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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE PSICOLOGIA A UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA DA SAÚDE: O JOGO DE AREIA COMO INSTRUMENTO AUXILIAR EM ENTREVISTA PREVENTIVA RODRIGO MANOEL GIOVANETTI SÃO PAULO 2002

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE PSICOLOGIA · faculdade de psicologia a utilizaÇÃo de tÉcnicas expressivas em psicologia da saÚde: o jogo de areia como instrumento

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE PSICOLOGIA

A UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA DA SAÚDE: O JOGO DE AREIA COMO INSTRUMENTO AUXILIAR EM

ENTREVISTA PREVENTIVA

RODRIGO MANOEL GIOVANETTI

SÃO PAULO

2002

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE PSICOLOGIA

A UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA DA SAÚDE: O JOGO DE AREIA COMO INSTRUMENTO AUXILIAR EM

ENTREVISTA PREVENTIVA

RODRIGO MANOEL GIOVANETTI

MONOGRAFIA APRESENTADA AO PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA (TRABALHO DE GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR) DA FACULDADE DE PSICOLOGIA, COMO PARTE DOS REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE PSICÓLOGO. ORIENTADOR: DR. PAULO AFRÂNIO SANT’ANNA

SÃO PAULO

2002

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I

AOS MEUS FAMILIARES, D. MIRTHA GIOVANETTI E CIA (ARMANDO, MARLI,

NICOLE E CAROL , LÁ E MALU, ENIO E CRIS), E A TODAS AS PESSOAS QUE

ESTIVERAM PRESENTES EM MINHA VIDA DURANTE ESTA ETAPA DE CRESCIMENTO.

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II

AGRADEÇO EM ESPECIAL AO PROF. DR. PAULO AFRÂNIO SANT’ANNA, QUE MUITO

ME ENSINOU NESSES MAIS DE 4 ANOS DE TRABALHOS E PESQUISAS EM CONJUNTO.

MUITO OBRIGADO POR ACREDITAR NAS MINHAS INSANIDADES ACADÊMICAS;

AGRADEÇO A ANDREA CASTANHO, PELOS ESCLARECEDORES TEXTOS E DISCUSSÕES

SOBRE TERAPIAS EXPRESSIVAS, A EVELIN C. C. RIBEIRO, PELAS FOTOS

DIGITALIZADAS E PELO APOIO E PACIÊNCIA DURANTE O PERÍODO DE REALIZAÇÃO

DESTA PESQUISA E A VIVIAN DE O. M. OLIVA, POR AJUDAR-ME COM MINHAS

ANGÚSTIAS, DÚVIDAS E CERTEZAS;

AGRADEÇO A ENIO STEFANI E M. CRISTINA G. STEFANI, QUE COLABORARAM

INDIRETAMENTE, ATRAVÉS DE LONGAS DISCUSSÕES SOBRE A “(DE)EXISTÊNCIA” DO

SER HUMANO, AS FALHAS E AS NECESSIDADES DOS PROGRAMAS PREVENTIVOS EM

SAÚDE PÚBLICA, PELAS ORIENTAÇÕES EM ESTATÍSTICA DE SAÚDE E ETC.;

AGRADEÇO AOS OITO ALUNOS COLABORADORES, QUE, ALÉM DE COMPARTILHAREM

COM TANTA HONESTIDADE SEUS MOMENTOS DE VIDA, MAIS ME ENSINARAM A

TRABALHAR COM SENSIBILIDADE DO QUE COLETAR DADOS TECNICAMENTE E

APOLINEAMENTE.

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III

SUMÁRIO:

RESUMO ............................................................................................................ V

ERRATA............................................................................................................. VII

I. INTRODUÇÃO............................................................................................... 01

II. DISCUSSÃO TEÓRICA ................................................................................... 06

1. TÉCNICAS EXPRESSIVAS E IMAGENS ...................................................... 06

2. JOGO DE AREIA...................................................................................... 09

2.1 ORIGEM........................................................................................ 09

2.2 MARGARETH LOWENFELD ........................................................... 10

2.2.1 A COMPREENSÃO DA PSICOTERAPIA INFANTIL ................. 12

2.3 DORA KALFF................................................................................ 13

2.3.1 PROCEDIMENTOS TÉCNICOS ................................................ 15

2.4 TENDÊNCIAS ATUAIS .................................................................... 17

3. PSICOLOGIA ANALÍTICA........................................................................ 20

3.1 DINÂMICA PSÍQUICA E JOGO DE AREIA: O SELF EM FOCO .............. 20

3.2 PROCESSOS DE CRISE, CONFLITO E ADAPTAÇÃO NA PSIQUE.......... 24

3.2.1 CRIATIVIDADE, RESOLUÇÃO DA CRISE E ADAPTAÇÃO ......... 27

3.3 PREVENÇÃO E PSICOLOGIA ANALÍTICA: ALGUMAS REFLEXÕES .... 32

4. PSICOLOGIA DA SAÚDE E PSICO-HIGIENE ............................................... 37

4.1 PSICOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA ........................................................ 37

4.1.1 SAÚDE: DEFINIÇÕES ATUAIS................................................ 38

4.1.2 BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL .............. 40

4.1.3 PSICOLOGIA DA SAÚDE........................................................ 42

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IV

4.2 PREVENÇÃO PSICOLÓGICA E PSICO-HIGIENE.................................... 45

4.3 CRISE E PSICOLOGIA GERAL ............................................................. 47

4.3.1 CRISE E DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL EM ERIKSON.... 47

4.3.2 CRISE E A PSIQUIATRIA PREVENTIVA DE CAPLAN ................ 48

4.3.3 CRISE E ADAPTAÇÃO NO MODELO PREVENTIVO DE SIMON .. 50

4.3.4 CRISE E LOGOTERAPIA ........................................................ 53

4.3.5 PROCESSOS DE CRISE EM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS ..... 54

III. ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS .............................................................. 56

1. SUJEITO.............................................................................................. 56

2. INSTRUMENTOS .................................................................................. 57

3. PROPOSTA DE TRATAMENTO DE DADOS.............................................. 59

IV. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...................................... 61

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 91

VI. REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS................................................................ 93

VII. ANEXOS ................................................................................................... 101

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V

RESUMO

Durante a passagem do 8º para o 9º semestre no curso de Psicologia, ocorrem

mudanças relacionadas à postura dos alunos e seus papéis de estudante que

aumentam o nível de suas responsabilidades. Alguns autores entendem que esta

mudança exige um novo posicionamento do aluno diante de suas atividades

escolares e certa revisão de sua identidade de estudante. Devido aos ganhos de

responsabilidade e mudanças na identidade estudantil, pode-se pensar num

momento de crise, como definida por Simon (1989), fazendo-se necessários

programas de prevenção ativa.

Em estudos anteriores, Giovanetti et al. (2001b) constaram que o jogo de areia

facilitou a identificação, a expressão e a elaboração de conteúdos psicológicos de

seis alunos do curso de Psicologia da U. P. Mackenzie do 8º semestre. Para tanto,

propuseram um modelo de atendimento de psicodiagnóstico preventivo e

interventivo, estruturado com três encontros com cada estudante: o primeiro

focado na aplicação da Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada; o

segundo, na aplicação do jogo de areia e o terceiro, na entrevista de devolução de

dados, de caráter interventiva com a aplicação do jogo. Os autores perceberam

que com os dados do primeiro e segundo encontro, foi possível identificar focos

de conflitos relacionados à mudança de semestre e suas implicações para serem

que puderam ser discutidas na última sessão. Porém, os dados coletados nesta

amostra revelaram que era preciso ampliá-la para obter-se resultados mais

abrangentes e uma possível sistematização dos mesmos.

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VI

O objetivo desta pesquisa, portanto, foi verificar as possibilidades de

sistematização do modelo acima descrito, por meio de uma aplicação em escala

maior e com o aprofundamento das análises dos resultados, através do modelo de

proposto por C. G. Jung e J. Hillman. Com isso, também se sugeriu a prática de

um programa preventivo voltado para os estudantes do 8º semestre do curso de

Psicologia da U. P. Mackenzie.

Realizou-se o processo com oito colaboradores alunos da U. P. Mackenzie,

cursando o 8º semestre de Psicologia. Utilizou-se a escala diagnóstica adaptativa

operacionalizada (EDAO), e o jogo de areia (instrumento com propriedades

expressivas de caráter não verbal). As cenas do jogo de areia foram registradas em

fotos instantâneas e em formulário padrão, bem como os dados da EDAO.

Para a análise, os dados coletados na entrevista inicial foram discutidos dentro do

enfoque adaptativo e as cenas do jogo analisadas com base na orientação analítica

de C. G. Jung e J. Hillman.

Os resultados confirmaram a eficácia do modelo de atendimento preventivo em

uma escala maior. Verificou-se, também, que este período de adaptação do aluno

está vinculado a padrões arquetípicos específicos. Um momento de crise foi

diagnosticado, levantando-se as possibilidades da ocorrência de sintomas de

estresse e da síndrome de burnout.

Foi sugerido o trabalho preventivo primário, através de informações mais claras

sobre o período de mudança e a necessidade de se oferecer um atendimento

prévio de psicodiagnóstico adaptativo.

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VII

ERRATA

Essa monografia constituiu-se pelo método qualitativo de pesquisa clínica e,

sendo assim, todas as referências à “amostra” deverão ser lidas como “sujeitos da

pesquisa”. Isso também inclui desconsiderar o método de seleção da amostra

como probabilístico, o qual não se inclui numa pesquisa qualitativa.

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1

INTRODUÇÃO

O jogo de areia é um instrumento de características expressivas,

psicoterápicas, predominantemente não verbal e não interpretativo, utilizado,

principalmente, na psicoterapia de orientação junguiana (Weinrib, 1993). Foi

proposto por Dora Kalff, a partir de sua experiência clínica com crianças e das

idéias de três diferentes autores: C. G. Jung, M. Lowenfeld e E. Neumann (Carey,

1999).

Após um certo tempo utilizando-se do jogo de areia, Kalff sugeriu um

setting estruturado a partir de uma postura terapêutica mais “passiva”, receptiva,

sem intervenções verbais, criando um espaço livre e protegido para a constelação

do self. Sendo assim, tradicionalmente o jogo é utilizado num processo de

psicoterapia de longo prazo, no qual é dado ao paciente tempo suficiente para ele

vivenciar emocionalmente o que foi expresso no jogo, sem explicações racionais

(Weinrib, 1993).

Outros autores, como Weinrib (1993), Carey (1999) e Bradway et al.

(1996), introduziram variações no modelo de Kalff no que diz respeito ao setting,

sugerindo ao terapeuta uma postura um pouco mais ativa e interventiva e

estimulando a interação com as cenas produzidas no jogo.

Giovanetti et al. (2000, 2001a, 2001b), Marinho et al. (1999), Machado &

Sant’Anna (2001) e Sant’Anna (2001) estudaram as possibilidades de utilização

do jogo de areia num contexto interventivo breve ou de psicodiagnóstico, dentro

de instituições. Nestas pesquisas, foram apontadas e investigadas as qualidades

facilitadoras de expressão projetiva e da comunicação do paciente através do jogo.

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2

A busca de novas alternativas para ações interventivas em Psicologia

tornou-se uma necessidade frente às demandas existentes nas concepções pós-

modernas de saúde e doença. Na psicologia da saúde, a prática institucional

tornou-se um reflexo disto, configurando-se através das necessidades sociais e

comunitárias para a promoção do bem estar bio-psico-social. As atenções primária

e secundária ficaram em evidência em detrimento a ações curativas e estas

reformulações lançaram o psicólogo numa tentativa de reestruturação de suas

práticas no campo da saúde, colocando-o diante da incorporação de ações

preventivas.

Uma das pesquisas realizadas na clínica psicológica da U. P. Mackenzie

buscou trabalhar com a psico-higiene e prevenção em crises, com alunos do 8o

semestre do curso de psicologia (Giovanetti et al., 2001b). Os autores entenderam

que esta população está propensa a vivenciar situações de crises – como definidas

por Simon (1989) – porque, durante a passagem do 8º para o 9º semestre no curso

de Psicologia da U. P. Mackenzie, ocorrem algumas mudanças relacionadas à

postura dos alunos e seus papéis de estudante. Logo, fez-se necessário o

desenvolvimento de um programa preventivo, intencionado a ajudar o indivíduo a

reconhecer recursos internos para o enfrentamento dos possíveis situações de

desgaste, evitando, assim, o surgimento ou a cronificação de psicopatologias mais

graves. O foco de trabalho foi o cotidiano dos alunos, especificamente o modo

como estavam percebendo-se e imaginando-se no decorrer do 8o semestre. Bleger

(1984) afirma que nestes programas podem ser utilizados diferentes métodos e

técnicas, educativas, elucidativas, etc. relativos às situações específicas

vivenciadas pela população-alvo. Simon (1989) assinala a importância e

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necessidade num psicodiagnóstico precoce de uma escala avaliatória para se

delimitar e alcançar os objetivos da prevenção em psicologia da saúde.

Nos casos dos alunos do 8º semestre, Giovanetti et al. (2001b) propuseram

um breve processo de psicodiagnóstico com características interventivas, com seis

alunos em três atendimentos individuais. Os resultados obtidos sugeriram certa

eficácia do modelo proposto, mas foram verificados em uma amostra reduzida de

sujeitos, segundo os próprios autores. Isto indicou que era preciso ampliá-la, para

levantar dados mais abrangentes e uma possível sistematização dos mesmos.

A presente pesquisa partiu da identificação da importância da continuação

do estudo acima citado, na busca de ampliá-lo com resultados mais significativos

em relação à eficácia do modelo proposto, à relevância do jogo de areia no

atendimento preventivo e o momento de crise dos estudantes.

Foram recrutados aleatoriamente oito alunos cursando o 8o semestre de

Psicologia da U. P. Mackenzie, com os quais aplicaram-se os três encontros

sugeridos por Giovanetti et al. (2001b). Além disto, este estudo também propôs

novos formulários para registro das cenas, para facilitar as anotações relacionadas

à confecção da cena e ao período de crise.

Os dados coletados sugeriram que o modelo proposto é válido num

programa de prevenção. Constatou-se a existência de um momento de crise não

somente hipotético, mas sim inter e intra-subjetivos. Por isso, foi possível

delimitar um foco de crise ou as possibilidades de cronificação da mesma e

discutir-se com os colaboradores formas diversificadas de resolução dos fatores

atuantes na crise, ou propor o encaminhamento para uma psicoterapia, nos casos

já cronificados. No que diz respeito ao jogo de areia, ele facilitou a delimitação do

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foco, ajudando os colaboradores a visualizarem concretamente, através da

confecção das cenas e das associações verbais, os fatores psicodinâmicos

diretamente vinculados ao momento atual de suas vidas. Durante o processo e

principalmente na sessão de devolução de dados, os colaboradores puderam

perceber e expressar suas angústias relacionadas ao final do curso e a mudança de

papel no 8º semestre. Do ponto de vista do pesquisador, o jogo proporcionou o

aprofundamento na dinâmica psíquica dos colaboradores e a visualização dos

aspectos pertinentes ao período de crise para se propor intervenções através das

cenas, corroborando, assim com os resultados apresentados pela pesquisa anterior.

Alguns sintomas indicaram o desenvolvimento de estresse significativo nos

estudantes, demandando um programa de prevenção primária.

Esta monografia é composta por sete partes e subdivida da seguinte forma:

o primeiro capítulo refere-se às técnicas expressivas, a conceitualização de

imagem para a escola arquetípica e a importância do trabalho imagético nas

técnicas expressivas. No segundo capítulo, aborda-se a definição do jogo de areia,

seu histórico, as formas tradicionais de aplicação e o modelo de leitura e

intervenção proposto nesta pesquisa, que se denominou de imagético. Este modelo

foi baseado na abordagem arquetípica de J. Hillman. No terceiro, busca-se a

delimitação das idéias do self (conceito central na terapia com o jogo de areia) na

escola clássica, tradicional e arquetípica, realizando-se, também, um estudo crítico

sobre o tema conflito e crise psicológica na psicologia analítica – importante

definição para uma proposta preventiva, e o processo de prevenção, sob o ponto

de vista de alguns autores das três escolas. No quarto capítulo, são delimitadas as

idéias da psicologia da saúde e psico-higiene, seus históricos, bem como

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5

programas de prevenção e o ponto de vista de outras escolas e autores da

Psicologia sobre crise e conflito.

A terceira parte deste trabalho reserva-se para a descrição das estratégias

metodológicas, com a delimitação da amostra e suas características, a forma como

os instrumentos foram utilizados, suas descrições e como os dados são analisados.

Na quarta parte, apresenta-se e discute-se os resultados da coleta de dados.

Por fim, são levantados alguns pontos pertinentes da pesquisa nas

considerações finais, como a importância de um programa preventivo primário

informativo para os alunos, a relevância deste estudo num âmbito da psico-higiene

e a viabilidade de um programa de diagnóstico desta natureza.

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6

II. DISCUSSÃO TEÓRICA

1. Técnicas Expressivas e imagens

AA ppssiiqquuee éé uummaa iimmaaggeemm ee uumm iimmaaggiinnaarr..

TTooddoo oo ccoonnhheecciimmeennttoo iimmeeddiiaattoo qquuee ssee ffaazz

eennttrree nnóóss ssee ddáá aattrraavvééss ddaass iimmaaggeennss..

CC.. GG.. JJuunngg

Segundo Gouvêa (1989), técnicas expressivas são recursos

psicoterapêuticos que proporcionam meios para que as experiências do ser

humano sejam representadas com reduzidas explicações racionais e pouco ou

nenhum controle egóico. São materiais plásticos com possibilidades de serem

modelados e estruturados, para facilitarem a “pesquisa do sujeito para encontrar

imagens significantes de seus conflitos subjetivos” (Païn & Jarreau, 2001, p. 19).

Andrade (2002) acrescenta que elas não se limitam ao estético, funcionando como

instrumentos técnicos que revelam a interioridade do ser humano. Por isso, no

contexto clínico, as técnicas expressivas funcionam como mediadoras da

comunicação entre paciente e psicoterapeuta, e o produto final, uma imagem

interna que o paciente produziu e concretizou. É “o encontro com o fenômeno, e

não mais um discurso infindável sobre o fenômeno” (Gouvêa, 1989, p. 33). Em

sua aplicação, o paciente é deixado livre para criar o que desejar, da forma que

preferir e no tempo que achar mais adequado. Segundo Païn & Jarreau (2001),

pode-se trabalhar verbalmente com alguns temas na sessão ou simplesmente o

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deixar o foco estar voltado para o trabalho expressivo. Na psicologia analítica,

independentemente do tipo de técnica utilizada (pintura, escultura, etc.), a imagem

constelada na psique é o foco do trabalho terapêutico e:

certamente expressão de conteúdos inconscientes, não de

todos os conteúdos em geral, mas apenas os

momentaneamente constelados (...) A imagem é, portanto, a

expressão de toda situação momentânea, tanto inconsciente

quanto consciente (Jung, 1991, p. 418).

Nas técnicas expressivas, o que se busca observar fenomenologicamente é

a própria imagem da psique, constelada sob seus diversos aspectos, suas diversas

facetas. Por isso, estas técnicas têm como característica proporcionar um caminho

de expressão concreto para as múltiplas faces da alma. Ammann (1991) afirma

que, tendo em vista os aspectos dinâmicos das imagens, elas têm um efeito direto

na psique. Transformam e são transformadas pela psique, num processo

inconsciente, influenciando toda a percepção do indivíduo. Hillman (1983) coloca

que a alma é uma atividade imaginativa, e a fonte das imagens é a atividade

autogeradora da alma. A imagem “não é aquilo que se vê, mas a maneira como se

vê” (Hillman, 1983 p. 28). Ela não significa um constructo mental, uma

conseqüência de sensações e percepções e não tem referências além de si mesma,

não representam nada, são a essência da alma.

Païn & Jarreau (2001), mesmo considerando a imagem como um

constructo mental, de significantes e significados, afirmam que o centro de um

tratamento estruturado com técnicas expressivas é “o sujeito em busca da

imagem” (p. 21). Sob a percepção da psicologia analítica, é o indivíduo em busca

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de sua alma, de seu senso de realidade psíquica, um “esse in anima”, significado

último da própria existência (Jung, 1991).

Como exemplos de técnicas expressivas, tem-se o moldar no barro

(Gouvêa, 1989), o desenho, a pintura, a dança e a música (Païn & Jarreau, 2001),

massas plásticas diversas para modelagem, madeira, ferramentas e colagem

(Oaklander, 1978) e qualquer outro meio que desempenhe uma função expressiva.

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2. Jogo de Areia

QQuuaannttoo mmaaiiss eennccoobbeerrttooss ee mmaaiiss

ddiissttaanntteess ddaa ccoonnsscciiêênncciiaa eessttããoo ooss

sseennttiimmeennttooss ee aass eemmooççõõeess ((……)),, mmaaiiss

ddiiffíícciill ssee éé ddee eennccoonnttrraarr ppaallaavvrraass

ppaarraa eexxpprreessssáá--llooss..

RR.. AAmmmmaannnn

2.1 Origens

O jogo de areia é um instrumento de caráter não verbal, que vem sendo

utilizado de diferentes maneiras por diferentes terapeutas (Thompson, 1981). É

uma técnica que, através da construção de cenas em uma caixa com areia com

miniaturas diversas, apresenta um caráter expressivo.

Para Carey (1999), o jogo de areia mantém uma significativa uniformidade

histórica, em sua origem, sendo os diferentes métodos de aplicação e interpretação

uma conseqüência evolutiva da técnica inicial criada na década de 50. Boik &

Goodwin (2000) afirmam que após a sua invenção, o jogo de areia desenvolveu-se

com muitas variações, tanto relativas às diferentes abordagens teóricas do

instrumento quanto a variações técnicas em sua utilização. Por isso, Cunninham

(1997) sugeriu que as diversas variações propostas para o jogo, além da forma

tradicional, devessem ser denominadas pelo termo genérico “sandtray”, em

oposição ao tradicional “sandplay”.

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Nesta pesquisa, não foi feito este tipo de diferenciação porque se

considerou que, apesar das diferentes formas de utilização, todas preservam, de

alguma forma, a idéia inicial de que o jogo funciona como um facilitador da

expressão e certa “elaboração” dos conteúdos inconscientes, como sugerido por

Kalff (1980).

Estruturalmente, o jogo de areia é um instrumento que apresenta algumas

semelhanças com práticas antigas de rituais de cura (Weinrib, 1993). Os monges

tibetanos, por exemplo, usam a areia para as práticas tântricas; na tribo indígena

Navaho, imagens são desenhadas na areia, para invocar os poderes curativos e

harmonizar o doente com o universo; já os curandeiros Dogon, de Mali, desenham

na areia e depois “lêem” as marcas deixadas pelas pegadas das raposas do deserto,

para adivinharem o futuro (Cunningham, 1997). É a devoção ao caráter mágico

que a areia apresenta nestas tribos e religiões.

Na comunidade científica, por volta da década de 20 já se observava a

aplicação de jogos em técnicas psicoterapêuticas. O jogar e a criatividade como

parte do processo analítico estavam sendo desenvolvido por autores como M.

Klein, A. Freud, E. Erikson, C. Buhler, etc, os quais propuseram a utilização de

brinquedos e miniaturas no psicodiagnóstico, na terapia e nas pesquisas (Mitchell

& Friedman apud Boik & Goodwin, 2000).

2.2 Margareth Lowenfeld

Através de uma retrospectiva histórica pode-se constatar que a precursora

do jogo foi Margareth Lowenfeld, uma pediatra e psiquiatra inglesa com

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orientação em psicanálise freudiana (Weinrib, 1993). Segundo Thompson (1981),

Lowenfeld começou seu trabalho com crianças numa clínica pediátrica e, por

volta de 1925, abandonou a pediatria ortodoxa para clinicar em psiquiatria

infantil. Em 1929 transformou sua clínica no The Institute of Child Psychology,

acrescentando novos salões de jogos e brinquedos.

Lowenfeld apud Thompson (1981) afirma que nesta época lembrou-se que

de um livro que tinha lido chamado Floor Games, de 1911, escrito por H. G.

Wells, que relatava a sua experiência com seus dois filhos. Sentavam-se ao chão

e, com algumas bugigangas, como pedaços de madeira, plástico, papel etc.,

construíam cidades e diversos “mundos” fantasiosos. Inspirada por Wells,

Lowenfeld experimentou acrescentar, em suas sessões terapêuticas com as

crianças, diversos materiais e brinquedos, juntamente com caixas de zinco e areia.

Seus pequenos pacientes denominaram todo este material de wonder box.

(Weinrib, 1993).

O que motivou Lowenfeld a desenvolver a wonder box foi o desejo de

encontrar uma técnica que pudesse ser uma via de comunicação entre crianças e

terapeutas, com adequadas características atraentes para os infantes. Quando

criança, ela teve muitas doenças e, ao atender seus pequenos pacientes, percebeu

que eles não possuíam ainda a linguagem necessária para expressar seus

profundos sentimentos (Carey, 1999). Ao apresentar seu consultório,

espontaneamente as crianças começaram a construir cenas com todo o material da

sala de jogo, conhecidas como worlds (Thompson, 1981). Por isso, Lowenfeld

chamou seu novo instrumento de world technique (Weinrib, 1993). Em 1979, ela

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descreveu seu método como passível de ser utilizado com qualquer indivíduo,

independentemente de idade (Lowenfeld apud Thompson, 1981).

Segundo Carey (1999), Lowenfeld não creditava um fator de cura ou

considerava o jogo como instrumento terapêutico em si. Seus objetivos estavam

voltados somente para facilitar a via de comunicação. O desenvolvimento

terapêutico fazia parte da dinâmica psíquica da própria criança. Ela ficava quieta,

anotando o movimento de seus pacientes para, posteriormente, estimulá-los a

contar uma história sobre acena.

2.2.1 A Compreensão da Psicoterapia Infantil

Lowenfeld criou dois conceitos importantes para o desenvolvimento do

jogo de areia a partir de seus estudos e observações empíricas. Ela chamou-os de

pensamento pré-verbal e cluster.

O pensamento pré-verbal faz parte do processo de pensar que envolve

imagens em detrimento a linguagem verbal e conceitos. É derivado do lado não

racional do cérebro (usualmente o hemisfério direito), e este tipo de pensar é o

modo mais comum observado nas crianças antes de se desenvolver suas

faculdades racionais (Van Dyk, 2002).

Lowenfeld observou que o processo de terapia com jogo de areia acessava

a esta forma diferente de pensamento, que se refere às antigas lembranças infantis,

muitas delas “esquecidas” com a aquisição da linguagem formal. A autora estava

convencida de que este nível de pensamento é o mesmo encontrado em artistas de

diversas modalidades, quando criam um trabalho de arte. É uma modalidade de

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pensar na qual o tempo e o espaço são insignificantes, e os muitos conceitos ficam

agrupados e multidimensionados. As crianças que não podiam comunicar suas

experiências em palavras faziam-na através da world technique (Van Dik, 2002).

A idéia de “cluster”, ponto central na terapia, foi concebida como a

propriedade da psique em agrupar percepções ilógicas não relacionadas

diretamente com um trauma. Quando decodificadas, explicam por idiossincrasias

exatamente os sentimentos, as sensações e as idéias da criança sobre a situação

que a aflige (Van Dyk, 2002). Para Carey (1999), este é um processo que

apresenta dois ou três acidentes traumáticos ao mesmo tempo, no qual diferentes

imagens estão contidas numa única e singular imagem abrangente.

2.3 Dora Kalff

Por meados de 1956, Dora Kalff, uma analista junguiana suíça, interessou-

se pela técnica de Lowenfeld após assistir a uma palestra realizada em Zurique.

Decidiu, apoiada pelo próprio Jung, a estudar em Londres, apreendendo as idéias

de Lowenfeld, as influências de Winnicott e de Fordham, eminente analista

junguiano de crianças (Weinrib, 1993).

Quando Kalff voltou para Zurique, desenvolveu uma outra maneira de

utilizar a wonderbox, adaptando-a a orientação da psicologia analítica. Chamou

sua nova técnica de sandspiel – traduzido no Brasil por caixa de areia ou jogo de

areia (Cunningham, 1997).

Ao aplicar a nova técnica, ela percebeu que certos estágios de

desenvolvimento psicológico eram notáveis nas cenas de seus pacientes. Eles

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indicavam o movimento regressivo da psique e uma possível a melhora durante o

processo de terapia (Carey, 1999). Posteriormente, ela verificou que estes estágios

eram semelhantes aos descritos por E. Neumann (Weinrib, 1993). São eles: fase

urobórica (ou unidade mãe – filho, nos primeiros anos de vida do bebê), na qual o

self da criança está contido no self materno, e sua totalidade psíquica é vivenciada

como unitária à figura materna, criando uma dependência em relação aos cuidados

maternais primários; em seguida, a fase matriarcal (primeira infância), na qual

existe o predomínio do arquétipo da grande mãe, com a estruturação da psique

voltada para o princípio feminino e a fase patriarcal (segunda infância), na qual o

arquétipo do pai é o fator mais constelado, estruturando a psique sob a constelação

do princípio masculino. A fase matriarcal dá origem ao que Neumann chamou de

consciência matriarcal, que se dá num nível pré-verbal e semiconsciente da

psique, na qual existe o predomínio das imagens a conceitos. Já a fase patriarcal

origina a consciência patriarcal ou egóica, que é mais dirigida, voltada para os

processos conceituais e abstratos da psique (Weinrib, 1993).

Kalff (1980) estudou os distúrbios da relação primária mãe-criança, e

concluiu que, quando esta fase é mal estruturada, a pessoa tende a desenvolver um

ego frágil, mal-estruturado e dependente. Também constatou que, com o jogo de

areia, seus pacientes podiam experimentar suficiente segurança para reparar esta

fase através de uma regressão criativa, estabelecida através das dinâmicas

transferenciais e contratransferenciais, pautadas numa relação de confiança e

aceitação das produções do paciente com o jogo de areia.

Ammann (1991) acrescenta que o jogo de areia pode ser utilizado não

somente em processos de cura de uma ferida na relação primária, mas também no

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processo de transformação da personalidade, objetivos da análise junguiana

clássica. Nela, são observados os aspectos como a desestruturação da persona, o

confronto ego-sombra, o desenvolvimento da contraparte sexual da psique

(anima-animus), e o confronto com o self.

2.3.1 Procedimentos Técnicos

Kalff (1980) afirma utilizar-se de uma caixa retangular de 52 x 72 x 7 cm.

Weinrib (1993) acrescenta que a caixa é feita de madeira, e suas laterais e fundos

internos são recobertos por um material impermeável a água, de cor azul (no

intuito de simular água e céu). Ela deve estar preenchida até a metade com areia.

Com o revestimento à prova d’água, é possível molhar a areia para que seja

moldada. Centenas de miniaturas também são colocadas à disposição para serem

utilizadas com o jogo. Os tipos de miniaturas:

incluem representações realistas de animais selvagens e

domésticos, peixes, aves, conchas e materiais de profissão,

carros trens, navios, aviões, pontes, construções, igrejas,

ferramentas de trabalho, árvores e flore, figuras humanas

(adultos e crianças de muitas nacionalidades e raças em

várias situações de vida: fazendeiros, operários, soldados,

cavaleiros, esquimós, africanos, asiáticos, etc.). (Weinrib,

1993, p. 25).

Kalff (1980) oferecia aos seus pacientes, além do jogo de areia, tintas,

argila, mosaico, massinhas e etc. Sua intenção era deixar a criança livre para

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escolher o que fazer da maneira que desejar. O setting deveria ser estruturado a

partir de uma postura do terapeuta passiva e sem intervenções verbais, situando-se

de forma mais receptiva e observando empaticamente a produção do paciente.

Weinrib (1993), analista junguiana norte-americana, prefere encorajar os

pacientes a criarem aquilo que desejar na caixa de areia, com pouca ou quase

nenhuma instrução. Pode-se usar a areia para criar cenários ou paisagens,

juntamente com as miniaturas, ou pode-se esculpir e brincar somente com a areia.

Ela sugere que o terapeuta estimule seu paciente a contar uma história para

a cena, ou comentar algo que lhe tenha ocorrido. Mas nada do que foi falado deve

ser explicado, ampliado ou interpretado no momento. Somente quando o ego do

paciente estiver suficientemente forte e estruturado para integrar os conteúdos

inconscientes, então, poder-se-á explicar, analisar, amplificar e interpretar as

cenas, que foram fotografadas durante o desenvolvimento da terapia. A análise é

realizada mostrando-se os slides e discutindo-os com o paciente.

Para Kalff (1980), o processo de cura observado nas cenas produzidas com

o jogo de areia está fundamentado na idéia de Jung na qual a psique, em

circunstâncias ideais, tende a autocura e ao restabelecimento homeostático da sua

própria dinâmica. Este movimento é proporcionado pelo centro ordenador da

personalidade denominado self. Ela apurou que, quando seus pacientes brincavam

com o jogo de areia, criava-se um ambiente que denominou de “espaço livre e

protegido”, que facilitava a regressão criativa aos níveis onde se encontravam as

feridas da primeira infância (Weinrib, 1993), para o surgimento de movimentos

compensatórios e de autocura da psique. Chamou de espaço livre pela

oportunidade de seus pacientes expressarem o que desejar na areia, construindo

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com as diversas miniaturas cenas significativas, sem uma interpretação imediata.

E protegido por alguns fatores como o tamanho da caixa, que limita a fantasia do

paciente, o número finito de miniaturas, que nunca corresponderá especificamente

a todas as categorias de miniaturas representantes do mundo existentes e a postura

empática, receptiva e não julgadora do terapeuta.

2.4 Tendências Atuais

Após a consolidação da técnica e da teoria que estruturaram o jogo de

areia em uma práxis, ele vem sido desenvolvido e adaptado conforme as

necessidades encontradas por diversos psicoterapeutas e analistas junguianos.

Em relação à aplicação e duração do processo, Weinrib (1993) sugere ser

necessário um certo tempo, suficiente para o paciente vivenciar emocionalmente o

que foi expresso no jogo, sem explicações racionais. Mas alguns autores como

Carey (1999), Bradway et al. (1996), Boik & Goodwin (2000) introduziram

variações no modelo de Kalff, no que diz respeito às possibilidades de utilização

do jogo de areia, não somente na clínica, mas em outras instituições. Bazhuni et

al. (2001) afirmam que, apesar da “proposta [de Kalff em] (...) restringir o uso do

jogo de areia à situação psicoterápica individual, nos últimos anos o jogo (...) tem

sido utilizado em instituições hospitalares com muito sucesso” e “em larga escala

em instituições psiquiátricas” (p. 479).

Carey (1999) adaptou a técnica para sua aplicação em terapia familiar.

Boik & Goodwin (2000) denominaram a metodologia tradicional de produção de

cenários como “espontânea”, diferenciando-a das cenas temáticas, as “dirigidas”,

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e reafirmaram a necessidade da sua implementação em diversas instituições além

da clínica, principalmente devido às suas qualidades facilitadoras da expressão de

conteúdos psíquicos.

Outros, como Giovanetti et al. (2000, 2001a, 2001b), Marinho et al.

(1999), Machado & Sant’Anna (2001) e Sant’Anna (2001) estudaram novas

possibilidades de utilização do jogo de areia dentro de instituições, em contextos

clínicos interventivos breves e de psicodiagnóstico compreensivo. Nestas

pesquisas, foram apontadas e investigadas as qualidades facilitadoras de expressão

projetiva e comunicação não verbal dos pacientes. E, em decorrência da brevidade

dos processos nos quais realizaram-se estes estudos, foram acrescentadas algumas

alterações no setting, quando comparado com o modelo inicialmente proposto por

Kalff. A intervenção do terapeuta ficou mais constante, de maneira a facilitar o

confronto do ego do paciente com a imagem da cena, visando a integração dos

conteúdos expressos, sem interpretá-los.

Segundo Sant’Anna (2001), pode-se observar algumas tendências

semelhantes em grupos de autores, relacionadas à metodologia de utilização do

jogo. Duas “escolas” foram identificadas. Uma européia, seguidora das

orientações iniciais de Kalff, e outra norte-americana, com uma ênfase maior para

intervenções diversas nas cenas e formas de aplicações diferenciadas, como as

sugeridas por Carey (1999), Bradway et al. (1996), Boik & Goodwin (2000).

Foi verificado que, na Universidade P. Mackenzie, desenvolve-se um

núcleo de pesquisa sobre as possibilidades de utilização do jogo de areia na

clínica-escola da Faculdade de Psicologia.

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Na psicologia analítica, observa-se três escolas de pensamento, que se

diferem em três princípios teóricos (o arquétipo, o self, o desenvolvimento da

personalidade) e três práticos (análise da transferência e contratransferência,

experiências simbólicas do self em análise e aderência às representações mentais

do modo como aparecem). Estas escolas foram denominadas de clássica,

arquetípica e desenvolvimentista (Dawson &Young-Eisendrath, 2002). Segundo

Sant’Anna (2001), a escola que influenciou os autores do jogo de areia foi a

desenvolvimentista, na qual é priorizado as experiências infantis e aspectos

contratransferenciais na terapia. Isto explicaria as ênfases de Kalff no processo de

constelação do self, na postura passiva, receptiva e empática por parte do

terapeuta, para proporcionar uma regressão criativa do paciente a níveis mais

primitivos da psique.

Por outro lado, este estudo propõe a utilização do jogo de areia sob a ótica

da escola arquetípica, enfocando as diversas experiências arquetípicas através do

modo como o paciente percebe, sente e imagina o mundo. Dawson &Young-

Eisendrath (2002) afirmam que, para Hillman (expoente autor desta escola),

transformar o literal através da criação de metáforas e relativizar o ego pela

imaginação é a função principal dos processos psicoterápicos.

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3. Psicologia Analítica

PPssiiccoollóóggiiccoo ssiiggnniiffiiccaa mmaaiiss

ccoommpplliiccaaddoo?? MMaaiiss sseennssíívveell?? OOuu mmaaiiss

mmeettaaffóórriiccoo?? EEssccuuttaarr ddooiiss nníívveeiiss aaoo

mmeessmmoo tteemmppoo,, iirrôônniiccoo ee mmeettaaffóórriiccoo......

iissssoo éé mmaaiiss ppssiiccoollóóggiiccoo?? SSeerráá mmaaiiss

ppssiiccoollóóggiiccoo eennxxeerrggaarr aattrraavvééss?? SSeerráá

mmaaiiss ccuuiiddaaddoo,, mmaaiiss rreefflleexxiivvoo,, oouu

ppssiiccoollóóggiiccoo ssiiggnniiffiiccaa mmaaiiss eemmbbaassaaddoo,,

mmaaiiss cceerrtteezzaa iinnssttiinnttiivvaa?? ((......)) DDiiffíícciill

ddiizzeerr,, nnããoo éé??

JJaammeess HHiillllmmaann

3.1 Dinâmica Psíquica e Jogo de Areia: o Self em foco

O principal conceito que norteia o jogo de areia, segundo Kalff (1980) é o

de que a psique, em certas circunstâncias, tende a autocura, através de

mecanismos psíquicos homeostáticos. Esta tendência está diretamente ligada à

idéia de self. Segundo Whitmont (1969), o self é um conceito hipotético que Jung

desenvolveu para tentar exprimir a idéia de um centro ordenador na psique e, ao

mesmo tempo sua própria totalidade. Este centro regulador atua “como se fosse

um sistema de planejamento central que não faz parte do consciente, mas que o

inclui e afeta (...)” (Whitmont, 1969, p. 192) e nele está contido todo o germe de

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possibilidades de desenvolvimento da personalidade do indivíduo. O self atua

através dos padrões simbólicos compensatórios entre o sistema consciente e

conteúdos inconsciente, observados em sonhos, nos sintomas mórbidos e em todas

as manifestações de conteúdos inconscientes.

Devido aos processos egóicos, que por natureza, são direcionados

unilateralmente para adaptar-se ao meio, certos conteúdos deixam de existir no

campo da consciência, ou nunca chegam até ela. Mas em certos momentos, esta

atitude unilateral torna-se ineficaz porque a vida é sempre dinâmica e exige novas

readaptações. No momento em que a ineficácia torna-se prejudicial para o

desenvolvimento do indivíduo, a psique inconsciente atua compensatóriamente,

tentando equilibrar o sistema consciente-inconsciente através da expressão

simbólica de valores que foram recalcados ou nunca se tornaram conscientes antes

(Jung, 1998a).

Já na escola arquetípica, a idéia de self difere das proposições acima

citadas. Estas são constructos mais teóricos que práticos, utilizados pelas escolas

desenvolvimentista e clássica da psicologia analítica. Segundo Dawson & Young-

Eisendrath (2002), a perspectiva da psicologia arquetípica é pluralista, isto é, a

psique necessita criar vários deuses e deusas, metaforicamente, como

personificações dos instintos psíquicos. Por isto, importância do self torna-se

relativa (proposta fundamental da terapia imagética). Ele não é o centro da

personalidade total, menos a interiorização de algo divino e nem uma meta de

desenvolvimento, mas sim um “deus”, um instinto dentre outros que estão

presentes no sistema psíquico, como o ego. Reimaginando a psique

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politeisticamente, suas bases podem ser analisadas fenomenológicamente e a

multiplicidade da alma, suas “múltiplas personalidades”, assim reveladas.

Hillman & Ventura (1995) afirmam encontrar uma funcionalidade melhor

para o conceito de self se for redefinido como a “interiorização da comunidade”

(p. 43), no sentido de um “envolvimento anímico com o mundo” (Hillman, 1983,

p. 88). Isto quer dizer que o interiorizar deve-se ao fato da atividade primária da

psique ser a imaginação (do modo como as coisas são percebidas, pensadas,

faladas), implicando no fato de que o relacionamento genuíno com o mundo é um

relacionamento imaginado, dizendo respeito à interioridade do significado das

coisas. Por isso, as fronteiras entre eu e objetos podem ser redesenhadas e a

própria comunidade interiorizada como o significado da alma:

os “outros” não incluiriam somente outras pessoas, porque a

comunidade do modo como vejo, é algo mais ecológico, pelo

menos mais animista. É um campo psíquico. E se não estou

num campo psíquico com os outros – com pessoas, prédios,

animais, árvores – eu não existo (Hillman & Ventura, 1995,

pp. 45 – 46).

A consciência é concebida junto às várias personalidades parciais

(deuses) e o desenvolvimento da personalidade está voltado para o

reconhecimento da sua própria ambigüidade e da dramatização dos

aspectos múltiplos da psique (Hillman, 1983).

O posicionamento de Hillman diante da teoria analítica é radical. Ele

desenvolve, ou melhor, recria significados para os antigos (pré) conceitos, para

introduzir o seu pensamento neoplatônico na orientação junguiana. Com a

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proposta de um self mais imagético, mais “comunitário”, Hillman sugere a

importância da não separação da psique individual da “alma do mundo” e da

relação do indivíduo com as coisas. Ele cita que “pode dizer que ao incluir as

maçanetas e anéis de latas de cerveja estou pretendendo mudar a idéia de

profundidade em psicologia, deslocando-a do interior da pessoa para uma

psicologia dos objetos” (Hillman & Ventura, 1995, p.56).

Em relação ao jogo de areia, observá-lo através da postura imagética é

desconsiderar a idéia de um desenvolvimento pautado na constelação do self, com

longas e intermináveis sessões. Se a psique é pluralista e suas metáforas estão

pautadas também nos outros instintos, a função de regressão para constelação do

self torna-se inútil. A terapia imaginal sugere que novos pontos de vista sejam

abordados, novas maneiras de reimaginar os problemas, as dificuldades, ou o

próprio mundo (Hillman, 1983; 1984; 1989a).

Com isso, a imagem (constituída da cena composta juntamente com a

história contada) é evidenciada e valorizada através das explorações verbais sobre

suas qualidades e associações diretas, juntamente com a conexão feita com o ego.

Isto coloca a imagem como um novo ponto de vista e pode trazer possibilidades

do paciente enxergar soluções para seus conflitos. Este tipo de intervenção

mostrou-se bastante eficaz em processos de curta duração, no qual o tempo

limitado e as necessidades de intervenções terapêuticas mais pontuais fez da

abordagem imagética uma importante ferramenta para ajudar o paciente e o

terapeuta a visualizarem a situação focal dos processos psicológicos no

psicodiagnóstico e psicoterapia, sem interpretações ou amplificações por parte do

psicoterapeuta (Sant’Anna, 2001).

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3.2 Processos de Crise, Conflito e Adaptação na Psique

Wolf e Zweig (2000) identificaram um tipo específico de crise, a crise de

compromisso, que são manifestações fenomenológicas de “pressões internas”,

advindas do conflito entre os desejos do self, de desenvolvimento, e o medo do

ego para abandonar a situação na qual encontra-se estagnado. A crise surge na

dialética ego-self, como uma tentativa compensatória inconsciente para o

reconhecimento egóico das exigências do self e um conseqüente

comprometimento com seu processo interno de desenvolvimento.

Prétat (1997) definiu outro tipo de crise, a de meia idade. Neste momento,

a pessoa encontra-se desadaptada ao que se refere às suas antigas personas e o

surgimento da crise demarca um momento no qual a pessoa pode estar

necessitando ampliar sua consciência, para dispor-se a um novo modo de vida,

renovando seu ponto de vista sobre o mundo e readaptando-se às suas limitações.

Entretanto, o processo não é exclusivo da metanóia, e qualquer período de

transição pode trazer diversos desafios, apresentando-se como uma nova

oportunidade de transformação individual. A crise, de maneira geral, está

relacionada ao movimento interior de individuação, e pode incitar o indivíduo a

mudanças de aspectos de sua personalidade. Ela volta-se para a adaptação interior

em detrimento a evolução egóica e o direcionamento da energia psíquica para o

mundo exterior. Conseqüentemente, o conflito esta à margem da idéia de crise,

por ser o processo responsável pela tentativa de equilibrar homeostaticamente

estas duas tendências (Pretát, 1997).

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O conflito é um estado de indecisão conjugada com tensão interna (Sharp,

1991). Durante a transição da infância para a idade adulta, aumenta-se a adaptação

ao mundo externo e as exigências dos papéis sociais desempenhados pelo jovem

adulto. Jung (1997) define este movimento como a progressão da libido que,

quando encontra um obstáculo, acumula-se, na tentativa de superá-lo. Mas, se as

dificuldades mostram-se muito resistentes, a energia represada é encaminhada

para um processo de regressão, ativando padrões anteriores de desenvolvimento,

fantasias e desejos infantis. Este movimento de readaptação ao mundo interior

ocorre num sentido teleológico, para desenvolverem-se novas soluções

relacionadas o obstáculo, antes não superado. A regressão, então, é colocada como

a “revisão” das demandas interiores, de individuação, e conduz a pessoa para a

sua própria psicologia, sendo tão necessária quanto a progressão (Sharp, 1991).

Ela engloba as dinâmicas de opostos na totalidade psíquica. Para Jung

(1998a), o conflito tem uma finalidade em termos de auto-regulação da psique.

Quando a tensão é mantida num nível consciente, os princípios homeostáticos do

self direcionarão a energia para uma nova atitude egóica, e o processo de

progressão da libido torna-se possível. Isto foi denominado de função

transcendente, porque a sua solução transcende o conflito dos opostos, criando

possibilidades adaptativas. É um processo cíclico, no qual o self manifesta-se nos

opostos e no conflito existente entre eles, sendo que num determinado momento, a

adaptação resultante do conflito tornar-se-á obsoleta e unilateral, necessitando

assim, a regressão da libido para posterior readaptação. O que se faz importante,

de fato, não é o conflito em si, mas o direcionamento da energia psíquica, porque

o “conflito estanca todo o processo e a detenção da vida que disso resulta é

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sinônimo de neurose” (Jung, 1998b). Suportando o conflito, a energia irá afastar-

se dele e mergulhar no inconsciente para polarizar novos conteúdos, que

desempenharão funções como um símbolo, também denominadas de função

transcendente, buscando assim, restabelecer a ponte entre ego e self. (Jung,

1998a).

Segundo Sharp (1991), o conflito é característica da neurose, mas não é

invariavelmente “neurótico”. Certo grau de conflito é desejado em qualquer

sistema psíquico, porque a tensão entre os opostos é que movimenta o processo da

vida. Ele somente será neurótico se interferir nas funções normais da consciência.

Quando conflito é inconsciente, ele pode manifestar-se através de sintomas

físicos, como dores no estômago, costas, pescoço, etc. Conflitos conscientes são

experienciados como tensão moral ou ética.

Jung (1989) ressalta que uma solução real para o conflito só pode surgir do

interior, e não do mundo externo, porque o paciente necessariamente foi

impulsionado para uma atitude diferente. Contudo, Sharp (2001) afirma que, para

se manter o conflito entre os opostos, é necessário um ego forte, estável e paciente

para suportá-lo.

A idéia básica de Jung, em relação à neurose, é que existem partes da

personalidade total do indivíduo – os complexos envolvidos diretamente nesta

trama, de forma que, quanto menos consciente o indivíduo está deles, mais eles

atuam externamente, pela projeção. Conflitos com o mundo externo são

essencialmente externalizações de conflitos da própria personalidade (Sharp,

2001).

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Um outro ponto de vista acerca dos momentos de conflito e crise está

relacionado à noção de inflação e deflação do ego. Segundo Sharp (1991), a

inflação é um estado do ego de sentimento de exagerada importância, sendo um

sintoma de possessão que indica a necessidade de assimilação de complexos ou a

retirada da identificação com o self. Para Edinger (1972) toda inflação de ego é

seguida de um processo de deflação, ou depressão, de involução da libido, que

proporciona a assimilação dos conteúdos de aspectos sombrios da personalidade.

É um movimento compensatório, o qual geralmente é experienciado pelo ego

como uma crise, com sentimentos de inferioridade. Existem inflações mais

comuns, diárias, como as motivações para o poder, estados exagerados de ira,

luxúrias, onipotências e onisciências, etc. Todas direcionam a energia psíquica

para o ego, até o momento no qual a unilateralidade é compensada e a energia

retrocede, constelando os conteúdos opostos. Como toda a hybris egóica gera

sofrimento, tornar-se consciente dos opostos requer um trabalho árduo do

complexo do ego porque ele deve abrir mão de suas identificações parciais para

suportar o conflito dos opostos. Neumann (1968) também afirma que, com o

desenvolvimento da consciência egóica, com a polarização da psique em dois

sistemas, com a formação das instâncias da personalidade, criam-se conflitos

normativos, os quais suas ausências levam à doença.

3.2.1 Criatividade, Resolução da Crise e Adaptação

A resolução do conflito, ou da crise, tende a um caminho: a criatividade.

Quando a energia psíquica atinge níveis inconscientes no processo regressivo, o

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símbolo constelado surge como uma solução nova para o problema. E este novo

padrão pertence, substancialmente, ao instinto criativo. Jung (1998a) cita que:

o inconsciente (...) é o repositório de todas as experiências

humanas (...): não só um repositório morto (...) mas

sistemas vivos de reações e aptidões que determinam a vida

individual por caminhos invisíveis (...). Mas o inconsciente

não é, por assim dizer, apenas um preconceito histórico

gigantesco; mas é também a fonte dos instintos (...) que

brota tudo o que é criativo; por isso o inconsciente não é só

determinado historicamente, mas gera também o impulso

criador (p. 94).

Hillman (1984) faz um estudo crítico sobre o papel da criatividade na

cultura pós-moderna e na obra de Jung. Ele coloca que o termo criatividade

refere-se à auto-realização da psique, self, o desenvolvimento da personalidade ou

individuação, por fazerem parte da “tarefa humana criativa”, sendo que a

psicoterapia é menos um tratamento do que desenvolvimento de possibilidades

criativas inerentes ao próprio paciente. Mas isto não significa instrução ou

educação de ego para a realização de tarefas criativas – confusão bastante comum

com o artístico.

Dentro de um fator desencadeador de crise permanece a possibilidade

fundamental da criatividade psicológica. Estudos sobre situações de perda entre

indivíduos mostraram que, nos casos de suicídio, existe a intenção inconsciente de

destruição da alma pelo impulso criativo, idéia que corrobora com a concepção de

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Jung de que a criatividade psicológica ocupa os mesmos pólos destrutivo e

construtivo (Jung apud Hillman, 1984, p.41).

Pode-se observar a real importância da crise ou conflito porque é a partir

destes que surgirá o criativo, ou seja, as novas possibilidades construtivas da

psique juntamente com sua destrutividade, que se faz pela metafórica morte da

personalidade, o abandono de antigas posições para o relacionamento com o

novo.

A autopercepção do instinto criativo revela, além de tudo, suas bases

arquetípicas, são elas: o arquétipo paterno, com a criatividade como um processo

ordenador, de integração à unidade; o arquétipo do puer e da criança, através da

originalidade e da contraparte irresponsabilidade narcísica; da sombra, na qual a

criatividade é colocada como um poder primordial, de extremos de intensidade,

de extraordinário; o arquétipo da grande mãe, que dá o significado de renovação e

nutrição à criatividade e o ego, que a coloca como uma inventiva solução de

conflitos, de ampliação da consciência; a persona, sob a qual o instinto criativo é

colocado como sucesso e fama.

Todas essas tendências são passíveis de “possuírem” o indivíduo em sua

experiência do criativo. São as “crises criativas” que revelam as dificuldades de

transições enfrentadas pelas pessoas.

Portanto, a criatividade psicológica é colocada como a própria criação da

alma e “fazer alma comporta a destruição da alma” (Hillman, 1984, p. 42). A

“essência da criatividade é dada pela coexistência de desses aspectos em cada ato:

aquilo que constrói, ao mesmo tempo arrasa, e aquilo que fragmenta, ao mesmo

tempo reestrutura” (Hillman, 1984, p. 43).

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O último aspecto da criatividade é o feminino. Esta noção foi ampliada

para além da idéia de anima (aspectos femininos arquetípicos no homem) para a

anima mundi – alma do mundo. Ela desenvolve um padrão subjetivo comum a

todos, que encerra qualidades de incubação, de criação de imagens e fantasias.

Mas não somente isto é a própria alma da existência, e conduz o ser à sua própria

psique e, se “a anima é o caminho que conduz à psique, então as experiências da

anima constituirão um caminho iniciático para a criatividade psicológica”

(Hillman, 1984, p. 55). A anima encerra psique através do amor, do movimento

de sedução, erotização da beleza da própria psique.

Pode-se perceber outra noção do criativo através dos olhos do arquétipo da

anima, e o criativo como sendo resultado do amor, “marcado pela imaginação e

beleza, pela relação com a tradição como força viva e com a natureza como um

corpo vivente” (Hillman, 1984, p.57).

O desenvolvimento de uma crise e sua posterior resolução estão

interligados ao movimento de adaptação do ego. Segundo Sharp (1991), a

adaptação é um processo de se buscar um “acordo” entre o mundo externo e as

exigências da personalidade. Para Jung (1998b, p. 81), toda “adaptação resulta de

concessões aos dois mundos. Da consideração das exigências do mundo interno e

do mundo externo, ou melhor, do conflito entre ambos, procederá o possível e o

necessário”. É através da dialética exterior/ interior que ocorre a individuação.

Jung (1998b) cita que:

Se o mundo exterior não passa de um fantasma, para que o

esforço de estabelecer um complicado sistema de relação e

adaptação a ele? (...) Mas se for reconhecido o fato de que o

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mundo está fora e dentro, e que portanto a realidade vem

tanto do exterior como do interior, logicamente dever-se-á

considerar os transtornos do íntimo como sintomas de uma

adaptação defeituosa às condições do mundo interior (p.

75).

O trabalho de adaptação interior é, necessariamente, deixado em segundo

plano quando observado em relação ao desenvolvimento egóico, de adaptação ao

externo. De fato, a “consciência é um processo momentâneo de adaptação” (Jung,

1998a, p. 1). Sua função não é somente colocar-se melhor no mundo, mas traduzir

criativamente os conteúdos inconscientes.

Para Whitmont (1969), a persona é a estrutura responsável pela adaptação

ao coletivo, ao exterior. Sua mal-formação causa insegurança e necessidades de

proteção excessivas, e seu superdesenvolvimento e identificação com o ego

desencadeiam rigidez e estereotipias. Ambas posições são limitadoras do

desenvolvimento emocional. Neumann (1968) cita que o:

desenvolvimento da persona é o resultado de um processo

de adaptação que reprime características e tendências

importantes, suprimindo-as no interesse de fatores da

coletividade práticos ou desejáveis (p. 286).

Existem dois processos básicos de adaptação: a introversão e a

extroversão. A introversão é um movimento de orientação psicológica para o

sujeito, enquanto que na extroversão, os interesses estão voltados para o objeto.

São processos motivacionais, de interesse do ego (Sharp, 1991). Do ponto de vista

da escola clássica da psicologia analítica, a extroversão e introversão da libido

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devem ser analisadas juntamente com as descrições tipológicas do ego. Jung

(1991) sugeriu quatro tipos de funções psicológicas que denominou pensamento-

sentimento, sensação-intuição. Elas funcionam em seus pares de opostos, sendo

uma de maior preferência egóica para relacionar-se com o mundo e a outra,

inconsciente, voltada para o relacionamento do complexo egóico com o complexo

da sombra. Estas funções, quando relacionadas com a extroversão e introversão,

formam combinações tipológicas.

3.3 Prevenção e Psicologia Analítica: Algumas Reflexões

Pensar em prevenção dentro do enfoque da psicologia analítica é,

primeiramente, considerar que não se pode prevenir o imprevisível. Sintomas

psicológicos, tanto quanto expressões artísticas, sonhos, etc. são manifestações da

psique em sua totalidade (Jung, 1998a, 1998b) e, segundo Jung apud Whitmont

(1969), toda produção da psique é espontânea e encerra informações vitais para a

estruturação e desenvolvimento psicológicos. Seu caráter imprevisível (até mesmo

incognoscível) reside no fato de que estas produções são, de maneira geral,

significadas pela lógica do simbólico, a lógica do self. A totalidade dos

movimentos da psique engendra uma finalidade expressa através dos símbolos

que, por definição, são desconhecidos de seus significados pelo ego (Jung, 1998a).

Portanto, prevenir, no sentido de evitar um conflito, crise, doença ou

qualquer outra manifestação da psique seria o mesmo que castrá-la de suas

expressões. Esta até poderia ser uma fantasia plausível de ser aplicada, se não

existisse um pequeno infortuno: os processos da psique são determinados

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arquetipicamente e necessariamente inconscientes até sua manifestação. Por isso,

o conflito já está pré-configurado inconscientemente, e busca manifestar-se

compensatóriamente nos momentos mais oportunos do desenvolvimento da

personalidade.

Nestas situações, o que se apresenta para o ego são muito mais imagens a

significados. O símbolo, quando definido, tem um fim em sua função, porque seu

sentido foi aprisionado pelo ego e a tensão criada pelos opostos é desfeita para

uma atitude unilateral. Jung (1998a) cita que:

O perigo do desejo de entender o sentido material tratado

está em super valorizar o aspecto do conteúdo que está

submetido a uma análise e a uma interpretação intelectual, o

que faz com que se perca o caráter essencialmente

simbólico do objeto. (p. 17).

Como a psique se faz através de imagens (abstratas como os sonhos ou

concretas como uma doença) e a compreensão de seus significados é inadequada

para um trabalho analítico, é possível conjecturar sobre uma prevenção que

busque evidenciar as próprias imagens. Fugir é sinônimo de recalcar, de tornar

inconsciente e, portanto, o contato egóico com as imagens da crise pode ser o

caminho mais justo e honesto na psico-higiene. Isto porque um outro aspecto

importante a se considerar em prevenção psicológica é que, ao tentar evitar, fugir

das situações conflitivas, evita-se o choque dos opostos e a sua possível resolução.

Sem isto, não existe a função transcendente, que transforma o conflito dos opostos

em novas possibilidades criativas para a psique:

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A confrontação entre as posições contrárias gera uma

tensão carregada de energia que produz algo de vivo, um

terceiro elemento que não é um aborto lógico, consoante o

princípio: tertium non datur (não há um terceiro integrante),

mas um deslocamento a partir da suspensão entre os

opostos e que leva a novo nível de ser, a uma nova situação.

A função transcendente aparece como uma das

propriedades características dos opostos aproximados.

Enquanto estes são mantidos afastados um do outro –

evidentemente para se evitar conflitos – eles não funcionam

e continuam inertes. (Jung, 1998a, p. 22).

A idéia de prevenção pode ser vista pelo psicólogo como uma

oportunidade de crescimento psicológico, se considerar a função transcendente

como participante do processo. Se existe uma oportunidade da psique em criar

algo novo, novas atitudes, obviamente a crise ou o conflito não devem ser

evitados. Sob o aspecto da práxis clínica, intervenções de caráter mais suportivas,

elucidativas e educativas podem ser as mais indicadas, no intuito de se fornecer

instrumentos para o paciente enfrentar estes períodos. Neste sentido, concorda-se

com as idéias de Lukas (1992), ao afirmar que ajudar o paciente em seu

autoconhecimento – logos – da própria existência e a busca de sentido em sua

vida são atitudes mais preventivas por parte do psicoterapeuta.

Por um certo ponto de vista, o logos da alma pode ser visto como um re-

conhecimento das suas metáforas, ou melhor, um fazer de alma, que se apresenta

ao indivíduo através das imagens (Hillman, 1983). E, por isso, o trabalho de

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conhecimento da alma é essencialmente preventivo. É um trabalho com as

imagens da psique, imagens dos sonhos, fantasias, da própria maneira como a

pessoa percebe sua vida e, não obstante, também com cenas expressas no jogo de

areia.

Hillman (1989a) aponta que o sofrimento psíquico é um modo de

aprofundar-se em si mesmo, inerente à psique. O sofrimento é o caminho para o

homem tornar-se sensível, porque quem não pode machucar-se e sofrer, não pode

“agüentar” ou “submeter-se” a momentos críticos, entenda-se “crise”. A saúde

psicológica – objetivo da psico-higiene e da psicologia preventiva – é o que

Hillman cita como o reconhecimento, a sensibilidade em relação à própria psique.

Toda crise ou conflito, que lança a pessoa em um sofrimento

aparentemente eterno, tem a finalidade de aprofundamento e, muito além, de fazer

a própria alma. O trabalho de “fazer alma” é como um descer o vale até suas

inferioridades, abandonando a razão, o conhecimento intelectual e controle egóico

para viver a dor da patologia. Esta dor é a que mantém o indivíduo em sua alma, e

deve ser inicialmente acolhida. França & Rodrigues (1999) afirmam que, quando

o envolvimento com uma situação de desadaptação é intenso, existe um aumento

da vulnerabilidade da pessoa que também funciona como motor propulsor para

ajudá-la a encontrar recursos para enfrentar os obstáculos.

Por isso, a técnica preventiva dentro da psicologia analítica pode ser

desenvolvida tendo-a como facilitadora de se “re-ligar” à alma, às suas metáforas

imagéticas ou à imagem das metáforas, para buscar um sentido (nem sempre

racional) nas crises. Aprofundar, amplificar e evidenciar este período funcionam

como recursos técnicos do “fazer alma”, sendo que, através disso, o paciente pode

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encontrar novos caminhos que o leve a uma diferente maneira de re-imaginar o

próprio processo e, conseqüentemente, estruturar seus recursos psicológicos

diante da situação crítica. Hillman (1989a) considera a saúde psicológica como

um “reconhecimento” de si próprio, das forças inerentes ao desenvolvimento

psicológico e da sensibilidade psicológica decorrente disto.

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4. Psicologia da Saúde e Psico-higiene

UUmmaa nnéévvooaa ccáálliiddaa –– oo BBrraassiill

ccoonnttiinnuuaa aa sseerr,, ppaarraa mmiimm,, uumm ddooss

ppoouuccooss lluuggaarreess nnaa ffaaccee ddaa TTeerrrraa

oonnddee ooss ffaattooss nnããoo aattaallhhaarraamm aass

ppoossssiibbiilliiddaaddeess,, oonnddee aaiinnddaa hháá eessppaaççoo

ppaarraa aa iimmaaggiinnaaççããoo..

JJoohhnn UUppddiikkee

4.1 Psicologia e Saúde Pública

As necessidades inerentes à população, como educação, alimentação,

moradia, saúde etc. são responsabilidades do Estado definidas por lei. A saúde

pública é uma área de trabalho estatal voltada para o bem estar da população e

para o desenvolvimento de programas educacionais preventivos e curativos.

Do ponto de vista de Angerami-Camon (2000), vem-se crescendo a

importância da Psicologia no trabalho de saúde e seu redimensionamento, com um

corpo de conhecimentos, métodos e técnicas específicas referentes à atuação do

profissional psicólogo. Esta contribuição começou com a necessidade de se olhar

para a comunidade e seus aspectos globais na tentativa de alcançar um âmbito

social para as práticas interventivas.

Procura-se uma consciência social-comunitária, que leve em consideração

o ser humano bio-psico-socialmente e não mais fragmentado (forma como foi

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percebido pelas ciências médicas num passado, únicas responsáveis pela saúde)

(Ribeiro, 1993; França & Rodrigues, 1999).

As propostas de atuação no âmbito da saúde pública estão interligando-se

através do trabalho interdisciplinar e a Psicologia está saindo das suas áreas

tradicionais (principalmente a clínica particular elitista) para atuações

institucionais e comunitárias.

4.1.1 Saúde: Definições Atuais

Quando se pensa em saúde, deve-se levar em consideração, além do

conceito em si, práticas e intervenções que estão ao redor da própria vida humana.

Isto está implícito na definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), que

estabeleceu saúde como “‘um estado de completo bem estar físico, metal e social

e não apenas como a ausência de perturbações’” (França & Rodrigues, 1999).

Gonzales apud Rey (1997) acrescenta à definição de saúde mais quatro

aspectos:

1- A saúde não se pode identificar com um estado de normalidade, pois a nível

individual é um processo único e com manifestações próprias.

2- A saúde não é um estado estático do organismo, é um processo que

contentemente se desenvolve, onde participa de forma ativa e consciente o

indivíduo como sujeito do processo.

3- Na saúde se combinam de forma estreita, fatores genéticos, congênitos,

somato-funcionais e psicológicos. A saúde é uma expressão plurideterminada

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e seu curso não se decide pela participação ativa do homem de forma

unilateral.

4- A expressão sintomatológica da enfermidade é resultante de um processo que

precede o surgimento dos sintomas. A doença, como saúde, é um processo que

se define qualitativamente antes do surgimento dos sintomas, os quais não são

mais do que um momento do desenvolvimento da doença.

Para a análise e estruturação de um modelo de políticas para a saúde,

outros quatro fatores são importantes: os processos dinâmicos internos ao

indivíduo (herança genética, processos maturacionais...), padrões de consumo

individuais e coletivos (estilo de vida, riscos ocupacionais – dimensões do

trabalho – riscos das atividades do lazer), relações que afetam o bem – estar e a

saúde física/ psicológica (ambiente físico e social), infra-estrutura de atenção à

saúde (organização dos serviços oferecidos, programas de promoção de saúde e

prevenção...) (Panorama setorial, 2000).

Com a lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, ficou regulamentado que a

saúde é um direito fundamental do ser humano e dizem respeito a ela ações que

visam garantir condições de bem estar físico, mental e social.

Segundo Ribeiro (1993), as práticas médicas, baseadas nos princípios

positivistas, inferem a existência da saúde a partir da doença. O silêncio dos

órgãos equaliza-se com saúde e ser saudável é não ter doenças, ou não saber de

sua existência como tal. O modelo médico desconsidera a percepção subjetiva do

funcionamento do corpo pelos indivíduos de diferentes classes sociais. Lukas

(1992) coloca que, na esfera psíquica, não se pode pensar em normas universais,

diferentemente da orgânica. E, de um ponto de vista bastante semelhante, França

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& Rodrigues (1999) colocam que a relação do organismo com o ambiente pode

ser modulada por uma visão multicausal de fatores etiológicos, contrapondo-se a

abordagens unicausais, que consideram um único fator como desencadeante da

patologia.

Com isso, são priorizadas as interações entre os aspectos bio-psico-sociais

na saúde do indivíduo em detrimento a ações voltadas para agentes patogênicos

isolados. Lukas (1992) afirma que a saúde e o adoecimento só podem ser

entendidos como complementares em relação a si próprios.

Então, pode-se perceber que a incapacidade de determinação de um único

agente patogênico faz com que a saúde seja vista através da interação global de

múltiplos aspectos do ser humano. Para Jung (1998b), este deve ser o foco de

atenção do psicólogo ao propor uma ação terapêutica. O modelo teórico dos

complexos e suas interações com aspectos mais arcaicos da psique – os arquétipos

– foram propostos para tentar abarcar a pluricausalidade e a diversificação do

funcionamento psíquico. Não obstante, segundo Ammann (1991), fornecer um

espaço para que sejam constelados e vivenciados esta “totalidade” psíquica do

paciente pode favorecer a cura psicológica.

4.1.2 Breve Histórico da Saúde Pública no Brasil

A promoção da saúde no país sempre ficou a cargo das políticas

previdenciárias. Até a década de 30 não existia uma política própria de saúde e

sua promoção estava mais vinculada a assistências filantrópicas e caritativas.

Campanhas sanitárias eram responsabilidade dos serviços públicos até a criação,

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pela iniciativa privada, das CAPS – Caixa de Aposentadoria e Pensão, responsável

por vários auxílios como a assistência médica. A partir dela instituiu-se o IAPS –

Instituto de Aposentadoria e Pensão – de abrangência nacional e poder estatal. Na

década de 60 foi criada uma lei que unificou os benefícios do IAPS e criou-se o

INPS – Instituto Nacional de Previdência Social. Logo ocorreu um movimento de

introdução de capital no setor médico-hospitalar, com o avanço de tecnologia, a

abertura para estabelecimentos privados e uma conseqüente ênfase nos serviços

especializados e hospitalares em detrimento ao atendimento ambulatorial e

preventivo. Em 1974 o INPS e o Fundo aos Trabalhadores Rurais, FUNRURAL

foram absorvidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). O

INPS passou a desempenhar a função de concessão de benefícios e o INAMPS, a

prestação de assistência médica (foi extinto em 1993). Com a constituição federal

de 1988, o setor de saúde ganhou novos rumos. Algumas diretrizes foram

instituídas com base em alguns pressupostos: a universalidade – todos os cidadãos

brasileiros devem ter acesso aos benefícios, equidade – formas igualitárias de

acesso e participação nos custos, uniformidade e equivalência – entre benefícios e

serviços, irredutibilidade – valores dos benefícios não podem ser inferior a um

salário mínimo, diversidade – cálculo do trabalho com base no faturamento e o

lucro, descentralização – gestão descentralizada, para a participação da

comunidade. Por fim, foi criado o SUS – Sistema Único de Saúde – responsável

pelo conjunto de ações e serviços de saúde subsidiados por instituições públicas

(Panorama setorial, 2000).

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4.1.3 Psicologia da Saúde

A Psicologia da Saúde é uma área voltada para práticas que atuam na

integração da saúde mental, física e social, inserida numa realidade institucional

(Angerami-Camon, 2000).

Para Rey (1997), o trabalho do psicólogo tem se voltado para a promoção

de saúde e prevenção com a práxis em instituições de saúde e no trabalho com a

comunidade. Isto após muito tempo ter sido definido como um trabalho

psicanalítico em clínicas curativas individuais e elitistas. A partir do momento que

se passou a considerar o ser como um organismo complexo, suas características

subjetivas tornaram-se parte do desenvolvimento da saúde, isto é, englobando

elementos biológicos, subjetivos e sociais. A expansão deste campo surge num

momento em que vem sendo exigida das profissões da área de saúde novas formas

de se enfrentar os problemas e a criação de estratégias eficazes. Um modelo de

pensamento psicológico foi inserido nestas práticas, levando-se em consideração

as novas idéias de saúde global.

Seria, portanto, encargo da Psicologia da Saúde compreender o ser em sua

saúde mental, mas não separada da somática. Até mesmo a idéia de

psicossomática passou a abranger não somente as doenças clássicas como

hipertensão, úlceras ou neoplasias, mas como um sistema multicausal e

psicossocial, de forma a se considerar a resposta imunológica do organismo como

o fator primogênito na interação corpo-psique (Agerami-Camon, 2000).

Considerar a doença como um fenômeno complexo

explicita sua característica plurideterminada, dentro da qual

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o psíquico seria uma dimensão constitutiva do processo em

geral. Considerar o psíquico nesta dimensão não significa a

psicologização da doença, como aconteceu na

psicossomática de origem psicanalítica, que definiu padrões

constitutivos únicos de certas formas de doença,

precisamente daquelas consideradas psicossomáticas. (Rey,

1997, p. 4).

Para Rey (1997) a função do distress é um fator determinante nos estados

de saúde e doença do indivíduo, e as configurações subjetivas (definidas como a

organização de um conjunto de estados dinâmicos que estruturam o sentido

subjetivo das diferentes relações e atividades do sujeito) o produz de forma

regular como o resultado de forças dinâmicas em um determinado momento

concreto de vida. De fato, o distress é também um momento readaptativo no qual

o estresse favorável, motivador e saudável para o indivíduo transformou-se em

negativo, com conseqüências desfavoráveis tanto psicológica quanto

organicamente (França & Rodrigues, 1999). O papel da Psicologia da Saúde, do

ponto de vista deste autor, seria o estudo do distress e suas variáveis, bem como a

subjetividade social.

Transferir a saúde de uma definição organicista e

contextualizá-la numa definição social é a única via para o

desenvolvimento de políticas congruentes com a prevenção

e promoção de saúde, entretanto, estaríamos cometendo um

erro ao pensar que as funções de prevenção e promoção de

saúde, em especial a segunda, associada mais ao

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desenvolvimento e fortalecimento da saúde, pois a

promoção é uma função orgânica do funcionamento social,

e através dele, de todas as instituições e organizações

comprometidas com o desenvolvimento social. (Rey, 1997,

p.10).

A promoção da saúde psicológica, portanto, está vinculada com a inserção

da subjetividade do indivíduo, através da busca da qualidade em seus sistemas

relacionais, da assimilação das diferenças individuais, da estimulação ao

crescimento daqueles que a constituem e do diálogo, todos como fatores que

participam de forma decisiva para a saúde e bem estar social.

Já Agerami-Camon (2000) afirma que esta área tem suas práticas

direcionadas para a psicologia hospitalar, psico-oncologia, psiconeuroimunologia,

psicossomática, atendimento domiciliar, atendimento de drogadictos, psicologia

institucional, ambiental e da comunidade.

Observa-se que este autor entende as áreas institucionais como aquelas

vinculadas diretamente à saúde dos tratamentos de desajustes físicos ou de

problemas específicos. Mas a prática de saúde mental, por definição, deve

abranger todos os tipos de instituições na comunidade. E isto também inclui o

trabalho em empresas, por exemplo, com a saúde do trabalhador. Codo & Jacques

(2002) sugere o redirecionamento, por exemplo, das práticas clínicas dos

consultórios privados para os cuidados preventivos ocupacionais em empresas.

Desta maneira, pode-se preservar o caráter sócio-comunitário das práticas

da psicologia da saúde.

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4.2 Psico-higiene e Prevenção Psicológica

Psico-higiene é um ramo da saúde pública que estuda a “administração

dos conhecimentos, atividades técnicas e recursos psicológicos que já foram

adquiridos, para encarar os aspectos psicológicos da saúde e da doença como

fenômenos sociais e coletivos” (Bleger, 1984, p. 21). Sua ênfase está em garantir a

preservação da saúde em detrimento ao tratamento clínico.

Seus objetivos estão pautados em cinco fatores: humanização da

assistência psicológica para melhores condições de cura; um diagnóstico precoce

das doenças mentais, com a redução do risco de cronificações, de sofrimento e

períodos de internação para reabilitação; profilaxia e prevenção de doenças

mentais; reabilitação para a reintegração plena do paciente e a promoção de um

maior equilíbrio e de um melhor nível de saúde na população. Para isso, o

psicólogo deve atuar nos problemas sociais e nas condições de vida da população,

em seu curso cotidiano, através de técnicas de aprendizagem a intervenções

clínicas “profundas” (Bleger, 1984).

Segundo Bleger (1984), pode-se considerar alguns grupos de

problemáticas de atuação: períodos de desenvolvimento e evolução normais;

momentos de mudança ou crise; situação de tensão normal ou anormal nas

relações humanas; organização e dinâmica das instituições sociais; problemas que

criam ansiedades em momentos ou períodos mais específicos da vida, situações

altamente significativas que requerem informação, educação ou direção.

A assistência a estes grupos de problemas está centrada numa divisão por

níveis de intervenção, segundo o momento evolutivo da doença mental: atenção

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primária (intervenção nas condições possíveis de formação da doença); secundária

(intervenção que busca o diagnóstico e tratamento precoce da patologia já

instalada) e terciária (reabilitação) (Vasconcelos, 1994). Alguns países que já

implantaram a atenção primária utilizam-na para a resolução de problemas de

menor dificuldade técnica diagnóstica e terapêutica e a existência de

encaminhamentos aos demais níveis, implicando, assim, numa rede de

estabelecimentos de saúde interconectados.

A partir destas divisões por níveis de atenção, pode-se desenvolver um

sistema hierarquizado da saúde. A rede primária (baseada na atenção primária)

engloba postos de saúde: auxiliares de saúde, médicos generalistas, enfermeiros,

etc. A rede secundária envolve ambulatórios de saúde: especialidades médicas

gerais, psicólogos, enfermeiros, dentistas e assistentes sociais. Por fim, a rede

terciária, com a grande massa de hospitais (Vasconcelos, 1994).

Em um programa de prevenção psicológica, Simon (1989) afirma que se

deve pensar, num âmbito primário, na orientação em saúde mental,

secundariamente, em diagnósticos para crises e, por fim, no tratamento

psicoterápico em longo prazo. Nos períodos pelos quais uma população caminha

para uma crise inerente, um modelo de prevenção ativa ajuda a evitar a

deterioração da adaptação.

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4.3 Crise e Psicologia Geral

A palavra crise deriva do grego crisis, e significa instabilidade ou

desequilíbrio. É uma palavra com significados e sentidos diferentes para cada

ocasião, caracterizando a instabilidade peculiar do seu próprio termo.

É possível encontrar diversas teorias sobre crise em autores de escolas e

abordagens diferentes.

Na concepção da escola psicopatológica jasperiana, a idéia de crise é

observada como a irrupção de processos breves de início e términos agudos

(segundos ou minutos). Por isso, é um termo essencialmente relativo à duração

temporal de fenômenos mórbidos, contrapondo-se à definição de episódio, que

engloba uma duração maior, de dias ou semanas do evento (Dalgalarrondo, 2000).

4.3.1 Crise e Desenvolvimento Psicossocial em Erikson

Na escola psicanalítica, o autor Erik Erikson desenvolveu o conceito de

crise a partir das suas experiências analíticas com combatentes norte-americanos.

Sua idéia básica é que as vivências infantis e a gratificação pulsional não são as

únicas forças motrizes do indivíduo. Ele concluiu que a “síntese egóica”, ou seja,

a capacidade de ordenação e integração das experiências também é um fator

determinante (Erikson, 1968). Sua teoria divide a idéia de crise em duas

categorias distintas: crises de desenvolvimento e crises acidentais (Simon, 1989).

As crises de desenvolvimento indicam “períodos da evolução do indivíduo

(...) [os quais] surgem nas etapas do desenvolvimento normal da personalidade em

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que uma fase é qualitativamente diferente da anterior, ocorrendo tensões

cognitivas e afetivas” (Simon, 1989, p. 57). Estas etapas no desenvolvimento

psicossocial foram consideradas como crises normativas ou conflitos nucleares,

porque apresentam ao indivíduo, em determinados períodos específicos desafios

característicos. São oito deles: confiança básica versus desconfiança básica;

autonomia versus vergonha e dúvida; iniciativa versus culpa; produtividade versus

inferioridade; identidade versus confusão de papéis; intimidade versus isolamento;

generatividade versus estagnação; integridade versus desesperança. O período da

adolescência tem uma posição de destaque na teoria de Erikson. Ele cita que “os

outros estágios da vida também apresentam suas crises (...) mas não é senão na

adolescência que o indivíduo desenvolve os pré-requisitos (...) para experimentar

e ultrapassar a crise de identidade” (Erikson, 1968, p. 91).

Já as crises de tipo acidentais são “reações emocionais a acontecimentos

percebidos como ameaçadores” (Aguiar, 1998, p. 153).

Esta concepção dualista do conceito está estritamente relacionada ao

desenvolvimento psicossocial ou aos fatores exógenos que levam à ruptura

emocional do indivíduo.

4.3.2 Crise e a Psiquiatria Preventiva de Caplan

Caplan, psiquiatra de origem anglicana, é outro autor que faz grande

menção à idéia de crise (Simon, 1989). Quando o equilíbrio adaptativo é

perturbado por um problema de difícil solução, instala-se um período de crise, no

qual o grau de tensão psíquica tende a aumentar gradativamente, conforme a

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49

incapacidade do organismo para restabelecer a homeostase psicológica, isto é,

buscar uma solução satisfatória para o problema no intuito de reduzir a tensão

emocional. O principal fator para o desencadeamento de um processo assim é o

diferencial entre a importância e dificuldades estabelecidas pelo problema e os

recursos imediatamente disponíveis para se resolvê-lo (Aguiar, 1998). As crises se

instalam nos indivíduos quando os mecanismos solucionadores não conseguem

resolver o problema de modo e em tempo semelhante a outras ocasiões, com uma

tensão mínima, por causa do problema - estímulo ser maior; os recursos

reequilibradores não serem bem sucedidos em tempo hábil e as condutas

inconscientes estenderem-se por um longo período. Porém, logo com o

surgimento de possibilidades de novas condutas após o restabelecimento

homeostático, alguns novos padrões comportamentais podem se tornar estáveis e

incorporarem-se às forças homeostáticas.

Durante o período de crise, Caplan apud Aguiar (1998) levantou três fases

evolutivas, que se sucedem em momentos de ocorrência:

A primeira começa quando existe uma elevação da tensão inicial, eliciando

respostas habituais, na tentativa de solucionar os problemas.

A segunda envolve um aumento substancial da tensão, em decorrência da

falta de êxito nos esforços para superar o obstáculo. Alguns sentimentos como

medo, ansiedade, angústias, culpa e vergonha, além da sensação de impotência e

ineficácia são característicos. Ocorre, consequentemente, a redução da eficiência

habitual da pessoa.

A terceira estabelece-se com o alcance muito próximo do limiar de tensão

do indivíduo, devido às dificuldades na relação êxito versus fracasso e problema –

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50

estímulo. Neste momento, faz-se uma grande concentração de energia para a

solução das dificuldades.

Caso se encontre uma redefinição do problema, novos métodos para

solução, ou o estímulo perturbador diminuir por um motivo qualquer, a tensão

psicológica tende a reduzir-se, proporcionando, assim, um redimensionamento da

própria dinâmica interior e das relações com o meio ambiente. A resolução da

crise, com isso, faz-se satisfatória e pode ser entendida como amadurecimento e

crescimento pessoal.

Mas se ela não acontecer dentro dessas fases, mecanismos desadaptativos

podem cronificar-se, surgindo, num momento subseqüente, grandes quadros

psico-organo-patológicos (Simon, 1989).

Lemgruber apud Aguiar (1998) afirma que as três fases de Caplan são, na

verdade, estágios potencialmente críticos de perturbações no crescimento

individual. Além disto, logo após estas fases é possível ainda ser instaurada uma

verdadeira crise. Ela ocorrerá num quarto momento de ruptura das estruturas mais

estáveis da personalidade.

4.3.3 Crise e Adaptação no Modelo Preventivo de Simon

Simon (1989) faz uma releitura das idéias de Caplan sobre crise,

redefinindo-a como um estado no qual o sujeito tende a enfrentar “situações

desconhecidas que impliquem adequações novas acarretando mudanças

significativas em sua vida” (p. 21). Essas situações foram categorizadas como

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perda, ou ameaço de perda; ganhos, aumento de responsabilidade ou alterações

biológicas importantes.

As crises podem ser encontradas nos diversos setores adaptativos (afetivo-

relacional, produtividade, sócio-cultural e orgânico) da vida do indivíduo e

afetam-se mutuamente.

Pode-se perceber que o referido autor também engloba, em suas

concepções, a idéia dualista de crise de Erikson, tendo em vista que a perda ou

ganho nas áreas adaptativas envolve tanto as crises do desenvolvimento como as

acidentais. E em relação a Caplan, critica sua postura diante das situações de crise,

dizendo que este autor privilegia aspectos da aprendizagem cognitiva com

exagerada ênfase, nas suas propostas preventivas, principalmente quando

menciona modelos para intervenções nos mecanismos adaptativos e

desadaptativos do indivíduo. As medidas de prevenção de Caplan são,

prioritariamente educacionais, e considera que não se deve deixar em segundo

plano as economias afetivas do aparelho psíquico porque as novas possibilidades

adaptativas são conseqüências da criatividade pessoal. Elas não podem ser

ensinadas pedagogicamente, como propõem Caplan, mas sim através de um

processo de autoconhecimento adquirido pela experiência emocional significativa

na vida do indivíduo.

O significado de adaptação estende-se além dos princípios mecanicistas

implícitos na teoria de Caplan.

A adaptação é um “conjunto de respostas de um organismo vivo, em

vários momentos, a situações que o modificam, permitindo manutenção de sua

organização (por mínima que seja) compatível com a vida” (Simon, 1989, p. 14).

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52

Mas a adaptação pode ser vista pelos seus diferentes graus de eficácia, porque

para ela ser adequada, “necessita [que o organismo encontre] (...) novas respostas

para situações sempre novas, desde que na vida nada se repete” (Simon, 1989, p.

15). Esta qualidade da adaptação é encontrada na adequação das respostas do

indivíduo frente a vida. Com isso, pode-se avaliar o grau de adaptação da pessoa

através do tipo de adequação das suas respostas. Simon (1989) cita que:

Usamos a adaptação como referencial básico para a

classificação diagnóstica. Contudo, a adaptação, em si

mesma só nos permite separar os organismos vivos dos

mortos. Como estamos interessados apenas nos vivos,

devemos procurar um modo de qualificar a adaptação

para que ela adquira um valor classificatório. (...)

Avaliamos a adaptação segundo a adequação do conjunto

de respostas que o sujeito apresenta para satisfação de

suas necessidades. (pp. 14 – 15).

Para uma resposta ser adequada, ela precisa solucionar o problema, trazer

satisfação para o indivíduo e não provocar conflitos intrapsíquicos e sócio-

culturais. Definiu-se três tipos de adequações possíveis: resposta adequada; pouco

adequada e pouquíssimo adequada. Estas adequações podem ser encontradas nos

quatro campos de funcionamento chamados de afetivo-relacional, produtividade,

sócio-cultural e orgânico.

Conforme o grau de eficácia de adequação do indivíduo, Simon

desenvolveu um quadro funcional dos tipos de adaptação. São elas: adaptação

eficaz; não eficaz moderada e não eficaz severa. Se o sujeito estiver enfrentando

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dificuldades diversas, estará em crise. O processo de coleta de dados e o conjunto

das respostas do indivíduo formam a EDAO – escala diagnóstica adaptativa

operacionalizada. Com ela, é possível averiguar os momentos situacionais

adaptativos e de crises em uma população através de uma única entrevista,

gerando assim, oportunidades para o diagnóstico e implantação de programas

preventivos.

A importância de um programa de prevenção na crise tem por finalidade

evitar a deterioração da adaptação e até mesmo a melhoria da eficácia.

4.3.4 Crise e Logoterapia

A logoterapia, um modelo de tratamento psicológico de origem alemã,

voltado para o conhecimento (logos) e busca de significado do ser em sua

existência, considera a crise como um momento no qual a falta de sentido da vida

gera frustração existencial (Lukas, 1992).

O estilo de vida da pessoa é um fator crucial para tanto. Este estilo, além

de envolver aspectos intrapsíquicos estruturais do indivíduo, é influenciado

também por fatores externos, como as mudanças aceleradas na sociedade, a

marginalidade, as pressões da vida pós - moderna, a superficialidade da existência

do homem. Conseqüentemente, busca-se uma felicidade supra, emoções “boas” e

“controladas”, e um hedonismo irrefreado, os quais são vistos como geradores de

crises, já que aspectos negativos inerentes ao próprio existir do homem são

considerados “ruins, não produtivos”. (Lukas, 1992).

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Sua proposta de intervenção, por conseguinte, é a reorientação e

reestruturação dos objetivos da pessoa, do modo de como percebe sua vida. A

elaboração psíquica de experiências traumáticas fica em segundo plano, para a

busca de um significado maior na própria experiência da crise. A psico-higiene

consiste em fornecer condições para que a pessoa possa enfrentar a crise (Lukas,

1992).

4.3.5 Processos de Crise em Estudantes Universitários

Muitas são as mudanças pelas quais estudantes de cursos superiores

atravessam em sua formação acadêmica. Simon (1989) já havia identificado a

necessidade de um programa de prevenção para os estudantes de medicina da

Escola Paulista de Medicina. Seguindo estas mesmas idéias, D’ Andrade &

Almeida (1988) apuraram que mais de 50% da amostra de estudantes de medicina

da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto já passaram ou estavam em crise

depois de terem começado o curso de medicina. A predominância dos motivos

para tanto foi de fatores escolares.

Calejon (1996) identificou que a maior demanda de atendimento

psicológico no Serviço de Orientação Psicopedagógica e nos atendimentos de

Orientação Psicológica do IPUSP provém de alunos do curso de Psicologia,

devido às dificuldades acadêmicas e ao papel de estudante.

Na Universidade P. Mackenzie, Carpigiani & Sant’ Anna (1999)

observaram que a passagem do oitavo para o nono semestre (último ano) do curso

de Psicologia promovia aos alunos um período de transição do papel de aluno para

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o profissional. Este processo foi caracterizado pelas vivências de angústias e

expectativas que podiam dificultar a adaptação do aluno frente às novas demandas

acadêmicas. Para amenizar tal situação, foi implantado na Faculdade de

Psicologia um programa de atendimento ao aluno com objetivos de oferecer

orientação e apoio em momentos de dificuldade ao longo do curso, assim como

desenvolver um trabalho preventivo com os alunos de oitavo semestre.

Aguirre (2000) sugere que estas mudanças desencadeiam uma

reformulação relacionada à identidade profissional nos alunos. “A situação de

estudante é sua velha conhecida, com seus aspectos agradáveis e desagradáveis, e

ele [o estudante] sabe o que tem que fazer para ter um bom desempenho”

(Aguirre, 2000, p. 26). Porém, as novas experiências as quais se apresentam para

o aluno o colocam num plano de dúvidas, incertezas, insegurança e medo.

Yamamoto (1997) também constatou, através do Serviço de Atendimento

Psicoterápico Breve da UMESP, que são os alunos de Psicologia do primeiro e

último anos que estão mais propensos a apresentar dificuldades adaptativas. Com

isso ela propõe a adoção de medidas profiláticas, como o diagnóstico precoce.

Giovanetti et al. (2001b) observaram que a passagem do oitavo para o

nono semestre envolve tanto situações vivenciadas com características de perda

quanto ganho: ganhos de responsabilidades nos atendimentos individualizados e

na implantação de projetos em instituições como também no contato mais direto

entre aluno e professor; e perda da referência que os relacionamentos com os

colegas de sala proporciona, da estabilidade de esquemas de aulas diárias e da

participação de eventos no campus universitário.

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III. ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

1. Sujeito

A amostra para esta pesquisa foi composta por 8 alunos do oitavo semestre

do curso de Psicologia da Universidade P. Mackenzie com faixa etária de 20 a 23

anos, de ambos os sexos. O método de seleção foi o probabilístico. Os alunos

foram convidados aleatoriamente em sala de aula a participarem da pesquisa.

A tabela I abaixo refere-se às especificações da amostra conforme sexo,

idade, dependências em matérias.

Tabela I: Características da amostra.

SexoIdade Fa Fr % DP's * Fa Fr % DP's * Fa Fr % DP's *

0 0 0 1 12,5 0 1 12,5 01 12,5 1 3 37,5 0 4 50 10 0 0 1 12,5 0 1 12,5 00 0 0 2 25 0 2 25 0

Total 1 12,5 1 7 87,5 0 8 100 1* DP's: dependências/ reprovações em matérias

23

Masc Fem Total

202122

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2. Instrumentos

Utilizou-se, na primeira entrevista, da Escala Diagnóstica Adaptativa

Operacionalizada (EDAO). É uma escala que, aplicada como uma única entrevista

clínica preventiva, busca avaliar o grau de adequação do sujeito em quatro

campos, a saber: afetivo-relacional, produtivo, sócio-cultural e orgânico. Foi

inicialmente proposta por Simon (1989), no intuito de identificar pontos focais de

crise na vida da pessoa.

O segundo instrumento foi o jogo de areia. Consiste na construção de

cenas com diversas miniaturas numa caixa retangular coberta com areia até a

metade. É composto por uma caixa de 70 x 50 x 7,5 cm, com fundo e laterais

azuis. As miniaturas foram divididas em categorias como: seres vivos, figuras

fantásticas, cenários, transportes, equipamentos e outros. Para sua aplicação, a

pessoa foi convidada escolher entre areia seca e molhada e a construir uma cena

livremente num primeiro momento e posteriormente, a construir uma cena

temática. A instrução da cena livre constou da frase: “este é o jogo de areia com

estas caixas e miniaturas. Gostaria que você escolhesse um tipo de areia e tocasse

nela. Perceba quais sensações e sentimentos lhe vêm à cabeça. Assim que você

desejar, vá até o armário e escolha as miniaturas que mais lhe chamem a atenção,

independente de estética ou qualquer outro valor”. Na cena temática, realizada no

último encontro com a entrevista devolutiva, a instrução dada foi: “gostaria que

você escolhesse qual a areia que quer trabalhar. Depois, toque-a e busque perceber

quais sentimentos sensações lhe vem à cabeça. Quando você achar mais adequado

eu quero que você vá até as miniaturas e escolha aquelas que você ache que

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estejam relacionadas ao tema x”. Cada colaborador teve um tema diferente, que

possivelmente estaria vinculado ao foco do momento de crise.

O último instrumento utilizado foi a entrevista devolutiva de caráter

interventivo. É uma entrevista de devolução de dados ao paciente, como proposta

por Trinca (1984), com objetivo de transmitir “ao paciente (...) a compreensão

obtida durante o processo psicodiagnóstico (...)” (p. 75). No presente estudo,

acrescentou-se a esta técnica uma atitude interventiva, como sugerida por Ancona-

Lopes (1998), na qual o terapeuta coloca-se de forma a facilitar a compreensão e a

busca de motivações do próprio paciente para possíveis mudanças, integrando

estes aspectos aos dados coletados.

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3. Proposta de Tratamento de Dados

Foram realizadas três entrevistas com cada colaborador.

Na primeira entrevista, o foco foi a avaliação de campos adaptativos

proposto pela Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada. Antes,

apresentou-se ao colaborador a proposta da pesquisa, incluindo os seguintes

aspectos de procedimentos aqui descritos: número de sessões; modalidades de

entrevista (a primeira inicial, a segunda com o jogo de areia e a última

devolutiva); e o preenchimento de uma declaração de consentimento livre, na qual

o colaborador expressou seu acordo ou não em participar da pesquisa (anexo A).

O registro dos dados foi realizado em um formulário padrão, como

proposto por Simon (1989) (anexo B).

Na segunda entrevista, buscou-se avaliar o aluno diante da situação de

crise por meio da aplicação do jogo de areia. O colaborador construiu uma cena

com o jogo e em seguida foi estimulado a contar uma história sobre a mesma, e a

dar um título.

Registrou-se esta entrevista por meio de um formulário padrão

desenvolvido para tal situação (anexo C), com fotos instantâneas da cena no jogo

de areia.

A terceira entrevista constou da devolução dos dados obtidos e a

realização de possíveis intervenções, buscando o esclarecimento de pontos

relacionados à situação de crise. O sujeito construiu duas cenas, a primeira a partir

de um tema proposto pelo entrevistador, relacionado ao foco de crise e outra, da

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sugestão para a realização de alterações na cena. Juntamente às imagens

compostas no jogo, discutiu-se com o aluno os dados do psicodiagnóstico obtidos

e as suas possibilidades de mudança adaptativa frente à crise.

Esta entrevista foi registrada por meio de um formulário padrão (anexo D)

e fotos instantâneas da cena no jogo de areia.

Os dados coletados na entrevista inicial foram observados dentro do

enfoque adaptativo e da teoria da crise, propostos por Simon (1989).

As cenas do jogo foram analisadas a partir da orientação analítica de C. G.

Jung e James Hillman, utilizando-se de associações pessoais e amplificações

arquetípicas para se extrair, posteriormente, o significado psicológico dos

conteúdos expressos na cena. As intervenções foram voltadas para um nível

imagético, ou seja, uma discussão a partir da própria imagem trazida nas cenas,

sem interpretações ou amplificações convencionais, com o intuito de transformar

as imagens das cenas numa metáfora do momento de crise e suas possibilidades

de resolução para o colaborador.

Foram evidenciados na confecção da cena aspectos como o tempo de

realização, tipos e quantidade de miniaturas colocadas (e seus respectivos

significados psicológicos), título da cena, movimentos feitos na areia e disposição

espacial das miniaturas.

Em relação à história contada sobre a cena, foram observados e analisados

os seguintes aspectos: fluência verbal, ordem dos acontecimentos narrados, tipo

de enredo (características gerais, cenário e época onde ela ocorre), personagens da

história e suas características, objetos, sua estrutura e desenvolvimento dramático.

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IV. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Análise do 1o encontro e da EDAO:

Os dados da EDAO sugeriram que 50% da amostra estavam num processo

de adaptação não eficaz severa, com crise (grupo VI), seguida pela adaptação não

eficaz moderada com crise (grupo IV), com 35% dos colaboradores. A tabela II

demonstra os totais parciais de cada tipo de adaptação conforme a distribuição dos

sujeitos na pesquisa.

Tabela II: Freqüência dos Níveis de Adaptação – EDAO.

Fa Fr (%)Adaptação eficaz (grupo I) 0 0Adaptação eficaz com crise (grupo II) 1 12,5Adaptação não eficaz moderada (grupo III) 0 0Adaptação não eficaz moderada com crise (grupo IV) 3 35,5Adaptação não efica severa (grupo V) 0 0Adaptação não eficaz severa com crise (grupo VI) 4 50Total 8 100

ColaboradoresNíveis de adaptação

O fato de todos os níveis de adaptação estarem apontando uma “crise”

corrobora com a hipótese inicial de que este período, de mudanças do 8o semestre,

para os alunos do curso de Psicologia da U. P. Mackenzie, está cercado por

acontecimentos que exigem do indivíduo um certo grau de adaptação maior do

que vinha ocorrendo até então. O gráfico I esclarece a divisão dos colaboradores

pelos tipos de adaptação, em porcentagem.

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Gráfico I: EDAO – Psicodiagnóstico simples.

0%0%

0%

12,5%

35,5%50%

A daptação ef icaz (grupo I)

A daptação ef icaz com crise (grupo II)

A daptação não ef icaz moderada (grupo III)

A daptação não ef icaz moderada com crise (grupo IV )

A daptação não ef ica severa (grupo V )

A daptação não ef icaz severa com crise (grupo V I)

Além disto, as crises diagnosticadas estavam relacionadas não somente ao

fator produtividade acadêmica, mas sim a todos os campos. A tabela III

exemplifica cada uma das áreas de adaptação e suas correlações com os tipos de

adequação.

Tabela III: Freqüência do Tipo de Adequação por Campo adaptativo.

AdequaçãoCampo Fa Fr % Fa Fr % Fa Fr % Fa Fr %

4 12,5 0 0 4 12,5 8 252 6,25 6 18,75 0 0 8 257 21,87 1 3,12 0 0 8 254 12,5 2 6,25 2 6,25 8 25

Total 17 53,12 9 28,12 6 18,75 32 100Orgânico

Pouco adequado Pouquíssimo adequado Total

ProdutividadeAfetivo-relacional

Adequado

Sócio-cultural

Pode-se observar que 53% dos campos estavam adequados para os

parâmetros avaliatórios da EDAO, enquanto que 28% encontraram-se pouco

adequados e 18% pouquíssimo adequado. Ou seja, 46% dos campos referiram-se a

um desenvolvimento pouco ou pouquíssimo adequado. Isto sugere a falta da

concentração de um ou de outro campo avaliado como responsável pela

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desadaptação dos colaboradores. Pelo fato de todos terem apresentado níveis de

adequação baixos, é passível de se pensar que tanto a desadaptação quanto à crise

estão relacionadas ao afetivo-relacional, produtividade, sócio-cultural e orgânico

indiferenciadamente, quando considerada a amostra globalmente. É claro que

individualmente estes valores variaram, e a particularidade dos movimentos

adaptativos não devem ser descartados. O gráfico II compara os campos pela

freqüência dos tipos de adequação. Observa-se que os maiores graus de pouca

adequação estão centrados nos campos afetivo relacional e orgânico.

Gráfico II: Comparação entre os campos de adaptação e tipo de

adequação.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Afetivo-relacional Produtividade Sócio-cultural Orgânico

No.

de

pess

oas

AdequadoPouco adequadoPouquíssimo adequado

O quadro I apresenta os temas mais relevantes por campo. Eles ilustram a

particularidade da forma como os colaboradores perceberam seus problemas no

atual momento de suas vidas.

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Quadro I: Temas mais relevantes por Campo de Adaptação.

Campos Temas FaProblemas de relacionamento 4Distância da família/ sentimento de solidão 1Sentimento de pressão nos relacionamentos 1Escolha da área de atuação profissional 3Não aguentar mais as aulas em sala 4Desânimo para estudar e ir às aulas 5Trabalhos ou estágios além do necessário 5Projetos para o futuro profissional 5Professores fracos, desorganizados 3Cobrança familiar para trabalhar 1Poucas amizades íntimas 3Ausência de atividades sociais aos finais de semana

2

Dúvidas religiosas 1Tensão pré menstrual 3Disfunção orgânica 6

Total 47

P

S-C

O

A-R

Identificou-se diversos itens através da entrevista inicial (com a aplicação

da EDAO) e agrupados em 15 categorias. Os critérios para o agrupamento dos

itens foram as semelhanças temáticas (cognitiva) avaliadas através da descrição

lógica e racional dos itens relevantes por cada colaborador e os conteúdos

emocionais (complexos) supostamente constelados (semelhanças afetivas), que

indicaram a tonalidade afetiva envolta de cada item.

Dentre os itens correlacionados tematicamente, a maioria do grupo

apresentou queixas relacionadas a disfunções orgânicas. Esta categoria

compreendeu doenças como rinites, encefaléias, ovários policísticos, problemas

dermatológicos e quaisquer outras somatizações, desencadeadas tanto no

momento atual de vida como em outros períodos, mas ainda persistentes ou

cronificados durante o 8o semestre.

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De fato, estes tipos de sintomas e doenças podem estar vinculados a

períodos de exigência e esforços adaptativos maiores que, inevitavelmente, estão

correlacionados ao estresse (França & Rodrigues, 1999). Os níveis de estresse não

foram considerados em quaisquer tipos de questões avaliativas desta pesquisa,

mas, ao se pensar esta fase de transição do aluno como um momento de

sobrecarga adaptativa, é possível pensar a existência de uma ligação com o

surgimento do estresse, como uma reação às exigências inter e intrapsíquicas de

adaptação nos períodos mais vulneráveis da vida da pessoa.

Além disto, com a cronificação do estresse nos períodos de esforços

adaptativos muito grandes, pode surgir a síndrome do burnout. França &

Rodrigues (1999) afirmam que a síndrome do burnout é caracterizada por

aspectos como desmotivação, desinteresse e insatisfação entre outros,

relacionados à execução de um trabalho. No caso dos alunos, seria para a

execução das tarefas acadêmicas,. Porque o processo de aprendizagem exige um

esforço muito grande de readaptações contínuas cognitivas e emocionais.

Alguns indicadores, muito semelhantes aos acima citados, foram

agrupados nos temas “desânimo para estudar e ir às aulas” e “não agüentar mais a

sala de aula”.

Fazem-se necessários alguns esclarecimentos em relação às considerações

acima. Na verdade, o conceito de burnout foi definido em relação ao trabalho

laborativo, delimitado mais especificamente dentro de um contexto empresarial,

mas esta pesquisa pensa que ele também pode ser aplicado num âmbito

institucionalizado, ou seja, para estudantes. É um conceito que caracteriza a

síndrome de respostas à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto

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e excessivo com situações estressantes. As conseqüências disto estão ligadas ao

absenteísmo, deterioração do rendimento, perda da responsabilidade, visão

negativa do trabalho e dificuldades nos relacionamentos (França & Rodrigues,

1999). Sob este espectro, verificou-se algumas destas características nos

estudantes, como os “problemas de relacionamento”, “professores fracos e

desorganizados” e no tema já citado “desânimo para estudar e ir às aulas”. Isto

porque estas categorias incluem as confirmações de faltas (absenteísmo)

voluntárias por conta do desânimo escolar e uma visão negativa e receosa em

relação ao conteúdo programático ensinado e à metodologia aplicada pelos

professores em sala de aula. Todos estes fatores podem indicar uma correlação

com a síndrome do burnout. É claro que, com estes dados, não é possível

estabelecer uma ligação muito direta entre os temas dos campos adaptativos e o

desenvolvimento do burnout, mas sim levantar as semelhanças, muito evidentes,

entre os sintomas e conseqüências do burnout e os temas relevantes por campo.

Qualquer outra afirmação mais enfática seria especulação. E, além disto, é preciso

frisar que esta síndrome é caracterizada por um curso pré-estabelecido de

ocorrência de sintomas e reações adversas, não se configurando somente como um

conjunto aleatório de sinais e sintomas.

Ainda em relação aos temas ocorridos por campo de adaptação da EDAO,

“projetos para o futuro profissional” pode ser um item muito significante. Este

dado indica um fator de prognóstico favorável para os alunos se for analisado

como a capacidade de planejamento que eles podem utilizar ou desenvolver para

imaginar possibilidades de atuação e buscar realizações. Este tema incluiu os

objetivos relacionados à formação acadêmica e profissional, como atividades para

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trabalho, concursos públicos, cursos de especialização em determinadas áreas

entre outros. Ele também pode estar diretamente relacionado a outros dois:

“trabalhos ou estágios além do necessário” e “escolha da área de atuação

profissional”.

No que diz respeito aos “trabalhos ou estágios além do necessário”,

considerou-se algumas atividades remuneradas dos colaboradores, voltadas ou não

para a área de atuação em formação e estágios relacionados à mesma. Os estágios

foram na maioria das vezes procurados para se obter experiência “extra” nas áreas

de atuação pretendidas. Nem todos eram remunerados e a opção em fazê-los

estava além das exigências do curso. Já os trabalhos de caráter remunerados

estavam mais ligados à necessidade de obtenção de renda para se sustentar

financeiramente, pagar a faculdade ou para a aquisição de certa independência

familiar.

A “escolha da área de atuação profissional” diz respeito às dúvidas e

certezas sobre qual área queriam atuar. O fator intrigante foi a exposição desta

preocupação por apenas 3 colaboradores. Entre eles, não houve uma preferência

absoluta por alguma área, variando conforme a vontade de cada colaborador. Para

um assunto tão relevante na formação do profissional psicólogo, a escolha da área

de atuação profissional é uma dúvida que persiste durante todo o curso de

Psicologia. Por isso, definições precoces podem estancar outras possibilidades de

desenvolvimento profissional, mas a ausência de questionamentos sobre as

escolhas pode significar certa esquiva em relação ao problema, afinal, a melhor

forma de se fugir de uma situação é não pensar sobre ela, recalcando-a,

esquecendo-a, como ensinou Freud.

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Um outro tema relevante foi “poucas amizades íntimas”. De certa forma

não é fácil estabelecer uma rede de significados com este tipo de tema porque, do

ponto de vista desta pesquisa, ele envolveu questões bastante particulares quando

explorado na entrevista inicial. Algumas observações foram importantes, como

mudanças de turma durante o curso e a conseqüente dificuldade para se integrar

ao grupo bem como a reclamação constante de que a “classe está chata, bitolada,

só quer saber de estudar e estudar”, ou seja, colegas que supostamente só pensam

em estudar ou ficar perguntando para os professores sobre os assuntos da aula.

Análise do 2o encontro e do jogo de areia:

A partir dos dados coletados no segundo encontro, levantou-se alguns

pontos relevantes para a análise da dinâmica psíquica dos colaboradores.

A seqüência de figuras de 1 a 8 mostra as cenas construídas, o título dado

para cada uma e as respectivas associações.

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69

Figura 1.

Colaborador 1.

Título: visita engraçada.

Associações: é um menininho

rezando em sua casa, que fica ao

lado da floresta. Seus pais foram

trabalhar e ele está sozinho. Tem

poucos amigos, é recatado e seu

tio foi visitá-lo. Pretendem

brincar. Seu tio é atrapalhado e

desastrado. O menino gosta da atenção do tio e fica com ciúmes quando não a

tem. Formam uma família rica e tem avião para transportarem-se. Viajam

sozinhos.

Complexos e arquétipos relevantes: complexo materno, paterno, puer,

trickster.

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70

Figura 2.

Colaborador 2.

Título: o caminho.

Associações: gato está numa

floresta com palmeiras. Está com

medo dos cachorros e acabou

fugindo com os cavalos. Mas a

carroça quebrou porque não

estava tão presa no cavalo. Com

isso, ficou amigo dos cachorros e

do elefante. Os cachorros são meigos e só querem ser amigos. O gato tem medo

deles porque todos os gatos têm medo de cachorros. O elefante assusta porque é

grande, mas quer ser amigo também.

Complexos e arquétipos relevantes: animus, puer.

Figura 3.

Colaborador 3.

Título: uma forma de integrar os

dois lados.

Associações: a dançarina está no

meio de duas religiões, oriental,

que prega buscar seus deuses, a

paz, o nirvana e a ocidental,

menos rígida, que contém a

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mistura de várias outras. Está tentando integrá-las.

Complexos e arquétipos relevantes:animus, coniunctio, self.

Figura 4.

Colaborador 4.

Título: tribo da transformação.

Associações: é uma tribo reunida

para comer. Foram caçar e

depois reuniram todos na

floresta. Estão comendo carne e

maçã. As águias estão

observando, mas se dissessem

algumas coisas para o

colaborador, diria para ir atrás de suas coisas. Os cachorros e as vacas já falariam

para ter calma e esperar. Todos os animais e habitantes são passivos e vivem em

paz.

Complexos e arquétipos relevantes: complexo materno, puer, criança, coniunctio.

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Figura 5.

Colaborador 5.

Título: observação.

Associações: fada sentada num

morro do deserto com um lago e

algumas árvores. Está isolada.

Foi trazida até aí pelos cavalos.

Tanto o homem, quanto os

palhaços e a criança esperam que

ela olhe para eles, até que ela o

faz através do espelho, que reflete suas próprias coisas, para descobrir-se. Mas

logo resolveu olhar diretamente para trás e continuou pensando. A fada é triste,

procurando conhecer-se, com medo dos animais, dos quais não se aproxima, e

desejando ser reconhecida. O homem é receptivo e paciente. A criança necessita

ser acolhida e os palhaços conseguem ficar bem humorados apesar de estarem

tristes. Os animais sentem-se ameaçados e podem atacar para defenderem-se.

Xiva é a essência de tudo.

Complexos e arquétipos relevantes: animus, trickster, puer, self.

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Figura 6.

Colaborador 6.

p

u

t

Título: férias divertidas.

Associações: crianças brincando,

jogando futebol e divertindo-se

numa praia tranqüila como Tony,

somente com coisas boas. Os

adultos estão nas casinhas,

fazendo as mesmices de sempre,

as coisas do dia-a-dia somente

or fazer. Não estão se divertindo e não saem das casas para divertirem-se. Tem

m casal namorando no barco.

Complexos e arquétipos relevantes: coniunctio, puer, criança, senex,

rickster, complexo paterno.

Figura 7.

Colaborador 7.

Título: terra, planeta, água.

Associações: são quatro lugares

diferentes: praia, Veneza, Índia e

fora da Terra. A bruxa está

observando as diferenças dos

lugares: noivos casando-se,

amando-se, pretendem ter filhos

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e são ideais; crianças brincando despreocupadas, divertindo-se; indianos

meditando, sendo tranqüilos porém preocupados com o mundo e as coisas ruins; e

as bruxas velhas cozinhando, que são boas e somente observam e desejam o bem,

morando num castelo.

Complexos e arquétipos relevantes: coniunctio, puer, criança, senex,

animus e arquétipo da grande mãe.

Figura 8.

Colaborador 8.

Título: sonho.

Associações: evolução da vida

do colaborador, desde a infância

até projetos futuros. A criança

está fazendo balé, mas não deu

certo. É uma menina ingênua,

que não percebe seu futuro.

Formou-se e agora trabalha na

clínica e em hospital. Pretende casar e ter filhos, estar junta a alguém especial. Seu

segundo maior sonho é viajar para o Egito, que seduz e fascina pelo mistério de

como foram construídas as pirâmides.

Complexos e arquétipos relevantes: coniunctio, puer, criança, senex,

animus.

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Estes itens foram agrupados em categorias “arquetípicas”, conforme os

tipos de imagens manifestadas nas cenas, o relato verbal, associações pessoais e

uma breve amplificação pessoal e arquetípica das figuras. As cenas foram

preferencialmente observadas conforme suas significações para os colaboradores.

O quadro II mostra três categorias (complexos e arquétipos relevantes,

atitudes egóicas e foco de crise) correlacionadas ao psicodiagnóstico da EDAO.

Quadro II: Relação entre os itens avaliados pelo jogo de areia e o

psicodiagnóstico simples da EDAO.

Percepção da

necessidade de "sedução"

e envolvim ento com as

pretenções acadêm icas

Precoupação e reflexão

com futuro profissional/

encarar o curso na

"brincadeirinha"/

idealização da profissão/

gostar exageradam ente

do curso/ tranqüilidade/

não sabero que querda

faculdade/ sentim entos

de solidão na realização

de trabalhos

Necessidade de buscar

integração nas coisa s

da faculdade/

necessidade deresolver

logo os problem as para

satisafação alheia/auto-

cobrança/ considerar-se

num a "m esm ice" e

fazendo atividades

escolares "só por

fazer"/falta dedefinição

do que realm ente quer

Falta de envolvim ento/

estagnação/

superadaptação

Im aturidade/ inflação

egóica/ exigências e

cobranças próprias

exageradas/

despreocupação

excessiva/ falta de

m ovim ento egóico para

buscar soluções/

idealizações

Dificuldade para

encontrar m eios de

integração/ senso de

responsabilidade

exagerada/ falta de

objetividade e

significado para o

curso/ sentim ento de

am eça exagerado

Psicodiagnóstico sim ples

Adaptação eficaz com

crise (II)

Itens avaliados com o jogo

de areiaAdaptação não eficaz

severa com crise (VI)

Adaptação não eficaz

m oderada com crise (IV)

Arquétipo da criança/

puer/ senex/ anim us/

coniunctio

Arquétipo do puer/

trickster/ criança/senex/

anim us/ coniunctio/

com plexo m aterno

Arquétipo do anim us/

criança/ puer/ trickster/

self/ coniunctio/ senex

Foco de crise

Atitudes egóicas

Com plexos/ arquétipos

relevantes

Percebe-se que houve semelhanças entre os arquétipos constelados nas

diferentes modalidades de adaptação. No que diz respeito a estas constelações, é

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importante ressaltar que, pelo fato de se ter uma amostra pequena, optou-se por

considerar as semelhanças nos tipos de diagnóstico adaptativos (adaptação eficaz

com crise, adaptação não eficaz moderada com crise e adaptação não eficaz severa

com crise) a ressaltar as diferença entre ambos. Observou-se estas semelhanças

nas categorias de imagens relacionadas abaixo:

• Imagens do animus.

• Imagens da coniunctio;

• Imagens do arquétipo da criança;

• Imagens do puer;

• Imagens do senex;

• Imagens do trickster.

Em relação a estas imagens, é possível buscar alguns pontos de vista que

justifiquem suas constelações. Sob uma visão desenvolvimentista, os aspectos

anima/ animus são os mais freqüentemente constelados no processo de “tornar-se”

adulto, até a primeira metade da vida. Estas imagos contra sexuais são comumente

“ativadas” neste período, projetadas no meio e nele procurado, resultando disto os

problemas de busca e relacionamento com um parceiro (a) (Neumann, 1968). Por

outro lado, Hillman (1989b) afirma que anima/ animus tem um caráter anímico

intrínseco, segundo a própria idéia de Jung, de que a alma é um complexo

funcional que advém à consciência através das manifestações da anima e do

animus (Sharp, 1991). Muito mais que aspectos femininos ou masculinos

recalcados na psique, eles expressam as possibilidades imaginativas que

reconhecem todas as realidades através do simbólico e do metafórico. São a alma

do indivíduo, e também podem ser considerados como psique. A idéia de anima/

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animus remete à alma primitiva, que transforma e aprofunda os eventos em

experiências significativas na vida. Em um certo aspecto, explicar a anima aponta

para o inconsciente e torna o indivíduo mais inconsciente. É uma incerteza,

ambigüidade, que relativiza o ego e a idéia de consciência. É a própria construção

da alma, através do trabalho com as imagens. E, onde existe anima, humores,

emoções, sentimentos primitivos, também existe animus, o espírito crítico,

apolíneo, ou vice-versa (Hillman, 1989b).

Todos estes pontos ficaram evidentes no relato dos colaboradores acerca

das dificuldades gerais de relacionamentos. No quadro I (p.64), um dos itens mais

relevantes foi o “problema de relacionamentos” e “poucas amizades íntimas”. Na

verdade, não são problemas em si, mas dificuldades encontradas em diversos tipos

de relacionamentos pelos colaboradores, não somente a busca do (a) amante ou

companheiro (a). Com a constelação anima/ animus, o problema de relacionar-se

com o outro ficou evidente.

As relações com o objeto envolvem projeções do sujeito de todas as

naturezas e envolver-se para relacionar-se é olhar para as características de si

próprio. Isto gera sofrimento, solidão, perdas, ganhos, etc. e, acima de tudo, um

reconhecimento da própria alma. Nisto reside o caráter de tornar experiência

significativa o relacionamento: não é encontrar racionalmente os “porquês” disto

ou daquilo, mas simplesmente envolver-se com alguém e aprofundar-se nos

sentimentos, sensações e pensamentos sobre o outro e sobre si próprio.

Nesta pesquisa, portanto, o surgimento destas imagens indicou o

aprofundamento na alma, ou melhor, as possibilidades de “descer ao submundo”,

ao reino de Hades – como cita Hillman (1989b). Como estas cenas foram as

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primeiras realizadas, pode-se observá-las como prospectivas no psicodiagnóstico

e, consequentemente, das modalidades adaptativas dos colaboradores e a

necessidade anímica de aprofundamento neste período de crise.

Já a imagem arquetípica da coniunctio indica, numa perspectiva clássica, a

união dos opostos para o surgimento do novo, não pela indiferenciação, mas sim

pelos caminhos da diferenciação e integração dos complexos na consciência

(Sharp, 1991). Mas, numa visão desenvolvimentista, esta situação de

diferenciação e integração dos complexos é característica do desenvolvimento da

maturidade psicológica, e está mais propensa a constelar-se no fim da primeira

metade de vida (Whitmont, 1969; Neumann, 1968). É claro que,

cronologicamente, este não é o caso dos colaboradores da pesquisa. Ao aplicar-se

o referencial da escola imagética, pode-se fazer alguns paralelos com o processo

de crise e adaptação durante as mudanças vivenciadas pelos alunos do 8o

semestre. Hillman (1984) retoma o conceito da coniunctio como a integração da

anima (alma), no sentido de recuperar o doentio, as incertezas sobre o saudável de

forma não apolínea. Devolver o aspecto mórbido esquecido e racionalizado pelo

ego à psique traz sua essência, refletindo sua própria realidade – o patologizar

(Hillman, 1983). Por isso, integrar estes aspectos é deixar a patologia manifestar-

se e, seqüencialmente, sustentá-la. Neste sentido, a coniunctio pode surgir no

período de crise para sustentá-lo, ao menos compensatóriamente, e evitar a

racionalização egóica de “resolver, solucionar” o problema. Esta constelação

corrobora com a idéia inicial desta pesquisa de que a crise surge para uma

finalidade, e não somente para ser “eliminada” sob a percepção egóica. A

coniunctio também estabelece um movimento na confusão, no ambivalente

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(Hillman, 1984). Isto demonstra o aspecto prospectivo da crise. Para esclarecer

melhor, pode-se utilizar retoricamente a técnica de Hillman e imaginar-se que, se

as fantasias da coniunctio falassem objetivamente com os alunos, seria uma frase

mais ou menos assim: “pode relaxar que este momento de dificuldades, confusões

e indecisões estão dentro dos padrões necessários à sua alma e, sabendo disto,

trate de responsabilizar-se pela sua crise”.

O arquétipo da criança, resumidamente, é uma “imagem tanto do passado

irrecuperável, como uma antecipação do desenvolvimento futuro” (Sharp, 1991).

Existem dois lados importantes deste arquétipo, que está envolto em sentimentos

de alienação e abandono: desejo regressivo de dependência e um desejo

desesperado de se livrar do passado. Segundo Sharp (1991), este último é o

aspecto positivo do arquétipo. Até mesmo a sensação de abandono é natural e

prospectiva. Jung apud Sharp (1991, p. 52) afirma que o “termo ‘criança’ significa

algo que evolui em direção à independência; mas isto, ela não pode fazer sem um

desligamento de suas origens: o abandono é, portanto, uma condição necessária

[da consciência], não apenas um sintoma concomitante”.

O sentimento de abandono esteve deslocado do fator de desenvolvimento

da independência dos alunos do 8o semestre. Observou-se que os relatos deste

caráter, na primeira entrevista, estavam direcionados para fatores externos, como

distanciamento familiar, solidão por falta de amigos, professores fracos e

desorganização dos conteúdos, os quais “deixavam na mão” os alunos. Nenhum

deles referia-se ao abandono de uma posição, de uma persona, de um estado

subjetivo. Para Hillman (1989b), o recalque da experiências da “criança” está

vinculado à primazia ou noção de ego-consciência. Por outro lado, ele sugere que

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este aspecto da personalidade deve ser potencializado como uma maneira

imaginativa de perceber e sentir com fantasia, magia e amoralidade. Aspectos

como a simplicidade e o comum são características culturais do arquétipo da

criança e em sua constelação, revelam a necessidade de uma primazia simplista,

daquilo que não é soberbo, e ao mesmo tempo, das necessidade de se abandonar,

ou melhor, de vivenciar o abandono através da crise estudantil.

Compensatóriamente, a alma dos alunos pode estar jogando-os na solidão, para a

busca de definições vocacionais, para uma reflexão sobre o futuro. É a busca de

um modo imaginativo de perceber e sentir as coisas através dos olhos da infância.

Sobre o puer, é interessante observá-lo também em relação ao senex. Esta

constelação foi constante nas cenas, o que indica um relacionamento adulto de

responsabilidades, controles e disciplinas com um aspecto mais infantil, pueril, de

desprendimento, extravagância, falta de coragem para decisões e

consequentemente a ausência de responsabilidade pela sua própria vida. Para

Hillman (1989b), a criança, o herói, o filho da grande mãe, o trickster, o messias,

entre outros, são aspectos da psicologia do puer. E isto implica na não distinção de

fatores positivos e negativos deste padrão. Porém, muitos de seus fatores

arquetípicos são obscurecidos pelo complexo parental a ele associado. Sua função

também é de psicopombo, que relaciona o pessoal ao arquetípico. Seu movimento

é vertical de subir, como Ícaros e descer, em sua queda. Quando desce, transforma

sua “irrealidade” na realidade da alma. Conecta o indivíduo com sua alma, com

seus objetivos mais pessoais e íntimos. Por outro lado, também pode ser

neurotizante quando preso a um complexo, tornando-o compulsivo, onipotente,

cindido (não relacionado) e irrefletido e movimentado (apressado), no sentido de

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chamar a atenção do complexo egóico e até possuí-lo. A compensação surge com

o senex, ou o aspecto Apolo da psique. Colocar ordem, reflexão, distanciamento,

tempo e maturidade são alguns dos efeitos do senex. Depressão, sofrimento e

introversão são seus sintomas. Os autores Neumann (1968) e Whitmont (1969)

afirmam que a dinâmica puer-senex são fases do desenvolvimento humano, que

implicam respectivamente na primeira e segunda metade da vida. Mas para

Hillman (1989b), esses dois arquétipos estão num constante movimento, e não são

fases de desenvolvimento, mas sim tipos de consciência. Podem se alternar

conforme cada indivíduo. “Alguns homens vivem (...) [este] estado logo na

juventude; outros passam por uma crise da meia-idade movendo-se de um para o

outro; outros podem repetidamente viver um e agora o outro, alternadamente”

(Hillman, 1989b, p. 214). Portanto, a constelação desta dinâmica nos alunos

sugere o conflito entre a liberdade, a falta de responsabilidade proporcionada pela

posição de aluno passivo, sem compromissos além do aprendizado e o senso de

maturidade e procura ponderada de suas escolhas. Em certo modo, a cobrança por

responsabilidade foi muito enfatizada, conforme os itens relacionados no quadro I

(p. 64). A procura de empregos, as sensações de perda e necessidades de trabalhar

“não importando onde” fizeram parte do relato dos alunos na primeira entrevista,

bem como fantasias de ficar “numa boa”, busca de tranqüilidade e outros aspectos

mais pueris. Considerando-se a forma como os alunos estavam buscando decidir

seu futuro, sua carreira e os trabalhos compulsivamente, percebe-se que aspectos

como a responsabilidade e a objetividade para decisão do senex constelaram-se de

maneira ainda muito primitiva.

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Por fim o trickster, uma noção peculiar do puer, também esteve presente

nas cenas do jogo de areia. Transgressão, malandragem e criatividade são algumas

de suas características significativas. Pode estar mostrando as possibilidades

criativas, mais “malandras”, uma certa esperteza necessária para os alunos

adquirirem uma atitude referente à sua formação. Pode também estar

compensando o desânimo, a falta de plasticidade egóica e criatividade para se

encarar o processo de mudança, afinal, é uma fase de transição para tornar-se não

somente adulto através do senex (na maioria dos casos), mas também de deixar o

trickster revelar aspectos importantes para a motivação escolar e o exercício

profissional.

A relação entre as constelações arquetípicas e as atitudes egóicas, partindo

das idéias acima discriminadas, poderiam ficar estabelecida conforme quadro III.

Quadro III: Relação entre complexos/ arquétipos relevantes e atitudes

egóicas.

Constelação arquetípica Características dos colaboradores

Puer (criança/ trickster)

Encarar o curso na"brincadeirinha"; idealizações eexageros com a profissão; solidãonos trabalhos; indefinição do quequer para o futuro.

Senex Reflexão e preocupação com ofuturo profissional; autocobrança.

ConiunctioEnvolver-se com pretençõesacadêmicas e integrar oselementos da faculdade.

AnimusSedução com as pretençõesacadêmicas e mesmice dascoisas/ desânimo para estudar.

Estes aspectos foram sistematizados conforme as descrições mais gerais

dos arquétipos e devem ser interpretados dinamicamente, com cada um

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influenciando e alterando o outro. Seu recorte e divisão neste quadro são um mais

um recurso didático para se analisar como foi ativado cada arquétipo e como eles

foram analisados com o intuito de se definir um foco de crise (quadro II, p. 75).

Análise do 3o encontro de devolução de dados e do jogo de areia:

Este último encontro compreendeu a devolução dos dados coletados nas

duas primeiras sessões, através da realização do jogo de areia temático. As figuras

de 9 a 17 mostram os resultados das cenas.

Figura 9.

Colaborador 1.

p

s

r

Tema: um trapalhão em minha

vida.

Título: trapalhada ambulante.

Associações: um vendedor de

enciclopédias vai até uma casa.

Na casa está um menino sozinho,

com seu cachorro. O vendedor

tenta vender as enciclopédias

ara o menino, mas ele não compra porque está sem dinheiro. O menino está

ozinho porque seus pais estão trabalhando. Já o vendedor é atrapalhado e dá

isadas de suas próprias trapalhadas.

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Figura 10.

Colaborador 2.

Tema: Entrevista com o

inimigo.

Título: O tesouro.

Associações:tudo se passa

dentro de uma casa. O velho

está sentado, triste e

desanimado quando apareceu o

escorpião, que na verdade é

uma deusa disfarçado. O bicho queria matar o velho, mas ele não queria morrer

porque achava que existia algo mais para ser vivido. Então o velho conversa com

o bicho e convence-o a não matá-lo. Deseja viver. Então é recompensado pela

deusa com a tranformação do saco em um baú de tesouro.

Figura 11.

Colaborador 3.

Tema: juntando as coisas.

Título: experienciando.

Associações: Uma mulher está

viajando pelo mundo de carona e

com uma mochila nas costa.

Conheceu um casal de noivos

diferentes e de outros noivos

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parecidos. Ficou numa floresta com animais e foi para uma cidade calma. Viu um

leão submeter-se para ser domesticado e tornar “bonzinho”, perdendo os seus

instintos. Viu uma criança dando flores para uma pessoa desacreditada, e através

de sua inocência, quebra a dureza da pessoa. Encontrou um par ideal, com os

mesmos planos e a tranqüilidade. A pessoa percorre o mundo para adquirir

experiência. Vê tanto coisas boas quanto ruins.

Figura 12.

Colaborador 4.

de

Tema: uma índia raptada por

um guerreiro índio.

Título: o rapto feliz.

Associações: casal de índios

estão na tribo do índio. Ele

seqüestrou-a por amor, mas ela

ficou com medo. Está menos

aflita porque sabe agora que ele

o vai fazer mal. O índio gosta de caçar para alimentar-se. Já a índia faz “coisas

casa”

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Figura 13.

Colaborador 5/ 1.

Tema: um palhaço e um

carrancudo.

Título: um ponto de vista.

Associações: todos estão

correndo na pista para chegar à

casinha. Os palhaços e os

carrancudos têm que pular

obstáculos na pista e até podem comer as maçãs se precisarem. O carrancudo

maior vai ganhar, mas a menina já ganhou de fato. Estão só correndo por diversão.

Figura 14.

Colaborador 5/ 2.

Título: mudança.

Associações: não existe mais a

corrida, todos estão olhando para

si.

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Figura 15.

Colaborador 6.

Tema: brincando no trabalho.

Título: um dia de sol.

Associações: está no trabalho

conversando com a chefe.

Resolveu propor uma mudança

no trabalho porque estava

desmotivada. Encontrou

resistências por parte dos

colegas, mas conseguiu. Agora estão mais felizes e aumentou a produtividade.

Figura 16.

Colaborador 7.

Tema: do sonho à realização.

Título: do sonho à realização.

Associações: é um monólogo

de alguém contando como

realizou suas coisas. Está

saindo da fantasia e do monstro

assustador e passando por

obstáculos. Vai devagar,

pensando muito. No final encontra a realização do sonho, que é menos

idealizado.o monstro assusta porque é desconhecido. O budah ajuda a pessoa a

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pensar e refletir. A pessoa achou difícil o trajeto, mas está feliz precisou agir para

tornar o sonho real.

Figura 17.

Colaborador 8.

Tema: psicóloga analisando o

sonho de uma bailarina.

Título: mudança de caminho.

Associações: história de uma

bailarina que cresceu e tornou-se

psicóloga. Era desastrada, mas

tinha movimento e gostava de

mexer-se muito. É meiga e

delicada. A psicóloga está solitária. A bailarina sonhava em fazer sucesso,

apresentar-se e ter uma companhia de balé. Mas sofreu um acidente que a

impossibilitou de dançar. Achava-se feia pelas cicatrizes. Cresceu e tornou-se

psicóloga, trabalhando em seu consultório.

O quadro VI apresenta as mudanças na cena, sua análise psicológica em

relação às atitudes dos colaboradores com o momento de crise e o diagnóstico

adaptativo.

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Quadro VI: Psicodiagnóstico simples relacionado às mudanças na cena e

análise psicológica.

Integração da cena/ Interação entre passado, presente e futuro

do colaborador para suas decisões

Movimentação da cena/ Surgimento da sombra/ Busca

de superação de obstáculos/ e ir atrás de sonhos menos

idealizados/ constelação da coniunctio e animus/ Trickster como facilitador do bom humor

Constelação do trickster e senex/ Funcionalidade do trabalho/ Integração entre

aspectos do trickster e senex/ Busca de equilíbrio entre os

comportamentos em situações fáceis e amigávei e situações

difíceis e de confrontos

Sentimento de paralização/ Necessidade de buscar coisas

esclarecedoras na própria faculdade/ Necessidade deagir

ao invés de pensar muito

Pensamentos voltados para a ação/ Busca de informações sobre o futuro profissional/

Decisão de não fazer estágios aleatórios/ Buscar agir mais/

Medo de não dar certo/ Estresse por levar tudo muito a

sério/ Rigidez

Mudanças/ Tentar ver as coisas por outro ponto de vista/ Fazer planos para quando formar-se/ Buscar pro "os pés no chão"/

Percepção de que as coisas já estão acontecendo e que planejar em excesso não funciona/ Necessidade de

acabar logo o semestre/ Viver o momento presente e desfrutá-lo

Não existiram Não existiramMudou a disposição dos

personagens

Relação dos significados com a

atitude egóica

Fatores relevantes na cena

Movimentos secundários

Psicodiagnóstico simples

Adaptação eficaz com crise (II)Mudanças na cena e análise psicológica Adaptação não eficaz severa

com crise (VI)Adaptação não eficaz moderada

com crise (IV)

Inicialmente pode-se perceber que os temas sugeridos para as cenas deste

último encontro foram suficientes na intenção de eliciar no colaborador a

percepção sobre suas próprias características e a maneira como estava percebendo

a atual situação, tanto na faculdade, na passagem de semestre, como em sua vida.

Todos os temas (figuras 9 a 17, pp.83 – 88) foram baseados nas análises das cenas

do segundo encontro (figuras 1 a 8, pp. 69 – 74), no título e nas associações.

Verificou-se que o pedido de realização da cena temática proporcionou ao

colaborador a oportunidade de expressar a psicodinâmica mais evidente nos seus

processos adaptativos. Isto pode ser analisado a partir dos fatores relevantes na

cena (proporcionados pelo tema proposto) e a relação dos significados com as

atitudes egóicas. Todos eles, de certa forma, referiram-se ao momento de crise.

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Um único colaborador resolveu mudar a cena após a discussão. A primeira

coisa que deve ser considerado é que ele foi o único a já conhecer todas as

vicissitudes da técnica do jogo de areia e a proposta desta pesquisa. Por isso, até é

possível pensar num controle egóico e tentativa de “agradar” o pesquisador,

porque já era sabida a proposta de mudar a cena e as idéias a que remete. O

segundo ponto é que, contrariamente ao trabalho de Giovanetti et al. (2001b), esta

pesquisa não pode verificar a mudança das imagens como se referindo a um

trabalho de “elaboração” dos conteúdos. Averiguou-se que a maioria dos

colaboradores já tinha repensado no processo após o segundo encontro (no qual

definiu-se o foco de crise) e já estava preocupada com os problemas que tinham

sido discutidos nessa sessão. Conseqüentemente, as cenas realizadas mostraram

este movimento e os fatores relevantes nela confirmaram as necessidades de

implícitas na crise.

Apesar dos diferentes graus de adaptação (eficaz, não eficaz moderada e

severa), os fatores relevantes foram qualitativamente equivalentes, não podendo

assim, determinar-se uma relação direta entre os fatores relevantes, as atitudes

egóicas e o psicodiagnóstico simples. O que predominou foi a particularidade de

cada aluno na maneira como estava enfrentando a situação. A conseqüência

última da devolução de dados foi a discriminação desta dinâmica e da forma como

os elementos arquetípicos influenciavam inconscientemente as atitudes dos

colaboradores. Portanto, transformá-los numa metáfora relacionada tanto à vida

pessoal quanto à vida acadêmica proporcionou a reflexão e a diferenciação de

recursos psicológicos para a crise.

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V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível verificar e confirmar a existência de um processo de crise nos

colaboradores, que estava interligada à situação de passagem do 8o para o 9o

semestre e a mudança de atitudes por parte dos alunos. Também ficou evidente a

multicausalidade e funcionalidade deste processo, que está associado a outras

diferentes variáveis, relacionadas entre si.

Por isso, a proposta de um psicodiagnóstico adaptativo e interventivo

confirmou-se como adequada para a situação, de forma a determinar quais foram

estas variáveis e como elas estavam atuando no comportamento dos

colaboradores. Porém, este tipo de intervenção está caracterizado como prevenção

secundária, no processo de psico-higiene e promoção de saúde. Num âmbito

primário, sugere-se fazer campanhas informativas sobre as possibilidades de

atuação do profissional no mercado, quais fatores considerar nesta escolha, quais

são estas áreas e o que cada uma delas oferece de retorno financeiro e satisfação

pessoal. Além disto, conversar com os alunos sobre as dificuldades de um

formando, esclarecer o que ele pode e não pode fazer após a formatura, quais os

seus medos e dúvidas são pontos relevantes também.

Na situação de final de curso e tomadas de decisões importantes para a

carreira profissional e para o próprio futuro dos colaboradores, verificou-se a

constelação específica de alguns fatores arquetípicos, o que se pode denominar de

“predominância arquetípica”. Eles funcionaram tanto negativo quanto

prospectivamente na psique. A escolha das opções na vida profissional pareceu

estar associada a uma tomada de decisões a partir de reflexão sobre os aspectos

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positivos e negativos dialeticamente embutidos na situação. O trabalho

interventivo, portanto, voltou-se para a busca de um olhar metaforizado sobre

estes aspectos, e como eles poderiam ajudar, como características inerentes à

própria psique, no enfrentamento da mudança.

E de fato, com o jogo de areia pode-se aprofundar na psicodinâmica do

colaborador e definir um foco previamente, o que Giovanetti et al. (2001b) já

tinham verificado. Mas pode-se, principalmente, realizar intervenções num nível

imagético, ou seja, ajudar os colaboradores a perceberem o momento de crise

como uma metáfora da própria psique através de estratégias verbais de realce das

imagens e de mobilização da percepção dos colaboradores para os conteúdos

expressos na cena do jogo de areia, sem interpretações, remetendo à idéia de

“ater-se à imagem” (Hillman, 1979). Com isso, proporcionou-se para o

colaborador a possibilidade de visualizar e de perceber concretamente, sem

interpretações demasiadas racionais, quais aspectos psicodinâmicos estavam

vinculados com o momento de crise.

O fator que dificultou uma análise mais abrangente foi a amostra reduzida

para a pesquisa, que se ocasionou por falta de tempo hábil para a realização com

maior número de alunos.

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ANEXOS

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Anexo A

CARTA DE INFORMAÇÃO AO COLABORADOR SOBRE A PESQUISA

1. NATUREZA DA PESQUISA: Esta pesquisa é de caráter exploratório, realizada por meio de atendimento preventivo a alunos do curso de Psicologia da U. P. Mackenzie. É feita através da aplicação de técnicas de entrevista preventiva, de instrumento de caráter expressivo chamado jogo de areia e de uma sessão para a devolução dos dados. 2. OBJETIVO DA PESQUISA Verificar a aplicabilidade do modelo de atendimento preventivo. Promover o atendimento a alunos de Psicologia na clínica escola. Verificar se neste contexto o jogo de areia é facilitador da expressão prospectiva de conteúdos relacionados ao momento de crise. 3. MÉTODO DE PESQUISA Realização de 3 encontros na clínica-escola da Faculdade de Psicologia da U. P. Mackenzie. O primeiro constando de uma entrevista clínica da EDAO; o segundo, da aplicação do jogo de areia – instrumento de caráter expressivo e o terceiro, para devolução dos dados levantados para discussão de pontos relacionados ao momento específico da vida pessoal e acadêmica do colaborador, interrelacionando-os, bem como as possibilidades de ocorrência ou agravamento das crises adaptativas. 4. RISCOS E BENEFÍCIOS QUE ENVOLVEM A PESQUISA Esta pesquisa não oferece riscos para o colaborador. Ela proporciona um momento de reflexão acerca das vivências do aluno sobre a mudança de postura diante do último ano do curso. 5. DIREITO DE ACESSO AO RESULTADO DA PESQUISA O colaborador, se desejar, trá acesso aos resultados da pesquisa, que serão divulgados em publicações científicas e monografia. Garante-se a manutenção do sigilo acerca da identidade do mesmo, de acordo com o Código de Ética do Psicólogo. 6. GARANTIA DE RETORNO DOS BENEFÍCIOS OBTIDOS ATRAVÉS DAS

PESQUISAS PARA PESSOAS E A COMUNIDADE ONDE AS MESMAS FORAM REALIZADAS

Os pesquisadores garantem os benefícios decorrentes da pesquisa serão divulgados em meios científicos no intuito de propagar a aplicabilidade do modelo de atendimento estudado. 7. GARANTIA DE ASSISTÊNCIA EM CASO DE PREJUIZOS RESULTANTES DA

PESQUISA Apesar da pesquisa não oferecer riscos para o colaborador, a clínica psicológica da U. P. Mackenzie garante o atendimento gratuito para aqueles que assim desejarem. 8. DIREITO DO SUJEITO EM INTERROMPER SUA PARTICIPAÇÃO É garantido ao colaborador o direito de interromper sua participação quando desejar.

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PELO PRESENTE INSTRUMENTO, QUE ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS, O (A) SENHOR (A) __________________________________________________________________ COLABORADOR DA PESQUISA, APÓS LEITURA DA CARTA DE INFORMAÇÕES AO COLABORADOR DA PESQUISA, CIENTE SERVIÇOS E PROCEDIMENTOS AOS QUAIS SERÁ SUBMETIDO, NÃO RESTANDO QUAISQUER DÚVIDAS A RESPEITO DO LIDO E DO EXPLICADO, FIRMA SEU CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DE CONCORDÂNCIA EM PARTICIPAR DA PESQUISA PROPOSTA.

FICA CLARO QUE O COLABORADOR DA PESQUISA OU SEU REPRESENTANTE LEGAL PODEM, A QUALQUER MOMENTO, RETIRAR SEU CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E DEIXAR DE PARTICIPAR DO ESTUDO ALVO DA PESQUISA E FICA CIENTE QUE TODO O TRABALHO REALIZADO TORNA-SE INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL, GUARDADA POR FORÇA DO SIGILO PROFISSINAL. SÃO PAULO, ________ DE______________________DE 2002 COLABORADOR RG: DR PAULO AFRÂNIO SANT’ANNA CRP 06-36610-3 ORIENTADOR RODRIGO MANOEL GIOVANETTI PESQUISADOR

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Anexo B

FFOOLLHHAA DDEE RREESSUUMMOO DDIIAAGGNNÓÓSSTTIICCOO

Nome: Sexo: Idade: Dependência em matérias: Dados Relevantes por Setor

Afetivo relacional Produtividade Sócio cultural Orgânico Registro de Adequação

Adequado Pouco Adequado

Pouquíssimo Adequado Crise

Afetivo relacional Produtividade Sócio cultural Orgânico

(Adequado: +++; pouco adequado: ++; pouquíssimo adequado: +; crise: p/ g) Operacionalização Diagnóstica:

Adaptação eficaz: 4 (+++) Adaptação não eficaz moderada: 1 ou mais (++); e/ ou 1 (+) mais 3 (++) Adaptação não eficaz severa: 1 (+) e 1 ou mais (++); e/ ou 2 ou mais (+)

Psicodiagnóstico Simples

Eficaz

Grupo I

Não eficaz moderado Grupo III

Não eficaz severo

Grupo V

Em crise

Grupo II

Em crise

Grupo IV

Em crise

Grupo VI

Tipo de adequação Campo

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Anexo C

Nome: Sexo: Idade: Dependências:

Título da cena: Data:

ENREDO:

Exposição: Peripécia: Lysis:

CENÁRIO:

Tipo e descrição do cenário: Época:

FIGURAS NA CENA E

CARACT.

Personagens na cena e na história:

ESQUEMA DA CENA:

Atitudes egóicas:

Foco de crise: ANÁLISE PSICOLÓGICA:

Arquétipos e complexos

constelados:

Tema para devolutiva:

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Anexo D

Nome: Sexo: Idade: Dependências: Título da cena: Data:

ENREDO: Exposição: Peripécia: Lysis:

CENÁRIO: Tipo e descrição do cenário: Época:

FIGURAS NA CENA E

CARACT.

Personagens na cena e na história:

ESQUEMA DA CENA:

Atitudes egóicas:

Fatores relacionados à crise: ANÁLISE PSICOLÓGICA:

Mudanças na cena e

significados psicológicos: Obs.: