Universidade Luterana Do Brasil

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  • UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL - ULBRA

    EDUCAO A DISTNCIA

    Coleo Educao a Distncia

    Srie Livro-Texto

    Dejalma Cremonese

    DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E CONTROLE SOCIAL

    Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil

    2009

  • SUMRIO

    INTRODUO

    ......................................................................

    ....................................................... 4

    UNIDADE 1 - PARTICIPAO COMO PRESSUPOSTO ESSENCIAL DA

    DEMOCRACIA

    ......................................................................

    ...................................................... 6

    1.1 Diferentes formas de participao

    ......................................................................

    ....................... 6

    1.2 Origem e evoluo da democracia

    ......................................................................

    .................... 10

    UNIDADE 2 - DEMOCRACIA FORMAL: PARTICIPAO RESTRITA NA AMRICA

    LATINA

    ......................................................................

    ................................................................ 13

    2.1 Democracia formal e participao restrita

    ......................................................................

    ........ 13

    UNIDADE 3 - O DEBATE SOBRE A PARTICIPAO NA TEORIA DEMOCRTICA

    CONTEMPORNEA

    ......................................................................

    ........................................... 18

    3.1 A teoria das elites

    ......................................................................

    .............................................. 18

    3.2 A teoria pluralista

    ......................................................................

    .............................................. 21

    3.3 A teoria neomarxista

    ......................................................................

    ......................................... 23

    3.4 A teoria participacionista

    ......................................................................

    .................................. 25

    UNIDADE 4 - O ESTADO DO BEM-ESTAR E A POLTICA SOCIAL

    ............................. 28

    4.1 As origens do Estado de Bem-Estar Social

    ......................................................................

    ....... 28

    4.2 A crise do modelo keynesiano

    ......................................................................

    .......................... 31

    4.3 Poltica Social

    ......................................................................

    .................................................... 32

    UNIDADE 5 O ESTADO, AS CONSTITUIES E OS DIREITOS SOCIAIS NO

    BRASIL: DAS ORIGENS ERA VARGAS

    ......................................................................

    ..... 34

    5.1 A herana colonial

    ......................................................................

    ............................................. 34

    5.2 As primeiras constituies

    ......................................................................

    ................................ 35

  • 5.3 A ampliao dos direitos sociais

    ......................................................................

    ....................... 37

    UNIDADE 6 O ESTADO, AS CONSTITUIES E OS DIREITOS SOCIAIS NO

    BRASIL: DO DESENVOLVIMENTISMO AOS NOSSOS DIAS

    ......................................... 40

    6.1 A Constituio de 1946

    ......................................................................

    ..................................... 40

    6.2 Os Direitos Sociais no Perodo da Ditadura militar

    ................................................................ 41

    6.3 A Constituio Cidad de 1988

    ......................................................................

    ......................... 42

    6.4 A necessidade de consolidar os direitos sociais

    ......................................................................

    43

  • UNIDADE 7 - O ESTADO NEOLIBERAL: EVOLUO E CRISE REPERCUSSES

    NO BRASIL

    ......................................................................

    .......................................................... 48

    7.1 As origens do neoliberalismo

    ......................................................................

    ............................ 48

    7.2 Consenso de Washington: reviso do neoliberalismo

    ............................................................. 51

    7.3 A implementao do neoliberalismo no Brasil

    ......................................................................

    . 52

    7.4 Conseqncias das polticas neoliberais no Brasil

    .................................................................. 54

    UNIDADE 8 - A REFORMA POLTICA NO BRASIL: ENTRAVES E PERSPECTIVAS

    ......................................................................

    ......................................................................

    .......... 60

    8.1 O financiamento pblico das campanhas eleitorais

    ................................................................ 60

    8.2 A questo da proporcionalidade e da representao

    ............................................................... 64

    8.3 Sobre a obrigatoriedade do voto

    ......................................................................

    ........................ 65

    8.4 A migrao de partido (troca-troca) e a fidelidade partidria

    ................................................. 67

    8.5 Lista pr-ordenada (fechada) ou aberta

    ......................................................................

    ............. 69

    8.6 Voto distrital ou voto misto

    ......................................................................

    ............................... 71

    8.7 A clusula de barreira

    ......................................................................

    ........................................ 72

    UNIDADE 9 - O CONTROLE SOCIAL E O ACCOUNTABILITY NO BRASIL

    ............... 76

    9.1 O excesso das Medidas Provisrias no Brasil

    ......................................................................

    ... 76

    9.2 O Accountability como instrumento de controle social

    .......................................................... 80

    UNIDADE 10 - SOCIEDADE CIVIL E CONSELHOS

    .......................................................... 83

    10.1 Conselhos, democracia e desenvolvimento

    ......................................................................

    ..... 88

    10.2 Conselhos Distritais: um exemplo local

    ......................................................................

    .......... 88

    REFERNCIAS

    ......................................................................

    .................................................... 92

  • INTRODUO

    Este livro um subsdio terico disciplina Democracia

    Participativa e Controle

    Social do curso de Gesto Pblica da Universidade Luterana do Brasil

    ULBRA (Modalidade -

    Educao a Distncia).

    O trabalho est dividido em dez unidades diferentes, cada uma delas

    abordando um

    tema especfico. A unidade inicial discute a questo da participao,

    a partir da etimologia e dos

    diferentes tipos de participao: convencional, no-convencional e

    comunitrio. Ainda nesta

    unidade, discute-se a questo da democracia, sua origem na Grcia

    Clssica e sua evoluo

    histrica at o debate na modernidade.

    A segunda unidade trata da questo da democracia formal e da

    democracia substancial

    (participativa) e suas implicaes na Amrica Latina. Percebe-se o

    predomnio da democracia

    formal polirquica em boa parte dos pases da Amrica Latina. No

    entanto, quando falamos em

    democracia substancial (participativa), as experincias so

    deficitrias. Alm da ausncia da

    democracia participativa, o continente apresenta dficit de democracia

    social e econmica: altos

    ndices de pobreza e desigualdade social.

    A terceira unidade trata da participao no debate da teoria

    democrtica contempornea

    (sculo XX). Discorre sobre a participao nas diferentes teorias: das

    elites, pluralista,

    neomarxista e participacionista e seus respectivos representantes.

    Na quarta unidade discute-se o tema do Estado de Bem-Estar Social e a

    sua relao com

    o tema das polticas sociais. O Estado de Bem-Estar Social tinha como

    funo bsica defender as

    polticas sociais (educao, sade, lazer e previdncia). Este modelo

    de Estado foi colocado em

    prtica logo aps a II Guerra Mundial em boa parte dos pases

    europeus.

    A quinta e a sexta unidades tm como objetivo debater a questo do

    Estado, das

    Constituies e dos Direitos Sociais no Brasil. A emergncia tardia do

    Estado brasileiro em

    comparao com outros Estados centrais favoreceu, de certa forma, para

    que os direitos sociais

  • fossem, da mesma forma, retardados. Por essa razo, somente a partir

    dos anos 30 do sculo

    passado que o Brasil passa a existir com um pensamento poltico, um

    Estado estruturado e uma

    sociedade organizada. A partir dessa dcada emergem os Direitos

    Sociais. A unidade quinta tem

    um recorte histrico das origens do Brasil (Colnia at a Era Vargas),

    a sexta unidade discute o

    Estado, as Constituies e os Direitos Sociais do Perodo

    Desenvolvimentista at os nossos dias.

    Na stima unidade discutem-se as transformaes do Estado brasileiro a

    partir das

    reformas neoliberais dos anos 90, suas implicaes e conseqncias.

    A oitava unidade apresenta a discusso da Reforma Poltica no Brasil.

    Por muitos anos

    este debate recorrente no meio poltico e na opinio pblica. No

    entanto, os avanos

    propriamente ditos so bastante modestos. A unidade discorre sobre o

    financiamento pblico de

    campanha, a questo da proporcionalidade, a obrigatoriedade do voto, a

    migrao partidria, a

    lista pr-ordenada, o voto distrital e a clusula de barreira, entre

    outros.

    A nona unidade discorre sobre o tema do controle social e do

    accountability no meio

    poltico. Trata especificamente do caso do excesso das Medidas

    Provisrias utilizadas de forma

    indiscriminada pelos governos nos ltimos anos.

    A ltima unidade apresenta uma teorizao sobre os diferentes

    instrumentos de

    participao da Democracia Direta (Referendo, Plebiscito e recall),

    juntamente com outras

    experincias da democracia participativa da sociedade civil:

    movimentos sociais, organizaes

    no-governamentais e Conselhos.

    UNIDADE 1 - PARTICIPAO COMO PRESSUPOSTO ESSENCIAL DA

    DEMOCRACIA

  • Entende-se que os diferentes canais de participao, tanto poltica

    quanto social,

    convergem para o surgimento do cidado que fomenta e consolida o

    processo democrtico, pois

    no h democracia sem seu ator principal, que o cidado (DEMO,

    1988, p. 71). Neste

    sentido, esta Unidade inicial discute aspectos gerais das diferentes

    formas de participao

    poltico-social (convencional, no convencional e comunitria) para,

    na segunda seo, discutir a

    questo da participao e da democracia na civilizao clssica dos

    gregos (breve evoluo

    histrica da democracia).

    1.1 Diferentes formas de participao

    A palavra participao, no plano conceitual, segundo Aurlio Buarque

    de Holanda

    (1988), origina-se do latim participatio e significa ato ou efeito de

    participar. J o verbo

    participar, dependendo do seu uso, pode ter vrios significados: a)

    fazer saber, informar,

    anunciar, comunicar; b) ter parte em; c) ter ou tomar parte; d)

    associar-se pelo pensamento ou

    pelo sentimento; e e) ter trao (s) em comum, ponto (s) de contato

    (s).

    Da mesma forma, para Avelar (2004, p. 225), participao provm de

    uma palavra

    latina cuja origem remonta ao sculo XV. Vem de participatio,

    participacionis, participatum.

    Significa tomar parte em, compartilhar, associar-se pelo sentimento

    ou pensamento.

    Na dimenso social, a participao entendida como um processo real,

    na qual pode-

    se v-la do ponto de vista das classes que operam na sociedade. A

    participao vista a partir da

    classe trabalhadora, das classes populares, como um processo de lutas

    em que a populao tenta

    assumir, buscar a sua parte. A palavra participar entendida como

    partem capere, que significa

    buscar, assumir, pegar a parte que deles, a parte que compete ao

    trabalho, o que vai ocasionar,

    muitas vezes, certos conflitos entre as classes, pois ningum vai

    abrir mo do espao ou da parte

    que ocupa. a participao vista no sentido das classes populares,

    que significa buscar e assumir

    o que delas: participao luta por direitos, luta por aquilo

    que seu, que lhe est sendo

    negado (PINTO, 1986, p. 28-31). Ou ainda como expressa Demo (1999, p.

    2): participao

    que d certo, traz problemas. Pois este seu sentido. No se ocupa

    espao de poder, sem tir-lo

    de algum.

  • Entende-se a participao no apenas como uma questo meramente

    social, mas,

    tambm, de ordem poltica. J o filsofo Aristteles afirmava que o

    homem , por natureza, um

    animal poltico (zoon) um ser vivente que, por sua natureza (physei),

    feito para a vida da

    cidade (bios politiks, derivado de polis, a comunidade poltica),1 ou

    seja, o fim ltimo do

    homem viver na polis, onde o homem se realiza como cidado

    (politai), manifestando o termo

    de um processo de constituio de sua essncia, a sua natureza. Ou

    seja, no apenas viver em

    sociedade, mas viver na politicidade. A verdadeira vida humana deve

    almejar a organizao

    poltica, que uma forma superior e at oposta simples vida do

    convvio social da casa (oikia)

    ou de comunidades mais complexas. A partir da compreenso da natureza

    do homem,

    determinados aspectos da vida social adquirem um estatuto

    eminentemente poltico, tais como as

    noes de governo, de dominao, de liberdade, de igualdade, do que

    comum, do que

    prprio.2 Aristteles defendia tambm a polis como uma koinonia de

    alguma espcie.

    Koinonia compreendida como comunho, integrao dos membros da polis

    com o propsito

    de se aperfeioarem e atingirem a autarkeia (FRIEDRICH, 1970).

    1 A polis, para Aristteles, , segundo a descrio de Kitto (1970, p.

    129), o nico ambiente, dentro do qual o

    homem pode concretizar as suas capacidades morais, espirituais e

    intelectuais; Barker (1978) afirma que a polis

    era uma sociedade tica (p. 16).

    2 Esta percepo mais poltica da convivncia humana foi percebida por

    Marx nos Grundrisse (Grundrisse der Kritik

    der politischen konomie 1857/58). Conferir Ramos (2001).

    3 O grego, por sua situao geogrfica e sua cultura (paidia),

    considera-se como privilegiado quanto

    possibilidade de realizar a virtude do homem: a Cidade - como

    comunidade consciente - precisamente a forma

    poltica que permite a explicitao da virtude (CHTELET, 1985, p.

    15).

    4 O fim da cidade, conforme a descrio de Prlot (1974, p. 135) no

    s assegurar aos cidados a vida e a sua

    conservao (zein), mas o viver bem (euzein). A vida poltica destina-

    se a garantir a qualidade e a perfeio da vida.

    A reflexo de Aristteles sobre a poltica que ela no se separa da

    tica, pois a vida

    individual est imbricada na vida comunitria. A razo pela qual os

    indivduos renem-se nas

    cidades3 (e formam comunidades polticas) no apenas a de viver em

    comum, mas a de viver

    bem ou a boa vida.4 Para que isso acontea, necessrio que os

    cidados vivam o bem

  • comum, ou em conjunto ou por intermdio dos seus governantes; se

    acontecer o contrrio (a

    busca do interesse prprio), est formada a degenerao do Estado.5

    5 Aristteles define a cidade grega como aquela que condiz em viver

    como convm que um homem viva. A

    Poltica, LIVRO I, 2: 1252 a 24 - 1253 a 37, (CHTELET, 1985, p. 14).

    6 Aristteles justificou a existncia da escravido por considerar que

    h homens escravos pela sua prpria natureza e

    somente um poder desptico (legtimo) capaz de governar. A viso que

    Aristteles tem sobre a mulher, os

    escravos e os estrangeiros (brbaros) a de seres excludos da

    cidadania (MINOGUE, 1998, p. 22).

    7 O trabalho intitulado A participao da sociedade na gesto pblica,

    de Srgio Allebrandt, 2002 (Dissertao de

    Mestrado) procura evidenciar, igualmente, a questo da participao

    nos diferentes momentos da vida poltica e

    social de Iju, mais especificamente na atuao dos conselhos

    municipais no processo de formulao,

    implementao e avaliao das polticas pblicas em Iju, no perodo

    de 1989 a 2000.

    Seguindo a idia de Aristteles, Ccero, no sculo I d.C., expressa o

    carter inato da

    sociabilidade entre os homens:

    a primeira causa da agregao de uns homens a outros menos a sua

    debilidade do que

    um certo instinto de sociabilidade em todos inato; a espcie humana

    no nasceu para o

    isolamento e para a vida errante, mas com uma disposio que, mesmo na

    abundncia

    de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum (CCERO, apud

    DALLARI, 2005,

    p. 10).

    No entanto, como j do nosso conhecimento, os filsofos Aristteles

    e Plato no

    deixaram de fazer severas crticas democracia (governo de muitos) na

    Grcia Antiga,

    principalmente ao exagero da participao nos processos polticos da

    poca. Plato, no Livro

    VIII de A Repblica, chega a classificar a democracia como uma forma

    degenerada de governo.

    Da mesma forma, para Aristteles, a democracia tenderia a defender os

    interesses dos pobres, e

    acabaria se deteriorando na sua capacidade de promover o bem comum.

    Expressivos defensores

    dos interesses da elite, Plato e Aristteles no viam com bons olhos

    o excesso da participao

    do governo de muitos que, em outras palavras, podemos generalizar

    para governo dos

    pobres.6

  • A participao integra o cotidiano da coletividade humana. Ao longo da

    vida e em

    diversas ocasies somos levados, por desejo prprio ou no, a

    participar de grupos e atividades.

    O ato de participar, tomar parte, revela a necessidade que os

    indivduos tm em associar-se na

    busca de alcanar objetivos que lhes seriam de difcil consecuo ou

    at mesmo inatingveis caso

    fossem perseguidos individualmente, de maneira isolada (ALLEBRANDT,

    2002, p. 47).7

    A participao entendida, assim, como uma necessidade em decorrncia

    de o

    homem viver e conviver com os outros, na tentativa de superar as

    dificuldades que possam advir

    do dia-a-dia. Participar significa tornar-se parte, sentir-se

    includo, exercer o direito cidadania

    (ter vez e voz). Como argumenta Demo (1999, p. 18), a participao

    conquista, um processo

    infindvel, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo [...]

    autopromoo e existe enquanto

    conquista processual. No existe participao suficiente, nem acabada

    [...]. A participao no

    pode ser entendida como ddiva, concesso ou como algo preexistente.

    Das diferentes formas de participao, pode-se definir a participao

    poltica como o

    nmero e intensidade de indivduos e grupos envolvidos na tomada de

    decises. Desde o tempo

    dos antigos gregos, a participao constituiu-se idealmente no

    encontro de cidados livres

    debatendo publicamente e votando sobre decises de governo. A teoria

    mais simples sempre foi

    que o bom governo depende de altos nveis de participao (OUTHWAITE;

    BOTTOMORE,

    1996, p. 559).

    A participao poltica pode ser entendida a partir de uma simples

    conversa com

    amigos e familiares at a aes mais complexas governos, eleies,

    partidos, movimentos

    sociais, referendos, abaixo-assinados. A emergncia da participao

    poltica surge juntamente

    com o Estado de soberania popular dos sculos XVIII e XIX, a partir da

    Revoluo Industrial, da

    emancipao poltica dos Estados Unidos da Amrica e da Revoluo

    Francesa. H, no

    entendimento de Avelar (2004), trs canais de participao poltica. O

    primeiro: canal eleitoral -

    diz respeito a formas de participao poltica em atividades como os

    atos de votar, freqentar

    reunies de partidos, convencer as pessoas a optar por certos

    candidatos e partidos, contribuir

    financeiramente para campanhas eleitorais, arrecadar fundos, ser

    membro de cpula partidria,

    candidatar-se. O segundo: canais corporativos - tm a ver com a

    representao de interesses

    privados no sistema estatal, organizaes profissionais e

    empresariais, as instncias do Judicirio

  • e do Legislativo. O terceiro: a participao pelo canal

    organizacional, que abrange as atividades

    que se do no espao no-institucionalizado da poltica, como os

    movimentos sociais (tnicos, de

    gnero, opo sexual...). Avelar (2004) conclui dizendo que o cidado

    interessado pela poltica

    se envolve ou atua tanto nos modos de participao convencional e no-

    convencional, pelos

    canais eleitorais ou organizacionais (p. 227).

    Da mesma forma, para Alves e Viscarra (2005, p. 170), a participao

    poltica pode

    ocorrer, igualmente, de trs formas distintas: a) a participao

    convencional, utilizada atravs de

    meios institucionais, autorizada ou regulada por leis ou normas, como

    votar em eleies,

    militncia partidria, entre outras; b) a participao no-

    convencional, referente s aes que

    utilizam meios extra-institucionais que contrariam as regras

    estabelecidas, incluindo ocupaes

    de prdios ou terrenos, obstruo de vias pblicas, etc; e a

    participao comunitria, que possui o

    maior apoio de comunidades locais. Como, por exemplo, organizaes

    no-governamentais,

    movimentos de bairros, voluntariado e associaes comunitrias, que,

    desde a dcada de 80,

    esto aumentando significativamente no Brasil.

    O conceito participao tornou-se, assim, parte do vocabulrio

    poltico popular no

    final dos anos 60 do sculo passado e, tambm, esteve ligado a uma

    onda de reivindicaes

    provindas de estudantes universitrios por maiores espaos na esfera

    da educao superior e

    ainda por parte de vrios grupos que queriam, na prtica, a

    implementao dos direitos

    teoricamente j institudos (PATEMAN, 1992, p. 9).

    Aps a elaborao da Constituio Federal de 1988, percebeu-se alguns

    avanos na

    democracia brasileira. notria a crescente participao da sociedade

    civil que busca, em

    sinergia com o Estado, a gesto e implementao de polticas pblicas,

    principalmente nas reas

    de seguridade social e de sade. A experincia de participao nos

    Conselhos Regionais de

    Desenvolvimento, Organizaes No-Governamentais (ONGs), Associaes

    Comunitrias,

    Oramento Participativo (OP), so exemplos de formas no-convencionais

    de participao

    poltica.8

    8

    Este trabalho ir desenvolver mais argumentos sobre outros meios de

    participao da sociedade civil Conselhos

    Gestores, Organizaes No-Governamentais (ONGs), Associaes

    Comunitrias, Oramento Participativo (OP) na

    Unidade final.

  • 9 A proposio desse ponto no aprofundar o debate sobre a origem da

    democracia clssica dos gregos e romanos

    (democracia antiga). No entanto, sugerimos alguns autores que tratam o

    tema: Anderson (1999), Arendt (1995),

    Hegel (1975), Minogue (1998), Kitto (1970), Jaeger (s.d), Chau

    (1994), Aranha e Martins (1993), Barker (1978),

    Aquino (1988), Pinsky (1984) e Coulanges (s/d). O desdobramento dos

    debates sobre o desenvolvimento do

    conceito de democracia, bem como os limites de seus pressupostos desde

    a democracia clssica ateniense at as

    vertentes contemporneas, j foram muito bem expostos nos trabalho de

    Held (1987) e Dahl (2001), entre outros.

    Concluindo esta seo, entende-se que est explcita a tomada de

    decises de

    indivduos e grupos na participao poltica. Da mesma forma, pode-se

    entender a democracia

    como sendo um sistema poltico no qual o povo tem o direito de tomar

    decises, em especial as

    decises bsicas determinantes a respeito de questes importantes de

    polticas pblicas

    (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 179).

    1.2 Origem e evoluo da democracia

    A palavra democracia, de origem grega, significa, pela etimologia,

    demos - povo e

    kratein - governar. Foi o historiador Herdoto quem utilizou o termo

    democracia pela primeira

    vez no sculo V antes de Cristo (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 179).9

    H um entendimento unnime sobre as vrias e possveis invenes da

    democracia

    em perodos e espaos determinados da histria e da geografia do

    Ocidente: como o fogo, a

    pintura ou a escrita, a democracia parece ser inventada mais de uma

    vez, em mais de um local

    [...] depende das condies favorveis (DAHL, 2001, p. 19). Grcia e

    Roma consolidaram por

    sculos seus sistemas de governos, possibilitando e permitindo a

    participao de um significativo

    nmero de cidados. Com o desaparecimento das civilizaes clssicas,

    a democracia desaparece

    juntamente e, por um bom tempo, ficar fora de cena no Ocidente.

    A democracia grega era uma democracia direta em que os prprios

    cidados

    tomavam as decises polticas na polis. O modelo de democracia dos

    antigos foi denominado de

    democracia pura, pois consistia em uma sociedade, com um nmero

    pequeno de cidados, que se

    reunia e administrava o governo de forma direta. J as democracias

    modernas nascem com a

    formao dos Estados nacionais e tendem a configurarem-se de maneira

    um tanto diferenciada.

  • A complexidade da sociedade moderna exige uma outra forma de

    organizao poltica, a da

    democracia indireta (tambm chamada de democracia representativa):

    essa combinao de

    instituies polticas originou-se na Inglaterra, na Escandinvia, nos

    Pases Baixos, na Sua e

    em qualquer outro canto ao norte do mediterrneo (DAHL, 2001, p. 29).

    J do ano 600 ao ano

    1000 d.C., os Vikings, na Noruega, faziam experincias com Assemblias

    Locais, mas s os

    homens livres participavam: abaixo dos homens livres estariam os

    escravos (p. 29). Tambm

    na Inglaterra, ainda no Perodo Medieval, emerge o Parlamento

    Representativo das Assemblias,

    convocadas esporadicamente, sob a presso de necessidades, durante o

    reinado de Eduardo I, de

    1272 a 1307.

    Bem mais tarde, nos sculos XV e XVI, a democracia reaparece

    gradativamente nas

    cidades do Norte da Itlia no perodo renascentista:

    Durante mais de dois sculos, essas repblicas floresceram em uma

    srie de cidades

    italianas. Uma boa parte dessas repblicas, como Florena e Veneza,

    eram centros de

    extraordinria prosperidade, refinado artesanato, arte e arquitetura

    soberba, desenho

    urbano incomparvel, msica e poesia magnfica, e a entusistica

    redescoberta do

    mundo antigo da Grcia e de Roma (DAHL, 2001, p. 25).

    assim que, lenta e gradativamente, a democracia vai consolidando-se

    nas

    sociedades avanadas da modernidade. Impulsionado pelas Revolues

    liberais, como a

    Revoluo Gloriosa na Inglaterra (1688/89), a Revoluo Americana

    (1776) e a Revoluo

    Francesa (1789), o homem moderno passa a ver garantida, nas suas

    respectivas Constituies, a

    defesa dos direitos individuais (vida, liberdade e propriedade). Tem-

    se a a consolidao da

    democracia liberal, defendida, principalmente, por John Locke.

    certo, porm, que tais direitos

    foram restritos a uma pequena parcela da populao, e a desigualdade

    perdurou por muito tempo:

    na Inglaterra, em 1832, o direito de voto era para apenas 5% da

    populao acima dos vinte anos

    de idade. O que est em jogo nas constituies liberais e nos sistemas

    polticos modernos so

    nica e exclusivamente os interesses da classe burguesa e o freamento

    da ampliao da

    participao para o restante da populao.

  • Finalizando esta Unidade, nota-se que, mesmo que a democracia

    inventada pelos

    gregos nos sculos V e IV a.C. fosse elitista e escravista

    (participao restrita), ela no deixou de

    significar um avano em relao s tiranias teocrticas das

    civilizaes orientais que a

    antecederam. Logo aps este perodo, a democracia desapareceu por

    sculos e, depois disso, foi

    s no final do sculo XVIII e no sculo XIX que a idia voltou a se

    tornar importante; e s no

    sculo XX que ela se viu devidamente firmada na prtica. E somente

    depois da Primeira

    Guerra Mundial que a desaprovao geral da democracia foi

    substituda pela aprovao

    generalizada (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 180). Entende-se, assim,

    que a

    participao seja um dos elementos essenciais da democracia, ou, como

    afirma Demo (1999, p.

    120), participao e democracia so sinnimos.

    UNIDADE 2 - DEMOCRACIA FORMAL: PARTICIPAO RESTRITA NA AMRICA

    LATINA

    Passada mais de uma dcada em que as polticas neoliberais, formuladas

    pelo

    Consenso de Washington, foram aplicadas, percebe-se a deteriorao dos

    valores cvicos em

    todos os nveis da sociedade latino-americana.1

    1 Sobre a discusso das reformas neoliberais na Amrica Latina nos

    anos 90, conferir Anderson (1995), Sader e

    Gentili (1995).

    Valores como solidariedade, participao, confiana recproca nas

    pessoas e nas

    instituies polticas, nunca estiveram to fragilizados. Alm do

    mais, o modelo neoliberal tem-

    se mostrado perverso ao acentuar a excluso social mediante o

    recrudescimento dos problemas

    estruturais, que se refletem no desemprego crnico, no desencanto com

    a poltica e na situao

    de incerteza dos cidados com o futuro.

    Dessa forma, apesar dos procedimentos polirquicos (DAHL, 1997),

    percebe-se que a

    insatisfao com a democracia tem aumentado, alm de persistirem

    problemas graves de ordem

    material (sade, educao, desemprego, excluso social e pobreza) que

    obrigam busca por

  • solues alternativas ao paradigma estabelecido, para resolver esses

    problemas, possibilitando

    que os cidados no sejam meros espectadores da poltica e passem a

    participar ativa e

    protagonicamente (BAQUERO, 2006).

    Esta Unidade, assim, tem como objetivo tratar na seo inicial dos

    dficits

    democrticos na Amrica Latina, ou seja, a necessidade dos avanos de

    uma democracia formal

    (polirquica) para uma democracia social (cidad).

    2.1 Democracia formal e participao restrita

    Dados do Latinobarmetro (2002) tm evidenciado tal insatisfao com a

    democracia

    na Amrica Latina. O grfico 1 demonstra que apenas 28% das pessoas

    esto satisfeitas com a

    democracia. O Paraguai o pas que apresenta o menor percentual,

    apenas 9% das pessoas esto

    satisfeitas. A Costa Rica aparece com o maior percentual de

    satisfeitos (47%); o Brasil apresenta

    um percentual intermedirio entre os pases latino-americanos, ou

    seja, com a mdia dos pases

    da Amrica Latina, 28% de satisfao com a democracia.

    Grfico 1 Satisfao com a democracia (% de pessoas)

    28474338343328252423221811901020304050Amrica LatinaCosta

    RicaUruguaiVenezuelaArgentinaChileBrasilBolviaPanamEquadorColmbiaM

    xicoPeruParaguai

    Fonte: Latinobarmetro 2002 N=18.638.

    Numa anlise retrospectiva percebe-se que, em seus duzentos anos de

    vida

    independente, a Amrica Latina viu a democracia nascer e morrer

    diversas vezes. Em muitas

    ocasies, a democracia se consagrava teoricamente nas Constituies,

    mas era destruda na

    prtica. Em nome da democracia, muitos morreram na luta contra as

    tiranias. Sofrimentos e

    conflitos mesclaram-se aos raros momentos de estabilidade democrtica.

    Em nome da

    democracia, por vezes foram violados os direitos fundamentais do

    homem.

    As contradies da democracia latino-americana ficaram ainda mais

    evidentes a partir

    do resultado do Relatrio do PNUD sob o ttulo O desenvolvimento da

    democracia na Amrica

  • Latina.2 O resultado final do estudo aponta para a descrena e a

    decepo da maioria dos

    entrevistados em relao democracia latino-americana. 54,7% dos

    cidados estariam dispostos

    a aceitar um regime autoritrio se este resolvesse a situao

    econmica de seus pases e

    respondessem s suas demandas sociais; 56,3% avaliam que o

    desenvolvimento mais

    2 Esse Relatrio publicado em abril de 2004 sob o patrocnio do

    Programa das Naes Unidas para o

    Desenvolvimento (PNUD), teve como objetivo avaliar a democracia, suas

    caractersticas principais e a aceitao da

    mesma pelos latino-americanos. A pesquisa foi feita em 18 pases da

    Amrica Latina, onde foram entrevistadas 19

    mil pessoas, juntamente com mais 231 lderes regionais.

    importante que a democracia e 58,1% concordam, tambm, que o

    presidente possa ignorar as leis

    para governar.

    Ainda segundo o Relatrio do PNUD, nos ltimos anos, os pases latino-

    americanos

    vm consolidando apenas a democracia eleitoral (eleies livres,

    competitivas e

    institucionalizadas). No momento, a populao est livre das ditaduras

    militares. No entanto,

    parece surgir outro perigo: o da perda da vitalidade democrtica. Por

    ora, prefere-se a

    democracia ainda que se desconfie da sua capacidade para melhorar as

    condies de vida. Os

    partidos polticos alcanam ndices baixssimos na confiana do

    eleitorado (Grfico 2), somente

    14% dos latino-americanos confiam nos partidos polticos

    (LATINOBARMETRO, 2002). O

    Estado visto com receio e, s vezes, como opressor.

    Grfico 2 Confiana nas Instituies na Amrica Latina

    020406080IgrejaTelevisoForasArmadasPolciaGovernoSistemaJudicialCong

    ressoPartidosPolticos200320022001

    Fonte: Latinobarmetro 2002, N= 18.135; 18522; 18.638.

    O Relatrio afirma que a Amrica Latina tem alcanado a democracia

    eleitoral e suas

    liberdades bsicas; trata-se, agora, de avanar para a consolidao da

    democracia cidad (

    preciso passar da condio de meros eleitores para cidados

    participantes). A democracia

    muito mais que um regime governamental, mais do que um mtodo para

    eleger e ser eleito. O

    sujeito, mais do que eleitor, cidado.3

    3 No Brasil, a credibilidade dos partidos polticos bastante

    limitada: Por exemplo, ao medir a confiana popular

  • nas instituies, a pesquisa Cultura Poltica e Cidadania, da Fundao

    Perseu Abramo, realizada em 1997 apurou

    que apenas 7% dos entrevistados declararam confiar totalmente nos

    partidos polticos; 35% disseram confiar at

    certo ponto; ao passo que 49% no confiavam. Os partidos polticos

    aparecem nos ltimos lugares das instituies

    avaliadas: Com esse resultado, os partidos ficaram em penltimo lugar

    numa hierarquia de 20 instituies

    avaliadas, ligeiramente acima de deputados e senadores, que foram os

    lanterninhas do ranking (DULCI, 2003, p.

    301).

    4 Para mais informaes, pesquisar no Relatrio do Programa das Naes

    Unidas El desarrollo de la democracia en

    Amrica Latina, a parte inicial intitula-se El desafo: de una

    democracia de electores a una democracia de

    ciudadanos. Disponvel em http://www.undp.

    org/spanish/proddal/idal_1a.pdf. Acesso em junho de 2004.

    Se, por um lado, a democracia eleitoral dos pases pesquisados est

    consolidada, por

    outro, no mbito social, a Amrica Latina considerada um das regies

    que apresentam os mais

    elevados ndices de pobreza e desigualdade do mundo, onde os direitos

    sociais ainda no esto

    assegurados. Dados do Relatrio apontam que mais de 225 milhes de

    pessoas (43,9%) vivem

    abaixo da linha de pobreza na Amrica Latina.

    Tabela 1 Democracia, Pobreza e Desigualdade

    Regio

    Participao

    Eleitoral

    Desigualdade

    Pobreza

    PIB per

    capita

    Amrica Latina

    62,7

    0,552

    42,8

    3792

  • Europa

    73,6

    0,29

    15

    22600

    EUA

    43,3

    0,334

    11,7

    36100

    Fonte: PNUD 2004.

    Conforme demonstra a Tabela 1, a Amrica Latina, mesmo tendo um

    percentual

    maior de participao eleitoral se comparada com os Estados Unidos,

    a regio que apresenta os

    piores indicadores de desigualdade, pobreza e PIB per capita.

    Confirmando a idia desenvolvida anteriormente, a Amrica Latina

    passou, nos anos

  • 90, por profundas reformas estruturais, chamadas de neoliberais

    (reforma do Estado, ajustes

    econmicos, privatizaes, desregulamentao, polticas impositivas);

    porm, mesmo assim, os

    resultados desejados no se concretizaram. O crescimento do PIB foi

    insignificante. Em 1980, o

    PIB per capita era de 3.739 dlares; em 2002, passou para apenas

    3.952. Os nveis de pobreza

    tiveram uma leve diminuio em termos relativos; mas um acrscimo em

    termos absolutos: em

    1990, 190 milhes de latino-americanos eram considerados pobres; em

    2001, o nmero de

    pobres aumentou para 209 milhes. A desigualdade social, o desemprego

    e a informalidade

    aumentaram substancialmente. Da mesma forma, a situao do trabalhador

    piorou, alm da

    diminuio de sua proteo social.4

    Neste sentido, a democracia representativa existente nos pases

    latino-americanos tem

    um desafio a conquistar: passar da mera formalidade para uma

    democracia ampliada para uma

    democracia participativa.5 Esta democracia pressupe que a

    participao pblica e o esprito

    cvico dos cidados (associativismo, confiana e cooperativismo) sejam

    aprimorados em busca

    de justia social e da emancipao humana. E mais, a construo da

    democracia participativa

    supe uma combinao entre cidadania democrtica e representao

    poltica plena

    (TRINDADE, 2003, p. 65).

    5 Segundo Amaral, a democracia participativa a subverso do

    terceiro milnio. Disponvel em

    http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_151/r151-02.pdf.

    Acesso em 23 de janeiro de 2004. Conferir,

    igualmente, o trabalho de Bonavides (2001), que um dos defensores da

    democracia participativa.

    6 ODonnell (1991) chama de democracia delegativa ou uma democracia

    domesticada (MIGUEL, 2002).

    A democracia latino-americana no pode ser apenas uma democracia que

    facilita os

    procedimentos, porm fracassa em proporcionar liberdades cvicas e em

    garantir os direitos

    humanos, o que Diamond (2001) denomina democracia iliberais

    (illiberal democracies); ou

    ainda a que Baquero (2006A) chama de democracia inercial: inexistncia

    de instituies slidas,

    comportamento poltico emocional e subjetivo, falta de fiscalizao e

    predomnio de traos

    clientelsticos, personalistas e patrimonialistas entre os

    representantes eleitos (p. 67).6

    necessrio que se estruture na Amrica Latina uma democracia dos de

    baixo, em que os pobres

    vejam garantidas a segurana social e econmica (CASANOVA, 1995).

  • UNIDADE 3 - O DEBATE SOBRE A PARTICIPAO NA TEORIA DEMOCRTICA

    CONTEMPORNEA

    Nesta unidade a participao ser o objeto central das anlises de

    diferentes tericos

    da Teoria Democrtica Contempornea, principalmente no debate da

    teoria das elites, da teoria

    pluralista, da teoria neomarxista e da teoria participacionista.

    3.1 A teoria das elites

    Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels integram o grupo de

    autores

    considerados elitistas clssicos. So, na verdade, os fundadores da

    teoria das elites.1 So autores

    liberais que entendem a poltica como uma prtica de lideranas que,

    por sua origem e formao,

    atribuem-se o direito de dirigir e comandar as massas populares, as

    quais, por sua condio

    social e histrica, no esto aptas a governar. Neste contexto,

    natural que os inferiores sejam

    dirigidos pelos superiores, que possuem o conhecimento da arte de

    comandar. Para os

    referidos autores, sempre vai haver desigualdade na sociedade, em

    especial a desigualdade

    poltica. Isto , sempre existir uma minoria dirigente e uma maioria

    condenada a ser dirigida, o

    que significa dizer que a democracia, enquanto governo do povo,

    uma fantasia inatingvel.

    Ou seja, os elitistas rejeitam a teoria clssica da democracia, bem

    como o ideal democrtico

    rousseauniano de autogoverno das massas , pois, descartado como

    utpico (apud: PIO;

    PORTO, 1998, p. 298).

    1 A teoria das elites encontra sua fundamentao terica nas idias de

    Max Weber. Para Weber, a democracia um

    antdoto contra o avano totalitrio da burocracia. O autor entende

    que a poltica deve ser exercida por profissionais

    e no por um sujeito que no tenha vocao.

    Para os elitistas, a igualdade impossvel. As massas so

    necessariamente governadas

    por uma minoria, que se impe at mesmo no seio dos partidos que

    qualificam a si mesmos de

  • democrticos. Os autores da teoria das elites defendem que, na vida

    poltica, haveria pouco

    espao para a participao democrtica e o desenvolvimento coletivo.

    Quanto democracia, a

    entendem como meio de escolher pessoas encarregadas de tomar decises

    e de impor alguns

    limites a seus excessos.2

    2 Conferir o trabalho de Oliveira (2003).

    Pareto (1848-1923)

    Fervoroso partidrio do liberalismo econmico, adversrio do

    socialismo, recusou a

    concepo marxista da luta de classes. Em sua substituio, prope a

    teoria da circulao das

    elites, que explica a histria como a contnua substituio de um

    escol por outro (apud

    SCHWARTZENBERG, 1979, p. 226).

    Pareto afirma que elite o nome dado ao grupo de indivduos que

    demonstram possuir

    o grau mximo de capacidade, cada qual em seu ramo de atividade. Cada

    um desses ramos

    possui algumas pessoas que so as mais bem-sucedidas, e a reunio

    delas forma a elite. Ainda

    para Pareto, toda a sociedade humana estar sempre dividida em uma

    elite e uma no-elite.

    Mosca (1858-1941)

    Diferentemente de Pareto, que tem uma abordagem psicolgica, Mosca tem

    uma

    abordagem organizacional. Foi professor, deputado e senador italiano.

    Publica os Elementos da

    cincia poltica em 1896 e imps a idia de classe dirigente de que

    todas as sociedades

    assentam-se na distino entre dirigentes e dirigidos. O poder, para

    ele, no pode ser exercido

    nem por um s indivduo nem pelo conjunto dos cidados, mas somente

    por uma minoria

    organizada: a classe dirigente (classe poltica). A classe

    dirigente esta minoria de pessoas

    que detm o poder (verdadeira classe social), a classe dirigente ou

    dominante (apud

    SCHWARTZENBERG, 1979, p. 228-229).

    Para Mosca, a elite poltica deriva do fato de que seus membros so

    aqueles que

    possuem um atributo altamente valorizado e de muita influncia na

    sociedade em que vivem. Isto

    , possuem qualidades que conferem certa superioridade material,

    intelectual e mesmo moral; ou

    so herdeiros de indivduos que possuem tais qualidades. Em sntese, o

    conceito de elite, para

    Mosca, uma minoria com interesses homogneos e, devido a essa

    homogeneidade, de fcil

  • organizao. justamente essa organizao que explica sua capacidade

    de domnio sobre as

    massas (apud PIO; PORTO, 1998, p. 294-295).

    Michels (1876-1936)

    Contrariando Mosca, que se recusou a aprovar as leis fascistas sobre

    as prerrogativas do

    chefe do governo, Michels tornar-se- um defensor das idias

    fascistas, fazendo, inclusive, uma

    amizade com o prprio Mussolini.

    Segundo Michels, as massas no podem atuar, dirigir, governar por si

    prprias. O

    governo direto das massas esbarra numa impossibilidade mecnica e

    tcnica. Defende a lei de

    ferro da oligarquia. Isto quer dizer: Quem diz organizao, diz

    tendncia para a oligarquia.

    Em cada organizao (principalmente nos partidos polticos) o pendor

    aristocrtico ser

    preponderante. Diz Michels que em todas as organizaes os dirigentes

    tendem a opor-se aos

    aderentes, a formar um crculo interno mais ou menos fechado e a se

    perpetuar no poder (apud

    SCHWARTZENBERG, 1979, p. 230-231).

    Assim, a lei de ferro da oligarquia, de Michels, significa a

    dependncia poltica das

    massas em relao s lideranas dos partidos. Os lderes resolvem os

    problemas de ao coletiva

    do partido, ou seja, pagam a maior parte dos custos para a obteno

    dos bens coletivos que o

    partido prov e, por essa razo, so valorizados e mesmo considerados

    como imprescindveis

    pelas massas (apud PIO; PORTO, 1998, p. 294-295). Para o elitismo, a

    desigualdade um fato

    natural entre os seres humanos. Pode-se dizer que a teoria das elites

    antidemocrtica na medida

    em que condena como impossvel qualquer forma de governo do povo.

    exatamente esta viso (teoria das elites) que, sobretudo a partir da

    teoria de

    Schumpeter, publicada nos anos 40, se torna a base da tendncia

    dominante da teoria

    democrtica (teoria pluralista) e penetra profundamente na concepo

    corrente sobre a

    democracia.

    Para Schumpeter (1984), a democracia direta no possvel porque nem

    todos na

    sociedade esto no mesmo estgio de desenvolvimento cultural. O autor

    criticou as teorias

    clssica e liberal da democracia pelo seu idealismo e utopismo. Para

    ele, a democracia to-

    somente um mtodo de escolha de dirigentes e sua qualidade tem a ver

    com a quantidade de

    alternativas disponveis. Para o autor, o mtodo democrtico aquele

    acordo institucional para se

  • chegar a decises polticas em que os indivduos adquirem o poder de

    deciso por meio de uma

    luta competitiva pelos votos da populao. A democracia apenas um

    processo eleitoral.

    Importa saber como as democracias funcionam e no como elas devem ser.

    Neste sentido, a democracia no est ligada a ideal ou fim; ela um

    mtodo poltico

    um tipo de arranjo institucional para se chegar a decises polticas.

    Sua definio processual.

    Quanto participao, ela fica restrita, e o sufrgio no precisa ser

    universal, ele deve ser

    suficiente para manter a mquina eleitoral.

    Assim, existem os lderes e os seguidores, os que no esto

    interessados e os que so

    mal-informados. Segundo ele, os objetivos da sociedade devem ser

    formulados por lderes, por

    uma elite que seja politicamente atuante, que possa devotar-se ao

    estudo dos problemas sociais

    relevantes e seja capaz de compreend-los. Em outras palavras, o

    cidado comum mal-

    informado e facilmente influenciado pela propaganda poltica:

    vulnervel, portanto. Aos

    eleitores cabe apenas decidir qual grupo de lderes (polticos) ele

    deseja para levar a cabo no

    processo de tomadas de deciso. Ou seja, os eleitores no decidem

    nada, apenas escolhem. As

    decises devem ser tomadas por especialistas, pois a maior parte dos

    cidados so desinformados

    e desinteressados e at mesmo mal-informados e irracionais, com pouca

    tolerncia pelas opinies

    polticas rivais.

    A democracia entendida como concorrencial (eleies dos lderes

    apenas). O autor foi

    contrrio doutrina clssica da democracia (a democracia o mtodo

    para promover o bem

    comum mediante as tomadas de deciso pelo prprio povo, com a

    intermediao de seus

    representantes). Diz Schumpeter (1984, p. 336) que "o mtodo

    democrtico aquele acordo

    institucional para se chegar a decises polticas em que os indivduos

    adquirem o poder de

    deciso atravs de uma luta competitiva pelos votos da populao".

    Anthony Downs, seguidor de Schumpeter, prope o uso de regras da

    economia como

    referncia para um governo que se almeja racional e democrtico.

    Downs, defensor da teoria da

    escolha racional, v o indivduo como ator poltico racional, pois

    esto em jogo as preferncias

    de cada indivduo, o seu agir estratgico e o custo e benefcio de uma

    ao (maximizar a

    satisfao e minimizar os danos). Em sntese, a ao eficientemente

    planejada para alcanar os

    fins econmicos ou polticos conscientemente selecionados do ator,

    seja ele o governo ou os

    cidados de uma democracia.3

  • 3 Olson (1999) comunga com as idias de Schumpeter ao afirmar que o

    povo no sabe tomar decises polticas.

    3.2 A teoria pluralista

    A teoria pluralista da democracia poltica norte-americana tem em

    Tocqueville o seu

    precursor. Ganhou evidncia a partir de 1940 com Parson e Trumam. O

    maior expoente, porm,

    Robert Dahl, com a obra Um prefcio teoria democrtica de 1989)

    Segundo Outhwaite e

    Bottomore (1996, p. 575) nas mos de Dahl o pluralismo torna-se uma

    teoria da competio

    poltica estvel e relativamente aberta e das condies institucionais

    e normativas que a

    sustentam.4

    4 Conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p. 575). Da mesma forma. para

    Held, (1987, p.169), Robert Dahl um dos

    primeiros e mais proeminentes expoentes do pluralismo democrtico.

    5 Dahl apresenta um diferenciao substancial entre democracia e

    poliarquia. Democracia um ideal no alcanado.

    Poliarquia o governo de muitos, capaz de garantir e proteger a

    liberdade de expresso; liberdade de formar e

    participar de organizaes; acesso informao; eleies livres;

    competio de lderes pelo apoio do eleitorado e,

    ainda, instituies destinadas a formular a poltica governamental

    (OLIVEIRA, 2003).

    O pluralismo considerado o elitismo democrtico na teoria poltica

    contempornea.

    Para os pluralistas clssicos, a democracia no parece requerer um

    alto grau de envolvimento

    ativo de todos os cidados; ela pode funcionar muito bem sem ele. Pelo

    contrrio, a apatia

    poltica pode refletir falta de sade da democracia (HELD, 1987). Nas

    palavras de Carnoy

    (1986): a teoria poltica pluralista a ideologia oficial das

    democracias capitalistas. Para a tese

    pluralista, no existe uma classe dirigente, mas numerosas categorias

    dirigentes, que umas vezes

    cooperam, outras se combatem, mas de certo modo se equilibram e

    representam as presses da

    base (SCHWARTZENBERG, 1979, p. 673).

    A teoria pluralista ope-se concentrao de poder por parte do

    Estado. Ou seja,

    contra o estatismo (o poder descentralizado e administrado por

    outras instituies). Em outras

    palavras, a sociedade com diversos centros de poder, mas nenhum

    deles totalmente soberano.

    Para Dahl, o Estado considerado um elemento neutro, cuja funo

    promover a conciliao

    dos interesses que interagem na sociedade segundo a lgica do mercado.

    Assim, a multiplicidade

  • de centros de poder complementa a existncia das minorias

    concorrentes.

    Dahl chamou de poliarquias o funcionamento da democracia

    contempornea.5

    O estudo clssico de Robert Dahl, Polyarchy: participation and

    opposition, publicado

    pela primeira vez em 1972, apresenta as oito garantias institucionais

    da poliarquia: a) liberdade

    de formar e se integrar a organizaes; b) liberdade de expresso; c)

    direito de voto; d)

    elegibilidade para cargos polticos; e) direito de lderes polticos

    competirem por meio da

    votao; f) fontes alternativas de informao; g) eleies livres e

    idneas, e h) existncia de

    instituies que garantam que as polticas governamentais dependam de

    eleies e de outras

    manifestaes de preferncia da populao.

    Da mesma forma, Giovanni Sartori utiliza a noo de poliarquia,

    ressaltando o governo

    das elites em competio. A desiluso para com a democracia surge de

    sua idealizao nunca

    alcanada. O problema real das democracias manter a verticalidade

    numa estrutura de

    autoridade e liderana. O cidado mdio no se interessa pela poltica

    porque no a sente como

    uma experincia pessoal e, portanto, real.

    O pluralismo tambm foi chamado de poltica competitiva das elites.

    Dahl define elite

    como um grupo minoritrio que exerce uma dominao poltica sobre a

    maioria dentro de um

    sistema de poder democrtico. No pluralismo, poucos tomam as decises

    polticas ( o governo

    das minorias).

    O pluralismo ope-se concepo participacionista da teoria

    democrtica, que v a

    soluo na participao mais ampla possvel dos cidados nas decises

    polticas. Em sntese, os

    pluralistas nunca sentiram-se muito confortveis com o sufrgio

    universal e com o governo da

    maioria.

    Para os pluralistas, o poder est disperso em toda a sociedade, no-

    hierrquico e

    estruturado de forma competitiva. Havendo pluralidade de pontos de

    presso, surgem vrias

    formulaes concorrentes de linhas polticas e vrios centros de

    tomadas de deciso (HELD,

    1987).

    As idias da teoria pluralista so compatveis com a doutrina

    constitucionalista. Esta

    teoria tambm conhecida como teoria democrtica elitista,

    institucionalista, procedimental,

    descritiva/normativa ou concorrencial. O pluralismo, na viso norte-

    americana, uma doutrina

  • da competio poltica. A tese central de Dahl (1989) que uma

    multiplicidade de "centros de

    poder" complementa a existncia das minorias concorrentes.

    Para Dahl, a poliarquia o sistema poltico das sociedades

    industriais modernas,

    caracterizado por uma forte descentralizao dos recursos do poder e

    no seio do qual as decises

    essenciais so tomadas a partir de uma livre negociao entre

    pluralidades de grupos autnomos

    e concorrentes, mas ligados mutuamente por um acordo mnimo sobre as

    regras do jogo social e

    poltico.

    3.3 A teoria neomarxista

    Os tericos neomarxistas, Nikos Poulantzas, Ralph Miliband e Claus

    Offe,

    principalmente, rejeitam tanto a tese elitista de Mills como a tese

    pluralista de Dahl. A

    primeira porque no assenta o poder na deteno dos meios de produo.

    A segunda sobretudo

    porque seria uma tentativa de camuflagem, dando crdito iluso

    liberal da ordem poltica

    autnoma (SCHWARTZENBERG, 1979, p. 683).

    A filosofia de Poulantzas centra-se na reflexo sobre o papel do

    Estado nas sociedades

    modernas. Com a obra Poder poltico e classes sociais, publicada pela

    primeira vez em 1968,

    Poulantzas contesta a teoria elitista e a teoria pluralista.

    Para Poulantzas, a tese da pluralidade das elites apenas uma reao

    ideolgica tpica

    teoria marxista do poltico: a da corrente funcionalista. Esta tese

    visa a esconder a luta das

    classes e a verdadeira natureza do poder do Estado. Considerando o

    poder como que disperso

    entre diversos grupos, os elitistas-pluralistas querem fazer

    esquecer a realidade do poder da

    classe dominante, para fazer crer, pelo contrrio, na autonomia do

    poltico e na neutralidade do

    Estado. Da mesma forma, Poulantzas rejeita a tese pluralista das

    elites. Para o autor, parece que a

    tese elitista de Mosca, Pareto, Michels e Mills procura ter sempre por

    objeto sustentar o esquema

    geral do domnio poltico. Para um pensador marxista, no entanto,

    evidente que a classe

    politicamente dirigente identifica-se necessariamente com a classe

    economicamente dominante

    (aqueles que possuem os meios de produo) (SCHWARTZENBERG, 1979, p.

    683).

    Em sntese, os neomarxistas, principalmente Poulantzas, travaram

    discusses com os

  • pluralistas, especialmente no que se refere s relaes entre

    economia, classes sociais e Estado.

    Para os neomarxistas, as relaes de classe so relaes de poder e as

    polticas estatais, reflexos

    dos interesses do capital.

    Os neomarxistas concebem o Estado como configurado pela luta de

    classes, de forma

    direta ou indireta. J para Poulantzas, o Estado se baseia na luta de

    classe. Poulantzas

    argumenta que democracia socialismo e no h socialismo verdadeiro

    que no seja democracia.

    Por outro lado, Poulantzas defende, assim como Bobbio e Ingrao, que se

    deva manter a

    democracia representativa, no entanto somente uma transio ao

    socialismo pode expandir e

    aprofundar mais a democracia sob essas condies. Para os mesmos

    autores, o Estado no mais

    simplesmente um aparelho repressivo ou os aparelhos ideolgicos e

    repressivos da burguesia,

    mas produto da luta de classe (SCHWARTZENBERG, 1979, p. 683).

    Diferentemente de Poulantzas, que rejeita a prpria noo de elite,

    Miliband acha que

    possvel admitir o conceito de elite e at reconhecer a pluralidade

    das elites. No se pode nunca,

    contudo, omitir que as elites, ainda que diversificadas, pertencem

    sempre classe dominante.

    Elites distintas existem na sociedade capitalista (elites econmicas,

    polticas, etc.), mas todas

    estas fazem parte da classe dominante (SCHWARTZENBERG, 1979, p. 684).

    Na viso de Claus Offe, a burocracia de Estado representa os

    interesses dos capitalistas,

    pois ele depende da acumulao de capital para continuar existindo

    como Estado. O autor v o

    Estado como um mediador das crises capitalistas um administrador de

    crises.

    3.4 A teoria participacionista

    Contrariando a teoria pluralista, surge a escola da teoria

    participativa, que entende que

    a democracia no se limita seleo de lderes polticos, mas supe,

    igualmente, a participao

    dos cidados. Os autores desta corrente fazem tambm uma crtica

    abordagem elitista.

    Macpherson e Pateman so os principais representantes.

    Carole Pateman uma das principais autoras que defendem a teoria

    participativa. As

    suas idias centrais esto expostas na sua obra clssica Participation

    and Democratic Theory,

    escrita em 1970.6 Pateman apresenta, no primeiro captulo, as teorias

    recentes da democracia e o

  • mito clssico.7 A autora evidencia a crtica dos tericos

    institucionalistas teoria clssica de

    democracia, dominante at ento. Os institucionalistas refutam com

    veemncia a teoria poltica

    clssica de democracia porque a consideram perigosa na medida em que

    abre espao para a

    participao popular na poltica (a Repblica de Weimar, baseada na

    participao das massas

    com tendncias fascistas citada como exemplo).8 Os tericos da

    teoria clssica da democracia

    vm da tradio madisoniana e encontram em Locke, Rousseau,

    Tocqueville, Mill e Bentham

    seus principais representantes. Por outro lado, Mosca, Michels,

    Schumpeter, Berelson, Dahl e

    Sartori integram o grupo dos tericos que refutam o idealismo dos

    tericos clssicos. Para estes

    tericos, a participao no tem um papel especial ou central. Tudo o

    que se pode dizer que um

    nmero suficiente de cidados participa para manter a mquina

    eleitoral os arranjos

    institucionais , funcionando de modo satisfatrio.9

    6 Traduzido para o portugus como Participao e teoria democrtica

    (1992).

    7 O livro Participao e teoria democrtica, de Carole Pateman (1992),

    divide-se em duas partes: na primeira, trata

    do impulso gerado pelas obras de Rousseau, John Stuart Mill e G. H.

    Cole para substanciar a relao entre

    democracia e participao. Na segunda parte, Pateman apia-se nas

    idias de Sidney Webb e Beatrice Webb para

    falar sobre a perspectiva de democratizar as relaes no interior das

    fbricas.

    8 O medo de que a participao ativa da populao no processo poltico

    levasse direto ao totalitarismo permeia todo

    o discurso de Sartori. Da mesma forma, para Dahl, um aumento da taxa

    de participao poderia apresentar um

    perigo para a estabilidade do sistema democrtico.

    9 Na teoria de Schumpeter, os nicos meios de participao abertos ao

    cidado so os votos para lder e a discusso.

    O autor (1984) nos prope uma definio de democracia que rompe com o

    ideal clssico ligado etimologia da

    palavra. A democracia deixa de ser entendida como o governo do povo,

    e passa a ser entendida como um mtodo

    ou procedimento de escolha de lideranas que devem conduzir os

    complexos assuntos pblicos das sociedades

    modernas.

    Como vimos, o pressuposto da teoria institucionalista da democracia

    (teoria elitista)

    resume-se, portanto, a considerar que o povo deve seguir as diretrizes

    da elite e no question-

    las. Ento, para Huntington (1975) e outros autores que defendem esta

    teoria, muita democracia

    poderia ameaar o governo democrtico.

  • Oposta viso dos institucionalistas, a corrente da teoria

    participativista v o maior

    grau de participao da sociedade civil diretamente, na funo de

    governo, como condio

    fundamental para a construo de um Estado democrtico, desenvolvido

    politicamente.

    Ao avaliar a origem da corrente da democracia participativa, percebe-

    se que ela nos

    remete para os anos 60 do sculo passado, quando as idias que

    configuram esta proposta vem-

    se envolvidas no clima de transformaes vividas nos campi

    universitrios, nas escolas, nas

    fbricas, nos lares, nas ruas das grandes urbes. Os

    participacionistas, segundo Vitullo,

    buscavam sustento e consistncia terica s propostas alternativas dos

    novos atores que

    apareciam em cena, e dar algum grau de sistematicidade a suas demandas

    e

    reivindicaes. Procuravam construir um modelo de democracia que,

    resgatando a

    participao como um valor fundamental, pudesse se opor ao modelo

    centrado da

    teoria das elites, j ento predominante. Em suma, para os tericos

    que defendem esta

    corrente, sem participao no seria possvel pensar em uma sociedade

    mais humana e

    eqitativa (1999, p. 9).

    Ainda segundo a descrio de Vitullo (1999, p. 3-4), a corrente

    participativista nega-

    se a aceitar que a democracia seja to-s um mtodo de seleo de

    lderes por parte de um

    conjunto de cidados desinformados, desinteressados, alienados e

    apticos. No concorda com o

    modelo de democracia baseado na teoria das elites nem com a

    perspectiva atemorizada do

    mundo poltico. Para os tericos que defendem esta corrente, a

    democracia deveria ir alm do

    simples voto individual e da escolha no-refletida. Os

    participacionistas propem, ainda, o

    alargamento do entendimento de poltica. Os autores que defendem esta

    linha entendem que

    preciso democratizar todos os espaos em que interagem os indivduos.

    Procuram levar a

    democracia vida cotidiana das pessoas nos mais diferentes mbitos,

    tornando estas

    politicamente mais responsveis, ativas e comprometidas, estimulando-

    as a construir um maior

    grau de conscincia em relao aos interesses dos grupos.

    Os participacionistas criticam a democracia com seus instrumentos

    procedimentais.

    No se contentam com o simples fato do comparecimento s urnas a cada

    dois, trs ou quatro

  • anos, como a nica e quase exclusiva atividade que cabe ao cidado

    comum em uma democracia.

    Os participacionistas ambicionam atividades mais comprometidas,

    aspiram a estabelecer a

    democracia direta em diversas esferas e atividades. Procuram maximizar

    as oportunidades de

    todos os cidados intervirem, eles mesmos, na adoo das decises que

    afetam suas vidas, em

    todas as discusses e deliberaes que levem formulao e

    instituio de tais decises

    (VITULLO, 1999, p. 11).

    Os participacionistas buscam multiplicar as prticas democrticas,

    institucionalizando-as dentro de maior diversidade de relaes

    sociais, dentro de novos mbitos e

    contextos: instituies educativas e culturais, servios de sade,

    agncias de bem-estar e servios

    sociais, centros de pesquisa cientfica, meios de comunicao,

    entidades desportivas,

    organizaes religiosas, instituies de caridade, em sntese, na

    ampla gama de associaes

    voluntrias existentes nas sociedades atuais (VITULLO, 1999, p. 17).

    No entendimento de Pateman, para que exista uma forma de governo

    democrtico

    imprescindvel a existncia de uma sociedade participativa, isto ,

    uma sociedade na qual todos

    os sistemas polticos tenham sido democratizados e em que a

    socializao possa ocorrer em

    todas as reas. Para a autora (1992, p. 61),

    a rea mais importante de participao o seu prprio lugar de

    trabalho, ou seja, a

    indstria, pois exatamente ali que a maioria dos indivduos despende

    grande parte de

    suas vidas e pode propiciar uma educao na administrao dos assuntos

    coletivos,

    praticamente sem paralelo em outros lugares.

    Como foi descrito anteriormente, a teoria participativista ganhou

    relevncia na Cincia

    Poltica a partir do final da dcada de 60; no entanto, a origem da

    referida teoria pode ser

    encontrada em Rousseau na defesa terica da democracia direta do

    Contrato Social.10

    10 Rousseau pode ser considerado o terico por excelncia da

    participao (PATEMAN, 1992, p.35).

  • UNIDADE 4 - O ESTADO DO BEM-ESTAR E A POLTICA SOCIAL

    Esta Unidade tem como objetivo tratar das origens do Estado de Bem-

    Estar Social

    (primeira seo) e a sua base terica a partir de John Maynard Keynes.

    Este modelo de Estado

    alcana seu apogeu aps a II Guerra Mundial e estende-se at os anos

    70, quando comea a

    entrar em crise (conferir a segunda seo). Por fim (terceira seo),

    traz uma definio de

    poltica social.

    4.1 As origens do Estado de Bem-Estar Social

    O Estado de Bem-Estar Social teve a sua origem na Gr-Bretanha e foi

    difundido aps

    a Segunda Guerra Mundial. O Estado de Bem-Estar Social se ops ao

    modelo liberal de Estado

    (laissez-faire), que foi dominante durante todo o sculo XIX e incio

    do sculo XX. O modelo

    liberal prescindia da existncia do Estado. Isto , a funo do Estado

    era apenas proteger o

    indivduo em seus direitos naturais (direito vida, liberdade e

    propriedade), deixando que a

    economia se regulasse pela mo invisvel do prprio mercado.1

    1 Sobre a questo dos direitos naturais e da mo invisvel do mercado,

    conferir a obra de Locke (2001) e Smith

    (1981), respectivamente.

    Em outras palavras, o Estado no deveria intervir na economia. No

    entanto, com a crise

    do modelo liberal, com o crash da Bolsa de Valores de New York de 1929

    (Grande Depresso),

    o Estado foi convocado para salvar a falida economia capitalista. A

    partir dos anos 30 e 40 do

    sculo passado, o Estado passou ento a implementar e financiar

    programas e planos de ao

    destinados a promover interesses sociais coletivos de seus membros,

    alm de subsidiar, estatizar

    e socorrer empresas falidas.

    O Estado de Bem-Estar Social teve a sua fundamentao terica em John

    Maynard

    Keynes. Keynes nasceu em 1883 em Cambridge na Inglaterra e morreu em

    1946 em Tilton. Foi

    economista, estudou em Eton e no Kings College, em Cambridge, e

    permaneceu nesta cidade

    depois de formado, a fim de estudar cincia econmica com Alfred

    Marshall. Depois de breve

  • perodo no servio pblico, voltou a Cambridge para lecionar cincia

    econmica e se tornou

    editor do Economic Journal em 1911. Durante a Primeira Guerra Mundial

    trabalhou no Tesouro

    e foi o seu principal representante em Versalhes. Na Segunda Guerra

    Mundial, Keynes foi

    responsvel pela negociao com os Estados Unidos do acordo do

    Emprstimo e Arrendamento

    e participou do Acordo de Bretton Woods, que estabeleceu o Fundo

    Monetrio Internacional.

    especialmente conhecido por seus escritos sobre economia, com destaque

    para The General

    Theory of Employment, Interest and Money (1936).2

    2 Conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p. 813).

    3 Argumentos elaborados a partir de Marks (2008).

    Para Keynes, o Estado deve assumir um papel de liderana na promoo

    do crescimento

    econmico e do bem-estar material e na regulao da sociedade civil.

    Em outras palavras, os

    mercados livres no regulados, por si ss no conseguem gerar

    crescimento estvel, nem

    eliminar as crises econmicas, o desemprego e a inflao. Keynes prega

    que o Estado tenha um

    papel central no crescimento econmico e no bem-estar material. Em sua

    teoria, o pleno

    emprego ganhava prioridade como um direito do cidado.

    Falando-se no Estado Social, pode-se afirmar que foi com as

    constituies mexicana de

    1917 e a de Weimar de 1919 que o modelo constitucional do Welfare

    State, ou o Estado de Bem-

    Estar Social, principiou sua construo. O Welfare State seria o

    Estado no qual o cidado,

    independentemente de sua situao social, tem direito a ser protegido,

    por intermdio de

    mecanismos e prestaes pblicas estatais, emergindo assim a questo

    da igualdade como o

    fundamento para a atitude intervencionista do Estado (MORAIS, 2002, p.

    38).3

    Como j mencionado anteriormente, a formao deste Estado algo que

    perpassa muitos

    anos. possvel dizer que o mesmo modelo acompanha o desenvolvimento

    do projeto liberal

    transformado em Estado do Bem-Estar Social no transcurso da primeira

    metade do sculo 20,

    ganhando contornos definitivos aps a Segunda Guerra Mundial. Para

    Morais (2002, p. 38), a

    histria desta passagem tem vnculo especial com a luta dos movimentos

    operrios pela

    conquista de uma regulao/garantia/promoo da chamada questo

    social. Caracterstica do

    Welfare State, a idia de interveno no novidade surgida no sculo

    20. Assim o Estado, com

    sua ordem jurdica, implica interveno.

    Cabe lembrar e reconhecer, conforme Morais (2002, p. 35), que o

    processo de

  • crescimento/aprofundamento/transformao do papel, do contedo e das

    formas de atuao do

    Estado no beneficiou unicamente as classes trabalhadoras. O papel do

    Estado, em vrios

    setores, possibilitou investimentos em estruturas bsicas que

    alavancaram o processo produtivo

    industrial, as quais mostraram-se viveis para o investimento

    privado.4 Essa dupla face fez parte

    da peculiar trajetria do Estado Social em que a interveno pblica

    refletia as reivindicaes

    dos movimentos sociais e, ao mesmo tempo, a ao intervencionista do

    Estado tornava possvel a

    flexibilizao do sistema, o que garantia a sua prpria manuteno e

    continuidade, bem como

    dava condies de infra-estrutura para o seu desenvolvimento.

    4 Construo de usinas hidreltricas, estradas, financiamentos, etc.

    Constatado o progresso por parte do Estado nas atividades econmicas,

    sociais,

    previdencirias, educacionais, entre outras, o Estado visto como

    liberal v-se a um passo de um

    Estado social. Cabe destacar que a presena do Estado se fazia

    absolutamente necessria para a

    correo de desequilbrios muito grandes a que foram submetidas as

    sociedades ocidentais que,

    por sua vez, no tinham um comportamento disciplinar com relao sua

    economia, ou seja, no

    possuam um planejamento centralizado.

    Nesse nterim, o Estado passou a assumir um papel de controlador,

    regulador da

    economia, por meio de normas geralmente de cunho disciplinar. Por

    assim dizer, o Estado

    tornou-se um gigante, um grande empregador, dando complexidade vida

    social. Fala-se, nesse

    momento, da burocracia estatal (BASTOS, 1999, p. 142).

    Recorre-se, aqui, ao que alguns autores relatam sobre o abalo ocorrido

    ao denominado

    compromisso do keynesianismo, ou seja, o da democracia capitalista.

    Segundo vrios autores,

    at o final dos anos 60 o pensamento de Keynes foi a ideologia oficial

    do que chamavam de

    compromisso de classe, quando diferentes grupos podiam entrar em

    conflito nos limites do

    sistema capitalista e democrtico. Por esse motivo, a crise do

    keynesianismo entendida como

    uma crise do capitalismo democrtico.

    O keynesianismo, desde o ps-guerra, defendeu a tese de que o Estado

    poderia

    harmonizar a propriedade privada dos meios de produo com a gesto

    democrtica da

    economia. Foram fornecidas as bases para que ocorresse o compromisso

    de classe, oferecendo

    aos partidos polticos representantes dos trabalhadores uma

    justificativa para que exercessem o

  • governo em sociedades capitalistas, engajando metas na plenitude de

    emprego e na redistribuio

    de renda em favor das classes populares. Nesse sentido, o Estado era

    visto como provedor de

    servios sociais e tambm um regulador de mercado, sendo dessa forma o

    mediador das relaes

    e dos conflitos sociais.

    4.2 A crise do modelo keynesiano

    A crise do keynesianismo, portanto, nada mais do que a crise das

    polticas de

    administrao de demanda, isto , quando aparecem sinais de

    insuficincia de capital, as

    polticas que so voltadas eliminao da juno entre a produo

    corrente e a produo

    potencial no mais apontam solues (BRESSER PEREIRA; WILHELM; SOLA,

    1999, p. 225).

    Streck e Morais (2004, p. 91) lembram que, apesar de sustentado o

    contedo prprio do

    Estado de Direito no individualismo liberal, faz-se mister a sua

    reviso frente prpria disfuno

    ou desenvolvimento do modelo clssico do liberalismo. Sendo assim, o

    Estado conserva

    aqueles valores jurdico-polticos clssicos, entretanto, em

    consonncia com o sentido que vem

    tomando no curso histrico, como tambm com as necessidades e as

    condies da sociedade do

    momento. Nesse sentido, inclui direitos para limitar o Estado e

    direitos com relao s

    prestaes do Estado.

    Na Europa Ocidental, esse modelo poltico-econmico foi chamado de

    Estado de Bem-

    Estar Social (Welfare State). Na Amrica Latina foi chamado de

    desenvolvimentismo e, nos

    Estados Unidos da Amrica, esse modelo de Estado foi chamado de New

    Deal e colocado em

    prtica por Franklin Delano Roosevel entre os anos de 1933 e 1940.

    Este modelo tinha como

    finalidade produzir a recuperao da Grande Depresso e corrigir os

    defeitos no sistema que se

    acreditava terem sido por ela revelados. Entre as medidas tomadas pelo

    New Deal nos EUA,

    estavam: a) substancial libertao da poltica monetria das

    restries do padro-ouro e maior

    aceitao da responsabilidade da poltica monetria para a

    estabilizao da economia; b)

    crescente confiana na poltica oramentria governamental para levar

    a cabo e manter altos

    nveis de emprego; c) implantao do Estado de Bem-Estar Social (o

    fortalecimento do sistema

    de seguridade social, fornecendo benefcios de aposentadoria para

    trabalhadores; sistema de

  • seguro desemprego; o fornecimento de auxlio financeiro a famlias

    pobres com filhos

    dependentes); d) interveno do governo para controlar preos e

    produo agrcola; e) promoo

    governamental da organizao sindical; f) novo ou ampliado controle

    governamental de preos,

    tarifas ou outros aspectos dos transportes, energia, comunicao e

    indstria financeira; e g)

    movimento no sentido de uma poltica mais liberal de comrcio

    internacional.5

    5 Para uma leitura mais detalhada sobre o Estado de Bem-Estar Social,

    conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p.

    522).

    O Estado de Bem-Estar Social alcanou seu pice entre os anos 40 at

    os anos 70

    (considerados os anos de ouro do capitalismo). A partir dos anos 70, o

    Estado de Bem-Estar

    comea a ser questionado por investir e gastar demasiadamente nas

    questes sociais (sade,

    emprego, moradia, previdncia e educao). Os gastos sociais

    aumentaram, o que desencadeou

    uma crise fiscal do Estado, alm de estancamento econmico, elevadas

    taxas de desemprego e

    inflao. Ressurge a defesa das idias liberais do livre mercado,

    agora sob um novo rtulo

    chamado de neoliberal, tendo em Friedrich von Hayek o seu principal

    interlocutor. Para Hayek, a

    vida social sob a gide do Estado o caminho indefectvel da

    servido. A crtica dos neoliberais

    incide sobre o dirigismo e a planificao do Estado sobre a economia,

    ou seja, defendem o

    mercado desregulamentado e menores presses tributrias.6

    6 Mais frente, na Unidade 5, voltaremos a tratar das relaes entre

    o Estado de Bem-Estar Social e o

    neoliberalismo.

    Em sntese, o Estado de Bem-Estar Social foi implementado basicamente

    por partidos

    sociais democratas, delimitando uma terceira via entre o socialismo de

    esquerda e o liberalismo

    de direita. Os sociais-democratas prevem uma passagem gradual do

    capitalismo ao socialismo

    exclusivamente pelas vias eleitorais e parlamentares.

    4.3 Poltica Social

    Segundo Outhwaite e Botomore (1996, p. 586), no existe uma definio

    universalmente aceita de poltica social. H, no entanto, abordagens

    que podem ser agrupadas de

    diferentes modos:

    a) abordagem pragmtica: nesta abordagem a poltica social pode ser

    concebida como

  • um campo de ao que consiste em instituies e atividades que afetam

    positivamente o bem-

    estar dos indivduos. Em outras palavras, quando o Estado intervm

    minimamente com

    polticas no domnio da distribuio ou redistribuio de renda. Nas

    palavras de Marshall (1967):

    a poltica social a poltica de governos relativa ao que tem um

    impacto direto no bem-estar

    dos cidados ao dot-los de servios ou renda, ou ainda, nas palavras

    de Walker (1984), a

    poltica social inclui, em geral, o fornecimento pelo Estado de

    seguridade social, moradia,

    sade, servios sociais pessoais e educao (apud, OUTHWAITE E

    BOTOMORE, 1996, p.

    586); outros autores incluem ainda os servios de empregos. Esta

    abordagem sofre crticas por se

    concentrar no bem-estar individual, deixando de fora todas as

    atividades centrais ou locais do

    Estado, que afetam a qualidade de vida das comunidades, como todos os

    servios comunitrios,

    desde a construo de estradas e fornecimento de gua, at a poltica

    ambiental.

    b) A abordagem funcionalista: os tericos que defendem esta abordagem

    concentram-se

    nos problemas que, em qualquer momento dado, tm perturbado a

    reproduo regular de

    sistemas sociais, sobretudo depois do advento do capitalismo (mudanas

    no sistema industrial),

    quando surge a necessidade de promover polticas sociais para

    restabelecer a estabilidade e o

    equilbrio.

    c) Abordagens estruturais: apresentadas porque, segundo os autores,

    Outhwaite e

    Botomore (1996) as abordagens pragmtica e funcionalista no

    consideraram os processos

    sociais que deflagram as mudanas na poltica social. Houve lutas

    sociais pela conquista dos

    direitos: a existncia dos direitos civis e polticos ajudou a

    formular e consolidar os direitos

    sociais (renda, habitao, sade e cultura decentes), segundo a

    teorizao de Marshall (1965). A

    poltica social descrita em termos estruturais significa que as

    polticas sociais so as que

    determinam a distribuio de recursos, status e poder entre diferentes

    grupos (WALKER, apud,

    OUTHWAITE E BOTOMORE, 1996, p. 589).

  • UNIDADE 5 O ESTADO, AS CONSTITUIES E OS DIREITOS SOCIAIS NO

    BRASIL: DAS ORIGENS ERA VARGAS

    A partir da anlise de diferentes tericos, buscou-se apresentar a

    discusso do Estado, das

    constituies e a relao com a conquista dos direitos sociais no

    Brasil. Nesta Unidade, vamos

    tratar das origens do Brasil Era Vargas. Esta seo tem a

    colaborao terica de Zambra

    (2008).

    5.1 A herana colonial

    Pode-se dizer que no Brasil, desde o perodo colonial, imperial e

    primeira repblica, nada

    mudou em termos de elite poltica e econmica. Os donos do poder eram

    os latifundirios, os

    traficantes de escravos (nacionais), aliados ao poder emanado da

    Metrpole (Portugal). O

    exagero com gastos pblicos em relao nobreza e os altos impostos

    em relao ao ouro

    desencadearam interesses divididos entre os brasileiros e portugueses,

    acentuados com a vinda

    da Corte Portuguesa ao Brasil em 1808, bem como a Proclamao da

    Independncia pelo

    Prncipe Regente, em 1822. No entanto, esta funo de manter o

    territrio nacional provocou um

    marco histrico no pas, isto , do paternalismo poltico, no qual os

    mritos das conquistas no

    so do povo, e sim dos poderosos para se manter no poder (BRUM, 1988,

    p. 42-45).1

    1 Autores que tratam da formao do Estado Brasileiro: Brum (1988);

    Faoro (1985); Santos (1998); Soares (1973);

    Weffort (1980); Ianni (1986).

    Diferentemente da emancipao poltica norte-americana, que teve uma

    elevada

    participao da sociedade civil organizada, a proclamao da

    independncia do Brasil no teve

    um significado de revoluo, mas de arranjo poltico, expressando o

    interesse da aristocracia

    rural dominante, que o povo, que era maioria, apoiava, no sentido de

    se sentir livre econmica e

    socialmente (BRUM, 1988, p. 46).

    5.2 As primeiras constituies

  • Diante da idia de emancipao poltico-administrativa, foi promulgada

    a Carta

    Outorgada de 1824. J que a classe social no conseguia se organizar,

    foi oferecida pelo

    Imperador uma organizao jurdica poltica, partindo do Poder Central

    ao povo, ou seja, de

    cima para baixo (BRUM, 1988, p. 46-47).

    A Carta Outorgada, em 1824, foi imposta por Dom Pedro I, Imperador da

    poca, um

    diploma monarquista-parlamentarista, que atribua a guarda da

    Constituio ao Poder

    Legislativo, a qual, em seu art. 15, n. 8, delegava ao Legislativo

    fazer leis, interpret-las,

    suspend-las e revog-las e no n. 9 do mesmo artigo, velar na guarda

    da constituio. No

    entanto, com o Poder Moderador, o imperador controlava e coordenava

    tudo (BASTOS, 1999, p.

    399).2

    2 Autores citados no estudo das Constituies Federais: Barroso

    (1996); Bastos (1999); Moraes (2001); Faoro

    (1985), Santos (1998), entre outros.

    Nesse sentido, a Carta Outorgada oferecida em prol do povo, para que

    se organizassem

    poltica e juridicamente, era norteada pelos grandes proprietrios, os

    mais prximos do

    Imperador, mas predominava o Poder Moderador, sendo que o Monarca

    tinha todo e absoluto

    poder para fazer ou deixar de fazer o que quisesse, comandando a tudo

    e a todos. Nesse perodo,

    havia pouca materialidade a respeito de direitos sociais, pois a

    preocupao era mais calcada na

    distribuio de benefcios, ou seja, na utopia de organizar a

    sociedade de acordo com os

    indicadores do mercado, estimulada pelo incio da produo mercantil

    generalizada no sculo

    XVIII (SANTOS, 1998, p. 69), que se tornou vivel com a Revoluo

    Industrial, mas no

    determinava uma sociedade igual para todos, onde todos dispusessem, em

    condies iguais, de

    bens e servios, mas que cada um recebesse de acordo com sua

    capacidade. Essa forma

    desequilibrada e diferenciada traduz bem o que a Constituio de 1824,

    em seu art. 179, Inciso

    XIII, prescrevia: A lei ser igual para todos, quer proteja, quer

    castigue, e recompensar em

    proporo dos merecimentos de cada um (BARROSO, 1996, p. 9).

    Assim, a organizao administrativa estabelecida nesse perodo era

    suficiente para conter

    os insubordinados, pois o estmulo era aos latifundirios, ou seja,

    contentava os interesses

    comuns, haja vista que o Estado ne