preocupação exclusiva commeu primeiro emprego, enquanto concluía o curso gratuito de língua espanhola, mas foitriste a visão de meu currículo simplesmente vazio de capacitações. Era o reflexo da falta deformação e de oportunidade de meu mundo limitado a zona norte de Pernambuco. Aqui nãoé diferente do resto do Brasil, pois as poucas oportunidades que existem estão nos grandescentros comerciais, a Região Metropolitana do Recife. Busquei cursos de formaçãoprofissional, mas sempre esbarrava nas altas mensalidades que os salários de minha mãe eminha avó juntos não podiam pagar.

Não desisti e sempre estava atento às oportunidades de cursos gratuitos que vez ououtra eram oferecidos por entidades não governamentais e órgãos públicos no centro deRecife. Participei de capacitação para auxiliar de farmácia, montagem de micro eadministração de redes em informática, curso de eletricista e de refrigeração, qualidadeno atendimento e informações turísticas, curso de línguas, espanhol e inglês. Resultado,meu currículo tornou-se melhor e apresentável, mas não era o suficiente para o exigentemercado de trabalho do Recife. Deixei currículo em algumas senzalas modernas como:Mc Donalds, Bompreço e alguns Shopping’s Centers. Continuei desempregado, nada deprimeiro emprego e apenas algumas entrevistas sem êxito. O mercado de trabalho não perdoa.

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Experiência é o mais importante no currículo. Nem as forças armadas, como a Aeronáuticae o Exército, foram capazes de absorver minha mão de obra-escrava durante oalistamento. Pela manhã estava em casa cuidando de minha irmã, a tarde andava de“skate” e durante a noite reunia-me com a galera do bairro para tomar álcool diariamente.Desmotivado de procurar emprego e não conseguir nem trabalho resolvi buscar umaalternativa para acabar com meu ócio. Pois sentia falta de muitas coisas. Uma ocupaçãoconcreta para não perder tudo que o professor Neônio me ensinara. E assim foi duranteo ano de 2000.

Em janeiro de 2001, conheci um grupo de jovens que se reunia para estudar comobjetivo de prestar exame de vestibular. Um trabalho interessante, pois as informações eramtrocadas entre eles. Cada aluno era responsável por uma disciplina. Enquanto um ensinavaMatemática, o aluno responsável pela disciplina de Português assistia aula e vice-versa.Comecei a participar das aulas dando então início a minha caminhada visando conquistaruma vaga nas universidades públicas.

Com o passar das aulas assumi a disciplina de Biologia, envolvendo-me cada vez maiscom o trabalho voluntário prestado pelo grupo. Este grupo foi criado por iniciativa deMichel e Vanessa, um casal de namorados e alunos do curso de Química que tambémconquistaram suas vagas na educação superior formando grupos de estudos como esse.

Informação é uma chave que abre portas. Descobri também, perguntando a um e aoutro, um cursinho gratuito promovido pela Universidade de Pernambuco. Seria necessáriopassar por um processo seletivo para ter a vaga garantida. Logo me candidatei e um mêsapós já estava assistindo às aulas no Colégio Estadual Aníbal Fernandez.

Na busca pelo sonho da universidade requeri isenção de inscrição do vestibular dasFederais e consegui cinqüenta por cento de abatimento, foi uma verdadeira vitória pois éalto o valor a ser pago apenas para tentar uma vaga. Freqüentei as aulas do cursinho atéprestar meu primeiro vestibular para o curso de Ciências Biomédicas da Universidade Federalde Pernambuco. Superei a primeira etapa, porém ainda não estava preparado o suficiente enão superei a segunda parte da seleção. No final deste ano sentia-me fortalecido, não era omesmo cara desnorteado e sem fundamento.

Em janeiro de 2002, já estava agarrado aos livros e às intermináveis listas de questõesde vestibulares. Mesmo aproveitando o carnaval, tentei outra vaga no mesmo cursinhogratuito da Universidade de Pernambuco e passei. Até que foi fácil pois já tinha a experiênciade um ano atrás. Minha vida girava entorno do vestibular, sabia de meu potencial paraconquistar uma vaga e começar 2003 bem onde gostaria de estar.

Nós somente conhecemos o tamanho do desafio quando o enfrentamos pela primeiravez. Prestei vestibular em novembro, a inscrição eu paguei com o dinheiro das aulas dereforço que dava a criançada lá da rua. Agradeço a cada um deles pela ajuda.

Começaram as provas e garanti uma vaga logo na primeira fase com uma nota razoável,precisava então manter minha nota ou aumentar a pontuação. Não aconteceu nem umacoisa nem outra, minha nota caiu mas não sendo o suficiente para me tirar a vaga no cursode Bacharelado em Ciências Biológicas da Universidade Federal Rural de Pernambuco.Conquistei minha vaga após dois anos de muito trabalho, após ter desistido de procuraremprego e somente encontrar portas fechadas para um jovem sem experiência e finalmente,após ter recebido, acima de tudo, o apoio de minha mãe e minha avó que sempre acreditaramno meu êxito e sempre depositando muita fé em Deus.

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Por incrível que pareça não fiz disso uma festa de arromba, não raspei minha cabeça,nem sai por aí pulando de alegria, apenas comemorei com uma cerveja, um amigo e umanamorada ouvindo um reggae. Segredo, no fundo do peito estava muito feliz. Estava quaseexplodindo, mas preferi deixar tudo com modestos sorrisos em agradecimentos aos poucosporém sinceros parabéns que recebia.

No primeiro dia de aula na universidade, encontrei Mônica, uma amiga do curso deinglês e vizinha de bairro, logo concluí que não fui o único a enfrentar a guerra e ultrapassaras barreiras do bairro Maranguape II. O mais interessante foi descobrir que seriamos colegasde turma também, pois ela estava matriculada na mesma turma que eu. Mas um exemplo deque no lado Norte e esquecido do estado de Pernambuco existem muitos jovens com talentose com capacidade de mudar ao menos seus destinos. Imagine você se os que estão lá, a beirada ociosidade ou ocupando seu tempo na “correria” diária por drogas, recebessem umaajuda com educação e trabalho? Eu sei que muitos até ficam diante de boas oportunidadese as desperdiçam, mas acredito que é preciso algo ou alguém que mostre o caminho melhore aí então tomarão para si o que é deles.

Particularmente, não sofri com o preconceito por dois motivos: primeiro fui bemaceito por quase todos, principalmente, meus verdadeiros amigos desde o início das aulas.E segundo sempre me achei superior a toda essa hipocrisia. Mas não posso deixar de falarque o preconceito realmente existe dentro da universidade também. Uma vez fui chamadode neguinho por uma pessoa que se julgava de cor branca, logo ela nascida no Brasil, essepaís profundamente miscigenado, considerar-se exclusivamente branca na cor. Bem, euconsidero-me marrom escuro e, sei que sou escuro por conta do gene dominante para cornegra. O bom disso é que hoje ela me respeita pelo que sou, pois conhece minha história.Outro momento preconceituoso ficou por conta de um comentário que fizeram ao meurespeito, dizendo que eu teria inveja da boa posição social que alguém possuía. Como épossível orgulhar-se desse privilégio enquanto há tantos na miséria, neste país? Como disseMarcelo D2: “Com dinheiro é muito fácil todo mundo é feliz, eu quero ver você tirar ondasem dinheiro como eu fiz”.

Relevei esse acontecimento, pois descobri que foi tudo um grande mal entendido.Droga é algo muito comum na Universidade, a começar pela cerveja que é consumida nosbares que rodeiam a nossa universidade, principalmente, nas sextas-feiras. Maconha apareceaos quilos via celular. Por conta de meu jeito cabeludo e doidão usando roupa folgada,quase fui convidado a sair de um laboratório. Pois é, prefiro considerar esses fatos grandesequívocos superados que não me deixaram nenhum rancor. Estou tranqüilo! Descobri queconquistar as pessoas com atitudes era o suficiente para superar os preconceitos.

Foram muitas as dificuldades enfrentadas. Transporte até a universidade, alimentaçãoadequada, e material didático são importantes para garantir um bom rendimento acadêmico.Morando distante, cerca de duas horas da universidade, não por conta da distância e simpelo péssimo planejamento do roteiro da linha utilizada como acesso, costumava almoçaràs onze horas da manhã em casa e chegar por volta das trezes horas morrendo de fome.Quando não era dessa forma, a coisa funcionava na base da “quentinha”, ou melhor da“friinha”. Apesar de existir um Departamento de Assistência Estudantil (DAE), as atividadesdeste não são bem divulgadas aos calouros, as informações são passadas aos alunos pelosalunos. Somente fiquei ciente dos programas de assistência ao estudante quando comeceia almoçar com um amigo que fazia parte do programa de alimentação. Ele dividia o

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“bandejão” dele comigo. Mesmo assim, obtive uma vaga no quadro dos alunosbeneficiados com o programa de alimentação, é claro que isso foi depois de “pentelhar”bastante o pessoal do DAE.

Comecei a estagiar no Museu/Laboratório de Malacologia do Departamento de Pescae Aqüicultura no final de 2003. Lá dei meus primeiros passos na pesquisa. Em 2004, saiminha primeira bolsa, foi uma bolsa de extensão, durante o terceiro período de curso, o queresolveu temporariamente o problema das passagens de ônibus, tirando a responsabilidadedas mãos de minha mãe. Em 2005, minha primeira viagem para fora do estado de Pernambucofoi até Natal, participar de um treinamento de sobrevivência para o Arquipélago de SãoPedro e São Paulo, uma viagem de avião e por conta do CNPq. Muito feliz pois nunca haviasaído de Pernambuco, nem de ônibus.

Nesta viagem fiz muitos amigos, Emilio (RJ), Gasparinne (ES), Sue (RS), Larissa (RS),Natalino (RN), Natasha (RJ) entre outros que já conhecia, entre eles, minha amigona Simoneque viajou comigo. No quinto período participei de meu primeiro congresso nacional, XIXCongresso Brasileiro de Malacologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com aspassagens de avião por conta da universidade. Sexto período, foi importante pois meuprojeto de pesquisa, projeto de iniciação científica (PIBIC), através do museu de malacologia,foi aprovado. Passaria a desenvolver uma pesquisa com bolsa durante um ano. Durante esseperíodo, realizei outra viagem ao Rio de Janeiro, dessa em vez maio até Niterói. I CongressoNacional de Biologia Marinha e comprei meu computador com o dinheiro da bolsa eimportantíssima ajuda de minha avó. Entrei em uma ONG chamada Instituto Oceanário, naqual trabalho até hoje e me trouxe muitos amigos e experiências. Não posso deixar demencionar que durante esse período descobri outra pessoa que me deu ainda mais força paraenfrentar essa luta, porém junto comigo, Juliana Gabriele, minha namorada.

Foi no final do meu projeto de iniciação científica (PIBIC) comecei a preocupar-me como continuaria a faculdade pois estava próximo do final do curso e estaria semdinheiro para continuar a pagar as passagens. Sabia que o mais importante nesse momentoera continuar freqüentando as aulas e o laboratório de malacologia para continuar ostrabalhos de pesquisa. Foi quando Juliana Gabriele ligou pra mim dizendo que precisavafalar comigo com urgência. Contou-me sobre um edital do Programa Conexões deSaberes da Pro - reitoria de Extensão.

Ainda sem muita informação, cuidei logo da documentação e fiquei aguardando oresultado. Descobri posteriormente que o projeto tinha uma proposta voltada a alunos comhistórias parecidas com a minha. Alunos de universidades públicas federais e que cursaramo segundo grau exclusivamente em escolas públicas e que seriam responsáveis pordesenvolver oficinas de cidadania, leitura e direitos humanos no Programa Escola Abertanos finais de semana.

Fui selecionado e passei a compor o Conexões de Saberes, estava diante daoportunidade que sempre quis. Assim como minha mãe, minha avó, meus amigos Neônio,Michel, Vanessa e outros que fizeram a diferença na minha vida, eu poderia agora fazer adiferença na vida de alguém. Recompensar o que eles fizeram por mim e dar ajuda para quealguém ultrapasse os limites impostos pelos muros das desigualdades socio-econômicas. Aminha historia é somente mais uma. É uma historia igual à de algumas pessoas que lutam, sejogam, como eu me jogava nas manobras de “Skate”. Acreditar que dar certo e muita atitudeé o primeiro passo.

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No Programa Escola Aberta, já tive algumas boas experiências, já falei que o tubarãonão é mal, pelo contrário, ele é uma criatura que sofre como qualquer outra nesse mundo deinjustiças. Também procurei deixar claro aos meus alunos que o transporte público coletivonão é público coletivo e sim transporte privado coletivo, pois os ônibus que nos levam aosshoppings, hospitais, escolas, praias e outros lugares de uso público ou privado, têm dono.E que as passagens dos policiais, idosos e deficientes, incluindo a meia passagem dosestudantes, não são gratuitas, o restante da população que realmente paga passagem inteiraassumem todo o tipo de gratuidade. Nada é de graça.

Bem, minha luta pessoal para conquistar uma qualidade de vida para mim e para osque estão ao meu redor não acabou. Estou concluindo o curso de bacharelado em CiênciasBiológicas faltando apenas a monografia para apresentar em junho de 2007. Prestarei examede seleção para vaga de mestrado em Oceanografia no Departamento de Oceanografia daUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE). Tenho que buscar um bom controle de meuaçúcar no sangue para não sofrer complicações da Diabetes que descobri a dois meses atrás.E por fim tenho que conquistar um emprego como biólogo ou que seja em outra área paradar continuidade a meus sonhos de tornar um fragmento de mata atlântica próximo a minhacasa uma reserva ecológica de verdade, o Parque Ecológico do Tamanduá Mirim em Paulista.Ver minha família feliz, morando em um sitio bem arborizado cheio de insetos e outrosbichinhos e ter meu filho com a pessoa que descobri me completa nesta luta.

Não posso mudar o mundo, mas posso influenciar por onde eu passar. Antes disso,precisa-se mudar o mundo interior. A maior transformação para mim foi o autoconhecimentocom ajuda de pessoas que gostariam de ver um jovem fazer a história diferente de tantasoutras iguais nesse Brasil.

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José Edson de Lima Torres*

Deparo-me hoje com vinte anos de idade, descobrindo um mundo que sempre tinhaalmejado, o da universidade. Vivendo coisas que a pouco tempo não pensava emexperimentar. Descubro-me a cada dia dessa nova fase da minha vida aprendendo a aproveitare amar as pessoas que sempre estiveram do meu lado.

Pois bem, me chamo José Edson de Lima Torres, filho de Maria José Pereira de Lima eSalvador Rodriguez Torres Júnior. Venho de uma família de cinco filhos, dos quais três sãohomens e duas mulheres. Sou o mais velho de todos.

Meu trajeto começa assim. Morando na cidade de Itambé, Zona da Mata Norte dePernambuco, começo a estudar com sete anos idade. A partir daí fico até a 3ª série do EnsinoFundamental na Escola CERU Frei Orlando. Depois peço a meus pais que me matriculem noColégio Municipal de Itambé, como era conhecido na época, pois lá dispunha de umaestrutura melhor de ensino. Passo então todo meu Ensino Fundamental nessa escola, mesmocom todas as dificuldades encontradas no caminho.

Meu pai, funcionário público da prefeitura Municipal de Pedras de Fogo-PB, cidadevizinha a Itambé, recebia um salário-mínimo para manter a família com oito pessoas mas apensão da minha avó materna, que no final de 1999 nos deixara eternamente, abrindo umenorme vácuo em minha vida, pois tinha por esta pessoa um amor intenso. Mesmo assim,concluo a 8ª série e recebo o convite da minha avó paterna para ir morar com ela no Recife.Empolgado com a idéia e já confortado com a perda recente, resolvo aceitar o convite embusca de uma oportunidade de um ensino de qualidade. Mudo-me no ano seguinte paraestudar na Escola Estadual Olinto Victor. Começo o ano motivado pela nova vivência, masà medida que o tempo vai passando, sinto falta do que tinha me direcionado ao Recife. Arealidade é outra, o ensino apresenta vários problemas, dentre eles a falta de muitosprofessores, principalmente de Matemática e Física. Este fato deixou-me com certa defasagemde conhecimentos essenciais para a vida acadêmica.

Após a conclusão do 1º ano do Ensino Médio, retorno a Itambé deixando pra trás bonsamigos, que me ensinaram que o mais importante na vida é poder continuar sem baixar acabeça, e não desistir na primeira dificuldade. Assim que retorno à minha cidade, começo atrabalhar numa lanchonete para poder ter uma independência financeira. À medida que oano vai passando, vou tendo bastante experiências, e sou convidado para ser tesoureiro doGrêmio Estudantil Edson Luis, do Colégio Municipal de Itambé, onde aprendo que temosmuitos direitos diante da escola e passo a ter um contato maior com a direção da escola e os

Conquistas vividas

Graduando em Engenharia Florestal.

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próprios alunos. Essa experiência foi-me bastante produtiva, pois proporcionou uma maiordesenvoltura com o público e a escola.

Já no 3º ano do Ensino Médio, começo a direcionar interesse em prestar vestibular,então me deparo com a enorme dúvida, para que fazer? Que curso escolher? Sem saber aocerto o que queria seguir, prestei o primeiro vestibular para Turismo na UFPB. Emborativesse feito o cursinho aos sábados na própria escola, não consegui obter vitória, passei naprimeira fase e na segunda não fiquei em boa colocação. Mesmo, assim, não desisti e juntocom meus amigos que sempre estiveram comigo, decidimos levantar a cabeça e retornar abatalha. Acreditávamos que um dia poderíamos chegar lá, que o sonho da “Federal” não erasó para os que podiam pagar um cursinho de qualidade, nem muito menos para separar porpessoas e etnias.

Acreditávamos que poderíamos vencer, que juntos chegaríamos lá. Longe da escola etrabalhando, ficava mais difícil um outro vestibular. Estudava aos poucos com meus amigose sempre buscávamos pessoas que fossem fazer vestibular para estudarmos juntos. Soubemosentão de uma ONG onde alguns universitários davam aulas de reforço e ajuda para quemfosse prestar vestibular. Foi onde tirei muitas dúvidas de coisas que nem tinha visto noEnsino Médio, de fato, uma enorme ajuda para minhas notas no vestibular. Em 2004, presteinovamente vestibular na UFPB e o da CEFET-PB, animado e confiante fiz os doisvestibulares, estava com expectativa de obter um bom resultado, mas como Deus sabe o quefaz não fui contemplado com a vitória. Talvez tivesse ido com muita sede ao pote, e issotenha me levado a certa arrogância, pois já me considerava vitorioso. Depois aprendi quedevemos dosar as coisas com um pouco de confiança e também com a consciência de que sótemos aquilo que lhe é merecido.

Chega 2005 e com ele novas oportunidades aparecem, faço concurso público daPrefeitura Municipal de Pedras de Fogo – PB e consigo ser colocado entre as vagas, ficomuito feliz com a vitória, mas nem por isso tinha desistido de entrar na Universidade.Chegam os dias da inscrição para isento da taxa do vestibular da UFPE e UFRPE, como jáestava sem trabalhar e não tinha sido nomeado no concurso referido, foi tentar a isenção. Fiztudo que era necessário para a solicitação. Espero então o resultado ansioso. Tinha trêsopções de isenção: 100%, 50% e 30%. Mesmo comprovando baixa renda não fui sorteadopara receber os 100% da isenção, me liberaram apenas 30%. Como eu já estava sem estudare trabalhar, resolvi que não iria fazer o vestibular, iria adiar para o ano seguinte. Ligo para aminha avó, pois ela tinha me informado do período de isenção, e aviso que não podereifazer vestibular naquele ano.

No dia seguinte, minha avó liga dizendo que minha tia, sua irmã, iria me dar o dinheiroque precisava para fazer a inscrição. No outro dia, vou ao Recife para fazer a inscrição, ficoem dúvida em que curso escolher, pois descubro que não me identificava com Turismo, edepois de ler todo o manual decido fazer para Engenharia Florestal, a partir daí eu entregototalmente a Deus minha vida e coloco em suas mãos o vestibular. Tento estudar durante opouco tempo que me resta. Chega o dia das provas, já com certa experiência dos vestibularesanteriores, faço a prova na espera e consciência de um bom ou mau resultado.

Passo na primeira fase, e, por surpresa, fico colocado entre as vagas, chega o dia dasprovas finais e tento fazê-las com calma e confiança. Em janeiro de 2006, dia 09 para sermais exato, sai o resultado. Apreensivo, fui junto com meus amigos olhar o resultado nainternet. Vimos que tinha sido aprovado, não nos agüentamos de alegria. Um dia inesquecível

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que ficara guardado na memória. Uma sensação única e o melhor de tudo era podercompartilhar com todos que me apoiavam e davam força para seguir em frente.

Já aqui na Universidade tenho encontrado pessoas que se tornaram verdadeiros amigos,que me fazem saber suportar a distância de casa e das pessoas que eu gosto. Estou feliz emter encontrado essas pessoas que sabem valorizar uma amizade.

Depois de todas as provações, vitórias e aprendizados vividos, aprendi o quanto éimportante dar valor às pequenas coisas da vida, que cada um é capaz de alcançar umobjetivo, que não depende de ninguém a nossa própria conquista. Hoje sei dar ainda maisvalor a família, que se torna cada vez mais próxima de mim, mesmo à distância.

Hoje, aqui na Universidade, podendo ter a oportunidade de crescer e aprender a cadadia, como começar a trilhar novos caminhos e horizontes, aprendo o quanto sou pequenodiante de Deus e o quanto posso crescer, vivenciando novas experiências junto com oConexões de Saberes que abre portas para oportunidade de permanência na Universidadeao aluno de origem popular, proporcionando diálogos entre a universidade e os alunos deescola pública, que, assim como eu, podem e devem ter a mesma oportunidade de ingressona universidade pública.

Morando hoje na residência estudantil, tenho a UFRPE como uma nova casa, cientede todos os benefícios e males que por aqui posso encontrar. Considero-me vitorioso diantede todas as batalhas que enfrentei, sei que virão muitas, mas confio em Deus e sei que Ele émeu único refúgio e amparo.

Um dos maiores desejos do ser humano e conquistar novas fronteiras e eu estouconseguindo isso, sabendo que a cada dia é um novo aprendizado diante de um mundo decoisas fantásticas a serem aproveitadas.

Dedico este memorial a Deus, que é o principal responsável por todas as minhasconquistas, aos meus pais que sempre me deram força, aos amigos Fabiana, Márcia, Gabriellee Rubens que sempre estiveram do meu lado e aos novos amigos Silvinha e Rubens Souzaque me dão maior força, a toda minha família, primos, irmãos, tias, avó madrinha umaenorme satisfação. A minha avó materna: Eliza Pereira de Lima (em memória), tia avó: NecySeverina da Silva (em memória). Por fim ao Conexões de Saberes que me proporcionounovas experiências.

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Joseane Maria do Nascimento*

Em 1983, nove meses após uma competição bastante acirrada de espermatozóides,nascia, no Município de São Lourenço da Mata, Joseane Maria do Nascimento, a primogênitade Lindalva e Mariano. Quatro anos depois, nasceu o outro filho do casal, Josinaldo.

Joseane iniciou seus estudos, aos seis anos de idade, numa escola municipal de SãoLourenço. Sua primeira professora se chamava Daniela, uma pessoa doce, carinhosa e muitopaciente. Essas características fizeram com que Daniela se tornasse, para Joseane, umapessoa inesquecível.

Um ano depois, em 1990, Joseane passou para a primeira série. Esse ano foi muitocomplicado para ela, pois o casamento de seus pais não ia bem. Não só seu pai, mas tambémsua mãe passaram a consumir bebidas alcoólicas em demasia. No mês de abril, após umadiscussão, seus pais se separaram e sua mãe foi embora.

Esse período foi o mais difícil na vida de Joseane, uma vez que ela, até aquele momento,nunca tinha sido separada de sua mãe. Um mês depois, sua mãe voltou e foi buscá-la naescola. Ao ver sua mãe, ela não conseguiu controlar as emoções e chorou muito, abraçou suamãe com saudade e revolta, devido ao sentimento de abandono. Nesse mesmo ano, ela foimorar em Recife com sua mãe, abandonando a escola.

Em 1991, Joseane foi matriculada na primeira série da Escola Lions, de Parnamirim,onde estudou durante toda sua vida escolar. Em 1999, ela estava na oitava série do EnsinoFundamental. Na escola, sofria com a falta de professores, pois ela sabia que essa questãointerferiria na realização de seu sonho de ser médica. Nesse mesmo ano, após quatromeses sem professor de Biologia, chega à escola o professor Bartolomeu, um educadorexcelente, no qual ela se espelhou. No final do ano, ela decidiu que queria ser bióloga.No ano seguinte, estava na primeira série do Ensino Médio, dessa vez, sem professores deBiologia, de Química e de Física. Além dessa dificuldade, tinha que arrumar um empregopara ajudar seus pais.

Certo dia, quando Joseane vinha da escola, viu um cartaz que dizia: “Precisa-se demoças e rapazes para trabalhar de panfletista. R$ 10,00 a diária”. Após ler esse cartaz,decidiu que, no dia seguinte, iria ao endereço indicado. Chegando lá, pediram que elacomeçasse no mesmo dia. Lá estava Joseane, entregando panfletos no sinal. No primeiro diade trabalho, ouviu piadinhas e reclamações de seu encarregado. Ao chegar em casa, disse àsua mãe que não voltaria àquele emprego e nem a outro qualquer e que se dedicaria apenasao seu sonho de ser bióloga. Sua mãe não tinha outra alternativa a não ser aceitar.

Partes da parte de um todo

Graduanda em Biologia.

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Em 2002, já na terceira série do Ensino Médio, Joseane se preparava para o vestibular.Ela freqüentava um pré-vestibular que funcionava em sua escola, custava R$ 8,00 mensaise tinha aulas nos fins-de-semana .

Nesse mesmo ano, sua mãe ficou doente e Joseane parou de freqüentar o cursinho paradiminuir as despesas; diminuiu também seu tempo de dedicação aos estudos. Mesmoassim, Joseane fez a inscrição para o programa Rumo à Universidade. Ela tinha que passar,pois essa era a única maneira de continuar tendo aulas nos fins-de-semana, pois sua famílianão podia pagar mais os R$ 8,00 do cursinho. Além disso, esse programa pagava uma bolsade R$ 50,00 mensais para os alunos e ela precisava desse dinheiro para fazer sua inscriçãono vestibular. Ela fez o concurso e foi a única da sala que passou.

Após vários exames atrasados, devido às greves dos hospitais públicos, os médicosdescobriram que sua mãe tinha câncer no colo do útero e, por isso, tinha que fazer umacirurgia. Foi um choque para toda a família. Após a cirurgia de sua mãe, Joseane ficou portodo o tempo de recuperação com ela.

Nesse período, Joseane não conseguia estudar. Chegou o final do ano, ela fez aprova do vestibular e, para sua surpresa, passou na primeira fase. Ficou muito feliz, afinalestava perto de realizar seu sonho e era motivo de orgulho para sua escola e para suafamília. Um dia antes da prova da segunda fase, sua amiga de escola Claudiane foiassassinada, o que a abalou muito.

No outro dia, ela fez a prova e, dias depois, saiu o resultado: Jô, como todos a chamavamficou muito triste, pois não passou; como se não bastasse a dor de não ter passado, aindatinha que explicar a todos que não havia se dado bem na prova.

Em 2003, Jô se inscreveu no Pré-acadêmico, um cursinho pré-vestibular da UFRPE/UFPE e UPE. Para ser aluna desse cursinho, ela teria que passar por uma seleção. Fez a provae obteve êxito. Foi um ano de preparação para o vestibular. Lá, ela viu assuntos que nuncatinha visto em sua vida escolar. No Pré-acadêmico, Joseane contava com três professorespara cada disciplina, sem ter que pagar nada.

No final do ano, Joseane prestou vestibular novamente e a história se repetia: passouna primeira fase, mas não na segunda. Por causa desse resultado, sua família e seus vizinhossugeriam que ela desistisse, argumentavam que universidade era para filho de gente rica eque ela tinha que arrumar um emprego. Ela, muito triste, olhou aquelas pessoas e disse: “Euvou conseguir, nem que passe toda minha vida tentando, mas não vou desistir”. Todos aolhavam com pena, mas sua mãe pediu desculpas e disse que, se ela se dedicasse, conseguiria.

Em 2004, Joseane estudou de novo no Pré-acadêmico. No final do ano, prestou seuterceiro vestibular. Passou na primeira fase... até aí a história se repetia. Fez a prova dasegunda fase; dias depois, saiu o resultado. Ela foi olhá-lo e, quando chegou perto de suacasa, sua mãe estava à sua espera e, de longe, iniciou-se um diálogo entre elas:

Mãe - E aí, passou?Joseane - Passei não!Mãe - Tem nada não minha filha, o ano que vem você faz de novo.Joseane - É não, mainha. Eu passei no curso de Ciências Biológicas da UNIVERSIDADE

FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO.Sua mãe começou a chorar, abraçou sua filha e começou a contar a todos, com muito

orgulho, que sua filha havia passado no vestibular. As vizinhas, que antes pediam para

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Joseane desistir, agora lhe davam os parabéns. Jô mal conseguia falar de tanta felicidade esua mãe, muito emocionada, fez questão de raspar sua sobrancelha.

Em fevereiro de 2005, Joseane iniciou o curso e foi muito bem nas disciplinas, graçasao Pré-acadêmico, que, além de preparar para o vestibular, prepara o aluno também para avida acadêmica. A maior dificuldade de Jô é a de manter-se na Universidade, uma vez queo transporte, a alimentação e os livros têm um custo muito alto. Já no primeiro período, elaministrava aulas de alfabetização em sua comunidade.

Hoje, final de 2006, Joseane tem vinte e três anos, mora na Caxangá, é voluntária emuma escola de Informática e Cidadania da ONG CDI-PE (Comitê para Democratização daInformática) e bolsista do “Conexões de Saberes”. Jó é uma referência em sua comunidade,acabou de passar para o quinto período do curso de Biologia. Seu objetivo é fazer Mestradoe Doutorado e continuar ajudando sua comunidade. Sabe que não será fácil, mas não pensa emdesistir. Essas são partes de uma parte da história de vida de uma estudante de origem popular...

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136 Caminhadas de universitários de origem popular

Joseane Maria dos Santos*

O nascimento dos filhos, para a maioria das famílias, é motivo de bastante alegria efelicidade. Eu, Joseane Maria, que nasci em Jaboatão dos Guararapes – PE, no ano de 1981,pude (mesmo sem disso saber) propiciar tais sentimentos à família Santos. Esta que, no anode minha chegada ao mundo, era composta por Rafael Felix (pai), Elisabete Maria (mãe),Joseli Maria (primogênita) e Jorbson (irmão do meio); hoje essa formação mudou: umapessoa se foi (Elizabete), outra chegou (Juliana, primeira neta desta família).

Na cidade de Paulista – PE, o Tio Patinhas1 era (pois não sei se ainda funciona) umaescolinha de grades e partes das paredes pintadas de vermelho. Tinha balanço, escorrega e“tias” legais que todas as manhãs me aguardavam com carinho para mais um dia de aula.Nesse local de ensino, aprendi os primeiros passos da alfabetização. Não consigo lembrarmuitas coisas, porém o que ficou marcado do Tio Patinhas foi o desfile de 7 de setembro doqual participei; senti-me muito feliz e importante, embora estivesse vestida com uma roupade pato. Outro acontecimento importante foi uma “bronca” que levei2 do filho da dona daescola (não tenho certeza, parece que ele era coordenador). Fiquei tão triste que passei oresto do turno com aspecto de doente. Se o rapaz tivesse sido menos grosseiro, eu não teriaficado tão triste, mas passou e no dia seguinte, nem lembrava do acontecido.

Por motivos financeiros, fomos morar na cidade de Jaboatão dos Guararapes. Nessacidade, no colégio Padre Cromácio Leão, terminei a antiga pré-escola (hoje Ensino Básico).Foi bom estudar ali, porém, por ser uma instituição de ensino particular, era muito difícilpara mim, pois eu não tinha as mesmas condições econômicas dos outros alunos. Quasenunca participava das festas da escola; lanchar na cantina era raro. Isso me deixava triste ecom sentimento de inferioridade (acho normal, criança não consegue entender muito bemas diferenças de classes sociais).

Ah, mas ter sido transferida no início do ano da alfabetização para a primeira série foialgo que me deixou muito orgulhosa. Ao término do mesmo ano, concluí a pré-escola. Eu emeus irmãos deixamos a escola, pois meus pais não a podiam pagar.

Chegar ao Bernardo Vieira de Melo, um colégio enorme do Estado, foi um “baque”.Além de minha mãe não ter ido ao primeiro dia de aula conosco, a cidade, a escola, era ummundo novo para mim e fiquei apavorada. Lembro que fiquei rodando na escola, sem saber

Um pouco de mim

Grtaduanda em Economia Doméstica.

1 Minha primeira escola.2 Por mastigar um chiclete.

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onde era minha sala, turma, professora; foi quando uma mãe, que acompanhava a filha,sensibilizou-se e me ajudou a me encontrar na escola. Enfim, achamos a sala, lá estava a tiaDulcinéia,3 que me acolheu com bastante carinho.

Fui privilegiada, pois todos falavam que criança que estudasse com a professoraDulcinéia acabava saindo da escola como excelente aluno/a (acho que era verdade, pois aturma da Dulcinéia era a mais comportada e estudiosa do Bernardo). Os dias passaram, anormalidade veio, aos poucos me acostumei com tudo, comecei a gostar desse novo mundoe, principalmente, da biblioteca, que era pequena e cheia de livros que me faziam sonhar.

O saputi, a manga, a pitomba, frutas4 que faziam parte do cenário da escola ajudavama “enrolar a barriga” antes da merenda – aliás, as merendas tinham preparações bastantegostosas. Gostosa também foi a situação do primeiro beijo, no fundo da escola. Todos oscolegas achando o máximo; eu, assustada, nem pude aproveitar muito, mas foi legal. Hojedou risada desse episódio.

Na terceira série, fui homenageada como a melhor aluna da turma, mais uma vez,fiquei orgulhosa de mim mesma. O difícil foi não ter a presença de meus pais nesse momento,pois as outras crianças tinham a companhia dos seus. Mesmo assim, foi maravilhoso. Noano de conclusão do Ensino Básico, novamente tive que mudar de residência.

O ano passou, a quinta série (Ensino Fundamental) chegou; com ela, também veio a mudançade bairro. Fui morar em Cavaleiro, onde resido até os dias de hoje, bairro longe do Bernardo. Nocomeço, foi legal morar longe, pegar ônibus; depois, tornou-se cansativo e enjoativo.

Em janeiro do ano seguinte, morreu minha mãe. Ficava a perguntar: e agora? Apesardela trabalhar e não ser muito presente em minha infância, era meu porto seguro, sempre podiacontar com ela. Aos poucos, a vida da família foi tomando rumo, meio torto, mas tomou.

No ano seguinte, casa nova (a que moro até a presente data – “própria e quitada”),colegas novos e escola nova. No colégio Ministro João Alberto, estudei a quinta série (porcompleto). Sendo o Murilo Braga5 a escola em que tinha vontade de estudar, consegui, porintermédio de uma colega muito querida, me matricular. Lá me tornei adolescente e descobrias dificuldades da vida. Fiz “bagunça”, tive as primeiras paqueras (de verdade), dancei noclube de aeróbica, fui às festas da escola com os colegas: foi a construção de uma nova faseda vida, de novos colegas.

No último ano para conclusão do Ensino Fundamental, me transferi para o turno danoite. Foi muito difícil deixar os colegas, a bagunça, a quadra de futebol e a praça ondepassávamos horas conversando, mas era preciso. Eu precisava trabalhar; terminei a oitavasérie sem os colegas que conquistei. Estudar tinha se tornado coisa chata, pois gostava deestudar (conhecer o novo), mas tinha que ter, junto dos estudos, os colegas.

No Moacyr de Albuquerque, estudei o Ensino Médio. Naquele momento, meu tempodividia-se em estudar à noite e trabalhar durante o dia. Aos poucos percebi o quanto o/aaluno/a que estuda em colégio público é prejudicado/a pelas greves, ausência de professorese pelo pouco valor que é dado à educação no Brasil. Isso me fez descobrir as dificuldadesque o/a jovem brasileiro de origem popular enfrenta para crescer profissionalmente. Apesardisso, não desisti, pois percebia na educação um caminho para crescer na vida.

3 Uma mulher morena, com aproximadamente 38 anos, de voz forte.4 Gostosas para comer em baixo do pé no vento e sombra fresca.5 Era a “menina de meus olhos”.

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No segundo ano do Ensino Médio, os professores pincelaram o que é vestibular,universidade, profissões, entre outros. Tais informações aumentaram meu interesse em fazervestibular. No último ano em que estudava o ensino médio, quase não comparecia à escola:o trabalho consumia boa parte de meu tempo. Mesmo com todas as dificuldades conseguiterminar; festa de formatura não houve, apenas uma festinha da turma no pátio da escola.

No ano que se iniciava, decidi me dar um descanso: ficaria apenas trabalhando. Foiótimo, pois me diverti bastante, consegui juntar um dinheiro, além de dedicar mais tempo acursos que melhorassem a função6 que exercia no salão de beleza. Aliás, foi nesse salão queconheci pessoas que me motivaram a não parar de estudar, fazer faculdade. No ano seguinte,deixei o trabalho para estudar e comecei a fazer um cursinho preparatório para o vestibular.

Inicialmente foi difícil: eram tantas coisas para lembrar, estudar e, principalmente,aprender, que me faziam pensar em desistir de tudo. Graças a Deus e aos colegas queconquistei, não o fiz. Esses mesmos colegas me convidaram para participar de um grupo deestudo. Passávamos as tardes discutindo e resolvendo exercícios; quando chegava a preguiçae a falta de motivação, um incentivava o/a outro/a. Em alguns momentos, pensei em desistir;sentia-me um “peixe fora d’água” junto a pessoas de um nível de conhecimentos maior7 queo meu. Logo, pensava: “Não posso desistir; esta é a chance de crescer na vida.”

O grande dia, enfim, chegou. Na Universidade Católica – UNICAP, fiz a primeira fase.Passei. Fiquei sem acreditar. Para a última etapa do vestibular, estudei como nunca. Umprofessor do cursinho orientou-me sobre quais assuntos deveria estudar com mais ênfasepara a segunda fase. Fiz a prova. Veio o resultado: não consegui passar. Foi péssimo. Choravae pensava estudar mais um ano, acho que não vai ser possível; o dinheiro que economizeihavia acabado; começava a sentir necessidade de voltar a trabalhar. Os colegas me deramapoio e decidi tentar mais uma vez fazer o vestibular.

No período de remanejamento das universidades federais, uma colega8 ligou-me edisse que eu tinha sido remanejada, fiquei sem acreditar. Foi a melhor sensação que tive emminha vida. Até hoje, não houve outra que me proporcionasse tamanha alegria. No diaseguinte, sem saber ao certo o que deveria fazer, fui à Universidade Federal Rural dePernambuco – UFRPE e consegui fazer minha matrícula no curso de Economia Doméstica.

Por motivos financeiros voltei a trabalhar e, como conseqüência, tive que trancar ocurso de Economia Doméstica; por isso só o iniciei no ano seguinte. Ter dupla jornada, nãofoi novidade para mim, porém, na universidade, as coisas são bem diferentes se comparadasà escola. Por esse motivo, tomei coragem e, mais uma vez, deixei o trabalho. Foi o melhor aser feito; só assim pude me dedicar mais à Universidade e participar de pesquisas, estágiose eventos acadêmicos.

Ficar sem uma renda não é nada fácil; há horas em que bate um desespero, dá vontadede voltar a trabalhar. Compro roupas e sapatos apenas quando estou precisando (mesmo),passeios foram reduzidos. Em casa, percebo o quanto meu dinheiro faz falta, paracomplementar as despesas. Isso me deixa bastante angustiada, então, rezo, digo a mimmesma que é por pouco tempo e que logo as coisas vão melhorar.

6 Função de manicure e depiladora.7 Todos vinham de escolas particulares.8 Essa colega acreditava que eu seria remanejada.

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Hoje sou outra pessoa, a UFRPE me proporcionou conhecer coisas que estavam bemdistantes de minha vida; por meio dela, pude realizar sonhos e construir novas amizades.Entrar e permanecer em uma universidade, principalmente na pública, é tarefa árdua. Noentanto, digo a todos/as que tiverem a oportunidade de ler este Memorial: “Não desistam delutar pelo que desejam fazer”.

O mundo da Academia encanta, envolve e apaixona de tal forma que se torna difícildeixá-lo. É o cenário onde posso viver os meus sonhos, afinal “eu tenho uma espécie dedever, dever de sonhar sempre, pois sendo mais do que uma expectadora de mim mesma,eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso e, assim, construo a ouro e sedas, emsalas supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho entre luzes brandas emúsicas invisíveis9”.

9 Fernando Pessoa (Livro do Desassossego).

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140 Caminhadas de universitários de origem popular

Josias Ferreira de Mendonça*

Meu nome é Josias Ferreira de Mendonça, nasci em 24 de julho de 1985, na cidade deTimbaúba-PE. Era um domingo, onze horas e dez minutos de uma manhã muito ensolarada,assim, conta minha mãe. Ela sempre recorda que teve um parto normal. Mesmo assim, elatinha muito cuidado com a minha pessoa, quando eu tinha um aninho de idade, uma formigame mordeu e eu fiquei doente, a doença era conhecida naquela época de vermelhão, daí emdiante minha vida começou a ser acompanhada mais de perto pelos médicos.

Lembro de minha existência desde os três anos de idade. Sou o filho mais novo, naminha terra meus pais diz em que eu sou o caçula, eu tendo mais três irmãos e duas irmãs.

A primeira lembrança que tenho foi quando eu morava em um engenho chamado“Cancela”, no ano de 1989, onde nesta época eu tinha três anos de idade e estava começandoa estudar na Escola Maria de Fátima, mas no meio do referido ano meu pai teve que ir morarem outro engenho chamado “Maribondo”, por motivo de trabalho, toda minha famíliatambém foi morar junto com meu pai. Eu e os meus irmãos pegamos transferência para aescola perto de onde nos íamos morar, onde era chamada de Escola Nossa Senhora deLurdes, essa escola, era muito pequena, tinha apenas quatro salas de aula onde essas salaseram de pré-escolar, da primeira série, mais eu ia muito pouco a escola, pois brigava muitocom a professora Maria de Fátima e por esse motivo minha ida a escola era mais dificultada.

Antes do início do ano letivo de 1990, nós tivemos que ir morar em outro lugardenominado de Usina Musurepe, desta vez o local onde fomos morar era muito mais legalque os anteriores, pois havia mais pessoas com quase a mesma idade que eu e meus irmãos,e nós podíamos brincar mais pelo fato de ter mais gente para participar da brincadeira. Eu,meus irmãos e amigos, brincávamos muito de chimbra (bola de gude) e gostávamos muitode jogar futebol. Mas meu pai sempre foi muito rígido e não queria que a gente jogasse bolapelo fato de sermos evangélicos. Mas não era só por esse motivo que o local era melhor, aescola onde iríamos estudar era bem maior e melhor que as anteriores, sem falar da estruturaque a mesma tinha.

Quando eu tinha cinco anos de idade, minha mãe ia me matricular na 1ª série mas aspessoas que trabalhavam na direção da escola falaram que eu era muito novo para ir para aprimeira série, daí então eu tive que cursar a alfabetização novamente. Mais no meio do anoletivo de 1991, meu pai teve uma discussão com o patrão dele e acabou deixando o empregoe logo em seguida recebeu uma nova proposta para ir trabalhar na Usina Matary, que ficalocalizada na cidade de Itaquitinga-PE. Mas para ir trabalhar nesta usina ele teria que morar

Um sonho em andamento

Graduando em Agronomia.

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em um local mais próximo deste novo trabalho e para isso eu e toda a minha família tivemosque nos mudar novamente e fomos morar no Engenho Cangauzinho no qual pertence àcidade de Aliança.

Ao chegar a Aliança, minha mãe foi à escola denominada de UEPA (UnidadeEducacional da Prefeitura da Aliança) para realizar a minha matrícula e a dos meus irmãos,ao começar a estudar nesta instituição no meio do ano letivo de 1991 na alfabetização, euencontrei muitas dificuldades, pois o ensino da referida instituição era muito exigente secomparado com as instituições de ensino que eu havia freqüentado anteriormente. Com opassar dos meses eu não consegui pegar o ritmo com que os conteúdos eram transmitidos eacabei perdendo o ano sendo reprovado, mas nem por isso eu desisti.

No ano de 1992, eu me matriculei novamente na alfabetização, e com o passar dosmeses, consegui aprender e a passar de ano. No ano seguinte, cursei a 1ª série e as demais atéa 4ª série, sem perder nenhum ano da alfabetização, eu sempre estudei no período da manhã,mas quando passei a cursar a 5ª série toda a história mudou.

No ano de 1997, me matriculei na 5ª série do ensino fundamental, mais minha vida deestudante era difícil pois tinha que acordar cedo toda manhã, por volta das 5 horas para irtirar capim para os animais que meus pais compraram, isso era toda manhã, e acabavadificultando um pouco pois na hora da aula estava muito cansado. Nem por isso desisti daminha vida de estudante, entre tantas dificuldades pedia força a meu pai do céu para conseguirna luta pelos meus objetivos que era me formar e chegar a cursar uma universidade pública.No ano de 2000, eu estava concluindo a 8ª série do ensino fundamental. No fim dessemesmo ano participei de uma seleção para estudar na EAFVSA (Escola Agrotécnica Federalde Vitória de Santo Antão), sendo selecionado para estudar na referida instituição, eujuntamente com meu pai compramos todos os materiais e fardamentos que iria utilizar noano seguinte.

Em 2001, ano no qual começaria a cursar não só o ensino médio, mas também, oensino profissionalizante de Técnico em Agropecuária eu escutei uma frase que dizia “aquinós temos duas alegrias, uma quando entramos e outra quando saimos”, mas no entanto euencontrei muitas dificuldades pois era muito apegado a meus pais e a escola ficava situadamuito longe da minha casa, e a mesma era de regime interno.

O regime de internato funcionava da seguinte forma, durante o dia eu tinha aula demanhã no ensino médio, e a tarde no ensino profissionalizante, isso sem falar que a escolaficava localizada a 2 km de distância da cidade, e os alunos do regime interno não podiamsair da escola durante a semana, só quando fossem para casa, no período da noite só ficavamhomens na escola e isso era muito ruim, se não fosse a qualidade do ensino e a estrutura quea escola tinha eu teria desistido.

Mesmo assim, para que o tempo passasse rápido, a noite eu sempre procurava lerum bom livro, estudar, ir para o salão de jogos local onde eu poderia jogar sinuca, tênisde mesa, xadrez, dominó e outros jogos, sem falar que o ginásio poliesportivo ficavaaberto a noite e tinha um professor responsável para que os alunos pudessem jogar umabolinha ou vôlei.

O período da noite na escola era muito ruim e por isso eu desisti, continuei estudandoaté o ano de 2003 o qual eu me formaria. Chegando ao fim do ano eu colei grau e percebique a frase tinha uma falha, é que nós não temos duas alegrias apenas e sim uma alegria,porque passamos na seleção e iríamos estudar numa escola excelente, e outra porque nos

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formamos, e também uma tristeza, que é a de perder o contato com todos os amigos quefizemos na escola.

No fim do referido ano de 2003, eu prestei vestibular para Engenharia de Pesca, noentanto não consegui passar, fiquei muito triste e cheguei a pensar que não iria conseguiringressar numa universidade pública, pois muitos amigos meus que tentaram antes e nãoconseguiram, desistiram, mas eu levantei a cabeça e vi que se eu desistisse não valeria apena lutar.

No ano de 2005, eu estudei mais e prestei vestibular novamente, sendo que desta vezpara Engenharia Agronômica, passei para a 1ª entrada e comecei a cursar Agronomia noinício de 2006. Ao entrar na Universidade, encontrei muitas dificuldades, e hoje aindaestou encontrando. Agora, estou no 5º período do curso de Agronomia, mas o sonho aindanão está totalmente realizado.

Hoje, eu digo, se você acha que não vale a pena lutar muito para alcançar os seusobjetivos, eu falo que: “tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa).

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Karina Fabiana da Silva*

Sou Karina Fabiana da Silva, nasci em 20 de março de 1981 e moro desde muitopequena na comunidade do Morro da Conceição, localizada na cidade do Recife-PE.

Aos cinco anos de idade, fui pela primeira vez à uma escola comunitária que ficava aolado de minha casa. Como sou a irmã mais nova de uma família de seis filhos, quando meusirmãos iam à escola, eu ficava em casa brincando de boneca enquanto minha mãe costurava.Tinha muito desejo também de ir à escola, então, no segundo semestre de 1986 minha mãeresolveu atender minha vontade. No primeiro dia de aula, estava eufórica! Logo queriaaprender a escrever meu nome e aprendi, mas não no primeiro dia.

Fui uma criança alegre, que gostava de brincar com os irmãos e vizinhos no quintal decasa. Os brinquedos eram, em sua maioria, improvisados, pois meus pais não tinham dinheiropara comprar presentes para todos os filhos. Sempre quis uma bicicleta, mas nunca ganhei.Contudo, nada de ficar parada! Brincava de barra-bandeira, pula corda, elástico, espeto,bola de gude, pique-esconde, corrida... não cansava de usar a criatividade e a imaginaçãopara me divertir.

Estudei apenas alguns meses na escola comunitária. Com seis anos fui para a EscolaEstadual Pe. João Barbosa, a qual também se localiza no Morro da Conceição, onde estudeido pré-escolar à 4ª série do ensino fundamental I. Lá, fiz amizades que ainda hoje prezo.Gostava muito de estudar nesta escola, porque era próxima à minha residência, a escola eratradicional - fazíamos fila antes de entrar na sala de aula, rezávamos e pintávamos as capasdas provas, o que gostava muito de fazer.

Quando saí da Escola Pe João Barbosa, fui com a mãe de uma colega de escolaprocurar outra. Consegui matricular-me na Escola Estadual Matias de Albuquerque, emCasa Amarela, próximo ao bairro onde moro. Esta nova escola era diferente. Havia umprofessor para cada disciplina e educação física fora do horário das aulas. Contudo,consegui adaptar-me e fazer novos amigos.

Estudei nesta escola da 5ª à 8ª série do ensino fundamental II, pois nela não possuíaensino médio Ao longo dos anos fui uma aluna calma, tímida. Gostava de estudar, massempre tive minhas limitações. Algumas vezes, fiquei em recuperação em história, matemáticae português. Minha mãe, que, mesmo trabalhando, esteve mais presente em minha vida quemeu pai, algumas vezes ensinava-me as tarefas de educação artística, outras, ela nãoconseguia, porque ela é analfabeta. Meus irmãos estudavam em outro horário, e às vezes,não tinham tempo para ensinar-me. Muitas vezes tive que aprender sozinha!

Todo sonho é possível de concretizar-se

Graduanda em História.

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Quando concluí a 8ª série começou novamente a corrida para matricular-me. Minhaamiga de classe Débora e eu fomos a diversas escolas à procura de vagas. Depois de tantasidas e vindas, nos matriculamos na Escola Dom Bosco, também em Casa Amarela.

Gostei bastante de ter estudado na Escola Dom Bosco. Ela era “modelo”. Possuíalaboratório de física, teatro, aula de canto em francês, grêmio estudantil, futebol masculinoe feminino, feira de conhecimentos, palestras, informativo-educativas e biblioteca. Osecretário Arlindo Barbosa escutava nossas reivindicações, estava disposto a nos ouvir enos ajudar. Trabalhava por uma escola melhor.

Quando estava no terceiro ano, fizemos um passeio à Caruaru e Brejo da Madre deDeus, agreste de Pernambuco, dois lugares muito bonitos que, até então, não conhecia. Foiconstrutivo e muito divertido. Aprendemos geografia, história e biologia ao ar livre. Quemnos acompanhou foram os professores Bernadete, de geografia, e José Carlos, de inglês. Foiinesquecível! Neste mesmo ano, os professores começaram a falar do vestibular. Eu nãoentendia muito bem como funcionava todo o processo e como era a universidade. Queriafazer a prova do vestibular, mas não tinha dinheiro para pagar. Alguns colegas de salafizeram, mas não conseguiram passar na segunda fase. Mesmo assim, me serviu de estímulo.Queria ser dentista, porém, vi que não daria certo, pois tenho medo de sangue. As aulas dehistória dos professores estagiários Fábio e António Carlos me fizeram descobrir uma paixãooculta pela história.

Então, pensei: - vou tardar meu sonho porque não tenho dinheiro para pagar a inscriçãodo vestibular, porém, um dia farei história. Como não tinha informação, dinheiro nememprego, não queria ficar em casa sem fazer nada. Ganhei uma bolsa para estudarcontabilidade no centro do Recife. Havia de ser minha chance de conseguir um estágio ouemprego. Passei o ano de 1999 estudando, fazendo curso de informática, inglês e espanhole não consegui nenhum trabalho.

No ano seguinte, um grupo de moradores do Morro da Conceição que já estava nafaculdade, montou um grupo de estudos, o qual funcionava no fim de semana, na EscolaMunicipal Júlio Vicente, pra estudar pro vestibular. Estudei com o grupo, não o quantodesejava porque consegui um estágio de três meses em uma empresa de cobranças. Quandosaí do estágio dediquei todo o meu tempo para estudar. Ganhei a isenção da taxa de inscriçãodo vestibular das universidades federais e prestei seleção para o curso de história na UFPE.Passei apenas na primeira fase, mesmo assim, considerei uma vitória. Minha amiga Saula,que estudou comigo durante o ensino fundamental I e no grupo de estudos, passou emgeografia na UFPE. Senti-me feliz. Isso me serviu de estímulo. No ano seguinte não desanimeie continuei no grupo de estudos. Prestei vestibular para história, agora na UFRPE. Nãopassei na segunda fase.

Como sou muito persistente continuei a estudar, todavia o grupo de estudos acabou.Procurei um cursinho gratuito localizado na comunidade Córrego José Grande, também noRecife, o NAP (Núcleo de Apoio Pedagógico) Comunidade, pré-vestibular oferecido pelocolégio NAP em que seus ex-alunos, universitários, eram professores voluntários. Novamentecomecei a estudar com toda a garra. Prestei vestibular mais uma vez para licenciatura emhistória, na UFRPE, novamente não passei, então, fui à sede da COVEST (órgão que realiza asprovas do vestibular das federais) e vi que eu havia ficado em primeiro, mas infelizmente nãohouve remanejamento.

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Minha irmã Andréia foi quem me ajudou a pagar o segundo e o terceiro vestibularesque prestei. Minha família me dava força para eu continuar estudando, contudo, nãogostavam da idéia de eu ser professora e fazer história. Queriam que eu fizesse odontologia.

No ano de 2003, percebi que eu precisava de reforço. Não que os professores do NAPComunidade fossem incompetentes, a defasagem estava em minha base escolar. Meuaprendizado na escola pública foi deficitário. Sem nenhum dinheiro no bolso, pedi socorroa minha irmã Andréia, que se dispôs a pagar um cursinho para mim. Fui a vários, com minhaamiga Monique, pedir desconto. Conseguimos cinqüenta porcento de desconto para estudarno Contato da Boa Vista Bairro do Recife. Prestei vestibular para licenciatura em história naUFRPE, disse que sou persistente, e odontologia na UPE, para agradar minha família. Estudeide domingo a domingo e como lá em casa a primeira a prestar vestibular fui eu, elas nãoentendiam e não respeitavam meus horários de estudo, faziam barulho e cobravam a minhapresença nas festas dos familiares.

Quando fui ver o resultado final das provas, fiquei muito nervosa e com medo de nãoter passado, pois minha irmã estava pagando. Queria ver resultados de seu investimento.Procurei meu nome, ele estava lá. Passei! Passei! Passei! Comecei a gritar e a pular dealegria. Ficava olhando várias vezes, pois eu quase não acreditava. Em um instante comeceia pensar em todo o meu esforço, em minha luta durante quatro anos, para entrar nauniversidade pública. Não foi fácil! Mas também não foi impossível. Eu consegui! Minhafamília, meus amigos e meu namorado Dalmo, todos estavam orgulhosos de mim.

Hoje, nesse universo de conhecimento, quanto mais leio, estudo, pesquiso, maisquero me aperfeiçoar, porque, para minha sorte, descobri que história é minha paixão, eestar na universidade pública é um sonho que consegui realizar. Foi uma “luta armada”entrar na universidade. Agora que estou aqui, passei a servir de exemplo para outrosjovens de minha comunidade: Morro da Conceição. Dificuldades irão surgir, mas temosque ser fortes para superá-las

O Conexões de Saberes veio à UFRPE em boa hora e está me ajudando financeiramente,me dando oportunidade de aprender e de ensinar de forma construtiva, pois não paro poraqui. Há alguns anos estarei escrevendo minha dissertação de mestrado.

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Leidiana Lima dos Santos*

Meu nome é Leidiana Lima dos Santos, nasci no dia 19 de março de1988, na cidadedo Recife, em Pernambuco. Moro desde esta data no bairro de Forno da Cal, na Ilha deItamaracá, no mesmo Estado, com os meus pais: Aguinaldo Gonçalves dos Santos, pedreiroautônomo; e Jacilene Lopes de Lima, dona de casa, e com a minha irmã mais velha LucileneLima dos Santos, estudante. Tive uma infância muito feliz, porém, marcada por problemasde saúde. Apesar do preconceito que as pessoas têm com a cidade onde resido, pelo fato desediar dois presídios (sendo um de regime semi-aberto) e um manicômio judiciário, levamosuma vida muito tranqüila. O maior problema é que essa cidade fica muito longe do centrodo Recife, apesar de fazer parte da Região Metropolitana.

Em 1993, comecei a estudar na Escola Municipal Abdias de Oliveira no mesmo bairroonde moro. Fui matriculada na alfabetização. Conheci uma professora e diretora, ZéliaCardoso, muito importante no meu desenvolvimento escolar e pessoal. Ela passou a meobservar durante as aulas e resolveu me passar para a 1ª série do ensino fundamental porcausa do meu bom desempenho. Tive que deixar essa instituição porque não oferecia ensinoa partir da 5ª série. Fiquei receiosa, pois nela contava com professores compreensivos esensibilizados com meus problemas de saúde (que me impediam de freqüentar as aulasregularmente) e com uma educação de qualidade, equiparada com instituições particulares,diferente de hoje em dia.

Com nove anos, passei a estudar na Escola Estadual Alberto Augusto de MoraesPradines, na mesma cidade, mas em outro bairro. Meus colegas e eu contávamos com umúnico ônibus velho para transporte escolar e que, inúmeras vezes, faltava por problemas demanutenção. Hoje em dia, uma empresa faz o transporte dos estudantes, entretanto, com amesma irresponsabilidade de antes.

Tinha medo de ser reprovada nessa escola, pois diziam ser uma escola rígida e superioràs outras. E era mesmo, muito diferente do que é atualmente. Mas nunca fui reprovada eobtive boas notas, apesar das faltas.

Concluí um bom ensino fundamental maior. Quando me preparava para mudar deescola, recebi a notícia de que a minha escola iria ampliar-se para atender ao ensino médio,não fisicamente, mas pedagogicamente. Então, me matriculei no 1º ano. Não tínhamos salade aula fixa, fazíamos rodízios com outras turmas. Faltavam professores de matemática,português, física, e os que tinham, deixavam a desejar quanto ao conteúdo. Foi o meu piorano na escola. Tive uma crise alérgica tão forte que fiquei dois meses afastada, me atualizava

Lutar contra as dificuldades

Graduanda em Biologia.

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quanto aos assuntos com um colega. Quando voltei, o quadro de professores já estavacompleto, também pudera, estava quase no final do ano letivo!

No 2° ano, matriculei-me na escola vizinha, Senador Paulo Pessoa Guerra, tambémestadual, só que o terreno da mesma era da igreja católica, o que impedia sua ampliação. Nãotinham salas suficientes para todas as turmas e nós assistíamos a aula numa sala de madeiraimprovisada num corredor entre as salas de aula, fato que dificultava muito a aprendizagem.

Apesar das deficiências físicas dessa instituição, os professores eram mais capacitados.Nessa época, vivi a angústia de escolher uma profissão, para então fazer o vestibular. Aminha irmã já estava na UFRPE, no curso de Bacharelado em Ciências Biológicas havia umano. Ela sempre me mostrava os conteúdos de suas disciplinas e eu, interessada nos assuntos,aprofundava-me nas leituras dos livros de zoologia, botânica, embriologia. Foi quandodecidí que queria ser bióloga.

No 3° ano, fiz a prova de seleção para o PREVUPE (Pré-vestibular da Universidade dePernambuco) e passei. Fazia este curso gratuitamente aos sábados e domingos no Recife. Pareide fazê-lo porque fui aprovada em outro pré-vestibular também gratuito, o Rumo à Universidade(do governo estadual) que funcionava nos finais de semana, porém, com uma bolsa auxílio deR$ 50,00. Infelizmente, muitas pessoas não tiveram a mesma oportunidade que eu.

Nesse ano, 2004, eu estudava todos os dias e ia me destacando no pré-vestibular. Naminha escola, assim como em muitas outras, alguns profissionais da parte pedagógicanão acreditavam no potencial dos pré-vestibulandos, desta forma, não nos incentivavamde nenhuma forma. Consegui, através do Rumo, a isenção da taxa do vestibular (por sinal,muito abusiva para nós estudantes de origem popular) para a UPE e UFRPE, ambas para ocurso de Bacharelado em Ciências Biológicas. Não passei na 2ª fase, apesar de terficado no remanejamento.

É claro que a sensação de não ter passado é horrível, afinal de contas, você estuda parapassar. Mas eu não tive a sensação de que foi um ano perdido, e sim, que foi um anoproveitoso nos estudos. Além do mais, eu era jovem e tinha fé de passar, mas tinha que seruma universidade pública e de qualidade, porque nós estudantes de origem popular temos,mais do que ninguém, esse direito.

No ano seguinte, fiz novamente o PREVUPE e o Rumo à Universidade. Estudava todosos dias. O maior empecilho era a distância entre a minha casa e as escolas. Por semana, pegava48 ônibus e gastava dentro deles e em integrações cerca de 30 horas. Mesmo assim, não desistie fui até o final. Durante o segundo ano de Rumo à Universidade, por conta da minha nota dovestibular passado, ganhei uma bolsa para estudar gratuitamente em uma faculdade particularde Recife em cursos como direito, fisioterapia, engenharia de telecomunicações entre outros,e recusei a proposta pois queria mesmo era a federal.

Prestei vestibular novamente para Bacharelado em Ciências Biológicas na UPE edesta vez para Licenciatura em Ciências Biológicas na UFRPE, pois os cursos de licenciaturanos dão direito a uma profissão que seguramente nos dará emprego. Também, fiz ENEM eme inscrevi no PROUNI. Apesar de toda a minha família me dar todo o apoio necessário,estava mais nervosa porque me pressionava demais, uma vez que a minha irmã fez a mesmatrajetória que eu e passou nas provas na primeira vez que fez.

Passei na UPE e me matriculei, ao passo que esperava o resultado da UFRPE. Passei nafederal e também no PROUNI, bolsa integral para nutrição na Faculdade Maurício de Nassau,onde já havia recusado um curso.

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Consegui estudar numa Universidade Federal é mais do que uma conquista pessoal. Econsegui mostrar para jovens e adultos pobres, que eles também podem conseguir essefeito. Hoje, vejo muitas pessoas que estudaram comigo em faculdades privadas, pagandopara ter um diploma de ensino superior, enquanto as vagas das universidades de qualidadee gratuitas estão, em sua maioria, ocupadas pela elite econômica.

Para nós, alunos oriundos de escolas públicas, as dificuldades são muito maiores.Faltam professores, estes, na maioria das vezes, não têm capacitação para preparar os alunospara concursos, faltam investimentos em bibliotecas, laboratórios e nos salários doseducadores. Eu entrei na UPE graças aos 20% de cotas para os estudantes de baixa-renda,mas é triste e inaceitável que nós dependamos de uma cota para termos acesso a um ensinoque é direito de todos. Deveríamos ter a chance de competir igualmente com os estudantesque tiveram acesso a escolas privadas.

Hoje, estou no 2° período do curso de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas naUFRPE e não me arrependo da minha escolha. Nós, universitários, ex-estudantes de escolaspúblicas, sentimos muita dificuldade em algumas disciplinas por conta da defasagem doensino que tivemos. Por causa da falta de professores e das dificuldades dos educadores doensino fundamental e médio em relação aos conteúdos, nosso rendimento na universidadecai bastante e muitos de nós sofremos com preconceito de alguns docentes destas instituições,e pior, vários estudantes não conseguem terminar o curso porque não conseguem aprendero conteúdo das disciplinas e desistem ou são desligados por reprovações. Tenho dificuldadesnas aulas práticas laboratoriais, pois nas minhas ex-escolas (assim como a maioria) nãoeram equipadas com laboratórios de ciências ou informática.

Fiquei sabendo, então, do Conexões de Saberes através de algumas amigas e meinscrevi. Programas como este devem estar presentes em todas as universidades públicas doBrasil, pois têm como objetivo ajudar os estudantes universitários de origem popular amanterem-se nas universidades públicas. Sinto muita responsabilidade por estar trabalhandono programa Escola Aberta, porque vejo a expectativa de mudança de vida das crianças dascomunidades atendidas. Trabalho na primeira escola onde estudei e em outra do bairrovizinho, ambas municipais, onde procuro sempre fazer o melhor que posso nas oficinas.

Além do Conexões, pretendo fazer um estágio de iniciação científica em TaxonomiaVegetal. Quero aprender muito com este estágio, e após terminar a minha graduação querofazer mestrado e doutorado. Com meus estudos quero poder ajudar as comunidades popularesatravés do Programa Escola Aberta. Quero expandir, conectar saber científico à comunidadee trocar nossos conhecimentos, desta forma, diminuir as desigualdades sociais e lutar paraque mais jovens de origem popular entrem nas Universidades Públicas.

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Leonardo Barbosa da Rocha*

Meu nome é Leonardo Barbosa da Rocha, sou natural de Recife-PE, nasci no dia 2 dejunho de 1987. Sou o filho mais novo de Luiz Epitácio da Rocha Filho, pedreiro, e MariaMilte Barbosa da Rocha, dona de casa.

Comecei minha vida escolar quando meus pais colocaram-me em uma escola particularde bairro, saindo dois anos depois para me alfabetizarem em uma escola pública. Terminandoa alfabetização, voltei para a escola particular de onde eu tinha saído. Mesmo com dificuldadesfinanceiras para me manter nesta escola, meus pais, que têm baixo grau de estudo, conseguiramdeixar-me lá até o término da 6ª série. A partir da 7ª série, voltei a estudar em uma escolapública. Esta volta me marcou muito, pois senti as diferenças entre as escolas públicas eparticulares. Como a falta dos professores, por exemplo, tendo muitas vezes que voltar paracasa sem ter uma aula no dia.

Na 8ª série, mudei de escola novamente, indo estudar em outra escola pública que eraconsiderada “melhor”. Nesta escola, concluí o ensino fundamental e o médio. No 3º ano doensino médio essa escola teve que ser reformada, em razão de infiltrações, perdendo uns 40dias sem aula, por não ter um local para estudar. Finalmente, conseguiram o lugar, mas eraum galpão. As salas eram separadas por divisórias de madeira, que só serviam para nãovisualizar a sala ao lado, pois todos os sons podiam ser ouvidos nas outras classes. Porconseqüência disso, o meu professor de biologia teve que se afastar por problemas nascordas vocais, ocasionados pelo barulho e pela poeira.

Foi nesta escola onde descobri realmente o que era vestibular. Mesmo tendo umairmã que estudava para a prova, nunca tive muito interesse. Talvez por pensar que eraimpossível chegar lá. Nessa escola, havia uma coordenadora pedagógica que explicoupara nós o que era o vestibular.

Muito antes da prova, tomei conhecimento através de uma amiga de que havia umcursinho pré-vestibular para estudantes de escolas públicas. O cursinho era gratuito, mashavia uma prova de seleção, pois havia um número limitado de vagas. Sabendo disso,comecei a estudar para a prova de seleção do PREVUPE (cursinho pré-vestibular promovidopela UPE - Universidade de Pernambuco). Quando o resultado saiu, fiquei muito feliz porter conseguido a vaga, mesmo sem saber o que queria realmente fazer (dúvida comum amuitos estudantes).

Após saber o resultado da seleção, comecei a estudar no cursinho. Esse pré-vestibularé dividido em turma A, que funciona durante a semana; e turma B, funcionando no final de

Caminhos de esperança

Graduando em Biologia.

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150 Caminhadas de universitários de origem popular

semana. Como cursava o 3º ano escolar pelo turno da manhã, optei por fazer o cursinho nofim de semana. No começo era tudo muito bom, mas com o passar do tempo comecei a ficarcansado com a rotina desgastante.

O cursinho era longe da minha casa e eu tinha que pagar passagem para estudar. Ocansaço era grande, pois eu estudava durante a semana na escola e no fim de semana nocursinho. Com este cansaço não liguei para estudar em casa, pensando que só em freqüentaraulas era possível passar no vestibular.

Um dia a UPE ofereceu uma feira de profissões. Como era ela quem organizava o cursopré-vestibular, decidiu levar os estudantes para a feira. Eu ainda não sabia o que iria fazer ejá estava entre junho e julho. Na feira, decidi fazer vestibular para biologia. Tentei, então,uma vaga para Licenciatura em Ciências Biológicas.

No dia do vestibular, vi que a prova era mais difícil do que pensava. Mesmo assim,consegui passar na 1ª fase, mas na 2ª fase não obtive sucesso e não passei no vestibular.Fiquei muito triste por não ter conseguido êxito.

No ano seguinte, decidi fazer um curso de informática, já pensando no mercado detrabalho. Mas com o incentivo de umas amigas, decidi fazer a prova de seleção do curso pré-vestibular que havia estudado no ano anterior. Só que neste, eu resolvi estudar durante asemana, que tinha um horário maior que o final de semana.

Passei novamente na seleção para estudar no cursinho. Meus pais me deram apoiopara estudar, mesmo depois de haver terminado o ensino médio. Como o curso de informáticaera pela manhã, eu tinha que faltar um dia no pré-vestibular. Com este curso de informática,o aluno tinha o direito de estagiar para se preparar para o mercado de trabalho. O estágio erade segunda a sexta durante o turno da tarde. Então, eu estudava pela manhã e estagiavadurante a tarde. Essa rotina teve duração de 3 meses.

O nervosismo aumentava com a chegada do vestibular. Esse nervosismo é comumà maioria dos que fazem esse exame, pois a sensação é de que a vida está sendo decididaem uma prova.

Logo após a 1ª fase do vestibular, saiu a listagem de quem havia passado para a 2ª fase,e eu havia conseguido passar. A minha nota foi até razoável, mas percebi que teria quecontinuar estudando as matérias que tinham importância para o meu curso. Ao final dasprovas, eu sempre saía pensando que tinha feito uma má prova, e com isso, no final da 2ªfase, cheguei a pensar que não conseguiria passar. Quando a lista dos aprovados no vestibularsaiu, fiquei sabendo que eu tinha passado. Com a notícia, fiquei muito alegre, sem quereracreditar que havia conseguido passar em Licenciatura de Ciências Biológicas na UFRPE.

No início das atividades na universidade, foi tudo muito bom. Mas com o passar dealgum tempo, fui percebendo que não era tudo aquilo que imaginava, pois descobri que seera difícil entrar na universidade, também era difícil permanecer e terminar o curso. Um dosproblemas é defasagem sofrida no ensino fundamental e médio, o que acarretou na minhadificuldade em acompanhar certos conteúdos ministrados na faculdade. Outro problema,era como me manter financeiramente na universidade, pois, como estudo à tarde, a chancede conseguir um emprego em meio expediente é bem menor. Pensei até em mudar o meuhorário para noite, mas só que não podia.

No dia da matrícula para o segundo período, uma amiga de sala me avisou de umavaga em um estágio remunerado e que não ocupava o dia todo. Quando procurei saber

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maiores informações, descobri que era um projeto chamado “Conexões de Saberes”, quevisa a entrada, e principalmente, a permanência do aluno de origem popular na universidade.Fui selecionado para participar desse projeto.

Mesmo passando algumas dificuldades, nunca pensei em desistir, pois queroconseguir uma vida mais digna. Sempre tentando ultrapassar as barreiras da exclusãosocial que afligem o Brasil.

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Graduanda em Ciências Sociais.

Linalva Maria de Barros*

Primeira filha de uma família de cinco pessoas, nasceu, em 9 de janeiro de 1968, umabela manhã de terça-feira, Linalva. Como toda criança, aproveitou a infância antes e depoisdo nascimento das irmãs. Levou muito puxão de orelha, por gostar de pular o quintal dovizinho e correr atrás das galinhas. Sua mãe ralhava com ela, pois suas “trelas” incentivavamas irmãs mais novas.

Aos sete anos, iniciou a vida escolar, em uma escola pública que ficava próxima dobairro onde morava - Água Fria. A Escola Gabriela Mistral era espaçosa, aconchegante e commuitas árvores. Dessa época, guardo poucas, mas valiosas lembranças: a professora da 1ªsérie, Maria José que estava sempre no portão do pátio para receber os alunos; o porteiro, Sr.Antônio; e a saudosa merendeira, Dona Esmerinda, ela fazia uma merenda deliciosa, que erarepetida por todos.

Durante o tempo em que permaneceu na escola, da 1ª a 8ª série, Linalva foi,carinhosamente, apelidada de “Pingo de gente”, por ser pequenina e franzina. Final de1982, e “Pingo de gente” se entristecia, porque não poderia participar de sua formatura. Suamãe, uma humilde lavadeira, ganhava muito pouco - apenas para o sustento da família - e aparticipação na festa ficou apenas na vontade.

Muito estudiosa, Linalva optou por outra escola, também estadual, localizada em umbairro distante daquele em que residia. Seria necessário, portanto, pagar por uma condução.Sua mãe não aceitou a escolha, argumentando que o dinheiro mal dava para manter a casae que não seria possível a tal condução. A pequena não se abatia, porém, muitas vezes,seguia para a escola a pé.

A vida para ela, nessa nova etapa não foi boa. Teve muitas dificuldades: indiferença,por não pertencer ao mesmo nível social; ser uma das poucas a usufruir a merenda daescola... diante desse cenário, o seu despertar foi desolador, intensificando-se nas notas,teve de amargar a repetência. Mais uma vez, não se deixou abater e seguiu em frente.

No término do ano letivo de 1985, Linalva concluía o segundo grau. Eleita a melhoraluna, compareceu à sua festa de formatura, com direito a vestido novo, nervosismo, beijono rapaz mais bonito da escola e discurso. Saiu de lá com um sorriso nos lábios e cheia decoragem para enfrentar os desafios que estavam por vir.

Para encarar a vida, precisava de recursos. Foi trabalhar no comércio, desenvolvendodiversas atividades: balconista, crediarista, operadora de caixa, embaladora, e até gerente.

O sonho, o despertar, a vida e o desafio

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Para exercer todas essas funções, empenhou treze anos de sua vida e distanciou-se de seuobjetivo principal: a universidade.

Aos trinta e cinco anos, estava desempregada, endividada, sem nenhuma perspectivae sem nenhum dinheiro.

Foi em uma conversa com o namorado que ela decidiu fazer o vestibular. Não foi assim,de cara. Discutiram muito, pois, independentemente de seu desejo de retomar os estudos,Linalva, depois de treze anos, não estava tão confiante e usava a falta de tempo para umamelhor preparação - oito meses... tão pouco! - como motivo para não fazer as provas.

O tempo, porém, era de encarar os desafios e não de impor obstáculos a si mesma. Comessa consciência, apesar das críticas de sua mãe, ela decidiu correr atrás de seu ideal. Enfrentoucaminhadas, sonolência, cansaço, atraso e muita correria.

No dia marcado, foi fazer a prova do vestibular, a primeira fase. Saiu-se bem, conseguiupassar. Porém, esse dia, o da prova, foi interessante pelos acontecimentos: ao chegar nolocal, duas horas antes, de acordo com orientações. E deparou-se com pessoas nervosas, nãoentendia toda aquela agitação. Porém, não se importou, na hora da prova relaxou, tirou umasoneca, e os sapatos... afinal dispunha de 4 horas.

Dias depois, o resultado, aprovada, felicidade tamanha, venceu o primeiro desafio.Mas ainda havia outro por vir, a segunda fase, a definitiva.

Esse momento finalmente chegou, pânico, aflição, mãos suadas. Fez a prova, aguardoudias (ansiedade) e finalmente o resultado: aprovada. Que alegria! Inacreditável, ficou noitessem dormir, mais uma etapa vencida! Passados todas as comemorações, chegou o momentode ingressar de fato na Universidade. Com o comprovante de matrícula em mãos, a jovemfinalmente, universitária.

Hoje, cursando o 7o período de Ciências Sociais, a jovem Linalva é conexista, trabalhano projeto Conexões de Saberes, em parceria com a Escola Aberta para promover a inclusãoSocial de jovem e permanências na Universidade.

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Graduando em Física.

Luciano dos Santos da Silva*

Eu queria ser um peixe, pra comer a carnede charqueEu queria ser uma abelha pra andar decaminhãoEu queria ser uma foca pra jogar bola degudeEu queria ser uma formiga pra tomarrefrigeranteEu queria...

Em 6 de março de 1987, nascia um menino que se tornaria a promessa de que a Físicado Brasil teria um de seus maiores representantes de todos os tempos... bem, eu acho queeste início está muito profético. É melhor começar escrevendo sobre minha família.

Minha família já foi muito pobre; hoje, continua pobre, só que agora está melhor. Meupai, que tem 44 anos, sempre foi um homem trabalhador; logo cedo (na adolescência), teveque trabalhar para ajudar no sustento de seus irmãos, pois meu avô tinha falecido. Elesempre me conta que, naquele tempo, a situação era muito difícil e que chegava a faltarcomida, por isso tinha que trabalhar. Ele nunca se interessou por estudar; quando ia àescola, parava no caminho para jogar bola de gude. Concluiu apenas a 1ª série do ensinofundamental. Por não ter estudado, perdeu boas oportunidades de emprego, e angustiadoquanto a isso, resolveu me incentivar a estudar desde cedo.

Minha mãe, que também morava no interior do Estado, ainda jovem, conheceu meupai, e depois de algum tempo, resolveram se amasiar. Ela tem 39 anos e teve sua primeirafilha (minha irmã mais velha) aos 18 anos. Depois de dois anos, sabe quem nasceu? Eu!Luciano (o “Gostosinho”). Ainda nasceram mais dois irmãos, que hoje têm 16 e 14 anos.

Agora sim, começarei a escrever sobre mim. Meu relato, até mesmo pelo título e pelosversos iniciais, será suficiente para dizer quem sou.

Eu fui criado em um sistema muito rígido de educação familiar. Minha família veiomorar na cidade do Cabo de Santo Agostinho quando eu tinha dois anos de idade. Sócomecei a estudar aos sete anos. Como já estava “velho” para fazer Jardim de Infância, Pré-escolar e Alfabetização, ingressei direto para a 1ª série do Ensino Fundamental. Aindalembro do primeiro dia de aula que, para mim, foi horrível, pois me sentia estranho, tinha

Eu, “Gostosinho”

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medo da professora e não conhecia nenhuma outra criança da turma. A escola, que erapública do município, só oferecia ensino até a 4ª série do Fundamental, e depois de seismeses cursando a 1ª série, fui para a 2ª. Concluí a 3ª e a 4ª série e mudei de escola.

Antes de dizer como foi minha passagem pela outra escola, gostaria de relatar que sóaprendi a ler e a escrever por causa dos puxões de orelhas, quando tinha lição para fazer.Lembro, ainda, que levei uma surra quando cursava a 3ª série, porque não prestava atençãoà aula e vivia bagunçando. Hoje, agradeço meus pais pela surra - ela foi decisiva em minhatrajetória escolar.

O meu Ensino Fundamental II (da 5ª a 8ª série) foi tranqüilo, devido à facilidade comque aprendia as coisas. Sempre fui destaque nas turmas. Cheguei ao Ensino Médio semsaber o que era um vestibular. Foi então que, em 2002, quando estava no segundo ano docurso e com apenas quinze anos, resolvi fazer minha primeira prova de seleção para umcurso. A prova era para o Técnico de Eletromecânica oferecido pelo Serviço Nacional deAprendizagem Industrial (SENAI). Soube das inscrições para o curso no dia em que elas seencerravam; o prazo estendia-se até às 16h e só cheguei ao local às 15h30min. Garanti,todavia, minha inscrição.

Fiz a prova, e para minha decepção, no dia da divulgação do resultado, meu nome nãoestava na lista dos aprovados. Nesse dia, fiquei muito triste. A tristeza foi embora alguns diasdepois, quando o coordenador de educação do SENAI ligou para casa, explicando a ocorrênciade um equívoco: meu nome deveria constar da lista. No dia seguinte, matriculei-me.

Como a prova aconteceu no final de 2002, só iniciei o curso em fevereiro de 2003,quando também iniciava o terceiro ano do Ensino Médio. Por meio do curso, fiquei sabendoo que era um vestibular, mas decidi que não o faria, pois acreditava que não teria chance deser aprovado, por nunca ter estudado em escola particular.

Em maio de 2003, inscrevi-me para a prova de seleção do Rumo à Universidade, ProgramaPré-vestibular oferecido pelo governo do Estado de Pernambuco, que disponibilizava umabolsa de R$ 50,00 para auxiliar no transporte e na alimentação do estudante. Só fiz a inscriçãopara esse Programa no último dia e por ter sabido da bolsa-auxílio.

Fiz a prova, e passados alguns dias, o coordenador-geral do Programa ligou para minhacasa e deu-me o resultado, antes mesmo que ele fosse divulgado: havia sido aprovado com notadez, por ter acertado as vinte questões da prova (dez questões de Português e dez de Matemática).

Parabenizou-me e perguntou se eu poderia comparecer à Secretaria Estadual deEducação. Respondi-lhe que seria difícil, pois não saberia chegar à Secretaria, como tambémnão possuía dinheiro o bastante para a passagem (imaginem a situação: a passagem custavaum pouco mais que cinco reais, ida e volta, mas em casa não tínhamos esse dinheiro). Disse-me, então, que eu conseguisse o dinheiro emprestado, o importante era a minha presença -o dinheiro seria reposto na própria Secretaria.

Arrumei o dinheiro emprestado e chamei um colega que sabia como chegar à Secretaria.Ao chegar lá, fui cumprimentado e ouvi a explicação de que dezesseis mil e duzentosalunos participaram da seleção e que vinte e três foram aprovados com nota máxima, sendoeu um desses alunos. Fomos chamados para receber uma homenagem no Palácio do Governo,onde estavam presentes o governador e outras autoridades.

Esse foi meu momento de fama. Fui escolhido dentre os vinte e três, por ser o maisjovem: tinha apenas dezesseis anos; recebi quatro livros, doados por uma Editora, das mãosdo governador. Como a solenidade contou com a presença da imprensa, dei várias

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entrevistas para os jornais de circulação no Estado, além de ser filmado pelas emissorasde TV. No dia seguinte, a foto do governador apertando minha mão, estampava todos osjornais. Esse feito ainda rendeu-me duas homenagens: uma na Assembléia Legislativa eoutra na escola em que estudava.

Em julho desse mesmo ano, consegui meu primeiro emprego, como aprendiz deTécnico em Eletromecânica. Começou, assim, uma rotina cansativa. Freqüentava o cursoTécnico pela manhã; do curso, ia direto para o trabalho, à tarde; e do trabalho, ia direto àescola, à noite. No final de semana descansava, certo? Errado. Agora, tinha de freqüentaro cursinho do Rumo à Universidade, que se realizava no sábado, durante todo o dia, e nodomingo, por boa parte dele.

Diante da rotina, desestimulei-me. Não faria mais o vestibular. Fiz, no entanto, osimulado do Programa, e como obtive uma boa nota, ganhei a isenção da taxa de inscriçãodos vestibulares da UFRPE/UFPE e da UPE.

Fiz o vestibular 2004 para o curso de Física na UFRPE e para o de Engenharia Mecânicana UPE. Não consegui ser aprovado na UPE, e na UFRPE, consegui passar apenas na primeirafase. O resultado serviu de estímulo, tendo em vista que não esperava passar nem na primeirafase. Resolvi fazer o vestibular 2005 para os mesmos cursos, e para minha surpresa, fuiaprovado nas duas instituições.

Como não poderia manter os dois cursos, pois teria de trabalhar, escolhi o de Física,por realizar-se no período noturno. Sempre gostei de Física. Na verdade, a relação maisintensa com a Física, e que me induziu à sua escolha, deu-se no curso Técnico. Sou umapaixonado por ela.

No início de meu curso de Física, a professora de Psicologia perguntou a toda a salapor que tínhamos escolhido Física; quando chegou minha vez de responder, disse: “PorqueFísica é muito gostosinho. Eu chego a ficar arrepiado, quando a estudo!” A partir daí, aturma começou a me chamar de “Gostosinho”.

Cursava o terceiro período, quando fiquei sabendo do Programa Conexões deSaberes. Resolvi fazer a inscrição, motivado, principalmente, pela bolsa oferecida. Seessa era a motivação inicial, tive de render-me à sua proposta. Foi no Conexões de Saberes,dentre outras coisas, que o apelido “Gostosinho” se consagrou: sempre que concluíam asatividades em nossa capacitação como “oficineiros”, os “facilitadores” perguntavam comopercebíamos aquele momento em que aprendíamos múltiplos conhecimentos, eu respondiaque estava sendo “gostosinho”.

Outro momento muito importante para mim, foi quando recebi o troféu de Destaque2005 do bairro em que moro. Meu esforço e minha dedicação eram reconhecidos por toda acomunidade. Fiquei muito agradecido e honrado. A felicidade era muito grande.

Antes de concluir meu Memorial, gostaria de explicar os versos iniciais: eles foramcompostos por minha turma do curso Técnico e são algo que me representa, uma vez que,assim como esses versos, não vejo muito sentido nas coisas postas no mundo. Talvez,porque elas devam ser vividas e não, necessariamente, fazerem sentido.

Espero que meu Memorial, apesar de longo, possa ser percebido por seus leitorescomo “gostosinho”. Encontros e desencontros, caminhos e descaminhos, idas e vindas,acontecem e acontecerão, mas eu sempre serei Luciano, vulgo “Gostosinho”.

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Luis Carlos Cipriano*

Como é importante perceber o quanto modifiquei nestes 29 anos de vida. Nascinuma família simples do bairro de tejipió, zona sudoeste do Recife, quase na divisa dacidade do Jaboatão dos Guararapes, por sinal, sou natural de lá. Minha infância era emmeio às árvores frutíferas da região, hoje, quase que não mais existem, pois, as casas e ocomércio já tomaram conta de tudo.

Quando iniciei minhas primeiras séries, pude perceber o quanto era bom ler, escrevere porque não dizer, falar. Desde o ensino fundamental II aprendi a gostar de tudo o queenvolvia o ensino, a aprendizagem. Talvez não tivesse tão claro para mim o que era tudoaquilo, mas já percebia o que o destino me reservava. Neste momento, quero recordar trêsmestras que foram importantes na minha formação primária, Solange Mota, Albertina Delmiroe Maria das Graças Gomes de Freitas, esta última, uma verdadeira mãe.

Sabendo elas de minhas limitações, tanto financeira, quanto de estudo, sempre meajudaram no que era possível; reforço, atenção, e até auxiliando na compra de algo quenão podia comprar. Creio que minha maior dificuldade foi deixar aquela escola, porém,percebo que ali foi apenas o começo, local onde fincava minhas raízes. Um fato quepenso ser importante citar, é que todo meu ensino fundamental foi feito em escolaparticular, com bolsa integral patrocinada pela empresa em que meu pai trabalhava emparceria com o governo federal.

É uma pena que esse tipo de programa não exista mais, pois acredito que ele auxiliariano processo de educação fundamental no país. Ou seja, promoveria um acesso maior decrianças à educação fundamental.

Quando entrei no ensino médio, percebi a fragilidade da escola, mesmo sendo técnica,faltavam professores, laboratórios, e os poucos que tinham estavam sucateados. Poucoaprendi na escola as matérias que favoreceriam meu ingresso em uma universidade pública.Os poucos professores que nos ensinavam incentivavam o nosso ingresso no vestibular.Mesmo assim, sabiam eles que nem tudo era muito simples.

Em nenhum momento cheguei a desistir, estudei por conta própria, e depois de trêstentativas passei.

Ao entrar na universidade, percebi o quanto esse caminho seria mais tortuoso que osanos anteriores: dinheiro curto, passagem faltava, fome apertava e xérox a dever. Tudo eramuito novo, mesmo querendo continuar, sentia as dificuldades existentes.

Caminhadas: a história de minha vida

Graduando em Normal Superior.

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Buscava informações e maneiras de sanar o problema, mas a burocracia emperravaqualquer alternativa que procurava. Só escutava: “O governo não envia verba, tudo estásucateado... aguarde uma bolsa que breve irá sair”. Nossa, quanto tempo esperei...! Porém,não desisti, foram muitos projetos como voluntário. Isso me fez crescer, e muito. No princípio,pensei que só seria tempo perdido e que nada me valeria como experiência em minhaformação. Hoje, já observo tudo com outros olhos.

Nesse período, muitas oportunidades apareceram, e dentre elas, o Programa Conexõesde Saberes.

Quando resolvi me escrever para o mesmo, pensei em dar continuidade às atividadesque exercia na extensão universitária, através do programa Escola Aberta. Neste, concorricom 800 alunos, e consegui estar entre os 108 selecionados do ano de 2006. Atualmente,realizo oficinas integradas na escola São Paulo, que se localiza em um engenho do municípiode Ipojuca, mata sul de Pernambuco.

O Conexões de Saberes além de propiciar um maior desempenho dentro da área deextensão em que atuo, (comunicação pessoal, vídeo e arte) também possibilitou minhapermanência na universidade.

Nesses quatro meses, pude perceber uma melhora em tudo aquilo que estou desenvolvendo,inclusive o apoio a minha mantença (passagens, livros, xérox...) na academia.

Portanto, o Programa Conexões de Saberes, acredito ser, um dos mais específicos doMEC no momento. Pois, possibilita a permanência e o desenvolvimento na universidade dealunos oriundos de escolas públicas.

Talvez a princípio, este programa aparente ser mais um daqueles que venham paraocupar espaços na política pública, porém, quando adentramos em sua essência verificamossua necessidade em estar presente nos anos que estão por vir.

Enfim, o Conexões de Saberes é um programa ousado que auxilia alunos como eu, noseu progresso dentro do campi universitário, possibilitando um maior desempenho nasatividades acadêmicas.

O que percebo é que este trabalho de extensão nos leva a refletir passado e lançar-separa o futuro, criando uma expectativa de oportunidade para aqueles que mal ingressaramna universidade pública e já sofrem por não conseguirem manter-se na mesma.

Acredito que com esse programa será possível não só manter-se na academia, maspossibilitar o ingresso de outros alunos oriundos de escolas públicas ao universo universitário,criando assim, uma rede de ajuda e auxílio mútuo, governo - universidade - aluno.

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Magda Maria da Silva Santana*

Em 1986, ingresso no ensino fundamental I, em uma escola privada no bairro deMaranguape II, Paulista. Permaneci nela até a alfabetização. Não tenho muitas recordações,apenas sei que o nome da escola era Educandário Tio Patinhas e que nela fui muito feliz.

No ano de 1989, aos seis anos de idade, entrei para cursar a 1ª série do ensinofundamental na Escola Estadual Maria Alves Machado, também no bairro de MaranguapeII. Tive de refazer nesta escola a alfabetização, mesmo já sabendo ler, pois devido ao sistemada escola que cumpria a determinações, certamente da Secretaria de Educação, não podiacursar a 1ª série antes dos sete anos de idade. Nesta escola, fiquei até a 4ª série do ensinofundamental. Na minha história de estudante, não tive grandes dificuldades, a não ser o fatode estudar em escola pública e sofrer suas conseqüências: ter dificuldades em passar novestibular por falta de um devido preparo, enfrentar greves, e com isso, ter um rendimentoescolar abaixo do necessário, encarar a falta de professores, dentre outros exemplos.

Lá em casa, somos três filhos, e eu sou a mais nova. Minha mãe não conseguiu terminaros estudos, fez a opção de tomar conta da família, talvez ela não conseguisse compreendera importância deste ato, ou simplesmente era feliz na vida que escolheu. Meu pai, concluiuo ensino médio e é técnico em contabilidade. Sempre conseguiu manter a família com osalário que ganhava, claro, dentro das possibilidades, mas nunca nos faltou às necessidadesbásicas. Contudo, tivemos de abrir mão de alguns “privilégios”, e um deles foi estudar emuma escola privada.

Sempre me saí bem nas provas e conseguia passar de ano sem nenhuma dificuldade.Concluí a 4ª série e meus pais já fomentavam em mim a idéia de estudar no Colégio MunicipalJosé Firmino da Veiga, no município de Paulista, região metropolitana do Recife, que, naépoca, era uma das escolas em que todos os pais queriam que os filhos estudassem.

Eu ainda não compreendia o que significava tudo aquilo, mas entendia que seria bom,para mim, estudar em uma escola de qualidade. Fiz um preparatório, ainda lembro das aulasde reforço na rua onde moro, com a professora Andréa. Estudei, fiz o teste de seleção,embora não tenha obtido uma das melhores colocações, ainda lembro que consegui 6, 8,classificando-me para a 5ª série A daquela escola.

Foi um barato estudar no Colégio Municipal José Firmino da Veiga, pois eu, aos 11anos de idade, ia com os demais colegas do bairro, estudar longe de casa. Eu me sentiamuito livre, adulta, responsável; podia inclusive pegar ônibus sozinha. Era muito divertido.

Escrevendo uma história emodificando o convencional

Graduanda em Ciências Sociais.

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Fiz todo o ensino fundamental II e ensino médio nesta escola. Após concluir a 7ª série,uma greve de oito meses assolou a escola e fez cair muito o nível de ensino. Por esta razão,cheguei até a matricular-me em uma outra escola, lá no bairro de Maranguape II, onde moroaté hoje, mas neste intervalo, as aulas retornaram e acabei voltando para a escola anterior.

Nos anos seguintes, era visível a diferença no que se refere à qualidade do ensino,no Colégio Firmino da Veiga, se compararmos aos anos anteriores, mas assim mesmo,continuei a estudar lá.

Após a 8ª série: a grande dúvida! O que fazer depois de concluir o 2º grau. Já era latente,em especial na minha família, a idéia de que eu deveria fazer um curso profissionalizante,para que eu pudesse logo arrumar um trabalho.

Influenciada por reconhecer a necessidade de ter um trabalho, por ver em meu pai oespelho de uma profissão, escolhi fazer ainda, nesta escola, o curso técnico de contabilidade.Nesta época, ano de 1997, tinha 15 anos, estudava à noite, e paralelamente ao curso, tambémtrabalhava em um escritório na função de digitadora. Foi neste contexto, que concluí meuensino médio, e o curso profissionalizante em 1999.

Não pensava em vestibular no ano em que concluí o ensino médio, mas fazer um cursonoturno e profissionalizante tem lá suas desvantagens. Saí do ensino médio pensando emfazer um possível cursinho pré-vestibular, para só depois, ou seja, no final do ano seguinteao da conclusão, tentar o vestibular.

Concretizando meus planos, fiz o planejado cursinho, só que por falta de recursos,optei por um pré-vestibular lá na comunidade, numa escola privada. Mas a idéia não deumuito certo. Alguns professores contratados, desistiram de dar aulas por falta de estímulofinanceiro e acabamos sem professores de algumas disciplinas.

Consegui entrar no CEFET-PE, no ano de 2001, para o curso técnico de turismo,grandes expectativas mantinha com relação ao curso. Consegui concluí-lo no ano de 2003,mas meu objetivo de entrar qualificada no mercado de trabalho, mais uma vez, ficou delado. Entrar no CEFET-PE, para mim, foi uma grande conquista, porém, terminava o cursoum pouco frustrada com o sistema público de ensino. Apesar disso, foi no CEFET-PE quepercebi a importância de ter um curso superior. Foi lá que a vontade de ingressar nauniversidade tomou forma mais concreta.

No final do ano de 2003, ano em que concluía o curso, no CEFET-PE, tentei o vestibular,fiz o PREVUPE, um preparatório para o vestibular, que a Universidade de Pernambucooferece para estudantes oriundos de escola pública, mediante processo seletivo. Estudavano PREVUPE no fim de semana, e nesta época, ajudava meu pai em seu escritório decontabilidade. Também prestei vestibular para o curso de Serviço Social, na UniversidadeFederal de Pernambuco.

A escolha pelo curso de Serviço Social se deu pelo motivo de estar escolhendo algocom o qual me identifico. Porém, obtive uma média abaixo da do curso escolhido. Naqueleano, mais uma vez não passei.

A vontade de estar na faculdade era maior que minhas dificuldades: além de enfrentarproblemas financeiros, fiz no ensino médio a opção por um curso profissionalizante, e porisso, deixei de estudar algumas disciplinas indispensáveis para quem sonha ingressar numauniversidade pública.

Mas no ano de 2004, fiz novamente a seleção para o PREVUPE e voltei a me prepararpara o vestibular.

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As responsabilidades acompanham o tempo, e nesta época, já com 22 anos, percebiae tinha a necessidade de trabalhar. Foi por esta razão que optei fazer o preparatório no finalde semana, e assim, ter mais tempo para estudar à note, horário em que estava em casa.

Um dos fortes motivos que me direcionou para a escolha do curso que faço hoje:Ciências Sociais, foi mesmo uma questão de identidade. Sempre gostei de procurarcompreender melhor as pessoas, e claro, dentro do possível, encontrar uma maneira deajudá-las. Também o horário do curso e a concorrência contaram bastante; logo, desistido curso de Serviço Social, que ainda é um curso apenas diurno na rede pública de ensino,e escolhi Ciências Sociais, por ser um curso que também trataria do social, de sociedade,de seres humanos.

Agora, sim! Prestei o vestibular no final do ano de 2004 e fui aprovada. Não quis vero resultado. Embora tivesse passado numa boa colocação na 1ª fase, fiquei apreensiva.

Na época, trabalhava em um sindicato, e todos os amigos de trabalho esperavam tambémansiosos pelo resultado. Recebi a notícia por telefone através de uma amiga que viu o resultado.Chorei bastante, e pude experimentar o gosto de conquistar algo com muito esforço.

Consigo perceber às dificuldades da universidade pública e tenho total consciênciado processo pelo qual passei para entrar, e pelo qual passo para permanecer, na universidade.Ao longo desta minha jornada, é impossível não reconhecer a ajuda, compreensão, o apoiomoral e financeiro dos meus pais, amigos e namorado, que estiveram comigo em boa partede todos estes momentos.

Continuo “escrevendo” minha história, estou trabalhando na função de auxiliaradministrativo, desenvolvo algumas atividades junto a uma ONG. Também, agora, participodo Programa Conexões de Saberes, e reconheço, neste projeto, a importância de trabalharpara se ter uma sociedade modificada por meio da educação.

Tenho planos para o futuro. Apesar de me identificar com o curso, não sei se apenasessa graduação será suficiente para minha realização profissional. Penso numa pós-graduação,talvez um outro curso superior. Procuro, no entanto, não esquecer de toda a necessidade queemana da sociedade brasileira, em especial a parte que cabe aos jovens de origem popular,que assim como eu, sonharam e sonham em ingressar na universidade, por escreverem umahistória parecida, igual ou diferente da minha, conseguindo ou não ingressar na universidade.

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162 Caminhadas de universitários de origem popular

Graduando em Agronomia.

Malike Erike*

Memorial

Estudei em escolas públicas e particulares e fiz do primário até a 4ª série onde comviagens e viagens dos meus pais, por causa de emprego, minha família sempre estava semudando entre Maceió e Recife. Tive que passar por vários colégios antes de fazer todo oensino médio em Recife.

A 1ª série eu fiz em Maceió, 2ª série vim para Recife em colégio particular, e a 3ª sériecomo a situação financeira dos meus pais foi ficando pior e sem emprego colocaram a mime ao meu irmão na escola estadual Bandeira de Melo, onde fiquei até a 4ª série, fui transferidopara outra escola, também estadual na 5ª série, onde passei maus bocados, sem professor,roubos, muitas crises de asma, e o colégio muito longe, passei me arrastando.

Na 6ª série voltamos (eu e o meu irmão) para um colégio particular, pois meu pai tinharecebido os direitos da firma. Mas durou pouco, na metade da 7ª série, ele teve que nos tirar daescola porque o dinheiro tinha acabado. Só consegui vaga em Recife onde tinha que ir deônibus e acordar às 5h para chegar na hora. No final do ano, minha avó me chamou para trabalharganhando um trocado. Eu juntava tudo que ganhava e pagava o colégio, mais uma vez particular.Passei um ano assim. Foi quando comecei a não ficar em casa nos fins de semana...

No 1º ano fui transferido e voltou a mesma história: acordava às 5h para chegar a tempoe chegava em casa quase às 14h para almoçar e nos fins de semana saía para trabalhar no “bardo caranguejo”, onde passei o 2º e o 3º ano nessa. Resultado: 1º vestibular e nada.

O 2ºvestibular passei, mas enquanto esperava o começo das aulas, fui trabalhar naoficina do meu tio durante toda semana: “bar do caranguejo”, até que, em maio de 2002,faltando pouco tempo para começar as aulas, num dia de trabalho na oficina me mandaramir depositar alguns cheques para firma e no caminho fui atropelado e só acordei 20 diasdepois, estava na UTI do hospital da Restauração, por onde passei mais 12 dias para tercondições de ser removido para casa, acho que só recobrei a consciência depois de 15 diasem casa com a diminuição das doses dos remédios para a dor, isto foi uma barra pra mim umcara esforçado, estudioso, agora sem força nem para levantar da cama.

Após a primeira ressonância, descobriram 2 coágulos no meu célebro, onde os médicosdisseram a minha mãe que eu poderia ficar em estado de semi-consciência por tempoindeterminado e passaram novos remédios para reverter o quadro, alguns, minha mãeconseguiu, mas tivemos que comprar os outros. Eu tinha momentos de lucidez...

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Universidade Federal Rural de Pernambuco 163

Meu pai me matriculou no 1º período, mas após 15 dias meu quadro piorou e o médicome mandou esperar para o próximo período porque daria mais tempo para me recuperar e nãome lembrei de trancar a matrícula, terminei reprovando em todas as sete cadeiras do 1º período.

Após esperar o tempo da recuperação, comecei de novo o 1º período onde aos trancose barrancos consegui passar em 5 cadeiras, fui para o 2º período agora com 8 cadeiras,no total passei em 7, 3º período 7 passei em 6, 4º 8 passei nas 8... e agora estou no 9º períodocom 8 cadeiras e trabalhando no “bar do caranguejo” nos fins de semana, onde comecei atrabalhar a partir do 1º ano do ensino médio.

Faço Agronomia, e trabalhar com coisas que faço desde meus 14 anos e eu tenhoorgulho de levantar todo dia para ganhar mais um dia de trabalho, e agradeço a Deus por meconceder cada dia da minha vida onde tento conciliar trabalho, estudo, diversão, esporte ena maioria das vezes orientar outras pessoas.

Cada indivíduo tem que saber que seu futuro, tem que estar relacionado com estudo,atividade física, diversão e responsabilidade, onde os pais teriam responsabilidade comesta parte, pois são eles em que nós nos espelhamos para ter sucesso na vida e poder construirnossa própria família. E será a essa família que passaremos a ter esta obrigação, que nossospais tinham e por nossa responsabilidade cumprí-la com toda a atenção necessária para osucesso de nossos filhos. Trabalhar, nos traz responsabilidade de cumprir com nossas tarefas,respeitar regras, nos faz conviver em sociedade, afinal, conhecer nossos direitos é um dever.

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164 Caminhadas de universitários de origem popular

Manoel José da Silva*

Confesso que, para chegar onde cheguei, a caminhada foi muito difícil, mas comcoragem e fé, consegui obter êxito em meus estudos. Meu nome é Manoel José da Silva,nasci em 12 de março de 1975, no Município de Aliança, no interior do Estado. Lá, moreiaté os 3 anos de idade; logo após, fomos morar em São Lourenço da Mata. Sou filho deMaria Ana da Conceição, que trabalhava na roça de café e na colheita de banana da região,e filho de José Inácio da Silva, de cuja função não me recordo.

Quando tinha três anos de idade, meus pais se separaram, por causa de um atentadocontra a minha vida. A partir daí, minha família decidiu mudar de cidade; fomos morarem São Lourenço da Mata, localizada na região metropolitana de Recife. Foi então quetive uma nova vida, junto com meus familiares. Aos seis anos, consegui uma vaga noPROAPI, hoje jardim da infância, na Escola Conde Corrêa de Araújo, graças à iniciativade minha mãe que, apesar do baixo grau de instrução, percebeu com consciência anecessidade de educação.

Minha infância foi ativa e cheia de aventuras e desafios: jogar futebol, jogar bola degude, empinar pipa e andar de carro de rolimã, foram as principais atividades realizadas pormim. Sinceramente, não gostava de estudar, pois achava muito difíceis as disciplinasMatemática e Português, mas gostava de Ciência e Geografia. Fiquei fora da escola duranteuns três anos, devido às mudanças de cidades, acompanhando minha mãe, prejudicando aminha trajetória na escola.

Aos treze anos, ingressei na 5ª série do primeiro grau, hoje Ensino Fundamental I,também na Escola Conde Corrêa de Araújo, onde cursei até a 8ª série, por fim, me formando.Com catorze anos, comecei a trabalhar em construção como servente, com o intuito deconseguir dinheiro para auxiliar nas despesas de casa e da escola. Ficava difícil conciliar aescola com o trabalho, pois se tornava muito cansativo, prejudicando o meu desempenhona realização das atividades escolares. Mesmo com muita dificuldade, estava enfrentandoesses problemas, juntamente com os problemas familiares, pois não tive muito apoio deminha família a respeito de estudos.

Em 1992, consegui uma vaga para estudar o segundo grau ou Ensino Médio; foi entãoque deixei o trabalho em construção e comecei a trabalhar em uma oficina mecânica, tendo,da mesma forma, que conciliar estudos e trabalho, mas a partir desse período fui tomandoconsciência da importância que a educação tem para o povo brasileiro, que sofre com adesigualdade, o racismo e o analfabetismo.

Minha trajetória

Graduando em Agronomia.

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Dessa forma, passei um ano e meio trabalhando como auxiliar de mecânico. Foi entãoque abriu inscrição em um colégio Agrícola - “Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas” - quepertence à Universidade Federal de Pernambuco; decidi deixar o trabalho na oficina eingressar nesse colégio. Agora, ficaria com uma responsabilidade muito grande, pois estudavaem duas escolas, uma pela manhã e outra no período da noite. Fazia, ainda, um curso deeletricista no SENAI, no período da tarde, tomando todo o tempo restante.

No colégio agrícola, consegui várias amizades com alunos e professores. Foi lá quepercebi que o mundo funcionava de forma diferente, com novos conceitos, novas tecnologias,longe da vida que levava, quando vivia sem ter o que fazer. Lá, convivi com a presença doalcoolismo e das drogas, mas sempre segui os conselhos que minha mãe me dava, coisa queprezo muito ainda hoje. Foi um período difícil, porque minha mãe trabalhava como lavadeirade roupas e o dinheiro que ganhava não dava para os gastos da casa e da escola.

Durante o processo educativo, consegui vários objetivos, como: o estágio na estaçãoexperimental de pequenos animais de Carpina, onde fiquei por quatro meses. Lá, tínhamosque cozinhar nossa própria comida, que não era das melhores, saía muitas vezes do ponto:ficando salgada ou sem sal, ou até mesmo queimada. Foi a partir dessas experiências, que asportas se abriram. Surgiu um anúncio do colégio sobre vagas de trabalho no grupo Bompreçode Supermercados; inscrevi-me, e depois de vários testes, consegui a vaga e tive meu primeiroemprego com carteira assinada. Lá, trabalhava no período da noite.

Em 1996, quando já tinha terminado o segundo grau, Científico, pois o que cursavano colégio era o ensino técnico agropecuário, prestei, pela primeira vez, o vestibular, naUniversidade de Pernambuco “UPE”, pleiteando uma vaga no curso de Geografia, mas nãoconsegui passar. No colégio agrícola, onde estudava já no último ano do curso, estavamoferecendo a inscrição do vestibular totalmente gratuita, isenta de qualquer taxa. Prepareia documentação exigida e entreguei-a à coordenação.

Foi então que comecei a me preparar para as provas. Tentei fazer um cursinho pré-vestibular, mas passei apenas dois meses nele: tive que o abandonar, pois as condiçõesfinanceiras não se apresentavam boas na época. A partir daí, comecei a estudar em casa,usando o material do Rumo à Universidade, programa do governo que tem como objetivocolocar o aluno de escola pública na universidade. Esse material era lançado toda semanapelo Jornal do Commercio. Dessa forma, consegui me preparar para as provas do vestibular.Com a inscrição em mãos, entregue pela direção do colégio agrícola, tentava uma vaga nocurso de Engenharia Florestal.

No dia da prova da primeira fase, fiquei muito calmo; deixando o nervosismo de lado,consegui passar com êxito por este primeiro desafio. Para a segunda fase, fiz apenas algumasrevisões em Matemática e Química e estudei muita produção de textos. Fiz a prova desegunda fase, mas não tinha certeza se passaria. Na época, estagiava em Carpina, cumprindoa carga horária obrigatória do curso. Em uma manhã de segunda-feira, esperávamos o carropara irmos ao estágio, quando os colegas me disseram que eu tinha passado no vestibular.Não acreditei e compramos um jornal para conferir se era verdade que havia passado. Como resultado garantido, preparei a documentação, realizei minha matrícula e aguardei oinício das aulas.

No decorrer do curso, tive vários problemas para mantê-lo equilibrado: as passagens ea alimentação foram os principais desafios enfrentados, por isso, foi necessário abandonaros estudos por determinado período, a fim de trabalhar no Bompreço e no Supermercados S/A.

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Trabalhava à noite e não conseguia acompanhar o andamento das aulas, pois eu semprefaltava para recuperar o sono perdido.

Em 1999, consegui, por intermédio de uma tia que mantinha conhecimento com aempresa, um emprego no Grupo Votorantim Cimentos S/A, para o cargo de auxiliaradministrativo. Com isso, tranquei o curso por dois períodos, e depois, tranquei-oalternadamente, ficando afastado da universidade por três anos. Devido a isso, atingi otempo limite de curso e obriguei-me a retomá-lo, ainda que não em condições ideais, o que,em muito, me prejudicou, acumulando reprovações. Esse fato ocorreu no segundo períodoe logo depois da retomada dos estudos, mas com muita fé em Deus e com um objetivo nacabeça - ter uma formação superior -, esforcei-me bastante, superando desafios com a ajudade colegas que me socorreram com passagens e alimentação. Muitas vezes, entretanto,passava fome. Não havia dinheiro nem apoio da família em relação aos estudos.

Quando fazia o nono período, abriu inscrição para o curso de Licenciatura em CiênciasAgrárias. Entreguei a documentação exigida para a prova de seleção, e depois de ter sidoavaliado por meio de entrevista e análise curricular, recebi o resultado da aprovação. Já noprimeiro período desse curso, e enfrentando iguais problemas (senão maiores, visto que ooutro curso estava na reta final), precisei optar por trancá-lo. Ao terminar o curso deEngenharia Florestal, consegui maior tranqüilidade para cursar a licenciatura.

Foi por intermédio desse curso que consegui uma vaga no Programa Conexões deSaberes, cujo objetivo está relacionado com alunos de comunidades populares, facilitandosua inclusão em uma universidade pública. O projeto apresenta propostas maravilhosas,como a articulação com as escolas abertas em nossas comunidades. No Escola Aberta,trabalho com o tema Meio Ambiente e busco a sensibilização e conscientização das pessoasa respeito do lixo, do saneamento básico, da reciclagem etc., para que possamos melhorar aqualidade de vida e também gerar emprego e renda.

Finalmente, com a força de Deus e a ajuda de pessoas que souberam perceber meusvalores, tive a oportunidade de terminar o curso de Engenharia Florestal e melhorar de vida,com um emprego melhor e que me permite cooperar mais com minha família. Com essaformação, observo mais criticamente os acontecimentos que ocorrem no Brasil e no mundo.Hoje, observo as florestas, os rios, os animais, um assentamento, uma comunidade popular,com outros olhos, buscando impedir sua destruição e melhorar a qualidade de vida de todauma comunidade. No mundo em que vivemos, a vida é cheia de desafios, só que Deuscolocou o homem na Terra para solucionar os problemas provenientes do próprio homem.Tento fazer minha parte.

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Marcio André Mendes*

Meu nome é Marcio André Mendes da Silva Costa, nasci no dia 20 de maio de 1986,na Cidade do Recife no Estado de Pernambuco. Sou filho de Marcos Antonio Mendes daSilva Costa, comerciante dono de uma mini-granja, e de Luciene Maria da Silva Costa, umamulher trabalhadora, e dona de casa. Tenho dois irmãos, Marcos Antonio Mendes da SilvaCosta Junior, Marion Anderson Mendes da Silva Costa, eles são bem legais e trabalhadores.Moro no bairro de Nova Descoberta. Logo ao nascer, tive um pequeno problema de saúde,ficando alguns dias internado no hospital.

Tive uma infância bem tranqüila, sendo um pouco travesso. Todos os dias eu jogavafutebol e posso dizer que aproveitei muito a minha infância. Aos sete anos eu já tinha minhaturma de bairro onde nós nos divertíamos muito e fazíamos a maior traquinagem.

Aos oito anos fiz a prova para entrar na Escola Estadual Comandante Luiz Gomes, quefica no bairro de Nova Descoberta, os meus primos fizeram essa prova comigo e uma dasminhas tias, com raiva e com inveja, falou para toda minha família que nós havíamos sidoreprovados, confesso que fiquei um pouco triste, pois tinha certeza que tinha feito uma boaprova. Enfim, chegou o dia da matrícula e minha mãe quase perdeu a vaga por acreditar queeu não havia passado, graças a Deus uma vizinha amiga dela viu que o meu nome constavana lista de aprovados. Eu não tinha sido apenas aprovado, mas sim em primeiro lugar, emmeio a mais de 150 meninos e meninas que haviam feito à seleção para cerca de 40 vagas daescola. Eu fui o primeiro e isso encheu minha família de orgulho.

Estudei cerca de quatro anos nessa escola (da primeira a quarta série primária). Todosos anos eu era um dos melhores alunos da turma, adorava ciências e estudos sociais. Eugostava tanto de ir à escola e quando ela entrava em greve eu dava o meu jeito para poderestudar, fosse em casa, fosse na biblioteca (que fica próximo a residência). Um dia, quandoeu estava na segunda série primária, houve uma feira de conhecimentos e cada aluno tinhaque escrever em um papel dizendo qual a profissão que gostaria de exercer no futuro, euadorava futebol, mas não sei por que motivo acabei escrevendo professor, e hoje, estoufazendo Licenciatura em História.

Quando eu fui nessa escola fazer uma visita, a diretora que é a mesma da época em queestudei naquela instituição de ensino, me mostrou aquela caixa com as nossas profissões, euconfesso que fiquei perplexo quando vi naquele papel minúsculo ao lado do meu nome,escrito professor. Como uma criança de oito anos sabia que no futuro, iria ser professor? Acheiesse fato em minha vida super interessante.

Minha vida

Graduando em História.

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Aos dez anos, ingressei na Escola Ageu Magalhães, localizada no bairro de CasaAmarela, é uma das mais respeitadas do bairro. Lá, nessa instituição de ensino, fiz grandesamigos e comecei a compreender que a vida não é só brincadeiras e estudos, mas que temosque valorizar o ser humano em si, com todas as suas qualidades e defeitos.

No decorrer do meu ensino fundamental, da 5ª a 8ª série, fiz uma penca de amigos,entre os quais vou citar alguns com seus respectivos apelidos: Eduardo o dentão, Amon ovirgem, Severino o pacificador, Anderson o ansa, Alex o titã e eu Marcio o cokito, nossogrupo tinha o nome de OS TUBARÕES. Éramos alunos muito dedicados.

A Escola Ageu Magalhães tem uma estrutura de razoável para boa, como a maioriadas escolas de Casa Amarela, o que a diferenciava das outras era o seu corpo defuncionários, a diretora às vezes fazia o papel de mãezona, mas ela era linha dura, naescola não havia bagunça, não havia briga entre gangs rivais, enfim, a grande maioriados alunos se dava muito bem.

Foi nessa época da minha vida, que comecei a trabalhar com meu pai, o que era muitoduro e cansativo, pois às vezes tinha que acordar as quatro da manhã para ir trabalhar,porque minha família não tinha condições financeiras para pagar a alguém para ir no meulugar. Nessa época, meu irmão Marcos Junior, quebrou o braço e eu tive que ficar fazendo osserviços que eram dele. Acordava às quatro da manhã tendo que dormir apenas as dez danoite. Era muito cansativo para mim, que era apenas um adolescente com seus treze anos.

Nesse período, comecei a freqüentar um curso de informática. Lá, aprendi como a vidaé injusta com os pobres, pois todos os alunos de minha sala fizeram estágio graças ao curso,eu como era bolsista, fui o único que não consegui o estágio, um dos mais que precisava deum auxílio financeiro foi justamente o que ficou sem o dinheiro. Para poder acompanhar oritmo da turma, tive que fazer mil e um serviços para poder me manter no curso.

Cursei todo o meu ensino médio na Escola Ageu Magalhães, e foi bem tranqüilo, nuncafui reprovado, tinha bons professores que se esforçaram ao máximo para que eu e minha turmaaprendêssemos os conteúdos ensinados. No terceiro ano do ensino médio, conheci minhafutura esposa, Monalisa, começamos a namorar no dia 8 de maio de 2003, e ela até hoje é umadas pessoas que mais contribuiu para o meu engrandecimento como homem.

A minha formatura do ensino médio foi uma das datas que me recordo com maiscarinho. Aquele foi o último dia em minha turma da escola, onde se reuniram todos em umsó ambiente. Foi um show a nossa confraternização, um grupo de alunos que estudou seteanos juntos infelizmente estava se separando, cada um tomando o seu próprio destino. Essaturma de amigos marcou muita a minha vida.

Ao mesmo tempo em que estava me preparando para o encerramento do meu ensinomédio, também me preparava para o meu primeiro vestibular, e todos ao meu redor falandoque isso era perda de tempo e dinheiro, falando que eu não iria passar, parecia que estavamtorcendo pelo meu insucesso. Quando passei pela primeira fase, todos ficaram contentes eviram que eu poderia sim entrar em uma universidade pública. Acabei não conseguindo seraprovado naquele vestibular, mas provei para muitos que eu tinha condições, e que a datade engressar na Universidade estava próxima.

Alguns me parabenizaram por eu ter chegado tão longe, já outros, disseram para irtrabalhar ou fazer algo produtivo na vida, encerrou-se o segundo grau, acabaram-se osestudos, mas como eu sou persistente, coloquei em minha cabeça “vou fazer essa provanovamente e vou passar”. Comecei a estudar, tentei ingressar no CEFET-PE, mas infelizmente,

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não passei, quando chegou no mês de setembro de 2004, uma bomba estourou em minhavida, mais um desafio. Minha namorada, Monalisa, estava grávida, o mundo caiu sobreminha cabeça, sem saber o que fazer ou o que dizer, pensei em desistir dos estudos, em nãoprestar o vestibular. Mas Monalisa me convenceu que o melhor que eu poderia fazer, paraela e para a criança, seria passar no vestibular para dar um futuro melhor, não só para mim,mas para a família que eu estava começando a construir.

Fiz o vestibular pela segunda vez. Fui aprovado, felizmente a gravidez de Monalisafoi tranqüila. Meu filho, Allyson vende saúde e hoje é um garoto que está com um ano e setemeses, e é o meu maior tesouro. Tenho vinte anos e curso o 4º período de história, naUniversidade Federal de Pernambuco.

Eu quero concluir o meu curso e fazer o concurso para entrar na Polícia Federal que é umdos meus sonhos desde a infância. Planejo, também, fazer mestrado e doutorado, enfim,continuarei nessa grande caminhada sempre em busca de algo melhor para mim e minha família.

Dedico esse trabalho a todos aqueles que de alguma formacontribuíram para essa trajetória de vida. Em especial paraminha mãe, meu pai, meus irmãos, para a mulher da minha vida(Monalisa) e o meu filho Allyson. Que são meu melhor tesouro e arazão da minha vida nessa caminhada.

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Como se sentir parte de um mundo social mais justo? Quanto significado deve existirnessa expressão para muitas famílias que vivem “à margem da sociedade”? Uma sociedadeque muitas vezes esmaga os sonhos e oportunidades ou até mesmo, atrofia a inteligência ecapacidade de pensar dessa gente marginalizada, a qual, ao se sentir parte desta, está sempreem busca daquela tão almejada ascensão social.

Minhas primeiras lembranças mais marcantes são de quando eu tinha apenas seis anosde idade. Sou de um ambiente familiar de 6 filhos, 4 mulheres das quais sou a terceira e doishomens, todos nascidos num Sitiozinho do município de Palmares região da Zona da Mata,Sul de Pernambuco. Passei toda minha infância no campo, que sem dúvida é um ambienteque oferece benefícios significativos para uma criança, no entanto, às dificuldades ofuscarammuitos desses benefícios.

As famílias do campo geralmente passam por muitas dificuldades, como serviços básicosnecessários, especialmente a educação, seja pelo acesso aos centros urbanos mais desenvolvidos,seja pelas dificuldades financeiras, mais agravada ainda pela quantidade de filhos.

Essas minhas primeiras lembranças são da separação de meus pais, esse fato me marcoubastante, pois a partir de então me tornei uma criança insegura e desamparada, pois minhamãe era a pessoa mais importante de nossas vidas e foi embora de casa. Um ano depois, meupai se casou novamente.

Para mim e meus irmãos, a situação era cada vez mais difícil, pois a nova esposa domeu pai não era nada gentil conosco, muito pelo contrário, sentia prazer em nos fazer sofrer.Diante dela, tínhamos que sufocar qualquer tipo de espontaneidade infantil, sem falar queéramos obrigados a trabalhar na roça o dia inteiro, não tínhamos tempo para brincar.

Meu ambiente familiar não foi nada estimulante, no entanto, eu estava semprebuscando estímulos na natureza. sempre estive atenta a toda dinâmica da vida, mas tudopara mim era às vezes bastante misterioso, no entanto, me sentia inserida nesse complexomágico. Com o tempo, fui percebendo que a minha vida também poderia se mover, e foi daíque comecei a acreditar que eu mesma poderia mudar o meu próprio destino.

Na minha adolescência, contraí uma doença que por falta de condições básicas desaúde e a cura se tornou muito difícil, mas meu pai apesar de ser um homem com poucosconhecimentos, buscou alternativas para obter essa cura. Após a viagem do meu pai parao Recife com meu irmão menor, que também estava doente, os medicamentos foramenviados pelo hospital Oswaldo Cruz para o posto de saúde de uma cidade vizinha muito

Maria Aparecida dos Santos*

Graduanda em Ciências Biológicas.

Memorial

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longe de minha casa, uma vez que esse posto era o único da região, desde então, tive queenfrentar uma caminhada bastante árdua em busca do tratamento, e mais árdua ainda eraa volta para casa, pois depois de tomar várias aplicações do medicamento, tinha que andarvários quilômetros para chegar em casa.

Quando estava quase terminando o tratamento, minha irmã mais velha, que já eracasada nessa época e morava na cidade de Água Preta junto da minha mãe, foi nos visitar nosítio e vendo que eu me encontrava debilitada com os problemas de saúde que me acometiam,resolveu junto a meu pai, me levar com ela para passar uns dias em sua casa para que eupudesse me cuidar melhor já que a cidade onde ela morava, oferecia um acesso mais facilitadoaos serviços de saúde. Foi então que tudo começou a mudar na minha vida.

Reencontrei meus irmãos que já tinham saído da casa do meu pai para morar com aminha mãe, inclusive nessa época, só restavam com meu pai eu e a minha irmã mais nova.Encontrei também a minha mãe já casada novamente e com novos filhos, não quis ficarmorando com ela, preferi morar com minha irmã mais velha que era como uma mãe paramim, pois foi ela quem ficou cuidando dos irmãos mais novos, quando nossa mãe foiembora de casa. Tive a certeza, a partir de então, que não mais voltaria a morar no sítio, poisagora eu poderia realizar o meu grande sonho: o de estudar.

Não podia deixar de contar um pouco sobre minha trajetória escolar, sem contextualizarcom alguns aspectos da minha vida, então, escolhi esses detalhes dentre tantos outros,porque revelam o quadro da realidade que me foi imposto pelo ambiente que nasci e vividurante toda minha infância e parte da adolescência.

No processo de minha formação, não posso deixar de citar as dificuldades para meadaptar a uma nova realidade, muitas vezes bastante assustadora, pois já estava comquase quinze anos e era completamente analfabeta e ingênua, acreditava que todo serhumano era bom e confiável.

O que mais me surpreendeu nisso tudo foi a descoberta de novas relações, exigênciase cobranças, tanto sociais, como educacionais, das quais eu não estava acostumada, alémdisso, me deparei com as visões e turbulências da adolescência, com as transformações domeu corpo e novos sentimentos que surgiram a cada dia.

Desenvolvi meus primeiros anos escolares com bastante dificuldade no processo deaprendizagem, a diferença de idade entre eu e meus colegas era mais um obstáculo que euteria que enfrentar, as pessoas me olhavam meio atravessadas e às vezes faziam comentáriosmaldosos que me deixavam muito triste, mas logo a tristeza pairava e eu lembrava quehavia um caminho longo a ser percorrido por mim, e precisava vencer todos os obstáculos.Diante de todo esse quadro que se apresentava para mim, sempre lembrava dos ensinamentosdo meu pai, quanto a ser sempre honesta e respeitar o próximo, esses são valores que eu nãoesquecia em nenhum momento.

Em 1988, surgiu a oportunidade de ir morar em Fortaleza, capital do Ceará, e mais umavez surgiram mudanças, expectativas e decepções, pois como já estava no segundo semestredo ano não havia mais vaga em nenhuma escola pública, mais uma vez, fiquei sem estudar,além disso, tinha que conviver com a saudade de minha família.

Lá, em Fortaleza, fiquei morando na casa de pessoas da minha família, seis mesesdepois essa família resolveu ir morar em Recife e eu fui junto, e quando lá cheguei logo mematriculei numa escola municipal, como eu já estava bastante fora da faixa etária, a direçãoda escola achou melhor me matricular no EJA (Educação para Jovens e Adultos). Foi um ano

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maravilhoso, me tornei a melhor aluna da turma e construí amizades, das quais conservo atéhoje. A situação não era fácil, mas minhas esperanças cresciam a cada dia, sempre estivemuito atenta às deficiências existentes nas escolas públicas, não me sentia satisfeita com osconteúdos ministrados pelos professores, no entanto, não havia muita coisa a ser feita e àsvezes sentia que estava cada vez mais distante de alcançar o meu destino certo.

A cidade grande, foi uma escola de vida e foi nessa realidade que despertei parasentimentos que nem uma escola formal consegue mostrar, pois a cada dia apresentava-se diante de mim um mundo cada vez mais enigmático, um mundo que eu precisavadescobrir. Concluí o ensino fundamental e médio, tentando conciliar com uma longajornada de trabalho; a noite, quando ia para a escola me sentia exausta, mas me sentiafeliz de está na sala de aula.

Quando estava terminando o ensino médio, não tinha muitas expectativas, poisme perguntava como poderia ingressar no ensino superior? Achava que as universidadespúblicas estavam muito distantes da minha realidade e eu não teria condição de pagaruma faculdade particular.

No meu processo de formação, houve muitas deficiências de algumas disciplinas enão me sentia com bases teóricas para passar no vestibular e ainda tinha mais um problema,o meu tempo era bastante curto para me dedicar aos estudos. Contudo, quando terminei o 2ºgrau, resolvi me matricular num cursinho pré-vestibular, pagava com quase todo o meusalário, como o cursinho era perto de casa não precisava pagar passagem, no entanto, o queme sobrava era quase nada.

Durante o ano todo o esforço foi grande, mas não consegui aprovação no vestibular,porém, não desisti. No ano seguinte, continuei estudando de forma cada vez mais intensa,aproveitava qualquer tempo disponível para estudar. No primeiro ano, minha escolha foipara o curso de história, e persistia com o mesmo pensamento no ano seguinte.

Prestei vestibular e passei novamente na 1ª fase, no entanto, mais uma vez na 2ª fase nãofui aprovada, me senti muito mal, comecei a pensar novamente que nunca passaria no vestibularda federal. Entrei em depressão, quando olhei o listão e meu nome não estava lá, o apoio dosmeus colegas e professores do cursinho foi de fundamental importância para que eu voltassea acreditar de novo em mim, com o tempo, fui entendendo que a aprovação no vestibular sódependia de mim e de mais ninguém, mas comecei a pensar também na minha escolhaprofissional, porque gostava muito de história, mas não via uma possibilidade de trabalhoque me agradasse. Sempre fui contra qualquer forma de destruição da vida e do planeta, comisso, resolvi optar por biologia, assim, eu poderia conhecer mais sobre a dinâmica da vida, entenderseu processo de transformação e buscar alternativas para a conservação da vida no planeta.

Foi uma escolha acertada, consegui passar no vestibular na 1ª fase logo em 7º lugar etive com isso, a certeza de que seria aprovada na 2ª fase. O resultado foi positivo, passei novestibular em 2002 para Universidade Federal Rural de Pernambuco, esse resultado, medeixou bastante confiante na realização de um grande sonho, sentia-me muito feliz. Comotinha optado pela 2ª entrada fiquei descansando durante o primeiro semestre, e durante essetempo de espera para começar as aulas, aconteceram mudanças na minha vida que mefizeram tomar decisão bastante significativa, pois descobri que estava grávida, foi umanotícia que me deixou atordoada, principalmente porque eu havia conseguido uma vaga naresidência estudantil da UFRPE, e agora teria que abrir mão de mais essa conquista. Ao

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mesmo tempo sentia uma felicidade nunca sentida antes, já sentia um amor inexplicávelpelo meu filho, a minha responsabilidade crescera a partir de então.

Entrei na universidade no 2º semestre de 2002, com 7 meses de gestação e com aalma cheia de orgulho e uma vontade muito grande de crescer, esse desejo de crescimentoagora era muito maior, por saber que não estava mais só, existia alguém me fortalecendoa continuar minha caminhada, pois surgiram outras dificuldades, outras pedras estavamplantadas no meu caminho.

Acredito que a maternidade me tornou uma pessoa melhor e mais confiante na vida. Omeu filho nasceu em dezembro de 2002, estava começando o período das primeirasverificações de aprendizagem, não pude fazer todas as provas e quando retornei àuniversidade, consegui com os professores realizar as provas atrasadas, mas as dificuldadesde conciliar a tarefa de ser mãe e estudar foi tão grande que logo fui reprovada numadisciplina no 1º período.

O mais grave ainda era o fato de não ter com quem deixar o meu bebê para ir parafaculdade e como não queria parar de estudar decidi leva-lo todas as noites comigo. Suapresença passou a ser tão comum na universidade, que quando acontecia de não leva-lotodos logo cobravam sua presença. Não posso deixar de citar a ajuda de pessoas maravilhosasas quais encontrei durante toda essa caminhada, pessoas como meus colegas de faculdade,professores, funcionários e minha própria família.

Hoje, faço uma reflexão da minha trajetória de vida, e concluo que: se sentir parte deum mundo social mais justo não se restringe apenas ao fato de estar inserida nos meiosinstitucionais de ensino. Esses são apenas os meios para alcançar seu desenvolvimentoprofissional, possibilitando, assim, uma sobrevivência mais justa e digna. As escolas euniversidades não são as únicas responsáveis pela formação de pessoas conscientes comuma visão crítica de mundo, entendo, contudo, que no processo de formação dapersonalidade o aprendizado familiar é de extrema importância, mas foi a escola da vidaque me possibilitou esse aprendizado.

Estou quase terminando a graduação e já não preciso mais trazer meu filho comfreqüência para a universidade, hoje, meu filho está com 4 anos e é uma criança muito felize a sua felicidade me ajuda a valorizar bem mais a vida, me fortalecendo a cada dia.

Aqui, encerro meu relato de forma muito breve, espero que minha história ajude ainfluenciar a vida daqueles que ainda não sabem como iniciar sua caminhada. Lembremsempre que é de fundamental importância a colaboração do outro, porque nenhum sucessoé conquistado sem a presença e ajuda de pessoas amigas e maravilhosas do nosso lado.

Meu nome é Maria Aparecida dos Santos, faço parte do Conexões de Saberes, e tenhoo privilégio de fazer parte de um projeto que tem tudo a ver com minha história.

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Maria Cristina Balbino Ribeiro Cabral*

Viver em uma usina é ver a vida caminhando em pequenos passos. O tempo não érápido e a lentidão fazia com que eu e seus demais moradores vivêssemos uma rotinapacata, envolvidos com os afazeres da casa. O ônibus que conduzia as crianças para a escolaera o lugar de encontro. Para estudar, o caminho era Santa Rita.

Em um mundo distante de João Pessoa, tinha uma família grande. Meu pai era analfabetoe muito rude; minha mãe estudou até a 4ª série. Eles pouco sabiam como nos conduzir a umcaminho escolar. Sou Maria, a mais nova de uma família de 23 - vinte e três - irmãos.

A usina São João é a recordação que vivi até os 12 anos. Lá, freqüentei a EscolaEstadual Flávio Ribeiro, no Município de Santa Rita. Minha família veio para Recife e tiveque me adaptar a um mundo agitado. Na Escola Estadual Joaquim Nabuco, encontrei novosamigos(as). O que eu mais estranhei foi o comportamento: a escola envolvia pessoas devários lugares. Eu não imaginava um Recife com uma dimensão tão grande, pois o meuontem era restrito à usina.

Nessa nova experiência, conheci professores que se envolviam com causas do bemensinar (poucos) e foi assim que conheci a professora de Português, Ana , e a professora deHistória, Adalgisa. Eu observava como elas envolviam os alunos, e dentre eles, eu mesma,fazendo com que procurássemos conseguir nossos sonhos. Para mim, o mais importante dossonhos, a Faculdade.

Não haveria de atrapalhar meus estudos, no entanto, uma gravidez não aguardada deuoutro destino à minha vida. Depois desse acontecimento, vieram o falecimento de meu pai,e quatro anos depois, a pior queda - minha mãe partiu. Eu já tinha concluído o ensinomédio, porém, não aceitava ter parado. Casada com uma pessoa de formação superior, elesempre deu apoio para que retomasse meus estudos, mas a vida de casada, com filho, e otrabalho não colaboraram.

Sempre gostei de estudar, não deixava de ler o que via, no meu trabalho - arquivo deum hospital -; consegui ser promovida, criei coragem e fiz cursinho pré-vestibular. Percebique a idade era outro concorrente; resolvi fazer vestibular em uma faculdade particular. Paraminha surpresa, passei; o problema era como pagar. Falei com uma irmã, Miriam, que medeu total apoio, inclusive financeiro. Estava indo tudo bem. Quando estava no quintoperíodo de História, fui demitida; não parava de pensar, só sabia que parar de estudar seriao fim de um sonho.

Acreditar que é possível

Graduanda em História.

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Fiquei sabendo que a UFRPE aceitava transferência de alunos provindos de outrasinstituições de ensino superior - algo difícil, mas alimentei o meu sonho; fui ao departamentoresponsável e expliquei a minha situação. Falaram que eu passaria por uma seleção. Foramdias de agonia, só fazia rezar, acho que Deus “tava cheio” dos meus pedidos. O meu filho, jáadolescente, falava que eu conseguiria, pois eu estudava bastante, vivia em biblioteca, nosebo, dava uma maneira de obter livros - comprar era um verbo que não existia no momento,priorizava a educação de meu filho.

Recebi a notícia de que meu processo foi aceito e eu continuaria a estudar; não seicomo consegui ficar em pé, só lembro que falei para a pessoa do departamento - “O senhornão tem idéia do que isso significa para mim”.

Estava só estudando, sem trabalho, precisando conciliar o estudo, a família e procurarum estágio, quando fiquei sabendo do Programa “Conexões de Saberes”. Ao comentar emcasa que participaria do programa, a primeira pergunta foi: “- Como?!?”, a outra foi: “-Para quê?!?”. Expliquei que faria algo novo, em que acreditava, que achei o Programainteressante e que percebi que essa seria uma boa experiência. No momento, ainda estoume adaptando às situações enfrentadas. As escolas das quais participo fazem lembrar omeu passado: situadas em localidades distantes (Aldeia), têm pessoas de baixa renda,simples, precisando de apoio e orientação.

Sinto que tenho muito a aprender e que esses contatos têm de ser aproveitados aomáximo. Repasso as impressões e experiências para meu filho; como eu fui, ele é aluno deescola da rede pública de ensino e gostaria que, com essas vivências, ele consiga, assimcomo as crianças que partilham comigo os domingos em Aldeia, alcançar seus objetivos.

As pessoas não sabiam como era importante para mim continuar um sonho. Foi issoque fiz: tenho 36 anos e um filho que pergunta como eu consigo correr tanto para dar conta.Digo-lhe que poucas oportunidades aparecem e que eu pretendo aproveitar cada uma dasportas que a vida escancara diante de mim.

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Eu, Maria das Dores Soares da Silva, nasci em 7 de janeiro de 1982. Apesar destenome, todos me conhecem e me chamam por Mércia, que seria meu nome. Mas ainda nãoconsegui entender o verdadeiro motivo de o terem trocado, pois ninguém me explica muitobem o que aconteceu.

Minha mãe, se chama Margarida Regina Soares da Silva e meu pai, Manoel Ferreira daSilva Filho. Tenho duas irmãs mais velhas do que eu. A primeira, se chama Marizal Soares daSilva de Oliveira (casada) e a outra se chama Maria Gorete Soares da Silva (separada com doisfilhos). Esta última é nove anos mais velha que eu; isto indica que eu nunca tive a companhiadas minhas irmãs quando eu queria brincar. Eu sempre brinquei com os colegas vizinhos.

Fiz a alfabetização duas vezes, pois não fiz o jardim. Tudo porque fui à escola pelaprimeira vez, em 1986, quando eu tinha apenas 4 anos de idade. Aos 5 anos, fiz novamentea alfabetização e só então fui para a 1ª série numa escola maior, que não queria me aceitarcom apenas 6 anos de idade. Por isso, fiz um teste e passei, foi assim que comecei a estudarnesta escola particular, em 1988, na época - Escola Santa Maria - que ficava localizada nobairro de Timbó, na cidade de Abreu e Lima, hoje Colégio Santa Maria.

Só pude estudar nesta escola porque minha mãe trabalhava numa fábrica que davabolsas de estudo. Eu, diferentemente das minhas irmãs, estudei todo o ensino fundamentalnuma escola particular. Não era, porém, uma bolsa integral, de modo que minha mãe pagavauma parte e a empresa outra. Além da mensalidade, minha mãe pagava também o transporteescolar que me apanhava na frente da minha casa todos os dias às 6h da manhã. Minha mãeacordava todos os dias de madrugada para me arrumar, para eu ir à escola e às 12h30 min. elaia para a fábrica e só chegava às 22h30 min. O transporte me levava e trazia sempre até eucompletar 12 anos de idade. Meu pai não tinha tempo para ir me buscar na escola, assim comomuitos outros pais, pois trabalhava no comércio, e minhas irmãs e eu, o ajudavam. Além docomércio, meu pai tinha outra renda da aposentadoria por invalidez.

Lembro que da 1ª à 4ª série sempre tirei notas boas, geralmente, entre 8 e 10. Eusempre era a última ou uma das últimas a entregar a prova, da mesma forma que era na 2ªsérie a última a sair da sala por não conseguir retirar o conteúdo do quadro com a mesmaeficiência dos meus colegas. Por isso, subiam todos no ônibus e me esperavam. Sempreficava aflita, com medo que algum dia o ônibus fosse embora e me deixasse ali.

Sempre fiz muitas amizades, tanto na escola, quanto na vizinhança, perto da minhacasa. Era sempre muito divertido quando nos juntávamos para brincar.

Maria das Dores Soares da Silva*

Graduanda em Biologia.

Memorial

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Da 5ª à 8ª série continuei nesta mesma escola, cuja diretora era muito autoritária. Porisso, nunca gostei dela. Porém, todos os professores eram ótimos. Tenho muitas lembrançasboas da minha professora de ciências, Selma, da 7ª série. Ela sempre foi maravilhosa comtodos os alunos. Quando ela precisou sair da escola porque iria se casar, fiquei muito triste.

Terminei o ensino fundamental com 13 anos de idade, mas tive que estudar numa escolapública (Stella dos Santos Pinto Barros), no ano de 1996, e no mesmo bairro - Timbó.

No ensino médio, que comecei aos 14 anos, não me senti estimulada, pois algunsprofessores faziam de conta que davam aula. Foi difícil conseguir uma vaga nesta escola,pois era a única de Abreu e Lima em que não havia greve. Fui para o segundo ano sem saberquase nada de muitas matérias, em especial física e química. Por essa razão, comecei a medesinteressar um pouco pelas aulas, e mais uma vez passei de ano com muita deficiência noaprendizado. Ao chegar no 3º ano, tudo continuou da mesma forma e eu sempre tendo comodisciplinas preferidas a matemática e a biologia, porém, não sabia o que fazer no anoseguinte, após o término do 3º ano em 1998, pois nunca tive informação do que seria umauniversidade, ou até mesmo um vestibular, mesmo assim, fiz um cursinho no ano de 1999,no qual pagava R$ 30,00 por mês e se localizava no centro de Paulista, e a passagem meu paipagava. Neste ano, me inscrevi para o curso de enfermagem na Universidade Federal dePernambuco, mas não passei nem na primeira fase, foi mais um ano de deficiência no ensino.

Depois disso, comecei a procurar emprego e fiquei assim até o ano de 2001, quandovoltei a estudar, mas não para o vestibular, e sim, para o concurso dos correios e também doIBGE. No ano seguinte, fui informada de um pré-vestibular gratuito na UFPE, então comeceia estudar, e neste ano, a inscrição foi para Medicina Veterinária. Desta vez passei apenas naprimeira fase e iria tentar novamente no ano seguinte, mas tinha que ser um curso que fosseà noite, para que eu pudesse trabalhar durante o dia. Em 2003, fiz a inscrição para Licenciaturaem Ciências Biológicas, pois o curso era à noite, e foi neste ano que conheci uma pessoamuito especial e me apaixonei, esta mesma pessoa sempre me ajudou bastante nosmomentos em que eu me achava incapaz de passar, pois já havia sido reprovada por duasvezes consecutivas, ele mostrava para mim que eu era sim, capaz e sempre acreditou nissoe me dava muita força.

Mas para chegar até aqui, passei por algumas dificuldades, como a falta de professoresno cursinho, pois eles eram voluntários, falta de dinheiro para lanchar, porque a aulacomeçava às 13h e terminava às 18h, e eu tinha que sair de casa às 11h30min, para que nãome atrasasse. Algumas vezes, quando eu tinha dinheiro, optava por não lanchar, para juntaraté que pudesse comprar algum livro para estudar em casa. Com o que juntei conseguicomprar alguns de biologia, química e história, porém, todos usados.

Apesar de algumas dificuldades, não desisti e quando vi, meu nome estava no listão,e neste dia meu namorado mais um vez estava comigo compartilhando àquele momento tãoespecial. Finalmente, consegui passar e o que mais me estimulou foi a vontade de melhorarde vida financeiramente, além de aprender muito mais e crescer. E foi aos 22 anos de idadeque comecei minha vida universitária, no ano de 2004.

Hoje, sei que realmente nada é tão fácil e tenho tido muitas decepções, pois eu sempreespero muito mais das disciplinas do que é visto em sala. Mesmo assim, não quero parar deestudar e pretendo fazer um pós-graduação, mesmo sem saber ainda a área em que gostariade atuar e talvez chegar até ao doutorado.

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Maria do Socorro Fonseca Freire Filha*

Como uma releitura, buscoem minha alma traçosmarcantes vividos por mim.Ao deles lembrar,sinto os mesmos sentimentossentidos hoje de forma mais madura.Tudo isso me trouxe saudadeprincipalmente de minha infânciacom gosto de chocolate, peixinho edo cheiro de meu pai, sempre tãopresente e hoje tão ausente.Importa muito esse reencontrodos nossos “eus”: eu criança,eu adolescente, eu adulta.Chorei e sorri... sobrevivi.

Maria do Socorro Fonseca Freire Filha, filha de Antônio Teotônio Freire, paraibano deJuarez Távora, e de Maria do Socorro Fonseca, pernambucana, do litoral de Nova Cruz. Fuia última filha, tenho 8 irmãos, sendo o mais velho por parte de pai.

Fui muito feliz em minha infância. Meu pai era comerciante e sempre vendia fiado.Teve padaria, granja, até uma barraca em casa, mas nada dava certo. Diante disso, tínhamosque nos mudar sempre, pois morávamos de aluguel. O que papai gostava mesmo era de criargado, cavalo, cabra, coelho e galinhas. Eu também gostava muito, quando íamos a cavalopara Passarinho, onde o rio era limpo e víamos até os seixos, nos banhávamos e flutuávamoscom os cavalos. Eu, meu pai e dois irmãos fazíamos caminhadas de Dois Unidos a DoisIrmãos, quando íamos ao Horto fazer piquenique no domingo.

Eu estudava em Beberibe, na Escola Curadores do Estado, que ficava ao lado da igrejae era dirigida por freiras. Cantávamos os hinos de Pernambuco, do Brasil e rezávamos todosos dias, antes de entrarmos fardados. Na igreja ao lado da escola, fiz minha primeira comunhãojunto com meu irmão Fábio.

Quando fiz sete anos, queria ter uma bicicleta; fazia bilhetes, lembretes: “Não esqueçaa minha Caloi”... espalhava-os por toda a casa, para minha tia Alice, meus pais e até meus

Caminhadas: um novo olhar

Graduanda em Agronomia.

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padrinhos, quando nos visitavam aos domingos. Financeiramente, as coisas ficavam cadavez mais difíceis lá em casa. Minha mãe ajudava meu pai no comércio; minha irmã maisvelha, Lenira, além de estudar, começou a trabalhar em um cartório no Centro; os outrosirmãos estudavam e cuidavam da casa e dos pequenos (eu, Fábio, Irene e Lúcio).

Aos nove anos, comecei a fazer picolé de saquinho para vender; depois fiz dudu (umoutro tipo de picolé, em um saquinho mais forte, que era fechado utilizando-se o calor davela); depois, passei a comprar e revender picolé de palito. Também comecei a tomar gostopor desenho, tentava desenhar todos lá de casa. Aos onze, fazia sanduíche natural e vendiacom meus irmãos, Fábio e Irene, na praia de Boa Viagem, iniciando pelo Hotel OthonPalace, pegávamos dois ônibus.

Meus irmãos ficavam com vergonha, então eu, que era a menor, gritava, oferecendo ossandubas. A higiene e a educação eram nossos aliados, por isso, por muito tempo, obtivemosa credibilidade de clientes fiéis. Os sanduíches, nos sabores frango e atum, eram bons,receita de minha mãe, todos levavam cenoura, cebola ralada, requeijão, um pouco de maionesee orégano (às vezes, passas e maçã).

Fui estudar na Escola Santo Inácio de Loyola. Fazia desenhos a bico de pena. Vendendoalguns para a turma, comecei a tocar flauta; formamos um grupo e tocávamos no recreio, e àsvezes, após as aulas. Minha irmã Irene, mais velha do que eu, estudava em outra turma, mas nomesmo turno (da manhã); íamos juntas à escola, ela não gostava de me esperar, pois dizia queeu demorava muito para sair. Certa vez, ela não me esperou, reclamou comigo e desceu aladeira sozinha, caiu e rasgou seu melhor jeans, tendo que voltar para casa. Na verdade, elanão gostava de sair comigo, porque já era uma moça e tinha amigas de sua idade.

Junto com a música, veio a poesia; passava a maior parte do tempo ouvindo o som láde casa - Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Edu Lobo, Noel Rosa, Chico Buarque, MariaBetânia, Gal Costa, Beto Guedes, Olívia Buton e Francis Hime, Gilberto Gil, Caetano, NeyMato Grosso, Dorival Caymmi, Jannis Joplin, ou seja, Bossa Nova, MPB e Jazz. Depoisvieram Lulu Santos, Cazuza, Barão Vermelho, Legião Urbana e Marisa Monte.

Meu primeiro beijo, aconteceu no pátio da escola. Gideão era evangélico, possuiolhos azuis e estava de aparelho. O beijo foi horrível! Entre um feio e um bonito, fiquei denamorico com o feio, só para ouvir suas poesias. Geraldo era muito inteligente e fazia partedo grêmio comigo, era só admiração. O tempo passou e fui concluir o ensino fundamentalno Luiz Delgado Cila, no Centro.

Comecei a freqüentar um curso de pintura, “Jacques Wayne”, no Derby. Minha irmãLenilze, que trabalhava, pagou os primeiros meses, depois conversei com o professor, queera também o proprietário da escola, para que eu trabalhasse lá, e em troca, estudaria degraça. Ele concordou e eu agradeci a oportunidade, pois foi muito importante esse curso depintura para mim. Desenvolvi técnicas de desenho, pintura a óleo sem tela, natureza morta,paisagem, Surrealismo, Impressionismo e Cubismo. Tínhamos aula de campo, em Aldeia,Itamaracá. Conheci, por meio da aula de campo, a famosa praia de Gaibu (meus irmãos iamacampar e meus pais nunca me deixavam ir). A liberdade é azul! A partir daí, fiquei solta naburaqueira. Quando o curso acabou, fiz algumas exposições no Museu do Estado, noBanco do Brasil e no Clube Internacional, mas o lucro era pequeno, pois gastava muito como material (tela, pincéis, tintas) e principalmente, com as molduras.

Então, aos dezoito anos, fiz um teste em uma casa de calçados; fiquei trabalhando desegunda a sábado, como recepcionista de crediário, ainda estava estudando à noite no Cila,

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onde concluí a 8ª série. Fiquei na Casa Pio por um ano; apesar das dificuldades financeirasda casa, sofri pressão para abandonar o comércio. Ganhei um violão usado e fiz algumascomposições. Ao dezenove anos, entrei na Escola Técnica Prof. Agamenon Magalhães(ETEPAM), no bairro no Espinheiro, onde fiz o curso técnico em decoração. Sempre quisganhar meu próprio dinheiro para comprar minhas coisas e ajudar minha mãe. Estudava ànoite e trabalhava no Shopping Guararapes, como digitadora em uma franquia de roupas, ACantão. Nessa época, ainda dividia o tempo com as aulas de informática/digitação naInterdata, pois, para que eu conseguisse o emprego, minha irmã havia dito que eu sabiadigitar, por isso corri para fazer o curso, trabalhando ao mesmo tempo e estudando à noite.

Fiquei quatro anos trabalhando no Shopping Guararapes; morava em Beberibe e forneci,para manter o emprego, o endereço de uma amiga que morava em Boa Viagem. Com isso,recebia duas passagens e gastava quatro (para contratar, a empresa queria pessoas quemorassem próximo e gastassem duas passagens). Namorei um homem mais velho que eu,que me ensinou a dirigir; tirei minha habilitação. Aprendi a guiar no carro Escort e fiz aprova em um Fusca. Ao fazer a rampa, minha perna esquerda tremia muito, tinha medo queo carro estancasse, mas graças a Deus, fiz todas as etapas bem.

Nessa mesma época de coisas boas, meu pai contraiu leptospirose - achamos que elepegou esta doença quando foi tirar uma vaca do rio ou cortando capim. Foram mesesdifíceis. Ele ficou internado no Hospital Oswaldo Cruz, passou por todos os estágios dadoença, ficou no setor de isolamento. Fui ao morro, fiz promessa para que ele ficasse bom.Graças a Deus e à Nossa Senhora da Conceição, ele se recuperou após algum tempo. Foimuito sofrido para todos; meu pai ficou pele e osso.

Por conta de um bom salário e da proximidade de casa, pedi minhas contas e fuitrabalhar pela Labora (terceirização), na Fábrica da Antarctica, mas para o meu desespero, acerveja ficou sendo produzida na Paraíba e muita gente saiu. Inclusive os terceirizados,como eu. Por indicação de amigos, fui trabalhar no Projeto da Diretoria de Informática doPalácio das Princesas, executado por dona Madalena. Com a intervenção de uma Srª.chamada Antonieta, fiquei dois anos como digitadora, e em seguida, fui trabalhar naAssembléia Legislativa e FISEPE - trabalhava na Assembléia durante o dia e FISEPE ànoite. Já tinha concluído o ensino médio.

Como eram contratos, fiquei por alguns meses desempregada, até que Tadeu, ex-colega de trabalho da Assembléia, me indicou para uma Loja de Informática (MetaInformática) que ainda era pequena. Cheguei, fiz controle de caixa, controle de estoque,anotava o que os clientes queriam e não havia na hora, e passava para o setor de compras (“odono”). A loja cresceu e a assistência técnica ampliou (fui vendedora, estoquista, caixa,auxiliar administrativa). Fiquei por quase quatro anos, pedi as contas. Depois de três mesessem emprego fui trabalhar em um condomínio, Pathernon Flat Metropolis (grupo francês,com hotel e condomínio), como auxiliar administrativo. Estava aprendendo muito notrabalho e fazendo curso pré-vestibular. Mas não deu.

Tive muitas perdas na vida (tios, tias e madrinha), mas a pior foi naquele dia em quemeu pai, como sempre mexia em meus pés e em meu nariz para me acordar, me beijou o meurosto e disse “Acorda menina”. Levantei correndo, e atrasada, acabei deixando o celular;vesti a farda do hotel e fui trabalhar. Ainda pela manhã, a gerência do hotel me mandou paraa construtora CDMC, em Boa Viagem. Saí do Derby para Boa Viagem, e estando lá, recebiuma ligação da empresa, dizendo que minha prima me buscaria na construtora. Achei estranho

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e liguei para a casa de meu irmão. A babá de meu sobrinho atendeu ao meu contato telefônico,dando-me a notícia de que meu pai havia falecido. A causa fora um infarto fulminante. Eleestava na rua, num bairro próximo, levando fruta-pão (tínhamos pé de fruta-pão) para alguémque até hoje não sabemos quem era.

Chovia bastante, minhas primas, Mira e Silvana, me levaram de carro para casa;minha mãe, medicada, estava na cama, chorando; tentei ser forte, abracei-a e disse a elaque estávamos ali, todos juntos. O enterro foi na manhã seguinte, no Cemitério SantoAmaro. Meu pai era um homem simples e muito popular. Por causa disso, foram muitaspessoas prestar-lhe homenagens.

Ficamos emocionalmente muito abalados. Preocupada com minha mãe, saí do empregopara ficar com ela, pois, ao saírmos para trabalhar, ela ficava muito tempo só. Era agosto elogo viriam as provas do vestibular, feitas sem estímulo só por fazer. Não estudei o bastante,chorava muito e sentia muita falta de meu pai.

No ano seguinte, no mês de março, fui prestar serviços à Prefeitura de Olinda, pelaSecretaria de Saúde, no Laboratório de Fitoterapia, onde cumpri contrato por dois anos.Nesse mesmo ano de 2003, fiz cursinho pré-vestibular na Universidade de Pernambuco -UPE, passei no vestibular para Agronomia na Universidade Federal Rural de Pernambuco -UFRPE, começando no segundo semestre de 2004.

Senti muita dificuldade para continuar os meus estudos, pois voltei ao comércio,trabalhando em dois horários. Tranquei em 2005 e neste ano, resolvi voltar. Fiqueidesempregada e me inscrevi no Programa “Conexões de Saberes” . Graças a Deus, o programatem contribuído muito comigo, junto com o da “Escola Aberta”, ambos têm me ajudado nãosó financeiramente, (nos custos com xérox, passagens e lanche) como quanto pessoa: tenhoenxergado um horizonte de uma amplitude mágica; tenho aprendido muito dentro doprograma e fora dele; e escuto muito os participantes de minha oficina de inclusão digital.É muito gratificante o brilho que vejo nos olhos deles, e é isso que me conduz até eles - essaConexões de Saberes!

Minha paixão por plantas trouxe-me à UFRPE, onde me encanto, período a período,e vislumbro a conclusão do curso, o trabalho em minha área e o contínuo aprendizado.Passei muito tempo trabalhando, comecei a estudar e só agora me encontrei. Sei que aminha caminhada é longa, afinal, são onze períodos, mas é sempre bom aprender e ensinar.Demorei muito para entrar na Universidade, não quero trancar novamente, pois isso medistanciaria do sonho. O poder e o sonho devem andar juntos para obtermos a realização.Tenho 33 anos e se Deus quiser, me formarei antes dos 40.

“Mas é claro que o solvai voltar amanhãMais uma vez eu sei...Escuridão já vi pior...Espera que o sol já vem...Quem acredita sempre alcança.”

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Maria Madalena Barbosa de Lima*

Eu sou Madalena, tenho 43 anos, e não tive uma infância muito fácil. Minha famíliae de 13 irmãos, são 7 homens e 6 mulheres. Em minha casa, lembro de minha infância, meupai alcoólatra, gastando todo seu salário com bebidas e “amigos”. Minha mãe é quemsegurava as pontas, e uma de suas preocupações era fazer com que nós (seus filhos) fôssemosdedicados e esforçados. Por isso, ela nos mandava todos os dias para a escola.

Na escola, além das aulas, tínhamos uma alimentação freqüente, gostosa e que nosmantinham bem alimentados e hoje pensando no assunto acredito que minha mãe nosmantinha firme e forte na escola também por causa dessa ajuda alimentar, pois numa épocaonde o homem não permitia sua esposa trabalhando e com um ou dois salários alimentartantas bocas, não havia dinheiro que chegasse.

Minha vida escolar. Bem, sempre estudei em escolas públicas e nunca me senti pequenaou pobre por isso, pelo contrário, sempre gostei e não faltava aula, eu gostava de aprender,de me relacionar com professores, de fazer festa com meus amigos(as).

Nunca fui melhor aluna, nem ganhei prêmio por isso, mas ficar na escola era umapossibilidade de sair de casa, de ver pessoas, de ser gente, de aprender (mas era só o que meinteressava) para ser sincera eu não tinha objetivo de futuro, de ser aeromoça, de ser advogadanão, eu não me preocupava com o futuro, eu apenas gostava dessa idéia mesmo em criançaeu sabia que fora de casa o mundo prometia e que só cuidar de uma casa não faria minhafelicidade. Porque eu vi minha mãe sofrer para criar tantos filhos, pra manter uma casa limpae arrumada pelo amor de um lar que só existia no ideal de vida da mãe dela, já que meu paisó fazia destruir e destruir na família, onde ele deveria ser exemplo, não, eu não quis issopara mim e bati o pé e fui diferente, não pelos estudos, nem aprender, mas em busca de algoque fosse melhor do que aquela minha realidade.

Eu passava de ano, nunca repeti, esses professores são malucos, mas tudo bem, poiscada ano era diferente, o aprendizado era novo. Eu devia ir a algum lugar guando concluísseo curso, mas onde?

É muito difícil ter ambição numa família que não tem ambição e o que eu queria serquando crescer? Eu não queria ser uma mulher. Nem queria casar nem ter filhos, isso eu jásabia, mas profissionalmente?!

Nunca falava de universidade, nunca imaginei essa possibilidade. Minha mãe diziaque isso era pra quem pode, e nós não tínhamos dinheiro para isso (ela foi uma grandemulher, pena que eu só reconheci isso depois que ela morreu).

Batalhas e vitórias, assim sou eu

Graduanda em Economia Doméstica.

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No dia em que resolvi fazer o meu primeiro vestibular eu estava namorando um jovem(via graça mais velho que eu) que me incentivou jurando que iríamos casar e trabalharjuntos, e montaríamos uma escola e trabalhando com crianças, adorei. E por que não? Passeiem letras na federal em 85. Comecei então o curso. Minha mãe ficou apavorada, comopagar? E as passagens? E os livros, meu Deus, o que será de nós?

Uma boa universidade, um bom curso, tudo perfeito, embora em casa, só uma deminhas irmãs e uns irmãos considerou isso um fato importante, os outros tanto faz.

Meu namoro de quase quatro anos, acabou. Eu então desisti do curso de letras. Eramuito difícil, precisava ser estudiosa, precisava ter um histórico bom de vida estudantil e eunão tinha, não bastava só não ter faltado as aulas, não era suficiente não ter sido reprovado.Precisava de mais alguma coisa, mais o quê?

Passaram-se os anos e eu desisti de acreditar no estudo e casei. Tive filhos, virei donade casa dedicada ao lar, aos filhos, ao marido. Isso é muito bom, fiquei feliz.

Mas então um belo dia, minha sobrinha, me falou para não desistir de ser alguémmesmo sendo pobre, e fui tentar vestibular. Tentei e passei, Economia Doméstica em 2001.Pela primeira vez comecei a desejar ser alguém, mesmo depois de crescida.

Não vou dizer que foi fácil, afinal 39 anos de idade recomeçar num momento onde amaioria de sua idade já está formada onde a população maior na universidade é de jovem.

Durante todo tempo em que fiquei na universidade, sempre fiz estágios, projetos,monitoria. Terminou que esses estágios ajudavam muito nas minhas despesas, pois o dinheirode minhas passagens, meus lanches, e até “meu pão nosso de cada dia”.

Então, nessa experiência obtidas através da universidade e através dessas oportunidadeseu conheci o “Conexões”. O que me chamou atenção no Programa foi esse interesse poralunos de baixa renda, pois não é fácil ser pobre num mundo onde tudo é feito e preparadopara quem tem dinheiro, embora eu acredite que as Universidades Federais tenham surgidocom o intuito de atender aos menos favorecidos e acredito que esse apoio deveria ser desdeantes da universidade, ou seja, durante a vida estudantil desses alunos.

Esse projeto, que tem como objetivo, amparar e acompanhar esses alunos (citados acima)me chamou muita atenção, já que eu me identifico com ele (projeto), pois essa sempre foiminha esperança de a Universidade ter seus alunos, sentir, ouvir, vê e acompanhar a história ea vida desses “desconhecidos”, e melhorar a qualidade de vida escolar de cada um.

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184 Caminhadas de universitários de origem popular

Marília Avelino da Silva*

Meu nome é Marília Avelino da Silva. Não tenho outro de pia, como o de muitosSeverinos de santos de romaria.

Tenho vinte e três anos e uma irmã, sou a primogênita. Amaro Severino da Silva, meupai, tem apenas a 1ª série do Ensino Fundamental e minha mãe, Marlene Maria Avelino, oEnsino Médio completo. Ele é oriundo de Escada e ela de Ipojuca, ou melhor, da UsinaIpojuca. Minhas avós são analfabetas, e graças a Deus, a situação em que se encontram hojeé melhor que a de tempos passados.

Meus pais nunca insistiram que nós estudássemos, mas minha mãe foi uma que maisnos incentivou a ler. Apesar de não gostar muito de estudar, sempre gostei de ler; os gibisforam nossos - meus e de minha irmã - bons alfabetizadores. Tenho-os até hoje - pena que oslivros de agora sejam bem diferentes dos nossos velhos e bons gibis.

Como já afirmei, não gosto muito de estudar... e isso, desde criança. Tenho, contudo,objetivos a serem cumpridos e o caminho deles se faz por meio dos estudos. Sei também,que algumas pessoas dependem e dependerão sempre de um esforço de minha parte.

Iniciei meus estudos na Escola Municipal João Leite Nogueira Paz - em Cruz doRebouças/Igarassu -, que fica perto da casa de minha avó. Sempre antipatizei com a professorada alfabetização e chorava para não ficar na escola. Nas vezes em que voltava para casa,minha irmã era quem “ficava em meu lugar”. Lá, fiquei até a 1ª série; queria estudar em umaescola maior; fui, então, para a Escola Estadual Brasilino José de Carvalho, que ofereciaestudos até o Ensino Médio. Nela, cursei da 2ª a 8ª série.

Cansei de lá. Queria um ambiente novo, com novas pessoas. Ao chegar à EscolaEstadual João Pessoa Guerra, na cidade de Igarassu, foi tudo novo. O bom é que tinhamoutras pessoas que também moravam em Cruz de Rebouças e eu não ia sozinha para casa.Achava engraçado o fato de que minha mãe, ao me matricular, sempre fazia amizade com amãe da pessoa que se tornaria minha melhor amiga. No Ensino Fundamental, essa pessoa foiKeila (hoje, coordenadora de uma escola em que atuo aos finais de semana); no EnsinoMédio, foi Wilma (estudante do curso de Economia Doméstica na Universidade FederalRural de Pernambuco - UFRPE). Das pessoas com quem ainda tenho algum contato, apenasWilma e eu é que conseguimos entrar em uma universidade pública.

No Ensino Médio, tive bons professores - principalmente de História, que me deixouapaixonada pela História de meu Município. No terceiro ano, o professor de Portuguêsavisou, em sala de aula, que a Universidade de Pernambuco (UPE) abriria inscrição para um

Sem saltar fora da ponte e da vida

Graduanda em Ciências Sociais.

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cursinho destinado a alunos oriundos de escola pública. Uma amiga minha e eu fomos nosinscrever, e saiu o resultado, apenas eu havia passado. Fiquei lá até setembro, não agüentavamais acordar cedinho e passar direto para a escola (não tinha resistência física para isso), emesmo assim, não tinha decidido em que curso me inscreveria.

Terminei o Ensino Médio e fiquei um bom tempo sem estudar, até que me matriculeino Normal Médio (antigo Magistério), para passar o tempo. Não me adaptei ao curso, e nofim do ano, desisti. Foi aí que, no ano de 2002, me inscrevi para isenção da taxa do vestibularUFPE/UFRPE. Ainda me sentia perdida. Ganhei a isenção de 50% (não só eu como minhairmã) e no último dia, escolhi Pedagogia.

Neste ano, houve greve nas Universidades Federais e as provas do vestibular foramadiadas para janeiro de 2003. Meu material de estudo era o jornal do Rumo ao Futuro,patrocinado pelo Jornal do Commercio. Comecei a estudar um mês antes da prova. Passeina primeira fase. Que maravilha! Vou me empenhar para a segunda fase. Não passei. Nãofiquei triste: para mim, tudo era alegria.

Como não ia mais à escola, minha mãe dizia: “Menina, arranja alguma coisa prafazer!”. Foi aí que entrei num cursinho popular (com taxa de R$ 10,00 por mês), a fim deprestar vestibular no fim do mesmo ano. Como continuava perdida, minha irmã deu aidéia de que eu fizesse vestibular para Ciências Sociais, já que gosto muito de História eGeografia. Lá fui eu.

Primeira fase... passei, que alegria! Na segunda fase, quando me deparei com o colégiointeiro fazendo vestibular para História, Economia e Ciências Sociais na UFRPE, medesesperei, mas pensei positivo e - como brasileiros, não desistimos nunca - mentalizei: “Euvou passar, eu vou passar, nem que seja em último lugar. Foi isso que aconteceu. Resultado:APROVADA!! Alegre por mim e triste por minha irmã, que não passou.

Meus pais ficaram muito contentes ao saberem que eu havia passado; eles não são,entretanto, daqueles que expressam suas alegrias, e acho que meu pai nem sabia direito paraquê e por que insistíamos em entrar em uma universidade. Até hoje, eles sentem muitoorgulho, não só eles, como um tio meu, pois, juntamente com minha prima, fomos as primeirasda família a ingressarem em uma UNIVERSIDADE e PÚBLICA enquanto tantos outrosestão em faculdade e não em uma universidade. Minha irmã me acompanhou no primeirodia de aula - ou aula magna -, foi uma forma dela se sentir parte do processo e um incentivopara que ela continuasse estudando, tanto que hoje, também, está na UFRPE ou, popular ecarinhosamente, chamada RURAL.

Na Rural, firmei (ainda estou aumentando) laços de amizade com professores, alunose funcionários da instituição. Faço parte do grupo de teatro do CEPED, representando aBela Inês, atividade da qual gosto muito, e participo do Coral Municipal de Igarassu.

Acredito que ainda tenho muito a crescer e a ajudar outros a chegarem mais além. Na8ª série, uma senhora pediu permissão para nos filmar na sala de aula. Em uma parte de seudiscurso, falou que sempre estudou em escola pública, que estava no Mestrado e que seorgulhava muito de ser de escola pública. Passei a crer, com suas palavras, que também eupoderia viver tal experiência.

Acredito que o Conexões de Saberes, realmente venha a ser um caminho para queoutros de nós não desistam em função de percalços impostos pela vida atual. Nós, hoje, noprograma, somos uma referência para muitos alunos; sabemos que não encontramos apenasflores em nossos caminhos e que os obstáculos que até hoje enfrentamos são fortes entraves

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em nosso futuro profissional. Às vezes, penso que a universidade está se tornando microdiante do processo de globalização e das transformações na sociedade.

Espero que isso mude. Eu, como tantos outros estudantes universitários, enfrentamoso grande “bicho-papão” que está logo após terminarmos o curso de graduação, dá mesmaforma que, alguns que terminam o Ensino Médio. É o “salve-se quem puder” e o “cada umpor si”. Então:

“Severino, retirante,deixe agora que lhe diga:eu não sei bem a respostada pergunta que fazia,se não vale mais saltarfora da ponte e da vida;nem conheço essa resposta,se quer mesmo que lhe digaé difícil defender,só com palavras, a vida,ainda mais quando ela éesta que se vê, Severinamas se responder não pudeà pergunta que fazia,ela, a vida, a respondeucom sua presença viva:vê-la desfiar seu fio,que também se chama vida,ver a fábrica que ela mesma,teimosamente, se fabrica,vê-la brotar como há poucoem nova vida explodida;mesmo quando é assim pequenaa explosão, como a ocorrida;como a de há pouco, franzina;mesmo quando é a explosãode uma vida Severina. João Cabral de Mello Neto

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Graduanda em Química.

Mitaliene de Deus S. Silva*

Meu nome é Mitaliene de Deus Soares Silva. Tenho 18 anos e moro com meus pais.Nasci em Recife, mas resido em Olinda. Sou a mais velha entre os filhos, que são três, etalvez isso me faça ter uma grande carga de responsabilidades com minha família.

Minha mãe morava em Ipojuca, cidade pequena, e conheceu meu pai em Porto deGalinhas, onde ela trabalhava. Meu pai já era funcionário público e também estava a serviço.Os dois se apaixonaram, casaram-se e eu nasci.

Quando eu tinha quase dois anos, foi a vez de minha irmã aparecer. A vida não foi fácilnesses tempos, porém, estávamos sempre juntos.

Eu era muito quieta, coisa que foi se modificando ao longo do tempo. Ainda sou umpouco tímida, mas tenho facilidade de me relacionar. Nos estudos, fui aplicada, e me considerouma aluna estudiosa. Minha mãe sempre comenta que a primeira coisa que eu fazia, quandochegava da escola, era a “tarefinha de casa”.

Até a 8ª série, estudei em colégio particular. No entanto, no ano de 2002, minhahistória mudou de rumo. Meu pai, começou a apostar no jogo de bicho e no bingo, coisaque mudou o padrão financeiro de minha família. As contas começaram a acumular, perdemosnosso carro e ficava constrangida, quando a diretora ia à sala-de-aula com a lista de devedorese meu nome estava entre eles. Mas diante de tantas coisas ruins, esse foi o período em queeu fiz mais amizades, conheci familiares, que moravam distante, maravilhosos e minha mãedeu a luz ao seu primeiro filho homem. Isso me fez acreditar que o último ano do EnsinoFundamental II foi o primeiro melhor ano da minha vida.

No ano seguinte, tive que ir para um colégio público. Foi uma decepção: não tinhaaulas, as salas eram sombrias e os alunos mal-encarados, fumavam e bebiam na porta doestabelecimento. Eu não queria fazer amizades e chegava em casa frustrada. Meu pai nãodava mais dinheiro e via mainha preocupada, vendendo artigos de revistas para nos dar oalimento. Ficava muito triste vendo-a chorar, porque não tínhamos um almoço digno. Essesacontecimentos fizeram-me mais forte para nunca desistir.

No segundo ano do Ensino Médio, em algumas noites, meu pai não dormia em casa,até que ele passou quase um mês desaparecido: não ia nos ver nem trabalhava. Minha mãefoi procurá-lo e o encontrou dormindo num quartinho de um bingo. Lutamos, então, todosjuntos, para ajudar a reconstruir nossa família.

Um outro marco em meu destino foi o último ano do Ensino Médio. Logo no início,consegui passar em uma prova para o pré-vestibular de graça. Com esforço, conseguia pagar

Um pouquinho de mim

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a passagem e não faltava. Logo após, fui aprovada num cursinho do governo. E o sucessonas seleções não parou por aí: passei nos dois vestibulares (UFRPE e UPE). A escolha docurso é que foi um problema: História ou Química. Acredito que fiz o certo em ficar com asegunda opção.

Antes de entrar na Academia tinha medo do que encontraria, mas quando passou aprimeira semana de aulas, senti confiança em mim e em minha turma. Sou a primeira pessoada família a ingressar em uma universidade pública, o que causa grande orgulho a meuspais. Entrei na Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE determinada a ter umbom currículo, ser um diferencial e obter conhecimentos necessários e suficientes para seruma boa profissional.

Hoje, estou no final do segundo período para Licenciatura em Química. Mesmo tendode ouvir os comentários: “Estudar tanto para ser professora?!?”, meus familiares meincentivam, porque sabem o quanto eu gosto do curso e das pessoas a quem conheci.

Dedico-me bastante às atividades que realizo, esforçando-me para um bom funcionamentodas coisas. Não tenho pretensões a encerrar meus estudos no final da graduação, mas buscaroutras formas de envolvimento com a área de conhecimento que escolhi. Sou uma pessoasimples e me apaixono facilmente pelas coisas que me fazem acreditar o quanto a vida valea pena.

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Natália Josefa do Nascimento*

Meu nome é Natália, tenho 20 anos, e como todas as pessoas, tenho histórias dedecepções e conquistas. Sou filha da dona de casa Josefa Batista e do pedreiro José Manoel,a quem agradeço todas as conquistas que obtive em minha caminhada rumo a umauniversidade e a um futuro digno.

Nasci em Recife, e aos três anos, fui morar em Jaboatão dos Guararapes. Iniciei, aoscinco anos, meus estudos na Escola Municipal Vânia Maria Laranjeira. Saí dessaescola na 6ª série e fui para a Escola Estadual Alzira da Fonseca Breuel, onde comecei aadmirar Matemática.

No primeiro ano do ensino médio, fui para a Escola Estadual Professor Epitácio AndréDias, na qual concluí todo o Ensino Médio, período que recordo alguns fatos, como: noterceiro ano, alguns professores acreditavam que eu passaria no vestibular para o curso deMatemática na Universidade Federal de Pernambuco, porém, não obtive êxito. Com essanão-aprovação, alguns professores da escola passaram a me ignorar, provei, no entanto, quenão sou incapaz e que a persistência torna em realidade qualquer desejo.

No ano seguinte, fiz novamente vestibular para Matemática, só que, dessa vez,havia entrado em um cursinho pré-vestibular, que ampliou meu conhecimento nasdisciplinas de Exatas. Tentei vestibular para Matemática, e mais uma vez, fracassei,porém, melhorei ao máximo minha nota. Nesse mesmo ano, entrei na Escola Técnica,onde cursei Edificações.

No ano de 2005, fiz vestibular novamente, só que, dessa vez, optei por Química, e nofinal de ano, saiu o resultado tão aguardado, consegui, finalmente passar. Fato que levarei,para sempre, guardado na memória, pois foram muitas tentativas minhas e muito sacrifíciopara meus pais.

Em fevereiro de 2006, iniciei as aulas na Universidade. Conheci pessoas que, comoeu, batalharam por uma vaga, e em anos anteriores, experimentaram as mesmas decepções.Fiz amizades. Na passagem de um semestre para o outro, surgiu a oportunidade de participarde um Programa - “Conexões de Saberes” - cuja proposta é a de levar os estudantesuniversitários a partilharem conhecimentos com sua comunidade de origem. Inscrevi-me econsegui participar de uma experiência que, em muito, tem contribuído para a minhavivência, tanto na universidade, como extra-muros universitários.

2006, tem sido um ano de alegrias, mas a morte de meu avô, de quem guardo lembrançasde momentos felizes, e o desemprego de meu pai, depois de dez anos de atividades na

Persistências

Graduanda em Química.

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empresa em que trabalhava, foram fatos que incomodaram, entristeceram, mas não diminuírammeu empenho nem minaram meus planos para o futuro.

Ah, futuro... nele, espero continuar persistente, desejosa de que meus planos sejamconcretizados, e apagar da memória todos os problemas enfrentados. Ampliar meusconhecimentos na vida vivida e na vida acadêmica e ajudar minha família: é o que almejo,ainda que consciente de que nada é fácil e de que só a persistência torna tudo possível.

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Natália Miranda Bezerra*

Meu nome é Natália Miranda Bezerra, filha de professora primária e de contador.Comecei muito cedo a demonstrar interesse em estudar, aprender, talvez pela minha mãenão ter com quem me deixar pra ir trabalhar dando aulas em sua turma de alfabetização,me levava todos os dias para as aulas, por isso aprendi a ler cedo, com 4 anos, e desdeentão nunca mais parei de gostar de ler, se tornando esta uma das atividades mais prazerosasda minha vida.

Quando criança gostava muito de desenhos, tanto que preferia passar minhas horas defolga desenhando meus croquis, já que meu sonho era ser uma estilista. Tinha muita vontadede estudar desenho, mas nunca tive oportunidade de desenvolver essa minha habilidade,por isso ainda hoje, me sinto frustrada, por não ter tido as chances de ter desenvolvido essaminha habilidade.

Mas além de desenhar eu gostava muito de estudar, e apesar de todas as dificuldadese crises financeiras pelas quais eu e minha família tivemos que passar, nunca pensei emdesistir, na época em que estudei o primário foi uma das épocas mais difíceis, pois muitasvezes não tinha sequer o lanche para levar pra escola e adorava quando tinha merenda,principalmente se fosse macaxeira com charque, a minha merenda favorita.

Na minha adolescência, continuei gostando de estudar, principalmente português,tanto que fui a melhor aluna da minha turma, e ao terminar o ensino médio e prestar seleçãono ENEM fui parabenizada pelo meu desempenho na prova de redação, onde tirei a notamáxima, ficando entre as melhores notas do país.

Um ano depois da minha conclusão do ensino médio, fiz uma seleção pra participar doProjeto Professores do Terceiro Milênio, fui aprovada e passei um ano muito puxado, poisalém da rotina exaustiva pré-vestibular ainda tinha que trabalhar. Mas fui recompensada portodo esforço e dedicação, eu e minha irmã conseguimos passar no Vestibular para Licenciaturaem Química e essa foi uma das maiores felicidades da vida de toda nossa família.

Mas a vida de universitária não é nada fácil, pois trabalhava em comércio e chegavaao meu curso muito tarde, muitas vezes perdia as aulas e tinha que escolher entre pagar umacadeira ou fazer uma hora extra pra conseguir pagar as contas do final do mês. Assim, fuilevando meu curso e apesar de vários percalços, foi através dele que pude ser uma boaprofissional, ainda em construção.

Hoje, graças a Deus, já trabalho fazendo o que gosto, ensinando química e a cada diaque se passa me sinto uma professora, procurando sempre contribuir para que cada aluno

Tudo é possível

Graduanda em Química.

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possa ter o privilégio de ensinar e aprender, eu possa tocar o seu íntimo e ser umaincentivadora e motivadora, pois acredito muito na capacidade de todos os seres humanose sei que o que cada pessoa precisa é de um mínimo de oportunidade.

Hoje, além de minhas atividades como professora de química, divido meu tempocontribuindo como monitora de artesanato e Divulgação Científica (atividades que sãominha paixão) em oficinas oferecidas pelo Conexões de Saberes e Escola Aberta e sinto umorgulho imenso de fazer parte de um projeto com a intenção maravilhosa de primeiramentefazer com que nós que fomos alunos de origem popular, nunca nos esqueçamos de nossasorigens e que possamos contribuir, dialogando e trocando os nossos saberes e experiênciasvisando a nossa contribuição a sociedade.

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Graduanda em Economia Doméstica.

Meu nome é Nelma Maria Pereira Roza. Nasci no dia 24 de abril de 1982, na cidade deRecife-PE. Meus pais, Antonio José Roza e Luzia Maria Pereira Roza, não estudaram osuficiente para ter uma boa condição financeira e oferecer aos filhos tudo o que eles queriam.Porém, na minha casa, sempre foi prioridade uma alimentação de qualidade para evitarpossíveis enfermidades. Também, se priorizou a compra de roupas e sapatos que sãoindispensáveis para garantir uma boa qualidade de vida, direito de todo o ser humano.

Comecei a estudar aos cinco anos de idade, na Escola Pública 14 Bis, em BoaViagem, onde aprendi a fazer meu nome e brincar com outras crianças, começando,assim, a me socializar. Quando ingressei na 1ª série do Ensino Fundamental, ocorreu aminha primeira reprovação, ainda nessa escola, devido à constante mudança deprofessores e por eu não saber ainda ler e escrever. Durante às férias, no final desse ano,minha irmã Madja, cinco anos mais velha que eu, se dedicou a me ensinar a ler, escrevere as quatro operações de matemática.

A outra escola pública, onde ingressei para concluir o Ensino Fundamental, EscolaBrigadeiro Eduardo Gomes, vizinha da escola anterior, foi de grande importância para aminha vida e para o meu desenvolvimento social e intelectual. Conheci várias pessoas,tanto alunos, que estiveram comigo durante todo o período escolar, como professoresdedicados ao ensino; outros, porém, não estavam muito preocupados se os alunos aprendiam,mas eram grandes mestres quando queriam. Nunca mais reprovei durante o período deensinos Fundamental e Médio.

Quando cheguei ao Ensino Médio, na Escola Pública Santos Dumont, também emBoa Viagem, vizinha de muro das outras, percebi que seria difícil essa fase. Comecei aestudar as matérias de física e química, que nunca havia estudado antes. No entanto, nãohavia professor de matemática. Uma vez perdida aparecia um professor, que logo saía daEscola por algum motivo desconhecido, para nós alunos. Este problema, ocorreu durantegrande parte do Ensino Médio. Nesta época, foi adotado o conceito escolar substituindo anota. Este método, facilitou e muito a conclusão do Ensino Médio para a grande maioriados alunos, pois o conceito era de acordo com as hipotéticas notas sugeridas pelo professor.

A média da Escola era seis, porém, com o conceito escolar alguns professores passavamo aluno que tirasse até três, porque o que importava era o conceito na caderneta, quandosaía o Histórico, a surpresa, o aluno estava na média escolar. Hoje em dia, pela demanda dealunos, os professores ensinam bem, mas as provas são muito mal elaboradas, diminuindo

Nelma Maria Pereira Roza*

Memorial

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assim o nível de dificuldades, o que facilita a aprovação rápida. Mas se algum reprovar,ainda pode passar de ano e pagar a outra matéria que reprovou no próximo ano letivo. E asprovas destas matérias que o aluno está pagando são ainda mais fáceis que antes. Não passade ano quem realmente não quer nada com a vida.

Diante disso, no último ano de conclusão do Ensino Médio, eu ainda pensava se iriaprestar vestibular ou não, e essa dúvida era também a dos meus colegas e amigos de classe,que devido a um ensino precário desde a base escolar, acreditavam que seria um verdadeiromilagre entrar em uma Universidade.

No último momento, eu me inscrevi no Curso de Bacharelado em Economia Doméstica,na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), porque o curso que eu queria fazer,Nutrição, era muito concorrido, sendo assim, seria mais difícil.

Enfim, concluí o ensino médio em 2000, e já estava fazendo a 2ª fase do vestibular.Passei e ingressei no ano de 2001, na 2ª entrada, só que eu tinha solicitado a 1ª e não sabiao que iria fazer sem estudar um semestre inteiro. Nas escolas públicas, é normal haver grevestodos os anos, mas seis meses sem estudar nunca havia ficado antes. Daí, tive a sorte dereceber um telefonema de uma outra aluna interessada em mudar de turno, que ligou paramim, e consegui, finalmente, mudar a entrada. Comecei, então, a estudar na UniversidadeFederal de Pernambuco (UFRPE), na 1ª entrada de 2001.

Na Universidade, achei tudo estranho, as pessoas não eram mais aquelas que conhecidesde o primário: cada um por si. As provas, então, eram medonhas. Não tinha prática emusar computador, as pessoas não aceitavam as diferenças individuais das outras, causandointrigas, porque todos tinham que aceitar as opiniões do grupo maior, (mas até entre eleshavia desentendimento, para piorar ainda mais a situação).

Meus pais, que têm baixo poder aquisitivo, me sustentavam financeiramente naUniversidade durante os quatro anos de curso. Depois, comecei a fazer o EstágioSupervisionado Obrigatório (E.S.O.) em uma instituição de Educação Infantil no bairro daVárzea, periferia da Cidade do Recife-PE, e recebia ajuda de custo. Fiquei independente.Graças a eles e a Deus, que tem suprido as nossas necessidades, sempre tive dinheiro suficientepara as despesas na Universidade, mas não o suficiente para participar de um Congresso forado Estado, pois as condições financeiras eram insuficientes para realizar esta atividade.

Hoje, estou recebendo uma bolsa de estudos do Programa Conexões de Saberes,promovido pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que tem me ajudadomuito, e ainda estou terminando o meu curso, pois ainda falta apresentar a monografia.Estou tendo muitas dificuldades na elaboração desse trabalho. Às vezes me acho incapaz,mas Deus vai me ajudar e me capacitar para concluir este curso e ser uma profissionalbastante conceituada e realizada, sendo um grande exemplo aonde quer que eu chegue.

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Minha história de vida iniciou-se à 25 anos, mais precisamente no dia 14 desetembro de 1981.

Nasci em um hospital particular da cidade, meus pais na época eram comerciantesbem-sucedidos, dois anos mais tarde nasceu Eduardo, meu irmão, crescemos estudando nosmelhores colégios da região.

Em meados dos anos 90, meus pais passaram por uma grande crise financeira, que porconseqüência, levou ao fechamento da padaria. A partir daí, nossas vidas mudarambruscamente, pois além das dívidas adquiridas, foram vários funcionários na justiça dotrabalho, e meus pais acabaram ficando sem nenhum dinheiro. Eu e meu irmão então, fomosestudar em colégios estaduais, meus pais ficaram desempregados e às vezes nós não tínhamosnem o que comer! Três anos mais tarde, meu pai conseguiu empregar-se como vendedorexterno, nossa vida então começou a melhorar.

Em 2000, ele mudou de emprego, pude então me matricular em um cursinho e passarno tão sonhado curso universitário, passei em Zootecnia na UFRPE. Em 2003, foi a vez domeu irmão passar em Fonoaudiologia.

Terminei zootecnia em 2006, hoje, curso Licenciatura em Ciências Agrárias na mesmainstituição de ensino, aí eu pensei, nossa vida agora é só alegria. Puro engano meu. No dia23 de outubro de 2003, meu pai morre, vítima de enfizema pulmonar adquirido ao longo dotempo de batalhas. Minha vida mudou de ponta cabeça, eu, minha mãe e meu irmão“perdemos o chão” com aquela notícia. Pois além da perda sentimental que é inenarrável,veio por conseqüência a perda financeira, pois meu pai era o único em casa que trabalhava,e além de tudo vivíamos de aluguel.

Passamos por “maus momentos”, depois de um tempo saiu a pensão do meu pai, nãoera grande coisa, mas estava dando para vivermos!

Foi então que, acessando o site da UFRPE, vi que estavam selecionando alunos deorigem popular para participar de um projeto chamado Conexões de Saberes. Este viria sóhá me acrescentar, pois além de ajudar minha família com a bolsa que seria oferecida, aindapoderia “ajudar” pessoas com realidades de vida parecidas com as minhas.

Desde o memento em que saiu o resultado dos selecionados para entregar ao projeto,minha vida mudou só para melhor, e hoje eu agradeço as oportunidades que o Conexõesme proporciona.

Pollyanna Accioly de Souza *

Graduanda em Agronomia.

Memorial

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196 Caminhadas de universitários de origem popular

Rafael da Veiga Pessoa Portela*

Anunciado por ventos falantes e chuvas constantes, estreei neste mundo em outubrode 1982. A partir de então, começava o meu grande desafio: “viver”. Viver sem o auxilio degrandes, andar em minhas próprias leis, respirar sem ajuda de um ser, pular no compasso quecriei, comer sem culpa, beber de fontes mágicas, girar em melodias suaves, explorar territóriosnunca visitados, ouvir um refrão delirante, cantar uma música tocante, dormir e acordar nasala, diminuir o atraso, admirar um olhar fascinante, tocar nas longas madeixas, acordar nofim da tarde, pedir bacons turbinados, sucos bem gelados... ou seja, ser somente eu.

Ao passar do tempo, fui percebendo que a isolação me fazia bem, eu me identificavacom o silêncio que encontrava. Era no silêncio onde obtinha as respostas que buscava, asforças que perdia e as lágrimas não derramadas.

Apesar do gosto pela isolação eu sabia muito bem usufruir momentos de lazer, aventurae reflexão, e bem logo descobri uma grande explosão sentimental em minha vida: “a música”.Ela me enfeitiçou antes mesmo dos meus 10 anos e foi cada vez mais me consumindo,devorando, infectando... fui contagiado letalmente pela arte musical.

Ao passar do tempo, continuei vivendo arriscadamente, pois o ápice da vida, pra mim,era a adrenalina. Eu tinha que senti-la diariamente e várias vezes por dia. Eu era o meninomais psicodélico que já conheci. Consegui quebrar meus dois braços ao mesmo tempo,tomei banho de maré em altas correntezas, curtia muito rock... fiz estripulias! Aproveiteiminha infância com o sol em pleno verão.

A vida tão ligeira, não me preparou para os desafios vindouros e eu logo me reclusava emmeu silêncio. Era no silêncio que a música me surgia como a aurora que emana em dia brilhantee lua cheia em mar aberto. Consegui chegar até o dia atual sempre acompanhado pela essênciaque encontro na arte, aprendi a dominar a música fazendo com que ela me transmita aquilo quequero ouvir ou falar. O meu mundo era só meu e ninguém podia destruí-lo.

A liberdade que eu gozava me fez descobrir a natureza de forma concreta. No fundo domar vi belezas que têm seus motivos de se esconderem. O mar era meu refúgio sereno, minhamontanha, os encantos dos meus desencantos, a Síndrome de Deus, a esperança que vem,minha isolação, a união dos corpos, a transmissão, meu carregador de energias, as memóriaspóstumas.... cada vez que estive pra baixo o mar me levantou.

Meninos não choram

Graduando em Agronomia.

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Universidade Federal Rural de Pernambuco 197

Em meio a tantos acontecimentos, minha vida estava cada vez mais distante de umdirecionamento profissional. Sem emprego, não consegui passar no meu primeiro vestibular.E assim, logo chegou o segundo, e o resultado foi o mesmo.

Ao término de um curso técnico em agropecuária, decidi tentar vestibular para umcurso diferente aos dois anteriores, então me escrevi em Engenharia Agrícola e Ambientale por obra divina fui contemplado com esta alegria consumidora. Hoje, estudo naUniversidade Federal Rural de Pernambuco, quero ser tudo aquilo que eu não fui e tertudo o que não tive.

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198 Caminhadas de universitários de origem popular

Graduando em Ciências Biológicas.

Raffael Campos dos Santos*

Olá! Chamo-me Raffael Campos dos Santos, tenho 21 anos, e nasci em Recife no dia 24de fevereiro do ano de 1986. Sou Aluno da Universidade Federal Rural de Pernambuco(UFRPE) e estou cursando o 5° período do curso de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas.

Cursei uma parte do ensino fundamental em escola particular (da 3ª à 5ª série), a outraparte do Ensino fundamental e todo o Ensino Médio eu cursei em escolas da rede pública.

Fui transferido da escola particular para a pública por motivos financeiros. Foi muitodifícil para mim no início, porque o nível de ensino era muito precário em relação ao que euestava acostumado.

No ano em que eu estava cursando a 1ª série do Ensino Médio (2001), eu quase nãotinha aulas o que me deixava muito chateado, porque tinha que sair cedo de casa todos osdias e gastar uma passagem caríssima para ir ao colégio e ter que voltar porque os professoresnão foram dar as suas aulas. De 11 disciplinas que o currículo escolar apresentava paraaquela série, apenas 5 delas tinham professores responsáveis por ensiná-las, mas no final doano o boletim estava lindo, ao lado das áreas do boletim que discriminavam as disciplinassem professores encontrava-se o seguinte: aprovado por média. Como é que isso aconteciase nem aula a gente tinha?

Em 2002, mudei de colégio, as coisas melhoraram um pouco, quer dizer, melhorarammuito. Fui estudar no Colégio Estadual de Olinda, lá, me inscrevi e fui selecionado paraparticipar de uma ONG, o Projeto Casa Padre Melotto, uma iniciativa de uma congregaçãoitaliana, a Pia. Sociedade de Padre Nicola Mazza. O objetivo principal desse projeto éauxiliar na educação escolar e formação pessoal de alunos de escolas públicas. Foi quandocomecei a participar desse projeto que vi alguma coisa diferente e foi também quando pudecomeçar a sonhar em um dia entrar na Universidade. Lá, aprendi muitas coisas. Além dasaulas que assistia, aprendi a conviver e trabalhar em grupo, e a respeitar as diferenças deopiniões dentro de um grande grupo.

Em 2003, ano em que terminei o Ensino Médio, além de estar estudando no ColégioEstadual de Olinda e participando do Projeto Casa Padre Melo, me inscrevi no ProgramaRumo à Universidade. Durante esse curso pré-vestibular oferecido pelas UniversidadesFederais e Estadual de Pernambuco, foi com todos os alunos um teste simulado, neste teste,quem conseguisse atingir colocação entre os dez primeiros do prédio receberia isenção totalnas inscrições para os vestibulares das universidades patrocinadoras e mentoras do projeto.

Em busca da vitória

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Universidade Federal Rural de Pernambuco 199

Graças a Deus consegui o 6° lugar geral e o 1° lugar da minha turma, com isso consegui aisenção para os vestibulares.

Uma semana antes de terminarem as inscrições eu estava totalmente confuso, pois nãosabia em qual curso me inscrever. Queria Jornalismo, Psicologia e Bacharelado em Biologiaao mesmo tempo. Graças a um grande amigo meu, Arthur, consegui escolher a Licenciaturaem Biologia. Inscrevi-me para este curso com opções para a 1ª e a 2ª entrada. Quando passeina 1ª fase, minha família e eu ficamos muito felizes com aquela conquista, mas a guerraainda não havia sido ganha, faltava a 2ª fase. Fiz as provas da 2ª fase muito confiante, masinfelizmente não obtive o mesmo desempenho que na 1ª. Fiquei muito triste, mas mesmoassim fui ver a lista de alunos que possivelmente seriam remanejados, e mais uma vez fiqueitriste e decepcionado comigo mesmo, pois por menos de 0,001 eu também não entrei nalista de remanejáveis.

Em 2004, me inscrevi no Pré-vestibular da Universidade de Pernambuco (PREVUPE),não consegui o mesmo desempenho que havia conseguido no Rumo à Universidade, masmesmo assim, continuei confiante e na época das inscrições para o vestibular estava eu lá,para me inscrever novamente na Licenciatura em Ciências Biológicas. Antes da semana deprovas eu já estava nervoso, com medo de nessa vez não passar nem da 1ª entrada, mas nãodeixei ninguém perceber. Sempre que me perguntavam como iria ser naquele ano o meuresultado, eu respondia: “Com toda a certeza esse ano eu passo!”. Na verdade eu não estavatão confiante quanto todos achavam que eu estava, mas mesmo assim não desisti.

No dia da prova deixei o medo e a insegurança em casa, e fui à luta em busca darealização do meu sonho. Fui fazer a prova, fiz muito confiante como da 1ª vez, e no dia doresultado, da mesma forma que no ano anterior eu havia sido classificado para a próxima fase.Quando vi o resultado da 1ª fase e percebi que havia conquistado a 35ª colocação fiqueimuitíssimo feliz e minha família também, isso ajudou a melhorar a minha auto-estima. Na 2ªfase eu já estava bem mais confiante, pois naquela época o meu curso oferecia 80 vagas e pelofato de eu ter conseguido aquela colocação eu tinha muitas chances de ser aprovado.

Fui fazer as provas da 2ª fase com um pouco de medo, mas bem melhor do que na 1ª. Nosdois dias de prova, toda vez que eu terminava de preencher o gabarito, eu dava um jeito decopiá-lo para poder conferir o que foi que eu acertei e errei. Quando cheguei em casa, procureirapidamente ir em uma Lan House para conferir na internet o resultado do gabarito.

Quando cheguei à Lan e abri a página na internet na qual estavam as respostas dogabarito, SURPRESA! Quase nada conferia com as minhas respostas. Voltei pra casa todosem graça, mas quando minha mãe perguntou, eu disse que a prova havia sido ótima e quecom toda a certeza eu havia sido aprovado. Esperei o resultado com muito medo, mas paratodo mundo que me perguntava eu falava que já estava aprovado e que só faltava o resultadoser divulgado para todos terem certeza do que eu estava falando. Minha autoconfiança meajudou muito a superar os dias de espera da divulgação do resultado. No dia em que oresultado saiu estava lá: RAFFAEL CAMPOS DOS SANTOS - APROVADO.

Foi um dia maravilhoso, todos na minha família estavam felicíssimos inclusive eu.Neste dia eu pude perceber que não importam as dificuldades e as circunstâncias da luta oque realmente importa é a determinação e a vontade de vencer.

Hoje, posso dizer que sou um VENCEDOR.

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200 Caminhadas de universitários de origem popular

“Só eu sei as esquinas em que passei,só eu sei”

Djavan

No dia 7 de dezembro, foi divulgado o listão dos classificados no vestibular dasFederais de Pernambuco 2006. Nele, constava o nome Renata Shirley de Santana Barbosa,aprovada para o curso de Bacharelado em Ciências Sociais - a mesma pessoa que agora,timidamente, começa a escrever estas linhas. Esse dia tornou-se muito especial. Com oobjetivo de mostrar como se deu a trajetória de minha vida até esse dia, vem à minhalembrança as figuras de três pessoas fundamentais: Maria do Carmo Silva (minha avó),Jacilene de Santana Barbosa (minha mãe) e Sheyla Gonçalves Barbosa (minha irmã).

Nasci em 30 de maio de 1984, em Recife-PE, fui criada no bairro de Três Carneiros -Ibura, sempre em companhia de minha avó, pois a presença de minha mãe não era constante,uma vez que ela tinha que trabalhar e morava longe. Foi nesse bairro que me desenvolvi,que adquiri valores apoiados na ideologia religiosa, protestante e que sonhei em sermissionária. Mas a adolescência me revelou um desafio. Primeiro, a mudança para umcolégio estadual, o Gerrino Pontes, na Imbiribeira. Nele eu tive a oportunidade de conhecerum mundo mais amplo e procurar a minha identidade. Nesta época, passei por problemasque acabaram levando minha avó a me mandar morar com minha mãe. Talvez, um dia, euentenda o porquê; talvez, um dia...

A casa de minha mãe no bairro Central concedia-me uma nova visão sobre a vida. Nãoera um lar evangélico; não consegui manter minha religião (igreja de bairro é muito diferentede igreja central), contudo, consegui manter a fé, e esta se renova a cada manhã.

Já na 7ª série do Ensino Fundamental II, tive prova concreta de que “sonho que sesonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”: foi nomomento em que desejei estudar no Colégio da Polícia Militar, pois achava linda a farda,sendo assim, vivia pedindo à minha mãe para estudar lá. Foi então que minha mãe ouviu umanúncio no rádio de que havia vagas para essa instituição. Indo até lá, ela descobriu que asvagas anunciadas eram para professor mas com insistência, soube que haveria seleção paraalunos civis em breve. Neste momento, recordo a ajuda de meu padrasto, soldado Gomes,que me inscreveu como sua dependente. Os preparativos para a prova de seleção foram

Renata Shirley de Santana Barbosa*

Graduanda em Ciências Sociais.

Memorial

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intensos mas, como o prazo era curto, eu não pude aprender muito. Para provar que sonharsó faz bem, fui aprovada para o curso noturno.

Minha vida no Colégio da Polícia Militar foi marcada por altos e baixos. Tive muitosconflitos com minha mãe; aos quinze anos, já estava em meu primeiro emprego (informal).Era muito cansativo trabalhar o dia todo e estudar à noite, em um colégio que era bastanteexigente. Lembro com carinho da figura de minha amiga Kelly Milena que, junto comigo,compartilhava os momentos difíceis.

Às vezes estávamos, as duas, pedindo ao Coronel descontos na pequena quantia coma qual contribuíamos mensalmente com o colégio. É bom recordar o “colo” encontrado nasconversas com o professor Antônio, de Biologia. Para alguns, ele era o Capitão Antônio;para nós, ele era um amigão, que me motivou a prestar vestibular.

Até a época do vestibular, tive conflitos gritantes em casa, a exemplo do dia em queminha mãe juntou minhas coisas (até a minha cachorra Capitu) e me mandou para a casa deminha avó. Eu chorei bastante, por não querer ir, mas como não tinha opção, disse que iria.Era época de provas finais no colégio e tudo que coloquei na bolsa foi um livro de educaçãointegrada, uma blusa de festa e cinco reais que havia ganhado para o transporte até a casa deminha avó. Tomei a decisão mais difícil: fugir de casa.

Para lembrar desse momento, tão doloroso, sem molhar o rosto, é preciso lembrar oapoio de “tia” Josy e de Junior (Ah, Junior!), meu primeiro namorado, que, no período dafuga, ficava até meia-noite comigo na praça, a fim de que eu pudesse ir para uma casa queminha família havia desocupado recentemente e que eu ainda tinha a chave. De lá, eutinha que sair antes das cinco horas da manhã, para que os vizinhos não notassem. Eutinha um celular e esperava que minha mãe liga-se preocupada, só que ela não ligou (é...ela não ligou). Para superar essa crise, após ter sofrido aliciação para drogas e para aprostituição, tive moradia na casa da “tia” Josy e apoio de minha irmã, Sheyla Barbosa.Depois, como diz Legião Urbana, “já morei em tantas casas que nem me lembro mais”. Ofato é que não voltei para a casa de minha mãe, mas dizer isso não quer dizer que nuncavoltaria (nunca é muito tempo).

Ao terminar o terceiro ano, estava em harmonia familiar e com a certeza de ter estudadoem um bom colégio que, conseqüentemente, me daria uma boa aprovação no vestibular.Como é costume dos alunos desse colégio fazer concurso para o CFO (Curso de FormaçãoOficial), eu também fiz, e além dele, fiz o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). Foiquando tive a primeira frustração: fui reprovada nos dois.

Para a Universidade Federal, fiz vestibular duas vezes: uma para um curso de Exatas eoutra para um curso de Saúde. Fui aprovada apenas na primeira fase. A primeira reprovaçãogerou um dia intenso de choro, que acabou fazendo com que minha mãe me matriculasseem um curso técnico de enfermagem, para me manter ocupada (“vantagens” de reprovar!). Ocurso Técnico, mesmo com as dificuldades para pagar, renovou a minha estima, até tenteimontar um bloco: “Os quase-feras na folia”, mas faltou adeptos.

Retornando ao dia 7 de dezembro, em que alcancei a minha classificação, após duasreprovações, não consigo dizer direito como foi possível. Ao continuar escrevendo estaslinhas, vejo que tudo é real e que faço minhas as palavras de Renato Russo: “Quem acreditasempre alcança”! Chego ao final deste Memorial, salientando que sempre apostei nos sonhose devo confessar que alguns deles se perderam em minha trajetória, mas o conhecimentoque ficou, hoje, me serve de alicerce para continuar caminhando.

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Renato de Souza Freitas*

Nasci em 27 de dezembro de 1976, e recebi o nome de Renato. Sou o mais novo deuma família de doze irmãos, sendo seis homens e seis mulheres. Morava com a minhafamília na zona rural do município de São Lourenço da Mata, região metropolitana doRecife. Meu pai era agricultor e tentava proporcionar à família aquilo que lhe foi negadopela vida: segurança familiar. Minha mãe cuidava da casa e dos filhos.

A minha ligação com a família sempre foi muito forte, chegando, às vezes, à beira daidolatria. Cresci cercado pelo carinho dos meus familiares, principalmente de minha mãe edas minhas irmãs. O primeiro sinal que indicasse de alguma forma a separação dos meusentes queridos, causava-me medo e incerteza.

Pressionado por questões econômicas e de saúde, o meu pai resolveu vender o sítio emque morávamos e mudar com toda a família para uma chácara mais próxima da cidade.Neste novo endereço, começava a minha trajetória escolar.

1984Aos sete anos de idade fui matriculado na Escola Municipal Padre João Barbalho, no

bairro onde morava. Era uma escola simples, com apenas uma sala de aula (posteriormentereformada e ampliada).

A minha chegada à escola não foi fácil. O primeiro dia de aula foi marcado por choroe sentimento de abandono, ainda hoje lembrado. Mas com o passar do tempo, as coisascomeçaram a normalizar-se, exceto a dificuldade de relacionamento com os colegas, devidoà grande timidez que tinha.

Neste ano, estudei no período da manhã a 1ª série do chamado 1º grau. Procurava serum aluno aplicado, mesmo tendo muitas dificuldades com a matemática ou com os exercíciosrepetitivos e behavoristas. No ano seguinte, passei a fazer a 2ª série, à tarde.

1986O ano de 1986, representou muitas mudanças para mim e minha família. Estava

cursando a 3ª série.Devido a problemas de saúde e à idade, o meu pai, com muito pesar, resolveu vender

a chácara e transferir-nos para a zona urbana de São Lourenço da Mata. Esta decisãotambém foi influenciada pela necessidade dos meus irmãos morar em num local maispróximo do centro para facilitar seus deslocamentos para o trabalho. Fomos morar numa

Horizontes

Graduando em História.

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casa alugada, enquanto era providenciada a nossa casa definitiva. Era o período no qualse realizava a copa do mundo de futebol.

Por causa da distância existente agora entre a escola e minha residência, precisei sertransferido no meio do ano para uma escola mais próxima. A nova escola chamava-se EscolaMunicipal Hermínio Moreira Dias, na qual tive bastante dificuldade de adaptação, inclusivepela demanda de alunos existentes naquele estabelecimento de ensino, diferentementeda antiga escola.

Em 1987, cheguei à 4ª série e gastava a maior parte do meu tempo dedicando-me aosestudos, especialmente ao da geografia, que no momento não estava inserido no currículonormal. Divertia-me consultando mapas e livros de geografia política, talvez sonhando emum dia conhecer todos aqueles lugares...

1988-1991A 5ª série era para mim motivo de orgulho, principalmente pelo fato de poder

relacionar-me com vários professores. Estudei no Colégio Municipal Ministro ApolônioSales, onde concluiria a 8ª série. Estes quatro anos foram um misto de alegrias e dificuldades.O ano de 1990, foi muito importante, pelo fato de que pela primeira vez precisei ir àrecuperação em inglês e matemática. Aprendi a ter mais responsabilidade e humildade,passando a exigir mais de mim mesmo. Naquele momento foi de grande valia a contribuiçãodada pelas aulas de matemática ministradas no Colégio Dom Agostinho Ikas (CODAI),num pequeno curso oferecido naquela ocasião à comunidade. Ainda guardo com carinhoo certificado recebido neste curso.

1992-1994Concluída a 8ª série, comecei o antigo 2º grau, na Escola Conde Pereira Carneiro, uma

escola estadual, no curso técnico em contabilidade. Estudava no turno da tarde. Anosinesquecíveis.

Devido a um problema que afetou a minha coluna, desde o ano anterior, usava umcolete ortopédico que me causava bastante constrangimento e sentimento de inferioridade.Embora estivesse bem nos estudos, não estava satisfeito comigo mesmo e em 1993 enfrenteium problema de depressão na adolescência.

Perdi o entusiasmo com os estudos e com a vida. Não conseguia projetar um futuroprofissional e vivia absorvido pelo presente. Apesar de tudo, as aulas de literatura ajudavam-me a não perder de vez o gosto pelos estudos. Comecei na ocasião a participar mais ativamenteem atividades religiosas na Paróquia local, onde pude fazer vários amigos e onde obtiveforças para vencer as dificuldades que enfrentava. Porém, não me achava preparado paraprestar um exame vestibular, e além do mais, tinha bastante escrúpulo de pedir à minhafamília para pagar a minha inscrição. Acabei o 2º grau e não prestei o vestibular.

1996No final de 1996, escrevi-me para o vestibular, embora a mais de um ano estivesse

longe da escola. Temia muito, decepcionar a minha família que, afinal de contas, havia“investido em mim”. Queria estudar Letras, mas não foi daquela vez. Aprovado naprimeira fase, não consegui responder a prova de inglês da segunda fase do vestibular(sinal da grande deficiência desta disciplina nas escolas públicas). Após este fracasso e

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o aumento crescente das dificuldades financeiras, concluí que não deveria sonhar comalguma carreira acadêmica.

Ainda no final deste mesmo ano, comecei a trabalhar num escritório de contabilidadeno centro do Recife, abandonando de vez os estudos. Dividia meu tempo entre o trabalho ea Igreja. Permaneci nesse trabalho até o final de 2001.

2002-2003No início de 2002, fui trabalhar num outro escritório, também de contabilidade. Neste

mesmo ano, comecei a perceber quanto tempo havia perdido longe dos estudos. Buscandoauto-afirmação, candidatei-me a uma vaga no curso de História da Universidade Federal dePernambuco, ciente, porém, do meu próprio despreparo. Passei na primeira fase e novamentenão consegui passar na segunda. Apesar da reprovação, este ato representou a retomadadaquilo que foi interrompido seis anos antes.

Em 2003, aconteceu o que chamaria de “vestibular perdido” por ter me candidatado auma vaga no curso de Ciência Contábeis, cedendo às pressões do ambiente de trabalho,embora soubesse não ser esta a área que gostaria de dedicar a minha vida. Passei na primeirafase. A segunda fase...

2004Chegou o ano de 2004. Resolvi preparar-me verdadeiramente para a prova e matriculei-

me num pré-vestibular. Abandonei a opinião dos colegas de trabalho e segui a minhainclinação interior: cursar História. Escrevi-me para este curso na Universidade FederalRural de Pernambuco, por esta instituição oferecer maior quantidade de vagas no turno danoite. Consegui ser aprovado nas duas fases com uma boa colocação.

O estar na UFRPE é para mim fruto da retomada de um projeto de vida que um dia foiinterrompido, mas que renasce à medida que se acredita que nunca é tarde para se buscar osideais; ciente também, que, a Universidade não é ponto de chegada, mas ponto de partidapara a concretização desses ideais.

2005Em março deste ano, iniciaram-se os meus estudos na UFRPE. Foram momentos bastante

agradáveis, principalmente, a relação que pude ter com os professores, os colegas de turma,a instituição. Desde o início me senti sempre muito à vontade.

Trabalhava durante o dia e estudava à noite. Foi difícil conciliar a leitura dos textos,com a falta de tempo disponível para lê-los.

Ao chegar o mês de junho, orientado por colegas, descobri que havia sido selecionado paraparticipar de um programa promovido pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia doEstado de Pernambuco (FACEPE), denominado Bolsa de Incentivo Acadêmico (BIA). Deixei otrabalho e dediquei-me às atividades deste projeto, sob a orientação de um professor da Universidade.

2006O programa da FACEPE, ao qual estava engajado, encerrou-se no final do mês de abril.

Chegado o mês de junho de 2006, através da internet, tomei conhecimento da chegada doPrograma Conexões de Saberes na UFRPE. Prontamente me interessei.

Passada a inscrição e seleção, participei de reuniões, tomando conhecimento das

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propostas do programa. O Conexão de Saberes, trouxe para mim uma oportunidade deingressar na pesquisa e desenvolver uma ação de extensão junto à comunidade, assim comotem contribuído para a minha permanência na universidade.

Esta contribuição abrange desde a bolsa que é oferecida, até os projetos que nosincentiva a desenvolver trabalhos de pesquisas que certamente ajudarão na formação docurrículo universitário. Sou grato ao Conexões de Saberes e espero que possa continuar aoferecer aos estudantes de origem popular a visibilidade que vem proporcionando.

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Roberta Cristina da Silva*

Chamo-me Roberta Cristina, tenho 29 anos, sou mãe de dois garotos, que são a razãode meu empenho.

Minha vida teve início em 1976. Tereza Cristina, minha mãe, costureira que estudoutão-somente até a 5ª série do ensino fundamental, conheceu um rapaz, Arthur, e com ele,teve um breve relacionamento e uma filha. Arthur sumiu, mas Tereza Cristina foi forte eseguiu em frente. Três anos depois, conheceu Severino José Gomes da Silva, com quem tevemais cinco filhos. Tivemos uma boa infância. Brincamos muito, estudamos muito.

Quando eu completei dez anos, Severino (que eu chamava de pai) foi embora de casa.A partir desse dia, minha vida se modificou. Eu tive que trabalhar como babá: era, naverdade, uma criança cuidando de outra. Não parei de estudar, mesmo trabalhando. Sempreestudei em escolas públicas, onde o ensino é deficiente na maioria das vezes. Só passei portrês escolas: fundamental I, na Escola Municipal Lutadores do Bem; fundamental II, naEscola Estadual José Maria; e médio, na Escola Aníbal Fernandes, todas em Santo Amaro -Recife-PE, onde eu nasci e me criei.

Ao completar 18 anos, dei a luz ao meu primeiro filho. Não tive outra opção, se não sótrabalhar. Aos 20 anos, veio o segundo filho e foi naquele instante que percebi que precisavavoltar a estudar, o que só consegui aos 24 anos. Na escola José Maria, conheci dois professoresque me mostraram que eu chegaria a uma universidade, se eu quisesse e eu acreditei naquelesdois - professora Eliete Lucena, de Português, e Sandro Moura, de Química, que foi maisdireto e disse que eu seria uma boa professora de Química.

Quando completei 28 anos, passei na prova de um pré-vestibular do governo, “Rumoà Universidade”, realizado aos finais de semana. Em um simulado, ganhei 50% de isenção,por ter alcançado boa nota e por ser de baixa renda, eu consegui entrar, mas não foi deprimeira. Ao entrar no prédio, no primeiro dia de prova da segunda fase, torci o meu pé.Mesmo assim, fiz a prova, e no dia seguinte, fui com o pé engessado, pulando num só pé. Aoterminar a prova, o “presidente do prédio” (COVEST) veio em minha direção e perguntou seeu tinha feito a prova no dia anterior. Respondi que sim. Ele retrucou, afirmando que nãohavia ninguém machucado no dia anterior. Prontamente, afirmei que havia me machucadoao deixar a sala onde acontecera a prova no primeiro dia, e ele, surpreso, comentou: “Você,com seu esforço, já é universitária, pois, se fosse um ‘filhinho de papai’ teria desistido.”.

Pode parecer um fato banal, mas isso me fez perder trinta e uma colocações - o cursode Licenciatura em Química ofertava cento e vinte vagas e caí para a centésima vigésima

Uma luz no fim do túnel

Graduanda em Química.

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quarta posição - e não fui aprovada. Naquela hora, só pensava no futuro de meus filhos epedi muito a Deus que me ajudasse no ano seguinte. Ainda assim, insisti e conferi oremanejamento. Foi aí que veio a boa notícia: consegui entrar, ainda que em último lugar.

No dia de fazer a matrícula, a Pró-Reitora de Graduação e Ensino, Maria José Sena, meentregou o comprovante de matrícula (eu ainda não acreditava) e disse: “Uma luz no fim dotúnel”! Ao passar o primeiro mês dentro da universidade, finalmente, acreditei, pude também,perceber como era difícil para um estudante de origem popular (E.O.P.) se manter dentro dauniversidade, sem trabalhar, dependendo apenas de meu esposo, que é um anjo (I.S.L.).

Passei o primeiro período com dificuldades: a compra de cópias xerográficas e dematerial didático era uma preocupação a mais... no período de férias, estive na Universidadepara visitar a Feira de Profissões e fiquei sabendo do Programa “Conexões de Saberes”, fiza inscrição e fui selecionada.

Entrar no programa foi muito importante para mim: abriram-se novos horizontes,facilitou-se a minha caminhada dentro da universidade. Por meio do programa, voltei àescola onde estudei (Escola José Maria), agora, como professora-oficineira, dando reforçoem Matemática e em assuntos transversais, como: leituração, cidadania e direitos humanos.No bairro onde moro, virei referência; para meus filhos, sou motivo de orgulho. Pretendocontinuar seguindo em frente, passando por cima das barreiras do caminho. Mundos seabriram para mim, me envolvi, me apaixonei e não pretendo deles sair.

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208 Caminhadas de universitários de origem popular

Graduanda em Ciências Sociais.

“Nosso dia vai chegar, teremos nossa vez.”Legião Urbana

Nasceu, em 8 de agosto de 1979, Rosangela Ferreira de Mesquita - a caçula entre quatrofilhos. Minha mãe faleceu quando eu tinha nove meses de nascida. A partir daí, meu paipassou a beber muito e nos deu para nossos tios. Fui morar com minha tia no sítio Bela Vista.

Eu e minha irmã fomos morar neste sítio; meus dois irmãos foram morar com outra tia,em Cavaleiro. Como minha irmã é mais velha, começou a estudar antes de mim, e depois daescola, ela me ensinava a ler e a escrever. Fui à escola aos sete anos de idade. Por já saber lere escrever, colocaram-me na primeira série. Estudava na Escola Humberto Lins Barrados, naMuribeca, que ficava a mais de dois quilômetros de onde eu morava. Tínhamos de ir e voltarda escola caminhando.

Nessa escola, fiz até a terceira série; por causa de problemas causados por meus primos,tivemos que nos mudar. Fomos para Cavaleiro, onde meus irmãos moravam, e lá, passamosalgum tempo. Em Cavaleiro, estudei na Escola Professor Moacyr de Albuquerque. Depoisde algum tempo, mudamo-nos para o Curado IV e fui matriculada, na sexta série, na EscolaEdmir Arlindo. Foi o ano em que meu pai foi assassinado.

Durante esse período de vida, sofri maus tratos de minha tia e de seus filhos, e aos dozeanos, resolvi sair de casa e fui trabalhar em casa de família. A pessoa que me “acolheu” epara quem eu trabalhava, também me maltratava, então, fui embora de sua casa. Arrumeioutra casa para trabalhar, ficando um ano sem estudar. Logo depois, matriculei-me, à noite,na sétima série de uma escola do bairro do Totó, onde minha irmã, que havia saído de casaantes de mim, estudava. Fui praticamente adotada pelas pessoas com quem trabalhava,nessa casa, e não voltei mais para morar com a minha tia.

Com essa família para quem trabalhava, mudei-me para Piedade, onde me matriculeina oitava série da Escola Pedro Barros. Passei para o primeiro ano do Ensino Médio comboas notas e fui estudar no Santos Dumont, em Boa Viagem. Passava o dia trabalhando e anoite estudando. Ao concluir o ensino médio, no final de 1999, comecei a trabalhar em umInstituto de Pesquisa Aplicada e continuei morando em Piedade, com a mesma família. Em2002, fiz cursinho para tentar o vestibular, mas não passei, pois fiquei dois anos sem estudar.

Rosangela Ferreira de Mesquita*

Memorial

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Finalmente, após três tentativas, consegui entrar na Universidade Federal Rural dePernambuco - UFRPE - e isso levantou muito minha estima. Continuo morando com amesma família, em Piedade, e o filho do casal, de quem fui cuidar ainda recém-nascido, eagora está com treze anos de idade.

Tinha certeza de que meu dia chegaria e teria minha vez, como diria Renato Russo.Não voltei para a casa de minha tia e nem pretendo voltar. Estou, atualmente, seguindo parao terceiro período do curso de Ciências Sociais e ficarei noiva agora, em dezembro de 2006.Tenho ainda muitos sonhos a realizar: a universidade foi apenas o início da realizaçãodesses sonhos e certamente alcançarei, com esforço, meus objetivos. Acredito que seja feliz.Melhor, SOU FELIZ.

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210 Caminhadas de universitários de origem popular

Rosângela Lima da Silva*

Era um dia de sol. Por volta das 11h, Maria José fazia compras para o enxoval de suasegunda filha, que estava por nascer. De repente, ela começa a sentir contrações e vai,imediatamente, para o Hospital Geral de Jaboatão. Mais precisamente às 12h do dia seis de abrilde 1984, Rosângela Lima da Silva chega ao mundo. Filha de um mestre-de-obras, que concluiuo segundo grau, e de uma dona de casa, que estudou até a sexta série do primeiro grau.

Morávamos em um loteamento popular do Município de Jaboatão dos Guararapes.Meus pais tinham muita admiração pelos estudos, e por isso, desde cedo, comecei a freqüentara escola comunitária do bairro, acompanhando minha irmã mais velha.

Aos seis anos, iniciei a primeira série do Ensino Fundamental na Escola EstadualSenador Petrônio Portella, no mesmo bairro em que eu morava. Adorava estudar; não queriaperder nenhum dia de aula. Concluí, nessa mesma escola, os Ensinos Fundamental I e II(primeira a oitava séries). Fui, então, estudar Magistério, depois de tentar várias seleções emoutras escolas e não consegui passar.

Estudei na Escola Estadual Marcelino Champagnat. No início do curso, estavadesmotivada devido às reprovações e às muitas críticas que faziam ao curso e à profissão queexerceria. No decorrer do curso, no entanto, fui-me identificando e apaixonando-me peloMagistério. Assim, decidi seguir a profissão que mudaria minha vida e a de meus familiares.

Passei a ter olhares bem diferentes sobre a realidade; as formas de tratar as pessoasmodificaram-se; e entendi melhor o mundo ao meu redor. Minha família tinha, agora, umaprofessora ao invés de uma arquiteta ou de uma engenheira, como era o sonho de meu pai.

Quando comecei a dar aulas nas escolas e em grupos religiosos da comunidade, todostinham respeito e admiração por mim, pois era muito jovem (dezesseis anos). Essasexperiências fortaleciam-me cada vez mais no curso e na profissão.

Foi neste tempo, que conheci Denis, um lindo rapaz, que me conquistou e mudouminha vida quanto à afetividade. Namoramos e noivamos. Cresceu em nós o desejo de noscasarmos e vivermos juntos para sempre. Esse desejo foi sendo adiado; tínhamos maiscoisas importantes a fazer, como concluirmos os estudos.

Em minha família, ocorreram alguns problemas e meu pai foi embora de casa. Osgastos tiveram de ser controlados e o trabalho, agora, era obrigação para mim. Concluí oMagistério com muito esforço e tracei alguns objetivos de vida: passar no vestibular emuma instituição federal; casar-me; e conseguir um emprego público.

Nunca desista de seus sonhos

Graduanda em Normal Superior.

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Trabalhava pela manhã e à tarde, dando aulas em escolas particulares, e nos finais desemana, estudava no Rumo à Universidade. No primeiro ano em que fiz vestibular, nãopassei e fiquei muito triste. A tristeza de ter fracassado era um estímulo para continuartentando. Tentei novamente, e mais uma vez, não consegui. Fiquei triste e entendi que nãopoderia desisti do sonho. Tinha que persistir, e um dia, conseguiria.

Mais um ano passou e não tentei o vestibular por questões financeiras.Tive que deixarminha profissão de lado, por conta da baixa remuneração, para trabalhar no comércio - eraoperadora de caixa. Gostava do que fazia, porém, trabalhava muitas horas por dia e ficavamuito cansada para engajar-me em jornadas de estudo. Nesse trabalho, sempre pensava emvoltar à minha profissão, às minhas aulas. Falava com tanta emoção sobre essas atividadesque minhas colegas ficavam admiradas pela paixão que eu revelava pela educação.

Quando se iniciaram as inscrições para o vestibular, lembrei que não poderia desistirdo sonho. Tinha que tentar. Mesmo sem estudar, busquei isenção para a taxa de inscrição econsegui 50% de desconto. Paguei a taxa e aguardei o dia da prova, apenas trabalhandomuito. Inscrevi-me no Normal Superior, um curso novo que visa à formação de professores.

Fiz a primeira fase muito tranqüila. Anotei o gabarito para conferir em casa, e peloscálculos de minha irmã, a nota alcançada daria para passar na primeira fase. Aguardei oresultado e passei a primeira etapa. Nunca tinha passado, não acreditei, mas era o meu nomena lista dos aprovados para a segunda etapa. Fiquei muito feliz, e novamente, aguardei asegunda fase muito tranqüila.

Minha irmã mais velha, que cursa Serviço Social na Universidade Federal Rural dePernambuco (UFRPE), pressionou-me a estudar, pois, nessa fase, a concorrência estavabaixa, e se eu não passasse, “seria uma burra” (disse ela). Não havia mais tempo. Fiz asprovas e a redação, muito serena e esperava, com alguma ansiedade, pelo resultado.

Quando o listão saiu, às 18h de 9 de janeiro de 2006, um colega de trabalho trouxe,prontamente, a notícia: “Tu passaste!”, disse ele. Não acreditei. Fiquei muito nervosa. Estavaatendendo um cliente e saí pela loja, sem acreditar. Era, mesmo, verdade: meu nome estavaimpresso no papel; estava aprovada. Foi muita emoção. Rasparam minha sobrancelha -momento inesquecível!

Deixei o trabalho para estudar, pois era ofertado pela manhã e não dava para conciliar.Estava realizada: era um objetivo de vida que se concretizava. Agora, tinha que “batalhar”para conseguir o segundo sonho: o do casamento, que, neste mesmo ano, se realizou.

Agradeço muito a Deus e aos meus familiares pelos incentivos e críticas ao longo deminha vida e a todos que me acompanharam ao longo dessa trajetória. Hoje, sou uma pessoamuito feliz (apesar dos problemas) e nunca desisto de meus sonhos. Tenho sempre quetentar, pois, um dia, eu chegarei lá...

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212 Caminhadas de universitários de origem popular

Graduanda em Agronomia.

Selineide Bezerra da Silva*

“O que agora vemos é como uma imagemconfusa num espelho, mas depois veremosface a face. Agora conheço somente emparte, mas depois conhecereicompletamente, assim como souconhecido por Deus.”

I Cor 13:12

Minha história começa como tantas outras que você já leu ou já ouviu alguém contar.Ela se parece com a de tanta gente que, como eu, de origem popular, teve uma infânciapobre, porém feliz. Momentos que até hoje guardo na memória, como aqueles dias em quelavávamos a casa; o chão ficava cheio de espuma; e a gente, eu e meus irmãos, brincávamosde escorregar de um lado para o outro - momento mágico... inesquecível!

Em contraponto, a alegria de criança dava lugar à tristeza, travestida pela violência demeu pai que, embriagado, batia em minha mãe e nos fazia sofrer também. Em minhaingenuidade, não entendia o porquê de tamanho desrespeito para com uma mulher tãobatalhadora, como minha mãe, que saíra de sua terra, Natal - ela é natural do Rio Grande doNorte -, aos dezessete anos, para buscar a felicidade aqui, em Recife. Conheceu meu pai ecom ele teve cinco filhos.

Eu, caçula, infelizmente, presenciei cenas que nunca esquecerei e das quais não queroesquecer, pois, por meio delas, busquei forças para seguir adiante. Numa noite de violências,meus irmãos chorando por não poderem fazer nada por nossa mãe, parei, fechei os olhos eprometi a mim mesma que lutaria e proporcionaria à minha família, principalmente à minhamãe, uma vida menos dolorosa, menos pesada, mais tranqüila e feliz.

Lembro-me de que comecei a estudar aos seis anos e de que gostava de tudo aquilo:de ir e vir, de chegar em casa e de fazer a tarefa que a professora passava. Não queria queninguém me ajudasse, preferia resolver sozinha. Zelava por meu pouco material escolar;tinha dele o maior ciúme.

Às vezes eu ia ao centro da cidade com minha mãe fazer compras. Em um belo dia, aopassar por uma praça de Olinda, um casarão antigo me chamou atenção: era muito grande,cor-de-rosa, passava uma calma e atiçou minha curiosidade. Passados alguns dias, peguei

Espelho

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minha bicicleta e fui até lá. Nossa, como era bonito de perto! Logo, descobri, lendo umainscrição em sua fachada, que se tratava da Biblioteca Pública Municipal. Entrei e fiqueiolhando aquela quantidade de livros; fiz minha carteirinha de usuária para pegar livrosemprestados. Levava os livros para casa e os devorava - perdi a conta de quantos li. Gostavade viajar naquele mundo irreal e feliz das novas descobertas.

Minha adolescência, conturbada como tantas outras, não foi nada fácil: às perguntasque fazia não encontrava respostas; ficava triste pelos cantos, questionando tudo e todos.Terminei o primeiro grau aos quinze anos. Cursei o segundo grau em Recife e meu mundodeu um salto, pois tive a oportunidade de conhecer a Biblioteca Pública do Estado. MeuDeus, como me sentia em casa naquele espaço, se pudesse não sairia mais dali. Grandesdescobertas ainda estavam por vir; comecei a tocar na fanfarra do colégio e fui levada, pelosacordes suaves, ao mundo da música. Terminei o segundo grau em 1998, aos dezoito anos.

Minhas amigas me perguntavam se me inscreveria no vestibular; respondia que não,que esperaria um pouco mais, pois queria experimentar outras coisas. Participei, no anoseguinte, de uma seleção para ingressar numa escola de música, e graças a Deus, passei.

Paralelo aos estudos, trabalho como ajudante de um jardineiro. Trabalhávamos emdomicílio; ele me ensinou a arte de cuidar das plantas, como as tornar mais vistosas, tratarde suas doenças e pragas.Trabalho que realizava com todo prazer, pois amava o contatocom a natureza, plantas, terra, água, sentir o calor do sol, aprender coisas novas.

Ocorreu, num belo dia em que trabalhávamos na casa de um de nossos clientes, umfato bem interessante: a dona da casa me sugeriu que fizesse a faculdade de Agronomia, poisnotava em mim um talento especial para cuidar das plantas. Fui para casa naquele dia epensei nas palavras daquela senhora; percebi que precisava ir além. Pedi demissão, saí daescola de música e fiz a inscrição no vestibular para o curso de Agronomia na UniversidadeFederal Rural de Pernambuco - UFRPE, no ano de 2001.

Reconheço que tive muita, muita, dificuldade, porém, Deus colocou em meu caminhoanjos (amigos verdadeiros), em forma de gente, que me deram força para não desistir.

Hoje, continuo estudando. Tenho esperança de conseguir terminar a graduação, de meinserir no mercado de trabalho e de pôr em prática tantos sonhos adiados, tantos desejosreprimidos. Se Deus quiser, chegarei lá.

Minha trajetória de vida não teria sentido, se não fosse pela fé que ponho em tudo quefaço e pela fé que meu filho, meu marido, meus familiares e meus amigos (que são poucos,mas verdadeiros) têm em mim.

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214 Caminhadas de universitários de origem popular

Sílvia Carla de Assis Alexandre*

Capítulo IEra uma vez uma bebezinha linda que nasceu no dia 6 de setembro de 1984, na

Maternidade Barão de Lucena no Recife. Seu nome, Silvia Carla, sugestão de sua mãe, masconhecida como Silvinha. Esta criança teve uma infância muito feliz ao lado de seu paiGustavo, sua mãe, Nice e seus 2 irmãos César e Lana. Estudou em um colégio particularmuito bom do seu bairro, do qual fez alfabetização até a 8ª série. Foi à oradora da suaformatura do ABC e sempre se dedicou aos estudos. Ao concluir o Ensino Fundamental, fezum teste de seleção para ingressar no CODAI, Escola de Ensino Agrícola e Fundamental, ecom muito esforço e dedicação conseguiu ser aprovada. Foi aí que tudo começou a mudarem sua cabeça...

Capítulo IISilvinha chegou ao CODAI ainda tímida. Mas logo conheceu uma galera muito boa

da qual sente muita falta até hoje. Nesta escola, ela conheceu o que era tirar notas baixas,gazear aula, às vezes, tomar vinho e outras bebidas com álcool. Fez boas amizades e foi aíque acendeu o desejo de ser veterinária. Tentou seu 1º vestibular para zootecnia, mas nãoconseguiu passar na 2ª fase. Resolveu então estudar muito no próximo ano, e foi isso quefez. Estudou muito bem e isso refletiu na sua aprovação. Foi aprovada no curso de medicinaveterinária na UFRPE, e no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas na UPE e dequebra ainda passou no curso Técnico em Segurança do Trabalho no CEFET-PE. Foi umaalegria só. Nossa heroína ficou muito feliz e enfim, conseguiu lutar na Universidade...

Capítulo IIINa Universidade, Silvinha conheceu pessoas maravilhosas e encontrou vários amigos

do CODAI. No começo, não se identificou com o curso por conta de algumas disciplinasque “levou pau”, mas depois, começou a se adaptar. Certo dia, ao entrar no site da suaUniversidade, viu a proposta do Programa Conexões de Saberes e se apaixonou. Inscreveu-se no processo de seleção e foi selecionada. Com este projeto, obteve várias experiências econheceu muita gente boa com muito a partilhar.

Silvinha no País das Maravilhas

Graduanda em Veterinária.

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Capítulo IVEm sua vida, Silvinha sempre foi uma pessoa feliz e até hoje, é muito feliz! Tem uma

família maravilhosa, vai ganhar um sobrinho e possui muitos amigos que são importantesem sua vida, sem falar no namorado. Agradece à Deus por tudo que Ele lhe deu até hoje epede apenas paz e saúde para prosseguir no caminho do bem...

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216 Caminhadas de universitários de origem popular

Graduanda em Química.

Suelâeny Aparecida de Andrade*

Meu nome é Suelâeny, tenho 18 anos, e desde os quatro, moro na cidade de Paulista,Pernambuco. Nasci em Jaboatão dos Guararapes, onde fiz muitos amigos, mas tive queme mudar, pois minha mãe precisava trabalhar e seria a minha avó a tomar conta de mime de meu irmão.

Moro com meus pais e com meu irmão. Meu pai sempre insistiu muito para que eu emeu irmão estudássemos. Talvez por ele não ter tido a oportunidade de concluir o EnsinoFundamental, incentivava-nos todos os dias, e como eu dava uma importância enorme atudo que meu pai falava, desde cedo, me dediquei aos estudos.

Minha mãe, desde muito nova, trabalhou e ainda trabalha no comércio. Sempre saíamuito cedo e chegava muito tarde. Conseguiu concluir o Ensino Médio com muito esforço.Quando eu nasci, ela precisou sair do emprego para cuidar de mim, pois eu tinha um graveproblema respiratório.

Assim que nos mudamos, meu irmão nasceu. Minha mãe, assim que pôde, foi procuraremprego. Nos dois primeiros anos, uma moça ficava cuidando da gente, mas depois, asituação financeira apertou e não podíamos mais mantê-la em nossa casa.

Desde então, passei a cuidar de mim, de meu irmão e da casa. Com apenas seis anos, euvia o esforço de meus pais e queria retribuir de alguma forma: cuidar da casa, foi a melhorforma que achei.

Meus ensinos Fundamental e Médio foram tranqüilos, com boas notas, ótimo relacionamentocom os professores, em especial com a professora de Português, Alcione. Ela me ajudou muito;sempre, em todas as aulas, incentivava-nos a não desistir, dizendo que a universidade públicaera o nosso lugar. Nem sabia direito o que era vestibular, mas no dia em que decidi fazê-lo, osmeus pais me apoiaram em parte, pois várias vezes afirmaram que eu estava esquecendo deminhas obrigações em casa (leiam-se serviços domésticos).

O terceiro ano do Ensino Médio foi o mais difícil para mim, pois cuidava da casa, demanhã e à tarde, e à noite, estudava. Isso tudo durante a semana, porque, aos finais desemana, participava de um curso pré-vestibular público, o “Rumo à Universidade”. Esta“maratona” distanciou-me de meus amigos da escola, da minha rua e das pessoas maispróximas; por outro lado, o “Rumo à Universidade” trouxe-me coisas boas; entre essas“coisas boas”, a isenção da taxa de inscrição no vestibular, que tirou um peso de meus paise um pouco de minha já grande responsabilidade.

Ninguém me segura

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Foi um grande aprendizado, pois se tivesse recebido esse “reforço”, talvez não estivessena Universidade hoje.

Daí veio o grande desafio, a escolha do curso. Tinha, como tenho ainda hoje, vontadede fazer Medicina Veterinária, pois adoro bichos, mas depois que conheci quatro excelentesprofessores de Química, fiquei com vontade de ser como eles, de ajudar o outro, assim comoeles faziam comigo. Primeiro, me apaixonei pela profissão; depois, pela disciplina.

Então, prestei vestibular para Química (a minha paixão, até então) na UFRPE eEnfermagem, na UPE (a vontade de minha mãe). Surpreendentemente passei; nunca choreitanto em minha vida. Foi um momento tão esperado, mas ao mesmo tempo, tão inimaginável.Quando recebi a notícia, senti-me capaz - algo que estava tão distante, se colocava, agora,tão próximo.

Durante o primeiro período na Universidade, senti muita dificuldade, pois a defasagemdo Ensino Médio, didaticamente falando, é muito grande. Consegui, no entanto, passar emtodas as matérias.

Hoje, estou cursando o segundo período de Licenciatura em Química, mas com algumasincertezas com relação ao curso, pois foi uma escolha muito rápida.

Agora, participando do “Conexões de Saberes”, estou muito motivada, não só apermanecer na Universidade, como também a dar continuidade aos meus estudos, em nívelde pós-graduação. O programa ampliou minha visão de mundo.

O meu grande sonho, que antes era o sonho de minha mãe, é fazer um cursosuperior de Enfermagem, e sei que vou conseguir, porque, agora que percebi que soucapaz, ninguém me segura.

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218 Caminhadas de universitários de origem popular

Suzanna Kelly da Silva*

No dia 16 de março de 1985, depois de dezesseis dias de atraso, nasceu a caçula de trêsfilhos do casal Maria Aparecida M. da Silva e Severino Luís da Silva, que se chamouSuzanna Kelly da Silva - esse bebê era eu.

Nasci numa família pobre; meus pais fizeram apenas parte do Ensino Fundamental,pois tiveram dificuldades para concluir os estudos.

Quando completei três anos de idade, minha família viajou para São Paulo, com ointuito de buscar melhores condições financeiras. Ao chegar à cidade paulista, deparou-se,no entanto, com uma realidade totalmente diferente da antes imaginada. Com isso, fomosobrigados a viajar para o Rio de Janeiro. Nesse Estado, as coisas melhoraram um pouco,pois meu pai começou a trabalhar e estabilizou-se lá.

No início da década de 90, devido a vários motivos, minha família retornou a Recife.Logo após nossa chegada, minha mãe colocou minhas irmãs no colégio. Eu ficava em casa,por ser ainda muito pequena para estudar.

Quando minhas irmãs retornavam da escola, tinham sempre aulas de reforço com a nossamãe. Ficava prestando atenção na aula, enquanto as meninas brincavam na hora de estudar.

Aos cinco anos de idade, iniciei minha vida escolar; eu já sabia ler e escrever, e devidoa isso, tive facilidade em aprender os conteúdos ensinados pela professora da alfabetização.Meu primário foi em escola religiosa.

Já nessa época, eu apresentava bastante interesse pelos estudos, lia livros, revistas,jornais e gostava de brincar de professora com minhas bonecas e irmãs.

Meu interesse pela escola sempre despertou em meus pais um grande prazer, pois,como os mesmos não tiveram a oportunidade de estudar, depositaram nas filhas a esperançade vê-las formadas.

Estudei em escola pública e isso dificultou um pouco a minha educação escolar, porcausa das dificuldades apresentadas por essa rede de ensino. Mas busquei outros conhecimentosfora da escola, e de certa forma, isso assustava meus pais, pois eu tinha apenas poucos amiguinhose não gostava de sair de casa.

Meu interesse pela leitura aumentou ainda mais no Ensino Fundamental; nessa época,o acesso aos livros era mais fácil e também o apoio dos professores ajudou-me em muito naconclusão desse período.

Em 1998, meus pais separaram-se. Foi o momento mais difícil de minha vida. Fomosmorar na casa de minha tia. Meu pai retornou à casa dos pais, por estar desempregado.

A importância de aprender é recriar

Graduanda em Biologia.

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Passaram-se dois anos: minha mãe conseguiu um emprego e isso facilitou nossa vida;minha tia havia se casado novamente e deixado a casa para morarmos. Nesse período, euestava ingressando no Ensino Médio, em uma outra escola. Nessa instituição, conquisteigrandes amigos, a confiança e a admiração de meus professores, principalmente, em funçãodas boas notas tiradas nas avaliações. Meu pai ficou, por dois anos, ausente, não sabíamossequer onde ele residia; só reapareceu quando eu estava no último ano do Ensino Médio.

Até então, não havia decidido a profissão que queria; apenas pretendia fazer o cursode Comissária de Bordo. No fim deste ano, prestei vestibular para Educação Física. Tivecomo base apenas um cursinho pré-vestibular - “Rumo à Universidade” -, oferecido pelogoverno aos alunos de escola pública. Não fui aprovada.

No ano de 2004, voltei a estudar e estava decidida a prestar o vestibular novamente.Fiz um curso pré-vestibular chamado pré-acadêmico, por meio do qual adquiri váriosconhecimentos que me capacitaram à aprovação no vestibular da Universidade FederalRural de Pernambuco - UFRPE - para o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas.

Ao ingressar na Universidade, no ano seguinte, deparei-me com grandes dificuldades.Além da adaptação ao novo modo de ensino, a questão financeira incomodava. Aos poucos,porém, venho conseguindo vencer os obstáculos encontrados e acredito que as oportunidadesaparecerão. Para isso, é necessário não desistir dos sonhos!

Hoje estou no quarto período e participo do Programa “Conexões de Saberes”. Esseprograma possibilitou-me grandes experiências, porque a volta para minha comunidade deorigem está sendo um grande desafio a ser superado a cada dia, e cada vez mais. Sei que otérmino do curso não significa que as dificuldades serão todas suplantadas, mas acreditoque, com muita força de vontade, poderei buscar novos caminhos e novos conhecimentos.Experiência é sempre bem-vinda, mesmo quando adquirida por vieses tão poucoconvencionais. O que importa, de fato, é aprender e ensinar algo novo. Criar e recriar a simesmo e a seus sonhos!

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220 Caminhadas de universitários de origem popular

Taciana Silva de Miranda*

A minha trajetória até a chegada a Universidade não foi fácil, como os demais estudantesoriundos de escola pública, as limitações financeiras e a falta de preparo, dificultam acaminhada rumo ao profissionalismo.

Quando criança, estudei até a terceira série em escola pública, onde na época concorria uma bolsa de estudos que me deu a chance de ir estudar em uma outra escola conceituadado Recife, lá, encontrei diversas pessoas que transmitiram um pouco do seu conhecimentoque me ajudou e muito na minha formação como cidadã. Em especial um professor dehistória que me doava livros, pois, a minha família não tinha condições para comprá-los.Este mesmo professor não ensinava só história, tinha a capacidade de estimular os seusalunos a raciocinar e principalmente formar um senso crítico.

Anos mais tarde, eu voltaria a estudar na mesma escola pública do início de minhavida estudantil, a estrutura da escola não era mais a mesma, as greves e falta de professoresera constante. A possibilidade de concorrer a uma vaga na universidade ficava a cada diamais distante. Até que conversando com um companheiro de turma que falou a respeito daEscola Agrotécnica da UFRPE. Logo eu tive o interesse de participar do teste de seleção.Fui aprovada em 10º lugar, junto com a felicidade de ter sido aprovada, vinham os problemas,mais uma vez a falta de recursos atrapalhava a longa jornada. A minha família não tinhacondições de custear as passagens de ônibus, pois a escola fica no interior e eu moro nacapital, as cobranças para que eu fosse trabalhar no comércio e deixasse de estudar forammuitas. Apesar de toda dificuldade consegui de forma árdua terminar o curso técnico.

No último semestre do curso agrotécnico, descobri que estava com dois meses degravidez do meu atual marido, os primeiros meses foram de muita dificuldade, porém, mesurpreendi com a minha família que me deu total apoio para que eu tivesse o meu filho.

Prestei o segundo vestibular, na época eu estava no quarto mês de gestação, apesar dasituação não ser das mais favoráveis pois eu estava abalada com toda esta situação e fuiaprovada para o curso de engenharia florestal, na UFRPE. Quando começaram as minhas aulasna Universidade alguns dos professores me apoiaram a continuar estudando após o nascimentodo meu filho, não vou dizer que seja fácil conciliar a vida acadêmica com filhos mas estou naluta para futuramente poder oferecer ao meu filho condições de uma boa formação e ajudaraos meus pais que fizeram o possível para que eu chega-se até onde eu estou.

Caminhadas Conexões de Saberes

Graduanda em Engenharia Florestal.

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Fiquei sabendo do Programa Conexões de Saberes através do meu marido queestuda na UFRPE, rapidamente eu fui fazer a inscrição para bolsista, sendo selecionadaem seguida. Hoje, agradeço a todos do programa que contribuíram e deram aoportunidade aos estudantes de origem popular a terem condições de permanecer naUniversidade e conquistar um lugar ao sol.

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Graduanda em Biologia.

Tânia Lúcia da Costa*

31 de julho de 1985, a partir daqui, começa minha história. Meu nome é Tânia Lúciada Costa, e hoje diante dos meus 21 anos de idade, às vezes me surpreendo quando paropara refletir todas as abdicações e dificuldades que tive que enfrentar para chegar a umauniversidade. Dificuldades financeiras, podem acreditar foi o mínimo diante do descaso domeu pai e irmão quando eu tentava expor todo o meu anseio em construir um futuroprofissional melhor. E foi, a partir daí que eu levei meu primeiro baque psicológico.

Lembro-me de um fato que marcou muito a minha caminhada. Certa vez, aos 12 anos, eunem sabia direito o que era uma universidade, qual o seu funcionamento, mas sabia que eraalgo bom. Cheguei em casa e comuniquei a minha família: quero entrar na universidade. Meuirmão olhou para mim e disse: você pensa alto demais. Fiquei triste, mas isso acabou meservindo como incentivo, pois o legal da vida é quando nós aprendemos a transformar pontosnegativos, ou até mesmo derrotas, em símbolos de incentivos, independente de sua realidade.

Estudei minha vida toda em escola pública. Não tenho muito do que reclamar, poisme deparei com homens e mulheres que eram mais do que simples professores. Foi umaótima fase, pois a escola era pequena, praticamente todos se conheciam. A turma foi crescendoe aprendendo junta. Porém, quando passei para o primeiro ano do ensino médio me vidiante da dura realidade, na qual era cada um por si. Sentia tanta raiva quando me lembravadas privações que passei, recordava-me da minha sexta e sétima séries, piores anos de minhavida, nos quais eu tinha que me virar para conseguir os materiais escolares que eu precisava.Além disso, eu me via tão indignada por estudar em uma escola de péssima qualidade.Aquilo me fazia sentir que todo o meu esforço seria em vão, e em muitos momentos, eucheguei a acreditar naquilo que muita gente dizia e que, de certa forma, acredito até hoje,que filho de pobre não tem vez. Às vezes eu brigava com os meus professores, pois eradifícil para mim pagar o transporte e quase sempre não havia aula como devia ter.

Hoje, quando eu lembro, acho até irônico estar fazendo um curso na área de Licenciaturaem Biologia, pois era justamente essa a matéria mais defasada em minha turma. Em algunsmomentos eu me pergunto, qual seria minha reação diante dessas pessoas que não tinham omenor compromisso em sala de aula, e acabo dando graças a Deus por não ter deixado quefatos como esses me desanimassem.

Em 2003, foi o ano do meu primeiro vestibular, não tinha condições de pagar umcursinho para preparar-me melhor, mas mesmo estudando sozinha, meti a cara e fiz. Foi aíque passei pelo o meu segundo baque, não tive êxito. Passei na primeira fase, mas fiquei em

Caminhar sem fronteiras

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uma posição na qual não tinha a menor chance de passar. Pensei em desistir, pois não tinhaemprego ou qualquer outra renda para continuar investindo nos meus estudos. Mas logoque o ano acabou, bateu-me novamente a vontade de continuar. Enchi-me de coragem erecomecei a jornada.

Em fevereiro de 2004, saí recolhendo com os meus amigos o máximo de livros possíveis.Montei um verdadeiro acervo em casa e todas as noites e madrugadas eu estudava sozinha.Fazia muitas loucuras para me manter acordada: misturava coca- cola com café e energéticos,escondidos dos meus pais, e quase passei mal por causa disso. Mas nada me detinha diantedos meus objetivos. Quase não saía de casa para passear ou fazer outras coisas, pois eu sabiaque estava em desvantagem diante de alunos que se preparavam nos melhores cursos dacidade. Não foi fácil, muitas vezes eu parava para chorar em cima dos livros por não conseguirresponder uma questão e em alguns momentos acabava duvidando do meu potencial. Passavauns dois dias mal e depois continuava nos meus estudos.

Novembro de 2004, atravessei meu terceiro baque, novamente não obtive êxito. Nãoconsegui esboçar nenhuma reação diante do listão da covest, apenas perguntava a Deus nosmeus pensamento, porque ele estava sendo tão injusto comigo, porque tantos outros oriundosde classes mais favorecidas tinham o direito de ter aquela alegria e eu que tinha tão pouco,ficava sempre por último. Hoje, me envergonho de ter sido tão fraca num momento queDeus queria-me mais forte. Apenas lembro-me ao chegar em casa do olhar de tristeza daminha mãe. Naquele momento, perdi todas as minhas esperanças, força, coragem. Apenaschorava, porque sabia que talvez aquela teria sido minha última oportunidade. Passei 2meses em depressão, quando me recuperei, só pensava em arrumar um emprego. Trabalheiuns 3 meses como babá e já não pensava em enfrentar um vestibular novamente. Até que nocomeço de março de 2005 em um Centro de Solidariedade ao Trabalhador eu estava sentadadiante de uma senhora que verificava se havia algo para mim e ela viu que não tinha nada.

Fiquei triste e a resposta dela foi: jovem, vá estudar. E, ouvindo isso, voltei para casapensativa e no mesmo dia por um milagre recebi um telefonema de um amigo indicandoque ali no bairro iria abrir um pré-vestibular a preço popular. Aquilo me encheu de esperançanovamente, pois a minha mãe vendo-me tão entusiasmada, com muito sacrifício pagou aminha matrícula. E, a partir daí, passou a economizar e vender algumas coisas para que eunão parasse de estudar, e quer saber? Tudo valeu a pena, cada lágrima, cada esforço dedicado.Confesso que não sei se teria disposição para passar por tudo novamente, mas quando eu merecordo da minha terceira tentativa (novembro de 2005) de passar no vestibular, cada questãodisputada a tapa. Pergunto-me de onde retirei tanta coragem, mas graças a Deus, ao final detudo consegui.

No dia 9 de janeiro de 2006, finalmente, pude chegar em casa e dizer a minha família queeu tinha conseguido. Esse fato ficará para sempre na minha memória. Todo mundo gritando,felizes com minha alegria, pois todos sabiam de toda luta pela qual tive que passar.

Sei que o vestibular não é tudo e nem tão pouco deve ser o máximo na vida de umapessoa, mas através dele eu agora posso continuar crescendo mais e mais, pois a dor e osofrimento me amadureceram muito e me fez crescer como pessoa. Aprendi também que nãoconseguimos nada sozinhos, os amigos, a família, podem ser peças fundamentais na vida deuma pessoa, mas Deus é a porta para os nossos projetos.

Hoje, dentro do Conexões de Saberes eu trabalho na minha comunidade com preservaçãoambiental para crianças, e danças populares para pré-adolescentes. No começo não gostava

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muito, mas hoje sinto uma satisfação no que faço, pois sei que com o pouco que estoufazendo, posso ajudá-los na construção de uma identidade e mostrar que nada é impossívelquando realmente acreditamos em um objetivo.

Aqui, dentro no mundo acadêmico, as coisas são bastante difíceis, principalmentequando se vem de uma origem popular, e o mais engraçado, é que hoje eu vejo que ovestibular é o mínimo de dificuldades que a gente enfrenta, pois o término de cada períodoé um novo vestibular. Mas sabe, nada disso assusta-me mais, o que seria da vida se nãotivéssemos emoções, ousadia, se não arriscássemos em nome dos nossos sonhos?

Bem, aqui está um pouco da minha história com alegrias, tristezas, vitórias e derrotas.Uma história que sinceramente não tive nenhuma vergonha de contar, pois sei que é iguala de muita gente. Mas o brilho da singularidade, isso sim, é o que cada um deve buscar.

Não espero servir de exemplo, pois não teria tal pretensão, mas dar-me-ia por satisfeitase ao longo da minha caminhada eu puder deparar-me dentro da universidade ou fora delana minha vida profissional com pessoas que também não tiveram medo de ousar, e ir embusca de seus objetivos e que me façam sempre lembrar de onde eu vim. Pois, quem lutapelos seus ideais torna eterno aquilo de mais bonito num ser humano que é sua capacidadede sonhar, de ir em busca de algo melhor, cultivados com lealdade e respeito ao seu próximo.

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Tássia de Sousa Pinheiro*

Iniciei minha vida estudantil aos três anos de idade, pré-alfabetização, na Escola ParaísoInfantil, e da alfabetização à quarta série estudei no Educandário São Pedro e São Paulo.Ambas as escolas situadas no bairro em que moro, Jardim Primavera na cidade de Camaragibe.

Minha mãe, que sempre se preocupou bastante com a nossa educação, nossa, porque,tenho uma irmã, optou por fazer o esforço de pagar uma escola particular para que pudéssemoster uma boa aprendizagem inicial. Mesmo sendo uma escola popular, as professoras dessaescola dedicavam-se bastante de modo a garantir um bom desempenho do aluno. Minhaprofessora era “tia” Josanea. Até hoje a chamo assim, ela e sua secretária Luciana “tia Lu”.

Passei a estudar a partir da quinta série do ensino fundamental no Colégio MunicipalPedro Augusto que pertence à rede municipal de ensino do Recife, onde concluí também oensino médio. A princípio, fiquei surpresa, pois até então estava limitada a uma escola dobairro. A realidade no novo colégio era totalmente diferente, muitas pessoas, muitosprofessores, mas me adeqüei com facilidade.

Não tive muitas dificuldades com as disciplinas, pois ficava atenta às explicações egostava de fazer as atividades escolares. Sentia uma enorme satisfação em fazê-las.

Tive uma grande dificuldade na disciplina de matemática com o assunto polinômios,durante a sétima série. Quando finalmente consegui aprender esse assunto, descobri quenão o usaria diretamente na continuidade do programa escolar. Até hoje, não entendi autilização prática dos polinômios.

Passadas as dificuldades com a matemática, concluí o ensino fundamental sem maioresproblemas. No ensino médio, conheci professores maravilhosos, que se interessavam pelaaprendizagem do aluno. Um desses, foi Valdemir, o professor de Biologia. Ele dava umaaula espetacular, e como sempre, exercia um certo fascínio por essa área, prestava muitaatenção a tudo que ele falava, e com certeza, foi ele quem me inspirou a optar pelo curso deCiências Biológicas.

Não tive complicações com as disciplinas durante o ensino médio. Em contrapartida,iniciaram-se alguns conflitos em casa. Meus pais já não viviam harmoniosamente. Sempretiveram dificuldades, como qualquer casal, porém, contornáveis, mas agora parecia algo maissério. Eu já estava cursando o terceiro ano do ensino médio.

Iniciei num cursinho pré-vestibular no último ano do ensino médio. Minha mãe gostaria queeu tivesse uma preparação melhor para fazer a prova do vestibular no final do ano, e com muitoesforço, pagou o curso. Minha tia , meu primo e meu pai, também ajudavam no custo das passagens.

Uma mensagem de incentivo

Graduanda em Biologia.

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Eu passava o dia inteiro fora de casa. Pela manhã no colégio, e à tarde no cursinho.Chegava em casa à noite entre 19:30 e 20:00 horas, pois o curso era distante, pegavaduas conduções.

Foi uma época difícil, tanto pelo cansaço físico e mental, quanto pela descobertafrustrante de que o conteúdo de tudo o que eu aprendia na escola, na verdade, era dez vezesmenor que o que deveria aprender. Bati de frente com a realidade.

Mesmo assim, não desisti, prestei vestibular pela primeira vez em 2004 para fisioterapia,passei apenas na primeira fase. Fiquei triste, mas já esperava o resultado, principalmente,depois do encontro horrível com a prova de física na segunda fase, e também, porque sabiaque precisava estudar mais.

No início do ano de 2005, com as forças já renovadas, comecei a estudar, massenti a necessidade de ter contato com um professor em sala de aula, assim, conseguiaaprender melhor.

No colégio onde estudei, Pedro Augusto, já era oferecido desde o ano anterior (2004) oPREVUPE Prefeitura, resultado de uma parceria da UPE com a prefeitura da cidade do Recife.

Comecei a participar. Os professores eram bons, mas o tempo era curto. Apenas nosfinais de semana, não era possível trabalhar bem os conteúdos.

Paralelo a tudo isso, os problemas em casa continuavam e eu tentava me isolar aomáximo, pois precisava estudar, porém, nem sempre era possível. Afinal, tratava-se dosmeus pais, e eu os amo muito, era difícil conviver com aquela situação.

Conversei com a minha mãe, falei que seria melhor fazer um cursinho, pois só os finaisde semana não davam conta do recado. Dessa vez, ela não pôde, os recursos financeiros nãoeram suficientes. Ela estava praticamente desempregada porque o órgão pelo qual trabalhava,a Cruzada de Ação Social, iria fechar, e até então, não se sabia o que seria dos funcionários.Então, ela resolveu pagar um curso de UTI para se especializar melhor na sua área,enfermagem, para que as chances de conseguir um novo emprego aumentassem.

Foi quando consegui um “bico”. Trabalhei numa escola do bairro ensinando a umaturma do jardim de infância pela manhã e ganhava apenas cinqüenta reais por mês. Então,propus ao meu primo Flédson que me fizesse um “empréstimo”, que completasse o dinheiropara eu pagar o cursinho e quando eu conseguisse um emprego o pagaria. Ele me concedeuisso como um presente, eu não precisaria pagar. Creio que tenha percebido meu esforço.

Matriculei-me num cursinho onde estudava de segunda à sexta-feira no turno da noitee no domingo a tarde, e ainda no PREVUPE no sábado e no domingo pela manhã.

Tive mais um ano de luta, pouca diversão e muito estudo. Já quase no final do curso, nomês de setembro, meus pais se separaram. Meu pai não queria, eu muito menos, mas tinha quereconhecer que a situação estava insustentável. Ele foi embora num sábado, chorei muito emcasa, no cursinho, nesse dia mal consegui prestar atenção nas aulas. Alguns amigos me consolaram.

Gostaria muito que eles estivessem juntos, infelizmente não foi possível. Reuni forçase continuei a estudar, afinal a grande avaliação estava próxima.

Finalmente, chegou o dia tão esperado, o dia da prova do vestibular. Minha mãe,como das outras vezes, acompanhou-me até o local de prova. Acho legal, pois é um apoionessa hora de tensão.

Tive um bom resultado na primeira fase, e assim, comecei a preparar-me para a segundafase. Fiz a segunda prova e o resultado demorou a sair. Talvez minha ansiedade fizesse essetempo parecer ainda mais longo.

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Finalmente, chegou o dia 09/01/2006, o dia em que saiu o listão. Fiquei nervosa o diainteiro, ninguém ligava para me dar notícias. Um misto de ansiedade e medo tomaram contade mim, talvez o medo tenha sido maior, e resolvi esperar até o dia seguinte.

Tamires, minha irmã, dormiu com meu celular bem perto, porque nossa colega Kaline,com certeza, daria alguma resposta, pois a meia-noite ela veria o resultado pela internet, eraela quem se encarregava de dar esses resultados.

Ela enviou uma mensagem, mas minha irmã não ouviu. Pela manhã, bem cedo, aprimeira coisa que ela fez foi ler a mensagem e aí gritou: Tássia acorda! Mainha corda!Tássia passou! Quase todos os vizinhos escutaram.

Nos abraçamos, e de tanta felicidade, até choramos. Corri para o telefone e avisei atodos que conhecia, outros me ligaram para dar os parabéns. Alguns amigos vieram à noitepara uma pequena comemoração promovida por eles.

E aí veio mais um tempo de espera até que, de fato, eu ingressasse na vida acadêmica,pois optei por entrar na segunda entrada.

Agora, a grande dúvida era saber como eu me sustentaria na universidade, pois naminha casa apenas minha mãe trabalhava e ganhava apenas um salário-mínimo e só essedinheiro não daria para manter a casa e arcar com o custo das passagens e das xérox.

No dia 07/08/2006, tive a aula magna. Conheci alguns colegas de turma, a sala ondeiria estudar e algumas “regras” da universidade que só seriam assimiladas com o tempo.

Uma colega que já estudava na UFRPE havia me informado sobre as inscrições noPrograma Conexões de Saberes e até então tudo o que eu sabia sobre esse projeto é queiríamos receber uma bolsa auxílio, que, por sinal, me ajudaria bastante.

Fui selecionada e ao conhecer melhor o objetivo do Conexões de Saberes interessei-me mais ainda pelo projeto. Tive a oportunidade de conhecê-lo mais amplamente e suasatuações nas diversas regiões do Brasil, participando do II Seminário Nacional do Conexõesde Saberes na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e agora sei que sempre quisparticipar de um projeto como esses.

Atualmente, estou cursando licenciatura em ciência biológicas na Universidade FederalRural de Pernambuco (UFRPE) e à noite desenvolvendo minhas atividades no Conexões deSaberes em conjunto com o Programa Escola Aberta nos finais de semana. Sinto-me comuma sensação de dever cumprido ao saber que estou contribuindo positivamente para odesenvolvimento sociocultural de cada um dos participantes.

Essa é um pouco da minha história, sei que existem outras bem mais turbulentas, masquero dizer que mesmo não sendo possível vencer sempre, o mais importante é jamaisdesistir de lutar.

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Themistocles Alves de Souza*

Graduando em Ciências Sociais.

Memorial

Sou Themistocles Alves de Souza, natural de Vila de Icoaracy, no estado do Pará, deonde não trago nenhuma recordação, pois de lá saí com pouco mais de dois anos de idade,com mais dois irmãos.Viemos para o estado de Pernambuco, para a cidade do Recife.

Meu pai, Manoel José Serafim de Souza, já falecido, profissional militar da Marinhade Guerra, foi transferido para cá no ano de 1962, para a Escola de Aprendizes de Marinheiro,situada na cidade de Olinda, na orla marítima, mas minha mãe, Therezinha Alves Barbosa,por motivos ainda hoje por mim desconhecidos, recusara-se a acompanhá-lo, motivandonossa separação. Por isso, fiquei com papai que, ao chegar, comprou uma casa bastanteespaçosa, localizada na periferia da zona norte do Recife, bairro de Casa Amarela, no Altodo Cruzeiro. Ele convidou meus avós e tios paternos para morarmos juntos, motivado porsuas constantes viagens de trabalho.

Alguns meses depois, papai conheceu sua nova companheira, senhora Menezes, nãochegaram a morar juntos, mas desse relacionamento nasceu um outro irmão. Éramos quatro,Theodorico, Theodósio, Theobaldo, já falecido, e eu.

No ano de 1963, com quatros anos de idade, lembro-me de ter participado dasfestividades do matrimônio de papai com sua terceira companheira e primeira esposalegalizada, minha madrasta, senhora Maria Lúcia de Souza Bittencourt, já falecida, trezeanos mais jovem que ele. Dessa união nasceram: Marlucia, Theodomiro, Marcia e Martha.

Em 1964, iniciei meus estudos em uma escola particular, Instituto Coração Imaculado,situado no bairro de Beberibe. Depois, fui estudar na escola Instituto Missões Unidas, nobairro do Vasco da Gama, quando fui interrompido por uma nova transferência de papai, emmeados do ano de 1966. Nós fomos morar na Bahia da Guanabara, no estado do Rio deJaneiro, no bairro de Bento Ribeiro, zona norte, onde concluí todo meu ensino primário naescola Francisco Palheta, situada nas proximidades da estação de trem Bento Ribeiro. Depoisfiz o teste de admissão e cursei a quinta e sexta séries ginasial no colégio estadual GinásioGetúlio Vargas, no bairro de Cascadura, na divisa com o bairro Bento Ribeiro.

A história da transferência de meu pai se repete no ano de 1975, quando no mês defevereiro, em pleno carnaval, desembarcamos novamente na Rodoviária do Recife, no Bairrode São José.

Fui matriculado na sétima série ginasial no CMR - Colégio Militar do Recife, dirigidopelo Exército, situado no bairro do Benfica. Fui reprovado neste ano.

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Em 1977, meu saudoso e querido pai estava encerrando suas atividades profissionais,indo para reserva remunerada, como nomeia-se a aposentadoria do militar. Como premiação,ganhara uma viagem para ir à Europa por mais de seis meses.

Novamente fui reprovado na oitava série ginasial sendo convidado a me desligar doColégio Militar, pois o regimento interno só permitia uma reprovação por cada ciclo.Matriculei-me no Ginásio Pernambucano, no centro da cidade do Recife, na rua da Aurora,no bairro da Boa Vista, onde, após alguns anos de desistência de matrícula e desestímulo aestudar, concluí a terceira série do científico, no ano de 1985.

Dez anos depois, observando que as oportunidades tendiam a surgir mais para aspessoas mais qualificadas, resolvi investir em mim. Mesmo ganhando dois salários-mínimosna época, destinei quase metade dos meus proventos para pagamento da mensalidade docurso de Pedagogia na FACHO - Faculdade de Ciências Humanas de Olinda, situada naRodovia PE-15 Km 3,6 - Ouro Preto. Após quatro anos consecutivos, no dia 2 de dezembrode 1998, colei grau. No ano seguinte, no segundo semestre, ingressei como portador dediploma no curso do Bacharelado em Ciências Sociais da UFRPE - Universidade FederalRural de Pernambuco, no turno da noite.

Faço este relato não por mérito de ser oriundo de escola pública, mas por testemunhopróprio, porque mesmo sem muito afinco, sem quase ter responsabilidade de querer aprendere estudar, mesmo com todo o meu descaso, sempre fui acolhido nesta instituição de ensino,em toda minha trajetória de estudante. Desempenhando papel fundamental para minha realformação acadêmica e profissional, pude presenciar e participar de processos de integraçãoe de interação, promovidos pelas instituições de ensino público, que são direcionados acrianças, jovens, adultos das periferias, favelas, comunidades subnutridas e excluídas dascondições mínimas de existência.

Valeram e vêm valendo os esforços de todos aqueles que acreditam que, apesar dosinúmeros obstáculos, dificuldades e deficiência, é possível a constante construção e formaçãode uma sociedade, certamente mais justa. Por isso, vejo uma luz não só no meio do túnel,mas também, em toda sua trajetória, através das escolas e universidades públicas, ondetodos temos condições de ser e fazer acontecer, como ocorreu e vem acontecendo comigo.

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Graduando em História.

Chamo-me Thiago, tenho 20 anos e estudo na Universidade Federal Rural dePernambuco. Nasci em 7 de maio de 1986, em Recife, capital de Pernambuco. Pertenço auma família muito rica - não necessariamente em bens e posses, mas em amor, respeito ebons valores. À minha mãe - Cristina - e à minha avó - Helena - a elas devo tudo que aprendie me tornei, por terem dedicado suas vidas e preocupações ao me ensinarem o sentido davida. Sempre morei com elas, meu irmão Alyson, e minha prima Tamyris.

Aos quatro anos fui à escola pela primeira vez. Sentia-me em casa. Sempre gostei deestudar e de me relacionar com pessoas novas. Na Escola Balão Mágico, fiz minhas primeirasamizades, aprendi a ler, a escrever e pude conhecer duas professoras maravilhosas, cujosexemplos e ensinamentos me acompanhariam ao longo de minha trajetória intelectual - TiaLeca e Tia Alderice, a quem agradeço profundamente tudo o que aprendi naquela época.

Quando tinha oito anos, meus pais se separaram. Não me lembro de ter sofrido, talvezporque já não sentisse tanto a sua presença.

Morei em Recife até os 11 anos, no bairro de Água Fria. Foi quando, em 1998,tivemos que mudar de residência. Fomos morar em Piedade, bairro de Jaboatão dosGuararapes, Zona Sul da Região Metropolitana. Foi muito difícil deixar uma vida inteirapara trás. Mais difícil ainda, foi me acostumar com a nova localidade, com os novos amigos,e principalmente, com a nova escola. Estava na 5ª série e fui transferido para a EscolaZequinha Barreto. Apesar das dificuldades, adaptei-me. Conquistei novos amigos - entre osquais, José Luís, Graciela e Yanna, foram os mais especiais - e conheci novos professores,dos quais Dora, Gisele, Telma e Vera sempre lembrarei com carinho. Aprendi várias coisasdiferentes e compreendi que, para “crescer na vida”, era preciso “suar a camisa”.

Tornei-me, ornei-me evangélico e ainda hoje, sou membro da Igreja EvangélicaAssembléia de Deus. Aprendi que além de garra e força de vontade era preciso ter fé eacreditar que tudo é possível. Conheci Carlos, Paulo e Regina, meus amigos inseparáveisque comigo compartilham alegrias dores e vitórias. Em 2003, estava no 3º ano doEnsino Médio e iria prestar vestibular para a Universidade Federal de Pernambuco -UFPE - no fim do ano.

Como não trabalhava e minha mãe não ganhava o suficiente para pagar um cursinhopreparatório para mim, a solução foi o Rumo à Universidade, um programa do Governo doEstado, que oferece aulas pré-vestibulares aos sábados e aos domingos e uma ajuda decusto. Fiz a prova de seleção e fui aprovado. Junto comigo também, foram selecionadas

Thiago da Silva Barbosa*

Memorial

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Regina e Graciela. Íamos juntos às aulas. Todos os sábados estava de pé às 5h45min. damanhã. Assistia à aula o dia todo e ia para casa por volta das 18h30min. No Domingo,levantava a mesma hora, mas só tinha aula no horário da manhã. Era um stress. Mas nãotinha outra opção. Apesar de tudo, era muito gratificante estudar no programa: os ótimosprofessores e os amigos nos incentivavam a continuar.

Fiz a minha inscrição no vestibular da Federal para o curso de Turismo, e como tinhaganho isenção do pagamento da taxa de inscrição também na UPE - Universidade dePernambuco - me inscrevi nesta para o vestibular no curso de Administração. Não passei emnenhum dos dois vestibulares. No da Federal, só passei na primeira fase. Foi muito frustrante.Contudo não desisti.

Terminei o Ensino Médio e em 2004, dediquei-me totalmente ao vestibular. Dessavez, tinha que dar certo. Inscrevi-me num cursinho comunitário e entrei para o Rumo àUniversidade novamente, só que dessa vez apenas como ouvinte, não recebia a bolsa.Regina, que como eu não conseguira passar no vestibular, estava ao meu lado lutando poruma vaga na Universidade. Estudava durante o dia em casa, e à noite ia para o cursinho enos fins de semana assistia às aulas no Rumo à Universidade.

Um mês antes das inscrições para o vestibular resolvi mudar de curso. Decidi prestarvestibular para Licenciatura em História. Dessa vez não mais para a UFPE, mas para a UFRPE- Universidade Federal Rural de Pernambuco. Desde criança sempre quis ser professor, só quenunca me passou pela mente a idéia de que um dia estaria fazendo um curso de licenciatura.

Estudei pra “caramba”. Fiz a primeira fase e passei com média 5.8. Fiquei entre asvagas na 50ª posição. Fiquei aliviado, mas só por um momento. O pior ainda estava por vir:a segunda fase. Fiz a prova e no listão o resultado: passei! Foi uma surpresa. Recebi a notíciapor telefone. Minha mãe me ligou e me disse que eu tinha sido aprovado. Ainda hoje tenhogravado na memória a sua voz trêmula me dizendo: “Você passou, meu filho! Você passou!”.Era a melhor notícia que alguém poderia me dar naquele final de ano. Minha alegria só nãofoi completa porque Regina não conseguiu passar também, assim, como a maioria de meusamigos que também prestaram vestibular nesse ano.

Entrei na UFRPE. Não foi a primeira vez, mas era como se fosse. Tudo era novo pramim. Parecia um sonho. Conheci pessoas diferentes e tive o privilégio de entrar para umaturma maravilhosa, na qual fiz amizades sólidas - entre os amigos queridos estão Shirlei,Débora, João e Thiago Rafael, cujas presenças nunca me faltaram - e com os quais dei meusprimeiros passos para uma brilhante vida acadêmica.

No início, tive um pouco de medo disso tudo. Era muito para mim. Não é nada fácilpara uma pessoa que passou a vida inteira estudando em escola pública, de repente, ingressarna Universidade onde as pessoas parecem “expelir ciência pelos poros”.

Mas apesar de todas as dificuldades estou firme e forte, lutando por meus objetivos - umdeles é me tornar um excelente professor de História, apesar da terrível situação em que aeducação brasileira hoje se encontra - e tentando fazer alguma coisa notável, que me configurecomo uma pessoa de sucesso e útil a nossa sociedade tão carente de respostas e soluções.

Estou no 4º período do curso de Licenciatura em História e trabalhando no projetoConexões de Saberes, que me deu a oportunidade de desenvolver atividades em escolaspúblicas e ajudar outros “Thiagos” a se tornarem pessoas mais críticas e mais conscientes deseus direitos e deveres, e principalmente, a brigarem por uma universidade pública dequalidade, mais acessível e menos excludente.

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232 Caminhadas de universitários de origem popular

Valéria Verônica dos Santos*

Graduanda em Biologia.

Memorial

Há 20 anos, na cidade de Escada, encontram-se Vicente (caminhoneiro) e Valdênia(estudante), passado um mês desse encontro, sai o casamento. Morando agora em Recife,constituíram a família Santos, que ao todo contam cinco pessoas: os pais, e os filhos,Wagner (o caçula), Vanderlan (“o do meio”) e Valéria (a narradora).

Enquanto criança, eu (Valéria) fui muito quieta, quase nem falava, mas era uma criançaconsiderada normal. Ainda antes da idade escolar (7 anos, na escola do estado), freqüenteiuma escolinha particular. Foi lá que conheci as letras com a ajuda da professora Sônia.Desse período nessa escolinha, só não gostava de uma coisa: eu sempre era a última a ir paracasa, porque a minha tia sempre se atrasava.

Mais tarde, minha mãe conseguiu uma vaga para eu estudar na Escola Antônio Vieirade Melo (municipal) em Jaboatão dos Guararapes. Nesta, comecei na primeira série e fuidesenvolvendo minhas atividades escolares normalmente. Foi quando aprendi a ler. Foi tãoempolgante o aprender a ler, que eu não largava o livro; já sabia de todas as histórias domesmo. Quando chegava da escola, nem tirava a farda nem comia, tirava o caderno da bolsae fazia a tarefa de casa. Sem contar que escrevia muitas cópias (escrevi repetidas vezes umtexto) e caderno de caligrafia para melhorar aqueles “códigos” que eu fazia.

Depois dessa escola, fui para uma mais perto de casa - Marechal Eurico Gaspar Dutra,onde passei 10 anos de minha vida (entrei na segunda série e saí depois do 3º ano científico).

No decorrer desse período, acontecimentos marcantes sondaram minha caminhada.Dentre eles, o fato de o meu pai Ter sofrido um acidente cardiovascular (AVC) e ter comoseqüela uma paralisia no lado esquerdo do corpo, que persiste até os dias atuais. Issotransformou a nossa família em um campo minado de mágoas, recentimentos e tristezas. Elejá não era mais o mesmo e nos maltratou muito. Encheu-se de dívidas e nós começamos apassar por necessidades financeiras. Tinham meses que minha mãe não fazia mais feira, jáque a renda mensal da família era empregada nas dívidas dele.

Foi também em uma parte desse período que foi despertado em mim o desejo de fazero vestibular das federais. Isso porque, em 2002, conheci uma pessoa que me estimulou aestudar mais do que eu já fazia: a professora de Biologia do 2º ano (Ensino Médio), Cristina.Eu nunca havia estudado tanto (Biologia) como naquele ano, como conseqüência, adquiriuma boa parcela de conhecimentos biológicos, o que me instigou a repetir a “dose” no 3ºano (último ano de escola e de vestibular).

As dificuldades permaneceram e por isso quando falei para minha mãe que iria fazervestibular, ela me lembrou de um influenciante fato: “- Valéria, tu não inventa essas coisas,

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não sabe que a gente não tem dinheiro. E se tu passar, quem vai pagar as passagens de todosos dias?”. Realmente... ela tinha razão. Contudo, não havia mais nada que me impedisse defazer o vestibular, já estava tão empolgada que pensava: primeiro eu passo, depois eu douum jeito. Fiquei sabendo das inscrições do programa Rumo à Universidade. Fiz a prova,passei e comecei a estudar. Nesse programa, as aulas eram aos sábados (de 8h às 17h) e aosdomingos (de 8h às 12h). O ano de 2003, não havia preparado êxitos e eu não passei na 2ªfase do vestibular. Entretanto, esse acontecimento não me desestimulou e nesse momentoacreditei que se estudasse mais, conseguiria.

2004, ano de planos, emoções e disposição de sobra. Exatamente, em 2 de fevereiro,eu e Clóvis (meu namorado, há apenas um mês) começamos a estudar em casa mesmo,montamos um horário e “mandamos ver”. Fizemos a prova para o preparatório da UPE(PREV-UPE) e eu tive a oportunidade de, novamente, fazer a prova do Rumo à Universidade.Obtivemos ótimos resultados e passamos - Clóvis na prova do PREV-UPE e eu tanto na doPREV-UPE, quanto na do Rumo à Universidade.

Este último, garante aos estudantes aprovados, uma ajuda de custo de R$ 50,00, paraas dispesas com passagens e alimentação (já que passávamos o sábado inteiro estudando),assim o escolhi. O dinheiro que recebia era empregado - além do já mencionado - tambémpara ir às aulas da semana do PREV-UPE.

Foi muito esforço, dedicação e dificuldades vivenciadas nessa época. Lembro-me dasvezes em que ia para as aulas de estômago vazio - estávamos (minha família) passando porcruéis dificuldades financeiras: o meu pai foi embora de casa e minha mãe não estavatrabalhando e por isso, eu estudava sem me alimentar. Nossa!... Como foi difícil! Opensamento dois, as forças, por momentos, cessavam. Algum tempo depois minha mãeconseguiu um trabalho - acompanhante de idosos. As coisas foram melhorando e agora eutinha mais disposição ainda para alcançar o meu objetivo: passar no vestibular.

Tanto eu como Clóvis, ganhamos isenção (total e parcial, respectivamente) da taxa deinscrição do vestibular. Fizemos as provas das federais e da UPE. Após termos passado naprimeira fase das federais, viajamos para Nazaré da Mata para fazermos as provas da UPE. Oprimeiro resultado definitivo a sair foi o da UPE : NÓS PASSAMOS NO VESTIBULAR DAUPE!!! E por último sai o listão da Segunda fase das federais: NÓS TAMBÉM PASSAMOSNO VESTIBULAR DAS FEDERAIS!!!

Hoje, eu estou no 4º período de Ciências Biológicas e o meu companheiro de estudose de vida (3º ano de namoro) encontra-se no 3º período (porque trancou um período a fim deestudar para o concurso). Ele é para mim um exemplo de coragem e dedicação.

Assim, é a vida: cada um com a sua caminhada; umas distantes, outras até ali. Oessencial para a vida é ter sonhos, pois são estes que darão sentido à caminhada. E se a vidanos pregar más peças, que sirvam de aprendizado.

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234 Caminhadas de universitários de origem popular

Graduanda em História.

Viviane Rodrigues de Araújo*

Durante minha infância, morei no bairro dos Bultrins, em Olinda, onde tive contatocom minha primeira escola: “Centro Missionário do Monte”, que estava sob os cuidadosdas freiras, de uma igreja próxima. Lembro-me o quanto foi difícil meu primeiro dia de aula,uma agitação, pessoas estranhas, e o medo da ausência dos meus pais. Minha timidezdificultou bastante a minha proximidade com colegas e professores. No entanto, com passardo tempo fui me habituando, e até mesmo gostando da escola e dos meus colegas.

As atividades desenvolvidas na escola eram bastante diversificadas. Além da aulatínhamos brincadeiras, pintura, jogos e atividades culturais, como, dança Folclórica e visitasesporádicas ao Sítio Histórico de Olinda, para realizar uma atividade chamada Recriança,cuja finalidade era de assistirmos a apresentações culturais, e participarmos de recreações,nas praças e parque da cidade.

Além do Centro Missionário ter sido o lugar onde aprendi as primeiras letras, foi látambém que fiz as primeiras amizades, que inclusive faziam parte comigo do grupo de dançaPastoril da escola, um folguedo popular, comum no Nordeste. Éramos incentivadas pela nossaprofessora Célia, pessoa de quem gostávamos muito, e de grande importância na minha vida.

Neste mesmo período, no entanto, a situação dentro da minha casa já não era tão boa,a harmonia do lar tinha sido quebrada: além de estarmos numa situação financeira difícil,meus pais passaram a brigar constantemente, por motivos que só cheguei a entender depoisde crescida. Tantas brigas tiveram, por conseqüência a separação que, para mim e meusirmãos foi muito dolorosa. Apesar disso, minha vida e atividades escolares continuaram.

No dia 23 de Dezembro de 1991, completei 8 anos de idade, e no ano seguinte curseia 3ª série do ensino fundamental na escola: Dom João Crisóstomo, pois no centro Missionáriosó havia turmas da alfabetização a 2ª série do ensino fundamental. A nova escola tambémficava próxima da minha casa, e era tão boa quanto a anterior, tínhamos muitas atividadesculturais, festas, brincadeiras, além de um espaço externo da escola onde podíamos correr,pula, subir nas árvores e comer frutas tiradas do pé.

Muitos foram os amigos, e as saudades das professoras, pois nesta escola a minhapassagem foi tão rápida quanto a anterior, cursei nesta até a 4ª série do ensino fundamental.Apesar do curto tempo, estes foram marcantes em minha vida.

Aos 10 anos de idade, fui cursar a 5ª série do ensino fundamental, na escola LionsDirceu Veloso, também no bairro dos Bultrins, minha mãe resolveu me matricular nestaescola porque acreditava que o ensino era da melhor qualidade, o que infelizmente não era

Minha história

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verdade, pois, sofríamos com a falta de alguns professores, o que dificultou no aprendizadode algumas matérias como: Física, Química, e Geografia, no entanto, estudei nesta escolaaté a 7ª série do ensino fundamental.

No início do ano de 1997, meus pais fizeram um acordo, para que eu e meus doisirmãos passássemos um ano morando com meu pai, já que, só ficávamos com ele nas férias.Por isso nos mudamos para uma cidade chamada Assu, que fica na zona da Mata, do Estadodo Rio Grande do Norte. Lá, cursei a 8ª série do ensino Fundamental no Instituto PadreIbiapina. Onde, além das aulas e atividades esportivas, recebíamos orientação Religiosa,pois, o Instituto era dirigido pelos Padres, das Igrejas da Cidade de Assu. O ensino erarigoso, os professores muito exigentes, a qualidade da Educação do Instituto não deixava adesejar o que me ajudou bastante no ensino médio.

Passado um ano, em janeiro de 1998, eu e meus irmãos voltamos a morar com minhamãe, na cidade de Olinda em Pernambuco, no bairro de Ouro Preto. Com muita dificuldademinha mãe conseguiu me matricular no Colégio Estadual de Olinda, onde cursamos todo oensino médio, as dificuldades eram muitas, para pagar as passagens de ônibus, pois o colégioficava em outro bairro, um pouco distante da minha casa, além disso, ficávamos muitasvezes com fome pois não tínhamos dinheiro para o lanche. Apesar desses problemas,gostávamos dos professores que eram verdadeiros amigos, dos colegas de classe, minhasqueridas amigas, Andréia, Adriana e Bebete, que saudades!

Pessoas com quem compartilhei minha dificuldade, e para que também pude ser aquelaque guardava segredos, foi também, durante o ensino médio que despertou em mim avontade de fazer um curso de nível superior, após ter concluído o ensino médio no ano de2000, passei a me dedicar ao vestibular, tentei três vezes o curso de Jornalismo, na UFPE,sem no entanto alcançar êxito.

Na quarta tentativa, fiz um cursinho pré-vestibular de baixo custo, no Curso Líder quefica no centro do Recife, lá, conheci o professor Eliseu que dava aula de História, que meincentivou a estudar e gostar cada vez mais da matéria, daí então, decidi mudar meu curso eprestei vestibular para História na UFRPE, onde consegui enfim ser aprovada, o que deixouminha família feliz, ao conquistar o nível superior. Ainda que tenha passado dificuldadesfinanceiras, e tenha estudado sempre em escolas públicas, que nem sempre eram de boaqualidade, tenho o orgulho de afirmar que nenhum dos problemas foi suficiente maior quemeu sonho de estudar em uma universidade pública de qualidade. E esta é minha história.

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