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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
JOSÉ ANTÔNIO DE GÓES FILHO
A IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL NO CONTEXTO
EVANGÉLICO BRASILEIRO
SÃO PAULO
2017
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JOSÉ ANTÔNIO DE GÓES FILHO
A IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL NO CONTEXTO
BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito parcial à obtenção de título de
Mestre em Ciências da Religião.
ORIENTADOR: Rev. Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa
SÃO PAULO
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G598i Góes, José Antonio de. A Igreja Presbiteriana do Brasil no contexto evangélico brasileiro
/ José Antonio de Góes. 136 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) - Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017. Bibliografia: f. 132-136.
1. Protestantismo. 2. Presbiterianismo. 3. Igreja Presbiteriana do
Brasil. 4. Presbiterianismo brasileiro. 5. Protestantismo brasileiro. 6. Censo 2010. I. Título.
CDD 285
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Dedico este trabalho ao Deus de toda
sabedoria, que criou, sustenta e redimiu
todas as coisas pela obra de Seu Filho, o
nosso Senhor Jesus Cristo; à minha
família: Ellen Cristina, minha querida
esposa, e aos meus filhos, João Filipe,
Davi e Estevão, que me apoiaram, sendo
sempre compreensivos quanto ao tempo
que tirei deles para me dedicar a este
trabalho; à Igreja Presbiteriana do Brasil e
a Universidade Presbiteriana
Mackenzie, que sempre me incentivaram e
me proporcionaram a oportunidade de me
desenvolver academicamente.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, à minha família, à Igreja, ao Mackenzie e aos
amigos que me ajudaram e incentivaram;
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião, pela dedicação em transmitir o que sabiam;
Ao meu Mestre e orientador desde o seminário, Rev. Dr. Hermisten
Maia Pereira da Costa, que sempre me inspirou pela sua inteligência, produção e
competência;
Ao Rev. Dr. Davi Charles Gomes, também, pelo incentivo e pelos
conselhos;
Por fim, agradeço às minhas amigas e companheiras de trabalho,
Mariana Machado, que sempre me ajudou quanto a organização dos trabalhos da
capelania, proporcionando tempo para que eu pudesse escrever e, em especial, a
Mariana Rocha ou, como a chamamos carinhosamente, Marianinha, por todo o
empenho e ajuda na tarefa de formatação e revisão do trabalho. Grato a todos.
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RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo compreender as características da Igreja
Presbiteriana do Brasil como uma instituição de origem teológica reformada,
atuando no contexto multicultural e plurirreligioso brasileiro. Para isso, analisaremos
as suas raízes históricas, bem como as suas características, que partem de sua
teologia e liturgia, passando por seu sistema de governo, e desembocando no que
se espera de uma conduta ética cristã de um presbiteriano, procurando distingui-la
das demais igrejas evangélicas brasileiras. Também, faremos uma observação
panorâmica do contexto étnico, cultural e religioso, demonstrando as complexidades
da sociedade brasileira para o estabelecimento de uma igreja histórico-reformada.
Avaliaremos como se dá a presença presbiteriana no Brasil, a partir de sua estrutura
organizacional e seus métodos de expansão, e também observando os dados
estatísticos do Censo 2010, realizado pelo IBGE, os dados estatísticos da Secretaria
Executiva da denominação e o Censo Presbiteriano de 2008. Além disso, as
heranças do período Moderno e os impactos do período denominado de Pós-
Modernidade e Modernidade Líquida em nossa sociedade contemporânea serão
considerados, analisando-se quais as consequências e seus desafios para as
igrejas históricas do Brasil.
Palavras-Chave: Protestantismo. Presbiterianismo. Igreja Presbiteriana do Brasil.
Presbiterianismo brasileiro. Protestantismo brasileiro. Censo 2010.
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ABSTRACT
The present work aims to understand the characteristics of the Presbyterian Church
of Brazil as an institution of reformed theological origin, acting in the Brazilian
multicultural and multireligious context. In order to do so, we will analyze its historical
roots as well as its characteristics, starting from its theology and liturgy, analyzing
through its political system, and culminating in what is expected of a Christian ethical
conduct of a Presbyterian person, seeking to dissect it from other Evangelical
churches. Also, we will make a panoramic observation of the ethnic, cultural and
religious context, demonstrating the complexities of the Brazilian society for the
establishment of a historic-reformed church. We will evaluate how the Presbyterian
presence in Brazil occurs, based on its organizational structure and methods of
expansion, and also observing the statistical data of the 2010 Census conducted by
IBGE, the statistical data of the denomination Executive Secretariat and the 2008
Presbyterian Census. Besides, the legacies of the Modern period and the impacts of
the period known as Post-Modernity and Liquid Modernity in our contemporary
society will be considered, analyzing the consequences and their challenges for the
Brazilian historic churches.
Keywords: Protestantism. Presbyterianism. Presbyterian Church of Brazil. Brazilian
Presbyterianism. Brazilian Protestantism. 2010 Census.
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Porcentagem de Igrejas por Região Geográfica do Brasil ....................... 85
Gráfico 2 - Igrejas que não têm Congregação nem ponto de Pregação................... 86
Gráfico 3 - A Igreja tem "Igreja Filha"? ............................................................................ 86
Gráfico 4 - Igrejas sem Congregação e sem ponto de pregação................................ 87
Gráfico 5 - A Igreja está localizada em qual área do Município? ................................ 88
Gráfico 6 - Localização das Igrejas de acordo com a região geográfica do Brasil .88
Gráfico 7 - Frequência média num culto principal da Igreja no domingo típico ......89
Gráfico 8 - Frequência média na Escola Dominical....................................................... 90
Gráfico 9 - Esta Igreja promove alguma atividade religiosa durante a semana (de
2a. a sábado)? Quais? ......................................................................................................94
Gráfico 10 - Quais as reuniões religiosas realizadas no domingo? ............................ 95
Gráfico 11 - Atividades sociais .......................................................................................... 96
Gráfico12 - Atividade educacional que a Igreja local desenvolve ............................... 97
Gráfico 13 - Esta Igreja possui conjunto coral?.............................................................. 98
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Membros por faixa etária .................................................................................. 91
Tabela 2 - Origem - Quantos vieram de ... (apenas membros ativos) .......................... 92
Tabela 3 - Núcleos familiares .............................................................................................. 93
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LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Presença Presbiteriana no Estado do Rio De Janeiro ............................... 115
Mapa 2 - Presença Presbiteriana no Estado de São Paulo ....................................... 116
Mapa 3 - Presença Presbiteriana no Estado de Minas Gerais ................................. 116
Mapa 4 - Presença Presbiteriana no Estado do Espírito Santo ................................ 117
Mapa 5 - Presença Presbiteriana no Estado do Rio Grande do Sul......................... 117
Mapa 6 - Presença Presbiteriana em Santa Catarina................................................. 118
Mapa 7 - Presença Presbiteriana no Paraná................................................................ 118
Mapa 8 - Presença Presbiteriana no Mato Grosso do Sul ........................................ 119
Mapa 9 - Presença Presbiteriana no Estado do Mato Grosso................................... 119
Mapa 10 - Presença Presbiteriana no Estado de Goiás ............................................. 120
Mapa 11 - Presença Presbiteriana no Distrito Federal ............................................... 120
Mapa 12 - Presença Presbiteriana na Bahia ................................................................ 121
Mapa 13 - Presença Presbiteriana no Estado do Tocantins ...................................... 121
Mapa 14 - - Presença Presbiteriana no Estado de Sergipe ....................................... 122
Mapa 15 - Presença Presbiteriana no Estado de Alagoas ......................................... 122
Mapa 16 - Presença Presbiteriana no Estado de Pernambuco................................. 123
Mapa 17 - Presença Presbiteriana no Estado da Paraíba ......................................... 123
Mapa 18 - Presença Presbiteriana no Estado do Rio Grande do Norte .................. 124
Mapa 19 - Presença Presbiteriana no Estado do Piauí .............................................. 124
Mapa 20 - Presença Presbiteriana no Estado do Ceará ............................................ 125
Mapa 21 - Presença Presbiteriana no Estado de Rondônia ..................................... 125
Mapa 22 - Presença Presbiteriana no Estado de Roraima ........................................ 126
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Mapa 23 - Presença Presbiteriana no Estado do Maranhão ..................................... 126
Mapa 24 - Presença Presbiteriana no Estado do Pará............................................... 127
Mapa 25 - Presença Presbiteriana no Estado do Amapá........................................... 127
Mapa 26 - Presença Presbiteriana no Estado do Amazonas .................................... 128
Mapa 27 - Presença Presbiteriana no Estado do Acre ............................................... 128
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 1
1. CONTEXTO ETNICO, CULTURAL E RELIGIOSO BRASILEIRO ............................ 4
1.1 Breve histórico da formação da identidade brasileira .............................................. 4
1.2 As Religiões no Brasil ................................................................................................... 7
2. ORIGENS HISTÓRICAS DO PRESBITERIANISMO BRASILEIRO ....................... 19
2.1. Ulrico Zuínglio .............................................................................................................. 19
2.2. João Calvino ................................................................................................................ 21
2.3. John Knox – O Pai do Presbiterianismo ................................................................. 27
2.4. Os Puritanos e os Avivamentos Norte-Americanos .............................................. 30
2.5 Simonton ....................................................................................................................... 37
3. CARACTERÍSTICAS DA IGREJA PRESBITERIANA BRASIL............................... 45
3.1. CONSTITUIÇÃO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL ........................... 45
3.2. VALORIZAÇÃO DA HISTÓRIA ................................................................................. 49
3.3. SÓLIDA TEOLOGIA ................................................................................................... 55
3.3.1. Depravação Total .............................................................................................. 57
3.3.2 Eleição Incondicional ......................................................................................... 58
3.3.3 Expiação Limitada ............................................................................................. 59
3.3.4 Graça Irresistível ................................................................................................. 59
3.3.5 Perseverança dos Santos ................................................................................ 60
3.4 HERMENÊUTICA......................................................................................................... 63
3.5 CULTO........................................................................................................................... 67
3.6 ÉTICA ............................................................................................................................ 69
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4. DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS................................................................................ 72
5. Presença Presbiteriana no Brasil ............................................................................... 80
5.1 CENSO PRESBITERIANO ........................................................................................ 84
5.2 A Estrutura Organizacional da IPB ........................................................................... 99
5.2.1. As Comissões .................................................................................................101
5.2.1.1. Organização, Sistemas e Métodos ..........................................................101
5.2.1.2. Comissão de Previdência, Saúde e Seguridade ...................................101
5.2.1.3. Comissão de Relações Inter-Eclesiásticas .............................................102
5.2.1.4. Comissão Nacional Presbiteriana de Educação ....................................102
5.2.1.5. Conselho de Ação Social...........................................................................103
5.2.1.6. Conselho De Educação Cristã E Publicações .......................................103
5.2.1.7. Conselho de Hinologia, Hinódia e Música da Igreja Presbiteriana do
Brasil .............................................................................................................104
5.2.1.8. Junta Patrimonial, Econômica e Financeira ...........................................104
5.2.1.9. Tribunal de Recursos ................................................................................105
5.2.2 As Autarquias ...................................................................................................105
5.2.2.1 Na área da Saúde ........................................................................................105
5.2.2.2. Na área da Educação.................................................................................105
5.2.2.3. Na área da Educação Teológica (Cursos Básicos):..............................106
5.2.2.4. Na área da Educação Teológica (Bacharelado e Pós-Graduação): ..106
5.2.2.4.1. Junta Regional de Educação Teológica - JURET - Brasil Central
....................................................................................................................106
5.2.2.4.2. Junta Regional de Educação Teológica - JURET - Norte / Nordeste
....................................................................................................................106
5.2.2.4.3. Junta Regional de Educação Teológica - JURET - Rio de Janeiro
....................................................................................................................106
5.2.2.4.4. Junta Regional de Educação Teológica - JURET - São Paulo .....107
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5.2.2.4.5. Junta Regional de Educação Teológica - JURET – Sul.................107
5.2.2.5. Na área de Mídia e Publicações...............................................................107
5.2.2.6. Na área de Evangelização, Missões e Expansão .................................107
5.2.2.7. Na área da História e Cultura Presbiteriana ...........................................107
5.3. Projeto de expansão da IPB ...................................................................................108
5.3.1. Agência Presbiteriana de Missões Transculturais – APMT.....................108
5.3.2. Junta de Missões Nacionais – JMN ............................................................110
5.3.3. Plano Missionário Cooperativo – PMC .......................................................111
5.3.4. A Politização da IPB.......................................................................................112
5.4 Presença da Igreja Presbiteriana do Brasil nos estados brasileiros. ................115
CONCLUSÃO ......................................................................................................................129
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................132
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1
INTRODUÇÃO
Trabalhei na Secretaria Executiva da Igreja Presbiteriana do Brasil
entre os anos de 2010 e 2014, servindo ali como chefe de gabinete do Secretário
Executivo, na época, o Rev. Ludgero Bonilha Moraes. A Secretaria Executiva,
constitucionalmente, é quem cumpre, faz cumprir e dá ciência aos sínodos,
presbitério e às igrejas locais, bem como aos órgãos ligados à denominação, sobre
as decisões tomadas no Supremo Concílio e sua Comissão Executiva. Como parte
de suas atribuições, a Secretaria Executiva também recebe os relatórios de
estatísticas dos presbitérios tendo, portanto, um panorama quanto ao
desenvolvimento da denominação.
Os anos de serviço nesta secretaria nos deram uma noção maior sobre
o tamanho da Igreja, sobre como ela funciona, seus projetos e seus desafios.
Viajando Brasil afora dando workshops sobre as ferramentas disponibilizadas pela
secretaria, tais como, Presbiterato Bíblico, Sistema iCalvinus e Constituição da IPB,
fez com que conhecêssemos de uma maneira mais próxima as comunidades locais
e as suas particularidades regionais. Além disso, atuei em quarto reuniões de
Comissão Executiva, um Supremo Concílio ordinário e dois Supremos Concílios
extraordinários.
Houve uma ocasião, em meados de 2014, que recebemos uma
consulta de uma revista de veiculação nacional – na qual seria publicada uma
matéria sobre as religiões no Brasil – interessada em saber o que a Igreja
Presbiteriana do Brasil entendia quanto às razões do declínio das igrejas históricas
brasileiras, inclusive das presbiterianas. Tal consulta me causou, por um lado, um
certo espanto, visto que os números que tínhamos não condiziam com a informação
deles. Então, produzi um documento, juntamente com o secretário executivo em
exercício que, na ocasião, era o Rev. Juarez Marcondes Filho, informando os
nossos dados estatísticos, que indicavam, ainda que pequeno, um crescimento da
denominação em solo brasileiro.
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2
Sendo assim, diante dessa experiência, decidi aprofundar o estudo
sobre esta denominação histórica no Brasil, analisando suas origens e seu
desenvolvimento em terras brasileiras, considerando, também, os desafios étnicos,
culturais e religiosos que a IPB enfrentou e ainda enfrenta.
A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) é uma igreja histórica de teologia
calvinista. Ela chegou ao Brasil através do trabalho missionário do americano A. G.
Simonton, em agosto de 1859. Suas origens intelectuais e teológicas remontam à
época de João Calvino (1509 - 1564), reformador francês que dedicou a maior parte
de seu ministério pastoral em Genebra. Também fundamenta a sua
confessionalidade às Escrituras do Antigo e do Novo Testamento e tem como
símbolos de fé os tratados conhecidos como Confissão de Fé de Westminster e seu
breve e maior catecismo.
Como uma igreja histórica, algumas coisas da realidade atual da
sociedade se apresentam como grandes desafios. Talvez, a grande pergunta que
se faça hoje é a seguinte: o que a IPB pode fazer para se tornar relevante para a
sociedade contemporânea? Isso se revela como um grande desafio, visto que a
igreja pode perder o seu propósito adotando determinadas ações no intento de se
tornar "relevante".
Chama-se Igreja Presbiteriana por causa de seu sistema de governo
“presbiteral”. O governo da Igreja é exercido por presbíteros docentes e regentes.
De maneira prática e simplória, os docentes (pastores) são responsáveis pelo
ensino; os regentes (presbíteros) são os responsáveis pela administração. Este é
um sistema de governo que, para muitos, dificulta o desenvolvimento da igreja, visto
ser considerado muito burocrático e lento. Entretanto, é um sistema que permite
uma administração mais isonômica e, para os presbiterianos, é um sistema bíblico
de organização da igreja cristã.
Consideraremos que a Igreja tem buscado se expandir em território
nacional e, para tanto, alguns projetos missionários têm sido implantados. Além dos
projetos de suas agências missionárias, a Igreja Presbiteriana do Brasil,
historicamente, enfatiza e, com isso, demonstra a sua vocação de uma igreja
fortemente engajada na educação como uma ferramenta de transformação social.
A igreja investiu e investe em hospitais como meio de assistência ao próximo em
suas necessidades, mas o meio mais adotado como forma e modelo de expansão
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3
é a implantação de novas igrejas pelas igrejas locais já constituídas.
Apontaremos que algumas mudanças ocorreram em sua estrutura
tradicional ao longo de sua história. Com as mudanças sociais que ocorreram no
Brasil, algumas características históricas da igreja têm mudado também, como, por
exemplo, o modelo de escola dominical e os estudos doutrinários de meio de
semana.
Analisaremos os efeitos do que por muitos é chamado “pós-
modernidade” ou “Modernidade Líquida” – uma vez que suas filosofias têm afetado
de maneira objetiva a sociedade em todas as suas estruturas: família, trabalho,
economia, arte e educação. Sendo assim, algumas características pertinentes à
contemporaneidade influenciam de maneira sorrateira as igrejas evangélicas e se
estabelecem como a grande desafio para a IPB.
Portanto, considero relevante o estudo sobre a Igreja Presbiteriana do
Brasil porque ela se destaca como uma das mais sólidas igrejas históricas em solo
brasileiro. Destarte, as ameaças que a espreitam podem ser as mesmas ameaças
para as demais igrejas históricas; as metodologias adotadas como sistema de
defesa podem servir de parâmetro e exemplo para as demais igrejas; destacar as
características distintivas pode revelar uma igreja mais relevante do que se imagina;
apresentar as ameaças contemporâneas pode contribuir para a preservação, o
desenvolvimento e as correções de trajeto das igrejas históricas no Brasil.
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1. CONTEXTO ÉTNICO, CULTURAL E RELIGIOSO BRASILEIRO
1.1 BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE BRASILEIRA
A história do Brasil vai além de Pedro Álvares Cabral e da coroa
portuguesa. Na verdade, não é possível falar de um país com tantas
particularidades partindo apenas de uma análise de um aspecto da sua história.
Quando os colonizadores chegaram à América, já existia uma população nativa, os
índios, e, depois da chegada dos portugueses, vieram outros de diversas partes do
mundo que, de maneira expressiva, contribuíram para a formação e o
desenvolvimento desta nação chamada brasileira.
Uma das questões que não se pode negligenciar consiste no fato de
que o povo brasileiro é constituído por relações étnicas e culturais diferentes que,
objetivamente, formaram a sua identidade social e cultural. Ricardo Ossagô de
Carvalho1, em seu artigo intitulado “A construção da identidade brasileira a partir de
Gilberto Freyre”, explica que, para Sérgio Buarque de Holanda, em sua obra Raízes
do Brasil, foram os índios, negros e mulatos que fundaram o Brasil. Diz ainda que,
para Gilberto Freyre, em seu clássico Casa-Grande e Senzala, a formação da
sociedade brasileira compreende três elementos culturais, a saber, o branco
(europeu-português), o negro (africano) e o indígena (nativo).
Em princípio, o contato se deu entre os portugueses e os índios. Pela
falta da mulher branca, os portugueses se relacionaram sexualmente e constituíram
família com as índias. Além disso, os índios foram úteis aos ideais portugueses no
que diz respeito ao desbravamento das terras brasileiras. Neste relacionamento, as
culturas se misturam e acabam construindo uma nova identidade cultural
miscigenada, que, futuramente, forma a identidade nacional brasileira.
Um pouco mais adiante, quando o Brasil inicia a instalação das
1 CARVALHO, Ricardo Ossagô. “A construção da identidade brasileira a partir de Gilberto Freyre”.
Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2017.
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5
primeiras lavouras de cana-de-açúcar no país, é que surge a terceira raça, que
também contribuiu para a formação da identidade cultural brasileira: os negros
foram trazidos à força da África para trabalhar nos engenhos de açúcar no Nordeste,
lavouras de café em São Paulo e Minas Gerais, dentre outros trabalhos tanto quanto
pesados.
Os senhores de escravos mantinham relação com negras escravas e
muitas delas serviam também para a iniciação sexual dos jovens senhores. Disto
decorria o nascimento dos mestiços. Freyre aponta que isso acabou servindo aos
interesses da colonização. Na verdade, ele destaca o aspecto da necessidade da
miscigenação para os portugueses no projeto de colonização, visto que os
portugueses não conseguiriam colonizar um território tão vasto quanto o Brasil sem
que houvesse uma população numerosa para isso. Isso possibilitou um grande
número de mestiços no Brasil. Mas, não só isso, essa mistura de raças possibilitava
uma adaptação mais tranquila do branco no ambiente tropical, contribuindo também
para a mão de obra, o prazer sexual e a constituição de toda uma cultura particular.
Toda essa miscigenação também contribuiu para uma mudança ou
adaptação dos costumes, tais como podem ser verificados ainda hoje em nossa
culinária, como, por exemplo: a mandioca, farinha, amendoim, milho, a farofa, o
quibebe, a feijoada, azeite de dendê, dentre outras coisas; e até mesmo na religião.
Entretanto, uma nação tão miscigenada precisa de um elemento
unificador. No caso do Brasil, não poderia ser a questão da raça, visto que isso
implicaria na elevação de uma em detrimento das outras. Freyre, considerando a
problemática, identifica que o elemento unificador do povo era a religião católica,
trazida para o Brasil pelos colonizadores portugueses2. Assim, a religião no Brasil
assume uma característica mais condescendente, visto que ela conta dois
elementos distintos que se configuram como elementos unificadores da identidade
brasileira: índios e negros.
A religião, portanto, assume um papel proeminente e orientador para
a sociedade brasileira. A religião católica era celebrada num contexto familiar,
através de afiliações pessoais aos santos, celebrações a familiares mortos e um
sacerdote quase que exclusivo para a família. Ricardo Ossagô de Carvalho, em seu
artigo: “A construção da identidade brasileira a partir de Gilberto Freyre”, afirma que
2 FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 51ª ed. São Paulo. Global Editora.
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“o cotidiano da família patriarcal será então marcado por práticas religiosas,
assinalando a passagem dos dias, dos anos, da própria vida”3. Citando Freyre, ele
acrescenta: “dentro da casa rezava-se de manhã, à hora das refeições, ao meio-
dia; e de noite, no quarto dos santos – os escravos acompanhando os brancos no
terço e na salve- rainha.”4
E não somente isso: a religião norteia o calendário do Brasil-colônia e,
com isso, acaba estabelecendo o ritmo da vida social. Eram eventos que
celebravam o “ajuntamento” entre os membros da casa-grande e da senzala, ou
seja, tanto os senhores quanto os escravos, e também outras famílias amigas que
se confraternizavam nestes eventos.
A religião marcava todos os aspectos da vida das pessoas e se
estabelecia como o elemento unificador na sociedade. Mesmo com tantas
diferenças, objetivos particulares, desafios culturais, a religião era o que dava liga à
pluralidade cultural. Freyre assevera que “a religião tornou-se o ponto de encontro
e de confraternização entre as duas culturas, a do senhor e a do negro; e nunca
uma intransponível e dura barreira”5.
Nesse contexto é que a identidade brasileira vem sendo formada.
Colonizadores portugueses se relacionando com os nativos (índios) e com os
negros vindos da África, produzindo assim uma miscigenação étnica e cultural,
unificados por uma religião flexível que norteava a vida desta nova sociedade.
Carvalho assegura que:
A brasilidade só ganha foco com as contribuições dos mulatos -
mestiços de brancos e negros, já totalmente “desafricanizados” pela
moda aculturativa da escravidão. Esses mulatos ou serão
brasileiros ou não serão nada, já que a identificação com o índio,
africana ou “brasilindio” era impossível. Além de ajudar a propagar
o português, língua corrente, esses mulatos somados aos
mamelucos formavam a maioria da população que passaria, mesmo
contra a sua vontade, a ser vista e tida como a gente brasileira6.
3 FREYRE apud. CARVALHO, Ricardo Ossagô. 4 Ibid. 5 Ibid. 6 CARVALHO, Ricardo Ossagô, op.cit.
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Passados alguns anos, já no período republicano, avolumam-se as
imigrações dos europeus para o Brasil, principalmente para a Região Sul e para
São Paulo. O objetivo, além de impulsionar a produção brasileira, era o de produzir
um “embranquecimento” da população. Obviamente, juntamente com estes
imigrantes, além de suas bagagens, vigor e sonhos, vinham aspectos próprios,
culturais e religiosos, que se somaram aos que já habitavam estas terras.
1.2 AS RELIGIÕES NO BRASIL
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais,
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social
e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.7
O Brasil é, constitucionalmente, um Estado Democrático. Isso implica
que temos assegurados direitos e temos as nossas condutas norteadas por deveres
com o Estado e com a sociedade. No preâmbulo da Constituição Federal Brasileira,
somos apresentados ao que ela se destina nos garantir, como, por exemplo, direitos
sociais e individuais, liberdade, segurança e assim por diante. Uma Constituição
revela muito do que é uma determinada sociedade e o preâmbulo se caracteriza
como uma espécie de resumo do que, posteriormente, será detalhado.
Sendo assim, no preâmbulo de nossa Constituição Federal, além das
revelações quanto aos direitos e deveres civis do povo brasileiro, também é
revelado um pressuposto religioso: “[…] promulgamos, sob a proteção de Deus, a
seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” (grifo nosso)8. Com isso,
diferentemente do que alguns possam interpretar como uma expressão tendenciosa
e proselitista, os constituintes tinham em mente uma sociedade plurirreligiosa, como
7 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 08.maio.2017. 8 Constituição da República Federativa Do Brasil de 1988, op. cit.
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é o caso do Brasil. Isso fica mais claro quando lemos os artigos que tratam sobre
as liberdades de religião.
O famigerado termo que se deu ao Estado no que diz respeito à
liberdade religiosa é, na verdade, uma subversão de seu caráter constitucional.
Dizer que o Brasil é um Estado Laico é o mesmo que dizer que o Brasil é um país
sem religião, o que não é verdade. A verdade é que o Brasil é um país com muitas
religiões (plurirreligioso).
Segundo o artigo 5ª da Constituição Federal:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é
assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII - ninguém
será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se
de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei.9
O Art. 150, item VI, letra b, acrescenta que: "sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: b) templos de qualquer
culto”10.
E, por fim, o Art. 210 que assegura:
Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de
maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores
culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1º O ensino religioso,
de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais
das escolas públicas de ensino fundamental.11
Portanto, com base nesses artigos, percebemos que o Estado
Democrático brasileiro garante a todos, indistintamente, a liberdade quanto ao
exercício de sua fé ou até mesmo à falta dela. O Brasil não é um Estado de uma
religião, assim como não é um Estado de nenhuma religião. O Brasil é um Estado
9 Ibid. 10 Ibid. 11 Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988, op. cit.
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de todas as religiões.
Por isso, tratar sobre religião e religiosidade no Brasil é sempre um
desafio diante das complexidades e multiplicidades do tema no contexto brasileiro.
Contudo, este desafio tem sido encarado e o assunto, trabalhado e debatido a cada
dia com mais ênfase e seriedade. Prova disso é o livro Religiosidade no Brasil12,
organizado por João Baptista Borges Pereira, que nos apresenta uma tela pincelada
pelas linhas e cores em que se representa a religião e a religiosidade num Brasil
multicultural e plurirreligioso.
Além dela, a obra organizada por Faustino Teixeira e Renata
Menezes, Religiões em Movimento: o Censo de 201013 também nos fornece um
panorama bastante amplo sobre a temática em voga.
Tais obras tornam-se relevantes para este trabalho ao discutirem a
religiosidade além dos conceitos tradicionais e estereotipados no contexto,
majoritariamente, de linha cristã em solo brasileiro, especialmente quando nos
revelam grupos religiosos, com certa proeminência, pouco ou sequer conhecidos,
como por exemplo, os budistas no Rio Grande do Sul, um grupo de espiritas
messiânicos na Paraíba, dentre outros.
No entanto, mesmo em se tratando de expressões religiosas com
perfis cristãos, uma pergunta pode ser lançada como uma incitação para a
conceituação do cristianismo brasileiro, a saber: que tipo de cristianismo é este que
temos aqui? Visto que, mesmo no imenso grupo dos que se denominam cristãos
há, inegavelmente, diferentes características e rituais cúlticos distintos que tornam
o próprio cristianismo um objeto de estudo bastante amplo e interessante.
Sendo assim, percebe-se o dinamismo e a elasticidade da
religiosidade brasileira, bem como os seus aspectos comunitários e compartilhados
que afetam, ainda que em suas particularidades, os distintos grupos religiosos,
tornando o estudo do tema um cenário com amplas possibilidades para a
continuidade da pesquisa acadêmica.
Em Religiosidade no Brasil, Pereira conceitua a temática do
cristianismo brasileiro nos apresentando as suas raízes históricas, seu
desenvolvimento e suas adaptações ao longo dos anos. Trabalharemos neste
12 PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. 13 TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata. (Org.). Religiões em Movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013.
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capítulo com uma análise do resultado que este livro apresenta, seguindo o seguinte
esboço: Augustin Werner, em seu artigo “Congregações femininas no Brasil e o
reavivamento religioso em fins do século XIX”14, afirma que o cristianismo católico
brasileiro sempre esteve muito arraigado em sua cultura, no entanto, o processo
de revitalização do catolicismo na Europa reverberou aqui, o que produziu,
necessariamente, uma sensível mudança e adaptação no contexto brasileiro.
Faustino Teixeira, em “Faces do catolicismo brasileiro”15, diz que no final do século
XX é que se iniciou um intensivo declínio do catolicismo no Brasil.
Carlos Rodrigues Brandão, em seu artigo: “Catolicismo.
Catolicismos?” menciona que:
Os dados que acabam de ser apresentados pelo IBGE, com
respeito às religiões brasileiras no Censo Demográfico de 2010
confirmam a situação de progressivo declínio na declaração de
crença católica. Os dados apresentados indicam que a proporção
de católicos caiu de 73,8% registrados no Censo de 2000 para
64,6% nesse último Censo, ou seja, uma queda considerável. Trata-
se de uma redução que vem ocorrendo de forma mais
impressionante desde o Censo de 1980, quando então a declaração
de crença católica registrava o índice de 89,2%. Daí em diante, a
sangria só aumentou: 83,3% em 1991, 73,8% em 2000 e 64,6% em
2010. O catolicismo continua sendo um "doador universal” de fiéis,
ou seja, “o principal celeiro no qual outros credos arregimentam
adeptos”, para utilizar a expressão dos antropólogos Paula Montero
e Ronaldo de Almeida […]”16.
Ele alude ainda que, se a tendência de declínio persistir, em breve
teremos um cenário invertido e impactos importantes no campo religioso brasileiro.
Nesse sentido, Renata de Castro Menezes, em "Uma visita ao
catolicismo brasileiro contemporâneo: a bênção de Santo Antônio num convento
carioca”1717, aponta para um consequente processo de reconfiguração do campo
14 WERNER, Augustin. “Congregações femininas no Brasil e o reavivamento religioso em fins do século
XIX”. In: PEREIRA, J. B. B. (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 359-368. 15 TEIXEIRA, Faustino. “Faces Do Catolicismo Brasileiro”. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 23-36. 16 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Catolicismo. Catolicismos? In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES (Org.); Renata. (Org.). Religiões em Movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 89-110.
17 MENEZES, Renata de Castro. Uma visita ao catolicismo brasileiro contemporâneo: a bênção de Santo Antônio num convento carioca In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013 .p. 37-54.
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religioso no Brasil e, ainda, considerando o processo, nota a necessidade de uma
nova percepção do catolicismo e sua coexistência na cultura brasileira.
Entretanto, o cristianismo brasileiro não é composto meramente por
origens e tradições católicas. O protestantismo chegou ao Brasil no período colonial
através dos franceses e holandeses. Embora o catolicismo ainda seja o segmento
religioso mais proeminente, os dados do IBGE de 2010 apontam para um
crescimento significativo dos evangélicos no Brasil, estabelecendo-os, portanto,
como o segundo maior grupo religioso, correspondente a 22,2% da população
brasileira. Brandão considera que este crescimento se dá em razão de uma
migração do catolicismo. Ele diz que “a um primeiro olhar tudo leva crer que
o catolicismo semeia fiéis jovens para mais tarde em boa medida serem colhidos
pelos evangélicos pentecostais e neopentecostais”18.
Contudo, temos que considerar o evangelicalismo brasileiro também
dentro da multiplicidade e pluralidade cultural do Brasil. O atual crescimento pode
ser notado pelo espaço que os evangélicos têm ocupado na mídia e na política,
porém nem todos que estão incluídos nas nomenclaturas “protestante” ou
“evangélico” tem colaborado para o aumento dos dados acima, pois, enquanto
destaca-se o crescimento de alguns grupos, nota-se o arrefecimento ou estagnação
de outros19 (veremos os dados desta informação mais adiante).
O pentecostalismo tradicional também sofreu mutações e dele surgiu
o movimento denominado de neopentecostalismo, tendo como o seu maior
expoente a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus). Fundada por Edir Macedo e
Romildo Ribeiro Soares (R.R. Soares – também fundador e líder da Igreja
Internacional da Graça de Deus), em 9 de julho de 1977. A IURD mantém um
discurso de prosperidade, e de maneira mais aguda prega contra os ritos cúlticos e
as tradições das religiões afro-brasileiras, ainda que isso pareça contraditório ao
ambiente sincrético brasileiro20.
18 BRANDÃO, Carlos Rodrigues, Op. cit., p. 93. 19 WIRTH, Lauri Emílio. “Protestantismo Brasileiro de rito luterano”. In: PEREIRA, J. B. B (Org.).
Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 97-110. CALVANI, Carlos Eduardo B. “Anglicanismo no Brasil”. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 55-70. 20 SILVA, Vagner Gonçalves da. “Concepções religiosas afro-brasileiras e neopentecostais: uma análise simbólica”. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 219-256.
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12
Entretanto, estas mutações não afetaram a estabilidade e nem,
tampouco, o crescimento dos pentecostais. Segundo a análise de Cecilia L. Mariz
e Paulo Gracino Jr., no artigo “As igrejas pentecostais no Censo de 2010”, os
pentecostais “quase que triplicaram de tamanho, em termos absolutos, de 1991 a
2010: saltando de pouco mais de 8 milhões para mais de 25 milhões21.
Considerando-se que o protestantismo22 brasileiro não foi originado
em si mesmo, ou seja, não nasceu nesta cultura, mas foi importado da Europa, e
com maior ênfase, dos EUA, uma análise quanto às mutações daquilo que foi
importado e sua adaptação e conformação à nossa cultura brasileira será realizada
mais adiante, no capítulo que trato sobre as origens históricas do Presbiterianismo.
Antônio Gouvêa Mendonça, no artigo "O protestantismo no Brasil e
suas encruzilhadas”23, e Leonildo Silveira Campos, em "As origens norte-
americanas do pentecostalismo brasileiro: observações sobre uma relação ainda
pouco avaliada”24, consideram a forte influência do protestantismo americano em
dois segmentos distintos, porém, permeantes e consolidados no Brasil, os quais
podem ser identificados nas igrejas protestantes de linha tradicional e nas de linha
pentecostal.
A linha que tece o emaranhado religioso brasileiro também é composta
por grupos minoritários, que a despeito de serem criticados e não demonstrarem
interesses quanto ao seu crescimento e desenvolvimento, perseveram em suas
origens e mantêm-se rígidos em sua doutrina prezando por sua manutenção
étnica25. São elas a Igreja Ortodoxa26 e a Congregação Cristã do Brasil. Quanto à
21 MARIZ, Cecília L.; GRACINO, Paulo. “As Igrejas Pentecostais no Censo de 2010”. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES (Org.); Renata. (Org.). Religiões em Movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 161-174. 22 A ênfase aqui não diz respeito aos evangélicos de modo geral, mas, aos evangélicos de linha histórica que imigraram para o Brasil. 23 MENDONÇA, Antônio Gouvêa. “O protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas”. In: PEREIRA, J.
B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 71-96. 24 CAMPOS, Leonildo Silveira. As Origens Norte-Americanas Do Pentecostalismo Brasileiro: Observações Sobre Uma Relação Ainda Pouco Avaliada. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade
no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 143-166. 25 PEREIRA, J. B. B. “Italianos no protestantismo brasileiro: A face esquecida pela história da imigração”. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 359-367. 26 A igreja constituída sobre a doutrina de Cristo, a partir do ano 33, era toda ela denominada ortodoxa. Entretanto, fatores ligados a questões culturais, dogmáticas, disciplinares, litúrgicas e políticas, entre as partes oriental e ocidental dessa comunidade até então
considerada una, levam, entre 1054 e 1204, à ruptura definitiva entre as duas metades, as quais serão assim reconhecidas até o momento contemporâneo: do lado ocidental, a Igreja Católica Apostólica Romana, submissa ao bispo de Roma, e do lado oriental, a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Grega,
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13
última, Pereira comenta:
O protestantismo, cujas raízes são italianas, situa-se na 1ª onda,
data de 1910, autodenomina-se Congregação Cristã no Brasil e é
chamado comum e pejorativamente de glória, glorinha, língua de
fogo, etc. Ao lado da Assembléia de Deus, também da 1ª onda,
constitui numericamente a mais importante igreja pentecostal do
país27.
Aparentemente, os segmentos religiosos tradicionais são mais
resistentes às adaptações e inserções culturais ou multiculturalismo, como por
exemplo, o judaísmo. Entretanto, na obra Religiosidade no Brasil, temos
descortinado algo inusitado que desmonta esta tese e nos apresenta dois tipos
distintos de judaísmo, segundo Marta F. Topel, no seu texto “Judaísmo(s)
brasileiro(s): uma incursão antropológica”, sendo eles o judaísmo de orientação
haláchica e ortodoxa – predominante em São Paulo – cuja característica é a de
separação e resistência à aculturação; e o "judaísmo brasileiro”, mencionado no
Pará, que diferentemente do grupo anterior, valoriza os elementos da cultura local
onde está inserido e é mais suscetível à aculturação28.
Com base em estudos demográficos nas comunidades judaicas da
diáspora, o professor Sérgio Dellapergola acrescenta:
Como quase todas as comunidades judaicas da Diáspora, o número
de nascimentos entre os judeus brasileiros é bastante baixo. Mais
pessoas morrem na comunidade do que nascem. Também, como o
Brasil tem uma tradição multicultural, há muitos casamentos mistos
e bastante assimilação. O número de judeus brasileiros tende a
diminuir, mas não é algo dramático. Podemos até considerar a
população judaica do Brasil estável, se compararmos com outras
comunidades do mundo29.
tendo como primaz o patriarca de Constantinopla (atual cidade de Istambul – Turquia), localizada na
antiga colônia grega de Bizâncio, posteriormente incorporada a Roma. Cf. LOIACON, Murício. “A Igreja Ortodoxa no Brasil”. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 167-192. 27 PEREIRA, J. B. B, op. cit., p. 359-367. 28 TOPEL, Marta F. Judaísmo(s) brasileiro(s): uma incursão antropológica. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 271-286. 29 FINGUERMAN, Ariel. “As Opiniões De Dellapergola, Demógrafo Do Povo Judeu”. Disponível em: . Acesso em: 17.jun.2017.
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14
Porém, o Censo de 2010 também traz dados relevantes quanto ao
judaísmo. Monica Grin e Michel Gherman, em “Judaísmo e o Censo de 2010”,
apontam que:
O Censo de 2010, que conta com 107 mil adeptos do judaísmo,
número acima dos 90 mil quantificados pela própria comunidade
judaica, poderia ser um espelho a refletir uma tendência de
crescimento de adeptos da religião judaica no Brasil. Nesse caso
pode-se dizer que a visibilidade daqueles judeus ortodoxos nos dois
maiores centros urbanos do Brasil não seria aleatória, mas revelaria
tendência de crescimento da religiosidade judaica30.
Seguindo a análise das religiões no Brasil, não podemos deixar de
mencionar o budismo, visto termos em solo nacional a maior colônia japonesa fora
do Japão. Segundo Ricardo Mário Gonçalves, em "As Flores do Dharma
desabrocham sob o Cruzeiro do Sul: Aspectos Dos Vários 'Budismos' No Brasil”, o
crescimento do budismo no Brasil é acanhado e só poderá ser percebido ao longo
de alguns anos31. Outrossim, Geraldo José de Paiva, no seu artigo "Novas religiões
japonesas e sua inserção no Brasil: discussões a partir da psicologia”, nos
apresenta um quadro de novidade, quando diz que novas religiões japonesas, cuja
matriz é o budismo, estão sendo introduzidas no Brasil e atraindo os brasileiros32.
Suzana Ramos Coutinho Bornholdt, escrevendo sobre a "História, especificidades
e inserção do budismo japonês da Sokka Gakkai no Sul do Brasil”, nos dá um
exemplo de como isso ocorre com o Sokka Gakkai no Rio Grande do Sul e a
sua dualidade pública e interna. Enquanto publicamente ela se mostra receptiva e
aculturada à religiosidade brasileira, interiormente revela a sua rigidez em se manter
fiel e convicta à sua doutrina e tradições33.
Usarski, analisando os números do Censo quanto às religiões
30 GRIN, Monica; GHERMAN, Michel. “Judaísmo e o Censo de 2010”. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES (Org.); Renata. (Org.). Religiões em Movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 283-294. 31 GONÇALVES, Ricardo Mário. “As flores do Dharma desabrocham sob o Cruzeiro do Sul: Aspectos Dos Vários 'Budismos' No Brasil”. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 287-298. 32 PAIVA, Geraldo José de. “Novas religiões japonesas e sua inserção no Brasil: discussões a partir da psicologia”. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES (Org.); Renata. (Org.). Religiões em Movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 299-310. 33 BORNHOLDT, Suzana Ramos Coutinho. História, especificidades e inserção do budismo japonês da Sokka Gakkai no Sul do Brasil. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 383.
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15
orientais, informa, em seu artigo: “As ‘religiões orientais’ segundo o Censo Nacional
de 2010”, que
[…] conforme os números até agora divulgados pelo IBGE referente
a pesquisa nacional de 2010, 415.267 pessoas autodeclararam-se
adeptos ou praticantes de uma religião oriental. Este número
absoluto corresponde a 0,22% da população brasileira. O maior
seguimento deste universo é o budismo, representado por 243.966
pessoas, ou seja, por 0,13% da população brasileira34.
A história do islamismo no Brasil não é tão recente quanto se cogita.
O islamismo chegou ao Brasil através de escravos trazidos da África subsariana
que o praticavam e, embora a maioria desses escravos tenha desenvolvido suas
atividades na agricultura, alguns, que atuavam em ambientes urbanos e mantinham
relações com diferentes grupos sociais, faziam com que as ideias islâmicas fossem
propagadas.
No entanto, tão somente em 1929, na cidade de São Paulo, é que foi
construída a primeira mesquita da América Latina. Mesmo sendo um grupo
religioso, famigerado por seu extremismo, exclusivismo e de rigidez exacerbada,
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, em "Ritual, etnicidade e identidade religiosa nas
comunidades muçulmanas no Brasil" nos conta que o islamismo no Brasil tem
aspectos mais inclusivos e receptivos à cultura local, em que se nota um
ocultamento de práticas e crenças para o acolhimento de uma tradição
particularmente brasileira35.
O mesmo autor, Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, escreveu também
um artigo intitulado: “Islã em números – os muçulmanos no Censo Demográfico de
2010”, no qual apresenta os seguintes números quanto a este grupo: “O Censo
Demográfico de 2010 registrou a presença de 35.167 muçulmanos no Brasil. Esse
número mostrou crescimento considerável do número de adeptos do islã, que
estaria 29,10% maior que em 2000, quando o Censo apontou 27.239 muçulmanos
34 USARSKI, Frank. “As ‘religiões orientais’ segundo o Censo Nacional de 2010”. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES (Org.); Renata. (Org.). Religiões em Movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 253-266. 35 PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. “Ritual, Etnicidade e Identidade Religiosa nas Comunidades Muçulmanas no Brasil”. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 327-358.
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no país.”36 Tal crescimento não se deu apenas quanto ao número de adeptos, mas,
também, quanto ao número de instituições muçulmanas em território brasileiro.
O crescimento demográfico dos muçulmanos no Brasil também
pode ser acompanhado através do aumento do número de
instituições muçulmanas em várias regiões do país. Em 1983,
existiam 24 centros islâmicos e sociedades beneficentes
muçulmanas, além de 9 mesquitas, concentradas nas regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste (DELVAL, 1992: 219). Em 2002, existiam
58 instituições islâmicas no Brasil distribuídas pelo Sul, Sudeste,
Centro-Oeste e Nordeste do país (MONTENEGRO, 2002: 64). Em
2012, segundo um levantamento feito por mim, existiam 94
instituições islâmicas que, embora seguissem o padrão de
concentração nas regiões Sul e Sudeste, estavam presentes em 19
estados do país. Essas instituições compreendiam 34 mesquitas;
3 mussalas (sala de oração) independentes; 3 centros sufis; 38
centros islâmicos e sociedades beneficentes muçulmanas; 6
escolas islâmicas; 3 cemitérios islâmicos; 3 centros de certificação
de alimentos halal; e 7 órgãos representativos ou centros de
divulgação do islã (federações, assembléias etc.)37.
O contexto religioso brasileiro também abarca um movimento que
caracteriza bem as inseguranças e descrenças na sociedade e em seus governos
e, ao mesmo tempo, os desequilíbrios e embriaguezes de religiões utópicas e
empíricas. Tal movimento é denominado como messiânico-milenaristas, cujo
surgimento no Brasil alcançou seu maior índice em contextos rurais, não obstante,
também observado e percebido em ambientes urbanos e chegando às
comunidades indígenas. Renato da Silva Queiroz, em seu artigo "Mobilizações
sociorreligiosas no Brasil: os surtos messiânico-milenaristas”38 afirma que
este movimento é apresentado e disseminado por atores intencionais, cujas
ações se originam de uma cosmovisão particular e articulada. Ainda que alguns
considerem o movimento como algo decadente e escasseado, ele se estabelece
como mais uma realidade de expressão religiosa no Brasil e requer alguma atenção.
36 PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. “Islã em números - Os muçulmanos no Censo Demográfico de
2010”. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES (Org.); Renata. (Org.). Religiões em Movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 267-282. 37 PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha, op. cit., p. 268. 38 QUEIROZ, Renato da Silva. “Mobilizações sociorreligiosas no Brasil: os surtos messiânico - milenaristas”. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 193-218.
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E não nos esqueçamos da que talvez seja a mais brasileira das
religiões, a religião indígena. Ainda que, segundo Roque de Barros Laraia, em "As
religiões indígenas: o caso tupi-guarani”39, tal expressão seja minoria e esteja às
margens da sociedade, elas servem e incentivam a releitura de práticas tradicionais
sem, entretanto, cair na caricatura cultural, cujo objetivo é criar uma forma de
espiritualidade legítima e adaptada ao mundo contemporâneo, podendo ser
chamado de tradicionalismo experimental, que se contrapõe tanto à mercantilização
eclética do new age como o tradicionalismo conservador, o que nos remete ao que
é chamado de xamanismo urbano. José Guilherme Cantor Magnani, escrevendo
"Xamãs na cidade”40, esclarece que este fenômeno reúne cosmologias indígenas a
coisas próprias do ambiente da cidade, como uma manifestação de religiosidade no
contexto urbano atual. Sandra Jacqueline Stoll, em "O espiritismo na encruzilhada:
mediunidade com fins lucrativos?”41, aponta para o desvirtuamento desta
espiritualidade quando estabelece uma ligação entre as vicissitudes da sociedade
urbana contemporânea com a prática oportunista de mediunidade visando o lucro
e, por vezes, a extorsão.
Por fim, mencionemos o grupo que, mesmo considerado minoritário,
segundo os dados do Censo 2010, demonstrou uma ascensão considerável na
sociedade brasileira. Trata-se do Espiritismo Kardecista, que apresentou um
crescimento de aproximadamente 65% entre os brasileiros. Bernardo Lewgoy,
escrevendo sobre o tema: “A contagem do rebanho e a magia dos números - Notas
sobre o espiritismo no Censo de 2010”, faz as seguintes considerações:
Estes últimos [falando sobre os espíritas], mesmo numericamente
minoritários, exibiram as taxas de crescimento nominal mais
vigorosas de todo o campo religioso: de 1,3% em 2000 para 2% em
2010. São cerca de 3,8 milhões de pessoas declarando-se
seguidores do espiritismo Kardecista. Esse crescimento de
aproximadamente 65% no número de espíritas autodeclarados
significa a ascensão do prestígio, bem como o resultado de exitosas
ações institucionais de proselitismo da parte das lideranças
espíritas, no qual o papel das produções cinematográficas em torno
39 LARAIA, Roque de Barros. As religiões indígenas: o caso tupi-guarani. In: PEREIRA, J. B. B (Org.). In: Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 15-22. 40 MAGNANI, José Guilherme Cantor. Xamãs na cidade. In: PEREIRA, J. B. B (Org.).
Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 311-326. 41 STOLL, Sandra Jacqueline. O espiritismo na encruzilhada: mediunidade com fins lucrativos? In: PEREIRA, J. B. B (Org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 257-270.
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da vida e da obra do médium Chico Xavier tem um considerável
papel.42
Destacam-se neste campo religioso, características de um
envolvimento sazonal por parte de seus seguidores. Pessoas que frequentam o
centro espírita apenas em situações adversas e circunstanciais de suas vidas em
busca de respostas e soluções. Ainda segundo Lewgoy,
O espiritismo brasileiro passou, nas últimas décadas, por um
processo de transformação, de minoria religiosa perseguida para
alternativa religiosa legítima, que oferece explicação de
sucessos, conforto para aflições e cura espiritual de infortúnios, a
partir de uma doutrina que se pretende simultaneamente científica
e religiosa. O espiritismo é invocado como recurso terapêutico em
situações de crise pessoal, como doenças, separações, perdas,
desemprego etc. Nele se constata uma grande circulação de
pessoas não espiritas em centros espíritas e, de outro lado, uma
grande circulação de crenças espíritas em espaços não
espíritas43.41
O que vimos, portanto, foram abordagens bem particulares de
algumas expressões religiosas no Brasil. Cada texto mostra em suas singularidades
algumas das religiões que mais se destacam e emolduram a religiosidade no
contexto multicultural e plurirreligioso brasileiro.
42 LEWGOY, Bernardo. A contagem do rebanho e a magia dos números - Notas sobre o espiritismo
no Censo de 2010. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES (Org.); Renata. (Org.). Religiões em Movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 191-202. 43 LEWGOY, Bernardo, op. cit., p.199.
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2. ORIGENS HISTÓRICAS DO PRESBITERIANISMO BRASILEIRO
A história do Presbiterianismo está entrelaçada à história da reforma
protestante do século 16. O movimento reformado, iniciado despretensiosamente
pelos pré-reformadores, tais como John Wycliff (1325?-1384), John Huss (c.1372-
1415) e Jeronimo Savonarola (1452-1498), tomou maior proporção e eclodiu como
um movimento divisor de águas com Martinho Lutero (1483-1546). Sendo Lutero o
primeiro expoente da reforma protestantes do século XVI, aqueles que aderiram aos
seus pensamentos e o seguiram passaram a ser conhecidos como “luteranos”.
Ocasionalmente, na Suíça, principiou um novo movimento protestante, mas, que era
independente do movimento luterano, que, por ser diferente do mesmo, foi chamado
de movimento “reformado”. A princípio, este movimento esteve mais ligado à pessoa
de Ulrico Zuínglio (1484-1531), mas ganhou maior notoriedade com o francês João
Calvino (1509-1564), visto que Zuínglio morreu nos primórdios deste movimento.
Digno de nota, é que o termo “protestantes”, quer luteranos ou reformados, só
passou a ser essa utilizado a partir da Dieta de Spira, em 1529.
2.1. ULRICO ZUÍNGLIO
Saltando para o movimento reformado, que é o que forma a gênese
do presbiterianismo, iniciemos este contexto histórico partindo de Ulrico Zuínglio.
Nascido na vila de Wildhaus, nordeste da Suíça, no dia 1º de janeiro de 1484,
Zuínglio foi educado de maneira apurada e com forte influência humanista.
Impulsionado pela influência que recebeu dos escritos de Erasmo de Roterdã, em
especial, da sua edição crítica do Novo Testamento, tornou-se um assíduo
estudioso das Escrituras e eloquente pregador. Apesar de ter exercido suas
atividades em Glarus (1506) e em Einsiedeln (1516), foi em Zurique que ele mais se
destacou. Após os primeiros quatro anos em Zurique, Zuínglio já começava a
divergir da igreja católica: “Zuínglio defendeu o consumo de carne na quaresma e o
casamento dos sacerdotes, alegando não serem essas coisas proibidas nas
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Escrituras. Ele propôs o princípio de que tudo devia ser julgado pela Bíblia.”44
E ainda: "O reformador escreveu os Sessenta e Sete Artigos – a carta magna da
reforma de Zurique – nos quais defendeu a salvação somente pela graça, a
autoridade da Escritura e o sacerdócio dos fiéis, bem como atacou o primado do
papa e a missa”45.
Movida pelas ideias nascentes, porém, contundentes e eloquentes do
pensamento reformado divulgado por Zuínglio, em 1523, Zurique promove um
debate público que marca o início da transformação religiosa e social desta cidade,
que começa a aderir ao protestantismo. Zuínglio, ainda, escreveu uma série de
artigos sobre diversos temas teológicos, tais como, salvação somente pela graça,
sacerdócio dos fiéis, a autoridade das Escrituras e, ainda atacou o primado do papa
e a missa. Com isso, temos o nascimento das igrejas “Reformadas" e, na verdade,
o que aconteceu na Suíça foi um movimento que ficou conhecido como “Segunda
Reforma” e foi mais intenso, promovendo maiores transformações do que o
movimento reformado luterano.
Ainda em Zurique, surgiu um outro grupo que embora concordasse e
apoiasse alguns pontos do pensamento reformado de Zuínglio, discordavam
intensamente de outros e, justamente, os pontos de discordância fizeram com que
dentro do movimento reformado surgissem debates fervorosos. O grupo a que faço
menção aqui ficou conhecido como “Anabatistas” (Rebatizadores). O movimento
anabatista no tempo da Reforma era um movimento extremamente variado46.
Entretanto, mesmo dentro deste movimento existiam muitas
discordâncias e controvérsias e, sendo assim, muitas dissidências e cismas. Em
1527 os anabatistas aprovaram a Confissão de Fé de Schleitheim, esta confissão
de fé apoiava os princípios básicos que emoldurava o anabatismo: ideal de
restauração da igreja primitiva; igrejas vistas como congregações voluntárias
separadas do Estado; batismo de adultos por imersão; afastamento do mundo;
fraternidade e igualdade; pacifismo; proibição do porte de armas, cargos públicos e
juramentos. Mesmo assim, o movimento anabatista chegou em países importantes
como a Holanda e Áustria.
44 MATOS, Alderi Souza. História Da Igreja: A Reforma Protestante Do Século XVI. Disponível em: <
http://cpaj.mackenzie.br/historiadaigreja/pagina.php?id=112 >. Acesso em: 7 abril 2017. 45 Ibid. 46 BALKE, Willem. Calvin and the Anabaptist Radicals. Eerdmans Publishing Co., 1981. p. 2-4.
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2.2. JOÃO CALVINO
Chegando em Genebra, surge a figura do mais ilustre reformador,
João Calvino. Nascido em 10 de julho de 1509, em Noyon, Picardia, filho de Gérrard
Cauvin e Jeanne Lefranc, pais piedosos e mui comprometidos com a formação tanto
acadêmica quanto religiosa de seus filhos. Segundo Wallace47, o Sr. Gérrard Cauvin
havia conquistado uma posição no departamento legal da Igreja, tornando-se
secretário do Bispo e Procurador da Catedral. Sua mãe, mui piedosa, levava o
menino Calvino em peregrinações religiosas para santuários e altares, a fim de
reverenciar as relíquias e orar a Deus e aos santos. Porém, quando Calvino tinha,
aproximadamente, cinco anos, sua mãe veio a falecer, passando ele e os seus
demais irmãos a ser educados por seu pai e, pouco tempo depois, por sua madrasta
de quem pouco ou quase nada se sabe.
Por ocupar um posto importante e exercer certa influência na catedral
de Noyon, Gerrard Cauvin conquistou benefícios educacionais para os seus filhos.
Com isso, Calvino e seus irmãos foram educados no círculo aristocrático dos filhos
do bispo local e com isso tornou-se familiarizado com as disciplinas de uma
educação superior particular. Aos 12 anos, Calvino foi para Paris dar continuidade
aos seus estudos, primeiramente, graduando-se em Artes, que essencialmente era
Filosofia, e depois dedicou-se ao estudo do Latim, tendo como professor um dos
melhores de sua época, Mathurin Cordier48.
No período de sua formação, Calvino também foi influenciado por
grandes mestres que marcaram a sua vida, tais como Antônio Coronel e John Major.
Major, muito provavelmente, foi quem, em forma de ataque por causa dos seus
ensinamentos, trouxe ao conhecimento de seus alunos os ideais dos reformadores
Lutero, Wycliff e Hus. Sendo assim, “é bem possível que tenha sido no curso dos
ataques de seu mentor que Calvino confrontou, pela primeira vez, o peso da
47 WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003. p. 09.
48 Maturin Cordier (1479-1564) foi um pedagogo francês, conhecido por ter sido professor de João
Calvino em Paris no College de la Marche. Aderiu à reforma protestante e viria a viver em Genebra, perto de Calvino. Calvino convidou-o para Genebra em Março de 1545. Em fevereiro de 1550, Calvino dedicou o seu comentário às cartas aos tessalonicenses ao seu antigo professor. Nessa
altura, Cordier é diretor do colégio de Lausanne. Foi professor na academia de Genebra e editou obras dos pais da Igreja. Faleceu em Genebra. Fonte: WIKIPÉDIA. Maturin Cordier. Disponível em: . Acesso em: 7 abril 2017.
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https://pt.wikipedia.org/wiki/1479https://pt.wikipedia.org/wiki/1564https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%2525C3%2525A3o_Calvinohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%2525C3%2525A3o_Calvinohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Parishttps://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_protestantehttps://pt.wikipedia.org/wiki/Genebrahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Lausannehttps://pt.wikipedia.org/wiki/Pais_da_Igrejahttps://www.tracker-software.com/product/pdf-xchange-editorhttps://www.tracker-software.com/product/pdf-xchange-editor
22
doutrina Reformada”49. Além de Artes (Filosofia) e Latim, graduou-se também em
Teologia e, mais tarde, por determinação de seu pai, foi enviado para estudar Direito
nas cidades de Orléans e Bougers.
Faço menção deste período, ainda que sucintamente, porque entendo
que enquanto a Reforma estava em efervescência, um dos divisores de águas deste
movimento estava em franca formação, sem, no entanto, estar alheio aos
acontecimentos de sua época. Parece-nos, inclusive, que foi providencial o período
de formação de Calvino coincidir com o período da ascensão da Reforma
Protestante.
Em 1517, Lutero fixou as 95 teses na porta da Catedral de Wittenberg;
Zuínglio, em 1519, pregava e institucionalizava a Reforma em Zurique; o movimento
da Reforma estava crescendo e se espalhando, e seus ensinos, conforme já
mencionado acima, eram debatidos em Montaigu por John Major, ainda que para
serem combatidos. E, muito provavelmente, posteriormente Calvino ouviu relatos
contemporâneos do debate sem solução sobre a doutrina da Ceia do Senhor entre
Lutero, Zuínglio e os seus seguidores em Marburg (1529). Diante disso, Wallace
comenta:
Temos que considerar como providencial que, enquanto a Reforma
se espalhava vigorosamente na Alemanha e na Suíça, ele próprio
(Calvino), destinado a desempenhar um papel decisivo em sua
etapa posterior e a trabalhar por sua unidade, estava sendo
silenciosamente formado e cuidadosamente treinado dentro da
tradição escolástica medieval.50
A conversão de Calvino ao protestantismo deu-se provavelmente em
1533, ano em que ele foi identificado como coautor de um discurso, eivado por
ideais protestantes, pronunciado na Universidade de Paris por seu amigo Nicholas
Cop. Na ocasião, tanto Cop quanto Calvino tiveram que deixar Paris para
preservarem as suas vidas e as marcas externas mais significativas que
demonstram a sua conversão foram a sua renúncia ao Papa, à política clerical, à
missa como era celebrada na época, à equiparação da autoridade da tradição da
igreja e das Escrituras, à tirania pastoral do confessionário, às visões equivocadas
49 CALVINO, João. Cartas de João Calvino. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009. p 15. 50 WALLACE, Ronald, op. cit., p. 11.
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