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UNIVERSIDADE INTERNACIONAL DE LISBOA UIL
MESTRADO DE GESTO E MODERNIZAO PBLICA - MUNICIPAL E
ESTADUAL.
A GESTO PARTICIPATIVA COMO FATOR DE EFICINCIA: UMA
PROPOSTA PARA A ADMINISTRAO TRIBUTRIA DO ESTADO DO
CEAR.
JOS JOAQUIM NETO CISNE
VOLUME I
FORTALEZA CEAR
JANEIRO/2001
12
UNIVERSIDADE INTERNACIONAL DE LISBOA UIL
MESTRADO EM GESTO E MODERNIZAO PBLICA - MUNICIPAL E
ESTADUAL.
A GESTO PARTICIPATIVA COMO FATOR DE EFICINCIA: UMA
PROPOSTA PARA A ADMINISTRAO TRIBUTRIA DO ESTADO DO
CEAR.
JOS JOAQUIM NETO CISNE
Dissertao de Mestrado a ser apresentada
Universidade Internacional de Lisboa como
requisito parcial para a obteno do Ttulo de
Mestre.
Orientadores:
* Profa. Doutora Maria Isolda Castelo Branco Bezerra de Menezes Brasil
* Prof. Doutor Joo Abreu de Faria Bilhim Portugal
FORTALEZA CEAR
JANEIRO/2001
13
A GESTO PARTICIPATIVA COMO FATOR DE EFICINCIA: UMA
PROPOSTA PARA A ADMINISTRAO TRIBUTRIA DO ESTADO DO
CEAR.
JOS JOAQUIM NETO CISNE
BANCA EXAMINADORA:
Orientadores:
Prof. Doutora Maria Isolda Castelo Branco Bezerra de Menezes
______________________________________________
Prof. Doutor Joo Abreu de Faria Bilhim
______________________________________________
Membros:
Prof. Doutor Joo Baptista Nunes Pereira Neto
_____________________________________________
Prof. Doutor Jos Teodoro Soares
______________________________________________
Prof. Doutor Fausto Jos Robalo Amaro
______________________________________________
Prof. Doutora Maria Helena Carvalho dos Santos
______________________________________________
14
A Deus que idealizou o meu projeto de vida;
A meus pais que, pelos seus esforos, viabilizaram
este projeto divino;
ngela, minha esposa, Ana Thas e Letcia,
razo de tudo isso, que compartilham comigo a
implantao deste projeto A VIDA.
15
AGRADECIMENTOS
Um trabalho desta natureza no se torna possvel sem a colaborao de
muitos amigos e companheiros. Destaquem-se os orientadores, Profa. Isolda Castelo Branco
e Prof. Joo Abreu Bilhim, que pela imensurvel pacincia e dedicao viabilizaram esta
pesquisa.
Agradeo aos companheiros da Secretaria da Fazenda do Estado do Cear,
em especial ao Secretrio Ednilton Gomes de Sorez, pelas contribuies imprescindveis
realizao deste trabalho.
Ao magnfico Reitor da Universidade Estadual Vale do Acara, Jos
Teodoro Sores, educador de viso empreendedora, pelo constante e irrestrito apoio.
Aos colegas professores da Universidade Estadual do Cear pela
colaborao nas discusses destas idias.
A todos, meu preito de gratido.
16
RESUMO
A administrao pblica, motivada pelas crises e a conseqente reforma
do Estado, tem procurado evoluir do modelo burocrtico weberiano para modelos mais
flexveis de gesto. Esses novos paradigmas da gesto pblica tm por objetivo a
otimizao e a eficincia dos resultados, especialmente quanto aos servios prestados pelo
Estado aos cidados. Esta dissertao constitui uma investigao de carter emprico com o
objetivo de analisar os efeitos de uma forma de gesto participativa, ou seja, uma maior
participao do cidado-contribuinte no contexto da administrao tributria. Procura
avaliar os reflexos da gesto participativa na imagem organizacional da instituio
fazendria, na disposio do contribuinte em cumprir voluntariamente suas obrigaes
tributrias e na obteno de uma maior transparncia da relao entre a administrao
tributria e o cidado-contribuinte. Tomando-se por base o modelo da administrao
participativa e utilizando-se de todo um instrumental de pesquisa de natureza quantitativa e
qualitativa, procura-se averiguar a percepo de grupos previamente selecionados sobre a
importncia da formao de um frum constitudo por representantes do Estado do Cear
(Secretaria da Fazenda e Procuradoria Geral do Estado), representantes das entidades de
classes empresariais (Federaes da indstria, do comrcio e da agricultura) e
representantes do cidado (Assemblia Legislativa do Estado do Cear, Associaes
Comunitrias, Ouvidoria do Estado). A partir das abordagens tericas utilizadas e dos
resultados dos dados obtidos pela pesquisa constata-se a viabilidade da implementao
desse frum participativo, objeto de anlise desta dissertao, no mbito da administrao
tributria, considerando-se que o mesmo poder gerar impactos positivos na imagem
organizacional e na qualidade dos servios prestados pela Secretaria da Fazenda do Estado
do Cear.
17
ABSTRACT
The Public management, motivated by crisis and consequent state reform
has tried to change from the burocratic model to flexible management models. These new
paradigms of public management have as a goal the improvement and the efficiency of the
results, specially the services rendered to citizens by the state. This dissertation is an
investigation of empiric caracter with the goal of analising the effects of the participative
administration, that is a bigger participation of taxpayers in the context of tax
administration. It tries to evaluate the reflections of participative administration in the
organizational image of the tax institution, the will of taxpayers to pay his tax obligations
and obtain more transparency in the relationship between the administration and the
taxpayer. Considering the administration management model and using every researching
tool available in terms of quantity and quality, it tries to major the knowledge of groups
previously selected: employees that are part of the senior management of the tax
institution, tax collectors, public offices, business entities, and community associations,
about the impacts of participative management in the Cears tax administration. It also
tries to ascertain, in the member states of the Brazilian Federation, the existence of
participative forum in the context of the tax administration of these states. Analysing the
theoretical approaches and the results obtained by the research, we observe the feasibility
of implementing the participative forum, object of the analysis of this dissertation, in the of
Cearas tax adminstration, because it might generate positive impacts in the organizational
image and in the quality of the services rendered by the state, besides contributing to the
voluntary fulfillment of the tax obligations
18
SUMRIO PGINA
Lista de Ilustraes............................................................................... 09
Introduo ............................................................................................. 11
Captulo I - Modelos de Gesto .......................................................... 18
1.1 - Modelo administrativo gerencial ...................................... 19
1.2 Modelo de gesto participativa.......................................... 26
1.2.1 Consideraes sobre o conceito e o papel da
participao no contexto organizacional .........................
26
1.2.2 Nveis e graus de participao............................... 37
1.2.3 Tipos de participao ............................................. 39
1.2.4 - Consideraes sobre a democracia participativa
.........................................................................
42
1.2.5 As novas tecnologias como forma de manifestao da
democracia .............................................
49
1.3 - Relao entre o indivduo e o Estado .............................. 53
1.3.1 A accountability como mecanismo de viabilizao do
controle social das aes governamentais
...................................................................
56
1.3.2 A sociedade civil como agente de controle social das
aes do Estado ...............................................
61
1.3.3 Formas de controle da gesto pblica................. 79
1.3.4 - A Lei de Responsabilidade Fiscal.......................... 82
Captulo II As Causas e Conseqncias da Reforma do Estado . 87
2.1 - A crise do Estado Brasileiro ............................................ 89
2.2 - A reinveno do Governo e o novo papel do Estado Brasileiro
......................................................................................
93
2.3 Aspectos bsicos da reforma do Estado Brasileiro O Plano
Diretor do Aparelho do Estado .......................................
98
2.4 O princpio da eficincia como orientador da administrao
pblica brasileira ................................................
108
19
Captulo III Consideraes sobre os Aspectos Tributrios .......... 114
3.1 O poder fiscal do Estado ................................................... 114
3.2 O Sistema Tributrio Nacional ........................................... 119
3.3 A relao jurdico-tributria ............................................... 126
3.3.1 - A Relao entre o fisco e o contribuinte ............... 126
3.3.1.1 Outras experincias de integrao entre o fisco e
o contribuinte .................................................
135
3.3.2 A obrigao tributria ........................................... 139
3.3.2.1 Os sujeitos da relao tributria ................ 142
3.4 A carga tributria brasileira ............................................... 143
3.4.1 A carga tributria do Cear .................................... 148
3.5 A justia fiscal .................................................................... 149
3.6 Consideraes sobre a evaso fiscal ............................... 152
3.7 O papel da educao na formao da conscincia tributria
.......................................................................................
158
Captulo IV As Reformas Administrativa e Fiscal do Estado do Cear
.....................................................................................................
163
4.1 - A reforma administrativa do Estado do Cear: reflexo das
mudanas ..............................................................................
163
4.1.1 O Plano de Desenvolvimento Sustentvel1995-1998
....................................................................................
165
4.2 A participao popular na Constituio Estadual de 1989
...............................................................................................
170
4.3 O modelo de gesto participativa do Cear: os conselhos com a
participao da sociedade ............................
172
4.4 - A reforma administrativa da Secretaria da Fazenda do Estado
do Cear............................................................................
180
Captulo V - Metodologia da Pesquisa .............................................. 189
5.1 Definio de Termos ............................................................ 189
5.2 Hiptese ............................................................................... 193
5.3 Abordagem metodolgica .................................................. 193
5.4 - Descrio da populao e da amostra ............................ 197
5.4.1 - Definio da populao .......................................... 197
20
5.4.2 - Definio da amostra .............................................. 201
Captulo VI - Anlises quantitativa e qualitativa dos dados coletados dos
grupos selecionados ..................................................
205
6.1 Anlise das consultas aos Estados .................................. 249
Consideraes finais .......................................................................... 252
Bibliografia ............................................................................................ 257
Apndices ............................................................................................. 269
I Questionrio aplicado alta gerncia da Secretaria da Fazenda;
................................................................................................
271
II Questionrio aplicado aos demais servidores da Secretaria da
Fazenda; ...........................................................................................
279
III Questionrio aplicado aos dirigentes das entidades representativas
dos clientes da Secretaria da Fazenda; .................
287
IV Questionrio aplicado aos dirigentes das entidades representativas
dos clientes da Secretaria da Fazenda associaes comunitrias;
..................................................................
294
V Consultas aos Estados; ................................................................ 301
VI Modelo do Projeto de Lei que institui o Frum de Poltica Fiscal;
....................................................................................................
302
VII Roteiro das entrevistas; .............................................................. 304
VIII Entrevistas com a alta gerncia da Secretaria da Fazenda; ... 306
IX Entrevistas com os dirigentes das entidades: rgos pblicos e
entidades de classe empresariais; ..................................
338
X Entrevistas com os dirigentes das associaes comunitrias. 436
21
LISTA DE ILUSTRAES
FIGURAS PGINA
1 Evoluo da carga tributria bruta no Brasil ............................ 147
QUADROS
I Funes positivas da participao por dimenses especficas
..........................................................................................
34
II Relao entre o Estado e a sociedade ....................................... 73
III Carga tributria bruta do ICMS, IPVA, ITCD e taxas 1995
1999 .....................................................................................................
148
IV Relao entre a carga tributria bruta do ICMS, IPVA, ITCD e
taxas e o PIB 1995 1999 ...............................................................
149
V Relao das associaes comunitrias consultadas .............. 200
VI Grupos selecionados para a pesquisa de campo ................... 202
VII Contagem de Ateno da Secret. de Finanas de Fortaleza.... 214
GRFICOS
1 Imagem Interna da Secretaria da Fazenda..................................... 207
2 Imagem Externa da Secretaria da Fazenda.................................... 207
3 Abertura da Secretaria da Fazenda................................................ 210
4 Ateno da Receita Federal............................................................. 212
5 Ateno da Secretaria da Fazenda................................................. 213
6 Satisfao com a introduo do frum.......................................... 215
7 Freqncia de consulta do Governo.............................................. 216
8 Freqncia de consulta da Secretaria da Fazenda....................... 217
9 Apresentao de sugestes............................................................ 218
10 Adoo do frum participativo .................................................... 220
11 Frum versus Melhoria da qualidade........................................... 223
12 Perspectiva de melhoria da qualidade......................................... 225
22
13 Perspectiva de melhoria da imagem............................................ 226
14 Perspectiva de melhoria do comportamento............................... 228
15 Perspectivas do aumento no nmero de sugestes/denncias. 231
16 Perspectivas de mais presso sobre o Governo............................. 233
17 Aquiecncia de participao no frum........................................ 236
18 Carga tributria de ICMS................................................................ 237
19 Carga tributria de IPVA................................................................. 238
20 Carga tributria de TAXAS............................................................. 239
INTRODUO
Que conhecer o homem, no cidado e no contribuinte,
seja para ns responsveis pela fiscalidade, o primeiro
princpio.
Que, dignific-lo, atravs do Direito, da estrutura e da
aco seja, afinal, o primeiro dos fins ( 1).
Vitor Antnio Duarte Faveiro.
Nos ltimos anos, a literatura sobre administrao tem dado
destaque, dentre outros temas, s mudanas nas organizaes. Discute-se o
cenrio da administrao neste novo sculo e analisam-se os desafios que o
administrador ter que enfrentar para exercer seu papel num ambiente marcado
por grandes e contnuas transformaes. As organizaes atuais possivelmente
tendero a ser organizadas em torno de seus processos, assim como podero
centrar seus esforos em seus clientes. Nesse contexto, a qualidade dos servios
um diferencial importante para as organizaes, pblicas ou privadas, que
buscaro ser geis e enxutas. Suas tarefas exigiro conhecimento do negcio,
autonomia, responsabilidade e habilidade na tomada de deciso. Nelas no
haver lugar para os empregados tradicionais, sem iniciativa e sem criatividade,
tampouco para processos que no agreguem valor aos clientes.
Assuntos como planejamento e gesto estratgica, liderana e
desenvolvimento de equipes, delegao de autoridade e administrao de
conflitos, qualidade total, gesto participativa, reengenharia de processos e
arquitetura organizacional, entre outros, so anunciados como ferramentas
necessrias transformao organizacional e administrao das mudanas
exigidas pelos tempos atuais.
1 FAVEIRO, Vitor Antnio Duarte Noes Fundamentais de Direito Fiscal. I Vol., Introduo
ao Estudo da Realidade Tributria, Teoria Geral do Direito Fiscal. Coimbra: Coimbra Editora,
Limitada, 1984. p. 168.
12
Este trabalho se amparou especialmente nos conhecimentos das
cincias administrativa, sociolgica, jurdica, poltica, dentre outras, que norteiam
o complexo estudo da relao tributria entre o fisco e o cidado-contribuinte no
contexto dos novos paradigmas da administrao pblica gerencial.
O Estado moderno tem investido na melhoria de seus processos,
promovendo reformas estruturais e buscando dois objetivos bsicos: ajustar suas
contas com a reduo do dficit fiscal e atender aos anseios da populao que
reclama por eficincia e servios de qualidade. Essas tambm tm sido as razes
das propostas de reformas constitucionais que esto sendo discutidas e
implementadas pelo Estado brasileiro nos ltimos anos.
O Estado do Cear vem realizando profundas mudanas em sua
estrutura administrativa desde 1987 com o ento chamado Governo das
Mudanas, motivadas primeiramente pela grande necessidade de equilibrar as
finanas pblicas do Estado e ainda objetivando uma nova viso de administrar a
coisa pblica. Buscavam, acima de tudo, proporcionar resultados eficientes e
elevar a qualidade dos servios pblicos a partir de uma gesto participativa.
A eficincia das polticas fiscal e tributria livra os Estados do
modelo de desenvolvimento que sugere financiar seu crescimento custa do
endividamento externo sob a forma de capitais e emprstimos geralmente caros.
Agindo dessa forma, os Estados estaro, muitas vezes, ameaando sua prpria
autonomia e restringindo seriamente suas aes, quando deveriam otimizar seus
esforos prprios para a formao de capital com recursos de poupana interna.
Para tanto, necessitam contar com uma administrao tributria eficiente sob
todos os aspectos.
A administrao tributria inserida no moderno conceito de
gesto pblica dever estar atenta s mudanas e dever adaptar-se a elas com
agilidade. Seu propsito captar e gerir o volume correto de receitas tributrias
com o menor custo para o contribuinte de tal maneira que se assegure o mais
alto grau de confiana pblica em sua integridade, eficincia e justia. Para tanto,
os agentes do fisco precisam assessorar o contribuinte em suas dificuldades,
13
esclarec-lo sobre seus direitos e obrigaes, pesquisar e implementar novas
tecnologias e mtodos de trabalho, visando desburocratizao, comodidade e
reduo de custos.
Os procedimentos da administrao tributria so,
obrigatoriamente, vinculados lei. As atividades do administrador tributrio so
regidas pelo poder vinculado, portanto, devem estar de acordo com o que
determinam as normas tributrias, ficando o administrador sem o poder
discricionrio de atender determinadas exigncias do contribuinte.
Na sociedade atual, o cidado-contribuinte, que contribui com
parte do seu patrimnio para o Estado, espera e exige servios de qualidade,
correspondentes aos tributos que paga. Isso facilmente percebvel nas
manifestaes dos cidados-contribuintes, que no aceitam mais a imposio
como condio nica para o estabelecimento dos tributos. Essa revolta se d de
forma silenciosa, manifestada pelo elevado nvel de evaso fiscal. Hoje o
cidado, cada vez mais consciente de seus direitos e obrigaes, exige o direito
de participar, de ser ouvido por meio de debates, audincias ou qualquer outra
forma de dilogo e de intervir construtivamente no processo de quantificao
tributria.
A Secretaria da Fazenda do Estado do Cear, cuja misso
maximizar a receita e otimizar a despesa para o desenvolvimento do Estado do
Cear( 2), tem investido, especialmente na segunda metade da dcada de 90, na
melhoria contnua de sua estrutura organizacional, na tecnologia, nos seus
processos e na capacitao de seus colaboradores. Tem procurado melhorar
continuamente a prestao de seus servios de atendimento aos contribuintes
dos tributos de competncia estadual. Como rgo responsvel pelas polticas
tributria e financeira no mbito do Estado, h implementado mudanas que
repercutiram em todas as reas de sua gesto.
2 Portaria n. 526, de 15 de maio de 1997 - Instituiu o atual Modelo de Gesto da Secretaria da
Fazenda do Estado do Cear.
14
Nesse contexto, acredita-se ser importante o processo de ouvir o
cidado-contribuinte. As informaes dele colhidas colaboram para que as
reparties tributrias apliquem seus recursos de forma otimizada e prestem um
servio de qualidade.
Um rgo como a Secretaria da Fazenda do Estado do Cear,
para o seu bom gerenciamento, necessita de informaes e de feedback dos
servios que presta sociedade. A participao gera informaes importantes
para o planejamento e para a tomada de deciso mais sintonizada com as
mudanas sociais.
Entende-se que a participao dos cidados-contribuintes
importante e ter um melhor efeito na fase pr-jurdica da poltica tributria, ou
seja, antes da elaborao das normas, ocasio em que podem apresentar
sugestes para melhorar a aplicao delas.
Esta pesquisa tem por objetivo geral analisar a possibilidade de
implantao de uma forma de gesto participativa (criao de um frum) que
envolva a colaborao permanente de clientes consultados (Servidores
Fazendrios, entidades Pblicas e empresariais, Associaes comunitrias) e
avaliar seu impacto na imagem organizacional e na eficincia dos servios
prestados pela Secretaria da Fazenda do Estado do Cear.
a) Identificar algumas experincias nacionais (Portugal, Canad)
e estaduais (Gois, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Amazonas) de gesto
participativa existentes em outras administraes tributrias que possam servir
de referencial para a implantao dessa mesma forma de gesto na Secretaria
da Fazenda do Estado do Cear;
b) Investigar a percepo dos clientes consultados sobre a
viabilidade de se constituir um frum participativo para discutir e aprimorar os
procedimentos tributrios no mbito da Secretaria da Fazenda do Estado do
Cear;
c) Identificar a disposio dos clientes consultados a participar
desse Frum e contribuir para a construo de um processo de gesto
participativa na Secretaria da Fazenda;
15
d) Avaliar, sob a tica dos servidores fazendrios, os impactos
de uma forma de gesto participativa (Frum) na Secretaria da Fazenda.
Esta pesquisa se justifica tambm pela necessidade de a
organizao conhecer melhor a percepo de seus clientes sobre a sua imagem
organizacional e sobre os seus servios, aps o que a organizao poder ter
mais condies para planejar e replanejar suas aes e atend-los melhor. Com
a implantao de uma forma inovadora de gesto que conte com a participao
de seus clientes por meio de entidades representativas e que aproveite suas
opinies sobre os servios e sugestes para melhorar os procedimentos
fazendrios, espera-se que haja:
a) um impacto positivo na imagem institucional da Secretaria da
Fazenda, visto que haver um canal permanente de comunicao com os
representantes dos diversos segmentos econmicos do Estado;
b) uma possvel reduo da evaso fiscal, vez que dessa
relao de parceria espera-se participao, entendimento e compreenso e, com
isso, aceitao das obrigaes tributrias e o seu fiel cumprimento, decorrentes
do comprometimento gerado pelo entendimento e participao.
c) aumento do nmero de sugestes para a melhoria dos
servios, e at mesmo apresentao de denncias quanto a possveis
comportamentos ou atitudes inaceitveis, tanto pelos cidados-contribuintes
como pelos servidores fazendrios.
Espera-se que haja uma maior transparncia e eficincia na
aplicao dos procedimentos tributrios se a administrao tributria puder contar
com a colaborao de um frum formado por entidades pblicas e privadas da
sociedade civil, que representem os contribuintes e cidados na discusso de
questes relacionadas com a poltica fiscal e tributria.
Um outro aspecto importante a credibilidade que o frum
precisa ter junto sociedade, o que poder ser conquistado medida que
preserve os interesses da coletividade. Tal requisito exige muita maturidade,
conscincia e esprito pblico dos membros participantes frente s presses
16
naturais que surgiro, visando manuteno de certos privilgios de
determinados segmentos sociais ou econmicos representados no frum. Seus
componentes devem ter maturidade suficiente para inibir toda e qualquer
tentativa de manipulao cujo fim seja o de preservar interesses particulares,
em detrimento dos interesses da sociedade.
Vale ressaltar que, para ter xito, cada frum, comit ou qualquer
outro tipo de colegiado com finalidades consultivas ou deliberativas deve ser
institudo e coordenado obedecendo a uma metodologia, uma vez que cada um
deles tm suas especificidades, nomeadamente quando se trata de algo novo
como esse frum, objeto desta pesquisa, que tratar de temas conflituosos,
envolvendo grandes interesses particulares.
Este trabalho compe-se de seis captulos seguidos das
consideraes finais. O primeiro captulo faz apreciaes sobre o modelo de
administrao gerencial e sobre o papel da participao nesse novo paradigma
de gesto pblica. Trata tambm de analisar o conceito, os tipos, os nveis e os
graus da participao e aborda a relao entre o indivduo e o Estado, as novas
tecnologias como formas modernas de viabilizar o exerccio da cidadania e de
aproximar o cidado do Estado. Ressalta ainda o papel da sociedade civil como
elemento de controle das aes governamentais. Destaca as diversas formas de
controle da gesto pblica e desenvolve uma breve anlise sobre a Lei de
Responsabilidade Fiscal.
O objetivo central do segundo captulo analisar a crise e a
reforma do Estado brasileiro, considerando os anos 70 e 80. Procura discutir o
Plano Diretor da reforma, a reinveno e o novo papel do Estado. Aborda ainda
o princpio da eficincia como diretriz atual das aes da administrao pblica
brasileira.
No terceiro captulo, estudam-se os principais aspectos
tributrios, especialmente o poder fiscal do Estado, o sistema tributrio brasileiro,
a relao jurdica entre o fisco e o cidado-contribuinte, a justia fiscal e a carga
tributria do Estado do Cear e do Brasil, abordando tambm as complexas
17
questes relacionadas com a evaso fiscal e a importncia da educao tributria
na formao da conscincia social.
O captulo quarto tem por temas principais as reformas
administrativa e fiscal que foram implantadas no Estado do Cear nos ltimos
anos e destaca a importncia dos Conselhos de Participao como canais de
manifestao dos interesses da sociedade junto ao Governo do Estado. Enfatiza
as mudanas estruturais que ocorreram na administrao tributria desse Estado,
a partir de 1987.
A metodologia da pesquisa objeto do quinto captulo; no sexto
captulo, so analisados e interpretados os dados da pesquisa colhidos por meio
dos questionrios e das entrevistas realizados com os grupos previamente
selecionados.
Finalmente, nas consideraes finais, procura-se fazer um
confronto dos resultados da pesquisa com seus objetivos e hipteses
anteriormente traados e tambm confirmar a viabilidade da implementao do
referido frum participativo.
18
CAPTULO I - MODELOS DE GESTO
No existem pases subdesenvolvidos e sim apenas
pases subadministrados.
Peter F. Drucker.
As inovaes tecnolgicas e as transformaes sociais ocorridas
na sociedade contempornea tm provocado mudanas na vida das pessoas e
alimentado a esperana de uma melhor distribuio da riqueza como garantia do
bem-estar social.
Nesse contexto, quase sempre o Estado tem sido o grande
indutor do mencionado processo de mudanas. Para exercer suas atividades, o
Estado, como todas as demais organizaes, necessitam de um suporte
administrativo. As teorias e prticas que compem os modelos administrativos
tm evoludo, especialmente no sculo XX, com o surgimento de diversas
escolas, voltadas ao aprimoramento contnuo e adequao s novas realidades
sociais, polticas e econmicas.
A base terica da cincia da Administrao, comparada com as
demais cincias, relativamente nova. Sua fundamentao terica princpios e
modelos - se destacaram, especialmente, a partir dos estudos de Frederick
Taylor, Henri Ford, Henri Fayol, Max Weber, dentre outros que colaboraram para
tornar a Administrao uma cincia no incio do sculo XX.
Na gesto pblica, cujos princpios e caractersticas no devem
ser confundidos com os da administrao das empresas privadas (3), observam-
se, em sua evoluo, trs modelos com caractersticas bem definidas:
* administrao pblica patrimonial;
* administrao pblica burocrtica;
* administrao pblica gerencial.
3 HENRY, Minztberg Administrando Governos, Governando Administraes. Braslia:
ENAP. Revista do Servio Pblico, Ano 49, n. 4, Out. Dez., 1998. p. 162.
19
Por no fazer parte do contexto desta pesquisa o estudo
aprofundado da evoluo dos modelos administrativos (4), os enfoques partiro
do modelo de Administrao Gerencial ou New Public Management.
1.1 MODELO ADMINISTRATIVO GERENCIAL
O modelo administrativo gerencial, nova tendncia da a gesto
pblica, o resultado do aprimoramento dos modelos administrativos que tm
sido implementados e tambm conseqncia da evoluo da sociedade que
conscientemente passou a exigir mais eficincia das aes governamentais e
maior participao na tomada de deciso e no estabelecimento dessas aes.
BORINS oferece a seguinte definio para a nova gesto pblica:
a nova gesto pblica uma nova conceituao da administrao pblica que
consiste de vrios componentes inter-relacionados: fornecer servios de alta
qualidade que os cidados valorizam; aumentar a autonomia dos gestores
pblicos, especialmente dos controles da agncia central; medir e premiar
organizaes e indivduos com base no cumprimento das metas exigidas de
performance; tornar disponvel recursos humanos e tecnolgicos que os
gestores necessitam para desempenharem bem suas tarefas; e, reconhecendo
as virtudes da competio, manter uma atitude aberta a respeito de quais
propsitos pblicos devem ser desempenhados pelo setor privado, e no pelo
setor pblico ( 5).
4 Para maior aprofundamento sobre a evoluo dos modelos administrativos pblicos e privados
sugere-se analisar as obras dos seguintes autores citadas na bibliografia desta pesquisa:
WOOD Jr., Thomaz; KOONTZ, Harold & ODONNEL Cyril; TAYLOR, Frederick; FAYOL, Henri;
MOTTA, Paulo Roberto; MAXIMIANO, Antonio Csar Amaru; BILHIM, Joo Abreu de Faria;
FERLIE, Ewan; DRUCKER, Peter F.; DEMING, W. Edwards; DENTON, D. Keith; ALBRECHT,
Karl; GUEDES, Armando M. Marques; WEBER, Max. 5 BORINS, Sanford apud, BEHN, Robert D. - O Novo Paradigma da Gesto Pblica e a
Busca da Accountability Democrtica. Braslia: ENAP, Revista do Servio Pblico, Ano 49,
Nmero 4, Out-Dez 1998. p. 39.
20
Na opinio de PEREIRA, a aplicao do modelo gerencial objetiva
assegurar o carter democrtico da administrao pblica por meio da
prestao de um servio pblico que tenha como caracterstica a orientao para
o cidado-usurio ou cidado-cliente, em vez de manter o carter auto-referido
que caracteriza a administrao pblica burocrtica, voltado para afirmao do
poder do Estado e da burocracia estatal. Baseia-se, pois, na responsabilizao
do servidor, dos polticos e dos representantes formais e informais perante a
sociedade, por meio de mecanismos de controle social ou de participao
cidad. Para ele, os controles sociais so essenciais na administrao pblica
gerencial na medida em que compensam a reduo legal de procedimentos e
complementam o controle de resultados. E afirma ainda que a Reforma
Gerencial uma reforma para a democracia (6) .
O autor considera a necessidade de se adequar a gesto estatal
eficincia exigida pela globalizao e a importncia do controle social na
preservao do interesse pblico em detrimento de interesses de grupos
econmicos. Para ele, a democracia se prope a dar transparncia s aes
pblicas e a priorizar o atendimento dos anseios dos cidados (7).
A implantao deste modelo administrativo, de um certo modo,
objetivou redimir o Estado da crise econmica e fiscal que atravessou na dcada
de 70, acelerada, dentre outros fatores, pelas crises do petrleo em 1973 e 1979,
que contriburam para desacelerar o crescimento da economia mundial a partir da
Segunda Grande Guerra. At esse perodo, no havia maiores questionamentos
sobre o papel do Estado que se ocupava, dentre outras coisas, em garantir a
prosperidade econmica e o bem-estar social (8).
6 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser Reforma do Estado Para a Cidadania: A Reforma Gerencial
Brasileira na Perspectiva Internacional. Braslia: ENAP, Editora 34, 1998. p. 112 e 147. 7 Ibidem, p. 141 152. 8 ABRUCIO, Fernando Luiz O Impacto do Modelo Gerencial na Administrao Pblica: Um
breve estudo sobre a experincia internacional recente. Braslia: ENAP. Cadernos ENAP n.10,
1997. p. 7.
21
A partir desse perodo, comeou-se a discutir a redefinio do
papel do Estado na economia e a reduo dos gastos pblicos. Para reagir ao
esgotamento do modelo weberiano, foram introduzidos novos modelos
gerenciais na administrao pblica, implementados, a princpio, nos Estados
Unidos, na Gr-Bretanha, Austrlia e Nova Zelndia, depois nos pases da
Europa e no Canad (9).
O modelo gerencial atual conseqncia do capitalismo
globalizado, ps-moderno ou ps-industrial. Foi uma forma encontrada pelo
Estado para superar a crise fiscal endgena iniciada nos anos 70 diante da qual
reconstri-se e enfrenta os desafios de uma sociedade exigente e socialmente
fragmentada, politicamente democrtica, em constante mudana tecnolgica; uma
sociedade e uma economia integradas ao mundo em tempo real pela tecnologia
da informao (10).
Segundo o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, a
Administrao Pblica Gerencial surge na segunda metade do sculo XX como
resposta expanso das funes econmicas e sociais do Estado e
globalizao. Os avanos do modelo gerencial rompem com os mtodos da
administrao burocrtica, porm permanece com alguns de seus princpios e se
apoia, com certa flexibilidade, em alguns deles, tidos como fundamentais. A
diferena bsica entre os modelos est na forma de controle que deixa de
basear-se nos processos para concentrar-se nos resultados, e no na rigorosa
profissionalizao da administrao pblica, que continua um princpio
fundamental (11).
9 ABRUCIO, Fernando Luiz op. cit., p. 7 8. 10 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser Reforma do Estado Para a Cidadania: A Reforma
Gerencial Brasileira na Perspectiva Internacional - op. cit., p. 142 e 151. 11 GOVERNO FEDERAL Plano Diretor do Aparelho do Estado - op. cit., p. 22.
22
Na Amrica Latina e no Brasil, tambm aconteceu, na
administrao pblica, a passagem do modelo burocrtico weberiano para o
modelo de administrao pblica gerencial ou New Public Management (12).
O novo modelo tem evoludo, como forma de melhor se adequar
administrao pblica, da sua concepo original, modelo gerencial puro,
passando pelo consumerism at sua forma atual, public service orientation, que
d maior nfase transparncia administrativa e maior interao entre o Estado
e a sociedade (accountability) (13).
Descrevendo a evoluo do modelo gerencial , RUA constata que
o modelo gerencial puro, importado diretamente do setor privado, exibia
inicialmente caractersticas que o tornava inadequado administrao pblica por
ser totalmente apoltico (14).
Referindo-se evoluo do modelo gerencial, a autora procurou
atribuir-lhe algumas caractersticas, observando que na tentativa de encontrar
uma soluo que compatibilizasse as vantagens da administrao gerencial com
as caractersticas prprias do setor pblico, diversas propostas surgiram, dando
origem a diferentes modelos. Menciona algumas caractersticas centrais que
compem o que hoje se entende como modelo de Administrao Pblica Gerencial
e tem servido de orientao para a reforma administrativa no Brasil:
12 ABRUCIO descreve a evoluo que aconteceu com o prprio modelo gerencial como forma de
melhor atender as necessidades pblicas. E afirma sobre a primeira fase do modelo gerencial: o
ponto central do modelo gerencial puro a busca da eficincia. Para tanto, parte do pressuposto de
que preciso modificar as engrenagens do modelo weberiano. A burocracia tradicional (Whitehall
para os ingleses) definida como uma organizao com estrutura rgida e centralizada, voltada ao
cumprimento dos regulamentos e procedimentos administrativos e em que o desempenho
avaliado apenas com referncia observncia das normas legais e ticas. (ABRUCIO, Fernando
Luiz op. cit., p. 18). 13 Ibidem, p. 13 18. 14 RUA, Maria das Graas Desafios da Administrao Pblica Brasileira: Governana,
Autonomia, Neutralidade. Braslia: Revista do Servio Pblico, Ano 48, N. 3, Set/Dez. 1997. p.
144.
23
* O foco o cidado, e as atividades se orientam para a busca de resultados.
* O princpio da eficincia econmica cede espao ao princpio da flexibilidade.
* nfase na criatividade e busca da qualidade.
* Descentralizao, horizontalizao das estruturas e organizao em redes.
* Valorizao do servidor, multiespecialidade e competio administrada.
* Participao dos agentes sociais e controle dos resultados (15).
A estratgia da Administrao Pblica Gerencial est orientada:
* para a definio precisa dos objetivos que o administrador pblico dever
atingir em sua unidade;
* para a garantia de autonomia do administrador na gesto dos recursos
humanos, materiais e financeiros que lhe forem colocados disposio para que
possa atingir os objetivos contratados;
* para o controle ou cobrana a posteriori dos resultados (16).
Outro ponto importante desse modelo de administrao refere-se
ao fato de, na estrutura organizacional, ser essencial a descentralizao e a
reduo de nveis hierrquicos. tambm condio desse modelo a maior
participao dos agentes privados e das organizaes da sociedade civil na
administrao, somada recomendao de deslocar a nfase dos
procedimentos (meios) para os resultados (fins) (17).
Ainda quanto diferenciao dos mtodos da administrao
pblica e da administrao empresarial, o modelo gerencial o que mais
semelhanas apresentam com o modelo administrativo das organizaes
privadas, embora os parmetros devam ficar resguardados (18).
15 RUA, Maria das Graas - op. cit., p. 145. 16 GOVERNO FEDERAL Plano Diretor do Aparelho do Estado op. cit., p. 22. 17 Ibidem, p. 22. 18 Ibidem, p. 22 23.
24
Nesse modelo administrativo, o cidado visto como aquele que
paga seus tributos e, como cliente (19), tem o direito de exigir um servio pblico
de qualidade.
O modelo de Administrao Gerencial se firmou no contexto dos
pases desenvolvidos e, por meio da adoo de novos mtodos de administrao,
promoveu a definio clara de objetivos para cada unidade da administrao, da
descentralizao, da mudana de estruturas organizacionais e da adoo de
valores e de comportamentos modernos no interior do Estado, tendo sido capaz
de tornar eficientes e os servios prestados pelo Estado, garantindo-lhes a
qualidade (20).
A adoo do modelo de Administrao Pblica Gerencial tem por
objetivo fortalecer o combate captura do Estado por interesses particulares,
19 PEREIRA usa as expresses cidado-usurio e cidado-cliente como sinnimas, porm
possvel distingui-las: o cidado usurio no paga, enquanto o cidado-cliente paga pelos servios
recebidos. (...) uma tolice se supor que o cidado deva ser sempre usurio, jamais pagando por
servios prestados pelo Estado.(...) A idia de que o cidado deve ser visto como cidado-cliente
central na Reforma Gerencial. Entretanto, comum ouvirmos crticas a esta viso, que seria
neoliberal por reduzir o cidado, primeiro condio de contribuinte, e, depois, de cliente,
quando ele muito mais do que isto: um cidado portador de direitos e obrigaes polticas. A
crtica no faz sentido. O verdadeiro cidado sem dvida aquele que tem direitos efetivos,
inclusive o de ser tratado com respeito pelos prestadores de servios do Estado. A orientao para
o cliente importada da administrao de empresas significa exatamente isso: atender s
necessidades do cliente, respeit-lo. Mas no significa que, com ela, esteja sendo posto de lado o
direito do cidado de participar, que esteja sendo subestimada a importncia dos mecanismos e
instituies de controle social, que so um elemento essencial da administrao pblica gerencial (PEREIRA, Luiz Carlos Bresser Reforma do Estado Para a Cidadania: A Reforma Gerencial
Brasileira na Perspectiva Internacional - op. cit., p. 111 e 119).
HENRY tambm procura esclarecer esta questo de nomenclatura cidado, cliente, usurio,
consumidor dentre outros que usam para designar os beneficirios dos servios pblico. O autor
observa que, consumidor, cliente, cidado e sdito, so os quatro chapus que todos ns
usamos numa sociedade. E como consumidores do governo recebem servios diretos; cidados
se beneficiam da infra-estrutura pblica, que o governo coloca sua disposio. Mas considera
que haja uma diferena capital entre as atividades voltadas para o consumidor e as atividades
voltadas para o cidado: a freqncia com que ocorrem. (HENRY, Minztberg op. cit., p. 155). 20 GOVERNO FEDERAL Plano Diretor do Aparelho do Estado - op. cit., p. 24.
25
defender o patrimnio pblico, utilizar os recursos escassos dos contribuintes de
forma a atender ao interesse geral, ou, em outras palavras, afirmar o direito de
cidadania res pblica (21).
BEHN, analisando os paradigmas da nova gesto pblica,
considera importante que esta demonstre ser tambm politicamente responsvel
e compatvel com o accountability democrtico (22).
Quanto ao comportamento dos agentes pblicos, nesse novo
modelo de gesto, cabe ao servidor no apenas cumprir as regras cegamente,
mas ter uma postura proativa na resoluo dos problemas pblicos, zelando pelo
interesse pblico e prestando servios eficientes aos cidados (23).
Observa-se que esse novo modelo de Administrao procura
dotar o Estado de um suporte tcnico-cientfico mais compatvel com a realidade
atual, capacit-lo a prestar melhores servios aos seus cidadoscontribuintes,
dando a estes mais oportunidades para opinar sobre questes que lhes dizem
respeito. Ouvindo o cidado, o Estado aumentar as possibilidades de prestar
servios mais compatveis com as expectativas dos usurios. Por isso, esse novo
modelo de gesto, na busca da eficincia, procura viabilizar a participao dos
clientes internos e externos nas decises.
21 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser Reforma do Estado Para a Cidadania: A Reforma
Gerencial Brasileira na Perspectiva Internacional - op. cit., p. 151. 22 BEHN, Robert D. op. cit., p. 6. 23 Ibidem, p. 7.
26
1.2 MODELO DE GESTO PARTICIPATIVA
1.2.1 CONSIDERAES SOBRE O CONCEITO E O PAPEL DA
PARTICIPAO NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL.
O modelo de Administrao Gerencial preceitua uma maior
participao dos cidados e clientes nas decises das organizaes pblicas ou
privadas.
A idia de participao (24) est, de um certo modo, associada ao
processo democrtico ocorrido em diversas fases da histria da humanidade,
desde as polis da Grcia Antiga at as formas de administrao participativa e
gestes compartilhadas nas organizaes atuais (25).
Ao referir-se s vrias definies de participao, VENOSA
esclarece que existem diferentes abordagens para o que se entende por
participao, limitadas quanto ao seu alcance, a partir do conceito mais amplo de
participao, forma legtima da influncia de indivduos sobre decises que afetam
suas vidas. (...) todas elas, no entanto, entendem participao como participao
parcial e no participao plena (26).
24 LAMMERS prope a seguinte definio para participao: Participar o conjunto das diversas
formas de presso de baixo para cima (dos subordinados sobre os superiores) e que so aceitas
como legtimas pelos subordinados e superiores. (Apud VENOSA, Roberto Organizao e a
panacia participativa ou participao e a panacia organizacional? Rio de Janeiro: Revista
de Administrao Pblica, 8(4): 80 102, out./dez. 1974. p. 82). 25 Segundo MENDONA a participao se constitui um dos mais importantes temas da prtica e
da teoria organizacional, seja como conceito central, seja como tecnologia social. O autor cita a
seguinte indagao de Guy BRAINBANT: No se poderia dizer hoje (...) que a condio
essencial do bom funcionamento dos servios pblicos uma boa participao dos cidados, dos
funcionrios e dos usurios na sua direo e sua gesto?. (MENDONA, Luis Carvalheira de
Participao na Organizao: Uma Introduo aos seus Fundamentos, Conceitos e Formas.
So Paulo: Ed. Atlas, 1987. p. 20). 26 VENOSA, Roberto - op. cit., p. 82.
27
Procurando esclarecer a definio de participao, MENDONA
recorre a ROCCA e RETOUR, que, ao rever as definies sobre participao,
extraem como varivel comum e fundamental a referncia a um processo de
influncia, poder, controle e interveno. Nessa perspectiva, concluem esses
autores que participao ato de influir, de exercer controle, de ter poder, de
estar envolvido ativamente (27).
A participao como estratgia social (28) desempenha um papel
importante na reduo da alienao (29) dos colaboradores das organizaes
pblicas ou privadas na tomada de deciso, na resoluo de problemas e na
implantao de mudanas institucionais, o mesmo acontecendo aos cidados com
relao ao Estado, ou seja, a participao aumenta a legitimidade e viabiliza um
maior controle social das aes pblicas.
A administrao participativa tem despertado interesse de vrios
tericos de organizaes e tm sido cada vez mais constantes os debates sobre
esse tema. VENOSA observa ainda que diversos pases como os Estados Unidos,
27 ROCCA, Santiago & RETOUR, Didier apud, MENDONA, Luis Carvalheira de - op. cit., p.
48. 28 MENDONA analisa as quatro categorias de concepes sobre a participao atribudas por
DACHLER e WILPERT: viso socialista; teoria democrtica; relaes e desenvolvimento humano;
produtividade e eficincia. (MENDONA, Luis Carvalheira de - op. cit., p. 29 - 35). 29 Segundo MOTTA a alienao faz com que o indivduo no se sinta parte ativa do processo de
deciso e ao; seus poderes e sua capacidade de contribuio parecem alijados da organizao
do trabalho. Ele se torna passivo, dependente, e passa a encontrar em si prprio e no contexto em
que atua justificativas para pessimismo, frustrao e acomodao. A organizao perde
oportunidades reais de contribuio, alm de serem negligenciadas, em nvel individual, as
perspectivas de realizao pessoal e profissional. (...) Na vida diria, a alienao reflete-se na
despreocupao com a produtividade, na falta de iniciativa e, sobretudo, na apatia, submisso e
alta dependncia das chefias. s vezes, dirigentes erradamente julgam essas caractersticas de
alienao inerentes natureza humana no trabalho, devendo ser compensados por presses de
autoridade. Utilizam-se de seu poder formal para reduzir a passividade e obter ndices mnimos de
eficincia. Essa prtica acaba por reforar as crenas mtuas sobre tutelagem das chefias e sobre
necessidades e presso para obteno de resultados, ou seja, mantm-se o status quo de baixa
satisfao e produtividade. (MOTTA, Paulo Roberto Gesto Contempornea: A cincia e a
arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1991. p. 161).
28
Sucia, Polnia, dentre outros, tm experimentado esta tcnica administrativa com
relativo sucesso e afirma que a definio de administrao participativa no uma
utopia moderna (30).
Ao descrever administrao participativa, MAXIMIANO menciona
que, na prtica das organizaes, alm dos funcionrios e fornecedores, os
clientes tambm so consultados para determinadas decises. Essas
organizaes tm a preocupao de estar sempre em sintonia com o ambiente
interno e externo, recebendo informaes teis para o aprimoramento de sua
gesto (31).
Ressalta ainda esse autor que a Administrao Participativa um
dos campos mais complexos da moderna teoria da Administrao, uma vez que
envolve, alm de diversos conceitos e tcnicas, um avanado contedo filosfico-
doutrinrio. Ao conceituar Administrao Participativa, faz algumas consideraes
tais como:
* Participar no natural nos modelos convencionais mecanicistas da
administrao, especialmente no modelo Taylor-Ford;
* A alienao desperdia o potencial de contribuio intelectual das pessoas, ou
seja, desperdia capital intelectual;
* A participao aproveita esse potencial, contribuindo para aumentar a
qualidade das decises e da administrao, a satisfao e a motivao das
pessoas, fatores fundamentais para a resoluo criativa dos problemas
organizacionais;
* Aprimorando a deciso e o clima organizacional, a administrao participativa
contribui para aprimorar a competitividade e a eficincia das organizaes, em
especial neste tempo de rpidas mudanas econmicas e sociais (32).
Ao analisar as bases organizacionais da participao, MOTTA
conclui que o conceito de participao na teoria gerencial est relacionado,
30 VENOSA, Roberto - op. cit., p. 80 83. 31 MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru Teoria Geral da Administrao op. cit., p. 340. 32 Ibidem, p. 322.
29
especialmente, com os fatores conflito e cooperao e que esses dois fatores tm
importncia singular na organizao como sistema dinmico e aberto.
Confirmando a importncia da participao no contexto do novo
modelo de Administrao Gerencial, observa que, modernamente, so mais livres
nas organizaes as manifestaes individuais e grupais na busca de seus
interesses e consideram incuas e prejudiciais eficincia os
constrangimentos clssicos livre expresso e circulao de idias, baseados
na hierarquia formal. Nestes novos tempos, devem ser incentivadas, no mbito
das organizaes, a liberdade, a iniciativa e a democracia (33).
Abordando o conflito como fator inerente ao meio organizacional,
o autor citado enfatiza trs principais correntes de pensamento sobre esse fato
administrativo:
* A primeira corrente trata o conflito como sendo essencialmente de interesses,
existente no sistema social externo e trazido organizao do trabalho. As
formas de relao de trabalho refletem a estrutura social externa (...).
* A segunda corrente v o conflito como essencialmente de papis em nvel
organizacional, resultante de adaptaes sociais impostas organizao da
produo, fruto da evoluo tecnolgica e econmica (...).
* Finalmente, a terceira corrente trata o conflito como sendo essencialmente de
personalidade e de percepo em nvel individual e de pequenos grupos
organizacionais (34).
A participao nas organizaes, segundo esse autor, tem por
misso ser um instrumento de estmulo para a cooperao e soluo de conflitos.
Ressalta ainda que para os que admitem ser o conflito proveniente de fatores
organizacionais e individuais, a participao normalmente considerada uma
forma eficaz de soluo, acomodaes ou equilbrio, entre grupos divergentes
(35).
33 MOTTA, Paulo Roberto - Gesto Contempornea: A cincia e a arte de ser dirigente - op.
cit., p. 152 153. 34 Ibidem, p. 152 153. 35 Ibidem, p. 159.
30
Para a viabilizao do processo participativo, dois condicionantes
so fundamentais: os fatores psicossociais e o tipo de estrutura da organizao,
lembrados por VENOSA, quando ressalta que a Administrao Participativa, por
ser considerada complexa e multifacetada, pressupe que as pessoas afetadas
pelas decises devem fazer parte do processo de tomada de deciso,
considerados os seguintes aspectos:
* a estrutura organizacional;
* a dinmica interna dos processos decisrios;
* as variveis psicossociais que afetam o comportamento dos participantes
(36).
Ainda segundo o autor, o processo de socializao do indivduo
influencia fortemente a forma como este percebe a organizao e tambm
determina as normas de seu comportamento, ajustadas sua exposio
organizacional posterior (37).
VENOSA lembra ainda que o homem, desde o seu nascimento e
por toda a sua vida, convive com organizaes de estruturas hierarquizadas,
sendo esta a forma determinante de como ele perceber todas as organizaes no
tocante aos processos de comunicao e de tomada de deciso. Neste caso,
sentencia o autor, que mantendo-se esta viso organizacional, a participao (...)
dificilmente ser atingida nas formas organizacionais existentes (38).
Quanto s variveis psicossociais que afetam o comportamento
das pessoas envolvidas no processo participativo, importante enfatizar que este,
de um certo modo, requer uma relao de confiana mtua para que se torne
ainda mais produtivo.
36 VENOSA, Roberto - op. cit., p. 81 87. 37 Ibidem, p. 81 87. 38 Ibidem, p. 81 87.
31
Os participantes, sejam subordinados ou dirigentes, tm vises e
comportamentos diferentes quanto ao processo participativo (39). O subordinado
pode no estar preparado para este processo, e o dirigente pode ter suas
expectativas frustradas diante das presses exercidas pelas reivindicaes
decorrentes do embate democrtico. Os dirigentes consideram trs fatores
inibidores da funo gerencial decorrentes da participao dos trabalhadores nas
decises da organizao: dispndio maior de tempo no processo de deciso,
interferncia de pessoal no-qualificado e reduo das prerrogativas de poder na
gerncia (40).
Analisando o comportamento dos dirigentes diante de certas
situaes do processo participativo, MOTTA conclui que estes muitas vezes se
frustram, a ponto de argumentarem desfavoravelmente participao, quando, ao
iniciarem o processo participativo, na expectativa de um exerccio maior de
cooperao e de novos nveis de satisfao no trabalho, surpreendem-se com o
excesso de crticas, questionamentos e reivindicaes sobre condies de
trabalho (41).
Quanto estrutura organizacional, em relao ao segundo fator
condicionante da participao, pode-se verificar que certos tipos de estrutura
geram obstculos participao, enquanto outros podem facilitar este processo.
Analisando as implicaes da estrutura organizacional no processo
de participao, MENDONA observa que certos tipos de estrutura criam
obstculos participao, ao passo que outras estruturas como que viabilizam tais
39 ROSINHA CORRION ressaltando o comportamento das pessoas participantes diante dos
estmulos da organizao, no se podendo esperar respostas uniforme e homogneas
participao oferecida, concluiu que nem todos os indivduos desejam o comprometimento mental
com a tarefa que realizam. (Apud, VENOSA, Roberto - op. cit., p. 57). 40 MOTTA, Paulo Roberto - Gesto Contempornea: A cincia e a arte de ser dirigente - op.
cit. p. 175. 41 Ibidem, p. 164.
32
solues. (...) Em outras palavras, a participao como processo precisa ter seu
efetivo desdobramento ao nvel da estruturao da organizao (42).
Outro aspecto digno de nota a natureza das tarefas. Existem
tarefas que, por sua natureza, no comportam solues participativas. Essa
questo foi considerada por KANTOR, ao afirmar que nem sempre a participao
o melhor caminho para executar tarefas. Existem circunstncias sob as quais
decises autoritrias, unilaterais ou a delegao a uma pessoa faz mais senso (...)
idealmente o problema que determina o veculo, se participao ou no (43).
Nesse contexto, poder-se-ia questionar: se h uma sociedade
esclarecida e se existe de forma percebvel uma insatisfao dessa sociedade
quanto ao processo tributrio brasileiro, por que o Estado no discute com
transparncia junto a essa sociedade as formas de obteno e aplicao dos
recursos pblicos, a fim de conscientiz-la e, em parceria com ela, tentar reduzir o
antagonismo existente entre o Estado, o cidado-contribuinte e o nvel de evaso
fiscal?
Quanto capacidade do povo em tomar parte das decises
pblicas que dizem respeito cidadania (44), vale lembrar o que ressalta WALKER
(45): (...) toda forte tradio autoritria da comunidade se ope s prticas de
participao na empresa, sobretudo se esta tradio existe no crculo familiar na
forma de educar os filhos (46). Com base nesse mesmo raciocnio, DACHLER e
42 MENDONA, Luis Carvalheira de op. cit., p. 50. 43 KANTOR, Rosabeth apud, MENDONA, Luis Carvalheira de - op. cit., p. 59. 44 Para um aprofundamento sobre a cidadania no Brasil ver DaMATTA, Roberto A Casa & A
Rua: Espao, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil. 5 Edio. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p.
80. 45 WALKER, K. apud, MENDONA, Luis Carvalheira de op. cit., p. 49. 46 MENDONA ao se referir a prtica da participao no Brasil atribui trs caractersticas de
nosso carter. Ele afirma que do autoritarismo econmico ao autoritarismo social, a passagem
tambm no difcil no Brasil. Se ns entendermos cultura como o sistema de valores, hbitos e
cosmoviso de um povo, conforme Enrique Saraiva, podemos assimilar que trs grandes
caractersticas compem o nosso carter, a saber: autoritarismo, personalismo e relaes de
amizade. (...) as relaes de amizade ou de lealdade a grupos ou a famlias como que
33
WILPERT concluram que certas organizaes, inseridas na sociedade, tais como
a famlia, a igreja, a escola e o governo, cujos fundamentos repousam em
princpios autocrticos, tendero a considerar que seus membros no dispem
das aptides necessrias implantao de tal modelo (47).
Quanto capacidade do povo para participar das decises
coletivas, PEREIRA & FONSECA concluram que um povo desenvolvido um
povo equilibrado que busca o novo por intermdio da participao popular, da
adequao dos objetivos e prioridades s reais necessidades da sociedade, da
viabilidade e integrao dos recursos e esforos. Associando o processo de
desenvolvimento ao processo participativo, os autores asseguram que a
governabilidade um conceito importante porque, medida que a populao se
torna mais esclarecida, mais educada e mais bem informada, cresce a demanda
por servios em quantidade e qualidade (48).
As funes positivas da participao, sob o ponto de vista
econmico, social, poltico, organizacional e psicolgico, so analisadas por
MOTTA, conforme se observa no quadro abaixo (49):
domesticam a impessoalidade da burocracia weberiana no Brasil. (...) prtica de
apadrinhamento (o lado benevolente do autoritarismo). (...) nepotismo. (...) A essas prticas no
entanto, a igualdade do princpio da participao se ope. (...) no mbito organizacional
propriamente dito e na esfera do setor pblico, o processo administrativo dos rgos pblicos tem
revelado reas de srios estrangulamentos e emperramento no seu sistema decisrio, em aberta
e direta coliso com os princpios e prticas da participao do cidado. (MENDONA, Luis
Carvalheira de op. cit., p. 101 - 102). 47 DACHLER & WILPERT apud, MENDONA, Luis Carvalheira de op. cit., p. 49. 48 PEREIRA, Maria Jos Lara de Bretas & FONSECA, Joo Gabriel Marques Faces da
Deciso: As Mudanas de Paradigmas e o Poder da Deciso. So Paulo: Makron Books,
1997. p. 156. 49 MOTTA, Paulo Roberto - Gesto Contempornea: A cincia e a arte de ser dirigente - op.
cit., p. 176.
34
Dimenso Funo Positiva Primordial Conceito
Econmica
Eficincia
Melhorar a eficincia e a eficcia da
gerncia, proporcionando melhor
produo e produtividade.
Social Distribuio e Segurana Melhorar a distribuio dos
benefcios do trabalho entre
aqueles que colaboram na obteno
dos resultados e aumentar a
segurana social do emprego.
Poltica Democratizao e
Descentralizao
Redistribuir o poder na
organizao, afim de que seus
membros tenham maior influncia
nas decises sobre seu destino
profissional e sobre o destino de
sua organizao.
Organizacional Integrao Aumentar a interao e o
compartilhamento de valores
visando a desenvolver a
identificao, a lealdade e a
aceitao de valores comuns.
Psicolgica Auto-realizao Satisfazer aspiraes individuais de
iniciativa e criatividade e assegurar
melhor integrao e interao com
o grupo organizacional de
referncia.
Quadro I: Funes Positivas da Participao por Dimenses Especficas.
Fonte: MOTTA, Paulo Roberto - Gesto Contempornea: A cincia e a arte de ser dirigente -
op. cit., p. 176.
Considerando o contexto social e a moderna administrao,
ressaltem-se os pontos enumerados por MENDONA como facilitadores ou
inibidores da implementao da administrao participativa:
35
Sinais contrarios participao
* a natureza intrnseca do funcionamento do capitalismo no Brasil, gerando
descomunal exrcito de reserva nas cidades brasileiras e reproduzindo
condies de trabalho prximas quelas da Revoluo Industrial britnica;
* ao nvel cultural, os trs aspectos analisados do autoritarismo, a saber,
autocracia, personalismo e lealdade pessoais;
* a ao/omisso do Estado na gesto social da fora de trabalho;
* a prpria composio da sociedade brasileira de meios-cidados social e
politicamente;
* a ausncia de trabalhadores em rgos que geram recursos deles
arrecadados;
* uma esclerosada e fechada prxis administrativa da administrao pblica
impermevel visibilidade e participao do cidado/usurio.
Sinais favorveis participao
* o clima de democracia poltica experimentado no pas;
* a prpria organizao em nvel capilar e vascular dessa mesma sociedade,
atravs dos movimentos sociais urbanos;
* destacada e vigorosa atuao das Comunidades Eclesiais de Base CEBs;
* o discurso abrandado dos tcnicos de R.H. no pas, chamando ateno para
o aspecto social e humano da organizao;
* a mobilizao por participao interna de funcionrios pblicos;
* os prprios meios de comunicao, massificando informaes e relativizando
essa rigidez cultural (50).
Em seu relatrio apresentado American Telephone & Telegraph
Company AT&T, TOFFLER afirmou que o problema da participao ampliada
referente tomada de decises nas organizaes precisa de um tratamento mais
imaginativo do que tem recebido. Props o que chamou de estratgias
alternativas para participao pblica nas decises organizacionais e tambm que
estava convencido de que h plena justificativa para o envolvimento pblico em
determinados processos de deciso empresarial, com base tanto na eficincia
quanto na justia (51).
50 MENDONA, Luis Carvalheira de op. cit., p. 105. 51 TOFFLER, Alvin A Empresa Flexvel. 4 Edio, Rio de Janeiro: Ed. Record, 1985. p. 223.
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Segundo esse autor,
as presses para a participao pblica na formulao da poltica das
corporaes ou novos mecanismos que garantam a responsabilidade social da
companhia provavelmente se tornaro ainda mais intensos nos prximos anos.
(...) as presses para a responsabilidade empresarial e a participao pblica
no so primariamente o resultado da agitao antiempresarial de
contestadores, mas derivam de mudanas profundas na sociedade. Por esse
motivo, creio que qualquer tentativa de ignorar o problema ou contorn-lo com
gestos vazios no apenas fracassaria, mas tambm funcionaria como um
bumerangue acarretaria ataques e perigos desnecessrios para a corporao.
um grave erro encarar a presso para a participao apenas em termos de
ameaas s prerrogativas empresariais (52).
A aceitao da participao pblica, segundo TOFFLER, alm de
ser um ato de boa-f e de boa cidadania, aperfeioa imensamente os esforos de
planejamento e de obter informaes antecipadas, o que facilita a tomada de
deciso e a adaptao s mudanas.
Como modelo mais eficiente de participao pblica, TOFFLER
apresenta o Modelo de Alerta Prvio, que consiste na criao de um Conselho de
Assessores Pblicos com certa autonomia e atribuies definidas.
MARQUES, que chamou a gesto participativa de Administrao
Solidria, considera o autoritarismo e a dominao exerccio esprio do poder. A
autora manifestou preocupao com o lado enganoso da administrao
participativa ao afirmar que
proclamar a administrao solidria pode ser, mais uma vez, um modo de lidar
com uma realidade, iludindo-se de que est fazendo alguma coisa para
beneficiar as pessoas, os grupos, a instituio, o Pas, mas, de fato, poder-se-
estar incorrendo na montagem de uma cortina de fumaa que impede de ver
os conflitos em toda sua nudez, na desesperada busca de cada um
(individualismo), para sobreviver na selva das relaes humanas aguerridas que
supe, sempre, a vitria dos mais fortes (competio). Essa luta torna os
52 Ibidem, p. 223 224.
37
esquemas de colaborao facilitadores inocentes para a tomada de espaos
pelos mais vivos, sempre ambicionando assegurar para si os lugares ao sol,
no se importando se todos os demais ficam eternamente na sombra, sem
calor, sem brilho e sem nutrio para suas legtimas aspiraes (53).
Conclui que, para a administrao solidria, deve ficar claro o
papel das organizaes como estruturas sociais, cuja finalidade atingir
determinados objetivos econmicos, sociais ou polticos (54).
Observa-se que no h como desconsiderar a participao, seja
do cidado-cliente e dos empregados no mbito das organizaes privadas, seja
do cidado-contribuinte e dos servidores no mbito das organizaes pblicas, por
se tratar de realidade que reflete uma ansiedade coletiva e por se sentirem no
direito de opinar sobre decises que os afetam.
1.2.2 NVEIS E GRAUS DE PARTICIPAO
O processo de participao, segundo BORDENAVE (55), constitui-
se numa necessidade humana em que, do ponto de vista progressista, a
participao faz crescer a conscincia crtica dos membros participantes, fortalece
seu poder de reivindicao e os prepara para adquirir mais poder, alm de facilitar
o processo de resoluo dos conflitos.
Acredita-se que a gesto participativa dever ser pautada por uma
co-responsabilidade de senso tico e por uma grande conscincia social, tendo
sempre a preocupao de jamais comprometer o interesse pblico e o equilbrio
financeiro do Estado.
53 MARQUES, Juracy Cunegatto Administrao Participativa: Poder, Conflito e Mudana na
Escola. Porto Alegre: Ed. SAGRA, 1987. p. 87. 54 Ibidem, p. 143. 55 BORDENAVE, Juan E. Diaz O Que Participao. So Paulo: Ed. Brasiliense, 1983. p. 12.
38
O autor citado enumerou o que chamou de alguns princpios da
participao:
* A participao uma necessidade humana e, por conseguinte, constitui um
direito das pessoas;
* A participao justifica-se por si mesma, no por seus resultados;
* A participao um processo de desenvolvimento da conscincia crtica e de
aquisio de poder;
* A participao leva apropriao do desenvolvimento pelo povo;
* A participao algo que se aprende e aperfeioa;
* A participao pode ser provocada e organizada, sem que isto signifique
necessariamente manipulao;
* A participao facilitada com a organizao e a criao de fluxos de
comunicao;
* Devem ser respeitadas as diferenas individuais na forma de participar;
* A participao pode resolver conflitos mas tambm pode ger-los;
* No se deve sacralizar a participao: ela no panacia nem
indispensvel em todas as ocasies (56).
Referindo-se aos graus e aos nveis de participao, o autor
considerou que o grau de participao varia num continuum desde o menor, que
a informao outra parte aps tomada a deciso, sem ouvir seu ponto de vista,
at a autogesto, que consiste numa independncia do grupo na conduo da
organizao, projeto ou atividade. Entre esses dois pontos, tem-se a consulta
facultativa ao grupo, a consulta obrigatria ao grupo, a elaborao de
recomendaes pelo grupo, a co-gesto ou compartilhamento e a delegao.
Os nveis de participao que dizem respeito importncia das
decises apresentam a seguinte variao:
Nvel 1 Formulao da doutrina e da poltica da instituio;
Nvel 2 Determinao de objetivos e estabelecimento de estratgias;
Nvel 3 Elaborao de planos, programas e projetos;
Nvel 4 Alocao de recursos e administrao de operaes;
56 Ibidem, p. 76 81.
39
Nvel 5 Execuo das aes;
Nvel 6 Avaliao dos resultados (57).
A democracia participativa conduz a populao a nveis cada vez
maiores de participao decisria, eliminando a diviso de funes entre aqueles
que planejam e decidem no topo da organizao e os que executam e sofrem as
conseqncias das decises na base. Considera-se ainda a participao uma
habilidade que, por no ser inata, deve ser aprendida e aperfeioada
continuamente pelo homem, assim tambm as foras e operaes que constituem
a dinmica da participao devem ser compreendidas e dominadas pelas pessoas
(58). Na verdade, parece evidente que a melhor maneira de se aprender a
participar praticando a participao no dia-a-dia.
No contexto do modelo de Administrao Gerencial, a participao
deve acontecer de forma mais ampla e democrtica para que os resultados e as
decises possam ser compartilhadas com todos os envolvidos.
1.2.3 TIPOS DE PARTICIPAO
O termo participao, em sentido amplo, compreende todas as
formas e meios pelos quais os membros de uma organizao, individual ou
coletivamente, podem influenciar o destino dessa organizao e contribuir para a
democratizao do poder.
57 Ibidem, p. 33 - 34. 58 Ibidem, p. 46 52.
Como soluo do problema do despreparo do cidado para fazer parte da democracia
participativa, BOBBIO afirma que o nico modo de fazer com que um sdito se transforme em
cidado pelo prprio exerccio da prtica democrtica, ou seja, a educao do cidado para o
processo participativo est na prpria participao. (BOBBIO, Noberto O Futuro da
Democracia. 7 Edio. So Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 43).
40
Existem diversas maneiras para exprimir a adeso participao,
segundo BORDENAVE:
* a participao espontnea, decorrente das decises pessoais de pertencer a
um determinado grupo, expressar, dar e receber afeto ou obter reconhecimento
e prestgio;
* a participao imposta, em que o indivduo obrigado a realizar aes ou
atividades consideradas indispensveis pela lei ou pela autoridade constituda,
caracterizando-se como uma obrigao, mais do que como uma deciso;
* a participao voluntria, comum nas equipes de trabalho, onde os integrantes
do grupo tm liberdade de decidir sobre metas, estratgias, recursos e diviso
de trabalho;
* a participao provocada por agentes externos no sentido de ajudar uma
pessoa ou grupo a tomar decises, como por exemplo, a terapia, as situaes
de consultoria, treinamento, grupo de trabalho etc;
* a participao concedida, tpica dos programas de gesto participativa em que
os empregados recebem delegao para tomar decises, dentro de regras e
estratgias preestabelecidas e consideradas legtimas por ambas as partes;
* a participao conquistada, em que as pessoas ou grupos adquirem
autonomia para intervir em processos de deciso ou gesto ou para apropriar-se
de parte dos resultados, mesmo contra a vontade de outros atores (59).
Caracteriza-se basicamente a participao em dois tipos:
* participao direta quando o indivduo age isoladamente,
procurando influenciar as decises organizacionais e nelas interferir;
* participao indireta quando a vontade do indivduo se
manifesta por meio de representantes escolhidos por eles para represent-los
junto s instituies.
As formas de participao indireta so classificada por MOTTA em
quatro grandes grupos (60):
59 BORDENAVE, Juan E. Diaz op. cit., p. 27 30. 60 MOTTA caracteriza as duas primeiras formas essencialmente como formas de consultas e
negociaes e as duas ltimas como forma de co-determinao e autodeterminao em nvel
empresarial. (MOTTA, Paulo Roberto Gesto Contempornea: A cincia e a arte de ser
dirigente - op. cit. p. 165 173).
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* comits de empresa ou de estabelecimento;
* negociao coletiva;
* co-gesto;
* autogesto.
Referindo-se aos tipos de participao, MENDONA caracteriza a
participao direta como psicolgica e pessoal, e a participao indireta como
sociolgica, poltica e coletiva. Afirma ainda existir uma longa distncia
separando a teoria e a prtica da participao (61).
Na concepo de MOTTA, a participao direta necessita ser
complementada pela participao indireta, sendo que a primeira tem algumas
limitaes, dentre elas:
* afetar principalmente a rea gerencial e quadros tcnicos, e os trabalhadores
e funcionrios de nvel hierrquico mais baixo;
* no influenciar significativamente decises de distribuio, isto , as decises
de reparties dos resultados do trabalho e da produo;
* no possuir carter de representao da coletividade de trabalhadores ou de
outros grupos profissionais especficos da empresa e, portanto, pouco contribuir
para mudar as relaes de controle e superviso da produo, no relacionando
variveis fundamentais do trabalho, como esforo-recompensa ( 62).
A crena na existncia de interesses comuns o que justifica as
formas de participao; dessa forma, v-se aumentado o grau de cooperao e
eficcia na resoluo dos conflitos, quando esses interesses comuns so
reforados (63).
O mesmo autor ressalta que do ponto de vista administrativo, o fenmeno mais importante do
sculo o desenvolvimento nos pases avanados das formas de participao. (MOTTA, Paulo
Roberto apud, MENDONA, Luis Carvalheira de - op. cit., p. 66). 61 MENDONA, Luis Carvalheira de Mendona - op. cit., p. 52. 62 MOTTA, Paulo Roberto - Gesto Contempornea: A cincia e a arte de ser dirigente - op.
cit., p. 164 165. 63 Ibidem, p. 174.
42
Percebe-se, ento, que os dois tipos de participao, direta e
indireta, podem se complementar no mbito social e no mbito das organizaes
por no serem mutuamente excludentes.
1.2.4 - CONSIDERAES SOBRE A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
No mbito das aes governamentais, a democracia participativa
est avanando devido ao crescimento da conscincia poltica do cidado.
A democracia, que nasceu dos ideais filosficos do povo grego, ao
longo da histria, mesmo sofrendo alguns percalos, tem se constitudo num
marco para a sociedade do sculo XX que, apesar das inmeras guerras, foi
talvez o perodo da histria em que mais se tenha contribudo para a consolidao
da democracia, graas ao desenvolvimento social que elevou o nvel de
conscientizao do cidado.
A importncia da democracia nos dias atuais , para
BONAVIDES, mais do que um simples sistema de governo, uma modalidade de
Estado, um regime poltico ou mesmo uma forma de vida, pois tende a se
converter, ou j se converteu, no mais novo direito dos povos e dos cidados.
direito de qualidade distinta, direito que eu diria da quarta gerao (64).
A atual Constituio Brasileira (65) preconiza em seu prembulo
que foi institudo um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma
64 BONAVIDES, Paulo Teoria do Estado. 3 Edio. So Paulo: Malheiros Editores, 1995. p.
349. 65 Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Coleo Saraiva de Legislao. 22a Edio.
So Paulo: Ed. Saraiva, 1999. p. 01.
BONAVIDES sentencia que o princpio representativo, mortalmente ferido de ilegitimidade em
todas as pocas do Brasil, republicano, s tem servido de perpetuar o domnio inarredvel das
oligarquias. (BONAVIDES, Paulo Teoria do Estado - op. cit., p. 361).
43
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social
(...). Estabeleceu ainda, no Pargrafo nico do artigo 1, o nobre princpio
democrtico segundo o qual todo poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio (66). Com
isso, ficou estabelecida a origem do poder popular e a forma de sua expresso por
meio da democracia direta e da democracia representativa.
A participao do cidado nas aes governamentais
considerada por KOHEN uma das maiores caractersticas do sistema democrtico.
Porm, adverte ser quase impossvel, na prtica, incluir nessa participao direta a
totalidade das pessoas que formam as comunidades polticas, tendo em vista a
complexidade das sociedades contemporneas (67).
BOBBIO tambm observa que a democracia no goza no mundo
de tima sade, como de resto jamais gozou no passado, mas no est beira do
tmulo. Para ele, o modelo do Estado democrtico fundado na soberania popular,
idealizado imagem e semelhana da soberania do prncipe, era o modelo de uma
sociedade monstica. E considera que a sociedade real, subjacente aos governos
democrticos, pluralista (68).
No aspecto poltico-ideolgico, a democracia participativa se d de
duas formas - Democracia direta e Democracia indireta ou representativa -,
existindo entre elas um contnuum que apresenta uma variedade de formas
intermedirias (69).
66 Constituio da Repblica Federativa do Brasil - op. cit., p. 03. 67 KOHEN, Beatriz Poder Cidado e aes de interesse pblico um exemplo de controle a
partir da sociedade civil: o programa de participao e fiscalizao cidad na Argentina, In:
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser & GRAU, Nuria Cunill (Orgs.) O Pblico No-Estatal na
Reforma do Estado, Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio Vargas, 1999. p. 365. 68 BOBBIO, Noberto O Futuro da Democracia - op. cit., p. 19 e 36. 69 Segundo BOBBIO, estes dois sistemas de democracia no so alternativos, mas so sistemas
que podem integrar reciprocamente. (Ibidem, p. 65).
44
A democracia indireta ou representativa assinalou politicamente a
fase estreante do Estado de Direito, segundo BONAVIDES. Ele refora a
argumentao de BOBBIO ao afirmar que a existncia da democracia no significa
que diversas outras formas de representao sejam desconsideradas ou
eliminadas, sem o que, argumenta esse autor, no haveria essa democracia (70).
H uma relao histrica entre o Estado democrtico e o Estado
burocrtico. Os Estados que se democratizaram tambm se tornaram mais
burocratizados, como conseqncia do processo de democratizao (71). Por outro
lado, tecnocracia e democracia so consideradas antitticas por BOBBIO. O
argumento do autor que a condio de especialista, protagonista da sociedade
industrial, no para qualquer cidado, o que no se coaduna com os princpios
da democracia por esta sustentar a hiptese de que todos os cidados podem
decidir sobre tudo que lhe diz respeito (72).
Um ponto que vale ressaltar so os dois extremos do processo
participativo. De um lado, o excesso de participao do cidado em todos os atos
do Estado, o cidado total, do outro, o poder excessivo do Estado que no
permite qualquer participao, o Estado total. evidente que o processo ideal
deveria se situar num ponto intermedirio, onde as questes comuns fossem
70 BONAVIDES, Paulo Teoria do Estado - op. cit., p. 354 e 366.
KOHEN, analisando a importncia da representao poltica como mediadora dos interesses do
cidado, no considera o direito de votar como suficiente representao poltica, sendo esta
instrumento de aes em defesa dos direitos do cidado, por restringir a sua participao. Sugere
uma evoluo da democracia representativa para uma etapa posterior, marcada pelo