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96 V. A RECONCILIAÇÃO, A JUSTIÇA E A PAZ NO ENSINAMENTO DA IGREJA CATÓLICA EM MOÇAMBIQUE (Cartas Pastorais e outros Documentos da Hierarquia Bispos) Pe. Inácio Mole, CEM - Maputo. I. INTRODUÇÃO «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontra eco no seu coração…» (1) Estas palavras da Constituição Pastoral, sobre a Igreja no Mundo Actual (Gaudium et Spes) do Concílio Vaticano II impulsionaram o episcopado de Moçambique a reflectir sobre as situações que o povo moçambicano viveu ao longo de mais de trinta anos; sobretudo depois da Independência Nacional. A nossa reflexão incide sobre a Reconciliação, a Justiça e a Paz no ensinamento da Igreja Católica em Moçambique, apresentando o contributo da Conferência Episcopal de Moçambique, nas suas Cartas Pastorais e outros documentos semelhantes. Esta reflexão está inserida no grande tema: A Igreja em Moçambique ao serviço da Reconciliação, da Justiça e da Paz. Confesso que não é tão fácil compilar os _____________________________________________ (1) Vaticano II, Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Actual, G. S. nº 1.

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V. A RECONCILIAÇÃO, A JUSTIÇA E A PAZ NOENSINAMENTO DA IGREJA CATÓLICA EMMOÇAMBIQUE (Cartas Pastorais e outrosDocumentos da Hierarquia – Bispos)

Pe. Inácio Mole, CEM - Maputo.

I. INTRODUÇÃO

«As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústiasdos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todosaqueles que sofrem, são também as alegrias e asesperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos deCristo; e não há realidade alguma verdadeiramentehumana que não encontra eco no seu coração…» (1)

Estas palavras da Constituição Pastoral, sobre a Igreja noMundo Actual (Gaudium et Spes) do Concílio VaticanoII impulsionaram o episcopado de Moçambique areflectir sobre as situações que o povo moçambicanoviveu ao longo de mais de trinta anos; sobretudo depoisda Independência Nacional.

A nossa reflexão incide sobre a Reconciliação, a Justiçae a Paz no ensinamento da Igreja Católica emMoçambique, apresentando o contributo da ConferênciaEpiscopal de Moçambique, nas suas Cartas Pastorais eoutros documentos semelhantes.

Esta reflexão está inserida no grande tema: A Igreja emMoçambique ao serviço da Reconciliação, da Justiçae da Paz. Confesso que não é tão fácil compilar os_____________________________________________(1) Vaticano II, Constituição Pastoral sobre a Igreja no

Mundo Actual, G. S. nº 1.

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vários documentos dos Bispos de Moçambique eapresentar um ensinamento da Igreja sobre areconciliação, a justiça e a paz, pois que corremos o riscode omitir aspectos importantes e necessários.

Para apresentar este tema vou seguir o seguinte esquema: A Reconciliação, a Justiça e a Paz no ensinamento da

Igreja Católica em Moçambique. A Reconciliação, a Justiça e a Paz Cartas Pastorais e outros documentos

Um olhar histórico sobre o Ensinamento da IgrejaCatólica em Moçambique. Período de 1976 – 1986 Período de 1986 – 1996 Período de 1996 – 2006 Período de 2006 – 2009

Avaliação Geral Conclusão

O meu objectivo é fazer um resumo, uma espécie derevisão histórica da situação política, social e religiosa deMoçambique, para apresentar o contributo (ensinamento)da Igreja Católica sobre a Reconciliação, a Justiça e aPaz.

II. A RECONCILIAÇÃO, A JUSTIÇA E A PAZNO ENSINAMENTO DA IGREJA CATÓLICAEM MOÇAMBIQUE.

1. A Reconciliação, a Justiça e a Paz

No prefácio do «Instrumentum Laboris» do Sínododos Bispos, II Assembleia Especial para África, que temcomo título «A Igreja em África ao serviço da

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reconciliação, da Justiça e da Paz», o Cardeal NikolaEterovic, Secretário Geral do Sínodo, afirma que «osPadres Sinodais, guiados pelo Sumo Pontífice,pretendem aprofundar os temas da Reconciliação, daJustiça e da Paz, a fim de que a Igreja no seu conjunto,as suas comunidades e instituições, bem como cada umdos cristãos, comunitária e pessoalmente, possamtornar-se cada vez mais o sal da terra africana e a luzdo mundo social, cultural e religioso em África» (2)

A Reconciliação, a Justiça e a Paz entre os homens emulheres sobre a terra, principalmente aqueles e aquelasque se encontram em desavença, são realidades que seimpõem a todos. A Igreja, com mais razão no seuconjunto, é chamada a ser uma comunidade reconciliadae reconciliadora.

Por isso, na sociedade moçambicana flagelada pelasintrigas e guerras entre irmãos, a Igreja, com o seu deverde ser mãe e mestra, foi e é chamada a propor osCaminhos da Reconciliação, da Justiça e da Paz. Desde1976 até hoje encontramos muitos documentos (CartasPastorais, Exortações Pastorais, Notas Pastorais,Comunicados, Mensagens, etc.) em que o episcopadomoçambicano foi chamado a dar a sua contribuição emprol da Reconciliação, Justiça e Paz.

_____________________________________________

(2) Cf. «Instrumentum Laboris» Introdução III

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2. Cartas Pastorais e outros documentos

Entre as várias cartas pastorais e outros documentos e, sópara termos uma ideia geral sobre o contributo dosbispos da Conferência Episcopal de Moçambique (CEM)no que diz respeito a Reconciliação, a Justiça e a Pazdesde 1976 até hoje, apresento-vos alguns: Viver a Fé no Moçambique de Hoje, Carta

Pastoral da CEM, 1976. Caminhos de Paz, Nota Pastoral da CEM, 1979. Um Apelo à Paz, Exortação Pastoral da CEM,

1983. Conversão e Reconciliação, Exortação Pastoral da

CEM, 1983. A urgência da Paz, Exortação Pastoral da CEM,

1984. Novo Apelo à Paz, Nota Pastoral da CEM, 1984. A Paz é Possível, Carta Pastoral da CEM, 1985. Cessem a guerra, construamos a Paz, Exortação

Pastoral da CEM, 1986. A Paz que o Povo Quer, Carta Pastoral da CEM,

1987. Justiça e Paz na África Austral, Carta Pastoral da

IMBISA, 1988. Discursos do Papa João Paulo II aos Bispos de

Moçambique, 1988. João Paulo II em Moçambique, Homilias,

Discursos e Mensagens, 1988. Esperança da Paz, Carta Pastoral da CEM, 1989. Urgir o Diálogo da Paz, Carta Pastoral da CEM,

1990. A Paz exige a Reconciliação, Carta Pastoral da

CEM, 1990.

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Momento Novo, Carta Pastoral da CEM, 1991. Quando Virá a Paz? Carta Pastoral da CEM, 1991. Paz, Nota Pastoral da CEM, 1992. Construamos a Paz na Justiça e no Amor, Nota

Pastoral da CEM, 1992. Consolidar a Paz, Carta Pastoral da CEM, 1994. Solidários para um Moçambique Melhor, Carta

Pastoral da CEM, 1994. Promover a Cultura da Vida e da Paz, Carta

Pastoral da CEM, 1996. Votar é contribuir para o Bem Comum,

Exortação Pastoral da CEM, 1997. Votar é Servir a Pátria, Carta Pastoral da CEM,

1999. Governar é Servir a Pátria, Carta Pastoral da

CEM, 2000. Justiça e Transparência nas Eleições, Carta

Pastoral da CEM, 2003. Comprometidos com a Justiça, a Reconciliação e

a Paz, Carta Pastoral da CEM, 2008. Exigência de Eleições livres, justas e

transparentes, Carta Pastoral da CEM, 2008.

III. UM OLHAR HISTÓRICO SOBRE OENSINAMENTO DA IGREJA CATÓLICA EMMOÇAMBIQUE

1. Período de 1976 a 1986

Como todos nos recordamos, Moçambique ascendeu àsua independência nacional no dia 25 de Junho de 1975.Assim, o Povo moçambicano conquistou a sua soberaniacomo uma nação independente.

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A euforia da Independência fez querer aosmoçambicanos um país melhor, onde cada moçambicanopoderia ter os mesmos direitos e as mesmasoportunidades. Daí todos estavam a lutar para a mesmacausa. Começa-se a construir um Moçambique novo;organizam-se as instituições do Estado. A Igreja começaa tomar um rosto e uma identidade própria. Mas, aomesmo tempo, em Fevereiro de 1977, com a realizaçãodo seu Terceiro Congresso, a Frelimo mudou o rumo dapolítica e abraçou o marxismo-leninismo comoorientação política, económica e social de Moçambique.Isso influirá profundamente todo o processo sócio-político, económico e religioso do país.

Esta nova situação vai fazer com que os Bispos católicosde Moçambique, depois de um ano de profunda reflexão,tragam um programa pastoral para responder a estasituação. A carta Pastoral Viver a Fé no Moçambiquede Hoje (1976) é de referência obrigatória para umaprofunda compreensão da linha pastoral da ConferênciaEpiscopal de Moçambique.

Nela encontramos reflexões sobre alguns factosimportantes: independência nacional, liberdade religiosae laicidade do Estado, nacionalizações, saída dosmissionários, igreja local, missão da igreja, formação eanimação das comunidades, a família cristã,comunidades e ministérios, a comunhão fraterna, aEucaristia, etc.

Esta carta, penso eu, foi a base ou o alicerce da PrimeiraAssembleia Nacional de Pastoral, realizada de 08 a 13 deSetembro de 1977 na Beira. Também esta carta foi a

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base de todo o pensamento e de todo o ensinamento doepiscopado moçambicano sobre a Reconciliação, aJustiça e a Paz em Moçambique.

A introdução do marxismo-leninismo em Moçambiquefoi uma grande decepção para os moçambicanos.Provocou a fúria de alguns e criou a guerra fratricida quedurou mais de 16 anos.

Neste contexto sócio-político de Moçambique, a Igreja,na sua hierarquia, foi levada a concretizar o programapastoral apresentando documentos, cartas pastorais eexortações pastorais para persuadir e reconciliar osirmãos desavindos, propondo o caminho do diálogo, dareconciliação, da Justiça e da Paz.

Neste período, para além de muitas cartas pastorais eoutros documentos, o destaque vai para Caminho dePaz, Nota Pastoral da CEM, 1979, que, depois deapresentar a situação de violência no mundo, dá uminforme geral sobre as causas da violência no mundo,suas consequências na sociedade humana e dá asorientações pastorais. Dizem os pastores, citando o PapaPaulo VI, «a Igreja não pode aceitar como princípio aviolência, sobretudo a força das armas de que se perde odomínio, uma vez desencadeada; não pode aceitar amorte de pessoas sem descriminação como caminhopara a libertação. Ela sabe, com efeito, que a violênciaprovoca sempre violência e gera irresistivelmente novasformas de opressão e de escravização». (3)

(3) (Cf. Caminho de Paz, Nota pastoral da CEM, 1979,nº 4).

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Também neste período se destacam os documentos: UmApelo à Paz, 1983, Conversão e Reconciliação, 1983,A Urgência da Paz, 1984, Novo Apelo à Paz, 1984 e APaz é Possível, 1985. Estes documentos são um apelo aconversão, que levarão os protagonistas da guerra areconciliação para o alcance da Paz duradoura everdadeira.

Dizem os bispos na Carta Pastoral A Paz é Possível: «OPovo sofre e o seu sofrimento tornou-se clamor. Eninguém que tenha ouvidos atentos à Justiça, ao amor àdignidade e aos direitos de cada ser humano poderádeixar de ouvir e de entender este grande clamor dumpovo torturado pela guerra e por tantas outrasviolências imerecidas e injustas… A guerra emMoçambique é um facto e a sua violência é, dia a dia,mais cruel e desumana. Queremos denunciar mais umavez, esta guerra fratricida e assassina…» (4)

2. Período de 1986 a 1996

Este período tem três características fundamentais: Aintensificação da guerra (1986 – 1991), o Acordo Geralde Paz e os primeiros momentos da Paz (1992 – 1996) eas primeiras eleições realizadas em 1994.

Ao nível político, deu-se uma mudança de mentalidadeno governo moçambicano e, consequentemente, umanova Constituição da República (1990), que será aexpressão jurídica mais importante da nova realidadesócio-política de Moçambique. Como tal, influirágrandemente na Reconciliação dos Moçambicanos.

(4) Cf. A Paz é Possível, Exortação Pastoral, 1985, nº 4.

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Entre os anos 1986 – 1991 intensifica-se a guerra emtodo o país. Há mortes, destruição do tecido humano,destruição de infra-estruturas (pontes, casas etc.). Istolevou o Episcopado moçambicano a fazer apelosveementes para o fim da guerra e do conflito entreirmãos.

Em Setembro de 1988, a Visita do Papa João Paulo II aMoçambique impulsionou significativamente o apelo aofim da guerra civil.

A nova Constituição da República (1990), os AcordosGerais de Paz (1992) trouxeram uma nova era aMoçambique de tal forma que já a preocupação doEpiscopado moçambicano é a reconciliação entre irmãossaídos da guerra e a consolidação da Paz em todo o País.

Este período com as três características fundamentais jámencionadas, também vai fazer com que os Bisposrespondam durante o mesmo de três formas diferentes.

Entre os anos 1986 e 1991, temos como grandemensagem o apelo veemente para que cesse a guerra,que dilacera os moçambicanos, para construir a pazverdadeira. Neste período encontramos os seguintesdocumentos: Cessem a Guerra, Construamos a Paz(1986), A Paz que o Povo quer (1987), Justiça e Pazna África Austral (1988), Discurso do Papa JoãoPaulo II aos Bispos de Moçambique (1988), JoãoPaulo II em Moçambique, Homilias, Discursos,Mensagens (1988), Esperança da Paz (1989), Urgir oDiálogo da Paz (1990), A Paz exige a Reconciliação(1990), Momento Novo (1991) e Quando virá a Paz?(1991).

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Por causa do alastramento da guerra que originou adestruição a todos níveis, já em 1986 os prelados diziam:«A violência e a guerra alastraram e agravaram-seassustadoramente em todas as províncias com frutosamargos da angústia e da morte. A insegurança, o medo,a carência de géneros de primeira necessidade, alimitação de toda a ordem, atingem toda a população.Ouvem-se continuamente notícias alarmantes deincêndio e pilhagem de aldeias, deslocações forçadas depovoações inteiras, raptos, vinganças premeditadas,espectáculos de crueldade, execuções bárbaras napresença de jovens e crianças, massacres, destruições decasas e bens de populações indefesas e dos bens daNação» (5)

Depois desta constatação do alastramento da guerra e daviolência, os senhores bispos, para além de exortarem osfinanciadores e apoiantes desta guerra fratricida, fazemapelo particularmente aos protagonistas da guerra e daviolência dizendo: «Apelamos, muito particularmente,aos nossos governantes para que continuem a envidartodos os esforços no sentido de pôr termo, quanto antes,a esta guerra, e de alcançarmos a paz que o nosso povotanto aspira e deseja... Continuamos a pensar que a pazjusta e duradoura não virá pela força das armas, masatravés dos meios pacíficos, como são os meiospolíticos, o diálogo e a reconciliação... Aos responsáveisda guerrilha queremos dizer, desde já, que os fins nãojustificam os meios. Por isso apelamos para querespeitem as populações inocentes e indefesas, a sua

___________________________________________(5) Cf. Cessem a Guerra e Construamos a Paz,

Exortação Pastoral, 1986 nº 3

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vida e bens, abandonem os meios violentos e enveredemcorajosamente pelo caminho do diálogo e dareconciliação» (6).

Na Carta Pastoral A Paz que o Povo quer (1987),depois de os Bispos terem falado do Partido Frelimo, dogoverno da nação e da Renamo como primeirosresponsáveis do conflito e com o poder de decisão sobreele, fazem um apelo veemente e directo com estaspalavras: «Sendo desejo profundo do povo que a guerratermine quanto antes, apelamos ao nosso GOVERNO eaos chefes da RENAMO para que ponham em acção osmecanismos próprios para este efeito. Criem um climafavorável à reconciliação nacional, como seria o cessar-fogo e o fim da guerra de palavras» (7)

Merecem um destaque particular os discursos do PapaJoão Paulo II, aquando da sua visita a Moçambique entreos dias 16 e 19 de Setembro de 1988. Nestes discursos, oPapa, fundamentalmente com confiança e esperança,apela aos protagonistas da guerra, ao povomoçambicano, a comunidade internacional e a todos oshomens de boa vontade que trabalhem para que emMoçambique se ponha termo a guerra para que seconstrua a Paz na justiça e no amor.

No Discurso que o Santo Padre faz ao Presidente daRepública de Moçambique na sua chegada ao aeroporto

_____________________________________________

(6) Cf. Cessem a Guerra… nºs 11 e 12(7) Cf. A Paz que o Povo quer, Carta Pastoral, 1987 nº

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de Maputo disse: «Muitos milhares de pessoas sãoforçados a deslocar-se à procura de segurança e demeios para sobreviver; outras refugiam-se nos paísesvizinhos. Face a este lamentável condicionalismo,quando se apresentou a ocasião, não tenho deixado derepetir: ‘Não à violência e sim à paz! E contaramsempre com o meu apoio as diligências dos meus irmãosBispos moçambicanos em favor da Paz» (8).

Uma das Cartas Pastorais, que considero de leituraobrigatória, é Momento Novo, 1991. Esta Carta faz umresumo de toda a história de Moçambique desde aindependência até ao ano 1990, ano de viragem sócio-política, com a nova constituição (1990) que introduziu oEstado de direito democrático, alicerçado na separação einterdependência dos poderes legislativo, executivo ejudicial, e no pluralismo político. A nova constituiçãocontribuiu significativamente no processo de pacificaçãoem Moçambique.

Na Carta Pastoral Quando Virá a Paz? (1991), depois deos Bispos terem dito que a Paz não se impõe com a forçadas armas pois alcança-se com a força da razão, dodiálogo, da confiança mútua e da reconciliação, pois quea reconciliação é a garantia da Paz, afirmam: «Ora, opovo já está cansado de sofrer inútil e injustamente; jáestá farto de palavras e promessas que nunca secumprem e parece que já não acredita em ninguém paranada.

____________________________________________

(8) Cf. João Paulo II em Moçambique, Homilias –Discursos – Mensagens, 1988 pág. 13.

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Nós, Bispos Católicos clamamos com o povo que sofre emorre; apelamos para que cessem a violência, o terror,a morte, os raptos, a destruição e toda a loucura ferozda guerra…» (9)

O segundo momento deste período vai de 1992 a 1996,altura da assinatura dos Acordos Gerais de Paz emRoma, a 4 de Outubro de 1992 e o tempo daconsolidação da paz.

Os Acordos Gerais de Paz em Roma trouxeram muitasalegrias para o povo moçambicano. O povo, flageladopela guerra injusta, viveu momentos novos. Porém, nãodeixemos de dizer que estes Acordos Gerais de Paztambém trouxeram novos desafios aos quais os Bisposforam chamados a dar respostas de esperança econfiança.

Entre várias contribuições feitas pelo episcopado deMoçambique apresento os seguintes documentos: Paz,Nota Pastoral (1992), Construamos a Paz na Justiça eno Amor, Nota Pastoral (1992), Consolidar a Paz,Carta Pastoral (1994), Solidários para umMoçambique Melhor, Carta Pastoral (1994) ePromover a Cultura da Vida e de Paz, Carta Pastoral(1996).

Já antes dos Acordos Gerais de Paz, em Agosto de 1992,na Nota Pastoral, a Paz, os Bispos diziam, «Caríssimos

_____________________________________________(9). Quando Virá a Paz?, Carta Pastoral, 1991, nºs 6- 7.

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irmãos: Moçambique e o Mundo inteiro tiveram o seuolhar dirigido para Roma, onde do dia 4 ao 7 de Agostodo ano em curso, se iria realizar o suspirado encontroentre o Presidente da República de MoçambiqueJoaquim Alberto Chissano e o Presidente da RenamoAfonso Dhlakama. Era um olhar trepidante mas cheio deconfiança e de esperança por ser a concretização oumaterialização daquilo que os Bispos Católicos deMoçambique e o nosso povo sempre preconizaram: quea guerra fratricida no nosso País só acabaria quando osirmãos beligerantes, sobretudo as cúpulas, tivessem acoragem de frente a frente se sentarem em diálogo paraencontrar caminhos conducentes à paz com a maiorurgência possível» (10).

É uma indicação clara da convicção dos Bispos deMoçambique da importância e necessidade do diálogoentre os protagonistas da guerra para encontraremcaminhos que levem à uma paz verdadeira e duradoura.

Após a guerra civil, e os Acordos Gerais de Paz emRoma, em Outubro de 1992, a Igreja, através das suasdiferentes comissões sociais, sobretudo através daComissão Episcopal de Justiça e Paz, trabalhou com todaa sociedade moçambicana para criar e desenvolver aconsciência sobre a importância e necessidade dareconciliação e perdão ao nível nacional e a todos osníveis (social, político e religioso). Neste âmbito criou,formou e capacitou os então chamados «IntegradoresSociais», que foram verdadeiros «Animadores daReconciliação”. O trabalho dos integradores sociais e de

(10)Cf. Paz, Nota Pastoral, 1992, pág. 1

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todos os outros grupos nacionais, que se dedicaram àdisseminação da mensagem do perdão e reconciliaçãonacional, tinha como objectivo principal que, após aguerra, não houvesse «ajuste de contas» e que todos osmoçambicanos se preocupassem muito mais com ofuturo. Este trabalho culminou com o estabelecimentoefectivo de um clima de busca incessante da paz (Culturade Paz) em todas as camadas sociais do país. Com efeito,após a guerra civil e até aos nossos dias, não há aindaindícios de retorno à guerra.

Devido a alguns desafios trazidos pelos Acordos Geraisde Paz, a Carta Pastoral Consolidar a Paz, depois defazer uma análise profunda da situação depois dosAcordos Gerais de Paz, afirma: «O Processo deReconciliação Nacional não se limita a sarar as chagasdo ódio e da violência e a reconstruir parte dasestruturas dos serviços sociais. Lança-se sobretudo àrecuperação das próprias raízes culturais e da própriamoçambicanidade do povo, por longos anos recalcadase negadas como obscurantismo e reaccionárias» (11)

Os Bispos consideram as eleições gerais emultipartidárias como um dos elementos fundamentaisna democratização do país, na consolidação da paz e nareconciliação nacional. Dizem eles: «As Eleições devemser livres e justas; devem, além disso, constituir ummomento privilegiado para o aprofundamento dareconciliação nacional e para o empenhamento conjunto

(11) Cf. Consolidar a Paz, Carta Pastoral, 1994 nº 6

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da reconstrução do País. As eleições devem constituirum momento de celebração das liberdades essenciais decada cidadão, liberdades consagradas naConstituição eno direito natural da reconciliação e do empenhamentosolidário na reconstrução nacional» (12)

A Carta Pastoral, Solidários para um MoçambiqueMelhor (1994), é uma “carta magna” que exorta eencoraja a todos moçambicanos a caminharem naesperança, sobretudo a participarem com consciênciailuminada nas primeiras eleições gerais emultipartidárias, como contribuição na reconstrução ereconciliação nacional.

Já no ano de 1996, dois anos após as primeiras eleiçõesmultipartidárias, os Senhores Bispos, vendo que a pazestava sendo ameaçada, escreveram a Carta Pastoral,Promover a Cultura da Vida e da Paz, onde, entrevários assuntos que tratam, sublinham os temas daReconciliação e da Paz e da Democracia, e a sua práticaque se assenta no amor e na justiça.

Afirmam os prelados: «A Paz e a Reconciliaçãotraduziram-se, então numa espécie de aliança e dejuramento mútuo, assim como na promessa de darmos asmãos e trabalharmos juntos, a fim de encontrar ascondições para a Paz. Então aceitamos os Acordos dePaz e a sua implementação. Aceitamos a formação dumaComissão Nacional de Eleições, o RecenseamentoEleitoral, a Educação Cívica… Assim nos dias 27 e 28

(12) Cf. Consolidar a Paz… nº 18

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de Outubro de 1994 elegemos, por voto secreto euniversal, o Presidente da República e os Deputados àAssembleia da República. Todo este processo era frutode uma paz sempre em crescimento, vivida por cada umde nós com tanta intensidade e com um sabor tãooriginal que constituímos um exemplo para toda África epara todo o mundo» (13).

E os Bispos constatavam que esta afirmação da pazestava a ser posta em causa, e que se impunha o dever demais uma vez trabalhar pela paz e pela reconciliaçãoentre os moçambicanos.

«Sentimos, com efeito, que a Paz e a Reconciliação estãocada vez mais ameaçadas precisamente porqueperderam aquele sabor original, aquele entusiasmo queentão vivia, tendo-se transformado num jogo de palavrasou numa ameaça a pesar continuamente sobre as nossascabeças: ameaça do retorno a guerra e da incapacidadequer da Frelimo, quer da Renamo em se reconciliaremefectivamente…» (14).

Os Pastores da Igreja Católica sentem a necessidade deapelar a todos os envolvidos na frágil reconciliação e pazentre os moçambicanos, no sentido de encontraremcaminhos novos de diálogo para uma paz efectiva.

(13) Cf. Promover a Cultura da Vida e da Paz, CartaPastoral, 1996 nº 9.

(14) Cf. Promover a Cultura da Vida e da Paz, nº 11

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3. Período de 1996 a 2006

Este período é marcado pela consolidação da paz, pelasprimeiras eleições autárquicas (1998), pelas segundaseleições gerais multipatidárias (1999), pelas segundaseleições autárquicas (2003) e pelas terceiras eleiçõesgerais multipartidárias (2004). Neste período,apareceram vários desafios, sobretudo com a mudançado Presidente dentro do partido Frelimo, nas terceiraseleições gerais e pluripartidárias (2004), que trouxeramoutros desafios, sobretudo a tendência do regresso aomonopartidarismo.

Aqui, como sempre, a Igreja Católica foi chamada a dara sua contribuição para o bem da sociedademoçambicana por meio de Cartas Pastorais e outrosdocumentos. O destaque vai para Votar é Contribuirpara o Bem Comum, Exortação Pastoral (1997), Votaré Servir a Pátria, Carta Pastoral (1999), Governar éServir a Pátria, Carta Pastoral (2000) e Justiça eTransparência nas Eleições, Carta Pastoral (2003).

Este período é marcado pela consolidação da paz, pelasprimeiras eleições autárquicas (1998), pelas segundaseleições gerais e pluripartidárias (1999), pelas segundaseleições autárquicas (2003) e pelas terceiras eleiçõesgerais e multipartidárias (2004), sobretudo pela mudançapolítica no seio do partido Frelimo. Os Senhores Bispos,nas suas Cartas Pastorais, vão dar a sua contribuiçãoapresentando alguns ensinamentos.

A Exortação Pastoral Votar é Contribuir para o BemComum (1997) é dedicada fundamentalmente àsprimeiras eleições autárquicas, agendadas para o ano

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1998. Aqui os Pastores exortam aos fiéis cristãos e atodos os homens de boa vontade para que tenham aconsciência clara de que votar é contribuir para o bemcomum.

Dizem os pastores: «Queremos lembrar que votar é umdever de todos. Por isso, nenhum cidadão deveriaabster-se da votação nas eleições autárquicas, porqueno fundo votar é governar. É preciso acreditar napolítica, na participação activa e no valor do voto» (15).

Os Bispos apelam a todos os eleitores em geral e aoscristãos em particular a tomarem a sério o acto eleitoralcomo dever patriótico.

Um ano depois, em 1999, nas vésperas das segundaseleições gerais multipartidárias, com a intenção de ajudaros cristãos e o povo em geral a sentirem a importância ea necessidade de votar como serviço à pátria, escreverama Carta Pastoral Votar é Servir a Pátria.

Nesta Carta, os Bispos avaliam os últimos cinco anosque antecederam as primeiras eleições pluripartidárias,que foram feitas num clima de inexperiência, sobretudode medo. O povo moçambicano deu ao mundo exemploadmirável de coragem, determinação e vontade deassumir as suas responsabilidades patrióticas, e deusinais claros de maturidade política e cívica. Todavia, há

(15) Cf. Votar é Contribuir para o Bem Comum,Exortação Pastoral, 1997, nº 12.

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questões que se devem ter em conta ao se preparar paraas segundas eleições: a pobreza e a miséria aumentaramo índice do desemprego aumentou; os salários sãoverdadeiramente de fome; os preços de géneros deprimeira necessidade são demasiados altos e proibitivos,etc. Daí que o povo é chamado a votar com maiorresponsabilidade, sabendo que votar é servir a pátria.Dizem os pastores nesta carta: «Queremos reafirmaraqui o que dissemos na nossa Exortação Pastoral sobreas eleições autárquicas e nas outras cartas anteriores:“em toda a governação o poder não deve ser assumidocomo prémio, nem como domínio de uns sobre os outros,nem como acesso à riqueza pessoal, mas como serviçoao Bem Comum”. O poder político, no verdadeirosentido do termo, não é para servir-se a si mesmo, maspara servir a todos e cada um dos cidadãos semqualquer tipo de discriminação» (16).

A Carta Pastoral, Justiça e Transparência nas Eleições(2003) é uma reflexão profunda sobre a realidade sócio-política e económica de Moçambique, desde as primeiraseleições autárquicas (1998), as segundas eleições geraise pluripartidárias (1999), em vista as segundas eleiçõesautárquicas (2003) e as terceiras eleições gerais epluripartidárias (2004).

Depois de apresentar os aspectos positivos e negativosda realidade moçambicana a nível sócio-político eeconómico, os bispos propõem o acto eleitoral de (2003– 2004) como uma manifestação política da sua fé e doseu compromisso em prol do bem comum do país.

(16) Cf. Votar é Servir a Pátria, Carta Pastoral, 1999, nº14

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Afirmam os Pastores: «Exortamos a todos osmoçambicanos e a todas as moçambicanas de boavontade e, particularmente a todos os que acreditam emDeus e aos fiéis das Igrejas Cristãs e da Igreja Católica,para que façam do acto eleitoral uma manifestaçãopolítica da sua fé e do seu compromisso ao bem comumintegral do país…» (17).

4. Período de 2006 a 2009

Este período é caracterizado fundamentalmente pelosconflitos políticos, motivados pela sensação de voltarpara o monopartidarismo, que leva à tendência acentuadada partidarização do Estado, fruto das últimas eleiçõesgerais e multipartidárias do ano 2004.

Neste período as instituições do Estado (educação,saúde, defesa, segurança, etc.) estão ao serviço doPartido Frelimo. Esta constatação geral fez com que osBispos Católicos de Moçambique escrevessem duasCartas Pastorais para denunciarem esta atitude:Comprometidos com a Justiça, a Reconciliação e aPaz, Carta Pastoral (2008) e Exigência de EleiçõesLivres, Justas e Transparentes, Carta Pastoral (2008),em vista das terceiras eleições autárquicas de 2008.

A Igreja como mãe e mestra, depois de analisar estefenómeno do saudossísmo e regresso aomonopartidarismo, na carta pastoral Comprometidoscom a Justiça, Reconciliação e Paz (2008), depois deapresentar e reflectir sobre as luzes e as sombras destanova situação, com todas as suas consequências nefastas,____________________________________________(17) Cf. Justiça e Transparência nas Eleições, Carta

Pastoral, 2003, nº 6

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chama a atenção a todos os moçambicanos à tolerânciapolítica, ao diálogo, à reconciliação, à justiça e à paz.Afirmam os pastores: «No que se refere a vida públicado país notamos com preocupação a partidarização doEstado, das instituições públicas, de pessoas e doemprego pelo partido no poder. Preocupa-nosigualmente a coação de cidadãos a pertencer ao partido.Não é menos preocupante a intolerância da existênciade outros partidos nalgumas zonas do país. Tudo istoconstitui uma violação dos direitos humanos e lesa ademocracia e a paz…» (18)

No tocante à Carta Pastoral Exigência de EleiçõesLivres, Justas e Transparentes (2008), os pastores daIgreja Católica em Moçambique fazem uma avaliaçãorápida de todos os processos eleitorais passados. Essaseleições deixaram marcas profundas no processodemocrático de Moçambique.

Para os pastores as luzes desses processos são exemplosa seguir e as sombras são lições a aprender para que oprocesso eleitoral não seja manchado pela injustiça, faltade transparência e de liberdade.

De acordo com os Bispos, «tendo presente os eloseleitorais que se avizinham, exortamos aos políticos que,nas suas propagandas e manifestos eleitorais,apresentem alternativas credíveis e realizáveis. Nossa

(18)Cf. Comprometidos com a Justiça, Reconciliação ePaz, Carta Pastoral, 2008 nº 17

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exortação é que nunca se candidate na única perspectivade manter o actual estado de coisas ou, pior ainda, deconsolidar a busca do predomínio do bem individual oude grupo em detrimento do bem comum» (19).

IV. AVALIAÇÃO GERAL

Realizado um breve olhar histórico sobre o ensinamentoda Igreja Católica em Moçambique no que diz respeito aReconciliação, a Justiça e a Paz, posso dizer que, comodiz mesmo o Concílio Vaticano II na ConstituiçãoPastoral sobre a Igreja no Mundo Actual (Gaudium etSpes) «… A Igreja que, em razão da sua missão ecompetência, de modo algum se confunde com asociedade nem está ligada a qualquer sistema políticodeterminado, é ao mesmo tempo o sinal e salvaguardada pessoa humana» (20).

Os Bispos Católicos de Moçambique, movidos pelomúnus de pastores e guias do povo de Deus, conscientesda missão profética ao serviço da pessoa humana, eprocurando dar resposta às diversas situações ao longodestes últimos trinta anos da nação moçambicana,contribuíram significativamente com as suas cartaspastorais, exortações e outros documentos ao serviço daReconciliação, da Justiça e da Paz.

_____________________________________________19) Cf. Exigência de Eleições Livres Justas e

Transparentes, Carta Pastoral, 2008 nº 8(20)Cf. Vaticano II o.c. G.S. nº 76

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As Cartas Pastorais, Exortações Pastorais e outrosdocumentos, que aqui apresentei, e ainda outros nãoapresentados, as contribuições individuais de cada bispo(pensemos por exemplo, o trabalho árduo do Sr.Arcebispo Dom Jaime nas conversações de paz emRoma) são indicações claras do comprometimento dosnossos pastores na causa da promoção da dignidade dapessoa humana e da evangelização.

Com todas as limitações que qualquer pessoa pode ter,eles procuraram e procuram cumprir o programa de vidade Jesus Cristo, aquele programa que Ele nos apresentano Evangelho de S. Lucas, ao dizer «o Espírito doSenhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciara Boa Nova aos pobres; enviou-me a proclamar alibertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação davista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamarum ano favorável da parte do Senhor» (Lc. 4, 18-19 ).

Enquanto pessoas humanas que vivemos sobre a face daterra, neste país que se chama Moçambique, em relação aReconciliação, a Justiça e a Paz aos Bispos Católicos, atodos os cristãos e a todos homens e mulheres de boavontade se impõem os seguintes desafios, entre outros O grave problema da pobreza absoluta, que está

muito longe de ser erradicada. Esta torna-se cada vezmais grave, quando a pobreza material se alia àpobreza espiritual e à pobreza de mentalidade.

A criminalidade, que tende a crescer, o que revelaque os valores e princípios morais estão cada vez maisa serem postos em causa, e a inoperância dasinstituições do Estado.

A partidarização do Estado e de outras instituiçõespúblicas por parte do partido no poder, que cada dia

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que passa está-se acentuando. Isto pode constatar-senas múltiplas e graves manifestações de intolerânciapolítica.

O Regionalismo (tribalismo), dentro e fora da igreja,constitui outro grande desafio para a Igreja emMoçambique. Este desafio torna-se pior quando maisse vai vivendo dentro da Igreja (comunidades,paróquias e dioceses), pois que compromete acredibilidade desta mesma Igreja.

A Economia no sentido da má distribuição dosrecursos materiais dentro e fora da Igreja é um desafioà Igreja e a todos nós.

A má governação pode enfurecer os cidadãos e podemesmo levar a uma insurreição generalizada. Bastarecordar os acontecimentos do 5 de Fevereiro de 2008em Maputo).

Fraqueza de profetismo e de testemunho de vidapessoal e de Igreja. Mais uma vez a Igreja é chamadaa intensificar o testemunho profético mais veementepara poder responder às realidades da sociedadeactual. Pois que estes desafios e outros podem pôr emcausa a Reconciliação, a Justiça e a Paz.

V. CONCLUSÃO

«Mãe e Mestra de todos os povos, a Igreja universal foifundada por Jesus Cristo, a fim de que, no seu seio e noseu amor, todos os homens, através dos séculos,encontrem plenitude numa vida mais elevada e seguropenhor de salvação…» (21)._____________________________________________(21)Cf. João XXIII, Mater et Magistra (Carta Encíclica)

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A Igreja mãe e mestra da humanidade, procurou, procurae sempre procurará a iluminar os caminhos dahumanidade para que, através das gerações, possamrelacionarem-se com Deus e entre si a todos os níveis,sobretudo ao nível da reconciliação, da justiça e da paz.

É tarefa prioritária da Igreja reconciliar na justiça, naverdade e no amor todos os irmãos desavindos. Foi estaconsciência do dever e do compromisso da IgrejaCatólica em Moçambique que fez com que, ao longodestes últimos trinta anos e com o seu ensinamento,propusesse o caminho do diálogo para a reconciliação, ajustiça e a paz.

Os Bispos Católicos de Moçambique por meio de CartasPastorais, Exortações Pastorais e outros Documentoscontribuíram significativamente para a reconciliaçãoentre os moçambicanos.

Os Bispos de Moçambique fizeram e fazem muito emfavor da reconciliação, da justiça e da paz. Todavia,serão sempre chamados a ser voz para os sem voz; a sersal da terra e luz do mundo; a ser profetas no meio dopovo moçambicano, para que o povo, principalmente osseus governantes, tenha a consciência da civilização doamor, da justiça social e do bem comum.

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VI. BIBLIOGRAFIA1. CEM, Cartas Pastorais e outros Documentos, 1976 –

2008.

2. SÍNODO DOS BISPOS, II Assembleia Especial paraÁfrica, A Igreja em África ao serviço daReconciliação, da Justiça e da Paz «Vós sois o sal daterra… Vós sois a luz do Mundo» InstrumentumLaboris, Cidade do Vaticano, 2009.

3. JOÃO PAULO II EM MOÇAMBIQUE, Homilias –Discursos – Mensagens, Maputo, 1988

4. JOÃO PAULO II, A Igreja em África, ExortaçãoApostólica pós-sinodal, “Ecclesia in África”, Ed. A.O. – Braga, 1995.

5. PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”,Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Ed.Paulinas, S. Paulo, 2005.

6. CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II,Constituições – Decretos – Declarações DocumentosPontifícios, Ed. A. O. – Braga, 1972.

7. CAMINHOS DA JUSTIÇA E DA PAZ, DoutrinaSocial da Igreja, Documentos de 1891 a 1991, Ed.Rei dos Livros, Lisboa, 1993.