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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Márcia Chicareli Costa ASPECTOS PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE MATERNA DE MÃES DE CRIANÇAS ABRIGAS São Bernardo do Campo 2008

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

Márcia Chicareli Costa

ASPECTOS PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE MATERNA DE MÃES DE CRIANÇAS ABRIGAS

São Bernardo do Campo 2008

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MÁRCIA CHICARELI COSTA

ASPECTOS PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE MATERNA DE MÃES DE CRIANÇAS ABRIGADAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Paulo - UMESP - como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia da Saúde

Orientadora: Profª Drª Marília Martins Vizzotto

São Bernardo do Campo

2008

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FICHA CATALOGRÁFICA

C823a

Costa, Márcia Chicareli Aspectos psicodinâmicos e capacidade materna de mães de crianças abrigadas / Márcia Chicareli Costa. 2008. 99 f. Dissertação (mestrado em Psicologia da Saúde) –Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2008. Orientação de: Marília Martins Vizzotto 1. Crianças institucionalizadas 2. Mães 3. Introjeção I. Título CDD 157.9

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MÁRCIA CHICARELI COSTA

ASPECTOS PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE MATERNA DE MÃES DE CRIANÇAS ABRIGADAS

Banca Examinadora

_________________________________ Presidente – Profa. Dra. Marília Martins Vizzotto

Universidade Metodista de São Paulo

_________________________________ Titular – Profa. Dra. Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo

Universidade de São Paulo - USP

________________________________ Titular – Profa. Dra. Maria Geralda Viana Heleno

Universidade Metodista de São Paulo

Dissertação defendida e aprovada em ____/____/____

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO São Bernardo do Campo

2008

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu Deus por ter me dado tanta força e ajudado a equilibrar-me em

momentos de dificuldades, dando-me forças para prosseguir com determinação e chegar à

realização de mais um grande projeto de vida.

Aos meus queridos filhos, Priscila e Paulo, pela presença sempre firme e pela

compreensão do tempo subtraído em nosso convívio para esta realização.

À minha querida e competente orientadora, Profª Drª Marília Martins Vizzotto, que

muito mais que orientar, fez trocas maravilhosas de vida e de aprendizagem para esta

conquista. Este desafio só se concretizou por sua presença firme e suave, doce e atuante em

todo o processo por nós vivido.

À Profª Drª Maria Geralda Viana Heleno, que em suas aulas me fez aprender e crescer

enquanto pessoa, profissional e futura mestre e ainda agradeço sua disponibilidade em

participar tão prontamente da Banca de Qualificação e Defesa deste trabalho.

À Profª Drª Leila Tardivo, que, prontamente, aceitou o convite para participar da

Banca de Qualificação desta pesquisa e com sua sabedoria abriu muitos caminhos até então

obscuros para o bom andamento do trabalho e agradeço também sua honrosa presença na

Banca de Defesa.

À Profª Drª Laura Marisa Carnielo Calejon, pelo companheirismo e compreensão das

horas difíceis e sua colaboração sábia e pertinente no texto deste trabalho.

Ao Profº Drº Joaquim Gonçalves Coelho Filho, pela participação honrosa na

construção do saber e do entendimento desta pesquisa mostrando novas possibilidades e

novos caminhos. Pela paciência e companheirismo na construção do pensamento deste texto.

Agradeço á Sra. Miriam Monteiro, Presidente Emérita do “Nosso Lar” Associação das

Senhoras Evangélicas de São Paulo, o abrigo que me deu a oportunidade de colher os dados e

entrevistar as participantes desta pesquisa.

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Á minha mãe, Martyre Chicareli Costa, sempre presente em minha vida, me abrigando

com seu amor incondicional.

Ao meu pai, Paulo Alencar Costa, que mesmo não estando em presença física, teve

direto envolvimento em meus planos futuros e de vida, quando dizia: “Você é dos livros”.

Aos meus irmãos, Wuxiley, Silvana e Patrícia Chicareli Costa, pela compreensão dos

dias que não pudemos estar juntos para que eu pudesse concluir este projeto.

Aos meus sobrinhos, Marcela, Fábio Murillo e João Vitor simplesmente por serem as

pessoas que são e darem a possibilidade de expansão ao amor que sinto por eles.

Ao meu companheiro de vida, Luiz Arthur de Camargo Medeiros, pela ajuda e pela

paciência, pelas correções e tentativas de me acalmar sempre que perdia o rumo das coisas,

pela participação especial, inicialmente turbulenta e em seguida calma e tranqüila, assim são

os companheiros, para todas as horas.

Aos meus alunos, que muito mais que aprender comigo me fazem aprender com eles

numa constante troca de sabedoria e respeito mútuo.

E finalmente agradeço a todas as “minhas pessoas” maravilhosas que de uma forma ou

de outra estão envolvidas em minhas conquistas e realizações pessoais e profissionais.

Obrigada!

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MÃE

O teu crescer me faz, mãe...

O teu sonhar me faz caminhar...

Olhar para você me faz seguir em frente...

Tua presença me é um presente...

Ter você é poder ser, é continuar, confirmar minha existência.

Estar com você é me sentir, mãe.

Mãe de sangue, mãe de coração...

Mãe de alma, mãe de emoção...

Aprendi a amar você...

Foi assim que, aos poucos, fui me tornando...mãe!

Ainda tenho muito para aprender, ensinar também.

Troca justa, amor incondicional.

Amor de lágrimas que escorregam dos olhos a cada olhar teu.

Cada dor tua me machuca...

Teu sofrimento me consome...

Teu sorriso me ilumina...

Teu jeito criança me dá tanta esperança...

Priscila e Paulo...filhos...

Me tornaram MÃE...

E você, Mãe, fez de mim a filha que pôde constituir-se em mãe!

Obrigada!

Márcia Chicareli Costa

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"Renda-se, como eu me rendi.

Mergulhe no que você não

conhece como eu mergulhei.

Não se preocupe em entender,

viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

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RESUMO CHICARELI COSTA, M. ASPECTOS PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE MATERNA DE MÃES DE CRIANÇAS ABRIGADAS – UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO, 2008, 87P.

Este estudo teve como objetivos investigar aspectos da dinâmica intrapsíquica de mães de crianças institucionalizadas em abrigo por ordem judicial, e identificar recursos defensivos utilizados por essas mães. Para atingir estes objetivos, realizou-se uma investigação clínica com estudo de três casos de mães de crianças abrigadas. Foram utilizados dois instrumentos: a) Roteiro de Entrevista – roteiro de temas a serem abordados em uma ou mais entrevistas não diretivas de cunho clínico, a fim de auxiliar na investigação da psicodinâmica destas mães. b) Procedimento de Desenho Estória com Tema técnica projetiva que associa o uso de desenhos com estórias, como forma de explorar livre e dinamicamente os conteúdos da personalidade. A técnica permite o estudo das características formais e estruturais da personalidade, pois tem a particularidade de facilitar a expressão de aspectos inconscientes relacionados a pontos de angústias presentes, focos conflituosos e perturbações emergentes. Estes procedimentos foram realizados nas dependências da instituição (abrigo) onde as crianças estavam hospedadas. Os principais resultados comuns aos três casos foram: Ambigüidade e os Impeditivos de Crescimento – a primeira mãe entrevistada ao mesmo tempo ataca a mãe que a abandona (mãe biológica e a mãe adotiva), em busca de uma mãe idealizada. Essa ambigüidade a impede de crescer. Nota-se a mesma tentativa de idealização na segunda mãe estudada que demonstra dificuldade em aceitar a atual situação em que vive e não consegue perceber que a aproximação de sua mãe é por causa da doença que ela adquiriu e não por continência. A terceira e última mãe entrevistada demonstra conteúdos persecutórios diante do abrigamento dos filhos e dificuldade de sentir gratidão. Os mecanismos predominantes que aparecem nos três casos são os de: idealização e regressão a estágios primitivos. Nota-se ainda, depressão, dificuldade de elaboração da posição depressiva. Estas mães não conseguem vivenciar continuamente a realidade psíquica, que implicaria na elaboração da posição depressiva, pois não conseguem fazer, ainda que tentem, uma comparação entre os mundos interno e externo, o que as levariam à uma melhor compreensão das semelhanças e diferenças. De modo que, a figura dos pais (principalmente da mãe) fica cindida entre aterrorizante e idealizada, porém os mecanismos predominantes são suas fantasias que propiciam idealização; identificação projetiva maciça. A persecutoriedade e a culpa, ao mesmo tempo parecem indicar a depressão que pode ser tão forte que levam à intensificação destes sentimentos. Há a presença da inveja que também intensifica as angústias persecutórias, requerendo mecanismos de defesa que violentam as funções psíquicas. Palavras-Chaves: Criança Abrigada, Maternagem, Introjeção da Figura Materna.

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ABSTRACT

CHICARELI COSTA, M. - PSYCHODYNAMIC ASPECTS AND ABILITY OF SHELTERED CHILDREN’S MOTHERS MASTER’S DEGREE PAPER – UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO, 2008, 87p. This paper aimed at investigating aspects of the intrapsychic dynamics of mothers whose children live in shelters due to court order and identifying the protective resources used by these mothers. To meet these purposes, a clinical investigation studying three cases of sheltered children’s mothers was done. Two instruments were used: a) Interview Script – Theme scripts to be covered during one or more non-directive interviews of clinical scope, in order to help investigate the psychodynamics of these mothers. b) Drawings and Storytelling Procedure – Projective technique which associates the use of drawings to stories as a mean of exploring the contents of personality freely and dynamically. This technique allows the study of formal and structural characteristics of the personality, as it has the singularity of facilitating the expression of unconscious aspects related to present anguishes points, differing focus, and emerging disorders. These procedures were used inside the institution (shelter) in which the children lived. The main results common to the three cases were: Ambiguity and Development Impendings - the first interviewed mother attacks at the same time the mother that left her (the biological mother and the adoptive mother), in search of na idealized mother. This ambiguity impedes her development. The same attempt of idealisation was observed on the second interviewed mother. She shows embarassement in accepting her life and can´t realize that the approaching of her mother is because of an acquired disease and not for continence. The third and last interviewed mother shows persecutive contents when facing the sheltering of her children and embarassement to feel greatful. The prevailing mechanisms that appear on the three cases are: Idealization and regression to primitive stages. Depression, difficulty to elaborate the depressive position are also observed. These mothers can´t continuously experience the psychic reality that would imply on the elaboration of depressive position, since they can´t do it, though they attempt to compare between the internal and external worlds, this would lead them to a better understanding of the similarities and differences, so the parents figure (mainly the mother's) becomes divided between terrifying and idealised, but the prevailing mechanisms are their fantasies that provide idealisation; massive projective identification. The persecution and guilty seem to indicate at the same time the depression that can be so strong that leads to the enhancement of these feelings. There´s the presence of envy that also enhances the persecution anguishes, requiring defense mechanisms that violates the psychic functions. Key words: Sheltered child, Mothering, Mother’s Figure Introjection

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SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................12

I.1. Algumas considerações sobre o desenvolvimento da criança à luz das relações de

objeto ............................................................................................................................14

I. 1.1. Sobre a importância das relações no desenvolvimento afetivo .........................18

I.1.2. A capacidade de se vincular como condição humana .........................................20

I.1.2.1. A capacidade de maternar como fator de proteção à saúde .............................22

I.2. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência ...........................29

I.3. Instituições de abrigo e eca: uma revisão histórica ................................................32

I.4. Estudos recentes sobre abrigos no Brasil ...............................................................36

I.5. A instituição como rede de apoio social e afetivo .................................................39

OBJETIVOS .....................................................................................................................40

II. MÉTODO ............................................................................................................................41

II.1. Participantes ..........................................................................................................42

II.2. Local .....................................................................................................................42

II.3. Instrumentos .........................................................................................................42

II.4. Procedimento ........................................................................................................46

III. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................47

III.1. Caso 1 – Sra G. “A mãe abençoada” ...................................................................47

III.1.1. Dados do Histórico de vida ..................................................................48

III.1.2. A Mãe e a filha .....................................................................................49

III.1.3. A Senhora G. e nosso contato durante as entrevistas ...........................50

III.1.4. Observações ..........................................................................................51

III.1.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo .............52

III.1.6. Síntese das Produções ...........................................................................55

III.1.7. Síntese Geral do Caso ...........................................................................56

III.2. Caso 2 – Sra A. “A mãe tristeza” ........................................................................59

III.2.1. Histórico de vida ...................................................................................60

III.2.2. A mãe e os filhos ..................................................................................61

III.2.3. A Senhora A. e nosso contato durante as entrevistas ...........................61

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III.2.4. Observações ..........................................................................................62

III.2.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo .............62

III.2.6. Síntese das produções ...........................................................................65

III.2.7. Síntese Geral do Caso ...........................................................................67

III.3. Caso 3 – Sra L. “Mãe dos sete” ...........................................................................69

III.3.1. Histórico de vida ...................................................................................69

III.3.2. A mãe e os filhos ..................................................................................70

III.3.3. A Senhora L. e nosso contato durante as entrevistas ............................71

III.3.4. Observações ..........................................................................................71

III.3.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo .............72

III.3.6. Síntese das produções ...........................................................................75

III.3.7. Síntese Geral do Caso ...........................................................................76

III.4. Aspectos gerais dos casos estudados...................................................................79

IV. CONCLUSÃO ...................................................................................................................88

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................91

ANEXOS .................................................................................................................................97

ANEXO 1 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...........................................98

ANEXO 2 - Declaração de Responsabilidade do(a) Pesquisador(a) ...................................99

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Lista de Figuras

Figura 1. Caso 1 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.............53

Figura 2. Caso 1 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”..................................54

Figura 3. Caso 2 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.............63

Figura 4. Caso 2 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”..................................64

Figura 5. Caso 3 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.............73

Figura 6. Caso 3 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”..................................74

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I. INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda aspectos intrapsíquicos de mães de crianças abrigadas por

determinação judicial. Cabe salientar que muitas vezes a família não consegue cumprir suas

funções educativas, materiais e afetivo-relacionais, obrigando que sejam impostas medidas

judiciais que afastam a criança de seu convívio direto e cotidiano com a família, a fim de que

se preserve a criança ou que se reduzam danos em seu desenvolvimento psicológico, social e

físico. Essa determinação é imposta a partir de constatações de violência doméstica, abusos e

outros comprometimentos no convívio da criança com a mãe e com a família e que as

impossibilitam continuar mantendo a guarda da criança, que passa às mãos de instituições

chamadas “abrigos”.

No Brasil, e mais especificamente na cidade de São Paulo, local onde realizamos esse

estudo, existem casas-abrigo que são instituições subsidiadas pelo governo municipal e/ou

estadual ou ainda recebem donativos. Estas instituições acolhem as crianças até que possam

retornar à família de origem ou famílias substitutas ou, ainda, em último caso, até que

completem a maioridade legal.

É nesse cenário, onde podemos localizar essas crianças abrigadas e que recebem

visitas quinzenais de suas mães (quando permitido pelo juiz), que se dá o presente estudo.

Justificamos, portanto a importância desse estudo, ao considerarmos que as condições

de saúde psicológica destas mães devem ser tomadas em consideração. A saúde psicológica

da mãe – em que estão implícitas suas capacidades de “maternar”, de estabelecer bons

contatos afetivos e, que dependem também do tipo de vínculo que conseguem estabelecer,

constituem a base para a formação da personalidade da criança aos seus cuidados.

Assim, numa perspectiva psicodinâmica, ao tratar do lugar que os pais ocupam na vida

dos filhos, lembramos que psicanálise destaca aquilo que marcou os pais na infância. Ainda

que com muitas especificidades, as condições paterno-maternas são dadas ou asseguradas a

partir das relações psico-afetivas que esses pais tiveram em sua infância. De modo que a

vinda de um bebê ou uma criança mobilizará a história da mãe e colocará à prova a

capacidade de elaboração de seus conflitos e, portanto, o grau de sanidade que esta mãe

consegue dar à própria história.

Salientamos ainda que a compreensão deste objeto de estudo torna-se duplamente

relevante. De um lado, trata da saúde psicológica de mulheres que já têm seus filhos em

condição de abrigamento, caracterizando uma dimensão curativa das ações, de outro lado,

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trata de futuras gerações atendidas em uma dimensão preventiva, através da orientação de

futuras mães. Todavia, é importante acentuar que esta investigação não pretende verificar toda

esta amplitude de possibilidades, apenas apresentar indicativos.

Assim, assentados na psicanálise – mais especificamente na psicanálise kleiniana e

neo-kleiniana das relações objetais - é que buscamos sustentar o presente estudo.

Na riqueza das explicações construídas pela Psicanálise sobre as relações mãe-filho,

encontramos a questão proposta por Melanie Klein (KLEIN, 1932; 1946) quanto à

possibilidade de analisar crianças e o jogo como recurso para esse processo, estabelecendo um

paralelismo entre a linguagem como forma de expressão do adulto, e o jogo como forma de

expressão da criança. E foi a partir dessas idéias que Melanie Klein veio a inovar com a

concepção de “posição” para compreender melhor o dinamismo psíquico.

Assim, nos apoiamos na idéia central do pensamento kleiniano das duas posições:

posição esquizo-paranóide e posição depressiva. Sobre o conceito de posição é interessante

lembrar que servirão de subsídios para a análise dos casos estudados. Klein rejeitou a palavra

"fase" ou “estágio” em favor de "posição", pois essas primeiras pressupõem um começo, um

fim, uma superação definitiva e uma duração exata. Ao contrário, a palavra “posição” mostra

que os estados (depressivo e esquizo-paranóide), são dados em momentos da existência do

sujeito, num período precoce do desenvolvimento, mas que se repete posteriormente, por toda

a vida.

Procuramos nos apoiar, além de Klein, nos conceitos de neo-kleinianos como D.

Winnicott sobre holding, bem como em Pichon-Rivière sobre vínculo, e em outros trabalhos

mais recentes e que nos auxiliam na interpretação e reflexão dos dados colhidos em nossos

contatos com mães de crianças abrigadas.

Consideramos relevantes as contribuições psicanalíticas de D. Winnicott, pois esse

usou os importantes insights de Melanie Klein sobre os primeiros meses de vida da criança

para elaborar suas próprias teorias centradas na mãe e na relação entre mãe-bebê: holding; ou

ainda como entendeu ao se referir à mãe suficientemente boa, preocupação materna primária,

mãe ambiente e mãe objeto. Entendeu esse autor que Klein centrou-se quase totalmente na

figura do bebê e no seu potencial instintivo e menos com a mãe real.

Também Pichon-Rivière (1980) em sua “teoria do vínculo”, é outra contribuição que

aqui trazemos para compreender a relação que é complementada com a dinâmica e a

seqüência de estar com o “outro”. Esse autor, além de assinalar entre tantos vínculos

possíveis, ocorrem os vínculos patológicos, preocupantes nas relações humanas, porque estão

muitas vezes carregados de persecutoriedade. Este autor formaliza o conceito de vínculo,

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incluindo além do objeto interno (bom ou mau) o contexto ambiental em que as relações

vinulares ocorrem. Também nos apoiamos nas contribuições de Bleger (1980) com suas

inovações no campo da saúde mental pública, tratando dos conceitos de “psicohigiene e

psicologia institucional” e em suas concepções sobre o contato e a entrevista. Entre os

contemporâneos, destacamos as contribuições que nos serão de grande valia como Knobel

(1981) e suas considerações sobre desenvolvimento e orientação familiar, e Simon (1986)

sobre saúde mental e equilíbrio adaptativo.

Acrescentamos que, embora distante da teoria das relações de objeto, julgamos

importante trazer ao texto as contribuições de J. Bowlby (1984) e sua concepção sobre a

“Teoria do Apego” e a conseqüente angústia da separação em crianças, já que o autor dedicou

grande parte de sua carreira ao estudo das relações mãe-criança nas situações de desamparo,

separações e perdas.

I.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA À LUZ DAS RELAÇÕES DE OBJETO

As considerações sobre o desenvolvimento são feitas com apoio nos fundamentos da

psicanálise, por entender que a base de todas as relações humanas se dá a partir do

desenvolvimento primeiro da criança. E nesse sentido cabe lembrar Bowlby (1969) quando

aponta que os psicanalistas são unânimes em reconhecer a primeira relação humana de uma

criança como a pedra fundamental sobre a qual se constrói a personalidade; porém não existe

concordância sobre a natureza e a origem dessa relação.

Aqui seguiremos nas relações de objeto e, como adiantamos anteriormente, são sobre

essas relações de objeto e sobre as concepções de posição é que se desenvolve o aparato

psíquico.

Segundo Melanie Klein (KLEIN, 1946; 1955) qualquer indivíduo passa normalmente

por “fases” em que predominam ansiedades e mecanismos psicóticos: posição esquizo-

paranóide e posição depressiva. O desenvolvimento infantil passa da posição esquizo-

paranóide (de 0 ao 4º mês) para a posição depressiva (inicia no 4º mês). A ultrapassagem da

posição esquizo-paranóide depende principalmente da força das pulsões libidinais em relação

às pulsões agressivas.

O termo "Paranóide" remete ao caráter persecutório, e o termo "Esquizo" lembra o

aspeto de cisão e divisão, do psiquismo. Desde o começo da vida, as primeiras experiências

do bebê com a alimentação e com a presença da mãe iniciam uma relação de objeto com ela,

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porém essa relação é parcial. Ou seja, a relação com o objeto (a mãe, se seio) pode ser boa ou

má – e não ambas ao mesmo tempo. Quando o bebê não encontra gratificação ou tem de

tolerar um desconforto, suas projeções e identificações são sentidas como ruins e vindas do

objeto (seio, mãe).

M. Klein pressupõe, como Freud, num conteúdo pulsional inato. Essas pulsões (no

caso a agressividade) é então a responsável pela qualidade da identificação e projeção

(identificação projetiva) de um seio mau, devorador. No seu contrário, o seio bom que

amamenta e inicia a relação amorosa é o representante da pulsão de vida e também é sentido

como a primeira manifestação da criatividade. Este seio bom - externo e interno - converte-se

no protótipo de todos os objetos bondosos e gratificantes; o seio mau converte-se no protótipo

de todos os objetos persecutórios internos e externos. Assim, a posição esquizo-paranóide

caracteriza-se pela clivagem (cisão) do objeto (seio) em "bom" e "mau". O objeto é parcial e

dividido (esquizo = divisão). O seio que gratifica é o mesmo seio que frustra; o seio é um

objeto clivado em “bom” e “mau”. O objeto bom e o mau adquirem uma autonomia um em

relação ao outro, separam-se, dividem-se, clivam-se. O objeto bom é "idealizado", pode

conferir "uma consolação ilimitada, imediata, sem fim". A sua introjeção defende a criança da

angústia persecutória. O objeto mau é um perseguidor aterrorizante; a sua introjeção causa

angústias extremas. A angústia é de natureza persecutória (paranóide) por medo de destruição

pelo objeto "mau". Neste estado, o ego é pouco integrado, está clivado. Os objetos (seio) bom

e mau darão origem ao super-ego e as primeiras noções de bem e mal. "Estes primeiros

objetos introjetados constituem o núcleo do super-ego".

M. Klein (KLEIN, 1946; 1955), explica ainda que a posição depressiva se seguiria à

posição paranóide, sendo por sua vez superada por volta do final do primeiro ano. O objeto já

não é parcial, podendo ser apreendido pela criança como total, a clivagem “bom”-“mau” já

não é tão categórica como outrora, a angústia é de natureza depressiva e está ligada ao temor

de perder e de destruir a mãe. Em razão de suas angústias, a criança desenvolve vários tipos

de defesa e de atividades reparatórias, que constituem a primeira alternativa da criatividade e

da sublimação. A posição esquizoparanóide e a posição depressiva voltam a se mostrar

presentes posteriormente na vida, em especial no adulto que desenvolva a paranóia, uma

esquizofrenia ou estados depressivos. Nesta última consideração, a posição depressiva é o

precursor da consciência em geral e da preocupação por outras pessoas em particular. Daí, o

nome dado por Winnicott à posição depressiva foi "o estágio de preocupação".

Simon (1986) ao abordar a posição esquizo-paranóide explica que é necessário

destacar alguns aspectos para evitar dificuldades de entendimento: a posição esquizo-

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paranóide como etapa normal do desenvolvimento de qualquer ser humano; a posição

esquizo-paranóide como ponto de fixação da psicose esquizofrênica e de personalidades

esquizóides (patologia); e a posição esquizo-paranóide como momento de regressão

temporária no funcionamento de personalidades não-psicóticas (inclui os ditos “normais”). Simon (1986) explica a posição esquizo-paranóide como ponto de fixação de psicose e estrutura de

personalidade esquizóide significa que o sujeito, ao atravessar essa etapa inicial da vida, sofre o

feito de uma combinação de fatores internos (constitucionais) e externos (ambiente traumático) que

perturba a transposição normal dessa etapa. Começa já a apresentar defeitos de adaptação que

interferirão na ultrapassagem da posição depressiva (iniciada normalmente entre o terceiro ou

quarto mês após o nascimento). Essas perturbações estruturais da personalidade ficam fixadas e

funcionam como fator predisponente. No futuro, fatores desencadeantes (novos traumas,

frustrações excessivas e prolongadas, as vezes efeito da própria falha adaptativa prévia; incremento

de pulsões sexuais na puberdade) provocam regressão ou exacerbação de mecanismos esquizóides,

surgindo manifestações típicas das psicoses esquizofrênicas (p.86).

Simon (1986) diz que a posição esquizo-paranóide como momento de regressão

temporária implica uma concepção de fluidez dinâmica na integração da personalidade, pois

M. Klein entende que os estados mentais não são estáticos; as pessoas oscilam entre

momentos de maior ou menor lucidez, maior aproximação e maior distanciamento da

realidade. Se for concebido que aos momentos de maior integração correspondem a um estado

mental definido como “posição depressiva” e, os de menor integração, como “posição

esquizo-paranóide”, então o indivíduo oscilará entre essas duas posições, dependendo das

angústias, defesas e fantasias que estejam predominando em sua relação com os objetos

internos e externos. Esse conceito de oscilação entre duas posições é muito útil durante a

sessão de análise, porque permite ao analista verificar se o analisando está conseguindo

enfrentar as angústias depressivas ou fugir delas. (p.86)

Assim, enquanto Melanie Klein dá importância impar ao inatismo e, como Freudiana,

valoriza as pulsões de vida e morte como eixo fundamental no desenvolvimento, Winnicott

(1957) dá um peso especial ao ambiente.

Para esse psicanalista cada ser humano traz um potencial inato para amadurecer, para

se integrar; porém, o fato dessa tendência ser inata não garante que ela realmente vá ocorrer,

pois, depende de um ambiente facilitador que forneça cuidados suficientemente bons, sendo

que, no início, esse ambiente é representado pela mãe. Esse início da vida mental ainda é um

estado temporário, pois o bebê naturalmente passará da “dependência absoluta” para a

“dependência relativa”, o que é essencial para o seu amadurecimento. A dependência absoluta

refere-se ao fato de o bebê depender inteiramente da mãe para ser e para realizar sua

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tendência inata à integração em uma unidade. Na medida em que a integração torna-se mais

consistente, o amadurecimento exige que, vagarosamente, algo do mundo externo se misture à

área de onipotência do bebê. Ser capaz de adotar um objeto transicional já anuncia que esse

processo está em curso e, a partir daí, algumas mudanças se insinuam. O bebê está passando

para a dependência relativa e pode se tornar consciente da necessidade dos detalhes do

cuidado maternal, e relacioná-los numa dimensão crescente, a impulsos pessoais.

No início da passagem da dependência absoluta para a dependência relativa, os objetos

transicionais exercem a indispensável função de amparo, por substituírem a mãe que se

desadapta e desilude o bebê. A transicionalidade marca o início da desmistura, da quebra da

unidade mãe-bebê. (Winnicott, 1987)

Na progressão da dependência absoluta até a relativa, Winnicott (1987) definiu três

realizações principais: integração, personalização e o início das relações objetivas. É nesse

período de dependência relativa que o bebê vive estados de integração e não-integração,

forma conceitos de eu e não – eu, mundo externo e interno, e início do estágio de

concernimento, podendo então seguir em seu amadurecimento, no que o autor denomina

independência relativa ou rumo à independência. Aqui, o bebê desenvolve meios para poder

prescindir do cuidado maternal.

Isto é conseguido mediante a acumulação de memórias de maternagem, da projeção de

necessidades pessoais e da introjeção dos detalhes do cuidado maternal, com o

desenvolvimento da confiança no ambiente.

É importante ressaltar que, segundo Winnicott (1987), a independência nunca é

absoluta. O indivíduo sadio não se torna isolado, mas se relaciona com o ambiente de tal

modo que pode se dizer que ambos se tornam interdependentes. Essas condições incluem a

saúde física do bebê e da mãe, após um parto não traumático, uma amamentação tranqüila e

pouca interferência de elementos estressantes. Após algumas semanas de intensa adaptação às

necessidades do recém–nascido, este sinaliza que seu amadurecimento já o torna apto a

suportar as falhas maternas. A mãe suficientemente boa deve compreender esse movimento

do bebê rumo à dependência relativa e a ele corresponder, permitindo-se falhas que abrirão

espaço ao desenvolvimento.

Portanto, na visão winnicottiana, já nos primórdios da existência, é fundamental para a

constituição do self o modo como a mãe coloca o bebê no colo e o carrega; dá-se, assim, a

continuidade entre o inato, a realidade psíquica e um esquema corporal pessoal. O holding é

necessário desde a dependência absoluta até a autonomia do bebê, ou seja, quando os espaços

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psíquicos entre este e sua mãe já estão perfeitamente distintos (a especificidade das relações

mãe-bebê será discutida mais adiante).

I. 1.1. SOBRE A IMPORTÂNCIA DAS RELAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO AFETIVO

A compreensão da importância das questões relacionais e vinculares no

desenvolvimento da personalidade, sem dúvida iniciou com S. Freud a partir de sua

concepção de objeto. Porém a ampliação dessa noção é só trazida à luz a partir das

contribuições de Melanie Klein, em sua “teoria das relações objetais”.

A compreensão dessa importância dos tipos de relação ou relação vincular que as

pessoas estabelecem é básica para entender a capacidade amorosa do sujeito em questão e,

deste modo, também entender em grande parte sua saúde mental. Os aspectos salutares dessas

relações é um ponto comum entre os autores. Mas a conceituação dessas relações ou vínculos

oferece distinções. Por isso, seguiremos com os principais autores que tratam dessa questão,

tanto em seus aspectos consoantes quanto em suas nuances de distinção.

É comum a todos que a percepção pelo bebê de “bons objetos” lhe possibilitarão

gratificações e condições amorosas.

A respeito dessas nuances de distinção Bowlby (1973) afirma que a discussão

psicanalítica sobre o tema das relações objetais tem sido bastante considerada, porém o autor

prefere em termos de relações objetais os termos “apego” e, “figura de apego” - ao se referir

à mãe ou substituta.

Também Pichon-Rivière (1980) embora kleiniano, uso o termo vínculo e o entende

como a dinâmica contínua das relações interpessoais, pois o concebe como sendo sempre um

vínculo social. Ou seja, é um tipo particular de relação com objeto, sendo “a relação de objeto

constituída por uma estrutura que funciona de uma determinada maneira, pois é estrutura

dinâmica em contínuo movimento, que funciona acionada ou movida por fatores instintivos e

por motivações psicológicas”. (Pichon-Rivière, 1980, p.4)

Compreender o vínculo é importante para definir que tipo de relação a pessoa

estabelece com ela mesma (mundo interno) e ainda com outras pessoas e objetos (mundo

externo).

Um vínculo normal ou saudável é reconhecido como aquele em que a relação sujeito-

objeto é estabelecida sem que haja dependência entre eles; há comunicação e aprendizagem. Em nenhum paciente se apresenta um tipo único de vínculo: todas as relações de objeto e todas as

relações estabelecidas com o mundo são mistas. Existe uma divisão que é mais ou menos

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universal, no sentido de que por um lado se estabelecem relações de um tipo, e por outro, de tipo

diverso. O grupo social em que esse sujeito está atuando adquire uma dupla significação. Pode

estabelecer, por um lado, um vínculo paranóico e, por outro, um vínculo normal, ou ainda um

vínculo tendente à depressão, a hipocondria, etc (PICHON-RIVIÈRE, 1980, p.5)

Também Bowlby (1969) reconhece a questão vincular e entende que a compreensão

da resposta de uma criança à separação ou perda de sua figura materna gravita em torno de

uma compreensão do vínculo que a liga a essa figura. Esse mesmo autor afirma que um

pressuposto, largamente aceito diz respeito à ligação do bebê com sua mãe, por ser esta a

fonte de satisfação de suas necessidades biológicas que devem ser satisfeitas; sendo a

frustração dessa satisfação geradora de patologias observáveis, quando do processo de análise

do indivíduo adulto.

Pichon-Rivière (1980) define em sua teoria os tipos de vínculos possíveis de serem

estabelecidos entre os seres humanos e seus mundos interno e externo.

Historicamente, diz Pichon-Rivière (1980). ...o último passo da psicanálise foi o estudo das relações com objeto. Isso nos leva a

tomar como material de trabalho e observação permanente a maneira particular pela

qual cada indivíduo se relaciona com outro ou outros, criando uma estrutura

particular a cada caso e a cada momento, que chamamos vínculo (p.3).

Para Pichon-Rivière (1980) existem tipos de vínculos que são patológicos. O autor

caracteriza: vínculo depressivo, como o vínculo que está carregado pela culpa; vínculo

hipocondríaco, cuja principal característica é a manifestação de sintomas físicos; vínculo

histérico, que tem como principal característica a dramaticidade; vínculo obsessivo, que se

caracteriza pelo controle e pela ordem; e vínculo paranóico, que se caracteriza pela

desconfiança. Nesses vínculos patológicos há sempre uma dependência que o sujeito constrói

com o outro.

A partir da primeira relação, segundo Bowlby (1969), estabelece-se no indivíduo um

modo de funcionamento, Modelo Funcional Interno. A criança que tem em sua experiência

um modelo seguro de apego vai desenvolver expectativas positivas em relação ao mundo,

acreditando na possibilidade de satisfação de suas necessidades. Já uma outra, com um

modelo menos seguro, poderá desenvolver em relação ao mundo expectativas menos

positivas. O estabelecimento de um modelo de apego seguro ou inseguro fornece a base para a

formação de um Modelo Funcional Interno, uma lente a partir da qual o indivíduo vai ver o

mundo e a si própria.

Compreende-se a partir dessas explicações que, as mães de crianças abrigadas, podem

ser observada e seus recursos intrapsíquicos, uma vez que perderam a estrutura ou a

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configuração anteriormente posta para que se adaptem a uma nova estrutura forçada pelo

distanciamento de seu filho e interação com a instituição abrigo.

I.1.2. CAPACIDADE DE SE VINCULAR COMO CONDIÇÃO HUMANA

Uma pessoa que pôde crescer em um bom lar, ao lado de pais afetivos e de quem

recebeuapoio incondicional, conforto e proteção, consegue desenvolver estruturas psíquicas

fortes e seguras para enfrentar as dificuldades da vida cotidiana. Nestas condições, crianças

seguramente apegadas, aos seis anos são aquelas que relacionam-se com seus pais de uma

forma descontraída e amigável, estabelecendo com eles uma intimidade, além de manter com

eles um fluxo de comunicação (BOWLBY, 1969).

Além do motivo primordial de sobrevivência, Bowlby (1969) ressalta a influência no

desenvolvimento da criança, em termos de saúde mental, da maneira como a criança é tratada

por seus pais – sobretudo pelo cuidador principal que, em sociedades ocidentais, geralmente é

a mãe.

O mesmo autor aponta as conseqüências da situação inversa, ou seja, se esta mesma

pessoa vem a crescer em circunstâncias diferentes, seu núcleo de confiança estará esvaziado,

ficando prejudicadas as relações com outros semelhantes, havendo, pois, prejuízo nas demais

funções de seu desenvolvimento.

A origem da enfermidade mental estaria, portanto, nas dificuldades encontradas pela

criança para realizar a tarefa determinada por cada uma dessas fases, isto é, no autismo

normal, na simbiose normal ou na separação-individuação. Essas falhas podem ter sido

provocadas por: defeitos inatos, incapacidade do ego para neutralizar as pulsões agressivas no

estabelecimento do vínculo com a mãe; defeitos na relação mãe-filho: seja por patologia

materna ou pela ausência real do par simbiótico e/ou traumas: doenças, acidentes,

hospitalizações ou outros eventos que alterem a estabilidade com a mãe ou a auto-imagem do

indivíduo.

Observa-se que esse autor, de influência freudiana, considera os fatores inatos

(neuropsicofisiológicos) na constituição do sujeito como uma forma de se “apegar”, se

vincular ou de estabelecer contato, mas também considera as relações com o mundo que cerca

o indivíduo.

Numa outra linha de raciocínio, Winnicott (1958) nos chama a atenção para a

capacidade das mães em dedicar a seus filhos, no momento em que este precisa, toda a

atenção, suprindo suas necessidades de alimentação, higiene, acalanto ou no simples contato

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sem atividades. Isso cria condições necessárias para que se manifeste o sentimento de unidade

entre duas pessoas. A reciprocidade da interação mãe-bebê dá a ambos a qualidade de agentes

no processo, em que a mãe introduz na situação aspectos de sua história e momento de vida.

Assim, da relação saudável que ocorre entre a mãe e o bebê, emergem os fundamentos

da constituição da pessoa e do desenvolvimento emocional da criança. A capacidade da mãe

em se identificar com seu filho permite-lhe satisfazer a função que Winnicott (1958) chamou

holding. A função do holding é fornecer apoio egóico, em particular na fase de dependência

absoluta antes do aparecimento da integração do ego. O holding inclui principalmente o

segurar fisicamente o bebê, que é uma forma de amar; contudo, também se amplia a ponto de

incluir a provisão ambiental total anterior ao conceito de viver com, isto é, da emergência do

bebê como uma pessoa separada que se relaciona com outras pessoas separadas dele.

A mãe, continua Winnicott (1958), ao tocar seu bebê, manipulá-lo, aconchegá-lo, falar

com ele, acaba promovendo um arranjo entre soma e psique e, principalmente ao olhá-lo, ela

se oferece como espelho, no qual o bebê pode se ver.

Esse mesmo autor, visando mostrar a pais leigos a importância do que eles faziam

naturalmente, traz uma descrição mais concreta do que está envolvido no holding: “Protege da

agressão fisiológica, leva em conta a sensibilidade cutânea do lactente – tato, temperatura,

sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade à queda (ação da gravidade) e a falta

de conhecimento do lactente da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo.

Isso implica numa rotina completa do cuidado dia e noite. Esse “estado de

preocupação materna primária”, como chama Winnicott, implica em uma regressão parcial

por parte da mãe, a fim de identificar-se com o bebê e, saber do que ele precisa, e ao mesmo

tempo, manter-se como adulta.

Do mesmo modo, continua o autor, os bebês que são mais agitados, choram muito ou

são difíceis de serem consolados, bem como aqueles que vivem ou viveram situações

estressantes de hospitalizações prolongadas, abandono por parte dos pais ou qualquer outra

situação de privação social ou afetiva, podem não apresentar comportamentos eliciadores de

contato, como o olhar mútuo, o sorriso para o outro ou ainda serem menos responsivos

quando chamados a interagir.

Assim, entendemos com essas contribuições, que esses cuidados dependem da

necessidade de cada criança, pois cada pessoa responderá ao ambiente de forma própria e

apresentará, em cada momento, potencialidades e dificuldades diferentes. De modo que,

podemos pensar no fato de que, se amadurecer significa alcançar o desenvolvimento do que é

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potencialmente intrínseco, as dificuldades da mãe em olhar para o filho como diferente dela,

podem tornar o ambiente não suficientemente bom para aquela criança amadurecer.

I.1.2.1 A CAPACIDADE DE MATERNAR COMO FATOR DE PROTEÇÃO À SAÚDE

Diferentes autores psicanalíticos, tal como já citamos anteriormente, por conceberem

de forma diferente a constituição da personalidade (ou do psiquismo) também vão dar

diferentes explicações para a compreensão dessa capacidade materna ou “maternagem”.

Entre esses, W. Bion (1962), a partir das concepções kleinianas das relações objetais,

chamará de “Reverie” essa capacidade de mãe em perceber e compreender a angústia de seu

bebê e contê-lo, assim como o próprio bebê a perceberá. Outro kleiniano, Pichon-Rivière

(1980) já entende essas relações de objeto a partir do que denomina “vinculo” e a capacidade

de ambos mãe-bebê em estabelecer essa capacidade e qualidade vincular. Já Winnicott (1957)

e Bowlby (1969) enfatizam também essas relações, mas valorizam muito a questão ambiental

(objeto externo).

Zimerman (1995) diz que a conceituação de Bion quanto à origem, natureza e

funcionamento do continente materno – ou do psicanalista – constitui-se como um dos

postulados fundamentais tanto da teoria como da prática psicanalítica. “Partindo da noção de

identificação projetiva, de M. Klein, ele conclui que para todo conteúdo projetado deve haver

um continente receptor” (p.162). E, para substanciar suas reflexões teóricas, Bion recorreu ao

uso de modelos. Assim, ele partiu de dois modelos: o da relação sexual e o da relação boca-

seio. “O primeiro destes modelos serviu para Bion representar graficamente a relação

continente e conteúdo, pelos signos como uma clara alusão de que a vagina se comporta

como um continente para conter a introdução do pênis, como as respectivas possibilidades

prazerosas ou desprazerosas, sadias ou patológicas, que podem ocorrer nessa relação”

(ZIMERMAN, 1995, p.162).

Como o modelo boca-seio ou bebê-mãe encontra uma forte equivalência na relação

analisando-analista, torna-se óbvia a conclusão do quão importante é a conceituação de

continente-conteúdo para a prática psicanalítica. O próprio setting psicanalítico, diz

Zimerman (1995), “é instituído de tal forma que os encontros entre analista e analisando se

alternam com os desencontros decorrentes das inevitáveis separações, frustrações e

privações, sendo que tudo isso reproduz as mesmas vicissitudes do vínculo de uma criança

com a mãe” (p. 162)

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Convém fazer uma possível distinção entre as concepções de “continente” com as de

rêverie e de holding, porquanto os três termos são largamente empregados na literatura

psicanalítica, com significados semelhantes.

Zimerman (1995) diz que todos os autores que concebem o papel decisivo da mãe (ou

representante dela), no início da vida do seu filho, valorizam sobremaneira, embora com

diferentes denominações, essa função acolhedora e sustentadora da mãe. No entanto, deve ser

creditado a Winnicott – com a ênfase no papel de holding materno – e a Bion – na função de

rêverie e de “continente” – o inegável mérito de terem dado uma sólida consistência, teórico-

clínica, a essas funções.

Com as contribuições de Winnicott que sempre afirmou convictamente que não existe

um bebê individualizado e que não é possível conceber-se o desenvolvimento de uma criança

sem que a mãe esteja incluída, que é a concepção original de Winnicott, relativa às funções de

Holding e que data de 1960, quando ele introduziu a idéia de “posição materna”. Winnicott

desdobra-a em outros termos, como o de “missão materna”; “devoção materna”; “provisão

materna”; “mãe suficientemente boa”, e os reúne sob a denominação de Holding, como indica

a raiz inglesa dessa palavra (to hold = sustentar). Essa foi inicialmente utilizada por Winnicott

para caracterizar a mãe executando a tarefa de sustentar o filho, porém com um suporte de

natureza mais física, como a de dar colo, afagos, a troca de fraldas, e outros cuidados. À

medida que a sua obra avança, Winnicott foi estendendo a noção de holding para uma

abrangência também de um suporte psíquico (ZIMERMAN, 1995).

Quanto à Rêverie, essa é uma denominação que foi cunhada por Bion também nos

anos sessenta e tal como a sua raiz francesa mostra (revê = sonho), ele designa uma condição

pela qual a mãe (ou o analista), estão em um estado de “sonho”, isto é, ela está captando o que

se passa com o seu filho, não tanto através da atenção provinda dos órgãos dos sentidos, mas

pelas suas intuições; de modo que uma menor concentração no sensório possibilita um maior

afloramento da sensibilidade.

‘A função de rêverie é estudada por Bion como sendo uma capacidade da mãe

(analista) em fazer a identificação projetiva das identificações projetivas do seu filho

(analisando); ou seja, é uma capacidade de fazer ressonância com o que é projetado dentro

dela’ (ZIMERMAN, 1995, p. 164).

Temos ainda o termo Continente, que por sua vez, de acordo com sua etimologia

(contenere = conter), designa uma condição pela qual a mãe consegue não só acolher e

permitir que as cargas projetivas do filho penetrem nela, como ainda alude a outra função que

processa o destino dessa projeção. Assim, afirma Zimerman (op. cit) “uma abordagem

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esquemática permite que se enumere os seguintes fatores que compõem a função de

“continência” da mãe (analista) em relação às identificações projetivas do filho (paciente):

acolher, comer, decodificar, elaborar e devolvê-las em doses apropriadas, devidamente

nomeadas e significadas” (p. 165).

Zimerman (1995) diz que embora haja diferenças, como já foi assinalado, entre os

conceitos de holding, rêverie e de continente, muitos autores os empregam de forma

sinônima. O que é necessário distinguir, é uma função “continente”, com a de um mero

recipiente das angústias do paciente, pois enquanto o primeiro é um processo psíquico ativo, o

segundo se refere a uma atitude passiva do psicanalista, como um mero hospedeiro, ou

depositário de projeções.

Esse autor complementa que a concepção de “continente” está hoje tão difundida e

empregada no meio psicanalítico, e mesmo fora dele, que muitos de nós esquecemos que ela

teve origem nos estudos de Bion.

O trabalho de Bion partiu das idéias de Klein sobre a primitiva relação entre a mãe e o

bebê e sobre a vida de fantasia do bebê, no contexto dessa relação. Ele repetidamente

reconheceu sua dívida para com Klein, em particular a compreensão a partir das idéias de

Klein sobre o Complexo de Édipo precoce, a importância da inveja como um fator na

personalidade e a centralidade da mudança da posição esquizo-paranóide para a posição

depressiva.

Melanie Klein descreve aspectos da identificação projetiva ligados à modificação dos

temores infantis, em que o bebê projeta parte da psique, isto é, sentimentos maus dentro do

seio bom. Daí, a seu tempo, são removidos e reintrojetados. Pela permanência no seio,

afiguram-se modificados, de modo tal que a psique do bebê tolera o objeto reintrojetado.

Desta teoria então, Bion (1965) abstraiu, a idéia de continente em que se projeta o

objeto, e de objeto projetado dentro do continente.

Lembramos aqui Simon (1986) quando dia que a importância que o conceito de

identificação projetiva foi adquirindo na obra de Melanie Klein e seus seguidores, convém

lembrar que esse se trata de um mecanismo de defesa que se forja na posição esquizo-

paranóide.

Acrescenta ainda, que, esse é um tipo particular de relação de objeto. É uma relação

em que o objeto desaparece para dar lugar a um objeto que é o prolongamento do ego, isto é,

uma identificação. Neste sentido, trata-se de uma relação narcisista de objeto, ou seja, o ego

se relaciona com uma parte que parece estar fora, no “objeto”, mas na verdade,

inconscientemente, é uma parte de si mesmo.

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Simon (1986) diz que a primeira descrição que faz M. Klein da identificação projetiva

comunica a idéia de que se trata de uma relação agressiva, esclarece que se trata também de

uma relação amistosa. Na verdade, a identificação projetiva é o protótipo da relação de

objetos. Sem ela não haveria relações posteriores mais diferenciadas.

O mesmo autor diz que, não só as partes más, mas também as partes boas do sujeito

são partidas e projetadas no objeto. Isso dá origem às relações de amor, confiança, o que

forma a base de relações positivas e construtivas, primeiro com o peito, depois com outros

objetos e finalmente com pessoas. Porém, se há excesso de projeções de partes agressivas, o

sujeito se enfraquece em virtude do significado de vigor, potência etc., que se associa à

agressividade. Se forem excessivamente projetadas partes boas do sujeito e bons sentimentos,

há empobrecimento do ego.

Sobre a noção de identificação projetiva, Melanie Klein (KLEIN, 1946) introduz o

conceito como uma fantasia onipotente do bebê pela qual uma parte de sua personalidade

poderia ser dissociada e colocada em outros objetos, em primeiro lugar, na mãe ou em partes

da mãe. Por exemplo, um bebê que esteja em um estado de desespero ou faminto pode vir a

sentir o seio como exigente e raivoso.

Bion (1962) foi um dos autores que estendeu a noção de identificação projetiva para

incluir um processo interpessoal pelo qual a personalidade do bebê e, subseqüentemente, do

adulto realmente transmite aspectos da experiência e da vida mental a outros através de meios

inconscientes e freqüentemente não-verbais. É induzido, no objeto, um determinado estado ou

resposta. O autor descreveu algumas dessas noções em seu famoso modelo: “a idéia de um

continente dentro do qual o objeto é projetado, e o objeto que pode ser projetado dentro do

continente, o último sendo designado como contido” (BION,1962, p.134)

Bion (1962) completa seu raciocínio afirmando que “além da teoria analítica clássica,

teve em mente as teorias kleinianas de cisão e de identificação projetiva” (p.31).

Distúrbios na relação do bebê com estes aspectos da função do “seio” ou da “mãe”

refletem-se também em dificuldades subseqüentes com a manipulação de entidades

significativas, na distinção entre o simbólico e o literal, e de forma mais genérica, na

construção de vínculos entre os diferentes aspectos da experiência. Por exemplo, na vida

cotidiana, estabelecer ligações do presente com o passado, ou em tratamento, ligar sonhos

com a transferência, ligações estas que existem como uma rede despercebida, tomada como

certa, que resulta em comunicações que têm profundidade, ressonância e uma capacidade

poderosa de manter a atenção. Dificuldades e ansiedades com o seio, enquanto um provedor

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de significado resultam na ausência desta rede ou em sua distorção, de forma que o

significado, em seu sentido usual, não pode ser estabelecido ou inteiramente vivenciado.

O significado, então, é algo que sempre tem suas raízes mais iniciais em uma interação

e troca emocional com os objetos primários. Bion (1962) sugere que o significado evolui

como um aspecto do lidar com as experiências surgidas naquele contexto. Neste sentido, o

que importa não é somente a verdade objetiva deste ou daquele significado. Esse autor diria,

por exemplo, que não é necessário para o significado ter uma “realização”. O que importa, é a

capacidade daquele significado específico para processar e lidar com as tensões emocionais,

ausências e ansiedades que o originaram. Lidar com essas tensões e ausências envolve

enfrentar as questões, no lugar de evadir-se delas. Assim, a realidade se faz presente

fortemente neste nível. Isso quer dizer que significados interpessoais, enquanto em algum

sentido “invariante” (isto é, representando algo da situação subjacente), no entanto, não

necessitam estar sempre corretos do ponto de vista legal ou estrito. Além disso, a maneira pela

qual, os significados são ligados um com outro, não é necessariamente causal; eles são ligados

pela rede de contatos derivada dos relacionamentos a partir dos quais eles emergiram.

A existência de uma realização no mundo exterior não é necessária para o significado,

o que não implica que o sentido, a compreensão e o conhecimento sejam inteiramente

arbitrários em seus conteúdos. O indivíduo também precisa ser capaz de apreender os fatos da

realidade de forma razoavelmente realística.

E, para Bion (1965), a habilidade da personalidade para tolerar um dos fatos da vida, a

ausência de um objeto, era de grande importância no desenvolvimento e na estabilidade da

personalidade.

Quando Bion (1965) analisa a relação da mãe e do bebê, tenta estabelecer um paralelo

entre o modelo biológico e o psíquico, falando de um seio psicossomático e um conduto

alimentar psicossomático infantil, que estariam, envolvidos no aspecto psicológico deste

relacionamento, ou seja, na digestão e metabolização da frustração, da segurança e do amor.

Como no início da vida o bebê não estaria aparelhado com este tubo digestivo

psicossomático, teria que primeiro constituí-lo através do relacionamento com sua mãe,

auxiliado pela capacidade de rêverie desta, a qual forneceria o continente adequado às

vivências do bebê. No entanto, é preciso pensar esta relação entre continente/contido de modo

dinâmico e dialético, porque o resultado do desenvolvimento seria a constituição da própria

continência e do aparelho psíquico do bebê, mediante a introjeção da continência da mãe. A

proximidade destas concepções – continente/contido e Annahme/Aufnahme – são os

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movimentos de passividade/atividade e a metáfora gestacional que podemos ver em um e em

outro modelo.

Inspirada como vimos em Freud e Melanie Klein, na obra de Bion encontramos dois

modelos mais ou menos esquemáticos de como o psiquismo lida com os estímulos internos e

externos que chegam a ele. O primeiro seria o da descarga, do arco reflexo, da identificação

projetiva que poderíamos chamar de modelo evacuativo, pois tenta dar conta do acréscimo de

excitação vendo-se livre dela. Isto seria o processo característico da posição esquizo-

paranóide. O outro modelo seria mais gestacional, implicando na conservação do acréscimo

de excitação para transformá-lo, trabalhá-lo, forjá-lo, o que acaba resultando em ser

transformado, ser trabalhado, ser forjado para fazer caber e dar espaço. Este movimento

caracteriza a posição depressiva. (BION, 1965).

A contribuição de Bion é particularmente importante devido à sua abrangência e ao

método altamente original que ele adotou. Suas idéias sobre a função emocional da mãe e sua

descrição do objeto ausente sendo experienciado como algo persecutório que são aspectos

originais de sua contribuição.

Continuando ainda nessa linha de raciocínio da capacidade de maternar como fator de

proteção a saúde, encontramos as contribuições de D. Winnicott. Num artigo intitulado “A

mãe dedicada comum”, escrito em 1966 e publicado numa coletânea de conferências e

palestras radiofonicas, D. Winnicott descreveu um estado psicológico especial, um modo

típico que acomete as mulheres gestantes no final da gestação e nas semanas que sucedem o

parto. O autor conta como, em 1949, surgiu quase que por acaso a expressão “mãe dedicada

comum”, que serviu para designar a mãe capaz de vivenciar esse estado, voltando-se

naturalmente para as tarefas da maternidade, temporariamente alienada de outras funções

sociais e profissionais (WINNICOTT, 1954-1967).

Assim, educar um filho não se constitui em tarefa fácil, pois os cuidados com a criança

se mostram constantes e permanentes, tornando-se a chave principal para a saúde de qualquer

criança, mesmo tendo ela alcançado certo grau de desenvolvimento e independência. Para

isto, é necessário conhecer as inúmeras condições sociais e psicológicas que influenciam

positiva ou negativamente, o seu desenvolvimento.

Isso acontece porque a criança não é um organismo capaz de vida independente,

necessitando, portanto, de uma instituição social especial que a ajude durante o período de

imaturidade. A família tem dupla função no seu papel de dar estrutura. Primeiro, na satisfação

de necessidades básicas como alimentação, calor, abrigo e proteção; em segundo lugar,

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proporcionando-lhe um ambiente no qual possa desenvolver ao máximo suas capacidades

físicas, mentais e sociais.

O conceito de maternagem pode ser compreendido como o conjunto de cuidados

dispensados ao bebê que visa suprir suas necessidades. Essas, por sua vez, são entendidas por

Winnicott (1967) como: necessidade de holding, que significa não apenas o ato de segurar o

bebê, mas contê-lo física e emocionalmente (como dito); de handling, que diz respeito aos

cuidados de manuseio do bebê; e, ainda de “apresentação do objeto”, sendo o próprio

cuidador tido como “objeto libidinal” que satisfaz as necessidades do bebê. O cuidador,

segundo o autor, deve ter a capacidade de perceber como o bebê está se sentindo,

reconhecendo, assim, a sua subjetividade. A maternagem atua como fator de proteção para o

desenvolvimento do bebê abandonado, promovendo saúde mental.

Não basta apenas que a mãe olhe para o seu filho com o intuito de realizar atividades

mecânicas que supram as necessidades dele; é necessário que ela perceba como fazer para

satisfazê-lo e possa reconhecê-lo em suas particularidades.

Bowlby (1969) aceita que, para poder lidar eficazmente, quando adulto, com o seu

meio físico e social, é necessário uma atmosfera de afeição e segurança. A esta atmosfera de

segurança, Bowlby denominou de comportamento de apego, definindo-o como: “... qualquer

forma de comportamento que resulte em uma pessoa (criança) alcançar e manter a

proximidade com algum outro indivíduo claramente identificado (mãe), considerado mais

apto pata lidar com o mundo” (p.39).

O sentimento e o comportamento da mãe em relação a seu bebê são também

profundamente influenciados por suas experiências pessoais, especialmente aquela que teve e

talvez ainda continue tendo, com seus próprios pais experiências positivas. É este padrão de

relacionamento parental que dará origem à forma como ambos os pais irão vincular-se ao

filho, provendo ou não suas necessidades físicas e emocionais.

É neste sentido que Bowlby (1969) reforça a importância dos pais fornecerem uma

base segura a partir da qual, uma criança ou um adolescente podem explorar, o mundo

exterior e a ela retornar certos de que serão bem-vindos, nutridos física e emocionalmente,

confortados se houver um sofrimento e encorajados se estiverem ameaçados. A conseqüência

dessa relação de apego é a construção, por volta da metade do terceiro ano de idade, de um

sentimento de confiança e segurança da criança em relação a si mesma e, principalmente, em

relação àqueles que a rodeiam, sejam estes suas figuras parentais ou outros integrantes de seu

círculo de relações sociais.

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Em uma revisão sobre as evidências relativas às influências adversas do cuidado

materno inadequado durante a primeira infância no desenvolvimento da personalidade,

Bowlby (1969) aponta estudos que apresentam correlações consistentes entre a carência de

um vínculo afetuoso saudável na infância e a delinqüência juvenil.

Bowlby (1969) descreve três estados da reação a separação manifestados pela criança:

protesto intenso, seguido de desespero e desligamento. A ausência de cuidados maternos da

própria mãe ou de uma substituta capaz, aliada a pessoas e eventos estranhos, conduz “... à

tristeza, à raiva e à angústia nas crianças com mais de dois anos de idade, bem como a

reações comparáveis, embora não tão diferenciadas, nas crianças com menos de dois anos”

(p.23).

I.2 EFEITOS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA

O dito “mais vale uma família ruim do que uma boa instituição” é uma velha

discussão no campo psicológico. Ou seja, o fato de que as instituições não são um lugar viável

para o desenvolvimento infantil, mas que por outro lado também existem famílias danosas, é

uma discussão já mais antiga.

Entendemos que isso tudo leva-nos ao fato de que depende da condição interna da mãe

ou de seu substituto nesse contato contínuo com a criança. Porém, a situação de abrigamento,

como já citamos anteriormente, tem se avolumado em nosso país, tornando-se não só um

problema de natureza jurídica ou legal, mas de saúde pública.

Para Böing e Crepaldi (2004) longas rupturas com pessoas significativas e

institucionalização prolongada agem como importantes fatores de risco para o

desenvolvimento normativo da criança, neste caso, as mães estudadas que contam em nas

entrevistas desta pesquisa, demonstraram que sofreram abandono na infância e afastamento de

seus pais e foram institucionalizadas. Observou-se aqui, uma repetição, do que acontece

atualmente com seus filhos.

Siqueira e Dell'Aglio (2006) apontam que a problemática da institucionalização na

infância e na adolescência, por estar presente na realidade de muitas famílias brasileiras em

condições sócio-econômicas desfavorecidas, representa uma dimensão relevante de estudo na

atualidade.

O Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes (SILVA, 2004)

encontrou cerca de 20 mil crianças e adolescentes vivendo em 589 abrigos pesquisados no

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Brasil, sendo na sua maioria meninos entre as idades de 7 e 15 anos, negros e pobres. Os

dados mostraram ainda que 87% das crianças e adolescentes abrigados têm família, sendo que

58% mantêm vínculo com seus familiares. No entanto, foi também constatado que o tempo de

duração da institucionalização pode variar até um período de mais de 10 anos. Os efeitos de

um período de institucionalização prolongado têm sido apontados na literatura, por

interferirem na sociabilidade e na manutenção de vínculos afetivos na vida adulta.

Para Carvalho (2002), o ambiente institucional não se constitui no melhor ambiente de

desenvolvimento, pois o atendimento padronizado, o alto índice de criança por cuidador, a

falta de atividades planejadas e a fragilidade das redes de apoio social e afetivo são alguns dos

aspectos relacionados aos prejuízos que a vivência institucional pode operar no indivíduo.

Entretanto, outros estudos apontam as oportunidades oferecidas pelo atendimento em uma

instituição, salientando que, em casos de situações ainda mais adversas na família, a

instituição pode ser a melhor ou ainda a única saída (DELL'AGLIO, 2000).

Assim, discutir a influência das instituições de abrigo sobre o desenvolvimento de

crianças e adolescentes, compreendendo-as como um elemento constituinte da rede de apoio,

tem se tornado um tema de destaque entre pesquisadores. A rede de apoio social e afetivo da

criança é constituída por tios, avós, primos, além do grupo familiar.

Além disso, seus vizinhos, seus amigos e colegas, e também um posto de saúde, um

abrigo ou algum programa social da comunidade podem constituir a rede de apoio. A

influência será positiva se estes vínculos reforçarem o sentido de eficácia pessoal, caso

contrário, seu efeito será evidente no comportamento desadaptado destas crianças (HOPPE,

1998). A família é o primeiro microssistema com o qual a pessoa em desenvolvimento

interage e pesquisam apontam para o despreparo das famílias em acolher e criar as crianças

em seus lares, ganhando assim, uma nova realidade que são os abrigamentos.

Segundo Yunes, Miranda e Cuello (2004) tendo em vista a história pregressa das

crianças e dos adolescentes abrigados, a institucionalização pode ou não constituir um risco

para o desenvolvimento. Esta condição dependerá dos mecanismos através dos quais os

processos de risco operarão seus efeitos negativos sobre eles, sendo o risco entendido como as

condições ou variáveis que estão associadas a uma alta possibilidade de ocorrência de

resultados negativos ou não desejáveis (JESSOR; VAN DEN BOSS; VANDERRYN;

COSTA; TURBIN, 1995).

Em contrapartida, inúmeros fatores de proteção podem operar neste momento. Os

fatores de proteção correspondem às influências que modificam, melhoram ou alteram a

resposta dos indivíduos a ambientes hostis que predispõem a más conseqüências adaptativas

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(HUTZ; KOLLER; BANDEIRA, 1996). Entretanto, deve-se compreender o conceito de

fatores de proteção enfatizando-se uma abordagem de processos, através dos quais diferentes

fatores interagem entre si e alteram a trajetória da pessoa, podendo produzir uma experiência

estressora ou protetora em seus efeitos (MORAIS; KOLLER, 2004).

Estes processos são considerados ativadores do desenvolvimento psicológico, sendo

que a simples ausência de interações com um ou mais adultos, que queiram o bem

incondicional destas crianças e adolescentes, que estão sob seus cuidados, pode configurar em

uma ameaça ao desenvolvimento psicológico sadio (YUNES; MIRANDA; CUELLO, 2004).

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I.3. INSTITUIÇÕES DE ABRIGO E ECA: UMA REVISÃO HISTÓRICA

Estudos mais antigos (BOWLBY, 1973-1998; GOLDFARB, 1943, 1945) apontaram

os prejuízos cognitivos que a vivência institucional proporcionava para as crianças abrigadas,

tal como déficit intelectual, especialmente no desenvolvimento da linguagem. Estas crianças

eram mais distraídas e agressivas, apresentando dificuldades emocionais, de comportamento,

e incapacidade de formar laços afetivos duráveis com outros. Embora estes estudos

convergissem ao apontar os prejuízos ocasionados pela vivência institucional, Grusec e

Lytton (1988) problematizaram estes resultados, considerando que estes efeitos poderiam

surgir de outros fatores. Os mesmos autores demonstram estudos posteriores e confirmaram

que, de fato, muitas crianças, que viveram os primeiros anos de vida em abrigo, apresentaram

problemas de aprendizagem e também má adaptação social. Entretanto, é provável que a

ausência de estimulação e de oportunidades de brincadeiras, encontradas em instituições

pobres da década de 40, e a ausência de estrutura emocional familiar tenham contribuído para

agravar este panorama. Estudos apontam mudanças nas práticas de cuidados direcionados às

crianças e aos adolescentes abrigados, ao longo do tempo. Por exemplo, no final da década de

1970, já existiam abrigos residenciais de alta qualidade, na Inglaterra, nas quais cada unidade

era composta por seis crianças, que tinham acesso a brinquedos, livros e também a uma

proporção cuidador/criança generosa. O sistema dessas unidades se assemelhava ao sistema

familiar (GRUSEC; LYTTON, 1988).

Os estudos de Grusec e Lytton (1988) apontam ainda, os fatores que modificam os

efeitos dos cuidados em instituição de abrigo são de origem multifatorial, sendo estes efeitos

não uniformes ou fixos. Os fatores são: (1) motivo da separação da criança e sua família; (2)

qualidade da relação prévia com a mãe; (3) oportunidade para desenvolver relações de apego

depois da separação; (4) qualidade do cuidado na instituição; (5) idade da criança e duração

da separação; e (6) também o sexo e o temperamento da criança.

Já o estudo de Tizard, Cooperman, Joseph e Tizard (1972) investigou o efeito da

qualidade do trabalho dos monitores e o desenvolvimento do nível da linguagem das crianças

institucionalizadas, nesses abrigos residenciais. Este estudo apontou que o atraso intelectual

não estava necessariamente relacionado à vivência institucional. O nível ótimo de

desenvolvimento da linguagem foi relacionado à qualidade da conversa do cuidador, e não à

freqüência de conversações iniciadas por ele. Além disso, os cuidadores com maior

autonomia tendiam a brincar e a conversar mais com as crianças, levando-as a um melhor

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escore na avaliação do desenvolvimento da linguagem. Assim, foi possível observar que os

efeitos prejudiciais da entrada em instituição, nos primeiros anos de vida, existiam, contudo

estavam sendo demasiadamente enfatizados.

É importante acrescentar que Bowlby (1973), por sua vez, já destacou duas condições

de maior importância no que tange à diminuição das reações negativas frente à separação de

crianças e suas mães: a primeira está relacionada à presença de uma pessoa conhecida e/ou de

objetos familiares no novo ambiente de desenvolvimento da criança; e a segunda, à presença

de cuidados maternais de uma mãe substituta. Desta forma, os efeitos danosos da separação

são mínimos quando estas duas condições estão associadas.

Assim, Grusec e Lytton (1988) propõem duas questões-chave no que tange à

institucionalização: (1) os efeitos danosos advêm da privação de estimulação necessária para

o desenvolvimento ou da privação do cuidado materno? E (2) estes efeitos surgem do

rompimento dos vínculos de apego ou de distúrbios das relações familiares? Quanto à

primeira questão, muitos déficits intelectuais, observados em instituições de abrigo, podem ser

devido a privações de algum tipo de estimulação sensorial, independente do cuidado materno.

De qualquer forma, mesmo em instituições de alta qualidade, a inteligência e autonomia de

crianças deste contexto são marcadamente menores do que aquelas que foram cuidadas em

suas casas. Isto sugere que a segurança emocional, derivada da existência de relações estáveis

na vida da criança, pode contribuir para o funcionamento intelectual adequado. Quanto à

segunda questão, muitos dos problemas de conduta de crianças abrigadas já estavam presentes

antes da institucionalização. Isto aponta para os fatores de risco no ambiente familiar, onde as

relações eram marcadamente instáveis, estressantes e conflituosas. Assim, estas experiências

precoces demonstraram operar um papel importante no desenvolvimento posterior, e, desta

forma, a separação em si não constituiu o fator decisivo.

No Brasil, historicamente, a política de atendimento à infância e à juventude em

situação de abandono vem sofrendo transformações. O gerenciamento e a implantação destas

políticas de atendimento saiu, gradativamente, do domínio da Igreja, passando por

profissionais filantropos, até ser de responsabilidade do estado, como é nos tempos atuais. No

Brasil Colonial, o abandono de crianças foi uma prática encontrada entre índios, brancos e

negros (LEITE, 1997). Da mesma forma, Priore (1996) afirmou que o abandono de bebês, a

vida em abrigos e as violências cotidianas (abusos sexuais e físicos, por exemplo) foram

características da infância no Brasil por mais de três séculos. Uma das mais duradouras

instituições de assistência à infância, vinculada à Igreja, foi a roda dos expostos, prática que

tinha como objetivo recolher crianças abandonadas anonimamente (MARCÍLIO, 1997).

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Criada no período do Brasil Colônia, a roda dos expostos atravessou e multiplicou-se

no período imperial, conseguindo manter-se durante a República e só foi extinta

definitivamente em 1950. Durante mais de um século, a roda de expostos foi praticamente a

única instituição de assistência à criança abandonada em todo o Brasil. Algumas vezes,

famílias substitutas acolhiam estes bebês, seja pelo espírito de caridade, ou mesmo com a

intenção de transformá-los em mão-de-obra familiar fiel, reconhecida e gratuita, na juventude

e na adultez. Marcílio (1997) afirma que a prática de criar filhos alheios sempre, e em todos

os tempos, foi difundida e aceita no Brasil. Ainda hoje, esta prática está fortemente integrada

à sociedade (FONSECA, 1987, 1993, 1995).

A partir de 1860, inúmeras instituições de proteção à infância desamparada surgiram

no Brasil, como estabelecimentos de abrigo e de educação para menores "desvalidos", de

caráter público ou privado. A menina foi essencialmente protegida, devido à preservação da

honra e da castidade. Inaugurou-se uma nova fase do assistencialismo no Brasil: a filantropia,

surgindo como um modelo capacitado para substituir o modelo representado pela caridade,

vinculada à Igreja (MARCÍLIO, 1997; RIZZINI, 1990). A filantropia organizou a assistência

dentro das novas exigências sociais, políticas, econômicas e morais, que nasceram com o

início do século XX no Brasil, juntamente com a República.

Segundo Freitas (1997), o advento da República ensejou uma revalorização da

infância, uma vez que o imaginário republicano reiterava de várias formas a imagem da

criança como herdeira do novo regime que se estabelecia. Entretanto, a problemática do

menor republicano no Brasil, vítima de violência e de abandono, somente passou a ser

enfrentada em meados dos anos de 1970, principalmente através de denúncias regulares

contra esta situação (PASSETTI, 1996).

Desta forma, foi com a indicação de 1978 como o "Ano Internacional da Criança" que

a história da criança no Brasil começou a ser focalizada e pesquisada. Este fato levou à

formação de diversas associações, que se articularam a outras, na defesa dos direitos da

criança e que acabaram influenciando na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente

de 1990. Desta forma, foi durante a vigência do século XX que um modo mais humano de

lidar com a infância e com a juventude abandonada passou a existir, juntamente com uma real

preocupação quanto à situação psicossocial dos menores.

A partir de 1990, com o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2003),

as crianças e os adolescentes passam de objetos de tutela a sujeitos de direitos e deveres.

Contudo, Santana (2003) destacou que o movimento social que deu origem ao ECA, ainda

que tenha contado com a participação da sociedade civil, em termos de representatividade

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social, deixou a desejar. Desta forma, foi possível perceber que a noção de criança e

adolescente como sujeitos ainda não estava compartilhada por grande parte da sociedade. Este

fato ainda hoje pode ser observado, especialmente em relação às crianças e aos adolescentes

em situação de rua, sendo muitas vezes exigidas, do poder público, soluções enérgicas contra

eles, geralmente no sentido de puni-los, sem a intenção de garantir seus direitos (SANTANA,

2003).

Para que os dispositivos do ECA sejam cumpridos, de acordo com Silva (2004), é

necessário que tanto os responsáveis por sua aplicação quanto os executores, tenham não

apenas amplo conhecimento do estatuto mas também partilhem seus objetivos, contribuindo

para que efetivamente as crianças e adolescentes possam exercer plenamente seus direitos.

Entre os diretos previstos pelo ECA, destaca-se o direito à convivência familiar e comunitária,

que prevê o fim do isolamento, presente na institucionalização em décadas anteriores

(RIZZINI; RIZZINI, 2004; SILVA, 2004).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2003) também preconiza a

desinstitucionalização no atendimento de crianças e adolescentes em situação de abandono e

valoriza o papel da família, as ações locais e as parcerias no desenvolvimento de atividades de

atenção, trazendo mudanças no panorama do funcionamento das instituições de abrigo.

Assim, as instituições de abrigo devem estar configuradas em unidades pequenas, com poucos

integrantes, manter um atendimento personalizado, estimular a participação em atividades

comunitárias e preservar o grupo de irmãos, entre outros pontos. A implantação do ECA

contribuiu para mudanças efetivas no que tange às instituições de assistência e à sua

configuração como um todo, partindo não de uma visão puramente assistencialista, mas

concebendo-as como espaço de socialização e de desenvolvimento.

Quanto às condições dos atuais abrigos, Silva (2004) sinaliza que, dentre os abrigos

pesquisados da Rede de Serviços de Ação Continuada do Ministério do Desenvolvimento

Social (Rede SAC), (1) cerca de 56,7% foram considerados de pequeno porte, atendendo até

25 abrigados; (2) em geral, possuem as condições físicas, de abastecimento de luz,

saneamento e esgoto adequados; (3) 56% mantêm salas para atendimento técnico

especializado; (4) possuem dirigentes mulheres (60,4%) com ensino superior completo

(60,8%), entre outros aspectos. Entretanto, há diferenças evidentes entre as regiões brasileiras.

Por exemplo, a região norte destacou-se por possuir 92% de seus abrigos com no máximo 25

crianças e adolescentes, e a região Centro-Oeste ficou no último lugar, com 58,5% dos seus

abrigos atendendo pequenos grupos. Na região Sul, 27% dos dirigentes dos abrigos são pós-

graduados e na região Norte, 12%. Para Guirado, (1986). É possível observar diferenças

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significativas entre o perfil apresentado neste levantamento e o modelo das instituições mais

antigas, visto que esta nova configuração difere qualitativamente daquelas, nas quais havia

um grande número de crianças e adolescentes vivendo sob um sistema essencialmente

coletivizado.

Ainda que o programa de abrigo esteja previsto pelo ECA (BRASIL, 2003) como

medida provisória e transitória, a permanência breve ou continuada no abrigo está

inteiramente relacionada à história singular de cada criança e/ou adolescente. Desta forma, a

promoção de ações efetivas de inserção social se constitui em um objetivo permanente, para

que o abrigo seja realmente uma medida protetora de caráter excepcional e transitório (ECA,

BRASIL, 2003). Para Juliano (2005) os fatores que dificultam a efetivação do caráter

provisório da medida de abrigo são: (1) a falta de integração das políticas sociais existentes;

(2) a dificuldade de interação e comunicação entre as entidades que trabalham com crianças e

adolescentes em situação de risco pessoal e social; (3) a ausência de objetivos comuns entre

estas entidades; (4) a existência de ações pontuais e fragmentadas; (5) a fragilidade dos

recursos humanos nos abrigos, tanto na quantidade como na sua qualificação; (6) como,

também, a fragilidade das famílias, que se posicionam passivamente frente às ações que

poderiam resultar no desabrigamento de seus filhos. Arpini, (2003); Bazon; Biasoli-Alves,

(2000); Camino; Camino; Pereira; Paz, (2004), apontam que esse fato, para muitos casos, a

passagem por uma instituição de abrigo não é temporária, sendo que muitas crianças e

adolescentes ficam durante anos nestas instituições sem a possibilidade de estarem em

famílias substitutas, ou ainda, sem poderem voltar para suas famílias de origem. Além disso,

na prática, os abrigos demonstram fragilidade em seu funcionamento.

Atualmente, a comunidade científica voltou-se ainda mais a este ambiente social,

investigando inúmeros elementos que compõem este contexto, desde as questões sobre o seu

funcionamento, até aquelas referentes ao desenvolvimento sadio de seus integrantes, suas

percepções de família, da vivência institucional, entre outros.

I.4. ESTUDOS RECENTES SOBRE ABRIGOS NO BRASIL

O estudo de Yunes, Miranda, Cuello e Adorno (2000) sobre abrigos apontou a

predominância da função assistencialista, fundada na perspectiva tão somente de ajudar as

crianças abandonadas, havendo um frágil compromisso com as questões desenvolvimentais da

infância e da adolescência. Além disso, são observados problemas funcionais, como, por

exemplo, o número inadequado de funcionários, ocasionando, dificuldade no cumprimento

das funções, sobrecarga das tarefas e um atendimento pouco eficaz; e a precariedade na

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comunicação dentro do microssistema institucional (funcionário/diretoria do abrigo,

adolescentes/funcionário, entre outros) e, sobretudo, entre os microssistemas (abrigo/escola,

abrigo/Conselho Tutelar, abrigo/outra instituição que a criança ou adolescente freqüenta, entre

outros), refletindo dificuldades de articulação na rede de apoio social. Pasian e Jacquemin

(1999) desenvolveram um estudo que investigou a auto-imagem, através do auto-retrato

gráfico, em crianças institucionalizadas e não-institucionalizadas, de 7 a 13 anos.

Os resultados indicaram que as crianças que viviam em abrigos apresentavam maior número

de indicadores emocionais em seus desenhos, na comparação com as crianças que viviam com

suas famílias. Em contrapartida, o tempo de institucionalização configurou-se um fator

importante, visto que aquelas crianças com mais tempo no abrigo apresentaram elementos de

uma auto-imagem mais integrada. Assim, segundo Pasian e Jacquemin (1999), foi possível

afirmar que o tempo de contato da criança com uma estrutura institucional, propiciadora de

experiências de vida positivas, pode favorecer a diminuição do número de sinais de

dificuldades emocionais. Já o estudo desenvolvido por Martins e Szymanski (2004) buscou

investigar a percepção de família de crianças em instituição de abrigo, a partir da análise da

brincadeira de faz-de-conta, empreendida por elas. Dentre os resultados, destaca-se que a

cooperação, ou ajuda mútua, permeou a grande maioria das interações. As crianças se

organizaram dentro dos papéis familiares, cooperando com a organização da casa e auxiliando

umas as outras em diversos momentos.

Outro resultado interessante foi a referência predominante ao modelo de família

nuclear, apesar de suas famílias de origem não possuírem esta forma de configuração,

apontando para a forte influência dos valores culturais macrossistêmicos. Dell'Aglio (2000)

investigou diversos aspectos no desenvolvimento de crianças e adolescentes que viviam em

instituições de abrigo e outras que viviam com a família, não tendo encontrado diferenças

consistentes entre os grupos. As análises apontaram resultados semelhantes no nível

intelectual, desempenho escolar, estratégias de coping e estilo atribucional, tendo sido

encontrada diferença somente nos índices de depressão, que foram mais altos entre as

meninas institucionalizadas. No entanto, conforme Dell'Aglio (2000), este resultado não pode

ser interpretado como indicação de que haja alguma relação causal entre institucionalização e

depressão.

Na maioria dos casos, a institucionalização se deu em conseqüência de eventos

traumáticos na família (abandono, violência doméstica, negligência), podendo ter sido este o

principal fator de risco para a depressão. Além disso, a autora também aponta que, para

muitos dos participantes de seu estudo, a institucionalização foi percebida como um evento de

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vida positivo. O estudo de Arpini (2003) desenvolvido com adolescentes de classes populares,

também observou que aqueles que tiveram vivência institucional a caracterizavam como o

melhor período de suas vidas, relacionando-a com o estabelecimento de novos vínculos,

alguns dos quais se mantiveram mesmo após deixarem a instituição. Em contrapartida, estes

adolescentes demonstraram sofrer um forte estigma social, pois são vistos pela sociedade

como responsáveis e donos de algum tipo de "defeito" ou problema (ALTOÉ, 1993; ARPINI,

2003).

Assim, se por um lado existe uma representação mais positiva em relação à vivência

institucional, por outro, permanece a representação social que estigmatiza as pessoas que

compõem este contexto (ARPINI, 2003). Ao estudar a representação que o ex-interno, na

maioridade, faz do período que passou abrigado, em instituição de grande porte e com

funcionamento coletivizado, Altoé (1993) constatou que o relato foi marcado por

ambivalências: uma idealização associada as duras críticas relacionadas às vivências

negativas, tais como a falta de carinho e a falta de liberdade para conversar com outros

internos e/ou com os funcionários.

Um outro estudo investigou o perfil dos presidiários egressos de estabelecimentos de

assistência à criança e ao adolescente. No que tange ao abrigamento, cabe ressaltar que apenas

24,5% dos participantes estiveram em instituição de abrigo por mais de um ano, sendo

considerados, no estudo, como "jovens institucionalizados". Estes jovens ingressaram no

abrigo com idade entre 0 e 8 anos, e o principal motivo de abrigamento foi a falta de

condições financeiras da família. Os "jovens não-institucionalizados", 75,5% da amostra de

presidiários, eram jovens com trajetórias instáveis de vida, com diversas passagens por

inúmeros abrigos, com duração menor de um ano. Estes jovens ingressaram no abrigo com

idade entre 9 e 18 anos, tendo com principal motivo de entrada a realização de atos

infracionais (ALTOÉ, 1993). Se por um lado estes resultados apontam para a ineficiência da

rede de assistência à infância e à juventude em situação de risco pessoal e social, por outro

lado, aqueles jovens que conseguiram permanecer mais tempo no abrigo, aproveitando melhor

os recursos oferecidos, cometeram menos delitos e/ou crimes após os 18 anos. No entanto,

Silva (1997) enfatiza o aspecto negativo da institucionalização, apontando que o processo de

socialização que se dá nos abrigos, pela interação com grupos de risco e pela utilização de

mecanismos de resistência, contribui para a construção de uma "identidade institucional", a

qual evoluirá para uma "identidade delinqüente", consolidada pela reincidência e pela

multirreincidência.

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Neste sentido, para Bronfenbrenner (1996), ser criado em abrigos, do ponto de vista de

valores e expectativas culturais, está associado a um estigma que pode se tornar uma predição

de fracasso. Desta forma, as instituições de abrigo podem ou não produzir efeitos benéficos

para a vida de crianças e adolescentes, dependendo de sua capacidade de fornecer apoio e

proteção.

I.5. A INSTITUIÇÃO COMO REDE DE APOIO SOCIAL E AFETIVO

Para Samuelsson, Thernlund e Ringström (1996) a rede de apoio social tem uma

profunda influência na saúde e no bem-estar do indivíduo. A rede de apoio social e afetivo

define como o indivíduo percebe seu mundo social, como se orienta nele, suas estratégias e

competências para estabelecer relações, como também os recursos que este lhe oportuniza

frente às situações adversas que se apresentam. A ausência de uma rede de apoio social pode

produzir um senso de solidão e falta de significado de vida. O efeito de proteção que o apoio

social oferece está relacionado ao desenvolvimento da capacidade de enfrentamento de

adversidades, promovendo características de resiliência e desenvolvimento adaptativo

(BRITO; KOLLER, 1999; GARMEZY; MASTEN, 1994; RUTTER, 1987). Estes mesmos

autores também admitem que cada esfera da vida, tais como família, amigos, profissão,

vizinhos, escola, instituição de abrigo, entre outros, assume o papel de identidade social capaz

de fornecer apoio nas relações que o indivíduo estabelece com os outros. Assim, quanto mais

percebe com satisfação sua rede de apoio, mais sentimentos de satisfação com sua vida terá.

Dessa forma, pode-se compreender que, para as crianças e os adolescentes abrigados, a

instituição de abrigo se constitui na fonte de apoio social mais próxima e organizada,

desempenhando um papel fundamental para o seu desenvolvimento.

Para Newcomb (1990) a primeira relação de apoio social evolui das relações de apego

iniciais da criança e da capacidade e disposição dos pais em suprir suas necessidades,

constituindo a primeira base de esperança e segurança em outras pessoas. Para as crianças e

os adolescentes que não vivem com suas famílias, o mundo social expande-se ainda mais no

momento em que estes deixam o núcleo familiar, incluindo membros não pertencentes à

família, tais como monitores e demais crianças e adolescentes com os quais convivem na

instituição.

A relação estabelecida com os monitores desempenha papel central na vida das

crianças e dos adolescentes abrigados, à medida que serão estes adultos que assumirão o papel

de orientá-los e protegê-los, constituindo, neste momento, os seus modelos identificatórios.

Estudos apontam para a importância de cursos de formação, oficinas de reciclagem, ou

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mesmo um espaço de trocas destinado a estes profissionais, visto que a satisfação profissional

está diretamente relacionada à qualidade de seu trabalho na instituição (BAZON; BIASOLI-

ALVES, 2000).

Essas autoras consideraram os monitores como educadores, e, desta forma, apontaram

a necessidade de que sejam guiados em suas ações cotidianas de modo a compreender o

impacto que seus gestos podem ter, a fim de darem um sentido às suas ações rotineiras. Da

mesma forma, o contato com pares, em igual situação de vida, pode configurar um apoio

social e afetivo, operando como fator de proteção. Ao conviver com crianças e adolescentes

de diversas idades, as crianças e adolescentes abrigados podem se envolver em parcerias uns

com os outros, compartilhar sentimentos positivos e negativos, apoiando-se mutuamente.

Martins e Szymanski (2004) apontaram que comportamentos pró-sociais, como de cuidado

recíproco, consolo e auxílio, em várias situações de vida, foram observados nas interações

entre as crianças cuidadas em instituição de abrigo.

Assim, diante do exposto, o presente estudo apresenta como OBJETIVOS:

• Investigar aspectos da dinâmica intrapsíquica de mães de crianças institucionalizadas,

em condição de abrigamento.

• Compreender recursos defensivos utilizados por essas mães.

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II. MÉTODO

Nesta seção, procuramos descrever o caminho escolhido para a presente investigação.

Antes, porém, cabe descrever e justificar a utilização do delineamento qualitativo e, mais

especificamente, o recurso clínico de estudos de casos. E assim lembramos Triviños (1995)

quando assinala que a pesquisa de caráter qualitativo tem como base a flexibilidade na ação

investigativa, pois ela se caracteriza pela ausência de hipóteses rígidas definidas a priori,

permitindo formular e reformular hipóteses na medida em que se realiza a pesquisa. Também

Saes (2003) afirma que há a escolha de um assunto ou problema, coleta e análise de

informações, porém essas etapas não possuem divisões estanques no processo de

desenvolvimento da pesquisa, e seu teor dependerá do referencial do pesquisador que tem

como função principal descrever os fenômenos.

Aqui lembramos que no presente estudo o referencial adotado é psicanalítico para

explicação e interpretação do conteúdo dos casos estudados.

Com relação aos estudos de caso, Becker (1999) lembra que esses nascem da tradição

médica e dedicam-se, à análise detalhada de um ou mais casos individuais, supondo-se que, a

partir daí, pode-se obter conhecimento de um determinado fenômeno. Destacando-se que

esses estudos não priorizam as generalizações e sim as inter-relações que podem ser feitas dos

fenômenos específicos que se observa.

Cabe ainda destacar que ao seguirmos os passos do método clínico, valorizamos aqui,

no presente estudo, tanto a técnica de entrevista quanto os instrumentos projetivos. E

lembramos que, para Bleger (1980), a entrevista é um instrumento fundamental do método

clínico e é, portanto, uma técnica de investigação científica em psicologia. Como técnica, tem

seus próprios procedimentos ou regras empíricas com os quais não só se amplia e verifica

como também, ao mesmo tempo, se aplica o conhecimento científico.

Ao valorizar as relações que se estabelecem, Bleger (1980) assinala que é assim que a

entrevista alcança a aplicação de conhecimentos científicos e ao mesmo tempo obtêm ou

possibilita levar a vida diária do ser humano ao nível do conhecimento e da elaboração

científica. E tudo isto em um processo ininterrupto de interação.

Contudo, a entrevista aberta, diz Bleger (1980), não se caracteriza essencialmente pela

liberdade de colocar perguntas, porque, o fundamento da entrevista psicológica não consiste

em perguntar e nem no propósito de recolher dados da história do entrevistado.

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Considerada desta maneira, a entrevista aberta possibilita uma investigação mais

ampla e profunda da personalidade do entrevistado, embora a entrevista fechada permita uma

melhor comparação sistemática de dados, além de outras vantagens próprias de todo método

padronizado.

Desta teoria da entrevista originam-se algumas orientações para sua realização. A

regra básica já não consiste em obter dados completos da vida total de uma pessoa, mas em

obter dados completos de seu comportamento total no decorrer da entrevista. Este

comportamento total inclui aquilo que recolheremos aplicando nossa função de escutar,

porém também nossa função de vivenciar e observar (BLEGER, 1980, p.13).

Entendemos que é nessa perspectiva clínica que nosso trabalho de investigação se

assenta.

II.1. PARTICIPANTES

Foram sujeitos desta investigação, três mães de crianças abrigadas, com idades de 40 a

45 anos, cujos filhos encontram-se nessa situação de abrigamento por determinação judicial,

devido à negligência e outros tipos de violência doméstica (como a violência física). Estas são

mães que ainda esperam que a guarda dos filhos seja por elas retomadas. Porém essa

retomada será feita apenas por ordem judicial. Destaca-se que foram estudadas apenas aquelas

mães que aceitaram participar do estudo e que todas assinaram o “Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido” (ANEXO 1).

II.2. LOCAL

O local do estudo foi uma instituição que abriga crianças, situada na cidade de São

Paulo. Utilizou-se do próprio ambiente institucional para a coleta dos dados. As entrevistas e

o instrumento projetivo foram aplicados em uma sala cedida pela instituição, livre de

interferências externas, ou seja, um ambiente que garantia a neutralidade e o sigilo dos dados.

A autorização para coleta de dados na Instituição encontra-se anexo (ANEXO 4).

II.3. INSTRUMENTOS

Foram utilizados dois instrumentos: a) Procedimento de Desenho-Temático; b)

Roteiro de Entrevista Clínica Aberta.

A) Procedimento de Desenho-Estória com Tema: trata-se de uma técnica proposta por

Aiello-Tsu (1997) e Aiello-Vaisberg (1997) oriunda da proposta de Desenhos com estórias

desenvolvida por Trinca (1987, 1997). A proposta original de Walter Trinca é uma técnica

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que associa o uso de desenhos livres e estórias, como forma de explorar livre e

dinamicamente os conteúdos da personalidade. A técnica permite o estudo das características

formais e estruturais da personalidade, pois tem a particularidade de facilitar a expressão de

aspectos inconscientes relacionados a pontos de angústias presentes, focos conflituosos e

perturbações emergentes. O seu autor afirma que essa técnica não pode ser considerada um

teste psicológico e sim um instrumento auxiliar na captação de emoções e conflitos básicos do

paciente, por acessar conteúdos profundos da personalidade, possibilitando um

psicodiagnóstico breve e completo, principalmente se associado a entrevistas e anamneses.

A decorrente proposta de Aiello-Tsu (1997) consiste numa solicitação de um desenho

seguindo de uma estória contada sobre o mesmo. Trata-se de uma forma de investigação

clínica formada pela associação dos processos expressivos motores temáticos baseados na

teoria e prática da psicanálise, nas técnicas projetivas e de entrevista. A partir da técnica de

Trinca (1997), o instrumento envolve arte e técnica firmemente fundamentadas no método

psicanalítico e concretiza-se de modo extremamente produtivo e fecundo na pesquisa de

representações sociais. Pode ser aplicada em sujeitos de qualquer faixa etária, em diferentes

condições psicopatológicas, inclusive quadros graves, com variados graus de instrução formal

e com variados níveis intelectuais, o que lhe confere grande versatilidade. A mesma autora diz

que a pesquisa acerca da psicodinâmica das representações sociais, que visa à captação do

inconsciente relativo, ou seja, das determinações lógico-emocionais estruturantes, pode ser

produtivamente realizada a partir do uso de procedimentos projetivos, tanto no que se refere à

“coleta” propriamente dita, ou seja, à constituição de condições propiciadoras da emergência

material inconsciente, como no que se refere à análise interpretativa dos dados, entendida

como uma forma sofisticada de um brincar que se faz em dois tempos, o tempo da expressão

do sujeito e o tempo da interpretação. Ressalta ainda Aiello-Tsu (1997) que cada pesquisador

pode e deve criar meios que lhe facilitem cultivar esta leitura transferencial a partir da adoção

da atenção eqüiflutuante. Em termos gerais, tendo-se em mente o objetivo de apreensão dos

determinantes lógico-emocionais das representações, pode-se afirmar que, na medida em que

o trabalho psicológico é essencialmente intersubjetivo, incide sobre o campo comunicacional

todo e qualquer procedimento, podendo ser utilizado e proposto na medida em que possa

facilitar a captação da dimensão inconsciente.

Para este estudo foram dadas as seguintes instruções: a) "Desenhe uma mãe de uma

criança em situação de abrigamento”; b) "Desenhe uma criança em situação de abrigamento";

após é pedido ao sujeito que "Conte uma Estória sobre o primeiro desenho e depois dê um

título"; e também que "Conte uma Estória sobre o segundo desenho e depois dê um título".

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Cabe salientar que a análise do conteúdo coletado pelo instrumento não se valeu da

mesma leitura de representações sociais propostas por Aiello-Tsu (1997), mas sim Tardivo

(1997, p.118-121) que, através de estudos comparativos, faz reagrupamentos das categorias

propostas por Trinca (1997). A estrutura desse é a seguinte: Grupo I – atitudes básicas: inclui

tanto as atitudes básicas em relação a si próprio, como em relação ao mundo, as quais foram

agrupadas nos traços 1 a 5: 1. Aceitação: são incluídas nesse traço as necessidades e

preocupações com: aceitação, êxito, crescimento, atitudes de segurança, domínio, autonomia,

auto-suficiência e liberdade; 2. Oposição: atitudes de oposição, desprezo, hostilidade,

competição, negativismo, não-colaboração, desconsideração e rejeição aos outros; 3.

Insegurança: necessidade de proteção, abrigo e ajuda; atitudes de submissão, inibição,

isolamento e bloqueio; percepção do mundo como desprotetor; medo de não conter os

impulsos; dificuldades em relação ao crescimento; 4. Identificação positiva: sentimento de

valorização, auto-imagem e autoconceito reais e positivos, busca de identidade e identificação

com o próprio sexo; 5. Identificação negativa: opondo-se ao traço 4, referem-se a sentimentos

de menos valia, incapacidade, desimportância, identificação com o outro sexo, auto-imagem

idealizada ou negativa e problemas ligados à imagem corporal. Grupo II – Figuras

Significativas - foram reunidos aspectos referentes às relações com as figuras significativas.

Para isso, os autores demonstram conceitos da teoria psicanalítica, especialmente de Melanie

Klein, a respeito das relações de objeto. Aqui são incluídos os traços 6 a 11: 6. Figura

materna positiva: mãe sentida como presente, gratificante, boa, afetiva, protetora, facilitadora;

objeto bom e sentimentos positivos em relação à mãe; 7. Figura materna negativa: mãe

vivida como ausente, omissa, rejeitadora, ameaçadora, controladora, exploradora; objeto mau,

atitudes e sentimentos negativos em relação à mãe; 8. Figura paterna positiva: pai sentido

como próximo, presente, gratificante, afetivo, protetor, além de outros sentimentos amorosos

e atitudes favoráveis em relação ao pai; 9. Figura paterna negativa: à semelhança do traço 7,

pai ausente, omisso, ameaçador, autoritário, além de outros sentimentos negativos em relação

ao pai; 10. Figura fraterna (ou outras) positivas: aspectos de relacionamento com os irmãos e

com outros iguais (companheiros, amigos, etc.); ou seja, cooperação, colaboração, igualdade

etc.; 11. Figura fraterna (ou outras) negativa: da mesma forma que o traço 10, aqui se refere

aos aspectos negativos nas relações, isto é, competição, rivalidade, conflito, inveja, falsidade,

etc. Grupo III – Sentimentos Expressos - partindo da descrição de Trinca (1987), a autora

procura agrupar os itens em três traços. Para isto, parte da teoria kleiniana, que configura a

existência dos instintos de vida e de morte, os quais são constitucionais, como o são, também,

os conflitos daí decorrentes. Assim, agrupa os sentimentos expressos, de acordo com os

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critérios, nos itens 12 a 14: (p.119); 12. Sentimentos derivados do instinto de vida: são os

mais construtivos, como alegria, amor, energia, instinto sexual, conquista, sentimento de

mudança construtiva etc; 13. Sentimentos derivados do instinto de morte: são os mais

destrutivos, como ódio, inveja, ciúme persecutório, voracidade, desprezo etc; 14. Sentimentos

derivados do conflito: incluem-se os sentimentos ambivalentes, que surgem da luta entre os

instintos de vida e de morte; ou seja, são os próprios da fase da elaboração da posição

esquizo-paranóide e da vivência da posição depressiva. Aparecem, nesses momentos,

sentimentos de culpa, medos de perda e de abandono, solidão, tristeza, desproteção, ciúme

depressivo e outros. Grupo IV – Tendências e Desejos – Tardivo (1997) tomou por base a

definição dada por Trinca (1987, p.59), agrupou as principais tendências e desejos, que julgou

ser aproximadamente semelhantes, nos itens 15 a 17: (p.120); 15. Necessidades de suprir

faltas básicas: incluímos as mais regredidas, como desejos de proteção e abrigo, necessidades

de manter as coisas da infância, de compreensão, de ser contido, de ser cuidado

regressivamente, de afeição primitiva, necessidades orais etc; 16. Tendências destrutivas:

inserem-se aqui as mais hostis, como desejos de vingança, de atacar, de destruir, de separar os

pais, de ocupar (destruindo) o lugar do pai ou da mãe, necessidades de poder, de hostilizar etc;

17. Tendências construtivas: são aquelas mais evoluídas, como necessidades de cura, de

aquisição, de realização e autonomia, mas também de liberdade, de crescimento, de

construtividade; desejos de canalizar energia sexual e agressiva, de recuperar partes sadias, de

desligar-se de coisas infantis, de evitar danos físicos e/ou psicológicos. Grupo V – Impulsos

- divide os impulsos em amorosos (decorrentes do instinto de vida) e destrutivos (decorrentes

do instinto de morte), a autora manteve aqui os mesmos itens de Trinca (1987), incluindo os

traços 18 e 19: Amorosos; Destrutivos. Grupo VI – Ansiedades - a ansiedade encarada como

uma ameaça, um perigo pode ser sentida como sendo dirigida ou ao ego (ansiedade

paranóide) ou ao objeto (ansiedade depressiva). Assim, os traços 20 e 21 são: 20. Ansiedades

paranóides; 21. Ansiedades depressivas. Grupo VII – Mecanismos de Defesa - traços 22 a

33: Cisão; Projeção; Repressão; Negação/Anulação; Regressão a estágios primitivos;

Racionalização; Isolamento; Deslocamento; Idealização; Sublimação; Formação reativa;

Negação maníaca ou onipotente.

B) Roteiro de Entrevista – construído especialmente para o presente estudo, foram utilizados

temas norteadores que serviram como parâmetro para todas as entrevistas com as mães, tais

como: - História do abrigamento atual; - Relação da entrevistada com a família de origem;

Contexto atual de relações interpessoais. Destaca-se que as entrevistas tiveram caráter aberto,

clínico, tal como tratamos anteriormente em que explicamos a posição de Bleger (1980) e

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Triviños (1995) em que essa nos serviu como meio de coleta de dados ao mesmo tempo em

que suas características enriqueceram a investigação, oferecendo um campo para o

surgimento de interrogações e hipóteses.

II.4. PROCEDIMENTO

Após aceitação, pela instituição, para realização desse estudo, bem como após a

aprovação do Comitê de Ética da Universidade (ANEXO 3), as mães foram convidadas a

participar do estudo quando abordadas na instituição. Após, houve a explicação e

esclarecimento por parte da pesquisadora sobre todo o processo da pesquisa e coleta dos

dados, deixando claro para as mães que a intenção do estudo era a de compreender melhor “a

mãe que vive com os filhos em situação de abrigo, afastados dela”, Após, aquelas que

aceitaram participar assinaram o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”. Após este

contato, o abrigo, através da assistente social, disponibilizou uma sala em que pudéssemos

realizar as entrevistas e o procedimento de desenho-estória com tema, uma sala neutra que

continha uma mesa e cadeiras e nos foi garantido e assegurado um ambiente tranqüilo. Livre

de ruídos e estímulos, bem como de interrupções durante os encontros. As entrevistas clínicas

foram feitas individualmente, usando o roteiro norteador, em mais de uma sessão. Após, deu-

se à aplicação do instrumento projetivo – “desenho-estória com tema” em uma só sessão.

Quanto aos aspectos éticos, ressaltamos que o presente trabalho assenta suas bases

nos mais rigorosos princípios éticos e em dois instrumentos fundamentais: As resoluções da

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e o Código de Ética Profissional do Psicólogo.

Assim, esclarecemos alguns pontos desta através da redação com esses dois instrumentos: -

No sentido de atender a toda as exigências acima descritas, buscamos nos certificar de que os

procedimentos e instrumentos utilizados eram cientificamente válidos, anteriormente

experimentados e validados, como foi citado em capítulo específico; os sujeitos envolvidos,

bem como a instituição, foram plenamente esclarecidos verbalmente e concordaram através

do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”; antes da aplicação de qualquer

procedimento; foi-lhes garantido o sigilo das informações que pudessem identificá-los, além

da possibilidade de desistência e de esclarecimentos em qualquer etapa do processo; foi ainda

assegurado o bem-estar e o benefício dos sujeitos e da instituição envolvida através da

devolução das informações obtidas.

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3. RESULTADOS e DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo estão aqui apresentados como “Estudos de Casos”,

sendo estes três casos de mães de crianças em situação de abrigamento. Apresentamos em

cada caso, dados do histórico de caso (da mãe e do abrigamento) e, após, apresentamos as

produções gráficas e suas respectivas estórias. Destaca-se que buscamos, em cada caso, na

análise do conteúdo, abrir novas categorias de análise além daquelas constadas no roteiro de

entrevista norteador. As categorias foram extraídas a partir do conteúdo das “estórias” bem

como das produções gráficas e das entrevistas clínicas realizadas com os sujeitos.

Preferimos, nessa seção, já discutir esses resultados, primeiramente com os autores

que nos nortearam na análise do conteúdo do instrumental e depois seguimos com a discussão

de autores clássicos das teorias de desenvolvimento de base psicanalítica e por fim com

pesquisas que versam sobre a temática do abrigamento.

III.1. CASO 1 – SRA G. “A MÃE ABENÇOADA”

Trata-se do caso de uma mãe de criança abrigada, a qual chamamos de Sra G., que

conta 42 anos de idade, solteira, mas que já teve dois parceiros em união estável. Com o

primeiro parceiro conviveu 2 anos e teve uma filha que conta atualmente 21 anos e com o

segundo conviveu por 3 anos e com quem teve outra filha, atualmente com 5 anos de idade

(filha que se encontra abrigada). Esta senhora atualmente vive sem parceiro. A criança está

abrigada desde 8 meses de idade por encaminhamento de uma assistente social.

A Sra G. nos afirmou durante nossos contatos que havia trabalhado como assistente na

prefeitura no setor de arquivo, (como auxiliar de limpeza). Atualmente desempregada, diz que

possui renda familiar de R$ 94,00 e mais R$ 40,00 do programa renda mínima. Seu grau de

escolaridade é ensino fundamental completo.

A Sra G. mora atualmente num prédio invadido, em companhia de sua filha mais velha

(21 anos de idade, que vive em união estável com companheiro), essa filha fora abrigada

anteriormente em regime de semi-internato.

Essa mãe afirma que a sua saúde é estável, não toma medicação, embora já tenha feito

uso de “Gardenal” (medicação anticonvulsiva). Narra que teve desmaios seguidos e que isso

era “coisa do demônio” (sic), mas que depois de começar a freqüentar a igreja os desmaios

não aconteceram mais, “... em nome de Jesus” (sic).

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III.1.1. Dados do Histórico de vida

A Sra G. narra que sua mãe faleceu quando ela tinha apenas 4 anos de idade. Depois

da morte de sua mãe, a Sra G. e suas três irmãs viveram um período com o pai num barraco

(não sabe precisar o tempo em que ficaram assim) e depois foram levadas pelo próprio pai

para um colégio de freiras (provavelmente um orfanato) na cidade de Santos e lá viveram até

encontrarem famílias substitutas. Nessa ocasião em que o pai as deixa, esse foi morar no norte

do país.

Sobre esse pai, a Sra G. diz que ele bebia muito, era agressivo e brigava muito com as

filhas, e quando estava embriagado, após brigar em casa, saía para a rua a brigar com os

amigos e vizinhos. Relata ainda que quando o pai bebia muito, esse trancava as filhas em casa

(moravam em um barraco) e demorava muito para voltar. Conta ainda que sempre apanhava

do pai, principalmente quando esse bebia e tornava-se violento com ela e suas irmãs,

surrando-as.

Durante as entrevistas, sempre ao relatar sobre a relação com sua família de origem, a

Sra G. afirmara não se lembrar da mãe, apenas do pai alcoólatra e agressivo. Mas, com

relação às irmãs, numa entrevista ela disse querer reencontrá-las (neste momento Sra G. me

pede para que a ajude a encontrar as irmãs). Sra G. não se lembra sobre a relação de seus pais,

se eles se davam bem ou não, mas diz que imagina que eles brigavam, e repete o fato do pai

beber muito e diz: “Ninguém agüenta gente bêbeda, né?” (sic).

Sra G. não consegue dizer com precisão com que idade foi levada do orfanato para

viver com um casal que já tinha um filho (refere-se a este casal como seus padrinhos).

Morou com essa família até os 14 anos de idade, mas não foi legalmente adotada.

Quando tinha essa idade, a família decidiu ir morar no “estrangeiro” (sic) e, como ainda relata

Sra G.: “Eles venderam a loja que tinham aqui e foram morar nos Estados Unidos, em Los

Angeles, Califórnia. Eu voltei para o juizado de menores” (sic).

Relembra ainda que quando morava com os “padrinhos” tinha uma vida boa, morava

em casa própria (dos padrinhos) e a situação financeira era boa. “Mas, eles deram preferência

em levar o filho deles. Tá certo não é?” (sic). A fala da Sra G. é baixa e amedrontada.

Sra G. conta que teve muita vontade de ir junto com o casal, (com essa família) mas

em nenhum momento perguntaram-lhe se desejava ir junto. Decidiram sem informá-la, e ela

só soube da decisão quando a deixaram no Juizado de Menores.

Sra G. demonstra muita tristeza por não ter ido embora com essa família, reafirmando

que na casa deles sentia-se bem e segura, que era tratada como integrante da família; porém,

em nenhum momento sentiu-se como filha do casal. É notório no discurso da Sra G. o desejo

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em ter ido junto com o casal para o exterior e o quanto sentia mágoa por não ter tido direito à

escolha, e por ter tido um destino traçado pelo casal. Ressalta mais de uma vez que só soube

depois e enfatiza muito, em seu discurso, o fato de ela ter ficado e do filho biológico ter ido

com os pais para os Estados Unidos.

Diz ter ficado sob cuidados do juizado de menores até completar 18 anos (não é

precisa quanto ao local que ficara). Após completar a maioridade, arrumou um emprego e foi

morar com um companheiro. Esta união durou 3 anos e dela teve uma filha (a mais velha que

hoje tem 21 anos).

Sra G. diz que teve muita dificuldade financeira e que em ambas gravidezes não teve

apoio dos parceiros e que o seu segundo companheiro, pai da criança que atualmente está

abrigada, nem chegou a conhecer a própria filha.

Afirma, contraditoriamente, que essa gravidez foi boa, do ponto de vista orgânico, mas

que sofria de desmaios constantemente. “Aí, ninguém tem paciência, né querida?” (sic).

Iniciou um tratamento com medicação anticonvulsivante, mas afirma que a cura mesmo veio

com sua freqüência à Igreja, “em nome de Jesus” (sic).

Relata ainda que tanto a separação do segundo parceiro, como o abrigamento da filha

se deram por causa dos desmaios que sofria. Com os desmaios e sem emprego, Sra G. conta

que a Assistente Social do Hospital Ipiranga onde ela era socorrida em algumas crises, decidiu

encaminhar a criança para o abrigo. E diz: “Minha filha foi educada pelo abrigo” (sic).

III.1.2. A Mãe e a filha

Quando abordamos sobre o como ela sente e percebe a situação do abrigo, a Sra G.

diz: “Não tem problema nenhum, aqui é maravilhoso” (sic).

Em relação à filha, essa diz que sente muito medo de perdê-la e sente muita falta da

filha, mas quando em suas visitas ao abrigo, que acontecem quinzenalmente, a Sra G. fica

com a filha o máximo de tempo que pode.

Durante as observações que realizamos no abrigo, pude perceber que a Sra G. pede

que a filha lhe afague os cabelos e a filha pareceu demonstrar afeto por sua mãe; mas como a

criança é bastante ativa, logo que chamada por outras crianças a brincar, ela aceita

prontamente, não ficando o tempo todo próxima à mãe. Numa dessas observações que pude

realizar, estando em companhia da Sra G., logo que a criança se afastara a Sra G. verbaliza:

“Venho sempre visitar minha filha, é obrigação da mãe, toda mãe tem a obrigação de visitar

seus filhos; o abrigo ajuda a gente a cuidar, e a gente tem que fazer a parte da gente” (sic).

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Quando abordado sobre expectativas futuras, Sra G. diz que quer felicidade para ela e

as filhas, que a mais velha já tem dois filhos e ela, portanto, dois netos. Conta que quando

essa filha mais velha conheceu seu atual parceiro, essa mudou muito com ela. Sra G. conta

que a filha não dá dinheiro a ela, mesmo sabendo que ela não consegue emprego e depois que

se uniu ao companheiro, Sra G. diz que sente que a filha dá mais atenção ao marido do que a

ela, que vive de favor com a filha e não se sente bem com isso, mas diz: “Não tem outro jeito,

né? Eu dependo deles mesmo...” (sic). Diz ainda que não quer depender desta filha, que quer

um bom emprego e um canto para ela e para a filha menor viverem e espera o retorno da filha

para casa. Verbaliza que o abrigo a ajuda, mas que Deus vai ajudá-la mais, a reconstruir sua

vida, a reencontrar suas irmãs para que elas possam conhecer suas filhas.

III.1.3. A Senhora G. e nosso contato durante as entrevistas

Sra G. se dispõe a responder a entrevista. Mostra-se uma pessoa com boa verbalização,

mas com discurso confuso – na organização e seqüência de suas idéias.

Durante toda a entrevista a Sra G. faz pedidos, tais como: ajudá-la a arrumar um

emprego, arrumar-lhe atendimento dentário gratuito, pede absorvente higiênico, uma vez que

suas regras chegaram e ela não tinha nenhum absorvente.

Ao pedir-me que encontre um trabalho para ela, diz que pode ser auxiliar de limpeza e

que precisa ganhar algum dinheiro, uma vez que mora com a filha mais velha, mas que a

mesma a trata com indiferença e o companheiro da filha briga muito com ela.

Sra G. demonstrou boa desenvoltura em suas verbalizações, faz bom uso do português,

usa palavras ditas difíceis para sua formação escolar, porém seu discurso mostrou-se

desestruturado, tendo dificuldade de organização e desencadeamento das idéias, pois iniciava

um assunto e sem se dar conta falava de outro. Teve muita dificuldade de manter uma

coerência no discurso e pode se perceber dificuldades de atenção e concentração; não

conseguia parar de esfregar as mãos, sua fala era baixa, e mostrava-se amedrontada.

Aparentava medo de errar o tempo todo e perguntava se a resposta que dera estava certa.

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III.1.4. Observações

O discurso da Sra G. evidenciou como ela se sentia, ainda que muitos desses

sentimentos não fossem conscientes. Pareceu-nos que ela sentia-se como um objeto qualquer

que fora, desde sua infância, devolvido ou recolhido conforme interesses alheios. Não

conseguiu ser autora de sua própria história e segue sua vida dependendo da iniciativa dos

demais (do abrigo, da Assistente social; e até de mim quando me pede para ajudá-la a

encontrar sua família).

A denominação de “padrinhos” sinaliza a vivência da relação com o casal com quem

conviveu no final da infância e adolescência e com quem pode ser “afilhada”, mas nunca

“filha”, pois nunca fora por adotada como era seu desejo. Desejo esse também expressado na

inveja que sentira do filho biológico do casal.

Com a ida dos “padrinhos” para os EUA, mais uma vez, Sra G. foi abandonada.

Primeiro pela morte de sua mãe biológica, depois pelo pai alcoólatra que a entrega para o

Juizado de menores e, quando consegue a família substituta e vive com eles durante alguns

anos (10 anos) – Sra G. não consegue falar com precisão do tempo que morou com o casal – e

mais uma vez foi “devolvida” para o Juizado de Menores e lá permaneceu até completar

maioridade e buscar emprego em casa de família.

Sra G. não se constitui como um “adulto” do ponto de vista psicológico e acaba por

não poder responder as exigências que o contexto faz a um adulto. Repete com as filhas, as

mesmas dificuldades que seus pais tiveram para educá-la.

Quando ela está com a filha no abrigo demonstra afetividade para com a criança e

também muita carência da companhia da filha, deitando-se no colo da menina para que a

mesma lhe faça carinho. Nota-se uma regressão e infantilidade no encontro dessa mãe com a

filha e nota-se também que a filha permanece ao lado da mãe o menor tempo possível,

aceitando convites para ir brincar com as outras crianças no abrigo e fora dele, numa praça em

que os educadores ficam com as crianças as quais as mães não podem visitar.

Conta que sente muita falta de suas irmãs, mas que nunca mais as encontrou, que se

dava muito bem com elas e sente saudade, deseja muito o reencontro.

Não sabe falar sobre a relação dos pais, se eles se davam bem ou brigavam, pelo fato

da mãe ter morrido tão cedo, ela não tem estas lembranças dos pais.

Os episódios de embriaguez do pai parecem ter grande significado em sua história,

assim como a morte (abandono) da mãe e o novo abandono dos pais adotivos.

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III.1.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo

Os desenhos-estórias com temas da Sra G. são apresentados a seguir. Salienta-se que

essa mãe demonstrou muita resistência em desenhar, afirmando não saber desenhar nada e

que não queria desenhar. Após algumas tentativas, dizendo-lhe que não existia nem certo nem

errado e que o que ela fizesse estava bom, a mãe aceitou. Pegou então a folha e o lápis e

iniciou o primeiro desenho que é de uma mãe de uma criança em situação de abrigo e após a

realização do desenho veio à solicitação para que ela contasse uma estória, o que não houve

resistência.

O mesmo aconteceu com a solicitação para desenhar uma criança em situação de

abrigamento, o segundo desenho proposto pelo estudo, novamente a Sra G. demonstrou

resistência para desenhar, mas depois, para contar a estória se mostrou mais à vontade.

Segue abaixo as produções da Sra G.

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Unidade Produção 1

Figura 1. Caso 1 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.

Estória

Título: “A mãe abençoada”

“Era uma vez uma menina; ela tinha acabado de chegar do norte. Foi ao encontro de seus familiares, só que para ela aquele encontro foi uma grande decepção, pois seus familiares

todos eles a trataram com grande desprezo. Foi quando ela foi procurar um abrigo e tentar uma nova vida. Aquela menina colocou em sua

cabeça que dali para frente ia começar o melhor, ia tentar um novo começo de vida. Procurou emprego, fez alguns cursos, fez novas amizades porque tinha certeza que dali para

frente ia alcançar grandes vitórias. Depois de algum tempo, quando sua família tentou novo encontro com a menina, eles viram e

ficaram admirados porque aquela menina tinha se transformado numa nova e maravilhosa mulher.”

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Unidade Produção 2

Figura 2. Caso 1 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”.

Estória

Título: “A menina do abrigo”...

“Era uma vez uma menina que se chamava Daniela; essa menina tinha em sua cabeça um grande propósito - ela queria muito ser médica, mas médica só para crianças.

Daniela achava que esta profissão seria muito fácil para ela se formar nessa profissão. Ela passou por cima de muitos obstáculos, muita coisa que queriam impedir; Teve muitas

decepções. Mesmo assim colocou em sua cabecinha que nenhum daqueles obstáculos a impediriam de ir a

luta e alcançar grandes e maravilhosas vitórias. Pois ela queria muito ser médica somente para crianças.

Estudou, se formou e hoje quando qualquer pessoa encontra Daniela, fica muito admirada pois Daniela se tornou numa grande médica, que seus pais tem orgulho da filha que tem.”

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III.1.6. Síntese das Produções

Segue-se análise e interpretação das produções gráficas e suas estórias, conforme

Trinca (1987, 1997) e Tardivo (1997) principalmente no que se refere aos aspectos dinâmicos

desses resultados. Também utilizou se alguns parâmetros de análise como complemento de

AL’Osta (1984). Observou-se com relação aos aspectos formais dos desenhos, um

primitivismo na própria construção dos desenhos, mostrando-se incompatível com a idade

cronológica do sujeito (tendo aspecto infantil). E, quanto à localização e posição da figura na

parte superior do papel e desenho em um dos cantos da folha pode indicar fuga ao meio, ou

seja, um afastamento ou desajuste do indivíduo ao ambiente. Essas características são mais

freqüentes em crianças pequenas ou mesmo entre sujeitos psicóticos, conforme explica

Al’Osta (1984). O desenho em si (Gestalt) dá indicativos de dificuldades de crescimento e

adaptação à realidade.

Com relação aos aspectos dinâmicos pôde-se observar, no que diz respeito aos grupos

de análise (TRINCA, 1987, 1997; TARDIVO, 1997) o seguinte:

“Atitudes Básicas” – observa-se aspectos regressivos nos traços e da construção do

desenho, bem como na narrativa aparece atitude de oposição (no início da estória da produção

1 e final da narrativa da produção 2). Em ambos aparece desprezo, hostilidade em relação aos

familiares “... foi ao encontro dos familiares (...) eles a trataram com desprezo”. Também se

observa, ao mesmo tempo, a insegurança, necessidade de proteção e abrigo, de ajuda, e

percepção do mundo como não protetor. Sentia-se desprezada pelos familiares.

Após, ainda na mesma narrativa (produção 1) e na segunda narrativa (produção 2)

surge a idealização de um sujeito que venceu, que é vitorioso; ou seja, auto-imagem

idealizada.

Com relação às “figuras significativas” também se pôde observar, tanto na produção1

quanto na 2, que as figuras materna e paterna são percebidas como objetos idealizados. Os

“sentimentos expressos” denotam muito mais o desprezo, ambivalência (amor/ódio), tristeza e

desproteção. Logo, nos indicadores apontados por Tardivo (1997) são aqueles derivados do

conflito; ou seja, surgem na luta entre pulsões de vida e pulsões de morte. São próprios da

fase de elaboração da posição esquizo-paranóide, conforme os postulados kleinianos.

Com relação às “tendências e desejos” entendemos que essas aparecem como as mais

regredidas: “necessidades de suprir faltas básicas” como afeição primitiva, necessidade de ser

cuidado; porém aparecem também tendências mais destrutivas, inseridos no desejo de

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vingança (principalmente na estória idealizada da produção 2 e no final da estória da

produção 1), nota-se que ao mostrar a estória da menina há desejo de triunfar sobre os pais

que a abandonaram).

Assim, os impulsos aparecem mesclados, amorosos e destrutivos. Porém há

predomínio de ansiedade depressiva, dado os sentimentos de desproteção e ciúme depressivo

(TARDIVO, 1997).

Os “mecanismos” predominantes são de idealização e regressão a estágios primitivos.

De um ponto de vista desenvolvimental, entendemos que a Sra G. demonstra uma luta

constante entre pulsões de vida e morte, tentando conter a destrutividade dirigida aos pais

(que a abandonaram) com idealização e regressão, porém também busca fazer tentativas

reparatórias, dada a culpa que sente por triunfar sobre eles. Faz tentativas reparatórias, porém

sem sucesso. Tenta reparar, mas, por seu pouco alcance e elaboração da posição depressiva,

volta-se ao ciúme (já que em fantasia os pais, principalmente a mãe, a abandonaram para

viverem juntos) e à vingança.

III.1.7. Síntese Geral do Caso

A Sra G. a qual denominamos “mãe abençoada” por idealização, pois almeja uma mãe

abençoada, mas é, na verdade uma “criança abandonada”, pois é assim que se sente.

Entendemos que a Sra G. não foi efetivamente adotada e, por várias vezes, abandonada. Não

pode “maternar” na concepção winnicottiana (WINNICOTT, 1957) e nem a condição de

“rêverie” na concepção de W. Bion (BION, 1965) ou de estabelecer vínculo saudável e

positivo na concepção de Pichon-Rivière (PICHON-RIVIERE, 1980). Vive o abandono da

mãe e a inveja do irmão (filho biológico do casal com quem conviveu), uma vez que, ele tinha

“mais direitos”; direito de ser amado como filho e ela não. Na condição de mãe, a Sra G.

acaba por repetir com as filhas a mesma história de abandono de sua própria vida pregressa e

também abandona suas filhas.

Busca alcançar uma mãe protetora, cuidadora, a “mãe abençoada” (idealizada)

enquanto que ao mesmo tempo ataca a mãe que a abandona, ou as “mães abandonadoras”

(mãe biológica a abandonou com a morte e a mãe adotiva que fora embora para os EUA e

também a abandonou). Essa ambigüidade a impede de crescer e assim a Sra G. é tão infantil e

desprotegida quanto suas filhas, de modo que não se sente mãe, pois ainda é a filha frágil que

necessita ser amparada.

Desta forma, entendemos aqui que, o abrigo e o abrigamento são representados como

“alguém” que acolhe. Todavia, a Sra G. não é grata ao abrigo, pois, por sua ambigüidade

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entende que o abrigo e o abrigamento são uma “obrigação” e não uma “benção” a qual

procura na fantasia. A Sra G. representa o abrigo a partir da função que o abrigo cumpre no

contexto social em que ela vive e das dificuldades materiais que ela enfrenta.

De modo que, tal como nas contribuições de Bion (1965) o significado, então, é algo

que sempre tem suas raízes mais iniciais em uma interação e troca emocional com os objetos

primários. E essa ambigüidade da Sra G. pode ser entendida dentro da visão bioniana como

relacionada aos distúrbios na relação do bebê com a função do “seio” ou da “mãe” e que

representam suas dificuldades atuais na distinção entre o simbólico e o literal, e de forma mais

genérica, na construção de vínculos entre os diferentes aspectos da experiência. E, como ainda

salienta o autor, as dificuldades e ansiedades com o seio enquanto um provedor de significado

resultam na distorção ou ausência desse seio e não pode ser inteiramente vivenciado. Como

então oferecer a rêverie, se a Sra G. também pouco a conheceu.

Também numa visão winnicottiana, observa-se que Sra G. encontra disficuldades em

maternar, pois sua criança interna ocupa sua totalidade, como nos explica Winnicott (1957) a

mãe precisa “adoecer” da maternidade, regredir e infantilizar, para tomar contato com a

criança e a Sra G. não consegue cumprir essa função; permaneceu no lugar de criança.

Infantilizada procura o colo da filha (que também representa sua mãe) para receber carinho.

Sra G. não consegue a rêverie, BION (1965), pois ainda espera que sua mãe lhe dê a

maternagem (WINNICOTT, 1957) que ela não pode perceber ou ter de sua própria mãe.

Na concepção de Pichon-Rivière (1980) entende-se que os vínculos essa mãe consegue

estabelecer são aqueles considerados patológicos, e são caracterizando-se pela relação de

dependência que o sujeito constrói com o outro; pois ao observarmos o comportamento, na

história de vida e nos recursos defensivos da Sra G. observamos as suas dificuldades no

estabelecimento de vínculo saudável, já que para tal haveria independência e comunicação e

aprendizagem.

Pichon-Rivière (1980) explica que vínculo é, então, um tipo particular de relação de

objeto; a relação de objeto é constituída por uma estrutura que funciona de uma determinada

maneira; é uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, que funciona acionada ou

motivada por fatores instintivos, por motivações psicológicas. Temos dois campos

psicológicos no vínculo: um interno e um externo, em relação aos objetos. Pode-se dizer que

aquilo que interessa do vista psicossocial é o vínculo externo, enquanto, do ponto de vista da

psiquiatria e da psicanálise, nos interessa o vínculo interno, isto é, a forma particular que o eu

tem de relacionar com a imagem de um objeto colocado dentro do sujeito. Esse vínculo

interno, então, está condicionando aspectos externos e visíveis do sujeito.

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Assim, desde essa perspectiva, observamos que a Sra G. se vincula esperando do

ambiente (do outro) que esse lhe traga conforto afetivo. Ela, sozinha, torna-se incapaz de dar,

de relacionar com a imagem de um objeto colocado dentro do sujeito Esse aspecto também é

observado em suas projeções (desenhos-estória) em “tendências e desejos” se mostram

regredidas: “necessidades de suprir faltas básicas” como afeição primitiva, necessidade de ser

cuidado.

Também aparecem tendências destrutivas, pois se inserem no desejo de vingança e

triunfo (principalmente na estória da produção 2 e no final da estória da produção 1, pois ao

mostrar a estória da menina, há desejo de triunfar sobre os pais que a abandonaram). Assim,

lembramos que a inveja está compreendida na teoria kleiniana (KLEIN, 1946-1991) como um

sentimento básico, das pulsões de morte. Simon (1986) afirma o primeiro objeto invejável é o

peito nutridor que para o bebê possui todo o desejado, guardando leite e amor ilimitados para

si mesmo; mas se a inveja é excessiva, os “aspectos esquizóides e paranóides são também

exacerbados. Todavia, deve-se diferenciar que a “inveja primária do peito materno” não é a

mesma forma de inveja posterior, que é muito menos destrutiva; pois nesta última, por

exemplo, aparece o desejo da menina de substituir a mãe, ou a posição feminina do menino.

Nestas, a inveja visa não o peito, mas a recepção do pênis paterno, os bebês, o parto, a

amamentação dos bebês, etc. Porém, no caso em questão, a Sra G. há o desejo e a inveja do

peito nutridor da mãe, assim como uma posterior inveja, mas também de posse da mãe, já que

o irmão pode ficar com a mãe e ela não (filho biológico do casal que partira para os EUA com

os pais).

Ainda com relação aos pólos inveja e gratidão, pode-se perceber na Sra G. que há um

movimento para sentir-se grata, mas essa não consegue. Isso pode ser percebido na relação

que estabelece com o abrigo e o abrigamento da filha – é bom, mas é uma obrigação das

pessoas de ter de fazer para ela. Assim, podemos encontrar respaldo em Simon (1986) quando

esse autor explica que a satisfação e a gratidão atenuam a inveja, a voracidade e os impulsos

destrutivos; mas, como a inveja interfere com a satisfação, a relativa frustração faz com que a

inveja não se reduza. No caso da inveja, continua o autor, se houver confusão na integração

do objeto total, certamente é porque há excessiva inveja e voracidade na relação objetal

parcial (as partes boas e más não estavam nítidas). Assim, a inveja de um seio nutridor (desejo

de se apossar dele) no caso em questão, impedem a resolução do conflito.

Sobre este aspecto, podemos retomar a própria análise do instrumental, quando em

“sentimentos expressos” aparecem o desprezo, ambivalência (amor/ódio), tristeza e

desproteção; logo, segundo os indicadores apontados por Tardivo (1997) esses representam

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aqueles derivados do conflito - na luta entre pulsões e próprios da fase de elaboração da

posição esquizo-paranóide e passagem para depressiva, conforme os postulados kleinianos.

Por isso entendemos as dificuldades no alcance ou ganhos da posição depressiva e suas

possibilidades reparatórias. Na concepção de Grinberg (s/d) a noção de culpa apresentada é

muito mais representativa de culpa persecutória, denotando não uma depressão no sentido

evolutivo normal, mas sim melancólico.

III.2. CASO 2 – SRA A. “A MÃE TRISTEZA”

Trata-se do caso da Sra A, mãe de duas crianças abrigadas, tem 32 anos de idade,

solteira, morou com um companheiro, o pai dos filhos durante aproximadamente 8 anos, mas

ao longo da entrevista corrige a fala e diz que viveu com o companheiro 15 anos, e ficou

viúva há aproximadamente 5 anos. Atualmente mora com sua mãe e uma tia, irmã de sua mãe.

Uma prima levou os filhos dela para abrigamento em Carapicuíba quando ela estava internada

em um hospital (Com complicações no quadro, uma vez que a Sra A. é portadora do Vírus

HIV) sendo que o pai das crianças já havia falecido.

Atualmente vive em uma casa (alvenaria e laje, inacabada) de um cômodo, cedida pela

prefeitura. É auxiliar de limpeza, atualmente afastada do trabalho por estar fazendo o

tratamento de sua doença (portadora de HIV). Vive com salário de R$ 400,00 mais os salários

da tia e da mãe que somados chegam a mais ou menos R$ 1.160,00.

Sra A. é portadora do Vírus HIV, adquirido através de relações sexuais com o

parceiro, sofre de depressão e faz uso de medicação para conseguir levantar-se da cama.

Sente-se muito triste e desanimada. Sra A. tem 5 irmãos, sendo 3 irmãos biológicos e com os

quais ainda tem contato, e 2 outros irmãos adotivos, que perdeu contato.

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III.2.1. Histórico de vida

Sra A. foi criada por uma tia (irmã do Pai) e relata que sua mãe tem problemas de

saúde, dizendo: “A mãe tem problema de cabeça e faz tratamento há dez anos” (sic).

Viveu até os 14 anos de idade com a família da tia que era composta por essa senhora

irmã de seu pai, o tio e dois primos. Quando ainda vivia com eles o tio veio a falecer. Diz que

saiu desta casa fugida, porque desejava morar com a sua mãe e, não tendo conseguido, foi

morar com uma colega. Sra A. afirmou: “Eu sempre tive vontade de morar com a minha

mãe” (sic).

Sra A. relata que seu pai bebia muito e que sua mãe tinha “problemas de cabeça”. Não

se lembra de como era a relação de seus pais e nem tampouco com seus pais, pois era muito

pequena, tinha aproximadamente 6 anos de idade quando fora morar com a tia. Relata que

gostava do pai, mas que ama a mãe. “Eu gostava do meu pai, mas amo mesmo a minha mãe”

(sic).

A pedido de um tio (irmão do pai) foi viver num colégio interno. Diz não se lembrar

de muita coisa porque era muito pequena. Observa-se que sua narrativa também é confusa sob

uma perspectiva temporal e de construção de uma linha de raciocínio de sua história. Antes de

ir morar com os tios, viveu em um colégio interno, mas não consegue precisar o tempo que

esteve em cada lugar, diz: “Ah, isso eu num lembro não, eu era muito pequena...” (sic).

Seu parceiro - pai dos meninos abrigados - faleceu há 5 anos com HIV foi o único

parceiro de Sra A. e com quem teve os dois filhos que hoje estão abrigados; esses são dois

meninos, com as idades de 10 e 13 anos. Viveram juntos durante aproximadamente 15 anos,

perdeu a primeira gravidez e disse que era menina.

Relata que a gravidez do filho mais velho, hoje abrigado, foi muito boa, mas que a

segunda – do segundo filho também abrigado, o marido não ficava em casa, bebia muito e por

isso ela passou, “muito nervoso” (sic); conta ainda que passou por muitas necessidades e teve

problemas financeiros sérios.

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III.2.2. A mãe e os filhos

Quando Sra A. relata o histórico do abrigamento, ela diz que os filhos foram para o

abrigo porque ela ficou doente e internada e então sua prima levou os filhos para o abrigo.

Relata que quando foi internada, estava debilitada e o marido já havia falecido, então a prima

levou-os primeiro para um abrigo em Carapicuíba e depois eles foram transferidos para o

abrigo, local deste estudo.

Relata que sempre trabalhou muito e pagava outras pessoas para olhar os filhos,

trabalhava das 14 às 22 horas e ficava com os filhos somente nas folgas; mas, afirma

contraditoriamente que nunca teve problemas para cuidar dos filhos. Em seguida diz: “Eu

trabalhava muito e era muito difícil, tinha muito medo, os meninos ficavam na mão de um e

na mão de outro e isso dava muito medo, ninguém cuida direito” (sic).

Afirma ter tido muitas dificuldades financeiras, mas que hoje em dia não ter mais

porque tem a ajuda da mãe e da tia.

Quando fala da situação de abrigamento dos filhos diz que é muito difícil para ela,

porque não tem mais saúde, que quando pensa na adoção dos filhos dói muito. “Quero criar

meus filhos” (sic). Conta que sempre se pergunta por que os filhos não podem morar com a

sua mãe, avó das crianças.

Para ela a Instituição Abrigo é muito boa, não tem nenhuma queixa, o tratamento de lá

é bom, eles estudam; e diz: “Meus filhos falam bem daqui. Nunca vi nada. Eles falam que

gostam e quando eles falam que gostam, gostam mesmo” (sic).

III.2.3. A Senhora A. e nosso contato durante as entrevistas

Sra A. resiste muito a conversar com a pesquisadora. Após uma conversa com a

Assistente Social do abrigo ela concordou. Foi feito um rapport para que ela se sentisse mais

tranqüila, à vontade e se sentisse segura na companhia da pesquisadora. Foi explicado que se

tratava de um estudo, para entender melhor o que se passava com as mães e com ela; que suas

informações seriam úteis para muitas pessoas, e foi explicado o compromisso com o sigilo.

Após, ela se sentiu mais à vontade e passou a falar bem mais livremente comigo. Porém,

quando do pedido de elaboração dos desenhos, Sra A. se negou a desenhar, dizendo que não

tem jeito para estas coisas, que não se lembrava mais de quando foi a última vez que pegou

em um lápis. Ficou muito tensa e, após novo acolhimento e explicação de que não existia nem

certo, nem errado, e que ela fizesse apenas o que sabia, a Sra A. consegue então produzir e

demos seqüência com a estória.

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III.2.4. Observações

Nota-se que a Sra A. apresenta um quadro de depressão. Sua fala é de desânimo, não

tem nenhuma energia vital, sua postura é curvada e sua fala amedrontada. Durante a entrevista

Sra A. começa a chorar e pergunta para a pesquisadora: “Meus filhos vão voltar a morar

comigo, não vão?” (sic). Após ter sido acolhida em sua fala e em sua dor, Sra A. contém o

choro e demonstra a preocupação em deixar os filhos “abandonados”. Demonstra não poder

contar com sua mãe e também o medo que os filhos sejam adotados por famílias substitutas.

Sra A. vai sempre as visitas, diz que é porque é mãe e ama os filhos, leva-os para casa

nos feriados e nas férias com a autorização do abrigo.

Quando falamos um pouco sobre as expectativas futuras, Sra A. diz que quer melhorar

mais, voltar a trabalhar, quer que os filhos estudem, deseja arrumar uma casa maior, quer que

os filhos trabalhem quando estiverem maiores e façam cursos. “Quero meus filhos comigo.

Me sinto uma pessoa melhor, estou bem de saúde” (sic).

Assim como no caso anterior, a Sra A. não encontrou condições adequadas de

maternagem dados aos “problemas de cabeça” da mãe e o alcoolismo do pai. Os tios

acabaram por não se constituir efetivamente como uma família substituta e adotiva. Ela não os

sentiu como sua família, fugindo aos 14 anos para procurar a mãe. Sua busca incessante pela

mãe é presente sempre, mas repete a mesma saga com os filhos, os quais quer de volta como

quer a mãe.

III.2.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo Os desenhos-estórias com tema da Sra A. são apresentados a seguir. É importante

salientar que a Sra A. também demonstrou resistência em aceitar desenhar, bem como em

conversar comigo. Mostrou-se amedrontada, disse que não sabia o que dizer, que não queria

desenhar, pois há alguns anos não pegava em lápis. Após um rapport e um acolhimento de

suas inseguranças é que fora devagar aceitando manter contato com a pesquisadora.

No momento de contar a estória, a Sra A. curva o corpo, fala pouco, não quer contar

além do que foi registrado, fazendo questão de encerrar as estórias rapidamente. Mostrou

pouco conteúdo verbal e seu discurso era carregado de medo e constrangimento.

Segue a produção da Sra A.

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Unidade Produção 1

Figura 3. Caso 2 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.

Estória

Título:“Tristeza”

“A mãe não está do lado dos filhos. Não sente razão de viver por parte de todos os motivos.

Criança é alegria e parece que falta alguma coisa;

Quando a gente tá do lado de uma criança a gente se acha alegre, contente, parece que a gente

não tem problema;

Sente paz, felicidade, sente tudo, né?

Sente muito amor. Só isso. Né?”

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Unidade Produção 2

Figura 4. Caso 2 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”.

Estória

Título: “Os três Felizes”

“A criança se sente muito triste de não estar do lado de uma mãe, de uma família. Os meus

filhos estão no abrigo e você não vê um semblante alegre;

Uma criança assim, sem alegria.

Parece que meus filhos tem duas personalidades. Comigo eles são de um jeito e no abrigo

de outro.

Fica perguntando quando vão embora”.

O meu filho, o grande, ta entendendo muito. Achei ele estranho.

Parece que ele sabe que vai embora comigo”.

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III.2.6. Síntese das produções

Segue-se análise e interpretação das produções gráficas e suas estórias, conforme

Trinca (1987, 1997) e Tardivo (1997). Com relação aos aspectos formais do desenho,

observa-se o primitivismo na própria construção dos desenhos, que também se mostram

incompatíveis com a idade cronológica do participante (tendo aspecto infantil), tendo a

localização e posição da figura na parte lateral esquerda do papel. O desenho em um dos

cantos da folha indica que a pessoa foge ao meio, pode indicar também fuga ou desajuste do

indivíduo ao ambiente. Tal como no primeiro caso analisado, essas características, conforme

Al’Osta (1984), são mais freqüentes em crianças pequenas ou sujeitos psicóticos. A Gestalt,

em ambas produções, dá indicativos de dificuldades de crescimento e adaptação à realidade, o

que igualmente aparece no caso 1 desse estudo.

Com relação aos aspectos dinâmicos pôde-se observar, no que diz respeito aos grupos

de análise (TRINCA 1987, 1997; TARDIVO, 1997) o seguinte:

Atitudes Básicas - observam-se atitudes de oposição, negativismo e também

insegurança pela necessidade de proteção, abrigo e ajuda, em ambos procedimentos de

desenhos–estória.. Há percepção do mundo como desprotetor – principalmente na primeira

produção, pois na estória aparece “A mãe não está do lado dos filhos. Não sente razão de

viver...” (sic), pois sente que sua própria mãe lhe falta e não lhe protege. Demonstra também

muitas dificuldades em relação ao crescimento, vistos em seus próprios desenhos – com

primitivismo nos traços e na construção do desenho. Nota-se também oposição em relação à

desconsideração e rejeição do outro.

Portanto, demonstra insegurança, necessidade de proteção, isolamento e bloqueio,

percepção do mundo como desprotetor.

Os desenhos apresentam traços falhados e leves, superficiais e sem força, sem energia,

o que pode indicar depressão – que também aparece nas narrativas das estórias - (a mãe que

demonstra a tristeza de ter os filhos longe dela) e enfrenta uma doença que não cura e sim um

controle o que a torna insegura e incerta em relação a acontecimentos futuros. Identificação

negativa demonstra sentimento de menos valia, incapacidade e desimportância.

Com relação as “figuras significativas” tanto na narrativa 1 como na narrativa 2,

aparece uma preocupação com os filhos, não narra as figuras materna e paterna, portanto

ausentes. As figuras paterna-materna – são percebidos como frágeis; aqueles que não

conseguem contê-la.

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Os “sentimentos expressos” – nota-se tristeza, solidão e abandono na narrativa das

estórias da participante... “A criança se sente muito triste de não estar com a mãe...”

(narrativa produção 2). Demonstra preocupação pelos filhos (e a si mesma), sente que não

estão felizes e que desejam voltar a viver com ela (ela deseja viver com eles e com a proteção

de sua própria mãe). A narrativa 2 traz certa contradição : “Fica perguntando quando vão

embora...” O meu filho, o grande, ta entendendo muito. Achei ele estranho. Parece que ele

sabe que vai embora comigo” (sic). Aparece portanto uma ambivalência, um conflito entre

querer e não querer, e aparece também a culpa, medo de abandono, tristeza, desproteção

próprios da fase de elaboração da posição esquizo-paranóide e passagem para depressiva,

conforme os postulados kleinianos.

Com relação às “tendências e desejos” entendemos que essas aparecem como

regredidas: “necessidades de suprir faltas básicas” como afeições primitivas, necessidade de

ser cuidado; os ‘impulsos’ aparecem mesclados, amorosos e destrutivos, porém há

predomínio de ansiedade depressiva (TARDIVO, 1997).

Os “mecanismos” predominantes são de “regressão e estágio primitivo”, entendemos

que a Sra A. demonstra uma luta constante entre pulsões de vida e de morte, manifestando o

desejo de ter os filhos morando novamente com ela, embora não tenha condições físicas e

psíquicas para tanto; deseja arrumar um bom emprego e viver numa casa melhor (fantasia,

idealização). A identificação projetiva aparece já em ambas narrativas na medida em que a

Sra A. identifica-se e projeta-se totalmente na figura e na estória; embora isso seja muito

comum em testes projetivos e também facilita a elaboração/construção do mesmo, nota-se

uma adesão da Sra A. em suas produções. Assim, é importante apontar a primeira descrição

que faz M. Klein (KLEIN, 1932, 1946) da identificação projetiva, pois comunica a idéia de

que se trata de uma relação agressiva e de uma relação amistosa, na verdade, a identificação

projetiva é o protótipo da relação de objetos, e sem ela não haveria relações posteriores mais

diferenciadas.

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III.2.7. Síntese Geral do Caso

Sra A. ao apresentar-se com uma fala que expressa desânimo, e não expressa energia

vital, com postura curvada, com tristeza e choro desesperado durante nosso encontro, parece

dar indicativos de um quadro de depressão, o qual vai sendo delineado ao longo de nosso

contato com ela e o que é expresso também em seu procedimento de desenhos-estórias com

tema.

Sua história é de abandono e de busca incessante por uma mãe que nunca encontrou.

Sente o abandono de um pai que bebia e uma mãe com “problemas de cabeça”, bem como por

tios não protetores e que também abandonam (tio morre quando com ele morava) e busca

incessantemente proteção e abrigo numa mãe idealizada que jamais encontrará. “Eu sempre

tive vontade de morar com a minha mãe” verbaliza ao explicar que saíra da casa dos tios

fugida, porque desejava morar com a sua mãe. E, quando diz à entrevistadora: - “Eu gostava

do meu pai, mas amo mesmo a minha mãe”.

Após, também narra outro abandono, dado pelo fato de que a pedido de um outro tio

foi viver num colégio interno (provável orfanato).

É atualmente perseguida por uma doença crônica e que o controle a torna insegura e

incerta em relação ao futuro, havendo identificação negativa e sentimento de menos valia, de

incapacidade, mas carregado de uma culpa que não consegue nunca expiar...pois, não

consegue renunciar ao desejo de ter para si a mãe que procura. Por isso não pode dar,

maternar e, formando um ciclo, vem novamente a culpa, pois não consegue reparar (embora

tente) o abandono que causara aos filhos abrigados - “Eu trabalhava muito e era muito difícil,

tinha muito medo, os meninos ficavam na mão de um e na mão de outro e isso dava muito

medo, ninguém cuida direito” (sic). Ante o tanto sofrimento, busca, novamente na fantasia,

um mundo bom, pois idealiza um emprego, um controle da doença e os filhos com ela.

Em sua fala amedrontada e ante o desespero que lhe leva ao choro e à pergunta:

“Meus filhos vão voltar a morar comigo, não vão?” (sic), demonstra sua dor, sua culpa em

deixar os filhos “abandonados”, mas também consciência de que não pode contar com sua

mãe – que não acolhe, que a Sra A. busca, mas que não tem.

Encontramos aqui, no caso da Sra A., um correlato com a teoria kleiniana quando

Simon (1986) explica a angústia depressiva e a ambivalência. O autor expõe que a

identificação da criança com o objeto atacado (mãe como pessoa) reforça os impulsos de

reparação e inibe a agressão. Quando a angústia depressiva e a ambivalência são

insuportáveis, o bebê, recorre a defesas maníacas (negação, idealização – como Sra A. faz da

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mãe) e clivagem, semelhantes à posição esquizo-paranóide, porém mitigados, porque o ego

está mais integrado e tem mais consideração pelo objeto.

Assim, a clivagem na posição depressiva processa-se de forma diferente que na

esquizo-paranóide. Em vez de objetos parciais, a divisão se faz entre objetos completos. Os

objetos ficam separados entre objeto vivo, intacto, e objeto estragado. Desse modo a clivagem

serve como defesa contra a angústia depressiva de perda do objeto, tal como o que acontece

com a Sra A.

Utilizando ainda das contribuições desse mesmo autor, podemos dizer que a Sra A.

não consegue vivenciar continuamente a realidade psíquica, que implicaria na elaboração da

posição depressiva, pois não consegue fazer, ainda que tente uma comparação entre os pais

internos e externos – e que a levaria à uma melhor compreensão das semelhanças e

diferenças. De modo que, a figura dos pais (principalmente da mãe) que fica cindida entre

aterrorizante e idealizada, poderia ficar cada vez mais próxima da realidade, porém a Sra A.

não consegue essa vivência, esbarrando-se na depressão (culpa que não consegue elaborar).

Também na compreensão de Grinberg (s/d) parece um estado melancólico, já que não efetivo

ganho da posição depressiva, tal como no caso anterior.

E, ainda com as contribuições de Simon (1986), poderíamos dizer que, se houvesse

por parte da Sra A. uma capacidade de aproximação progressiva, à medida que os maus

aspectos dos objetos vão sendo atenuados pelos aspectos bons, também a assimilação do

superego pelo ego poderia ser incrementada. Todavia, parece haver aí o conflito que a impede

de vivenciar essa maior integração. Sua angústia é muito intensa.

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III.3. CASO 3 – SRA L. “MÃE DOS SETE”

Trata-se do caso da Sra L. mãe de seis crianças abrigadas, 44 anos, casada, sendo os

sete filhos do primeiro casamento e agora uma filha do segundo casamento. A Sra L. é da

Religião Evangélica. Seis dos sete filhos do primeiro casamento encontram-se atualmente em

situação de abrigamento, um deles, o mais velho já teve que sair, por ter completado maior

idade. A filha mais nova, ainda de colo e quando iniciamos o este trabalho, ainda estava

grávida da mesma, hoje vem com a mãe visitar os irmãos no colo.

Sra L. tem uma fala muito tranqüila. Não demonstra nenhum tipo de preocupação com

o momento que vive seus filhos e quando é perguntado a ela porque teve oito filhos, ela

explica:“ Sou evangélica e não temos o costume de evitar filhos, se veio foi porque Deus quis

que fosse assim, nós aceitamos o que Deus nos determina”. (sic)

Atualmente Sra L. relata trabalhar com vendas de Produtos Naturais, o atual

companheiro é eletricista e encanador autônomo...”Não é sempre que tem serviço pra ele, a

vida é muito difícil” (sic). Diz que vivem com uma renda familiar de R$ 600,00. O casal mora

em casa própria, de alvenaria. Sra L. conta que estudou até a quinta série.

III.3.1. Histórico de vida

Sra L. morava no Rio de Janeiro com os pais, conta que sua família é composta de

mais de 10 pessoas, entre pai, mãe e irmãos. Conta que entre os irmãos vivos, ela tem 3 que

são homens e 4 mulheres. Relata ainda, que viveu com os pais até os 25 anos de idade.

Sra L. relata que saiu de casa apenas para se casar e foi então que veio para a Cidade

de São Paulo com o pai dos sete filhos, morava em casa própria e a relação com o marido era

muito boa. Conta ainda que seus pais se separaram, mas que após 13 anos voltaram a morar

junto. “Deus ajeita a vida da gente, o tempo pode passar, mas tudo volta a ser como Deus

pretende que seja...” (sic). Relata ainda que a volta do pai ao lar foi difícil. Conta que o pai

era uma pessoa difícil de conviver, mas que não era violento, nem bebia, era apenas de difícil

convívio.

Sra L. não viveu nenhum tipo de agressão ou violência na família, relata que a relação

familiar sempre foi muito boa. “Para que brigar, não é mesmo, Deus não gosta que as

pessoas briguem” (sic).

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Os sete filhos tem diferença de 1 ano entre um e outro, revela nunca ter evitado

gravidez e conta que todos os partos foram normais e que as gestações foram muito boas, pois

passou sempre muito bem.

III.3.2. A mãe e os filhos

Sra L. conta que o abrigamento aconteceu a aproximadamente 6 anos atrás, que a casa

em que moravam estava depredada, sem água, sem luz e tinha uma enorme dificuldade

financeira. Através de denúncia anônima a Juíza decidiu pelo abrigamento. “Deve ter sido os

vizinhos, a vida estava muito complicada, muita criança e pouco dinheiro, as pessoas viam o

sofrimento delas” (sic).

De 15 em 15 dias a Sra L. vai visitar os filhos. Chora quando conta o momento do

abrigamento. “Quando moravam comigo, não tinham roupa, nem material de escola,

ganhavam tudo. A única coisa que tinha e não era muito, era comida” (sic).

Conta ainda que o desenvolvimento dos filhos foi normal. Encontrou dificuldades na

educação dos filhos quando eles ficavam muito rebeldes, na fase de estudos, para ir a escola.

Ressalta que não todos, mas que os mais velhos fugiam da escola. Na época que moravam

com ela, enfrentaram dificuldades financeiras graves.

Sra L. diz que a situação de abrigo é péssima e que não dá para saber se o abrigo trata

os filhos dela bem. Diz que para as crianças é ruim. “Os meus maiores falam que é ruim”

(sic).

Deseja reunir todos os filhos de novo e diz: “Vou unir todos novamente mesmo porque

não fui eu que fiz isso”. (sic) - se referindo à situação de abrigamento. Diz que acha melhor os

filhos voltarem para casa, que em casa é melhor para eles e quem eles tem duas casas, se

referindo a casa dela e a casa do pai dos sete.

Sra L. completa dizendo que: “Para a Justiça ter novo companheiro prejudica a volta

das crianças para casa” (sic).

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III.3.3. A Senhora L. e nosso contato durante as entrevistas

Sra L. deixa a filha de colo com um dos filhos maiores para colaborar com a pesquisa.

Escuta as instruções atentamente e a explicação dos objetivos do trabalho. Demonstra muito

interesse em ajudar.

Nota-se que a Sra L. não desfaz a postura tensa. Preocupada em acertar, em dar as

respostas que não a prejudique para tirar os filhos da Instituição. Neste momento retomo o

rapport, explico novamente os objetivos do trabalho-lhe que o trabalho respeitará o sigilo, o

segredo científico, para que ela não se preocupe.

Durante toda a entrevista, Sr L. pensava muito para responder as questões e sempre

dizia que estava tudo bem, não querendo demonstrar nenhum tipo de dificuldade, mas quando

se pergunta sobre o momento do abrigamento ela não agüenta e começa a chorar.

Durante toda a entrevista Sra L. fez uma barreira, manteve um distanciamento e suas

respostas eram muito pontuais e quando era feito o inquérito ela abreviava novamente.

III.3.4. Observações

Nota-se a postura defensiva da Sra L. desde o início da entrevista, pois tentava

demonstrar em seu discurso que tudo estava muito bem. Entendi que essa postura estava

bastante relacionada ao fato de que essa mãe desejava transparecer que tudo estava bem para

impressionar a entrevistadora e com isso influenciar uma possível volta dos filhos para casa.

Quando se referia ao abrigo, também pôde deixar transparecer sua raiva em relação à situação

dos filhos, por estarem abrigados, e em sua complementação, afirma que não fora ela a

causadora desta situação.

A Sra L. apresentou um discurso num bom “português”, atenta a todas as perguntas e

as respondeu dentro do que para ela seria “seguro”, mas faltou-lhe espontaneidade. Não

reagiu com naturalidade. Observamos, inclusive, que a Sra L. aceitou ser entrevistada com a

esperança de que isso pudesse ajudá-la no processo judicial para tirar os filhos do

abrigamento.

Questões sobre religiosidade e valores e dogmas religiosos apareceram durante todo o

discurso da Sra L.

Não foi detectado na Sra L. nenhum tipo de patologia física, não faz uso de medicação

e de nenhum tipo de droga. Mostrou-se bem de saúde e reafirmou isso na entrevista.

Demonstra angústia em saber que pouco pode fazer em relação a volta dos filhos para

casa. Diz ainda que não tira os filhos da cabeça quando está em casa. “Fico pensando se está

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tudo bem com eles aqui” (sic) e nota-se que é para conseguir dar conta da culpa que ela vive

pelas condições vividas pelos filhos atualmente.

III.3.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo

Os desenhos-estórias com tema da Sra L. são apresentados a seguir. A Sra L. não

demonstrou tanta resistência em responder a entrevista e tampouco a fazer as produções

gráficas. Notava-se que ela estava se percebendo importante em ter sido convidada para

participar de um estudo. Respondeu as perguntas de forma tranqüila, porém cuidadosa. Quis

saber se o que ela responde-se ajudaria no retorno dos filhos para casa e foi esclarecida que

não, mesmo assim continuou sendo solicita e desempenhando as produções de maneira

tranqüila.

Disse que não sabia desenhar muito bem, mas que gosta de desenhar, durante toda a

produção gráfica fala sobre os filhos e que diz que ter um novo companheiro complica para

que os filhos voltem para casa. Mas que ela tem “... fé em Deus...” (sic) de que os filhos

voltem a morar com ela, mesmo sabendo que será muito difícil financeiramente, fala sobre o

abrigamento e diz que é um lugar bom para ajudar a quem não pode criar os filhos, que ela

sente que os filhos mais velhos ficam mais tristes que os menores e assim concluí o que lhe

fora solicitado.

Segue abaixo, produções da Sra L.

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Unidade Produção 1

Figura 5. Caso 3 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.

Estória

Título: “A mãe que tem criança no Abrigo”

Uma mãe em situação de abrigo

É muito triste. Porém , se sente abandonada, carente.

Sem força, sem ânimo para tudo.

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Unidade Produção 2

Figura 6. Caso 3 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”.

Estória

Título: “O menino triste porque vive no Abrigo”

Uma criança chorando por falta da mãe, quando é submetido a ficar no abrigo;

ele se sente obrigado a ficar no abrigo;

não aceita a ficar no abrigo e fica chorando muito..... sentindo a falta de seus pais.

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III.3.6. Síntese das produções

Descreve-se a análise e interpretação das produções da Sra L., seguindo-se os

parâmetros de análise de Trinca (1987, 1997); Tardivo (1997), além de também os padrões

apontados por Al’Osta (1984) em relação aos aspectos formais dos desenhos. Em relação aos

aspectos formais, observa-se o primitivismo na construção das figuras. Estas também se

mostram incompatíveis aquelas esperadas para a idade cronológica do sujeitos, já que

apresentam aparência e aspectos infantis. A localização da figura na página, tende a ocupar a

parte inferior (figs. 5 e 6) e mais para esquerda do papel (fig. 5), o que dá indicativos de

tendências de fuga ao meio, ou desajuste.

Essas características, conforme Al’Osta (1984), são mais freqüentes em crianças

pequenas, ou sujeitos psicóticos. Em relação ao desenho como um todo (Gestalt), este mostra

dificuldades de crescimento e adaptação à realidade, o que se pôde notar também nas outras

participantes deste estudo.

De modo que, sobre esses aspectos formais, parecem indicar muito mais uma

infantilização e aspectos regressivos do que um desajuste propriamente dito.

Com relação aos aspectos dinâmicos (TRINCA 1987, 1997; TARDIVO, 1997) pôde-

se observar, no que diz respeito aos grupos de análise, o seguinte:

“Atitudes básicas” – o primitivismo dos traços e da construção do desenho, bem

como na narrativa aparece atitude de desprezo e hostilidade.

Demonstra insegurança, necessidade de proteção. Mas também aparece isolamento e

bloqueio, percepção do mundo como desprotetor. Nos desenhos, os traços são falhados e

desordenados. Identificação negativa - demonstra sentimento de menos valia, incapacidade.

Com relação as “figuras significativas” tanto na (narrativa 1 como na narrativa 2),

aparece uma preocupação com os filhos, e o abandono da mãe. Narra a figura materna,

portanto presente.

Os “sentimentos expressos” – surgem sentimentos de tristeza, solidão e abandono na

narrativa das estórias da participante... ”Uma mãe em situação de abrigo, é muito triste...”

(narrativa produção 1). Demonstra preocupação pelos filhos, sente que são crianças tristes...

”Uma criança chorando por falta da mãe, quando é submetido a ficar no abrigo”. (narrativa

produção 2). Porém, a Sra L. parece entender que toda essa situação está “fora dela”, ou seja,

alguém causou essa tristeza.

Com relação às “tendências e desejos” entendemos que essas aparecem como

regredidas: “necessidades de suprir faltas básicas” como afeições primitivas, necessidade de

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ser cuidado; os ‘impulsos’ aparecem mesclados, amorosos e destrutivos, porém há predomínio

de ansiedade depressiva (TARDIVO, 1997).

Os “mecanismos” predominantes são de “regressão e estágio primitivo”, entendemos

que a Sra L. Nota-se racionalização e cisão.

III.3.7. Síntese Geral do Caso

Há de se destacar que a Sra L. sentira medo em falar com a pesquisadora-psicóloga,

pois temia que isso pudesse prejudicá-la no processo de retorno dos filhos ao lar. Além de que

afirmara saber que o fato de ter um novo companheiro atrapalharia esse mesmo processo.

De modo que, além das projeções vistas nos desenhos-estória com tema, durante nosso

contato também aprece de forma intensa essa persecutoriedade e culpa, ou uma “culpa

persecutória” muito evidente. Isso nos remete a uma colocação de Melanie Klein (KLEIN,

1955-1980) quando se referia à análise de crianças e o que essa poderia suscitar, e constata

algo que nos pareceu muito similar aos sentimentos da Sra L, pois a autora coloca que a “a

culpa e a depressão podem ser tão fortes que levam à intensificação dos sentimentos

persecutórios” (p. 33).

Ainda sobre o despertar dessas projeções da Sra L., lembramos Pichon-Rivière (1980-

1998) demonstra que os vínculos entre o eu e os objetos internos marcam fortemente o

vínculo externo. Em uma projeção paranóide, por exemplo, aquilo que o sujeito coloca fora,

no mundo exterior ou na sociedade, é a pauta de conduta dos vínculos internos com seus

objetos internos. Os objetos atuais funcionam para o sujeito como telas referenciais sobre as

quais coloca toda uma estrutura, um modo de ser, um vínculo com o outro, que coloca sobre o

terapeuta e vive como uma realidade. A loucura pode ser descrita como o resultado da

colocação de um vínculo interno sobre um externo, em relação ao qual adquire prioridade. À

medida que o vínculo interno se fortalece, vai passando da neurose à psicose. (p.37)

Assim, do ponto de vista desenvolvimental, pode-se dizer que essas características

parecem indicar conflitos da Sras L. na passagem da posição esquizo-paranóide para a

posição depressiva. E nesse sentido, retomamos Simon (1986) ao explicar que as angústias

persecutórias intensas e as defesas contra elas prejudicam a elaboração da posição depressiva.

Há a presença da inveja que magnifica as angústias persecutórias, requerendo mecanismos de

defesa que violentam as funções psíquicas. Em alguns casos de natureza psicótica, encontram-

se defesas que parecem impenetráveis e impossíveis de analisar. Seriam aqueles casos de

clivagem de aspectos que o ego não tolera integrar sem risco de desmoronar.

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Com relação à questão vincular, o caso da Sra L. parece ser correlato com dois

diferentes tipos de vínculo patológicos descritos por Pichon-Rivière (1980-1998), ou seja,

vínculo depressivo, aquele carregado pela culpa, bem como o vínculo paranóico que se

caracteriza pela desconfiança. Por isso é que as explicações de Melanie Klein (KLEIN, 1955-

1980) parecem aqui contribuíram pelo fato de que a grande intensidade da culpa e a depressão

levarem à intensificação dos sentimentos persecutórios.

A Sra L. usa defesa contra a inveja. A idealização, que serve como defesa contra a

perseguição serve também contra a inveja. O bebê como afirma Simon (1986), por inveja, não

consegue separar nitidamente o peito bom do mau. Então recorre a cisão em um peito

onipotentemente idealizado e outro excessivamente mau. Mas, por outro lado, a exaltação do

objeto idealizado visa diminuir a inveja, visto que esse se torna inatingível, fora das

cogitações do sujeito querer igualá-lo. Mas a inveja excessiva acaba querendo também o

inatingível e termina por incluir o objeto idealizado no rol dos estragados. Isso leva a nova

busca de objetos idealizados, que com o tempo vão tendo o mesmo fim.

Sra L. não demonstra gratidão pelo abrigo que cuida de seus filhos, vê o abrigo como

castigo e ruim para a vida de seus filhos.

Simon (1986) explica que quando o paciente é capaz de experimentar a gratidão – o

que significa que é menos invejoso – pode beneficiar-se da análise e consolidar os ganhos

obtidos. Diz ainda que, quanto mais os aspectos depressivos do paciente predominam sobre os

equizóides, melhor a perspectiva de cura. O impulso para reparar e ajudar o objeto invejado

detém a inveja. Isso é possível pela mobilização de sentimentos de amor, o que não é

demonstrado pela Sra L.

Segundo Simon (1986) nos primeiros meses de vida existe forte sadismo contra o

peito e o interior do corpo materno. A relação se estabelece com objetos parciais. O

desenvolvimento do bebê é regulado por mecanismos de introjeção e projeção. “Desde o

começo o peito materno é o protótipo – como bons objetos quando a criança recebe deles,

como maus quando falham” (p.282).

O peito “mau” não o é apenas por ser frustrador, mas porque também a criança

projeta nele sua própria agressividade. Essas figuras distorcidas dos objetos reais estão no

exterior, e, por incorporação, também dentro do ego (SIMON, 1986, p.71).

O mesmo autor aponta que o bebê vive angústias relacionadas aos maus objetos

sentidos como uma multidão de inimigos, desse relacionamento persecutório emerge, como

angústia básica da posição paranóide, o medo de ser destruído.

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As defesas paranóides terão por fim preservar o ego do aniquilamento. É claro que,

entre todas as condições, é a capacidade do ego de tolerar que vai determinar sua

possibilidade de estabelecer relações com o objeto total. Isso porque na posição paranóide

pode haver a introjeção de um objeto total e real. Mas o ego não consegue uma identificação

completa com ele. Ou, se consegue, não mantém porque há angústia persecutória muito

grande, perturbando introjeções estáveis; dúvidas e suspeitas quanto à qualidade do objeto

transformam o amado em perseguidor; as angústias persecutórias são uma tarefa enorme para

o ego pouco integrado, não podendo sobrecarregar-se com angústias pela preservação do

objeto amado, além dos sentimentos de culpa e remorso concomitante. (Os sofrimentos da

posição depressiva levam-no de volta à posição paranóide).

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III.4. ASPECTOS GERAIS DOS CASOS ESTUDADOS

Puderam ser verificados, nos três casos estudados, que a “condição ou capacidade

materna” tão apregoada pelos autores clássicos (KLEIN, 1946; 1955; WINNICOTT,1964;

1967; BION, 1965; BOWLBY, 1984) ainda que sob diferentes óticas, não é uma condição

observada nessas mães de crianças abrigadas.

O material colhido - tanto nos desenhos-estórias, quanto nas entrevistas possibilitaram

a apreciação de conteúdos internos dessas mães e seus funcionamentos - de relações objetais

interno/externo, caracterizando o que Winnicott (1964/1967) denominou de falha de ambiente

que estas mães experimentaram na infância.

Em síntese, foi observado em cada uma dessas mães:

A Sra G. ou a “Mãe Abençoada” houve um predomínio do que consideramos -

Ambigüidade e Impeditivos de Crescimento - pois ao mesmo tempo em que ataca a mãe

que a abandona (tanto a biológica quanto a mãe adotiva) busca uma mãe boa idealizada. Essa

ambigüidade a impede de crescer e assim a Sra G. é tão infantil e desprotegida quanto suas

filhas, de modo que não se sente mãe, pois ainda é a filha frágil que necessita ser amparada;

- Dificuldade de sentir gratidão - não é grata ao abrigo, pois, por sua ambigüidade entende

que o abrigo e o abrigamento são uma “obrigação” e não uma “benção” - a qual procura na

fantasia (mãe). A Sra G. representa o abrigo a partir da função que o abrigo cumpre no

contexto social em que ela vive e das dificuldades materiais que ela enfrenta. Ou seja, “o

abrigo (mãe) não faz mais do que obrigação em acolher seus filhos”. Sobre esse aspecto,

Simon (1986) explica que a gratidão origina-se nos estágios primitivos em que a mãe (seu

peito) é o único objeto, constituindo-se no modelo das relações amorosas seguintes. O mesmo

autor assinala que a capacidade de amar é inata; impulsos invejosos (que derivam das forças

inatas do instinto de morte) podem perturbar o amor pela mãe: interferem com a gratificação

proporcionada pela amamentação. A satisfação completa só é possível se a capacidade de

amar é suficiente.

- Mecanismos predominantes - idealização e regressão a estágios primitivos.

Nessa relação de ambigüidade com a mãe internalizada, podemos observar que estão

presentes recursos defensivos predominantemente equivalentes com aqueles que Melanie

Klein (KLEIN, 1946) explica em “notas sobre os mecanismos esquizóides” e, portanto

iniciais do desenvolvimento humano, tais como a identificação projetiva. Entende-se que a

identificação projetiva é protótipo da relação de objetos e sem ela não haveria relações

posteriores mais diferenciadas. Não só as partes más, mas também as partes boas do sujeito

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são partidas e defletidas – para fora. Todavia, seu excesso na vida adulta denota conflitos em

período primeiro do desenvolvimento, pois revela um enfraquecimento egóico. Como na

cisão/projeção há partes boas defletidas, jogadas para fora, julga-se que partes boas e

amorosas de si também são postas fora juntamente com sua agressividade e inveja.

Sobre a especificidade da idealização que demonstra a Sra G., encontramos em Klein

(1946) que são seis os mecanismos complementares especiais da posição esquizo-paranóide,

esses sempre se ligam a clivagem, a introjeção e projeção; são eles: negação, idealização,

onipotência, abafamento das emoções, identificação projetiva e identificação introjetiva.

O que vivenciou a Sra G. vem de encontro com uma explicação de Melanie Klein

(1946) quando diz que o ego foi deixado com uma multidão de objetos persecutórios, não

contando mais com o objeto bom para protegê-lo, porque este foi fragmentado por excessiva

angústia e frustração, recorre em desespero ao mecanismo de idealização, criando uma

espécie de ‘super-objeto’ – o “peito-idealizado” - a mãe abençoada.

Na Sra A. ou “Mãe Tristeza” predominou o que consideramos uma angústia

depressiva e a ambivalência. Na busca incessante por uma mãe que nunca encontrou e por

abandono de um pai ambíguo que é frágil com “problemas de cabeça”, mas que é arrebatador

e abandona, somados ao fato de que na atualidade é perseguida pela doença que não cura

(castigo) e cujo controle lhe dá incerteza em relação ao futuro, a “mãe tristeza” se assenta na

menos valia e na incapacidade, e carrega uma culpa que não consegue nunca expiar – pois há

a ambivalência, pois tem raiva daqueles que não a ancoraram e protegeram. É assim que

encontramos um correlato na teoria kleiniana quando Simon (1986) explica que quando a

angústia depressiva e a ambivalência são insuportáveis, o bebê, recorre a defesas maníacas

(negação, idealização – como Sra A. faz da mãe) e clivagem, semelhantes à posição esquizo-

paranóide, porém mitigados, porque o ego está mais integrado e tem mais consideração pelo

objeto. A clivagem na posição depressiva processa-se de forma diferente que na esquizo-

paranóide. Em vez de objetos parciais, a divisão se faz entre objetos completos. Os objetos

ficam separados entre objeto vivo, intacto, e objeto estragado. Desse modo a clivagem serve

como defesa contra a angústia depressiva de perda do objeto, tal como o que acontece com a

Sra A.

- Dificuldade de elaboração da posição depressiva - não consegue vivenciar continuamente

a realidade psíquica, que implicaria, na elaboração da posição depressiva, pois não consegue

fazer, ainda que tente, uma comparação entre os pais internos e externos – e que a levaria à

uma melhor compreensão das semelhanças e diferenças. De modo que, a figura dos pais

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(principalmente da mãe) fica cindida entre aterrorizante e idealizada. Poderia ficar cada vez

mais próxima da realidade, porém a Sra A. não consegue essa vivência, esbarrando-se na

depressão (culpa que não consegue elaborar).

Mecanismos predominantes - suas fantasias propiciam idealização; identificação projetiva.

Assim podemos entender que na Sra A., a qual parece então demonstrar dúvidas e

suspeitas (aspectos paranóides) quanto à qualidade do objeto introjetado, que a angústia é

intensa e há uma tarefa enorme para um ego frágil e que não pode sobrecarregar-se; além dos

sentimentos de culpa e remorso concomitantes. Isso leva-lhe ao intenso sofrimento e a Sra A.

volta a buscar recursos mais regredidos e primeiros do desenvolvimento – da posição esquizo-

paranóide, conforme preconizou Melanie Klein (KLEIN, 1932; 1946).

Sra A. está doente e acredita que a mãe que ela idealizou venha lhe cuidar e ainda

cuidará dos filhos, caso ela venha a falecer da doença que a acomete (HIV). O controle de

objetos externos e internos é outra forma de defesa contra a angústia depressiva, pois visa

evitar a frustração e deste modo deter a agressividade e conseqüente perigo aos objetos

amados.

Outra manifestação da angústia refere-se aos perigos que ameaçam o objeto bom

dentro do ego, porque este se sente incapaz de proteger o objeto amado contra os

perseguidores internos e contra o id. Essa angústia se justifica psicologicamente porque o ego

não abandona totalmente os mecanismos de expulsão e aniquilamento do objeto da posição

paranóide. Caso o ego estivesse mais desenvolvido, como preconizou Melanie Klein, haveria

uma percepção de que o uso de mecanismos de expulsão para se proteger do perseguidor

interno pode expelir também o bom e danificar o bom externo com a projeção do mau interno.

São estes riscos que levam ao abandono das defesas paranóides de expulsão e projeção

(KLEIN, 1932; 1946). Fato não observado nessa e nem nessas mães.

Buscando melhor compreensão do caso da Sra A. nos escritos de Melanie Klein

(KLEIN, 1932; 1946; 1955) pudemos compreender que as defesas mais usadas na posição

depressiva passam a ser a introjeção do bom objeto, associada com a reparação do objeto –

aspecto pouco visto nesse caso. O aumento do mecanismo de introjeção do bom objeto

estimula a voracidade, e esta dá origem a outra espécie de angústia depressiva, que é o medo

de esvaziar o objeto externo e interno. A identificação com o objeto atacado (mãe) reforça os

impulsos de reparação e leva à redução da agressividade.

Quanto à Sra L. ou “Mãe dos sete” pudemos entender que nela predominou:

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A persecutoriedade e culpa - a intensa persecutoriedade e a culpa ao mesmo tempo parecem

indicar a culpa e a depressão podem ser tão fortes que levam à intensificação dos sentimentos

persecutórios. Há a presença da inveja que também intensifica as angústias persecutórias,

requerendo mecanismos de defesa que violentam as funções psíquicas.

Dificuldade de sentir gratidão – percebe o abrigo como uma ameaça, as pessoas tiraram os

filhos dela e agora ela sente medo em não conseguir ter os filhos de volta, por que, quem

decide isso é o Juiz. Ela não demonstra gratidão em seu discurso, apresenta sim uma idéia de

que é “obrigação” do abrigo cuidar dos filhos dela, uma vez que foram eles (abrigo, o juiz)

que tiraram os filhos dela. Entende-se a gratidão, conforme Simon (1986), a gratidão é um dos

maiores derivados da capacidade de amar. É essencial para o estabelecimento de uma relação

segura com o bom objeto e a base do reconhecimento da bondade em si mesmo e nas outras

pessoas. O mesmo autor afirma, com base na teoria kleiniana que a satisfação é a base da

gratidão; de modo que, o que se pode reconhecer num círculo vicioso maligno invejoso é:

quanto mais inveja, menos consegue usufruir o peito; quanto mais frustrado maior o

ressentimento contra o peito avarento, o que aumenta a inveja de possuir seus bens sonegados.

De modo que a capacidade amorosa fica prejudicada.

Mecanismos predominantes - regressão, racionalização, negação, cisão.

A presença de persecutoriedade e culpa, dificuldade de sentir gratidão e com

predomino defensivo de regressão, racionalização e cisão, revelam a mulher-mãe de seis

filhos abrigados e que na verdade eram sete (pois um deles ao atingir maioridade deixou o

abrigo) e que durante nosso trabalho teve seu oitavo filho. Conhecida no abrigo como a “mãe

dos sete”, demonstra-se persecutória e em nome de “Deus” não evita filhos, e sente medo em

dar a entrevista, pois teme represálias da justiça.

Assim, conseguimos compreender a Sra L. com Klein (1932; 1946) quando explica

que o peito “mau” não é apenas por ser frustrador, mas porque também a criança projeta nele

sua própria agressividade e essas figuras distorcidas dos objetos reais estão no exterior, e, por

incorporação, também dentro do ego. Desse relacionamento persecutório emerge, como

angústia básica da posição-paranóide, o medo de ser destruído. No caso da Sra L. a defesa que

o ego lança mão para escapar da angústia de aniquilamento é a negação da realidade psíquica.

Essa defesa consiste (KLEIN, 1932) em eliminar a percepção dos perseguidores

internalizados ou pertencentes à realidade exterior, esse mecanismo, se excessivamente

utilizado, forma a base das mais severas psicoses, porque leva à grande restrição dos

mecanismos de projeção e introjeção.

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Já a expulsão e projeção, são outros mecanismos de defesa de que o ego se utiliza para

se defender do temor da destruição. São defesas dirigidas aos perseguidores internos:

expulsando o mau de seu interior, fica a salvo do ataque iminente e percebem-se também as

forças destrutivas dirigidas contra os perseguidores internos, esse mecanismo defensivo é

acionado porque os dois mecanismos anteriores não são totalmente eficazes. Todavia,

conforme Klein (1946) mesmo não querendo ver, ou expelindo os inimigos internos, sempre

sobram perseguidores; isso porque o perigo do aniquilamento é devido a operações do instinto

de morte dentro do sujeito, e nem todo ele pode ser defletivo ou neutralizado pela libido. A

destrutividade é dirigida contra o próprio id, ou partes do ego identificadas com o mau objeto

interno - superego primitivo.

Mas, e a culpa sentida pela Sra A. Nesse caso, a culpa sentida é compreendida com

Klein (1957) quando explica que a inveja excessiva provoca culpa prematura. “Se a culpa

prematura é vivenciada por um ego ainda não capaz de suportá-la, a culpa é sentida como

perseguição, e o objeto que provoca culpa se transforma em perseguidor” (p.194). E, tal

como explicou Griberg (s/d), essa é uma culpa persecutória e não aquela que a levaria a uma

possível reparação. Também aqui podemos lembrar Winnicott (1957) ao explicar o que

entendeu como depressão patológica e que estaria ligada a uma sensação de falta de

perspectivas e uma despersonalização de vivências de acordo com o desenvolvimento de um

falso self, que poderia ocorrer em uma etapa anterior a posição depressiva.

Assim, como se pôde observar nesses casos de mães estudadas, ante as dificuldades

internas de manutenção de objetos internos bons e de compreensão das partes ruins do objeto

– representando assim um “objeto total”, integrado, há, por conseqüência dificuldade ou

incapacidade de rêverie ou de “maternar”. As mesmas têm percepções de suas histórias de

vida, bem como aspectos inconscientes que aqui são revelados como raiva, e ódio, dos seus

pais internos. Houve abandono real (nos dois primeiros casos), mas igualmente nos três casos

observou-se inveja e destrutividade sentidas por um seio ou objeto/peito “mau”. E isso é

entendido como impeditivo de um bom exercício materno ou capacidade de maternar, pois

para tal é necessário fazer trocas amadurecidas.

Ainda com as características específicas em cada uma dessas mães, há evidencias de

um relacionamento persecutório emergido como angústia básica da posição-paranóide - o

medo de ser destruído.

Assim também se expressa a dificuldade dessas mães em estabelecer bons vínculos

com o mundo externo, uma vez que, os objetos internalizados são idealizados e não conferem

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com dados da realidade. Seus vínculos, na visão de Pichon-Rivière (1980) se configuraram

como patológicos, notados pela dependência que constroem com o “outro”, não conseguindo

estabelecer trocas que se fundam na aprendizagem. E na visão etológica de Bowlby (1976)

podemos entender que tais mulheres não puderam ter uma experiência de modelo seguro de

apego, não desenvolveram expectativas positivas em relação ao mundo, e não acreditam na

possibilidade de satisfação de suas necessidades. Apresentam sim um modelo de apego menos

seguro e desenvolveram, com o mundo, expectativas menos positivas. O Modelo Funcional

Interno proposto pelo autor é como uma lente a partir da qual o indivíduo vai ver o mundo e a

si próprio. A privação desse tipo de relação leva a criança a sofrer uma série de efeitos

prejudiciais de acordo com o grau de privação, a privação parcial pode gerar angústia,

exagerada necessidade de amor, fortes sentimentos de vingança e culpa e depressão

(BOWLBY, 1976).

Ainda dentro da proposta de relações objetais, pode-se entender com Winnicott (1958)

que ainda que essas mães pudessem dispor de um potencial inato de amadurecer para se

integrar, essa tendência não garantiu-lhes, sozinha, um desenvolvimento saudável, pois um

ambiente facilitador com cuidados suficientemente bons não lhes fora apresentado. Assim,

pode-se pensar que a visível imaturidade dessas senhoras encontra-se na falha do ambiente

representada pelas dificuldades de maternagem suficientemente boa que a elas próprias não

fora disponibilizada e que, portanto, não sabem também reproduzir. Para Winnicott (1958) a

mãe permite que a criança se sinta integrada em si mesma e vá adquirindo uma sensação de

diferenciação do mundo em que vive, adquirindo uma noção de um ser unitário e que é capaz

de se separar dela.

Por outra ótica, este estudo nos proporcionou compreender, conforme as contribuições

de Bion (1965) que é possível pensar a relação entre continente/contido de modo dinâmico e

dialético, porque o resultado do desenvolvimento seria a constituição da própria continência e

do aparelho psíquico do bebê, mediante a introjeção da condição de rêverie da mãe. Tendo em

vista esta explicação, percebeu-se que todas as três mães estudadas não tiveram a

possibilidade de introjetar um continente (a mãe). Mesmo tendo histórias diferentes, mas

comuns entre si, essas perceberam as mães (figuras maternas) ausentes ou ruins. Nos casos

Sra G. e Sra A. o histórico de vida mostrou abandono real. A Sra G. perdeu a mãe quando

ainda era criança, e que depois de adotada também foi abandonada, esta reproduz atualmente

na experiência com suas filhas. A Sra G. busca na filha mais velha o “porto seguro” que

nunca encontrou na relação com as mães que teve e o colo que não recebeu em sua infância

de sua filha menor. Nesse aspecto, podemos entender com Bion (1965) considera o hábito do

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indivíduo dar sempre as mesmas respostas a novas situações - o que pudemos observar no

funcionamento psíquico das mães estudas - seria conseqüência de uma espécie de lei da

inércia do psiquismo, comparável à lei da gravidade para os corpos físicos. De certa maneira

as três mães estudadas dão as mesmas respostas às novas situações, repetindo e reproduzindo

o que aconteceu em suas histórias de vida. O abandono, a rejeição, a falta de afeto e de amor

com que as mesmas foram criadas e tiveram que sobreviver ao mundo externo com pouco

recurso interno.

Pelo observado no presente estudo, ou seja, ante as mães com dificuldades de

maternar, encontramos uma difícil tarefa como profissionais – as crianças. Ou seja, autores

recentes como Böing e Crepaldi (2004) afirmaram que longas rupturas com pessoas

significativas e institucionalização prolongada agem como importantes fatores de risco para o

desenvolvimento normativo da criança; porém, se a ruptura não é uma boa solução, será que o

convívio das crianças com essas mães seriam? Essa não é uma questão a ser respondida pelo

presente estudo, apenas há de se deixar como reflexão e sugestão de objeto de investigação

em estudos posteriores.

Ainda nesta direção, nota-se outros autores que se ocupam da questão que se abre em

relação às crianças, filhos dessas mães impossibilitadas de criá-los de maneira adequada.

Estudiosos como Bowlby (1973) apontaram os prejuízos que a vivência institucional

proporcionava para as crianças abrigadas, tal como a depressão, além de déficit intelectual e

numa linha cognitiva cultural Bronfenbrenner (1996) também apontara as instituições de

abrigo podem ou não produzir efeitos benéficos para a vida de crianças e adolescentes,

dependendo de sua capacidade de fornecer apoio e proteção.

Por outro lado, há aqueles que entendem que mães ou cuidadoras substitutas “boas”

poderiam ser uma alternativa. Arpini (2003) apontou que adolescentes que tiveram vivência

institucional a caracterizavam como o melhor período de suas vidas, relacionando-a com o

estabelecimento de novos vínculos, Tizard, Cooperman e Joseph e Tizard (1972) investigaram

o efeito da qualidade do trabalho dos monitores sobre o desenvolvimento de linguagem de

crianças institucionalizadas e apontaram que cuidadores com maior autonomia tendiam a

brincar e a conversar mais com as crianças, enquanto que o atraso intelectual não estava

necessariamente relacionado à vivência institucional, mas sim à qualidade da conversa do

cuidador.

Assim, uma questão aqui observada e que é objeto de preocupação, diz respeito ao

abrigamento no âmbito das Políticas Públicas, passando pela Saúde Pública. Há de se

entender o grande vulto que tem tomado o fato de crianças “abandonadas” em abrigos ou

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ainda levadas por determinação judicial uma vez que suas famílias não puderam dar a elas o

suficiente para a permanecia em seus lares. Fato apontado por Silva (2004) que encontrou

cerca de 20 mil crianças e adolescentes de 7 e 15 anos, negros e pobres vivendo em 589

abrigos investigados no Brasil. Soma-se ao Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças

e Adolescentes, que aponta que 87% das crianças e adolescentes abrigados têm família, sendo

que 58% mantêm vínculo com seus familiares, como é o caso do presente estudo. Embora isso

seja um problema histórico, como explicou Leite (1997), pois no Brasil, a política de

atendimento à infância e à juventude em situação de abandono veio sofrendo transformações

desde o abandono de crianças Brasil Colonial especialmente índios e negros e cujo amparo,

também como mostrou Priore (1996; Rizzini 1990), ficava aos cuidados da Igreja, passando

por profissionais filantropos, até a implantação de políticas de responsabilidade do Estado,

como é nos tempos atuais, a problemática é grave. Além disso, como afirmou Marcílio (1997)

a prática de criar filhos alheios sempre, e em todos os tempos, foi difundida e aceita no Brasil.

Pensamos, junto com esses autores, que a problemática passa pelo âmbito da saúde

pública, pois, nos como nesses três casos de mães estudadas e suas capacidades/incapacidades

de maternar, nos fazem refletir sobre a questão da prevenção primária ou promoção de saúde

mental como preconizou Bleger (1984). Isso, pois entendemos que num nível primário de

saúde, esses aspectos poderiam ser contidos e as ações preventivas poderiam ser

extremamente eficientes.

Além disso, ainda no âmbito de políticas públicas, entendemos como Marcílio (1997)

que com os abrigos, os projetos feitos pelas Prefeituras, Estados e com o aval do Governo,

inaugurou-se uma nova fase do assistencialismo no Brasil: a filantropia - modelo capacitado

para substituir aquele representado pela caridade da Igreja; modelo também criticado por

Yunes, Miranda, Cuello e Adorno (2002).

Também por essa reflexão sobre o atual distanciamento de políticas de saúde que

abarquem um nível preventivo, entendemos como Fonseca (1987, 1993, 1995) que esta

prática de assistencialismo se dá sem olhares mais atentos às causas psíquicas e emocionais

dessas crianças hospedadas em abrigos.

Diante desses estudiosos e dos resultados obtidos em nosso estudo, estamos

entendendo a existência de um grande conflito de âmbito social, político e de saúde publica a

que nos deparamos. Se por um lado o abrigamento oferece seus prejuízos, principalmente por

esse distanciamento de figuras representativas de objeto amoroso (CARVALHO, 2002), com

sérias conseqüências para a criança (GRUSEC; LYTTON, 1988), além de que na prática os

abrigos são frágeis seu funcionamento (ARPINI, 2003; BAZON; BIASOLI-ALVES, 2000;

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CAMINO; CAMINO; PEREIRA; PAZ, 2004), por outro lado à permanência junto às mães

também não parece ser uma boa solução, já que, como também demonstramos, há uma grande

dificuldade de “maternar”.

Esse conflito parece ainda se fundar e cristalizar num circulo vicioso, já que, essas

crianças também virão a ser as mães futuras e repetirem a mesma fragilidade psíquica. E essa

é uma verdade apontada por Siqueira e Dell'Aglio (2006).

Diante da posição desses autores e dos resultados do presente estudo, deixamos então

aqui marcada a questão da necessidade do incremento de ações preventivas e de promoção de

saúde mental no âmbito de políticas públicas. E que essas ações possam levar em conta a

importância do desenvolvimento psico-afetivo da criança e o quão importante às relações de

objeto assumem nessa díade mãe-bebê, na medida em são base para o desenvolvimento

ulterior.

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IV. CONCLUSÃO

Concluímos, com os objetivos propostos no presente estudo, que em relação à

dinâmica psíquica destas mães de crianças abrigadas, o que em comum obteve-se foram, por

razões distintas, conflitos em seu crescimento e desenvolvimento.

Como pudemos perceber, nesses casos de mães aqui estudadas evidenciou-se a

dificuldade ou incapacidade de “maternar”. Seus discursos traduziram a dramaticidade de

histórias de vida coroadas pelo abandono ou pela percepção de afetos inexpressivos; a tarefa

projetiva revelou retratos de raiva, ódio, sentidos pela mãe e/ou pelos pais internos. Se por um

lado o abandono revelou-se como um dado real (nos dois primeiros casos), já que houve

abandono de fato, por outro lado, igualmente nos três casos a inveja e a destrutividade

sentidas pela percepção de um seio ou objeto “mau” lhes valeu um exercício materno incapaz

de fazer trocas amadurecidas. Posto que não só pelo abandono real veio essa incapacidade

afetiva, pois não é apenas por ser frustrador que o seio é sentido como ruim, mas também

porque a criança pode projetar nele sua própria agressividade e então essas figuras distorcidas

dos objetos reais do exterior podem ser incorporadas também dentro do ego. De modo que,

ainda com as características específicas de cada uma dessas mães, há evidências de um

relacionamento persecutório emergido como angústia básica da posição-paranóide - o medo

de ser destruído.

Com isso, as falhas no desenvolvimento, marcadas principalmente pelas dificuldades

de ganhar e elaborar a posição depressiva, e nesse também o ganho da capacidade reparatória

e de sentir gratidão – condições essenciais para o exercício materno amadurecido, ou

capacidade de maternar - deixam mais evidente a incapacidade dessas mães em exercerem

suas funções. Isto, pois, é condição desenvolvimental amadurecida o sentimento de gratidão,

já que é um dos maiores derivados da capacidade de amar, e essencial para o estabelecimento

de uma relação segura com o bom objeto e a base do reconhecimento da bondade em si

mesmo e nas outras pessoas.

Gostariamos também de registrar, que a tarefa de se investigar os aspectos da dinâmica

psíquica de mães de crianças institucionalizadas em condição de abrigamento, bem como de

compreender os recursos defensivos por elas utilizados tornou-se desafiadora, diante da

situação da excepcionalidade da função materna. São mães que perderam a guarda dos filhos

por motivos diversos, e receosas diante da possibilidade (também persecutória) de que uma

declaração possa complicar ainda mais a situação de retomada da guarda dos filhos. O lugar

do pesquisador psicólogo nessas circunstâncias é de difícil circunscrição, uma vez que se

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defronta com a expectativa (ou fantasia) das entrevistadas de que é um ser dúbio: pode depor

a seu favor ou contra.

Os primeiros contatos ficam revestidos desconfiança por parte das entrevistadas,

sentidos como que a psicóloga não lhes pudesse acolher. Assim apresentam farta resistência

em entrar em contato consigo mesmas no nosso trabalho de investigação. O recurso

metodológico adotado; desenho-estória com tema favoreceu a coleta de material, afastando a

ansiedade naqueles momentos, favorecendo o contato – tanto delas consigo mesmas quanto

conosco, bem como da pesquisadora para com elas; ou seja, a tarefa projetiva favoreceu as

relações transferenciais. De modo que, tanto a técnica projetiva, quanto à entrevista,

ancoradas no método clínico, revelaram-se excelentes caminhos na conquista dos objetivos.

Somado a isso, o referencial teórico psicanalítico veio favorecer e acurar o olhar posto nessas

mães participantes e compreender melhor seu sofrimento.

Os conteúdos extraídos demonstram as dificuldades das três mães participantes em

suas relações de objeto - o seu mundo interno e externo assustador, pareciam “tirar” na

verdade negar-lhes o desejo de ter o objeto bom. Em todas elas a dificuldade de compreender

o abrigo (mãe) e o abrigamento de seus filhos como facilitador e cuidador (roubo) foi

evidente. Na regressão e infantilização reveladas pela tarefa projetiva, em seus discursos

confusos e nas tentativas de sedução da pesquisadora para ganharem de volta os filhos, foram

declarações de sua fragilidade e um pedido de proteção e abrigo – não para os filhos, mas para

elas mesmas.

Podemos inferir que uma das contribuições deste tema para a ciência, é que as mães de

crianças abrigadas apresentam dificuldades ou reproduzem as dificuldades de seu mundo

interno e das falhas ambientais.

Por fim, destacamos que este tema se faz plenamente relevante na atualidade, diante

do desenvolvimento e do amadurecimento social que tem se ocupado cada vez mais na

proteção de crianças em situação de risco, exigindo contínuos avanços e estudos nessa

direção, a fim de que se tenha melhor compreensão da situação e se possa oferecer, na

condição de estudiosos da psicologia, elementos para tomadas de decisão que venham a

favorecer os envolvidos - crianças e mães. Ao termos conosco o entendimento de que, se

olharmos de forma diferenciada para as mães de crianças abrigadas estamos colaborando para

também uma melhor compreensão da situação da criança, esperamos ter contribuído para o

despertar de novos interessados pelo tema que merece ser mais estudado e ampliado. Além

disso, deixamos a chamada de atenção para a necessidade de políticas de saúde que possam

privilegiar ações preventivas e promotoras de saúde e que essas também possam olhar mais

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atentamente para as questões desenvolvimentais; pois acreditamos que é possível, com essas

ações, auxiliar mães em proporcionarem melhores condições de maternagem que venham

favorecer a criança a introjeção do bom objeto e predomínio de impulsos de reparação,

reduzindo a agressividade.

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ANEXOS

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ANEXO 1 - “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE PSICOLOGIA E FONOAUDIOLOGIA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Fui informada da pesquisa que tem por objetivos: Investigar aspectos intra-psíquicos de mães de

crianças institucionalizadas, em condição de abrigamento; Identificar recursos defensivos

utilizados por essas mães.

Para coleta de dados serão realizadas Entrevistas e aplicação de Desenho Temático; este estudo tem

caráter acadêmico e será coordenado pela Professora Dra Marília Martins Vizzotto da Universidade

Metodista de São Paulo. Os dados será coletados por Márcia Chicareli Costa. Declaro ainda, ter

compreendido que não sofrerei nenhum prejuízo de ordem psicológica, física e financeira e que minha

privacidade será preservada. Concordo que os dados sejam publicados para fins acadêmicos ou

científicos, desde que seja mantido o sigilo sobre a minha participação. Estou também ciente de que

poderei, a qualquer momento, comunicar a minha desistência em participar do estudo.

Universidade Metodista/Mestrado Psicologia. Fone: (11) 4366.5351

Portanto, eu, ___________________________________________________________, consinto em

participar da pesquisa acadêmica que tem por objetivo o que já foi citado acima.

São Paulo, ___de__________________ de 2007

Assinatura do Participante: __________________________________________________

Documento de Identificação (RG): ____________________________________________

Assinatura do Pesquisador:___________________________________________________

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ANEXO 2 - Declaração de Responsabilidade do(a) Pesquisador(a)

Eu, Márcia Chicareli Costa pesquisador(a) responsável pela pesquisa denominada“ASPECTOS

PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE MATERNA DE MÃES DE CRIANÇAS

ABRIGADAS”, declaro que:

- assumo o compromisso de zelar pela privacidade e pelo sigilo das informações que serão obtidas e

utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa;

os materiais e as informações obtidas no desenvolvimento deste trabalho serão utilizados para se

atingir o(s) objetivo(s) previsto(s) na pesquisa;

- os materiais e os dados obtidos ao final da pesquisa serão arquivados sob a responsabilidade do(a)

Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia;

- os resultados da pesquisa serão tornados públicos em periódicos científicos e/ou em encontros, quer

sejam favoráveis ou não, respeitando-se sempre a privacidade e os direitos individuais dos sujeitos da

pesquisa, não havendo qualquer acordo restritivo à divulgação;

- o CEP-UMESP será comunicado da suspensão ou do encerramento da pesquisa, por meio de

relatório apresentado anualmente ou na ocasião da interrupção da pesquisa; assumo o compromisso de

suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano, conseqüente à mesma, a

qualquer um dos sujeitos participantes, que não tenha sido previsto no termo de consentimento.

São Bernardo do Campo, __ de _______ de 2007.

_____________________________

Márcia Chicareli Costa