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UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL
Curso de Direito
LARISSE LIRA FIGUEIREDO
O DANO MORAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
São Caetano do Sul
2015
LARISSE LIRA FIGUEIREDO
O DANO MORAL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Monografia apresentada como requisito parcial de Conclusão de Curso para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS.
ORIENTADORA: Profª. Ms. Carla Cristina Vecchi
São Caetano do Sul
2015
REITOR DA UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL-
USCS
Prof. Dr. Marcos Sidnei Bassi
PRÓ- REITOR DE GRADUAÇÃO
Porf. Ms. Marcos Antonio Biffi
GESTOR DO CURSO DA ESCOLA DE DIREITO
Prof. Dr. Robinson Henrique Alves
Agradecimentos
Aos meus pais, a quem devo tudo o que sou, pelo
incessante apoio, compreensão e carinho.
A minha orientadora Profª Ms. Carla Cristina Vecchi, que
contribuiu para meu crescimento intelectual com sua
orientação, paciência e ensinamentos.
Aos meus amigos e familiares, pelo carinho.
A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para
o meu crescimento, em especial ao meu marido Felipe,
pela paciência, compreensão, amor, carinho e acima de
tudo companheirismo.
Epigrafe
Não há melhor maneira de exercitar a imaginação do que estudar direito.
Nenhum poeta jamais interpretou a natureza com tanta liberdade quanto um
jurista interpreta a verdade.
Jean Giraudox
RESUMO
Aborda os principais aspectos que envolvem o dano moral nas relações de
consumo. Aponta, para tanto, as características do dano moral e da relação de
consumo, bem como apresenta a evolução de ambos em nosso ordenamento
jurídico e a legislação atualmente destinada à sua regulamentação. Estabelece
a necessária correlação entre o Direito do Consumidor e o instituto do dano
moral e destaca as questões atuais e polêmicas acerca da reparabilidade do
dano moral, trazendo à baila algumas das formas de sua manifestação nas
relações de consumo e debatendo a questão controvertida acerca da fixação
do quantum indenizatório neste âmbito.
Palavras-chave: Dano moral. Direito do Consumidor. Reparabilidade.
ABSTRACT
Tackles the main aspects of the moral damage in a consumption relation.
Points the characteristics of moral damage and of the consumption relation, as
well as presents the evolution of both inside the legal system. Establishes the
necessary correlation between the Consumer Law and the institute of moral
damage and detaches the present and polemical issues that concerns the
repairing of moral damage, rousing some of the ways in which it appears inside
of the consumption relation and debating the controversies about the fixation of
the compensation amount.
Key words: Moral damage. Consumer Law. Compensation.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO......................................................................................10
2. DO DANO MORAL...............................................................................12
2.1. CONCEITO...........................................................................................12
2.2. ORIGEM E EVOLUÇÃO.......................................................................15
2.3 TIPOS DE DANO MORAL....................................................................21
2.3.1 DANO MORAL DIRETO.......................................................................22
2.3.2 DANO MORAL INDIRETO....................................................................23
3. DA RELAÇÃO DE CONSUMO............................................................25
3.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ADVENTO DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR...............................................................................25
3.2. PARTES................................................................................................28
3.2.1. CONSUMIDOR.....................................................................................28
3.2.2. FORNECEDOR.....................................................................................32
3.3. OBJETO................................................................................................33
3.3.1. PRODUTO............................................................................................33
3.3.2. SERVIÇOS............................................................................................34
4. CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL NAS RELAÇÕES DE
CONSUMO...........................................................................................37
4.1. RESPONSABILIDADE NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR.....................................................................................37
4.2. O DANO MORAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR.....................................................................................38
4.3. FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO DANO MORAL NO ÂMBITO DAS
RELAÇÕES DE CONSUMO.................................................................40
4.3.1. COBRANÇA VEXATÓRIA....................................................................41
4.3.2. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTROS DE ÓRGÃOS DE
PROTEÇÃO AO CRÉDITO...................................................................43
4.3.3. PUBLICIDADE ENGANOSA E ABUSIVA.............................................46
4.3.4. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL....................................................48
4.3.5. CORTES DE SERVIÇOS PÚBLICOS..................................................55
4.3.6. OUTROS EXEMPLOS..........................................................................58
4.4. PROVA DO DANO MORAL NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE
CONSUMO...........................................................................................65
4.5. DOS CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO QUANTUM
INDENIZATÓRIO..................................................................................67
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................74
REFERÊNCIAS ................................................................................................76
10
1. INTRODUÇÃO
A questão da responsabilidade nas relações de consumo tem
sido objeto de inúmeros estudos científicos na área jurídica, em função,
inclusive, do caráter de norma de ordem pública atribuído ao Código de Defesa
do Consumidor, elaborado para reger as relações existentes entre
fornecedores e consumidores, cuja proteção encontra expressa previsão
constitucional.
Muito se fala na chamada “indústria do dano moral” no âmbito
das relações de consumo. Mas o que vem a ser efetivamente? E de onde se
originou?
O estudo proposto visa esclarecer determinados aspectos que
auxiliem a compreensão do tema, trazendo à baila a legislação pertinente,
embasamento teórico e questões da vida prática.
A questão da reparabilidade do dano moral, além de encontrar
previsão na Constituição Federal e no vigente Código Civil, também se
encontra presente no Código de Defesa do Consumidor, que já em seu art. 6º
deixa claro que constitui direito básico do consumidor “a efetiva prevenção e
reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Neste contexto, são ainda analisadas a relação de
vulnerabilidade do consumidor e a consequente responsabilidade objetiva do
fornecedor estabelecida pela legislação de consumo.
Ponto controvertido ainda nos dias de hoje e abordado no
presente trabalho também se refere à configuração do dano moral, o
estabelecimento de conceito pacífico a seu respeito, pois mesmo que já se
tenha por certo que pode ser indenizável, há divergências doutrinárias sobre o
que venha a ser efetivamente e como se manifesta.
Por conseguinte, configuram-se controversos os critérios
estabelecidos para a quantificação de sua reparação. Tratar-se-á, então, da
problemática da fixação do valor devido a título de indenização por danos
morais, que por se tratar de um sentimento de foro íntimo, dificulta a sua
mensuração e, consequentemente, traduzi-lo em cifras.
11
Ademais, o que se observa atualmente é a massificação de
demandas que visam única e exclusivamente a obtenção de indenização a
título de danos morais, o que corrobora com a necessidade de intensificação
de pesquisas acerca do tema em epígrafe.
É inegável que as relações de consumo atualmente norteiam o
dia-a-dia de qualquer indivíduo, de uma maneira tão forte e ampla que já não
se pode deles esquivar. São efeito de uma economia globalizada e tendente a
proliferar um consumismo cada vez maior, com vistas à obtenção de lucros.
Assim, torna-se indispensável o estudo das relações travadas
entre os agentes fornecedores e os consumidores dentro de uma sociedade,
bem como da possibilidade de ressarcimento de dano causado aos direitos
decorrentes da dignidade humana, em âmbito individual ou mesmo coletivo e
do estabelecimento do quantum atribuído a esta reparação, com a finalidade de
promover a satisfação daquele que foi efetivamente lesado e inibir novas ações
lesivas ao causador do dano.
O presente trabalho teve por objetivo estudar o dano moral em
especial nas relações de consumo.
O método utilizado para a explanação do tema foi o dedutivo,
baseado em materiais bibliográficos, legislação pertinente e jurisprudência. Foi
utilizado ainda o método observacional, quando da identificação do dano moral,
bem como o método histórico, para explicar a sua evolução dentro do nosso
Direito.
Primeiramente, foi analisado o instituto do dano moral,
abordando seu conceito, evolução histórica e tipos de dano moral.
Em um segundo momento, foi abordado a relação de consumo,
onde foram verificados o Código de Defesa do Consumidor, partes e objeto.
E por fim foi abordado a questão central do presente estudo, ou
seja, a caracterização do dano moral nas relações de consumo, abordando a
responsabilidade do CDC, as formas de manifestação do dano moral nas
relações de consumo, a prova do dano moral e os critérios de fixação do
quantum indenizatório.
12
2. DO DANO MORAL
2.1. CONCEITO
Inicia-se o presente estudo a partir do estabelecimento do
conceito de dano moral, à medida em que, nos dizeres de Sérgio Cavalieri
Filho1, “este é o ponto de partida para o equacionamento de todas as questões”
a ele relacionadas, “inclusive quanto à sua valoração. ”
Deveras importante, assim, que antes mesmo que se comece a
dissertar sobre o tema proposto, que, por estar inserido no contexto das
relações de consumo se revela um tanto mais específico, se estabeleça o que
venha a ser o dano moral, o seu significado.
Acompanhando os ensinamentos de Humberto Theodoro
Junior2, cumpre consignar, primeiramente, que, “no convívio social, o homem
conquista bens e valores que formam o acervo tutelado pela ordem jurídica.
Alguns deles de referem ao patrimônio e outros à própria personalidade
humana, como atributos essenciais e indisponíveis da pessoa”.
Tem-se, desse modo, que se denominam danos morais, ainda
nos dizeres do mesmo doutrinador supramencionado, “os danos de natureza
não-econômica”3 e que, segundo Carlos Alberto Bittar4, “se traduzem em
turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis, ou
constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado”, de tal
1 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 76. 2 THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano Moral. 4ª edição. São Paulo. Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 1. 3 Ibidem, p.1. 4 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. 2ª Edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 31.
13
sorte que se pode afirmar que correspondem àqueles ocorridos “na esfera da
subjetividade, ou no plano valorativo da personalidade humana”, ou “o da
própria valoração da pessoa no meio em que vivem e atua”.
Nesta mesma toada, Orlando Gomes5, que o caracteriza como
um “dano imaterial”, o classifica como aquele dano capaz de lesar bem jurídico
insuscetível de apreciação econômica”.
Em verdade, para estabelecer a definição de dano moral,
diferentes doutrinadores se utilizam de critérios diversos. Há aqueles que
partem de um conceito negativo, preferindo denominar moral como todo aquele
dano que não tenha caráter patrimonial. E existem os que, fazendo-se valer de
um conceito positivo, o classificam como sendo uma dor, um vexame, ou
sofrimento, desconforto, humilhação, dor na alma6.
Contudo, seguindo os ensinamentos de Yussef Cahali7,
impende consignar que se “abstrairmos o caráter estritamente econômico do
patrimônio, para “segundo as concepções mais modernas dilargar o seu
conteúdo de modo a compreender valores imateriais, inclusive de natureza
ética, veremos que o critério distintivo à base da exclusão revela-se
insatisfatório. ”
Assim, para Sergio Cavalieri Filho8, o dano moral pode ser
conceituado sob dois aspectos distintos: “em sentido estrito, dano moral é
violação do direito à dignidade”, consagrado na Constituição Federal de 1988,
como se verá a seguir; e “em sentido amplo”, envolve os “diversos graus de
5 GOMES, Orlando. Obrigações. 16ª edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2005, p. 63. 6 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 76. 7 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 22. 8 CAVALIERI FILHO, Sérgio, op. cit., p. 76/77.
14
violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa,
considerada esta em suas dimensões individual e social”.
Conclui-se esta primeira etapa valendo-se, portando, da
conceituação completa de Yussef Cahali9, para quem o dano moral:
Caracteriza-se como a privação ou diminuição daqueles bens
que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a
paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a
integridade física, a honra e os demais sagrados afetos;
classificando-se, desse modo, em dano que afeta a parte
social do patrimônio moral (honra, reputação etc.); dano moral
que provoca diretamente ou indiretamente dano patrimonial
(cicatriz deformante etc.) ou dano moral puro (dor, tristeza
etc.).
Ou seja, trata-se de “tudo aquilo que molesta gravemente a
alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua
personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado”, de
modo que:
Não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se
na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência
de um ente querido falecido; no desprestígio, na
desconsideração social, no descrédito à reputação, na
humilhação pública, no devassamento da privacidade; no
desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos
9 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 22.
15
emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas
situações de constrangimento moral.
Trata-se de definição que abrange o dano moral em toda sua
amplitude e anuncia, assim, a problemática que cerca a sua caracterização,
tendo em vista a alta carga de subjetividade de que é dotado.
2.2. ORIGEM E EVOLUÇÃO
Como assevera Humberto Theodoro Junior10, “a teoria sobre a
sanção reparatória do dano moral, conquanto antiga, sofreu muitas
contestações e evoluiu lentamente até chegar aos termos da concepção atual”.
A abordagem deste tema, embora de sobremodo rudimentar, já
se fazia presente nos Códigos de Manu e Hamurabi. Neste último, por
exemplo, ao lado da vingança, pela conhecida teoria do “olho por olho, dente
por dente”, se admitia a reparação da ofensa também através do pagamento
de determinado valor em dinheiro em favor da vítima, o que, segundo alguns
estudiosos, poderia denunciar a origem da compensação econômica
satisfatória dos danos extrapatrimoniais por meio de compensação
econômica11.
Em Roma, da mesma forma, se pode afirmar que a reparação
por danos à honra era admitida em certas ocasiões. Frise-se que, tanto nesta
época, quanto à época do Código de Hamurabi esta espécie de sanção era
10 THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano Moral. 4ª edição. São Paulo. Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 3/5. 11 SILVA, Wilson Melo da. O Dano Moral e sua Reparação. 3ª edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1998, p. 16.
16
aplicada apenas a casos isolados e não genericamente, conforme ensina
Humberto Theodoro Junior12.
Pois bem, a partir da Lei Aquilia e, mormente a legislação de
Justiniano, este campo de reparabilidade do dano moral teve sua ampliação. O
Direito Romano, assim, passou a prever inúmeras hipóteses em que o
pagamento em pecúnia tinha o objetivo de reparar interesses não
patrimoniais13.
Destaca Wilson Melo da Silva, contudo, que, no Direito
Romano, embora pareça claro que a idéia da reparação dos danos morais não
era desconhecida, forçoso reconhecer-se que os seus textos apontam
evidentes exceções. Não se admitia v. g., nenhuma indenização pelo dano
estético14.
Esta teoria reparatória de danos morais, contudo, mesmo ao
longo dos tempos, com a evolução do direito moderno, encontrou por muito
tempo grandes obstáculos, principalmente em função da resistência daqueles
que consideravam ilegítima a atribuição de um preço à dor. Segundo Sergio
Cavalieri Filho15, chegava-se ao “extremo de considerar imoral estabelecer um
preço para a dor”. Durante longo tempo, portanto, a indenização por lesões
extrapatrimoniais só era admitida, de acordo com os ensinamentos de
Humberto Theodoro Junior16 para certos e determinados eventos em que
houvesse expressa previsão.
12 THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano Moral, op. cit., p. 3/5. 13 THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano Moral. 4ª edição. São Paulo. Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 3/5 14 SILVA, Wilson Melo da. O Dano Moral e sua Reparação. 3ª edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1998, p. 37/38. 15 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 78. 16 THEODORO JUNIOR, loc. cit.
17
Verifica-se, porém, que após o reconhecimento dos chamados
direitos de personalidade, a teoria ganhou destaque e inúmeras foram as leis
em diversos países, a exemplo do Código Civil Italiano de 1942, que passaram
a tutelar a defesa dos direitos autorais, de imagem, entre outros17.
No Brasil, “antes do advento da atual Consituição Federal, a
reparação do dano moral era, acima de tudo, uma atraente tese acadêmica,
nem sempre recepcionada por nossos pretórios”18.
Por ocasião da vigência do Código Civil de 1916, enquanto a
doutrina majoritária defendia a tese de que o artigo 159 do referido diploma
legal, ao cogitar do dano como elemento da responsabilidade civil, incluía entre
eles o dano moral eis que a expressão “violar direito” estenderia a tutela legal
aos bens predominar hipóteses taxativamente elencadas em textos de lei19.
Em que pese tal resistência, juízes de inúmeros estados da
federação e de todas as instâncias, já se manifestavam pela necessidade de
revisão de antigos conceitos, negando a já desgastada teoria da
irreparabilidade dos danos morais. Como exemplo, Yussef Said Cahali20 cita
pioneira decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul21, que declina
expressamente pela possibilidade de indenização tanto de danos morais,
quanto de danos patrimoniais ou materiais.
17 THEODORO JUNIOR, loc. cit. 18 SANTINI, José Raffaelli. Dano Moral – Doutrina, Jurisprudência e Prática. São Paulo. Editora de Direito, 1997, p. 28. 19 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 78. 20 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 20. 21 TJRS, 2ª Câmara, 29.09.1976, RJTJRS 64/198.
18
O advento da Constituição Federal de 1988, contudo, sanou
esta controvérsia, e consagrou entre nós a proteção a todo e qualquer dano
civil, possua ele cunho patrimonial ou não, por meio do artigo 5º, V e X.
As normas constitucionais, por se encontrarem no ápice da
pirâmide normativa, balizam a interpretação e aplicação de toda a legislação
infraconstitucional, de sorte a não ser possível aplicar esta em desacordo com
aquelas.
No que concerne ao tratamento conferido pela Constituição
Federal de 1988 ao campo do dano moral, a Magna Carta, já em seu artigo 1º,
III, consagra a proteção à dignidade humana, esta entendida como um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito, através da seguinte redação:
A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana;
Sérgio Cavalieri Filho22 assevera que “ao assim fazer, a
Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a
dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a
essência de todos os direitos personalíssimos.” E o contrário não se poderia
admitir, eis que os direitos à honra, ao nome, à imunidade, á privacidade e à
22 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 78.
19
liberdade se assentam na dignidade humana, que por sua vez, constitui e
essência de cada preceito constitucional relativo aos direitos da pessoa.
E exatamente com vistas à proteção destes direitos de
personalidade é que a Constituição em seu artigo 5º, ao tratar dos direitos e
garantias fundamentais, por meio de seus incisos V e X, que respectivamente
preceituam que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,
além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e “são invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”,
estabeleceu definitivamente a plena reparação do dano moral e consagrou-a
incontestavelmente em nosso ordenamento jurídico.
Com efeito, esclarece Yussef Said Cahali23 que a “Constituição
de 1988 cortou qualquer dúvida que pudesse remanescer a respeito da
reparabilidade do dano moral”. E, citando Clayton Reis, ressalta que com o
advento da Magna Carta “inúmeras legislações veem sendo editadas no País,
ampliando o leque de opções para a propositura de ações nessa área”. É o
caso, por exemplo, do Código de Proteção ao Consumidor (Lei 8078/90) -
objeto do presente estudo - que em seu artigo 6º, incisos VI e VII admitiu
expressamente a reparação por danos morais.
Nesta mesma linha, o Código Civil de 2002 estabeleceu, em
seu artigo 186 a reparação por danos morais e materiais quando da ocorrência
de ato ilícito.
O Código Civil de 2002 apenas veio a acolher o direito já
consagrado na Constituição Federal de 1988 em relação à possibilidade de
23 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 53
20
reparação por danos morais e dirimiu de uma vez por todas as controvérsias
existentes acerca do tema quando da vigência do Código Civil de 1916.
Dispõe, assim, o artigo 186 do diploma legal atualmente
vigente o seguinte:
Art.186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
E o artigo 927, caput do mesmo diploma, por sua vez,
expressamente estabelece que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Ressalta-se aqui, porém, a crítica oferecida por Yussef Said
Cahali24 ao novo Código Civil, asseverando o citado doutrinador que este se
“fez omisso quanto à inserção de uma regra geral de reparação do dano moral
e parâmetros de sua liquidação, limitando-se a reproduzir, parcial e
ambiguamente (arts. 948-954), o que se continha no Código Civil anterior” não
obstante a redação do artigo 186.
E continua afirmando que “presuntivamente, o novo Código
Civil teria cogitado do dano moral de maneira implícita, ao referir-se à
indenização no caso de homicídio, às duas verbas previstas nos dois incisos do
art. 948, sem excluir outras reparações; e à fixação equitativamente do valor da
indenização, e, segundo as circunstâncias do caso, nas hipóteses de ofensa á
honra ou à liberdade pessoal, quando não se puder provar o prejuízo material
(arts. 953 e 954).”
24 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 53.
21
Tem-se atualmente, portanto, que todo aquele que causar mal
injusto a outrem, pouco importando a natureza desta lesão, estará sujeito á
sanção civil, consistente no pagamento de indenização à vítima.
Com efeito, como bem pondera Sergio Cavalieri Filho25, o
ressarcimento do dano moral não tende à restituição integral do dano, mas se
presta a uma função genérica satisfatória, “com a qual se procura um bem que
recompense, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida.
Substitui-se o conceito de equivalência, próprio do dano
material, pelo de compensação, que se obtém atenuando, de maneira indireta,
as consequências do sofrimento.”
A indenização por dano moral possui hoje, pois, caráter dúplice
de procurar a compensação da vítima e ao mesmo tempo impedir que o
causador do dano moral passe impune, desestimulando a prática de novas
infrações.
Dúvidas não há, contudo, que a plena possibilidade reparação
por danos morais em nosso ordenamento jurídico entre nós se faz presente de
tal forma que já não se pode negar a sua existência e a sua força ao longo da
evolução do Direito, o que se demonstra de forma cabal com a incrivelmente
crescente quantidade de demandas neste sentido.
2.3. TIPOS DE DANO MORAL
Os danos morais podem ser classificados em diretos e
indiretos, de acordo com os interesses jurídicos atingidos. Interessante fazer
25 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 90.
22
essa distinção, eis que se constituem em classificações oriundas do requisito
causalidade entre dano e fato, imprescindível para a configuração do dano
indenizável26.
2.3.1 DANO MORAL DIRETO
O dano moral direto ocorre quando há lesão a um interesse
que visa à satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial, contido nos
direitos da personalidade ou nos atributos da pessoa. Inclui ainda, a lesão à
“dignidade da pessoa humana”, a qual, conforme dito antes, elevada à
categoria de fundamento do Estado Democrático de Direito no artigo 1º, inciso
III da Constituição Federal de 1988.
Compreendem-se como direitos da personalidade aqueles
relacionados à vida, à integridade corporal e psíquica, à liberdade, à honra, ao
decoro, à intimidade, aos sentimentos afetivos e à própria imagem da pessoa.
Como atributos da pessoa humana, podemos citar o nome, a capacidade e o
estado de família. Em relação à “dignidade da pessoa humana”, a referida
expressão quer dizer o respeito que deve ser dispensado ao ser humano, de
um modo geral.
No entendimento de Paulo Nader27:
Diz-se direto o dano quando ligado umbilicalmente à ação ou
omissão do agente, como se verifica, por exemplo, um acidente
em que a vítima é atropelada, sofrendo danos físicos por
26 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Responsabilidade Civil. 7 ed. 2 tiragem. São Paulo: Saraiva,2009, p.67 27 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, v.7: responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.74
23
imprudência do motorista. É a ofensa moral ou patrimonial que
nasce da conduta do agente, sem interferência de dano
anterior. Enquadram-se: a cirurgia plástica mal-sucedida por
erro médico; a piscina mal construída, provocadora de
infiltrações e danos em apartamento de andar inferior; a
entrevista ofensiva a honra de alguém. Ao praticar o ato ilícito,
ao agente é previsível o alcance imediato de seu ato.
Assim, por exemplo, quando alguém é injuriado em público ou
tem seu nome lançado em cadastros de maus pagadores, trata-se do dano
moral direto, pois são exemplos de violação à hora e à imagem da pessoa.
2.3.2. DANO MORAL INDIRETO
O dano moral indireto configura-se quando há uma lesão a
bem ou a interesse de natureza patrimonial, porém, acarreta em prejuízos na
esfera extrapatrimonial.
Neste sentido, Pablo Stolze Gagliano:
O dano moral indireto ocorre quando há uma lesão específica a
um bem ou interesse de natureza patrimonial, mas que, de
modo reflexo, produz um prejuízo na esfera extrapatrimonial,
como é o caso, por exemplo, do furto de um bem com valor
afetivo ou, no âmbito do direito do trabalho, o rebaixamento
funcional ilícito do empregado, que, além do prejuízo
financeiro, traz efeitos morais lesivos ao trabalhador.28
28 GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Responsabilidade Civil. 7 ed. 2 tiragem. São Paulo: Saraiva,2009, p.67
24
Para Paulo Nader, “o dano é indireto quando se revela
decorrência de um anterior sofrido pela própria vítima ou por outrem. Tem-se o
efeito cascata”.29
“O dano moral indireto consiste na lesão a um interesse
tendente à satisfação ou gozo de bens jurídicos patrimoniais, que produz um
menoscabo a um bem extrapatrimonial, ou melhor, é aquele que provoca
prejuízo a qualquer interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem
patrimonial da vítima. Deriva, portanto, do fato lesivo a um interesse
patrimonial. ”30
Desse modo conclui-se que conforme assinalado, no dano
moral indireto existe uma violação a um direito extra patrimonial de alguém, em
função de um dano material. No reflexo, tem-se um dano moral direto aquele
sofrido por um sujeito, em função de um dano de que foi vítima outra pessoa
ligada a ele, pouco importando se esse dano era de natureza material ou
moral.
29 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, v.7: responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.75 30 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.91
25
3. DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
3.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ADVENTO DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR
Prestados os devidos esclarecimentos acerca dos aspectos
que envolvem o dano moral e o seu desenvolvimento ao longo da história,
imperativo, neste momento, adentrar no âmbito das relações de consumo, para
estabelecer a necessária correlação com o tema proposto, uma vez que o tema
proposto tem seu foco diretamente voltado ao Direito do Consumidor.
Para tanto, antes de mais nada, cumpre estabelecer uma breve
sinopse sobre a legislação de consumo, até o advento, no Brasil, do Código de
Defesa do Consumidor, diploma que irá pautar o desenvolvimento de toda a
pesquisa em epígrafe.
E para iniciar tais considerações, salientamos o ensinamento
de Nehemias Domingos de Melo31, para quem “as relações de consumo são
tão antigas quanto à própria existência do homem”.
Assim é que José Geraldo de Brito Filomeno32 esclarece que é
possível apontar para a existência de regras que estivessem, ainda que de
maneira indireta, relacionadas à proteção ao consumidor, já no antigo “Código
de Hamurabi”, também na Grécia e no Direito Romano (onde, por exemplo, se
econtram as origens do hoje consagrado instituto dos “vícios redibitórios”) bem
como na Europa medieval, notadamente na França e na Espanha.
31 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral nas Relações de Consumo. São Paulo. Saraiva, 2008, p. 1. 32 FILOMENO, José Geraldo de Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 8ª Edição. Editora Atlas. São Paulo, 2005, p 2.
26
As origens do consumismo moderno, contudo, estão
intimamente relacionadas ao fenômeno da Revolução Industrial, donde resultou
o surgimento do denominado “movimento consumerista”33.
Rizzatto Nunes34 aponta que, com o período pós-Revolução
Industrial e o crescimento populacional nas metrópoles, o aumento de
demanda e, por conseqüência, o aumento na possibilidade na oferta,
motivaram a indústria a pensar em um modelo que se mostrasse capaz de
entregar para mais pessoas uma quantidade maior de produtos e serviços.
Criou-se, então, a chamada produção em série, que possibilitou uma profunda
diminuição nos custos e atingiu uma camada mais larga da sociedade.
A Segunda Guerra Mundial, por sua vez, fez surgir a tecnologia
de ponta, o fortalecimento da informática, o incremento das telecomunicações
e, com isso, um fortalecimento do modelo de produção em série. E, a partir da
segunda metade do século XX, tem-se o incrível avanço desse sistema por
entre as fronteiras do globo terrestre, de tal forma que atualmente se pudesse
estabelecer a idéia de globalização e de uma sociedade de massa.
Esse modelo de produção industrial, adverte Rizzatto Nunes35,
tinha de vir acompanhado de um modelo contratual, que possui as mesmas
características da produção. Assim, aquele que planeja a oferta de um produto
ou serviço a ser reproduzido milhões de vezes, também planeja um único
contrato para distribuí-lo em tantas milhões de vezes, de onde se extrai a idéia
do contrato de adesão.
33 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral nas Relações de Consumo. São Paulo. Saraiva, 2008, p. 3. 34 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 3. 35 Ibidem, p. 3.
27
O verdadeiro movimento consumerista passou a valer, então,
apenas a partir da segunda metade do século XX, quando a consciência social
e cultural da defesa do consumidor ganhou mais fôlego. Mas imperativo
salientar que, nos Estados Unidos, hoje o país mais poderoso do mundo, esta
preocupação do mercado de consumo se observava já no século XIX, com o
advento da Lei Shermann (a Lei Antitruste americana)36.
No Brasil, contudo, até 1990, aplicava-se às relações de
consumo o Código Civil de 1917, legislação que, como sabemos, fundava-se
na tradição do direito civil europeu do século anterior.
Tem-se, portanto, que Código de Defesa do Consumidor, lei
editada em 11 de setembro de 1990, em atenção às previsões trazidas nos
artigo 5º, XXXII37, e 170, V38, ambos da Constituição Federal de 1988, e ao
artigo 48 das Disposições Constitucionais Transitórias39, dentre outros, é uma
lei que chegou muito atrasada. Atraso este que contribuiu para os equívocos
que remanescem em nossa formação jurídica acerca das relações de
consumo, e a dificuldade para interpretar e compreender um texto deste
diploma legal40.
O que não se pode deixar de observar, entretanto, é que,
embora surgido com um considerável atraso, o Código de Defesa do
36 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005. p. 2. 37 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII - O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; 38 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V – defesa do consumidor; 39 Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará o código de defesa do consumidor. 40 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Op. cit., p. 3.
28
Consumidor, uma lei principiológica, que criou em nosso país um
“microssistema jurídico de caráter inter e multidiscliplinar”41, com estrutura e
conteúdo dos mais modernos, foi utilizado, inclusive, pode ser considerado
uma das legislações mais avançadas do mundo atual.
3.2. PARTES
3.2.1. Consumidor
Pois bem, após estabelecer um breve histórico sobre a
legislação de consumo até o advento do Código de Defesa do Consumidor, a
continuação do estudo em epígrafe requer sejam esclarecidos quais serão as
partes envolvidas na relação de consumo.
Até mesmo porque, como se visa discorrer sobre o dano moral
havido na esfera das relações de consumo, a necessidade de se estabelecer
os sujeitos desta relação será determinante para que se entenda quem será
passível de sofrer tal dano, bem como os possíveis causadores e responsáveis
por sua reparação.
De conhecimento geral que a relação de consumo pauta-se
pela presença, de um lado, do consumidor e, de outro, do fornecedor. Mas é
necessário que tais termos sejam devidamente definidos.
41 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 19.
29
Assim, tratando inicialmente da figura do consumidor, o Código
de Defesa do Consumidor, acabou por conceituá-lo, em seu art. 2º, da seguinte
forma:
Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Do conceito acima extraído, algumas considerações se fazem
necessárias para o desenvolvimento do presente estudo.
Imperativo ressaltar inicialmente que, deste conceito, tanto a
pessoa física quanto a jurídica (quanto à pessoa jurídica, de suma importância
para o tema proposto destacar que em uma relação de consumo, que, além de
poder figurar como consumidora, também será possível de sofrer dano moral,
assunto pacificado pela Súmula 227 do STJ) que podem ser consumidores,
desde que participantes da relação jurídica como destinatários finais.
Esclareça-se, outrossim, que, de acordo com os ensinamentos
de Rizzatto Nunes, o verbo “adquirir”, constante no conceito legal, deve ser
interpretado em seu sentido mais amplo, significando tanto a aquisição a título
oneroso como a título gratuito. E que não se trata tão somente de adquirir, mas
de utilizar o produto ou o serviço, mesmo não o tendo diretamente obtido.42
Nos dizeres de Rizzatto Nunes43 a definição de consumidor
criada pelo CDC “começa no individual mais concreto (art. 2º, caput) e termina
no geral mais abstrato (art. 2944)”, uma vez que o “caput do art. 2º aponta para
42NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 88 43 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 87. 44 Art. 29. Para fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
30
aquele consumidor real, que adquire concretamente um produto ou serviço, e o
art. 29 indica o consumidor tipo-ideal, um ente abstrato, uma espécie de
conceito difuso, na medida em que a norma fala em potencialidade, de um
consumidor que presumivelmente exista, embora não possa ser
determinado”45.
O ponto mais significativo de toda a conceituação de
consumidor, contudo, encontra-se na expressão “destinatário final”.
Destinatário final, nos dizeres de Claudia Lima Marques, Antonio Herman V.
Benjamin e Bruno Miragem é aquele que retira o bem do mercado ao adquiri-lo
ou simplesmente utilizá-lo; que coloca um fim na cadeia de produção e não
aquele que utiliza o bem para continuar a produzir ou na cadeia de serviço46.
Assim, se alguém adquire um produto como intermediário de
um ciclo de produção, não será considerado consumidor.47
Verifica-se, desse modo, e conforme assertiva de José Geraldo
de Brito Filomeno48, que o conceito de consumidor adotado pelo Código possui
caráter exclusivamente econômico, referindo-se apenas “ao personagem que
no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de
serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao
atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de
uma outra atividade negocial”.
45 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 87. 46 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 71. 47 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 88. 48 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 28.
31
Sem adentrar nas divergências que balizam a definição de
consumidor, porquanto não se trata do objeto do presente estudo, valemo-nos
da denifição de José Geraldo de Brito Filomeno, de acordo com o qual
consumidor é “qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente,
contrate, para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição
ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço. ”49
A norma do art. 2º do CDC, em matéria contratual, representa
verdadeira evolução do pensamento jurídico para uma teoria contratual que
entende o contrato em termos de sua função social50.
Equiparam-se, ainda, ao consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de
consumo (nos termos do parágrafo único do art. 2º), bem como todas as
pessoas determináveis, ou não, expostas às práticas comerciais
regulamentadas no Capítulo V do CDC (art. 29)51.
No caso do contrato nas relações de consumo, o problema é o
flagrante desequilíbrio das forças contratantes. Uma das partes (o consumidor)
é vulnerável, é o pólo mais fraco da relação, uma vez que não pode discutir o
conteúdo do contrato ou a informação que recebe. Mesmo que saiba que
determinada cláusula é abusiva, só tem a opção de aceitar o contrato nas
condições que lhe são oferecidas, ou não aceitar e procurar outro fornecedor52.
49 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 32. 50 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno, op. cit., p. 73. 51 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 6ª edição. São Paulo. Editora LTR, 2006, p. 55. 52 Ibidem, p. 55.
32
Este desequilíbrio fático de forças nas relações de consumo é a
justificação para um tratamento desigual dos co-contratantes, protegendo o
direito daquele que está na posição mais fraca, o vulnerável, o que é desigual
fática e juridicamente53.
Isto significa que dos dois grandes princípios da Justiça
moderna (igualdade e liberdade) combinam-se, para permitir o limite à
liberdade de um, o tratamento desigual a favor de outro, compensando a
fragilidade de um com normas protetivas, controladoras da atividade do outro,
resultando no reequilíbrio da situação fática e jurídica54.
3.2.2. Fornecedor
O fornecedor, por sua vez, tal qual ocorre com o consumidor,
também encontra sua definição no Código, por meio do art. 3º, in verbis:
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.
Cuida-se de conceito amplo que engloba pessoas físicas e,
para Rizzatto Nunes55, não exclui nenhum tipo de pessoa jurídica, abrangendo
53 Ibidem, p. 55. 54 Ibibem, p. 55. 55 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 101.
33
as públicas, privadas, nacionais ou estrangeiras, as sociedades anônimas ou
de responsabilidade limitada, as sociedades civis, com ou sem fins lucrativos,
as fundações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas, as
autarquias, entre outros.
Neste sentido, por conseguinte, é que será considerado
fornecedor qualquer pessoa física que, a título singular, mediante desempenho
de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado
produtos ou serviços; e qualquer pessoa jurídica, da mesma maneira, mas em
associação mercantil ou civil e de forma habitual.56
Fica desse modo, excluído do conceito de fornecedor aquele
que vende um bem móvel ou imóvel, mas que tem ofício diverso do de vender
estes bens57.
“Fornecedor, em uma palavra, é o fabricante, o vendedor ou o
prestador de serviços”58.
3.3. OBJETO
3.3.1. Produtos
E após trazer o conceito dos agentes das relações de
consumo, estabelece o CDC quais serão os seus objetos.
56 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 47. 57 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 6ª edição. São Paulo. Editora LTR, 2006, p. 74. 58 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 6ª edição. São Paulo. Editora LTR, 2006, p. 74.
34
Neste sentido, o §1º do art. 3º desse Diploma estabelece o
produto como um dos objetos da relação de consumo e o define como sendo
qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
Este conceito de produto, segundo ensinamento de Rizzatto
Nunes, “é universal nos dias atuais e está atrelado à idéia do bem, resultado da
produção no mercado de consumo das sociedades capitalistas
contemporâneas”59, de modo que já era utilizado pelos demais agentes do
mercado, tais como no econômico, financeiro, de comunicações, etc60.
Assim, tendo-se em vista os aspectos que envolvem as partes
da relação de consumo, é possível conferir ao produto a definição que é
lecionada por José Geraldo de Brito Filomeno: produto é “qualquer objeto de
interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma
necessidade do adquirente, como destinatário final”61.
3.3.2. Serviços
Posteriormente à definição de “produto” vem o CDC, através do
§2º do art. 3º, expor a conceituação de serviços como o segundo objeto da
relação de consumo.
O referido dispositivo, assim, traz em seu conteúdo que
corresponde a serviço “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
59 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 104. 60 Ibidem, p. 104. 61GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p.52.
35
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
E, estabelecidos suas partes e objetos, tem-se, assim, por
formada a relação de consumo que, invariavelmente pressupõe a existência de
dois pólos de interesse (consumidor e fornecedor) e o objeto desses
interesses62.
Conclui-se este tópico com os ensinamentos de Claudia Lima
Marques, Antonio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, de acordo com os
quais o reflexo mais importante, o resultado mais destacável desta visualização
da cadeia de fornecimento é a solidariedade entre os participantes da cadeia
de produção63.
Em tal contexto, o Código de Defesa do Consumidor buscou
servir de instrumento; que, com base nos princípios da justiça social e da
dignidade da pessoa humana, tenta promover a proteção dos hipossuficientes,
agora chamados de Consumidores.
Nesse desiderato, a doutrina e a jurisprudência esforçam-se
para definir o ente consumidor, buscando, a partir da amplitude desse conceito,
abarcar as pessoas físicas ou jurídicas que se encontrem em real situação de
hipossuficiência, em uma sociedade massificada e complexa, de modo a
resgatar o equilíbrio negocial de uma relação jurídica justa, e nessa faceta da
poliédrica época atual, possibilitar a igualdade substancial.
62 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 50. 63 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 96.
36
De outra parte, a pessoa do fornecedor, a abarcar as pessoas
jurídicas, de um modo geral, além dos entes despersonalizados, levando-se em
consideração ainda, àqueles que eventualmente desenvolvem uma atividade
econômica, de forma a oferecerem produtos ou mesmo serviços ao
consumidor, apresenta-se fundamental à delimitação do âmbito de
aplicabilidade do Diploma Consumerista.
37
4. CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES
DE CONSUMO
4.1. A RESPONSABILDADE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Duas são as formas de responsabilidade no âmbito das
relações de consumo: a) por vícios de qualidade ou de quantidade dos bens ou
serviços; b) pelos danos que tais vícios causem aos consumidores64.
Contudo, “a responsabilidade do fornecedor não obedece,
estritamente, ao que se contém no art. 186 do Código Civil de 2002; o Código
de Defesa do Consumidor não exige a demonstração subjetiva da culpa.”65
A teoria da responsabilidade objetiva foi adotada pelo Código
de Defesa do Consumidor em decorrência da Constituição, que determinou, em
seu art. 37, §6º, que a responsabilidade do Estado e dos prestadores de
serviços públicos tem como fundamento a teoria do risco administrativo.
Tendo em vista tal disposição, foi que o CDC, por meio dos
arts. 12 a 14, seguindo a teoria do risco da atividade, estabeleceu que o
fornecedor responde pelo fato do produto ou do serviço independentemente da
existência do elemento culpa, salvo, é claro, quando demonstrada a ocorrência
de qualquer das excludentes de responsabilidade previstas no art. 12, §3º
(quando provado que não colocou o produto no mercado, que o defeito
inexiste, ou quando se tratar de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro).
Portanto, o consumidor apenas necessita demonstrar a
ocorrência do dano (ou, no caso do dano moral, do fato que gerou o dano) e do
64 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 6ª edição. São Paulo. Editora LTR, 2006, p. 267. 65Ibidem, p. 267.
38
nexo causal que une o dano ao produto ou serviço, para fazer nascer o dever
indenizatório. 66
A superação do princípio indenizatório fundado na culpa é,
desse modo, um dos maiores instrumentos facilitadores da defesa dos direitos
do consumidor em juízo.
Note-se que, além da previsão da responsabilidade objetiva, o
legislador consumerista também estabeleceu a responsabilidade solidária,
consignando que responderão pelo dano qualquer um dos participantes da
cadeia de produção/distribuição do produto ou serviço causador do dano, o
que, sem dúvida, também deve ser considerado um notável avanço.
4.2. O DANO MORAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Todo o aparato legal do Código de Defesa do Consumidor visa
à conservação e o respeito a direitos básicos, universalmente reconhecidos, tal
como preleciona João Batista de Almeida67, visando, assim, à prevenção à
ocorrência de danos ao consumidor, “quer estipulando obrigações ao
fornecedor querem responsabilizando-o por danos e defeitos, quer restringindo
a autonomia da vontade nos contratos quer criminalizando condutas, mas isso
não impede que tais danos venham a ocorrer. Por isso, é assegurado como
direito do consumidor o ressarcimento do prejuízo sofrido, seja patrimonial ou
moral, individual, coletivo ou difuso.”68
66 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral nas Relações de Consumo. São Paulo. Saraiva, 2008, p. 96. 67 ALMEIDA, João Batista de. A proteção Jurídica do Consumidor. 2ª Edição. São Paulo. Atlas, 2000, p. 48. 68 Ibidem, p. 50.
39
Com efeito, dispõe o art. 6º do referido diploma legal, em seu
inciso VI, que constitui direito básico do consumidor a efetiva prevenção e
reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Cuida-se, conforme dito anteriormente, de verdadeira
consagração de direitos universais, reconhecidos, inclusive, por meio do texto
constitucional de 1988, conforme já explanado em capítulo anterior,
especialmente em relação ao dano moral, cerne do estudo em epígrafe.
Neste sentido, salutar o ensinamento de Nehemias Domingos
de Melo, ao afirmar que o legislador ordinário, ao instituir o Código de Defesa
do Consumidor, foi coerente com as regras emanadas da Constituição Federal
no que diz respeito aos danos morais, pois além de prever a sua efetiva
reparação, o faz sem nenhuma limitação, de tal sorte que podemos afirmar que
a reparação por danos morais aos consumidores lesionados deve ser ampla,
total e irrestrita, não se subordinando a nenhuma espécie de tarifamento ou
limitação.
Ao continuar, o referido doutrinador, ressalta que além da
expressa previsão pela reparação aos danos de cunho moral, também
assegurou a proteção à vida, à saúde, à segurança, em respeito ao princípio
constitucional da dignidade humana; consignou as formas pelas quais o
consumidor possa defender a sua honra, proibindo cobranças vexatórias;
assegurou a proteção contra a publicidade enganosa, bem como cuidou de
proteger o consumidor contra todos os métodos comerciais abusivos69.
Conferiu aos consumidores, para tanto, “o manejo de todas as
ações judiciais que possam propiciar-lhe a adequada e efetiva tutela, o amplo
69 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral nas Relações de Consumo. São Paulo. Saraiva, 2008, p. 66.
40
acesso aos órgãos judiciários e administrativos”, inclusive, com a possibilidade
de inversão do ônus da prova e com o estabelecimento da responsabilidade
objetiva, como se verá mais adiante.
Aliamo-nos, por fim, ao entendimento do mesmo doutrinador
que, em sua exposição sobre o tratamento conferido pelo Código de Defesa do
Consumidor para a reparação de danos, observou ser este diploma legal “a
legislação brasileira que melhor sistematizou a responsabilidade civil por danos
morais.”70
4.3. FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO DANO MORAL NO ÂMBITO DAS
RELAÇÕES DE CONSUMO
Feitas as devidas considerações gerais acerca do dano moral
no Código de Defesa do Consumidor, cumpre-nos expor, nos itens que
seguirão, as formas pelas quais poderá se manifestar no âmbito das relações
de consumo.
Imperativo consignar, contudo, que estaremos diante de
hipóteses meramente exemplificativas, extraídas de determinados dispositivos
do Código de Defesa do Consumidor, da jurisprudência e da experiência dos
doutrinadores que tratam do assunto. Não esgotam, assim, todas as
possibilidades de manifestação do dano moral, uma vez que este verificar-se-á
todas as vezes em que a conduta ilícita do fornecedor seja capaz de violar a
dignidade do consumidor.
70 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral nas Relações de Consumo. São Paulo. Saraiva, 2008, p. 66.
41
4.3.1. Cobrança Vexatória
Acerca da cobrança de débitos, estatui o art. 42 do Código de
Defesa do Consumidor, nos dizeres de Yussef Said Cahali71, “visando
resguardar a honra do devedor que deixou de cumprir a obrigação a seu
cargo”, que “na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será
exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou
ameaça”.
O que se pode depreender, portanto, da análise do
supramencionado dispositivo, é que a simples cobrança de um débito existente
não pressupõe, por si só, a caracterização do dano mora, porquanto, constitui
exercício regular de um direito. “Cobrar uma dívida é atividade corriqueira e
legítima. O Código não se opõe a tal”72.
O que o texto de lei pretende vedar, porém, e, neste caso, aí
sim poder-se-ia falar na configuração do dano moral, é a utilização de
“expressões ou expedientes vexatórios e constrangedores à pessoa do
inadimplente”73, os “excessos cometidos no afã do recebimento daquilo de que
se é credor. E abusos há”74.
71 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 811. 72 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 397. 73 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 607. 74 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo, op. cit., p. 397.
42
Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin nos ensina que os
abusos surgem com a realização de cobranças extrajudiciais75. “O consumidor
é abordado das mais variadas formas possíveis, em seu trabalho, residência e
lazer. Utiliza-se de toda uma série de procedimentos vexatórios, enganosos e
molestadores. Seus vizinhos, amigos e colegas de trabalho são incomodados.
Não raras vezes vem ele a perder o emprego em face dos transtornos diretos
causados a seus chefes. As humilhações, por sua vez, não têm limites.”76
O mesmo doutrinador nos adverte que a leitura do art. 42 CDC
deve ser concomitante à do art. 71, também do Código de Defesa do
Consumidor, que, por sua vez, estabelece que configura crime nas relações de
consumo “utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação,
constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou
de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente,
a ridículo, ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.”77
Ainda, de acordo com os ensinamentos de Yussef Cahali “o ato
ilícito configura-se especialmente nos casos de divulgação ou comunicados
feitos pelos síndicos de condomínio, noticiando a existência de débito
condominial.” E salienta que “a obrigação de reparar o dano mais se acentua
quando se trata de cobrança de dívida já paga”.
“De um modo resumido, protegem-se a privacidade e a imagem
pública do cidadão, na sua qualidade de consumidor, proibindo-se
75 Ibidem, p. 397. 76 Ibidem, p. 397. 77 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 399.
43
“fundamentalmente, a sua exposição a ridículo, a interferência na sua
privacidade e a utilização de inverdades.”78
Assim, temos que “uma vez que o procedimento do cobrador (o
próprio fornecedor ou empresa de cobrança) cause danos ao consumidor,
moral ou patrimonial, tem este direito à indenização. É a regra do art. 6º, VII.
Se o consumidor perdeu o emprego, ganhou a antipatia de
seus vizinhos, foi envergonhado publicamente, teve a sua reputação ferida, viu
seu casamento afetado, em todos estes e em outros casos de prejuízos, faz jus
à reparação.”79
4.3.2. Inscrição Indevida em Cadastros de Órgãos de Proteção ao Crédito
Se, por um lado, cediço que a inscrição do nome do
consumidor inadimplente configura exercício regular de direito, por outro lado,
dúvidas não há de que o registro indevido do nome do consumidor nos
cadastros dos órgãos de proteção ao crédito gera uma presunção da
ocorrência de dano moral, independentemente da condição social, econômica
e profissional do indivíduo lesado80.
Assim preleciona Nehemias Domingos de Melo que
“efetivamente, os credores podem fazer uso dos sistemas de proteção ao
crédito para neles registrar o nome dos maus pagadores. Esse é um direito
líquido e certo. Contudo, muitas vezes acontece que, por desorganização ou
displicência, ou ainda pela complexidade e impessoalidade das grandes
78 Ibidem, p. 399. 79Ibidem, p. 404 80 THOMAZ, Afrânio Carlos Moreira. Lições de Direito do Consumidor. Lúmen Iuris Editora. Rio de Janeiro, 2009, p. 165.
44
empresas, procedendo-se à inscrição irregular de clientes nestes cadastros, ou
levam-se a protesto títulos que não deveriam ser protestados. Nesses casos,
excede-se o limite do exercício regular de um direito para adentrar ao campo
do ilícito, que autoriza pleitear indenização.”81
Rizzatto Nunes assevera, neste sentido, que a negativação
gera efeitos concretos na sociedade contra a dignidade e a imagem do
consumidor, e motivo pelo qual eventual abusividade não pode deixar de ser
apreciada pelo Poder Judiciário82.
Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin nos ensina que
“há uma presunção relativa de que a negativação indevida implica dano moral
para o consumidor ofendido. Mais ainda quando fato concretos de
constrangimento têm lugar, como a denegação de crédito no instante da
compra e venda83.
Vê-se, ainda, que a negativação indevida que dá ensejo à
indenização por danos morais decorre não apenas daquela relativa à dívida já
tida como inexistente, como mesmo em relação à dívida devida, mas que se
seu de forma arbitrária, como, por exemplo, quando o devedor não recebe
previamente a notificação de inscrição. A exigência da prévia notificação
depreende-se a leitura no §2º do art. 43 do CDC84 e tem por escopo conferir ao
81 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral nas Relações de Consumo. São Paulo. Saraiva, 2008, p. 129. 82 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 503. 83 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 487. 84 Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
45
devedor a oportunidade de purgar sua mora perante o fornecedor, antes de ter
seu nome exposto em cadastros dessa natureza. Assim, caso o fornecedor
descumpra o comando legal, negativando o devedor sem obedecer a forma
legalmente estabelecida, causará conduta flagrante de dano moral85. Neste
sentido, já se manifestou a jurisprudência, como se verá a seguir:
E não é só a inscrição indevida que enseja a reparação por
danos morais. A manutenção do nome do consumidor nos cadastros dos
órgãos de proteção ao crédito além do tempo necessário, ou seja, mesmo após
a quitação do débito pode provocar o pleito à indenização.86
A questão que se afigura controvertida, contudo, diz respeito
ao indivíduo que possui diversas negativações e que, dentre todas as
inscrições, apenas uma não lhe foi previamente comunicada, ou se mostrou
indevida. Haveria, neste caso, o direito ao pleito de indenização por danos
morais?
O STJ, ao editar a Súmula 385, manifestou-as da seguinte
maneira:
Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não
cabe indenização por dano moral, quando preexistente
legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.
Embora haja opiniões em sentido contrário, compartilhamos do
mesmo entendimento de Afrânio Carlos Moreira Thomaz: “com efeito,
pensamos que em tais hipóteses o consumidor não chegou a sofrer danos
morais, a ensejar o recebimento da indenização a esse título. Se esse
consumidor já possui outros registros desabonadores no SPC e no SERASA,
85 THOMAZ, Afrânio Carlos Moreira. Lições de Direito do Consumidor. 2009. Lúmen Iuris Editora. Rio de Janeiro, p. 168. 86 Ibidem, p. 167.
46
em razão de inadimplementos anteriores verdadeiramente ocorridos, não se
concebe de que forma teria sido atingido em sua integridade moral se acaso
uma anotação posterior vier a se revelar infundada. Afinal, já existem
negativações preexistentes embasadas em justa causa a macular o nome
desse consumidor.
4.3.3. Publicidade Enganosa e Abusiva
No que tange à questão da publicidade, a sua relação com o
ramo do dano moral merece destaque, porquanto, ao se revelar enganosa ou
abusiva, pode ser apta a superar os limites do dano individual e ensejar a
ocorrência do dano moral coletivo.
A proibição da publicidade enganosa ou abusiva encontra
previsão ampla a flexível no art. 37 do Código de Defesa do Consumidor.
Com efeito, assevera Antônio Herman de Vasconcelos e
Benjamin que o legislador demonstrou grande antipatia pela publicidade
enganosa, que afeta não apenas os consumidores, mas a sanidade do próprio
mercado, provocando uma distorção no processo decisório do consumidor87,
sendo irrelevante que haja do fornecedor a intenção de enganar, uma vez que
efetivamente se busca é a proteção do consumidor88.
Saliente-se, então, que, na caracterização da enganosidade,
não se exige que o consumidor tenha, de fato, e concretamente sido enganado;
basta que o informe publicitário apresente a “capacidade de induzir em erro o
87GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 339. 88Ibidem, p. 340.
47
consumidor, não sendo exigível, por conseguinte, qualquer prejuízo individual.
A simples utilização da publicidade enganosa já presume a ocorrência de um
dano difuso, que ensejará a responsabilidade do fornecedor.”89
Da mesma maneira, o Direito, no intuito de proteger o
consumidor cria mecanismos para controlar os desvios decorrentes da
publicidade abusiva, esta entendida como toda aquela que, “contrariando o
sistema valorativo da Constituição e das leis, não seja enganosa”, mas que
também é prejudicial ao consumidor e ao mercado como um todo.90
Como exemplos de publicidade abusiva, são a publicidade
discriminatória, a que incitar a violência, que viole a intimidade das pessoas,
que ofenda convicções religiosas ou filosóficas, entre outras91. O caráter da
abusividade, assim, não tem necessariamente relação direta com o produto ou
o serviço, mas com os efeitos que a propaganda possa causar ao consumidor,
motivo pelo qual ressalte-se que pode haver, em um único informe, caráter
enganoso e ao mesmo tempo abusivo.92
E, da mesma maneira que no caso da enganosidade, para a
aferição da abusividade não é preciso que o consumidor seja aquele real,
concretamente considerado, bastando que seja potencial, abstrato para que
resulte o dever de indenizar93.
89 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 341. 90 Ibidem, p. 351. 91 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 456/459. 92 Ibidem, p. 455. 93 Ibidem, p. 456.
48
Daí se falar em prejuízo “supra-individual”94, que garantirá o
destaque da publicidade no âmbito das relações de consumo.
4.3.4. Inadimplemento Contratual
A questão do dano moral para os casos de descumprimento do
instrumento contratual, como bem asseverado por Paulo Jorge Scartezzini
Guimarães, embora não seja muito desenvolvida pela doutrina ou pela
jurisprudência brasileira, possui grande relevância no contexto atual, uma vez
que constitui frequentemente causa de pedido de indenizações, sobretudo
diante da chamada “indústria do dano moral”95.
Fato é que alguns doutrinadores, tais como Humberto
Theodoro Junior, ao tratar do tema, aduzem que o descumprimento total ou
parcial da obrigação contratual normalmente não dá ensejo à ocorrência de
dano moral, apontando que “dentro do prisma da relevância necessária da dor
moral para justificar o ressarcimento da lesão não patrimonial, a advertência
pretoriana é no sentido de que esse tipo de reparação não pode ser banalizado
a ponto de se juntar sempre ao pedido de danos morais no caso de
inadimplemento do contrato96.
Verifica-se que tal entendimento tem encontrado amplo
respaldo jurisprudencial, como se verá a seguir, com a transcrição de ementas
de alguns julgados, oriundos de Tribunais de estados diferenciados:
94 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo, JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo, op. cit., p. 342. 95 GUIMARÃES, Jorge Scartezzini. Vícios do Produto e do Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança. 2ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2007, p 250/251. 96 THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano Moral. 4ª edição. São Paulo. Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 98.
49
CONSUMIDOR. COMERCIO ELETRONICO. AUTOR QUE
EFETUA A COMPRA DE PRODUTOS EM SÍTIO DE LEILÃO
NA INTERNET, CONTUDO AFIRMA NÃO TER RECEBIDO A
INTEGRALIDADE DA MERCADORIA. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DOS FATOS CONSTITUTIVOS DO
DIREITO DO AUTOR. EVENTUAL INADIMPLEMENTO
CONTRATUAL QUE NÃO ENSEJA INDENIZAÇÃO POR
ABALOS EXTRAPATRIMONIAIS. REVELIA. PRESUNÇÃO
RELATIVA DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS.1. O
demandante refere não ter recebido cerca de metade dos
produtos adquiridos, porém sequer especifica os bens que não
teriam sido entregues, tampouco produz prova a embasar suas
alegações. Assim, não se eximindo o autor de comprovar os
fatos constitutivos de seu direito, impõe-se a improcedência da
demanda. 2. Ainda que ocorram os efeitos da revelia, não há
como deixar de fundamentar a decisão a partir dos fatos
trazidos na inicial, os quais necessariamente devem se
submeter ao crivo da verossimilhança e plausibilidade. 3.
Ademais, em se tratando de mero inadimplemento contratual,
não há que se falar em dano moral indenizável, conforme
pacificada jurisprudência das Turmas Recursais. Sentença
confirmada por seus próprios fundamentos. Recurso improvido.
(TJRS; RCív 71001925569; Porto Alegre; Primeira Turma
Recursal Cível; Rel. Des. Ricardo Torres Hermann; Julg.
23/04/2009; DOERS 29/04/2009; Pág. 115).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONTRATO
DE SEGURO. APLICABILIDADE DO CDC. INVALI DEZ
TOTAL E PERMANENTE. EXISTÊNCIA DE PROVA. TERM O
A QUO DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA.
PERCENTUAL DOS JUROS. ART. 515, § 3. º.
HONORÁRIOS. MANUTENÇÃO. DANOS MORAIS NÃO
CONFIGURADOS. I. Incide na hipótese sub judice as normas
do código de defesa do consum idor, posto que a relação de
direito material firmada entre as partes é de natureza consum
50
erista, em decorrência do contrato de seguro pactuado,
consoante se extrai da clara disposição contida no art. 3º, §2º
do supracitado diploma legal; II. Restando caracterizada a
invalidez permanente total, diante dos atestados e exam ES m
édicos acostados aos autos, que evidenciam o com
prometimento de dois dedos da m ão direita do autor, resta
devido o pagamento das prestações vencidas posteriormente
ao sinistro; III. No que se refere ao termo a quo da correção
monetária, merece reforma a sentença, uma vez que deve
incidir a partir do efetivo pagamento pelo autor das parcelas do
fi nanciamento, das quais ora objeti va ressarcimento; IV. Os
juros de mora devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a teor
do que prevê o art. 406 do Código Civil c/c o art. 161, § 1º, do
Código Tributário Nacional; V. Diante do que disciplina o art.
20, §3º, do código de processo civil, no presente caso,
sopesando as particularidades da causa, em especial, a
realização de audiência de instrução do feito, bem como o
baixo valor da condenação, não entendo cabí vel a redução o
quantum arbitrado a título de honorários sucumbenciais; VI. O
simples inadimplemento contratual, caracterizado pela recusa
em pagar a indenização contratada, decorrente de
interpretação de cláusulas contratuais, não configura dano
moral; VII. Recursos conhecidos, para dar provimento parcial
ao interposto pela seguradora e negar provimento ao da
demandante, integrando ainda a sentença, consoante art. 515,
§1º, do CPC, para determinar o percentual de juros de m ora
em 1%. (TJSE; AC 2008211278; Ac. 6568/2009; Segunda
Câmara Cível; Relª Desª Marilza Maynard Salgado de
Carvalho; DJSE 05/08/2009; Pág. 20)
RESPONSABILIDADE CIVIL. DEFESA INDIRETA. ÔNUS DA
PROVA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA.
DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA. INADIMPLEMENTO
CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL.
IMPROCEDÊNCIA. Em regra, quando o réu contesta apenas
negando o fato em que se baseia a pretensão do autor, todo o
ônus probatório recai sobre este. Entretanto, quando o réu se
51
defende através de defesa indireta, invocando fato capaz de
alterar ou eliminar as conseqüências jurídicas daquele outro
fato invocado pelo autor, a regra inverte-se. É que, ao se
basear em fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito
do autor, o réu implicitamente admitiu como verídico o fato
básico da petição inicial. Para fazer jus à indenização, não se
exige a comprovação efetiva do dano moral. No entanto, é
necessário que a vítima demonstre a violação ao neminem
laedere e que a argumentação por ela trazida convença o
julgador de sua existência. O descumprimento contratual não
enseja condenação por danos morais. Meros dissabores,
aborrecimentos, percalços do dia-a-dia, não são suficientes à
caracterização do dever de indenizar. (TJMG; APCV
1.0145.07.424840-5/0011; Juiz de Fora; Décima Sexta Câmara
Cível; Rel. Des. Wagner Wilson; Julg. 27/05/2009; DJEMG
24/07/2009)
Paulo Jorge Scartezzini, porém, ao tratar do tema, revela que
possui posição divergente da outrora mencionada, ao afirmar que o
ordenamento jurídico, ao prever de indenização no caso de cumprimento
imperfeito ou de inadimplemento da obrigação, não impede a indenização por
dano moral97. Salienta que a Carta Magna brasileira permite sem restrição a
indenização por dano moral sempre que este restar violado98.
Yussef Said Cahali, no mesmo sentido, aduz que “em
realidade, ainda que excepcionalmente, o descumprimento de uma obrigação
contratual, não tipificada como relação de consumo ou aproximando-se dsta,
pode causar a um dano moral na conceituação mais ampla que lhe vem
97 GUIMARÃES, Jorge Scartezzini. Vícios do Produto e do Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança. 2ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2007, p 252. 98 Ibidem, p. 256
52
emprestando a doutrina atual em função do elastério permitido pelas
disposições contratuais99.
Como exemplo de descumprimento contratual aceito pela
jurisprudência como ensejador de reparação por danos morais, Paulo Jorge
Scartezzini Guimarães menciona as “famosas ações por descumprimento de
contrato de viagens”100, motivo pelo qual alguns julgados aqui se colacionam:
APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS E MATERIAIS- PACOTE DE VIAGEM
CONTRATADO COM AGÊNCIA DE VIAGENS. PRELIMINAR
DE ILEGITIMIDADE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA
AGÊNCIA DE VIAGEM E OPERADORA DE TURISMO.
APLICAÇÃO DO ARTIGO 14 DO CDC. QUEBRA DE
ÔNIBUS, IMPOSSIBILITANDO A REALIZAÇÃO DO
TRANSPORTE INCLULDO NO PACOTE TURÍSTICO. FATO
PLENAMENTE PREVISÍVEL. CASO FORTUINO NÃO
EVIDENCIADO. DANO MORAL CARACTERIZADO.
Indenização que não pode ser fixada em valor ínfimo ou
alvitante, mas considerada tendo em vista a negligente
omissão, os transtornos e frustrações causadas, dado o caráter
dúplice da indenização. Correção monetária do ajuizamento da
ação e juros moratôrios da citação. Preliminar afastada-
recursos improvidos. (TJSP; APL 7140835-4; Ac. 3199330;
Sertãozinho; Décima Sexta Câmara de Direito Privado; Relª
Desª Flávia Beatriz Gonçalez da Silva; Julg. 25/08/2008;
DJESP 09/09/2008)
AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES CUMULADA COM
DANOS MORAIS. PACOTE DE VIAGEM. LEGITIMIDADE
PASSIVA DA AGÊNCIA DE VIAGEM. A agência de viagens é
legitimada passiva para a demanda de forma solidária com a
operadora de viagens. Aplicação do art. 7º, parágrafo único do
CDC. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS E DOS
99 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 617. 100 GUIMARÃES, Jorge Scartezzini, op. cit., p. 257.
53
CHEQUES EMITIDOS. CABIMENTO. FALHA NO SERVIÇO.
CONHECIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DA VIAGEM
SOMENTE NO DIA ANTERIOR AO VÔO. Caracterizada a
responsabilidade da demandada pela falha no serviço, tendo
as autoras tomado conhecimento da antecipação da viagem
somente no dia anterior ao vôo, ocorrendo o cancelamento da
viagem, deve a ré proceder na devolução dos valores pagos,
bem como providenciar na devolução dos cheques emitidos.
Aplicação do artigo 14 do CDC. INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL. DEVIDA. O dano moral, no caso, decorre da
frustração das autoras por não realizaram a viagem
programada. Precedentes do TJRGS. Recurso improvido.
(TJRS; RInom 71000532077; Porto Alegre; Segunda Turma
Recursal Cível; Relª Desª Maria José Schmitt Sant'Anna; Julg.
25/08/2004)
INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. PACOTE TURÍSTICO.
AGÊNCIA DE VIAGENS. LEGITIMIDADE. SERVIÇO
DEFEITUOSO. DEVER DE REPARAÇÃO. FIXAÇÃO DO
QUANTUM. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
TERMO INICIAL.1. Integrando a agência de turismo, como
parceira, a cadeia de fornecimento de serviços, é responsável
solidária pelos eventuais danos causados ao consumidor, em
decorrência do serviço prestado. 2. Comprovados os
transtornos causados ao consumidor, superando o limite dos
meros aborrecimentos, em decorrência da má prestação do
serviço de turismo, impõe-se o dever de reparação por ofensa
moral. 3. Na fixação do dano moral, o julgador deve levar em
conta o caráter reparatório e pedagógico da condenação,
cuidando para não permitir o lucro fácil do ofendido, mas
também não reduzindo a indenização a um valor irrisório. 4. Em
se tratando de danos morais, a correção monetária e os juros
de mora são devidos a partir da data do provimento que defere
o pedido, haja vista que, na fixação do valor correspondente, já
são levados em conta os juros e a devida atualização. (TJMG;
APCV 1.0145.07.399950-3/0011; Juiz de Fora; Décima Oitava
54
Câmara Cível; Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes; Julg.
03/02/2009; DJEMG 02/03/2009)
Valemo-nos aqui de ambas as posições destacadas, porquanto
entendemos que a análise sobre a possibilidade de reparação pelos danos
morais dependerá de rigorosa análise do caso concreto. Com efeito, é possível
que o cumprimento imperfeito ou o inadimplemento de um contrato cause à
outra parte um efetivo transtorno, um aborrecimento tamanho a ponto de afetar
a paz, a tranquilidade e causando abalos psíquicos, caracterizando o dano
moral indenizável.
Contudo, não se admite que qualquer descumprimento seja
capaz de permitir a concessão de indenizações por tal motivo, para que não se
tenha por banalizado o direito à reparação pelo dano moral.
Parece-nos, portanto, bem ponderada a lição de Sergio
Cavalieri Filho, para quem o “mero inadimplemento contratual, mora ou
prejuízo econômico não configuram, por si só, dano moral, porque não agridem
a dignidade humana. Os aborrecimentos dele decorrentes ficam subsumidos
pelo dano material, salvo se os efeitos do inadimplemento contratual, por sua
natureza ou gravidade, exorbitarem o aborrecimento normalmente decorrente
de uma perda patrimonial e também repercutirem na esfera da dignidade da
vítima, quando, então, configurarão o dano moral.”101
101 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 80/81.
55
4.3.5. Cortes de Serviços Públicos
Um dos mais polêmicos assuntos que envolvem a aplicação
prática do CDC é a possibilidade ou não de corte ou suspensão do
fornecimento de serviços públicos essenciais102.
A questão do dano moral havido em razão de cortes de tais
serviços deve ser analisada sob o prisma do art. 22 do CDC, que assim estatui:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si só ou por suas empresas,
concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma
de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços
adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,
contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou
parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as
pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os
danos causados, na forma prevista neste Código.
Inicialmente, há de se destacar que o princípio da continuidade
dos serviços públicos, essenciais à vida, à saúde e à segurança do ser
humano, tem como principal objetivo a preservação da dignidade humana da
pessoa humana103.
102 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 331. 103 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 331.
56
Por este motivo é que alguns doutrinadores não pode admitem
o corte ou a suspensão desses serviços como forma nova de cobrança, de
ameaça, de constrangimento ou coação, caso em que caracterizar-se-á o
direito de danos morais causados por tais práticas comerciais abusivas104.
Neste sentido, confira-se entendimento jurisprudencial
amplamente difundido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ENERGIA
ELÉTRICA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. NÃO
CABIMENTO. CORTE NO FORNECIMENTO POR
INADIMPLEMENTO. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL.
INOCORRÊNCIA. I - Se a suspensão do fornecimento de
energia elétrica ocorre no período em que o autor da ação é o
efetivo ocupante do imóvel, na situação de locatário, o mesmo
é parte legítima para pleitear o restabelecimento do serviço. II -
A energia elétrica é bem essencial a todos, constituindo serviço
público indispensável, que a privatização não desnatura,
subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação
(artigo 22 do CDC), por isso que impossível sua interrupção,
até por sua característica nitidamente monopolista. III - O
fundamento primário da reparação está no erro de conduta, no
procedimento contrário à norma, que dá a noção da culpa ou
do dolo. O segundo elo da cadeia é a ofensa ao bem jurídico e
o terceiro é a relação de causalidade entre a antijuridicidade e
o dano. No caso, ainda entenda ser o corte no fornecimento de
energia método medieval de coação, não há prova da ofensa;
não demonstrou o autor tivesse sido submetida a vexame ou a
situação de constrangimento capaz de atingir sua dimensão
moral ou importar prejuízo para sua imagem no meio social em
que vive. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada. Apelo
parcialmente provido. Prejudicado o recurso adesivo. Unânime.
(TJRS; AC 70029896339; São Leopoldo; Vigésima Primeira
104 Ibidem, p. 331.
57
Câmara Cível; Rel. Des. Genaro José Baroni Borges; Julg.
15/07/2009; DOERS 28/07/2009; Pág. 79)
De outro lado, Yussef Cahali assevera que a responsabilidade
por danos morais decorrentes do corte de serviços públicos continuativos
apenas de aplica aos casos em que, por exemplo, a alegação de falta de
pagamento é infundada ou a acusação de fraude ou artifício por parte do
consumidor é indemonstrada parcialmente. Mas afirma que não haverá que se
falar em incidência de danos morais deu causa à suspensão do fornecimento
do serviço105.
O referido entendimento também encontra respaldo
jurisprudencial, de modo a evidenciar a importância que o tema assume nos
dias atuais. A título exemplificativo, ressaltam-se os seguintes julgados:
DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL
DO PRESTADOR DO SERVIÇO. Suspensão do fornecimento
de energia elétrica em razão do inadimplemento. Prévio aviso.
Não pratica abuso de direito a concessionária do serviço
público que, tendo notificado o consumidor, que ainda assim
não cumpre sua obrigação de pagar pontualmente pela
prestação do serviço, promove o corte do fornecimento.
Inexistência de dano moral. Recurso provido. (TJRJ; APL
2009.001.11065; Capital; Décima Sétima Câmara Cível; Rel.
Des. Henrique de Andrade Figueira; Julg. 04/05/2009; DORJ
28/05/2009; Pág. 122)
Compreende-se, aqui que, em função da sobreposição de
princípios de ordem constitucional, sempre que o corte ou a suspensão de um
105 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 613.
58
serviço público essencial implique em violação à dignidade humana, não
restam dúvidas da possibilidade de reparação por danos morais, cuja
ocorrência, por certo, dependerá da análise do caso concreto.
4.3.6. Outros Exemplos
Outras tantas situações poderiam ser aqui debatidas,
porquanto no dinamismo das relações de consumo nos permite identificar um
sem número de fatos diferenciados que poderiam dar ensejo à reparação por
danos morais.
Esta pesquisa, porém, praticamente não teria fim se acaso se
optasse por trazer à baila estudo aprofundado sobre exatamente todas as
circunstâncias possivelmente ensejadoras do pleito à indenização a título de
danos morais nas relações consumeristas. Não se tem esta pretensão ao se
trabalhar o tema proposto.
As situações acima mencionadas correspondem apenas à
algumas das situações polêmicas e atuais, constantemente objeto da
propositura de ações indenizatórias. Mas não esgotam o estudo acerca das
categorias de danos morais havidos no Direito do Consumidor.
Contudo, ainda que não seja possível trazer à pesquisa todas
as incontáveis situações, cumpre destacar entendimento jurisprudencial sobre
outras tantas ocorrências que, no meio das relações de consumo se
apresentam rotineiramente nos Tribunais:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PRODUTO
ESTRAGADO. INTOXICAÇÃO ALIMENTAR. LAUDO DA
59
CIENTEC. COMPROVAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO.
COLIFORMES FECAIS STAPHYLOCOCCUS. PRESENÇA
NO PRODUTO ABERTO E NO LACRADO. MÁ-QUALIDADE.
CREDIBILIDADE DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS.
OCORRÊNCIA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Contando a
tese defendida na inicial com credibilidade, pois evidenciada a
má-qualidade do produto posto no mercado pela ré e
considerando as particularidades do caso concreto concede-se
indenização por danos morais em razão da ingestão de
produuto estragado que ocasionou intoxicação alimentar, pois
evidentes os desconfortos decorrentes da moléstia. 2. O dano
moral puro prescinde de produção probatória, pois considerado
in re ipsa. 3. Configura-se adequada a indenização quando as
circunstâncias específicas do caso concreto indicam que a
repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor
são observadas no arbitramento. Fixação. APELO PROVIDO.
(TJRS; AC 70007237449; Porto Alegre; Nona Câmara Cível;
Rel. Des. Nereu José Giacomolli; Julg. 17/12/2003)
RESPONSABILIDADE CIVIL. CLÍNICA DE MEDICINA
ESTÉTICA. TRATAMENTO DE DEPILAÇÃO DEFINITIVA A
LASER. Reação alérgica que provocou acne e feridas
inflamadas no rosto do autor. Danos materiais, estéticos e
morais. Autor que procurou a clínica ré e com ela firmou
contrato de prestação de serviços pelo qual pagou à vista valor
superior a dois mil reais para a realização de tratamento de
depilação definitiva a laser na região da barba e do pescoço.
Primeira sessão do tratamento que provocou reação colateral
alérgica consistente em foliculite e acne, deixando o rosto do
paciente repleto de feridas inflamadas. A responsabilidade da
clínica é objetiva, disciplinada no artigo 14 do Código de
Defesa do Consumidor. Comprovados os requisitos
ensejadores da responsabilidade civil objetiva, quais sejam, o
ato ou fato danoso, o nexo causal e os danos provocados.
Clínica ré que não logrou êxito em afastar o nexo causal, nem
sua culpa no evento. Direito do autor autor ao ressarcimento do
valor pago pelo tratamento, cuja única sessão realizada
60
causou-lhe todos os problemas que deram ensejo à presente
ação. Danos materiais consistentes nas despesas tidas pelo
autor com profissionais, tratamentos e medicamentos, cujo
ressarcimento também se impõe, somente quanto ao valor
comprovado nos autos, bem como quanto ao valor pago pelo
serviço não realizado adequadamente, no total de R$ 4.127,04.
Pleito de indenização por lucros cessantes que não merece
acolhimento, haja vista a inexistência de prova nos autos
quanto às atividades laborativas desenvolvidas pelo autor.
Danos estéticos fartamente comprovados, que devem ser
reparados, no valor de R$ 10.000,00 assim como os danos
morais, a teor do que autoriza a Súmula n. 96 deste tribunal.
Impõe-se a majoração da indenização arbitrada a título de
danos morais, para R$ 20.000,00 diante dos parâmetros que
devem ser observados pelo julgador ao arbitrar o quantum
indenizatório. Somando o dano moral moral e o estético a
quantia de R$ 30.000,00. Provimento parcial do apelo autoral e
desprovimento do recurso da ré. (TJRJ; AC 2007.001.18860;
Capital; Relª Desª Maria Augusta Vaz Monteiro de Figueiredo;
Julg. 12/06/2007; DORJ 09/11/2007; Pág. 340)
PROCESSUAL CIVIL. REVELIA. HIPOSSUFICIÊNCIA DA
PARTE. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO.
INDENIZAÇÃO. MÉDICO. CULPA. DANO MATERIAL,
MORAL E ESTÉTICO. QUANTUM. RECURSO CONHECIDO
E PROVIDO. I. A ausência de assinatura na contestação se
apresenta como mera irregularidade e, quando sanada, não
leva à decretação da revelia. II -O efeito da revelia não induz a
procedência da pretensão deduzida em juízo, pois não leva à
presunção relativa da veracidade dos fatos articulados na
inicial, não elidindo a necessidade de a autora demonstrar os
fatos constitutivos de seu direito. III. O reconhecimento da
hipossuficiência do consumidor, por si só, não leva à inversão
do ônus da prova, pois, como cediço, é necessário, também, a
existência da verossimilhança do direito para ser possível a
declaração da inversão. lV. Inviável a inversão do ônus da
61
prova em sede recursal. V. Aplica-se o Código de Defesa do
Consumidor à relação existente entre médico e paciente.
Precedentes no Superior Tribunal de Justiça. VI. A legislação
consumerista consagra, para fins de responsabilização dos
profissionais liberais pelo fato do serviço, a teoria da
responsabilidade subjetiva, fundada no elemento culpa, em
suas três modalidades, negligência, imprudência e imperícia
(art. 14, §4º, do CDC). VII. A indenização por danos materiais
depende de demonstração dos prejuízos alegados. IX. O valor
da indenização por danos morais deve ter caráter dúplice, tanto
punitivo do agente, quanto compensatório em relação à vítima,
sendo arbitrado segundo as circunstâncias do caso concreto.
(TJMG; AC 1.0707.00.028765-6/001; Varginha; Décima Quinta
Câmara Cível; Rel. Des. Bitencourt Marcondes; Julg.
12/07/2007; DJMG 13/08/2007)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. Acidente em
esteira rolante de supermercado, que causou ferimento na
autora. Acervo probatório que configura o dano moral. A
hipótese é de relação de consumo e a responsabilidade da ré é
objetiva, sendo in re ipsa o dano moral sofrido, pois decorre do
acidente que vitimou a autora. O valor fixado para a reparação
moral não observou os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, devendo ser reduzido para R$ 5.000,00.
Agravo retido que nao se conhece, uma vez que sua
apreciação preliminar foi requerida pela apelante ré em recurso
não conhecido por força ml 2 da preclusão, que se deu por ter
sido protocolado depois do apelo que foi conhecido.
Desprovimento do recurso da autora e provimento parcial do
apelo da ré. (TJRJ; APL 2009.001.09156; Vigésima Câmara
Cível; Rel. Des. João Carlos Guimarães; Julg. 05/08/2009;
DORJ 12/08/2009; Pág. 198)
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO
ENVOLVENDO CAMINHÃO E ÔNIBUS, VINDO ESTE A
CAPOTAR E ROLAR RIBANCEIRA ABAIXO. DANOS EM
62
PASSAGEIRA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONCESSÃO DE
SERVIÇOS PÚBLICOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA
DA CONCESSIONÁRIA. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE
DANO PELA FALTA DE LESÃO CORPORAL FÍSICA.
ABALO PSÍQUICO DE NATUREZA DURADOURA INERENTE
À SITUAÇÃO QUE, POR SI SÓ, ENSEJARIA A
CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL. Hipótese, ademais,
em que os elementos constantes dos autos apontam para a
ocorrência de lesões físicas, ainda que leves. Dano moral
caracterizado. Sentença reformada. Apelação provida I. (TJSP;
APL-Sum 7221877-2; Ac. 3581641; São Bernardo do Campo;
Vigésima Terceira Câmara de Direito Privado D; Rel. Des. Luís
Eduardo Scarabelli; Julg. 03/04/2009; DJESP 18/05/2009)
CIVIL. CONSUMIDOR. CONTRATO DE CONSUMO. AÇÃO
INDENIZATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS.
ACIDENTE EM RODOVIA PEDAGIADA. CONSERVAÇÃO DA
RODOVIA QUE INTEGRA A CADEIA DE FORNECIMENTO
DE SERVIÇOS. CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS.
RELAÇÃO DE CONSUMO ARTIGO 2º E 3º DA LEI Nº
8.078/90. DEVER DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
ADEQUADO ARTIGO 22 DO CODECON. EXISTÊNCIA DE
PEDRAS NA PISTA DE ROLAMENTO. CAPOTAMENTO DO
VEÍCULO EM CURVA. MÁ CONSERVAÇÃO DO LEITO DA
RODOVIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA ARTIGO 14 DO
CDC C/C 37 PARÁGRAFO 6º DA CF/88. SUBSISTÊNCIA DA
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA ARTIGO 186 E 927 DO
CCB. POSSIBILIDADE DE ESCOLHA FRENTE AMPLA
REPARABILIDADE DO SISTEMA CIVIL. CONSTITUCIONAL.
DOMÍNIO DO BEM MÓVEL COMPROVADO PELO BOLETIM
DE OCORRÊNCIA E DEPOIMENTO TESTEMUNHAL.
INEXISTÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO A ELIDIR A
AFIRMAÇÃO. CARGA DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA
ARTIGO 333 DO CPC. PREJUÍZOS MATÉRIAS AFERIDOS.
CONSERTO DO VEÍCULO. DANO MORAL. ABALO
PSÍQUICO DECORRENTE DO ACIDENTE. RECURSO
CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A relação jurídica de
63
consumo é a que se forma entre fornecedor e consumidor,
devendo, este último, ser pessoa física ou jurídica adquirente
ou utente, de produto ou serviço, como destinatário final,
equiparando-se-lhe a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, desde que passe a integrar essa relação. 2. O
fornecedor de serviços responde independentemente da
existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos á prestação de serviços,
bem como por informações insuficientes ou inadequados sobre
sua fruição e riscos artigo 14 do CDC. 3. Os órgãos públicos,
por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou
sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a
fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos
essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de
descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas
neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-
las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste
código artigo 22 do CDC. (TJPR; ApCiv 350137-3; Ac. 6348;
Ponta Grossa; Décima Câmara Cível; Relª Juíza Conv. Astrid
Maranhão de Carvalho Ruthes; Julg. 08/03/2007; DJPR
13/04/2007)
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE EM ESTEIRA
ROLANTE DE SUPERMERCADO. AÇÃO ORDINÁRIA EM
QUE OBJETIVA A AUTORA A REPARAÇÃO DOS DANOS
MORAIS E ESTÉTICOS QUE TERIA EXPERIMENTADO EM
VIRTUDE DE ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL DA EMPRESA-RÉ.
ACIDENTE DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE CIVIL
REGULADA PELA TEORIA OBJETIVA, EM QUE NÃO HÁ SE
PERQUIRIR A CULPA, MAS TÃO-SOMENTE, O DANO E O
NEXO CAUSAL, OS QUAIS RESTARAM DEVIDAMENTE
COMPROVADOS, NA ESPÉCIE. OBRIGAÇÃO DE
INDENIZAR CARACTERIZADA. A prova técnica apontou ter a
autora sofrido dano estético em grau mínimo, porém, também
noticiou o perito ser necessária realização de cirurgia
reparadora em ambas as mamas da autora, sendo tal
64
procedimento uma conseqüência do dano estético, pelo que
deve a verba indenizatória fixada pelo decisum a tal título ser
majorada para R$ 10. 000,00. Dano moral configurado.
Quantificação dotada de razoabilidade e proporcionalidade,
diante das circunstâncias do caso concreto. A correção
monetária da verba indenizatória de danomoral somente deve
fluir do julgado que a fixar. (Súmula nº 97 desta E. Corte). Os
Juros moratórios devem incidir a partir da citação, por versar a
hipótese ilícito contratual. Inexistência de sucumbência
recíproca, na espécie, eis que na ação de indenização por
dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado
na inicial não implica sucumbência recíproca (Súmula nº 105
desta E. Corte). Sentença reformada, em parte. Provimento
parcial de ambos os recursos. (TJRJ; AC 2007.001.07809;
Décima Sétima Câmara Cível; Relª Desª Maria Ines da Penha
Gaspar; Julg. 21/03/2007)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS E MATERIAIS. Aviso de cobrança de mensalidade
escolar em atraso entregue aos alunos menores em sala de
aula. Procedimento de cobrança que expõe os menores a
situação vexatória.Dano moral configurado passível de
indenização. Redução do quantum. Verba de honorários
estabelecida dentro dos padrões legais. Não configuração de
sucumbência recíproca. Recurso conhecido e parcialmente
provido. (TJSE; AC 0240/2003; Proc. 2003201093; Ac.
416/2005; Segundo Grupo de Câmara Cível; Rel. Des. Manoel
Cândido Filho; Julg. 28/02/2005)
65
4.4. PROVA DO DANO MORAL NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Trata-se de questão que, conforme adverte Sérgio Cavalieri106,
enseja polêmica nas ações indenizatórias, havendo decisões que desacolham
a pretensão por dano moral pela ausência de prova.
Porém de se elucidar que a ocorrência do dano moral, de um
modo geral, não demanda produção de prova, uma vez que a dor, o sofrimento
e a humilhação constituem sentimentos extremamente subjetivos107.
No mesmo sentido, tem-se orientado a jurisprudência do E.
Superior Tribunal de Justiça, conforme se depreende do entendimento do Min.
Carlos Alberto Menezes Direito:
Já assentou a Corte que não há que falar em prova do dano
moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o
sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado
assim, o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação
ao art. 334 do Código de Processo Civil.108
Com efeito, de acordo com a assertiva de Nehemias Domingos
de Melo:
Se o dano moral existe a partir da lesão a um daqueles direitos
íntimos da pessoa humana, tal qual a honra e a intimidade, a
vida privada, a imagem, somente para citar alguns, não há
106 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 82. 107 THOMAZ, Afrânio Carlos Moreira. Lições de Direito do Consumidor. 2009. Lúmen Iuris Editora. Rio de Janeiro, p. 165. 108 REsp n. 318099/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ em 08.04.2002.
66
nenhuma lógica em exigir a prova da repercussão dos efeitos
de tais violações no íntimo do ofendido. O ordenamento
jurídico há de se conformar com a presunção de que, em
razão de máximas de experiência, qualquer indivíduo de
mediana sensibilidade sentir-se-ia ofendido e agredido em
seus valores anímicos diante de determinados procedimentos
ilícitos.109
Este também é o entendimento de Sérgio Cavalieri que aduz,
que:
Por se tratar de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral
não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a
comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até
impossível exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a
humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia;
não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o
desprestígio através dos meios tradicionais.110
Em outras palavras, o dano moral deriva inexoravelmente do
próprio fato ofensivo, de sorte que, provada a ofensa, restará demonstrado o
dano moral através de uma presunção natural, que decorre das experiências
da regra comum111.
Portanto, desnecessário demonstrar de forma cabal e precisa
que sofreu o moral na ocorrência de, por exemplo, ter o consumidor seu nome
109 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral nas Relações de Consumo. São Paulo. Saraiva, 2008, p. 63. 110 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 83. 111 Ibidem, p. 83.
67
indevidamente enviado para os cadastros dos órgãos de proteção ao crédito;
tal fato, por si só, já será suficiente para embasar um decreto condenatório do
fornecedor responsável por este envio.112
A necessidade de prova reside, por conseguinte, na existência
do fato que deu ensejo ao abalo moral, fato este que, nas relações de
consumo, de acordo com a leitura do art. 6º, VIII do Código de Defesa do
Consumidor113, poderá sujeitar-se, respeitados os requisitos da
verossimilhança das alegações, de hipossuficiência e de acordo com regras
ordinárias de experiência do magistrado, à inversão do ônus da prova.
4.5. DOS CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
Quando se trata de dano patrimonial, o quantum indenizatório
pode ser fixado de maneira simples, com base objetiva, apurando-se o valor
efetivo da materialidade do dano.
Contudo, como leciona Rizzatto Nunes, “o problema do dano
moral era e sempre foi essa falta de objetividade e materialidade”114.
Humberto Theodoro Junior nos alerta que “o problema mais
sério suscitado pela admissão da reparabilidade do dano moral reside na
112 THOMAZ, Afrânio Carlos Moreira. Lições de Direito do Consumidor. 2009. Lúmen Iuris Editora. Rio de Janeiro, p. 165. 113 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. 114NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 70.
68
quantificação do valor econômico a ser reposto ao ofendido”115, em função do
fato de que o dano moral “não tem dimensão econômica ou patrimonial”116.
Outrossim, não há em nosso ordenamento jurídico qualquer
critério legal para a quantificação do dano moral, tendo cabido à doutrina e à
jurisprudência o estabelecimento de parâmetros para a fixação do quantum117.
As normas constitucionais não regulam a questão,
permanecendo o juiz, para a busca do quantum, com parâmetros vagos,
normalmente oferecidos pela doutrina. Isso sem mencionar que os casos
concretos, via de regra, são muito diferentes entre si, não guardando relações
individuais suficientes que permitam uma generalização por indução118.
Sergio Cavalieri salienta que “cabe ao juiz, de acordo com o
seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade
econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação por dano
moral.”119
Humberto Theodoro Junior aduz que, por se tratar de
arbitramento fundado exclusivamente no bom senso e equidade, ninguém além
do próprio magistrado poderá realizar a operação de fixação da quantia
indenizatória do dano moral120.
Portanto, além de decidir sobre a existência e a configuração
do dano moral, ao juiz haverá o poder de determinar a sua quantificação.
115 THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano Moral. 4ª edição. São Paulo. Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 29. 116 Ibidem, p. 29. 117 GUIMARÃES, Jorge Scartezzini. Vícios do Produto e do Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança. 2ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2007, p 261. 118 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 72. 119CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 88. 120 THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano Moral. 4ª edição. São Paulo. Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 34.
69
Inadmite, por este motivo, que a fixação do quantum seja estabelecida por uma
atividade de árbitros em procedimento comum de liquidação por arbitramento,
alegando que haveria neste caso a uma delegação de jurisdição121.
Eduardo Gabriel Saad, José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria
Saad C. Branco complementam tal entendimento aduzindo que, como no
arbitramento impera simplesmente a vontade do juiz, distanciada do próprio
contraditório, à luz do art. 93, IX da Constituição Federal (que determina que
toda decisão judicial seja devidamente fundamentada), o valor da indenização
por ele fixado sempre será passível de discussões a respeito de eventual
exagero ou subestimação122.
Entendem os referidos doutrinadores, assim, que nestes casos,
para fixação do valor da indenização por dano moral, deve o juiz “examinar,
com a devida cautela, todo o conjunto probatório”, “em uma decisão
devidamente fundamentada”, como se lhe exige o art. 93, IX, da Constituição
Federal123.
Jorge Scartezzini Guimarães leciona, ainda, que “o valor não
pode estar vinculado a critérios rígidos ou a fórmulas aritméticas; deve ser
apreciado em cada caso concreto.”124
E destaca dois nortes a serem observados pelo julgador, quais
sejam, a gravidade do dano e o caráter sancionatório da indenização125.
121 Ibidem, p. 37. 122 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 6ª edição. São Paulo. Editora LTR, 2006, p. 215. 123 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 6ª edição. São Paulo. Editora LTR, 2006, p. 217. 124 GUIMARÃES, Jorge Scartezzini. Vícios do Produto e do Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança. 2ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2007, p 261. 125 Ibidem, p. 261.
70
Com efeito, o objetivo da indenização por dano moral deve
possuir um caráter duplo: satisfativo-punitivo. Ou seja, o seu pagamento deve
proporcionar ao ofendido uma satisfação, uma sensação de compensação
capaz de amenizar a dor sentida e, em contrapartida, deverá servir como
punição ao ofensor, incutindo-lhe um impacto suficiente a dissuadi-lo de um
novo atentado.
Rizzatto Nunes, de todo modo, em que pesem as dificuldades
retrocitadas, inspirado na doutrina e na jurisprudência, e levando em
consideração, especialmente, os princípios constitucionais que garantem a
inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, do respeito à vida e da
garantia à incolumidade física e psíquica, com o asseguramento de uma
qualidade de vida sadia e do princípio da isonomia, e, ainda, a garantia da
intimidade, vida privada, imagem e honra, fixa determinados parâmetros para a
determinação da indenização por danos morais, a saber: a natureza específica
da ofensa sofrida, a intensidade real do sofrimento do ofendido, a repercussão
da ofensa no meio social em que vive o ofendido e a sua posição social, a
existência de dolo por parte do ofensor e o grau de culpa, a situação
econômica do ofensor, a capacidade e a possibilidade de o ofensor voltar a
praticar o ato danoso, a prática anterior do ofensor de fatos danosos da mesma
natureza, e a existência por parte do fornecedor de práticas atenuantes que
visam dirimir a dor do ofendido126.
Na mesma esteira, aduz Sérgio Cavalieri que o juiz, ao valorar
o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente
arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade
126 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005, p. 72.
71
da duração do sofrimento experimentado, a capacidade econômica do
causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias
mais que se fizerem presentes127.
Tudo isto, porque se deve ter sempre em vista o objetivo
dúplice da indenização por dano moral, de promover a punição do causador do
dano e de satisfazer a vítima.
O valor da indenização, segundo Antônio Herman de
Vasconcelos e Benjamin, há de ser substancial, pois, deve ele também cumprir
o seu papel preventivo de dissuadir o infrator a praticar condutas similares.128
Entretanto, imperativo ressaltar que a fixação do quantum
debeatur não poderá, em nenhuma hipótese ser fonte de lucro do ofendido,
porquanto será capaz de caracterizar o indevido enriquecimento sem causa.
Consigne-se, por fim, que há autores que defendem a
utilização, por analogia, do art. 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações
(Lei n. 4.117/62), que assim dispõe:
Na estimação do dano moral, o juiz terá em conta,
notadamente, a posição social ou política do ofensor, a
intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão
da ofensa.
Outro tema que, no arbitramento do valor da indenização se
revela importante, refere-se à sua fixação em salário mínimo. Inúmeros
127 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 90. 128 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS, Antonio Herman de; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; JÚNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 9ª edição. São Paulo. Editora Forense Universitária, 2007, p. 489.
72
julgados admitiam tal modo, considerando, para tanto, inexistir ilegalidade
alguma no fato de o juiz mencionar a quantidade de salários mínimos
correspondentes ao quantum arbitrado a título de indenização dos danos
morais, pois o que seria vedado pela lei é a sua utilização como fator de
correção monetária129.
Cuida-se de entendimento que já havia, inclusive, sido
pacificado pelo STJ, que, porém, reformulou sua orientação após manifestação
do STF de que, em face do disposto no art. 7º, IV da Constituição, é vedada a
utilização do salário mínimo como fator de atualização concedida a título de
dano moral130.
Por fim, sobre esta questão dos critérios para a fixação de
eventual indenização bem ponderou José Raffaelli Santini, cuja opinião, dada
nos seguintes termos, coadunamos:
Ao contrário do que alegam os autores na inicial, o critério de
fixação do dano moral não se faz mediante um simples cálculo
aritmético [...] Na verdade, inexistindo critérios previstos por lei
a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador
que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a
exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre
e consciente, à luz das provas que foram produzidas.
Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de
escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da
culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do
dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode
se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu.
129 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 813. 130 Ibidem, p. 813.
73
Conclui-se que, a doutrina e a jurisprudência é pacífica no
sentido de que a reparação de danos morais se procede por arbitramento
judicial, mesmo porque a Constituição assegura o direito a reparação
relacionada com a violação dos direitos da personalidade (art. 5º, V e X), não
se justificando o descumprimento a esses preceitos constitucionais por falta de
previsão sobre o modo de se estabelecer o valor da reparação.
Concedido, então, que cabe ao juiz fixar o valor da reparação
por meio de arbitramento, resta saber quais os critérios devem orientar essa
operação.
74
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na extensa seara da relação de consumo havemos de acordar
que os atos ilícitos praticados por fornecedores de produtos ou serviços,
podem gerar danos incomensuráveis ao íntimo do consumidor.
Inquestionável a existência de dano moral no ordenamento
jurídico brasileiro e sua devida reparação nas relações de consumo, sobretudo,
em virtude, do amparo constitucional, de sua previsão Código Civil e
consolidação nas relações de consumo por meio do Código de Defesa do
Consumidor.
Este, por sua vez, constitui verdadeiro avanço jurídico, no
sentido de resguardar os direitos dos cidadãos contra os abusos cometidos por
fornecedores, em posição mais favorável na relação em que travam com
consumidores.
Entretanto, em que pese a notável contribuição trazida, o
Código de Defesa do Consumidor não foi capaz de solucionar alguns dos
principais problemas relativos à indenização por danos morais, que também
não encontram solução na Constituição Federal ou no Código Civil, quais
sejam, a caracterização do dano moral, em função de sua carga
exclusivamente subjetiva, e a fixação de critérios a serem utilizados para
apuração do valor arbitrado a título de indenização, uma que se presta a
reparar dano imaterial, intangível, razão pela qual tais questões revelam-se
ainda controvertidas pela doutrina e no âmbito do Poder Judiciário, com
apresentação de soluções diversas.
No entanto, reiteradas vezes a doutrina e jurisprudência têm
apontado no sentido de que o dano moral deve ser no mínimo, demonstrado.
Não que a dor, a angústia e o sentimento de desconforto devam se emergir
para a situação concreta. Mas deve conter o pleito, a demonstração de que de
fato ocorreu situação de sobremodo constrangedora, a ensejar a
reparabilidade, no sentido satisfativo-punitivo de que fala a doutrina.
Como vimos, nas relações de consumo atuais há muitas
formas de abusos praticados por fornecedores de produtos e serviços e que
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geram dano morais, tais praticas advindas de propaganda enganosas, uso
indevido e inadequado da via de protesto cambiários e lançamentos de dados
dos consumidores em banco de dados que constam créditos negativados,
produtos inadequados para a segurança e o uso, produtos e serviços de má
qualidade, não cumprimento de clausulas contratuais, demora na efetiva
prestação dos serviços e entrega de coisas, o não atendimento adequado na
pós-venda, etc.
Se indenização por dano moral possui este caráter satisfativo-
punitivo, visando trazer, além do conforto e alento para a vítima do evento,
também coibir o ofensor, para que o mesmo não reincida na produção de ato
danoso, não poderá ser utilizada de maneira desenfreada, sem que se
respeitem os limites impostos pelos princípios de razoabilidade e
proporcionalidade.
Hoje, de acordo com a moderna disciplina da responsabilidade
civil, a reparação de danos exige, para sua efetivação, que sejam comprovados
a conduta ilícita do ofensor, sua participação no evento danoso e a relação de
causalidade entre o ato praticado e o dano causado.
Portanto, em que pese o caráter subjetivo desta tutela, a sua
caracterização e a quantificação de eventual indenização devem respeitar
critérios rigorosos e objetivos mínimos, a fim de se evitar a criação de
verdadeira “indústria” de indenizações e ajuizamento de demandas que visam
exclusivamente o enriquecimento sem causa, assim como não podem ter valor
tão irrisório, de modo a estimular a prática de atos danosos, o justo direito de
indenização por danos extrapatrimoniais, deve merecer tratamento adequado,
por todos os operadores do direito, resguardando sobremaneira a dignidade da
pessoa humana e a segurança jurídica das relações de consumo.
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