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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO As Parcerias Público-Privadas em Projetos de Infra-Estruturas em Saúde O Caso dos Hospitais em Portugal João Marcos Maia Devesa Inácio Carias Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Civil Júri Presidente: Professor Doutor Jorge Manuel Calico Lopes de Brito Orientador: Professor Doutor Rui Domingos Ribeiro da Cunha Marques Vogal: Professor Doutor Carlos Paulo Oliveira da Silva Cruz Outubro de 2012

UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR … · Numa parceria existe um elevado trabalho de preparação a montante da celebração do contrato entre a entidade privada

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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA 

INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO 

As Parcerias Público-Privadas em Projetos de Infra-Estruturas em

Saúde

O Caso dos Hospitais em Portugal

João Marcos Maia Devesa Inácio Carias

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Engenharia Civil

Júri

Presidente: Professor Doutor Jorge Manuel Calico Lopes de Brito

Orientador: Professor Doutor Rui Domingos Ribeiro da Cunha Marques

Vogal: Professor Doutor Carlos Paulo Oliveira da Silva Cruz

Outubro de 2012 

ii  

Resumo

O setor da saúde em Portugal tem sido alvo de profundas alterações desde a conceção do próprio

Serviço Nacional de Saúde, com uma tendência de alteração das funções do Estado de prestador

para regulador de serviços e com o setor privado a assumir um papel de crescente importância neste

setor. Nos últimos anos em Portugal, a participação de privados na saúde tem sido através do modelo

contratual de Parceria Público-Privada (PPP), nomeadamente na construção de novas unidades

hospitalares. Estas parcerias assumiram dois modelos distintos, em que numa primeira vaga de

hospitais a prestação dos serviços clínicos está na esfera do setor privado e na segunda vaga em

que o Estado tutelava este tipo de serviços. Esta dissertação pretende analisar os moldes contratuais

de cada vaga de hospitais, concluindo sobre as vantagens e desvantagens de cada modelo e fazer

uma comparação das condições contratuais estabelecidas com as melhores práticas internacionais.

Não obstante ser reconhecido que não existe um modelo claramente superior ao outro, um

entendimento das caraterísticas e implicações de cada um pode ajudar na tomada de decisão do

perfil de parceria a adotar no desenvolvimento de hospitais futuros, tornando o processo contratual

mais eficiente.

Palavras-chave: PPP; saúde; contrato de gestão; acesso ao mercado; partilha de risco; gestão de

contrato

iii  

Abstract

The Portuguese health sector has suffered deep changes since the beginning of the Portuguese

National Health System, with a change in Portuguese Government's role from the provider to the

regulator of services. This change in the Government's role led to an increase in the private's sector

protagonism in this sector.

In the last few years, private sector participation has used Public-Private Partnerships arrangement,

specially regarding the construction of new hospital units. These partnerships employ two different

models. One model includes, under private sphere, clinical services and in the second model these

services are operated by the Government. The goal of this thesis is to analyse the contractual models

used, concluding about the advantages and disadvantages of each model, and compare the contracts

already celebrated with the best practices guidelines. Although no model is clearly superior, the

understanding of each model's characteristics and peculiarities may help in the decision of the best

partnership profile for the development of new hospitals, resulting in a more efficient contractual

process.

Keywords: PPP; health; management contract; market access; risk share

iv  

Agradecimentos

Ao professor Rui Cunha Marques, o meu especial agradecimento pela orientação e conhecimentos

transmitidos no desenvolvimento desta dissertação e pela disponibilidade em me receber.

Quero agradecer ainda a todas as pessoas sem as quais não teria sido possível a realização deste

trabalho, amigos e família, em especial atenção aos engenheiros Tiago Madeira, Paulo Tomé e

Miguel Santos.

v  

Índice Geral

1. Introdução ........................................................................................................................................... 1 

1.1. “Saúde: O custo de um valor sem preço” ..................................................................................... 1 

1.2. Parcerias Público‐Privadas ........................................................................................................... 1 

1.2.1. Origem, conceito e evolução ................................................................................................. 1 

1.2.2. As parcerias Público‐Privadas em Saúde – Portugal ............................................................. 2 

1.3. Objetivos da dissertação .............................................................................................................. 3 

1.4. Organização da dissertação .......................................................................................................... 4 

2. O Setor da Saúde em Portugal e no Mundo ...................................................................................... 5 

2.1. O Setor da Saúde em Portugal ..................................................................................................... 5 

2.2. O Setor da Saúde no Mundo ...................................................................................................... 10 

2.2.1. Enquadramento ................................................................................................................... 10 

2.2.2. Espanha ............................................................................................................................... 11 

2.2.3. Reino Unido ......................................................................................................................... 13 

2.2.4. Canadá ................................................................................................................................. 17 

2.2.5. Austrália ............................................................................................................................... 20 

3. Parcerias Público‐Privadas em Saúde .............................................................................................. 23 

3.1. Parcerias Público‐Privadas no Setor da Saúde em Portugal ...................................................... 23 

3.1.1. Enquadramento ................................................................................................................... 23 

3.1.2. A primeira Vaga de PPP da Saúde ....................................................................................... 24 

3.1.3. A segunda Vaga de PPP da Saúde ....................................................................................... 34 

3.2. Parcerias Público‐Privadas no setor da Saúde no mundo .......................................................... 36 

3.2.1. Espanha ............................................................................................................................... 36 

3.2.2. Reino Unido ......................................................................................................................... 39 

3.2.3. Canadá ................................................................................................................................. 43 

3.2.4. Austrália ............................................................................................................................... 47 

4. Hospitais PPP em Portugal ............................................................................................................... 49 

4.1. Elementos‐Chave numa PPP hospitalar ..................................................................................... 49 

4.2. 1ª Geração: Gestão Hospitalar e Serviços Clínicos Privados ...................................................... 49 

4.2.1. Acesso ao Mercado ............................................................................................................. 49 

4.2.2. Partilha de Risco .................................................................................................................. 54 

4.2.3. Gestão de Contrato ............................................................................................................. 65 

4.3. 2ª Geração: Gestão Hospitalar Privada e Serviços Clínicos Públicos ......................................... 72 

4.3.1. Enquadramento ................................................................................................................... 72 

vi  

4.3.2. Acesso ao Mercado ............................................................................................................. 72 

4.3.3. Partilha de Risco .................................................................................................................. 75 

5. Conclusão .......................................................................................................................................... 80 

5.1. Síntese final ................................................................................................................................ 80 

5.2. Desenvolvimentos futuros ......................................................................................................... 83 

Bibliografia ............................................................................................................................................ 85 

vii  

Índice de Figuras

Figura 1 ‐ Comparação da performance de projetos públicos entre PPP e CPT como % dos projetos 

completados: Prazo e Orçamento ........................................................................................................... 2 

Figura 2 ‐ Evolução das despesas em Saúde como percentagem (%) do PIB ‐ Portugal ......................... 7 

Figura 3 ‐ Comparação da percentagem de despesa pública entre o setor público e o setor privado  10 

Figura 4 ‐ Resumo das principais áreas de intervenção nos vários níveis de poder governamental .... 13 

Figura 5 ‐ Cuidados de Saúde Primários e Secundários ........................................................................ 16 

Figura 6 ‐ Principais alterações no sistema de Saúde do Reino Unido nos últimos vinte anos ............ 16 

Figura 7 ‐ Os cinco princípios do sistema de saúde do Canadá ............................................................. 19 

Figura 8 ‐ As seis principais funções das PPP Canada ........................................................................... 20 

Figura 9 ‐ Evolução do sistema de saúde australiano ........................................................................... 22 

Figura 10 ‐ Procedimento da Parte Específica ....................................................................................... 35 

Figura 11 ‐ Critérios de Hierarquização ................................................................................................. 35 

Figura 12 ‐ Modelo de Valencia: com serviços clínicos ......................................................................... 37 

Figura 13 ‐ Quebra de Contrato em 2003 do Hospital de Alzira ........................................................... 38 

Figura 14 ‐ Modelo de Madrid (sem serviços clínicos) .......................................................................... 39 

Figura 15 ‐ Modelo Contratação LIFT .................................................................................................... 41 

Figura 16 ‐ Modelo DBFO utilizado no Reino Unido .............................................................................. 42 

Figura 17 ‐ Etapas da gestão do risco .................................................................................................... 65 

Figura 18 ‐ Comparação dos critérios de avaliação das propostas entre hospitais de 1ª e 2ª geração e 

setor rodoviário ..................................................................................................................................... 81 

Figura 19 ‐ Etapas da gestão de risco numa PPP ................................................................................... 81 

viii  

Índice de Quadros

Quadro 1 ‐ Hospitais de 1ª geração: fases do concurso e diferenças de valor ..................................... 27 

Quadro 2 ‐ PPP no Canadá .................................................................................................................... 46 

Quadro 3 ‐ Diferenças entre contratação pública tradicional e contratação em PPP .......................... 48 

Quadro 4 ‐ Correspondência entre doumentos solicitados e critérios de qualificação a satisfazer ..... 52 

Quadro 5 ‐ Duração da fase de avaliação das propostas prevista e efetiva ......................................... 54 

Quadro 6 ‐ Comparação da alocação de riscos nos quatro hospitais de 1ª Geração PPP .................... 59 

Quadro 7 ‐ Matriz de Risco do Hospital de Vila Franca de Xira ............................................................. 61 

Quadro 8 ‐ Mitigação de Riscos ............................................................................................................. 64 

Quadro 9 ‐ Avaliação do desempenho por áreas .................................................................................. 67 

Quadro 10 ‐ Avaliação de desempenho global ..................................................................................... 68 

Quadro 11 ‐ Avaliação do desempenho por disponibilidade ................................................................ 70 

Quadro 12 ‐ Avaliação de desempenho global ..................................................................................... 70 

Quadro 13 ‐ Matriz de Risco do Hospital de Todos os Santos .............................................................. 77 

ix  

Índice de Abreviaturas

CG – Contrato de Gestão

CHP – Community Health Partnerships

CPT – Contratação Pública Tradicional

CSP – Comparador do Setor Público

DBFO – Design, Build, Finance Operate

DGTF – Direção Geral do Tesouro e Finanças

EG – Entidade Gestora

EGEd – Entidade Gestora do Edifício

EGEst – Entidade Gestora do Estabelecimento

EMPS – Estrutura de Missão Parcerias Saúde

EPC – Entidade Pública Contratante

EPE – Entidade Pública Empresarial

FMI – Fundo Monetário Internacional

HTS – Hospital de Todos os Santos

HVFX – Hospital de Vila Franca de Xira

JOUE – Jornal Oficial da União Europeia

LIFT - Local Improvement Finance Trusts

MS – Ministério da Saúde

NHC – Novo Hospital de Cascais

PCT – Primary Care Trust

PIB – Produto Interno Bruto

PPP – Parceria Público-Privada

RU – Reino Unido

SA – Sociedade Anónima

TC – Tribunal de Contas

x  

VfM – Value for Money

WB – World Bank

WHO – World Health Organization

1  

1. Introdução

1.1. “Saúde: O custo de um valor sem preço”

A atual legislação em Portugal prevê o direito à proteção da saúde “através de um serviço nacional de

saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos,

tendencialmente gratuito”. Este estatuto é o resultado de um conjunto de alterações aplicadas desde

a conceção do Serviço Nacional de Saúde, essencialmente devido a restrições do fórum económico-

financeiro. De facto, as sucessivas reformas implementadas tiveram como razões os custos de saúde

crescentes que alcançaram níveis incomportáveis para o Estado Português e que, conjuntamente

com a mudança de paradigma do Estado de prestador para regulador de serviços, deram início à

introdução de um parceiro privado na prestação de determinados serviços no âmbito da saúde. Esta

mudança alicerçou-se também na vontade de aproveitamento da “reconhecida” melhor capacidade

de gestão do setor privado, tornando a prestação dos cuidados de saúde mais eficiente e com

vantagens de qualidade para os utentes e de menos custo para o Estado.

Neste enquadramento, é definido um novo regime jurídico da gestão hospitalar, que define um

conjunto de regulamentos tendo em vista a “empresarialização” hospitalar. Desta forma, em 2002

surgem os “Hospitais Empresa”, nos moldes de Hospitais SA (Hospitais Sociedade Anónima) e em

2005 surge o conceito de entidade pública empresarial (EPE), este último com o objetivo de obter um

melhor controlo da sua atividade por parte do Estado.

1.2. Parcerias Público-Privadas

1.2.1. Origem, conceito e evolução

A vaga atual das parcerias público-privadas (PPP) têm o início nos anos noventa do século XX no

Reino Unido, e, segundo a União Europeia, é definido como “formas de cooperação entre as

autoridade públicas e as empresas privadas, tendo por objetivo assegurar o financiamento a

construção a renovação, a gestão ou a manutenção de uma infra-estrutura ou a prestação de um

serviço” à qual se acrescenta a longa duração do contrato estabelecido.

A opção de parceria é valorizada em comparação com a contratação pública tradicional (CPT), tendo

em conta o histórico de (má) gestão de obras por parte do Estado em regime de empreitadas. Esta

realidade não é exclusiva de Portugal, com as obras nos moldes da contratação pública tradicional a

ter um impacto económico significativo também no Reino Unido (Figura 1).

2  

Figura 1 ‐ Comparação da performance de projetos públicos entre PPP e CPT como % dos projetos completados: Prazo e Orçamento (fonte: NAO) 

Para além das vantagens óbvias (prazo e orçamento), uma PPP apresenta vários outros benefícios

como a partilha de risco, gestão mais eficiente do setor privado e a adoção de soluções inovadoras,

resultando num menor custo global de investimento e que, aliado a uma mais elevada qualidade de

serviço fornecido, assegura a obtenção de value for money, uma das ideias-chave das PPP.

Numa parceria existe um elevado trabalho de preparação a montante da celebração do contrato entre

a entidade privada e pública, com a definição clara, rigorosa e exaustiva dos objetivos pretendidos,

em que a entidade pública contratante deve estar centrada na qualidade dos ouputs a atingir,

contrária aos inputs da CPT.

Com as cada vez maiores restrições orçamentais, devido ao excessivo défice público (generalidade

dos países europeus), e com a indefinição da tendência dos sistemas de saúde no futuro

(envelhecimento da população, expetativas crescentes de qualidade de serviço e evolução dos

padrões de doenças), os Governos têm procurado soluções inovadoras de investimento público, com

uma maior participação do setor privado (Marques e Cruz, 2011).

As PPP têm sido cada vez mais utilizadas durante a última década, existindo diversos modelos

contratuais. Na Europa, o modelo mais utilizado engloba a conceção, construção, financiamento e

operação do hospital (DBFO) e pode ainda a prestação das soft facilities (limpeza, catering,

segurança, entre outros). Outra vertente contratual inclui a prestação dos serviços clínicos na esfera

da gestão privada, que permite obtenção de maiores sinergias dado que o consórcio privado trabalha

em conjunto para alcançar uma solução que garanta níveis superiores de eficiência entre o edifício

hospitalar e as atividades médicas.

1.2.2. As parcerias Público-Privadas em Saúde – Portugal

Em 2001 ocorre um passo importante na implementação do uso de PPP no setor da saúde com a

constituição da EMPS – Estrutura de Missão Parcerias na Saúde, que visa promover o lançamento de

novas parcerias neste setor.

3  

Ao nível do enquadramento legal, a legislação no setor da saúde antecipou-se ao próprio regime

geral de regulamentação das PPP com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 185/2002 de 20 de

Agosto, que define os princípios e os instrumentos para o estabelecimento de parcerias em saúde,

regime de gestão e financiamento privados, entre o Ministério da Saúde ou instituições e serviços

integrados no Serviço Nacional de Saúde e outras entidades. Este diploma veio introduzir alterações

ao Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, permitindo, desta forma, o uso das PPP para a construção

e gestão de hospitais. Em 2003, através do Decreto-Lei n.º 86/2003 de 26 de Abril, fica definido o

regime geral das PPP, introduzindo alterações ao referido Decreto-Lei n.º 185/2002. Os Decretos-

Regulamentares n.º 14/2003, de 30 de Junho e n.º 10/2003, de 28 de Abril, definem, respetivamente,

as condicionantes do caderno de encargos e do procedimento prévio à contratação, conjuntamente

com o código dos contratos públicos (CCP), Decreto-lei 278/2009, de 2 de Outubro.

Em 2012, é aprovado o Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de Maio, que pretendia concretizar os

compromissos assumidos quando do Memorando de Entendimento celebrado com a “Troika”, tendo

grande foque na comportabilidade orçamental e na decisão de lançamento de nova parcerias.

No ano de 2001, o Governo anunciou aquela que veio a ser designada como a Primeira Vaga de PPP

da Saúde que englobava um total de 10 hospitais (8 de substituição). No entanto, os hospitais de 1ª

geração foram apenas: hospitais de Cascais, Braga, Loures e Vila Franca de Xira, remetendo para a

2ª Vaga os hospitais de Todos os Santos (Hospital de Lisboa Oriental), Faro, Margem Sul do Tejo,

Évora, Vila Nova de Gaia e Póvoa do Varzim/Vila do Conde.

Os hospitais de 1ª geração contemplavam a prestação de serviços clínicos do lado privado, sendo o

Hospital de Cascais o primeiro a ser inaugurado (Fevereiro de 2010), seguindo-se o Hospital de

Loures (Janeiro de 2012) e o Hospital de Braga (Maio de 2012).

O desenvolvimento dos hospitais de 2ª geração ficou comprometido devido às imposições de

restrição orçamental induzidas pela celebração do Memorando de Entendimento com a “Troika”,

havendo, no entanto, à data deste estudo, a permissão para avanço do Hospital de Todos os Santos

(HTS) e possivelmente também o Hospital Central do Algarve (Faro), tendo em conta os ganhos

obtidos na gestão hospitalar centralizada, traduzindo-se numa redução de custos operacionais

significativa.

1.3. Objetivos da dissertação

Este estudo tem como objetivo efetuar uma análise dos contratos de gestão dos hospitais de 1ª

geração e de 2ª geração. Em particular foram analisados os problemas relativos do acesso ao

mercado, da partilha de risco e da gestão de contrato.

Do resultado de cada uma destas análises do modelo utilizado em Portugal pretende-se efetuar uma

comparação com as melhores práticas internacionais, percebendo, desta forma, o nível de qualidade

do modelo implementado.

4  

Pretende-se também identificar e avaliar cada um dos modelos adotados (hospitais com e sem

serviços clínicos privados), considerando a análise previamente elaborada e perceber os pontos

fortes e fracos dos modelos PPP de primeira geração, conhecendo à partida que não existirá um

modelo que seja claramente superior ao outro.

1.4. Organização da dissertação

Tendo em conta que esta dissertação sobre contratação pública foi desenvolvida no âmbito da saúde,

o documento iniciou-se com uma breve, mas pertinente, evolução das condições dos cuidados de

saúde em Portugal e num grupo de países de referência (Espanha, Reino Unido, Canadá e Austrália),

de modo a ser possível melhor compreender a evolução dos atuais moldes do sistema de saúde e a

razão da utilização das PPP como um instrumento de relevo de contratação pública.

De seguida analisou-se o contexto das PPP dos cinco países, ainda com especial enfâse na análise

da 1ª e 2ª (prevista) vaga dos hospitais do caso português e procurou identificar-se os principais

aspetos da experiência internacional, focando os modelos mais utilizados e suas caraterísticas.

Foi efetuado o estudo do caso da dissertação, com a análise do contrato de gestão do Hospital de

Vila Franca de Xira, focalizando-se nos aspetos relevantes do acesso ao mercado, partilha de risco e

gestão de contrato. No acesso ao mercado pretende-se escrutinar a qualificação/admissão dos

concorrentes, os documentos solicitados pela Entidade Pública Contratante (EPC) e a fase de

qualificação das propostas. O objetivo da partilha de risco é entender o processo de gestão de risco,

nomeadamente através das fases de identificação, alocação, probabilidade de ocorrência,

quantificação do impacto e mitigação do risco e elaborando uma matriz de risco. Em relação à gestão

de contrato, a análise incide essencialmente no desempenho das entidades gestoras privadas,

relacionando-o com o sistema de monitorização, e percebendo se o mecanismo de remuneração

destas entidades está articulado com o devido cumprimento dos níveis de exigência estabelecidos no

contrato de gestão.

5  

2. O Setor da Saúde em Portugal e no Mundo

2.1. O Setor da Saúde em Portugal

No período compreendido entre o final do século XIX e a Revolução de 1974, ocorreram três grandes

reformas nos serviços de saúde em Portugal e a sua perceção e compreensão clarificam o

entendimento da evolução das políticas de saúde nos últimos quarenta anos e até o próprio conceito

do atual sistema de saúde.

Em 1903 ocorre a primeira reforma, conhecida pela reforma de Ricardo Jorge, na qual se

reestruturam a Direcção Geral de Saúde e Beneficência Pública e surgem, como centrais de

coordenação a Inspecção Geral Sanitária, o Conselho Superior de Higiene Pública e o Instituto

Central de Higiene e os cursos de Medicina Sanitária e Engenharia Sanitária. É nesta fase,

influenciada por entidades e iniciativas internacionais, que se procura constituir as primeiras bases do

conceito de saúde pública, dando origem ao início a uma política sanitária (Abreu, 2003).

O Decreto-lei n.º 35 108, de 1945, dá início à segunda reforma na qual são criadas a Direcção-Geral

de Assistência, que tinha a responsabilidade administrativa sobre os hospitais e sanatórios, e a

Direcção-Geral de Saúde, que tinha o papel de orientação e fiscalização quanto ao procedimento

técnico sanitário e de ação educativa e preventiva (Simões e Dias, 2010).

Em 1946, com a publicação da Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946, ocorre uma organização dos

serviços prestadores de cuidados de saúde, resultando na possibilidade de lançar uma rede de

hospitais sob a responsabilidade das Misericórdias (Eira, 2010).

Em 1971 ocorreu a terceira reforma em Portugal que revolucionou por completo o sistema de saúde

português. Prova disso foi a ausência de uma linha de ruptura na revolução de 1974, visto que esta

nova reforma já estava orientada para um novo papel do Estado, no sentido de conferir prioridade à

promoção da saúde e à prevenção da doença e, ainda, devido à particularidade dos principais

responsáveis por esta mudança terem continuado a exercer funções mesmo após a revolução. Ainda

em 1971 foram criados os Centros de Saúde (Simões e Dias, 2010; Abreu, 2003).

Após a revolução de 1974, teve início a “nacionalização” dos cuidados de saúde, que culminou em

1979 com a criação do Sistema Nacional de Saúde (SNS). O SNS tem como objetivo criar uma rede

estatal de prestação de cuidados a toda a população e para isso, numa primeira fase os hospitais

centrais e distritais passaram para autoridade do Governo, seguindo-se os hospitais locais em 1975,

concretizando-se, desta forma, o acesso à saúde gratuito, sob o conceito de um sistema nacional de

saúde numa rede de segurança social num “direito à saúde” por todos os cidadãos, garantidos por

um sistema nacional de saúde gratuito (Bentes et al., 2004, Abreu, 2003)

Entre 1985 e 1995 há uma convergência ao conceito de mercado. Logo nos anos oitenta houve um

debate aceso sobre a necessidade de uma reforma do sistema de saúde no qual se defendia um

papel mais dinâmico do setor privado no setor da saúde, nomeadamente num maior

6  

comprometimento do financiamento e uma linha de gestão empresarial do SNS. A Europa, em geral,

estava a ser fortemente influenciada por uma filosofia de mercado, principalmente na competição

entre prestadores de serviços de saúde, com o objetivo de elevar o nível de eficiência desses

mesmos serviços (Simões e Dias, 2010).

As alterações à estratégia até então seguida em Portugal, inseridas na Lei de Bases da Saúde (1990)

e no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (1993), que pretendiam aproximar a filosofia de gestão

com a ideologia de mercado, são descritas segundo quatro conceitos: regionalização da

administração dos serviços, com a criação das administrações regionais de saúde – 5 unidades; a

privatização dos serviços de prestação de cuidados, processo no qual o Estado tem o dever de

promover a expansão do setor privado e possibilitar que unidades públicas atuem sob gestão privada;

a possibilidade de transferência para domínio privado do financiamento de cuidados, através de

benefícios à opção por seguros privados de saúde, tornando possível a adesão a um seguro de

saúde alternativo; e a integração de cuidados, numa perspetiva de formar unidade de saúde, que

agregariam, numa dada região, hospitais e centros de saúde (Bentes et al, 2004; Abreu, 2003).

Ainda em 1989, ocorre a segunda revisão constitucional, onde é alterada o artigo 64.º, ficando o

primeiro princípio redigido da seguinte forma: “serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo

em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”. No segundo

ponto do mesmo artigo, é afastada a radicalização do socialismo da medicina e dos setores médico-

medicamentosos, e é redigida a expressão “socialização dos custos dos cuidados médicos e

medicamentosos”. Antes da revisão de 1989, o Tribunal de Contas era favorável à legalidade da

cobrança de taxas moderadoras compatíveis com o estatuto de gratuitidade indicado. Após esta

revisão, a orientação do Tribunal dotou-se de um caráter mais amplo ao nível do reconhecimento pelo

legislador comum (Simões e Dias, 2010).

Entre 1995 e 2002 ocorre uma fase associada a um recuo da “ideologia de mercado” do sistema de

saúde. Em 1997, é lançado um documento que contém os princípios e objetivos para uma “nova

política”, com o reforço do papel do Estado no sistema, cujo título é “Saúde, um Compromisso. A

Estratégia de Saúde para o virar do Século (1998-2002)”. Este diploma, da autoria do Ministério da

Saúde, apresenta três aspetos fundamentais: a contratualização, como nova forma de ligação entre

os contribuintes, os seus agentes financiadores de serviços e os prestadores de cuidados; uma nova

gestão pública no setor da saúde, com a revisão da gestão de hospitais e centros de saúde e ainda

uma associação da remuneração dos profissionais ao seu desempenho (Peleteiro et al., 2004). Ainda

em 1977 os hospitais passaram a ter autonomia administrativa e financeira (Decreto-Lei n.º 129, de 2

de Abril) com algumas exceções (DGIES, 2006).

A forma organizacional como Unidade Local de Saúde foi desenhada com o objetivo de promover

uma maior interação entre prestadores de serviços públicos e privados e entre cuidados primários,

hospitalares e continuados. A primeira unidade a trabalhar nestes moldes foi a ULS de Matosinhos,

que integrava o Hospital Pedro Hispano e os Centros de Saúde de Matosinhos, Senhora da Hora,

São Mamede e Leça da Palmeira. As guias de orientação estabelecidas foram no sentido de garantir

7  

à população referente ao raio de influência, o fornecimento global de cuidados de saúde, seja através

dos serviços próprios ou com recurso à contratação com outras entidades e pretendiam ainda uma

melhoria das atividades de saúde pública e de autoridade de saúde municipal (Vaz, 2010). Após duas

décadas da criação do SNS, as reformas até então operadas levaram a um elevado aumento da

despesa pública, conduzindo a níveis de endividamento público insustentáveis, sem o equivalente

aumento da qualidade do serviço prestado aos cidadãos. Através da análise da Figura 2, é possível

observar esta tendência crescente das despesas em Saúde, expressas em percentagem (%) do

Produto Interno Bruto (PIB).

 

Figura 2 ‐ Evolução das despesas em Saúde como percentagem (%) do PIB ‐ Portugal

Verifica-se uma tendência de aumento dos gastos em saúde na generalidade da União Europeia, que

vem elucidar que este grave problema do aumento dos custos em saúde não é um problema

exclusivo de Portugal, e vem reforçar a necessidade de otimizar o funcionamento do SNS. Assim, de

2002 a 2005, há uma ambiciosa busca pela eficiência, através de um sistema de desenho misto que

permitisse uma articulação entre o setor público, o setor privado e o setor social. Esta nova doutrina

do SNS tinha como base operacional uma complementaridade nas redes de cuidados primários, de

cuidados diferenciados e de cuidados continuados, sem que, necessariamente, a opção pelo SNS

fosse preferencial. Esta mudança é acompanhada juridicamente por duas alterações de maior

relevância, em 2002, da Lei de Bases de Saúde, nomeadamente de possibilitar o contrato individual

de trabalho aos profissionais do SNS e a constituição de unidades de saúde nos moldes de

sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos (Simões e Dias, 2010).

8  

De forma a tentar mitigar esta baixa eficiência do serviço nacional de saúde, foi aprovado, no ano de

2002, um novo regime jurídico de gestão hospitalar (Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro) que visava a

“empresarialização” dos hospitais (DGIES, 2006):

Hospitais do Setor Público Administrativo (HSPA): estabelecimentos públicos, com caráter

jurídico, autonomia administrativa e financeira, com ou sem autonomia patrimonial;

Hospitais EPE: estabelecimentos públicos, com caráter jurídico, autonomia administrativa,

financeira e patrimonial e natureza empresarial;

Hospitais SA: sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos;

Estabelecimentos privados, estruturados no SNS por meio de um contrato, com a finalidade

de prestação de serviços de saúde, com ou sem fins lucrativos;

Organismos do SNS geridos sob gestão pública ou gestão privada com recurso a contrato de

gestão (Hospital Fernando Fonseca).

Foi então adotado, neste período, o perfil de Hospital SA, surgindo assim trinta e uma sociedades

anónimas. O Decreto-Lei que definia os estatutos deste perfil hospitalar previa um teto de

endividamento (30% do capital social, mas para um endividamento superior a 10% do capital social é

necessário a aprovação da Assembleia Geral), a contratação de pessoal novo surge essencialmente

na forma de contrato individual de trabalho, foram indicados explicitamente as regalias pecuniárias ou

outras, tendo em vista o aumento do desempenho dos profissionais de saúde e a prestação de

atividades hospitalares estabelecidas sob a forma de contrato entre os Hospitais e o Ministério da

Saúde, no qual o último surge como financiador dos serviços (Vaz, 2010).

A natureza contratual deste perfil hospitalar foi criticada por muitos, fundamentada como sendo o

primeiro passo para a privatização dos hospitais públicos. No entanto, em paralelo à alteração da

natureza jurídica dos hospitais, foi também constituída uma Estrutura de Missão, no âmbito do

Ministério da Saúde, na qual foi criada um conjunto de instrumentos e ferramentas de gestão que

tiveram um papel determinante para o desenvolvimento das unidades hospitalares públicas em

Portugal (Vaz, 2010). Segundo o Tribunal de Contas, constata-se que nos hospitais a funcionar nos

moldes de sociedades anónimas ocorreu, efetivamente, um aumento real de eficiência em termos

globais; segundo análise estatística, o nível de qualidade global foi elevado e não se identificou

qualquer indício de uma menor equidade no acesso (TC, 2006).

Em meados de 2005, ocorre uma mudança ao nível da natureza jurídica dos hospitais, abandonando-

se os moldes de sociedades anónimas e passando o perfil hospitalar para Entidade Pública

Empresarial, na totalidade das trinta e uma unidades previamente definidas. Esta alteração, traduzida

pelo Decreto-Lei n.º 93/2005, é justificada, em parte, pela necessidade de assegurar uma

implementação mais rigorosa ao nível das linhas de orientação estratégicas, com supervisão direta

dos Ministros das Finanças e da Saúde e, por outro lado, reforçar a inequívoca identidade pública das

unidades prestadoras dos serviços de saúde do Estado. Houve, a partir deste momento, uma

9  

tendência crescente na alteração do estatuto de Hospital SPA para Entidade Pública Empresarial

(Vaz, 2010).

Não é possível, ainda, fazer uma avaliação geral e integrada do desempenho das unidades

hospitalares EPE ou proceder à sua avaliação comparativa com os hospitais que conservam o regime

antigo. Não obstante, de uma forma genérica, pode concluir-se que este modelo é mais eficiente

numa perspetiva de produção e acesso aos cuidados médicos e menos capaz de garantir o devido

controlo e contenção de custos, continuando a existir hospitais com graves problemas a nível

económico-financeiro (Vaz, 2010).

Nos últimos anos, novas formas estruturais dos organismos de saúde públicos têm vindo a ser

ensaiadas como forma de solucionar algumas das debilidades do SNS. Destacam-se dois modelos

de gestão, nomeadamente os Centros Hospitalares e as PPP, dos quais se destacam o segundo. As

PPP em saúde surgem, pela primeira vez, no início da década de oitenta, no Reino Unido (RU),

propagando-se depois para outros países. Este modelo contratual, particularmente na opção de

construção de hospitais, brotou de uma ideia em que seria possível uma renovação mais rápida e

com menores custos do parque hospitalar, com a captação de investimento financeiro do setor

privado. Em Portugal, esta forma organizacional começou também a ser utilizada pelas restrições

orçamentais, pois permitia um alívio financeiro no momento do investimento. Efetivamente, o recurso

ao investimento privado através realização de PPP introduz uma flexibilidade orçamental no momento

do investimento, tendo como contrapartida um fluxo de pagamentos futuro (Oliveira, 2009).

Não existe uma definição globalmente aceite para uma PPP, no entanto, a legislação em Portugal

(Decreto-Lei n.º 86/2003) define este conceito como “o contrato ou a união de contratos, por via dos

quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura,

perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação

de uma necessidade coletiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e

pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado”. Numa economia de mercado,

um panorama de aumento de despesa pública traduz-se, de uma forma quase inequívoca, num

aumento de taxas de tributação ou de aumento do endividamento público, pondo assim de parte uma

atividade potencialmente dinamizadora, do setor privado, da atividade económica produtora de

serviços. Na Figura 3, apresenta-se a comparação entre a despesa, em percentagem, a cargo do

Estado e a despesa do setor privado, em relação à despesa total em Saúde.

10  

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009

Despesa pública emSaúde como % da

despesa total  em Saúde

Despesa privada emSaúde como % da

despesa total  em Saúde

 

Figura 3 ‐ Comparação da percentagem de despesa pública entre o setor público e o setor privado

Assim, nos últimos anos, o Estado tem procurado alterar o seu papel tradicional de produtor e

distribuidor para uma função reguladora e controladora, assumindo uma postura mais rigorosa no

controlo dos recursos afetos na prestação dos cuidados de saúde. Esta doutrina rege-se por

princípios de qualidade e organização, muito vocacionada na obtenção de resultados, através da

aplicação de critérios de eficiência, o que permite atenuar a influência do Estado na economia.

Esta nova linha de ação aspira usufruir da reconhecida melhor capacidade ao nível da gestão do

setor privado, pretendendo dotar o parceiro público com know-how tecnológico, operativo e de

gestão, bem como de tirar partido das economias de escala, eficiência e flexibilidade de organização,

conceitos-chave caraterísticos do setor privado. Esta política ambicionava também dar um novo

ânimo à economia, permitindo ao setor privado atuar em áreas até então de domínio exclusivamente

público, aumentando a qualidade do serviço dos cuidados de saúde e utilizando, criteriosamente, os

escassos recursos públicos.

Constata-se então uma procura de cumplicidade entre o Estado e o setor privado, através do

desenvolvimento de novos sistemas e experiências inovadoras, no âmbito da prestação de serviços

públicos de saúde.

2.2. O Setor da Saúde no Mundo

2.2.1. Enquadramento

Neste capítulo pretende-se ilustrar a evolução ocorrida nos sistemas de saúde dos países em estudo,

nomeadamente Espanha, Reino Unido, Canadá e Austrália, de forma a entender como o processo

evolutivo influenciou o quadro do atual sistema de saúde de cada um destes países.

11  

2.2.2. Espanha

O conceito de proteção social em Espanha começou a ser pensado no final do século XIX com a

criação da Comissão de Reformas Sociais. No início do século XX, foi criado o Instituto de Segurança

Social (Instituto Nacional de Previsión, INP), com o objetivo de coordenar o desenvolvimento e

implementação as primeiras políticas de segurança social. No setor da saúde, apenas durante a

Segunda República (1931-1936), foram feitos esforços para desenvolver serviços de saúde sociais,

com vista em abranger a população mais pobre, sob a tutela do Instituto de Segurança Social (Durán

et al., 2006). No início da década de quarenta, os cuidados de saúde estavam ao abrigo da

Segurança Social, com a instituição de um seguro de saúde obrigatório (Seguro Obligatorio de

Enfermedad) destinados à classe trabalhadora com rendimentos mais baixos (Gaminde, 1999).

Em 1967 é publicada a Lei de Base da Segurança Social que expandiu a oferta dos cuidados de

saúde a um conjunto maior da população, passando de 53,1% em 1966 para 81,7% em 1978 (Durán

et al., 2006). Assim, aquando da transição para a democracia, os cuidados primários de saúde eram

prestados essencialmente por serviços públicos, resultante do desenvolvimento de uma rede de

centros e serviços de saúde, durante a década de sessenta e setenta, culminando numa rede

moderna de hospitais públicos, a cargo do Ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais. Em 1977

surgiu a figura do Ministro da Saúde e em 1978 a nova constituição democrática previa o direito ao

acesso aos cuidados de saúde de toda a população espanhola, e devolvia poderes às Regiões

Autónomas, incluindo responsabilidades dos serviços de saúde da Segurança Social. Em 1979 a

responsabilidade da administração dos cuidados de saúde foi indigitada a uma organização singular,

a INSALUD (Instituto Nacional de Saúde), que respondia diretamente ao Ministro da Saúde

(Gaminde, 1999).

Assim, neste período da nova democracia, libertou-se uma vontade latente em desenvolver um

melhor serviço nacional de saúde, iniciando-se um conjunto de reformas em 1984 que através da

publicação da Lei de Cuidados de Saúde Gerais (1986), resultou na transformação do sistema de

segurança social no Sistema Nacional de Saúde (Gómez e Nicolás, 2007). Esta mudança originou

duas reformas com elevado potencial ao nível do acesso à saúde em termos de desigualdades

socioeconómicas: o Sistema Nacional de Saúde foi definitivamente estipulado como sendo universal

e subsidiado por impostos, dando acesso a cuidados de saúde primários e especializados a toda a

população e definiu a possibilidade de ajudas especiais a certos grupos de pacientes, nomeadamente

pensionistas e pessoas com deficiências. A segunda reforma prende-se ao nível da formação de todo

o pessoal médico e de enfermagem, não só de cuidados primários de saúde, mas também cuidados

de prevenção e promoção da saúde (Gómez e Nicolás, 2007).

Contudo, a implementação ao acesso ao Serviço Nacional de Saúde foi um processo lento, mesmo

tendo sido planeada em 1984 e aplicada legalmente em 1986, no ano de 1992 apenas 50% da

população usufruía no novo Sistema de Saúde, aumentando este valor para 81% no ano 2000

(European Observatory on Health Care Systems, 2000).

12  

Até 2001, o Governo Central apenas tinha devolvido o poder de decisão da rede de cuidados de

saúde a sete Regiões Autónomas, estando as restantes dez regiões à responsabilidade do INSALUD,

que cobria aproximadamente dois terços da população espanhola. No período de 2001-2003 o

processo de descentralização foi concluído e foi aprovada a Lei de Qualidade e Coesão do SNS que

pretendia equilibrar o balanço entre a prestação dos serviços e a coordenação nacional. Esta Lei

definiu um nível diferente de coordenação, nomeadamente na distribuição de responsabilidades e

pretendeu criar uma visão global de igualdade e eficiência do SNS, beneficiando a aprendizagem

mútua e a cooperação, devolveu ainda o papel máximo de coordenação ao CISNS (Conselho Inter-

Regional do SNS) (Garcia-Armesto et al., 2010).

Em 2006 é lançado o Plano de Qualidade do SNS, previsto na Lei de Qualidade e Coesão, que tem

seis áreas de intervenção (Ministério da Saúde de Espanha, 2006):

Proteção, promoção e prevenção em

Saúde;

Igualdade de acessos;

Planeamento dos recursos humanos na

saúde;

Promover a excelência dos serviços

clínicos;

Utilização das tecnologias de informação

de modo a introduzir mais-valias para a

população;

Promover a transparência do SNS.

No ano de 2009, a Lei Estrutural do sistema de financiamento das Regiões Autónomas sofreu uma

revisão, passando a ter como linhas de orientação os seguintes princípios (Garcia-Armesto et al.,

2010):

Autonomia financeira: capacidade das Regiões determinarem a despesa e as receitas;

Auto-suficiência: garantir a suficiência financeira das regiões;

Solidariedade: assegurar a articulação de mecanismos de forma a redistribuir os recursos

existentes e compensar economicamente as desigualdades entre as Regiões.

O setor privado começa a sua atividade na área da saúde em 1993 com a introdução do primeiro

contrato-programa (CP) (Escoval et al., 2010). Assim, neste ano, foram celebrados alguns contratos

entre parceiros público e privado,

O SNS Espanhol é atualmente caraterizado pela sua profunda descentralização, alcançada na

totalidade em 2002, e define as Regiões Autónomas como as autoridades de decisão em relação ao

setor da saúde. Esta descentralização é um elemento chave na garantia de uma política de saúde

direcionada para as necessidades dos cidadãos, tornando possível a cada região responder de uma

forma mais eficiente às necessidades intrínsecas da sua área de influência. Na Figura 4 indica-se, de

uma forma clara e sintética, as áreas de intervenção estrutural onde cada hierarquia de Governo

atua. Contudo, se, por um lado, este tipo de descentralizado do SNS pode oferecer melhores serviços

aos seus utilizadores, requer também um complexo trabalho de coordenação e coesão, de forma a

garantir a implementação de uma estratégia comum em todo o país. A figura central deste papel de

13  

coordenação assume-se na figura do Ministro da Saúde e Política Social, cuja missão prende-se com

assegurar igualdade de acesso ao SNS e garantir a qualidade dos serviços prestados em todas as

Regiões, garantindo assim os direitos dos cidadãos.

 

Figura 4 ‐ Resumo das principais áreas de intervenção nos vários níveis de poder governamental

2.2.3. Reino Unido

No século XIX, o setor na saúde no Reino Unido (RU) não era dotado de qualquer estrutura

organizativa que regesse a prestação dos serviços de saúde. Estes cuidados dependiam em grande

parte de hospitais de voluntariado e hospitais municipais, sob a responsabilidade de Governos locais.

Os seguros de saúde não eram comuns mas, no entanto, existiam alguns fundos de seguros

suportados quer por determinados indivíduos mais abastados quer por doações de caridade (Boyle,

2011).

No fim do século XIX, princípio do século XX, o sistema de saúde inglês era uma mistura

desorganizada de serviços de saúde públicos e privados (Surender e Matsuoka, 2008). Assim, surgiu

uma vontade política em prestar uma melhor assistência ao nível da saúde, educação e bem-estar

(Boyle, 2011). Em 1911, através da Lei de Seguro Nacional, foi implementado um sistema de seguros

nacional, que pretendia abranger os trabalhadores das classes salariais mais baixas, assegurando

cuidados de saúde ao nível de medicina familiar (médico de família) (Surender e Matsuoka, 2008).

Contudo, apenas 40% da população usufruía deste seguro, não estando contemplados nem cuidados

hospitalares nem cuidados a familiares e era subsidiado por trabalhadores, empregadores e pelo

Estado (Surender e Matsuoka, 2008). A figura do Ministro da Saúde surge em 1919, com o objetivo

de consolidar o papel do Governo Central nos cuidados médicos e serviços de saúde e tinha como

competências a coordenação e supervisão dos serviços locais de saúde de Inglaterra e País de

Gales (Rivett, 1998; Lister 2008).

No final dos anos trinta, havia um reconhecimento geral de uma necessidade de mudança nos

serviços de saúde Britânicos, que se caraterizavam em dois sistemas hospitalares, o setor público e

os hospitais de voluntariado, que desempenhavam funções em paralelo, sem qualquer tipo de

coordenação. Existia também um forte obstáculo financeiro que impedia o acesso aos cuidados de

saúde a muitos trabalhadores, em especial do sexo feminino (Boyle, 2011). Assim, aproveitando as

investigações ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial, mais propriamente o Relatório

14  

Beveridge, foi aprovada a Lei do Serviço Nacional de Saúde em 1946. Deste modo, o Sistema

Nacional de Saúde entrou em funcionamento em 1948 e tinha como princípios garantir a igualdade de

acesso aos cuidados médicos, tornando-os gratuitos ao nível da prestação de serviços. Do ponto de

vista do utilizador, as mudanças operadas no SNS tiveram duas consequências de maior impacto,

nomeadamente a ausência de custos diretos por utilização do sistema e a possibilidade de acesso a

setores da população até então privados da sua utilização (Webster, 2002). Do ponto de vista

organizacional, o SNS foi dividido em três setores: cuidados hospitalares (maior consumidor de

recursos financeiros), cuidados de saúde primários (médicos de família) e serviços de saúde das

autoridades locais (e.g., saúde pública, maternidade) (Surender e Matsuoka, 2008).

Durante a década de cinquenta e sessenta, houve um aumento de despesa com o SNS, não só

devido a gastos operacionais crescentes mas também com a perceção da necessidade de investir em

novas instalações e novas tecnologias (Boyle, 2011). Em 1962, com base no Plano Hospitalar

definido, foi estipulada uma rede nacional de hospitais, distribuídos de forma a abranger todo o

território, tendo cada hospital uma determinada área de influência (Hospitais distritais) (Boyle, 2011).

No entanto, devido à crise financeira internacional vivida nos anos sessenta e setenta, apenas foi

cumprida uma parte deste plano.

O Sistema Nacional de Saúde sofreu uma reforma estrutural em 1974, traduzida legalmente pela Lei

Nacional de Reorganização dos Serviços de Saúde de 1973, centrada na prestação de cuidados

preventivos de saúde. Esta reforma ditou o fim da divisão tripartida do SNS (cuidados hospitalares,

cuidados primários e serviços de saúde das autoridades locais), unindo o sistema de saúde numa

única estrutura, com o objetivo de alcançar um melhor planeamento e uma melhor prestação de

serviços de saúde (Donaldson, 2008). Houve, nesta década de setenta, um reconhecimento da

desigualdade em relação à alocação de recursos, afetos ao SNS, nas diferentes zonas de Inglaterra.

Este facto levou ao desenvolvimento de métodos de distribuição de recursos financeiros, tendo por

base as necessidades reais da população alvo, deixando de parte o financiamento baseado em

padrões históricos (Boyle, 2011).

No período compreendido entre os anos oitenta e o início dos anos noventa, foi introduzido um

conjunto de medidas que pretendia alcançar melhores níveis de eficiência do SNS, medidas estas

desenhadas no White Paper de 1989, Working for Patients, cuja tradução legal ocorreu em 1990 com

a Lei do Serviço Nacional de Saúde e de Cuidados Comunitários, sendo implementada em 1991.

Para alcançar estes objetivos, foi criado um mercado interno, no qual era separado o financiamento

da prestação dos serviços de saúde (Surender e Matsuoka, 2008). Apesar do medo da proximidade

com a privatização do sistema nacional de saúde, as medidas não alteraram as bases do

financiamento do SNS, preservando a gratuitidade dos cuidados e o financiamento através de

impostos. Contudo pretendiam implementar uma competição entre prestadores de serviços como

forma de aumentar a eficiência e padrões de qualidade dos serviços (Surender e Matsuoka, 2008).

Alguns exemplos de medidas prendem-se com programas de redução de custos, introdução de

indicadores de desempenho, promoção da competição nos serviços não clínicos de suporte

15  

(lavandaria, limpeza), introdução de taxas moderadoras e implementação de uma gestão geral nas

autoridades de saúde e unidades hospitalares (Boyle, 2011).

Com a separação entre financiadores e prestadores de serviços na saúde, bem como a criação de

um mercado interno, a dinâmica tradicional do SNS foi desafiada. As noções de burocracia,

profissionalismo e paternalismo foram substituídas por conceitos de mercado, consumismo e direitos

de utilizador, havendo uma mudança da mentalidade do pós-guerra de coordenação e cuidados

universais para preocupações de eficiência e poder de escolha (Surender e Matsuoka, 2008).

Em 1997 foi anunciada uma nova forma organizacional para o SNS. Nos moldes do White Paper, The

New NHS: modern, dependable, este modelo pretendia substituir o mercado interno por um sistema

de cuidados integrados, baseado na noção de parceria e não de competição (Surender e Matsuoka,

2008). Esta doutrina era focada nas necessidades dos utilizadores e não das organizações, e

separava as opções estratégicas dos prestadores de serviços, dando ênfase aos cuidados primários

de saúde e mantinha o poder de decisão descentralizado para a gestão operacional (Surender e

Matsuoka, 2008).

O conjunto de medidas anunciadas em 1997 pretendiam implementar reformas estruturais no SNS,

nomeadamente a substituição das autoridades distritais de saúde por unidades primárias de saúde

(Primary Care Trust, PCT), autoridades regionais de saúde por autoridades de saúde estratégicas

(Strategic Health Authority, SHA) e foi dada uma maior liberdade de atuação a determinados serviços

do SNS, nos moldes de Foundations Trust (Trust), pelo Departamento da Saúde (Boyle, 2011).

Assim, nesta nova forma organizativa, os PCT são responsáveis pela prestação de cuidados

primários e serviços relacionados com a população, incluindo algumas áreas da saúde mental e a

contratação da maioria dos cuidados secundários para utentes residentes na sua área de

intervenção. As SHA têm como objetivo desenvolver condições para permitir que os organismos

locais de saúde atinjam objetivos mais vastos na prestação de cuidados de saúde e têm o dever de

supervisionar a visão estratégica adotada pelos organismos locais de Saúde. Foram também criadas

entidades de regulação, como o NICE (National Institute for Clinical Excellence) e a CQC (Care

Quality Commission), que têm o papel de garantir os padrões nacionais ambicionados no setor da

saúde no RU (Boyle, 2011). Na Figura 5 exemplificam-se os tipos de cuidados primários e

secundários no RU.

16  

 

Figura 5 ‐ Cuidados de Saúde Primários e Secundários (Fonte: NHS)

Adaptado: site NHS - http://www.nhs.uk/NHSEngland/thenhs/about/Pages/nhsstructure.aspx

Na última década verificou-se um envolvimento crescente do setor privado na prestação de serviços

para o SNS, através de novas formas contratuais, nomeadamente com recurso às Private Finance

Initiative (PFI), onde tipicamente o parceiro privado constrói e gere as instalações e, através da

criação (por parte do setor privado) dos centros de tratamento de setores independentes (ISTC)

(Boyle, 2011).

Na Figura 6 estão indicadas, de forma sintética, as principais mudanças ocorridas no SNS nos últimos

anos.

 

Figura 6 ‐ Principais alterações no sistema de Saúde do Reino Unido nos últimos vinte anos

Observa-se então, para além do envolvimento do setor privado, um cuidado em garantir melhores

serviços de saúde aos utentes, com mudança de mentalidade para indicadores de desempenho e

construção de boas relações entre público e privado, resultando no desenho atual de uma PFI.

17  

2.2.4. Canadá

A saúde pública no Canadá funciona num esquema de administração bastante descentralizada,

essencialmente devido a três fatores: responsabilidade, ao nível das províncias, da administração e

prestação da maioria dos serviços públicos de saúde, uma separação histórica entre o Governo, por

um lado, e o setor hospitalar e médico por outro, e a introdução de novas reformas regionais nas

quais as organizações sub-provincianas ficaram responsáveis pela distribuição da maioria dos

recursos de saúde (Marchildon, 2005). Tradicionalmente, os hospitais no Canadá eram estimulados

pelos Governos das províncias, através de subsídios, para receberem e tratarem todos os doentes,

independentemente da sua capacidade de pagar.

Em 1916, o Governo da província de Saskatchewan alterou a sua legislação municipal com o objetivo

de facilitar a implementação de hospitais distritais bem como a contratação de médicos remunerados,

de modo a prestarem serviços de saúde pública, como medicina geral, maternidade e cirurgias

menores. Este tipo serviço de saúde está na origem do sistema que viria a ser conhecido como

Medicare. Como consequência da Grande Depressão dos anos trinta, um número crescente de

canadianos não conseguia suportar financeiramente o acesso aos serviços de saúde, por um lado, e

por outro lado, as receitas do Estado reduziram-se drasticamente, impossibilitando o suporte das

despesas de saúde pelo mesmo. No período pós-guerra (1945-1946), decorreu a Conferência de

Domínio Provincial de Reconstrução, na qual o Governo Federal sugeriu um pacote de medidas de

domínio amplo, ao nível de segurança social e alterações fiscais, onde foi incluída uma proposta de

suporte de custos de 60% em relação ao serviço hospitalar e seguro de cuidados médicos. Esta

medida foi prontamente rejeitada, sobretudo por preocupações acerca da administração e cobrança

de impostos necessária à sua implementação. Assim, o facto de esta conferência não ter sido bem-

sucedida, levou à necessidade de uma solução mais pacífica em termos de introdução de cuidados

de saúde pública nos anos que sucederam à Segunda Grande Guerra.

Em 1947, a província de Saskatchewan implementou um plano de serviço hospitalar universal, que

ficou conhecido como hospitalização. Contrariando a filosofia das políticas de seguros privados, este

serviço previa o cuidado médico completo, não havendo distinção entre cuidados básicos e

complementares nem tinha restrições temporais de tratamento. Este tipo de funcionamento hospitalar

permitiu impedir o crescimento de seguros privados até então verificado, e teve uma ajuda ao nível do

financiamento através de subsídios do Governo Federal (Johnson, 2004a). Os subsídios estavam

destinados não só ao tratamento hospitalar mas também à construção do edifício hospitalar (Taylor,

1987).

Após esta alteração do modelo hospitalar de Saskatchewan, houve uma adesão gradual das

restantes províncias do Canadá na adopção de modelos semelhantes. Em 1957 é aprovada a Lei de

Seguro Hospitalar e Serviços de Diagnóstico, cujo objetivo era definir um conjunto condições a

cumprir pelas províncias de modo a que o custo hospitalar fosse partilhado pelo Governo Federal

(Marchildon, 2005 e Taylor,1987).

18  

A partilha de custos hospitalares entre as províncias e o Governo federal permitiu que, em 1961, a

província de Saskatchewan introduzisse uma cobertura universal de cuidados médicos. Esta medida

foi amplamente elogiada pela Comissão Real dos Serviços de Saúde, levando a que em 1966 o

Governo federal aprovasse a Lei dos Cuidados Médicos, com o objetivo de estender esta política de

saúde às restantes províncias. Esta medida baseava-se em quatro princípios gerais como a

universalidade, administração pública, abrangência e portabilidade e, no ano de 1972, todas as

províncias tinham implementado um sistema público e universal de saúde para tratamentos médicos

(Marchildon, 2005).

Desde o início do movimento denominado por hospitalização, por iniciativa da província de

Saskatchewan, até à introdução de um sistema universal de seguros público, em todas as províncias,

demorou aproximadamente um quarto de século. Este sistema tem a propriedade de ser gerido

individualmente por cada uma das províncias mas, no entanto, há uma união nacional, traduzida por

um conjunto de princípios comuns definidos por uma lei federal. Entre os canadianos, este sistema

ficou conhecido como “Medicare” (Phillips e Swan, 1996).

Nos anos setenta verificou-se uma rápida expansão da cobertura e subsídio dos serviços públicos de

saúde em domínios fora dos cuidados hospitalares, nomeadamente ao nível de tratamento da

toxicodependência, programas, serviços e subsídios de cuidados domiciliários e cuidados médicos de

longa duração. Estas medidas não eram regidas por princípios nacionais nem eram financiadas pelo

Governo federal, pelo que havia diferenças entre as várias províncias ao nível destas políticas

(Marchildon, 2005). Em paralelo, o Governo federal introduzia um novo tipo de pensamento em

saúde, o qual ia para além dos cuidados médicos, isto é, envolvia conceitos como os fatores

biológicos, estilo de vida, condições ambientais e condições económico-sociais da população. Esta

filosofia ganhou enfâse com a publicação do estudo A new perspective on the health of Canadians,

da autoria do então primeiro-ministro, que serviu de base para as reformas introduzidas no início dos

anos noventa (McKay, 2001).

Em 1977, houve um acordo entre o Governo federal e as províncias que permitiu alterar o modo de

aplicação dos fundos federais na saúde, atribuindo uma maior flexibilidade ao uso destes fundos por

parte das províncias. Deste modo, não era necessário utiliza-los obrigatoriamente em cuidados

hospitalares e médicos, podendo ser atribuídos a programas relacionados com a toxicodependência

ou cuidados domiciliários. Assim o Governo federal pretendia obter ganhos noutras vertentes da

saúde da população com a esperança que se manifestasse em valor acrescentado para o

desenvolvimento da economia (Marchildon, 2005).

A alteração respeitante à aplicação dos fundos federais em saúde arrastou também consequências

negativas. Muitos estabelecimentos de saúde passaram a cobrar taxas moderadoras, efeito este não

pretendido pelo Governo federal. Como resposta, o Ministro da Saúde ordenou que fosse feita uma

revisão externa do funcionamento do sistema de saúde, da qual resultou um estudo com um conjunto

de recomendações. Este estudo, da autoria de Emmett Hall, refere que as taxas moderadoras

cobradas por hospitais, clínicas e médicos constituíam um travão no acesso à saúde por parte da

19  

população, o que ia contra os princípios base do que o sistema Medicare pretendia ser (Hall, 1980).

Estas medidas foram largamente apoiadas pelo parlamento e, com base nelas, foi aprovada uma

nova lei – Lei da Saúde do Canadá (1984) – que apresentava como medida para combater as taxas

cobradas, a dedução do valor total cobrado dessas mesmas taxas nos fundos federais.

Como referido anteriormente, o sistema Medicare estava baseado em quatro princípios base

(universalidade, administração pública, abrangência e portabilidade) que, após a lei de 1984, foi

acrescentado um novo princípio fundamental – a acessibilidade, introduzido propositadamente para

penalizar, e acabar, com as taxas cobradas pelas instituições de saúde (Figura 7). Esta medida

obteve o maior sucesso, resultando em 1988 no fim da cobrança de taxas por serviços de saúde

(Bégin, 1988; Health Canada, 2004).

 

Figura 7 ‐ Os cinco princípios do sistema de saúde do Canadá 

Em 1995, ocorreu uma nova alteração fiscal, a qual agrupou os subsídios federais de cuidados de

saúde com os subsídios para os serviços sociais e assistência social num único mecanismo de

financiamento (WHO, 1996).

No ano de 2003 houve um acordo entre as províncias que tinha como objetivo, através de alterações

estruturais, melhorar as condições de acesso, qualidade e sustentabilidade a longo prazo do sistema

de saúde. O acordo previa um empenho substancial dos Governos nas áreas de cuidados primários,

na informação tecnológica (e.g. registos eletrónicos), cobertura de determinados serviços nos

cuidados médicos domiciliários, melhorar o acesso a equipamentos de diagnóstico e equipamento

médico e melhor gestão de gastos por parte dos Governos. Com este acordo, os subsídios federais

de suporte à saúde foram aumentados, para compensar os investimentos decididos (WHO, 1996).

Com a ambição de melhorar o sistema de saúde, foi definido, pelos Governos das províncias, um

plano para os próximos dez anos que tinha como mote fortalecer os cuidados de saúde. Este plano,

anunciado em 2004, implicava reformas em áreas como tempos de espera, recursos humanos,

cuidados domiciliários, cuidados primários, estratégia nacional de produtos farmacêuticos,

equipamento médico, prevenção, promoção e saúde pública, e melhorar o acompanhamento da

evolução destas medidas através de relatórios de progressos. Para acompanhar estas medidas, o

20  

Governo federal comprometeu-se em aumentar gradualmente todos os anos, até ao final do período

dos dez anos, os subsídios atribuídos às províncias para gastos em assuntos relacionados com a

saúde (Marchildon, 2005).

No ano de 2008 foi criada a PPP Canada, que tem como objetivo obter know-how sobre o

desenvolvimento de projetos em PPP e criar condições federais para a sua implementação, e obter

um melhor value for money dos investimentos federais nas províncias. Este organismo foi criado com

uma administração independente, que respondia através da figura do Ministro das Finanças no

Parlamento.

A PPP Canada iniciou a sua atividade em 2009 e segue como linha de orientação um aumento de

disponibilidade das infra-estruturas de saúde para o utilizador, através do melhoramento da sua

utilização e oferecendo melhores oportunidades, mas também responsabilidades aos contribuintes

(PPP Canada, 2011). Esta entidade apresenta seis artigos nucleares, conforme ilustrado na figura

Figura 8.

 

Figura 8 ‐ As seis principais funções das PPP Canada 

2.2.5. Austrália

A Austrália é governada sob a forma de um Governo federal, com as funções fiscais e

responsabilidades funcionais a serem divididas entre o Governo Australiano (Governo Federal) e os

seis estados e dois Territórios (denominados daqui em diante por Estados).

Até meados do século XX, a população tinha que pagar os serviços de saúde que utilizava ou

recorrer a seguros de fundos de doença. Apenas alguns tratamentos eram gratuitos, prestados por

hospitais públicos geridos pelos estados, sendo a generalidade dos cuidados médicos à

responsabilidade de médicos e hospitais privados (Healy et al., 2006).

A Segunda Guerra Mundial foi um acontecimento de elevada importância no setor da saúde na

Austrália, pois foi a partir desse marco que o Governo Australiano passou a assumir um papel

significativo em assuntos de saúde da população (Kewley, 1973). Devido às exigências da guerra, o

Governo teve que tomar um conjunto de medidas extraordinárias no setor da saúde, que foram

continuadas após o seu término. Em primeiro lugar, o Governo Australiano criou a Comissão de

Repatriação, para receber e tratar os soldados regressados, em segundo houve uma tentativa,

parcialmente falhada, de constituir um serviço nacional de saúde e em terceiro os poderes do

21  

Governo Federal foram reforçados em matérias de saúde e segurança social (e.g. pagamentos de

pensões), com alterações na constituição (Healy et al., 2006).

O Governo, entre os anos 1941 e 1949, tentou sucessivos esforços para reformar significativamente o

sistema de saúde existente. No entanto, estas tentativas encontraram uma forte oposição por parte

do setor médico, dos partidos políticos mais conservadores e dos fundos de seguros voluntários,

prevendo com isto protestos entre as classes políticas e médicas (Sax, 1984).

No ano de 1953 foi promulgada a Lei Nacional de Saúde, que veio reforçar as bases dos cuidados de

saúde pós-guerra (Healy e Hilless, 2001):

Plano de subsídios a medicamentos;

Plano de hospitais subsidiados (Fundos

federais para hospitais estatais);

Serviços médicos a pensionistas;

Plano de subsídios em cuidados

médicos.

O sistema de saúde conhecido como Medibank foi introduzido em 1975, sob a gestão da Comissão

de Seguros de Saúde. Deste modo, era possível cobrar os pacientes diretamente pelos serviços

médicos ou cobrar a Comissão de Seguros de Saúde (Duckett, 1998). Durante o Governo de 1983-

1996 foi restabelecido o sistema de saúde universal e financiado por impostos, Medicare, que dura

até à atualidade (Healy et al., 2006).

A introdução da forma contratual PPP teve duas fases distintas na Austrália. Durante o período

compreendido entre 1992 e 2000, a conjuntura económico-financeira era bastante desfavorável, onde

se verificavam elevados défices orçamentais e nível de endividamento público. Assim, com o objetivo

de recuperar as contas públicas, o Governo recorreu ao modelo de contratação pública baseado em

PPP, no qual os serviços hospitalares estavam sob gestão pública, como forma de transferir o

máximo risco possível para o setor privado, não tendo como mote um aumento do value for money do

serviço de saúde (Silva, 2009). Com o estabelecimento da Parceria Victoria, no estado de Victoria, no

ano 2000, foram realizadas um conjunto de reformas em todo o processo contratual PPP. Em

primeiro lugar, o termo PPP foi oficialmente utilizado para definir a forma contratual em si, e a partir

daqui os serviços clínicos deixaram de estar sob gestão privada, voltando para administração pública.

Foram também introduzidos novos mecanismos de condução do processo sob a forma PPP,

mecanismos estes baseados nas Private Finance Initiatives (PFI), caraterísticas do Reino Unido. Em

2005, o Governo Australiano bem como os Governos dos estados acordaram formalmente num

mecanismo de desenvolvimento e implementação de um processo PPP (English, 2006). Na Figura 9

está esquematizado um esquema resumo das alterações mais significativas na evolução da Saúde

na Austrália.

22  

 

Figura 9 ‐ Evolução do sistema de saúde australiano 

 

23  

3. Parcerias Público-Privadas em Saúde

3.1. Parcerias Público-Privadas no Setor da Saúde em Portugal

3.1.1. Enquadramento

O processo de implementação do modelo Parceria Público-Privada em Portugal, no setor da saúde,

iniciou-se com a criação da Estrutura de Missão Parcerias Saúde, ocorrida em 27 de Setembro de

2001, pela Resolução de Ministros n.º 162/2001. Esta Estrutura de Missão tem como objetivos

desenvolver e implementar, no setor da saúde, experiências inovadoras de gestão, nomeadamente

PPP, aplicando-as a instituições hospitalares e ao universo de unidades de prestação de cuidados

primários e continuados de saúde. Dado que esta Estrutura de Missão se encontra sob a alçada não

só do próprio Ministro da Saúde mas também do Ministro das Finanças, a Parpública assume-se

como a entidade competente da representação do Ministério das Finanças no processo das PPP.

Devido à elevada complexidade e falta de know-how desta forma contratual por parte dos recursos

humanos dos referidos Ministérios, intervêm também, na condução dos processos de PPP,

consultoria especializada. Contudo, o recurso a estas entidades externas, embora seja realizado

sistematicamente, apenas ocorre em situações pontuais, verificando-se uma lacuna relativamente ao

acompanhamento técnico ao longo de todo o ciclo da PPP das mesmas entidades (uma vez que as

entidades públicas intervenientes não possuem capacidade técnica para o fazerem) (Marques e Silva,

2008).

Em 2001, o Governo anunciou aquela que veio a ser designada como a primeira vaga de PPP em

saúde que integrava um novo hospital (Loures) e três hospitais de substituição (Cascais, Braga e Vila

Franca de Xira). Logo no ano seguinte, em 2002, foram anunciados mais seis hospitais na segunda

vaga de PPP em saúde (Lisboa Oriental, Faro (Hospital Central do Algarve), Seixal, Évora, Vila Nova

de Gaia e Póvoa do Varzim/Vila do Conde).

Para o lançamento das PPP foram constituídos Grupos de Coordenação Interdepartamental (GCI),

com o objetivo de assegurar o entrosamento entre as diversas entidades envolvidas (circulação da

informação, coordenação das atuações, articulação e integração dos contributos técnicos e

documentais), de acordo com os elementos definidos para o lançamento de cada projeto de parceria.

Cada GCI é presidido pelo responsável da Estrutura de Missão Parcerias Saúde, ou por um seu

representante, sendo que a Direcção-Geral da Saúde (DGS), o Instituto de Gestão Informática e

Financeira da Saúde (IGIF), a Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos da Saúde (DGIES) e a

Administração Regional de Saúde (ARS) estão representadas neste mesmo grupo de coordenação.

De acordo com as áreas de intervenção, foram definidos cinco GCI: GCI/PPP Norte, GCI/PPP Centro,

GCI/PPP Lisboa e Vale do Tejo, GCI/PPP Alentejo e GCI/PPP Algarve.

24  

Da primeira vaga de projetos hospitalares, apenas o hospital de Braga não está sob a coordenação

do GCI/PPP Lisboa e Vale do Tejo, ficando à responsabilidade do GCI/PPP Norte.

3.1.2. A primeira Vaga de PPP da Saúde

3.1.2.1. Enquadramento

Para a primeira vaga de PPP em Saúde, o Governo Português optou por um modelo definido como

DBFOT (Design, Build, Finance, Operate, Transfer) (TC, 2009), isto é, a parte privada assume a

responsabilidade do projeto, da construção, do financiamento e da exploração do hospital. A inovação

deste modelo verificou-se na inclusão dos serviços clínicos sob a tutela do parceiro privado. Acontece

que este processo englobava duas atividades bastante diferentes, por um lado, a construção do

hospital (inclui projeto, construção e manutenção) e, por outro, a prestação de serviços clínicos. Este

facto traduz-se na formação de dois contratos distintos, um para cada atividade, subscritos pela parte

privada através de duas entidades juridicamente separadas e com durações contratuais diferentes.

Surgem assim duas entidades gestoras com objetos contratuais e âmbitos temporais distintos,

remuneradas com base em diferentes fluxos de pagamento:

À entidade responsável pela construção e prestação dos serviços de infra-estruturas,

denominada Entidade Gestora do Edifício (EGEd), foi estabelecido um contrato de 30 anos;

Para a entidade gestora dos serviços clínicos, denominada Entidade Gestora do

Estabelecimento (EGEst), para a qual o período contratual é de 10 anos, sendo no entanto

possível renovar sucessivamente o contrato até um limite máximo de 30 anos, permitindo e

favorecendo uma melhor interação entre ambas as entidades.

No funcionamento de um hospital encontra-se um terceiro tipo de atividades auxiliares, as atividades

de suporte (limpeza, lavandaria, fornecimento de alimentação, entre outras) também referidas como

soft facilities management (SFM). No modelo de parceria adoptado incluíram-se estas atividades no

contrato da EGEst.

3.1.2.2.Hospital de Cascais

O Novo Hospital de Cascais (NHC) pretende substituir o atual Centro Hospitalar de Cascais, estando

previsto abranger as populações do Concelho de Cascais, bem como 8 freguesias do Concelho

Sintra, num total de cerca de 285 mil habitantes. Estimou-se que, para o início de 2005, o NHC

apresentaria um valor de 400 milhões de Euros para o comparador do setor público (CSP), projetado

para uma dimensão hospitalar de 250 camas.

Todo o processo de formação da PPP, incluindo o tipo de modelo adoptado, iniciou-se em Janeiro de

2004, finalizado em 13 de Maio do mesmo ano, data que corresponde também ao início da

preparação e avaliação da parceria, cuja fase terminou em Julho de 2004. O Despacho Conjunto n.º

370/2004, de 22 de Junho, constituiu a comissão de acompanhamento, sendo o respetivo concurso

público lançado no dia 27 de Agosto e publicado no dia 16 de Setembro de 2004. Através do

25  

Despacho Conjunto dos Ministro de Estado e das Finanças e Ministro da Saúde, n.º 554/2004, de 30

de Agosto, foram aprovadas as condições de lançamento da parceria relativa à construção e gestão

do NHC, incluindo o caderno de encargos e o programa do respetivo concurso público internacional.

O prazo limite de apresentação de propostas foi o dia 28 de Fevereiro de 2005, participado por quatro

consórcios. A comissão de avaliação das propostas foi nomeada pelo Despacho 680/2004, de 18 de

Novembro. Esta comissão procedeu à avaliação das propostas com base na avaliação da capacidade

técnica, económica e financeira dos concorrentes admitidos, cuja fase culminou na seleção de dois

dos quatro concorrentes, que passaram para a fase da Negociação Competitiva. A fase de

negociações permitiu manter a pressão competitiva entre os concorrentes, dado que decorreram de

uma forma sucessiva e alternada entre estes e a EPC (TC 2008). Foi então escolhida a proposta

vencedora – HPP + TD, sendo o Relatório Final da Fase de Negociação Competitiva aprovado por

Despacho Conjunto de 26 de Fevereiro de 2007. Neste concurso participaram 4 concorrentes,

nomeadamente Escala Cascais, Saúde Cascais, HPP+TD e Consis Cascais. A proposta mais bem

classificada foi a do consórcio HPP+TD, que foi o vencedor do concurso (TC, 2008). Os contratos de

gestão foram assinados em 2008, com o contrato da entidade gestora do estabelecimento a ser

objeto de alguns ajustamentos, sendo aprovado em 2009 com respetiva formalização do contrato

(DGTF, 2009).

O Novo Hospital de Cascais foi inaugurado em Fevereiro de 2010 e para o qual é estimado um valor

atualizado dos encargos futuros de 497 milhões de euros, acima dos 400 milhões do custo público

comparável (DGTF, 2012).

3.1.1.3. Hospital de Braga

O novo Hospital de Braga refere-se a um hospital de substituição, pretendendo servir uma população

de 274 mil habitantes. Trata-se de um hospital universitário, com um total de 780 camas e com uma

estimativa do CSP de 1190 milhões de Euros (para o início de 2005), valor mais elevado da primeira

vaga de hospitais PPP.

Em Fevereiro de 2004 iniciou-se o ciclo de projeto para a conceção, construção e gestão, com a

formulação inicial da parceria. De 15 de Novembro a Dezembro de 2004 procedeu-se à preparação e

avaliação da parceria, sendo o concurso lançado em Janeiro de 2005. A comissão de

acompanhamento do projeto de lançamento da PPP foi nomeada pelo Despacho Conjunto 724/2004,

de 14 de Dezembro, e as condições de lançamento da parceria, incluindo o respetivo concurso

público internacional e caderno de encargos, foram aprovadas pelo Despacho Conjunto 54/2005, de

14 de Janeiro. Como previsto no programa de procedimento prévio à contratação, foi constituída a

comissão de avaliação das propostas pelo Despacho n.º 65/2005, de 19 de Janeiro.

Ao concurso do Novo Hospital de Braga, candidataram-se 6 concorrentes (Espírito Santo Saúde,

CESPU, José de Mello Saúde, Grupo Português de Saúde, Santa Casa da Misericórdia do Porto e

Hospitais Privados de Portugal) em que todos eles apresentaram propostas acima do CSP. Na

segunda fase do concurso, resulta uma proposta de 794 milhões de euros da Escala Braga,

superando os 843 milhões de euros da Espírito Santo Saúde. O valor proposto pela Escala Braga

26  

gerou algum desconforto entre os restantes concorrentes, que consideravam um valor demasiado

baixo e que poderia colocar em causa a qualidade do projeto. Esta visão não foi partilhada pela EPC,

que adjudicou o Novo Hospital de Braga à Escala Braga. O contrato de gestão foi assinado em

Fevereiro de 2009, ocorrendo a transferência de gestão do atual Hospital de São Marcos para a

EGEst em Setembro de 2009, conforme previsto no contrato de gestão celebrado.

Em Maio de 2012 foi inaugurado o Novo Hospital de Braga, para o qual se espera um valor atualizado

dos encargos de 962 milhões de euros, correspondendo a um aumento de custos em relação à

proposta superior a 20%, mas ainda assim cerca de 19% abaixo do CSP.

3.1.1.4. Hospital de Loures

O concurso relativo à construção deste hospital foi o primeiro a ser lançado, dando início ao

Programa de PPP em Saúde. O futuro hospital pretende servir uma população de 350 mil habitantes

e um total de 565 camas. O processo referente à conceção, financiamento, construção e gestão do

novo Hospital de Loures iniciou-se em Janeiro de 2003, tendo-se prolongado até Junho do mesmo

ano, seguindo-se a preparação do concurso e respetiva avaliação da PPP.

Com um valor estimado de 800 milhões de Euros para o CPC, participaram no concurso quatro

concorrentes, procedendo-se à avaliação e hierarquização das propostas. No processo de avaliação

das propostas verificou-se um conjunto de inconsistências das mesmas, contrário aos pressupostos

do caderno de encargos, em que a correta aplicação de dois dos critérios de seleção e ponderação

não foi possível, nomeadamente no VAL esperado dos pagamentos a realizar por parte do Estado,

definidos no contrato de gestão, e a solidez da estrutura empresarial, contratual e financeira (TC,

2009). Solicitada uma audiência para esclarecimento das irregularidades detetadas e após analisadas

as respostas dos concorrentes, a Comissão de Avaliação das Propostas (CAP) considerou que a

situação verificada punha em causa o interesse público (Relatório de 14 de Junho de 2005), tendo

proposto aos Ministros de Estado, das Finanças e da Saúde a declaração de inaceitabilidade das

propostas com fundamento na verificação das desconformidades ao caderno de encargos, que

afetaram de forma permanente qualquer possibilidade de comparação. Assim, em Março de 2006, em

Despacho conjunto do Ministro da Saúde e do Ministro das Finanças, o concurso da PPP do Hospital

de Loures foi anulado (TC, 2009). Na sequência da recomendação da CAP em anular o concurso em

questão, no referido relatório, a CAP sugeriu duas possíveis soluções: o início de um procedimento

totalmente novo ou a abertura de um procedimento restrito aos concorrentes qualificados no

procedimento entretanto extinto. Perante estas hipóteses, o então Ministro da Saúde pediu um

parecer à Procuradoria – Geral da República (Parecer da PGR n.º 98/2005, DR Serie II, de 17 de

Março), o qual alega que não há qualquer fundamento legal para que não ocorra um novo

procedimento seguindo todos os trâmites legais. Em Maio de 2006 foi constituída a Comissão de

Acompanhamento do Projeto para o Novo Hospital de Loures (Despacho Conjunto n.º 392/2006, DR

II Série, de 12 de Maio), sendo o concurso lançado em Fevereiro de 2007, no qual apenas

concorreram dois dos consórcios que já tinham concorrido: José de Mello Saúde e Espírito Santo

Saúde. No final de 2008 o concurso encontrava-se na fase de avaliação das propostas, acabando ser

27  

por ser adjudicado ao Grupo Espírito Santo Saúde em 2009 (Despacho nº 20975, 2ª série, Nº 182 de

18 de Setembro de 2009).

O Novo Hospital de Loures foi inaugurado em Janeiro de 2012 e para o qual é estimado um valor

atualizado dos encargos futuros de 874 milhões de euros, acima dos 800 milhões do CSP (DGTF,

2012).

3.1.1.5. Hospital de Vila Franca de Xira

A parceria relativa ao Hospital de Vila Franca de Xira, que envolve um hospital de substituição,

abrange, na sua zona de influência, uma população de 220 mil habitantes. O CSP, para o mês de

Janeiro de 2007, foi de 590 milhões de euros, e o hospital disponibilizará cerca de 520 camas.

Com o objetivo de substituir o atual Hospital de Reynaldo dos Santos, em Janeiro de 2005 iniciou-se

todo o processo relativo à conceção, financiamento, construção e gestão do novo Hospital de Vila

Franca de Xira. Esta fase prolongou-se até 20 de Abril do referido ano, data a partir da qual começou

a preparação e avaliação da PPP, que se estendeu até 19 de Dezembro de 2005. O Despacho n.º 25

417/2005, publicado em 12 de Dezembro, aprovou as condições de lançamento da parceria, sendo o

concurso público lançado no mesmo mês.

Dos cinco concorrentes iniciais, foram selecionados dois para a fase de negociação competitiva a

Saúde Xira e a Escala Vila Franca de Xira, sendo este último o vencedor do concurso. O total de

custos é cerca de 666 milhões de euros, correspondendo a 12% acima do valor da proposta. À data

deste estudo, o Novo Hospital de Vila Franca de Xira é o único hospital de 1ª geração que não foi

inaugurado, com abertura prevista para 2013.

De seguida apresenta-se a Error! Reference source not found., com o resumo das derrapagens

nos prazos dos concursos, tendo em conta a previsão inicial feita pela EMPS, e a diferença entre o

CSP de cada um dos quatro hospitais e as estimativas de valores atualizados com os encargos,

realizada pela DGTF (2012).

Quadro 1 ‐ Hospitais de 1ª geração: fases do concurso e diferenças de valor 

28  

3.1.2.6. Derrapagens – Fundamentação justificativa

Esta análise resulta fundamentalmente da auditoria do Tribunal de Contas realizada aos hospitais da

1ª vaga, na qual o TC identificou e justificou as principais razões das fortes derrapagens constatadas.

A forma contratual de PPP está definida no Decreto Regulamentar n.º 10/2003 de 28 de Abril, mais

precisamente no n.º 1 do artigo 2º e que se resume por: Anúncio, Acto Público, Qualificação, Seleção

das Propostas, Negociação, Adjudicação e Formação do Contrato. No respeitante à fase de

Negociação, mais concretamente no n.º1 do art.º 37º, constata-se que é citado “os concorrentes”,

facto que pressupõe a presença de pelo menos duas entidades concorrentes. Não obstante, com

base na análise do processo do Hospital de Cascais, verifica-se que a fase de Negociação foi dividida

em duas etapas distintas, nomeadamente a Negociação Competitiva e a Negociação Final. Neste

último estádio apenas participou um concorrente. Decorreram ainda, na Negociação Final, alterações

ao quadro inicial de contratação, com incidência no perfil do hospital o que levou à recusa de Visto

por parte do TC. Torna-se, portanto, importante esclarecer que o mesmo diploma legal prevê que “a

fase de negociação visa atingir um aperfeiçoamento e uma melhoria das propostas dos concorrentes

admitidos, tendo por objeto os aspetos das propostas mais intrinsecamente relacionados com os

critérios de seleção”, no n.º 1 do art.º 38º e que os “melhoramentos das propostas não poderão

redundar em condições menos vantajosas para a entidade pública contratante do que as que

inicialmente foram apresentadas pelo concorrente, não poderão colher ou incorporar soluções

contidas nas propostas de outros concorrentes.”, no n.º 2 do mesmo artigo. Foi com base nestes

pontos que resultou a recusa do Visto.

Facto que também justifica a derrapagem verificada nos concursos foi o modelo delineado não ser

sustentado por nenhuma outra experiência internacional. Mesmo nas experiências realizadas no RU,

país que deu origem às PPP na sua versão moderna, o sistema adotado divergia, entre outros

aspetos, na não inclusão quer da prestação de cuidados de saúde quer da gestão clínica por parte do

parceiro privado. O exemplo mais semelhante ao praticado em Portugal seria o modelo da Região

Autónoma de Valência (Espanha), que previa a concessão não só da conceção, construção e

financiamento mas também a prestação dos serviços clínicos. No entanto, aludindo ao conhecido

caso do Hospital de La Ribera (2003), decorreu uma alteração de fundo ao contrato, que passava por

incluir a prestação de cuidados de saúde primários na área de influência. Constatou-se que,

justamente no ano desta ocorrência, foi lançada a primeira PPP hospitalar em Portugal. Conclui-se,

assim, que o modelo adotado, como facto de não ter paralelo internacional, implementava soluções

de contratação e financiamento inovadoras, promovidas por um Ministério sem experiência neste

exercício. Nestas condições justificava-se um projeto-piloto, algo que não se verificou. Este preciso

facto, tendo em consideração todo um ambiente de falta de experiência nesta forma contratual, veio

promover um processo de aprendizagem de caráter fortemente experimentalista, o que levou a uma

lenta acumulação de experiência por parte do Estado. Esta ocorrência ficou evidenciada aquando do

lançamento do 5.º concurso (Loures II), pois nenhum contrato de PPP estava celebrado, apenas o

29  

processo do Hospital de Cascais encontrava-se na fase de negociação. Ficou assim evidenciada uma

falta de avaliação prévia das capacidades do Ministério da Saúde em projetos PPP, devido à referida

falta de experiência, o que implicou desenvolver o modelo a adoptar sem qualquer base de

conhecimento inicial.

No contexto contratual supracitado, destaca-se também o processo de implementação inovador. Se,

por um lado, a parte mais positiva de todos os processos a decorrer foi a crescente capacidade do

Estado para implementar este tipo de procedimentos, também é verdade que este mesmo

conhecimento foi resultante de sucessivos revezes, que, por sua vez, originaram sucessivas

alterações quanto ao modelo, ao desenho dos procedimentos e à intervenção das entidades públicas.

Com base na análise de elementos trocados entre as partes pública e privada ficou evidenciado que,

desde o início, o Estado não tinha uma ideia precisa de como desenhar o tipo de concurso que

pretendia. Um dos acontecimentos mais marcantes e indicativos desta mesma situação foi a

anulação do concurso do Hospital de Loures, ocorrência já descrita neste trabalho.

Numa situação de iniciativa direta do Estado de lançamento de um empreendimento, este mantém o

poder sobre a decisão de determinadas variáveis cuja opção influencia de uma forma determinante

as necessidades relativas às infra-estruturas e do desempenho dos serviços clínicos. Mesmo numa

PPP, certas variáveis, como a articulação com os cuidados de saúde primários, não é sujeito a

concurso. Reveste-se de especial importância o cuidado acrescido no planeamento setorial prévio à

contratação. Este planeamento, ao nível de infra-estruturas de saúde, deve basear-se não só na

prioridades de investimento definidas, como ter em atenção aspetos relacionados com as

necessidades de cuidados de saúde da população a que se destina e na articulação das unidades de

saúde existentes na área de influência. Conforme indicado pelo TC, fundamentado por depoimentos

oriundos do Ministério da Saúde, a primeira vaga de PPP em saúde foi impulsionada, sobretudo, por

motivos políticos, deixando para segundo plano a decisão por base em critérios técnicos de

prioridade. Verifica-se mesmo a inexistência de um suporte técnico de planeamento estratégico

aplicável às regiões de saúde.

Num processo de PPP, nomeadamente ao nível do setor saúde, é extremamente importante a

capacidade do parceiro público em definir padrões de desempenho ideais. Para sustentar os níveis

de exigência destes padrões, estes baseiam-se ou na experiência do Estado em práticas

semelhantes já ocorridas ou em informações resultantes de experiências privadas (não existentes

neste caso). Assim, tendo em conta a falta de padrões de referência, foi definido um conjunto de

casos estudo, designadamente os hospitais empresa, que serviria de benchmarking às propostas dos

concorrentes, através da elaboração do designado CSP. Contudo, a empresarialização dos hospitais

públicos teve início apenas no ano de 2002 e sendo que o modelo inicialmente adotado, nos moldes

de sociedades anónimas, foi alterado posteriormente ao formato de EPE. Este cenário contribuiu, de

uma forma inevitável, para o atraso em relação aos prazos inicialmente previstos, influenciando

especificamente no processo do CSP, mais propriamente ao nível da definição dos níveis de serviço

pretendidos. Segundo o TC, através da análise dos memorandos trocados entre os parceiros público

e privado, conclui-se efetivamente a existência de uma divergência bastante significativa no que se

30  

refere aos padrões de serviços exigíveis, bem como no suporte técnico e teórico dessas exigências.

Resulta da situação descrita uma falta de capacidade óbvia de traçar uma peça concursal mais

objetiva, que se reflete, por sua vez, numa dificuldade acrescida ao nível da elaboração e avaliação

das propostas dos concorrentes. A mesma entidade conclui ainda que este aspeto evidencia que

parte das dificuldades com que o Estado se depara quando opta pela solução PPP são, afinal, fatores

que dificultam uma melhoria da qualidade da sua gestão direta de projetos neste formato.

Um dos fatores críticos para o sucesso do lançamento da 1ª vaga de hospitais em PPP é a gestão

prévia do planeamento do lançamento dos concursos, tendo em conta fatores como a competência

de gestão dos setores público e privado, de forma a conseguirem dar uma resposta adequada às

exigências previstas, dado que advém a necessidade de obtenção do serviço através da

implementação dos projetos. Numa visão de implementação com recurso a PPP, a gestão rigorosa

do Project Pipeline é fundamental para uma reaplicação da aprendizagem de concurso para

concurso, garantir que a pressão sobre os recursos do setor público se mantenham em níveis

sustentáveis e assegurar o melhor aproveitamento das condições oferecidas pelo setor. É conhecido

que o lançamento em simultâneo de projetos com caraterísticas idênticas pode, em determinadas

circunstâncias, introduzir vantagens ao nível de um aumento de eficiência nas estruturas de gestão

ou na capacidade de atração de investimento por parte do setor privado. Não obstante todas as

constatações supracitadas, verificou-se, desta forma, uma lacuna na preparação da capacidade

gestora do setor público, não só em termos de recursos alocados mas também de falhas de

organização. Este cenário não só deitou por terra qualquer aproveitamento das vantagens que se

poderiam obter com um lançamento em vaga como também criou um ambiente de falsas expetativas

ao mercado. Verificou-se assim uma esperada incapacidade do Estado na gestão de modo de

intervenção nas diversas fases dos vários concursos, o que levou, à data do último trimestre de 2007,

a que estivessem a decorrer em paralelo quatro concursos, resultando num acréscimo de pressão

sobre os recursos públicos e privados envolvidos. Com base na análise do concurso do Hospital

Loures II, verificou-se ainda que, aparentemente, o Estado não fez uma prospeção da situação da

capacidade do mercado em responder à situação em causa dado que apenas dois agrupamentos

concorreram ao concurso. Houve ainda uma solicitação, por parte de outros quatro agrupamentos, na

prorrogação do prazo de entrega das propostas, agrupamentos estes também envolvidos nos

processos de outros hospitais. Salienta-se ainda o facto da referida falsa expetativa criada pelo

Estado ao setor privado resultou em que este último tenha aplicado recursos substanciais, quer na

criação de estruturas específicas para corresponder às exigências de uma vaga de PPP, quer nas

propostas apresentadas para cada concurso, esforço este não acompanhado pelo setor público.

Deste panorama, facilmente se conclui que houve um arrasto da elevada pressão sentida pelo Estado

para a consultoria recorrida pela EMPS. O consórcio que acompanhou a 1ª vaga de PPP em Saúde,

teve que lidar com quatro concursos em simultâneo, o que comprometeu seriamente a capacidade de

resposta do mesmo, contribuindo para o atraso nos concursos. Este esforço perante as dificuldades

acrescidas, quer do Estado quer dos consultores recorridos, sentiu-se logo desde a fase de

preparação das parcerias. É importante ter em conta que a maioria dos problemas que se vieram a

verificar ao longo do processo dos concursos teve a sua origem em grande parte na definição das

31  

próprias peças concursais, na medida em que o desenho traçado não era o mais adequado tendo em

conta a forma contratual pretendida, o que resultou em sérias dificuldades na avaliação das propostas

e, consequentemente, na fase negocial.

Para o lançamento da 1ª vaga de Hospitais em PPP, foi alterada toda a estrutura de apoio ao

Ministério da Saúde (MS). Mais concretamente, até 2005 a entidade que teve como função genérica

promover, implementar, coordenar e fornecer o apoio logístico ao programa PPP foi a EMPS, que

era, por sua vez, o principal elo de ligação com o Ministério das Finanças, dado que assegurava a

representação do MS nas comissões de acompanhamento. Era da responsabilidade da EMPS a

contratação de consultores especializados para prestarem apoio ao trabalho desenvolvido pelas

comissões temporariamente constituídas. Tradicionalmente os organismos do Ministério da Saúde

responsáveis pelas funções de planeamento eram a DGS, a IGIF, a DGIES e a ARS da região em

causa, que atualmente, à exceção das ARS, encontram-se integradas na Administração Central do

Sistema de Saúde (ACSS). Daqui se conclui que os referidos organismos do MS já possuíam

competências e dependências hierárquicas e funcionais organicamente atribuídas, antes de ser

criada a EMPS e da preeminência do papel dos consultores externos. Esta mudança de

responsabilidades veio tornar o papel dos organismos referidos pouco claro, uma vez que estes

respondiam agora diretamente aos consultores e lhes era solicitado pedidos de esclarecimentos para

processos que os próprios desconheciam em pormenor. Estes organismos integravam apenas um

Grupo de Trabalho com a finalidade de proceder à aprovação dos documentos técnicos preparados

pelos consultores para a EMPS. Foi apenas a partir de 2005 que, progressivamente, foram sendo

integrados elementos da DGS e da DGIES nas CAP e nas Comissões de Acompanhamento e

apenas em 2007 as ARS foram envolvidas nas Comissões de Avaliação de Propostas. Naturalmente,

o próprio setor privado apercebeu-se do envolvimento tardio dos organismos do MS e das respetivas

consequências, perceção esta suportada pela EMPS, que admitiu que a gestão do envolvimento dos

diversos organismos do MS no programa da 1ª vaga de PPP não foi o desejável, tendo este facto

contribuído para os atrasos verificados no processo.

Num projeto desta natureza e dimensão, isto é, romper de uma forma brusca com o método

tradicional até então utilizado é de esperar que a correta afetação dos recursos existentes assuma

um caráter vital para o sucesso deste empreendimento. Contudo, a realidade verificada mostrou que

a estrutura responsável pela implementação deste programa apresentava sérios défices de recursos,

tanto humanos como financeiros. No Relatório de Actividades do ano de 2006 a EMPS referiu que

existia uma insuficiência dos seus recursos internos, tendo em conta o elevado número de projetos

em curso, em preparação ou que estavam planeados para lançamento, apontando mesmo que o

volume de investimentos era claramente incompatível com esses mesmos recursos. Face a esta

indicação, houve um reforço de meios humanos no segundo semestre de 2007, mas que se mostrou

vir a ser insuficiente dado que a sobrecarga sobre esta entidade continuou em níveis muito elevados,

conforme descrito Relatório de Actividades de 2007. Concludentemente, esta situação levou a uma

ainda maior dependência de consultores externos, o que comprometeu o desenvolvimento autónomo

de tarefas fundamentais para o controlo dos processos. Não só a EMPS ressentiu-se da falta de

32  

recursos, também outros organismos do MS implicados no desenvolvimento do programa acusaram a

mesma lacuna, nomeadamente a DGS, que assumiu que este problema afetou claramente o

desenvolvimento dos projetos, contribuindo para o aumento dos prazos de execução. Esta grave falta

de recursos verificada não foi o único problema, desde logo a Parpública referiu que a contratação de

um maior número de consultores não seria a solução mais indicada, dado que parte do problema

provém da dificuldade em coordenar, controlar e fiscalizar o trabalho das inúmeras equipas de

consultores. Assim, um dos aspetos mais importantes para assegurar a eficácia do desenvolvimento

destes projetos, a coordenação entre os consultores e as diversas Comissões e Grupos de Trabalho

envolvidos no programa de PPP, não foi assegurado.

Uma das razões que contribuiu para o prolongamento dos prazos dos concursos foi o facto, na

opinião da maioria dos concorrentes, das peças concursais apresentarem falhas significativas quer ao

nível de informações importantes quer na utilização de conceitos vagos e indeterminados, o que

levou a um encadeamento de pedidos de esclarecimento. Entres os aspetos citados pelas entidades

privadas, destaca-se a falta de explicação do regime fiscal aplicável a cada sociedade veículo, a falta

de explicação de pressupostos de dimensionamento e de serviço, do plano de execução pouco claro

(incerteza quanto às obrigações do concorrente antes e depois da assinatura do contrato), dos

conceitos imprecisos quanto à possibilidade de subcontratação, indefinição quanto aos níveis

mínimos de requisitos funcionais e operacionais e da ambiguidade quanto às responsabilidades de

cada entidade gestora. As próprias alterações das peças concursais de concurso para concurso

suscitaram dúvidas relevantes em relação à melhor forma de corresponder, através da apresentação

de propostas ou da participação em decursos de negociação. Alguns dos aspetos mencionados

mantiveram-se pouco claros até à fase de negociação, o que resultou inevitavelmente numa demora

significativa em relação aos prazos inicialmente previstos, pois havia necessidade de responder a

sucessivos esclarecimentos e consultas adicionais. A falta de informação da definição dos critérios e

subcritérios de avaliação das propostas e respetiva valoração foi apontada como um ponto causador

de subjetividade no resultado dos concursos, pois não permitiu elucidar os concorrentes nos fatores

que poderiam ser estratégicos ou nos fatores não diferenciadores entre os concorrentes. Este mesmo

ponto acarretou dificuldades, para o setor público, nos processos de avaliação das propostas.

Salienta-se ainda a elevada complexidade do Programa de Procedimentos e Cadernos de Encargos

que, se da perspetiva do Estado justifica-se numa tentativa de garantir níveis mínimos de qualidade,

já uma das entidades privadas interpretou como uma atitude de desconfiança do Estado perante as

capacidades do primeiro em satisfazer as exigências desejadas.

Associada às caraterísticas atrás referidas sobre os Cadernos de Encargos, um dos pontos-chave foi

o facto de seguirem uma lógica semelhante à da contratação tradicional. Assim, este documento era,

de uma forma penalisadora, excessivamente detalhado, traduzindo-se como uma limitação ao

potencial inovador, cujo desenvolvimento está diretamente relacionado com os ganhos de eficiência

introduzidos pelo parceiro privado. Esta lógica, contraditória com um contrato em PPP, privilegia a

definição de inputs e não dos resultados pretendidos. Este fator desvia em parte a autonomia do

projeto do parceiro privado para o Estado, corrompendo, desta forma, uma verdadeira transferência

33  

de risco para o primeiro. Na opinião de uma entidade concorrente, o Caderno de Encargos devia dar

prevalência à definição dos requisitos mínimos para o serviço a garantir no novo hospital, ficando o

privado responsável pelo modo de atingir os objetivos. Desta forma, otimizava-se a fase de avaliação

das propostas, tendo em conta que a sua comparação seria mais fácil, tornando o processo de

decisão mais rápido dado que o detalhe do Caderno de Encargos levou a um pedido de dilatação do

prazo de apresentação das propostas, por um lado, e por outro o Estado e respetivos consultores a

despenderem tempo com a avaliação de aspetos não essenciais numa lógica de PPP.

Realça-se também a elevada carga burocrática patente nos procedimentos da 1ª vaga. Conforme

definido no desenho do concurso, realizou-se uma fase de qualificação dos concorrentes em cada um

dos concursos, implicando que os concorrentes presentes em mais do que um concurso fossem

obrigados a ceder os documentos pedidos para cada procedimento. De facto, observou-se uma

repetição dos concorrentes nos diversos concursos o que tornou o processo de qualificação dos

mesmos desnecessariamente pesados em termos de documentação. Foi sugerido, pela generalidade

dos concorrentes, que a melhor solução para o efeito pretendido teria sido uma fase de pré-

qualificação global, onde se pudessem avaliar todos os interessados uma única vez, tornando este

processo mais célere e eficaz. Ainda relacionado com este aspeto, destaca-se o elevado grau de

exigência ao nível dos estudos e projetos respeitantes ao edifício hospitalar logo na fase de

apresentação das propostas. Esta implicação aumentou, por um lado, os custos relacionados com a

elaboração das propostas para o setor privado, e por outro, os custos e prazos da avaliação destas

propostas para a entidade contratante.

De acordo com os principais intervenientes no processo das PPP, foi no domínio de intervenção das

CAP onde se verificou maiores discrepâncias temporais entre o tempo previsto e o efetivamente

decorrido. A própria EMPS, nos seus relatórios de acompanhamento, discrimina falhas ao nível da

calendarização dos trabalhos respetivos e a insuficiente partilha de informações devida ao reduzido

número de reuniões. Segundo dados averiguados pelo TC, as derrapagens no âmbito da intervenção

das CAP têm como justificação o desempenho em simultâneo dos membros das CAP, défice de

conhecimento especializado no setor da saúde e falha do encadeamento dos processos numa

perspetiva de gestão de projeto. Este último fator tem um peso bastante significativo naquilo em que

se traduziu como uma falha na gestão de recursos aos consultores.

O Tribunal refere ainda que a maioria das fragilidades dos processos de concurso está a cargo das

CAP, o que tornou a sua missão mais complexa. Logo, desde o início, o exercício destas comissões

limitou-se à aprovação dos trabalhos realizados por consultores externos. Este facto, assumido

inicialmente como uma vantagem, veio a verificar-se como uma barreira ao bom trabalho das

comissões dado que os trabalhos recebidos dos consultores manifestavam desde logo falhas

associada à própria conceção das peças concursais, bem como recolha deficiente de informações

aos próprios serviços do MS. Estes obstáculos criaram graves entraves em relação à segurança da

informação apresentada, originando dúvidas em fatores importantes dos documentos como, por

exemplo, em critérios de avaliação. Como resultado final das consequências dos aspetos referidos,

relaciona-se a dificuldade da avaliação das propostas e respetiva falta de comparabilidade das

34  

mesmas (evidente sobretudo no Hospital de Loures), dado que os fatores de avaliação não estavam

suficientemente detalhados ou a lógica de valoração não era inteiramente clara, aspeto várias vezes

referido pelos concorrentes.

Por outro lado, foi notória a falta de avaliação da exequibilidade das propostas por parte do setor

público, o que resultou numa incomum diversidade destas propostas dentro das mesmas orientações

de gestão. Este aspeto dá ênfase às críticas sobre incapacidade do próprio controlo dos trabalhos de

avaliação das propostas, trabalho este desenvolvido essencialmente por consultores externos.

Aconteceu também que nem sempre o objeto de negociação foi explicitamente definido, isto é, no

concurso nem sempre ficou claro o que deveria ser ou não matéria de negociação (demonstrado no

Hospital de Cascais). A EMPS refere mesmo que durante o processo de negociação decorreram

intensas discussões com vista à definição e execução do método de controlo e monitorização das

Parcerias, destacando ainda que este aspeto reveste-se de particular importância nos concursos das

PPP em saúde.

3.1.3. A segunda Vaga de PPP da Saúde

Inserida no Programa de Parcerias na Saúde, a segunda vaga de PPP teve como base de suporte,

ao nível do patamar de decisão em relação ao encadeamento estratégico de execução dos novos

hospitais, um Estudo de Prioridades de Investimento, com vista a dar fundamento à decisão do poder

político (EGP, 2006). Este Estudo de Prioridades de Investimento foi desenvolvido pela Escola de

Gestão do Porto, no âmbito de trabalhos de consultoria solicitados pela Estrutura de Missão

Parcerias.Saúde.

O trabalho foi estruturado em duas partes distintas: uma Parte Específica e uma Parte Geral. Embora

de caráter distinto, ambas tinham como objetivo definir uma hierarquia de prioridades da construção

dos novos seis hospitais, indicando as suas caraterísticas fundamentais.

A Parte Específica, cujo mote se enquadra na análise detalhada de várias Opções Estratégicas, para

cada nova unidade hospitalar, indicando, como conclusão, a Opção Indicativa devidamente

justificada, bem como a caraterização da unidade hospitalar associada.

Na formulação das possíveis Opções Estratégicas, seguiram-se, para cada estabelecimento

hospitalar, as seguintes considerações:

Permanência das instalações atuais (no caso

dos hospitais de substituição) ou status quo

prevalecente na área de influência de cada

uma das novas unidades hospitalares em

estudo;

Implementação de melhorias, através de

investimentos de menor montante, de forma

a melhorar as condições de serviço atuais;

Construção de um novo estabelecimento

hospitalar, com as adequações necessárias

ao nível de localização, área de influência,

dimensão e carteira assistencial;

Vantagens/desvantagens.

35  

Na avaliação deste processo, recorreu-se aos seguintes critérios:

Impacto sobre necessidades não satisfeitas

atuais e futuras;

Impacto no sobrecusto;

Efeito nas qualidades dos serviços prestados;

Acessibilidade e centralidade, considerando a

respetiva área de influência;

Caraterísticas do terreno, infra-estruturas e

condições ambientais;

Contributo para a racionalização da rede

hospitalar e de outras infra-estruturas de

saúde;

Condições para uma melhor definição das

áreas de influência das unidades hospitalares

de cada região.

A Figura 10 - Procedimento da Parte Específica indica o procedimento padrão utilizado na Parte

Específica.

 

Figura 10 ‐ Procedimento da Parte Específica

A Parte Geral tem como objetivo definir uma hierarquia dos seis hospitais em estudo, tendo por base

a urgência da sua construção e respetivas consequências no desenrolar do calendário de execução

do projeto de investimento, através de uma metodologia de decisão tipo multicritério, e formular as

análises e recomendações necessárias.

 

Figura 11 ‐ Critérios de Hierarquização

36  

Neste processo de PPP estão definidas seis novas parcerias: hospitais de Vila do Conde/Póvoa de

Varzim, Vila Nova de Gaia; Oriental de Lisboa, Margem Sul do Tejo, de Évora, e Algarve. Conforme já

referido, no âmbito do programa de ajuda financeira externa a Portugal, com a celebração do

Memorando de Entendimento entre a Troika e o Governo de Portugal, houve uma posição de não

avanço com as PPP, nomeadamente dos seis hospitais acima indicados. No entanto, devido aos

ganhos consideráveis de eficiência operacional, com os quais era possível uma redução significativa

de custos, à data deste estudo a Troika autorizou o avanço do HTS (Hospital Oriental de Lisboa) e é

provável que o Hospital Central do Algarve venha a conhecer autorização em breve.

Relativamente ao HTS, antes da entrada da Troika em Portugal, o concurso encontrava-se na

finalização do procedimento, após a fase negociação competitiva entre o Agrupamento Salveo Novos

Hospitais (Soares da Costa) e o Agrupamento Atos (Somague), com a aprovação do Relatório Final

da CAP. Atualmente, depois da paragem do processo, ainda não se sabe os moldes em que

avançará este hospital.

O Hospital Central do Algarve estava na fase de entrega das propostas finais, com os seguintes

concorrentes selecionados: Agrupamento Algarve Saúde (Ferrovial) e Teixeira Duarte, Engenharia e

Construções, S.A.. Atualmente a decisão de avanço ou não deste hospital será em grande parte

responsabilidade da Troika, sendo incerto o seu futuro.

3.2. Parcerias Público-Privadas no setor da Saúde no mundo

3.2.1. Espanha

A relação entre o setor público e privado em Espanha tem um passado anterior ao aparecimento do

modelo de PPP. Há registos, datados do século dezanove, de estradas construídas por privados, e o

ditador Francisco Franco utilizou um modelo que se assemelha a BOT (Build Own Transfer), nos

anos setenta, para construir auto-estradas (Allard e Trabant, 2007). Deste modo, é com naturalidade

que em Espanha se tenha verificado uma intensa utilização desta forma contratual, iniciada pelo

Governo de 1996, que pretendia assim tornar o papel do setor privado mais influente na economia.

Dois fatores assumem especial relevância para a adoção, em escala tão significativa, deste modelo

contratual e prendem-se com (i) a assinatura do tratado de Maastricht (1992), e respetivas

consequências ao nível de restrição do endividamento púbico e (ii) com a expetativa de adesão de

outros países à EU e, consequente, descida de verba de fundos internacionais atribuídos a Espanha

(Allard, Trabant, 2007). Assim, ao invés de delinear uma estratégia de abordagem às PPP e dotá-la

de guias de orientação como forma de obter value for money (VfM) e estipular boas condições

contratuais, o Governo utilizou esta forma contratual como pura alternativa de financiamento aos

projetos de investimento público, sem medir as consequências destes contratos nem criar estruturas

capacitadas a gerir este tipo de processos (Allard, Trabant, 2007).

A primeira experiência contratual em Espanha de PPP, na área da aúde, ocorreu em 1999 com a

atribuição da construção e gestão do Hospital Alzira (hospital público) ao setor privado, onde o

37  

concurso teve a iniciativa do Governo regional de Valência (Durán et al., 2006). Este contrato previa

não só a construção e gestão do edifício hospitalar como também estava abrangida, no domínio

privado, a prestação dos serviços clínicos, mas apenas os serviços secundários (Figura 12) (Oliveira,

2009; Serrano et al, 2009). O contrato estipulava uma duração de dez anos, renovável até 15, e a

remuneração era regulada em função do número de pacientes atendidos (valor per capita

previamente definido), sendo efetuado ainda um pagamento adicional por prestações de cuidados de

saúde a pessoas fora da população da área de influência (Oliveira, 2009).

 

Figura 12 ‐ Modelo de Valencia: com serviços clínicos (Fonte: Asesores de Infraestructuras)

O contrato efetuado em 1999 entre o Governo Espanhol e o consórcio privado (Union Temporal de

Empresas – Ribera, UTE – Ribera) foi quebrado em 2003, justificado com razões de viabilidade

financeira do projeto, nomeadamente com a impossibilidade de desagregar os custos dos cuidados

primários e secundários de saúde (Figura 13) (Serrano et al, 2009). No entanto, foram tecidas

variadas críticas a este processo: (i) a lei espanhola permitia a alteração do contrato existente, não

sendo forçosamente necessário negociar um novo contrato; (ii) a comissão de auditoria regional de

Valência (Consell de la Sindicatura) apontou críticas ao nível do método de pagamentos de

compensações financeiras no caso de o contrato conhecer o seu término antecipadamente, lacunas

estas presentes no contrato já existente e no novo contrato negociado, e o próprio modelo de

negociação utilizado para a determinação destas compensações (€69,3M) não foi o mais adequado,

tendo em conta o tipo de contrato existente; (iii) o montante cedido nas contrapartidas ao consórcio

privado (UTE – Ribera) foi considerado alto, o que possibilitou, aquando da apresentação da proposta

para o novo contrato, um valor de licitação elevado (€72M), afastando, deste modo, o cenário de

concorrência (Acerete et al, 2011). Em relação ao último ponto (iii) apresentado, o Governo regional

de Valência argumentou que o valor obtido pelo novo contrato foi superior ao valor entregue aquando

38  

o término antecipado do contrato (superior em €3M), e portanto, no global, foi uma negociação

benéfica para o Governo (Acerete et al, 2011).

 

Figura 13 ‐ Quebra de Contrato em 2003 do Hospital de Alzira

Deste modo, foi celebrado um novo contrato que atribuía ao consórcio privado, a prestação quer de

serviços de cuidados primários quer de serviços de especialidade. Neste novo contrato verificou-se

um aumento considerável no valor de capitação a pagar, mas que, no entanto, ainda permanecia

significativamente abaixo (28%) do valor médio gasto pelo Governo regional nos restantes hospitais

públicos. Este valor foi criticado dado que foram questionados os ganhos de eficiência obtidos na

prestação dos serviços clínicos com salários mais baixos, menos trabalhadores e com turnos de

trabalhos mais longos e a sua comparação com a média regional foi posta em causa, dado que o

hospital em questão foca os seus serviços nas áreas mais rentáveis, apresentado lacunas nos

serviços prestados a pacientes de cuidados continuados (doentes crónicos – “pouco rentáveis”), e

existem serviços que são suportados diretamente pelo Governo regional (farmácia, oxigénio, terapia,

próteses e transporte). Para finalizar, a partilha de risco presente numa forma contratual em PPP não

foi bem-sucedida, uma vez que houve a necessidade por parte do Governo de Valência em efetuar

uma operação de resgate (Acerete et al, 2011).

Outras iniciativas tiveram início após esta primeira experiência, nomeadamente na região autónoma

de Madrid, com a construção de novos oito hospitais. Nesta região, como na generalidade dos casos

em Espanha, o modelo adotado (Figura 14) abrange o financiamento, conceção, construção e

manutenção das infra-estruturas hospitalares englobando os serviços de gestão de hard e soft

facilities, mas a prestação dos serviços de saúde é da responsabilidade do setor público (Oliveira,

2009).

39  

 

Figura 14 ‐ Modelo de Madrid (sem serviços clínicos) (Fonte: Asesores de Infraestructuras)

3.2.2. Reino Unido

O setor da saúde tem dos maiores portefólios de PPP no Reino Unido (RU), e um dos maiores da

Europa, resultante de um plano estratégico de modernização do Sistema Nacional de Saúde (NHS)

iniciado na década de 90. Este programa que pretendia corrigir a lacuna de investimento durante

décadas e que levou a que o número de médicos per-capita no RU fosse dos mais reduzidos da

Europa (Holmes et al, 2009). Durante o Governo de Margaret Thatcher, foi iniciada uma política, que

se prolongou até hoje, de uma transferência das funções tipicamente do setor público para o setor

privado. Inicialmente foram subcontratadas ao setor privado funções como limpeza ou recolha de lixo,

mas houve uma vontade, por parte do Governo, em atribuir maiores incentivos à utilização do

mercado, por parte dos gestores dos serviços públicos, através de uma reestruturação do próprio

Governo (Spackman, 2002).

Em 1981 foi definido um conjunto de regras – conhecidas como as Regras de Ryrie, que visavam

restringir o universo de utilização do financiamento privado, definindo que só seria possível utilizar

este recurso caso a relação custo-benefício fosse superior em comparação com o financiamento

público e que um projeto, mesmo financiado privadamente, teria que integrar os custos no orçamento

público para a saúde. No entanto, em 1986 as regras não foram respeitadas, com a aprovação do

projeto da nova ponte de Dartford, acabando mesmo por serem formalmente abolidas em 1989. A

extinção destas normas foi particularmente bem aceite entre instituições financeiras e empresas de

construção e daqui surgiu a oportunidade para o Governo desfrutar dos benefícios iniciais do

financiamento privado que não era mais contabilizado no orçamento público. Em paralelo, surgiu uma

nova crença que defendia que o recurso ao setor privado podia acrescentar ganhos de eficiência e,

40  

para isso, os organismos públicos necessitavam de um incentivo adicional, que se traduziu na

possibilidade de não contabilizar este tipo de investimento no orçamento público (Spackman, 2002).

Contudo, a supressão das regras supracitadas não imprimiu o dinamismo esperado nos projetos

financiados pelo setor privado e, assim, em 1992, o Governo lançou as Private Finance Initiative

(PFI). Como forma de estimular a utilização deste novo modelo de contratação, foi anunciado, em

1994, a obrigação de, em todos os projetos do setor público, ser considerada a alternativa do

financiamento privado (Spackman, 2002). Em 1997, foi introduzido o conceito de PPP, que incluía,

segundo a definição do departamento do tesouro do Reino Unido, i) privatização completa ou parcial;

ii) contratação com financiamento privado a risco; iii) prestação de serviços governamentais em

parcerias com o setor privado. No ano 2000, surgiu a Parcerias UK (PUK), que substituiu a Taskforce

Projects, cujo âmbito de trabalho prendia-se com ajudar no difícil e inovador processo de PPP

(Spackman, 2002). O modelo de PPP/PFI mais utilizado no Reino Unido é definido como DBFO,

havendo, no entanto, a particularidade de no setor da saúde coexistirem dois modelos em simultâneo:

o DBFO no caso do subsetor hospitalar, aplicado para a construção/modernização de grandes infra-

estruturas hospitalares e o modelo LIFT (Local Improvement Finance Trust) destinado ao subsetor de

cuidados primários locais (Silva, 2009; Holmes et al., 2006). A utilização de um ou outro modelo

prende-se com fatores de value-for-money, nomeadamente os elevados custos de transação do

modelo de DBFO que impedem que, para projetos de menores dimensões, a sua utilização não seja

a mais indicada (Holmes, 2006). O modelo de contratação LIFT está inserido num programa que

pretende renovar as instalações médicas a nível local e criar centros que integrem um conjunto de

serviços diversos no mesmo espaço físico, e com níveis de eficiência e eficácia elevados (HMT,

2003; NAO, 2005). Estes investimentos são a cargo das Community Health Partnerships (CHP) e é

formada uma joint-venture com a CHP, as comunidades locais e o setor privado, relação esta tratada

na Figura 15 (DH, 2011). Surge assim uma empresa LIFT (LIFTco), que é responsável pela gestão da

nova infra-estrutura e sua manutenção, e pela prestação dos serviços associados, durante um

período de normalmente vinte a vinte e cinco anos (DH, 2011).

41  

 

Figura 15 ‐ Modelo Contratação LIFT (Adaptado, NAO 2005)

Como já referido, o modelo de PPP mais utilizado no Reino Unido é o modelo DBFO. Este modelo é

caraterizado por uma parceria, com um único parceiro privado, no sentido de este prestar um

conjunto de bens e serviços, referentes a infra-estruturas físicas, equipamentos e serviços

relacionados e ainda a possibilidade de serviços de suporte à prestação dos serviços clínicos. Cabe

ao parceiro público remunerar o parceiro privado, através de um pagamento único e regular durante o

período contratual, no qual está contemplado o investimento das infra-estruturas e respetiva

manutenção e serviços de apoio.

O parceiro privado concorre à PPP sob a forma de um consórcio, formado pelos principais

organismos intervenientes (sociedade responsável pela construção e prestação de serviços). Este

consórcio é designado como SPV e é estabelecida uma relação entre este e o setor público por meio

de um contrato, existindo a possibilidade de outros acordos relacionados com a vertente do

financiamento ou garantias entre o setor público e as entidades financiadoras, decorrentes do

processo de negociação das modalidades do financiamento do projeto (Silva, 2009).

A Figura 16 exemplifica a estrutura genérica do modelo DBFO utilizado no Reino Unido.

42  

 

Figura 16 ‐ Modelo DBFO utilizado no Reino Unido (fonte: Silva, 2009)

Nesta estrutura, por força do contrato, há uma transferência natural de riscos entre o setor público e o

setor privado, existindo dentro do SPV, uma distribuição dos riscos pelas diversas partes

intervenientes, e, deste modo, há uma alocação global dos diferentes tipos de riscos às partes que

melhor os gerem, com o objetivo de alcançar o melhor value for money para o parceiro público (HMT,

2003).

Os serviços de suporte hospitalar, prestados pelo setor privado, são normalmente designados por

hard e soft facilitiy management (HFM/SFM). Em relação aos serviços clínicos, estes não são da

responsabilidade do setor privado, dado que a posição do MS do RU é bastante clara ao afirmar que

a prestação dos serviços clínicos continua a ser da responsabilidade do serviço nacional de saúde

(NHS, 1999).

A alocação dos softs services bem como a sua abrangência (limpeza, alimentação, acomodação e

portaria hospitalar) não é rígida, isto é, esta decisão cabe ao departamento responsável pelo

lançamento do projeto e varia consoante a especificidade de cada um (HMT, 2006).

Sendo o RU o país pioneiro na implementação das PPP, é com naturalidade que se verifica que é

dos países mais ativos no seu uso e, portanto, que possui um maior know-how nos procedimentos

utilizados e alberga uma análise mais detalhada do seu histórico mais longo. Não obstante, vários

autores continuam críticos em relação a esta forma contratual, indicando que o setor privado deveria

ser mais pro-ativo na relação contratual existindo, por conseguinte, ainda oportunidades de

melhoramento estratégico e tático ao nível da relação entre o parceiro público e o parceiro privado

(Smyth e Edkins, 2007). Ao nível do funcionamento das estruturas públicas de saúde, nomeadamente

entre o Departamento de Saúde e as Foundation Trust verifica-se que existem alguma falhas

relevantes e que têm comprometido o melhor funcionamento das PPP:

Falta uma base de dados central, com a performance dos projetos de saúde em PPP. Esta

situação leva não só a uma limitação da capacidade de avaliação de VfM por parte do

43  

Departamento de Saúde, como também impede que este identifique as áreas de maior

necessidade de intervenção das Foundation Trust, fragilizando o seu papel como parceiro

ativo na parceria;

Embora o Departamento de Saúde tente implementar boas práticas com as Foundation Trust,

existe uma lacuna de informação sobre o desempenho dos projetos PPP uma vez que estas

fundações não são obrigadas a transmitir informações sobre esses mesmos projetos;

Embora possua um portefólio vasto em projetos PPP (76 contratos em 2010), o

Departamento de Saúde não utiliza esta vantagem nas negociações de contratos,

nomeadamente na optimização de parâmetros comuns às diversas Trust, e tentando deste

modo (NAO, 2010).

Em conclusão, os contratos geridos sob a forma de PPP apresentam, até agora, bons resultados. Os

níveis de satisfação são satisfatórios e há um reduzido número de contrapartidas, o que indica a

obtenção do VfM esperado aquando da assinatura dos contratos. Contudo, os números mostram que

os custos associados à gestão privada (os serviços clínicos são providenciados pelo parceiro público)

indicam que são bastante similares aos custos da gestão pública tradicional, o que não torna claro a

mais-valia de inclusão deste tipo de serviços num contrato de PPP. Existe ainda o risco de manter o

VfM neste tipo de contrato de longa duração. A gestão de uma PPP é complexa e, por vezes, a forma

de atuação do parceiro privado dificulta a obtenção dos desejados ganhos de eficiência,

nomeadamente ao nível da pouca informação de desempenho e dos custos operacionais,

restringindo uma mutuamente vantajosa intervenção do Departamento de Saúde e aumentando os

riscos de perder VfM (NAO, 2010).

3.2.3. Canadá

No Canadá, as infra-estruturas de serviços de saúde apresentam um desgaste cada vez mais

acentuado, dado que têm sofrido grandes défices de investimento pelas entidades públicas. Esta

situação suscitou uma consciencialização por parte dos Governos da necessidade crescente em

substituí-las. Assim, um pouco por todo o Canadá, os Governos reconheceram a mais-valia em fazer

uma parceria com o setor privado neste setor, beneficiando da sua capacidade de inovação,

traduzida em construir mais e melhor com menos recursos, colmatando desta forma os défices de

investimento (PPP Canada Inc., 2011).

Em 2006, no plano económico Advantage Canada, surgiu a vontade de desenvolver um

departamento responsável pela promoção das PPP. Como resultado, foi anunciado, no orçamento do

ano de 2007, um conjunto de medidas como forma de renovar as infra-estruturas, através do recuso a

PPP, designadamente a criação de um fundo nacional de PPP (P3 Fund); a criação de um

departamento PPP com a função de orientar o esforço federal ao nível do desenvolvimento dos

projetos em PPP e a delineação de um plano rigoroso a cumprir pelos organismos que pretendem

desenvolver projetos em PPP com recurso ao fundo referido (P3C_Corporate_Plan, 2008).

44  

No ano de 2008 foi aprovada a entidade PPP Canada (P3 Canada), que pretende arquitetar uma

base de conhecimento em contratação PPP com capacidade federal, e value for money nos

investimentos federais nas províncias através do P3 Fund. Este organismo foi concebido com uma

direção independente, e que reporta ao parlamento através do Ministro das Finanças e pretende

trabalhar (PPP Canada Annual Report 2010_2011).

O recurso às PPP teve maior preponderância nas províncias de British Columbia e Ontario, sendo a

sua utilização muita focada em infra-estruturas físicas e serviços conexos, excluindo-se os serviços

clínicos (Silva, 2009). O modelo PPP mais utilizado na parceria é o DBFM (Design, Build, Finance,

Maintain), garantindo serviços de manutenção do edifício hospitalar (hard facilities), estando os

serviços clínicos sob a responsabilidade do setor público (PPP Council, 2011).

A razão principal da não inclusão dos serviços clínicos sob o domínio privado prende-se com a

posição do Governo, que pretende manter os níveis de serviço público elevados e, para tal, mantém a

gestão dos cuidados de saúde sob controlo e propriedade pública garantindo, deste modo, que os

interesses da população estão salvaguardados (Silva, 2009).

À semelhança do modelo inglês, a província de British Columbia adotou um modelo de parceria para

o subsetor dos cuidados primários de saúde, designado por Strategic Partnering Agreement (SPA).

Nesta relação, a autoridade local de saúde une-se a um parceiro privado (Strategic Partner – SP) e

juntos desenvolvem um projeto de construção, manutenção e gestão da infra-estrutura de cuidados

de saúde primários, incluindo a prestação de alguns serviços auxiliares, resultando depois num

arrendamento da estrutura ao parceiro público por um período de longo prazo (tipicamente vinte

anos) (Silva, 2009).

Tendo em conta o panorama da contratação em PPP, nomeadamente através da PPP Canada, foi

efetuada uma análise SWOT que pretendeu determinar as forças e as fraquezas na obtenção os

objetivos negociais bem como oportunidades a desenvolver e ameaças a superar por esta entidade

(PPP Canada Inc., 2010).

____________________________________________________________________________ 

Forças

• O P3 Canada Fund tem tido a capacidade de atrair projetos em fases iniciais, aproveitando para influenciar os moldes das PPP, conseguindo deste modo maximizar o valor para a população;

• Foi aproveitada a aprendizagem a 1ª fase de PPP e aplicou-se este conhecimento para a 2ª fase;

• A PPP Canada estabeleceu relações fortes e sustentáveis com os departamentos regionais de infra-estruturas e organismos locais de PPP;

• A PPP Canada presta apoio aos Governos federais que pedem aconselhamento e apoio especializado para a contratação em PPP e avalia as barreiras que possam existir neste contrato;

45  

• Os departamentos federais bem como agências centrais têm demonstrado uma crescente vontade em trabalhar com a PPP Canada com o objetivo de identificar oportunidades de melhorar o value-for-money de uma PPP.

____________________________________________________________________________ 

Fraquezas

• Desenvolver um nível de especialização mais profundo, como forma de aumentar a linha de serviços de aconselhamento e especialização;

• Competição ao nível dos clientes dos fundos de infra-estruturas federais: os fundos Building Canada e Stimulus Fund oferecem maior capacidade de investimento, tornando o P3 Canada Fund menos competitivo;

• Devido às restrições orçamentais que afetam todos os departamentos ao nível federal, a PPP Canada tem que fazer uma aproximação individual a cada departamento e, em conjunto, tentar identificar potenciais oportunidades para PPP, limitando a iniciativa destes departamentos federais ao recurso da contratação em PPP;

____________________________________________________________________________ 

Oportunidades

• Aumentar o interesse e experiência da forma contratual PPP na globalidade do mercado canadiano;

• Continuar a aumentar a visão de que a PPP Canada é uma fonte de informação e apoio nas decisões de um projeto em PPP;

• Oportunidade para elaborar um método de concurso standard e respetivos documentos, através do diálogo revisão das melhores práticas;

• Identificação, por parte do setor privado, do mercado PPP do Canadá como um mercado prime;

• Alargar a utilização dos contratos em PPP dos setores tradicionais (estradas, hospitais) para outros setores como a abastecimento de água e tratamento de águas residuais;

• Alguns municípios de maior dimensão estão a recorrer às PPP;

• O número de utilizações do P3 Canada fund está a aumentar, fazendo com que estes negócios sejam baseados nas boas práticas desenhadas e garantindo a máxima obtenção do value-for-money.

____________________________________________________________________________ 

Ameaças

• Não se conhece a totalidade dos efeitos das novas restrições orçamentais nos investimentos efetuados e na utilização das PPP;

• Existe uma curva de aprendizagem na utilização das PPP por parte das autoridades públicas;

• A lacuna ao nível da inexistência das melhores práticas afasta o interesse do setor privado;

• Nem todas as jurisdições possuem entidades capacitadas para gerir um contrato em PPP;

• Apenas 20% (aproximadamente) dos contratos em PPP conseguem atingir melhor value-for-money, devido aos moldes dos atuais contratos;

• A crescente utilização de PPP pode levar a restrições de financiamento.

Fonte: (PPP Canada Inc., 2010)

46  

A utilização das PPP não é uniforme em todo o Canadá. Alguns estados recorrem mais a este tipo de

contratação, como são exemplo do Estado de British Columbia, Ontario, Alberta e Quebec. Estes

Estados utilizaram as PPP como pretexto de alcançarem melhor value-for-money do investimento

público para a população. Como forma de estimular o seu uso, o Governo Federal implementou um

programa de incentivos financeiros não sendo ainda certo o sucesso que esta iniciativa alcançou.

Com base na primeira experiência de PPP verificou-se não existir um contrato standard do modelo de

utilizado, dado que se verificaram diferenças no método de abordagem, nomeadamente em relação

ao procedimento, análise de VfM, entre outros. Assim, verifica-se uma necessidade de adaptação no

tipo de apoio prestado pela PPP Canada, dado que se identificou que as estruturas menos

capacitadas para lidar com contratos em PPP necessitavam de maior intervenção e ajuda pela

referida entidade e que o período de negociações prolongava-se quando comparadas com outras

estruturas mais capazes de lidar com estes processos (PPP Canada Inc., 2010).

O Quadro 17 pretende transmitir uma visão atual geral das PPP no Canadá.

Quadro 2 ‐ PPP no Canadá (Adaptado: PPP Canada Inc., 2010) 

 

Os próximos anos serão um desafio para o futuro das PPP, tendo em conta as medidas definidas de

restrição orçamental. Se, por um lado, as PPP oferecem garantias de controlo de custos, limitando o

montante investido e criando custos faseados, por outro esta restrição orçamental vai, muito

provavelmente, afetar investimentos não considerados fundamentais, diminuindo o leque diversificado

47  

de PPP, centrando-se em serviços essenciais como transporte ou cuidados sociais (PPP Canada Inc,

2010).

3.2.4. Austrália

Durante séculos, houve uma cooperação entre o Governo e o setor privado. No entanto, inserido

numa vaga de política de governação denominada de New Public Management (NPM), estes laços

foram reforçados e houve um recurso mais intenso do Estado aos serviços do setor privado, tendo

ocorrido uma mudança radical nos países da OCDE em busca de melhorar a conjuntura económica,

e promover uma política de maior eficiência (English, 2006). Na Austrália, a adoção da contratação

em PPP sofreu várias derivações, com diferentes panoramas do contexto económico-financeiro,

sendo possível distinguir três períodos distintos do envolvimento do setor privado em serviços

tradicionalmente públicos (Maguire e Malinovitch, 2004).

A primeira geração de PPP é enquadrada no intervalo entre o final dos anos oitenta e 1992. Aí

verificou-se uma preocupação quase exclusiva em garantir os investimentos necessários respeitando

os limites de endividamento impostos pelo Australian Loan Council. A utilização de PPP possibilitou a

não contabilização dos investimentos feitos no orçamento anual, e estes contratos não tinham

influência na natureza do tipo de serviços prestados ao utilizador final. Neste tipo de contratos, o

Governo assegurava taxas de retorno e transferia risco pouco significativo para os parceiros privados

e respetivos financiadores, dando assim garantias ao investimento realizado. Não obstante, o objetivo

de realizar investimentos ter sido conseguido, este feito foi alcançado com a celebração de contratos

bastante penalizadores para o setor público, nomeadamente para os contribuintes (Maguire e

Malinovitch, 2004).

Ao segundo período (1993-1999) está associada uma crença de eficiência do setor privado. Durante

esta altura, e regidas pela Infrastucture Investment Policy for Victoria, houve uma vontade política em

envolver ainda mais o setor privado em serviços de infra-estruturas, alargando assim o papel do setor

privado, passando a incluir o projeto, construção, operação e prestação de serviços, com o objetivo

de obter ganhos significativos de eficiência (Maguire e Malinovitch, 2004).

O ano 2000 constituiu um marco de mudança na utilização de PPP com o Estado de Victoria a

assumir-se como pioneiro e a alterar a política governamental para a definição de programas em PPP

na construção de infra-estruturas e serviços conexos e ainda serviços de suporte aos cuidados

médicos (Silva, 2009). Com esta mudança, houve uma alteração na visão política de um contrato em

PPP, passando de uma doutrina praticamente de exclusividade financeira, com o objetivo de máxima

redução de custos e riscos para o setor público, para uma utilização das parcerias como um veículo

para obtenção do máximo value-for-money de todo o ciclo do projeto (whole-life cost) (English, 2006).

Efetivamente, o estado de Victoria não só criou a Partnerships Victoria no ano 2000, estrutura

responsável pela condução dos processos em PPP, como introduziu ainda um conjunto de

procedimentos inovadores que possibilitaram aumentos de eficácia e eficiência que visavam a defesa

do interesse público, como a introdução do CSP e a passagem dos serviços nucleares da atividade

48  

médica, como a própria prestação dos serviços clínicos, para o setor público (DTF, 2006). Foi

também decidido pelo Governo deste Estado que o método contratual a adoptar assume uma

importância extrema no sucesso do projeto a lançar e que deve determinar-se qual o processo mais

adequado, seja ele em PPP ou não (DTF, 2006). No Quadro 3 é possível identificar as diferenças

entre o modelo tradicional de contratação na Austrália e as mudanças introduzidas com o recurso às

PPP.

Quadro 3 ‐ Diferenças entre contratação pública tradicional e contratação em PPP (Fonte: Partnerships Victoria, 2006) 

 

Devido à atual crise financeira, o financiamento privado tornou-se não só bastante mais dispendioso

mas como houve também uma redução substancial da liquidez no mercado para investir. Com este

enquadramento, verifica-se uma especial dificuldade de financiamento para os projetos PPP de maior

dimensão, sendo que o processo tende a ficar mais viável no caso de se recorrer a agrupamentos de

bancos, estando a taxa de sucesso associada ao número de bancos que compõem este

agrupamento e à sua estabilidade financeira. Como forma de mitigar este problema, o Estado deve

facilitar o acesso ao fundo destinado a estes investimentos e, para os projetos de maior dimensão,

garantir o seu financiamento, seja por suportarem diretamente o investimento, seja por assegurar as

garantias de financiamento do parceiro privado (Baker e Mckenzie, 2012).

   

49  

4. Hospitais PPP em Portugal

4.1. Elementos-Chave numa PPP hospitalar

De seguida foram estudados os modelos de primeira e segunda geração de hospitais em PPP em

Portugal. Da análise do processo que envolve uma parceria, deste o seu lançamento até ao fecho de

contrato, identificaram-se três etapas fundamentais para o sucesso de uma PPP. Deste modo,

procedeu-se ao estudo das fases do acesso ao mercado, da partilha de risco e da gestão de contrato.

No acesso ao mercado pretende-se interpretar as condições em que ocorreram o lançamento das

parcerias. Assim, foram analisados os critérios de qualificação dos concorrentes e de avaliação das

propostas, verificando a sua melhor ou pior adequabilidade a um procedimento em PPP. Tendo em

vista uma otimização das referidas fases, foram analisados também os moldes de fluxo de

informação entre ambas as partes, nomeadamente com a adequação dos documentos utilizados.

A partilha de risco é, sem dúvida, um dos aspetos-chave para o sucesso de uma PPP. Esta fase

envolve várias etapas, todas elas de uma elevada importância, pelo que uma preparação atempada e

capaz é essencial de forma a mitigar as situações de potencial conflito existentes entre a EPC e o

setor privado.

A gestão de contrato é um processo complexo, no qual o CG celebrado é o instrumento de maior

importância que rege a relação, contratual, entre ambas as partes. É primordial que estejam

definidos, e devidamente quantificados, os mecanismos de remuneração da(s) entidade(s) gestora(s),

com o cálculo das deduções por mau desempenho claro e transparente, e de mitigação de situações

conflito, nomeadamente de incumprimento de ambas as partes.

4.2. 1ª Geração: Gestão Hospitalar e Serviços Clínicos Privados

4.2.1. Acesso ao Mercado

4.2.1.1. Considerações gerais

Na fase de acesso ao mercado pretende-se analisar e avaliar todo o processo de seleção que

decorre entre o setor público e as várias entidades do setor privado, até à celebração do CG entre a

EPC e o concorrente vencedor. Desta forma, procedeu-se ao escrutínio dos procedimentos que

antecedem a formação dos contratos nas vertentes qualificação dos concorrentes, avaliação das

propostas e negociação final. Para este efeito, recorreu-se ao programa de procedimentos e caderno

de encargos, onde, no primeiro, estão definidos os termos a que obedece o processo de qualificação

e, no segundo, está definido o conjunto de cláusulas jurídicas, técnicas e financeiras que servem de

suporte à elaboração das propostas dos diversos concorrentes, e que farão parte do CG.

Importa referir que o Decreto Regulamentar n.º 10/2003, de 28 de Abril, tem como objetivo assegurar

a coerência nas cláusulas jurídicas que vigoram no CG, nomeadamente que estas são idênticas, na

50  

sua essência, às cláusulas dos procedimentos prévios à contratação, independentemente do objeto

de contrato, garantindo os moldes de um modelo comum. Assim, o procedimento padrão prévio à

contratação segue as seguintes fases:

i. Anúncio;

ii. Ato público;

iii. Qualificação;

iv. Seleção das propostas;

v. Negociação;

vi. Adjudicação;

vii. Formação do contrato.

4.2.1.2. Procedimento de qualificação dos concorrentes

Nesta fase são selecionados os concorrentes, sendo realizada uma análise de cada um destes com o

objetivo de verificar se estes cumprem os requisitos mínimos de capacidade técnica, económica e

financeira, com a finalidade de aprovação a concurso das suas propostas. Os critérios que servem de

base a esta qualificação estão definidos no programa de procedimentos, que definem, entre outros,

as condições de habilitação e qualificação dos concorrentes, os critérios de qualificação dos

concorrentes e os critérios de avaliação das propostas. Esta fase proporciona, por um lado, à

entidade adjudicante a segurança que os concorrentes têm capacidade para a execução do contrato

a celebrar, e por outro, permite aos candidatos verificar se cumprem ou não os requisitos que lhes

permite concorrer ao concurso.

4.2.1.3. Critérios de qualificação dos concorrentes

Os critérios de qualificação dos concorrentes encontram-se no capítulo IV do programa de

procedimentos nomeadamente nos artigos 33º (Hospitais de Cascais, Braga e Vila Franca de Xira) e

artigo 31º (Hospital de Loures).

Como referido, pretende-se classificar a competência das entidades concorrentes em cumprir o

estipulado no CG, e como tal o programa de procedimentos define o leque de critérios para

assegurar, na ótica na EPC, o cumprimento do objetivo. De facto, verifica-se uma abrangência dos

critérios em todos os parâmetros a avaliar nos concorrentes, para todo o processo desde o

financiamento e conceção à exploração / manutenção. Não obstante, os parâmetros fazem exigência

sempre ao nível qualitativo, referindo as exigências a que o concorrente tem que corresponder, não

traduzindo, contudo, esse aspeto qualitativo numa escala através da qual seja possível tornar

mensurável a maior ou menor correspondência de cada parâmetro por parte de cada um dos

concorrentes. Ou seja, a EPC sabe o tipo de experiência dos concorrentes desconhecendo, no

entanto, o nível de profundidade e envolvimento dessa experiência. Efetivamente, as boas práticas

internacionais (WB Model Request for Qualification) referem a confirmação da experiência técnica

dos concorrentes com base num número a definir (limitado) de projetos realizados, bem como

experiência de financiamento em montantes acima de um valor a definir já completados.

51  

Ao nível dos critérios de capacidade técnica dos concorrentes, o programa de procedimentos do

HVFX refere, entre outros, a experiência dos concorrentes quer na elaboração de projetos de

arquitetura e de engenharia, e posterior fase de construção, quer na gestão conservação e

manutenção de edifícios públicos de natureza semelhante ao edifício objeto de contrato. As boas

práticas internacionais (National PPP Guidelines – Volume 2) dão enfâse à experiência do

concorrente em liderar projetos semelhantes nos moldes de PPP. Este facto justifica-se uma vez que

aquando o lançamento da primeira fase, a experiência portuguesa em PPP, especialmente no setor

da saúde, era diminuta ou inexistente para a generalidade das empresas portuguesas, e portanto o

setor público privilegiou o know-how do objeto do contrato face aos moldes de contratação em PPP,

garantindo maior competitividade das empresas nacionais. Salienta-se no entanto a preocupação do

setor público em premiar a experiência do setor privado em edifícios de utilização pública de grande

dimensão, beneficiando, desta forma da experiência de gestão das entidades privadas em, por

exemplo, hospitais privados existentes.

Tendo em conta a complexidade destes projetos, um dos riscos associados é a falta de entendimento

entre as várias entidades do consórcio concorrente pelo que as boas práticas internacionais

contemplam ainda a experiência passada do consórcio em trabalhos conjuntos, caso exista.

Em relação ao tempo previsto para a fase de qualificação dos concorrentes não há prazos

estipulados específicos, o programa de procedimentos apenas prevê uma data de entrega das

propostas, o que pode levar a um prolongamento para além do desejável. As boas práticas

internacionais estimam um prazo variável entre 4 a 6 semanas para a entrega das propostas, com a

ressalva de poder ocorrer maiores diferenças consoante a complexidade do projeto (National PPP

Guidelines, 2011).

Em suma, a falta de objetividade dos critérios de qualificação impediu a EPC de efetuar um escrutínio

rigoroso das capacidades reais financeiras, técnicas e de experiência passada podendo, desta forma,

comprometer a concretização dos objetivos da parceria, e torna o processo de seleção dos

concorrentes pouco transparente. Os critérios de qualificação dos concorrentes devem ter níveis

quantitativos definidos tornando, deste modo, o trabalho das CAP mais eficiente, dado que não tem

que filtrar informação desnecessária, sintetizando o processo na avaliação de um conjunto de

outputs. Assim, também a não qualificação de um concorrente fica com o processo simplificado,

tornando as razões de exclusão claras e objetivas.

4.2.1.4. Documentos de qualificação

Os documentos a entregar pelas entidades concorrentes – Documentos de qualificação – à EPC

estão definidos no capítulo segundo o programa de procedimentos (artigo 13º Loures, artigos 15º

Braga, Cascais e Vila Franca de Xira), estando seccionados nas vertentes de documentação para

avaliação técnica e para avaliação da capacidade económico-financeira.

De seguida elaborou-se uma tabela de correspondência entre os documentos solicitados e o

respetivo critério de avaliação a satisfazer (Quadro 4).

52  

Quadro 4 ‐ Correspondência entre doumentos solicitados e critérios de qualificação a satisfazer 

Verifica-se um elevado número de documentos a solicitar e que a entrega destes resulta num estado

global “em bruto” para efeitos de avaliação da EPC, isto é, há um elevado detalhe nos documentos a

entregar pelos concorrentes, cabendo à EPC a triagem e seleção dos pontos mais relevantes dos

mesmos com o fim de proceder à avaliação de cada concorrente, verificando se cumpre ou não os

critérios de qualificação definidos. Daqui resulta um elevado dispêndio de recursos e tempo neste

processo. Adicionalmente, verificou-se nos vários concursos da 1ª vaga de hospitais uma repetição

dos concorrentes, sendo que estes tiveram que enviar repetidamente todos os documentos

solicitados, contribuindo para um congestionamento ao nível do tratamento da informação,

especialmente do lado das entidades públicas, com a agravante de estas possuírem,

assumidamente, poucos recursos e capacidade para lidar com a complexidade imposta, no horizonte

temporal pretendido. Verificou-se, assim, uma falta de análise à efetiva capacidade do Estado em

conseguir lidar com a complexidade destes processos, à qual se junta o facto de não haver qualquer

experiência de PPP no setor da saúde (TC, 2009).

Em relação ao caderno de encargos verificou-se uma falta de adequação tendo em conta os moldes

em PPP, nomeadamente na extensão e complexidade na sua estrutura e conteúdo, elevado número

de especificações técnicas e desadequadas face às exigências induzidas (Cabaço, 2011). Se, por um

lado, compreende-se a elevada definição de parâmetros do caderno de encargos como forma de

tentar garantir a qualidade pretendida, por outro este grau de detalhe funciona como bloqueador à

capacidade de inovação do setor privado e consequente obtenção de otimização operacional

(Cabaço, 2011).

Um documento com especial importância nesta fase é o modelo de proposta, pois permite, por um

lado, ao setor privado responder de forma objetiva aos critérios exigidos pela EPC e, por outro, ao

setor público obter ganhos significativos de eficiência na fase de avaliação das propostas, que é

precisamente a fase mais morosa na 1ª geração das PPP na saúde (TC,2009). A melhor adequação

deste documento ao objeto de contrato transmite ainda melhor um sentido de transparência ao setor

privado e consequente aumento de empenho e compromisso no processo (National PPP Guidelines,

2011).

53  

4.2.1.5. Avaliação das Propostas

A avaliação das Propostas é da responsabilidade da CAP que visa aplicar o conjunto de critérios,

previamente definidos no Programa de Procedimento, para a sua avaliação, por forma a seleccionar a

proposta que maior benefício acrescenta ao interesse público. A referida comissão deverá ser

constituída até ao início da fase de procedimento prévio à contratação, sendo designada por

despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde (Cabaço, 2011). Esta seleção incide

apenas nos concorrentes qualificados. De uma forma geral, os critérios de avaliação das propostas

devem estar focados essencialmente nos outputs pretendidos para o objeto de contrato, garantindo

que são definidos os parâmetros mínimos que satisfaçam a exigência pretendida pelo parceiro

público. Desta forma, assegura-se que há uma correta alocação do risco (num contrato focado em

inputs contratuais o risco deles associados ficaria, pelo menos, parcialmente do lado público) e

premeia a vantagem de utilizar a experiência do parceiro privado como driver de inovação e

potenciador de ganhos de eficiência. No entanto, o caderno de encargos deve estabelecer um

conjunto mínimo de parâmetros que vão ao encontro das pretensões do parceiro público,

nomeadamente nos campos de funcionalidade operacional, especificações de arquitetura,

especificações técnicas, mobiliário e equipamento (FF&E) e especificações de serviços de gestão de

edifícios. No caso dos hospitais de 1ª geração, estas especificações têm que englobar ainda os

termos de produção e satisfação a atingir pela EGEst, bem como os respetivos meios de pagamento

e a sua relação com a performance atingida.

Assim, os critérios de avaliação das propostas são:

Qualidade técnica das propostas: 45%;

Valor global atual líquido dos pagamentos anuais a realizar pelo Estado ao abrigo do Contrato

de Gestão: 38%;

Solidez da estrutura empresarial e financeira: 10%

Grau de risco e de compromisso associado à proposta: 5%;

Prazos de execução do projeto 2%.

A quantificação destes critérios dá maior relevância à qualidade técnica das propostas, que segue as

linhas de orientação internacionais de boas práticas, e destaca-se o critério de risco e de

compromisso associado à proposta dos privados que pretende reforçar a ideia da necessidade de

cooperação entre ambas as partes num tipo de contratação como o utilizado, criando sinergias

globais.

Devido à complexidade do modelo de PPP, com especial relevo para uma parceria em saúde, o

processo até à seleção da proposta vencedora deve ser dinâmico, com apresentações e seminários

de iniciativa pública não só para esclarecer os privados de potenciais dúvidas existentes mas como

forma de transmitir o melhor possível os objetivos pretendidos, mitigando o risco de propostas de

qualidade inferior. Acontece que nos concursos da 1ª geração de hospitais esta política de boas

práticas não foi seguida, tendo sido detetadas lacunas ao nível da calendarização dos trabalhos de

avaliação das propostas e de reuniões de esclarecimento, fatores estes explicados pela acumulação

54  

de funções dos membros das CAP associada a uma deficiente gestão de projeto na área da saúde

(TC, 2009). No entanto, os problemas verificados na fase da avaliação das propostas são ainda mais

abrangentes, estando também relacionados com os fatores de avaliação que ou estavam demasiado

detalhados ou pecavam por haver uma falta de clareza na sua valoração, resultando numa difícil

comparabilidade das propostas e respetiva avaliação – o caso do primeiro concurso do Hospital de

Loures foi um perfeito espelho desta situação (TC, 2009). Efetivamente, o elevado grau de detalhe do

caderno de encargos funcionou como inibidor da autonomia do concorrente para o desenvolvimento

de soluções inovadoras, encetando uma partilha de risco desnecessária numa fase muito inicial do

processo, e tornando o processo menos eficiente quando comparado com uma avaliação centrada

em requisitos mínimos a obedecer.

O programa de procedimentos prevê a seleção de dois concorrentes para a fase de negociação, o

que, por um lado, tem a desvantagem de no caso de desistência de um dos concorrentes, a

negociação fica claramente degradada, retirando capacidade negocial à EPC, mas por outro com 3

candidatos (número máximo aconselhável) torna o processo mais demorado e oneroso, mas que,

regra geral, traz mais benefícios para o Estado e consequente interesse público.

No quadro seguinte (Quadro 5) é possível verificar a diferença drástica entre o tempo previsto pela

EMPS na fase de qualificação das propostas.

Quadro 5 ‐ Duração da fase de avaliação das propostas prevista e efetiva (Fonte: TC, 2009) 

Conforme se pode observar, e segundo o TC (2009), a fase de avaliação das propostas não só foi a

fase mais demorada em todo o processo até à celebração do contrato, em contradição com as

previsões da EMPS que previam que a fase de apresentação das propostas fosse a mais alongada,

como ocorreram atrasos médios de 224% na globalidade desta fase nos quatro hospitais de 1ª

Geração.

4.2.2. Partilha de Risco

4.2.2.1. Considerações gerais

A qualquer projeto de PPP está associado um elevado grau de risco, muito devido à elevada

complexidade que envolve todo este processo. O risco pode ser definido, segundo Furnell, como a

probabilidade de ocorrer tal acontecimento que alteraria as condições atuais do projeto tendo em

conta as previsões de receitas e custos inicialmente estimadas (Risk Allocation and Contractual

Issues, 2001). De uma forma geral, o risco pode ser analisado segundo o processo tradicional de

gestão de risco, nomeadamente na identificação e avaliação do risco, alocação do risco e estratégia

55  

de mitigação, monitorização e controlo do risco. Este processo gera informação que vai ser usada,

entre outras finalidades, na determinação do CSP, na avaliação do VfM, na determinação do

mecanismo de pagamentos, no desenvolvimento dos planos de gestão de risco e permite dar suporte

aos termos contratuais a estabelecer (National PPP Guidelines, 2011). Como exemplos comuns, esta

forma contratual é suscetível a riscos de planeamento/regulação, riscos legais, riscos de

procura/volume, riscos de construção, riscos de financiamento, riscos operacionais, riscos de força

maior, entre outros.

De uma forma geral, numa PPP existem três formas óbvias de lidar com o risco: ou um dos parceiros,

público ou privado assume a totalidade da responsabilidade do risco ou ocorre uma partilha de risco

entre os dois. A definição de qual o método a utilizar para cada risco constitui objeto de inúmeros

estudos, não reunindo o consenso internacional. Não obstante, a transferência de risco da EPC para

o setor privado deve ser utilizada como um instrumento e não como um objetivo (Barros, 2009). Se,

por um lado, é reconhecido que o Estado tem mais capacidade de absorver uma maior diversificação

de risco, por outro para o parceiro privado assumir o risco é preciso ser remunerado. Deste modo

apenas na situação em que a remuneração ao privado seja inferior ao custo que o setor público teria

para o suportar existe valor económico nesta transferência (Cabaço, 2011). No entanto, a superior

capacidade do setor público em lidar com a diversidade de risco resulta num menor custo para o

Estado de suportar diretamente esse risco do que para o setor privado. Daqui se conclui que é difícil

encontrar uma situação na qual a simples transferência de risco se torne proveitoso para o setor

público sendo, por isso, necessário existirem outros fatores que gerem valor nesta parceria e para a

qual a transferência de risco é um instrumento necessário para a obtenção dos objetivos de VfM

propostos (Barros, 2010). Assim, um dos principais argumentos para a utilização de uma parceria

entre o Estado e o setor privado é a crença da assumida melhor capacidade de gestão do parceiro

privado no desenvolvimento das atividades objeto de contrato, como por exemplo a construção de

infra-estruturas. Desta forma, com o objetivo de estimular a capacidade de gestão do privado, a

transferência de risco é utilizada como um instrumento para esse fim, desde que os ganhos de

eficiência sejam superiores ao custo que o Estado teria que suportar pela via tradicional,

compensando a transferência de risco do público para o privado (Silva, 2009; Barros, 2009).

4.2.2.2. Princípios da partilha de risco

A transferência de risco é um aspeto particularmente importante num contrato de PPP que, como já

salientámos, deve ser utilizada como instrumento para alcançar os objetivos, pelo que a identificação

e respetiva análise dos riscos deve ser realizada atempadamente bem como deve ficar clara a

alocação de cada risco. Desta forma, a partilha de risco deve ser regida por princípios de boas

práticas, com a atribuição do risco à parte que tem melhor capacidade para o gerir (Cabaço, 2011).

De facto, segundo Oudot, a partilha de risco deve ser articulada à entidade que melhor capacidade

tem para gerir determinado risco, tudo o resto constante, e que deve ser atribuído ao parceiro que

tem o menor custo para o suportar, tudo o resto constante (Simões, Barros et al., 2010). O quadro

legal português, nomeadamente para o regime jurídico das parcerias em saúde com gestão e

financiamento privado (Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto) refere que “a distribuição de riscos

56  

deve ser feita atribuindo-os às partes mais competentes para a sua gestão”, o que leva a concluir a

importância da correta identificação e alocação dos riscos de todo o projeto.

Se, por um lado, assume-se o pressuposto da superior capacidade do Estado em suportar a

diversidade do risco, então é estritamente necessário que a entidade privada da parceria possua uma

maior capacidade de gestão de risco por forma a criar condições de benefício económico mútuo

(Simões, Barros et al., 2009). Tradicionalmente, as obras públicas raramente são realizadas quer

dentro do horizonte temporal previsto quer dentro do orçamento aprovado, tornando óbvia a

deficiente capacidade gestora do setor público (TC, 2009). Entre os fatores que para tal contribuem,

destaca-se a incapacidade de renegociar derrapagens de custos, assumindo sempre os encargos a

mais do projeto, dado que há o compromisso de acabar a obra e, no caso particular dos hospitais,

este sentido de compromisso é ainda maior, dado o simbolismo e a importância do ponto de vista

social (TC, 2009). Outro aspeto que contribui para estas derrapagens prende-se com a fiscalização

ineficiente, devido à falta de incentivos, dado que quer se aplique ou não mais esforço de

acompanhamento, este não se reflete na remuneração dos trabalhadores do setor público (Simões et

al., 2010). Assim, na negociação por parcerias, o facto de o preço contratado ser fixo dá à parte

privada incentivos de uma gestão de recursos mais eficiente dado que ganhos daí provenientes vão

traduzir-se em mais-valias próprias.

4.2.2.3. Identificação e avaliação do risco

Tipicamente, os riscos são identificados por referência a categorias de risco e/ou a diferentes fases

do ciclo-de-vida do projeto. Não obstante tratar-se da fase inicial, a correta identificação do risco

reveste-se de grande importância, podendo ocorrer daqui erros com consequências graves. Como

exemplo, o risco de mudança de legislação tanto pode estar associado a um risco de rede ou um

risco operacional (Partnerships Victoria, 2001).

Após a correta identificação do risco, torna-se necessário proceder à sua avaliação, sendo para tal,

necessário ter em atenção dois fatores determinantes:

a probabilidade de ocorrência;

a magnitude das consequências, no caso de ocorrer.

Muitos dos riscos têm a probabilidade de ocorrência associada à sua melhor ou pior alocação, isto é,

caso a alocação do risco esteja afeta à parte mais bem posicionada para o controlar, este vai

proceder de forma preventiva com o objetivo de tentar minimizar a sua ocorrência, e é também a

parte que tem mais fácil acesso à informação sobre a probabilidade de materialização do risco e

pode, consequentemente, estabelecer um prémio de risco mais realista e adequado (Marques e Berg,

2010).

As consequências de ocorrência do risco são, de modo geral, melhor mensuráveis pela parte

responsável pelas caraterísticas técnicas e/ou estruturais e pelos acordos financeiros estabelecidos e

como tal esta parte encontra-se em posição privilegiada para lidar com os riscos no caso de

57  

ocorrerem. Aquando da estimativa das consequências dos riscos, não só o potencial de custos de

reposição deve ter sido em conta mas também os custos de mitigação do risco, incluindo a alocação

a uma seguradora (Partnerships Victoria, 2001).

4.2.2.4. Alocação do risco

Como tem sido várias vezes referenciado, a correta alocação do risco é um dos fatores chave de

sucesso de uma PPP. Uma das primeiras mudanças a ocorrer do lado do setor público relaciona-se

com a mudança de mentalidade em relação à contratação pública tradicional acreditando, por isso, na

construção de uma relação de confiança entre os dois parceiros. Numa PPP, o Estado contrata um

serviço e, portanto, deve concentrar-se na avaliação desse serviço, centrando-se numa eficiente e

objetiva definição e avaliação de outputs. Quanto maior forem as especificações iniciais do lado

público, mais limitado o setor privado fica na sua solução proposta e, portanto, com menos

responsabilidade e risco associado. Decisões técnicas que comprometam, por exemplo, a fase de

construção e/ou depreciação física do hospital devem ficar do lado do privado (Partnerships Victoria,

2001).

Existem, no entanto, alguns riscos em que nenhuma das partes encontra-se melhor posicionada para

os controlar. Neste caso, se o setor público definir que estes riscos devem ser suportados pelo setor

privado, o prémio a remunerar será elevado e, portanto, diminui o value for money global do projeto,

indo contra a filosofia de PPP. Assim, muitas vezes este tipo de risco é partilhado entre as duas

partes, e juntos tentam mitigar e assumir em conjunto as consequências de materialização do risco,

como é o exemplo de riscos de força maior ou, no caso do setor hospitalar, a possibilidade de

aumentar a capacidade no futuro, dependendo de uma evolução de padrões locais não possíveis de

determinar na altura do contrato (Partnerships Victoria, 2001).

Desta forma, com base num estudo realizado pela DGTF, elaborou-se um quadro resumo dos quatro

hospitais da 1ª fase, permitindo uma fácil comparação dos moldes de alocação dos diferentes riscos

utilizados para cada uma das unidades hospitalares, como mostra o Quadro  6. Numa primeira

abordagem geral, verifica-se uma grande semelhança na alocação dos riscos entre os projetos

relativos aos hospitais de Braga, Loures e Vila Franca de Xira (à exceção do risco tecnológico no

Hospital de Loures e do risco de procura), com as opções de alocação de risco retido pela EPC, risco

transferido e risco partilhado a manterem-se constantes, apenas variando, de uma forma não muito

significativa, os pesos de ponderação afetos a cada tipo de alocação. Tendo em conta que o Hospital

de Cascais foi o primeiro a ser concluído e, portanto, foi a primeira experiência de hospitais em PPP

(o 1º concurso do Hospital de Loures foi anulado), assume-se que a maior divergência em termos de

alocação de riscos esteja relacionada com este facto, dado que a estrutura pública (EMPS) tinha falta

de experiência para garantir o normal desenrolar do processo deste tipo, facto comprovado na

medida em que a matriz de risco deste hospital apenas foi realizada após o lançamento do respetivo

concurso (TC, 2008). Ao nível dos hospitais de 1ª geração constata-se uma significativa transferência

de risco para o setor privado ao nível dos riscos da conceção, construção, financeiro e de criar os

instrumentos necessários para uma correta fiscalização pela EPC. Este tipo de alocação dos

58  

referidos riscos encontra-se na mesma filosofia das normas de boas práticas internacionais, com a

ressalva do risco de construção ser partilhado, dado que a própria EPC quis deixar em aberto a

possibilidade de alteração do projeto, assumindo o correspondente risco. Ao nível da exploração há

uma transferência de risco também significativa para o parceiro privado (qualidade, sobrecustos,

desempenho, gestão e adequação dos meios humanos e materiais e investimentos de reparação e

substituição), destacando-se, no entanto, os riscos do lado da EPC ao nível da transmissão da

titularidade das bases de dados e aplicações do Hospital de São Marcos (Hospital de Braga) e do

Hospital Reynaldo dos Santos (Hospital de Vila Franca de Xira). Destaca-se ainda os custos

associados à atividade de urgência, que afetam todos os quatro hospitais, uma vez que a

remuneração desta atividade não se encontra limitada superiormente. No caso do HVFX, a EPC ficou

ainda responsável pelas dívidas do Hospital de Reynaldo dos Santos, com exceção daquelas que

resultem da transmissão das situações jurídicas laborais.

59  

 

Quadro 6 ‐ Comparação da alocação de riscos nos quatro hospitais de 1ª Geração PPP (Adaptado: DGTF, 2012) 

60  

Na gestão de contrato, a EPC assume os riscos ligados essencialmente à função reguladora,

comprometendo-se a realizar uma fiscalização adequada e atempadamente, zelando pelos

interesses públicos. Ainda do lado público refere-se o risco decorrente dos montantes das

cauções e para a responsabilidade subsidiária, e respetivos prazos, serem insuficientes. De

facto, ao nível das garantias verifica-se que, após dois anos da data de entrada em

funcionamento do Novo Edifício Hospitalar (ou data da conclusão da transferência do

Estabelecimento Hospitalar), ambas as entidades gestoras podem levantar a caução,

passando a existir duas formas de pagamento de multas: ou o montante total de multas

aplicadas, calculado pela EPC e confirmado pela EG, é deduzido ao pagamento seguinte a

este cálculo ou então é dada a opção à EG para proceder ao seu pagamento. Refere-se ainda

que, à data deste estudo, o Hospital de Braga encontra-se sob aplicação de quatro multas, de

valores significativos, mas que para as quais a EG recusa assumir a culpa e respetivo

pagamento, estando relacionadas com indisponibilidade de um serviço de Urgência

operacional 24h/dia, entre outros incumprimentos, estando o assunto a ser mediado pela

Entidade Reguladora da Saúde. Do lado do parceiro privado, referem-se os riscos associados

ao relacionamento entre as diversas entidades privadas intervenientes, incluindo as entidades

subcontratadas, e os riscos de avaliação de desempenho, com consequente possibilidade de

multas e sequestro.

Os riscos de procura encontram-se mitigados contratualmente, como é o caso do risco da

produção efetiva prestada a utentes que não pertençam à população da área de influência do

Estabelecimento (mitigado com um teto máximo de 10% da produção prevista) e, no caso da

produção efetiva for muito inferior à produção prevista, há uma partilha de risco na qual o

parceiro privado pode ser sujeito a deduções à remuneração e tem que apresentar um relatório

diagnóstico explicativo da diferença de verificada e apresentar um plano de medidas com o

objetivo de corrigir os problemas identificados. O risco de transferência indevida das novas

unidades hospitalares para outros hospitais do setor público está do lado da EPC sendo, no

entanto, mitigado pela aplicação de multas à EG, se detetada a sua prática.

Em relação aos riscos financeiros, o risco de financiamento encontra-se do lado do privado,

conforme sugerem as boas práticas internacionais, e o risco de inflação encontra-se partilhado:

a EPC assume o risco da evolução dos preços de referência associados aos cuidados de

saúde e da evolução da parcela variável da remuneração da EGEd, enquanto as EG assumem

o risco da componente fixa da EGEd e do valor das cauções.

Os riscos legais estão maioritariamente do lado da EPC, especialmente numa ótica de

alteração específica da legislação da qual incorra uma diminuição de receitas ou aumento de

custos para as entidades gestoras, e se verifique a necessidade de repor o equilíbrio

financeiro, a favor das entidades privadas.

Os riscos de força maior não são de todo controláveis pelas entidades gestoras, nem pela

EPC, o que torna difícil a sua transferência. No caso de existirem seguradoras que comportem

61  

esses tipos de riscos, torna-se possível mensurar a consequência económica da transferência,

permitindo assim um melhor poder de decisão quanto à sua alocação. Este risco é partilhado

entre a EPC e as EG em todos os hospitais, à exceção do Hospital de Cascais, no qual todo o

risco está do lado público. A matriz de risco é o resultado da análise da decisão da melhor

parte gestora de cada risco e das suas consequências no caso de materialização do risco,

sendo de fácil leitura e compreensão, com utilidade para comparação entre outros projetos de

caraterísticas semelhantes.

De seguida analisou-se a partilha de risco feita no HVFX, pelo que foi elaborada uma matriz de

risco (Quadro 7) com os riscos de maior relevo e respetivo nível de risco, e comparou-se os

resultados com as recomendações das boas práticas nacionais e internacionais, com especial

enfoque nas diretrizes das unidades de PPP dos Governos da Austrália, do Canadá e do

Reino.

Quadro 7 ‐ Matriz de Risco do Hospital de Vila Franca de Xira 

62  

Tendo por base a alocação feita na matriz acima apresentada, verifica-se que ao nível do risco

geotécnico, risco de conceção e risco de construção são assumidos quase na totalidade pelo

parceiro privado, à semelhança das indicações das guidelines internacionais supracitadas,

ficando apenas do lado da EPC alterações pontuais de projeto ou alteração de trabalhos

realizados e especificamente a pedido desta, assumindo o risco associado.

Os riscos de exploração/manutenção e os riscos de gestão de contrato são partilhados,

havendo, no entanto, uma clara diferenciação dos papéis de cada parceiro. Enquanto as EG

são responsáveis pelas atividades desenvolvidas no âmbito do contrato de gestão, desde a

obtenção de licenças e autorizações à implementação de sistemas de qualidade ou de

monitorização de desempenho, à EPC cabe o papel de fiscalização da atividade das EG,

através dos sistema de monitorização instalados, cabendo-lhe a responsabilidade de verificar

se estes são adequados ou se é necessário proceder à revisão dos parâmetros de

desempenho, cujo risco é partilhado. Uma das mais importantes responsabilidades da EPC

reside no risco associado à aplicação e cobrança de multas: se na ocorrência de falhas de

desempenho por parte das EG não existir um eficaz processo de penalização deixa de haver

um instrumento que assegura a bom desempenho do hospital e compromete toda a relação de

confiança entre o parceiro público e privado. Conclui-se, então, a importância de um bom

sistema de monitorização, que cumpra os parâmetros de controlo e registo, bem como de

acessibilidade, e que acima de tudo haja, por parte da EPC, uma capacidade de aplicação e

cobrança de multas como medida de garantir os padrões de qualidade definidos. As guidelines

internacionais dão ênfase à prévia definição ao conjunto do modelo de pagamento, regime de

penalidades a incorrer por falhas de desempenho e definição clara e objetiva dos outputs

pretendidos. A produção prevista é um risco partilhado, determinado anualmente em acordo

entre público e privado com base no estipulado no Contrato de Gestão e por, um lado, é um

dos parâmetros de análise do desempenho da EG (quando comparado com a produção

efetiva) e caso não sejam atingidos os valores mínimos definidos, a EG obriga-se a identificar

os pontos em falha e elaborar um relatório com medidas corretivas. Os riscos de sequestro,

resgate e rescisão estão previstos no contrato de Gestão, onde estão definidos também os

moldes de aplicação, que alocam um peso bastante significativo no lado do parceiro privado –

qualquer um destes riscos está associado ao mau desempenho de uma ou das duas entidades

gestoras. As guidelines internacionais prevêem o que está estipulado nas cláusulas

contratuais, nas quais é dada a possibilidade às EG de cumprirem os parâmetros acordados

e/ou corrigir as consequências dos seus maus atos, antes de uma intervenção da EPC.

Em relação aos riscos financeiros, as boas práticas alocam fundamentalmente no lado privado,

com a particularidade do risco da inflação que se, por um lado, o parceiro privado assume a

responsabilidade do método financeiro utilizado, a EPC deve aceitar partilhar as suas

consequências, e é o que está estipulado no Contrato de Gestão, com a indexação da inflação

aos preços de referência da prestação dos serviços clínicos e na parcela variável da

remuneração da EG do edifício.

63  

As boas práticas internacionais referem que o risco de alteração do quadro legal deve ser

maioritariamente assumido pela EPC, por razões óbvias é a parte que melhor o pode controlar,

mas que, no entanto, o setor privado pode aceder partilhar as consequências financeiras,

colocando um limite máximo superior a partir do qual será a EPC a suportar os demais custos.

O Contrato de Gestão do Hospital de Vila Franca de Xira foca essencialmente as alterações

legislativas de caráter específico cujas consequências tenham implicações diretas e relevantes

ou em perdas de receitas ou em aumento de custos para as entidades gestoras, e que pode

levar à reposição do equilíbrio financeiro do Contrato, a favor do privado. Constata-se que os

valores para os quais a entidade gestora está efetivamente prejudicada e pode ter direito à

reposição do equilíbrio financeiro estão devidamente quantificados.

4.2.2.5. Mitigação do risco

A mitigação do risco é a última fase do processo de análise e avaliação do risco e tem como

objetivo definir um conjunto de fatores que visem mitigar quer a ocorrência quer as

consequências de cada risco, nas diferentes fases de uma PPP.

Do lado público, o risco pode ser mitigado com uma adequada preparação de todo o ciclo do

protejo, com uma correta identificação da necessidade de uma infra-estrutura/serviço, bom

planeamento de toda a fase pré-contratual, desde a qualificação dos concorrentes aos critérios

de avaliação das propostas, com recurso a consultoria especializada, uma fiscalização

adequada e eficiente do desempenho do parceiro privado e definição de planos de

contingência no caso de quebra de contrato.

O setor privado, de uma forma geral, assume os riscos em que é possível determinar o seu

impacto económico e que conseguem ser adequadamente geridos e mitigados. Tipicamente as

formas de mitigação do risco usadas pelo privado são:

Transferência de responsabilidades para terceiras entidades – a alocação do risco a

uma terceira entidade, que se encontra em melhor posição para controlar o risco e

como tal assume um prémio menor de risco. Convém denotar que embora este

sistema de transferência de risco consiga otimizar recursos, em último caso a entidade

privada (SPV) é a responsável pelos riscos;

Recurso a seguros – transferência do risco a uma terceira entidade com

especialização e matéria de responsabilidades de riscos e, como tal, com uma análise

crítica de avaliação do risco mais competente e prémio de risco mais ajustado;

Recurso a instrumentos financeiros – acordos financeiros que visem proteger o SPV

da inflação, taxas de juro ou taxas cambiais.

Desta forma, foi elaborada o Quadro  8 que define os fatores de mitigação dos riscos

associados ao modelo contratual utilizado na 1ª Geração de hospital em PPP.

64  

Quadro 8 ‐ Mitigação de Riscos 

65  

Cada uma das fases da estratégia de análise e avaliação de risco reveste-se de grande

importância pois é o conjunto de resultados que advêm de cada uma delas que possibilita um

acréscimo de ganho de VfM do projeto e que pode ser decisivo no sucesso da parceria. Assim,

o papel da EPC na gestão de risco é fundamental, cabendo-lhe a responsabilidade de ser o

parceiro mais ativo na determinação e execução desta estratégia, e tem que ser uma das

prioridades iniciais do projeto. Apresenta-se na Figura 17 as etapas da gestão do risco.

 

Figura 17 ‐ Etapas da gestão do risco

Concluída a análise de gestão do risco, com a determinação da estratégia de mitigação dos

riscos do projeto, cabe à EPC garantir a sua efetiva implementação, através de instrumentos

financeiros e/ou outros, e que haja uma relação de confiança entre ambas as partes que

garanta o seu cumprimento.

4.2.3. Gestão de Contrato

4.2.3.1. Considerações gerais

O tema de gestão de contrato num Parceria Público-Privada é especialmente importante no

setor da saúde no âmbito de gestão hospitalar uma vez que o grau de complexidade que

carateriza este tipo de contratos é extremamente elevado.

Pretende-se no presente capítulo abordar este tema numa parceria, analisando o sistema de

monitorização e de informação implementados, dado que é a partir destes que se torna

possível, por um lado, o parceiro privado obter um controlo do desempenho do hospital e, por

66  

outro o setor público realizar a sua própria avaliação, concluindo o grau de cumprimento em

relação aos objetivos definidos no Contrato de Gestão. Deste modo, escrutinou-se estes

sistemas quer do lado da EGEst e da EGEd, sendo da responsabilidade destas entidades a

conceção, implementação e gestão dos sistemas.

Em relação ao sistema de informação, este deve garantir a recolha, processamento e

disponibilização dos dados necessários para um correto acompanhamento da generalidade

das atividades objeto do Contrato. Estes não devem esquecer a confidencialidade e integridade

das informações nele contidas e assegurar que a informação é disponibilizada em tempo útil

para os utilizadores autorizados, nomeadamente a EPC. Está previsto também no contrato a

garantia de transferência dos registos, devidamente tratados e conservados, aquando o

momento da reversão.

O sistema de monitorização é o instrumento que permite a avaliação e monitorização do

desempenho do parceiro privado em relação às condições impostas no Contrato, bem como

das entidades sob sua orientação. Deste modo, é desenhado com vista a garantir três objetivos

centrais:

A auto-avaliação através registo das informações recolhidas permitindo, deste modo,

às EG examinar o seu desempenho e obter bases de partida para melhoria de

performance;

O registo dos Parâmetros de Desempenho previstos, facilitando assim a comparação

com os parâmetros alcançados, simplificando o processo de apuramento e registo de

Falhas de Desempenho afetos a cada EG;

A avaliação, por parte da EPC, do cumprimento do contrato.

Este sistema recebe como inputs as informações obtidas pelo sistema de informação e cabe às

EG assegurar o tratamento e processamento automatizado, tendo em vista a monitorização e

fiscalização do conjunto das atividades. Está estipulado no contrato que é imperativo o acesso

a este sistema de monitorização e respetivos instrumentos de suporte ao Gestor de Contrato,

“a qualquer momento, localmente ou a partir de local remoto, mediante um processo de

autenticação, salvo por causas não imputáveis às Entidades Gestoras (…)”.

O sistema de monitorização, como forma de dar a melhor resposta aos objetivos traçados,

deve reger-se por princípios que assegurem a prevenção de deteção de situações

inadimplência contratual, de cada uma das Entidades Gestoras, garantindo tempos de resposta

adequados às situações detetadas, e promovendo assim a maximização de desempenho das

EG. Devem ainda manter um registo centralizado das situações de incumprimento detetadas,

que é de livre acesso à EPC. Na eventualidade de se verificar um desajustamento do sistema

de monitorização face aos princípios acima descritos, é da responsabilidade das EG

melhorarem/desenvolverem um sistema adequado a uma fiscalização eficiente, suportando os

custos desta alteração na sua totalidade.

67  

4.2.3.2. Monitorização do Desempenho da Entidade Gestora do Estabelecimento

A avaliação do desempenho da EGEst é realizada por um conjunto de critérios, divididos em

duas vertentes, nomeadamente em áreas de avaliação e de forma global.

A avaliação por áreas é bastante focada na qualidade de serviços prestados por esta entidade,

sendo analisada a performance ao nível do cumprimento dos Parâmetros de Desempenho

definidos no CG, existindo ainda uma parte avaliada pelo índice de satisfação dos Utentes,

nomeadamente através da realização de inquéritos. Assim, esta avaliação incide sobre as

seguintes áreas:

Resultados: a EG é avaliada segundo os Parâmetros de Desempenho de resultados

definidos no CG;

Serviço: a EG é avaliada segundo os Parâmetros de Desempenho de serviço definidos

no CG;

Satisfação: a EG é avaliada segundo o Índice de Satisfação dos Utentes.

Apresenta-se, de seguida, o Quadro 9 que resume a classificação da avaliação por áreas:

Quadro 9 ‐ Avaliação do desempenho por áreas (Fonte: Contrato de Gestão do HVFX) 

Este quadro quantifica a classificação da avaliação da EGEst em função dos três parâmetros

supracitados. Com base nos valores obtidos neste tipo de avaliação, é elaborada então a

avaliação de forma global, que é classificada de acordo com o seguinte Quadro 10:

68  

Quadro 10 ‐ Avaliação de desempenho global (Fonte: Contrato de Gestão do HVX) 

Outro fator pode levar à consideração da avaliação como globalmente “insatisfatório”, que está

relacionado com o facto da EGEst atingir os níveis máximos de multas previstos, isto é, 2,5%

do valor da parcela a cargo do SNS paga por adiantamento para o ano em causa.

A avaliação do desempenho da EGEst é efetuada pela EPC em que numa primeira fase é

elaborado um relatório respeitante aos serviços prestados pela EGEst no primeiro semestre

que pode conter recomendações de melhoria, servindo como um indicador de desempenho. No

entanto, o documento formal com base no qual a EPC efetua a avaliação é o relatório de

avaliação global anual, a ser entregue no prazo de 30 dias após a conclusão do período

referido. No caso de a avaliação resultar na classificação de um nível igual a “satisfatório” ou

“insatisfatório”, a EGEst tem que definir e implementar um programa de medidas com vista à

correção das lacunas identificadas como forma de apresentar um melhor serviço e,

consequentemente, progredir o nível de avaliação.

O processo de avaliação do desempenho da EGEst tem por base a identificação das Falhas de

Desempenho que estão agrupadas em 3 grupos:

Falhas específicas: a classificação de falha específica é atribuída quando ocorrem

duas situações – (i) transferência ou referenciação indevida de Utentes do

Estabelecimento Hospitalar para outro estabelecimento hospitalar e (ii) no caso de

referenciação indevida de Utentes do Estabelecimento Hospitalar para ingresso na

Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados;

Falhas de Resultados: verifica-se quando ocorre inadimplência dos Parâmetros de

Desempenho de resultados;

Falhas de Serviço: verifica-se quando ocorre inadimplência dos Parâmetros de

Desempenho de serviço.

Da ocorrência destes tipos de falhas podem advir deduções aos pagamentos a realizar à

EGEst. No caso das deduções relativas às falhas específicas, é calculado um valor

correspondente ao preço do serviço numa entidade pública, em termos médios de duração, isto

é, para as situações previstas em (i) é utilizada a Tabela de Preços do SNS e para as situações

69  

previstas em (ii) é assumido um valor de duas vezes o valor da diária de internamento fixado

pelo MS.

Em relação às deduções a aplicar resultantes de falhas de resultados ou de serviço, o seu

valor é determinado pelo produto do (i) número de pontos de penalização pelo (ii) valor unitário

de cada ponto de penalização (definidos no CG). O peso relativo de cada falha de resultado ou

de serviço é classificado com a atribuição de pontuação específica para cada falha, traduzida

em pontos de penalização. O valor total de deduções devido a este tipo de falhas (resultados e

serviços) não pode exceder o limite máximo de 5% da remuneração base anual da EGEst.

No caso de se verificar a imposição de deduções aos pagamentos da EGEst, esta permanece

obrigada ao cumprimento dos critérios definidos nos Parâmetros de Desempenho

transgredidos e a EPC pode ainda justapor uma multa, com os fundamentos definidos no CG,

se a situação assim o justificar.

4.2.3.3. Monitorização do Desempenho da Entidade Gestora do Edifício

À semelhança da EGEst, a avaliação do desempenho da EGEd é realizada por um conjunto de

critérios, divididos em duas vertentes, nomeadamente em áreas de avaliação e de forma

global.

A avaliação por áreas é realizada nas vertentes de disponibilidade, serviço e satisfação:

Disponibilidade: a EG é avaliada segundo o cumprimento das condições de

disponibilidade do Novo Edifício Hospitalar definidas no Contrato de Gestão;

Serviço: a EG é avaliada segundo os Parâmetros de Desempenho de serviço definidos

no Contrato de Gestão;

Satisfação: a EG é avaliada segundo o índice de satisfação dos Utentes.

Em relação à avaliação por disponibilidade esta é realizada por tipo de área, conforme indicado

no Quadro 11 e é mensurada pelo rácio entre o número de Sessões em Funcionamento sobre

o número de Sessões total do ano previstas.

70  

Quadro 11 ‐ Avaliação do desempenho por disponibilidade (Fonte: Contrato de Gestão do HVFX) 

A avaliação de disponibilidade do tipo de área (crítica, muito relevante, relevante e de apoio) é

um dos inputs da avaliação global (Quadro 12), que segue os seguintes critérios:

Quadro 12 ‐ Avaliação de desempenho global (Fonte: Contrato de Gestão do HVFX) 

Outro fator pode levar à consideração da avaliação como globalmente “insatisfatório”, que está

relacionado com o facto da EGEd atingir os níveis máximos de multas previstos, isto é, 2,5%

da sua remuneração base anual.

A avaliação do desempenho da EGEd é efetuada pela EPC com base nos seguintes

documentos: é elaborado um primeiro relatório respeitante aos serviços prestados pela EGEd

no primeiro semestre que pode conter recomendações de melhoria, servindo como um

indicador de desempenho. No entanto, o documento formal com base no qual a EPC efetua a

avaliação é o relatório de avaliação global anual, a ser entregue no prazo de 30 dias após a

conclusão do período referido.

71  

No caso de a avaliação resultar na classificação de um nível igual a “satisfatório” ou

“insatisfatório”, a EGEst tem que definir e implementar um programa de medidas com vista à

correção das lacunas identificadas como forma de apresentar um melhor serviço e,

consequentemente, progredir o nível de avaliação.

O processo de avaliação do desempenho da EG do Edifício tem por base a identificação das

Falhas de Desempenho, que estão agrupadas em 2 grupos:

Falhas de serviço: incumprimento dos Parâmetros de Desempenho de serviço;

Falhas de disponibilidade: verifica-se quando o não cumprimento das condições de

disponibilidade tem impacto de tornar indisponível uma área funcional para a EG

Estabelecimento, de forma imprevista.

Considera-se que uma área funcional não reúne as condições para a EGEst exercer as suas

atividades quando se encontram comprometidas as condições de acessibilidade, condições de

segurança e/ou condições de utilização, segundo os parâmetros estipulados no CG. Da

ocorrência destes tipos de falhas podem advir deduções aos pagamentos a realizar à EGEd.

Refere-se que é da competência da EGEst a deteção primária da ocorrência de Falhas de

Desempenho por parte da EGEd. Também os Parâmetros de Desempenho ou as condições de

disponibilidade da EG Edifício podem vir a ser alteradas no caso de qualquer das entidades

gestoras ou a EPC verificar a necessidade de um ajustamento face às necessidades

específicas da EG Estabelecimento, por acordo entre as três partes.

O montante máximo de dedução por falhas de serviço à EGEd está limitado a 10% da sua

remuneração base anual, sendo que o valor total de deduções por falhas de disponibilidade e

falhas de serviços não pode exceder a sua remuneração base anual.

De uma forma geral, a gestão do contrato nos moldes definidos alinha-se com os pontos

fundamentais das boas práticas internacionais, resultando numa avaliação positiva nas

situações com maior potencial de conflitos entre o setor privado e público. Desta forma, o CG

em vigor é um instrumento bem desenhado para atingir a maior eficiência do setor privado e

contribui para uma fiscalização mais clara e eficaz pelo Estado.

Refere-se ainda que, a propósito da gestão do Hospital de Braga e conforme já referido, existe

atualmente uma situação de conflito entre as entidades gestoras privadas e a EPC, que

resultou na aplicação de multas por deteção de falhas de desempenho, mas que o privado

recusa assumir as responsabilidades. À data deste estudo ainda não é conhecido o desfecho

desta situação, mas que poderá servir de caso de estudo de problemas relacionados com a

gestão do contrato e as conclusões advindas poderão contribuir para um melhor desenho de

futuros contratos de gestão de PPP no setor da saúde.

72  

4.3. 2ª Geração: Gestão Hospitalar Privada e Serviços Clínicos

Públicos

4.3.1. Enquadramento

Os hospitais denominados de 2ª Geração caraterizam-se por romper com o modelo de PPP

utilizado na 1ª Geração, passando o objeto de contrato apenas a ser a construção do Novo

Edifício Hospitalar e sua operação e manutenção e exclui os serviços clínicos, que continuam

na esfera pública. Estavam previstos 6 hospitais (Todos os Santos, Central do Algarve,

Margem Sul do Tejo, Évora, Vila Nova de Gaia e Póvoa de Varzim/Vila do Conde) e foi

elaborado um estudo, pela Escola de Gestão do Porto, para dar suporte ao processo de

decisão política sobre hierarquizar de sequência estratégica de implementação dos hospitais.

Este estudo concluiu que o HTS (designação alterada, à data deste estudo, para Hospital de

Lisboa Oriental, mas que se mantém por simplificação de entendimento) era claramente o mais

que traria mais-valias seguido do Hospital Central do Algarve.

Com a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) no resgate financeiro a Portugal, a

TROIKA parou o processo de PPP na área da saúde, ficando os hospitais de 2ª geração sem

efeito. No entanto, após deliberação e à data deste estudo, devido aos fortes indícios de

ganhos de eficiência e custos, foi autorizado o HTS, prevendo-se também a autorização do

Hospital Central do Algarve. Desta forma, será analisado o HTS, nos moldes do procedimento

de contratação estipulados antes da intervenção do FMI em Portugal.

4.3.2. Acesso ao Mercado

4.3.2.1. Considerações gerais

O Decreto Regulamentar n.º 10/2003 de 28 de Abril, que regula as condições de lançamento

das PPP prevê, no artigo 3º, um procedimento alternativo, no qual há uma seleção prévia dos

concorrentes e apenas estes são convidados a apresentar proposta definitiva. Deste modo,

tendo como razões os elevados custos de elaboração de propostas e respetiva avaliação, a

EPC recorreu ao procedimento alternativo acima descrito para os concursos do HTS, ao abrigo

do Despacho n.º 10926-A/2008.

4.3.2.2. Qualificação dos concorrentes

A EPC definiu as condições de participação essencialmente segundo três tipos de requisitos: (i)

situação pessoal dos operadores económicos, nomeadamente requisitos em matéria de

inscrição nos registos profissionais ou comerciais, (ii) capacidade económica e financeira e (iii)

capacidade técnica.

O ponto (i) consiste na análise de documentos com informação e formalidades para a

verificação das candidaturas nos termos dos requisitos necessários, como a certidão de registo

73  

comercial, declaração de idoneidade e prova da prestação da caução prevista pelo programa

de procedimento.

Em relação à capacidade económico-financeira prevista no ponto (ii), para além dos

documentos solicitados para atestar a robustez financeira dos concorrentes, são definidas as

seguintes condições de qualificação cumulativas:

Limite mínimo de capitais próprios: montante igual ou superior a 25.000.000 euros em

cada um dos exercícios de 2004, 2005 e 2006,

Limite mínimo de proveitos: montante igual ou superior a 50.000.000 euros em cada

um dos exercícios de 2004, 2005 e 2006;

No caso de agrupamento concorrente, todas as entidades participantes demonstram

um total de capitais próprios positivo em cada um dos exercícios de 2004, 2005 e 2006.

A capacidade técnica dos concorrentes, ponto (iii), é escrutinada segundo documentos que

comprovem experiência da entidade na construção de edifícios de utilização pública, o alvará

de empreiteiro de obras públicas (classe 9 de empreiteiro geral de edifícios de construção

tradicional da 1ª categoria) e experiência detalhada do técnico responsável pelo projeto de

arquitetura. As condições de qualificação em termos de capacidade técnica dos concorrentes

são as seguintes:

Experiência na construção de um edifício de utilização pública com área bruta de

construção igual ou superior a 15.000 metros quadrados (se incluída num

agrupamento, com participação igual ou superior a 20%);

Conclusão do edifício similar nos últimos 7 anos;

A entidade concorrente ou, em caso de agrupamento, uma as entidades que o

integram com uma participação igual ou superior a 20%, ser titular do alvará de

construção acima descrito;

O técnico responsável pelo projeto de arquitetura é licenciado em arquitetura há pelo

menos 10 anos, é membro da respetiva ordem profissional e foi o responsável (como

autor ou co-autor) pela elaboração de, pelo menos, um projeto de execução de

arquitetura de um edifício hospitalar, com área bruta de construção igual ou superior a

15.000 metros quadrados, finalizado nos últimos 10 anos.

Os critérios de admissibilidade dos concorrentes, ao nível da capacidade financeira são claros

e específicos, resultando numa análise eficaz por parte de possíveis interessados, e que

pretendem retratar a solidez financeira do concorrente em três anos consecutivos, anteriores

ao lançamento do concurso.

No que diz respeito à avaliação da capacidade técnica, os critérios de qualificação são

quantificados, ou seja, está estipulada a experiência que o concorrente deve possuir. No

entanto, o critério que define experiência num edifício de utilização pública de 15.000 m2 mas

não refere um número mínimo de participação em projetos destas condições, como sugerido

74  

nas recomendações do Banco Mundial (WB Model Request for Qualification) e para além

disso, parece um pouco desajustado, uma vez que diverge bastante, por defeito, da área bruta

de construção prevista do HTS. Não obstante, em conjunto com o critério que define a

experiência do arquiteto responsável, constata-se que é atingido um nível de exigência em

termos de capacidade técnica e respetiva experiência, alicerçado por uma qualidade de

construção atingida por técnicas construtivas recentes. Relembra-se que estes critérios de

qualificação são cumulativos. Refere-se ainda que, ao contrário do sugerido nas guidelines de

boas práticas internacionais, não é valorizada a experiência em liderar projetos em PPP. Este

facto justifica-se, uma vez mais, que aquando do lançamento deste concurso, a experiência de

empresas portuguesas em liderar projetos de PPP, especialmente no setor da saúde, era

diminuta ou inexistente, e portanto o setor público privilegiou o know-how do objeto do contrato

face aos moldes de contratação em PPP, garantindo maior competitividade das empresas

nacionais. Salienta-se, no entanto, a preocupação do setor público em premiar a experiência

do setor privado em edifícios de utilização pública e em projeto de arquitetura de pelo menos

um hospital.

Tendo em conta a complexidade destes projetos, um dos riscos associados é a falta de

entendimento entre as várias entidades do consórcio concorrente pelo que as boas práticas

internacionais contemplam ainda a experiência passada do consórcio em trabalhos conjuntos,

caso exista. Ainda assim, a experiência técnica referida pelo setor privado tem que ser

acompanhada com a respetiva comprovação do dono de obra garantindo, deste modo, a

veracidade dos argumentos enviados.

Para efeitos de avaliação das candidaturas, deve ser ainda apresentada uma proposta

preliminar composta pela solução arquitetónica e pela memória descritiva e justificativa do

modelo organizacional para a prestação dos serviços objeto de contrato, com ambos os

modelos a seguirem os modelos constantes no programa de procedimentos. Está previsto um

número de 3 operadores convidados a concorrer, que serão selecionados segundo os

seguintes parâmetros:

Solução arquitetónica: 90%;

Organização funcional: 70%;

Imagem e integração na envolvente: 30%;

Organização dos serviços: 10%.

Desta forma, serão selecionados os 3 concorrentes que obtiverem pontuações mais elevadas

nas candidaturas (sempre acima da classificação global igual a 5), através do processo de

avaliação das candidaturas descrito no programa de procedimento. Apenas será admitido um

número inferior de concorrentes quando um número inferior de concorrentes não reúna as

condições de qualificação exigidas no artigo 36º do programa de procedimento ou quando

apenas um número inferior a 3 candidaturas sejam classificadas com um valor global igual ou

superior a 5.

75  

4.3.2.3. Avaliação das propostas

Na fase de avaliação das propostas, conforme já referido, deve ser privilegiado um modelo de

avaliação centrado nos outputs pretendidos, garantindo uma hierarquização das propostas.

Para tal, a CAP aplicou os critérios de avaliação definidos no programa de procedimento prévio

à contratação, estruturados da seguinte forma:

Qualidade – Ponderação: 60;

Infra-estruturas e Equipamentos – Ponderação 85;

• Arquitetura – Ponderação 50;

• Instalações Técnicas e Equipamentos – Ponderação 30;

• Manutenção – Ponderação 15;

• Mov. Terras, Contenção, Fundações, Estrutura – Ponderação 5;

Serviços – Ponderação 7,5;

Estrutura Financeira e Jurídica – Ponderação 7,5;

Preço – Ponderação 40.

Um aspeto fundamental numa parceria em que a conceção, construção, operação e

manutenção estão do lado privado e a prestação dos serviços clínicos é da responsabilidade

da esfera pública é o enquadramento da solução proposta ir ao encontro das pretensões da

EPC com o objetivo de optimização funcional. Só com um processo interativo de diálogo

constante entre as duas partes é possível atingir as sinergias operacionais pretendidas, no qual

o parceiro público transmite, para além de documentos escritos, as suas necessidades e

pontos de vista para melhor servir os interesses públicos – prestação de melhores cuidados de

saúde, com as eficiências obtidas por uma conceção inovadora e construção de qualidade

superior, obtidos pelo privado. Este risco de interface é bastante relevante neste modelo de

parceria de 2ª geração, sendo possível mitiga-lo com esforço de ambas as partes logo desde o

início da fase concursal.

4.3.3. Partilha de Risco

4.3.3.1. Considerações gerais

Numa PPP hospitalar onde uma entidade privada é responsável pela operação e manutenção

do Edifício Hospitalar e os serviços clínicos são prestados pelo Estado há claramente uma

interação operacional entre as duas entidades prestadoras de serviços. Este ponto de partida

enfoca um dos principais riscos a considerar neste tipo de parceria, sendo também um dos

mais complicados de alocar e mitigar, conforme será analisado em baixo, tendo em

consideração também outros riscos caraterísticos deste tipo de parceria.

76  

4.3.3.2. Identificação e avaliação do risco

Conforme já referido, por um lado, a probabilidade de ocorrência de um risco está diretamente

relacionada com a sua alocação, isto é, se o risco estiver alocado ao parceiro que está em

melhor posição para controlar as condições de ocorrência, então é este parceiro que deve reter

o risco, até porque, de forma geral, é este também que melhor controla as consequências no

caso de materialização do risco e portanto, melhor consegue estimar o seu impacto económico

(Marques e Berg, 2010).

4.3.3.3. Alocação do risco

Conforme referido, a alocação do risco é de grande importância numa parceria visto que,

mesmo tendo sido feita uma análise crítica dos riscos mais importante e a sua correta

quantificação económica (sem esquecer que esta quantificação também tem em consideração

a alocação), sem uma correta alocação dos riscos estes podem materializar-se mais

frequentemente e/ou ter impactos económicos superiores. Apresenta-se no Quadro 13 a matriz

de risco efetuada para o HTS, com a identificação dos riscos mais relevantes e mensuração,

em termos qualitativos do nível de risco, através da sua probabilidade de ocorrência e o seu

impacto, e comparou-se os resultados com as recomendações das boas práticas nacionais e

internacionais, com especial enfoque nas diretrizes das unidades de PPP dos Governos da

Austrália, do Canadá e do Reino Unido.

Tendo por base a alocação feita na matriz acima apresentada, verifica-se que ao nível do risco

geotécnico, risco de conceção e risco de construção estes são assumidos quase na totalidade

pelo parceiro privado, à semelhança das indicações das guidelines internacionais supracitadas,

ficando apenas do lado da EPC alterações pontuais de projeto ou alteração de trabalhos

realizados e especificamente a pedido desta, assumindo o risco associado. Refere-se a

introdução, por parte da EPC, de capacidade de reconversão do projeto do Edifício Hospitalar e

dos meios a utilizar, tendo em vista uma futura alteração da respetiva utilização e ainda a

introdução de elementos de flexibilidade no projeto do Edifício Hospitalar e dos meios a utilizar,

tendo em vista uma futura expansão ou adaptação da capacidade, com o risco a ser assumido

pelo parceiro privado. Outro risco retido essencialmente na esfera da EPC é o risco associado

à conceção do projeto, no caso de este não ter em conta as particularidades da interação entre

os vários cuidados clínicos e sinergias de proximidade funcional que têm. Este risco tem algum

impacto no funcionamento do hospital, reduzindo eficiência na prestação dos serviços clínicos

prestados.

Os riscos de exploração/manutenção e os riscos de gestão de contrato são partilhados,

havendo no entanto uma clara diferenciação dos papéis de cada parceiro: enquanto a EG é

responsável pelas atividades desenvolvidas no âmbito do CG, desde a obtenção de licenças e

autorizações à implementação de sistemas de qualidade ou de monitorização de desempenho,

à EPC cabe o papel de fiscalização da atividade da EG, através dos sistema de monitorização

instalados, cabendo-lhe a responsabilidade de verificar se estes são adequados ou se é

77  

necessário proceder à revisão dos parâmetros de desempenho, cujo risco é partilhado. Uma

das mais importantes responsabilidades da EPC reside no risco associado à aplicação e

cobrança de multas: se na ocorrência de falhas de desempenho por parte da EG não existir um

eficaz processo de penalização deixa de haver um instrumento que assegura a bom

desempenho do hospital e compromete toda a relação de confiança entre o parceiro público e

privado.

Quadro 13 ‐ Matriz de Risco do Hospital de Todos os Santos 

Conclui-se então a importância de um bom sistema de monitorização, que cumpra os

parâmetros de controlo e registo, bem como de acessibilidade, e que acima de tudo haja, por

parte da EPC, uma capacidade de aplicação e cobrança de multas como medida de garantir os

padrões de qualidade definidos. As guidelines internacionais dão ênfase à prévia definição ao

conjunto do modelo de pagamento, regime de penalidades a incorrer por falhas de

desempenho e definição clara e objetiva dos outputs pretendidos. O procedimento dos riscos

78  

de sequestro, de resgate e de rescisão estão previstos no CG, onde estão definidos também os

moldes de aplicação, que alocam um peso bastante significativo no lado do parceiro privado –

qualquer um destes riscos está associado ao mau desempenho de uma ou das duas entidades

gestoras. As guidelines internacionais prevêem o que está estipulado nas cláusulas

contratuais, nas quais é dada a possibilidade à EG de cumprirem os parâmetros acordados

e/ou corrigir as consequências dos seus maus atos, antes de uma intervenção da EPC.

Em relação aos riscos financeiros, as boas práticas alocam fundamentalmente no lado privado,

com a particularidade do risco da inflação que é assumido pela EPC na remuneração anual da

EGEd.

Conforme já foi referido, existe o risco de interface, o qual se refere aos riscos associados à

interação das duas unidades a operar, pública e privada. Este risco tem várias vertentes, sendo

a primeira na fase de projeto, com o desenho deste a poder ter uma influência negativa no

funcionamento do hospital, consoante já referido. Existem também questões ligadas ao

quotidiano do hospital como, por exemplo, os custos de energia. Neste caso, quem deve

decidir, por exemplo, as horas de fecho de luz (tendo em conta o bem-estar dos pacientes) é o

pessoal médico, mas é o setor privado que assume os custos de energia, originando assim um

conflito de interesses. Esta situação foi uma das mais problemáticas na segunda geração de

hospitais, e muitas outras semelhantes podem ser referidas. Este tipo de conflitos pode

prejudicar a relação de boa-fé existente entre os dois parceiros, sendo necessário mitigá-lo

para uma otimização funcional global do NEH.

4.3.3.4. Mitigação do Risco

Nos moldes da contratação em PPP na área da saúde sem os serviços clínicos na gestão

privada, é constituída uma Comissão de Coordenação, composta por elementos da EPC,

EGEd e da Administração do Hospital.

Esta comissão tem o direito de acesso a todos os documentos relacionados com as atividades

desenvolvidas no CG, mas no entanto apenas pode efetuar recomendações às partes.

Esta entidade, tendo em conta o âmbito de atuação acima descrito, assume um papel

fundamental na construção de uma boa relação entre as partes privada e público, sendo um

elemento chave na gestão de risco hospitalar.

O caderno de encargos do HTS inclui, na fase de conceção, uma cláusula que impõe à EGEd a

consideração de introdução de capacidade de reconversão do projeto do Edifício Hospitalar e

dos meios a utilizar, tendo em vista uma futura alteração da respetiva utilização e da introdução

de elementos de flexibilidade no projeto do Edifício Hospitalar e dos meios a utilizar, tendo em

vista uma futura expansão ou adaptação da capacidade. Este risco, assumido pelo privado, é

melhor mitigado quanto mais próxima a solução apresentada for das pretensões da EPC. Para

tal, indica-se uma interação elevada nesta fase do concurso, com sessões de esclarecimento

79  

agendadas e frequentes, por forma a garantir o máximo de apoio do setor público ao setor

privado, assegurando de melhor forma do interesse público.

A fixação e a revisão das especificações técnicas e de serviço relativamente ao Edifício

Hospitalar são definidas pela EPC. A revisão destas especificações pode ocorrer nos casos em

que se verifique que o nível de serviço prestado pela EGEd nas atuais condições não permite à

Administração do Hospital o cumprimento das suas obrigações ou coloque em causa os

patamares de desempenho pretendidos. Dessa forma, a EPC define um conjunto de novas

especificações, com o auxílio da Comissão de Coordenação, e cabe ao privado a sua

aceitação ou, caso contrário, o processo segue para o tribunal arbitral, do qual resultará a

decisão final quanto ao cumprimento das novas especificações por parte da EGEd.

A Comissão de Coordenação assume também um papel de grande importância ao nível de

riscos de interface na exploração do hospital, pois vai atuar como mediadora entre as partes

privadas e públicas, acompanhando as atividades desenvolvidas no hospital e agindo

proativamente na prevenção de conflitos e, no caso de ocorrerem, atuar como elemento

apaziguador e impulsionar de soluções tendo em vista o normal funcionamento do Novo

Edifício Hospitalar.

4.3.3.5. Gestão do Contrato

É no âmbito da análise de gestão de contrato que efetivamente se verifica a qualidade da

parceria desenhada, verificando se esta está a alcançar ou não os objetivos contratados. Para

esta verificação, é essencial existir um sistema de monitorização eficaz e transparente, através

do qual o privado avalia o seu próprio desempenho e lado público fiscaliza, de uma forma ativa

e cooperante.

Os termos relacionados com a gestão de contrato, nomeadamente o sistema de monitorização,

a monitorização dos Parâmetros de Desempenho, as Falhas de Desempenho e respetivo

cálculo de deduções associado e a avaliação global, no HTS é idêntico aos termos da EGEd

dos Hospitais de 1ª geração analisados e, portanto, a análise não será repetida neste ponto.

Um elemento fundamental para contribuir para um bom diálogo entre ambas as partes do

contrato é a constituição de uma Comissão de Coordenação.

80  

5. Conclusão

5.1. Síntese final

A generalidade da população em Portugal tem uma perceção negativa do modelo contratual

PPP, relacionando-o como uma forma pouco transparente de passagem de serviços da esfera

pública para responsabilidade privada. Esta dissertação não pretende escrutinar ou avaliar os

valores de investimento envolvidos, mas analisar o próprio desenho contratual utilizado nos

hospitais portugueses em PPP e atestar as opções contratuais adotadas.

Como literatura bibliográfica, optou-se por aprofundar o estudo na temática da saúde, pela

dinâmica política imprimida e sua importância para a população e grau de desenvolvimento do

país. A pesquisa recorreu a uma vasta bibliografia nacional e também internacional, com o

estudo de desenvolvimento das PPP em quatro países de referência de utilização de PPP:

Espanha, Reino Unido, Canadá e Austrália.

Acesso ao Mercado

A primeira geração de hospitais seguiu o procedimento normal prévio à contratação, definido

no Decreto Regulamentar n.º 10/2003 de 28 de Abril, previsto no artigo 2º, o que não se

manteve a segunda geração, onde foi seguido o procedimento alternativo previsto pelo mesmo

diploma legal no artigo 3º. Nos concursos da primeira geração, os critérios apresentaram uma

falha grave dado que não eram dotados de qualquer mecanismo de quantificação da avaliação

dos concorrentes. Desta forma, coube à EPC a hierarquização dos concorrentes, através de

uma análise exaustiva de um elevado número de documentos solicitados, tornando, desta

forma, o processo menos transparente e de uma complexidade muito superior à desejada com

a agravante de a EPC não ter meios humanos necessários para esta sobrecarga de trabalho.

No concurso da segunda geração houve uma melhoria da fase concursal, com a quantificação

(da maioria) dos critérios de admissão e o cuidado de solicitar os documentos comprovativos

necessários segundo um modelo previamente definido conseguindo, deste modo, ganhos

bastante significativos de eficiência, quer em termos de gestão de tempo quer em recursos

humanos aplicados.

Em relação aos critérios de avaliação das propostas, refere-se que os critérios da primeira

geração têm um âmbito de abrangência mais elevado, devido à inclusão dos serviços clínicos,

o que diferencia dos critérios da segunda geração, mais simplificados. Houve o esforço de

tentar garantir que os concorrentes conseguiam garantir com a maior fiabilidade possível o

cumprimento das atividades contratadas. De seguida, apresenta-se a Figura 18 na qual é

possível observar a diferença de critérios e respetivas ponderações utilizados na avaliação das

propostas dos hospitais de 1ª e 2ª geração e apresenta-se ainda os critérios utilizados no setor

rodoviário (Algarve Litoral, Baio Alentejo, Baixo Tejo, Douro Interior, Litoral Oeste, Pinhal

Interior e Transmontana).

81  

 

Figura 18 ‐ Comparação dos critérios de avaliação das propostas entre hospitais de 1ª e 2ª geração e setor rodoviário

A aparente maior complexidade da avaliação das propostas da 1ª geração foi efetivamente

constatada, com a inclusão da vertente dos serviços clínicos no âmbito privado a elevar

bastante o grau de complexidade do concurso. Em relação aos serviços clínicos é definido um

conjunto mínimo de níveis de serviço definido no caderno de encargos. Outra particularidade,

que é possível extrair da análise da Figura 18, advém da complexidade própria do setor

hospitalar, quando comparado com o setor rodoviário por exemplo, em que há uma clara

aposta e valorização pela EPC na qualidade do projeto: nos hospitais das duas gerações o

critério da qualidade técnica é o mais valorizado, ao contrário do setor rodoviário. Uma

diferença observada na fase dos concursos de primeira e segunda geração prende-se no perfil

tipo dos concorrentes. Nos concursos da primeira geração existe um consórcio concorrente,

tipicamente liderado por uma entidade com historial ligado à prestação de serviços clínicos:

José de Mello Saúde, Espírito Santo Saúde e HPP Saúde. Nos concursos de segunda geração

concorreram essencialmente empresas do setor da construção civil.

Partilha de Risco

A gestão de risco é um dos fatores fundamentais para a construção de uma relação de

confiança entre público e privado e, assim, determinar o nível de sucesso de uma parceria.

Como tal, deve ser alvo de uma preparação cuidada, rigorosa e atempada com o objetivo de

mitigar os potenciais riscos desde o início da sua concessão. A gestão de risco tem 5 etapas

fundamentais, como exemplifica a Figura 19, todas elas de grande importância e há uma

relação de dependência entre elas, como, por exemplo, a probabilidade de determinado risco e

respetivo impacto estar relacionado com a sua alocação.

Figura 19 ‐ Etapas da gestão de risco numa PPP 

82  

De uma forma geral houve um entendimento satisfatório de todo o processo da gestão de risco

por parte da entidade púbica contratante, com a partilha de risco a seguir os princípios de boas

práticas internacionais. Este facto resulta de um esforço na construção de um contrato de

gestão capaz, embora, como já referido, este exercício deve ser realizado antes. Caso

ilustrativo desta situação foi a recusa de Visto do TC ao CG do Hospital de Cascais por não

aceitar a respetiva matriz de risco por considerar que era demasiado penosa para o Estado.

Da análise efetuada, conclui-se que existem mecanismos contratados que mitigam de forma

eficaz os riscos, com destaque para o conceito de reposição do equilíbrio financeiro, com o

qual foi criado uma esfera de situações para as quais o parceiro privado tem direito a ser

compensado financeiramente, devidamente quantificado. No tipo de contrato da segunda

geração identificou-se um conjunto de riscos associados ao relacionamento entre as entidades

privadas e públicas (risco de interface) mitigado pela atuação da Comissão de Coordenação,

que trabalha proativamente na resolução de conflitos, para que a relação de confiança

existente continue.

Salienta-se que, após ocorrer o processo de partilha de risco, os riscos assumidos pelo Estado,

que já foram quantificados economicamente, devem, de acordo com as melhores práticas

internacionais, ser contabilizados nas propostas finais dos concorrentes para efeitos de

comparação com o CSP. Daqui resulta que a própria decisão pelo modelo de PPP deve ter em

conta este condicionalismo, dado que se numa PPP cabe ao Estado a responsabilidade e

consequências de determinados riscos, então estas consequências económicas devem ser

tidas em consideração aquando da comparação com o valor no caso de o projeto estar na

totalidade sob tutela pública.

Gestão de Contrato

O CG é o elemento que estabelece a relação entre a parte pública e a parte privada, definindo

direitos e deveres de ambos, com o objetivo do cumprimento do objeto contratual. Numa PPP

hospitalar em que existe a inclusão da prestação dos serviços clínicos na esfera privada, o CG

assume uma complexidade muito elevada derivada da dificuldade em monitorizar este tipo de

serviços. Fazendo um pequeno exercício, no exemplo de pagamento por atendimento/consulta,

o privado podia sentir-se tentado a tentar alcançar o maior número possível de registos por

forma a aumentar o volume de receitas. O inverso também é desinteressante, dado que caso

os níveis de produção hospitalar estejam limitados, sem qualquer pagamento extra a partir

desses patamares, o privado pode sentir-se tentado a desvalorizar de alguma forma os casos

extras, podendo incorrer daí riscos para o utente.

Nas duas gerações de hospitais há uma dependência entre a remuneração do privado e o seu

desempenho. Este é o mecanismo mais eficaz sugerido nas linhas de orientação

internacionais. Para que haja um controlo adequado do desempenho das entidades gestoras é

imperativo que esteja instalado um sistema de monitorização eficaz, transparente e acessível à

EPC. Esta entidade deve ter a capacidade de aplicar as multas impostas, de modo a que haja

83  

uma efetiva contrapartida ao mau desempenho das entidades gestoras privadas. O caso real

do Hospital de Braga demonstra esta fraqueza, em que a EPC já aplicou mais do que uma

multa à EG mas esta não assume a responsabilidade, estando o caso a ser investigado pela

Entidade Reguladora da Saúde. Uma das fragilidades do contrato é a sua abertura face à

possibilidade de ocorrerem negociações. Efetivamente um contrato de uma PPP é um contrato

não fechado, no qual existe uma probabilidade elevada de existirem renegociações, muito

devido quer à complexidade do modelo contratual quer à longa duração estabelecida. Este

risco tem maior ênfase no caso dos hospitais.

De um modo geral, a aplicação do modelo de PPP foi bem executada no setor da saúde, sendo

de natureza naturalmente mais complicada quando comparado, por exemplo, com o setor

rodoviário. Embora tenha havido uma derrapagem tremenda nas fases de concurso, houve um

entendimento geral de ambas as partes das implicações próprias ao funcionamento hospitalar,

resultando no desenho de um contrato de gestão evoluído e capaz. Nos hospitais de 1ª

geração há efetivamente uma complexidade acrescida devido à inclusão da prestação dos

serviços clínicos na esfera da responsabilidade privada mas por outro existem ganhos de

eficiência na medida em que todo o funcionamento hospitalar (cuidados de saúde e

manutenção e operação) está sob tutela de uma única entidade, obtendo assim sinergias

funcionais. Nos hospitais onde os serviços clínicos são prestados pelo Estado, há uma

simplificação dos moldes do contrato de gestão, existindo uma menor dificuldade na estimativa

de níveis de desempenho, mas há o risco, dificilmente mensurável, de ocorrerem perdas de

eficiência funcional derivadas de uma gestão hospitalar entre duas entidades tão diferentes.

5.2. Desenvolvimentos futuros

Nesta dissertação procurou-se analisar os contratos de gestão da primeira e da segunda

geração de hospitais em PPP, concluindo sobre aspetos fortes e fracos de cada modelo. No

entanto, apenas três hospitais de primeira geração estão em funcionamento à data deste

estudo, pelo que seria relevante uma análise da qualidade das parcerias estabelecidas, com a

entrada em funcionamento de um hospital de segunda geração podendo, desta forma,

constatar as diferenças dos modelos em situações reais e proceder então a uma avaliação

mais rigorosa das reais capacidades destes modelos.

Após esta análise sugerida e retiradas as devidas conclusões, seria pertinente a elaboração de

um guia de boas práticas da aplicação do modelo que se apresente globalmente mais

vantajoso, se existir, tornando o processo de possíveis novos hospitais em PPP mais eficiente.

Tendo em conta o bom desenho contratual aplicado nas PPP em Saúde e após uma análise de

hospitais de 2ª geração, seria interessante uma comparação da realidade funcional dos

hospitais portugueses com hospitais de outros países, nas duas vertentes de afetação de

serviços clínicos, isto é, analisar o tipo de parceria dos hospitais que obtiveram melhores

performances e comparar se houve a mesma correspondência em casos internacionais.

84  

Um das áreas de maior interesse no futuro, em Portugal, será a renovação das infra-estruturas

de cuidados primários de saúde. A aplicação de um modelo PPP neste tipo de estruturas

provavelmente será diferente do modelo aplicada em qualquer das duas gerações de hospitais,

à semelhança dos casos internacionais estudados. Deste modo, torna-se pertinente uma

análise entre os modelos utilizados no subsetor hospitalar e os modelos a utilizar para as

estruturas de cuidados primários de saúde, percebendo as verdadeiras potencialidades de

cada tipo de contrato e os moldes em que se torna mais vantajoso usar um ou outro modelo.

85  

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