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Usar Métodos Budistas Úteis no Cotidiano Alexander Berzin Moscou, Rússia, Setembro de 2010 tradução para o português por Antonella Yllana Hoje à noite falaremos sobre como usar métodos budistas para que estes nos ajudem no cotidiano. Quando falamos sobre métodos budistas ou ensinamentos budistas, a palavra para isso em sânscrito é Dharma. Se quisermos saber o que a palavra “Dharma” realmente significa, ela quer dizer “algo que nos detém”. Dharma é algo que nos detém ou nos impede de sofrer e ter problemas. As Quatro Verdades Nobres A primeira coisa que o Buda ensinou foi aquilo que é conhecido como “as quatro verdades nobres”. O que isso significa é que há quatro fatos que qualquer pessoa altamente realizada e capaz de compreender a realidade entenderia como verdades. Esses quatro são: Os verdadeiros problemas que todos nós enfrentamos. As verdadeiras causas destes problemas. Como seria se os problemas realmente parassem e nós não mais os tivéssemos. A forma de entender, agir, e assim por diante, que provocaria a cessação de todos os problemas. Nossos Verdadeiros Problemas O budismo tem muito a dizer sobre problemas e como lidar com eles. Na verdade, todos os ensinamentos budistas intencionam ajudarnos a superar as dificuldades da vida. A abordagem é realmente muito racional e realista. Ela diz que quaisquer problemas que tenhamos, todos eles, vêm de causas. Então, temos que olhar de forma muito honesta e profunda dentro de nós mesmos para ver quais dificuldades estamos enfrentando. Para muitos de nós, este não é um processo muito fácil. É bastante doloroso realmente olhar para ver quais são as áreas difíceis em nossas vidas. Muitas pessoas vivem na negação. Elas não querem admitir que têm problemas – por exemplo, que estão em um relacionamento que não é saudável – mas apesar disso, elas se sentem infelizes. Porém, não podemos deixar isso apenas no nível de “eu estou infeliz”. Precisamos olhar mais profundamente para ver qual é realmente o nosso problema. As Verdadeiras Causas de Nossos Problemas Então, precisamos tentar descobrir quais são as causas de nossos problemas. Problemas não existem sozinhos, como se surgissem do nada. Tem que haver uma causa, e é claro que há muitos níveis de fatores envolvidos ao criar uma situação que não é satisfatória. Por exemplo, quando há conflitos de personalidade em uma relação, pode haver fatores adicionais que complicam a situação e vêm do aspecto

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Metodo Budista

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Usar Métodos Budistas Úteis no Cotidiano

Alexander Berzin Moscou, Rússia, Setembro de 2010

tradução para o português por Antonella Yllana

Hoje à noite falaremos sobre como usar métodos budistas para que estes nos ajudemno cotidiano. Quando falamos sobre métodos budistas ou ensinamentos budistas, apalavra para isso em sânscrito é Dharma. Se quisermos saber o que a palavra“Dharma” realmente significa, ela quer dizer “algo que nos detém”. Dharma é algo quenos detém ou nos impede de sofrer e ter problemas.

As Quatro Verdades NobresA primeira coisa que o Buda ensinou foi aquilo que é conhecido como “as quatroverdades nobres”. O que isso significa é que há quatro fatos que qualquer pessoaaltamente realizada e capaz de compreender a realidade entenderia como verdades.Esses quatro são:

Os verdadeiros problemas que todos nós enfrentamos.As verdadeiras causas destes problemas.Como seria se os problemas realmente parassem e nós não mais os tivéssemos.A forma de entender, agir, e assim por diante, que provocaria a cessação de todosos problemas.

Nossos Verdadeiros ProblemasO budismo tem muito a dizer sobre problemas e como lidar com eles. Na verdade,todos os ensinamentos budistas intencionam ajudar­nos a superar as dificuldades davida. A abordagem é realmente muito racional e realista. Ela diz que quaisquerproblemas que tenhamos, todos eles, vêm de causas. Então, temos que olhar de formamuito honesta e profunda dentro de nós mesmos para ver quais dificuldades estamosenfrentando. Para muitos de nós, este não é um processo muito fácil. É bastantedoloroso realmente olhar para ver quais são as áreas difíceis em nossas vidas. Muitaspessoas vivem na negação. Elas não querem admitir que têm problemas – porexemplo, que estão em um relacionamento que não é saudável – mas apesar disso,elas se sentem infelizes. Porém, não podemos deixar isso apenas no nível de “eu estouinfeliz”. Precisamos olhar mais profundamente para ver qual é realmente o nossoproblema.

As Verdadeiras Causas de Nossos ProblemasEntão, precisamos tentar descobrir quais são as causas de nossos problemas.Problemas não existem sozinhos, como se surgissem do nada. Tem que haver umacausa, e é claro que há muitos níveis de fatores envolvidos ao criar uma situação quenão é satisfatória. Por exemplo, quando há conflitos de personalidade em umarelação, pode haver fatores adicionais que complicam a situação e vêm do aspecto

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econômico – não ter dinheiro suficiente, etc. – problemas com crianças ou problemascom outros parentes. Pode haver vários tipos de circunstâncias que contribuem para oproblema. Mas o Buda disse que temos que nos aprofundar mais e mais e mais paraachar qual é a causa mais profunda de nosso problema; e a causa mais profunda denossos problemas é nossa confusão sobre a realidade.

Sentimos infelicidade, sentimos dor, e é claro que isso vem de alguma espécie decausa. Por exemplo, poderíamos estar agindo de uma forma inquietante – com muitaraiva, por exemplo. Ninguém está feliz quando está com raiva, certo? Então,precisamos reconhecer que a raiva aqui está causando nossa infelicidade e quedeveríamos, de alguma forma, nos livrar da raiva.

O problema que está nos tornando infelizes poderia ser também que nospreocupamos o tempo todo. Preocupar­se é um estado mental muito desagradável.Ninguém estará feliz enquanto estiver se preocupando, certo? Shantideva, um grandemestre indiano budista, disse que se você estiver em uma situação difícil na qual vocêpode fazer algo para mudá­la, por que se preocupar? Apenas mude­a. Preocupar­senão o ajudará. E se não houver nada que você possa fazer para mudá­la, por que sepreocupar? Isso também não ajudará. A questão é que preocupar­se não traz benefícioalgum.

Depois, também temos outro nível de problema, que é o problema de nunca estarsatisfeitos. Vivenciamos momentos de felicidade, é claro, mas infelizmente eles nãoduram para sempre, e sempre queremos mais. Nunca nada é satisfatório. Nãoestamos satisfeitos ao comer nossa comida preferida apenas uma vez, não é mesmo?Queremos comê­la sempre de novo. E se uma vez comermos demais, então afelicidade que tivemos no início se transformará em uma dor de barriga. Assim,ficamos um pouco confusos em relação a este tipo de felicidade. Ao invés de apenasdesfrutar as coisas pelo que elas são e entender que não durarão para sempre e nuncanos satisfarão, nós nos apegamos a elas; e quando perdemos a nossa felicidade, nossentimos muito infelizes.

É como estar com um querido amigo ou um ser amado, e então eles nos abandonam.É claro que eles irão embora um dia, e assim temos que desfrutar do tempo queestamos com eles. Esta é uma imagem muito bela que usamos às vezes. Quando umapessoa maravilhosa que amamos muito entra em nossas vidas, é como um pássaroselvagem que chega à nossa janela. Quando o pássaro selvagem chega à nossa janela,podemos desfrutar da companhia deste pássaro, mas é claro que, depois de umtempo, este pássaro voará para longe, pois ele é livre. E se formos muito gentis, talvezo pássaro volte. No entanto, se o pegarmos e colocarmos em uma gaiola, o pássaroficará muito infeliz e talvez até morra. Da mesma forma, essas pessoas entram emnossas vidas como este pássaro selvagem, e o melhor a fazer é desfrutar o tempo queestão conosco. Quando eles partem, por qualquer que seja a razão, por quanto tempofor – bem, isso acontece. Se estivermos relaxados e calmos em relação a isso e nãofizermos exigências como: “Nunca me abandone. Não posso viver sem você.” Este tipode coisas… Então, é possível que eles voltem. Senão, nosso apego e nossas exigências

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apenas os afastarão.

Quando estamos confusos sobre a natureza de nossa felicidade e nossos prazerescomuns, é claro que temos problemas. Não podemos nem mesmo desfrutar osmomentos felizes que temos porque estamos preocupados e com medo de perdê­los.Somos como um cachorro com uma tigela de comida – o cachorro está comendo acomida, mas também olhando ao redor e rosnando para ter certeza que ninguém viráe a pegará. Às vezes somos assim, não somos? Ao invés de desfrutar daquilo quetemos e aceitar que, quando acabou, acabou. Mas é claro que isso não é tão simplesquanto soa – talvez isso nem soe tão simples assim – mas isso requer treinamento,acostumar­se com uma forma diferente de ver as coisas na vida.

A Verdadeira Cessação de Nossos ProblemasBuda disse que é possível parar nossos problemas para sempre, e a forma de fazer issoé se livrar das suas causas. Isso é uma abordagem muito racional e muito lógica. Sevocê se livrar do combustível, não haverá mais fogo. E é possível, disse o Buda, livrar­se desses problemas de uma forma que eles nunca mais voltem.

Não queremos ficar satisfeitos com uma liberdade desses problemas que apenas sejatemporária, certo? É como ir dormir – quando você está dormindo, você não tem oproblema de uma relação difícil. Então, esta não é a solução, pois quando você acorda,o problema ainda está lá. É como se você viajasse no feriado, mas depois tivesse quevoltar para casa, e quando volta os problemas ainda estão lá. Então um feriado não é amelhor solução, aquela mais profunda e duradoura.

Buda tampouco disse que você devia aceitar seus problemas e viver com eles, pois estatambém não é uma solução muito boa, não é mesmo? Pois, neste caso, nós nossentimos impotentes – não há nada a fazer, então desistimos e nem mesmo tentamos.É muito importante tentar superar nossos problemas. Mesmo se não fizermos muitosprogressos, pelo menos, sentimos que tentamos.

Métodos para Parar Nossos ProblemasMas se realmente quisermos alcançar uma cessação verdadeira desses problemas, umfim verdadeiros para eles, então há o quarto fato que o Buda ensinou, que é:precisamos seguir alguma espécie de método e obter algum tipo de entendimentocorreto para poder nos livrar da causa mais profunda, isto é, da nossa confusão. Masobter um bom entendimento não é suficiente se não conseguirmos nos lembrar dele otempo todo, então temos que desenvolver a concentração. Entretanto, para ter aconcentração necessária, para ser capazes de lembrar e ficar focados naqueleentendimento, precisamos de autodisciplina. Então, os métodos budistas gerais queusamos para prevenir nossos problemas são: seguir algum tipo de disciplina,concentração e entendimento correto (às vezes isto é chamado de “sabedoria”).

Além disso, uma das maiores causas de nossos problemas é nosso egoísmo. Muito denosso egoísmo é baseado na confusão sobre a realidade, porque de alguma formaparecemos pensar que somos os únicos que existimos no mundo. Mesmo se

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reconhecermos que os outros existem, somos claramente a pessoa mais importante nouniverso, o centro de nosso universo. Por causa de nosso equívoco, nós pensamos: “ascoisas têm que ser sempre da minha maneira. Eu sempre tenho que obter aquilo quequero.” E se não for de nosso jeito, então ficamos muito infelizes.

Mas esta é uma visão muito confusa da realidade porque não há nada que seja maisespecial em mim do que nos outros. Somos todos iguais no sentido de que todosquerem ser felizes, ninguém que ser infeliz; todos querem obter aquilo que desejam eninguém quer ficar sem aquilo que deseja. De alguma forma, temos que conviver unscom os outros, porque convivemos. Então, precisamos adicionar amor e compaixão,consideração pelos outros, e altruísmo, às maneiras que usamos para superarproblemas ou preveni­los. Da mesma forma que gostaríamos que outros nosajudassem, eles também gostariam que nós os ajudássemos.

Lidando com Emoções PerturbadorasÉ claro que nem todo mundo é um santo ou um bodhisattva, isso é bem verdade. Todomundo está confuso em um ou outro nível. Por estarmos confusos, nós agimos sob ainfluência de emoções perturbadoras. Por exemplo, se eu pensar que sou o centro douniverso e que sou a pessoa mais importante, então o sentimento que acompanharáisso será insegurança, certo? Quando você está confuso, você está inseguro e pensa:“Bem, eu deveria ser o mais importante, mas as pessoas não me tratam sempre destaforma.” Então, a insegurança estará presente.

Quais são as estratégias que podemos usar quando estamos inseguros – estratégiaspara tentar nos fazer sentir mais seguros? Uma delas é: “Se eu puder ter muitas coisasao meu redor, de alguma forma isso me fará sentir mais seguro. Se eu conseguir terbastante dinheiro ou bastante atenção ou bastante amor, de alguma forma isso mefará feliz.” Mas então, como nós vimos, a natureza deste tipo de felicidade é que nuncatemos o suficiente, nunca estamos satisfeitos, e sempre queremos mais.

Pense nisso. Faz sentido. Será que queremos realmente que nosso amado ou nossaamada nos diga “eu te amo” apenas uma vez? Se eles disserem isso apenas uma vez,então, será isso suficiente – eles nunca mais terão que repetir isso para nós? Nuncanos sentiremos seguros com isso. Sempre queremos ouvir de novo e de novo e denovo, não queremos? E nunca chegamos ao ponto no qual dizemos, “Bem, você nãotem mais que me dizer isso. Eu sei disso.” Então, quando falamos sobre sergananciosos, não se trata de ser apenas gananciosos em relação a coisas materiais edinheiro. Também somos gananciosos com amor, e a maioria de nós é especialmentegananciosa no que diz respeito à atenção. Vemos isso com crianças pequenas. Então,este é um mecanismo: se pudermos ter muitas coisas ao nosso redor, isso nos tornaráseguros. E isso nunca funciona.

O próximo mecanismo é raiva e repulsa: “Se eu pudesse apenas afastar certas coisasque eu sinto que estão me ameaçando, isso me fará sentir mais seguro.” Mas nósnunca nos sentimos seguros; nós sempre nos sentimos ameaçados; e sempre estamosde guarda no caso que alguém faça algo de que não gostamos – então nos tornamos

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raivosos e o mandamos embora. Às vezes, isso pode ser bem contraproducente. Estoupensando no exemplo de um relacionamento no qual sentimos que a outra pessoa nãoestá prestando atenção suficiente em nós, não nos dá muito de seu tempo, entãogritamos com ela. Ficamos com raiva e berramos: “Você deveria prestar mais atençãoem mim! Você deveria passar mais tempo comigo!” E assim por diante. Qual oresultado disso? Geralmente, eles se afastam até mais. Ou, então, nos fazem umgrande favor e ficam conosco apenas mais um pouquinho, mas você pode sentir queeles não estão confortáveis com isso. Como podemos pensar que ficar com raiva dealguém fará que esta pessoa goste mais de nós? Realmente, isso é absurdo, não é?Muitos desses mecanismos que usamos com a esperança de nos tornar mais segurosapenas pioram as coisas.

Outro mecanismo que usamos é levantar paredes. Isso é baseado em ingenuidade.Nós pensamos que, se não lidarmos com o problema de alguma forma, ou ele nãoexiste ou ele irá embora por si mesmo. “Não quero ouvir falar sobre isso” – este tipode atitude, e você levanta uma parede ao seu redor. Mas é claro que este estado deingenuidade não funciona. O problema não partirá apenas porque o ignoramos ou nãoo admitimos.

Então o que acontece é que, por causa dessas emoções perturbadoras, nós agimos emtodos os tipos de formas destrutivas. Nós gritamos. Podemos até bater em alguém. Sevocê sentir, “pobre de mim, eu não tenho nada”, pode ser que você roube, pensandoque isso será algo que o ajudará. Estou pensando no exemplo de quando vivi na Índiapor muitos, muitos anos. A Índia é o país dos insetos – muitos, muitos, muitosinsetos, todo o tipo de inseto que você puder imaginar. E você não pode matá­lostodos; não há como você vencê­los. A única solução é aprender a viver com eles. Sevocê não gostar de ter muitos insetos em seu quarto, você dormirá com ummosquiteiro – e sempre haverá mais insetos. E aí emerge aquele impulso decomportamento destrutivo: “Tenho que me livrar deles!”

Há muitas formas diferentes de comportamento destrutivo. Mentir, usar linguagemdura, adultério, estupro – existem todas essas coisas. E quando agimos de formadestrutiva, basicamente isso produz infelicidade – infelicidade não apenas para osoutros, mas especialmente infelicidade para nós. Se você pensar sobre isso, o budismofala com muita ênfase sobre não matar, certo? Agora, a questão aqui é que se vocêadquirir o hábito de matar qualquer coisa que você não gosta – como mosquitos, porexemplo – então esta será a sua primeira resposta automática, não será? E não tem aver apenas com matar. Se houver algo de que não gostamos, nós o atacamos de umaforma muito violenta – pode ser de forma verbal, pode ser fisicamente, pode seremocionalmente – ao invés de aprender a lidar com isso em um estado mental calmo.

É claro que às vezes talvez você tenha que matar. Por exemplo, pode haver insetoscomendo a colheita; pode haver insetos com doenças, etc. O budismo não tem a vercom fanatismo. Mas você não deveria ser ingênuo em relação a isso. Tente fazê­lo semraiva ou ódio, como: “Eu odeio esses mosquitos da malária!” E você não deveria seringênuo sobre as consequências negativas que isso terá. Apenas um simples exemplo:

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Se usarmos inseticidas em todos os nossos legumes e frutas – bem, nós tambémcomemos isso, e isso pode causar doenças. Então, há efeitos colaterais negativos. Aquestão aqui é, voltando ao nosso ponto de partida, é que os nossos métodos são:disciplina, concentração, e entendimento correto, complementados com amor ecompaixão.

Autodisciplina ÉticaComo então aplicamos essas medidas preventivas para evitar problemas na vida? Oprimeiro nível, a primeira coisa que fazemos, é aplicar autodisciplina ética, o quesignifica evitar agir de forma destrutiva. Agir de forma destrutiva é agir sob ainfluência dessas emoções perturbadoras – raiva, cobiça, apego, ciúme, ingenuidade,arrogância e assim por diante. Isso significa que quando sentimos que vamos agir deforma destrutiva, decidimos com muita clareza: “Não, eu não quero agir desta forma.”

Quando sinto que tenho gritar com você por algum erro que você fez, eu sei que gritarapenas fará com que a situação fique pior. Talvez eu tenha que corrigir você ou lidarcom qualquer erro que você fez, mas gritar apenas tornará tudo pior, certo?Especialmente berrar palavrões e nomes ruins para você – isso com certeza nãoajudará a situação. Então, a autodisciplina ética tem a ver com perceber isso o maiscedo possível, até mesmo antes de agir de forma destrutiva, que estamos prestes a agircompulsivamente de uma forma destrutiva. Há um impulso para agir assim e nóspercebemos: “Isso não ajudará de forma alguma.” E nos detemos antes de agir deacordo com nosso impulso.

Agora, não estamos dizendo aqui para você manter a raiva dentro de você, e elacomerá você por dentro, e você a segurará e a segurará até que você exploda. Este nãoé o método. E se você não tem sido capaz de lidar com ela, e ela apenas vai crescendopor dentro – bem, não a libere na outra pessoa. E dar um soco em uma parede – issoapenas machucará sua mão. Então, isso é estúpido. É melhor soltá­la de outra forma,certo?

Participante: Bata em um travesseiro.

Alex: Bata em um travesseiro ou lave o chão de sua casa – este tipo de método de“sabedoria de mãe” de lidar com raiva e frustração, e fazer trabalhos domésticospesados ou ir dar uma corrida longa ou fazer uma ginástica intensa na academiapodem ajudar a dissipar a energia da raiva frustrada.

Atenção Plena e ConcentraçãoSe nos tornarmos mais e mais habituados a este tipo de comportamento, e evitarmosagir de forma destrutiva quando sentimos vontade de fazê­lo, o que usamos aqui é oque chamamos de “atenção discriminadora (shes­rab)”. Discriminamos entre aquiloque ajuda e aquilo que prejudica. Baseados nisto, podemos ficar calmos e não apenasmanter a raiva dentro de nós. Então, a coisa principal que estamos cultivando aqui éaquilo que geralmente é traduzido como “atenção plena (dran­pa)”. Isto significa“lembrar­se”. É como uma cola mental para manter a disciplina – o que eu quero

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fazer, o que eu quero ser na vida, como quero agir na minha vida – ater­se a isso e nãoesquecer disso. Isso é atenção plena. É a mesma palavra que diz “lembrar­se de formaativa”.

Então, o que estamos tentando fazer é estar mais despertos. A palavra “Buda”significa realmente “alguém que está totalmente desperto.” Nós tentamos ficardespertos em relação às emoções que estamos sentindo, quais são os impulsos quecompulsivamente emergem em nossas mentes para agir de tal ou tal maneira, etentamos não ser um escravo dessas coisas, mas perceber, com entendimento, quepodemos escolher como agir. Se eu estiver com mau humor, ele pode mudar; eu possofazer algo para mudar isso.

Às vezes a solução para estar de mau humor é bastante simples. Um dos métodosmais simples é “colocar o bebê irritado na cama.” Estamos nos sentindo como umbebê que ficou acordado tempo demais e está – “buáááá” – chorando o tempo inteiro,e assim por diante. Muitas vezes, quando estamos de mau humor, estamos assim.Então nos deitamos e cochilamos, vamos dormir. Geralmente, quando acordamosestamos bem melhor.

Ou se você estiver tendo uma divergência com alguém, e ela está começando a ficarem um estado muito intenso – bem, você sabe que nesta situação a outra pessoa nãoestá realmente escutando você, e também você não a está realmente escutando. Émelhor parar esta conversa, dizer: “Vamos falar sobre isso mais tarde quando nós doisestivermos mais calmos”. E ir dar uma volta, ou algo assim, para nos acalmar.

Esses são métodos muito simples. O budismo realmente ensina métodos que agembem mais profundamente do que isso, mas este é um início. Temos que começaraplicando métodos que somos realmente capazes de aplicar. Mas o princípio é o queimporta, e o princípio é olhar para a causa do problema e fazer algo para superar oproblema. Não seja apenas uma vítima do problema. De certa maneira, assuma ocontrole sobre o que está ocorrendo na sua vida.

Agora, se pudermos desenvolver a atenção plena para nos atermos ao nossoentendimento sobre aquilo que ajuda e aquilo que prejudica em nossocomportamento, se formos capazes de prestar atenção àquilo que está acontecendo elembrar como queremos agir e corrigir­nos se não estivermos agindo desta forma – sepudermos fazer isso em relação a como estamos agindo com nosso corpo, comoestamos falando, então nós desenvolvemos a força para ser capazes de fazer isso comnossas mentes, com aquilo que estamos pensando.

Então, quando começamos a ter esta cadeia de pensamentos de preocupação, oupensamentos de: “Coitado de mim. Ninguém me ama”, etc, etc, este tipo de coisas, nósdizemos: “Sai dessa! Eu não quero ficar nesta viagem de autopiedade, depreocupação, e assim por diante. Isso apenas me tornará infeliz.” E voltamos a trazernossa atenção para algo mais positivo. Há muito mais coisas positivas que podemosfazer com nosso corpo, com nossa mente, do que apenas ficar sentados nos

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preocupando. Há muito mais coisas positivas que podemos pensar do que ficarpensando sobre quão terrível tudo pode ser, como quando estamos nos preocupando.Porque, veja bem, o que estamos tentando desenvolver aqui é concentração parapodermos trazer nossa atenção de volta quando ela se vai.

Por exemplo, quando estamos falando com alguém e nossa mente começa a divagar –não tem que ser preocupação, pode ser, por exemplo: “Quando eles vão parar defalar?” ou “O que vou comer na hora do jantar?” Pode ser qualquer coisa, e paramosde prestar atenção à outra pessoa, ou fazemos comentários em nossa cabeça, tipo: “Oque eles acabaram de dizer é estúpido.” Então, nós trazemos nossa atenção de volta eapenas focamos em escutar o que eles estão dizendo.

Esta é uma aplicação muito prática de concentração, mas ela requer disciplina; e nósdesenvolvemos aquela disciplina em termos, primeiro, do nosso comportamentofísico e verbal. Quando você desenvolver aquela habilidade, a habilidade de trazer asua atenção de volta e corrigir quaisquer desvios, então você poderá aplicar isso emvários tipos de situação. É realmente muito, muito útil. Por exemplo, você começa ater atenção plena em relação à postura de seu corpo. Se seus ombros estiverem tensose para cima na atenção, e seu pescoço estiver tenso, e assim por diante – se você tiveratenção plena e notar isso, então você simplesmente baixa seus ombros e os relaxa. Éapenas uma questão de prestar atenção, lembrar, e fazer algo a este respeito. Ouquando você começa a ficar muito excitado e isso é totalmente inadequado nestasituação, e você está começando a falar cada vez mais alto e de forma agressiva comalguém, você percebe isso e você simplesmente muda. Você simplesmente se acalma,como voltar a baixar seus ombros, mas você faz isso em um nível energético, um nívelemocional.

Este é todo o segredo de como você aplica esses métodos do Dharma na vida. Apenaslembre­se deles e tenha suficiente disciplina para fazer isso, aplicar isso. E você o faznão porque quer ser bonzinho ou quer agradar seu professor ou algo assim. Você o fazporque quer evitar problemas, dificuldades, porque você sabe que se não fizer nada arespeito você ficará se sentindo miserável, e isso não é divertido, não é mesmo? Então,precisamos aplicar nossa autodisciplina na área mental em termos de concentração –até mesmo em termos de lidar com nossos sentimentos. É claro que lidar comsentimentos é mais delicado, muito mais difícil. Mas como eu disse, se você ficarmuito excitado, você tem como se acalmar.

O Entendimento CorretoUma vez que desenvolver a ferramenta da concentração, pelo menos em certo nível,então você realmente desejará ser capaz de se concentrar no entendimento corretodaquilo que está ocorrendo. Temos todos os tipos de confusão sobre a realidade –sobre como existimos, sobre como os outros existem, sobre como o mundo existe – epor causa desta confusão, temos todos os tipos de projeções que não são reais, certo?Podemos projetar: “Eu não valho nada. Sou um perdedor.” Ou poderíamos projetar:“Coitado de mim. Ninguém me ama.” Mas se realmente analisarmos todo mundo em

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nossas vidas, isso quer dizer que minha mãe nunca me amou, meu cachorro nunca meamou, nunca ninguém me amou. É improvável que isto seja verdade.

Então, estamos projetando essas fantasias e acreditamos que elas são verdadeiras; eisto é horrível. Acreditamos que podemos chegar atrasados, ou não ir a um encontromarcado, e que isso não importa: “Você não tem sentimentos”, certo? Então,deixamos de ter consideração para com os outros. Mas todos têm sentimentos, comotambém eu tenho sentimentos. Ninguém quer ser ignorado. Ninguém gosta quantotem um encontro marcado e a outra pessoa não liga ou chega atrasada. Ninguémgosta disso. Então, o que precisamos fazer é usar a nossa concentração para acabarcom essas fantasias e parar de projetar todas essas coisas sem sentido sobre, porexemplo, como o nosso comportamento imprudente não magoa os outros, porque estaé realmente a causa mais profunda de nossos problemas: “Sou o centro do universo.As coisas têm que ser sempre do meu jeito. Eu sou a pessoa mais importante.” É óbvioque isso é uma projeção de uma fantasia. Ninguém é o mais importante. Mas quandoacreditamos que nossa fantasia é verdadeira, somos egoístas. Então, se quisermossuperar o egoísmo, precisamos desconstruir esta fantasia e parar de projetá­la.Embora eu sinta que sou o centro do universo e a única pessoa que existe (poisquando fecho meus olhos há esta voz em minha cabeça, e não vejo mais ninguém,então parece que sou a única pessoa que existe), temos que nos lembrar que isto éuma ilusão e tentar não acreditar nela: “Não é assim. Apenas parece ser assim.”

Ficar com esta compreensão o tempo inteiro é o caminho verdadeiro, disse o Buda,para alcançar uma real cessação de nossos problemas. Se tivéssemos o corretoentendimento o tempo inteiro, não teríamos esta confusão. E se não tivéssemosnenhuma confusão, não teríamos raiva; não teríamos apego, cobiça, etc. E se nãotivéssemos nenhuma dessas emoções perturbadoras, não agiríamos de formadestrutiva. E se não agíssemos de forma destrutiva, não criaríamos todos os tipos deproblemas para os outros e para nós mesmos. Este é o método básico budista paralidar com dificuldades em nossas vidas.

Se quisermos ter relações mais felizes, temos que reconhecer:

Sou um ser humano. Você é um ser humano. Todos nós temos os mesmossentimentos, etc.Todos têm seus pontos fortes. Todos têm seus pontos fracos. Eu tenho, vocêtambém tem.Ninguém é um Príncipe ou uma Princesa Encantada em um cavalo branco.

Você tem essa imagem em suas histórias? Sempre estamos procurando pelo parceiroperfeito, aquele com um cavalo branco, mas isso é um conto de fadas. Isso não existe,mas estamos projetando isso. Por acreditarmos em contos de fada, pensamos que esteserá o príncipe ou esta será a princesa, e quando eles não são assim ficamos com raivadeles, e às vezes até mesmo os rejeitamos. E então projetamos no próximo potencialparceiro que encontramos que ele ou ela será o príncipe ou a princesa. Mas nuncaachamos o príncipe nem a princesa, porque isso não existe.

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Então, se quisermos ter relacionamentos saudáveis, precisaremos aceitar a realidade.A realidade é, como eu disse, todos têm pontos bons, todos têm pontos fracos, eprecisamos aprender a viver juntos de alguma forma, e ninguém é o centro douniverso. E então há os ensinamentos gerais que você pode achar em qualquerreligião ou filosofia humanista, que é ser gentil, atencioso, amoroso, ser paciente,generoso, perdoar, etc. Toda religião e toda filosofia humanista ensina a mesma coisa,também o budismo.

Os mesmo princípios se aplicam aos nossos relacionamentos de trabalho. Se você forgentil com as pessoas que trabalham com você no escritório (ou, caso estejaempregando pessoas, se for gentil com seus empregados), o trabalho acontecerá deforma mais suave. Se você estiver trabalhando em uma loja e for gentil e agradávelcom os clientes, toda a atmosfera será bem mais agradável, não é? E se a pessoa forhonesta com seus negócios – não enganar os outros e assim por diante – de novo, ascoisas fluem muito, mas muito melhor. Isso não quer dizer que não vamos tentar fazerlucro e ganhar a vida, mas a questão é não ser ganancioso em relação a isso.

E quando outros nos enganarem, pois nem todos agirão desta forma… Bem, o quevocê esperava? No entanto, do ponto de vista budista, não diríamos que se trata depessoas más; apenas diríamos que elas estão confusas. Elas estão confusas. Elas nãoentendem que agir desta forma apenas criará mais e mais problemas para elas;ninguém gostará delas. Portanto, elas são um objeto de compaixão ao invés de umobjeto de ódio. Se conseguirmos vê­las como um objeto de compaixão e tivermospaciência com elas, não sofreremos emocionalmente quando elas nos enganarem, eentão tentaremos ser mais cuidadosos da próxima vez para não sermos enganadosnovamente. Mas o que é que esperamos das pessoas? Muitas pessoas são assim.Então, esta é a realidade. A projeção é que todo mundo é honesto. Nem todo mundo éhonesto! Seria muito legal se todos fossem honestos, mas nem todo mundo o é. Então,pelo menos, nós podemos tentar se honestos.

Será que Não‐budistas Podem Usar Esses Métodos?Agora, será que temos que seguir um rigoroso caminho espiritual budista demeditações e rituais, e assim por diante, para poder aplicar esses métodos? Bem, nãorealmente. Não temos que seguir um caminho espiritual rigoroso para poder aplicartodas essas coisas. Sua Santidade o Dalai Lama sempre fala sobre a ética secular e osvalores humanos – ser amoroso, ter mais atenção plena, não ser ingênuo, não projetarfantasias, e assim por diante. Essas são diretrizes gerais que qualquer um pode seguir.

E quando falamos sobre meditação, apenas estamos falando sobre um método paranos familiarizarmos com esta forma de pensar, sentando e tentando pensar assim.Quando a nossa atenção se distrai, buscamos trazê­la de volta. Bem, você pode fazerisso sentado em meditação e focando em um Buda ou na sua respiração, mas vocêtambém pode fazer isso quando estiver lendo um livro, quando estiver cozinhando,quando não estiver fazendo nada. Quando está cozinhando, apenas fique focado noato de cozinhar, e quando a sua mente for distraída por pensamentos esquisitos,

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apenas procure trazê­la de volta para o ato de cozinhar. Não tem que ser uma práticade meditação formal budista. Há muitas, muitas maneiras com as quais podemos nosfamiliarizar com essas formas mais benéficas de pensar, maneiras de agir, e assim pordiante, sem que isso tenha que estar envolvido com nenhum tipo de ritual budista ouambiente formal budista.

Isso, então, é a maneira como aplicamos o Dharma – as medidas preventivas – paranos ajudar a evitar problemas. Que perguntas vocês têm?

Perguntas e RespostasEstar Consciente do Que Está Acontecendo Interna e ExternamentePergunta: Para evitar problemas, temos apenas que estar concentrados o tempotodo?

Alex: Para evitar problemas, precisamos estar concentrados o tempo todo? De certamaneira, sim. Mas isto não é tudo. Também podemos estar muito concentrados emgritar e bater em alguém, por exemplo. Então, isto não é tudo. Também precisamosestar despertos no sentido de que precisamos estar conscientes do que está ocorrendointernamente – nossos pensamentos, nossos sentimentos, etc – e, ao mesmo tempo,estar conscientes e alertas em relação ao que está ocorrendo à nossa volta com outraspessoas. Quando alguém vai para casa, um membro de nossa família, um ser amado,ou qualquer pessoa… Você talvez perceba que esta pessoa está muito, muito cansada.Você tem que estar alerta em relação a isso. Não é o momento de começar uma grandediscussão com ela sobre algo importante, ela está cansada. Então, é preciso sempreestar alerta, concentrado, focado no que está ocorrendo à sua volta. Qual a situaçãocom outras pessoas, não apenas qual a minha situação.

Então, não vamos ao extremo de apenas estar conscientes em relação a nós mesmos enão em relação aos outros; ou para o outro extremo, que é apenas prestar atenção aosoutros e não em nós mesmos. Este também é um extremo a ser evitado. Há muitaspessoas que têm esta síndrome de não ser capazes de dizer “não” e sempre estãofazendo coisas para os outros, para suas famílias ou quem quer que seja, e ficam tãocompletamente cansadas e exaustas que acabam tendo uma estafa ou ficamressentidas. É importante prestar atenção também em como estamos nos sentindo etomar conta de nossas necessidades. Quando precisamos nos repousar, nós nosrepousamos. Quando precisamos dizer, “Não, sinto muito; não posso fazer isso. Édemais para mim, não sou capaz disso.” Diga “não”. O ideal, quando dizemos “não” éoferecer ao outro uma alternativa, se possível. Dar uma sugestão como: “Mas talvezesta outra pessoa possa ajudá­lo.”

Em suma, apenas fique atento em relação a tudo aquilo que estiver ocorrendo, externae internamente, e então aplique o entendimento correto e a compaixão.

Lidando com a RaivaPergunta: Você falou sobre varrer o chão como método de lidar com a raiva ou outrasemoções destrutivas, mas comentou que o budismo tem muitos métodos bem mais

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profundos. Você poderia dar pelo menos uma dica de onde podemos encontrar essesmétodos?

Alex: A questão era que eu estava falando sobre alguns métodos superficiais etemporários para lidar com a raiva. Como quando você tem muita raiva reprimida, otrabalho físico duro pode ajudar, como lavar todo o chão, por exemplo. E eu sugerique havia outros métodos mais profundos. Então, será que eu poderia indicar algunsdestes para lidar com a raiva?

Bem, indo um pouco mais fundo, um nível de lidar com a raiva que sentimos poralguém, é desenvolver paciência. Mas como desenvolver paciência? Há muitos, muitosmétodos, mas um método, por exemplo, é chamado de “paciência­como­alvo”: “Se eunão tivesse colocado nenhum alvo, ninguém atiraria nele.” Por exemplo, eu peço paravocê fazer algo para mim e você o faz de forma incorreta. A tendência é que eu fiquecom raiva de você. Ou talvez você nem tenha feito o que eu pedi. Então, de quem foi oerro? Na verdade, foi o meu erro porque eu fui preguiçoso demais para fazer a coisaeu mesmo e eu pedi que você a fizesse. Então, o que eu esperava? Quando você pedepara alguém fazer algo, o que você espera? Digamos que você pede a uma criança dedois anos para trazer uma xícara de chá quente para você e ela derrama o conteúdo. Éclaro que ela vai derramá­lo. Então, é a mesma coisa – o que é que esperamos quandopedimos que alguém faça algo por nós?

Então, eu me dou conta que, na verdade, foi a minha preguiça que criou o problema. Enão fico com raiva da outra pessoa. E estou consciente que, quando peço que você façaalgo por mim, é porque tenho preguiça de fazê­lo eu mesmo. Ou tenho muitapreguiça, ou não tenho tempo, ou o que quer que seja. A questão é que, se estoupedindo a outra pessoa que o faça, eu não deveria esperar que ela o fizesse comperfeição, ou da maneira como eu o faria, que no final das contas talvez também nãofosse correta. Eu também cometo erros. E se eu fizer a coisa eu mesmo e errar, não hárazão para ficar com raiva de mim mesmo. “Eu não sou perfeito, ninguém é perfeito,então é claro que eu erro.” Então, você simplesmente aceita a realidade. “Sou um serhumano; seres humanos erram; eu errei.” E se posso corrigir o erro, eu o corrijo. Nãofico com raiva de mim mesmo. Não há sentido em ficar com raiva de mim mesmo. Euapenas corrijo, se puder. Se não puder, então é isso aí, terei que deixar por issomesmo e tentar não repetir o erro no futuro.

Um nível muito mais profundo de lidar com raiva é compreender a nossa própriarealidade. Agora estou falando em um nível muito simples, mas até mesmo neste nívelsimples, isso ajuda. “Não sou o centro do universo”. Por que as coisas sempredeveriam ser da minha maneira? Por quê? O que tenho de tão especial para que ascoisas sempre sejam da minha maneira e ninguém mais tenha razão? Com taispensamentos, você começa a desconstruir a visão sólida do “eu” como a coisa maisimportante do universo. O “eu” sólido. Então, é claro que você pode desconstruir maise mais e mais. Quando você tem esta visão do “eu” sendo esta coisa sólida e que ascoisas sempre têm que ser da “minha” maneira, então, é claro que você ficará comraiva quando as coisas não forem do jeito que você quer, certo?

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O budismo tem muito a dizer sobre como existimos e como todo mundo existe. Nósexistimos, mas não existimos dessas maneiras impossíveis que imaginamos, porexemplo, com um “eu” pequeno sentado dentro de minha cabeça falando e sendoautor daquela voz que ouço em minha cabeça. Parece que tem um pequeno “eu”falando lá dentro, reclamando: “O que é que eu deveria fazer agora? Ah, eu vou fazerisso,” e então você começa a mover seu corpo, como se o corpo fosse uma máquina.Mas isso é uma ilusão. Não podemos achar nenhum pequeno “eu” dentro de nós, nãoé mesmo? Mas ainda assim, eu existo, eu falo, eu faço coisas. Por isso, temos queacabar como nossa crença nessas projeções, porque parece que elas correspondem àrealidade. Parece ser assim. É esta voz acontecendo, então tem que haver alguém ládentro.

Então o budismo tem muito a oferecer nesta área que chamaríamos de “psicologia”.

Trabalhando com Nossos CorposPergunta: Tenho duas perguntas. A primeira é: talvez você possa nos contar umpouco mais sobre trabalhar com nossos corpos. Você mencionou que precisamosrelaxar nossos corpos, mas talvez precisemos fazer mais que isso. E a segunda questãoé: qual a fonte de todas essas projeções? Por exemplo, esta pessoa falando em nossascabeças, por que ela aparece?

Alex: É claro que há muitas disciplinas que podemos aplicar para ter saúde física.Existe a medicina budista, por exemplo, que você pode achar na tradição tibetana, quetem muito a ver com equilibrar as energias no corpo. Nossas energias e nossa saúdegeralmente são muito afetadas pela nossa dieta e por nosso comportamento –comportamentos como ir para o frio e não se agasalhar bem, o que fará com que vocêfique doente. Estamos falando deste tipo de comportamento. Ou trabalhar demais…Este tipo de comportamento fará com que você adoeça.

Também tentamos nos manter atentos em relação ao estado de nosso corpo. Quantomais silencioso você se tornar internamente, mais alerta você ficará não apenas emrelação à condição de sua mente, mas também em relação à condição da energia emseu corpo. Quando você nota que sua energia está muito nervosa, por exemplo, vocêpode sentir isso se o seu pulso estiver muito rápido, e assim por diante… Há coisasmuito básicas que você pode fazer, até mesmo apenas ajustando a sua dieta. Porexemplo, podemos parar de beber café e chá forte, e podemos ingerir comidas maispesadas que tornarão as energias mais pesadas, como comidas gordurosas – queijo oualgo assim. E aqueça­se; não fique no vento ou em lugares frios. E não fique pertodessas máquinas de alta potência que fazem assim: “Bzzzzrrrrr,”… Isso perturbará aenergia mais ainda. Fique em uma situação calma. Então, aqui está um nível deprática.

A tradição tibetana em si não enfatiza exercícios físicos ou este tipo de trabalho com ocorpo da forma como você aprenderia, digamos, nas tradições budistas chinesas oujaponesas com artes marciais. Mas, com certeza, diferentes tipos de artes marciais –taichi, chikung, este tipo de coisas – podem ser muito úteis. Esses também são

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métodos para desenvolver concentração através da atenção plena ao seu movimento.Os exercícios físicos que os tibetanos fazem são bem mais sutis, e têm a ver comtrabalhar os sistemas energéticos de uma forma diferente, não da forma das artesmarciais. É um pouco diferente e tem mais a ver com yoga. Então, é assim que vocêpode trabalhar com o corpo.

A Fonte da Voz em Nossas CabeçasQuanto à fonte da voz em nossas cabeças, isto envolve a natureza da mente e é umpouco mais complicado. No budismo, quando falamos sobre a mente, não estamosfalando sobre uma espécie de coisa. Estamos falando sobre a atividade mental, e estaatividade mental está envolvida com pensar, com ver, com sentir emoções. Isso émuito, muito vasto. O que está ocorrendo naquela atividade é que há o surgimento deuma espécie de holograma mental. Por exemplo, quando vemos algo, a luz entra emcontato com a retina, gera impulsos elétricos e reações químicas nos neurônios, e oresultado é o surgimento de uma espécie de holograma mental da aparência de algo.No entanto, na realidade, isso é um holograma mental. Está vindo de todos essesimpulsos químicos e elétricos.

Mas os hologramas não são apenas visuais. Esses hologramas mentais poderiam sertambém sons, como palavras. Não ouvimos uma frase inteira em um instante – vocêescuta pequenos pedaços dela, um de cada vez – e ainda assim há este hologramamental da frase inteira e você compreende o que ela diz. Da mesma forma, háhologramas mentais em forma de emoções, hologramas mentais em forma depensamentos, e também hologramas mentais em forma de verbalização – esta voz.Essas coisas apenas surgem. Há alguma cognição envolvida nisso. Então, isso é ver,pensar ou sentir. É isso. E esta atividade mental ocorre sem que haja um “eu”separado dela que está observando ou controlando e fazendo com que ela aconteça.Ela simplesmente acontece. Então, parte daquele holograma mental é formada porpensamentos do “eu”, como: “Esta voz sou eu.” Quem está pensando? Eu estoupensando. Não é você que está pensando – sou eu que estou pensando. Mas trata­seapenas de uma parte de todo este processo dos hologramas.

Qual a fonte desta voz na sua cabeça? Trata­se de apenas uma das características daatividade mental. Não é necessariamente como funciona toda a atividade mental. Avoz não ocorre o tempo todo, e eu duvido que uma minhoca pense com uma voz. Aminhoca com certeza tem um cérebro, uma mente, vê coisas, faz coisas.

Na verdade, a coisa começa a ficar muito interessante quando pensamos sobre ela.Um holograma do som da voz é uma espécie de comunicação, não é? É um tipo deconceitualização que expressa ou comunica um pensamento na forma do som mentalde palavras. A pergunta interessante é: alguém que é surdo e mudo de nascimento enão tem absolutamente nenhum conceito de som – será que ele tem uma voz nacabeça, ou ele pensa em termos de linguagem de sinais? Isso é uma pergunta muitointeressante. Eu nunca achei uma resposta para ela.

Então, se for uma voz, ou uma linguagem de sinais, o que quer que seja, ou como

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pensa uma minhoca, a ilusão é que há um “eu” separado por detrás daquele que estáfalando, sentado na torre de controle, e a informação está chegando na tela diante dosolhos, e ele tem um microfone com o qual está falando, e então ele aperta o botão parafazer com que os braços e as pernas se movam. Isto é uma grande ilusão. Mas o queserá aquela espécie de “eu” sentado na torre de controle que é o objeto depensamentos como: “Ai, o que será que as pessoas vão pensar de mim?” e de “O queserá que eu devo fazer agora?”. Isso é o que nos preocupa, este “eu” na torre decontrole.

Quando nos damos conta que este “eu” é uma ilusão, então não há nada a sepreocupar. Nós falamos, nós agimos. É claro que sou eu: eu estou falando, eu estouagindo. E se as pessoas não gostarem, tudo bem. E daí? O Buda não agradava a todos.Nem todos gostavam do Buda, então, o que espero de mim? Apenas usamos oentendimento, o amor, a compaixão, e agimos. É isso. E não nos preocupamos: “O queeles pensarão de mim?” Mas fazer isso não é tão simples quanto parece.

Controlar‐nos Quando Outros Têm RaivaPergunta: Quando outra pessoa está com raiva de nós, como é que nos controlamos?

Alex: Basicamente, nós enxergamos que esta pessoa é como uma criança pequena.Quando uma criança de dois anos fica com raiva de nós depois de lhe dizermos “Estána hora de ir para a cama.” e a criança diz: “Eu te odeio. Você é horrível.” E então elafaz um escândalo bem grande… Será que ficamos com raiva? Bem, algumas pessoasficam com raiva… Mas é apenas uma criança de dois anos, o que você esperava? Vocêtenta acalmar o pequeno. Seja gentil, como você seria com uma criança de dois anos.Pense nisso: como você lidaria com uma criança de dois anos? Geralmente, quandouma criança de dois anos está agindo desta forma tão horrível, se você a pega nosbraços e a segura, e é carinhoso com ela, ela se acalma, não se acalma? Gritar com elaapenas a fará chorar mais. Então, as pessoas são assim. Elas são bebês grandes.

Eu acho que podemos parar por aqui. Muito obrigado.