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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
NÚCLEO DE PESQUISA EM SEGURANÇA PÚBLICA E PRIVADA
Renato Fontana
REFLEXO DOS ATOS DE VANDALISMO NOS MOVIMENTOS DEMOCRÁTICOS DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA
NA CURITIBA DE 2013.
CURITIBA 2013
RENATO FONTANA
REFLEXO DOS ATOS DE VANDALISMO NOS MOVIMENTOS DEMOCRÁTICOS DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA
NA CURITIBA DE 2013. Artigo Científico apresentado à disciplina de Metodologia da Pesquisa Científica, como requisito parcial à conclusão do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu – Especialização em Direito Militar Contemporâneo e Segurança Pública, do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada da Universidade Tuiuti do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Wagner Rocha D’Angelis.
CURITIBA 2013
TERMO DE APROVAÇÃO
RENATO FONTANA
REFLEXO DOS ATOS DE VANDALISMO NOS MOVIMENTOS DEMOCRÁTICOS DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA
NA CURITIBA DE 2013.
Artigo Científico aprovado como requisito parcial à obtenção do título de Especialista
em Direito Militar Contemporâneo e Segurança Pública, do Núcleo de Pesquisa em
Segurança Pública e Privada, da Universidade Tuiuti do Paraná, pela seguinte
banca examinadora:
Orientador: Prof. Dr. Wagner Rocha D’Angelis.
Examinadores: Curitiba, ____ de janeiro de 2014.
SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................................. 5
ABSTRACT .......................................................................................................... 5
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 6
2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DA HUMANIDADE .......................................... 8
3 A LEI FUNDAMENTAL ................................................................................. 12
4 DEMOCRACIA, DIREITOS HUMANOS E GLOBALIZAÇÃO ...................... 15
5 MOVIMENTOS POPULARES E CIDADANIA .............................................. 18
6 CONCLUSÃO ............................................................................................... 23
5
RESUMO
Os movimentos sociais que eclodiram no decorrer do ano de 2013, mais precisamente os acontecimentos verificados em Curitiba, capital paranaense, foram parte de uma mobilização em nível nacional que levou milhares de cidadãos às ruas, clamando por maior efetividade nas atribuições que competem ao poder público em prover os anseios da sociedade. Inicialmente focados no transporte público, tanto em seus aspectos quantitativos como qualitativos, evoluiu rapidamente para todo o complexo de contraprestação pública, tendo como fundamento maior das reivindicações o bem-estar e a justiça social, efetivos e substanciais, exigindo consistente combate à corrupção e às ineficiências do Estado. Ao concluir pela legitimidade e pela não afetação dos movimentos em sua essência, pelos atos de vandalismo, também se percebe que, após um primeiro impacto ligeiramente positivo em relação às respostas esperadas, perdeu em seguida seu foco e sua força inicial, embora tenha sido lançada uma semente que, se acredita, ainda trará frutos. Palavras-Chave: Cidadania. Manifestação. Vandalismo. Reflexo. Democracia.
ABSTRACT
The social movements that erupted during the year 2013, more precisely the events that took place in Curitiba, capital of Paraná, were part of a national mobilization that led thousands of people to the streets, calling for greater effectiveness in the tasks conferred upon the government to provide the desires of this society. Initially focused on public transport, in both its quantitative and qualitative aspects, the movement quickly progressed into a whole complex of public consideration, having as main foundations for the revindications, the welfare and social justice, effectively and substantially, demanding for a consistent struggle against corruption and the state's inefficiencies. By concluding the legitimacy and the stillness of the movement in its essence, by vandalism acts, one can notice that after a slightly positive first impact in relation to the expected answers, the movement has lost its focus and its initial strength, although a seed has been launched, which is believed to bear fruit. Keywords: Citizenship. Manifestation. Vandalism. Reflection. Democracy.
6
REFLEXO DOS ATOS DE VANDALISMO NOS MOVIMENTOS DEMOCRÁTICOS DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA
NA CURITIBA DE 2013.
Renato Fontana1
1 INTRODUÇÃO
O ano de 2013 para o Brasil teve e terá um significado de tal relevância que,
a exemplo das “Diretas já!” e do “Fora Collor!”, será um marco histórico. Um divisor
de águas marcado pela reação da sociedade, notadamente (e novamente)
sustentado pelos jovens estudantes, embora agora com uma origem mais “pura”.
Curitiba, capital paranaense, não ficou à margem desse momento histórico que
levou milhares de cidadãos às ruas, clamando por maior efetividade nas atribuições
afetas ao poder público. Inicialmente focados no transporte coletivo urbano, tanto em
seus aspectos qualitativos como quantitativos ou econômicos, rapidamente
evoluíram para um amplo complexo de contraprestações públicas.
Estes atos de cidadania não se fizeram imunes a circunstâncias indesejadas
e que geralmente acompanham os movimentos de massa. A questão posta a lume
indaga se os atos de vandalismo, inseridos nestas manifestações populares,
refletiram na legitimidade do movimento, bem como se tais atos desvalorizam ou
inviabilizam a intenção maior de exercício da cidadania.
A resposta que se pretende obter é abordada sob a ótica da evolução dos
direitos humanos e sociais - liberdade, igualdade e fraternidade – em contraposição
à eventual contaminação do movimento democrático pela participação, ou infiltração,
de pessoas com intenções outras, como as que priorizaram os atos de vandalismo.
A premissa é que estes atos foram localizados e se deram por elementos
estranhos ao movimento em si, ainda que possam ter sido explorados pela mídia de
1 Pós-graduando em Direito Militar Contemporâneo pelo Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada da Universidade Tuiuti do Paraná, Administrador, Auditor do Ministério Público do Estado do Paraná, Bacharelando em Direito, Especialista em Finanças e Controladoria.
7
forma a ampliar o seu impacto negativo. Tais desvios, ab initio, não teriam sido
prejudiciais à essência do movimento, podendo até mesmo se considerar que, em
seu contexto, contribuíram para os avanços e conquistas, ainda incipientes,
notadamente no aspecto democrático, havendo que se ter em mente o histórico de
repressão vivido pelo país no passado não muito distante.
Mediante revisão bibliográfica, avaliação de opiniões divulgadas pela mídia
impressa e/ou eletrônica e suas repercussões, foram levantados elementos no
intuito de permitir adequada avaliação dos acontecimentos, buscando aperfeiçoar e
amadurecer a semente da democracia e da cidadania, tanto por aqueles que se
engajam fisicamente ao processo, indo às ruas, quanto por quem lhes empresta
apoio, mesmo à distância ou pelas redes sociais e, ainda, pelo próprio poder público.
Deste se espera o máximo respeito aos seus cidadãos, sustentáculos da nação,
detentores de todo direito de buscar o justo retorno dos governantes, quanto ao
pleno atendimento de seus anseios. É o mais legítimo clamor pela efetividade nas
atribuições que competem ao poder público, como provedor do bem-estar e da
justiça social, efetivos e substanciais, exigindo combate concreto à corrupção e às
ineficiências do Estado, como elementos fundamentais de uma democracia plena.
8
2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DA HUMANIDADE
Ao dispor de parcela de sua liberdade em favor de uma convivência social
harmônica e pacífica, estabelecendo um “contrato social”, o ser humano assim o fez
em busca do bem comum, outorgando ao Estado o poder-dever de conduzir os seus
destinos com justiça, pois busca
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social. (ROUSSEAU, 2002, p. 24).
Ocorre que o Estado, sendo conduzido pelo próprio indivíduo, historicamente
fez com que o objetivo maior sempre estivesse permeado de conflitos e disputas em
que o “poder pelo poder” se torna o fim e não mais o meio. Devidamente
contextualizado continua atual o texto que inicia a obra de Rousseau (2002, p. 10),
cujo original remonta a 1762: “o homem nasceu livre, e em toda parte se encontra
sob ferros. De tal modo acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser mais
escravo que eles.”
A conquista de direitos não se deu sem grandes embates do homem contra
sua própria tirania, em versões “evoluídas” do homo homini lupus ou “o homem é o
lobo do próprio homem” (HOBBES, 1992, p. 55).
Esse contexto de lutas e conquistas se encontra retratado na obra do ilustre
mestre Wagner Rocha D’Angelis, que nos brinda com sua cátedra e diz:
Apesar de se constituírem em elemento de unidade da raça humana, os direitos humanos nascem do conflito entre os que lutam por mudanças ou transformações e os que procuram manter seu predomínio na ordem vigente. Em decorrência a história dos direitos humanos não se apresenta de forma linear, mas alterna momentos de grandes avanços e dramáticos retrocessos. O nível, porém, de acumulação e sedimentação nessa área, refletindo a contribuição de povos e épocas diversas, aponta para um saldo positivo, conquistado à custa de muito esforço, sacrifícios e idealismo. (D’ANGELIS, 2011, p. 47).
9
Bobbio (1992, p.2) ao reportar seu primeiro escrito sobre o assunto (1951),
vem dizer que somente relendo, após tantos anos, a Declaração Universal dos
Direitos do Homem percebeu que nela estão contidas algumas teses das quais não
mais se afastara: “1.os direitos naturais são direitos históricos; 2.nascem no início da
era moderna, juntamente com a concepção individualista da sociedade; 3.tornam-se
um dos principais indicadores do progresso histórico.”
E, mais adiante, ao se referir à natureza e fundamentos dos direitos humanos
aponta que não mais cabe discutir sua classificação e sim sua realização, apontando
que
O problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados (BOBBIO, 1992, p. 25).
Quanto às diferentes formas de poder exercidas sobre o ser humano
No Estado despótico os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No Estado do direito, o indivíduo tem em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos cidadãos. (BOBBIO, 1992, p. 61).
Comparato (2001), por sua vez, nos apresenta o momento em que se inicia o
reconhecimento do homem como ser livre, fazendo referência ao período axial
compreendido entre os séculos VIII a II a.C.:
É a partir do período axial que o ser humano passa a ser considerado, pela primeira vez na História, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes. (COMPARATO, 2001, p. 11).
Neste mesmo sentido e retornando ao mestre D’Angelis (2011, p.47-48),
condensamos a seguir suas considerações quanto à evolução dos Direitos
10
Humanos, desde sua etapa embrionária, onde forjadas suas raízes conceituais, nos
primórdios da história. O processo de construção que veio se firmando até o século
XVII, quando da Declaração dos Direitos do Homem de 1789, para nos séculos
seguintes dar origem às gerações ou dimensões de direitos humanos. Migra, assim,
do direito natural, tendo como fatores essenciais na sua universalização os ideais da
revolução francesa - ‘libertè, ègalitè, fraternitè’, culminando com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1948.
A primeira dessas gerações ou dimensões tem seu conteúdo voltado para a
positivação dos direitos civis e políticos (direitos negativos ou de limitação do poder
do Estado) relacionados ao princípio da liberdade e asseguramento dos direitos
individuais, fundados no jusnaturalismo e iluminismo, consagrando-se na esteira da
independência americana (1776) e nos ideais da revolução francesa (1789).
A segunda dimensão se volta ao reconhecimento dos direitos sociais,
econômicos e culturais (direitos positivos que impõem um ‘fazer’ ao Estado) em
correlação com os novos rumos que o desenvolvimento impõe nos séculos XIX e
XX, como efeito da revolução industrial. Buscam a concretização do princípio da
igualdade ou isonomia em anteposição à exploração patronal e ao estado liberal. Foi
o desfecho de lutas das classes operárias e seus movimentos sindicais, com greves
e rebeliões, ladeados por constituições revolucionárias como a mexicana (1917), a
russa (1918) e a constituição alemã ou da República de Weimar (1919).
Na terceira geração emergem os direitos dos povos, sob os conceitos da
nova ordem internacional e de desenvolvimento com justiça social, atendendo aos
princípios da “solidariedade internacional” pós 2ª guerra mundial, bem como a
autodeterminação dos povos, a não intervenção e à coexistência pacífica, elementos
presentes no ideal de fraternidade.
A quarta dimensão remete aos direitos de uma existência digna, uma melhor
qualidade de vida, direito não somente ao desenvolvimento econômico e sim ao
desenvolvimento social sustentável, meio ambiente saudável e ecologicamente
equilibrado, como fator de proteção e continuidade das gerações.
Seus efeitos se espraiam pelo cenário internacional com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Carta Internacional de Direitos Humanos
11
(Pacto de San José da Costa Rica - 1966), constituindo um conjunto de diretrizes
adotadas com o fito de salvaguardar o ser humano das barbáries do passado.
Entendo o Direito Internacional dos Direitos Humanos como o corpus juris de salvaguarda do ser humano, conformado, no plano substantivo, por normas, princípios e conceitos elaborados e definidos em tratados e convenções, e resoluções de organismos internacionais, consagrando direitos e garantias que têm por propósito comum a proteção do ser humano em todas e quaisquer circunstâncias, sobretudo em suas relações com o poder público [...] (CANÇADO TRINDADE, 2005, p.412).
Todo esse contexto antecedeu e influenciou sobremaneira a
redemocratização e construção de uma nova ordem jurídica brasileira, consagrada
com a promulgação da Constituição Cidadã, em 05 de outubro de 1988.
12
3 A LEI FUNDAMENTAL
A Constituição é norma fundamental originada na soberania popular, que lhe
confere supremacia pela capacidade de autodeterminação do povo que a concebe
para ser instituto normativo supremo. Assim, moldada e erigida de acordo com a
livre vontade da sociedade em que se insere, não pode ter como pressuposto
coerente, disposições que não contenham poder normativo, não só material e de
direito, mas também substancial e de fato, em relação ao mesmo povo que não só a
faz existir, como também persistir.
Hesse (1991) em sua obra “A Força Normativa da Constituição”, já em 1959,
buscava estabelecer a origem da força determinante do Direito Constitucional.
Apresenta como ponto de partida o condicionamento recíproco existente entre a
Constituição jurídica e a realidade político-social, uma moldando a outra, num círculo
virtuoso entre a vontade normativa e os reais acontecimentos da vida em sociedade,
com sua constante e imprescindível evolução.
Embora passe muitas vezes despercebido, o perigo do divórcio entre o Direito Constitucional e a realidade ameaça um elenco de princípios basilares da lei fundamental, particularmente o postulado da liberdade. Este se torna um sério problema no contexto da profunda mudança de concepção de vida do homem moderno, resultante das condições impostas pela sociedade industrial. (HESSE, 1991, p. 29-30).
A Constituição da República Federativa do Brasil, fortemente inspirada nos
ideais da revolução francesa – liberdade, igualdade, fraternidade - instituiu um
Estado Democrático de Direito, estabelecendo como fundamentos, já no artigo
inaugural, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, além do pluralismo político.
Pouco adiante, em seu artigo 3º, fixa como objetivos fundamentais, entre
outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a
erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades
promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
13
Transcrevendo José Afonso da Silva (2007), em seu Curso de Direito
Constitucional Positivo
É a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente, objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e, entre eles, uns que valem como base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana. (SILVA, 2007, p.106).
O título dos direitos e garantias fundamentais da Constituição dita Cidadã, de
início declara a igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza, entre
outras disposições, em consonância com os objetivos de que todos usufruam
igualitariamente de uma existência digna.
Buscando referência em Lassale (1933, p. 14-30) e tendo em conta as
valorações de natureza principiológica ou programática, em relação a muitos dos
fundamentos constitucionais, necessário contrapor que os objetivos por estes
pretendidos constituem, sim, verdadeiros comandos. Como tal não são - nem podem
ser, ou não podem mais continuar sendo - simples “folha de papel”, sujeitas aos
“reais fatores de poder” pelos quais, independentemente do que se faça constar
numa constituição, seriam os grupos detentores do poder (v.g. político, religioso,
intelectual, financeiro) que determinariam como os destinos de uma nação seriam
conduzidos. Caso a intenção desses grupos esteja em consonância com as
disposições constitucionais esta teria efetividade, do contrário preponderariam os
interesses das classes dominantes e a “Lei Maior” seria um nada, palavras e folhas
ao vento. Onde a constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país. (LASSALE, 1933, p. 49, grifos no original).
Ou, na lição do mestre D’Angelis (1992, p. 56): “Por melhor e mais avançada
que seja, a Constituição, por si só, pouco vale. Dada a sua destinação, o seu
significado está em razão direta de ser cumprida, assumida e respeitada por todos,
governantes e governados”.
14
Cada vez se torna mais claro: a sociedade clama justamente pela efetividade
normativa da constituição. As mobilizações vividas bem demonstram a mudança de
consciência e a exigência de que a Constituição formal adquira eficácia real. É isto
que as ruas cobram. E as ruas juntamente com as redes sociais passam a se
consolidar na ágora da modernidade.
15
4 DEMOCRACIA, DIREITOS HUMANOS E GLOBALIZAÇÃO
A redemocratização trouxe em seu bojo a renovação de uma sociedade até
então maciçamente sufocada em seus anseios, ainda que marcada por episódios de
luta que culminaram com a mudança do regime. A falta de efetividade das normas
levou à crença fervorosa de que a lei só existe no papel e é feita para não ser
cumprida, sendo sua inobservância, ainda hoje, encarada com naturalidade pela
grande parcela da sociedade, descrente de seu conteúdo, não vendo mais do que o
simples papel.
Ou seja,
“A experiência política e constitucional do Brasil, da independência até 1988, é a melancólica história do desencontro de um país com sua gente e com seu destino. Quase dois séculos de ilegitimidade renitente do poder, de falta de efetividade das múltiplas Constituições e de uma infindável sucessão de violações da legalidade constitucional. Um acúmulo de gerações perdidas.” (BARROSO; BARCELLOS, 2003, p.305).
As novas gerações, desvinculadas dos temores do passado e - no seu próprio
jargão - “antenadas” com a tecnologia e com a velocidade da informação dos
tempos atuais, estão cobrando, com todo direito, aquilo que as “gerações perdidas”
não lhes asseguraram. Acabam por resgatar, nos indivíduos das gerações
anteriores, aquilo que estava adormecido: a crença de que é possível mudar. E os
envolvem no mais legítimo exercício de democracia.
Essa juventude faz ressoar Bobbio quando este, citando Tocqueville, trata do
significado histórico da Declaração dos Direitos do Homem de 1789:
O tempo em que foi concebida a Declaração foi o tempo de juvenil entusiasmo, de orgulho, de paixões generosas e sinceras, tempo do qual, apesar de todos os erros, os homens iriam conservar eterna memória e que, por muito tempo ainda, perturbará o sono dos que querem subjugar ou corromper os homens. (BOBBIO, 1992, p. 86)
O Brasil se habituou aos estamentos, que se perpetuam na versão hodierna
pelo nepotismo, sangrando o país e permitindo a manutenção do poder histórico,
pela infiltração dos seus, nas bases das instituições públicas, favorecendo tanto seu
16
ingresso “apadrinhado” nas estruturas do poder como sua ascensão posterior. A
moralidade, constitucional e formalmente resgatada, encontra forte resistência em
sua efetivação.
Darcy Ribeiro (1995) retrata em sua majestosa obra “O povo brasileiro” dois
corpos em conflito histórico na cúpula das classes sociais.
O patronato de empresários, cujo poder vem da riqueza através da exploração econômica; e o patriciado, cujo mando decorre do desempenho de cargos, tal como o general, o deputado, o bispo, o líder sindical e tantíssimos outros. Naturalmente, cada patrício enriquecido quer ser patrão e cada patrão aspira às glórias de um mandato que lhe dê, além de riqueza, o poder de determinar o destino alheio.
Nas últimas décadas surgiu e se expandiu um corpo estranho nessa cúpula. É o estamento gerencial das empresas estrangeiras, que passou a constituir o setor predominante das classes dominantes. Ele emprega os tecnocratas mais competentes e controla a mídia, conformando a opinião pública. Ele elege parlamentares e governantes. Ele manda, enfim, com desfaçatez cada vez mais desabrida. (RIBEIRO, 1995, p. 208).
No entanto, a sociedade passou a acreditar de forma consistente nos ideais
de democracia e liberdade, pressupostos da soberania nacional, bem como na força
normativa da constituição, buscando a realização substancial dos direitos nela
consagrados e incorporando, em decorrência da internacionalização e da
internalização, o conjunto de direitos humanos que asseguram uma existência digna
a todo ser humano. E isto inclui não apenas e tão somente o direito à saúde,
educação, segurança, mas também o direito à moradia digna, ao trabalho, inclusive
no acesso igualitário aos cargos públicos e aos postos de comando dos próprios
destinos.
Neste ponto ocorre um confronto de interesses. Os detentores do poder,
interessados na manutenção do status quo, visualizando no atendimento às
necessidades sociais uma ameaça. Permitir acesso ao conhecimento e viabilizar o
direito dos “cidadãos”, significa compartilhar poder. Poder compartilhado é tido como
poder enfraquecido.
Como vimos a evolução das necessidades do ser humano faz surgir novas
dimensões ou gerações de direitos, as quais, ainda que se complementem,
pressupõem razoável satisfação daquelas anteriormente existentes. No entanto, as
enormes diferenças entre as nações, com seus níveis de desenvolvimento
17
extremamente díspares, conjugadas com a globalização, bem como a velocidade e
trafegabilidade da informação, cada vez maiores, transferem e globalizam
rapidamente as conquistas de determinada comunidade, convertendo-as em
necessidades universais.
Inevitável que surja um antagonismo decorrente dos diferentes estágios de
desenvolvimento e de lutas, tanto em um cenário global, com as diferenças sociais,
culturais e econômicas entre os diferentes estados soberanos, quanto internamente
ao país, com as mesmas diferenças em relação aos indivíduos integrantes de cada
povo, em função dos diferentes níveis de acesso às oportunidades de cultura,
emprego, renda e desenvolvimento.
Globalmente, ainda, pelos diversos estágios de desenvolvimento social e
cultural entre as diferentes nações, cada qual com distintas necessidades, tanto
satisfeitas quanto por satisfazer.
No âmbito interno, também pelas amarras já não mais aceitáveis de uma
formação cultural e histórica fundada na exploração, tanto do povo quanto das
riquezas naturais, formando uma sociedade pautada no oportunismo e no poder.
Como se uma sociedade tal não tivesse o direito de evoluir em seus princípios éticos
e morais, estando condenada a ser eternamente injusta com seu povo, pois seria a
triste sina deste se manter explorado, enquanto acredita descansar “em berço
esplêndido”. Certamente já não é assim. Não mais.
18
5 MOVIMENTOS POPULARES E CIDADANIA
O poder corrói e corrompe, por isso mesmo há de ser contido. Ele não cede
por atos de benevolência, senão pelas pressões do povo que é o seu efetivo titular e
detém o controle total de sua amplitude, a ponto de transferir parcelas ao Estado, no
intuito de que este o utilize na consecução dos objetivos traçados para a Nação, que
não podem ter outra finalidade senão a busca do bem comum.
Ainda Bobbio, ao discorrer sobre os deveres do Estado ante os direitos do
indivíduo, com referência em Locke, diz:
Quando o governo viola esses direitos, põe-se em estado de guerra contra seu povo, o qual, a partir desse momento, está desvinculado de qualquer dever de obediência, não lhe restando mais do que [...] o retorno à liberdade originária e a resistência. (BOBBIO, 1991, p.95).
Ao Estado é conferido o poder-dever de conduzir a nação proporcionando aos
seus integrantes a mais ampla oferta de bem-estar, fazendo com que a riqueza
produzida gere benefícios coletivos e equânimes. Assim não acontece, somos todos
sabedores. E mais, quando a essa insuficiência distributiva se somam as
ineficiências em gerir os recursos públicos confiados e se desvirtua o mandato – a
mais nobre delegação popular – exercendo-o não em busca da realização do bem
social e sim na satisfação de interesses pessoais, mesquinhos, o resultado tende a
ser de enorme perversidade.
As riquezas da nação passam a ser drenadas em favor de grupos
representativos de poder, em detrimento de seu povo, que se divide entre uma
minoria satisfeita e uma grande massa de insatisfeitos, ainda que mecanismos
utópicos de distribuição de renda façam com que grande parcela da sociedade se
mantenha na letargia.
Ocorre que o Estado também é feito de pessoas, com suas virtudes e
defeitos. Porém é quando as virtudes se calam, abrindo espaço para que se
sobressaiam os defeitos, que os bons rumos se invertem e a sociedade se torna
confusa, já não sabendo em quem confiar a condução de seu próprio destino. Este
19
mesmo impreciso, por vezes, posto que originado no seio de uma sociedade cujos
integrantes nem sempre conhecem seu próprio caminho ou destino.
E é este cenário que constitui o pano de fundo das recentes manifestações
levadas a efeito por todo o país. Neste ponto já podemos perceber que os direitos
sociais são conquistas não só históricas como também épicas.
As manifestações populares se iniciaram ainda em 2012, em Natal no Rio
Grande do Norte2, e tomaram as ruas do país em junho de 2013, chegando a reunir
em torno de dois milhões de brasileiros em 438 cidades3. Em Curitiba, capital
paranaense, aproximadamente dez mil pessoas seguiram da Boca Maldita até a
praça Santos Andrade, em protesto contra o aumento no preço das passagens do
transporte público4.
Ainda no calor dos movimentos desencadeados encontramos texto de Paulo
Cardim, datado de 24 de junho, sob o título “Vandalismo e passeatas: separar o joio
do trigo”, donde extraímos:
As manifestações públicas ocuparam a cena brasileira na última semana. Inicialmente, contra o aumento no preço do transporte público e, em seguida, contra a corrupção e os políticos em geral. É a primeira vez, desde as Diretas Já!, que acompanhamos uma movimentação que questiona e exige respostas dos líderes do Estado, e isso poderá definir o destino da nossa democracia.
Os jovens foram às ruas [...]. Nos cartazes, nos gritos e nos coros, a demanda por direitos legítimos: educação pública de qualidade; hospitais e postos de saúde com profissionais da saúde e equipamentos em quantidade e qualidade suficientes; transporte público a preço justo e com um mínimo de comodidade; segurança pública efetiva e eficiente. [...]
Infiltrados entre os legítimos manifestantes, aparecem os famosos baderneiros, que promovem quebra-quebra, incêndios, saques, agressões diversas. Esses são criminosos comuns, que devem ser presos, processados e julgados! Tolerância zero com o crime, incluindo os de “colarinho branco”. Esses baderneiros são, muitas vezes, introduzidos propositalmente para perturbarem a ordem pública e denegrir as manifestações.
2 “Imprensa internacional cita Natal como pioneira em protestos recentes no Brasil”. Tribuna do Norte (18.jun.2013). Acesso em 23.nov.2013. Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/noticia/impren sa-internacional-cita-natal-como-pioneira-em-protestos-recentes-no-brasil/253252>. 3 “Quase 2 milhões de brasileiros participaram de manifestações em 438 cidades”. Agência Brasil. Correio Braziliense (21.jun.2013). Acesso em 23.nov.2013. Disponível em <http://www.cor reiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2013/06/21/interna_brasil,372809/quase-2-milhoes-de-brasileiros-participaram-de-manifestacoes-em-438-cidades.shtml>. 4 “Milhares de pessoas saem em protesto pelo Centro de Curitiba”. G1. RPCTV (17.jun.2013). Acesso em 23.nov.2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2013/06/milhares-de-pessoas-saem-em-protesto-pelo-centro-de-curitiba.html>.
20
Mas os movimentos e as passeatas ocorridas, com a indispensável participação do povo, aprimoram a democracia! E a democracia, no Brasil, ainda está em construção, com alguns retrocessos ao longo dessa jornada histórica. (CARDIM, 2013, itálicos no original)
A juventude deste país veio demonstrar que tudo pode ser diferente. E o fez
no mais legítimo exercício de cidadania, contagiando outros grupos sociais e
confirmando o que já dizia Rousseau:
Enquanto um povo é constrangido a obedecer e obedece, faz bem; tão logo ele possa sacudir o jugo e o sacode, faz ainda melhor; porque, recobrando a liberdade graças ao mesmo direito com o qual a arrebataram, ou esta lhe serve de base para retomá-la ou não se prestava em absoluto para subtraí-la. (ROUSSEAU, 2002, p. 10)
Neste sentido, também as palavras de um Senador da República,
representante do Estado e do povo brasileiro, em uma de suas mais recentes obras:
Reaja contra a falta de liberdade. Grite, grite sempre e o mais alto possível contra o silêncio que acomoda e engana. Reaja contra o partido único, criado pela submissão e a conivência dos bajuladores e oportunistas; grite alarmado contra o pensamento único criado pela mudez conformada, assustada ou conivente dos intelectuais, pela imprensa medrosa ou comprada, ou simplesmente cega, sem capacidade de análise independente. Diga não. Sinta orgulho de dizer não quando todos ao redor dizem sim. O prazer de nadar contra a corrente de ideias. (BUARQUE, 2012, p.38).
Os movimentos prosseguem praticamente até início de setembro e vários
eventos buscam avaliar suas razões e reflexos, como o congresso “Semana da
Cidadania” realizado pela seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), tendo como objeto o debate quanto aos efeitos das manifestações ocorridas,
registrando a opinião de uma advogada e organizadora do evento: “Os deputados do
Paraná, que disseram estar atentos ao chamado das ruas, não fizeram sequer uma
audiência pública para consultar a população sobre suas demandas”5.
A mesma matéria traz ainda avaliação do ex-ministro do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), Torquato Jardim: “Vimos nas ruas uma manifestação
quantitativamente grande, e qualitativamente também, e isso não afetou o processo
eleitoral. O padrão político é o mesmo, e os donos do poder são os mesmos”6.
5 Advogada Zuleika Loureiro Giotto. Depoimento ao jornal Gazeta do Povo. Vida Pública. 05.nov.2013. 6 Idem.
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Por outro lado em edição imediatamente anterior, leitor se manifesta quanto
ao que veio a ser denominado “black blocs”, se reportando à definição destes como
“fenômeno social”, pelo secretário-geral da presidência, extraindo-se da opinião do
leitor: “[...] A meu ver é uma colossal sandice, demagogia e hipocrisia e, sobretudo,
demonstração de falta de firmeza e autoridade, um graduado assessor de Dilma vir
a público passar a mão na cabeça desses delinquentes e desajustados [...]”7
Ainda na mesma coluna outro leitor destaca: “A violência é fruto da
impunidade que permeia nosso país e do mau exemplo dos políticos. A mudança
das leis está nas mãos do Congresso, mas muitos de seus integrantes não têm
interesse em mudanças porque se beneficiam da atual situação [...]”8.
Em relação aos ditos “Black blocs”, outro leitor, três dias antes, assim se
pronuncia: “Acredito que todos os cidadãos têm o direito de protestar por condições
melhores de saúde, educação, etc. O que a sociedade brasileira não pode mais
admitir é a inércia de nossos governantes [...]”9.
Sob o título “Consciência Política de ‘Primeiro Mundo’?”, artigo no sítio
eletrônico “Jusbrasil”, colaciona-se o seguinte fragmento que entendemos altamente
elucidativo neste contexto, a saber: Não obstante a mídia brasileira dizer o contrário, os movimentos são pacíficos sim, mas as repercussões são violentas, inclusive produzindo efeitos na mídia dominada pelos setores mais abastados que torce pela alienação ad eternum do povo. E são violentas no sentido do poder da transposição de territórios e de ideologias, causando movimentos de apoio em várias cidades do mundo. (FIRMINO, 2013).
Retroagindo ao último dia de outubro temos a situação retratada por um leitor
naquele momento10: A onda de protestos que se instalou no Brasil parece sem controle. Por um lado, aqueles que se dizem no direito de protestar; pelo outro aqueles que se juntam para quebrar, saquear, enfrentar, desviar o foco [...] ninguém se atreve a mostrar os familiares, pais, mães, esposas, filhos dos policiais que tentam proteger a vida daqueles que querem justiça e não baderna.
7 Gazeta do Povo. Coluna do Leitor. “Black blocs”. Curitiba, 04.nov.2013, p. 3. Ano 95. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1422328>. Acesso em 30.nov.2013. 8 Gazeta do Povo. Coluna do Leitor. “Violência”. Curitiba, 04.nov.2013, p. 3. Ano 95. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1422328>. Acesso em 30.nov.2013. 9 Gazeta do Povo. Coluna do Leitor. “Block blocs 2”. Curitiba, 01.nov.2013, p. 3. Ano 95. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1421692>. 10 Gazeta do Povo. Coluna do Leitor. “Protestos 1”. Curitiba, 31.out.2013, p. 3. Ano 95. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1421379>.
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Relevante, pela relação direta com a motivação inicial dos movimentos, a
notícia de capa de um dos principais jornais do estado do Paraná na data de 04 de
setembro de 2013, cuja manchete aponta “Licitação dos ônibus foi ilegal, mostra
sindicância”11. De se notar que o fato vem à tona quando ainda se pretendia novas
mobilizações e justamente envolvendo setor de transporte público, mote principal e
original dos movimentos.
Logo após as comemorações da independência, data para a qual também
estavam sendo programados novos movimentos pelo país, se constatou o efetivo
enfraquecimento das manifestações. Opinião de um leitor em 11 de setembro - data
significativa pelo atentado contra os Estados Unidos - retrata o momento:
Com o recrudescimento da violência, primeiro por um grupo mínimo de manifestantes, até a chegada dos vândalos mascarados - os black blocs – quem perdeu a oportunidade de se manifestar foi o povo. A violência gratuita e a depredação do patrimônio público e privado tiveram o demérito de “calar” o povo, esvaziando as pautas de reivindicações populares até então legítimas12.
Pois bem, realizado o resgate dos vários pronunciamentos, tanto no calor dos
acontecimentos como após o seu arrefecimento, e efetuada uma revisão
bibliográfica relacionada ao assunto, como exposto, entendemos que o momento
pelo qual passa a sociedade brasileira representa um ganho em democracia e
cidadania, ainda que os melhores frutos ainda estejam para ser colhidos. Não pode,
portanto, ter seu valor histórico reduzido por conta de fatos ou efeitos que lhes são
inerentes, mas que não constituem seu foco essencial. Os dados permitem a
confirmação da hipótese inicialmente proposta, pela qual os atos de vandalismo não
prejudicaram o objetivo maior dos movimentos: o pleno e democrático exercício da
cidadania, em busca de uma nação melhor e mais justa.
11 Gazeta do Povo. “Licitação dos ônibus foi ilegal, mostra sindicância”. Curitiba, 04.set.2013. Notícia de Capa. Versão impressa. 12 Gazeta do Povo. Coluna do Leitor. “Protestos 2”. Curitiba, 11.set.2013, p. 3.
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6 CONCLUSÃO
A democracia deve servir ao povo que a institui, cabendo ao Estado
corresponder às reivindicações e aos justos anseios da sociedade que o constitui,
objetivando conduzir seus integrantes a um futuro de fraternidade e felicidade
comum.
Um regime que se diz democrático, sem buscar tais realizações, está
acometido de um grande mal. Está adoecido e o remédio tanto pode ser amargo,
pois leva os cidadãos às ruas com os riscos a isso inerentes, como também pode
trazer em si possibilidades concretas de efeitos colaterais, nas ações dos ditos
infiltrados ou vândalos. Mas o remédio geralmente é necessário, podendo
eventualmente se constituir na única possibilidade de cura de uma democracia
enfraquecida em seus valores.
A reação popular pode refluir e aquietar-se por satisfeita, ou em sentido
contrário, voltar com mais força. A democracia necessita ser correspondida. A
ausência de respostas tende a elevar a intensidade dos atos e, ao invés de curar,
pode aniquilar a democracia, dando azo a outros regimes que já se utilizaram, em
outros tempos, da insatisfação das ruas como fator a justificar medidas radicais de
contenção dos desmandos e tomada de poder.
As passeatas e mobilizações são o exercício da democracia em sua
plenitude. É a sociedade levando diretamente ao conhecimento das autoridades e
do Estado sua vontade e suas insatisfações, sem intermediários ou pseudo
representantes. A efervescência das ruas resulta da incapacidade da representação
política instituída em bem cumprir seu papel, proporcionando a satisfação das
necessidades de seus “representados”. Desnecessários e sem objeto, os
movimentos não eclodiriam.
Há de se considerar ainda que a própria governabilidade, eventualmente,
pode exigir demonstração de legitimidade popular, ou seja, o Estado necessitar do
povo nas ruas para conseguir levar a efeito determinadas mudanças. É preciso
recordar, embora acontecimento recente, porém não isolado, o uso de mecanismos
imorais e ilegítimos de “convencimento” (financeiro ou econômico), objetivando obter
as decisões legislativas necessárias à “governabilidade”. É o que ficou conhecido
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como “escândalo do mensalão”, mais um, dentre tantos outros escândalos que
diuturnamente ocorrem nas estruturas de poder do país.
Por outro lado, os atos de vandalismo decorrem da negação da democracia,
da inanição ou incapacidade do poder constituído em dar as respostas almejadas,
fazendo com que o nível de insatisfação passe a um nível crítico, do qual a violência,
depredação e demais efeitos indesejados são consequentes e previsíveis. E, como
visto, podem afastar os legítimos participantes dos movimentos.
Também podem, contudo e ainda assim, resultar em respostas positivas dos
poderes constituídos quando, frente a todo custo social incorrido, reconduzem a
nação à democracia, atendendo finalmente aos anseios da sociedade. De outro
lado, também podem implicar na ruptura democrática - sempre indesejada, ao
menos em tese, haja vista sempre haver alguma dissonância - frente à notória
falência do sistema pela incapacidade de cumprimento dos deveres do Estado.
Adicionalmente não é de todo descartável a hipótese de algo compactuado ou
mesmo induzido, pela omissão ou silêncio antidemocrático, com vistas ao
esvaziamento das legítimas aspirações sociais.
Embora tenhamos experimentado o movimento das “diretas já”, no limiar da
redemocratização, a mobilização popular e social verificada neste início de 2013,
alastrada por todo o país, se traduz no mais puro movimento democrático da nova
atualidade brasileira. Ao menos em seu nascedouro, teve um fundo de origem
autônoma, brotando da insatisfação estudantil com as condições qualitativas e
econômicas relacionadas ao transporte público. Essa insatisfação, rápida e
escancaradamente, passou a sofrer influências de grupos de interesses, culminando
com a construção de uma pauta generalizada de reivindicações que, a seu turno,
refletiu na dispersão do movimento e na fragilização do esforço legítimo e
necessário.
Neste contexto de ausência de foco e perda de essência surgem os espaços
visados pelos aproveitadores de plantão que, buscando interesses individuais ou de
grupos manipuladores, desejosos de manter suas castas ou estamentos, deturpam
os objetivos e os desejos da sociedade bem intencionada, fornecendo o mote
necessário ao viés opressivo do Estado.
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É preciso, então, separar o joio do trigo. A planta semeada pode se perder no
seu brotar, a depender do solo, porém não se pode desistir de buscar a terra fértil e
semear a boa semente. Uma nova safra virá e será tão mais pura quanto mais forte.
Até se espera que o “gigante” possa descansar, mas a sociedade brasileira,
novamente impulsionada pelo destemor de seus jovens, não mais se dispõe a
aceitar que fique “deitado eternamente em berço esplêndido”.
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27
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