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UTL Dissertação de Mestrado ISCSP A Questão Colonial: O Contributo de Amílcar Cabral Daniel Pedro Amadeu dos Santos Rua Loubet Bravo 11 1ª CV/Esqª - Pendão 2745-032 Queluz Sintra TMN: 962866470 E-mail: [email protected] 1 ÍNDICE Apresentação 5 Siglas - 8 Metodologia - 11 Introdução - 14 Definição de Conceitos Operacionais Imperialismo - 18 Colónias 22 Classificação de Colónias - 24 Situação Colonial - 28 Colonialismo - 30 Descolonização - 33 Anti-colonialismo - 34 Povo e População - 36 Nação e Nacionalismo - 39 1ª PARTE DO DESCOBRIMENTO À FORMAÇÃO DA NAÇÃO CABO-VERDIANA Cap. I Expansão Colonial Europeia 1- Descobrimentos Portugueses - 45 2 Cabo Verde na Antiguidade - 51 2.1 Cabo Verde Antes da Chegada dos Portugueses - 55 2.2 Quem Descobriu Cabo Verde? - 58 3 Povoamento de Cabo Verde - 67

UTL ISCSP A Questão Colonial: O Contributo de Amílcar Cabral · Anti-colonialismo Depois das Guerras Mundiais 5 ... Pan-africanismo em Portugal ... Frente de Libertação e Independência

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A Questo Colonial: O Contributo de Amlcar Cabral

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NDICE

Apresentao 5

Siglas - 8

Metodologia - 11

Introduo - 14

Definio de Conceitos Operacionais

Imperialismo - 18

Colnias 22

Classificao de Colnias - 24

Situao Colonial - 28

Colonialismo - 30

Descolonizao - 33

Anti-colonialismo - 34

Povo e Populao - 36

Nao e Nacionalismo - 39

1 PARTE

DO DESCOBRIMENTO FORMAO DA NAO CABO-VERDIANA

Cap. I

Expanso Colonial Europeia

1- Descobrimentos Portugueses - 45

2 Cabo Verde na Antiguidade - 51

2.1 Cabo Verde Antes da Chegada dos Portugueses - 55

2.2 Quem Descobriu Cabo Verde? - 58

3 Povoamento de Cabo Verde - 67

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3.1-Presena Humana em Cabo Verde: Contributo de Europeus e de Africanos - 74

3.2 Formao da Cultura Cabo-verdiana - 78

3.3 Evangelizao 82

3.4 Miscigenao - 86

3.5 Lngua 90

3.6 Cabo Verde: Cultura ou Civilizao - 94

3.7 - Cabo Verde: Colonizao ou Povoamento? - 103

4 Colonialismo em frica - 115

4.1 Conferncia de Berlim e a Partilha de frica - 119

Cap. II

Anti-colonialismo Depois das Guerras Mundiais

5 Gnese do Anti colonialismo - 123

5.1 - Anti-colonialismo da ONU - 126

5.2 - Anti-colonialismo Americano - 131

5.3 - Anti-colonialismo Sovitico - 133

6 Emergncia de Estados em frica - 135

2 PARTE

DA NAO S HERANAS COLONIAIS

Cap. III

Contextualizao Histrica da Nao Cabo-verdiana

Doutrinas Sobre a Nao

7 Nao Etno-Cultural de Herder e de Fichte - 140

7.1 Nao Electiva de Renan - 147

7.2 Concepo Marxista de Nao - 155

7.3 Relao Entre Nao e Estado - 165

8 Formao da Nao Cabo-verdiana - 169

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8.1 Nativismo - 176

8.2 Regionalismo - 187

8.3 Nacionalismo - 189

Cap. IV

Do Romantismo Nacionalista aos Movimentos Revolucionrios

9 - Criao de Grupos Polticos no Imprio Portugus 191

9.1 Pan-africanismo em Portugal 195

10 Organizaes Polticas Guineenses - 201

10.1 Liga Guineense 201

10.2 Partido Socialista da Guin - 203

10.3 Movimento para a Independncia da Guin - 204

11 Dacar: Bero de Movimentos Nacionalistas Guineenses e Cabo-verdianos - 205

11.1 Unio dos Naturais da Guin Portuguesa - 207

11.2 Movimento de Libertao da Guin - 209

11.3 Frente de Libertao e Independncia Nacional da Guin - 213

11.4 Movimento de Libertao das Ilhas de Cabo Verde - 215

11.5 Unio do Povo das Ilhas de Cabo Verde - 219

11.6 Unio Democrtica Cabo-verdiana - 223

12 - Relao Entre os Movimentos Guineenses e Cabo-verdianos - 224

13 Histria do PAIGC

Do PAI Proclamao da Independncia da Guin-Bissau - 229

13.1 Organizao do Partido - 233

13.2 Da Mobilizao Popular Guerra - 237

13.3 A Poltica da Guin Melhor de Antnio Spnola - 249

13.4 Proclamao do Estado na Guin - 252

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14 - Diplomacia do PAIGC - 257

14.1 Encontro com o Papa Paulo VI 268

Cap. V

Colapso do Colonialismo Portugus

15 - Queda do Imprio Colonial Portugus - 271

16 - Cabo Verde: Adjacncia ou Independncia? - 279

17 Descolonizao Portuguesa - 290

17.1 Negociaes Entre Portugal e PAIGC - 297

17.2 Cabo Verde: Um Caso Ainda por Esclarecer - 304

18 - Heranas da Presena Portuguesa em Cabo Verde - 309

3 PARTE

AMLCAR CABRAL: DE BAFAT A CONACRI

Cap. VI

Percurso de Amlcar Cabral

19 O homem, a poca, a obra - 312

19.1 Casa de frica e Centro de Estudos Africanos - 324

19.2 Morte: Por Descobrir Quem o Mandou Matar - 333

Cap. VII

Concepo Poltica de Amlcar Cabral

20 Classes Sociais - 346

20.1 Dilema Sociolgico de Cabral: Pequena-burguesia Trai a Revoluo ou Suicida-

se como Classe? - 355

21 - Economia - 367

22 - Cultura - 370

23 Imperialismo - 382

24 Nao - 387

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Cap. VIII

Pensamento Poltico de Amlcar Cabral

25 - Terico de Libertao Nacional - 394

26 Terico de Partido nico

Estado, Partido e Democracia - 398

26.1 - Formao do Estado Nacional na Guin - 403

26.2 Partido nico em Cabo Verde - 407

26.3 Democracia - 414

27 - Unidade Guin-Cabo Verde: A Grande Utopia de Amlcar Cabral - 418

Cap. IX

Amlcar Cabral e o Marxismo

Ruptura Epistemolgica

28 - Partido - 448

28.1 Protagonistas da Histria: Elites ou Massas? - 461

28.2 Motor da Histria: Luta de Classes ou Foras Produtivas? - 466

28.3 Histria - 475

Concluso - 481

Bibliografia - 490

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APRESENTAO

O estudo que constitui o objecto da presente investigao de mestrado diz respeito

questo colonial, no mbito da qual pretendemos analisar, detidamente, o pensamento

poltico de Amlcar Cabral. No estamos em presena de um assunto andino, como,

prima facie, pode parecer. , em si prprio, um tema sempre actual, em razo do interesse,

de vria ordem, que a trechos desperta, ainda, por largo tempo.

A questo colonial, pela forma como Portugal a tratou, da 1 Guerra Mundial

queda do Imprio, em 1974, descurando at de salvaguardar os seus mais ldimos

interesses, continua a suscitar aturados estudos acadmicos. Embora seja uma matria

latamente desenvolvida, mormente nas derradeiras dcadas, afigura-se-nos que a sua

abordagem, em alguns aspectos, se mostra ainda insuficiente, em virtude do ror de

questes que deixou em aberto. Por este passo, somos da opinio que a questo colonial

adquire uma especial ateno, sobretudo se nos ativermos a algumas zonas escuras que

ainda comporta e de cujo esclarecimento se podem reunir elementos que nos ajudem a

melhor compreend-la.

No nossa pretenso expor, exaustivamente, todos os temas aqui elencados.

Alguns, certo, mereceram amplo tratamento, outros nem tanto. Importa frisar que a

anlise do problema em estudo no se esgota nesta investigao. Nem este o objectivo

que a motivou. Com este trabalho, pretendemos oferecer respostas, dentro das nossas

limitaes acadmicas e intelectuais, a algumas questes que, havia muito tempo, se nos

colocavam.

So muitos os obstculos com que se nos deparamos no decurso desta caminhada.

Muitos textos de Amlcar Cabral, reunidos com base nas suas intervenes pblicas, no

foram ainda dados estampa, facto que contribuiu para emperrar, em larga medida, o

trabalho do investigador. As dificuldades avolumam-se ainda mais quando se descobrem

contradies e falhas, para no dizer deturpaes, em alguns dos seus escritos j

publicados.

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Dito isto, importa notar que a grande motivao que nos impeliu a redigir esta

dissertao ficou a dever-se necessidade de fazer chegar s universidades portuguesas

as linhas mestras do pensamento de Amlcar Cabral. Como consabido, o nacionalista

cabo-verdiano produziu, ao longo da sua vida, muitas ideias polticas, sem as quais no

lhe seria possvel conduzir a luta contra o colonialismo.

Algumas dessas ideias vieram j a pblico, outras permanecem em total

desconhecimento, razo por que nos moveu o propsito de as estudar, profundamente,

confrontando-as, em muitos casos, com outros ensinamentos e doutrinas da Cincia

Poltica, para a qual, tambm, contribuiu, sobretudo no que teoria do movimento de

libertao nacional se refere.

Feito o intrito, apraz-nos formular alguns agradecimentos s pessoas que nos

ajudaram a tornar realidade esta dissertao de mestrado, a primeira das quais , sine

dubio, Gracinda Fernandes Barbosa dos Santos, companheira, esposa, amiga, desde os

tempos de juventude. Trata-se de um reconhecimento de quem merece que se lhe dedique

esta singela obra, sem cujo apoio, sempre ardente, presente e confortvel, a nossa prpria

vida, decerto, no teria sentido.

Aos meus dois queridos filhos Evandro Daniel Barbosa dos Santos e Elina

Gracinda Barbosa dos Santos no temos palavras para reconhecer o amor e o carinho

que nos tm dado, em todos os momentos, a comear pelos mais difceis.

A nossa gratido estendemo-la, por igual, a outras pessoas que sempre se

mantiveram ao nosso lado nesta caminhada. O rol grande. Ainda assim, no resistimos

a mencionar algumas, quais sejam Agostinho Lopes, Alberto Fernandes Barbosa,

Anacleto Mendes Soares, Arnaldo Pereira Silva, Benvinda Oliveira, Carlos Veiga, Csar

Gonalves, Daniel Livramento, Emanuel Alberto Duarte Barbosa, Emlia Fragoso,

Eunice Barbosa, Ftima Soares, Gualberto do Rosrio, Joo Cabral Semedo, Joaquim

Manuel Sabino, Jos Antnio Mendes dos Reis, Jos Barbosa Monteiro dos Santos, Jos

Lus Livramento, Maria Madalena Rodrigues, Nasolino dos Santos, Nuno Manalvo,

Pedro Diniz Monteiro Barbosa dos Santos e Salom Monteiro

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Merece elogio a Fundao Mrio Soares, de quem recebemos um importante

apoio, de resto gratuito, em fotocpias, sobre Amlcar Cabral e sobre o PAIGC. O

agradecimento extensivo ao Centro de Documentao do ISCSP, aos Arquivos Torre

do Tombo e Sociedade de Geografia de Lisboa, a cujas bibliotecas nos dirigimos a fim

de recolher dados que serviram de suporte elaborao da presente investigao.

Uma meno digna de nota dirigida ao antigo Secretrio de Estado portugus

dos Negcios Estrangeiros e da Cooperao, Dr. Loureno dos Santos, que autorizou que

nos fosse concedido, a meio do curso de mestrado, uma bolsa de estudos, que nos permitiu

conclui-lo.

Ao Dr. Jos Leito da Graa e ao Dr. Toms Medeiros manifestamos o nosso

reconhecimento pelas preciosas entrevistas que nos concederam sobre a vida de Amlcar

Cabral e sobre o processo poltico cabo-verdiano, assim como a todos os que, directa ou

indirectamente, contriburam para a elaborao desta dissertao. Estamos gratos ao

ilustre Prof. Doutor Adelino Maltez, que, de comeo, nos ajudou a lanar os caboucos da

presente dissertao. Gostaramos que soubesse quo honrado nos sentimos por isso.

O Professor Doutor Antnio Pedro Ribeiro dos Santos merece um especial

reconhecimento, no somente pela forma como orientou, cientfica e academicamente,

esta investigao, mas tambm pela maneira como nos incentivou, em todo o percurso, a

constru-la. A todos os ttulos, justo dizer que, desde os primeiros momentos,

partilhamos com o insigne pensador portugus a ideia deste trabalho, que nasceu de uma

sugesto sua. De resto, abraou-a, dando-nos subsdios, propostas e conselhos que nos

guiaram ao longo deste trajecto. Para qu mais palavras?

Por ltimo, registamos, a ttulo pstumo, um profundo e sentido agradecimento

aos meus pais, no caso vertente, Pedro Amadeu Antnio dos Santos e Francisca Furtado

Teixeira. Por tudo.

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SIGLAS

ADA Associao Desportiva do Liceu de Cabo Verde

ANP Assembleia Nacional Popular

BM Banco Mundial

CA Casa de frica

CA Conveno Africana

CEA Centro de Estudos Africanos

CEDEAO Comunidade Econmica de Estados de frica Ocidental

CEI Casa de Estudantes do Imprio

CIA Central de Inteligncia Americana

CII Comisso Internacional de Inqurito

CLSTP Comit de Libertao de S. Tom e Prncipe.

CMA Clube Martimo Africano

CONCP Conferncia das Organizaes Nacionalistas das Colnias Portuguesas

EUA Estados Unidos da Amrica

FAN Foras Armadas Nacionais

FARP Foras Armadas Revolucionrias do Povo

FGICV Federao da Guin e das Ilhas de Cabo Verde

FLGC Frente de Libertao da Guin e Cabo Verde

FLICV Frente de Libertao das Ilhas de Cabo Verde

FLING Frente de Libertao para a Independncia Nacional da Guin

Portuguesa

FMI Fundo Monetrio Internacional

FNLA Frente Nacional de Libertao de Angola

FNLG Frente de Libertao da Guin

FRAIN Frente Revolucionria Africana para Independncia Nacional das

Colnias Portuguesas

FRELIMO Frente de Libertao de Moambique.

FUL Frente Unida de Libertao da Guin e Cabo Verde

GRDC Grupo Republicano de Cabo Verde

ISA Instituto Superior de Agronomia

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ISCSP Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas

JDDA Junta de Defesa dos Direitos de frica

JSN Junta de Salvao Nacional

LA Liga Africana

LG Liga Guineense

LOPE Lei de Organizao Poltica do Estado

MAC Movimento Anti-Colonialista

MSA Movimento Socialista Africano

MFA Movimento das Foras Armadas

MING Movimento para a Independncia Nacional da Guin

MLCV Movimento de Libertao de Cabo Verde

MLG Movimento de Libertao da Guin

MLGC Movimento de Libertao da Guin e Cabo Verde

MLGCV Movimento de Libertao da Guin e Cabo Verde

MLICV Movimento de Libertao das Ilhas de Cabo Verde

MLPCP Movimento pela Libertao dos Povos das Colnias Portuguesas

MNA Movimento Nacionalista Africano

MOFA Movimento de Oficiais das Foras Armadas

MpD - Movimento para Democracia

MPLA Movimento Popular de Libertao de Angola

NAACP Associao Nacional para o Progresso dos Povos de Cor

NATO Organizao do Atlntico Norte

ONU Organizao das Naes Unidas

OUA Organizao da Unidade Africana

PA Partido Africano

PAI Partido Africano da Independncia

PAIGC Partido Africano da Independncia da Guin e de Cabo Verde

PCP Partido Comunista Portugus

PCUS Partido Comunista da Unio Sovitica

PDG Partido Democrtico da Guin

PIDE Polcia Internacional da Defesa do Estado

PLG Partido de Libertao da Guin

PLUA Partido da Luta Unida dos Povos Africanos de Angola

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PNA Partido Nacional Africano

POSDR Partido Operrio Social-Democrata Russo

PRA Partido do Reagrupamento Africano

PSG Partido Socialista da Guin

RDA Ressemblement Democratique African

RDAG Ressemblement Dmocratique Africain de la Guine

RE Redressement Economique

SdN Sociedade das Naes

UDC Unio Democrtica Cabo-verdiana

UDC Unio Democrtica Cabo-verdiana1

UDENAMO Unio Democrtica Nacional de Moambique

UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura

UNGP Unio dos Naturais da Guin Portuguesa

UNIA Associao Universal para o Progresso dos Negros

UNITA Unio Nacional de Independncia de Angola

UPA Unio dos Povos de Angola

UPG Unio Popular da Guin

UPICV Unio do Povo das Ilhas de Cabo Verde

UPLG Unio Popular de Libertao da Guin Portuguesa

UPPCV Unio Popular Progressista Cabo-verdiana

URC Unio Regionalista Cabo-verdiana

URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

1 - So duas organizaes diferentes, embora se designem pelo mesmo nome.

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METODOLOGIA

A metodologia que adoptamos para redigir o presente trabalho no foge sugerida

por muitos eminentes politlogos. A Cincia Poltica, porque um ramo de

conhecimento que estuda os factos polticos isolados do conjunto dos fenmenos sociais

em que se inscrevem2, chamou a si diversos mtodos de investigao cientfica,

mormente os de ndole histrica.

Antes de mais, convm precisar o conceito de mtodo, que, segundo o ensino do

Prof. Antnio de Sousa Lara, , etimologicamente, uma palavra de origem grega (meta

+ odos) e significa, genericamente, caminho3. Aquele catedrtico do ISCSP distingue,

neste processo de caminhar, o destino (o objectivo do mtodo) dos meios (objecto do

mtodo)4. Em sentido equivalente, pretende-se, com isso, to-somente, ordenar uma

srie de actos humanos a caminho do seu fim prprio, conforme explica Silva Rego,

citado por Antnio de Sousa Lara.

Daqui o investigador portugus parte para a distino entre a tcnica e a doutrina,

em sentido amplo. A primeira , na sua lgica, o mecanismo ou a aco de investigao

cientfica meramente operatrio, instrumental, eficaz, aplicado e, essencialmente,

neutral5.

Quanto doutrina, ou mtodo, na acepo lata do termo, Antnio de Sousa Lara

define-a como a utilizao aplicada e articulada de tcnicas, partindo de pressupostos e

visando objectivos, filosoficamente, comprometidos, alternativos e culturais, bem como

temporalmente marcados6.

O politlogo portugus enquadrou, nas tcnicas de investigao, o inqurito

sociolgico, a deduo jurdica e a crtica externa dos documentos histricos, enquanto,

2 - LARA, Antnio de Sousa Cincias Polticas Metodologia, Doutrina e Ideologia. Lisboa: Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas, 1998,

209.

3 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., 28.

4 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., 28.

5 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 30.

6 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 30.

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no que tange aos mtodos, em sentido lato, inseriu o positivismo, o estruturalismo, o

funcionalismo, o behaviorismo, a teoria dos jogos e a ciberntica7.

Como consabido, a definio dos mtodos e das tcnicas de pesquisa em Cincia

Poltica no rene o consenso da comunidade cientfica. A discusso em redor deste tema

no se mostra assim pacfica, em razo das divergncias de pontos de vista. A questo

coloca trs nveis de pergunta, ou seja, parafraseando Maurice Duverger, a Cincia

Poltica tem mtodos prprios, diferentes das outras cincias sociais, ou deve limitar-se a

tomar emprestadas as tcnicas por estas utilizadas?

A estas interrogaes, o politlogo francs responde com uma posio

conciliatria, propondo que os politlogos devam desenvolver mtodos prprios sem pr

de lado os das outras cincias sociais, nomeadamente os da Sociologia, da Antropologia,

da Psicologia e da Histria8. A orientao de Duverger, mau grado a sua pertinncia,

contestada por muitos cientistas sociais, nomeadamente por Marcel Prlot, para quem a

Cincia Poltica deve fazer uso exclusivo dos mtodos das outras cincias sociais.

Em presena disso, Antnio de Sousa Lara opina que a Cincia Poltica tem

basicamente duas grandes reas metodologicamente diferentes, uma que clama pelos

mtodos e crtica da Cincia Histrica, outra que tem de recorrer aos meios de pesquisa e

anlise empregues nas Cincias Sociais9.

Neste quadro, na primeira rea a que acima se alude, a metodologia deve

fundamentar-se na heurstica e na hermenutica dos documentos directos10, assim

como nos documentos indirectos. Estes so, na senda do que ensina Adriano Moreira,

emitidos por intervenientes no processo de deciso do Poder Poltico11, enquanto

aqueles, embora no sejam emitidos por intervenientes no processo de deciso,

testemunham a actividade do poder poltico de forma intencional ou acidental12.

7 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 30. 8 - DUVERGER, Maurice Cincia Poltica Teoria e Mtodo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974, p. 33. 9 - LARA, Antnio de Sousa Elementos de Cincia Poltica, 4 Edio. Lisboa: Pedro Ferreira Editor, 1995, p. 94. 10 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 94. 11 - MOREIRA, Adriano Ideologias Polticas. Introduo Histria das Teorias Polticas, Ano Lectivo 1963/1964. Lisboa: Edio do Instituto Superior

de Cincias Sociais e Poltica Ultramarina, 1964, p. 57. 12 - MOREIRA, Adriano Op. Cit., p. 57.

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Na outra rea de metodologia das Cincias Sociais, presencia-se a utilizao

crescente de novos mtodos, uns de carcter tradicional ou subjectivo, como a observao

participante e no participante, sistemtica e assistemtica; outros de carcter

marcadamente mais objectivo e por isso complementares dos anteriores, como sejam os

inquritos por questionrio ou entrevista e a tcnica geral de amostragem estatstica13.

Nesta ordem de ideias, a interdisciplinaridade ganha uma importncia de tomo,

porquanto, recorrendo aos ensinamentos e aos mtodos de outras disciplinas cientficas,

nos permitiu, em grande parte, bosquejar as matrias sobre que assenta o presente

trabalho. Para o fim em vista, o caminho que seguimos foi o de comparar e sistematizar

fenmenos, noes e conceitos anlogos ou mesmo opostos, sem perder de vista as suas

caractersticas de base.

Os mtodos comparativos, para cujo uso se exijam algumas precaues, so

insubstituveis nas cincias sociais, em geral, e na Cincia Poltica, em particular14. Basta

lembrar, em ltima instncia, que muitos autores os classificam de instrumento, por

excelncia, da pesquisa em sociologia. Se a comparao permitiu-nos expor e confrontar

ideias, noes e conceitos de pensadores vrios, a sistematizao impeliu-nos a limitar os

parmetros da pesquisa e precisar as questes e os domnios a apresentar.

por esta razo que este trabalho, em termos de metodologia, tem um

enquadramento geral e especfico. Ou seja, partimos de anlises e de fenmenos globais,

ocorridos no passado, para chegarmos a uma sntese histrico-analtica, para cuja

elaborao consultmos textos, arquivos e obras de muitos autores.

Alm da imensa bibliografia consultada, levmos a cabo algumas entrevistas que

nos permitiram enquadrar e interpretar melhor os temas elencados, numa perspectiva

analtico-comparativa. Importa notar que no fizemos uso, para o efeito desta dissertao

de mestrado, de todas as fontes de informao consultadas, pelo que reiteramos a inteno

de as recuperar para ulteriores investigaes.

13 - LARA, Antnio de Sousa Elementos de Cincia Poltica, 4 Edio. Lisboa: Pedro Ferreira Editor, 1995, p. 94. 14 - DUVERGER, Maurice Op. Cit., p. 307.

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INTRODUO

Portugal manteve uma presena duradoira em frica, por um processo de

expanso colonial que se iniciou, no dizer dos historiadores, em Ceuta. A odisseia lusitana

levou os navegadores a Cabo Verde, a partir de cujas ilhas do atlntico traaram novos

rumos que os conduziram a outras partes do mundo.

Constitui ainda pomo de discrdia o descobrimento do arquiplago, a que se soma

uma outra celeuma em torno da sua ocupao. Uns defendem a tese de que Cabo Verde

era um territrio desabitado quando os navegadores da Coroa o acharam, outros, a

contrario sensu, subscrevem a ideia de que as ilhas tinham presena humana antes da

chegada dos portugueses.

Pese a controvrsia, comeou Cabo Verde a ser povoado, a partir de 1462, por

colonos europeus, na sua maior parte, originrios de Portugal, e por escravos da frica

ocidental. Do processo aculturativo, desenvolvido entre negros e brancos, nasceram no

arquiplago novas formas culturais que caracterizam, presentemente, o modus vivendi dos

cabo-verdianos: a cabo-verdianidade.

A ocidentalizao de Cabo Verde foi um xito, em toda a linha. Talvez seja um

dos casos raros de exportao, primeiro, e de assimilao e de reproduo, depois, de

valores ocidentais de vida. Isto, porm, no apaga vestgios de natureza africana ainda

patentes na cultura do arquiplago, conquanto no tenham uma larga expresso.

Os ilhus construram, de sol a sol, um mundo cultural prprio, para cuja sntese,

que o define, concorreram dois continentes: o europeu e o africano. Por respeito

verdade, cumpre dizer que a cultura cabo-verdiana se imps sobre a daqueles de que se

serviu para se reproduzir, por um longo excurso que lhe permitiu edificar uma nao cujos

fundamentos se baseiam na histria, na tradio e na vontade.

Ao longo de muitos sculos, vrias geraes de cabo-verdianos insurgiram-se

contra o Poder colonial, por se acharem afastados do direito de se governarem a si

prprios. Os nativistas, primeiro, os regionalistas, depois, e os nacionalistas, por ltimo,

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deram voz aos protestos, que, se chegaram a Lisboa, no mereceram, contudo, a devida

ateno.

Os nativistas e os regionalistas constituram uma elite letrada, que no ps em

causa o poder poltico portugus, embora se no sentisse conformada com a situao de

marginalizao de que era vtima na conduo poltica dos destinos de Cabo Verde. A

maior reivindicao dos cultos mestios cabo-verdianos era a da participao nos

assuntos da polis, j que os portugueses que os substituam no reuniam condies que

os pudessem colocar numa posio de subalternidade.

O projecto da autonomia, que reclamavam, em si mesmo igual ao dos Aores e

da Madeira, adiou-o sempre Portugal, fundamentando a recusa em argumentos pueris e

pouco convincentes. A postura do Poder portugus fez eclodir, nos anos 50 do ltimo

sculo, uma contra-elite africana, de cariz revolucionrio, nos meios estudantis, em

Lisboa, de que Amlcar Cabral fazia parte, cujas actividades polticas acabaram por ditar

o destino de Cabo Verde e o do prprio imprio colonial. J com os nacionalistas, a ndole

da contestao mudou de feio. O desejo de autonomia cedeu lugar ao da independncia.

Os governantes portugueses nunca se aperceberam de que a sua atitude

intransigente de ver afastados os africanos dos crculos do Poder os levariam a forjar as

sementes que permitiram o nascimento da contra-elite a que acima se alude, a qual, no

dealbar dos anos 60 do mesmo sculo, viria a conduzir, com sucesso, a luta pela

emancipao nas antigas colnias.

A independncia das ex-possesses ultramarinas tornou-se, com o andar dos

tempos, uma inevitabilidade, que apenas escapou ateno do Governo de Lisboa. Ao

longo dos tempos, Portugal no deu mostras de desejar ultrapassar o problema colonial,

por cuja insensatez, radicalismo e teimosia pagou um preo alto.

Posto este enquadramento geral, faz-se agora necessrio decompor, a grandes

pinceladas, as trs partes que constituem a ossatura desta dissertao de mestrado. Ao

longo da primeira, concentrar-se- a ateno na expanso portuguesa, no descobrimento

de Cabo Verde, no colonialismo, e, por fim, na emergncia de Estados em frica, aps o

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que se analisaro as doutrinas que se acham subjacentes ao anti-colonialismo o das

Naes Unidas, o da antiga URSS e o dos EUA.

Por entre estes assuntos, tentar-se- dar respostas a algumas questes, ainda

envoltas em polmica, atinentes existncia da presena humana em Cabo Verde, antes

da chegada dos portugueses, e natureza do modelo de ocupao lusitana nas ilhas:

povoamento ou colonizao?

O exame das concepes objectivista, subjectivista e marxista da nao marca o

incio da segunda parte, seguindo-se-lhe depois, minuciosamente, o estudo do processo

que desembocou na formao da nao cabo-verdiana: o nativismo, o regionalismo e o

nacionalismo.

Constituem ainda assuntos da segunda parte o pan-africanismo, a criao de

grupos e movimentos polticos nas antigas provncias ultramarinas e a guerra na Guin.

por demais evidente que a descolonizao portuguesa ser um tema a tomar em devida

conta, sobretudo pela forma como se fez. O caso cabo-verdiano ocupar um lugar central,

j porque ocorreu margem do Direito interno portugus, j porque ainda no passou de

uma mera transferncia de poder do MFA ao PAIGC.

em todo este processo que inserimos o papel de Amlcar Cabral, cuja educao

e formao acadmica se fizeram inspirados nos valores ocidentais de vida, sem pr em

causa a sua ascendncia africana, porque nasceu na Guin-Bissau, de pais cabo-verdianos.

O seu nome est, histrica e politicamente, indissocivel ao imbrglio do Ultramar

em cujo processo ocupou um lugar cimeiro. Temos para ns que no se pode falar, em

certa medida, da questo colonial sem se referir ao fundador do PAIGC. No apenas

pelo seu percurso acadmico e poltico, mas, sobretudo, pela influncia que acabou por

exercer na vida poltica portuguesa e na das antigas colnias.

Neste contexto, passar-se- em revista, criticamente, em alguns casos, a

concepo poltica de Amlcar Cabral sobre os mais variados assuntos: estrutura social,

classes, Estado, poder, histria, partido, democracia, imperialismo, nao, economia e

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cultura. Imps-se-nos, por igual, a necessidade de expor as suas ideias, cotejando-as quer

com o marxismo clssico, quer com o marxismo-leninismo.

Demais a mais, analisar-se- alguma elaborao terica de Amlcar Cabral,

sobretudo no que toca ao seu conceito de movimento de libertao nacional, que ainda

constitui uma referncia para o Terceiro Mundo, em geral, e, para a frica, em particular,

no sem antes de, ainda que resumidamente, dissertarmos sobre a sua vida, enquanto

homem e poltico.

No nos passou despercebida a proposta, sugerida por Amlcar Cabral, da unidade

entre a Guin e Cabo Verde, a que demos uma especial ateno, em cujo texto

procuraremos estudar os principais fundamentos que a sustentaram. De sonho, alicerado

em laos de histria, transformou-se num problema, que precipitou o colapso do PAIGC,

enquanto partido binacional.

So estas, em traos gerais, as principais linhas de fora desta investigao que, a

priori, procura dar respostas a cinco grandes perguntas: Cabo Verde tem histria antes da

chegada dos portugueses? Cabo Verde foi colonizado ou povoado? A nao cabo-

verdiana um produto da histria ou foi fundada por Amlcar Cabral? Por que razo

Amlcar Cabral se revoltou contra o Poder colonial? Cabo Verde: Que caminho?

Independncia ou adjacncia?

DEFINIO DE CONCEITOS OPERACIONAIS

IMPERIALISMO

Antes de mais, importa precisar alguns conceitos operacionais, quais sejam o de

imperialismo (vide Cap. VII, ponto 23, p. 382), colnia, classificao de colnias,

situao colonial, colonialismo (vide Cap. I, ponto 4, p. 115), descolonizao, anti-

colonialismo (vide Cap. II, ponto 5, p. 123), povo e populao e nao e nacionalismo

(vide Cap. III, ponto 7-8.3, p. 140 e Cap. VII, ponto 24, p. 387)

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A noo de imperialismo, cuja palavra surgiu, tardiamente, no vocabulrio

poltico, tem uma diversidade de sentidos. Ao que parece, uma expresso de origem

recente, que se localiza, em Frana, () no decurso da Monarquia de Julho para designar

os partidrios do bonapartismo, quer dizer, de um tipo de regime poltico imperial15.

, entretanto, na Inglaterra, que o termo ganha a dimenso por que hoje

conhecido, passando, a partir de 1870, a servir-se para designar os laos que a Gr-

Bretanha mantinha com o seu imprio. De evoluo em evoluo, a palavra adquiriu,

paulatinamente, uma conotao progressista, humanista e democrtica no imprio ingls.

Por esse tempo, o vocbulo j no exprime apenas a ideia de relaes estreitas

entre a metrpole e as suas colnias, mas tambm uma poltica de crescimento e de

esplendor imperial16. Todavia, a guerra dos Bers, de 1899-1902, pela violncia que a

caracterizou, vem pr a nu a verdadeira natureza do imperialismo, abalando os

fundamentos da confiana e a pretensa valorizao sobre que assentava a expanso

imperial inglesa.

Se a noo recente, o fenmeno o no , porque a edificao de grandes imprios

na histria remonta antiguidade. No entanto, importa situar o processo a que se atribuiu

o nome de imperialismo. Nos finais do sc. XIX, tem lugar nos continentes africano e

asitico uma inusitada expanso colonial europeia, que, em pouco tempo, conseguiu

colocar sob o seu domnio mais de trs quintos da terra.

Esse movimento, a que se associaram, mais tarde, os EUA e o Japo, permitiu pr

de p muitos imprios europeus. , no entanto, a partir da dcada de 1870, () que se

organiza um grande movimento de expanso europeia que ir conduzir partilha da

frica e constituio definitiva dos imprios coloniais da poca contempornea. Foi a

este movimento de expanso que andou mais estreitamente associado o termo

imperialismo17.

15- BRAILLARD, Philippe, SENARCLENS, Pierre de O Imperialismo. Mem Martins: Publicaes Europa/Amrica, s/d, pp. 13-14. 16 - BRAILLARD, Philippe, SENARCLENS, Pierre de Op. Cit., p. 15. 17 - BRAILLARD, Philippe, SENARCLENS, Pierre de Op. Cit., p. 25.

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O fenmeno manifestou-se mais em frica do que noutros continentes. Em traos

gerais, o expansionismo europeu fundamentou-se, no comeo, no envio de misses de

explorao, em empreendimentos missionrios e na aco directa de companhias

privadas. Mais tarde, em razo das rivalidades das potncias ocidentais, ditadas por

factores econmicos, demogrficos e tecnolgicos, a expanso toma a forma de ocupao

efectiva.

O imperialismo presta-se a muitas definies. A da Larousse, do sc. XX, por

exemplo, apresenta-o como uma doutrina poltica tendente ao alargamento territorial de

um Estado ou sua supremacia sobre os outros18. tambm a ideia de expanso que

encontramos no conceito proposto por Sousa Lara:

O () imperialismo significa sempre a expanso de uma determinada potncia

para territrios que outrora no faziam parte do seu domnio, tendo como fundamento

primeiro a fora militar, mas prosseguindo-se, posteriormente, com a divulgao das

estruturas polticas, jurdicas, econmicas e sociais desse mesmo poder poltico para as

novas reas conquistadas ou tuteladas19.

Sob esta epgrafe, incluiu os imprios da antiguidade, a expanso colonial

moderna, o expansionismo da Rssia sovitica, o alargamento territorial dos EUA, na

vigncia do destino manifesto, ou as guerras contra o Mxico, tudo isso, para ele, so

variantes do imperialismo.

A crtica marxista no define o imperialismo como um mero fenmeno de

expanso e de conquista, mas como resultado directo da evoluo do capitalismo, em

particular da luta pela aquisio e explorao de mercados. As teorias do imperialismo,

de cunho marxista, esboadas por Otto Bauer, Karl Kautsky, Rudolf Hilferding, Rosa

Luxemburgo, Nicolas Boukharine e Vladimir Lenine, fazem depender a expanso

colonial do desenvolvimento do sistema capitalista mundial.

18 - BRAILLARD, Philippe, SENARCLENS, Pierre de Op. Cit., p. 13. 19 - LARA, Antnio de Sousa Imperialismo, Descolonizao, Subverso e Dependncia. Lisboa: Edio do ISCSP, 2002, p. 15.

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No dizer destes autores, as causas principais do imperialismo so a concentrao

e a criao de monoplios e a realizao da mais-valia. Em outros termos, pensam que a

expanso imperialista resulta da necessidade de promover a exportao de produtos

excedentrios a fim de elevar a taxa de lucro. Este breve enunciado mostra que a anlise

marxista considera o imperialismo como uma consequncia dos monoplios, e, em

particular, do desenvolvimento do capital financeiro.

interpretao marxista do imperialismo opem-se duas explicaes, sendo uma

de carcter scio-econmica e outra de cariz poltico. A primeira, por exemplo, no fixa

nenhuma relao entre o capitalismo e o imperialismo e tem como expoentes John A.

Hobson e Joseph Schumpeter, na opinio dos quais o imperialismo eclodiu de certos

factores scio-econmicos que no resultaram do capital.

Hobson, a quem devemos a primeira tentativa destinada a fixar um conceito

exacto do imperialismo, repara que a expanso colonial no provm de uma necessidade

econmica global, mas de interesses sectoriais da economia. Toma como exemplo a

experincia inglesa, mostrando, em defesa da sua tese, que as receitas advenientes dos

investimentos nas colnias so superiores aos lucros do comrcio externo.

Da que tenha insistido que o expansionismo europeu tem por pano de fundo a

procura e o controlo de investimentos no exterior, resultante do excesso de capitais nos

pases desenvolvidos, cujas causas prximas so, a seu ver, a m repartio dos

rendimentos nas sociedades.

A contribuio de Schumpeter pe, tambm, em causa, a teoria marxista e radica

numa interpretao sociolgica. Segundo este economista austraco, o imperialismo no

uma consequncia do capitalismo. Define-o como a disposio, desprovida de

objectivos, que manifesta um Estado para a expanso pela fora, para alm de qualquer

limite definvel.

Em resumo, classifica o imperialismo de um atavismo social e poltico, cuja

expanso se deve persistncia de certas estruturas sociais arcaicas, que se mantm

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vlidas, embora tenham perdido a sua razo da existncia. Com isso, aponta que o

imperialismo no tem um objecto concreto ou um interesse econmico preciso.

Por fim, as teorias polticas, que se fundamentam, essencialmente, na histria,

tentam explicar o imperialismo como produto das rivalidades entre as grandes potncias

da Europa, as quais so a causa fundamental da expanso do sc. XIX. O ingls Lionel

Robbins, numa obra escrita, em 1939, esclarece que este fenmeno tem origem na

ausncia de normas para regular os conflitos internacionais.

Na mesma linha de pensamento, outros autores procuram encontrar no

nacionalismo a causa principal do imperialismo. O mpeto dos nacionalismos teria

estimulado o confronto das grandes potncias no mundo extra-europeu, e, portanto,

contribudo para acelerar o movimento de expanso colonial20.

COLNIAS

A colonizao engendra, inevitavelmente, colnias, cuja palavra, que vem do

latim colonus (de colere, cultivar), levou o Professor Antnio de Sousa Lara21 a reunir

nove parmetros para o seu enquadramento, dos quais salientamos a dominao imposta

por uma minoria exterior; os rgos do poder poltico que exercem a soberania tm a sede

noutro territrio geograficamente distinto do da colnia; e o poder poltico exercido

exclusivamente pelo grupo tnico exterior sob o signo da superioridade e da aco

modificadora da civilizao dominante.

Aquele catedrtico do ISCSP recorre, nomeadamente a Georges Balandier, a

Marcello Caetano, a Adriano Moreira e a J. Borges de Macedo para situar a noo de

colnia, aps o que a expe desta forma: Colnia uma dominao imposta por um

poder poltico exterior, exercida exclusivamente por um grupo tnico ou cultural sobre o

signo da superioridade, tendente transferncia das pessoas, instituies, capitais,

tecnologia, valores culturais e civilizacionais metropolitanos e subordinao dos

20 - BRAILLARD, Philippe, SENARCLENS, Pierre de Op. Cit., p. 63. 21 - VideColonizao Moderna e Descolonizao (Sumrios para o Estudo da sua Histria), de Antnio de Sousa Lara, pp. 13-25.

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recursos e das instituies dependentes aos interesses do poder poltico e do grupo tnico

ou cultural dominante22.

A. da Silva Rego agrupou cinco elementos que, a seu ver, definem uma colnia,

quer na sua acepo antiga quer na hodierna: Um agregado populacional unido por laos

comuns de sangue, de religio e sobretudo por laos polticos; um lugar distante da

ptria, pertencente a outro meio, no sujeito s leis do agregado populacional que l se

foi estabelecer; um conjunto de interesses a fixar o agregado populacional nova terra;

autonomia deste agregado populacional com relao s leis da terra; e relao de

obedincia entre a colnia e a metrpole23.

Georges Balandier descreve a colnia como um tipo especfico de sociedade

global, ou, mais concretamente, um sistema social, dotado de traos prprios, atinentes

ao modo de organizao, evoluo cultural e mesmo psicologia. Jorge Borges de

Macedo entende que a colnia uma instalao organizada de estrangeiros em terra que

lhes no pertence, de modo a realizar determinadas tarefas.... e pode no ter qualquer

interesse em levar a efeito actos de colonizao...24. Por isso, defende que, em muitos

casos, pode haver colnia sem colonialismo.

Por seu turno, Silva Cunha definiu a colnia como uma sociedade politicamente

dependente, geralmente fixa num territrio inexplorvel ou, incompletamente, explorado,

geograficamente separado daquele em que esto fixos os rgos supremos do poder

poltico e formado por grupos tnica e culturalmente diferenciados25. A seu ver, a

definio de colnia contm quatro elementos: geogrfico, humano e cultural, econmico

e poltico-jurdico.

O geogrfico no a condio sine qua non para a existncia de uma colnia, que,

por via de regra, se acha localizada num territrio diferente do do Poder de que depende.

Dito doutro modo, a colnia e o pas colonizador esto sempre separados pelo mar. Pelo

22 - LARA, Antnio de Sousa Colonizao Moderna e Descolonizao (Sumrios para o Estudo da sua Histria). Lisboa: Edio do Instituto Superior

de Cincias Sociais e Polticas (ISCSP), 2000, p. 14. 23 - REGO, A. da Silva Histria da Colonizao Moderna. Instituto Superior de Estudos Ultramarinos. Lisboa: Edio do Centro Universitrio de

Lisboa da Mocidade Portuguesa, 1956-1957, p. 9. 24 - MACEDO, Jorge Borges Descolonizao. In Polis, Vol. 2, Enciclopdia Verbo da Sociedade e do Estado. Lisboa/So Paulo: Editorial Verbo,

1996, p. 136. 25 - CUNHA, Silva Administrao e Direito Colonial. Apontamento das Lies do Prof. Doutor Silva Cunha ao 3 ano jurdico de 1960-1961. Lisboa:

Edio da Associao Acadmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1960, s/d, p. 11.

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menos, o que ensina a Histria, havendo, contudo, excepes a notar. A anlise desta

questo impe-nos algumas cautelas, uma vez que existem colnias em territrios,

geograficamente, contguos ao da entidade colonizadora. Servem de exemplo a

colonizao russa na Sibria, de Israel na Palestina, do Marrocos no Sahara Ocidental, do

Senegal em Casamansa, da frica do Sul na Nambia, assim como de alguns territrios

do Oeste dos EUA.

O elemento humano e cultural, sendo embora essencial para o conceito em apreo,

no se mostra, em boa verdade, suficiente para descrever a colnia como uma sociedade

tpica26. A sociedade colonial comporta, segundo a perspectiva de Silva Cunha, grupos

sociais diferentes, tnica e culturalmente. uma sociedade de sociedades,27 ou, mais

exactamente, os grupos que nela coexistem influenciam-se reciprocamente, sendo esta a

razo por que as caractersticas da sociedade global dependem destas interinfluncias28.

A colnia no conhece, do ponto de vista econmico, um grande

desenvolvimento. Alis, como nota Silva Cunha, o fenmeno colonial exprime-se,

geralmente, por um subdesenvolvimento econmico, que, amiudadas vezes, pode

funcionar como causa da expanso colonial, podendo, neste caso, provocar um

movimento migratrio de capitais e de pessoas. Opina aquele pensador que o elemento

econmico pode repercutir-se no elemento cultural e humano, influenciando o teor das

relaes humanas entre os grupos sociais coexistentes, nas estruturas polticas,

enquadradas na sociedade colonial, e na disciplina jurdica das relaes entre os vrios

grupos29.

Por fim, analisa a influncia do elemento poltico-jurdico no conceito de colnia,

o qual, de par com o elemento humano e cultural, constitui o carcter especfico e

diferencial deste fenmeno. Para Silva Cunha, na esteira de Adriano Moreira, a colnia

uma sociedade politicamente dependente, isto , subordinada a outra e nela vigora um

direito especializado em funo da necessidade de organizar o vnculo de dependncia da

sociedade colonial30.

26 - CUNHA, Silva Op. Cit., p. 12. 27 - CUNHA, Silva Op. Cit., p. 12. 28 - CUNHA, Silva Op. Cit., p. 12. 29 - CUNHA, Silva Op. Cit., p. 13. 30 - CUNHA, Silva Op. Cit., p. 13.

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Entre o colonizador e o colonizado existe uma relao de poder e de dominao.

o mesmo que dizer que o primeiro mantm, politicamente, o segundo dominado. Neste

sentido, a entidade colonizadora afirma a sua supremacia exercendo uma actividade

complexa (colonizao) que modela e disciplina por meio de instrumentos jurdicos cujo

monoplio lhe resulta da posse do poder poltico a que a colnia se subordina31.

A definio do vnculo entre a colnia e o pas colonizador pode dar lugar,

segundo Silva Cunha, a trs situaes de dominao: a colnia depende, politicamente,

de um Estado ou de um grupo de Estados (colnias perfeitas, os mandatos da Sociedade

das Naes e da Fideicomisso da ONU), a colnia depende, directamente, de uma

organizao internacional (colnias imperfeitas) e, in fine, a situao colonial (EUA, ex-

URSS e frica do Sul, durante o apartheid).

CLASSIFICAO DE COLNIAS

semelhana de Adriano Moreira, Antnio de Sousa Lara rejeita classificar as

colnias segundo os critrios geogrficos, raciais e civilizacionais. Ordena-as,

politicamente, em colnias de administrao directa e em vrias formas de

protectorados, como sejam protectorados de simples controlo, protectorado com

representao, protectorados coloniais, esferas de influncia.

No entendimento do professor do ISCSP, as colnias de administrao directa tm

quatro caractersticas, a saber: o poder poltico metropolitano exerce-se directamente

sobre o territrio e a populao; os agentes do Estado colonizador desempenham todas as

tarefas da administrao e detm o poder; o territrio da colnia considerado como parte

integrante do Estado colonizador; as instituies do poder poltico local ou no existem

ou no so integradas na hierarquia poltica32.

O protectorado pressupe escreve Antnio de Sousa Lara um pacto entre um

Estado protector e um poder poltico protegido. No quadro desta designao, Adriano

31 - CUNHA, Silva Op. Cit., p. 14. 32 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 17.

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Moreira encontrou trs espcies de fenmenos: protectorados de simples controlo,

protectorado com representao e protectorados coloniais. No primeiro caso, o Estado

protegido compromete-se a no exercer as suas faculdades internacionais sem o

consentimento prvio do Estado protector33, ficando, de semelhante, excludos os

atributos da soberania interna.

Por via de regra, este processo ocorre atravs de trs distintas fases, melhor

dizendo, o Estado protegido concede ao Estado protector a possibilidade de o representar

em certos atributos da sua soberania externa (como, por exemplo, ser gestor no

desarmamento, gestor no clausulado de certos tratados, gestor para a negociao

internacional, etc.); concedida procurao especial e temporria do Estado protegido ao

Estado protector; cria-se um vnculo jurdico que obriga ao consentimento prvio do

Estado protector34.

O protectorado com representao tem lugar quando o Estado protector exerce,

em nome e no interesse do Estado protegido, as faculdades em que se analisa a soberania

deste35. Esta substituio pode abarcar, na ptica de Antnio de Sousa Lara, apenas a

ordem internacional e a ordem interna ou somente a ordem internacional. No caso em

pauta, o professor do ISCSP categrico: Estamos perante um fenmeno colonial36 e

cita o exemplo dos protectorados franceses do Norte de frica e da Indochina.

Os protectorados coloniais tm cinco caractersticas aduzidas por aquele

acadmico: No se trata de um fenmeno do Direito Internacional; no implica a

coordenao de soberanias; trata-se do reconhecimento pelo Estado protector das

organizaes polticas primrias dos colonizados para as utilizar como instrumentos de

poltica; corresponde ao sistema de administrao indirecta sem o trao de segregao

racial; implicava a notificao s potncias internacionais e a necessidade de ocupao

efectiva do territrio segundo o acto final da Conferncia de Berlim de 26 de Fevereiro

de 188537.

33 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 17. 34 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 17. 35 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 17 36 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 15. 37 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 18.

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Existe uma nova forma de protectorado informal a que Adriano Moreira chama

esferas de influncia. Trata-se de um territrio reservado por uma certa potncia para

o exerccio da actividade econmica ou colonizadora ou ainda para uma eventual

ocupao futura. Para l disso, h trs tipos de territrios considerados esferas de

influncia, que podem ser definidas por um Estado soberano sobre o seu prprio

territrio a favor de outrem; convencionadas por duas ou mais potncias que reservam

certas reas que lhes no pertencem para a sua prpria aco e unilateralmente declaradas

como acto preparatrio de uma poltica expansionista ou imperialista38.

Antnio de Sousa Lara definiu mais trs tipos de colnias: Cesses por

Arrendamento, Cesses de Administrao e Settlements. Se, no primeiro caso, estamos

em presena da ocupao de territrios alheios, atravs de um arrendamento, baseado

na soberania do Estado39, cujo exemplo a deciso da China de arrendar, de 1557 a

1885, Macau a Portugal, j, no segundo, se trata da transferncia de certo territrio que

se encarrega de o administrar temporariamente sem adquirir a soberania que

juridicamente continua a pertencer ao Estado cedente40. A ttulo de exemplo, cita o facto

de a Turquia ter, em 1878, cedido ao Reino Unido a administrao de Chipre.

Os Settlements so, na perspectiva de anlise de Antnio de Sousa Lara,

concesses espaciais de extra-territorialidade de um Estado aos sbditos de outro Estado

para que ali pudessem viver, aplicando as leis do seu pas de origem e afastando as leis

de interesses e ordem pblica nacionais41.

Tendo por base natural o meio ambiente, Silva Rego classifica as colnias em

duas classes: colnias de plantao e colnias de povoamento. A seu ver, nas primeiras,

que ocorre em clima tropical, o colono no pretende habitar para sempre a colnia,

limita-se a explor-la, a arrancar-lhe a riqueza para a seguir a transportar para fora42.

Avana ainda outros traos que enformam as colnias de plantao: o colono

verdadeiro continua a ser o indgena. O trabalhador o indgena, o branco limita-se

38 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 19. 39 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 19. 40 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 19. 41 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 19. 42 - REGO, Silva Op. Cit., p. 11.

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direco superior, nota-se a ausncia de famlias brancas, o indgena passa a viver sob o

domnio do branco, amarrado a ideias de superioridade de uns e de inferioridade de

outros43.

As colnias de povoamento diferem das colnias precedentes. Segundo o aludido

pensador, naquelas o clima temperado, o que facilita a colonizao. Demais a mais,

abundam nelas as famlias brancas. Vejamos como Silva Rego caracteriza as colnias de

povoamento: As famlias legalmente constitudas do novo aspecto sociedade, a

populao branca d-se ao trabalho dos campos, a populao indgena, rara, em geral,

estabelece-se volta destes estabelecimentos, adapta-se vida europeia, ambiciona subir,

imitar o europeu no s no vestir, como no comer, nos estudos, na vida, etc.44.

Para Silva Rego, h ainda as chamadas colnias de emigrao, que dividiu em

colnias de emigrao livre, colnias de emigrao forada e os protectorados. As

primeiras abrangem as colnias de povoamento e as de plantao, bem como as

comerciais e mistas, enquanto as segundas agrupam as de deportao e as de penetrao.

SITUAO COLONIAL

A situao colonial, a confiar em Adriano Moreira, caracterizada pelo domnio

de um povo sobre outro, em geral de etnia diferente45. No caso em presena, o povo

dominador detm o poder poltico, fornece o capital e a tcnica, enquanto o dominado

obriga-se a dar a mo-de-obra, a terra e os seus recursos. De acordo com aquele

politlogo, o conceito de situao colonial no implica um territrio separado da

metrpole, nem sequer a localizao geogrfica especfica do colonizador46.

Em Poltica Ultramarina, Adriano Moreira advoga que a situao colonial se

verifica sempre que no mesmo territrio habitem grupos tnicos de civilizao diferente,

sendo em regra o poder poltico exercido s por um deles, sob o signo de superioridade e

aco modificadora de uma das civilizaes em contacto47.

43 - REGO, Silva Op. Cit., p. 11. 44 - REGO, Silva Op. Cit., p. 12. 45 - MOREIRA, Adriano Cincia Poltica. Coimbra: Livraria Almedina, 1995, p. 353. 46 - MOREIRA, Adriano Op. Cit., p. 353. 47 - MOREIRA, Adriano Poltica Ultramarina. Lisboa: Estudos de Cincias Polticas e Sociais, 1956, p. 28.

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Adriano Moreira reala, no caso em exame, que quando os rgos do poder

poltico tm sede em territrio geograficamente distinto, por acidente natural ou histrico,

diz-se que a situao colonial decorre numa colnia48, concordando depois que a

situao colonial tambm um fenmeno de dependncia poltica, porquanto introduz,

no relacionamento cultural entre colonos e colonizados, um elemento valorativo fundado

na ideia de superioridade.

Na linha de Adriano Moreira, Antnio de Sousa Lara insiste que a situao

colonial o mesmo tipo de complexo de relaes sociais com fulcro num certo tipo de

dependncia, que existe sempre que, no mesmo territrio, habitem grupos tnicos de

civilizao diferente, mas em que o poder poltico, exercido s por um deles, tem os seus

rgos com sede nesse mesmo territrio e no noutro49.

Neste contexto, tem-se que no existe o factor da separao geogrfica entre o

territrio do colonizador e o territrio do colonizado; existe a convico por parte do

colonizador de que a sua civilizao e mundiviso em tudo superior do(s)

colonizado(s); a subjugao administrativa, poltica e econmica, resultante deste

processo, serve os interesses do colonizador, muito embora dele resultem efeitos positivos

para as populaes colonizadas50.

Silva Cunha considera que a situao colonial promana, acima de tudo, do sistema

de relaes e de interaco dos grupos que convivem numa colnia. Caracterizou-a da

seguinte forma: so situaes de simbiose, porque entre os grupos em convvio

estabelece-se um sistema de relaes que cria uma certa comunidade de vida; so

situaes de desigualdade porque os colonizadores, embora constituam geralmente uma

minoria numrica, formam uma maioria sociolgica, dispondo do poder poltico e do

domnio da economia; e so situaes caracterizadas pela diferenciao dos grupos que

as formam (diferenciao tnica, lingustica, religiosa e cultural51.

48 - MOREIRA, Adriano Op. Cit., p. 28. 49 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 15. 50 - LARA, Antnio de Sousa Op. Cit., p. 15. 51 - CUNHA, Silva Op. Cit., p. 17.

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Georges Balandier mostra que a situao colonial uma dominao imposta por

uma minoria estrangeira, racial e culturalmente diferente, em nome de uma superioridade

social (ou tnica) e cultural, dogmaticamente afirmada, a uma minoria autctone

materialmente inferior52. Em outros termos, aquele antroplogo releva, nesta definio,

duas civilizaes que se contrastam: uma de economia poderosa, de ndole crist, e outra,

de economia atrasada, sem tcnica complexa, e no crist.

Numa outra perspectiva, Balandier reconhece que a situao colonial impe a

coexistncia de um sistema tradicional, fortemente sacralizado e regendo relaes de

subordinao directa que possuem um carcter pessoal, e um sistema moderno, fundado

na burocracia, que instaura relaes menos personalizadas53.

Com base em subsdios antropolgicos e sociolgicos de diversos autores, como

sejam Balandier, Immanuel Wallerstein e Raymond Kennedy, elabora Guy Rocher um

modelo geral de sociedade colonizada, que integra seis variveis. Em outras palavras,

para que haja a situao colonial necessria a conjugao de seis factores, a saber: a

explorao econmica estrangeira, a dependncia poltica, as barreiras sociais e raciais, a

atomizao social, o sistema de justificaes e as atitudes psquicas.

Renate Zahar considera que existem dois plos antagnicos que dividem a

situao colonial: A prosperidade e os privilgios de um assentam directamente na

explorao e no pauperismo do outro. A manuteno desta relao exige uma reproduo

permanente da opresso54. Recorre a Frantz Fanon para sustentar que foi o colono que

fez e continua fazendo o colonizado. O colono tira a sua verdade, isto , os seus bens, do

sistema colonial55.

COLONIALISMO

O colonialismo, que constitui uma designao doutrinria e ideolgica, objecto

de inmeras definies. Adriano Moreira caracteriza-o pela imposio de uma soberania

52 - BALANDIER, Georges Sociologie Actuelle de LAfrique Noir Dynamique Sociale en Afrique Centrale, 2 Edio. Paris : Presses Universitaires

de France, 1963, p. 33. 53 - BALANDIER, Georges Antropologia Poltica, 2 Edio. Lisboa: Editorial Presena, 1987, p. 164. 54 - ZAHAR, Renate Colonialismo e Alienao Contribuio para a Teoria Poltica de Frantz Fanon. Lisboa: Ulmeiro, 1976, p. 56. 55 - ZAHAR, Renate Op. Cit., p. 56.

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estrangeira a um povo e seu territrio56. No dizer de Antnio de Sousa Lara, o

colonialismo reporta-se, necessariamente, condenao da poltica de explorao e

sujeio colonial, num altura em que as ideologias dominantes na cena poltica

internacional haviam estabelecido a deciso de pr fim ao sistema iniciado no sc. XX

com os Descobrimentos Portugueses57.

Tal facto foi marcado por uma intensa interveno do Estado sobre a

generalidade dos domnios da vida dos territrios e gentes aliengenas e exteriores, dele

dependentes. Para Anna Maria Gentili, o colonialismo, que uma forma da organizao

de sistemas de Poder, significa a dominao institucionalizada de um Estado sobre

povos pertencentes a civilizaes diversas e longnquas58.

Outros autores vem o colonialismo como um fenmeno profundo de

dependncia. No apenas poltica, econmica, mas tambm social e psquica. Esta

situao, na maioria dos casos, pe em evidncia a dependncia recproca das estruturas

da metrpole e da colnia, na base da qual se situam as relaes de interdependncia entre

colonos e colonizados59. Mrio de Andrade, escritor angolano e fundador do MPLA,

acha que o colonialismo um regime de explorao desenfreada de imensas massas

humanas que tem a sua origem na violncia e numa forma moderna de pilhagem60.

Antnio Marques Bessa ensina que o colonialismo uma prtica que consiste

em discriminar econmica, poltica e socialmente as populaes, muitas vezes de etnia

diferente, que se somaram por conquista ou integrao ao ncleo original da Nao61.

Explica-se depois: Economicamente, as colnias s podiam produzir matrias-primas

que se destinavam s manufacturas metropolitanas..; politicamente, os naturais no

acediam cidadania completa e viviam tutelados pelos colonizadores...; socialmente,

desfrutavam de um estatuto de servido e raramente alcanavam o nvel cultural do povo

dominante62.

56 - MOREIRA, Adriano Op. Cit., p. 132. 57 - LARA, Antnio de Sousa Colonizao Moderna e Descolonizao (Sumrios para o Estudo da sua Histria). Lisboa: Edio do ISCSP, 2000, p.

21. 58 - GENTILI, Ana Maria Colonialismo. In Dicionrio de Poltica, vol. I, 3 edio, de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino.

Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1991, p. 181. 59 - ZAHAR, Renate Op. Cit., p. 56. 60 - Ver o texto que serve de prefcio ao livro Discurso sobre o Colonialismo de Aim Csaire. 61 - BESSA, Antnio Marques Colonialismo. In Dicionrio Poltico do Ocidente. Lisboa: Editorial Interveno, p. 64. 62 - BESSA, Antnio Marques Op. Cit., p. 64.

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Adriano Moreia estabelece uma analogia entre a situao colonial e a colnia, para

depois enunciar dois tipos de colonialismo: missionrio e de espao vital. Este

discriminador, sacrifica o interesse do povo indgena e orientado pelo conceito

estratgico de poder em movimento; aquele integrador63.

O colonialismo missionrio quando a relao de domnio orientada pelo

conceito de sociedade aberta, facto que, em tese, implica que o objectivo final seja o da

integrao de todos num s grupo igualitrio; o colonialismo de espao vital quando h

uma barreira de princpio entre o dominado e o dominador, o que leva que a discriminao

tnica seja definitiva.

Em termos mais claros, o politlogo portugus sublinha que sempre que o povo

colonizador, detentor do poder poltico, afirme, religiosamente, a legitimidade dos seus

prprios interesses e o carcter puramente instrumental do povo colonizado, estamos em

face do que chamamos colonialismo de espao vital, o qual vai da subordinao dos

indgenas at sua extino completa e sistemtica64.

Adriano Moreira atribuiu-lhe esta designao porque esta variante do

colonialismo , geralmente, defendida () com base na afirmada legitimidade do povo

colonizador para adquirir todos os bens indispensveis, a comear pelo territrio, para

assegurar o que considera um nvel de vida aceitvel65. laia de exemplo, sugere o

Estado de Israel, a Alemanha nazi, a ndia de Nehru e os EUA.

Em sentido contrrio, quando o povo colonizador pretende exercer uma aco

civilizadora sobre o territrio e os seus povos indgenas, aceitando, por isso, a

legitimidade dos interesses destes, falaremos em colonialismo missionrio, justamente

porque o povo colonizador reclama o exerccio de uma misso cujo contedo se alcana

pela definio de uma tica superior que serve de limite ao seu poder poltico66. Como

63 - MOREIRA, Adriano Teoria das Relaes Internacionais. Coimbra: Livraria Almedina, 1996, p.p. 82 e 438. 64 - MOREIRA, Adriano Poltica Ultramarina. Lisboa: Estudos de Cincias Polticas e Sociais, 1956, p. 35. 65 - MOREIRA, Adriano Op., Cit., p. 35. 66 - MOREIRA, Adriano Op. Cit., p. 35.

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exemplo acabado de colonialismo missionrio Adriano Moreira aponta os casos

portugus e espanhol de colonizao.

DESCOLONIZAO

Tem-se por certo que a colonizao conduz descolonizao, a qual pode ocorrer

por processos diferentes, como o explica Silva Cunha: Pode descolonizar-se pela

homogeneizao das culturas em contacto e a integrao dos colonizadores e colonizados

na mesma unidade social e poltica e pode descolonizar-se pela separao de

colonizadores e colonizados passando estes a reger os seus prprios destinos67. Numa

s palavra, citando o mesmo professor, a descolonizao pode fazer-se ou pela integrao

ou pela emancipao.

Ainda a este propsito, Silva Cunha peremptrio ao asseverar que, em qualquer

dos casos, s h verdadeiramente descolonizao quando a integrao e a emancipao

correspondem a uma transformao real e profunda dos colonizados, isto , quando h

homogeneizao profunda e real das culturas em presena ou quando os colonizados

podem viver autonomamente, sem dependncias que no sejam as que resultam da natural

solidariedade entre os povos68.

Jonh D. Hargreaves precisou que a descolonizao o conjunto de medidas

tendentes a terminar com o controlo poltico formal sobre os territrios coloniais e sua

substituio por um novo relacionamento. Esta definio acolheu-a Antnio de Sousa

Lara, que ainda cita Bernard Droz, para quem a descolonizao constitui o termo

inelutvel de toda a estrutura de dominao distncia e abre um ciclo de cerca de trinta

anos que encerra, logicamente, o ciclo da colonizao.

Visto neste termo, o aludido politlogo sugere que a descolonizao entendida

como o produto de uma conjugao dos nacionalismos autctones e das novas relaes

de fora internacionais sadas da 2 Guerra Mundial. Para Antnio de Sousa Lara, a

67 - CUNHA, Silva Op. Cit., p. 24. 68 - CUNHA, Silva Op. Cit., p. 24.

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descolonizao significa o processo de eliminao formal dos vnculos jurdicos e

administrativos que caracterizam o processo do colonialismo, no sentido tcnico69.

Excluiu da presente definio, alis o prprio quem o diz, qualquer referncia

eliminao das dependncias extrajurdicas e de natureza material.

Guy Rocher v a descolonizao sob um duplo ngulo: como um processo, ou um

movimento histrico, e como o nascimento de uma Nao. No primeiro aspecto, encara-

a como o conjunto de aces e dos movimentos atravs dos quais uma sociedade

colonizada procura a no dependncia70; no segundo, veja-a como o aparecimento de

uma nova sociedade global e natureza muito particular71.

Jorge Borges de Macedo aduz uma definio, que diz ser actual da

descolonizao. Enuncia-a como algo que consiste, sobretudo, no afastamento dos

ocidentais das reas algenas onde se encontravam e onde dispunham de um poder

poltico e militar superior a dos autctones72. este o actual sentido do termo, a que se

junta o de Adriano Moreira. O contedo da descolonizao compreende pelo menos os

objectivos de alcanar a independncia em relao a um poder exterior ao territrio73.

ANTI-COLONIALISMO

O anti-colonialismo (vide ainda Cap. II, pontos 5, p. 123) equivale, em certa

medida, descolonizao. Em termos muito gerais, o mesmo que autodeterminao e

independncia, embora tenham, no fundo, alguns traos que os diferenciam. Posto isto,

impe-se-nos observar que a origem do anti-colonialismo poder ser localizada, em

abono da verdade, na independncia dos EUA, em 4 de Junho de 1776.

Foi, com efeito, o primeiro abalo que o colonialismo, ainda em expanso, sofreu,

se bem que as suas consequncias no tenham estremecido o mundo. A emancipao dos

69 - LARA, Antnio de Sousa Imperialismo, Descolonizao, Subverso e Dependncia. Lisboa: Edio do ISCSP, 2002, p. 16. 70 - ROCHER, Guy Sociologia Geral - Mudana Social e Aco Histrica, Vol. III, 4 Edio. Lisboa: Editorial Presena, 1989, p. 203. 71 - ROCHER, Guy Op. Cit., p. 203. 72 - MACEDO, Jorge Borges Op. Cit., p. 148. 73 - MOREIRA, Adriano A Comunidade Internacional em Mudana. In Estudos Polticos e Sociais, Revista Trimestral do Instituto Superior de

Cincias Sociais e Polticas, Vol. IX, n.s 1-4, Lisboa, 1981, p. 135.

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EUA, a par da do Brasil, em 1882, no surtiu ento o efeito desejado, ou, em outros

termos, no ps termo colonizao, escala planetria.

O anti-colonialismo conheceu trs grandes ciclos. O primeiro, que ocorreu no sc.

XIX, tem expresso no desmembramento do imprio colonial espanhol na Amrica e na

independncia do Brasil74, em consequncia do expansionismo europeu. Sousa Lara acha

que, nesta primeira fase, dificilmente, se pode falar de descolonizao, uma vez que as

elites aristocrticas locais brancas, mestias e crioulas, detentoras do poder poltico,

econmico e militar, ali se mantiveram mesmo depois da independncia.

Adriano Moreira no recua do rumo da anlise de Lara, frisando que o anti-

colonialismo do sc. XIX foi realmente uma descentralizao do Governo do

Ocidente75. Em boa verdade, era um movimento de minorias brancas, inteiramente

coincidentes, na concepo de vida privada, com as metrpoles76. Ou seja, tinha em vista

a criao de Estados soberanos que no romperam com o modus vivendi dos

colonizadores. Para aquele pensador, este anti-colonialismo era de natureza branca,

conservadora e burguesa.

O segundo ciclo do anti-colonialismo, que tem lugar de 1945 a 1975, foi marcado

pelos j conhecidos processos de descolonizao e provocou uma verdadeira exploso de

soberanias. A autodeterminao do sc. XX , ex adverso, mais uma separao das antigas

metrpoles do que um movimento nascido de um sentimento comunitrio nacional77.

Adriano Moreira traz evidncia que o anti-colonialismo do sculo ltimo no

teve por base nenhum projecto nacional: O sentimento comum mobilizador foi o da

reprovao da colonizao, o ataque supremacia tnica branca, a invocao dos direitos

do homem esquecidos. Mas no pde ser, em geral, o da autodeterminao nacional78.

74 - LARA, Antnio de Sousa - Imperialismo, Descolonizao, Subverso e Dependncia. Lisboa: ISCSP, 2002, p. 40. 75 - MOREIRA, Adriano Legado Poltico do Ocidente O Homem e o Estado, 3 Edio. Lisboa: Edio do Instituto Portugus da Conjuntura

Estratgica, 1995, p. 151. 76 - MOREIRA, Adriano Cincia Poltica. Coimbra: Livraria Almedina, 1995, p. 351. 77 - MOREIRA, Adriano Op. Cit., p. 351. 78 - MOREIRA, Adriano Op. Cit., p. 351.

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Antnio de Sousa Lara entende que a conquista da independncia e da criao

de novos Estados () serviu mais para a satisfao imediata da agitao de movimentos

emancipalistas, ditos de libertao nacional, e para a afirmao das respectivas elites e

chefias, do que para a viabilizao imediata de Estados de Direito e de polticas de

desenvolvimento econmico-social e do progresso nacional79.

Em sntese, comparando o anti-colonialismo do sc. XIX com o do XX, Adriano

Moreira determina que o nico denominador comum que os caracteriza o anti-

europesmo. No primeiro caso, tendo em vista os governos chamados despticos, mas

mantendo a etnia branca no Poder; no segundo caso, implicando a expulso das

soberanias e tambm da etnia branca colonizadora, umas vezes perseguida, outras,

obrigada a partir e sempre privada de continuar a participar no Poder80.

Existe, por outro lado, uma diferena de tomo que os separa, no que tange ao

acesso ao Poder: o do sc. XIX levou ao poder poltico minorias brancas, nascidas das

elites das metrpoles, enquanto o do sculo seguinte fez com que minorias autctones

alcanassem o Poder. Se os Estados sados do anti-colonialismo do sc. XIX no

romperam com o modelo de vida e de poltica das potncias colonizadoras, j os que

emergiram do anti-colonialismo do sc. XIX o fizeram.

O terceiro ciclo do anti-colonialismo aconteceu na Europa e na sia, em

consequncia do desmembramento da Unio Sovitica e da Jugoslvia. A imploso do

antigo bloco do leste europeu provocou, por assim dizer, uma profuso de Estados

independentes, que hoje tm assento em vrios organismos regionais e internacionais.

POVO E POPULAO

A populao um conceito puramente demogrfico e estatstico, ou seja, so

todas as pessoas, presentes no territrio do Estado, num determinado momento,81 quer

79 - LARA, Antnio de Sousa Colonizao Moderna e Descolonizao (Sumrios para o Estudo da sua Histria). Lisboa: Edio do Instituto Superior

de Cincias Sociais e Polticas, 2000, p. 24. 80 - MOREIRA, Adriano Op. Cit., p. 358. 81 - BONAVIDES, Paulo Cincia Poltica, 9 Edio, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1993, p. 57.

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sejam nacionais ou no. Marcello Caetano tem posio idntica, porque em seu

entendimento a populao tem um significado econmico82.

J Antnio Marques Bessa e Jaime Nogueira Pinto preferem usar um critrio

politolgico para precisar a definio da populao, a qual, segundo pensam, () deve

ser entendida como o conjunto de todos os indivduos subordinados ao mesmo poder

poltico83. Adelino Maltez apresenta dois conceitos de povo: um clssico e outro

funcionalista. Se o primeiro definiu-o como uma multido que vive em communio

(comunidade de interesses e de fins) com juris consensus84, j o segundo precisou-o

como um grupo de pessoas que compartilham hbitos complementares de

comunicao85.

Marcello Caetano designa povo como o conjunto de indivduos que, para a

realizao de interesses comuns, se constitui em comunidade poltica, sob a gide de leis

prprias e a direco de um mesmo poder86. O povo , para ele, constitudo apenas por

nacionais de um Estado. Ou seja, corresponde a uma noo jurdico-poltica, de

contedo preciso, representando o conjunto de cidados ou nacionais de cada Estado87.

No mesmo quadro de anlise se situa Darcy Azambuja, para quem povo a

populao do Estado, considerada sob o aspecto puramente jurdico, o grupo humano

encarado na sua integrao numa ordem social determinada, o conjunto de indivduos

sujeitos s mesmas leis, so os sbditos, os cidados de um mesmo Estado88.

Reinhold Zippelius prefere usar o conceito de povo em sentido sociolgico.

Descreve-o como a totalidade de indivduos que sente ligada por um sentimento de

afinidade nacional, que, por seu turno, est fundada numa pluralidade de factores, p. ex.,

o parentesco rcico, a cultura comum (especialmente da lngua e da religio) e o destino

poltico comum89.

82 - CAETANO, Marcello Manual de Cincia Poltica e Direito Constitucional, Tomo I, 6 Edio. Coimbra: Livraria Almedina, 1996, p. 123. 83 - BESSA, Antnio Marques e PINTO, Jaime Nogueira Op. Cit., p. 92. 84 - MALTEZ, Adelino Sobre a Cincia Poltica. Lisboa: Edio do ISCSP, 1994, p. 161. 85 - MALTEZ, Adelino - Op. Cit., p. 161. 86 - CAETANO, Marcello Op. Cit., p. 124. 87 - PINTO, Ricardo Leite, CORREIA, Jos de Matos, SEARA, Fernando Roboredo - Cincia Poltica, Direito Constitucional - Introduo Teoria

Geral do Estado, Oeiras: Livraria Republicana, 2000, p. 86. 88 - AZAMBUJA, Darcy Introduo Cincia Poltica, 6 Edio. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1987, p. 31. 89 - ZIPPELIUS, Reinhold Teoria Geral do Estado, 3 Edio. Lisboa: Edio da Fundao Calouste Gulbenkian, 1997, p. 94.

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Do ponto de vista sociolgico, a noo de povo assemelha-se da nao, melhor

dizendo, equivalem-se. Paulo Bonavides exprime que, neste caso, () o povo

compreendido como toda a continuidade do elemento humano, projectado historicamente

no decurso de vrias geraes e dotado de valores e aspiraes comuns90.

Lus S acha que, luz do marxismo, deve haver uma distino entre os dois

sentidos da palavra povo: o vulgar e o cientfico. O primeiro a populao de um Estado

e de um pas, enquanto o segundo a comunidade de pessoas, que se modifica

historicamente, formada pela parte da populao, camadas e classes, que, pela sua posio

objectiva, esto em condies de participar na resoluo dos problemas concernentes ao

desenvolvimento revolucionrio de um dado pas num dado perodo91.

A definio de povo de Amlcar Cabral aproxima-se muito da de Lus S, porque

a faz depender do momento histrico que se vive na terra. O militante n 1 do PAIGC

concorda que () em cada fase da histria de uma nao, de uma terra, duma populao,

de uma sociedade, o povo define-se consoante a linha mestra da histria dessa sociedade,

consoante os interesses mximos da maioria dessa sociedade92.

Amlcar Cabral expe a noo de povo e da populao: A populao toda a

gente, mas o povo j tem que ser considerado com relao prpria histria93. Hoje,

na Guin ou em Cabo Verde, o povo da Guin ou povo de Cabo Verde, para ns, aquela

gente que quer correr com os colonialistas portugueses da nossa terra. Isso que o povo,

o resto no da nossa terra nem que tenha nascido nela. No povo da nossa terra,

populao, mas no povo94.

O fundador do PAIGC vai ainda mais longe na sua anlise: Isso nesta fase,

neste momento. Mas daqui a algum tempo, quando tomarmos a nos