Usos de Antropônimos como elementos coesivos. - Márcia Sipavicius Seide

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    USOS DE ANTROPNIMOS COMO ELEMENTOS COESIVOS

    USAGES OF PEOPLE NAMES AS COHESIVE ELEMENTS

    Mrcia Sipavicius SeideUniversidade Estadual do Oeste do Paran

    ResumoEste artigo enfoca usos de antropnimos (nome prprio, apelido e pseudnimo) comoelementos coesivos. Neste breve estudo, alguns usos de antropnimos utilizados emtextos jornalsticos so analisados sob o ponto de vista onomstico, enfatizando-se osvalores culturais, sociais e histricos desses usos. Os dados apresentados so resultadosparciais de uma pesquisa mais ampla cujo objetivo analisar textual e retoricamente os

    mecanismos de coeso lexical utilizados numa amostra de textos jornalsticosvinculados por trs revistas brasileiras (Isto, poca e Veja) durante o segundo semestrede 2008.Palavras-chave: Semntica. Onomstica. Lingustica Textual.

    AbstractThis paper focuses on usages of people names (proper name, nickname and pseudonym)as cohesive elements. In this brief study, some usages of people names which ocurred in

    journalistic texts are analysed from an onomastic point of view. Emphasis is placed oncultural, social and historic values of such usages. Data presented are parcial results of abroader research whose objective is to analyse textually and rethorically lexicalcohesion tools observed in a sample of journalistic texts published by three Brazilianmagazines (Isto, poca and Veja) during the second semester of 2008.Keywords: Semantics. Onomastics. Textual Linguistics.

    1 INTRODUO

    Este artigo est organizado em trs sees. A primeira apresenta conceitos-chave para oestudo da coeso a partir da Teoria da Referenciao. Explicitado esse referencialterico, alguns conceitos de Onomstica, necessrios anlise dos antropnimosenquanto mecanismo coesivos,so apresentados na seo seguinte. Por fim, apresentam-

    se os dados obtidos e a respectiva anlise na seo Usos de nome prprio e de apelidocomo recurso coesivo. Aps as consideraes finais, informam-se as refernciasbibliogrficas utilizadas. Espera-se que os resultados de pesquisa ora apresentadospossam enriquecer os estudos de coeso lexical. Cumpre esclarecer que se trata deresultados parciais de um projeto de pesquisa mais amplo vinculado ao Grupo dePesquisa Linguagem Ensino e Cultura (formado por docentes da Unioeste e certificadopelo CNPq). O objetivo principal do projeto contextualizar o uso dos elementos decoeso lexical por meio de anlises retrico-discursivas; sua fundamentao terica estrespaldada pelas noes bsicas de referncia e de atribuio de propriedade.

    O foco deste artigo est em apresentar e analisar evidncias textuais de utilizao de

    nomes prprios, de apelidos e de alcunhas como elementos de coeso. Os dados

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    coletados so oriundos de um corpus formado por revistas de circulao nacional(Revista Isto,Revista Veja eRevista poca) publicadas entre agosto de 2008 e janeirode 2009. Para constituio desse corpus, no foram consideradas todas as revistaspublicadas. Foi coletado um exemplar mensal de cada revista, assim, o corpus foi

    formado por seis exemplares de cada revista, totalizando dezoito revistas.

    Dado o fenmeno da coeso textual no ser linear e sua identificao no estar pautadapor critrios meramente formais (por exemplo, sabe-se que os pronomes pessoais sorecursos coesivos, mas extrair de um texto qualquer uma lista de ocorrncia dessespronomes no resultaria num estudo de seu uso enquanto recurso coesivo) no foramutilizados mtodos computacionais de anlise e coleta; os exemplares foramcompulsados manualmente.

    Aps leitura atenta de cada texto, os elementos coesivos foram identificados eanalisados, os dados obtidos foram passados para uma ficha de registro como

    reproduzida abaixo:Revista analisada: POCA, N 544 20 de outubro de 2008

    REVISTA: POCASEO: Da RedaoMATRIA: Idias para reconstruir a economia global pg. 10

    Contexto 1 na crise financeira --- Aquilo que comeoucomo um vendaval nas Bolsas e evoluiu para o maiorcolapso de crdito da histria do capitalismo

    Sinonmia textual e descrio definida

    Contexto 1Por mais que todos ns tanto leitores quanto jornalistas estejamos cansados de ouvir falar na crisefinanceira, ela se tornou tema obrigatrio. Aquilo que comeou como um vendaval nas Bolsas e evoluiupara o maior colapso de crdito da histria do capitalismo faz cada vez mais vtimas e no d sinais dearrefecer.

    Esta investigao sobre o uso dos antropnimos enquanto recurso coesivo, importaressaltar, apresenta um carter interdisciplinar: est entre os estudos sobre coesopostulados pela Lingustica Textual e os estudos sobre os nomes prprios desenvolvidosno mbito da Onomstica. So abordagens distintas que tm sido feitas de modoindependente, o que aponta para a necessidade de se criar elos por meio dos quais essesenfoques possam complementar-se.

    Essa necessidade surgiu a partir de dados empricos. Durante anlise parcial dos dados,foram encontradas algumas ocorrncias de uso do apelido com funo anafrica,possibilidade no-prevista na literatura (que no faz distino entre tipos de nomeao,mencionando-os genericamente com nomes prprios). A observao desses usos deuensejo a anlises e reflexes de cunho onomstico que visam explicitar os efeitos desentido causados pelo uso dos nomes prprios e do apelido, suas funes retrico-discursivas e seus valores culturais, sociais e simblicos.

    2 A COESO COMO FATOR DE REFERENCIAO

    preciso enfatizar que no se est pensando a referncia como algo externo ao texto,como uma interface entre a linguagem e o mundo. Por meio de seu enunciado, o

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    enunciador pretende passar, ao co-enunciador, instrues para que este identifique osreferentes visados num contexto determinado. De fato, o referente um objeto-de-discurso, uma construo discursiva que se inicia pelo fazer interpretativo do co-enunciador que identifica e interpreta as pistas presentes no texto; entre elas, os

    elementos de coeso lexical (nome prprio, descrio definida, sinonmia, hiperonmiae categorizao).

    Cumpre ressaltar que, apesar de os conceitos de referncia e de descrio definida eindefinida serem oriundos da Semntica Formal, a Lingustica Textual no trabalha coma mesma noo de referente utilizada por aquela corrente de estudo da significao. Doponto de vista da Lingustica Textual, [...] a. referncia diz respeito sobretudo soperaes efetuadas pelos sujeito medida que o discurso se desenvolve; b. o discursoconstri aquilo a que faz remisso, ao mesmo tempo que tributrio dessa construo.(KOCH, 2003 p.80).

    Com base nos estudos de Mondada e Dubois (2003 apud FRANCISCO, 2007) areferncia passou a ser entendida enquanto processo marcado pela instabilidade e peladinaminicidade. O processo de referenciao instvel porque os itens lexicaispresentes num texto so usados de acordo com o ponto de vista e a avaliao dosinterlocutores sobre os objetos referidos. dinmico, pois [...] o referente, uma vezintroduzido, pode ser reativado, revisto, redirecionado, fragmentado ou enriquecido,repensado e redefinido durante a construo textual (FRANCISCO, 2007, p.170).

    Tem-se, assim, [...] uma referncia discursiva, entendida como representao mental mediante uso de expresses lingsticas de objetos, indivduos e eventos no mbito dotexto (FRANCISCO, 2007, p.170). Conclui-se, ento, que a referenciao um

    processo que se constri de forma situada ao longo do texto de modo interativo ediscursivo. Koch e Mainguenau tambm ressaltam o carter discursivo e interativodesse processo, a primeira a partir da Lingustica Textual, e o segundo desde a Anlisedo Discurso:

    A referncia passa a ser considerada como o resultado da operaoque realizamos quando, para designar, representar ou sugerir algo,usamos um termo ou criamos uma situao discursiva referencial comesta finalidade: as entidades designadas so vistas como objetos-de-discurso e no como objetos de mundo (KOCK, 2003 p.79)

    Para sermos mais precisos, no um enunciado que faz referncia: oenunciador que, por meio de seu enunciado, dever passar ao co-enunciador as instrues necessrias para identificar os referentes porele visados em um determinado contexto. A referncia , portanto,uma atividade que implica a cooperao dos coenunciadores [...](MAINGUENEAU,2005, p. 181)

    Segundo Koch (2008), o autor de um texto pode usar algumas estratgias para compor oprocesso de referenciao: introduo de um referente novo, que a meno primeirade um objeto at ento no mencionado no texto; retomada, que consiste na reativaode um objeto j presente no texto por meio de uma forma referencial, que pode sersinnimos, hipernimos, nomes genricos ou, at mesmo, formas referenciais com

    lexema idntico ao ncleo do sintagma nominal, com ou sem mudana de determinante;

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    e, por fim, a desfocalizao, que ocorre quando h a introduo de um novo referente,que passa, a partir disso, a ocupar a posio focal. (KOCH, 2008, p.125-126)

    Cumpre ressaltar que os recursos coesivos passam a ser vistos como pistas lingusticas

    que acionam processos cognitivos pelos quais certas propriedades so atribudas oureatribudas ao referente. O uso dessas pistas pode resultar na manuteno temtica(quando h nfase ou repetio de propriedades j atribudas ao referente, o quecostuma ocorrer mediante repetio lexical) ou na progresso referencial (quando hatribuio de novas propriedades ao referente, efeito conseguido atravs de mecanismosde substituio lexical). Quer se trate de mecanismos de repetio lexical quer se tratede substituio, contudo, sua interpretao pelo leitor provoca o processo de reativaode um objeto j apresentado, podendo haver, nos casos de substituio lexical,recategorizao do objeto-de-discurso em foco.

    Como mecanismos de substituio lexical, mencionam-se o uso de descrio (definida,

    indefinida ou demonstrativa)1

    , de sinnimos e de hipernimos2

    . Nesse contexto, o usode nome prprio costuma ser considerado apenas em sua funo de introdutor dereferentes. Um exemplo disso pode ser encontrado em Antunes (2005). Num textointrodutrio sobre a Lingustica Textual, a pesquisadora explica o conceito desubstituio lexical, traz um exemplo extrado de matria jornalstica e explica-o assim:Observe-se como a substituio do nome Madonna possibilita que se sabia mais acercada pessoa em questo (Madonna, a pop star, a estrela americana) e deixa, por isso, otexto mais informativo (p.97). Conforme se mostrar a seguir, o uso de nomes prprioscomo elemento coesivo transcende sua funo designativa. Situada a pesquisa nombito da Lingustica Textual, a seo seguinte traz informaes sobre o estudo dosnomes prprios de pessoa (antropnimos) segundo a Onomstica.

    3 ESTUDO DOS ANTROPNIMOS SEGUNDO A ONOMSTICA: algunsapontamentos

    Nesta seo so apresentadas algumas noes bsicas sobre a origem e odesenvolvimento dos sistemas designativos e a anlise das diversas formas dechamamento utilizadas numa sociedade. A seguir, ser mostrado de que modo o

    primeiro nome, o nome completo, o apodo, o apelido e opseudnimo foram utilizadoscomo elementos coesivos num corpus formado por revistas de circulao nacional.Uma pergunta sobre por que determinado indivduo ou determinado lugar recebeu certo

    nome pode ter uma resposta no-trivial. H, em primeiro lugar, a questo lingustica dese saber que recursos so mobilizados para a nomeao no idioma no qual esseindivduo foi nomeado. Esclarecida essa questo, preciso levar em conta os fatoreshistricos, sociais e culturais que levaram escolha de um determinado nome em

    1Entende-se por descrio o uso de sintagma nominal que remete a um referente j introduzido num

    texto. Se esquerda do ncleo houver artigo definido; h descrio definida, se houver artigo indefinido,descrio indefinida, se um pronome demonstrativo, descrio demonstrativa.

    2 A sinonmia pode ser lexical ou textual, em ambos os casos caracteriza-a a relao de equivalncia

    semntica. Quando se trata de hiperonmia propriamente dita, h uma relao de incluso com relao a

    seus hipnimos, na maioria das vezes, contudo, o hipernimo textualmente utilizado como sinnimo(SEIDE, 2008 a, 2008 b)

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    detrimento de outras possibilidades, alm, claro, das questes de motivao pessoal.Tentando abranger todos esses aspectos, surge, em meados do sculo XIX, aOnomstica.

    A Onomstica um ramo da Lingustica surgido em meados do sculo XIX que sededica ao estudo dos nomes prprios. Popularmente conhecida como o estudo dosignificado e da etimologia dos nomes de lugar e dos nomes de pessoa, sua instauraocomo cincia requereu o levantamento de vrias questes concernentes definio, aoestatuto e s funes do nome prprio. Posicionamentos como o de J.Stuart Mill foram,ento, bastante criticados.

    Acreditava o estudioso que os nomes prprios no teriam um significado em si, hajavista que apenas apresentariam uma funo distintiva, denotativa, sem que tivessemqualquer funo atributiva (MILL apud ULMANN, 1964). Esse tambm oposicionamento adotado pela Gramtica Prescritiva da Lngua Portuguesa quando

    estabelece as classes de substantivo prprio e substantivo comum e pela LingusticaTextual, que se atm ao estudo da funo designativa do nome prprio.

    Diferentemente dos nomes comuns, os antropnimos (nomes de pessoas) e ostopnimos (nomes de lugar) so fruto de uma escolha por parte do designador, escolhafeita de acordo com seus valores e sua viso de mundo, os quais so histrica esocialmente determinados. Alm disso, cada lngua apresenta recursos lingusticosdistintos disponveis para a nomeao e, mais ainda, havendo lnguas utilizadas pordiversos povos e naes, h uso e valores diferenciados para os recursos lingusticos disposio do usurio. Basta pensar-se que os nomes de pessoas mais utilizados noBrasil de hoje no so necessariamente os mesmos que so preferencialmente

    escolhidos em Portugal. Sobre o estudo dos antrotopnimos e dos topnimos, defendeMaria Vicentina do Amaral Dick, grande divulgadora da Onomstica entre ns ereferncia obrigatria na rea:

    [...] ambos os designativos ultrapassam, em muito, a conceituaoterica que lhes atribuda, tornando-se, nas Cincias Humanas,fontes de conhecimento to excelentes quanto as melhores evidnciasdocumentais. So, por assim dizer, verdadeiros registros do cotidiano,manifestado nas atitudes e posturas sociais que, em certascircunstancias, a no ser atravs deles, escaparia s geraes futuras.(DICK,1992, p.178)

    Uma vez que a Lingustica Textual se limita ao estudo da funo designativa dos nomesprprios, as anlises apresentadas ao longo deste artigo procuram aprofundar o estudodos nomes prprios enquanto elementos de coeso lexical, sem que se perca de vistaseus valores culturais, histricos e sociais.

    De fato, muitos estudiosos da Lingustica Textual levam em considerao somente suafuno referencial, isto , o fato de o nome prprio ser utilizado para fazer referncia aum indivduo no mundo, se bem que discursivamente construdo. As definies desubstantivo prprio e a de substantivo comum encontrveis em gramticas normativasda Lngua Portuguesa seguem este vis: [...] comum o substantivo que serve paraindicar diversos seres da mesma classe [...] prprio o substantivo que expressa, em

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    determinadas classes, um nico ser dessas espcies [...] afirma Napoleo Mendes deAlmeida em sua Gramtica Metdica da Lngua Portuguesa (1961, p.80).

    A funo referencial do nome prprio, dada a sua importncia, a nica que existe na

    conscincia do falante. No cotidiano, os nomes prprios so usados para fazer referncias pessoas, havendo um total esquecimento de sua carga semntica etimolgica ou dasconotaes afetivas que o nome prprio possa ter para o designador que o escolheuentre outros. O mesmo no ocorre com os apodos e as alcunhas, os quais, apresentandoa mesma funo, preservam com mais facilidade e por mais tempo seu valor original.No interior de textos orais ou escritos, os nomes prprios so utilizados quer paraintroduzir um referente no discurso, quer para retom-lo, motivo pelo qual soconsiderados recursos lingusticos para a construo dos objetos-de- discurso.

    No comeo da civilizao, na poca em que os seres humanos se agrupavam em grupospequenos, a utilizao de um nome simples, constitudo apenas por um nome prprio ou

    pr-nome seria suficiente para a identificao dos indivduos. Conforme ascomunidades foram se tornando complexas as formas de nomear e identificar os sereshumanos foram se transformando.

    Dada a possibilidade de haver vrias pessoas designadas por um mesmo nome, foipreciso especificar de quem se tratava. Na Europa medieval essa especificao foi feitapela profisso. Uma necessidade especificadora anloga a essa deu origem ao sistemaatual de nomes de pessoa, formado por nome e sobrenome.

    Na era medieval, as pessoas eram designadas pelo primeiro nome, por um segundonome, o patronmico; e, especialmente, na parte derradeira daquela poca, um terceiro

    nome, atribuidor de propriedades de acordo com a provenincia, a profisso ou algumacaracterstica peculiar pessoa nominada (GONALVES, apudDICK, 1992, p.180).Essa mudana ocorreu acompanhando o processo pelo qual a sociedade foi se tornandomais e mais complexa: havendo mais pessoas designadas pelo mesmo nome eprovenientes do mesmo lugar, a ocupao passou a ser a qualidade a tornar o indivduosingular no interior de uma comunidade.

    O uso do terceiro nome para atribuir qualidades singulares, contudo, no perdurou pormuito tempo, pois logo comeou a ser passado de pai para filho. Passando a indicar apertena do sujeito a determinada famlia, o terceiro nome deu origem a vriossobrenomes. Nesse processo, um signo pertencente ao sistema lingustico como um todo

    passou a fazer parte, tambm, do sistema de nomes prprios. Como consequncia desseprocesso, muitos nomes passaram a ter duas inscries na lngua: uma no sistema gerale outra no onomstico, como o caso de ferreiro e Ferreiro. Do ponto de vistadiacrnico, portanto, a formao do sistema onomstico est relacionada aos recursoslingusticos utilizados para promover processos de referenciao discursiva, uma vezque o uso de descries definidas para fazer referncia tornou-se parte do nome.

    O sobrenome que passa de gerao para gerao o do pai e no o da me. As alcunhasde parentesco existentes fazem meno da ascendncia paterna e no materna. O filhoque tem o mesmo nome do pai chamado jnior. No h, na nossa lngua, um nomeespecfico para a filha que tem o mesmo nome da me; da mesma forma, existem os

    segundos nomesfilho e neto, mas no existem nem foram criados correlatos femininos.

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    A existncia desses nomes prprios para nomear pessoas do sexo masculino e aausncia de seus correlatos masculinos ilustra bem a interdisciplinaridade constitutivada Onomstica. Uma sociedade apresentar-se como patriarcal uma caractersticacultural; essa caracterstica tambm se faz presente no sistema onomstico da lngua

    portuguesa, podendo-se estabelecer, assim, a relao necessria entre lngua e cultura.

    Feitas algumas breves consideraes sobre a origem e o desenvolvimento do sistemanomeador atual formado por nome e sobrenome, outras sero feitas sobre as formasalternativas de chamamento.

    Se, na linguagem geral, toda forma alternativa de chamamento um apelido, naOnomstica, algumas diferenciaes so feitas, lembrando que a palavra apelido,designava, originalmente, o que hoje o sobrenome. Nos estudos onomsticos, h trstipos de formas alternativas de algum ser chamado: apodo (apelido temporrio quedescreve alguma caracterstica do denominado, em geral negativa); hipocorstico

    (variante familiar e carinhosa de um nome prprio) e alcunha (apelido que sediferencia do apodo por seu carter permanente). Uma caracterstica importante dessasformas alternativas a impossibilidade de escolha por parte do designado: sempre umgrupo ou uma pessoa que as cria e escolhe; feita a nomeao, o nomeado no poderecus-la.

    Assim, uma mulher cujo nome prprio Antnia pode ser chamada Tonha pelosfamiliares; por sua natureza convencional, pode-se, inclusive, prever correlaes entrenomes e apelidos: sabe-se que algum a quem chamam Chico, muito provavelmente,tem Francisco por nome de batismo.

    Esses so casos em que a forma alternativa perene, convencional e previsvel, so oschamados hipocorsticos, os quais so definidos como designaes carinhosas efamiliares formadas por alteraes convencionais no primeiro nome por abreviao,como nos exemplos anteriormente citados, por reduplicao (Lulu para Luciana) ousufixao (Zezinho,Zezo etc.) (BRITO, 2003).

    Outras formas alternativas so criadas de acordo com as qualidades que um determinadogrupo social escolhe como sendo caractersticas ou tpicas de uma pessoa. Se ummenino o mais magro de todos, passa a ser chamado Magro; se outro tem um ardesajeitado, chamam-lhe Ponto-e-vrgula. Se o apodo cristaliza-se, tornando se perene,transforma-se em alcunha. (VASCONCELOS, 1928, p.8 apudCARVALINHO, 2007).

    Os usos que se fazem de apodos, alcunhas e hipocorticos podem mudarsignificativamente de lngua para lngua e de cultura para cultura. fcil entender porqu: o uso da linguagem no se faz seno no interior de uma comunidade lingustica,formada por seres humanos que compartilham valores culturais construdos histrica esocialmente, de acordo com a sociedade da qual fazem parte.

    Cumpre ressaltar que o uso lingustico no ocorre de modo isolado, j que faz parte docomportamento dos indivduos. Por estar relacionado cultura e histria dascomunidades lingusticas, o estudo de como as pessoas so chamadas e tratadas (nosentido gramatical do termo) objeto de estudo da Antroponmia pode revelar

    aspectos importantes da Histria e da Cultura de um povo.

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    Quer se trate de apodo, alcunha ou hipocorstico, seu uso por brasileiros foi relacionadopor Brito (2003) a uma caracterstica cultural atribuda ao homem brasileiro por Sergiode Holanda na obra Razes do Brasil: o desejo de estabelecer intimidade com seuinterlocutor mesmo em situaes nas quais outras culturas usariam um tratamento mais

    formal com manifestao normal de respeito:Quem ainda no chamou algum de senhorou senhora e, em muitasocasies, obteve como resposta a prosaica frase senhor(a) est nocu. prprio do brasileiro em geral privar, nas mais diversassituaes, por alta recreao, de intimidade mesmo com quem ele malconhece (ou acaba de conhecer) (BRITO, 2003)

    O uso de alcunha, apodo e hipocorstico por falantes de portugus brasileiros, portanto,pode ser interpretado, dependendo do contexto no qual ocorre, como uma expresso deconsiderao pelo interlocutor manifestada pelo estabelecimento de intimidade entre os

    falantes.No caso especfico do apodo, porm, o mais comum ele ser utilizado de modopejorativo ou jocoso. Como numa caricatura, o apodo escolhido para designar exagerauma das caractersticas do nomeado, infelizmente, nesses casos, de nada adianta onomeado negar-se a aceitar o apodo que lhe foi designado. Outra possibilidade a de seutilizar o apodo no lugar do nome prprio em virtude de o locutor no avaliar a pessoade quem se fala como digna de ser tratada pelo nome completo. Nesse caso, a pessoa vista pelo interlocutor como algum sem nome, como uma pessoa qualquer.

    O uso do nome prprio tambm pode ser usado de forma depreciativa como parte deapodos como ocorre emZ ManeJoo Ningum. H tambm expresses idiomticasdepreciativas formadas por nome prprio: dar uma deJoo-sem-brao fingir ignoraralgo. Na gria, tambm comum encontrar uso de nome prprio para atribuir, aodesignado, caractersticas vistas como negativas pelo designador: pessoas muitovaidosas e invejadas por seu poder aquisitivo so chamadas de patricinhas ou demauricinhos.

    Enquanto, na criao dos apelidos, a nomeao feita imposta ao nomeado, na dospseudnimos, o designado quem escolhe o nome pelo qual passar a ser conhecido,segundo as caractersticas que ele julgue serem relevantes. Tradicionalmente utilizadospor literatos que desejavam permanecer annimos, hoje em dia so extremamente

    frequentes em conversas feitas pela internet.Contextualizada a pesquisa tanto no mbito da Lingustica Textual quanto no daOnomstica, as evidncias textuais de uso de antropnimos como elementos coesivosso, por fim, analisadas.

    4 USOS DE NOME PRPRIO E DE APELIDO COMO RECURSO COESIVO

    Das vrias ocorrncias de uso de nome de pessoa como elemento coesivo, foramselecionados alguns exemplos significativos com o objetivo de explicitar aspectos deseu funcionamento textual.

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    No textoA outra morte do caso Isabella, publicado naRevista poca de 29 de setembrode 2008, alguns aspectos do sistema onomstico brasileiro podem ser observados. Noleaddo texto (subtexto localizado entre o ttulo e a matria jornalstica propriamentedita), h o nome completo do personagem enfocado pela matria e, antes dele, uma

    descrio definida que informa cargo e profisso: Quem era o tenente da PM FernandoNeves Braz, que atendeu ocorrncia na noite do crime e se matou enquanto erainvestigado por pedofilia.

    O primeiro pargrafo dessa reportagem faz um breve relato do que ocorrera aopersonagem histrico. Nessa parte do relato, h uso do nome completo do ru e dedescries definidas desdobradas daquela utilizada no lead Primeiro, repete-se adescrio definida seguida do nome completo, com supresso da informao de que elepertence Polcia Militar. Em seguida, o referente retomado por descrio definidainformando apenas o cargo; continuao, h duas menes feitas via cargo e ltimosobrenome numa possvel reproduo de como ele era chamado no ambiente de

    trabalho; por fim, ele referenciado por sua profisso:

    Aos 34 anos, o tenente Fernando Neves Braz comandava 30 homensdo Ttico Mvel [...] O caso de sua vida foi o assassinato da meninaIsabella [...] O tenente e dois soldados patrulhavam a vizinhana [...]Uma gravao feita pela TV Globo [...] mostra o tenente Brazconversando com Alexandre Nardoni, pai de Isabella [...] O tenenteBraz se matou no dia 30 de maio [...] O policial era investigado porpertencer a uma rede de pedofilia (p.72) (grifos nossos)

    Por meio do uso desses recursos, o referente caracterizado e discursivamenteconstrudo como profissional, em detrimento dos demais papis sociais exercidos, comoo de pai, o de esposo, o de irmo, o de amigo etc. O uso da profisso como recursodesignativo foi precisamente a soluo encontrada na Idade Mdia para se fazerreferncia singular num contexto socialmente complexo. No texto jornalstico, h autilizao do mesmo recurso lingustico para a mesma funo o que remete paraquestes importantes tanto acerca da funo designativa da linguagem e os meios dereferenciao disponveis quanto sobre a criao do sistema onomstico enquanto partedo sistema lingustico no qual est inscrito.

    Ainda na matria sobre Fernando Neves Braz, o pargrafo seguinte ao ltimo citado trazinformaes sobre o incio da investigao de pedofilia de que o policial fora acusado.Com o objetivo de proteger a identidade do denunciante, o referente designado, demodo genrico, pelo substantivo o homem e caracterizado como informante da polcia:

    O homem foi apelidado X-9, gria policial para informante. X-9 usoudo laptop do delegado Domingues para demonstrar como um grupo depessoas agenciava crianas. Comeava numa sala de bate-papo, ouchat. O informante criou um nome para uma policial entrar na sala deconversao [...] (grifos nossos)

    Esse trecho mostra que a funo designadora do nome prprio no exclusiva dosnomes de pessoa; descries definidas tambm cumprem essa funo, como se v pelouso de o homem e o informante, indicando que o sistema onomstico um componente

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    do sistema lingustico como um todo e que a funo designativa no exclusiva donome prprio.

    Pela necessidade de o denunciante no poder ser referido pelo nome completo, foi

    criada uma forma alternativa selecionada entre as possibilidades previstas na linguagemespecializada utilizada pela polcia, e ele passou a ser chamado deX-9.

    Alm de realar a funo dessa pessoa no desenvolvimento da investigao, o uso dessaforma bastante sugestivo. Por fazer parte do jargo policial, era de se esperar que sfosse conhecida por pessoas que trabalham na rea. Ao utilizar o apodo X-9, o jornalistacaracteriza-se ou como um especialista no assunto, portanto, com conhecimento decausa e autoridade para fazer o relato, e/ou como um jornalista competente queconseguiu as informaes, construindo uma relao de confiana com os policiais quelhe revelaram algo de seu cdigo, uma linguagem cifrada com o objetivo de pessoas defora no os poder entender.

    Um exemplo dessa modalidade nomeadora pode ser encontrado no seguinte trecho damatria sobre o tenente Braz publicada naRevista poca de 29 de setembro de 2008:

    O informante criou um nome para uma policial entrar na sala deconversao, Mame quer Kids. Teve grande correspondncia depedfilos. Logo se descobriu que um dos mais ativos do grupoassinava Tio Ama Sobrinho ou Famlia Feliz [...] (p.72)

    Do ponto de vista do sentido, todos fazem referncia, ainda que indireta, pedofiliacom o que facilitam sua identificao por seus pares. Chama a ateno, tambm, nessetipo de pseudnimo, o uso de estruturas frasais e de sintagmas nominais.

    EnquantoMame quer Kids e Tio Ama Sobrinho so oraes completas, Famlia Feliz um sintagma formado por substantivo e adjetivo. O sintagma nominal e a estruturafrasal so recursos lingusticos bem mais complexos que os utilizados para os apelidos,via de regra formados por substantivos seguidos ou no de adjetivos. Analisando melhoros pseudnimos criados, percebe-se sua semelhana com manchetes de jornal.Compare-se a estrutura sinttica desses apelidos com estas trs manchetes publicadas na

    Revista poca de 29 de setembro de 2008: O favorito do Recife, impugnado; O postebrilhou e O grande laboratrio da transfuso de votos. As duas primeiras manchetesso formadas por oraes completas (sendo que, na segunda, o verbo est implcito,elipse apontada pelo uso da vrgula), j a terceira manchete apresenta apenas sintagmanominal formado por substantivos modificados por sintagmas adjetivais.

    s vezes difcil distinguir alcunhas e apodos de um lado e pseudnimos de outro, porse ignorar se a forma alternativa no foi criao da prpria pessoa nomeada. Essadubiedade est presente no seguinte trecho de uma matria jornalstica, assinada porMargarida Telles, sobre a atuao de um programa destinado a desencorajar aprostituio infantil:

    Desde o ano passado, o Na Mo Certa conta com o apoio de umafigura muito popular entre os caminhoneiros. o radialista Pedro daSilva Lopes, o Pedro Truco, de 55 anos, que comanda diariamente

    o programa Globo Estrada, na Rdio Globo [...] O diferencial dessa

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    iniciativa ver o caminhoneiro [...] como agente no combate a umcrime, afirma Truco [...] (Revista poca, 29 de setembro de 2008,p.75 e 76). (grifos nossos)

    A motivao que deu origem forma Truco transparente; trata-se da palavra truque(do ingls truck) utilizada pelos caminhoneiros para designar o caminho de dois eixos.Dado seu significado, tratar-se-ia de uma alcunha conveniente ao motorista de umtruque. Conforme informa o radialista ao longo da matria, contudo, ele nunca dirigiuum caminho. Possivelmente, foi o prprio radialista que se auto-apelidou assim,utilizando como pseudnimo uma alcunha comum entre os caminhoneiros e criando umefeito de sentido que forja uma identidade fictcia entre o radialista e seus ouvintes.

    Conforme mostram os exemplos apresentados at agora, apodo, alcunha epseudnimosso utilizados como recurso coesivo em textos jornalsticos, alm desses antropnimos,tambm foi verificado o uso de nome completo e outros termos que remetem

    ascendncia do sujeito nomeado.Num breve texto daRevista Vejade 06 de agosto de 2008, publicado na seoHolofote,h um exemplo de uso textual de nome completo. Nessa breve notcia, h a denncia deum caso de nepotismo: Jos Fritsch depois de ser exonerado do cargo de SecretrioTitular da pesca, convenceu o ministro Altemir Gregolin a empregar seu filho noministrio. Primeiro, o nome completo do beneficirio cumpre a funo de introduzir oreferente no texto. Linhas adiante, o referente retomado pela expresso definida seu

    filho e, depois, pela alcunha Fritsch Filho:

    Jos Fritsch [...] convenceu o ministro Altemir Gregolin a arranjaruma peixada para seu filho. Marcos Santiago Fritsch ganha umsalrio de 6 400 reais no ministrio. Fritsch filho fala muito de si nainternet, mas, pelas informaes que ele divulga, impossvel saberquais so suas qualificaes para o cargo (Revista Veja,p. 48)

    A escolha desses mecanismos de coeso textual no fortuita. Informar o nomecompleto do ex-titular da Secretaria de Pesca e, em seguida, o nome completo do novofuncionrio da Secretria enfatiza a relao de parentesco existente: o novo secretrioapresentar o mesmo sobrenome do ex-titular indica que pertencem mesma famlia. Defato, no Brasil, os filhos recebem os sobrenomes dos pais: o primeiro indica a famlia aque pertence me, e o segundo a famlia a que pertence o pai. Enfatizando ainda maisa filiao do novo secretrio, recebe a alcunha Fritsch filho.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    Do ponto de vista da Lingustica Textual, o nome prprio um dos recursosresponsveis pela coeso lexical. Do mesmo modo que a descrio definida, o nomeprprio dada sua funo designadora introduz ou retoma um referente,independentemente de esse nome de pessoa ser um nome prprio (em sentido estrito),um apodo, uma alcunha ou um pseudnimo. Desse ponto de vista, no caberiamdiferenciaes entre essas formas de chamamento, nem as consideraes feitas na seosobre o estudo dos antropnimos segundo a Onomstica.

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    Em todos os exemplos analisados, os nomes de pessoa foram utilizados em sua funodesignativa, o que refora e comprova sua funo coesiva. O uso textual de expressescomo o homem, o policial, o informante etc, para introduzir ou retomar referentesevidencia que essa funo tambm est presente nas descries definidas. Se a funo

    designativa no uma propriedade suficiente para diferenciar um nome comum de umnome prprio, faz-se necessrio levar em consideraes outros aspectos e outrascaractersticas do onoma.

    No primeiro texto jornalstico analisado, muitas das descries definidas utilizadas comrecurso coesivo remetiam profisso ou ao cargo do personagem histrico a que se fazreferncia no texto. O uso da profisso como meio de se designar um indivduo entreoutros, conforme visto, deu origem criao de vrios sobrenomes na Idade Mdia.Esse um dado que mostra que o sistema onomstico parte do sistema lingustico etem nele a sua origem, havendo, por esse motivo, nomes que podem funcionar ora comonome prprio, ora como nome comum. Historicamente falando, a transformao

    ocorreu em virtude de a descrio definida passar a ser usada como indcio de pertenafamiliar e passar de gerao a gerao. Indicar pertena e ser herdada so, portanto,caractersticas onomsticas que diferenciam os nomes prprios em sentido estrito dosnomes comuns.

    Quando o nome prprio entendido em seu sentido amplo, ele abrange os apodos e asalcunhas, que no so hereditrios, nem herdados. Essas formas alternativas dechamamento, perenes ou definitivas respectivamente, foram utilizadas no corpus noapenas em sua funo designativa, mas tambm por evocarem familiaridade com oassunto tratado. Em um dos textos jornalsticos analisados, ao fazer uso de apelidosutilizados no jargo policial, o autor do texto demonstrou-se como conhecedor do

    assunto tratado.

    Outra forma alternativa de chamamento o uso de pseudnimo que, ao contrrio doapelido, escolhida pelo prprio designado. No caso da matria sobre o radialista, seuuso est relacionado com a inteno de construir uma relao de cumplicidade entre elee seus interlocutores. Tem-se a um exemplo de uso da linguagem promovendoidentidades. Outro exemplo encontrado no corpus foi o de uso de pseudnimo emconversas pela internet, forma alternativa de chamamento linguisticamente distinta dasutilizadas em outros meios por apresentar estrutura frasal semelhante de ttulos oumanchetes de jornais.

    Por fim, o uso de alcunhas designativas de parentesco por parte de pai como elementocoesivo deu ensejo a algumas reflexes que remetem relao entre lngua, cultura eideologia e revelaram a constituio patriarcal da cultural brasileira.

    As anlises ora apresentadas, apesar de no darem conta de todos os aspectosenvolvidos no estudo dos nomes prprios, procuraram aprofundar o estudo do uso dosnomes de pessoa como elemento coesivo, numa tentativa de aproximar os enfoquesutilizados de modo que a Onomstica pudesse enriquecer os estudos sobre coesopropostos pela Lingustica Textual.

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