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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ JULIANA APARECIDA SANCHES CAETANO PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

JULIANA APARECIDA SANCHES CAETANO

PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA

CURITIBA

2012

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JULIANA APARECIDA SANCHES CAETANO

PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná. Orientadora: Profª. Geórgia Sabbag Malucelli Niederheitmann

CURITIBA

2012

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TERMO DE APROVAÇÃO

JULIANA APARECIDA SANCHES CAETANO

PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel no

Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná

Curitiba, ___de___________ de 2012

___________________________________________ Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: ________________________________________________ Profª. Geórgia Sabbag Malucelli Niederheitmann

Universidade Tuiuti do Paraná

_______________________________________________ Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

______________________________________________ Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

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“Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração

de segundo, mas com tamanha intensidade,

que se petrifica”.

Carlos Drummond de Andrade

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RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade traçar os principais objetivos da paternidade

socioafetiva. Procurando aprofundar-se nos novos tipos de filiação que estão incluídos

na redação da Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002. E ainda,

demonstrar que o pai é muito mais importante como função do que, propriamente,

como genitor ou gerador do filho. O pai de afeto é um novo personagem a

desempenhar o importante papel de pai, o pai amigo e participativo, aquele que

constrói uma relação afetuosa com o filho, biológico ou não, moldado pelo amor e

dedicação constantes.

Palavras-chave: Paternidade, Afeto, Família.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, que me deu forças para superar os

obstáculos e que me manteve firme na fé

quando o desespero me foi presente.

À minha mãe, Rosilei, por seu cuidado e

dedicação, principalmente nos momentos

mais difíceis.

Ao meu pai, Joel, por sua motivação e

segurança que me transmiti à certeza de

que não estou sozinha e que sempre terei

um bom amigo com quem poderei contar.

À minha irmã, Ana Paula, pela

compreensão e paciência.

Aos meus queridos amigos, pelos

momentos alegres e pelas dores

compartilhas no decorrer destes 5 anos.

À querida Professora Geórgia Sabbag

Malucelli Niederheitmann, por sua

paciência, dedicação e por seus

ensinamentos que foram fundamentais para

a realização dessa monografia.

A todos aqueles que contribuíram direta ou

indiretamente para que esse trabalho fosse

realizado, meu eterno agradecimento.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 7

2 TRANSFORMAÇÕES NO MODELO DE

FAMÍLIA ..............................................................................................

9

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS .................................................. 11

3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA................................................ 11

3.2 SOLIDARIEDADE FAMILIAR............................................................ 13

3.3 PATERNIDADE RESPONSÁVEL....................................................... 13

3.4 MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE........ 14

3.5 AFETIVIDADE...................................................................................... 15

3.5.1 Paternidade Socioafetiva......................................................................... 17

4 PODER FAMILIAR ............................................................................. 18

4.1 TITULARIDADE DO PODER FAMILIAR.......................................... 19

5 FORMAS DE RECONHECIMENTO DOS

FILHOS .................................................................................................

21

5.1 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO................................................ 21

5.2 RECONHECIMENTO JUDICIAL........................................................ 22

6 POSSE DO ESTADO DE FILHO....................................................... 24

7 PATERNIDADE BIOLÓGICA ........................................................... 26

8 PATERNIDADE SOCIOAFETIVA ................................................... 27

9 ADOÇÃO “À BRASILEIRA” ............................................................. 31

10 DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

PELO PAI OU

MÃE ...................................................................................

33

11 DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

PELO FILHO ........................................................................................

36

12 CONCLUSÃO....................................................................................... 38

REFERÊNCIAS................................................................................................... 40

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1 INTRODUÇÃO

Cada vez mais surgem situações envolvendo crianças e adolescentes que,

afastados dos seus pais no plano biológico ou jurídico, passaram a se relacionar no

campo afetivo com outras pessoas que assumiram faticamente a posição de pai e mãe.

A relação de paternidade socioafetiva se caracteriza pelo tratamento

dispensado a um filho, independente do vínculo sanguíneo ou imposição legal,

levando-se em consideração o fruto do afeto.

Partindo do reconhecimento dos laços biológicos da filiação, o vínculo que

une pais e filhos é mais amplo que a carga genética de cada um, o que quer dizer que

as relações concretas entre eles, o amor, o carinho dispensado, o tratamento afetuoso e

o desejo de enxergar em alguém a relação de paternidade, reconhecendo como filho

em virtude do afeto, construído nas relações intersubjetivas concretas e não somente

no vínculo consanguíneo.

Há algum tempo atrás a origem biológica era indispensável à família patriarcal,

cumprindo assim a tradição, separando os filhos legítimos dos filhos ilegítimos.

A família atual passa por vários fatores modificativos, onde o afeto é construído

entre a liberdade de se formar uma família e o desejo profundo de construí-la.

A utilização de princípios constitucionais visa melhorar o entendimento quanto

determinadas relações familiares, resguardando direitos e deveres aos seus membros.

O poder familiar é questão importante no exercício da autoridade dos pais sobre

os filhos, o papel do pai socioafetivo atuante, enquanto companheiro da mãe exerce

seu poder familiar de forma subsidiária, isso em situações em que o pai original é

conhecido e reconhecido como tal juridicamente.

As formas de reconhecimento dos filhos afetivos pode ser feita voluntária ou

judicialmente, o trabalho ainda trata da posse do Estado de Filho, as formas de

paternidade, quais sejam: biológica e socioafetiva.

Ainda, em relação à filiação trataremos da chamada “Adoção á Brasileira” e seu

reconhecimento perante a justiça.

Sobre a possibilidade de desconstituição da paternidade a requerimento dos

pais, veremos que não é possível pleitear a nulidade do registro uma vez efetuada a

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filiação por "adoção a brasileira", quer sob o argumento de cessação dos vínculos

concretos, quer sob o argumento de diversidade de origem genética, pois vem no

decorrer do tempo desempenhado diariamente o exercício da paternidade afetiva.

De um outro prisma a desconstituição da paternidade socioafetiva por parte do

filho tem previsão legal no artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse

direito tem relação direta com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e por se

tratar de direito indisponível pode ser exercitado a qualquer tempo, uma vez que é

imprescritível. A descoberta da origem genética tem amparo amplo na legislação

vigente e pode ser exercitado em face dos pais ou seus herdeiros, sem qualquer

restrição.

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2 TRANSFORMAÇÕES NO MODELO DE FAMÍLIA

A família é a base da sociedade brasileira, haja vista ser ancorada

primeiramente em laços de afeto, sabendo-se que o amor é o elo da comunhão de vida

plena entre pessoas, de forma pública, contínua e duradoura.

A família representa uma construção da sociedade formada através de regras

culturais, jurídicas e sociais em um grupo em que as pessoas influenciam e são

influenciadas por outras pessoas ou coisas. Podem ser ligadas por descendência ou por

adoção.

As pessoas, desde a inserção no seio familiar, sempre se portaram de forma

aglomerada, com a necessidade de viver em comunidade. Desta forma, é razoável o

entendimento de que se o Homem vive em busca da felicidade e a família em si é

objeto de felicidade para os seus membros.

A idéia de família precisa ser construída a partir de valores vigentes em cada

tempo e espaço, acompanhando a evolução da sociedade, levando em consideração

peculiaridades sociais e culturais.

Atualmente, vivenciamos as mudanças no âmbito familiar, a ruptura definitiva

com o modelo de família Patriarcal ou Heteroparental, fundado na chefia paterna com

o advento do Código de Hammurabi, e principalmente as garantias que a Constituição

Federal de 1988 trouxe, reconhecendo novos grupos familiares ao flexibilizar normas,

como por exemplo, a igualdade de condição entre os filhos, sejam legítimos ou não. É

o que dispõe o art. 22, § 6º, da Constituição Federal: “ Os filhos, havidos ou não da

relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,

proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Nesse sentido, Marco Túlio de Carvalho Rocha, ensina que

No Brasil, embora os novos princípios tenham ganhado espaço, paulatinamente, durante todo o século XX, a Constituição da República de 1988 é o marco dessas transformações, por ter consagrado a igualdade dos cônjuges e a dos filhos, a primazia dos interesses da criança e do adolescente, além de ter reconhecido, expressamente, formas de famílias não fundadas no casamento, às quais estendeu a proteção do Estado. (2009, p. 01).

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É sob o prisma de que a mera reprodução foi deixada de lado e que a

consanguinidade não é mais o vínculo que une as famílias, que passaremos a analisar o

afeto como a conexão existente entre as pessoas. Giselle Câmara Groeninga afirma:

“Em verdade, família é um caleidoscópio de relações que muda no tempo de sua

constituição e consolidação em cada geração, que se transforma com a evolução da

cultura, de geração para geração”. (2003, p. 125)

As modificações desse pensamento de família ocorreram em decorrência da

evolução histórica e científica do Homem, acarretando transformações na sociedade e

consequentemente da forma com que eram encaradas tais relações familiares. Novos

valores menos rígidos foram cultivados no seio familiar e isso refletiu em mudanças

no ordenamento jurídico, que deve sempre estar atento a essas relevâncias.

Nesse sentido o Juiz de Direito do Poder Judiciário do Estado de Pernambuco,

Draulternani Melo Pantaleão, menciona na Sentença Nº 2011/01754 os ensinamentos

da professora Maria Berenice Dias, retirado de seu artigo “Direito e Psicanálise”,

A mudança dos paradigmas da família reflete-se na identificação dos vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos e de uma linguagem que melhor retrata a realidade atual: filiação social, filiação socioafetiva, posse do estado de filho.

Todas essas expressões nada mais significam do que a consagração, também no campo da parentalidade, do mesmo elemento que passou a fazer parte do Direito de Família. Tal como aconteceu com a entidade familiar, agora também a filiação passou a ser identificada pela presença de um vínculo afetivo paterno-filial. O Direito ampliou o conceito de paternidade, que passou a compreender o parentesco psicológico, que prevalece sobre a verdade biológica e a realidade legal.

Desta forma, é importante o papel do indivíduo que assume, perante a sociedade

e principalmente perante a criança, a figura de pai, dando afeto, carinho e provendo

suas necessidades, construindo assim, além do vínculo afetivo, a proteção jurídica

conveniente a relação familiar.

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3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Os princípios aqui tratados têm seus fundamentos na Constituição Federal de

1988 e têm a função de embasar diversos ramos do direito, desta forma não se pode

afastar os princípios constitucionais das relações advindas do Direito de Família.

3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana tem seus fundamentos na Carta

Magna de 1988, transferindo obrigatoriedade quanto ao direito/dever do respeito nas

relações jurídicas, principalmente no que tange ao Direito das Famílias, visando

proteger as relações familiares como um todo.

Immanoel Kant buscou distinguir aquilo que tem preço da dignidade

propriamente dita. Diz ele:

No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela a dignidade.(1986, p. 77)

Desta forma entende-se que viola o princípio da dignidade da pessoa humana

aquele que coisifica o ser humano, ou a coisa o equipara, dispensando a ideia de que

independente do seu papel na sociedade ou até mesmo na família, como é o caso em

tela, o ser humano por si só é sujeito de direitos que são garantidos

constitucionalmente.

Esse princípio está disposto no artigo 1° da Constituição Federal, no inciso III

e foi introduzido no ordenamento jurídico como cláusula pétrea. E ainda vale ressaltar

que a dignidade da pessoa humana tem relação direta com todos os demais princípios

trazidos pela Carta maior.

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O professor Paulo Lobo, em um de seus ensinamentos explica que:

A dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros de iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade.(2011, p.60)

Segundo mencionam Gisele Pereira Jorge Leite e Denise Heuseler no artigo

“Direito de Família e Alienação Parental” publicado na internet, citando Cristiano

Chaves de Faria:

A entidade familiar deve ser entendida, hoje como grupo social fundado, essencialmente, em laços de afetividade, pois outra conclusão não se pode chegar à luz do Texto Constitucional, especialmente do art. 1º, III que preconiza a dignidade da pessoa humana como princípio vetor da República Federativa do Brasil.

A família, do ponto de vista constitucional, ficou tutelada a fim de

funcionalizar o desenvolvimento da chamada dignidade da pessoa humana em suas

relações. Observa-se que a aceitação de diferenças, de modo a afastar qualquer tipo de

preconceito entre seus integrantes.

Isso vem ficando cada vez mais claro, quando os membros da família deixam

de emitir juízos de valor e tratando de forma mais humana a família por sua simples

existência.

Tal cláusula deve reger todas as relações jurídicas reguladas pela legislação

infraconstitucional, de qualquer ramo do direito, atuando principalmente, no direito de

família, já que “é um ramo do direito civil com características peculiares, é integrado

pelo conjunto de normas que regulam as relações jurídicas familiares, orientado por

elevados interesses morais e bem-estar social” (VENOSA, 2005, p. 26).

Ainda, por primazia constitucional, este como os demais princípios

determinam limitações e garantias nas relações familiares e acabam por ter relação

direta entre si, é o que ocorre com o Princípio da Solidariedade ele encontra-se

indissoluvelmente ligado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

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3.2 SOLIDARIEDADE FAMILIAR

A solidariedade significa um vinculo de sentimento que é guiado, limitado e

autodeterminado de forma racional à oferta de ajuda. Na evolução dos direitos

humanos, aos direitos individuais vieram concorrer os direitos sociais, no qual se

enquadra o direito econômico e o direito de família. Esse princípio só se inscreveu no

ordenamento jurídico brasileiro após a Constituição Federal de 1988.

Paulo Lôbo, manifesta-se a respeito:

O princípio jurídico da solidariedade resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver a sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com reflexos até os dias atuais (2011. P, 63).

Esse princípio se apresenta na CF/88 no inciso, I do art. 3°, onde revela como

um dever imposto a sociedade, ao Estado e a família a proteção do grupo familiar, à

criança, ao adolescente e as pessoas idosas.

3.3 PATERNIDADE RESPONSÁVEL

A Constituição Federal de 1988 dispõe no artigo 226, §7º que a família é a base

da sociedade e que por isso merece um proteção especial do Estado, tendo em vista

essa garantia a Constituição coloca a Paternidade Responsável no rol dos princípios

protetores do Direito de Família. Competindo ao Estado propiciar recursos

educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedando qualquer forma de

coerção por instituições, sejam elas oficiais ou privadas.

Em outras palavras, caberá ao casal a escolha de formar uma família, mas

compete ao Estado assegurar que essa família tenha condições de dar uma vida digna

aos seus membros.

Vale ressaltar que esse princípio foi estatuído pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, no artigo 27, o qual prevê que: “o reconhecimento do estado de filiação é

direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os

pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”.

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O princípio da Paternidade Responsável deve ser exercido desde a concepção

do filho, atribuindo à criança direitos e aos pais obrigações advindas dessa relação,

seja ela biológica ou não.

3.4 MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente significa, que

estes devem ter seus direitos tratados como prioridades pela sociedade, pelo Estado e

pela família, levando em consideração serem pessoas em desenvolvimento. Esse

principio tem previsão na Carta Maior, em seu artigo 227, caput, bem como, no

Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 4º e 5º.

O principal objetivo do princípio é tentar fazer da criança e do adolescente

sujeitos de direitos, e acima de tudo fazer com que eles possuam direitos protegidos

pela legislação assim como os adultos. O que ocorre em regra, é que a ordem de

proteção e prioridade vem sendo invertida. Os interesses dos pais se sobrepõe aos

interesses dos filhos.

Nesse sentido, Paulo Lôbo:

O princípio do melhor interesse ilumina a investigação das paternidades e filiações socioafetivas. A criança é o protagonista principal, naatualidade. No passado recente, em havendo conflito, a aplicação do direito era mobilizada para interesses dos pais, sendo a criança mero objeto da decisão. O juiz deve sempre, na colisão da verdade socioafetiva, apurar qual delas cotempla o melhor interesse dos filhos, em cada caso, tendo em conta a pessoa em formação (2011. P, 75 e 76)

O princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, trata-se de diretriz

determinante nas relações da criança/ adolescente com seus pais, com suas famílias,

com o Estado e com a sociedade como um todo.

Por fim, aduz FACHIN:

O melhor interesse da criança assume um contexto, que em sua definição o descreve como ‘basic interest’, como sendo aqueles essenciais cuidados para viver com saúde, incluindo a física, a emocional e a intelectual, cujos interesses, inicialmente são dos pais, mas se negligenciados o Estado deve intervir para assegurá-los. (2002, p. 133)

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3.5 AFETIVIDADE

Os vínculos de afinidade e de parentesco, ainda que tratados de formas

diferentes, acarretam direitos e obrigações para ambas as partes. A afinidade tem

origem na lei e se constitui quando do casamento ou da união estável e vincula o

cônjuge ou companheiro aos parentes do outro. Antigamente a afinidade era associada

apenas ao casamento, mas a o ordenamento jurídico estendeu esses vínculos à união

estável no art. 1595 do Código Civil vigente, garantindo ao cônjuge ou companheiro o

vínculo de afinidade aos parentes do outro.

A afetividade pode ser encontrada nos parentes afins em linha colateral ou reta,

na primeira a afinidade não passa do segundo grau, se restringindo aos cunhados, e na

segunda é em relação aos filhos de um dos cônjuges ou companheiros.

Segundo ensinamentos do mestre Paulo Lobo “A família é sempre socioafetiva,

em razão de ser grupo social considerado base da sociedade e unida na convivência

afetiva” (2010, p. 29). A socioafetividade no Brasil existe para explicar as relações

decorrentes do afeto, do parentesco não biológico. Segundo Maria Berenice Dias

O afeto surge como um novo olhar do legislador, da doutrina e da jurisprudência, se consolidando como um direito fundamental [...] talvez nada mais seja necessário dizer para evidenciar que o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade." (2007, p. 67 e 69)

O afeto, por se tratar de um fato social, sofreu no Brasil grande resistência em

ser considerado na esfera jurídica, no entanto tornou-se fundamental, uma vez que seu

objeto interessa as relações sociais de natureza afetiva, merecendo inclusive incidência

nas normas jurídicas. Continua o professor Paulo Lôbo:

O termo socioafetividade conquistou as mentes dos juristas brasileiros, justamente porque propicia enlaçar o fenômeno social com o fenômeno normativo. De um lado há fato social e de outro o fato jurídico, no qual o primeiro se converteu após a incidência da norma jurídica. A norma é o princípio jurídico da afetividade. As relações familiares e de parentesco são socioafetivas, porque congrega o fato social (sócio) e a incidência do princípio normativo (afetividade) (2010, p. 29).

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No Brasil o marco do interesse pela socioafetividade aconteceu quando houve a

certeza biológica, assegurados pelos exames de DNA, parte dos juristas ficaram

tentados a solucionar as questões trazidas no que diz respeito à filiação e somente

então no mundo jurídico houve a distinção entre o pai e o genitor.

O mestre Rolf Madaleno afirma:

Ainda, que a filiação consangüínea só existe com o vínculo afetivo, com o qual se completa a relação parental. Não há como aceitar uma relação de filiação apenas biológica, sem ser afetiva, esta externada quando o filho é acolhido pelos pais, que assumem plenamente suas funções do poder familiar, previstas pelos arts. 1634 e 1690 do Código Civil. (2007, p. 27)

A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo a clamada igualdade entre os

filhos. O afeto mais uma vez foi contemplado quando se trata de filiação, uma vez que

normas relativas não podem ter qualquer interpretação que releve qualquer

desigualdade de tratamento entre os filhos, independente de sua origem, surtindo

efeitos tanto no âmbito pessoal quanto no patrimonial.

Em relação ao direito ao nome, atualmente é possível que o enteado possa

acrescer ao seu nome o nome de família do padrasto/ madrasta, isso por razões de

afinidade e afetividade, desde que com a concordância dos mesmos. Dá-se, então, a

equiparação de um estado de posse de filho com relação ao padrasto ou à madrasta, em

vista dos laços afetivos de seu relacionamento. A questão do genitor fica até superada

em relação a isso, porque o melhor interesse da criança deve ser resguardado acima de

tudo, deixando de lado o interesse deste “pai” já que a criança foi verdadeiramente

criada por outrem. No entanto, os pais biológicos continuam com as obrigações de

ordem patrimonial, referentes a assistência alimentar e direito sucessório.

Nesse sentido Euclides Oliveira afirma:

Cumpre observar que o nome assim conquistado pela pessoa não lhe traz efeitos de ordem jurídico-patrimonial, nos campos da assistência alimentar, direito sucessório, direito previdenciário e outros. Continuam sujeitos a tais conseqüências os pais biológicos e registrários, não os parentes por afinidade que apenas deram seus nomes ao enteado. Da mesma forma, mantém-se com os pais o direito-dever inerente ao exercício do poder familiar. Mas o que resta não é pouco. Significa muito o nome do padrasto, como um signo de conquista para a integração do enteado na comunidade familiar que lhe dê reconhecimento como partícipe do grupo familiar, mediante a exibição e o uso do seu desejado nome afetivo.

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3.5.1 Paternidade Socioafetiva

A paternidade socioafetiva é aquela em que o vínculo que une pai e filho é o

afeto, assumindo as responsabilidades inerentes à criação, educação, cuidados e

amparo afetivo, mesmo não existindo o vínculo genético. Nesta concepção de filiação

decorrente da função paterna na formação da sua personalidade, o pai desempenha sua

função, sendo reconhecido e identificado pelo filho como pai.

Neste sentido, Rodrigo da Cunha Pereira afirma que:

“a paternidade não é um fato de natureza, mas, antes, um fato cultural. Em outras

palavras, paternidade é uma função exercida, ou um lugar ocupado por alguém, não

necessariamente o pai biológico.” (2004, p.387)

Corroborando esse entendimento, LUIZ EDSON FACHIN sustenta que:

Embora não seja imprescindível o chamamento do filho, os cuidados na alimentação e na instrução, o carinho no tratamento, quer em público, quer na intimidade do lar, revelam no comportamento a base da paternidade. A verdade sociológica da filiação se constrói. Essa dimensão da relação pateno-filial não se explica apenas na descendência genética, que deveria pressupor aquela e serem coincidentes. Apresenta-se então a paternidade como aquela que, fruto do nascimento mais emocional e menos fisiológico, ‘reside antes no serviço e amor que na procriação. (1996, p. 37.42)

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4 PODER FAMILIAR

O poder familiar é o exercício da autoridade dos pais sobre os filhos, o pai

sócioafetivo atuante, enquanto companheiro da mãe exerce seu poder familiar de

forma subsidiaria, isso em situações em que o pai original é conhecido e reconhecido

como tal juridicamente.

O ECA trata do poder familiar em duas passagens: no capítulo dedicado ao

direito à convivência familiar e comunitária e no capítulo dedicado aos procedimentos

relativos a perda e a suspensão do pátrio poder.

Exercem o poder familiar, os pais biológicos e os pais afetivos (por força de

lei). Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “poder familiar é o conjunto de deveres

atribuídos aos pais no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores” (2010, p.396).

Para Paulo Nader, “Poder familiar é o instituto de ordem pública que atribui aos

pais a função de criar, prover a educação de filhos menores não emancipados e

administrar seus eventuais bens” (2009, p. 325).

Antigamente o poder familiar era entendido como o poder que o chefe da

família exercia sobre a vida dos filhos. Era uma relação como se o pai fosse

proprietário do filho. Com o desenvolver da sociedade, o poder familiar foi sofrendo

limitações e nos dias de hoje o poder familiar é considerado o conjunto de obrigações

para os pais, para que cuidem dos filhos. Essas obrigações são impostas pelo Estado.

São claras as mudanças que ocorreram no direito de família. A Constituição Federal de

1988, no art. 226, §7º, assim preceitua:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. §7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

A Constituição Federal no art. 227 contempla os princípios basilares de

proteção aos menores, o direito à vida, à alimentação, à educação, à saúde, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência

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familiar e comunitária, entre outras coisas cabendo à família, ao Estado e à sociedade

proteger esses direitos.

4.1 TITULARIDADE DO PODER FAMILIAR

Os pais devem assistir os filhos menores garantindo sua criação e educação,

dispõe o art. 229 da CF. Via de regra, cabe aos pais zelarem desses direitos, pai e mãe

em conjunto, competindo igualmente a titularidade do exercício do poder familiar.

A Constituição da República, no art. 226, §5º dispõe: “Art. 226. A família, base

da sociedade, tem especial proteção do Estado. §5º Os direitos e deveres referentes à

sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. É também o

que estabelece o art. 1631 do Código Civil : “Durante o casamento e a união estável,

compete o poder familiar aos pais (...)”, o art. 21 do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) também dispõe a respeito:

Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Em situações em que os pais são divorciados ou quando ocorrer a dissolução de

união estável, em nada se altera o poder familiar, que continuará sendo exercido por

ambos.

Excepcionalmente, pode haver o exercício separado do poder familiar por

qualquer dos pais. Dispõe Paulo Lôbo:

Quando se tratar de atos comuns de guarda do filho e dos atos de administração ordinária. Em qualquer hipótese, excepcionalmente, pode o poder familiar ser exercido por um dos pais com exclusão do outro, por decisão judicial. (2009, p. 277).

Quanto aos deveres concernentes ao poder familiar, na formação e proteção da

vida dos filhos, estão elencados no art. 1634 do Código Civil os direitos e deveres

conferidos aos pais, se aplicam igualmente aos pais socioafetivos.

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O inciso primeiro refere-se à criação e educação dos filhos, uma das mais

importantes obrigações, pois aos pais cabe dirigir e escolher o tipo de educação que

será dada aos filhos, cuidando do seu desenvolvimento intelectual, moral e físico, da

melhor maneira possível.

Paulo Nader interpreta da seguinte forma:

Os pais educam não apenas quando dirigem observações, comentários aos filhos, mas principalmente quando se apresentam como um modelo pessoal de vida, seja pela seriedade, lhaneza no trato, responsabilidade no trabalho, equilíbrio emocional. A educação implica, fundamentalmente, assimilação de bons hábitos pelo educando. (...) A educação deve ser motivadora da auto-estima e reconhecer o valor de cada filho, estimulando-os a desenvolver o seu potencial e na superação de suas dificuldades. (...) Criar não é apenas oferecer recursos materiais, mas essencialmente é atenção, carinho, diálogo. (2009, p. 31)

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5 FORMAS DE RECONHECIMENTO DOS FILHOS

Até a Constituição Federal de 1988 os filhos advindos de pais casados não

precisavam ser reconhecidos, pois havia a chamada “presunção relativa” que segundo

o ordenamento jurídico os são consequências de um casamento. Porém nada se falava

quanto aos filhos advindos fora da relação conjugal, pois embora existisse o vínculo

biológico entre o pai e o filho, ainda faltava o vínculo jurídico de parentesco, que

surgiu com o a Constituição Federal de 1988.

Essa distinção entre filhos legítimos e ilegítimos não mais fazem parte no atual

ordenamento jurídico, uma vez que o artigo 227, §6º da Constituição proibiu qualquer

distinção entre os filhos havidos ou não da constância do casamento, garantindo seu

reconhecimento, mesmo que não exista a relação conjugal.

A doutrina elenca duas modalidades de reconhecimento de paternidade, quais

sejam: o reconhecimento voluntário ou espontâneo e o reconhecimento judicial

também conhecido como reconhecimento coativo ou forçado.

5.1 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO

O reconhecimento voluntário é aquele em que um dos genitores, de forma

voluntária, torna público o seu vinculo biológico com a criança. O Código Civil

vigente em seu artigo 1609 dispõem sobre as formas do reconhecimento voluntário,

quais sejam:

I – no registro do nascimento; II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

O reconhecimento voluntário pode ser feito por um ou por ambos os pais

constando seu registro averbado e arquivado em cartório.

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Caio Mário da Silva Pereira, faz menção aos ensinamentos do ilustre professor

Guilherme Calmon Nogueira da Gama, sobre sua obra “A Nova Filiação: o Biodireito

e as relações parentais”:

O Código Civil de 2002, assim como o anterior, filiou-se às legislações que não fazem do reconhecimento voluntário de paternidade um ato simplesmente unilateral, visto que se exige o consentimento da pessoa que se pretende reconhecer, se maior de idade. No que tange à época do reconhecimento voluntário do filho, deve-se considerar que tal vontade pode ser manifestada antes do nascimento, mas não produzirá todos os efeitos diante da indispensabilidade de se aguardar o nascimento. O art. 26, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente, autoriza ao pai o reconhecimento antes do nascimento ou após o falecimento; neste caso, se o filho deixar descendentes. (2009, p. 357)

Desta forma, é razoável o entendimento de que o reconhecimento voluntário

traz consigo efeitos de natureza erga omnes, isto é, é válido tanto em relação aos

interessados como a toda a sociedade. Nesse sentido é que lhe é atribuído os chamados

efeitos absolutos.

5.2 RECONHECIMENTO JUDICIAL

O reconhecimento judicial é aquele mediante ação de investigação de

paternidade, que tem por finalidade investigar quem é o pai daquele filho, a fim de

declarar o vínculo existente entre pai e filho. Essa ação de investigação é

imprescritível, podendo ser proposta a qualquer tempo por se tratar de direito

personalíssimo e indisponível.

Os efeitos advindos da sentença declaratória de paternidade são os mesmos do

reconhecimento voluntário. Ambos são “ex tunc”, retroagindo à data do nascimento da

criança.

O Estatuto da Criança e do Adolescente preceitua em seu artigo 27 que esta

ação pode ser proposta sem qualquer restrição “o reconhecimento do estado de filiação

é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra

os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”.

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O filho é quem deve propor a ação e quando for menor, é necessária a

representação da mãe ou representante legal. De outra banda, deve figurar no pólo

passivo o pai, e quando este for falecido, a ação será dirigida contra os herdeiros. E

somente depois da decisão declaratória do juiz que o reconhecimento forçado terá

validade, surtindo efeitos no mundo fático, bem como na esfera jurídica.

O Ministro Castro Filho em decisão semelhante ao caso manifesta-se da

seguinte forma:

O filho havido fora do casamento, em cujo registro de nascimento não conste o nome de um ou de ambos progenitores, dispõe da ação investigatória de paternidade ou maternidade, a fim de obter, oficialmente, a definição de seus nomes e, consequentemente, a regularização de seu registro de nascimento. Tratando-se de ação de estado, forçosa é a participação do Ministério Público. O rito da ação é o ordinário, podendo o pedido ser cumulativo de alimentos e de herança. A qualquer tempo pode ser ajuizada, pois não se sujeita a prazo decadencial. STJ, REsp. n° 466783/RS, 3ª Turma, rel. Min. Castro Filho: “Direito Civil. Investigação de paternidade, Prescrição. Arts. 178, § 9°, VI, e 362 (hoje, art 1.614 do CC de 2002) do Código Civil então vigente. Precedentes. Recurso especial não conhecido”. J. em 19-04-2005, pub. Em 23-05-2005. DJ, p. 267.

Sobre os efeitos desse reconhecimento coercitivo, Paulo Nader afirma que:

Definida a paternidade ou maternidade [...] além dos efeitos comuns à perfilhação em geral, destacada o art. 1.616 da Lei Civil que a guarda do menor não será entregue, forçosamente, aos pais ou a quem contestou esta qualidade. A disposição é até desnecessária, pois, em matéria de criação, educação, guarda, prevalece o princípio da proteção integral do filho que se cultiva atendendo-se sempre à sua melhor conveniência. (2009, p. 299)

Em outras palavras, essa é uma das modalidades de reconhecimento de

paternidade em que o filho é autor e os supostos pais figuram no pólo passivo da ação

de investigação. Trata-se de um direito do filho e é imprescritível.

Os efeitos desse reconhecimento têm importância para a vida de ambos, e trás

consigo garantias para o mundo jurídico, principalmente para o filho por seu caráter

vulnerável.

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6 POSSE DO ESTADO DE FILHO

O estado de filiação somente a filiação biológica, hoje é tratado de forma mais

ampla, abrangendo esta e qualquer outra origem. Em outros dizeres, o estado de

filiação pode ser interpretado como gênero, do qual por óbvio tem como espécies a

filiação biológica e a filiação não biológica.

Com o decorrer do tempo e a partir da evolução sofrida nas formas de família,

hoje nos deparamos com uma realidade social em que famílias são formadas por laços

de amor. Nesse sentido encontra-se a noção de estado de filho ou estado de filiação

que traz para dentro das relações familiares o afeto, tornando filho quem é criado e

amado independente de ter em suas veias herança genética diversa daquele que chama

de pai.

Luiz Edson Fachin, entende que:

Se o liame biológico que liga um pai a um filho é um dado, a paternidade pode exigir mais do que apenas laços de sangue. Afirma-se aí a paternidade socioafetiva que se capta juridicamente na expressão de posse de estado de filho (1996, p. 36-37).

No mesmo sentido Paulo Lôbo:

A aparência do Estado de filiação revela-se pela convivência familiar, pelo efetivo cumprimento pelos pais dos deveres de guarda, educação e sustento do filho, pelo relacionamento afetivo, enfim pelo comportamento que adotam outros pais e filhos na comunidade em que vivem. (2009, p. 215)

Alguns autores buscam definir a posse do estado de filho através da triologia:

nomen, tractatus e fama. Luiz Edson Fachin entende por posse de estado de filho:

A reunião dos três elementos clássicos: a nominativo, que implica a utilização pelo suposto filho do patronímico, a tractatio, que se revela no tratamento a ele deferido pelo pai, assegurando-lhe manutenção, educação e instrução, e a reputatio, representando a fama ou notoriedade social de tal filiação. (1992, p. 54)

Nos dizeres do professor Orlando Gomes, “a posse do estado de filho constitui-

se por um conjunto de circunstâncias capazes de exteriorizar a condição de filho do

casal que o cria e educa” (1981, p. 324).

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A filiação, portanto, pode ser compreendida como a relação de parentesco

existente entre duas pessoas, filho e pai de um vínculo consanguíneo ou não. O Estado

de Filiação é uma qualificação jurídica que se atribui a alguém, resultando em direitos

e deveres reciprocamente considerados.

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7 PATERNIDADE BIOLÓGICA

A paternidade biológica pode ser definida como a relação sanguínea e natural

existente entre pais e filhos em sua origem genética. Pode ser compreendida como uma

verdade biológica.

A verdade biológica tem importância não só para as partes diretamente

envolvidas, mas para a coletividade ao se perceber os reflexos de sua descoberta. A

paternidade biológica é provada principalmente por exame de DNA, no entanto pode

ser provada por outros meios, como por exemplo, o exame hematológico e a

odontologia legal.

Consonante a esta linha de pensamento, Maria Helena Diniz assevera que

"Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco

consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram

vida" (1997, p. 308).

Oportuno mencionar o posicionamento de Maria Berenice Dias:

A paternidade biológica pode ser compreendida como “uma verdade biológica, comprovável por meio de exame laboratorial que permite afirmar, com certeza praticamente absoluta, a existência de um liame biológico entre duas pessoas.” (2009, p.330)

Desta forma a paternidade biológica pode ser interpretada, como uma

confirmação do vínculo sanguíneo existente entre o genitor e o filho.

8 PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

Os ensinamentos doutrinários mostram que a desbiologização da paternidade

se caracteriza quando há o vínculo de amor, de ternura, de afeto, de respeito. Esse

vínculo deve prevalecer sobre a consanguinidade, uma vez que o genitor não precisa,

necessariamente, ser o pai.

É preciso, então, distinguir pai do genitor. Embora possa existir um consenso

geral de que o pai ame naturalmente o próprio filho, há também um consenso de que o

genitor não é necessariamente o pai.

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Cabe ressaltar a lição de Paulo Lôbo a respeito da diferença entre ser pai e ser

genitor,

Impõe-se a distinção entre origem biológica e paternidade/maternidade. Em outros termos, a filiação não é um determinismo biológico, ainda que seja da natureza humana o impulso à procriação. Na maioria dos casos, a filiação deriva da relação biológica; todavia, ela emerge da construção cultural e afetiva permanente, que se faz na convivência e na responsabilidade (2000, p.252).

De acordo com Eduardo de Oliveira Leite,

Priorizando o biológico, fazendo depender a ‘paternidade’ de um mero exame de DNA, o legislador confundiu e nivelou duas noções, a de genitor e de pai que não são, necessariamente, concludentes, mas que podem se apresentar distintas, porque genitor, qualquer homem potente pode ser (...). (2000, p.77)

A paternidade socioafetiva consiste, portanto, na existência da maternidade/

paternidade que se satisfaz através do nascimento emocional do filho, mantendo

vínculo de amor, de afeto, cujo nexo nem o sangue nem a lei conseguem garantir.

No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, a função da família é tornar

concreto o amor e os interesses afetivos entre os seus membros. Desta forma, será

possível observar um projeto de família, em que exista respeito, solidariedade,

confiança e amor, garantindo o desenvolvimento pessoal de cada partícipe.

Ao passo que o afeto é critério essencial na família, os filhos derivados deste

sentimento devem ser reconhecidos legalmente, conforme garante a Magna Carta em

seu artigo 227, § 6°, que proíbe qualquer distinção entre filhos havidos na constância

do casamento ou fora dele. Sendo assim, encontra-se implícito no texto constitucional,

como consequência do artigo citado, as mesma garantias aos filhos derivados de uma

relação de afeto.

Desta feita, entende-se que a partir do reconhecimento da paternidade

socioafetiva, os efeitos pessoais e patrimoniais serão os mesmos derivados de uma

relação consanguínea. Para Caio Mário da Silva Pereira: “o reconhecimento,

voluntário ou coercitivo, produz as mesmas consequências, dando, pois, como

pressuposto, a existência de efeitos do reconhecimento”(2006, p. 207).

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Continua o professor Caio Mário da Silva Pereira:

Mas é o reconhecimento que torna conhecido o vínculo da paternidade, que transforma aquela situação de fato em relação de direito, que torna objetiva no mundo jurídico uma tessitura até então meramente potencial (2006, p. 208)

Assim, fica claro que os direitos do filho, nascido do afeto, ficam assegurados,

ao passo que a partir do seu reconhecimento, será titular dos direitos de descendente,

como por exemplo, nas questões sucessórias.

Paulo Lôbo, explica alguns artigos do Código Civil vigente, demonstrando a

socioafetividade existentes no ordenamento jurídico,

No Código Civil, identificamos as seguintes referências da clara opção pelo paradigma da filiação socioafetiva: a) art. 1.593, para o qual o parentesco é natural ou civil, “conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”. A principal relação de parentesco é a que se configura na paternidade (ou maternidade) e na filiação [...] b) art. 1.596, que reproduz a regra constitucional de igualdade dos filhos, havidos, ou não da relação de casamento (estes, os antigos legítimos), ou por adoção, com os mesmos direitos e qualificações [...] c) art. 1.597, V, que admite a filiação mediante inseminação artificial heteróloga, ou seja, com utilização de sêmem de outro homem, desde que tenha havido prévia autorização do marido da mãe. A origem do filho, em relação aos pais, é parcialmente biológica, pois o pai é exclusivamente socioafetivo [...] d) art. 1.605, consagrador da posse do estado de filiação, quando houver começo de prova proveniente dos pais, ou, “quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos” [...] e) art. 1.614, continente de duas normas, ambas demonstrando que o reconhecimento do estado de filiação não é imposição da natureza ou de exame de laboratório, pois admitem a liberdade de rejeitá-lo. A primeira norma faz depender a eficácia do reconhecimento ao consentimento do filho maior; se não consentir, a paternidade, ainda que biológica, não será admitida; a segunda norma faculta ao filho menor impugnar o reconhecimento da paternidade até quatro anos após adquirir a maioridade (2011. p,32).

A jurisprudência tem cada vez mais desconsiderado a paternidade biológica

para preservar a socioafetividade, o envolvimento afetivo, chamado “posse do estado

de filho”, até mesmo quando ocorre a “adoção à brasileira” o vínculo biológico fica

superado pela configuração da paternidade socioafetiva e pela ocorrência da adoção à

brasileira, ainda que tipificado no Código Penal em seu artigo 242 como crime.

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Sobre a importância do reconhecimento do vínculo socioafetivo, mesmo nos

casos de “adoção à brasileira”, a Ministra Relatora Nancy Andrighi, no julgamento do

Recurso Especial n° 1000356/SP, se manifestou,

A filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também “parentescos de outra origem”, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural. - Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente [...]E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares. - Dessa forma, tendo em mente as vicissitudes e elementos fáticos constantes do processo, na peculiar versão conferida pelo TJ/SP, em que se identificou a configuração de verdadeira “adoção à brasileira”, a caracterizar vínculo de filiação construído por meio da convivência e do afeto, acompanhado por tratamento materno-filial, deve ser assegurada judicialmente a perenidade da relação vivida entre mãe e filha. Configurados os elementos componentes do suporte fático da filiação socioafetiva, não se pode questionar sob o argumento da diversidade de origem genética o ato de registro de nascimento da outrora menor estribado na afetividade, tudo com base na doutrina de proteção integral à criança. - Conquanto a “adoção à brasileira” não se revista da validade própria daquela realizada nos moldes legais, escapando à disciplina estabelecida nos arts. 39 usque 52-D e 165 usque 170 do ECA, há de preponderar-se em hipóteses como a julgada – consideradas as especificidades de cada caso – a preservação da estabilidade familiar, em situação consolidada e amplamente reconhecida no meio social, sem identificação de vício de consentimento ou de má-fé, em que, movida pelos mais nobres sentimentos de humanidade, A. F. V. manifestou a verdadeira intenção de acolher como filha C. F. V., destinando-lhe afeto e cuidados inerentes à maternidade construída e plenamente exercida. [...] Mantém-se o acórdão impugnado, impondo-se a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário da maternidade, por força da ausência de vício na manifestação da vontade, ainda que procedida em descompasso com a verdade biológica. Isso porque prevalece, na hipótese, a ligação socioafetiva construída e consolidada entre mãe e filha, que tem proteção indelével conferida à personalidade humana, por meio da cláusula geral que a tutela e encontra respaldo na preservação da estabilidade familiar. Recurso especial não provido. REsp 1000356 / SPRECURSO ESPECIAL - T3 - TERCEIRA TURMA 2007/0252697-5 Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) DJe 07/06/2010 LEXSTJ vol. 251 p. 125

Fabíola Santos Albuquerque defende a idéia de que existem três espécies de

paternidade socioafetiva, quais sejam: as decorrentes da posse do estado de filiação, a

adoção e, por fim, a paternidade decorrente da técnica de reprodução assistida

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heteróloga. A dissociação da figura do pai e do genitor é questão peculiar na análise do

tema, uma vez que o genitor não precisa necessariamente ser o pai. Continua a autora:

“o cerne da relação é tão-somente o vinculo de afetividade, fator que torna desafiador

a chancela da paternidade com base em fatos de realidade, desconsiderando aspectos

biológicos.” (2008, p. 207).

Dimas Carvalho, no artigo “Filiação jurídica- Biológica e Socioafetiva”, sobre a

filiação socioafetiva,

A filiação civil socioafetiva é prevista na adoção e na reprodução medicamente assistida heteróloga, ao considerar pai/mãe jurídicos aqueles que não forneceram o material genético, mas consentiram na fecundação utilizando material do parceiro e de terceiro doador para procriação do filho do casal. O art. 1.593, entretanto, ampliou outras possibilidades ao constar genericamente, tratando-se de norma de inclusão, da constituição do parentesco por outra origem, possibilitando o reconhecimento da filiação em razão da posse do estado de filho, distinguindo o direito de ser filho da origem genética. Dentre as espécies de parentesco não biológico situam-se, assim, a adoção, o derivado de inseminação artificial heteróloga e a posse do estado de filiação, sendo que esta refere à situação fática na qual uma pessoa desfruta dos status de filho em relação a outra pessoa, independente da realidade legal, consolidando vínculos que não assentam na realidade natural, revelando-se o estado de filiação pela convivência familiar, pelo efetivo cumprimento pelos pais dos deveres de guarda, sustento e educação do filho. A filiação por outra origem é, portanto, aquela sem origem genética, construída pelo afeto, pela convivência, pelo nascimento emocional e psicológico do filho que enxerga naqueles com quem convive e recebe afeto seus verdadeiros pais [...] A socioafetividade como espécie da filiação, caracterizada pela convivência, afetividade e pela estabilidade nas relações familiares, é cada vez mais marcante na evolução do direito de família, considerando a doutrina que a verdade real é o fato do filho gozar da posse do estado de filho, que prova o vínculo parental civil de outra origem, atribuindo um papel secundário à verdade biológica.

Portanto, utilizando da razoabilidade, entende-se que o amor é o que cria a

relação pai e filho e o vínculo genético, hoje, não mais é prioridade nas relações

familiares. A paternidade socioafetiva, vem ganhando reconhecimento tanto na

doutrina quanto nos tribunais demonstrando a evolução da sociedade e as mudanças

que este tema relevante merece.

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9 ADOÇÃO “À BRASILEIRA”

A "Adoção à Brasileira" ocorre quando na ocasião do registro, pessoa

consciente de estar registrando filho alheio, mesmo assim o faz, considerando como se

filho legítimo fosse. Aparentemente segue os ditames da lei e tem caráter irretroativo.

Essa modalidade de adoção era, à um tempo atrás, criticada, pois afinal existia

nos registros do sujeito pessoa diversa do pai biológico, no entanto com as mudanças

que ocorreram na sociedade a doutrina e a jurisprudência vêm analisando tal situação

com outros olhos a ponto de reconhecer tal situação e torna-la válida para todos os

efeitos, observando sempre o melhor interesse da criança.

Nesse sentido, segue jurisprudência do STJ a respeito:

Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares. - Dessa forma, tendo em mente as vicissitudes e elementos fáticos constantes do processo, na peculiar versão conferida pelo TJ/SP, em que se identificou a configuração de verdadeira “adoção à brasileira”, a caracterizar vínculo de filiação construído por meio da convivência e do afeto, acompanhado por tratamento materno-filial, deve ser assegurada judicialmente a perenidade da relação vivida entre mãe e filha. Configurados os elementos componentes do suporte fático da filiação socioafetiva, não se pode questionar sob o argumento da diversidade de origem genética o ato de registro de nascimento da outrora menor estribado na afetividade, tudo com base na doutrina de proteção integral à criança. - Conquanto a “adoção à brasileira” não se revista da validade própria daquela realizada nos moldes legais, escapando à disciplina estabelecida nos arts. 39 usque 52-D e 165 usque 170 do ECA, há de preponderar-se em hipóteses como a julgada – consideradas as especificidades de cada caso – a preservação da estabilidade familiar, em situação consolidada e amplamente reconhecida no meio social, sem identificação de vício de consentimento ou de má-fé, em que, movida pelos mais nobres sentimentos de humanidade, A. F. V. manifestou a verdadeira intenção de acolher como filha C. F. V., destinando-lhe afeto e cuidados inerentes à maternidade construída e plenamente exercida. - A garantia de busca da verdade biológica deve ser interpretada de forma correlata às circunstâncias inerentes às investigatórias de paternidade; jamais às negatórias, sob o perigo de se subverter a ordem e a segurança que se quis conferir àquele que investiga sua real identidade. - Mantém-se o acórdão impugnado, impondo-se a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário da maternidade, por força da ausência de vício na manifestação da vontade, ainda que procedida em descompasso com a verdade biológica. Isso porque prevalece, na hipótese, a ligação socioafetiva construída e consolidada entre

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mãe e filha, que tem proteção indelével conferida à personalidade humana, por meio da cláusula geral que a tutela e encontra respaldo na preservação da estabilidade familiar. Recurso especial não provido. REsp 1000356 / SP RECURSO ESPECIAL - T3 - TERCEIRA TURMA 2007/0252697-5 Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) DJe 07/06/2010 LEXSTJ vol. 251 p. 125

Desta forma, a chamada “Adoção à Brasileira”, ainda que ilegal, atende ao

mandamento disposto no art. 227 da Constituição Federal, atribuindo deveres a família

como a convivência familiar com absoluta prioridade, devendo essa realidade ser

levada em conta ante ao conflito de valores.

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10 DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA PELO PAI

OU MÃE.

Não é possível que o pai venha um ou ambos os pais a pleitear a nulidade do

registro uma vez efetuada a filiação por "adoção a brasileira", quer sob o argumento de

cessação dos vínculos concretos, quer sob o argumento de diversidade de origem

genética, pois vem no decorrer do tempo desempenhado diariamente o exercício da

paternidade afetiva.

O mesmo ocorre quando aquele que não é o genitor registra o filho de sua

mulher, enteado, sendo-lhe vedado o questionamento futuro de tal registro, se no

decorrer do tempo se construiu uma relação de socioafetividade.

O eventual afastamento entre os pais e o filho, não é motivo para futura

impugnação da filiação socioafetiva por parte de qualquer deles, pois afinal não é a

perda de contato, por tempo relativo, que possuirá o condão de destituir a relação já

consolidada como sendo de filiação. Bem como divergências pessoais, seja qual for o

motivo, nessa hipótese poderá ocorrer eventual deserdação, ou no caso dos pais pode

resultar na perda do poder familiar.

Levando em consideração que a vontade não tem poder de desconstituir as

relações familiares quando se trata de filiação o ordenamento jurídico não permite

acordos entre pais e filhos sobre uma possível desconsideração da filiação

socioafetiva, pois trata-se de questão de ordem pública. O estado de filho uma vez

adquirido não se perde.

Existe a possibilidade de desconstituição da paternidade, por vício quanto a

manifestação de vontade quando do reconhecimento. Nessa hipótese caberá a parte

interessada o ônus de provar o referido vício.

Sobre o vício de vontade, Silvio de Salvo Venosa: “manifestação de vontade em

desacordo com a realidade, quer porque o declarante a desconhece (ignorância), quer

porque tem representação errônea dessa realidade” (2004, p. 436).

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Segue jurisprudência do TJ/RS a respeito:

APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM DESCONSTITUIÇÃO DE REGISTRO CIVIL. DNA POSITIVO. REVOGAÇÃO DO RECONHECIMENTO QUE NÃO SE CONFIGURA, NO CASO. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA COM TERCEIRO A INIBIR OS REFLEXOS DA INVESTIGATÓRIA NA ESFERA REGISTRAL E PATRIMONIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Incabível sustentar a inviabilidade da investigatória,no caso, sob a alegação de que não cabe a desconstituição do vínculo voluntariamente assumido pelo pai registral. Ora, essa tese seria aplicável caso o autor da ação fosse o pai registral. Esse, sim, é que, tendo realizado o reconhecimento voluntário da paternidade não poderá revogá-lo ("retirar a voz"), salvo se comprovar vício de consentimento. Aqui, entretanto, quem está buscando desconstituir o reconhecimento não é o autor do registro (pai registral), mas, sim, o filho. Logo, não cabe falar em "revogação"... 2. Absolutamente desnecessário investigar a existência ou não de relação socioafetiva do autor com o pai registral. Isso porque a socioafetividade é um dado social acima de tudo, confundindo-se com a posse de estado de filho, não com vínculos subjetivos (afeto) porventura existentes entre as partes, os quais é inteiramente despiciendo investigar. E mais: mesmo que comprovada a posse de estado de filho, essa circunstância, de regra, não pode servir como óbice a que o filho venha investigar sua origem genética, com todos os efeitos daí decorrentes. Em suma, a paternidade socioafetiva somente cabe invocar em prol do filho, não contra este, salvo em circunstâncias muito especiais, quando consolidada ao longo de toda uma vida, o que não é o caso aqui. DERAM ROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. Apelação Cível n° 70041654831, 8ª Câmara Civel, Tribunal de Justiça RS. Relator: Luiz felipe Brasil Santos, Julgado em 30/06/2011.

Outra exceção a regra de impossibilidade de desconstituição trata-se da

presunção da mãe quando se ocorrer erro ou falsidade de termo, o que deverá ser

provado.

Sobre essas exceções explica Paulo Nader:

A mulher não poderá contestar a maternidade, salvo provando erro ou falsidade do termo. É desinfluente, in casu, ser casada ou não. Caso pretenda excluir a maternidade, haverá de pleitear em juízo, provando a falsidade material no registro [...] Penso, que se a pretensa mãe vier a falecer após o ajuizamento da ação, admissível sim o seu prosseguimento pelos herdeiros, não obstante a Lei Civil nada diga a respeito [...] Na prática o falsum pode caracterizar-se sob várias hipóteses fáticas, como a atribuição de maternidade quando o parto não houve ou diversa tenha sido a mulher a dar à luz, entre outras situações. (2009, p. 293)

Ainda, existe a possibilidade de desconstituição da paternidade registral,

quando o filho ingressar com Ação de Investigação de Paternidade afim de descobrir a

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sua descendência biológica, em algumas situações a jurisprudência vem se

manifestado, de modo a reconhecer o pai biológico e em algumas situações, conforme

requerido pelo filho uma eventual indenização.

Essa hipótese poderá ocorrer mesmo quando se tratar de “Adoção à Brasileira”,

em que o pai afetivo tem conhecimento de que o filho que registrou não tem consigo

vinculo biológico. Caberá ao filho demonstrar a omissão do pai biológico, que mesmo

sabendo de sua existência o abandona antes do registro de nascimento.

Segue jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná a respeito:

DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso de Apelação. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE A DEMANDA ANTE A EXISTÊNCIA DE VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO COM O PAI REGISTRAL INADEQUAÇÃO VÍNCULO GENÉTICO DE PATERNIDADE COMPROVADO ATRAVÉS DE EXAME DE DNA DIREITO FUNDAMENTAL, PERSONALÍSSIMO E INDISPONÍVEL DE RECONHECIMENTO DO VÍNCULO BIOLÓGICO EVENTUAL RELAÇÃO DE AFETO ESTABELECIDA COM O PAI REGISTRAL QUE NÃO OBSTA A BUSCA E RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO GENÉTICA, MÁXIME QUANDO NÃO COMPROVADO AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE OPOSIÇÃO PELO PAI REGISTRAL PATERNIDADE BIOLÓGICA RECONHECIDA SENTENÇA REFORMADA NESTE ASPECTO CONDENAÇÃO DO REQUERIDO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS IMPOSSIBILIDADE OMISSÃO DOLOSA NÃO DEMONSTRADA RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Processo: 815631-4 (Acórdão),Segredo de Justiça: Sim - Relator(a): Clayton Camargo, Órgão Julgador: 12ª Câmara Cível. Comarca: Campina da Lagoa. Data do Julgamento: 01/02/2012 19:04:00 - Fonte/Data da Publicação: DJ: 812 29/02/2012.

Em suma deve se observar também nesse caso que deve prevalecer o melhor

interesse, no caso do investigante, que não deve ser obrigado a conviver com o pai

registral, quando seria um direito seu o (re) conhecimento da sua verdadeira origem

biológica.

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11 DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA PELO FILHO

O Direito à Filiação, com previsão legal no artigo 27 do Estatuto da Criança e

do Adolescente qualifica o reconhecimento do estado de filiação como direito

personalíssimo. Esse direito tem relação direta com o Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana, uma vez que a pessoa só desfruta de uma vida digna no momento em

que conhece sua origem. .

Por se tratar de direito indisponível pode ser exercitado a qualquer tempo, uma

vez que é imprescritível.

A descoberta da origem genética tem amplo amparo na legislação vigente e

pode ser exercitado em face dos pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição.

O pai socioafetivo reconheceu a paternidade de criança, filho de sua companheira, ciente de que não havia vínculo biológico, mas demonstrada a existência de vínculo familiar. Após sua morte, os filhos de seu primeiro casamento (ora recorrentes) buscam a anulação da escritura pública em que se firmou o reconhecimento da paternidade e a retificação do respectivo assento de nascimento. Sucede que essa criança veio a falecer após a interposição do especial, requerendo a sua mãe habilitação para substituição processual na condição de sucessora da criança. Ressalte-se que vários precedentes deste Superior Tribunal interpretam a busca da verdade biológica com temperos a ponto de evitar sejam subvertidas a ordem e a segurança que o legislador quis conferir àquele que investiga sua identidade biológica (art. 27 do ECA). Não há dúvidas, assim, de que a filiação socioafetiva é amparada pela cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento essencial na formação da identidade e definição da personalidade da criança. Contudo, na hipótese, a superveniência do fato jurídico representado pela morte da criança na pendência do REsp impõe a aplicação do art. 462 do CPC, isso porque extingue o direito em questão, que pertence tão somente à criança: o direito de ela ser albergada pela filiação socioafetiva. Portanto, deu-se provimento ao especial para que se desconstitua a paternidade, com o consequente cancelamento do registro da criança. Precedentes citados: REsp 833.712-RS, DJ 4/6/2007; REsp 932.692-DF, DJe 12/2/2009; REsp 1.067.438-RS, DJe 20/5/2009; REsp 1.000.356-SP, DJe 7/6/2010, e REsp 704.637-RJ, DJe 22/3/2011. REsp 450.566-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3/5/2011.

Apesar de ser tratar de um Direito da pessoa, alguns doutrinadores fazem

criticas sobre as eventuais consequências danosas que podem acarretar tal descoberta

na vida e até na saúde do filho.

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Interessante a lição de Guilherme de Oliveira sobre o tema, transcrita por Caio

Mário que neste mesmo sentido, defende a tese de que a paternidade jurídica de forma

alguma tem sua existência de forma forçosa, ela é simplesmente determinada pela

verdade biológica do parentesco e ainda alerta inclusive para a hipótese onde a pura

descoberta da verdade biológica pode acarretar um dano sério ao filho e aos outros

interessados, deixando em dúvida se esse direito deveria ou não se sobrepor a família

socioafetiva.

Mas apesar de existir pensamentos divergentes, atualmente os tribunais vem

aceitando a vontade e o interesse do filho de saber ou não sua origem biológica e

muitas vezes faz isso sem prejuízo do vinculo socioafetivo.

Em artigo publicado na Revista Jus Vigilantibus, sexta-feira, 20 de abril de

2012, o autor Raphael Fernando Pinheiro mencionou valioso estudo do professor

Belmiro Welter, que transcreveu um interessante acórdão defendendo a paternidade

socioafetiva em relação à paternidade biológica:

Um coito apenas determina para a vida inteira um parentesco, um coito entre pessoas que, às vezes, só tiveram aquele coito e nada mais! Desprezam-se anos e anos de convivência afetiva, de assistência, de companheirismo, de acompanhamento, de amor, de ligação afetiva. Daí não se tratar de um rematado absurdo e cogitação de que se pudesse pretender pôr limites à investigação da paternidade biológica, porque, quando se permite indiscriminadamente esta pesquisa, se está jogando por terra todo o prisma sócio-afetivo do assunto, e isto vale também para a paternidade biologia, não só para a adotiva. O pai e a mãe criaram um filho, com a melhor das criações possíveis, com todo o amor que se podia imaginar; passam-se os anos; 40 anos depois, resolve o filho investigar a paternidade com relação a outra pessoa, esbofeteando os pais que o criaram por 40 anos! E normalmente esses pedidos são tão despropositados que, falando em tese, muitas vezes têm a ver apenas com a cobiça: descobre que o pai biológico tem dinheiro, vai herdar, então despreza os pais que o criaram, que lhe deram toda educação, quer adotivos, quer biológicos – tidos como biológicos –, e vai procurar o outro pai que teve o tal de coito, uma vez na vida.

Desta forma, partindo da idéia que o filho tem direito de (re)conhecer sua

origem biológica e por se tratar de direito indisponível pode ser exercitado a qualquer

tempo, uma vez que é imprescritível.

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12 CONCLUSÃO

A família sofreu profundas mudanças no decorrer dos anos, acompanhando o

desenvolvimento da sociedade, mudanças quanto a sua função, natureza, composição e

concepção. Essas mudanças se tornaram mais perceptíveis no decorrer do século XX.

A ideia de família patriarcal foi de desfazendo com o advento da Constituição

Federal de 1988. Essa mudança de paradigma ocorreu em virtude do surgimento de

outro. O novo e atual modelo de família deixou para trás a idéia de reprodução e troxe

consigo sua função atual que caracteriza-se pela chamada “Afetividade”.

Por ter caráter afetivo a Carta Maior determinou a família como sendo a base

da sociedade brasileira, haja vista ser ancorada em laços de afeto. Podendo ser ligadas

por descendência ou por adoção.

A Constituição Federal de 1988, ao reconhecer novos grupos familiares

flexibilizou normas anteriormente absolutas, reconhecendo os filhos tidos fora da

relação conjugal e inovando com princípios próprios ao Direito de Família.

Desta forma, é importante o papel da família que assume, perante a sociedade e

principalmente perante a criança, a figura dos pais, dando afeto, carinho e provendo

suas necessidades, construindo assim, além do vínculo afetivo, a proteção jurídica

conveniente a relação familiar.

Depois de firmada a idéia do afeto como sendo principal função da família, as

relações afetivas passaram a apresentar maior segurança dentro da sociedade. A

paternidade socioafetiva veio ganhando espaço e atualmente se reconhece inclusive

que os pais do coração tenham o direito-dever do Poder Familiar quanto à pessoa do

filho, garantindo à eles, que são as partes vulneráveis da relação familiar,

desenvolvimento intelectual, moral e físico da melhor maneira possível.

Para entender a paternidade socioafetiva é necessário primeiro entender a sua

constituição. A doutrina elenca duas modalidades de reconhecimento de paternidade,

quais sejam: o reconhecimento voluntário ou espontâneo e o reconhecimento judicial

também conhecido como reconhecimento coativo ou forçado. O primeiro é aquele em

que um dos genitores, de forma voluntária, torna público o seu vinculo biológico com

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a criança; e o outro é aquele mediante ação de investigação de paternidade, que tem

por finalidade investigar quem é o pai daquele filho a fim de declarar o vinculo

existente entre pai e filho. Essa ação de investigação é imprescritível, podendo ser

proposta a qualquer tempo por se tratar de direito personalíssimo e indisponível.

Superado o reconhecimento, é razoável o entendimento de que o estado de

filiação pode ser biológico ou não biológico. Tanto é assim que atualmente o

ordenamento jurídico reconhece como válida a chamada “Adoção à Brasileira” que

ocorre quando na ocasião do registro, pessoa consciente de estar registrando filho

alheio, mesmo assim o faz, considerando como se filho legítimo fosse.

Depois de constituída a paternidade socioafetiva, esta não pode ser

desconstituída pelos pais, salvo quando comprovado vício de conhecimento, já pelos

filhos pode ser desconstituída, partindo da idéia que o filho tem direito de (re)conhecer

sua origem biológica e por se tratar de direito indisponível pode ser exercitado a

qualquer tempo, uma vez que é imprescritível.

Para concluir, vale destacar que assim como os pais biológico, os pais

socioafetivos tem deveres essenciais quanto aos filhos, incluindo à essas

responsabilidades o dever-direito ao afeto.

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