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149 USO POTENCIAL DA ANÁLISE DO CICLO DE VIDA (ACV) ASSOCIADA AOS CONCEITOS DA PRODUÇÃO ORGÂNICA APLICADOS À AGRICULTURA FAMILIAR 1 Armando Caldeira-Pires 2 Raimundo Ricardo Rabelo 3 José Humberto Valadares Xavier 4 RESUMO Este trabalho discute ferramentas potenciais para avaliação do impacto ambiental como estratégia necessária para a inserção no mercado, bem como para a adoção da agricultura orgânica por agricultores familiares do Brasil. Esta proposta visa incrementar o desenvolvimento regional me- diante promoção de sistemas locais de mercado que não apenas acomodem as diferenças existen- tes no uso dos recursos, na escala de produção e nas condições agroecológicas, mas também contemplem questões importantes como o decréscimo do número de propriedades, a redução da oferta de empregos, a pobreza rural e a insegurança na qualidade da produção e na distribuição do alimento. O principal objetivo deste trabalho está baseado no potencial que o mercado de produtos orgânicos pode representar para a viabilidade da agricultura familiar, associando os aspectos que o bem-estar social, a segurança e a qualidade precisam ser considerados no mercado de produtos orgânicos. Com o intuito de estudar a viabilidade da transição de sistemas de produção familiares para a agricultura orgânica, este trabalho é desenvolvido em duas etapas. Primeiramente, a metodologia da Análise do Ciclo de Vida será aplicada em um sistema típico de produção da agricultura familiar. Em segundo lugar, a implementação de um programa de certificação para o modo orgânico de produção. Palavras-chave: agricultura orgânica, desenvolvimento regional, avaliação do impacto ambiental, selo orgânico. 1 Aceito para publicação em abril de 2002. 2 Engenheiro químico, Ph.D., Professor Adjunto, Centro de Desenvolvimento Sustentável-CDS, Uni- versidade de Brasília – UnB, SAS Quadra 5 Bloco H sala 200 – Brasília, DF, Tel. (55) 61 322-2550, Fax: (55) 61 322-8473, E-mail: [email protected] 3 Engenheiro agrônomo, Embrapa Arroz e Feijão, Rodovia Goiânia a Nova Veneza, Km 12, Fazenda Capivara, Caixa Postal 179, CEP 75375-000 Santo Antônio de Goiás, GO, Tel.: (62)533-2143 – Fax: (62)533-2100, E-mail: [email protected] 4 Engenheiro agrônomo, Embrapa Cerrados, Tel. (55) 61 3889915; Fax: (55) 61 3889879, E-mail: [email protected] Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.19, n. 2, p.149-178, maio/ago. 2002

Uso Potencial Da Análise Do Ciclo de Vida (Acv)

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Análise de Ciclo de vidat

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    USO POTENCIAL DA ANLISE DO CICLO DE VIDA (ACV)ASSOCIADA AOS CONCEITOS DA PRODUO ORGNICA

    APLICADOS AGRICULTURA FAMILIAR1

    Armando Caldeira-Pires2

    Raimundo Ricardo Rabelo3

    Jos Humberto Valadares Xavier4

    RESUMO

    Este trabalho discute ferramentas potenciais para avaliao do impacto ambiental como estratgianecessria para a insero no mercado, bem como para a adoo da agricultura orgnica poragricultores familiares do Brasil. Esta proposta visa incrementar o desenvolvimento regional me-diante promoo de sistemas locais de mercado que no apenas acomodem as diferenas existen-tes no uso dos recursos, na escala de produo e nas condies agroecolgicas, mas tambmcontemplem questes importantes como o decrscimo do nmero de propriedades, a reduo daoferta de empregos, a pobreza rural e a insegurana na qualidade da produo e na distribuio doalimento. O principal objetivo deste trabalho est baseado no potencial que o mercado de produtosorgnicos pode representar para a viabilidade da agricultura familiar, associando os aspectos que obem-estar social, a segurana e a qualidade precisam ser considerados no mercado de produtosorgnicos. Com o intuito de estudar a viabilidade da transio de sistemas de produo familiarespara a agricultura orgnica, este trabalho desenvolvido em duas etapas. Primeiramente, ametodologia da Anlise do Ciclo de Vida ser aplicada em um sistema tpico de produo daagricultura familiar. Em segundo lugar, a implementao de um programa de certificao para omodo orgnico de produo.

    Palavras-chave: agricultura orgnica, desenvolvimento regional, avaliao do impacto ambiental,selo orgnico.

    1 Aceito para publicao em abril de 2002.

    2 Engenheiro qumico, Ph.D., Professor Adjunto, Centro de Desenvolvimento Sustentvel-CDS, Uni-versidade de Braslia UnB, SAS Quadra 5 Bloco H sala 200 Braslia, DF, Tel. (55) 61 322-2550,Fax: (55) 61 322-8473, E-mail: [email protected]

    3 Engenheiro agrnomo, Embrapa Arroz e Feijo, Rodovia Goinia a Nova Veneza, Km 12, FazendaCapivara, Caixa Postal 179, CEP 75375-000 Santo Antnio de Gois, GO, Tel.: (62)533-2143 Fax: (62)533-2100, E-mail: [email protected]

    4 Engenheiro agrnomo, Embrapa Cerrados, Tel. (55) 61 3889915; Fax: (55) 61 3889879,E-mail: [email protected]

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    POTENTIAL UTILIZATION OF LIFE CYCLE ASSESSMENT (LCA) METHODOLOGYTO FOSTER ORGANIC PRODUCTION CONCEPTS WITHIN BRAZILIAN

    TRADITIONAL SMALL FARMS

    ABSTRACT

    This paper discusses potential environmental assessment and market access tools necessary tofoster the utilization of organic agriculture techniques within Brazilian traditional small farms. Thebasic idea of this approach is to improve regional development by promoting local market systemsthat not only accommodate differences in land resources, scale and agro-ecological conditions, butalso addresses important issues like decreasing number of farms, employment, rural poverty andfood insecurity. The main objective of this study is based on the potential that organic productsmarket represents for small holding agriculture viability, introducing the belief that social well beingand food security needs to be considered in the organic market economy. On this regard, a two-step approach will be carried out. First, Life Cycle Assessment methodology will be customized forassessing all relevant impacts on a typical traditional small farm complex. The second step willanalyze the framework for implementation of a certification program to characterize the organicagriculture production method.

    Key-words: organic agriculture, regional development, environmental impact assessment, organiclabel.

    INTRODUO

    A adoo do cultivo de espcies vegetais e a criao de animais para aalimentao foi uma das mais importantes mudanas na histria da humanidade,criando as bases socioeconmicas para o que hoje se entende por civilizaohumana.

    A tecnologia foi a principal fora que impulsionou a agricultura a ndicescrescentes de produtividade durante todo o ltimo sculo e, especificamente, amaior parte das tecnologias agrcolas em uso emergiu da pesquisa cientfica.Assim, razovel questionar como a pesquisa cientfico-tecnolgica poder nasprximas dcadas promover a prtica de uma agricultura sustentvel sob aspec-tos ecolgicos, sociais e econmicos, principalmente naqueles pases onde apobreza, com freqncia, induz agricultores a agredir o meio ambiente. Essasituao exacerbada quando eles so analfabetos e impelidos a trabalhar emterras marginais. (Wai & Panyakul, 1998).

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    A agricultura sustentvel pode ser definida, segundo Pierre Crosson, comoo sistema de produo agrcola que atende crescente demanda durante umfuturo indefinido a custos econmicos, ambientais e sociais consistentes com oaumento da renda per capita. (Plucknett & Winkelmann, 1995).

    Este artigo discute ferramentas potenciais de avaliao ambiental e deestratgias de acesso ao mercado para promover a adoo da agricultura org-nica dentro das pequenas propriedades agrcolas brasileiras.

    O estudo motivado pelo potencial que o mercado de produtos orgnicospode representar para a viabilidade do pequeno agricultor, considerando o bem-estar social, a segurana e a qualidade dos alimentos produzidos em baseorgnica. Na maioria dos pases em desenvolvimento, a produo de alimentos caracterizada por uma elevada participao de pequenos agricultores, pro-prietrios ou arrendatrios. Uma estratgia para a pequena produo agr-cola que envolva tcnicas ambientalmente positivas pertinente com o con-texto dos pases em desenvolvimento, como sugerido por Wai & Panyakul(1998).

    O objetivo bsico deste enfoque contribuir com o desenvolvimentoregional, promovendo os sistemas locais do mercado de alimentos, no somentepara acomodar as diferenas existentes na extenso das propriedades e na escalade produo, mas tambm para interferir em questes importantes, como odecrscimo da quantidade de propriedades agrcolas, a reduo da oferta deemprego, o aumento da pobreza rural e da insegurana na qualidade da produ-o e na distribuio de alimentos. O propsito central deste trabalho o dedemonstrar que o incentivo produo e ao mercado de alimentos orgnicospoder contribuir para a viabilidade das pequenas propriedades.

    A EVOLUO DO METABOLISMO SOCIOECONMICODA SOCIEDADE AGRCOLA

    Durante os ltimos 10 mil anos, tendo como ponto de partida as civiliza-es mesopotmicas, a populao mundial passou de 4 milhes para os atuais 6bilhes de habitantes. Particularmente nos ltimos 250 anos, a populao multi-plicou-se sete vezes requerendo um crescimento similar da produo mundialde alimento (Ponting, 2001).

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    Esse crescimento foi conseguido, em parte, por meio de um aumentosignificativo de novas terras transformadas em reas cultivveis. Entre 1860 e1920, cerca de 400 milhes de hectares foram convertidos para o uso agrcola.Nos 60 anos seguintes, uma quantidade similar de terra foi incorporada produ-o agrcola (Ponting, 2001). Entretanto, esse enorme aumento por si s noseria capaz de gerar os alimentos necessrios. Isso s pode ser feito atravs deoutras duas revolues que ocorreram aps 1.850: a mecanizao e a adoo daagricultura de altos inputs, conhecida como Revoluo Verde, iniciada em mea-dos do sculo 20, que introduziu novas variedades atreladas necessidade douso de outros insumos exgenos propriedade.

    Houve, assim, uma alterao da dependncia de insumos nos centros deproduo agrcola, que no incio do sculo 19 utilizavam quase que exclusiva-mente estrume e compostos produzidos internamente, para uma dependnciaquase que total de fertilizantes e agrotxicos produzidos por uma indstria qu-mica cada vez mais forte.

    Durante esse perodo de transio, iniciado no sculo 19, assistiu-se destruio de algumas ilhas no Pacfico devido explorao sem controle deminas de fosfato e descoberta de novos processos industriais que produziamnovos fertilizantes artificiais, culminando com a transformao da unidade agr-cola numa indstria de produo de alimento. O solo passou a ser tratado nocomo um ser vivo, mas como um meio para sustentar o crescimento de gera-es de safras agrcolas, exigindo uma demanda cada vez maior de insumosqumicos.

    Alm disso, o aumento da mecanizao tornou possvel ampliar o rendi-mento do trabalho e, conseqentemente, o tamanho mdio da propriedade agrco-la, diminuindo o nmero de proprietrios e o nmero de pessoas que trabalha-vam na agricultura. A fora de trabalho agrcola nos EUA decresceu de11 milhes em 1910 para 3 milhes em 1970 (Ponting, 2001).

    Ressalte-se, por outro lado, que aps 1950, a quantidade de alimentoproduzida mundialmente era suficiente para alimentar toda a populao huma-na, no fosse a no uniformidade da distribuio desse alimento. At o final dosculo 20, pelo menos 2 bilhes de pessoas foram afetadas por uma dieta inade-quada, e 40 milhes de pessoas por ano morreram de fome e de doenas a elarelacionada. Assim, para grande parte da populao mundial, tem sido negado o

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    acesso aos mais bsicos benefcios oriundos da adoo de uma agricultura prati-cada h mais de 10 mil anos.

    O crescimento da populao, a expanso da rea cultivada e a intensifica-o da agricultura caracterizam uma crescente agresso ao meio ambiente, es-pecificamente:

    a) Desmatamento, iniciado nos anos 900 nas florestas europias, resultouna destruio da metade das florestas tropicais em 1950.

    b) Esse desmatamento associado m utilizao dos solos tem resultadona sua perda pela eroso e, sua forma mais extrema, a desertificao.

    c) A intensificao da produo agrcola exigiu um aumento das terrairrigada, de 8 milhes de hectares em 1800 para 200 milhes de hecta-res em 1980, demandando um aumento do consumo em termos mun-diais. Entretanto, o problema da salinizao, j identificado pelos po-vos mesopotmicos, passou a merecer crescente ateno no instanteem que a quantidade de novas terras abertas para o cultivo era igualquelas abandonadas (Ponting, 2001).

    d) A enorme quantidade de resduos qumicos produzida pela crescenteindstria de fertilizantes e agrotxicos, com impactos incontrolveis edesconhecidos no ambiente e pelo homem.

    A Fig. 1 apresenta uma comparao entre o consumo energtico e omaterial das sociedades primitivas, de caa e coleta, das sociedades agrcolas eda atual sociedade industrial. A comparao entre esses trs tipos de formaosocial permite identificar que, a cada mudana, a utilizao energtica e demateriais foi multiplicada por 3 a 5 vezes.

    Essa mudana significativa do consumo metablico das sociedades hu-manas encontra-se intimamente relacionada quilo que definimos como o de-senvolvimento humano, ou seja, como progresso.

    Como conseqncia do esgotamento desse modelo de desenvolvimentosurge a busca de uma outra forma de explorao agrcola que vise a atender,simultaneamente, aos critrios de incluso social, prudncia ecolgica e viabili-dade econmica. Sendo estes, segundo Sachs (2000), os trs pilares do desen-volvimento sustentvel.

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    AGRICULTURA ORGNICA

    Ao pesquisar-se sobre agricultura, especificamente quando o objetivo esclarecer sobre os diversos modelos existentes, uma dificuldade aparecer deimediato: a multiplicidade e a confuso dos conceitos. Dependendo do autor, omesmo modelo de agricultura poder ser moderno, altamente tecnificado,clssico, convencional ou inserido numa modernizao conservadora;poder ser, entretanto, atrasada, retrgrada, alternativa, sustentvel,orgnica, etc. H, nas diversas qualificaes, posies veladas (ou no) sobreo modelo de agricultura que est se tratando.

    Alm disso, quando da indicao do modelo agrcola, se aprofundado oconceito, este mostrar-se- parcial, quando no incoerente. Assim, na agricultu-ra orgnica, em condies especiais, so usados insumos qumicos; na agricultu-

    Fig. 1. A evoluo do metabolismo dos modos de produo.Fonte: adaptado de Fischer-Kowalski & Haberl, 1997.

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    ra moderna ou altamente tecnificada, que para muitos sinnimo de tecnologiasoriundas de sofisticadas pesquisas cientficas e do uso intensivo de insumossintticos, pratica-se princpios tradicionais como rotao de culturas, controlebiolgico de pragas, etc. Torna-se necessrio, portanto, ao se discutir sobredeterminado modelo agrcola, no s defini-lo, como tambm relacion-lo comoutros.

    AGRICULTURA MODERNA, CLSSICA,ALTAMENTE TECNIFICADA OU CONVENCIONAL

    O modelo agrcola utilizado pela maioria dos produtores brasileiros, prin-cipalmente aqueles que esto inseridos em produes de escala, qualificadocomo moderno, altamente tecnificado e altamente competitivo por seus partici-pantes e defensores. Seus crticos, reconhecendo sua amplitude, mas buscandorelacionar a qualificao com as limitaes inerentes do sistema, denominam-noconvencional.

    Esse modelo caracteriza-se basicamente pela separao de lavoura e cria-o animal (Ehlers, 1999), uso de mquinas, implementos e insumos produzi-dos por indstrias e por tecnologias oriundas de instituies de pesquisa. Temcomo sustentao cientfica e tecnolgica a Revoluo Verde.

    Seu indiscutvel sucesso deve-se a diversos fatores, sendo alguns deles:

    a) Sustentao poltica, econmica (crdito) e cientfica.

    b) Implementao por grupos industriais, devido ao apropriacionismo(Goodman et al., 1990) de vrios componentes da produo agrcola,passando esses grupos a apoiar as aes que intensificam o modelo.

    c) Status de modernidade, envolvendo o uso intensivo de insumos etecnologias desenvolvidos por tcnicos altamente especializados com,conseqente, pouca utilizao de materiais e conhecimentos (tecnologias)tradicionais, considerados por muitos como ultrapassados.

    d) Manejo facilitado, em que as questes normalmente so encaradas eresolvidas linearmente (enfoque reducionista).

    e) Comodidade, quando os insumos utilizados so exgenos proprieda-de e reduzida a utilizao de mo-de-obra. Contudo, Graziano Neto(1986) tem apresentado questes relacionadas aos impactos:

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    a) Ecolgicos: destruio dos solos; descontrole de pragas e doenas;perda da qualidade biolgica dos alimentos; contaminao dos ali-mentos e do homem; balano energtico; poluio em geral e amorte da natureza.

    b) Sociais: concentrao de terras; crise da produo de alimentos;dependncia da agricultura e misria do trabalhador.

    Aqueles que apontam os problemas da agricultura convencional so qua-lificados por defensores desse modelo (moderno) como ambientalistas radicaisque estariam a servio de interesses internacionais (Silva, 2000).

    Provavelmente, o mesmo esteja ocorrendo nas posies antagnicas depesquisadores sobre a agricultura moderna e a agricultura alternativa, sintomasdo que foi denominado progresso atravs de revolues (Kuhn, 1970). Afinal,com o desgaste dos paradigmas da Revoluo Verde, talvez esses no sejamtotalmente substitudos, mas certamente necessitam ser revistos e aperfeioa-dos.

    bem verdade que os problemas ecolgicos, econmicos e sociais po-dem-se originar no modelo agrcola praticado. Deve-se considerar, contudo, quea aplicao inadequada (ou a no aplicao) das tecnologias e insumos preconi-zados intensificam os problemas de qualquer modelo. Assim, se todos os agri-cultores que julgam praticar uma agricultura moderna seguissem risca as ori-entaes das instituies de pesquisa e de extenso, os impactos negativos seri-am certamente menores.

    MODELOS DE AGRICULTURA SUSTENTVEL,ALTERNATIVA E ORGNICA

    A agricultura que no se enquadra como moderna ou convencional,s vezes qualificada genericamente alternativa, sustentvel, ecolgica ,especificamente orgnica, natural, biodinmica, biolgica ou com significa-dos e amplitudes diferentes orgnica, alternativa, sustentvel.

    Assim, a agricultura alternativa, a agricultura sustentvel e a agriculturaecolgica seriam guarda-chuvas que abrigariam tipos especficos como: org-nica, natural, biodinmica e biolgica (Tabela 1) entre outras, segundo Ehlers

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  • 158

    (1999). O mesmo autor salienta, entretanto, que na Frana, a expresso agricul-tura biolgicaincorporava as agriculturas biodinmica e orgnica, adquirindo sig-nificado similar agricultura alternativa. Todavia, o Comit Nacional de Pesqui-sa americano afirma que agricultura alternativa inclui um espectro de sistemasde cultivo, variando de sistemas orgnicos at aqueles que usam insumos qumi-cos sintticos de forma prudente (NRC, 1989). Dessa forma, pela definiodo referido comit, agricultura alternativa, apesar da qualificao aparente-mente restritiva, seria um dos conceitos mais abrangentes, prximo, talvez, deagricultura sustentvel. Alis, talvez pela sua elasticidade, esse conceito apro-priado por todos, para os participantes/defensores da agricultura moderna, alter-nativa, orgnica, etc., e ser sustentvel uma das caractersticas do modeloem que atuam.

    Paradoxalmente, entretanto, segundo Ehlers (1999) nenhum dos mode-los agrcolas pode ser considerado sustentvel, se for considerada a abrangnciado termo. Afinal, o modelo convencional tem sido direcionado para o aumentoda produtividade das culturas, relegando os impactos ambientais e a conserva-o dos recursos naturais. Os modelos alternativos, por sua vez, apesar deconsiderar e minimizar os impactos ambientais, no esto capacitados para atender demanda alimentar em larga escala.

    A CARACTERIZAO DO MODELODE AGRICULTURA ORGNICA

    Os textos dos itens anteriores indicam que, quando na discusso sobredeterminado modelo de agricultura, h que necessariamente caracteriz-lo.

    Assim, para efeito deste trabalho, considerar-se- agricultura orgnica:...um sistema holstico de gerenciamento da produo que fomenta e melhora asade do agroecossistema e, em particular a biodiversidade, os ciclos e as ativi-dades biolgicas do solo. Empenha-se no uso de prticas de manejo preferindo-as ao uso de insumos externos propriedade rural, considerando que as condi-es regionais requerem sistemas adaptados localmente. Isso se consegue em-pregando, sempre que possvel, mtodos culturais, biolgicos e mecnicos, emcontraposio ao uso de materiais sintticos, para cumprir cada funo especfi-ca dentro do sistema. (Codex Alimentarius, 2001). Ou ainda:

    ... todo aquele em que se adotam tecnologias que otimizem ouso de recursos naturais e socioeconmicos respeitando a integridade

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  • 159

    cultural e tendo por objetivo a auto-sustentao no tempo e no espao,a maximizao dos benefcios sociais, a minimizao da dependnciade energias no renovveis e a eliminao do emprego de agrotxicose outros insumos artificiais txicos, organismos geneticamente modi-ficados (OGM/transgnicos), ou radiaes ionizantes em qualquer fasedo processo de produo, armazenamento e do consumo, e entre osmesmos, privilegiando a preservao da sade ambiental e humana, as-segurando a transparncia em todos os estgios da produo e da trans-formao, visando:

    a) A oferta de produtos saudveis e de elevado valor nutritivo,

    isentos de qualquer tipo de contaminantes que ponham em ris-co a sade do consumidor, do agricultor e do meio ambiente.

    b) O fomento da integrao efetiva entre agricultor e consumi-dor final de produtos orgnicos e o incentivo regionalizaoda produo desses produtos orgnicos para os mercadoslocais.

    O conceito de sistema orgnico de produo agropecuriae industrial abrange os denominados ecolgico,biodinmico, natural, sustentvel, regenerativo, biolgico,agroecolgico e permacultura. (CAO/GO, 2001).

    Esclarea-se, portanto, que nesse trabalho, agricultura orgnica tem umaamplitude maior que o segmento criado por Sir Albert Howard. E isso, comcerteza, no uma posio isolada. Nos levantamentos nacionais e internacio-nais sobre rea cultivada e produo, o produto orgnico no oriundo deuma vertente especfica. Esclarecendo melhor atravs de um exemplo: no Bra-sil, as duas maiores instituies certificadoras Instituto Biodinmico e Associ-ao de Agricultura Orgnica , apesar das denominaes especficas, atuamem produtos orgnicos e biodinmicos.

    A agricultura orgnica, ao contrrio do que afirmam seus opositores, no uma simples volta ao passado, mas a experincia daqueles que trabalham emecossistemas tratando o solo como um elemento vital e no apenas comosubstrato, unida a conhecimentos cientficos agronmicos e sociais. Ela, porabranger vertentes da agricultura alternativa, ao invs de ser um modelo simplista,deve ser conduzida num enfoque holstico, muito mais complexo, portanto, doque o enfoque reducionista que, s vezes, utilizado na agricultura moderna.

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    Uso potencial da anlise do ciclo de vida (ACV) associada aos conceitos da produo orgnica....

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    Essa complexidade, diga-se de passagem, uma das limitaes para a ampliaode seu uso.

    A Federao Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgnica Ifoam (Ifoam, 2002) afirma que o sistema orgnico praticado em mais decem pases. Na Unio Europia, cerca de 80 mil propriedades so orgnicas,abrangendo uma rea prxima a 2 milhes de hectares, o que perfaz 1,1% dototal das propriedades e 1,4% da rea agrcola cultivada. Nos EUA, aproxima-damente 1% do mercado americano de alimentos orgnico, o que movimen-tou em 1996 algo em torno de U$ 3,5 bilhes. Na Amrica do Sul, o maiorprodutor a Argentina; no Brasil estima-se que estejam sendo cultivados 100mil hectares, em cerca de 5 mil unidades produtivas (Darolt, 2000). Os valoresmedidos e estimados para o mercado de alimentos orgnicos so apresentadosna Fig. 2, e os valores estimados para os mercados dos maiores pases consumi-dores de alimentos orgnicos na Tabela 2.

    O Brasil tem freqentemente importado alimentos. Em 2001, o Pas gas-tou U$ 136,1 milhes com a aquisio de 776,3 t de arroz (Conab, 2002). A agri-cultura familiar produz destacadamente alimentos de consumo interno. Em pa-ralelo, existe no Brasil uma demanda crescente por alimentos orgnicos. Assim,a produo de alimentos orgnicos pela agricultura familiar pode reduzir a im-portao e incrementar a disponibilidade interna de alimentos de alta qualidade.

    Fig. 2. Viso geral do mercado orgnico mundial.Fonte: adaptado de Rundgren, 2000.

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    A pesquisa agropecuria tem grande participao no sucesso da modernaagricultura brasileira (Vencovsky & Ramalho, 2000). Parte da tecnologia gera-da, entretanto, no apropriada pela agricultura familiar, em funo de que oconhecimento gerado viabiliza economicamente a produo se esta for de (alta)escala. Nesse contexto, e considerando as caractersticas da agricultura orgnicae as peculiaridades da agricultura familiar, h uma elevada possibilidade de umaunio sinergtica entre esses dois modos de produo agrcola. Afinal, h que seadmitir, como exemplo, a dificuldade de se adubar organicamente uma grandepropriedade; a obteno de adubo orgnico e a produo de composto maisvivel na pequena propriedade, principalmente quando ela possui a integraode criaes com plantaes e a disponibilidade de mo-de-obra familiar. Atmesmo o controle de pragas e doenas por mtodos alternativos problemticona grande propriedade. Tome-se como exemplo a aplicao de Baculovirusanticarsia para o controle da lagarta-da-soja. Esse inseticida biolgico s pas-sou a ser usado em maior escala por mdios e grandes sojicultores aps ter sidoproduzido em moldes industriais. Enquanto obtido em nvel de propriedade, seuuso foi restrito.

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    Tabela 2. Maiores mercados mundiais de alimentos orgni-cos (volume estimado: milhes U$/ano) (Willer & Yussefi,2001).

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    importante enfatizar que a agricultura orgnica no se restringe apenasao conhecimento do produtor (apesar de ser considerado fundamental), mastambm requer conhecimentos cientficos agronmicos e sociais, visto que seoperacionaliza dentro de um enfoque sistmico. E esses conhecimentos, emmbito nacional, ainda so incipientes.

    H, portanto, necessidade de maior envolvimento das instituies pbli-cas de pesquisa com a agricultura orgnica, para ampliar sua funo democrti-ca de atingir com seus produtos o maior nmero possvel de produtores.

    Se somadas s aes da pesquisa e da extenso, vierem o respaldo polti-co e o apoio creditcio agricultura orgnica destinada agricultura familiar,poder ser estancada a preocupante reduo do nmero de pequenas proprieda-des, alm de garantir maior produo e disponibilidade interna de alimentos.

    AGRICULTURA FAMILIAR

    A agricultura familiar um segmento de reconhecida importncia no pro-cesso de desenvolvimento de diversas regies e pases, tais como Estados Uni-dos, Europa Ocidental e Japo. No caso do Brasil, a agricultura familiar ocupan-do apenas 30,5% da rea e contando somente com 25% do financiamento total responsvel por 37,9% de toda a produo nacional. O percentual do ValorBruto da Produo (VBP) obtido pela agricultura familiar, quando consideradasalgumas atividades, demonstra a sua importncia no que tange aos produtosdestinados ao mercado interno e tambm aparece entre os principais produtosque compem a pauta de exportao agrcola brasileira. Os agricultores famili-ares produzem 24% do VBP total da pecuria de corte, 52% da pecuria deleite, 58% dos sunos e 40% das aves e ovos. Em relao a algumas culturastemporrias e permanentes, a agricultura familiar produz 33% do algodo, 31%do arroz, 72% da cebola, 67% do feijo, 97% do fumo, 84% da mandioca, 49%do milho, 32% da soja e 46% do trigo, 58% da banana, 27% da laranja e 47%da uva, 25% do caf e 10% do VBP da cana-de-acar (Incra, 2000).

    A estrutura de produo denominada de agricultura familiar um sistemacomplexo em que o processo de deciso definido por mltiplos objetivos:tcnicos, econmicos e sociais. O Programa Nacional de Fortalecimento daAgricultura Familiar Pronaf define a agricultura familiar como uma formade produo, em que predomina a interao entre a gesto e trabalho, a direo

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    do processo produtivo pelos agricultores familiares, com nfase na diversifica-o, e utiliza o trabalho familiar complementado pelo trabalho assalariado (Pronaf,2002). Segundo Doll (1995), so vrias as caractersticas que diferenciam aagricultura familiar: a existncia de forte ligao da disponibilidade de mo-de-obra com a dinmica familiar; a integrao entre o capital de explorao e o pa-trimnio familiar; o objetivo principal no a remunerao obrigatria dos fato-res de produo, mas a conservao desses fatores de produo; a atuao fre-qente em mltiplas atividades e a busca da otimizao de funes complexas.

    Ainda so poucos os trabalhos que tm como objetivos caracterizar ossistemas de produo5 familiar de um municpio ou regio, identificar as prticasdos produtores e caracterizar com eles as possveis margens de progresso.

    Entre as experincias nessa linha de trabalho, destaca-se o uso de redesde fazendas de referncia. Essa metodologia utilizada na Regio Centro-Oeste,pelo projeto Silvnia6, baseia-se particularmente nos trabalhos realizados na Fran-a, por instituies de desenvolvimento e por grupos de produtores e, posterior-mente, a partir de 1984, na Venezuela, Chile, Costa Rica e Brasil (Bonnal et al.,1992).

    As redes de fazendas de referncia fundamentam-se em uma reflexocomum entre tcnicos e produtores de acordo com a realidade, para identificaras prticas dos agricultores e suas implicaes; identificar com os produtores osproblemas das unidades de produo; testar e validar inovaes tecnolgicas;e acompanhar a evoluo das unidades de produo (Gastal et al., 1993 e Bonnalet al., 1994). As fazendas de referncia so selecionadas para representaras principais situaes edficas e socioeconmicas das unidades de produ-o, visto que, apesar da aparente homogeneidade, a agricultura familiar apre-senta altos nveis de diferenciao. Em Silvnia foram identificados nove tiposdiferentes.

    5 Sistema de produo definido como a combinao dos fatores de produo utilizados por umprodutor e sua famlia com a finalidade de satisfazer seus objetivos, tomando em conta um determinadocontexto social, econmico, administrativo e poltico. O sistema de produo abrange todo oestabelecimento: as terras, os equipamentos, as benfeitorias, os cultivos, as criaes, a famlia doagricultor e o modo como esses diversos componentes interagem.

    6 O projeto Silvnia uma experincia de desenvolvimento realizada como projeto de cooperao noperodo de 1986 a 1998. Foi conduzido por instituies de pesquisa (Embrapa Cerrados, Cirad/SAR Frana e Emgopa), de extenso rural (Emater GO) e organizaes de pequenos produtores.

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    A lgica de diferenciao baseou-se na busca de acumulao de patrimnioe a gesto da mo-de-obra familiar.

    1. Baseado em dados do Projeto Silvnia possvel caracterizar um sis-tema de produo familiar tpico, Fig.3. O sistema apresentado caracteriza-sepor um conjunto de insumos necessrios ao seu funcionamento, um processa-mento dessas entradas e de outros recursos produzidos no interior do prpriosistema e, finalmente, por um conjunto de sadas que por sua vez viabiliza oacesso s novas entradas e ao alcance dos objetivos do produtor e sua famlia.Ressalta-se a importncia das trocas e relaes entre a famlia e os subsistemasde cultivos e criaes, bem como destes entre si. Essas interaes so funda-mentais para a sustentabilidade do sistema de produo.

    Em exploraes semelhantes s representadas pela Fig.3, a lgica econ-mica e as estratgias produtivas no so independentes da composio familiar enem das etapas de evoluo da famlia. Os componentes tcnicos e econmicosligados unidade de produo so indissociveis dos elementos sociais, isto , impossvel separar os negcios da unidade de produo daqueles da famlia. Afazenda , ao mesmo tempo, o lugar de residncia, de consumo e de trabalho.

    Outro aspecto a ser considerado refere-se diversidade das atividadeseconmicas na propriedade. A produo diversificada busca reduzir o risco,atravs do atendimento das necessidades da famlia, principalmente na alimen-tao; bem como em uma srie de consumos intermedirios, sobretudo na ali-mentao do gado e de pequenos animais. Alm disso, h uma contribuio dasdiversas atividades na composio da renda monetria da propriedade.

    Pode-se observar ainda na Fig. 3, que no h entradas no sistema deproduo que estejam associadas a agrotxicos, e as entradas de medicamentos,sobretudo para os bovinos, apresentam valores baixos (2,88 US$/Unidade Ani-mal). Dessa forma, apesar de o sistema de produo analisado apresentar entra-das referentes a adubos qumicos e a outros insumos sintticos, pode-se imagi-nar que h uma potencial margem de progresso para a adaptao de sistemasdessa natureza aos princpios da agricultura orgnica colocados anteriormenteneste trabalho. Entretanto, deve-se considerar a diversidade de sistemas de pro-duo existentes no universo da agricultura familiar, bem como os aspectoslocais, tais como mercado e capacitao dos produtores, entre outros, que pos-sam influenciar nesse processo. Assim, necessrio buscar indicadores socioe-

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  • 166

    conmicos que permitam planejar e monitorar o sistema de produo, visando asua transio para a agricultura orgnica.

    Entretanto, a anlise de sistemas familiares de produo nesse contextode transio exige, alm da utilizao de indicadores socioeconmicos, a in-corporao de ferramentas de anlise ambiental, combinando indicadores ade-quados.

    Nesse mbito, a metodologia da Anlise do Ciclo de Vida (Lyfe CycleAssessment LCA, na literatura inglesa) apresenta-se como um mtodo pro-missor para avaliar e determinar os impactos relevantes no meio ambiente. Essemtodo apresenta-se como um processo adequado para avaliar o consumo derecursos e seus impactos no meio ambiente associados a um produto, processoou atividade, assim como os impactos desse produto processado ou atividadeno meio ambiente. Contudo, permite tambm identificar e avaliar oportuni-dades de melhoria da performance do produto ou atividade, do ponto de vistaambiental.

    FERRAMENTAS PARA A ANLISEDA PRODUO ORGNICA

    O estabelecimento de uma estratgia de incentivo utilizao do modo deproduo orgnica no mbito de pequenas propriedades familiares exige a iden-tificao de iniciativas, com foco no mercado consumidor, que simultaneamentepromova os mtodos de produo agrcola mais sustentveis.

    Este artigo sugere que essa estratgia deve ser baseada na formalizaode um sistema de certificao para a obteno de um rtulo para o produtoorgnico. O agricultor que possuir as condies de produo ao longo do ciclode vida estabelecido por esse sistema de certificao ter acesso a nichos demercados com mais elevados ndices de remunerao de seu produto, associadoa um regime de vendas garantidas e construo de uma imagem de qualidadecom relao ao seu cliente.

    Nesse contexto, o primeiro passo no desenvolvimento de critrios para acaracterizao de produto orgnico envolve a identificao e a quantificao dosfluxos mssicos e energticos ao longo das diversas atividades do ciclo produti-vo agrcola baseado na metodologia da Anlise do Ciclo de Vida (ACV).

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    Dessa forma, este artigo explora a existncia dessa relao entre a neces-sidade de caracterizao do ciclo produtivo da agricultura no mbito da ACV e anecessidade de identificao das atividades de produo agrcola para a obten-o de um certificado de produo orgnica, como forma de sugerir a suautilizao conjunta e complementar como instrumento de gesto empresa-rial/ambiental no espao delimitado de uma unidade de produo agrcola fami-liar.

    ANLISE DO CICLO DE VIDA (ACV)E SUAS APLICAES NA AGRICULTURA

    Os princpios associados ACV encontram-se em fase de normalizao,no conjunto de requisitos ISO 14040 e seguintes. A norma ISO 14040 define aACV como:

    Compilao dos fluxos de entrada e sada e avaliao dos im-pactos ambientais associados a um produto ao longo do seu ciclo devida.

    Esta norma define ainda ciclo de vida como:

    Estados consecutivos e interligados de um produto, desde a ex-trao de matrias-primas ou transformao de recursos naturais, ata deposio final do produto na Natureza.

    O conceito fundamental dessa tcnica o do ciclo de vida, que surge coma conscincia de que qualquer produto, processo ou atividade produz impactosno ambiente desde o momento em que so extradas as matrias-primas indis-pensveis sua existncia at que, aps a sua vida til, seja devolvido Nature-za. A Fig. 4 ilustra as principais fases associadas a um ciclo de vida.

    As fases do ciclo de vida so aqui representadas em blocos, os quaisdevem corresponder a processos ou aes, devendo, entre eles, circular energiae materiais. Ressalta-se a semelhana relativa a (Fig.3) que retrata os fluxos deum sistema de produo agrcola familiar.

    Embora a normalizao sobre a ACV no se encontre concluda, enunci-am-se, a ttulo de referncia, as normas ISO relativas a este tema:

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    ISO 14020 Rtulos e declaraes ambientais - Princpios gerais

    ISO 14040 Gesto ambiental Avaliao do ciclo de vida:Princpiose estrutura bsica

    ISO 14041 Gesto ambiental Avaliao do ciclo de vida:Objetivos, mbito e Inventrio do Ciclo de Vida

    ISO 14042 Gesto ambiental Avaliao do ciclo de vida:Anlisede impactos associados ao Ciclo de Vida

    ISO 14043 Gesto ambiental Avaliao do ciclo de vida:Interpretao

    A importncia crescente da ACV resulta da tomada de conscincia deque, muito freqentemente, as melhorias num processo induzem efeitos secun-drios ao longo do ciclo de vida que afetam, positiva ou negativamente, o de-sempenho ambiental do produto ou servio.

    Por esse motivo, a simples tomada de conscincia para a importncia dese pensar em termos do ciclo de vida completo de um produto muitas vezesassumida como uma das principais vantagens decorrentes da aplicao da tcni-ca e designa-se na literatura inglesa por life cycle thinking.

    A metodologia da tcnica de ACV inclui, de acordo com a ISO 14040,quatro fases principais, que se inter-relacionam:

    Fig. 4. Principais fases associadas ao ciclo de vida de um produto.

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    a) Definio do objetivo e do mbito da anlise.

    b) Inventrio dos processos envolvidos, com enumerao das entradas esadas do sistema.

    c) Avaliao dos impactos ambientais associados s entradas e sadas dosistema.

    d) Interpretao dos resultados das fases de inventrio e avaliao, tendoem considerao os objetivos do estudo.

    Muito freqentemente, a ACV realiza-se apenas nas duas primeiras fases,dando-se nfase ao inventrio. Nesse caso, deve designar-se por ICV, Invent-rio do Ciclo de Vida (LCI, Life Cycle Inventory, na literatura inglesa). A princi-pal diferena entre essas duas tcnicas consiste na classificao dos impactosambientais dos produtos e na otimizao e inovao do ciclo existente. A Tabelado Inventrio organiza a informao recolhida em termos de intervenesambientais, mas no permite avaliar diretamente o impacto ambiental do ciclode vida do produto ou processo em estudo. Para a caracterizao dos impactosambientais necessria a existncia de uma matriz de converso que respon-svel pela transformao das intervenes em impactos ambientais, num pro-cesso que se denomina de classificao/caracterizao, o que constitui o primei-ro passo ilustrado na Fig. 5.

    Fig. 5. Fases da Avaliao de um ciclo de vida.

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    A avaliao constitui a ltima fase da anlise de impacto ambiental associ-ada a uma ACV e procura dotar os centros de deciso de uma informaoquantitativa extra sobre o impacto de um produto ou de um servio.

    Deve-se salientar que a anlise cientfica associada ACV termina nacaracterizao do Perfil Ambiental, ou seja, a metodologia desenvolvida para aavaliao no tem carter cientfico, pois subjetiva por natureza. Trata-se deatribuir ponderaes aos diversos temas ambientais e decidir sobre como avaliarse o efeito estufa mais importante do que a diminuio da camada de oznio,consideraes que dependem fortemente da localizao geogrfica e da sensibi-lidade do agente que toma a deciso.

    Desse modo, a fase de classificao estabelece a correspondncia entreum conjunto de intervenes ambientais listadas no inventrio e um conjunto decategorias ambientais. Essa correspondncia efetuada atravs da atribuio depesos que ponderam a contribuio das diversas intervenes ambientais emcada categoria de impactos ambientais, mas no estabelece qualquer relaoentre estes.

    O processo de obteno de um certificado ambiental, ou de um rtuloambiental, envolve uma primeira etapa na qual o ciclo produtivo a ser analisa-do deve ser caracterizado nos seus impactos ambientais por meio da metodologiada ACV.

    Apesar da ACV ter sido inicialmente desenvolvida para determinar o im-pacto ambiental de indstrias e de seus processos de produo, mais recente-mente tem sido realizados estudos de ACVs da produo agrcola, principal-mente para sistemas produtivos de colheitas nicas ou processos de produode alimento escala industrial (Ceuterik, 1996, 1998, Wegener Sleeswijk et al.,1996, Audsley et al., 1997, Mattsson et al., 2000, Haas et al., 2001).

    Mattsson et al. (2000) utilizaram a ACV para desenvolver um mtodo deavaliao da qualidade do uso da terra para trs cultivos de oleaginosas, entre asquais a soja produzida no Brasil. Eroso do solo, matria orgnica, estrutura dosolo, pH, acumulao de metais de pesados, impactos sobre a biodiversidadecausados pelos cultivos e estoques de fsforo e potssio do solo foram conside-rado como bons indicadores. Os autores consideram que o uso do solo rara-mente tem sido levado em conta na ACV, j que no existe disponibilidade dosmtodos de determinao desse impacto ambiental. Ademais, tambm ressal-

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    tam as dificuldades de obteno de informaes, mesmo se tratando de cultivosimportantes.

    Em estudo comparando os impactos ambientais relevantes de fazendasde pecuria em trs nveis tecnolgicos (intensivo, sistema orgnico e extensi-vo), Haas et al. (2001) concluem que a ACV pode ser uma importante e eficien-te ferramenta para produtores e tcnicos visando anlise de pontos fracos dasunidades de produo do ponto de vista ecolgico, assim como para a criaode programas agro-ambientais. Eficientes medidas podem ser desenvolvidas parao estabelecimento de sistemas de produo agrcolas ambientalmente seguros.O estudo confirmou a convenincia da ACV para a comparao de sistemas deproduo, mas ressalta a necessidade de desenvolvimento de uma metodologiade ACV especfica para a agricultura.

    Na perspectiva das cadeias de produo de alimentos existem fortes ra-zes para a produo e utilizao de informaes sobre a origem e diferentescaractersticas dos produtos alimentcios, incluindo aspectos ambientais. Issorelaciona-se particularmente com a tendncia de intensificao da competionos mercados internacionais. Nesse contexto, agentes-chave da cadeia de pro-duo de alimentos da Finlndia realizaram uma iniciativa ambiental em conjun-to, buscando desenvolver uma base de dados com informaes ambientais.Esse projeto teve como passo inicial um estudo de caso da ACV aplicado produo de cevada. Entre as concluses desse estudo ressalta-se que, da pers-pectiva metodolgica, a aplicao da ACV em produtos agrcolas demonstrouser mais complexa do que a sua utilizao na anlise dos produtos industriaisconvencionais (Katajajuuri & Loikkanen, 2001).

    Dessa forma, o desafio de pesquisa est em adaptar a ACV como ferra-menta de anlise do processo de produo da agricultura familiar, levando emconsiderao, sobretudo, sua complexidade e a agregao de variveis ambientaise socioeconmicas nessa anlise.

    A UTILIZAO DE SELOS ORGNICOS

    O produto orgnico, por ser obtido em sistema alternativo ao dominante,necessita ser diferenciado, e, logicamente, de forma positiva. Justifica-se, assim,a incluso de um selo em sua embalagem que d garantia ao consumidor dassuas caractersticas.

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    Uso potencial da anlise do ciclo de vida (ACV) associada aos conceitos da produo orgnica....

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    O selo orgnico, especfico para produtos agropecurios, possui seme-lhanas com o rtulo ecolgico ou ambiental, sendo este utilizado normalmenteem produtos industriais. Em ambos, h a exigncia para que os produtos sejamobtidos considerando aspectos sociais e ambientais.

    Os produtos que possuem selos orgnicos so produzidos sob conceitosde preservao ambiental e na rea social. Por exemplo, existindo funcionrios,estes precisam ser registrados e inseridos em condies que melhorem suaqualidade de vida.

    A mxima utilizao de insumos produzidos internamente induz conclu-so de que a energia utilizada na agricultura orgnica menor que a utilizada naagricultura moderna ou convencional. O produtor orgnico, para obter o seloem seus produtos, necessita contabilizar os insumos e as operaes realizadas.Nesse contexto, as caractersticas da agricultura orgnica e a necessidade deregistros podem tornar a ACV numa atividade interessante e exeqvel. Assim,o produto orgnico certificado, a exemplo do produto industrial com rtulo eco-lgico, poder, a partir da ACV, obter o selo orgnico.

    O produtor que optar pela agricultura orgnica, se j atuava na moderna,necessitar que sua propriedade passe por um perodo de converso varivelde um a trs anos durante o qual j no sero aplicados insumos qumicossintticos. A partir desse perodo, solicitar a certificao dos alimentos queproduzir. Para que a certificao seja efetivada, a propriedade ser visitada porinspetores tcnicos que diagnosticaro se o produtor est aplicando em sua pro-priedade as normas da agricultura orgnica. As visitas podem ou no ser progra-madas e nelas, o produtor dever disponibilizar os registros atualizados dasatividades e insumos utilizados. O tcnico elaborar um relatrio que ser anali-sado por um conselho, o qual definir sobre a concesso do uso do selo. Acertificao colabora com a evoluo do mercado, visto que garante ao consu-midor a idoneidade dos produtos orgnicos.

    Destacam-se como certificadoras no Brasil: a Associao de AgriculturaOrgnica AAO , o Instituto Biodinmico IBD (Lima, 2001) e a Associa-o dos Produtores de Agricultura Natural APAN.

    S recentemente que o Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abasteci-mento passou a se envolver com a agricultura orgnica, estabelecendo normasdisciplinadoras para a produo, tipificao, processamento, envase, distribui-

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    o, identificao e certificao de qualidade de produtos orgnicos animaise vegetais, atravs da Instruo Normativa n 007, de 17 de maio de 1999(CAO-GO, 2001). At ento, as normas eram elaboradas por organizaes nogovernamentais (ONGs) certificadoras, que se orientavam pelas normas inter-nacionais da Federao Internacional de Movimentos de Agricultura Orgnica Ifoam.

    O processo de certificao orgnico dinmico. Assim, futuramente po-der-se- fornecer o selo a produtos oriundos de lavouras e criaes, cujascultivares e raas tenham sido criadas pela pesquisa para esse fim (produoorgnica). Entretanto, organismos geneticamente modificados, atualmente proi-bidos na agricultura orgnica, se comprovadas sua segurana e outras qualida-des, podero compor as opes de uso para essa agricultura.

    CONSIDERAES FINAIS

    A agricultura orgnica j praticada pela agricultura familiar, s que deforma pouco expressiva no contexto econmico e de produo agrcola brasilei-ra.

    Percebe-se na sociedade brasileira uma simpatia pela democratizao douso da terra. Em outras palavras, a concentrao fundiria considerada umaspecto negativo.

    Paralelo a esse apoio produo em reas menores, h um incrementode demanda por alimentos produzidos sem o uso de insumos sintticos.

    Deduz-se do exposto, que a associao da agricultura familiar produode alimentos orgnicos teria um efeito potencializador positivo na sociedadebrasileira. Os ganhos polticos, econmicos e sociais para a agricultura familiarcertamente seriam significativos. E, em conseqncia, maior desenvolvimentolocal, regional e nacional.

    Esse artigo pretende colaborar com essa situao.

    Assim, procurou-se demonstrar a maior exeqibilidade da agricultura or-gnica pela agricultura familiar. Considerou-se pertinente o uso do solo orgniconas embalagens de produtos oriundos da agricultura orgnica para garantia esatisfao do consumidor.

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    O estudo confirmou a convenincia da ACV para a comparao de siste-mas de produo, mas ressalta a necessidade de desenvolvimento de umametodologia de ACV especfica para a agricultura.

    Sugeriu-se que, alm da certificao, sejam aprofundados os estudos deACV dos produtos da agricultura familiar, incluindo os aspectos ambientais esocioeconmicos. Esses estudos, espera-se, podero auxiliar no s na prefe-rncia do consumidor, mas tambm servir de apoio a reivindicaes polticas ecientficas por parte dos agricultores familiares.

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