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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO VALE DA BÊNÇÃO: UM ESTUDO DE CASO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL Por Sergio Bezerra da Silva São Paulo Julho 2012

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

VALE DA BÊNÇÃO: UM ESTUDO DE CASO DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL

Por

Sergio Bezerra da Silva

São Paulo

Julho 2012

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SERGIO BEZERRA DA SILVA

VALE DA BÊNÇÃO: UM ESTUDO DE CASO DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL

Dissertação apresentada em cumpri-

mento às exigências do Programa

de Pós-Graduação em Ciências da

Religião da Universidade Presbiteriana

Mackenzie para a obtenção do grau de

Mestre.

São Paulo

Julho 2012

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SERGIO BEZERRA DA SILVA

VALE DA BÊNÇÃO: UM ESTUDO DE CASO DE CRIANÇAS E

ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL

Dissertação apresentada em cumpri-

mento às exigências do Programa

de Pós-Graduação em Ciências da

Religião da Universidade Presbiteriana

Mackenzie para a obtenção do grau de

Mestre.

Aprovada em __/__/__

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Prof. Dr. Ricardo Bitun Universidade Presbiteriana Mackenzie (Orientador)

________________________________________________________

Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira Universidade Presbiteriana Mackenzie

_____________________________________________________ Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera

Universidade Metodista de São Paulo

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A Deus, que tem guiado meus passos e sus-

tentado minha família.

À minha esposa, Evanilde Muniz Silva, compa-

nheira fiel e mulher de virtude que tem incenti-

vado e colaborado para o meu crescimento nos

estudos.

A Murilo Muniz Bezerra da Silva e Gabriela

Muniz Silva, pérolas que Deus confiou a mim

como filhos, pela paciência nas minhas ausên-

cias.

Aos meus pais Ramiro Bezerra da Silva e

Maria Quitéria da Conceição, pelo amor e cari-

nho.

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Presbiteriana Mackenzie, pelo apoio.

Ao MACKPESQUISA, pela subvenção concedida através de bolsa,

fundamental para o desenvolvimento e término dessa pesquisa.

Aos professores da Escola Superior de Teologia e do Programa de

Pós-Graduação em Ciências da Religião, turma do segundo semestre de 2010,

pela amizade e carinho.

Ao Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira e ao Prof. Dr. Dario Paulo

Barrera Rivera, pelas valiosas contribuições e que muito me honram por

participarem na banca de avaliação.

Ao Geraldo G. Azevedo, secretário da Escola Superior de Teologia,

pela dedicação e carinho durante estes preciosos anos em que estivemos

juntos. Um amigo e irmão em Cristo.

À Dagmar Dollinger, secretária do Programa de Pós-Graduação em

Ciências da Religião, pela amizade e consideração, sempre disposta a orientar

nas dificuldades.

À Rosenilda Rocha, pelo carinho e concessão de material para nossa

pesquisa.

A todos os adolescentes, responsáveis, líderes religiosos e outros

atores sociais entrevistados, sem os quais não seria possível desenvolver esta

pesquisa.

A todos os funcionários do Vale da Bênção que tão bondosamente se

dispuseram a participar deste projeto, meu muito obrigado.

Ao pastor Jonathan Ferreira, pelo tempo que pudemos estar juntos,

que muito me ensinou.

Em especial ao Prof. Dr. Ricardo Bitun, pela sua contribuição

imensurável para o término desta pesquisa, orientador que se tornou amigo e

irmão em Cristo.

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Cantai ao Senhor um cântico novo, porque ele tem feito

maravilhas; a sua destra e o seu braço santo lhe alcança-

ram a vitória. O Senhor fez notória a sua salvação, mani-

festou a sua justiça perante os olhos das nações. Lem-

brou-se da sua misericórdia e da sua fidelidade para com

a casa de Israel; todos os confins da terra viram a salva-

ção do nosso Deus. Celebrai com júbilo ao Senhor todos

os confins da terra; aclamai, regozijai-vos e cantai louvo-

res. Cantai com harpa louvores ao Senhor, com harpa e

voz de canto; com trombetas e ao som de buzinas, exultai

perante o Senhor, que é rei. Ruja o mar e a sua plenitude,

o mundo e os que nele habitam.

Salmo 98.1-7

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RESUMO

Esta pesquisa tem como propósito refletir a influência do sagrado na

transformação social de crianças e adolescentes em situação de risco social,

oriundas da destituição provisória ou definitiva por parte da Justiça ou Conse-

lho Tutelar, na Cidade da Criança, um dos projetos da AEBVB (Associação

Educacional e Beneficente Vale da Bênção), localizado no município de

Araçariguama, Estado de São Paulo, Brasil.

No primeiro momento apresentamos a história da fundação da AEBVB

e de seus fundadores, no contexto evangélico brasileiro, com projetos, ações,

estrutura e seu reconhecimento perante autoridades e sociedade civil.

Em seguida, buscou-se analisar o trabalho realizado especificamente

na Cidade da Criança, com a apresentação de propostas de trabalho, ativida-

des e resultados esperados. Os depoimentos foram analisados através de en-

trevistas semiestruturadas.

Em um terceiro momento, são abordados o conceito de sagrado, a vi-

vência no cotidiano das crianças e adolescentes no Vale da Bênção e sua in-

fluência na formação epistemológica transformando a criança e adolescente

em um cidadão consciente através de uma cosmovisão cristã, resgatando valo-

res familiar, ético e moral. Esta reflexão parte de sua história e proposta de tra-

balho, das atividades na Cidade da Criança, dos resultados, e através de en-

trevistas com internos e funcionários a influência do sagrado no cotidiano e na

formação da criança, bem como a socialização do adolescente.

Finalmente, através da análise de resultados, pode-se confirmar a

influência da religião na transformação de crianças e adolescentes em situação

de risco social, resgatando valores morais, éticos e familiares e minimizando a

possibilidade de marginalização.

Palavras-chave: Vale da Bênção, Religião, Crianças e Adolescentes, Risco

Social.

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ABSTRACT

This research is intended to reflect the influence of the Sacred in the

social transformation of children and adolescents in social risk arising from the

temporary or permanent removal of Justice or by the Guardian Council held in

the City of the Child, a project of AEBVB (Valley of Blessing), located in the mu-

nicipality of Araçariguama, state of São Paulo, Brazil.

At first we present the story of the founding of the Evangelical Associa-

tion BENIFICENTE VALLEY OF BLESSING and its founders, placing his mem-

bership in the Evangelical Brazilian context, presenting projects, activities,

structure and recognition by authorities and civil society.

The second aim was to analyze the work done specifically in the City of

the Child, which presented a proposal of work, activities, expected results and

through semi-structured interviews can analyze the evidence.

In third place are addressed concepts of Sacred, in the daily lives of

children and adolescents in the Valley of Blessing and its influence on episte-

mological formation transforming children and adolescents in a national con-

sciousness through a Christian worldview, restoring family values, ethics and

morality. This reflection part of its history and work proposal, the activities of the

Child in the City, results, and through interviews with internal staff and the influ-

ence of the Sacred in everyday life and training of the child, as well as the so-

cialization of adolescents.

Finally, through the analysis of results can confirm the influence of reli-

gion in the transformation of children and adolescents at risk of social redeem-

ing values, moral, ethical, family, whipping a possible marginalization.

Keywords: Valley of Blessing, Religion, Children and Adolescents, Social Risk.

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RESUMEN

Esta investigación tiene por objeto reflejar la influencia de lo sagrado en la

transformación social de los niños, niñas y adolescentes en riesgo social derivados

de la retirada temporal o permanente de Justicia o por el Consejo de Guardianes,

celebrada en la Ciudad de los Niños, un proyecto de AEBVB (Valle de Bendición ),

ubicado en el municipio de Araçariguama, estado de São Paulo, Brasil.

En un primer momento se presenta la historia de la fundación de la

Asociación Evangélica VALLE DE BENDICIÓN BENIFICENTE y sus fundado-

res, la colocación de su pertenencia en el contexto evangélico brasileño, la pre-

sentación de proyectos, actividades, estructura y reconocimiento de las autori-

dades y la sociedad civil.

El segundo objetivo fue analizar el trabajo realizado específicamente en

la Ciudad del Niño, que presentó una propuesta de trabajo, actividades, resul-

tados esperados y por medio de entrevistas semi-estructuradas pueden anali-

zar las pruebas.

En tercer lugar se abordan los conceptos de la Sagrada, en la vida co-

tidiana de los niños, niñas y adolescentes en el Valle de Bendición y su influen-

cia en la formación epistemológica transformar a los niños y adolescentes de

una conciencia nacional a través de una visión cristiana del mundo, la restaura-

ción de los valores familiares, la ética y la moral. Esta parte reflejo de su histo-

ria y su propuesta de trabajo, las actividades del Niño en la Ciudad, los resulta-

dos, ya través de entrevistas con el personal interno y la influencia de lo sagra-

do en la vida cotidiana y la formación del niño, así como la socialización de los

adolescentes.

Por último, a través del análisis de los resultados puede confirmar la in-

fluencia de la religión en la transformación de los niños, niñas y adolescentes

en riesgo de canje de valores sociales, morales, éticos de la familia, para batir

un posible marginación.

Palabras clave: Valle de Bendición, de la religión, la Niñez y la Adolescencia,

Riesgo Social.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 1

1 VALE DA BÊNÇÃO: HISTÓRIA, PROJETOS E AÇÕES .......................... 6

1.1 História ...................................................................................... 12

1.2 Fundamentos ............................................................................. 16

1.3 Projetos ..................................................................................... 17

1.3.1 Programa de apoio à família ...................................... 17

1.3.2 Liberdade assistida .................................................... 17

1.3.3 Colégio Vale da Bênção ............................................. 17

1.3.4 Cidade da Criança ..................................................... 18

1.3.5 Casa Nova Vida ......................................................... 18

1.3.6 Creche Gotinhas de Vida ........................................... 18

1.3.7 Centro Comunitário Vou Vencer ................................ 19

1.4 Administração ............................................................................ 19

1.4.1 Diretoria ..................................................................... 19

1.4.2 Conselho Fiscal.......................................................... 20

1.5 Ações ......................................................................................... 20

1.5.1 Área religiosa ............................................................. 20

1.5.2 Área social ................................................................. 20

1.5.3 Área de saúde ............................................................ 21

1.6 Indicadores ................................................................................ 21

1.6.1 Atendimento ............................................................... 21

1.6.2 Receita ....................................................................... 22

1.7 Reconhecimento ........................................................................ 23

1.7.1 Inscrições e títulos ..................................................... 23

1.7.2 Prêmios e certificados ................................................ 24

1.7.3 Amigos e parceiros .................................................... 24

2 CIDADE DA CRIANÇA .............................................................................. 26

2.1 Propostas de Trabalho .............................................................. 26

2.1.1 Visão .......................................................................... 26

2.1.2 Missão ........................................................................ 27

2.1.3 Valores ....................................................................... 27

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2.2 Atividades ..................................................................... 31

2.2.1 Triagem ...................................................................... 33

2.2.2 Rotina ......................................................................... 34

2.3 Resultados Esperados ............................................................... 36

2.3.1 O abrigo ..................................................................... 37

2.3.2 A socialização ............................................................ 39

2.3.3 Depoimentos de funcionários ..................................... 44

2.4 Entrevistas ................................................................................. 45

2.4.1 Aspectos metodológicos ............................................ 45

2.4.2 Depoimentos de abrigados e ex-abrigados ................ 46

2.4.3 Estrutura da Cidade da Criança ................................. 51

2.5 Análise ....................................................................................... 53

3 O PAPEL DA RELIGIÃO ........................................................................... 55

3.1 Religião ...................................................................................... 55

3.2 Igreja .......................................................................................... 59

3.2.1 A igreja – conceito ...................................................... 59

3.2.2 A missão da igreja ...................................................... 63

3.2.3 Religião e comportamento ......................................... 66

3.2.4 Religião e responsabilidade social ............................. 70

3.3 Análises dos Resultados ........................................................... 75

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 77

5 REFERÊNCIAS ......................................................................................... 79

ANEXOS ...................................................................................................... 85

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa reflete sobre a violência contra crianças e adolescentes,

delimitada ao trabalho realizado pelo Vale da Bênção no cotidiano de crianças

e adolescentes em situação de risco social.

A partir da temática apresentada, o objetivo geral é pesquisar o projeto

social desenvolvido no Vale da Bênção, tendo como objetivo específico a partir

da compreensão do contexto social, a contribuição da religião no processo de

socialização desenvolvido na Cidade da Criança, um dos projetos do Vale da

Bênção destinado a crianças vítimas de violência. Tendo as questões apresen-

tadas em nosso objeto específico como referência, reflete-se sobre a importân-

cia e o papel da religião dentro dos contextos social, familiar e público. Traba-

lha-se a hipótese da inferência da religião como agente social a serviço do

Estado por meio de conceitos ideológicos e históricos, da ética e da moral, con-

tribuindo para a formação direta do cidadão.

Nesse contexto, busca-se o entendimento da religião, que, através dos

séculos, tem sido objeto de estudos científicos que visam explicar e esclarecer

qual sua função em uma sociedade. A igreja primitiva tinha como objetivo pro-

pagar o evangelho e cuidar dos necessitados, levando assistência espiritual,

familiar, médica e ensino. Contudo, ocupava o lugar do Estado, ou seja, a igre-

ja se tornou o próprio Estado. A partir do iluminismo,1

1 Era do Iluminismo ou Era da Razão (movimento cultural de elite de intelectuais do século

XVIII na Europa, mobilizou o poder da razão, a fim de reformar a sociedade e o conhecimento prévio. Priorizou a razão e foi contra a intolerância e os abusos da Igreja e do Estado. Iniciou com os filósofos Baruch Spinoza (1632-1677), John Locke (1632-1704), Pierre Bayle (1647-1706) e pelo matemático Isaac Newton (1643-1727), tendo a França como o centro desse movimento (http://www.historiamais.com/iluminismo.htm)

o Estado passa a ser lai-

co, tendo a igreja governo próprio, sem interferência do Estado, e vice-versa.

Porém, no contexto brasileiro, o Estado, mesmo que de forma indireta, é de-

pendente da religião, uma vez que se observa a importância da igreja nas a-

ções sociais que deveriam ser desenvolvidas pelo Estado, promovendo uma

simbiose, uma dialética entre religião e Estado, entre o sagrado e o profano.

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(CIPRIANI, 2007, p. 97). Durkhein (1973, p. 53) comenta que “os dois gêneros

não podem se avizinhar e conservar ao mesmo tempo a respectiva natureza”.

Esta pesquisa trabalha a práxis da religião por meio de assistência espi-

ritual, educacional, psicológica, ética, moral, filosófica, afetiva, social e material

em substituição ao Estado, que passa a figurar meramente como agente gestor

e fomentador das ações. Contudo, discussões a respeito da validade da inge-

rência da religião em áreas públicas são constantes, principalmente pelos orga-

nismos de educação do Estado, nos quais a discussão gira em torno do proseli-

tismo de uma única religião, por ser os cristãos a maioria de confessos, tirando a

liberdade de escolha individual de prática e fé do indivíduo contrariando o status

laico. Mas não é consenso , uma vez que alguns gestores do ensino público su-

gerem a religião como matéria obrigatória no currículo escolar, por entendê-la

como fio condutor da ética e da moral. Nesse contexto, coadunamos com essa

ideia, eliminando a possibilidade da dissociação da religião cristã na formação

ética e moral, por demonstrar através da história ser um instrumento eficaz na

formação de pensamento e cosmovisão.

Portanto, a AEBVB não só reflete a indissociabilidade e a relação mú-

tua entre religião, ética, moral e sociedade, contribuindo para a formação do

cidadão, corroborando para o resgate e para a socialização do indivíduo em

situação de risco, mas também a relevância do ensino religioso para a forma-

ção da criança nas escolas de ensino público e privado.

A aproximação da religião com o Estado não visa questionar ou negar

o status laico do país, no entanto, enfatiza-se que o pensamento e a cosmovi-

são cristã apresentados nesta pesquisa alinham uma práxis pedagógica que

contempla o conhecimento científico e valoriza o indivíduo e suas característi-

cas morais e éticas, trabalhando com o ser humano todo, conforme o Pacto de

Lausanne.

A metodologia de pesquisa envolve pesquisa bibliográfica e pesquisa

de campo. A pesquisa bibliográfica possibilitou o levantamento de informações

sobre perfil socioeconômico e conceituação do sagrado. Na pesquisa de cam-

po foram utilizadas entrevistas com líderes, funcionários, diretores, fundadores

e abrigados do Vale da Bênção. Utilizou-se o método semi-estruturado como

modelo de coleta de dados, possibilitando avaliar o fenômeno religioso e social

que envolve a instituição.

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A pesquisa foi dividida em três capítulos: no primeiro capítulo, trabalha-

se a história da instituição, e, através de entrevistas com seus diretores funda-

dores, podem-se extrair elementos para compreensão do cotidiano. A pesquisa

bibliográfica possibilita analisar os projetos desenvolvidos, seus resultados e o

reconhecimento perante a sociedade civil e governamental. Dados estatísticos

contribuem para situar a instituição no contexto das ONGs brasileiras.

No segundo capítulo é feita uma análise da Cidade da Criança, projeto

destinado a crianças e adolescentes em situação de risco social. O referencial

teórico utilizado é a obra de Peter Berger O Dossel Sagrado, e entrevistas e

depoimentos de funcionários e abrigados possibilitam analisar todos os aspec-

tos do Vale da Bênção na tarefa de abrigar, educar e formar um cidadão pronto

para o convívio em sociedade. Foram abordados seus valores, missão e visão,

o que permite refletir sobre a cosmovisão que é eixo condutor da instituição.

Através da pesquisa de campo observaram-se o cotidiano no processo de so-

cialização dos abrigados e a estrutura disposta para o alcance de seus objeti-

vos. Por último, depoimentos de abrigados e funcionários demonstram a influ-

ência do sagrado no cotidiano da instituição.

No terceiro capítulo, busca-se refletir o papel da religião no contexto do

Vale da Bênção, a partir de Mircea Eliade, em O sagrado e o profano, e de

Rudolf Otto, em O sagrado, cujas respostas contribuem para definir a ideia de

sagrado e sua relevância na sociedade. Uma vez que se trata de uma institui-

ção evangélica, o exercício da educação por princípios cristãos é o fio condutor

para uma experiência com o sagrado. Buscou-se definir o conceito de igreja e

sua missão, e o papel da religião no contexto da responsabilidade social.

Para isso, foram consultados alguns teóricos: Antonio Ávila, com sua

obra Para conhecer a psicologia da religião, e Alderi Matos, para compreensão

da perspectiva calvinista de educação, uma vez que seus fundadores têm raí-

zes em princípios calvinistas. Por fim, foi feita a análise dos resultados da pes-

quisa, confirmando a hipótese de que a religião tem contribuído para a forma-

ção e a socialização de crianças e adolescentes em situação de risco social,

resgatando valores familiares e gerando cidadãos conscientes..

O trabalho realizado pela AEBVB traz em seu escopo uma práxis cristã

em um espaço público, com apoio do Estado. De fato, as igrejas desfrutam de

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forte proximidade com a sociedade, desburocratizando o sistema e permitindo

uma resposta eficaz às necessidades sociais, o que viabiliza ações públicas.

Segundo Netto (1999), “com a privatização da política de assistência a

prestação desta é transferida para a alçada da sociedade civil, contribuindo

para a construção de redes de proteção social ou de solidariedade social”.

Behring (2003) diz que esta ação serve na verdade para ocultar as relações

contraditórias e antagônicas do sistema capitalista.

Para Montaño (2002), essas parcerias representam a não responsabili-

zação do Estado no trato da questão social, que transfere para as organiza-

ções do terceiro setor suas responsabilidades.

Para Soares (2000), “neste contexto ocorre um retorno à família e às

organizações sem fins lucrativos, ONGs e organizações filantrópicas, as quais

se posicionam como agentes do bem-estar, passando a substituir o Estado na

execução das políticas públicas”.

As instituições ligadas à religião merecem reconhecimento, credibilida-

de e prestigio no contexto das ONGs no Brasil, como podemos verificar no

quadro apresentando no primeiro capítulo, formulado pelo IBGE. Segundo

Carvalho (1997),

[...] diante do contexto de precarização das políticas públicas so-ciais, as entidades religiosas passam a se envolver no enfrenta-mento da questão social [...] compõem o projeto de reprodução social das famílias empobrecidas [...] a igreja se faz presente no cotidiano de muitas famílias e comunidades, sendo a instituição com maior credibilidade para a população fragilizada.

Nesse contexto, se vê com objetividade a atuação da igreja em substi-

tuição às ações do Estado, que transfere suas obrigações mediante parcerias e

associações.

O Estado entra em simbiose com a igreja para suprir as necessidades

assistenciais, legitimando o trabalho da AEBVB, reforçando a necessidade da

presença da religião na construção educacional e social do cidadão. Entende-

mos dessa forma, esta pesquisa produz relevante contribuição social e acadê-

mica, por refletir fatos reais da sociedade gerando dados para a comunidade

acadêmica. A pesquisa bibliográfica e as entrevistas semiestruturadas procu-

ram extrair de fatos históricos dados que enriqueçam este trabalho, não se es-

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gotando aqui o assunto, uma vez que este merece tempo maior para o desen-

volvimento, trazendo o desafio para pesquisas futuras.

O propósito do pesquisador é propiciar uma reflexão sobre a possibili-

dade de reverter um quadro de risco social por meio de atitudes que atinjam

crianças e adolescentes de forma integral, ou seja, material e espiritual, propi-

ciando uma transformação social que garanta pleno exercício da cidadania.

Levar educadores e órgãos gestores de políticas públicas a enxergarem a reli-

gião como parceira na construção familiar e na geração de um ambiente de paz

e respeito mútuo, reduzindo a violência nas escolas e a marginalização do indi-

víduo e da família.

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1 VALE DA BÊNÇÃO: HISTÓRIA, PROJETOS E AÇÕES

Nascido com o desejo de apoiar e dar assistência a crianças vítimas de

violência e abandono, a Associação Educacional e Beneficente Vale da Bênção

(AEBVB), ou simplesmente Vale da Bênção, tornou-se exemplo e um marco

nas organizações não governamentais, obtendo reconhecimento nas esferas

pública e privada. O trabalho realizado pela instituição procura ao longo do

tempo assistir a infância e a adolescência, bem como seus familiares, inserin-

do-se no terceiro setor. As organizações não governamentais (ONGs) classifi-

cadas como terceiro setor são movimentos sem fins lucrativos que visam suprir

as necessidades humanas e ambientais em prol da melhoria da qualidade de

vida, somando esforços com governos, empresas e pessoas físicas.

Encontramos no portal www.filantropia.org a seguinte redação:

O primeiro setor é o governo, que é responsável pelas ques-tões sociais. O segundo setor é o privado, responsável pelas questões individuais. Com a falência do Estado, o setor privado começou a ajudar nas questões sociais, através das inúmeras instituições que compõem o chamado terceiro setor. Ou seja, o terceiro setor é constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais, que têm como objetivo gerar serviços de caráter público.

Delgado (2001, p. 93) comenta: “as ações do ‘terceiro setor’ objetivam

possibilitar a satisfação das necessidades humanas e a melhoria da qualidade

de vida dos cidadãos”. Dessa forma, a instituição se apresenta como entidade

sem fins lucrativos, a fim de promover o bem-estar social, visando através de

sua ação reduzir as desigualdades sociais. Por isso se faz necessária a apro-

ximação do Estado e das ONGs para que juntos possam transformar teorias

em ações que resultem na transformação do indivíduo.

Porém, a aproximação de Estado e ONGs ligadas à religião perpassa o

conceito de Estado laico, pois uma instituição confessional traz consigo uma

cosmovisão construída a partir de princípios e ética fundamentados na religião.

A AEBVB procura ao longo de duas décadas socializar crianças e adolescentes

vítimas de violência e seus familiares por meio de uma cosmovisão cristã, auxi-

liando o Estado. Faz-se necessário destacar que as ONGs sem fins lucrativos

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estão classificadas em cinco categorias, segundo a Associação Brasileira de

Organizações não Governamentais (Abong):

Com base em dados do Cadastro de Empresas – CEMPRE – de 2005, a pesquisa demonstra que existem hoje no Brasil 338 mil organizações sem fins lucrativos divididas em cinco catego-rias: 1. Que são privadas, não integram o aparelho do Estado; 2. Que não distribuem eventuais excedentes; 3. Que são volun-tárias; 4. Que possuem capacidade de autogestão; e, 5. Que são institucionalizadas (www.abong.org.br. Acesso em 30/11/2011).

Burity comenta sobre a aproximação entre igreja e Estado em seu artigo:

O importante a destacar é que, no cenário contemporâneo, há uma disseminação/circulação do religioso em busca de eficácia política, que gera condensações em discursos político-religiosos em contextos nacionais. O rebaixamento das barrei-ras que o modelo iluminista de oposição entre religião e política impunha encontrou-se com um ativismo religioso crescente-mente mobilizado contra o secularismo ou as injustiças e desi-gualdades, e isto tem permitido uma configuração múltipla das relações entre religião e política. Não se trata de um retorno de algo que havia morrido, nem de um reencantamento de mundo. [...] Antes, é sobre as ruínas do liberalismo dos séculos XVII a XIX, mas usando seus cacos ou restaurando seus “monumen-tos” institucionais meio abandonados, que se reconstrói a rela-ção entre religião e política (BURITY, 2001, p.40).

Contudo, as ONGs ligadas às religiões se destacam no quadro das

ONGs que cresceram segundo estudos do IBGE, fazendo parte das Fundações

Privadas e Associações sem Fins Lucrativos (Fasfil), conforme informações a

seguir.

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Segundo informações do IBGE (2005),

Embora o crescimento percentual das entidades do grupo Reli-gião (18,9%) tenha sido menor do que a média nacional (22,6%), em números absolutos elas estão entre as que mais cresceram. No período de 2002 a 2005, foram criadas 13,3 mil entidades que se dedicam a atividades confessionais.

Vale destacar que, isoladamente, depois das entidades religiosas foram as associações de produtores rurais, as enti-dades de assistência social e os centros e associações comu-nitárias que apresentaram, nessa ordem, o maior crescimento (superior a mil entidades cada) (www.ibge.gov.br. Acesso em 30/11/2011).

Encontramos ainda no sítio da Abong: “Há também um crescimento

significativo do grupo de organizações ligadas ao grupamento de religião, de-

monstrando a forte natureza confessional do associativismo”

(www.abong.org.br. Acesso em 30/11/2011).

Pode-se verificar a forte atuação da religião através das ONGs, apoi-

ando o Estado nas necessidades sociais, o que justifica a relevância do traba-

lho da AEBVB junto a crianças e adolescentes em situação de risco, classifi-

cando-se na categoria 5, ou seja, das que são institucionalizadas.

É preciso conhecer a história da AEBVB para poder entender a origem

e a cosmovisão da instituição, bem como seus princípios, e refletir sobre sua

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atuação ante o Estado, mantendo a religião como instrumento de transforma-

ção e socialização. Por fim, deve-se entender os valores que a AEBVB adquiriu

e transmitiu ao longo de duas décadas.

Para essa finalidade, é necessário retomar a dinâmica histórica da ins-

tituição do pentecostalismo brasileiro, considerando-se o processo de acultura-

ção e mensagens , encontrando algumas vertentes classificadas como ondas

por alguns e gerações por outros. Não se pretende aqui acentuar a discussão

onda ou geração, mas utilizar a metáfora “onda” para classificação da AEBVB

no cenário religioso brasileiro, uma vez que a maioria dos estudiosos brasilei-

ros da religião utiliza essa metáfora, com as seguintes classificações: pente-

costalismo clássico, deuteropentecostalismo e neopentecostalismo.

A metáfora “onda” surgiu nos EUA para designar a história do protes-

tantismo mundial, por meio de David Martin, o qual afirmava que se podia estu-

dar o protestantismo em três grandes ondas: puritana, metodista e pentecostal.

No contexto brasileiro, a primeira menção dessa metáfora da “onda” foi feita

por Paul Freston.

A primeira onda ou pentecostalismo clássico foi na década de 1910,

com a chegada da Congregação Crista (1910) e da Assembleia de Deus

(1911), que deram ênfase ao dom de línguas (glossolalia), à volta de Jesus e à

rejeição do mundo exterior. As primeiras igrejas eram formadas por pessoas

pobres e de pouca escolaridade.

A segunda onda ou deuteropentecostalismo se deu nas décadas de

1950 e 1960 e fragmenta o pentecostalismo, tendo surgido outras denomina-

ções que se difundiram pela massificação da estratégia de marketing de rádio,

cruzadas em estádios, cinemas e teatros. Marcada pela cura divina, surgem a

Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), Igreja O Brasil para Cristo (1955) e

Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962), entre outras menores.

A terceira onda ou neopentecostalismo data da década de 1970, porém

foi a partir da década de 1980 que toma espaço no cenário religioso brasileiro,

tendo como referência a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Interna-

cional da Graça de Deus, com forte apelo através de TV e rádio.

Ricardo Mariano cita Paul Freston:

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10

O pentecostalismo brasileiro pode ser compreendido como a his-tória de três ondas de implantação de igrejas. A primeira onda é a década de 1910, com a chegada da Congregação Cristã (1910) e da Assembleia de Deus (1911). [...] A segunda onda é dos anos 50 e início de 60, na qual o campo pentecostal se fragmenta, a relação com a sociedade se dinamiza e três gran-des grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: Quadran-gular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). O contexto dessa pulverização é paulista. A terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Suas principais representações são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a Igreja Internacional da Graça (1980) [...] O contexto é fun-damentalmente carioca (MARIANO, 1999, p. 28-29).

Em entrevista, Jonathan Ferreira, fundador da AEBVB, comenta em

qual onda ela está classificada e de que forma se deu a transição do protestan-

tismo histórico ao pentecostalismo.

Ocorreu o seguinte, naquela década de 64 a 66 surgiu no Bra-sil o movimento chamado de renovação espiritual, que surgiu dentro das igrejas batistas, atingiu várias outras denominações, como presbiterianas, metodistas, luteranas. Esse movimento veio com o falar em línguas, profecias, dons de cura, libertação dos endemoniados, e era muito forte para as igrejas históricas, o que provocou uma divisão em todas as igrejas históricas no Brasil. Uma parte desses grupos queria continuar em suas de-nominações, mas com liberdade para esses dons, então aca-bou tendo uma divisão, e acabei ficando do lado da renovação, então necessariamente tive que sair da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), ainda que com muito pesar, porque sou a terceira geração da IPB, tinha muitos sonhos para a IPB, e achava que o avivamento seria uma grande bênção para a IPB, eu não queria sair, mas não havia possibilidade de continuar, hoje tal-vez fosse diferente, mas na época não havia possibilidade. A missão Antioquia foi formada dessa nova Presbiteriana que na época ficou com o nome Cristã Presbiteriana, para aqueles que saíram da IPB, e, para aqueles que saíram da Igreja Presbiteri-ana Independente (IPI), ficou o nome de Igreja Presbiteriana Independente Renovada (IPIR), mas as duas se uniram e for-maram a Igreja Presbiteriana Renovada (IPR). Ou seja, a IPR é uma união de vários grupos presbiterianos, porém a missão Antioquia se mantém com sua linha interdenominacional.

Apesar de ser uma instituição interdenominacional e com elementos do

pentecostalismo, seus fundadores mantiveram no escopo de seu trabalho uma

cosmovisão calvinista, em que o ensino é base fundamental para a sociedade

e a igreja.

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11

Sobre isso comenta Jonathan Ferreira:

Preferiríamos não ser rotulados, porque na verdade nos mo-vemos entre históricos, pentecostais, renovados, se evangéli-cos, nos vemos como ministério, ponte, através do palco, de-nominações, encontro etc., várias atividades de unidade da i-greja. A nossa formação, pastor Decio e eu, é presbiteriana, fomos pastores da IPB, depois recebemos a influência pente-costal de dons etc., então eu não sei como caracterizar isso, talvez histórica renovada, nossa teologia é histórica, mas, quando eu li na biografia do fundador da IPB, Simonton,2

2 Ashbel Green Simonton (1833-1867), o fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil, nasceu

em West Hanover, no sul da Pensilvânia, e passou a infância na fazenda da família, denominada Antigua. Eram seus pais o médico e político William Simonton e D. Martha Davis Snodgrass (1791-1862), filha de um pastor presbiteriano. Ashbel era o mais novo de nove irmãos. Os irmãos homens (William, John, James, Thomas e Ashbel) costumavam denominar-se os "quinque fratres" (cinco irmãos). Um deles, James Snodgrass Simonton, quatro anos mais velho que Ashbel, viveu por três anos no Brasil e foi professor na cidade de Vassouras, no Rio de Janeiro. Uma das quatro irmãs, Elizabeth Wiggins Simonton (1822-1879), conhecida como Lille, veio a casar-se com o Rev. Alexander Latimer Blackford, vindo com ele para o Brasil.

que chegou ao Brasil em 1859, fruto de um avivamento nos EUA, era um avivalista cheio dos dons, então Simonton ainda jovem veio para o Brasil e em 1861 escreveu no diário dele “está tudo pronto, só falta o batismo do Espírito Santo”, uma coisa históri-ca que está no arquivo da editora presbiteriana, escrita por Ma-ria Amélia Rizzo, filha de um grande pastor presbiteriano. Quando leio isso, olho para a igreja da Coreia avivada, então parece não ser possível ser presbiteriano crendo nos dons,

Em 1846, a família mudou-se para Harrisburg, a capital do estado, onde Ashbel concluiu os estudos secundários. Após formar-se no Colégio de Nova Jersey (a futura Universidade de Princeton), em 1852, o jovem passou cerca de um ano e meio no Mississipi, trabalhando como professor. Voltando para o seu estado, teve profunda experiência religiosa durante um avivamento em 1855 e ingressou no Seminário de Princeton, fundado em 1812. No primeiro semestre de estudos, ouviu na capela do seminário um sermão do Dr. Charles Hodge, um dos seus professores, que despertou o seu interesse pela obra missionária no exterior. Concluídos os estudos, foi ordenado em 1859 e chegou ao Brasil no dia 12 de agosto do mesmo ano. Pouco depois de organizar a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro (12/01/1862), o jovem missionário seguiu em viagem de férias para os Estados Unidos, vindo a casar-se com Helen Murdoch, em Baltimore. Regressaram ao Brasil em julho de 1863. No final de junho do ano seguinte, Helen faleceu nove dias após o nascimento da sua filhinha, que recebeu o seu nome. Helen Murdoch Simonton, a filha única do Rev. Simonton, nunca se casou e faleceu aos 88 anos no dia 7 de janeiro de 1952. Com o passar dos anos, Simonton criou o jornal Imprensa Evangélica (1864), organizou o Presbitério do Rio de Janeiro (1865) e fundou o Seminário Primitivo (1867), este último localizado em um edifício de vários pavimentos junto ao Campo de Santana. No final de 1867, sentindo-se adoentado, o missionário pioneiro seguiu para São Paulo, onde sua irmã e seu cunhado criavam a pequena Helen. Seu estado de saúde agravou-se e ele veio a falecer no dia 9 de dezembro, acometido de "febre biliosa", conforme consta do seu registro de sepultamento. Seu túmulo foi um dos primeiros do ainda recente Cemitério dos Protestantes, no bairro da Consolação. Anos depois, foram sepultados perto dele os ossos do ex-sacerdote Rev. José Manoel da Conceição (1822-1873), o primeiro pastor evangélico brasileiro. Simonton e Conceição, um americano e um brasileiro, foram os personagens mais notáveis dos primórdios do presbiterianismo no Brasil. (http://www.ipb.org.br/portal/historia/77-rev-ashbel-green-simonton. Acesso em 03 mai 2012)

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mas nos damos bem. Temos trabalhado muito bem com todas as denominações [...] não é muito fácil mover-se no meio, para mover-se não podemos defender uma bandeira denominacio-nal, teológica, partimos para o aspecto prático do cristianismo [...] por sermos de origem presbiteriana, creio que nosso ensino é cristão em uma linha calvinista [sic].

Uma vez designada a classificação dentro do contexto organizacional

dos setores e apresentados os aspectos de relevância, passa-se a sua história.

1.1 História

Filho de família presbiteriana, Jonathan Ferreira foi criado em Presiden-

te Prudente, SP, aos 23 anos foi para o Seminário Presbiteriano do Sul, em

Campinas, SP, cursou bacharel em teologia durante cinco anos, se formando

em 1961.

Em 1962 fui enviado pela Junta de Missões Nacionais da Igreja Presbiteriana do Brasil para o chamado norte novo no interior do Estado do Paraná, na cidade de Cianorte, como pastor mis-sionário, para abrir igrejas naquela região, uma região nova, onde o mato estava sendo derrubado e cidades sendo implan-tadas, a cidade tinha apenas oito anos, sem luz, asfalto, estra-das todas de terra. Começamos o trabalho abrindo igrejas e, em 1965, fundamos o instituto bíblico na cidade de Cianorte para preparar obreiros para aquela região, onde trabalhamos até 1975.

Nesse instituto bíblico nasceu o despertamento para missões mun-

diais, dando origem à missão Antioquia, era o ano de 1975, quando já esta-

va morando na cidade de Londrina, PR, que o pastor Jonathan Ferreira, jun-

tamente com o pastor Decio de Azevedo, Barbara Barns e outros, formaram

a missão Antioquia, primeira agência de missões interdenominacional e

transcultural totalmente brasileira que se propunha alcançar três objetivos:

ajudar a despertar as igrejas evangélicas no Brasil para missões mundiais,

preparar missionários para outros países e levantar dinheiro no Brasil para o

sustento dos missionários brasileiros. Hoje a missão Antioquia tem mais de

cem missionários em diversos países. Em 1978, a missão mudou-se para

São Paulo, e em 1982 mudou-se para a área onde se localiza o Vale da

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Bênção, às margens da rodovia Castello Branco, como um centro brasileiro

de missões, seminário, acampamento, centro permanente de oração e ou-

tras atividades, até o ponto em que foram desenvolvidos projetos sociais.

Em depoimento, Jonathan Ferreira comenta: Era o ano de 1975, no norte do Estado do Paraná, quando eu recebi uma visão3

“uma certeza no íntimo”, de que iria para uma grande área junto a uma rodovia e ali deveria inici-ar um trabalho de prestação de serviço social, e havia a ne-cessidade de uma sede para a missão Antioquia. Em 1979 mudei para São Paulo, à rua Bom Pastor, bairro do Ipiranga, tratava-se de um casarão antigo grande, onde iniciei o traba-lho da missão Antioquia juntamente com minha família, e no ano de 1980 escrevi um livreto onde expunha meu sonho e comecei a compartilhar com alguns amigos. Dentre esses amigos foi possível fazer uma reunião com 17 homens, pas-tores, profissionais liberais, empresários, apresentei o proje-to e o grupo aceitou o desafio, e esses 17 constituíram uma empresa chamada Vale de Bênção Empreendimentos Socie-dade Civil Limitada. Esse grupo comprou o terreno com a venda de títulos, que dava direito a um lote no condomínio que iriam fazer, felizmente as pessoas acreditaram e cada um recebeu seu lote registrado e sua escritura, assim se formou o Vale da Bênção, com a venda de títulos e posterior compra do terreno para ser pago em doze parcelas.

No ano de 1982, o sonho começa a ter formato por meio da aquisi-

ção de um sítio à beira da rodovia Castello Branco. O pastor Jonathan

Ferreira4 e o pastor Decio de Azevedo5 mudam com suas respectivas famí-

lias para aquele local, acompanhados de outras famílias. O primeiro trabalho

se deu com dependentes químicos, apoiados pela missão Visão Mundial,6

3 VISÃO neste caso aplica-se a uma aparição ou vista de algum objeto que se tem por

sobrenatural sem o ser; aparição suposta de alguém; objeto sobrenatural; aparição fantástica; espectro, fantasma (MICHAELIS, 2002, p. 834)

possibilitando a recuperação e socialização de dependentes. Logo vieram

novos desafios, como amparar crianças que moravam nas ruas dos bairros

Lapa e Pompeia, em São Paulo, e eles adquiriram uma casa para abrigar

4 JONATHAN FERREIRA DOS SANTOS formou-se no Seminário Presbiteriano de Campinas, fundou o Instituto Bíblico Presbiteriano de Cianorte-PR e atualmente, dirige a Missão Antioquia, sediada no Vale da Bênção (http://www.iprb.org.br/biografias/J/JonathanFSantos.htm), acesso 13/12/2011.

5 DECIO DE AZEVEDO (1939-2007), nascido aos 17 de novembro de 1939, casado com Tirlei Mazon, permaneceu no quadro de pastores da IPRB até 08 de dezembro de 1983. Fundou o Seminário de Cianorte/PR e a missão Antioquia (http://www.iprb.org.br/biografias/D/DecioAzevedo.htm), acesso em 13/12/2011.

6 Visão Mundial é uma ONG internacional, fundada em 1950 pelo Rev. Dr. Bob Pierce que ao presenciar as necessidades das crianças na China, deu início ao projeto que hoje está presente em quase 100 países, ajudando mais de 100 milhões de pessoas e apoiada por 40.000 funcionários (http://www.visaomundial.org.br), Acesso em 13/12/2011.

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essas crianças, dando alimento, educação e apoio religioso, espiritual e mo-

ral.

Jonathan Ferreira em depoimento comenta sobre o início do trabalho

com crianças desabrigadas.

Em 1986 e 1987 fomos desafiados pela prefeitura de São Paulo, SP, juntamente com outras instituições, a ajudar a ti-rar crianças da rua no bairro da Lapa. Havia muitas crianças dormindo na rua, comendo do lixo. Implantamos um progra-ma na Lapa, um restaurante para crianças de rua, começa-mos a tirar as crianças da rua, passamos por vários momen-tos difíceis. O projeto da prefeitura não funcionou, todo mun-do foi embora, menos nós, então alugamos uma casa na Lapa e demos continuidade no projeto, assim surgiu o traba-lho com crianças. Depois ganhamos uma propriedade de um empresário no bairro da Lapa, aumentando cada vez mais até que conseguimos construir duas casas no Vale da Bênção para receber essas crianças de rua, deu certo, não era um orfanato, era um programa de adoção em que procu-rávamos devolver a criança a sua família, mas se não tives-se família procurávamos uma família substituta. Deu tão cer-to que logo depois tínhamos duas casas, então, nesse con-texto, nasceu o projeto Cidade da Criança, que hoje tem no-ve casas-lares [sic].

Era o início de todo trabalho, impulsionados pelos resultados na casa

da Lapa, surgiu a primeira casa-lar no Vale da Bênção, que se chamou Casa

Moisés, logo veio a segunda casa e, junto, a necessidade de uma área maior.

Jonathan Ferreira compartilhou seu sonho com outros amigos, que logo se jun-

taram para adquirir a área para a construção da Cidade da Criança, porém fal-

tava dinheiro para o projeto.

Milton Balestrini, colaborador e amigo de Jonathan Ferreira, comenta:

Um missionário da missão Antioquia, de férias na Finlândia no começo da década de 90, conheceu um americano radicado na Finlândia chamado Ronald Far, ele vinha tendo visões, algu-mas visões sobre uma cidade da criança, ele então repartindo a visão com este missionário disse: “pastor Jonathan, no Brasil, tem uma visão muito parecida com esta sua, ele está planejan-do construir a cidade da criança”. Ronald Far ficou animado e ligou para o arquiteto Peter Willis, falou a ele: “vai ao Brasil e comece a fazer um projeto para a cidade da criança”. De volta, começou a desenhar, enquanto desenhava apareceu uma pes-soa da Universidade de Tamper com um rapaz chamado Kali Taker, conhecendo o projeto, se propôs a ajudar o projeto se tornar realidade [sic].

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Distante 50 quilômetros da cidade de São Paulo, situado no quilômetro

50 da rodovia Castello Branco, no município de Araçariguama, Estado de São

Paulo, Brasil, em meio a uma vasta vegetação, iniciou-se a AEBVB. Em 1990

foi inaugurado o colégio Vale da Bênção, em 1993, com apoio de igrejas e a-

migos, foi adquirido o sítio Nova Vida na cidade de Sorocaba para abrigar as

crianças daquele local, no mesmo período foi fundada uma creche no municí-

pio de Araçariguama, assistindo em torno de cem crianças e suas famílias, jun-

tamente com o programa Vou Vencer, dirigido a adolescentes.

Em 1995, destacando-se pelas suas ações, foram convidados pela en-

tão Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), atual Fundação Cen-

tro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa), para assumir a fa-

zenda Nova Vida, com 120 adolescentes na cidade de Iaras. Em 2000, inicia-

ram em Sorocaba o programa liberdade assistida, para dar assistência a ado-

lescentes em conflito com a lei. Em 2002, assumiram o mesmo programa na

zona norte de São Paulo, e em 2007, em parceria com a Prefeitura de São

Paulo, deu início ao programa Ação Família, no bairro de Perus. Atualmente

mais de 130 colaboradores, entre funcionários e voluntários, participam da es-

trutura humana da AEBVB, dando suporte à sua estrutura física, que recebe

crianças e adolescentes de 0 a 18 anos e suas famílias.

Atualmente a AEBVB atende mais de 600 crianças e adolescentes em

cinco projetos localizados em três municípios do Estado de São Paulo, a saber:

Cidade da Criança e Creche Gotinhas de Vida, Araçariguama; liberdade assis-

tida (Casa Nova Vida), Sorocaba; liberdade assistida (Abrigo na Casa de Meu

Pai), São Paulo.

Segundo Jonathan Ferreira, diretor-executivo da AEBVB, a "missão é

garantir os direitos básicos às crianças e adolescentes em situação de risco

social, para que se tornem adultos preparados para a vida"

(www.valedabencao.org.br, acesso em 30/11/2011).

Contudo, a AEBVB é um projeto cristão evangélico, idealizado pelo

seu fundador, pastor Jonathan Ferreira dos Santos, de origem presbiteriana,

abrindo suas portas para a comunidade evangélica interdenominacional.

Dessa forma, o trabalho realizado faz parte de um complexo religioso

que apoia o Estado com ações de cidadania e valorização do ser humano, por

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16

meio de uma estrutura que traz em seu escopo os fundamentos para o exercí-

cio do trabalho da AEBVB, vistos a seguir.

1.2. Fundamentos

Através de preceitos cristãos, como ética, moral e tendo as escrituras

bíblicas como referência de fé e prática, a AEBVB ensina o respeito, o amor e a

força da parceria, por meio da ética e da administração com responsabilidade.

Encontramos o seguinte relato em seu Relatório Social de 2010.

Nossa Missão: Garantir direitos a crianças, adolescentes e fa-mílias em situação de vulnerabilidade social, capacitando-os para o exercício da cidadania, tendo como base uma referência cristã, visando à transformação integral (AEBVB, 2010, p. 2).

Destacam-se ainda os valores que constituem sua visão7

Amamos a Deus sobre todas as coisas, temos a Bíblia como referência de fé e prática, valorizamos a prática da oração, res-peitamos as pessoas, agimos com ética, administramos com responsabilidade, exercemos liderança compartilhada, constru-ímos parcerias, preservamos e respeitamos o meio ambiente onde vivemos (AEBVB, 2010, p. 2).

:

Pode-se observar que a construção da instituição e de suas bases se

fundamenta em princípios e valores cristãos, em substituição ou complemento

às ações do Estado. Assim, tem-se o contexto de uma dialética entre o sagrado

e o profano, ou igreja e Estado, em ato sacrifical a favor da humanidade, em

busca de potencializar a criança e o adolescente para a vida em sociedade.

Uma vez refletidos os fundamentos, apresentam-se os projetos.

7 Neste caso, se aplica o conceito de cosmovisão, que pressupõe a relação dom Deus, com o

próximo e com o mundo.

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17

1.3 Projetos

1.3.1 Programa de apoio à família

Em parceria com a Prefeitura de São Paulo, é dirigido a famílias em

condições de extrema miséria, no bairro de Perus, onde são desenvolvidas ati-

vidades de geração de renda, através de oficinas de costura, confecção, pintu-

ras e atividades afins que possam capacitar a mulher para gerar renda e propi-

ciar autonomia e cidadania. Por sua vez, o município atende os filhos nas esco-

las e creches públicas, bem como oferece atendimento médico na rede pública.

1.3.2 Liberdade assistida

Esse programa atende adolescentes que cometeram ato infracional e

estão sob acompanhamento do Estado nas cidades de São Paulo e Sorocaba,

SP, por meio de uma equipe formada por psicólogos, pedagogos e assistentes

sociais. Com dinâmicas coletivas, individuais e atividades psicossociais, busca-

se integrar esses adolescentes e suas famílias, levando-os à socialização, a-

companhados pelos diversos órgãos dos poderes Executivo e Judiciário.

1.3.3 Colégio Vale da Bênção

Conveniado com o Sistema Positivo de Ensino, oferece em período di-

urno ensino de educação infantil e fundamental, tendo como objetivo propor-

cionar formação escolar sob uma epistemologia cristã, desenvolvendo caráter,

cidadania e responsabilidade socioambiental, atendendo crianças e adolescen-

tes para a inserção na sociedade. Atualmente conta com 170 alunos.

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1.3.4 Cidade da Criança

Atende meninos e meninas de 0 a 18 anos, no Vale da Bênção, por

meio de oito casas-lares. O projeto é desenvolvido com atividades orientadas

por pedagogas, oferece assistência psicológica, médica e odontológica e apoio

espiritual. Dispõe ainda de escolas, cursos profissionalizantes, oficinas temáti-

cas e grupos terapêuticos. O programa é sustentado por doações de empre-

sas, pessoas físicas e convênios com prefeituras e Estado, assistindo crianças

e adolescentes encaminhadas por Conselhos Tutelares8 e Poder Judiciário,

conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente9

, constando atualmente no-

venta e seis assistidos.

1.3.5 Casa Nova Vida

Dirigida a adolescentes de 14 a 18 anos, no município de Sorocaba,

SP, busca oferecer apoio integral na socialização de jovens em situação de

risco, desenvolvendo atividades de profissionalização e inserção na comunida-

de com apoio de empresas e voluntários. Atualmente atende 20 jovens.

1.3.6 Creche Gotinhas de Vida

Oferece assistência pedagógica e social a crianças de dois a sete a-

nos, no município de Araçariguama/SP, com atividades educacionais no perío-

do diurno. Oriunda de parceria com o poder público e com empresas, enquanto

seus pais trabalham, as crianças participam de atividades direcionadas ao

8 Os Conselhos Tutelares, previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

8.069/1990), são criados por lei para garantir que, nos municípios, a política de atendimento à população infanto-juvenil vai ser cumprida. Estes órgãos devem ser procurados pela população em caso de suspeita ou denúncia de violação dos direitos de crianças e adolescentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (http://www.direitosdacrianca.org.br/conselhos/conselhos-tutelares)

9 O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - é um conjunto de normas juridicas do governo brasileiro tendo como objetivo, proteger a criança e o adolescente (http://www.promenino.org.br), acessado em 13/12/2011.

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19

seu desenvolvimento. Oferece ainda cursos e apoio às famílias dos alunos ma-

triculados. Atualmente atende 125 crianças em período integral.

1.3.7 Centro Comunitário Vou Vencer

Está situado em Araçariguama, em uma região de pobreza, com gran-

des índices de violência e exclusão social. Tem como objetivo dar a adolescen-

tes e jovens oportunidades por meio de dança, coreografia, oficinas de grafita-

gem e inclusão digital, além de atividades pedagógicas e esportivas. Dispõe

ainda de oficinas de leitura para crianças e adolescentes, mantidas por meio de

doações de pessoas físicas, jurídicas e parcerias com empresas e com o poder

público. Apresentados os projetos, passa-se à constituição administrativa.

1.4 Administração

A AEBVB tem seu escopo administrativo composto por líderes religio-

sos protestantes, sociólogos, psicólogos e profissionais de diversas áreas. Atu-

almente é organizada da seguinte forma.

1.4.1 Diretoria

Presidente: Pastor Silas Marchiori Tostes.

Vice-presidente: Pastor Fernando Szymczak.

Primeira secretária: Elaine Cristina Costa.

Segunda secretária: Rosimeire Alves de Oliveira.

Primeiro tesoureiro: Roberto Antonio Sabiano.

Segundo tesoureiro: José Paulo Charbel.

Vogal: Pastor Eguinaldo Helio de Souza.

Diretor-executivo: Pastor Jonathan Ferreira dos Santos.

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Diretores de programas sociais: Debora Lilian dos Santos Fahur e pas-

tor Tercio Sá Freire de Oliveira.

1.4.2 Conselho Fiscal

Presidente: Silvia Oliveira França.

Membros: Elio Zarpelon e Maria Margarete Salgado.

Suplentes: Cícero Rodrigues de Oliveira e Elza Janoni.

Esta administração possibilita e fomenta as ações da AEBVB, apresen-

tadas a seguir.

1.5 Ações

1.5.1 Área religiosa

Por meio de uma equipe de voluntários e pastores ligados a diversas

denominações, mantém uma capelania evangélica, dando apoio espiritual, sen-

timental e religioso, buscando através da comunhão entre membros de igrejas e

comunidades vivências para a socialização e recuperação do senso de família.

1.5.2 Área social

Uma equipe de psicólogos, pedagogos e educadores desenvolve proje-

tos educacionais que abarcam a cosmovisão cristã no contexto de um Estado

laico e no cotidiano das cidades.

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21

1.5.3 Área de saúde

Psicólogos e enfermeiros acompanham diariamente as necessidades

de crianças e adolescentes, monitorando o crescimento educacional, relacional

e afetivo.

Contudo, para que AEBVB possa realizar seu trabalho, é necessário

apresentar resultados e obter receita para os projetos, conforme os indicadores

a seguir.

1.6 Indicadores

1.6.1 Atendimento

Segundo o Relatório Social de 2010, a AEBVB atendeu:

Crianças e adolescentes diretamente.......................................... 2.240

Famílias ....................................................................................... 938

Atendimento indireto .................................................................... 8.960

Intermediou durante seus vinte e cinco anos de existência junto às Va-

ras da Infância e da Juventude a adoção e o retorno à família biológica de 832

crianças e adolescentes, segundo o relatório de atendimento de 2009/2010.

Casa Nova Vida e Cidade da Criança ........................................ 144

Centro Comunitário Vou Vencer ................................................. 600

Creche Gotinhas de Vida ............................................................ 115

LA São Paulo e Sorocaba .......................................................... 462

Colégio Vale da Bênção ............................................................. 170

Programa Ação Família .............................................................. 720

Page 36: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ESCOLA

22

Em seguida podemos analisar o relatório de receitas.

1.6.2 Receita

Os recursos para manutenção do projeto são originários de três seg-

mentos, sendo que os organismos públicos representam a maior parte, con-

forme o gráfico abaixo:

33%

5%

6% 8%

21%

27%

AEBVB AÇÃO FAMÍLIA

GOTINHAS DE VIDA

NOVA VIDA E CIDADE DA CRIANÇA

COLÉGIO VALE DA BÊNÇÃO

LA SÃO PAULO E SOROCABA

VOU VENCER

49%

28%

23%

0%

AEBVB

PÚBLICOS

DOAÇÕES

PARCERIAS

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23

Recursos Públicos ....................................................................... 49%

Doações ...................................................................................... 28%

Parcerias Corporativas ................................................................ 23%

Uma vez apresentados os resultados, verifica-se os reconhecimentos

de órgãos públicos e privados.

1.7 Reconhecimento

No decorrer de seus 25 anos de existência, a AEBVB tem sido reco-

nhecida como instituição de grande valor por várias esferas de governo, bem

como no meio empresarial. Aqui são apontados alguns reconhecimentos obti-

dos nas esferas federal, estadual, municipal e de entidades de classe, empre-

sas e igrejas, dispostos no Relatório Social de 2010.

1.7.1 Inscrições e títulos

Utilidade pública federal – decreto de 16 de setembro de 1997, publi-

cado no Diário Oficial da União, de 17 de setembro de 1997, seção 1, página

20.606, processo MJ 16.150/93-2.

Utilidade pública estadual, Estado de São Paulo, Lei 9.025, de 26 de

setembro de 1994.

Utilidade pública municipal, Sorocaba, SP, Lei 5201, 16 de setembro de

1996.

Utilidade pública municipal, São Roque, SP, Lei 2.100 de 16 de setem-

bro de 1996.

Utilidade pública municipal, Araçariguama, SP, Lei 371, de 27 de outu-

bro de 2004.

Registro no CNAS, processo 44006.000426/97-85, resolução 173 de

22 de outubro de 1997.

SEADS/SP – inscrição 4302.

SAS/SP – matricula 04/1063.

CMDCA/SP – 1037/03.

Page 38: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ESCOLA

24

CDMCA/Sorocaba – 47.

CDMCA/Araçariguama – 01/99.

COMAS/São Paulo – inscrição 897/2007.

COMAS/Sorocaba – Inscrição 17.05.1999.

COMAS/Araçariguama – inscrição 001/2000.

1.7.2 Prêmios e certificados

Prêmio Sorocaba Cidade Solidária –iniciativa da CPFL e do Jornal Cru-

zeiro do Sul.

Prêmio Regional de Qualidade da Gestão – oferecido pelo Instituto de

Excelência da Gestão (Ipeg).

Certificado de Entidade Cidadã – oferecido pela Câmara Municipal de

Sorocaba.

Certificado Mude um Destino – oferecido pela Associação dos Magis-

trados Brasileiros em favor das crianças e dos adolescentes que vivem em a-

brigos.

Certificado Empresa que Educa – oferecido pelo SENAC, São Paulo.

1.7.3 Amigos e parceiros

A AEBVB é apoiada por 43 empresas e 22 igrejas que mensalmente

contribuem com doações financeiras, materiais e alimentícias, que possibilitam

o atendimento de qualidade juntamente com o apoio governamental, conforme

verificamos no próximo tópico.

1.7.3.1 Governo

Governo do Estado de São Paulo.

Prefeitura de Araçariguama, SP.

Prefeitura de Lençóis Paulista, SP.

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25

Prefeitura de São Paulo, SP.

Prefeitura de São Roque, SP.

Prefeitura de Sorocaba, SP.

Fundação Casa.

Fundo Social de Araçariguama, SP.

Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fumcad).

Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).

Dessa forma, o trabalho realizado pela AEBVB traz em seu escopo

uma práxis cristã em um espaço público, fomentado pelo Estado. Neste primei-

ro capítulo pode-se ver o reconhecimento e a aproximação de religião e Estado

na causa social. De fato, as igrejas desfrutam de forte proximidade com a soci-

edade, desburocratizando o sistema e permitindo uma resposta eficaz às ne-

cessidades sociais, o que viabiliza ações públicas.

As instituições ligadas à religião merecem o reconhecimento, credibili-

dade e prestigio perante o contexto das ONGs no Brasil como podemos verifi-

car no quadro apresentando no início realizado pelo IBGE, coadunando com

este quadro podemos verificar em Carvalho.

Segundo Carvalho (1997) “diante do contexto de precarização das polí-

ticas públicas sociais, as entidades religiosas passam a se envolver no enfren-

tamento da questão social, [...] compõem o projeto de reprodução social das

famílias empobrecidas, [...] a igreja se faz presente no cotidiano de muitas fa-

mílias e comunidades, sendo a instituição com maior credibilidade para a popu-

lação fragilizada”.

Desta forma, se vê com objetividade a inferência da igreja em substitui-

ção às ações do Estado que transfere suas obrigações através de parcerias e

associação.

Enquanto a igreja faz expiação pelos necessitados suprindo suas ne-

cessidades, o Estado entra em simbiose com a Igreja para suprir as necessi-

dades assistenciais legitimando o trabalho da AEBVB, reforçando a necessida-

de da presença da religião na construção educacional e social do cidadão.

No próximo capítulo, é apresentada a práxis da AEBVB, com ênfase na

Cidade da Criança.

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26

2 CIDADE DA CRIANÇA

Neste capítulo serão abordados alguns aspectos que envolvem a vi-

vência e as experiências no trabalho desenvolvido pela AEBVB, especificamen-

te na Cidade da Criança, objeto de nossa pesquisa. Através de entrevistas a

funcionários, colaboradores, voluntários, dados estatísticos, reconhecimento da

sociedade e governos, refletiremos sua visão, missão e valores.

2.1 Propostas de Trabalho

Durante o período de pesquisa foram realizadas entrevistas com o pas-

tor Jonathan Ferreira, fundador do Vale da Bênção, diretoria, funcionários e

abrigados. Essas entrevistas somadas a depoimentos e publicações internas

permitem uma análise da proposta de trabalho

2.1.1 Visão

A visão da AEBVB no trabalho aplicado na Cidade da Criança é aco-

lher crianças e adolescentes de 0 a 18 anos destituídos temporariamente de

suas famílias por ordem judicial ou por meio dos Conselhos Tutelares, abrigan-

do-os em nove casas-lares. Desenvolvendo atividades orientadas por pedago-

gas e oferecendo assistência psicológica, médica, odontológica e apoio espiri-

tual, dispõe ainda de escolas, cursos profissionalizantes, oficinas temáticas e

grupos terapêuticos, buscando atender em um ambiente familiar as crianças e

adolescentes abrigadas até decisão judicial.

Ana Silvia, bacharel em psicologia e administradora da Cidade da Cri-

ança, relata:

A Cidade da Criança é um abrigo [para crianças e adolescen-tes] de 0 a 18 anos que abriga aqueles que chegam através do Judiciário e [do] Conselho Tutelar. [O interno] somente sai se a família estiver estruturada, retornando por ordem judicial ao

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27

seio [da] família, ou se for destituído em definitivo, adotado ou completando 18 anos de idade [sic].

2.1.2 Missão

A AEBVB, entidade assistencial, filantrópica, sem fins lucrativos, tem

por finalidade estatutária assistir e garantir direitos às crianças, adolescentes e

familiares em situação de risco social, capacitando-os para o exercício da cida-

dania, tendo como base uma referência cristã, visando à transformação inte-

gral, preparando-os para a volta ao convívio familiar e social.

2.1.3 Valores

Para que possa cumprir a visão e concretizar sua missão, a AEBVB,

por meio da Cidade da Criança, tem certos princípios e valores em seu escopo:

2.1.3.1 Espiritual

A oração é o combustível que motiva o trabalho na Cidade da Criança,

e o projeto exerce sua espiritualidade cristã. Jonathan Ferreira afirma que a

oração é um dos pilares da instituição, que acredita na reconstrução familiar

mediante a proclamação do evangelho de Jesus, respeitando a liberdade de

religião dos abrigados: “Amamos a Deus sobre todas as coisas, temos a Bíblia

como referência de fé e prática, valorizamos a prática da oração, respeitamos

as pessoas” (AEBVB, 2010, p. 2).

Sobre a oração, Roger Bastide (2006, p.166), em sua obra O sagrado

selvagem e outros ensaios, oferece a seguinte definição:

Ela é uma comunicação que pode se dar através de objetos, gestos, palavras, no mais das vezes por uma combinação dos três, entre os homens e as forças sobrenaturais, dentro de uma relação estabelecida como assimétrica (a assimetria manifes-tando-se no discurso, assim como nos gestos simbolizando a súplica ou os objetos que significam essa atitude).

Page 42: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ESCOLA

28

Da mesma forma, Ana Silvia, administradora da Cidade da Criança,

relata:

Através da Bíblia Sagrada se busca inserir a ética e a moral, fortalecendo a cooperação, [o] amor, [a] valorização do ser humano [e a] espiritualidade. Mesmo sabendo que a instituição é evangélica, não se obrigam os adolescentes a participar de cultos, ouvir música evangélica ou qualquer outra forma obriga-tória que possa ser considerada proselitismo [sic].

Como instituição evangélica, fundamenta a crença de que crianças e

adolescentes em situação de risco social devem ser assistidas pela igreja no

cumprimento da missão social de assistir os órfãos e necessitados. O contato

com o sagrado, ou seja, uma intimidade com Deus, agregado aos serviços dis-

postos gera transformação ética, moral e espiritual, conduzindo-os à valoriza-

ção da vida e da cidadania. Dessa forma não se está afirmando meramente

uma perspectiva transcendente, mas uma práxis aliada com a fé.

2.1.3.2 Ética e transparência

Percebe-se uma preocupação com divulgação e transparência aos man-

tenedores e pretensos mantenedores, bem como diante da opinião pública e do

governo quanto ao uso dos recursos destinados à instituição, seja pelo Estado,

seja pela iniciativa privada. “Agimos com ética, administramos com responsabili-

dade, exercemos liderança compartilhada. Construímos parcerias, preservamos

e respeitamos o meio ambiente onde convivemos” (AEBVB, 2010, p. 2).

Sendo uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos, se mantém por

meio de contribuições de pessoas jurídicas e físicas, de igrejas mediante doa-

ções voluntárias, feitas por meio de depósitos bancários e ainda verbas gover-

namentais, por meio de convênios. Constantemente veicula-se o trabalho em

mídia impressa e audiovisual, em igrejas, empresas e reuniões particulares, no

intuito de levantar fundos para sustento e ampliação de sua ação social. Vale

Page 43: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ESCOLA

29

ressaltar que conquistou o direito de receber como doação créditos da Nota

Fiscal Paulista.10

A diretora dos programas sociais da instituição, Débora Lília dos

Santos Fahur, diz:

Através deste relatório Anual 2010, reconhecemos o quanto fomos abençoados pelo Deus que ama crianças, e transforma para melhor os seus caminhos. Reconhecemos também o es-forço dos nossos colaboradores, que dia a dia se dedicam para educar e ensinar crianças e adolescentes. E a participação efe-tiva dos doadores e parceiros que têm estado presente através de suas contribuições tão significativas. Nossa expectativa é que ao ler este relatório de atividades, você possa conhecer melhor nossas atividades. Que possa também estar sensível a prosseguir nessa caminhada, apoiando e abençoando crianças e famílias [sic] (AEBVB, 2010, p. 4).

Percebe-se nessa declaração a relação da instituição com o sagrado.

Para exemplificar a declaração de Débora Lília dos Santos Fahur, toma-se co-

mo base o texto de Mateus 18.1-14, onde se apresenta a referência a criança.

Nesse texto Jesus Cristo é indagado por seus discípulos sobre quem era o

maior no reino dos céus.

Jesus Cristo então chama um menino e coloca-o como exemplo em

meio aos discípulos, afirmando que aquele que se tornasse humilde como a-

quele menino seria o maior no reino dos céus. Afirma ainda que aquele que

recebe um menino em seu nome também o receberia e que se algum dos seus

discípulos fizesse mal a alguma criança melhor seria pendurar um peso ao

pescoço e se jogar ao mar. Ainda afirma que não é da vontade de Deus que

nenhum dos pequeninos se perca. Dessa forma, a Cidade da Criança exerce

seu papel de alcance integral da igreja, acolhendo crianças e adolescentes em

situação de risco social, intervindo em conjunto com autoridades para que suas

dores sejam amenizadas.

Percebe-se nestes depoimentos a vivência do sagrado na instituição.

Peter Berger (2004, p.39) em O dossel sagrado comenta: 10 O Programa Nota Fiscal Paulista devolve 30% do ICMS efetivamente recolhido pelo

estabelecimento a seus consumidores. Ele é um incentivo para que os cidadãos que adquirem mercadorias exijam do estabelecimento comercial o documento fiscal. Os consumidores que informarem o seu CPF ou CNPJ no momento da compra poderão escolher como receber os créditos e ainda concorrerão a prêmios em dinheiro. (http://www.nfp.fazenda.sp.gov.br/).

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30

O sagrado é apreendido como algo que “salta para fora” das rotinas normais do dia a dia, como algo de extraordinário e potencialmente perigoso, embora seus perigos possam ser domesticados e sua força aproveitada para as necessidades cotidianas”.

2.1.3.3 Humano

Uma vez que a figura do sagrado está presente nas vivências da insti-

tuição, é compreensível que haja também a valorização do indivíduo. Geral-

mente pessoas em situação de risco social são estigmatizadas e, nesse senti-

do, os abrigados da instituição são conhecidos como as crianças do Vale da

Bênção. Dessa forma, a valorização do indivíduo se faz necessária para que

sejam respeitadas e aceitas na reintegração à sociedade.

Para que o indivíduo se sinta acolhido, a instituição oferece condições

para que tenham experiências reais com Deus, valorizem o trabalho, a família e

a comunidade, de forma a descobrir o valor pessoal e se preparar para ter uma

vida digna, independentemente do fato gerador de sua estada na instituição.

Nesse sentido, o valor da vida para o ser humano pode ser vivenciado por meio

do amor de Deus.

Peter Berger (2004, p. 29) diz: “O indivíduo é socializado para ser uma

determinada pessoa e habitar um determinado mundo”. Sendo assim, se pro-

cura a valorização do indivíduo, com o entendimento de que todo ser humano é

imagem e semelhança de Deus.

2.1.3.4 Excelência

Uma vez que se classifica como instituição sem fins lucrativos e não

governamental, com o objetivo de apoiar serviço de caráter público, é funda-

mental a integridade para se adquirir excelência. Nessa dialética, adquire-se

credibilidade pela excelência do serviço a que se presta, esperando-se gerar

nas crianças a formação de um cidadão autônomo e independente.

O Pastor Jonathan Ferreira declara: “Temos recebido centenas de cri-

anças e adolescentes na Cidade da Criança. Temos tido a felicidade de acom-

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31

panhar o desenvolvimento de centenas deles. Alguns já terminaram faculda-

des, outros estão casados e têm filhos, foram amparados na hora certa”

(AEBVB, 2010, p. 3).

Da mesma forma, Debora Lilia, diretora de programas sociais, declara:

Presenciamos a chegada de muitas crianças para serem atendi-das em nossas casas-lares, vivenciamos a saída de muitos jo-vens ao completarem seus 18 anos. E, especialmente em 2010, pudemos de forma graciosa reencontrar jovens que compuse-ram suas próprias famílias, que têm seus próprios filhos. Muito deles, com um bom emprego, convivendo com as responsabili-dades de pais e mães de família (AEBVB, 2010, p. 4).

2.1.3.5 Educação

A educação da criança e do adolescente tem seu valor especial no

processo de socialização no Vale da Bênção. Geralmente as crianças e ado-

lescentes atendidos vêm de lares cuja estrutura familiar não foi capaz de pro-

porcionar uma educação eficaz através da rede de ensino. Nesse sentido é

comum que esse indivíduo tenha problemas para se submeter a regras, obedi-

ência e uma escala de valores da sociedade, o que justifica a valorização da

educação pela instituição.

A administradora da Cidade da Criança, Ana Silvia, questionada sobre

a educação, relata: “Todas as crianças estudam, fazem oficinas, [participam de]

coral, cursos junto à comunidade. Alguns estudam no colégio do Vale da

Bênção e os demais na rede pública de ensino municipal e estadual [sic]”.

2.2 Atividades

Para que seus objetivos na socialização de crianças e adolescentes em

situação de risco social sejam viáveis, é importante que seus funcionários se-

jam solidários a eles. Assim, todos os funcionários contratados, quer temporá-

rios, quer efetivos, bem como os voluntários passam por uma entrevista a fim

de que possam ser identificados valores que contribuam para o profissionalis-

mo e ao mesmo tempo o exercício do sacerdócio cristão.

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32

Questionada sobre o perfil exigido para aquele que deseja compor a

equipe de profissionais, Ana Silvia diz:

[...] a pessoa tem que ter formação mínima de segundo grau, porém, pela dificuldade de contratação de pessoas que se qualifiquem mediante os salários oferecidos, existem mães com primeiro grau. Tem que gostar de crianças, ser evangé-lica, se dispor a conduzir o ensino da ética familiar através da Bíblia [sic].

Atualmente a equipe de colaboradores possui 33 pessoas distribuídas

nas atividades administrativas e sociais, voluntários permanentes e voluntaria-

do esporádico para manutenção predial.

Tabela 2.1 Colaboradores da Cidade da Criança

Colaboradores Quantidade

Funcionários 29

Voluntários permanentes 4

Para que os abrigados possam conviver em um ambiente que os valo-

rize com seres humanos e priorize os relacionamentos familiares, o Vale da

Bênção contrata mulheres na função de mães sociais, contudo, seus maridos

passam a exercer a função de pais sociais voluntariamente. Nesse sentido,

chama a atenção o fato de que algumas dessas famílias têm filhos e, dessa

forma, eles passam a exercer função voluntária indiretamente na socialização

dos abrigados, uma vez que passam a coabitar em um relacionamento de i-

gualdade, dividindo a atenção de seus pais com os demais.

Sobre esse assunto, Ana Silvia diz:

[...] em cada casa colocamos [de] 10 a 12 crianças acompa-nhadas de mães sociais casadas, e em algumas, [de mães so-ciais] solteiras, sendo todas registradas. Os pais sociais traba-lham na instituição ou fora, porém são voluntários, não têm vin-culo com a Cidade da Criança.

Page 47: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ESCOLA

33

Em seu escopo de atividades, a Cidade da Criança dispõe de uma es-

trutura que envolve psicólogos, pedagogos, assistentes sociais e capelães, que

visam mentorear, monitorar e acompanhar os abrigados em suas necessida-

des, bem como atender seus funcionários. Ainda são oferecidos aos abrigados

atendimento odontológico, cursos de informática, cabeleireiro e capacitação

profissional em parceria com empresas privadas no programa Jovem Apren-

diz11

para aqueles quem têm mais de 14 anos.

2.2.1 Triagem

O processo de triagem é de responsabilidade da autoridade Judiciária

ou Conselho Tutelar, ficando a instituição Vale da Bênção responsável pela

acolhida, acompanhamento e relatórios periódicos a essas autoridades. No

entanto, ao chegar ao abrigo, as crianças ou os adolescentes necessitam de

cuidados higiênicos. Nesse caso, é feito um trabalho de conscientização para

tomarem banho e valorizarem a higiene pessoal e coletiva. Outro desafio é

convencê-los a ficar no abrigo, uma vez que não há muros, seguranças ou

qualquer outro aparato que sugira o uso de força. Diante da proposta de traba-

lho de livre acesso, alguns desistem, ficando a responsabilidade pelo mesmo

sob a tutela do Estado. Esse trabalho de conscientização é feito de forma sis-

temática pela área técnica, através de psicólogo, psicopedagoga e assistentes

sociais.

Vera Lucia Gaboardi Ferreira, psicóloga da instituição, em entrevista

nos relata: “Geralmente a criança chega insegura, com medo, há uma falta de

conhecimento e desvalorização, então se torna agressiva, e algumas fogem.”

11 A profissionalização do adolescente é uma etapa do seu processo educativo (ECA, art. 62)

e, portanto, a razão de ser do trabalho é a formação, não a produção. O programa Aprendiz Legal, ao basear-se na Lei 10.097/2000 e em sua regulamentação, o Decreto nº 5598/2005, legitima a intenção e os esforços para contribuir com a empregabilidade de nossos jovens, especialmente os menos privilegiados. Este é um passo para integrar a sociedade em torno de uma causa comum: atender à necessidade dos jovens com suas diferenças individuais, suas condições específicas, aprendendo a conviver com a diversidade humana sem preconceitos. (www.aprendizlegal.org.br) acesso em 24/05/2012.

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34

Uma vez abrigadas, as crianças passam por um período de adaptação

de 30 dias, no qual serão acompanhadas diariamente pelas mães sociais, que

informam as dificuldades da criança à equipe técnica.

Questionada, Marli Muniz, mãe social, relata: “As crianças chegam com

carência da família, porém não sabemos o [seu] histórico, contudo, com o passar

do tempo, as crianças [o] contam. Em geral, o problema envolve bebidas [...]”.

2.2.2 Rotina

Todos os funcionários do Vale da Bênção são registrados, exercendo

cada um função específica com seus direitos trabalhistas devidamente garan-

tidos. O trabalho é ininterrupto, uma vez que as mães sociais estão 24 horas

convivendo com as crianças. Logo após uma breve oração feita por uma das

crianças, é servido o café, em seguida, é distribuída as tarefas a cada um pa-

ra manutenção e limpeza da casa. Essa limpeza tem o objetivo de ensinar a

criança a valorizar, respeitar e desenvolver valores de cooperação. Para a-

queles que estão em período escolar, as tarefas são distribuídas conforme

sua disponibilidade de horário, preservando o direito à criança de horários

para tarefas escolares, diversão, consultas médicas e odontológicas, cursos e

demais necessidades. No caso dos menores até nove anos, é disponibilizada

uma funcionária que faz o serviço de limpeza e lavanderia. Todas as refei-

ções são preparadas em uma cozinha central e distribuídas às nove casas-

lares de segunda a sexta. Nos sábados e domingos, as mães sociais são res-

ponsáveis pelo preparo da alimentação, orientadas por um profissional de

nutrição. Todas as crianças se levantam às 6h, tomam café às 7h, almoçam

ao meio-dia, lancham às 16h, jantam às 19h e, de forma geral, se recolhem

às 22h. Eventualmente são proporcionados passeios a outras cidades, praias,

museus, teatros, cinemas, eventos esportivos e evangelísticos. Aos sábados,

é liberada a visita aos seus familiares e a recepção de visitantes, ficando to-

dos livres de obrigações e tarefas.

Questionada sobre a rotina, Rosenilda Rocha de Oliveira Leite, peda-

goga e coordenadora de atendimento, relata: “Sou responsável por receber

doações e compras, acompanhar o atendimento às crianças quanto às neces-

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35

sidades materiais e supervisionar a execução dos trabalhos diariamente. Distri-

buo as tarefas aos funcionários, elaboro o cardápio sob orientação da nutricio-

nista e supervisiono a rotina das casas”.

A respeito da rotina, a mãe social Marli Muniz relata:

[...] fazemos devocional, vamos à igreja. Identificamos nas cri-anças um comportamento equilibrado aos frequentadores da igreja, diferente dos não freqüentadores, que demonstram a-gressividade [sic].

Identificam-se nesses relatos elementos de contribuição da religião de

maneira positiva no desenvolvimento emocional da criança e funcionários.

Questionada sobre a rotina, a mãe social Maria de Fátima Carmo diz:

“Tem horário para toda atividade, para acordar e para dormir.”

Pode-se observar que, de alguma forma, todos estão envolvidos em a-

tividades que ocupam seu tempo produtivamente, por meio de conhecimento e

capacitação, e que comunicam valores morais e éticos.

Nos períodos em que as crianças não estão envolvidas em tarefas, es-

tudos ou participando de cultos, podem utilizar playground, campo de futebol,

quadras de esporte e jogos como dama e xadrez, além de televisão e bibliote-

ca, para que desenvolvam integração e socialização com outras crianças.

As atividades religiosas são dirigidas através de estudos bíblicos, histó-

rias lúdicas e cultas, exercendo papel fundamental na socialização da criança.

Leitura bíblica, oração e louvor os desafiam a experimentar a mudança do

comportamento agressivo para um passivo e a formação do caráter através de

valores cristãos bíblicos. As temáticas bíblicas permitem uma abordagem em

diversas áreas, trabalhando os conflitos emocionais das crianças. Como todas

as pessoas envolvidas no cotidiano participam de uma cosmovisão cristã bíbli-

ca, sessões de aconselhamento pautadas por valores bíblicos permitem que

seja dada atenção às crianças e resgatado seu valor como ser humano.

Questionado, o abrigado R.A.D., que passou por outros abrigos, diz:

Quando não era evangélico, fazia umas besteiras, mas agora sou evangélico e consigo me controlar e comportar [...] meu nervoso era por conta da minha família que foi retirada, aí eu fugia, acho bom aqui, grande, não tem essas regalias em ou-tros abrigos [sic].

Page 50: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ESCOLA

36

Ao chegar, o abrigado recebe instruções sobre normas e regras de

funcionamento, tais como não serem permitidos namoro, drogas, fumo e bebi-

das. Os casos de indisciplina são analisados e, conforme a seriedade, aplica-

das medidas socioeducativas que podem resultar até na transferência para ou-

tro abrigo.

Questionada sobre esse assunto, a administradora Ana Silvia diz:

[...] tiramos televisão, passeio, lazer, celular, sair de casa. A cada grau de indisciplina impõe-se restrição maior, chegando à transferência para outro abrigo [...] diferentemente de orfa-natos, que são um sistema fechado, o abrigo é aberto, man-tendo regras próprias de convívio com horários para entrada e saída [...].

Apesar de ser um número pequeno, as fugas são realidade, particular-

mente na chegada dos abrigados e nos períodos de férias. Ana Silvia, comenta:

[...] crianças e adolescentes têm liberdade para sair mediante avaliação das mães sociais e da psicóloga. Contudo, existem casos de fuga, seja do abrigo ou da escola. Quando há fuga, se comunica ao Conselho Tutelar, que, acompanhado de auto-ridade policial, busca reconduzir [quem fugiu] ao abrigo. De qualquer forma, [a fuga] é notificada à Justiça, pois o trabalho é feito em parceria entre abrigo, Justiça e Conselho Tutelar.

2.3 Resultados Esperados

Por ser uma instituição evangélica, o Vale da Bênção tem em seu es-

copo o anúncio da mensagem de paz, amor e fraternidade a crianças e adoles-

centes, de forma a valorizá-los e reconduzi-los à sociedade. Por meio de sua

estrutura, procura desenvolver um ambiente familiar e aspectos que tratem

corpo, alma e espírito, atendendo o abrigado de modo integral.

Pode-se observar que o sagrado é a premissa do ambiente, e produz

na vida de crianças e adolescentes valores para sua juventude, como podemos

ver nos relatos de funcionários a seguir:

Ana Silvia diz: “Através da Bíblia Sagrada se busca inserir a ética e a

moral, fortalecendo a cooperação, o amor, a valorização do ser humano, a es-

piritualidade”.

Page 51: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ESCOLA

37

Vera Lucia, psicóloga da instituição, nos relata:

[...] crianças nos procuram perguntando “quando vamos voltar para casa?” Muitas delas não entendem por que estão no abri-go, é difícil. Se não fosse pelo amor de Deus, não estaria mais aqui, pois já tive ofertas melhores de salário, não é fácil lidar com as expectativas deles. Procuramos através de dinâmicas e preceitos cristãos valorizar a criança ministrando o amor de Deus.

A expectativa da instituição é que a criança seja socializada e possa

construir valores familiares que a torne um cidadão produtivo dentro de uma

cosmovisão cristã.

A assistente social Marisa, questionada sobre o papel da assistência

social na instituição, relata: “Ela caminha com a psicologia, no abrigo não se

detém a lei cuidando apenas do físico, mas também o espiritual abrange a me-

diação com as famílias e autoridades [sic]”.

Transformar a criança e prepará-la para a sociedade por meio de pre-

ceitos bíblicos tem sido o desafio.

Questionada, a pedagoga Rosenilda Rocha, coordenadora de atendi-

mento, relata: “A palavra de Deus nos dá esperança, isso nos encoraja no tra-

balho com as crianças e nos possibilita ser agente de transformação, contando

histórias bíblicas, agindo diretamente nas lacunas sentimentais”.

O objetivo da instituição é cumprir de forma integral sua missão, medi-

ante a qual se espera a transformação da criança ou do adolescente, aptos à

reintegração na sociedade:

Nossa missão é garantir direitos às crianças, adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade social, capacitando-os para o exercício da cidadania, tendo como base uma referência cristã, visando à transformação integral (AEBVB, 2010, p. 2).

2.3.1 O abrigo

Em nosso primeiro capítulo situamos a instituição dentro do terceiro se-

tor, como uma entidade filantrópica sem fins lucrativos. Porém, se faz necessá-

rio esclarecer que se trata um abrigo.

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38

Segundo Ana Silvia, o sistema adotado pelo Vale da Bênção é o de ca-

sa-lar, um sistema aberto com número reduzido de crianças, aproximando-se

de um ambiente familiar. Diferente de orfanatos, que funcionam em sistema

fechado, o abrigo é aberto, mantendo regras próprias de convívio com horários

predeterminados para entrada e saída. As crianças e adolescentes têm liber-

dade para sair mediante avaliação das mães sociais e psicólogas.

As crianças abrigadas têm apoio ao seu desenvolvimento físico, psí-

quico, moral e socioeducativo, conforme disposição do Estatuto da Criança e

do Adolescente (ECA, 1990, p.30) em seu Art.94:

As entidades que desenvolvem programas de internação têm as seguintes obrigações, entre outras: [...] III – Oferecer atendimento personalizado, em pequenas unida-des e grupos reduzidos; IV – Preservar a identidade e oferecer ambiente de respeito e dignidade ao adolescente; V – Diligenciar no sentido do restabelecimento e da preserva-ção dos vínculos familiares; VII – Oferecer instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança e os objetos necessários à higiene pessoal; VIII – Oferecer vestuário e alimentação suficientes e adequa-dos à faixa etária dos adolescentes atendidos; IX – Oferecer cuidados médicos, psicológicos, odontológicos e farmacêuticos; X – Propiciar escolarização e profissionalização; XI – Propiciar atividades culturais esportivas e de lazer; [...];

Observa-se que a instituição enquadra-se nas exigências governamen-

tais para um abrigo.

Ainda sobre o abrigo, Rosenilda Rocha comenta:

Existem no Brasil muitas instituições governamentais e não go-vernamentais que dão assistência à criança e [ao] adolescente em situação de risco [que sofrem maus-tratos por parte dos familiares], órfãos e crianças de ruas. No entanto, para atender essas instituições, foram criadas, a partir da Constituição, enti-dades de atendimento responsáveis por manutenção das uni-dades, planejamento e programas de proteção. Como também por prestação de contas financeiras e de assistência [das enti-dades].

Encontramos algumas entidades governamentais que fornecem apoio

às ONGs, dentre as quais citamos a Secretaria Municipal de Ação e Desenvol-

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39

vimento Social (Smads), do município de São Paulo, o Departamento Regional

de Ação e Desenvolvimento Social (Drads), que atua no Estado de São Paulo.

Essas entidades prestam contas ao Tribunal de Contas do Estado, ao Ministé-

rio da Fazenda e às prefeituras.

Rosenilda Rocha esclarece: “São por meio de tais entidades citadas a-

cima que as unidades ou organizações não governamentais recebem orienta-

ção da execução do trabalho, recursos financeiros para a habilitação do mes-

mo e apoio [sic]”.

Segundo o ECA (1990, p.28) em seu Art. 90, essas unidades ou institu-

ições podem realizar suas atividades da seguinte forma:

As entidades de atendimento são responsáveis pela manuten-ção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócio-educativos desti-nados à criança e adolescente, em regime de: I- Orientação e apoio sócio-familiar; II- Apoio sócio-educativo em meio aberto; III- Colocação Familiar; IV- Abrigo: V- Liberdade Assistida; VI- Semiliberdade; VII- Internação.

Pode-se ver por meio dos relatos prestados e documentos anexados a

esta pesquisa que o abrigo segue normas, regras e gestão própria, mas, não

obstante seus deveres, presta conta ao poder público de seus atos e movimen-

to financeiro. Ou seja, o trabalho realizado é registrado e a prestação de contas

se dá por meio de relatórios e balancetes mensais e anuais remetidos aos ór-

gãos fiscalizadores municipal, estadual, federal e ao conselho deliberativo.

2.3.2 A socialização

2.3.2.1 O abrigo

Pode-se ver anteriormente que as instituições que abrigam crianças e

adolescentes em situação de risco social têm gestão própria, podendo haver

diferenças entre elas. Ao priorizar a instituição familiar, os abrigos valorizam

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40

respeito, boas maneiras, compartilhamento através de casas-lares, mantendo

pais sociais que buscam transmitir o conceito de família aos abrigados.

À diferença dos abrigos, as instituições em regime de orfanato ou fe-

chadas estão na contramão do desenvolvimento da criança no tocante ao

aprendizado emocional. Percebe-se que o melhor lugar para o desenvolvimen-

to de uma criança ou adolescente é junto de sua família, biológica, adotiva ou

afetiva:

[...] o ambiente institucional não se constitui no melhor ambien-te de desenvolvimento, pois o atendimento padronizado, o alto índice de crianças por cuidador, a falta de atividades planeja-das e a fragilidade das redes de apoio social e afetivo são al-guns dos aspectos relacionados aos prejuízos que a vivência institucional pode operar no indivíduo (CARVALHO, 2002, apud SIQUEIRA, DELL’ AGLIO, 2006, p. 3).

A figura das unidades de socialização está associada à das unidades

de recuperação, isto faz com que a ocupação dos abrigos seja feita no mais

das vezes por infratores.

Infelizmente percebe-se a equiparação a uma instituição fechada, com

guardas, muros altos e aparato policial, a fim de evitar as fugas, como aconte-

cia na antiga Febem no Estado de São Paulo. Por ter um sistema gestor inde-

pendente e de estrutura peculiar a cada ONG, o sistema de casa-lar adotado

pelo Vale da Bênção traz uma relevância ímpar, uma vez que preconiza o sis-

tema familiar dotado de liberdade. Pensar em um ambiente aberto em milhares

de alqueires de área verde, com amplo espaço para lazer, biblioteca, clínica,

informática, aulas de artesanato, música e pais sociais que oferecem carinho,

atenção, respeito e cuidados fisiológicos em paridade com seus filhos consan-

guíneos é totalmente impensável a muitas pessoas. Assim, o atendimento ofe-

recido pelo Vale da Bênção é melhor em muitos casos.

Em relato, Y. S. O., 15 anos de idade, cursando a sétima série, abriga-

do há três anos, tem seis irmãos, dos quais três foram adotados, uma está no

Vale da Bênção e dois têm paradeiro desconhecido:

Minha mãe foi testemunha de uma chacina, ficamos sobre a proteção dos Direitos Humanos, minha mãe bebia, usava dro-gas, então fomos para o abrigo com minha mãe. Não adiantou, ela fugiu, então tivemos que vir pra cá. Desde os nove anos

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meu avô dava pinga pra ela, meu pai está em Pernambuco, mas não [o] conheci, minha avó mora em área de risco, então temos que ficar aqui, é melhor. Aqui aprendo bastante coisa, li-dar com as pessoas, relacionar, eu gosto daqui, é um lugar on-de podia estar com minha família.

Nesse sentido, comenta Dell’Aglio (2000) apud Siqueira e Dell’Aglio

(2006, p. 3).

No entanto, cabe salientar que muitas das crianças que foram institucionalizadas estão de certa forma, mais seguras na insti-tuição que em suas próprias casas, pois, ela oferece ambiente mais estável do que em seus lares, onde se encontravam em conflitos e em constante situação de risco.

Coadunando com essa ideia encontramos o seguinte comentário:

A instituição de abrigo consiste em um ambiente ecológico de extrema importância para crianças e adolescentes institu-cionalizados, configurando o microssistema onde eles reali-zam um grande número de atividades, funções e interações, como também um ambiente com potencial para o desenvol-vimento de relações recíprocas, de equilíbrio de poder e de afeto (YUNES, 2004, p. 197).

Pode-se então, chegar à conclusão de que o Vale da Bênção cumpre

seu papel social de abrigo e instituição familiar que, por meio de sua cosmovi-

são cristã, promove o bem-estar de crianças e adolescentes.

2.3.2.2 A família

A ideia de família segundo os princípios bíblicos reflete a união de um

homem e uma mulher que deixam seus progenitores e o habitat de origem, a

fim de poderem formar uma família constituída por filhos e construir um ambi-

ente acolhedor de paz e união. No segundo capítulo do primeiro livro bíblico, a

saber, o livro de Gênesis, versículo 24, diz: “Portanto deixará o homem a seu

pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma só carne”.

Muito embora o conceito de família atual no Brasil esteja sendo relativi-

zado, colocando como instituição familiar a convivência de pessoas indepen-

dentemente do gênero, pode-se verificar que a Constituição da República Fe-

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42

derativa do Brasil define este conceito da seguinte forma em seu capítulo séti-

mo, artigo 226 e parágrafos primeiro a oitavo:

CAPÍTULO VII Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º – O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a uni-ão estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regula-mento) § 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comuni-dade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º – Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Re-dação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010). § 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos e-ducacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Regulamento § 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coi-bir a violência no âmbito de suas relações.

Portanto, a entidade ou instituição familiar, à luz da Constituição Brasi-

leira, segue os padrões bíblicos que definem a família como instituição que

tem, em sua essência, a perpetuação da humanidade e procriação. Nesse sen-

tido, a união de pessoas do mesmo sexo não é admissível na forma da lei, co-

adunando com os padrões bíblicos.

Encontramos ainda o seguinte comentário de Luciana Faro (2002) so-

bre esse assunto:

Ao lado do modelo tradicional de família, “como condição indis-pensável para gerar filhos”, o da união oficial e legitimada pelo casamento protege e normatiza a nova lei civil a união estável entre homem e mulher, já reconhecida pela jurisprudência e depois pelo legislador com a previsão na Carta de 1988 e a e-dição das leis n. 8971 de 29 de Dezembro de 1994 e 9278 de 10 de Maio de 1996 estabelecendo, inclusive, aquela lei, o juí-zo da Vara de Família como competente para dirimir os confli-tos [sic].

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43

Trata-se de algo novo, que não é concebível na formação de uma cri-

ança, o conceito bíblico indica que os padrões de uma família se coaduna aos

da Carta Magna de 1988. O conceito de família está ancorado na união de du-

as pessoas, que geram filhos. Sobre essa união, Lakatos (2009, p. 171) co-

menta: “a família em geral é considerada o fundamento básico e universal das

sociedades, por se encontrar todos os agrupamentos humanos, embora variem

as estruturas e o funcionamento”.

Unidas por laços multiformes, a família se mantém unida material, mo-

ral, afetiva, recíproca e biologicamente, durante gerações através da cultura,

arte, ética e religião, sendo essa estrutura familiar de suma importância para a

formação da criança. Fontana (1991, p. 3) comenta: “o primeiro grupo social da

criança é, obviamente, a família e, para a maioria das crianças, esta permane-

ce como grupo mais importante durante a infância. Muralanda (2001, p. 59)

comenta: “a criança necessita de atenção, da segurança, da aceitação e do

apreço [...]”.

Rosenilda Rocha, coordenadora de atendimento do Vale da Bênção,

em entrevista, diz:

Os problemas envolvendo famílias são inúmeros, como pode-mos ver: a fragmentação, isto é, o número excessivo de divór-cios; problemas financeiros por falta de emprego; violência; drogadição dos pais; envolvimento dos mesmos com o crime; abuso sexual por parte dos próprios familiares da criança; maus-tratos, tais como espancamento e gravidez precoce. Todos esses problemas geram um ambiente desestruturado e, consequentemente, levam a criança à situação de muito es-tresse emocional e risco à sua integridade física. Fazendo com que essa criança tenha disposição de aprender a ler e a escre-ver com comprometimento [...]. Para assegurar a integridade emocional e física da criança, o Conselho Tutelar geralmente encaminha tais crianças às instituições devidamente legaliza-das e reconhecidas.[sic].

Durante entrevistas com os abrigados, pode-se observar um senti-

mento abstrato, insólito, sem motivação ou alvo, fruto de variações emocionais.

Goleman (2007, p. 52) comenta: “A contínua perturbação emocional cria defici-

ências nas aptidões intelectuais da criança, mutilando a capacidade de apren-

der.”

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44

Desta forma percebe-se que a instituição Vale da Bênção cumpre seu

papel, enquanto tem em seu escopo uma organização com valores e princípios

familiares cristãos.

2.3.3 Depoimentos de funcionários

No desenvolver das entrevistas percebe-se a presença de uma relação

muito mais afetiva do que econômica, na qual a valorização humana configura

a motivação de cada funcionário. Por se tratar de uma instituição confessional,

é natural que a religião seja o norteador pessoal de cada um, como se vê nos

depoimentos que seguem:

Maria de Fátima Carmo, mãe social há 12 anos na instituição, já pas-

sou por todas as casas e declarou: “ser mãe social é maravilhoso”.

Rosenilda Rocha, coordenadora de atendimento há 12 anos na institui-

ção, relata, com os olhos embargados, o relacionamento afetivo para com as

crianças: “Encontraram uma criança na lata do lixo, [...] fomos trabalhando [...]

e hoje, com vinte anos [...], ele vem todo ano visitar e me diz: Tia, obrigado!

Considero-me mãe.”

Marisa, assistente social, tida como a “mãezona” e responsável por a-

tender os casos envolvendo crianças e adolescentes junto a escolas e órgãos

públicos, diz: “Quando mexem com as crianças, eu vou para resolver.”

Luzia, assistente social, atua em conjunto com Marisa e faz o tramite

burocrático de relatórios e visitas as famílias. Relata a importância do trabalho

em conjunto e diz: “o que fazemos é por amor, se fosse pelo dinheiro não esta-

ríamos aqui”.

Marli, mãe social, está há três anos na instituição, casada e mãe de um

filho, diz: “já pensamos em ir embora várias vezes por falta de privacidade, mas

a afetividade nos faz repensar, e estamos aqui”.

Gloria, mãe social, há dois anos na instituição, casada, dois filhos, rela-

ta: “A mudança de faixa etária mudou nossa vida como casal, pois substituíram

crianças por adolescentes, e a idade deles é para ficar com mãe social solteira.

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45

Há programas de TV que não as posso deixar assistir por conta dos menores,

há muito respeito na minha casa.”

Apesar das condições que chegam as crianças e das condições salari-

ais baixas, todos os funcionários mantêm um vínculo afetivo para com as crian-

ças e o Vale da Bênção. Nesse sentido, mesmo com as dificuldades e as ne-

cessidades que surgem, todos procuram se adaptar às condições necessárias

para atender e formar cidadãos conscientes.

2.4 Entrevistas

As entrevistas envolveram funcionários (administrativos, técnicos, dire-

toria), abrigados e ex-abrigados. Sobre os abrigados foram levantadas informa-

ções a respeito dos fatores que os levaram ao abrigamento, o contato deles

com o sagrado e a expectativa de cada um quanto ao retorno à sociedade.

Quanto aos funcionários, buscou-se informações de aspectos relacionados ao

cotidiano no Vale da Bênção, sendo que essas informações foram dispostas ao

longo de nossa pesquisa, direta ou indiretamente.

2.4.1 Aspectos metodológicos

Foram utilizadas uma pesquisa bibliográfica e uma de campo para o

desenvolvimento deste trabalho. Através da pesquisa de campo, podem-se

comparar dados bibliográficos e vivenciados no cotidiano do Vale da Bênção. O

modelo de entrevista semiestruturada se mostrou mais flexível e adequado.

Sobre entrevistas semiestruturadas, Quaresma (2005, p. 75) afirma:

As entrevistas semi-estruturadas combinam perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um con-texto muito semelhante ao de uma conversa informal [...] Esse tipo de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o volume das informações, obtendo assim um direcionamento

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maior para o tema, intervindo a fim de que os objetivos sejam alcançados.

2.4.2 Depoimentos de abrigados e ex-abrigados

Nosso propósito foi abordar fatores que levaram ao abrigamento e o

que mudou a partir de sua chegada à instituição, positiva ou negativamente

para a sua construção de sua identidade, uma vez que estamos tratando de

crianças em período de aprendizagem. Buscou-se através destas entrevistas

identificar elementos da religião que contribuíram para seu processo de apren-

dizagem e socialização. Foi adotada uma linguagem simples e livre para que

as crianças e os adolescentes não fossem constrangidos. Em cada entrevista,

com duração média de 45 minutos, foram coletados dados como idade, escola-

ridade e procedência. Abaixo, aspectos da trajetória familiar e de vida, do abri-

gamento, do contato com a religião e do processo educacional de socialização

aplicado no Vale da Bênção serão apresentados.

1) O que o levou ao abrigamento?

A desestruturação familiar é um dos motivos do abrigamento de crian-

ças e adolescentes no Vale da Bênção. Porém, os fatores que levaram a essa

situação familiar têm aspectos variados, mas comum ao cotidiano vivido nas

cidades brasileiras. Drogas e alcoolismo fazem parte da história de vida desses

atores como uma condição e uma consequência. Bebida, drogas, abuso sexu-

al, agressões e abandono de incapaz são as causas naturais que levam ao

abrigamento.

Meu pai é foragido e alcoólatra, tenho duas irmãs débeis men-tais, um irmão traficante e outro de boa (trabalha e cuida da minha vó), somos sete irmãos, o mais velho tem 22 anos. Meu pai foi acusado de estupro de uma criança e bebia muito. [sic] (Sujeito 1).

Outro relato demonstra a falência familiar e a desestruturação do Esta-

do para com o atendimento de crianças em situação de risco social. Para esse

sujeito, a convivência da família com álcool e outras drogas levou sua mãe a

presenciar uma chacina, onde se fez necessária a proteção da Organização

dos Direitos Humanos, que os encaminhou ao abrigo.

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Minha mãe foi testemunha de uma chacina, então, ficamos so-bre proteção dos Direitos Humanos. Minha mãe bebia, usava drogas, fomos para o abrigo com minha mãe, mas não adian-tou, ela fugiu, então, tivemos que vir para cá. Desde os nove anos meu avo dava pinga para minha mãe, meu pai esta em Pernambuco, mas, não o conheci e minha vó mora em área de risco, então temos que ficar aqui é melhor [sic] (Sujeito 2).

Outro fator para o abrigamento é a incapacidade financeira dos pais.

Em alguns casos, a falta de condições financeiras associadas a agressões e

alcoolismo provoca uma ruptura dos vínculos familiares desde cedo, como no

caso abaixo, em que a família do sujeito é numerosa e fragmentada.

Cheguei aos três anos ao Vale da Bênção, tenho seis irmãos, sou do meio, uma mora aqui, dois com minha mãe, um eu não sei, um com meu pai. Só conheço a mãe, vejo uma vez a cada dois meses, [...] ela tem 42 anos, separaram porque meu pai bebia e batia nos filhos. Estamos no abrigo por falta de condi-ção financeira [sic] (Sujeito 3).

O próximo relato faz parte de uma canção composta por um sujeito que

conta a sua história. Durante a entrevista, foi percebida a dificuldade de se falar

sobre o assunto, mas a surpresa apareceu quando o rap a seguir foi cantado.

Aquela mãe quando soube que estava grávida/ queria abortar seu bebê/ sabendo que seria difícil criá-la./ Pois as dificuldades eram muito grandes/ às vezes a casa se enchia de sangue com a briga de seus pais,/ era faca, pau, tudo que você imagina [sic] (Sujeito 6).

2) Como era a sua vida familiar?

Os relatos revelam um sentimento de amor, união e profunda valoriza-

ção familiar, independentemente de fatos ou condições que levaram ao abri-

gamento, porém apresentam lembranças subjetivas da infância.

[...] meu pai vem uma vez por mês, minha mãe uma vez a cada dois meses, é difícil ficar sem família, é sofrido [...] eu brincava com meus irmãos, era bom. [...] gostaria de estar com minha família [sic] (Sujeito 5). [...] às vezes não tinha comida em casa [...] pequenina, cinco anos, fui para um abrigo [...] eu e meus irmãos íamos ao farol pedir moedinha para comprar um pão. Eu não me lembro disso não, minha mãe que me contou [sic] (Sujeito 6).

3) Como você foi retirado de sua família?

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De uma forma geral, são vários aspectos que levam a Justiça ou o

Conselho Tutelar a retirar a criança da guarda dos pais em prol de seu bem-

estar.

Para este sujeito, o fato gerador não foi somente o fato do abandono

pela mãe mas também os distúrbios psicológicos do pai.

Eu morava com meu pai porque minha mãe foi embora. Mora-va com ele até os oito anos, mas ele toma remédio controlado, então eu e minha irmã estamos aqui e mais dois em Sorocaba [sic] (Sujeito 5).

Em outros casos, a retirada dos filhos dos braços da mãe é acompa-

nhada de força policial.

Entrei na briga da minha mãe com meu padrasto, aí fui ao mé-dico. O médico me viu machucada e chamou a polícia, eu disse que tinha sido meu padrasto que tinha agredido violentado. Mas não era verdade, então minha mãe pediu para desmentir. Fui à delegacia e contei a verdade, mas aí meu padrasto dei-xou minha mãe. Então eu estava no colégio quando a diretora me chamou e perguntou se tinha feito algo. Eu disse que não, então chegou minha mãe com meus irmãos, então aquelas pessoas do conselho arrancaram meus irmãos e eu e nos leva-ram para o abrigo, aí eu fugi, então me mandaram pra cá [sic] (Sujeito 4). [...] minha família foi retirada a força [...] tenho raiva do juiz, porque tirou minha família e não deixa ver meu irmão [sic] (Su-jeito 3).

4) Como é viver no Vale da Bênção?

Durante as entrevistas, o dia a dia dos abrigados foi acompanhado.

Apesar de oferecer uma estrutura de qualidade reconhecida pelas autoridades,

é importante obter a opinião dos abrigados sobre o local.

[...] o abrigo é bom, mas não gosto das regras (Sujeito 4). [...] os pais sociais são legais, mas não podemos namorar, sair. Jogo bola, videogame, é bom [sic] (Sujeito 5). [...] a lei do abrigo proíbe namoro, mas é bom aqui [...] queria morar com minha mãe, morar sozinho não penso, prefiro morar aqui [sic] (Sujeito 3). [...] acho bom aqui, grande, não tem essas regalias em outros abrigos [sic] (Sujeito 1). [...] aqui aprendo bastante coisa, lidar com as pessoas, relacio-nar, eu gosto daqui, é um lugar onde podia estar com minha família [...] faço curso em São Roque, vou de ônibus, temos ho-

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rários de ida e volta, estudo, uso internet, jogo bola, vôlei, can-to, canto e danço na igreja [sic] (Sujeito 2).

5) Do que você sente falta?

Apesar de serem retirados do seio familiar (pai, mãe, irmãos) por falta

de condições que garantissem seus direitos, todos os entrevistados manifesta-

ram o desejo de voltar para sua família biológica.

[...] sinto falta de uma família de verdade, pai e mãe, gostaria de estar com todos [sic] (Sujeito 2). [...] sinto falta da minha família, passeios, assistir novela [sic] (Sujeito 1). [...] sinto falta da minha mãe e meus irmãos [sic] (Sujeito 4). [...] sinto falta da minha família, é difícil ficar sem família [sic] (Sujeito 5).

6) O que você acha dos funcionários?

Via de regra, os funcionários cumprem seu papel como pais e mães

sociais, acolhendo e passando valores familiares abarcados por uma cosmovi-

são cristã. Nesse contexto, as crianças veem neles as figuras paterna e mater-

na que dão segurança, amor, zelo, mas não os distancia da falta de suas famí-

lias biológicas.

Para mim, são meus pais, mas é diferente, estar com eles e [com o] pai e mãe de verdade [...] vejo os “tios” como proteto-res, são tudo que não tive [sic] (sujeito 2). [...] para mim os pais sociais são meus pais [sic] (Sujeito 2). [...] a “tia” é legal, quando preciso converso com as psicólogas, gosto delas [sic] (Sujeito 4). [...] os pais sociais são legais [sic] (Sujeito 5).

7) Qual é o papel da religião em sua vida?

Percebe-se que a religião tem sido o meio pelo qual as crianças têm

conhecido a Deus, o transcendente, descobrindo valores morais e éticos que

valorizam a família e a vida, trazendo paz e segurança.

[...] estar na igreja me ajuda no relacionamento, todos frequen tam [sic] (sujeito 2). [...] quando não era evangélico fazia besteira, mas agora sou evangélico e consigo me controlar e comportar [...] fui para i-greja e senti um negócio no coração e decidi ser evangélico [sic] (sujeito 1) [...] eu vou à igreja, tem me acalmado [sic] (Sujeito 4).

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[...] vou à igreja às vezes, me acalma [sic] (Sujeito 5).

8) O que mudou para você depois que chegou aqui?

Geralmente as crianças e adolescentes chegam traumatizadas pela

forma abrupta com que foram retiradas de suas famílias, o que gera inseguran-

ça, medo, solidão. Contudo, após chegarem, descobrem um ambiente livre de

muros e pessoas dispostas a ouvi-los, e não somente a ditar regras. Cursos,

brincadeiras, escola, passeios, o convívio familiar fazem com que elas encon-

trem no Vale da Bênção o lugar ideal para viver com sua família.

[...] quando cheguei tinha medo, me sentia sozinha, queria ligar para alguém [...] aqui aprendo bastante coisa, a lidar com as pes-soas, a me relacionar [...] faço cursos, brinco [sic]. (Sujeito 2). [...] quando cheguei aqui aprendi a ler [...] vir para o abrigo foi melhor, não tenho raiva de ninguém [sic] (Sujeito 1). [...] já fugi duas vezes, mas a “tia” tem sido legal, conversado, me ouvido, aí eu acalmei, vou sair logo [sic] (Sujeito 4). [...] estou fazendo cursos, brinco, vou à escola, esta melhor aqui [sic] (Sujeito 5).

9) Qual é a sua expectativa quando sair daqui?

Percebe-se através dos relatos que o ideal de valorização da vida fami-

liar e a construção de um cidadão consciente com identidade própria têm sido

alcançados.

[...] sonho em ter uma família, fazer minhas faculdades, Direito e Psicologia, achei interessante para poder encontrar minha mãe e ajudar ela parar com vícios e ajudar minha vó [sic] (Su-jeito 2). [...] quero juntar minha família para morarmos juntos [...] quero ser engenheiro civil [sic] (Sujeito 1). [...] vou morar com minha mãe, ela esta montando uma lan-chonete para nos manter, vou trabalhar com ela e estudar [sic] (Sujeito 4). [...] quero estar com minha família [sic] (Sujeito 5).

Em nossas entrevistas, nos chamou a atenção o sujeito 6, uma vez que

percebemos sua dificuldade em contar sua história de vida e o sentimento de

vergonha diante de um minigravador. Com o desenrolar da conversa, nos con-

tou gostar de RAP12

12 Rap é um discurso rítmico com

e escrever letras de música. Questionamos se havia algo

rimas e poesias, que surgiu no final do século XX entre as comunidades negras dos Estados Unidos. Pode ser interpretada a capella bem como com

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51

que gostaria de mostrar, nos respondeu que havia uma musica com sua histó-

ria de vida, composta por ela e que faz parte dessa pesquisa disposta como

anexo 6.

2.4.3 Estrutura da Cidade da Criança

O projeto original dispunha de 34 casas-lares que seriam construídas

em uma parcela da área de 18,5 alqueires do complexo Vale da Bênção, po-

rém com as mudanças jurídicas e implantação do ECA, a Cidade da Criança

abriga atualmente 84 crianças e adolescentes em nove casas-lares, com capa-

cidade máxima de 12 crianças ou adolescentes em cada, distribuídas por fai-

xas etárias dispostas na tabela 2.2. Cada casa-lar possui um nome bíblico.

Tabela 2.2 Casas-lares da Cidade da Criança

Unidade Idade Gênero

Casa dos Bebês 0-3 Misto

Casa Canaã 4-8 Misto

Casa Betel 8-14 Misto

Casa Belém 8-12 Masculino

Casa Betânia 8-15 Feminino

Casa Jerusalém 8-12 Feminino

Casa Ester 12-18 Feminino

Casa Sara 12-18 Feminino

Para atender a essa estrutura, conta com cozinha central que prepara

as refeições de acordo com cardápio elaborado por nutricionistas e produzidas

com alimentos que chegam todos os dias. Conta ainda com uma padaria que

produz 200 pãezinhos diariamente, para consumo da Cidade da Criança, uma

um som musical de fundo, chamado beatbox. Os cantores de rap são conhecidos como rappers ou MCs, abreviatura para mestre de cerimônias (http://www.suapesquisa.com/rap/).

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clínica com enfermeira de segunda a sexta, prédio administrativo construído

com recursos doados pelo governo da Finlândia. Dispõe ainda de um refeitório

central e uma lavanderia.

Nos últimos anos vem crescendo a necessidade de espaço para ado-

lescentes, e desde o início de 2012 a Justiça tem solicitado a destinação de

vagas a adolescentes.

Ana Silvia, administradora, diz:

Temos sete casas ativas, com 80% das vagas ocupadas por adolescentes devido ao aumento da demanda, duas desativa-das no momento, em reforma. Em cada casa temos [de] 10 a 12 crianças acompanhadas de mães sociais casadas e, em al-gumas, [mães sociais] solteiras [sic].

Rosenilda Rocha de Oliveira, coordenadora de atendimento, relata:

As casas são divididas por faixa etária. São elas: a Casa dos Bebês, que está atualmente com dez crianças de zero a três anos e onze meses, meninos e meninas; a Casa Canaã, que está com 11 crianças de quatro a oito anos, meninos e meni-nas; a Casa Betel, que está com 12 crianças de 8 a 14 anos, só meninas; a Casa Belém, que está com 12 crianças de 8 a 12 anos, meninos e meninas; a Casa Betânia, que está com 12 crianças de 8 a 15 anos, só meninos; a Casa Jerusalém, que atende 12 crianças de 8 a 12 anos, meninos e meninas; a casa Ester, que atende 12 adolescentes de 12 a 18 anos, só meni-nas, e a casa Sara, que atende 13 adolescentes de 12 a 18 anos [sic].

Devido às faixas etárias, as casas-lares têm dinâmicas diferenciadas

de atendimento. Rosenilda Rocha esclarece:

Na Casa dos Bebês, as mães sociais são mulheres solteiras que moram na casa. Elas trabalham cinco dias e folgam 24 ho-ras. No período das folgas tem outra mãe social para substituí-la. Nesta casa, são duas mulheres que moram, a terceira traba-lha só no período diurno [sic]. As casas Ester e Sara contam com apenas uma mãe social solteira, para ambas. Estas mães trabalham cinco dias e fol-gam 24 horas. As outras casas, Betânia, Belém, Betel, Jerusa-lém e Canaã, contam com pais sociais casados, os quais traba-lham cinco dias e folgam 24 horas. Os filhos destes pais vivem no mesmo ambiente que as crianças abrigadas. Neste caso, estas casas contam com três folguistas, que cobrem sua au-sência no período de oito horas cada [...] [sic].

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53

Além de todo esse apoio humano, a AEBVB ainda conta com as parcerias que [a] subsidiam financeiramente, as quais são as prefeituras de Araçariguama, São Roque e Sorocaba e o governo estadual de São Paulo. Estes recursos que a AEBVB recebe são destinados ao atendimento das crianças e adoles-centes da Cidade da Criança e ao pagamento salarial dos em-pregados e encargos sociais [sic]. O recurso estadual que a AEBVB recebe é repassado pela en-tidade Drads. As outras verbas, que são municipais, são repas-sadas diretamente pelas prefeituras. As prestações de contas dos recursos gastos são feitas mensalmente para as entidades mantenedoras. Além disso, todas as contas bancárias manti-das pela AEBVB para recebimento das verbas públicas são devidamente revisadas pelo Conselho Fiscal da instituição, pe-lo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e pela auditoria [sic].

2.5 Análise

As entrevistas demonstram que há um sentimento de gratidão pela

acolhida e pela valorização, que todos os funcionários agem com paciência,

dispõem atenção a todos os abrigados e não medem esforços em suas dificul-

dades e necessidades. O profissionalismo dos funcionários somado a dedica-

ção, amor e carinho com certeza são fatores que têm feito diferença na forma-

ção das crianças e dos adolescentes da instituição. Relatos de benefícios re-

cebidos demonstram que o Vale da Bênção tem conquistado seus objetivos na

socialização.

A educação voltada a uma cosmovisão cristã tem sido um instrumento

eficaz na socialização dos abrigados. O ensino bíblico trouxe para as crianças

valores familiares e contribui para a leitura e enriquecimento do vocabulário.

Outro fator que contribui de forma positiva para sua formação tem si-

do o contato com o sagrado, que demonstrou ser um aspecto fundamental na

mudança de comportamento, trazendo segurança, valorização e sentido para

a vida.

Terapia ocupacional tem sido um meio eficaz de preparar os abrigados

para a inserção na sociedade, ensinando a superar as adversidades.

Percebe-se por parte dos gestores e funcionários que os resultados ob-

tidos e as parcerias conquistadas fazem com que prossigam com o trabalho e

se sintam desafiados. Nesse sentido pode-se verificar no primeiro capítulo des-

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sa pesquisa o número de parceiros e o reconhecimento da sociedade civil e do

Estado.

Nesse contexto de entrevistas, se percebe a influência do sagrado no

cotidiano, e o papel dos princípios bíblicos na vida e no projeto de socialização

das crianças e adolescentes abrigados no Vale da Bênção. Dessa forma, o próximo capítulo reflete sobre a influência da religião no

processo de formação e socialização dessas crianças.

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55

3 O PAPEL DA RELIGIÃO

Neste capítulo serão abordados aspectos que definem o papel da reli-

gião e sua influência no comportamento humano e a experiência religiosa dos

atores. Pretende-se abordar em um segundo momento aspectos do protestan-

tismo brasileiro na área social, colaborando na pesquisa junto ao Vale da

Bênção, contribuindo no estudo da influência da religião na capacitação de cri-

anças e adolescentes em situação de risco social para transformá-los em cida-

dãos conscientes.

3.1 Religião

Quando se pensa em religião,fatalmente se pensa em algo transcen-

dente, imanente, ou seja, a religião como fenômeno sagrado. Sendo assim,

primeiro é preciso entender a religião do contexto do sagrado. Ao se pensar o

sagrado, remete-se a um mundo de encantamento e magia. As respostas se-

rão investigadas em dois autores, Mircea Eliade,13 com a obra O sagrado e o

profano, de 1992, e Rudolf Otto,14 com a obra O sagrado, de 1985, as quais

ajudam a conceituar o que é o sagrado e sua participação na realidade do

ser humano. Porém vale observar a declaração do antropólogo Bronislaw

Malinoswki15

13 Mircea Eliade nasceu em

(1884-1942) em sua obra Magia,ciência e religião: “Assim como a

Bucareste, Romenia, 1907 — faleceu em Chicago, 1986 foi um professor,historiador das religiões,mitólogo,filósofo e romancista romeno, naturalizado norte-americano, considerado o maior historiador das religiões.

14 Rudolf Otto, 1869 — 1937, teólogo protestante alemão e erudito em religiões comparadas. Autor de The Idea of the Holy, publicado pela primeira vez em 1917 como Das Heilige (considerado um dos mais importantes tratados teológicos em língua alemã do século XX) e criador do termo numinous, o qual exprime um importante conceito religioso e filosófico da atualidade.

15 Bronislaw Kasper Malinowski foi um antropólogo polaco, nasceu na Cracóvia em 7 de abril de 1884 e faleceu em 16 de maio de 1942, em New Haven, EUA. É considerado um dos fundadores da antropologia social. É fundador da Escola Funcionalista,teve posição inovadora perante os conflitos de pensamento de sua época, não se opôs ao nacionalismo do fim do século XIX, mas elaborou um pensamento que alia romantismo e positivismo, investigando comunidades antigas sem conferir respeito às autoridades antigas. Desenvolveu um método de investigação de campo, na qual executou inicialmente na Austrália com os povos Mailu e das Ilhas Trobriand. Malinowski era filho de Lucjan Malinowski, professor de filosofia e linguística da Universidade de Cracóvia, formou-se em Ciências Exatas, logo passou a ler James Frazer que viria influenciar seus estudos antropológicos. Em 1910, ingressou na London Scholl of Economic; em 1913, publicou a obra “The Family Amoong the Australian Aborigenes”, criticando o evolucionismo.

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história sagrada vive no nosso ritual, na nossa moralidade, assim como orienta

na nossa fé e controla a nossa conduta, o mesmo se passa com o mito para o

selvagem” (MALINOSWKI, 1988, p. 103). Para o antropólogo, a religião está presente na humanidade em multi-

facetas, seja pelo simples fato da crença ou pelo mito, que nesse caso é uma

realidade bem presente ao selvagem.

Para Mircea Eliade (1992, p. 31), a irracionalidade tem que ser experi-

mentada, colaborando para a construção de vida em comunidade, ou seja, é

possível compreender o sagrado em um todo: “o sagrado e sua experiência

constituem o cerne que dá estrutura à visão de mundo e elabora a existência

do indivíduo e da sociedade”.

O autor traça um panorama da história das religiões, postulando a dia-

lética entre sagrado e profano.

Propomo-nos apresentar o fenômeno do sagrado em toda a sua complexidade, e não apenas no que ele comporta de irra-cional. Não é a relação entre os elementos não racional e ra-cional da religião que nos interessa, mas sim o sagrado na sua totalidade. Ora, a primeira definição que se pode dar ao sagra-do é que ele se opõe ao profano (ELIADE, 1992, p.12).

Em sua obra o autor contempla a possibilidade de trabalhar com o ex-

perimento de sentimentos religiosos, que ele chama de homo religiosus: “Seja

qual for o contexto histórico em que se encontra, o homo religiosus acredita

sempre que existe uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este

mundo, que aqui se manifesta, santificando-o e tornando-o real” (ELIADE,

1991, p.18).

Eliade (1992, p.13) ainda propõe:

O homem toma conhecimento do sagrado porque este se ma-nifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profa-no. A fim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado, propusemos o termo hierofania (sagrado revelado a nós). Este termo é cômodo, pois não exprime apenas o que está implica-do no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos revela.

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O autor afirma que o homem é religioso por uma questão histórica ad-

quirida por um legado da humanidade, ou seja, para ele a religião é intrínseca

ao homem no seu inconsciente.

Todavia, os conteúdos e estruturas do inconsciente são o re-sultado das situações existenciais imemoriais, sobretudo críti-cas, e é por essa razão que o inconsciente apresenta uma aura religiosa. Toda crise existencial põe de novo em questão, ao mesmo tempo, a realidade do Mundo e a presença do homem no Mundo: em suma, a crise existencial é “religiosa”, visto que, aos níveis arcaicos de cultura, o ser confunde-se com o sagra-do (ELIADE, 1992, p. 101).

Eliade traça uma ideia sobre o homem não religioso, afirmando que

apesar de atitudes profanas, não se desassocia do comportamento sagrado.

É preciso acrescentar que uma tal existência profana jamais se encontra no estado puro. Seja qual for o grau de dessacraliza-ção do imundo a que tenha chegado o homem que optou por uma vida profana não consegue abolir completamente o com-portamento religioso. Isto ficará mais claro no decurso de nos-sa exposição: veremos que até a existência mais dessacraliza-da conserva ainda traços de uma valorização religiosa do mun-do (ELIADE, 1992, p.18).

Nesse sentido, Eliade traz aspectos que contribuem para nossa pes-

quisa, uma vez que expõe a relação com o sagrado como parte essencial para

a experiência do mundo.

Para Rudolf Otto (1985, p.11), “O sagrado é antes de mais nada inter-

pretação e avaliação do que existe no domínio exclusivamente religioso [...]”,

ou seja, a religião é a criação da humanidade que a liga com o sagrado, um

poder misterioso que se relaciona com o homem. Na ideia de Otto, o sagrado

está relacionado à divindade distinta de qualquer coisa natural e irracional, vol-

tando-se aos aspectos sentimentais.

O autor usa do termo numem para designar a abstração do sagrado,

ou seja, o numinoso (termo criado por Otto) não pode se explicar, porque não

se pode entender.

Toda concepção teísta, e de maneira especial a concepção cristã de Deus, tem como característica essencial a compreen-são clara da divindade e a sua definição através de predicados tais como: espírito, vontade divina, boa vontade, todo-

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poderoso, unidade de essência, razão, consciência de si [...] Todos estes predicativos, quando aplicados ao divino, são con-siderados absolutos, perfeitos. São noções precisas, acessí-veis ao pensamento e a análise, suscetíveis de definição [...] Se considerarmos racional um objeto que pode ser captado pe-lo pensamento conceitual, a essência da divindade descrita por estes predicados é racional, e uma religião que a aceita e a a-firma é também uma religião racional (OTTO, 1985, p. 7).

A presença de Deus na consciência humana traz sentimento e sentido,

valor e significado, ou “ser criatura”. O numinoso se trata de um conjunto de

sentimentos que dão sentido à vida, que Otto chama de mysterium tremendum

et fascinans.

O autor demonstra através de seus pensamentos que o ser humano

tem em si a necessidade de se relacionar com o transcendente. Dessa forma, a

experiência com o sagrado, com a divindade, com a religião se torna essencial,

preenchendo o sentimento religioso e dando significado à vida.

Não é apenas um sentimento de aspirações religiosas, que o fascinante toma vida. Ele já vive na solenidade que se encon-tra, tanto no profundo recolhimento da adoração individual, co-mo na elevação da alma em direção ao sagrado no culto prati-cado com gravidade e recolhimento. É o fascinante, que na so-lenidade, pode encher a alma e dar-lhe uma paz indescritível (OTTO, 1985, p. 39).

Entende-se que a razão interage com o sentimento de religião com

seus elementos racionais e irracionais. O numinoso é a essência da religião,

produzindo temor, encantamento e demais sentimentos atribuídos, já o trans-

cendente é irracional e só pode ser experimentado e não explicado.

Para Durkheim16

Ou seja, para Durkheim, a consciência coletiva do sagrado e do profa-

no é desenvolvida pelo indivíduo através de sua experiência, coadunando em

parte com a ideia de Otto.

(apud HERVIEU-LEGER, 2009, p. 173), as coisas sa-

gradas são “aquelas de que a própria sociedade elaborou a representação”, ao

passo que as profanas são “as que cada um de nós constrói com os dados dos

próprios sentidos e da própria experiência”.

Hervieu-Leger (2009, p.178) comenta Durkheim em Sociologia e religião: 16 Émile Durkheim 1858 — 1917 frances, é considerado um dos pais da Sociologia moderna, tendo sido o fundador da escola francesa, posterior a Marx, que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica. É amplamente reconhecido como um dos melhores teóricos do conceito da coesão social.

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[...] são sagrados os objetos e as pessoas aos quais a qualida-de de mana é imputada e que são, por esse fato, colocados à parte e separados do domínio profano. Essa imputação é o re-sultado de um julgamento coletivo que o grupo põe em ação, em função das necessidades, das aspirações e das expectati-vas que lhe são próprias. O “julgamento mágico” não é o resul-tado de um procedimento racional, mas de uma pressão afetiva que encontra sua fonte no imaginário de uma sociedade que aspira superar as violências e os sofrimentos da vida ordinária: ele é “síntese coletiva, crença unanime, em um determinado momento de uma sociedade, na verdade de certas ideias, na eficácia de certos gestos.

Nessa perspectiva, entendemos que a experiência cotidiana das crian-

ças e adolescentes no Vale da Bênção permite que construam uma consciên-

cia coletiva do sagrado e do profano, permeando seus valores éticos e morais,

contribuindo no seu desenvolvimento como cidadão consciente e ao mesmo

tempo conferindo a instituição valores ao trabalho idealizado e realizado. Den-

tro dessa perspectiva, entende-se contextualizar o conceito e a missão da igre-

ja nesse imaginário religioso no Vale da Bênção frente aos abrigados.

3.2 Igreja

3.2.1 A igreja17

A palavra igreja tem sua base no grego εκκλησία [ekklesia] e

no latim ecclesia. Em sua etimologia a palavra ekklesia é composta por dois

radicais gregos: [ek] que significa para fora e [klesia] que significa chamados.

Originalmente o termo designa uma assembleia convocada:

– conceito

Por tanto, ekklesía denota originalmente a um grupo de cida-dãos chamados de onde estavam e reunidos em assembleia com um propósito concreto. É um termo que aparece a partir do quinto século antes de Cristo nos escritos de Heródoto, Je-nofonte, Platón e Eurípides. Este conceito de ecclesía era es-pecialmente prevalente em Atenas, a capital, onde se convoca-va aos dirigentes políticos como assembleia constitucional ao menos quarenta vezes ao ano. (HORTON, 1996, p.530).

17 O Antigo Testamento utiliza um termo hebraico para a reunião do povo. Segundo Berkhof

(1992, p.559) “O Velho Testamento emprega duas palavras para designar a igreja, a saber, quahal (ou kahal, derivada de uma raiz qal (ou kal) obsoleta, significando “chamar”; e edhah, de ya’adh, “indicar” ou encontrar-se ou reunir-se num lugar indicado”.

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No contexto cristão, entende-se que esta assembleia é convocada por

Deus18

No Novo Testamento a igreja está diretamente ligada a Cristo como

cabeça do povo. Encontra-se a palavra igreja pela primeira vez no livro

de

. A palavra igreja também é utilizada para designar um templo que ofe-

rece o serviço religioso cristão, com formas e arquiteturas próprias. Biblicamen-

te, pode-se dizer que a igreja é uma reunião de cristãos.

Mateus 16,18, com a declaração de Jesus: “Também eu te digo que tu és

Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja, e as portas do inferno não

nunca prevalecerão contra ela”.

Berkhof (1992, p.560) esclarece que:

No Novo Testamento, Jesus foi o primeiro a fazer uso da pala-vra, e Ele a aplicou ao grupo dos que se reuniram em torno de-le, Mt 16.18, reconheceram-no publicamente como seu Senhor e aceitaram os princípios do reino de Deus. Era a ekklesia do Messias, o verdadeiro Israel.

Para o Credo Niceno Constantinopolitano,19

Para Grudem (2003, p.715), “a igreja é a comunidade de todos os tem-

pos. Essa definição compreende que a igreja é feita de todos os verdadeira-

mente salvos”.

são atribuídas à igreja as

propriedades de una, santa, católica e apostólica.

Erickson (1997, p. 437) comenta:

A igreja é um aspecto da doutrina cristã sobre o qual pratica-mente todos, crentes e descrentes, têm uma opinião. Em parte, é porque, sendo uma instituição da sociedade, a igreja pode ser observada e estudada pelos métodos da ciência social. Is-so, porém, nos apresenta um dilema. Podemos ser tentados a definir a igreja pelo que é empiricamente. Tal abordagem, no entanto, poderia confundir o real com o ideal e, assim, por mais interessante que seja, deve ser evitada.

18 Berkhof (1992, p.560) diz: “[...] simplesmente traduz ekklesia pela expressão ‘a assembléia

(convocada)’, considerando Deus como aquele que a convoca”. 19 O primeiro credo ecumênico da Igreja que resultou dos trabalhos do Concílio de Niceia

(325 d.C.) e de adaptações feitas pelo Concilio de Constantinopla (381 d.C.). É a declaração de fé cristã. A marca da igreja: una, santa, católica (universal), apostólica (CALDAS, 2007, p. 35).

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Erickson (1997, p. 444) aponta ainda para as seguintes implicações.

A igreja não deve ser concebida primeiramente como um fe-nômeno sociológico, mas como uma instituição estabelecida por Deus. Por seguinte, sua essência deve ser determinada não por uma análise de suas atividades, mas pelas Escrituras. A igreja existe por causa de seu relacionamento com o Deus Triúno. Ela existe para cumprir a vontade do Senhor no poder do Espírito Santo. A igreja é a continuação da presença e do ministério do Senhor no mundo. A igreja deve ser uma comunhão de crentes regenerados que demonstram as qualidades espirituais de seu Senhor. A pureza e a devoção devem receber destaque. Embora seja uma criação divina, a igreja é composta de seres humanos imperfeitos. Ela não alcançará perfeita santificação ou glorificação até o retorno do seu Senhor.

Entende-se que a igreja pertence a Deus e representa Jesus Cristo na

terra, com a missão de anunciar o evangelho das boas-novas. Encontra-se a utilização do termo “reunião dos eleitos” na Confissão de

Fé de Westminster (1991, p. 130) para referir-se à igreja de Cristo:

A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consta do núme-ro total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, seu cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas.

A seguinte afirmação a respeito da igreja visível também está na Con-

fissão de Fé de Westminster (1991, p. 130):

A Igreja visível, que também e católica ou universal, sob o E-vangelho (não sendo restrita a uma nação, como antes sob a Lei), consiste de todos aqueles que, pelo mundo inteiro profes-sam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos, e o Rei-no do Senhor Jesus Cristo, a casa e família de Deus, fora da qual não há possibilidade ordinária de salvação.

Para Calvino, a ministração do evangelho e os sacramentos são fun-

damentais para a salvação do homem, permitindo-o estar ligado diretamente a

Deus. Dessa forma, pode-se considerar que a igreja do Senhor envolve a reu-

nião de crentes e não há um espaço físico predeterminado. A respeito da representação de Cristo através da igreja, MacGrafth

(2007, p. 336) diz que “Para Calvino, a pregação da palavra e a ministração

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correta dos sacramentos são ligadas à presença de Cristo e onde quer que

Cristo esteja também se pode encontrar uma igreja nesse lugar”, algo seme-

lhante à ideia defendida por Lutero. Os dois discordam da posição tomada pela

Igreja Católica Apostólica Romana, na qual a salvação acontece somente pela

igreja física, uma vez que para os reformadores a salvação se dá pela ministra-

ção do evangelho e os sacramentos, ou seja, pela igreja invisível.

Berkhof (1992, p. 571) faz uma análise do termo igreja, coadunando

com os pensamentos de Calvino.

DO PONTO DE VISTA DA ELEIÇÃO. Segundo teólogos, a i-greja é a comunidade dos eleitos, o coetus electorum [...] A e-leição inclui todos os que pertencem ao corpo de Cristo, inde-pendentemente da sua real e atual relação com ele. DO PONTO DE VISTA DA VOCAÇÃO EFICAZ. A igreja foi definida como a agremiação dos eleitos que são chamados pelo Espíri-to de Deus (coetus electorum vocatorum) como o corpo dos que efetivamente são chamados (coetus vocatorum, ou, ainda mais comumente, como a comunidade dos crentes ou fiéis (co-etus fidelium). DO PONTO DE VISTA DO BATISMO E PROFISSÃO. Do ponto de vista do batismo e da profissão, a igreja tem sido definida como a comunidade dos que são bati-zados e professam a fé verdadeira; ou como a comunidade dos que professam a religião verdadeira junto com seus filhos.

Outros autores também adotaram a ideia de uma igreja invisível, como

demonstrado a seguir.

Para Chafer (1974, p. 149), “em sentido geral, a verdade acerca da i-

greja organizada pode dividir-se da seguinte maneira: (a) a igreja como uma

assembleia local, (b) um grupo de igrejas, e (c) a igreja visível sem referência à

localidade”.

Douglas (1962, p. 735) afirma que “em português o vocábulo igreja se

deriva do latim ecclesia, que por sua vez vem do grego ekklesia, palavra que

está no Novo Testamento, na maior parte de suas ocorrências, significa uma

congregação local de cristãos e jamais um edifício”.

MacGrath (2007, p. 336) trabalha com a ideia de kerigma, uma palavra

de origem grega que significa proclamação. Nesse caso específico, é utilizada

para a definição de igreja, ou seja, a igreja veio para proclamar o evangelho,

ele assevera que Karl Barth e Rudolf Bultmann adotaram esta ideia: “A igreja é

vista como uma comunidade kerigmática [sic] que proclama as boas-novas da-

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quilo que Deus fez pela humanidade em Cristo e que vem a existir onde quer

que a palavra de Deus esteja sendo proclamada e aceita fielmente”.

Também Berkhof (1992, p. 561), em sua teologia sistemática, sustenta

a ideia de kerigma:

Devemos ter em mente que os nomes em inglês, holandês e alemão, “Church”, “Kerk” e “Kirche”, não são derivados da pa-lavra ekklesia, mas da palavra kyriake, que significa “perten-cente ao Senhor” [...] O nome de kyriakon ou he kyriake desig-nava acima de tudo o lugar onde a igreja se reunia. Entedia-se que este lugar pertencia ao Senhor e, portanto, era chamado to kyriakon.

Pode-se então designar a palavra igreja como um local onde um grupo

de pessoas se reúne para comunhão e estudo das Escrituras Sagradas, inde-

pendentemente de ter uma edificação. Jesus Cristo é o centro de seu discurso

para desenvolver uma conduta ética, moral, cívica em um contexto religioso

cristão, baseada na prática da antiga Judeia, onde se reuniam em assembleia,

a exemplo de Atos 19.39: “E se tiverdes ainda outras questões além desta, se-

rão resolvidas em uma assembleia legal”.

Assim pode-se afirmar que a igreja e constituída de pessoas, indepen-

dentemente de local físico, onde se possa professar a fé e cumprir os preceitos

bíblicos. Uma vez que os teóricos supracitados coadunam que esta seja a ideia

mais correta, a missão da igreja à luz do Novo Testamento é o próximo foco de

reflexão.

3.2.2 A missão da igreja

O texto básico para entender a missão da igreja está no evangelho de

João 20.21: “Ele lhes disse de novo: A paz esteja convosco! Como o Pai me

enviou, também eu vos envio”. Jesus estava reafirmando a seus discípulos sua

natureza divina. Sendo ele enviado por Deus, a sua missão é ensinar e enviar

os discípulos a proclamar o evangelho. Porém, no contexto social, a igreja tem

sido desde seu principio o elemento que faz a ligação entre o sagrado e a hu-

manidade e promove o senso de comunidade entre as famílias.

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Pino (2000, p. 51) comenta em seu artigo: A igreja representa Cristo: a igreja de Cristo tem como missão representar aquele que a envia e atuar tendo como base a pró-pria autoridade de Jesus Cristo, confrontando assim o mundo com a verdade que Cristo trouxe, viveu e revelou.

Para entender a missão da igreja é necessário discorrer sobre a mis-

são de Jesus Cristo como o enviado por Deus Pai.

O Messias, como é chamado Jesus Cristo, foi enviado pelo próprio

Yahweh para remir os pecados da humanidade, sendo ele o próprio Deus.

João 7.29 atesta a origem divina do Filho: “Eu, porém, o conheço, porque ve-

nho de junto dele, e foi ele quem me enviou”.

Quando questionado pelos fariseus em João 8.42, Jesus responde: “Se

Deus fosse vosso pai, vós me amaríeis, porque saí de Deus e dele venho; não

venho por mim mesmo, mas foi ele quem me enviou.”

A missão de Jesus tinha como objetivo restaurar o relacionamento do

povo com Deus pela fé, através da figura de Jesus Cristo, como descrito em

João 10.9: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e

sairá, e achará pastagem”.

A missão da igreja é representar o próprio Deus, através de Jesus

Cristo, o qual teve como missão pregar o amor, trazendo um caráter de humil-

dade, misericórdia, amor, glória, direção e propósitos debaixo da graça.

A igreja foi constituída por Jesus Cristo para ser sua representante e

propagadora das boas-novas. Em sua missão, Jesus deixou claro que todo

aquele que o reconhecer como senhor e salvador será salvo. A salvação é ex-

clusivamente através de Cristo, como está em João 14.6: “Respondeu-lhe Je-

sus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por

mim”.

No evangelho de Mateus está o relato em que Jesus constituiu sua

igreja e designou a sua missão. Estava ele em Cesareia de Filipe e disse estas

palavras a Simão Pedro, que passou a chamar-se Pedro.

Jesus respondeu-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu é Pedro,e sobre esta pedra edificarei minha igreja,e as portas do Hades nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do

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Reino dos Céus; e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus (Mt 16.17-19).

Jesus foi claro ao designar a missão da igreja: ser a reconciliadora da

humanidade para com Deus. No Antigo Testamento encontra-se uma referên-

cia de que a igreja está diretamente ligada a Deus, conforme o livro de Crôni-

cas, em que o próprio Deus confirma ser a igreja um lugar para todo aquele

que o busca: se o meu povo, sobre quem foi invocado o meu nome, se hu-milhar, orar, buscar a minha presença e se arrepender de sua má conduta, eu, do céu, escutarei, perdoarei seus pecados e restaurarei seu país. Doravante, meus olhos estão abertos e meus ouvidos atentos à oração feita neste lugar. Para o futuro escolhi e consagrei esta casa, a fim de que meu nome aí es-teja para sempre; meus olhos e meu coração aí estarão sem-pre (II Cr 7.14-16).

Caldas (2007, p. 45) comenta a missão da igreja:

Trata-se de uma pergunta da maior importância. No entanto, não é fácil responder como a Igreja deve atuar no cenário mundial, a resposta mais facilmente encontrada na prática e-clesial do Brasil é esta: a evangelização é a única tarefa e ra-zão de ser da Igreja, que existe apenas para “ganhar almas pa-ra Jesus”. Qualquer outra atividade seria um lamentável des-perdício de tempo, dinheiro e energia.

Erickson (1997, p. 451) faz uma afirmação que coaduna com a afirma-

ção citada acima: “É importante estudar atentamente o fator que dá forma bási-

ca a tudo o que a igreja faz, o elemento que se coloca no centro de todas as

suas funções, a saber, o evangelho, as boas-novas”.

Sendo assim, tem-se no Antigo Testamento um relato claro da missão

da igreja, como se pode refletir acima, convergindo com a missão de Jesus e,

posteriormente, com a missão da Igreja atual no Novo Testamento, ou seja, a

missão da igreja é anunciar as boas-novas, evangelizando e representando

Jesus.

Percebe-se que a missão da igreja hoje compreende dar assistência

aos necessitados, interagindo com a sociedade, promovendo o bem-estar. No

contexto social de Igreja, valores éticos, morais e políticos contribuem para a

construção de um mundo mais justo, igualitário em oportunidades, ditando

comportamentos que veremos a seguir.

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66

3.2.3 Religião e comportamento

A religião dispõe de um status junto à humanidade de experiência com

o sagrado, uma ligação direta do homem com o divino. O fato é que o ser reli-

gioso adquiriu eficiência e norteia suas atitudes como fonte de vida. Semear a

espiritualidade proporciona ao indivíduo uma razão de existência e o motiva a

participar de uma cosmovisão que transcende seu entendimento, experimen-

tando a ressignificação de sua vida e morte.

Diante de sua ignorância perante o numinoso (transcendente), basta à

humanidade manter-se em seus aspectos racionais e irracionais, vincular ape-

nas aspectos racionais, aquilo definido por Rudolf Otto como predicados. Ne-

cessita ter uma experiência com seus sentimentos frente ao numinoso, geran-

do temor, fascínio, alegria e o motivo de ser pelo ser, uma experiência singular

que é desenvolvida a partir da experiência religiosa. Segundo Eliade, a religião

está impregnada ao homem em sua essência, é intrínseca ao seu inconsciente.

Isto é o que Abraham Kuyper (2002, p. 56)chama de sensus divinitatis:

O próprio Deus fez o homem religioso por meio do sensus divi-nitatis, isto é, o senso do Divino, que ele faz tocar as cordas da harpa de sua alma [...] Em sua forma original, em sua condição natural, a religião é exclusivamente um sentimento de admira-ção e adoração que eleva e une, não uma sensação de depen-dência que separa e deprime.

Encontra-se ainda em Safra (2000, p. 1):

A perda do sentido de sacralidade leva o homem à perda de aspectos fundamentais ao devir do seu ser [...] Penso ser ne-cessário discriminar o sentimento religioso do sentimento de sagrado. No sentimento religioso encontramos, frequentemen-te, um sentimento de reverência, de solenidade diante do Outro Absoluto. Na vivência do sagrado, o indivíduo pressente a Pre-sença do Divino, e vive uma transformação em seu ser [sic].

É fato que a experiência com a religião influência diretamente no com-

portamento do indivíduo. Entende-se que não é possível dissociar a contribui-

ção da religião na formação da mentalidade e do conceito de ser humano, do-

tando regras que corroboram para o convívio com seus pares, ou seja, um

convívio em família e social, de pertences e não individual. A experiência do

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sagrado propicia ao homem a superação de sua finitude perante um Deus infi-

nito, gerando em seu ser valores que transpõem a barreira da sua existência.

Nesse sentido, Goto e Gianastacio (2003) escrevem:

A experiência religiosa segue de encontro direto com as princi-pais questões existenciais do homem e neste sentido podemos dizer que a experiência religiosa faz parte da experiência origi-nária. A vivência do homem no mundo ocorre sempre de forma fragmentada, por isso, tende sempre à totalidade do ser, tanto em seus projetos como em suas realizações. A superação des-sa experiência de finitude existencial vem com a experiência religiosa, fazendo o homem abrir-se para a infinidade de seu ser, e é neste momento que aparece a vivência religiosa, isto é, o surgimento do sagrado.

Considerando os conceitos apresentados, pode-se situar a vivência do

sagrado no Vale da Bênção. Depoimentos colhidos junto aos abrigados e fun-

cionários expressam sua vivência com o sagrado influenciando em seu com-

portamento.

[...] quando não era evangélico, fazia besteira, mas agora sou evangélico e consigo me controlar e comportar. Cheguei à igre-ja, senti um negocio no coração e decidi ser evangélico. (Sujei-to 1). [...] estar na igreja me ajuda no relacionamento (Sujeito 2). [...] vou à igreja, mas não gosto de ir nessa, pois o pessoal aqui não conversa muito (Sujeito 3) [...] ir à igreja me deixa calma (Sujeito 4). [...] mas Deus falou assim, agora não é o fim, vou ti levar para um abrigo para não viver assim... [sic] (Sujeito 6).

Igor Vieira cumpriu medida socioeducativa na instituição e em depoi-

mento sobre sua estada na instituição declara:

No período em que estive cumprindo à medida que me foi im-posta, aprendi muitas coisas que me ajudaram bastante como: saber fazer as coisas pensando nas consequências, ter mais autocontrole e não me desesperar quando me deparar com al-gum problema. Foi ótimo o tempo que passei frequentando o Vale, pois hoje sou uma pessoa mais moderada em todos os sentidos [sic] (AEBVB, 2011, p. 6).

Estas experiências relatadas refletem o sentimento do ser humano que

busca, consciente ou não, a manifestação do sagrado para se relacionar com o

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divino. Segundo Nogueira (2006, p. 124), a experiência com o sagrado permite

a organização da sociedade.

O contato com o sagrado estabelece o centro em volta do qual nasce o cosmos humano. É o eixo que funda uma nova ordem, de caráter social, psicológico e epistemológico: permite a orga-nização da sociedade, a estruturação do eu e o conhecimento do mundo. É pelo sagrado, que está por trás do visível e mani-festo que podemos compreender a teia da realidade concreta, da mesma forma pela qual conseguimos enxergar, graças à nossa retina, que transforma as manchas de luz que nossos olhos veem em formas distintas e significativas.

Sobre o papel e a influência da religião, comenta Berger (1985, p. 41):

Pode-se dizer que a religião desempenhou uma parte estraté-gica no empreendimento humano da construção do mundo. A religião representa o ponto máximo da auto-exteriorização do homem pela infusão dos seus próprios sentidos sobre a reali-dade. A religião supõe que a ordem humana é projetada na to-talidade do ser. Ou por outra, a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo.

Nesse contexto, Antonio Ávila traz características psicológicas de inte-

ração entre o adolescente e a religião. O autor aponta possíveis fatores que

influenciam no comportamento do indivíduo, levando-o a desenvolver sua reli-

giosidade e adquirindo “identidade” como conceito-eixo:

Mudanças fisiológicas [...] implicações psicológicas que trazem aquisição da lógica formal [...] e supõe uma organização nova e definitiva da compreensão da realidade [...] Amadurecimento pes-soal, que nessa etapa do desenvolvimento está relacionado com o ganho de identidade [...] E o progresso de socialização, que se concretiza na afiliação da consciência de pertença grupal. A identidade é, em primeiro lugar e fundamentalmente, uma percepção interna da própria realidade, na qual o indivíduo vi-vencia-se como um eu integrado. [...] tem um caráter bipolar, relacional [...] relacionamento mútuo entre indivíduo e socieda-de [...] Há elementos que configuram a personalidade do ado-lescente, que lhe foram dados ou adquiridos ao longo de sua infância, e que agora deve assumir papel pessoal e criticamen-te [...] como a própria existência, a corporalidade, o sexo, a ra-ça, a afetividade, a família, a educação, a classe social (ÁVILA apud ERIKSON, 2007, p. 156-7).

Em sua obra, o autor afirma que o adolescente reúne elementos cons-

ciente e inconsciente construindo sua identidade social utilizando-se de dois

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indicadores, a saber: “a crença e a prática”. Nesse contexto apresenta a religi-

osidade no comportamento do adolescente:

[...] abordarei o tema em quatro momentos. Nos dois primei-ros, mais ligados à área cognitiva, descreverei a evolução que se dá no adolescente no momento de articular seu pensamen-to religioso, agora já de uma forma adulta, e seus conceitos religiosos. No terceiro, mais ligado à articulação da personali-dade, abordarei o processo de auto-identificação religiosa, num mundo plural como o atual, desempenha um papel im-portante no momento de construir a religiosidade do adulto. [...] No quarto apresentarei as consequências que se seguem do ganho ou não da identidade religiosa (AVILA apud ERIKSON, 2007, p. 160).

Segundo Ávila (2007, p. 16), o pensamento religioso do adolescente

perpassa pelo conceito de divindade:

O grande mistério de Deus, sua existência, seu ser mesmo po-dem ser abordados pessoalmente graças a essa nova capaci-dade [...] Agora, sua dimensão espiritual, sua grandeza, seu poder, sua bondade, adquirem progressivamente toda a sua transcendência sem que precise abandonar sua proximidade e a relação interpessoal com ele.

O autor aponta alguns fatores que influenciam no processo de identi-

dade religiosa do adolescente, relacionados a características pessoais e soci-

ais que se relacionam ao processo de amadurecimento:

O equilíbrio pessoal alcançado depois das tensões próprias da mudança biológica púbere [...] O quociente intelectual. A apari-ção do raciocínio abstrato, que permite o adolescente compre-ender o conteúdo [...]. O desenvolvimento da sensibilidade [...] aquisições dos estágios autônomos no desenvolvimento moral. [...] busca de sentido que articule e de coerência a própria per-sonalidade [...] existência de um contexto social no qual seja possível o amadurecimento religioso e a consciência de per-tença a um grupo religioso (ÁVILA apud ERIKSON, 2007, p. 169-70).

A partir dessa afirmação, entendemos que o trabalho realizado no Vale

da Bênção possibilita ao adolescente a práxis religiosa através do que é cha-

mado de “conversão religiosa”. Essa “conversão religiosa” se dá de forma natu-

ral, possibilitando à criança e ao adolescente vivenciar experiências racionais e

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desenvolver uma espiritualidade intrínseca de ética, moral e valores familiares

embasadas de conceito cristão protestante.

A proposta dessa pesquisa foi demonstrar a influência da religião na

transformação de crianças e adolescentes do Vale da Bênção, a qual contribui

para a formação de seu caráter, desenvolvendo o sentido de ética, moral, civili-

dade, comunidade e pensamento. Em alguns relatos pode-se observar a signi-

ficância que a religião trás ao indivíduo que, de certa maneira, sofre com a dis-

criminação junto à sociedade. Nesse sentido, a religião é o agente transforma-

dor, trazendo valores e sentido à vida através de uma relação experiencial com

o sagrado.

A religião tem papel fundamental no contexto social e a responsabilida-

de de atender os necessitados, como veremos a seguir.

3.2.4 Religião e responsabilidade social

Mediante a pesquisa com o Vale da Bênção, instituição evangélica fi-

lantrópica que desenvolve trabalho de ressocialização ou socialização, uma

vez que se trata de crianças de 0 a 18 anos que estão em processo de forma-

ção epistemológica. Não se pode negar que os conceitos de missão da igreja

brasileira em suas diversas ramificações passaram através de décadas por

transformações que cunham em seu escopo a assistência aos necessitados.

De uma perspectiva teológica, esse posicionamento perante os necessitados

teve muitos adeptos, mas com a abordagem marxista intrínseca em seus dis-

cursos, católicos e evangélicos se distanciaram. Este movimento ficou conhe-

cido como Teologia da Libertação.

Alderi Matos (2008, p. 1) em seu estudo sobre a ação social cristã co-

menta o contexto histórico da Teologia da Libertação:

A partir da década de 1960, a problemática social adquiriu grande visibilidade na América Latina. Num contexto de graves problemas sócio-econômicos em todo o continente, houve o surgimento de inúmeros movimentos de caráter socialista vol-tados para a solução desses problemas pela via política ou mesmo pela força das armas. Numa reação contra esses mo-vimentos, surgiram regimes de direita em quase todos os paí-ses latino-americanos, o que agravou ainda mais essa situa-

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ção, pela polarização assim criada. Nesse contexto, os cristãos foram desafiados a se posicionarem. Entre os católicos e em menor grau entre os protestantes, surgiu à conhecida “teologia da libertação”, que teve como um de seus primeiros proponen-tes o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez. No Brasil, o nome mais conhecido foi o do teólogo Leonardo Boff e a expressão mais visível da teologia da libertação foram às comunidades e-clesiais de base. Por causa da sua análise marxista da problemática social e da sua excessiva politização, a teologia da libertação foi rejeitada pela maior parte dos evangélicos latino-americanos. No entan-to, muitos deles sentiram que não podiam manter-se indiferen-tes às aflitivas realidades do continente. Alguns desses evan-gélicos preocupados com os problemas sócio-econômicos da América Latina reuniram-se na Fraternidade Teológica Latino-Americana, sendo os nomes mais conhecidos os de Samuel Escobar e C. René Padilla, e no Brasil o de Valdir Steuernagel. Eles têm defendido o que denominam “missão integral”, ou se-ja, um conceito de missão ao mesmo tempo bíblico e evangéli-co, mas sensível às complexas realidades espirituais, políticas, sociais e econômicas da América Latina. Criticando os modelos missionários tradicionais, eles propõem um modelo que implica em levar o evangelho integral ao ser humano integral.

O autor em seus estudos faz uma abordagem do posicionamento da i-

greja mediante a nova teologia, e o posicionamento de teólogos latino-

americanos que influenciaram evangélicos de todos os países a se reunirem

em Lausanne, na Suíça, para reavaliar e definir a missão da igreja. Esta reuni-

ão ficou conhecida como Pacto de Lausanne.

Esses teólogos latino-americanos tiveram uma destacada atu-ação no famoso e influente Congresso Internacional de Evan-gelização Mundial, realizado em Lausanne, na Suíça, em 1974. Esse congresso marcou a primeira vez em que os evangélicos de vários continentes reconheceram explicita e enfaticamente as implicações sociais do evangelho e da missão da igreja. Naquele encontro, Samuel Escobar afirmou o seguinte: “Uma espiritualidade sem discipulado nos aspectos diários da vida – sociais econômicos e políticos – é religiosidade e não cristia-nismo… De uma vez por todas, devemos rejeitar a falsa noção de que a preocupação com as implicações sociais do evange-lho e as dimensões sociais do testemunho cristão resultam de uma falsa doutrina ou de uma ausência de convicção evangéli-ca. Ao contrário, é o interesse pela integridade do Evangelho que nos motiva a acentuarmos a sua dimensão social.” Os participantes do congresso aprovaram um documento co-nhecido como Pacto de Lausanne, que, depois de falar sobre a natureza da evangelização, declara o seguinte sobre a respon-sabilidade social cristã: “Afirmamos que Deus é tanto o Criador como o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar da sua preocupação com a justiça e a reconciliação em toda a

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sociedade humana e com a libertação dos homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa, não importa qual seja a sua raça, religião, cor, cultura, classe, sexo ou idade, tem uma dignidade intrínse-ca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não ex-plorada. Também aqui manifestamos o nosso arrependimento, tanto pela nossa negligência quanto por às vezes termos con-siderado a evangelização e a preocupação social como mutu-amente exclusivas. Embora a reconciliação com o ser humano não seja o mesmo que a reconciliação com Deus, nem a ação social seja evangelização, nem a libertação política seja salva-ção, todavia afirmamos que tanto a evangelização como o en-volvimento sócio-político são parte do nosso dever cristão.”

Sobre o Pacto de Lausanne, Ariovaldo Ramos (2002, p. 25) comenta:

“Mantendo os princípios bíblico-históricos da teologia protestante, estes pensa-

dores colocaram na pauta da teologia dita ortodoxa, o clamor dos oprimidos,

em busca de um Deus que se importasse e de um Evangelho que promovesse

libertação.”

Nesse contexto entende-se que a promoção do bem-estar na institui-

ção traz a libertação da possível marginalização de crianças e adolescentes

apoiados em um eixo educacional cristão.

No primeiro capítulo dessa pesquisa foram levantados dados históricos

dos fundadores da AEBVB, demonstrando uma relação com os pensamentos

calvinistas. Uma vez que Jonathan Ferreira e Decio de Azevedo foram pastores

missionários ligados à Igreja Presbiteriana do Brasil, entende-se que, de forma

natural, apesar de uma dogmática pentecostal, o trabalho desenvolvido no Vale

da Bênção na área social trilha o pensamento calvinista.20

João Calvino, conhecido como o Reformador de Genebra, trabalhou

sistematicamente o tema social. Nesse sentido, Calvino entendia que a igreja

deveria ter em seu escopo o trabalho nas áreas social, política e didática, o que

chamava de tríplice ministério.

Na área social, entendia que a igreja teria como função se envolver no

cuidado aos pobres, órfãos e viúvas, estendendo seu alcance a todos, sem

exceção, ou seja, não somente aos frequentadores dos cultos locais, mas tam-

20 João Calvino nasceu em Noyon-França (1509-1564) foi um teólogo, humanista, reformador

protestante, com influência que continua até hoje. Seus pensamentos e seus ensinos é conhecido como Calvinismo, vale salientar que o próprio João Calvino repudiava esse titulo. Conhecido também como o Reformador de Genebra, Suíça, onde exerceu forte influência no sistema de governo. Citado por Max Weber como o criador do capitalismo em sua obra: A ética protestante e o espírito do capitalismo.

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bém aos estrangeiros e refugiados, desempenhando esse trabalho através do

diaconato. Quanto à política, seu pensamento era de que a igreja deveria agir

em conjunto com o Estado no tocante ao bem-estar de todos os cidadãos. Na

área didática deveria a igreja instruir os cidadãos de Genebra a valorizarem o

trabalho, o descanso aos domingos, o amor ao próximo, a não prática de juros

excessivos e não serem ociosos.

MATOS (2008, p. 1) comenta:

Calvino foi especialmente incisivo nessa área. Seu longo minis-tério em Genebra e suas viagens por diversas partes da Europa o colocaram em contato direto com muitos problemas sociais e econômicos. Durante sua vida, Genebra recebeu um enorme in-fluxo de refugiados religiosos, muitos deles totalmente desprovi-dos de recursos, que se somavam aos muitos necessitados que eram naturais da cidade. Esse reformador escreveu amplamente sobre questões sociais, tanto na sua obra magna, as Institutas, quanto nos seus comentários bíblicos. Esses temas também e-ram abordados freqüentemente nos seus sermões, que muitas vezes adquiriam um tom profético, à medida que ele denunciava as mazelas e desigualdades da sua sociedade. Calvino continu-amente fazia gestões junto aos concílios dirigentes de Genebra clamando pela eliminação de práticas danosas aos pobres como a cobrança de juros extorsivos e a especulação em torno dos preços dos alimentos (comerciantes locais retinham os estoques para forçar a elevação dos preços).

Percebe-se que a prática social no Vale da Bênção está alinhada a

princípios calvinistas, em seus três ministérios, social, didático e político, no

caso deste último praticados em ações em conjunto com órgãos governamen-

tais, através do Conselho Tutelar e do Poder Judiciário. Insere-se também no

tratado do Pacto de Lausanne trazendo libertação, conhecimento, amor, frater-

nidade, valorização do ser humano. Vale ressaltar o comentário de Matos

(2008, p. 1 ). Conclui-se dizendo que a evangelização, ou seja, convidar os in-

divíduos, famílias e comunidades à reconciliação e nova vida em Jesus Cristo,

certamente é básica e essencial. Todavia, à medida que evangeliza, a igreja

também precisa expressar o interesse de Deus por todas as áreas da vida e

espelhar a atitude daquele que disse: “Eu vim para que tenham vida, e a te-

nham em abundância”.

O evangelho de João 10.9-11 traz a seguinte redação:

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Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entra-rá, e sairá, e achará pastagens. O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância. Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas.

Diante de dilemas sociais, escândalos políticos e econômicos o papel

da igreja perante a sociedade traz uma responsabilidade social de relevância.

Pois quando analisamos o texto acima, percebe-se que há mais de 2000 anos

de história que relatam a opressão e a carência da humanidade. Mesmo que

algumas classes refutem o conceito espiritual bíblico de um único Deus que

criou todas as coisas, não podem negar o valor de seus relatos históricos e

ensinamentos através do tempo.

Quando se cruzam dados bíblicos com o cotidiano, percebe-se que

passado e presente caminham juntos para formar um futuro de justiça social e

bem-estar. Nesse contexto, percebe-se que o trabalho da instituição Vale da

Bênção protagoniza a porta de entrada que traz salvação aos desabrigados,

valoriza a vida para que possam enfrentar o mundo (pastagens), zelando para

que não sejam marginalizados, e mediante a sua percepção de mundo, pos-

sam descobrir que a igreja está aberta para que possam encontrar paz e segu-

rança, interagindo com a divindade, com o sagrado, o transcendente que con-

duz a humanidade como o pastor cuida de suas ovelhas. Os dados coletados

em entrevistas nessa pesquisa demonstram que os sujeitos tiveram não so-

mente conforto material, mas uma educação alinhada com a cosmovisão cristã

que abarca valores éticos, morais, valorizando o ser humano e capacitando-o a

ser um cidadão consciente.

Em relato, Fabio Araujo, ex-abrigado, declara:

No ano de 2000 fui transferido com alguns amigos para uma unidade do Vale da Bênção em Sorocaba, no Espaço Nova Vi-da. Já com 17 anos, cursando o ensino médio, tive a primeira oportunidade de trabalho com carteira assinada, através da parceria Vale da Bênção e Correios, fazendo o Curso de Pre-paração para o trabalho no Senac. Após o término desse cur-so, iniciei um novo trabalho através da parceria Vale da Bênção e McDonald’s, local onde permaneci por quatro anos. Hoje es-tou com 27 anos e só tenho a agradecer a Deus, a quem tive o privilégio de conhecer através de uma grande família que é o Vale da Bênção. Estou casado com uma linda e maravilhosa esposa, por meio dessa união Deus nos deu dois filhos lindos e perfeitos. Tenho um bom emprego no qual estou há mais de

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cinco anos na área do comércio. Só tenho que agradecer de todo coração, em especial a Jesus Cristo, que me protegeu du-rante todos esses anos, e também à família Vale da Bênção, da qual faço parte (AEBVB, 2010, p. 6).

Nesse contexto histórico de superação, são analisados a seguir os re-

sultados dessa pesquisa.

3.3 Análises dos Resultados

O desenvolvimento da pesquisa de campo e da bibliográfica demonstra

através de relatos que a influência do sagrado no trabalho do Vale da Bênção

tem contribuído e produzido resultados factuais de transformação nas crianças

e adolescentes abrigados.

Ao longo de 25 anos de existência, o Vale da Bênção tem priorizado a

valorização do ser humano em sua totalidade, ou seja, espiritual, levando a

conhecer e viver uma experiência com o transcendente, sentimental por meio

de seu corpo técnico, e material cuidando das feridas, alimentação, tratamento

médico, dentista, cursos e emprego.

Relatos de crianças e adolescentes demonstraram o carinho e os be-

nefícios que recebem todos os dias, levando-os a um sentimento de gratidão

pela assistência dispensada com amor, carinho e atenção. Profissionais que se

dedicam sem vislumbrar uma condição financeira que os enriqueça e que re-

ceberam reconhecimento das autoridades civis e governamentais para exercer

um trabalho com dignidade e respeito proporcionam resultados singulares e

uma experiência que faz rever conceitos e valores.

A interação com o sagrado através de estudos bíblicos, seja em uma

igreja ou mesmo em reuniões dentro da casa-abrigo, demonstrou ser um as-

pecto positivo e fundamental para que se mantenha um ambiente de paz e

harmonia, resgatando valores familiares mesmo que a condição de destituição

da família traga conflitos interiores, sentimentais e psicológicos. Relatos mos-

tram que os adolescentes em fase escolar que estudam na escola pública têm

um padrão de comportamento diferenciado dos outros alunos e buscam manter

o cooperativismo, o amor e a humanidade.

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O contato com o sagrado é outro aspecto que fundamenta o trabalho

do Vale da Bênção, produzindo na vida dos abrigados em fase de aprendiza-

gem e naqueles desamparados um sentido para sua vida, valorizando a insti-

tuição familiar, pois sonham em resgatar suas famílias e ajudá-las.

Os cursos oferecidos, passeios, a liberdade de expressão, fazem com

que eles possam vivenciar todos os aspectos da vida como quaisquer outros

adolescentes sem se constrangerem por estarem abrigados e destituídos de

seus familiares. O que chama a atenção é que há apenas um relato de cons-

trangimento, que se deu na Escola do Vale da Bênção, porém, terapias de gru-

po desenvolvidas pelos psicólogos junto aos profissionais da área de ensino,

particular e pública, órgãos da saúde e Judiciário conscientizaram a todos da

necessidade de um olhar diferenciado, trazendo resultados imediatos.

Relatos de funcionários demonstram o envolvimento emocional e espi-

ritual com a instituição e com os abrigados. Algumas necessidades são ineren-

tes a todos, porém, ao serem questionados se gostariam de sair, a resposta foi

enfática: “não”. O que nos leva a crer que o sentimento de cumprimento de

uma missão como igreja é o ponto principal para permanecer na instituição. Em

alguns casos, funcionários que saíram da instituição voltaram após algum tem-

po, por entender que havia uma ligação com Deus que os remetiam a trabalhar

e cuidar dos necessitados.

Nessa pesquisa os adolescentes relatam a necessidade de programas

esportivos para que possam desenvolver atividades físicas. Percebe-se que a

instituição possui estrutura física muito boa, mas carece de investimentos go-

vernamentais nesse sentido para que possam contratar profissionais e imple-

mentar outros projetos educacionais.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa feita com a Associação Evangélica Beneficente Vale da

Bênção (AEBVB), conhecida como Vale da Bênção, especificamente a Cidade

da Criança, um projeto de socialização destinado a crianças e adolescentes em

situação de risco social, leva a uma reflexão sobre organizações religiosas jun-

to à sociedade no acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco

por meio de atividades que proporcionem a reintegração e a construção de

uma identidade social. A (AEBVB) Associação Evangélica Beneficente Vale da

Bênção tem como preocupação principal não só a assistência material, como

também a formação ética e moral, difundindo através de suas ações o elemen-

to religioso.

Em nossa pesquisa percebemos que a instituição em tela procura

construir uma epistemologia levando em conta o universo familiar, valorizando

o ser humano, fazendo despertar sentimentos de amor e proteção. Constata-

mos ainda que a (AEBVB) Associação Evangélica Beneficente Vale da Bênção,

através da assistência social às crianças em situação de risco social, procura

transmitir princípios religiosos na busca da plena transformação do homem e,

por conseguinte a sociedade, segundo a visão de seus lideres e definidos em

sua missão.

“Nossa missão é garantir direitos às crianças, adolescentes e famílias

em situação de vulnerabilidade social, capacitando-os para o exercício da cida-

dania, tendo como base uma referência cristã, visando à transformação inte-

gral.” (AEBVB, 2010, p.02).

Pressupostos bíblicos de ensino pactuados em Lausanne, visaram

transformar política e socialmente o pensamento do individuo, resgatando o

sentido da vida no ser humano trabalhando seu universo familiar, social e

espiritual, transformando o sagrado em um referencial para a formação da

personalidade coadunando com a missão e visão da (AEBVB).

BORGES (2002, p.166) trouxe uma reflexão sobre a necessidade da

relação com o transcendente, sobre isso comenta: O Sentimento de religiosidade, presente nos seres humanos de todas as épocas e estágios de desenvolvimento da civilização,

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provavelmente reflita o desejo pelo restabelecimento do vinculo inicial da criatura com o seu Criador [...] As formas que cada povo encontra para explicar esse anseio pelo Transcendente, tornam-se, infalivelmente, parte de sua cultura e de sua manei-ra de ser. A relação com o sagrado assume a importante fun-ção de mediadora e fornecedora de significados para a realida-de do indivíduo e do grupo. Dessa forma, a relação com o sa-grado, em qualquer cultura, torna-se referencial para a forma-ção da personalidade de seus membros e para o relaciona-mento dos mesmos entre si. A cultura de cada povo está sem-pre ligada à maneira como o mesmo desenvolve sua religiosi-dade. Assim, a relação com tudo o que é considerado sagrado passa a fazer parte da formação das estruturas psicológicas dos indivíduos, sendo transmitida e recriada por meio do pro-cesso educativo.

Ou seja, a religião é um referencial na formação ética e moral do

individuo, levando-nos crer que o tratamento dado à religião, influenciará

diretamente na formação epistemológica e cosmovisão do individuo dando

significado a sua vida, sendo assim, a relação com o Sagrado esta diretamente

ligada à formação do individuo, sem fazer distinção de credos, cor ou posição

social. Nesse sentido, a (AEBVB) Associação Evangélica Vale da Bênção,

media o encontro com o Sagrado, com a práxis da religião através da ação

social e educação.

Entendemos que, à práxis da religião sem a ação social, leva o

evangelho ao reducionismo de relatos históricos, desta forma, buscamos

através deste trabalho apresentar a ação do evangelho na práxis da religião,

nos fazendo valer da religião através de um olhar da ciência, buscando na

(AEBVB) Associação Evangélica Beneficente Vale da Benção elementos da

religião que contribuam para a formação de cidadãos conscientes e a

construção de uma sociedade.

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ANEXO 1

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ANEXO 2

Informativo impresso semestralmente

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ANEXO 3

QUESTIONÁRIO AOS ADOLESCENTES

1. O que levou ao abrigamento?

2. Como era sua vida familiar?

3. Como foi retirado da família?

4. Como é viver no Vale da Bênção?

5. Do que senti falta?

6. O que acha dos funcionários?

7. Qual papel da religião em sua vida?

8. O que mudou para você, depois que chegou aqui?

9. Qual sua expectativa quando sair daqui?

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ANEXO 4 À Direção dessa douta Associação Religiosa Evangélica

Assunto: Autorização para crianças e adolescentes responderem um questio-

nário sócio-cultural e religioso.

Sou mestrando em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mac-

kenzie, São Paulo. Estou realizando uma pesquisa sobre o VALE DA

BÊNÇÃO: UMA ANÁLISE DE CASO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM

SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL.

Para finalizar esse trabalho preciso entrevistar alguns adolescentes dessa con-

ceituada Instituição.

Diante do exposto, solicito dessa douta direção autorização para fazer entrevis-

tas com os adolescentes sobre o tema acima proposto. Nesse sentido, peço ao

adolescente que ao responder as perguntas, faça-o com sinceridade, pois mui-

to me ajudará como pesquisador. Contribuirá também, as famílias, educadores,

escolas, líderes religiosos e outros atores sociais que se esforçam para a pre-

venção, defesa e promoção dos adolescentes.

Atenciosamente.

Por ser verdade, assino e dato o presente.

Responsável:______________________________________Data:__/___/____

Nota: Não será informado na pesquisa o nome do adolescente, de acordo com

a lei Federal 8.069/90-ECA.

Obrigado

Pesquisador: Sergio Bezerra da Silva

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ANEXO 5 Prezado responsável legal pelo adolescente abaixo mencionado Nome:________________________________________________________ O questionário o qual peço autorização para que o adolescente responda se

dará através de entrevistas e faz parte da Dissertação de Mestrado que será

apresentado ao Programa de Estudos de Pós-Graduação em Ciências da Reli-

gião, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, como exigência

parcial a obtenção do titulo de Mestre. O tema: VALE DA BÊNÇÃO, UM

ESTUDO DE CASO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE

RISCO SOCIAL.

Nesse sentido, peço ao adolescente que ao responder as perguntas, faça-o

com sinceridade, pois muito me ajudará como pesquisador. Contribuirá tam-

bém, as famílias, educadores, escolas, líderes religiosos e outros atores sociais

que se esforçam para a prevenção, defesa e promoção dos adolescentes.

Atenciosamente. Por ser verdade, assino e dato o presente e autorizo o adolescente a participar das entrevistas. Responsável:________________________________Data:___/____/_______. Nota: Não será informado na pesquisa o nome do adolescente, de acordo com a lei Federal 8.069/90-ECA. Obrigado Pesquisador: Sergio Bezerra da Silva.

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ANEXO 6

Letra de música composta por um dos sujeitos abrigados.

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ANEXO 7 Fotos da Cidade da Criança

Clínica da Cidade da Criança

Playground da Cidade da Criança

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Cidade da Criança

Playground da Cidade da Criança

Casa Canãa – Cidade da Criança

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ANEXO 8

Foto da fachada do Colégio Vale da Bênção

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ANEXO 9

Fotos dos fundadores Pastor Jonathan Ferreira (fundador)

Pastor Decio Azevedo (in memorian)